universidade federal do pampa prÓ-reitoria de … · cultura de paz e comunicação não-violenta...

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42 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO CURSO DE CIÊNCIAS HUMANAS LICENCIATURA ANAIS DO II CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR DE CIÊNCIAS HUMANAS - COINTER

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42

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA

PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO

CURSO DE CIÊNCIAS HUMANAS – LICENCIATURA

ANAIS DO II CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR

DE CIÊNCIAS HUMANAS - COINTER

43

ORGANIZAÇÃO

APOIADORES

44

COORDENADORA GERAL DO EVENTO

Prof.ª Dra. Andrea Becker Narvaes

COMISSÃO ORGANIZADORA

PROFESSORES

Dr. Ronaldo Bernadino Colvero

Me. Anderson Romário Perreira Côrrea

Me. Camila Almeida

ACADÊMICOS

Ewerton da Silva Ferreira

Danilo Pedro Jovino

Hermogenes de Sousa Cerqueira Filho

Letícia Olveira Chaves de Oliveira

Tiara Cristiana Pimentel dos Santos

Valeska Avila

Vitória Silveira

45

COMITÊ CIENTÍFICO

Me. Alisson Machado

Dra. Adriana Hartemink Cantani

Dra. Andrea Bekcer Narvaes

Me. Anderson Romário Pereira Côrrea

Dra. Carmen Regina Dorneles

Nogueira

Dr. Edson Romário Monteiro Paniágua

Dr. Gerson Oliveira

Me. Gilvane Belém Correia

Danilo Pedro Jovino

Dra. Jaqueline Carvalho Quadrado

Dra. Monique Soares Vieira

Dra. Lauren de Lacerda Nunes

Lucas Giovan Gomes Acosta

Dra. Lisianne Sabreda Ceolin

Me. Rodrigo Maurer

Sandro da Silva

Dr. Sergio Ricardo Gacki

Dra. Susana Cesco

Dra. Nola Patrícia Gamalho

Dr. Muriel Pinto

Dr. Victor Oliveira

DIAGRAMAÇÃO

Ewerton da Silva Ferreira

Secretário Geral do II COINTER

41

A CORREÇÃO E ADEQUAÇÃO AS NORMAS DA ABNT

DOS RESUMOS AQUI APRESENTADOS SÃO DE

RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES E

AUTORAS.

TRABALHOS APRESENTADOS NO GRUPO DE

TRABALHO: FILOSOFIA E POLÍTICA, SOB

COORDENAÇÃO DO PROFª. DRA. LAUREN DE

LACERDA NUNES E MESTRANDO LUCAS GIOVAN

GOMES ACOSTA.

42

SUMÁRIO DOS TRABALHOS APRESENTADOS NO GT FILOSOFIA E POLÍTICA

E NO GT CIÊNCIAS HUMANAS E INTERDISCIPLINARIDADE

IMPLANTAÇÃO E MONITORAMENTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA EM SÃO BORJA ............................. 43

A CULTURA DE PAZ NO ENFRENTAMENTO DA EVASÃO ESCOLAR ....................................................... 57

ALZIRA VARGAS: A FIGURA FEMININA E A ARTICULAÇÃO POLÍTICA NA ERA VARGAS ......................... 74

PRINCÍPIOS DA ÉTICA NA GESTÃO PÚBLICA: TEMA PARA A REFLEXÃO ............................................... 90

ESCOLA E FAMÍLIA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ........................................................................ 102

UMA CONTRIBUIÇÃO DE NIETZCHE À FILOSOFIA MORAL: a hipótese do eterno retorno do mesmo

como imperativo de avaliação das ações ............................................................................................ 112

DEBATENDO A PRÁTICA DOCENTE: UM RELATO PIBIDIANO .............................................................. 130

A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA COMO CAMPO DE

PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO EM SERVIÇO

SOCIAL ................................................................................................................................................. 141

PERCEPÇÕES DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL POR ESTUDANTES DE UMA ESCOLA PÚBLICA

DA CIDADE DE SANTO ÂNGELO-RS ..................................................................................................... 152

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANALISE DAS

METODOLOGIAS APLICADAS EM SALA ............................................................................................... 171

DIVERSIDADE ÉTNICA: APRENDIZAGEM, CONHECIMENTO E CULTURA ............................................. 181

43

IMPLANTAÇÃO E MONITORAMENTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA EM SÃO

BORJA

Rafaela Campos de Paula1 Simone Barros de Oliveira2

Ana Carolina Vaz dos Santos3

Alessandro Almeida da Silva4

RESUMO: O trabalho apresenta os dados parciais da Pesquisa de monitoramento do processo

de Implantação da Justiça Restaurativa no Município de São Borja através do Centro de

Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania/CEJUSC. Trata-se de uma pesquisa de caráter

qualitativo com base no método dialético crítico. A coleta e análise dos dados se deu a partir de

10 relatórios de círculos de construção de paz e 5 relatórios das reuniões de auto supervisão dos

facilitadores realizados no período de março a julho de 2017 a partir da técnica de análise de

conteúdo. A pesquisa surge como uma contribuição e fortalecimento do ideário de todos aqueles

que acreditam e lutam pela transformação dessa sociedade em que estamos inseridos com

padrões culturais excludentes, competitivos e repleta de desigualdades sociais. A Justiça

Restaurativa configura-se como um novo modelo de justiça voltado para as relações

prejudicadas por situações de violência. Nesta perspectiva ancora-se no referencial teórico da

cultura de paz e comunicação Não-Violenta utilizando-se da educação como um meio de

implantação dos processos restaurativos nesta região da Fronteira Oeste. A justiça restaurativa

é uma ferramenta importante de resolução de conflitos que tem como horizonte uma sociedade

que substitua o modo tradicional de resolver os conflitos com base na violência seja física ou

simbólica, pelo diálogo, onde o poder da palavra tenha de fato efeito restaurador. Os dados

preliminares apontam para a eficácia desta política pública que oportuniza o resgate de relações

danificadas pelos processos de conflitos vivenciados no cotidiano escolar. A justiça restaurativa

1 Discente do curso de Serviço Social pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Membro do grupo de

pesquisa Educação Direitos Humanos e Fronteira. E-mail: [email protected] 2 Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa/UNIPAMPA, Mestre e Doutora em Serviço Social, pela

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS, líder do Grupo de Pesquisa Educação, Direitos

Humanos e Fronteira. E-mail: [email protected] 3Possui graduação em Direito pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior Santo Ângelo (2014). Atualmente é

acadêmica do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa e do curso de pós-graduação

modalidade lato-sensu em Políticas e Intervenção em Violência Intrafamiliar da Universidade Federal do Pampa,

campus São Borja/RS. Membro do grupo de pesquisa Educação Direitos Humanos e Fronteira. E-mail:

[email protected] 4Graduado em Ciências Sociais - Ciência Política pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Membro

do grupo de pesquisa Educação Direitos Humanos e Fronteira. E-mail: [email protected]

44

vem proporcionar reparação, responsabilização e cura para os envolvidos no dano recuperando

o tecido social, possibilitando que através da reconciliação vítima e ofensor possam mudar suas

posturas frente ao fato ocorrido.

Palavras-Chaves: Justiça Restaurativa, Escola, Círculo de Construção de Paz.

INTRODUÇÃO

A escola é um espaço onde crianças e adolescentes apreendem e exercitam suas

experiências de vida. Nesse sentido, é em sala de aula que ocorre a descarga de suas frustrações,

suas expectativas, atitudes tanto positivas quanto negativas, pois neste ambiente estão outros

sujeitos com experiências parecidas ou totalmente diferentes das suas, tornando a escola um

espaço de aquisição de conhecimento e experiências de vida.

Desta forma, a escola há muito não é mais representada como um lugar neutro, dedicado

exclusivamente à vivência do ensinar e do aprender. Ao contrário, tornou-se ponto de encontro,

de convivência social, espaço potencial à fecundação da cidadania. Vários municípios dos

Estados Brasileiros estão implantando núcleos de práticas restaurativas nas comarcas do

tribunal de justiça, como uma alternativa viável de resolver conflitos através do uso do poder

da palavra. E a escola torna-se um espaço estratégico para a implementação desta nova técnica

de mediação de conflitos em direção a uma nova concepção de sociedade denomina de cultura

de paz que se utiliza da educação como meio para alcançá-la. Estudos e pesquisas comprovam

que também na escola o aluno exercita o seu potencial, principalmente durante situações de

conflito, pois é o momento em que ele descarrega todas as suas experiências para “resolvê-las”,

seja através de agressões físicas ou verbais, mas que deixam marcas profundas no sujeito que

sofre e no sujeito que prática ação violenta.

O projeto configura-se relevante tendo em vista que suas atividades estão ligadas à

função social da Universidade, a partir do tripé ensino pesquisa e extensão, pois dentre suas

funções está o comprometimento com a formação de sujeitos comprometidos com a sociedade.

Para tanto diante disso busca-se por meio do projeto a disseminação dos valores e princípios de

uma cultura de paz para o respeito à diversidade e aos direitos humanos. A partir das

proposições do projeto objetiva-se construir mecanismos que fomentem além de introduzir o

tema educação nos ambientes da pesquisa. Pois entende-se que a educação por sua essência tem

papel fundamental na formação do sujeito e ela só acontece verdadeiramente na relação com

outros sujeitos e a partir de produções da ação humana. Portanto, isso é o necessário para que

haja um processo de criação, recriação e mudança no desenvolvimento do ser social. Freire

45

(1996 p. 43), afirma “[...] da natureza mutável da realidade natural como histórica se vê homens

e mulheres como seres não apenas capazes de se adaptar ao mundo, mas, sobretudo de mudá-

lo. Seres curiosos, atuantes, falantes, criadores”.

Em São Borja, a implantação de práticas restaurativas teve início em novembro de 2016

com o curso de formação para facilitadores. A partir desta formação, está sendo implementado

os círculos de paz nas áreas de educação, saúde e segurança pública. Diante do exposto, torna-

se relevante monitorar o processo de implantação da JR no Município de São Borja, com vistas

à contribuir para diminuição dos impactos da violência nas áreas em que o projeto está sendo

implantando, objetivando o desenvolvimento de estratégias de redução de danos nas relações

interpessoais entre os sujeitos envolvidos. Entende-se que a implantação desta importante

ferramenta de prevenção e resolução de conflitos, vai trazer para São Borja novas formas de se

relacionar que não seja apenas as formas da cultura tradicional. Portanto, caminha-se rumo à

uma nova cultura denominada de cultura de paz, cuja educação é o meio mais eficaz para

alcançá-la e a JR uma ferramenta importante nesse longo caminho a percorrer. Este trabalho

objetiva visibilizar a dimensão teórica e prática da Justiça Restaurativa no Município de São

Borja em desenvolvimento.

METODOLOGIA

A pesquisa em andamento tem como base para análise da implantação da Justiça

Restaurativa em São Borja é de cunho qualitativo e utiliza-se do método materialista histórico

dialético critico que faz parte da uma corrente teórica que propõe desvelar a sociedade a partir

de um movimento dialético de construção e desconstrução, possibilitando a compreensão da

realidade de forma concreta. A metodologia articula a subjetividade do sujeito, os processos

particulares e os processos sociais. Para os procedimentos de análise, trabalha-se com análise

de conteúdo de Bardin (1990) e estão sendo utilizados diferentes métodos de pesquisa, que

incluem: pesquisa bibliográfica para compreensão e análise da temática em estudo; pesquisa

documental sobre a implantação da JR em São Borja; Análise de relatórios de círculos de

conflitos; Análise de relatórios de círculos de prevenção.

JUSTIÇA RESTAURATIVA: ASPECTOS FUNDANTES

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A Justiça Restaurativa se configura como uma alternativa que vem ao contraponto da

Justiça Retributiva5, no sentindo de buscar as soluções para conflitos litigiosos por meio do

diálogo e da mediação entre as partes para assim subsidiar uma possível restauração dos danos

causados, mas principalmente das relações entre os sujeitos. A gênese da Justiça Restaurativa

remete as tradicionais práticas indígenas para resoluções de conflitos, mais precisamente nas

tribos aborígenes, que contavam com a colaboração e envolvimento de toda a comunidade, bem

como, a contribuição dos elementos naturais da Terra (JOÃO, 2014).

No entanto, a eclosão do modelo restaurativo como concepção teórica foi desencadeada

no século XX, com intensificação da discussão quanto a temática e experiências restaurativas

a partir da década de 70, sendo consolidada de forma efetiva como metodologia na década de

90 pelo professor universitário e escritor Howard Zehr, que é reconhecido mundialmente como

o percussor do modelo atual de Justiça Restaurativa. No seu livro “Trocando as Lentes: Um

Novo Foco sobre Crime e Justiça” que é considerado a obra fundamental no âmbito da justiça

restaurativa, traz contribuições de suma importância quanto a consolidação da Justiça

Restaurativa enquanto ruptura para a Justiça Redistributiva, apontando os sujeitos dos conflitos

como pontos essenciais a serem trabalhados. Para Zehr,

Em vez de definir a justiça como retribuição, nós a definiremos como restauração. Se

o crime é um ato lesivo, a justiça significará reparar a lesão e promover a cura. Atos

de restauração – ao invés de mais violação – deveriam contrabalançar o dano advindo

do crime. É impossível garantir recuperação total, evidentemente, mas a verdadeira

justiça teria como objetivo oferecer um contexto no qual esse processo pode começar

(ZEHR, 2008, p.13).

Para a Organização da Nações Unidas (ONU), o conceito de Justiça Restaurativa está

na Resolução nº 2002/12 em consonância com o Conselho Social e Econômico (ECOSOC),

onde dispõe que o processo restaurativo significa qualquer processo no qual possuem a

coordenação de facilitadores treinados e capacitados, junto a participação de todos os

envolvidos: vítima, ofensor, e se necessário, as famílias e a comunidade possuem um papel na

busca pela solução nas situações oriundas do crime. Para Tony Marshall (1999, apud AGUIAR,

p. 109) a Justiça Restaurativa é como “um processo através do qual todas as partes interessadas

em um crime específico se reúnem para solucionar coletivamente como lidar com o resultado

5Modelo de justiça caracterizado pela individualidade e a busca pela culpabilização e punição dos sujeitos - ZEHR,

Howard. Trocando as lentes: Um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008. Tal modelo

é o predominante no Brasil atualmente.

47

do crime e suas implicações para o futuro”. Assim, a Justiça Restaurativa atua pela perspectiva

de possibilitar o fortalecimento dos vínculos entre os indivíduos e consequentemente as

resoluções dos conflitos via diálogo, evidenciando que tais conflitos intencionados e/ou

geradores de fatores como violência, competição, culpa, sofrimento, entre outros, não são

fenômenos individuais mais sim coletivos, sendo assim, necessitam do envolvimento da

sociedade em geral (ZEHR, 2008).

A partir de práticas voltadas para o respeito as diferenças, as diversidades nas relações

sociais, assim como, estimular troca de papéis valorosas como o autoconhecimento, a

consciência, a percepção, a vivência e a empatia, o modelo restaurativo apresenta como valores

fundamentais a participação, o respeito, a humildade, a interconexão, a responsabilidade, o

empoderamento dos indivíduos e a esperança em uma sociedade de paz para assim prevenir a

violência e resolver conflitos de forma pacifica criando condições que conduzam a uma

transformação social,

[...] a aplicação desse novo modelo de Justiça via de regra desencadeia, caso a caso,

um realinhamento ético e um processo reflexivo capaz de repercutir, a um só tempo,

em termos de transformações pessoais, de desenvolvimento institucional, de

aprendizagem social e de mudanças culturais (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO

GRANDE DO SUL, 2014, p. 7).

Deste modo, a Justiça Restaurativa configura-se como um novo modelo de justiça que

propõe a superação da justiça tradicional, como é possível verificar no quadro a seguir:

Quadro 1 – Características da Justiça Tradicional e da Justiça Restaurativa.

JUSTIÇA TRADICIONAL JUSTIÇA RESTAURATIVA

Culpa Responsabilidade

Perseguição Encontro

Imposição Diálogo

Castigo Reparação do Dano

Verticalidade Horizontalidade

Coerção Coesão

Fonte: Elaborado pelos autores a partir do Programa Justiça Restaurativa para o Século 21.

Pelo exposto, a Justiça Restaurativa tem a sua atuação voltada paras as relações

prejudicadas por situações de violência, tendo como instrumento fundamental o diálogo entre

as partes envolvidas no conflito (vítima e agressor), viabilizando novas oportunidades de

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entendimento e conversa sobre motivos que desencadearam tais conflitos, com o intuito de

restaurar as relações entre todos, desenvolvendo ações que os beneficiem, de forma a aproximar

e co-responsabilizar todos os envolvidos, ajudando assim na restauração dos danos e

despertando compromissos futuros mais harmônicos para todas as partes envolvidas.

O marco da justiça restaurativa no Brasil foi o I Simpósio Brasileiro de Justiça

Restaurativa em 2005 cujo documento é ratificado como “Carta de Brasília”. A

implementação se deu a partir de três experiências-piloto através do projeto “Promovendo

práticas restaurativas no sistema judiciário brasileiro” do Ministério da

Justiça. As cidades piloto foram São Caetano do Sul (SP) Brasília (DF) e Porto

Alegre (RS), objetivando verificar o impacto da materialização dos princípios da

justiça restaurativa como forma de abordagem nas relações entre vítima e ofensor.

(BRANCHER, 2008). A partir de então, vários municípios dos Estados Brasileiros

estão implantando núcleos de práticas restaurativas nas comarcas do tribunal de

justiça, como uma alternativa viável de resolver conflitos através do uso do poder da

palavra que expande em áreas diversas, a exemplo da área da educação.

A justiça restaurativa apresenta como valores fundamentais a participação, respeito,

humildade, interconexão, responsabilidade, empoderamento e esperança num ambiente de paz.

Dessa maneira, A justiça restaurativa sem dúvida, vem imprimir uma oportunidade estratégica

de resolução de conflitos (BRANCHER, 2008). Resgata de alguma forma a humanidade das

pessoas, se utilizando de processos circulares que permitam as pessoas identificarem seus

sentimentos e necessidades afetados pelas situações de violência vivenciadas. As mudanças da

partem da necessidade de transformação da sociedade que desafia o desarmamento simbólico

das pessoas na perspectiva de valores que promovam a igualdade, educando para relações

pautadas na participação democrática e na tolerância, ou seja; relações pacificas como novo

marco civilizatório.

A Justiça Restaurativa se apresenta dentro de um processo de educação para a paz que

visa uma cultura de paz. A educação é um direito universal, assim, deve-se pensar vários

caminhos para colocar em prática uma política educacional de qualidade. Logo, a Cultura de

paz pode ser um desses caminhos, por meio da educação. Assim sendo, o termo Paz como deve

ser entendido para concebê-lo como educação:

Paz é um princípio prático da civilização humana e da organização social que está

fundamentada na própria natureza humana. A paz não escraviza o homem, pelo

contrário, ela a exalta. Não humilha, muito ao contrário, ela torna consciente de seu

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poder no universo. E porque está baseada na natureza humana, ela é um princípio

universal e constante que vale para todo ser humano. É esse princípio que deve ser o

nosso guia na elaboração de uma ciência da paz e da educação dos homens para a paz

(MONTESSORI, 2004, p.54).

Contudo, a sociedade ainda está empregando o sentido tradicional de Paz, aquele

utilizado para fins de guerra. Dessa maneira, há a necessidade de reformularmos no cotidiano

da vida o conceito de paz, pois as sociedades mudam, surgem outras questões sociais. Educar

para a paz é grande necessidade do século XXI, a Organização das Nações Unidas refere que a

educação para a paz apresenta

Uma dimensão internacional e uma perspectiva global da educação a todos os níveis

e sob todas as formas; compreensão e respeito por todos os povos e suas culturas,

civilizações, valores e modos de vida, nomeadamente culturas étnicas nacionais e

culturas de outras nações; consciência da crescente interdependência global entre os

povos e as nações; capacidade de comunicação interpessoal; consciência não apenas

dos direitos mas também dos deveres que incumbem a cada indivíduo, grupo social

ou nação face aos outros; compreensão da necessidade de solidariedade e cooperação

internacionais; disponibilidade dos indivíduos de participar na resolução dos

problemas da sua comunidade, do seu país e do mundo em geral. (ONU, 1999, p. 644)

Este processo articula indivíduos, profissionais e organizações de todas as áreas da

sociedade civil em busca de uma outra sociedade, pautada por princípios e valores éticos que

primem por relações humanas diversas e saudáveis que vão ao encontro da igualdade e justiça

social. A paz é um valor inclusivo, molda-se pela dimensão e valores da coletividade, ao mesmo

tempo em que faz com que o sujeito, o profissional e a instituição, sintam, reflitam e ajam em

direção à sua construção e seu fortalecimento.

RESULTADOS E DISCUSSÕES: JUSTIÇA RESTAURATIVA E SUA

MATERIALIZAÇÃO NOS CÍRCULOS DE CONSTRUÇÃO DE PAZ

O Município de São Borja foi contemplado com a institucionalização do Centro

Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania/CEJUSC em 2016, inicialmente com a

implantação dos métodos auto compositivos de Mediação Judicial e Conciliação Judicial

capacitando 25 mediadores e conciliadores. A partir da implantação dessas duas importantes

ferramentas, iniciou-se o diálogo com o Tribunal de Justiça de Porto Alegre para que o

município fosse credenciado com a política pública de justiça restaurativa através do poder

judiciário. Eis que em novembro o mesmo ano, foi firmado o protocolo de Cooperação entre

50

instituições públicas e privadas de São Borja, sendo uma delas, a Universidade Federal do

Pampa/UNIPAMPA. Para que a política pública se tornasse realidade, foi realizado um curso

de formação para 25 facilitadores judiciais em justiça restaurativa. Esse curso teórico-prático,

possibilitou a elaboração de um piloto com duas Escolas Municipais (Ubaldo Sorrilha da Costa

e Sagrado Coração de Jesus) e duas e Escolas Estaduais (Viriato Vargas e Tusnelda Lima

Barbosa).

A formação se deu em duas dimensões: teórico e prática em forma circular. Todo o

processo se deu a partir de publicações e literaturas especializadas de autores que destacam-se

na solidificação da área da educação para a paz como uma iniciativa pedagógica e campo

científico de estudos. Atualmente, a educação para a paz é “reconhecida como tarefa mundial,

exigência indiscutível, componente importante dos programas educativos, enfim, (...) uma

direção pedagógica necessária para a construção de uma sociedade democrática”

(GUIMARÃES, 2004, p. 9). Nesta perspectiva, entende-se a escola como um espaço onde

crianças e adolescentes apreendem e exercitam suas experiências de vida. Nesse sentido, é em

sala de aula que ocorre a descarga de suas frustrações, suas expectativas, atitudes tanto positivas

quanto negativas, pois neste ambiente estão outros sujeitos com experiências parecidas ou

totalmente diferentes das suas. E o projeto objetiva proporcionar à comunidade escolar espaço

de formação crítica e reflexão acerca dos assuntos relacionados à educação para paz tendo a

justiça restaurativa como mecanismo de preservação respeito aos direitos humanos.

O círculo de construção de paz, é o espaço para gerar relacionamentos entre os

participantes e também é um espaço para mediar os conflitos. È também o local para se conectar

com os outros participantes, facilitador ou a pessoas com quem fazer o círculo (jovem, professor

e comunidade).

Assim sendo, o círculo vai ajudar a família, oferecendo aos membros da família a chance

de reconhecer melhor a si mesmos. Logo, o círculo de construção de paz é um ambiente para

se fortalecer habilidades e costumes para formar relacionamentos saudáveis, porém não só

dentro do círculo, mas fora dele também.

Então pode caracteriza o círculo de construção de paz como:

O círculo é um processo estruturado para organizar a comunicação em grupo, a

construção de relacionamentos, tomada de decisões e resolução de conflitos de forma

eficiente. O processo cria um espaço à parte de nossos modos de estarmos juntos. O

círculo incorpora e nutre uma filosofia de relacionamento e de interconectividade que

pode nos guiar em todas as circunstâncias – dentro do círculo e fora dele (BOYES-

WATSON; PRANIS, 2011, p.19).

51

Contudo, nesse trabalho vai ser abordado os círculos de conversa. Logo, diferentemente

dos círculos de resolução de conflitos e de decisão, sendo esses mais complexos, por causa do

processo para chegar a um consenso.

Nos círculos é feito todo processo de diálogo para expor o “eu verdadeiro”, sendo nos

jovens, nas famílias. O “eu verdadeiro” é a forma intacta do ser humano, isto é, essa forma é

sábia, gentil e boa. Dessa forma, não importa o que alguém tenha feito no passado ou “eu

verdadeiro” continua intacto dentro de você.

[...] o “o eu verdadeiro” que está em cada um. Está em você, em jovens e nas famílias

com quem você trabalha. A natureza do eu verdadeiro é sábia, gentil, justa, boa e

poderosa. O eu verdadeiro não pode ser destruído. Não importa o que alguém tenha

feito no passado e não importa o que tenha acontecido com ele ou ela, o verdadeiro

eu permanece tão bom, sábio e poderoso como no dia em que nasceu. Este modelo do

eu distingue entre o fazer e o ser. O que nós fazemos não é o todo que nós somos. Nós

frequentemente confundimos isso (BOYES-WATSON; PRANIS, 2011, p. 22).

Então dito isso o processo dos círculos é sobretudo, favorável para trabalhar com jovens

e com famílias. Tendo em vista isso podemos elencar como os círculos de paz podem ajudar na

evasão escolar. O processo de organização e realização do círculo se dá com a presença de um

facilitador. Este facilitador é responsável pelo diálogo e a condução de todo o processo. Nesse

espaço, todos são iguais, os participantes vão falar a verdade um para o outro, respeitosamente.

O projeto Piloto possibilitou a formação de aproximadamente 240 profissionais dessas

quatro escolas já referidas. A formação se deu através de 8 oficinas de formação, duas em cada

escola. Posteriormente, a realização de 23 círculos de construção de paz, atendendo

profissionais de todas as áreas que compõe os recursos humanos das escolas. Todo o processo

de planejamento e execução dos círculos foi feito em equipe inter e multidisciplinar (Serviço

Social, Pedagogia, Direito, Designer de Moda, Letras, Segurança Pública- Policial Civil). Entre

as principais categorias de realidade surgidas no decorrer da formação, está a violência. De um

modo geral, a violência se opõe a ética e aos valores de uma sociedade (EYNG; GISI; ENS,

2009).

Nas palavras de Chauí, é destacado que,

Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física, e do

constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza

e ao seu ser. A violência é violação da integridade física e psíquica, da dignidade

humana de alguém. Eis porque o assassinato, a tortura, a injustiça, a mentira, o

estupro, a calúnia, a má-fé, o roubo são considerados violência, imoralidade e crime

(CHAUÍ, 1998, p. 21).

52

Na atualidade, a violência apresenta-se como um desafio para a sociedade, é constituída

de diversas formas que podem se relacionar entre si. Entende-se que através da educação para

a paz e a democracia que precisam ser valorizadas na escola, pode-se combater e prevenir as

diversas forma de violência que estão presentes no cotidiano das escolas pesquisadas. É

importante maior acesso às formas de participação ativa nos espaços, no exercício de tolerância,

de justiça, de consciência do que é bom para todos, da compreensão do lugar do outro. No

respeito mútuo. É dessa forma que podemos fazer mudanças na realidade e através da

articulação e cooperação, se pode fazer revoluções. A educação para a paz é completa em suas

proposições, busca por uma cultura para a paz mundial, local e pessoal, mas, sem esquecer que

a paz começa em nós, e que todos somos importantes neste processo.

É necessário perceber diariamente a importância que a tolerância exerce na vida dos

alunos quando compreendida e praticada. A função que a Psicologia Genética trouxe para o

desenvolvimento da educação para a paz e uso da tolerância nas suas práticas mostra que o

homem é influenciado por diversos fatores externos e internos, e portanto, ninguém é violento

de nascença assim como pode ser violento pelas influências que recebe dos fatores externos.

Assim como mostra como o desenvolvimento dos alunos está interligado aos conflitos que vive

diariamente e a forma com que os soluciona. A forma de resolução dos conflitos está

relacionada com a equilibração que a criança deve fazer durante um conflito, determinado pela

reflexão do conflito em si e formas para solucioná-lo é importante no desenvolvimento pela

forma com que a criança irá reagir e assim, deve ser mediado para que use da não violência e

do diálogo, práticas da educação para a paz. A tolerância é uma das virtudes que são defendidas

pela educação para a paz para a construção de uma cultura de paz, pois é a forma de conviver

com outras pessoas, respeitando-as e as compreendendo.

Após a realização das oficinas, foram realizados um total de 23 círculos de construção

de paz nas quatro escolas piloto e nos órgãos gestores da Educação. Os círculos de construção

de paz são baseados em culturas ancestrais como os indígenas e os aborígenes, e são resgatados

dessas culturas milenares como alternativas nos dias atuais para a resolução de conflitos

pautados pela comunicação não violenta. Nossa forma ocidental de resolver os problemas é

hierarquizada, pautada pela competitividade com os valores da cultura de dominação, cujo

poder e o controle estão presentes.

Pranis (2010) refere que a teoria dos processos circulares ressurge da

convicção de que a criação de espaços e possibilidades para entendimentos mútuos tem base na

53

liberdade de expressão. O círculo usa elementos estruturais

intencionais e tem como atividade principal, a contação de histórias a partir de uma cerimônia

de abertura, construção de valores e diretrizes onde as pessoas se (re)aproximam da vida umas

das outras. As diferentes histórias unem a humanidade comum que há nas pessoas a partir da

experiência humana. Nos círculos de construção de paz, as pessoas se tratam como iguais em

ambiente seguro de respeito, reunindo a sabedoria comunitária a partir das necessidades e

diferenças individuais dos participantes, para que todos estejam presentes como um ser humano

inteiro que consegue se reconhecer a partir de valores fundamentais.

O círculo pode ser aplicado em qualquer contexto social e “mobilizam todos os

aspectos da experiência humana: espiritual, emocional, físico e mental” (PRANIS,

2010, p. 26). De acordo com a autora, sua metodologia consiste basicamente nos

seguintes itens: Cerimônia de abertura: No início e no fim como uma atividade de

centramento que demarcada o espaço sagrado do círculo, estabelece o primeiro e o

último contato no grupo; Centro do Círculo, onde se coloca a simbologia da ênfase

do círculo com os valores e diretrizes que dão o direcionamento seguro do círculo;

Objeto (bastão) da (fala) palavra: regula o diálogo e a escuta, peça fundamental na

promoção das emoções, a pessoa que recebe o objeto pode falar sem ser

interrompida e permite a escuta desta pessoa por todos os participantes do círculo;

Facilitador (guardião) contribui para que o grupo mantenha espaço coletivo e

seguro de fala e de escuta. Através das histórias contadas surge a sabedoria coletiva porque os

círculos são construídos a partir de valores partilhados, partindo

do princípio de um desejo humano coletivo de se estar ligado uns aos outros de

forma positiva. A introdução ao círculo é feita a partir da convicção de que cada um

que ali está tem valores e dignidade, que somos interdependentes, e com a

necessidade de focar em relacionamentos saudáveis. Mas que para isso, há de se

considerar que todas as experiências humanas são importantes para a vida coletiva (PRANIS,

2010).

O processo circular trabalha a partir de valores que os próprios sujeitos dos círculos

carregam em si. Nesta perspectiva, os valores são elencados como valores humanos que são

largamente defendidos pela educação para paz como sendo de cooperação, respeito, tolerância,

justiça, compreensão, democracia, etc. Valores que devem ser incentivados desde cedo na vida

das crianças e jovens para que consigamos formar cada vez mais consciências e autonomias

críticas para lutar contra as formas de violência, discriminação, injustiças, explorações que são

54

deixadas de lado, naturalizadas. É na participação democrática, na criticidade de indivíduos que

não se conformam com injustiças que se pode ter esperança que ainda há motivos para mudança

e essa força que impulsiona é a educação para a paz.

As reflexões acerca da temática pesquisada, desafiam a prática de valores

historicamente perdidos na sociedade atual. Ao utilizar a justiça restaurativa

materializada em círculos de construção de paz, contribui-se para o rompimento com

o modelo tradicional de comportamento que promove e fortalece processos de

desigualdades. Os principais resultados apontam para:

Maior aprofundamento da temática à educação para a paz no ambiente escolar;

Contribuição na elaboração de ações para fins de enfrentamento e prevenção da violência no

meio escolar; Contribuição na formação dos alunos das escolas integrantes do projeto na

perspectiva da educação para uma Cultura de Paz; Contribuir para maior visibilidade da cultura

da paz.

O processo inicial com as equipes das escolas tem mostrado o que é a Justiça

Restaurativa na prática e consequentemente, vem conquistando os profissionais a aderirem à

proposta piloto. No que se refere à realização dos círculos, os facilitadores observaram que dá

uma apreensão no início. Outra preocupação manifestada foi a dificuldade do planejamento em

dupla, quando a dupla não se se encontra presencialmente no processo de planejamento.

Observou-se ainda que haviam subgrupos de relações profissionais e pessoais nos círculos, o

que ocasionou um distanciamento entre alguns com os outros participantes que eram novos no

local de trabalho ocasionando pouca interação destes. Por fim, de um modo geral, observou-se

a necessidade dos facilitadores falarem o mínimo possível e não dar “conselhos”, considerando

que no círculo fala-se para os outros a partir de si. Avalia-se que o número de pessoas não pode

ser superior a dez pessoas considerando a metodologia do círculo e o tempo disponível para a

realização do mesmo.

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

A implantação da Justiça Restaurativa vem provocar reflexões que desafiam a elaboração

de propostas concretas de intervenção no âmbito da educação formal para a construção e

fortalecimento de uma cultura de paz. Esta perspectiva torna-se concreta a partir da

compreensão e absorção da concepção de paz como construto cultural e pedagógico. O projeto

tem proporcionado que as escolas discutam as principais concepções teóricas, ao mesmo tempo

em que vem oportunizando familiaridade com a construção histórica da educação para uma

55

Cultura de Paz na perspectiva de proposições frente à materialização de uma nova cultura,

utilizando-se da educação como processo. Pode-se dizer a escola e a família são espaços

fundamentais de construção orgânica do saber em forma de convívio social. Nesta perspectiva,

o espaço da educação formal é fecundo para que a cultura de paz a través dos círculos de

construção de paz torne-se cada vez uma realidade no horizonte da população de São Borja.

REFERÊNCIAS

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Sistema Processual como forma de Realização dos Princípios Constitucionais. São Paulo:

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BARDIN, Laureasse. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, s. D. 1990.

BOYES-WATSON, Carolyn; PRANIS, Kay. No coração da esperança: guia de práticas

circulares: o uso de círculos de construção da paz para desenvolver a inteligência emocional,

promover a cura e construir relacionamentos saudáveis. Tradução de Fátima de Bastiani. Porto

Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas],

2011.

BRANCHER, Leoberto; SILVA, Sisiâmi (Orgs.). Justiça para o século 21.

Semeando Justiça e Pacificando Violências. Três anos de experiência da

Justiça Restaurativa na Capital Gaúcha. Porto Alegre: Nova Prova, 2008

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FREIRE, Paulo Educação e mudança São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GUIMARÃES, Marcelo. Um novo mundo é possível: Dez boas razões para educar para a paz,

praticar a tolerância, promover o diálogo inter-religioso, ser solidário, promover os direitos

humanos. São Leopoldo: Sidonal, 2004.

JOÃO, Camila Ungar. A justiça restaurativa e sua implantação no Brasil. In. Revista da

Defensoria Pública da União, n. 7, p. 187-210. Brasília: jan/dez 2014. Disponível em:

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MONTESSORI, Maria. A educação e a paz. Campinas: Papirus, 2004.

56

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básicos para utilização de programas de justiça restaurativa em matéria criminal.

Disponível

em:<http://www.juridica.mppr.mp.br/arquivos/File/MPRestaurativoEACulturadePaz/Material

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PRANIS, Kay. Processos circulares. SP: Palas Athena, 2010.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Programa Justiça Restaurativa

para o século 21. Disponível em:

<http://www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/tribunal_de_justica/corregedoria_geral_da_jus

tica/projetos/projetos/justica_sec_21/J21_TJRS_cor.pdf>. Acesso em: 19 out. de 2017.

ZEHR, Howard. Trocando as lentes: Um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas

Athena, 2008.

57

A CULTURA DE PAZ NO ENFRENTAMENTO DA EVASÃO ESCOLAR

Ana Carolina Vaz dos Santos6

Alessandro Almeida da Silva7

Rafaela Campos de Paula8

Simone de Barros Oliveira9

RESUMO: O ambiente escolar configura um organismo vivo em um contexto repleto de

pluralidade e diferentes visões de mundo, sendo que para muitas crianças/adolescentes entrar

na escola significa ampliar o seu conhecimento sobre novas realidades, causando assim, um

estranhamento de valores socioculturais e econômicos, tendo em vista que a escola além de ser

um campo de construção de conhecimentos também caracteriza um campo de trocas de

vivências. No entanto, ocorre um crescente aumento nos números de alunos infrequentes, que

envolvem diversos fatores determinantes para esta evasão, nesse sentindo, vários mecanismos

foram elaborados para o embate de tal demanda, um deles com articulação de diversas

instituições (Ministério Público/RS, Conselho Tutelar/RS e Secretária Estadual de

Educação/RS), é a Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente (FICAI), que possui a

finalidade de estabelecer uma atuação intersetorial para a prevenção e o combate a infrequência,

o abandono e a evasão escolar. Nessa perspectiva, a Cultura de Paz desponta como uma

estratégia ao enfrentamento da evasão escolar, pois busca disseminar uma nova probabilidade

de relação social que vise transformar o modelo atual das relações sociais e consequentemente

atinge as relações escolares, tendo como principais ferramentas o diálogo e a negociação entre

indivíduos para a solução de conflitos. A Cultura de Paz trará o respeito as diferenças no

ambiente escolar e consequentemente uma possível solução de conflitos e enfrentamento as

suas demandas (evasão) por meio do diálogo. Logo, a pesquisa tem como objetivo a análise dos

relatórios da FICAI, sendo assim, a pesquisa é realizada em parceria com o Ministério Público

6Possui graduação em Direito pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior Santo Ângelo (2014). Atualmente é

acadêmica do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa e do curso de pós-graduação modalidade

lato-sensu em Políticas e Intervenção em Violência Intrafamiliar da Universidade Federal do Pampa, campus São

Borja/RS. Membro do grupo de pesquisa Educação Direitos humanos e Fronteira. E-mail:

[email protected] 7Graduado em Ciências Sociais - Ciência Política pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Membro

do grupo de pesquisa Educação Direitos humanos e Fronteira. E-mail: [email protected]

8Discente do curso de Serviço Social pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Membro do grupo de

pesquisa Educação Direitos humanos e Fronteira. E-mail: [email protected] 9Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa/UNIPAMPA, Mestre e Doutora em Serviço Social, pela

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS, líder do Grupo de Pesquisa Educação, Direitos

Humanos e Fronteira. E-mail: [email protected]

58

que é a instituição responsável pelos processos que envolvem os alunos infrequentes nas escolas

da rede pública de ensino do município de São Borja/RS.

