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Universidade Federal do Pará Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Direito Ambiental e Políticas Públicas Módulo 1 Disciplina: Bens Ambientais: fauna e flora Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray 1 Prezado Cursista, Iniciamos essa nova disciplina objetivando fornecer uma visão panorâmica da tutela da flora, da fauna e das áreas naturais protegidas. Dada a abrangência do tema, a ênfase será dada ao regime jurídico e aos instrumentos de gestão desses bens ambientais. Para facilitar o estudo, procuramos indicar o posicionamento dos tribunais e a doutrina predominante, dividindo essa disciplina em seis unidades que se inter-relacionam. Na primeira unidade abordaremos os bens ambientais, procurando entender o conceito de meio ambiente, enquanto macrobem, e identificando alguns aspectos do direito de propriedade dessa nova categoria de bens, cuja proteção constitui um interesse difuso. Vamos também identificar os bens ambientais previstos na Constituição Federal e no ordenamento infraconstitucional. Veremos que entre as características desses bens estão algumas limitações administrativas que serão detalhadas na segunda unidade, onde discutiremos também as servidões e concessões de uso, bem como alguns aspectos da desapropriação que pode incidir sobre tais bens. Na unidade seguinte enfrentaremos os principais aspectos da tutela jurídica da flora abordando porque tutela-la, como essa proteção evoluiu historicamente e qual o atual regime jurídico da flora e das áreas protegidas. Dedicaremos uma unidade ao estudo do Código Florestal, especialmente dos espaços territoriais por ele protegidos como as áreas de preservação permanente e a reserva legal. Na quinta unidade abordaremos o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, discutindo o regime jurídico e as diversas categoriais dessas áreas protegidas, incluindo os aspectos administrativos e penais de sua tutela. 1 Doutor em Direito pela UFSC. Professor da UFMT. Procurador do Estado. Especialista em Direito Ambiental com várias publicações nessa área.

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Page 1: Universidade Federal do Pará - Prof. Roberto Moraes · preservação do meio ambiente (CF: Arts. 5º, XXIII e 186, II). 5 O direito ao meio ambiente é considerado trans e intergeracional

Universidade Federal do Pará Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Direito Ambiental e Políticas Públicas

Módulo 1 Disciplina: Bens Ambientais: fauna e flora

Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray1 Prezado Cursista, Iniciamos essa nova disciplina objetivando fornecer uma visão

panorâmica da tutela da flora, da fauna e das áreas naturais protegidas. Dada a abrangência do tema, a ênfase será dada ao regime jurídico e aos instrumentos de gestão desses bens ambientais.

Para facilitar o estudo, procuramos indicar o posicionamento dos tribunais e a doutrina predominante, dividindo essa disciplina em seis unidades que se inter-relacionam.

Na primeira unidade abordaremos os bens ambientais, procurando entender o conceito de meio ambiente, enquanto macrobem, e identificando alguns aspectos do direito de propriedade dessa nova categoria de bens, cuja proteção constitui um interesse difuso. Vamos também identificar os bens ambientais previstos na Constituição Federal e no ordenamento infraconstitucional.

Veremos que entre as características desses bens estão algumas limitações administrativas que serão detalhadas na segunda unidade, onde discutiremos também as servidões e concessões de uso, bem como alguns aspectos da desapropriação que pode incidir sobre tais bens.

Na unidade seguinte enfrentaremos os principais aspectos da tutela jurídica da flora abordando porque tutela-la, como essa proteção evoluiu historicamente e qual o atual regime jurídico da flora e das áreas protegidas.

Dedicaremos uma unidade ao estudo do Código Florestal, especialmente dos espaços territoriais por ele protegidos como as áreas de preservação permanente e a reserva legal.

Na quinta unidade abordaremos o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, discutindo o regime jurídico e as diversas categoriais dessas áreas protegidas, incluindo os aspectos administrativos e penais de sua tutela.

1 Doutor em Direito pela UFSC. Professor da UFMT. Procurador do Estado. Especialista em Direito Ambiental com várias publicações nessa área.

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Finalizando estudaremos a proteção jurídica da fauna no ordenamento nacional e internacional.

Procuramos indicar ao longo do texto algumas sugestões bibliográficas específicas, mas você poderá complementar seus estudos com a bibliografia relacionada no final do texto.

Na página seguinte você encontrará um sumário dos principais aspectos desta unidade.

Mãos a obras.

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Eis o nosso Sumário:

Item Título Página

1 Bens ambientais 03

1.1 Propriedade e meio ambiente 03

1.2 Meio ambiente como macrobem 08

1.3 Bens Ambientais na Constituição Federal 10

2 Poder de Polícia 14

2.1 Poder de Polícia Ambiental 14

2.2 Limitações administrativas 16

2.3 Servidão administrativa 17

2.4 Desapropriações 18

3 Tutela jurídica da flora 21

3.1 Aspectos ecológicos 21

3.2 Histórico da proteção da flora 24

3.3 Regime jurídico da flora 25

3.4 Áreas protegidas 27

4 Código Florestal 31

4.1 Contextualização 31

4.2 Área de Preservação Permanente 32

4.3 Reserva Florestal Legal 42

5 Unidades de Conservação 55

5.1 Regime jurídico das unidades de conservação 56

5.2 Grupos e categorias de Unidades de Conservação 57

5.3 Aspectos administrativos e penais 60

6 Proteção da fauna 65

6.1 Marco regulatório 66

6.2 Modalidades de caça e pesca 69

6.3 Regime jurídico da fauna 71

Considerações finais 76

Bibliografia complementar 77

Exercícios 80

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UNIDADE I

BENS AMBIENTAIS 1.1 - Propriedade e meio ambiente Certamente a expressão bem ambiental já lhe é comum, contudo

quando se fala em bem ambiental, estamos nos referindo a uma nova categoria de bens, que possuem regime jurídico diferenciado, como se examinará em seguida.

Pretendemos, nesta unidade, enfocar a abrangência dessa expressão analisando as relações entre os chamados bens ambientais e o direito de propriedade; por isso mesmo, iniciamos a discussão do regime jurídico da fauna e da flora com uma reflexão sobre a relação entre propriedade e meio ambiente.

Frequentemente se associa o direito de propriedade como um dos entraves à proteção do meio ambiente. Isso é real? Diz-se, por exemplo, que nossos operadores do direito foram formados com uma visão privatista e resistem aceitar as limitações hoje impostas ao uso de recursos naturais quando se localizam em uma propriedade privada.

Afinal, como se relacionam a propriedade e o meio ambiente? Os chamados bens ambientais podem ser apropriados? Quais os

limites que podem ser impostos à sua utilização sem que isso esvazie o direito de propriedade?

Nesta unidade vamos analisar a relação da propriedade com o meio ambiente. Abordaremos também a concepção do meio ambiente como um macrobem identificando alguns dos bens ambientais relacionados pela Constituição Federal e pelas leis infraconstitucionais. Com isso pretendemos identificar aspectos do regime jurídico a que estão submetidos os chamados bens ambientais.

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Seja dono de um rio ! Iniciamos esta análise com um título provocativo e explicamos

porque. Os governos incluíram na agenda política e administrativa o

processo de concessão das rodovias, entre outros bens de uso comum. Ainda que na prática isso não implique na privatização desses bens, o certo é que as concessionárias atuam como se deles fossem efetivamente proprietárias.

Nessa linha é pertinente a seguinte indagação: O governo pode licitar a concessão de um corpo hídrico, ou

mesmo privatiza-lo? Se isso é possível, quais seriam as implicações desse processo?

A relação: propriedade & meio ambiente

Não cabe aqui aprofundarmos nosso estudo para investigar os fundamentos do direito de propriedade.

Talvez Rousseau esteja certo ao afirmar que a propriedade surgiu quando alguém fez uma cerca, dizendo: “Isso me pertence!”, e encontrou alguém suficientemente tolo para acreditar.

Serres2 foi mais longe vendo na gênese da propriedade privada, o surgimento também da poluição. Para ele, o direito de propriedade tem uma origem estercoral; imitando alguns animais que delimitam seu território com os próprios excrementos, os homens também marcam e sujam os objetos que lhes pertencem para mostrar que são seus – ou em outros casos para que se tornem seus. Segundo o autor, esta origem estercoral ou excremental do direito de propriedade é também a fonte cultural da poluição.

O certo é que a institucionalização da propriedade privada, como um direito sagrado, associada à liberdade econômica ocorre dentro do contexto da revolução burguesa, com ampla repercussão, econômica e social, já que os indivíduos podem livremente dispor de seus bens, ou mesmo destruí-los ou ainda deixá-los deteriorar.

François Ost analisou esse processo histórico assinalando: “toda a idéia de proteção da natureza é, assim sacrificada sobre o altar da propriedade e da liberdade econômica. Uma lei francesa de 4 de setembro de 1791 determina que ‘os bosques pertencentes a particulares deixarão de estar sujeitos aos agentes florestais, e cada proprietário será livre de os administrar e deles dispor no futuro, como lhe aprouver”. Na mesma altura, são abolidos os domínios das águas e das florestas, enquanto que as

2 SERRES, M. O contrato natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p. 45.

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florestas das comunidades eclesiásticas são vendidas como bens nacionais, em pequenos lotes, a compradores que se apressam a abater as árvores”.3

Todo um arcabouço legal foi construído, a partir de então, para adequar o direito de propriedade às novas exigências da modernidade.

Desde a classificação de bens, ao reconhecimento de sua função social demonstram que o direito de propriedade está em permanente mutação, seja para adequar-se à modalidade de apropriação (expansão da propriedade intelectual), ou peculiaridades do mercado globalizado. Subsiste, porém, a lógica com que a revolução burguesa delineou o direito de propriedade: todas as coisas podem ser objeto de apropriação e comercialização; nada deve ficar fora do mercado.

Observa-se, contudo, que embora tenha perdido seu caráter absoluto, com o condicionamento de seu uso ao bem estar social, sobretudo nas Constituições promulgadas após a I Guerra4, a ótica individualista continua permeando a regulamentação do direito de propriedade, inclusive na sua vertente pública. Com efeito, os institutos jurídicos relacionados à propriedade pública pouco, ou quase nada, se distinguem da concepção privatista.

Entre as limitações que se impõe contemporaneamente à propriedade privada, estão aquelas relacionadas aos imperativos do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, reconhecido, na nova ordem mundial, como direito fundamental do ser humano, um direito trans e intergeracional5.

Sabemos, no entanto, que garantir esse direito que configura um verdadeiro princípio constitucional significa, muitas vezes, entrar em rota de colisão com o direito de propriedade (também constitucional), como ocorre quando o direito ao meio ambiente equilibrado impõe limitações administrativas ao direito de propriedade.

Explicamos: Frequentemente a necessidade de se assegurar o equilíbrio ecológico torna incompatível a proteção do patrimônio natural com a manutenção da propriedade privada sobre alguns bens considerados de interesse ambiental.

Qual a solução nesses casos? Algumas conseqüências jurídicas podem decorrer dessa hipótese,

e uma delas, com séria repercussão de ordem financeira, é o reconhecimento do

3 OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 61. 4 Cabe salientar que faz parte da tradição constitucionalista do Brasil, o reconhecimento da função social da propriedade, sendo que a Carta de 1988, ampliou essa função social exigindo, para sua configuração, a preservação do meio ambiente (CF: Arts. 5º, XXIII e 186, II). 5 O direito ao meio ambiente é considerado trans e intergeracional porque pressupões a solidariedade com as gerações futuras (transgeracional), e também com as gerações presentes (intergeracional), na medida em que todos são considerados sujeitos desse importante direito fundamental.

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direito à indenização nos casos em que o direito de propriedade deva ceder ao interesse ambiental.

Certamente você já ouviu falar dos problemas enfrentados em alguns Estados, pressionados por inúmeras ações de desapropriação indireta movidas por proprietários de áreas protegidas por razões de ordem ecológica.

A matéria está repercutindo na Suprema Corte, que já firmou jurisprudência no sentido de que, não estando inviabilizada a exploração econômica do imóvel, ou, conforme as palavras do Ministro Celso de Mello,6 não implicando “em esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade”, não cabe ao proprietário do imóvel protegido, a indenização por desapropriação indireta.

Bens ambientais e bens públicos

Por outro lado, se todos têm direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, reconhecido como bem de uso comum do povo, esse direito implica que os bens, essenciais à sanidade do meio ambiente, devem necessariamente integrar o patrimônio público? Ou seja, os bens ambientais devem ser necessariamente bens públicos?

Trata-se de um questionamento que tem implicações na tutela do meio ambiente. Esclarecê-lo, pressupõe distinguir bens e recursos ambientais.

Em regra, os autores utilizam como sinônimas as expressões bens ou recursos ambientais. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente opta pela segunda definição, arrolando entre os recursos ambientais: “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera, a fauna e a flora” (art. 3º, inciso V da Lei nº 6.938/81). Trata-se de rol exemplificativo, já que estão excluídos da relação alguns bens de interesse ambiental, legalmente protegidos, como o patrimônio cultural, histórico e paisagístico.

Vale lembrar que a Constituição Federal eleva o meio ambiente à categoria de bem de uso comum do povo, o que obviamente não exclui a possibilidade de que os recursos ambientais7 que o compõem, individualmente considerados, possam integrar o domínio particular.

Se, por um lado, o direito ao meio ambiente pode ser considerado um bem ambiental imaterial, nessa mesma condição está o meio ambiente, enquanto conjunto de condições que permite a existência da biosfera; nada obsta, contudo, que se considere também como bens ambientais materiais os

6 Recurso Extraordinário nº 134.297-8 SP. 1º Turma. Rel. Min. Celso de Mello. DJ. 22/09/95 7 A lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6398/81, art. 3º, V, entende como recursos ambientais a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

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recursos naturais essenciais à sadia qualidade do meio ambiente, como a água e o solo.

Quando falamos em recursos naturais é importante lembrar que esses podem ser diferenciados em renováveis e não-renováveis.

1.2 - Meio ambiente como macrobem. É importante lembrar que a Constituição Federal reconhece que

todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, e a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente define meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3.º, inciso I, da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981). Nesse sentido meio ambiente é um macrobem de natureza incorpórea e imaterial, como assinalam Benjamin e Morato Leite.8

Nessa acepção, os recursos ambientais que permitem, abrigam e regem a vida podem ser individualmente considerados bens ou recursos ambientais, conforme pondera Benjamin:

Assim, o meio ambiente é bem, mas, como entidade, onde se destacam vários bens materiais em que se firma, ganhando proeminência, na sua identificação, muito mais o valor relativo à composição, característica ou utilidade da coisa do que a própria coisa. Uma definição como esta de meio ambiente, como macrobem, não é incompatível com a constatação de que o complexo ambiental é composto de entidades singulares (as coisas, por exemplo) que, em si mesmas, também são bens jurídicos: é o rio, a casa de valor histórico, o bosque com apelo paisagístico, o ar respirável, a água potável.9

Oportuno salientar que, enquanto macrobem, o meio ambiente é bem público ou de interesse público, objetivamente considerado, embora seus elementos constitutivos possam ser de propriedade pública ou privada,

8 BENJAMIN, A. H. V.[Coord.] Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 73; LEITE, J. R. M. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 85. 9 Idem, p. 75.

Classificação dos recursos naturais

Renováveis: terra, água, ar, flora, fauna, belezas cênicas ou estéticas, certas formas de energia.

Não renováveis: recursos minerais.

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circunstância que não exclui a peculiaridade do uso comum, que é inerente à categoria macrobem, em que esses elementos se inserem.

Na base material do meio ambiente estão bens ambientais que, embora conservem a característica do uso comum, decorrente de sua importância ambiental, não são necessariamente bens de domínio público. A dominialidade desses elementos está sendo definida legalmente em consideração a diversos fatores, entre os quais, certamente, se inclui sua importância. De toda sorte, ainda que privados, e acima da titularidade de tais bens, subsiste o interesse público que condiciona sua utilização.

Nesse contexto, as limitações administrativas impostas à utilização dos recursos naturais em áreas privadas objeto de proteção legal, como as unidades de conservação constituídas em terras particulares, longe de descaracterizar a dominialidade desses bens, atribuem-lhes uma qualificação ditada pelo interesse público.

Mas afinal, existem bens ambientais que podem ser de domínio público?

Domínio público: eminente e patrimonial Hely L. Meirelles define domínio público como “poder de

dominação ou de regulamentação que o estado exerce sobre os bens de seu patrimônio (bens públicos), ou sobre os bens de patrimônio privado (bens particulares de interesse público), ou sobre as coisas inapropriáveis individualmente, mas de fruição geral da coletividade (res nullius10)”.

A doutrina diferencia o domínio eminente do domínio patrimonial. Por domínio eminente compreendemos o poder político que o Estado exerce potencialmente sobre as pessoas e coisas que se encontram em seu território. Nesse sentido é uma das manifestações da soberania interna não se confundindo com o direito de propriedade, mas é em nome do domínio eminente que são estabelecidas limitações ao direito de propriedade.

Já o domínio patrimonial do Estado sobre seus bens é direito de propriedade, sujeito a regime administrativo especial.

Como isso se relaciona com a proteção do meio ambiente? A preservação dos recursos naturais, assim entendidos todos os

elementos da natureza que mantêm o equilíbrio ecológico e a vida em nosso planeta, é dever do Estado e apóia-se no domínio eminente que ele exerce sobre todas as coisas que se encontram em seu território. Mas, como o domínio eminente não é domínio patrimonial, o Estado não tem direito de propriedade sobre todos os bens de seu território, podendo apenas condicionar o uso da propriedade particular para cumprimento de sua função social, ou retira-la compulsoriamente de seu dono por utilidade pública ou interesse social, através de desapropriação, com justa e prévia indenização.

