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Universidade Federal do Paraná Departamento de Saúde Comunitária Disciplina de EPIDEMIOLOGIA – Texto para leitura GREENBERG, Raymond S.; DANIELS, Stephen R.; FLANDERS, W. Dana, ELEY, John Willian; BORING III, John R. Epidemiologia Clínica. Trad. Jussara Burnier. – 3.ed. Porto Alegre : Artmed, 2005. Capítulo 13 Interpretação da literatura epidemiológica PERFIL DO PACIENTE Uma contadora de 40 anos de idade visitou seu médico para um exame de rotina. No ano anterior havia sido diagnosticado câncer de mama em sua mãe e a paciente queria um aconselhamento sobre o que ela deveria fizer para reduzir o seu risco de desenvolvimento da doença. A paciente tinha dois filhos, de 6 e 8 anos, boa saúde, ciclos menstruais regulares e um exame de Papanicolau recente e mamografia normais. Ao responder as perguntas da paciente sobre o câncer de mama, o médico confirmou que uma história familiar positiva aumenta o risco de desenvolvimento da doença. Várias outras características estão associadas com um risco reduzido de câncer de mama, como uma primeira gravidez a termo em idade jovem e um grande número de gestações. Infelizmente, tais fatores não são facilmente suscetíveis a uma intervenção e a paciente já havia completado seu ciclo fértil. O médico também estava a par de uma controvérsia a respeito da relação entre a ingesta de gordura e a ocorrência câncer de mama. Contudo, antes de recomendar que a paciente reduzisse a sua ingestão de gorduras o médico preferiu revisar a literatura médica pertinente. INTRODUÇÃO As recomendações que os médicos fazem aos pacientes dependem do estado natural de conhecimento disponível a respeito das doenças, da fisiopatologia subjacente às mesmas e do tratamento mais eficaz para elas. A base de conhecimento da medicina clínica está continuamente se expandido e os profissionais devem, portanto, desenvolver métodos para buscar e aplicar novas informações. Trata-se de um processo complicado quando os resultados encontrados na literatura são inconclusivos ou conflitantes. A' publicação de artigos mesmo nos periódicos mais respeitados, não garante que as conclusões dos investigadores são válidas, ou mesmo que sejam válidas, relevantes à prática diária de um médico em particular. A história da medicina inclui incontáveis exemplos de terapias que foram amplamente aceitas, mas que, posteriormente, se mostraram ineficazes ou mesmo danosas ao paciente. Os clínicos devem desenvolver habilidades que os permitam atualizar e reavaliar o seu conhecimento, capacitando-os a fornecer um tratamento ideal ao paciente. PESQUISANDO A LITERATURA O primeiro passo para a aquisição de novos conhecimentos médicos é a localização da literatura adequada. Trata-se de uma tarefa cada vez mais difícil, à medida que o número de revistas médicas aumenta a cada ano. Não é possível para qualquer médico ler, à proporção que é publicado, tudo o que é relevante à

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Universidade Federal do Paraná Departamento de Saúde Comunitária Disciplina de EPIDEMIOLOGIA – Texto para leitura GREENBERG, Raymond S.; DANIELS, Stephen R.; FLANDERS, W. Dana, ELEY, John

Willian; BORING III, John R. Epidemiologia Clínica. Trad. Jussara Burnier. – 3.ed. Porto Alegre : Artmed, 2005.

Capítulo 13 Interpretação da literatura epidemiológica

PERFIL DO PACIENTE

Uma contadora de 40 anos de idade visitou seu médico para um exame de rotina. No ano

anterior havia sido diagnosticado câncer de mama em sua mãe e a paciente queria um

aconselhamento sobre o que ela deveria fizer para reduzir o seu risco de desenvolvimento da doença.

A paciente tinha dois filhos, de 6 e 8 anos, boa saúde, ciclos menstruais regulares e um exame de

Papanicolau recente e mamografia normais.

Ao responder as perguntas da paciente sobre o câncer de mama, o médico confirmou que uma

história familiar positiva aumenta o risco de desenvolvimento da doença. Várias outras

características estão associadas com um risco reduzido de câncer de mama, como uma primeira

gravidez a termo em idade jovem e um grande número de gestações. Infelizmente, tais fatores não

são facilmente suscetíveis a uma intervenção e a paciente já havia completado seu ciclo fértil. O médico também estava a par de uma controvérsia a respeito da relação entre a ingesta de gordura e

a ocorrência câncer de mama. Contudo, antes de recomendar que a paciente reduzisse a sua ingestão

de gorduras o médico preferiu revisar a literatura médica pertinente.

INTRODUÇÃO

As recomendações que os médicos fazem aos pacientes dependem do estado natural de conhecimento disponível a respeito das doenças, da fisiopatologia subjacente às mesmas e do tratamento mais eficaz para elas. A base de conhecimento da medicina clínica está continuamente se expandido e os profissionais devem, portanto, desenvolver métodos para buscar e aplicar novas informações. Trata-se de um processo complicado quando os resultados encontrados na literatura são inconclusivos ou conflitantes. A' publicação de artigos mesmo nos periódicos mais respeitados, não garante que as conclusões dos investigadores são válidas, ou mesmo que sejam válidas, relevantes à prática diária de um médico em particular. A história da medicina inclui incontáveis exemplos de terapias que foram amplamente aceitas, mas que, posteriormente, se mostraram ineficazes ou mesmo danosas ao paciente. Os clínicos devem desenvolver habilidades que os permitam atualizar e reavaliar o seu conhecimento, capacitando-os a fornecer um tratamento ideal ao paciente.

PESQUISANDO A LITERATURA

O primeiro passo para a aquisição de novos conhecimentos médicos é a localização da literatura adequada. Trata-se de uma tarefa cada vez mais difícil, à medida que o número de revistas médicas aumenta a cada ano. Não é possível para qualquer médico ler, à proporção que é publicado, tudo o que é relevante à

sua prática. Felizmente, está disponível a ajuda de vários tipos para assistir na pesquisa literária quando necessário.

Com o advento da tecnologia dos computadores, tornou-se possível procurar a literatura médica de forma automatizada. Por exemplo, uma busca por meio de um banco de dados padronizado, como o Medline, pode ser realizada para reunir uma lista de artigos possíveis de interesse. O Medline é um banco de dados de artigos publicados em qualquer uma de cerca de 4.000 revistas biomédicas. A citação mais antiga data de 1966, com uma cobertura completa até os dias de hoje. Embora revjstas de 70 diferentes países estejam incluídas no Medline, a grande maioria é de publicações em língua inglesa. A National Library of Medicine disponibilizou o Medline na Internet no seguinte endereço: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/PubMed

O processo de busca baseia-se em algumas palavras-chave escolhidas para a recuperação de informações sobre assuntos relevantes: A busca pode ser limitada a um período de tempo específico, que é útil quando se quer concentrar em informações publicadas mais recentemente. Por exemplo, uma busca recente no Medline para as palavras "câncer de mama e gordura alimentar" recuperou cerca de 120 artigos nos últimos dois anos. Esses artigos incluíam uma faixa de investigações, com estudos em animais, estudos descritivos, estudos de caso-controle, estudos de coorte, ensaios controlados randomizados e revisões, inclusive metanálises. A maior parte dos bancos de dados de computador inclui resumos dos artigos das principais revistas, e alguns até o texto completo dos artigos de certas publicações.

REVISÃO DE ESTUDOS INDIVIDUAIS

Uma vez identificada a literatura apropriada, é útil aplicar-se uma abordagem uniforme e completa para a avaliação dos artigos. Esse processo irá encorajar o leitor a considerar todos os aspectos do estudo antes de fazer um julgamento sobre sua validade ou utilidade. As seções seguintes fornecem esse tipo de abordagem para avaliar estudos publicados individualmente. As etapas da revisão são apresentadas na Figura 13.1 na seqüência geral em que elas devem ser consideradas. Contudo, cada componente de uma revisão depende de outros em algum grau, de modo que, com freqüência, são considerados coletivamente. Os detalhes do processo de revisão para um papel individual são apresentados na Tabela 13.1.

Hipótese de pesquisa

É importante considerar a hipótese de pesquisa abordada no estudo. Na prática, isto pode ser uma tarefa difícil. Os autores freqüentemente não declaram a hipótese que querem testar. Às vezes, o objetivo do estudo é �colocado como uma questão de pesquisa, mas ocasionalmente um leitor precisa inferir o objetivo do estudo a partir de um conjunto de análises complicadas.

Uma vez determinado o objetivo do estudo, o leitor deve tentar determinar se o estudo aborda uma questão de importância clínica. Se não, os resultados podem ter pouca relevância para a prática clínica. Para o médico que precisa de informação para aconselhar um paciente sobre a relação entre a gordura dietética e o risco de câncer de mama, é necessário identificar artigos que abordem este tópico. Inúmeras hipóteses diferentes, contudo, podem ser relevantes ao tópico geral. Por exemplo, um estudo dos efeitos da variação da composição da gordura da dieta sobre a ocorrência de tumores mamários em ratos pode ser útil, porque estudos conduzidos em animais de laboratório podem ser mais controlados do que estudos conduzidos em humanos. Pode ser útil ler um estudo sobre o efeito de uma dieta rica em gordura sobre os níveis de estrogênio circulantes em mulheres, uma vez que isso pode ter relevância sobre a plausibilidade de uma relação potencial da gordura da dieta e o câncer de mama. Este tipo de informação pode produzir informações sobre o mecanismo do desenvolvimento da doença e sua prevenção.