Palavras-Chaves: Cultura de paz; Evasão Escolar; FICAI.

INTRODUÇÃO

O proposto trabalho cientifico debate uma importante questão dentro do ambiente

escolar, a evasão. Do mesmo modo, observa-se o aumento dos alunos que deixam de frequentar

a escola por motivos multifacetados. Assim sendo, apresenta-se a Cultura de Paz como

alternativa para este problema social abrangendo além do ambiente escolar, as relações

familiares e comunitárias.

A Cultura de Paz vem na perspectiva da prevenção e resolução de conflitos de forma

pacifica, pregando noções quanto liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade,

cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da

sociedade e entre as nações, desta forma a Cultura de Paz desponta como uma alternativa viável

para o enfrentamento de questões advindas de uma sociedade que possui suas estruturas sociais

constituídas por desigualdades, opressões e violência.

O artigo realizado para esse estudo é de abordagem qualitativa, sendo que esse trabalho

utilizou de pesquisa documental, pois analisou os relatórios gerenciais das FICAI do período

06/02/17 até 08/08/17, e o Termo de Cooperação que regulamenta a FICAI. Contudo, os

relatórios das FICAI, apresentaram-se limitados de mais informações referentes a infrequência

dos estudantes, pois o sistema encontra-se em fase de transição para a forma online, assim seus

dados demostram disparidades nos relatórios.

Entretanto, foi feita a análise dos possíveis motivos que contribuíram para com que os

alunos deixassem de frequentar a escola. Consequentemente, os motivos apontados nos

relatórios que contribuíram para a evasão dos alunos analisados foi: negligência, resistência,

distorção idade x série, reprovação, gravidez ou paternidade, dificuldade na aprendizagem,

doença, envolvimento com drogas, problemas de relacionamento, carência material e violência

familiar.

O artigo está estruturado da seguinte forma, primeiramente foi abordado de maneira

breve aspectos históricos da cultura de paz e a sua contextualização universal, em seguida foram

apontadas questões quanto a educação como direito inalienável e os instrumentos de eficácia

para a proteção do direito a educação de crianças e adolescentes, com ênfase nos

59

desdobramentos da Ficha de Comunicação do Aluno Infrequentes, despontando a Cultura de

Paz e educação para paz como instrumentos possíveis para as demanda de infrequência/evasão

escolar. Por fim, foi sugerido propostas para combater a evasão escolar utilizando a cultura de

paz por meio da educação para a paz.

De tal modo, a pesquisa busca analisar os relatórios das FICAI dos alunos infrequentes

de escolas da rede pública do município de São Borja, bem como, demonstrar como a Cultura

de Paz pode configurar-se como um mecanismo efetivo para a proteção ao direito a educação

de crianças e adolescentes e consequentemente uma ferramenta para o enfrentamento da

infrequência/evasão escolar.

CULTURA DE PAZ: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO

A “Carta das Nações Unidas” que foi assinada em 26 de julho de 1945 é o tratado que

constituiu a ONU. Devido aos poderes da Carta e ao seu carácter internacional, as Nações

Unidas podem agir sobre as questões que a humanidade tem no século XXI, como a paz e a

segurança, as mudanças climáticas, o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos,

desarmamento, terrorismo, emergências humanitárias e de saúde, igualdade de gênero,

governança, produção de alimentos e etc.

As Nações Unidas iniciaram em 24 de outubro de 1945, com precedência em manter a

segurança internacional e a paz entre as nações. Atualmente, 193 Estados são membros das

Nações Unidas, que estão representados no corpo deliberativo, a Assembléia Geral. A

Organização fornece um fórum para os seus integrantes discutirem seus pontos de vista na

Assembléia Geral, no Conselho de Segurança, no Conselho Econômico e Social e em outros

órgãos e comissões, de tal modo a Organização tornou-se um mecanismo para que os governos

encontrem áreas de acordo e soluções para os problemas juntos (NOLETO, 2010).

A cultura de paz possui um conceito amplo, que de acordo com a declaração da ONU

inclui respeito à vida, aos princípios de soberania e independência política das nações, à solução

pacífica dos conflitos, à igualdade de direitos de homens e mulheres, e a proteção do meio

ambiente. Significa também, a adesão aos princípios de liberdade, justiça, tolerância,

solidariedade, cooperação, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da

sociedade. Conforme o art. 1º da resolução nº 53/243 que dispõe acerca da Declaração e

Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz, promulgada em 6 de outubro de 1999:

60

Art. 1º. Uma Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições,

comportamentos e estilos de vida baseados:

a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-

violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação;

b) No pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e

independência política dos Estados e de não ingerência nos assuntos que são,

essencialmente, de jurisdição interna dos Estados, em conformidade com a

Carta das Nações Unidas e o direito internacional; c) No pleno respeito e na

promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;

d) No compromisso com a solução pacífica dos conflitos;

e) Nos esforços para satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção

do meio-ambiente para as gerações presente e futuras;

f) No respeito e promoção do direito ao desenvolvimento;

g) No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres

e homens;

h) No respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à liberdade de

expressão, opinião e informação;

i) Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância,

solidariedade, cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e

entendimento em todos os níveis da sociedade e entre as nações;

Foi declarado pelas Nações Unidas no ano de 2000, como o Ano Internacional da

Cultura de Paz, e assim indicando o começo de uma mobilização e aliança mundial com o

intuito de transformar os princípios norteadores da cultura de paz em práticas concretas. Antes

mesmo do século XXI, em novembro de 1998, por meio de nova resolução A/53/243, as Nações

Unidas proclamaram a década 2001-2010, como a Década Internacional da Promoção da

Cultura de Paz e Não Violência em Benefício das Crianças do Mundo a fim de fortalecer o

movimento global formado e apontando a UNESCO como responsável por organizar as

atividades do sistema ONU, e dentre outras organizações. A UNESCO, é a agência que tem

como objetivo a garantia da paz por meio da cooperação intelectual entre as nações,

acompanhando o desenvolvimento e auxiliando os 193 Estados-Membros na busca de soluções

dos conflitos.

Os conflitos existem em uma cultura de paz? Existem, pois as pessoas têm necessidades,

interesses diferentes umas das outras, a diferença na cultura de paz é como os conflitos são

resolvidos, que é pela ótica de sem confronto. Essa é uma das características da cultura de paz,

a nossa vida em sociedade é uma rede, está tudo interligado, por isso então que nossas atitudes

interferem nessa rede. E seguindo deste princípio é grande o poder das pessoas comprometidas

com estilos de vida associados à cultura de paz. A cultura de paz está inteiramente ligada à

61

prevenção e à resolução não-violenta dos conflitos, reconhecendo a necessidade de eliminar

todas as formas de discriminação e intolerância, uma cultura baseada em tolerância e

solidariedade. A cultura de paz procura resolver os problemas por meio do diálogo, da

negociação e da mediação, de forma a tornar a guerra e a violência inviáveis (NOLETO, 2010).

Os dias atuais continuam com inúmeros conflitos armados e lutas civis que estão

sacrificando vidas humanas em diversos países. E quando se vive no meio de uma comunidade

ecoada pela violência, romper esse ciclo exige muita força, para que se construa outro ciclo de

não-violência, com uma sociedade de mais tolerância, cooperação, solidariedade.

Outros fatores de tensão, têm sua origem na deterioração do meio ambiente, na

quantidade de população, na competição por água doce que é cada vez mais escassa, na

desnutrição e na flagrante desigualdade econômica-social não só entre os países, como também,

internamente neles. Trocar essa cultura de guerra, dos dias atuais por uma cultura de paz requer

um esforço educativo prolongado para modificar as reações à adversidade e construir um

modelo de desenvolvimento que possa suprimir às causas de conflito. É preciso revisar o

conceito de adotar modelos de desenvolvimento de outros países, para respeitar cada país, suas

tradições e diversidade, incorporando uma dimensão humana e social e de participação que

deve significar democracia. É papel do poder público implantar medidas para acabar com a

violência. De acordo com o art. 5º “Os governos têm função primordial na promoção e no

fortalecimento de uma Cultura de Paz” (RESOLUÇÃO Nº 53/243, 1999). Assim, em cada país,

estado, cidade, bairro, a cultura de paz pode ser instituída de diferentes formas, trabalhando

para eliminar as profundas causas culturais da violência e da guerra, tais como a pobreza, a

exclusão, a ignorância ou a exploração.

Em face desse inaceitável estado dos fatos que acercam a sociedade de diversas tipos

de violência, desencadeou-se uma mobilização em favor da paz e da não violência as quais

devem tornar-se realidade cotidiana, “No mundo interativo, tudo é uma questão de

conscientização, mobilização, educação, prevenção e informação de todos os níveis sociais em

todos os países” (NOLETO, 2010).

A elaboração e a implantação de uma cultura de paz requerem a participação de todos,

como salienta na resolução no art. 2º, “O progresso até o pleno desenvolvimento de uma Cultura

de Paz se conquista através de valores, atitudes, comportamentos e estilos de vida voltados ao

fomento da paz entre as pessoas, os grupos e as nações” (RESOLUÇÃO Nº 53/243, 1999),

portanto, todo esse processo também cabe aos cidadãos, no sentido de organizarem-se e

62

assumirem sua parcela de responsabilidade participando inteiramente no desenvolvimento de

suas sociedades.

A cultura de paz é uma iniciativa de longo prazo que leva em conta o contexto histórico,

político, econômico, social e cultural de cada ser humano e sociedade. É necessário aprendê-la,

desenvolvê-la e colocá-la em prática no dia a dia familiar, regional ou nacional é um processo

que sem dúvida tem um começo, mas que não se pode ter um fim, a cultura de paz é uma

construção individual e coletiva que está ao alcance da sociedade. Através da educação para

uma cultura de paz é possível se obter um olhar mais crítico sobre esses aspectos, perceber de

maneira clara onde estão as reproduções da cultura da violência e se tornar consciente.

MECANISMOS PROTETIVOS DO DIREITO A EDUCAÇÃO: ENFRENTAMENTO

DA EVASÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Partindo de uma compreensão histórica a educação configura-se como um direito

fundamental a população de importância indiscutível. No atual contexto10 socioeconômico e

político brasileiro o direito a educação corrobora para a defesa dos direitos humanos diante de

uma sociedade permeada por opressões e explorações, tendo em vista que a educação vem na

direção de um método palpável para uma possível transformação social que supere os limites e

contradições de uma sociedade que possui a desigualdade como um dos seus elementos

constituintes (FREIRE, 1979). Assim, a educação efetiva-se de forma plena como um direito

inalienável garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 205, que dispõe:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida

e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Nesta perspectiva, além da Constituição Federal de 1988 existem outros mecanismos

jurídicos que asseguram o direto a educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB) de 1996 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, legislações estas que

pactuam a prerrogativa da escola pública para todos os brasileiros, eis que nenhuma criança,

jovem ou adulto podem deixar de estudar por falta de vaga.

10 A atual conjuntura brasileira apresenta a instauração de uma onda reacionária com um partido de direita no

poder e consequentemente o avanço das classes dominantes, de tal forma direitos estão sendo suprimidos. A

promulgação da Emenda Constitucional nº 95 limita o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, causando

impactos principalmente nas áreas da educação e saúde.

63

A partir da LDB nº 9.394 promulgada em 20 de dezembro de 1996, uma série de

alterações ocorreram no panorama da educação para melhorar sua qualidade, de tal modo que

a educação básica passou a ser estruturada por etapas e modalidades de ensino englobando a

Educação Infantil, o Ensino Fundamental obrigatório de nove anos e o Ensino Médio. O art. 5º

da referida lei dispõe sobre a educação básica que possui obrigatoriedade de acesso sendo um

direito público onde qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização

sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e o Ministério Público poderão

acionar o poder público para exigi-lo. Cabendo assim, ao poder público na figura do Ministério

Público a competência de tutelar em conjunto como os pais e/ou responsáveis a frequência

escolar da criança e do adolescente, ainda, na existência de casos de negligência caberá

imputação por crime de responsabilidade. Nesse sentido, o ECA na composição de suas

políticas de proteção integral aos direitos da criança e do adolescente voltadas para a educação

no que tange a infrequência/evasão escolar na educação básica, afirmará que quando esgotados

os recursos escolares deverá ser feito comunicado ao Conselho Tutelar quanto tal demanda.

É possível perceber uma rede de proteção que intervém para a garantia do direito a

educação para crianças e adolescentes, desta forma existem mecanismos protetivos que

auxiliam tal amparo, uma das estratégias adotada atualmente para garantir o direito a educação

na infância e juventude partindo do enfrentamento de uma demanda recorrente no contexto

escolar, a infrequência/evasão escolar, é a ficha de comunicação do aluno infrequente – FICAI,

que representa um procedimento uniforme de controle do abandono e da evasão escolar no

Estado do Rio Grande do Sul formada por meio de uma rede de apoio institucional composta

pela Escola, Conselho Tutelar e Ministério Público, que busca regulamentar ações propensas a

tornar efetivo o direito a educação, configurando-se um sujeito ativo para a viabilização da

permanência do aluno na escola (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2011).

A FICAI foi instituída pela primeira vez no Estado do Rio Grande do Sul no ano de

1997, fruto da união de diversas instituições11 que buscavam zelar pela efetiva garantia do

direito a educação pública e de qualidade, principalmente no que diz respeito a permanência na

rede escolar, das crianças e dos adolescentes nos níveis estaduais e municipais de ensino (VAZ,

2014). Sendo assim, os principais objetivos da FICAI são a atuação intersetorial para a

prevenção e o combate à infrequência/evasão escolar, como aponta Vaz (p. 3, 2014) “o intuito

do uso da Ficha FICAI é trazer, pela interação da rede e conscientização dos estudantes e

11Promotorias da Infância e Juventude, Conselhos Tutelares, Secretária Estadual de Educação e Secretária

Municipal de Educação.

64

responsáveis, o aluno infrequente de volta para a escola, fazendo-se, para tanto, contato direto

com e ele e seus familiares”.

Dada a notória importância da FICAI como mecanismo de prevenção e combate a

infrequência/evasão escolar e a sua alta potencialidade como instrumento de eficácia para

proteção do direito a educação de crianças e adolescentes, foi pactuado em 29 de agosto de

2011 o Termo de Cooperação que regulamenta a FICAI, que de acordo como o mesmo são

envolvidos no processo o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, a Secretária

Estadual de Educação, o Conselho Estadual de Educação, o Conselho Estadual dos Direitos da

Criança e do Adolescente, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação/RS, a

União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação/RS, a Associação dos Conselheiros

Tutelares/RS, a Federação das Associações dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul-

FAMURS e o Conselho Estadual de Assistência Social (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2011).

Deste modo, por meio do art. 1º do Termo de Cooperação, tais órgãos se comprometem

a adotar procedimento uniforme de controle do abandono e evasão escolar através da FICAI,

assim haverá a implantação de um sistema interligado da Ficha informatizada12 nas escolas com

o Ministério Público e o Conselho Tutelar. Além dessa articulação interinstitucional, a rede de

apoio à escola contará com a participação da comunidade em geral, na tentativa de chamar a

sociedade para discutir estratégias e mecanismos para o retorno e/ou permanência do aluno na

escola.

Quando aluno que possui entre 6 a 17 anos apresentar mais de 5 faltas consecutivas ou

20% de ausência mensal na escola, ambas injustificadas, deverá o professor regente da turma

preencher a FICAI e encaminhá-la imediatamente para a Equipe diretiva13. Desta forma,

primeiramente ocorrerá a aproximação por via da orientação pedagógica da escola, onde será

feito o contato com os paios e/ou responsáveis com o intuito de promover uma orientação e

investigação quanto os motivos causadores da infrequência escolar com o objetivo de retornar

à assiduidade do aluno, tais encaminhamentos serão feitos no prazo de uma semana. Findado o

prazo e caso as tentativas de aproximação forem inexitosas, o próximo passo será o

encaminhamento da FICAI via Equipe Diretiva da escola para o Conselho Tutelar, para tomar

12 Importante ressaltar que a partir da pactuação do Termo de Cooperação que regulamenta a FICAI no ano de

2011, a ficha passou a ser elaborada somente de modo online. Anteriormente existia a possibilidade do

preenchimento da ficha na forma escrita. 13 MINISTÉRIO PÚBLICO. Termo de Cooperação FICAI: “Art. 5º: A Equipe Diretiva, de posse do relatório,

deverá contatar os pais ou responsáveis, imediatamente, registrando os encaminhamentos efetivados com o

objetivo do retorno à assiduidade do aluno, no prazo de uma semana; deverá orientar os pais ou responsáveis, a

fim de o aluno (a) retornar à escola e mostrar-lhe seus deveres para com a educação do(a)(s) filho(a)(s)”.

65

as medidas cabíveis no âmbito de suas atribuições14. De tal modo, o Conselho Tutelar terá o

prazo de duas semanas após o recebimento da FICAI para averiguar e intervir nos motivos

causadores da infrequência escolar e fazer possíveis encaminhamentos aos atendimentos

(saúde, assistência social, entre outros), dando preferência para a utilização de visitas

domiciliares, conforme dispõe o art. 7º do Termo de Cooperação da FICAI. Nos termos do

parágrafo 2º do art. 7º, se a situação permanecer sem êxito o Conselho Tutelar deverá:

I – Articulará a busca ativa, a avaliação da família pelo CRAS/CREAS e a elaboração

do plano individual de atendimento;

II – Encaminhará a Ficha ao Ministério Público para a atuação extrajudicial e/ou

judicial cabíveis, informando o encaminhamento à Escola.

Portanto, por fim será feito o encaminhamento da FICAI para o Ministério Público

quando as tentativas de aproximação do Conselho Tutelar não obterem sucesso, assim a

promotoria instaurará inquérito civil para acompanhar as situações das crianças e adolescentes

infrequentes, com a finalidade de adotar medidas de proteção e/ou alertar quanto as medidas

jurídicas cabíveis aos pais ou responsáveis pelo não cumprimento do seu papel frente a garantia

do direito a educação15. Importante destacar que a qualquer momento em que o aluno retornar

para a escola a FICAI será arquivada. No que se refere a atuação do Ministério Público nos

procedimentos da FICAI:

De posse da 1ª via da FICAI, onde constará a identificação e a qualificação do aluno,

bem como o resumo das providências efetuadas pela Escola e pelo Conselho Tutelar,

o Promotor de Justiça tentará ainda o retorno do aluno (poderá realizar audiência

pública com os pais ou notificar para ouvir individualmente) e, se for o caso,

promoverá a responsabilidade dos pais ou responsáveis. Em qualquer das hipóteses,

o Promotor de Justiça dará ciência do ocorrido ao Conselho Tutelar e à Escola,

efetuando a devolução da 1ª via para a escola, que registrará o encaminhamento na 2ª

via, remetendo a 1ª via à respectiva Secretaria de Educação (ROCHA, s.p.,2011).

14 MINISTÉRIO PÚBLICO. Termo de Cooperação FICAI: “Art. 6º: Esgotados os recursos cabíveis e findo o

prazo de uma semana de que trata o artigo anterior, não havendo sucesso no retorno do aluno a escola, a Equipe

Diretiva deverá encaminhar a FICAI, com a síntese dos procedimentos adotados e efetivados, ao Conselho Tutelar,

para as providências cabíveis no âmbito de suas atribuições, enviando cópia a respectiva Coordenadoria Regional

de Educação ou a Secretária Municipal da Educação”. 15MINISTÉRIO PÚBLICO. Termo de Cooperação FICAI: “Art. 9º: O Ministério Público deverá acionar, no

mínimo semestralmente, os gestores da educação, conselhos de educação, de assistência social e dos direitos da

criança e do adolescente, conselhos tutelares e serviços da rede de proteção, por intermédio da Rede de Apoio à

Escola, para discussão e encaminhamentos acerca dos dados coletivos das FICAIs encaminhadas no período, com

o fito do planejamento de políticas e ações necessárias a garantia do direito a educação e do dever de educar”.

66

Nesta perspectiva, a infrequência e consequentemente a evasão escolar16 de crianças e

adolescentes se bem observada está frequentemente associada as seguintes expressões da

questão social: baixo rendimento escolar, dificuldades de aprendizagem, que por sua vez podem

serem ocasionadas por diversos fatores que nem sempre serão perceptíveis como alunos

oriundos de famílias extremamente pobre e com vínculos familiares enfraquecidos, situações

de exclusões no próprio ambiente escolar, desigualdades sociais, demandas de álcool e outras

drogas, falta de acesso a recursos de necessidades básicas. Assim, somente após uma leitura

mais detalhada da realidade do aluno será possível desvendar tais facetas ocultadas da

infrequência/evasão escolar. Nesse sentido, como já mencionado anteriormente a FICAI

configura-se como um importante mecanismo de garantia ao direito a educação de crianças e

adolescentes e vai além ao promover a articulação de uma rede de apoio à escola para investigar

a realidade concreta de cada situação de infrequência/evasão escolar, envolvendo nas

discussões de estratégias e mecanismos para permanência e retorno do aluno na escola a

comunidade em geral, tal articulação viabiliza o acesso a direitos básicos e assegurados

constitucionalmente como é o caso da educação, evidenciando o subsidio de condições de

igualdade para a população onde exista uma participação popular plena e efetiva de todos na

sociedade (COMIRAN, 2009).

A FICAI se fortalece como mecanismo de atuação momentânea e investigativo de outras

demandas de violação de direitos por meio do fomento do trabalho em rede, entretanto dado a

infrequência/evasão escolar ser um fenômeno multifacetado é necessário a superação da busca

de responsáveis ou culpados por tais situações para assim, proporcionar o fortalecimento das

capacidades e habilidades básicas necessárias para o desenvolvimento da autonomia e

intelectualidade dos alunos e consequentemente a sua permanência na escola. Nesta concepção,

a Cultura de Paz irá despontar como uma estratégia viável a prevenção e auxílio ao

enfrentamento da infrequência/evasão escolar, pois irá trabalhar os conflitos resultantes das

relações intra e extraescolares por meio do diálogo, fazendo um tripé entre os alunos, a escola

e a comunidade. Potencializando assim o trabalho realizado na escola com os alunos

infrequentes, levando em consideração que o ambiente escolar possui mais proximidade com a

realidade dos alunos, das suas famílias e do seu território para mediar as situações. Assim, a

inserção da Cultura de Paz no ambiente escolar irá proporcionar situações de intensa

aprendizagem e transformação, eis que os conflitos fazem parte da vida em sociedade e não

16 Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, a evasão somente se materializa

quando o aluno deixa de se matricular no ano seguinte. Disponível em: http://www.edudatabrasil.inep.gov.br

67

possuem uma natureza maniqueísta de bem ou mal, o que subsidia a diferenciação são as suas

repercussões que podem ser negativas ou positivas, nesse sentido a forma como se é manejado

tais conflitos que irá resultar em situações e/ou consequências não desejadas como a

infrequência/evasão escolar.

EDUCAÇÃO PARA PAZ NO ENFRATAMENTO DA EVASÃO ESCOLAR

A educação é um direito universal, assim, deve-se pensar vários caminhos para colocar

em prática uma política educacional de qualidade. Logo, a Cultura de paz pode ser um desses

caminhos, por meio da educação de paz. Assim sendo, o termo Paz como deve ser entendido

para concebê-lo como educação:

Paz é um princípio prático da civilização humana e da organização social que está

fundamentada na própria natureza humana. A paz não escraviza o homem, pelo

contrário, ela a exalta. Não humilha, muito ao contrário, ela torna consciente de seu

poder no universo. E porque está baseada na natureza humana, ela é um princípio

universal e constante que vale para todo ser humano. É esses princípio que deve ser o

nosso guia na elaboração de uma ciência da paz e da educação dos homens para a paz

(MONTESSORI, 2004, p.54 apud CARVALHO, 2011, p. 215, 2011).

Contudo, a sociedade ainda está empregando o sentido tradicional de Paz, aquele

utilizado para fins de guerra. Dessa maneira, deve ser reformular o conceito de paz, pois as

sociedade mudam, surgem outras questões sociais.

Desse modo, é necessário que aja propostas para a pedagogia para a Paz, sendo nas

metodologias de ensino, nas atitudes de relações entre os integrantes do meio escolar.

Portanto, precisa ser desenvolver a educação para paz no ambiente escolas, pois nesse

ambiente vão gerar sentimentos de tolerâncias, solidariedade e assim, vai se difundir a cultura

para não violência no ambiente escolar.

O CÍRCULO DE CONSTRUÇÃO DE PAZ

O círculo de construção de paz, é o espaço para gerar relacionamentos entre os

participantes e também é um espaço para mediar os conflitos. È também o local para se conectar

com os outros participantes, facilitador ou a pessoas com quem estar fazendo o círculo (jovem,

professor e comunidade).

68

Assim sendo, o círculo vai ajudar a família, oferecendo aos membros da família a chance

de reconhecer melhor a si mesmos. Logo, o círculo de construção de paz é um ambiente para

se fortalecer habilidades e costumes para formar relacionamentos saudáveis, porém não só

dentro do círculo, mas fora dele também.

Então pode caracteriza o círculo de construção de paz como:

O círculo é um processo estruturado para organizar a comunicação em grupo, a

construção de relacionamentos, tomada de decisões e resolução de conflitos de forma

eficiente. O processo cria um espaço à parte de nossos modos de estarmos juntos. O

círculo incorpora e nutre uma filosofia de relacionamento e de interconectividade que

pode nos guiar em todas as circunstâncias – dentro do círculo e fora dele (BOYES-

WATSON; PRANIS, 2011, p. 19).

Contudo, nesse trabalho vai ser abordado os círculos de conversa. Logo, diferentemente

dos círculos de resolução de conflitos e de decisão, sendo esses mais complexos, por causa do

processo para chegar a um consenso.

Nos círculos é feito todo processo de diálogo para expor o “eu verdadeiro”, sendo nos

jovens, nas famílias. O “eu verdadeiro” é a forma intacta do ser humano, isto é, essa forma é

sábia, gentil e boa. Dessa forma, não importa o que alguém tenha feito no passado ou “eu

verdadeiro” continua intacto dentro de você.

[...] o “o eu verdadeiro” que está em cada um. Está em você, em jovens e nas famílias

com quem você trabalha. A natureza do eu verdadeiro é sábia, gentil, justa, boa e

poderosa. O eu verdadeiro não pode ser destruído. Não importa o que alguém tenha

feito no passado e não importa o que tenha acontecido com ele ou ela, o verdadeiro

eu permanece tão bom, sábio e poderoso como no dia em que nasceu. Este modelo do

eu distingue entre o fazer e o ser. O que nós fazemos não é o todo que nós somos. Nós

frequentemente confundimos isso (BOYES-WATSON; PRANIS, 2011, p. 22).

Então dito isso o processo dos círculos é sobretudo, favorável para trabalhar com jovens

e com famílias. Tendo em vista isso podemos elencar como os círculos de paz podem ajudar na

evasão escolar.

OS CÍRCULOS DE CONSTRUÇÃO DE PAZ NO ENFRETAMENTO DA EVASÃO

ESCOLAR

Como um dos objetivos desse trabalho é identificar como a cultura de paz pode ajudar

no enfrentamento da evasão escolar, podemos elencar os círculos de construção de paz, já

69

descritos anteriormente. Logo, os círculos é um ambiente que busca por meio do diálogo para

chegar em uma determinada harmonia entre seus participantes.

Descrevendo o processo do círculo de construção de paz. Assim, no círculo tem o

facilitador responsável pelo diálogo, as técnicas (valores e diretrizes), em vista que nesse espaço

todos são iguais, os participantes vão falar a verdade um para o outro, respeitosamente. Os

processos dos círculos são17:

*Cerimônia de abertura;

*Os participantes sentados em círculo, de preferência sem móvel algum no meio;

*Uma peça no centro, que cria um foco central para os participantes, o objeto é chamado de

objeto da palavra, que é passado de pessoa para pessoa, a fim de regular o fluxo do diálogo.

*Perguntas norteadoras;

*E a cerimônia de fechamento que marca o final do círculo;

Desse modo, buscamos descrever os círculos que podem ajudar no processo contra a

evasão escolar. No quadro 1 especificamos os círculos através dos seus objetivos

Quadro 1 – Círculos que podem ajudar no Enfrentamento da Evasão Escolar

17Elaborado através do Guia de Práticas Circulares

CÍRCULOS OBJETIVO

Círculo de valores Identificar os valores centrais dos participante a fim de criar

conscientização/reconhecimento do seu verdadeiro eu

Círculo para criar

Um mundo melhor

Motivar os participantes para que sigam adiante quando as coisas estão

difíceis; ter consciência da nossa conexão para atingir um objetivo que é

maior do que nós.

Círculo do eu

verdadeiro

Explorar o conceito do verdadeiro eu como bom, sábio, duradouro e

universal.

Círculo para ver a luz

Ao invés do abajur

Ajudar os participantes a praticarem “ver” o eu verdadeiro nos outros.

Círculo os jovens

precisam de Quê? O

que eles sentem?

Identificar as necessidades relacionadas ao desenvolvimento sadio das

crianças. O objetivo também é ajudar os jovens a identificarem a ligação

entre suas necessidades não atendidas e os sentimentos negativos em suas

próprias vidas.

Círculo da história de

Jesse

Explorar o impacto que condições injustas em casa têm sobre os jovens.

Círculo das

hierarquias sociais

Criar consciência das hierarquias sociais com base nos aspectos da

identidade; reconhecer o dano causado por essas hierarquias e aumentar a

consciência de que a maioria das pessoas experimenta tanto a posição de

privilégio como a posição sem privilégio em diferentes partes de suas vidas.

70

Fonte: Elaborado pelos autores a partir do guia de práticas Circulares

No quadro 2, colocamos os círculos relacionados com os motivos apontados que

contribuíram para a evasão dos alunos.

Quadro 2 – Círculos e Motivos da Evasão Escolar (FICAI)

CÍRCULOS MOTIVOS

Círculo de valores; Círculo do eu verdadeiro Negligência; Resistência

Círculo para criar :Um mundo melhor Distorção Idade x Série

Círculo para criar :Um mundo melhor Reprovação

Círculo da escolha de ser pai / mãe; Círculo

de como é ser pai

Gravidez ou Paternidade

Círculo de valores; Círculo para criar

Um mundo melhor

Dificuldade na Aprendizagem

Círculo para criar: Um mundo melhor Doença

Círculo os jovens precisam de Quê? O que

eles sentem?; Círculo do eu verdadeiro

Envolvimento com Drogas

Círculo: Escolhendo amigos confiáveis;

Círculo para ver a luz Ao invés do abajur

Problemas de Relacionamento

Círculo da história de Jesse; Círculo das

hierarquias sociais

Carência Material

Círculo das conexões familiares; Círculo(s)

dos Pontos fortes da família

Violência Familiar

Fonte: Elaborado pelos autores a partir do guia práticas Circulares e Relatórios da FICAI

Círculo:

Escolhendo amigos

confiáveis

Pensar a respeito de como escolher amigos confiáveis que serão uma

influência positiva em nossas vidas.

Círculo das conexões

familiares

Fortalecer respeito e compreensão entre os membros da família e aumentar

a conscientização do nível de cuidado de uns pelos outros.

Círculo da escolha

De ser pai / mãe

Este círculo é para explorar algumas das razões por trás das decisões que os

jovens fazem de se tornarem pais jovens. Assim como fazer sexo sem

proteção é uma decisão, também a decisão de ter e cuidar de um bebê é uma

escolha. Às vezes os jovens tentam evitar de fazer essa escolha, mas não

tomar a decisão é, na verdade, também fazer uma escolha. O objetivo deste

círculo é explorar algumas das necessidades que as pessoas esperam atender

quando elas decidem ter um bebê.

Círculo de como é ser

pai

Explorar as alegrias, responsabilidades e desafios de ser pai e identificar as

escolhas de vida que são importantes para poder se tornar um bom pai.

Círculo(s) dos

Pontos fortes da

família

Ajudar as famílias a identificar seus próprios pontos fortes como alicerce

para criar um futuro positivo.

71

Dessa forma, sugerimos algumas propostas para combater a evasão escolar, a cultura de

paz aparece como uma das alternativas para isso. Logo, dentro da perspectiva da cultura de paz,

a educação para paz e os círculos são formas florescentes para o enfretamento desse problema

social nas escolas.

CONCLUSÕES

Por todo o exposto foi possível perceber que a evasão escolar é um fenômeno observado

frequentemente pelo profissional que está inserido na política de Educação, no entanto tal

fenômeno é ocasionado por diversos fatores que nem sempre são perceptíveis e assim somente

após a leitura mais detalhada da realidade de cada aluno é possível intervir de forma plena.

Desta forma a Cultura de Paz desponta como uma estratégia viável para o conhecimento não

somente do aluno infrequente, mas da sua relação como um sujeito inserido em um contexto

social, familiar e territorial, contribuindo assim não somente na solução da demanda (evasão),

mas também para sua prevenção, na medida em que irá proporcionar o fortalecimento de

vínculos rompidos por situações de violência, exclusão, problemas de relacionamento, entre

outros, que podem corroborar para situações de infrequência/evasão escolar futuras. É de

extrema importância ressaltar, que quando apontamos a Cultura de Paz como mecanismo

efetivo para o enfrentamento da evasão escolar, ela não se aplica isoladamente em nenhuma

situação, ela vai sempre trabalhar na perspectiva de resolução de conflitos pela ótica da

coletividade, evidenciando assim o seu compromisso como integrante da rede de apoio escolar.

Além disso, partindo de uma compreensão histórica de uma sociedade modularmente

permeada por opressões, explorações, violências e desigualdades, ainda mais com o avanço da

de uma onda reacionária no país por meio de processos democráticos duvidosos o cenário

político atual direciona para um desmonte de direitos, sendo a educação impactada de maneira

direta. Nesse sentido, nos limites e contradições da atual conjuntura brasileira a iniciação de

processos de Cultura de Paz direcionam para uma mudança no agir dos sujeitos e

consequentemente em suas ações em sociedade, o que pode levar a intenção de uma

transformação social, na medida em que transcenderia as atuais relações sociais que já se

encontram bastantes desgastadas.

Em suma, a Cultura de Paz como mecanismo de garantia ao direito a educação

proporcionaria de forma eficaz e de certa com um retorno rápido, a permanência de crianças e

adolescentes nas escolas e a realização de práticas voltadas para o respeito as diferenças, as

72

diversidades nas relações sociais, assim como, estimularia trocas de papéis valorosas como o

autoconhecimento, a consciência, a percepção, a vivência e a empatia.

REFERÊNCIAS

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 15 out.

2017.

BRASIL. Lei nº 9394 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação

Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em

15 out. 2017.

BOYES-WATSON, Carolyn; PRANIS, Kay. No coração da esperança: guia de práticas

circulares: o uso de círculos de construção da paz para desenvolver a inteligência emocional,

promover a cura e construir relacionamentos saudáveis. Tradução de Fátima de Bastiani. Porto

Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas],

2011.

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Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto

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73

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ROCHA, Simone Mariano. FICAI – Um instrumento de rede de atenção pela inclusão

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VAZ, Caroline. A informatização da ficha de comunicação do aluno infrequente.

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<http://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/revista_digital/numero_07/informatizacaofic

aicaroline.pdf>. Acesso em 15 out. 2017.

74

ALZIRA VARGAS: A FIGURA FEMININA E A ARTICULAÇÃO POLÍTICA NA

ERA VARGAS

Lauren de Lacerda Nunes18 Roselaine Guedes Santos19

Gladis Kunz Rosa20 Karen Laís Roque21

RESUMO: O presente artigo visa abordar a trajetória histórica de Alzira Sarmanho Vargas na

vida política do Brasil, na Era Vargas (1930 – 1954), no sentido de mostrar sua atuação

enquanto figura feminina significativa deste período. A metodologia utilizada consistiu-se de

pesquisas em fontes originais, constantes do patrimônio do Museu Getúlio Vargas, na cidade

de São Borja, e no espaço virtual da Fundação Getúlio Vargas, especificamente, no Centro de

Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), onde se encontra

depositado o arquivo pessoal da Alzira Sarmanho Vargas. Concomitantemente, buscou-se

referencial bibliográfico, no sentido de problematizar a condição da mulher, da política e da

vida sociocultural do país no período histórico em que Alzira Vargas atuou. Dos documentos

estudados, se abrem inúmeras possibilidades de interpretações e questionamentos sobre a real

importância e participação de uma mulher que, desde muito jovem atraía as atenções de seu

pai, Getúlio Vargas. Este, ao alcançar a maior função pública do país, depositou em Alzira

Vargas sua confiança e cumplicidade em momentos de extrema tensão, dúvidas e conflitos

políticos nos âmbitos nacional e internacional. A quantidade de registros históricos, sejam eles

documentos oficiais, jornais, revistas, vídeos ou em áudios não deixa margem para dúvidas

quanto a presença constante e discreta, da assessora Alzira Vargas e, em outros momentos,

articuladora da nação com outros países. A possibilidade de conhecer esta mulher que, em

ambiente predominantemente masculino, ocupou espaços importantes em momentos históricos

cruciais para o Brasil, instiga a busca de conhecê-la e problematizar sua trajetória enquanto

figura feminina marcante na história do país, principal motivação da presente pesquisa.

18Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, RS. Professora Adjunta da

Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA campus São Borja, RS. E-mail: [email protected]. 19Especialista em Direito e Gestão Ambiental. Tecnóloga Ambiental – Resíduos Industriais. Acadêmica do Curso

de Ciências Humanas – Licenciatura, da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, Campus São Borja, RS.

E-mail: [email protected]. 20Acadêmica do curso de Ciências Humanas - Licenciatura da Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA

campus São Borja, RS. Bolsista do Projeto de Extensão: Construção e Desconstrução do gênero e sexualidade no

currículo: tecendo perspectivas para uma educação multicultural. Membro do GEEP - Grupo de Pesquisa em

Gênero, Ética, Educação e Política. E-mail: [email protected]. 21Acadêmica do curso de Ciências Humanas - Licenciatura da Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA

campus São Borja, RS. E-mail: [email protected].

