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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA
PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO
CURSO DE CIÊNCIAS HUMANAS – LICENCIATURA
ANAIS DO II CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR
DE CIÊNCIAS HUMANAS - COINTER
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C
COORDENADORA GERAL DO EVENTO
Prof.ª Dra. Andrea Becker Narvaes
COMISSÃO ORGANIZADORA
PROFESSORES
Dr. Ronaldo Bernadino Colvero
Me. Anderson Romário Perreira Côrrea
Me. Camila Almeida
ACADÊMICOS
Ewerton da Silva Ferreira
Danilo Pedro Jovino
Hermogenes Cerqueira Filho
Letícia Olveira Chaves de Oliveira
Tiara Cristiana Pimentel dos Santos
Valeska Avila
Vitória Silveira
657
COMITÊ CIENTÍFICO
Me. Alisson Machado
Dra. Adriana Hartemink Cantani
Dra. Andrea Bekcer Narvaes
Me. Anderson Romário Pereira Côrrea
Dra. Carmen Regina Dorneles
Nogueira
Dr. Edson Romário Monteiro Paniágua
Dr. Gerson Oliveira
Me. Gilvane Belém Correia
Danilo Pedro Jovino
Dra. Jaqueline Carvalho Quadrado
Dra. Monique Soares Vieira
Dra. Lauren de Lacerda Nunes
Lucas Giovan Gomes Acosta
Dra. Lisianne Sabreda Ceolin
Me. Rodrigo Maurer
Sandro da Silva
Dr. Sergio Ricardo Gacki
Dra. Susana Cesco
Dra. Nola Patrícia Gamalho
Dr. Muriel Pinto
Dr. Victor Oliveira
DIAGRAMAÇÃO
Ewerton da Silva Ferreira
Secretário Geral do II COINTER
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A CORREÇÃO E ADEQUAÇÃO AS NORMAS DA
ABNT DOS RESUMOS AQUI APRESENTADOS SÃO
DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS
AUTORES E AUTORAS.
TRABALHOS APRESENTADOS NO GRUPO
TRABALHOS POLÍTICAS PÚBLICAS E
DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA, SOB
COORDENAÇÃO PROF. DRA. JAQUELINE
CARVALHO QUADRADO, PROF. DRA. MONIQUE
SOARES VIEIRA, MESTRANDO DANILO PEDRO
JOVINO E MESTRANDO SANDRO DA SILVA.
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SUMÁRIO TRABALHOS APRESENTADOS NO GRUPO DE TRABALHO
POLÍTICAS PÚBLICAS E DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA
CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR: REFLEXÕES ACERCA DA PARTICIPAÇÃO
SOCIAL .................................................................................................................................................. 660
CONSULTA LEGISLATIVA E MECANISMOS DE ACCOUNTABILLITY: AS SABATINAS À PRESIDÊNCIA DO
BANCO CENTRAL NOS GOVERNOS FHC E LULA .................................................................................... 680
POLÍTICAS CULTURAIS: VALE-CULTURA UMA POLÍTICA SOCIAL-DEMOCRÁTICA ................................ 697
DEMOCRACIA E JURISDIÇÃO: ASPECTOS POLÍTICO-JURÍDICOS DOS LEGITIMADOS A PROPOR AÇÕES DE
INCONSTITUCIONALIDADE JUNTO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ............................................... 717
A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO AS DEMANDAS DE SAÚDE MENTAL: UMA EXPERIÊNCIA A
PARTIR DO CAPS-AD DE SÃO BORJA/RS ............................................................................................... 739
ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL E SUA INSTITUCIONALIZAÇÃO.......................... 749
COMO OS MUNICÍPIOS DE ITAQUI E SÃO BORJA, SITUADOS NA FRONTEIRA OESTE DO RIO GRANDE
DO SUL TRABALHAM AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE MEIO AMBIENTE.................................................... 778
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO BRASIL COMO JUSTIFICATIVA PARA A APLICAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
.............................................................................................................................................................. 796
A INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE
SÃO BORJA-RS ..................................................................................................................................... 809
A ATUAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES EM SÃO BORJA ........................................................................................................... 825
Políticas Públicas em Educação: uma revisão teórica da Educação Superior no Brasil. ...................... 843
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CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR: REFLEXÕES
ACERCA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Fernanda Cristina Foss De Zorzi1
Angela Quintanilha Gomes2
RESUMO: Este estudo aborda a participação social inserida nas Conferências Nacionais de
Saúde do Trabalhador, aprofundando conhecimento acerca deste direito garantido em uma
instituição que deveria tornar capaz a contribuição do cidadão na política pública de saúde no
país. Importante estudar a participação do trabalhador como possibilidade de criar e formular
novas políticas públicas em saúde, para o seu benefício, mais próximas à sua realidade, que
sejam efetivamente desenvolvidas pelos municípios, estados e União. Políticas Públicas que
sejam demandas da população trabalhadora, levando em consideração o processo produtivo
inserido, as condições de vida e saúde dos mesmos, ou seja, que promova o desenvolvimento
social e econômico do entorno onde o trabalhador está inserido e onde o processo saúde/doença
acontece. Buscando melhorias de gestão e melhor alocação de recursos financeiros, de pessoas,
de tecnologias pensando nas condições de vida e saúde das pessoas, resultando em qualidade
de vida. Estudo qualitativo que utiliza método exploratório, com revisão bibliográfica e
documental. Por fim, a realização deste estudo possibilitou adquirir maior conhecimento
relacionado ao tema principalmente na relevância da participação social, do trabalhador ou do
cidadão nas decisões públicas sociais dentre elas da saúde.
Palavras-chave: trabalhador, participação social, política pública
Apresentando o estudo realizado
Queremos aqui falar sobre uma política pública social de relevância pública e que
abrange muitos cidadãos brasileiros: a política de saúde do trabalhador. Através de uma
instituição, a Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, que possibilita a participação da
1Mestranda no Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas (Mestrado Profissional) - Universidade Federal
do Pampa- Unipampa- São Borja, RS; email: [email protected] 2 Doutora em Ciência Política, Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas (Mestrado
Profissional) Universidade Federal do Pampa-Unipampa- São Borja- RS, email: [email protected].
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sociedade civil, com interação de forma paritária com o governo e os empregadores (tripartite),
na busca de seus direitos, enfatizando o diálogo social.
Quanto ao significado de instituição Souza (2006) afirma que instituições são regras
formais e informais que direcionam o agir dos atores, podendo modificar suas escolhas
proporcionando alternativas políticas, o que tornam muitas políticas públicas mais fáceis de
serem formuladas e implementadas, ou dificultam dependendo dos interesses dos atores
envolvidos no processo de decisão. A autora acrescenta que não são só as pessoas que
direcionam as políticas públicas mas as regras que permeiam as instituições. Um exemplo
destas regras citadas, próximo a este estudo é a lei que ampara o controle social nas políticas de
saúde.
Outro autor que contribui com o estudo das instituições é Nunes (2003, p. 17)
acrescentando que: “No processo de adoção do capitalismo moderno, o Brasil teve de criar
muitas instituições novas num período de tempo relativamente curto.” Ainda afirma que a
adoção no país pelo sistema de capitalismo moderno necessita modificar comportamentos
principalmente institucionais voltados à ordem econômica.
A Conferência em Saúde do Trabalhador como instituição, surge na tentativa de realizar
o diálogo social, na busca da inserção do trabalhador dentro deste modelo capitalista moderno
para a garantia e formulação de políticas públicas voltadas à qualidade de vida do mesmo,
incluído melhores condições de saúde. Dentro da perspectiva de direito à saúde em que o
trabalhador está inserido e do direito à participação da comunidade apresentamos como objetivo
geral deste estudo: conhecer o contexto das Conferências Nacionais de Saúde do Trabalhador
na perspectiva da participação social.
O diálogo social para a Organização Internacional do Trabalho – OIT- (2013) é definido
como: a participação de trabalhadores, governo e empregadores em decisões acerca de questões
de trabalho e emprego, instrumento para garantir que as classes envolvidas e o desenvolvimento
de um trabalho digno ganhem voz. Como podemos verificar no texto abaixo:
Quando os interesses de diferentes segmentos da sociedade não são coincidentes, é
geralmente consensual que as pessoas afetadas pelas decisões devem poder expressar
as suas necessidades, participar nos processos de decisão e influenciar as decisões
finais, para que os governos e outros decisores cheguem a um equilíbrio adequado de
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interesses. Este princípio social básico aplica-se tanto às instituições políticas da
democracia em sentido lato como ao mundo do trabalho. (OIT, 2013, p. 5)
A saúde do trabalhador está fundamentada e garantida como direito na Constituição
Federal de 1988. Primeiramente no artigo 196, que afirma a saúde como direitos de todos e
dever do Estado, ao qual deve ser provido mediante políticas sociais e econômicas. Entendemos
que quando se fala em garantir a saúde com políticas estas seriam políticas públicas de ordem
social (criação de um sistema de saúde, melhoria das condições de trabalho) e econômica
(financiamento do sistema, políticas de emprego e renda).
Quanto ao significado de política pública Souza (2006, p. 25), afirma que: “As políticas
públicas repercutem na economia e nas sociedades, daí por que qualquer teoria da política
pública precisa também explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade.”
No texto abaixo trazemos um conceito de política pública:
Trata-se de um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a
introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade. Decisões
condicionadas pelo próprio fluxo e pelas reações e modificações que elas provocam
no tecido social, bem como pelos valores, idéias e visões dos que adotam ou influem
na decisão. É possível considerá-las como estratégias que apontam para diversos fins,
todos eles, de alguma forma, desejados pelos diversos grupos que participam do
processo decisório.[...] Com uma perspectiva mais operacional, poderíamos dizer que
ela é um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou
corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da
vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da
alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos.
(SARAVIA, 2006, p. 28)
Este estudo é uma pesquisa exploratória que pretende proporcionar uma visão geral
sobre o tema abordado. Desenvolvida através do levantamento bibliográfico, textos produzidos
por outros autores e levantamento documental, leis e normas que garantem o direito à saúde e
à participação social, bem como de documentos e registros gerados nas conferências Nacionais
de Saúde do Trabalhador. (GIL, 2007).
A organização do estudo se dá através da abordagem das Conferências Nacionais da
Saúde do Trabalhador como direito de participação social, após será apresentado em específico
um breve contexto de cada conferência já realizada no país. Por fim, as considerações finais.
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O direito de participar e as Conferências Nacionais da Saúde do Trabalhador
A Constituição Federal em seu artigo 198, faz referência à participação da comunidade
no sistema de saúde, a qual tem a possibilidade de decidir, controlar e fiscalizar a organização,
planejamento, o financiamento e a implementação do sistema de saúde tanto nas ações e
serviços quanto na rede regionalizada e hierarquizada.
Em 1990 o direito à saúde do trabalhador aparece na lei de criação do Sistema Único de
Saúde - SUS- na lei 8080 de 19 de setembro 1990- em seu artigo sexto: “estão incluídas no
campo de atuação do SUS: I- a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de vigilância
epidemiológica; c) de saúde do trabalhador [...]”. Ainda no mesmo artigo no parágrafo terceiro
define o que é a saúde do trabalhador como observado na citação abaixo:
“Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei um conjunto de atividades
que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária,
à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e
reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das
condições de trabalho [...]”
No mesmo ano de criação da política pública de saúde no Brasil, O SUS, também é
criada a política pública da participação social ou participação da sociedade na organização,
planejamento das ações e serviços deste sistema, ou seja, a lei 8142 de 28 de dezembro de 1990:
“dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e
sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros, na área da saúde e dá outras
providências.”
Para abordar a participação social dentro do contexto das Conferências Nacionais de
Saúde do Trabalhador é importante conhecer um pouco do significado de Estado e sua relação
com política pública, assim como, de federalismo e suas implicações nas políticas públicas
sociais (saúde), para entendermos também como acontecem as decisões dentro da participação
social e demandas em instâncias diferentes (municipal, estadual e federal).
Quanto ao significado de Estado, Höfling (2001) afirma que este é o resultado do
conjunto de instituições permanentes (legislativo, executivo, tribunais, exército) que respaldam
a ação do governo. Governo por sua vez é o conjunto de programas, ações, normas, que uma
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parte da sociedade - políticos, técnicos, sociedade civil entre outros- formula para a sociedade
inteira, caracterizando política de governo. E as políticas sociais estão relacionadas ao tipo de
proteção social que o Estado implementa para mitigar desigualdades desencadeadas pelo
desenvolvimento socioeconômico à população sob sua responsabilidade.
Federalismo para Souza (2005) está relacionado ao sistema constitucional e a divisão de
poder de governo baseada na (territorialização) ligada às competências dos entes que compõe
o Estado e nos poderes legislativo, judiciário e executivo, além da distribuição de recursos
fiscais e das responsabilidades de cada ente. A autora contribui dizendo: “Há mais de um
século, o Brasil adotou a forma federativa de divisão territorial de governo. Ao longo desse
tempo, o país conviveu com grande variedade de arranjos federativos e experimentou períodos
de autoritarismo e de regime democrático.” (SOUZA, 2005, p. 105)
Para Arretche (2004), em se tratando da forma federalista de Estado a Constituição
Federal de 1988 não modificou a condição institucionalizada de gerência das políticas sociais,
principalmente da saúde, a qual é centralizada: “Na distribuição intergovernamental de funções,
a União está encarregada do financiamento e formulação da política nacional de saúde, bem
como da coordenação das ações intergovernamentais” (p.22). O Ministério da Saúde é quem
formula decisões o que reflete na dependência das diretrizes e transferências federais ao
governo local para o desenvolvimento da política de saúde, afetando e influenciando a gestão
da saúde de tais governos (estados e municípios).
A autora ainda acrescenta que os estados e municípios tem a sua participação na
formulação de políticas de saúde institucionalizadas nos conselhos, com representação dos
mesmos e da sociedade civil, o que diminuiu a possibilidade do Ministério da Saúde definir de
forma unilateral as diretrizes de desenvolvimento do SUS. “Tais conselhos funcionam como
um mecanismo de contrapeso à concentração de autoridade conferida ao Executivo federal.
(ARRETCHE, 2004, p. 23)
A busca pelo direito a participação da sociedade civil nas políticas públicas
principalmente sociais, acontece a partir dos anos 70, através de movimentos sociais. Podemos
conhecer o significado de sociedade civil no texto abaixo:
De uma forma geral, ele surge no período denominado trajetória das transições
democráticas. O final dos anos 1970 destaca-se nesta trajetória porque foi quando o
termo foi definitivamente introduzido no vocabulário político corrente e passou a ser
objeto de elaboração teórica. Na linguagem política corrente, ele se tornou sinônimo
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de participação e organização da população civil do país na luta contra o regime
militar. Este fato significou a construção de um outro referencial para o imaginário
político nacional, fundado na crença de que a sociedade civil deveria se mobilizar e
se organizar para alterar o status quo no plano estatal, dominado pelos militares e por
um regime não democrático com políticas públicas que privilegiavam o grande
capital, considerando apenas as demandas de parcelas das camadas médias e altas da
população que alavancavam o processo de acumulação das emergentes indústrias
filiais das empresas multinacionais. Este cenário estimulou o surgimento de inúmeras
práticas coletivas no interior da sociedade civil, voltadas para a reivindicação de bens,
serviços e direitos sociopolíticos, negados pelo regime político vigente. (GOHN,
2004, p.4 grifo do autor)
A participação social é a maneira de divisão do poder de decidir entre Estado e o
cidadão- refletindo democracia e cidadania. Gera a possibilidade da sociedade através da
interação com o Estado poder decidir sobre a formulação, desenvolvimento e também fiscalizar
a gestão e investimentos das políticas, além da elaboração dos planos, municipais, estaduais e
federais. Este direito está garantido na Constituição Federal de 1988, também regulamentado
em leis como a lei do SUS, já citada anteriormente, a qual define instâncias deliberativas de
participação paritária (tripartite- governo, trabalhadores da saúde e cidadão). (REPENTE,
2008).
2.1 A primeira Conferência - a busca do direito fundamental
Como participação social relacionado à da saúde do trabalhador apresentamos a
primeira Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador que acontece em 1986, junto à VIII
Conferência Nacional de Saúde, num contexto de mudança de regime de governo – militar para
democrático- de intensas mobilizações sociais na busca de direitos sociais, principalmente à
saúde.
A proposta de aliar a busca pelo direito à saúde como aconteceu em março de 1986,
marco da participação social evidenciando que a contribuição para resolução dos problemas do
país deve vir da participação do povo. E a busca pelo que hoje se tem como direito fundamental:
saúde direito de todos e dever do Estado; suscitou o pensamento da união da saúde e trabalho,
constituindo assim uma comissão tripartite com representantes dos trabalhadores,
empregadores e do estado para organização da primeira Conferência Nacional de Saúde do
Trabalhador (CNST). (BRASIL, 1986)
Com o intuito de ampliar o debate da CNST, foram realizadas pré- conferências
estaduais (20) e municipais, ampliando a participação de todos os setores da sociedade ligados
à saúde e trabalho, todas com objetivo de discutir saúde e trabalho formando um conjunto de
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questões para debate efetivo na conferência nacional: diagnóstico da situação de saúde e
segurança dos trabalhadores, novas alternativas de atenção à saúde dos trabalhadores, política
nacional de saúde e segurança dos trabalhadores. No texto abaixo é possível verificar o
significado da saúde dos trabalhadores, discutido na Conferência:
O entendimento de que saúde dos trabalhadores extrapola os limites da saúde
ocupacional possibilita conceituá-la como resultante de um conjunto de fatores de
ordem política, social e econômica. Em síntese, saúde dos trabalhadores significa:
Condições dignas de vida; pleno emprego; trabalho estável e bem remunerado;
oportunidade de lazer; organização livre, autônoma e representativa de classe;
informação sobre todos os dados que digam respeito direitos. Portanto, no plano do
direito, o DIREITO À SAUDE precisa expressar, também, DIREITO AO
TRANBALHO, DIREITO À INFORMAÇÃO, DIREITO À PARTICIPAÇÃO,
DIREITO AO LAZER. (BRASIL, 1986, p. 2)
O Brasil ainda não tinha uma política de saúde instituída, vigorava a Constituição de
1967, ainda sob regime militar, a nova constituição federal viria a ser promulgada somente em
1988, praticamente dois anos após a realização desta conferência. Neste contexto o trabalhador
se encontrava num momento em que os governantes do país visualizavam o desenvolvimento
industrial e de infra- estrutura, benefícios à classe média- alta, parcerias internacionais, busca
de capital do exterior e não as políticas sociais. E o trabalhador continuava explorado com renda
cada vez menor para manter um padrão de qualidade de vida, que pudesse deixá-lo em melhores
condições socioeconômicas, incluída a saúde. Lembrando que neste período a participação
social através de conselhos ainda não existia.
Quanto as questões elencadas para debate podemos alocar algumas reflexões geradas
durante o evento. A primeira questão é o diagnóstico da situação de saúde e segurança dos
trabalhadores no país, apresentamos abaixo um trecho da discussão:
As origens do quadro atual da dramática situação da saúde do trabalhador são a própria
formação da sociedade brasileira e na implantação do capitalismo brasileiro, estando
o Estado sempre a serviço da classe dominante, situação essa acentuada nos últimos
21 anos de ditadura, com brutal espoliação e amordaçamento das classes dominadas.
Assim, a saúde do trabalhador sempre foi e continua sendo, até o presente,
subordinada aos interesses do capital nacional e internacional. Agrava o fato o
cerceamento, pela legislação sindical, de uma organização mais efetiva da classe
trabalhadora. Neste perverso processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil,
é criado um exército industrial de reserva que torna o trabalhador em simples peça de
reposição, o que explica o descaso para com a sua saúde. Tal fato torna o trabalho um
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fator de risco por que a preocupação do capital é com o lucro e não com indivíduo.
(BRASIL, 1986, p. 7)
As condições de saúde do trabalhador neste contexto em que se dá a primeira
Conferência, está relacionada às precárias condições socioeconômicas em que vive o
trabalhador brasileiro, baixa qualidade de vida, refletido na precariedade de moradia,
alimentação e indicadores de saúde. Priorização e incentivo ao capital financeiro das empresas
e não capital humano, o governo voltado ao benefício da classe dominante e ao capitalismo.
Desconhecimento do trabalhador dos riscos que está exposto no ambiente de trabalho, altas
taxas de doenças transmissíveis, mortalidade infantil, doenças ocupacionais, acidentes de
trabalho e morte. O trabalhador rural desamparado e exposto ao trabalho com agrotóxico e as
consequências deste. Reflexos da falta de uma legislação e fiscalização efetiva (apoio do
Estado), falta de um sistema público de saúde (política pública de saúde, voltada ao cidadão
brasileiro nele incluído o trabalhador).
A segunda questão se dá em torno da mudança das condições de saúde do trabalhador
levantadas, discutidas e evidenciadas acima. A busca de novas alternativas de atenção à saúde
dos trabalhadores está pautada nas propostas de melhoria efetiva de condições de direitos ao
trabalhador, garantidas através da apropriação do interesse do Estado em reverter o contexto
atual vivenciado pelo trabalhador. Evidenciando e priorizando a criação de um sistema de saúde
de qualidade e efetivo, a priorização dos serviços públicos em detrimento ao privado, a
prevenção e promoção da saúde em relação à medicalização.
São evidenciados também como discussões e propostas a formação e informação do
trabalhador frente aos riscos ocupacionais, o levantamento destes riscos ocasionados pelas
empresas ao respectivo trabalhador. A recuperação e reabilitação do trabalhador acometido por
alguma doença ou mutilação resultado do ambiente de trabalho. A fiscalização dos ambientes
de trabalho, a melhoria da legislação voltada à saúde e segurança do trabalho, a diminuição de
carga horária de trabalho, do trabalho infantil, da demissão e substituição do trabalhador a
qualquer tempo e motivo, descaracterizando as precárias condições do trabalhador.
E por fim, a terceira questão debatida é a instituição de uma política nacional de saúde
e segurança dos trabalhadores que em sua base de discussões procura formular situações que
revertam o quadro atual vivido pelo trabalhador. Que atue tanto no direito de participação do
trabalhador na formulação de políticas de segurança do trabalhador no ambiente de trabalho
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quanto em segurança econômica, salário digno, férias, jornada de trabalho condições
previdenciárias, saúde. Que esta política seja abrangente na formulação de um sistema de saúde
universal, integral, regionalizado, organizado e equitativo, levando em consideração a criação
também de um sistema de vigilância epidemiológica em saúde do trabalhador, além da busca
constante do direito à participação social.
2.2 A segunda conferência- a política de saúde do trabalhador
A segunda Conferência Nacional de Saúde aconteceu em 1994, tendo como tema:
Construindo uma política de saúde do trabalhador, com apoio forte do Conselho Nacional de
Saúde e respectivas instâncias federadas (estados e municípios). A segunda conferência foi o
primeiro acontecimento em que as entidades representativas puderam discutir e decidir
prerrogativas e propostas para esta política. (BRASIL, 1994) O texto abaixo reflete a
importância da realização das conferências:
As Conferências Nacionais na área de Saúde do Trabalhador, nos moldes em que têm
sido realizadas, constituem-se, ao mesmo tempo, num processo democrático da
construção histórica de um campo específico e qualificado na área de saúde e num
momento privilegiado que permite – através de exposição e análise de teses,
experiências e projetos — trocas, articulações e encaminhamentos de questões em
nível nacional. (BRASIL, 1994, p. 4)
A segunda conferência formulou três novas temáticas de discussão as quais são:
desenvolvimento, Meio Ambiente e Saúde; cenário da saúde do trabalhador de 1986 a 1993 e
perspectivas; estratégias de avanço na construção da Política Nacional de Saúde do
Trabalhador. “O Ministério da Saúde, ao frisar a importância das Conferências enquanto
momentos democráticos de discussão ampla de Política Nacional de Saúde, desdobrada em
questões específicas e realizadas com a participação representativa dos atores e segmentos
sociais envolvidos na questão, ressaltou o processo da participação organizada da Sociedade
Civil como um dos elementos basilares do SUS, matriz onde se abrigou e desenvolveu,
mantendo suas peculiaridades, o Sistema de Atenção à Saúde do Trabalhador. ” (BRASIL,
1994, p. 7)
No documento estudado da segunda conferência (CNST, 1994) como resultados
concretos foram elencados tópicos de discussões e conclusões relacionadas às três questões
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debatidas, que serviriam de meta e busca para a melhoria e concretização de uma política de
saúde e segurança do trabalhador o quais abordaremos a seguir:
- princípios: manter o direito fundamental à saúde, no tocante à universalização,
integralidade e investimentos federais, estaduais e municipais. As ações de saúde do trabalhador
incorporadas ao SUS, priorizando as ações de proteção, promoção e prevenção à saúde sem
descuidar de outras ações econômico-sociais (saneamento, fiscalização, informação, sistema de
saúde organizado;
- Organização das ações de saúde do trabalhador: consolidação do SUS, incorporando a
intersetorialidade entre os ministérios da Saúde, Trabalho e Previdência para garantir a
integralidade nas ações de saúde como prevenção, tratamento e reabilitação; as ações de saúde
ao trabalhador devem abranger toda a rede de atenção; busca da implantação dos centros de
saúde ao trabalhador; fiscalização ao ambiente das empresas; investigação dos acidentes de
trabalho; recursos tecnológicos aos centros de vigilância em saúde; unidades de saúde alocadas
conforme a realidade da comunidade; estudos e pesquisas pertinentes às doenças relacionadas
ao trabalho.
- Participação e controle social: exigir a regulamentação da lei do controle social na
participação dos conselhos municipais, estaduais e federais; garantir que os governos cumpram
as deliberações das conferências de saúde (nacional, estadual e municipal) e de saúde do
trabalhador; garantir o efetivo controle do conselho sobre o orçamento da saúde exigindo
prestação de contas pelos gestores; movimento sindical possa participar do conselho de saúde;
que o conselho de saúde fiscalize os ambientes de trabalho; criar um sistema de informação em
saúde do trabalhador; que a formação do conselho seja paritário (50% usuário, 25%
trabalhadores da saúde e 25% prestação de saúde);que os trabalhadores possam participar da
gestão dos centros de referência em saúde do trabalhador; que a fiscalização dos ambientes de
trabalho tenham a participação dos trabalhadores; escolher os dirigentes nas esferas de poder
(ministério do trabalho, previdência, delegacia regionais do trabalho, Fundacentro, secretárias
do trabalho), constituir fóruns de trabalhadores (municipal, estadual e nacional).
- informação: implantar um sistema de informação universal em saúde do trabalhador
(municipal, estadual e nacional), subsidiar o sistema de vigilância em saúde; divulgação das
informações geradas; informação e investigação do risco gerado pelo ambiente de trabalho,
gerar campanhas educativas e formativas.
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-Recursos humanos para a saúde do trabalhador: formação de recursos humanos em
saúde (trabalhadores da área de saúde), atendendo o artigo 200 da Constituição Federal voltado
ao trabalho.
- Financiamento: garantir o financiamento da área de saúde do trabalhador (30% da
Seguridade Social e 15% gerados dos municípios, estados e nação) direcionados aos fundos de
saúde; responsabilizar as empresas pelo custeio do SUS pelo atendimento gerado ao
trabalhador; rever a tabela de procedimentos do SUS; garantir que a execução do orçamento da
saúde seja acompanhado pelo conselho de saúde.
- Legislação: buscar o cumprimento e efetivação das leis de amparo ao trabalhador;
elaborar um código Sanitário Nacional; garantir a efetivação de jurisdição trabalhista e
previdenciária;
- Desenvolvimento, saúde, meio ambiente e trabalho: as proposições deste tópicos
dizem respeito a toda a sociedade que esta possa participar dos direitos sociais para resultar em
melhores condições de vida. Para demonstrar a importância deste tópico colocamos um trecho
no texto abaixo:
1) A sociedade tenha o direito soberano de opinar e decidir sobre qual o modelo de
desenvolvimento que lhe serve, bem como os meios de viabilizá-lo. Em particular,
que a sociedade, como um todo, tenha o direito à informação dos riscos à saúde
decorrentes da produção, distribuição e consumo. Nenhuma informação poderá ser
omitida em nome da defesa de segredos industriais ou de interesses de grupos. 2) O
Estado tenha o dever de: - Assegurar, através dos três níveis de governo, a
realização de estudos e pesquisas sobre impactos ambientais e custos ecológicos,
precedentes à execução de grandes projetos (barragens, desmatamento, etc.), cujos
resultados devem ser amplamente divulgados e discutidos pela sociedade civil
organizada da área a ser atingida, respeitando-se o seu direito de deliberar sobre a
implantação ou não de tais projetos e o de obter as reparações correspondentes.
(BRASIL, 1994, p. 35)
- Política agrária e saúde do trabalhador rural: realizar em caráter de urgência a reforma
agrária no Brasil para garantir igualdade na distribuição de terra; implantar avanços e pesquisas
tecnológicas para o setor agrário; incentivado e fiscalizado o uso de equipamentos de proteção
individual e coletiva aos trabalhadores rurais; garantia de acesso aos serviços de saúde e
formação, informação e aplicação efetiva de legislação pertinente a saúde do trabalhador rural.
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- gerais: dizem respeito às políticas sociais e a busca de entendimento entre
trabalhadores, seus representantes, empregadores e Estado refletindo no direito ao trabalhador.
A segunda conferência realiza a tentativa de firmar o direito fundamental à saúde e da
participação da sociedade garantido em lei. Lei recente, instituída quatro anos da realização
desta conferência, e que necessita de esforços para a manutenção da participação da
comunidade, das pessoas nas decisões que afetam as políticas em saúde. Outro aspecto a
destacar é a intersetorialidade entre ministérios, entre instituições e instância de poder
(municípios, estados e governo) e principalmente do diálogo com o trabalhador e sua
representação, consolidando o diálogo social, a cidadania e a formação, implantação e
desenvolvimento de políticas públicas próximas à realidade do usuário- neste caso o
trabalhador.
2.3 A terceira conferência: “trabalhar sim, adoecer não”
A terceira conferência acontece de 24 a 27 de novembro de 2005, em Brasília, com etapa
preparatória ao evento englobando 1240 pré-conferências (regionais, municipais e estaduais)
com desfecho na realização da nacional, com aprovação de 344 resoluções representando
grande mobilização na área de saúde do trabalho, ainda na busca e consolidação de uma política
de saúde discutida na segunda conferência e criada no presente ano. Como evidenciado no texto
abaixo:
A 3ª CNST representou um momento ímpar tanto pela participação dos três
ministérios (Saúde, Trabalho e Emprego e Previdência Social) na sua convocação
quanto, e principalmente, na ampla participação de diversos segmentos sociais em
todas as suas etapas. As resoluções aprovadas representam um significativo avanço
na área e, com certeza, vão repercutir na melhoria das condições de vida no trabalho.
(BRASIL, 2005, p. 9)
A tentativa na terceira conferência ao formar os eixos temáticos foi resgatar os temas
discutidos e pautados nas conferências anteriores registrando assim tais questões como resgate
histórico das lutas em busca do direito do controle social. Foram formados três eixos temáticos,
que geraram discussões e proposições, os quais serão apresentado a seguir:
672
a) Como garantir a integralidade e a transversalidade da ação do Estado em saúde dos (as)
trabalhadores(as)?
Ao ler o relatório podemos apontar alguns pontos importantes discutidos dentro deste eixo
como: ampliar e pensar políticas sociais, embasado na integralidade de atenção à saúde, ações
de qualidade através da intersetorialidade e na necessidade de inclusão da saúde do trabalhador
nos serviços gerado pelo SUS- fortalecer, inovar, avançar, com estudos e novas tecnologias.
Também fortalecer ações na Previdência Social (garantia de benefícios)e agilidade nos
processos para obtenção de auxílios e atestados que comprovem doença ou acidente no
trabalho, também no Ministério do Trabalho e na Saúde.
Ampliação e avanço nas vigilâncias sanitárias, ambientais e do trabalho, também
consolidando os centros de referência em saúde do trabalhador. Educação permanente aos
profissionais da saúde, formal e popular em comunidades, escolas, comunidades, associações.
O texto abaixo nos fala sobre a garantia da integralidade à saúde do trabalhador:
[...]A atenção do Estado com a segurança e a saúde, em caráter universal, equânime e
humanizado, deve ser garantida a todos os trabalhadores: funcionários da iniciativa
privada e servidores públicos, trabalhadores autônomos e informais, urbanos e rurais,
empregados e desempregados. A inclusão ampla e irrestrita dos trabalhadores abre
caminho à conquista e consolidação da sua cidadania. (BRASIL, 2005, p. 56)
b) Como incorporar a saúde dos (as) trabalhadores(as) nas políticas de desenvolvimento
sustentável no País?
Este eixo prioriza e discute a possibilidade de reforma agrária como diminuição das
diferenças no país e melhoria do trabalho rural. E que defende a qualidade de vida: “A defesa
da qualidade de vida e da saúde como valores absolutos e universais legitima o desenvolvimento
sustentável como um conceito integrador de políticas públicas.” (BRASIL, 2005, p. 58)
Somar esforços para formulação de políticas que visem a diminuição do risco de adoecer:
doenças do trabalho, acidentes, fome, desemprego, miséria, contaminações por produto
químicos, principalmente no trabalho rural. Garantir a promoção do ambiente saudável e isto
inclui o ambiente de trabalho, garantindo uma política de resíduos sólidos. Importante
apresentar o conceito da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre ambiente de trabalho
saudável, no texto abaixo:
673
Um ambiente de trabalho saudável é aquele em que os trabalhadores e os gestores
colaboram para o uso de um processo de melhoria contínua da proteção e promoção
da segurança, saúde e bem-estar de todos os trabalhadores e para a sustentabilidade
do ambiente de trabalho tendo em conta as seguintes considerações estabelecidas
sobre as bases das necessidades previamente determinadas: Questões de segurança e
saúde no ambiente físico de trabalho; Questões de segurança, saúde e bem-estar no
ambiente psicossocial de trabalho, incluindo a organização do trabalho e cultura da
organização; Recursos para a saúde pessoal no ambiente de trabalho; e Envolvimento
da empresa na comunidade para melhorar a saúde dos trabalhadores, de suas famílias
e outros membros da comunidade.(OMS, 2010, p. 6)
Fortalecer o trabalho e fiscalização no controle de uso de produtos químicos e conservação
dos recursos hídricos, inclusive até reforço e dedicação na fiscalização e punição ao tráfico de
agrotóxicos. Garantir que o Estado nas federações respectivas cumpra a legislação ambiental.
Incentivando planejamento ambiental e cumprimento deste nos respectivos entes do Estado.
c) Como efetivar e ampliar o controle social em saúde dos (as) trabalhadores (as)?
Eixo de importância ao nosso estudo, pois busca consolidar e universalizar o controle social
e propõe aprovar o código de defesa do usuário do SUS. “Garantir e fortalecer o controle social
na formulação, regulação e execução das políticas públicas para crianças e adolescentes,
mulheres, idosos, trabalhadores, pessoas com deficiência e portadores de necessidades
especiais” (BRASIL, 2005, p. 53). Dando continuidade no texto abaixo há a ênfase nos fóruns
de avaliação de desempenho do SUS, como possibilidade de controle social:
Promover a criação de fóruns de acompanhamento das deliberações das conferências
de saúde: de avaliação do desempenho do SUS; de trabalhadores e profissionais do
SUS; de discussão sobre a gestão do trabalho; intersetorial de integração das políticas
sociais; de discussão da assistência farmacêutica e de outras temáticas relevantes para
o sucesso do SUS; de serviços credenciados do SUS. (BRASIL, 2005, p. 53)
2.4 Quarta conferência: política de todos
O documento estudado não faz referência ao total de participantes e nem mesmo ao
quantitativo de pré conferências que aconteceram antes da realização desta. A quarta
conferência acontece na afirmação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e
Trabalhadora (PNSTT), política para todos, no levantamento das ações que realimente no país
674
a discussão da realidade em que o trabalhador e trabalhadora (público ou privado, urbano e
rural, formal ou informal) está inserido, ou seja, local, regional e nacional.
Discute a viabilidade da política ser implementada e de responsabilidade dos
municípios. Na realização da conferência existem indagações que precisam ser respondidas
como: a contribuição do trabalho à sociedade? O desenvolvimento regional e local gerado pelo
trabalhão? Quais ações estão sendo realizadas pelo Estado e municípios para a consolidação da
PNSTT e tornar visível as doenças e acidentes do trabalho que acontecem? (BRASIL 2012)
Durante a conferência são formados quatro eixos a serem trabalhados para gerarem
proposições durante a mesma: a) intersetorialidade pensando no desenvolvimento regional-
saúde do trabalhador nos territórios; b)participação dos trabalhadores, governança da política
de saúde dos trabalhadores, espaços participativos e deliberativos; c)consolidar as competências
do SUS dentro da relação com a saúde do trabalhador levando em consideração as ações
intrasetoriais e regionais, interagindo diretamente com a atenção integral, organização da rede
de atenção e das ações de vigilância em saúde e saúde do trabalhador incluindo a regulação; d)
financiamento das ações e provimento de condições estruturais e humano do trabalho em saúde
principalmente na capacitação de trabalhadores da saúde inseridos na PNSTT.
O primeiro eixo de discussões está voltado à inserção do trabalho e o desenvolvimento
nos territórios, buscando aproximar o trabalhador da sua realidade, do seu local que é onde os
processos produtivos acontecem, e os riscos deste processo que o afetam diretamente. Este tema
se volta também às condições do trabalho mediante a economia do país, que hoje ainda
beneficiam as empresas e a busca de capital em detrimento ao bem estar e desenvolvimento das
pessoas inseridas diretamente neste contexto. É possível perceber que a situação vivenciada
pelo trabalhador brasileiro na primeira CNST ainda não mudou, ou seja, passaram-se 26 anos
até a quarta conferência e ainda está em discussão os prejuízos causados ao trabalhador pelo
desenvolvimento econômico do país e pelas políticas de governo voltado ao capital.
O segundo eixo temático discutido nessa conferência trabalha a questão do
fortalecimento da participação social dentro de uma governança participativa e deliberativa. No
documento estudado é apresentado o processo histórico do controle social no mundo, na
América Latina e no Brasil, fundamentando a importância deste acontecer não só dentro de
instituições como conselhos, fóruns e conferências mas deve acontecer a todo o momento
principalmente pelo cidadão no seu território. Aponta também como instâncias principais de
675
participação social dentro da área de saúde do trabalhador as Comissões Intersetoriais em Saúde
do Trabalhador (CIST), e com a criação da Rede Nacional de atenção Integral à Saúde do
Trabalhador- RENAST, a forma de controle social deste deve ser pelos Conselhos e
Conferências de Saúde. Como podemos observar no texto abaixo:
Os Conselhos de Saúde e as Comissões Intersetoriais de Saúde do Trabalhador são
instâncias reconhecidas, legalmente constituídas, como modelo de participação e
controle social. Garantidas pelo SUS, são canais regulares de acesso da população
geral e da classe trabalhadora, garantindo a consulta pública sobre questões relevantes,
sua discussão, deliberação e encaminhamento para solução. A revitalização e
fortalecimento dessas instâncias, mediante qualificação dos seus componentes na
formulação, planejamento e avaliação de políticas, deve ser uma preocupação
constante dos trabalhadores e dos diversos setores do governo e da sociedade civil,
envolvidos ou comprometidos na sua representatividade. (BRASIL, 2005, p. 60)
Aborda o fortalecimento da participação do trabalhador, da trabalhadora, da
comunidade e do controle social nas ações de saúde do trabalhador e trabalhadora. Este tema
foi pensado através de algumas diretrizes principais: incentivar a participação dos atores acima
citados na criação de políticas públicas, apoiar as instancias representativas dos trabalhares e
trabalhadoras e do movimento social, estimular parcerias com instituições e movimentos de
defesa do direito a saúde dos trabalhadores, fortalecer ações intersetoriais, buscar interrelação
com o legislativo, produzir conhecimento em conjunto com os trabalhadores, transparência de
informação aos trabalhadores e sociedade.
O terceiro eixo temático faz referência as dimensões da integralidade na efetivação da
PNSTT, enfatizando a inserção da saúde do trabalhador nas ações e serviços do sistema de
saúde em seu território (bairro, município, região, estado, nação), de forma organizada e
regionalizada com atenção integral, servindo como porta de entrada do trabalhador aos serviços
que necessita a rede de atenção à saúde, direcionando ações de promoção proteção, prevenção
recuperação e reabilitação à saúde do trabalhador. Outros pontos importantes também
apresentados são a busca da intersetorialidade, fortalecimento da Vigilância em Saúde do
trabalhador(VISAT), recursos humanos e responsabilidade sanitária dos gestores de saúde além
de pensar na ligação entre a Política Nacional da Atenção Básica e de saúde do trabalhador e
da trabalhadora.
676
O último eixo trabalha a questão do o financiamento da PNSTT pelos municípios,
estados e União, aborda a questão da universalidade e as regras para financiamento do sistema,
enfatiza a necessidade de uma gestão eficiente dos recursos disponíveis. Indica o
estabelecimento de metas, ações e indicadores nos Planos de Saúde e Programação anual e
saúde nos esferas federadas, definindo prioridades estratégicas.
Esta conferência como as outras, que já aconteceram, empenha novamente esforços na
tentativa de mudar a realidade de saúde do trabalhador brasileiro, que ainda se caracteriza por
dificuldade de inclusão nas ações e serviços do SUS, apesar de existir uma política pública
desde 2012, a PNSTT. Ainda falta conhecimento e compromisso dos gestores na implantação
e desenvolvimento desta política no local em que o trabalhador está inserido. Dificuldade
também no controle social, pois falta formação e informação do trabalhador no sentido de
levantar e reivindicar demandas locais, regionais, estaduais e nacionais conhecendo sua causa
de luta sem sofrer influências que induzem e mascaram as reais necessidades do trabalhador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudar a participação social como forma de direito e ampliação deste, através da
participação do cidadão nas decisões e possibilidades de formular políticas públicas próximas
à sua realidade propiciou ampliar conhecimento, o que torna possível afirmar que o objetivo
proposto para o estudo foi alcançado.
A participação social, pode consolidar as lutas também pelo trabalho decente, aquele
que possibilita a vida digna, através do desenvolvimento social (saúde, trabalho, autonomia,
informação e conhecimento, alimento, meio ambiente) e econômico (emprego, renda,
qualidade de vida, sustento, segurança) como sugere a OIT (2006, p. 5) afirmando que o
trabalho decente deve ser sustentado por quatro pilares: “a) respeito às normas internacionais
do trabalho; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de
discriminação em matéria de emprego e ocupação); b) promoção do emprego de qualidade;
c) extensão da proteção social; d) diálogo social.” Porém, em muitos casos, não é o cenário
relatado pela OIT que encontramos,ou melhor, a realidade que visualizamos possui fome,
desemprego, retirada de direitos, baixo índice de desenvolvimento humano, precarização do
677
trabalho, doenças e acidentes ( gerando afastamentos do trabalho), trabalho informal, falta de
qualidade de vida, exploração, desinformação.
No aprofundamento dos conceitos e significados da participação social dentro das
Conferências Nacionais de Saúde do Trabalhador existe a perspectiva do melhoramento das
práticas voltadas à saúde e necessita de participação e diálogo social dinâmico, ativo e
participativo, e informado. O cidadão que exerce a participação social deve conhecer o
significado e real valor do buscar decidir e conquistar, muitas vezes o que se percebe é que há
um desconhecimento profundo sobre a questão que se defende ou se renúncia, como exemplo
os aspectos que compõe a saúde do trabalhador: processos produtivos do trabalho, direitos e
deveres, meio ambiente, desenvolvimento local e regional, renda, qualidade de vida, doenças,
acidentes entre outros.
Pela relevância fundamentada do tema tratado aqui, sugere-se a continuidade de estudos
voltados à instituição do controle social através da sociedade dentro das conferências, fóruns e
Conselhos de Saúde nas suas instâncias deliberativas, assim como estudar o reflexo destes
debates e proposições, ou seja, os resultados, as contribuições, as mudanças ocorridas nas
políticas de saúde como forma de mensurar a efetividade da participação social traduzida em
justiça social.
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680
CONSULTA LEGISLATIVA E MECANISMOS DE ACCOUNTABILLITY: AS
SABATINAS À PRESIDÊNCIA DO BANCO CENTRAL NOS GOVERNOS FHC E
LULA
Mateus Coelho Martins de Albuquerque3
José Carlos Martines Belieiro Júnior4
RESUMO: Este artigo analisa as dinâmicas das sabatinas realizadas pela Comissão de
Assuntos Econômicos do Senado Federal, com o objetivo de avaliar e validar a indicação à
presidência do Banco Central (BC). As sabatinas foram criadas na Constituição de 1988, em
seu artigo 52, e representam um mecanismo de consulta do poder executivo em relação ao poder
legislativo. O artigo estuda os contextos socioeconômicos em que estas sabatinas se enquadram,
além de apreender sobre como os cenários econômicos influenciam e participam das dinâmicas
entre o legislativo e o executivo no Brasil. No texto, são analisados os perfis dos senadores, o
papel histórico da CAE e a relação entre política e técnica no debate econômico travado no
legislativo brasileiro. Também são estudadas as ferramentas de recrutamento que corroboram
as indicações ao cargo de presidente do BC. O enfoque do artigo são as quatro sabatinas
realizadas nos governos de Fernando Henrique Cardoso, que arguiram os economistas Pérsio
Arida, Gustavo Loyola, Gustavo Franco e Armínio Fraga; e a única realizada nos governos
Lula, que arguiu o economista Henrique Meirelles. Sob uma perspectiva comparativa, o texto
discute em que aspectos as sabatinas absorvem as diferenças e continuidades nas políticas
econômicas dos dois governos.
Palavras-Chaves: Senado; Banco Central; Sabatinas; Economia; Redemocratização
INTRODUÇÃO
Estabilização, Democracia e o Banco Central
O Banco Central do Brasil foi criado no ano de 1964, pela administração do Presidente
Castello Branco. A sua criação está relacionada a uma ação de modernização da economia
3 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFSM. E-mail:
[email protected] 4 Doutor em Ciência Política. Professor no Departamento de Ciências Sociais da UFSM. E-mail:
681
brasileira durante a Ditadura Militar: a transição do posto de autoridade monetária da
Superintendência da Moeda e do Crédito (a SUMOC, criada em 1945) para um banco público
ligado ao poder executivo, tal qual na maioria dos países do mundo capitalista. O Banco passa
a controlar a emissão de moeda, função antes destinada ao Tesouro Nacional, e também passa
a ser o banco do governo, função antes exercida pelo Banco do Brasil. Com a redemocratização,
novas mudanças estruturais, sendo a mais importante delas o fim da Conta-Movimento entre o
Banco do Brasil e o Banco Central para fornecimento do poder executivo, em 1986. Essa conta
era uma grande responsável pelo descontrole dos gastos públicos na era pré-Nova República
(Leitão, 2011).
Hoje, o Banco Central desempenha a função tríplice da maioria das autoridades
monetárias do capitalismo. Essa função é descrita por Lourdes Sola na citação abaixo:
O status que tem hoje um banco central moderno - como instituição pública não
orientada pela maximização do lucro - é resultante de um processo histórico evolutivo,
ancorado nas regras e nas instituições que sustentam suas três funções básicas: a de
banco do governo, a de detentor do monopólio da emissão de moeda e a de banqueiro
do sistema bancário. (SOLA, 2011, p. 79-80)
A Redemocratização representou uma virada no jogo institucional do Banco Central.
Houve um “tênue consenso, entre os tecnocratas econômicos e os políticos mandatários
(especialmente no Executivo Federal)” (TAYLOR, 2011, p.200) da estabilização econômica
como o principal objetivo a ser atingido pelas políticas públicas. Ainda em Matthew Taylor
(2011), vemos que essa estabilização estava diretamente relacionada a uma maior autonomia
do Banco Central: insulado dos conflitos políticos, o BC autônomo tem comportamentos mais
previsíveis, o que passa mais credibilidade aos mercados nacionais e internacionais. Isso
resultou na entrada em acordos internacionais, com uma lenta e gradual adaptação do sistema
bancário brasileiro ao Acordo de Basileia5 (Marques, 2011).
Existem alguns fatores que contribuem para essa mudança. A noção da estabilização como
prioridade do governo só pode ser dada por todo um cenário, orquestrado em causas e
consequências, que pendiam para esse direcionamento. Em seu “Os Economistas no Governo”,
de 1997, Maria Rita Loureiro demonstra a existência de grandes mudanças no perfil dos
economistas brasileiros na segunda metade do século XX. A partir dos anos 70, passam a haver
5 Série de acordos firmados na cidade de Basileia, na Suíça, que impõem às autoridades monetárias diversas
medidas de regulamentação dos bancos comerciais. Os tratados foram assinados em 1988. Em 2004, é estabelecida
uma continuação do acordo, o Basileia II.
682
mudanças significativas nos currículos de economia, visando o preparo para a gestão
governamental. Para além disso, o Governo passa a colocar nos postos econômicos pessoas
formadas em economia, algo raro até então, se priorizavam os juristas. Passa a haver uma elite
econômica: jovens de classes mais altas, facilmente mais recrutáveis para postos
governamentais, começam a cursar Economia. Outro fator marcante é que esse jovem passa a,
quase que obrigatoriamente, cursar sua pós-graduação em universidades dos Estados Unidos,
Loureiro mapeia que dos 18 presidentes do BC até a publicação de seu livro, 75% se pós-
graduaram no país. Os economistas brasileiros passam a atuar no governo e ter um perfil mais
internacional e liberal.
Mas não basta essa mudança de perfil para a concretização do experimento estabilizador
na economia brasileira. Vemos em Pio (2001) que foram necessárias certas mudanças na forma
como esses economistas atuam em políticas econômicas para efetivar um projeto estabilizante.
O Plano Cruzado, de 1986, contou com a forte participação de dois economistas oriundos da
PUC-RJ: André Lara Resende e Pérsio Arida, ambos defensores de uma teoria heterodoxa da
Inflação Inercial. Ao serem incorporados no governo, boa parte de suas ideias, eu incluíam uma
reforma monetária sob nova indexação, foram absorvidas pelo novo plano. Entretanto, a pressão
dos agentes políticos acabou cedendo ao que seria a morte do Plano, mesmo que inicialmente
seja o seu ponto mais lembrado, o congelamento de preços. Resende e Arida, em posição
tecnocrática e subordinada, nada puderam fazer para impedir.
Já no Plano Real, marco da estabilização econômica brasileira, os mesmos economistas
atuaram de maneira diferente. A tese de Carlos Pio é que o reposicionamento no cenário político
dessas figuras, desses agentes técnicos, é crucial para o alcance do insulamento técnico referido
para a outorga de decisões estabilizantes. Isso não significa afirmar que o Real foi um processo
autoritário, que funcionou independente de coalizões, pelo contrário, dependeu até mais delas,
mas a diferença que aqui reside é que o corpo técnico formulou políticas, e teve nos agentes
políticos do Executivo (no caso, o então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso)
aliados responsáveis por legitimar politicamente o Plano. O corpo técnico não opera mais para
os políticos, os políticos é que operam pelo corpo técnico.
