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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA MARCO ANTONIO SILVA A SINFONIA DA VIDA: NARRATIVA SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO HABITUS DOCENTE MUSICAL FORTALEZA 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

MARCO ANTONIO SILVA

A SINFONIA DA VIDA: NARRATIVA SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO HABITUS

DOCENTE MUSICAL

FORTALEZA

2017

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MARCO ANTONIO SILVA

A SINFONIA DA VIDA: NARRATIVA SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO HABITUS

DOCENTE MUSICAL

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em

Educação Brasileira da Faculdade de

Educação da Universidade Federal do Ceará,

como parte dos requisitos para obtenção do

título de doutor em Educação. Área de

concentração: Ensino de Música.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Botelho

Albuquerque.

FORTALEZA

2017

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MARCO ANTONIO SILVA

A SINFONIA DA VIDA: NARRATIVA SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO HABITUS

DOCENTE MUSICAL

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em

Educação Brasileira da Faculdade de

Educação da Universidade Federal do Ceará,

como parte dos requisitos para obtenção do

título de doutor em Educação. Área de

concentração: Ensino de Música.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Botelho Albuquerque (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________

Prof. Dr. Henrique Sérgio Beltrão de Castro

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________

Profa. Dra. Ana Maria Iório Dias

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________

Prof. Dr. Marco Antônio Toledo Nascimento

Universidade Federal do Ceará (UFC/campus Sobral)

_________________________________________________

Prof. Dr. José Albio Moreira de Sales

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

_________________________________________________

Prof. Dr. Ewelter de Siqueira e Rocha

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, Criador e Mantenedor da vida, por me inspirar em toda essa caminhada.

À Goretti Herculano, minha esposa, por tecer comigo uma história de amor, caminhar

comigo esse trajeto de tantas histórias e de tantas vidas e me fazer acreditar que seria possível

essa vitória.

À Rebecca, Gabriella, Deborah e Nelson Filho, por me apoiarem nesse momento

difícil de elaboração de uma tese e por entenderem minhas ausências do convívio familiar em

alguns momentos.

À minha mãe, Maria Carlina da Silva, que sempre investiu e acreditou em mim desde

minha infância.

Ao meu orientador, Luiz Botelho, pelos valiosos ensinamentos que me conduziram a

uma reflexão de minha formação por meio da construção deste trabalho, o qual deverá

inspirar outras vidas em seus processos formativos.

A Henrique Beltrão e Pedro Rogerio, pelos debates e pelas reflexões proporcionadas

durante as vivências nas disciplinas do Programa de Pós-Graduação da Faced/UFC.

A Alberto Jaffé, in memorian, por me apresentar à arte musical de um modo que me

atraiu e me levou a fazer escolhas no campo musical.

Ao professor Santino Parpinelli, in memorian, que, ao me presentear com um violino,

abriu um horizonte de possibilidades que convergiram para este momento.

A todos os meus professores, por me ajudarem de alguma forma nesse processo

formativo que me conduziu à função de professor de uma universidade federal.

Aos professores do curso de licenciatura em Música da UFCA, pelas construções

cotidianas que perpassam nossos caminhos na docência em Música.

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RESUMO

O presente estudo é uma autoanálise dos aspectos que delinearam minha formação docente

em Música em uma instituição federal de ensino. A pesquisa tem como objetivo analisar a

trajetória do agente procurando desvelar tais aspectos. Trata-se de um procedimento

autobiográfico que descreve as transformações ocorridas em minha trajetória, considerando

aspectos familiares, sociais, culturais e musicais que influenciaram, em grande medida, as

decisões que me direcionaram na função de professor de violino da Universidade Federal do

Cariri (UFCA). Nesse sentido, a pesquisa dedica-se a compreender a constituição do habitus

docente do professor de um curso de licenciatura em Música. Assim, ao olhar para o passado

de formação, são considerados os conceitos da praxiologia do sociólogo Pierre Bourdieu

acerca do habitus, campo e capital social, cultural e financeiro como ferramenta para iluminar

esta análise. História de vida e praxiologia são duas tradições de pesquisa que ajudam a

compreender esta investigação. Desse modo, a trajetória aqui apresentada demonstra o

processo de aquisição de um habitus que extrapola a ideia de reprodução das condições de

existência. Ao mesmo tempo que esse contexto nega meu destino provável, permite-me

postular a seguinte tese: “a inadaptação do habitus primário, aliado a estratégias, e o contato

com elementos-chaves no campo musical me conduziram, enquanto agente, a ocupar uma

posição de destaque no referido campo”.

Palavras-chaves: Professor de violino. Habitus. Campo. História de vida.

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ABSTRACT

This study is a self-analysis of the aspects that outlined my teaching training in music at

Federal Teaching Institution. The research aims to analyze the trajectory of the agent seeking

to unveil such aspects. It is an autobiographical procedure that seeks to describe the

transformations that occurred in my career, considering familiar, social, cultural and musical

aspects that influenced to a great extent, the decisions that directed me in the role of violin

teacher at the Federal University of Cariri. In this sense, the objective of the research is to

understand the constitution of the teaching staff habitus of a degree course in music. Thus,

looking at the past of formation, the concepts of the praxisology of the sociologist Pierre

Bourdieu about the habitus, field, social, cultural and financial capital as a tool to illuminate

this analysis are considered. Life History and Praxiology are two research traditions that help

to understand this research. In this way, my trajectory demonstrates the process of acquiring a

habitus that extrapolates the idea of reproduction of the existence conditions; at the same time,

that this context denies my probable destiny allows me to postulate the following thesis: “the

inadaptation of the primary habitus, combined with strategies and the contact with key

elements in the musical field led me as agent to occupy a prominent position in this field”.

Keywords: Violin teacher. Habitus. Field. Life history.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Cordas do violino .................................................................................................36

Figura 2 – Violino e viola ......................................................................................................37

Figura 3 – Violoncelo.............................................................................................................37

Figura 4 – Contrabaixo ..........................................................................................................38

Figura 5 – Segurando o arco ..................................................................................................40

Figura 6 – “A caça”................................................................................................................48

Figura 7 – “A caça”................................................................................................................49

Figura 8 – Tema da sinfonia “Novo mundo”.........................................................................49

Figura 9 – Cartaz de evento em homenagem a Santino Parpinelli.........................................51

Figura 10 – Disciplinas do curso de bacharelado em Música................................................60

Figura 11 – “Valsa Scherzo”..................................................................................................62

Figura 12 – Exercício para troca de cordas ...........................................................................82

Figura 13 – Forma de segurar o arco ....................................................................................83

Figura 14 – Execução de duas notas, Dó e Ré ......................................................................85

Figura 15 – Programa da Orquestra do Sesi .........................................................................87

Figura 16 – Execução de peças brasileiras ...........................................................................89

Figura 17 – Apresentação com Hermeto Pascoal .................................................................89

Figura 18 – Apresentação com o grupo Irmãos Aniceto ......................................................90

Figura 19 – Capa do DVD “Irmãos Aniceto & Orquestra Eleazar de

Carvalho”................................................................................................................................91

Figura 20 – Orquestra da UFCA .........................................................................................102

Figura 21 – Orquestra da UFCA no I Festival de Orquestras

Eurochestries ........................................................................................................................103

Figura 22 – Processo formativo...........................................................................................109

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SUMÁRIO

1 PRELÚDIO .............................................................................................................................7

2 PRIMEIRO MOVIMENTO: REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ........... 16

2.1 Metodologia história de vida ............................................................................................. 19

2.2 Praxiologia: metodologia/referencial teórico.................................................................... 21

2.2.1 Habitus .............................................................................................................................. 21

2.2.2 Campo ............................................................................................................................... 23

2.3 Expedientes utilizados. ....................................................................................................... 24

2.4 Meu encontro com a metodologia ..................................................................................... 24

2.5 Revisão bibliográfica .......................................................................................................... 25

3 SEGUNDO MOVIMENTO: MINHA INSERÇÃO NO CAMPO MUSICAL .................. 28

3.1 Herança familiar ................................................................................................................ 29

3.2 Aprendendo a tocar violino ............................................................................................... 34

3.3 Aplicação do método e repertório didático ....................................................................... 36

3.4 Festivais de música ............................................................................................................. 50

3.5 Formação de um habitus violinístico ................................................................................. 55

3.6 Bacharelado ........................................................................................................................ 59

3.7 Atividades musicais em Fortaleza ..................................................................................... 64

3.8 Experiências familiares ...................................................................................................... 65

3.9 Retorno à universidade ...................................................................................................... 66

3.10 Mestrado ........................................................................................................................... 66

4 TERCEIRO MOVIMENTO: HABITUS DOCENTE ........................................................ 68

4.1 O encontro com a docência ................................................................................................ 73

4.2 O mestrado e a docência do ensino superior .................................................................... 77

4.3 Habitus docente na UFCA.................................................................................................. 79

4.4 Metodologia de ensino de violino/viola ............................................................................. 92

4.5 Ensino coletivo .................................................................................................................... 99

4.6 Orquestra da UFCA ......................................................................................................... 101

5 AUTOANÁLISE DA TRAJETÓRIA DO AGENTE ........................................................ 105

5.1 Leitura da tese a partir do livro Esboço de auto-análise ............................................... 105

5.2 Capital de Mobilidade apontando para um habitus docente violinístico. ..................... 116

5.3 Momento charneira .......................................................................................................... 120

5.4 Dos confrontos à simpatia: entre aprendizagens, amizades e afetos............................. 121

6 CODA: CONCLUSÕES .................................................................................................... 123

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 128

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1 PRELÚDIO

Este estudo é uma autoanálise dos aspectos formativos que delinearam minha

formação docente/musical. Nesse sentido, a pesquisa tem como objetivo descrever e analisar

essa trajetória formativa, buscando compreender a constituição do meu habitus docente.

Ao olhar para meu passado de formação, procuro compreendê-lo considerando os

conceitos do sociólogo Pierre Bourdieu acerca do habitus, do campo e do capital social,

cultural e financeiro como instrumentos para iluminar essa análise. É um procedimento

autonarrativo que procura descrever as transformações ocorrentes em minha vida,

considerando aspectos familiares, sociais, culturais e musicais que influenciaram em grande

medida minhas decisões, direcionando-me, assim, na função que ocupo hoje, de professor do

curso de Música da Universidade Federal do Cariri (UFCA), no Ceará.

O curso de Música, na modalidade licenciatura, da UFCA, emergiu da sociedade

do Cariri em 2010, quando ainda era um campus da Universidade Federal do Ceará (UFC),

uma ampliação do ensino de Música no estado do Ceará. Buscando compreender a realidade

do ensino de Música nessa região do Nordeste do Brasil, necessito retroceder em algum ponto

no passado com o objetivo de clarificar o estabelecimento do campo epistemológico dessa

área de estudo.

Nesse sentido, é importante destacar duas correntes de ensino de música

praticadas no Brasil que perpassam toda a minha trajetória: a tradição de música erudita e a

vertente popular. Desse modo, faço a opção de apresentar esse trajeto a partir da chegada da

corte portuguesa ao Brasil, no ano de 1808, por entender que esse período retrata uma intensa

influência da música europeia na sociedade brasileira. Essa comitiva veio para o Brasil em

virtude das transformações políticas e econômicas ocorrentes em toda a Europa. Durante o

século XV, os países da Europa, e em especial os ibéricos, por sua localização avantajada em

direção à América e à África, iniciam uma era no comércio europeu por meio das navegações.

Com efeito, os portugueses, que já exploravam a Ilha da Madeira e Cabo Verde, não tiveram

muita dificuldade de chegar ao Brasil. Começaram, então, a comercializar o pau-brasil e,

posteriormente, a cana-de-açúcar e o café. Com a vinda da corte para o Brasil, a população da

colônia apropriou-se de costumes oriundos da corte portuguesa (CASTRO, 1984).

Desse modo, ao desembarcar na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1808, D.

João VI e a comitiva portuguesa foram recepcionados por uma banda de música.

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Provavelmente a corte expressou dúvidas acerca da qualidade musical dos músicos da

colônia. A corte de D. João VI estava acostumada a ouvir a música italiana na prática

religiosa, como também, no entretenimento, óperas com características da escrita polifônica.

Ao chegar ao Brasil, essa apreciação musical foi conservada, necessitando, inclusive, importar

alguns artistas para conduzir a música escolhida pelos portugueses (CARDOSO, 2008).

Com a chegada da comitiva real lusitana ao Brasil, cultivaram-se então, na

sociedade brasileira, duas correntes da prática musical. A primeira é a música exercida e

ouvida por uma elite brasileira na época colonial. A segunda é a música realizada pela

sociedade de periferia, ou seja, índios, negros e escravos. Quando os portugueses

apropriaram-se das terras brasileiras, iniciou-se uma mistura étnica, envolvendo a cultura

trazida pelos portugueses e os que os acompanhavam, como também a cultura dos índios que

aqui habitavam. Um pouco mais tarde, com a necessidade de mão de obra para o cultivo da

cana-de-açúcar e do café, vieram para o Brasil os negros, acrescentando-se, assim, mais uma

etnia (CASTRO, 1984). Considerando que a música reflete a sociedade na qual está inserida,

há, portanto, no Brasil, intensas influências da música europeia, dos negros e também dos

índios. Silva (2009), em dissertação de mestrado, reporta-se a essas misturas de etnias na

constituição da música no Brasil.

A história do ensino de Música no Brasil é perpassada por distintas características

metodológicas, que se materializaram com suporte em variados contextos, espaços e situações

de ensino e aprendizagem da música. Ela perfaz um caminho que vai desde a chegada dos

primeiros jesuítas ao Brasil, em 1549, às discussões contemporâneas sobre a educação

musical. Os jesuítas ensinaram aos índios a música de origem europeia. De acordo com Silva

(2009, p. 82),

Os jesuítas com o objetivo de catequizar os índios impuseram costumes e práticas

religiosas que eram inteiramente subordinadas às exigências da igreja e aos

interesses da religião. Os portugueses encontraram nos jesuítas uma das maiores vias

de penetração da cultura europeia.

A influência da música europeia por intermédio dos jesuítas permaneceu durante

todo o período colonial. Contudo, os padres foram expulsos do Brasil, mas os índios

permaneceram no país (FONTERRADA, 1992). No regime imperial, entretanto, consolidou-

se aqui considerável influência da música europeia (SILVA, 2009; CARDOSO, 2008).

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Esse panorama foi claramente percebido pelo escritor Machado de Assis, que

viveu de 1839 a 1908 e descreveu essa diferença musical em quatro contos: “O machete”,

“Um homem célebre”, “Cantiga de esponsais” e “Trio em lá menor”.

No conto “O machete” (ASSIS, 1994a), o autor narra o conflito entre a prática de

uma música popular representada pelo instrumento machete 1 e outra cultivada por um

instrumento praticado pela sociedade europeia, o violoncelo. O machete era muito apreciado

pela sociedade da época, enquanto o violoncelo, no Brasil, era desconhecido e pouco

valorizado e/ou apreciado.

Em outra obra, “Um homem célebre”, Machado de Assis expressa o conflito e a

angústia de um compositor e pianista especialista em fazer “polca”. Ele se tornou famoso em

sua época por via de suas composições de músicas populares. Almejava, entretanto, ser

reconhecido como um músico da música de concerto europeia (ASSIS, 1994b). Nota-se,

portanto, que Machado de Assis realizou, mediante suas observações, um estudo da vida

musical brasileira do século XIX e percebeu que a música praticada pelo povo não era a

mesma exercitada pela corte lusitana.

Esse confronto se dá porque durante um determinado tempo o Brasil, como

colônia de Portugal, sofreu forte influência da cultura europeia praticada pelos portugueses.

Consequentemente, foi herdado desse contexto um modo de pensar, um conjunto de opções

estéticas e ético-políticas. Assim, a constituição da intelectualidade brasileira foi se formando

baseada no padrão europeu. Esse modelo eurocêntrico é questionado por autores das Ciências

Sociais por não se aplicar na maioria das circunstâncias de culturas consideradas subalternas.

Nesse sentido, acerca das culturas nesse estado de subordinação, muitos estudos

são procedidos (SANTOS; MENESES, 2010; CONNELL, 2007; ARROYO, 2002). Destaca-

se, portanto, o movimento epistemológico do grupo Modernidade/Colonialidade (M/C) que

teve início com esteio nas contribuições teóricas provenientes dos estudos culturais, pós-

coloniais e subalternos. O grupo M/C, porém, critica e se aparta dessa corrente de pensamento

em virtude de eles não romperem com os autores eurocêntricos. Walter Mignolo, um dos

fundadores do M/C, acentua que o movimento necessita buscar uma disposição crítica que

tenha origem na América Latina, em vez de analisar a descolonização, utilizando como

referências outros centros (BALLESTRIN, 2013).

1 Machete é uma viola pequena, também chamada cavaquinho de quatro cordas e machinho.

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Essa investigação produz um conjunto de elaborações denominado de Teorias e

Epistemologias do Sul. A esse respeito, Santos e Meneses (2010, p. 7) refletem em seu livro

Epistemologias do Sul sobre alguns pontos precisos e importantes:

Por que motivo, nos dois últimos séculos, o âmbito cultural e político da produção e

reprodução do conhecimento foi suprimido da reflexão epistemológica da

epistemologia dominante? Essa descontextualização acarretou quais consequências?

Outras epistemologias são hoje plausíveis?

Compreendo que essas indagações refletem significativa mudança epistemológica

e os autores sugerem que os processos e os produtos culturais devem ser alcançados no seu

contexto de produção cultural (SANTOS; MENESES, 2010). Com origem nessa realidade,

onde se configura o ensino de Música no Brasil, é possível perceber a necessidade de uma

educação musical que alcance um grande número de pessoas.

Essa inserção de uma cultura europeia no Brasil e a dicotomia música popular e

música erudita influenciaram bastante a vida do compositor cearense Alberto Nepomuceno.

Ao nos aproximarmos das canções de Nepomuceno, compreendemos que suas

obras musicais possuem origem europeia e, ao mesmo tempo, vão de encontro às origens da

música nacional (PIGNATARI, 2009). Buscando ressaltar sua música de origem, contudo, ele

foi o primeiro a compor músicas do repertório de concerto com textos em português. Em

virtude disso, ele é considerado o precursor no nacionalismo modernista, que se desenvolveu

e se tornou hegemônico na música brasileira nos anos 1920 a 1950 e que teve Heitor Villa-

Lobos como seu expoente máximo (PEREIRA, 2007).

Essa busca por novos paradigmas da geopolítica do saber assemelha-se ao que

aconteceu no Brasil durante a Semana de Arte Moderna, em 1922. Naquela ocasião, o

compositor Heitor Villa-Lobos foi destaque e, apesar de se utilizar, de maneira tímida, de

algumas inovações sonoras e outras combinações instrumentais, provocou escândalos no meio

musical brasileiro marcado por uma “colonialidade” do saber eurocêntrico. Após a Semana de

Arte Moderna, o compositor brasileiro procurou, por meio da união da música popular e da

música erudita, produzir saberes que reafirmassem a cultura genuína pátria, em detrimento da

significativa influência da cultura europeia. Ele se destacou por considerar que um país

escravocrata tardio pode perceber seu potencial, mesmo que obscuro e reprimido, em

consequência de uma “colonialidade” (WISNIK, 2007). Compreendo que essas duas relações

não se exprimem mutuamente excludentes, mas a ênfase no ensino de Música para uma

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grande massa se aproxima muito mais da realidade brasileira do que o modelo europeu, que

busca formar músicos de alta performance.

Essa realidade expressa-se também em um projeto, nos anos 1970, na cidade de

Fortaleza. Idealizador do projeto, o violinista e pedagogo Alberto Jaffé implantou um método

de ensino buscando alcançar grande número de alunos, contrariando o método tradicional de

um professor para um aluno. O projeto procurava atender a uma demanda de músicos para as

orquestras do Brasil. Nessa época, o panorama musical brasileiro mostrava-se como um

período cujo maior problema das orquestras concentrava-se na falta de novos músicos para as

vagas existentes. Em 1975, só em São Paulo, surgiram quatro orquestras. A exemplo do que

ocorria na capital paulista, havia também no Recife, em Porto Alegre e no Rio de Janeiro

grande necessidade de músicos para o setor das cordas. Portanto, para suprir essa demanda,

uma das soluções encontradas, embora difícil e dispendiosa, foi a de arregimentar músicos de

outros países. Procurando minimizar o problema que se mostrava com a falta de

instrumentistas de cordas, a solução mais imediata foi a implementação de ações visando à

formação em massa de músicos nessa especialidade.

Entre as experiências pedagógico-musicais vivenciadas naquele momento

histórico, posso mencionar os trabalhos desenvolvidos pelos professores Alberto Jaffé e Pedro

Cameron. Essas contribuições para a formação de instrumentistas são consideradas pioneiras

e basilares para o surgimento de outros movimentos importantes. Jaffé operou grande

influência na realidade musical brasileira ao implantar uma metodologia de ensino coletivo

para os quatro instrumentos de cordas, simultaneamente.

Pedro Cameron, por sua vez, também teve a carreira musical dedicada ao ensino

da música. Como professor, lecionou no Conservatório de Tatuí, de 1970 a 1984, trabalhando

com alunos que iniciaram estudos de Música em sua orquestra. Seu objetivo era estimular os

jovens ao estudo dos instrumentos de orquestra. Tanto o trabalho do professor Jaffé quanto as

diligências de Cameron foram tão profícuos que em poucos anos seus alunos estavam em

condições de executar as obras convencionais do repertório sinfônico (SILVA, 2008).

Em minha dissertação de mestrado, pesquisei sobre a experiência do método Jaffé

na cidade de Fortaleza e pude constatar que a metodologia empregada por ele trouxe diversos

subsídios para a formação musical e humana de muitos dos jovens e adolescentes que

participaram desse movimento nos anos 1970. Entre tais contribuições, destaco a perspectiva

de uma carreira musical, a apreciação da música e a oportunidade de inclusão social. Assim,

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denota-se que a aplicação do método ultrapassou a promoção de aprendizado técnico,

considerando que o universo metodológico desenvolvido pelo professor Jaffé também

ampliou outros aspectos educacionais, como, por exemplo, a transformação da realidade

sociocultural de vários egressos dessa experiência (SILVA, 2008).

O contexto dessa investigação, no mestrado, revelou a complexidade e a estrutura

dessa didática musical para instrumentos de cordas. De tal modo, uma das importantes

reflexões desse estudo foi perceber como a introdução do aprendizado dos instrumentos de

cordas, na trajetória dos participantes do projeto do Sesi, transformou suas vidas, dotando-os

de um capital cultural e social.

Empreender uma pesquisa acerca dessa experiência desenvolvida pelo maestro

Jaffé na década de 1970, em Fortaleza, demonstrou-se para mim um processo formativo de

amplas possibilidades, a julgar que sou um dos egressos desse experimento e que historicizar

esse processo significou olhar para minha própria história de formação musical. Durante três

anos, estudei violino com o professor Jaffé; nesse período, tive a oportunidade de participar

de cursos de férias na cidade de Campos do Jordão, em São Paulo, onde assisti a vários

concertos, destacando apresentações de famosos instrumentistas, como Ruggiero Ricci,

Mistilav Rostropovich, Airton Pinto, Natan Schwartzman; como também renomados

maestros, a exemplo de Eleazar de Carvalho e Isaac Karabtchevsky, que muito me

impressionaram e estimularam a continuar o estudo de Música, em especial, do violino.