75

Palavras-Chave: Alzira Vargas.Mulher. Política.Getúlio Vargas. Gênero.

INTRODUÇÃO

O presente artigo situado no campo da denominada micro-história, visa expor a

participação da gaúcha Alzira Sarmanho Vargas na vida política brasileira, no período histórico

nacional identificado como a Era Vargas, iniciado em 1930 e interrompido em 1954.

Busca-se com este estudo, uma reflexão inicial sobre a figura de Alzira Vargas no meio

familiar e político do período supra-citado, suas percepções e vivências no interior de um

mundo de poder e de domínio predominantemente masculino, suas estratégias pessoais para a

ocupação de espaços, bem como as suas demonstrações de inconformismo diante da postura e

do comportamento das mulheres, conforme declarado por Alzira Vargas no filme realizado na

2ª Oficina de Produção Audiovisual do Núcleo de Audiovisual e Documentário da Fundação

Getúlio Vargas (FGV), do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do

Brasil (CPDOC), "Eu ficava indignada. Eu não me conformava em ficar lá tomando chazinho,

batendo papo vazio. Aquilo para mim não tinha sentido." (VARGAS, 2015).

Quando optava por tornar públicas suas ideias, sabia das consequências. Estas recebiam

críticas, e não ignorava a existência de opressão por defendê-las. Era vigiada, sofria

intimidações na universidade, foi odiada por grupos de ideologia política contrárias às que

defendia e, inclusive, por aqueles que compartilhavam do mesmo pensamento. citar livro

passagem universidade.

Durante sua participação no meio político brasileiro, Alzira Vargas desempenhou funções

que foram de secretária, tradutora de documentos, decodificadora de mensagens cifradas,

arquivista, interlocutora entre o povo e o governo, porta-voz do Brasil em Washington, entre

outras funções ocupadas após o seu casamento com Ernani Amaral Peixoto, em 1939. Mas, não

se limitou a cargos burocráticos e intelectuais, foi ainda responsável pela articulação para

organização do Partido Trabalhista Brasileiro, fundado em 1945.

Assim, pensa-se que conhecer Alzira Vargas, uma mulher que fugia à regra da

personagem feminina moldada socialmente, que tinha ideias próprias, que foi militante e

articuladora política, com grande bagagem intelectual formal, filha, assistente e confidente de

um presidente da República, e que, após o término da Era Vargas manteve o espólio documental

do presidente por mais de duas décadas, conforme Nedel (2008) explica no IX Encontro

Estadual de História, em Porto Alegre, possibilitando o acesso a um acervo que, segundo Nedel

76

(2008), "Não fosse em si mesma relevante, a proximidade de Alzira Vargas com os núcleos de

poder também redobra o potencial interesse de seu arquivo entre os historiadores e cientistas

sociais, [...]" (NEDEL, 2008, p. 1), permite avançar sobre a história do Brasil daquele período

e evidenciar que ela foi um personagem dos mais emblemáticas do período histórico analisado

e que, apesar disso, a história oficial a remeteu aos bastidores dos acontecimentos.

METODOLOGIA

As investigações sobre Alzira Vargas, realizadas após o planejamento da pesquisa e a

construção de um portfólio inicial de fontes, mostraram-se um desafio em função das escassas

opções de fontes de pesquisa bibliográfica específicas.

Com vistas a manter o eixo de pesquisa definido, operou-se o arbitramento dos conceitos

principais a serem buscados durante a realização da pesquisa, como a compreensão sobre a

situação da mulher com uma visão ampliada sobre aspectos sociais, filosóficos e históricos no

âmbito familiar e público da mulher Alzira Vargas em ambiente dominado pelo masculino.

Para a obtenção dos resultados foram definidas estratégias de pesquisa que viabilizassem

o acesso a informações seguras quanto ao reconhecimento das fontes. Uma das estratégias foi

o estudo das fontes primárias mantidas sob a guarda do Museu Getúlio Vargas, em São Borja,

e, para tal, foram procedidas as formalidades necessárias, com a informação de data, horário,

número de pesquisadores, assunto e objetivos da pesquisa, documentos desejados, entre outros.

Entretanto, não houve a plena recepção do requerido museu, restando o acesso a documentos

que, em sua maioria, não corresponderam às expectativas produzidas após a visualização do

volume de documentos mantidos em ambiente controlado.

Decorrente da escassez de fontes houve a necessidade de revisar o planejamento da

pesquisa. Tal situação acabou por conduzir a pesquisa para a internet e bibliografia em

documentos impressos, como o livro Getúlio Vargas, meu pai. Neste novo rumo, foi localizado

o arquivo pessoal de Alzira Vargas no Centro de Pesquisa e Documentação de História

Contemporânea do Brasil (CPDOC), espaço virtual da Fundação Getúlio Vargas. O volume de

documentos originais disponíveis em meio digital é considerável, com acesso irrestrito, com

espaço para solicitação de auxílio para localização, de orientações ou obtenção de cópia digital.

Importante salientar que os documentos compõem o Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro,

elaborado e organizado pelo CPDCO.

77

Além dos documentos disponíveis no Museu Getúlio Vargas e no CPDOC, a leitura das

memórias de Alzira Vargas, onde constam suas percepções dos fatos no momento em que

ocorriam, produziu uma aproximação entre a pesquisada e as autoras, tornando as palavras lidas

mais concretas. Do mesmo modo, a audição de suas palavras ou a visão de sua imagem em

vídeo gerou a sensação de redução da distância temporal e despertou no grupo de pesquisa certa

inquietação mental, manifestada em questionamentos que surgiram sobre as mudanças

efetivamente ocorridas quando se trata da mulher nos espaços públicos, especificamente na

política, desde Alzira Vargas até o tempo presente.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Alzira Vargas em família

Alzira Sarmanho Vargas, filha de Getúlio Vargas e Darcy Sarmanho Vargas, nasceu em

22 de novembro de 1914, em São Borja, sendo a terceira filha do casal. Morou até os oito anos

de idade em sua cidade natal quando se mudou para Porto Alegre. Aos dezesseis anos de idade

passa a morar no Rio de Janeiro, onde cursou Direito, na Faculdade de Direito, e em pouco

tempo começou a atuar como arquivista do pai. No último ano do curso foi nomeada auxiliar

de gabinete de Getúlio Vargas. Aos 25 anos se casou com Ernani Amaral Peixoto, militar e

político, com quem teve uma filha, Celina Vargas do Amaral Peixoto.

A relação familiar que existia entre Alzira e o pai é contada no livro “Getúlio Vargas,

Meu Pai”, lançado originalmente em 1960. Nele, Alzira Vargas relata a convivência familiar e

profissional com seu pai. Alzira, filha e assistente, era alguém que Getúlio confiava e queria

por perto, como se pode perceber no trecho a seguir, “[...] O que sei é que todas as vezes em

que ficava longe dele muito tempo, me chamava de volta”. (VARGAS, 1960, p. 366). A ligação

entre pai e filha era tão próxima, respeitosa e sincera que os papéis de filha e funcionária se

confundem, de um modo que é difícil perceber onde uma se destaca mais que a outra.

Em toda sua vida Alzira Vargas esteve ligada ao pai, mesmo que não estivesse presente,

se comunicavam por cartas e reforçavam ainda mais o laço familiar. Porém, a pesquisa mostrou

que a mãe, Senhora Darcy Vargas também representou figura importante para a atuação de

Alzira Vargas como herdeira dos projetos assistenciais desenvolvidos pela mãe.

78

A política brasileira e Alzira Vargas

No Brasil, após os movimentos políticos de 1930, o ambiente político nacional se

encontrava instável, conforme explicado em “História do Brasil por Bóris Fausto” “Getúlio teve

que enfrentar problemas internos do seu governo, das forças que o apoiavam, e problemas

externos, da oposição” (FAUSTO, 2002).

Em um ambiente de conflitos ideológicos, de interesses distintos e de poder, as prisões

sob acusações de adesão à ideologia comunista não eram fatos raros. Segundo o arquivo pessoal

de Alzira Vargas, mantido no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea

do Brasil (CPDOC), a jovem estudante universitária tinha participação ativa em passeatas,

assim como de intervir junto ao pai para soltura de professores feitos prisioneiros, o que exige

a menção a sua vida de militante estudantil iniciada em Porto Alegre entre 1928 e 1930, o que

lhe rendeu intensas e repetidas investidas da mídia ligando-a ao comunismo, sobre o que Alzira

Vargas escreve em Getúlio Vargas, meu pai “Passei a respeitar a força da propaganda dirigida.

Esta havia decretado: “Alzira, a filha do Presidente da República, estudante de direito, é

comunista”.” (VARGAS, 2017, p. 169).

É neste cenário que Alzira Vargas surge para o Brasil. Em janeiro de 1937 foi nomeada

oficialmente como auxiliar de gabinete, passando a integrar o Gabinete Civil da Presidência,

aos 23 anos de idade, quando cursava o último ano do curso de Direito. Sua presença como

assessora, consultora, confidente, secretária, firmou-se ainda mais em 1938, em momento

político de mudanças de regime.

O sítio virtual da Fundação Getúlio Vargas – CPDOC, afirma que “Com os canais

institucionais interrompidos, Alzira somou às suas tarefas, como diria em seu depoimento, a

função informal de interlocutora entre o povo e o governo” (COUTINHO, 2009, s/p).

Do pesquisado no CPDOC, é importante salientar que Alzira Vargas não atuou apenas

nos tratos burocráticos ou de assessoria ao Presidente. Consta o relato da participação ativa na

resistência a ataque ao palácio Guanabara, em 11 de maio de 1938, quando atuou junto às

comunicações telefônicas com os chefes dos órgãos de segurança.

Casada com o interventor do estado do Rio de Janeiro, ocupou-se como interlocutora

entre o Presidente do Brasil e o presidente estadunidense Franklin Roosevelt, o que dá a

perspectiva de sua capacidade de atuação política, ainda mais se analisadas as peculiaridades

mundiais da época.

79

Mas, sua atuação não se resumia àquelas ligadas ao palácio presidencial. Conforme o

arquivo mantido na Fundação Getúlio Vargas, suas ações estenderam-se na área da educação,

criando instituições importantes até os dias atuais, como a Fundação Anchieta. Entretanto, em

áudio disponível na internet, intitulado A Bacharel e o Presidente, Alzira declara: “[...] outro

dia estava comentando com o Ernani. Disse: “engraçado, eu tenho a impressão de que nada do

que eu fiz tem valor, porque como eu nunca quis pessoalizar nada, as minhas obras sumiram”

(VARGAS, 2015).

As palavras de Alzira nos deixam evidente a ação do sistema de poder sobre as mulheres

durante aquele período, evidenciado em suas lembranças: “Habituei-me, assim, a enxergar sem

ver, a ouvir sem entender. Habituei-me a calar. Habituei-me a um silêncio que hoje pesa sobre

meus nervos, cansados de perdoar sem esquecer.”, (VARGAS, 2017, p. 44).

A participação de Alzira Vargas no mundo político, espaço masculino e centralizado na

figura do pai, parece, contudo, não ter sido empecilho para impedi-la de assumir

responsabilidades. Ao contrário, não se omitiu de atender pedido do pai para agir como

articuladora na formação de partido político visando manter as bases aliadas do governo

getulista, entretanto, não há registro de afiliação partidária em sua vida, conforme o arquivo da

CPDOC.

Em 1945 ocorre a queda de Vargas. Exilado em São Borja, Alzira mantém intensa

correspondência com o pai, mantendo-o inteirado dos acontecimentos do meio político e, em

função da saída de Amaral Peixoto, seu marido, do governo fluminense, Alzira se desligou de

cargos que ocupava em instituições sociais. Dentre outras, consta a Legião Brasileira de

Assistência – LBA, a Fundação do Menor e a Comissão do Bem-Estar do Menor, vinculada ao

Ministério do Trabalho, segundo os arquivos da FGV/CPDO.

Com o retorno do pai ao poder da República em 1954 e do marido ao governo do Rio de

Janeiro, retomou funções oficiais, integrando delegações brasileiras às conferências

internacionais do Trabalho.

Inegável que ocupou espaços e definiu posturas que lhe garantiam o papel de principal

auxiliar de Vargas. Em áudio disponível em espaço virtual já citado, fica explícita sua estratégia

para definir sua participação, desde em mesas de reuniões, até confidências do Presidente.

Quando questionada sobre como ela teria chegado a ter sobre ele certa ascensão, responde:

Foi gradual e lenta a maneira pela qual eu me impus a ele. Não posso dizer a você que

ele tenha me descoberto. Mas, aquela vida de trabalho, de uma ocupação sempre me

atraiu. Então, eu comecei, como disse a você, sendo o mata borrão dele. Nunca

80

propriamente procurei ser o braço direito dele, ao contrário. Me omiti o mais possível

porque eu sabia o que era e eu conhecia a importância que se dava a mulher do Rio

Grande nesta época. (VARGAS, 2015).

Declara na entrevista citada acima que a confiança conquistada com o presidente lhe

proporcionava ouvir, falar e conversar sobre assuntos que nenhuma outra pessoa tinha abertura,

ou ainda, presenciar conversas porque o nível de confiança em seu silêncio para o que ouvia,

era tal que não havia omissões a ela, o que lhe causava medo. Não é difícil pensar que o que

lhe era conhecido, não eram situações simples e de pouco interesse para pessoas de muita

influência.

Em seus relatos, chama a atenção colocações em relação a seu gênero ser motivo de

observações, tanto familiares quanto do meio político, tais como o de uma tia que “[...]teria

nascido feito homem.” E, em outra ocasião, o pai teria recebido comentário de um grande amigo

que teria dito: “Getúlio, não achas que esta tua filha está ficando muito sabida?”, ao que

respondeu “Ele quer que eu seja sábia e não sabida”. (VARGAS, 2017, P. 93).

No acervo do Museu Getúlio Vargas, em São Borja, no suplemento da REVISTA DO

GLOBO (1950, p. 50, 51), Alzira faz narrativa do golpe Integralista de 1938. Conforme o

repórter autor da matéria jornalística, não houve a interferência do pai. O relato leva o leitor a

criar a imagem mental da aflição vivida durante o evento, o que pode ser remetida à habilidade

da narradora em expor um cenário com riqueza de detalhes, clareza na conexão dos momentos

e capacidade de análise dos eventos, características que podem ser dadas a uma memória criada

a partir dos fatos vividos.

Ainda, há de se observar sobre o fato de Alzira Vargas ser uma mulher jovem, de pequeno

porte físico, o que não a impediu de pegar em armas e fazer uso destas em defesa do Palácio

Guanabara. Tal atitude não era um fato corriqueiro para a mulher daquele período, mas tratava-

se de Alzira Vargas. Inclusive, pode ser destacada uma leve crítica à condição de inoperância

da irmã Jandira Vargas durante o confronto.

Consta no arquivo do CPDOC/FGV o relato de que, com a crescente luta para que o

Getúlio renunciasse, Alzira tomou conhecimento sobre um apontamento do Presidente, sendo

identificado o mesmo trecho em Getúlio Vargas, meu pai, onde consta: “Á sanha dos meus

inimigos deixo o legado de minha morte.” (VARGAS, 2017, p. 427). Com o rascunho em mãos,

indo buscar junto ao pai alguma indicação de suas intenções, quando o Presidente respondeu:

“[...] Sua bisbilhoteira. Não é nada disso que você está pensando. Você me conhece, e ficou

com o papel”. (VARGAS, 2017, p. 427).

81

Mas, no decorrer dos estudos dos documentos, tanto no arquivo da FGV/CPDOC, como

nas memórias de Alzira, que compõe o livro Getúlio Vargas, meu pai, foi possível identificar a

presença marcante de Alzira Vargas no momento crucial da Era Vargas. No dia 24 de agosto,

após eventos dados como interligados, o Presidente convoca seu ministério para reunião, assim

como Alzira e seu esposo. Consta que, durante a reunião, que tinha como pauta a proposta de

renúncia de seu pai, ela intervém fortemente, como quando relata:

O general Zenóbio da Costa estava falando: dizia que era incontrolável o movimento

contra Getúlio Vargas. Não me contive mais, pedi desculpas ao meu pai e dei um soco

na mesa, dirigindo-me diretamente ao general Zenóbio: “Não é somente a sua vida

nem a de meu pai que está em jogo. A minha e a de minhas crianças também, por isso

dou-me o direito de falar. (VARGAS, 2015, p. 431)

Entretanto, provoca uma certa estranheza que parte da historiografia parece não ter a

mesma interpretação sobre a participação de Alzira em eventos historicamente consagrados

para os cientistas, como é o caso das horas finais da Era Vargas. Isto está explícito em Fausto

(2006, p. 189,190) que, ao abordar sobre a pressão que o setor militar impunha a Getúlio Vargas,

culminando na fatídica reunião do dia 24 de agosto, Alzira mereceu tão somente uma menção

a seu nome juntamente com mais três pessoas, não por acaso, homens.

Nela, os ministros militares foram muito hesitantes, optando obliquamente pela

renúncia, apesar dos apelos do ministro da Justiça, Tancredo Neves, no sentido de que

eles mostrassem disposição de sustentar o governo. Osvaldo Aranha declarou-se

solidário com Getúlio em qualquer circunstância, apontou três hipóteses de resposta

às pressões e disse que tudo dependia da decisão do presidente. Alzira Vargas fez um

apelo à resistência, apoiada entre outros por Manuel Vargas, Danton Coelho e o

general Caiado de Castro. (FAUSTO, 2006, p. 190).

Disto, podemos apreender que Alzira não via e não recebia limites para manifestar seus

pontos de vista de situação tão sérias e graves no mundo da política, inclusive para abandonar

a tal reunião antes do seu fim. Na sequência, após receber orientações do pai, em presença do

irmão, sobre uma chave de cofre, o qual deveria ser aberto caso ocorresse algo com o Presidente.

Em pouco tempo depois, foi informada por militar que decidiram pela saída definitiva de

Getúlio, contrariando a decisão ministerial anterior, encerrando com o suicídio do Presidente e

pai Getúlio Vargas.

Em 1955 deixa de ser a primeira dama do estado do Rio de Janeiro, sendo seu marido

nomeado embaixador do Brasil em Washington, até o ano de 1959. Neste momento, mostra-se,

no mínimo, curiosa a correspondência mantida com Alzira, na qual está recomendado que

repensasse a possibilidade em função de o remetente entender como uma armadilha tal cargo,

82

citando que a capital de Portugal seria o mais adequado. Conclui-se que não foi considerada a

recomendação recebida.

Após assumir a função de embaixatriz, identifica-se no acervo digital depositado no

CPDOC/FGV inúmeras correspondências entre órgãos públicos, instituições de ensino,

intelectuais e, destacamos, com Sara Kubitschek, outra mulher singular no mundo da política

brasileira, onde Alzira informa sobre envio ao Brasil de bonecas produzidas por mães norte

americanas, com recomendações sobre a quem destinar. Destes documentos, fica claro que o

período que desempenhou as funções na embaixada brasileira nos Estados Unidos, foram

atuantes, com ligações bastante próximas de autoridades daquele país.

No ano de 1960, de volta ao Brasil, publicou suas lembranças em livro intitulado Getúlio

Vargas, meu pai. Além disso, ocupou a função antes da sua mãe, na Casa do Pequeno

Jornaleiro, foi Presidente da Fundação Anchieta entre 1940 e 1945, como já dito, Membro da

Comissão Nacional do Bem-Estar Social, de 1951 até 1954, Membro de Delegação, na

Conferência Internacional do Trabalho, no ano de 1952, Presidente da Fundação Darcy Vargas

no período de 1968 a 1992.

Entretanto, o mundo do poder político a acompanhou por muito tempo em razão de o

marido ocupar diversos espaços políticos. Durante este tempo desenvolveu e se envolveu em

diversos projetos, concretizando, por exemplo, a criação da Escola de Enfermagem do Rio de

Janeiro e a Escola de Serviço Social, integradas a Universidade Federal Fluminense, a

Maternidade Divina Providência, em Petrópolis-RJ. No período da Grande Guerra Mundial,

acumulou a direção do Departamento Assistencial do Distrito Federal, da Legião Brasileira de

Assistência no estado fluminense e das Voluntárias da Defesa Passiva do ano de 1942 até o ano

de 1945.

Através das palavras da própria Alzira, citadas anteriormente, suas obras parecem ter

sumido nas gavetas empoeiradas da história. Mas, a pesquisa sobre a sua pessoa e em seu tempo,

nos traz à tona uma figura ciente de que estava em ambiente que não lhe favorecia, com

personagens que não lhe facilitariam a atuação e, para tanto, desenvolveu estratégias de

“sobrevivência” e de ocupação de espaços.

Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 26 de janeiro de 1992.

A condição da mulher na Era Vargas, a mulher Alzira Vargas

A mulher brasileira atualmente goza de melhores condições que em épocas passadas,

embora exista pontos que precisam ser discutidos e campos a serem conquistados. Admite-se

83

que os tempos são outros. E, é olhando para trás que vemos o caminho daquelas, que de uma

maneira ou de outra, contribuíram para marcar o seu espaço como mulher em um país dominado

pelo patriarcado.

Uma dessas figuras foi Alzira Vargas, e nesse trecho da pesquisa veremos as condições

das mulheres brasileiras e dela própria, no contexto da Era Vargas. Assim como escreve

Beauvoir, "[...] nenhuma coletividade se define nunca como Uma sem colocar imediatamente

a Outra diante de si". (BEAUVOIR, 1970. p. 12), pondera-se a partir da colocação que a

estrutura social brasileira tem em seu âmago uma longa história de disparidade entre os sexos.

Se a História por muito tempo se ocupou das figuras masculinas, do poder exercido pelo homem

no campo político e social, é premente que o outro lado da coletividade seja evidenciado para

que sejam definidas as particularidades de ambos os lados.

Tratar algumas dessas características da parcela da coletividade brasileira, a qual, por

muito tempo, esteve fora do campo historiográfico, sabendo que não existe um perfil único de

mulher atualmente, assim como também não houve no período analisado, é necessário dada a

amplitude do tema. Para tal, serão mencionadas algumas peculiaridades que estavam em voga

no universo feminino pois, estas características são pertinentes para demonstrar como a Alzira

foi percebida na sua condição de mulher por seus contemporâneos.

Dadas as fontes, identificou-se que um dos principais pontos de discussão diz respeito ao

trabalho desempenhado pela mulher e como esse fator conseguiu transformar as características

do comportamento sociocultural feminino no período em questão. À luz dessa discussão

podemos perceber as diferenças entre as mulheres que saíram do 'lar' (por necessidade e/ou por

obrigação de prover o sustento de si e dos filhos) e aquelas que assumiram o papel socialmente

aceito para época. Também se constatou uma distinção entre classes sociais, demonstrando a

pluralidade socioeconômica que o país já vinha revelando a mais tempo do que a historiografia

de outrora menciona, como se refere Fonseca,

A norma oficial ditava que a mulher devia ser resguardada em casa, se ocupando dos

afazeres domésticos, enquanto que os homens asseguravam o sustento da família

trabalhando no espaço da rua. Longe de retratar a realidade, tratava-se de um

estereótipo calcado nos valores da elite colonial, e muitas vezes espelhado nos relatos

de viajantes europeus, que serviam como instrumento ideológico para marcar a

distinção entre as burguesas e as pobres. Basta aproximar-se da realidade de outrora

para constatar que as mulheres pobres sempre trabalharam fora de casa. (FONSECA,

2012. p. 517)

84

Temos então, a partir do período Vargas iniciado em 1930 até 1945, e em seu segundo

governo de 1950 a 1954, um marco para todas as mulheres brasileiras, definido através do

direito ao voto nas decisões políticas do país, conquistado em 24 de fevereiro de 1932.

Em 1928 foi criado o Comitê das Mulheres Trabalhadoras, umas das primeiras

associações voltadas para as necessidades das mulheres que trabalhavam no contexto das

indústrias têxteis, ou seja, fora de seus lares. Apesar de serem a maioria da mão-de-obra nesses

ambientes, eram excluídas dos sindicatos, pois nestes ambientes não contavam com a força de

voto. E também, ressalta-se no estudo, que as reuniões dos sindicatos não foram feitas para

contemplar a jornada dupla da trabalhadora, que ao voltar para casa, essa mulher ainda assumia

sua outra faceta, a mulher do lar, e todos os seus encargos, situação demonstrada por

Sardenberg, que afirma "[...] dessa maneira, "o mundo sindical no Brasil no início do Século

Vinte", como o mundo da política das elites, permaneceu esmagadoramente masculino".

(SARDENBERG et.al, 2000. p. 05, grifo da autora).

Outro ponto importante, e ainda discutido atualmente, é a diferença salarial. Para o

contexto da época a mulher trabalhadora deveria ganhar menos porque sua renda era

complementar. Beauvoir também advoga a esse respeito quando diz, "[...] ora, a mulher sempre

foi, senão a escrava do homem ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo

em igualdade de condições." (BEAUVOIR, 1970. p. 14). Devido aos salários inferiores e o

avanço do capitalismo, o número de mulheres trabalhadoras era maior nas fábricas, o que

acarretou problemas. Em 1931, o presidente Getúlio Vargas recebeu uma reclamação dos

trabalhadores da indústria têxtil de São Paulo, onde manifestavam descontentamento em

relação ao número expressivo de mulheres no trabalho, e que isto causava desemprego aos

homens. A resposta do Estado Novo a esse anseio seria conduzir ambos, homens e mulheres,

aos seus papéis "tradicionais" na sociedade. O tradicional seria homens pais/provedores e

mulheres mães/do lar. De modo controverso, regulamenta o trabalho feminino nas indústrias e

comércios com a legislação social e trabalhista, através do Decreto 21.417A, de 17 de maio de

1932.

O antagonismo do governo Vargas, a ideia jargão de 'pai dos pobres e mãe dos ricos’,

foi propulsor tanto de mulheres saindo para o trabalho como aquelas que ficaram em seus lares.

Mas, é preciso não cometer o equívoco de acreditar ser esta uma questão de escolha, a vida da

mulher nas fábricas e no mundo do trabalho em geral era difícil e exigia da mulher muito mais

que apenas uma escolha, exigia uma postura diante da sociedade, pois, segundo Hirata et al.

(2009, s/p), ao tratar do poder do feminismo, diz que a marca da mulher livre e a mulher pública

85

eram relacionadas, e isto a colocava como alvo de escândalos, como foram situações vividas

por muitas mulheres que ousaram questionar a hierarquia dos sexos existente e práticas pelas

autoridades, evidentemente homens.

Em relação à profissão de educadora, para as mulheres havia um limite, qual seja ser

professora das primeiras letras, as "normalistas", pois os demais graus escolares eram exercidos

por homens, de acordo com Nahes Semiramis (SEMIRAMIS, 2007, p. 28). A autora diz ainda

que a função de professora envolveria a mulher como mãe, mesmo que os filhos (alunos) não

fossem dela, e ainda mais, que o cuidar de crianças estava ligado ao âmbito caseiro, então,

embora sendo uma profissão, o seu caráter e suas regras colocava a mulher (professora,

trabalhadora) no "seu lugar" na sociedade.

Nesse âmbito de mulher da Era Vargas, podemos contextualizar através da primeira-dama

Darcy Sarmanho Vargas, outro perfil de mulher. A mãe de Alzira Vargas, teve um papel ligado

ao lado maternal, ao auxílio da mulher/mãe e das crianças, se envolveu e encabeçou várias

entidades assistenciais como a Casa do Pequeno Jornaleiro e Legião Brasileira da Assistência

(LBA), criada em 1942, para prestar amparo aos familiares e soldados que lutaram na Segunda

Guerra Mundial, e isso era um traço marcante das mulheres da elite no período. Ela foi uma

mulher do seu tempo e do seu estrato social e dessa forma, "[...] foi no desempenho das funções

de esposa e mãe, que Darcy Vargas desenvolveu formas de atuação e de participação na

política, inclusive, mediante a criação de obras sociais e assistenciais". (SIMILI, 2004, p. 02).

A irmã mais velha de Alzira, Jandira Vargas, também foi uma mulher aos moldes

tradicionais, conforme se constatou na pesquisa na documentação do acervo do Museu Getúlio

Vargas, em São Borja. Esta não se formou no ensino superior como sua irmã mais nova, casou

por volta dos 25 anos, teve filhos e sua vida foi voltada para a casa, o que é explicado pela

autora Pinsky, em a História das Mulheres no Brasil:

Ser mãe, esposa e dona de casa era considerado o destino natural das mulheres. Na

ideologia dos Anos Dourados, maternidade, casamento e dedicação ao lar faziam parte

da essência feminina; sem história, sem possibilidades de contestação. (PINSKY,

2012. p. 609).

Então, disto podemos compreender que o universo das mulheres não era apenas

moldado pelo homem. O exemplo estava em casa, a menina se espelhava na mãe, logo seu

destino era uma vida parecida ao de sua progenitora, e assim foi com Darcy e Jandira Vargas.

Porém, a pesquisa demonstra que para Alzira Vargas o exemplo mais nítido foi seu pai,

e isso deu a ela um perfil diferente daquele da maioria das mulheres do período, e não que

86

Alzira se visse como um homem, mas em alguns momentos foi assim considerada por outros

justamente por realizar o trabalho tão “bem” quanto um.

Apoiada pelo seu pai, Alzira graduou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Rio de

Janeiro, quando ainda a formação superior era um fato incomum para mulheres da elite. Como

guardiã das memórias de seu pai, ela relata que Vargas tinha uma concepção moderna a respeito

da mulher, o que está demonstrado por Gomes, ao citar trecho de entrevista concedida por

Alzira, que diz: “[...] Mulher, para ele, fala D. Alzira, tinha que saber três coisas: datilografia,

dirigir automóvel e falar inglês." (GOMES, 1996. p.9). E Alzira não fugiu a nenhuma das três

regras: dirigia, falava inglês, datilografava, além de fazer companhia em suas campereadas

quando buscava o sossego nas estâncias de São Borja.

CONCLUSÕES

A intenção do texto não é produzir críticas ou julgamentos às mulheres, especialmente

àquelas que se mantinham unicamente, ou que ainda permanecem, no exercício das atividades

domésticas. O que a pesquisa elucida é que, para o contexto de 1930 a 1954, o ideal de ser

mulher, corroborado pela sociedade, pela literatura e estudos da época, e principalmente pelos

homens, era a dona de casa, a mãe, mas não aplicável em Alzira Sarmanho Vargas.

Entretanto, devemos destacar que Alzira Vargas tinha o ímpeto de descumprir normas

sociais. Como detalhe do seu perfil incomum, e começando por decisões sobre o seu corpo,

evidencia-se as suas escolhas na vestimenta, elementos ligados à beleza e posição social

feminina. Não usou vestido de noiva em seu casamento, raramente usava chapéu, artigo da

moda entre as mulheres da época, usava calças, sapatos com altura mediana, fumante por um

período, cavalgava com habilidade, realizava atividades ligadas à pecuária, favorável ao

divórcio, ou seja, parecia não lhe incomodar não atender à imagem idealizada pela sociedade

para a mulher. Mas, certamente que a ligação íntima mantida com o meio político, primeiro

com seu pai, e depois e com seu marido motivou a pesquisa.

Poderá o leitor pensar: "mas ela era filha do presidente!". Sim, ela foi. E Jandira também

foi, e mesmo assim vemos duas mulheres diferentes, dois perfis diferentes de vida da mulher

no contexto estudado.

Como já dito, a intenção do estudo não é categorizar, e tão pouco julgar aquelas que nos

antecederam. Mas, é fundamental suscitar que a mulher brasileira é parte fundamental da

História do país, mesmo à sombra dos homens e de costumes sociais engessados, elas lutaram

87

para se inserir no contexto público-político, fabril, sindical, educacional etc., território

masculino. E para tal intento, Alzira descobriu e desenvolveu os meios de tornar-se a “segunda

consciência” do Presidente, expressão que o próprio passou a usar para com a sua assitente, de

acordo com a pesquisada.

A vida pública-política de Alzira Vargas passou por momentos extremos. O que se obtém

das leituras sobre ela, das análises de imagens, dos áudios, da bibliografia utilizada é que foi

uma mulher observadora, com mente inquieta, questionadora, determinada, com clareza de

pensamento, habilidosa na condução de assuntos delicados e perigosos, e todas estas

características desenvolvidas, ou potencializadas com o passar do tempo, visando levar a cabo

o projeto político do pai.

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<http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/Ivana_Guilherme_Simili_42pdf >. Acesso em:

18 jun. 2017.

*A fonte também consta como material de pesquisa no Museu Getúlio Vargas.

SEMIRAMIS, Nahes. A Era Vargas: da revolução de 1930 à ditadura. In.____. Revista FON-

FON: a imagem da mulher no Estado Novo (1937 - 1945). São Paulo: Arte e Ciência, 2007. p.

23 - 71. Disponível em:<http://www.unimar.br/publicacoes/ftp/miolo_Fon_Fon.pdf>. Acesso

em: 17 jun. 2017.

VARGAS, Alzira. Getúlio Vargas, meu pai: memórias de Alzira Vargas do Amaral

Peixoto/Alzira Vargas. - 1ª Ed. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2017. (p. 44, 53, 77, 412-419, 427,

431, ).

VARGAS, Alzira. A Bacharel e o Presidente: depoiment. 2016. Canal FGV. A Bacharel e o

Presidente. Entrevista concedida a Naya Arujo. Disponível em: <

https://www.youtube.com/watch?v=5y_oNafW2g0&t=25s >. Acesso em 27 out. 2017.

90

PRINCÍPIOS DA ÉTICA NA GESTÃO PÚBLICA: TEMA PARA A REFLEXÃO22

José Konzen23,

Luciane de Oliveira24,

RESUMO: Atualmente a ética vem ganhando espaço e gerando debates envolvendo a

sociedade e a gestão pública, deixando de ser vista apenas como um problema moral, mas

também como uma ameaça à ordem econômica. Embora tenha ocorrido inúmeros avanços nos

últimos anos em relação a transparência na ética da gestão pública, ainda existe um hiato entre

as normas referidas e as ações praticadas. Este cenário provoca incertezas diante de tais atitudes

que desconfiguram a razão de ser da gestão pública, que tem por preceito ocupar-se da defesa,

conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. O presente

trabalho, pretende fazer uma análise a respeito da importância da ética no gestão pública por

meio de uma perspectiva teórica. Esta pesquisa caracteriza-se como descritiva, realizada por

meio de uma análise bibliográfica, onde utiliza-se autores referências no tema. Quanto a

abordagem, refere-se a uma pesquisa qualitativa. Percebe-se diante do contexto atual, a

importância de se propor questionamentos que possam despertar princípios democráticos e de

cidadania, para que todo o cidadão esteja apto a assumir qualquer função pública e exercer de

forma consciente e plena os seus direitos políticos, a fim de quebrar paradigmas estabelecidos

em um sistema burocrático, que por vezes, desvia de sua finalidade. Neste sentido, observa-se

a importância de se desenvolver uma consciência ética coletiva, com a intenção de questionar

a cultura comportamental que compactua com atos ilícitos e práticas indevidas, bem como

despertar princípios democráticos e de cidadania. O presente trabalho não pretende esgotar o

assunto, mas sim propor reflexões sobre o tema.

Palavras-Chaves: Ética, Gestão Pública, Transparência.

INTRODUÇÃO

22 Relatório de Estágio de Conclusão de Curso I, apresentado no Curso de Administração da URI - São Luiz

Gonzaga – RS, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Administração. 23 Graduando do Curso de Administração da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões – São

Luiz Gonzaga /RS; [email protected] 24 Docente do Curso de Administração da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões – São Luiz

Gonzaga /RS; [email protected]

91

Nos dias atuais a ética vem sendo questionada e debatida em todos os lugares,

envolvendo a sociedade e a gestão pública, deixando de ser vista apenas como um problema

moral, mas também como uma ameaça à ordem econômica.

Embora tenha ocorrido inúmeros avanços nos últimos anos em relação a transparência

na ética da gestão pública, na tentativa de coibir atos antiéticos, ainda existe uma lacuna entre

as normas referidas pelas leis e as ações praticadas pelos servidores. Este cenário provoca

incertezas diante de tais atitudes e desconfiguram a razão de ser da gestão pública, que tem por

preceito ocupar-se da defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da

coletividade.

Compreende-se que a ética deve conduzir as ações dos indivíduos, porém, percebe-se

que muitas práticas políticas e administrativas não correspondem aos anseios éticos e

transparentes demandados pela sociedade.

Dessa forma, este estudo tem por objetivo analisar a importância da ética no gestão

pública por meio de uma perspectiva teórica. Para tal, serão realizadas pesquisas bibliográficas,

por meio de livros e artigos científicos.

Por fim, o presente trabalho não pretende esgotar o assunto, mas sim propor reflexões

sobre o tema.

REFERENCIAL TEÓRICO

Etimologia e Histórico de Ética

Etimologicamente a palavra ética (ethos) é uma transliteração de dois vocábulos gregos:

hqoz (ethos) que significa morada do homem, e eqoz (ethos) que significa comportamento que

resulta de um repetir os mesmo atos (CARVALHO, 2003).

Ao longo da história humana, o seu significado fora transformado em vários aspectos

pela relação do homem com a sociedade, sendo conceituada conforme a predominância de

determinados pensamentos ou correntes de pensamentos que se apresentavam no momento,

desde os pré-socráticos até os dias atuais, percorrendo mais de vinte séculos.

Muitas vezes o termo ética é confundido com moral. Porém, no século XX o filósofo

espanhol Adolfo Sánches Vásquez cria uma famosa diferenciação entre os dois conceitos. Para

ele o termo moral se refere a uma reflexão que a pessoa faz de sua própria ação. Já o termo ética

92

abrange o estudo dos discursos morais, bem como os critérios de escolha para valorar e

padronizar as condutas numa família, empresa ou sociedade. (MEUCCI, 2013).

Assim, a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade,

ou seja, é a ciência de uma forma específica de comportamento humano (LIMA FILHO, 2015).

Neste contexto, a principal questão da moral e da ética diz respeito à vida em sociedade, que

permite que o ser humano conviva com os demais, tendo como referência um conjunto de

normas e valores que regem a sua conduta.

Dessa forma, Vazquéz, (2001, p.12) afirma, “a ética é a ciência do comportamento moral

dos homens em sociedade”. Trata-se de ciência por ter objeto, leis e métodos próprios, sendo

objeto da ética, a própria moral. Assim, enquanto a ética diz respeito à disciplina teórica, ao

estudo sistemático, a moral corresponde às representações imaginárias que dizem aos agentes

sociais o que se espera deles, quais comportamentos são bem-vindos e quais não. (SROUR,

2000, p. 29).