10 Coisas de ninguém.

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Nesse sentido Hely Lopes Meirelles11 leciona que a preservação dos recursos naturais se faz por dois modos: pelas limitações administrativas de uso, gerais e gratuitas, sem impedir a normal utilização econômica do bem, nem retirar a propriedade do particular, ou pela desapropriação, individual e remunerada de determinado bem, transferindo-o para o domínio público e impedindo sua destruição ou degradação.

Quando no domínio público os bens são classificados de acordo com o Código Civil:

1.3 - Bens Ambientais na Constituição Federal A Constituição faz referência a alguns bens ambientais, dentre os

quais destacam-se:

Bens da União (Art. 20 – CF) Bens dos Estados (Art. 26 – CF)

• Lagos, rios federais, terrenos marginais e praias fluviais; • Ilhas fluviais e lacustres nas zonas de fronteira; praias marítimas; ilhas oceânicas e as costeiras, que estejam sobre o domínio da União; • Recursos naturais da plataforma continental • Mar territorial; • Terrenos de marinha e acrescidos; • Potenciais de energia hidráulica; • Recursos minerais; • Cavidades naturais subterrâneas e sítios arqueológicos; • Terras indígenas; • Terras devolutas indispensáveis à preservação ambiental.

• águas superficiais ou subterrâneas, emergentes e em depósito; • áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio; • ilhas fluviais e lacustres que não estiverem sob domínio da União;

11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

Bens públicos

I - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças (res communes – que podem ter a apropriação e o uso privado, sob condições estabelecidas pelo Poder Público).

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É importante compreender que embora a Constituição federal

reconheça como bens da União os rios, o mar territorial e outros bens de uso comum, esses “já não podem mais ser considerados bens públicos, pois constituem elementos fundamentais ao equilíbrio ambiental, integrando um bem maior, o bem ambiental, que não é público, mas de interesse público, produto de um conjunto de elementos inter-relacionados e interdependentes”.12 Assim também ensina José Afonso da Silva:

“Veremos, no entanto, que há elementos físicos do meio ambiente que também não são suscetíveis de apropriação privada, como o ar, a água, que são, já por si, bens de uso comum do povo. Por isso, como a qualidade ambiental, não são bens públicos nem particulares. São bens de interesse público, dotados de um regime jurídico especial, enquanto essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim de interesse coletivo”.13

Ainda na Constituição encontramos referências a bens especialmente protegidos:

O patrimônio cultural, compreendendo “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (Art. 216 – CF).

A diversidade biológica e o patrimônio genético também são protegidos pela Constituição Federal que incumbe ao Poder Público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (Art. 225 § 1º, I).

Pelas mesmas razões acima, a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização deve ser feita, segundo a lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (Art. 225 § 4º).

Bens ambientais na legislação infraconstitucional Encontramos na legislação infraconstitucional algumas referências

à patrimonialidade de bens de interesse ambiental, dentre as quais citamos exemplificativamente:

No Código Florestal: As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, 12 BORGES, Roxana C. B. Função ambiental da propriedade. Revista de Direito Ambiental, 9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 74. 13 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 56.

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exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem (Art. 1º da Lei nº 4771 - 15 de setembro de 1965);

Na Lei de Política Nacional de Recursos Hídricos: A água é um bem de domínio público (Art. 1º, I da Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997);

Na Lei de proteção à fauna: Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadoros naturais, são propriedades do Estado, sendo proibido a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha (art. 1º da Lei nº 1.997 - de 3 de janeiro de 1967);

No Código de Pesca: São de domínio público todos os animais e vegetais que se encontrem nas águas dominiais (art. 3º do Decreto-Lei nº 221/67);

Na Lei de proteção ao patrimônio arqueológico: Os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público (Lei n° 3.924/61).

Características dos bens públicos

Os bens públicos submetem-se a um regime jurídico especial que os distinguem dos bens privados. São em regra, inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis14. José Heder Benatti assinala que, o meio ambiente, dada a sua natureza pública (bem público de uso comum), reveste-se também dessas características.

Por causa da natureza publica do meio ambiente, este adquire também as características de indisponível, impenhorável e imprescritível.

A indisponibilidade esta ligada ao seu elemento primordial de não poder ser negociado, o poder publico não pode dispor dele, pois a supremacia do interesse público em relação ao uso privado. A repercussão jurídica imediata e a proibição da degradação ambiental, mesmo em “nome”do progresso econômico. A conta dessa indisponibilidade, as limitações as transações em ajustamento de conduta15.

Benatti destaca ainda algumas características apontadas pelo jurista argentino Lerenzetti (1998, p. 567):

14 A inalienabilidade significa que os bens públicos em regra não podem ser vendidos, exigindo a lei o atendimento a alguns requisitos para que possa se efetivar a alienação; também não podem ser usucapidos (imprecsritíveis) e tampouco dados em garantia de dívida (penhora). 15 BENATTI, José Heder. O Meio Ambiente e os bens ambientais. In: RIOS, Aurélio V. V. e IRIGARAY, Carlos Teodoro J. H. (Orgs.). O Direito do Desenvolvimento Sustentável: Curso de Aperfeiçoamento em Direito Ambiental. Brasília: IEB, 2005

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• A indivisibilidade dos benefícios: o bem não pode ser dividido entre aqueles que o utilizam, não pode ocorrer apropriação privada por causa do caráter da titularidade:

• A não-exclusão de benefícios: todos os indivíduos têm direito ao meio ambiente, até mesmo as gerações futuras.

• Outra característica encontrada na Constituição Federal – o meio ambiente e um bem de uso comum do povo – é o fato de deixar de existirem bens ambientais como res millius, ou seja, coisa de ninguém, de acesso aberto ao primeiro ocupante. Com base nessa declaração constitucional, os bens ambientais que compõem o meio ambiente, para serem apropriados privadamente, precisam de autorização ou licença publica, com exceção dos casos de subsistência ou sobrevivência do “individuo”.16

Como vimos, alguns autores consideram o patrimônio ambiental não um bem público, mas sim um bem de interesse público,17 devendo o uso desses bens ser racional e pautado por uma equidade intergeracional. A racionalidade importa certas restrições e limitações na utilização, de modo a assegurar que os recursos estarão sempre disponíveis, em quantidade e qualidade, para o gozo das gerações atuais e futuras.

Correto concluir que, ainda que os recursos ambientais possam ser apropriados, o direito de propriedade deve ser exercido de conformidade com suas finalidades sociais e econômicas preservando-se a fauna, flora e demais recursos indispensáveis à sanidade do meio ambiente, eis que este constitui um bem comum de todos e, portanto, um bem difuso.

16 Idem, p. 206 e 207. 17 Nesse sentido: Paulo Afonso L. Machado, José Afonso da Silva, Celso Fiorillo, Roxana Borges.

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UNIDADE II

PODER DE POLÍCIA

2.1 - Poder de Polícia Ambiental Segundo Hely Lopes Meirelles, poder de polícia é a faculdade de

que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Em linguagem menos técnica, podemos dizer que poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual18.

Caio Tácito explica que o poder de polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais19.

Portanto, o poder de polícia existe em razão do interesse social e possui fundamento na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades, vale ressaltar também, que essa supremacia se demonstra nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que impõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade.

Assim, com intuito de evitar a prática de atividade individual (de particular) que possa afetar a coletividade, a Administração, por meio do poder de polícia, pode condicionar o exercício dos direitos individuais, pode delimitar a execução de atividades, como pode condicionar o uso de bens que afetem a coletividade, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida.

Nota-se, que a finalidade do poder de polícia, como já mencionado, é a proteção ao interesse público.

18 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit. p. 129. 19 TÁCITO, Caio. Poder de Polícia e seus limites. RDA 27/1.

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Em se tratando de direito ambiental, cumpre-nos demonstrar à existência do poder de polícia ambiental, que é voltado à proteção do meio ambiente, que como veremos a seguir, é bem difuso, pertencente a toda coletividade.

Nesse sentido, o magistério de Paulo Afonso de Leme Machado:20 Poder de policia ambiental é a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício da atividade econômica ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.

A Administração Pública exerce o poder de polícia por meio de atos normativos em geral, ou seja, limitações administrativas estabelecidas através de normas gerais e abstratas; e também através de atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto: abrange medidas preventivas (fiscalização, vistoria, licença, etc.) e medidas repressivas (interdição de atividade, autuação, etc.).

Tomando como referência os instrumentos da administração ambiental elencados por Ramon Mateo,21 podemos citar, de modo exemplificativo, algumas medidas relacionadas ao exercício do poder de polícia:

a) Medidas preventivas: • Licenças, autorizações, permissões;

• Estabelecimento de padrões de emissão;

• Limitações ao emprego de matérias-primas;

• Imposição de níveis tecnológicos;

• Avaliações de impacto ambiental;

• Fiscalização. 2) Medidas repressivas: sanções administrativas e penais. Salienta Édis Milaré que “o poder de polícia administrativa

ambiental é exercido mais comumente por meio de ações fiscalizadoras, uma vez que a tutela administrativa do ambiente contempla medidas corretivas e

20 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 305 e 306, 21 MATEO, Ramon. Derecho Ambiental. Madrid: Instituto de Estúdios de Administración Local, 1977.

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inspectivas, entre outras. Malgrado isso, dentre os atos de polícia em meio ambiente, o licenciamento também ocupa lugar de relevo, uma vez que as licenças são requeridas como condições para praticar atos que, não observadas as respectivas cláusulas, podem gerar ilícito ou efeitos imputáveis”22.

2.2 – Limitações administrativas Não obstante, atuando a polícia administrativa de maneira

preferentemente preventiva, ela age através de ordens e proibições, mas, e sobretudo, por meio de normas limitadoras e sancionadoras de conduta daqueles que utilizam bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade, estabelecendo as denominadas limitações administrativas23.

No dizer de Hely Lopes Meirelles, limitação administrativa “é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social24”.

Maria Sylvia Zanella Di Prieto ensina que as limitações podem, portanto, ser definidas “como medidas de caráter geral, impostas com fundamento no poder de polícia do Estado, gerando para os proprietários obrigações positivas ou negativas, com o fim de condicionar o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social”.25

Assim sendo, essas limitações constituem restrições impostas pelo poder Público derivadas do poder de polícia, e exteriorizam-se pelas seguintes imposições:

• De fazer (positiva), onde o particular fica obrigado a realizar o que a Administração lhe impõe;

• De não fazer (negativa), onde o mesmo deve abster-se do que lhe é vedado;

• Deixar fazer (permissiva), deve permitir algo em sua propriedade. Importante registrar que em qualquer das imposições acima

citadas, as limitações devem corresponder às justas exigências do interesse público, e respeitar os direitos individuais assegurados na Magna Carta.

As limitações administrativas possuem, ainda, as seguintes características:

22 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 283. 23 MEIRELLES, Hely L. Op. Cit. p. 136. 24 Idem, p. 607. 25 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 1997.

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• São gerais, ou seja, dirigidas a propriedades indeterminadas (mas determináveis no momento de sua aplicação), por isso não geram direito a indenizações.

• Podem ser expressas por lei ou regulamentos de qualquer das três entidades estatais, por se tratar de matéria de direito público da competência concorrente federal, estadual e municipal.

• Não se confunde com as servidões administrativas, que constituem ônus especial a determinada propriedade, mediante indenização do Poder Público, que serão examinadas mais detalhadamente no próximo tópico.

Entre os exemplos de limitações administrativas podemos citar os regulamentos edilícios (obrigação de não fazer) e a instituição da reserva legal.

Apenas para reflexão: Se o exercício do poder de polícia

pressupõe limitações administrativas, qual pode ser o alcance dessas limitações? Quando elas geram direito à indenização?

2.3 - Servidão administrativa. Diferentemente da limitação administrativa a servidão constitui

“ônus real de uso imposto pela Administração à propriedade particular para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário”26.

A servidão pode ser instituída judicial ou extrajudicialmente e sempre ensejará a indenização dos danos ou prejuízos que o uso da propriedade causar ao imóvel serviente.

Por isso mesmo a servidão administrativa é instituto diverso da limitação administrativa, já que essa é uma restrição geral e gratuita, imposta genericamente pelo Poder Público ao exercício dos direitos individuais, em benefício da coletividade; enquanto que a servidão administrativa é um ônus real de uso, imposto especificamente pela Administração a determinados imóveis particulares, para possibilitar a realização de obras e serviços públicos. Assim, a restrição à edificação além de certa altura é uma limitação administrativa ao direito de construir, ao passo que a obrigação de suportar a passagem de um gasoduto ou de fios de energia elétrica sobre determinadas propriedades privadas, como serviço público, é uma servidão administrativa, porque onera diretamente os imóveis particulares com uma servidão pública27.

26 Idem,, p. 600. 27 Idem, p. 601.

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Importante destacar que a servidão administrativa não se confunde com a chamada servidão florestal, prevista no art. 44-A do Código Florestal28.

De acordo com o citado dispositivo: Art. 44-A O proprietário rural poderá instituir servidão florestal, mediante a qual voluntariamente renuncia, em caráter permanente ou temporário, a direitos de supressão ou exploração da vegetação nativa, localizada fora da reserva legal e da área com vegetação de preservação permanente.

Por conseguinte, a servidão florestal é o mecanismo que permite ao proprietário de imóvel rural com título de domínio oferecer parte de sua propriedade, passível de exploração a corte raso, para figurar como reserva legal de terceiros, desde que esteja localizada na mesma bacia hidrográfica.

Nesse sentido, a servidão florestal pode ser configurada como uma servidão regulada pelo Código Civil29, não se confundindo com o instituto jurídico da servidão administrativa e o da limitação administrativa.

A servidão administrativa dentro do regime jurídico de direito público a que se submete, constitui uma prerrogativa da Administração Pública agindo com o poder de império que lhe permite onerar a propriedade privada com um direito real de natureza pública, sem obter previamente o consentimento do particular ou título expedido pelo Judiciário.

A servidão florestal também não pode se confundir com limitação administrativa, uma vez que sua constituição é voluntária, e sobre imóvel específico, nas limitações administrativas à propriedade deverá sempre existir um interesse público genérico e abstrato incidente sobre propriedades indeterminadas, e decorrentes de lei expressa.

2.4 - Desapropriações. Desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da

propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior pra a superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro30.

Celso Antônio de Bandeira Mello31, também conceitua desapropriação como sendo o procedimento administrativo através do qual o

28 Dispositivo acrescentado pela MP n°. 2.166-67, de 24.08.2001 29 O artigo 1.378 do Código Civil estabelece: “A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis". 30 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 576. 31 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 88.

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Poder Público, compulsoriamente, despoja alguém de sua propriedade e a adquire para si, mediante indenização, fundada em interesse público.

Logo, desapropriação é a transferência de uma propriedade, por necessidade ou utilidade pública e interesse social, para o acervo estatal, tendo-se em vista o interesse da coletividade. Noutro falar, é a transformação dos direitos privados em públicos, sob o princípio fundamental de estar o interesse particular subordinado ao da coletividade.

É de se observar, que as definições supra mencionadas sempre relacionam desapropriação à utilidade ou necessidade pública.

Nesse diapasão, a Constituição Federal32 prevê os seguintes requisitos para que ocorra a desapropriação: necessidade ou utilidade pública, interesse social e justa e prévia indenização por dinheiro.

Segundo Hely Lopes Meireles:

• Necessidade pública – surge quando a Administração defronta situações de emergência que, para serem resolvidas satisfatoriamente exigem a transferência urgente de bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato.

• Utilidade pública – se apresenta quando a transferência de bens de terceiros para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível (O Decreto-Lei 3.365/41 consubstanciou as duas hipóteses em utilidade pública).

• Interesse social – ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade, ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do poder Público. (...) Os bens desapropriados por interesse social não se destinam à Administração ou a seus delegados, mas sim à coletividade ou mesmo a certos beneficiários que a lei credencia para recebe-los e utilizá-los convenientemente.

• Justa e prévia indenização – é a que cobre não só valor real e atual dos bens expropriados, à data do pagamento, como também, os danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento do seu patrimônio.33

Portanto, a desapropriação é um procedimento administrativo que se realiza em duas fases:

• fase declaratória (ato administrativo – pode ser também do legislativo), a qual declara a área a ser desapropriada como de necessidade ou utilidade pública ou do interesse social.

32 Artigo 5°, inciso XXIV – Constituição Federal. 33 MEIRELLES, Hely L. Op. cit. p. 584.

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• fase executória (judicial ou extrajudicial), onde realizado a estimativa da justa indenização e a transferência do bem expropriado para o domínio do expropriante.

O tema nos interessa na medida em que o Poder Público, objetivando proteger áreas dotadas de atributos relevantes, poderá intervir na propriedade desapropriando-a para nela instituir uma unidade de conservação.

Deste modo, como as unidades de conservação possuem o objetivo precípuo de preservar o meio ambiente, a sua criação estará pautada no exercício do poder de polícia e no princípio da supremacia do interesse público. Oportuno salientar que nem sempre a criação de uma área protegida em propriedades particulares ensejará a desapropriação da mesma, como será examinado na Unidade IV.

Finalmente cabe esclarecer que a desapropriação difere tanto da servidão administrativa como da limitação administrativa. Essa última, por ser uma restrição geral e de interesse coletivo, não obriga o Poder Público a qualquer indenização, a servidão administrativa, como ônus especial a uma ou algumas propriedades, exige indenização dos prejuízos que a restrição acarretar aos particulares e a desapropriação, por retirar do particular sua propriedade ou parte dela, impõe cabal indenização do que foi expropriado e dos conseqüentes prejuízos.

