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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
JÚLIA FROZZA
FONTES DOCUMENTAIS E CULTURA MATERIAL: PRESENÇA INDÍGENA NO QUILOMBO DOS PALMARES
Curitiba 2007
JÚLIA FROZZA
FONTES DOCUMENTAIS E CULTURA MATERIAL: PRESENÇA INDÍGENA NO QUILOMBO DOS PALMARES
Monografia de conclusão de curso apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa Renata Senna Garraffoni.
Curitiba 2007
ii
Sumário
Lista de figuras....................................................................................................................... iv
Resumo ................................................................................................................................... v
Introdução .............................................................................................................................. 1
1. Fontes escritas e da cultura material e o estudo do Quilombo dos Palmares............... 3
1.1. A relação entre Arqueologia e História e o estudo da resistência escrava no Brasil........ 3
1.2. Cultura material e documento escrito: uma relação necessária para o entendimento da
presença indígena no Quilombo dos Palmares ........................................................................ 7
1.2.1. O trabalho com as fontes escritas e materiais e o estudo do Quilombo dos
Palmares................................................................................................................................... 9
1.3. Conceitos.......................................................................................................................... 10
2. Experiências da resistência escrava no Brasil e compreensões do Quilombo dos
Palmares..................................................................................................................................15
2.1. Comunidades de escravos fugitivos no Brasil................................................................... 15
2.2. Presença de negros e índios na região, alianças e resistência........................................... 18
2.3. Breve contextualização do quilombo................................................................................ 25
2.4. Historiografia sobre palmares........................................................................................... 27
3. Documentos escritos e a história de Palmares................................................................. 35
3.1. Os documentos escritos..................................................................................................... 35
3.2. Análise dos documentos escritos....................................................................................... 39
3.2.1. Documentos portugueses................................................................................. 39
3.2.2. Documentos holandeses.................................................................................. 43
3.3. A utilização desses documentos pela historiografia e movimentos sociais...................... 47
4. Fontes para o estudo da cultura material em Palmares................................................. 50
4.1. A Serra da Barriga............................................................................................................. 52
4.2. Metodologia de Pesquisa do Projeto Arqueológico em Palmares..................................... 56
4.3. Resultados das escavações de 1992 e 1993....................................................................... 58
4.4. Resultados das escavações de Allen em Palmares............................................................ 62
4.5. A cultura material e a compreensão do Quilombo dos Palmares...................................... 65
Conclusão ............................................................................................................................... 68
iii
Fontes Escritas........................................................................................................................ 72
Fontes da Cultura Material................................................................................................... 73
Referências Bibliográficas................................................................................................... 74
iv
Lista de Figuras
Figura 1 – Região ocupada pela Serra da Barriga................................................................... 53
Figura 2 – Localização do quilombo no estado de Alagoas.................................................... 54
Figura 3 – Localização das vilas do Quilombo dos Palmares................................................. 55
Figura 4 – Localização dos sítios arqueológicos na Serra da Barriga..................................... 58
Figura 5 – Mapa do sítio 1....................................................................................................... 59
Figura 6 – Áreas pesquisadas por Allen em relação aos sítios das escavações anteriores...... 63
v
Resumo
Com a pesquisa arqueológica na região da Serra da Barriga em 1990, no atual estado de Alagoas, nordeste brasileiro, estudiosos puderam compreender aspectos do cotidiano do Quilombo dos Palmares, que até então não podiam ser entendidos apenas com o uso dos documentos escritos. Esses documentos, que são em sua maioria cartas, diários e relatórios produzidos pelos europeus em contato com o quilombo no século XVII, apresentam apenas algumas informações que não trazem condições de um conhecimento profundo sobre a complexidade cultural nesse contexto. A historiografia de Palmares se desenvolveu principalmente durante o último século, baseada nessas fontes, resultando no entendimento do caráter africano dessa comunidade, que se tornou símbolo para a resistência escrava negra no Brasil. O que se percebe ao final do século XX e início do XXI, e agora também com fontes da cultura material, é um endossamento das discussões sobre a agência dos diferentes grupos étnicos, com distintas identidades, ativamente participantes no processo de formação cultural e relações sociais em Palmares. Por meio de um diálogo interdisciplinar entre História e Arqueologia, com o uso de documentos escritos do século XVII e de fontes da cultura material, foi possível uma análise mais cautelosa do cotidiano do quilombo, que possibilita interpretações mais amplas sobre a rede de relações sociais da área do Quilombo de Palmares, no século XVII, enfocando, principalmente, a presença indígena. Palavras-chave: Quilombo dos Palmares, fontes escritas e materiais, multietnicidade e pluralidade
cultural
1
Introdução O presente estudo foi desenvolvido a partir do interesse do trabalho com fontes da cultura
material, junto com documentos escritos, para análise da presença indígena no Quilombo dos
Palmares do século XVII.
Esse interesse desenvolveu-se durante o período da graduação de História, na
Universidade Federal do Paraná. Por cerca de dois anos, desenvolvi atividades relacionadas à
arqueologia indígena no Paraná, no Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da UFPR, com
trabalhos de laboratório e participação em escavações.
Após essas atividades, trabalhos no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da UFPR
me colocaram em contato direto com materiais de diversos grupos indígenas do Brasil. Isso me
chamou a atenção para a possibilidade de análise de tais grupos, num contexto em que sua
participação até então havia sido pouco explorada.
Para tanto, meus conhecimentos de arqueologia, tanto em métodos de escavação e registro
das informações obtidas em campo, quanto do trabalho de laboratório, manipulação dos objetos
coletados, e analise dessas informações, foram aprimorados na Univesity of South Carolina at
Columbia, de agosto a dezembro de 2006, quando participei do convênio Capes/Fipse para estudo
comparado da Diáspora Africana no Brasil e nos Estados Unidos.
Durante esse período, cursei quatro disciplinas da área de Antropologia, African-
American Culture, ministrada por Terrance Weik, Introduction to the African Diaspora, com a
antropóloga Kimberly Simmons, e duas disciplinas do currículo do mestrado em Arqueologia,
Field School of Arqueology, por Jackob Crokett, e Archaeology Fiel Problem, ministrada pelo
arqueólogo Kenneth Kelly.
Em especial, os dois últimos cursos, me possibilitaram um contato direto com a prática
arqueológica. A partir da participação em uma das etapas de escavação de um sítio que marca o
início da ocupação afro-americana em Columbia, capital da Carolina do Sul, pude aprofundar
meus conhecimentos sobre arqueologia, inclusive tendo contato direto com arqueólogos
especializados no estudo da Diáspora Africana. Além disso, a disciplina de arqueologia histórica
proporcionou uma experiência favorável ao aprendizado das nomenclaturas, método de
manufatura, classificação e análise dos diversos artefatos arqueológicos, por meio de estudo
minucioso de objetos de diferentes materiais.
2
Sobretudo, essas experiências práticas, junto com leituras de relatórios de escavações e
teoria arqueológica durante a execução das disciplinas e o contato com diferentes profissionais da
área, possibilitaram a análise do relatório de escavação e trabalhos publicados com informações
arqueológicas sobre as escavações realizadas na região da Serra da Barriga, em Palmares,
juntamente com a utilização de documentos escritos do século XVII.
Discussões iniciais sobre a utilização desses diferentes tipos de fontes e sua importância
para o estudo da resistência escrava no Brasil, bem como do Quilombo dos Palmares, estão
presentes no primeiro capítulo deste trabalho. Também são apresentados os parâmetros
conceituais que permearam esta pesquisa.
No capítulo seguinte, são contemplados aspectos históricos da presença indígena e do
escravo negro na região do nordeste brasileiro, bem como a resistência escrava e alianças entre
escravos e colonizadores no Brasil. Em seguida apresentamos um breve contexto sobre o
Quilombo dos Palmares e as visões da historiografia sobre esse tema ao longo de um século. São
abordadas as mudanças de análise proporcionadas pelo estudo arqueológico da região na década
de 1990.
No terceiro capítulo são apresentados e analisados os documentos escritos, à luz de seus
contextos de produção. É feita uma discussão da utilização desses documentos pela historiografia
sobre o Quilombo dos Palmares, e a apropriação de sua história como símbolo para movimentos
sociais.
No capítulo seguinte encaminhamos a discussão das informações presentes nos relatórios
e trabalhos publicados sobre a arqueologia no Quilombo dos Palmares. A partir desses dados é
feita uma análise das contribuições desses estudos para a compreensão da presença indígena
nesse contexto.
Esta pesquisa traz uma contribuição para o estudo da presença indígena no Quilombo dos
Palmares, sendo para tanto imprescindível o diálogo interdisciplinar entre História e Arqueologia.
A presença do índio nesse espaço permaneceu silenciado na historiografia durante décadas.
Contudo, com a possibilidade apresentada pelas informações arqueológicas, em diálogo com as
fontes escritas, apresentamos um aprofundamento dessas discussões, uma contribuição para o
entendimento de outros aspectos das relações entre diferentes grupos étnicos na região.
3
1. Fontes escritas e da cultura material e o estudo do Quilombo dos Palmares
1.1. A relação entre Arqueologia e História e o estudo da resistência escrava no Brasil
Para o estudo pretendido, sobre o papel do indígena tanto fora como dentro do Quilombo
dos Palmares, no século XVII, através do uso de fontes escritas e relatos de pesquisas
arqueológicas, é importante compreender a relação entre documento escrito e fonte material na
história.
Como observa Funari1, o uso das fontes materiais e arqueológicas foi considerado por
muito tempo, quando a preocupação dos historiadores era predominantemente o documento
escrito, complementar a este tipo de fonte. No início do século XIX, os historiadores começaram
a se preocupar com a coleta e preservação dos documentos de arquivos, inclusive com a criação
de instituições arquivísticas públicas.
Isso também teve reflexo na preocupação com a coleta e publicação de artefatos e outros
aspectos da cultura material, desde monumentos antigos e modernos, que passavam então da
categoria do estético e pessoal, para o científico e coletivo, e tornavam-se, então, mais
conhecidos. As pesquisas arqueológicas passaram a ter um outro papel na pesquisa do passado, e
a cultura material torna-se uma fonte histórica. Segundo a explicação de Funari:
“A noção mesma de fonte é originária do cientificismo que prevalecia no século XIX, preocupada que estava a História com a descoberta dos fatos verdadeiros. Fonte é uma metáfora, pois o sentido primeiro da palavra designa uma bica d’água, significado esse que é o mesmo nas línguas que originaram esse conceito, no francês, source, e no alemão, Quell. Todos se inspiraram no uso figurado do termo fons (fonte) em latim, da expressão “fonte de alguma coisa”, no sentido de origem, mas com um significado novo. Assim como das fontes d’água, das documentais jorrariam informações a serem usadas pelo historiador. Tudo que antes era coletado como objeto de colecionador, de estátuas a pequenos objetos de uso quotidiano, passaram a ser considerados não mais algo para o simples deleite, mas uma fonte de informação, capaz de trazer novos dados, indisponíveis nos documentos escritos”2.
A partir dessa análise, podemos observar as mudanças ocorridas na época, quanto ao
entendimento da fonte histórica, e quanto à necessidade do cientificismo nas pesquisas
acadêmicas. Também se deve atentar para a relação entre documento escrito e cultura material, e
1 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. In.: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo, Editora Contexto: 2005, p. 84. 2 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. Op. Cit., p. 85.
4
entre História e Arqueologia, que começa a ser estabelecida e praticada nas pesquisas da área.
Esse diálogo entre os diferentes tipos de fontes será importante para reflexões sobre o tema
proposto neste trabalho.
Seguindo a tendência apontada acima, nessa época, artefatos, edifícios antigos, esculturas,
monumentos, agora eram reproduzidos, não mais apenas em produções artísticas, mas segundo
critérios técnicos e científicos, sob medição e escala e com o intuito de documentação de tais
objetos. Assim, os primeiros documentos arqueológicos, antes de serem iniciadas as escavações
científicas, foram as “antiguidades”, logo transformadas em fonte científica de informação. Nesse
contexto, Funari3 destaca que os museus desempenharam um importante papel de preservação e
divulgação desses materiais, já que os objetos eram registrados e publicados segundo critérios
acadêmicos.
Acompanhando esse processo, Funari4 ainda observa que as escavações científicas
surgidas no século XIX utilizavam registros detalhados dos objetos encontrados, com mapas e
desenhos das estruturas presentes no campo de pesquisa e dos artefatos, bem como critérios
científicos para o descarte de material, já que não se pode conservar tudo o que se escava.
No início do século XIX, apesar das mudanças com relação ao entendimento das fontes
históricas, estas ainda eram restritas, principalmente, aos documentos de arquivos e às obras
copiadas pela tradição textual. Mas uma imensa quantidade de material arqueológico começou a
ser conhecido no século XIX, e as inscrições, escritas em pedra, cerâmica, tijolos, telhas,
sarcófagos e estelas funerárias, passaram a constituir a primeira categoria substancial de fontes
arqueológicas, e que influenciaram a escrita da História, ainda no mesmo século.
É a partir do século XX, segundo Funari5, que as pesquisas arqueológicas têm uma
ampliação significativa, tanto pelos avanços tecnológicos como pelo interesse crescente por tal
campo de estudo. As mudanças no foco das pesquisas dos historiadores, também possibilitaram o
aumento das pesquisas arqueológicas e interesse por tais fontes. É importante perceber como se
desenvolve o contexto de relação entre essas disciplinas, que possibilitará o estudo de temas que
seriam dificultados apenas tendo em mãos documentos escritos.
3 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. Op. Cit., p. 86. 4 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. Op. Cit., p. 87. 5 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. Op. Cit., p. 89.
5
A ampliação do interesse dos historiadores por outros tipos de fontes e outras abordagens
e temas, como as trivialidades e o quotidiano das pessoas comuns, como argumenta Funari6,
possibilitou uma maior aproximação da História com a Arqueologia, já que esta fornecia grande
quantidade de informações sobre essas questões do passado. O autor afirma que, com isso, “as
fontes arqueológicas passaram a ser parte integrante e essencial da pesquisa histórica”,
possibilitando, portanto, um melhor entendimento de questões da vida cotidiana da área estudada,
como observaremos no que diz respeito ao nosso estudo acerca do Quilombo dos Palmares.
Neste caso, é a partir da década de 1990 que surgem novas interpretações, considerando
os resultados das pesquisas arqueológicas no local. Desta maneira, as recentes narrativas
históricas e arqueológicas incluem a análise da cultura material do quilombo e possibilitam a
compreensão da vida cotidiana das pessoas que não necessariamente dominaram a escrita, como
é o caso de estudos publicados por Pedro Paulo Abreu Funari, Michael Rowlands, Charles Orser
e Scott Joseph Allen. Estes autores analisam as interações sociais no contexto palmarino, com
pesquisas sobre as múltiplas identidades no espaço quilombola.
Desta maneira, segundo Garraffoni, o estudo da cultura material, juntamente com a
análise de fontes escritas, contribui para o entendimento de diversos aspectos da vida cotidiana do
passado, além de possibilitar o estudo de sujeitos não contemplados em documentos escritos7.
Neste sentido, o estudo pretendido sobre a presença indígena no Quilombo dos Palmares do
século XVII será conduzido com a análise de diferentes categorias de fontes, tanto escritas quanto
materiais. Será imprescindível para analisar tais fontes, os relatórios de pesquisas arqueológicas e
os trechos selecionados dos documentos escritos sobre as relações entre os diferentes grupos, à
luz de seu contexto de produção.
A produção, tanto dos documentos escritos, quanto das fontes materiais, escavadas há
poucos anos, estão ligadas a necessidades e interesses dos grupos envolvidos nestas ações.
Dominick LaCapra, referindo-se a análise de documentos textuais, em que se faz uso da
linguagem escrita, propõe a análise do texto interligado ao contexto8. Por esse motivo deve-se
reconhecer que os documentos históricos não são uma transparência de dados informativos sobre
6 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. Op. Cit., p. 90. 7 GARRAFFONI, Renata Senna. “Cultura Material e Fontes Escritas: uma breve discussão sobre a utilização de diferentes categorias documentais em um estudo sobre as práticas cotidianas dos romanos de origem pobre”. In.: LPH – Revista de História. Ano 11, n° 11, 2001. Pp 38. 8 Discussão presente na obra: CARVALHO, Aline Vieira de. Palmares como espaço de sonhos : análise do discurso arqueológico sobre a Serra da Barriga. Campinas, SP : [s.n.], 2005.
6
uma realidade concreta, mas sim textos a serem lidos em relação ao contexto – o que faz da
História um discurso e, não, um relato de uma verdade histórica. Desta maneira também, o
trabalho do historiador, segundo LaCapra, é o de construir diálogos entre textos e contextos, entre
o historiador e objeto.
A execução da pesquisa também será pautada numa relação interdisciplinar entre as
abordagens antropológicas sobre as relações entre diferentes grupos étnicos e a História Cultural.
É necessário compreender a relação entre os diferentes grupos que compunham a sociedade
correspondente à região dos Palmares a partir da análise dos dados obtidos das fontes escritas e
dos relatórios de pesquisas arqueológicas, relacionando-os a esse contexto.
Desta forma, o estudo do papel do indígena tanto na composição étnica do Quilombo dos
Palmares como nas relações com os grupos responsáveis por sua destruição, será realizado a
partir da análise de fontes escritas e os relatórios de escavações na região do Quilombo, numa
relação interdisciplinar entre História e Arqueologia, para contrapor os diferentes dados, a fim de
entender a relação entre os grupos étnicos envolvidos naquele contexto.
Com isso, já que os documentos escritos (cartas do século XVII) estão ligados, na maioria
das vezes, às preocupações da elite, seja portuguesa, ou holandesa, não existindo documentos
elaborados pela população dos Palmares, a análise da cultura material contribui para um melhor
entendimento de vários aspectos relacionados ao cotidiano desses grupos que viveram no
quilombo, durante o século XVII.
No que diz respeito à utilização de fontes materiais, Siân Jones, em seu artigo “Historical
categories and the praxis of identity: the interpretation of ethnicity in historical archaeology”,
entende a cultura material, em comparação com a fonte escrita, como um discurso e, portanto
expressa diversas subjetividades. Levando-se em consideração tal afirmação, é possível
compreender, a partir do diálogo entre esses diferentes tipos de fontes, por exemplo, as relações
entre grupos étnicos, sua organização, construção de identidade.
Esse diálogo também proporciona o estudo de sujeitos invisíveis nos documentos escritos
ou, como aponta Funari, “o estudo das camadas subalternas”9 . É importante observar então,
como aponta Renata Senna Garraffoni, que “os vestígios materiais para além de classificar
culturas ou justificar a dominação de um povo sobre o outro, expressam múltiplos aspectos da
9 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. Op. Cit., p. 93.
7
sociedade estudada e as complexas teias de relações estabelecidas entre os homens e os homens
e a natureza”10.
Para esse estudo, cujo objeto será a sociedade das Capitanias de Pernambuco no século
XVII, local em que o Quilombo dos Palmares se situava na Serra da Barriga11, existem elementos
suficientes para se discutir o papel dos indígenas nas relações étnicas nos Palmares, sem esquecer
da presença dos negros, como aponta a historiografia sobre o tema, mas enfatizando a existência
de uma rede de relações sociais mais amplas e plurais.
1.2. Cultura material e documento escrito: uma relação necessária para o entendimento da
presença indígena no Quilombo dos Palmares
A partir da execução de escavações arqueológicas na região do Quilombo dos Palmares,
novas interpretações, que puderam explorar o cotidiano dos moradores do quilombo, tiveram
como fontes necessárias os resultados de pesquisas arqueológicas realizadas na área.