Os vários tipos de significância que podem ser relacionados a um achado de pesquisa devem ser distinguidos (Tabela 13.2). É comum referir-se aos resultados como significativos quando um teste estatístico indica que os achados não são atribuíveis puramente ao acaso. A avaliação da significância estatística – e portanto da probabilidade de cometer um erro do tipo I (falso-positivo) - é útil na interpretação dos resultados.

TABELA 13.1 Abordagem por etapas para apreciação crítica da pesquisa médica publicada Etapa 1 Considere a hipótese pesquisada Há uma declaração clara da hipótese de pesquisa?

O estudo aborda uma questão de relevância clínica?

Etapa 2 Considere o delineamento do estudo O delineamento do estudo é adequado a esta hipótese?

O delineamento representa um avanço em relação às abordagens anteriores?

Etapa 3 Considere a variável do desfecho O desfecho que está sendo estudado é relevante à prática clínica?

Quais critérios são usados para definir a presença da doença?

A determinação da presença ou da ausência da doença é acurada?

Etapa 4 Considere a variável preditiva Quantas exposições ou fatores de risco estão sendo estudados?

Como é determinada a presença ou a ausência de exposição?

A avaliação da exposição é precisa e acurada?

Há alguma tentativa de quantificar a quantidade ou duração da exposição?

Os marcadores biológicos da exposição são usados neste estudo?

Etapa 5 Considere os métodos de análise Os métodos estatísticos usados são adequados para os tipos de variáveis

(nominal, vs ordinal vs contínuo) do estudo?

Os níveis dos erros de tipo I e II foram discutidos adequadamente?

O tamanho da amostra é adequado para responder a questão pesquisada?

As considerações subjacentes aos testes estatísticos foram atendidas?

Etapa 6 Considere as possíveis fontes de viés (erros sistemáticos) O método de seleção dos indivíduos pode ter resultados com viés?

A medida da exposição ou da doença pode ter sofrido um viés?

Os investigadores consideraram se agentes de confusão podem ser

responsáveis pelos resultados obtidos?

Em que direção cada viés potencial poderia influenciar os resultados?

Etapa 7 Considere a interpretação dos resultados Qual o tamanho do efeito observado?

Há evidência de uma relação dose-resposta?

Os achados são consistentes com modelos laboratoriais?

Os efeitos são biologicamente plausíveis?

Se os achados são negativos, houve poder estatístico suficiente para detectar

um efeito?

Etapa 8 Considere como os resultados do estudo podem ser usados na prática Os achados são consistentes com outros estudos sobre o mesmo assunto?

Os achados podem ser generalizados para outras populações humanas?

Os achados indicam uma alteração na prática clínica atual?

Entretanto, mesmo quando um achado é estatisticamente significativo, ele pode não ser biológica ou clinicamente importante. Por exemplo, uma pequena diferença no risco de desenvolvimento de câncer de mama com o aumento dos níveis de gordura dietética poderia ser julgado como estatisticamente significativo se o achado fosse baseado em um grande número de observações. Todavia, essa elevação no risco pode ser tão pequena que o risco individual de uma mulher desenvolver câncer de mama não seria alterado apreciavelmente pela mudança na sua dieta. Como resultado, uma recomendação clínica para reduzir a gordura dietética poderia não ter

um suporte com base nas evidências. O significado biológico de um achado aborda outro aspecto: As observações epidemiológicas ajudam a esclarecer os mecanismos causais? Esse tipo de introvisão pode ser obtido quando o estudo epidemiológico envolve marcadores biológicos da exposição, suscetibilidade e evolução.

Delineamento do estudo

Se a questão em estudo é de interesse, o leitor deve então determinar que tipo de delineamento de estudo foi empregado. Como observado nos capítulos 7 a 9, certos delineamentos podem ser mais ou menos úteis para responder certos tipos de perguntas. Outro fator que pode ter determinado o tipo de estudo usado pelo investigador é o estado atual do conhecimento. Pesquisas iniciais de uma hipótese em particular podem ter um formato simples, como um estudo descritivo. À medida que a hipótese é refinada, podem ser utilizados delineamentos de estudos mais definitivos.

TABELA 13.2 Tipos de significância em pesquisa clínica Tipo Significado Avaliação

Estatística Exclusão do acaso como

uma explicação dos achados

Teste estatístico

Clínica Importância dos achados

para a prática clínica atual

Magnitude da resposta clínica a uma

intervenção

Biológica Achados ajudam a esclarecer

o mecanismo de ação

Comparação dos achados com informação de

experimentação laboratorial in vitro e in vivo

A adequação do delineamento do estudo para a questão em pesquisa deve ser avaliada. A taxa de incidência da doença em questão pode ser um fator determinante. Por exemplo, embora o câncer de mama seja a forma mais comum de câncer entre as mulheres nos Estados Unidos, a doença é diagnosticada apenas entre um pequeno número de pacientes durante um curro período de tempo. Assim, um estudo de caso-controle iria oferecer uma abordagem eficiente ao estudo da doença, uma vez que o esquema de amostragem para este tipo de estudo identifica mulheres afetadas logo que são diagnosticadas. De fato, os estudos sobre a ingestão dietética de gordura e a ocorrência de câncer de mama têm utilizado vários delineamentos diferentes, inclusive estudos descritivos, de caso-controle e de coorte. Os estudos descritivos são úteis para a geração de hipóteses, mas não para o teste de hipóteses. Os estudos de caso-controle e de coorte fornecem evidência mais convincente para testar hipóteses específicas. Até agora, todos os estudos de gordura dietética e o risco de desenvolvimento de câncer de mama em seres humanos têm empregado delineamentos observacionais. Um grande estudo multicêntrico experimental no qual mulheres são escolhidas aleatoriamente para grupos que recebem níveis diferentes de gordura na dieta e acompanhados para a ocorrência de câncer de mama está ocorrendo nos Estados Unidos, mas trata-se de um estudo a longo prazo e os resultados ainda não foram publicados.

Variável de desfecho

O desfecho de interesse no Perfil do Paciente é o desenvolvimento de câncer de mama. Em investigações da relação entre a ingestão de gordura e o risco de desenvolvimento de câncer de mama, é importante especificar como a presença ou a ausência da doença foi determinada. Há varias possibilidades:

(1) Os atestados de óbito limitam a informação aos indivíduos mortos. Em adição, uma variedade de estudos têm mostrado que a informação nos atestados de óbito pode estar incompleta ou inacurada, conforme discutido no Capítulo 4.

(2) Os auto-relatos requerem que os indivíduos estejam vivos ou tenham familiares que possam fornecer informações sobre o câncer de mama. Se os pacientes não forem bem-informados medicamente, eles podem confundir formas benignas de doença mamária com câncer de mama.

(3) Os registros médicos podem fornecer informações mais acuradas. Contudo, é possível que os critérios diagnósticos sejam diferentes de um médico para outro, ao longo do tempo ou entre diferentes locais.

(4) O diagnóstico histopatológico fornece a informação mais definitiva, mas deve haver a disponibilidade de tecidos adequados para exame patológico.

É desejável ter a informação mais definitiva possível sobre a presença da doença,

o que tende a minimizar a probabilidade de erro de classificação dos indivíduos. Para o câncer de mama, é possível que uma pequena proporção de mulheres aparentemente saudáveis possa realmente ter um câncer oculto (não-descoberto). Isso poderia ser avaliado pela realização de um teste de rastreamento, como a mamografia, em todos os indivíduos aparentemente não-afetados. Como muito poucos cânceres assintomáticos podem ser detectados, contudo, os achados dos estudos provavelmente não seriam grandemente afetados pela limitação da detecção ao diagnóstico histopatológico de rotina.

Também é importante julgar a precisão com que o investigador define o desfecho. De um modo geral, é útil especificar uma única entidade patológica quando se buscam as causas. Por exemplo, um estudo sobre a gordura dietética e o risco de todos os cânceres combinados pode produzir resultados enganadores, uma vez que cânceres diferentes têm causas também diferentes e apenas al-gumas causas podem envolver a gordura da dieta. A restrição do estudo ao câncer de mama aumenta a probabilidade de obtenção de um resultado definitivo para esta doença de interesse primário.

Variáveis preditivas

A variável preditiva é o fator de risco ou exposição em investigação. Os estudos podem envolver um único fator de risco de interesse ou várias diferentes variáveis preditivas. Se forem incluídas inúmeras variáveis de exposições, elas podem ou não estar intimamente ligadas.