Gestão Pública

Compreender a importância e abrangência da gestão pública se mostra essencial por

seus resultados se relacionarem diretamente com a vida de todos os cidadãos.

Silva (2000) traduz gestão pública como um conjunto de meios institucionais, materiais,

financeiros e humanos que se organizam para a execução das decisões políticas. Gonçalves

(2012), corrobora conceituando gestão pública como a prática administrativa responsável pelo

desenvolvimento urbano e econômico de um município.

Goés (2010), vai além, quando afirma que a expressão gestão pública compreende toda

a atividade de administração da coisa pública, seja por pessoas de Direito Público, seja por

pessoas de Direito Privado concessionárias de serviços públicos ou atuando em regime de

parceria com o Poder Público (as parcerias público-privadas) ou até pelas organizações não

governamentais.

Porém para que a gestão seja eficiente é necessário que ocorra organização,

planejamento, acompanhamento e fiscalização, primando pela qualidade de resultados dos

serviços ofertados à população. É necessário, também, que toda a atividade de gestão pública

esteja de acordo com as normas legais e tenham como foco o bem comum da coletividade.

Assim, os representantes legais da população, ou seja, os gestores públicos, estão obrigados à

93

prestação de contas e relatórios que se façam públicos para avaliação do parlamento e da

população geral (CRUZ et.al., 2012).

Em função das demandas sociais, culturais, tecnológicas, econômicas e políticas dos

últimos tempos, torna-se necessários buscar novas e melhores alternativas na maneira de

administrar a coisa pública visando maior agilidade e eficácia. Para tanto é importante que seja

realizado treinamento e aperfeiçoamento dos gestores e agentes públicos para que possam obter

condições de conhecer melhores técnicas para realizar suas atividades, e, também, que seja

fortalecida e disseminada a importância da ética e do trabalho do agente público diante do seu

objetivo maior, que é o bem comum.

Ainda que todas essas práticas sejam realizadas, é necessário que os cidadãos conheçam

e possam efetivamente acompanhar e controlar as ações que a administração realiza,

fiscalizando-as e observando-as diante do que é proposto e o que de fato é realizado.

Ética na Gestão Pública

A gestão pública é responsável pela execução das atividades e decisões estipuladas pelas

decisões governamentais. Para tanto se sujeita às normas constitucionais e às leis especiais.

Todo esse aparato de regras tem por objetivo definir um comportamento ético por parte dos

agentes públicos, mesmo assim vê-se uma gestão extremamente corrompida, onde muitos

agentes usam os seus respectivos cargos e poderes para o benefício próprio ou de cúmplices.

Sabe-se que a eficiência e eficácia da Gestão Pública se estabilizam em políticas

públicas comprometidas com os anseios da comunidade, e para que se tornem conquistas reais

da coletividade, a ética deve estar acima das moralidades individuais, tanto dos funcionários

públicos quanto dos políticos eleitos, agentes responsáveis peça solidificação da Gestão

Pública.

Diante disso, Marinho (2012) ressalta que a ausência de ética se deve à falta de preparo

dos servidores, por uma cultura um tanto equivocada e também, por falta de mecanismos de

controle e responsabilização adequada dos atos antiéticos, ou seja, o sentimento de impunidade.

Neste contexto, a sociedade tem o dever de contribuir, exercendo os seus direitos

enquanto cidadãos, atuando de forma consciente, fiscalizando e cobrando uma governabilidade

eficaz, que trabalhe com lisura e rentidão. Para tanto, faz-se necessário estimular uma cultura

de exercício da cidadania. Para Milton Santos (2007), a cidadania "é como uma lei", isto é, ela

94

existe mas precisa ser descoberta, aprendida, utilizada e reclamada e só evolui através de

processos de luta.

Segundo Whitaker (2006), o Estado deveria ser o primeiro a ser o exemplo e evidenciar

atos ilícitos e punir os culpados. A mudança que deveria ocorrer na Gestão Pública implica em

uma mudança gradativa, mas que se faz muito necessária, não somente no Estado, mas também

dos servidores dentro da estrutura dos Órgãos Públicos, isto é, uma mudança de hábitos, valores

que se formam ao longo do tempo e criam estilos de atuação nas organizações.

Assim, pode-se dizer que a Gestão Pública, oriundas dos maiores poderes que regem a

sociedade, deveria ter princípios éticos intrínsecos na sua forma de agir, repassados e exigidos

dos agentes públicos, mantendo a reputação de honestidade, integridade e lealdade em todas as

suas atividades desenvolvidas, seja com seus clientes funcionários fornecedores e até

concorrentes, proporcionando qualidade nos serviços prestados de forma organizada,

sistemática e eficiente visando o bem social da população.

Princípios Constitucionais da Administração Pública

Diferentemente do gestor privado, que pode fazer tudo o que a lei não proíbe, a

Administração Pública, só pode fazer o que a lei permite. Segundo Alexandrino e Paulo (2008)

a administração pública não pode atuar contra a lei ou além da lei, somente pode agir segundo

a lei (a atividade administrativa não pode ser contra legem nem praeter legem, mas

apenas secundum legem). Diante disto, alguns princípios precisam ser observados na condução

das atividades.

Segundo Cretella Júnior (1995, p.6) princípio é “toda a proposição, pressuposto de um

sistema, que lhe garante a validade, legitimando-o”. Reale (1986, p.60) corrobora

Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de

garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos

relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios

certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências,

são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos,

como seus pressupostos necessários.

Na gestão pública os princípios constituem os fundamentos de validade da ação

administrativa e visam garantir uma administração correta na gestão dos negócios públicos,

visando o atendimento de bens e de serviços do interesse da coletividade.

95

Conforme disposto na Constituição Federativa do Brasil de 1988, no artigo 37

"a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência (...)".

Ressalta-se que além dos princípios explicitados no art. 37, há outros princípios que

estão expostos no mesmo artigo de forma implícita, como é o caso do princípio da supremacia

do interesse público sobre o privado, o da finalidade, o da razoabilidade e proporcionalidade

(SERESUELA, 2002). Para fins deste trabalho, nos deteremos nos princípios constitucionais

explícitos, ouse seja legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Princípios Constitucionais Explícitos

Princípio da Legalidade

A essência deste princípio fundamenta-se na submissão do Estado à lei, ou seja, não há

liberdade nem vontade pessoal, sendo a lei seu único e definitivo parâmetro. No cerne do

princípio da legalidade está a ideia de que “na relação administrativa, a vontade é a que decorre

da lei” (DI PIETRO, 2002 p. 61).

Desta forma, as ações praticadas em desobediência a tais parâmetros são atos inválidos

e podem ter sua invalidade decretada pela própria Administração que os haja editado

(autotutela administrativa) ou pelo Poder Judiciário (ALEXANDRINO; PAULO, 2008).

Neste Contexto, percebe-se que só é legítima a atividade do administrador público que

estiver de acordo com o disposto em lei, em oposição ao que ocorre com o particular, que pode

fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Lenza destaca que “confinar a atuação governamental

aos parâmetros da lei, editada pelos representantes do povo, é trazer segurança e estabilidade,

evitando-se, ainda, qualquer tipo de favoritismo por parte do legislador” (2011, p.1160).

Princípio da Impessoalidade

Segundo Seresuela (2002),

O princípio da impessoalidade pode ser definido como aquele que determina que os

atos realizados pela Administração Pública, ou por ela delegados, devam ser sempre

imputados ao ente ou órgão em nome do qual se realiza, e ainda destinados

genericamente à coletividade, sem consideração, para fins de privilegiamento ou da

imposição de situações restritivas, das características pessoais daqueles a quem

porventura se dirija.

96

Assim, o administrador público tem que ter uma atuação que vise apenas os

interesses públicos, não sendo permitido no exercício de suas funções, buscar ou deixar

prevalecer interesse privado ou de terceiros.

Para Menezes (2008), neste princípio cabe o entendimento de que os funcionários não

devem ser individualizados, a não ser para imputar ao mesmo falta ou responsabilizá-lo perante

a Administração Pública. Portanto pode-se dizer, que os administrados devem ser tratados sem

discriminações, benéficas ou detrimentos as sem favoritismo nem perseguição e que interesses

particulares não podem interferir na atuação administrativa.

Princípio da Moralidade

Para Cardozo apud Moraes (1999, p. 158):

Entende-se por princípio da moralidade, a nosso ver, aquele que determina que os atos

da Administração Pública devam estar inteiramente conformados aos padrões éticos

dominantes na sociedade para a gestão dos bens e interesses públicos, sob pena de

invalidade jurídica

Pode-se dizer portanto, que o objetivo deste princípio é o dever de honestidade por

parte do agente público, ligando-se aos conceitos de probidade, honestidade, lealdade, decoro

e boa-fé, não apenas respeitando os preceitos legais, mas também, zelando pelos interesses

da coletividade.

Na mesma linha Di Pietro (2002, p. 71) conclui “sempre que em matéria

administrativa se verificar que o comportamento da administração ou do administrador que

com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os

bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e equidade, a ideia

comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade”.

Princípio da Publicidade

O princípio da publicidade visa a manter a transparência dos gastos públicos, ou seja,

deixar claro para a sociedade ou para qualquer outro interessado sobre assuntos públicos,

comportamentos e decisões tomadas pelos agentes da Administração Pública (COSTA, 2015).

Assim, pode-se dizer que é dever da administração pública, dar publicidade aos atos

públicos além do fornecimento de informações solicitadas, salvo as hipóteses de sigilo

resguardadas pela lei.

97

Meirelles (2000, p. 89), conclui

A publicidade, como princípio da Administração Pública (CF, art. 37, caput), abrange

toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como,

também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa

publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em

andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários

e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer

interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas

submetidas aos órgãos competentes. Tudo isto é papel ou documento público que pode

ser examinado na repartição por qualquer interessado, e dele pode obter certidão ou

fotocópia autenticada para fins constitucionais.

Princípio da Eficiência

O princípio da eficiência foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19/1998, como

objetivo de buscar maior qualidade e produtividade dos serviços públicos prestados à sociedade.

Porém

Eficiência não é um conceito jurídico, mas econômico. Não qualifica normas, qualifica

atividades. Numa ideia muito geral, eficiência significa fazer acontecer com racionalidade, o

que implica medir os custos que a satisfação das necessidades públicas importam em relação

ao grau de utilidade alcançado (SERESUELA, 2002).

Discorrendo sobre o tema, Meirelles (2000, p. 90) afirma que:

O Princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com

presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função

administrativa, que já não se contenta em se desempenhar apenas com uma

legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório

atendimento as necessidades da comunidade e de seus membros.

Embora a Administração Pública não conviva com o ambiente de competitividade

comum à iniciativa privada, é seu dever prestar serviços de qualidade, já que cuida de setores

fundamentais para a coletividade. De acordo com Di Pietro (2002, p. 83) uma administração

eficiente pressupõe qualidade, presteza e resultados positivos, constituindo, em termos de

administração pública, um dever de mostrar rendimento funcional, perfeição e rapidez dos

interesses coletivos.

A importância ética enquanto elemento que perpassa os Princípios Administrativos da

Gestão Pública

98

A Carta Constitucional de 1988, propôs `a Administração Pública um modelo de gestão

mais eficaz e moralmente comprometida com o bem comum, ou seja, de acordo com os

princípios constitucionais elencados no artigo 37.

Porém, compreende-se que a ética deve perpassar todos os princípios estabelecidos para

que a função pública tenha êxito na sua finalidade última, de propor serviços eficazes que

atendam os anseios públicos.

Neste sentido é importante desenvolver uma consciência ética na gestão pública e na da

sociedade em geral, com o objetivo de mudar a cultura comportamental hoje arraigada na

sociedade, que aceita de forma costumeira e satisfatória atos ilícitos e práticas indevidas.

Pode-se afirmar que

para a retomada de uma postura ética e de administradores realmente comprometidos

com o bem estar da sociedade e progresso do País, é necessário conjugar-se as forças

do setor privado, do próprio Estado (Administração) e da sociedade civil, afim de que

cada um possa expressar seu pensamento sobre o tema, mostrem suas estratégias para

o efetivo controle da ética pública e divulguem as informações a todos os cidadãos

sobre as ações concretas desenvolvidas neste sentido. Inegável a importância do atual

momento da vida nacional e, assim sendo, o estudo da ética no serviço público e ainda

mais, o controle jurídico sobre esse comportamento, deve ser incrementado,

objetivando alcançar significativas melhorias no serviço público brasileiro, baseado

este nos agentes públicos, servidores públicos e nos agentes políticos. (CARVALHO,

2005).

Dessa forma, é importante despertar princípios democráticos e de cidadania, para que o

cidadão esteja apto a assumir qualquer função pública e exercer de forma consciente e plena os

seus direitos políticos, a fim de quebrar paradigmas estabelecidos em um sistema burocrático,

que por vezes, desvia de sua finalidade.

METODOLOGIA

A presente pesquisa é resultado do projeto de estágio I referente a conclusão do Curso

de Administração da URI – São Luiz Gonzaga. Por meio desta análise, busca-se evidenciar a

importância da ética na gestão pública.

O trabalho se propõe, quanto aos fins, seguir os parâmetros de uma pesquisa descritiva.

De acordo com Yin (2005), trata-se de uma forma de se fazer pesquisa investigativa de

fenômenos atuais dentro de seu contexto real, em situações em que as fronteiras entre o

fenômeno e o contexto não estão claramente estabelecidos. Corroborando com Yin, Vergara

99

(2003), afirma que, a pesquisa descritiva, pretende apenas descrever o fenômeno estudado e

não explicar o fenômeno, embora possa servir como base para tal explicação.

Quanto aos meios, este estudo enquadra-se como uma pesquisa bibliográfica. Segundo

Fonseca (2002), a pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas

já analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como: livros, artigos científicos,

páginas de web sites.

Pode-se dizer que este estudo apresenta-se como abordagem qualitativa, que é

evidenciada de acordo com Marconi e Lakatos (2010) como aquela que pode ser caracterizada

como uma tentativa de fazer a compreensão detalhada de significados. Sendo assim, na pesquisa

qualitativa, não houve a necessidade das opiniões serem mensuradas em variáveis estatísticas.

CONCLUSÕES

Compreende-se que a ética deve perpassar todos os princípios estabelecidos para que a

função pública tenha êxito. Neste sentido, é inegável a importância do controle jurídico,

administrativo e social sobre as práticas realizadas, como fiscalizador e norteador das normas

e ações, objetivando alcançar a sua finalidade última, de propor serviços eficazes que atendam

os anseios da população.

É importante despertar questionamentos em relação a postura ética da sociedade e de

seus administradores, pois este debate é profícuo para que se tenha uma construção coletiva

mais cidadã, que saiba estabelecer juízos diante do que é certo ou errado, o que é bem ou mal,

justo ou injusto, exercendo princípios éticos.

Sabe-se que a mudança ética que se almeja na Administração pública é gradativa, porém

necessária, e implica em uma transformação cultural dentro da estrutura organizacional da

Administração Pública, e da sociedade como um todo, através da reavaliação dos valores morais

e educacionais.

Destaca-se que em meio a tantos episódios de corrupção, existem pessoas muito éticas,

conscientes, qualificadas e preocupadas com o serviço público e com o bem comum, como em

qualquer outro ambiente profissional, não cabendo generalizações. No entanto, para que este

comportamento se propague é necessário que se invista em preparação e atualização dos agentes

públicos proporcionando-lhes condições de conhecer as melhores técnicas e os melhores meios

afim de que possam atingir a excelência no serviço prestado.

100

Por fim, através destas análises espera-se replicar debates e ações coerentes com o que

se almeja da sociedade dos administradores, cientes de que a mudança de postura é uma

construção coletiva, alicerçada primeiramente em ações individuais.

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102

ESCOLA E FAMÍLIA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Enedir Pinto Ramires25

Camila Campos26 Natiele Pimentel27

Lisianne Sabedra Ceolin28

RESUMO: O artigo busca, a partir de uma revisão bibliográfica, discutir o exercício do direito

à cidadania, garantido pelo Estado na Constituição de 1988, dentro do contexto escolar, bem

como formas com que a própria escola viola este direito quando não oferece os meios

necessários para que pais ou responsáveis possam colaborar diretamente nas decisões da

instituição. Inicialmente, será elaborada a concepção de exercício da cidadania no contexto

escolar, seguido de uma contextualização histórica do papel da família no processo de ensino

da criança, buscando perceber como foi construída a relação família-escola. Uma vez colocados

estes pressupostos, discutiremos a forma através da qual a escola acaba transgredindo o direito

à cidadania. Tal discussão será feita tendo em vista que a educação constitui-se de forma legal

como dever da família e da escola, e elas devem interagir de maneira a garantir os direitos da

criança no quesito educação, proporcionando suporte e apoio para o desenvolvimento pleno da

aprendizagem. Deste modo, emerge o exercício da cidadania como um elemento importante na

construção do sujeito, conhecedor de seus deveres e direitos, e transformador de sua realidade

mediante a reivindicação de suas garantias sociais. Por fim, perceberemos que quando a escola

não oferece uma proposta pedagógica que permita aos pais e responsáveis pelo aluno a

possibilidade de contribuir no processo escolar, limita a estes o direito à cidadania e falha em

uma das suas principais finalidades.

Palavras-Chaves: Cidadania, Família, Escola.

INTRODUÇÃO

O direito à cidadania é garantido na Carta Magna de 1988 (art. 1º, II) e o exercício deste

direito ecoa nas mais diversas instituições e esferas da sociedade, inclusive na relação entre a

escola e a família. Na mesma esteira, nossa, nossa legislação indica que a educação tem como

25 Universidade Federal do Pampa; São Borja, RS; E-mail: [email protected] 26 Universidade Federal do Pampa; São Borja, RS; E-mail: [email protected] 27 Universidade Federal do Pampa; São Borja, RS; E-mail: [email protected] 28 Professora da Universidade Federal do Pampa; São Borja, RS; E-mail: [email protected]

103

uma de suas finalidades justamente o exercício da cidadania. Ao mesmo tempo em que

cidadania e educação são direitos garantidos, cabe a família e ao Estado, representado pela

escola, o dever de interagir no intuito de garantir o direito da criança no quesito educação,

proporcionando suporte e apoio para o desenvolvimento pleno da aprendizagem (BRASIL,

1988). Essa dinâmica entre as instituições pode ser caracterizada como o exercício da cidadania,

e se a escola acabar por usurpar ou negligenciar os meios para a participação da família, estará

transgredindo o direito garantido nos textos legais e privando os pais, responsáveis e os alunos

de um aprendizado mais rico e dinâmico.

Desta forma, o presente artigo buscará, num primeiro momento, definir o conceito de

cidadania e procurar entender sua aplicação nas relações entre escola e família. Na sequência,

haverá uma breve contextualização histórica da participação da família no processo de ensino

da criança, com a finalidade de demonstrar que a instituição possui um peso histórico na

formação do indivíduo e que, apesar das transformações ocorridas nas sociedades nos últimos

séculos, ainda hoje pais e responsáveis devem ser considerados como agentes participantes da

educação do aluno. Por fim, discutiremos as formas com que a escola, ainda que de forma

involuntária, acaba transgredindo o direito ao exercício da cidadania garantidos aos cidadãos

ao não considerar os pais ou responsáveis dos alunos como elemento ativo nos processos de

ensino e de aprendizagem.

Portanto, o objetivo desse trabalho é conceituar, analisar e problematizar o exercício da

cidadania dentro do ambiente escolar, especificamente nas dinâmicas estabelecidas entre a

escola e pais ou responsáveis dos alunos.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada para delinear este artigo é resultado preliminar de pesquisa

bibliográfica. Trata-se de pesquisa qualitativa, pois se utiliza de informações disponíveis em

banco de dados que serão interpretadas, explicadas e compreendidas a partir de um determinado

referencial teórico. Quanto ao gênero, é uma pesquisa empírica, que segundo Demo (2000)

busca tratar e analisar dados de uma determinada realidade. No que pertine às fontes, esta

pesquisa utilizar-se-á da pesquisa e análise documental, que segundo Gil (2002) se caracteriza

por análises a partir de informações ainda não publicadas, que não receberam tratamento

analítico.

104

A construção do referencial teórico gira em torno de temas de políticas educacionais e

sociologia da educação. Também lança mão de coleta de informações, mediante aplicação de

formulário semiestruturado, sobre a disposição dos professores e coordenação escolar de

trabalhar a construção do Projeto Político de Curso (PPP) da escola em conjunto com as

famílias, nas séries do ensino fundamental II, em escola de ensino fundamental de São Borja.

Através de análise de PPP da escola pesquisada e documentos públicos disponibilizados, serão

levantadas informações sobre políticas adotadas pelas gestões escolares quanto ao

desenvolvimento de cooperação entre família e escola nos processos de ensino e de

aprendizagem dos alunos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A cidadania construída entre a escola e a família

A cidadania está ligada à luta pelos direitos políticos, pela liberdade e também por

melhores garantias individuais e coletivas. Ser cidadão é aquele indivíduo que pensa e participa

da sociedade na qual ele está inserido. Mas como as pessoas passam a ter consciência dos seus

direitos e de seus deveres? Através da educação, que é a via fundamental para a formação de

um indivíduo comprometido com a sociedade na qual ele convive.

A gênese da palavra cidadania vem do latim civitas, que significa cidade. Na Roma

antiga, cidadania servia para indicar a situação política das pessoas e os direitos que possuíam

ou poderiam exercer; portanto, nos remete a ideia de participação do indivíduo em uma

comunidade, onde lhe são outorgados direitos e deveres. Segundo Dalmo Dallari:

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de

participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está

marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa

posição de inferioridade dentro do grupo social. (1998, p. 14)

Percebe-se, assim, que a cidadania está diretamente vinculada com a relação entre a

população e o direito de participar nas decisões administrativas do Estado, estabelecendo

vínculo com os direitos das mais diversas ordens. Cabe recordar que o Brasil viveu épocas de

forte autoritarismo, onde a política era centralizada nos interesses de poucas pessoas; entretanto,

quando a Constituição foi promulgada, em 1988, o exercício da cidadania se tornou presente,

constando em muitos artigos da Lei Fundamental. Conforme a CF/88, em seu artigo 5º,

verificamos que:

105

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]

conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora

torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas

inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; [...] são gratuitas as ações de

"habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício

da cidadania. (BRASIL, 1988)

Como se percebe pelo texto da Carta Magna, cidadão é aquele indivíduo a quem a

mesma alcança direitos e garantias, e proporciona condições de efetivar seu exercício sem

constrangimentos, além de remédios funcionais contra a violação de seu gozo ou usufruto por

parte Estado. Na sequência do texto constitucional, no artigo 6º, da Lex Fundamentalis de 1988,

é declarado que

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL,

1988, grifo nosso)

Percebemos logo que a educação constitui-se como elemento fundamental dentro das

garantias do cidadão brasileiro. Tendo isto em vista, encontramos em outro dispositivo legal,

na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, em seu Artigo 2º, a declaração de que a educação

“tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho”, além de estabelecer como uma das finalidades da

educação básica o desenvolvimento do educando, assegurando-lhe “a formação comum

indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e

em estudos posteriores” (Art. 22).

Ocorre que dentre as novas orientações legais estabelecidas, inclusive da LDB, não há

de forma clara e objetiva a maneira como se dará esse alcance e formação efetiva da cidadania

dentro do sistema escolar. Neste sentido, a posição de Machado:

[...] as possibilidades de construção efetiva da cidadania, mediante o tempo e o espaço

privilegiado da educação escolar, decorrerão muito mais da política educacional

concreta e ser desenhada em cada sistema de ensino e das próprias escolas que do

impacto direto e efetivo dos novos dispositivos. (MACHADO, 1998)

Importante reconhecer que a realidade escolar se estabelece de forma dinâmica, com as

interações aluno-professor, professor-escola e escola-aluno, constituindo-se de forma dialética,

106

onde marcas, resistências e tensões fazem-se presentes, assim como há uma convivência

colaborativa e sistemática visando a construção dos indivíduos como sujeitos de direito. A

cidadania se efetivará através da colaboração entre professor, aluno, escola e inclusive a

comunidade local. Conforme afirma Machado, não devemos crer que

[...] é possível supor uma correspondência linear entre a prescrição legal e a

preparação para a cidadania, da mesma forma que não é válido supor uma relação

causal perfeita entre o que a escola ensina, ou pensa que ensina, e o que os alunos

aprendem. E esta diferença não expressa simplesmente deficiências de aprendizagem

decorrentes de falta de interesse, de problemas de comportamento e carências da parte

dos alunos, ou da ineficiência da escola e incompetência dos professores, antes é a

expressão de uma multiplicidade de fatores presentes e atuantes no processo

educativo. (MACHADO, 1998)

Pensar em cidadania é pensar em aprendizagem como condição fundamental. Uma

escola que não proporciona aos seus alunos as ferramentas básicas do conhecimento e da cultura

não poderá jamais intitular-se como escola cidadã (NOVOA, 2006). Nesta mesma linha de

pensamento, acrescenta Antonio Novoa ao colocar que

[...] é preciso instaurar a escola como sociedade, como lugar do trabalho conjunto,

como lugar do diálogo e da comunicação, como espaço de segurança, como uma

sociedade na qual as crianças prefiguram e praticam uma vida futura. [...] Na escola,

a cidadania faz-se no dia-a-dia, exerce-se, pratica-se, dá-se mal com um discurso

gongórico ou doutrinário. (NOVOA, 2006)

A vivência escolar, por possuir características tão intensas e dinâmicas, não poderia ser

resumida e suas ações limitadas ou delineadas tão somente aos termos das leis (MACHADO,

1998). Compreender estes fatores é de extrema importância para não cair no erro de imaginar

que a mera existência de legislação poderá definir como a construção da cidadania se efetivará

no seio escolar.

Da família à escola: a partilha de responsabilidades

Para uma melhor compreensão do papel da família no processo de aprendizagem do

aluno dentro de nossa sociedade contemporânea, é vital explorarmos, primeiramente, ainda que

de forma breve, a estruturação da família e sua participação no processo de aprendizado da

criança nos últimos séculos.

Segundo Philippe Aries (1978), a sociedade tradicional da Idade Média via a criança

como um adulto em miniatura e não possuíam a visão sobre adolescência tampouco a

consciência sobre família como possuímos nos dias de hoje. A aprendizagem da criança era

pela convivência com adultos e elas aprendiam por ajudar nas tarefas domésticas, ou seja, elas

107

eram misturadas aos adultos. Essa família antiga tinha por missão preservar a honra, conservar

os bens e praticar um ofício. Neste período, os pais não participavam propriamente da educação

dos seus filhos, mas sim os filhos de outros pais. Não tinham função afetiva; essa função se

dava por meio da interação com festas, encontros e visitas.

Aries (1978, p. 225) aponta que “[...] a família transformou-se profundamente na medida

em que modificou suas relações internas com as crianças”, desenvolvendo um relacionamento

mais íntimo e preocupação com seu desenvolvimento. A partir de meados do século 17, período

que marca o início da Idade Moderna, a escola substituiu o método de ensino caseiro, para

separar crianças de adultos e possibilitar que convivessem em um ambiente escolar. Mas essa

separação só foi possível com cumplicidade sentimental das famílias. Essa afeição

proporcionou algo que não existia antes; é nesse momento que a família começa a se interessar

pela educação do filho. Nesse contexto, podemos identificar claramente que não é de hoje que

se fala na importância da participação família na aprendizagem; isso se deu no começo da idade

moderna, onde a concepção sobre infância e a criança teve papel importantíssimo e

revolucionou a maneira de pensar naquela época, mudando toda uma tradição familiar a partir

do momento em que a escola substitui aquele ensino em casa passado de pessoas mais velhas

aos mais novos.

No percurso do período moderno, a família sofreu grandes mudanças; transformações

essas alavancadas pelo processo de industrialização e inclusive com o ingresso acentuado da

mulher ao mercado de trabalho. Assim, o Estado, através da instituição escolar, assume função

na educação da criança. As mudanças ocorridas em nossa sociedade trouxeram uma partilha de

responsabilidades. Hoje não é mais a família a única responsável pelo desenvolvimento escolar

da criança. De acordo com o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de

13 de julho de 1990:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público

assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde,

à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (Brasil,

1990)

Assim, a educação constitui-se na forma legal como dever da família e da escola e elas

devem interagir de maneira a garantir os direitos da criança em termos de educação,

proporcionando suporte e apoio para o desenvolvimento pleno da aprendizagem.

108

O direito à cidadania sob ameaça

Já nos era apontado pelo sociólogo estruturalista Talcott Parsons a família como

instituição de fundamental importância na constituição da sociedade, que a considerava como

primeira instituição socializadora da criança, porém não suficiente, sendo necessária a

participação da segunda instituição neste processo socializatório do indivíduo: a escola.

(PARSONS E BALES apud BRUSCHINI, 1989, p. 1-2).

No âmbito jurídico, a Constituição Brasileira de 1988 estabelece, em seu artigo 205, que

a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família”, apontando de forma indireta a

existência de uma relação escola-família, visto que a instituição escolar é o equipamento

disposto pelo Estado para garantia deste direito. Ora, a partir deste entendimento podemos

questionar se o Estado, na figura da escola, tem sido competente da função de garantir ao

indivíduo o pleno acesso ao direito de cidadania e educação ou se negligencia esta

responsabilidade ao limitar o acesso da família no processo de educação ao não explicitar, seja

na forma de lei ou de diretriz pedagógica, a forma em que a instituição familiar cumprirá seu

dever na garantia do direito do aluno.

Oportuno colocar em perspectiva que os cidadãos analfabetos, ou com escolaridade

mínima, tiveram em seu passado um direito transgredido por não poder frequentar uma

instituição escolar pelo tempo adequado e, uma vez privados dessa garantia, perderam uma

ferramenta importantíssima que é o acesso ao saber sistematizado. Os indivíduos que passam

pelo sistema escolar completo, em tese, exercem melhor suas cidadanias, visto que possuem

melhores condições de realizar e defender suas garantias individuais. Doutra forma, a educação

escolar é o fundamento constitutivo na formação do indivíduo, e faz-se presente igualmente na

luta rotineira dos cidadãos por direitos individuais e coletivos. E é também nesta luta que se

aprende sobre a cidadania como sendo o compromisso e respeito pelos direitos de outras

pessoas, portanto, com seus deveres.

De acordo com Malavazi (2000, p. 258), família e instituição de ensino estão trocando

de papéis, posto que a escola está cada vez mais se preocupando com normas de condutas das

crianças e a família se ocupando do ensino de seus filhos, mas “[...] algumas atribuições são

específicas da família que tem o direito de reivindicá-las para si, enquanto outras cabem a escola

que, pela sua natureza, poderá ocupar-se melhor delas”.

109

Para os pais, uma vez que lhe é restrito o espaço de participação no contexto

educacional, desenvolve-se a concepção de que a escola é o lugar onde se educa e ensina.

Conforme destaca Malavazi, os pais:

Pensam e atribuem à escola este papel por se sentirem impossibilitados, por vários

motivos, para ocupar-se dela mas também por acreditarem, indiscutivelmente, que na

escola estão reunidas várias condições e pessoas que lhes garantem o cumprimento de

tal objetivo. (Malavazi, 2000, p. 263)

A escola, por sua vez, em muitos casos, não realiza esforços suficientes para

trazer os pais para o seu interior, e limita-se a algumas reuniões formais. Não há empenho

inclusive de que os pais entendam o Projeto Político Pedagógico da escola. Malavazi observa

que são

[...] raras as palestras, os encontros para troca de ideias a respeito da estruturação a

organização do trabalho pedagógico” e inclusive questiona se o “número reduzido de

pais que comparecem aos encontros marcados pela escola não estaria ligado aos raros

convites feitos a eles? (Malavazi, 2000, p. 47)

Quando a escola não oferece uma proposta pedagógica que permita aos pais e

responsáveis pelo aluno a possibilidade de contribuir no processo escolar, limitam o direito à

cidadania – o direito de participar das decisões administrativas da escola – da família. Também

perde-se uma incrível possibilidade de troca de saberes, visto que os pais e responsáveis podem

partilhar suas experiências de vida, principalmente no âmbito do trabalho, bem como

oxigenarem seu arcabouço de conhecimento sistematizado permanecendo sempre atualizados

sobre as diretrizes educacionais. Uma família mais presente na escola também possibilita

conscientização e colaboração maior dos pais e responsáveis do aluno no processo de ensino-

aprendizagem.

CONCLUSÕES

Infere-se que a cidadania é um elemento importante na construção do sujeito,

conhecedor de seus deveres e direitos, e transformador de sua realidade mediante a

reivindicação de suas garantias sociais. A escola participa como instituição formadora do

cidadão, responsável pelo ensino dos conhecimentos sistematizados e construtora da identidade

cidadã de cada aluno, porém sem perder de vista que a família é agente participativo nos

processos de ensino e de aprendizagem, que embora não domine os conceitos pedagógicos,

possui uma gama de saberes práticos que podem contribuir e enriquecer o ambiente escolar.

110

Para que esta relação se estabeleça de forma plena, e que a cidadania seja alcançada a todos,

torna-se urgente que a escola não fique presa a retórica das legislações, com meras práticas

discursivas, mas que estabeleça uma abordagem pragmática, de efetivação do indivíduo como

cidadão pleno, consciente de si e do mundo que o cerca. Se a escola não possui uma política de

estímulo e um programa que permita aos pais e responsáveis pelo aluno a possibilidade de

contribuir no processo escolar, limita a estes o direito à cidadania e lamentavelmente falha em

uma das suas principais finalidades.

Por fim, ainda que de forma preliminar (a pesquisa se encontra em andamento) e

considerando a importância de uma interação maior entre escola e família, podemos apontar

como ponto de partida as seguintes ações pedagógicas para efetivar o direito constitucional

garantido a família no processo de ensino: 1) Realizar anualmente reunião com pais ou

responsáveis para discutir alterações ou construção do Projeto Político Pedagógico da escola;

2) Desenvolver atividade mensal, preferencialmente em um final de semana, oficinas em que

os pais possam vir a escola para participar de aulas temáticas e interdisciplinares, aplicadas

pelos alunos ou mesmo pelos pais que se acharem aptos, sob tutela de um ou mais professor

regente. 3) Fomentar a participação das famílias mediante festas temáticas na escola em data

festivas ou elaborar um calendário próprio de atividades festivas visando a integração e

socialização dos saberes.

Esta colaboração sadia entre as instituições irá permitir a formação de cidadãos

conscientes e participativos nas demandas da sociedade pois desde o princípio serão

estimulados a contribuir e dividir as responsabilidades na formação do aluno, efetivando o

direito ao exercício da cidadania.

REFERÊNCIAS

ARIÉS, Philipe. A família. In: _______. História social da criança e da família. Rio de

Janeiro: Zahar Editores, 1978. Cap. 3.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de Outubro de

1988. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

________. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 27 jun. 2017.

111

________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 8. ed. Brasília,

DF: Edições Câmara, 2013b. Disponível em: http://

bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/ldb_5ed.pdf. Acesso em: 27 jun. 2017.

BRUSCHINI, Cristina. Uma abordagem sociológica de família.Revista brasileira de estudos

da população, São Paulo, v.6 n.1 p.1-23, jan./jun.1989

DALLARI, D. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14

DEMO, P. Metodologia do Conhecimento Científico. São Paulo: Atlas, 2000

GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002

MACHADO, L. M.. A nova LDB e a construção da cidadania. In: Carmem Silvia Bissoli da

Silva; Lourdes Marcelino Machado. (Org.). Nova LDB: trajetória para a cidadania. 1ed.São

Paulo: Arte & Ciência, 1998, v. 1, p. 93-104.

MALAVAZI, Maria Márcia Sigrist. Os pais e a vida escolar dos filhos. 2000. 320 p. Tese

(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, 2000.

NOGUEIRA, M. A. Relação família-escola: novo objeto na sociologia da educação. Paidéia

(Ribeirão Preto), v. 8, p. 91-103, 1998.

NÓVOA, António. A Escola e a Cidadania – Apontamentos incómodos. In R. d’Espiney

(Org.). Espaços e Sujeitos de Cidadania. Setúbal: Instituto das Comunidades Educativas, 2006,

pp. 21-40.

112

UMA CONTRIBUIÇÃO DE NIETZCHE À FILOSOFIA MORAL: a hipótese do eterno

retorno do mesmo como imperativo de avaliação das ações

Lucas Giovan Gomes Acosta29

RESUMO: Neste presente artigo, analisa-se a doutrina do eterno retorno do mesmo como

hipótese avaliativa das ações morais. Nietzsche, ao propor o pensamento da eterna recorrência

como o mais pesado dos pesos estaria vislumbrando um critério formal para toda ação possível,

de maneira análoga ao imperativo kantiano. Ao olhar para esse último, poder-se-á desenvolver

o pensamento de Nietzsche como contribuição a filosofia moral, especialmente porque o

filósofo formulou a doutrina da eterna recorrência contra o kantismo. Logo, esse pensamento

apresenta-se como nada além de um pálido reflexo do imperativo categórico. A formulação

nietzschiana da doutrina do eterno retorno do mesmo envolve um duplo aspecto: i) a versão

cosmológica da eterna recorrência e ii) a versão ética do eterno retorno do mesmo. A versão

cosmológica relevou as consequências da visão científica do mundo, iniciando com a

formulação das ciências modernas que conduziram ao insight de que a vida é impossível no

interior da compreensão de mundo das ciências naturais e modernas. As ciências modernas

distanciaram o homem da essência criativa da natureza, quanto dos seus corpos vivos. Mas, e o

outro lado, a questão da moralidade? Já que tanto a filosofia teórica quanto a prática são

platônicas em seus conteúdos e separação, a versão ética do eterno do mesmo deveria ser capaz

de fornecer uma compreensão da moralidade moderna, uma interpretação ética. Discute-se em

que consistem as discussões que ocorrem em torno do pensamento de Nietzsche, e em

específico, no que se refere ao pensamento do eterno retorno. Em especial, o caráter profundo

acerca da complexidade da temática nietzschiana do eterno retorno como método avaliativo das

ações.

Palavras-Chaves: Nietzsche, Kant, eterno retorno do mesmo, moral.

INTRODUÇÃO

Dentre os clássicos da filosofia moderna, Nietzsche talvez seja o pensador mais

cáustico, questionador, incômodo e provocativo. Como destaca Giacóia (2000) sua vocação

crítica cortante o levou ao submundo de nossa civilização, “[...] sua inflexível honestidade

intelectual denunciou a mesquinhez e a trapaça ocultas em nossos valores mais elevados,

29Mestrando em Filosofia (bolsista CAPES); pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Porto

Alegre, Rio Grande do Sul; [email protected]

113

dissimuladas em nossas convicções mais firmes, renegadas em nossas mais sublimes

esperanças” (p. 6). Essa atitude deriva do que Nietzsche entendia por filosofia.