Esses contatos proporcionados em eventos musicais e o estudo do instrumento

fizeram-me optar pelo bacharelado em Violino, por ocasião de meu ingresso na universidade.

Fiz a faculdade de Música na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na cidade de João

Pessoa, onde me foi dado participar tanto da Orquestra Sinfônica Jovem quanto da Orquestra

Sinfônica da Paraíba (orquestra profissional do Estado). Nesse momento de minha formação,

olhava para o instrumento (violino) com um olhar de performance, ou seja, focando como

resultado final o instrumentista que poderia atender ao campo de atuação profissional.

De fato, o modelo de ensino de Música no bacharelado da UFPB mantém seu

modo de operação no habitus “conservatorial”, também conhecido como modelo

“conservatorial” ou forma “conservatorial”. Essa nomenclatura é associada por alguns autores

a uma prática de ensino de Música com origem na música de concerto, que tem como objetivo

dominar uma linguagem performática para execução de um repertório eurocêntrico

(PEREIRA, 2013).

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Como geralmente ocorre na carreira dos instrumentistas, logo me tornei professor,

lecionando violino e viola para crianças, adolescentes e jovens da periferia da cidade de

Fortaleza, tendo como objetivo ensejar-lhes uma experiência com música por via do

aprendizado do instrumento. Durante esse experimento, percebi a necessidade do professor de

Música em adquirir conhecimentos múltiplos que poderão ser utilizados em determinadas

circunstâncias. Logo entendi que o bacharelado não me fornecia os meios necessários para

atuação com segurança no campo da docência, sendo, portanto, necessário apropriar-me de

determinados conhecimentos para compreender a situação na qual se encontravam meus

alunos e aplicar o método mais adequado.

Fundamentado nesses questionamentos e na necessidade de ampliar e aprofundar

os conhecimentos acerca do ensino de Música, retornei à universidade para cursar licenciatura

na Universidade Estadual do Ceará (UECE), na cidade de Fortaleza. Nesse momento, meu

foco passou a ser o ensino de Música e não mais a formação do instrumentista. Queiroz e

Marinho (2005) tornam bastante clara a linha divisória que diferencia bacharelado e

licenciatura em Música, discutindo que os cursos de bacharelado em Música exercem o papel

de formar músicos que deverão atender ao mercado de trabalho profissional na seara musical.

Por outro lado, as licenciaturas em Música se preocupam com a formação profissional para

atuação na educação básica, como também habilitam o egresso “para ocupar lugares como

escolas especializadas de ensino da Música e outros contextos emergentes na sociedade [...]”

(QUEIROZ; MARINHO, 2005, p. 2). Essa distinção foi fundamental na condução de minhas

escolhas no terreno pedagógico-musical para tornar-me professor no ensino superior,

inclusive a opção por fazer um mestrado em Música.

Meu ingresso no mestrado ocorreu por meio de um teste de seleção, etapa na qual

precisei tocar para uma banca um repertório contrastante, o qual perpassava por músicas dos

períodos barroco, clássico, romântico, moderno e contemporâneo e por compositores

brasileiros do repertório erudito. No mesmo dia, no período noturno, fiz outra prova; dessa

vez, o conteúdo era teórico (harmonia, história da música, contraponto etc.). No dia seguinte,

defendi o projeto de pesquisa para avaliação da banca.

Durante minha experiência no mestrado, visualizei melhor o domínio e a

interpretação das músicas por intermédio do violino, como também o ensino de Música via

instrumento, já que tive a oportunidade de estagiar na docência do ensino superior. Embora

fossem proporcionadas outras disciplinas, elas estavam subordinadas à performance

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instrumental. Assim, o mesmo modelo esboçado no bacharelado em Violino repete-se no

mestrado em Práticas Interpretativas na Subárea de Violino. Essa configuração está baseada

em um saber de origem europeia, que tem como objetivo preparar professores para a

reprodução da música de concerto. Em minha percepção, esse conhecimento não coincide

com a necessidade dos brasileiros, com o ensino de Música para a maioria da população

brasileira.

Nesse sentido, destaco a implantação dos três cursos de licenciatura em Música

nas universidades federais do Ceará, que têm como objetivo a formação de professores de

Música para atendimento às escolas da rede pública, organizações não governamentais etc.,

proporcionando, assim, uma vivência musical por meio do aprendizado de instrumentos

musicais e de canto, individual e coral, ao maior número possível de pessoas.

Esse processo de criação de cursos superiores de Música no Ceará tem forte

relação com a discussão empreendida neste estudo, em virtude de minha inserção como

professor do primeiro curso de licenciatura em Música na região do Cariri. Em 2009, prestei

concurso para o setor de estudos “Prática e Ensino de Instrumentos de Cordas Friccionadas” e

fui aprovado. Então, desde 2010, ensino, pesquiso e oriento os alunos da região do Cariri

sobre o aprendizado e a prática desses instrumentos.

O curso de licenciatura em Música da UFC, campus Cariri, tem origem na

histórica trajetória do curso de licenciatura em Música da UFC em Fortaleza2. Posteriormente,

o campus Cariri, antes vinculado à UFC, foi desmembrado, constituindo-se em nova

universidade, a Universidade Federal do Cariri (UFCA). O curso emerge, então, do esforço

conjunto e da visão de professores (educadores musicais) que enxergaram na região do Cariri

cearense um amplo potencial para o desenvolvimento da sistematização do saber musical

inerente àquele espaço geográfico-cultural.

Esse é, portanto, o locus no qual esta pesquisa deverá desenvolver-se, tendo como

objetivo descrever e analisar minha trajetória de formação, buscando compreender a

constituição do habitus docente musical. Como objetivos específicos, pretendo argumentar

acerca dos nexos entre a abordagem história de vida e o aporte teórico da praxiologia, de

Pierre Bourdieu, para elucidar a constituição de meu habitus docente; desvelar aspectos de

minha formação musical na aquisição de capitais para compreender os processos de

2 Sobre a história do curso de licenciatura em Educação Musical da UFC, em Fortaleza, ver Silva (2009).

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aprendizagem musical; e discutir a relação entre ensino tradicional e ensino coletivo,

buscando uma epistemologia do saber musical que supere o modelo eurocêntrico.

Desse modo, minha trajetória demonstra o processo de aquisição de

um habitus que extrapola a ideia de reprodução das condições de existência. Ao mesmo

tempo que esse contexto nega meu destino provável, permite-me postular a seguinte tese: a

inadaptação do habitus primário, aliado a estratégias, e o contato com elementos-chaves no

campo musical conduziram-me, enquanto agente, a ocupar uma posição de destaque no

referido campo.

Entendo que este estudo deverá contribuir para uma melhor compreensão do

campo pedagógico musical da UFCA, aproximando-me da realidade que envolve estudantes e

professores e, assim, procurar desmistificar a aparente dicotomia, historicamente constituída,

entre as culturas erudita e popular.

O trabalho está organizado em seis capítulos. No segundo capítulo, antecedido

pelo prelúdio, desvelo os procedimentos metodológicos que nortearam esta pesquisa,

buscando um diálogo da metodologia história de vida com a praxiologia do sociólogo Pierre

Bourdieu. No terceiro, discuto minha história de vida, elucidando a subjetividade no meio

social e como se deu meu aprendizado em Música até me tornar professor da UFCA. No

quarto, revelo minha prática de ensino, na intenção de atender às necessidades do ensino de

Música em diálogo com o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Música da UFCA. E, por

fim, no sexto capítulo, minhas conclusões.

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2 PRIMEIRO MOVIMENTO: REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Este capítulo expõe a abordagem metodológica, um estudo na perspectiva do

diálogo entre duas tradições de pesquisa: a metodologia história de vida, explorando o

processo autobiográfico, e a teoria da praxiologia, de Pierre Bourdieu. Este trabalho utiliza as

duas tradições como referencial teórico-metodológico, pois entendo que é delineada a história

de vida com a inserção no campo do ensino de Música e a constituição do habitus docente,

sincronicamente.

A tradição de pesquisa história de vida permite centralizar o sujeito narrador,

considerando que ele define seu objeto de busca e amplia também sua percepção acerca de si

mesmo (ASIHVIF, 2002, tradução minha). Assim, esse caminho, mediante a autobiografia,

permite ao pesquisador analisar a própria história. No caso, tencionei compreender minha

trajetória, desvelando os principais aspectos que orientaram as escolhas que me

transformaram em um professor de Música.

Esse procedimento de investigação autobiográfica propõe aproximar o

pesquisador/sujeito no âmbito da pesquisa. Com efeito, Cecilia Warschauer, no prefácio ao

livro de Marie-Christine Josso, Experiências de vida e formação, ajuda-nos a compreender “a

centralidade do sujeito aprendente, utilizando a análise de seu percurso de vida e maneira de

caminhar para si” (JOSSO, 2004, p. 8). Essa aproximação se dá porque o pesquisador, além

de ser o sujeito, é também quem conta a história.

Outra experiência a expressar o caráter formativo da história de vida é relatada no

livro No ar, um poeta, resultado da tese defendida por Henrique Beltrão. Ele afirma que

A abordagem História de Vida e Formação (HIVIF) abre campo de vastidão em

pesquisa e (auto)formação, em que esta narrativa autobiográfica se torna possível e

revela o que fui, transforma o que sou, bem como me deixa entrever o que sou capaz

de vir a ser. Do encontro entre o outrora, o agora e o porvir se tecem os relatos de si

neste âmbito de estudos. Há que ousar saber de si – e ousar se sentir. Rememoro o

que dizia o poeta Píndaro: “o dia precedente é o mestre do dia seguinte” – e a ponte

entre os dois se faz hoje. Este percurso de pesquisa meu precisa de fazer poética esta

narrativa autobiográfica (CASTRO, 2014, p. 288, grifo do autor).

Esses dois exemplos apontam para a qualidade dessa proposta no campo das artes,

em especial, no meu caso, o espaço da Música. Sou egresso de uma experiência tradicional

por meio de minhas vivências com a música de concerto, de tradição europeia. Essas

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experiências fomentaram em mim a ideia de que a música europeia seria a referência para o

estudo da música de qualidade.

Ao analisar minha história de vida, foi possível compreender meu aprendizado em

outros espaços sociais que me proporcionaram uma formação. Assim, esse procedimento, do

ponto de vista da formação de professores, procura explicar a origem do sujeito, ou seja, de

onde ele veio até a posição por ele ocupada no momento, olhando para o futuro. A abordagem

denota, também, novas maneiras de olhar para uma pesquisa científica, de procurar refletir

sobre o sujeito, como também de propiciar uma escrita sobre o modo como ele

(pesquisador/sujeito) se articulou com o campo acadêmico.

As histórias de vida como metodologia de pesquisa surgiram por intermédio das

Ciências Sociais nos anos 1920, com o concurso da Escola de Chicago, com “temas de

pesquisa em que o pertencimento social dos sujeitos não é dado a priori” (GUÉRIOS, 2011,

p. 10). Isso significa dizer que a dialética entre sujeito e sociedade não era considerada.

Explorava-se apenas a subjetividade do sujeito. Sobre a Escola de Chicago, Silva (2016,

p. 53, grifos do autor) comenta que,

Após um período de considerável produção pela “Escola de Chicago”, a

metodologia história de vida passou por um declínio, em razão do crescimento de

teorias “abstratas”. Estas optavam por focalizar nas variáveis estruturais em

detrimento dos fatores que são ressaltados na vida e experiências da pessoa.

Malgrado intensa produção de estudos por via dessa metodologia, ela foi objeto

de declínio. A razão para esse enfraquecimento foi o destaque conferido às pesquisas

fundamentadas nas teorias abstratas. A ênfase concedida às questões mais objetivas afastou o

olhar dos pesquisadores, por algum tempo, de um enfoque que valorizasse mais a

subjetividade.

No final dos anos 1970, no entanto, a metodologia história de vida reapareceu,

dessa vez na França, por meio do estudioso Daniel Bertaux e seu relatório de pesquisa

utilizando esse procedimento. Em 1980, as ideias basilares de Bertaux foram publicadas em

um artigo intitulado “L’approche biographique: sa validité méthodologique, ses potentialités”.

Nessa publicação, Bertaux defende o enfoque biográfico, sugerindo inclusive a palavra

“story” para representar a utilização dos relatos de vida. Ensina, ainda, que essa proposta de

análise não necessitava de fontes externas ao discurso do sujeito que reconstitui suas

vivências. A influência dessa proposta crescia, alcançando, assim, proporções internacionais.

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Essa opção, história de vida, sem recursos à objetivação por documentos externos, passou a

polarizar os debates acerca do assunto (GUÉRIOS, 2011; SILVA, 2016).

Essa aleia de pesquisa, entretanto, é alvo de severas críticas, principalmente pelo

sociólogo Pierre Bourdieu, quando escreveu e publicou o artigo “Ilusão biográfica”. Nesse

documento, Bourdieu combate rigidamente a descrição de uma história de vida destituída de

identidade associada a um determinado terreno. Ele leciona que um agente transita em um

mesmo campo social ou em campos distintos no mesmo momento (unidade sincrônica3)

(BOURDIEU, 1998).

Acerca da crítica de Bourdieu sobre a metodologia histórias de vida, ressalto dois

estudos esclarecedores: o artigo da pesquisadora Maria da Conceição Passegi, “Pierre

Bourdieu: da ilusão à conversão autobiográfica”, e um capítulo da tese de Maria Goretti

Herculano Silva, “Da dialética do pensamento: da ilusão à sedução”. Ambos exibem uma

versão da crítica encabeçada pelo já citado “Ilusão biográfica” até a escrita de Esboço de

auto-análise por Pierre Bourdieu.

Na concepção de Passegi (2014), os escritos de Bourdieu seguem a seguinte

trajetória: introduzem uma crítica às histórias de vida em seu artigo “A ilusão biográfica”;

perpassam por um momento de adesão no livro A miséria do mundo; e chegam, finalmente, a

uma conversão no livro Esboço de auto-análise.

Na mesma linha, Silva (2016) oferece o entendimento de que a ideia de conversão

demonstrada por Passegi (2014) não é o que mais se aproxima da posição de Bourdieu em

relação às histórias de vida. Ela reflete:

Percebo de todo esse contexto que houve uma evolução no pensamento de Bourdieu,

que o levou da Ilusão biográfica ao Esboço de auto-análise – o que não é de se

estranhar, ao se considerar as inúmeras transformações testemunhadas por ele ao

longo de sua vida. Isso me leva a crer que não houve uma conversão, pois não

ocorreu mudança de direção, nem abandono de suas crenças basilares. Por outro

lado, entendo que Bourdieu se deixou seduzir pelo método das narrativas

autobiográficas, e, na trajetória das experiências que o conduziram a essa atração,

desmistificou a própria experiência auto-biográfica. Isso resultou na elaboração de

uma argumentação que deu maior ênfase ao arcabouço teórico das histórias de vida,

definindo sua rigorosidade quanto ao uso de material biográfico em pesquisa de

cunho social (SILVA, 2016, p. 60).

3 Por exemplo: o nome próprio como um ponto fixo que se move.

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Em tal circunstância, é compreensível o fato de que essas duas tradições de

pesquisa encontraram autonomia na academia; entretanto, naquele momento inicial, elas eram

divergentes e não conseguiam dialogar.

Bourdieu, em seu livro Esboço de auto-análise, evoca a própria experiência de

vida e exibe sua proposta de estudo ao utilizar o gênero autobiográfico. Sobre essa

modalidade de pesquisa, ele diz que “queria apenas tentar reunir e revelar alguns elementos

para uma auto-análise” (2005, p. 37). Assim, propõe ao pesquisador olhar para o sujeito,

procurando perceber/descrever como ele foi inserido em um determinado campo. Bourdieu

(2005, p. 40) descreve que “compreender é primeiro compreender o campo com o qual e

contra o qual cada um se fez”. Fundamentado nessa ideia, procuro explicar como entrei em

contato com as leis do campo da Música, em especial, com as do ensino de Música. Levei em

conta, portanto, os conceitos da praxiologia (campo, habitus e capitais simbólicos) como

alicerce para minha análise por explicar/fundamentar o processo de inserção no terreno da

docência em Música.

2.1 Metodologia história de vida

Procurei descrever minha história de vida com base na minha perspectiva, ou seja,

em um processo (auto)narrativo. Nessa fase da escrita, não me detive no procedimento

analítico, porquanto me preocupei apenas em descrever, na escrita, o máximo de informações

possíveis que ficassem disponíveis para uma análise. Outro aspecto importante foi a interação

com outras pessoas, procurando tornar a escrita o mais próximo possível do original (como de

fato aconteceu). Nesse sentido, conversei com minha progenitora, Maria Carlina da Silva,

buscando o máximo de informações da época em que me aproximei do Serviço Social da

Indústria (Sesi). Investiguei meus colegas, egressos da experiência Jaffé, e esses, além de me

fornecerem algumas informações, enviaram por e-mail e pelas redes sociais fotos e partituras

que me ajudaram na observação dos fatos.

O uso desse procedimento fundamenta-se nas orientações dadas por Martine Lani-

Bayle, no artigo “História de vida: transmissão intergeracional e formação”, no qual

esclarece:

Informar. É isso o que os fatos evocados podem nos ensinar, e isso é a base: nós

anotamos e registramos. De qualquer forma, temos necessidade disso. Porém, esses

fatos nada significam, se estiverem isolados da pessoa que narra, desencarnados. De

posse dessas bases iniciais, convém buscar o que os fatos fizeram ao narrador (ou

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seja, a “narrativa de experiência” decorre desses fatos evocados e deixa surgir o

“experienciado”, resultante das provas atravessadas tal como foram relatadas). Em

seguida, é necessário tentar tomar consciência do que o narrador fez de tudo isso (ou

seja, a “narrativa de formação”, que se pode extrair do nível precedente) (LANI-

BAYLE, 2008, p. 303, grifos da autora).

Nesse sentido, ao ler o que havia escrito, procurei responder aos seguintes

questionamentos: o que os fatos me ensinaram? O que essa narrativa me causou? Essa

maneira de proceder, em geral, é considerada por quem trabalha com história de vida? Minha

escrita se fundamentou também na orientação de Lani-Bayle (2008). A pesquisadora

aconselha que, inicialmente, o sujeito relate plenamente, ou seja, escrevendo os fatos do

exterior para o interior. O próximo passo é uma reflexão acerca do influxo dessas memórias,

do exterior para o interior. A última fase é o processo de organização e constituição do texto,

apesar de que a escrita não relata uma vida, o relato deverá ser produtivo (LANI-BAYLE,

2008).

Na primeira etapa, ao descrever meu interior, captei marcas, emoções, fatos, o que

foi possível captar no exterior. É o meu encontro com o passado. Após a descrição de minha

vida, cheguei à segunda etapa, quando procurei ler/refletir sobre a minha história, buscando

informações que me ajudassem a compreender minha formação. Essa escolha dialoga com o

mesmo método de investigação utilizado pelas pesquisadoras Carolina da Costa Santos,

Fátima Pereira e Amélia Lopes, relatado em edição especial da revista Educere et Educare.

Elas procuram compreender o percurso social dos professores universitários mediante o

restabelecimento de suas identidades. Consideram nesse processo o contexto familiar, o

percurso escolar, a formação inicial e as experiências profissionais. Acerca dessa abordagem

metodológica, comentam:

Por compreender a identidade como processo social, as narrativas de tipo biográfico

revelaram-se como estratégia metodológica principal do estudo. Elas permitem

respeitar a subjetividade do sujeito. Se a identidade não é produzida em um

momento pontual, mas é construída ao longo da vida, pela dialética indivíduo-

sociedade, é fundamental entender que, antes do produto, é importante conhecer o

processo (SANTOS; PEREIRA; LOPES, 2014, p. 409).

Desse modo, é possível compreender que a autobiografia é muito utilizada como

estratégia de percepção dos processos formativos do professor. Também é possível admitir

que a organização do meu percurso de formação e a reflexão sobre ele me ajudam a

identificar minha formação.

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Na última etapa, separei recortes de minha vida que dialogavam com meu

processo formativo, ou seja, pretendi entender meu diálogo com a sociedade, notando as

contribuições dos espaços sociais para minha inserção na docência do ensino superior e

considerando aspectos desde a minha infância até os dias de hoje.

Essa abordagem de investigação é largamente divulgada nos estudos sobre

formação de professores. Acerca desse processo, Dotta e Lopes (2014, p. 47) esclarecem:

O seu uso justifica-se pelo seu potencial de desvendar as complexidades envolvidas

no desenvolvimento profissional. Significa visualizar o fenômeno a ser investigado

como espaço de vida tridimensional em curso onde temporalidade, sociabilidade e

lugar estão em articulação permanente.

Ao investigar minha vida, considerando aspectos temporários, mas que

produziram significados para o futuro, percebi que minhas relações com os diversos espaços

sociais por mim vivenciados proporcionaram-me determinados aprendizados, como também

aprendi nos deslocamentos realizados em diversas cidades e instituições. Ao considerar esses

fatos, posso afirmar que isso me ajudou a compreender minha formação. Esse procedimento

investigativo me permite investigar o sujeito e não, simplesmente, pesquisar sobre o sujeito.

A seguir, explico o veículo de análise utilizado nesta pesquisa, a praxiologia, de

Pierre Bourdieu, buscando identificar a interação que fiz com os espaços sociais que

frequentei.

2.2 Praxiologia: metodologia/referencial teórico

Por intermediação desta pesquisa, procuro descrever o modo como fui inserido na

seara docente utilizando a metodologia história de vida. Narro, também, minha trajetória

(agente) na seara musical, recomendando, assim, os conceitos de habitus, campo e capitais

simbólicos como referenciais teóricos.

2.2.1 Habitus

Ao estudar a praxiologia de Bourdieu, foi possível perceber minha inserção no

campo. Ressalto ainda que, apesar de sermos influenciados pelo campo, ele não determina

nosso futuro, ou nossa prática. A despeito disso, Brandão e Altmann (2002, p. 4, grifos dos

autores) explicam que

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O habitus é um saber agir aprendido pelo agente na sua inserção em determinado

campo. As “estruturas” do campo são importantes na formação do habitus, no

entanto, a ação do agente não é completamente determinada por elas. Bourdieu fala

em “sentido do jogo”: o jogador apreende as regras do jogo, mas as regras não

preveem o que irá acontecer, tampouco como o jogador irá jogar.

Entendo, portanto, que as práticas sociais não são totalmente determinadas, e sim

determinantes. Desse modo, os agentes de um campo necessitam incorporar os capitais

exigidos para que permaneçam ali. No meu caso específico, fui acumulando o capital exigido

no campo da Música (violino) e no escolar (diploma de 2º grau, aquisições de saberes

cognitivos, capital social), que me encaminharam a participar das regras do jogo no campo

acadêmico musical.

Destaco, ainda, a aquisição de capital simbólico, que proporcionou aproximação

com o campo musical. Esses capitais são oriundos de minha convivência no espaço familiar e

na socialização escolar. Ao refletir acerca das relações parentais no seu processo de

autoanálise, Bourdieu (2005, p. 109) comenta que

Este esboço de auto-análise não pode deixar de lado a formação das disposições

associadas à posição de origem, das quais se sabe que, em relação aos espaços

sociais em cujo interior elas se atualizam, contribuem para determinar as práticas.