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UNIDADE III

TUTELA JURÍDICA DA FLORA 3.1 – Aspectos ecológicos Os vocábulos flora e floresta não possuem o mesmo significado. A

“flora” abrange “o reino vegetal, ou seja, o conjunto da vegetação de um país ou de uma região”34. Édis Milaré conceituou flora como a “totalidade de espécies que compreende a vegetação de uma determinada região, sem qualquer expressão de importância individual dos elementos que a compõem. Elas podem pertencer a grupos botânicos os mais diversos, desde que estes tenham exigências semelhantes quanto aos fatores ambientais, entre eles os biológicos, os do solo e do clima”.35

Já o vocábulo “floresta”, compreende uma formação vegetal caracterizada pela predominância de vegetação densa formada, sobretudo por árvores de grande porte. Vale consignar também, a definição contida no item 18 do Anexo I da Portaria 486-P do extinto IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), de 28.10.1986, onde floresta “é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa”.

Existem inúmeras classificações de florestas e neste texto faremos referências apenas às mais comuns, ou seja, àquelas que estão referenciadas na legislação florestal em vigor.

Quanto a variabilidade de espécies as florestas podem ser homogêneas, que são aquelas que apresentam uniformidade, ou seja, dominância de uma determinada espécie vegetal, ou heterogêneas que são aquelas possuem grande variabilidade genética, constituída por uma formação mais complexa que as homogêneas.

34 SODERO, Fernando Pereira. Flora, Enciclopédia Saraiva de Direito, v. 37, p. 507. 35 MILARÉ, Édis. Op. Cit. p. 162.

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Quanto ao primitivismo podem ser primitivas, que são as florestas intocadas (virgem), que não apresentam característica de adulteração, e secundárias que se distinguem em dois diferentes tipos, regeneradas que são aquelas cujo processo de regeneração ocorreu a partir de elementos da própria floresta, sem intervenção humana, e as plantadas que são as criadas a partir da intervenção humana.

Na legislação brasileira a flora, assim como as florestas gozam de especial proteção, sobretudo em decorrência de sua importância socioambiental, como se examinará a seguir.

Serviços ambientais da floresta

Uma das características dos recursos ambientais é sua multifuncionalidade, ou seja, cada um dos recursos exerce inúmeras funções, isso considerando não apenas o interesse e os usos voltados para as necessidades humanas, mas também as funções ecológicas que tais recursos desempenham.

Assim a flora, compreendendo a vegetação em todas as suas formas, presta relevantes serviços ambientais, na medida em que evita a perda de solo, promove a contenção do assoreamento, reduz a emissão de CO2, estabiliza o clima, protege os recursos hídricos e preserva a biodiversidade.

Observe que estão sendo apontados apenas serviços ecológicos prestados pela flora, não incluindo sua importância econômica, embora os serviços ambientais reflitam diretamente na qualidade de vida da população.

No caso da floresta, especialmente, é fácil identificar os serviços ambientais por ela desempenhados.

Armazenamento de carbono: a floresta constitui um grande depósito de carbono e hoje já é possível quantificar a carga de carbono lançada na atmosfera com o desmatamento de uma área de floresta, volume que aumenta consideravelmente se a área desmatada for também queimada. Sabe-se também que essa quantidade de carbono contribui para o agravamento do efeito estufa repercutindo nas condições climáticas e contribuindo para o aquecimento global.

Manutenção do sistema climatológico: como já destacado, as florestas guardam relação direta com a estabilidade do clima, não apenas local, mas também globalmente, na medida em que sua preservação evita o lançamento de grande quantidade de carbono na atmosfera.

Manutenção do ciclo hidrológico: através da evapotranspiração a floresta contribui para a manutenção da umidade do ar, além de permitir uma maior percolação das águas pluviais no solo, abastecendo o lençol freático e recarregando os aqüíferos.

Contenção de queimadas: a própria umidade da floresta constitui um fator impeditivo à propagação do fogo;

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Reciclagem de nutrientes: sabe-se que grande parte da floresta amazônica se situa em áreas de solo pobre e que a sobrevivência da floresta se dá na medida em que há um grande processo de reciclagem de nutrientes.

Controle de erosão: a estabilização do solo nas áreas de encosta, bem como nas margens dos cursos d’água está diretamente relacionada com a manutenção da mata ciliar, por isso mesmo especialmente protegida.

Proteção da biodiversidade: são insuficientes os estudos abrangendo a grande diversidade de espécies animais e vegetais, incluindo micro-organismos, bem como sua importância para o meio ambiente e para a humanidade. Cada área desflorestada pode significar a perda de algumas espécies autóctones, que existiam apenas naquele local.

Abrigo para fauna: a fauna silvestre interage com o ambiente florestal e dele depende para sua sobrevivência. Inúmeras espécies da fauna encontram-se ameaçadas de extinção pelo desaparecimento do ecossistema em que viviam.

Além dessa importância ecológica a floresta tem também uma importância econômica e social, fornecendo importantes matérias-primas (madeira, alimentos, essências, etc.), e desempenhando um papel cultural, estético e recreativo; por isso mesmo, sua utilização não pode ficar restrita ao aspecto econômico, sendo necessária a compatibilização da racionalidade econômica com a responsabilidade ecológica, para que sejam mantidos os serviços ecológicos e sociais da floresta.

Vale dizer, a proteção da floresta se justifica pelas razões ecológicas já examinadas, mas também por imperativos de ordem econômica, enquanto fonte inesgotável de matéria-prima, e ainda pelo interesse turístico, assim como por razões de ordem cultural, incluindo a sobrevivência de populações indígenas e extrativistas.

Apenas para sua reflexão: • Além dos serviços ambientais apontados no texto, quais outros

serviços desempenhados pela flora?

• A grande seca verificada na Amazônia, no ano de 2005, tem relação com o avanço do desmatamento?

• Se a floresta tem importância ecológica, econômica e cultural, porque sua proteção esbarra em tantos obstáculos?

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3.2 - Histórico da proteção da flora Observando a história do Brasil, constata-se que a mesma

encontra-se inteiramente ligada a exploração das florestas tropicais; o próprio nome do país revela a importância da extração de madeira no período colonial.

A primeira medida que se pode considerar como de proteção ambiental, foi editada pela Coroa portuguesa alarmada com os relatórios acerca da exploração do pau-brasil, os quais davam conta de que o corte desenfreado da madeira poderia levar a extinção do produto. A criação da função de guardas florestais., revela o interesse da Metrópole em manter sobre controle a exploração de madeira, conforme relata Warrean Dean36.

Em julho de 1799, foi estabelecido o primeiro regimento de cortes de madeiras para o Brasil, contendo regras sobre o corte, serragem e transporte de árvores.

Também a época do Brasil-Império foi palmilhada de avanços e retrocessos na implementação de uma possível política florestal, como sintetiza Osny Duarte Pereira37 apontando as principais medidas de cunho normativo sobre a exploração das florestas, naquele período:

a) Código Criminal de 1830: nos artigos 178 e 257, estabeleciam-se sanções para o corte ilegal de madeiras;

b) Lei nº. 243, de 30 de novembro de 1841, estabelecia que o corte de pau-brasil era permitido somente aos proprietários dos terrenos que o produziam, disciplinando a venda exclusiva ao Governo; procurava-se, então, coibir o contrabando de madeira.

c) Regulamento sobre o corte de pau-brasil, de 11 de janeiro de 1842, destinava-se a regulamentação do artigo 11 da Lei nº. 243, por este, ficaram transferidas às Tesourarias Provinciais a faculdade de credenciar pessoas para a derrubada de árvores nas terras devolutas e particulares.

d) Decreto nº. 4.887, de 05 de fevereiro de 1872, autorizou o funcionamento da primeira companhia privada especializada em corte de madeiras (Companhia Florestal Paranaense), com sede no Rio de Janeiro, a qual fora organizada pelos engenheiros André e Antonio Rebouças; a exploração de madeira ficava sujeita, porém, a licença.

e) Imperial Resolução de 19 de julho de 1876 eximiu de prévia licença a exploração de madeiras de lei nas mata particulares; os proprietários de terras não mais precisavam de autorização

36 Dean, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. pág. 64. 37 Pereira, Osny Duarte. Direito Florestal Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1950. págs. 95-101.

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para corte das Tesourarias do Império, nem dos Juízes Municipais.

Já na República nasceu o primeiro Código Florestal brasileiro com a edição do Decreto nº. 23.793, de 23 de janeiro de 1934.

Também no plano constitucional, as Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967, demonstravam a inexistência de uma preocupação com a temática ambiental, sendo a promoção do meio ambiente contemplada de forma dispersas e pouco consistente, quadro que permaneceu inalterado até o advento da Constituição de 198838, quando a temática relativa ao meio ambiente foi enfocada de forma conexa a diversos outros valores e sensível às exigências sociais de nosso tempo.

3.3 - Regime jurídico da flora. Como assinalamos na Unidade I, atualmente o direito de

propriedade não possui mais aquele cunho absoluto de outrora. De acordo com o sistema atual o direito de propriedade só é reconhecido pela ordem jurídica estatal, se for cumprida e respeitada a função social da propriedade.

Tal interpretação decorre do disposto na Constituição Federal, artigo 186, inciso, II, que assim preceitua:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: (...)

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

Salienta, a propósito, Cristiane Derani, que o princípio da função social da propriedade constitui-se em norma impositiva que impõe aos proprietários novos deveres e responsabilidades; acrescentando:

“Daí equiparar-se o princípio da função social da propriedade a um ônus do proprietário, consistente em um conjunto de deveres e responsabilidades que permeia toda a relação de propriedade, e não apenas limita seu exercício. A escolha do que realizar, dos meios empregados, da intensidade da atividade e da destinação das vantagens obtidas não pode mais ser tomada do ponto de vista exclusivamente individual do proprietário”.39

Observe que essa mesma preocupação já constava do Código Florestal, ainda em vigor (Lei nº. 4.771/65 – Art. 1°), que considera as florestas e 38 Anota José Afonso da Silva, a propósito: “A Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista”. (Silva, José Afonso da. Op. Cit. p. 46). 39 DERANI, Cristiane. A propriedade na Constituição de 1988 e o conteúdo da “Função Social”. Revista de Direito Ambiental nº 27. São Paulo: RT, 2002, p. 59.

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demais formas de vegetação como bens de interesse comum a todos os habitantes. Decorre dessa afirmação um regime especial de propriedade especificamente voltado para as florestas e demais formas de vegetação.40

Assim, é correto afirmar que estamos diante de um regime jurídico peculiar, nem público nem privado, na verdade um regime jurídico de direito ambiental, estabelecendo contornos específicos para o direito de propriedade, onde qualquer pessoa goza de legitimidade para contestar a prática de agressões à flora, ainda que tais atos nocivos sejam praticados pelo próprio titular da área agredida.

O próprio Código Florestal considera como uso nocivo da propriedade a utilização e a exploração de florestas em desacordo com suas normas.

Portanto, a fim de evitar o uso nocivo da propriedade, e para que seja cumprida sua função social, o Poder Público condicionou o exercício do direito de propriedade estabelecendo, na legislação florestal, algumas limitações administrativas, entre as quais destacamos:

a) A intangibilidade das Áreas de Preservação Permanente, que somente podem ser alteradas para execução de obras ou atividades justificadas por utilidade pública e interesse social, previamente licenciados;

b) As restrições impostas às áreas de reserva legal, detalhadas no item seguinte;

c) O controle do transporte de produtos e subprodutos florestais, configurando ilícito administrativo e penal o transporte dos mesmos quando desautorizado;

d) A exigência de autorização para a conversão da floresta ou outro tipo de vegetação para usos alternativos, bem como a exigência do licenciamento ambiental para empreendimentos agropecuários, entre outros;

e) A exigência de reposição florestal para pessoa física ou jurídica que explore, utilize, transforme ou consuma matéria-prima florestal;

f) A limitação ao uso do fogo, cuja utilização deve ser previamente autorizada e submetida a regras de controle;

g) A proibição do corte de espécies declaradas imune ao corte e a proibição ou limitação ao corte das espécies vegetais raras, endêmicas, em perigo ou ameaçadas de extinção, bem como as espécies necessárias à subsistência das populações extrativistas;

40 ANTUNES, Paulo de Bessa, Curso de Direito Ambiental. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002, p. 374.

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h) A proibição de implantação de projetos de assentamento humano ou de colonização para fim de reforma agrária em área com cobertura florestal primária ou secundária em estágio avançado de regeneração (exceto os projetos de assentamento agro-extrativistas).

Nessas limitações, previstas de forma genérica na legislação, estão definidas algumas áreas que recebem uma proteção específica e que, portanto fazem parte de um gênero que podemos identificar como espaços territoriais especialmente protegidos.

3.4 - Áreas protegidas Dentre as tarefas constitucionalmente atribuídas ao Poder Público,

com vistas à concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, insere-se a definição de espaços territoriais e seus componentes, a serem especialmente protegidos.

O preceito que estabelece essa atribuição (CF: Art. 225 § 1º, III) determina também que a alteração e a supressão dessas áreas somente serão permitidas mediante lei, vedando ainda, qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

Desse dispositivo constitucional podemos extrair algumas conseqüências:

1) o Poder Público (federal, estadual e municipal) deve definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;

2) somente uma lei pode autorizar a alteração ou supressão desses bens protegidos;

3) o Poder Público tem o dever de impedir qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos inerentes a esses bens.

Observe-se ainda, que a referência constitucional aos espaços territoriais protegidos abrange inúmeras categorias de proteção legal e limitações administrativas que não se cingem às conhecidas unidades de conservação. Pondera, a propósito, José Afonso da Silva:

“Nem todo espaço territorial especialmente protegido se confunde com unidade de conservação, mas estas são também espaços especialmente protegidos. Não é fácil, porém, diante da legislação em vigor, dizer quando um espaço territorial especialmente protegido deve ser considerado unidade de conservação. O máximo que se pode dizer é que um espaço territorial se converte numa unidade de conservação, quando assim declarado expressamente, para lhe atribuir um regime jurídico mais restritivo e mais determinado.”41

41 SILVA, José Afonso da. Op. Cit. p. 161.

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Podemos destacar entre as diversas categorias de áreas especialmente protegidas, as unidades de conservação, as áreas de preservação permanente e de reserva legal, que serão analisadas nas unidades seguintes, além de algumas outras modalidades de áreas protegidas a seguir citadas exemplificativamente:

Terras indígenas

Os territórios indígenas integram o rol das áreas especialmente protegidas, e possuem um regime jurídico próprio, estabelecido pela Constituição Federal.

Assim, a Constituição reconhece a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas bem como seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, estando a União obrigada a demarcá-las e protege-las. Vale dizer, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União, de acordo com a Constituição Federal (Art. 20, XI) que assegura a estes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes; por isso mesmo são bens inalienáveis e indisponíveis, exigindo-se autorização do Congresso para o aproveitamento dos recursos hídricos e minerais localizados nessas áreas. O Código Florestal equipara as florestas existentes em terras indígenas às áreas de preservação permanente.

Cabe assinalar que as áreas indígenas ocupam vasta porção do território nacional, sobretudo da Amazônia. Nesse sentido destaca André Lima:

Na Amazônia legal brasileira são oficialmente reconhecidas pelo Estado 405 terras indígenas (TI) somando 103.483.167 hectares, representando 20,67% do território amazônico e 98,61% da extensão de todas as TIs do país. O restante, 1,39%, espalha-se pelas regiões Nordeste, Sudeste, Sul e Estado do Mato grosso do Sul. No total, no país são 626 áreas, ocupando uma extensão total de 106.417.755 hectares (1.049.398 km2). Assim, 12,33% das terras do país são reservadas aos povos indígenas.42

Assinala, com propriedade, Juliana Santilli43 que esses territórios “correspondem a 12% do território nacional e a 21% da Amazônia legal e tem o dobro de extensão das unidades de conservações federais e, portanto, não podem ficar de fora das políticas de conservação e uso sustentável da biodiversidade. Em muitos casos, projetos e atividades de conservação ambiental são do interesse dos próprios povos indígenas, que são fortemente pressionados a se envolver em atividades predatórias e ilegais de recursos

42 LIMA, André. Zoneamento Ecológico-econômico à luz dos direitos socioambientais. Curitiba: Juruá, 2006, p. 57. 43 SANTILLI, Juliana. Unidade de conservação da natureza, territórios indígenas e de quilobolas: Aspectos jurídicos. In: RIOS, Aurélio V. V. e IRIGARAY, Carlos Teodoro J. H. (Orgs.). O Direito e o Desenvolvimento Sustentável: Curso de direito ambiental, São Paulo: Peirópolis; Brasília: IEB, 2005

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naturais em seus territórios, com a exploração madeireira e o garimpo. Muitas vezes se vêem sem alternativas econômicas e tais atividades, e acabam sendo cooptados por interesses claramente contrários à conservação ambiental.

Destaca ainda, a citada autora que:, Os atos demarcação e reconhecimento oficial dos territórios indígenas se destinam a proteger o espaço coletivo habitado pelos povos indígenas e a assegurar-lhe o exercício de direitos originários sobre eles. Tem, portanto natureza declaratória, uma vez que tais atos se limitam a reconhecer direitos preexistentes, por serem originários e anteriores à criação do Estado.44

Terrenos de Marinha e acrescidos Também listados com bens da União (CF: Art. 20 XXX), são por

isso insuscetíveis de usucapião, abrangendo os terrenos localizados nas margens dos rios e lagos situados na costa marítima e ilhas onde se faça sentir a influência das marés. A proteção legal atinge uma faixa marginal de 33 metros medidos horizontalmente desde a linha do preamar médio do ano de 1831 (Decreto-Lei nº 9.760/46). Os terrenos acrescidos são aqueles que por aluvião se acresceram à faixa marginal existente quando da criação dessa categoria de área protegida.