A propósito disso, as reações que se sucedem daqueles que o leem vão desde a repulsa

pura e simplista, até o encantamento ante a beleza de alguns trechos. No Ecce homo escreve

acerca dos seus leitores: “Quem sabe respirar o ar de meus escritos sabe que é um ar das alturas,

um ar forte. É preciso ser feito para ele, senão há o perigo nada pequeno de se resfriar” (EH/EH,

Prólogo, 2, PCS). Nietzsche compreende o ato de filosofar como um exercício de liberdade que

se enraíza na vida.

Conhecido por sua mordacidade, eloquência e por seu compromisso pela autenticidade

da reflexão que exige vigilância crítica e permanente de modo a denunciar qualquer

mistificação da intelectualidade, colocou em suspeita grandes pressupostos e ideais que, durante

milênios, determinaram o curso da tradição filosófico ocidental. A saber, a bipartição metafísica

do mundo em um mundo real e mundo aparente, a religião, a moral, o conhecimento, a verdade,

a cultura, e até mesmo, a filosofia. Para tanto, não poupou nenhum dos nossos mais acalentados

artigos de fé. “O destino da cultura, o futuro do ser humano na história, sempre foi sua obsessiva

preocupação. Por causa dela, submeteu à crítica todos os domínios vitais de nossa civilização

ocidental [...]” (GIACOIA, 2000, p.6).

Podemos tentar indagar conforme Fink (1983) que Nietzsche é uma das maiores figuras

vitais na história das ideias do Ocidente, um ser fatídico que nos obriga a tomar decisões finais,

um formidável ponto de interrogação no caminho percorrido até agora pelo homem europeu,

determinado pela herança da Antiguidade e por dois milênios de cristianismo. Nietzsche é um

dos grandes mestres da suspeita, que denuncia a moralidade e a política moderna como

transformação vulgarizada de antigos valores metafísicos e religiosos, numa conjuração

subterrânea que conduz ao amesquinhamento das condições nas quais se desenvolve a vida

social. É um dos mais intransigentes críticos do nivelamento e da massificação da humanidade

É impossível se colocar à altura dos principais temas e questões de nosso tempo sem

entender o pensamento de Nietzsche. Ateísta radical, ele atribui ao homem a tarefa de se

reapropriar de sua essência e definir as metas de seu destino. Nesse sentido, Nietzsche é o

pensador de nossas angústias, que não poupou nenhuma certeza estabelecida. A despeito de sua

visão sombria, o filósofo tentou ser, ao mesmo tempo, um arauto de novas esperanças. Sua

mensagem definitiva — a criação de novos valores, a instituição de novas metas para a aventura

humana na história — é também um cântico de alegria.

114

A partir de um dos seus pensamentos mais complexos e de difícil apreensão – a doutrina

do eterno retorno do mesmo - busca-se evidenciar sua contribuição à filosofia moral. Para tanto,

o presente trabalho consiste em lançar mão da doutrina do eterno retorno do mesmo como

hipótese cosmológica e ético-existencial de avaliação das ações morais.

O pensamento do eterno retorno do mesmo, sem dúvida nenhuma é o pensamento mais

difícil do universo nietzschiano de reflexão, é quase sempre qualificado por Nietzsche de

“doutrina”, isto é, aparece como objeto de ensino de Zaratustra. Aparece explicitamente no

texto de a Gaia Ciência, na seção 341 “O maior dos pesos”. Ao apresentar o pensamento da

eterna recorrência – não apenas a forma cosmológica, mas também a forma ética existencial -

como o mais negro e mais pesado, Nietzsche, nos prescreve fundamentalmente um método

avaliativo que visa avaliar as condutas humanas. Isso significa que, em vez de dizer que

qualquer coisa que eu faça é apenas uma repetição de algo que farei infinitas vezes, vejo que

qualquer coisa que eu faça agora farei repetidamente por toda a eternidade. É por isso que esse

pensamento coloca agora o maior dos pesos. É nesse viés, que o pensamento da eterna

recorrência nos forneceria um critério formal para toda a ação possível, de uma maneira análoga

ao imperativo kantiano, fomentando assim a possibilidade de se vislumbrar uma moral trágica.

Enquanto crítico-genealogista da moral, como nos afirma Araldi (2008), Nietzsche

coloca sob suspeita a crença em toda a moral. Ao revelar as fundações, o filósofo destrói o que

se sustenta sobre elas. Eis o trabalho do filósofo das profundezas e a parte destrutiva da Filosofia

de Nietzsche. Há também a parte construtiva: forjar uma nova moralidade sem recorrer a

qualquer fundamento metafísico. Nietzsche toma a moralidade como um problema filosófico e

não apenas como o ponto a partir do qual se discutem problemas. Como destaca Fonseca (2010),

não mais o conteúdo da moralidade, mas a própria ideia de uma moralidade é um problema

filosófico.

Ao criticar a moralidade, ao fazer ruir o antigo edifício, Nietzsche nos remete a

moralidades possíveis, por exemplo, a moralidade trágica que não se baseia em algo como

“Deus, virtude, verdade, justiça, amor ao próximo” (A, prólogo, 4), mas que afirma a vida e sua

inevitável dualidade, estando para além do bem e do mal. Dito de outra maneira, uma

moralidade de um imoralista. Ao se dizer um imoralista, Nietzsche não está dizendo que não

tem moral, que é um amoral, ao contrário, ele está dizendo que não segue a moralidade vigente.

Eis o problema com a qual nos deparamos: i) Qual moralidade pode ser seguida por um

imoralista? ii) Que critérios Nietzsche utiliza para avaliar os valores morais? Cogita-se a

possibilidade de encontrar essa resposta no eterno retorno do mesmo como imperativo prático,

115

no entanto: seria possível tomar o Eterno retorno do mesmo um método de avaliação moral das

ações? Com essa ideia, nos possibilitaria Nietzsche, vislumbrar sua pretensão de superar a

moralidade vigente, tendo como fio condutor a “face ética” do eterno retorno do mesmo; um

método que, na forma de imperativo prático, proporcionaria avaliar o nosso agir?

Nietzsche como filósofo da moralidade: a descrição da fraqueza e a prescrição de uma

moral aristocrática

Friedrich Nietzsche teve na questão da moral seu principal tema, abordando os valores

morais e sua influência na vida humana. Contudo, não é mais um entre tantos filósofos a buscar

constituir atitudes que se estabeleceriam como corretas e assim propiciar o bem viver a todos;

sua filosofia tampouco visa conduzir o homem à virtude e ao bem comum.

A partir do ponto de vista adotado por este trabalho, as contribuições de Nietzsche à

filosofia moral apresentam algumas vantagens em relação a outras teorias morais. Eis a primeira

delas: Nietzsche compreende que os seres humanos não devem ser descritos apenas de uma

única forma, ao contrário, critica a pretensão que se tem em dizer que o homem deve ser assim

ou assim. “[...] que ingenuidade é dizer ‘assim e assim deveria ser o homem’” (CI, A moral

como antinatureza, §6). Segundo Fonseca (2010), existe consequências nefastas não apenas

para o indivíduo, mas por extensão a toda humanidade dizer que o ser humano deveria ser “so

und so”. Consequências que consistem, basicamente, em eliminar o que é peculiar a cada

indivíduo e, ao homogeneizar e domesticá-los, torná-los previsíveis e, por isso, confiáveis.

Nietzsche descreve a maioria dos seres humanos como fundamentalmente fracos, para

ele a exigência da criação de valores para esses seres humanos enfraquecidos que anseiam em

se tornarem o que não são é uma ideia insuportável, insustentável. Para tanto, prescreve uma

moral aristocrática que pressupõe a desigualdade, a hierarquia entre os seres humanos, que os

exorta a serem criadores de seus próprios valores. Em Para Além do Bem e do Mal, enfatiza “A

elevação maior do tipo ‘homem’ foi até agora obra de uma sociedade aristocrática. Parece que

assim será sempre. Por se tratar de uma sociedade que acredita numa longa escala de hierarquias

e diferenças de valor de homem para homem” (BM, Que é aristocrático? §257). Nietzsche

compreende assim, o homem aristocrático como a “fera” mais completa.

Entretanto, cabe ressaltar que há diferenças no Übermensch – Além – do - homem – o

tipo ideal nietzschiano e quem os seres humanos em geral podem vir a ser. No campo da

moralidade, pode-se dizer que o dever-ser está limitado pelo ser. A fraqueza não deve

116

necessariamente ser superada. Pois, Nietzsche reconhece que os seres humanos são diferentes

e todos devem tornar-se o que são, ou seja, não se vislumbra melhorar os seres humanos por

meio do que os outros desejam que sejam. O dever-ser pode tornar o homem confiável, mas

enfraquecê-lo, enfraquecer a sua própria existência. Em um fragmento póstumo da primavera-

outono de 1881, lê-se o seguinte:

Minha doutrina diz: a tarefa consiste em viver de tal modo que queiras viver

novamente... Em quem a aspiração desperta o sentimento mais elevado, que aspire;

em quem o descanso desperta o sentimento mais elevado, que descanse; em quem a

ordem, a continuidade e a obediência despertam o sentimento mais elevado, que

obedeça. Que ele se torne consciente do que lhe desperta o mais elevado sentimento

e não evite meios!..(Apud, FONSECA, 2010, p. 37).

Nietzsche, então nos prescreve a questão fundamental de sua filosofia: ser criador de

valores de seus próprios valores e, assim, tornar-se quem se é. O homem criador é o homem

livre, pois, é somente na plena realização de sua liberdade que o criador pode criar. Em outras

palavras, há criação onde há liberdade. O exercício de liberdade é o que torna o homem criador,

entretanto, nem sempre é alcançável por todos os homens, pois, não basta dizer ao homem tu

és livre para que este se torne realmente livre e criador.

A culpa não é da liberdade se muitos homens não podem exercitá-la, a culpa é do homem

que a teme, pois, quem teme a liberdade não pode ser criador. Para tanto, Nietzsche compreende

que a primeira libertação do homem consiste em libertar-se a si mesmo, há uma intensa luta

dentro de nós mesmos, é preciso travar essa luta contra todos os nossos próprios demônios. Em

Assim falou Zaratustra, Nietzsche introduz os discursos Das Três Transformações que nos

possibilitam vislumbrar esse grande ato de liberdade do homem, essa liberdade criadora, esse

querer criador. Mas para isso é fundamental que o homem saia da dependência para a

independência e do niilismo passivo ao ativo, isto é, para a criação.

Criar novos valores [...] Para criar para si mesmo a liberdade e dar um sagrado não ao

dever [...], assumir o direito de novos valores – é o mais formidável dos pressupostos,

para a suportação e a reverência de um espírito. [...] Sim, é preciso um sagrado Sim,

meus irmãos, para o jogo da criação: o espírito quer agora a sua vontade, aquele que

se apartou do mundo quer conquistar agora o seu mundo. Nomeei-vos três

transformações do espírito: como o espírito tornou-se um camelo, o camelo um leão,

e o leão, por fim, uma criança (ZA I “Das Três Transformações”).

É claro que o conteúdo desses valores depende de cada agente. Há diversas passagens

no Assim falou Zaratustra em que Nietzsche afirma que os seres humanos devem ser criadores

117

de seus próprios valores. A saber, na segunda parte de a “Da virtude dadivosa” Nietzsche

discursa aos seus discípulos “Que o vosso espírito e a vossa virtude sejam devotados ao sentido

da terra, meus irmãos: deixai que o valor possa ser determinado novamente por vós. Vós deveis,

portanto, ser lutadores! E assim sereis criadores” (ZA I “Da virtude dadivosa”). É importante

ressaltar que, Zaratustra está prestes a partir sozinho, como deseja, quando fala a seus

seguidores; pela boca da personagem30, Nietzsche nos ensina como deseja ser lido e

compreendido. Segundo Fonseca (2010) dois aspectos fundamentais podem ser vislumbrados

na fala de Zaratustra/Nietzsche: 1) Zaratustra/Nietzsche não quer discípulos, mas

companheiros. 2) Seus companheiros devem ser criadores de valores.

Ao desejar companheiros, Zaratustra, busca, portanto, interlocutores, e não seguidores.

Zaratustra não é uma muleta, não é sustentação, não é apoio para alguém. “Segure-se em mim

quem puder! Mas não sou a vossa muleta” (ZA I “Do Pálido Criminoso”). Cada um deve ser

forte o suficiente para suportar a si mesmo e para suportar ser criador de seus próprios valores

morais. A exigência para a criação de nossos próprios valores morais não significa que devemos

estar em busca constante de novos valores, mas que podemos adotar como nossos os valores

que aprendemos com os outros. Logo, criar valores não significa apenas inventar novos valores

morais. Mas antes, significa, igualmente, tomar valores para si e tornar-se quem se é.

Nietzsche com isso não assume uma postura apenas de elogio diante de todos os valores

morais criados pelo homem. Ao contrário, Sócrates, por exemplo, enquanto criador de valores,

é amplamente criticado por Nietzsche31. O elogio de Nietzsche se dirige a todos os criadores de

valores que servem ao sentido da Terra, de afirmação e enaltecimento da vida.

A segunda vantagem que conseguimos vislumbrar em Nietzsche consiste na

interpretação da ideia do eterno retorno do mesmo como um possível critério de avaliação das

ações morais. Acerca do eterno retorno Nietzsche explicita em Ecce Homo:

A doutrina do “eterno retorno”, ou seja, do ciclo absoluto e infinitamente repetido de

todas as coisas – essa doutrina de Zaratustra poderia afinal ter sido ensinada também

por Heráclito. Ao menos encontram-se traços dela no estoicismo, que herdou de

Heráclito quase todas as suas ideias fundamentais (EH/EH “O nascimento da

tragédia”, § 3).

30 Refiro-me ao último discurso da primeira parte em Assim falou Zaratustra. 31 Ver: FONSECA, Ana Carolina da Costa e. “Os dois sentidos da crítica nietzschiana: Sócrates como um caso

exemplar”. Revista Veritas, Porto Alegre, v. 57, nº1, Jan/Abr. 2012.

118

A vantagem do critério nietzschiano de avaliação moral das ações consiste no fato de

que esse critério não é o mesmo para todos os indivíduos. O que é possível vislumbrar como

sugestão comum a todos nós a despeito dessa avaliação é o fato de que devemos avaliar as

nossas ações tomando como critério de atribuição moral a ideia de viver a mesma vida uma

infinidade de vezes possíveis, e assim realizar as mesmas ações infinitas vezes, tal concepção

é adotada como critério moral das ações. Porque os seres humanos não são fundamentalmente

iguais, não há possibilidade de haver um critério de avaliação moral que seja aplicável por todos

os seres humanos objetivando obter os mesmos resultados.

Assim, compreende-se que, moralidades se aplicam a tipos humanos diferentes. Não há

moralidades que prescrevem a todos os seres humanos critérios de avaliação moral das ações,

pois se tem a pretensão de que todos os seres humanos devam se comportar do mesmo modo.

Contudo, há moralidades que prescrevem critérios de avaliação moral, entretanto, evidenciam

o reconhecimento de que as atribuições de valores decorrem de certas condições diferenciadas,

ou seja, fisiológicas e psicológicas de cada um. E Nietzsche, defende claramente, essa segunda

forma de moralidade.

De acordo com Fonseca (2010) a moralidade nietzschiana difere-se das demais formas

de moralidade, pois, Nietzsche reconhece a diferença como ponto fundamental entre os seres

humanos. Essa ideia de igualdade surge “[...] no final da Idade Antiga com o cristianismo. Na

Idade Moderna, quando a suposição da igualdade entre os seres humanos se estende a

concepções jurídicas e políticas [...]” e assim, “[...] difunde-se a ideia de que todos devem ser

tratados igualmente” (FONSECA, 2010, p. 37).

Acerca da crítica de Nietzsche a ideia de igualdade o filósofo afirma em Anticristo: “A

venenosa doutrina dos ‘direitos iguais para todos’ foi propagada como um princípio cristão”

(AC/AC, 43). Nietzsche trata, portanto, a ideia de igualdade de direitos como um verdadeiro

veneno. Um veneno que gangrena o corpo social, que revela um discurso que se apoia sobre a

supérflua e mentirosa ideia de igualdade dos homens e que favorece o instinto gregário mais

vulgar. Uma ideia que repousa sob a noção de justiça, mas não faz justiça ao indivíduo. E assim

no Anticristo ataca: “A ‘igualdade das almas perante Deus’ – essa fraude, esse pretexto para o

rancor de todos espírito baixos – essa ideia explosiva terminou por converter-se em revolução,

ideia moderna e princípio de decadência de toda ordem social – isso é dinamite cristã” (AC/AC,

62).

Nietzsche continua a disparar críticas à ideia de igualdade em o Anticristo, e no mesmo

sentido, Zaratustra fala a seus expectadores: “Porque os homens nãos são iguais: assim fala a

119

justiça” (ZA II “Dos Doutos”). Anteriormente, Zaratustra dissera: “Não quero ser misturado a

esses sacerdotes da igualdade, nem ser confundido por um deles. Pois que assim a justiça me

fala: ‘Os homens não são iguais’” (ZA II “Das tarântulas”). Nietzsche compreende, portanto,

que os homens não são iguais, e tratá-los de modo diferente significa tratá-los justamente.

Zaratustra é aquele que se reconhece como criador de valores; como um ser que quer sua Wille

zur Macht – vontade de poder – e, reconhece que a forma como está organizada a sociedade,

tem-se a impossibilidade da criação de valores. Na verdade, concebem-se “[...] conceitos,

ensinamentos e símbolos que tiranizam as massas e forma rebanhos” (AC/AC, 42).

Essa aparente tentativa de homogeneidade do querer faz com que se molde os seres

humanos e, tentar torná-los iguais, exige uma moralidade única, mas em Aurora, Nietzsche

afirma:

[...] não há uma moral única determinando o que é moral, e que toda moralidade que

afirma exclusivamente a si própria mata muitas forças boas e vem a sair muito cara

para a humanidade. Os divergentes, que tantas vezes são os inventivos e fecundos,

não devem mais ser sacrificados; já não deve ser tido por vergonhoso divergir da

moral, em atos e pensamentos; devem ser feitas inúmeras tentativas novas de

existência e de comunidade; um enorme fardo de má consciência deve ser eliminado

do mundo – tais metas universais deveria ser reconhecidas e promovidas por todos os

homens honestos que buscam a verdade (M/A, 164).

E aqui, a o que se considerar acerca das razões para evitar a eliminação da má

consciência no mundo:

Cada ação individual, cada modo de pensar individual provoca horror; é impossível

calcular o que justamente os espíritos mais raros, mais seletos, mais originais da

história devem ter sofrido pelo fato de serem percebidos como maus e perigosos, por

perceberem a si próprios assim. Sob o domínio da moralidade do costume, toda

espécie de originalidade adquiriu má consciência; até o momento de hoje, o horizonte

dos melhores tornou-se ainda mais sombrio do que deveria ser (M/A, 9).

A ética nietzschiana, nesse sentido, contrapõe-se as demais teorias filosóficas que visam

refletir a partir de um ponto comum a todos. A ética nietzschiana reflete sobre a agência a partir

dos indivíduos. Essa seria uma moral aristocrática de afirmação, de enaltecimento da vida e da

Terra.

Entretanto, antes de continuarmos a analisar a contribuição ética do eterno retorno do

mesmo como hipótese avaliativa das ações morais, faz-se necessária uma digressão de forma a

possibilitar a intenção de Nietzsche ao formular seu pensamento abissal.

120

O pensamento mais elevado e abissal

No Ecce Homo, Nietzsche afirma que a doutrina do eterno retorno do mesmo é “[...] a

mais elevada forma de afirmação que se pode em absoluto alcançar, é de agosto de 1881: foi

lançado em uma página com o subscrito: ‘seis mil pés acima do homem e do tempo’” (EH/EH,

Assim falou Zaratustra 1. Trad. PCS). O pensamento da eterna recorrência constitui a

concepção básica de Assim falou Zaratustra. Como o pensamento mais elevado, mais terrível,

mais profundo e mais abissal que conduz à eterna repetição sem sentido ou fim de tudo,

Nietzsche acaba por caracteriza-lo enquanto experiência do pensamento como o “mais pesado

dos pesos”. Na Gaia Ciência aparece pela primeira vez como desafio e hipótese:

O mais pesado dos pesos. — E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse

em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e

como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá

nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que

há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na

mesma ordem e sequência [...]”. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e

amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante

descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais

divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te

transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: “Quero

isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos

sobre o teu agir! (FW/GC 341. Trad. PCS).

O pensamento da Eterna recorrência, de um tempo circular, parece não ser uma ideia

nova. Nietzsche explicita em uma passagem de Ecce Homo que essa doutrina possui relação

com Heráclito, ou melhor, que poderia ter sido ensinado por Heráclito. O pensamento do eterno

retorno coloca-se como referência suprema após a morte de Deus. Como um novo peso, a

eternidade se realiza no tempo, o que pode mudar todo o âmbito dos valores. Assim, o eterno

retorno é a condição necessária para a transvaloração de todos os valores. É a condição

necessária para a superação do niilismo.

O aforismo 341 da Gaia Ciência que tem como título “o maior dos pesos” parece

possibilitar um sentido duplo. Por um lado como o maior dos pesos, o eterno retorno sufocará

o ressentido, o fraco, o decadente, aquele que não suporta a vida como ela é, e muito menos a

sua eterna repetição; já para o homem afirmador, aquele que aprova a vida em sua totalidade,

bem como o eterno retorno do mesmo será a condição necessária para a criação de valores. Por

outro lado, o eterno retorno parece evidenciar um aspecto ético e outro cosmológico. Num

fragmento póstumo, aponta nessa direção:

121

E sabeis sequer o que é para mim “o mundo”? (...) Este mundo: uma monstruosidade

de força, sem início, sem fim, uma firme, brônzea grandeza de força, que não se torna

maior, nem menor, (...) jogo de forças e ondas de forças ao mesmo tempo um e

múltiplo, (...) afirmando ainda a si próprio, nessa igualdade de suas trilhas e anos,

abençoando a si próprio como Aquilo que eternamente tem de retornar (...)

(Nachlass/FP 1885, 38[12], KSA 11.610. Trad. RRTF).

A doutrina da eterna recorrência, em seu aspecto cosmológico, ensina que o universo

consiste num movimento eterno de repetidos ciclos cósmicos. Em seus ciclos, tudo se repetiria

e retornaria de forma idêntica e na mesma ordem sequencial. Tudo tem que eternamente

retornar “na mesma ordem e sequência”. Ao apresentar a doutrina em seus escritos publicados

em vida, o filósofo não se preocupa em oferecer um embasamento teórico. Em Assim falou

Zaratustra, por exemplo, a doutrina aparece de maneira quase poética na parte final de o

Convalescente:

Vê, sabemos o que ensinas: que todas as coisas eternamente retorna, e nós mesmos

com elas, e que eternas vezes já estivemos aqui, juntamente com todas as coisas.

Ensinas que há um grande ano do vir-a-ser, uma monstruosidade de grande ano: tal

como uma ampulheta, ele tem de virar sempre de novo, a fim de novamente escorrer

e transcorrer: - de modo que todos esses anos são iguais a si mesmos, nas coisas

maiores e também nas menores – de modo que nós mesmos somos iguais a nós

mesmos em cada grande ano, nas coisas maiores e também nas menores. [...] “Agora

morro e desapareço”, falarias, “e num instante serei nada. As almas são tão mortais

quanto os corpos. Mas o nó de causas em que estou emaranhado retornará – ele me

criará novamente! Eu próprio estou entre as causas do eterno retorno. Retornarei, com

este sol, com esta terra, com esta águia, com esta serpente – não para uma vida nova

ou uma vida melhor ou uma vida semelhante: - Retornarei eternamente para esta

mesma e idêntica vida, nas coisas maiores e também menores, para novamente ensinar

o eterno retorno de todas as coisas, [....]” (ZA III “O convalescente”, 2, Trad. PCS).

De acordo o trecho citado supra, os animais de Zaratustra, a saber, a águia e a serpente

fazem referências às noções que integram o pensamento do eterno retorno do mesmo, como por

exemplo, “o grande ano do vir-a-ser”, como “as causas do eterno retorno”. As personagens

estão longe de realizarem uma explicação propriamente teórica, na verdade, uma argumentação

cosmológica que tenta justificar repetições cósmicas será efetivamente realizada nos

fragmentos póstumos. “Em suma, enquanto que, nas obras publicadas, Nietzsche recorre a uma

linguagem mais poética, nos póstumos, ele lança mão – na maioria das vezes – de um discurso

argumentativo e faz uso de um vocabulário científico” (NETO, 2013, p. 85).

Nietzsche foi influenciado por questões da investigação científica da época. É inevitável,

portanto, não ressaltar a relação do pensamento nietzschiano com as ciências naturais. Marton

(2010) enfatiza a importância dos trabalhos dos biólogos Rolph e Roux para a criação do

122

conceito de vontade de poder. Em Boscovich (século XVIII), físico, matemático e astrônomo

croata, Nietzsche buscou um dos conceitos fundamentais para sua cosmologia, o conceito de

força. Em Para além do bem e do mal, Nietsche escreveu sobre Boscovich: “[...] Boscovich

nos ensinou a abjurar a crença na última parte da terra que permanece firme, a crença na

‘substância’, na ‘matéria’, nesse resíduo e partícula da terra, o átomo […]” (JGB/BM 12, KSA

5.26. Trad. PCS). Porém, ao conceito de força mecânica newtoniana, o filósofo acrescentou um

caráter intrínseco, um mundo interior: a vontade de poder. Em dois fragmentos póstumos,

escreve Nietzsche:

O vitorioso conceito de ‘força’, com o qual nossos físicos recriaram Deus e o mundo,

necessita ainda de uma complementação: é necessário aditar-lhe um mundo interior,

ao qual eu chamo de ‘vontade de potência’ (Nachlass/FP 1885, 36[31], KSA 11.563.

Trad. FRK apud NEVES, 2013, p. 287).

Uma força que não podemos conceber (como a assim chamada força de atração e de

repulsão puramente mecânica) é uma palavra vazia (…). Todo acontecer derivado de

propósitos é redutível ao propósito de ampliar a potência” (Nachlass/FP 1885-86,

2[88], KSA 12.105. Trad. FRK apud NEVES, 2013, p. 287).

A vontade de poder aparece em Assim falou Zaratustra ligada somente à vida “Onde

encontrei seres vivos, encontrei vontade de poder; e ainda na vontade do servente encontrei a

vontade de ser senhor. [...] onde há vida há também vontade [...]” (ZA II “Da superação de si”

Trad. PCS). A vontade de poder permeia o modo de ser de todo vivente, ou seja, o mundo

orgânico. Contudo, posteriormente, Nietzsche passa a relacionar a vontade de poder ao mundo

inorgânico, e a vida torna-se um caso particular da vontade de poder. Com a teoria das forças,

a vontade de poder não se restringe apenas ao mundo orgânico, mas constitui agora a totalidade

cósmica. O mundo como forças em luta, em disputa, buscando mais poder. Essas forças não

aumentam nem diminuem, mas se efetivam numa eternidade imanente. Um mundo “tem que

sempre retornar”.

Se o mundo pode ser pensado como grandeza determinada de força e como número

determinado de centros de força — e toda outra representação permanece

indeterminada e consequentemente inutilizável —, disso se segue que ele tem de

passar por um número calculável de combinações, no grande jogo de dados de sua

existência. Em um tempo infinito, cada combinação possível estaria alguma vez

alcançada; mais ainda: estaria alcançada infinitas vezes (Nachlass/FP 1888, 14[188],

KSA 13.376. Trad. RRTF apud NEVES, 2013, pp. 287-288).

Nietzsche apresenta seu argumento a favor da repetição das configurações cósmica. As

forças por serem finitas e/ou determinadas repetem seus arranjos num tempo infinito. Logo,

123

“tudo na mesma ordem e sequencia retornaria infinitas vezes”. Numa eternidade imanente e no

número finito de forças, a cosmologia nietzschiana funda-se.

Nietzsche apresenta sua “fórmula” cosmológica e argumenta da seguinte maneira: o

tempo é tido como infinito, pois o mundo não teria sido criado nem teria fim; o devir não possui

forma alguma de teleologia; o cosmo é composto por luta de forças incessantes; o número das

forças que compõem o cosmo é finito, logo suas combinações são finitas. E conclui: todas as

combinações teriam de se repetir sem nunca variar. Em uma anotação póstuma de 1888

argumenta:

A nova concepção de mundo –

O mundo se conserva; não há qualquer coisa que devenha, qualquer coisa que passe.

Ou melhor, ele devém, ele passa, mas ele jamais começou a devir e não cessará de

passar – ele se mantém nestes dois processos ... ele vive de si mesmo: os seus

excrementos são sua alimentação ...

A hipótese de um mundo criado não deve nos preocupar nem mais um momento

sequer. O conceito de criação é agora absolutamente indefinido, inaplicável: é

somente uma palavra que permanece no estado rudimentar, desde os tempos da

superstição (NIETZSHCE, Friedrich, KSA 13,374, 14 [188] da primavera de 1888

apud NETO, 2013, p. 92).

O filósofo desqualifica a ideia de uma criação cósmica e proclama uma infinitude

temporal seja para o passado, seja para o porvir. Para o homem moderno, tal concepção –

possível após a morte de Deus – sobre a consideração do mundo completamente desprovido

de começo e ao mesmo tempo de sentido final é catastrófico. “Nietzsche pretende sustentar a

tese de que o mundo, mesmo sem o concurso de um Deus transcendente, mantendo-se

inalterável no seu conjunto, é eterno” (BARBOSA, 2010, p. 74). Sem a figura de um ser

transcendente, pois, Deus está morto, o mundo perdeu toda a sua origem quanto a sua meta. O

mundo é sem começo e fim, logo, pode ser concebido como eternamente retornando. No intuito

também de se afastar do preconceito metafísico predominante na física moderna de um conceito

de força infinita, que levaria a aceitação de um mudo ilimitado que, por sua vez, recairia em um

princípio metafísico, Nietsche concebe o conceito de força como quantidade finita e sempre

igual.

O pensamento do eterno retorno do mesmo se imporia como refutação as concepções

teológicas e cientificas, porém, sem promover uma afirmação positiva sobre o mundo. Assim,

parece que não há qualquer possibilidade de criação, novidade, superação, uma vez que tudo é

repetição, (BARBOSA, 2010). O mundo de uma eterna repetição do mesmo não abriria a

possibilidade para a criação. A própria experiência de superação do niilismo estaria fadada ao

124

fracasso. Contudo, concordamos com Barbosa (2010), que a doutrina nietzschiana do eterno

retorno do mesmo é o ultrapassamento absoluto do niilismo. Essa possibilidade se abre a partir

do deslocamento da experiência do eterno retorno para o plano ético. “[...] o plano da

moralidade aparece a Nietzsche como plano possível de uma experimentação ainda mais radical

com a hipótese do eterno retorno”. A superação do niilismo, a criação de novos valores, a

afirmação incondicional da vida, a transvaloração de todos os valores encontraria na efetivação

da experiência do eterno retorno sua chance de efetivação.

A versão cosmológica do eterno retorno revelou as consequências das teologias cristã e

científicas - na medida em que ambas tomam partido de um certo tipo de finalismo,

respectivamente, metafísico e físico - e desse modo sua elaboração visou superar essas

concepções teológicas a partir do conceito de força. Porém, como fica o plano da moralidade?

“[...] com a ideia de que a ação humana já impossível, pois ela está destinada a se repetir em

qualquer caso o que já está determinado” (HAASE, 2011, p. 128) seria possível avaliar as

nossas ações? O pensamento da eterna recorrência nos forneceria uma compreensão da

moralidade moderna? Haveria possibilidade para a criação de novos valores?

O Eterno Retorno do Mesmo como hipótese avaliativa das ações

O eterno retorno do mesmo parece possibilitar uma resposta possível para o problema

da moralidade; aparece assim como um possível método de avaliação moral de nossas ações

conforme a autonomia e não-universal. É imprescindível que avaliemos constantemente nossas

ações e, se desejarmos, que tentemos alterar o nosso comportamento. Isso é feito, por Nietzsche,

de acordo com a utilização do eterno retorno do mesmo como imperativo prático.

Pois, compreende-se que a eterna recorrência, concerne, a afirmação da minha própria

existência. Ela possibilita “a mais alta confirmação e garantia” ao “quem” que eu sou. Logo,

conforme nos descreve Haase (2011) ela fundamenta a noção de liberdade não no nível de

conhecimento como algo oposto ao mundo exterior, mas “no nível da minha inseparabilidade

do mundo da ação” (p.131). Assim, entende-se que, o pensamento da eterna recorrência poderia

ser capaz de fornecer uma compreensão da moralidade moderna.

“A versão ética” do eterno retorno possui estrita ligação com a versão cosmológica. “[...]

a explicação ética da recorrência eterna precede a cosmológica” (p 128). A formulação desse

pensamento, contudo, também é lançado mão por Nietzsche enquanto hipótese ética de

avaliação das ações. Nietzsche toma o eterno retorno do mesmo como um imperativo prático,

7

125

pois, vislumbra a imprescindibilidade de se avaliar constantemente nossas ações. O filósofo usa

a ideia da possibilidade de se revivê-las eternamente como critério de avaliação moral das

mesmas. Sem recorrer a um critério procedimental de avaliação de nossas ações. Como destaca

Deleuze (1976, p. 33, grifos do autor) “Como pensamento ético o eterno retorno é a [...]

formulação da síntese prática: O que tu quiseres, queira-o de tal modo que também queiras seu

eterno retorno”. Igualmente, se pensarmos que todas as ações serão refeitas por nós mesmos

exatamente do mesmo modo, atribuímos a ela o peso da eternidade e da infinita recorrência.

Não importa se devemos realizar as nossas ações porque são boas, mas sim porque desejaríamos

realizar infinitas vezes. Nietzsche, toma o eterno retorno do mesmo como método mais

apropriado para avaliar moralmente as ações, o estatuto moral e o modo como os seres humanos

deveriam agir.

Igualmente como Kant, Nietzsche buscou desenvolver um método capaz de avaliar as

ações e identificá-las como morais ou não. Entretanto, ambos divergem não apenas quanto ao

método, ou quanto ao estatuto da ação moral, como também ao “modo” como os seres humanos

deveriam agir. Nietzsche valoriza um ser capaz de afirmar seus instintos; os padrões de

moralidade vigentes desde Sócrates nada mais fazem do que adestrar o ser humano, torna-lo

fraco e previsível. Por isso, um genealogista da moral pergunta pelas motivações morais que

geram a concepção de agencia ideal que visa determinar como o ser humano deve agir para que

ele seja digno da felicidade.

Kant e Nietzsche de acordo com Haase (2011) e Fonseca (2010) possuem em comum

um imperativo prático. O que vai ao encontro da tese de Bailey (2011), que apesar do desdenho

pelo filósofo, Nietzsche tenha desenvolvido uma série de interesses e compromissos kantianos.

No entanto, enquanto Kant, busca um fundamento a priori para a moralidade, Nietzsche,

reconhece a moralidade como conjunto de valores com validade espaço-temporal. O filósofo

critica qualquer fundamento a priori para a moralidade, pois, estamos fadados a viver em um

mundo previsível com valores não-absolutos.

Para tanto, a interpretação ética do eterno retorno, é um modo afirmativo de avaliação

das ações. O agente deve se perguntar a respeito de cada uma de suas ações. A cada ação, se

atribuiria o peso da possibilidade de ela ser revivida e refeita infinitas vezes. Portanto, a

novidade do eterno retorno como imperativo prático, consiste na construção de um mundo

completamente diferente do de Kant e que não valoriza a razão em detrimento das demais

faculdades humanas. Submete, na verdade, a razão aos desejos dos agentes. O método de

Nietzsche jamais seria parecido com algo como o imperativo categórico. Pois, ao avaliar as

126

ações humanas sob o crivo da eterna recorrência, é o peso da repetição infinita, o modo como

o agente suporta a ação que realizou, não a ação em si, que deve ser avaliada. Portanto,

Nietzsche, coloca nas mãos humanas a origem e a manipulação da moralidade.

Considerações Finais

A relevância em problematizar o eterno retorno do mesmo como método avaliativo de

nossas ações consiste, não apenas em evidenciar a contribuição de Nietzsche a superação da

moralidade decadente e propor a superação e a transvaloração dos valores, fornecendo um

critério formal para toda a ação possível, de uma “maneira análoga” ao imperativo moral

kantiano. Como também em fomentar o debate acerca da complexidade de temas envolvidos

no pensamento do eterno retorno. Como, por exemplo, no que diz respeito ao debate

cosmológico e/ou ético existencial da eterna recorrência.

De acordo com Leidens (2011), “O eterno retorno do mesmo pode ser caracterizado

tanto como uma suprema forma de afirmação quanto como uma perspectiva niilista/negativa”

(p. 104). Entretanto, dentre a complexidade de temas que evolvem os debates acerca do

pensamento da eterna recorrência, uma delas nos diz respeito. A saber, a face ética do eterno

retorno do mesmo. Disso se ocupou Marton em seu artigo O eterno retorno do mesmo: tese

cosmológica ou imperativo ético (2011, p. 85-118). Em linhas gerais, Marton opõe-se a

discussão corrente que compreende o pensamento do eterno retorno, ou como uma tese

cosmológica ou como um imperativo ético existencial. Em resposta, Marton (2001) argumenta

que ambas se impõem ao mesmo tempo, uma vez que o eterno retorno realiza uma

caracterização do mundo que inclui o homem como parte constitutiva dessa dinâmica

cosmológica. Nas palavras dela:

O eterno retorno: tese cosmológica ou imperativo ético? A questão deixa de ter

sentido. Exortar a que se viva como se essa vida retornasse inúmeras vezes não se

restringe a advertir sobre a conduta humana; é mais do que um imperativo ético.

Sustentar que, queiramos ou não, esta vida retorna inúmeras vezes não se limita a

descrever o mundo; é mais do que uma tese cosmológica. O eterno retorno é parte

constitutiva de um projeto que acaba com a primazia da subjetividade. Destronado, o

homem deixa de ser sujeito frente à realidade para tornar-se parte do mundo

(MARTON, 2001, p. 118).