Em um estudo sobre câncer de mama, um investigador escolhe examinar

inúmeras variáveis de exposição, incluindo fatores reprodutivos, como a idade da primeira gestação a termo, níveis hormonais, exposição à radiação e ingesta de gordura. Embora este tipo de pesquisa possa fornecer um quadro mais abrangente das causas de câncer de mama, ele pode limitar a capacidade de coletar informações detalhadas sobre cada exposição de interesse. Mesmo quando um estudo concentra-se na questão da gordura dietética e o risco de desenvolvimento de câncer de mama, é necessário coletar algumas informações básicas sobre outros possíveis determinantes do câncer de mama que podem agir como agentes de confusão.

O leitor precisa determinar se os métodos usados para caracterizar a presença ou a ausência de exposição são confiáveis e acurados. Os possíveis métodos de averiguação incluem relatos dos indivíduos ou seus representantes, observação direta ou medida de um marcador biológico. O leitor deve perguntar se há meios melhores de definir os níveis de exposição dos indivíduos.

A avaliação de uma exposição dietética pode ser sobremaneira difícil. Em um método, no qual se pergunta aos indivíduos sobre seus hábitos alimentares antigos, esses devem se lembrar dos tipos e das quantidades de alimentos que ingeriram. Vários estudos têm indicado que essa lembrança, embora imperfeita, pode ser suficiente para determinar se um indivíduo consumia uma quantidade de gordura relativamente alta, moderada ou baixa. Em geral, é desejável ter vários níveis de exposição definidos, de modo que uma relação de dose-resposta possa ser avaliada.

Outra abordagem à determinação da ingesta dietética de gordura é fazer com que os indivíduos registrem o que eles ingerem atualmente. Isto pode ser feito por meio de um registro diário ou de uma lista de alimentos para investigar as refeições e os lanches normalmente ingeridos. Contudo, há alguns problemas com esta abordagem. Os indivíduos podem se esquecer de registrar o que ingeriram ou podem estimar de forma incorreta o tamanho das porções. Para ajudar a compensar esse problema, modelos plásticos de vários tamanhos de porções estão disponíveis para fornecer uma pista ou lembrete visual. É importante lembrar-se de que a dieta atual de um indivíduo pode não refletir acuradamente a anterior. Em um delineamento de caso-controle com base apenas na informação atual de dieta, é crucial saber se os portadores com câncer de mama alteraram suas dietas devido a (1) doença, (2) efeito colateral do tratamento ou (3) a esperança de influenciar o diagnóstico.

Outra abordagem à coleta de informações sobre a dieta é a medição do que os indivíduos ingerem. Isto pode ser útil para um estudo de coorte prospectivo, no qual os indivíduos são acompanhados para determinar se eles desenvolvem câncer de mama. Entretanto, tal abordagem à medida da ingesta dietética seria extremamente difícil de ser posta em prática, pois ela requereria um controle rigoroso do ambiente no qual o investigador poderia observar os alimentos ingeridos pelos pacientes.

Os epidemiologistas ocasionalmente tiram vantagem de uma situação na qual as pessoas mantêm certos hábitos dietéticos por motivos religiosos ou outros motivos. Assim, um epidemiologista pode identificar um grupo de pessoas (p.ex., vegetarianos) que consome muito pouca gordura em sua dieta. A

freqüência de ocorrência de câncer de mama nesse grupo poderia ser comparada com a experiência de outro grupo cujos membros consomem grandes quantidades de gordura. Contudo, o problema da determinação da ingestão precisa de gordura para indivíduos em ambos os grupos ainda permanece. Além do mais, é provável que os grupos sejam diferentes em fatores do estilo de vida, além da ingestão de gordura, dando origem a um potencial para confusão.

O uso de marcadores biológicos de exposição tem se tornado mais comum na pesquisa clínica (ver Capítulo 10). Os marcadores biológicos são importantes porque podem fornecer documentação quantitativa da exposição a certas circunstâncias. Nenhum marcador biológico da ingesta de gordura está disponível atualmente, mas, para avaliar a longo prazo a ingesta de gordura na dieta, o conteúdo de ácidos graxos do tecido adiposo pode ser medido em biópsias. Obviamente, a utilidade de tal medida depende da extensão na qual ela reflete corretamente os padrões de consumo. A disposição dos participantes do estudo de serem submetidos a uma biópsia tissular também deve ser considerada.

Métodos de análise

A ênfase colocada em um achado particular de pesquisa freqüentemente depende da capacidade do investigador de excluir o acaso como uma explicação para os resultados observados. Isto é obtido pelo uso de testes estatísticos. Os leitores devem ter uma compreensão básica sobre quais testes estatísticos são adequados para quais tipos de análise. O tipo de teste estatístico que deve ser usado é determinado pelo objetivo da análise (p.ex., comparar grupo, explorar associações ou predizer uma evolução) e os tipos de variáveis empregadas na análise (por ex., variável categórica, ordinal ou contínua).

Por convenção, o nível de significância estatística de 5% é usado como um padrão em muitos estudos biomédicos. Ou seja, o investigador aceita um risco de 1 em 20 de que o efeito observado seja um resultado de variação puramente ao acaso. Todavia, deve-se ter cuidado para evitar interpretações muito simplistas dos valores de p. Um erro comum é assumir que um resultado significante é importante do ponto de vista clínico ou biológico. Conforme já discutido, a importância clínica e a plausibilidade biológica dos resultados não são avaliadas por testes de hipóteses.

Um segundo erro comum é descartar um achado porque ele não atingiu o nível predeterminado de significância estatística. Um valor de p de.0,08, por exemplo, embora não seja estatisticamente significativo na prática comum, ainda representa um achado relativamente improvável de ser atribuído ao acaso. Seria imprudente, contudo, concluir com base neste valor de p que não há �relação entre a ingesta de gordura e o desenvolvimento de câncer de mama em um estudo particular. A forte dependência nos valores de p é sobremaneira perigosa quando o tamanho da amostra de um estudo é pequeno e, portanto, o poder estatístico também é baixo. Em tais situações, mesmo diferenças moderadas entre os grupos falham em atingir um nível convencional de significância estatística e a capacidade de atingir uma conclusão definitiva é limitada.

Possíveis fontes de viés

Um resultado também deve ser examinado para determinar se ele pode ser decorrente de erros sistemáticos relacionados à estratégia de amostragem ou aos procedimentos de coleta de dados. Um teste estatístico não pode determinar se um viés de qualquer tipo é responsável pelos resultados observados. Conforme discutido no Capítulo 10, a consideração de viés potencial freqüentemente não pode ser avaliada em termos quantitativos precisos. O viés pode ocorrer em qualquer estudo, embora certos delineamentos sejam mais suscetíveis a tipos específicos de viés. A despeito do delineamento do estudo o potencial para três tipos distintos de viés deve ser considerado (Tabela 13.3).

TABELA 13.3 Tipos de viés na pesquisa clínica

Viés Fonte do erro

Viés de seleção Amostra distorcida no processo de seleção

Viés de informação Erro de classificação de variáveis

Confusão Uma variável estranha que é responsável pelo resultado

observado em vez dos fatores de risco de interesse

A primeira preocupação é se a seleção dos sujeitos pode ter resultados distorcidos (viés de seleção). Como poucos estudos (se é que algum) podem examinar toda uma população, o investigador deve escolher uma amostra para fazer inferências a respeito da população. O leitor deve determinar se as amostras podem representar a população sobre a qual são feitas extrapolações.

A seção de métodos de qualquer estudo publicado deve incluir detalhes sobre como os pacientes foram selecionados para o estudo. Em um estudo de caso-controle, o viés de seleção pode surgir a partir da abordagem usada para selecionar casos, controles ou ambos. Em um contexto de um estudo de caso-controle sobre a gordura da dieta e a ocorrência de câncer de mama, pode ocorrer um viés de seleção quando casos prevalentes (sobreviventes) são usados em vez de casos recém diagnosticados (incidentes). A distorção poderia ocorrer se o estado nutricional antes do diagnóstico fosse relacionado com� o prognóstico da doença. Por exemplo, se mulheres que consumiam dietas ricas em gordura antes de desenvolver câncer de mama sobreviveram mais do que as mulheres que consumiam dietas pobres em gordura, os casos prevalentes iriam representar um maior consumo de gordura, e a razão de risco observado pode ser distorcido em direção a valores maiores. O viés está representado esquematicamente na Figura 13.2.

Em um estudo de caso-controle, a escolha dos controles pode ser uma fonte de viés de seleção tão grande quando a escolha dos casos. Considere uma amostra hospitalar de indivíduos-controles com diagnósticos que não o câncer de mama. Se as doenças dos indivíduos-controles são causadas por fatores dietéticos (p.ex., doença cardíaca aterosclerótica) ou, alternativamente, se a doença influencia a ingesta alimentar (p.ex., doença gastrintestinal) pode ocorrer uma comparação de caso-controle com viés. A amostragem na população em geral resulta tipicamente em indivíduos controles que refletem melhor os padrões de exposição de pessoas sem a doença de interesse. Contudo, mesmo esquemas de amostragem da população em

geral podem resultar em um grupo de controle distorcido. Por exemplo: uma técnica de amostragem por meio de ligações telefônicas poderia incluir preferencialmente mulheres de alta renda, pois elas são mais prováveis de ter telefones do que as mulheres de baixa renda. Do mesmo modo, se as mulheres de maior renda são menos prováveis de trabalhar fora de casa, elas estariam mais disponíveis quando a amostragem é realizada. Como as dietas de mulheres de alta renda podem diferir da dieta de outras mulheres, pode ocorrer uma comparação de caso-controle com viés. Para determinar se um esquema de amostragem telefônica pode produzir uma amos-tragem de indivíduos-controles sem viés, é necessário saber a amplitude da cobertura telefônica da população-alvo. Do mesmo modo, múltiplas ligações telefônicas devem ser feitas para as residências escolhidas, em momentos diferentes do dia e vários dias na semana, para alcançar pessoas que trabalham fora de casa.