Terrenos marginais ou reservados

Não se confundem com os terrenos de marinha, embora a supervisão dessas áreas esteja também conferida à Marinha. Os terrenos marginais são aqueles banhados por correntes navegáveis que estejam fora do alcance das marés e abrangem uma faixa de terras marginais de 15 metros medidos em direção à terra, tendo como marco inicial para medição a linha média das enchentes ordinárias. Essa faixa marginal pertence à União (CF: Art. 20, III) e de acordo com a Súmula 479 do STF esses bens não são usucapíveis: “as margens dos rios navegáveis são de domínio público insucetíveis de expropriação e por isso mesmo, excluídas de indenização”.

Áreas tombadas

Também configuram bens especialmente protegidos as áreas tombadas. O tombamento, de acordo com o magistério de Diogo de Figueiredo Moreira Neto constitui “intervenção ordinatória e concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e disposição, gratuita, permanente e indelegável, destinada à preservação, sob regime especial, de bens de valor cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico ou

44 Idem, p. 196.

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paisagístico”. Ver a propósito o Decreto-Lei 25/37 e o Decreto-Lei 3.866, de 29/11/41 além do art. 216 § 1º da Constituição Federal.

Jardins Botânicos

São áreas também protegidas, criadas por ato do Poder Público, destinadas à conservação de espécies “in situ” e principalmente “ex situ”45.

Áreas de Patrimônio Nacional Estão previstas na Constituição Federal (Art. 225 § 4º) e abrangem

a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira. Com esse reconhecimento a Constituição busca estabelecer um regime jurídico diferenciado para esses biomas visando condicionar a utilização dos recursos naturais nessas áreas especiais.

Cabe assinalar que o rol de espaços territoriais especialmente protegidos acima identificados é apenas exemplificativo, podendo ser incluída nessa categoria, as cavernas, os sítios arqueológicos, entre outros.

45 In situ é a condição de uma determinada espécie em seu habitat natural, já ex situ é manutenção de amostra de componente do patrimônio genético fora de seu habitat natural, em coleções vivas ou mortas.

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UNIDADE IV

O CÓDIGO FLORESTAL 4.1 - Contextualização Certamente você já ouviu falar no Código Florestal. Talvez você não saiba, mas ele constitui uma das mais importantes

leis de proteção ambiental, em vigor no país, na medida em que nele se inserem importantes institutos voltados para a proteção da flora, como examinaremos nesta Unidade.

Em sua versão inicial, datado de 1934 (Decreto n° 23.793 de janeiro de 1934) já sinalizava uma preocupação com a proteção das florestas e da flora, ditada, sobretudo, pelo interesse econômico. Osny Pereira assinala que em sua versão inicial o Código de 34 “não fora suficientemente intervencionista para ter a eficácia protetora adequada”,46 tornando-se uma norma de limitado alcance, para a finalidade proposta. No ano de 1965 o citado Decreto foi substituído pela Lei n° 4.771, de 15/09/65, com maiores repercussões ambientais.

O novo Código Florestal entrou em vigor com alguns avanços se comparado ao Decreto anterior, na medida em que passou a considerar as florestas e também as outras formas de vegetação como sendo de interesse comum a todos os brasileiros, estabelecendo algumas limitações à exploração florestal.

46 PEREIRA, Osny Duarte. Op. Cit. p. 111.

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Dentre as limitações mais relevantes insere-se a definição de coberturas florísticas objeto de especial proteção (as áreas de preservação permanente) e a previsão de restrições à exploração das florestas em termos de percentuais que variavam conforme a região do país, embora nesse Código ainda não houvesse referência expressa ao termo Reserva Legal.

Apesar de sua importância e alcance o Código Florestal não foi suficiente para conter a expansão do desmatamento que avançou nas áreas de fronteira agrícola, praticamente dizimando a Mata Atlântica e colocando em risco a floresta Amazônica.

Sob grande pressão interna e internacional, o Governo federal editou uma Medida Provisória introduzindo substanciais alterações no Código Florestal, sobretudo na regulamentação das áreas de reserva legal que serão examinadas nos itens seguintes.

4.2 - Área de Preservação Permanente Como vimos, as áreas de preservação permanente (APPs)

integram o rol de espaços territoriais especialmente protegidos. O Código Florestal define as APPs como “área protegida, coberta

ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas nativas” (Art. 1º § 2º, II).

De acordo com a citada lei temos APPs constituídas:

• por força de lei;

• por ato declaratório;

• por equiparação.

APPs por força de lei São APPs pelo efeito da lei (art. 2° do Código Florestal) as

florestas e demais formas de vegetação natural situadas a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível

mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja: 1) de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10

(dez) metros de largura; 2) de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d'água que tenham de

10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura; 3) de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50

(cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

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4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenha de 200(duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (metros);

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;47

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados " olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura;

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou parte destas com declividade superior a 45º,

equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de

mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de

ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.

Como você observou, entre as áreas de preservação permanente legais inserem-se as matas ciliares, também conhecidas como matas ripárias ou de galeria. Elas recebem o nome ciliar porque funcionam como cílios protegendo os corpos hídricos e regulando os fluxos de água superficiais e subterrâneos e contribuindo para a fixação do carbono. Ana Maria Marchesan assinala que os principais objetivos dessas matas são:

a) Reduzir as perdas do solo e os processos de erosão e, por via reflexa,evitar o assoreamento (arrastamento de partículas do solo) das margens dos corpos hídricos.

b) Garantir o aumento de fauna silvestre e aquática, proporcionando refúgio e alimento para esses animais;

c) Manter a perenidade das nascentes e fontes;

d) Evitar o transporte de defensivos agrícolas para os cursos d´água;

e) Possibilitar o aumento de água e dos lençóis freáticos, para dessedentação humana e animal e para o uso nas diversas atividades de subsistência e economia;

f) Garantir o reaproveitamento de fauna e maior reprodução da flora;

g) Controlar a temperatura, propiciando um clima mais ameno;

h) Valorização da propriedade rural, e

47 A Resolução do CONAMA Resolução n° 302, de 20 de março de 2002 define as APPs para as áreas de entorno de lagos e reservatórios.

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i) Formar barreiras naturais contra a desseminação de pragas e doenças na agricultura.48

APPs por ato declaratório

Além das chamadas APPs legais, pode o Poder Público, declarar como sendo também de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras; b) a fixar as dunas; c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das

autoridades militares; e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou

histórico; f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção; g) a manter o ambiente necessário à vida das populações

silvícolas; h) a assegurar condições de bem-estar público.

APPs por equiparação

São equiparadas às APPs as florestas que integram o Patrimônio Indígena, submetendo-se ao regime de preservação permanente, porquanto são necessárias à manutenção do ambiente necessário à vida das populações silvícolas.

Regime jurídico das APPs

As APPs encontram-se submetidas a um regime jurídico de interesse público com imposição de preservação integral e permanente da flora, vedada sua supressão. Trata-se de proteção que independe da titulariedade do domínio49 e decorre de limitação administrativa com previsão de sanções severas no caso de descumprimento (administrativas e penais50), estando excepcionalizados na lei os casos que podem justificar a supressão da APP (obras de utilidade pública e interesse social).

48 MARCHESAN, Ana Maria M. Áreas de “degradação permanente”, escassez e riscos. Revista de Direito Ambiental n° 35. São Paulo: RT, 2004. p. 190/216. 49 Ocorrem em áreas públicas e privadas com as mesmas restrições. 50 Ver a propósito os artigos 38, 39 e 44 da Lei n° 9.605/98.

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Você pode então questionar: Se a área é de preservação permanente como se justifica sua supressão?

A resposta a essa pergunta divide os doutrinadores. Paulo Afonso Leme Machado considera um contrasenso a

supressão de APP; para ele a “o termo ‘preservação permanente’ deveria significar que tais formas de cobertura vegetal jamais pudessem ser abertas ou extintas”.51

Também José Afonso da Silva assinalou, a propósito: Seria uma inutilidade a lei a reconhecer florestas de preservação permanente, só por efeito dela, ao mesmo tempo em que admitisse a possibilidade de sua supressão total ou parcial, ainda que em condições registrais.52

Nessa mesma linha, Nicolao Dino de Castro e Costa Neto: [...] Ademais, não faria qualquer sentido a lei admitir, de um lado, a existência de florestas de preservação permanente, só por efeito dela, e, de outro, reconhecer a possibilidade de sua supressão total ou parcial.53

Para alguns autores, tratando-se de espaços territoriais especialmente protegidos, a supressão da APP somente poderia se efetivar através de lei.54 Todavia o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou essa matéria em ação Direta de Inconstitucionalidade, através da ADIN-MC 3540/DF decidindo:

A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) -

51 MACHADO, Paulo A. L. Op. Cit. p. 702-703 52 SILVA, José Afonso. Op. Cit. p. 20. 53 COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e Proteção Jurídica do Meio Ambiente. – I Florestas. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 206. 54 A Constituição federal estabelece esse princípio no art. 225 § 1°, III.

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autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).55

Os que compartilham da posição externada pela Suprema Corte ponderam que se considerássemos a mata ciliar como intocável, restaria inviabilizada a construção de pontes e rodovias, pois nos rios de grande porte, teríamos uma faixa marginal, em ambas as margens, com 200 ou 600 metros de largura, que não poderia ser suprimida.

Certamente que as APPs devem ser rigorosamente protegidas, mas sua supressão é muitas vezes necessárias para a execução de obras que atendem ao interesse público.

O Código Florestal disciplina essa possibilidade estabelecendo que a supressão de APP somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social. Veja o que diz a citada norma:

Art. 4o A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

§ 1o A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo.

§ 2o A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.

§ 3o O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.

§ 4o O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.

55 ADI-MC 3540 / DF - Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Min. Celso de Mello. Tribunal Pleno. Publicação: DJ 03-02-2006.

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§ 5o A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas "c" e "f" do art. 2o deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.

§ 6o Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.

§ 7o É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.

Quais seriam então os requisitos para supressão de APP? 1) O primeiro é certamente o licenciamento ambiental da obra ou

atividade caracterizada como de utilidade pública ou de interesse social, que justificaria a supressão da vegetação de preservação permanente;

2) No processo de licenciamento deve estar comprovada a inexistência de alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, bem como definidas as medidas mitigadoras e compensatórias a serem adotadas pelo empreendedor;

3) Deve constar também do processo de licenciamento a prévia anuência do órgão municipal de meio ambiente, quando atingir áreas urbanas ou protegidas por lei municipal, e também do órgão federal, quando a supressão acarretar impacto interestadual ou atingir um bem de interesse federal.

A Lei define algumas obras que podem ser consideradas de utilidade pública e interesse social56, delegando ao CONAMA a espinhosa missão de detalhar o elenco de obras e atividades passíveis de licenciamento em APPs, o que se efetivou, após acaloradas discussões com a aprovação da Resolução CONAMA n°369, de 28 de março de 2006, que dispõe sobre os casos excepcionais que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em área de preservação permanente.

E no perímetro urbano, qual a legislação aplicável? Veja o parágrafo único do artigo que define as APPs no Código

Florestal:

56 Além das obras, planos, atividades ou projetos que podem ser desenvolvidos com a supressão de APPs, definidos em resolução do CONAMA, o Código Florestal (Art. 1° § 2 °, IV e V) considera de utilidade pública as atividades de segurança nacional e proteção sanitária, bem como as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia. Na mesma norma, são consideradas de interesse social as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa e as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área.

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Art. 2° (...)

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os limites a que se refere este artigo.

Observe que quando o citado dispositivo determina que devem ser respeitados os limites do artigo, está se referindo aos limites da APP legal, que abrangem as margens de rios, nascentes entre outros.

A grande maioria dos doutrinadores não vê nenhuma dificuldade na exegese desse dispositivo, que deve ser interpretado literalmente. Ou seja, os municípios podem regulamentar a matéria em seu plano diretor e na lei de uso do solo, desde que respeitem o limite mínimo estabelecido no Código Florestal.

Assim também tem sido o entendimento dominante nos Tribunais. Cita-se como exemplo o julgado do Tribunal de Justiça em São Paulo, do qual se transcreve parte do voto do Relator:

Significa isso, portanto, não obstante as respeitáveis opiniões em contrario, que à legislação estadual e municipal não é dado deixado de observar, mesmo que trate de área urbana, ‘os princípios e limites’ a que alude o art. 2º do Código Florestal, dentre estes a faixa marginal de trinta metros para os cursos d’água de menos de dez metros de largura. E sequer cabe invocar, como exceção a essa regra, a Lei Federal 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, uma vez que, conforme bem anotou o douto magistrado sentenciante, trata-se de Diploma Legal anterior à vigência da Lei 7.803, de 18.07.1989, de igual hierarquia, que acrescentou o referido par. único ao art. do Código Florestal, não podendo assim, prevalecer sobre o que neste último estabelece, lembrando-se, ainda, que a própria Lei 6.766/1979, no seu art. 4º, III, ao cuidar da faixa non aedificandi de 15 metros de cada lado ao longo das correntes, ressalva expressamente a existência de maiores exigências da legislação específica”57

Todavia alguns estudiosos entendem que o Código Florestal remete a definição de APPs no perímetro urbano à legislação municipal (planos diretores e leis de uso de solo), como consta do parágrafo único do art. 2º do Código Florestal a Lei 4.770/1965, contudo, é necessário observar que o mesmo dispositivo exige que sejam respeitados os princípios e limites definidos no citado artigo.

57 TJSP, EDcl 207.160.5/9-01 – Rel. Paulo Franco. DJ 28.08.03.

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Também existem autores que defendem que esses limites aplicam-se apenas aos imóveis rurais58, ou ainda que a Lei 6.766/1979 estabeleceu uma faixa non aedificandi, para loteamentos, de apenas quinze metros ao longo das águas correntes e dormentes. Cita-se como exemplo, a posição de Lucíola Cabral59 que defende a autonomia municipal na fixação dos limites da APP no perímetro urbano:

A competência municipal para delimitar as faixas de preservação permanente nas áreas urbanas deflui da preceituação contida no artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, analisado em consonância com o artigo 225, caput, também da Magna Carta, onde permiti-se concluir que a norma municipal que propuser tal disciplinamento estará amparado nos princípios constitucionais do federalismo, da autonomia municipal e da subsidiariedade.

O direito permite e convive com interpretações as mais divergentes, mas é importante ponderar quais serão as conseqüências para o meio ambiente de uma ou outra interpretação.

Você pode imaginar o que aconteceria com as APPs se os municípios tivessem competência para reduzir os limites dessas áreas no perímetro urbano?

E se a APP estiver degradada, qual a providência cabível ?

A administração pública, e também o Judiciário, tem sido condescendente com a degradação da APP na área urbana, ocasionada geralmente por construções que avançam sobre matas ciliares. Nesses casos a alternativa mais comum tem sido a adoção de medidas compensatórias, recorrendo-se à demolição apenas nos casos de graves danos ao corpo hídrico.

Todavia, no meio rural não se justifica essa flexibilização e o proprietário que possui APP a menor deve regularizar sua situação apresentando ao órgão ambiental um Plano de Recuperação de Área Degradada-PRAD, com cronograma de execução, sob pena de responder civilmente (obrigação de promover a revegetação da área), administrativamente e penalmente.

Veja o fundamento para essa responsabilização: a) Responsabilidade civil: A Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981

estabelece em seu art. 14 § 1°:

58 Essa é a conclusão dos Promotores de Justiça de São Paulo, Ronald Victor Romero Magri e Ana Lucia Moreira Borges, em artigo intitulado “Vegetação de Preservação Permanente e Área Urbana: uma interpretação do parágrafo único do art. 2º do Código Florestal”, Revista de Direito Ambiental 2/71-90. 59 CABRAL, Lucíola Maria de Aquino. Áreas de Preservação Permanente: Competência Municipal à luz da Constituição e do Código Florestal. Revista de Direitos Difusos, ano VI, vol. 32, São Paulo: IBAP e APRODAB, 2005, p. 114.

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§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.

b) Responsabilidade administrativa: O Decreto n°3.179, de 21 de setembro de 1999, prevê os seguintes ilícitos administrativos associados à degradação de APP:

• Art. 25. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção;

• Art. 26. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente;

• Art. 30. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais;

• Art. 33. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação;

• Art. 37. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação.

c) Responsabilidade penal: A Lei n° 9.605, de 13 de fevereiro de 1998, contempla os seguintes crimes associados à degradação de APP:

• Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção;

• Art. 39 Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente;

• Art. 44. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais;

• Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de floresta ou de outras formas de vegetação;

• Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação.

Importante antecipar (isso será detalhado em outra disciplina do curso), que a responsabilidade do degradador é cumulativa, ou seja, ele pode responder a uma ação civil público com pedido de indenização e/ou recuperação

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da área degradada, independentemente de culpa (responsabilidade civil objetiva) e ainda ser multado pelo órgão ambiental (responsabilidade administrativa) e também denunciado por crime ambiental (responsabilidade penal).

Outro detalhe importante: A responsabilidade pela recuperação da APP se estende ao adquirente do imóvel, que responderá civilmente pelo passivo, ainda que a ele não tenha dado causa, podendo também responder penalmente se estiver impedindo a regeneração da área.

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a importância da mata ciliar definindo como propter rem60 a obrigação do adquirente de área desmatada de revegetá- la. Veja o que decidiu o STJ:

Recurso especial. Faixa ciliar. Área de preservação permanente. Reserva legal. Terreno adquirido pelo recorrente já desmatado. Impossibilidade de exploração econômica. Responsabilidade Objetiva. Obrigação propter rem. Ausência de pré-questionamento. Divergência jurisprudencial não configurada. (...) Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objetos de grande exploração econômica, de maneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens. Não há cogitar, pois, de ausência de nexo casual, vistos que aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A Obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante para o adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental. Recurso Especial não conhecido” (REsp 343741 – PR).