Marton é incisiva quanto à necessidade de se assumir essa dupla consideração do

pensamento do retorno. Segundo ela, se pensada em termos de exclusão “a questão deixa de ter

127

sentido”. Não há que se tomar partido por uma ou outra face desse pensamento, entretanto, a

intérprete segundo Barbosa (2010), não explica de que modo essa dupla face do eterno retorno

colabora com o projeto de destruição da subjetividade. Contudo, entendemos que, mesmo

admitindo essa dupla consideração complexa do eterno retorno, é possível, em relação do que

se pretende mostrar, privilegiar o aspecto ético do retorno, não apenas por se tratar de uma

tentativa de considerar a vida e o mundo do ponto de vista de uma afirmação incondicional,

mas em tomar o eterno retorno do mesmo como imperativo prático que visa avaliar as ações.

Para Fonseca (2010) a ideia do eterno retorno sob o prisma da interpretação ética é o que torna

como unicamente original a doutrina nietzschiana. Sendo a cosmológica uma reapresentação

das ideias dos antigos, pois, Nietzsche compreende que os fatos, assim como ocorreram uma

vez, ocorreriam infinitas vezes. O tempo seria circular e a vida revivida eternamente, do mesmo

modo e na mesma sequencia. Suposição que já fora aventada pelos gregos. Sendo assim,

Nietzsche estaria representando uma ideia dos antigos; e a interpretação ética é a única original

extraída por Nietzsche desse pensamento. A interpretação ética, portanto, atribui um peso a

cada ação, peso que é o “mais pesado dos pesos”.

REFERÊNCIAS

ARALDI, Claudemir Luís. Nietzsche como crítico da Moral. Revista Dissertatio, 27-27, pp.

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129

TRABALHOS APRESENTADOS NO GRUPO DE

TRABALHO CIÊNCIAS HUMANAS E

INTERDISCIPLINARIDADE, SOB COORDENAÇÃO

DO PROFº. DR. EDSON ROMÁRIO MONTEIRO

PANIÁGUA

130

DEBATENDO A PRÁTICA DOCENTE: UM RELATO PIBIDIANO32

Camila Dinat Campos33,

Mariana Dicheti Gonçalves34,

Ingrid Suelen Rodrigues Meireles35,

Sandro da Silva36,

Edson Romário Monteiro Paniágua 37

RESUMO: O presente trabalho é um relato do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação

à Docência – PIBID – campus São Borja, subprojeto História, com o projeto “Patrimônio e

Cultura”, desenvolvido na Escola Municipal de Ensino Fundamental Vicente Goulart, São

Borja/RS. O PIBID está ligado ao curso de Ciências Humanas da UNIPAMPA – São Borja.

Serão abordadas duas atividades realizadas no desenvolvimento do projeto no primeiro

semestre de 2017. Para dar início as atividades do projeto, optou-se por ministrar uma aula

com conteúdo sobre cultura e identidade, com a utilização da metodologia expositiva dialogada,

realizando as conexões entre o cerne formal e o conhecimento construído socialmente por cada

sujeito antes de sua inserção ao ambiente escolar. Partindo dessa premissa, de que a escola

deve ir além do pragmatismo, da transferência de conteúdos aos educandos é preciso despertar

a curiosidade que associada ao senso comum, contribui na construção social de cada educando.

Porém, quando essa curiosidade ganha elementos de criticidade, advindos da interação com o

aspecto formal da educação, o educando passa a construir seu próprio conhecimento e não

receber de forma pronta e determinista, como sugere Freire (1997). Neste sentido,

primeiramente, para refletir criticamente sobre a própria prática, segundo para buscar uma

prática melhor, decidiu-se aplicar uma aula com uma dinâmica de grupo, com objetivo de

32 Trabalho executado com recursos do Edital Capes nº. 061/2013 do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação

à Docência. 33 Graduanda no Curso de Ciências Humanas – Licenciatura na Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA –

Campus São Borja. Bolsista Capes/CNPq – no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência E-mail:

[email protected] 34 Graduanda no Curso de Ciências Humanas – Licenciatura na Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA –

Campus São Borja. Bolsista Capes/CNPq – no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência E-mail:

[email protected] 35 Graduanda no Curso de Ciências Humanas – Licenciatura na Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA –

Campus São Borja. Bolsista Capes/CNPq – no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência E-mail:

[email protected] 36 Graduando no Curso de Ciências Humanas – Licenciatura na Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA –

Campus São Borja. Bolsista Capes/CNPq – no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência E-mail:

[email protected] 37 Doutor em História. Professor Adjunto da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA – Campus São Borja.

Bolsista Capes/CNPq. Coordenador do subprojeto História – PIBID E-mail: [email protected]

131

contribuir na construção do conhecimento por parte dos educandos, mediante questões

formuladas com base na proposta da atividade anterior. A atividade foi desenvolvida dividindo

a turma em dois grupos, que deveriam coletar as questões dispostas dentro de balões, para

posteriormente a resposta ser construída de forma coletiva. Para os educadores em formação,

proponentes das atividades em questão, a associação entre uma aula expositiva dialogada e uma

aula prática, permite avaliar de forma qualitativa o processo.

Palavras-Chaves: cultura, patrimônio, prática docente, PIBID, interdisciplinaridade.

.

INTRODUÇÃO

São Borja, município pertencente à unidade federativa do Rio Grande do Sul, localiza-

se na mesorregião sudoeste do estado e faz parte da região e do Corede Fronteira Oeste

(Conselho Regional de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul), região que se caracteriza por

uma matriz economia alicerçada no agronegócio que concentra renda e promove desigualdades

sociais. A origem do município nos remete as Missões Jesuíticas Guaranis, região também

conhecida por “Sete Povos das Missões”. A cidade tem 61. 671 mil habitantes, conforme o

IBGE (2010), e faz fronteira com a municipalidade Santo Tomé, Província de Corrientes,

República Argentina.

No ano de 1994, o município atingiu o “status” de “cidade histórica”, título conferido

pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul através do Decreto nº 35.580, de 11 de outubro

de 1994. Ressaltam, Colvero; Maurer (2009), que diante disto os esforços concentraram-se para

marcar a cidade como berço do trabalhismo ou “Terra dos Presidentes”, tendência que se

confirma com a Lei Estadual nº 13.041/2009 que declara de forma oficial a alcunha ao

município. No entanto, a cidade de São Borja dentro dos seus mais de 300 anos de história, esta

permeada por um conjunto de fatos históricos que compõem seu arcabouço patrimonial

histórico-cultural e identitário. O legado patrimonial de São Borja, passa pelo estabelecimento

da Redução de São Francisco de Borja no século XVII, pelos acontecimentos da Guerra do

Paraguai no século XIX e pelos Presidentes da República, Getúlio Vargas e João Goulart no

século XX. É neste contexto que a “materialização da cultura e da identidade acaba

consequentemente criando símbolos e manifestações sociais que são espacializadas no

território, sendo denominadas nas épocas de hoje como recursos do Patrimônio Histórico”

(PINTO, 2010, p. 1).

A questão patrimonial é compreendida em duas dimensões conceituais patrimônio

material e imaterial. Entendo o primeiro como o testemunho físico do passado e o segundo

132

também voltado ao tempo passado, porém sua dimensão não é a física e sim, saberes tradições

orais, modos de fazer e ritos, as duas dimensões fazem parte da ampliação sofrida pelo conceito

de patrimônio histórico que ocorreu a partir da década de 1960, Nascimento (2009). No Brasil

o artigo 216 da Constituição Federal de 1988, substitui o conceito de Patrimônio Histórico e

Artístico que era atribuído pelo Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, passando ser

denominado Patrimônio Cultural Brasileiro e conceituado da seguinte maneira pelo artigo em

voga “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores

de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira”.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) caracteriza as duas

dimensões, considerando patrimônio material podendo ser “imóveis como as cidades históricas,

sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; ou móveis, como coleções

arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos,

videográficos, fotográficos e cinematográficos”; já os patrimônios de ordem imaterial como

sendo aqueles que “dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam

em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas,

musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas

culturais coletivas)”.38

Ainda que se tenha tentado favorecer e afirmar apenas uma parte, o legado histórico

resiste ainda da tentativa de imposição de um único símbolo histórico, um potencial a ser

explorado no que tange a outros aspectos do legado patrimonial. Sendo assim, “Por isso mesmo

pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os

saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes

socialmente construídos na prática comunitária” (FREIRE, 1997, P. 15), visando um despertar

de curiosidade e a criticidade para com os elementos culturais e patrimoniais presentes na

localidade, que o grupo de dez bolsistas do Subprojeto História do Curso de Ciências Humanas

- Licenciatura da Universidade Federal do Pampa/Campus São Borja vinculados ao Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, decidiu desenvolver na Escola Municipal de

Ensino Fundamental Vicente Goulart o projeto “Patrimônio e Cultura”. Tendo em vista que “A

educação é visada como ato de conhecimento e transformação social, tendo certo cunho

38 Informações coletadas do site do IFHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/ acessado: 25/10/2017 às

18:27.

133

político. O resultado desse tipo de educação é observado quando o sujeito pode situar-se bem

no contexto de interesse” (GADOTTI, 19972, p.5).

Neste sentido, pretende-se então, através da execução do projeto implementando

aulas/oficinas, atividades que envolvam os patrimônios culturais presentes na cidade, descobrir

as realidades culturais pouco visadas no município, com vistas a aguçar nos educandos um

sentimento de pertencimento em relação aos patrimônios, maneira talvez seja possível despertar

a importância para conservação dos mesmos. Com este viés aproximamo-nos do que o (IFHAN,

p.21, 2014), descreve como Educação Patrimonial, que se constitui então:

de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o

patrimônio cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-

histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar

para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera-se, ainda, que os

processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do

conhecimento, por meio da participação efetiva das comunidades detentoras e

produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de patrimônio

cultural.

O PIBID na Universidade Federal do Pampa tem como marco inicial o ano de 2011,

através do Edital CAPES nº 01/2011, neste primeiro momento oito cursos de licenciatura

participaram do programa, atualmente são quatorze cursos de licenciatura participando,

distribuídos em oito campi da universidade. Em São Borja as atividades do programa e do

subprojeto História começaram no mês de maio de 2014, atuando em três escolas presentes no

município, que são as seguintes: Instituto de Educação Padre Francisco Garcia; Colégio

Estadual Getúlio Vargas e Escola Municipal de Ensino Fundamental Vicente Goulart, são 30

acadêmicos de iniciação à docência divididos em três grupos de 10, 5 bolsistas supervisores da

educação básica e 2 bolsistas coordenadores vinculados ao Curso de Ciências Humanas -

Licenciatura.

A rede municipal é composta por onze escolas da educação infantil e escolas dedicam

suas atividades ao ensino fundamental no perímetro urbano e oito na zona rural. A Escola

Municipal de Ensino Fundamental Vicente Goulart, faz parte da rede municipal de educação e

é umas das três que atende simultaneamente ensino infantil e fundamental. Tem cerca de 310

alunos matriculados e é localizada no Bairro do centro, porém em uma zona limítrofe com a

Vila Florêncio Guimarães e do Bairro Paraboi ambos parte da periferia.

Diante do que foi exposto em relação ao legado patrimonial do município, o grupo de

10 bolsistas que executa suas atividades na escola Vicente Goulart, durante o período de recesso

134

acadêmico e escolar, justifica a escolha e construção do projeto “Cultura e Patrimônio” em

execução no presente ano e que tem como objetivo a conscientização em relação à cultura e ao

legado patrimonial presente na cidade. Destacando as principais virtudes do PIBID para

formação docente que oportunizam aos acadêmicos vivenciarem a dinâmica do contexto

escolar, através do planejamento, organização de atividades e trabalho coletivo, além de um

contato antecipado com a prática docente. Para tanto destaca, (FREIRE, 1997 p. 18):

é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma

que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de

professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo

contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio

aprendiz em comunhão com o professor formador.

A execução do projeto iniciou no dia 21 de março de 2017, com o primeiro contato com

quatro turmas. Duas de sexto ano (61 e 62) e duas de sétimo ano (71 e 72), que totalizam 72

educandos atendidos. Após o primeiro contato e a apresentação do projeto e dos executores,

veio à aula introdutória que é a atividade a ser relatada, assim como a aula dinâmica que será

apresentada posteriormente.

O presente projeto tem como objetivo estudar e compreender os patrimônios de nosso

município, assim mostrando aos educandos as várias tipologias de patrimônio, como o cultural,

material e imaterial assim buscando a compreensão destes pelos educandos. Contribuindo com

uma formação sobre o que é cultura e patrimônio. Com ênfase no desenvolvimento da

interpretação, da leitura, reflexões de textos e músicas e de práticas para conhecer os

patrimônios.

As práticas metodologias utilizadas terão um caráter crítico e participativo visando a

inserção dos educandos na realidade local tendo como horizonte o desenvolvimento

educacional e cultural da região. Com o estudo sobre patrimônio podemos estimular e mostrar

a partir das abordagens que se desenvolverão através das paisagens artificiais e naturais

presentes na cidade algo que talvez não sejam percebidos como pertencentes aos educandos

com vistas a estimular o cuidado e a preservação dos bens que foram estudados, pois o

patrimônio cultural se materializa no conjunto de manifestações, realizações e representações

de determinada sociedade.

Para dar inicio as atividades do projeto, optou-se por ministrar uma aula com a temática

da cultura e identidade. Foi desenvolvida com a metodologia expositiva dialogada, com

objetivo de fazer a ligação entre o âmago formal e o conhecimento socialmente construído ao

135

longo da vida de cada educando. Entendendo que a escola deve ir além da transferência de

conteúdo aos educandos, buscou-se a interação entre o aspecto formal da educação e o

conhecimento pertencente a cada educando com vistas de que cada sujeito pode construir seu

conhecimento de forma crítica, através da interação proposta e não apenas receba da escola o

conhecimento de forma pronta. Partindo dessa premissa, de que a escola deve ir além do

pragmatismo, da transferência de conteúdos aos educandos é preciso despertar a curiosidade

que associada ao senso comum, contribui na construção social de cada educando. Porém,

quando essa curiosidade ganha elementos de criticidade, advindos da interação com o aspecto

formal da educação, o educando passa a construir seu próprio conhecimento e não receber de

forma pronta e determinista, como sugere Freire (1997).

Uma segunda aula em associação a primeira foi ministrada. Primeiramente para uma

reflexão crítica da própria prática dos bolsistas. Num segundo momento, visando uma prática

melhor, realizou-se uma aula a partir de uma dinâmica de grupo, objetivando contribuir com a

construção do conhecimento por parte dos educandos, mediante questões elaboradas de acordo

com a atividade anterior. As turmas foram divididas em dois grupos para o desenvolvimento da

atividade, cada grupo deveria coletar as questões dispostas em balões, para depois construir

uma resposta de forma coletiva.

RESULTADOS e DISCUSSÃO

Para despertar nos educandos o interesse sobre cultura além do respeito às diferenças

culturais e identitárias presentes em nosso país, foram citadas características culturais da

identidade local para podermos partir para o nacional, conforme se trabalha na geografia (partir

do local para o global), (interdisciplinar). Partiu-se primeiramente de questionamentos sobre o

que seria “cultura” para proporcionar aos educandos esboçarem seus pontos de vista.

a ajuda do professor para o desenvolvimento das competências do pensar, em função

do que coloca problemas, pergunta, dialoga, ouve os alunos, ensina-os a argumentar,

abre espaço para expressarem seus pensamentos, sentimentos, desejos, de modo que

tragam para a aula sua realidade vivida. É nisso que consiste a ajuda pedagógica ou

mediação pedagógica (LIBÂNEO, 1998, p. 13).

Obtivemos como produto da provocação respostas, que foram variadas entre elas

destacaram o frevo, chimarrão, música e dança. Isto foi possibilitado pelo uso como materiais

didáticos slides com imagens representativas para serem ou não reconhecidas como cultura.

136

Neste sentido, a aula introdutória do projeto teve como temática os conceitos cultura e

identidade. O primeiro contato foi profícuo, pois visando a interação dos conhecimentos

adotou-se a metodologia expositiva dialogada, o que nos proporcionou a partir de

questionamentos a interação desejada e participação dos educandos, que em muitos momentos

ficavam inquietos, refletiam e devolviam questionamentos. A percepção implícita foi que nas

turmas de sexto ano a metodologia aplicada funcionou de maneira satisfatória, já nos sétimos

anos eram mais retraídos, porém conseguiu-se o mesmo resultado através do questionamento

“funk é cultura?” que aproximou as turmas de sua realidade, e a partir disto ocorreu à interação

desejada e o objetivo da aula que era a compreensão da cultura no cotidiano foi atingido.

Garrido (2002, p. 45), nos propõe que:

No diálogo, as idéias vão tomando corpo, tornando-se mais precisas. O conflito de

pontos de vista aguça o espírito crítico, estimula a revisão das opiniões, contribui para

relativizar posições [...]. É neste momento do diálogo e da reflexão que os alunos

tomam consciência de sua atividade cognitiva, dos procedimentos de investigação que

utilizaram aprendendo a geri-los e aperfeiçoá-lo.

O diálogo na prática docente tem suma importância, pois dá destaque a importância do

aluno como sujeito no processo ensino-aprendizagem. Buscou-se interagir com os alunos em

todas as aulas por considera-se importante, escutá-los para compreender quais os

conhecimentos eles tem já adquiriram em sua construção social ao longo da vida. Optamos

então por não expor de maneira dogmática, onde o professor domina enquanto o aluno é um

ator passivo e receptivo durante o processo, Haydt (2006). Conforme a mesma autora com

relação à aula expositiva aberta ou dialogada, o educando desempenha um papel mais ativo,

porque participa da aula, fazendo comentários, fazendo relatos, falando exemplos, tirando

dúvidas e respondendo perguntas, segundo a autora as aulas expositivas abertas ou dialogadas

além de favorecer a participação dos alunos, e estimula a atividade reflexiva dos mesmos

(HAYDT, 2006, p. 155).

No planejamento para as aulas buscou-se trazer elementos diferentes dos abordados no

cotidiano da sala de aula. Tanto nas aulas teóricas quanto nas aulas práticas. Para a próxima

aula buscou-se por exemplo, a utilização de balões. Em um processo no qual toda a turma

participasse. Conforme Haydt (2006), a aprendizagem é um processo dinâmico que ocorre

somente quando o educando realiza algum tipo de atividade e em um processo dinâmico.

A segunda aula consistiu na aplicação de uma dinâmica em grupo, com vistas a

contribuir na construção do conhecimento por parte dos educandos, mediante questões

137

formuladas com base na proposta da atividade anterior era o objetivo. Através de perguntas

com tema da primeira aula inseridas em balões as turmas foram divididas em dois grupos, assim

a cada rodada do jogo um educando de cada grupo participava, o balão era posto sob uma

cadeira, os educandos ficavam distantes e deveria ao sinal, chegar primeiro estourar o balão e

fazer a pergunta ao seu grupo. Em caso de acerto ganhava o ponto, caso contrário passava a

vez.

As temáticas inerentes ao projeto foram divididas em aula teórica, seguida de aula

prática. Considera-se importante trabalhar nas aulas práticas, atividades que envolva o coletivo,

assim como o individual, buscando um processo educacional diferenciado ao trazer didáticas

que proporcionam ser um contraponto aos métodos tradicionais. Esta atividade foi proveitosa,

da mesma forma que a primeira atingiu o objetivo, além de trazer elementos como, diversão e

brincadeira para sala de aula, o que é forma diferenciada de utilizar o espaço de construção de

saberes.

É importante frizar que nós futuros educadores levamos em consideração no

planejamento das aulas alguns aspectos como: tempo a ser ministrado a aula, características dos

alunos, idade dos mesmos além da disponibilidade de horário das aulas e disponibilidade dos

materiais didáticos da escola.

As aulas práticas foram todas pensadas para um processo de avaliação dos alunos e

reflexão das aulas teóricas. Como futuros educadores acredita-se que é de suma importância a

reflexão de todas as práticas adotadas. Para tanto, utilizamos o diálogo como principal

instrumento, levando em consideração todas as ideias do grupo de Pidianos e de como adquirir

as ferramentas para que as ideias aconteçam. Pois nem tudo o que queremos utilizar em sala de

aula está em nosso alcance. Além do diálogo entre o grupo de bolsistas, não podemos esquecer

dos professores, sem o qual não conseguiríamos a construção de uma prática docente em sala

de aula, sempre dialogando conosco, trocando ideias e dividindo suas reflexões e experiências

com relação a prática docente.

Outra forma de reflexão das aulas adotada são os registros reflexivos. A cada aula

procuramos anotar as principais informações com relação aos alunos, as metodologias enfim os

resultados alcançados. Essa é uma prática individual e de suma importância na formação

docente. Pois é um caderno ou agenda onde é colocada a reflexão de como se deu o processo

educativo “na prática”. Desta maneira registra (VILLAS BOAS, 2008, p. 97), que “Os registros

reflexivos são anotações ou narrações sobre aprendizagens desenvolvidas, aspectos

138

considerados relevantes, articulações entre estudos realizados e atuação profissional do

narrador”.

Nesse sentido segundo a mesma autora, os registros reflexivos são ótimos recursos para

o acompanhamento das atividades realizadas e avaliação das aprendizagens. Permite que nós

como futuros educadores analisemos a qualidade do trabalho realizado na escola. Para que isso

ocorra trazer elementos concretos nos quais muitas vezes são esquecidos como algo que um

aluno falou ou alguma atitude que ocorreu.

Consideramos as aulas ministradas produtivas e compreendemos a importância de se

trabalhar a temática do Patrimônio Cultural. Essa reflexão se dá através de elementos que

ressaltam a história local do município de São Borja que necessita urgentemente ser articulada

junto as escolas, tanto as municipais quanto as estaduais. Para que ocorra a valorização do

patrimônio local e se reconheça seus aspectos de importância histórica, política e cultural pelos

educandos. Conforme salienta, Pinto (2015):

tais ações poderão contribuir com a melhora da qualidade educacional, assim como

gerar um maior conhecimento e valorização dos momentos históricos, das

manifestações artístico-culturais e das práticas sociais, fatores estes que instigam o

reconhecimento da realidade e dos espaços do cotidiano da fronteira (PINTO et all,

2015, p. 95).

Nesse contexto, não há como valorizar algo que se é desconhecido. Buscamos

primeiramente, trabalhar com os conceitos básicos de cultura e identidade para posteriormente

entrarmos na história local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aos educadores em formação proponentes das atividades relatadas a associação entre

uma aula expositiva dialogada e uma aula prática, permite avaliar de forma qualitativa o

processo. Desta maneira, também foi possível refletir criticamente sobre a própria prática.

Buscar uma prática melhor e ao aplicar aulas em associação que se complementam, o transcurso

educacional é qualificado. A partir da reflexão da prática docente das primeiras aulas no âmbito

da percepção educador/educando, verificamos o despertar da curiosidade, um maior interesse

dos educandos com aula prática, assim como uma maior interação com os futuros educadores

e nos permitindo outros planejamentos voltados para aulas teóricas e práticas.

139

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avaliação. Campinas, SP: Papirus, 2008.

141

A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

COMO CAMPO DE PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES: REFLEXÕES A PARTIR

DA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO EM SERVIÇO SOCIAL

Mariana Marques Sebastiany39

Gecira Di Fiori40

Laura Regina da Silva Câmara Maurício da Fonseca41

RESUMO: O presente trabalho visa, a partir da experiência de estágio obrigatório de Serviço

Social, do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), contribuir

para o debate sobre a prática de estágio na Assistência Judiciária da UFSM (AJUFSM) na

perspectiva da interdisciplinaridade. Especificamente, se propõe a refletir sobre a realização de

triagem socioeconômica e mediação de conflitos (modelo alternativo de solução de conflitos

judiciais), bem como sobre as contribuições do estágio em Serviço Social para o campo em

questão. O trabalho é resultante do conjunto das atividades teórico-práticas do estágio,

constituindo-se metodologicamente como estudo descritivo, fruto de relato de experiência e

também estudo bibliográfico. Para discutir as contribuições do estágio em Serviço Social para

a AJUFSM, percepções sobre o campo são discutidas e alguns resultados do projeto de

intervenção executado pela estagiária são apresentados. Aponta-se a triagem socioeconômica

como momento particular para apreender as mediações e as contradições por meio das quais se

dão as expressões da questão social que acompanham as demandas dos (as) usuários (as). A

mediação de conflitos, realizada de forma interdisciplinar entre as áreas de Direito e Serviço

Social, com especial contribuição da última, é destacada como uma possibilidade de ampliação

da análise, tanto pelos (as) usuários (as) quanto pelos (as) estudantes e profissionais

participantes do processo, das relações sociais. Conclui-se que a Assistência Judiciária da

UFSM, ao propiciar estágio interdisciplinar aos e às estudantes, desenvolve suas percepções

sobre as implicações sociais no processo de aplicação do Direito, da mesma forma que permite

a reflexão crítica sobre a realidade social durante a formação profissional.

39 Estudante de Serviço Social; Universidade Federal de Santa Maria; Santa Maria, Rio Grande do Sul;

[email protected]. 40 Assistente social Técnica-Administrativa em Educação da Assistência Judiciária da Universidade Federal de

Santa Maria; Universidade Federal de Santa Maria; Santa Maria, Rio Grande do Sul; [email protected]. 41 Professora do Departamento de Serviço Social; Universidade Federal de Santa Maria; Santa Maria, Rio Grande

do Sul; [email protected].

142

Palavras-Chaves: Assistência Judiciária, Serviço Social, Estágio, Interdisciplinaridade,

Direito.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é fruto da experiência de estágio obrigatório de Serviço Social, do

Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) na Assistência

Judiciária da UFSM (AJUFSM).

A Constituição Federal de 1988 afirma a assistência jurídica como direito fundamental

previsto no artigo 5º, inciso LXXIV, em que o “Estado prestará assistência jurídica integral e

gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Neste sentido, Rodrigues (2002, p.10)

comenta:

Assistência Judiciária é a faculdade que por Lei se assegura às pessoas

comprovadamente pobres virem pleitear o benefício da Justiça Gratuita para que

demandem ou defendam seus direitos, e ainda, segundo Marcacini (1996:29) “é a

organização estatal, ou para estatal, que tem por fim, ao lado da dispensa provisória

das despesas, a indicação de advogado”. É, pois, um serviço público organizado e

consistente na defesa em juízo do assistido que deve ser oferecido pelo estado, mas

que pode ser desempenhado por entidades não estatais, conveniadas ou não com o

poder público.

Na UFSM, a Assistência Judiciária foi instituída no ano de 1978 e atualmente está

vinculada ao Centro de Ciências Sociais e Humanas. Caracteriza-se por prestar serviços no

âmbito judicial de forma gratuita, atendendo pessoas que recebam até três salários mínimos e

que tenham demandas de ações referentes à Vara de Família e Vara Cível. Não abarca ações

trabalhistas, previdenciárias e criminais, que, quando verificadas, são encaminhadas para os

Núcleos de Práticas Jurídicas de outras universidades ou para a Defensoria Pública (LONDERO

et al., 2013 apud MARIANO, 2014). A AJUFSM também se constitui como campo de estágio

para estudantes da UFSM dos cursos de Direito, Serviço Social e Psicologia, sendo todos (as)

orientados (as) por professores (as) de seus respectivos cursos.

Assim sendo, a Assistência Judiciária da UFSM é uma das ações universitárias que

podem expressar a inserção regional e a responsabilidade social da instituição, seus cursos de

graduação e setores de serviço técnico de educação superior, realizando, por meio de atividades

extensionistas, o desafio necessário da relação universidade e sociedade.

143

A orientação jurídica fornecida aos processos acompanhados implica ou o ajuizamento

de ações ou a realização de acordos extrajudiciais através da mediação de conflitos, meio

autocompositivo de solução de conflitos. Esta é desenvolvida de forma interdisciplinar entre as

áreas de Direito e Serviço Social, sendo também uma modalidade de atendimento do último42.

A mediação possui como pano de fundo o direito de acesso à Justiça além da vertente

formal perante os órgãos judiciários, assim como o estabelecimento de mecanismos

consensuais para a solução de conflitos e a redução da excessiva judicialização dos conflitos de

interesses (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010). É respaldada pela Resolução nº

125, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)43, pela Constituição Federal e pelo

Código de Processo Civil, de 2015.

Importa localizar o Serviço Social: um tipo de trabalho especializado na sociedade, uma

profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho, que não intervém ou produz

conhecimentos sobre um território específico, mas que se dispõe a interagir na trama das

relações sociais, o que pressupõe a articulação de múltiplos territórios e conhecimentos

(PRATES, 2003). Como especialização do trabalho, o Serviço Social tem na questão social a

base de sua fundação. Questão social apreendida enquanto o conjunto das desigualdades da

sociedade capitalista, mas também como expressões de rebeldia, por envolver sujeitos que

vivem, resistem e se opõem às desigualdades (IAMAMOTO, 1998).

É pertinente referir os objetivos da atuação do Serviço Social na AJUFSM conforme

seu projeto profissional na instituição. Dentre os objetivos, destacam-se: realizar atividades

interdisciplinares entre o Direito, o Serviço Social e a Psicologia que fortaleçam o exercício da

cidadania ativa no campo social; contribuir para o reconhecimento teórico-prático dos direitos

sociais; construir alternativas que sustentem a auto-organização da cidadã e do cidadão, de

grupos sociais e da família; organizar atividades e meios autocompositivos que encontre no

reconhecimento do campo da negociação os consensos possíveis; criar propostas à convivência,

socialização e ao acolhimento, familiares e comunitários; disponibilizar aos (às) acadêmicos

(as) da UFSM vivência interdisciplinar; viabilizar o acesso a políticas sociais, programas,

projetos, serviços, recursos e bens de natureza diversa (DI FIORI, 2005).

O estágio em Serviço Social se constitui como um somatório de vivências num espaço

sócio-institucional concreto de iniciação ao exercício da prática profissional de e do assistente

42O atendimento é feito por mediadora capacitada conforme prevê a Resolução nº 125, de 2010, do Conselho

Nacional de Justiça (CNJ), sendo esta, na Assistência Judiciária, também assistente social. 43 Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do

Poder Judiciário

144

social (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA, 2013), devendo, de acordo com

Silva (1994), capacitar a e o estudante para enfrentar as experiências cotidianas da prática

profissional como desafios intelectuais e operativos.

As atividades de estágio realizadas no campo da AJUFSM por estudantes de Serviço

Social compreendem a observação da sessão de mediação de conflitos e realização de triagem

socioeconômica. A triagem socioeconômica é competência do Serviço Social na AJUFSM,

referente à avaliação social, coleta de dados, entrevista e verificação da adequação dos (as)

usuários (as) aos critérios de elegibilidade do serviço (LONDERO et al., 2013 apud

MARIANO, 2014). Também propicia encaminhamentos à rede de proteção social e garantia de

direitos.

É na triagem que a possibilidade da mediação de conflitos é apresentada aos (às)

usuários (as) que não manifestarem interesse pelo processo judicial, ou que solicitarem uma

possibilidade de resolutividade mais rápida, ou, ainda, quando há a percepção da necessidade

de um atendimento diferenciado. Após o atendimento do Serviço Social, os casos selecionados

são encaminhados às e aos estudantes de Direito para darem prosseguimento às ações judiciais

ou ao processo da mediação, bem como às e aos estudantes de Psicologia, a fim de fornecerem

orientação psicológica, quando esta for demandada.

Dessa forma, esse trabalho visa contribuir para o debate sobre a prática de estágio na

Assistência Judiciária da UFSM (AJUFSM) na perspectiva da interdisciplinaridade.

Especificamente, se propõe a refletir sobre a realização de triagem socioeconômica e mediação

de conflitos, bem como sobre as contribuições do estágio em Serviço Social para o campo em

questão.

METODOLOGIA

O trabalho foi possível a partir do contexto do desenvolvimento das disciplinas de Estágio

em Serviço Social I e II, realizadas no sétimo e oitavo semestres do curso de Serviço Social da

UFSM, durante o segundo semestre de 2016 e primeiro semestre de 2017, totalizando 300

horas, nas dependências da AJUFSM, localizada no centro da cidade de Santa Maria - RS.

145

O estágio em Serviço Social pressupõe o envolvimento da tríade44, juntamente à

elaboração de documentos, quais sejam: plano de estágio, diários de campo, análise

institucional, projeto de intervenção e relatório final de estágio. O conjunto dessas atividades

teórico-práticas resultou o presente trabalho, que, portanto, é estudo descritivo, fruto de relato

de experiência e também estudo bibliográfico. Igualmente, é síntese coletiva: elaborada por

estudante estagiária, professora supervisora acadêmica e assistente social supervisora de

campo.

Para discutir as contribuições do estágio em Serviço Social para a AJUFSM, serão

discutidas percepções sobre o campo e apresentados alguns resultados do projeto de intervenção

executado pela estagiária. O projeto em questão delineava diversas atividades, dentre as quais

as principais foram: construção e proposição de instrumento avaliativo do serviço pelo (a)

usuário (a) no sentido de qualificá-lo; levantamento de dados da demanda atendida no campo

por meio das fichas de triagem socioeconômica, visando caracterizá-la minimamente, para

sistematizar e instrumentalizar a prática profissional e obter material para subsidiar pesquisas

futuras.

A sistematização da demanda atendida no campo foi feita a partir da análise das fichas

de triagem socioeconômica de 2015 e 2016 de casos que já tinham ocorrido desfecho. As

categorias para análise das fichas foram deliberadas entre a tríade, tendo como base a atual

ficha. Também foram definidas subcategorias dentro para melhor sistematização.

A prática da mediação de conflitos é desenvolvida da seguinte forma:

1) Pré-mediação com o Serviço Social: realização de triagem socioeconômica, que

fornecerá subsídio para a adesão voluntária dos (as) usuários (as) à mediação;

2) Ocorrida a adesão, dá-se a pré-mediação com estagiários (as) do Direito, os quais

orientarão juridicamente as partes;

3) Sessão de mediação constituída: pelas partes; respectivos (as) representantes das

partes, que serão ou estagiários (as) do Direito da AJUFSM ou advogados (as) particulares45;

mediadora (assistente social); co-mediador (a), sendo este (a) aluno (a) do Direito responsável

pela elaboração do acordo se a mediação for frutífera46, sob orientação de professor (a)

44 Tríade considerada como estudante estagiário (a), professor (a) supervisor (a) acadêmico (a) e assistente social

supervisor (a) de campo, devendo os (as) últimos (as) realizarem supervisão permanente (ABEPSS, 2009). 45 Será advogado (a) particular em caso de opção da parte ou se esta não for abrangida pelo serviço, pelos critérios

de elegibilidade. 46 Mediação frutífera refere-se à quando as partes chegam a um acordo.

146

supervisor (a) de estágio do Curso de Direito. Findada a sessão, mediador (a) e pré-mediador

(a) avaliam-na mediante ficha avaliativa;

4) Caso a mediação seja frutífera, estagiários (as) do Direito redigem o acordo e

acompanham a sua assinatura pelas partes.

RESULTADO E DISCUSSÃO

A realização da triagem socioeconômica permitiu inferir que se dá em consonância com

o Código de Ética da/o Assistente Social (BRASIL, 2012), pois corrobora com alguns dos seus

princípios fundamentais: quando remete à ampliação e consolidação da cidadania, com vistas à

garantia dos direitos civis sociais e políticos da classe trabalhadora; quanto ao posicionamento

em favor da equidade e da justiça social, que assegure a universalidade de acesso aos bens e

serviços relativos aos programas e políticas sociais; compromisso com a qualidade dos serviços

prestados à população.

Conforme Fávero (2013), mesmo nos limites da atuação cotidiana do assistente social,

uma das formas de materializar a contribuição com a justiça e os direitos pode se dar pelo

desvelamento e a interpretação crítica da demanda trazida e/ou vivida pelos (as) sujeitos (as).

Isso é também propiciado pelo processo da triagem, momento particular para apreender as

mediações e as contradições por meio das quais se dão as expressões da questão social que

acompanham as demandas dos (as) usuários (as), expressões que constituem o porquê da

intervenção profissional.

Sobre estas, as que mais se evidenciaram abarcam desemprego, precarização do

trabalho, baixa renda, insuficiência de políticas públicas, conflitos familiares, pobreza. Desse

modo, a recorrência à justiça (inclusive o retorno a ela após decisão judicial não efetivada na

vida prática) é consequência de uma totalidade social que priva, de algum modo, os (as) sujeitos

(as) das condições de viverem plenamente, o que pressupõe viver livre de exploração, opressão

e alienação. Neste sentido, o não acesso à justiça e às políticas sociais - e até mesmo sua

judicialização - são também expressões da questão social.

Muitas dessas expressões rebatem no núcleo familiar, e não é a toa que as intervenções

com famílias e/ou em situações que a envolvem são recorrentes na AJUFSM. A construção

abstrata burguesa do ideal de família não se materializa nos diversos atendimentos realizados.

Bem pelo contrário. As famílias reais são atravessadas pelos rebatimentos do conflito capital x

147

trabalho e muito pouco fazem jus ao modelo “comercial de margarina” - o qual é uma

representação muito fiel à referida construção do padrão burguês de família.

Outro exemplo disso é o nítido rebatimento do patriarcado e da cultura machista em

praticamente todos os casos, sendo expressos pelas mulheres quando relatam suas jornadas

triplas de trabalho, a responsabilidade e o cuidado exclusivos com os (as) filhos (as), bem como

quando buscam sair judicialmente de seus relacionamentos abusivos. Em especial, o que é

destinado socialmente e historicamente às mulheres pelo sistema patriarcal capitalista salta aos

olhos na vivência de campo na AJUFSM (SEBASTIANY, 2017).

O instrumento avaliativo do serviço pelo (a) usuário (a) foi elaborado entre a tríade foi

proposto aos (às) profissionais do serviço durante alguns encontros. Apesar de não ter sido

executado plenamente por questões temporais, obteve ótima receptividade, apontando como

desafio a sua implementação no próximo período.

A sistematização da demanda atendida no campo resultou em uma aproximação à

caracterização da população usuária, sendo sujeitos (as) que, em sua maioria: residem em áreas

periféricas da cidade; possuem baixa (e dificilmente fixa) renda, tanto é que muitos (as) estão

abrangidos (as) por políticas de proteção social; ocupam postos de trabalho precarizados;

possuem até 40 anos de idade; são mulheres. As demandas mais recorrentes dizem respeito a:

dissolução de união estável, pensão alimentícia, execução de alimentos, visita e guarda de filhos

(as).47

A observação da realização das sessões de mediação permitiu destacar, considerando a

lógica em que está inserida48, a centralidade que visa dar às usuárias e aos usuários que

demandam pela Justiça e o não estabelecimento de hierarquias neste processo da busca por

acessar direitos. Isso porque vem procurando materializar princípios como a autodeterminação

dos cidadãos e das cidadãs, ou seja, preza pela sua decisão e protagonismo, não demandando

um dito “ente superior”, o Estado, para regular suas vidas e ações a partir de normatizações que

os (as) homogeneízam e não considera a essência de suas problemáticas, o que possibilita mais

chances do “acordo”, resultado do “consenso entre as partes”, se efetivar na prática.