Estudos de coorte da associação entre fatores dietéticos e a ocorrência de câncer de mama também é um assunto de viés de seleção potencial. A principal fonte de viés de seleção em tais estudos é a perda do acompanhamento durante o estudo. Se mulheres que ingerem uma dieta rica em gordura e desenvolvem câncer de mama tendem a descontinuar a participação no estudo por algum motivo antes do diagnóstico de câncer, o investigador irá subestimar o risco de desenvolver câncer de mama em mulheres cuja dieta é rica em gordura. Até agora, os estudos de coorte sobre esta questão têm produzido resultados conflitantes. Uma consideração importante em tal situação é a extensão na qual o viés devido à perda no acom-

panhamento pode explicar a discrepância. Outra fonte de viés pode surgir de erros sistemáticos na medida de variáveis

independentes (exposição) ou dependentes (doença). Este tipo de viés é em geral chamado de viés de informação ou viés por erro de classificação. Por exemplo, em um estudo de caso-controle, a validade da informação sobre a exposição pode ser questionada porque os dados são coletados retrospectivamente. Como os casos estão conscientes de sua doença e foram submetidos a tratamento para ela, o seu relato de exposições anteriores pode diferir de maneira sistemática dos relatas de indivíduos-controles, o que é denominado viés de recordação. Estudos de fatores de risco dietéticos podem ser suscetíveis a viés de recordação. Por exemplo, se as pacientes com câncer de mama tiverem imaginado por que elas desenvolveram seu câncer, elas tenderão a superestimar a exposição prévia à gordura alimentar, em particular quando a relação potencial tiver sido amplamente divulgada. Os controles podem ser menos preocupados com a dieta prévia ou podem estar preocupadas com outros problemas como obesidade, o que tenderia a fazia não relatar a exposição à gordura dietética.

Se o viés de recordação ocorreu em um estudo, o investigador pode superestimar a relação entre a gordura dietética e o risco de desenvolvimento de câncer de mama. De fato, inúmeros estudos têm demonstrado problemas de recordação imperfeita da história alimentar. Todavia, apenas alguns estudos têm examinado uma recordação diferenciada (com viés) em casos versus controles comparando prospectivamente os dados alimentares coletados com dados subseqüentes coletados retrospectivamente nos mesmos sujeitos. De um modo geral, tais investigações não demonstraram uma recordação diferencial na ingesta alimentar de casos de câncer de mama comparados com controles. Isso iria sugerir que o viés de recordação é uma explicação improvável para os resultados inconsistentes relatados por estudos de caso controle da associação de ingesta de gordura e a ocorrência de câncer de mama.

Deve ser lembrado, contudo, que mesmo quando casos e controles não diferem na sua capacidade de recordar a exposição dietética, o viés erro de classificação ainda pode ocorrer. Os erros nos relatos que são comparáveis entre casos e controles dão origem a erros de classificação não-diferencial. Se ocorrer um erro de classificação não-diferencial, ele pode reduzir o coeficiente de risco estimado. Em outras palavras, tal erro de classificação tende a tornar mais difícil a detecção de qualquer diferença real entre casos e controles.

A consideração final do viés é determinar se o confundimento pode ser responsável pelo resultado observado. O fator de confusão correlaciona-se com a doença e devido à sua associação com o fator de risco de interesse, é responsável por algumas ou por cada associação observada entre o fator de risco e a doença. Em estudos sobre a ingestão alimentar e a ocorrência de câncer de mama, é importante determinar se o investigador considerou os efeitos de fatores de risco conhecidos para câncer de mama. Esses fatores incluem idade, raça, características reprodutivas (p.ex., idade na primeira gestação a termo, número de gestações, duração da lactação), obesidade entre mulheres na pós-menopausa, ingestão de álcool e exposição à radiação. Um diagrama esquemático para fator de confusão da relação entre a ingesta de gordura e a ocorrência de câncer de mama por número de

gestações é apresentada na Figura 13.3. Se as mulheres que têm uma dieta mais rica em gordura têm menos gestações do que aquelas com uma dieta pobre em gorduras, uma associação aparente entre o consumo de gordura e a ocorrência de câncer de mama pode ser atribuída aos efeitos da história reprodutiva em vez da dieta por si.

FIGURA 13.3 Diagrama esquemático de fator de confusão na relação entre gordura da dieta e o câncer de mama por número de gestações.

Em um estudo observacional, a confusão pode ser controlada no delineamento do estudo (restringindo a inclusão de indivíduo a pessoas com uma faixa estreita de fatores de confusão ou pareando grupos de estudo em fatores de confusão) ou na análise dos resultados (por meio de estratificação por fatores de confusão ou por técnicas de regressão). Todos esses métodos de ajuste, porém, são contingentes ao conhecimento de quais variáveis são fatores de confusão. Como os fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento de câncer de mama não são responsáveis por todas as ocorrências da doença, devem existir outros fatores de risco desconhecidos. Qualquer associação observada entre a ingestão alimentar de gordura e a ocorrência de câncer de mama poderia ser explicada, pelo menos em parte, deste modo.

Quando o leitor detecta o potencial de viés, é importante tentar estimar a magnitude e a direção do efeito que o viés poderia ter sobre os resultados. Assim, o leitor pode determinar se o viés poderia ter inflado os resultados ou ter diminuído o efeito da exposição. Em um estudo de caso controle, por exemplo, se há suspeita de que mulheres com câncer de mama são mais propensas a recordar e registrar a ingestão de gordura do que as mulheres-controle, a razão de risco pode ser superestimada. Em contraste, se parece provável que as pacientes com câncer de mama não relatam completamente a sua ingestão de gordura, comparadas com as pacientes-controle, os resultados observados podem subestimar o verdadeiro impacto da ingesta de gordura sobre a ocorrência de câncer de mama. Ao discutir os resultados, um investigador pode tentar convencer o leitor de que a magnitude do viés não seria suficiente para distorcer os resultados, ou que a verdadeira relação é tão ou mais forte do que o observado.

Interpretação de resultados

Se o investigador relata um resultado estatisticamente significativo que não pode ser explicado por viés, o leitor deve, então, decidir se o resultado é clinicamente importante. Considere, por exemplo, um estudo concluindo que uma redução de 50% na gordura da dieta está associada com uma redução de 5% no risco de desenvolvimento de câncer de mama. Mesmo quando esse resultado é estatisticamente significativo, a magnitude da redução de risco é tão discreta em

Número de

gestações

Ingesta de

gordura

dietética

Câncer de

mama

troca de uma redução muito maior na dieta, que pacientes individuais podem se sentir desmotivados a fazer estas alterações na dieta. Por outro lado, o benefício para a sociedade na eliminação de 5% de todos os casos de câncer de mama pode muito bem justificar uma campanha de educação pública no sentido de reduzir o consumo de gordura.

De maneira alternativa, os resultados que não são estatisticamente significativos não precisam ser considerados inúteis. Em particular, quando há uma amostra de pequeno tamanho ou quando a relação entre a exposição e a doença é fraca, a possibilidade de uma conclusão falsa negativa deve ser considerada. O poder estatístico do estudo para detectar o efeito observado pode ser muito baixo para permitir uma conclusão definitiva a partir do estudo.

Utilidade prática dos resultados

Quando se revisa um estudo publicado, o leitor deve determinar a utilidade prática dos resultados. A utilidade dos achados de um estudo depende de vários fatores, incluindo o objetivo do estudo, as limitações da população estudada, a importância clínica e biológica dos resultados e a consistência com achados de outras pesquisas publicadas. A pesquisa clínica e epidemiológica tem vários objetivos. A utilidade clínica de um achado de pesquisa deve ser vista no contexto do tipo de questão analisada. Conforme indicado na Tabela 13.4, um determinado estudo pode levar a achados relevantes à causa de uma doença, sua detecção precoce, previsão de prognóstico ou melhora do tratamento. Escudos da relação entre a ingesta de gordura e a ocorrência de câncer de mama relacionam-se com a causa da doença. Infelizmente, não há um padrão para julgar se uma associação entre um fator de risco e uma doença é clinicamente importante. Claramente, quanto mais forte a associação (isto é, quanto mais distante estiver a razão de risco do valor nulo), maior o empate potencial da eliminação do fator de risco. Ao avaliar a utilidade clínica, devem ser feitas considerações sobre a dificuldade de se modificar um fator de risco (neste caso, a redução da gordura da dieta) e aos índices de morbimortalidade associados com a doença.

TABELA 13.4 Aplicações clínicas de vários tipos de estudo

Tipo de estudo Aplicação à prática clínica

Etiológico O risco entre as pessoas susceptíveis pode ser reduzido?