Cabe ressaltar que existem decisões divergentes também no STJ, considerando que não pode ser exigido do adquirente a recuperação de área que tenha sido degradada pelo proprietário anterior; porém, as decisões mais recentes indicam que há um avanço na posição daquela Corte de Justiça consolidando o entendimento acima transcrito.

Outro aspecto importante a ser observado: além da obrigação de recuperar as áreas degradadas (responsabilidade civil), ao manter a exploração em uma área de preservação permanente, que comprou já desmatada, o adquirente está praticando também um ilícito administrativo e penal, na medida em que está impedindo a regeneração da APP (veja os artigos infringidos na Lei n° 9.605/98 e no Decreto n° 3.179/99).

60 A obrigação propter rem integra um gênero de obrigações conhecidas como “ambulantes”, ou seja, acompanha a coisa no caso em que essa é transmitida; ou seja, o direito real segue acompanhado de uma obrigação de fazer.

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Apenas para sua reflexão: • Alguns Estados se adiantaram definindo como interesse social algumas

atividades que podem ser executadas em APP, como a piscicultura. O Estado tem competência para tanto?

4.3 Reserva Florestal Legal A Reserva Florestal Legal, ou simplesmente Reserva Legal,

compreende uma fração do imóvel rural protegida através de uma limitação administrativa imposta visando assegurar a manutenção de um percentual que impede a supressão integral da cobertura vegetal. Esse percentual é definido em função do bioma e da região onde se situa o imóvel rural. Trata-se de uma exigência ditada, sobretudo pela necessidade de proteção da biodiversidade.

A idéia de impedir o desmatamento integral dos imóveis rurais é antiga na legislação brasileira e já estava presente na primeira versão do Código Florestal (Decreto Federal nº 23.793/34) que assim estabelecia:

Art. 23 Nenhum proprietário de matas cobertas poderá abater mais de três partes da vegetação existente, salvo o disposto nos artigos 24 e 51 (25% - vinte e cinco por cento).

Esse Decreto permaneceu em vigor até o ano de 1965, quando foi instituído o Novo Código Florestal através da Lei nº 4.771 de 15 de setembro. Neste Novo Código, ainda não havia referencia ao termo Reserva Florestal Legal, mas o legislador já estabelecia restrições à exploração das florestas em termos de percentuais fixados de acordo com as regiões do país. A regra então em vigor, estabelecia que “Nas áreas ainda incultas, sujeitas a formas de desbravamento, as derrubadas de florestas primitivas, nos trabalhos de instalação de novas propriedades agrícolas, só serão toleradas até o máximo de 50% da área da propriedade”.61

Somente através da Medida Provisória no 1.736-31/98 passamos a contar com uma definição jurídica de Reserva Legal que atualmente integra o Código Florestal por meio da MP nº. 2.166-66 de 2.001. De acordo com o citado conceito vemos que:

Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas Art. 1º § 2º, III – Código Florestal).

Portanto, a reserva legal é constituída por uma área, cujo seu percentual é definido em lei, variando conforme as peculiaridades, condições

61 conforme art. 16, b do Código Florestal.

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ecológicas, em cada uma das regiões geopolíticas do País, e que não pode destinar-se à realização atividade que implique na derrubada da vegetação nativa.

Isso significa que a limitação administrativa imposta às áreas de reserva legal impede que a vegetação nativa seja integralmente suprimida (corte raso62) não impedindo, porém sua utilização sob regime de manejo florestal sustentável. Excetua-se dessa regra, as áreas de reserva legal em pequena propriedade ou posse rural familiar, nas quais podem ser computados os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais com espécies exóticas.

Outro aspecto que deve ser destacado nessa definição legal é o de que as áreas de preservação permanente não serão computadas no cálculo da reserva legal, excetuando o Código Florestal as hipóteses em que esse cômputo será admitido: 1) desde que não implique em desmatamento de novas áreas, 2) quando a soma da área de preservação permanente e reserva legal exceder a oitenta por cento da propriedade rural localizada na Amazônia Legal, cinqüenta por cento da propriedade rural localizada nas demais regiões do País; ou vinte e cinco por cento da pequena propriedade.63

O Código Florestal, em seu artigo 16, estabeleceu os percentuais que devem ser mantidos nas propriedades, à título de reserva legal:

Art. 16 As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime e utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo;

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

62 Aquele “em que são derrubadas todas as árvores ou de parte ou de todo um povoamento florestal, deixando o terreno momentaneamente livre da cobertura arbórea.” 63 Ricardo Domingos Rinhel questiona o citado dispositivo alegando que a instituição da reserva legal em percentual sobre a área total do imóvel, sem computar as áreas de preservação permanente constitui “um verdadeiro bis in idem uma vez que a natureza jurídica e a finalidade da área de preservação permanente e da área de reserva legal se confundem” In: Direito Ambiental: incidência da área de preservação permanente na reserva florestal legal. Revista de Direito Ambiental n° 40, São Paulo: RT, 2005, p. 162-185.

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IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.64

Nas propriedades onde se verifica a existência de floresta e cerrado o percentual de reserva legal será definido considerando separadamente os índices correspondentes a cada um desses biomas (Art. 16 § 1o do Cód. Florestal).

O Código Florestal exige que a Reserva Legal seja averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel junto ao competente Cartório de Registro de Imóveis (Art. 16, §2º, e art. 44, parágrafo único – Cód. Florestal), contudo, são exceções as propriedades que possuem sua reserva legal averbada. Objetivando superar esse quadro de omissão, alguns Estados estão definindo em leis estaduais essa exigência, como requisito para licenciamento das propriedades rurais,65 sendo a averbação da reserva uma condição legal para o exercício do direito de exploração.

Importante salientar que o proprietário poderá escolher em sua propriedade onde se localizará a reserva legal, contudo, cabe ao órgão ambiental aprovar essa localização; como bem salienta Paulo de Bessa Antunes66, a reserva é estabelecida por ato do proprietário, que determina sua averbação junto ao Registro de Imóveis. À administração pública compete, única e exclusivamente, verificar a existência de atributos ecológicos nas áreas que deverão ser averbadas pelo proprietário e delimitar-lhes os contornos; ou seja, a Administração limita-se a verificar, simplesmente, o preenchimento das condições legais.

Ainda com relação à averbação da reserva legal, salientamos que esta tem a natureza de ser um registro público que serve de conhecimento de terceiro e grava a propriedade florestal, devendo por isso a reserva ser mantida inalterada em caso de transmissão de domínio. Ou seja, se um proprietário doou a um filho a parte de sua propriedade onde se situa a reserva legal, o desmembramento da área não retira a limitação administrativa sobre ela incidente, de modo que a área doada não poderá ser desmatada.

Cabe ressaltar, contudo, que essa característica da inalterabilidade foi mitigada com a possibilidade de definição ou compensação da reserva legal em área situada em outro imóvel rural, desde que localizado na mesma bacia hidrográfica.

Também nas áreas de posse a reserva legal é exigida (Art. 16, § 10- Cód. Florestal), para isso o possuidor deverá firmar com o órgão ambiental estatal ou federal competente, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)

64 Com a redação dada pela MP nº. 2.166-66/2001 65 Como é o caso do Sistema de Licenciamento de Propriedades Rurais-SLAPR instituído no Estado de Mato Grosso. 66ANTUNES, Paulo de Bessa, Op. Cit. p. 102.

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contendo, no mínimo, a localização, características ecológicas, bem como a proibição de sua supressão. Cabe salientar que ao proprietário, o Código não impõe a assinatura de TAC, mas sim a averbação da Reserva Legal.

Outro aspecto importante, a Reserva Legal pode ser instituída em regime de condomínio entre mais de uma propriedade, respeitando o percentual legal em relação a cada imóvel. Isso tem ocorrido em assentamentos, onde a reserva legal dos lotes pode ser agrupada em uma área continua, que acaba, muitas vezes, sendo invadida e também desmatada.

A exigência da reserva legal foi questionada no Supremo Tribunal Federal, através de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIM), sob a alegação de que a MP impõe restrições ao direito de propriedade, impedindo o seu exercício, sem justa e prévia indenização. Nas duas ações foram indeferidos os pedidos de liminar; na primeira o Relator consignou que o “[...] perigo maior estaria no deferimento da cautelar, pois poderia tornar irreparáveis os danos que a Medida Provisória visou evitar”; na segunda ADIN a liminar também foi indeferida com argumento similar:

[...] por se tratar de normas que já estão em vigor há aproximadamente dez anos, como também, e principalmente, porque a suspensão da sua eficácia até a decisão final desta ADIN permitirá a prática de atos contrários a esse instrumento – a reserva legal – de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, e atos de difícil reparação, se a presente ação direta de inconstitucionalidade vier a ser, afinal, julgada improcedente.67

Prevalece, pois, o entendimento de que ao proprietário ou posseiro que instituir a reserva legal em sua área não cabe nenhuma indenização, uma vez que se trata apenas de uma limitação administrativa de caráter geral que não implica no esvaziamento do direito de propriedade. Por outro lado, a reserva legal averbada é isenta de tributação e do pagamento de impostos territoriais rural (inciso II, parágrafo 4º, do artigo 10 da lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996).

Vejamos agora algumas questões relacionadas à tutela da Reserva Legal:

1) E nos casos em que a Reserva Legal foi totalmente

desmatada? Isso tem ocorrido em todo o país. Grande parte das propriedades

rurais não possui reserva legal ou esta se encontra parcialmente desmatada e ocupada com pastagens e culturas. Na verdade verifica-se que houve uma verdadeira “desobediência civil” quando da alteração dos limites da reserva legal, sobretudo na Amazônia, e inúmeras propriedades rurais foram abertas

67 As duas ações citadas são, respectivamente: ADIN nº 1.516-8, UF, Relator Min. Sydney Sanches, D.J. 13.08.1999, e ADIN nº 1.952-0, DF, Relator Min. Moreira Alves, D.J. 12.05.2000, p. 61

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sem a manutenção da reserva legal exigida pela MP nº. 2.166-66/2001, gerando atualmente um passivo existente ainda não dimensionado.

Atualmente a lei prevê algumas alternativas para o proprietário, nesse caso. Vejamos:

Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5o e 6o, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente:

I - recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente;

II - conduzir a regeneração natural da reserva legal; e

III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento.

(...)

§ 4o Na impossibilidade de compensação da reserva legal dentro da mesma micro-bacia hidrográfica, deve o órgão ambiental estadual competente aplicar o critério de maior proximidade possível entre a propriedade desprovida de reserva legal e a área escolhida para compensação, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo Estado, atendido, quando houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica, e respeitadas as demais condicionantes estabelecidas no inciso III.

(...)

§ 6o O proprietário rural poderá ser desonerado, pelo período de trinta anos, das obrigações previstas neste artigo, mediante a doação, ao órgão ambiental competente, de área localizada no interior de Parque Nacional ou Estadual, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva Biológica ou Estação Ecológica pendente de regularização fundiária, respeitados os critérios previstos no inciso III deste artigo. A compensação somente será autorizada para os casos em que a

conversão da floresta tenha ocorrido antes de 14 de dezembro de 1998, ou seja, se o proprietário ou possuidor suprimiu, total ou parcialmente florestas ou demais formas de vegetação nativa, situadas no interior de sua propriedade ou posse, sem as devidas autorizações exigidas por Lei, após a vigência da Medida Provisória no 1.736-31/98, não poderá se beneficiar do instituto da compensação (Art. 44-C do Código Florestal).

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2) E no caso do proprietário que tenha desmatado sua propriedade segundo os padrões previstos na legislação à época vigente poderá invocar a tese do direito adquirido para se eximir do dever de recompor sua reserva legal?

Provavelmente você já ouviu a afirmação de que o interesse público deve prevalecer sobre o interesse individual, o que constitui um princípio de Direito Público.

Esse primado tem sido usado frequentemente pressuposto para a conclusão de que não existe direito adquirido68 em matéria ambiental, aceito sem maiores discussões pela doutrina dominante, embora em algumas situações concretas, esse princípio enfrente resistências.69

Em se tratando de reserva legal o entendimento dominante é o de que a obrigação de recompor ou regenerar a reserva legal ou mesmo direito à compensar previsto no art. 44 do Código Florestal aplica-se a todos os proprietários rurais que possuam reserva legal em limite inferior ao mínimo estipulado pela atual legislação, ainda que tenha efetuado o desmatamento autorizado segundo índices então em vigor.70

3) A Reserva Legal Florestal deve ser exigida também nas

áreas rurais que foram incorporadas ao perímetro urbano? A questão não é pacífica. Afinal, devemos aplicar na zona urbana regras destinadas a

proteger a cobertura vegetal nas propriedades rurais? A legislação municipal pode estabelecer que no caso de

incorporação de áreas rurais em urbanas, os percentuais de reserva legal deverão ser mantidos como áreas verdes?

Cabe registrar que ao fixar os percentuais da área de reserva legal a legislação federal expressamente refere-se às propriedades rurais, embora não exista nenhum impedimento à exigência de manutenção dessas áreas verdes, após sua incorporação ao perímetro urbano. Nesse sentido, cabe

68 A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art.6º, § 2º, dispõe: “Consideram-se adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha tempo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.” 69 Como exemplo cita-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 341559/SP, verbis: MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM DE CARÁTER NORMATIVO. DESCABIMENTO. LOTEAMENTO. CARACTERIZAÇÃO. MEIO AMBIENTE. LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE. DIREITO DO ESTADO DE PROTEGER A NATUREZA. Ressalvado o direito adquirido, o loteamento deve observar inovações normativas supervenientes protetoras do meio ambiente. Não se admite Mandado de Segurança de caráter normativo ou condicional (CPC. Art. 460, parágrafo único). Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJ 15.12.2003. 70 Para se aprofundar no estudo desse tema veja indicação do texto: “Considerações sobre o direito adquirido em matéria ambiental”, em Indicações bibliográficas complementares, ao final desta Unidade

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registrar a posição externada por Gabriel Montilha, favorável à manutenção da Reserva Legal Florestal como área verde municipal:

Assim os imóveis rurais que passaram a integrar o perímetro urbano a partir de 1989, antes mesmo de registrar na matrícula a lei municipal de incorporação, deve proceder antes, ao registro da Reserva Legal, por ser um débito que o proprietário tem para com o meio ambiente. Não pode, o proprietário, ser premiado por não ter cumprido a lei,como se a obrigação de deixar áreas verdes fosse uma necessidade apenas para o equilíbrio rural. Quando sabemos que as cidades e seus perímetros urbanos carecem tanto quanto, ou mais, de áreas verdes.71

4) O Poder Público poderá reduzir a Reserva Legal? O Código Florestal prevê que o Poder Executivo se for indicado

pelo Zoneamento Ecológico Econômico – ZEE e pelo Zoneamento Agrícola, ouvidos o CONAMA, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura e do Abastecimento, poderá reduzir, para fins de recomposição, a reserva legal, na Amazônia Legal, para até cinqüenta por cento da propriedade, excluídas, em qualquer caso, as Áreas de Preservação Permanente, os ecótonos, os sítios e ecossistemas especialmente protegidos, os locais de expressiva biodiversidade e os corredores ecológicos.

Observe que a redução possível é apenas para efeito de recomposição, ou seja, beneficia apenas os proprietários que possuem passivo ambiental. A lei prevê também que o zoneamento também poderá indicar a ampliação das áreas de reserva legal, em até cinqüenta por cento dos índices legais.

5) Qual tem sido o posicionamento mais recente dos Tribunais

com relação à Reserva Legal? As decisões a seguir relacionadas refletem a posição mais recente

dos Tribunais, incluindo o Superior Tribunal de Justiça-STJ, que constitui uma das mais altas cortes de justiça do país:

Em se tratando de reserva florestal legal, a responsabilidade por eventual dano ambiental ocorrido nessa faixa é objetiva, devendo o proprietário, ao tempo em que conclamado para cumprir obrigação de reparação ambiental, responder por ela. 2. O novo adquirente do imóvel é parte legítima para responder ação civil pública que impõe obrigação de fazer consistente no reflorestamento da reserva legal, pois assume a propriedade com ônus restritivo. 3. Recurso especial conhecido e provido.

71 MONTILHA. Gabriel. A abrigação de se manter a reserva florestal legal em imóvel urbano. Revista de Direitos Difusos. Vol. 31. São Paulo: Adcoas, 2005. p 154. Texto disponível também no sítio: http://www.pr.gov.br/meioambiente/iap/pdf/reserva_legal_urbana.pdf . Acesso em 05/05/06

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(STJ. 2ª T. RESP n. 195.274 - PR (1998⁄0085291-3). Rel. Min. João Otávio de Noronha. Julgamento em: 07 de abril de 2005).