Assim, nossas disposições herdadas na família dialogam com os espaços sociais e

vão transformando-se e ensejando outras percepções, novas práticas. Acerca disso, Costa

(2013) confirma que a constituição de um determinado habitus não se origina apenas da

vontade individual do agente, tampouco por imposição coercitiva da estrutura. Assinala que

resulta de

Toda herança cultural e social do indivíduo, segundo seus níveis de capital cultural,

obtidos na escola, que, relacionalmente, definem atitudes em relação à cultura e,

num jogo de aceitações e recusas – nas estruturas estruturadas e estruturantes

(habitus) –, que deliberam as disposições sociais (dentre elas o gosto) (COSTA,

2013, p. 13, grifos do autor).

De tal modo, compreendo que essas predisposições são formatadas

relacionalmente no diálogo com a pessoa e os arranjos sedimentados na estrutura.

Assim, neste trabalho, ao utilizar o diálogo entre história de vida e praxiologia,

elucido o processo que proporcionou não só me aproximar do campo, como também

descrever como me relacionei com as regras do jogo em cada espaço social (campo, ou

subcampo). Este trabalho tem como proposta trazer um estudo sobre minha constituição

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docente. Nesse sentido, considero importante descrever que um habitus docente não acontece

instantaneamente, ou seja, no momento em que o professor está em sala de aula, mas resulta

de vários fatores antes desse encontro. Acrescento ainda que, após a experiência em sala de

aula, o docente (agente) continua desenvolvendo esse habitus.

Com essa compreensão, utilizo como meio de iluminação desta pesquisa os

conceitos de campo, habitus e capital simbólico, por entender que essas ideias norteiam o

caminho investigativo. Acerca do habitus, Bourdieu (1994, p. 6) esclarece que são

Sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar

como estruturas estruturantes, isto é, princípio gerador e estruturador das práticas e

das representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem ser o

produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu dispor sem supor a

intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para

atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de

um regente.

Esse conceito ajuda-me a compreender o processo pelo qual incorporei o capital

necessário que adquiri no interior da estrutura e que orientou minhas disposições e escolhas

para lutar para inserção no campo acadêmico. Habilitou-me, também, a reproduzir esse capital

em outros espaços sociais.

2.2.2 Campo

No interior do campo, socializo capital simbólico herdado em ambientes sociais

anteriores; faço um investimento de tempo, força interna, disposição para aquisição; e

visualizo a possibilidade de ganho com a internalização desse capital. De tal modo,

compreendo que essas aquisições estão associadas a um espaço social, e, nesse sentido, é

importante descrever a visualização desse espaço ou campo no qual interagi e interiorizei

estruturas. Acerca do campo, Bourdieu (2005, p. 55, grifos do autor) descreve:

O efeito de campo exerce-se em parte por meio do confronto com as tomadas de

posição de todos ou de parcelas daqueles que também estão engajados no campo (e

são outras encarnações distintas, e antagônicas, da relação entre um habitus e um

campo): o espaço dos possíveis realiza-se nos indivíduos que exercem uma

“atração” ou uma “repulsão”, a qual depende do “peso” deles no campo, isto é, de

sua visibilidade, e da maior ou menor afinidade do habitus que leva a achar

“simpáticos” ou “antipáticos” seu pensamento e sua ação.

Assim, um campo é constituído após a atração entre os agentes que possuem um

mesmo habitus. Eles têm igual linguagem, e, com essa autonomia, são elaboradas as regras do

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campo. Acerca do espaço em que os agentes esboçam as trajetórias, Albuquerque e Rogerio

(2012, p. 32) assim descrevem: “A noção de campo pode ser entendida como um espaço

estruturado onde os agentes orbitam. A força de atração entre os agentes decorre de habitus

semelhantes que geram interesses próximos e formas de compreensão da realidade similares”.

Na sequência, indico o percurso metodológico da pesquisa. Assim, no primeiro

momento, foi realizado um procedimento de coleta de dados mediante a escrita de minha

história de vida. No segundo, faço um estudo acerca do diálogo que realizei com diversos

espaços sociais em minha trajetória, conforme descrição a seguir.

2.3 Expedientes utilizados

Durante a escrita observei fotos e vídeos, buscando identificar aspectos que

pudessem dialogar com esta pesquisa. Procurei, também, conversar com minha progenitora à

procura de informações que me ajudassem a compreender a constituição do meu habitus

docente. Conversei, também, com diversos colegas egressos do Projeto Jaffé, que me

ajudaram a reconstituir alguns aspectos de que não me recordava, e ainda me forneceram

algumas fotos da época, que me fizeram reviver alguns momentos interessantes dos quais eu

nem me lembrava ou não sabia. Nesse sentido, compreendo que esse processo de

(re)memorizar é marcante para quem os vivenciou e fornece significados interessantes.

2.4 Meu encontro com a metodologia

Ao me aproximar da Faculdade de Educação (Faced) da UFC, encontrei

pesquisadores que trabalham com arte e utilizaram a metodologia história de vida em suas

pesquisas. Cito a professora Izaíra Silvino, que, durante sua defesa de dissertação de

mestrado, nos anos 1990, foi aconselhada a mudar a metodologia de seu trabalho porque um

membro da banca não reconhecia essa abordagem como método de pesquisa.

Mais tarde, em 2007, o professor Elvis Matos (2008) empregou em sua tese de

doutorado essa metodologia e não encontrou resistência por parte da banca. O professor e

poeta Henrique Sérgio Beltrão de Castro (2014), por sua vez, na tese de doutorado, encontrou

uma metodologia de pesquisa que contemplava a poesia.

Minhas vivências no doutorado, durante a participação nas disciplinas Educação,

Currículo e Ensino II – História de Vida e Praxiologia e Seminário Temático IV – História de

Vida, Habitus, Campo e Desenvolvimento, no eixo de pesquisa Educação, Currículo e

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Ensino, orquestradas pelos professores doutores Luiz Botelho Albuquerque, Henrique Beltrão

e Pedro Rogerio, da Faced, bem como as conversas com meu orientador, fizeram-me

compreender que o uso dessas duas tradições de pesquisa, em meu estudo sobre formação

docente, proporcionaria um poder de ganho explicativo.

2.5 Revisão bibliográfica

Buscando compreender o atual estado da questão acerca da constituição do

habitus docente do professor de Música, fez-se necessário, a princípio, realizar um

mapeamento de alguns trabalhos relacionados com a formação do professor.

Nesse sentido, pude constatar que diversos estudos têm demonstrado preocupação

com a formação de professores, a exemplo dos de Masseto (2003), Hagemeyer (2004), Silva

(2010) e Franco (2013). Esses autores discutem alguns pontos relevantes na constituição do

docente, ressaltando, assim, aspectos como: o enaltecimento do saber específico em

detrimento do saber pedagógico; a interação entre professores no ambiente de trabalho

quando discutem acerca do que é necessário que os alunos aprendam; as estratégias utilizadas

para o desenvolvimento dos alunos; a reflexão sobre a prática de ensino do professor e sua

profissionalidade; a compreensão da construção da identidade dos docentes em ambiente de

trabalho na universidade; os rumos da educação e atuação do professor no cenário de

transformação moderno/pós-moderno; as probabilidades de ensino e aprendizagem no

panorama tenso e contraditório vividos na universidade contemporânea, entre outros temas.

Elenco também alguns trabalhos relacionados à formação de professores de

Música, como o de Pires (2004), Prates (2004), Gomes (2008), Bastião (2009) e Pereira

(2013). Esses autores apresentam aspectos relevantes da pesquisa em Música relacionados à

formação de professores, como, por exemplo, as dificuldades encontradas entre o interesse do

aluno e o universo do professor olhando para uma atuação profissional, o diálogo entre teoria

e prática no exercício da docência e o processo de escolha da profissão de professor de

Música, considerando o ambiente da licenciatura em Música.

Durante a escrita desta pesquisa, percebo que tanto na formação do professor de

forma geral como na formação do professor de Música encontro muitos aspectos que se

configuram apresentando uma mesma dificuldade. Com essa compreensão, direciono esse

apanhado bibliográfico, em diálogo entre a música e a educação, por entender que essas duas

áreas de estudos dialogam e se complementam no campo da educação musical. Visualizar

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26

essa construção na elaboração dos trabalhos apresentados me aproxima cada vez mais do

entendimento do objeto de estudo. Assim, chego aos estudos mais específicos sobre a

constituição da docência em Música pela perspectiva do habitus segundo o proposto nos

estudos de Pierre Bourdieu.

Ao procurar uma bibliografia sobre a constituição do habitus do professor de

violino, não encontrei nenhuma pesquisa específica, a não ser alguns estudos que se

correlacionam com essa temática. Entre esses, destaco a pesquisa de Lehmann (2002), que

delineia o modo como as disposições musicais incorporadas pelo exercício instrumental

dialogam com disposições de classe herdadas pela família para encaminhar a trajetória e as

estratégias profissionais de músicos no contexto da orquestra sinfônica. Embora esse trabalho

não especifique a constituição da docência, é, contudo, bastante esclarecedor no sentido de

desvelar aspectos que são próprios de minha constituição como docente de Música.

Destaco também, nessa mesma direção, o trabalho de Fucci Amato (2008), que

analisa sociologicamente a constituição do ambiente familiar de músicos brasileiros eruditos e

populares, ressaltando o papel da família como primeiro ambiente de musicalização do

indivíduo.

Encontrei ainda autores que pesquisaram a vida de músicos famosos, no âmbito

internacional, nacional e local. Nesse sentido, menciono o trabalho de Elias (1995), que

investigou a trajetória do famoso compositor de música erudita Wolfgang Mozart. Guérios

(2011) fez o mesmo com o compositor brasileiro Villa-Lobos; Ramalho (2000), com Luiz

Gonzaga; e Pedro Rogerio (2011), com Roger Rogerio. Esses estudos me auxiliaram a olhar

para mim na perspectiva da trajetória de formação dos músicos e serviram de subsídios para

meu encontro com a docência nessa área.

Assim, aproximando-me mais ainda do contexto da constituição do habitus

docente musical, deparo-me com os estudos realizados no âmbito do programa de pós-

graduação da Faced/UFC, eixo Ensino de Música. Ressalto as pesquisas realizadas por Silva

(2009, 2016), Souza (2012), Benvenuto (2012) e Anjos (2015).

Em sua pesquisa, Benvenuto (2012) analisou o diálogo entre a matriz curricular

do curso de licenciatura em Música da UFC, em Fortaleza, e a constituição do habitus docente

incorporado pelos egressos do referido curso na escolha e prática profissional de professor de

Música.

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27

A dissertação de Eddy Lincolln Freitas de Souza apresenta uma análise acerca do

campo violonístico e da constituição do habitus docente dos professores de violão. O estudo

investiga o percurso dos professores até ocuparem a posição de professores das instituições de

ensino superior (IES) no estado do Ceará.

O professor doutor Weber dos Anjos, em sua tese, procura compreender como se

constituiu o habitus docente de três educadores musicais e o diálogo com a cultura local na

região sul do estado do Ceará.

A professora doutora Maria Goretti Herculano Silva, em sua dissertação de

mestrado, ao olhar para a trajetória dos docentes do curso de Música da UFC, em Fortaleza,

procurou compreender a constituição do habitus docente. Já em sua tese, analisou as

narrativas de discentes do curso de Música da UFCA, buscando compreender os processos de

constituição do habitus docente nesses agentes.

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3 SEGUNDO MOVIMENTO: MINHA INSERÇÃO NO CAMPO MUSICAL

Neste capítulo, narro minha história de vida, descrevo como se deu minha

inserção no campo musical e procuro compreender a constituição do meu habitus violinístico.

Nessa exposição, a subjetividade dialoga com as estruturas nas quais vivenciei o processo de

aprendizagem de música. Nesse mesmo sentido, essa descrição revela minha inserção no

campo. Com esse entendimento, ao olhar para minha trajetória de formação, desvelo aspectos

formativos desde a infância até me tornar professor do ensino superior.

Hoje estou na função de docente e, ao olhar para meu percurso de formação, foi

perceptível a constituição de múltiplos habitus: habitus violinístico, violista, docente. Esse

entendimento é percebido com suporte nas disposições de minha mãe, quando me incitou a

iniciar os estudos de Música em uma instituição. O diálogo com diversos espaços sociais

proporcionou-me o estudo de Música e estimulou-me a procurar uma graduação na área com

perfil de bacharelado. Também fui violinista e violista profissional de orquestra. Durante essa

elaboração, gradativamente, fui olhando para a docência e vivenciei uma licenciatura.

Explorei, também, o mestrado em práticas interpretativas na subárea Violino e nos dias de

hoje sou professor de uma instituição de ensino superior.

Ao ponderar a ideia de que a prática de ensino reflete uma elaboração anterior,

torna-se necessário considerar os aspectos que influenciaram essa edificação. Discutindo esse

procedimento de constituição do docente do ensino superior, as pesquisadoras Santos, Pereira

e Lopes (2014, p. 405), no resumo do artigo “A construção da identidade profissional entre

percursos e escol(h)as”, assinalam o seguinte:

Considerando a construção da identidade como um processo social, em constante

mutação, este artigo parte das vozes de professores de uma Faculdade de Ciências da

Educação de uma Universidade em Portugal para compreender a (re)construção das

suas identidades em diferentes espaços de suas vidas. Interessa conhecer momentos

anteriores ao exercício da docência universitária, como o contexto familiar, o

percurso escolar, a formação inicial e as experiências profissionais. Entre outros

objetivos, procuramos interpretar como estes momentos, que antecedem a docência,

podem influenciar o exercício da profissão e as suas preocupações, assim como

entender como esses espaços e experiências contribuem para a construção da

identidade do sujeito enquanto professor universitário.

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29

Ao refletir a respeito dessa citação, compreendo que esse estudo é utilizado por

pesquisadores em outras partes do mundo, confirmando que o procedimento nele utilizado

traz reflexões pertinentes a essa (re)constituição.

Com essas considerações, ou seja, a reconstituição de minha identidade nos

espaços sociais por onde vivenciei saberes que me fizeram chegar à docência, faço um estudo

de minha trajetória, iniciando pelos aspectos percebidos na herança familiar.

3.1 Herança familiar

Por intermédio deste estudo autobiográfico, minhas primeiras disposições estão

associadas a minha herdade de origem familiar. Nasci em 1963, na cidade de Fortaleza, em

uma família proveniente de classe social menos favorecida. A profissão de meu pai era a de

motorista de ônibus; depois, com uma aposentadoria precoce, tornou-se motorista de táxi. Ele

cursou o que na época se conhecia como “ginásio”, hoje o equivalente aos 6º, 7º, 8º e 9º anos

do ensino fundamental. Minha mãe ocupava seu tempo com as atividades de dona de casa e

cabeleireira, em um bairro da periferia de Fortaleza. Cursou até o primário, que equivale, nos

dias de hoje, aos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental, e sua vida era dedicada à

família e ao lar. Eles não possuíam casa própria, consequentemente nos mudávamos com

bastante frequência.

Em 1975, quando morávamos no bairro Carlito Pamplona, minha mãe foi

convidada, por uma amiga do mesmo bairro, para participar de um curso de arte culinária no

Sesi da Barra do Ceará, que fica distante cerca de dois quilômetros da casa em que eu morava.

O Sesi proporcionava muitas atividades para seus sócios, como esportes, artes (música, balé)

e folclore (danças e músicas da região cearense). Durante suas visitas ao curso sobre arte

culinária, ela percebeu a existência de uma banda de música, um grupo musical composto

basicamente por instrumentos de sopro e de percussão, e, prontamente, interessou-se em me

matricular.

Nesse momento de minha vida, minha rotina era ir à escola, jogar bola (futebol) e

“bila” (bola de gude) com os colegas do bairro, entre outras brincadeiras. Quando minha mãe

apresentou-me a proposta de estudar música no Sesi, resisti com intensidade, pois, assim, em

vez de me dedicar às brincadeiras habituais da turma do bairro, teria de me ocupar com o

estudo de música. Minha progenitora, entendendo minha resistência, usou sua autoridade de

mãe e me obrigou a ir às aulas de música na banda do Sesi. O nome do maestro era João

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Inácio, um senhor muito distinto, tenente do Exército e que havia comandado a banda do

Colégio Piamarta. Calmo, ocupava-se em animar os jovens ao estudo dos instrumentos da

banda.

Ao me apresentar no local de ensaio e estudos do grupo, o mestre da banda

ofereceu o instrumento com o qual eu iniciaria meus estudos, o “saxhorn” – instrumento de

sopro da família dos metais, que tocava notas repetidas durante a maior parte da música, no

contratempo dialogando com a tuba, que tocava no tempo forte do compasso. Esse

instrumento, no entanto, não me despertou interesse suficiente para que eu substituísse minhas

atividades lúdicas nos arredores de minha residência pela música. Apesar de minha

resistência, minha mãe continuava insistindo nessa “ideia”. Lembro que cheguei a chorar

algumas vezes para não permanecer na aula. Mas com a persistência de minha genitora,

continuei estudando música na banda.

É importante ponderar a noção de que meus pais não possuíam um capital

econômico que proporcionasse o pagamento dos meus estudos de Música em um

conservatório, ou mesmo de aulas particulares. Eles adquiriram, entretanto, considerável

capital social, a partir das relações com diversas pessoas do bairro e das circunvizinhanças.

Esse convívio proporcionou a minha mãe a entrada em uma instituição para participar de um

curso que possibilitou a ela o conhecimento do ensino de Música de modo gratuito,

despertando nela a ideia de me matricular.

Hoje, ao olhar para meu passado e observar meu processo de inserção no mundo

musical, percebo que esses aspectos ressaltados contribuíram para minha formação.

Compreendo, também, que a ausência de um capital financeiro no âmbito familiar não me

possibilitaria o estudo de Música. Nesse sentido, o Sesi me proporcionou uma educação

musical que me direcionou para esse campo. Ressalto, também, que minha família estava

inserida em uma sociedade que não possuía muitos recursos financeiros e/ou culturais, mas

tinha um determinado capital social que proporcionava uma rede de relações entre as famílias

de uma mesma classe social. Acerca do capital social, Pierre Bourdieu (2007, p. 67) comenta

que

O volume do capital social que um agente individual possui depende então da

extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do

capital (econômico, cultural, ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um

daqueles a quem está ligado.

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A constituição desse capital social se deu, portanto, a partir de relações entre as

pessoas do mesmo bairro. E o movimento do volume do capital utilizado se dá pela posição

social que a pessoa ocupa. Ao comentarem a análise de Bourdieu a despeito do capital social,

Nogueira e Nogueira (2004, p. 51) expõem o seguinte:

O autor observa que os indivíduos podem se beneficiar dessas relações para

adquirirem benefícios materiais (um empréstimo, uma bolsa de estudo ou uma

indicação para um emprego, por exemplo) ou simbólicos (prestígio decorrente da

participação em círculos sociais dominantes). O volume de capital social de um

indivíduo seria definido em função da amplitude de seus contatos sociais e,

principalmente, da qualidade desses contatos, ou seja, da posição social (volume de

capital econômico, cultural, social e simbólico) das pessoas com quem se relaciona.

Com esse entendimento, compreendo que minha mãe, apesar de não ocupar um

poder nesse campo social (cabeleireira de um bairro), manteve uma relação social apreciável

com diversas pessoas do local e pôde beneficiar-se de informações que influenciaram tanto o

acesso ao curso de seu interesse como também a minha entrada no Sesi. Minha progenitora

não possuía um capital econômico favorável a grandes oportunidades, contudo ela adquiriu

um determinado capital social que lhe proporcionou perceber um novo panorama na

sociedade – a existência de uma instituição que proporcionava oportunidades para as pessoas

desse meio social.

Essa rede de relações impulsionou o início de minha formação. Nesse sentido, é

importante destacar que o agente de um determinado campo não surge do nada, como também

não se constitui solitariamente. A esse respeito, Nogueira e Nogueira (2004, p. 59), ao

analisarem a Sociologia da Educação de Bourdieu, acentuam que o agente

[...] não é um indivíduo isolado, consciente, reflexivo, tampouco o sujeito

determinado, mecanicamente submetido às condições subjetivas a que ele age. Antes

de mais nada, contrapondo-se ao subjetivismo, Bourdieu nega, da forma mais radical

possível, o caráter autônomo do sujeito individual. Cada indivíduo é caracterizado,

pelo autor, em termos de bagagem socialmente herdada. Essa bagagem inclui, por

um lado, certos componentes objetivos, externos ao indivíduo, e que podem ser

postos a serviço do sucesso escolar.

Com esse entendimento, é compreensível o fato de que o ser humano recebe

influência do meio social, no qual estabelece diálogos. Considero pertinente essa análise do

indivíduo com a sociedade, como no meu caso, em que fui herdeiro dos benefícios do capital

social conquistado por minha família, contribuindo, assim, para meu ingresso em uma

instituição social. Nasci em um lar com poucas chances de êxito escolar e, consequentemente,

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sem chances profissionais. Apesar das dificuldades, meus progenitores investiram na

aquisição de um capital cultural intuitivamente, pois não imaginavam até onde eu poderia

ascender.

Minha progenitora possui pouco capital cultural escolar. Ela escreve as palavras

com muita dificuldade; entretanto, essa deficiência nunca foi um bloqueio para que eu

adquirisse um determinado capital cultural escolar. Lembro-me de certo dia em que eu estava

com dificuldades em Matemática, durante o período em que frequentava a escola, e não

conseguia resolver determinado cálculo. Ela não possuía conhecimento escolar que pudesse

me auxiliar, no entanto, naquele momento, saiu de casa e procurou uma pessoa habilitada que

me auxiliasse e pagou a hora-aula para que eu aprendesse aquele conteúdo. Como ela não

compreendia a linguagem matemática, providenciou uma pessoa (intermediário) que

decifrasse aqueles códigos, para que eu não ficasse desprovido daquele conhecimento.

Esse investimento realizado pela família é discutido por Lahire (1997). Ele debate

em seu livro Sucesso escolar nos meios populares o êxito escolar de crianças provenientes de

famílias pobres, observando que

Famílias fracamente dotadas de capital escolar ou que não o possuem de forma

alguma (caso de pais analfabetos) podem, no entanto, muito bem, através do diálogo

ou através da reorganização dos papéis domésticos, atribuir um lugar simbólico (nos

intercâmbios familiares) ou um lugar efetivo ao “escolar” ou à “criança letrada” no

seio da configuração familiar. Assim, em algumas famílias, podemos encontrar,

inicialmente, uma escuta atenta ou um questionamento interessado dos pais,

demostrando assim, para elas, que o que é feito na escola tem sentido e valor.

Mesmo que os pais não compreendam tudo o que os filhos fazem na escola e como

não têm vergonha de dizer que se sentem inferiores, eles os escutam, prestam

atenção na vida escolar deles, interrogando-os, e indicam, através de inúmeros

comportamentos cotidianos, o interesse e o valor que atribuem a essas experiências

escolares (LAHIRE, 1997, p. 343).

Os aspectos destacados por Lahire (1997) são evidenciados também por outros

autores. Eles entendem que algumas famílias possuem pouco capital escolar, mas têm

competências para municiar condições, de maneira que o aluno apreenda os códigos do

capital cultural escolar. Esses investimentos realizados por essas famílias são estimulados por

uma perspectiva de sucesso escolar. Famílias assim compostas são “famílias educógenas”

(CASTRO, 1976; ROSA; LORDÊLO, 2009; NOGUEIRA, 2011; SILVA, 2016).