Com efeito, todos aqueles envolvidos na formulação do Real eram parte de uma equipe
extremamente homogênea, comprometida com o planejamento do programa de
estabilização. Entre eles, a abordagem da reforma monetária de Lara Resende e Arida
era totalmente hegemônica. Na verdade, uma característica distintiva do processo
político por trás da formulação e da implementação do Real foi o baixo grau de conflito
intra e interburocrático a partir do momento em que Cardoso assumiu o Ministério da
683
Fazenda, em 1993. Outros ministérios foram excluídos do processo decisório e até
mesmo o presidente Itamar Franco deixou de interferir nas decisões tomadas pela
equipe econômica. Os debates internos entre os economistas foi muito intenso, mas a
capacidade de controle técnico do processo aproximou-se de um padrão ideal. (PIO,
2001)
Outro fator influente para a mudança nas políticas econômicas – e consequentemente
no perfil do Banco Central – após a redemocratização é a reconfiguração do próprio papel da
autoridade monetária no mundo todo. Sola (2011) vai nos mostrar como o mundo após o
abandono dos acordos de Bretton Woods6 ampliou o papel da autoridade monetária: com o
capital internacionalizado, os bancos centrais passam a atuar também no cenário externo,
tornando as barreiras que antes separavam público e privado menos rígidas. Há uma intensa
relação entre a maior autonomia do Banco Central do Brasil com a demanda internacional por
uma regulamentação “sem fronteiras”, o que pode significar, em muitos casos, “sem governos”.
Em um sistema em que não há um governo mundial, a capacidade de governança se
localiza em múltiplos loci de autoridade monetária (e fiscal), pública e privada, nacional
e transnacional. (...) Nesse quadro, os agentes econômicos privados que operam no
mercado cambial, e no mercado de títulos soberanos, têm o poder de adjudicar a
credibilidade das políticas monetária e fiscal de cada país; e o fazem por meio de
julgamentos de mercado. (...) Esse tipo de poder reflete uma transformação estrutural
sem precedentes, que caracteriza a era do capital globalizante: a emergência da
autoridade privada como parte integrante do sistema de governança global, ambiente no
qual os bancos centrais passaram a operar. (SOLA, 2011, p. 91)
A conjuntura é favorável à autonomia do BC. Como já demonstrado, essa autonomia
está diretamente relacionada a um consenso entre os agentes no poder de que a estabilidade era
o principal desafio, a principal meta, da redemocratização. Mas de onde vem esse consenso?
Aqui pretendemos adotar uma perspectiva híbrida entre dois dos três neoinstitucionalismos
apresentados por Hall e Taylor (2003). Há uma lógica de ação racional imperante na situação,
já que os agentes políticos pensam em sua credibilidade pública, e essa está diretamente
relacionada à resolutividade da questão econômica no país. Logo, atender às demandas da
população (ou mesmo de agentes privados mais poderosos, como a mídia, o empresariado
nacional e os credores internacionais) significa agir racionalmente, em prol dos próprios
interesses. Mas o que motiva a população e os demais entes a pautarem a estabilidade acima de
6 Acordos econômicos internacionais estabelecidos nos Estados Unidos em 1944 que fortaleciam a intervenção
governamental na economia. Tem seu fim em 1971, com a crise do petróleo, culminando no fim da conversão de
dólar para ouro.
684
tudo? Ora, a resposta simples seria afirmar que esse era um problema eminente, gritante, que a
todos afetava diretamente. O problema dessa resposta simples é o fato de que ela não explica
de maneira adequada o porquê de, anos depois e com a economia já estabilizada, o governo
Lula também teve, em princípio, as mesmas prioridades. Para isso, precisamos recorrer à visão
histórica do neoinstitucionalismo. Há uma dependência do passado (path dependency) que
resulta em uma memória inflacionária brasileira. Essa memória torna-se um guia institucional
para ações próximas. Um referencial a ser seguido.
Essas dinâmicas explicam o porquê de termos antes econômicos se tornarem agora
valores incorporados na população brasileira (Sola, 2002). Em sua obra de cunho literário-
jornalístico, Miriam Leitão (2011) vai abordar a questão de como a participação popular foi
importante para a democratização (segundo ela, uma “conquista”). O que resta investigar é
como essa autonomia do BC, e apreensão de uma visão mais “técnica” das decisões
econômicas, se relaciona com um país recentemente democratizado e com uma Constituição
que delega ao Estado a primazia do poder econômico, além de ampliar e fortalecer mecanismos
consultivos. Pode a estabilização econômica, em tempos de capital internacionalizado, se
relacionar com a democracia?
Em primeiro lugar, é importante desconstruir, e aqui fazemos novamente eco à Sola
(2011), a ideia de que as decisões macroeconômicas são puramente técnicas, por mais insuladas
que elas estejam do disputismo político. O próprio insulamento em si é uma decisão política e
ideológica, que atende a interesses dos agentes no poder. Em segundo lugar, é necessário
apontar que não é apenas a autonomia ou não que caracterizam o Banco Central como uma
instituição democrática. Whitehead (2002) aponta que existem duas características que medem
a democracia de uma autoridade monetária: a construção de mecanismos que permitem aos
agentes no poder (e, indiretamente, a população que os elegeu) a interferir no banco e o modo
como essa instituição se comunica, fazendo de sua população informada sobre as suas decisões.
Em resumo, é preciso se analisar essa instituição sob a ótica de como elas, apesar de sua intensa
especificidade técnica, presta contas à democracia:
A corrente dominante na literatura sobre democratização deu mais atenção à
necessidade de evitar o populismo, “insulando” os tecnocratas das pressões eleitorais
de curto prazo, do que a necessidade de consolidar a autoridade numa área de política
pública que é altamente especializada (requer perícia técnica) e ao mesmo tempo vital
para a questão de definir “quem obtém o quê, quando e como” (requer prestação de
contas e responsabilização). (WHITEHEAD, 2002, p. 42)
685
Como o próprio professor levanta, trata-se de um equilíbrio delicado. No Brasil, existem
mecanismos de vinculação do BC à vontade popular: além de ter de ser indicado diretamente
pelo Presidente da República, o indivíduo deve passar por uma sabatina na Comissão de
Assuntos Econômicos do Senado Federal para ser aprovado à Presidência do Banco. Ao mesmo
tempo, por mais impactantes que sejam no dia-a-dia popular, existe a impressão de um
afastamento das decisões do BC na agenda cotidiana. Sola, Garman e Marques (2002) apontam
três justificativas clássicas/liberais para o conflito autonomia vs democracia. A primeira é a de
que os preços estáveis são um bem público. A segunda é a de que a inflação é extremamente
prejudicial à população. E, por último, é o apontamento que apenas insulando os agentes
econômicos do jogo político, estes trabalharão para o povo e não para seus interesses.
Aqui reforçamos o que foi mencionado na página anterior: existe, antes de qualquer
ação institucionalizada, uma demanda popular por estabilização, oriunda de uma memória
inflacionária. Os três autores lembram, no mesmo artigo, que a autonomia ao Banco Central
não gerou a estabilidade do Plano Real, a estabilidade do Plano Real que legitimou os agentes
políticos a concederem a autonomia. Logo, há um componente consultivo nessa autonomia, ela
precisou passar por aprovação, se provar. Resta saber como essa autonomia funcionou em
governos distintos após o Plano Real ser bem sucedido: ela estava condicionada a um momento
isolado ou se estabeleceu como política determinante à estabilização? É o que pretendemos
responder na próxima seção.
O Banco Central nos governos FHC e Lula: Um Estudo Comparativo
Uma análise sobre a questão da autoridade monetária passa, nesse estudo, diretamente
por uma percepção sobre a política econômica estabelecida pelos dois governos que formam o
recorte empírico desse artigo. Para além, é importante compreender as causas e as
consequências da forte crise que o Brasil passou no final da ditadura militar e nos primeiros
anos de seu processo de redemocratização. Na alvorada da década de 1980, o Brasil alimentava
cada vez mais a sua crescente dívida, sem conseguir, com isso, efetuar um real crescimento de
sua economia:
A inflação elevada geralmente provocava a valorização da taxa de câmbio, o que
incentivava as importações. No entanto, a crise da dívida, no começo dos anos 80,
forçou o Brasil a adotar políticas econômicas que gerassem reservas externas. Com a
repentina retirada do capital externo como uma alternativa de financiamento, o Brasil
686
teve de contar basicamente com o comércio exterior para aumentar as reservas. As
escolhas políticas feitas pelo governo brasileiro de modo a atingir elevados excedentes
comerciais envolviam constantes desvalorizações reais da moeda nacional. Isso, por sua
vez, aumentou o valor da dívida externa em moeda nacional e também o preço das
importações, que pressionavam a inflação (PIO, 2001)
A redemocratização veio com a promessa de dias melhores em todas as esferas sociais.
No campo econômico, o Cruzado representou, em um primeiro momento, uma grande euforia
por, enfim, conter o aumento de preços. A já citada participação política ante a análise técnica
manteve o congelamento por mais tempo que o necessário, buscando fortalecer o PMDB para
as eleições de 1986. A crise de super-demanda foi inevitável. Em 1987, o governo decreta a
moratória da dívida externa, deixando de pagar os credores internacionais, fato que contribuiria
para espantar a entrada de capitais externos no país. O governo Sarney ainda tentou novas
saídas, heterodoxas (Plano Bresser) e ortodoxas (Plano Verão), ambas mal sucedidas. 1989
chega com as primeiras eleições diretas em quase trinta anos. Nos debates, a questão econômica
se deu como central, especificamente nos temas “Inflação”, “Papel do Estado” e “Dívida”
(ALBUQUERQUE e BELIEIRO JÚNIOR, 2015). O eleito, Fernando Collor, deu inicio a
reformas que visavam a redução do papel do Estado na economia, sem, categoricamente, ter
um efetivo combate à inflação. Seu Plano Collor, que confiscou as poupanças, é questionado
judicialmente até hoje. As denúncias de corrupção e sua baixa popularidade culminaram em
seu impeachment, em 1992.
A mesma tradição econômica que elaborou o Cruzado é reunida no governo do vice de
Collor, Itamar Franco, para a criação do Plano Real. Seu Ministro da Fazenda, o sociólogo
Fernando Henrique Cardoso, se tornaria o principal articulador político do Real (PIO, 2001),
operando para que houvesse uma coalizão parlamentar que sustentasse o plano. Mesmo com os
mecanismos legislativos do Executivo (as medidas provisórias), era ainda mais necessária uma
negociação para a aprovação posterior do Plano. A vontade coletiva de burocratas políticos e
tecnocratas econômicos introduziu o Plano na realidade brasileira em março de 1994, com a
implementação da Unidade Real de Valor (URV), que seria convertida a partir de uma
indexação diária do Cruzeiro-Real. Em junho do mesmo, chega a nova moeda, já com ampla
aceitação pública e desindexada. A boa aceitação do Plano foi essencial para a vitória do mesmo
Cardoso, no primeiro turno em 1994
Vemos em Belieiro Júnior (2006) que o governo de Fernando Henrique Cardoso operou
em diversas frentes pela continuidade do Plano Real e pela redução do papel do Estado na
687
economia. É possível se apontar um ineditismo nesse modelo de governo, alinhado com o
Consenso de Washington e pautado pelas demandas internacionais de estabilidade e solvência.
De certo modo, a Era FHC significou um rompimento com o pacto nacional-
desenvolvimentista, que superou o ruralismo na Era Vargas e agora era superado por uma visão
internacional de um capitalismo de mercados, não mais de Estado. A sustentação desse modelo
careceu de continuas negociações com o Congresso, visando alterações no perfil estatista de
nossa economia, garantido pela Constituição de 1988. Essas negociações foram alicerçadas por
uma política de alianças e coalizões, que tem como principal marco o casamento do partido do
presidente, o PSDB (oriundo das bases do antigo MDB) com o PFL (das bases do adversário
em tempos de ditadura, a ARENA). Muitas medidas impopulares foram aprovadas em cima
dessa redução de conflitos.
O fato é que durante todo o período FHC prevaleceu a concepção, até certo ponto
economicamente determinista, que só vencendo a batalha da inflação estariam
garantidas as condições para uma boa saúde social, econômica e política para o país.
Ou seja, para salvar o Brasil da crise e da instabilidade permanentes, a tarefa primeira
seria vencer a inflação. É claro que havia uma verdade trágica para a consciência da
política brasileira revelada pelos fatos: de 1986 até 1994, o país já havia experimentado
cinco planos econômicos de estabilização, quatro diferentes moedas5 e uma
hiperinflação que se notabilizou por ser uma das maiores do mundo. (BELIEIRO
JÚNIOR, 2006, p. 113)
A estabilização econômica e política no governo FHC passou por uma maior autonomia
das instituições financeiras públicas. Em Raposo (2011), vemos que em nenhum outro estágio
da nossa democracia o Banco Central, o Conselho Monetário Nacional e o Ministério da
Fazenda tiveram tanto poder acumulado. Quatro economistas ocuparam a cadeira do Banco
Central nos dois mandatos de FHC: Pérsio Arida (1995), Gustavo Loyola (1995-1997), Gustavo
Franco (1997-1999) e Armínio Fraga (1999-2002). É notória que essa variedade está
diretamente relacionada à função destinada ao operador. Mesmo com poderes nunca antes
alcançados, não se pode dizer que o cargo de Presidente do Banco Central do Brasil se
enquadrava como um cargo estável.
Pérsio Arida, personagem central no Plano Real, assumiu como um continuador de sua
política, com o fim de terminar a implementação do plano. Foi substituído logo no primeiro ano
por Gustavo Loyola, experiente operador no sistema bancário, para instaurar a disciplina do
Real nos bancos (RAPOSO, 2011). Dois programas são implementados: o Proer, para a
estabilização dos bancos privados, e o Proes, para a redução do sistema público bancário. O
688
resgate de bancos privados usando recursos públicos contrariou a opinião pública e intensificou
a instabilidade na equipe em plena crise bancária (LEITÃO, 2011), o que culminou no pedido
de demissão de Loyola. Gustavo Franco, então diretor da área internacional do BC e um dos
formuladores do Real, assume sob a política de que era necessária uma reforma fiscal, e não
cambial. Era um forte defensor da paridade de dólar e real. A paridade não se sustentou ante as
fortes crises exteriores do final da década de 90. Sob forte pressão por esta paridade, não se
sustentou no cargo. Cada vez mais é notória que a autonomia do BC, através de regras claras e
discricionárias, também estava relacionada a um custo político de responsabilização de seus
agentes (TAYLOR, 2011). Francisco Lopes assume a Presidência para a implementação de uma
banda cambial endógena, mas não chega a assumir definitivamente por problemas com a
justiça7. O economista Armínio Fraga, operador de um fundo americano, é chamado ao cargo
em 1999, em meio a grave crise externa. Administrador conservador, Fraga entrega o cargo
junto com FHC em 2003, com baixas taxas de crescimento e crescente inflação.
O saldo da era FHC no Banco Central é o da estabilização econômica aliada a altas taxas
de juros, galopante endividamento e baixo crescimento. Uma expressão forte do choque entre
a racionalidade política e econômica (RAPOSO, 2011). Seus “operadores específicos”, como
escolhemos chamar os presidentes do BC da época, possuíram ampla autonomia de atuação,
porém baixa estabilidade no cargo. A Supremacia da Política Monetária do BC foi alcançada
através do sucesso do real e de uma percepção da opinião pública da importância da estabilidade
econômica. Esse apoio popular sacramentou o novo perfil do BC (TAYLOR, 2011).
O governo de Lula da Silva (2003-2010) gerou interpretações diversas quanto ao seu
caráter. Oriundo de ases populares e setores à esquerda, Lula foi eleito após sacramentar certa
tranqüilidade aos mercados e à Classe Média com sua “Carta aos Brasileiros”. Ao demarcar
separações entre o capitalismo liberal e o capitalismo desenvolvimentista, Bresser-Pereira
(2013) afirma que a coalizão de Lula superou o liberalismo dos anos 90, colocando o Estado na
trilha condutora da economia. Seu ponto crítico é uma sobrevalorização cambial, que
inviabilizou a constituição de uma indústria nacional, formando uma elite desvinculada dos
interesses nacionais. Novelli (2010), por outro lado, vê mais semelhanças com FHC: não só a
apreciação do real, mas também políticas superavitárias de ajuste fiscal. O governo assume um
papel de agente técnico, duro, atuando na forma de “dever ser” e não de “como poderia ser”, o
oposto da vendagem anti-sistêmica do Partido dos Trabalhadores em período eleitoral. Novelli
7Lopes foi processado por, supostamente, favorecer os Bancos Marka e Fonte Cindam (RAPOSO, 2011).
689
ainda ressalta o recrutamento de economistas para composição de equipe com trajetória
semelhante aos recrutados pelo governo FHC, uma trajetória tipicamente liberal. Mesmo tendo
no ministro Antonio Palocci o principal operador desse “giro ortodoxo”, fato que também
encontra eco em Loureiro, Santos e Gomide (2011), não existem significativas mudanças na
política econômica com a assunção de Guido Mantega ao cargo, apenas uma coexistência entre
uma ampliação de políticas sociais e a sacralização da estabilidade. Mesmo as políticas sociais
têm ampla participação na manutenção de um capitalismo de mercado:
Há de sublinhar um efeito importante da abertura de maiores oportunidades de ascensão
social, ainda que elas não se concretizem em sua totalidade: essa abertura tende a
produzir maior adesão dos beneficiados à ordem competitiva, ou seja, ao sistema
capitalista que a sustenta e ao Estado que a comanda. Este tem sido um dos caminhos
de aprofundamento da hegemonia liberal no Brasil: permitiu, graças à democratização
das oportunidades, o maior crescimento econômico e a ampliação do consumo, a
incorporação sociocultural de setores subalternos e intermediários que, embora já
participassem do sistema, faziam-no como em uma corrida de obstáculos muito difícil
de superar. (SALLUM JR, GOULART, 2016)
Quanto ao Banco Central, Lula optou por um “operador geral”: o economista goiano
Henrique Meirelles ocupou a presidência do BC nos dois mandatos de Lula8. Meirelles
trabalhava para um fundo estadunidense e tinha acabado de ser eleito Deputado Federal pelo
nêmesis do PT, o PSDB. O Banco Central continuou agindo de maneira autônoma em relação
ao jogo político. Para Raposo (2011), o BC no governo Lula não só agiu de maneira ainda mais
autônoma que em FHC, como também represento uma ruptura no padrão-histórico: era a
primeira vez que um presidente de perfil desenvolvimentista (embora as separações entre esse
desenvolvimentismo e o neoliberalismo sejam tênues, como vimos anteriormente) ganhava
autonomia no BC. O insulamento de Meirelles e sua política conservadora de manutenção das
metas contrastou com outros agentes da política econômica (como a Fazenda), mais abertos
para as negociatas políticas. Esse duplo caráter da econômica e explicado da seguinte maneira
por Loureiro, Santos e Gomide (2011): houve um giro internacional crítico a agenda liberal dos
anos 90, ampliando o apetite por crédito e por políticas sociais, mas esse giro é equilibrado pela
concentração rentista do capital brasileiro que sustentou o poder Executivo, defensor de ideias
de mainstream econômico. De todo o modo, a política econômica manteve-se centrada no
executivo, garantindo a autonomia.
8 Até a redação deste artigo, Meirelles era o recordista de tempo no cargo: oito anos.
690
As Sabatinas: Quando a técnica se submete à política
Ao ser indicado pelo Presidente da República, o indicado à presidência do Banco Central
deve passar por uma sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, a CAE.
Essa sabatina é um mecanismo criado pela redemocratização: passou a estar presente na
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 52. Em todas as sabatinas realizadas nos governos
pós-constituinte (Collor, Itamar, FHC e Lula), o candidato arguido foi aprovado pelos
Senadores presentes. Entretanto, esse fato pode esconder conflitos políticos presentes neste
ferramenta. Além disso, as sabatinas tornam-se um interessante objeto de análise quando as
encaramos sobre a ótica de uma ferramenta democrática, onde a técnica econômica se submete
ao jogo político, às suas demandas e aos seus cálculos.
Nos itens anteriores analisamos as mudanças no perfil dos economistas do Brasil nos
anos 80 e sobre como esses economistas, após o Plano Real, passam a ser agentes de mudança
político ativos no Poder Executivo. Ao pensarmos nas sabatinas, temos que refletir se a
redemocratização refletiu em alguma mudança significativa no perfil dos senadores que
entrariam em choque com esses economistas. Em Codato, Massimo e Heinz (2016)
observamos que ainda prevalece um perfil jurista na Câmara Alta, entretanto, com maior
inserção de quadros técnicos entre os Senadores. 16,9% destes são formados em carreiras
técnicas (eu incluem economistas), o que acresce um maior know-how econômico na casa.
Além disso, boa parte destes Senadores fizeram carreira em assembleias estaduais antes de
assumirem sua vaga no Senado Federal. A posição dos autores é que, enquanto nos períodos
anteriores à redemocratização o Senado tinha por função uma acomodação das elites regionais,
após 1988 a Casa passa a ser um centro de disputa entre as diferentes lideranças regionais. Mas,
ao chegarem no Senado, essas lideranças colocam o seu perfil regional abaixo do perfil
partidário, o partido passa a ser o que centraliza a posição do Senador e não o estado de origem,
como vemos em Silva e Araújo (2013).
As sabatinas acendem o debate sobre a execução de métodos técnicos na política
econômica e a submissão destes métodos a consultas democráticas, que emanem do poder da
população. Solas, Kugelmas e Whitehead (2002) apontam que as crises hiperinflacionárias
(como a que o Brasil viveu ao fim dos anos 80 e início dos anos 90) minam a autoridade política
e o papel do Estado de se legitimar. Assim, a reconstrução do papel da autoridade monetária no
Brasil, ligado à sua autonomia e insulamento, está relacionada também ao fortalecimento da
691
democracia, com a criação de elos de legitimidade entre o Estado e a sociedade. Os mesmos
autores vão apontar que estes surtos de hiperinflação levaram as populações da América Latina,
especialmente o Brasil, a tomarem certos indicadores antes pertencentes apenas aos ciclos
fechados da economia liberal como bens públicos. Esse ponto é importante para considerarmos
que as medidas estabilizantes partem da vontade popular, e não de uma imposição
economicista. A arena democrática a economia não são adversários, ambas fazem parte de um
mesmo processo orgânico onde a legitimidade das instituições depende de sua eficiência em
atender aos anseios da população. E é a partir deste cálculo que as sabatinas são realizadas.
O objetivo deste trabalho é o de mapear o papel das Sabatinas neste intrincado jogo de
relações entre a economia e a política democrática, tendo como recorte os governos FHC e Lula
por ambos representarem um marco de ruptura no modo como se desenvolvia o capitalismo no
Brasil até então, e na relação entre as arenas políticas e o Banco Central. Ao fim, pretende-se
contribuir para o debate sobre a dimensão técnica da economia (quando aplicada na política) e
para a melhor caracterização das políticas dos dois governos em relação à autoridade monetária.
METODOLOGIA
Este trabalho faz parte da dissertação de mestrado do estudante Mateus de Albuquerque,
orientado pelo professor José Carlos Martines Belieiro Júnior. Na dissertação, pretendemos
analisar as atas das seções da CAE que sabatinaram os cinco economistas que aqui recortamos.
Neste artigo, introdutório, faremos uma análise bibliográfica do caso, para podermos ter uma
melhor definição do que representa a existência destas sabatinas na nossa democracia e como
elas operam nas dinâmicas de Lula e FHC.
Uma discussão a ser levantada aqui é a da aplicabilidade de uma análise neoinstitucional
mista. Taylor (2011), um dos autores usados em nossa bibliografia, aponta que as instituições
são dinâmicas e devem ser analisadas como tal. As instituições não são permanentes na
democracia, elas podem ser substituídas ou – como é o caso do Banco Central no Brasil –
modificarem as suas características ao longo de sua existência. Mas que fatores justificam essas
modificações? Peter Hall e Rosemary Taylor (2003), no seu artigo clássico “As três faces do
neoinstitucionalismo”, apresentam três formas de se analisar as instituições: através da escolha
racional, da história e da sociologia. Aqui defendemos que é impossível se analisar as mudanças
enfrentadas pelo Banco Central sem observarmos a questão de como esses atores – os senadores
e os economistas - se comportam conforme seus interesses, e como agem no sentido de
692
preservar seus cargos, sua base eleitoral, seu prestígio e etc. Ao mesmo tempo, há uma
dimensão histórica, uma dependência do passado (path dependency) que orienta para que a
estabilização e determinados discursos técnicos sejam preservados. Essas duas dimensões não
são excludentes: complementam-se e, inclusive, originam-se uma na existência da outra.
Outro ponto a ser discutido é o de como as sabatinas se enquadram como mecanismos de
accoutability pública. Segundo Arato (2002), a accountability se articula na dimensão
representativa ao ser um mecanismo em que a população exige respostas de seus representantes.
Nas democracias modernas, nada impede o representante de agir de forma contrária ao interesse
de seus eleitores que o cálculo racional de que isso lhe fará ter perdas futuras (como, por
exemplo, a possibilidade de se reeleger). Essa prestação de contas é o momento em que o
representado avalia se suas ações estão sendo de agrado dos seus eleitores ou não. A
accountability política é uma dimensão de extrema importância na democracia moderna
justamente por reforçar os elos entre representantes e representados, garantindo que o poder
destes representantes não emane de nada que não seja o povo. O constitucionalismo, ao criar
regramentos universais que restringem a atuação do representante, é o meio pelo qual o
accountability vai tornar-se compulsório. É uma ferramenta de interesse do representante, por
dar mais munições ao seu cálculo, e do interesse da sociedade, por solidificar as instituições
democráticas.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Sem analisar diretamente as sabatinas por hora, nos coube tratar sobre sua existência.
Dentro do recorte empírico, um debate importante é o que versa sobre a disparidade nos
números de um governo ao outro: quatro presidentes do BC em FHC, um em Lula. Em ambos
os governos a autonomia foi garantida, mas apenas em Lula houve uma estabilidade no cargo.
O que levou a essa mudança? Mesmo apesar de todas as semelhanças, por que a
administração de Lula possuiu apenas um presidente do Banco Central, enquanto a
administração de FHC passou por quatro mandatos de autoridade monetária? Em Lula não há
apenas um insulamento, uma autonomia da autoridade, mas também uma estabilidade de sua
figura, reforçado em 2004 quando o mesmo ganha status de Ministro e consequente direito ao
Foro Privilegiado9.
9 Disponível em: < http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,presidente-do-banco-central-ganha-status-de-
ministro,20040816p37488> . Acesso em 17 de outubro de 2017.
693
A conclusão que aqui se chega, a partir da revisão bibliográfica, é que houve uma nova
divisão do trabalho da equipe econômica no governo Lula. Enquanto a Fazenda lidava com
negociatas políticas, o BC seguia como um operador de mercado. No governo FHC, ambos
estavam orientados ao mercado, cabendo ao Executivo a formação de uma coalizão ampla que
garantisse hegemonia. A maior estabilidade do cenário internacional e uma consolidação da
estabilização econômica pós-Real garantiu a Henrique Meirelles mercados menos voláteis.
Houve também uma maior formação de consensos quanto às políticas cambiais e fiscais, frutos
dos debates dos anos 90 enfrentados, em parte, por FHC.
Arato (2002) fala sobre um tipo ideal de accountability, aquele que mais perfeitamente
se caracteriza como instância democrática e democratizante. Esse modelo demanda aspectos
inexistentes nos nossos, como é o caso das Sabatinas. O autor fala em unicameralismo (para
garantia de uma maior responsabilização da câmara legislativa), fim da participação privada em
campanhas eleitorais, mandatos curtos (de dois a três anos) e, mais grave, em um término do
sistema de coalizões, que permite uma distribuição de responsabilidades quando as coisas não
vão bem. O próprio autor admite que o constitucionalismo moderno não está contemplado nesse
modelo de accountability: ele dependeria da formação de um partido de maioria absoluta, que
não pudesse ser vencido por nenhuma coalizão ampla.
A literatura clássica sobre accountability a define como um mecanismo em que os
representantes devem prestar contas e, ao mesmo tempo, serem punidos pelo não cumprimento
das vias institucionalizadas (CARNEIRO, 2004). Nesse sentido, as sabatinas se apresentam
como uma instância onde há consulta (indireta) das ações do executivo, mas dificilmente há
punição. Mesmo que o presidente do BC tenha de comparecer constantemente à CAE para
prestar contas e sua aprovação seja condicionada ao escrutínio dos Senadores, estes não
possuem mecanismos institucionais para tirar, diretamente, o cargo de Presidente do BC. Outra
conceituação importante vem de Lavalle e Vera (2011), onde é observado que o accountability
é uma ferramenta que surge para substituir a mera autorização da representatividade. Ao
aplicarmos isso ao contexto da Constituição de 1988, percebemos que, mesmo com o
insulamento do presidente do Banco Central, as sabatinas representam uma maior
responsividade das políticas econômicas à vontade popular, situação própria de uma
democracia. O Presidente da República não está mais completamente autorizado a guiar a
política econômica quando bem entender depois de eleito.
CONCLUSÕES
694
Esse estudo se pretendeu a analisar o papel da autoridade monetária na democracia
brasileira, tendo como marco de sua consolidação e autonomia a Redemocratização e, mais
especificamente, a estabilização econômica conquistada após o Plano Real. A compreensão das
Políticas Econômicas do Brasil não pode cair no erro de se permitirem apenas como análises
técnicas, sem considerar o peso dos interesses dos agentes políticos em seu estabelecimento e
os elementos históricos que formam consensos entre a opinião pública, arena capaz de
pressionar esses agentes em suas demandas e ações. Toda a análise de Política Econômica que
se furte de perceber demandas políticas e históricas constituirá numa demonstração artificial de
suas causas e consequências. Esse estudo pretende iniciar o debate não apenas sobre seu objeto
empírico, mas também sobre os estudos de Política Econômica constituídos no Brasil. Ao
escolher o recorte dos governos FHC e Lula, foi possível observar a presença de uma ruptura
no padrão histórico do Banco Central, tanto pela estabilidade pós Real, quanto pelas políticas
de continuidade presentes no governo Lula. O governo Lula alcança um papel totalmente
diferenciado no Banco Central: a autoridade monetária não só tem sua autonomia garantida,
como tem estabilidade no cargo e coexiste com políticas desenvolvimentistas. A consolidação
do Plano Real e o mercado internacional são essenciais para a compreensão dessas mudanças.
As sabatinas podem ser consideradas mecanismos de accountability, por romperem com
a lógica da autorização que os representantes executivos têm sobre a política econômica. A
população, representada indiretamente pelo Senado, tem agora o direito de arguir os indicados
ao posto de autoridade monetária. Os Senadores fazem o cálculo racional de que atendendo
determinadas demandas populares, oriundas de uma path dependency por estabilização, eles
obtém ganhos com a sua base eleitoral. A questão é que essa representação através do Senado
encontra limitações: os Senadores agem, muitas vezes, por interesses partidários, e não pelos
seus interesses regionais e/ou representativos. Além disso, a accountability representada pelas
Sabatinas tem o limite de apenas prestar contas, sem ter a capacidade de retirar poderes da
autoridade monetária caso ela vá de encontro com a vontade emanada pela população. Ainda
existem longos caminhos a seres traçados para que a accountability na política econômica
adquira traços ideais, e esses caminhos perpassam um longo debate sobre a influência de
consultas amplas no desempenho econômico das nações.
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697
POLÍTICAS CULTURAIS: VALE-CULTURA UMA POLÍTICA SOCIAL-
DEMOCRÁTICA
Eufrásia Ponce Padilha 10
Susana Cesco 11
RESUMO: O presente artigo trata do tema o Programa de Cultura do Trabalhador, instituído
pela lei n. 12.761, de 27 de dezembro de 2012, mais precisamente da política pública de acesso
ao Vale-Cultura implantado pelo Governo Dilma. A construção do artigo se dará via pesquisa
bibliográfica a partir de referências publicadas, de documentos textuais, partindo de
documentos gerais e posteriormente trabalhos específicos. Com o objetivo de analisar à sua
função social como política pública, no que se refere a sua abrangência com relação à classe
trabalhadora. Ao longo deste artigo pretende-se mostrar que as políticas culturais têm um
enquadramento privilegiado quando se busca abordar a temática da (re) construção da
identidade social, para isso o mesmo se divide em três momentos, num primeiro momento
analisaremos o direito cultural e o um breve histórico das políticas culturais no Brasil, desde
1930, no segundo momento analisaremos as políticas de financiamento cultural e por fim no
terceiro momento apresentaremos dados sobre a abrangência do Programa de cultura para o
trabalhador no Brasil.
Palavras-chave: Cultura, Direito, Políticas culturais, Vale-cultura.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata do Programa de Cultura do Trabalhador, instituído pela lei n. 12.761,
de 27 de dezembro de 2012, que estabelece o Vale-cultura; altera as Leis nos 8.212, de 24 de
julho de 1991, e 7.713, de 22 de dezembro de 1988, e a Consolidação das Leis do Trabalho -
CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. Os objetivos do trabalho
são: analisar à sua função social como política pública - Vale-cultura, no que se refere a sua
abrangência com relação à classe trabalhadora, verificar ao enquadramento privilegiado das
10Estudante, Programa de pós-graduação em Políticas Públicas, UNIPAMPA, São Borja-RS,
[email protected]. 11 Professora, Universidade Federal Fluminense, UFF, Rio de janeiro-RJ, [email protected].
698
políticas culturais quanto quando se busca abordar a temática da (re) construção da identidade
social e apresentar dados referentes à abrangência do programa. Para alcançar os objetivos
propostos o artigo terá sua base em levantamento de dados compilados a partir de pesquisa
bibliográfica de referências publicadas, de documentos textuais, partindo de documentos gerais
e posteriormente trabalhos específicos. O trabalho se divide em três momentos, num primeiro
momento analisaremos o direito cultural e o um breve histórico das políticas culturais no Brasil,
desde 1930, no segundo momento analisaremos as políticas de financiamento cultural e por fim
no terceiro momento apresentaremos dados sobre a abrangência do Programa de cultura para o
trabalhador no Brasil.
METODOLOGIA
A pesquisa a ser realizada neste trabalho e de classe descritiva. Quanto à metodologia do
trabalho faz-se a opção pelo método dedutivo. Esta opção se justifica porque o método
escolhido permite compreender questões locais e/ou pontuais a partir de leis gerais. A pesquisa
utilizar-se-á bibliografia com ênfase em informações que tenham relação com o trabalho em
questão. Permitindo uma abordagem realista com aproximação e um entendimento da realidade
a investigar, fornecendo subsídios para futuras intervenções a partir de uma compreensão e
conhecimento da temática, valorizando as ideias principais conceitos, palavras-chave, o
problema da pesquisa e os objetivos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Individualmente somos únicos em nossas características mais diversificadas nossos
costumes, modos de pensar, modos de sentir, tradições, valores e crenças, assim construímos
identidades e diferenças, cabe observar que inúmeros fatores contribuem para isso, e também
ao longo deste processo de formação social produzem-se várias narrativas orais, escritas ou
visuais sobre estas características. Indiscutivelmente a cultura reflete todas as mudanças de vida
em sociedade, e contribui para o entendimento deste processo, sendo fator preponderante na
formação de identidades de um povo, e contribuindo para o desenvolvimento humano.
Conforme afirma Eagleton (2011):
699
Se a palavra “cultura” guarda em si os requisitos de uma transição histórica de grande
importância, ela também codifica várias questões filosóficas fundamentais. Neste
único termo, entram indistintamente em foco as questões cresce naturalmente de
liberdade e determinismo, o fazer e o sofrer, mudança e identidade, o dado e o criado.
Se cultura significa cultivo, um cuidar, que é ativo daquilo que cresce naturalmente,
o termo sugere uma dialética entre o artificial e o natural, entre o que fazemos ao
mundo e o que o mundo nos faz. (EAGLETON, 2011, p.11).
Historicamente a ideia que se tem de cultura recebe influências oriundas das visões
políticas e por características sociais do momento atual. Daí a importância da discussão
permanente e atualizada sobre o que se faz, pensa e se expressa sobre concepções e defesas na
atualidade de cada tempo. O estágio adquirido pela sociedade quanto ao acesso à cultura,
envolvem tanto a aspectos artísticos, econômicos e sociais, fortalecendo relações e formando
espírito crítico dos indivíduos, de grande importância à cultura é algo que identifica de maneira
singular cada época, espaço e lugar. Porém, o que se verifica é a desvalorização e precarização
da cultura, e dos direitos de acesso a ela que esbarram em diversas limitações em função de
políticas públicas ineficazes ou inexistentes. Diante deste contexto a temática cultural acaba
sendo banalizada e desacreditada perante a opinião pública e senso comum, com o agravante
de não ser parte das políticas sociais, e dos direitos fundamentais. Brant (2009) argumenta que:
Não por acaso, os direitos e liberdades culturais sejam menos discutidos, celebrados,
e garantidos como parte indivisível dos direitos humanos. Costumo defini-los como
quinta categoria desses direitos, pois seguem esquecidos, logo após os civis, políticos
econômicos e sociais, estes mais nobres, senão em efetividade, pelo menos em
visibilidade. (BRANT, 2009, p. 25).
Atualmente, os temas relacionados à cultura vêm retomando aos poucos importância
transformando-se em um dos temas mais relevantes no meio acadêmico e político, pois, passa
da teoria para vincular-se a inúmeros contextos sociais, originando-se das especificidades,
peculiaridade e singularidades, que servem de meio para o entendimento da vida, em meio à
interação, e graças a essa relevância tense intensificado as discussões acerca da
responsabilidade do Estado sobre a cultural, e dos princípios que devem reger a elaboração das
políticas culturais nas esferas Federal e Municipal. Quanto a essa questão Oliveira (2008),
posiciona-se assim:
A questão cultural ocupa hoje lugar de destaque nos programas e discursos de
governo. Por outro lado, os agentes os gestores culturais, os artistas em geral também
vêm buscando formas de participar e de interferir nos processos de decisão no campo
das políticas públicas culturais. (OLIVEIRA, 2008, p. 179).
700
Ao longo do processo civilizatório as formas pelas quais nos identificamos
culturalmente sofrem transformações, a identificação cultural se forma das relações pessoais,
símbolos, sentidos e valores ganham significado concreto nas inúmeras expressões culturais,
desde monumentos a danças típicas. Os Direitos Culturais, além de serem direitos humanos
previstos expressamente na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), e no Brasil
receberam normatização na Constituição Federal de 1988 devido à sua relevância como fator
de singularidade da pessoa humana.
Na Declaração dos Direitos Humanos já se salientava a importância dos direitos
culturais, como qualquer outro direito fundamental, sendo decisiva para nortear pensamentos e
ações, enquadrando-se como sendo considerado fator gerador de identidade pessoal e de
desenvolvimento humano.
Art. 27: toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios
que deste resultam (UNESCO, 1948, p. 6).
Nações são constituídas de diferentes etnias, classes e gêneros, os indivíduos sociais se
organizam em uma cultura especifica e nela baseiam seus pensamentos e ações, buscando um
ponto em comum de unificação e identificação. Em tal, concepção, quando introjetamos
valores, sentidos e símbolos procuramos nos encontrar no mundo em que vivemos. E chegamos
à conclusão que somos parte da cultura, que as características sociais e antropológicas se fazem
em uma relação de troca, onde somos modificados pelo mundo exterior, fazendo com que
assumamos várias identidades, no decorrer dos tempos, e que igualmente sofre transformações
realizadas pelo homem. Quanto à legislação de acesso à cultura no Brasil as políticas voltadas
à cultura ganham uma atenção e desenvolvimento no Governo Federal desde a inauguração
efetiva das políticas nacionais de cultura nos anos 1930 no Governo de Getúlio Vargas, com o
Decreto n. 19.850 de 11 de abril de 1931, no qual foi criado o Conselho Municipal de Educação
cujo objetivo era:
“Elevar o nível da Cultura Brasileira”, pois acreditava-se que a população brasileira
possuía baixo nível cultural originado da falta de acesso e conhecimento da produção
artística cultural, cabendo ao governo reverter esta situação. (CALABRE, 2009, p.
17).
Esta foi a primeira vez que surgia na legislação do Ministério da Educação e Saúde
(MES) referências ao campo da cultura. Durante o governo Vargas, observou-se uma atuação
701
representativa do Estado na área cultura, destacando-se a criação de legislações para artes
visuais e a profissionalização no campo cultural e a constituição de grande número de
organismos culturais e o acolhimento de intelectuais e artistas no cenário político.
Na gestão ministerial de Gustavo Capanema, no âmbito do patrimônio, do cinema, do
teatro, literário e na radiodifusão ocorreram processo de institucionalização no âmbito Federal
de algumas atividades e projetos que já vinham sendo desenvolvidas nos âmbitos estaduais e
até municipais. No período de janeiro a dezembro de 1937, surgem duas importantes
ferramentas de reconstrução da cultura nacional: a lei n. 378 de 13 de janeiro de 1937 e o decreto
n. 25, de 30 dezembro de 1937, esta lei tratava de uma reestruturação mais geral do Ministério
da educação e saúde pública e o Decreto Lei n. 25 de foi responsável pela organização do
serviço de proteção do patrimônio e permanece vigente com poucas alterações. A Lei n. 378/37,
conforme redação do seu artigo n. 33, institui serviços e órgãos destinados à área educacional:
Os serviços relativos á educação, órgãos destinados a executar actividades de,
educação escolar ou de educação extraescolar, são os constantes da presente lei e os
que posteriormente venham a ser instituídos. (BRASIL, 1937).
Em uma sequência ordenada da lei destaca-se em seu artigo nº 40 criou o Instituto
Nacional do Cinema Educativo (INCE) com a atribuição de promover e orientar a utilização da
cinematografia, especialmente como processo auxiliar de ensino e como meio da educação
popular em geral. A respeito do setor literário na mesma lei no artigo nº 44 previu a criação do
instituto CAIRU, que seria responsável pela criação, organização e publicação da Enciclopédia
Brasileira, mas que foi substituído pelo decreto lei nº 93, onde ficou criado o Instituto Nacional
do Livro (INL), que teve a função básica de colocar em circulação obras esgotadas, e a
colocação de obras de pouco interesse para editoras a preços acessíveis.
Em seu artigo n. 46 estabelecia a criação do serviço do Patrimônio Histórico Nacional,
a fim de promover o tombamento, a conservação o enriquecimento e o conhecimento do
patrimônio histórico e artístico Nacional.
Em 13 de janeiro de 1937, pela lei nº 378 e por meio do Decreto-lei nº 25, de 30 de
novembro de 1937, foi respectivamente criado e organizado o serviço de patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). (CALABRE, 2009, p. 23).
702
No art. 48 foi criado o Museu Nacional de Belas Artes, que se destinava a recolher,
conservar e expor as obras de arte pertencentes ao patrimônio federal. No seu artigo n. 49 fixou
a Comissão de Teatro Nacional permanentemente como objetivo de promover estudos e
publicações sobre teatro, estudar em todos os seus aspectos o problema do teatro nacional.
Quanto à área da radiodifusão foi regulada com o decreto n. 21.111, de 1º de março de 1932,
art. 50, institui o Serviço de Radiodifusão Educativa, que se destinava a promoção,
permanentemente, a irradiação de programas de caráter educativo, a radiodifusão era
considerada de interesse nacional, e com a finalidade educacional, cabendo a orientação ao
ministério a determinar as programações para as emissoras.
Quanto ao decreto nº. 25/37, salienta-se a instituição de normatizações classificatórias
e inscrição dos bens e em diferentes livros tombos: histórico, etnográfico arqueológico,
paisagístico, das belas artes e o das artes aplicadas, com o objetivo de uniformizar a
classificação do patrimônio nacional. Já em outro importante órgão cultura foi criado, o
Conselho Nacional de Cultura (CNC) por meio do decreto n. 526 de 1º de julho de 1938, que
tinha atribuições coordenação de todas as atividades concernentes ao desenvolvimento cultural
que fossem realizadas pelo ministério ou sobre sua influência. Como salienta Calabre (2009),
dos anos de 1930 ao século XXI:
Em 13 de janeiro de 1937 da lei nº 378 instituiu o Instituto Nacional de cinema
educativo (INCE), na mesma o serviço de radiodifusão educativa data por meio da lei
378, foi criado em 21 de dezembro de 1937, foi promulgado pelo decreto lei nº 92 que
criava o serviço nacional de teatro (SNT) foi criado o instituto nacional do livro (INL)
pela lei nº 93, com a criação do Conselho Nacional de Cultura (CNC), por meio do
decreto lei nº 526 de 1º de julho de 1938. (CALABRE, 2009, p. 27-41).
Dos anos de 40 a 60 constata-se pouca participação do estado nas políticas culturais à
maioria das políticas eram oriundas das instituições implantadas no governo Vargas. A história
das políticas culturais no Brasil está cercada de fatores como instabilidade, indecisões políticas
e raízes históricas. Reconhecida por características com tendências a área educativa do que
cultural propriamente dita. Na década de 60 chama a atenção pela volta à valorização da cultura
nacional, havia, segundo Oliveira (2008), “um componente nacionalista à época que se
apresentava de forma difusa na sociedade, com o uso da mesma linguagem e com conceitos
desenvolvidos e difundidos pelos intelectuais e pela liderança política que vinham das lutas da
época de 1950 entre os ideais correntes à época, encontravam-se a procura de identificação com
o povo e com sua cultura autentica”.
703
A partir da tomada do poder por Vargas, travou-se uma batalha no campo de formação
cultual do país. Diversos setores da sociedade mobilizaram-se em torno da procura da
origem da brasilidade e da consolidação dos elementos que pudessem dar sentido ao
povo brasileiro. (SANTOS, 2009, p. 118.)
Entre as décadas de 60 e 70 as políticas culturais ganharam espaço e importância na
agenda política, porém com o golpe de 1964, e as divergências políticas e falta de verbas para
vários órgãos que foram criados, muitos não conseguiram êxito nas suas atribuições, como o
Conselho nacional de cultura (1961), que em 1962 com o decreto n. 771 retomava a referência
ao conselho criado em 1938,o INCE (Instituto Nacional de Cinema) por falta de projetos e
investimentos foi desativado, em substituição em 1966 foi criado o Instituto Nacional do
Cinema (INC) que tinha a função de regular as produções nacionais e regulamentar a introdução
de produções internacionais. Ainda em 67, foi criado o Conselho Federal de Cultura (CFC) pelo
decreto lei n. 74, de 24 de novembro de 1966, que teve suas disposições sobre seu
funcionamento em fevereiro de 1967, entre as atribuições estava à formulação da política
cultural brasileira e estimular o desenvolvimento de conselhos estaduais de cultura. Uma das
principais preocupações neste momento foi o avanço da cultura norte-americana sobre o Brasil,
o que desencadeou o incentivo a práticas culturais consagradas e também as folclóricas.
Mais adiante a constituição de 1988 assegura o acesso à cultura com a seguinte redação:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso
às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.
§ 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
(LIMA, 2011, p. 01).
A década de 80 não foi um momento feliz para a cultura que foi caracterizada por queda
contínua de investimentos públicos. Constitucionalmente a garantia à sociedade brasileira tanto
do exercício dos direitos culturais, quanto ao acesso às fontes da cultura nacional e a liberdade
das manifestações culturais parece estar concretizada.
Porém apesar dos avanços na legislação na área cultural ainda são inúmeras as formas
de exclusão social, que se reflete no menosprezo, desconhecimento, aniquilação e perseguição
de culturas, sendo um ciclo vicioso que continua quando há a falta de acesso à informação e
porque não dizer de formação e construção social.
704
A partir dos anos 1960 foi implantado uma nova maneira de pensar a cultura, não mais
como comportamentos, mas como sistemas de símbolo, sistema de representação. [...]
O povo passo a ser uma categoria da ação política, que foi também sendo substituída,
a partir dos anos 1980, pela categoria “sociedade civil”. (OLIVEIRA, 2008, p. 94).
Partindo do ponto da trajetória das políticas culturais, observa-se quanto é grande o
desafio para abranger a diversidade cultural existente no país, de uma abrangência das
variedades em prol de uma adequação à realidade cultural contemporânea que busca a harmonia
cultural. Um fator que preponderante, de forte influência e que não possui uma única direção e
fluxo são as frequentes mudanças sociais e culturais mundiais, a rápida transferência de
informações, “a globalização”, que mesmo que dificultam a consolidação de integração cultural
coerente, singular e homogênea também facilitam.
CULTURA POPULAR OU ELITISTA
Sobre uma visão antropológica a história cultural brasileira como um todo está arraigada
no estigma de separação de culturas, onde há uma espécie de conceitos generalizados de que
tudo aquilo que é oriundo do popular não é e não pode ser visto como arte, não pode ser cultuado
e digno apreciação. Mais precisamente no século XIX, Oliveira (2008) salienta quando houve
uma mudança na tradicional imagem cultural no Brasil:
Os costumes populares passaram a ser chamados e Folclore (do inglês folk, gente
comum, lore, saber). O Folk, o povo, era identificado como aquele que detinha o saber
arcaico, os saberes tradicionais. E a tradição, entendida como o passado que se faz
presente, servia para legitimar a nação moderna, que desejava se auto representar e,
para tanto, buscar sua essência, o que a diferenciava das demais nações exatamente
na tradição. (OLIVEIRA, 2008, p. 87).
Como um povo pode ter acesso à cultura se é suprimido pela ideia secular e cética de
que a melhor cultura a que detém maior poder econômico e carga de conhecimento, ligadas ao
clero e a nobreza. Onde a cultura adquire simbologia de status e não de conhecimento, cidadania
e direito, onde sofre divisão entre os que dominam e os dominados.
Mas é claro que numa sociedade dividida em classes resulta de educação, no mais
amplo sentido, a compreensão das criações e particularmente das inovações artísticas,
e há duas culturas, uma das classes dominantes e outras das classes dominadas.
(SODRÉ, 2003, p. 93).
705
Onde a chamada elite diz o que deve ser arte e cultura, onde o próprio “povo” com sua
doutrinação acabam por incorporar a dificuldades e falta de empoderamento, facilitando a falsa
sobreposição de relevância de uma cultura sobre a outra. Assim, Bonetti (2011) define o
fenômeno termo desigualdade:
Em outras palavras a desigualdade, além de ter origem nas relações da vida real, na
construção da vida material, estabelece parâmetros de delimitação da condição social
envolvendo relações de dominação, que faz florescer ainda mais a desigualdade, a
partir de critérios valorativos que envolvem habilidades, bens reais, culturais e
simbólicos normalmente em poder de segmentos sociais dominantes. Outra questão a
ser tratar no discurso da desigualdade diz respeito ao imaginário que se constrói a
partir da relação entre dominador e dominado. Este imaginário faz florescer uma certa
distinção entre os dito inferiores e os ditos superiores. Os segmentos sociais tachados
de diferentes, mesmo em maioria, que são os de condições sociais “inferiores”
admitem que os segmentos sociais mais abastados têm o poder constituído, formal,
sobre eles, pobres. Assim, a noção de desigualdade pressupõe que está e origina no
contexto de uma dinâmica de poder e dominação e na medida em que os segmentos
dominados reconhecem passivamente a “legitimidade” deste poder e dominação,
desigualdade, ela própria, passa a se construir num mecanismo de recriação desta
condição. (BONETTI, 2011, p. 80).
As políticas culturais são criadas com o objetivo de proporcionar o acesso democrático
à cultura e garantir o pleno gozo dos direitos culturais a todos, entretanto a crença que se cria
da organização social faz com que a as relações e as atividades culturais sejam enrijecidas e
consolidadas em bases que são possíveis de manter e com linhas pré-traçadas, orientadas para
uma formação clássica, erudita e europeia, desprezando as culturas indígenas e africanas.