EMENTA:”RECURSOS ESPECIAIS- ALINEAS “A”E”C”- PROPRIEDADES RURAIS- ATIVIDADES AGRO-PASTORIL-RESERVAS LEGAL-TERRENO ADQUIRUIDO PELO RECORRENTE JÁ DESMATADO-AÇÃO CIVILPUBLICA-LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ADQUIRENTE DO IMOVEL-EXISTENCIA DE OFENSA AOS ARTS. 16 ALINEA “A”E §2°DA LEI N. 4.771/65;3° E 267, IV , DO CPC- AUSENSIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC DIVERGENCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO.Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de maneira que se não de o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens. Aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem esta ele mesmo praticando o elícito. A obrigação de conservar e automaticamente transferida do alienante adquirente, independente deste ter responsabilidade pelo dano ambiental. Na linha do raciocínio acima expendido, confira-se o Recurso Especial n. 343.741/PR,cuja relatório coube a este signatário, no DJU de 07.10.2002. Recurso especial provido para afastar a ilegitimidade passiva ad causam do requerido e determinar o retorno dos autos à Corte de origem para exame das demais questões envolvidas na demanda”. STJ- RE 217.858/PR-Min.Franciulli Neto - 2°19/12/2003

EMENTA:EMBARGO DE DECLARAÇÃO CONTRA ACORDO PROFERIDO EM AGRAVO REGIMENTAL. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PUBLICA RESPONSABILIDADE. ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS RECOMPOSIÇÃO MATAS. 1.A medida provisória 1.736-33 de 11/02/99, que revogou o art. Da lei 8.171/99, foi revogada pela MP 2.080-58, de 17/12/2000. em matéria de dano ambiental a responsabilidade e objetiva. O adquirente das terras rurais e responsável pela recomposição das matas nativas. A constituição Federal consagra em seu art. 186que a função social da propriedade rural e cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente 4. a lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores. na verdade, a referida norma referendou o próprio código Florestal (lei 4.771/65)que estabelecia uma limitação administrativa as propriedades rurais, obrigando seus proprietários rurais, obrigando seus proprietários a instituírem áreas de reservas legais , de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo. 5.Embargos de Declaração principalmente escolhidos para negar provimento ao recurso especial .STJ- Edcl no AgAg no RE 255.170/SP-Min. Luiz Fux - 1°Turma – DJ:22/04/2003.

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“Ação civil pública .Danos ao meio ambiente. Código Florestal. Reserva legal. 20% da área total. Inteligência do art. 16, § 2º da lei 4.771/65. Limitação administrativa. Irrelevância que adquirente tenha recebido imóvel desmatado. Legitimidade passiva ad cusam configurada. Recurso provido. O ´novo adquirente do imóvel é parte legítima passiva para responder por ação de dano ambiental, pois assume a propriedade do bem rural com a imposição das limitações editadas pela Lei Federal’”. Resp 222.349-PR, 1ª T. do STJ, rel. Min. José Delgado, j. 23.03.2000.(TJPR, 5ª Câm. Civ., Ac 6.094, - rel. juiz convocado Lauro Laertes de Oliveira, DJ 20.11.2000).

EMENTA: “ADMINISTRATIOVO.RESERVA FLORESTAL. NOVO PROPRIETARIO. LEGITIMIDADE. 1. O novo adquirente do imóvel é parte legitima passiva para responder por ação de dano ambiental, pois assume a propriedade do bem rural com a limitação ditada pela lei Federal. 2.Recurso provido”.STJ- RE 264.173/PR - Min. Jose Delgado- 1°Turma –DJ:02/04/2001.

DANO AMBIENTAL – Ação civil pública – Reflorestamento de área ded preservação permanente – Ilegitimidade passiva ad causam – Inocorrência – Responsabilidade do adquirente do imóvel pela reparação do dano, independentemente de culpa – Manutenção de áreas destinadas à reserva legal que é obrigação propter rem – Proibição ao desmatamento de parte da mata ciliar localizada em propriedade rural que configura limitação administrativa, sem qualquer direito a indenização – Restabelecimento do meio ambiente degradado imposto ao proprietário que não exige prévia demarcação da reserva legal pelo órgão público competente – Prevalecimento da lei mais favorável ao interesse público quanto ao prazo para conclusão reflorestamento.

Ementa Oficial: Ação civil pública. Danos causados ao meio ambiente. Demanda que objetiva o reflorestamento de área de preservação permanente. Mara ciliar. Reserva Legal. Ilegitimidade passiva. Inocorrência. Proprietário do imóvel. Irrelevância de culpa. Obrigação propter rem que se liga ao titular do direito de propriedade ou aquele que possui o imóvel. Limitação administrativa. Indenização.Impossibilidade. Demarcação prévia desnecessária. Dilação do prazo de florestamento. Impossibilidade, ante a prevalência da lei mais favorável ao interesse público. Sentença mantida. Recurso conhhecido e improvido. Não há falar em ilegitimidade passiva ad causam das apelante quando a obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente de o adquirente ter responsabilidade pelo dano ambiental, tendo em vista o disposto no art. 16, § 2º, do Código Florestal. A manutenção da área destinada à reserva legal é obrigação propter rem. A proibição de desmatamento de parte rural configura limitalção administrativa, imposta no interesse público a todos os proprietários, sem qualquer direito à indenização. A definição da obrigação do réu de restabelecer o meio ambiente degradado não exige à prévia demarcação de

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reserva legal pelo órgão público competente, podendo essa delimitação ser feita por ocasião de execusão da sentença que condena os proprietários nos atos de recuperação. Deve prevalecer a lei mais favorável ao interesse público quanto ao prazo para a conclusão de reflorestamento. ApCiv 270560-6 – 19ª Câm. Civ. – TJPR – j. 10.02.2005 – v.u. – rel. Des. Luiz Mateus de Lima.

6. Quais os riscos para o meio ambiente no processo

legislativo de conversão da MP n° 2.166-66/2.001 em lei? Como já assinalado, a Medida Provisória n° 2.166-66/2.001 ainda

não foi convertida em lei. A matéria é polêmica e existe um forte lobbie da chamada bancada ruralista que defende uma proposta com alguns retrocessos, em termos de proteção, ambiental. Entre as medidas propostas no projeto substitutivo visando à conversão da citada MP em lei constam os seguintes aspectos:

• Redução do percentual de Reserva Legal no Cerrado Amazônico de 35% para 20% e possibilidade de redução da Reserva Legal nas propriedades com florestas na Amazônia Legal de 80% para 20%;

• Dispensa de reserva legal mínima (20%) para propriedades situadas em outros ecossistemas tais como caatinga, campos, pantanal, restingas;

• Cômputo total e incondicionado das áreas de preservação permanente (incluindo as áreas que hoje não possuem vegetação) para efeito do cálculo do percentual da reserva legal;

• Possibilidade de redução da reserva legal a partir de indicativo de Zoneamento Ecológico-econômico - ZEE elaborado pelos municípios;

• Possibilidade de desaverbação e realocação/compensação de Reserva Legal com vegetação nativa em outra propriedade fora da micro ou sub-bacia hidrográfica e em outro Estado;

• Cômputo de plantios homogêneos de espécies exóticas para efeito de Reserva Legal;

• Dispensa de recuperação de reserva legal para os proprietários que desmataram ilegalmente (acima dos percentuais permitidos pela lei então vigente e sem autorização emitida pelo órgão competente);

• Possibilidade de recomposição total e permanente de reserva legal com espécies exóticas e dispensa de recomposição da Reserva Legal para as pequenas propriedades rurais;

• Permissão de novos desmatamentos em propriedades que tenham áreas desmatadas abandonadas ou subutilizadas;

• Localização das Reservas Legais a critério exclusivo dos proprietários rurais desconsiderando-se a existência de unidades de

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conservação e outras áreas de reserva legal ou de preservação permanente no entorno;

• Supressão de vegetação de mangues e matas ciliares para a implantação de cultivos de camarão e para a implantação de tanques de piscicultura;

• Condicionamento da preservação dos mangues, matas ciliares, vegetação protetora de nascentes e vegetação em terrenos com alta declividade, topos de morro e montanhas (áreas de preservação permanente) à condição econômica do empreendedor (inexistência de alternativa econômica);

• Delegação da definição das áreas de preservação permanente em áreas urbanas aos Planos Diretores Municipais e leis municipais de uso e ocupação do solo;

• Concessão de prazo de 30 anos para recuperação da vegetação em áreas de preservação permanente;

• Eliminação incondicionada das áreas de preservação permanente em reservatórios particulares “não considerados de grande porte”.

Como se vê, caso aprovado o substitutivo acima sintetizado, imporá grandes retrocessos à proteção da flora e especialmente da Amazônia, razão pela qual faz-se necessária uma mobilização para o aprimoramento da legislação em vigor sua efetiva implementação.

Finalizando essa unidade, resta uma pergunta cuja resposta, para muitos é o motivo maior deste curso de Especialização.

7. O aparato institucional existente (incluindo a legislação em

vigor e a estrutura administrativa) é suficiente para conter o avanço do desmatamento na Amazônia?

A evolução da taxa de desmatamento na Amazônia, divulgada pelo

Ministério do Meio Ambiente (segundo dados do PRODES) aponta uma taxa média de 6% nos últimos quatro anos, o que corresponde a uma média anual de 25.000 km2 de floresta sendo desmatada a cada ano.

Acresça-se que esses dados não contabilizam o corte seletivo de espécies nobres que estão empobrecendo a floresta, sem nenhuma preocupação com a utilização sustentável dos recursos florestais e, sobretudo, aumentando os riscos de incêndios florestais.

A realidade é que a ausência do Estado e o quadro de desobediência civil existente, sobretudo em relação aos índices de reserva legal exigido pela Medida provisória em vigor, colocam sob ameaça a floresta amazônica, sobretudo se considerarmos a rapidez com novas áreas são devastadas e a lentidão com que o aparelho de Estado responde a essas agressões.

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Diante do quadro preocupante e também da pressão internacional, através de decreto editado em de 3 de julho de 2003, o Governo instituiu um Grupo Permanente de Trabalho Interministerial Sobre Desmatamento na Amazônia que reúne 13 Ministérios, coordenados pela Casa Civil da Presidência da República. Em março de 2004 o Presidente da República aprovou o Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento na Amazônia Legal. Entre as diretrizes que orientam as ações dos Grupos estão:

• Valorização da Floresta;

• Priorizar o Melhor Uso das Áreas Desmatadas;

• Ordenamento Fundiário e Territorial;

• Planejamento Estratégico da Infra-estrutura;

• Monitoramento e Controle Ambiental;

• Integração de Ações;

• Participação da Sociedade. O Ministério do meio Ambiente destaca entre as ações normativas

já adotadas a edição de decreto estabelecendo maior rigor das sanções administrativas referentes a desmatamentos ilegais (Decreto n° 5.523, de 26/08/05) e a aprovação da Lei n° 11.284, de 02/03/06 que dispões sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável.

Entre as providências que estão sendo estudadas pelo Ministério do Meio Ambiente constam:

1) Edição de decreto instituindo a obrigatoriedade da implantação do Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedade Rural nos Estados da Amazônia;

2) Projeto de Lei que torna o Protocolo Verde norma do Conselho Monetário Nacional e obrigatória a incorporação da variável ambiental nas atividades de assistência técnica aos projetos financiados;

3) MP sobre concessão de estímulos em operações de financiamento de atividades produtivas sustentáveis;

4) Moratória aos desmatamentos acima de 3 ha em municípios selecionados na Amazônia Legal.

Com as medidas já implementadas, o Ministério do Meio Ambiente avalia que o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia ampliou a presença do Estado na região, induzindo uma queda consistente nos índices de desmatamento na Amazônia. Acredita-se que a redução observada deve-se principalmente às medidas de ordenamento fundiário e comando e controle, razão pela qual a redução permanente do desmatamento depende das

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ações estruturantes previstas no Plano para implantar um novo modelo de desenvolvimento na região.72

Apenas para sua reflexão: • A queda nos índices de desmatamento na Amazônia reflete uma

tendência ou está relacionada apenas ao quadro de crise momentânea do setor agrícola?

Indicações bibliográficas complementares

Para um aprofundamento nos temas tratados nesta Unidade, indicamos as seguintes obras:

• Benatti, José Heder. O Meio Ambiente e os bens ambientais. In: RIOS, Aurélio V. V. e IRIGARAY, Carlos Teodoro J. H. (Orgs.). O Direito do Desenvolvimento Sustentável: Curso de Aperfeiçoamento em Direito Ambiental. Brasília: IEB, 2005.

• BRAGA, Rodrigo Bernardes. Considerações sobre o direito adquirido em matéria ambiental. Revista de Direito Ambiental n° 35. São Paulo: RT, 2004. p. 82/95.

• MARCHESAN, Ana Maria M. Áreas de “degradaçào permanente”, escassez e riscos. Revista de Direito Ambiental n° 35. São Paulo: RT, 2004. p. 190/216.

72 Dados e análise obtidos no sítio do Ministério do Meio Ambiente: “Tendências do Desmatamento na Amazônia – 2004/2005”. www.mma.gov.br Acesso em 10/05/06.

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UNIDADE V

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO A destinação de porções territoriais para a preservação de valores,

sejam religiosos ou culturais, é uma pratica humana bem antiga, espalhada por todos continentes. Atualmente esses espaços territoriais protegidos, estão presentes na legislação de praticamente todos os países, voltados agora, sobretudo, para a preservação da biodiversidade, espécies, ecossistemas, bancos genéticos ou monumentos naturais de rara beleza.

Nesta Unidade examinaremos as peculiaridades das diversas categorias de unidades de conservação existentes no direito brasileiro, enfocando seu regime jurídico e as normas pertinentes.

De início cabe assinalar que, no Brasil, o primeiro Parque Nacional foi criado em 1937, no Estado do Rio de Janeiro em Itatiaia. Tal criação se fez com base em dispositivos do Código Florestal de 1934, então em vigor.

Em 1965, com o advento do novo Código Florestal novos critérios foram estabelecidos para a definição de áreas protegidas, complementados pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81) e normativas editadas posteriormente pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente. Contudo, somente com a edição da Lei nº. 9.985/2000, aprovada após inúmeras audiências públicas, foi estruturado o Sistema Nacional de Unidade de Conservação-SNUC, com a definição de normas relativas à criação, implantação e gestão dessas áreas especialmente protegidas.

Nos termos da Lei nº. 9.985/2000 as unidades de conservação constituem “espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (Art. 2°, I).

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5.1 - Regime jurídico das unidades de conservação. Como vimos as unidades de conservação constituem espaços

territoriais especialmente protegidos e, por isso, como afirma Nicolao Dino de C e Costa Neto, dotadas de um regime especial de fruição e modificabilidade.73

Quando abordamos o item “Áreas protegidas” fizemos referência ao art. 225, § 1º, inciso III da Constituição Federal. Nesse dispositivo reside o fundamento desse regime especial. Veja o que dispõe a norma constitucional:

Art. 225 (...) § 1º para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

Desse princípio decorrem algumas conseqüências: 1) O Poder Público deve definir espaços territoriais a serem

especialmente protegidos; 2) Nessas áreas protegidas a utilização é condicionada à

manutenção dos atributos que justificaram sua proteção; 3) A alteração e supressão dessas áreas somente pode se efetivar

através de lei, ou seja, esses espaços territoriais gozam de um regime singular de alterabilidade, uma vez que o Poder Público pode cria-los através de decreto, mas dependerá de lei em sentido formal para suprimir sua proteção, seja integral ou mesmo parcialmente.

Observe que o sentido da norma constitucional é assegurar certa rigidez ao regime especial de alterabilidade, propiciando deste modo, maior perenidade aos ecossistemas especialmente protegidos.74

Contudo, nos casos em que as intervenções necessárias sejam compatíveis com a categoria da área protegida não será necessária autorização legal específica, bastando para tanto o licenciamento ambiental e eventualmente o estudo de impacto ambiental se constatado o risco de impacto ambiental significativo (art. 225, § 1º, inciso, IV, da Constituição Federal); o que significa dizer que somente poderão ser autorizados os usos que não comprometam a integridade dos atributos da área protegida.

Assim por exemplo, a Administração Pública não poderá autorizar o desmatamento ou mesmo a extração de madeira no interior de uma estação ecológica ou reserva biológica, seja porque tal atividade não esta prevista na

73 COSTA NETO. Nicolao Dino de C. Op. Cit. p. 170. 74 Idem. Ibidem.

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Lei, seja porque se trata de uma ação incompatível com os atributos justificadores da criação dessas unidades de conservação.

Existem, portanto, algumas peculiaridades inerentes ao regime jurídico das unidades de conservação. Antonio Herman Benjamin75 aponta o que considera pressupostos necessários à configuração jurídico-ecológica de uma unidade de conservação: relevância natural, oficialismo, delimitação territorial, objetivo conservacionista; e regime especial de proteção e administração.76

Tais pressupostos decorrem da lei, ou seja, a configuração de uma área objeto de especial proteção está condicionada ao atendimento a critérios objetivos. Assim por exemplo, a relevância natural deve existir, embora essa não se confunda com a existência de atributos excepcionais; ou seja, uma área pode ser considerada relevante apenas em função de sua localização e simplesmente porque é representativa de uma fitofisionomia vegetal que está desaparecendo em determinada região.

O oficialismo relaciona-se à exigência de ato declaratório para criação de uma unidade de conservação, via de regra consubstanciada em um decreto governamental, editado com objetivo conservacionista, onde os limites da área protegida estejam previamente definidos, tudo isso respaldado em estudos técnicos.

Quanto ao regime especial de proteção e administração, cumpre salientar que as unidades de conservação, pelas razões acima expostas e pelos requisitos especiais exigidos para sua criação, estão protegidas no ordenamento nacional inclusive com a previsão de tipos penais visando coibir danos diretos e indiretos sobre essas áreas. No que tange a administração também a lei define mecanismos para a gestão compartilhada e participativa em algumas das categorias de unidades de conservação, com reflexos inclusive na dominialidade dos espaços protegidos, como se examinará a seguir.

5.2 - Grupos e categorias de Unidades de Conservação A Lei n° 9.985/2000 dividiu as unidades de conservação em dois

grandes grupos: a) Unidades de Proteção Integral, e b) Unidades de Uso Sustentável.

75 BENJAMINS, Antonio Herman. “Introdução à Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. In: BENJAMIN, Antonio H. (Org.) Direito Ambiental das áreas protegidas. O regime jurídico das unidades de conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001 76 Nesse mesmo sentido Nicolao Dino de C. e Costa Neto sustenta que além do especial regime alterabilidade e de fruição, a estrutura jurídica que dá suporte às unidades de conservação apresenta os seguintes elementos comuns: individualização, normatividade, afetação, relevância natural e a declaração formal. In: Op. Cit. p. 171.