Buscando compreender a relevância da família na formação de seus sucessores,

Rosa e Lordêlo (2009), os quais realizaram um estudo sobre os estudantes provenientes de

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classes menos favorecidas, buscaram perceber os resultados atípicos, ou seja, o diferencial dos

discentes que conseguem êxito escolar. Os autores assinalam que

As estatísticas apontam que há sujeitos provenientes das classes populares que

apresentam trajetórias escolares bem-sucedidas. A suposição é que há famílias que,

contrariando as regras do paradigma proposto por Bourdieu, criam ambientes

favoráveis à educabilidade, [as quais] são chamadas de famílias educógenas (p. 26).

Tais características confirmam esse sucesso das famílias menos favorecidas

quando investem em seus filhos buscando uma ascensão social. Essa percepção é um olhar

para um estado específico de pessoas, uma minoria que consegue esse êxito, ou seja, as

“famílias educógenas”.

Já Bourdieu, ao investigar as bases de uma macroestrutura da produtividade

escolar de jovens franceses, aponta que as chances de as classes populares alcançarem sucesso

são pequenas. Ele defendeu o postulado de que as classes populares não se apropriam dos

códigos para decifrar os sinais dos bens simbólicos da escola para galgarem um sucesso

escolar. A despeito da obra de Bourdieu, Setton (2008, p. 1) descreve que,

No entanto, mesmo sendo reconhecida pela originalidade, a obra de Bourdieu é

objeto de grande controvérsia. A maior parte de seus críticos, numa leitura parcial de

seus trabalhos, classifica-o como um teórico da reprodução das desigualdades

sociais.

Ele percebeu que as estruturas de relações sociais investem em reproduzir e

manter o capital cultural e abstraem a possibilidade de proporcionar às camadas mais

populares a aquisição de um melhor capital cultural e social. Nessa mesma perspectiva, o

sociólogo assinala que,

De fato, a estatística de frequência ao teatro, ao concerto e sobretudo ao museu (uma

vez que, neste último caso, talvez seja quase nulo o efeito de obstáculos

econômicos) basta para lembrar que o legado de bens culturais acumulados e

transmitidos pelas gerações anteriores pertence realmente (embora seja formalmente

oferecido a todos) aos que detêm os meios para dele se apropriarem, quer dizer, que

os bens culturais enquanto bens simbólicos só podem ser apreendidos e possuídos

como tais (ao lado das satisfações simbólicas que acompanham tal posse) por

aqueles que detêm o código que permite decifrá-los (BOURDIEU, 2003, p. 297).

O sociólogo francês esclarece que as relações das estruturas sociais não

contribuem para a aquisição de bens simbólicos pelas camadas populares. Essa pesquisa, um

estudo pioneiro, teve como fundamento uma percepção sobre a macroestrutura, ao analisar as

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estatísticas de rendimento escolar, apontando os recursos “perversos e ocultos responsáveis

pelas desigualdades no aproveitamento e no rendimento de estudantes pertencentes a

diferentes grupos sociais” (SETTON, 2005).

Ao associar essas ideias com minha história, analisando a origem de uma classe

menos favorecida e o diferencial para que eu adquirisse um bom capital social/cultural, vejo

que isso decorre do investimento realizado por minha família (destacando minha mãe), ao me

proporcionar condições de acesso à cultura e à educação. Assim, posso assegurar que os

esforços de minha mãe possibilitaram uma continuidade na aquisição de um capital cultural

escolar, bem como favoreceram minha inserção em um ambiente de educação musical que me

aproximou de um instrumento.

3.2 Aprendendo a tocar violino

Nessa mesma época, estava conversando com amigos nas instalações do Sesi,

quando, de súbito, notei uma multidão dirigindo-se para o auditório da instituição. Ao nos

aproximarmos, buscando compreender o que estava acontecendo, descobrimos que era a

família Jaffé, uma família de instrumentistas, que se preparava para uma apresentação. O

objetivo do recital era atrair crianças e jovens que frequentavam o Sesi da Barra do Ceará para

iniciação musical por meio dos instrumentos de cordas friccionadas.

Essa iniciativa aconteceu em 1975, quando o presidente da Confederação

Nacional da Indústria, Thomás Pompeu de Souza Brasil Netto, tomando conhecimento do

trabalho de ensino coletivo desenvolvido por Jaffé, o convidou para iniciar, na cidade de

Fortaleza, o núcleo de formação de instrumentistas de cordas no Serviço Social da Indústria.

O primeiro passo para iniciação desse projeto foi um concerto didático no auditório do Sesi,

na Barra do Ceará, para apresentação dos instrumentos. Nessa apresentação, Jaffé e seu filho

Marcelo tocaram violino, seu primogênito Cláudio tocou violoncelo e sua esposa, Dayse,

contrabaixo. Muitos dos presentes ficaram impressionados ao ver pela primeira vez aqueles

instrumentos, que, na época, algumas pessoas só conheciam por meio do programa Concertos

para a juventude, apresentado semanalmente por uma rede nacional de televisão. Esse evento

era uma espécie de convite para aqueles que desejassem aprender os instrumentos de cordas.

Jaffé pressupôs que grande parte das pessoas se considerava inapta para aprender

um instrumento. Essa ideia está ancorada, em grande medida, no paradigma do talento. Sob

esse ponto de vista, apenas determinadas pessoas nasceriam com aptidão para a música

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(SILVA, 2008). Procurando desmistificar esse paradigma, Suzuki (1994) advoga que talento

não deve ser visto como um acaso do nascimento, mas como tendências naturais que todos

podem desenvolver para o aprendizado.

Partindo dessa percepção, a ideia de Jaffé era estimular o interesse da audiência

para o aprendizado do instrumento, com a apresentação de sua família tocando em conjunto.

Essa estratégia, usada por Jaffé, é justificada por Boufleuer (2007), ao acentuar que todo

esforço pedagógico é divisado como um convite feito com a perspectiva de que ele seja

atendido. Os educadores são, no caso, os encarregados de apresentar o convite aos que estão

chegando, e, por conseguinte, o bom educador é aquele que consegue apresentar o convite de

maneira tal que obtenha a cumplicidade do convidado. Este caracteriza-se pela ação, pois não

pode ser passivo, para que o ato educativo possa, então, concretizar-se. Logo, aprender não se

constitui apenas em receber informações, mas em estabelecer novas percepções e elaborar

novos sentidos. Esse ato compõe um processo que resulta em nova ação, engajamento e

tomada de posição.

Nesse aspecto, o primeiro contato dos alunos com a didática do professor Jaffé

contribuiu para que eles percebessem a possibilidade de se tornarem futuros instrumentistas

de cordas. No núcleo de Fortaleza, a faixa etária para admissão era de dez a dezoito anos. Os

alunos foram selecionados por meio de teste que avaliava sua capacidade rítmica e auditiva. A

princípio, Jaffé e sua esposa emitiam uma sequência rítmica com batidas na mesa, que o aluno

deveria repetir. Em seguida, cantavam uma melodia, a qual o aluno deveria imitar no mesmo

tom.

É importante destacar o fato de que a maioria desses jovens eram filhos de

operários e tinham suas origens familiares nas classes populares (menos favorecidas). Esses

ouvintes que estavam no auditório, portanto, não possuíam um capital simbólico que

favorecesse as melhores condições para esse aprendizado. As famílias desses audientes não

possuíam condições financeiras para a compra de instrumentos ou partituras para seus filhos,

nem mesmo para o pagamento das aulas. Nessa época, ainda não estavam disponibilizados na

cidade de Fortaleza instrumentos de origem chinesa e similares que hoje estão acessíveis para

compra.

Outro ponto importante nesse panorama é o hábito familiar dessas pessoas

humildes para proporcionar uma educação musical por intermédio de instrumentos

considerados “elitizados”. Essas famílias não possuíam o hábito de frequentar teatros para

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apreciarem a música de concerto e não tinham, também, condições de proporcionar aos seus

filhos a audição de músicas desse estilo no ambiente familiar. Como se deu a constituição de

um habitus instrumentista? Percebe-se que eles (alunos) teriam pouca oportunidade para a

aquisição desse novo capital, logo, qual seria o caminho para conquistar tantas crianças para o

aprendizado musical? Ao longo deste capítulo, respondo a esse questionamento.

3.3 Aplicação do método e repertório didático

Em minha dissertação de mestrado, foi possível compreender como se deu esse

processo de aprendizagem do violino, como também ocorreu o desenvolvimento da percepção

do diálogo entre os sons produzidos pelos instrumentos da família das cordas friccionadas.

Antes de continuar a descrição, é importante ressaltar que, nessa época, já se aproximava o

período em que eu necessitaria escolher uma profissão. Desse modo, simultaneamente, eu

aprendia um instrumento e refletia sobre meu futuro. Quando iniciei meus estudos musicais

com o violino, não pensava em profissão; entretanto, minha inserção no campo musical

incitou-me a visualizar um panorama e influenciou, em grande medida, as minhas futuras

escolhas. Nessa perspectiva, procuro descrever o processo de incorporação de um habitus

inicial violinístico, considerando também a constituição de um gosto profissional.

Na primeira aula de violino, observei que era proporcionado ao aluno o

conhecimento das partes integrantes de cada instrumento. Jaffé dava atenção a cada detalhe,

começando pelas cordas, com seus nomes e sons, e sendo numeradas das agudas para as

graves. Tendo como exemplo o violino: a mais aguda seria a corda Mi; a segunda, a Lá; a

terceira, a Ré, e a quarta corda é a Sol, como mostra a Figura 1.

Figura 1 – Cordas do violino

Fonte: Silva (2008).

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De igual modo, na viola e no violoncelo, a mais aguda é a corda Lá, a segunda

corda é a Ré, a terceira é a Sol e a quarta é a corda Dó. No contrabaixo, a primeira é a Sol, a

segunda é a Ré, a terceira é a Lá e a mais grave, que é a quarta corda, é a Mi. Jaffé,

criteriosamente, apresentava as partes que compõem cada instrumento, como demonstradas

nas Figuras 2, 3 e 4, a seguir.

Figura 2 – Violino e viola

Fonte: Silva (2008).

Figura 3 – Violoncelo

Fonte: Silva (2008).

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Figura 4 – Contrabaixo

Fonte: Silva (2008).

Essa ideia de mostrar as partes que constituem cada instrumento produzia no

aluno uma atração para os contatos iniciais com ele. Isso acontecia porque o aprendiz

começava a compreender cada parte do instrumento, bem como suas funções e manuseio.

Esse conhecimento era responsável pela maior familiarização do aluno com o instrumento

escolhido.

Em seguida, era mostrada a maneira de posicionar o instrumento junto ao corpo,

de modo que fosse proporcionado melhor ajustamento, buscando, assim, tornar seu

desempenho mais confortável. Jaffé ensinava que o violino deveria ser colocado sobre o

ombro e a mandíbula encaixada, acomodada na queixeira, e os alunos deveriam encontrar

uma posição adequada segundo sua estrutura corpórea. E assim, para cada instrumento, o

aluno recebia a devida instrução a fim de proporcionar boa e agradável execução.

Essa perspectiva, tão valorizada por Jaffé, de fazer com que o aluno ficasse

relaxado no momento em que executava o instrumento, é compartilhada por Cruzeiro (2005),

que observa, no contexto da execução de instrumentos musicais, o envolvimento de fatores

emocionais, cognitivos e motores. Assinala também que toda rigidez e qualquer imobilidade

de qualquer parte do corpo impedem movimentos naturais e causam desconforto.

As primeiras aulas eram voltadas para desenvolver uma familiaridade com o

instrumento. Inicialmente, formavam-se grupos de oito até dez alunos para aprender a segurar

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o instrumento. Se um determinado aluno não conseguia e o outro tinha sucesso, isso servia de

estímulo para o que tinha dificuldade perceber que também poderia fazê-lo.

Jaffé utilizava, como princípio, as semelhanças dos instrumentos. Conseguiu unir

essas semelhanças para poder ensinar distintos instrumentos em um mesmo momento. Ou

seja, todos tinham corda Lá, portanto todos poderiam iniciar o treinamento de um mesmo

ponto de partida. Aplicando a mesma digitação, tocavam a mesma melodia. Tendo em vista

que se tratava de um método de iniciação para instrumentos de cordas, entende-se que essas

semelhanças constituem um modo de unir todos os quatro instrumentos em uma mesma sala

de aula.

A primeira melodia introduzida no Método Jaffé é composta de duas notas, como

sugere o próprio título: “Lá-Si-Lá”. Embora sejam apenas duas notas, elas estão combinadas

de maneira a sugerir ao executante que perceba a melodia como uma música e não apenas

como um exercício. Primeiro, o professor ensinava a melodia com uma letra para que fosse

cantada pelos alunos: “Lá – Si – Lá, Lá – Si – Lá, ouça o som do Lá – Si – Lá”.

Essa técnica desenvolvia no aluno duas habilidades simultâneas. Primeiro, ele

memorizava a melodia e, em um segundo momento, relacionava a letra da música com as

notas tocadas no instrumento4. O exemplo a seguir mostra a partitura dessa melodia, que é

tocada utilizando-se apenas a corda Lá.

Exemplo 1: “Lá-Si-Lá”.

4 A palavra Lá está associada à corda Lá, e a palavra Si, à mesma corda, com a digitação do primeiro dedo.

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Seguindo-se a convenção de notação musical, a nota Lá está representada por um

zero, pois não há digitação; enquanto a nota Si é representada pelo número 1, visto que tem a

digitação do primeiro dedo. Ao ser indagado sobre a composição desse exercício, o professor

Jaffé relata: “[...] Lá – Si – Lá foi a forma que encontrei para colocar um dedo na corda. Não

acredito que possa me considerar autor”.

De acordo com a proposta de Jaffé, inicialmente a música é exercitada em forma

de pizzicato5. Tal escolha decorre da complexidade de movimentos requeridos para produzir

som com o arco. Para o iniciante, é mais fácil tocar em pizzicato. Tal complexidade é em

parte consequência da coordenação exigida no movimento da mão esquerda, dedilhando as

notas sobre as cordas, e da mão direita, executando o movimento de arco. Ao realizar o

pizzicato, no entanto, o aluno preocupa-se apenas com um desses movimentos para aprender a

dominá-lo. Depois que ele aprendia a tocar em pizzicato, o próximo passo era aprender a

utilizar o arco, sendo, assim, ensinado: com o dedo polegar na curva entre a almofada e o

talão; o dedo indicador acomodado na almofada do arco, na região da falange; o dedo médio,

na lateral do talão, assim como o anelar; e a ponta do dedo mínimo relaxada sobre a vareta do

arco, como mostra a Figura 5.

Figura 5 – Segurando o arco

Fonte: Silva (2008).

5 Tocando apenas com os dedos pinçando a corda.

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Após os alunos dominarem essa técnica de segurar o arco, este é posto sobre a

corda. Nesse momento, o objetivo principal dos alunos é conseguir sincronizar o movimento

dos dedos da mão esquerda com o movimento do arco. A melodia executada é a mesma que

fora praticada na forma de pizzicato, no caso, na corda Lá. Cumprida essa etapa, o aluno é

então levado a tocar a música “Lá-Si-Lá”, buscando extrair dos instrumentos seus primeiros

sons com o arco. Jaffé entende que, quando o aluno vence cada etapa, ele se sente estimulado

a retornar para a próxima aula. Desde o momento em que os alunos dominam essa prática no

primeiro exercício, Jaffé aplica o mesmo exercício em outras cordas. Nessa ocasião, os alunos

utilizam a digitação do primeiro dedo e a corda solta, para que comecem a se familiarizar com

o instrumento. Observa-se que os alunos até esse ponto da aprendizagem ainda não decifram

os símbolos musicais e tocam pelo processo de ouvir, ver e repetir. O aluno torna-se

autoconfiante aos poucos, ao perceber que é capaz de tocar um instrumento.

Nas aulas seguintes, eram relembradas as anteriores, confirmando no aluno os

conhecimentos aplicados sobre postura, digitação e a técnica de segurar o arco. Essas

habilidades não são desenvolvidas rapidamente, pois requerem tempo e prática. Nesse caso

específico, o processo tornava-se ainda mais lento, porque os alunos não possuíam

instrumento próprio. Para compensar essa deficiência, Jaffé ministrava de três a quatro aulas

por semana.

Os dois próximos exercícios receberam de Jaffé os títulos de “Maria Chinesa” e

“Maria Japonesa”. A escolha dessas melodias é assim justificada pelo professor: “Maria

Chinesa e Maria Japonesa são partes de melodias muito conhecidas, usadas para desenhos

animados, o que me animou para incentivar os alunos com melodias familiares para eles”.

Completa ainda: “Não há nenhuma razão especial para a escolha desses nomes. Foi o primeiro

nome que me surgiu. Uma era para ensinar o Dó natural e a outra, o Dó sustenido. Achei que

as melodias tinham um toque oriental”6.

Exemplo 2: “Maria Chinesa”.

6 Informação verbal. Entrevista, via correio eletrônico.

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Nessa melodia, o aprendiz acrescenta o segundo dedo, articulando o mais próximo

possível do primeiro dedo. Ainda na corda Lá – a nota Si digitada pelo primeiro dedo e a nota

Dó digitada pelo segundo dedo –, demonstrava-se o intervalo de semitom. Essas duas notas

devem ser digitadas com os dedos juntos. A falta de flexibilidade dos dedos e a rigidez da

mão esquerda geravam dificuldade em posicionar o segundo dedo junto do primeiro e nem

sempre se conseguia colocar os dedos tão juntos. Essa dificuldade é observada apenas no

violino e na viola. Provavelmente esse é um dos motivos que levam vários professores a

iniciar o aprendizado da digitação com o segundo dedo no Dó sustenido, promovendo assim

uma situação mais confortável para o aluno.

Quando Jaffé observava alguma dificuldade dos alunos em juntar os dedos para a

execução da música, usava de seu bom humor para incentivá-los. Ele costumava dizer: “tem

que deixar os dedos vizinhos, colados”7.

Superada essa dificuldade de flexibilidade dos dedos e, por conseguinte, a

execução desse segundo exercício, partia-se para a próxima música, “Maria Japonesa”.

Exemplo 3: “Maria Japonesa”.

7 Relato do autor como participante da experiência com o professor Jaffé.

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Nessa melodia, diferente da anterior, no violino e na viola, o segundo dedo é

digitado afastado do primeiro, pois o intervalo entre as duas notas é de um tom. Já no

violoncelo e no contrabaixo, esse intervalo é representado entre o primeiro e o terceiro dedo.

O exercício que se seguia era “Barquinha ligeirinha”. Segundo Jaffé, o objetivo

dessas pequenas melodias era colocar cada um dos dedos na corda. Nessa música, exercitava-

se o acréscimo do terceiro dedo no violino e na viola e do quarto dedo no violoncelo e no

contrabaixo.

Exemplo 4: “Barquinha ligeirinha”.

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A aplicação dos exercícios era feita em duas etapas. Na primeira, Jaffé ensinava as

músicas por naipes, ou seja, cada instrumento separadamente; em seguida, reunia toda a

família das cordas e praticavam juntos. Até então os alunos estudavam ouvindo o bloco

sonoro de seu naipe de instrumento. A seguir, com a reunião de todos os instrumentos de uma

orquestra de cordas tocando ao mesmo tempo, eles ouviam a sonoridade característica,

constituída de sons graves e agudos.

A grande vantagem desse procedimento é que, no lugar de ouvir o som precário

que os principiantes geralmente produzem individualmente, os alunos ouviam na massa

sonora um som mais agradável. Jaffé acreditava que essa percepção servia como uma espécie

de estímulo para que não desanimassem. Assim, os alunos progrediam juntos até o ponto de

dominar a técnica do instrumento o melhor possível dentro de suas capacidades.

É importante ressaltar a noção de que o método é aplicado para alunos iniciantes,

portanto eles estão em um decurso de aprendizado e ainda não estão aptos a identificar

desafinações com precisão. Essa habilidade deve ser desenvolvida no ensino individual,

quando poderão melhorar a própria afinação e a sonoridade.

A próxima música era uma canção infantil francesa, também utilizada no método

Suzuki, com o título de “Ah ! vous dirai-je maman” (“Twinkle, twinkle, little star”; “Brilha,

brilha, estrelinha”).

Exemplo 5: “Ah ! vous dirai-je maman”, em uníssono.

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Nessa melodia, o aluno emprega também a digitação dos três primeiros dedos.

Diferentemente das músicas anteriores, nessa peça, porém, o aluno trabalha em duas cordas e

todos tocam em uníssono. Na próxima etapa desse processo, o tema trabalhado no exercício

anterior é orquestrado em várias vozes. A figura rítmica continuava sendo a mesma, porém as

notas eram diferentes.

Exemplo 6: “Ah ! vous dirai-je maman”, polifônico.

Nesse momento, os aprendizes não tocavam mais em uníssono, mas com uma

diversidade de sons com a qual não estavam acostumados. Com efeito, cada naipe tocava em

uma parte diferente. Se, no princípio, todos tocavam as mesmas notas, nesse momento, e pela

primeira vez, Jaffé iniciava a diversificação de vozes. Não havia mais uma única voz e sim

uma grande massa sonora, harmoniosa, formada por várias vozes. Embora Jaffé aplicasse os

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exercícios anteriores em outras cordas além da corda Lá, que era comum aos instrumentos,

nesse tema, os alunos tocavam em outras cordas pela própria necessidade da música.

O exemplo a seguir, “A carruagem”, é uma melodia tradicional americana que

tem como objetivo praticar a articulação e também a mudança de corda.

Exemplo 7: “A carruagem”.

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Percebia-se a dificuldade que tinham os estudantes de praticar esse exercício,

visto que pela primeira vez os aprendizes utilizavam a prática de mudança de corda, a qual

exigia um pouco mais de habilidade. Embora houvesse dificuldade, o ânimo de tocar o

instrumento estava nesse momento muito aguçado e havia um esforço muito grande por parte

dos alunos em superar tais dificuldades. Considerando que o movimento de braço para a

execução da mudança de corda necessitava de treino, o professor Jaffé intensificava essa

prática. Quando seus alunos compreendiam e dominavam o movimento de mudança de corda,

outros exercícios eram aplicados para desenvolvê-los no domínio do instrumento. O exemplo

a seguir foi criado pelo professor Jaffé para desenvolver arcadas.

Exemplo 8: “O arqueiro”.

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O exercício demonstra como Jaffé abordava a técnica de arco. Durante as aulas,

ele fazia variações na arcada, alternando notas ligadas com notas soltas para desenvolver a

técnica de arco. A prática era assim trabalhada:

1) praticava-se com todas as notas soltas;

2) com duas notas ligadas e duas soltas;

3) com duas notas soltas e duas ligadas;

4) com uma nota solta, duas ligadas e uma solta;

5) de quatro em quatro ligadas.

A fase seguinte do método trabalhava melodias tradicionais de alguns países e

também músicas do repertório erudito. São arranjos para orquestra de cordas com um maior

grau de dificuldade do que até então havíamos vivenciado. Cito, por exemplo, o tema da

sinfonia “Novo mundo”, do compositor Antonín Dvořák; “A caça”, de Nicolo Paganini; do

tema da “Barcarolle”, de Offenbach; da “Marcha nupcial”, de Mendelssohn, entre outros. Na

imagem seguinte, exemplifico essa prática por meio da música “A caça” (“The hunt”), versão

facilitada da melodia de uma música para violino solo do compositor Niccolo Paganini.

Figura 6 – “A caça”

Fonte: Jaffé Strings Program.

Na sequência, a versão original dessa mesma peça, que traz elevado grau de

dificuldade técnica. A peça exige um domínio da técnica de cordas duplas, técnica de arco

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sofisticada, executada apenas por instrumentistas de alta performance. Portanto, é exigido do

violinista uma performance experiente e qualificada para a execução dessa melodia, como

mostra a imagem da Figura 7.