A garantia das manifestações e diversidades culturais está prevista na Constituição
Federal de 1988 bem como a sua preservação, manutenção e transmissão através de iniciativas
do Estado, um dos instrumentos mais utilizados, é a Lei Rouanet e seus mecanismos como o
Fundo Nacional de Cultura, os Fundos de Investimento Cultural e Artístico. Em 2 de julho de
1986, foi promulgada a Lei n. 7.505 pelo então presidente Sarney, durante a gestão do Ministro
Celso Furtado, onde buscava-se novas fontes de recursos para as atividades culturais, de
incentivo à cultura. No início da década de 90, o presidente Fernando Collor de Mello
promulgou a Lei n. 8.313, de 23 de dezembro de 1991, pela qual foi instituído o Programa
Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), conhecida também como Lei Rouanet, que substitui
a Lei n. 7.505 e tendo como base a renúncia fiscal assim como a Lei Sarney, caracteriza pela
apresentação de projetos ao Ministério da Cultura (MINC) que podem ser propostos pela
706
sociedade civil, que cumpram determinados requisitos previstos em lei para posterior busca de
recursos através de incentivo fiscal. O art. 1º da Lei 8.313/1991, art. I, afirma que uma das
finalidades do PRONAC, Programa Nacional de Apoio à Cultura, é “contribuir para facilitar, a
todos, os meios para o livre acesso às fontes da cultura e o pleno exercício dos direitos culturais”
(BRASIL, 1991).
Ainda para a aprovação dos projetos culturais junto ao MINC é importante ainda
destacar que os mesmos devem demonstrar o caráter de política pública, que tem como base a
democratização do acesso a bens culturais a todos que não tenham acesso a exercer direitos
culturais, quais sejam suas condições sociais e econômicas. Assim, percebe-se que atualmente
há uma tendência para que os recursos públicos sejam investidos para fins também públicos, o
que acrescenta uma mudança governamental, bem como mais rigor nos critérios para concessão
de verbas públicas. Assim, Souza (2013), no livro Federalismo e Políticas Públicas, destaca a
nova forma de organização nas políticas públicas no que se refere participação nas decisões
cooperadas das esferas de poder no Brasil depois da Constituição de 1988:
Foram listadas como competências comuns: saúde, assistência pública; assistência aos
portadores de deficiência; preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural e
das obras de arte. Proteção de meio ambiente e dos recursos n\aturais; combate à
poluição; cultura, educação e ciência; preservação das florestas, da fauna e da flora;
agricultura e abastecimento alimentar; habitação e saneamento; combate à pobreza e
aos fatores de marginalização social; exploração das atividades hídricas e minerais;
segurança do trânsito; turismo e lazer. (SOUZA, 2013, p. 99).
Porém, caso o PCN não alcance o município ele não terá eficácia e o quadro atual da
cultura não irá se alterar, pois é o município que se encontra próximo ao cidadão, pois é nas
cidades que existem as periferias onde as diferenças de acesso à cultura explicitam-se. Como
afirma Chauí (2006):
A política cultural definida pela ideia de cidadania cultural (…) se realiza como direito
de todos os cidadãos, direito a partir do qual a divisão social das classes, ou luta de
classes, possa manifestar-se e ser trabalhada porque, no exercício do direito à cultura,
os cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, entram em conflito,
comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e
movem todo o processo cultural. (CHAUÍ, 2006).
Portanto, a elaboração em conjunto das políticas públicas de acesso à cultura pelo Poder
Executivo Federal, Legislativo, e a sociedade civil, auxiliam no aumento de acessibilidade à
cultura, e que melhor ainda se verifica sim o interesse de todos os setores em criar meios de
707
acompanhamento do processo de criação, discussão, aprovação e, principalmente,
implementação das políticas culturais.
FINANCIAMENTO CULTURAL
O financiamento da cultura desde as leis de incentivo estão presentes e toda a arquitetura
institucional da cultura, em seus diferentes patamares. As leis de incentivo, devido a sua
importância, juntamente com tema das políticas de financiamento da cultura, e das políticas
culturais auxiliam na democratização, ao introduzir novas possibilidades de decisão do estado
e do mercado no uso das verbas públicas. Com a instituição de uma política de editais dentro
do sistema político e privado, alcançou-se grandes avanços. Como a necessidade ainda de
atender demandas e qualificar esforços na superação dificuldades, com o desejo coletivo de
munir o Estado de instituições fortes, para desta forma não mercantilizar o poder de decisão
acerca da cultura brasileira. Em relação à gestão de políticas públicas culturais, constatam-se
entraves na questão de organizar e equilibrar o direito à utilização e produção da cultura.
Contudo o que se necessita em âmbito nacional é o aumento de subsídios para a área, com a
implantação de uma política de financiamentos fortalecida, que contribua para um melhor
planejamento e aplicabilidade das verbas públicas, que signifique uma correção de políticas que
na consolidem os direitos culturais e da cidadania cultural.
Atualmente vem se verificando um fenômeno social e político de “democratização” das
políticas culturais que são resultado da construção em acordo por estado e sociedade, graças à
abertura dos últimos governos federais, através de seminários, encontros; câmaras setoriais;
consultas públicas; conferências têm minimizado a dificuldade de acesso da sociedade neste
processo e tentando diminuir o olhar elitista dado ao acesso à cultura.
Conhecida como Constituição Cidadã, inova em aspectos essenciais, especialmente
no que concerne à descentralização político-administrativa, alterando as normas e
regras centralizadoras e distribui as competências entre a União e os poderes regionais
(Estados) e locais (municípios). Também com a descentralização aumenta o estímulo
à maior participação das coletividades locais – sociedade civil organizada – e,
portanto, ao processo de controle social. (GIAQUETO, 2010, p. 79).
Poucos são os momentos em que há comunicação entre governo e sociedade se
estreitam, pois, a coletividade ainda não se apodera das possibilidades de participação na
708
formulação das políticas. A classe trabalhadora um grande avanço neste sentido foi concedido
pelo ministério da Cultura com a entrada em vigor da lei n. 12.761 no final de 2012.
Segundo o MINC permitir o acesso à cultura estimula a reflexão e a compreensão da
realidade, além do respeito à diversidade, o reconhecimento da identidade e a plena cidadania.
Tudo isso é uma melhoria na qualidade de vida de todos os brasileiros. O Vale-Cultura também
fomenta o crescimento da produção cultural em todo o Brasil. (BRASIL, 2012).
O programa envolve pessoas jurídicas cadastradas junto ao Ministério da Cultura
denominadas como empresas beneficiaria, operadora e recebedora, quanto às pessoas físicas
são os usuários, como o disposto Decreto n. 8.084, de 26 de agosto de 2013, em seu capítulo I,
disposições gerais, o qual instituiu o Programa de cultura do trabalhador e criou o Vale-cultura,
previsto no seu art. 2º, incisos I ao IV: A Empresa operadora são pessoas jurídicas cadastradas
no Ministério da Cultura, possuidora do Certificado de Inscrição no Programa de Cultura do
Trabalhador e autorizada a produzir e comercializar o vale-cultura, as empresas beneficiárias
são pessoas jurídicas que optante pelo Programa de Cultura do Trabalhador e autorizada a
distribuir o vale-cultura a seus trabalhadores com vínculo empregatício, quanto a empresas
recebedoras são pessoas jurídicas habilitadas pela empresa operadora para receber o vale-
cultura como forma de pagamento de serviço ou produto cultural. Os usuários são os
trabalhadores com vínculo empregatício com a empresa beneficiária que recebe o vale-cultura.
(BRASIL, 2013). Ainda no inciso V do mesmo artigo está descrita a taxa de administração que
é cobrada pela pessoa jurídica que trabalha com a elaboração, manutenção e distribuição dos
cartões do programa: a taxa de administração trata-se de remuneração total cobrada das
empresas beneficiárias e recebedoras pela empresa operadora como contrapartida pela
produção e comercialização do vale-cultura, inclusive quanto a custos de operação e de
reembolso. (BRASIL, 2013). De maneira generalizada, o acesso às atividades e a objetos
culturais são pouco consumidos pelas classes desfavorecidas, as políticas de fomento cultura
sejam elas por meio de patrocínio ou através de políticas sociais têm conseguido diminuir esta
lacuna entre a demanda de bens e serviços criativos. O Programa Cultura do Trabalhador foi
criado com os objetivos de possibilitar o acesso e a fruição dos produtos e serviços culturais,
estimular a visitação a estabelecimentos culturais e artístico e incentivar o acesso a eventos e
espetáculos culturais e artísticos. (BRASIL, 2012).
São requisitos para o trabalhador receber o vale-cultura estar contratado em regime da
CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), perceber até 5 (cinco) salários mínimos, aderir
709
voluntariamente ao programa, estar de acordo com o desconto de 10% do valor do vale-cultura
(R$ 5,00) do salário. (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2015).
As empresas beneficiadas recebem um incentivo fiscal do governo, podendo deduzir o valor
despendido com o Vale-cultura do imposto sobre a renda ainda podem descontar apenas 10%
do valor do Vale-Cultura (R$ 5,00) do salário, na forma que será definida em regulamento e
por fim melhoraram a qualificação e o bem-estar de seus colaboradores. (MINISTÉRIO DA
CULTURA, 2015).
Após a adesão e inscrição no sistema Vale-Cultura voluntária dos empregadores no
Programa de Cultura do Trabalhador no site do programa, e com o preenchimento de formulário
de cadastro com dados da empresa beneficiária, e o aceite de termos de compromisso, o
responsável pelo cadastro da empresa junto ao ministério deverá optar por uma das empresas
“operadoras” que irão de confeccionar e comercializar aos trabalhadores um cartão magnético,
individual, intransferível e com valor mensal de R$ 50,00 cumulativos e sem prazo de validade,
que será complementar ao salário, que poderá consumir produtos e serviços culturais.
Todo trabalhador que possui vínculos empregatícios com empresas beneficiárias no
caso de receber um salário superior ao de cinco salários mínimos, e que também quiser receber
o benefício, a empresa poderá descontar de 20 a 90% do valor de acordo com a respectiva faixa
salarial.
De acordo com Base Legal referente constante na redação do art. 8º, § 1º da Lei n.
12.761/2012 e art. 15 do Decreto n. 8.084/2013. Os descontos para trabalhadores com vínculo
empregatício e renda de até 5 (cinco) salários mínimos poderão ser descontados de sua
remuneração os seguintes percentuais do valor do Vale-cultura:
a. 2% (dois por cento): até 1 (um) salário mínimo;
b. 4% (quatro por cento): acima de 1 (um) salário mínimo e até 2 (dois) salários mínimos;
c. 6% (seis por cento): acima de 2 (dois) salários mínimos e até 3 (três) salários mínimos;
d. 8% (oito por cento): acima de 3 (três) salários mínimos e até 4 (quatro) salários
mínimos; e
e. 10% (dez por cento): acima de 4 (quatro) salários mínimos e até 5 (cinco) salários
mínimos. (BRASIL, 2012).
Quanto a descontos para trabalhadores com vínculo empregatício e renda superior a 5
(cinco) salários mínimos, poderá ter descontado de sua remuneração os seguintes percentuais
do valor do Vale-Cultura:
710
a. 20% (vinte por cento): acima de 5 (cinco) salários mínimos e até 6 (seis) salários
mínimos;
b. 30% (trinta e cinco por cento): acima de 6 (seis) salários mínimos e até 8 (oito) salários
mínimos;
c. 50% (cinquenta e cinco por cento): acima de 8 (oito) salários mínimos e até 10 (dez)
salários mínimos;
d. 70% (setenta por cento): acima de 10 (dez) salários mínimos e até 12 (doze) salários
mínimos; e
e. 90% (noventa por cento): acima de 12 (doze) salários mínimos. (BRASIL, 2012).
De acordo com a tabela 1 abaixo mostra a faixa salarial mais o percentual de desconto
até cinco salários mínimos:
Tabela 1 – Faixa salarial e descontos opcionais por faixa salarial no Vale-cultura
Valor do salário Valor opcional do desconto
Até 1 salário mínimo R$ 1,00
Entre 1 e 2 salários R$ 2,00
Entre 2 e 3 salários R$ 3,00
Entre 3 e 4 salários R$ 4,00
Entre 4 e 5 salários R$ 5,00
Fonte: www.cultura.gov.br/valecultura
Este benefício trabalhista cumulativo e sem prazo de validade, instituído por lei, oportuniza aos
trabalhadores benefícios sociais como acesso a serviços e a produtos relacionados a várias
formas de cultura, traz benefícios fiscais para a empresa beneficiarias, operadoras e recebedoras
que participam do programa voluntariamente contribuindo para fomentando a produção cultural
brasileira.
O vale cultura é um benefício trabalhista exclusivo para aquisição de produtos e
serviços culturais, apenas estabelecimentos e os comercializam são autorizados a
recebê-lo. Segundo números do Ministério da cultura cerca de 40 mil “empresas
recebedoras” estão ativas em todos os estados do país, inclusive lojas virtuais.
(MINISTÉRIO DA CULTURA, 2015, p. 01).
Desde sua implementação, em 2013, o Programa de Cultura do Trabalhador, Vale-
Cultura avança de forma sistemática, com o objetivo de fortalecer o mercado consumidor de
bens e serviços criativos e, segundo, contribuir para a formação de cidadãos apreciadores e
consumidores de cultura.
711
Após dois anos e meio de atividade, o Programa de Cultura do Trabalhador inicia
2016 com alcance considerável e destaque nas políticas de fomento à cultura no Brasil.
Mais de 465 mil cidadãos já foram beneficiados por mais de 1,2 mil empresas
brasileiras que já favoreceram seus empregados com o Vale-Cultura. Isto representa
23% do previsto pelo Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal 2016-2019, que é
de atingir 2 milhões de trabalhadores até o final de 2019. Ministério da Cultura (MinC)
propõe que meta do Plano Nacional de Cultura (PNC), cuja revisão está aberta a
consulta pública, seja reprogramada para 3 milhões de beneficiados até 2020.
Cerca de 18 milhões de brasileiros podem ser beneficiados com o Vale-Cultura,
representando um aumento de R$ 11,3 bilhões na cadeia produtiva da Cultura:
“Primeiro, Vale-Cultura: meta propõe atender 3 milhões até 2020. (MINISTÉRIO DA
CULTURA, 2016, p. 01).
O Vale-cultura concretiza-se como um novo paradigma das políticas culturais
tradicionais e uma inovação social que potencializa a economia da cultura de forma
estruturante. As empresas beneficiárias após inscrição junto ao MINC deverão observar, entre
outros, aos seguintes requisitos, conforme artigos 10 e 11 do Decreto n. 8.084/13:
- Estar regular no cadastro - CNPJ;
- Indicar no cadastro a empresa operadora que possui o Certificado de Inscrição no
PCT;
- Indicar do número de trabalhadores com vínculo empregatício, e informar a faixa
de renda mensal individual. (BRASIL, 2013).
As perspectivas da potencialidade econômica do Vale-cultura são evidentes: no país são
beneficiadas cerca de 1351 empresas, nas diferentes regiões como mostra a tabela 2 abaixo:
Tabela 2 - Empresas beneficiadas pelo Vale-Cultura divididas por regiões brasileiras
Regiões Número de empresas beneficiadas
Centro-oeste 103 empresas
Nordeste 139 empresas
Norte 32 empresas
Sudeste 793 empresas
Sul 280 empresas
Fonte: Ministério da Cultura-através do sistema de informações
712
Na tabela 2 verificamos que grande maioria das empresas que oferecem o vale-cultura
a seus colaboradores está na região sudeste brasileira.
Já na tabela 3 estão listadas as empresas beneficiadas por estados brasileiros mais o
Distrito Federal.
Na tabela 3 estão elencadas região, UF e quantidades de empresas operadoras.
Tabela 3 - Região, UF e número de empresas operadoras do Vale-Cultura
Região Unidade Federal N. de empresas operadoras
Norte Pará 1
Sul Paraná 4
Sul Rio Grande do Sul 3
Sul Santa Catarina 3
Sudeste Espirito Santo 1
Sudeste Minas Gerais 5
Sudeste São Paulo 14
Centro-oeste Distrito Federal 7
Centro-oeste Goiás 1
Nordeste Bahia 2
Fonte: Ministério da Cultura
Na tabela 4 observamos a distribuição uniforme das operadoras, com destaque para a
capital paulista e a ausência de empresas operadoras na região norte do País.
Art. 9º: Quanto à Pessoa jurídica recebedora, que fecha o ciclo econômico do vale-
cultura são deveres da mesma o recebimento do vale-cultura, exclusivamente para a
comercialização de produtos e serviços culturais e disponibilizar, apresentar ao MinC
relatórios periódicos relativos a acesso e fruição de produtos e serviços culturais.
(BRASIL, 2013).
Com o valor do benefício é possível comprar ingressos de teatro, cinema, museus,
espetáculos, shows, circos, além de CDs, DVDs, livros, revistas e jornais, ou ainda pagar
mensalidades de cursos artístico-culturais como está apresentado na tabela 5, abaixo.
Tabela 5 – Produtos e serviços culturais que podem ser consumidos com o Vale-cultura
Produto/Serviço Tipo de Aquisição
Artesanato Peça
Cinema Ingresso
Curso de Artes Mensalidade
713
Curso de Audiovisual Mensalidade
Curso de Circo Mensalidade
Curso de Dança Mensalidade
Curso de Fotografia Mensalidade
Curso de Música Mensalidade
Curso de Teatro Mensalidade
Curso de Literatura Mensalidade
Disco-Áudio ou Música Unidade
DVD-Documentários/Filmes/Musicais Unidade
Escultura Peça
Espetáculo de Circo Ingresso
Espetáculo de Dança Ingresso
Espetáculo de Teatro Ingresso
Espetáculo Musical Ingresso
Equipamentos de Artes Visuais Unidade
Equipamentos e Instrumentos Musicais Unidade
Exposições de Arte Ingresso
Festas Populares Ingresso
Fotografia / Quadros / Gravuras Unidade
Jornais Unidade
Livros Unidade
Partituras Unidade
Revistas Unidade
Fonte: Ministério da Cultura - Instrução Normativa n. 05, de 10 de maio de 2016.
Referente aos números relativos ao programa nota-se que avança gradativamente,
consolidando parcerias e fomentando o mercado econômico cultural, alcançando um bom
desempenho resultado de fatores econômicos e principalmente ganhando o reconhecimento do
empresariado sobre as vantagens de se promover o acesso à cultura aos seus colaboradores.
O sucesso do programa está encaminhado e as perspectivas são as melhores, pois, mais
da metade dos trabalhadores na ativa no Brasil que recebem até cinco salários mínimos são
beneficiários; e dividem um montante cerca de mais de 40 milhões em valores. (IBGE, 2010).
A realidade é que no Brasil os números referentes ao consumo de produtos culturais
mostram uma alta exclusão, onde grande parcela da população pouco usufrui da vida cultural.
Indiretamente o programa de acesso à cultura pelo trabalhador, o Vale-Cultura, visa incentivar
a participação e estimular o crescimento da economia da cultura no Brasil.
CONCLUSÃO
Depois de tantos altos e baixos no cenário da história das políticas culturais no Brasil, o
Programa de Cultura do Trabalhador (PCT) e o Vale-cultura, iniciado em 2013 pela Lei n.
12.761/2012, sob a gestão do Ministério da Cultura (MinC), e que ao longo de dois anos em
714
desenvolvimento, e por ser praticamente o único programa voltado a economia cultural que
beneficia diretamente os trabalhadores, apresenta algumas restrições como qualquer política
pública, tem alcançado de maneira gradual um considerável destaque nas políticas de fomento
à cultura, nas áreas contábil e tributária no Brasil. Com o principal objetivo de levar aos
trabalhadores com vínculo empregatício meios para o exercício dos direitos culturais e acesso
às fontes da cultura. Caracterizado por ser um benefício de caráter pessoal e intransferível,
válido em todo o território nacional, para ser utilizado no acesso e fruição de produtos e serviços
culturais. Com números favoráveis quanto à abrangência aos cidadãos bem como as empresas
brasileiras. Representa ainda que modestamente os números previstos pelo Ministério da
Cultura (MinC).
O PCT objetiva ampliar e possibilitar o acesso e a fruição dos produtos e serviços
culturais, estimular a visitação a estabelecimentos culturais e artísticos, e incentivar o acesso a
eventos e espetáculos culturais e artísticos. Criado no âmbito do programa o vale-cultura, que
obedece um cronograma estabelecido pelo MINC, as empresas interessadas em participar do
programa, preenchem requisitos estabelecidos pelo MINC, competindo ao ministério toda a
gestão do programa a articulação desde do cadastramento, a habilitação e a inscrição das
empresas bem como e a forma, procedimentos de cadastramento de empresas operadoras e de
emissão do Certificado de Inscrição no PCT. Prioritariamente voltado à classe trabalhadora que
recebem até cinco salários mínimos, num cartão magnético pré-pago com crédito de R$ 50
mensais. O Vale-Cultura é comercializado por empresas operadoras que são responsáveis pela
administração a confecção do cartão, que posteriormente são disponibilizados
aos usuários pelas empresas beneficiárias para ser utilizado nas empresas recebedoras. Os
valores do benefício podem ser utilizados para a aquisição de produtos e serviços culturais,
constantes na Lei n. 12.761 de 27 de dezembro de 2012, como na comprar ingressos de teatro,
cinema, museus, espetáculos, shows, circos, além de produtos como CDs, DVDs, livros,
revistas e jornais, ou ainda pagar mensalidades de cursos artístico-culturais. Vale ressaltar ainda
que o Vale-Cultura não é obrigatório, com sua implantação em 2013 as empresas concedem
mais um benefício aos funcionários, que se assemelha a outros como o vale-transporte e o vale-
alimentação. Embora avance lentamente, o programa tem aos poucos alcançado seus objetivos
da distribuição de recursos para cultura. Apenas o que merece ressalva é o término do incentivo
fiscal por parte do governo as empresas beneficiarias, que teria seu prazo de vigência até ano
calendário 2016, exercício 2017, com isso as apenas empresas tributadas com base no lucro real
715
não poderão deduzir em até 1% no imposto de renda devido, porém, com a aprovação da Lei
Orçamentaria Anual (LOA) que prevê recursos necessários a renúncia da receita, vindos de
remanejamentos de valores de incentivos fiscais via Lei Rouanet, com recursos para custear a
prorrogação do benefício por mais um ano, não impedindo que as empresas continuem a
participar do programa e que possam juntamente com seus colaboradores a usufruírem de seus
benefícios.
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717
DEMOCRACIA E JURISDIÇÃO: ASPECTOS POLÍTICO-JURÍDICOS DOS
LEGITIMADOS A PROPOR AÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE JUNTO AO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Anderson Rodrigo Andrade de Lima 12,
Angela Quintanilha Gomes 13,
Íris Gomes dos Santos14
RESUMO: Tradicionalmente a interpretação constitucional tem sido encarada como uma
atividade eminentemente técnica, restrita, portanto, aos profissionais do meio jurídico. Esse
paradigma limita a noção mais ampla de cidadania, na medida em que exclui a maior parte da
sociedade de um processo que refletirá amplamente nas prestações positivas do Estado, como
os direitos fundamentais e as políticas públicas. A partir da Constituição Federal de 1988 houve
a ampliação do rol de legitimados a propor ações de controle concentrado de
constitucionalidade, bem como passou-se a admitir uma maior participação de atores externos
ao meio jurídico. O artigo tem por escopo analisar esse processo de democratização da
interpretação jurídica a partir das proposições de ações de controle de constitucionalidade. Para
tanto, usando de dados disponibilizados pelo setor de estatísticas do Supremo Tribunal Federal,
foram analisadas todas as iniciativas de Ações de Declaração de Inconstitucionalidade no
período de 1988 a 2016. Constatou-se que os avanços no processo de democratização da
interpretação constitucional são ainda incipientes, o que se demonstra tanto pelo insulamento
dos burocratas jurídicos protagonizando as referidas ações, quanto pela sub-representação de
atores representantes da sociedade civil.
Palavras-Chaves: Democracia; Jurisdição Constitucional; Supremo Tribunal Federal;
Controle de Constitucionalidade
12 Bacharel em Direito – URI Campus Santiago; Mestrando em Políticas Públicas – Unipampa Campus São Borja.
Servidor público federal. [email protected] 13 Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa. Bacharelado em Ciência Sociais pela PUC-RS, Mestrado
e Doutorado em Ciência Política, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul 14 Graduada em Secretariado Executivo (UFBA), mestre em Ciências Sociais (UFBA), Doutora em Ciência
Política (UFMG) e Pós-doutoranda no Programa de pós-graduação em Ciências Sociais (PPGSC-UFBA)
718
INTRODUÇÃO
O presente artigo propõe como objetivo geral abordar os grandes temas da democracia
e jurisdição constitucional sob o fulcro do sistema de controle concentrado de
constitucionalidade de leis no Brasil. A inter-relação entre os temas é reconhecida e
demonstrada no campo teórico, à luz das lições clássicas liberal e igualitária. Contudo, o texto
busca apresentar um ponto de vista mais prático e debruça-se a compreender a abertura do rol
de legitimados a propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) pelo art. 103 da
Constituição Federal de 1988.
Demonstra-se que as Constituições anteriores (1946, 1967 e 1969) foram uníssonas na
tese da legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República para propor ADI’s, numa
clara demonstração do que Peter Häberle chamou de “sociedade fechada de intérpretes
constitucionais”. A Carta Cidadã de 1988, no entanto, ampliou significativamente esse rol,
admitindo que novos atores participassem como protagonistas do processo de interpretação e
conformação constitucional – evoluindo a histórica noção de “sociedade fechada” para uma
moderna “sociedade aberta de intérpretes”.
Dessa forma, podem ser estabelecidos como objetivos específicos do trabalho: 1)
apresentar a evolução histórica de ampliação do rol de legitimados a propor ADI’s no Brasil;
2) demonstrar os critérios que orientaram a escolha do constituinte na montagem do rol do art.
103, CF/88; e 3) investigar se os legitimados são efetivamente representativos da sociedade
brasileira, ou seja, se de fato pluralizam e democratizam o debate jurídico-constitucional.
Para tanto, o trabalho usa majoritariamente da técnica de pesquisa bibliográfica e da
análise de alguns dados estatísticos disponíveis no site do Supremo Tribunal Federal. No
primeiro tópico retomam-se os principais aspectos relativos à democracia e jurisdição
constitucional, dando-se ênfase ao relevante papel político assumido pelo Poder Judiciário a
partir de 1988 e o seu déficit de legitimidade quando atua em áreas mais sensíveis, como nas
políticas públicas. A seguir o texto apresenta os principais conceitos relativos ao sistema
abstrato de controle de constitucionalidade, o qual é apresentado como instrumento de
interpretação e conformação constitucional. Por fim, chega-se à efetiva análise do rol
estabelecido no art. 103 da CF/88, focalizando-se nos aspectos político-jurídicos de cada um
dos legitimados, onde se busca compreender seus limites e perspectivas à luz da jurisprudência
do STF e do quantitativo de ações propostas entre 1989 e 2016.
719
METODOLOGIA
A fundamentação teórica usa do método de pesquisa bibliográfica, onde são abordadas
leituras da área de ciência política e direito. A análise das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade dar-se-á em dois momentos. No primeiro serão apresentados aspectos
gerais dos legitimados, a classificação entre legitimados universais e interessados, seguido de
um quadro com o quantitativo de ações iniciadas por cada um destes entre 1989 e 2016. Em
segundo plano serão discutidos os principais aspectos teóricos que envolvem suas respectivas
atuações, dando-se ênfase aos limites materiais estabelecidos pela jurisprudência do STF e
buscando compreender como esses limites influenciam no maior ou menor número de ações
propostas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Democracia e Jurisdição Constitucional
A democracia encontra-se inserta no sistema do moderno Estado Democrático de
Direito, devendo ser objeto de proteção de todas as instituições que o compõe. Sem a pretensão
de aprofundarmos esta discussão, pode-se dizer que a democracia inspira ao menos três
significados principais: a ideia de um governo composto pela maioria ou pela vontade geral15;
a noção de igualdade entre os cidadãos; e de que ela fundamenta e defende a noção de liberdade
individual. (PAULA, 2014)
Na lição clássica, a relação entre democracia e constitucionalismo possui ao menos duas
vertentes interpretativas: a liberal e a igualitária. Para o pensamento liberal há uma aparente
contradição entre o reino da política, alimentado pelas paixões e particularismos e o do direito,
movido pela razão e lógica. Nesse sentido, o constitucionalismo representaria uma limitação à
construção de decisões majoritárias, uma vez que nem todas as opções democraticamente
aceitas são constitucionalmente viáveis. (AVRITZER; MARONA, 2014)
Já a vertente do igualitarismo compreende o constitucionalismo como condição de
possibilidade da democracia, especialmente no que diz respeito à ampliação do catálogo de
direitos fundamentais ocorridos após a Segunda Grande Guerra. Dessa forma, longe de
15 Importante destacar que essa noção de “governo da maioria” é hodiernamente mitigada pelo respeito ao direito
das minorias. Reduzir o conceito de democracia ao quantitativo de votos e/ou aprovação popular, seria o mesmo
que admitir que a Alemanha Nazista foi democrática, haja vista que em determinados momentos o Governo Hitler
contou com altos índices de aprovação.
720
representar uma limitação à democracia, o constitucionalismo é o fundamento moral da ordem
jurídica, uma vez que são os freios constitucionais que a reforçam. (AVRITZER; MARONA,
2014)
No Brasil, a jurisdição constitucional tem ganhado um espaço cada vez maior no debate
político. O Poder judiciário ganhou relevado papel na proteção dos direitos e garantias
fundamentais, gerando, por via reflexa, a judicialização de inúmeras questões de cunho não
propriamente jurídico, como acesso à saúde pública, direito à educação, questões
previdenciárias, assistenciais, etc.
Isso decorre, entre outros aspectos, da complexidade do texto constitucional de 1988,
que se expandiu pelos mais diversos temas, fazendo com que praticamente todos os assuntos
fossem, ao menos, pincelados pela Constituição. A Carta de 1988 é marcadamente prolixa, uma
vez que possui 250 artigos em seu texto principal e mais 114 no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Duas consequências imediatas advindas dessa característica são a
necessidade de constantes alterações formais do texto e as diversas interpretações - e aparentes
contradições - que o mesmo admite.
O processo de alteração constitucional segue um rito mais solene, dificultoso e
burocrático que o empregado na criação e alteração de leis infraconstitucionais. O tema é
tratado pelo art. 60 da Lei Fundamental e estabelece, em síntese, a necessidade de votação em
dois turnos com quórum mínimo de dois terços dos Membros de cada Casa do Congresso
Nacional para a aprovação de Emendas à Constituição. O protagonista deste processo é,
portanto, o Poder Legislativo, uma vez que os poderes Executivo e Judiciário sequer têm
participação formal no mesmo.
Já no que diz respeito à interpretação constitucional tem-se por protagonista o Poder
Judiciário. No Brasil qualquer juiz ou tribunal pode interpretar a Constituição de forma
individualizada, admitindo-se, inclusive, por meio do controle incidental, a declaração de
inconstitucionalidade de norma legal que contrarie o texto da Lei Maior. No entanto, a
interpretação definitiva da constituição ficou resguardada ao Supremo Tribunal Federal, que
atua como seu guardião.16 Nesse ponto, Mendes (et al, 2000) destaca que a interpretatividade
do Supremo é ilimitada; primeiramente porque está a cargo de uma Corte que se encontra
16 Assevera o art. 102, I, a da CF/88, que “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal”.
721
situada fora e acima dos três poderes estatais constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário),
e segundo porque ela se desenvolve quase que exclusivamente sobre enunciados abertos,
indeterminados e polissêmicos.
Essa primazia do Poder Judiciário na interpretação da constituição não pode, no entanto,
ser confundida com exclusividade. Destarte, se o papel principal do Poder Judiciário é a
conformação do texto constitucional à vida social; e se tal tarefa é desenvolvida através do
processo hermenêutico-interpretativo, mister reconhecer a necessidade de que esse processo
seja o mais plural e democrático possível.
Nesse sentido, diz-se que o processo evolutivo da democracia impõe que a soberania
popular passe do aspecto meramente formal para o material, como se depreende da noção de
democracia participativa (JUCA, 2007). No âmbito político a participação popular ocorre de
forma direta a partir da escolha dos representantes em âmbito federal, estadual e municipal;
além disso, diversos outros instrumentos, como os orçamentos participativos e conselhos
populares, têm possibilitado a maior participação do povo na gestão e fiscalização da coisa
pública.
A questão se torna mais complexa quando a necessidade de pluralizar e democratizar o
debate ascende para o meio jurídico, onde o argumento técnico tende a prevalecer sobre o
político. Esse tecnicismo, próprio da ciência jurídica, costuma isolar o debate entre os
profissionais da área - advogados, juízes, membros do Ministério Público e doutrinadores
reconhecidos. Apesar da relevância dos aspectos técnicos na interpretação jurídica, inegável
que esse insulamento entre operadores do direito redunda num considerável déficit
democrático.
Destaca-se que no Brasil todos os cargos de primeiro grau do Poder Judiciário são
ocupados por agentes aprovados em concursos públicos de provas e títulos. A partir do segundo
grau de jurisdição (os tribunais em geral) essa regra é flexibilizada pelo chamado Quinto
Constitucional, onde se admite o ingresso de advogados com mais de dez anos dez na
composição das cortes, que segue majoritariamente ocupada por juízes de carreira. Já os
tribunais superiores17 são formados exclusivamente a partir de indicações políticas, naquilo que
17 Os quatro tribunais superiores - Tribunal Superior Eleitoral (TSE); Superior Tribunal de Justiça (STJ); Superior
Tribunal Militar (STM) e Tribunal Superior do Trabalho (TST) – possuem regras próprias de ocupação dos cargos,
que favorecem os membros dos tribunais de segundo grau. Já o Supremo Tribunal Federal, que não é considerado
tribunal superior pois encontra-se acima destes, não possui nenhuma regra específica de indicação, bastando tratar-
se de brasileiro com mais de 35 anos, notório saber jurídico e reputação ilibada.
722
se tem chamado de “legitimidade emprestada”, uma vez que os detentores da legitimidade
popular (políticos) a emprestam aos mais altos cargos da jurisdição pátria.
Cruz (2004), tratando sobre o déficit de legitimidade aponta que “o problema central do
constitucionalismo atual envolve a questão da legitimidade do exercício coativo do poder”.
Aponta o autor, que após vários paradigmas já superados, essa é a questão central do direito
constitucional contemporâneo. Um dos principais desafios inseridos nesse contexto diz respeito
ao círculos de atores que participam do processo de conformação da norma à realidade social.
Como é cediço, juízes, promotores e demais operadores do direito desempenham suas funções
a partir da demonstração de conhecimento técnico, não são, portanto, chancelados pelo voto ou
vontade popular.
Um dos autores que mais aprofunda o debate acerca da democratização da interpretação
jurídica, e, especialmente a constitucional, é Peter Häberle, para quem este processo sempre
esteve muito ligado a dois aspectos: os seus objetivos e tarefas e a metodologia a ser empregada.
O autor alemão, contudo, se dispõe a apresentar um novo problema a ser enfrentado acerca do
tema: os participantes do processo de interpretação (1997, p.11). Entende ele que a interpretação
constitucional vincula-se a uma "sociedade fechada" com um rol isolado de intérpretes - em
regra os juízes - de maneira que os métodos usados são excessivamente formais e pouco
concretizadores da realidade social (1997, p. 12).
Em se considerando que a constituição representa a “força normativa da vontade
política de uma comunidade histórica e, por consequência, a fonte real de validade de todo o
sistema normativo” (CITTADINO, 2000, p. 31); mostra-se imprudente deixar sua interpretação
restrita a um grupo de técnicos, que nem sempre conhecem ou se preocupam com a realidade
social. A superação do paradigma da “sociedade fechada” para uma “sociedade aberta” de
intérpretes da Constituição mostra-se essencial, uma vez que além de incluir novos atores
políticos no processo, supera-se, em parte, o déficit de legitimidade dos membros do Poder
Judiciário.
Häberle sustenta que “todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que
vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma”
(1997, p. 15). Neste ponto, sua obra é totalmente inovadora, pois altera por completo o
“problema” da hermenêutica, que sai da mera questão relacionada à metodologia e objetivos,
passando a focar no rol de legitimados a exercê-la. A questão central da hermenêutica
constitucional, para o autor, reside em alargar o círculo de participantes do processo
723
interpretativo, buscando um resultado mais adequado à realidade daqueles que vivem sob o seu
manto jurídico.
Mas quem seriam esses novos intérpretes? O próprio autor estabelece um rol inicial, que
classifica como provisório, uma vez que irá variar de acordo com as nuances e os novos
contornos sociais18. Apesar da abstratividade do rol de participantes apresentado por Häberle,
fica claro que o processo de interpretação constitucional não pode ficar vinculado apenas às
partes interessadas, tampouco ser de participação exclusiva dos operadores do direito (LIMA;
ODORISSI; 2015). Noutro giro, é evidente que a organização procedimental exigirá o
estabelecimento de limites formais de participantes, de maneira que se respeite a diversidade
sociocultural do país sem tornar o processo interpretativo um emaranhado interminável de
atores, ações e recursos constitucionais.
O controle de constitucionalidade no Brasil como instrumento da interpretação e
conformação das leis à ordem constitucional
Controle de constitucionalidade é a técnica pela qual o Poder Judiciário verifica, sempre
que provocado, a compatibilidade das normas infra legais ao ordenamento jurídico em sua
plenitude. O sistema de controle consagra a estrutura hierarquizada do direito positivo,
reservando-se à Constituição o topo da pirâmide normativa. Isso impede que as normas
infraconstitucionais lhe contrariarem formal ou materialmente.
O primeiro sistema de controle de constitucionalidade surgiu nos Estados Unidos, mais
especificamente no ano de 1803, quando a Corte Suprema julgou o famoso caso Marbury Vs
Madson.19 À época o juiz John Marshal, em decisão inovadora, decidiu pela inaplicabilidade
de uma lei federal, por considerá-la incompatível com a Constituição Americana. Em que pese
a existência de inúmeras críticas acerca da técnica decisional empregada pelo magistrado, a
18 O rol de intérpretes citado por Häberle inclui: 1º) as funções públicas, nas quais se inserem as decisões
vinculantes da Corte Constitucional e os órgãos estatais com poder de decisão vinculante (Executivo e Legislativo).
2º) os participantes do processo decisório que não sejam necessariamente órgãos estatais, exemplificando: o
requerente, o requerido, autor, réu, os pareceristas ou experts, além de peritos e outros interessados. 3º) a opinião
pública democrática e plural, neste item o autor inclui a sociedade de forma generalizada, destacando os jornalistas,
partidos políticos, mídia e seus respectivos leitores e telespectadores, associações, igrejas, escolas, etc. 4º) a
doutrina constitucional, que seria a responsável por tematizar a participação das outras forças, além de participar
ativamente com aspectos técnicos sobre os temas (HÄBERLE, 1997, Apud LIMA; ODORISSI, 2015, p. 12) 19 Para maiores detalhes sobre o Caso Marbury Vs Madson acessar:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/93276/Maciel%20Adhemar.pdf?sequence=1> Acesso em
30/06/2017
724
decisão marca uma clara separação entre os poderes, no qual o Judiciário passa a atuar como
autêntico intérprete (e limitador da interpretação) constitucional.
Esse modelo de controle difuso (ou incidental) ingressou na Constituição Brasileira de
1891, sendo regulamentado pela Lei nº 221 de 1984. Nele qualquer juiz ou tribunal pode afastar
a aplicação de lei que contrarie a Constituição, contudo a decisão somente alcança as partes
interessadas. Ou seja, a decisão em sede de controle incidental não afastará a aplicação da lei
em abstrato, mas tão somente para quem a busca judicialmente.
Em 1920, a Constituição Austríaca criou, de forma inédita, uma Corte Constitucional,
cuja função precípua era o controle de atos normativos inferiores, tarefa esta que desenvolveria
com exclusividade. Ao contrário do sistema americano, o austríaco não se destinava a solução
de casos concretos, em que o poder judiciário afasta a incidência de uma norma considerada
inconstitucional; neste, o Tribunal Constitucional exclui a norma em abstrato do sistema.
Significa dizer que a decisão da Corte não se dirige ao autor da ação e sim ao próprio sistema
jurídico.
Esse modelo idealizado por Hans Kelsen ficou conhecido como concentrado, uma vez
que sua execução fica restrita (concentrada) a um único órgão decisional. No Brasil, o modelo
concentrado foi incluído na Constituição de 1946 pela Emenda nº 16 de 1965, atribuindo-se,
desde então, ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de representações de
inconstitucionalidades de leis federais ou estaduais, apresentadas pelo Procurador-Geral da
República.
No sistema concentrado busca-se submeter à Corte Constitucional normas cuja
constitucionalidade seja duvidosa, independentemente dos interesses individuais que possam
existir. Em razão disso, a decisão não terá efeitos diretos apenas para o autor, ao contrário, o
resultado do julgamento promoverá a alteração abstrata do sistema jurídico, visando adequá-lo
à melhor conformidade com os preceitos constitucionais. Na Constituição Federal de 1988 o
controle concentrado encontra-se distribuído em cinco espécies de ações processuais: a ação
direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, a); a ação de inconstitucionalidade interventiva (art.
36, III); a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2º); a ação declaratória
de constitucionalidade (art. 102, I, a in fine EC nº 03/93) e a arguição de descumprimento de
preceito fundamental (art102, § 1º).
Em todas essas ações existe uma limitação do polo ativo, ou seja, uma restrição sobre
quais os legitimados a propô-las. Esse é outro ponto que distingue de forma bastante clara o
725
modelo difuso, em que qualquer pessoa pode levar uma suposta inconstitucionalidade ao
judiciário; do concentrado, em que apenas um grupo de pessoas ou entidades têm essa
prerrogativa. Os efeitos resultantes do controle concentrado impõe a necessidade de uma
limitação do polo ativo, uma vez que sem isso seria impossível dar conta do número de ações
que desaguariam no Poder Judiciário. Ao invés de trazer maior justeza e conformidade
constitucional, o sistema de controle abstrato sem a limitação dos legitimados resultaria em
constante insegurança jurídica, sem falar da impensável sobrecarga de trabalho a que se
submeteria a Corte Constitucional.
Essa legitimidade tradicionalmente fora reservada exclusivamente ao Procurador-Geral
da República (PGR). Tal fórmula foi adotada na Constituição Federal de 1946, através da EC
nº 16 de 1965; na Constituição Federal de 1967 e na Emenda à Constituição nº 1 de 196920:
CF/1946 - Art 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: I - processar e julgar
originariamente: k) a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de
natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da
República; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1965) (BRASIL
1946)
CF/1967 - Art. 113 - O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da União e
jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de 11 (onze) Ministros. l) a
representação do Procurador - Geral da República, por inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo federal ou estadual; (BRASIL, 1967)
EC Nº1/1969 - Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal: I - processar e julgar
originàriamente; l) a representação do Procurador-Geral da República, por
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual; (BRASIL, 1969)
A delimitação do polo ativo em apenas um ator, além de restringir substancialmente a
participação popular no processo de interpretação constitucional – sendo um perfeito exemplo
daquilo que Häberle chamou de “sociedade fechada de intérpretes”; fortalecia, ainda, o chefe
do Poder Executivo, uma vez que este era o responsável pelo nomeação dos Procuradores-
Gerais da República. O critério de escolha do PGR entre as constituições de 1946 a 1969 era
eminentemente político (Quadro 1), exigindo-se tão somente a aprovação formal do Senado em
votação aberta, onde sabidamente os parlamentares têm menor grau de liberdade de escolha.
Ademais, a EC nº 1 de 1969 sequer previu a aprovação pela Câmara Alta, radicalizando a
autoridade do Presidente no processo de escolha.
20 Embora trate-se de uma Emenda à Constituição de 1967, dada a profundidade de alterações que trouxe à ordem
jurídica e social do país, parte da literatura brasileira considera a EC nº1/69 uma “nova constituição”.
726
Quadro 1: critérios e procedimentos de escolha e nomeação do Procurador-Geral da
República nas Constituições de 1946 a 1989
Constituição Critério de Escolha Procedimento
CF/1946 Brasileiros maiores de 35 anos com
notório saber jurídico e reputação
ilibada (art. 99)
Escolha e nomeação pelo Presidente
da República após aprovação em
voto aberto pelo Senado Federal
(art. 126)
CF/1967 Brasileiros maiores de 35 anos com
notório saber jurídico e reputação
ilibada (art. 113, § 1º)
Escolha e nomeação pelo Presidente
da República após aprovação em
voto aberto pelo Senado Federal
(art. 138)
CF/1969 Brasileiros maiores de 35 anos com
notório saber jurídico e reputação
ilibada (art. 95)
Escolha e nomeação pelo Presidente
da República (art. 95)
CF/1988 Integrantes da carreira do MPU
maiores de 35 anos. (art. 128, § 1º)
Escolha e nomeação pelo Presidente
da República após aprovação do
Senado por voto secreto (art. 52, III)
Fonte: Elaborado pelos autores
A CF/1988 trouxe importantes alterações no processo de escolha do PGR, delimitando-
a aos membros da carreira do Ministério Público da União mediante aprovação do Senado
Federal, por votação secreta. O novo mecanismo além de retomar a importância do Senado –
agora com maior liberdade individual dos parlamentares em razão do voto secreto – fortaleceu
o caráter técnico e institucional, uma vez que os próprios membros do Ministério Público
elaboram a lista tríplice que orientará a escolha presidencial.
Importante destacar que a Constituição apenas determina que o Procurador-Geral seja
escolhido entre os membros da carreira com mais de 35 anos, sem fazer qualquer menção à
participação dos procuradores nesse processo. Consolidou-se, no entanto, a regra
consuetudinária de que a cada novo processo de escolha os membros do Ministério Público
Federal elaboram, mediante votação, uma lista com três nomes, a qual é encaminhada à
apreciação do chefe do executivo. Mesmo a lista não vinculando a escolha presidencial, desde
2003 o indicado com maior número de votos tem sido o escolhido pelo Presidente da
República.21
21 Tramita no Senado Federal a PEC nº 43/2013, de autoria do Senador Cássio Cunha Lima, que altera o § 1º do
art. 128 da Constituição Federal e tem o objetivo de positivar esse mecanismo de escolha, visando trazer maior
segurança jurídica com relação a esse processo que atualmente não possui qualquer previsão legal. Lembramos,
no entanto, que para a escolha do Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados o procedimento de listas já foi
positivado pelo art. 128, § 3º da CF/88.
727
Os avanços da Constituição de 1988 nesse tema não se restringiram à nova
processualística de escolha do PGR. De forma inédita previu o constituinte que as ações de
controle concentrado de constitucionalidade deveriam ter maior participação de setores
estratégicos da sociedade, estabelecendo assim um rol exaustivo de participantes no art. 103 da
Carta Cidadã:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do
Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
No tópico seguinte restringiremos nossa análise às Ações Diretas de
Inconstitucionalidades (ADI), apontando os principais aspectos político-jurídicos e o espectro
de abrangência de cada um dos legitimados constitucionais, buscando compreender seus
respectivos limites e perspectivas.
Aspectos político-jurídicos dos legitimados do art. 103 CF/88: limites e perspectivas de
participação no processo de interpretação constitucional
As ações diretas de inconstitucionalidade são tratadas pela Constituição de 1988 no art.
102, I, “a”; matéria que foi regulamentada pela Lei nº 9.868/99. Já no texto original da CF/88
foi estabelecido o rol de legitimados a propor as ações de controle, o qual foi alterado pela
Emenda Constitucional nº 45/2004 apenas para corrigir a redação dos incisos IV e V, visando
sanar a dúvida que pairava sobre a legitimidade do Governador e Câmara Legislativa do Distrito
Federal. Materialmente o rol jamais foi modificado, contudo a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal vêm dando interpretação restritiva ao art. 103, CF.
728
Exemplo disso é a divisão dos legitimados em universais e interessados. Para o STF, em
se tratando das mesas das assembleias legislativas, dos governadores de estado e das
confederações ou entidades de classe, deve haver uma “pertinência temática” entre o objeto da
ação e a entidade que a propõe. Cumpre destacar que a Constituição não faz qualquer menção
a essa necessidade, a qual justifica-se unicamente por questões de política judiciária. Dessa
forma, diz-se que os legitimados a propor ADI dividem-se em dois grupos:
Quadro 2: Divisão dos Legitimados em Universais e Interessados
Legitimados Universais (ou neutros) Legitimados Interessados (ou especiais)
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no
Congresso Nacional;
IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da
Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V o Governador de Estado ou do Distrito
Federal;
IX - confederação sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional.
As ações podem tratar de qualquer tema e não
possuem limitação de objeto
Somente ações cujo tema e objeto possuam
pertinência temática com o legitimado
Fonte: Elaborado pelos autores.
A divisão criada pela jurisprudência do STF foi tratada pelo Parágrafo Único do Art. 2º
da Lei nº 9868/99, que previu a necessidade de pertinência temática; in verbis:
Art. 2o Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade:
(...)
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Parágrafo único. As entidades referidas no inciso IX, inclusive as federações sindicais
de âmbito nacional, deverão demonstrar que a pretensão por elas deduzida tem
pertinência direta com os seus objetivos institucionais." (BRASIL, 1999)
Essa previsão, no entanto, foi vetada pelo Presidente da República, de forma que não
ingressou no ordenamento jurídico. Assim, ainda que compreensíveis as razões que
fundamentam o entendimento do STF, parece-nos forçoso reconhecer que a Corte criou um
filtro temático sem qualquer previsão legal, usurpando função própria do Poder Legislativo e
restringindo indevidamente o acesso a esse valioso instrumento de interpretação constitucional.
729
Superada essa divisão, passamos a análise dos quantitativos de ações diretas de
inconstitucionalidades ingressadas no STF desde 1989 até o dia 04 de dezembro de 2012.22
Quadro 3: Quantitativo de ADI’s por legitimado
Legitimado Quantidade Observação
Presidente da República 11 (01)
Mesa do Senado Federal 1
Mesa da Câmara dos Deputados 2
Mesa de Assembleia Legislativa ou Câmara Legislativa DF 52 (02)
Governador de Estado ou Distrito Federal 1121
Procurador-Geral da República 984 (03)
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil 259
Partido político com representação no Congresso Nacional 963 (04)
Confederação Sindical ou entidade de classe nacional 1743 (05)
Total 5136
FONTE: Elaborado pelos autores.
(01) Não foram incluídas 05 (cinco) ações subscritas pelo Advogado-Geral da União, uma vez
que se pacificou o entendimento de que a legitimidade do Presidente da República é restrita.
(02) O total inclui tanto as ações subscritas pelas Mesas Diretoras quanto pelas próprias
Assembleias Legislativas dos Estados.
(03) O total inclui 05 (cinco) as ações subscritas pela “Procuradoria-Geral da República”, não
sendo possível verificar a admissibilidade das mesmas pelo STF.
(04) Não foram incluídas as ADI’s subscritas por diretórios municipais e estaduais dos referidos
partidos políticos.
(05) Esse total não é representativo apenas das confederações e entidades legitimadas, umas
vez que nesse grupo se inclui um extensivo rol de associações, federações, pessoas jurídicas e
até mesmo físicas que já ingressaram com ADI’s no Supremo Tribunal Federal.
O rol de legitimados a propor ações diretas de inconstitucionalidade é fruto de uma
escolha política do constituinte originário, de onde pode-se extrair quatro critérios de escolha:
a) critério federativo: os legitimados dos incisos I, II, e III são representantes políticos da União,
enquanto os dos incisos IV e V representam a administração e a população dos Estados e
22 O quadro foi elaborado com base no relatório emitido pelo STF no dia 04/12/2016. Cumpre observar que os
dados disponíveis no site encontram-se organizados de forma diferente, uma vez que um mesmo legitimado
aparece diversas vezes em diferentes grupos de ações propostas. Nesta compilação foram totalizadas o número de
ações por legitimado, independente do nome que a titulariza no relatório do STF. Relatório do STF disponível em:
<(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=adi)> Acesso em 30/06/2017
730
Distrito Federal23; b) critério técnico: refere-se aos legitimados do incisos VI e VII, umas vez
que se tratam de atores diretamente relacionados ao conhecimento técnico de matérias jurídicas,
ainda que com funções sociais diversas; c) critério político-partidário: os partidos políticos
(inciso VIII) também foram legitimados a propor as ações de controle, o que visou fortalecer
ainda mais o papel destes na reforma democrática de 1988; d) critério pluralista: presente no
inciso IX, o qual mostra-se como o mais amplo e democrático instrumento de acesso às ações
de controle.