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As unidades de proteção integral, como o próprio nome indica, objetivam assegurar a preservação da natureza, mantendo os ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana e admitindo apenas o uso indireto77 dos recursos naturais.

Já as unidades de uso sustentável visam compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos recursos naturais, assegurando a exploração do ambiente e garantindo a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mediante a manutenção da biodiversidade e dos demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável.78

Cada um desses grupos desdobra-se nas categorias seguintes: 1. Unidades de proteção integral a) Estação Ecológica; b) Reserva Biológica; c) Parque Nacional; d) Monumento Natural; e) Refúgio de Vida Silvestre. 2) Unidades de uso sustentável a) Área de Proteção Ambiental; b) Área de Relevante Interesse Ecológico; c) Floresta Nacional; d) Reserva Extrativista; e) Reserva de Fauna; f) Reserva de Desenvolvimento Sustentável, e g) Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Unidades de proteção integral

Vejamos agora as peculiaridades de cada uma dessas categorias, iniciando pelas unidades de conservação de proteção integral:

Estação Ecológica: Constitui uma categoria de uso extremamente restrito, vocacionado para a realização de pesquisas científicas, nelas sendo proibida inclusive a visitação pública, exceto com objetivo educacional, e ainda

77 A Lei 9.985/2000 define como uso indireto “aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais”(art. 2 IX). 78 Conforme definição legal prevista no art. 2°, XI da Lei n° 9.985/2000.

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de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo da unidade ou regulamento específico. Na Estação Ecológica só podem ser permitidas alterações do ecossistema quando exigidas para restauração, manejo de espécie e pesquisas científicas.

Reserva Biológica: Tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, executando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais. Assemelham-se às Estações ecológicas quanto à visitação e pesquisa científica;

Parque Nacional-PARNA: Tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, na recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. Assemelham-se também às Estações ecológicas quanto à visitação e pesquisa científica;

Monumento Natural: Objetiva preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. Podem ser constituídos por áreas particulares desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. A visitação está sujeita às normas e restrições.

Refúgio de Vida Silvestre: Visa proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória. Assemelha-se aos Monumentos Naturais, quanto à dominialidade e visitação. As pesquisas científicas deverão ser previamente autorizadas.

Unidades de Uso Sustentável

Vejamos agora as características das unidades de conservação de uso sustentável:

Área de Proteção Ambiental-APA: É uma área, em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma APA.

Área de Relevante interesse Ecológico-ARIE: É uma área em geral de pequena extensão, com pouco ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância

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regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza.

Floresta Nacional-FLONA: É uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para a exploração sustentável dos recursos florestais. Nessas áreas admite-se a permanência de populações tradicionais que a habitam quando de sua criação.

Reserva Extrativista-RESEX: É uma área de domínio público, com uso concedido as populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Na RESEX são proibidas a exploração de recursos minerais e a caça amadorística ou profissional e a exploração comercial de recursos madeireiros só será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais e complementares às demais atividades extrativistas

Reserva de Fauna: É uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos, sendo por isso proibido o exercício da caça amadorística ou profissional nessas áreas.

Reserva de Desenvolvimento Sustentável-RDS: É uma área natural que abriga populações tradicionais cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica. Tem como objetivo preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por estas populações.

Reserva Particular do Patrimônio Natural-RPPN: é uma área privada, gravada com perpetuidade, mediante a anuência do IBAMA, com o objetivo de conservar a diversidade biológica.

5.3 Aspectos administrativos e penais

Dominialidade das Unidades de Conservação Sabemos que inúmeras categorias de áreas protegidas são

constituídas em terras particulares e por isso devem ser desapropriadas,

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enquanto que outras podem coexistir com a propriedade privada. Veja no quadro abaixo as peculiaridades de cada uma dessas categorias no que diz respeito a dominialidade:

Categoria Dominialidade Observação Estação Ecológica Posse e domínio

públicos As áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas

Reserva Biológica Posse e domínio públicos

As áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas

Floresta Nacional Posse e domínio públicos

As áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas

Reserva de Fauna Posse e domínio públicos

As áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas

Reserva de Desenvolvimento Sustentável

Posse e domínio públicos

As áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas

Monumento Natural Terras públicas ou privadas

Não sendo possível compatibilizar a proteção da área com as atividades privadas deve ser desapropriada

Refúgio da Vida Silvestre

Terras públicas ou privadas

Não sendo possível compatibilizar a proteção da área com as atividades privadas deve ser desapropriada

Área de Proteção Ambiental

Terras públicas ou privadas

Em regra terras privadas

Área de Relevante Interesse Ecológico

Terras públicas ou privadas

Categoria pouco comum

Reserva extrativista

Domínio público Uso concedido as populações extrativistas tradicionais

Reserva Particular de Patrimônio Natural

Domínio privado Constituída por iniciativa do proprietário

Outras características das Unidades de Conservação

Algumas peculiaridades são comuns a todas ou a algumas categorias de unidades de conservação, dentre essas características compartilhadas destacam-se no texto da Lei nº 9.985/2000 as seguintes:

• A criação de uma unidade de conservação se dá, em regra por ato do Poder Executivo (Decreto) e deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites

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mais adequados para a unidade. A consulta pública não é obrigatória para a criação de Estação Ecológica ou Reserva Biológica.

• Ainda que criada mediante decreto a desafetação79 ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica. Embora não esteja previsto expressamente na legislação, é razoável que também se exija estudo técnico para fundamentar a redução de uma unidade de conservação.

• As unidades de conservação do grupo de Uso Sustentável podem ser transformadas total ou parcialmente em unidades de grupo de Proteção Integral, por instrumento normativo do mesmo nível hierárquico do que criou a unidade (geralmente decreto), desde que obedecidos os procedimentos de consulta pública.

• As unidades de conservação previstas no SNUC podem ser criadas também pelos Estados e Municípios, acrescendo-se ao nome da unidade a expressão “estadual” ou “municipal”, conforme a natureza do ente instituidor, ou substituindo-se a expressão “nacional”, quando já prevista no nome da área protegida. Assim por exemplo o Estado pode criar uma Floresta Estadual e o Município pode criar uma Reserva de Fauna Municipal. A única exceção a essa regra ocorre na criação de parque pelos Municípios, pois a lei prevê expressamente que esses devem ser denominados “Parque Natural Municipal”.

• As unidades de proteção integral devem dispor de um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, quando for o caso.

• A Reserva extrativista e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável serão geridas por um Conselho Deliberativo presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área.

• As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo e, com exceção das Áreas de Proteção Ambiental-APAs e Reservas Particulares do Patrimônio Natural-RPPNs, devem possuir zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos80 que poderão ter seus limites definidos no ato de criação da unidade ou posteriormente. O Plano de Manejo deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da data da

79 A desafetação ocorre quando, mediante lei, se retira o bem de domínio público da destinação de uso comum, transformando-o em bem dominial, isto é, patrimônio disponível da Administração. 80 A Lei n° 9.985/2000 apresenta a seguinte definição de corredores ecológicos: “porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais” (Art. 2°, XIX).

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criação da área protegida e até sua elaboração são proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos. No caso das unidades de conservação de proteção integral as atividades e obras desenvolvidas devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger.

• As unidades de conservação podem ser geridas por organizações da sociedade civil de interesse público com objetivos afins aos da unidade, mediante instrumento a ser firmado com o órgão responsável por sua gestão.

• Podem integrar o SNUC, excepcionalmente e a critério do Conama, unidades de conservação estaduais e municipais concebidas para atender a peculiaridades regionais ou locais, que apresentem clara distinção em relação às categorias já previstas na lei federal.

• É proibida a introdução nas unidades de conservação de espécies (animais e vegetais) não autóctones.

• Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral. O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade será definido pelo órgão ambiental licenciador, considerando os impactos do empreendimento, não podendo ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento.

• Constitui crime (Lei 9.605/98): Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e ainda destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação.

Outros aspectos atinentes à criação, ampliação, desafetação ou redução dos limites de unidades de conservação, podem ser examinados no texto de nossa autoria, disponível na Biblioteca, intitulado: Aspectos constitucionais da Proteção de Unidades de Conservação.

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Aspectos internacionais A Conferencia das Nações Unidas para o Meio Ambiente realizada

em Estocolmo, no ano de 1972, marca o início de uma preocupação dos países com os problemas ambientais globais. Desde então inúmeras Convenções foram firmadas objetivando proteger, sobretudo a biodiversidade, dentre as quais destacamos:

• Convenção sobre Zonas Úmidas (Ramsar - Irã, 1971). Trata-se de uma Convenção relativa a zonas úmidas de importância internacional, particularmente como hábitat das aves aquáticas aprovada em Ramsar (Irã - 1971), tendo, posteriormente sido aditado um Protocolo de Emenda, adotado em Paris, em 1982. Os mesmos foram aprovados pelo Congresso Nacional, para fins de adesão, com a Decreto Legislativo nº 33 de 16/06/1992. O Brasil ratificou essa Convenção em 24 de Setembro de 1993 e é considerado o 4º país do mundo em superfície na Lista Ramsar, com oito Zonas Úmidas consideradas Sítios de Importância Internacional (Sítios Ramsar) com área de 6.456.896 ha.

Reserva da Biosfera: Trata-se de um modelo, adotado internacionalmente (UNESCO), de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, contemplada no art. 41 da Lei nº 9.985/2000, criadas com o objetivo de promover a preservação da diversidade biológica, o desenvolvimento de atividades de pesquisa, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das populações.

Podem ser constituídas por áreas de domínio público ou privado, compreendendo: a) uma ou várias áreas-núcleo, destinadas à proteção integral da natureza; b) uma ou várias zonas de amortecimento, onde só são admitidas atividades que não resultem em dano para as áreas-núcleo; e c) uma ou várias zonas de transição, sem limites rígidos, onde o processo de ocupação e o manejo dos recursos naturais são planejados e conduzidos de modo participativo e em bases sustentáveis.

No Brasil são reconhecidas como Reserva da Biosfera: a) Mata Atlântica (1992), b) Cerrado do DF (1993), c) Cinturão Verde da Cidade de São Paulo (1993) e d) Pantanal (2000), sendo essa última considerada a terceira maior reserva do Mundo.

Indicações bibliográficas complementares

Para se aprofundamento desta Unidade recomendamos a seguinte bibliografia:

• BENJAMIN, Antonio H. (Org.) Direito Ambiental das áreas protegidas. O regime jurídico das unidades de conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

• Irigaray, Carlos Teodoro J. H. Aspectos constitucionais da Proteção de Unidades de Conservação. In: FIGUEIREDO, Guilherme P. Direito

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Ambiental em Debate, Vol. II. Rio de Janeiro: Esplanada, 2004, p. 81-91.

• SANTOS, Saint’clair Honorato. Direito Ambiental: Unidades de Conservação, Limitações Administrativas. Curitiba: Juruá, 1999.

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UNIDADE VI

PROTEÇÃO DA FAUNA De modo sucinto a fauna tem sido conceituada como “o conjunto

de animais de uma região ou período”81, abrangendo pois a vida animal que inclui os já domesticados, exóticos ou não domesticados e bravios. Sucintamente Paulo Afonso Leme Machado conceituou fauna da seguinte forma, “conjunto de espécies animais de determinado país ou região.”82

Mais especificamente a fauna silvestre compreende os animais, mamíferos e aves83, nativos de uma determinada região, não domesticados.

Vale citar também, o artigo 29, § 3°, da Lei 9.605/98, que também apresentou um conceito de fauna silvestre, questionado por ser pouco técnico e abranger todas as espécies de animais (“quaisquer outras”), inclusive os exóticos, que não podem, por isso, serem considerados como integrantes da fauna silvestre. Veja o que diz a lei:

Art. 29 (...)

§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.

81 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.2001. 82 MACHADO, Paulo Affonso L. Op. Cit. 83 Sob essa denominação algumas classificações incluem também os peixes.

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De toda a sorte a legislação federal protege a fauna exótica, doméstica e, sobretudo silvestre, destacando ser esta, “mais que um bem do Estado, um fator de bem-estar do homem na biosfera”.84

A despeito desse reconhecimento, de maneira geral a fauna tem sofrido intensa pressão, colocando sob a ameaça de extinção inúmeros exemplares que povoaram a terra em tempos não tão remotos85.

Na verdade, historicamente, como assinala Milaré86, o homem exerceu um cruel despotismo sobre o reino animal. Um senso lúdico perverso está por trás de práticas culturais antigas, como as touradas, rinhas de animais, caça por divertimento e extração de plumas e partes de animais, como as presas dos elefantes.

Mais recentemente, entre os fatores de pressão destaca-se a expansão da fronteira agrícola, com o desmatamento, as queimadas e a conversão do solo para o cultivo e a pecuária.

Não se pode ignorar que a expansão da fronteira agrícola é também conseqüência da explosão demográfica, que constitui também, por si só, um fator de pressão, na medida em que os habitats naturais da fauna silvestre estão cedendo espaços para a expansão das áreas de cultivo, centros urbanos e a implantação de obras de infra-estrutura.

Todos esses fatores ocasionam a fragmentação de habitats naturais e o empobrecimento genético, já que a fauna silvestre circunscrita a espaços territoriais cada vez mais restritos, se vê também enfraquecida pelo cruzamento de espécies consangüíneas.

Finalmente, cabe ressaltar que o aumento populacional, a pobreza e a falta de uma educação ambiental, fazem da caça, amadora, esportiva e de subsistência um fator adicional de pressão sobre a fauna.

Inúmeras estratégias estão sendo implementadas visando a proteção da fauna silvestre, entre as quais, já analisamos a criação de áreas protegidas, como as Reservas Biológicas e Reservas de Fauna, que permitem a conservação “in situ” da fauna silvestre, ou seja, em seu ambiente natural. Também estão ampliando as iniciativas de conservação “ex situ”, com o aumento de criatórios de variadas espécies.87 Destaca-se todavia a educação ambiental e as medidas de comando e controle previstas na legislação que serão examinadas nesta Unidade.

84 Veja a Exposição de Motivos à Lei de Proteção da Fauna (Lei 5.197 de 3 de Janeiro de 1.967). 85 De acordo com a IUCN existem cerca de 370 espécies de mamíferos ameaçados de extinção. 86 MILARé, Édis. Op. cit. p. 312. 87 Os criadouros estão regulamentados em diversas portarias do IBAMA, como a Portaria IBAMA nº 139/93 que trata dos criadouros conservacionistas; a Portaria IBAMA nº 118/97 que disciplina os criadouros comerciais; a Portaria IBAMA nº 102/98 que regulamenta os criadouros comerciais da fauna exótica e ainda, a Portaria IBAMA nº 016/94 que dispõe sobre os criadouros científicos.

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6.1 Marco regulatório Data de 1934, o primeiro diploma legal voltado especialmente o

controle da fauna, conhecido como Código de Caça e Pesca. Milaré ressalta que “a legislação inicialmente, ocupou-se mais em

regulamentar essas práticas tão assimiladas pela cultura humana sem preocupar-se com a proteção à fauna, muito menos com os ecossistemas nos quais ela está inserida. Foi assim que a caça e a pesca, quando exercida de forma predatória, tal como a degradação de ecossistemas, contribuíram para a perda da biodiversidade das espécies88”.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a tutela jurídica da fauna sofreu significativos avanços, tendo o seu artigo 23, VII, estabelecido que a preservação da fauna é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A competência legislativa, por sua vez, veio disciplinada no artigo 24, VI, que fixa a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, para legislarem sobre caça, pesca e fauna.

Ainda no plano constitucional, chamamos sua atenção para o art. 225 § 1°, VII que atribui ao poder público um elenco de tarefas visando assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente equilibrado:

Art. 225 (...) § 1º para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em riscos sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Finalmente, no ordenamento infraconstitucional destaca-se o Decreto-Lei n°. 226/67 (Código de Pesca) que regulamenta a proteção e o estímulo à pesca, e a Lei n°. 5.197/67 (Código de Caça), que dispõe sobre a proteção à fauna.

A proteção internacional da fauna

No plano internacional existe atualmente um amplo leque de acordos e convenções visando proteger a fauna, especialmente a migratória e aquelas ameaçadas de extinção. Entre os documentos internacionais, pela sua abrangência e caráter principiológico, cita-se a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em 1978 (Bruxelas), que entre outros princípios estabelece:

88 MILARÉ, Édis. Op. Cit. p. 173.

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• Todos os animais nascem iguais diante da vida e tem o mesmo direito à existência (art. 1°);

• O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se ao direito de exterminar os outros animais (art. 2°-B);

• Nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis (art. 3°-A);

• Se a morte de algum animal for necessária, deve ser instantânea, sem dor nem angustia (art. 3°-B).

Desde então outras convenções e acordos foram firmados internacionalmente para tutelar a fauna, entre os quais destacam-se:

• Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, Washington, 1973, com emendas promulgadas pelos Decretos nº 76.623/75, n° 92.446/86 e nº 133/91;

• Convenção sobre a Diversidade Biológica, Rio de Janeiro, 5 de junho de 1992, assinada pelo Brasil durante a ECO-92, e promulgada pelo Decreto 2.519 de 16/03/1998.

Tutela penal da fauna

A Lei n° Lei 9.605/98 consolidou os ilícitos penais relativos à fauna e à ictiofauna, dando-os um tratamento mais realístico e superando a fase dos crimes inafiançáveis que despertou grande resistência social.

Figuram entre os crimes previstos na citada lei:

• Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória;

• Modificar, danificar ou destruir ninho, abrigo ou criadouro natural;

• Vender, expor à venda, exportar ou adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito, transportar ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente;

• Exportar para o exterior, peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da autoridade ambiental competente;

• Introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade competente;

• Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos;

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• Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente;

• Pescar mediante a utilização de explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante; substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente.