A escavação do Quilombo dos Palmares, com o projeto iniciado em 1990, como afirma
Charles Orser12, está inserida no contexto de crescimento das pesquisas arqueológicas a partir da
década de 1960 no Brasil. Houve o aumento da utilização da arqueologia histórica como
instrumento de investigação do passado de grupos cujo cotidiano não podia ser eficazmente
explorado apenas com outros recursos, principalmente por meio dos documentos escritos. O autor
também aponta para a constante utilização na investigação histórica, até então, de documentos
escritos, cartas, diários de viagens e de exploração dos territórios conquistados pelos
colonizadores, e outros documentos escritos pela elite. Desta maneira os pesquisadores acabaram
desenvolvendo, no caso de estudos sobre a escravidão no período colonial, principalmente
estudos sobre a dinâmica cultural e social entre escravos e senhores e, conseqüentemente, sobre a
resistência escrava, baseados, principalmente, pela visão externa e produzida pelos colonizadores.
10 GARRAFFONI, Renata Senna. “Cultura Material e Fontes Escritas: uma breve discussão sobre a utilização de diferentes categorias documentais em um estudo sobre as práticas cotidianas dos romanos de origem pobre”. Op. Cit., p. 40. 11 O século XVII é o período em que foram produzidos os documentos escritos referentes a guerras efetuadas contra os habitantes de Palmares, por holandeses e portugueses. 12ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Illinois State University Press, Normal, IL: 1992
8
Entretanto até as últimas décadas do século XX, a maioria das pesquisas arqueológicas
em locais associados à escravidão foi realizada em fazendas coloniais, sendo uma minoria
destinada à investigação de comunidades de escravos fugitivos. Este assunto ganha adeptos
atualmente, já que a resistência escrava passa a ser entendida como parte integrante da
experiência africana no Novo Mundo.
Segundo Orser e Funari13 comunidades de escravos fugitivos se tornaram importantes
para a investigação arqueológica, com informações a respeito das expressões materiais de
manutenção de aspectos culturais, e da criação de comunidades por homens que eram forçados a
tal situação, tendo que se adaptar a locais pouco conhecidos e conviver com indivíduos que não
tinham relação por linhagem, tradição ou língua. Portanto, nas últimas duas décadas do século
XX, arqueólogos reconheceram o potencial arqueológico de acampamentos fugitivos para o
estudo da escravidão, e se dedicaram à sua escavação.
Pode-se compreender então, tendo como exemplo a pesquisa arqueológica do quilombo
dos Palmares, a arqueologia da resistência e rebelião escrava se tornou uma questão chave e
instrumento de investigação para se compreender a escravidão no Brasil. Avanços nas pesquisas
arqueológicas, durante as últimas décadas, proporcionaram um entendimento mais amplo desses
meios de resistência, que apenas pelo meio documental escrito, ficaria bastante restrito.
Assim, como afirma Charles Orser14, até a década de 1960, os arqueólogos voltavam-se
quase que de forma exclusiva para os ricos e famosos, o que contribuía para a manutenção e
reforço das ideologias conservadoras. Gradualmente, os arqueólogos começam a seguir seus
colegas das ciências humanas e sociais, em seu estudo dos grupos subordinados. No mesmo
sentido, Funari15 sustenta a idéia de que o estudo das evidências materiais dos grupos subalternos
permitiu um acesso mais amplo aos grupos sociais pouco representados no registro escrito.
Percebemos a importância das pesquisas arqueológicas em Palmares, para compreender
outros aspectos de sua história, como a presença e o papel dos indígenas para o desenvolvimento
dessa comunidade de escravos fugitivos. Desta maneira, concordamos com Allen, quando este
aponta que a arqueologia histórica é uma importante ferramenta para se compreender aspectos
13 ORSER, Charles E. and Funari, Pedro Paulo A. “Archaeology and slave resistance and rebellion”. World Archaeology – The Archaeology of Slavery, 2001. Vol 33(1): p 64. 14 ORSER, Jr, Charles E. “The Archaeology of the African Diáspora”. Annual Review of Anthropology, 1998, Vol 27. p. 65. 15 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Revista de História Regional, 6,1, 2001. P 12.
9
ocultos e subalternos da história, concentrando sua atenção para os mal ou não representados na
história16.
1.2.1. O trabalho com as fontes escritas e materiais e o estudo do Quilombo dos Palmares
Estudar a presença indígena em Palmares justifica-se na medida em que esta monografia
pretende contribuir para ampliar a discussão apresentada pela historiografia sobre o tema, uma
vez que essa privilegia o escravo negro como principal ator social neste contexto, deixando de
lado percepções sobre outros grupos étnicos nele envolvidos.
O trabalho de investigação sobre a presença indígena no quilombo dos Palmares será
facilitado pela utilização tanto das fontes escritas como das materiais, produto das escavações
arqueológicas na região. A pesquisa aqui proposta será baseada, portanto, em discussões
interdisciplinares, ou seja, entre Arqueologia e História, buscando sempre realçar a
multiplicidade étnica no local.
A questão étnica no quilombo tem chamado a atenção dos estudiosos nas últimas décadas.
Pedro Paulo Abreu Funari, através da Arqueologia da Etnicidade, por exemplo, aponta o
Quilombo dos Palmares como um exemplo de possibilidade de convivência entre elementos
sociais diferenciados. Essa confluência de identidades no mesmo local produzia uma ampla rede
de relações sociais e novas experiências, acarretando na formação de novas identidades, em
constante alteração.
A partir de estudos atrelados a essa perspectiva, propomos a discussão sobre o papel do
indígena nessas relações étnicas, analisando elementos correspondentes a esta temática, presentes
tanto nos documentos escritos como nos relatórios arqueológicos produzidos a partir das
escavações desenvolvidas por Orser, Funari e Rowlands e Allen.
16 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Doctor of Philosophy, Departament of Antropology, Brown University, Providence, Rhode Island, Maio de 2001. P. 13.
10
1.3. Conceitos
Nessa discussão sobre as relações étnicas na região dos Palmares cabe uma breve
contextualização sobre a utilização de alguns conceitos. A partir do século XIX, estudos sobre a
diversidade humana, física e cultural passaram a ser preocupação de pesquisadores das ciências
humanas, sobretudo dos antropólogos. Nessa época, a classificação dessas diferenças pautava-se
principalmente no conceito de “raça”, em que os grupos humanos eram diferenciados a partir do
aspecto físico. Existiam, contudo, segundo Siân Jones, diferentes abordagens do mesmo conceito.
Aquela que se baseava em pesquisas de anatomia comparada, freqüente na antropologia física e
outra abordagem, baseada em estudos lingüísticos, afiliada a uma tradição etnológica17.
Esse conceito de raça, pelas divergências em seu entendimento e utilização, na explicação
de fenômenos nacionais, culturais e lingüísticos, parece ser substituído, em fins do século XIX e
início do XX pelas categorias analíticas de “cultura” e “sociedade”, que têm ênfase no contato e
difusão cultural, em detrimento da categorização pelo aspecto físico18.
No entanto, além do conceito de “raça”, os conceitos de “cultura” e “sociedade”, como
Schiavetto aponta, constituem uma vertente de classificação e análise dos agrupamentos
humanos, não deixando de lado a idéia de que para ser compreendido, o homem deve ser dividido
em “culturas e sociedades distintas, homogêneas e imutáveis”19.
É justamente neste ponto que pretendemos diferenciar a análise do Quilombo dos
Palmares, propondo um entendimento mais amplo da sociedade e das identidades étnicas, que
não são tidas como homogêneas e imutáveis, mas plurais e dotadas de especificidades e passíveis
de mudanças constantes.
A respeito dessa discussão sobre grupos étnicos, Siân Jones afirma que, atualmente,
estudos antropológicos apontam para a existência de sociedades bem mais heterogêneas e
desordenadas e, segundo Schiavetto, essas questões começam a aparecer em meados do século
17 JONES, Siân. The Archaeology of Ethnicity. Constructing identities in the past and present. Londres, Routledge, 1997. P. 41. 18 SCHIAVETTO, S. N.O. A Arqueologia Guarani: construção e desconstrução da identidade indígena. São Paulo: Annablume, 2003. v. 1000, p 68. 19 SCHIAVETTO, S. N.O. A Arqueologia Guarani: construção e desconstrução da identidade indígena. Op. Cit., p. 69. Para mais detalhes ver JONES, Siân. The Archaeology of Ethnicity. Constructing identities in the past and present. Op. Cit., p. 48.
11
XX, sendo que “as críticas a conceitos até então utilizados (tribo, cultura, sociedade) deram
margem ao aparecimento da etnicidade como uma nova e plausível categoria analítica”20.
Desta maneira, fica evidente que estudos sobre fenômenos étnicos tomaram consistência
no mundo acadêmico a partir da década de 1960, época em que se pode notar o aumento da
publicação de artigos a esse respeito e que é acompanhado pela criação de revistas especializadas
no assunto. Neste contexto, questionamentos às bases epistemológicas de produção da narrativa
histórica trouxeram novas idéias e preocupações para a produção historiográfica, que agora
passava a se dedicar ao estudo de novos objetos, com o uso de diferentes tipos de fontes, que não
apenas os documentos escritos.
Neste sentido, segundo Schiavetto, o interesse pelas questões étnicas nesse momento é
decorrente da percepção de que “a globalização não se encaixava em uma realidade que se
mostrava cada vez mais pluriétnica”21. Deste modo, a utilização dos termos “grupo étnico” ou
“etnicidade” passou a ser freqüente, em detrimento do uso de conceitos de “raça”, “tribo”,
“sociedade” e “cultura”, já que estes pareciam inconsistentes e incoerentes para o contexto da
época.
É importante compreendermos esses conceitos, apesar de existirem várias possibilidades
de definição, por estarem presentes em um debate constante na antropologia e outras ciências
humanas.
Para Siân Jones:
“Identidade étnica é aquele aspecto de uma autoconceitualização pessoal que resulta de identificação com um amplo grupo em oposição a outros, com base na diferenciação cultural percebida e/ou descendência comum. Grupo Étnico é qualquer grupo de pessoas que se coloca à parte e/ou é colocado à parte por outros com os quais interage ou co-existe, com base em suas percepções de diferenciação cultural e/ou descendência comum. Etnicidade são todos aqueles fenômenos sociais e psicológicos associados a uma identidade de grupo culturalmente construída como definida acima. O conceito de etnicidade enfoca na maneira pela qual os processos sociais e culturais cruzam-se uns com os outros na identificação e interação entre grupos étnicos” 22.
20 SCHIAVETTO, S. N.O. A Arqueologia Guarani: construção e desconstrução da identidade indígena. Op. Cit., p. 69. 21 SCHIAVETTO, S. N.O. A Arqueologia Guarani: construção e desconstrução da identidade indígena. Op. Cit., p. 69. 22 Texto extraído de SCHIAVETTO, S. N.O. A Arqueologia Guarani: construção e desconstrução da identidade indígena. Op. Cit., p. 70. Do original JONES, Siân. The Archaeology of Ethnicity. Constructing identities in the past and present. Op. Cit., p. 62.
12
A partir dessa discussão percebe-se como a etnicidade é uma categoria, que, a partir da
década de 1960, começou a ser empregada para melhor compreender os grupos étnicos, tidos
então como entidades sócio-culturais não homogêneas, e em constante mudança.
Tal discussão também é proposta por Leone, LaRoche e Babiarz23. Os autores
argumentam que o estudo da etnicidade como preocupação recente e caracterizam-na, baseados
em Lovejoy e Trotman24, como um sistema utilizado para categorizar grupos sociais que
compartilham certos valores culturais, num campo comum de comunicação e interação, e que se
identificam e são identificados pelos outros como um grupo reconhecível. Tal terminologia é
contrária ao termo “raça”, pois pretende compreender a perspectiva do grupo em questão e não
apenas as categorias criadas a partir de uma análise externa, do pesquisador, com base nos traços
físicos de cada grupo.
Neste sentido, para o estudo do Quilombo dos Palmares, pretendemos não categorizar os
grupos sociais envolvidos neste contexto como entidades homogêneas e delimitadas. Segundo
Funari25, este conceito de homogeneidade está ligado aos movimentos nacionalistas e capitalistas,
nas quais as culturas, assim como as nações, eram tidas como entidades homogêneas, com
características e tradições comuns a todos que a integravam.
Nesse contexto, tem-se empregado um conceito semelhante à cultura arqueológica,
interpretada como produto de grupos étnicos do passado, que produziam complexos materiais
fechados e homogêneos. Isso acontece, segundo Funari, pois se afirma que “as pessoas dentro de
tais grupos compartilhavam um conjunto de normas prescritivas de comportamento que eram
aprendidas em tenra idade e, portanto, produziam uma cultura comum”26. Contudo, nesta
abordagem normativa na interpretação da vida social, a homogeneidade não possibilita a
compreensão das contradições e conflitos sociais inerentes a esses meios. Portanto, não se
pretende analisar Palmares por essa perspectiva que condiciona uma natureza monolítica,
imutável e limitada à cultura, fator questionado em estudos nas últimas décadas.
23 LEONE, Mark P., LAROCHE, Cheryl Janifer, BABIARZ, Jennifer J. “The Archaeology of Black Americans in Recent Times”. Annual Review of Anthropology, 2005, 34. P. 581. 24 LOVEJOY, P. E. and TROTMAN, D. V. Introduction: ethnicity and the African diaspora. In.: LOVEJOY, P. E. and TROTMAN, D. V. Trans-Atlantic Dimensions of Ethnicity in the African Diaspora. London: Continuum, 2003. P. 2. 25 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 14. 26 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 14.
13
Atualmente, observa-se uma crítica a este ponto de vista tradicional do pensamento social
e passa-se a considerar a sociedade como heterogênea, com construções conflitantes sobre a
identidade cultural. Como aponta Funari27, “heterogeneidade, fluidez e mudanças contínuas
implicam a existência de múltiplas entidades sociais, sempre em mutação na sociedade”28.
Nesta direção, a cultura material em Palmares também não deve ser tida necessariamente
como indicador direto de um grupo étnico específico. Fazer tal análise implicaria compreender
que os habitantes do quilombo compartilhariam “um conjunto de normas prescritivas de
comportamento que eram aprendidas em tenra idade”29, como mostrado anteriormente, filiando-
se a uma cultura comum30.
Assim, como aponta Schiavetto em seu estudo sobre a arqueologia guarani31 , os
arqueólogos assumem cada vez mais a impossibilidade de definir “traços étnicos” a partir da
cultura material, sendo esta apenas uma das maneiras possíveis de se constatar filiação étnica.
Neste sentido, pretende-se compreender o quilombo como um espaço não delimitado, em
que conviviam diversos grupos étnicos, de diversas identidades que eram forjadas pelo uso
seletivo de aspectos particulares da cultura material, caracterizando uma sociedade não
homogênea e em constante mudança. O Quilombo dos Palmares teve influência de diferentes
tradições de africanos, indígenas, judeus, mouros, europeus32.
Ainda sobre a questão da relação entre arqueologia e história para se estipular filiações
étnicas em certos contextos, tanto Schiavetto33 quanto Siân Jones34 apontam para a necessidade
de se analisar criticamente, tanto as fontes materiais quanto as escritas, para que se compreenda
27 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 15. 28 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 15. 29 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 14. 30 Ver também ORSER, Jr, Charles E. “The Archaeology of the African Diáspora”. Op. Cit., p. 63-82. 31 SCHIAVETTO, S. N.O. A Arqueologia Guarani: construção e desconstrução da identidade indígena. Op. Cit., p. 103. 32 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 19. 33 SCHIAVETTO, S. N.O. A Arqueologia Guarani: construção e desconstrução da identidade indígena. Op. Cit., p. 101. 34 JONES, Siân. Historical categories and the praxis of identity: the interpretation of ethnicity in historical archaeology. . In.: Historical Archaeology: Back from the Edge. Pedro Paulo A. Funari, Martin Hall and Siân Jones, editors. Routledge, London, 1999. P. 223.
14
melhor a relação entre grupos étnicos. No caso do Quilombo dos Palmares, deve-se atentar para o
contexto de produção dos documentos escritos e também da produção da pesquisa arqueológica.
Segundo Siân Jones35 “assim como nas fontes escritas, o significado da cultura material
não é nem fixo nem universal. A interpretação [no passado e no presente] depende do contexto
social e situação, não apenas do autor [ou produtor], mas também do leitor e do ouvinte”36.
Tendo em vista que os documentos escritos sobre Palmares foram produzidos pela elite
portuguesa e holandesa do século XVII, de acordo com um certo interesse, não se pode apreender
diretamente dessas fontes os únicos dados necessários para a compreensão, por exemplo, das
relações sociais envolvidas neste contexto. Nem se pode analisar a cultura material de Palmares
de maneira a atribuir um caráter cultural e de identidade homogênea aos seus habitantes, uma vez
que é perceptível a diversidade étnica nesse espaço.
Portanto, no que diz respeito ao contexto das relações sociais em Palmares, é importante
entender as categorias étnicas como aproximações. Pretende-se, pois, perceber os diversos
grupos, que se relacionaram neste contexto como grupos étnicos sem fronteira cultural
delimitada, mas dinâmicos e diversos. Desta maneira, constitui-se uma multi-etnicidade, ou
pluralidade cultural, em Palmares, sem que seja necessário homogeneizá-lo. Para tanto
passaremos à compreensão do contexto da resistência escrava no Brasil.
35 JONES, Siân. Historical categories and the praxis of identity: the interpretation of ethnicity in historical archaeology. Op. Cit., p. 223. 36 Tradução livre do original: “as in literary sources, meaning in material culture is neither fixed nor universal. Interpretation [in the past and the present] relies on social context and situation, not only of the author [or producer], but also of the reader and the listener”.
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2. Experiências da resistência escrava no Brasil e compreensões do Quilombo dos Palmares
2.1. Comunidades de escravos fugitivos no Brasil
Durante o período de escravidão nas Américas, apesar de contextos particulares, a fuga de
escravos constituiu um importante processo na história de várias localidades e são evidências da
resistência ao regime colonial. Vários autores, na historiografia, diferenciam e classificam a fuga
ou resistência escrava. Há o que se convencionou “petit marronage”, aplicado para a resistência
escrava cotidiana, ou seja, a fugas e fugitivos temporários, que apesar de envolverem-se em fugas
freqüentes, retornavam à condição de cativos. E emprega-se o termo “grand marronage”, para os
movimentos de fuga mais duradouros e estáveis, em que se podem incluir alguns “quilombos”.
Principalmente entre os séculos XVI e XVIII, constituíram-se inúmeras e importantes
comunidades de escravos fugitivos nas Américas37, como é o caso do Quilombo dos Palmares,
que perdurou durante o século XVII no nordeste brasileiro.
A primeira notícia de um mocambo38 no Brasil é de 1575, constatando a movimentação
de escravos fugitivos na Bahia, preocupando autoridades e fazendeiros. Desde essa época as
câmaras locais determinavam as ações de combate e perseguição aos mocambos. A fuga de
37 De acordo com Flávio Gomes (GOMES, Flávio. Palmares: Escravidão e Liberdade no Atlântico Sul. São Paulo: Contexto, 2005), constataram-se evidências de comunidades de escravos fugidos já em 1549 na costa da Venezuela e no México. No início do século XVI uma comunidade foi formada por escravos angolanos sobreviventes de um naufrágio próximo à Ilha de São Tomé. E em 1597, um jesuíta já comparava tal acontecimento com os mocambos que percebia surgir em Pernambuco. John Thornton (THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004) aponta o surgimento de comunidades de fugitivos originados a partir de sobreviventes de naufrágios também no Panamá em 1513, no Peru em 1533, em Granada em 1600 e na Jamaica em 1689. Outras comunidades de escravos fugitivos surgiram nas Américas, como em Cuba, Jamaica, Colômbia, Peru, São Domingos, Guianas e Brasil. 38 Mais comumente chamados de “mocambos” ou “quilombos”, os acampamentos de escravos fugitivos, importantes formas de resistência ao escravismo nas Américas, também tinham outras denominações. Vale à pena aqui citar um trecho de Funari, que, com referências de outros autores, explica os diferentes usos de termos equivalentes. “Considerando-se que a língua franca do período era o latim, é natural que os acampamentos de fugitivos fossem chamados, nos documentos da época, res publicae (Estados), termos logo traduzidos para as línguas modernas como repúblicas, republics, republiques. Por esse motivo, ainda hoje se utiliza a expressão “República de Palmares”, cujo sentido nada tem a ver, portanto, com a idéia de “regime republicano”, por oposição à monarquia, e Palmares nunca foi uma república nesse sentido. Outras designações, como quilombos, maroons, palenques, mocambos foram introduzidas um pouco depois, normalmente de forma depreciativa. Nos documentos em português referentes a Palmares o quilombo foi chamado de mocambo, do ambundu mukambo, “esconderijo”. FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A Arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história e cultura afro-americana. In.: REIS, João José e GOMES, Flávio dos Santos (org.). Liberdade por um fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, p. 28.