Os três primeiros legitimados citados pelo art. 103 são diretamente envolvidos no
processo de reforma das normas federais. Tanto as Casas Legislativas (e seus membros) quanto
o Presidente da República possuem legitimidade para dar início ao processo de inovação da
ordem jurídica, cabendo às primeiras sua condução e ao segundo sua sanção. Em razão disso,
o volume de participação destes legitimados no processo de controle de constitucionalidade é
mínimo, uma vez que tais poderes já dispõe de outras alternativas que podem ser empregadas
no curso do processo.24
Outra razão que explica a baixa participação das Mesas do Senado e da Câmara são as
divergências político-ideológicas entre seus membros. Como se sabe, as Mesas devem
representar, tanto quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias
ou dos blocos parlamentares com representação na respectiva Casa. Isso praticamente
inviabiliza a existência de um consenso em relação a qual tema deva ou não ser levado ao STF.
Ademais, por ser a arena decisória por excelência, parece incoerente que mesmo após o longo
processo legislativo, passando, inclusive, por comissões que analisam a constitucionalidade do
projeto, que tais atores busquem a declaração de inconstitucionalidade junto ao Poder
Judiciário. Esse papel, como se verá, na maioria das vezes acaba por ser desempenhado pelos
partidos políticos.
Os legitimados dos incisos IV (Mesas das Assembleias Legislativas) e V (Governadores
de Estados), como já se apontou, representam o interesse dos Estados-Membros a que
23 Como é cediço o federalismo no Brasil é de três níveis (União, Estados e municípios). Contudo, é firme a
jurisprudência do STF que este terceiro ente político não é legitimado a propor ações diretas de
inconstitucionalidade. Nesse sentido: “(...) os municípios não figuram no rol de entidades legitimadas para a
propositura de ação direta de inconstitucionalidade perante esta Corte previsto nos arts. 103 da Constituição e 2º
da Lei 9.868/99. [ADI 4.654, rel. min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, j. 28-11-2011, DJE de 2-12-2011.]
24 Exemplo desses instrumentos são, no caso do Presidente da República, o veto total ou parcial no projeto de lei;
já nas Casas Legislativas as opções são inúmeras, indo desde as barganhas políticas até as possibilidades de
obstruções de pauta, que por vezes impedem a continuidade das votações.
731
pertencem. Ambos têm sua atuação circunscrita ao filtro da pertinência temática, portanto
podem arguir a inconstitucionalidade de leis federais e estaduais, desde que comprovem que o
objeto da norma tenha relevância para a administração do estado, no caso dos governadores ou
para a casa legislativa, no caso das assembleias. Os números demonstram que pouquíssimas
foram as ADI’s iniciadas pelas Mesas das Assembleias Legislativas entre 1989 e 2016. Isso
pode ser explicado tanto em razão das divergências ideológicas entre os membros das mesas,
quanto pela maior facilidade do instrumento ser usado pelo Governador do Estado.25
Já os governadores de estado fazem amplo uso das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade. Foram 1121 ADI’s propostas entre 1989 e 2016, o que faz deste o
segundo legitimado que mais usa do referido instrumento processual. Uma das razões que
levam ao alto número de ADI’s propostas por governadores é a chamada “guerra fiscal”,
especialmente após a jurisprudência do STF ter consolidado o entendimento de que a lei
contestada pode ter sido sancionado em outro estado-membro. Dessa forma, eventual norma
editada num Estado “X” que venha a criar óbices às finanças de um Estado “Y” poderá ter sua
inconstitucionalidade arguida por este perante a Corte Máxima.26
Cumpre observar, ainda, que a opção do constituinte foi clara ao tornar legitimado a
pessoa do Governador de Estado ou Distrito Federal. Assim, não pode figurar no polo ativo da
ação o Estado (ente político), tampouco o vice-governador ou os assessores jurídicos diretos,
como Procurador-Geral de Justiça ou Advogado-Geral do Estado. A legitimidade, conforme se
apontou anteriormente, tem o escopo de possibilitar aos governadores uma atuação mais efetiva
na defesa dos interesses de seu Estado e sua administração, uma vez que estes não possuem
participação ativa no processo legislativo federal nem no dos demais estados.
O Procurador-Geral da República (PGR), como já demonstrado, é o mais tradicional
dos legitimados a propor as ações de controle de constitucionalidade. Esse fato tem relação com
o papel histórico exercido pelo Ministério Público de “fiscal da lei”, que no contexto ora tratado
não diz respeito à fiscalização do cumprimento da lei, mas sim de sua compatibilidade com a
Constituição. Por ser um legitimado universal o PGR pode propor ações contra quaisquer leis
25 A Assembleia que mais vezes ingressou com ADI’s no STF foi a de Pernambuco, com 08 ações, seguida de Rio
de Janeiro e Espírito Santo com 06 e Paraná com 05 ações. 26 Nesse sentido, o STF admitiu que o Governador de Goiás ingressasse com ADI contra lei que proibia a
comercialização de amianto - sancionada pelo Governador de São Paulo. A pertinência temática decorria do fato
daquele Estado possuir as maiores reservas do referido minério. (ADI 2.656, rel. min. Maurício Corrêa,
julgamento em 8-5-2003, Plenário, DJ de 1º-8-2003.)
732
federais e estaduais, independente da matéria tratada. Esse amplo espectro de abrangência
explica as quase 1000 ações propostas entre 1989 e 2016.
Mesmo quando não atua como proponente da ADI o Procurador-Geral da República é
participante obrigatório do processo, uma vez que emite parecer opinativo sobre a
constitucionalidade na norma atacada. A amplitude de competências do PGR faz deste um dos
mais relevantes atores do processo jurídico no país, o que impõe a necessidade de uma escolha
que não seja puramente técnica tampouco puramente política. O método da lista tríplice,
empregado nos últimos anos, tem reforçado o caráter técnico e classista da escolha, reduzindo
consideravelmente a discricionariedade do Presidente da República.
Da mesma forma que o PGR, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil é
um legitimado universal, adotado pelo constituinte em razão de sua importância política na
defesa da ordem democrática e das instituições, mas sobretudo pelo caráter técnico da
instituição. Mesmo sendo uma representação classista a atuação da OAB supera as restrições
da pertinência temática, considerando-se válidas todas as ações impetradas pelo Conselhos
Federal em face de normas federais e estaduais.
Os partidos políticos, por sua vez, trazem à tona a importância do debate democrático e
ideológico mesmo nas ações de controle de constitucionalidade, cuja tendência é pautar-se pela
técnica jurídica. Não são todos os partidos que possuem legitimidade para ingressar com ADI’s
junto ao Supremo, mas somente aqueles com representação no Congresso Nacional27. Para
ingressar com a ação o partido deve estar representado pelo seu Diretório Nacional, ainda que
a norma atacada tenha repercussão restrita a determinado estado ou município.28 Essa restrição
imposta pelo STF não possui previsão na Constituição, no entanto mostra-se coerente com o
caráter nacional que os partidos devem possuir para obter registro.29
Os partidos, ao contrário das Mesas da Câmara, do Senado e das Assembleias
Legislativas, não possuem grandes divergências de interesses na sua composição, uma vez que
os respectivos estatutos já norteiam a linha político-ideológica em que o mesmo se insere. Desse
forma, ter-se-ia nos partidos (ao menos em tese) a principal representatividade dos ideais
27 Para ter representação no Congresso Nacional o partido deve possuir ao menos 01 (um) deputado federal ou
senador. Essa aferição deve se dar no momento em que a ação é proposta, independe de perda superveniente. Nesse
sentido: [ADI 2.618 AgR-AgR, rel. min. Gilmar Mendes, j. 12-8-2004, P, DJ de 31-3-2006.] 28 [ADI 1.528 QO, rel. min. Ellen Gracie, j. 24-5-2000, P, DJ de 23-8-2002.] 29 Além disso, a restrição da legitimidade aos diretórios nacionais mitiga as divergências entre bancadas de
diferentes estados que compõe um mesmo partido, obrigando as agremiações a buscarem um consenso interno
mínimo antes de ingressar com uma ADI na Corte Constitucional.
733
democráticos – os quais foram legitimados a levar até a Corte Suprema eventuais derrotas
sofridas nas arenas políticas.
O partido que mais vezes ingressou com ADI’s no STF foi o Partido dos Trabalhadores
(PT), com 143 ações, seguido do Partido Democrático Trabalhista (PDT) com 140 e do Partido
Social Liberal (PSL) com 89 ações.30 Há inúmeras discussões possíveis nas ADI’s impetradas
por partidos, tais como: se as teses apresentadas se coadunam com o perfil ideológico da
agremiação; se o fato de compor ou não a base do governo influencia no uso desse instrumento;
e até mesmo se é possível traçar uma relação entre a representatividade do partido no Congresso
e como patrono das referidas ações. Por obvio não temos a pretensão de destrinchar todos esses
questionamentos nesse artigo, mas, por hora, apenas de reiterar a importância da legitimidade
atribuída aos partidos políticos nas ações de controle de constitucionalidade.
O último legitimado previsto pela Constituição foram as confederações sindicais e as
entidades de classe de âmbito nacional. Por certo trata-se do mais plural dos legitimados,
possibilitando-se que organizações destituídas de poder político busquem junto ao STF a
declaração de inconstitucionalidade de lei. A noção geral que paira sobre este último inciso do
artigo 103 é a da “generalização e profusão das vias de participação dos cidadãos nos
provimentos estatais”, numa leitura bastante próxima do que Peter Häberle chamou de
“sociedade aberta de intérpretes da Constituição” Essa amplitude, conforme já apontamos, foi
consideravelmente restringida pela necessidade de demonstração da pertinência temática entre
o objeto da ação e os interesses da categoria representada. Em razão disso, a atuação das
confederações e entidade de classe restou bastante voltada aos interesses econômicos dos
representados.
No Quadro 4, após pesquisa com base no relatório emitido pelo setor de estatística do
STF, destacamos as dez entidades de classe mais representativas, ou seja, as que mais vezes
ingressaram com ações contestando a constitucionalidade de leis junto ao STF. É bastante
expressiva a participação de entidades representativas de servidores públicos - especialmente
de carreiras jurídicas e policiais – com número bastante superior às demais.31 Complementam
o quadro duas grandes confederações patronais, a do comércio (CNC) e da indústria (CNI),
30 Na sequência estão: PSDB – 69 ações; PC do B – 59 ações; DEM 56 ações; PSB – 41 ações; Solidariedade e
PHS – 30 ações (etc) 31 Das 10 entidades citadas apenas 02 não representam servidores públicos da área jurídico-policial, a CNC e a
CNI.
734
cujas atuações voltam-se preponderantemente à construção de ambientes favoráveis às pessoas
jurídicas que representam, e, apenas reflexamente, aos trabalhadores dos respectivos setores.
Quadro 4: Entidades de classe mais representativas junto ao STF
Legitimado Sigla Quantidade
Associação dos Magistrados Brasileiros AMB 132
Confederação Nacional do Comércio de bens, serviços e
turismo
CNC 106
Confederação Nacional da Indústria CNI 79
Associação Nacional dos Delegados de Polícia do Brasil ADEPOL 66
Confederação dos Servidores Públicos do Brasil CSPB 63
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público CONAMP 50
Associação dos Notários e Registradores do Brasil ANOREG 49
Associação Nacional dos Procuradores do Estado ANAPE 41
Associação Nacional dos Magistrados Estaduais ANAMAGES 36
Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis COBRAPOL 33
FONTE: Elaborado pelos autores
A jurisprudência do STF sobre quais organizações enquadram-se como “entidades de
classes” é vasta, destacando-se entre as posições já firmadas pela Corte que: a) os conselhos de
fiscalização profissional não possuem legitimidade, dada sua natureza jurídica de autarquias
especiais32; b) as centrais sindicais também não possuem legitimidade, umas vez que
representam interesses gerais de trabalhadores e não de uma categoria específica33; c) para se
considerar de “âmbito nacional” a entidade deve possuir representação em pelo menos 09
estados da federação34; d) a União Nacional dos Estudantes (UNE) não possui legitimidade
ativa para ingressar com ações de controle de constitucionalidade, pois apesar de sua
importância na história política do pais, não representa categoria profissional, conforme
restringiu o constituinte35; etc.
Há duas possíveis razões para as entidades representativas do meio jurídico terem maior
participação que as demais nas ações de controle. A primeira diz respeito a generalidade e
amplitude de suas funções. O Poder judiciário, a Defensoria pública e o Ministério Público
32 [ADPF 264 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 18-12-2014, P, DJE de 25-2-2015.] Não custa lembrar que essa regra
não se aplica à OAB, que além de ser diretamente citada como legitimada pelo Art. 103, VII, CF/88, é, segundo
entendimento do STF, uma entidade “sui generis” haja vista seu relevante papel na defesa da ordem democrática
e dos direitos fundamentais. 33 [ADI 4.224 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 1º-8-2011, P, DJE de 8-9-2011.] 34 [ADI 3.617 AgR, rel. min. Cezar Peluso, j. 25-5-2011, P, DJE de 1º-7-2011.] 35 (ADI 894-MC, rel. min. Néri da Silveira, julgamento em 18-11-1993, Plenário, DJ de 20-4-1995.)
735
possuem capítulos específicos no texto constitucional, o que imputa aos seus membros uma
série de funções e prerrogativas que não podem ser contrariadas pelas normas inferiores. Ou
seja, enquanto a imensa maioria das categorias profissionais tem seus regramentos jurídicos
estabelecidos por leis ordinárias, no caso de magistrados, promotores e defensores públicos o
regramento parte do próprio texto constitucional, o que redunda em menor campo de atuação
do legislador ordinário.
A segunda hipótese tem relação com o “know how” que estas organizações possuem
nos seus quadros. Por estarem diretamente ligadas ao métier jurídico é comum que haja um
maior acompanhamento das matérias legislativas em andamento e, consequentemente, maiores
as possibilidades de serem encontradas divergências entre as novas normas sancionadas e a
constituição. Ademais, o quadro retrata um pensamento remoto mas ainda presente de que “o
direito é para juristas”, criando-se uma espécie de “elite intelectual” entre os detentores de
conhecimento técnico e os demais profissionais.
CONCLUSÕES
Por muito tempo os chamados “operadores do direito” atuaram quase que com
exclusividade na interpretação e conformação do texto constitucional, o que reduzia
substancialmente a participação de setores externos ao meio jurídico nesse processo. Com a
consolidação do constitucionalismo como fundamento moral da ordem jurídica e democrática
essa limitação passou a ser percebida negativamente, apontando-se um déficit de legitimidade
na atuação do Poder Judiciário.
A Constituição de 1988 não apenas consolidou a transição democrática no Brasil como
preocupou-se em positivar regras que ampliassem efetivamente o papel dos cidadãos na tomada
de decisão dos assuntos do Estado. No campo político essa mudança se deu através da
participação popular nas decisões do mérito administrativo - como nos conselhos e consultas
públicas. Já no campo jurídico a pluralização do debate encontrou maiores resistências,
especialmente em razão do tradicional insulamento técnico-burocrático próprio do meio.
As modernas compreensões sobre democracia e cidadania, no entanto, vêm
consolidando uma maior participação popular em assunto outrora restritos ao meio jurídico, o
que fortalece a tese segundo a qual “todo aquele que vive uma constituição é seu autentico
intérprete”. No artigo verificou-se como esse processo de transição se deu em relação aos
legitimados a proporem as Ações Diretas de Inconstitucionalidade – que passou de uma
736
legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República para um amplo rol orientado por
critérios federalistas, técnico-jurídicos, político-partidários e pluralistas.
Demonstra-se que o instrumento processual da ADI é de grande valia, tanto para fins de
conformação das normas à melhor interpretação da constituição, quanto para expurgar do
sistema jurídico aquelas que lhe contrariem. Assim, a análise do quantitativo de ADI’s
propostas por cada legitimado é um objeto de estudo válido para verificar-se o grau de
amadurecimento da democracia brasileira.
No mérito, identifica-se que, com exceção dos governadores de estado, os legitimados
políticos fazem pouco uso do instrumento processual; o que pode ser explicado tanto pela sua
participação ativa no processo de inovação da ordem jurídica, quanto por eventuais
divergências político-ideológicas nas Mesas Legislativas. Os representantes técnicos, OAB e
PGR, possuem atuação constante propondo inconstitucionalidade de leis, havendo ou não
relação com as respectivas categorias profissionais.
Os partidos políticos também fazem uso constante do instrumento processual, com
destaque numérico para aqueles que não sofreram fusões nas últimas décadas (PT e PDT).
Conforme apontado, a atuação dos partidos não fica limitada ao filtro da pertinência temática,
o que possibilita que a Corte Constitucional torne-se uma nova arena de discussões ideológicas,
desde que fundamentadas sob o prisma jurídico.
Por fim as confederações sindicais e entidades de classes configuram o mais alto grau
de pluralismo entre os legitimados. A jurisprudência do STF vem se caracterizando bastante
restritiva para tais entidades, estabelecendo além do filtro temático, requisitos que por vezes
exclui determinadas organizações classistas do processo de controle constitucional. A análise
das dez entidades com maior número de proposições demonstra que ainda há um claro
protagonismo de associações de servidores públicos do meio jurídico e policial. Noutra via,
grande organizações patronais também marcam presença com consideráveis números de ADI’s
propostas.
Os avanços oriundos da Constituição Cidadã são inegáveis quando se busca evoluir de
uma sociedade “fechada” para “aberta” de intérpretes constitucionais. A ampliação do rol de
legitimados a propor ações de controle concentrado é exemplo disso, na medida em que abre
espaço para atores que não atuam diretamente no meio jurídico, mas que dispõe de informações
e visões de mundo que podem colaborar decisivamente na decisão da Corte Constitucional.
REFERÊNCIAS
737
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738
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739
A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO AS DEMANDAS DE SAÚDE MENTAL:
UMA EXPERIÊNCIA A PARTIR DO CAPS-AD DE SÃO BORJA/RS36
Alessandra kraetzig Fraga Carvalho37
Renan Mendonça Alves38
Jocenir de Oliveira Silva39
RESUMO: O artigo é resultado da experiência pratico-teórica no Projeto de Extensão Saúde
Mental: Rodas de conversa no CAPS AD de São Borja/RS; está cadastrado na plataforma
SIPEE com o nº 08.030.17 vinculado a Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA, Campus
São Borja-RS. O artigo tem por objetivo abordar a intersetorialidade das políticas públicas com
a Política Nacional de Saúde Mental a partir da experiência no serviço CAPS-AD, com intensão
de apreensão dos limites e possibilidades do trabalho em rede, a fim de enfatizar a
intersetorialidade como subsídio teórico-prático para o fomento e potencialização do
atendimento integral a comunidade local. Leva-se em consideração Política Nacional de
Assistência Social-PNAS, a Politica Nacional de Saúde Mental-PNSM e o Sistema Único de
Saúde-SUS. O Projeto fomenta e atua em ações que materializam a articulação do tripé da
Educação Superior: ensino, pesquisa e extensão; com isso o trabalho tomara três eixos
relevantes para a materialização do objetivo geral: a rede como principio estruturante dos
equipamentos e atendimentos aos usuários; os desafios e as possibilidades da materialização de
um atendimento intersetorial e integral; E a contribuição do Serviço Social dentro do CAPS-
AD a partir do Projeto de Extensão com suas ações. O trabalho é fundamentado em fontes
bibliográficas, adotando o método dialético crítico que tem como categorias centrais a
totalidade, a historicidade e a contradição, para analise intervenção e da elaboração teórica
apresentada nesse trabalho. A relevância desse material é no que tange a sistematização da
integralidade a partir dos atendimentos das demandas; com isso o artigo propõe a reflexão sobre
intersetoralidade para a promoção e garantia de direitos dos usuários da política de saúde
mental. E concomitantemente a este o de ser subsídio teórico-prático de ações, programas e
projetos de ensino, extensão e pesquisa.
36Trabalho vinculado a Pró-reitora de Extensão-PROFEXT pelo Projeto de Extensão Saúde Mental: Rodas de
conversa no CAPS- AD de São Borja/RS, da Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA, Campus São Borja
/RS; está cadastrado na Plataforma SIPPE nº 08.030.17. 37) Acadêmica do 6º semestre do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa, Campus São
Borja/RS. E-mail: [email protected] 38) Bolsista do Projeto de Extensão Formação e Assessoria em Políticas Sociais no município de São Borja/RS;
Acadêmico do 6º semestre do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa, Campus São Borja/RS.
E-mail: [email protected] 39) Professor Adjunto da Universidade Federal do Pampa/UNIPAMPA, Mestre e Doutor em Serviço Social, pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS, Coordenador do Projeto de Extensão Saúde
Mental: Rodas de conversa no CAPS-AD de São Borja/RS. E-mail: [email protected]
740
Palavras-Chaves: Políticas Públicas, Integralidade, Intersetorialidade, Saúde Mental, Centro
De Atenção Psicossocial-AD.
INTRODUÇÃO
O trabalho versa a partir da década de 1970, período da constituição sociohistórica do
movimento social que ficou conhecido por Reforma Sanitária, devido sua relevância para a
criação do serviço universal na área da saúde. Nesse sentido o trabalho contextualiza a análise
do movimento pelas Conferencias Nacionais de Saúde que mobilizaram as estancias político
administrativas do Brasil, o que deu origem ao Sistema Único de Saúde-SUS pela Lei nº 8.080,
de 19 de setembro de 1990. Essa introdução está alinhada ao conjunto que se segue nesse
período dos movimentos de redemocratização, como o movimento em prol da Reforma
Psiquiátrica Amarante (1994) pela extinção do modelo hospitalocentrico e manicomial Bisneto
(2007), para a implantação Política Nacional de Saúde Mental-PNSM promovida pelo
movimento social de luta antimanicomial, que defende os modelos de equipamentos públicos
como: os Centros de Atenção Psicossocial-CAPS ; e mais recentemente o modelo de
Residências Terapêuticas (SILVEIRA; JUNIOR 2011) que premia o convívio social, auto
gestionário, na aversão ao modelo segregador e excludente que se vigorava anteriormente no
Brasil. Nessa linha Paiva; Teixeira (2014), situam a discussão a partir das:
[...] narrativas em torno da reforma sanitária brasileira localizam, como regra, a
origem do movimento no contexto da segunda metade dos anos 1970, período que
coincide com a criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976;
e, três anos depois, a criação da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde
Coletiva (Abrasco) (Escorel, 1999; Rodriguez Neto, 1997; Paim, 2008). No entanto,
o processo de formação de atores e instituições identificados com mudanças radicais
no sistema de saúde então vigente também relaciona-se com um conjunto de aspectos
que vão do desenvolvimento dos cursos de medicina preventiva a partir da década de
1950 ao fortalecimento de uma visão contrária ao regime autoritário que via, na sua
derrocada, a única forma de construção de um sistema de saúde eficiente e
democrático. (PAIVA; TEIXERA 2014, p.21)
Considerando os mais de 25 anos do marco constitucional, em que o Brasil passou pelo
processo redemocratização e promulgação da Constituição Federal em 1988, destaca-se a
relevante criação do Sistema Único de Saúde - SUS pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de
1990 que unificou a saúde previdenciária e a saúde pública, garantindo mesmo apenas que
741
formalmente a universalização do direito a saúde a população brasileira (MENDES 2013); a
partir da Constituição Federal de 1988, foi criada a Seguridade Social composta do tripé
Previdência Social, Saúde e Assistência Social que visa proteger através do acesso aos bens e
serviços pelo sistema de proteção social, “a instituição da cidadania sanitária pelo SUS
incorporou, imediatamente, mais de cinquenta milhões de brasileiros como portadores de
direitos à saúde e fez desaparecer, definitivamente, a figura odiosa do indigente sanitário”
afirma (MENDES 2013);
O presente trabalho enfatiza a intersetorialidade40 das políticas públicas como: Política
Nacional de Saúde Mental - PNSM , Sistema Único De Saúde-SUS, Política Nacional de
Assistência Social-PNAS, Politicas Nacional Educação-PNE, Política Nacional de Habitação-
PNH dentre outras, pois parte do conceito ampliado de saúde defendido no Relatório da 8ª
Conferência Nacional de Saúde realizado no ano de 1986, conforme citação:
[...] Em um sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de
alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, e acesso a serviços de saúde. É
assim resultado das formas de organização social da produção, as quais podem
garantir grandes desigualdades nos níveis de vida (BRASIL 1986, p.04).
A partir conceito ampliado de saúde, não como apenas ausência de doença, mas uma
resultante de um conjunto de acesso a bens e a serviços, que garantem as condições básicas para
a vida humana é que se articula no presente trabalho, a vivencia junto ao Projeto de Extensão
Rodas de Conversa CAPS-AD no município de São Borja/RS; no intuito de apreender os limites
e possibilidades do trabalho em rede (TÜRCK 2001) a fim de promover o atendimento integral
a comunidade local.
A partir dos princípios do Sistema Único de Saúde-SUS (BRASIL 1988) o trabalho
valoriza a rede de proteção social, como princípio estruturante dos equipamentos
(UBS,ESF,Hospital-HIG,NASF,CAPS,CRAS,CREAS...) no atendimentos aos usuários; a
partir das demandas institucionais se desvela o conjunto de mediações, que as expressões da
questão social apresentam. No processo de conhecimento, a investigação da realidade aparente
é que se consegue apreender para intervir, na expressão da questão social na perspectiva de
40) A intersetorialidade para Junqueira (2004, p. 4, 9) constitui uma concepção que deve informar uma nova maneira
de planejar, executar e controlar a prestação de serviços, de forma a garantir um acesso igual dos desiguais. Isso
significa alterar toda a forma de articulação dos diversos segmentos da organização governamental e dos seus
interesses. (Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 25-36, jan./abr. 2004)
742
totalidade, historicidade e da contradição as particularidades das demandas desvelas Kosik
(1976).
O artigo apresenta os desafios e as possibilidades da materialização de um atendimento
interdisciplinar, intersetorial e integral, que com base na Constituição Federal 1988 é um direito
de todos e dever do Estado, atender as demandas sociais como afirma o Artigo 194, que:
[...] a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde,
à previdência e à assistência social. (BRASIL 1988, p 40).
Concomitantemente ao conceito de seguridade social, o artigo apresenta a defesa e a
promoção do modelo Centros de Atenção Psicossocial- CAPS, na perspectiva da garantia e
ampliação dos mesmos. Entendendo que os equipamentos, somados as equipes que trabalham
na perspectiva de transformação do modelo manicomial, para modelo de atenção psicossocial
junto à comunidade de origem, promove o fortalecimentos dos vínculos com a comunidade
local, no intuito de construir uma cultura que defenda, promova intransigentemente os direitos
dos usuários da Política Nacional de Saúde Mental-PNSM. Pelo processo de conhecimento o
documento apresenta a contribuição do Serviço Social dentro do Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e Drogas – CAPS-AD, a partir do Projeto de Extensão Rodas de Conversa
no CAPS AD no município de São Borja/RS, que se evidencia o potencial das ações
desenvolvidas nas interações junto a população usuária.
METODOLOGIA
A partir das Rodas de Conversa no CAPS-AD são desenvolvidos temas, onde são
trabalhados diversos assuntos que estão diretamente ou não, vinculados ao uso abusivo de
álcool e outras drogas. Nessa relações analisa-se e se proporciona espaços de reflexão quanto
aos vínculos familiares e comunitários, e o significado que representa para o usuário/as, no que
se relaciona a rede de proteção. Dentre outras temáticas retomasse o significado social do
trabalho como expressão primeira de sociabilidade, entre outras temáticas construídas a partir
da realidade e das necessidades e apontamentos que o grupo de usuários, propôs a equipe
executiva do projeto. A opção por essa posição horizontalizada na construção do saber coletivo
e popular deu-se a partir Freire (1983, p.15) que defende não a extensão, mas a comunicação
como ele afirma:
743
[...] Ao contrário, educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que
sabem que pouco sabem – por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a
saber mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem,
para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem,
possam igualmente saber mais.
Durante os encontros semanais é valorizada a perspectiva das expressões, como
elementos constitutivos de suas identidades, como sujeito de direitos, a partir de suas histórias
de vida. Objetiva-se estimular o fortalecimento da identidade dos sujeitos pelo movimento de
tomada de consciência pela reflexão quanto aos efeitos das substâncias psicoativas; Oportuniza-
se a (re)leitura da realidade enquanto usuário da política pública, a partir de uma metodologia
pedagógica, a fim de diminuir os índices de desistência do atendimento. Pela dialogia e
construção do vínculo dos extencionistas do Serviço Social com os usuários do CAPS-AD de
São Borja/RS é que se potencializa a instrumentalidade investigativa e interventiva junto a
questão social, como no exemplo do quadro 1:
No quadro 1: Metodologia de trabalho
Fonte: autor
744
No quadro é explicitado apreensão da questão social, revelando sua relação intrínseca
com a estrutura e a superestrutura, que se articulam no circuito do capital. Nesse contexto pode-
se verificar o impacto dos processos sociais, nos processos particulares que se interpenetram na
vida do sujeito, que é a unidade dialética.
Nesse sentido o movimento de sucessivas aproximações com a demanda, desvela-se na
vida dos usuários, isto é, na subjetividade afetiva dos sujeitos históricos; os rebatimentos dos
processos sócias, que o mesmo vivenciou ao longo dos processos particulares, e que se
interpenetraram na sua subjetividade, como um conjunto de determinações históricas, que o
constituíram como ser social.
O projeto conta com uma equipe técnica composta 01 Docente, 02 Bolsistas
remunerados e 02Monitores Voluntários e encontra-se em desenvolvimento desde maio do ano
de 2017; no formato de Rodas de Conversas é que se desenvolvem as atividades, junto aos
usuários do Centro Atenção Psicossocial Álcool e Drogas-CAPS AD no município de São
Borja/RS. Apreendido que está é a forma de atendimento as demandas dos usuários que estão
com vínculos familiares e comunitários fragilizados ou rompidos, pelo uso abusivo de álcool e
outras drogas.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Ao que se refere à intersetorialidade, isto é, o diálogo entre as diferentes Politicas
Publicas como a Política Nacional de Saúde, Política Nacional de Assistência Social,
Previdência Social, entre outras como a Política Nacional de Educação, Política de Segurança
Alimentar, venefica-se certa dificuldade dessa articulação entre os diferentes equipamentos,
serviço e políticas, o que facilitaria o acolhimento das demandas numa perspectiva da
totalidade. Essa desarticulação intersetorial, somada à outra limitação da rede, que se revela um
desafio/limite para a intervenção profissional, para Koga (2003, p. 223) afirma que:
[...] há de se constatar o domínio da política econômica sobre a política social, porque
o tratamento subalterno dado às políticas no Brasil tem resultado na crescente
mercantilização dos serviços tido como básicos à população, quais sejam, os do
campo da saúde, da educação ou da habitação, levando a crer num processo de
desresponsabilização do Estado.
745
Os impactos da desresponsabilização do Estado tem seus rebatimentos na
operacionalização das políticas sociais, o que sistematicamente agrava a precarização dos
serviços prestados. As intervenções resumem-se a encaminhamentos fragmentados, pontuais,
devido a política dos mínimos residuais.
O artigo como produto teórico-prático, orienta-se pelo modelo integrado de
atendimento psicossocial CAPS; o quadro de fragmentação dos processos institucionais devido
a concepção equivocada da equipe de trabalho, quanto ao referencial da Política Nacional de
Saúde Mental-PNSM revela a fragilização da política pública devido a matriz de gestão
tradicional. A partir do Serviço Social, pensar o sistema de proteção social é refletir sobre a
rede, como afirma Türck (2001):
[...] Em uma sociedade contemporânea e individualista faz-se necessário pensar em
REDE, como articulação de forma ampliada, no entendimento das relações sociais no
contexto social, político e econômico. Pois percebemos REDE como algo vivencial.
É no vivencial a realidade, visualizando a possibilidade de sermos flexíveis,
dinâmicos, etc, no movimento a possibilidade de sermos flexíveis, dinâmicos, etc, no
movimento das relações sociais, nas mais diversas áreas, ocupadas pelo ser humano,
instituição e organização (TÜRCK 2001, p. 25)
Essa fragmentação é a forma inversa à normativa da integralidade do serviço que prevê
a articulação entre os demais setores da Política de Saúde. No caso de São Borja/RS, isto é,
quando se fala em rede de atendimento os serviços como Clinicas, CAPS, ESFs e demais
instituições implicadas bem como com os familiares, verifica-se a fragmentação do
acolhimento, na discussão dos casos e na elaboração de estratégias para enfretamento e
resolução das demandas, a partir da Política de Saúde Mental. A relevância da integralidade no
atendimento as demandas de saúde foi evidenciada:
[...] No ano de 2010, foi realizada a IV Conferência Nacional de Saúde Mental. O
tema gerador desta Conferência foi exatamente a discussão sobre a necessidade de
ações intersetoriais, para a efetividade do atendimento da Política de Saúde Mental,
em conjunto com as outras políticas sociais, sociedade civil, trabalhadores, usuários e
familiares (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2010).
Nesse sentido o profissional trabalha muito mais na perspectiva das contradições, do
que das possibilidades, verificado as condicionantes institucionais e da compreensão da equipe
quanto ao papel social daquele serviço público. Devido a autonomia relativa, busca-se
746
desenvolver oficinas, trabalhos, no intuito de promover a efetivação dos diretos dos usuários e
a reflexão de que modelo de serviço se querer construir.
CONCLUSÕES
Este trabalho objetiva a reflexão sobre a relevância da intersetoralidade para o exercício
profissional, e quanto ao potencial da temática para os resultados do trabalho desenvolvido
dentro das políticas públicas, mais especificamente a partir do Projeto de Extensão Rodas de
Conversa CAPS-AD no município de São Borja/RS, que desenvolve a Política Nacional de
Saúde Mental nos equipamentos públicos. O trabalho a nível de formação, representou a
aproximação pratica teórica com a área, o que oportuniza a politização das discussões, frente a
análise de estrutura e conjuntura a respeito do modelo de gestão das políticas sociais que o
Estado se vincula no atual cenário.
A partir do conceito de rede Türck (2001), pode-se verificar um desafio quanto a
potencialidade dessa intervenção na realidade; o que subsidia ao discentes e pesquisadores
interessados a aprofundar as diversas configurações pode tomar, a partir da matriz econômica
ao qual o estado se vincula. Nesse sentido o presente trabalho encaminha quanto a integralidade
a necessidade de mostrar que as políticas se comunicam de forma restrita, mas que há
possibilidade de uma nova interação, que supera os limites até então postos. O processo de
construção de uma rede forte, que contemple a intersetorialidade, integralidade é processual,
inacabado e em constante transformação.
O processo formativo insere o discente numa dinâmica transversal, que abrange a
totalidade humana. Com isso quer se oportunizar a reflexão quanto a dimensão ética-política,
potencializa no discente o aporte teórico metodológico casado com o técnico-operativo. Esse
movimento não tem como finalidade formatar, mas desvendar dinamismo da realidade.
Segundo Martinelli (2006, p.14):
[...] Somos profissionais cuja prática está direcionada para fazer enfrentamentos
críticos da realidade, portanto precisamos de uma sólida base de conhecimentos,
aliada a uma direção política consistente que nos possibilite desvendar
adequadamente as tramas conjunturais, as forças sociais em presença. É neste espaço
de interação entre estrutura, conjuntura e cotidiano que nossa prática se realiza. É na
vida cotidiana das pessoas com as quais trabalhamos que as determinações
conjunturais se expressam. Portanto, assim como precisamos saber ler conjunturas,
precisamos saber ler também o cotidiano, pois é aí que a história se faz, aí é que nossa
prática se realiza.
747
Essa leitura se deu ou não durante processo, com o movimento da realidade que instiga
à análise dialética, no intuito de promover uma crítica propositiva a questão social. O que nesse
trabalho se evidencia pela materialização da vivencia junto aos usuários e junto as profissionais
do serviço.
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749
ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL E SUA
INSTITUCIONALIZAÇÃO
Sandro da Silva41
Angela Quintanilha Gomes42
Davide Carbonai43
RESUMO: O presente trabalho pretende elucidar como o governo brasileiro a partir de 2003,
após o fracasso das políticas neoliberais dos anos 1990, retomou a capacidade do enfrentamento
das desigualdades sociais implementando políticas focalizadas e criando novas
institucionalidades. Analisaremos com base nos documentos da Secretaria Nacional de
Economia Solidária o caso da política pública de economia solidária implementada pelo
governo federal brasileiro, que configura uma nova institucionalidade dentro de uma moldura
de política distributiva. Utilizaremos a análise de conteúdo para examinar as características e
objetivos atribuídos a política pública foi possível verificar a existência de traços de outras
molduras e que a nova institucionalidade derivou do poder de interferência construído pelo
movimento, sendo uma política inovadora no que diz respeito ao processo decisório que
delibera suas diretrizes e sua capacidade de articulação.
Palavras-Chave: economia solidária; política pública; governo.
INTRODUÇÃO
As mudanças impostas pelo processo de globalização econômica remetem ao pensar a
sociedade em definições globais. A globalização nada mais é que a conjunção de forças
econômicas, políticas e ideológicas visando a ampliação econômica, isto significa construir
uma hegemonia política global, que inclusive tem a capacidade de ser um agente influente na
41 Mestrando no Programa de Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas pela Universidade Federal do
Pampa – UNIPAMPA – Campus São Borja. E-mail: [email protected] 42 Doutora em Ciência Política. Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA – Campus
São Borja. E-mail:[email protected] 43 Doutor em Sociologia Econômica (Università di Teramo). Professor na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected]
750
definição de políticas públicas que serão implementadas pelos Estados nacionais (BONETI,
2011).
Este processo tem sua origem nos países desenvolvidos, que no pós-guerra com
aplicação do conjunto de ideias keynesianas, atingiram elevados índices de produção e consumo
em um contexto de pleno emprego. No entanto, a partir da década de 1970, com a crise do dólar
e a diminuição das taxas de lucro, a situação se altera. Segundo Singer (1998), os lucros e os
ganhos de produtividade eram pressionados pelos salários elevados, conquistados através da
mobilização ao longo do tempo da classe operária. A resposta dos grandes industriais foi o
deslocamento das linhas de produção para periferia que, detinha uma mão de obra barata em
relação aos países desenvolvidos.
Os países da periferia não se encontravam no mesmo patamar dos países desenvolvidos,
logicamente não portavam a mesma capacidade e competitividade no mercado internacional e
foram pressionados a aplicar as medidas neoliberais que contêm como diretrizes, a retração das
funções do Estado e a adoção de tecnologia no âmago do setor produtivo. Como efeitos deste
processo observa-se a flexibilização dos processos de trabalho e o encolhimento dos postos de
trabalho estrutural. Nos países periféricos, incluindo o Brasil, que atenuaram as desigualdades
sociais.
No campo das políticas públicas conforme Souza (2006), que aponta a existência de
uma reorientação das ações dos governos com relação aos gastos sociais, além das restrições
de gastos, existe também uma diminuição da capacidade de intervenção do Estado. As políticas
públicas que até então tinham um caráter universal, passam a ser focalizadas, sem que nenhum
governo tenha conseguido encontrar uma fórmula para superar os problemas sociais presentes
na América Latina.
É neste contexto que surgem movimentos sociais que questionam os efeitos causados
pela globalização e as políticas neoliberais, além de atuarem no processo de redemocratização.
Os movimentos sociais surgidos a partir da década de 1970 rompem com o paradigma clássico
dos movimentos sociais, que tinham como proposta a ruptura da ordem societária vigente. Para
Gohn (1997), os novos movimentos sociais têm como prerrogativas reivindicarem através de
pautas específicas (questão da terra, meio ambiente e geração de trabalho e renda), e na medida
em que existem pautas comuns assumem um caráter de transversalidade interagindo com outros
atores coletivos, ampliando sua força de reivindicação e capacidade de intervenção na realidade.
751
Os movimentos sociais latino-americanos rompem com a velha esquerda e seus
movimentos de libertação nacional, passando a ter seus projetos dentro da sociedade e não para
sociedade. Não necessariamente almejam chegar ao poder estatal, porém lutam pela melhoria
na qualidade de vida de grupos em vulnerabilidade social pautando transformações dentro da
institucionalidade do Estado, como indica Bezerra (2014).
A economia solidária conforme Sanchez (2014), “re-surge” no cenário da
redemocratização, no momento de fortalecimento dos movimentos sociais e se consolidam
enquanto resistência ao neoliberalismo. A criação de empreendimentos coletivos e
autogestionários configuram-se na reação dos trabalhadores a exclusão causada pelo receituário
neoliberal, dos postos de trabalho formal nos anos 1980. Outro fator determinante segundo
autor é o contexto político de rearticulação da sociedade civil e a emergência de novos atores
na arena política, após mais de vinte anos sob governos autoritários, que restringiram direitos
políticos e ausência de democracia.
O desgastado governo militar em virtude de suas medidas econômicas que levaram o
país a uma crise sem precedentes, chega ao final na segunda metade da década de 1980. Com
o movimento pelas “diretas já”, a realização da eleição presidencial mesmo que de forma
indireta em 1985 e a instalação da assembleia nacional constituinte, que culminou com a
constituição de 1988, trouxeram novamente as perspectivas democráticas ao Brasil. A retomada
da democracia significou, a lenta e gradual ampliação da participação da sociedade civil, bem
como a criação de instituições sejam elas, de organização dos trabalhadores ou espaços públicos
para proporcionar a inserção de atores na formulação de políticas públicas ( Locks , 2014).
Ainda que a nova constituição contenha em seu conteúdo perspectivas no âmbito dos
direitos sociais, na atuação do Estado frente aos problemas sociais, o que se viu foi a instalação
da agenda neoliberal nos governos brasileiros, nos anos 1990. O que significou diminuição da
ação governamental no que se refere a políticas sociais. O enfoque das políticas aplicadas no
Brasil visaram à estabilização econômica e a inserção do país no contexto globalizado. Os
efeitos das políticas aplicadas resultaram em um aumento expressivo do desemprego e das
desigualdades sociais como fica perceptível nos indicadores sociais do período.
Figura 1- Indicadores sociais dos anos 1990.
752
Fonte: LOKS, 2014.
É possível notar através da figura exposta o aumento progressivo do desemprego e da
informalidade no país, ainda que se tratando da pobreza e da indigência os dados demonstrem
uma redução. Durante a década de 1990, estes temas eram recorrentes na agenda pública de
debates, sem que se tenha de fato aplicado medidas visando à solução dos problemas em
evidência. De acordo com Loks (2014), atribui-se aos governos de Itamar Franco e Fernando
Henrique Cardoso, o acanhamento quanto à elaboração de políticas sociais, período que
compreende os anos de 1992 a 2002, que é marcado pela ausência de programas de impacto
que fizessem frente aos problemas enfrentados. Explicam Nagem; Silva (2013), que a medida
adotada no período, enquanto tentativa de solução para estancar o desemprego, consistiu na
criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) tendo em vista um Sistema Público de
Emprego com suas ações centradas no tripé seguro-desemprego, qualificação profissional e
intermediação de mão de obra, o que não foi capaz de conter o avanço dos índices.
Neste sentido ressalta Arretche (2002) apud Nagem; Silva (2013), que o processo de
redemocratização trouxe consigo não apenas as eleições diretas, mas também uma
transformação institucional no que tange a implementação de políticas públicas que passaram
a ser aplicadas de forma descentralizada por entes federados subnacionais que receberam tal
atribuição conforme a carta magna de 1988.
Conforme Gohn (2004), a década de 1990 no Brasil é marcada pelo enfraquecimento da
capacidade dos movimentos sociais realizarem pressão demandando políticas sociais. Mas isto
não quer dizer que desaparecem do cenário político, mas sim que se rearticulam e que outros
atores ganham força.
Com advento do novo milênio e o fracasso da solução imposta aos países em
desenvolvimento, líderes políticos latino-americanos que se colocaram em postura crítica ao
neoliberalismo e seus efeitos durante a década de 1990, chegam ao poder. E como reações
visam construir projetos alternativos ao vigente, na busca de retomar as soberanias nacionais e
753
construir um modelo de desenvolvimento que enfatize as especificidades de cada território e
população.
Com chegada de Luiz Inácio Lula da Silva a chefia da do Estado brasileiro, representa
uma mudança da agenda pública brasileira. Porém a mudança de agenda não representa uma
ruptura completa com os governos que o antecederam e com as mudanças nas capacidades de
intervenção na realidade através do Estado, que teve sua capacidade reduzida pela adoção das
políticas neoliberais. Dito isto, cabe refletir de que maneira um governo que elegeu-se opondo-
se a agenda pública anterior considerada a causadora da atenuação dos problemas sociais, vai
implementar estratégias que consigam imprimir de fato mudanças na realidade social e
combater as desigualdades.
A estratégia política implementada teve como base a manutenção da política
macroeconômica do governo anterior e a solução encontrada foi a implementação de políticas
focalizadas e distributivas, e é isto que caracteriza a não ruptura total com modelo anterior.
Para Borges (2010), a melhor estratégia é a implementação de políticas públicas, ou
seja, uma combinação do tipo clientelista com as políticas distributivas, através de critérios
político-partidários o que garantiria uma eficiência eleitoral e ao mesmo tempo atender a
demandas de uma clientela especifica. Ainda considerando que o ciclo político-eleitoral exerça
papel decisivo à formulação e implementação de políticas públicas, a busca pela maximização
de votos não é o único fator determinante, pressões eleitorais e grupos sociais também podem
influenciar as decisões.
O caso da política pública de economia solidária, que se enquadra neste tipo de política,
e que apenas foi institucionalizada conforme Novaes (2008) por pressão do movimento de
economia solidária. A seguir apresentar-se-á um panorama da política pública de economia
solidária implementada no Brasil.
Mais de trinta anos passaram-se do ressurgimento da economia solidária no Brasil e de
ter-se tornado uma alternativa para o enfrentamento da crise do emprego estrutural,
principalmente na década de 1990, quando ganha destaque. A notoriedade atingida ao longo do
tempo, fez com que em 2003, com a mudança ocorrida na chefia do Estado brasileiro, a questão
do trabalho tenha sido interpretada pelo ponto vista do novo governo, fazendo com o problema
tenha ganhado o “status” de problema público e, nesta perspectiva, a economia solidária foi
incluída na agenda de políticas públicas.
754
A pouco se apresentou a existência de pressão do movimento de economia solidária
articulada pelo FBES (Fórum Brasileiro de Economia Solidária) que, em sua terceira edição,
aponta para criação de um mecanismo que trate de uma política pública nacional de fomento
economia solidária. Toda a articulação traduziu-se em uma carta construída durante o II Fórum
Social Mundial que aconteceu na cidade de Porto Alegre no ano de 2002 e foi destinada ao
recém-eleito (Lula) chefe do Estado brasileiro, reivindicando a criação de um espaço
institucional a nível nacional que se constituísse como produtor das ações governamentais
voltadas à economia solidária. Diante disto o governo cria o espaço institucional, que se trata
da SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidária), sendo este o marco da
institucionalização da economia solidária no Brasil.
A SENAES é criada para suprir a demanda que foi gerada durante os anos 1990, com
desenvolvimento dos empreendimentos autogestionários, que com desemprego em alta os
trabalhadores encontravam na economia solidária uma forma de garantir sua sobrevivência.
Outros fatores de relevância são a informalidade que tem como causa a flexibilização do mundo
trabalho, o desemprego em alta e as dificuldades existentes à formalização dos
empreendimentos solidários. Nesta década o movimento de economia solidária consolida sua
articulação iniciada ainda nos anos 1980 e ganha espaço na ação do poder público, como
podemos observar na figura abaixo.
755
Figura 2 - Panorama geral do movimento de Economia Solidária no Brasil.
Fonte: Loks, 2014.
A secretaria foi criada no segundo semestre de 2003, o desenvolvimento de suas
atividades inicialmente buscou fortalecer a economia solidária no país e sua consolidação
institucional, por meio de sua integração com a sociedade civil e com as instituições
governamentais de todas as esferas. Outra estratégia utilizada refere-se ao reconhecimento da
economia solidária como um vetor de um novo modelo de desenvolvimento, orientado para o
crescimento econômico sob outra lógica de organização do trabalho.
A consolidação institucional deu-se através do Programa Economia Solidária em
Desenvolvimento, que foi adicionado nos Planos Plurianuais de 2004 – 2007 e 2008 – 2011.
Este fato permitiu atender as demandas e as prioridades estabelecidas, destaca-se a realização
de atividades formativas para gestores e servidores das mais distintas áreas do governo, no
mesmo sentido a atividade foi realizada de forma descentralizada nos estados subnacionais para
estimular a institucionalização em outras esferas de governo e disto acabou surgindo como
efeito a Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária. Outro aspecto
importante para consolidação se ancora na diretriz da existência da necessidade da criação de
um marco que, adequadamente, reconheça as formas organizativas da economia solidária. No
mesmo sentido foram estabelecidos canais de diálogo, para proporcionar o controle social das
ações desenvolvidas e garantir a ampla participação da sociedade civil e suas organizações. Os
756
canais criados compreendem a I Conferência Nacional de Economia Solidária (2006) e o
Conselho Nacional de Economia Solidária.
A decisão política de institucionalizar a economia solidária traduziu-se pelo Decreto nº
4.764, de 24 de junho de 2003, que criou a SENAES e a submeteu a estrutura organizacional
do Ministério do Trabalho e Emprego.
Segundo Alcântara (2005), ainda que existisse consenso dentro do movimento de
economia solidária em relação à criação de um espaço institucional que tratasse da economia
solidária, o mesmo consenso não se verificou quanto à alocação do espaço dentro do MTE.
O Ministério do Trabalho e Emprego historicamente deteve suas ações a resoluções de
questões referentes ao trabalho assalariado. A economia solidária é claramente o
estabelecimento de uma segunda linha de atuação, dentro de um espaço que não tem
estreitamento algum com esta outra lógica de organização do trabalho.
A verificação da existência de duas linhas distintas de atuação política não é de
exclusividade das políticas públicas direcionadas aos aspectos que englobam o mundo do
trabalho. A agricultura é o outro caso em questão, só que diferentemente da economia solidária,
a política para agricultura conta com dois ministérios, o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento voltado ao agronegócio e Ministério do Desenvolvimento Agrário que direciona
suas políticas para agricultura familiar. Além de ser uma linha de atuação nova, o fato de ser
incorporada dentro de uma estrutura existente, trouxe dificuldades para a consolidação da nova
política pública.
Mesmo diante das difuldades de consolidar-se e da impossibilidade de elaborar diversos
programas em decorrência dos processos de negociação internos e das resistências encaradas
dentro do MTE e do próprio governo, o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento foi
a alternativa possível para executar a política. A partir de 2004, com orçamento próprio mesmo
diante de dificuldades para a execução da política, pautaram a atuação da secretaria. Existia um
conjunto de ações definidas em conjunto com as instâncias do Fórum Brasileiro de Economia
Solidária (FBES), entre as ações estão a realização de um mapeamento nacional da economia
solidária e apoio ao processo de comercialização dos produtos dos empreendimentos, a segunda
estratégia diz respeito ao acolhimento de novas demandas.