Problematizando mediação e Serviço Social, Fávero e Mazuelos sinalizam que

47 Informações conforme: SEBASTIANY, M. M. Relatório Final de Estágio. 43f, 2017. Universidade Federal de

Santa Maria, 2017. 48 A AJUFSM se situa no que, dentro do âmbito do Serviço Social, se convém denominar como “campo

sociojurídico”, aquele que reúne o conjunto de áreas em que a ação do Serviço Social articula-se a ações de

natureza jurídica (FÁVERO, 2013). Conforme Borgianni (2012), o campo sociojurídico carrega uma “polaridade

antitética”, que é a convivência numa mesma totalidade de duas determinações que são antagônicas, mas

complementares. Tal polaridade se dá pela proteção de direitos de um lado e a responsabilização civil ou criminal

de outro.

148

É fundamental que o profissional de Serviço Social que faz uso desse instrumental

exercite a reflexão sobre o conjunto dos elementos que forjam a problemática

apresentada, estabelecendo conexões com as determinações postas em sua construção

pela questão social, e com as implicações do conflito existente, na família e no

território – apenas para citar duas das categorias de análise que podem subsidiar a

negociação. Sem o entendimento e a análise crítica dessas questões, a mediação será

uma técnica de intervenção que poderá proporcionar a contenção, o alívio temporário

de conflitos familiares, mas não contribuirá para que família e o profissional entendam

as raízes e os condicionantes sociais do conflito e se empoderem para enfrentá-los

(FÁVERO; MAZUELOS, 2010, p. 49).

Nesse sentido, entende-se a atuação da assistente social durante a mediação como

contribuição interdisciplinar para a crítica da realidade social ao possibilitar, tanto para usuários

(as) quanto para profissionais e estudantes de Direito participantes do processo, a ampliação da

percepção e da compreensão das situações vivenciadas.

Portanto, é necessário que a reflexão e a ação de mediação familiar vinculem-se às

múltiplas questões vivenciadas cotidianamente pelos sujeitos, desde entender como

vivem e como acontecem as relações nessas famílias e quais são seus desafios,

perpassando pelo bairro em que passam a maior parte do tempo de suas vidas;

perceber como está estruturado esse território em termos de qualidade de vida, de

políticas públicas, o que o local oferece, a quais acessos em termos de direitos sociais

essa família terá ao finalizar o processo de mediação: poderá, por exemplo, contar

com a rede de ensino, de saúde, de lazer, com trabalho? Se realizado esse link, a

intervenção irá além da escuta e da negociação com vistas a uma solução imediata e

judicial para a questão emergente que levou os sujeitos à procura do serviço;

possibilitará que o diálogo e a reflexão tragam o contexto social mais amplo que

interfere diretamente nas relações familiares postas no âmbito privado, eliminando a

culpabilização individualizada pelos conflitos, não raro presente em trabalhos

desenvolvidos com famílias (FÁVERO; MAZUELOS, 2010, p.53, grifo das autoras).

Nisso, entende-se que a dimensão técnico-operativa do Serviço Social não se confunde

com imposições jurídicas e normativas, não cabendo a incorporação, no fazer profissional, de

verdades jurídicas, expressas na ‘forma da lei’. Apesar das práticas punitivas, com cunho

moralizante e disciplinador fazerem parte da trajetória histórica da profissão, sendo, inclusive,

requisições que as instituições sociojurídicas colocam às e aos assistentes sociais, estas e estes,

por meio de seu saber teórico-prático, devem propiciar conhecimentos e abordagens técnicas

sobre a realidade para romper com a alienação reproduzida a partir do senso comum e ou de

uma lógica dominante repressora. Para tanto, a mediação de conflitos, na realidade da

AJUFSM, vem sendo construída nesta perspectiva.

Além disso, é relevante mencionar como resultado da experiência de estágio a

possibilidade da interlocução “da prática à teoria", isto é, do estágio curricular à formação

149

profissional, que, pelo material da “práxis”, permite a elaboração de trabalhos acadêmicos e a

devolutiva à sociedade.

CONCLUSÕES

A prática de estágio em Serviço Social possibilitou reconhecer a Assistência Judiciária

da Universidade Federal de Santa Maria como um legítimo laboratório de ensino, pesquisa e

extensão, visto que contempla a formação acadêmica e os interesses da comunidade local, no

caso específico, de acesso aos direitos e à Justiça.

Destaca-se a contribuição que a prática interdisciplinar durante a mediação de conflitos

propicia para a formação profissional. A interlocução das áreas do conhecimento durante os

procedimentos da mediação propiciam com que as e os estudantes ampliem a percepção e a

análise das situações sociais que trabalham.

Nisso, visualiza-se o quão fundamental é o papel do Serviço Social para a instituição,

principalmente porque utiliza seu arsenal técnico-operativo, teórico-prático e ético-político em

favor da democratização de informações relacionadas aos direitos sociais, bem como busca um

olhar crítico no que concerne às relações sociais.

Portanto, a AJUFSM, ao propiciar aprendizado interdisciplinar às e aos estudantes,

sobretudo durante a triagem socioeconômica e a mediação de conflitos, desenvolve suas

percepções sobre as implicações sociais no processo de aplicação do Direito, contribuindo desta

maneira para reduzir os problemas do acesso à Justiça, bem como pode ser uma possibilidade

de reflexão crítica sobre a realidade durante a formação profissional.

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152

PERCEPÇÕES DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL POR ESTUDANTES

DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA CIDADE DE SANTO ÂNGELO-RS

Juliani Borchardt da Silva49

RESUMO: As percepções que envolvem o patrimônio histórico são distintas entre sujeitos e

culturas, as quais dependem de laços afetivos dos sujeitos junto a espaços e elementos

representativos de suas identidades. A pesquisa ora apresentada buscou identificar alguns

elementos desta afetividade através de estudantes de uma escola pública da cidade de Santo

Ângelo - RS, onde estes principais elementos simbólicos e representativos, através de seu uso

cotidiano ou imaginário construído, emergiram e foram expostos. Através de pesquisa

bibliográfica sobre o tema e pesquisa de campo, se abordou a temática junto ao público do

educandário aplicando questionário semi-estruturado, chegou-se a indicativos dos locais mais

afetivos e usuais para este público, os quais em determinados aspectos divergiram de hipóteses

inicialmente pensadas para a pesquisa, a qual poderá servir de subsídio para futuras ações e

políticas públicas e de salvaguarda na área do patrimônio histórico e cultural desta localidade.

Palavras-chave: Patrimônio histórico, Afetividade; Cultura. Santo Ângelo-RS.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa buscou identificar as percepções dos alunos de uma escola pública50

do município de Santo Ângelo-RS51 acerca do patrimônio histórico e cultural local,

identificando as principais referências culturais para este grupo através do uso que os mesmos

possuem destes bens e espaços. A temática apresentada têm se mostrado abrangente em seu

campo de análise e discussão, sejam eles sociais, antropológicos, culturais, filosóficos, de

direito, arquitetura e tantos outros que buscam compreender suas dinâmicas na atualidade,

49 Doutoranda em Memória Social e Patrimônio Cultural na Universidade Federal de Pelotas – UFPEL. E-mail:

[email protected] 50 Escolheu-se para a aplicação da referida pesquisa o Instituto Estadual de Educação Odão Felipe Pippi, maior

educandário de abrangência da 14ª Coordenadoria Regional de Educação do Rio Grande do Sul, hoje com 1.500

alunos (dados referentes ao ano de 2017). 51 Fundada em 1706 pelo Padre Jesuíta Diogo Haze, compôs um dos Sete Povoados desenvolvidos no que hoje é

território Brasileiro durante o chamado Segundo Ciclo Missioneiro. Teve seu declínio com a Guerra Guaranítica

motivada pela assinatura do Tratado de Madrid em 1750. Em seguida seu território foi ocupado por Portugueses

repovoadores e imigrantes de diversas etnias. Hoje possui em torno de 76 mil habitantes e é detentora de um legado

patrimonial e histórico referência para todo o Estado do Rio Grande do Sul.

153

sendo cada perspectiva, colocada conforme sua área, seu interesse ou grupo de sujeitos

estudados. O que se torna inevitável, no entanto, é a necessidade de olhares cada vez mais

atentos e que dialoguem com os sujeitos envolvidos em cada processo onde bens e percepções

culturais estejam envolvidos, percebendo e reconhecendo suas representações, produções de

sentidos e conflitos existentes nas negociações do campo patrimonial.

O processo de patrimonialização ocorre, a priori, através do reconhecimento via

instâncias governamentais competentes e responsáveis por consagrar e salvaguardar os

principais elementos culturais e identitários representativos da sociedade e de seus diversos

grupos. Esse procedimento têm se mostrado em muitas situações, elitizado e seletivo, onde

apenas os elementos arquitetônicos advindos das camadas sociais mais abastadas são

contemplados com o reconhecimento institucional e salvaguardados pelo Estado, deixando de

lado, na maioria das vezes, a produção cultural, histórica, simbólica, patrimonial, paisagística,

e de territórios produzidos e representativos de grupos e camadas sociais inferiores

economicamente, e sem poder de influência junto a instâncias governamentais.

Em situações onde mecanismos de participação social existem no diagnóstico de bens

patrimoniais a serem reconhecidos pelo Estado, o processo de reconhecimento se torna mais

próximo às identificações produzidas pelos sujeitos que ali habitam e, consequentemente, estes

auxiliam o poder público na própria salvaguarda destes bens, havendo assim uma apropriação

social resultante deste vínculo afetivo social. Este tipo de caso ainda pode ser considerado

excepcional na maioria dos processos de patrimonialização, infelizmente. Isso porque ainda

permanece em nossa sociedade a ideia de que algo só é ‘patrimônio’ ou ‘importante’ se possuir

o reconhecimento por parte do Estado, não prevalecendo por si só os níveis de uso ou afeto que

os grupos possam fazer de determinados espaços ou objetos, fazendo com que muitas vezes os

próprios sujeitos não reconheçam suas práticas ou bens edificados como algo importante para

o coletivo numa esfera institucional.

Neste sentido, torna-se indispensável o desenvolvimento de instrumentos de

participação social, o qual pode ser produzido tanto na esfera governamental, quanto na própria

sociedade civil. Na esfera pública, podem ser desenvolvidos espaços de participação social

através de conselhos de políticas públicas na área, bem como, a produção de eventos como

conferências municipais para discutir ações e estratégias de proteção patrimonial diretamente

com as comunidades envolvidas. Outra ação existente em muitos Estados e municípios são os

Orçamentos Participativos, onde a população elege áreas prioritárias para investimentos e ações

154

do poder público, direcionando recursos estrategicamente para os setores que acreditam ser

prioridade para o desenvolvimento destas comunidades.

No campo da sociedade civil organizada, podem ser fundadas instituições como

ONGs52, Associações e OSCIPs53 que auxiliarão na salvaguarda de bens patrimoniais através

de ações, projetos, fiscalização e proposição de políticas públicas para o setor, podendo estas

estar atuando de forma conjunta e participativa, inclusive, com o próprio poder público na

elaboração de estratégias de desenvolvimento na área. Tais grupos também são importantes

para a conscientização e difusão da temática junto à sociedade, desmitificando muitos tabus que

existem e informando a população sobre a importância de proteger sua cultura, patrimônio e

consequentemente suas memórias.

Cabe lembrar, que o conceito de patrimônio cultural foi se alterando com o passar do

tempo, possuindo ainda distintas interpretações conforme as percepções e ideias de cada

sociedade. Um exemplo disso são as formas de concepção dos bens culturais no ocidente em

comparação ao oriente ou Ásia, sendo estas distintas umas das outras, as quais interferem na

forma como cada grupo se relaciona com os seus referenciais simbólicos e arquitetônicos, bem

como a maneira como se dará sua proteção e difusão perante o restante da comunidade e a

transmissão destes bens às futuras gerações. Como campo de disputas ideológicas, políticas e

identitárias, o patrimônio histórico tem servido como constituidor de discursos legitimadores

de Estados e Governos que buscam, historicamente, se consolidarem como portadores de

determinadas características que formarão a cultura daqueles que ali habitam, criando um

passado comum com o qual todos possam conviver, bem como, projetando bases identitárias

para o futuro. Essa necessidade faz com que conflitos ocorram, bem como, que elementos

culturais sejam apagados e rejeitados em determinados sociedades: é o processo de lembrar

versus esquecer, numa dinâmica de escolha que determinará o que será predominante

culturalmente, arquitetonicamente, espacialmente e simbolicamente numa sociedade.

A escolha destes referenciais é sempre balizada pela dicotomia do que será lembrado

versus o que será esquecido. Elegem-se elementos de uma sociedade em prol de outros que

deverão ser esquecidos, numa decisão geralmente política, visando justamente à criação de um

discurso fundador, oficial e identitário comum, conforme preleciona Ricoeur, “para a memória

artificial, tudo é ação, nada é paixão. Os lugares são soberanamente escolhidos, sua ordem

52 ONG: Organização Não Governamental. 53 OSCIP: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

155

oculta a arbitrariedade da sua escolha; e as imagens não são menos manipuladas que os lugares

aos quais são destinadas.” (2007, p. 80)

Os elementos escolhidos para serem “esquecidos”, nem sempre são extirpados da

sociedade, permanecendo nas práticas e nos discursos sociais de forma “subterrânea” e não

legitimada pelas esferas governamentais. É o que geralmente ocorre com as práticas culturais

populares e imateriais54, que só recentemente começaram a ser visitadas e reconhecidas

institucionalmente como elementos relevantes formadores da identidade nacional, por exemplo.

Neste trabalho, de forma simples e genérica, espera-se escutar a voz de uma parcela de

estudantes de um educandário público da cidade Santo Ângelo (RS) sobre as suas percepções

acerca do patrimônio existente neste município, podendo os resultados apontarem para

elementos distintos daqueles oficiais introduzidos por órgãos governamentais como relevantes

da cultura e da cidade. Para o desenvolvimento da pesquisa, além de pesquisa bibliográfica,

fez-se um trabalho de campo na escola onde se escolheu trabalhar junto aos alunos do Ensino

Médio do turno da manhã, os quais receberam informações básicas referentes à pesquisa, seus

objetivos, contextos bem como da temática que envolve o estudo, a fim de não haverem dúvidas

no momento destes responderem ao questionário proposto, o qual foi aplicado a todos que

desejaram participar da pesquisa.

Espera-se que o trabalho sirva como instrumento de inclusão para esta parcela da

população, quer seja, jovens estudantes de escola pública, via de regra, esquecidos e

desconsiderados das políticas públicas no segmento patrimônio histórico bem como de

incentivo para futuras pesquisas na área, que ainda se mostram incipientes nesta localidade,

principalmente com abordagens, públicos e enfoques distintos dos habituais até então,

estimulando uma educação através do patrimônio histórico, o consequente uso sustentável

destes espaços assim como a elaboração de políticas públicas de inclusão e de reconhecimento

destes sujeitos e de seus referencias na discussão e na salvaguarda pública dos bens

patrimoniais.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL: AFETIVIDADE E USO

54 O Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer bens imateriais em sua listagem de patrimônios. A convenção

de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial da UNESCO de 2003 foi um marco nesta área.

156

A proteção do patrimônio histórico a partir de seu uso através do grupo que o detém,

deveria ser a premissa de qualquer sociedade realmente identificada com os bens ali

consagrados como legitimadores de sua cultura e das distintas identidades que a compõem. A

crítica ocorre, quando a escolha destes elementos é feita basicamente de forma autoritária,

vertical e burocrática, sem considerar os anseios e percepções da comunidade que habita neste

espaço. Fonseca lembra bem esta questão ao afirmar que:

No caso da preservação, é preciso lembrar que o exercício da liberdade na seleção dos

bens a serem preservados e na produção da justificativa para o seu tombamento deve

assentar em critérios explícitos e que encontrem um razoável grau de consenso junto

à sociedade. (2005, p. 169)

O consenso de que o autor fala seria uma identificação, por uma parcela da sociedade,

do bem a ser salvaguardado. Não havendo representatividade nesta escolha, o reflexo direto é

a falta de afetividade dos sujeitos diante destes espaços que, senão forem extremamente

cuidados pelo poder público, serão abandonados, esquecidos e depredados, não tendo nenhum

tipo de uso efetivo à comunidade, perdendo completamente seu sentido patrimonial, o qual seria

justamente o de valorizar identidades, culturas, histórias e elementos representativos da

pluralidade que compõe a memória desta sociedade atualmente. Neste sentido, Castriota lembra

ainda que:

O fato é que as decisões sobre a conservação do patrimônio sempre lançaram mão,

explícita ou implicitamente, de uma articulação de valores como ponto de referência:

a última instância vai ser a atribuição de valor pela comunidade ou pelos órgãos

oficiais que leva à decisão de se conservar (ou não) um bem cultural. Assim, as

políticas de preservação trabalham sempre com a dialética lembrar-esquecer: para se

criar uma memória, privilegiam-se certos aspectos em detrimento de outros,

iluminam-se certos aspectos da história, enquanto outros permanecem na obscuridade.

(2009, p. 15)

O processo de escolha do que preservar parte, via de regra, de disputas identitárias,

ideológicas, culturais e discursivas de distintos grupos que visam a permanência, a

exclusividade ou o reconhecimento de seus elementos como os legítimos portadores de verdade

as quais passam a servir de parâmetro e referência aos demais. Estes conflitos, muitas vezes

subliminares e até mesmo não identificados publicamente, ocorrem basicamente na demarcação

de discurso e territórios que são consagrados e consequentemente reproduzidos como

referências culturais daquela comunidade, exaltando alguns elementos em detrimento de outros,

157

os quais não terão como destino provável o esquecimento e o abandono. Cabe ressaltar que

neste jogo conflitual de discursos e bens a serem esquecidos, podem por outro lado, resultar,

segundo Ricoeur (2007, p. 452) numa memória impedida, fazendo com que os sujeitos

desenvolvam memórias encobridoras, onde referências e narrativas muitas vezes são

desordenadas dos fatos e acontecimentos vivenciados, desconectando-os de suas próprias

culturas e identidades.

No campo da proteção patrimonial, cabe reforçar ainda o que prevê a Constituição

Federal de 1988 em seu artigo 216, onde diz que

§ 1°. O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância,

tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

(Constituição Federal Brasileira de 1988)

Neste sentido, a responsabilidade pela salvaguarda dos bens, segundo a Constituição

Federal, é do Poder Público tanto em suas esferas Federal, Estadual e Municipal, incluindo a

colaboração dos cidadãos. Sabe-se que na prática, as ações que envolvem o poder público se

limitam apenas ao ato legal e declaratório do reconhecimento do imóvel ou bem como

patrimônio, ficando na maioria das vezes o ônus da manutenção destes espaços para seus

proprietários. A quantidade de bens reconhecidos impossibilitaria, provavelmente, que sua

manutenção seja realizada exclusivamente pelo Estado, porém as dificuldades não findariam

neste quesito, onde há deficiências de apoio técnico, profissionais qualificados bem como a

utilização e destinação destes espaços após seu processo de patrimonialização nos órgãos

competentes, sendo seu uso ainda um desafio na maioria dos casos.

Para além das discussões de reconhecimento oficiais dos bens patrimoniais, é

imprescindível reconhecer, que há elementos que mesmo não institucionalizados como “bens

tombados” possuem um apelo afetivo e de valoração junto a parcelas da população que os

identificam com tais bens e espaços, representando-os como pertencentes à suas vidas. Tais

elementos são produzidos nos contextos sociais dos grupos, sendo compartilhados em seus

sentidos, onde a afetividade e o pertencimento fazem com que os sujeitos se apropriem destes

como seus. Leite lembra que

(...) os afetos “possuem um caráter universal, são expressivos e, sem exceção,

comunicativos no sentido deque implicam em contágio”. O contágio é uma

158

propriedade fundamental dos afetos. Isso porque um afeto é sempre “percebido no

social”. A condição humana é conduzida pelos afetos. “Nascemos com eles”. As

pessoas “suscitam afetos”. (LEITE, 2005, p. 105)

O desenvolvimento de afetos, em especial os relacionados às referências patrimoniais

e simbólicas produzidas pelo homem, o que na antropologia se denomina cultura, é socialmente

(re) produzido no seio das relações dos sujeitos que compõem o grupo, que elegem

determinados sentimentos que serão expressos e manifestados através da materialidade destes

objetos, prédios e/ou espaços, dos quais, provavelmente, se desprenderá todo esforço para que

estes discursos e sentimentos sejam alocados e impregnados constantemente a fim de que o

mesmo não se perca em virtude do surgimento de outros.

Através do fator afetividade, os órgãos reguladores do patrimônio histórico podem

utilizá-lo para nortear parte de suas ações no que tange o delineamento dos critérios para

salvaguarda dos bens materiais das comunidades que anseiam por terem reconhecidas suas

identidades. Neste sentido, Fonseca lembra que

(...) Porém não basta uma revisão de critérios adotados pelas instituições que têm o

dever de fazer com que a lei seja aplicada, tendo em vista a dinâmica dos valores

atribuídos. É necessária, além disso, uma mudança de procedimentos, com o propósito

de abrir espaços para a participação da sociedade no processo de construção e de

apropriação de seu patrimônio cultural. (FONSECA apud ABREU, 2003, p. 67)

Como já lembrado anteriormente, o espaço de diálogo e de participação é elemento

primordial para que o patrimônio histórico possua um grau razoável de aderência às

expectativas sociais, aplicadas inclusive ao uso que se fará do mesmo, seja ele no campo

simbólico, cultural, turístico ou financeiro. Pode-se dizer que o uso de destino destes bens é

determinante para sua efetiva manutenção, proteção, difusão e fruição social ou o contrário,

abandono, esquecimento, depredação e ruína. Nesta lógica, sem uso, não há sentido de

existência e de reconhecimento de elementos que não possuem representatividade e afetividade

perante os sujeitos detentores do mesmo.

Isso não quer dizer que tecnicamente bens edificados ou imateriais não devam ser

reconhecidos simplesmente porque não possuam o ‘apelo da maioria’, cabendo aí ao Estado e

aos grupos organizados determinarem a melhor forma de uso e de reprodução destes bens na

sociedade, estimulando seu consumo e potencializando sua difusão coletiva, que talvez só não

a valorize por simples falta de conhecimento da relevância dos mesmos para a coletividade.

Uma questão se mostra importante: a necessidade da aplicação de novas ferramentas para o

159

reconhecimento do que é representativo para as comunidades, a fim de que o “reconhecido”

tenha a cara daqueles que o utilizam e valorizam dentro da lógica de afetividade e

pertencimento.

ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES REFENTES AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E

CULTURAL NO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO ODÃO FELIPPE PIPPI

Após contato realizado com a direção do educandário, optou-se pela aplicação do

questionário junto aos alunos matriculados no ensino médio diurno55. No total foram aplicados

174 questionários56, sendo neste universo para um público de 50% do gênero masculino e 50%

feminino. A escola possui uma aparente diversidade étnica sendo que, respondendo ao

questionário, os alunos se identificaram, em sua maioria 48% como brancos, 37% pardos, 8%

negro, 3% amarelo, 2% mulato e 2% indígena. Neste contexto, se pode concluir que muito

embora a escola seja pública, e esteja localizada em uma zona periférica do município, a maioria

de seus alunos se considera branco ou pardo, o que poderia, numa primeira hipótese, influenciar

nas referências simbólicas que os mesmos pudessem possuir dos referências culturais existentes

na localidade.

Questionados sobre o conhecimento que possuíam sobre a história de Santo Ângelo, a

maioria (54%) considerou regular sua formação nesse quesito, sendo a opção “muito bom”

correspondente apenas a 5% da percepção dos entrevistados.

55A escolha se deu principalmente pela abertura dos mesmos à proposta da pesquisa, demonstrada pelo interesse

dos alunos diante das conversas iniciais da direção da escola e da pesquisadora desta pesquisa. Considerou-se

ainda que o turno da manhã houvesse um universo maior de participantes do que o noturno bem como o perfil dos

alunos, tendo em vista que alunos do ensino fundamental a dinâmica e a linguagem deveriam ser distintas,

demandando outros mecanismos a fim de verificar suas percepções sobre a temática. 56 O questionário foi aprovado dentro do projeto da respectiva pesquisa junto ao comitê de ética da instituição de

ensino, respeitando assim todos os critérios da legislação vigente referente ao tema.

160

Gráfico 01: Conhecimento sobre a história do Município

Fonte: Aplicação de questionário, 2017.

Estes dados apontam para a hipótese de uma fragilidade que estes discentes possuem no

que toca a sua formação no quesito história local, o que se deve, provavelmente, em razão desta

temática ser abordada apenas durante o conteúdo programático do quinto ano do ensino

fundamental, incipiente e frágil diante de todas as possibilidades de abordagens que o assunto

poderia ter na rede de ensino da região, conforme reflete os resultados: “ruim” 16% e “muito

ruim” 1%. Outra hipótese que estes números podem indicar é que os instrumentos culturais do

município (museus, memoriais, centro de cultura, centro histórico, arquivo histórico, etc.), bem

como as ações governamentais realizadas são insuficientes e ineficientes para este público, o

qual não é diretamente atingido pelas (poucas) políticas públicas existentes no setor. Este dado

é constatado ao se verificar que no município não existem ações específicas voltadas ao

patrimônio histórico direcionadas a estes estudantes, o que indica que os entrevistados que

disseram possuir conhecimento regular, provavelmente saibam menos do que acreditam saber

sobre sua própria história.

Nesta lógica, quando questionados sobre os locais que conhecem e/ou já visitaram e

frequentam, as respostas apresentadas indicam basicamente dois principais espaços: Praça da

Catedral57, localizada no Centro Histórico da cidade e a Praça do Brique58, ambas situadas no

57 Seu nome oficial é Praça Pinheiro Machado. 58 Seu nome oficial é Praça Leônidas Ribas.

5%

22%

54%

16% 1%

2%

Conhecimento sobre a história do Município

Muito bom

Bom

Regular

Ruim

Muito ruim

Indiferente

161

centro da cidade de Santo Ângelo, ou seja, em locais estratégicos e privilegiados

geograficamente.

Gráfico 02: Locais que já visitou

Fonte: Aplicação de questionário, 2017.

Nota-se que locais como Arquivo Histórico, Acervo Abambaé, Museu Marechal

Cândido Rondon e o Monumento ao próprio fundador do Município (Padre Diogo Haze) não

são totalmente visitados ou conhecidos pelos entrevistados (mesmo também estando

localizados em áreas privilegiadas da cidade), o que indica um não reconhecimento destes como

espaços representativos de sua história e consequentemente de suas memórias de vida e de

legitimação social. Neste sentido, voltamos aos argumentos anteriores para justificar tais dados:

1) estes espaços, em sua maioria, foram criados e desenvolvidos através de ações do governo

local para “impor” um discurso histórico oficial da cidade, o qual não parece estar sendo

absorvido por estudantes de ensino médio desta escola pública simplesmente por não ser

representativo de suas identidades e/ou pelo fato do próprio governo não desenvolver ações de

educação patrimonial que incentivem à afetividade dos mesmos junto aos mesmos. 2) A

realidade dos sujeitos entrevistados, pelo menos numa visão superficial, não parece estar

contemplada nos espaços culturais existentes na cidade, criando distanciamento e o não

reconhecimento destes por parte dos sujeitos que poderiam utilizá-los justamente para reforçar

suas identidades. 3) A importância do uso do espaço. Aqueles que mais podem ser utilizados

parecem ser apropriados de forma mais preferencial pelos entrevistados, apontando assim para

a necessidade de se pensar as dinâmicas de uso para um pertencimento em relação ao

0 50 100 150 200

Praça do Brique

Memorial Coluna Prestes

Museu Olavo Machado

Monumento Índio

Monumento Padre DH

Capela e Memorial TV

Museu Rondon

Praça da Catedral

Centro de Cultura

Acervo Abambaé-Tupambaé

Arquivo Histórico

Locais que já visitou

162

patrimônio histórico. Nesta lógica, a importância poderia estar não nos objetos e espaços em si,

mas na significação e manutenção de vínculos que estes podem proporcionar ao grupo através

de seu uso, acarretando assim um elo de pertencimento. Nestas dinâmicas, cabe lembrar que o

conhecimento e a sensibilização podem auxiliar no processo de afetividade dos bens, o que o

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) caracteriza de educação

patrimonial, sendo definido como

(...) os processos educativos formais e não formais que têm como foco o Patrimônio

Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica

das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu

reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda que os processos

educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento,

por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação

efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde

convivem diversas noções de Patrimônio Cultural. (IPHAN, 2014, p. 19)

Educar assim através dos elementos apresentados através das referências culturais, se

torna uma experiência rica e eficaz, trazendo os discentes às realidades locais de sua região,

formação histórica e cultural, as quais são representadas e manifestadas através de distintas

maneiras na atualidade. Cabe às instituições de ensino e seus profissionais, devidamente

habilitados, utilizarem deste valioso recurso em suas práticas pedagógicas, inclusive de forma

interdisciplinar, moldando assim, formas mais atrativas de docência e consequentemente de

educação e conhecimento aos alunos, que participarão e se sentirão mais pertencentes tanto à

escola quanto à cidade e seus bens culturais, reproduzindo assim discursos e ações de cuidado

junto a estes espaços. Lemos preleciona que a educação popular direcionada a todos os

envolvidos e interessados no processo de proteção dos referenciais simbólicos é fundamental,

onde “sem dúvida, tornamos a repetir, a base correta do “como preservar” está na elucidação

popular, na educação sistemática que difunda entre toda a população, dirigentes e dirigidos, o

interesse maior que há na salvaguarda de bens culturais.” (2010, p. 119)

Em contraponto, é importante ressaltar também que o poder público deve reconhecer

elementos e bens que sejam representativos dos diversos grupos que compõem a plural

sociedade que se compõem atualmente, a fim de que os sujeitos além de conhecerem a cultura

e suas distintas representações, se reconheçam nela e a reproduzam de forma viva, dinâmica e

que proporcione seu compartilhamento futuro.

Questionados sobre o lugar da cidade que mais gostam, a resposta dos entrevistados foi

a seguinte:

163

Gráfico 03: Lugar que mais gosta

Fonte: Aplicação de questionário, 2017.

A hipótese primeira levantada nesta pesquisa seria que os mesmos, em sua maioria,

optassem pela Praça da Catedral em virtude do apelo simbólico nela existente, pelo processo

de valorização incentivado pelo poder público bem como pelos principais eventos oficiais do

município que são realizados neste local, assim como esta praça ser o ponto de encontro social

aos domingos à tarde de parcela da população que ali se reúne servindo de ponto de

sociabilidade. Ao contrário do que se imaginou, os entrevistados manifestaram que o espaço

que mais se identificam era a Praça do Brique.

Essa escolha pode estar motivada por dois aspectos principais: 1) a referida praça possui

uma ampla pista para a prática de skate, podendo este ser um fator determinante para o uso e a

consequente afetividade destes jovens que se identificam com aquele espaço e; 2) sua

localização geográfica é favorável em relação à escola onde o questionário foi aplicado, ficando

cerca de 1,5km de distância, o que também favorece o fluxo e o uso deste público naquele

espaço.

Apesar da Praça da Catedral aparecer em segundo lugar em uso pelos entrevistados,

pelo enorme fator de sociabilidade que apresenta por estar localizada no Centro Histórico da

cidade, o uso e a afetividade destes jovens junto à Praça do Brique se deve à constituição de um

ponto de referência criado específico para esta parcela da população, diferentemente do que

ocorre na outra praça, mais genérica e abrangente em seu uso. Estes jovens, mesmo não sendo

aparentemente percebidos no uso deste espaço, fazem dele o seu refúgio para manifestação de

outras práticas que expressam suas maneiras de pensar e imaginar a sociedade e o mundo onde

Praça do Brique

52%

Memorial Coluna Prestes

3%

Museu Olavo Machado

2%

Monumento Índio0%

Monumento Padre DH

0%

Capela e Memorial TV

0%

Museu Rondon

1%

Praça da Catedral

38%

Centro de Cultura

0%

Acervo Abambaé-Tupambaé

0%

Arquivo Histórico

1% Outros0%

Nenhuma das opções

3%

Lugar que mais gosta

164

vivem, sendo o skate apenas uma delas. Cabe questionarmos, a título de registro, a possível

carência de ações e políticas públicas que adolescentes entre 14 e 17 anos possuem na

atualidade, sendo então a adoção de espaços como o da praça e sua pista de skate, locais chave

para o encontro e o desenvolvimento destes vínculos afins entre sujeitos que passam a

compartilhar elementos culturais e simbólicos que formam suas identidades e referencias

sociais. Questionados sobre o fluxo de uso, a resposta dos entrevistados demonstra o seguinte:

Gráfico 04: Brique da Praça: uso

Fonte: Aplicação de questionário, 2017.

Uma parcela considerável do público entrevistado utiliza o espaço da Praça do Brique

semanalmente (42%), seguido de mensalmente (29%) e diariamente (16%), o que se conclui

que de forma geral a respectiva praça é utilizada de forma regular pelos entrevistados, o que

consequentemente cria vínculos destes sujeitos junto a este local, acarretando assim, como

efeitos: a) o não abandono do espaço público; b) o monitoramento que os próprios usuários

fazem do local para que o mesmo não seja depredado; c) a manutenção do espaço pelos usuários

e a cobrança de que o poder público faça o mesmo; d) a criação de entidades e associação civis

específicas que utilizem o espaço, por exemplo. Nesta praça há grupos de skatistas organizados,

bem como uma associação que realiza um brique59 dominical com ações culturais e de

artesanato a mais de 25 anos; e) criação de políticas públicas para a juventude através da

secretaria de cultura, educação ou de esporte60.

59 Espaço para artesãos da cidade e região comercializarem seus trabalhos e produtos. 60 As quais como já foi citado, ainda não existem, porém podem ser impulsionadas com a organização destes que

utilizam a praça, por exemplo.

16%

42%

29%

3%10%

Brique da Praça: uso

Diariamente Semanalmente Mensalmente

Anualmente Praticamente nunca

165

A afetividade de um grupo pode assim motivar o desenvolvimento de inúmeras ações e

estratégias que, no todo, acarretarão a consequente proteção de locais e ambientes consagrados

pela própria comunidade como importantes para suas vidas, independente de haver uma

formalização institucional patrimonializando determinados espaços, o que não é garantia de sua

efetiva proteção e aderência junto à população. É importante destacar ainda que diante de uma

sociedade plural, os sujeitos tendem a se identificar com distintos locais e elementos simbólicos,

não impedindo, por exemplo, que estes mesmos alunos que primeiramente se identificaram com

a Praça do Brique, não utilizem, gostem e também se sintam pertencentes (em proporções

distintas) com outros locais da cidade, ou que mudem com o passar do tempo e conforme sua

idade e prioridades, de locais e o uso que consequentemente farão deles.

Desta forma, longe de uma hierarquização que muitas vezes a temática tende a impor,

deve-se ter sensibilidade e ações que reconheçam as distintas formas de uso e identificação dos

diversos espaços simbólicos existentes numa localidade, cada um com seu grau de

expressividade para grupos e segmentos diversos, sendo todos importantes para o

reconhecimento do patrimônio histórico como elemento fundamental para a manutenção e

fortificação das culturas e identidades locais.

Questionados ainda sobre se conheceriam algum espaço patrimonial depredado em

Santo Ângelo, 57% manifestou que sim, apontando que o público entrevistado possui a

percepção do que seja depredação, perda e descaracterização destes espaços na paisagem

urbana. Não se podem indicar aqui quais seriam estes espaços nem seus possíveis depredadores,

os quais em muitos casos podem ser provenientes da própria faixa etária dos entrevistados, que

justamente não se identificam com as referências e espaços existências na cidade, necessitando

assim deixar sua marca e mensagem de contrariedade perante um sistema excludente, que não

os ouve e enxerga, num processo de invisibilidade deste segmento. Obviamente que este

processo de depredação pode ser elemento advindo de outros grupos que também não se

reconheçam como os elementos escolhidos para representar a identidade do município e, como

já ressaltado anteriormente, resposta à maneira como geralmente o processo de

patrimonialização ocorre: verticalmente, sem a participação da comunidade e distante de um

planejamento sustentável de uso e manutenção destas edificações/espaços/paisagens, resultado

de um processo geralmente político e unilateral.

Os entrevistados possuem a seguinte percepção sobre a importância da proteção do

patrimônio histórico:

166

Gráfico 05: Quanto a importância da proteção do patrimônio histórico

Fonte: Aplicação de questionário, 2017.

Para 97% dos estudantes é importante a proteção do patrimônio histórico, demonstrando

assim que os mesmos, dentro de suas lógicas constituídas daquilo que seja relevante e

considerado patrimônio histórico, ou seja, a praça e tudo aquilo que ela representa como

elemento de sociabilidade, imaginário, esporte e paisagem, devendo ser mantido pois é

significativo para as concepções que os mesmos possuem do que seja fundamental suas vidas.

Tal ideia pode sim, ser aplicada pelos entrevistados a outros locais, bem como futuramente a

outros elementos que futuramente possam a vir ser configurados como representativos da

cultura local. Essa representação é imprescindível para a formação de uma mentalidade destes

sujeitos diante da temática, que terão condições de se posicionar em momentos decisivos sobre

o assunto bem como reivindicar seus aspectos identitários e memoriais quando necessário. Essa

postura pode ser reflexo, segundo os próprios entrevistados, das ações que a própria escola

desenvolve sobre a temática:

97%

0%3%

Quanto a importância da proteção do patrimônio Histórico

Sim Não Indiferente

167

Gráfico 06: Se a escola trabalha a temática do patrimônio

Fonte: Aplicação de questionário, 2017.

Aparentemente, a escola não trabalha, pelo menos de forma direta, segundo os

estudantes, questões relacionadas ao patrimônio histórico, apesar de 49% considerarem que isso

ocorra. Tais dados aparentam certa ambiguidade nas percepções que os entrevistados tiveram

neste questionamento, onde puderam, por exemplo, ter considerado como ação aulas referentes

à disciplina de história, onde relações podem ser efetivadas de forma superficial nesta temática.