16
escravos já havia se tornado um dos principais problemas da colonização, e os escravos fugidos
eram tidos como inimigos da colônia.
No século XVII, os mocambos eram numerosos nas Capitanias de Sergipe e da Bahia, que
na década de 1660 foram fortemente reprimidos em incursões comandadas por Fernão Carrilho,
importante combatente contra os Palmares anos depois. Como aponta Flávio Gomes, o
historiador Stuart Schwartz constatou a existência de dezenas de mocambos, surgidos em várias
localidades da capitania da Bahia, entre 1614 e 1809. Também há indícios de mocambos nas
capitanias da Paraíba e Maranhão39.
Nas regiões dos atuais estados do Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, os mocambos
parecem estar presentes apenas no século XVIII. Em Minas Gerais, estas comunidades crescem
com o desenvolvimento da economia mineradora. No Rio Grande do Sul, inclusive em áreas de
fronteira com o Uruguai, no século XVII são encontrados alguns quilombos.
Na história do Brasil os quilombos mais populosos e também bastante duradouros
ocorreram nas capitanias de Minas Gerais, Goiás, do Mato Grosso e de Pernambuco e Alagoas,
com a presença do quilombo dos Palmares, objeto deste estudo.
Até a metade do século XVIII, as capitanias tinham maior autonomia de ação contra os
chamados “inimigos” da colônia. Apenas após 1740 é criada uma legislação do Império
Ultramarino Português definindo e regulamentando as ações contra os chamados “quilombos”.
Apesar disso, as legislações locais ainda eram fundamentais para reprimir os fugitivos, que em
sua maioria eram escravos negros.
Existem alguns indícios de mocambos que, além dos escravos negros fugitivos, reuniam
habitantes indígenas. Nas capitanias do Grão Pará e do Rio Negro os mocambos também eram
compostos por índios e desertores militares, o que era motivo de preocupação para a Coroa40.
Na região Norte do Brasil também o número de mocambos foi grande, inclusive no século
XVIII. E em algumas regiões de fronteira observou-se o trânsito de escravos fugitivos e
comunicação com outras áreas vizinhas e inclusive uma maior proximidade com indígenas.
Pouco se tem estudado sobre as relações entre os escravos negros e indígenas nas áreas de
mocambos, como se tem evidência principalmente nas capitanias do Grão Pará, do mato Grosso e
da Bahia, além de outros casos acima citados. Segundo Flávio Gomes41, a região de Goiás,
39 GOMES, Flávio. Op. Cit., p. 16. 40 GOMES, Flávio. Op. Cit., p. 17. 41 GOMES, Flávio. Op. Cit., p. 22.
17
juntamente com a Amazônia, representa a região brasileira mais bem pesquisada sobre o assunto
das relações envolvendo indígenas e quilombolas.
Essa questão da presença indígena no interior e em áreas próximas a mocambos será
discutida com relação ao Quilombo dos Palmares. Até as últimas décadas, a historiografia sobre
este tema pouco se referia à discussão das relações com outros grupos étnicos nesta região, além
de negros e brancos. O estudo do Quilombo dos Palmares, além de ser importante para a história
da escravidão e liberdade no Brasil, como apontado anteriormente pela amplitude e constância
desses movimentos no território brasileiro, apresenta uma possibilidade fundamental de análise
das relações entre diferentes grupos étnicos na constituição, e também na destruição, de uma
comunidade que se convencionou, durante muito tempo na historiografia, de natureza quase que
exclusivamente negra.
Não se tem o intuito de negar o importante papel desempenhado por essa comunidade de
resistência à escravidão, e a participação de líderes e escravos negros em tal acontecimento. O
papel do escravo negro para esse processo de resistência é, sem dúvida, crucial, tanto num
aspecto geral, em que se percebe as conseqüências desse tipo de acontecimento para o
desenvolvimento do sistema colonial, como na própria história dos quilombos no Brasil, em que
esses escravos foram protagonistas em muitos casos, por exemplo, em Palmares.
Além disso, muitos mocambos no Brasil, e em outras partes das Américas, que com o
tempo ganharam dimensões consideráveis e constituíam grupos articulados, como é o caso de
Palmares, provocaram impactos fundamentais nas estruturas de várias sociedades escravistas,
inclusive com a articulação de quilombolas em revoltas escravas contra o regime escravista42. É
compreensível então, que atualmente, muitas pesquisas sobre a resistência escrava no Brasil
tenham se preocupado com o estudo dos acampamentos de escravos fugitivos. Contudo, para tal
análise deve-se compreender o contexto local, para uma análise da participação dos diferentes
grupos sociais e étnicos em tal manifestação. No caso do quilombo dos Palmares, torna-se
indispensável conhecermos um pouco do contexto nordestino do século XVII, e também entender
as relações entre os brancos, negros e índios, na região desde o início da colonização.
42 Um bom exemplo disto no Brasil foi a participação de quilombolas em revoltas populares. Isso ocorreu durante a Cabanagem no Grão-Pará e a Balaiada, no Maranhão, em fins de 1830. Esses movimentos reuniram camponeses, escravos, libertos, fugitivos e quilombolas.
18
2.2. Presença de negros e índios na região, alianças e resistência
Para a compreensão da dinâmica social no nordeste brasileiro colonial, julgamos
necessário uma apresentação mais aprofundada da presença indígena e suas relações com a
escravidão, bem como a presença do escravo africano, e suas implicações no desenvolvimento do
cenário de resistência ao regime escravista da época.
Dantas, Sampaio e Carvalho, para um melhor entendimento da diversidade étnica dos
povos indígenas que ocuparam o Nordeste, apresentam um breve histórico sobre a ocupação
dessas terras, e as relações entre esses povos, e os colonizadores, já que o nordeste brasileiro é
marcado pela presença européia em suas terras desde o início do século XVI. De acordo com os
autores, já na primeira metade deste século, firmaram-se na capitania de Pernambuco e na Bahia
do Todos os Santos, sede do governo geral, dois importantes centros da colônia lusitana. Essas
terras, com o atrativo de possuírem portos e estarem mais próximas ao continente europeu foram
logo ocupadas pelas lavouras de cana de açúcar, que demandavam um grande número de
trabalhadores escravos, a movimentar a economia colonial e sua articulação com o mercado
mundial43.
Mesmo as localidades mais interioranas da região foram exploradas ao longo do século
seguinte. Apesar das dificuldades de acesso pela vegetação e relevo, o rio São Francisco
representou uma importante via de acesso e assentamento para as boiadas que penetravam no
interior do Nordeste brasileiro. Segundo Dantas, Sampaio e Carvalho, de acordo com os planos
de conquista e povoamento adotados pelos portugueses, partindo da costa e avançando pelo
sertão pelo curso dos rios, o conhecimento e alianças com os indígenas da costa eram importantes
para empreender tal projeto44.
As terras do Nordeste, nas quais os portugueses chegaram no início do século XVI, eram
ocupadas por indígenas, que apresentavam uma grande diversidade cultural, de língua e origem.
Por meio dos documentos da época colonial, pode-se perceber a caracterização desses indígenas
pelo colonizador quinhentista. Existia uma clara diferenciação entre os indígenas habitantes da
43 DANTAS, Beatriz G.; SAMPAIO, José Augusto L.; CARVALHO, Maria Rosário G. de. Os povos indígenas no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. In.: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992, p. 430. 44 DANTAS, Beatriz G.; SAMPAIO, José Augusto L.; CARVALHO, Maria Rosário G. de. Os povos indígenas no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. Op. Cit., p. 430.
19
região costeira, os Tupi, tidos como mais amigáveis, e os indígenas dos sertões nordestinos,
chamados de Tapuia, muitas vezes caracterizados como menos dóceis.
Segundo Dantas, Sampaio e Carvalho, os Tupi eram reconhecidos por certa
homogeneidade cultural e lingüística e grande dispersão pelos territórios da costa e mata tropical
(foram alvo de um contato direto e sistemático com os colonizadores). Já os Tapuias (inimigos
contrários) eram reconhecidos por formarem um conjunto extremamente heterogêneo dos povos
habitantes das vastas regiões de caatingas que domina maior parte do interior do Nordeste. Estas
categorias formam “a polaridade básica que orientaria toda a apreensão colonial dos índios no
Brasil”45, evidente no caso do nordeste e presente nos documentos escritos da época.
Contudo, como aponta Perrone-Moisés, apenas alguns Tapuias, que viviam no rio São
Francisco e região próxima ao rio, tornaram-se aliados dos portugueses, muitos dos quais
acabaram sendo “descidos” pelos padres para a costa. Os descimentos foram importantes
estratégias dos colonizadores para o contato com os povos nativos, também com o intuito da
catequização. Esta prática do descimento aconteceu desde o Regimento de Tomé de Souza de
1547 até o Diretório Pombalino de 1757 e constitui-se do “deslocamento de povos inteiros para
novas aldeias próximas aos estabelecimentos portugueses”46.
A relação entre os portugueses e os indígenas era, portanto, bastante complexa. Não
podemos nos deter nas categorias Tupi e Tapuia, como aparece nos documentos escritos da
época, para determinar os aliados e inimigos da coroa, respectivamente. Tanto dentre os Tupi
existiam aqueles contrários à colonização e não se dispunham a alianças com os brancos, como
tinham índios dentre os Tapuias, que em determinados contextos acabaram por auxiliar e se
mostraram mais passíveis ao contato com os colonizadores brancos. Bem como existiam também
conflitos entre os portugueses.
Perrone-Moisés afirma que, durante o período colonial, houve disputas entre os jesuítas,
que defendiam a liberdade dos índios, pois pretendiam a propagação da fé católica e a salvação
45 DANTAS, Beatriz G.; SAMPAIO, José Augusto L.; CARVALHO, Maria Rosário G. de. Os povos indígenas no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. Op. Cit., p. 432. 46 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In.: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992, p. 118.
20
das almas dos nativos, e os moradores, que pelo desenvolvimento da colônia defendiam a
utilização da mão-de-obra indígena47.
Sobre a mão-de-obra indígena, cabe aqui apontar idéias de Funari48, de que o início da
colonização do Brasil pelos portugueses, em 1500, quando procuravam defende-lo das pretensões
francesas, utilizava-se mão-de-obra indígena, sendo em seguida incluído o trabalho escravo
africano. O autor afirma também a possibilidade de os fazendeiros combinarem o trabalho de
escravos africanos e indígenas com algum trabalho assalariado. Curtin aponta que durante o
século XVI e XVII a mão-de-obra indígena representava um terço de todos os escravos que
atuavam na economia brasileira nessa época49.
Mas nem todos os índios tinham um contato pacífico com os portugueses. Muitos deles
apresentavam-se resistentes a alianças com os colonizadores e tinham um comportamento
naturalmente inverso a moral cristã que lhes era imposta e também se negavam a trabalhar.
Nesse caso, a legislação portuguesa, tema discutido por Dantas, Sampaio e Carvalho,
regulava as relações com os indígenas, permitindo a escravidão em alguns casos: indígenas
capturados em “guerras justas”50, índios já escravizados por outras tribos e índios que pudessem
ser devorados por tribos antropófagas51. Neste caso, a escravização indígena pelos portugueses
representava um resgate52. Com a lei de 11/11/1595 a Coroa restringiu a noção de guerra justa e
passou a proteger os índios aldeados e aliados. Também com uma lei, a de 2/7/159653, os índios
aldeados e aliados tinham seu trabalho limitado à prestação de serviço a moradores por dois
meses, com recebimento de salário, e depois retornando a suas povoações. Com a lei de
30/07/1609 são declarados livres os índios batizados e reduzidos à fé católica, ficando sob a
47 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). Op. Cit., p. 115-6. 48 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A Arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história e cultura afro-americana. Op. Cit., p. 29. 49 CURTIN, Philip. The rise and fall of the plantation complex. Essay in Atlantic history, Cambridge, Cambridge University Press, 1990, p. 203. 50 “As causas legítimas de guerra justa seriam a recusa à conversão ou o impedimento da propagação da Fé, a prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses (especialmente a violência contra pregadores, ligados à primeira causa) e a quebra de pactos celebrados”. Definição encontrada em PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). Op. Cit., p. 123. 51 DANTAS, Beatriz G.; SAMPAIO, José Augusto L.; CARVALHO, Maria Rosário G. de. Os povos indígenas no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. Op. Cit., p. 436. 52 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). Op. Cit., p. 124. 53 DANTAS, Beatriz G.; SAMPAIO, José Augusto L.; CARVALHO, Maria Rosário G. de. Os povos indígenas no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. Op. Cit., p. 438.
21
proteção dos padres da Companhia de Jesus. Após a resistência à lei, foram também incluídos
nela os cativos em guerra justa ou resgatados de morte54.
No século XVII, os holandeses invadiram Bahia e Pernambuco e permaneceram por mais
tempo na última capitania (conquistaram a capitania de Pernambuco em 1625 e foram expulsos
em 1654). Os invasores acabaram por fazer alianças com alguns grupos dos índios Tapuias55 que
os auxiliaram em batalhas contra os portugueses e até mesmo numa expedição contra o Quilombo
dos Palmares, como será analisado no próximo capítulo, com observação das fontes documentais
da época. Essas alianças com tais indígenas parecem ter sido fruto da liberdade religiosa e
tolerância que prevaleceram sob o governo de Nassau, que beneficiava tanto índios como judeus.
Na segunda metade XVII, em que os holandeses são expulsos do território brasileiro e
tem início a restauração portuguesa, também ocorre a retomada da ocupação do sertão, com a
grande frente de colonização pastoril, em que se pretendia a catequização indígena. Religiosos
franciscanos acompanharão tropas coloniais, submetendo, com auxílio de indígenas já batizados,
outras tribos de modo a estender o domínio português pelo sertão do Nordeste e a propagação da
fé católica.
Os projetos de colonização portugueses dependiam muito de suas relações com os
indígenas. Os “índios amigos” eram trazidos de suas aldeias no interior para junto das povoações
portuguesas, onde eram aldeados, catequizados e “civilizados”. Esses indígenas serão úteis em
conflitos com outros indígenas inimigos e em outras batalhas empreendidas pela colônia.
Possuíam importante conhecimento das terras a serem exploradas e da língua dos povos da
região. Estes índios serão, nas primeiras décadas de colonização, os principais defensores da
colônia, e constituirão o grosso dos contingentes de tropas de guerra contra os inimigos, como
exploraremos no caso do Quilombo dos Palmares, cuja destruição teve grande participação de
combatentes indígenas.
Mas os indígenas não eram totalmente favoráveis à colonização portuguesa e à
catequização. Bem como é apontado em documentos da época, inclusive naqueles referentes a
Palmares, a colônia temia a proximidade com muitos grupos indígenas hostis, muitos dos quais
tidos como “tapuya rebelde comedor de carne humana”, comparados pelos portugueses aos
54 DANTAS, Beatriz G.; SAMPAIO, José Augusto L.; CARVALHO, Maria Rosário G. de. Os povos indígenas no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. Op. Cit., p. 438. 55 Os principais aliados dos holandeses foram os Janduí, com quem Rouloux Baro (cronista holandês) permaneceu pouco mais de três meses, além dos índios Vaipeba e dos Karapotó, que também participaram da guerra contra os Palmares, juntos com os holandeses.
22
moradores do quilombo, representados como “bárbaros”, evidente no trecho do documento, ao
afirmar que os “tapuia brabo” da região dos Palmares, “ainda que lhe fica longe, não é muita a
distância para o modo de vida daqueles bárbaros”56.
Um importante acontecimento que marca a resistência indígena à colonização foi o
Levante Geral dos Tapuia, que teve início em 1687. Denominada Guerra dos Bárbaros, foi uma
reação ao movimento expansionista dos portugueses sobre as terras indígenas. Essas revoltas
contra os colonizadores ocorreram no nordeste brasileiro, inclusive nos sertões de Pernambuco,
regiões próximas ao Quilombo dos Palmares.
Esse levante indígena, que encerra apenas no início do século XVIII, foi iniciado pelos
índios Janduí, que logo foram apoiados por outros grupos indígenas. É importante a discussão
sobre a resistência indígena à escravidão e à colonização e a possibilidade da presença indígena
no Quilombo dos Palmares, um símbolo da resistência ao sistema escravista, e também da
presença do escravo de origem africana.
A presença africana no nordeste foi, sem dúvida, muito importante para o
desenvolvimento da colônia. Funari e Orser57, ao analisar a visão de alguns autores58, apontam
um contingente de quase 4400 escravos africanos desembarcados na região nordestina brasileira
por ano naquela época. Os escravos logo eram encaminhados para o trabalho nas lavouras de
cana-de-açúcar das fazendas costeiras. Segundo referências de Boxer59, em 1612, as capitanias do
Norte, incluindo a de Pernambuco, contavam com 170 usinas de açúcar, e em 1627 e 1628 o
Brasil tinha 230 usinas em funcionamento. No início do século XVII havia aproximadamente 20
mil africanos, e em meados do século esse número chegou a 50 mil60.
56 Trechos citados do documento Carta do Governador de Pernambuco Caetano de Melo e Castro sobre a gloriosa restauração dos Palmares. Recife, 18 de Fevereiro de 1694. In.: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, Volume 1. p. 195-196. 57 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v XVIII, n. 2, p53-69, dezembro, 1992, p. 55. 58 Funari e Orser citam HALL, Frederick Arthur Holden, William F. Davidson e Dorothy Winters Welker (eds). Dialogues of the Great things of Brazil, attributed to Ambrósio Fernandes Brandão. Albuquerque, University of New Mexico Press, 1987, p. 181. 59 Funari e Orser citam BOXER, Charles R. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686. Traduzido por Olivério M. de Oliveira Pito. São Paulo, Cia. Ed. Nacional: 1973, p. 192. 60 SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil (1500-1820). São Paulo, Nacional, 1978, p. 133. Citado em FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A Arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história e cultura afro-americana. Op. Cit., p. 29.
23
Segundo Joseph Miller61, os escravos trazidos pelos portugueses em seu comércio
atlântico, vinham principalmente da costa angolana, ao sul do rio Zaire. Os portos de embarque
eram especialmente Luanda, a partir de 1570 e Benguela, a partir de 1610. Desta maneira pode-se
entender, como mostra Funari, que “a maioria dos habitantes do famoso quilombo veio da
África, particularmente as áreas bantos dos atuais países africanos Angola e Zaire”62.
Deve-se considerar também o quadro de escravos nas fazendas do nordeste nos primeiros
séculos de colonização. Segundo Schwartz, até a metade do século XVI, os escravos eram
praticamente todos indígenas. Durante o século seguinte, escravos trazidos da África substituíram
a mão-de-obra indígena nas lavouras de cana-de-açúcar. Na metade do século XVII, como afirma
Schwartz, a maioria dos escravos era africano ou seu descendente63. Em linhas gerais, segundo
Thornton64, algumas das causas para essa mudança foi o declínio da população indígena, a
necessidade de mão-de-obra especializada e o do aumento do rendimento da atividade e do lucro.
Considera-se também, a expansão do mercado do açúcar que demandou o crescimento do número
e capacidade dos engenhos65.