Existiu necessidade de realizar adequações no programa para torná-lo compreensível
para os setores de planejamento e controle. Esta necessidade deriva da dificuldade das ações da
secretaria serem mensuradas e de alimentarem os sistemas de informação do governo, fatos que
757
comprometeram a aprovação de seus orçamentos em virtude de não conseguir produzir
informações.
Em 2006, na I Conferência Nacional de Economia Solidária a política de economia
solidária tem suas ações avaliadas em um espaço de participação e deliberação de seus rumos.
Mesmo com a existência de dificuldades para execução da política, ressaltaram-se os avanços
e a reafirmação das diretrizes para políticas construídas socialmente com os atores que
compõem o movimento.
O acúmulo da experiência inicial da secretaria juntamente com os dados da economia
solidária no Brasil advindos do primeiro mapeamento nacional, proporcionou a realização de
um novo planejamento para o Plano Plurianual (PPA) 2008-2011, alicerçado pela participação
popular, traduzidas nas resoluções da conferência nacional. Deste novo planejamento
desdobraram-se quatro grandes eixos de atuação para o programa, que pretendem atender as
necessidades do campo da economia solidária.
O primeiro eixo é composto pelas ações: I) formação de formadores/as, educadores/as
e gestores/as públicos/as para atuação em economia solidária; II) fomento e assistência técnica
aos empreendimentos da economia solidária e redes de cooperação; III) fomento a incubadora
de economia solidária; IV) recuperação de empresas por trabalhadores organizados em
autogestão. Neste eixo as ações visam propiciar aos empreendimentos da economia solidária
acesso ao conhecimento para seu desenvolvimento.
A organização nacional da comercialização dos produtos e serviços dos
empreendimentos econômicos solidários é o objetivo do segundo eixo.
O fomento as finanças solidárias com base em bancos comunitários e fundos solidários
consistem no objeto de ação do terceiro eixo, que visa o financiamento e o acesso ao crédito
aos empreendimentos.
No quarto eixo as diretrizes são orientadas para ações transversais com intuito de
auxiliar a institucionalização da economia solidária nas demais esferas de governo e consolidar
a política pública, para tanto se realizou: I) cadastro de empreendimentos e entidades de apoio
para manutenção e ampliação do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária
(SIES), originado a partir do primeiro mapeamento realizado pela secretaria; II) implantação
de centros públicos; III) estimular a institucionalização da economia solidária e promover o
desenvolvimento local.
758
Além dos quatro eixos de atuação, estabeleceram-se metas para o programa no PPA
2008 – 2011. A primeira meta é a ampliação do número de trabalhadores associados de
1.250.000 para 2.100.000, a segunda pretende reduzir o número de trabalhadores que ganham
abaixo de um salário mínimo e a ampliação da participação da economia solidária no PIB de
0,59% para 1%, ressalta-se que as metas foram à forma encontrada para mensurar a contribuição
da economia solidária para inclusão social e a redução das desigualdades.
Entre os anos de 2003 e 2010, a SNAES apoiou 435 projetos da economia solidária
diretamente ou indiretamente, através de parcerias. Diretamente foram 146 projetos, o restante
contou com apoio da Fundação Banco do Brasil (FBB) que contribuiu com 175 projetos, da
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do Banco do Nordeste (BNB) que apoiou 50
projetos. Com relação aos valores investidos, totalizam R$ 206. 278.341, 41 deste montante, a
Secretaria Nacional de Economia Solidária, arcou com 63% do total de recursos investidos e
com 33% dos projetos apoiados diretamente no período. A seguir podemos observar como se
distribuem os projetos apoiados por regiões.
Tabela 1 – Distribuição dos projetos por regiões
Fonte: dados da SENAES – SOLTEC/UFRJ, 2011.
As políticas públicas de economia no Brasil são caracterizadas como políticas públicas
distributivas, no conteúdo descrito encontram-se traços de outros tipos de políticas públicas,
que dizem respeito às finalidades das políticas com lógicas de enfrentamento aos problemas
sociais, as características presentes no caso apresentado são de políticas emancipatórias e de
políticas estruturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
759
A institucionalização da economia solidária é uma inovação no que tange a políticas de
geração de trabalho e renda e de fomentar uma forma organizacional alternativa de produção.
O novo governo que assumiu o comando do Estado brasileiro em 2003 manteve a política
macroeconômica ortodoxa, porém conseguiu retomar a capacidade interventiva do Estado
brasileiro, e escolheu como tema central de sua atuação combater a pobreza, com estabilidade
econômica e geração de trabalho e renda, através de políticas focalizadas a clientelas
específicas.
A política pública de economia solidária, além de democratizar o processo decisório ao
deliberar suas diretrizes em conjunto com os movimentos sociais demonstrou uma capacidade
de inserir suas políticas de forma transversal ampliando o leque de atuação. Nesta perspectiva,
ao menos 21 ministérios executam políticas públicas voltadas à promoção da economia
solidária, o que rompeu com a característica presente em outros espaços governamentais de
implementar políticas de maneira segmentada e desconectadas. Isto rompeu também com um
traço do sistema político brasileiro que, para a garantir a governabilidade, forma coalizões que
têm visões diferentes no que se refere a políticas públicas.
Ainda que o projeto do movimento de economia solidária preconize uma transformação
social profunda, através de um modelo de desenvolvimento baseado na propriedade coletiva e
na autogestão, sua institucionalização pode representar para o governo uma oportunidade de
tutelar o movimento, neutralizando-o e dando outro sentido para sua luta.
Mesmo que a compreensão de quem chefia a SENAES, aproxime-se da do movimento
e diante do que foi descrito no texto, para outros setores do próprio governo, a política em
evidência pode não passar de um amortizador de um conflito social ou um instrumento de
inclusão transitório até que se alcance o emprego estrutural novamente. E talvez seja a razão
para que a política de economia solidária não tenha alcançado à agenda com um ministério
próprio, sendo alocada no MTE como uma segunda linha de atuação para geração de trabalho
e renda.
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761
PROCESSO REFLEXIVO EM SAÚDE MENTAL: A ABORDAGEM COLETIVA NO
ATENDIMENTO AOS USUÁRIOS QUE FREQUENTAM O CAPS AD III NO
MUNICÍPIO DE SÃO BORJA RS44
Jocenir de Oliveira Silva
Adriane Guedes M. Eidelwein
Fernanda Nólibos
Ana Paula Da Rosa
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo trazer algumas reflexões sobre as atividades
realizadas pelo projeto de extensão Rodas de conversa no CAPS Ad III de São Borja,
problematizando o uso abusivo de álcool e drogas. Com viés crítico e construtivo é pensando
para contribuição dos processos de reflexão em prol da ampliação e fortalecimento das
potencialidades dos Usuários do serviço de saúde. Por meio de pesquisa qualitativa de cunho
bibliográfica e proporções da inserção com a prática no projeto de extensão; onde foi realizada
análise de conteúdo a luz do método dialético crítico. Para proporciona os resultados
vivenciados na prática do projeto de extensão. Dando ênfase a importância da Reforma
Sanitária, e da Reforma psiquiátrica estas influenciaram para novas possibilidades de
atendimento em Saúde Mental. Este artigo ira trazer aspectos importantes sobre a existência da
instituição CAPS AD III. Assim como a importância do processo de trabalho do assistente
Social que contribui para a reflexão e resgate da autonomia dos Usuários. Aquele que se insere
no grupo é realizado a intervenção no coletivo obtendo historicidade de cada um dos Usuários,
respeitando suas decisões e interesse proporcionando informações aos leitores que se
interessam pelo tema Saúde Mental
Palavras-Chave: Saúde Mental; Reforma Psiquiátrica; Reforma Sanitária; CAPS AD III.
INTRODUÇÃO
Oobjeto do artigo e tecer considerações da importância da execução do projeto de
extensãoCAPSADIII(Centrodeatençãopsicossocialálcooledrogas)ao utilizar o
44Professor DrºJocenir de Oliveira Silva, coordenador do projeto de extensão Rodas de Conversas no CAPS AD
III,¹ Adriane Guedes Medeiros Eidelwein acadêmica do curso de Serviço social do 8º semestre, e bolsista PDA,
do projeto de extensão no CAPS ADIII,² Fernanda Nólibos acadêmica do curso de Serviço Social do 6º semestre,
e bolsista da PROEX, ³ Ana Paula da Rosa Assistente Social do CAPS ADIII, com especialização em Saúde da
Família(UFSC).
762
método dialético crítico que proporcionou apropriação da realidade existente no CAPS AD III.
Este estudo tem abordagem inicial sobre a importância da Reforma Sanitária, trazendo
discussões sobre o processo histórico no Brasil, para possibilitar o entendimento em Saúde.
Formando um conjunto de saberes que propicia o entendimento sobre o que resultou a Reforma
psiquiátrica. Essas discussões são para facilitar a compreensão sobre Saúde Mental. Para
contribuir aos estudiosos sobre o tema em Saúde Mental e também para os sujeitos que buscam
atendimento em saúde Mental. Destacando no decorrer do texto os fatores de um modelo
econômico neoliberal – reação teórica e política veemente contra o estado intervencionista e de
bem estar – estabelece o crescimento e desenvolvimento avassalador do capitalismo, causando,
desigualdades, nas relações sociais ocasionando desde fragilidades em vínculos afetivos até na
insegurança econômica. O artigo se propõe a demonstrar que oprojeto de extensão tem
contribuído para transformações pessoais dos Usuários que ali frequentam, dando ênfase na
importância de possibilita nova perspectivas as pessoas que fazem uso abusivo de álcool e
drogas. Compreendendo fatores das determinações sociais que modo de produção Capitalista
influencia nas transformações micro sociais e macro, alcançando o ângulo Universal. O artigo
trará resultados de como os processos reflexivos em Saúde mental contribuiu para
fortalecimento das potencialidades dos Usuários e como contribuiu para resgate a autonomia
assim como superação e Redução dos danos vivenciados em sua trajetória de vida o
atendimento o projeto de extensão ao trabalhar em Saúde Mental no CAPS AD III do município
de São Borja RS; visa contribuir para ser humano, desempenhando uma prática que contribua
de forma que a Universidade amplie seu trabalho para contribuir a comunidade São Borjense
que vai além dos muros da Universidade. Fundamenta-se em uma relação teórico prática que
propicia aos leitores uma compreensão da importância dessa instituição e como ela contribui
para aquele que necessita de um atendimento em Saúde Mental. Destacando a Lei da Reforma
Psiquiátrica (10.216/ 2001). O Objetivodesse estudo é em prol de contribuir para os leitores
os relatos e fatos vivenciados no projeto de extensão, Rodas de Conversa realizada no âmbito
do coletivo. Esse processo de estudo para possibilitar melhorias no atendimento em Saúde
Mental. No entanto se finaliza com uma análise de todo o processo de estudo, e resultando em
aspectos de contribuição para todo gênero humano, destacando a fundamentação teórica que
contribui para prática executada na roda de conversas.
METODOLOGIA
763
O trabalho foi realizado com pesquisa qualitativa de punho bibliográfico, a pesquisa
qualitativa objetiva trazer resultados que se relacionem com concreticidade dos fatos existente
no modo de vida dos seres humanos. A pesquisa qualitativa da significado, para elaborar o que
se deseja desvendar e para que isso ocorra o processo de conhecimento tem que ser sucessivos,
aprofundando, de questões relacionada no cotidiano de vida dos sujeitos. Destaca-se que: No
que se refere ás pesquisas qualitativas, é indispensável ter presente que, “muito mais do que
descrever um objeto, buscam conhecer trajetória de vida, (...), o que exige uma grande
disponibilidade do pesquisador e um interesse em vivenciar a experiência da pesquisa”
(MARTINELLI, 1999, p.25).
A opção pelo recorte bibliográfico torna-se relevante, pois contribui para o
aprendizado que possibilita busca por soluções para desenvolvimento do objeto pesquisado ou
do sujeito a ser dada visibilidade. Esse recorte de pesquisa vai dar a fundamentação para os
resultados da pesquisa qualitativa. Com a pesquisa bibliográfica proporcionou a leitura em
livros, Tese, Artigo, etc para fundamentar a pratica, articulando a teoria com a prática. Esse
estudoproporcionou um estudo aprofundado para contribuir na compreensão da realidade dos
Usuários do Caps ad III, (Centro de Atenção psicossocial álcool e Drogas) a partir dai iniciou
a execução do projeto de forma contributiva para realidade.
Esse artigo procura trazer aspectos de fundamental importância para atuação
profissional no qual realizadano CAPS AD III( Centro de atenção psicossocial álcool e drogas)
pela inserção do projeto de extensão no CAPS ADII coordenado pelo professor DrºJocenir De
Oliveira Silva, e com inserção das acadêmicas do serviço social e
bolsistasdoprojetoextensãovisamnasuaaçãoumaleitura crítica da realidade presente nas relações
sociais deve ser algo que abrange a totalidade das categorias profissionais.
O projeto de extensão Roda de conversas no CAPS AD III utilizaram na sua prática as
categorias do método que destaque-se no projeto e a historicidade, totalidade, e contradição,
nos proporciona aspectos contribuinte, pois na historicidade dos fatos que se desvenda a
essência dos fatores real da situação. A categoria historicidade, segundo Pontes (2002) não e
aprender o objeto dentro da dinâmica historia, mas busca a historicidade dentro do próprio
objeto, tornando-o desta forma como componente do processo histórico e não apenas como
resultado. Mas sim como desvendamento de fatores históricos que vivenciado nas relações
764
sociais, que contribuíram para os fenômenos presentes no processo de vida do sujeito
pesquisado. Também forma que se dá visibilidade na totalidade:
A categoria da totalidade justifica- se enquanto o homem não busca apenas uma
compreensão particular do real, mas pretende uma visão que seja capaz de conectar
dialeticamente um processo particular com outros processos e, enfim, coordená-lo
com uma síntese explicativa cada vez mais ampla (CURY, 1995, p. 27).
A totalidade abrange um olhar a realidade juntando a todo, oque realmente fatores de
uma sociedade em geral pode refletir ou contribuir para os acessos em uma instituição, ou até
mesmo na vida do ser humano que se encontra institucionalizado. E também nesses processos
de existência enquanto ser social muitas das vezes vamos nos deparar com situações
contraditórias, como fator que se contradiz com posições contraria que pode achar que saúde
só é necessária ser pensada quando se encontra em processo avançado de uma enfermidade sem
prevenção esse um dos exemplos que pode ocorrer em posicionamento de ideias contraria.
A contradição é destruidora, mas também criadora, já que se obriga a superação, pois
a contradição é intolerável. Os contrários em luta e movimento buscam a superação,
da contradição, superando- se a si próprios. Na superação, a solução da contradição
aparece enriquecida e reconquistada em nova unidade de nível superior. Cada coisa é
uma totalidade de movimentos e de momentos que se envolvem profundamente, e
cada uma contem os momentos e elementos provenientes de suas relações, de sua
gênese e de sua abertura (CURY, 1995, p. 30).
Pois somente por empenho coletivo possibilita-se a superação das contradições
presente nas relações sociais assim como enfrentar a contradição possibilita repensar as
estratégias para possíveismelhoria da qualidade de vida a todos os seres humanos, independente
de renda e idade todo cidadão deve ter direito a uma vida digna, essa discussão deve perpassar
discussões que podem emergir tanto no âmbito da família quanto da escola.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Ao gerar processo reflexivo em Saúde Mental, é importante destacar o período
histórico de como ocorreu a Reforma Sanitária esse aspecto histórico no Brasil. O
posicionamento de profissionais na área da Saúde em um período de efervescência da Ditadura
765
Militar, onde havia descaso no atendimento de Saúde. Grupos, Médicos e profissionais na área
de saúde reivindicaram com posicionamento político abrangendo discussões política para
possíveis melhorias e transformações a esse atendimento.
Considerando o Movimento sanitarista segundo Bisneto(2011), este, resultou no que
chamamos de Reforma Sanitária Brasileira. Segundo Bravo e Matos(2006) para existência da
Reforma Sanitária é importante a elaboração de proposta de fortalecimento do setor Público no
âmbito da saúde, o que ocorreu em 1986 a 8ª Conferencia Nacional de Saúde. Este processo foi
um marco histórico para trajetória da política Pública no Brasil. A temática discutida foi “Saúde
como Direito de cidadania” “Reformulação do sistema Nacional de Saúde.” Nesta
Conferenciaamadureceu a proposta de que a Reforma Sanitária fosse atribuída a Constituição
Federal. Segundo o Relatório da 8° conferencia de 1986, através de uma comissão organizadora
da Saúde, foi concluído o relatório final da 8° conferencia, apresentado para aprovação em
plenária era relato consolidado das discussões havidas durante três dias, nos 135 grupos de
trabalho com 38 delegados e 97 participantes foi deferido do eixo um sobre tema Saúde como
direito, em destaque numero 3 sobre Direito á Saúde significa a garantia, pelo Estado de
condições dignas e de acesso Universal e igualitário as ações e Serviços de promoção, proteção
e recuperação da Saúde. Em todos os seus níveis, a todos os habitantes noterritório Nacional,
levando ao desenvolvimento pleno do ser humano.
Como avanço democrático na área da Saúde expresso na Constituição Brasileira de
1988 houve a criação do Sistema Único de Saúde lei 8080/1990. Segundo a Constituição
Federal (1988) no art.196. A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e
acesso Universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Segundo Gallo, Nascimento (2011) o sistema nacional de saúde instituída pós 1964 seguiu um
modelo autoritário burocrático implantando em todo o pais. Tendo em vista que isso reflete na
forma de atuação na área da saúde na contemporaneidade.
O projeto de reforma sanitária ainda que tenha partido de intelectuais do setor, visa
atender principalmente as necessidades das classes subalternas, ao mesmo tempo em
que fere interesses de grandes empresas privadas e das multinacionais da área da
Saúde. Nesse sentido, a luta pela Reforma Sanitária se insere no quadro mais geral da
luta de classes do País. (GALLO, NASCIMENTO, apud TEIXEIRA,2011, p. 93).
766
Essa luta de classe em geral é ferida de uma ordem hegemônica daclasse burguesa,
onde os interesses dominante é voltado aesta classe, onde a classe menos favorecida é classe
trabalhadora. Mas importância da proposta da Reforma Sanitária é em prol de atender a Saúde
na Sociedade em geral.
Segundo GALLO (2011) podem-se destacar que o movimento Sanitário não se
restringe a que a proposta seja hegemônica para setor de Saúde. Destaca-se que a ampliação ao
direito a saúde, bem como o acesso, oportunizaram maior participação da população. Neste
sentido, as pessoas com sofrimento psiquiátrico, que historicamente não vinham sendo
atendidas em suas necessidades, passaram a reivindicar também. Resulta deste processo a
construção da chamada Reforma Psiquiátrica:
A importância da Reforma Psiquiátrica contribui para analogia de práticas
executadas na contemporaneidade gerando possíveis melhoras ao atendimento. Segundo
Bisneto(2011) O importante é que as instituições em eu há uma presença em alguma medida
do movimento de Reforma psiquiátrica, há algumas concepções psiquiátricas em que a ênfase
á dimensão social e política dos problemas mentais é respeitada, propiciando uma a
possibilidade de uma direção emancipadora. Para campo da saúde mental.
Segundo Vasconcelos (2006) a periodização da história e dos avanços da Reforma
psiquiátrica no Brasil teve início em 1978, envolta no período de regime ditatorial, o que
impossibilitou posicionamento político da sociedade. “Dentro desse [...] se destaca o
movimento trabalhadores de Saúde Mental, que inicia um forte processo de questionamento das
politicas de assistência psiquiátricas vigentes na época” (VASCONCELOS, 2006, p.23).
Essas mobilizações foram divididas por períodos (primeiro, segundo, terceiro, quarto
e quinto) primeiro período (1978- 1982 SP- MG) e (1978- 1980 RJ) com mobilização da
sociedade civil contra o Asilamento Genocida e “a Mercantilização da Loucura; das ações
integradas de Saúde” (VASCONCELOS,2006, p.23). Segundo Arbex (2013) em sua obra
Holocausto Brasileiro, no hospital Colônia em minas Gerais, os seres humanos eram tratados
como bichos sem vestimentas e condição de vida, vivendo em total precariedade, causando
piora em transtornos mentais pela própria estadia nesse asilamento. Destaca-se ocorrência de
denúncias e mobilizações pela humanização dos hospitais psiquiátricos tanto público como
privado, onde esses hospitais eram considerados e identificados como campos de concentração.
As reivindicações e denúncias por melhores condições de trabalho nos hospitais psiquiátrico
foram resistência para possíveis melhorias no atendimento. Vasconcelos (2006) destaca sobre
767
a importância da expansão de serviços ambulatoriais em saúde mental, apesar das mobilizações
não apresentarem como realmente deveriam ser organizados tais serviços, fica nítido a forma
desumana de atendimento.
No segundo período (1980 RJ e 1982 SP e MG – 1987) ocorre a “Expansão e
formalização do Modelo Sanitarista (ações integradas de Saúde e Sistema Único de Saúde)”
(VASCONCELOS, 2006, p.24) assim como a expansão da rede ambulatorial em saúde mental,
com equipes multiprofissionais de saúde mental, compostas basicamente por psiquiátricas,
psicólogos, assistentes sociais e, também por enfermeiros, terapeutas ocupacionais e
fonoaudiólogos. No terceiro período (1987-1992); segundo Vasconcelos (2006) destaque-se o
projeto de lei Paulo Delgado, propondo a extinção e a substituição gradativa dos serviços tipo
Manicômios. Já no quarto período (1992-1995) determina-se o “Avanço e Consolidação da
Perspectiva de Desinstitucionalização Psiquiátrica; Desospitalização Saneadora” e Implantação
da Rede de Serviços de Atenção Psicossocial” (VASCONCELOS, 2006, p.27). Segundo
Vasconcelos (2006)o quinto período (1995) demarca limites na expansão da Reforma no Plano
Federal tendo em vista as Politicas Neoliberais do Governo FHC, visando somente o
crescimento ao Capital, gerando acirramento do desemprego, miséria e violência social;
consolidação e difusão dos Serviços de atenção Psicossocial no plano municipal. Destaca-se
que:
Tendo em vista o conservadorismo do bloco do poder e a consolidação de uma política
neoliberal pelo governo FHC; principalmente após Saída do ministro da Saúde Adib
Jatene, tivemos plano Federal um verdadeiro bloqueio ás tentativas de avanço da
reforma através de novas portarias de Serviços e programas (tais como o programa de
apoio à desospitalização - PAD), e um relativo esvaziamento do papel de liderança
política da Coordenação de Saúde Mental, no Ministério da Saúde (VASCONCELOS,
2006, p. 29).
Segundo Vasconcelos (2006) o Plano Federal tinha interesses Neoliberais já
implantados na década de 1990, então tornava o modelo político voltado ao bloqueio á execução
de Serviços e programas no âmbito da Saúde Mental, principalmente na coordenação de
Instituições que trabalho no âmbito Saúde Mental e Ministério da Saúde. Já em 1999, com a
escolha da Dra. Ana Pitta, da USP, uma das lideranças nacionais do movimento (Pitta, 1996)
768
com cargo de direção, surgem avanços e conquistas recente como a legislação Federal, “sobre
se cooperativadas sociais, para inclusão no trabalho de indivíduos dependentes, e a portaria do
Ministério da Saúde sobre serviços residenciais terapêuticos” (VASCONCELOS, 2006, p.29).
Na coordenação de Ana Pitta ocorreram avanços aos direitos do Usuário, mas ainda com déficit
para realização de novos hospitais psiquiátricos e convencionais. O quadro econômico e social
influência no cotidiano da população, ao ter grande índice de desemprego, miséria, e demais
situações (expressões da questão social) causadas pelo modo de produção capitalista vigente no
Brasil, desgasta-se o modo de vida do ser humano, aumentando incidência de estresses,
ansiedades, fobias sociais assim como destaca Vasconcelos (2006), a própria dependência
química. Grandes desafios são colocados ao campo da Saúde Mental.
A saúde mental visa o bem estar social e cultural, relacionando ao serviço social e saúde
mental sabe-se a importância das conquistas e avanços existentes na trajetória histórica como a
Reforma Sanitária e Reforma Psiquiátrica. Segundo Bisneto (2011) o número de assistentes
sociais na área da Saúde Mental teve índice de aumento na década 1990, pois ao surgir
movimentos sanitários iniciado dos anos 1970, ocorre nesse movimento avanços democráticos
na área da Saúde expressos na Constituição Brasileira de 1988, com o surgimento do Sistema
Único da Saúde. “Este determina a universalidade da assistência à saúde como direito do
cidadão e dever do Estado, além da descentralização da organização do sistema de saúde.”
(BISNETO, 2011, p.38).
Segundo a Lei da Reforma Psiquiátrica10216/2001:45
Art. 1º Os direitos e proteção das pessoas acometidas de transtorno Mental, que trata
essa lei são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto a raça, cor, sexo,
orientação sexual, religião, opção política, Nacionalidade, idade, família, recursos
econômicos, e grau de gravidade, ou tem pode evolução ao seu transtorno, ou qualquer
outra.
Art. 2º Nos atendimentos em Saúde Mental, de qualquer Natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos e numerados
no paragrafo Único desse artigo, I- Ter acesso ao melhor tratamento do sistema de
Saúde, consentâneo as suas necessidades. (BRASIL, 2001, s/p).
45A trajetória histórica que no Brasil vivenciou direitos adquirido de forma tardia, comparando com outros Países
da América Latina refletiu na execução de uma cidadania invertida, onde os Direitos as políticas públicas são
reduzidos ao mínimo. Para acesso às políticas sociais é de suma importância, instituições similares ao CAPS,
“visto que privilegiam o apoio aos familiares, inclusive no concerne aos desafios sociais, culturais, econômicos
oriundos do trabalho com portadores de transtorno mental” (PEREIRA apud in ROSA, 2006, p.259).
769
A saúde é um dos processos importantes para fortalecimento das potencialidades do
ser humano. Para cada usuário que se insere ao atendimento na área da Saúde Mental é muito
importante que as equipes disponíveis obtenham qualificação profissional para atender as
necessidades e características que resultam na particularidade de cada usuário.
Pensar em novas perspectivas para as pessoas que fazem uso abusivo de álcool e
drogas é também pensar que é existente contradição na sociedade capitalista,
A contradição é destruidora, mas também criadora, já que se obriga a superação, pois
a contradição é intolerável. Os contrários em luta e movimento buscam a superação,
da contradição, superando- se a si próprios. Na superação, a solução da contradição
aparece enriquecida e reconquistada em nova unidade de nível superior. Cada coisa é
uma totalidade de movimentos e de momentos que se envolvem profundamente, e
cada uma contem os momentos e elementos provenientes de suas relações, de sua
gênese e de sua abertura (CURY, 1995, p. 30).
Sendo assim pensar em novas estratégias para superação da contradição é contribuir
aos usuários processos de reflexão, de como superar fatores existente nas suas relações sociais,
assim como fatores que determinara na sua vida, como problema não superado, assim como
sofrimento, desilusões. Levando em consideração quais seus objetivos, e desejos, desvendando
a realidade em prol de possíveis transformações sociais, tento no nível singular como no nível
universal. Através de saberes sobre o contexto social, utiliza- se técnicas fundamentada do
conhecimento teórico metodológico em prol de contribuir aos usuários novos conhecimentos,
que interligam nas suas vivencias, visto que muitos fatores são no coletivo da sociedade.
No cenário de uso abusivo de álcool e drogas oServiço Social executa sua prática na
perspectiva da Redução de Danos, Segundo Senad (2013) é também chamada de redução de
riscos, é um conjunto de medidas individuais e coletivas, “Sanitárias ou sociais cujo objetivo é
diminuir os malefícios ligados ao uso de drogas licitas ou ilícitas”. Possibilitando uma à
diminuição do Uso, para possíveis melhoras a Saúde. Dando ênfase à importância do centro de
Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD III) “realiza prioritariamente
acompanhamento de pessoas com sofrimento ou transtornos mentais graves e persistentes,
incluindo aquelas com necessidades decorrentes o uso de álcool.” (SENAD, 2013, p.248).
Destacando a perspectiva de Redução de Danos, Segundo Lancetti (2008) na conversa
em sua obra com Domiciano Siqueira:
770
“A sociedade quer agrupar as pessoas em drogado, Aidéticos, esses ou aqueles, porque
parece que fica mais fácil colocar cada um num grupo, cada um num canto, isso é
pretensareorganização social. “(LANCETTI, 2008,p.75). Domiciano in apud Lancetti(2008) à
partir da citação escrita por ele, trás a importância do projeto de Redução de Danos para superar
esse padrão exigido pela sociedade, ou seja, “ [...] que é a proposta dos projetos de Redução
danos também e principalmente é romper com isso.” “ Nos temos que agrupar as pessoas é que
de que desagrupar e ir ao encontro delas.( LANCTTI,2008,p,75). Esse fato é de suma
importância para intervenção profissional pensar primeiramente no ser humano, de contribuir
para as pessoas respeitando suas escolhas, partir do fator concreto da realidade do espaço onde
se intervém. Obter uma escuta sensível para compreender oque realmente ela expressa.
Respeitando que cada um é responsável por suas escolhas e decisões. “ Proposta Redução de
Danos, é viável por causa disso por ser possibilidade real de as pessoas fazerem sua própria
história.(LANCETTI, 2008,p.75).
A redução de Danos(RD) É uma Política e uma prática de Saúde pública definida
como uma série de procedimento destinados a atenuar as consequências adversas do
consumo de drogas. Como política, e frontalmente divergente da política
predominante de combate ás drogas, fundamentada na criminalização, com o objetivo
de eliminá – las. Como Prática de Saúde Pública, está em franca sintonia com todas
as experiênciasSanitárias que buscam a defesa da vida.(LANCETTI,2008,p.77).
Segundo Lancetti (2008) essa prática teve inicio nos anos de 1990 com a distribuição
de seringas entre Usuários de drogas injetáveis, preferencialmente cocaína e heroína.
Ao pensar em Redução de Danos aos Usuários que frequentam o CAPS AD III por
fazer uso abusivo de álcool e drogas é pensar em diminuir46 o uso abusivo, para o uso em menos
quantidade. Segundo os Usuários que frequentam o CAPS AD III,ao fazer o uso abusivo de
álcool relatam que ao tomar o primeiro gole é difícil determina o momento de parar. Quando
percebe- se esses fatores quepode levar ao consumo abusivo preferem a busca pela abstinência.
Segundo Senad (2013) a abstinência é o abandono do uso, procurando evitar, parar com o
consumo muitas das vezes os sujeitos procuram a abstinência, mas isso não elimina por
completo as possíveis recaídas. Mas em minoria após anos de atendimento no CAPS AD III,
46 A Redução de Danos está fundamentada numa idéia muito simples: minorar o efeito deletério do consumo de
Drogas. Todavia, quando observada a Práxis da RD, adentramos em terreno complexo: Por redutores de donos
param de usar drogas injetáveis numa porcentagem tão elevada (de 60 a 70% como mostra o capitulo procedente)
substituindo – as drogas mais leves( Lancetti,2008, p. 77).
771
tem relatos de experiências de pessoas que hoje consegue manter o controle do consumo,
usando a perspectiva de Redução de Danos.
Segundo Senad (2013) dando exemplo relacionados com a interação dos fatores
biológicos, psicológicos e sociais que dificultam a interrupção do uso, considerando a
historicidade de cada um, a suas subjetividades, “pensando nas pessoas que temproblemas com
o álcool e cocaína. Nesse caso, além das alterações do funcionamento cerebral.” O serviço
Social na sua prática profissional visa compreender as particularidades de cada um,
relacionando com a totalidade em geral o que reflete no cotidiano das pessoas. Para cada
Usuário atendido no CAPS ADIII, é gerado processos que intervém a partir da realidade de
cada um. Pensar em Redução de Danos é pensar na diminuição de riscos, assim como na
qualidade e bem estar na Saúde do ser humano. A do assistente social é de suma importância,
pois o profissional visa compreender fatores da sociedade, com olhar diferenciado, com
criticidade da forma aparente que se manifesta os fatos. Relacionando com o uso abusivo de
álcool o processo de intervenção vai além desse fato, ele busca pela essência em trabalhar a
demanda na sua essência, ou seja, o que levou a esse uso é isso que tem que ser trabalhado.
Destaca- se tambémque o CAPS ad III foi implantado no município de São Borja xxxx
em de outubro de 2013. Normatizado pela Portaria nº 130 de 26 de janeiro de 2002, a instituição
se caracteriza, conforme Art. 2º, como Ponto de Atenção do Componente da Atenção
Especializada da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) destinado a proporcionar a atenção
integral e contínua a pessoas com necessidades relacionadas ao consumo de álcool, crack e
outras drogas, com funcionamento nas 24 (vinte e quatro) horas do dia e em todos os dias da
semana, inclusive finais de semana e feriados. Possui 12 leitos de internação para
desintoxicação, por período de no máximo 14 dias.
A equipe é composta pelos seguintes profissionais: psicóloga (1), assistente social (1),
terapeuta ocupacional (2), enfermeiras (4), educadora física (1), médico clínico geral (1),
médica psiquiatra (1), técnicos de enfermagem (4), artesã (1), cozinheira (2) monitor (1),
serviços gerais (1), agente operacional (1). O CAPS ad III oferece modalidades de atendimento
intensivo: á usuários internados voluntariamente no regime 24hs por prazo de até 14 dias.
Modalidade de atendimentos semi-intensivo: o usuário frequenta a instituição três turnos por
semana, participam de grupos operativos, atendimentos multiprofissionais com orientação e
acompanhamento biopsicossocial. A modalidade de atendimento não intensivo: é destinada a
772
usuários reabilitados que já não necessita de um atendimento abrangente, esses são
acompanhados por meio de consultas psiquiátricas e psicológicas mensais, assim como a
intervenção do assistente social.
A intervenção do CAPS AD III, na vida social do usuário,se dá por meio do
atendimento à população usuária através do acompanhamento psicossocial, acesso ao trabalho,
lazer, exercício dos direitos e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. A
reabilitação psicossocial não acontece de forma imediata, ela é processual, contínua e possui no
Projeto Terapêutico Singular um importante instrumento que viabiliza a co-responsabilização
e participação do sujeito no seu tratamento e na sua reabilitação, tornando-se desta maneira
protagonista da sua própria história.
O Projeto Terapêutico Singular é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas
articuladas, para um sujeito individual ou coletivo, resultado da discussão coletiva de uma
equipe interdisciplinar, com apoio matricial se necessário. Podemos considerar como uma
reunião de toda a equipe em que todas as opiniões são importantes para ajudar a entender o
sujeito com alguma demanda de cuidado em saúde e, consequentemente, para definição de
propostas de ações. (BRASIL, 2017).
Para que possamos garantir o acesso dos usuários aos serviços disponibilizados pela
política de saúde mental no município, as ações realizadas no CAPS AD III também buscam
articular a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
A Rede de Atenção Psicossocial, ou RAPS, é normatizada pela Portaria Portaria nº
3088 de 23 de dezembro de 2011, com republicação em 21 de maio de 2013. Ela dispõe sobre
a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento
ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas,
no âmbito do Sistema Único de Saúde .tem como objetivos gerais a ampliação do acesso à
atenção psicossocial da população em geral, a promoção de vínculos das pessoas com
transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas e suas
famílias aos pontos de atenção e a garantia da articulação e integração dos pontos de atenção
das redes de saúde no território qualificando o cuidado por meio do acolhimento, do
acompanhamento contínuo e da atenção às urgências.
Nessa perspectiva, busca-se conhecer os aspectos relevantes do território de origem do
usuário (configuração familiar, situação econômica, rede de apoio social, entre outros aspectos),
bem como sua história de vida e subjetividade para, a partir disso, iniciar um processo de
773
reconstrução, no sentido de criar alternativas de atenção e cuidado que contribuam para
transformação da realidade dos sujeitos, resgatando sua identidade e cidadania.
No CAPS ad III são realizadas reuniões técnicas semanalmente, para discutir as
demandas referentes aos usuários, bem como refletir a prática profissional com o objetivo de
contribuir para a melhor qualidade de vida dos sujeitos usuários.
No entantoa inserção do projeto de extensão que tem como norte o referência de Gil
(2008) assim como de outros autores que usam método dialético critico em Marx. Propicia na
sua prática uma forma de execução da Roda de Conversa é com temas sugeridos pelos Usuários,
o qual eles gostariam de saber, através da escolha a liberdade de autonomia é intencionada na
prática. As aproximações são de forma acolhedora entre componentes do projeto de extensão e
Usuários. De forma construtiva os resultados são através das falas deles iniciais e posteriores
ao processo de intervenção através da roda de conversa, possibilitando a reflexão de superação
de um sofrimento de um problema ocasionado por determinações sociais. No entanto a partir
da fala, da historicidade de cada um é desvendada através de sucessivas aproximações por meio
das rodas de conversa, e com auxílio de dinâmicas realizada posteriormente da Roda de
conversa.
Resultados concretizados que através das rodas de conversas, respeitando o tempo, as
escolhas de cada Usuário e possível identificar que processos reflexivos contribuíram para
micro transformações pessoais, com decisões de parar com uso abusivo de álcool e drogas,
muitos deles resgatando autonomia, planejando novas perspectivas como realizar um curso de
enfermagem.
A saúde é um dos processos importantes para fortalecimento das potencialidades do
ser humano. Para cada usuário que se insere ao atendimento no CAPS AD III, no trabalho em
Saúde Mental é muito importante atender as necessidades e características que resultam na
particularidade de cada usuário que ali frequenta.
Através da roda de conversa contribui processo reflexivo da compreensão das relações
sociais com relação de vida, assim como acesso a informações discutidas sobre os temas
apresentados, a compreensão que uso abusivo e acarretado por vários fatores no cotidiano de
vida, a equipe do projeto na sua prática contribui para um atendimento que visa trabalhar o
problema que se manifesta por eles, que este ocasionou sofrimento, perdas, traumas dentre
outros fatores que levou ao uso abusivo de álcool e drogas.
774
Entretanto os resultados obtidos são oriundos de micro transformações pessoais que
relatos como de uma Usuária que faz uso abusivo de álcoolela relata que após as rodas de
conversa ela compreendeu que seu uso abusivo de álcool foi através de uma trajetória de vida
no qual presenciou muito sofrimento, traumas não trabalhados por profissionais, essa
compreensão ela relata que sempre ela dizia que realizava o uso abusivo de álcool por fatos de
se culpalizar , no entanto ela se auto analisou que o pensamento pertinente pelos traumas e
sofrimento, é o que leva ela fazer uso para esquecer. Assim como outro relato do gênero
feminino que através da roda de conversa ela se sentiu acolhida para revelar o porquê faz uso
abusivo de crack que desde seus 12 anos de idade ela sofria abuso sexual,e depois disso passou
a se drogar para poder sair com homens mais velhos, no qual sua mãe aliciava as relações
sexuais, ela relata que pela primeira vez ela consegue expor essa história como fato de
superação e busca parar o uso, sentiu –se com sensação de alívio.
Destaca- se a história de um Usuário de drogas que relata que sua trajetória de vida foi
sempre voltada ao uso de crack, faz o consumo há 30 anos, que antes das rodas de conversas
sua compreensão era que ele já não tinha mais expectativa de vida pois já tinha adquirido muitas
perdas, assim como ser portador de HIV, que para ele nada importava mais, mas que através
das falas e atenção que a equipe do projeto trabalhou na através dessa intervenção, ele relata
que hoje ele pode pensar em viver, e parar de viver só em torno do Uso, que ia investir na sua
relação amorosa, e seguir seu tratamento de Saúde, assim como deu ideia de ampliar o projeto
para outros espaços como escolas, e também sua participação com relatos experiência sobre os
danos que a droga trazer para vida do ser humano, como objetivo de contribuir para que jovens
compreendam que uso de substancias psicoativas só traz perdas e não contribui para superar
problemas.
CONCLUSÕES
No entanto retomar o presente estudo é destacar a importância que teve a Reforma
psiquiátrica para existência do CAPS AD III, para possibilitar, melhorias ao atendimento a
Saúde Mental, propiciando agarantia de um atendimento em prol ao ser humano, superando a
existência de manicômios, considerando a Reforma Sanitária e Reforma psiquiátrica um avanço
na Constituição Federal. Na prática executada em um cenário de uso abusivo de álcool e drogas
os profissionais que a executam tem que obter um estudo aprofundado sobre o tema, pois
somente com fundamentação teórica que se executa uma excelente prática.
775
No decorrer do texto é destacada a importância da perspectiva da redução de danos
que possibilitou novas estratégias para Usuários de política em Saúde, possibilitando a escolha
entre abstinência ou redução de danos. Toda ação desenvolvida na roda de conversa é prol de
contribuir para os Usuários, os resultados obtidos está sendo visível, pois através de suas falas
relatam mudanças e conquistas.
Contribuir para o ser humano através de uma dedicação profissional é executar uma
prática qualificada é gratificante perceber o quanto é importante uma intervenção que visa
compreender as categorias evidenciadas nas relações sociais como a compreensão do ângulo
Universal que este reflete no singular das relações, e a partir de um processo que visa se
apropriar da historicidade em sua essência é fundamental para ação profissional e para o
receptor ao atendimento.
Segundo Iamamoto (2015, p. 111) que pode se concluir dessas considerações é que
resultados ou produtos dos processos de trabalho em que participam os assistentes sociais
situam- se tanto no campo da reprodução da força de trabalho, [...]a viabilização de direitos, e
da prestação de serviços Públicos de interesse da coletividade, da educação sociopolítica.
Entretanto o acesso ao atendimento é direito à todo aquele que necessitar, devido ao uso abusivo
de álcool e drogas.
Sendo assim oprojeto de extensão visa contribuir para a consolidação dos direitos
sociais aos usuários da Saúde Mental, na busca de qualificação do processo de enfrentamento
do uso de álcool e drogas. A intervenção do projeto de extensão deverá contribuir para
efetivação das políticas públicas voltadas para Saúde Mental, sendo uma maneira de
materializar a Seguridade Social proporcionando a proteção social. Oprojeto de extensão tem
como objetivo geral mediação de rodas de conversa que visam a integralidade do atendimento
do Serviço Social no Centro de Atenção Psicossocial para usuários de Álcool e Outras Drogas
(CAPS-AD) de São Borja. Obtendo também análise ampliada do âmbito institucional
visandocontribuir para a adesão do atendimento e melhoria do vínculo com o grupo familiar, e
a comunidade.
Considerando que a saúde integral do indivíduo é também influenciada por
determinações sociais torna-se imperioso incluir a saúde mental como uma das áreas prioritárias
dentro da proposta de saúde preventiva do município. Analisando os aspectos sociais e as
possíveis situações de violência vividas no âmbito comunitário e doméstico que esse projeto
leva a proposta de discutir violência e meios de prevenção. Todo processo já conquistado na
776
perspectiva que projeto demonstra é destacado através de falas, relatos dos Usuários que
demonstram melhorias e avanços, referente ao uso abusivo, assim como o funcionamento da
perspectiva de Redução de Danos.
REFERÊNCIAS
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778
COMO OS MUNICÍPIOS DE ITAQUI E SÃO BORJA, SITUADOS NA FRONTEIRA
OESTE DO RIO GRANDE DO SUL TRABALHAM AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
MEIO AMBIENTE
Leonardo Dicson Sanchez Betin47
Sandro da Silva48
Carmen Regina Dorneles Nogueira49
RESUMO: Os primeiros avanços na política ambiental brasileira puderam ser evidenciados a
partir da década de 1930, quando iniciaram-se ações de regulamentação da apropriação dos
recursos naturais indispensáveis para o processo de industrialização. Em 1981 fora criada a
política Nacional do Meio Ambiente, conforme lei nº 6.938, que trouxe importantes inovações
ambientais no Brasil, com destaque para as de nível institucional. De acordo com a CF 1988, o
meio ambiente é considerado um bem de uso comum, ou seja, um direito de todos. No Brasil o
descarte ao longo do tempo não é feito adequadamente, ao passo que os resíduos que não são
naturais têm sua decomposição lenta, levando séculos para concluir o processo. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa exploratória e descritiva, através da consulta de literatura especializada no
tema a partir das diversas bases de dados existentes, incluindo legislações municipais
disponíveis nos sites das prefeituras de Itaqui e São Borja. Objetiva-se através deste estudo
identificar como os municípios de Itaqui e São Borja executam a Política Nacional de Resíduos
Sólidos. Conclui-se que os municípios tem buscado adequar-se as macrodiretrizes, porém ainda
não é possível afirmar que estejam de fato aplicando ações que solucionam integralmente os
principais gargalos apontados pelas macrodiretrizes.
Palavras-Chaves: de três a cinco, separadas por vírgulas.
O MEIO AMBIENTE COMO POLÍTICA PÚBLICA E SEU CONTEXTO HISTÓRICO
NO BRASIL
47 Mestrando no Programa de Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas pela Universidade Federal do
Pampa – UNIPAMPA – Campus São Borja. E-mail: [email protected] 48 Mestrando no Programa de Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas pela Universidade Federal do
Pampa – UNIPAMPA – Campus São Borja. E-mail: [email protected] 49Doutora em Geografia. Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA – Campus São
Borja. E-mail: [email protected]
779
As políticas públicas repercutem na sociedade e na economia de um país, estando às
mesmas diretamente relacionadas às seguintes áreas: saúde, meio ambiente, educação,
transporte, habitação, segurança, transferência de renda, trabalho, entre outras. Neste aspecto a
gestão ambiental que pode ser compreendida da seguinte maneira, “conjunto de ações que
envolvem políticas públicas, setor produtivo e a sociedade em geral, de forma a incentivar o
uso racional dos recursos ambientais, ligando as questões de conservação e desenvolvimento
sustentável em todos seus aspectos” (TOZZI, 2016, p.1). Em outro sentido a gestão ambiental
estabelece-se como um sistema administrativo que estabelece macrodiretrizes (políticas de
âmbito nacional ou política de Estado) que regulamentam a questão ambiental e tem como
efeito várias ações (políticas públicas). Secchi (2012) enquadra tanto as diretrizes estruturantes
como as ações operacionais enquanto política pública.
As políticas públicas podem ser consideradas como resultado das relações estabelecidas
entre os diversos atores envolvidos no processo decisório sejam eles institucionais ou sociais.
Quanto mais atores fizerem parte do fluxo político, mais amplo esse fluxo será, através da
mobilização dos diversos atores e ou grupos de interesses mobilizados em torno de uma política.
Nesse processo, as instituições são responsáveis pelas regras e procedimentos, podem facilitar
ou impedir o acesso desses atores nos processos decisórios (SILVA e VAITSMAN, 2000).
Segundo, Saravia (2006, pg. 28), política pública pode ser conceituada como “fluxo de
decisões públicas, orientando a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios
destinados a modificar essa realidade”. É instituída como um sistema de decisões públicas que
apontam ações ou omissões sejam elas corretivas, substitutivas ou preventivas, através da
intervenção do Estado, de acordo com alguma questão que chame a atenção, preterindo manter
ou modificar uma determinada realidade dos diversos setores da vida social, através de
objetivos e estratégias elencadas e definidas (SARAVIA, 2006).
Ou ainda como propõe (SOUZA, 2006, p. 26), que possamos compreender as políticas
públicas como:
campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, "colocar o governo em ação"
e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor
mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). Em outras palavras,
o processo de formulação de política pública é aquele através do qual os governos
traduzem seus propósitos em programas e ações, que produzirão resultados ou as
mudanças desejadas no mundo real.
780
As mudanças no mundo real, como exposto a pouco são a tradução em ação que um
governo e seus propósitos, mas para que ocorra uma ação existe a necessidade de que se
interprete uma questão ou “inssue” como um problema público. Um problema público
prescinde de relevância coletiva, quando este fato ocorre o “status quo” de uma questão é
alterado tornando-se então em um problema público e na sequência emergirá do sistema político
como uma ação que objetiva solucionar o problema (SECCHI, 2012; CAPELLA, 2007).
No que tange a gestão ambiental a República Federativa do Brasil, possui um conjunto
de macrodiretrizes que tratam das especificidades do tema da questão ambiental. Porém antes
de avançar em ralação as macrodiretrizes faz-se necessário problematizar o que é a questão
ambiental.
Monosowski (1989), destaca que até o ano de 1988 houve quatro abordagens
estratégicas básicas nas políticas públicas ambientais no Brasil. A primeira refere-se a
administração dos recursos naturais, a segunda o controle da poluição industrial, a terceira o
planejamento territorial e a quarta abordagem, a gestão integrada de recursos.
Os primeiros avanços na política ambiental brasileira puderam ser evidenciados a partir
da década de 1930, quando iniciaram-se ações de regulamentação da apropriação dos recursos
naturais indispensáveis para o processo de industrialização. Nesse período, diversos
instrumentos legais, responsáveis pelo suporte à criação de áreas protegidas no Brasil foram
criados, uma vez que, até então, a questão ambiental era tratada com total imobilismo
(PECCATIELLO, 2011, MONOSOWSKI, 1989).
Segundo Medeiros (2006), muitos foram os dispositivos legais criados a partir de 1934,
com destaque para a criação do Código das Águas, Código de Mineração e Código Florestal
em 1934, o Código de Pesca em 1938 e o Estatuto da Terra em 1964. Destacam-se ainda a
criação de diversas agências ligadas ao setor ambiental ao longo da década de 1960, tais como:
Ministério das Minas e Energia, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal,
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária, Superintendência de Desenvolvimento da Pesca e a criação e delimitação de
zonas naturais protegidas como, por exemplo, o Parque Nacional do Itatiaia (1937), Parque
Nacional do Iguaçu (1939), Parque Nacional do Araguaia (1959), Parque Nacional das Sete
Quedas (1961), entre outros parques (MEDEIROS, 2006).
Peccatiello (2011), destaca que a segunda abordagem, esta com ênfase no controle da
poluição industrial, passou a ganhar força a partir da década de 1970. A conferência das Nações
781
Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972 foi considerada como
principal influenciadora. Neste cenário o Brasil não priorizou as questões ambientais nas ações
governamentais, pois, naquele momento, seu objetivo e prioridade central estavam relacionados
com o crescimento econômico do país e que, ações governamentais que priorizassem o meio
ambiente entrariam em confronto com as prioridades econômicas do país. O Brasil teve sua
imagem internacional muito afetada nesse período, uma vez que, tinha como expressão de
ordem em que associava a poluição ao progresso.
No ano de 1973, foi criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), órgão este
especializado nas questões ambientais. A SEMA atuava de forma prioritária no problema da
poluição. Dedicava-se ao avanço da legislação sobre o tema e as questões que demandavam
negociações em nível nacional (PECCATIELLO, 2011).
Ainda na década de 1970 se apresenta a terceira abordagem, denominada abordagem
estratégica de planejamento territorial. Como principal característica para esta etapa,
Peccatiello (2011), destaca o crescimento acentuado das regiões metropolitanas e uma intensa
urbanização. Como consequência disso, os recursos naturais passaram a se tornar bens escassos,
reforçando a necessidade de ordenação territorial como ação ambiental de caráter preventivo
acerca dos impactos no meio ambiente.
A quarta abordagem, denominada gestão integrada de recursos teve seu início em 1981.
Neste ano, fora criada a política Nacional do Meio Ambiente, conforme a lei nº 6.938 de 31 de
agosto de 1981, sendo a mesma regulamentada em 1983. Em 1985 foi criado o Ministério de
Desenvolvimento Urbano e meio Ambiente, órgão responsável pela coordenação das atividades
governamentais e pela definição das políticas relacionadas a área ambiental.