Diagnóstico A acurácia e o tempo de diagnóstico podem ser melhorados?

Prognóstico O prognóstico pode ser determinado de maneira mais definitiva?

Terapêutico O tratamento pode ser melhorado?

A capacidade de generalizar os achados além da população estudada deve ser levada em consideração. Com este objetivo, a definição e as limitações da amostra do estudo devem ser compreendidas. Por exemplo, alguns estudos de fator de risco para o desenvolvimento de câncer de mama têm se concentrado em mulheres na pós-menopausa. Isto pode limitar a aplicabilidade de tais estudos em mulheres na pré-menopausa como a do Perfil do Paciente. Os investigadores freqüentemente são forçados a restringir a amostra por idade, raça ou por outro fator. O leitor deve decidir qual efeito estas restrições podem ter sobre a ampla aplicabilidade dos

resultados. Ao determinar se os achados de um estudo particular podem ser generalizados a

outras populações, é útil avaliar se resultados similares foram obtidos em outros estudos. Muito comumente acontece que a primeira avaliação de um fator de risco, teste diagnóstico ou esquema terapêutico seja favorável enquanto os relatos subseqüentes demonstram uma utilidade mais limitada. Um motivo para este padrão é que as avaliações iniciais freqüentemente envolvem populações selecionadas que oferecem o melhor cenário de casos. Tentativas subseqüentes de ampliar a aplicabilidade podem ser malsucedidas.

ESTABELECIMENTO DE UMA RELAÇÃO CAUSAL

Finalmente, o leitor pode questionar se uma relação causal entre um fator de risco de a ocorrência da doença foi apoiada pelos resultados de um estudo.

A Tabela 13.5 apresenta critérios selecionados que podem ser usados para avaliar relações causais suspeitas. A consideração de causalidade baseia-se em achados de um estudo particular, dentro do contexto do que já é conhecido sobre um processo patológico.

TABELA 13.5 Critérios selecionados para avaliação de uma relação causal suspeita

Força

Presença de uma relação dose resposta

Sequência temporal correta

Consistência de resultados entre estudos

Plausibilidade biológica

A força da associação observada é um critério primário na avaliação de um fator de risco como causa de uma doença. A força da associação será indicada pela distância da razão de risco ou razão de chance em relação ao valor nulo. Quando a associação é muito forte, é menos provável que possa ser explicada por acaso ou viés. Associações fracas também podem ser causais, indicando apenas um menor risco de desenvolvimento da doença. Contudo, é mais difícil excluir outros fatores e vieses que podem ser responsáveis pela relação.

É útil examinar se há uma relação dose-resposta entre o fator de risco proposto e a doença. Se houver, níveis elevados do fator de risco estarão associados com o maior risco de desenvolvimento da doença (ou como proteção, no caso de um fator benéfico). Por exemplo, à medida que o teor de gordura alimentar aumenta, o risco de desenvolvimento de câncer de mama deveria aumentar se houvesse uma relação causal (Figura 13.4). Contudo, a ausência de uma relação dose resposta graduada, progressiva, não exclui uma relação causal. Por exemplo, pode haver um limiar acima do qual o nível do fator de risco confere um maior risco. Nesse caso, o risco da doença será afetado por alterações na exposição abaixo de um certo nível mas o risco varia com a exposição em níveis mais altos.

Com qualquer associação, é útil comparar os achados com resultados de outros estudos. Se outros investigadores, estudando populações diferentes em condições também diferentes, encontraram resultados similares, a explicação causal é apoiada.

Contudo, o leitor deve ter cuidado quando julgar a consistência dos resultados, pois é possível que a mesma falha possa levar a conclusões incorretas em vários estudos.

A relação causal proposta deve ser consistente com o que se sabe atualmente sobre biologia e o processo da doença: Isto freqüentemente é chamado de plausibilidade biológica. Se a relação de causa-efeito proposta não está em acordo com o conhecimento atual, a causalidade pode ser questionada. A avaliação da plausibilidade biológica freqüentemente requer uma revisão da pesquisa em outras populações humanas, bem como uma revisão da pesquisa que envolve modelos animais de laboratório.

A relação temporal entre uma causa suspeita e um efeito é importante. Ou seja, uma causa deve sempre preceder um efeito no tempo, o que parece intuitivo, mas, na realidade, os fatores suspeitos de serem causas às vezes são efeitos daquela doença. Por exemplo, uma pessoa com câncer não diagnosticado precocemente pode fazer uma alteração na sua alimentação devido a efeitos não-reconhecidos do câncer. Em conseqüência, a alteração dietética pode parecer ser a causa e não o efeito do câncer diagnosticado tardiamente. Estudos de caso-controle de doenças crônicas com períodos de latência longos são particularmente suscetíveis a esse problema. Para um fator ser considerado causa de uma doença, é importante, teoricamente, que a remoção ou a modificação desse fator previna a ocorrência da doença ou melhore a doença que já ocorreu. Tal critério pode ter sido atendido no exemplo citado no Capítulo 9, pois a incidência da síndrome de eosinofilia-mialgia parece ter declinado com a remoção do L-triptofano do mercado. Contudo, a vigilância da síndrome não está tão ativa quanto na época em que foi relatada pela primeira vez, de modo que casos não relatados de eosinofilia-mialgia podem ainda estar ocorrendo, como, por exemplo, no Canadá, onde o L-triptofano está disponível para venda com prescrição médica (Spitzer et ai., 1995). Isto quer dizer que a real incidência de síndrome de eosinofilia-mialgia não é conhecida atualmente; inclusive os epidemiologistas ignoram a extensão da alteração na incidência.

Na prática, os critérios de remoção ou modificação de fatores causais suspeitos podem não ser sempre satisfeitos. Há alguns momentos nos quais os fatores causais podem desencadear uma seqüência de eventos retraídos. Uma vez estabelecida, tal seqüência pode não mais depender da presença do agente causal para sua progressão. Por exemplo, muitos cânceres parecem se desenvolver em resposta a um evento desencadeante, seguido por efeitos promocionais que ocorrem por muitos anos. Se o fator de risco de interesse contribui apenas para o início, a remoção da exposição durante a fase promocional não irá afetar o risco subseqüente de desenvolvimento de câncer. Assim, a eliminação de um fator desencadeante de câncer pode não afetar a incidência da doença ainda por muitos anos.

GORDURA ALIMENTAR E CÂNCER DE MAMA

Conforme já mencionado, a relação entre a gordura alimentar e o risco de desenvolvimento de câncer foi investigada em inúmeros escudos epidemiológicos, os quais incluíram relatos de séries de casos, análises ecológicas, escudos de caso-controle e de coorte. Até o momento, nenhum ensaio clínico controlado, randomizado da relação entre o consumo de uma dieta pobre em gordura e prevenção de câncer de mama foi publicado.

Estudos ecológicos ou de correlação têm demonstrado uma relação

consistentemente forre entre os hábitos alimentares, como estimado pelo consumo per capita de gordura e a ocorrência de câncer de mama em países diferentes. Gráficos com esses dados produziram uma relação linear, com o aumento do consumo de gordura 'associado a uma maior ocorrência de câncer de �mama. O problema com tais investigações é que não demonstram que o aumento do consumo individual de gordura está associado com a ocorrência de câncer de mama nesse mesmo indivíduo (ou seja, a falácia ecológica pode estar envolvida). Por exemplo, em países industrializados, nos quais o consumo de gordura e a mortalidade por câncer de mama tendem a ser maior do que nos países em desenvolvimento, podem não ser os grandes consumidores de gordura que estão desenvolvendo câncer de mama. Os índices de mortalidades comparativamente elevados de câncer de mama em países industrializados podem ser atribuíveis a outros fatores, como a menarca precoce, a gravidez tardia ou outros fatores reprodutores.

Estudos de casos-controles produziram resultados conflitantes sobre a questão da dieta e do câncer de mama. Os motivos para tais conflitos de resultados não são claros. Uma crítica é que os dados alimentares coletados retrospectivamente são inadequados (p.ex., a exposição dietética é classificada erroneamente). As

dificuldades gerais em recordar a dieta podem contribuir para o erro de classificação não-diferencial, e as diferenças de caso-controle na capacidade e na motivação de recordar o teor de gordura alimentar podem resultar em um erro de classificação diferencial. Outra explicação potencial é que a influência da gordura alimentar pode ter sido exercida muitos anos antes do diagnóstico de câncer de mama ser feito. A maioria dos estudos de caso-controle incluiu informações sobre a dieta dos anos recentes, e não do passado distante. Alguns revisores concluíram que nenhum dos estudos, quando vistos individualmente, tinha uma amostra grande o suficiente para fornecer um poder estatístico adequado. Em outras palavras, uma relação real entre a ingestão de gordura e o risco de desenvolvimento de câncer de mama pode não ser detectada devido à capacidade discriminatória inadequada (ou seja, um erro do tipo Il pode estar envolvido). Uma metanálise de estudos de caso-controle apoiou a presença da associação entre o maior teor de gordura na dieta e o risco elevado de desenvolver câncer de mama. Esta revisão sistemática tem sido criticada, contudo, com base em que a heterogeneidade entre os resultados de estudos individuais não foi considerada de maneira adequada.