Nesse contexto situa-se o desenvolvimento do Quilombo dos Palmares, em inícios do
século XVII. Durante os séculos XVI e XVII, segundo Schwartz66 e Curtin67, africanos e
indígenas conviviam nesse período de escravidão colonial. Sendo assim, deve-se levar em
consideração que, não eram comuns apenas fugas de escravos africanos, mas de indígenas
também, que além de terem o mesmo motivo para fuga, em oposição ao trabalho escravo, eles
tinham o conhecimento do terreno68, e se relacionavam com os habitantes do interior69.
61 MILLER, Joseph C. “A marginal institution of the margin of the Atlantic system: the Portuguese Southern Atlantic slave trade in the 18th century”. In.: Solow (org). Slavery and the rise of the Atlantic system. P. 123-124. 62 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A Arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história e cultura afro-americana. Op. Cit., p. 28. 63 SCHWARTZ, Stuart B. Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society: Bahia, 1550-1835. Cambridge Latin American Studies 52, Cambridge: Cambridge University Press, 1985. P. 28. 64 THORNTON, John. Africa and Africans in the Making of the Atlantic World, 1400-1680. Studies in Comparative World History. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 134-136. 65 SCHWARTZ, Stuart B. Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society: Bahia, 1550-1835. Op. Cit., p. 184. 66 SCHWARTZ, Stuart B. Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society: Bahia, 1550-1835. Op. Cit., p. 29. 67 CURTIN, Philip. The rise and fall of the plantation complex. Op. Cit., p. 103. 68 SCHWARTZ, Stuart B. Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society: Bahia, 1550-1835. Op. Cit., p. 49. 69 PRICE, Richard. Palmares como poderia ter sido. In.: REIS, João José e GOMES, Flávio dos Santos (org.). Liberdade por um fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 57.
24
A escravidão no Novo Mundo atingiu níveis altos de barbárie e opressão aos escravos,
que foram submetidos a sacrifícios pela exploração no trabalho. Nesse aspecto compreende-se a
importância do quilombo, já que “a resistência do negro à escravidão foi característica marcante
da história dos africanos nas colônias americanas, e os escravos responderam à exploração com
a má vontade, a sabotagem ao trabalho, a revolta ou a fuga para quilombos”70. Os quilombos se
tornam, então, um meio eficaz de oposição ao sistema colonial.
Como aponta Funari, ao citar João José Reis, os quilombos são a forma mais comum de
resistência coletiva. Os quilombos, ou acampamentos de escravos fugidos, foram comuns em
toda a América e representaram uma importante forma de resistência à escravidão durante vários
séculos, desde o início da colonização e ocupação dos territórios do Novo Mundo.
Surgidos no início do período colonial, então, os quilombos se espalhavam “por todo o
mundo de fazendas escravistas”71. Os habitantes de comunidades quilombolas eram conhecidos
pelas habilidades de guerra e guerrilhas que desenvolviam e, com isso, apresentavam uma
ameaça e desafiavam as autoridades do governo colonial.
Tendo em vista a grande ocorrência dessas comunidades, a resistência e rebelião escrava,
segundo Orser e Funari, passaram a ser focos de análise aos arqueólogos que procuram entender
a experiência da Diáspora Africana72. Para estes autores, “Palmares constitui um sítio
particularmente fértil para o estudo de como escravos africanos fugitivos – longe de sua pátria –
forjaram uma nova cultura no sertão do Brasil e foram capazes de resistir por quase um século à
repressão”73. Além disso, compreendemos a possibilidade de análise da participação de outros
grupos étnicos nesse contexto, uma vez que a cultura material de Palmares evidencia influências
culturais diversas, como a de africanos, europeus e indígenas74.
70 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A Arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história e cultura afro-americana. Op. Cit., p. 28. 71 CARENO, Mary F. do e SILVA, M. C. B. C. Núcleos de resistência no interior dos Estados de Mato Grosso e São Paulo. São Paulo, 1991. 72 ORSER, Charles E. and Funari, Pedro Paulo A. “Archaeology and slave resistance and rebellion”. Op. Cit., p. 62. 73 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 54. 74 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 54.
25
2.3. Breve contextualização do quilombo
Para que se compreenda um pouco do que foi o Quilombo dos Palmares, apontarei adiante
alguns fatos de sua história, para demonstrar a dimensão adquirida por tal comunidade de
escravos fugitivos, que perdurou por quase um século no sertão nordestino e foi alvo de várias
tentativas militares para sua extinção. Como evidenciado a seguir, este quilombo foi motivo de
preocupação tanto para a coroa portuguesa, quanto para os invasores holandeses, que de alguma
forma se mostravam interessados em conter tal organização, que ameaçava a colonização e
povoamento dessas terras.
Como afirma Charles Orser75, Palmares provavelmente surgiu em meados de 1605, em
regiões montanhosas próximas ao litoral nordestino brasileiro (numa região conhecida como
Serra da Barriga), na capitania colonial de Pernambuco, que hoje abrange áreas dos atuais estados
de Pernambuco e Alagoas. O agrupamento, segundo Rocha Pita, surgiu da reunião de
aproximadamente 40 negros da Guiné. Esse termo não determina com precisão a origem étnica
desses escravos, uma vez que esse é uma designação recorrente na época aos escravos africanos
em geral, e também se referia a escravos embarcados na costa da Guiné, o que não precisava a
região de origem dos mesmos76.
Essa é uma discussão importante e aponta para a participação de negros de diversas
procedências na África, inclusive da Angola, de onde boa parte dos escravos desta região
procedia. Pode-se compreender que Palmares foi uma área de complexidade cultural e multi-
etnicidade.
Já na década de 1610 o quilombo era bem conhecido e os portugueses o chamavam de
“Palmares”, referindo às palmeiras existentes no local. Mas os habitantes desta comunidade
chamavam-na de “Angola Janga” ou “pequena Angola”77.
75 Orser (na obra In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Illinois State University Press, Normal, IL: 1992.) cita Kent com respeito à data de surgimento do quilombo, em KENT, R. K.. Palmares: An African State in Brazil. Journal of African History 6, 1965, p. 165; e Rocha Pita, em ROCHA PITA, Sebastião da. História da América Portuguesa. 3ª edição Livraria Progresso Editora, Salvador: 1950. P. 294, referente à origem dos negros que fundaram essa comunidade. 76 MILLER, Joseph C. Central Africa During the Era of the Slave Trade, c.1490s-1850s. In: HEYWOOD, Linda. (Ed.) Central Africans and Cultural Transformations in the American Diaspora. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. Cap.1. p.21-69. 77 Orser cita Freitas, em FREITAS, D. Palmares: A Guerra dos Escravos. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1984, p. 44; e também apoiado em Stuart Schwartz.
26
Conhecido por meio das fontes documentais da época, produzidas por aqueles que
combateram o quilombo, sabe-se que durante o século XVII, até a sua destruição por volta de
1695, sobreviveu o mais duradouro assentamento resistente à escravidão no Brasil, como relata
Funari78. Segundo o autor, escravos fugitivos das plantações canavieiras nordestinas se
refugiaram na zona da mata, a cerca de 50 quilômetros da costa, para viver em liberdade. Desde o
início desta ocupação na região chamada Serra da Barriga, os revoltosos foram atacados diversas
vezes, pelos exércitos coloniais, porém, sem êxito.
Desde 1630, quando os holandeses ocuparam o nordeste brasileiro, eles se preocuparam
com o crescimento de tal organização dos fugitivos, e em 1640, liderado por Bartolomeu Lintz,
um grupo foi enviado para investigar Palmares. Nessa ocasião, o descreveram como dois
agrupamentos com milhares de habitantes. Segundo Funari79, nesta época o quilombo era
formado por nove aldeias: Andalaquituche, Macaco, Subupira, Aqualtene, Dambrabanga, Zumbi,
Tabocas, Arptirene e Amaro. Segundo o autor, dois desses topônimos são ameríndios: Subupira e
Tabocas; um deles de origem portuguesa: Amaro e os outros de origem banto80.
Em 1645, outra expedição holandesa, liderada por Rodolfo Baro e com tropas indígenas,
atacou Palmares, sem provocar muito impacto ao crescimento do mocambo81, e foi seguida de
outro ataque, liderado por Jürgens Reijmbach.
Durante esse período de ocupação holandesa no Brasil, como aponta Funari82, os conflitos
entre os portugueses, na Bahia, e aqueles, em Pernambuco, favoreceu o crescimento da
comunidade fugitiva, embora estivesse sendo atacado agora pelos holandeses.
Em 1654 os portugueses retomaram a ocupação do nordeste e retomaram também os
ataques ao quilombo, porém, sem grandes resultados. Em 1670, depois da expulsão dos
holandeses do Brasil, as autoridades portuguesas iniciaram um longo trabalho para conter o
quilombo, que incluía também, além dos ataques militares, regular as relações entre os
fazendeiros de áreas vizinhas ao quilombo com os fugitivos, para inibir o crescimento e o poder
militar de Palmares. 78 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. Op. Cit., p. 101. 79 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 17. 80 FUNARI, Pedro Paulo A. Maroon, Race and Gender: Palmares Material Culture and Social Relations in a Runaway Settlement. In.: Historical Archaeology: Back from the Edge. Pedro Paulo A. Funari, Martin Hall and Siân Jones, editors. Routledge, London, 1999. P. 322. 81 A principal fonte documental sobre a relação entre os holandeses e o quilombo dos Palmares nessa época são os relatos de Barleus. 82 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. Op. Cit., p. 101.
27
Segundo descrições da época, Palmares continha dez vilas, sendo a principal delas,
“Macaco”, o local onde vivia o líder “Gunga Zumba”, entre 1670 e 1684, quando foi assassinado
por seu sobrinho Zumbi. Nesse período, os portugueses atacaram Palmares diversas vezes. Os
ataques foram fortalecidos com a contratação de tropas da capitania de São Paulo, sob o comando
de Domingos Jorge Velho, que colocou fim ao acampamento, com a morte de Zumbi em 1695.
Outro importante combatente português contra Palmares foi Fernão Carrilho, que
participou de várias batalhas contra o quilombo. As tropas eram em sua maioria formadas por
militares brancos e indígenas e combatiam contra a resistência do quilombo, que durante os
últimos anos foi liderada por Zumbi. O quilombo não resistiu ao ataque português de 1694 e logo
depois Zumbi foi executado.
Toda essa história, como mostra Funari, é baseada em documentos escritos por
portugueses e holandeses, intencionadas a combater aquela comunidade de revoltosos. Os
quilombolas eram tidos como bárbaros selvagens, como africanos que viviam como na África, e
aculturados, já que eram convertidos à religião cristã83.
As fontes arqueológicas, por sua vez, nos possibilitam um melhor entendimento sobre os
aspectos cotidianos do quilombo, descritos de maneira tendenciosa nos documentos escritos da
época, de acordo com o interesse da elite colonial. Pode-se então, a partir das fontes materiais,
refletir sobre outros aspectos da vida no quilombo, como a presença indígena e suas relações com
Palmares.
2.4. Historiografia sobre palmares
Antes de analisarmos as fontes relacionadas a esse contexto, é importante conhecermos a
produção historiográfica sobre o Quilombo dos Palmares, que se apresenta distribuída,
principalmente, ao longo o último século, com diferentes abordagens sobre a dinâmica de
constituição dessa comunidade. Os trabalhos mais recentes produzidos sobre o Quilombo dos
Palmares trazem novas interpretações, que não aquelas apresentadas, por exemplo, em trabalhos
de Ernesto Ennes84 e Edison Carneiro85, respectivamente das décadas de 1930 e 1940, em que se
83 FUNARI, Pedro Paulo A. Os Historiadores e a Cultura Material. Op. Cit., p. 102. 84 ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, Volume 1.
28
faz, junto com a publicação de documentos sobre a história do quilombo, uma história baseada na
caracterização factual e cronológica dos acontecimentos relacionados aos Palmares.
Essas publicações, que se tornaram importantes para posteriores pesquisas sobre o
Quilombo, por apresentarem uma densa coletânea de documentos da época (principalmente
século XVII), além da descrição dos acontecimentos ligados a Palmares, vai de encontro à
necessidade da discussão, na época, da identidade brasileira, a partir da qual o negro aparece
como um dos elementos de formação do Brasil, porém ainda tido como inferior ao branco (os
negros foram apresentados como bárbaros e os brancos como heróis), inspirados no
evolucionismo europeu.
Ou ainda em relação a importante obra do antropólogo Nina Rodriguez86, publicada em
1906, contexto próximo à instauração da República e conseqüente mudança nos estudos da
escravidão, em que se procurava entendê-la, para entender a formação do Brasil. Nesta obra, o
autor faz um estudo das origens do Quilombo dos Palmares e conclui, a partir de um estudo
comparado entre elementos do quilombo e de comunidades africanas, a presença de costumes
africanos.
Para Rodriguez, o quilombo era uma maneira de os negros defenderem sua tradição dita
“originalmente” africana. Sobre as insurreições de negros escravos, o autor acredita que algumas
acabaram se tornando “grandiosas epopéias da raça negra”, e segundo ele, “a mais notável,
dentre todas a que melhor escapou ao ingrato olvido dos pósteros, foi aquela que
impropriamente se crismou de República dos Palmares”87, evidenciando a grandiosidade deste
quilombo.
A partir das décadas seguintes ao fim da Segunda Guerra Mundial, houve iniciativas
mundiais de questionamento à noção de raça e a desigualdade entre os homens. Tais
acontecimentos e discussões humanistas, como por exemplo, a discussão sobre o conceito de raça
na França, com o antropólogo Lèvi-Strauss, propiciaram o questionamento sobre a
“inferioridade” e “superioridade” racial ligado ao pensamento evolucionista, o que despertou
novas perspectivas de análise do negro e do índio. Isso tudo provocou uma alteração nas visões
sobre o Quilombo dos Palmares.
85 CARNEIRO, Edson. O Quilombo dos Palmares. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2ª edição, 1958. 86 RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977, p. 71. 87 RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. Op. Cit., p. 71.
29
Foi também nessa época que notáveis estudos sobre a vida africana no Novo Mundo
foram desenvolvidos, como por exemplo, o importante estudo de Melville Herskovits (1956 e
1966) demonstrando que, a cultura e as experiências dos escravos africanos em seus locais de
origem, foram decisivas para a maneira com que eles se adaptaram ao novo contexto, e os
ajudaram a forjar laços sociais e identidades culturais no Novo Mundo.
Esta visão apontada pelo autor, em contraposição a de outros estudiosos que negavam a
participação de uma herança africana para a formação cultural do Novo Mundo, foi amplamente
discutida, e tornou-se um dos principais debates no meio antropológico da época, e influenciando
discussões atuais. Herskovits, portanto, enfatizava a importância que a cultura africana para a
formação cultural afro-americana, uma vez que ela não foi esquecida ou destruída pela diáspora e
sim transmitida como uma herança.88.
Ao longo de sua pesquisa, foram identificados traços de africanismos em comunidades de
escravos nas Américas, como influências religiosas, musicais e práticas alimentares. Segundo o
autor, observou-se a complexidade da experiência escrava, não apenas na constituição de
identidades coletivas no Novo Mundo, mas explícitas nas relações entre os escravos e a sociedade
colonial, em que a resistência à escravidão é uma das maneiras de reação contra a experiência
vivida.
Observando tais questões sobre a experiência africana no novo mundo e aprofundando a
discussão a respeito da resistência escrava no Brasil Colonial, Stuart Schwartz apresenta suas
análises, no artigo publicado em 1987 na Revista Estudos Econômicos, e que inclui partes de um
trabalho anterior, de 1970. O autor procura compreender o regime escravista, e as maneiras com
que os africanos e afro-brasileiros responderam a ele, uma vez que existiram significativas
comunidades de fugitivos pelo Brasil. Schwartz afirma que “sob vários aspectos Palmares
parece ter sido uma adaptação de formas culturais africanas à situação do Brasil-colônia, onde
escravos de várias origens, africanos e crioulos, uniram-se em sua oposição comum à
escravidão”89. O autor compreende os negros como agentes sociais, responsáveis pelos
acontecimentos ligados à resistência contra a escravidão.
88 É importante perceber o uso de termos como “afro-americano”, “afro-descendente”, destacando esse complexo processo de formação cultural no Novo Mundo e adequando-se a discussões sobre racismo e pré-conceito, substituindo o uso do termo “negro”. 89 SCHWARTZ, Stuart B. Mocambos, Quilombos e Palmares: A Resistência Escrava no Brasil Colonial. Estudos Econômicos, São Paulo, V.17, ano 1987, Nº Especial, Pp 83.
30
Na mesma direção, Robert Kent90 entende Palmares como a mais duradoura organização
de resistência negra à escravidão no Brasil. Ele discute, também, as origens do Quilombo, a qual
não se pode, como muitos o fazem, determinar com referência a um determinado grupo étnico
africano. Pode-se, contudo, para o autor, avaliar como um sistema político africano podia ser
transferido a um outro continente, “que podía servir para gobernar no unicamente a individuos
de una variedad de grupos étnicos en África, sino también a aquellos nascidos en Brasil,
extremadamente negros o casi blancos, latinizados o cercanos a raíces ameríndias; y que podía
perdurar por cerca de todo un siglo en contra de los poderes europeus, Holanda y Portugal91.”
Algo similar acontece no Brasil durante o período da ditadura militar, período em que o
país viveu a censura, perseguições políticas, torturas e assassinatos. Segundo Carvalho92, o
quilombo passou a ser lido como um símbolo de liberdade e luta contra a opressão, “um exemplo
histórico, que mostrava a possibilidade de embate contra a ditadura militar”. Durante este
período, historiadores brasileiros, como Clóvis Moura, Décio Freitas e Abdias do Nascimento,
destacaram a importância do Quilombo dos Palmares para a resistência negra, em que os negros
foram apresentados como agentes sociais. Tal discussão se inseria no campo das lutas pelas
liberdades no regime militar, e Palmares passa a ser exaltado como exemplo heróico dos negros
no Novo Mundo, além de ser visto como símbolo da luta contra a opressão.
Essas percepções do Quilombo estavam fundadas no intuito de uma compreensão menos
conservadora do passado, e que, de várias maneiras, incorporam os subalternos. Portanto, a luta
pela liberdade, como aponta Funari, “seja ela interpretada como encabeçada por afro-brasileiros
ou pelos oprimidos em geral, está na raiz da História dos Palmares”93
Em síntese, como podemos perceber até aqui, num primeiro momento, em meados do
século XX, a produção historiográfica pauta-se em discutir os fatos relacionados a Palmares, com
compilação de documentos úteis às pesquisas posteriores, apresentando a relação entre brancos e
negros, de forma conflituosa, em que o negro é tido como inferior, selvagem, bárbaro, além de
representar uma ameaça ao sistema colonial da época em que o quilombo permaneceu ativo
90 Seu texto foi publicado inicialmente em 1973, na edição em inglês do livro “Marron Societies. Rebel Slave Communities in the Americas”, organizado por Richard Price, cuja tradução para o espanhol data de 1981. 91 KENT, Robert K. Palmares: Un Estado Africano en Brasil. In: PRICE, Richard (comp). Sociedades Cimarronas. Comunidades esclavas rebeldes en las Américas. Ed. Siglo XXI, México: 1981. 92 CARVALHO, Aline Vieira de. Palmares como espaço de sonhos : análise do discurso arqueológico sobre a Serra da Barriga. Op. Cit., p. 26. 93 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 25.
31
(século XVII). Também tem lugar discussões sobre evidências sociais, culturais e políticas do
quilombo no Brasil, que pudessem ser relacionadas a equivalentes na África.
A partir da metade do século XX, há uma mudança de foco na análise da experiência
africana no novo mundo, em que a resistência passa a ser um importante elemento a ser estudado,
bem como a análise da participação de outros grupos étnicos no processo de formação cultural no
Novo Mundo. O que se percebe ao final do século XX e início do XXI, e agora também com
fontes da cultura material, um endossamento das discussões sobre a agência dos diferentes grupos
étnicos, com distintas identidades, ativamente participantes no processo de formação cultural e
relações sociais.