A lei 6.938 trouxe importantes inovações acerca das questões ambientais no Brasil, com
destaque para as de nível institucional. Merecem destaque a criação do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (CONAMA), órgão este com funções deliberativas e consultivas,
contemplando ainda a participação pública nas decisões e o Sistema Nacional de Meio
Ambiente (SISNAMA), instância esta que inclui diversos órgãos colegiados e executivos,
responsáveis pela gestão da qualidade ambiental de forma integrada entre os três níveis de
governo, federal, estadual e municipal (PECCATIELLO, 2011; BRASIL, 1981; MEDEIROS,
2006).
Até o presente momento vimos que existiram no Brasil iniciativas que perpassam as
questões da temática do meio ambiente, porém a institucionalização de fato enquanto
782
macrodiretrizes que abordam a questão de forma generalizante e a regulamentam em nível
nacional ocorreu apenas com a, Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), que foi instituída
através da Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981 e posteriormente a promulgação da carta
magna de 1988 foi regulamentada pelo Decreto nº 99.274, de 06 de junho de 1990. A PNMA
constitui-se então enquanto marco legal que serve de base para elaboração de políticas públicas
que se desdobram de suas diretrizes. Antes da PNMA cabe destacar que cada ente federado
gozava de autonomia estabelecer suas próprias diretrizes (FARIAS, 2006).
A Política Nacional de Meio Ambiente estabelece em sua estrutura, tendo como
objetivo, “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida,
visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana” (Art2º, PNMA, 1981).
As diretrizes da PNMA são estabelecidas, por seu Artigo 5º, que tem a seguinte redação:
As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e
planos, destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Territórios e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da
qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico.
No artigo 9º, da política nacional o objeto em questão é o conjunto de instrumentos que
compõe a Política Nacional de Meio Ambiente, que podem ser observados na sequência:
I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;
II - o zoneamento ambiental;
III - a avaliação de impactos ambientais;
IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;
V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de
tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental;
VI - a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de
relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal;
VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;
VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental;
IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas
necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental.
Além de objetivos, diretrizes e instrumentos a PNMA visa proporcionar uma gestão
estatal, ao passo que distribui competências entre os entes federados, descentralizando gestão
com vistas a tornar suas ações mais efetivas e eficazes. A estrutura da política ainda conta com
o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e segundo, Leme (2010) é o arranjo
783
institucional para lidar com as questões ambientais. Neste sentido o Ministério do Meio
Ambiente (MMA) compõe o sistema e é a representação da união tendo como dever, planejar,
coordenar, supervisionar e controlar a política nacional. Os órgãos ou entidades a nível
subnacional tem como papel estabelecido a responsabilidade de executar programas e projetos,
além de controlar e fiscalizar as atividades que possam trazer danos ao meio ambiente. Sendo
assim, cabem aos municípios ou órgãos locais o controle e a fiscalização de acordo com suas
competências. Como parte do sistema tem-se ainda o Conselho Nacional de Meio Ambiente e
como implementadores das políticas nacionais o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade50 (ICMBio). Será possível notar através de citação a seguir que:
A efetivação do SISNAMA enquanto sistema que rege a política ambiental brasileira
até hoje demonstra limitações. Todas as Unidades Federativas dispõem de pelo menos
um órgão para tratar das questões ambientais, embora nem sempre estruturados com
equipamentos, pessoal e orçamento para formular e implementar as políticas
ambientais em suas esferas. Entretanto, o maior gargalo da institucionalização do
SISNAMA encontra-se nos municípios, apesar dos avanços obtidos nos últimos anos
(LEME, 2010, p.30).
O atual estágio em que nossa sociedade se encontra é marcado por um grande aumento
populacional, constante nas últimas décadas nos perímetros urbanos. Como resultado do
crescimento populacional temos a necessidade da ampliação da exploração dos bens ambientais
em decorrência da demanda por bens de ordem de sobrevivência ou conforto que geram
facilidade a vida humana. Como consequência das dilatações, populacionais, exploratórias e
também das demandas, geram-se mais descartes (lixo) sejam oriundos do consumo, eletrônico,
doméstico ou industrial, que causam efeitos danosos ao meio ambiente, podendo contaminar o
solo, as águas, o ar, as áreas de preservação e a saúde. No Brasil o descarte ao longo do tempo
não vem sendo feito de forma adequada, ao passo que os resíduos que não são naturais têm sua
decomposição lenta, podendo levar séculos para concluir o processo ou em alguns casos, tempo
indeterminado, enquanto os resíduos naturais são decompostos de forma mais harmônica com
meio ambiente sendo rapidamente absorvidos ou reutilizados pela própria natureza.
50 Conforme, Leme (2010) é um órgão ambiental criado pelo governo através da Lei 11.516, de 28 de agosto de
2007 e faz parte das alterações sofridas pela Lei no 6.938/1981, que depois da constituição de 1988 enfatizou a
lógica federativa.
784
De acordo com a Constituição Federal de 1988, o meio ambiente é considerado um bem
de uso comum, ou seja, um direito de todos. É um elemento importante na interação entre os
diversos atores sociais, sendo que, nesta interação, é esperado que diferentes conflitos de
interesse pudessem surgir (LEME, 2010). No entanto é o Estado que detém a prerrogativa
constitucional de materializar o direito através de suas ações, garantindo então um meio
ambiente equilibrado e como um bem de uso comum (TOZZI, 2016).
Conforme, (Montagna et al. 2012 apud Casarin, 2013), a pauta do saneamento foi apenas
inclusa na agenda de discussões no final da década de 1980. Ainda que existisse na Lei nº. 6.938
a caracterização do que seria poluição no seu Artigo 3º, inciso III, de fato apenas no ano de
2007 cria-se a Lei nº 11.445 que trata da universalização do acesso ao saneamento e incluso
nisto está o manejo dos resíduos sólidos. Até este momento o descarte dos resíduos no Brasil
era realizado e praticado de maneira inadequada tendo se estabelecido como prática de gestão
dos resíduos sólidos seu descarte no que se conhece por lixões. Neste período a questão se torna
um problema público, um dos motivos é que entre 1991 e 2000 a população no Brasil cresceu
15%, no mesmo período o descarte de resíduos sólidos ampliou-se em 49%. Na década seguinte
a população cresceu 1%, já o descarte 6%, evidenciando a necessidade de uma ação de iniciativa
do Estado para enfrentar o problema público indicado pelos dados (ABRAMOVAY;
SPERANZA; PETITGAND, 2013).
Em 2010, “após vinte anos de tramitação no Legislativo Federal” (Casarin, 2013, p. 21),
é sancionada pelo Presidente da República no dia 02 de agosto a Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS). A nova lei proíbe o deposito dos resíduos sólidos nos lixões e aterros
controlados e determina que todos os municípios providenciem a construção de aterros
sanitários para destinar os resíduos, para tanto estabelece-se um prazo de quatro anos para a
adequação dos municípios a lei, em 2014 o prazo para adequação foi estendido até o ano de
2018.
Antes do PNRS, conforme o IBGE em dados coletados entre 2002 e 2010 apenas 27,7%
dos resíduos no país tinham como destino os aterros sanitários, enquanto 50,5% eram
destinados aos lixões e 22,5 aos aterros controlados. Realizavam o procedimento de
compostagem apenas 3,8% dos municípios, o que podemos chamar de boas práticas assim
como, a triagem ou reciclagem que era aplicadas por 11,6% dos municípios brasileiros.
Outro aspecto pretendido pela política é aumentar a reciclagem e a reutilização dos
resíduos sólidos. Impondo o planejamento em todos os níveis e obrigando estados e municípios
785
a criarem seus Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Nesse contexto está inserida à
inclusão dos catadores de materiais recicláveis em questões referentes à logística reversa e a
coleta seletiva, uma das possibilidades desta inclusão é a contratação de empreendimentos para
realizar a coleta seletiva.
Os resíduos sólidos de acordo com PNRS podem ser material, substância, objeto ou bem
descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede,
se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, no estado sólido ou semissólido. Bem como
gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu
lançamento na rede pública de esgotos, em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnicas
e ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.
A PNRS institui o marco legal e possibilitou ao governo brasileiro estabelecer os
procedimentos adequados no que se refere à segregação, acondicionamento, coleta, triagem,
armazenamento, transbordo, tratamento de resíduos sólidos e disposição final adequada dos
rejeitos. A logística reversa torna-se uma ferramenta importante neste processo, juntamente
com o processo de logística reversa que impõe o conceito de responsabilidade compartilhada.
A política nacional também definiu um prazo de dois anos para que cada estado crie seu
Plano Estadual de Resíduos Sólidos. O Rio Grande do Sul em conformidade com a lei cria o
seu Plano Estadual de Resíduos Sólidos - PERS-RS que é um instrumento da PNRS. Dentro de
contexto o plano estadual definiu suas diretrizes, metas e ações para atender o que foi
estabelecido pela política nacional.
Para a criação do plano estadual buscou-se conhecer o panorama da situação dos
municípios no estado, para sustentar um planejamento que atendesse as metas. O processo de
construção do plano estadual realizou no período de 12 meses, 10 audiências públicas a nível
regional e 35 reuniões setoriais, que resultaram em 5 diretrizes, 46 metas, 173 ações e 8
tipologias de resíduos sólidos, além de estabelecer uma divisão do estado em 12 regiões para
estimular as ações intermunicipais. O panorama permitiu também identificar áreas com
potencial para a destinação adequada dos resíduos.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa exploratória e descritiva, através da consulta de
literatura a partir das diversas bases de dados existentes, incluindo ainda legislações municipais
disponíveis nos sites das prefeituras de Itaqui e São Borja. Foram selecionados diversos
materiais relacionados ao tema proposto, partindo na busca dos diversos indexadores
disponíveis.
786
Objetiva-se através deste estudo identificar como os municípios de Itaqui e São Borja
estão executando a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
A SITUAÇÃO AMBIENTAL NOS MUNICÍPIOS DE SÃO BORJA E ITAQUI.
Os municípios de Itaqui e São Borja estão situados na fronteira oeste do Rio Grande do
Sul, fazendo divisa com a República da Argentina. Estão distantes da Capital do estado, Porto
Alegre, em média de 671 km (Itaqui) e 590 km (São Borja). Possuem como principais
atividades econômicas a agricultura, pecuária e suinocultura. Segundo o IBGE, (2015), o
município de Itaqui possui população de 39.049 habitantes e São Borja, 62.990 habitantes.
Nos últimos anos ambos os municípios apresentaram uma constante evolução
econômica e consequentemente, sua expansão urbana. Esse crescimento urbano não planejado
ao longo do tempo trouxe diversas consequências ambientais, sendo grande parte delas,
negativas. Dentre essas consequências, destaca-se a grande geração de resíduos que, faz com
que os municípios, tenham a necessidade de investimento em tratamentos sustentáveis. É
importante destacar que as atividades ligadas à limpeza pública estão diretamente ligadas ao
bem estar da população e também a saúde pública. A Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 23, já prevê que tais serviços de limpeza sejam de responsabilidade dos municípios.
Com o passar dos anos, o crescimento da população, o desenvolvimento industrial e a
urbanização acelerada vem contribuindo para o aumento no uso dos recursos naturais e
consequentemente, aumento significativo na geração de lixo.
Falando especificamente de dispositivos legais relacionados ao meio ambiente no
município de Itaqui, destaca-se a lei municipal n° 3.690 de 29 de dezembro de 2010, lei esta
que dispõe sobre o plano municipal de saneamento básico e disciplina a prestação de serviço
de abastecimento de água, esgotamento sanitário e tratamento de resíduos sólidos no município.
787
A presente lei configura importante marco legal nas questões ambientais no município
de Itaqui, uma vez que, até então, poucos dispositivos legais existiam. Em seu artigo 11,
referente aos resíduos sólidos, a mesma destaca que: "Implementação da política ambiental para
resíduos sólidos urbanos é mais um passo fundamental na busca da universalização das ações
e serviços de saneamento ambiental no município" (ITAQUI, 2010, pg. 09). Conforme lei
municipal n° 3.690, em seu artigo 12º, refere que:
a responsabilidade e ações da limpeza urbana, fica sob a responsabilidade da secretaria
de serviços urbanos, que tem como finalidade a elaboração e a implementação das
políticas de limpeza urbana, bem como minimizar os impactos ambientais decorrentes
da geração dos resíduos sólidos (ITAQUI, 2010, p. 09).
O mesmo artigo, no § 3, refere ainda que no município não é realizada a coleta seletiva
pelo órgão competente. Destaca que o serviço é realizado por catadores independentes, que são
comercializados com empresas compradoras de materiais recicláveis.
Inserido na mesma legislação, ainda em 2010, o município elaborou um plano de
saneamento ambiental. No modelo confeccionado, as secretarias de serviços urbanos e do meio
ambiente teriam a função de implementar os planos operacionais dos serviços de coletas,
varrição de ruas e vias públicas, tratamento e destinação final do lixo, além da criação de
instrumentos para acompanhar a promoção dos trabalhos de educação ambiental, através de
campanhas de conscientização em escolas, instituições e associações e também estimular a
participação da comunidade nas questões ambientais do município.
As metas municipais no curto prazo estavam relacionadas ao estímulo a reutilização,
reciclagem, a coleta e manutenção adequada da destinação de todos os tipos de resíduos gerados
no município, incluindo ainda, o levantamento de áreas degradadas e com potencial
contaminante que, através de ações públicas, pudessem ser recuperadas. Tais metas foram
atingidas, pois, através de análise junto ao site da prefeitura de Itaqui e de reportagens locais,
pode-se observar diversas ações realizadas ao longo dos últimos anos, com destaque para a
recuperação, mesmo que ainda não totalizada, do antigo lixão municipal.
Como metas a médio e longo prazo, o município propôs na época de criação deste plano
diversas ações que, não evoluíram ao longo dos últimos anos para além do referido plano.
Dentre as propostas não consolidadas estão à construção de usina de reciclagem de resíduos
sólidos, instalação de cooperativa de reciclagem, com coleta seletiva para o lixo urbano e
também a regularização do aterro sanitário existente. Tais metas em 2010 foram audaciosas,
788
porém, o momento era oportuno e necessário, uma vez que o município era carente não somente
de legislações ambientais, mas também, de investimentos que propiciassem um crescimento
sustentável ao município de Itaqui (ITAQUI, 2010).
Já São Borja, acumulou resíduos de forma e em local inadequado por mais de meio
século. O município apenas buscou soluções adequadas após ter que firmar um TAC (Termo
de Ajuste de Conduta) com Ministério Público, a medida adotada para tanto foi o
estabelecimento de uma política de deposito temporário no ano de 2011, um ano depois de
sancionada a PNRS. A medida adotada vigorou até maio de 2013, quando outro procedimento
foi implementado, que compreende transbordo da coleta regular feita por empresa terceirizada
em veículos que transportam os resíduos sólidos diariamente até o aterro sanitário da cidade de
Girua/RS, prática que é vigente no presente momento no município. Porém em diversas
ocasiões houve falhas no sistema implantado, o que gerou deposito do resultado da coleta de
lixo no espaço do antigo lixão (NUNES et al. 2015).
Conforme consulta realizada ao sitio eletrônico da prefeitura municipal de observamos
que o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos de São Borja (PMGRS) foi
pelo Decreto nº 16.122, de 16 de outubro de 2015. O PMGRS- SB está em conformidade com
o plano estadual e com a política nacional.
O PERS-RS, através de estudo e audiências públicas realizadas ao longo de
2013, trouxeram importantes informações acerca da situação ambiental no estado, com
destaque especial para a região 01, região em que os municípios de Itaqui e São Borja
pertencem. Conforme a figura 01 é possível observar um panorama regional acerca do serviço
de coleta seletiva. Esse cenário regional representa que a grande maioria dos municípios não
possui serviço de coleta seletiva (RIO GRANDE DO SUL, 2014).
Nos municípios de Itaqui e São Borja a realidade não é diferente, ambos não possuem
serviço de coleta seletiva. Conforme o levantamento documental, principalmente registros no
site das prefeituras de Itaqui e São Borja, foi possível verificar que, a partir de 2011, os
municípios buscaram algumas alternativas para implantação desse serviço. Em Itaqui, por
exemplo, uma comissão foi formada para discutir o tema e elaborar estratégias com o objetivo
de desenvolver ações relacionadas à coleta seletiva. Entretanto, poucas ações foram
desenvolvidas nesta temática em ambos os municípios, limitando-se a instalação de latas de
lixo orgânico e seco, atividades nas escolas, coleta de lixo eletrônico e destinação adequada de
pneus usados. São Borja foi um pouco mais adiante nesta questão, iniciando trabalho com
789
catadores e cooperativas. Tais informações reforçam a necessidades desses municípios
avançaream nas ações referentes à política pública de resíduos sólidos (RIO GRANDE DO
SUL, 2014).
FIGURA 01: Mapa regional referente ao serviço de coleta seletiva
Fonte: Planos municipais e regionais de resíduos sólidos e de saneamento básico a partir de
2010. TCE 2011, SNIS 2011. Elaboração: ENGEBIO, 2014.
Nos municípios de Itaqui e São Borja, conforme demonstrado na FIGURA 02, podemos
observar que não há triagem de resíduos recicláveis secos. A falta de uma usina de triagem em
ambos os municípios faz com que os mesmos não realizem tal separação. As consequências da
não realização da triagem são muitas e vão além do impacto ambiental, geram aumento nas
790
despesas municipais e poderiam gerar emprego e renda para famílias e cooperativas de
catadores.
FIGURA 02: Municípios com triagem de resíduos recicláveis secos
Fonte: Planos municipais e regionais de resíduos sólidos e de saneamento básico a partir de
2010. TCE 2011, SNIS 2011. Elaboração: ENGEBIO, 2014.
Já quando o assunto é compostagem, fica ainda mais evidente a necessidade de maiores
investimentos nas políticas ambientais na região. Conforme a Figura 03, podemos observar que,
nos municípios de Itaqui e São Borja não são realizadas ações de compostagem.
FIGURA 03: Mapa dos municípios com compostagem na fronteira oeste
791
Fonte: Planos municipais e regionais de resíduos sólidos e de saneamento básico a partir de
2010. TCE 2011, SNIS 2011. Elaboração: ENGEBIO, 2014.
Quanto ao destino final dos resíduos gerados nos municípios, cabe destacar que, ambos
os municípios, Itaqui e São Borja, não dispõem de aterro sanitário legalmente habilitando junto
aos órgãos competentes. Por muitos anos, os municípios mantiveram os chamados lixões em
funcionamento.
De acordo com a Figura 04, pode-se constatar que, os municípios, por não disporem de
local adequado para destino, encaminham os seus resíduos sólidos gerados para a central de
tratamento de resíduos, denominada de Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos
de Giruá (CRVR) (RIO GRANDE DO SUL, 2014).
FIGURA 04: Mapa dos municípios que compartilham aterros sanitários
792
Fonte: Planos municipais e regionais de resíduos sólidos e de saneamento básico a partir de
2010. TCE 2011, SNIS 2011. Elaboração: ENGEBIO, 2014.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho abordou-se as principais questões que envolvem a temática do meio
ambiente. A partir de uma perspectiva histórica foi possível realizar uma trajetória no tange as
legislações e sua evolução ao longo do tempo no Brasil. Foi possível notar que as legislações
que compreendem a última década possuem elementos que buscam ir além do que apenas
vislumbrar a existência da sustentabilidade ambiental, mas sim as políticas públicas assumindo
um caráter de transversalidade intersetorial no sentido que visam contribuir com soluções que
vão além do meio ambiente.
793
Os municípios tem buscado adequar-se as macrodiretrizes, porém ainda não é possível
afirmar que estejam de fato aplicando ações que solucionam integralmente os principais
gargalos apontados pelas macrodiretrizes.
Em 2014 menos de 50% dos municípios do estado estavam com seus planos de resíduos
sólidos concluídos, ou seja, mais da metade dos municípios sequer plano municipal de resíduos
sólidos possui, o que por lógica, reforça a ideia de que poucas ações relacionadas ao meio
ambiente de fato estão sendo desenvolvidas.
No caso do município de Itaqui, pode-se constatar que, o mesmo, em seu plano, buscou
elencar uma série de metas importantes relacionadas aos resíduos sólidos. Porém, metas de
médio e longo prazo, que requereram ações coletivas e principalmente, investimentos técnicos
(projetos para captação de recursos) e até investimentos financeiros, não foram atendidas. O
plano apresentava investimento estimado em R$ 350.000,00 para execução dessas obras/ metas
em 2012, entretanto, o município não obteve recursos oriundos de fontes federais e ou estaduais.
De fontes próprias, não houve disponibilidade financeira/orçamentária para tal finalidade,
portanto, inviabilizando a operacionalização dessas metas.
Falando sobre o município de São Borja, o mesmo avançou em algumas questões
ambientais nos últimos anos, entretanto, não avançou em outras. Ações mais ambiciosas, como
coleta seletiva, triagem de resíduos secos recicláveis, compostagem de resíduos orgânicos e a
criação de um aterro sanitário, foram ações que não ultrapassaram as barreiras dos interesses e
dos projetos.
Mesmo com importantes recomendações da PNRS e da PERS referente à formação de
parcerias, principalmente acerca dos consórcios intermunicipais. O que se pode observar na
região é que falta cooperação entre os municípios, mesmo que a grande maioria dos municípios
na região possuem problemas ambientais semelhantes. Se os municípios atuassem de forma
conjunta, diversas ações poderiam ser desenvolvidas, tais como: criação de um aterro para
cobertura regional de resíduos sólidos, iniciativa esta que geraria uma economia muito grande
para os municípios, que hoje, gastam valores significativos para que, tais resíduos sejam
encaminhados para Giruá. Outra iniciativa importante poderia ser o fortalecimento regional e
incentivo à criação de cooperativas de catadores de recicláveis. Tal iniciativa além de diminuir
os custos com resíduos aos municípios seria possível ainda gerar emprego e renda para os
munícipes.
794
Outra questão importante refere-se a necessidade de investimento em pesquisas
relacionadas as áreas ambientais, em especial as políticas públicas de meio ambiente. A
necessidade de informações estatisticamente consistentes são de fundamental importância para
um planejamento mais eficaz, e melhores condições para o enfrentamento do problema dos
resíduos sólidos.
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796
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO BRASIL COMO JUSTIFICATIVA PARA A
APLICAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Isaac Carmo Cardozo51
Ronaldo Bernardino Colvero 52
RESUMO: O artigo tem objetivo fazer uma análise da evolução histórica do país, justificando
a utilização de políticas públicas, para corrigir desequilíbrios sociais que fazem parte da
sociedade brasileira. Esta compreensão histórica esclarece o papel que o Estado deve
desempenhar na promoção de soluções para as demandas suscitadas na sociedade. A construção
da sociedade brasileira, desde a sua colonização, como o questionamento e justificativas da
escravidão, bem como do período Vargas até o fim da ditadura militar. A busca pelo Estado de
Bem- estar social, em que contemple uma grande quantidade de pessoas.
Palavras-Chaves: Análise histórica. Políticas públicas. Estado de Bem-Estar Social.
INTRODUÇÃO
Este artigo acadêmico apresenta alguns aspectos históricos na formação do Estado do
Brasil, bem como a sua evolução política e econômica, fatos estes que servem para a
compreensão e justificativas para a formação e implementação de políticas públicas para o
Brasil contemporâneo, na qual busque elevar nivelar as classes sociais, a um nível de paridade
no acesso a direitos que propicie uma vida justa e digna.
O presente artigo ira utilizar alguns textos que foram discutidos na disciplina de Estado e
História das Políticas Públicas no Brasil, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas
da Unipampa de São Borja, tendo como docente o Professor Doutor Ronaldo Colvero.
51Bacharel em Direito pela Unilasalle/Canoas, Mestrando em Políticas Públicas da Unipampa/São Borja, Pós-
graduando em Gestão Pública pela UFSM e 1° Sargento da Brigada Militar do RS; São Borja, RS;
[email protected]. 52Doutor. Docente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Pampa -
UNIPAMPA, [email protected].
797
Os estudos de políticas públicas tem se tornado relevante no meio acadêmico, gestores
públicos e a população em geral. Este tema atinge todas as pessoas diretamente como
indiretamente, pois serão alcançados por políticas públicas no decorrer de suas vidas.
A IMPORTÂNCIA DO ESTADO
Primeiramente, temos que definir a questão de Estado, que é grafado com inicial
maiúscula, tratando-se de uma organização que exerce o poder supremo sobre o conjunto de
indivíduos que ocupam um determinado território (Wikipédia). E, este exercício do poder,
estamos nos referindo à capacidade de influenciar decisivamente a ação e o comportamento das
pessoas. Portanto o Estado é legitimo e está investido para exercer o poder, sendo até a força
física sobre os indivíduos, quando necessário. Conforme Max Webber (1864 -1920), uma das
características do Estado, é o monopólio do exercício legitimo da força em uma sociedade.
A construção de um Estado legítimo e que atenda às necessidades da sociedade, muitas
vezes requer de seus governantes a aplicação de políticas públicas que possam alcançar a todas
as classes sociais, diminuindo as diferenças sociais, nem que para isto, seja necessário o
tratamento desigual para se chegar à igualdade. O Brasil na busca deste Estado atravessou por
vários momentos em que o Estado foi o que ditou as regras e em outros que foi apenas o
executor de determinadas elites burocratas, que tinham a preocupação no mercado econômico
do que a busca de condições sociais para a população.
O Estado brasileiro precisa ser analisado em seu contexto histórico, que remonta a época
da colonização, na formação populacional do Brasil, para podermos entender a aplicação de
determinadas políticas públicas contemporâneas. Conforme Reis (2007, p. 175) citando Caio
Prado Jr, definiu uma forma de pensamento que compartilho, de que “a partir de então
inaugurou um novo estilo de pensar a realidade brasileira, uma perspectiva crítica, que discute
as relações entre o passado e o presente e examina as possibilidades de mudanças no futuro”.
A partir desta forma de pensamento, passamos a analisar algumas passagens históricas do
Brasil, para compreendermos a formação da sociedade contemporânea brasileira, para a
aplicação correta de políticas públicas.
De acordo com Pacheco (2009, p.31) “O Estado consiste um uma gama de instituições
públicas com funções coercitivas e integradoras e é também entendido como agente de
desenvolvimento, cristalização da dominação e uma projeção simbólica da unidade”. Não há
dúvidas da grande importância do Estado para a condução da sociedade, ficando claro que o
798
seu fortalecimento são necessária para se concretizarem as mudanças e construção de uma
sociedade, em que todas as pessoas possam ter acesso as mesmas oportunidade sociais.
ANÁLISE DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
Existem justificativas e críticas referente ao modo da formação da sociedade brasileira,
sendo importante citar alguns autores, que em suas obras procuraram apresentar, sob seus
pontos de vista, como se deu a construção da sociedade. Na obra Casa grande e senzala de
Gilberto Freyre, explorada por Reis (2007) existe a justificativa histórica de que o emprego do
escravismo por parte dos portugueses colonizadores foi necessário para a evolução e construção
do Brasil. Como bem define Reis (2007, p.55) que trata a obra de Freyre um reelogio de Freyre
a obra de Varnhagen, sendo este encarregado pela monarquia portuguesa de pesquisar e criar
obras que retratassem a construção de uma identidade nacional brasileira, em suas publicações
alegava que o índio era preguiçoso, que os negros não deveriam ter vindo para o Brasil e que
devíamos ser colonizados por branco, conforme Reis (2007, p. 56).
De acordo com Reis (2007) Freyre trata que a origem do povo brasileiro, foi da
miscigenação de raças, que habitavam e vieram a se fixar no país. A defesa feita de que a
escravidão foi necessária, foram sucumbidas com o decorrer da história, pois a colonização
deixou sérias “feridas sociais abertas”, com reflexos na formação da sociedade, pois apresentou
desigualdades que precisam ser corrigidas pelo Estado, bem como a conscientização da
população que certas medidas devem ser implantadas para sanar tais demandas. Conforme
Mendonça (2009, p. 53) “A natureza racial e regional da pobreza é facilmente verificável no
Brasil: Os negros, explorados desde o Império e escravizados até o final do século XIX, são as
maiores vítimas da pobreza”.
Estas situações sociais foram questionadas por Sergio Buarque de Holanda, que conforme
Reis (2007, p. 120) com a publicação do livro Raízes do Brasil, procurava compreender a
formação do Estado:
Raízes do Brasil tem paginas inteiras inspiradas em Weber. A discussão do Estado
brasileiro, das relações entre o público e o privado, a sua proposta de uma separação
radical entre estas esferas e da modernização do Estado, que se tornaria mais racional
e burocrático mais eficaz na administração pública, são visivelmente weberianas.
(REIS, 2007, p. 120).
799
Esta construção do Estado, baseado na concepção histórica, da influência de seus
colonizadores gerou críticas de autores, como Buarque de Holanda, que explica que o Brasil
precisa se redescobrir, desapegando de sua origem ibérica, pois acredita que a sociedade
brasileira se formou mal pela colonização portuguesa, mas renova a esperança, buscando a
reaproximação do Estado e da sociedade, com a criação de novas formas de convívio, destaca
Buarque (2007, p. 122).
Ele quer identificar os obstáculos que entravam a modernização política e econômico-
social-mental do país. Esses obstáculos estão ligados as nossas raízes ibéricas, que
devem ser recusadas e cortadas. O mundo que o português criou não interessa ao
Brasil, que deve criar o seu próprio mundo e que, para fazê-lo, terá que romper com
seu passado português. (BUARQUE, 2007, p. 122)
Muito das questões históricas envolvem interferências por parte das elites brasileiras,
camada social detentora dos mais altos cargos públicos, com alta influência econômica e
política, que se utilizando a influência, característica desta classe social, ditando o rumo do
Estado, para a satisfação de seus interesses. Elites estas que tentaram de certa forma “camuflar”
a formação histórica do Brasil, através de obras que retratavam a colonização de forma parcial,
em favor das elites. Esta influência é fortemente criticada por Buarque (2007, p. 132).
As elites brasileiras tratam o Brasil como os conquistadores portugueses: conquistam
a sua população e depredam a natureza. Até parece que não vivem aqui, que estão de
passagem, que querem ir para outro lugar e que acreditam que irão, depois de ficarem
ricas aqui. (BUARQUE, 2007, p. 132)
As críticas às elites são necessárias, pois servem para mostrar, que o protagonismo na
formação do Estado, não é exclusivo as elites e sim daquelas classes que estiveram e estão em
constantes lutas, para buscas de direitos, portanto a construção da história brasileira não tem
como únicos intérpretes as elites, mais sim todo o povo, conforme Reis (2007, p. 176).
Caio Prado foi um dos primeiros a acreditar, a confiar na eficácia histórica do povo
brasileiro. Para ele, as elites não fazem a história do Brasil sozinha. O sujeito da
história do Brasil não são as elites isoladas, mas as classes sociais em luta. Mesmo
que as elites dominem quase absolutamente, elas não existem sozinhas no cenário
brasileiro. (REIS, 2007, p. 176).
800
De acordo com Carvalho (2011, p. 40), o fato da elite brasileira “ter tido melhores
condições de enfrentar com êxito a tarefa de construir o novo Estado teve também
consequências para o tipo de dominação que se instaurava”.
Com base na análise histórica, fica difícil negar, que a formação do Brasil se deu pela
exploração de classes sociais, como os negros e os índios, que eram vistos apenas como mão
de obra escrava. Este reconhecimento, por exemplo, propicia que o Estado programe políticas
públicas que privilegiam estas classes, bem como possibilite trazer estas pessoas, para que
tenham a oportunidade de usufruir de benefícios. Estas políticas públicas são necessárias, para
a correição histórica, mesmo que isto custe à negação de certas classes sociais. Se analisarmos
a formação e construção do Brasil, veremos que havia verdadeiras aberrações que são
defendidas como necessárias para que o Brasil fosse colonizado. Na obra Identidades do Brasil
se faz a análise de autores que produziram obras com este intuito de corrigir um passado
sangrento. Reis (2007, p. 55) destaca que “Casa grande e senzala é uma obra neovarnhageniana:
é um relógio da colonização portuguesa, é uma justificação da conquista e ocupação portuguesa
do Brasil”. Portanto uma obra totalmente parcial, com tendências de justificação, tentando de
alguma forma produzir uma ideia de que a escravidão foi necessária, pois “para ele é, é injusto
acusar os portugueses de terem manchado com escravidão a sua obra grandiosa de colonização
tropical” (Reis, 2007, p. 55). O que mais me causa espanto é o fato de que Varnhagem, embora
concorde com Freyre na necessidade da colonização, lamenta que tenha sido feita pelos negros,
pois desta forma houve a miscigenação. Portanto são relatos históricos que não podem passar
despercebidos, na hora da aplicação das políticas públicas, buscando uma compreensão do
passado para justificar a ação do presente.
Compreender a obra de Freyre é importante, pois justifica muitas ações voltadas para
diminuir desigualdades sociais, destaca Reis (2007, p. 81) “Freire representa um momento
importantíssimo para a reflexão histórica brasileira – um momento de retorno, de introspecção,
de viagem pelo interior. Ele para o tempo da história brasileira e se delicia em sua
contemplação”.
DE VARGAS AO FIM DO PERÍODO DA DITADURA MILITAR
Este resgate histórico de governos, para melhor compreendermos, tem como partida o
ano de 1930, conhecido como “A Era Vargas”. Getulio Dornelles Vargas concorreu a presidente
no ano de 1929, sendo derrotado em uma eleição conturbada. Chefiou o movimento
801
revolucionário de 1930, assumindo desta forma o Governo Provisório. Já no ano de 1934, foi
eleito presidente através de eleições indiretas. No ano de 1937 instaurou o Estado Novo,
determinando o fechamento do Congresso, outorgando uma nova constituição, dando-lhe
poderes para controle do poder Legislativo e Judiciário, bem como fechou partidos políticos.
Logo após o fim da 2° Guerra Mundial, houve um clamor para a redemocratização, sendo
Getúlio Vargas deposto no mesmo ano, por generais que lideravam um movimento militar, que
eram base do seu governo. Já no ano de 1950, com um discurso nacionalista, Getúlio se elege
presidente da república, com a expressão maior pela a luta na implementação do monopólio
estatal sobre o petróleo, com a criação da Petrobrás. Vargas esteve no poder por 20 anos,
imprimindo profundas mudanças no sistema político, econômico e administrativo. Mas devido
a movimentos e acontecimentos “obscuros” cometeu suicídio em 1954 (FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS – FGV, 2001).
Os legados de Getúlio Vargas contribuíram para a construção de uma sociedade
democrática. Fortaleceu o Estado através da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio e o Ministério da Educação e Saúde, além do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Em seu primeiro mandato tinha uma política centralizadora, com características de
modernização e industrialização, de acordo com Mendonça (2006, p.8):
Realizado através da implantação de indústrias que potencializassem o parque
industrial e o suprissem de bens essenciais, apoiou-se nas empresas estatais, dado o
alto custo de produção e o lento tempo de retorno. Este empenho favoreceu o processo
de substituição de importações, privilegiando o setor industrial de bens de consumo
corrente, predominantemente formado por capitais de origem nacional.
(MENDONÇA, 2006, p. 8)
Embora a definição de políticas públicas tenha sido usada a partir da década de 1950, o
governo Vargas implantou umas séries de projetos, com características de diminuição da
desigualdade, como jornada de trabalho de 8 horas, criação dos Institutos de Aposentadorias e
Pensões, instituição do salário mínimo, carteira de trabalho etc.
Logo após a morte de Vargas, foi eleito Presidente da República Juscelino Kubitschek,
que criou uma agenda progressista, referente à realização de obras públicas, que foi chamado
de Plano de Metas. Houve um crescimento no Brasil, referente ao PIB, sendo que a inflação
disparou também. Precisa se destacar a cumulação do capital por parte das grandes indústrias,
de acordo com Mendonça (2006, p. 9):
802
A acumulação capitalista no Brasil operava uma crescente concentração de capitais,
pois a introdução de indústrias de duráveis incorporando tecnologias cada vez mais
sofisticadas impunha “barreira técnicas e financeiras à entrada de capitais de menor
porte, possibilitando a estruturação monopolista do setor”. (MENDONÇA, 2006, p.
9).
Sucedeu JK, o Presidente Jânio Quadros em 1961, tendo como Vice-Presidente João
Goulart. O Brasil vivia uma instabilidade política, que se agravou com a renúncia de Janio
Quadros, tomando posse João Goulart. O Brasil já sofria com altos índices de inflação, e intensa
mobilização popular, agregados a um marasmo econômico, servindo de justificativa para o
Golpe de Estado de 1964. Destaca Mendonça (2006, p. 11) que “a crise de 64 seria, pois a
unidade de determinações econômicas – oriundas do estilo capitalista brasileiro apoiado no
Estado e no capital estrangeiro – e políticas, pela a ascensão do movimento de massas” e esse
se tratava de “um período de descenso do ciclo econômico, mas não de uma crise econômica
de maiores proporções, que pusesse em risco a continuação da acumulação capitalista”.
Já na ditadura o primeiro presidente foi Humberto de Alencar Castelo Branco, que teve
como desafio o controle da inflação. E para combatê-la propôs um rigoroso reajuste fiscal, com
o aumento de impostos, redução das despesas públicas e o controle rígido da emissão de moeda.
Mas as mudanças prosseguiram no sistema tributário, financeiro, trabalhista e previdenciário
do Brasil. Houve um aumento na arrecadação, o que permitiu ajustar as contas públicas,
controle da inflação, organização do sistema financeiro.
Com os ajustes feitos por Castelo Branco, tivemos o período chamado de Milagre
Econômico Brasileiro, a partir de 1967 no governo de Arthur da Costa e Silva, tendo
continuidade no governo do General Emílio Garrastazu Médici. O PIB brasileiro cresceu tendo
uma inflação tolerável. Em contrapartida foi à época de mais endurecimento do regime militar
em relação à manifestação política, com prisões, torturas e assassinatos. Tal melhora econômica
se dava pelo fato de que o governo militar capitalizava recursos internacionais com juros baixos,
sendo vantajoso num primeiro momento. Com a crise do petróleo, dispararam os preços,
levando o Brasil a uma situação econômica inflacionária caótica.
Nos anos 70 a economia mundial entra em colapso, com a crise do petróleo, que acarretou
a necessidade da busca de capital além do Estado, passando-se a falar em globalização. Portanto
o milagre econômico que aparentemente existia no Brasil começa a ter um declínio, pois a crise
803
do petróleo atingira a economia mundial, obrigando muitos países a se adequarem para o
enfrentamento da crise. Conforme Mendonça (1996, p. 54):
A crise do petróleo e o arrefecimento econômico mundial vinha a levantar o “véu da
euforia” que o milagre produziria, desnudando o caráter desequilibrado da fase
anterior, que estivera dissimulado – e também agravado – por uma conjuntura
internacional extremamente favorável. A crise do milagre brasileiro caracterizou-se
por duas peculiaridades: foi uma crise de endividamento e uma crise de fim de fôlego
do Estado na manutenção do ritmo de crescimento. (MENDONÇA, 1996, p. 54)
Esta crise se deu em 1974 durante o Governo de Ernesto Geisel (1907-1996), que tentou
dar continuidade aos programas de desenvolvimento econômico o que acarretou a disparada da
dívida externa. Com o Brasil em colapso surgem classes “burguesas” de empresários que
apresentam algumas soluções para estancar a crise aliando aos seus interesses. Como bem
define Mendonça (1996, p. 63):
Diante da crise do capitalismo em geral e do brasileiro, em particular, estes
empresários de vanguarda, do setor de bens do capital, tiram do “boldo do colete” um
projeto de desenvolvimento mais humano e com preocupações mais sociais, vindo de
encontro a todas as necessidades da sociedade. Não há dúvidas que eles não
representem o núcleo dinâmico da acumulação – setor de bens de consumo duráveis
– tentando com essa campanha, obter ganhos políticos quando da redefinição futura
do pacto de dominação (o que de fato ocorreu a partir de 1982). (MENDONÇA, 1996,
p. 63)
Já em 1979, assume João Baptista de Oliveira Figueiredo, que teve como característica a
abertura políticas, com a concessão de anistia aos que tiveram seus direitos políticos suspensos.
A economia brasileira continuava incontrolável pelos constantes aumentos do petróleo (FGV,
2017). A solução foi diminuir o crescimento econômico através para assim frear a crescente
dívida. Com o baixo crescimento do PIB e a inflação alta, aliados com a insatisfação do regime
militar, houve por parte da população um clamor para a mudança na forma de governo, que
culminou com a eleição de Tancredo Neves, que veio a falecer antes de assumir a presidência,
cabendo ao seu vice-presidente José Sarney conduzir o Brasil para a constituinte.
Embora o período militar tenha apresentado, em seu, inicio um aparente controle
econômico, este regime deixou um passivo, que levou décadas para serem quitados. Este
descontrole inflacionário contribui para a estagnação do país frente a novos investimentos, bem
com a aplicação de políticas públicas capazes de diminuir as desigualdades que acompanham
804
o Brasil desde a sua colonização. Pois embora apresentando elevados índices econômicos, havia
uma alta concentração de capital, junto aos empresários.
A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DOS PROBLEMAS E POLÍTICAS SOCIAIS NO
CONTEXTO HISTÓRICO E A BUSCA DO ESTADO DE BEM ESTAR
Destaca Bonete (2007, p.11) que a “relação entre Estado, às classes sociais e a sociedade
civil, pressupondo que são nesta relação que se originam os agentes definidores das políticas
públicas”. Para entendermos algumas políticas públicas atuais, é necessário compreendermos
como estas demandas se tornaram o que são hoje, sendo que nenhuma política pública é
aplicada sem ter uma demanda definida pelo gestor público, elas são fruto do movimento da
sociedade. Precisamos conhecer os fatos históricos, sua articulação como fato políticos,
culturais e sociais que resultam no processo de implementação de políticas públicas.
A busca constante, por parte do Estado em diminuir as desigualdades sociais, produzem
decisões que nem sempre agradam a maioria da população Desigualdade é uma propriedade da
distribuição da riqueza, em uma dada população ou sociedade, já a pobreza é uma condição de
indivíduos ou grupos os quais se encontram privados dos meios necessários de subsistência.
Portanto algumas políticas públicas são voltadas para a erradicação da pobreza no Brasil, que é
medida no Brasil através dos indicadores tais como o PIB (Produto Interno Bruto) per capita
de num pais ou o percentual de renda média de seus habitantes. Cabe ressaltar que o Estado tem
atribuições de proporcionar a sociedade o provimento de necessidade básica que precisam ser
atendidas, como: acesso a saneamento, habitação, à educação, à saúde, à cultura e em muitos
casos de acesso à liberdade.
O que se tem procurado de todas as formas no contexto histórico de busca do bem estar
coletivo é diminuir a exclusão imposta do mundo capitalista contemporâneo, que impõe
barreiras de acesso do cidadão aos benefícios do Estado. Portanto para que os indivíduos
possam desfrutar de sua condição de cidadão, gozando dos direitos que o Estado oferece, se faz
necessário acesso a uma renda adequada que permita desfrutar de um padrão de vida igualitário
a todos da população.
A intervenção feita pelo Estado na proteção dos direitos dos indivíduos se faz necessária,
até que possamos atingir um nível de conscientização coletiva, que se dará através da educação.
Tivemos avanços significantes na busca da implantação de políticas públicas a partir dos
anos 2000, buscando-se um Estado de Bem-Estar Social. Esta busca suscitou profundas criticas,
sendo responsabilizada por provocarem déficits nas contas públicas, bem como de impedir o
805
crescimento econômico. Estas convicções provocaram uma onda de reformas do Estado, a partir
de setores ligados a economia, buscando reduzir as responsabilidades deste na proteção social,
comprimindo seus gastos e deixando consequentemente ao mercado a tarefa de prover,
comercialmente, esquemas de proteção, tais como planos de saúde e de previdência, como
temos acompanhado ultimamente no Brasil. Não podemos abdicar da função do Estado de
mediador nas relações de mercado, pois somente desta forma, poderemos garantir a proteção
dos cidadãos.
Esta busca de um Estado de Bem-Estar, por muitas vezes é mal compreendido, por alguns
setores da sociedade. Mas cabe destacar que se trata apenas de uma busca de oportunidades
igualitárias para todos. Conforme Draibe (2007, p. 31), a busca por este Estado de Bem-Estar
tem como grande apoiador a educação da população, pois com o devido conhecimento, se terá
a devida compreensão das ações desenvolvidas:
Tem sido frequentemente associada aos partidos sociais democratas europeus dos
anos de 1990, em especial a “terceira via” e as suas propostas de um Estado de bem –
estar ativo (active Welfare State), entendido como aquele que enfatiza a redução dos
riscos sociais mediantes a educação e a capacitação, com o objetivo de transformar os
cidadãos de meros receptores passivos de benefícios sociais e pessoas independentes,
ativas, coprodutoras da sua própria proteção social. (DRAIBE, 2007, p. 31)
O Estado de Bem-Estar Social enfrenta muitos questionamentos, com o envelhecimento
da população em diversos países do mundo, aumentando a expectativa de vida, houve o
aumento dos gastos públicos referente à previdência, bem como a redução dos postos de
trabalho com o aumento da tecnologia, passando a recair sobre os estados os encargos com a
aplicação de políticas públicas. Fatores que vem ao desencontro do Estado de Bem-Estar
servem para gerar mais descontentamento e críticas a sua aplicação, destaca Pacheco (2009, p.
32).
Obviamente, os efeitos mais drásticos da crise do Estado atingem os direitos
fundamentais sociais, que são afetados pelo fato de o Estado buscar reduzir o déficit
fiscal. Essas exigências que nascem do poder econômico fazem com o que os países
adotem as chamadas políticas de reformas no sistema de seguridade social, criando
assim, um círculo vicioso de diminuição de benefícios e de descaracterização do
Estado de bem-estar ou Estado social. Assim são exigidas reformas na legislação
trabalhista e impostos limites nas concessões de direitos assistenciais e de inclusão
social, acreditando se tratarem de gastos públicos. (PACHECO, 2009, p. 32)
806
É preciso continuar com a aplicação de Políticas Públicas relacionadas à busca do estado
de Bem-Estar da sociedade. Pois no momento é a única forma de termos uma perspectiva de
melhoramento social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que queremos para o Brasil é um Estado que procure atender a todos com o provimento
das necessidades básicas, bem como de permitir que aquelas pessoas que estejam em situação
de desigualdade social, possam ascender e ter condições de disputar, com os demais membros
da sociedade em igualdade. Sabemos que o Brasil, na sua condição de pais emergente a redução
da pobreza e das desigualdades sociais é crucial para a solidificação da democracia e para a
realização da nossa coesão social.
Portanto o aprendizado na área de políticas pública se faz com o acumulo de leituras e
pesquisas, discussões, reflexões. Devemos manifestar nossas opiniões de forma que possamos
produzir políticas públicas que possam gerar bem estar social e diminuir a desigualdade social.
O certo é que o Estado é fundamental nos processos de desenvolvimento de
emancipação da pessoa humana, havendo a necessidade de que seus agentes e a
sociedade como um todo, promovam políticas públicas priorizando esse viés. Por isso
o Estado não pode ser reduzido a uma única função, embora em determinados
momentos históricos e em determinados países isso ocorra, o que limita as
possibilidades de promoção de seu desenvolvimento social, econômico, político e
cultural. (MENDONÇA, 2009, p. 35)
O que está acontecendo no momento é uma redução da responsabilidade do Estado,
comprimindo gastos na proteção social, deixando ao mercado a tarefa de promover muitas
atividades que são inerentes ao Estado. Portanto vivemos dias de incertezas sociais, onde temos
governantes preocupados na representação de empresários, que tem como meta a proteção
econômica, nem que para isto, seja necessária a manutenção da desigualdade social.
Como resultado das políticas neoliberais, o autor cita as políticas de profundo corte
de gastos sociais, privatizações, desregulamentação econômica, aumento da
concentração de renda e, para finalizar supressão ou tentativa de supressão de várias
conquistas históricas do homem trabalhar e do homem consumidor, ou seja, dos
direitos econômicos e sociais. (MENDONÇA, 2009, p. 61)
Algumas obras utilizadas neste texto, embora escritas no começo do século, tendo uma
época distante da que vivenciamos hoje, sua leitura transcende o tempo e é tão útil nos tempos
807
atuais, do que no tempo em que foi escrita. A análise do contexto histórico, por muitas vezes se
torna mais importante do que a atualidade dos fatos, tendo em vista os inúmeros exemplos que
temos do passado. Certo é que o estudo das políticas públicas precisa transcender a academia,
de uma forma que toda a sociedade esteja entrelaçada e imbuída de mesmos objetivos, que é
diminuir as desigualdades sociais. Portanto a aplicação de políticas públicas no Brasil atual
reflete em grande parte, a história das políticas sociais no País.
Mesmo remontando ao tempo da industrialização e modernização, onde apenas algumas
classes de trabalhadores eram contempladas com direitos. Ficando os demais excluídos da
assistência do Estado. Embora houvesse uma progressão a partir da década de 1960 com a
população se mobilizando em busca de seus direitos, podemos visualizar que foi a partir dos
anos de 1980 que houve um avanço significativo, através da constituição Federal de 1988, tendo
um projeto de Estado de Bem-Estar Social que atinja a todos. A constituição federal possui
embasamento para combater a pobreza e a desigualdade social, porem temos notado que estes
avanços são freados de acordo com a ideologia partidária que está no poder.
REFERÊNCIAS
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Disponível em < https://www.coladaweb.com/economia/adam-smith-o-formulador-da-teoria-
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a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
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algumas lições da literatura contemporânea. In.: HOCHMAN, Gilberto (org.) Políticas Públicas
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808
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Acesso em 10.Jul.2017
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MENDONÇA, Sônia Regina; FONTES, Virgínia Maria. História do Brasil recente, 1964-
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PACHECO, Júlio César de Carvalho. Os direitos sociais e o desenvolvimento emancipatório:
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2009.
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil : de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: FGV,
2007.
WIKIPEDIA. Estado – Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Estado>. Acesso em 04.Ago.2017.
809
A INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E
ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE SÃO BORJA-RS 53
Renan Mendonça Alves 54
Milena Dorneles Rodrigues 55
Rosilaine Coradini Guilherme 56
RESUMO: O presente trabalho foi elaborado a partir da experiência teórico-prática junto ao
Projeto de Extensão intitulado Formação e Assessoria em Políticas Sociais no município de São
Borja/RS, vinculado a Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA, Campus São Borja-RS.
O artigo tem por objetivo abordar a intersetorialidade das políticas públicas de saúde e
assistência social, a fim de produzir subsídios teóricos práticos para o fortalecimento do
atendimento integral prestados à população, considerando os pressupostos contidos na Política
Nacional de Assistência Social-PNAS e no Sistema Único de Saúde-SUS. Esse projeto
contempla as dimensões socioeducativa, sociopolítica e socioeconômica, cujas ações almejam
fomentar a articulação ensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido, o artigo pretende pautar três
aspectos considerados relevantes: a construção das políticas públicas e suas contradições no
processo sócio-histórico; a constituição das políticas de saúde e assistência social como direito
universal de todos os cidadãos; e as ações fomentadas pelo referido projeto de extensão, o qual
se encontra em implementação no município de São Borja/RS desde o início do ano de 2017.