Podemos supor, também, para aqueles que referem não lembrar de ter sido trabalhada tal

temática, pode que, realmente não a fizeram no ambiente escolar ou a mesma se ocorreu, foi

incipiente ou ineficiente a ponto de não marcar memorialmente, acarretando assim

esquecimentos.

Fato é que as abordagens direcionadas a um uso mais prático e eficiente dos espaços e

bens consagrados institucionalmente no município de Santo Ângelo, direcionados a uma

educação para o patrimônio a estudantes de escolas públicas, em especial a do ensino médio,

parecem distantes de uma praticidade e efetividade, servindo os mesmos, aparentemente como

meros atrativos turísticos de uma paisagem que não contempla a diversidade dos grupos

existentes na cidade, sendo seu uso, primeiramente, para os ‘outros’.

49%

9%

42%

Se a escola trabalha a temática do patrimônio

Sim Não Não lembra

168

CONCLUSÕES

Para que um espaço considerado de relevância patrimonial seja preservado, é

fundamental que o mesmo tenha um uso eficaz, sustentável e permanente. A afetividade dos

estudantes do ensino Médio do Instituto Estadual de Educação Odão Felipe Felippe Pippi

apresentou, ao contrário do que se imaginava, a Praça do Brique como aquele com que os

estudantes mais se identificaram e mais frequentaram em seu dia-a-dia, demonstrando assim

um aspecto instigante e preocupante para as políticas públicas quando o assunto é ouvir estes

sujeitos bem como direcionar ações que visem o reconhecimento dos espaços que estes

indivíduos reconhecem como representativos de suas culturas. A praça do Brique, identificada

como elemento principal para estes jovens, não é consagrada oficialmente pelo poder público

como um bem cultural, muito menos possui elementos culturais, arquitetônicos, paisagísticos

ou históricos que possam a tornar, via de regra, um patrimônio histórico da cidade. Por isso ela

deixou de ser importante e representativa para um grupo de sujeitos? Não! Isso nos faz pensar

que a noção de patrimônio deve ir além de concepções tradicionais do que se pensa como

próprio patrimônio de uma comunidade, abrindo assim possibilidades de discussão, análise e

até mesmo de proteção para locais que diretamente fujam daquilo que tradicionalmente se

concebe como tal. Certo é que o patrimônio deve atender em primeira instância a vida, as

percepções e os interesses culturais dos sujeitos que vivem nestas localidades, sendo

imprescindíveis para sua própria existência e sociabilidade a manutenção e sua salvaguarda,

seja ela via Estado ou pelo próprio grupo que a detém.

Entretanto, historicamente, as escolhas dos elementos patrimoniais edificados tendem a

seguir a lógica elitista e verticalizada dos governos que legitimam espaços e discursos que

perpetuam poder e glória para a história da cidade. Aspectos advindos das classes subterrâneas

geralmente são desconsiderados do processo dialógico patrimonial, sendo estes geralmente

renegados ao esquecimento. Ouvir estes sujeitos é reconhecer elementos e discursos que podem

inclusive contrapor com aquilo que se deseja transmitir e comunicar como o oficial, belo e

original de um povo.

Ao iniciar esta pesquisa, imaginava-se que o resultado seria óbvio: os estudantes

indicariam como principal espaço de convivência e de afetividade a Praça de Catedral, espaço

este que possui prédios históricos e uma carga simbólica muito forte. Grande surpresa foi

quando os dados apresentados demonstraram que um espaço completamente diverso

despontava como o preferido destes jovens. Uso? Afetividade? A criação de um ponto de

169

referencia e de encontro, supostamente em virtude de uma pista de skate mudou toda a

perspectiva de um espaço. Se a pista não existisse o uso seria o mesmo? As respostas teriam

indicado esta praça como a preferida? Eu acredito que não. A idade e as percepções de vida

destes sujeitos são elementos determinantes para que as respostas indicassem este espaço como

o preferido. Se a pesquisa fosse realizada com outro perfil de entrevistados, provavelmente os

indicativos seria outros. A questão é: para este grupo o importante é que a praça, e

provavelmente a pista de skate, é um elemento fundamental para o seu no cotidiano, fazendo

parte da constituição de suas vidas, relações, memórias, sociabilidades e identidades.

O reconhecimento através do afeto fez com que este grupo indicasse a praça do brique

como prioritário em seu uso cotidiano, apontando assim (e até alertando) para que uma atenção

maior a este local possa ser realizada em ações e projetos futuros que visem o maior

reconhecimento e valorização também por parte do poder público, não apenas para com a praça,

mas sim com a prática do skate e outras que possam ser representativas a este segmento da

população, como o esporte num todo. A afetividade, longe de estar apenas relacionada aos

sentimentos que os sujeitos possuem junto a alguém ou algo, cria vínculos que neste caso,

podem auxiliar na constituição das relações identitárias e culturais destes jovens junto a um

espaço, sendo este ponto de referência, sociabilidade, diálogo e manutenção de suas ideias

enquanto jovens desta faixa etária. Espera-se que as conclusões desta breve e modesta pesquisa

sirvam de incentivo para que outras sejam desenvolvidas na área, tão carente de abordagens e

olhares atentos, sensíveis e interdisciplinares, a fim de suprir demandas e lacunas acadêmicas

ainda existentes.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988.

_______. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Site.

CASTRIOTA, Leonardo Garcia. Patrimônio Cultural: Conceitos, Políticas, Instrumentos.

São Paulo: Editora Annablume, 2009.

FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em Processo: trajetória da política

federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.

LEITE, Ivanise. Emoções, Sentimentos e Afetos: uma reflexão sócio-histórica. Araraquara:

Junqueira e Marin Editores, 2005.

LEMOS, Carlos A. C. O que é Patrimônio Histórico. 2. Ed. – São Paulo: Brasiliense, 2010.

MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro. Doutrina,

Jurisprudência e Legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

170

MERLEAU-PONTY, Maurice. O Homem e a Comunicação: A Prosa do Mundo. Rio de

Janeiro: Bloch Editores, 1974.

POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente, séculos XVIII-XIX. Do

monumento aos valores. São Paulo: Estação da Liberdade, 2009.

RICOEUR, Paul. O esquecimento. In: A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Ed.

da Unicamp, 2007, p. 423-462.

171

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:

UMA ANALISE DAS METODOLOGIAS APLICADAS EM SALA

Danilo Pedro Jovino61

Hermogenes De Sousa Cerqueira Filho62

RESUMO: O presente trabalho é desenvolvido pela Universidade Federal do Pampa -

UNIPAMPA, campus São Borja - RS, especificamente no curso de Licenciatura em Ciências

Humanas, em financiamento com o CNPq e CAPES, desenvolvem o Programa Institucional de

Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, uma política pública educacional em parceria com a

universidade e o Colégio Estadual Getúlio Vargas. O objetivo deste trabalho é verificar se as

metodologias e estratégias pedagógicas utilizadas em sala, estão orientando os alunos de

maneira que os levem a conhecer sua herança cultural, tendo como fonte primaria de

conhecimento o patrimônio cultural de São Borja. O grupo de pibidianos do subprojeto história,

no decorrer do ano de 2017, desenvolveram um projeto de educação patrimonial com alunos

do 8º ano do ensino fundamental. No decorrer das aulas surgiu a necessidade de verificar se os

alunos estavam conseguindo relacionar o conteúdo ministrado nas aulas, com o patrimônio

existente na cidade, através de um questionário aberto. Assim pautados pela a metodologia

quali-quanti e os métodos historiográfico, hermenêutico e analítico desenvolvemos a presente

pesquisa. Os resultados obtidos com esta pesquisa indicaram que os alunos conseguiram

assimilar a teoria e relaciona-la com a pratica, ou seja, compreender o que é patrimônio cultural

e conhecer os patrimônios que fazem parte da sua história. Além de indicar uma satisfação com

programa, as metodologias utilizadas em sala e o tema escolhido para o ano letivo.

Palavras-Chaves: PIBID, Educação Patrimonial, Metodologias

INTRODUÇÃO

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à docência – PIBID é uma política

pública educacional com o objetivo de diminuir o distanciamento entre a realidade encontrada

na academia e da realidade que se encontra na escola. A Universidade Federal do Pampa –

61Mestrando do programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Pampa –

UNIPAMPA; bacharel em Ciências Sociais - Ciência Política e graduando em Licenciatura em Ciências Humanas

pela mesma instituição; e-mail: [email protected] 62 Graduando em Licenciatura em Ciências Humanas pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA campus

São Borja; e-mail: [email protected]

172

UNIPAMPA, é uma universidade multi-campi, em dez cidades da Metade Sul do Rio Grande

do Sul, o PIBID se faz presente em oito campis, que por sua vez está em quatorze cursos de

licenciatura. Do totalizante de cursos, temos o curso de Licenciatura em Ciências Humanas, um

curso interdisciplinar, que habilita o profissional a atuar nas áreas de História, Geografia,

Sociologia e Filosofia e está presente no campus de São Borja.

O subprojeto de História tem parceria com 3 escola do município de São Borja-RS, o

Instituto Estadual Padre Francisco Garcia, Colégio Estadual Getúlio Vargas e a Escola

Municipal de Ensino Fundamental Vicente Goulart, com 30 bolsistas alunos do curso de

Licenciatura em Ciências Humanas, 5 professores supervisores da rede pública de educação

básica e 2 supervisores de área ligados a UNIPAMPA. Esta pesquisa se debruça sobre o PIBID

no Colégio Estadual Getúlio Vargas, nas turmas de 8º ano do ensino fundamental, no qual a

temática escolhida pelos bolsistas e que vem sendo trabalhada durante o presente ano é a

educação patrimonial.

Segundo as autoras (HORTA, GRUNBERG e MONTEIRO, 1999, p. 4) educação

patrimonial é “um instrumento de ‘alfabetização cultural’ que possibilita ao indivíduo fazer a

leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da

trajetória histórico-temporal em que está inserido”. De acordo com as mesmas autoras, esse

processo leva ao reforço da identidade dos sujeitos e das comunidades além do reconhecimento

da cultura nacional, entendida como múltipla e plural.

Afinal o que é patrimônio cultural? Antes de responder tal pergunta precisamos deixar

claro um outro conceito, o de patrimônio. Para Ferreira (apud SIBONY, 1998, p. 80)

“patrimônio simboliza uma forma de vida fixada, ‘algo que se realizou naquele objeto ou

construção’; ou seja, patrimônio é portador de tempo e vivências. ”

Pensando no patrimônio como portador de tempo e vivências, o patrimônio cultural seria

todas as manifestações e expressões criadas pelo homem e pela sociedade, que vão se

acumulando ao longo dos anos, é a expressão de cada geração (GRUNBERG, 2007, p. 4). Ou

seja, o patrimônio cultural é o produto de um determinado grupo sociocultural em um

determinado tempo histórico, e esse patrimônio carrega consigo expressões, manifestações e

vivencias experimentadas por esse grupo. Ainda segundo a autora (GRUNBERG 2007, p. 4-5),

patrimônio cultural também é entendido como:

173

[...] todo esse Patrimônio, material, imaterial, consagrado e não consagrado –

entendendo os primeiros como os reconhecidos pela sociedade e protegidos por

legislações (leis e decretos), e os segundos como aqueles que fazem parte do nosso

dia a dia, de nossa realidade, revelando os múltiplos aspectos que a cultura viva de

uma comunidade pode apresentar – que podemos trabalhar num processo constante

de conhecimento e descoberta.

A educação patrimonial trabalhada no subprojeto de história teve como objeto de estudo

o patrimônio cultural de São Borja-RS. Uma cidade fronteiriça, a primeira dos 7 povos das

missões, com raízes históricas dos nativos índios Guaranis e dos padres Jesuítas, além de ter

sido a cidade natal de dois presidentes do Brasil, Getúlio Vargas e João Goulart. Para preservar

o patrimônio material herdado dos contextos históricos citados anteriormente, existem 4

museus pela cidade, ideais para o exercício de metodologias da educação patrimonial. As

autoras (HORTA, GRUNBERG e MONTEIRO, 1999, p. 7) explicam que “nada substitui o

objeto real como fonte de informação sobre a rede de relações sociais e o contexto histórico em

que foi produzido, utilizado e dotado de significado pela sociedade que o criou. ”, também

afirma as autoras que, interpretar essas informações amplia a capacidade de compreender a

realidade, um objetivo da educação básica.

A educação patrimonial é o tema do projeto para o ano letivo de 2017, tal projeto tem

por objetivo levar crianças e adolescentes a conhecer, valorizar e apropriar-se da sua herança

cultural tendo como fonte primaria do conhecimento o patrimônio cultural da cidade de São

Borja.

O presente trabalho surgiu a partir da necessidade de verificar se as metodologias e

estratégias pedagógicas utilizadas em sala, estavam orientando os alunos de maneira que os

levem a conhecer sua herança cultural, além de servir como um instrumento de avaliação do

programa e do tema escolhido para o corrente ano.

METODOLOGIA

A presente pesquisa possui por metodologia utilizada a quali-quanti através dos métodos

historiográfico, hermenêutico e analítico. Utilizamos a quali-quanti, pois se torna uma

ferramenta melhorada para podermos entender de uma forma mais eficaz o nosso objeto de

estudo, através do contexto e da quantificação do mesmo. Os métodos são utilizados de acordo

com cada fase da pesquisa, o historiográfico como um resgate do tema e das principais

174

discussões a respeito da problemática, o hermenêutico nos possibilita conhecer e entender o

nosso objeto através da interpretação, tanto do contexto quanto o dos números e o método

analítico utilizamos quando há a transformação das respostas em números e por sua vez,

gráficos e tabelas; e pautados pela técnica de pesquisa questionário podemos executar esta

pesquisa.

A técnica de pesquisa utilizada foi o questionário aberto, o mesmo contou com quatro

questões e foi aplicado em três turmas do 8º ano do ensino fundamental, do Colégio Estadual

Getúlio Vargas. As duas primeiras questões foram sobre educação patrimonial, e as outras duas

a respeito do programa e das aulas. Com a finalidade de avaliar as práticas pedagógicas dos

pibidianos e qual o parecer dos alunos sobre o programa institucional.

RESULTADO E DISCUSSÃO

O embasamento da pesquisa se resulta em um questionário com quatro perguntas. As duas

primeiras relacionadas ao conteúdo do projeto, com o objetivo de avaliar se os principais

conceitos da educação patrimonial, presente na cartilha do Iphan e ministrados nas aulas dos

meses de abril, maio e junho, foram bem compreendidos pelos alunos, pois seria de extrema

relevância para as futuras oficinas práticas e aulas de campo, um aprendizado significativo da

teoria. Já as últimas perguntas, tiveram o objetivo de avaliar o PIBID e o projeto do ano de

2017. As questões foram as seguintes: a) O que é patrimônio cultural?; b) Quais patrimônios

materiais de São Borja – RS você gostaria de visitar?; c) O que você gostaria que mudasse nas

aulas do PIBID?; d) O que você tem achado do PIBID?

A primeira pergunta, (a), diz respeito a um importante conceito da educação patrimonial,

o de patrimônio cultural. Entendemos a importância de avaliar se tal conceito foi bem

compreendido pelos alunos, evitando assim confusões com outras definições. As respostas dos

alunos foram quantificadas em: Plenamente satisfatório, aquelas respostas que estavam

completas e de acordo com os exemplos e os textos utilizados em sala; Satisfatório, as respostas

que estavam incompletas, mas não fugiam muito da definição utilizada; e Insatisfatório,

respostas que estavam totalmente em desacordo com o conceito e o autor citado nas aulas. A

tabela seguinte tem por finalidade apresentar a avaliação para qualitativa das respostas dos

alunos dividido por turmas, e o total por cada categoria.

175

Tabela 01: Quantitativo referente às respostas da pergunta nº 01

Pergunta 1) O que é patrimônio cultural?

Plenamente

Satisfatório

% Satisfatório % Insatisfatório % Não

Respondeu

%

Turmas

81 8 42,1 4 21 6 31,5 1 5,2

82 8 34,7 11 48 2 8,6 2 8,6

83 4 17,3 18 78,2 0 0 1 4,3

Total: 20 30,7 33 50,7 8 12,3 4 6,1

Fonte: JOVINO; FILHO (2017)

A partir da análise da tabela, podemos tirar as primeiras conclusões, 80% dos alunos

conseguiram assimilar completamente ou parcialmente o conceito. O quesito satisfatório obteve

a maior porcentagem 50,7%, revelando que os alunos sabem o que é patrimônio cultural mas

possui algumas dúvidas. 12% dos alunos não conseguiram compreender o que é patrimônio

cultural. O que foi motivo para reflexões, pois a tabela deixou evidente a diferença no

aprendizado entre as turmas e a necessidade de se trabalhar metodologias específicas para se

atingir um nível razoável do conhecimento, entre eles, sobre as teorias relacionadas a temática,

para que as aulas práticas e de campo não se viesse a se tornar uma atividade sem reflexão.

Dois objetivos pautaram a segunda pergunta, (b). O primeiro, saber se os alunos

conheciam os patrimônios materiais da sua cidade, e de acordo com os patrimônios citados por

eles, avaliar se os mesmos dominavam o conceito de patrimônio material. Ou seja, se o aluno

citava um patrimônio local e o mesmo era um patrimônio material reconhecido pelas

instituições de reconhecimento de bens culturais, era um sinal de que o estudante conhecia o

conceito de patrimônio material. O segundo objetivo, foi o de realizar uma consulta para saber

quais locais eles gostariam de visitar em uma futura aula de campo sobre o patrimônio material

local.

A quantificação das respostas foram com base na quantidade de patrimônios materiais

citados pelos alunos. Nos casos em que o patrimônio, ou local, não era reconhecido, e não se

constituía de fato um patrimônio material da cidade, a resposta foi enquadrada no conceito

“confundiu”. Ou seja, o aluno não tinha compreendido a definição de patrimônio material. A

seguir a tabela com a porcentagem dos dados quantificados.

176

Tabela 02: Quantitativo referente às respostas da pergunta nº 02

Pergunta 2) Quais patrimônios materiais de São Borja – RS você gostaria de visitar?

Nenhum

patrimônio

% 1 – 2

Patrimônios

% 3 – 5

Patrimônios

% Confundiu %

Turmas

81 1 5,2 9 47,3 0 - 9 47,3

82 4 17,3 11 47,8 2 8,6 6 26

83 5 21,7 14 60,1 0 - 4 17,3

Total: 10 1,5 34 52,3 2 3 19 29,2

Fonte: JOVINO; FILHO (2017)

A análise da tabela acima se dá a partir de que apenas 3% dos alunos possuem um

conhecimento ampliado dos patrimônios materiais na cidade, e consequentemente, uma maior

compreensão da história local. 52% desses alunos sabem o que é patrimônio material, mas

conhecem pouco sobre a história e os patrimônios reconhecidos. 29% dos alunos não dominam

o conceito de patrimônio material e nem conhecem quais bens materiais são reconhecidos pelos

órgãos governamentais. E ainda, 1,5% não citaram nenhum patrimônio material o que acusa

esses alunos de não terem compreendido o conceito, ou não ter conseguido relacionar a teoria

com a prática, o conceito com os patrimônios materiais que fazem parte da sua cultura.

Na turma 81 um dado se mostrou interessante, a quantidade de alunos que confundiram

patrimônios materiais foi igual para aqueles que citaram de 1 a 2 patrimônios.

A terceira pergunta, (c), abre o bloco de questões a respeito do programa. Nessas

perguntas buscamos conhecer a opinião dos alunos sobre o PIBID, as metodologias e o tema

da educação patrimonial. Quantificamos as respostas dos alunos em 3 grandes grupos: Não

“mudaria nada das aulas”, ou seja, a metodologia e o tema estão agradando; “Mudaria a forma

da aula”, ou seja, as práticas pedagógicas junto com os materiais utilizados em sala não estão

agradando; “Mudaria o tema”, ou seja, o tema não é de interesse dos alunos, o que gera um

desinteresse pelas aulas. A tabela a seguir deixa bem claro as porcentagens de cada resposta:

177

Tabela 03: Quantitativo referente às respostas da pergunta nº 03

Pergunta 3) O que você gostaria que mudasse nas aulas do PIBID?

Nada % Forma da Aula % Mudaria o

tema

% Não

Respondeu

%

Turmas

81 7 36,8 9 47,3 1 5,2 2 10,5

82 14 60,8 8 34,7 1 4,3 0 0

83 19 82,6 2 8,6 2 8,6 0 0

Total: 40 61,5 19 29,2 4 6,1 2 3

Fonte: JOVINO; FILHO (2017)

A partir da análise da tabela 03, observamos que apenas 6% dos alunos são avessos ao

tema, em contrapartida 61% são favoráveis ao tema do projeto e estão gostando da forma que

as aulas estão sendo ministradas. Porém, uma reflexão sobre as práticas pedagógicas surgiu ao

notar-se que quase 30% dos alunos tendem a querer uma mudança na “forma da aula” onde a

mesma fosse diferente. Entretanto chegamos a seguinte conclusão; o tema e as aulas estavam

sendo atrativas para a maioria dos discentes. Mesmo com algumas dificuldades no processo de

ensino/aprendizagem os educandos se mostraram interessados na temática que os estimulava a

querer conhecer mais sobre a história local.

A mudança na forma das aulas veio a partir do momento que conseguimos superar a

teoria, delimitar alguns conceitos e suprimir as dúvidas que encontramos no caminho. Após

concluir esses objetivos, as aulas seguintes, depois do recesso, iniciadas no mês de agosto,

acompanhavam uma revisão teórica e uma prática acompanhada de reflexão, como exemplo

tivemos: visitas a museus da cidade, oficina de saber fazer cerâmica guarani e a construção de

uma maquete da redução de são Francisco de Borja. Essas oficinas só foram possíveis de serem

pensadas a partir das reflexões proporcionado pelo questionário.

178

Imagem 01: Oficina de cerâmica guarani

Fonte: Acervo pessoal dos autores

A oficina de saber fazer cêramica guarani foi uma das aulas práticas do projeto. O saber

fazer cêramica guarani se constitui como um patrimônio imaterial da região das missões na qual

São Borja está inserida. Esse modo próprio dos Guaranis de fazer cêramica vem sendo

esquecido a cada nova geração, assim como o oficio de cerâmista. Apresentar aos alunos esse

patrimônio imaterial é uma forma de se preservar a cultura e mantendo-a viva para as próximas

gerações. Esse é o objetivo do projeto do pibid na escola Getulio Vargas e também da educação

patrimonial, levar o aluno a conhecer, valorizar e se apropriar da sua históra e sua cultura.

A quarta e última pergunta, (d), se constitui uma avaliação direta do programa

institucional, buscando aferir o nível de satisfação dos alunos com a política educacional.

Classificamos as respostas em: Péssimo, o aluno não está gostando nenhum pouco do programa;

Bom, o aluno está gostando do programa, mas tem algumas críticas a ser colocada; e, excelente,

no qual o aluno está muito satisfeito com o programa.

179

Tabela 04: Quantitativo referente às respostas da pergunta nº 04

Pergunta 4) O que você tem achado do PIBID?

Péssimo % Bom % Excelente % Não

Respondeu

%

Turmas

81 0 - 10 53 8 42 1 5,2

82 1 4,3 8 35 12 52,1 2 8,6

83 1 4,3 7 30 13 56,5 2 8,6

Total: 2 3 25 38,4 33 51 5 7,6

Fonte: JOVINO; FILHO (2017)

Analisando a tabela acima, podemos perceber que apenas 3% dos alunos reprovam a

política educacional, enquanto 51% deles estão satisfeitos com o programa e até apontam em

suas respostas que o PIBID proporciona um conhecimento diferente das matérias curriculares

convencionais. E, 38% dos alunos aprovam o programa mas apontam algumas críticas, como a

necessidade de mais períodos na semana.

Esses dados reforçam como o pibid vem ganhando o respeito, aceitação e espaço dentro

da comunidade escolar de São Borja. E, além de aproximar licenciados a realidade escolar,

também tem aproximado a comunidade escolar a universidade. A aprovação de mais de 89%

dos alunos diz muito sobre a relação entre pibidianos, universitários, e os alunos da educação

básica.

CONCLUSÕES

Essa pesquisa obteve o objetivo de estudar as metodologias aplicadas em sala de aula,

onde as mesmas estão ou não surtindo efeitos e qual é o feedback acerca das aulas, ou seja, uma

avaliação dos resultados alcançados, tanto das práticas pedagógicas, como do PIBID no Colégio

Getúlio Vargas. Tal feedback proporcionou ao grupo um material para analisar como o

conteúdo ministrado conseguiu, ou não, acessa o aluno. E a forma como o aluno estava

apreendendo. O que pretendíamos era checar se a teoria foi bem assimilada, para que

posteriormente a prática não se tornasse mera técnica sem reflexão, orientando assim o aluno a

apropriar-se de sua herança cultural, capacitando-o para um uso consciente destes bens.

A reflexão acerca dessa pesquisa deu origem a reuniões para repensar coletivamente as

práticas pedagógicas do pibidianos, e o cronograma do segundo semestre do projeto para o ano

180

letivo de 2017, o qual foi colocado em prática no mês de Agosto. Tomamos como base as

considerações e sugestões dos alunos, que pediram mais aulas práticas, e a oficina de cerâmica,

citada anteriormente, foi fruto dessas reuniões. Assim buscamos tornar o processo de

ensino/aprendizagem mais dinâmico, mais divertido, porque concordamos que a atividade do

conhecimento tem que ser prazerosa para atrair o interesse do aluno.

Assim compreendemos e salientamos a importância das avaliações pedagógicas e

metodológicas no processo de ensino/aprendizagem, e não apenas a avaliação do aluno com

provas e testes. Preocupar-se com as metodologias é estar preocupado também em conhecer

melhor o perfil do aluno e das turmas para saber quais recursos pedagógicos utilizar.

Obtivemos com o questionário fontes para argumentar a favor da continuidade do

programa dentro da Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA. Esse tipo de trabalho ajuda

a reforçar como essa política educacional vem cumprindo bem seus principais objetivos,

preparando o futuro formando para os estágios, e futuramente o seu ambiente de trabalho, visto

que a escola é um ambiente complexo que necessita de experiencia e pratica para se conseguir

exercer bem a profissão.

REFERÊNCIAS

RANGEL, Mary. Métodos de ensino para a aprendizagem e a dinamização das aulas 6 ed.

Campinas: Papirus, 2010.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz.

Guia básico de educação patrimonial. Brasília: Iphan, 1999.

FERREIRA, Maria Letícia Mazzucchi. Patrimônio: discutindo alguns conceitos. Diálogos -

Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em

História, Maringá, v. 10, n. 3, p.79-88, 2006.

GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de Educação Patrimonial. Brasília:

IPAHN, 2007.

LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Ed. Atlas, 2010.

MINAYO, Maria Cecilia de Souza de (org) Pesquisa Social: Teoria Método e Criatividade.

Petrópolis, RJ: Vozes 2002.

BAQUERO, Marcello. Pesquisa quantitativa nas Ciências Sociais. Porto Alegre: UFRGS,

2009.

181

DIVERSIDADE ÉTNICA: APRENDIZAGEM, CONHECIMENTO E CULTURA

Kauana Rodrigues Amaral63

Izabel Espindola Barbosa64

Priscyla Hammerl65

Viviani Sasso Saraiva66

RESUMO: O Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (NEABI), conforme a Lei

10.639/03 e 11.645/08, tem por finalidade o desenvolvimento de ações afirmativas nas

Instituições de Ensino. Diante disso, ao longo deste ano o NEABI do Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha, IFFAR, Campus Avançado Uruguaiana

desenvolveu diversas ações com o objetivo de valorizar a cultura dos povos originários,

apresentar a importância do índio e do negro no estado do Rio Grande do Sul, discutir

preconceito, transmitir conhecimento sobre assédio moral e racismo institucional, disseminar

conhecimento sobre as políticas públicas para combate à desigualdade racial, compreender a

diversidade, identidade de gênero e raça, informar sobre a escravidão, quilombos e territórios

negros no município de Uruguaiana. Para o alcance desses objetivos, foram realizadas algumas

atividades pelos coordenadores do NEABI para os alunos do campus, como rodas de conversas

acompanhadas de debates e filmes curtos para despertar a criticidade. Atividades práticas para

estimular nos discentes a compreensão da desigualdade racial, neste caso enfatizando o sistema

de cotas e a feira indígena que possibilitou a degustação de uma bebida típica, assim como a

distribuição de panfletos que ajudaram a refletir a contribuição dessas etnias e como torna-se

importante a luta pela igualdade de oportunidades. Sem esquecer que o racismo e o preconceito

em relação ao indígena e ao negro que ainda perpetua na sociedade brasileira. As atividades

tiveram efetivas participações dos alunos, percebeu-se que de fato eles se apoderaram das

informações disseminadas. Portanto, os objetivos sobre a aprendizagem foram atingidos porque

foi possível tratar a temática envolvendo as questões afro-brasileiras e indígenas. Assim

estimulando dúvidas sobre pré-conceitos enraizados, não pelos jovens mas pela sociedade, e,

assim propondo maior compreensão, tolerância, respeito e a tão esperada valorização da própria

história do povo brasileiro. Espaços de discussão que proporcionam mudanças.

63 Vice-Presidente do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena; Bacharela em Biblioteconomia; Instituto

Federal Farroupilha; Uruguaiana, RS; [email protected] 64Presidente do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena; Especialista em Gestão Pública; Instituto Federal

Farroupilha; São Borja, RS; [email protected] 65Professora Doutora em Desenvolvimento Regional; Instituto Federal Farroupilha; São Borja, RS;

[email protected] 66 Coordenadora da Assistência Estudantil; Bacharela em Administração. Instituto Federal Farroupilha;

Uruguaiana, RS; [email protected]

182

Palavras-Chaves: NEABI, IFFar, negro, indígena.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado das atividades realizadas pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiro

e Indígena (NEABI) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha,

IFFAR, Campus Avançado Uruguaiana. O NEABI em conformidade com as leis Lei 10.639/03

e 11.645/08 tem por finalidade o desenvolvimento de ações afirmativas nas Instituições de

Ensino, afinal,

A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para

emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos

científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege

as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para

consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários (CNE,

2004, p. 8).

Os objetivos deste trabalho consistem em valorizar a cultura dos povos originários,

apresentar a importância do índio e do negro no estado do Rio Grande do Sul, discutir

preconceito, transmitir conhecimento sobre assédio moral e racismo institucional, disseminar

conhecimento sobre as políticas públicas para combate à desigualdade racial, compreender a

diversidade, identidade de gênero e raça e informar sobre a escravidão, quilombos e territórios

negros no município de Uruguaiana.

As atividades do NEABI iniciaram em janeiro de 2017, com participação em evento desta

temática promovido pelo município, na qual propiciou firmar parcerias com entidades e pessoas

que estudam sobre a temática afro-brasileira e indígena.

PROBLEMATIZAÇÃO

O campus Avançado Uruguaiana do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia Farroupilha fica na zona sul da cidade. Na fronteira entre bairros de periferia, dois

instalados recentemente por políticas de habitação como o Minha Casa, Minha Vida, um

formado por invasão dos lotes, possui população de mais de vinte mil habitantes. Embora esteja

em uma área populosa, o campus, e o próprio ensino técnico federal é novidade na região.

Com isso, o campus Avançado Uruguaiana apenas terá turmas de ensino médio

integrado em 2018. Até este ano, possui turmas de técnico subsequente, à noite, e de técnico

concomitante durante o dia, ou seja, os alunos cursam em outra escola o ensino médio fazendo

183

apenas as disciplinas técnicas na instituição. Isso causa certo distanciamento entre instituição e

discentes. Sobre a temática interdisciplinar que o NEABI trabalha, são necessárias estratégias

que promovam interesse na participação em turmas e turnos diversos, onde o público tem

diferenças etárias, envolvendo adolescentes e adultos.

Conforme o Parecer CNE 003 (2004, p. 8), “para que as instituições de ensino

desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço

democrático de produção e divulgação de conhecimentos e posturas que visam a uma sociedade

justa”. Assim, algumas atividades foram incorporadas a outras situações e, algumas situações

precisam ser estimuladas para que houvesse o debate.

METODOLOGIA

As ações foram realizadas nas dependências do Campus Avançado Uruguaiana em forma

de rodas de conversas e atividades práticas. Com intuito de socializar as experiências, relatamos

o processo de implementação e as estratégias utilizadas para aprendizagem.

No início do ano letivo reunimos os alunos para apresentar os objetivos do NEABI e as

ações propostas para desenvolver durante o ano.

As ações foram organizadas conforme as datas “comemorativas” já conhecidas com a

finalidade de desmistificar, refletir e discutir muitos fatos. Por isso, esta palavra será entre aspas

neste trabalho. Nesse sentido, em abril organizamos a feira indígena, na qual abordou a

importância do povo originário para o estado do Rio Grande do Sul, durante a atividade foram

apresentadas, no mapa do estado, as cidades que tem nome de origem indígena e sua tradução

em português.

Em maio duas datas são “comemoradas”, o dia do trabalhador e a abolição da

escravatura. Nessa perspectiva, foi realizada uma roda de conversa sobre assédio moral no

trabalho, enfatizando questões de gênero e racismo institucional, apresentando a legislação e

alertando para tal situação.

Nesse mesmo mês, em virtude da abolição da escravatura, na qual não é uma data a ser

comemorada e sim um momento de reflexão sobre as desigualdades ainda presentes, foi

organizada uma roda de conversa com a temática Desigualdade racial: políticas públicas,

promovida em parceria com o NEABI da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) na

qual estudam sobre a cultura e a história afro-brasileira e indígena.

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Ainda nesse mês, o historiador e pesquisador de Uruguaiana foi convidadopara falar

sobre Escravidão, quilombos e territórios negros em Uruguaiana.

Continuando as datas “comemorativas”, no mês de setembro celebra-se no estado do

Rio Grande do Sul a Semana Farroupilha, então surgiu a necessidade de abordar a importância

dos lanceiros negros na batalha dos farrapos em 1835, na qual lutaram a frente do batalhão em

troca de liberdade. A atividade se deu por meio de uma roda de conversa com muita discussão.

O objetivo dessa discussão foi para apresentar uma parte da história do estado, geralmente, não

discutida na escola. O professor convidado abordou o assunto com um clipe, protagonizado

pelo grupo de rap gaúcho Rafuagi que fala sobre a guerra dos Porongos e mostra que no RS

não existe nomes de rua e tão pouco monumentos que homenageiam os lanceiros.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Em primeiro lugar, o aluno.

Durante a feira indígena, os alunos aprenderam trava-língua e algumas saudações em tupi-

guaraní, assim como conheceram a genealogia da família tupi-guaraní. Durante a feira os alunos

provaram uma bebida típica, chamada cocido que é preparada com leite, erva mate e açúcar

queimado. Os alunos demonstraram-se interessados, participativos e foi um momento de grande

aprendizado.

Na atividade alusiva ao trabalho, os alunos tiraram muitas dúvidas e colocaram situações

reais de seu ambiente de trabalho.

O que se propõe, em contrapartida, é o respeito às matrizes culturais a partir das quais

se constrói a identidade dos alunos, com, atenção voltada para tudo aquilo que vá

resgatar suas origens e sua história (o que também significa respeitar os direitos

humanos!), como condição de afirmação de sua dignidade enquanto pessoa, e da

especificidade da herança cultural que ele carrega, como parte da infinita diversidade

que constitui a riqueza do ser humano (MUNANGA, 2005, p. 76)

Nas ações sobre Desigualdade racial: políticas públicas foi debatido identidade,

diversidade, sonhos, cotas e novamente racismo institucional. Esses pontos quando versam nas

políticas públicas para as desigualdades raciais correspondem ao fim do período escravocrata

da qual houve liberdade e, no entanto nenhuma política de garantia de direito ao povo negro.

Diante disso, vale ressaltar aos alunos que essa data não deve ser comemorada e sim realizar

reflexões sobre o que vem acontecendo há mais de 300 anos.

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Na vertente identidade, foi discutida de forma dinâmica onde os alunos responderam

Como eu me vejo? Como eu me identifico? Branco, negro, pardo, índio. Em quanto a religião?

E em quanto a identidade de gênero?

Tais perguntas fazem refletir, assim como exemplificado na literatura de Munanga ou

nas normas do Conselho de Educação, como a história nos foi recontada, quem contou e com

quais propósitos. Pois a simples cor que é perguntada no censo já tem uma percepção nada

simples.

Temos, pois, pedagogias de combate ao racismo e às discriminações por criar. Para

empreender a construção dessas pedagogias, é fundamental que se desfaçam alguns

equívocos. Um deles diz respeito à preocupação de professores no sentido de designar

ou não seus alunos negros como negros ou como pretos, sem ofensas (CNE, 2004, p.

9).

O racismo institucional foi explicado através de uma curta metragem, a fim de discutir

como e porque ocorre e o que é. E por último, a discussão foi sobre o sistema brasileiro de

cotas, da qual as instituições de ensino possuem como forma de ingresso e que ainda gera muita

discussão e divide opiniões.

Além disso, a explanação do historiador e pesquisador Uruguaianense foi importante

para conhecer um pouco mais da cidade de Uruguaiana. Foi um momento de conhecimento

sobre as pessoas que lutaram e fizeram parte da história do município.

As rodas de conversa tiveram participação efetiva dos alunos, principalmente na

dinâmica sobre identidade. Durante as atividades percebeu-se o quanto os alunos ficaram

satisfeitos em falar desses assuntos.

CONCLUSÕES

Iniciando por força da lei, das normas institucionais, implementado pela vontade de um

pequeno grupo, realizado pela colaboração da comunidade e pela participação dos alunos, o

NEABI do campus avançado Uruguaiana do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia Farroupilha, IFFAR propõe atividades que permitam a oportunidade de

desenvolvimento do cidadão de forma igualitária. O espaço institucional não é o único que deva

trabalhar a valorização dos povos originários, mas é parte fundamental no desenvolvimento de

comportamentos que eliminem as discriminações, o racismo e qualquer preconceito.

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Assim estimulando dúvidas sobre pré-conceitos enraizados, não pelos jovens mas pela

sociedade, e, assim propondo maior compreensão, tolerância, respeito e a tão esperada

valorização da própria história do povo brasileiro. Espaços de discussão que proporcionam

mudanças.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de

1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo

oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-

Brasileira", e dá outras providências. Disponível em: Acesso em 04 Out. 2016.

CNE, Conselho Nacional de Educação. Parecer 003 de 10 de março de 2004. Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A,

2011.

MUNANGA, KABENGELE. Superando o Racismo na escola. Brasília: Ministério da

Educação, 2005