Alguns desses problemas podem ser evitados com o delineamento de estudo de coorte. Estudos de coorte prospectivos eliminam o potencial de distorção dos resultados a partir do relato diferencial da história alimentar. Esse tipo de estudo foi usado para investigar a questão da gordura na dieta e o risco de desenvolver câncer de mama. Novamente, os resultados publicados de estudos de coorte sobre esta questão produziram resultados conflitantes. Alguns estudos produziram evidência de uma associação relativamente fraca, com risco relativo de aproximadamente 1,4. Outros estudos de coorte, contudo, indicaram na verdade que a maior ingestão de gordura alimentar pode proteger contra o desenvolvimento de câncer de mama. O Nurses Health Study (Estudo de Saúde das Enfermeiras) foi um estudo de coorte com 88.795 mulheres que não tinham câncer em 1980 e foram acompanhadas para investigar o desenvolvimento de câncer de mama. Após 14 anos de acompanhamento, um total de 2.965 mulheres tiveram o diagnóstico de câncer de mama. Nessa

população, não foi observada nenhuma associação entre a ingestão reduzida de gordura total, ou os principais subtipos de gordura e o risco de desenvolvimento de câncer de mama.

De um modo geral, a relação dose-resposta sugerida pelos estudos ecológicos não foi gerada nos estudos de caso-controle ou de coorte. Alguns revisores têm discutido que a faixa de teor de gordura alimentar nos estudos analíticos é menor do que nos estudos ecológicos internacionais. Dentro de um único país, pode haver muito pouca variação na ingesta de gordura para demonstrar uma relação dose-resposta em estudos de "caso controle e de coorte. Outros têm argumentado que fatores além da dieta (ou seja, fatores de confusão), que não podem ser facilmente controlados nos estudos ecológicos, eram a explicação real para a associação entre a ingestão de gordura e o desenvolvimento de câncer de mama observado nas análises de correlação.

Havia uma plausibilidade biológica na relação? Qual mecanismo fisiopatológico pode estar envolvido? Havia modelos animais que mostravam a relação entre a gordura alimentar e o desenvolvimento de câncer de mama? De fato, estudos animais observaram uma associação entre a gordura alimentar e o desenvolvimento de câncer mamário em ratos com vírus de tumor mamário. Achados similares foram relatados em outros modelos animais. A fisiopatologia envolvida neste processo é menos clara, mas mecanismos potenciais foram discutidos. Tem sido especulado que as neoplasias mamárias são controladas por equilíbrio endócrino, o qual, por sua vez, é afetado por fatores alimentares, incluindo a gordura da dieta. Por exemplo, mulheres que consumiam dietas ricas em gordura demonstram ter uma maior quantidade de estrogênios circulantes do que mulheres com dietas pobres em gorduras. Em mulheres na pós-menopausa, o tecido adiposo tem sido demonstrado como sendo um contribuinte para a produção de estrogênio. E o teor de gordura da dieta também pode ter modificado a síntese de DNA e a duplicação celular. Se isso é verdade para o tecido mamário, também pode ser relevante para a carcinogênese da mama. Em estudos com animais, cerros tipos de ácidos graxos na dieta modulam o crescimento de tumores mamários e metástases. A evidência é mais forte para um efeito promocional de gorduras poliinsaturadas. O efeito diferencial potencial de vários tipos de ácidos graxos sobre o desenvolvimento e a progressão de câncer pode explicar algumas variações observadas nos estudos de ingesta de gordura e o risco de câncer de mama em seres humanos. A maioria dos estudos epidemiológicos avaliou a ingestão total de gordura. Alguns estudos usaram níveis de gordura do tecido adiposo como uma medida substituta da ingestão de gordura. Os níveis dos tecidos adiposos, contudo, não fornecem uma indicação da ingestão alimentar de ácidos graxos que podem ser sintetizados internamente. O Nurses Health Study incluiu uma avaliação prospectiva de diferentes tipos de ingestão de ácidos graxos. Nesse estudo, nenhum dos vários tipos de gordura alimentar foi associado com o risco de desenvolvimento de câncer de mama.

Revisões sistemáticas

No Capítulo 7 foi introduzido o conceito de uma metanálise. Uma metanálise é um tipo de revisão sistemática quantitativa, na qual os resultados de múltiplos estudos considerados combináveis são agregados juntos para obter uma estimativa

precisa e preferivelmente sem viés, da relação em questão. Como já ilustrado na questão da gordura alimentar-câncer de mama, estudos individuais raramente fornecem uma resposta definitiva a um assunto. Uma revisão sistemática ajuda de duas maneiras específicas:

(1) Por meio da combinação de uma série de estudos menores, cada um com estimativas estatisticamente imprecisas do efeito, é obtida uma amostra de grande tamanho, com um aumento correspondente na precisão estatística.

(2) Por meio da identificação das diferenças em achados em diferentes estudos, podem ser conduzi das análises de sensibilidade que podem levar a um maior conhecimento sobre as fontes de heterogeneidade.

As etapas de uma revisão sistemática devem seguir uma seqüência clara. O primeiro passo é a formulação de uma questão definida e significativa a ser abordada. Os elementos a serem considerados na formulação da questão são (l) o tipo de pessoa(s) envolvida(s), (2) o tipo de exposição que a(s) pessoa(s) experimenta(m) (p.ex., um fator de risco, um fator prognóstico, um procedimento diagnóstico ou uma intervenção terapêutica, (3) o tipo de controle para a comparação da exposição e (4) a evolução a ser abordada. No contexto do Perfil do Paciente, pode-se especificar a questão da seguinte maneira: Para mulheres na pré-menopausa com uma história

familiar de câncer de mama, a redução da gordura alimentar para níveis

substancialmente menores do que os níveis típicos da dieta americana deve reduzir

o risco de desenvolvimento de câncer de mama?

Observe que, mesmo com tal nível de especificação, há alguma ambigüidade. As características da população poderiam ter sido mais bem delimitadas, por meio da observação de outras características da paciente, como a sua idade (40 anos), uma história da primeira gestação após os 30 anos e uma mamografia recente normal. O nível preciso de redução do teor de gordura na dieta foi caracterizado como substancial, apesar de não ter sido quantificado. Embora seja desejável uma maior especificidade na formulação da questão, se ela se torna muito específica, pode haver uma quantidade de literatura disponível insuficiente para estudo. Com dados insuficientes pode ser impossível responder à questão. Como regra geral, as características do paciente ou da intervenção que, antecipadamente, se imagina afetarem a resposta devem ser consideradas.

Uma vez formulada a questão o passo seguinte é decidir quais estudos incluir. Uma abordagem pragmática é a limitação dos estudos aqueles publicados em língua inglesa. Há uma possibilidade de que isso possa introduzir algum viés, uma vez que há possibilidade de estudos com achados positivos serem apresentados preferencialmente aquelas com maior circulação, que tendem a ser aquelas em língua inglesa. Uma consideração adicional é caso se deva limitar a revisão aos estudos publicados, pois esses são revisados por outros colegas e presumivelmente de melhor qualidade. Conforme observado no Capítulo 7, contudo, um viés de publicação pode ocorrer, uma vez que estudos com achados positivos mais provavelmente serão apresentados e aceiros para publicação. Obviamente, a identificação de trabalhos não-publicados pode estar incompleta.

O próximo passo é buscar os estudos de interesse. Como sugerido anteriormente aqui, uma busca automatizada em um banco de dados eletrônico, como o MedLine,

constitui-se em um meio eficiente de identificar a literatura relevante publicada. Essa busca, todavia, é limitada aos artigos contidos no banco de dados, que tende a excluir os relatos de encontros que não são publicados em revistas, teses de doutorado e revistas que não são indexadas.

Uma vez identificados os artigos para potencial inclusão, eles devem ser revisados um a um. Critérios de elegibilidade específicos para a inclusão devem ser determinados. Os artigos incluídos têm de ser diretamente relevantes à questão em consideração. No presente contexto, eles devem incluir, no mínimo, uma amostra de estudo correndo mulheres pré-menopáusicas saudáveis, informação sobre consumo dietético de gordura, comparação de ingesta de gordura maior e menor e estimativa de risco de câncer de mama. Se uma revisão quantitativa será em consideração, uma ampla faixa de estudos, incluindo aqueles envolvendo animais de laboratório, séries de casos em humanos, estudos transversais, de caso-controle e de coorte, além das pesquisas clínicas. Se há interesse em uma integração estatística dos dados de vários estudos, a análise pode ser limitada a estudos nos quais os dados são combináveis (p.ex.,estudos de caso-controle e de coorte, além de ensaios clínicos). O próximo passo é extrair os dados importantes dos estudos incluídos. Um formulário de resumo-padrão deve ser usado para coletar as informações relevantes de cada trabalho. Para garantir a confiabilidade, é aconselhável ter dois revisores independentes colhendo informações de cada trabalho.