Figura 7 – “A caça”

Fonte: Arquivo pessoal.

Na Figura 8, apresento outro exemplo de música com uma versão facilitada do

repertório da música erudita.

Figura 8 – Tema da sinfonia “Novo mundo”

Fonte: Método Jaffé.

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Nessa versão, o aluno iniciante poderá tocar a melodia sem grandes dificuldades.

É o tema de uma sinfonia muito conhecida no mundo da música erudita. Reproduzir no

violino essas melodias que fazem parte do repertório da música de concerto tinha um

significado especial, ou seja, o de se apropriar de algo que até então só era visto na televisão.

Com efeito, minha experiência musical ia me aproximando de uma vivência mais

sofisticada da prática de orquestra. É perceptível que o professor Jaffé escolhia um repertório

baseado na música de concerto. Desse modo, o olhar dos estudantes do Projeto Jaffé

direcionava-se para um gosto musical proporcionado pela música erudita. Cada etapa desse

aprendizado me direcionava para uma futura escolha na área da música em especial, uma

carreira violinística. Apesar de todo esse aprendizado, até esse momento de minha vida ainda

não era claro que uso seria feito de todo esse conhecimento musical.

Outro aspecto importante nesse processo de formação é a minha participação em

festivais de música, que destaco a seguir.

3.4 Festivais de música

Durante minhas vivências de aprendizado no Sesi, foi-me proporcionado também

a participação em festivais de música. Destaco os festivais na cidade de Teresópolis, no Rio

de Janeiro, nos anos de 1978 e 1979, como também o Festival de Campos do Jordão, em São

Paulo, em 1980.

Em 1978, em Teresópolis, tive o prazer de conhecer o responsável pelas aulas de

violino, o violinista Santino Parpinelli, um senhor simpático e que conhecia com

profundidade a técnica do violino. Ele sempre nos incentivava ao estudo desse instrumento

com belas palavras sobre o violino, apresentando a técnica violinística e tocando para nós.

No ano seguinte, em 1979, retornamos para participar de outra edição do festival

de Teresópolis e reencontramos o professor Parpinelli. Em uma das aulas, cheguei cedo e,

conversando um pouco com ele, perguntei se ele não teria um violino para me presentear. Ele

disse que ia pensar e depois responderia. No dia seguinte, meus amigos me informaram que o

professor Parpinelli havia perguntado por mim. Fui ao seu encontro e lá estava ele com o

violino para me presentear. Era um violino francês de marca Jeronime Thibouville. Ao

receber a notícia, meu coração disparou. Indescritível foi a sensação vivida naquele momento.

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Junto com o violino estava uma carta8 para meus pais, aconselhando-os a me incentivarem a

continuidade do estudo desse instrumento, afirmando que eu possuía talento. Quando retornei

a Fortaleza, mostrei o violino e a carta para minha mãe. Ela ficou muito emocionada e chorou.

Considero importante ressaltar esse acontecimento relacionado ao violino, porque

o Sesi não permitia que os alunos do Projeto Jaffé levassem os instrumentos para casa. Além

das aulas, a prática individual com o instrumento musical era realizada no prédio da

instituição. Com a aquisição do violino, foi possível praticá-lo por mais tempo, e posso

descrever também que a responsabilidade/o estímulo em prosseguir no aprendizado da técnica

do violino aumentou em grande medida.

Destaco, ainda, que o professor Parpinelli me fez o convite para estudar com ele

no Rio de Janeiro; entretanto, minha mãe não permitiu. Na época, eu ainda não havia

alcançado a maioridade, devendo seguir ainda as decisões orientadas por ela. Sua justificativa

para não permitir minha ida para estudar violino na capital fluminense foi a distância entre as

duas cidades (cerca de 2.500 quilômetros), o que, consequentemente, me deixaria muito

tempo afastado dela.

Parpinelli, esse distinto senhor, na época do festival era um renomado professor

de violino da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Esse destaque é lembrado pela

universidade, quando, recentemente, fez uma homenagem póstuma a ele, como mostra a

Figura 9.

Figura 9 – Cartaz de evento em homenagem a Santino Parpinelli

Fonte: <www.aexpemufrj.com.br>.

8 Infelizmente essa carta não foi mais localizada entre meus pertences.

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Esses professores, ao fazerem parte de nossa trajetória, nos deixam profundo

legado em relação à música. No meu caso, sou agradecido por sua contribuição na minha

inserção no meio musical profissional e acadêmico.

O ano de 1980 foi importante na minha vida. Chegava, então, o ano em que eu

deveria tomar uma decisão acerca da profissão que eu deveria seguir – provavelmente, por

toda a minha vida. Estava no 3º ano científico, correspondendo, nos dias de hoje, ao 3º ano do

ensino médio. Durante a elaboração desta tese, voltei a perguntar a minha mãe sobre os

encaminhamentos e questionamentos que me envolviam naqueles difíceis dias de tomada de

decisão. Ela me relatou que continuava a me incentivar no caminho da música; entretanto,

lembra-se de que meu pai aconselhava que eu procurasse me envolver no concurso para

funcionário do Banco do Brasil ou tentar o curso de Direito e me transformar em um futuro

advogado.

No mês de julho desse mesmo ano, fui contemplado com uma bolsa de estudo

para o Festival de Música de Campos do Jordão. Durante esse evento, tive a oportunidade de

participar de uma orquestra de alunos sob a regência do famoso Eleazar de Carvalho. Foi um

período enriquecedor do ponto de vista de um músico instrumentista que olhava para um

futuro exercendo um papel de músico de orquestra, pois a prática em uma orquestra, naquele

momento, orientava minhas escolhas.

Durante o festival, as apresentações musicais que aconteciam no início da noite

influenciaram-me bastante como aspecto norteador nesse momento de minha vida. Tive a

oportunidade de assistir ao vivo e bem próximo de onde eu estava sentado o violinista do alto

escalão da performance, Salvatore Accardo 9 . Assistir a esse ilustre violinista deixou

profundas marcas em meu aprendizado por contemplar sua fabulosa técnica de arco,

interpretando o concerto para violino e orquestra em Ré Maior de Ludwig van Beethoven com

a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). A orquestra ainda tocou a abertura da

opera “O Guarani”, do compositor brasileiro Carlos Gomes, que acelerou meus batimentos

cardíacos pelo harmonioso diálogo entre os naipes dos metais e das cordas friccionadas,

proporcionando uma bela e rara estética musical.

Assim, ao internalizar um habitus violinístico inicial, mediante aquisição do

capital cultural (partituras, aspectos técnicos do violino), gradativamente, fui me habilitando a

9 Um solista técnico e brilhante conhecido mundialmente por sua performance instintiva.

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compreender a linguagem desse campo musical. Desse modo, foi possível apreciar as aulas de

violino, as apresentações musicais, e aplicar esse conhecimento em minha elaboração

musical. Nesse sentido, posso garantir que a experiência no Projeto Jaffé e a participação em

festivais de música foram importantes para minha inserção no campo da música. De tal

maneira, ao discutir essas questões do diálogo entre um agente e um campo, Martins (2004,

p. 2) esclarece que:

Quanto ao ganho cognitivo que tal teoria oferece, ele pode ser visto como uma

tentativa de evidenciar que ali onde pensávamos que havia um sujeito livre, agindo

de acordo com sua vontade mais imediata, na verdade o que existe é um espaço de

forças estruturado que molda a capacidade de ação e de decisão de quem dele

participa.

As emoções vivenciadas nas diversas apresentações musicais, que influenciaram

minha decisão de seguir esse caminho como profissão, não aconteceram de súbito, foi um

decurso gradativo. Com esse entendimento, a citação ajuda-me a compreender o diálogo que

travei com os espaços sociais onde experimentei o aprendizado em música. O curso de violino

no Sesi, como também os festivais de música depositaram em meu interior um saber musical

que orientou minhas práticas. Em outras palavras, “a sociedade torna-se depositada nas

pessoas sob a forma de disposições duráveis e propensões estruturadas para pensar, agir, que

então as guiam em suas respostas criativas aos constrangimentos e solicitações de seu meio

social existente” (COSTA, 2013, p. 13).

Em uma época em que meu interior encontrava-se tempestuoso acerca do caminho

a seguir após o término do ano escolar, a teoria do campo e do habitus de Bourdieu esclarece

o processo de como fui (agente) me inserindo no campo musical.

Ao descrever essa realidade de aprendizado musical por intermédio dos festivais,

considero pertinente dialogar também com a tese do professor Pedro Rogerio (2011, p. 30,

grifos do autor), da UFC, que discute o deslocamento físico realizado pelo músico por meio

das viagens. Ele afirma que

A questão social que se move se dá em termos de socialização, ou seja, no desafio

de conviver com um habitus diferente daquele que lhe é familiar (e isso gera

aprendizagens). Nessa perspectiva a imbricação com a mobilidade espacial é

inevitável. É possível identificar a questão da “mobilidade social” como espaço de

trocas.

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Ao conviver com professores e alunos de outras regiões do país, pude perceber

que o conhecimento técnico violinístico que praticávamos estava aquém do exercitado pelos

violinistas (professores e alunos) com os quais convivíamos nos festivais. Apesar do meu

distanciamento técnico instrumentista em relação ao cenário apresentado pelos artistas nesses

festivais, minha presença nesses eventos me motivava a procurar alcançar um nível mais alto

na performance do instrumento.

Esse espaço de convivência e de trocas despertou também em mim a necessidade

de realizar escolhas, tomar decisões. O contato com o aprendizado do violino, da prática de

orquestra no Projeto Jaffé, da prática de orquestra nos festivais de música e a presença

frequente em concertos durante os festivais desenvolviam em meu interior um habitus

violinístico. Ao comentar acerca dos conceitos de campos, habitus e capitais, Rogerio (2011,

p. 42) esclarece:

O Habitus – na qualidade de uma lente de leitura do mundo organiza e orienta as

escolhas, as práticas dos agentes – é um sistema de disposições que se fomenta em

um espaço social estruturado; também é possível verificar que são essas práticas

estruturadas que estruturam o espaço social em campos de atuação diferenciados,

que se distinguem conforme a estrutura (volume e distribuição de capitais).

Dependendo do campo social em que o agente desenvolve sua trajetória, suas

práticas serão mais ou menos valorizadas. Logo, podemos afirmar que habitus,

campo e capitais são homologamente estruturas estruturadas e que as práticas

advindas desse habitus são, também, estruturas estruturantes do campo e dos

capitais.

Ao refletir sobre a citação, lembro-me de que as experiências vivenciadas em

festivais me faziam perceber que em Fortaleza tínhamos a impressão de que o capital cultural

acumulado era volumoso, aprofundado acerca da prática no instrumento; entretanto, ao

observar outros instrumentistas, pude verificar que tínhamos pouco capital cultural. Assim, ao

ser inserido em um campo musical proporcionado pelos festivais, foi possível notar que, para

alcançar um nível técnico violinístico e tocar em uma orquestra profissional, era necessário

migrar para outras regiões mais desenvolvidas no mundo da música.

Até esse ponto de minha trajetória, eu havia adquirido um determinado capital

cultural, distribuído em dois dos três estados. O capital cultural incorporado mediante um

trabalho de inculcação e de assimilação através das aulas de violino, dos ensaios e das

apresentações musicais na orquestra, como também de minha prática individual. Adquiri,

também, um capital cultural objetivado quando ganhei do professor Parpinelli um instrumento

musical e obtive partituras fornecidas pelo Sesi e pelos festivais dos quais participei. Embora

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não houvesse adquirido o capital cultural institucionalizado (diplomas e/ou certificados na

área de Música), esse investimento habilitou-me a prosseguir estudos na área de Música,

prestando vestibular para o curso de bacharelado em Música da UFPB. Ressalto, ainda, que o

bacharelado exige o teste de aptidão e, sem os conhecimentos prévios adquiridos, eu não

estaria habilitado a participar do processo de seleção.

3.5 Formação de um habitus violinístico

Antes de exibir minhas primeiras experiências na universidade, considero

importante demonstrar a constituição do meu habitus violinístico que me proporcionou

condições de concorrer a uma vaga no bacharelado em Violino.

Ao olhar para minha história de vida, compreendo que o habitus na condição de

um sistema de disposições não é desenvolvido de súbito. Esse processo é empírico, ou seja,

baseado na experiência de socialização do agente. Nesse caso, é importante ressaltar que “as

práticas dos agentes, no entanto, não serão ações mecânicas produzidas pelas estruturas

sociais” (BRANDÃO; ALTMANN, 2002, p. 7).

Como já mencionei, minha progenitora não possuía conhecimentos musicais, mas

me incitou ao estudo da música. Assim, o Sesi foi o primeiro ambiente social que me

proporcionou conhecimentos musicais. Essa instância de formação propiciou ao professor

Jaffé as condições necessárias para a educação musical por meio dos instrumentos de cordas

friccionadas, como as instalações e a aquisição de instrumentos (violino, viola, violoncelo e

contrabaixo).

Enfatizo, também, o fato de que esses instrumentos são utilizados, geralmente, por

uma sociedade elitizada, e sua produção musical concede ênfase à realização de peças

musicais produzidas pela música de concerto, acontecendo, na maioria das vezes, em

ambientes fechados, como teatros, auditórios e igrejas. Nesse sentido, as pessoas que

frequentam esses lugares, em regra, são de classe social mais elevada. Isso acontece porque

aqueles que frequentam esses espaços compreendem, em certa medida, os códigos desse

discurso musical. Sendo assim, entendo que o público apreciador (o gosto musical) dessa

produção artística, ao longo do tempo, foi cultivado por uma camada da sociedade detentora

de considerável capital financeiro. Ao analisar o gosto musical, Costa (2013, p. 14, grifos do

autor) expressa:

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[...] O “gosto” musical como mira, este não pode ser visto apenas como uma

subjetividade direta, mas, também, como uma objetividade interiorizada, isto é, com

um quantum de ação, contudo, também condicionado pela estrutura social. Em sua

obra douta no assunto – A Distinção – Bourdieu já nos mostra que o chamado

“gosto” não é um privilégio natural, mas sim, resultado do processo geral de

educação, seja ligado à instrução formal, seja ligado à herança cultural familiar.

É possível observar, na análise do autor, que a formação do gosto musical para a

música de concerto é proporcionada pelas oportunidades ocorridas desde a família e/ou de

uma instituição social. Nesse sentido, a maioria dos alunos adentrados ao projeto Jaffé não

havia herdado, de seus familiares, um capital cultural que favorecesse ou reconhecesse esse

tipo de conhecimento. A maior parte deles tinha origem familiar humilde e, por conseguinte,

não podia acessar os códigos desses saberes musicais.

Na época do Projeto Jaffé, não havia em Fortaleza escolas de música que

ofertassem o ensino desses instrumentos e o ambiente de apreciação para a música de

concerto, como, por exemplo, apresentações musicais de orquestras ou grupos instrumentais.

Assim, o espaço musical não favorecia o estudo de música baseado nesses instrumentos

musicais (cordas friccionadas), e nem, portanto, a aquisição desse capital cultural. Desse

modo, a formação do gosto musical para a música de concerto destinava-se às famílias

possuidoras de um determinado capital financeiro, que teriam acesso a concertos em outras

cidades, aquisição de mídias sonoras, ou maneira outra de áudio proporcionado pela época.

Assim, entendo que a música de concerto era compartilhada por determinada classe social

com um médio ou alto poder aquisitivo.

É compreensível, também, que o aprendizado musical requer do aluno um capital

financeiro que proporcione a compra de instrumentos, materiais (partituras, estantes de

partitura, livros etc.) e o pagamento de aulas de música por um período para que o aluno

adquira, então, um determinado capital cultural. Nesse sentido, os aprendizes do professor

Jaffé teriam poucas chances de se apropriar do aprendizado musical, visto que a aquisição

desse capital cultural dependeria dos demais capitais simbólicos disponibilizados por seus

familiares. Daí minha compreensão de que existem muitas dificuldades, as quais posso

chamar de “barreira”, entre uma classe social de origem popular e o acesso à arte. Ao refletir

sobre essas questões de acesso ao capital cultural da arte, reporto-me a Heindrich (2008, p. 76,

grifos do autor), quando diz:

Bourdieu entende isso como sendo um “sistema de disposições duráveis”, uma

“estrutura estruturada e estruturante”, ou seja, um conjunto coerente de capacidades,

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de hábitos e de marcadores corporais, que forma o indivíduo pela inculcação não

consciente e a interiorização de modos de ser próprios do meio. Sem essa noção,

seria difícil aprender o que faz a verdadeira “barreira à entrada” nos locais de

cultura: não tanto uma falta de meios financeiros nem mesmo, às vezes, de

conhecimentos, mas a falta de naturalidade e de familiaridade, a consciência difusa

de “não estar no seu lugar”, manifestada nas posturas do corpo, na aparência do

vestuário, no modo de falar ou de se deslocar.

Associando a ideia da autora à iniciação musical instrumental, posso afirmar que

o Sesi criou condições de acesso à arte para os “sesianos” da época do Projeto Jaffé em

Fortaleza. Essas pessoas não possuíam condições de adquirir um capital cultural, pois

dependeriam de um capital financeiro de suas famílias. É alcançável, também, a noção de que

a instituição proporcionou a esses jovens possibilidades de incorporar um habitus

instrumental, quando permitiu, gratuitamente, tanto os materiais como as aulas ministradas

pelo professor Jaffé.

A primeira iniciativa encontrada por Jaffé para incentivar os ouvintes à prática

musical foi a apresentação que fez com sua família. Essa ação dialoga com a proposta de

Heindrich (2008), no sentido de identificar que a produção sonora apresentada no auditório do

Sesi não era tão familiar para o público. Aqueles ouvintes receberam, contudo, as primeiras

impressões sonoras e, de tal maneira, foram seduzidos ao estudo do instrumento pela

apreciação do belo. Segundo Coker (1972, p. 149), “A música, acima de tudo, dirige-se a

ouvintes ou intérpretes, e é concebida para nos atingir”. Um semiólogo musical alemão

escreveu que “existe uma associação fértil entre a intenção, a estrutura da obra e as

expectativas do ouvinte” (STOCKMANN, 1970, p. 254). Ainda sobre o belo musical,

Hanslick (2011, p. 40) explica:

É algo de especificamente musical. Entendemos por ele uma beleza que,

independente e não carecida de um conteúdo trazido de fora, radica unicamente nos

sons e na sua combinação artística. As relações significativas de sons, em si

atractivos, a sua harmonia e contraposição, o seu fugir e o seu alcançar-se, o seu

elevar-se e o seu apagar-se – eis o que se apresenta à nossa intuição espiritual em

formas livres e o que nos agrada como formoso.

Nesse caso, entendo que a música tem esse poder de apresentar aos seus ouvintes

uma rica quantidade de percepções por intermediação dos sons, ou seja, melodias constituídas

de notas sucessivas agudas e/ou graves, harmonias com diversas combinações de notas e uma

determinada quantidade de ritmos. Esses elementos expressam diversos sentimentos; a

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apreciação dessas relações significativas de sons impressiona o espírito, a mente e o corpo e

independe da compreensão desses aspectos musicais.

Muszkat, Correia e Campos (2000) explicam tal fato ao assinalar que a música

tem a possibilidade de alcançar várias sensações de um grupo integrado de percepções. Entre

elas, a visual, a do gosto, do olfato e a proprioceptiva10, que controlam nossos impulsos,

nossas emoções e nossas motivações. Gainza (1977) descreve muito bem esse processo de

assimilar os conhecimentos musicais vindo a princípio do externo, seja do professor, seja do

ambiente onde o aluno convive, ou seja, até mesmo, dos alunos na sala de aula naquele

momento. Acrescenta, ainda, que

A música, o ambiente sonoro – exterior ao homem – ao entrar em contato com as

zonas receptivas deste (sentidos, afetos, mente) tende a penetrar e internalizar-se,

induzindo um mundo sonoro interno (reflexo direto, ou representação daquele) que

por sua vez tenderá naturalmente a projetar-se em forma de resposta ou de expressão

musical (GAINZA, 1977, p. 22).

Os ouvintes internalizaram essas sensações por meio da bela sonoridade

produzida por Jaffé e sua família. Assim, foram seduzidos ao estudo dos instrumentos

musicais e inseridos no campo da educação musical/música instrumental.

É importante lembrar que as impressões causadas em meu interior ao ouvir pela

primeira vez a família Jaffé são diferentes daquelas quando ouvi o violinista Accardo e a

Osesp. No último caso, havia experimentado saberes violinísticos no Projeto Jaffé e, por

intermédio de uma dimensão motora, cognitiva, afetiva e ético-política, internalizei uma

prática violinística que intitulo de habitus violinístico. Essas vivências fizeram-me

compreender de modo mais sofisticado o discurso musical, a técnica violinística, entre outros

aspectos. Hoje entendo que, mediante esse aprendizado, tive acesso a um capital cultural que

me deu a oportunidade de entrar na academia.

Um aspecto importante que volto a destacar aqui é a aquisição de meu primeiro

violino, presenteado pelo professor Santino Parpinelli que, ao me observar, procurou investir

em minha carreira violinística. Essa aquisição foi importante, porque, além de me

proporcionar o uso, em casa, do instrumento musical para estudos individuais, contribuiu

também para meu ingresso no bacharelado em Violino, pois a UFPB não disponibilizava

instrumentos aos alunos. Nesse sentido, adquiri um capital cultural incorporado por meio das

10 Proprioceptiva é a sensibilidade própria aos ossos, aos músculos, aos tendões e às articulações, que fornece

informações sobre a estática, o equilíbrio, o deslocamento do corpo no espaço etc.

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práticas nas salas de aulas de violino e nos estudos particulares e um capital cultural

objetivado pela aquisição do violino. Nota-se que, sem a aquisição do capital cultural

incorporado, o capital objetivado (o violino presenteado) não teria objetivo.

Com a aquisição de um capital cultural objetivado, ou seja, materializado, foi

possível nos espaços de aprendizagens compartilhar saberes musicais relativos à

aprendizagem sobre aquele instrumento. Essa aquisição permitiu-me também adquirir um

diploma, pois no bacharelado em Violino é essencial ter seu próprio instrumento.

Essa experiência incorporada nas vivências em diversos espaços sociais

contribuiu para que eu adquirisse condições de participar do processo seletivo do bacharelado

em Música – Violino, que destaco logo a seguir.

3.6 Bacharelado

Em 1980, fui à cidade de João Pessoa para prestar exame vestibular e participar da

seleção do teste de aptidão para o bacharelado em Violino. A prova do concurso era igual à de

estudantes de outras áreas. Quanto ao exame de habilidade específica, constava de uma

apresentação com peças de livre escolha com acompanhamento de piano e um teste teórico

(percepção musical, harmonia e história da música).

Em 1981, em virtude de minha aprovação para a universidade, fui morar na

capital da Paraíba, buscando realizar o sonho de me tornar um violinista profissional. Assim,

apresentei-me com muitas expectativas para as aulas individuais de violino, projetando-me ser

um bom violinista. Na Figura 10, está o quadro das disciplinas do bacharelado em

instrumento na UFPB.

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Figura 10 – Disciplinas do curso de bacharelado em Música

Fonte: Site do curso de Música da UFPB.