6.2 – Modalidades de caça e pesca

Modalidades de caça A legislação contemplou historicamente algumas modalidades de

caça, que serão abordadas sumariamente: Caça Profissional: aquela praticada pelo caçador visando auferir

lucros com o produto de sua atividade. Era permitida pelo Código de caça de 1943, contudo, está proibida pela Lei n.º 5.197/67, de proteção à fauna.

Caça de Controle: Nos termos do artigo 3º, § 2º, da Lei n.º 5.197/67, a caça de controle “é a destruição de animais silvestres considerados nocivos à agricultura ou à saúde pública”, sendo permitida, portanto, a sua realização. Uma primeira questão que se coloca é a da definição de nocividade: Como definir essa nocividade se os animais integram uma teia de relações ecológicas, onde há uma interdependência entre as espécies. Não se pode ignorar que sob o pretexto de nocividade muitas espécies foram praticamente extintas. Também não se pode ignorar que é próprio homem quem ocasiona o desequilíbrio dos ecossistemas provocando, muitas vezes, o crescimento da população de determinadas espécies.

De todo modo, para que ocorra a atividade da caça de controle, é necessário que seja dada uma permissão expressamente motivada pela autoridade pública, indicando-se os perigos concretos ou iminentes, a área de abrangência, as espécies nocivas e a duração do período em que será autorizado o abate dos animais “nocivos”.89

Caça Amadoristica: Trata-se da caça esportiva. Essa modalidade também é permitida pela Lei de Proteção à Fauna, que, inclusive, prevê a formação de clubes ou de sociedades amadoristas de caça e de tiro ao vôo, dando titularidade a estes para requererem licença especial para que seus associados transitem com armas de caça.

Caça de Subsistência: Modalidade de caça cuja finalidade é o abate de determinado animal para a alimentação própria e a subsistência da família, não visando lucros. Embora não prevista em lei é geralmente praticada 89 Conforme MACHADO, Paulo A. L. Op. cit. p. 654.

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pelas populações indígenas em suas reservas e também pelas populações interioranas, que não têm fácil acesso aos produtos provenientes da fauna domesticada, como leite e seus derivados, carne de frango e de boi. Saliente, a propósito Nicolao Dino de C. e Costa Neto:

A lei de proteção à Fauna não faz previsão acerca da caça de subsistência, nem para proibir, nem para permitir. Mas é vero que o entendimento que se consolidou nos Tribunais e em doutrina, é o de que a caça de subsistência está fora da persecução criminal, pois era tida, ao tempo da antiga regulamentação criminal, como estado de necessidade ou como cláusula extralegal de exclusão de punibilidade.90

Caça Científica A caça científica é a permitida a cientistas para a coleta de

material, utilização e constatação de eficácia de novas substâncias provenientes de recursos naturais. Deve-se ressaltar que esta prática deve ser autorizada apenas quando situações alternativas são totalmente impossíveis, pois com a evolução científica e tecnológica crescente, essa prática é cada vez mais desnecessária91.

Como você observou, tanto a caça amadorística como a caça científica, somente podem ser realizadas quando autorizadas ou licenciadas.

Importante também ressaltar que a Lei nº 9.985, de 18 de junho de 2000, que dispões sobre o Sistema nacional de Unidades de Conservação estabelece, no art. 54 que, excepcionalmente o Ibama pode permitir a captura de exemplares de espécies ameaçadas de extinção destinadas a programas de criação em cativeiro ou formação de coleções científicas.

Modalidades de Pesca

Já assinalamos anteriormente que também a ictiofauna é protegida pela legislação nacional que considera “de domínio público todos os animais e vegetais que se encontrem nas águas dominiais (art. 3º do Decreto-Lei nº 221/67).

Como veremos adiante, essa afirmação deve ser compreendida, considerando-se a ictiofauna um bem de interesse público, e não como um bem patrimonial do Estado.

Assim como a lei define alguns tipos de caça, o Decreto-Lei n°. 226/67 prevê em seu art. 2° as seguintes modalidades de pesca:

Art 2º A pesca pode efetuar-se com fins comerciais, desportivos ou científicos;

90 In: COSTA NETO, Nicolao D. de Ca.e [et. Alli]. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 163. 91 Texto - Direito dos Animais. Sitio: http://www.aultimaarcadenoe.com/dacaca.htm Acesso em 20/04/06.

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§ 1º Pesca comercial é a que tem por finalidade realizar atos de comércio na forma da legislação em vigor.

§ 2º Pesca desportiva é a que se pratica com linha de mão, por meio de aparelhos de mergulho ou quaisquer outros permitidos pela autoridade competente, e que em nenhuma hipótese venha a importar em atividade comercial;

§ 3º Pesca científica é a exercida unicamente com fins de pesquisas por instituições ou pessoas devidamente habilitadas para esse fim.

Cabe ressaltar que o citado Decreto-Lei define como pescador profissional “aquele que, matriculado na repartição competente segundo as leis e regulamentos em vigor, faz da pesca sua profissão ou meio principal de vida”, exigindo, portanto a matrícula como condição para o exercício dessa atividade na modalidade profissional (art. 26).

Da mesma forma, também o pescador amador deve obter licença anual para a pesca, conforme estabelecido no art. 29.

Ainda no mesmo diploma legal, importante assinalar as regras que vedam a chamada “pesca predatória”. De acordo com o art. 35 é proibido pescar:

a) nos lugares e épocas interditados pelo órgão competente;

b) em locais onde o exercício da pesca cause embaraço à navegação;

c) com dinamite e outros explosivos comuns ou com substâncias que em contato com a água, possam agir de forma explosiva;

d) com substâncias tóxicas;

e) a menos de 500 metros das saídas de esgotos.

6.3. Regime jurídico da fauna A Lei n° 5.197, de 03.02.1967, assim dispõe: Art. 1° Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha. Como salientou Hely Lopes Meirelles: A fauna se sujeita a um regime administrativo especial, visando à sua preservação, como riqueza nacional que é.Contrariando o disposto nos arts. 593, I, e 595 do CC, que consideravam os animais silvestres como res

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nullius, a Lei 5.197, de 03.02.196792, incorporou a fauna silvestre bem como os ninhos abrigos e criadouros naturais ao domínio da União.”93.

Nesse mesmo sentido Celso Antonio Pacheco Fiorillo destaca a importância da Lei de Proteção à Fauna na definição de um novo regime jurídico para a fauna, salientando:

[...] com o advento da Lei n°. 5.197/67, que revogou os antigos Códigos de Caça e Pesca, o tratamento dispensado à fauna refletiu a preocupação do legislador com a esgotabilidade do bem e a sua importância no equilíbrio do ecossistema necessário a manutenção das espécies. Através do artigo 1° da citada Lei94, a fauna silvestre era tida como um bem público, pertencente a União.

[...] enquanto a fauna e a flora possuírem a denominada função ecológica que alude a Constituição Federal no seu artigo 225, § 1°, VII, elas serão consideradas bens ambientais e, por conseguinte, difusos. Isso porque os bens difusos não são passíveis de apropriação, já que submetidos a um regime de administração pelo Estado. 95

Você se lembra, da Unidade em que analisamos a questão da propriedade dos bens ambientais?

Assim quando a lei estabelece que os animais são propriedade do Estado, essa afirmação deve ser compreendida como o reconhecimento de que a fauna constitui elemento fundamental ao equilíbrio ambiental, integrando o bem ambiental que é de interesse público.

Durante muitos anos prevaleceu o entendimento equivocado dos Tribunais de que sendo a fauna “um bem de propriedade do Estado”, a competência para julgamento dos crimes contra ela praticados era da Justiça Federal, pois constituiriam assim, bens da União; matéria que chegou a ser sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça.96

O advento da Lei n° 9.605/98 serviu de pretexto para que os Tribunais revissem esse entendimento e, embora permaneça em vigor, o dispositivo que afirma ser a fauna propriedade do Estado, os Tribunais acertadamente estão considerando que a União só tem interesse genérico sobre

92 Artigo 1° da Lei n°. 5.197/67 - “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”. 93 MEIRELLES, Hely L. Op. Cit. p. 546. 94 “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seus desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha” (Art. 1º da Lei 5.197/67). 95 Fiorillo, Celso A. P. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 95. 96 Súmula 91 do STJ.

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a proteção do meio ambiente em todo o território nacional, ou em parcela dele, o que não basta para que qualquer crime cometido em detrimento do meio ambiente seja de competência da Justiça Federal e não da comum. Atualmente a jurisprudência assim reconhece:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIMES CONTRA A FAUNA. SÚMULA 91/STJ. INAPLICABILIDADE APÓS O ADVENTO DA LEI 9.605/98. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. Conflito de competência entre as Justiças Estadual e Federal que se declaram incompetentes relativamente a inquérito policial instaurado para a apuração do crime de comércio irregular de animais silvestres. 2. Em sendo a proteção ao meio ambiente matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e inexistindo, quanto aos crimes ambientais, dispositivo constitucional ou legal expresso sobre qual a Justiça competente para o seu julgamento, tem-se que, em regra, o processo e o julgamento dos crimes ambientais é de competência da Justiça Comum Estadual. 3. Inexistindo, em princípio, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União (artigo 109 da CF), afasta-se a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento de crimes cometidos contra o meio ambiente, aí compreendidos os delitos praticados contra a fauna e a flora. 4. Inaplicabilidade da Súmula nº 91/STJ, editada com base na Lei 5.197/67, após o advento da Lei nº 9.605, de fevereiro de 1998. 5. Conflito conhecido para que seja declarada a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal do Foro Regional V - São Miguel Paulista - São Paulo/SP, o suscitado. Min. rel. HAMILTON CARVALHIDO (1112), Terceira Seção, CC 27848/SP ; Conflito de Competência (1999/0099352-7), DJ data:19/02/2001 pg: 00135." Resolvida a questão de competência, resta-nos romper com uma

visão estritamente antropocêntrica, onde até mesmo a crueldade contra animais é vista sob a ótica do interesse na sensibilização humana e não no direito dos animais, já reconhecidos internacionalmente. Veja como exemplo a decisão abaixo:

CRUELDADE CONTRA ANIMAIS – INDIVÍDUOS QUE, A GOLPE DE ENXADA, QUEBRAM A PERNA DE EQUINO, ABANDONANDO-O SEM SOCORRO. Protege a lei os animais não só por sentimento de piedade como também para educar o espírito humano, a fim de evitar que a prática de atos de crueldade possa transformar os homens em seres insensíveis ao sofrimento alheio, tornando-os também cruéis para com os semelhantes (RT 295/343).

A despeito do enorme aparato legal existente para a proteção à fauna, os animais ainda são vistos sob uma ótica estritamente antropocêntrica e a crueldade contra os animais ainda é um fenômeno socialmente tolerado.

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Romper com essa visão e assegurar uma proteção à fauna que seja consistente, sobretudo coibindo maus-tratos aos animais, deve merecer uma atuação do Poder Público e da sociedade civil, através de campanhas de educação ambiental além da utilização dos mecanismos de comando e controle já mencionados.

Finalizamos relembrando trecho da Carta do Cacique Seatlle, lida ao então Governador do território de Washington em 1856, em resposta à consulta, na qual propunha a compra das terras indígenas.

“O Grande Chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar nossa terra. O Grande Chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois bem sabemos que ele não precisa de nossa amizade.

Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O Grande Chefe de Washington pode confiar no que o chefe Seattle diz, com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas. Elas não empalidecem.

Como podes comprar e vender o céu e o calor da terra? Tal idéia é estranha para nós. Se não somos dono da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los ? (...)

Assim, pois, vamos considerar tua oferta de compra de nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.

Sou um selvagem e não consigo pensar em outro modo. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não entendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o bisão que nós, os índios, matamos apenas para o sustento de nossas vidas.

O que é o homem sem os animal? Se todos os animais se acabassem, o homem morreria de solidão de espírito, por que tudo que acontece aos animais, logo acontece também ao homem. Tudo esta relacionado entre si. (...)

Tudo quanto fere a terra, fere os filhos e as filhas da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios. (...)

De uma coisa sabemos: a terra não pertence ao homem.

É o homem que pertence a terra. disso temos certezas. Todas as coisas estão interligadas como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. O que fere a terra fere também os filhos e filhas da terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida: Ele é meramente um fio da mesma. Tudo que fizer á trama, a si mesmo fará. (...)

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Se te vendermos nossa terra, ama-a como nós a amamos. Protege-a como protegeríamos. Nunca esqueças como era essa terra quando dela tomaste posse. E com toda sua força, o seu poder e todo o seu coração conserva-a para teus filhos e filhas e ama-a como Deus nos ama a todos.

De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é sagrada. “Nem mesmo o homem branco pode esquivar-se do destino comum a todos nós”.97

Bibliografia Complementar

Para um aprofundamento nos temas tratados nesta Unidade, indicamos as seguintes obras:

• COSTA NETO, Nicolao D. de Ca.e [et. Alli]. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 163.

• DIAS, Edna Cardoso. A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.

• SIRVINSKAS, Luís Paulo. Direito Ambiental, fauna e tráfico de animais silvestres. Revista de Direito Ambiental n°30, São Paulo: RT, 2003, p. 63-79.

97 A íntegra do discurso pode ser encontrada nas seguintes obras: BOFF, Leonardo. Dignitas Terrae – Ecologia: Grito da terra, Grito dos Pobres. São Paulo: Ática, 1999. p. 336-341; e ARAÚJO, J. Estamos desaparecendo da Terra. São Paulo: Bahá-i do Brasil, 1991, p. 39-45.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Como você observou, a tutela do meio ambiente pressupõe

também a proteção jurídica dos recursos ambientais, independentemente de sua dominialidade.

Assim ocorre com a fauna, flora e áreas especialmente protegidas, submetidas a regimes jurídicos peculiares, onde a utilização dos recursos naturais fica condicionada, mercê de limitações administrativas impostas pelo Estado, no exercício de seu poder de polícia.

O desafio que se coloca é o da compatibilização do exercício do direito de propriedade com a utilização dos chamados bens ambientais. Argumenta-se que a abrangência reconhecida ao direito ao meio ambiente equilibrado, muitas vezes colide com os princípios da propriedade e da livre iniciativa.

Nesses casos estamos diante do que a doutrina constitucionalista identifica como colisão de princípios, hipótese em que um dos princípios deve ceder ao outro, o que não significa a invalidação do princípio descartado. Em verdade, nos casos concretos, os princípios possuem peso diferente, devendo prevalecer, na interpretação, o princípio de maior peso.

Também não podemos nos esquecer que, de acordo com a Constituição a propriedade rural só exerce sua função social quando atende o requisito da utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente (art. 186, II). Nesse contexto, a proteção da fauna e da flora constitui tarefa constitucionalmente atribuída ao Poder Público e à coletividade para a concretização do direito ao meio ambiente equilibrado.

Em outras palavras, os direitos fundamentais, entre os quais se insere o direito ao meio ambiente equilibrado, possuem uma dimensão histórica, e exercem além da função de resistência e defesa do cidadão, também a função participativa, ou seja, nossa legislação oferece os instrumentos jurídicos para um grande avanço em termos de política ambiental, mas é imprescindível que esses

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avanços encontrem eco na sociedade civil, traduzindo-se, em última instância, no fortalecimento da cidadania.

Bibliografia Recomendada

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ZANETTE, Eder. Meio ambiente. Setor Florestal. Curitiba: Juruá, 2002.

TRABALHO INDIVIDUAL

1) Analise o problema abaixo e responda as perguntas ao final: O problema: João Corta Pau adquiriu uma área de mil hectares de

floresta no Estado do Pará. A área fora integralmente desmatada pelo antigo proprietário, em 1997 (sem autorização do órgão ambiental), e convertida em pastagem. Parte da área (cerca de 30%) fora mantida subexplorada encontrando-se em estágio de regeneração (capoeira). Atualmente João continua criando gado na área de pasto formado pelo antigo proprietário sendo que parte da pastagem avança até dez metros das margens do Igarapé Branco. Em março desse ano João deu início a uma “limpeza de pastagem”, na área que estava subexplorada, visando ampliar seu rebanho.

Pergunta-se: 1.1) Qual o passivo ambiental de responsabilidade de João? 1.2) Qual a responsabilidade do proprietário anterior. 1.3) Quais as opções de João para sanar o passivo ambiental? 1.4) A limpeza de pastagem pode ser autorizada pelo órgão

ambiental? Por que? 1.5) João cometeu algum ilícito administrativo? E Penal? Quais? Obs. As respostas devem ser fundamentadas

2. Faça uma leitura do texto: IRIGARAY, Carlos Teodoro José

Hugueney. “Aspectos constitucionais da Proteção de Unidades de Conservação” (disponível na Biblioteca do E-proinfo) e elabore duas questões relacionadas ao tema discutido.

Obs. A propósito do que sejam questões, leia-se SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico, 5. ed., São Paulo: Cortez, 1980, p. (105): “(...) um conjunto de questões, de problemas devidamente formulados. É claro que não se trata de uma relação de perguntas

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lacônicas, mas da criação de questões formadas num contexto de problematização em que é posta uma dificuldade que exige pesquisa e reflexão para que as mesmas sejam corretamente respondidas e debatidas.”

3. Analise o problema abaixo e responda as questões ao final: O problema: Uma Estação Ecológica foi criada sem consulta

pública. Tendo em vista a reação de proprietários que exploravam parte da área o Poder Público editou decreto reduzindo o perímetro da citada UC.

Pergunta-se: 3.1) A consulta era legalmente exigível, nesse caso? 3.2) A redução pode ser efetivar por decreto? Obs. As respostas devem ser fundamentadas