Foi possível uma análise mais cautelosa do cotidiano do quilombo, que possibilita
interpretações mais amplas sobre a rede de relações sociais da área do quilombo na época. Nesse
sentido, houve uma mudança significativa na historiografia sobre Palmares, em que passa a ser
discutida a presença indígena nesse espaço. Essa nova abordagem traz discussões positivas no
sentido de analisar aspectos específicos da presença desse grupo, proporcionando compreender a
complexidade das relações étnicas nesse contexto, em contraposição às análises anteriores que se
dedicavam à caracterização do quilombo quase que exclusivamente como espaço da resistência
negra, silenciando a presença de elementos não africanos.
Nesse sentido, a partir da década de 1990, a análise de questões relacionadas ao cotidiano
do quilombo foram impulsionadas com as escavações arqueológicas na região da Serra da
Barriga. É nessa direção que as reflexões de Scott Allen são feitas, no sentido de apontar uma
caracterização multiétnica aos Palmares94 e a formação de uma identidade Palmarina, entendida
como etnicidade, baseada nessas relações entre diferentes grupos e pela diferenciação diante da
população externa ao quilombo95.
Este estudo é baseado na aplicabilidade de modelos analíticos derivados da etnogênese,
que procura entender o “processo dinâmico social e a formação de grupos inteiramente novos
resultantes de exploração e colonização”96, até situações durante o período de expansão Européia
nas Américas, à mudança política e social dos grupos nativos deslocados e grupos africanos,
94
ALLEN, Scott Joseph. A ´Cultural Mosaic´at Palmares? Grappling with the Historical Archaeology of a seventeenth century Brazilian Quilombo. In: FUNARI, Pedro Paulo A. (org.) Cultura Material e Arqueologia Histórica. Unicamp (IFCH), Campinas: 1998. 95 ALLEN, Scott Joseph. “Preliminary Directions in the Historical Archaeology of Palmares”. Nova Revista de História da Arte e Arqueologia, nº 3, Fevereiro de 2000, IFCH- Unicamp, Campinas. 96 ALLEN, Scott Joseph. “Preliminary Directions in the Historical Archaeology of Palmares”. Op. Cit. p. 169.
32
propondo ênfase nas estratégias adaptativas e participação ativa de todos os atores envolvidos na
história dos processos locais, ligados aos processos globais.
Segundo Allen, no contexto da escravidão e colonização, como aconteceu com Palmares,
diferentes grupos étnicos e indivíduos de diferentes origens são forçados a conviver e a formar
novas sociedades, o que conseqüentemente gera uma consciência étnica, num complexo processo
de formação de uma nova etnicidade em oposição às regras coloniais.
Para este estudo o pesquisador demonstra a importância da arqueologia histórica, para
compreender como e porque sociedades foram construídas de uma determinada maneira, bem
como, no caso de Palmares, para compreender a construção do que o autor chama de “identidade
palmarina”. O autor aponta que as informações arqueológicas da Serra da Barriga proporcionam
compreender a formação de uma identidade palmarina, mantendo relações com a sociedade
colonial e possibilitando o entendimento das diferenças culturais no interior desta comunidade97.
Ele afirma que essa identidade palmarina teria regulado, de maneira geral, relações com não-
palmarinos, não ocultando outras possíveis identidades no interior do quilombo.
Charles Orser98, que participou das escavações do Quilombo dos Palmares junto com
Funari e Rowlands, aponta uma ampla e complexa rede de relações, conflituosas ou harmoniosas,
no Quilombo, entre palmarinos, colonizadores europeus, indígenas sul-americanos e africanos
(principalmente angolanos). O assentamento, portanto é tido como produto dessa rede de
relações, não se caracterizando então pelo isolamento ou auto-suficiência. Michel Rowlands99,
também analisa o Quilombo sob a perspectiva das relações entre os grupos. O autor rediscute o
conceito de resistência até então empregado a Palmares e aponta para uma relação entre o
Quilombo dos Palmares e a sociedade colonial e não pela negação desta por aqueles.
Pedro Paulo Abreu Funari, através da Arqueologia da Etnicidade, aponta o Quilombo dos
Palmares como um exemplo de possibilidade de convivência entre elementos sociais
diferenciados. Essa confluência de identidades no mesmo local produzia uma ampla rede de
relações sociais e novas experiências, acarretando na formação de novas identidades, em
97 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 127. 98 ORSER, Charles Jr. A Historical Archaeology of the Modern World. Plenum Press, New York, 1996. 99 ROWLANDS, Michel. Black identity and sense of past in Brazilian national culture. In: FUNARI, Pedro Paulo A., HALL, Martin e JONES, Siân (editores). Historical Archaeology – Back from the Edge. Londres, Routledge, 1999.
33
constante alteração. Tais criações culturais são refletidas na produção cerâmica, mas não refletem
a intensidade ou diferenciações nas construções de identidades dos diferentes grupos.
Apesar de Allen discutir a multietnicidade em Palmares e a relação entre diversas
identidades neste local, sua hipótese, baseada na etnogênese, da constituição de uma identidade
palmarina acaba restringindo a compreensão da sociedade do quilombo como um grupo coeso e
homogêneo. A partir das análises de Orser e Funari, concordamos que Palmares foi um espaço de
identidades culturais diversas, em que deve ser considerada a dinamicidade e heterogeneidade
desses grupos étnicos. Portanto, é necessário entender o quilombo como um espaço de relações
de cooperação e conflito entre os grupos envolvidos, considerando a agência dos indígenas nesse
contexto, em detrimento da comum atribuição ao quilombo pela historiografia como um espaço
exclusivamente envolvido com a resistência negra.
A partir desse breve levantamento dos estudos sobre Palmares, observa-se que foi
produzido um discurso que enfatiza o caráter africano da comunidade. O negro, não apenas
nessas produções, mas também no pensamento contemporâneo brasileiro, é ainda o principal
ícone ligado àquela organização.
O Quilombo foi tombado como patrimônio histórico nacional em 1986, e em 1989 foi
erguido no local um monumento à Zumbi, destacando a importância do quilombo para a
resistência negra. A constituição de 1988 criou uma série de novas normas para a preservação do
patrimônio cultural, em que se deve atentar para a preservação da memória de um dos “grupos
formadores” da nacionalidade brasileira, os afro-descendentes.
Há necessidade, então, de se proteger e valorizar a história dos grupos que resistiram à
opressão da escravidão, os quilombolas. Desta maneira o Quilombo dos Palmares foi inscrito nos
livros do tombo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1986100.
Observando essa tendência da historiografia de Palmares até o final do século XX, em
privilegiar a procura por africanismos em comunidades de quilombos, divulgando sua natureza
quase que exclusivamente africana, pretende-se ampliar essa análise, através das possibilidades
oferecidas pelo estudo da cultura material da Serra da Barriga. A preponderância do passado
africano em Palmares faz com que os indígenas fiquem quase ausentes em suas interpretações,
100 CASTRO, Adler Homero Fonseca de. “Quilombos: comunidades e patrimônio”. Revista Eletrônica do IPHAN. Dossiê Brasil Afro-descendente. Nº 1 - Set. / Out. de 2005.
34
sendo apenas reconhecida a possibilidade de sua presença, a partir de ocorrências pontuais sobre
esse grupo na documentação escrita.
O material arqueológico coletado na região da Serra da Barriga produziu evidências para
se compreender a variedade de influências culturais no assentamento e, portanto, nos possibilita
esclarecer alguns aspectos cotidianos dessa comunidade, em especial as relações constituídas
entre os quilombolas e os grupos indígenas.
35
3. Documentos escritos e a história de Palmares
Para realizar a pesquisa sobre o papel do indígena na sociedade do Quilombo dos
Palmares durante o século XVII, região da Serra da Barriga, pretende-se utilizar dois tipos de
fontes: documentos escritos contemporâneos à existência dos Palmares e relatórios de pesquisas
arqueológicas realizadas na região.
3.1. Os documentos escritos As fontes escritas sobre Palmares constituem-se basicamente de cartas e relatos dos
invasores, sejam eles holandeses ou portugueses, que empreenderam nessa época guerras contra
os “negros rebelados” de Palmares. Essas fontes, uma vez que sua produção está ligada a
interesses políticos dos holandeses ou portugueses, trazem uma série de informações sobre
Palmares que permearam posturas militares com relação àquela população dos quilombos. Há,
portanto nesses documentos uma preocupação em extinguir-se o “negro rebelde” ou “bárbaro”,
sendo este um elemento tido como prejudicial à sociedade das capitanias envolvidas
(Pernambuco e Alagoas).
Não se tem conhecimento, nesse rol de documentos produzidos contemporaneamente à
existência dos Palmares aos quais se tem acesso através de suas transcrições em livros e
periódicos, de um que tenha sido produzido no interior daquela comunidade, ou que tenha
apresentado informações sobre o cotidiano daquela população, desvinculada dos interesses
políticos de holandeses ou portugueses, para os quais a organização dos Palmares devia ser
combatida. O uso dos relatórios de pesquisas arqueológicas será importante para fazer esse
contraponto.
No que diz respeito à procedência dos documentos escritos a serem utilizados nesta
pesquisa, Ernesto Ennes, arquivista e bibliotecário ligado ao Museu Paulista e, portanto, à
construção da memória bandeirante em São Paulo101, escreve, em meados do século XX, um livro
101 CARVALHO, Aline Vieira de. Palmares como espaço de sonhos : análise do discurso arqueológico sobre a Serra da Barriga. Op. Cit., p. 24.
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sobre a história do Quilombo dos Palmares102. Neste livro, o autor resgata a memória heróica do
bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, que foi reconhecido oficialmente pela destruição do
quilombo. A obra de Ennes apresenta uma narrativa cronológica dos feitos militares contra a
comunidade de escravos fugitivos e, influenciado pelas diretrizes do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (principalmente por Taunay103 e Capistrano), transcreve “muitas das mais
importantes peças documentais inéditas do Arquivo Colonial Português”104 que faltavam para
subsidiar pesquisas da história colonial brasileira105.
No prefácio do livro de Ennes, Afonso de Taunay afirma a importância da criação do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1838, momento em que começaram a arquivar
documentos sobre o Quilombo, formando-se um dos maiores arquivos históricos sobre o tema106.
Para Taunay, nessa época, os estudos sobre Palmares apresentavam um claro motivo: “é que
percebiam o perigo enorme da renovação desta rebeldia, podendo tornar-se gravíssimo com as
enormes aglomerações de cativos provocados pela mineração do ouro e depois pela lavoura do
café”107. Tornava-se prudente, portanto, o conhecimento dessa comunidade, já que em meados de
1850, segundo Taunay, havia milhões de escravos no Brasil.
Segundo Carvalho, a criação do IHGB em 1838, inspirado no Institute Historique de Paris
de 1834, tinha por objetivo a “coligação e preparação dos materiais necessários para a História
e Geografia do Brasil; História com grandes heróis homens, brancos, cristãos e súditos do
Imperador”108, resultado da política nacionalista da época. Nesse sentido, a história deveria
cumprir o papel de criar sentimentos de patriotismo, resultando na constituição de uma identidade
para o país, silenciando os conflitos existentes nesse contexto, como é o caso do Quilombo dos
Palmares. É por esse motivo que, até o final do século XIX, com a instauração da República, o
acervo documental sobre esse tema tem o objeto de se conhecer e não divulgar tal experiência109.
102 ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, Volume 1. 103 O texto de Ennes foi dedicado a Afonso E. de Taunay, diretor do Museu Paulista em 1930. In: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit. 104 Prefácio do livro “As Guerras nos Palmares” de Ernesto Ennes, por Afonso Taunay em São Paulo, 24 de junho de 1938. Pp 01. 105 Na obra de Ennes foram transcritos 95 documentos referentes ao quilombo dos Palmares. 106 ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 3. 107 ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 2-3. 108 CARVALHO, Aline Vieira de. Palmares como espaço de sonhos : análise do discurso arqueológico sobre a Serra da Barriga. Op. Cit., p. 26. 109 CARVALHO, Aline Vieira de. Palmares como espaço de sonhos : análise do discurso arqueológico sobre a Serra da Barriga.. Op. Cit., p. 26-27.
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No início do século XX, temas relacionados à cultura negra e escravidão, silenciados até
então, são explorados como possibilidades de se compreender a formação da cultura brasileira,
em diferenciação às nações do Novo Mundo. O elemento negro era tido, portanto, como
importante fator de formação da cultura do Brasil. Inspirado pelas diretrizes do IHGB, na
necessidade de se conhecer o Quilombo dos Palmares, e na possibilidade, na época, de
compreender o elemento negro na formação cultural brasileira, Ennes apresenta seu estudo sobre
esse tema, identificando os palmarinos como negros inferiores que ousaram desafiar o poder
colonial110.
Outra obra importante, que também se insere neste contexto, é “O Quilombo dos
Palmares” de Edison Carneiro111. No livro, há uma reunião de documentos sobre a história do
Quilombo dos Palmares e os selecionados para a pesquisa foram copiados do segundo Livro de
Vereações da Câmara de Alagoas pelo Dr. Dias Cabral – publicados na Revista do Instituto
Histórico Alagoano, 1875. Nesta obra, publicada inicialmente em 1946 com o título “Guerras de
los Palmares”, cuja segunda edição data de 1958, o autor preocupa-se em analisar as
peculiaridades dos quilombos em relação à “sociedade oficial”. Para Carneiro, a maneira mais
comum de fuga dos escravos negros, para escapar do cativeiro, “foi sem dúvida o da fuga para o
mato, de que resultaram os quilombos”112 e este movimento, segundo o autor era uma forma de
negação da sociedade oficial, já que esta oprimia os escravos, fazendo com que estes perdessem
“a sua língua, a sua religião, os seus estilos de vida”113. Carneiro conclui que, “o quilombo, por
sua vez, era uma reafirmação da cultura e do estilo de vida africanos”114.
Publicados posteriormente, outros documentos são encontrados no livro “Alguns
Documentos para a História da Escravidão”, organizado por Leonardo Dantas Silva115. Com a
edição da Série Abolição, realizada em 1988, da qual faz parte o livro acima, foram reunidos
alguns documentos sobre a escravidão negra em terras do Brasil, até então dispersos pelas
coleções das revistas especializadas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Instituto
Histórico de Goiana – PE. Segundo Leonardo Dantas Silva, essa edição de textos “básicos e
110 CARVALHO, Aline Vieira de. Palmares como espaço de sonhos : análise do discurso arqueológico sobre a Serra da Barriga.. Op. Cit., p. 25. 111 CARNEIRO, Edson. O Quilombo dos Palmares. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2ª edição, 1958. 112 CARNEIRO, Edson. O Quilombo dos Palmares. Op. Cit., p. 13. 113 CARNEIRO, Edson. O Quilombo dos Palmares. Op. Cit., p. 14. 114 CARNEIRO, Edson. O Quilombo dos Palmares. Op. Cit., p. 14. 115 SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 1988.
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alguns inéditos” facilitará os estudos afro-brasileiros nesta região do Brasil e, com isso, espera-se
“despertar os pesquisadores para a questão do negro e facilitar os novos estudos”116.
Também serão utilizados trechos do livro “História dos feitos recentemente praticados
durante oito anos no Brasil”117, escrito por Gaspar Barleus, sob encomenda de João Maurício de
Nassau em 1679. Nassau encarregou Gaspar van Baerle de escrever a descrição histórica de sua
administração como Governador do Brasil Holandês (1637-1644); “de maneira imparcial à luz
de documentação fornecida”118. Segundo o editor desta publicação da obra de Barleus, ela serviu
não apenas para a defesa do Conde João Maurício de Nassau “perante os seus invejosos
contemporâneos”, mas também para divulgar seus feitos no Brasil e perpetuar a figura do futuro
príncipe de Nassau119. O livro, inicialmente impresso em Amsterdam em 1647, foi reeditado, em
sua terceira edição portuguesa, pela Fundação de Cultura Cidade do Recife. Segundo Silva,
diretor executivo da Fundação de Cultura, apresenta a obra como uma contribuição para a
preservação da “Memória Nacional”, promovendo o desenvolvimento dos estudos recifenses.
Complementa julgando ser uma “significativa contribuição à bibliografia de um dos mais
importantes períodos da História do Brasil”.
Tais documentos escritos selecionados para a pesquisa apresentam elementos que
propiciam a discussão da presença indígena nos Palmares, no âmbito das relações interétnicas na
região. Suas produções correspondem ao século XVII, e para que fossem contempladas diferentes
abordagens sobre o quilombo, foram escolhidos documentos que datam de diferentes anos em
que portugueses e holandeses empreenderam guerras aos Palmares, desde 1637 até os últimos
anos do século XVII. Esses documentos trazem informações sobre os planos de empreendimento
de guerras contra a comunidade, com suas devidas justificativas; nomeações a cargos
relacionados a essas guerras; descrições dos combates, com seus resultados; localização,
descrição, organização e população do quilombo dos Palmares; convite a tropas de outras
capitanias ao combate contra os palmarinos; sobre missões estabelecidas na região; sobre as
práticas dos palmarinos contra os moradores vizinhos dos mocambos.
116 SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Op. Cit., p. 12. 117 BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1980. 118 BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Op. Cit., Notas do Editor. 119 BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Op. Cit., Notas do Editor.
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Para a análise dos documentos, foram selecionados trechos que proporcionam o
entendimento de como os diferentes grupos étnicos ligados ao contexto do quilombo eram
apresentados pelos colonizadores portugueses e pelos holandeses; da participação dos indígenas
na destruição do quilombo, em auxílio às atividades militares coloniais contra esse assentamento,
e da presença indígena no interior do quilombo e possíveis influências nesse contexto, como a
produção cerâmica, selecionando segundo nosso interesse de pesquisa.
3.2. Análise dos documentos escritos
3.2.1. Documentos portugueses
Optamos por uma análise detalhada do conteúdo das fontes escritas, para que o leitor
entenda o que se produziu sobre Palmares e qual a natureza dessas fontes, que nos possibilitam a
apreensão de vários aspectos internos e externos ao acampamento. A partir desses documentos, é
importante compreendermos os termos utilizados nas fontes para se referir ao escravo negro e ao
indígena. Tanto nas fontes de origem portuguesa quanto naquelas feitas pelos holandeses existem
termos que se aplicam à identificação de diferentes grupos ligados ao contexto dos Palmares, bem
como a caracterização do próprio quilombo.
De acordo uma carta de 1 de junho de 1671, escrita de Olinda, pelo governador Fernão de
Souza Coutinho, este documenta sua preocupação para com o aumento dos mocambos dos
“negros de Angolla fugidos do Rigor do Cativeiro, e fabricas dos Engenhos desta Capitania se
formarão povoações numerozas pela terra dentro entre os Palmares e matos, cujas asperezas, e
falta de Caminhos os tem mais fortificado por natureza, do que pudera ser por Arte, e creçendo
cada dia em numero se adiantão tanto no atrevimento, que com Contínuos Roubos, e assaltos
fazem despejar muita parte dos moradores desta Capitania mais vezinhos aos seus mocambos,
cujo exemplo, e Comservação vay comvidando cada dia aos mais que foge. Por se livrar do
Regurozo cativeiro que padesem, e- se Verem com a liberdade lograda no fertil das terras, e-
segurança de suas habitações podendose temer que com estas Comveniencias Creção em poder
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de maneira que sendo tanto mayor o numero, pertendão atreverse a tão poucos como são os
moradores desta Capitania a Respeito dos seus cativos”120.