O produto final desse curso é a formação do instrumentista profissional, ou seja, o

músico que ingressará em uma orquestra sinfônica ou outro grupo de instrumentistas no plano

profissional. Destaco o fato de que, na época em que vivenciei as experiências no

bacharelado, a disciplina Metodologia do Trabalho Científico ainda não constava na matriz

curricular do curso, portanto ainda não era exigido do aluno uma prática de escrita científica.

Esse perfil de formação do instrumentista é bem claro nas ementas das disciplinas de

Instrumento da Prática I:

Introdução aos aspectos fundamentais da performance do instrumento ou canto,

compreendendo suas concepções técnicas e estruturais através da interpretação de

obras de diferentes gêneros, estilos e períodos visando à formação do intérprete

solista e/ou músico para os diversos conjuntos musicais (UFPB, 2008, p. 38).

Assim, era necessário incorporar uma prática instrumental que demonstrasse um

domínio técnico do repertório proposto. O grau de exigência para uma performance era muito

rígido, portanto o discente precisava estudar com muita dedicação durante muitas horas por

dia para alcançar o objetivo. Essa realidade foi-me apresentada no primeiro ano de meu

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ingresso na universidade. Um dos professores dessa disciplina, Leopoldo Nogueira, havia

estudado na Alemanha com a instrumentista Berta Volmer, assistente do famoso professor de

violino Max Rostal. O professor da disciplina procurava me qualificar para uma performance

violinística, buscando aprimorar minha técnica de mão esquerda e de mão direita, meu

repertório, minha interpretação, minha dinâmica, entre outros aspectos exigidos. Esse

aprimoramento está baseado em uma preparação para a performance da música de concerto.

Acerca dessa proposta de ensino, o professor Paulo Bosisio, destacado mestre de violino no

Brasil, cita que essa concepção de estudo exige

A necessidade de evolução advinda de padrões técnicos cada vez mais exigentes que

a crescente indústria da gravação trouxe consigo. Novos e grandes professores se

impõem, como Galamian, Gingold, Oistrakh, Yankelevich, Samohil e Rostal

(BOSISIO, 2005, p. 106).

Essa concepção tem como proposta a formação de solista, de um desempenho

impecável pelo instrumentista. Esse panorama coincidia com minhas expectativas. Porém, nos

momentos árduos de estudos do violino, sentia-me fatigado e percebia um despreparo nesse

ritmo de treino.

Apesar das dificuldades, em dois anos de estudo, desenvolvi uma maneira de tocar

violino que me concedeu habilidade para o ingresso na orquestra sinfônica. O acesso se deu

por meio de uma audição para os líderes da orquestra. A prova exigia uma peça de livre

escolha e uma leitura à primeira vista. Minha apresentação se deu com a peça “Concerto em

Sol Maior”, do compositor austríaco Joseph Haydn. Essas práticas na sinfônica me fizeram

experimentar a performance instrumental de várias obras do repertório sinfônico da música de

concerto. Assim, malgrado as dificuldades, durante minha experiência no bacharelado da

UFPB, foi possível preparar e mostrar meu aprendizado por intermédio de obras como a já

mencionada “Concerto em Sol Maior”, de Haydn, para violino e orquestra de cordas;

“Prelúdio y Allegro”, de Pugnani/Kreisler; “Valsa Scherzo”, de Tchaikovsky, entre outras.

Na Figura 11, é possível verificar a exigência técnica violinística.

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Figura 11 – “Valsa Scherzo”

Fonte: Arquivo pessoal.

A exigência técnica para o domínio do repertório indicava mudança de posição

sofisticada (até a sétima posição em uma mesma corda), arcos saltados com velocidade e

arcos com sete notas ligadas com recomendação do arco em uma mesma direção (para cima).

Iniciei os estudos por intermédio de uma metodologia de ensino coletivo,

entendendo-se, portanto, que não era exigida dos alunos uma técnica tão apurada. Outro

aspecto importante nesta análise é a herança familiar. Meus pais não tinham condições

financeiras que me proporcionassem professores particulares a fim de me preparar para essa

circunstância, para, assim, poder alcançar melhor preparo antes de ingressar no bacharelado.

Desse modo, conviver com esse grau de exigência nessa nova área de conhecimento ensejou

conflitos. Embora tenha adquirido determinada habilidade para legitimar meu ingresso no

curso de bacharelado, na época eu precisava interiorizar a exterioridade desses novos

elementos de aprendizagem. Destaco, também, o fato de que o deslocamento físico produziu

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em minha formação determinados impactos, ou seja, conseguir me apropriar de meios que

contribuíssem para dominar as habilidades proporcionadas pelo curso. Nesse âmbito de

influência, minha motivação ancorava-se na ânsia de tocar violino profissionalmente e, desse

modo, ingressar na Orquestra Sinfônica da Paraíba, que na época era uma das melhores do

Brasil.

Assim, ao olhar para a minha história desenvolvida em espaços como a família, a

escola, o Sesi e a universidade (UFPB), compreendo a constituição de um violinista à luz da

praxiologia. Isso significa dizer que a formação do habitus violinístico não é a “réplica” de

apenas uma única estrutura social, mas o somatório das vivências nesses diversos contextos.

Logo, o conceito de habitus exprime-se como relacional, ou seja, procede de nossa herança

cultural e social, de acordo com nossos níveis de capital cultural adquiridos por intermediação

da família e da instituição escolar, que, coerentemente, definem atitudes em relação à cultura

e, inseridas num jogo de consentimentos, negociações e recusas – nas estruturas estruturadas e

estruturantes –, deliberam nossas disposições sociais (COSTA, 2013).

Desse modo, esse conceito ajuda-me a compreender o diálogo que faço com a

sociedade e se estrutura simultaneamente em dois princípios: “sociação” e “individuação”

(WACQUANT, 2007). “Sociação”, porque as categorias de juízo e de ação de que

partilhamos são consequências dos condicionantes sociais a que somos submetidos. Nesse

caso, um habitus violinístico pode ser compreendido ao se olhar para os modos de ser, pensar

e agir de um grupo de egressos de uma experiência de aprendizagem violinística, que resultam

e são resultados de significados, modos de reflexão e condução da vida cotidiana (COSTA,

2003). Nessa mesma perspectiva, o princípio da “individuação” considera que somos

singulares, temos identidade própria, ou seja, ainda que a aprendizagem do instrumento seja

desenvolvida coletivamente, a trajetória de cada um é individual e o conhecimento é

internalizado com procedência em uma “combinação incomparável de esquemas”

(WACQUANT, 2007, p. 3).

Durante minha estada em João Pessoa, casei-me. Depois de um ano, nasceu minha

primeira filha. Por questões pessoais, o que não é necessário discutir neste trabalho, foi

preciso interromper minhas experiências musicais em João Pessoa e retornar a Fortaleza. Na

volta, trouxe os experimentos no bacharelado, no casamento e as primeiras vivências de um

pai. Na capital cearense, não havia orquestra profissional, de sorte que me foi imposto o

exercício de atividades extramusicais para a sobrevivência da família.

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3.7 Atividades musicais em Fortaleza

Ao regressar à capital cearense, fiquei, por um período, ausente da área da

Música. No entanto, fui convidado a exercer a função de violinista na Orquestra de Câmara

Eleazar de Carvalho (Orcec), em Fortaleza (a primeira de feição profissional do Ceará). Esse

grupo havia sido criado, então, recentemente, por músicos de Fortaleza e necessitava de

violinistas para compor seu quadro11.

A orquestra era mantida pela Lei de Mecenato, ou seja, Lei Jereissati. Segundo a

Secretaria de Cultura do Estado (Secult), a Lei de Incentivo à Cultura permite aos empresários

investir em projetos culturais no Ceará, mediante a transferência de recursos financeiros,

deduzindo mensalmente até 2% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

(ICMS) devido. A Lei Jereissati, como é conhecida, criou também o Fundo Estadual de

Cultura (FEC) para incentivo e financiamento de atividades culturais tradicionalmente não

absorvidas pelo mercado formal. O fundo apoia até 80% do valor do projeto proposto por

órgãos municipais ou estaduais de cultura e entidades culturais de caráter privado sem fins

lucrativos. Desse modo, a sobrevivência da orquestra depende da aprovação anual da verba

para que seu projeto seja mantido. O projeto consistia na realização de quatro concertos

durante o mês: um concerto didático, geralmente realizado em escolas; um em universidades

(geralmente acontecia na UECE); um concerto de cunho político ou concertos no interior do

estado do Ceará; e um de cunho oficial, realizado no Theatro José de Alencar.

Essa experiência na Orcec proporcionou aos músicos a recriação de um repertório

diversificado de obras musicais que perpassam diversos estilos. Ressaltarei, entretanto, a

dificuldade de sobrevivência do músico instrumentista na capital cearense. A maioria dos

músicos complementava suas rendas tocando em casamentos, eventos e/ou em “barzinhos”.

Apesar das dificuldades encontradas, o ambiente da orquestra me permitiu exercitar minha

prática musical em violino.

Meu retorno a Fortaleza havia causado uma ruptura com minhas relações musicais

e seus espaços sociais; entretanto, o convite da orquestra me fez retomar o caminho cultivado

(inculcado) desde o Projeto Jaffé até o bacharelado em Violino. Embora tenha me afastado do

meio musical por um determinado tempo, pareceu até que o habitus havia falhado. Foi

possível perceber que ele foi capaz de produzir em mim uma prática musical conforme o meio

11 Simultaneamente, fui convidado para ministrar aulas em um projeto da Secretaria da Educação do Ceará

(Seduc) destinado a crianças e jovens da escola pública.

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no qual convivi. A esse respeito, sobre a predisposição para as escolhas, Setton (2002, p. 61)

entende o habitus como

Um instrumento conceptual que me auxilia a pensar na relação, a mediação entre os

condicionamentos sociais exteriores e a subjetividade dos sujeitos. Trata-se de um

conceito que, embora seja visto como um sistema em constante reformulação,

Habitus não é destino. Habitus é uma noção que me auxilia a pensar as

características de uma identidade social, de uma experiência biográfica, um sistema

de orientação ora consciente ora inconsciente. Habitus como uma matriz cultural

que predispõe os indivíduos a fazerem escolhas.

Apesar de algumas adversidades em relação à minha permanência no campo

musical, minha aceitação para retornar a uma orquestra e continuar desenvolvendo um habitus

musical me moveu, realizando escolhas para permanecer no campo da Música. Isso ocorreu

porque “as condições de produção do habitus são idênticas ou homólogas às suas condições

de funcionamento” (WACQUANT, 2007, p. 2). No caso, minhas condições de funcionamento

coincidiram com a incorporação do habitus vivido em diversos espaços.

3.8 Experiências familiares

A orquestra, constantemente, passava por crises financeiras durante a renovação

do projeto para sua continuidade. Consequentemente, os músicos tinham dificuldades para

resolver os assuntos econômicos de suas famílias. Em busca de soluções, minha esposa e eu

conversávamos bastante sobre nossa sobrevivência no âmbito da música. Vale ressaltar o fato

de que, nessa mesma época, ela havia concluído o curso de Pedagogia e lutava por uma

aprovação no mestrado em Educação. Assim, em tal circunstância, é importante considerar a

influência da família nessa situação. Ao refletir sobre questões acadêmicas e de trabalho no

seio de uma família, Gorriz (2008) acentua que uma vivência mediada por uma dimensão

relacional/social permite realizar ponderações, contribuindo, também, para perceber as

dinâmicas que se criam num ambiente social determinado, como, por exemplo, uma família.

Nessa direção, interagir com minha esposa resultou em mudanças de perspectivas e novos

posicionamentos em nossas vidas. A experiência dela com a academia e a minha necessidade

de continuar vivendo da música (ensino e/ou performance) proporcionaram a procura de uma

legitimação na área docente musical, o que me direcionou fortemente para o retorno à

universidade.

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3.9 Retorno à universidade

Como não havia terminado o bacharelado, procurei informações na Universidade

Estadual do Ceará (UECE) se haveria possibilidades de aproveitamento de curso. Assim, por

meio do edital que possibilita transferência de alunos de outros cursos e/ou universidades e a

realização de uma prova, alcancei a nota necessária que proporcionava minha inserção no

curso de licenciatura em Música.

Ao relembrar esses momentos, observo que, no meu retorno à academia, eu

procurava perceber o habitus docente dos professores da UECE. É claro que nessa época

ainda não conhecia os conceitos de habitus e campo. Não obstante, eu procurava captar os

saberes adquiridos para atuar na docência: gostos musicais, o diálogo com os alunos na sala

de aula, o modo como os professores ministravam suas aulas e suas atitudes. Hoje percebo

que essa aspiração estava me transformando e o meu olhar se direcionava para a docência. Em

meu interior, emergia uma questão: eu teria condições de ser um professor universitário?

Essas vivências me encaminharam para um mestrado em performance.

3.10 Mestrado

Durante minha convivência na orquestra, surgiu a informação de que estava

aberto na UFPB o edital de seleção para o mestrado em Práticas Interpretativas na Subárea

Violino. Procurei detalhes a respeito do perfil do programa, inscrevi-me, preparei-me e fui

aprovado na seleção.

No período do mestrado, além de escrever uma dissertação, foi necessário para

obtenção do título executar um recital com peças de períodos contrastantes. Essa experiência

do recital aumentou o volume de meu capital cultural em grande medida e, após a conclusão

desse processo, em 2008, tornei-me o único violinista com mestrado na cidade de Fortaleza.

Assim, é possível expressar o fato de que, em minha trajetória, eu adquiri um habitus

violinístico. Essa aquisição fica evidente com base nos marcadores, como diplomas

(graduação e mestrado), instrumento musical (violino), livros, a escrita de minha dissertação,

publicações, participações em eventos etc. Essa legitimação ensejou-me a concorrer a uma

vaga em concurso para a docência do ensino superior. O concurso faz parte das regras

estabelecidas para o ingresso no campo acadêmico.

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No quarto capítulo deste trabalho, apresento um panorama do processo de

aquisição de saberes e vivências que me habilitaram a concorrer à vaga, no setor de cordas

friccionadas, para professor do curso de licenciatura em Música da UFCA. Perpassei por

diversos espaços sociais que me conduziram à aquisição de um determinado capital cultural

que me legitimou a ocupar a função de docente no campo do ensino superior em Música.

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4 TERCEIRO MOVIMENTO: HABITUS DOCENTE

Neste seguimento, descrevo a constituição do campo pedagógico musical da

UFCA, explicitando minha posição ali como docente da prática instrumental do violino.

A UFCA emergiu na região do Cariri no ano de 2006 como um campus da UFC.

O curso de Música (licenciatura) surgiu no ano de 2010 com o objetivo de preparar

professores de música para atuação em diversos espaços. Em 2013, o campus Cariri

transformou-se em universidade. A criação do curso surgiu na época em que o ensino de

Música nas escolas tornou-se obrigatório por meio da Lei nº 11.769, sancionada em 18 de

agosto de 2008. Logo, intensificou-se, ainda mais, a necessidade de novos professores de

Música para atender às escolas de ensino público.

Antes de 2010, as pessoas que habitassem o Cariri cearense e que quisessem

conquistar um diploma de graduação em Música necessitavam deslocar-se para outros

centros, como Fortaleza, Recife, Natal ou João Pessoa, entre outros. Essas cidades citadas

estão a uma distância média de 600 quilômetros do triângulo Crajubar, que envolve três

cidades dessa região: Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha.

A região do Cariri foi contemplada com cenário de grande beleza, clima

privilegiado e riqueza cultural que aos poucos vai sendo descoberta pelo olhar do pesquisador

atento. Essa diversidade cultural que a região propicia é descrita no Projeto Pedagógico do

Curso (PPC) de Licenciatura em Música da UFC como

[...] ímpar, complexa e de alto teor expressivo, comunicador da capacidade

inteligente do homem e da mulher desta Região, da capacidade expressiva e do

imaginário desse homem e dessa mulher, através de fatos, obras e objetos de

significados estéticos tão próprios de si, que se particularizaram como

identificadores do pensamento cultural regional (UFCA, 2014, p. 5).

Na música, tal expressão cultural de um povo simples manifesta-se de variadas

maneiras, algumas demonstrando o espaço peculiar da crença e da religião, por meio dos

reisados, das festas de padroeiros e de outras manifestações da fé; outras são expressas nas

danças, nas bandas cabaçais, nas excelenças, na simplicidade do instrumental próprio, nas

rabecas, nos pífaros, nos zabumbas e ainda nos cantadores, nos poetas, nos emboladores, nos

repentistas, nas cantigas de procissões e de penitentes, nas festas e nos festivais, onde a cultura

de uma gente se manifesta e é inventada, como bem expressa o mesmo PPC:

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Um todo, fruto dos entrelaçamentos gestados nos tecidos sociais historicamente

localizados, com origens que remontam ao pensamento medieval europeu, aos

sentidos de “tempo não medido” da África e aos sentimentos e história dos indígenas,

habitantes originais da Região (UFCA, 2014, p. 6).

Há, contudo, em meio a essa mistura cultural, a introdução de outros elementos

culturais oriundos de outra tradição cultural, mas que também se exprimem “voltados para a

formação humana marco de possibilidades ampliadas de crescimento e expressão de desejo”

(UFC, 2009, p. 7). Refiro-me aos grupos orquestrais que têm perpassado pela cultura nativa,

buscando estabelecer-se como parte dela. A exemplo disso, cito os trabalhos realizados na

região, como: a Orquestra Filarmônica Chapada do Araripe, a Orquestra de Meninos (Araripe),

o Projeto Casa Grande (Nova Olinda) e a Sociedade Lírica do Belmonte, que abriga uma

escola de música, uma orquestra filarmônica, uma banda de música, uma orquestra de cordas,

entre outros equipamentos.

O deslocamento implicaria despesas financeiras para os pretendentes em adquirir

uma certificação (legitimação) na área da Música. Existe, na região, um determinado

desenvolvimento econômico. E antes do surgimento do curso de Música, existia a necessidade

de uma instituição formativa de nível superior que qualificasse os instrumentistas, cantores,

compositores, regentes e até mesmo aqueles sem conhecimento prévio para a docência em

Música. O ensino de Música no Cariri, do ponto de vista formal, ainda é restrito. De acordo

com o PPC do curso de Música,

As diversas ações pedagógicas na área de música que ocorreram e ocorrem no

Cariri, como a escola de música SOLIBEL (Sociedade Lírica Belmonte) e a banda

de música municipal localizados em Crato, a Fundação Casa Grande em Nova

Olinda, a Orquestra de Rabecas em Juazeiro do Norte, são iniciativas que estão

diretamente ligadas à cena artística caririense que têm, em boa medida, impacto

direto na difusão da educação musical na região. Um projeto pedagógico que

englobe todas essas e outras ações poderá gerar diversos benefícios, tais como: o

fomento à pesquisa em educação musical, o incentivo ao ingresso no curso superior

de música (fortalecendo a área e formando profissionais qualificados e críticos), o

incentivo aos jovens que pretendem seguir a carreira do magistério, a integração

dessas ações formando redes de capilaridades capazes de dar vazão à produção local

e garantir o ensino de música público, gratuito e de qualidade. Além dos benefícios

citados, é importante mencionar que o Curso de Licenciatura em Música é uma

exigência legal, amparada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB 9.394/96.

O referido curso se faz necessário na região do Cariri para suprir as necessidades na

formação de professores para atuarem na Educação Básica (UFCA, 2014, p. 7).

Desse modo, o curso de Música emerge na região do Cariri com a missão de

preparar professores para atuarem na docência do ensino musical, difundindo essa área de

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estudos em diversos ambientes – formais, informais, entre outros. Assim, com o surgimento

do curso, a UFCA trouxe a possibilidade de certificação para os alunos do Cariri por meio de

suas experiências na graduação, oportunizando aos discentes a permanência em suas cidades

de origem.

Para que o curso funcionasse, após sua legalização no Ministério da Educação

(MEC), foi necessária a contratação de professores que atendessem à necessidade do curso.

Nesse sentido, diversos profissionais do ensino de Música foram reunidos no Cariri via

concurso público. Eles reúnem entre si relações sociais dentro de um campo, o ensino de

Música. Essa compreensão de campo como espaço de múltiplas relações é explicitada por

Bourdieu (2003, p. 10), ao ensinar que campo é

O universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem ou

difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os

outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas.

Assim, ao reunir os professores (agentes), com seus capitais sociais e culturais

adquiridos em suas trajetórias, em uma instituição de ensino superior, considerando também

os caminhos para a legalização do curso no MEC, o campo do ensino de Música foi

estabelecido. Este, no Cariri, é relativamente autônomo, pois não depende de outros para

estabelecer suas leis, ou seja: criação/modificação do PPC, criação de disciplinas, definição

do perfil de uma área de estudos quando houver necessidade de concurso para professor,

metodologias de ensino, modos de analisar os alunos, entre outros aspectos.

É importante destacar que o surgimento do curso de Música da UFCA aconteceu

juntamente com a criação do curso de Música da UFC em Fortaleza. Os agentes (professores

da UFC) que transitavam no campo acadêmico da UFC influenciaram significativamente para

que os setores específicos da universidade solicitassem ao MEC a criação de um novo curso

de Música, dessa vez no Cariri cearense. Entre os que desenvolveram a ideia de uma nova

graduação, destaco os seguintes professores: Izaíra Silvino, Luiz Botelho Albuquerque, Elvis

Matos e Erwin Schrader.

Essa região não possui muitas escolas de música e, como consequência dessa

realidade, o curso de Música da UFCA, assim como outros cursos de graduação em

Música/licenciatura no estado do Ceará (UFC nas cidades de Fortaleza e Sobral), não exige o

teste de habilidade específica, comum em outros cursos superiores de Música no Brasil.

Assim, os alunos que ingressam no curso, selecionados pelo Exame Nacional do Ensino

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Médio (Enem), trazem consigo uma diversidade de conhecimento, ou seja, discentes com

algum conhecimento prévio de música, mas sem entendimento dos sinais da partitura; outros

com o conhecimento prévio de música e algum entendimento dos sinais da partitura, e outros

sem nenhuma noção anterior do estudo prático e teórico de Música.

Ressalto e compartilho do sentimento daqueles que escolheram como proposta

retirar o teste de habilidade específica como requisito de entrada no curso de Música da

UFCA. Entendo que proporcionar um desenvolvimento artístico/musical aos que não

possuem nenhuma prática instrumental, ou experiência prévia com música, significa também

desenvolver a sensibilidade desses alunos. Sou egresso de uma experiência que recebia

crianças e jovens sem a menor noção dos instrumentos ofertados naquela época, e a maioria

não tinha noção nenhuma de música. Nessa mesma direção, eu recebo em minha disciplina de

Prática Instrumental o máximo de alunos possíveis, buscando proporcionar um aprendizado

musical. Com essa compreensão, é importante dialogar minha prática atual com meu

aprendizado no passado, onde posso (re)significar a importância da música na vida dos seres

humanos, em especial a prática democrática do ensino. Esse é o pensamento que alimenta

minhas práticas e foi sendo elaborado no percurso delineado neste trabalho.

Com a criação do curso na região do Cariri, passei a ser um dos docentes,

aprovados em concurso, a exercer a função de professor assistente do referido programa no

setor de estudos Cordas Friccionadas. O início das atividades do curso aconteceu com a oferta

das seguintes disciplinas de práticas instrumentais: Violão, Piano/Teclado, Violino/Viola e

Sopros Madeiras (flauta transversal, clarinete e saxofone).