O estudo está fundamentado a partir do levantamento de dados em fontes documental e
bibliográfica, pautando-se no método dialético crítico que tem como categorias centrais a
totalidade, a historicidade e a contradição. A importância deste estudo envolve a proposição de
refletir a respeito da temática intersetorialidade para a promoção e garantia do atendimento
53O projeto se encontra cadastrado na plataforma SIPPEE da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA,
Campus São Borja - RS, sob nº 08.020.17 - contemplado com duas bolsas discentes: Edital Nº 60/2017 - PROFEXT
- Programa de Fomento à Extensão; Edital 375/2016 - PDA - Programa de Desenvolvimento Acadêmico (PDA) -
Iniciação à Extensão. 54 Bolsista do Projeto de Extensão Formação e Assessoria em Políticas Sociais no município de São Borja/RS;
Acadêmico do 6º semestre do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA, Campus
São Borja/RS. E-mail: [email protected] 55Bolsista do Projeto de Extensão Formação e Assessoria em Políticas Sociais no município de São Borja/RS;
Acadêmica do 4º semestre do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA, Campus
São Borja/RS. E-mail: [email protected] 56Coordenadora do Projeto de Extensão Formação e Assessoria em Políticas Sociais no município de São
Borja/RS; Assistente Social; Doutora em Serviço Social – PUC-RS; Docente do Curso de Serviço Social da
Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA, Campus São Borja/RS. E-mail:
810
integral a população usuária das políticas públicas. E, também, por se constituir como subsídio
teórico-prático, provocando extensionistas e pesquisadores avançarem na construção de
conhecimentos a respeito dessa temática. Por fim, o estudo revela que o desenvolvimento de
ações intersetoriais e o trabalho em rede, se constituem como importante desafio no âmbito da
gestão e da implementação das políticas públicas de saúde e assistência social, considerando a
promoção e a garantia do atendimento integral à população usuária dessas políticas.
Palavras-Chaves: Intersetorialidade, Assistência Social, Saúde, Extensão.
INTRODUÇÃO
No Brasil vive-se um cenário de desmonte das políticas sociais no que se refere aos
investimentos com a área social, o que se caracteriza pela precarização da seguridade social,
esta composta a partir da Constituição Federal de 1988 pelo sistema de proteção social, que tem
como pilares as políticas de saúde, assistência social e previdência social. Logo, diante de um
cenário de intensificação da ofensiva de um Estado de plataforma governamental alinhada ao
referencial teórico neoliberal, o que se vive na atual conjuntura é a investida do mercado em
desvincular direitos assegurados no pacto democrático da carta cidadã, no intuito de transformar
direitos constitucionais em mercadorias.
A ofensiva neoliberal que afronta os direitos da classe trabalhadora, os quais são
coletivamente conquistados a partir dos movimentos de resistências, hoje se encontram em
processo de desmonte. Esse processo nitidamente converge aos interesses da classe dominante
que, em suma, não considera a dimensão social da riqueza que é socialmente produzida e
privadamente é apropriada pelos detentores dos meios de produção. Essa classe, antes
representa o interesse da burguesia internacional, bem como do capital estrangeiro, a fim de se
apropriar do mecanismo estatal, atingindo a classe trabalhadora que é lesada nessa relação de
dominação, opressão e exploração da força de trabalho.
Entende-se como de suma importância que se impulsione um debate que provoque a
reflexão quanto à trajetória das determinações sociais, dos elementos que constituem e
explicitam as políticas sociais como direito, ou seja, como produto histórico, resultado de
tensões, lutas, e conquistas de classe trabalhadora organizada. Nesse sentido, o objetivo desse
trabalho é abordar a intersetorialidade das políticas públicas de saúde e assistência social, a
partir da implementação de ações de formação desenvolvidas no município de São Borja-RS,
no intuito de produzir subsídios teórico-práticos que contribuam para o fortalecimento da
integralidade dos serviços prestados à população.
811
Tais ações decorrem do Projeto de Extensão intitulado Formação e Assessoria em
Políticas Sociais no município de São Borja/RS, o qual se encontra em implementação desde o
primeiro semestre letivo de 2017, tendo como objetivo instituir ações de formação e assessoria
aos profissionais cujos espaços ocupacionais envolvam a gestão, a implementação e a avaliação
das políticas sociais, no intuito de fortalecer a intersetorialidade, o controle social e os
respectivos atendimentos prestados à população de São Borja/RS. A equipe responsável por sua
execução é constituída por profissionais, docentes, discentes e bolsistas da Universidade
Federal do Pampa-UNIPAMPA, Campus São Borja/RS. Também se estrutura mediante
parcerias estabelecidas com a Secretaria da Saúde, Secretaria de Desenvolvimento Social e
Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do município.
Ao construir o presente artigo, o mesmo se estrutura a partir de três eixos específicos para
que se contemple o objetivo proposto: na primeira seção o trabalho irá contextualizar a trajetória
histórica da política social no Brasil, enfatizando o período entre 1930 a 1988, visando explicitar
as contradições inerentes ao processo de construção das políticas públicas. Oportunizando aferir
o que significou e significa hoje os direitos sociais, direitos políticos e direitos civis, no intuito
de desmistificar a naturalização da lógica do favor e do assistencialismo inerente a concepção
de Estado patrimonialista e autoritário. Na segunda seção pretende-se abordar a configuração
das políticas de assistência social e saúde pós Constituição Federal de 1988, a fim de dar
visibilidade a importância da perspectiva da intersetorialidade dessas políticas sociais para a
materialização da integralidade dos respectivos serviços. Nesse debate o que se destacará é o
pacto democrático de 1988 que, no texto constitucional, inaugura a universalização dos direitos
sociais e da descentralização da gestão dos recursos, bem como a primazia do Estado enquanto
responsável pela promoção, defesa e garantia de cidadania. Também os conceitos de
integralidade, intersetorialidade serão enfatizados quanto na relação direta com as políticas
sociais, no que tange ao sistema de proteção social. Para que se apreenda o conceito ampliado
de cidadania e de política pública que premia a dignidade humana no que se define por
seguridade social. Na terceira seção do artigo serão apresentadas algumas reflexões a respeito
das ações de formação implementadas no município de São Borja-RS, por meio do já
mencionado Projeto de Extensão. De maneira geral, o trabalho apresentará os desafios e as
possibilidades históricas para a materialização da intersetorialidade nos serviços, nesse sentido
também se demonstrará a importância da articulação das políticas públicas de assistência social
e saúde, no processo de atendimento integral.
812
METODOLOGIA
O estudo está fundamentado a partir do levantamento de dados em fontes documental
e bibliográfica, pautando-se no método dialético crítico que tem como categorias centrais a
totalidade, a historicidade e a contradição. Nesse sentido, “[...] pode-se definir método como
caminho para se chegar a determinado fim. E método científico como o conjunto de
procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento” (GIL, 2008,
p.27). O autor afirma que todo o conjunto de ações previamente planejadas pressupõe um rigor
metodológico e instrumental a serviço de uma finalidade, a partir da apreensão de categorias,
particularidades e mediações do objeto ao qual se propõe a estudar e intervir.
Nesse processo, considerando o método dialético crítico, destacam-se as suas
categorias – historicidade, contradição e totalidade – as quais são definidas como se lê:
[...] Historicidade - como um processo que compreende a processualidade dos fatos,
sua provisoriedade e seu movimento permanente de superações. Totalidade - como
um todo articulado por conexões que permite a apropriação do cotidiano a partir da
compreensão histórica econômica e política como constituintes da construção da
sociedade capitalista ocidental. Contradição – é a força motriz (C x T) que provoca o
movimento de transformação instigando a partir da luta dos contraditórios, os
processos de mudança, devir na realidade dos sujeitos (TURCK, 2012, p. 12).
Nessa perspectiva, a elaboração do presente trabalho também se estrutura no
referencial de Gil (2008), considerando que o mesmo se caracteriza como uma pesquisa
qualitativa, de caráter exploratório, cujo levantamento de dados procede de fontes documental
e bibliográfica. As fontes de caráter documental incluem legislações como a Constituição
Federal de 1988, Lei Orgânica da Assistência Social-LOAS (Lei nº 8.742, de 7 de Dezembro
de 1993) e a Lei Orgânica Saúde (Lei 8.080 de 19 de Setembro de 1990) que trata do Sistema
Único Saúde-SUS; já as bibliográfica compreendem livros e artigos, os quais abrangem o
processo de fundamentação teórica das reflexões decorrentes. O recorte das fontes se estrutura
a partir das temáticas intersetorialidade das políticas sociais da saúde e assistência social,
enfatizando o recorte temporal 1930-1988 no âmbito do território brasileiro.
POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL: da Era Vargas ao Estado Democrático e de Direito
813
A partir da contextualização da trajetória histórica da política social no Brasil, enfatizando
o recorte do período histórico de 1930 a 1988, explicitam-se as contradições inerentes ao
processo de construção das políticas públicas. Abordando os elementos chaves da formação
sócio-histórica brasileira, no que se refere ao campo econômico, político e social. O primeiro
achado que se dá destaque no trabalho em questão é o processo de inauguração, ainda que de
maneira restritiva e focalizada, a uma determinada categoria profissional pela Lei Eloy Chaves
em 1923. Ou seja, as Caixas de Aposentadoria e Pensão-CAPs, onde a partir delas se deu a
expansão da previdência social para o segmento dos trabalhadores ferroviários (COUTO, 2008).
Essa política se transforma como se lê:
[...] Vários institutos foram criados no Brasil nessa época. São eles: Instituto de
Aposentadoria e Pensão dos Marítimos (IAPM), em 1933; Instituto de Aposentadoria
e Pensão dos Comerciários (IAPC) em 1934; Instituto de Aposentadoria e Pensão dos
Bancários (IAPB) em 1934 Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários
(Iapi), em 1936; Instituto de Aposentadoria e Pensão dos dos trabalhadores de
Transporte e Cargas, em 1938; Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Servidores
Cívis (Ipase), em 1938 (COUTO, 2008, p.97).
Destaca-se que as características interventivas do Estado com a sociedade brasileira
nesse período da década de 1930, capitaneado pelo então presidente Getúlio Vargas, conforme
a autora em questão, envolve a lógica de harmonização das relações de classes, isto é,
estabelecer a conciliação entre o capital e o trabalho. Em 1930 no Brasil, com a ascensão do
então presidente Getúlio Vargas, inaugura-se o processo de retomada do desenvolvimentismo
na esteira do liberalismo que, por meio do capital estrangeiro, financiava o processo de
desenvolvimento das economias subdesenvolvidas. Esse elemento deslocou o até então modelo
agroexportador para o modelo industrial, o qual acarretou na formação das cidades e no
processo de urbanização, bem como inaugurou a questão social, num contexto marcado pela
sociabilidade capitalista. Nesse sentido, “[...] a questão social no capitalismo, cujo fundamento
se encontra nas relações de exploração da força de trabalho. A questão social se expressa em
suas refrações (Netto, 1992) e por outro lado os sujeitos históricos engendram formas de seu
enfrentamento” (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 51-52).
O processo de tensão entre as classes – capital versus trabalho – acirrou-se, o que
explicitou as expressões da questão social, tanto no que tange as desigualdades, bem como no
que se refere aos movimentos de resistências. Nesse contexto histórico, movimentos que
lutavam para criação, expansão e defesa intransigente de mecanismo legais e institucionais
814
garantidores de direitos à população que se encontrava em condição de total desprovimento de
dignidade social, estavam cada vez mais fortalecidos. Esse fortalecimento decorre, em parte,
do movimento de sindicalização dos trabalhadores, bem como de reinvindicação por condições
de vida mais igualitárias e humanas. Em 1930, o então presidente Getúlio Vargas, para
harmonizar a luta de classes criou o Ministério do Trabalho, com o objetivo de regular a relação
entre empregadores e empregados (COUTO, 2008). Tem-se que o “[...] Decreto nº 19.770, de
19 de março de 1931, de autoria de Joaquim Pimenta e Evaristo Morais, institui as condições
de formalizar sindicatos, que necessitavam de aprovação do Ministério para funcionar e se
constituíram em órgãos de colaboração com o poder público (COUTO 2008, p.95).
Junto aos sindicatos, seu governo cria as leis trabalhistas na lógica de conformar ações
que atendessem a demanda da classe trabalhadora, mesmo que de forma estatal pela criação dos
Institutos, na lógica paternalista e assistencialista. Destaca-se na citação abaixo os contornos do
regime de governo adotado nesse período, como cita a autora:
[...] A regulamentação entre capital e trabalho foi a tônica do período, o que parece
apontar para uma estratégia legalista na tentativa de interferir autoritariamente, via
legislação, para evitar conflito social. Toda a legislação trabalhista criada na época
embasava-se na ideia do pensamento liberal brasileiro, onde a intervenção estatal
buscava a harmonia entre empregadores e empregados. Era bem-vinda na concepção
dos empresários, toda a iniciativa do Estado que controlasse a classe operária. Da
mesma forma, era bem-vinda por parte dos empregados, pois contribuía para melhorar
suas condições de trabalho (CORONE apud COUTO 2008, p. 95).
Pode-se constatar que nesse período toda a iniciativa de regulamentação trabalhista nada
tinha a ver com a ideia de promoção dos direitos. Esse cenário inaugurado pela Consolidação
das Leis Trabalhistas-CLT tinha sua razão de ser na manutenção do status quo burguês, que
buscava evitar que as massas de trabalhadores descontentes se unissem para, de maneira
coletiva, reivindicar maior acesso a bens e serviços. Nesse momento, com a entrada do Brasil
no cenário industrial a organização social da casse trabalhadora é relevante, pois a garantia de
direitos vinculados à cidadania formal via contrato de trabalho foi um avanço, embora se inclua
como uma estratégia do Estado regulador. Toda essa concepção assistencialista e paternalista
está assentada nas raízes sócio-históricas brasileira, que se traduz ao longo período colonial,
imperial e ditatorial de que o Brasil é produto resultante. Com uma sociedade que carrega em
si as marcas da mentalidade escravocrata e oligárquica, o que se reproduz na alienação da classe
operária, desprovida de direitos civis, político e sociais; reproduz-se a utilização do poder
815
estatal para a promoção do assistencialismo e do paternalismo, que viabiliza o Estado burguês
(BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
O sistema de proteção social no período de 1930-1964 se apresenta com seus respectivos
governos e configuração do Estado. Nota-se um conjunto de direitos que são implementados
pelo Estado, no intuído de harmonizar a relação dos trabalhadores e empregadores, o que
contraditoriamente era insuficiente devido exploração, repressão e dominação que Estado
promovia. A população que se encontrava a margem do contrato social, não acessava tais
direitos, pois a cidadania regulada é a que se privilegia nesse período, ficando os desassistidos
pelo sistema de proteção social, todos aqueles que não tinham vínculo trabalhista formal. O que
recai para a filantropia e assistencialismo voluntarista de pessoas por iniciativa própria, sem
vínculo com o programa de governo do Estado, tampouco se pensava em política sociais de
acesso universal, equânime de caráter não contributivo.
Ao analisar o período ditatorial de 1964 a 1985 avalia-se a constituição sócio-histórica
das políticas sociais que se chocam com a governabilidade promovida pela utilização de atos
institucionais, como o Ato Institucional Número 5-AI 5 que cerceou todos os direitos civis e
políticos. O que contraditoriamente regulamentou determinados benefícios para classe
trabalhadora, no intuito de legitimação do regime ditatorial. Nesse movimento o período é
marcado pelo robusto aparelhamento do Estado e o forte investimento em procedimentos
técnico-burocráticos, sendo base para criação instituições de cunho social. Esse período é
marcado por uma contradição histórica, inerente a questão social, ao passo que se produz
riqueza, também se acirra a reprodução da desigualdade social como afirma a citação:
[...] três pilares básicos: o aprofundamento da exploração da classe trabalhadora
submetida ao arrocho salarial, às mais duras condições de trabalho e à repressão
política; a ação do Estado, garantindo a expansão capitalista e a consolidação do
grande capital nacional e internacional, e a entrada maciça de capitais estrangeiros na
forma de investimentos e de empréstimos (HABERT Apud COUTO 2008, p. 128).
A partir do que afirma a autora verifica-se que as péssimas condições enfrentadas pela
classe trabalhadora brasileira se contrastavam com o desenvolvimento econômico, em que o
regime militar dava destaque. Outro elemento contraditório é o forte movimento que surge
contra todas as ações repressivas do Estado ditatorial, entre os quais se se destaca a organização
político partidárias e os movimentos como o dos estudantes pela UNE que junto com outras
816
formas responsáveis pelas manifestações que obrigaram o governo militar a encaminhar o
processo de redemocratização (COUTO, 2008).
Na década de 1980, o conjunto de expressões da questão social, seja a crise que a
economia brasileira enfrentava nesse período, somado a alta taxas de desempregos e a baixa
condição de vida que grande parcela da população se encontrava, se revertiam em mobilização
social, como movimento de resistência da classe trabalhadora. Nesse período o regime ditatorial
vivia uma crise institucional por não conseguir responder as demandas sociais e econômicas,
com isso setores da sociedade civil a favor da redemocratização do país, se mobilizaram a fim
de deflagrar junto aos movimentos sociais o movimento prol constituinte, o que depois de 3
anos de redação, em 1988, resultaria na Constituição Federal (MATOS, 2013).
A NOVA CONFIGURAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS A PARTIR DE 1988
No ano de 1988 o Brasil, após a Constituinte, inicia um novo momento enquanto
organização do Estado, passado do Regime Militar Ditatorial instalado a partir de 1964, para o
Estado Social Democrático e de Direito (BEHRING; BOSCHETTI, 2007). Ao analisar a
configuração da Política Nacional de Assistência Social e Saúde pós Constituição Federal de
1988, visibiliza-se a importância da perspectiva da intersetorialidade que, conforme Junqueira
apud Nascimento (2010, p.100):
[...] constitui uma concepção que deve informar uma nova maneira de planejar,
executar e controlar a prestação de serviços, de forma a garantir um acesso igual dos
desiguais. Isso significa alterar toda a forma de articulação dos diversos segmentos da
organização governamental e dos seus interesses. Diante disso, a implantação
integrada das várias políticas sociais não depende apenas da vontade política de quem
tem o poder ou os recursos disponíveis, pois cada política setorial tem seus interesses
e práticas.
Nessa perspectiva, para a materialização da integralidade dos serviços é indispensável
apontar para o conceito contido no texto constitucional da Seguridade Social no artigo 194 que
em si reúne as políticas de saúde, assistência social e previdência social. No artigo 3º da
Constituição Federal são definidos como objetivos da República Federativa do Brasil:
[...] I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – Garantir o
desenvolvimento nacional; III – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de descriminação
(BRASIL, 1988, p.1)
817
Os objetivos constitucionais evidenciam com clareza o pacto democrático por ações que
promovam, defendam, programem ações que enfrentem a desigualdade social. Para isso se
reforça o processo intersetorial e integral das políticas sociais que vão de encontro ao
enfrentamento da vulnerabilidade social, no combate dos riscos sociais. Outro elemento
inaugurado pela Constituição em seu parágrafo único, do artigo 194, é a determinação de que:
[...] Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar, a seguridade social, com
base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento;
II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e
rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – equidade na participação no custeio;
VI – diversidade da base de financiamento; e VII – caráter democrático e
descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em
especial de trabalhadores, empresários e aposentados (BRASIL, 1988, p. 40).
No que se vê no texto constitucional, destaca-se primazia do Estado em ser responsável
legal pela seguridade social, o caráter universalista e inalienável da mesma. A Constituição trata
do tripé da seguridade social, e de sua concepção que se constitui conforme o texto
constitucional nos artigos:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação [...]. Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime
geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que
preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei [...]. Art.
203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social (BRASIL, 1988, p.40).
No centro desses artigos está a concepção do sistema de proteção social que avança em
relação ao modelo residual, focalizado, promovido no período de 1930 a 1988, o que
consequentemente insere o conceito ampliado de cidadania, não mais regulada via contrato de
trabalho, mas como condição humana histórica.
O que é contraditório à Constituição Federal de 1988 são os governos que se seguiram,
após a sua promulgação que se inclui os presidentes Color de Melo (1990), Itamar Franco
(1993) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) de matriz neoliberal, que nasce e se alimenta
do liberalismo, que ao longo de seus mandatos presidenciais atacaram e implementaram uma
dura agenda contra a desvinculação dos direitos constitucionais, em detrimento do
desenvolvimento econômico.
818
[...] O liberalismo, alimentado pelas teses de David Ricardo e, sobretudo, de Adam
Smith (2003), que formula a justificativa econômica para a necessária e incessante
busca do interesse individual, introduz a tese que vai se cristalizar como fio condutor
da ação do Estado liberal: cada indivíduo agindo em seu próprio interesse econômico,
quando atuando junto a uma coletividade de indivíduos, maximizaria o bem-estar
coletivo. É o funcionamento livre ilimitado do mercado que assegura o bem estar. É
a “mão invisível” do mercado livre que regula as relações econômicas e sociais produz
o bem comum (BEHRING; BOSCHETTI 2007, p.56).
Os governantes que seguiram a matriz neoliberal, por meio de emendas constitucionais
que alteravam, ou abriam prerrogativas para que o mercado participasse pela via das parcerias
público-privada na prestação de serviços à população mediante licitações públicas, o que
fragilizou fragmentando e focalizando gradativamente as políticas públicas No cenário atual o
que se presencia é a reconfiguração da política pública, nos mínimos sociais de orientação de
uma política de governo neoliberal, com isso se promove o desmonte do Estado pela
precarização do poder estatal. Em um movimento contracorrente a essa configuração dos
últimos governos, a classe trabalhadora tem somados esforços para num movimento de
resistência a ofensiva neoliberal garantir o que está assegurado na Constituição Federal de 1988
(BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
No que se refere às políticas sociais de saúde e assistência social, parte-se de pontos de
como o relatório 8ª Conferência Nacional de Saúde, que de maneira estratégica não só define o
conceito ampliado de saúde, bem como destaca a perspectiva do atendimento das demandas da
população pela lógica do direito social integral, intersetorial e interdisciplinar. Quando afirma
que:
[...] direito não se materializa simplesmente pela formalização no texto constitucional.
Há simultaneamente, necessidade do Estado, assumir explicitamente uma política de
saúde consequente e integrada as demais políticas econômicas e sociais, assegurando
os meios que permitam efetiva-las (BRASIL, 1986, p. 04).
O artigo quando apresenta o Estado como responsável pela garantia das ações integrais,
é pela própria concepção do conceito ampliado de saúde, que se abrange “ a saúde como
resultado das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde”
(BRASIL,1986,p.04). Com isso o diálogo com as políticas de assistência social, educação,
previdência social, segurança, habitação, trabalho entre outras, se fazem pertinentes para que
819
se garantam os princípios do Sistema Único de Saúde- SUS (Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de
1990) entre os quais se cita no seu artigo 7º “[...] II - integralidade de assistência, entendida
como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais
e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (BRASIL
1990, p.02).
Somada ao princípio citado, a Política Nacional de Assistência Social-PNAS, apresenta
também em seu texto, em detrimento da integralidade do atendimento as demandas dos usuários
da política social, que para garantir a integralidade dos serviços socioassistenciais, é
indispensável o diálogo intersetorial e interdisciplinar com as demais políticas públicas,
especialmente com as políticas de saúde e previdência social, já que juntas constituem o sistema
de seguridade social. Conforme a PNAS é um de seus princípios: “Universalização dos direitos
sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas
públicas” (BRASIL 2004, p.32). Com isso o artigo aponta para intersetorialidade das políticas
sociais, como caminho que contempla de maneira integral a universal os serviços de proteção
socioassistencial, bem como os de prevenção e promoção de saúde ampliada.
A CONTRIBUIÇÃO DA EXTENSÃO NA ARTICULAÇÃO DOS SABERES
TEÓRICO-PRÁTICO
O Projeto de Extensão intitulado Formação e Assessoria em Políticas Sociais no
município de São Borja/RS, o qual se encontra em implementação desde o primeiro semestre
letivo de 2017, tem como objetivo instituir ações de formação e assessoria aos profissionais
cujos espaços ocupacionais envolvam a gestão, a implementação e a avaliação das políticas
sociais, no intuito de fortalecer a intersetorialidade, o controle social e os respectivos
atendimentos prestados à população local. Nesse sentido, a partir da experiência vivenciada
enquanto equipe executora do Projeto, é possível destacar que as ações em execução envolvem
o fortalecimento da intersetorialidade das políticas de assistência social e saúde.
A ênfase nas ações deve-se ao fato de que tanto na fase de planejamento, quanto na
execução das ações, houve o estabelecimento horizontal do planejamento e execução das
atividades como grupo de estudos, já no primeiro semestre do ano de 2017. Nesse mesmo viés,
na abrangência da temática políticas sociais, ofertou-se dois minicursos: com os profissionais
das Secretarias de Desenvolvimento Social e da Saúde na cidade de São Borja/RS. No dia 31
820
de Agosto realizou-se o primeiro minicurso com o tema: “Os desafios do trabalho em rede na
Política Nacional de Assistência Social-PNAS no município de São Borja-RS; posteriormente
a esse, na data de 28 de Setembro, o segundo minicurso com a temática: “Desafios na gestão
da saúde pública na perspectiva intersetorial e do trabalho em rede: o cenário local e o nacional”.
As ações de articulação com a rede de atendimento do município de São Borja-RS ocorreu
de maneira integrada, onde a construção das estratégias de intervenções/ações do Projeto de
Extensão foram pensadas a partir do formato construção participativa. Essa construção se
materializou por meio de reuniões de planejamento, apresentação das propostas de ações do
Projeto para as referidas Secretarias e profissionais que atuam nos respectivos serviços. O que
resultou no estabelecimento de parcerias no processo de execução das ações, com apoio da rede
ao qual o Projeto interage. Nesse sentido, materializou o vínculo da Extensão Universitária com
a rede de atendimento, enfatizando a área da saúde e da assistência social, no contexto local do
município de São Borja. Com isso, o Projeto em questão se encontra em pleno desenvolvimento
das suas ações de assessoria e formação no âmbito das políticas sociais no município, tendo em
vista que desenvolverá atividades que encerrarão a edição 2017. Especificamente no dia 26 de
Outubro ocorrerá ação em formato de painel, o qual terá por tema: “Reformas Trabalhista e
Previdenciária e a Ofensiva Neoliberal”. O público-alvo envolverá docentes e discentes, em
nível de graduação e de pós-graduação da área das ciências humanas e sociais; gestores e
profissionais executores das políticas sociais do município de São Borja-RS; demais
interessados.
Já no dia 10 do mês de Novembro, o Projeto de Extensão apresentará o “Seminário
Políticas Sociais e Intersetorialidade: desafios contemporâneos e estratégias profissionais”.
Nessa atividade, além da Conferência de abertura pela parte da manhã, ocorrerão pelo turno da
tarde cincos minicursos simultâneos, os quais abarcarão diversas temáticas no âmbito do debate
das políticas sociais públicas. Igualmente o público-alvo envolverá docentes e discentes, em
nível de graduação e de pós-graduação, da área das ciências humanas e sociais; gestores e
profissionais executores das políticas sociais do município de São Borja-RS; demais
interessados.
Diante da agenda proposta destaca-se os limites e as possibilidades no âmbito da
materialização da perspectiva intersetorial das políticas sociais no município de São Borja/RS,
e a consolidação e a ampliação dos direitos da população usuária desse território, que frente
suas particularidades quanto a sua constituição sócio-histórica, se constitui como um desafio.
821
Numa articulação desse debate com o campo de conhecimento do Serviço Social, segundo
Martinelli (2006, p.14) entende-se que:
[…] Somos profissionais cuja prática está direcionada para fazer enfrentamentos
críticos da realidade, portanto precisamos de uma sólida base de conhecimentos,
aliada a uma direção política consistente que nos possibilite desvendar
adequadamente as tramas conjunturais, as forças sociais em presença. É neste espaço
de interação entre estrutura, conjuntura e cotidiano que nossa prática se realiza. É na
vida cotidiana das pessoas com as quais trabalhamos que as determinações
conjunturais se expressam. Portanto, assim como precisamos saber ler conjunturas,
precisamos saber ler também o cotidiano, pois é aí que a história se faz, aí é que nossa
prática se realiza.
Conforme a autora mencionada, mesmo diante do contexto contraditório da realidade
das políticas sociais inseridas em plataforma de governo neoliberal, é através da direção política
consistente que se potencializa o enfretamento crítico da realidade. Pois é aí que a história dos
direitos, das políticas públicas, da seguridade social se faz de forma processual dialética. Somos
profissionais cuja prática é direcionada por um Projeto Ético-Político comprometido com a
justiça social e com valores que visem a emancipação política ou humana.
Considerando os resultados esperados do projeto, como: a execução das atividades, a
partir do planejamento, reflexão a respeito das ações desenvolvidas, bem como o
monitoramento e avaliação das mesmas conforme a proposta extensionista – os quais estão
articulados aos objetivos específicos do Projeto – apresenta-se de maneira sintética um
panorama das ações desenvolvidas e ou/ em desenvolvimento: 1) Criação de um Grupo de
Estudos. 2) Estabelecimento de parceria com as Secretarias de Saúde e Desenvolvimento
Social, bem como com o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do
município. 3) Realização de uma Oficina aos profissionais da assistência social, ocorrida no dia
24/08/2017. 4) Planejamento de um minicurso aos profissionais que atuam na rede de
atendimento do município, o qual ocorrerá no dia 28/09/2017. 5) Planejamento do Seminário:
Políticas Sociais e Intersetorialidade: desafios contemporâneos e estratégias profissionais, com
agenda prevista para o dia 10/11/2017.
Conforme os objetivos estabelecidos e atingidos ao longo do processo de planejamento
e implementação das ações do Projeto de Extensão, destacam-se as potencialidades que o grupo
de estudo oportunizou aos discentes. Ao articular na reflexão teoria-prática, observou-se que
existe a necessidade de se avançar no debate de um sistema de proteção social integral. O que
822
implica em políticas que dialoguem entre si de maneira intersetorial, a fim de promover a
integralidade do atendimento da população. Criticamente verificou-se que o corte nos repasses
orçamentários públicos e a focalização das políticas sociais na extrema pobreza, resultam nos
mínimos sociais, o que se releva extremamente insuficiente frente ao conceito ampliado de
proteção social inaugurado na Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, a materialização da perspectiva intersetorial das políticas sociais, a
consolidação e a ampliação dos direitos da população, se constitui como um desafio, o qual
pressupõe, para o seu enfrentamento, o fortalecimento de um movimento contra hegemônico e
de resistências ao desmonte do sistema de proteção social em curso.
CONCLUSÃO
A partir dos objetivos do presente estudo referidos na introdução do artigo, verificou-se
o êxito na revisão bibliográfica e documental, no processo de sistematização das ações do
Projeto de Extensão Formação e Assessoria em Políticas Sociais no município de São Borja/RS.
As ações realizadas como a instituição do grupo de estudo, realização da mesa-redonda, a oferta
dos cursos de curta duração representam o fomento à inserção da Universidade na
transformação da realidade social. Isso representa os resultados da contribuição das ações do
Projeto extensionista no processo de assessoria e formação, enfatizando a integralidade dos
atendimentos intersetoriais nas políticas de assistência social e saúde. Como ponto provocativo
da revisão, emergiu o conceito ampliado de saúde contido no relatório da 8ª Conferência
Nacional de Saúde (1986).
A partir da revisão bibliográfica destaca-se o conceito de saúde ampliada, como também
conceito de Seguridade Social, somada a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 que rege
sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes ao Sistema Único Saúde- SUS. Articulado a Lei
nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 que dispõe da Lei Orgânica de Assistência Social. Aponta-
se para uma legislação robusta, o que não garante o acesso aos direitos sociais contidos no artigo
6º da Constituição Federal de 1988. Pois o acesso a bens e serviços não resulta factualmente
das legislações, mas sim da efetiva atuação do Estado que deve implementar ações de políticas
sociais integradas assegurando os meios que permitam efetivá-las. O que se dará pelo controle
social, pela participação popular tanto na formulação, gestão e implementação das políticas
sociais.
823
Analisar a grande relevância que se dá a área da extensão no processo da formação
universitária via Projeto de Extensão, que a partir dessa experiência abre-se campo para novas
pesquisas a programas de extensão, bem como a oportunidade de aprimoramento profissional
para equipe envolvida no processo de ensino aprendizagem, composta por docentes e discentes
bolsistas. Nesse âmbito, foi possível perceber a importância do acesso à extensão no processo
de formação acadêmica, especialmente quando esse ocorre anteriormente ao Componente
Curricular Estágio Supervisionado em Serviço Social, considerando que ambos bolsistas se
encontram matriculados no referido curso de graduação. Entende-se que o mencionado acesso
fortalece o processo de formação universitária dos futuros profissionais, que a partir da
realidade tem condições para exercitar sua criticidade e proposições, visto que essa interação
permite um contato e aprofundamento sobre a temática das políticas sociais, as quais estão
presentes na prática profissional.
REFERÊNCIAS
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4º.Cortez: São Paulo, 2007.
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm > Acesso em: 07 set. 2017.
_________. Política Nacional de Assistência Social – PNAS 2004. Disponível em: <
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pd
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http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final.pf
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profissional. In. Revista Emancipação v.6, nº1. Ponta Grossa, PR: Editora UEPG,2006.
824
MATOS, Maurílio Castro de. Serviço Social, ética e saúde: reflexões para o exercício
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NASCIMENTO, Sueli do. Reflexões Sobre a Intersetorialidade entre as Políticas Públicas.
Revista Serviço Social e Sociedade, nº 101. São Paulo: Cortez Editora, jan./mar., 2010.
Disponível em: <http://www.ucpel.tche.br/mps/diprosul/docs/trabalhos/28.pdf >.
Acesso em: 05 set. 2017
TÜRCK, Maria da Graça Maurer Gomes. A metodologia da prática dialética. Porto Alegre,
Ed Graturck, 2012.
825
A ATUAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SÃO BORJA
Sabrina Lamana 57
Marcela Weber58
Monique Soares Vieira59
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise a partir da realidade
do município de São Borja/RS, de como as ações do Conselho Tutelar vêm se materializando
para a promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes em situação de
violência intrafamiliar. Nesse sentido, a pesquisa assume um compromisso ético-político ao
buscar construir mediações téorico-práticas para apreender a violência contra crianças e
adolescentes no âmbito familiar e, nessa direção contribuir para uma análise a partir de uma
perspectiva de totalidade dos fatores imbricados para a produção e reprodução dessa expressão
da violência no atual cenário brasileiro, em particular, são-borjense. A construção deste trabalho
faz parte da análise parcial dos dados da pesquisa intitulada “As Expressões de Violência contra
Crianças e Adolescentes e o seu enfrentamento pela Rede de Proteção em São Borja/RS”, que
visa desvendar como se configura a rede de proteção em São Borja, por meio do mapeamento
dos principais serviços, políticas, ações, programas e projetos, destinados ao enfrentamento da
violência intrafamiliar contra o segmento infanto-juvenil. Múltiplos são os desafios que se
interpõem no cotidiano das ações do Conselho Tutelar que vão desde o desconhecimento de
seu trabalho pela população e da própria rede de proteção, ausência de uma política de
qualificação profissional, obstáculos estruturais e políticos para a construção de uma atenção
protetora as crianças e adolescentes em situação de violência em São Borja. Portanto, o grande
desafio para a superação da violência intrafamiliar e fortalecimento das crianças e adolescentes,
como sujeitos de direitos, requer a adoção de estratégias que contemplem as suas múltiplas
determinações e faces, não esvaziando o seu enfrentamento e debate ao reducionismo de teorias
que ignoram o movimento dialético da realidade e a totalidade para apreensão e intervenção às
expressões da violência no âmbito familiar.
57 Acadêmica do VIII semestre do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa (Campus de São
Borja). Atuou ano de 2016 como bolsista voluntária de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa “As Expressões
de Violência contra Crianças e Adolescentes e o seu enfrentamento pela Rede de Proteção em São Borja/RS”. 58 Acadêmica do VIII semestre do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa (Campus de São
Borja). Atuou ano de 2016 como bolsista Voluntária de Iniciação Científica do Projeto de Pesquisa “As Expressões
de Violência contra Crianças e Adolescentes e o seu enfrentamento pela Rede de Proteção em São Borja/RS”. 59 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora
do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa (Campus de São Borja). Pesquisadora do Grupo de
Estudos e Pesquisa Educação, Direitos Humanos e Fronteira e do Laboratório de Políticas Públicas e Território
Fronteiriços. Contato: [email protected]
826
Palavras-Chaves: Violência, Criança e Adolescente, Conselho Tutelar.
INTRODUÇÃO
O presente artigo discorre acerca das ações do Conselho Tutelar (CT) do município de
São Borja, trazendo a tela a sua funcionalidade e os desafios presentes para a garantia do
cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. As discussões ora apresentadas, fazem
parte da análise parcial dos resultados obtidos por meio da realização da pesquisa intitulada “As
Expressões de Violência contra Crianças e Adolescentes e o seu enfrentamento pela Rede de
Proteção em São Borja/RS”, que possui a intencionalidade de desvendar as configurações
delineadas pela rede proteção em São Borja.
Sabe-se que, a construção de uma política pública para o enfrentamento à violência
contra crianças e adolescentes em suas múltiplas expressões requer ações contínuas e não
temporárias, capacitação profissional dos sujeitos que atuam na linha de frente da política
pública, repasse de recursos financeiros, na perspectiva de atender às demandas implícitas
(pobreza, desigualdade, uso abusivo de substâncias psicoativas, violência de gênero, valores
patriarcais e conservadores, falta de informação, desemprego, etc.), que se evidenciam no
atendimento às vítimas e suas famílias.
Portanto, o grande desafio para a superação dessa expressão da violência e
fortalecimento das crianças e adolescentes, como sujeitos de direitos, requer a adoção de
estratégias que contemplem as suas múltiplas determinações e faces, não esvaziando o seu
enfrentamento e debate ao reducionismo de teorias que ignoram o movimento dialético da
realidade e a totalidade para apreensão e intervenção às expressões da violência no âmbito
familiar e societal.
Entre as estratégias construídas a partir da intensa mobilização social da década de 80
para a proteção à infância e juventude no Brasil, estão os Conselhos Tutelares que surgem
juntamente com os Conselhos de Direitos em decorrência dos princípios constitucionais da
descentralização político-administrativa e da participação popular, tendo como atribuição
basilar zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes, ora definidos pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.060/1990) em todo o território nacional.
O Conselho Tutelar é órgão autônomo de defesa e proteção dos direitos humanos das
crianças e adolescentes e instância estratégica do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) que
827
“espelha a presença de diversas diretrizes da política de atendimento, dentre as quais, sem
dúvida, a municipalização” (KONZEN, s/d, p.06). Nesse sentido, o Conselho Tutelar possui
papel político no tensionamento do Estado e da sociedade civil para a defesa e promoção dos
direitos das crianças e adolescentes.
Na rede social da infância, o Conselho Tutelar cumpre um papel paradigmático: ele
não proporciona nenhum atendimento de necessidades, não executa nenhum
programa e não presta assistência, mas cabe a ele tomar as devidas providências para
que os direitos sejam atendidos, para que as necessidades de todas as crianças e
adolescentes sejam satisfeitas e zelar pelas suas condições de vida. Para isso, deve
lançar mão de suas atividades, articulando os recursos disponíveis e provocando a
criação de novos recursos, quando não são satisfatórios em alguma área, participando
da formulação de políticas públicas, informando os órgãos responsáveis pelos
problemas existentes na comunidade (por exemplo, a falta de creche num lugar, a
necessidade de assistência médica em outro, a inexistência de um programa de
atendimento a vítimas de violência ou dependentes químicos) e promovendo a difusão
dos direitos através de campanhas educativas na comunidade. (FRIZZO; SARRIERA,
2005, p. 189).
Assim, a funcionalidade do Conselho Tutelar na rede proteção atrela-se a sua capacidade
de articulação entre as políticas, programas e serviços sociais para a garantia do atendimento as
necessidades sociais das crianças e adolescentes, por isso sua incumbência segundo o ECA é
zelar pelo cumprimento dos direitos desse segmento social.
Ressalta-se que, a demonização dos Conselhos Tutelares no Brasil, deve-se ao fato de a
população em especial, mas também dos próprios serviços que compõem a rede de proteção
desconhecerem as funções e o papel do Conselho Tutelar na defesa dos direitos das crianças e
adolescentes. Soma-se ainda nessa equação, o processo de precarização dos serviços públicos,
tônica da proteção do Estado à reprodução do capital que vem imbricando no empobrecimento
material e espiritual dos trabalhadores (as), espoliados (as) não somente da riqueza socialmente
produzida, mas de sua dignidade e da vivacidade nas relações consigo mesmo e com os outros.
Hodiernamente as representações sociais das práticas do Conselho Tutelar são pautadas
a partir do prisma da punição e de abordagens revitimizantes, contrariando as premissas
estabelecidas pelas normativas nacionais e internacionais. Nessa direção, é relevante salientar
que historicamente o Conselho Tutelar é vislumbrado enquanto como “pronto-socorro de
direitos”, com ações precárias e precarizadas, sem qualidade técnica e até mesmo
discriminatórias.
Visando buscar elucidar as práticas sociais do Conselho Tutelar bem como as
particularidades da violência contra a criança e adolescente em São Borja, o presente artigo
828
encontra-se estruturado na perspectiva de buscar desmistificar esse órgão de seu cariz repressor-
punitivo, mas apreendendo-o a partir das contradições emergentes na realidade social que
imprimem a tonicidade e as limitações de suas ações.
METODOLOGIA
A pesquisa que originou as discussões apresentadas nesse artigo, possui enfoque
qualitativo, assim busca mais do que descrever objetos, mas também conhecer trajetórias de
vida e experiências sociais dos sujeitos nela envolvidos. Por isso, ela privilegia os instrumentos
que objetivam superar o questionário no qual não existe contato direto com o sujeito,
substituindo-o pelo formulário e pela entrevista no qual se realiza um contato face a face com
o sujeito a ser pesquisado (BOURGUIGNON, 2008).
No que se refere ao processo de investigação da realidade social que permeia o
acometimento da violência contra crianças e adolescentes em São Borja e as ações para o seu
enfrentamento, desenhadas aqui pelo Conselho Tutelar, utilizou-se as técnicas de entrevista
semi-estruturada e análise documental. A análise documental aconteceu por meio da pesquisa
em fichas e/ou prontuários do Conselho Tutelar, com a intencionalidade de apreender a
configuração que a violência contra a população infanto-adolescente assume em São Borja,
tendo como delimitação temporal os anos entre 2011-2015, para que possamos ter um panorama
da situação atual no município.
O tipo de amostra utilizada para a escolha dos sujeitos que participarão da pesquisa
consiste na não-probabilística intencional, que segundo Gil (2007, p.145) é uma amostra em
que os “indivíduos são selecionados com base em certas características tidas como relevantes
pelos pesquisadores, mostra-se mais adequada para a obtenção de dados de natureza
qualitativa”.
A realização das entrevistas se consubstancia enquanto uma importante estratégia para
conhecermos a configuração da rede de proteção, mas, sobretudo possibilita a aproximação da
Universidade com os/as profissionais.
Para a análise da realidade optou-se pelo Método Dialético-Crítico, que busca mais do
que fatos isolados, a sua busca consiste na conexão entre os múltiplos fatores que condicionam
uma realidade. O desvendamento da realidade acontece por meio de suas contradições,
reconhecendo a historicidade e buscando a totalidade, uma vez que leva em conta o contexto
social, cultural, econômico e histórico dos sujeitos envolvidos na investigação.
829
Para analisar os dados coletados na pesquisa, fez-se uso da técnica de análise de
conteúdo que busca contextualizar as informações obtidas de modo a garantir a relevância dos
resultados a serem socializados. Minayo (2003), aponta que a análise de conteúdo objetiva
averiguar hipóteses ou ainda desvendar o que está por detrás de cada conteúdo, assim infere
que “o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado e/ou simbolicamente
explicitado sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto seja ele
explícito e/ou latente” (MINAYO, 2003, p. 74). Entende-se que análise de conteúdo é uma
técnica que visa identificar o que está sendo expresso ou dito a respeito de um determinado
tema ou assunto.
OS DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE NA HISTÓRIA SOCIOPOLÍTICA
BRASILEIRA
A engenharia construída historicamente no Brasil para a proteção e assistência à
infância, principalmente, às crianças e adolescentes em condição de pobreza, fora orientada por
um discurso ideológico de incapacidade das famílias empobrecidas de garantir a atenção e
cuidado necessário para seus filhos. As políticas sociais destinadas à infância e a juventude no
contexto histórico brasileiro, têm sido alvo de diversas discussões e do interesse social, com
ações de viés filantrópico e/ou repressivo/punitivo.
O modelo de atenção construído no país erigiu-se sobre diversos paradigmas,
evidenciando um caminho tortuoso para a proteção à infância e a juventude. O desenvolvimento
de políticas sociais sob o prisma do controle e da contenção social contribuiu significativamente
para a construção do estigma diante à infância pobre, considerada aos olhos da sociedade
elitizada como perigosa e uma constante ameaça para a ordem social. As políticas sociais, nesse
período da história brasileira (século XVII ao XIX), tinham como ênfase de suas ações a
combinação perversa do provimento de parcos benefícios com a repressão. Tais concessões são
apontadas por Rizzini e Pilloti (2009) como sendo limitadas e de caráter pessoal e arbitrária, o
merecimento era um fator significativo para o repasse dos benefícios sociais.
Deslandes (2009) observa que o sistema protetivo à infância tem suas primeiras ações
já no Brasil Colônia, em que a soberania paterna às crianças fora associada ao caritativismo
religioso, perdurando esse modelo por todo o período colonial dos anos de 1500 a 1800. Sob
forte influência da sociedade patriarcal as crianças e adolescentes eram governados pela
família, em que o poder do homem, era basilar as relações familiares. A constituição da família
830
no modelo patriarcal/colonial, impreterivelmente compreendia a família nuclear (pai, mãe e
filhos), os escravos e seus filhos e agregados, compondo uma enorme família extensa estrita as
porteiras da fazenda.
Durante o primeiro período de organização da atenção à infância no Brasil, o sistema
legal ainda não havia sido formalizado, a incipiência da intervenção do Estado resignava as
suas ações ao âmbito moral e caritativo. Esse sistema de proteção à infância como refere Rizzini
(2008) perdurou até a consolidação do período conhecido como estado de bem-estar da criança
(1850 a 1970), em que pela primeira vez na história das políticas sociais destinadas a infância
adotou-se uma matriz de proteção jurídico-social. Contudo, as ideias fundadas no higienismo
ainda eram muito presentes, a roda dos expostos prática comumente disseminada na sociedade
para o abandono de bebês nas Santas Casas de Misericórdia ainda fazia parte das ações do
estado intervencionista, sendo extinta somente em meados de 1950.
Alvim e Valladares (1988) referem que no período que compreendeu o estado de bem-
estar da criança o Estado Brasileiro criou um complexo aparato para a atenção a infância
desvalida, assim, além da formulação de políticas sociais, criaram-se as Varas de Família e o
Juizado de Menores. Esse sistema tinha como objetivo fiscalizar a vida das crianças e suas
famílias, sendo regulada pelo antigo Código de Menores (1927 e 1979). Nesse período,
instituíram-se outros mecanismos como o Serviço de Assistência ao Menor (SAM) subordinado
ao Ministério da Justiça que concebia a infância como uma fase da vida que demandava
cuidados específicos. Cabia a essas instituições especializadas recuperar, normalizar e
moralizar a infância em situação de “delinquência” e vulnerabilidade.
O SAM foi a matriz do sistema de atendimento a menores, consolidado 24 anos mais
tarde com a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem). Nesse
período, a concepção subjacente à proteção de crianças e adolescentes vulneráveis dos
setores pobres da sociedade brasileira era denominada pela filantropia social. Embora
o Estado tivesse assumido o papel de executor da política do bem-estar do menor,
grande contingente do serviço ainda era provido a essa população pelas entidades
sociais particulares. A Funabem e as Fundações estaduais do Menor (FEBEMs) eram
encarregadas da execução do sistema de justiça do menor (encarceramento de jovens
e sistema de internação) (DESLANDES, 2009, p. 27).
Vogel (2009) sinaliza que inúmeras críticas erigiram-se a Escola do Crime assim
conhecido entre as Comissões Parlamentares de Inquérito o antigo SAM. Os anos 80 no campo
das políticas de atendimento a infância foram decisivos para a construção de um novo sistema.
Contudo, o sistema de proteção proposto pela Comissão Parlamentar, nessa década, nunca viria
831
a se concretizar, a realidade da Funabem permaneceu conforme Santos (2004) com dimensões
mais modestas até sua reforma em 1974, passando a ser subordinada a extinta Legião Brasileira
de Assistência (LBA).
A instauração da CPI do Menor em 1976 identificara inúmeras irregulares na Funabem
apontando que a assistência ao “menor” no âmbito Federal não possuía mais condições para
“solucionar o problema, cada vez mais agravado pelo crescimento demográfico [...] as
fundações estaduais não dispõem de recursos suficientes para enfrentar a magnitude do
problema” (VOGEL, 2009, p.308). A atenção às crianças e adolescentes, no período referido,
esteve fortemente atrelada à concepção criada durante o período de ditadura militar (1964-1985)
em que os “menores” transformaram-se conforme Passeti (1991) em problema de segurança
nacional, endossando ainda mais o abismo entre a infância pobre e a proteção integral.
O ápice das mudanças à proteção da infância e juventude em âmbito nacional aconteceu
com a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando crianças e adolescentes assumem
um papel de destaque, no que diz respeito à atenção estatal e a garantia de direitos fundamentais
para o seu desenvolvimento. A Carta Constitucional traz a concepção das crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos e em condição peculiar de desenvolvimento, regendo a
obrigatoriedade da família, da sociedade e do Estado em protegê-las e cuidá-las, assegurando
condições dignas para o seu desenvolvimento físico, psicológico, espiritual, e emocional.
Diante desse novo cenário, o atendimento a criança e ao adolescente deve acontecer por
meio da articulação de uma rede de proteção, que visa superar as práticas de atendimento
inadequadas e desenraizadas da defesa dos direitos fundamentais. A construção de um novo
mecanismo jurídico-legal destinado a infância e juventude brasileira acontece em 1990 através
da instauração de uma nova lei a 8.069, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA).
O novo Estatuto abandona o paradigma da Doutrina de Situação Irregular, disposta pelo
antigo Código de Menores (1927 e 1979) o qual instituía, as crianças e adolescentes em situação
de vulnerabilidade social e econômica como “menores”, tornando-as alvo frequente de
estigmatizações. Ao romper com este paradigma o ECA, assim conhecido, adota o princípio da
Doutrina de Proteção Integral, a qual, explícita não a ação coercitiva do Estado, mas se
estabelece sob a perspectiva dos direitos. Bazílio e Kramer (2008) ao analisarem os princípios
que balizaram a redação do texto da nova lei, apontam os três que fundamentam as ações do
ECA: a condição particular de desenvolvimento – por estarem em processo de
832
desenvolvimento psíquico e físico -, condição de sujeitos de direitos fundamentais e
individuais – por serem cidadãos e reconhecidos como tais -, e absoluta prioridade – no
atendimento e destinação das políticas públicas. O Estatuto neste sentido busca também:
[...] reforçar o papel da família na vida da criança e do adolescente como elemento
imprescindível dentro do processo de proteção integral, e como um dos objetivos
maiores do sistema de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente,
que a lei propõe e institui, articulando e integrando todas as políticas públicas, no
sentido da priorização do atendimento direto desse segmento da população (BRASIL,
2006, p. 21).
A proposta inovadora do ECA traz uma mudança jurídica, político-administrativa e
social, e, portanto, constitui-se como um desafio. O sucesso das diretrizes do ECA possui uma
interface com a implementação de outros mecanismos que materializam os direitos dispostos
na lei, como a implementação de políticas públicas sociais, que visam de acordo com Pereira
(2008, p.95) “concretizar direitos sociais conquistados pela sociedade e incorporados nas leis”.