Observa-se claramente que o quilombo é uma preocupação para o governo da Capitania
de Pernambuco, e que a dificuldade de se chegar até ele, é um fator que facilita seu crescimento,
uma vez que as ações militares para destruição do quilombo são complicadas. É interessante
perceber a denominação de seus moradores como “negros de Angolla”, sendo esta, como vimos
no capítulo anterior, uma das principais origens dos escravos da região nordeste brasileira nesta
época. Pelo fato de o mocambo representar uma ameaça à Capitania, inclusive pelo incentivo a
novas fugas de escravos para o acampamento, se legitima a necessidade de extinção da
comunidade. Por isso o governador declara planos de guerra contra os “negros fugitivos”,
abrindo “caminhos para os ditos Palmares”, até que a Capitania ficasse livre “deste dano que
tanto a ameaça”. O governador compara o perigo apresentado “por estes negros” com o que
sofreram pela invasão holandesa121.
Em outro documento, escrito em Lisboa em 6 de maio de 1681, são apresentados detalhes
das atividades militares de alguns candidatos ao posto de “capitão da Capitania do Seará”.
Fernão Carrilho destaca suas várias missões militares contra agrupamentos de escravos fugitivos,
sempre relatando a participação de guerreiros indígenas. Também relata guerras contra os
Palmares, em 1676, prendendo e matando vários negros, e em 1677, chegando até a Cerca Real
guarnecida de Zumbi, com uma segunda investida, já tendo intimado os “bárbaros”, retornou
com 180 “homens brancos e índios”. Decorrente desta guerra, os moradores das capitanias
próximas ficaram “quietos e livres das opressões dos bárbaros”122.
Neste trecho há uma clara depreciação do escravo negro, visto como “bárbaro” e
prejudicial à vida colonial, uma vez que com a guerra feita a sua comunidade resultou na
tranqüilidade dos moradores da região.
Algo semelhante aparece em outra carta de Fernão Carrilho, de 25 de junho de 1687,
comparando a guerra contra os holandeses a esta, empreendida contra os Palmares. Para o autor 120 Carta do Governador Fernão de Souza Coutinho sobre o “aumento dos Mocambos dos negros levantados que assistem nos Palmares”. Olinda, 1 de Junho de 1671. In.: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 133. 121 Carta do Governador Fernão de Souza Coutinho sobre o “aumento dos Mocambos dos negros levantados que assistem nos Palmares”. Olinda, 1 de Junho de 1671. In.: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 133. 122 Consulta do Conselho Ultramarino de 6 de Mayo de 1681, sobre a nomeação de pessoas para o posto de Capitão da Capitania do Ceará. E vai o papel que se acusa. Lisboa, 6 de Maio de 1681. In.: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 135-138.
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da carta “a rezão desta differença he, q- na guerra dos Olandezes era a vitoria do valor, nesta do
sofrim.to: lâ peleiavasse contra homens, cá contra a fome do certão contra o inaccessivel dos
montes, o impenetravel dos Bosques a contra os brutos, q- os habitão”123.
Diante disso, Fernão Carrilho, em 25 de junho de 1687, propôs um “remedio ao damno do
gentio dos palmares”. Para tanto, é exposto um plano para se extinguir os Palmares, para o qual a
presença de indígenas aldeados, chamados “indígenas domésticos”, é indispensável. Estes,
segundo o documento, deveriam se situar “por diversas p.tes dos Palmares; tanto pa q os negros,
não tenhão lugar seguro, em que habitar, como pa cativar, e impedir aos dos moradores, q-
fogirem”. No trecho seguinte, o capitão expõe seu plano de utilizar-se da inimizade entre os
palmarinos e os índios que habitam o sertão e vizinham Palmares, para que estes pudessem
pressioná-los a se entregar às tropas portuguesas. Aqui vale à pena analisar o excerto em que o
plano militar é descrito:
“He tãobem m.to de ponderar, q- os gentios bravos, q- sercão os Palmares, e todos os Mocambos dos negros, são seos acerrimos inimigos, e não só os dezeião destruir, mas comer; e com o tal gentio se pode ter comonicação, e persuadillos a vir sobre os negros com o interesse de augoa ardente da terra, facas e outras couzas, q- se lhes offereção; e sercados os Negros, e por este modo apertados do gentio pello certão, e dos nossos pella marinha, infallivelm.te antes hão de querer ser cativos, q- mortos.”124
Fica clara a aliança pretendida pelos portugueses com os indígenas, e não apenas com
aqueles indígenas que já estavam sob seu julgo, nos aldeamentos, mas também para com os
indígenas que habitavam regiões mais interiores, vizinhas a Palmares. Veremos que esta não foi
uma prática exclusiva aos portugueses, mas que também se mostrou imprescindível para as
atividades militares holandesas nessa região.
Em carta de 18 de fevereiro de 1694 fica claro que os Paulistas, cujo chefe militar era
Domingos Jorge Velho, para quem foi pedido auxílio para combater Palmares, têm suas tropas
formadas também por indígenas, neste caso “Tapuias”125. Em outra carta, de 15 de julho do
123 Copia de hua Carta de 25 de Junho de 1687-q- se escreveo de Pernãobuco sobre os negros dos Palmares. In.: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 160. 124 Copia de hua Carta de 25 de Junho de 1687-q- se escreveo de Pernãobuco sobre os negros dos Palmares. In.: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 162. 125 Carta do Governador de Pernambuco Caetano de Melo e Castro sobre a gloriosa restauração dos Palmares. Recife, 18 de Fevereiro de 1694. In.: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 195-196.
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mesmo ano, Jorge Velho enumera “800 e tantos índios” e 150 brancos compondo seu terço126. O
auxílio de indígenas nas atividades militares fica evidente no trecho da carta escrita por
Domingos Jorge Velho em 8 de fevereiro de 1694, em que este se apresenta:
“Domingos Jorge Velho Mestre de Campo e g.or de hum terço de infantaria da gente de Sam Paullo que vilutariam.te Anda servindo Rey nosso Senhor, na guerra contra os tapyua Rebelde Comedor de carnne umanna e do negro levantado do Palmar defençor e deminiztrador do gentio do cabello coredilho que esta de pás abeyra do Rio de Sam fran.co e athe aquelle do Marahão per Sua Mg.de que Ds. guarde.127”
Com a informação do documento anterior, de que a tropa dos Paulistas era composta por
tapuias, e como neste segundo documento Domingos Jorge Velho se intitula defensor e
administrador do “gentio do cabello coredilho”, percebemos que neste caso esse termo foi
empregado com referência aos tapuias de sua infantaria, diferenciando-os do “tapyua Rebelde
Comedor de carnne umanna”. Numa avaliação externa a esses grupos indígenas, ou seja, num
olhar dos portugueses sobre os costumes desses povos, eles se apropriam de termos
especificamente criados em alguns contextos para fazer diferenciações entre os indígenas aliados,
e os inimigos, bem como aos negros moradores do quilombo dos Palmares.
Até aqui os documentos analisados foram os de autoria portuguesa, constituindo-se em
cartas oficiais entre comandantes militares e a coroa portuguesa. Nesse caso, as descrições do
quilombo são breves, e servem para informar procedimentos militares de destruição do
assentamento. Não aparece, portanto, o elemento indígena no interior do quilombo, sendo este
apresentado como uma das principais forças de combate utilizada contra a comunidade. Outros
elementos de análise estão presentes nos documentos de origem holandesa, apresentando uma
descrição mais detalhada e diferenciada sobre o Quilombo dos Palmares.
126 Carta autografada de Domingos Jorge Velho em que narra os trabalhos e sacrifícios que passou e acompanha a exposição de Bento Sorrel Camiglio, procurador dos Paulistas. Outeiro da Barriga, 15 de Julho de 1694. In.: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 205. 127 Atestado passado pelo Mestre de Campo paulista Domingos Jorge Velho em que certifica que o Capitão Antonio Pinto Pereira assistiu com êle durante 22 dias em duas investidas que fizemos acerca dos negros. Palmares, 8 de Fevereiro de 1694. In.: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares (subsídios para a sua história). Op. Cit., p. 200.
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3.2.2. Documentos holandeses
Os documentos de origem holandesa selecionados para a pesquisa são de natureza diversa
dos portugueses. Diários, relatórios minuciosos de guerras e descrições do período de governo
holandês no Brasil trazem informações diferenciadas daquelas presentes nas cartas oficiais
trocadas entre militares e a coroa portuguesa. Tais documentos, muitas vezes, são mais extensos,
e a descrição sobre o inimigo, neste caso o Quilombo dos Palmares, é mais pormenorizada.
No Diário da viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645128 temos informações
importantes sobre as relações entre indígenas, negros e europeus. A entrada de João Blaer foi
acompanhada por indígenas e por holandeses. Nesse documento, a 23 de março de 1645, é
relatado que os holandeses acompanhados pelos indígenas queimaram Palmares “com todas as
casas existentes em roda bem como os utensílios nelas contidos, que eram cabaças, balaios e
potes fabricados ali mesmo”129. Este é um forte indício que nos releva um indício de que se
produzia cerâmica em Palmares, sendo sua cultura material de extrema importância para a
compreensão desse contexto.
Percebemos também, bem como nas fontes de origem portuguesa, que os indígenas eram
importantes guerreiros que participavam dos empreendimentos coloniais, como eram as guerras
para extinção do quilombo. Mas, alguns outros indícios revelam sua presença no interior de
Palmares.
Na História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil, de autoria de
Gaspar Barleus, um trecho do documento revela dados sobre uma das expedições contra
Palmares: “O chefe da empresa foi Rodolfo Baro, de ânimo audaz e destemido, o qual, reunindo
cem tapuias às suas demais fôrças e preparando-se para devastar e saquear os Palmares
pequenos, caiu sobre os grandes e destruiu-os a ferro e fogo130”. Em seguida aparece um trecho
bastante utilizado pela historiografia, como uma evidência da presença indígena no quilombo:
128 Este documento foi extraído da coleção de inéditos denominada Brieven en Papieren uit Brasilien (Cartas e papéis procedentes do Brasil) inicialmente traduzido do Holandês por Alfredo de Carvalho, e para esta publicação, revisado, em relação ao documento original, por José Antônio Gonsalves de Mello em 1988. Diário de viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645. In.: SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Op. Cit., p. 17-25. 129 Diário de viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645. In.: SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Op. Cit., p. 23. 130 BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Op. Cit., p. 304.
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“Levaram-se prisioneiros trinta e um, entre os quais sete índios e alguns mulatos de menor
idade”131.
Outro trecho não tão evidente sobre a presença indígena em Palmares, e também não
muito recorrente na historiografia, está presente no Diário da viagem do Capitão João Blaer aos
Palmares em 1645. Depois de os holandeses incendiarem Palmares, juntamente com os
indígenas, eles encontraram na região “um negro cheio de boubas132 em companhia de uma velha
brasiliense, escrava da filha do rei [de Palmares]133”. Devemos analisar com cuidado as
informações presentes nesse trecho do documento.
Primeiramente analisaremos o termo “brasiliense”, que parece ser um termo empregado,
sobretudo, neste documento, não aparecendo em outros de mesma origem. Segundo José
Gonsalves de Mello, “durante todo o período da dominação holandesa no Brasil, uma das
preocupações mais constantes de seu governo foi a de atrair e conservar a amizade dos
brasilianos – assim chamados os tupis – e dos tapuias”134. Nos documentos de origem holandesa
existe essa distinção entre um grupo e outro, com os termos “brasilianos” ou “tupis” em
diferenciação aos “tapuias”. A aliança holandesa com esses últimos é bem conhecida, como
mostra um trecho do documento escrito por Gaspar Barleus “é célebre no Brasil holandês o nome
dos tapuias, por causa do seu ódio aos portugueses, das guerras com os seus vizinhos e dos
auxílios mais de uma vez prestados a nós. Habitam o sertão brasileiro, bastante longe do
litoral”135, Mas já foi registrada na historiografia, o auxílio prestado pelos tupis aos holandeses.
Segundo Mello “os brasilianos não são cordeirinhos como pintam certas histórias das Índias
Ocidentais que li; são antes soldados valentes, prontos e audaciosos, como têm mostrado”136.
Podemos perceber que os holandeses fizeram alianças tanto com os tapuias como com os tupis,
sendo estes chamados de “brasilianos”.
131 BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Op. Cit., p. 305. 132 Boubas. Mal torpe, e açoute da luxuria. Chamouse assim por começar de ordinário por tumor de virilha, que em Grego se chama, Bourbon. Vid. Morbo Gallico Venérea Lues (ital.), ou Venerea luis morbus (ital.). In.: BLUTEAU. Vocabulário Portuguez e Latino oferecido a el Rey de Portugal D. João V pelo Padre D. Raphael Bluteau. Coimbra: 1712. p. 170. 133 Diário de viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645. In.: SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Op. Cit., p. 23. 134 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. Influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. Departamento de Cultura: Recife, 1979. P. 200. 135 BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Op. Cit., p. 260. 136 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. Influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. Op. Cit., p. 199.
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Já sabemos que o termo empregado para os tupis é “brasilianos”. Agora analisaremos o
documento “Diário de viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645” para compreender
essa terminologia em relação ao indígena, para retornar ao trecho do documento em que é
atestada a presença de uma “velha brasiliense”, que era escrava da família real em Palmares.
Em todo o diário não existe nenhum tipo de especificação do grupo indígena que
acompanhava os holandeses, a não ser o termo “brasilienses”. Devemos considerar a
diferenciação entre os holandeses e os índios, quando estes são citados em um mesmo trecho:
“neste dia [2 de março de 1645] mandamos nossa gente e os índios à procura de pegadas [de
negros]; mas nada encontraram, por isso ficamos ali aquela noite”137. Considerando que sua
tropa era formada por holandeses, indígenas e um negro138, fica clara a utilização do termo
“brasilienses” para se referir aos índios: “nesse dia [17 de março] esgotaram-se nossos víveres
bem como os dos brasilienses”.
Compreendendo o termo como caracterização de um grupo indígena, percebemos também
que os brasilienses não são tapuias. Retomamos o excerto da fonte holandesa, de autoria de
Gaspar Barleus, em que se descreve um dos ataques a Palmares: “O chefe da empresa foi Rodolfo
Baro, de ânimo audaz e destemido, o qual, reunindo cem tapuias às suas demais fôrças e
preparando-se para devastar e saquear os Palmares pequenos, caiu sobre os grandes e destruiu-
os a ferro e fogo139”. Agora analisaremos um outro trecho presente no diário anteriormente
citado, que se refere ao mesmo acontecimento:
“ao 19 do dito [de março de 1645] pela manhã caminhamos meia milha e chegamos ao outro Palmares, onde estiveram os quatro holandeses, com brasilienses e tapuias e incendiaram-no em parte, pelo que os negros abandonaram-no e mudaram o pouso para dali sete ou oito milhas para o sul, onde construíram um novo Palmares igual ao que precedentemente haviam habitado”140.
A partir disso, percebemos que a categoria brasilienses exclui os tapuias e, possivelmente,
deve ter sido empregado em relação aos tupis141.
137 Diário de viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645. In.: SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Op. Cit., p. 18. 138 Diário de viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645. In.: SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Op. Cit., p. 20. 139 BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Op. Cit., p. 304. 140 Diário de viagem do Capitão João Blaer aos Palmares em 1645. In.: SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Op. Cit., p. 21. 141 Deve-se levar em consideração a proximidade entre os termos brasilianos, convencionalmente empregado com referência aos tupis, e brasilienses, como aparece no diário, uma vez que estes documentos foram traduzidos do original em holandês, podendo ter ocorrido essa duplicidade dos termos.
46
Temos, portanto, algumas evidências da presença indígena no interior dos Palmares, ainda
que sua constância ou amplitude seja desconhecida nos documentos escritos. Em um dos trechos
examinados, inclusive, temos a informação de que a velha brasiliense era escrava da filha do rei.
Em meados da década de 1640, nove vilas de Palmares já eram documentadas142. A Cerca Real,
capital do quilombo, chamava-se Macaco143, localizada na chamada Serra da Barriga. A presença
dessa mulher indígena na área chamada Serra da Barriga, é um importante indício sobre a
possibilidade de ela estar relacionada à fabricação de cerâmica local, uma vez que o feitio da
cerâmica era atividade das mulheres, tanto em ambiente africano quanto ameríndio144.
A partir desses trechos de documentos portugueses e holandeses sobre o Quilombo dos
Palmares, podemos perceber suas contribuições para o estudo da presença indígena nesse
contexto. Primeiramente, analisando o aparecimento do elemento indígena nas fontes, fica claro
que, nos dois grupos de documentos, este grupo é sempre apresentado como um dos principais
combatentes nas guerras contra o quilombo. Nesse sentido, a presença indígena no interior dos
Palmares é silenciada, aparecendo esporadicamente, em documentos holandeses. Por este motivo,
talvez, que na historiografia menos recente de Palmares os indígenas não tenham sido
considerados heróis da resistência, símbolo que foi dedicado exclusivamente aos escravos
fugitivos negros.
É importante ressaltar o diagnóstico, presente em um dos documentos portugueses acima
analisados, da rivalidade entre grupos indígenas do interior e os moradores de Palmares, sendo
este também um recurso utilizado pelos portugueses para o combate ao quilombo. Esta passagem
evidencia uma relação conflituosa entre indígenas e moradores de Palmares, diferente do que até
então foi apresentado sobre a presença e influência indígena na região. Outro fator importante
que reflete a heterogeneidade e conflito nessa comunidade é o fato de uma indígena, de acordo
com o documento escrito de origem holandesa, ter sido escrava da família real do quilombo. Esta
informação, além da captura de outros indígenas em um dos combates contra o assentamento, nos
revela a possibilidade de discutir outros elementos sobre a história de Palmares, em detrimento de
sua concepção da resistência negra. Podemos discutir a escravidão indígena num espaço
142 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 17. 143 Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do Governador D. Pedro de Almeida de 1675 a 1678. In.: SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Op. Cit., p. 28. 144 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. Op. Cit., p. 40.
47
estigmatizado como espaço de luta pela liberdade, a presença indígena no interior dos Palmares,
bem como a presença indígena feminina e sua importância para a fabricação cerâmica local, já
que evidências da presença de potes feitos no quilombo aparecem nos documentos anteriormente
apresentados.
Para tanto, acreditamos ser de extrema importância o cruzamento de informações desses
documentos com os dados obtidos nas escavações do quilombo, para que seja possível ampliar a
compreensão dessas fontes e buscar novas possibilidades de interpretação dos grupos, cujo
entendimento, até pouco tempo, foi deixado de lado pela historiografia. Como observaremos em
seguida, a historiografia sobre Palmares foi durante muito tempo baseada na característica
africana da comunidade, negligenciando a amplitude do papel dos indígenas para seu
desenvolvimento.
3.3. A utilização desses documentos pela historiografia e movimentos sociais
Até início da década de 1990, toda a historiografia sobre Palmares era baseada nestes
documentos, constituindo então o que Allen chama de “história oficial” de Palmares. Para Allen,
esta história oficial pode ser entendida como aquilo que se tornou consenso ou a história que é
freqüentemente repetida e divulgada sobre o assunto145. É também, segundo o autor, o resultado
da análise das fontes documentais, interpretações de fatos históricos e reflexo das exigências
sociais e culturais para a construção e divulgação de uma história relevante de Palmares, que até
hoje faz parte do imaginário público e acadêmico146.
Este autor ainda aponta que essa história produzida sobre Palmares foi baseada,
principalmente, com o intuito de se estudar processos culturais e sociais, e de se encontrar
elementos em comunidades tidas como africanas, no Novo Mundo, que poderiam ser
relacionadas a antecedentes de culturas e sociedades africanas147.
145 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 28. 146 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 28. 147 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 28.
48
A procura por africanismos em Palmares levou a uma visão baseada quase
exclusivamente em seu caráter africano. Conseqüentemente, de acordo com a discussão
apresentada por Allen, a historiografia sobre o quilombo é afrocêntrica, enfatizando as
contribuições africanas ao quilombo e o papel do escravo negro para a origem e desenvolvimento
dessa comunidade148. Contudo, como aponta Allen, este foco no escravo africano não exclui
totalmente a percepção de outros elementos, como os indígenas, mas os analisa superficialmente,
sem se preocupar com a compreensão do papel destes para o desenvolvimento de comunidades
de escravos fugitivos149.