Em seu primeiro ano, o curso disponibilizou também, entre outras, as disciplinas

de Percepção e Solfejo e História da Música. Entre as disciplinas oferecidas para os alunos,

destaco, a princípio, nesta pesquisa, as disciplinas de Prática Instrumental Violino/Viola I, II,

III e IV12. No primeiro encontro com os alunos, houve a apresentação dos instrumentos que

seriam ofertados naquele semestre. Após a exposição, 20 estudantes procuraram a disciplina

Prática Instrumental Violão, dez alunos se matricularam em Piano/Teclado e os outros foram

distribuídos na Prática Instrumental de Sopros e de Violino/Viola. Cinco alunos me

procuraram com o objetivo de aprender os instrumentos ofertados por minha disciplina, ou

seja, violino ou viola.

12 Durante este capítulo, ainda discutirei a disciplina de Prática de Orquestra.

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É perceptível, nesse panorama, a ideia de que o instrumento violão possui grande

popularidade, daí a grande procura. Embora o violino seja bastante conhecido pela população

brasileira, ainda é um instrumento musical pouco praticado no país. Ao analisar o PPC de

criação do curso, compreendo que, antes de minha chegada ao Cariri, já havia uma prática

musical em instrumentos de cordas friccionadas, o que justifica a introdução da Prática

Instrumental Violino na matriz curricular do curso de Música da UFCA. Segue a citação:

Dentre as várias possibilidades de instrumentos musicais da cultura ocidental,

elegemos o violão, os instrumentos de cordas friccionados e os instrumentos de

sopros (comuns aos diversos projetos de educação pela música, adotados em

diversas cidades da região do Cariri Cearense) como possibilidades de escolha a

serem oferecidas aos alunos que ingressam no Curso de Educação Musical (UFCA,

2014, p. 18).

Desse modo, procuro contribuir para o aperfeiçoamento dos novos

instrumentistas, como também proporcionar um processo de ensino e aprendizagem para os

alunos que não possuem um conhecimento prévio do instrumento. Ante ao exposto, minha

experiência musical como violinista e professor de violino dialoga com os objetivos do curso

de Música. Meus primeiros passos no aprendizado do violino, como já mencionei, ocorreram

no Projeto Jaffé, um projeto de ensino coletivo de instrumentos de cordas friccionadas.

Vivenciei a aprendizagem de um bacharelado em Violino. Experienciei os

ensinamentos de uma licenciatura em Música. Experimentei as vivências de um mestrado em

práticas interpretativas pela escrita de uma dissertação e por um recital. Assim, ao reunir um

conjunto de experiências na área da Música e a aquisição de títulos, compreendo como foi

possível ter acesso ao concurso que me proporcionou o ingresso em uma instituição de ensino

na área de Música. Com a aprovação, fui inserido no campo da docência em Música,

ocupando uma posição que possui determinado poder simbólico. Com suporte na minha

posição como aluno do Projeto Jaffé, foi possível perpassar por vários espaços sociais de

formação até uma nova posição no campo musical, ou seja, docente do ensino superior.

Incorporei uma prática musical que vivenciei por meio das estruturas e hoje estruturo novas

posições no campo de ensino de Música. No passado, foi-me inculcado um capital cultural

musical e hoje aplico maneiras de cultivação do estudo de Música.

Diante dessa realidade, “compreendo que os campos são tendências imanentes e

probabilidades objetivas. Um campo não se orienta totalmente ao acaso” (BOURDIEU, 2003,

p. 27). A criação do curso de Música da UFCA dependeu das relações dos professores de

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Música da UFC, dos gestores da UFC e, também, dos agentes do MEC, que aceitaram a

justificativa de criação do curso. Assim, antes de descrever minha prática docente, relato meu

encontro com a docência.

4.1 O encontro com a docência

Diversos autores assinalam que a conquista de uma prática docente perpassa por

diversos espaços sociais, como a família e a escola (BOURDIEU, 2001; NOGUEIRA;

NOGUEIRA, 2004; COSTA, 2013; SILVA, 2016). Nesse sentido, ao relatar a constituição de

meu habitus docente, é importante considerar os aspectos que me direcionaram para que eu

me tornasse professor.

Ao estudar minha história de vida, é necessário considerar meu diálogo com essas

instituições, com minha trajetória acadêmica e com o exercício da profissão, elementos

constitutivos do habitus professoral, portanto expressivos para refletir e reconhecer minha

prática docente. Nogueira e Nogueira (2004, p. 29), ao escreverem sobre a constituição do

habitus segundo Bourdieu, esclarecem:

A posição de cada sujeito na estrutura das relações objetivas propiciaria um conjunto

de vivências típicas que tenderiam a se consolidar na forma de um habitus adequado

à sua posição social.

Compreendendo a explicação desses autores, posso afirmar que a posição por

mim ocupada no Sesi, como aluno de violino, não me encaminhou, diretamente, a agir em

direção da docência, mas me proporcionou a oportunidade de internalizar um conjunto

específico de disposições para a ação que me orientaria ao longo de minha trajetória em

diversas situações sociais. Por conseguinte, ao me encontrar na docência, estou reproduzindo

as propriedades do grupo social a que pertenci, ou seja, a própria estrutura social na qual fui

formado. Assim, “o habitus seria formado por um sistema de disposições gerais que

precisariam ser adaptadas pelo sujeito a cada conjuntura específica de ação” (NOGUEIRA;

NOGUEIRA, 2004, p. 28).

A formação do habitus docente não se constitui imediatamente, é uma elaboração.

Cada vivência nos espaços sociais me proporcionou a aquisição de determinados aspectos que

me ajudaram a consolidar uma posição no campo da docência. Hoje reflito sobre minha

construção e percebo que, durante minha trajetória, eu não planejava, tampouco imaginava

aonde poderia chegar. Durante a escritura desta tese, entretanto, é possível perceber como fui

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74

sendo direcionado de algum modo para essa função. À medida que vou assimilando essas

percepções, compreendo que as posições que ocupei nas estruturas sociais com as quais

convivi proporcionaram-me vivências que caracterizam a estruturação de minha

subjetividade, constituindo, assim, uma matriz de minhas percepções e apreciações.

Esse procedimento é percebido com apoio na minha relação com meu ambiente

familiar. Minha família, de origem humilde, popular, lutou por minha ascensão social,

incitando-me ao estudo da Música, como também me incentivou aos estudos escolares. Com

efeito, foi possível adquirir um capital cultural institucionalizado que me proporcionaria

outras possibilidades de ingresso, como, por exemplo, o acesso à prova do vestibular.

Meu diálogo com a escola foi tranquilo, nunca fui reprovado, embora tenha ficado

algumas vezes em recuperação (o correspondente hoje à AVF – avaliação final), pois não

valorizava muito o conhecimento escolar. O interesse principal era o diploma, pois estava

envolvido com uma formação musical. Assim, embora eu convivesse em um espaço de

prática docente, ambiente escolar, nesse período, os professores da escola não chamavam a

minha atenção, porque meu olhar direcionava-se para os estudos de Música, em especial para

o violino.

Simultaneamente às vivências escolares, convivia também nos espaços de ensino

de Música. Durante as aulas no Projeto Jaffé, não percebia, na qualidade de aluno, a

importância do professor em minha formação, e foi somente na época do mestrado que foi

possível perceber minha admiração pelo professor Alberto Jaffé. Isso é refletido na escolha do

tema de minha dissertação: a experiência de ensino coletivo para crianças, adolescentes e

jovens no Sesi.

Como aluno do bacharelado em Violino, estava tão envolvido com a performance,

com o desejo de tocar bem o violino, que não percebia aspectos da docência. Nesse sentido,

os professores de violino do bacharelado chamavam mais a minha atenção pela performance

do que pela prática docente. Minha visão de aluno almejava tocar da mesma maneira que eles,

ou melhor.

Alguns anos mais tarde, ao retornar para a universidade, dessa vez para o curso de

licenciatura em Música, meu olhar direcionava-se para a docência. Durante minhas vivências

na UECE, um professor, que também era psiquiatra, responsável pela disciplina Psicologia da

Aprendizagem, chamou a minha atenção pela maneira como se posicionava em sala de aula e

se relacionava com os discentes. Os alunos formavam um círculo ao redor da sala, enquanto

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ele ia de um lado a outro apresentando o conteúdo e chamando a atenção dos alunos. Além de

carismático, ele também dava voz aos alunos, e, desse modo, a aula se tornava dinâmica, com

a participação de todos. Isso me fez pensar sobre a função do professor perante os discentes.

Como eu já olhava para a docência, refleti sobre essa forma de ensino.

Destaco, ainda, nessa constituição do habitus docente, minhas primeiras

experiências no exercício da profissão. A esse respeito, Baldino e Donencio (2015, p. 269)

esclarecem:

[...] o professor/a professora pode formar seu habitus no processo de seu fazer

docente, pois ele é o agente de sua prática, e esta pode conter elementos advindos

não só de sua formação, mas de suas expectativas, de seu viver, de suas experiências

e de suas representações. Desse modo, o professor ensina na sala de aula de acordo

com as representações interiorizadas ao longo de sua trajetória pessoal e que se

entrelaçam com as representações do trabalho docente e das percepções de mundo,

constituindo assim o modo de ser professor.

Assim, ao me deparar com uma sala de aula de Música, trouxe comigo um

conjunto de conhecimentos advindos de minha formação, de experiência de vida que se

encontrou com as representações do trabalho docente e das percepções de mundo que adquiri.

Isso resta evidente ao relembrar minha experiência como docente no Centro de

Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC) Raimundo Gomes de Carvalho. Essa

ação, um projeto da Secretaria de Educação (Seduc), tinha como objetivo proporcionar aos

alunos da escola pública, em especial nos três CAICs na cidade de Fortaleza, o ensino de

Música. Essa concepção socioeducacional oferecia aulas de violino, viola, violoncelo,

contrabaixo, flauta doce, violão e teclado. Fui convidado a ensinar música no CAIC, uma

escola pública estadual localizada no bairro Autran Nunes, na periferia, que abrigava crianças,

adolescentes, jovens e adultos. Ministrava as aulas de música no contraturno, e essas aulas

não estavam contidas na matriz curricular da escola. A proposta desse projeto era ocupar as

crianças com o ensino de Arte/Música para que elas não ficassem ociosas.

Quando aceitei o convite, não fui atraído ao ensino pela proposta de trabalho com

docência, mas sim pela oportunidade de trabalho em virtude de minha necessidade de

sobrevivência, pois era preciso aumentar o capital financeiro para sustentar minha família.

Naquele momento, estava num decurso de transição. Ao aceitar o convite, embora ainda não

compreendesse, já se constituía em meu interior um habitus docente. Silva (2009, p. 74, grifos

do autor), estudando sobre a constituição do habitus docente, ressalta que

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O início da carreira do professor é um momento de muitas dificuldades. Além da

insegurança comum aos iniciantes da docência soma-se a necessidade de aceitar o

trabalho que aparecer. Isso suscita o “dar aulas aonde te convidam”, gera o professor

“freelancer”, que por falta de melhores condições submete-se a tais circunstâncias.

Não obstante a tais dificuldades, essas experiências também trazem aspectos

positivos no exercício da docência.

A descrição da pesquisadora coincide com a circunstância na qual eu me

encontrava. Apesar de estar com poucos meios pedagógicos naquele momento, essa

experiência contribuiu para o domínio nesse campo de estudo. Assim, não percebia que,

apesar das dificuldades, já emergia em meu interior uma incorporação do habitus docente.

Nessa época, meu objetivo principal com a música era participar de uma orquestra,

reproduzindo músicas do repertório de concerto.

A Orcec (orquestra onde eu trabalhava) passava por crises financeiras, faltava

apoio de órgãos mantenedores, e ao surgir o convite para ensinar violino, aceitei de bom

grado. É importante destacar que nesse momento fui inserido em uma instituição de ensino na

função de professor por via do meu capital social/cultural. Capital social, porque não foi

necessária nenhuma prova para ingresso, pois o convite se deu por intermédio de colegas de

profissão que conheciam minhas habilidades violinísticas; capital cultural, porque eu havia

internalizado um conjunto de saberes musicais, sobre violino, que me habilitava a ocupar a

função de professor de violino, a necessidade da escola naquele momento.

Durante as aulas no CAIC, meu objetivo era ensinar às crianças e aos jovens a

tocarem os instrumentos musicais. Ao observá-los, realizava-me em vê-los praticando as

primeiras músicas que ensinei. As músicas utilizadas em minhas aulas fazem parte do

repertório proposto pelo Método Suzuki, por compreender que elas seguem uma elaboração

didática. Cada música tem um objetivo na formação do saber, desde o nível iniciante até

outros níveis mais avançados; ao todo, são dez volumes.

Essas vivências fizeram-me escolher o retorno à universidade e concluir o curso

de Música, uma vez que abandonei o bacharelado faltando apenas um ano para a conclusão.

Observo que o destaque nessa importante escolha foi a vontade de obter o diploma de

graduação em Música e, assim, qualificar-me para concorrer a uma vaga de professor efetivo

do Estado e ensinar Música aos alunos do CAIC.

Com mudanças na gestão da Seduc, o projeto encerrou o processo de terceirizar

professor, e aqueles que quisessem continuar ministrando aulas no CAIC necessitavam

ingressar como professor substituto ou professor efetivo por meio de processo seletivo. A

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seleção constituía-se de uma prova de conhecimentos gerais e era ofertada para todas as áreas

de conhecimento. Coincidentemente, já havia concluído o curso de licenciatura e, com a

aprovação no processo seletivo para professor substituto, continuei a ministrar as aulas no

CAIC.

No ano de 2003, houve seleção para professor efetivo do Estado. Concorri, pois

almejava ser professor estadual. Realizava-me em proporcionar um conhecimento musical

(teórico e instrumental) para os alunos do CAIC. Não fui aprovado, porém; assim,

compreendo que, embora não tenha conseguido ingressar no Estado como professor de

Música, ao olhar para minha trajetória, adquiri um volume de capital cultural e social que me

proporcionou oportunidades significativas na área da docência. Esse capital me permitiu

concorrer a uma vaga no mestrado em Música na UFPB, conforme relato a seguir.

4.2 O mestrado e a docência do ensino superior

Quando ministrava aulas no CAIC, que aconteciam no turno da tarde, eu ocupava,

no turno da manhã, a função de violinista da Orcec. Naquela época, soube do lançamento de

edital de seleção para o mestrado em Práticas Interpretativas na Subárea Violino, na UFPB.

Essa informação causou intensivo influxo no meu interior. A possibilidade de “voar mais

alto” na docência estava sendo mostrada, ou seja, o diploma de mestrado me habilitaria a

participar de editais de concursos para professor do ensino superior.

Já fazia alguns anos que eu não estudava violino com sofisticação, com a

determinação de melhorar a performance. Praticava o instrumento apenas para manter meu

desempenho na orquestra, ou seja, dominar a técnica exigida para tocar o repertório. Assim,

necessitaria estudar o instrumento por mais tempo, diariamente, e apropriar-me de uma

técnica violinística que me proporcionasse a performance necessária para o recital, que era

uma das provas exigidas para o ingresso no mestrado.

Conforme edital, o objetivo era apresentar um repertório contrastante, ou seja, um

repertório constituído de peças de vários estilos do repertório da música de câmara de

concerto: barroco, clássico, romântico, moderno, brasileiro etc. Em tal circunstância, refletia:

será que eu teria condições? Tal pergunta me remetia a um sentimento de incredibilidade

sobre ser aprovado na seleção para o mestrado. Esse receio fundamentava-se na crença de que

estava despreparado para o sucesso e de que as exigências das leis do campo da performance

poderiam ser de ruptura. Entretanto, é importante destacar que nem sempre a visão do aluno

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coincide com a óptica dos avaliadores. Com essa visão, e apesar desse receio, segui nessa

preparação. Na ocasião, minha esposa estava cursando o mestrado em Educação na UFC e

conversávamos bastante sobre as possibilidades de novas perspectivas de emprego com o

diploma de mestre.

Com essa coleção de incentivos para uma nova expectativa de vida, enfrentei a

seleção e fui aprovado. Durante o mestrado, vivenciei a disciplina de estágio, quando foi

necessário dar aulas de violino para alunos da graduação. Percebi minha alegria em contribuir

para uma melhor performance deles. Essas experiências aproximaram-me da docência do

ensino superior. Entendo que a constituição de um novo habitus se dá com base na dialética

do agente com os múltiplos espaços sociais por onde ele transita.

Enquanto criança, fui incitado a transitar por um espaço de socialização que me

encaminhou ao estudo da Música. Simultaneamente, socializava com a escola, que, por sua

vez, proporcionou-me um determinado capital cultural (diploma de ensino médio), o qual me

permitiu concorrer a uma vaga na graduação.

Em virtude da aprovação no exame vestibular, ingressei na universidade. Esse

diálogo estabelecido com as instâncias socializadoras me propiciaram uma relação de

continuidade. Isso promoveu o início da constituição de um habitus violinístico. Em outro

momento de minha vida, por via do capital social e do capital cultural acumulados, como

também de experiências familiares, emergiu outro processo, e esse novo não eliminou o

anterior, que me proporcionou a formação de um habitus docente violinístico, ou docente

musical. Acerca do habitus em um moto-contínuo, Setton (2002, p. 65) afirma que o

Habitus não pode ser interpretado apenas como sinônimo de uma memória

sedimentada e imutável; é também um sistema de disposição construído

continuamente, aberto e constantemente sujeito a novas experiências. Pode ser visto

como um estoque de disposições incorporadas, mas postas em prática a partir de

estímulos conjunturais de um campo. É possível vê-lo, pois, como um sistema de

disposições que predispõe à reflexão e a uma certa consciência das práticas, se e à

medida que um feixe de condições históricas permitir.

A constituição desse novo habitus resulta de uma mistura de estímulos baseados

em referências próximas entre si. No caso da docência em Música, embora o exercício

violinístico difira da prática docente, manifesta-se também na prática do violino, ao procurar

transferir saberes a novos agentes desse campo.

Esse habitus exprime também um conjunto de disposições incorporadas que se

manifestam com suporte na experiência do mestrado, quando foi necessário escrever a

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dissertação. Em vez de interpretar símbolos musicais e transformá-los em sons pelo violino,

foi indispensável ler, refletir e dialogar na escrita o tema de minha pesquisa com autores da

educação musical, especificamente, como também da educação. Foi exigido, ainda, praticar

uma escrita bem elaborada, de modo que o leitor pudesse compreender o texto. Finalizada

essa fase do mestrado, foi necessário defender oralmente os principais pontos da dissertação

para uma banca de professores doutores, cuja apresentação foi aberta ao público e aconteceu

no auditório do curso de Pós-Graduação em Música da UFPB.

Outro aspecto importante foi a preparação simultânea de dois processos

diferentes. O primeiro foi a concepção da escrita e defesa da dissertação. O segundo foi a

preparação de um recital com obras contrastantes, com duração mínima de, pelo menos, uma

hora, para uma banca de avaliadores, doutores em Prática Interpretativa. Geralmente, o

mestrando, em outras áreas, preocupa-se apenas com a escrita e elaboração dissertativa, ao

passo que o mestrado em Práticas Interpretativas requer do orientando duas atividades

acadêmicas para a obtenção do diploma: defesa da dissertação e apresentação de um recital.

Essa dupla experiência estreitou as distâncias em direção à academia, onde foi

possível vivenciar os primeiros experimentos que antecederam o concurso para professor da

UFCA. Assim, em minha trajetória, desenvolvi o habitus docente mediante aquisição de um

acúmulo de capitais culturais (diplomas, experiência docente na academia, material didático e

outra visão para o ensino do violino).

4.3 Habitus docente na UFCA

No início de meu percurso de formação musical, incorporei um conjunto de

disposições que me direcionou para uma profissão na área de Música, músico de orquestra.

Esse processo é explicado por Rogerio, Albuquerque e Sales (2012, p. 31, grifos dos autores),

quando dizem:

Conforme o espaço social em que nos interagimos, interiorizamos estruturas que

passam a constituir nossa lente de leitura da realidade, e as exteriorizamos em nossas

escolhas, julgamentos, gostos, atitudes; ou seja, o habitus nos fornece um “senso

prático” para utilizar uma expressão do próprio autor da praxiologia.

Por meio desse processo, a estrutura social (Sesi) foi depositada na minha vida

mediante a interiorização de aspectos inerentes ao que o espaço da instituição me

proporcionou. Esse procedimento foi exteriorizado quando ingressei em orquestras

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profissionais ocupando a função de violinista. O processo também é explicitado na seguinte

citação de Wacquant (2007, p. 3, grifo do autor), no artigo “Esclarecer o habitus”:

O habitus é uma noção mediadora que ajuda a romper com a dualidade de senso

comum entre indivíduo e sociedade ao captar “a interiorização da exterioridade e a

exteriorização da interioridade”, ou seja, o modo como a sociedade torna-se

depositada nas pessoas sob a forma de disposições duráveis ou capacidades

treinadas e propensões estruturadas para pensar, sentir e agir de modos

determinados, que então guiam em suas respostas criativas aos constrangimentos e

solicitações de seu meio social existente.

À medida que fui vivenciando novas estruturas, internalizei outras maneiras de

pensar, sentir e agir, de modo que minha experiência em novos espaços de convivência guiou

minha prática. Dessa vez, ao internalizar saberes, não apenas nos conteúdos das disciplinas,

mas também no convívio com outras pessoas de um curso de licenciatura em Música e de um

mestrado em Práticas Interpretativas, foi se constituindo em minha prática um “habitus

professoral”. Assim, compreendo que, com a minha inserção na docência do ensino superior,

meu habitus foi se transformando e se diferenciando um pouco do habitus violinístico.

Embora tenha incorporado em minha trajetória um habitus violinístico,

desenvolvo, também, ao ingressar na universidade na função de docente, outro habitus, o de

professor de violino, ou o habitus professoral. Esse novo habitus é uma derivação do habitus

anterior, mas com diferenças em alguns aspectos. O capital cultural inculcado em meu interior

é o mesmo nos dois habitus em questão. Eles se diferenciam, entretanto, na aplicação do

saber. Explico: o habitus violinístico era aplicado com o objetivo de praticar e apresentar uma

performance da música de concerto. Enquanto isso, o habitus professoral transmite

conhecimentos direcionados para o violino aos alunos de um curso de Música (licenciatura).

Dessa vez, não me apresento para um público em um teatro, em um auditório, em igrejas, ou

em outro espaço para apresentações, mas, sim, mostro-me para um grupo de alunos, buscando

transmitir conhecimentos sobre o violino ou a viola, de modo que os incentive a uma prática

musical. Com efeito, dirijo a óptica para a formação dos alunos. Trago para a sala de aula a

formação conquistada, e minha preocupação agora não é mais a sala de concerto, e sim a sala

de aula. Do ponto de vista cognitivo, o conhecimento que adquiri como violinista passa a ser

incorporado por aquele que processualmente me torna professor. Essa dimensão didática deve

estar em minha prática.

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81

Para melhor compreensão desse processo de ensino e aprendizagem, é necessário

dividir em partes esses aspectos, as quais são chamadas dimensões cognitivas, afetivas,

motoras e ético-políticas.

Apresentando, então, as características de cada uma das partes com o objetivo de

melhor compreender o funcionamento do “todo”, a escola é responsável fundamentalmente

pela cognição, atividade13 que remete à memória, à razão e ao uso elaborado da língua

portuguesa, ou seja, o texto escrito.