A análise real dos dados começa com uma estimativa dos efeitos de interesse em cada um dos trabalhos incluídos. É útil apresentar os resultados do estudo individual como mostrado na Figura 13.5. Neste gráfico, são apresentados os resultados de cinco estudos hipotéticos da relação entre a redução da gordura alimentar e o risco de desenvolvimento de câncer de mama. Os achados de cada investigação são resumidos com uma estimativa pontual de efeito e o correspondente intervalo de confiança em torno da estimativa. A estimativa pontual é representada como um círculo sólido, com uma linha horizontal estendendo-se em ambas as direções para os limites inferior e superior do intervalo de confiança. Por convenção, o efeito é medido tipicamente em termos de uma razão de chances ou um risco relativo (razão de risco).

Na Figura 13.5, os resultados são apresentados em termos de risco relativo estimado de desenvolvimento de câncer de mama associado com um nível reduzido de gordura alimentar. Se a redução do teor de gordura alimentar reduz o risco de desenvolvimento de câncer de mama, deve ser esperado um risco relativo menor do que 1. A estimativa pontual para os riscos relativos nesses estudos hipotéticos variou de um mínimo de 0,6 (Estudo E) a um máximo de 1,3 (Estudo A). Quatro destes cinco estudos (estudos B a E) obtiveram estimativas pontuais menores do que 1, consistentes com a possibilidade de uma redução no risco de câncer de mama. Por outro lado, a maioria destas estimativas está próxima ao valor nulo de 1 (nenhuma associação entre a gordura alimentar e o risco de desenvolvimento de câncer de mama). É possível, portanto, que esses pequenos benefícios sugeridos pela redução no consumo de gordura possam ter ocorrido ao acaso.

O exame do intervalo de confiança correspondente para os estudos individuais fornece algum conhecimento sobre a precisão estatística dos resultados e se eles são estatisticamente significativos. Por convenção, limites de confiança de 95% são calculados. A chance ou razão de risco é apresentada em uma escala logarítmica como na Figura 13.5, de modo a tornar o intervalo de confiança simétrico em torno da estimativa pontual.

Pode ser visto a partir da Figura 13.5 que a precisão dos resultados dos cinco estudos variou, com o intervalo de confiança mais estreito (maior precisão) para o Estudo D e o mais largo (menor precisão) para o Estudo A. Apenas um de cinco estudos tinha um resultado estatisticamente significativo no nível de 5%, como indicado pelo fato de o seu intervalo de confiança não cruzar a linha pontilhada vertical correspondente ao valor nulo de 1.

A integração estatística dos resultados dos estudos individuais permite o cálculo de uma estimativa sumária do efeito. Na parte inferior da Figura 13.5, a estimativa pontual combinada dos cinco estudos hipotéticos é apresentada como um diamante. Os pontos verticais do diamante são localizados na estimativa pontual do efeito sumário, enquanto os pontos horizontais estão localizados nos limites superior e inferior do intervalo de confiança de 95%, respectivamente. No exemplo, a estimativa pontual combinada era 0,86 com o intervalo de confiança de 95% correspondente de 0,70 a 1,05. A estimativa sumária baseia-se em uma amostra de maior tamanho do que qualquer dos resultados individuais. Conseqüentemente, a estimativa combinada é mais precisa, o que se reflete na figura por intervalo de confiança comparativamente estreitos. Pode ser visto, ainda, que o efeito combinado é consistente com uma pequena redução no risco de desenvolvimento de câncer de mama, mas, mesmo com o maior tamanho da amostra dos cinco estudos combinados, o acaso não pode ser excluído como uma possível causa dos achados.

Uma vez que as estimativas individuais e combinadas são obtidas, é útil considerar o nível de heterogeneidade entre os resultados individuais. Uma apresentação gráfica dos dados, como na Figura 13.5, fornece algum conhecimento sobre esta questão. Embora haja alguma variação nos resultados individuais, a impressão é que há considerável sobreposição nos valores dos riscos relativos que são

consistentes com cada resultado. Isto iria sugerir que a heterogeneidade dos achados não é um problema para resumir esses dados. Um teste formal da heterogeneidade pode ser realizado para abordar este tema a partir de uma perspectiva estatística.

A análise de sensibilidade pode ser realizada para identificar padrões de resultados entre os resultados de estudos individuais e fornecer conhecimento potencial sobre qualquer heterogeneidade que exista. Por exemplo, duas questões podem ser examinadas: os estudos de um formato particular (p. ex., estudos caso-controle) tendem a produzir resultados que diferem de estudos de outros delineamentos (p.ex., de coorte) e as investigações com populações de estudo mais jovens tendem a ter resultados que diferem de investigações com populações mais velhas? No presente exemplo hipotético, não está claro se a análise de sensibilidade iria produzir grandes conhecimentos por dois motivos. Primeiro, há um número relativamente modesto de estudos envolvidos, o que limita a capacidade de explorar os achados entre os subgrupos. Quaisquer diferenças que sejam observadas podem surgir ao acaso, levando a interpretações falso-positivas. Segundo, os resultados entre estudos são razoavelmente consistentes, limitando ainda mais a capacidade de encontrar padrões subjacentes diferentes. A partir de um ponto de vista descritivo, pode ser útil considerar possíveis razões (além do acaso) para um resultado aparentemente diferente no estudo A.

A metanálise pode ser útil para obter maior poder estatístico, mas não pode superar as limitações e o viés potencial de estudos individuais. O investigador que realiza a metanálise também deve ser cuidadoso para que a inclusão de alguns estudos e a exclusão de outros não levem a conclusões distorcidas. Uma metanálise de estudos de dieta e câncer de mama combinou os resultados de 12 estudos de caso-controle. Não foi encontrada nenhuma relação entre a ingesta de gordura e o risco de desenvolvimento de câncer de mama em mulheres na pré-menopausa, mas uma associação entre o aumento da gordura alimentar e o risco de desenvolvimento de câncer de mama foi detectada em mulheres na pós-menopausa, com uma razão de risco de 1,5. Em uma análise combinada estatisticamente de sete estudos de coorte internacionais com um agregado total de quase 5.000 casos de câncer de mama, a razão de risco para o maior quintil comparado com o menor quintil de ingestão total de gordura foi de 1,05, com um intervalo de confiança de 95% de 0,94 a 1,6. Assim, o resultado combinado era consistente com pouca ou nenhuma elevação no risco de desenvolvimento de câncer de mama associado com a maior ingestão de gordura. Qualquer efeito aparente era tão pequeno que, mesmo com o considerável tamanho da amostra nesses estudos agregados, o acaso não pode ser excluído como uma possível explicação para qualquer risco aumentado observado.

No Perfil do Paciente, o médico queria determinar se a gordura alimentar estava relacionada causalmente com o desenvolvimento de câncer de mama. Os achados de estudos eram inconsistentes e a força da associação era no mínimo modesta, sem uma evidência clara de uma relação dose-resposta. A seqüência temporal da ingestão de gordura e o desenvolvimento de câncer de mama parece razoável.

O médico no Perfil do Paciente, contudo, fica sem uma resposta firme à sua questão sobre a relação entre o consumo de gordura e o risco de

desenvolvimento de câncer de mama. Mesmo que a pesquisa tivesse demonstrado um pequeno aumento no risco com dietas ricas em gordura nas mulheres pós-menopáusicas, a paciente está na pré-menopausa; portanto, não está claro que os resultados podem ser aplicados a essa paciente. Por outro lado, é apenas uma questão de tempo até que ela entre na menopausa. Os hábitos alimentares presumivelmente serão continuados e podem ser protetores mais adiante. O médico também pode acreditar que uma dieta pobre em gordura é justificável por outros motivos, incluindo a redução no risco de doenças cardiovasculares. Em adição, há outros tipos de câncer, como o câncer de colo, para o qual o efeito protetor de uma dieta pobre em gordura foi demonstrado de forma mais clara.

Este tipo de incerteza é comum na medicina clínica. Os médicos geralmente precisam pesar os riscos e os benefícios potenciais de uma intervenção e tomar decisões sem informações completas. O objetivo da pesquisa médica é continuar a fornecer respostas melhores para importantes questões clínicas. O melhor modo de resolver o aspecto da relação entre a ingestão de gordura alimentar e o risco de desenvolvimento de câncer de mama é por meio de grandes estudos controlados randomizados comparando a ocorrência de câncer em mulheres randomizadas para uma dieta pobre em gordura com mulheres randomizadas para uma dieta rica em gorduras. Claramente, este tipo de estudo deve fornecer a evidência mais definitiva a respeito da relação causal entre o consumo de gordura e o risco de desenvolvimento de câncer de mama. Essa pesquisa necessitaria de um grande número de pacientes e de um período de acompanhamento prolongado. Pode-se argumentar, portanto, que os recursos necessários para este estudo seriam mais bem gastos em investigações sobre outras questões para as quais as evidências de efeito benéfico são mais fortes.

Grande parte da satisfação derivada do cuidado dos pacientes relaciona-se com a capacidade de incorporar novos conhecimentos na prática médica. E imperativo desenvolver a capacidade necessária para uma revisão crítica da literatura médica para manter atual o estado da informação. Trata-se de uma tarefa difícil, mas a recompensa é enorme quando resulta em um melhor cuidado com o paciente.