Por este motivo, segundo Allen, a história sobre Palmares como símbolo da luta pela
liberdade e resistência negra, com seu herói Zumbi, morto em 20 de novembro de 1695, é
bastante conhecida e atinge um público amplo fora da academia150. Para o autor, exemplos
heróicos em Palmares, continuam inspirando constantes lutas contra opressão e injustiças
sociais151. Portanto, Palmares ainda serve como referência para várias ações sociais, como a luta
por direitos de mulheres, homossexuais, trabalhadores e afro-brasileiros. Atualmente, como
aponta Allen, esta história oficial de Palmares, continua sendo divulgada nos meios artísticos para
o Brasil e o mundo152.
Para Allen, a história oficial de Palmares é fruto de interpretações acadêmicas dos
documentos escritos ligados a esse contexto e da comemoração do heroísmo em Palmares. Fica
evidente que Palmares e seus heróis têm um papel importante para a história da opressão negra e
é compreendido e acessível a um amplo e diverso público153.
148 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 28-29. 149 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 29. 150 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 6. 151 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 5. 152 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 6. 153 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 10-11.
49
A figura do Zumbi, segundo o autor, representa uma inspiração para muitas organizações
que continuam por lutar por direitos aos negros e contra a opressão, “talvez muitos esperam o
aparecimento de um futuro Zumbi”154.
Desta maneira, concordamos com Allen, quando este aponta, ao longo de sua pesquisa,
que as escavações arqueológicas em Palmares proporcionaram uma leitura alternativa de sua
história, como uma possibilidade de um estudo mais amplo sobre esta sociedade155. Neste
sentido, nos apoiamos na idéia de Orser e Funari de que “a cultura material pode ajudar-nos a
entender boa parte do que, hoje, permanece desconhecido sobre a vida cultural e social em
Palmares”156. A partir desta possibilidade, podemos analisar o papel dos indígenas para a origem
e desenvolvimento da comunidade de Palmares, uma vez que a utilização de fontes escritas e dos
elementos da cultura material, presentes nos relatórios de pesquisas arqueológicas, proporciona
um entendimento mais amplo das relações entre diferentes grupos étnicos na região.
154 Tradução de nossa autoria. ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 11. 155 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 84. 156 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 54.
50
4. Fontes para o estudo da cultura material em Palmares
Os documentos escritos por portugueses e holandeses, até recentemente, eram as únicas
fontes para se compreender Palmares. Com a possibilidade da pesquisa arqueológica na região,
pôde-se conhecer melhor sobre a vida diária daqueles que constituíram e viveram na área que
abrangia o quilombo, bem como sobre as relações entre os moradores desta comunidade e destes
com a sociedade local externa à área ocupada. Também se pode compreender um pouco melhor
sobre as relações dos colonizadores europeus com a população do quilombo, e com os indígenas
da região, que serviram de força militar para as investidas contra o acampamento de escravos
fugitivos.
Segundo Orser, os objetivos principais da pesquisa arqueológica em Palmares era o de
adquirir informações sobre o cotidiano dos moradores dessa comunidade, através de técnicas
multidisciplinares e abordagens da arqueologia histórica157. Diante disso, a pesquisa arqueológica
em Palmares proporcionou novas interpretações sobre a dinâmica dessa comunidade. Portanto,
tornou-se possível repensar vários elementos que até então eram apenas estudados através de
documentos escritos. Estes documentos, escritos pela elite européia, não davam conta das
particularidades desta sociedade, nem da visão dos moradores deste local. Percebe-se, portanto,
que a pesquisa arqueológica em Palmares proporcionou um novo entendimento histórico do
contexto palmarino.
Segundo Allen, em 1978, a Serra da Barriga se tornou um patrimônio histórico nacional, o
que despertou interesse em preservá-lo para o uso espiritual e turístico158. Diante de sua crescente
importância para visitantes, planejadores urbanos e pesquisadores, a Serra da Barriga também foi
reconhecida por seu potencial arqueológico, para que viesse a sustentar a “história oficial” de
Palmares159. As informações provenientes de pesquisas arqueológicas poderiam ser usadas para
157 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 8. 158 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 83. 159 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit. P. 83.
51
orientar a montagem de exibições, construção de caminhos, além de prover informação
“permitindo o público ver e vivenciar Palmares”160.
Acompanhando o crescimento da arqueologia histórica e percebendo a falta de estudos
sobre a resistência escrava em quilombos nas Américas, Pedro Paulo Funari reuniu um grupo de
estudiosos para constituir o Projeto Arqueológico de Palmares, em 1991. Segundo Allen, o
projeto proporciona uma história alternativa para Palmares, dando voz aos grupos
tradicionalmente reprimidos, além de desempenhar um importante papel no estudo da experiência
Africana no Brasil161.
O projeto arqueológico inicial para se estudar Palmares tomou corpo em junho de 1991,
quando Charles Orser, da Universidade Estadual de Illinois, na cidade de Normal, Estados
Unidos, foi convidado por Funari para participar de um ciclo de conferências em São Paulo,
Campinas e Santos. Nessas conferências, foram discutidas a arqueologia histórica e a arqueologia
da escravidão no Novo Mundo162. O projeto foi proposto após discussões entre Funari, Orser e
Clóvis Moura, que decidiram por um projeto de caráter multidisciplinar, congregando pesquisas
arqueológicas, históricas, geográficas e etnográficas sobre Palmares163.
Portanto, as primeiras pesquisas arqueológicas na região do quilombo dos Palmares foram
desenvolvidas por Charles Orser Jr, arqueólogo norte-americano; Michel Rowlands, africanista e
arqueólogo britânico; Clóvis Moura, historiador brasileiro e Pedro Paulo Funari, historiador e
arqueólogo brasileiro. Com ela obtiveram-se informações sobre o Quilombo dos Palmares que
não estavam presentes nos documentos escritos acima relacionados. Os objetos coletados na
pesquisa de campo na região da Serra da Barriga, Alagoas, correspondem a diferentes tradições
de produção cerâmica, incluindo cerâmicas com características européias e indígenas,
propiciando estudos que evidenciaram uma relação multiétnica dos Palmares.
A participação do antropólogo e arqueólogo africanista britânico Michel Rowlands, da
University College London, nas escavações arqueológicas iniciais em Palmares, em 1992, teve
apoio do Conselho de Pesquisa Britânico. Para a execução do projeto em sua fase inicial, nos
160 Tradução livre do original em inglês: ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 83. 161ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 84. 162 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana Op. Cit., p. 36. 163 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. Op. Cit., p. 37.
52
anos de 1992 e 1993, houve investimento de cinco órgãos financiadores internacionais, além da
participação do Núcleo de Estudos afro-brasileiros da Universidade Federal de Alagoas, dirigido
por Zezito de Araújo, e do Museu Théo Brandão, ambos em Maceió164.
Percebemos a amplitude do projeto arqueológico na região da Serra da Barriga, em que se
reuniram diversas instituições interessadas na pesquisa. Essa relação entre diferentes
pesquisadores proporcionou interpretações variadas a partir dos dados provenientes dessas
pesquisas preliminares na região, chamada Serra da Barriga.
4.1. A Serra da Barriga A Serra da Barriga, considerada a capital do quilombo, chamada de Angola Janga ou
Macaco165, segundo Orser e Funari, foi o local onde ocorreu a batalha final entre palmarinos e
portugueses, tradicionalmente concebido, portanto, como sede do último acampamento
quilombola166. Segundo Funari, esta área estende-se de leste a oeste por 4 km e tem uma largura,
de norte a sul, de 500 m a 1 km, como observado no mapa seguinte167.
164 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. Op. Cit., p. 37. 165 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 19. 166 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 65. 167 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. Op. Cit., p. 37.
53
Figura 1 – Região ocupada pela Serra da Barriga168
Esta área está entre 150 a 560 m de altitude, na zona da mata alagoana. O rio mais
próximo é o Rio Mandaú, a cerca de 3000 m a leste. A cidade de União dos Palmares localiza-se
do outro lado do rio, a 4500 m do limite leste da Serra da Barriga169.
168 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 15. 169 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares. Op. Cit., p. 58.
54
Figura 2 – Localização do quilombo no estado de Alagoas170
Essa comunidade foi estabelecida por escravos fugitivos no início do século XVII,
segundo Funari, a cerca de 60 km da costa171. Posteriormente, algumas vilas ocuparam uma faixa
de terra de aproximadamente 140 km, quase paralela à costa, numa distância entre 60 a 100 km
terra a dentro, nos atuais estados de Pernambuco e Alagoas172.
170 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. Op. Cit., p. 30. 171 FUNARI, Pedro P. The archaeological study of the African Diaspora in Brazil. In: Archaeology of Atlantic Africa and the African Diaspora. Ogundiran, A. e Falola, T. (orgs.), Indiana University Press: Indiana, 2007, p. 363. 172 ALLEN, Scott Joseph. A ´Cultural Mosaic´at Palmares? Grappling with the Historical Archaeology of a seventeenth century Brazilian Quilombo. Op. Cit., p. 144.
55
Figura 3 – Localização das vilas do Quilombo dos Palmares173
A partir da imagem podemos perceber que o termo Quilombo dos Palmares se refere ao
grupo de vilas e assentamentos de escravos fugitivos que existiram durante o século XVII nos
atuais estados de Pernambuco e Alagoas. Segundo Allen, durante os primeiros anos Palmares
teve seu nome originado em referência a grande quantidade de palmeiras existentes na região174.
Podemos perceber esse termo, já utilizado contemporaneamente à existência dessa comunidade,
em um trecho do documento: Relações das Guerras feitas aos Palmares de Pernambuco do
tempo do Governador D. Pedro de Almeida de 1675 a 1678:
“São as árvores principais Palmeiras agrestes, que deram ao terreno o nome de Palmares; são estas tão fecundas para todos os usos da vida humana, que delas se fazem vinho, azeite, sal, roupas; as folhas servem às casas de cobertura; os ramos de esteios, os frutos de sustento; e da
173 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 12. 174 ALLEN, Scott Joseph. A ´Cultural Mosaic´at Palmares? Grappling with the Historical Archaeology of a seventeenth century Brazilian Quilombo. Op. Cit., p. 144.
56
contextura com que as pencas se cobrem no tronco, se fazem cordas para todo o gênero de ligaduras, e amarras”175.
Segundo o relato, as palmeiras não apenas lhes serviram de nome, mas também proveram
sustento aos habitantes do quilombo. Para além dessas informações presentes nas fontes
documentais da época, as escavações iniciais em Palmares proporcionaram importantes
informações sobre o caráter arqueológico da Serra da Barriga, possibilitando o conhecimento de
vários aspectos sobre o cotidiano dessa comunidade.
4.2. Metodologia de Pesquisa do Projeto Arqueológico em Palmares Durante quase vinte anos, a região da Serra da Barriga sofreu modificações decorrente de
uma atividade intensa promovida por órgãos governamentais no intuito de preparar o local para
as comemorações anuais de Palmares. Contraditoriamente a este propósito, tratores nivelaram a
área e destruíram, do ponto de vista arqueológico, boa parte de sua superfície176.
Soma-se a estas atividades, a presença de posseiros a partir da década de 1960, que
provocaram um impacto, com o desenvolvimento de atividades agrícolas na região, não tão
grande quanto aquela descrita anteriormente177. Esses foram alguns fatores que causaram perda
de informações arqueológicas na área, cuja situação demandou a utilização de uma metodologia
específica para a localização dos sítios.
Orser e Funari afirmam que, com o projeto arqueológico, a equipe pretendia localizar e
pesquisar as 10 aldeias de Palmares, datadas entre 1670 e 1694. Mas, com a grande quantidade de
material encontrado na superfície do sítio da capital Macaco, na Serra da Barriga, a pesquisa foi
limitada a essa área178. A pesquisa tinha um objetivo simples, segundo os autores, não
pretendendo localizar, sistemática e cientificamente, todos os sítios da Serra da Barriga, mas
diagnosticar se após 300 anos de grande atividade agrícola ainda seria possível encontrar material
relacionado a Palmares do século XVII, coletando uma amostra representativa de cada sítio
175 SILVA, Leonardo Dantas (org.). Alguns Documentos para a História da Escravidão. Op. Cit., p. 28. 176 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 89. 177 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 88. 178 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 58.
57
encontrado179. Portanto, essa amostra de objetos coletados, demonstraria o tipo de material
arqueológico na região e possibilitaria a avaliação da variedade de materiais disponíveis para
pesquisas posteriores.
Segundo Orser e Funari, o projeto foi concebido desde o início como Arqueologia Social,
no sentido mais amplo da palavra. Em suas palavras: “Planejamo-lo, originalmente, como um
meio de estudar a escravidão, o quilombismo, a exploração e as relações sociais, tais como
refletidas na cultura material de Palmares, e procuramos fazer a história e a cultura de
Palmares acessível à sociedade brasileira”180.
Segundo Orser, um conhecimento inicial da área a ser pesquisado se deu por meio de
conversas com Eliana Moura de Almeida Soares, diretora do Museu Théo Brandão, em Maceió, e
com cientistas da Deutsche Gesellschaft fur Technische Zusammenarbeit (Sociedade Germânica
de Cooperação Tecnológica), que desenvolviam pesquisas na área. O Museu Théo Brandão, pelo
interesse nas pesquisas arqueológicas na Serra da Barriga, passou a ser o local oficial de
curadoria para todo o material obtido na pesquisa de campo181.
As pesquisas tiveram início em julho de 1992, e sua primeira etapa consistiu em um
levantamento de superfície, além das informações obtidas de moradores posseiros da Serra da
Barriga. Em seguida, segundo Orser, o procedimento foi escavar unidades teste, para determinar
a profundidade e preservação dos sítios182. Nesse processo, segundo os autores, foram
identificados 10 sítios, dos quais foram retirados 799 objetos183, selecionados para a coleta184, a
fim de constituir uma amostra significativa da variedade dos materiais presentes185.
179 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 58. 180 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 57. 181 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 16. 182 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 16. 183 Este material está guardado no Museu Théo Brandão, em Maceió, sob o controle da Universidade Federal de Alagoas. ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 65. 184 Os autores não utilizaram um método científico para selecionar os materiais a serem coletados, e aqueles que seriam deixados no local pesquisado. Para eles, uma coleta sistemática e controlada teria, sem dúvida, fornecido mais material, mas não apontaria mudanças no quadro geral obtido a respeito do caráter arqueológico da Serra da Barriga, já que a estratégia por eles utilizada forneceu informações apropriadas e adequadas. ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 65. 185 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 58 e 65.
58
Uma segunda etapa de campo foi realizada em julho de 1993, com a continuidade das
escavações186. Ao todo, foram pesquisados 14 sítios, dos quais foi coletada uma amostra
representativa de materiais. Segundo Funari, o material coletado nas duas etapas da escavação
teve um resultado de 2448 artefatos, sendo estes 91% cerâmica comum, 4,5% porcelana, 1,3%
material lítico, 0,6% vidro, 0,1% metal e 1,9% outros materiais187.
Figura 4 – Localização dos sítios arqueológicos na Serra da Barriga188
4.3. Resultados das escavações de 1992 e 1993 Segundo Orser, o sítio 1 está localizado na área do monumento principal da Serra da
Barriga, onde é feita a comemoração anual de Palmares. A área é de aproximadamente 100 m por
186 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. Op. Cit., p. 37. 187 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. Op. Cit., p. 38. 188 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. Op. Cit., p. 38.
59
130 m, e está em um dos pontos mais altos da montanha, cujo cume localiza-se a sudoeste deste
sítio. Em seu limite oeste encontra-se uma estátua de Zumbi e um mastro com bandeiras189.
Figura 5 – Mapa do sítio 1190
Segundo Orser e Funari, o fato de este sítio arqueológico estar localizado na área
considerada a capital do quilombo dos Palmares e de terem sido encontrados uma grande
quantidade de artefatos em sua superfície, foram realizados testes sistemáticos no subsolo, com o
intuito de obter informações sobre a profundidade, natureza e preservação do sítio191. Foram
escavadas unidades teste de 25 a 45 cm quadrados, a cada 10 m, partido do centro do sítio
189 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 19. 190 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. A arqueologia de Palmares. Sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. Op. Cit., p. 39. 191 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 59.
60
(estipulado a 50 m a leste do monumento das bandeiras), nas quatro direções cardeais. Essas
unidades foram designadas pela distância e orientação em relação ao ponto central. Portanto, por
exemplo, a unidade teste a 40 m a sul desse ponto foi chamada de 40S192.
Essas escavações revelaram que o solo nesse local consistia em duas camadas ou níveis.
O estrato superior apresentou uma coloração mais escura e a camada inferior constitui o nível
culturalmente estéril193.
Na unidade teste 40N, a 40 cm da superfície atual, foi encontrado um grande vaso
cerâmico intacto. O vaso, piriforme (forma de pêra invertida), media cerca de 71 cm de diâmetro
e 69 cm de comprimento, cujas paredes tinham uma espessura de cerca de 3 cm194. Segundo
Funari e Orser, em seu interior havia terra e fragmentos cerâmicos e no solo, no topo do
recipiente, havia um vasinho fragmentado, mas completo. Sua espessura era de 0,54 cm, com
diâmetro calculado em cerca de 36 cm, de cor negra, baixo e achatado, com paredes inclinadas e
lábio marcado195.
Dois machados líticos também foram encontrados, em associação ao grande vaso
cerâmico. Estes estavam na parte externa superior do vaso, em posição vertical, com seus gumes
voltados para baixo. O menor deles media 9,24 cm de comprimento, 5,17 cm de largura e 3,48
cm de espessura. O outro machado contava com 15,83 cm de comprimento, 6,88 cm de largura e
5,24 de espessura196. Segundo Allen, estes machados não demonstram sinais de uso197.
Além dessa ocorrência, fragmentos semelhantes ao do grande vaso cerâmico localizado a
40N do ponto central foram encontrados por boa parte do sítio198. A 2 m a sudeste do ponto
central foi identificada uma concentração cerâmica semelhante ao tipo cerâmico do mesmo vaso
cerâmico citado acima. Essa concentração consistia em 13 fragmentos grandes e espessos199.
192 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 19. 193 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 19. 194 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 59. 195 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 59. 196 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 25. 197 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 99. 198 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 25. 199 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 28.
61
Na estratigrafia do sítio 1, a leste do ponto 50N, foram revelados 3 níveis diferentes em
relação à acumulação de material, além dos usuais dois níveis. Os primeiros 30 cm revelaram
uma mistura de diferentes materiais, cerâmica, material lítico, vidro e metal. A segunda camada
de solo, com 10 cm de espessura, revelou cerâmicas torneadas, juntamente com outros tipos de
cerâmica, em presença de material moderno. O nível 2, segundo Orser corresponde à época de
Palmares, século XVII. O nível mais abaixo é culturalmente estéril200.
O sítio 3 foi escavado a 400 m a sudoeste do sítio 1 e revelou três principais tipos
diferentes de cerâmica, associados contemporaneamente. Em sua superfície foram coletados 19
objetos, dentre eles alguns fragmentos semelhantes àqueles do grande vaso do sítio 1, bem como
aos do sítio 2; maiólica européia ou louça vidrada e fragmentos de louça não vidrada comum,
além de algumas evidências de cerâmica tupinambá.201 Em uma unidade de escavação foram
encontrados 132 fragmentos desses três tipos cerâmicos associados, o que evidencia sua
contemporaneidade202.
Um dos tipos cerâmicos é de confecção local, a cerâmica de Palmares, feita em torno ou
em formas pequenas e rasas, em temperatura baixa, com fundo plano e alisada com os dedos no
interior203. Ela tem um corpo trabalhado, sem vibrado e de coloração canela. Estas cerâmicas
apresentam uma mistura de tradições ceramistas africanas e indígenas204, sendo que alguns vasos
assemelham-se tanto a potes tupinambá, quanto a jarros ovimbundu de Angola205. Outra
característica importante dessa cerâmica é sua ocorrência apenas nesse local, não tendo sido
identificada em nenhum outro lugar206.