A cidadania da criança e do adolescente começa a serem refletidos em termos políticos
e sociais, incidindo, nesse sentido, na formulação de um conjunto articulado de políticas em
termos políticos e sociais, incidindo, nesse sentido, na formulação de um conjunto articulado
de políticas, programas e serviços, para a constituição de uma rede de proteção capaz de
assegurar a atenção integral as suas necessidades básicas.
O atendimento as crianças e adolescentes deve ser articulado a uma rede de proteção
que visa superar práticas de atendimento inadequadas e desenraizadas dos preceitos da Doutrina
de Proteção Integral. Portanto, as políticas sociais devem instituir a todas as crianças e
adolescentes o direito de viver em família e de possuir os vínculos familiares protegidos pela
ação do Estado, garantindo, acima de tudo, o seu bem-estar físico, espiritual e psicológico.
Trata-se de uma mudança do olhar, e em especial do fazer, instituindo, deste modo, diretrizes
sob o olhar multidisciplinar intersetorial das políticas sociais com objetivo de compreender as
transformações societárias que atingem as crianças e adolescentes.
CONSELHO TUTELAR: Dilemas e Perspectivas
A construção dos Conselhos Tutelares fora uma conquista nos marcos do atendimento
às crianças e adolescentes no cenário brasileiro. Fruto de um constante e intenso processo
democrático do final da década de 80, sob a premissa de se constituir, enquanto, órgão de
833
atendimento em consonância com a Doutrina de Proteção Integral. O projeto de Lei que
estabeleceu o ECA, fora analisado pelo Congresso Nacional recebendo 35 emendas, entre elas
sobre a criação dos Conselhos Tutelares, sendo considerado “um encontro inédito de vontades
políticas”, pois ambas as casas do Congresso Nacional tiveram participação profunda,
apresentando emendas ao Projeto de Lei, restando então um projeto desejado por todos”
(BRASIL, 1990, p.8.).
Souza (1998, p.45) sinaliza que no antigo projeto de lei do ECA, o Conselho era:
[...] concebido de modo diferente daquele que posteriormente seria constituído, por
isso permaneceram algumas questões incompatíveis, pois a experiência dos conselhos
ainda é um cenário em construção. Polêmicas, divergências e conflitos em torno da
atribuição de responsabilidades, da distribuição dos poderes e representatividade têm
permeado a atuação destes órgãos. (SOUZA, 1998, p.45).
Portanto, o Conselho Tutelar é uma construção que rompe radicalmente com as práticas
do “Comissariado de Menores”, que não possuindo autonomia estava resignado
hierarquicamente ao Juízo de Menores, com a incumbência de fiscalizar comportamentos e
atuar de forma repressora, não buscando um atendimento humanizado, mas moralizar condutas
e culpabilizar sujeitos. Na nova perspectiva assumida pelo ECA, o Conselho Tutelar é
entendido como:
[...] um órgão municipal: autônomo, isto é, desvinculado de outros órgãos da
administração pública; permanente, uma vez que sua existência não pode sofrer
interrupção e sequer depender de definições de interesses político-partidários; não
jurisdicional, o que significa que não tem competência para aplicar sanção punitiva e
trata-se, enfim, de um órgão colegiado, uma entidade de deliberação coletiva.
(VERONESE, 1999, p. 116-117).
Ao abandonar o “menorismo”, o novo órgão centra suas práticas sociais e políticas
enquanto agente de proteção integral dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes,
buscando apreender as peculiaridades de sua condição de desenvolvimento, visando “atender,
escutar crianças e adolescentes, seus pais, a sociedade, as organizações e encaminhar todos os
casos e acompanhar caso a caso. Por isso exigirá um serviço de tempo integral” (JANSEN,
2013, p.724).
Transcorridos 27 anos da promulgação do ECA, a sociedade e as instituições públicas e
privadas ainda não possuem a devida clareza acerca do papel e das atribuições do Conselho
Tutelar (art. 136), acarretando em representações sociais que obstaculizam a legitimidade desse
834
órgão na proteção dos direitos. Em entrevista realizada, o/a Conselheiro/a, revelou que “muitas
vezes os pais procuram o Conselho apenas para dar um susto no filho que está mal comportado,
informamos que isso não é atribuição do Conselho, nosso papel é atuar no zelo dos direitos e
não dar susto em adolescentes”.
O relato acima expressa o quão persiste no ideário social a perspectiva punitiva do
Comissariado de Menores, em que o Conselho Tutelar é apreendido como instância capaz de
impor limites e regras comportamentais as crianças e adolescentes. Esse engodo é referido por
Silva (2010, p.90) em pesquisa realizada em Conselhos Tutelares na cidade do Rio de Janeiro
no ano de 2010:
[...] capaz de solucionar todos os problemas infanto-juvenis, impor limites e punir
crianças/adolescentes mal comportados. Tanto instituições públicas e privadas quanto
a população, muitas vezes desconhecem as atribuições do CT, lotando esse órgão com
demandas não pertinentes, denotando assim, a necessidade de uma maior divulgação
da atuação do Conselho Tutelar. Seria interessantes também um levantamento de
dados que demonstre essa realidade do CT a fim de propiciar estratégias de
intervenção.
Os Conselhos Tutelares são “uma forma de consecução prática do ECA nos municípios”
(PRESTES, 2002, p.105), ou seja são órgão de execução da política de atendimento, por meio
de ações que buscam a articulação da rede de proteção. Enquanto eixo estratégico no Sistema
de Garantia de Direitos, o CT não pode ser sobrecarregado por demandas que não são
pertinentes ao seu trabalho e que contribuem para a ineficácia e inefetividade de suas ações.
É importante salientar que esse equívoco não acomete somente a população local, mas
também os serviços que compõem a rede de proteção “as entidades também não tem clareza
do nosso trabalho, fazemos um trabalho bem intenso nas escolas, de visita e palestra, mas há
dificuldades a serem superadas sobre o encaminhamento de demandas que não são nossas”
(CONSELHEIRO/A, 2016).
A construção de estatísticas e o levantamento de dados sobre as demandas, formas de
atendimento é uma importante estratégia para elucidar junto a sociedade e demais instituições
do SGD sobre as atribuições do Conselho Tutelar. A apresentação quantitativa com a devida
reflexão possibilitará além da criação de planos de ação junto aos/as Conselheiros/as, uma
leitura de realidade local identificando os pontos emblemáticos e conflitantes que
impossibilitam a qualidade no encaminhamento das demandas.
835
No cotidiano de trabalho, os/as Conselheiros/as deverão desenvolver algumas
habilidades que são fundamentais para a garantia de um atendimento humanizado e acolhedor
tais como:
Capacidade de escuta e comunicação: o conselheiro deve procurar ouvir e
compreender as demandas, afastando os preconceitos, o paternalismo e a rotulação
dos atendimentos.
Capacidade de buscar e transmitir informações: o conselheiro deve procurar obter
e transmitir informações confiáveis e úteis para a promoção dos direitos de crianças e
adolescentes.
Capacidade de interlocução e de negociação: para o exercício de sua função, o
conselheiro se relaciona com diversos profissionais e autoridades, portanto, é preciso
saber como se aproximar dessas pessoas e quando ceder ou não diante de
determinadas posturas e argumentos que surgem nessas relações.
Capacidade de exercer autonomia: a autonomia do conselho tutelar é
imprescindível na prática do conselheiro, [...] o conselheiro deve ter conhecimento,
segurança, tranquilidade, firmeza e bom senso no exercício de sua função.
Capacidade de articulação: com o objetivo de agregar pessoas, grupos, movimentos,
entidades e personalidades em prol da promoção dos direitos da criança e adolescente.
Capacidade de trabalhar em equipe: com o objetivo de promover o diálogo entre o
colegiado e a equipe técnica.
Capacidade de elaboração de textos: é fundamental para um conselheiro
comunicar-se por escrito com clareza, linguagem correta e objetividade na elaboração
de seus relatórios, ofícios, requisições, dentre outros registros. (NASCIMENTO,
2009, p.157-158).
Tais habilidades e posturas são desenvolvidas no transcorrer das atividades de
atendimento as crianças, adolescentes e famílias e das relações com os demais sujeitos sociais
que se interpõem na atenção ao segmento infanto-juvenil. Contudo, elas não são um conjunto
pré-estabelecido, carecem de dedicação, estudo e vontade política por parte dos/as
Conselheiros/as em tornar suas práticas emancipadoras e não repressoras.
Nesse tocante, o sujeito entrevistado revelou a importância da constante qualificação
profissional por meio de cursos, palestras e assessoria técnica “existem questões muito
complexas em certas demandas, muitas vezes precisamos do olhar profissional, psicólogo e
assistente social, para nos auxiliar no entendimento e tomarmos a melhor decisão”.
A assessoria levantada pelo/a entrevistado/a, demonstra a necessidade de um suporte
técnico no sentido de apontar e construir caminhos para a proteção das crianças e adolescentes.
Na particularidade do Serviço Social a assessoria irá contribuir para se “conhecer a situação das
crianças em seu contexto familiar e socioeconômico, [...] a fim de subsidiar as medidas
protetivas a serem aplicadas pela autoridade competente do Conselho Tutelar” (SILVA, 2010,
p.85).
836
Um importante mecanismo para a garantia da assessoria seria a criação de Lei Municipal
prevendo a presença de profissionais da Psicologia e Serviço Social nos Conselhos Tutelares,
mas não no sentido de divergência com as atribuições exercidas pelos/as Conselheiros/as, mas
sim de auxiliar a aplicação das medidas protetivas e do próprio trabalho dos agentes, por meio
de subsídios quanto as questões sociais, culturais, psicológicas, econômicas e políticas que
envolvem a cotidianidade das famílias atendidas.
O saber interventivo deve estar constantemente interconectado com o saber reflexivo,
mas esse movimento requer qualificação profissional, conhecimento crítico da realidade para
que suas ações se consolidem em ações de proteção e cuidado e não de revitimizações.
As intervenções profissionais inadequadas revitimizam tanto as crianças e adolescentes
bem como suas famílias, trazendo danos60 de ordem secundária a esses sujeitos. Nesse ponto,
concordamos com Ferreira (2002, p.130) quando traz que:
A função do conselheiro tutelar tem características peculiares e apresenta uma série
de desafios a quem se dispõe a exercê-la. Diariamente, os conselheiros, têm de fazer
um embate forte, consistente e qualificado, através de cada procedimento, por mais
simples que pareça ser, diante dos agentes e das estruturas (políticas, sociais, culturais
ou econômicas), que reforçam os canais pelos quais se processa a violação de direitos
da população infanto-juvenil. Sua tarefa é a de tentar romper com práticas que
legitimam a violação de direitos.
Os obstáculos enfrentados pelos Conselhos são abarcados por forças políticas,
institucionais e estruturais, “como o descompromisso do poder público com as questões sociais,
como entrave, a questão orçamentária, como agravante, e a questão das políticas públicas, como
dilema central” (SILVA; GUIMARÃES, 2009, p.182).
Vários são os desafios erigidos aos/as Conselheiro/as na busca pela garantia dos direitos
das crianças e adolescentes em São Borja, entre os quais foram apontados: ausência de serviços
e programas destinados a infância e juventude, existência de uma fila de espera de crianças
para serem inseridas nos atendimentos das políticas de saúde, educação e assistência social,
precarização das políticas sociais (falta de recursos humanos, pouco ou nulo investimento
financeiro nas estruturais físicas e para o desenvolvimento das ações), ausência de vontade
política do Poder Público Local, dificuldades na materialização da intersetorialidade
60 Para Koshima, Xavier & Amorim (2010, p.135) os danos primários são aqueles que decorrem da própria situação
de violência, tais como: “mudanças drásticas de comportamento, sentimentos de menos-valia, tendência a se
sentirem desvalorizadas (principalmente pela culpa que sentem por estarem envolvidos na situação), são
consequências muito comuns em crianças e adolescentes vítimas de violência”.
837
(ausência de comunicação entre os sujeitos profissionais devido à questões relacionadas a
sobrecarga de demandas, não qualificação técnica, recursos materiais, etc.)
Corroborando com os desafios levantados pelo/a entrevistado/a, Lemos (2003, p.147)
refere que:
No atendimento à criança em questão e também em muitos outros, percebemos que
há dificuldade dos Conselheiros para proteger as crianças e adolescentes e realizar
outros encaminhamentos, por não existirem programas, no município, que garantam
um atendimento a essa clientela.
Diante disso, elencamos algumas ponderações que poderão traduzir-se em práticas
cotidianas a serem materializadas pelos/as Conselheiros/as Tutelares em seu trabalho junto as
crianças e adolescentes, e assim construir nesse espaço político um ambiente de acolhimento e
proteção:
Concepções ampliadas de cidadania para o resgate da humanidade nas relações
estabelecidas entre as crianças, adolescentes, famílias e os/as conselheiros/as
tutelares.
Rompimento com valores calcados em padrões normativos de uma sociedade
machista, patriarcal e adultocêntrica.
Planejamento Estratégico-Participativo com o rompimento de ações irrefletidas
e espontaneístas.
Auto-formação, formação continuada e postura investigativa.
Articulação entre saber reflexivo e saber interventivo aliados a uma conduta
ética emancipadora.
A construção de um atendimento protetor no âmbito do Conselho Tutelar requer
sensibilidade, mas sobretudo, qualificação profissional para o diagnóstico da realidade,
apreendendo suas contradições, mapeamento dos serviços da rede de proteção, monitoramento
das situações com a elaboração do Plano de Ação a partir do conhecimento crítico e profundo
das particularidades de cada situações e dos sujeitos nela envoltos.
Nesse sentido, o conhecimento provocado pelas pesquisas científicas para o
desvendamento da realidade atua como dispositivo que fundamenta as bases operacionais das
ações. A análise da realidade incide, essencialmente, nos sujeitos sociais, atuantes nas políticas
sociais e no Sistema de Garantia de Direitos, para a ampliação do olhar sobre as expressões de
838
violência, combinando, nesse processo, o caráter científico, político e profissional de cada ação
a ser implantada bem como incita à luta para a melhoria dos serviços públicos.
CONCLUSÕES
O Estatuto da Criança e do Adolescente promoveu uma profunda transformação nas
práticas sociais destinadas ao atendimento do segmento infanto-juvenil, em especial, daqueles
que possuem seus direitos violados. A mudança de olhar sobre a infância, agora não mais
concebida sobre o prisma de perigosa, sinalizou o redirecionamento da atenção, centrada na
garantia dos direitos fundamentais por meio de um atendimento digno e humanizado.
Ainda que o Brasil tenha avançado muito no plano normativo, no plano das ações
cotidianas o caminho é longo e árduo, carecendo de sujeitos sociopolíticos comprometidos na
execução das políticas de atendimento, mas sobretudo, de utilização do fundo público, de forma
que promova a proteção as crianças e adolescentes por meio de financiamento as ações
preventivas e que busquem o real enfrentamento às expressões de violência que assolam essa
população, bem como o atendimento as suas necessidades sociais básicas.
As declarações internacionais e nacionais de proteção à infância e adolescência possuem
como premissa o interesse superior da criança e a proteção dos seus direitos fundamentais,
tendo a família como instituição de amparo e zelo. Mas o que vimos hoje são as famílias
abandonadas e expostas às migalhas oferecidas pelas políticas sociais cada vez mais
precarizadas. O fundo público, que deveria garantir o financiamento de suas ações, vem sendo
utilizado à revelia na orgia do capital para sua plena reprodução.
O Estado ao atender as demandas do capital por meio da utilização dos recursos do
fundo público, consequentemente reduz os gastos sociais, acarretando, na formulação de
políticas sociais seletivas, meritocráticas e focalizadas estritamente na pobreza, não concedendo
os indivíduos em sua totalidade.
O Conselho Tutelar, enquanto, órgão de fundamental importância para a articulação da
rede de proteção, sofre com os reverses oriundos do desfinanciamento das políticas e serviços
sociais, acarretando na base material em falta de estrutura física (salas, equipamentos, carros,
combustíveis), mas também na base subjetiva (adoecimento psíquico dos Conselheiros) que
839
veem-se tolhidos em seus processos de intervenção de meios para o cumprimento das premissas
dispostas no ECA.
Como vimos nesse artigo a realidade apresentada no município de São Borja não diverge
daquela que encontramos no restante do país. A constante precarização das políticas sociais e a
avalanche conservadora no cuidado aos sujeitos que delas necessitam é a tônica construída em
nível nacional, enquanto estratégia ardilosa de desmonte e retrocesso dos direitos sociais.
Além disso, a pesquisa evidenciou que ainda é nebuloso não somente para a população
mas, essencialmente, para o sujeitos da rede de proteção, a atuação do Conselho Tutelar, ou
seja, qual é o seu papel no cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes? Esse
desconhecimento, acarreta em imensuráveis limitações as ações do Conselho Tutelar, que
sobrecarregado em demandas que não são de sua alçada não consegue promover um
atendimento de qualidade para os sujeitos foco de seu trabalho.
Refletindo mais a fundo, podemos também apreender que esse dito “desconhecimento
sobre o papel do Conselho Tutelar” pode estar travestido de uma astuta artimanha para o
encaminhamento de situações aparentemente sem resolutividade ou até mesmo de demandas
que a rede de atendimento do município não comporta, nesse sentido, o Conselho Tutelar é
utilizado enquanto válvula de escape diante a inefetividade da rede de proteção, que oferece
parcos serviços de cunho seletivo e fragmentado.
Outra questão que é emergente, diz respeito a qualificação e suporte técnico aos
Conselheiros Tutelares. O ECA prevê que é responsabilidade do Conselho Municipal “investir
na capacitação dos candidatos, quanto ao papel e atribuições do Conselho Tutelar, estudos
sistemáticos da nova lei e do novo reordenamento jurídico” (MARQUES, 2013, p.685).
Contudo essa capacitação deverá ser contínua e sistemática e não apenas restrita a curso
introdutório, como geralmente vem acontecendo no município.
Ressalta-se que a qualificação ou aprimoramento profissional, não diz respeito a apenas
a instrumentação técnica, mas também a abordagem problematizadora de temas relevantes que
transformam-se em demandas para o Conselho Tutelar (machismo, patriarcado, violência
estrutural, adultocentrismo, preconceitos contra a diversidade sexual, etc.).
A importância de um suporte técnico as ações dos Conselheiros Tutelares, fora
levantada em entrevista, ou seja, a presença de profissionais da Psicologia e Serviço Social
assessorando as ações do Conselho Tutelar. Essa assessoria emerge como um ponto essencial
para a garantia da qualidade do atendimento, visando possibilitar as crianças, adolescentes e
840
suas famílias um atendimento não revitimizante que promova o fortalecimento desses sujeitos
e de suas raízes socioafetivas.
A compleição de assessoria técnica poderá possibilitar a democratização dos direitos
das crianças e adolescentes, contribuindo assim, para o fortalecimento do Conselho Tutelar
junto a rede de proteção e a comunidade local. Nesse contexto, é importante enfocarmos que a
consolidação da Política Municipal de Proteção requer não somente a disponibilidade de
serviços, ainda que isso seja fundamental, mas também a garantia da qualidade de tais ações. O
atendimento especializado numa perspectiva de integralidade deve apreender os sujeitos na sua
totalidade, requerendo a constituição de uma rede de atenção capaz de acolher, escutar e
proteger, prevenindo revitimizações.
As reflexões erigidas no processo de análise parcial dos dados da pesquisa, originaram
o projeto de extensão intitulado “Serviço Social e Conselho Tutelar: Mediações necessárias
para a integralidade da atenção à crianças e adolescentes”, que vem assumindo compromisso
ético-político ao buscar construir mediações téorico-práticas a partir do cotidiano das ações do
Conselho Tutelar para o enfrentamento às múltiplas expressões da violência contra crianças e
adolescentes.
A relação dialética entre pesquisa e extensão nesse projeto, vem possibilitando a
apreensão das particularidades assumidas pela violência contra o segmento infanto-juvenil em
São Borja, enquanto estratégia metodológica para subsidiar a construção de ações efetivas no
seu enfrentamento a partir da emersão nos meandros impingidos no acometimento dessa
expressão da questão social no município.
O atual contexto societário desafia-nos enquanto investigadores/as e trabalhadores/as
sociais a repensarmos nossas práticas cotidianas. A construção de uma cultura de proteção é a
pedra angular para o rompimento com o padrão hegemônico revitimizador das respostas dadas
pelo Estado à violência proferida a crianças e adolescentes. Nesse diapasão, o fortalecimento
do Conselho Tutelar é primordial para a construção de estratégias e funcionalidades efetivas
dos mecanismos de defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
REFERÊNCIAS
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843
Políticas Públicas em Educação: uma revisão teórica da Educação Superior no Brasil.
Fátima Teresinha Rodrigues Pinheiro 61
Thiago da Silva Sampaio 62
RESUMO: O Sistema Educacional Brasileiro, apesar de todas as mudanças ocorridas nas
últimas décadas, continua a ser excludente. Faz-se, inicialmente, um breve histórico das
políticas públicas na área de educação superior no Brasil. A metodologia utilizada foi a
exploração técnica, sistemática e exata, onde o pesquisador baseia-se em estudos já realizados
por teóricos anteriores e pesquisas, para ter a certeza do método a ser trabalhado e se realmente
está com o esboço correto, segundo Marconi & Lakatos (2002). De acordo com Silveira (2004),
este procedimento é uma revisão de literatura. Após há um relato do momento atual da educação
no ensino superior, em que o MEC apresentou programas e ações para implementar a melhoria
e desenvolvimento da Educação. Nas considerações finais, com o que se espera desses
programas/ações, colocadas pelo governo federal faz-se uma análise acreditando que existem
muitos outros caminhos a serem descobertos para se garantir uma educação pública, gratuita e
com qualidade.
Palavras-chave: História da Educação no Brasil, MEC, PNE, Políticas públicas em educação.
INTRODUÇÃO
História das Políticas Públicas de Educação Superior no Brasil: objeto da pesquisa e
metodologia utilizada.
O presente estudo versa sobre a política pública em educação superior no Brasil, desde
a época do presidente Fernando Henrique Cardoso, passando pelo presidente Luis Inácio Lula
da Silva e chegando aos estudos mais recentes.
¹ Mestranda do Programa de Pós-Graduação, PPGPP, Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Federal do
Pampa – Unipampa - Campus São Borja/RS, E-mail: [email protected]; 62 Professor da Unipampa – Campus São Borja – orientador da autora, E-mail: [email protected].
844
As políticas educacionais para o ensino superior no governo Lula
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, iniciado em 2003, por se apresentar
como um governo popular democrático, as expectativas da sociedade eram muitas e ousadas.
Oficialmente, a primeira iniciativa do governo Lula, para o setor, manifestou-se na edição do
Decreto de 20 de outubro de 2003 que “institui Grupo de Trabalho Interministerial – GT
nomeado para analisar a situação atual e apresentar plano de ação visando a reestruturação,
desenvolvimento e democratização das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES”
(Brasil, 2003). O GT deveria “analisar a situação atual e apresentar plano de ação visando a
reestruturação, desenvolvimento e democratização das Instituições Federais de Ensino Superior
- IFES” (Brasil, 2003). O próprio Decreto norteava o plano a ser elaborado que deveria ainda
apresentar:
(...) medidas visando a adequação da legislação relativa às IFES, inclusive no que diz
respeito às suas respectivas estruturas regimentais, bem assim sobre a eficácia da
gestão, os aspectos organizacionais, administrativos e operacionais, a melhoria da
qualidade dos serviços e instrumentos de avaliação de desempenho. (BRASIL, 2003).
Essa ação foi alvo de muitas críticas advindas das universidades federais,
particularmente das associações de docentes, que liam no Decreto, mais uma vez na história, a
tentativa de o governo desobrigar o Estado das suas responsabilidades para com a educação
como um bem público. Para os críticos da iniciativa, o enfoque de análise, tendo como
pressuposto a “crise das IFES”, imputava nelas uma responsabilidade que não cabia a elas
somente. As mazelas de um sistema historicamente excludente e objeto de forte processo de
sucateamento em período recente não podiam ser atribuídos a quem na verdade sobreviveu a
duras penas.
Durante a existência do Grupo de Trabalho - GT, os debates foram intensos e, em
dezembro de 2003, o grupo divulgou seu relatório no qual foi apresentado um diagnóstico do
ensino superior dando conta de que “a última década foi de desarticulação do setor público
brasileiro; as universidades federais não foram poupadas” (Grupo de Trabalho Interministerial,
2003). Sofreram consequências da crise fiscal do Estado que afetaram seus recursos humanos,
sua manutenção e investimento. A prioridade ao setor privado chegou ao setor do ensino
845
superior ocasião em que as universidades privadas experimentaram uma expansão recorde,
porém, se encontravam ameaçadas pelo risco de uma grande inadimplência e crescente
desconfiança quanto a seus diplomas.
Naquele momento, houve quem aferisse que a iniciativa de criação do GT e a forma
como iniciaram as discussões sobre o ensino superior foi desajeitada, conflituosa e incoerente
com as relações históricas do presidente Lula com os movimentos sociais, associações
científicas, sindicatos e centrais sindicais. As entidades ainda buscavam:
(...) novas formas de organização e de posicionamento diante da hegemonia do
terceiro setor, na interlocução sociedade civil-governo (uma herança do governo
FHC) e perante um presidente que manteve relações orgânicas com tais entidades e
foi personagem destacado no processo brasileiro de redemocratização, da década de
1980, os acontecimentos de 2003, no campo da ensino superior, revelam a dificuldade
do governo para a realização de um debate democrático sobre a Reforma Universitária
e a grande possibilidade de uma continuidade, com traços de acentuação, do processo
iniciado no governo anterior(...) MANCEBO & SILVA JÚNIOR (2004, p. 1-2).
Também no ano de 2003, ocorreram duas outras iniciativas importantes em relação ao
ensino superior. Em agosto, a Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação
(SESu/MEC) organizou o Seminário “Universidade: por que e como reformar”, no qual
intelectuais fizeram palestras para as Comissões de Educação do Senado e da Câmara dos
Deputados. Nessa mesma direção, em novembro, o MEC, com o apoio da UNESCO, do Banco
Mundial e da ONG internacional ORUS (Observatoire International des Réformes
Universitaires) realizou o Seminário Internacional “Universidade XXI: novos caminhos para o
ensino superior”. Nesses dois eventos, múltiplos temas foram discutidos para a redefinição de
uma agenda para o ensino superior.
O conjunto das cogitações provenientes desses seminários serviu de alusão para os
trabalhos do GT, que apresentou um relatório conclusivo organizado em quatro partes, em que
a inicial apontou um conjunto de ações emergenciais para o enfrentamento dos questionamentos
quanto à situação das universidades federais. Na segunda parte, o relatório ponderou sobre a
premência da efetiva implantação da autonomia das IFES. A terceira se concentrou na defesa
da necessidade de complementação de recursos e da garantia de gestação de um novo modelo
em relação ao atual. A última parte assinalou as etapas necessárias para a formulação e a
implantação da Reforma Universitária Brasileira (Grupo de Trabalho Interministerial, 2003).
846
Pode-se inferir que os debates ocorridos em 2003 reacendiam as discussões acerca da
“Reforma Universitária”. Tema velho, recursivo e controverso, que pelo menos, desde 1968,
com achegada da Lei 5.540, que reorganizou o ensino superior num contexto de ditadura
militar, movimenta a universidade e todos aqueles que sobre ela procuram pensar. Quando se
fala em Reforma Universitária, determinados aspectos sempre se fazem atuais no debate:
gestão, autonomia acadêmica e financeira, avaliação e regulação, estrutura, organização,
democratização e acesso etc.
Em 2001 o Plano Nacional de Educação (PNE) estabeleceu como meta a necessidade
de ampliação das matrículas no ensino superior de jovens entre 18 e 24 anos de 12% para 30%.
Conforme o próprio PNE, os 12% de matrículas colocavam o Brasil numa posição de
desvantagem na América Latina, inclusive comparando-o com países em situação econômica
inferior, como são os casos de Argentina, Chile, Venezuela e Bolívia, nos quais os índices de
matrículas no ensino superior são, respectivamente, 40%, 20,6%, 26% e 20,6%. Além disso,
40% das matrículas deveriam se concentrar no setor público (PNE, 2001). Na avaliação do
Grupo Interinstitucional (2003), “(...)para atingir os 40% de universitários matriculados no setor
público determinados pelo PNE, seria preciso chegar a 2,4 milhões de vagas no sistema público,
dos quais a metade no subsistema federal. ” (p.5).
Ao governo Lula, que tomou posse em janeiro de 2003, entre outras preocupações no
âmbito do ensino superior, considerava o atingimento dessas metas como um desafio. A leitura
das Sinopses Estatísticas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio
Teixeira” – INEP demonstra que se houve algum avanço, esse foi tímido.
As críticas e questionamentos quanto à função e ao relatório produzido pelo Grupo
Interinstitucional de 2003 desqualificavam o produto do trabalho desenvolvido e faziam com
que o governo recuasse em relação a essa estratégia para a implementação da “Reforma
Universitária”. A saída do ministro Cristovão Buarque do MEC sugere uma mudança de rumo
em face de uma tática malsucedida. De qualquer forma, empossado no MEC, Tarso Fernando
Herz Genro, pessoa de confiança do Presidente Lula, assumiu como tarefa prioritária realizar a
Reforma Universitária.
Em sua curta passagem, no Ministério, Genro até tentou encaminhá-la na forma de
pacote. Participou de debates em conferências e seminários, realizou oitivas públicas, consultou
as instituições etc, com a intenção de realizar a Reforma Universitária. Por esse meio, assim
como o antecessor, também não logrou êxito. De forma despedaçada, no entanto, conseguiu
847
alguns avanços. Aprovou a Lei que criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (Sinaes); apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei que instituía a política
de reserva de vagas para egressos de escolas públicas, negros e indígenas nas instituições
públicas de ensino superior e criou, por meio de Medida Provisória, o Programa Universidade
Para Todos (Prouni).
Num momento de crise política, convocado pelo Presidente Lula, Genro saiu do MEC
para assumir a presidência do Partido dos Trabalhadores (PT). Em seu lugar, foi empossado o
então secretário executivo do MEC, professor Fernando Haddad, que deu continuidade às ações
do advindo. Por ocasião da sua posse, Genro afirmou que o sucessor possuía “(...) características
técnicas e políticas importantes para exercer o cargo (...)”. É dotado de “(...) requisitos
absolutamente especiais para ser ministro. Além de ser uma pessoa que tem uma formação
técnica e científica vinculada à Educação, ele também é um brilhante quadro político’”
(UNIVERSIA, 2005).
Haddad chegou ao MEC com Tarso no início de 2004; juntos finalizaram o anteprojeto
da Reforma Universitária. O novo ministro assumiu o MEC diante de uma agenda de quatro
itens prioritários: 1) alfabetização com inclusão, 2) reforma do ensino superior, 3)
reorganização do ensino técnico e 4) aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica (FUNDEB). O início do mandato de Haddad coincidiu com a conclusão
da terceira versão do Projeto de Reforma Universitária, que foi entregue ao Presidente Lula por
Genro na cerimônia de sua posse.
A despeito de ainda não ter sido aprovada a Reforma Universitária, sob a tutela de
Haddad, além das iniciativas em curso, uma série de novas ações e/ou políticas foram e vêm
sendo empreendidas pelo MEC. O que poderíamos supor que a conta-gotas o governo vem
colocando em prática a Reforma Universitária.
O Governo Fernando Henrique Cardoso - FHC.
A aprovação da LDB, em dezembro de 1996, incorporou inovações como a explicitação
dos variados tipos de IES admitidos. Por universidade se definiu a instituição que articulasse
ensino e pesquisa.
A nova Lei fixou a obrigatoriedade do recredenciamento das instituições de ensino
superior, precedida de avaliações, além de estabelecer a necessidade de renovação periódica
para o reconhecimento dos cursos superiores. Se para as instituições públicas pouco ou nada
848
afetou a implantação da nova Lei, para o setor privado representou uma ameaça de perda de
status e autonomia.
A partir desse contexto que se criou o Exame Nacional dos Cursos, o conhecido Provão,
que, a princípio, encontrou fortes resistências entre as instituições privadas e de alunos e
professores do setor público. Com os primeiros resultados, ganhou em parte a simpatia das
instituições do setor público, já que os cursos mais bem classificados a elas estavam vinculados.
O Provão foi severamente criticado pela forma propagandística como seus resultados foram
divulgados pelo MEC.
Para Cunha (2003), no octênio de FHC as principais ações voltadas para o ensino
superior foram a normatização fragmentada, conjunto de leis regulando mecanismos de
avaliação; criação do Enem, como alternativa ao tradicional vestibular criado em 1911;
ampliação do poder docente na gestão universitária, a contragosto de discentes e de técnico-
administrativos; reconfiguração do Conselho Nacional de Educação, com novas atribuições;
gestação de um sistema de avaliação da educação superior e o estabelecimento de padrões de
referência para a organização acadêmica das IES.
Políticas Recentes: Programas/ações do MEC em relação ao ensino superior.
Consultando a página eletrônica do Ministério da Educação, encontramos vinte
programas/ações direcionadas ao ensino superior, levados a cabo pela SESu/MEC, que serão
apresentados em cinco categorias por imperativo puramente didática:
a) O Programa de Educação Tutorial (PET), criado na década de 1980, aponta:
“(...) apoiar atividades acadêmicas que integram ensino, pesquisa e extensão. Propicia
aos alunos (...) a realização de atividades extracurriculares que complementem a
formação acadêmica (...) e atendam às necessidades do próprio curso de graduação.
O estudante e o professor tutor recebem apoio financeiro de acordo com a Política
Nacional de Iniciação Científica”. (BRASIL, 2003)
b) O Programa de Apoio à Extensão Universitária (PROEXT) com ênfase na inclusão
social foi criado em 2003 e objetiva “apoiar as instituições públicas de ensino
superior no desenvolvimento de programas ou projetos de extensão que contribuam
para a implementação de políticas públicas.” (Ibidem)
c) Os Hospitais Universitários, ligados às IFES, “(...) são centros de formação de
recursos humanos e de desenvolvimento de tecnologia para a área de saúde.”
849
Proferidos ao Sistema Único de Saúde (SUS) oferecem oportunidade de educação
continuada e atualização técnica aos profissionais da área médica.
Baseado no que determina o Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977, o Ensino de
Pós-graduação Destinada a Médicos (Residência Médica) confere ao médico residente o título
de especialista.
Programas/ações de avaliação e de regulação do sistema
O Sistema de Credenciamento e Recredenciamento de IES, e-MEC, versa sobre um
protocolo eletrônico por meio do qual, o MEC instrui a regulação da oferta de ensino superior
no país. Elemento integrante do Sinaes, o Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes
(Enade), substituiu o Provão em 2004 e se realiza pela aplicação de provas para concluintes e
ingressantes dos cursos de graduação.
Igualmente articulado ao Sinaes, o Índice Geral de Cursos (IGC) é um indicador gerado
pelo Sistema que caracteriza um determinado curso com base na articulação de diversos
instrumentos e fontes de avaliação.
Programas/ações de cooperação e relações internacionais
O programa CELPE-Bras ou Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para
Estrangeiros, como a própria denominação informa, certifica estrangeiros que vêm estudar no
Brasil, quanto ao domínio da Língua Portuguesa. O Programa de Estudantes Convênio de
Graduação (PEC-G), foi uma cooperação internacional do Brasil para com países dos
continentes africano, americano e asiático. Instituições de ensino superior, públicas e privadas,
do Brasil ganham estudantes para seus cursos de graduação e de pós-graduação.
Instituído em 2005 e inspirado na figura do eminente geógrafo brasileiro, o Programa
Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promissaes) dá bolsas de estudos para estudantes
do PEC-G, comprovadamente de baixa renda, de modo a lhes assegurar condições materiais de
realização para cursar em uma das instituições brasileiras.
No intuito da integração do MERCOSUL, o Programa de Mobilidade Acadêmica
Regional em Cursos Acreditados (MARCA) destinasse a mobilidade entre instituições e países
com foco na melhoria da qualidade medida por sistemas de avaliação e de credenciamento.
850
Participam IES dos seguintes países membros e associados do MERCOSUL: Argentina, Brasil,
Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile. Também no contexto das relações internacionais a
Comissão de Língua Portuguesa (Colip) foi criada para, junto aos países de Língua Portuguesa,
definir a política de ensino-aprendizagem, pesquisa e promoção do idioma.
Programas/ações de articulação da educação superior com a educação básica
Criado no ano de 2003, o Programa de Bolsa Institucional de Iniciação à Docência
(PIBID) procura estreitar a interação das instituições universitárias formadoras de professores
com as unidades escolares da Educação Básica, onde esses futuros professores trabalharão.
Oferece bolsas de iniciação à docência aos alunos de cursos presenciais que se
dediquem ao estágio nas escolas públicas e que, quando graduados, se comprometam
com o exercício do magistério na rede pública. O objetivo é antecipar o vínculo entre
os futuros mestres e as salas de aula da rede pública. Com essa iniciativa, o PIBID faz
uma articulação entre a educação superior (por meio das licenciaturas), a escola e os
sistemas estaduais e municipais. (BRASIL, 2003)
No mesmo sentido do PIBID, o Programa de Consolidação das Licenciaturas (Pro-
docência) também se preocupa com a formação inicial do docente para a Educação Básica e se
operacionaliza por meio do financiamento de:
(...) projetos voltados para a formação e o exercício profissional dos futuros docentes,
além de implementar ações definidas nas diretrizes curriculares da formação de
professores para a educação básica. Os objetivos do programa são: contribuir para a
elevação da qualidade da educação superior, formular novas estratégias de
desenvolvimento e modernização do ensino no país, dinamizar os cursos de
licenciatura das instituições federais de educação superior, propiciar formação
acadêmica, científica e técnica dos docentes e apoiar a implementação das novas
diretrizes curriculares da formação de professores da educação básica. (BRASIL,
2003)
Programas/ações de acesso e permanência
O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), criado no governo
de Fernando Henrique Cardoso, substituiu o antigo Crédito Educativo. Com o objetivo de
financiar a graduação de estudantes que não têm condições de arcar integralmente com as
mensalidades do seu curso. Tendendo dotar as IFES de infraestrutura adequada ao ingresso e à
851
permanência da pessoa com deficiência, o Programa INCLUIR, de acessibilidade na educação
superior, vem, desde 2005, apoiando projetos institucionais nessa perspectiva.
Criado no ano de 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) afere o desempenho
dos alunos ao fim do ensino básico e tem sido utilizado como mecanismo de seleção para a
graduação. Em 2009, foi redimensionado, tendo em vista à sua adoção pelas IES como etapa
única ou parcial para recrutamento de novos alunos. O Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) foi disseminado em 2007 e:
(...) busca ampliar o acesso e a permanência na educação superior. (...) Todas as
universidades federais aderiram ao programa e apresentaram ao ministério planos de
reestruturação (...). As ações preveem, além do aumento de vagas, medidas como a
ampliação ou abertura de cursos noturnos, o aumento do número de alunos por
professor, a redução do custo por aluno, a flexibilização de currículos e o combate à
evasão. (BRASIL, 2003)
Analisando a nova freguesia que chega ao ensino superior público, particularmente nas
IFES, o MEC lançou o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) demanda antiga das
IFES na perspectiva de garantia da:
(...) permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação
presencial das instituições federais de ensino superior. Pretende viabilizar a igualdade
de oportunidades (...) e contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico, a partir
de medidas que buscam combater situações de repetência e evasão. O Pnaes oferece
assistência à moradia estudantil, à alimentação, ao transporte, à saúde, inclusão
digital, cultura, ao esporte, creche e apoio pedagógico. (BRASIL, 2003).
Além dos programas/ações diretamente ligados à SESu, outra ação mais ampla do MEC
e tão importante quanto às já descritas é o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), criado
em 2005. Tendo como objetivo a expansão e interiorização da oferta de cursos e programas de
educação superior, por meio de parcerias entre as esferas federais, estaduais e municipais do
governo.
METODOLOGIA
Marconi & Lakatos (2002), quando se referem a uma das características da pesquisa,
sugerem que se podem enquadrar como um dos primeiros passos de uma pesquisa, a exploração
técnica, sistemática e exata, onde o pesquisador baseia-se em estudos já realizados por teóricos
anteriores. Silveira (2004) acreditava que este procedimento era uma revisão de literatura. Além
852
disso, Marconi & Lakatos (2002), sugerem a necessidade de registrar na própria pesquisa a
fonte e referência de onde foram retiradas as informações. Para isso, no Brasil segue-se um
padrão que é definido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT (2005).
Segundo os procedimentos de coleta de uma pesquisa:
Essa pesquisa foi bibliográfica e documental, ponto de partida de toda pesquisa como já
foi abordado, pois é revisão de literatura.
Segundo fontes de informação o artigo é teórico, pois se realizou a fim de analisar e
estudar releituras de teorias já firmadas para confirmá-las.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Em 2008 o Brasil tinha o total de 2.252 instituições de ensino superior, que ofertavam
juntas, cerca de 24.719 cursos de graduação, em várias áreas do saber, totalizando 5.080 mil
alunos matriculados. Conforme consta no Plano Nacional de Educação vigente, e meta do
Governo Federal que, em 2010, a quantidade de matrículas no Ensino Superior alcançasse o
teto de 10 milhões. (INEP, 2008)
Entre 2000-2008 o número de IES cresceu 90,85%, com evidência para o primeiro
triênio (2000/2003), cujo crescimento foi de 16,36% a.a., enquanto que, para o período 2004-
2008, houve uma desaceleração no aumento de novas IES, quando a taxa de crescimento anual
foi reduzida para 2,8%.
Gráfico 1 – Evolução da quantidade de IES Públicas e Privadas – 2000 / 2008
Fonte: Inep 2008
Os cursos de graduação são organizados nas seguintes modalidades: presenciais;
sequenciais de formação específica; à distância e de complementação de estudos. Em 2008, do
853
total dos 26.051 cursos oferecidos na Educação Superior, 95% eram presenciais, 2,5% à
distância, 1,9% sequenciais de formação específica e 0,7% de complementação de estudos.
O Plano Nacional de Educação norteou seus objetivos com base nos objetivos
estabelecidos pela Constituição Federal, a saber:
1- Elevação global do nível de escolaridade da população;
2- Melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis;
3 - Redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e a
permanência, com sucesso, na educação pública;
4 - Democratização da gestão do ensino. (PNE, 2001)
Prosseguindo ao PNE que findava em 2010, o Conselho Nacional de educação
exercendo uma de suas atribuições que lhe dá competência para subsidiar a elaboração e
acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação (inciso “a” § 1o do artigo 7o da Lei no
9.131, de 24 de novembro de 1995) desenvolveu estudos, ao longo de 2009, que auxiliassem a
preparação do futuro Plano Nacional de Educação (2011-2020). O futuro PNE já nasce com o
sentido de ser Política de Estado, uma vez que excede o mandato de um governo ao ter a duração
de dez anos, e originou-se de um amplo programa de consulta a sociedade política e sociedade
civil, proposto conjuntamente pelo Conselho Nacional de Educação, pelo Ministério da
Educação e pelas Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
acrescendo as propostas decorrentes da Conferência Nacional de Educação – CONAE,
realizado em abril de 2010.
O documento sobre o PNE 2011-202020 foi produzido a partir de um trabalho conjunto
das Câmaras de educação Básica e Superior do CNE que define que o futuro PNE deverá
garantir a universalização com qualidade da Educação Básica e a expansão e democratização
com qualidade da Educação Superior, por meio de ações que visem à inclusão de todos no
processo educativo, com garantia de acesso, permanência e conclusão de estudos com bom
desempenho; o respeito e atendimento à diversidade cultural, étnica e racial; a promoção da
igualdade de direitos; e o desenvolvimento da gestão democrática.
De acordo com o Documento PNE 2011-2020, na Educação Superior as demandas
identificadas objetivam a expansão e democratização da oferta de vagas, a promoção da
permanência dos estudantes no processo educativo e a garantia da conclusão de seus cursos e,
de outro lado, a oferta de cursos e atividades alicerçadas num tipo de qualidade que garanta o
cumprimento de seu papel social. Assim, ações de inclusão, de atendimento à diversidade, de
854
promoção da igualdade e de gestão democrática constituem a agenda da Educação Superior
brasileira para o próximo decênio. Para atender as demandas identificadas com relação à
democratização, expansão e a qualidade da educação Superior, caberá ao Estado incrementar
ações que disponham:
1. Expandir a oferta de Educação Superior, sobretudo da educação pública, sem
negligenciar dos parâmetros de qualidade acadêmica.
2. Prosseguir com as políticas, programas e ações que visam à inclusão social.
3. Estabelecer uma política de democratização da educação superior que diminua as
desigualdades de oferta existentes entre as diferentes regiões do país.
4. Assegurar efetiva autonomia didática, científica, administrativa e de gestão
financeira para as universidades públicas.
5. Promover melhor articulação da oferta de educação superior com o
desenvolvimento econômico e social do país.
6. Estabelecer padrão de qualidade para a educação superior, concretizando-o no
custo-aluno-qualidade anual, de modo a torná-lo base de cálculo para seu
financiamento.
7. Elevação do percentual de gastos públicos em relação ao PIB para 10%.
8. Criar, no prazo máximo de três anos, o sistema nacional de educação e definir, em
lei, a regulamentação do regime de colaboração, instituindo mecanismos de regulação
e gestão da educação superior. (PNE, 2001)
A educação se constitui em elemento fundamental e a elaboração do Plano Nacional de
Educação realizou-se em momento oportuno. Na agenda do Brasil para os próximos anos,
precisa-se programar, com muito mais eficácia, políticas públicas que privilegiem o combate a
pobreza e a desigualdade de renda. A garantia de qualidade da educação passa por inúmeras
variáveis. Os argumentos, antes apresentados, levam a realçar dois fatores que serão decisivos:
o estabelecimento de normatização para o regime de colaboração entre os diferentes entes
federados (União, Estados e Municípios) e o aprimoramento da Política Nacional de Formação
e Valorização dos Profissionais da Educação.
É possível observar ainda que a grande parte dos programas/ações do MEC para o ensino
superior no período recente procura responder ao que Mancebo (2004, p. 3) chamou de
“necessidade de satisfazer a crescente demanda por estudos superiores, associado ao afã de
racionalizar recurso.” Trata-se de políticas públicas na perspectiva da ampliação do acesso ao
ensino superior.
Em estudo já citado, Mancebo (2004) apresenta dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios do IBGE de 2001, publicados em 2003, que corroboram:
855
(...) que 34,4% dos alunos de instituições superiores da rede pública fazem parte dos
10% mais ricos da população. Quando se trata do sistema privado, esse percentual vai
para 50%. A renda familiar dos alunos de universidades públicas no Brasil é menor
que a de universitários da rede particular, pois enquanto a renda média mensal da
família de estudantes das instituições públicas é de R$ 2.433, na escola particular esse
valor sobe para R$ 3.236. Além disso, de cada cem universitários do setor público, 12
estão entre os mais pobres, com renda mensal de R$ 482 ou menos. Nas instituições
privadas, a proporção passa para cinco a cada cem alunos.” (MANCEBO, 2004, p. 3)
Observando a política de expansão da educação superior e a proposta de reforma
universitária do governo Lula, Michelotto et al. (2006) fazem uma chamada para uma reflexão
sobre o sinônimo de democratização e questionam se no Brasil finalmente está ocorrendo “(...)
uma abertura democrática das instituições superiores de educação para a população que vem
sendo, historicamente, excluída desse direito?” Integrando a outros pensadores que também se
debruçaram sobre o tema, Michelotto et. al. (2006) lembram que o processo de expansão da
educação superior ocorrido no Brasil a partir da década de 1970, com mais ênfase a partir do
governo de Fernando Henrique Cardoso, ocorreu de forma muito peculiar. Estimulou o avanço
do setor privado e restringiu o setor público. Ocorreu uma expansão “(...) com pouco ou nenhum
financiamento público (...)” (Idem, 2006: p. 187). Para os autores referidos, as contraditórias
orientações do Banco Mundial e da UNESCO entusiasmaram de forma decisiva às reformas
implantadas e em curso nos países em desenvolvimento. E, assim, debaixo desse referencial
que devem ser meditados os programas/ações do governo Lula para a Educação Superior.
A Tabela 3 mostra a evolução recente do gasto público em educação no Brasil em
relação ao PIB, para os entes da federação (União, estados e Distrito Federal e Municípios).
Denota o aumento dos gastos em educação nos anos de 2005 a 2008, onde se deu principalmente
no âmbito dos estados.
Segundo o autor Fernando Veloso (2011) a seguir, têm-se as tabelas 3 e 4, que mostram
os dados sobre a educação no Brasil, primeiramente, com relação ao PIB e após uma
comparação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Tabela 3: Gasto público em educação por aluno em relação ao PIB, por dependência
administrativa do Brasil: 2000 - 2008
856
Fonte: INEP/MEC
A Tabela 4 apresenta o gasto público em educação por aluno em relação ao PIB per
capita, por nível de ensino em 2008 com base nos dados de uma amostra de países, onde a
relação entre o gasto por aluno no Brasil é menor do que nos países desenvolvidos variando
entre 20% e 28% da renda per capita, a despesa por aluno no Brasil é de 18,9% per capita,
conforme mostra a Tabela 4.
Porém, a diferença de gasto no Brasil, com relação ao dos países desenvolvidos e em
desenvolvimento se refere à alocação da despesa entre os diferentes níveis de ensino. De acordo
com a Tabela 4, enquanto o gasto público por aluno nos países desenvolvidos geralmente é
superior a 20% da renda per capita nos níveis correspondentes ao nosso ensino fundamental e
ensino médio, no Brasil a despesa nesses níveis de ensino é de 18% e 13,4%, respectivamente.
Já no ensino superior o gasto público por aluno é muito alto no Brasil (93,2% da renda per
capita) se compararmos com países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Tabela 4: Gasto público em educação por aluno em relação ao PIB per capita, por nível de
ensino: 2008
857
Fonte: Os dados do Brasil foram obtidos do INEP/MEC 2008. Para os demais países, ver
UNESCO (2010).
CONCLUSÕES
Portanto, concluindo a ponderação nesse trabalho, apresenta-se uma análise do Prouni,
que desde sua criação, tem recebido muitos julgamentos de alguns autores. O principal deles se
refere ao fato de representar renúncia fiscal para a iniciativa privada. Alguns consideram que,
ao incentivar o setor privado, o MEC explicitava sua falta de compromisso com a contribuição
de mais recursos no setor público. O caráter assistencialista do Prouni fez com que o
considerassem uma não política pública, como é o caso de Cattani et al. (2006).
Dessa forma, crítica, a que se concordar com Santos (2009) para quem ao se discutir
democratização do ensino superior é preciso ter consciência de que “o problema mais crônico
está intimamente relacionado ao estoque de vagas disponíveis em face da sua real demanda”, o
que converge com o ponto de vista de Carvalho (2006, p. 1) para quem “o empecilho à
democratização está na escassez de vagas públicas e gratuitas”. Avalia-se ainda a contribuição
de Pacheco & Risttof (2004), segundo os quais:
(...) para atingir índices de matrícula na educação superior, minimamente comparáveis
aos índices internacionais, ou ainda, para atingir a meta estabelecida pelo Plano
Nacional de Educação (PNE), qual seja, a de abrigar 30% da população da faixa etária
apropriada na educação superior até 2010, o Brasil não pode mais depender
exclusivamente da força inercial do mercado. (p. 8)
858
Com relação às políticas públicas adotadas, algumas das quais concretizadas nos
programas/ações aludidos neste trabalho, é certo que por recente instauração, tornam-se
precoces conclusões incondicionais. De tal modo, para trabalhos posteriores fica o desafio de
melhor aferi-los para a sua adequada captação.
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