RESUMO

Neste capítulo foi apresentada uma abordagem estruturada à revisão de estudos epidemiológicos publicados. O objetivo final da abordagem é auxiliar a integrar a informação, epidemiológica com a prática clínica. Como um foco' da discussão, a literatura sobre a ingestão de gordura da dieta e o risco de desenvolvimento de câncer de mama é usada para ilustrar o processo de avaliação.

O passo inicial na revisão da literatura médica é a condução de uma busca ampla de publicações relevantes recentes. O rastreamento de artigos adequados pode ser obtido por meio de uma abordagem manual ou computadorizada. Em ambos os casos, é essencial a escolha correta das palavras-chave para a recuperação dos artigos pertinentes. As buscas computadorizadas poupam tempo e são, portanto, extremamente populares.

A revisão de uma publicação começa de faro, com o objetivo declarado da investigação. Para o médico, uma consideração primária é se um determinado estudo aborda uma questão clinicamente importante. Os resultados podem influenciar os cuidados aos pacientes? No contexto atual, a importância clínica pode ser abordada em termos de se os achados apóiam uma recomendação para a redução da gordura alimentar de modo a reduzir o risco de câncer de mama.

O delineamento de uma investigação determina os tipos de inferências que podem ser extraídos dela. A evidência mais convincente de uma relação de causa-efeito é derivada de ensaios clínicos controlados randomizados. Entre as investigações observacionais, os estudos de coorte prospectivos geralmente são menos suscetíveis a viés, seguidos pelos estudos retrospectivos de coorte e de caso-controle. Estudos descritivos são úteis para gerar questões de pesquisa, mas não para testar hipóteses.

A medida do desfecho (isto é, o desenvolvimento da doença) e a documentação da exposição aos fatores de risco podem ser complicadas em pesquisas observacionais. A ênfase pode ser colocada na obtenção das informações mais acuradas possíveis, reconhecendo que o ideal nem sempre pode ser obtido. Sempre que possível, a avaliação baseia-se de forma cega e deve ser com base em critérios padronizados objetivos.

Deve ser feita uma distinção entre o conceito de significância estatística, que pode ser avaliada por um teste de hipótese e a significância clínica ou biológica. Valores de p não devem ser usados para indicar a importância dos achados, mas, sim, a probabilidade de que a variabilidade da amostra pode explicar os resultados. A importância clínica relaciona-se ao faro de uma diferença em evolução observada entre grupos ser grande o suficiente para indicar uma mudança na prática clínica. A significância biológica diz respeito à extensão nas quais achados ajudam a elucidar os processos biológicos subjacentes.

Erros sistemáticos podem surgir na pesquisa observacional a partir da abordagem à seleção da amostra, coleta de informações ou confusão. Via de regra é impossível determinar se um viés particular realmente ocorreu. Portanto, a atenção concentra-se em estratégias para minimizar a probabilidade de que erros sistemáticos afetem as conclusões do estudo. Quando há suspeita de viés em uma investigação, o nível exato de distorção em geral é desconhecido. Contudo, a direção do erro sistemático (ou seja, uma tendência a super ou subestimar a força da associação) pode estar clara. A avaliação do fato de uma associação observada poder ser de causa-efeito baseia-se em critérios específicos, incluindo a força da associação, presença de uma relação dose-resposta, adequação da seqüência temporal de exposição e evolução, consistência dos resultados entre estudos e plausibilidade biológica.

Quando aplicado à literatura sobre a gordura alimentar e o câncer de mama, o processo de argumentação leva a uma avaliação inconclusiva. A evidência de suporte mais consistente vem dos tipos de estudos menos convincentes. Em situações nas quais foi observada uma associação, a magnitude geralmente tem sido fraca. Os resultados têm sido inconsistentes entre estudos, talvez devido em parte às limitações do delineamento do estudo e em parte à fraqueza da relação, mesmo quando ela existe. O teste final desta hipótese - um ensaio clínico

controlado randomizado - ainda não foi publicado. Assim como com muitos aspectos em medicina, a hipótese da gordura

alimentar-câncer de mama permanece sem solução. Como a restrição da gordura alimentar provavelmente não traz prejuízos e como pode haver outros benefícios (ou seja, uma redução no risco de doenças cardiovasculares), é razoável que o clínico no Perfil do Paciente recomende alteração dietética à paciente. Até que mais informações definitivas estejam disponíveis, contudo, a paciente deve ser orientada que o efeito da restrição de gordura na alimentação e o risco de desenvolvimento de câncer de mama são incertos.

LEITURAS ADICIONAIS MacTiernan A, Gilligan MA, Redmond C: Assessing individual risk for breast cancer: Risk

business. J Clin Epidemiol 1997; 50:547

REFERÊNCIAS

Revisão crítica

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Gordura alimentar e câncer de mama

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Leituras adicionais http://www.bmj.com/epidem/epid.c.shtml

Pesquisando a literatura http://www.bmj.com/archive/7101/7101ed.htm

Revisão crítica http://www.bmj.com/archive/7103/7103ed.htm

http://www.bmj.com/archive/7102/7102ed.htm

Estabelecimento de uma relação causal http://www.bmj.com/archive/7105/7105ed.htm

Gordura alimentar e câncer de mama http://www.ama-assn.org/special/womh/library/readroom/vol_28b/joc81342.htmt

http://jnci.oupjournals.org/cgi/content/full/91/6/529

QUESTIONARIO

Questões 1 a 5: Para cada situação numerada, selecione a categoria de viés mais adequada entre às opções assinaladas com letras. Um tipo de viés pode ser usado uma ou mais vezes, ou nenhuma vez.

A. Viés de seleção

B. Erro aleatório

C. Viés de informação

D. Falácia ecológica

E. Confusão

F. Efeito coorte de nascimento

1. O consumo nacional per capita de alimentos ricos em cálcio está inversamente

associado com a prevalência de hipertensão quando são comparados vários

países. Quando um país individual é estudado, indivíduos com baixa ingesta de

cálcio não têm pressão mais alta do que os indivíduos com maior ingesta de

cálcio.

2. Em um escudo de coorte sobre a ingestão de gordura e a ocorrência de câncer

de mama, 45% dos indivíduos são perdidos no acompanhamento.

3. Em um estudo de caso-controle sobre a ingesta de álcool e o risco de

desenvolvimento de câncer de próstata, os casos tendem a exagerar os relatos

sobre a ingestão de álcool, enquanto os controles, que são homens

hospitalizados com outras doenças, tendem a diminuir os relatos sobre a bebida.

4. Em um escudo de caso-controle sobre a relação entre a ingestão de gordura e o

risco de desenvolvimento de câncer de cólon, o estado do caso é determinado

por auto-relato, e os pacientes confundem pólipos benignos com câncer de

cólon, resultando em um erro de classificação.

5. Em um estudo de coorte sobre a ingestão de antioxidantes e proteção contra

doença coronariana aterosclerótica, o colesterol lipoproteína de baixa densidade

está inversamente correlacionado com o nível de antioxidante e relacionado

positivamente com o risco de doença coronariana.

Questões 6 a 10: Para cada escudo numerado, selecione o delineamento de estudo mais adequado entre as opções assinaladas com letras. Os delineamentos

de estudo podem ser escolhidos uma ou mais vezes, ou nenhuma vez.

A. Escudo de caso-controle

B. Estudo de coorte

C. Escudo clínico

D. Escudo transverso (descritivo)

E. Metanálise

F.Estudo ecológico

6. Uma pesquisa é conduzida para determinar a prevalência de asma em crianças

e as ocorrências correlatas.

7. A ingestão de álcool é comparada entre 100 pacientes com diagnóstico recente

de câncer de cólon e 200 pacientes admitidos ao hospital por problemas

ortopédicos.

8. O tratamento da hipertensão leve é estudado em 500 pacientes escolhidos

aleatoriamente para um tratamento com uma nova medicação anti-hipertensiva

ou com diurético.

9. A prevalência nacional de imunização contra hepatite B é examinada em vários

países e observada como sendo inversamente associada com os índices

nacionais de mortalidade por câncer hepático.

10. Os resultados de vários escudos sobre redução de colesterol e a incidência de

doença cardíaca coronariana são combinados para a obtenção de conclusão

sumária.

Questões 11 a 13: Para cada situação numerada a seguir, escolha o critério mais adequado para estabelecer uma relação causal entre as opções assinaladas

com letras. Cada opção pode ser usada uma ou mais vezes ou nenhuma vez.

A. Força da associação

B. Relação dose-resposta

C. Seqüência temporal correto

D. Consistência de resultados

E. Plausibilidade biológica

12.Cinco estudos de caso-controle publicados sobre a associação entre a exposição

ocupacional ao alumínio e o risco de desenvolvimento de doença de Alzheimer

produz as seguintes razões de chances: 1,4 (IC 95% 0,9 a 2,4), 1,7 (IC 95% 1,3 a

2,5), 2,4 (IC 95% 1,3 a 4,6), 1,9 (IC 95% 1,5 a 2,7) e 1,0 (IC 95% 0,8 a 1,2).

13.Na autópsia, sabe-se que as lesões patológicas no cérebro de pacientes com

doença de Alzheimer contêm quantidades incomuns de alumínio.