Outro grupo de cerâmica identificado no sítio 3 é a chamada pelos pesquisadores207 como
cerâmica comum, feita à mão, opaca e sem utilização de torno208. Sua coloração varia entre tons
de marrom e de vermelho.
200 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 28. 201 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 31. 202 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 62. 203 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 22. 204 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 32. 205 FUNARI, Pedro Paulo A. “Heterogeneidade e Conflito na Interpretação do Quilombo dos Palmares”. Op. Cit., p. 23. 206 FUNARI, Pedro P. The archaeological study of the African Diaspora in Brazil. Op. Cit., p. 364. 207 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 60.
62
O terceiro tipo é a majólica colonial, porém nenhuma peça encontrada nesse sítio é
considerada a majólica fina. Os fragmentos coletados são de uso corriqueiro, vidrados em tons de
amarelo ou verde, sendo apenas um deles decorado com duas faixas paralelas avermelhadas.
Para Orser e Funari, a associação desses três tipos principais de cerâmica encontrados
num mesmo nível de solo sugere que eram contemporâneos. Nesse caso, pode-se supor que o
grande vaso cerâmico encontrado no sítio 1 também pertença à época colonial209.
4.4. Resultados das escavações de Allen em Palmares Segundo Allen, antes de 1996, quando o autor iniciou sua pesquisa na área, o Projeto
Arqueológico Palmares contribuiu para a discussão da historiografia ligada a esse contexto e
também para demonstrar a possibilidade para futuras pesquisas210. Sendo assim, a arqueologia
possibilitou uma compreensão mais ampla e profunda sobre a Diáspora Africana, de maneira
geral, sobretudo no contexto colonial, como é o caso de Palmares.
Influenciado por essa possibilidade, Allen iniciou sua pesquisa na região em 1996,
pretendendo utilizar e revisar os dados das pesquisas anteriores e provar a hipótese da etnogênese
de uma cultura palmarina, para a qual a influência indígena seria importante. O autor afirma que
Palmares é um dos sítios arqueológicos mais conhecidos, tendo em vista o grande número de
publicações por Funari sobre as pesquisas ali desenvolvidas. Em suma, o autor pretendia, com
sua pesquisa, a construção de uma história arqueológica da Serra da Barriga, possibilitando a
análise da presença dos elementos não africanos em Palmares211.
Para sua pesquisa, Allen dividiu a região em áreas de acordo com aspectos geográficos e
culturais. O pesquisador realiza uma análise da estratigrafia das áreas selecionadas, conforme
208 ORSER, Jr., Charles E. In search of Zumbi: Preliminary Archaeological Research at the Serra da Barriga, State of Alagoas, Brazil. Op. Cit., p. 31. 209 ORSER, Charles E. e FUNARI, Pedro Paulo A. “Pesquisa Arqueológica Inicial em Palmares”. Op. Cit., p. 62. 210 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 85. 211 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 85.
63
figura abaixo, para diagnosticar os níveis de ocupação e compreender as influências indígenas
para a cultura em Palmares212.
Figura 6 – Áreas pesquisadas por Allen em relação aos sítios das escavações anteriores213
A estratigrafia revelou três níveis de ocupação, além da superfície e do nível
culturalmente estéril. Na superfície foram coletados fragmentos de cerâmica de diversos tipos e
de metal, muitos deles derivados de atividades intensas que modificaram contextos
arqueológicos214. No nível I, que varia entre 7 a 13 cm de espessura, revela um material
semelhante ao da superfície, com grande evidência de fragmentos cerâmicos, mas com menor
incidência de material moderno215.
O solo do nível II é mais compacto que o do nível anterior, e não apresentou artefatos
historicamente identificados como do século XVIII em diante, tendo aparecido materiais líticos
trabalhados. A presença de estruturas que identificam postes de madeira, artefatos como restos de
metais e cerâmicas torneadas indicam, segundo Allen, que este nível pertence ao período
histórico de Palmares216.
212 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 101. 213 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 102. 214 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 107. 215 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 107. 216 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 108.
64
Em seqüência, o nível III, com solo ainda mais compacto que o da camada acima,
apresenta pouca cerâmica e material lítico trabalhado. Contudo, a porcentagem de material lítico
neste nível, considerando todos os materiais encontrados, é maior que no nível anterior. O nível
IV corresponde à camada historicamente estéril ou que não apresenta artefatos217.
Pode-se perceber que, em ambos os projetos de escavação em Palmares, os artefatos
cerâmicos correspondem à maioria do material encontrado. Na pesquisa arqueológica de Allen,
98% do material encontrado é cerâmica218 e no Projeto Arqueológico em Palmares esse tipo de
material corresponde a 95,5% do total219.
Na área A, Allen encontrou uma urna sem decoração depositada no nível III, atingindo o
nível culturalmente estéril. Sem indícios de alteração na matriz do solo adjacente à urna, Allen
acredita que esta tenha sido acomodada num buraco feito propriamente para sua colocação.
Associados à urna, foram encontradas três manchas circulares que podem indicar o uso de uma
espécie de tripé ou apoio para depositar a cerâmica no local. Não foram encontrados materiais no
exterior da vasilha, mas em seu interior continha fragmentos cerâmicos, que provavelmente
seriam de sua tampa, além de um dente de um adolescente220.
Comparando a urna da área A com outra vasilha encontrada na área C, esta é
consideravelmente menor e estava depositada desde o nível II, passando pelo nível III e alguns
centímetros superiores do nível IV221. Essa cerâmica estava associada com restos de metais e
estava acomodada sobre uma grande pedra. Nesse caso, o buraco para acomodar a urna era
amplo, tendo uma boa folga entre a urna e as paredes da cavidade em que se encontrava. A
escavação da área e análise da cerâmica revelou a ausência de restos humanos, bem como de
artefatos comumente ligados a funerais Aratu, como colares e materiais líticos222. A partir dessas
217 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 108. 218 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 112. 219 FUNARI, Pedro P. The archaeological study of the African Diaspora in Brazil. Op. Cit., p. 364. 220 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 121. 221 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 121. 222 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 122.
65
características podemos considerar esta vasilha como sendo utilizada para armazenagem de
comida. Tal prática, segundo Allen, está associada a tradições de vários grupos africanos223.
Segundo Allen, a maior parte da área escavada na Serra da Barriga é sem dúvida uma área
de cemitério indígena, onde foram encontradas várias urnas de tamanhos variados. Também
foram encontrados fragmentos de cerâmica tupinambá no nível de solo relacionado ao período
histórico do quilombo dos Palmares224. Outros fragmentos cerâmicos encontrados na Serra da
Barriga foram comparados a achados arqueológicos em Senador Georgino Avelino, na região
nordeste do estado do Rio Grande do Norte. Essa cerâmica é classificada como Papeba, não
filiada a nenhuma tradição ceramista conhecida225, mas segundo Allen, atribuída a indígenas pré-
tupiguarani226.
4.5. A cultura material e a compreensão do Quilombo dos Palmares Estas informações presentes no relatório das pesquisas arqueológicas executadas em 1992
e 1993, publicado por Orser, e em outros trabalhos publicados por Funari; bem como os dados
presentes na dissertação de doutorado de Allen, em que existe uma reinterpretação dos dados
referentes à pesquisa anterior e também das evidências obtidas na escavação da Serra da Barriga
em 1996 e 1997, nos dão condições de ampliar a análise dos documentos escritos e, portanto, da
discussão de elementos até então pouco conhecidos sobre esse contexto.
A partir da análise desses dados das duas pesquisas arqueológicas em Palmares,
verificarmos que uma grande quantidade do material cerâmico encontrado é atribuída à tradição
cerâmica Aratu. Tanto o grande vaso cerâmico relatado por Orser, como as demais ocorrências de
fragmentos cerâmicos semelhantes espalhados pela Serra da Barriga, como os posteriores
achados nas escavações desenvolvidas por Allen, são indícios da ocupação indígena na área,
tanto em contextos anteriores a Palmares quanto contemporâneos.
223 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 122. 224 Ibdem, p. 165. 225 LUNA, Suely. “As pesquisas arqueológicas sobre cerâmica no nordeste do Brasil”. Canindé, Revista do Museu de Arqueologia de Xingo, no 8, dezembro de 2006. 226 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 164.
66
Na arqueologia brasileira é quase consenso que as regiões montanhosas de Alagoas foram
habitadas por uma cultura arqueológica denominada Aratu227. E deve-se considerar que a tradição
Aratu no nordeste tem uma datação aproximada entre 1000 e 1500 a.D. na Bahia. Essa tradição
difundiu-se pelo nordeste e outras áreas próximas, atingindo a norte o Ceará e a oeste Goiás 228.
Deve considerar, portanto, a possibilidade de contato entre esses indígenas e os escravos fugitivos
que constituíram Palmares numa das áreas de povoamento dessa tradição indígena. Segundo
Allen, grande parte das cerâmicas escavadas no Projeto Arqueológico do início da década de
1990, bem como seu projeto efetuado entre 1996 e 1997, são atribuídas à tradição Aratu229, como
podemos observar na descrição do sítio 1, escavado em 1992, e nas áreas A e C, escavadas por
Allen. Além dessas evidências, segundo Allen, quando foi iniciada a preparação do local para as
comemorações de Palmares, em 1988, em que tratores rasparam o solo, foram encontradas urnas
semelhantes àquelas coletadas nas pesquisas arqueológicas na Serra da Barriga. Essas urnas
continham esqueletos e outros objetos em seu interior230.
Allen relata que, em 1998, retirou de banheiros públicos três recipientes piriformes
pequenos atribuídos a essa mesma tradição cerâmica. Dois deles continham restos humanos,
sendo o terceiro utilizado como tampa de um anterior231.
Desta maneira, o estudo da cultura material nos proporciona entender a complexidade do
contexto sócio-cultural em Palmares, em que indígenas, não apenas “tupis” ou “tapuias” como
mostram as fontes escritas, se relacionavam nesse espaço. Por um lado, a concentração desse tipo
cerâmico na área revela a possibilidade de ocupação indígena anterior ao surgimento do
Quilombo na região, e também sugere o contato entre aqueles que povoavam a região e os
escravos fugitivos que se dirigiam para aquele local.
Essa confluência cultural em Palmares, não apenas pelo contato direto entre diferentes
grupos étnicos, mas também pela influência de padrões culturais não africanos, para além da
compreensão apenas de seu caráter de comunidade de escravo negro, como comumente apresenta
227 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 152. 228 MARTIN, Gabriela. “O povoamento Pré-histórico do vale do São Francisco”. Projeto Arqueológico de Xingo. Caderno de Arqueologia 13, 1998. p. 24. 229 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 118. 230 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 119. 231 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 120.
67
pela historiografia, é percebida por meio de estudos arqueológicos. Na pesquisa desenvolvida
inicialmente em Palmares, principalmente por Funari e Orser, em que foram encontrados
diferentes tipos cerâmicos associados em um dos sítios, dentre eles cerâmica de feitio local e
peças de majólica colonial, revelam que o quilombo não era uma comunidade isolada da
sociedade colonial. A utilização de material cerâmico europeu de uso não corriqueiro sugere uma
interação, ainda que pouco compreendida, possivelmente entre palmarinos e moradores de
fazendas próximas. Outro fator importante que evidencia influências indígenas no assentamento,
está justamente na produção cerâmica local. Como anteriormente observado em um dos
documentos escritos, os palmarinos confeccionavam potes de cerâmica, e através da análise
arqueológica pode-se diagnosticar características semelhantes a vasos indígenas e africanos.
Sobretudo, as pesquisas arqueológicas na Serra da Barriga, região do Quilombo dos
Palmares amplia nossa compreensão a seu respeito. Questões que antes da década de 1990 não
eram contempladas pela historiografia, ou que eram apenas superficialmente compreendidas,
puderam ter um esclarecimento maior. Nesse sentido, o quilombo dos Palmares, analisado agora
pela associação de informações de documentos escritos e da cultura material, passa a ser
entendido como um local de complexas relações sociais, internas e com a sociedade externa à
comunidade, em que o indígena é tido como um importante personagem para o desenvolvimento,
e não apenas para a destruição do quilombo.
68
Conclusão
A partir dessas informações da cultura material em Palmares, podemos compreender
alguns aspectos da presença indígena, que não nos são elucidados apenas com a utilização dos
documentos escritos contemporâneos a essa comunidade. Isso tem sido evidenciado na
historiografia sobre esse tema até meados da década de 1990, quando ainda não tinham sido
executadas as escavações arqueológicas na área.
A historiografia de Palmares, como analisamos ao longo do trabalho, se desenvolveu
principalmente durante o último século, resultando no entendimento do caráter africano dessa
comunidade, que se tornou símbolo para a resistência escrava negra no Brasil. Esta ênfase
silenciou a importância da presença de elementos não africanos na comunidade, sendo grupos
como os indígenas apresentados apenas como uma vaga possibilidade de pertença a esse
contexto, uma vez que as fontes escritas não davam conta de uma compreensão mais profunda
sobre a dimensão dessas relações multiétnicas.
Nos documentos portugueses e holandeses sobre o Quilombo dos Palmares, como
percebemos por meio de sua análise, a presença indígena é associada principalmente a relações
com os colonizadores europeus, em atividades militares que pretendiam destruir o assentamento.
Em contraposição, temos apenas casos pontuais nas fontes holandesas em que se observa a
presença de índios no interior do mocambo. Nesse sentido, a historiografia até o final do século
XX, tendo como fontes tais documentos, tem atribuído ao indígena participação fundamental em
conflitos contra o quilombo, o que provocou sua destruição por volta de 1695, sendo
desconsiderada a possibilidade de sua influência para o desenvolvimento dessa comunidade.
É a partir do estudo da cultura material, desde 1990, com as primeiras escavações
arqueológicas em Palmares, em diálogo com os documentos escritos, que se pôde ter uma
dimensão da influência desse grupo para a constituição e manutenção do assentamento. Os
achados arqueológicos evidenciam, por um lado, a ocupação indígena na atual região do sertão
nordestino anterior e possivelmente até o início da época colonial, abrangendo a área em que se
constituiu o quilombo. E mais especificamente, no contexto do século XVII, a presença indígena
no interior da comunidade, uma vez que a cerâmica ali produzida apresentou influências de
tradição ceramista ameríndia e africana. Além disso, compreendemos que as denominações a
69
indígenas que aparecem nas fontes do século XVII, acabam por fechá-los em grupos que se
distinguem entre “tupis” e “tapuias”, não contemplando sua diversidade étnica. No entanto, a
partir das fontes arqueológicas, temos informações da presença de diversas tradições cerâmicas
na região, como a Tupiguarani, Aratu e Papeba, ampliando a compreensão da heterogeneidade e
dinamicidade do quilombo.
Sobre este aspecto, Allen tem apontado ao longo de seu trabalho a constituição de uma
identidade Palmarina específica, em que elementos culturais diversos tenham sido agrupados no
sentido de se diferenciar dos não-palmarinos. Allen justifica sua hipótese de etnogênese, negando
a compreensão de uma identidade palmarina homogênea, mas demonstrando a possibilidade de
diferenças culturais no interior do quilombo232.
Ao longo de seu estudo dos resultados da arqueologia na região da Serra da Barriga, Allen
endossa as discussões sobre a importância da influência indígena no quilombo, que para ele
comporta três possibilidades: que indígenas ainda ocupavam ou utilizavam a área quando os
escravos fugitivos chegaram no local no século XVII; que os índios teriam abandonado o local,
posteriormente ocupado por indígenas e fugitivos durante o século XVII; ou que os escravos
fugitivos deslocaram os nativos da área, com quem estabeleceram e mantiveram relações de troca
e/ou adotando em alguma medida seus costumes233.
Nesse caso, podemos perceber que Allen, apesar de ter anteriormente apresentado a
possibilidade de, mesmo com a etnogênese de uma identidade palmarina, compreender as
diferenças culturais no interior do quilombo, ele o faz no sentido de estabelecer nesse meio uma
relação de aproximação e auxílio entre os diferentes elementos étnicos, cujo resultado seria um
grupo que se percebia como tal, em oposição a outras identidades. Mesmo negando ter
compreendido os palmarinos como um grupo homogêneo e coeso, acreditamos que sua análise
acaba por deixar a possibilidade de conflitos no contexto quilombola.
Allen inclusive aponta para a ausência, nos documentos escritos, da menção a hostilidades
entre palmarinos e indígenas da região. O autor afirma que apenas quando acompanhados dos
europeus, os nativos são apresentados pelas fontes escritas em contextos de hostilidades com os
232 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 127. 233 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 166.
70
moradores do quilombo234. Essa análise acaba por desconsiderar conflitos entre grupos indígenas
da região e os habitantes do quilombo. Contudo, um dos documentos estudados apresenta essa
rivalidade entre palmarinos e indígenas vizinhos, que é utilizada pelos portugueses como meio de
intimidar os quilombolas, uma vez que estariam de um lado cercados pelas tropas portuguesas e
indígenas aliados, e de outro pelos “gentios bravos, q- sercão os Palmares”, “seos acerrimos
inimigos”.
Nesse ponto, apresentamos uma das contribuições dessa monografia. Com o uso das
fontes escritas e da cultura material de palmares, podemos explorar evidências do conflito,
heterogeneidade e dinamicidade cultural no quilombo. Em seu trabalho, Allen utilizou os
documentos escritos da época apenas para elucidar o contexto do desenvolvimento dessa
comunidade de escravos fugitivos, que passou a ser combatido pelos europeus, e para apontar a
utilização destes pela historiografia, que até a realização das escavações na Serra da Barriga,
apresentava visões restritas sobre as relações culturais nesse local.
Contudo, os documentos escritos da época nos trazem informações importantes para o
endossamento das discussões sobre o cotidiano da comunidade. Elementos como a existência de
rivalidades entre indígenas e quilombolas, como visto anteriormente, a presença de cerâmica de
feitio local, e de indígenas no interior do quilombo, inclusive de uma “velha brasiliense” escrava
do rei de Palmares, analisados a partir da constatação arqueológica da distribuição de cerâmica
indígena na região, bem como tradições cerâmicas ameríndias e africanas na produção da
cerâmica palmarina, nos proporcionam compreender a complexidade cultural do quilombo.
Inclusive a presença de uma indígena escrava de um escravo fugitivo negro, rei de Palmares, para
além de nos fazer entender essa complexidade e heterogeneidade desse espaço, nos revela que as
relações entre indígenas e negros nem sempre eram de cooperação, mas também de conflito.
Portanto, questões a serem ainda melhor discutidas, como a presença indígena feminina
no interior do quilombo, a produção cerâmica local, a escravidão indígena num local
estigmatizado como símbolo de resistência contra a escravidão, sem dúvida têm na relação entre
documentos escritos e fontes da cultura material um instrumento de investigação mais eficaz do
que apenas um ou outro. Concordamos com Siân Jones quando a autora afirma que a utilização
das diferentes categorias documentais, escritas e da cultura material, oferece contribuições para o
234 ALLEN, Joseph Scott. Zumbi Nunca Vai Morrer – History, race, politics, and the practice of Archaeology in Brazil. Op. Cit., p. 155-156.
71
estudo da etnicidade235. Nesse sentido, pela ampliação das possibilidades de leitura do quilombo,
após a realização de escavações na Serra da Barriga, em 1990, compreendemos a importância
dessa relação interdisciplinar entre História e Arqueologia, tornando o cotidiano do quilombo
mais complexo, diferentemente do que a historiografia baseada apenas em documentos escritos
comumente apresentou.
235 JONES, Siân. Historical categories and the praxis of identity: the interpretation of ethnicity in historical archaeology. Op. Cit., p. 219-232.
72
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