Na aprendizagem musical, é necessário valorizar outros aspectos considerados

centrais, como a parte motora. Para que o aluno aprenda a tocar uma determinada escala

musical no instrumento, ele precisa repetir muitas vezes para criar conexões musculares

neurais14 a fim de automatizar esse processo. Nesse sentido, o aluno explora a atividade

motora, e não a razão. Essa dimensão motora é essencial para o estudo da dança e da música.

Ela é responsável pela incorporação das técnicas de mão esquerda e mão direita do violino.

Essa incorporação se dá inicialmente por uma racionalidade cognitiva, ou seja, o aluno

procura manter o arco sob a corda e paralelo ao cavalete, entre o espelho e o cavalete, sem

movimentar o cotovelo e movendo apenas o antebraço. Esse procedimento deve ser feito até

que se torne fluente, sem necessidade de racionalizar. Assim, o aluno poderá produzir um som

de qualidade no instrumento.

Ao discutir sobre a técnica de mão direita, Kató Havas (2001, p. 21), em seu livro

A new approach to violin playing, acentua o seguinte:

According to some people, it is here, in the bowing arm, that the mastery of violin

playing is finally decided. But whether this true or not, one thing is certain; a faulty

bowing arm can ruin the best left hand in the world. Only a perfect marriage

between the two create a perfect sound. For it is the bow that makes the strings

vibrate, and the quality of the tone will depend on a natural and undisturbed

vibration.15

Ao refletir sobre as considerações do autor, é importante destacar que o aprendiz

necessita repetir várias vezes um determinado movimento para que possa dominar essa

habilidade. No que se refere à produção de som, é necessária uma boa técnica de mão direita

13 Notas de sala de aula do professor Luiz Botelho Albuquerque, em dezembro de 2016. 14 Idem. 15 “De acordo com algumas pessoas, a técnica de arco é fundamental para o violinista. Mas, se isso é verdade ou

não, uma coisa é certa, uma técnica de arco defeituosa pode arruinar a melhor mão esquerda do mundo. Apenas

o perfeito casamento entre os dois pode criar um perfeito som. Assim, o arco que faz as cordas vibrarem, como

também a qualidade da afinação, vai depender de uma vibração natural sem ruídos” (tradução minha).

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(arco) e uma sincronização desse movimento na mesma velocidade da digitação da mão

esquerda.

Suzuki (1978), em seu método para violino, utiliza algumas músicas como

ferramenta para a aprendizagem. Antes de ensinar a primeira música, ele apresenta algumas

células rítmicas constituídas de figuras musicais: colcheia e semicolcheia. Ele aconselha que o

aluno exercite esses ritmos, tocando cordas soltas (sem digitação) do instrumento e utilizando

apenas o arco como um jeito de incorporar os movimentos antes de aprender a melodia.

Utiliza a pausa entre os compassos com o objetivo de interiorizar essa atividade muscular.

Alguns professores de violino sugerem colocar nomes de sílabas nos ritmos para

facilitar a interiorização do ritmo, como, por exemplo, “chocolate quente”, “laranjada doce”

etc. O exercício mostrado na Figura 12 é um recorte da música “Twinkle, twinkle, little star”,

canção francesa de autor desconhecido. No Brasil, é conhecida com o título “Brilha, brilha,

estrelinha”.

Figura 12 – Exercício para troca de cordas

Fonte: Método Suzuki.

O número “0” (zero) acima da figura musical/semicolcheia indica que o discente

deverá tocar a corda solta, sem digitação. Dessa forma, é possível compreender a importância

da dimensão motora para a internalização do conteúdo violinístico na formação dos alunos. O

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discente necessita apropriar-se da maneira eficaz de segurar o arco, de modo que consiga

produzir um som de qualidade.

Como professor da disciplina Prática Instrumental Violino/Viola, minha

orientação em sala de aula é a de que ele segure o arco assim: com o dedo polegar na curva

entre a almofada e o talão; o dedo indicador acomodado na almofada do arco, na região da

falange; o dedo médio na lateral do talão, assim como o anelar; a ponta do dedo mínimo

relaxada sobre a vareta do arco, como mostra a Figura 13.

Figura 13 – Forma de segurar o arco

Fonte: Arquivo do autor.

A Figura 13 mostra o dedo indicador em uma posição que favorece o uso dos

movimentos denominados pronação e supinação. Na prática, a pronação representa um

movimento anti-horário do antebraço, de modo que a força é direcionada ao dedo indicador

para exercer pressão sobre o arco segundo a necessidade do som. Enquanto isso, a supinação é

a rotação do antebraço no sentido horário, aliviando a pressão exercida com o objetivo de

reduzir o volume de som. Essa maneira de segurar o arco beneficia o instrumentista para

dominar as arcadas e os vários golpes de arco proporcionados para o instrumentista. Acerca

da técnica de mão direita (arco), Sales (2004, p. 19, grifo do autor) afirma o seguinte:

Tomemos nossa atenção para a mão direita, mão do arco, a qual geralmente causa a

maior parte dos problemas técnicos e interpretativos de um violinista. Não é sem

razão que o grande Viotti, pai da escola moderna violinística, afirmava, diz a

tradição: “O violino é o arco”.

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A técnica de mão direita (o arco) é responsável pela produção de som e essa

prática tem importância similar à do pulmão para o cantor. Desse modo, se o instrumentista

possui boa técnica de mão direita, ele produz um som agradável e tem facilidade para

interpretar uma determinada música.

A técnica de mão esquerda, por sua vez, é responsável pela digitação dos dedos

sobre a corda do instrumento. Nesse sentido, podemos citar as técnicas de afinação, vibrato e

mudança de posição, que são comuns para aplicar em alunos iniciantes. A afinação determina

as alturas dos sons produzidos pelo instrumentista mediante a digitação dos dedos sobre a

corda. Nos dias de hoje, estão à disposição de alunos, professores e público leigo diversas

literaturas acerca da técnica para violino. Limitar-me-ei, entretanto, a discutir o material

utilizado em sala de aula, em especial, com alunos iniciantes e iniciados.

Após a compreensão da maneira adequada de posicionamento da mão sobre o

instrumento, começo o processo. Para iniciar o posicionamento da mão esquerda no violino

ou na viola, solicito dos alunos apenas a digitação do primeiro dedo sob a corda. Inicialmente,

os alunos repetem os sons utilizados por mim como professor, de maneira cantada, para

internalizar as alturas das notas; em seguida, cantamos juntos algumas vezes a mesma

melodia. A primeira nota está associada à segunda corda solta do violino, enquanto a segunda

está associada à digitação do primeiro dedo sob essa corda. Eu poderia utilizar os sinais da

partitura para ensinar essa música de apenas duas notas. Entretanto, ao perceber que o aluno

está preocupado com o movimento da mão direita, com a digitação da mão esquerda e com o

posicionamento do instrumento sob o corpo, procuro não sobrecarregá-lo, de modo a não

exigir que ele tente dominar tantas habilidades ao mesmo tempo. O aprendiz ainda não

incorporou todos os posicionamentos relacionados ao instrumento. Ele necessita repetir a cada

dia para acomodar de maneira confortável o instrumento junto do corpo. Posteriormente,

quando o aluno se sente confortável em digitar as duas notas propostas, é acrescentada ao

aprendizado a digitação do segundo dedo, e, seguindo o mesmo processo anterior, adiciona-se

o terceiro dedo junto do espelho do instrumento. A inserção do quarto dedo é adiada para

outro momento em virtude da fragilizada musculatura desse membro. Para os alunos

iniciados, é acrescentada a técnica de mudança de posição, em que os dedos que estavam em

posição fixa podem alternar seu posicionamento junto do espelho, de acordo com a exigência

da música. Outras técnicas necessárias a uma boa execução do instrumentista são

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apresentadas aos alunos, como, por exemplo, vibrato, dinâmica e outros aspectos relativos à

interpretação.

A dimensão cognitiva é desenvolvida quando o aluno necessita decifrar os sinais

da partitura e transformá-los em sons. Essa habilidade de ler os códigos musicais deve ser um

processo gradual e contínuo. Nesse sentido, o processo que utilizo envolve aspectos como

memória, razão, raciocínio, inteligência, para memorizar uma determinada quantidade de

notas, cada uma com sua intensidade e duração determinada.

O procedimento que utilizo em minhas aulas assemelha-se ao do educador

musical Zoltán Kodály, ao empregar o uso de duas notas, posteriormente três notas, seguindo

da mesma maneira, quatro notas, cinco notas, seis notas, sete notas (KODÁLY, 1941), de

modo que o aluno crie uma intimidade com esses símbolos e torne esse processo natural.

Nas primeiras páginas do livro do Método Kodály, a parte rítmica é simples,

utilizando apenas semínimas e colcheias, como também suas respectivas pausas, considerando

a semínima como unidade de tempo. Nos exercícios iniciais, o método trabalha com duas

notas: Dó e Ré, como mostra a Figura 14.

Figura 14 – Execução de duas notas, Dó e Ré

Fonte: Método Kodály.

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Esse exercício tem como finalidade a prática do solfejo. O método trabalha, como

já mencionei, com duas notas – Dó e Ré –, não importando suas alturas. O professor poderá

propositalmente usar várias alturas e pedir que o aluno solfeje, Dó – Ré ou Ré – Dó, de modo

a não sobrecarregar sua atenção (SANTOS; SILVA; MONTE; ARAÚJO, 2013).

Na prática de violino/viola, incentivo o aluno a associar a primeira nota à corda

solta e a segunda nota, à digitação do primeiro dedo. Esse procedimento permite ao aluno o

uso do instrumento para decifrar a partitura e transformar esses sinais em som, como também

para internalizar as alturas propostas pelo exercício melódico. Desse modo, o aluno estará

estudando o instrumento e, simultaneamente, praticando o exercício da disciplina de

Percepção e Solfejo do curso de Música da UFCA, que trabalha com a metodologia do

educador Zoltán Kodály.

Outra dimensão importante nesse processo é a afetiva, pois envolve o gosto, a

estética e os afetos. Ao olhar para o repertório que vou aplicar com meus alunos, é necessário

considerar os aspectos técnicos que eles dominam, associados à provável música que eles

podem interpretar. Também penso ser necessário escolher músicas que se aproximem do

gosto musical dos alunos.

Considero que nasci em um lar que não me proporcionou um capital cultural da

música erudita, contudo o Sesi me ensejou decifrar os códigos desse estilo musical, ao

incorporar os aspectos que me permitiram tocar um instrumento peculiar dessa tradição. Não

obstante essa grande contribuição, o Projeto Jaffé estava ancorado, do ponto de vista de

repertório, na tradição europeia da música de concerto. Isso é percebido no programa de uma

das apresentações da orquestra do Sesi, conforme mostra a Figura 15.

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Figura 15 – Programa da Orquestra do Sesi

Fonte: Arquivo pessoal.

Ao observarmos a Figura 15, podemos perceber que o repertório utilizado no

projeto era constituído, principalmente, por compositores da música europeia de concerto.

Isso justifica o fato de que, ao incorporar por muito tempo essa prática, minha apreciação

musical foi elaborada dentro desses moldes. Outra consequência desse processo é que passei a

considerar a música de concerto como principal referência de estudo. Nesse sentido, o capital

cultural adquirido no Sesi, condicionado pela estrutura, foi orquestrador dessas disposições.

Posteriormente à época do Sesi, quando dialoguei com outros espaços sociais,

minha compreensão sobre o gosto musical foi se transformando, assim como, em especial, o

meu olhar para a escolha de repertório para meus alunos. Durante minhas vivências no CAIC,

observei que o repertório contido no Método Suzuki não interessava muito aos alunos, não era

atraente. Alguns chegavam a perguntar: “Que música é essa?”. Em geral, a resposta dada era:

“São músicas do repertório mundial que vocês não estão acostumados a ouvir. Mas, com o

tempo, as percepções acabam se acostumando e serão apreciadas”.

Nas aulas de violino da UFCA, aconteceram fatos semelhantes no que se refere

aos questionamentos sobre o repertório proposto à prática instrumental dos alunos. Essa

experiência de reflexão acerca do repertório proposto na aula ensejou a escrita e a publicação

de um artigo nos anais de um evento nacional da Associação Brasileira de Educação Musical

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(Abem), em 2013, com o seguinte título: “O ensino coletivo do instrumento de cordas

friccionadas, o repertório diversificado e suas influências no gosto musical dos graduandos da

Universidade Federal do Cariri”. Esse trabalho discute as dificuldades que os professores de

violino apresentam em inserir apenas músicas brasileiras em seus métodos praticados em sala

de aula. Assim, embora o repertório proposto pelo Método Suzuki não seja tão conhecido

pelos alunos no Cariri, ele provoca novas percepções estéticas ao incorporar a prática

instrumental dessas músicas. Segundo os autores,

A escolha desse tema se deve à mudança no gosto musical dos alunos da Prática

Instrumental – Violino/Viola, percebida na convivência entre os estudantes dentro e

fora da sala de aula. Analisando cada indivíduo da turma, nota-se uma diferença

considerável de gostos musicais. Enquanto uns aderem ao rock, metal e hardcore,

outros escolhem a música popular brasileira e pop internacional. Alguns se

identificam com a música religiosa e outros têm um gosto mais eclético, apreciando

todos os estilos citados e também muitos outros. Entretanto, há um fator que

promove a unanimidade entre todos: ao adquirir vivência com o repertório proposto

pelo professor, o indivíduo compreende aquela nova música ao seu gosto e

apreciação (ARAÚJO et al., 2013).

Nota-se que, a partir das experiências vivenciadas desde meu percurso formativo

do CAIC aos espaços da UFCA, houve um avanço na forma de atuar nos contextos de

docência. Associo esse crescimento, também, à experiência na Orcec. Como violinista da

orquestra, praticava um repertório diversificado que contemplava erudito, MPB, popular

regional, entre outros estilos. Além de apresentarmos regularmente um repertório da música

de concerto europeia, dialogávamos também com outros estilos musicais.

A Figura 16 mostra certa ocasião em que o cantor Gilberto Gil assistiu a uma

apresentação que fizemos com o violonista Antonio Menezes, o bandolinista Jorge Cardozo e

um grupo de choro executando peças brasileiras. Outra ocasião que merece registro foi uma

apresentação com o compositor e intérprete Hermeto Pascoal (Figura 17).

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Figura 16 – Execução de peças brasileiras

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 17 – Apresentação com Hermeto Pascoal

Fonte: Arquivo pessoal.

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Das músicas tocadas pela orquestra, a que me impressionou de modo

surpreendente foi a tocada em uma apresentação que fizemos com o grupo Irmãos Aniceto,

conforme mostra a Figura 18.

Figura 18 – Apresentação com o grupo Irmãos Aniceto

Fonte: Arquivo pessoal.

O diálogo da música popular regional com a música erudita, representadas pelos

grupos, fez-me compreender a importância de um olhar específico para a música de uma

determinada região. Outro aspecto interessante nessa união foi o processo de afinação dos

instrumentos. Os pífanos construídos e praticados pelos Irmãos Aniceto tinham uma afinação

definida e, por consequência, tornava-se complicado afinar com os instrumentos da orquestra.

As apresentações foram realizadas no Theatro José de Alencar, como também em outros

espaços no estado do Ceará. Em uma dessas apresentações, tivemos a presença do então

governador do Estado, Cid Ferreira Gomes, que, ao assistir à apresentação, ficou tão

impressionado que solicitou aos responsáveis pelo processo da união desses dois grupos a

gravação de um DVD patrocinado pelo governo estadual (Figura 19).

A Banda Cabaçal Irmãos Aniceto é um grupo tradicional da região do Cariri que

tem percorrido várias cidades do Brasil e do mundo. O grupo representa uma cultura

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específica dessa região do Ceará por meio da dança e da música. Essa arte traduz a cultura

legítima da região.

Figura 19 – Capa do DVD “Irmãos Aniceto & Orquestra Eleazar de Carvalho”

Fonte: Arquivo pessoal.

Essas fortes impressões ficam gravadas em nosso interior. Naquela época, nem

imaginava que um dia estaria morando e lecionando na região do Cariri. Assim, ao escolher o

repertório para os alunos da UFCA, considerando o local onde se desenvolve o processo de

ensino e aprendizagem, é revelada uma intenção ético-política.

Ao tratar dessa dimensão ético-política, estou pensando no coletivo. Explico:

procuro inserir em minhas aulas, como também nas atividades da orquestra, um repertório que

contemple obras de autores da região. Nesse sentido, procuro considerar a música produzida

na região, ressaltando a identidade com a cultura local.

O som produzido no violino ou na viola de arco, ou seja, o discurso musical, deve

dialogar o máximo possível com a cultura da região. Nesse sentido, a forma de friccionar o

arco, o dedilhado, o vibrato não precisam evidenciar um sentimento romântico e sim um

golpe de arco na forma de legato, procurando, talvez, produzir um som com ruídos de modo

que se aproxime da rabeca. Esses aspectos são relevantes para o instrumentista, como também

para o ouvinte.

Assim, ao planejar a aula com boa antecedência, chegar sempre no horário

marcado, ou antes, do início das aulas, apresentar as dificuldades e possíveis soluções para o

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domínio técnico do instrumento, estabelecer rotinas e alvos a serem alcançados pelos

estudantes, mas com o devido respeito e civilidade em relação ao aprendiz, transforma muitas

vezes um estudo técnico trabalhoso em uma experiência significativa. Se o professor faz tudo

isso sobre um repertório que reflete as características culturais da sociedade onde o estudante

está inserido e demonstra ao mesmo estudante a legitimidade desse repertório, então o

professor está cumprindo o papel que se espera de um docente de música: formar um cidadão

da melhor qualidade16. Essa postura professoral enfatiza a preocupação em formar cidadãos,

professores de música, de maneira que esses discentes não sejam receptores de uma

aprendizagem mecânica, levando muitas vezes ao esquecimento ou à inaptidão desse

conhecimento musical (ALBINO; LIMA, 2008).

Nesse sentido, buscando proporcionar uma aprendizagem significativa para os

alunos da UFCA, foi necessário refletir, compreender e dialogar acerca da metodologia de

ensino e aprendizagem que eu deveria aplicar com os discentes da disciplina de

Violino/Viola.

4.4 Metodologia de ensino do violino/viola

Durante minhas vivências nos espaços de formação violinística, experimentei

duas abordagens metodológicas: ensino coletivo e ensino tradicional (conservatorial). Antes

de descrever/refletir sobre a metodologia de ensino aplicada ao violino com os alunos da

UFCA, é importante considerar um breve resumo da história desse instrumento, como

também seu diálogo com a sociedade do Cariri.

O violino é um dos instrumentos mais importantes de uma orquestra que reproduz

música de concerto. O violino, a viola, o violoncelo e o contrabaixo são instrumentos da

família das cordas friccionadas. Isso significa dizer que necessitam do auxílio do arco sobre a

corda, provocando uma fricção, para a produção de som. Esses instrumentos surgiram na

Itália, no início do século XVI; entretanto, não se sabe ao certo ainda sua origem. Sobre o

desenvolvimento do instrumento, a pesquisadora Mariana Isdebski Sales, em seu livro

Arcadas e golpes de arco, afirma:

16 Notas de aula do professor Luiz Botelho Albuquerque.

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[...] ao longo dos séculos, tornou-se comum e necessário o aparecimento de

documentos, livros, tratados e métodos sobre a técnica do violino. Citamos Giuseppe

Tartini (1692-1770), passando por Pietro Locatelli (1693-1746), em L’Arte del

Violino, datado de 1733, e Francesco Geminiani (1680-1762), em The Art of Playing

on the Violin, datado de 1751 e considerado o primeiro método de reconhecido valor

do instrumento. Apesar de sua origem italiana, Geminiani publicou-o em Londres

em língua inglesa. Outros tratados de técnica de violino foram sucedendo,

destacando entre eles o Versuch einer Grundlichen Violinsschule de Leopold Mozart

de 1756 (SALES, 2004, p. 13).

Durante o século XX, surgiram dois tratados, que merecem ser destacados, sobre

a técnica do violino: Kunst des violinspiel, de Carl Flesch, em 1928 (Alemanha); e Principles

of violin playing and teaching, de Ivan Galamian, de 1962 (Estados Unidos) (SALES, 2004).

Embora o estudo técnico do violino esteja largamente explorado e aparentemente

determinado, o ensino tradicional do violino é praticado de maneira individual, ou seja, um

professor para um aluno.

Ainda no século XX, todavia, o japonês Shinichi Suzuki desmistificou o

paradigma do talento, como também o processo de ensino tutorial, apresentando uma

metodologia de ensino coletivo para instrumentos de cordas friccionadas. Segundo Scoggin

(2003, p. 2), “O Método Suzuki, desenvolvido no Japão por Shinichi Suzuki, alcançou grande

sucesso internacional a partir de meados da década de 60, e vem sendo aplicado em diversos

países da Ásia, Europa e Américas”.

No Brasil, discutem-se e praticam-se diversas metodologias de ensino para

instrumento musical, como, por exemplo: ensino coletivo, aulas em grupo, aula coletiva,

aprendizagem musical compartilhada etc. Neste estudo, pretendo abordar duas metodologias

mencionadas que se destacaram em minha trajetória: ensino tradicional e ensino coletivo.

A metodologia de ensino coletivo foi disseminada no Brasil nos anos 1970, com

o professor Alberto Jaffé (SILVA, 2008; CRUVINEL, 2005). Jaffé implantou um método que

tem como objetivo a formação em massa de músicos de instrumentos de cordas. O autor

acreditava que o ensino coletivo seria o meio pelo qual se poderia alcançar esse objetivo.

Galindo (2000) defende a importância do ensino coletivo para a iniciação nos instrumentos de

cordas. Conclui, no entanto, que, após o aluno receber os primeiros fundamentos técnicos e

musicais, é desejável que passe a ter aulas individuais. Em suma, Galindo (2000) entende que

o ensino coletivo prepara o aluno para o ensino individual com os professores específicos de

cada instrumento.

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Jaffé preocupava-se com o fato de que pelo método tradicional a formação inicial

de um aluno demandava muito tempo. A esse fato somava-se a necessidade de um grande

número de professores para se ter também um grande número de alunos em treinamento.

Naquele momento, entretanto, não havia disponibilidade de professores nem meios de

consegui-los. Jaffé, portanto, procurava uma fórmula efetiva de aproveitamento do trinômio

professor-tempo-aluno. Essa procura cada vez mais o conduziria na direção da metodologia

de ensino coletivo. Nessa fórmula, na qual um professor treina vários alunos

simultaneamente, Jaffé parece ter alcançado o motivo da aplicação dessa metodologia.

Esse método, inicialmente desenvolvido para o violino, foi posteriormente

aplicado à viola, ao violoncelo e ao contrabaixo. Essa expansão foi possível mediante a

utilização de elementos-chave da técnica comum aos quatro instrumentos da família das

cordas. Isso facilitou a abordagem simultânea de vários alunos e a evolução conjunta do

aprendizado. Por esse método, uma turma pôde então englobar em cada estágio violinistas,

violistas, violoncelistas e contrabaixistas em grupo de número muito variável. Jaffé não se

importava de, eventualmente, agrupar 20 ou até mais alunos em uma mesma sala de aula.

Além de observar suas vantagens didático-musicais, Jaffé (1976, p. 11) considerava esse

processo gerador de um alto índice de aproveitamento do tempo: “Não mais um professor

ocupando-se de um aluno em uma sala de aula com uma aula semanal, mas a desejada

multiplicação de resultados e, em conseqüência, a formação de novos músicos em massa”.

Embora o objetivo não fosse a formação de solistas, Jaffé buscava desenvolver

instrumentistas com habilidade técnica para executar música de qualidade. Percebia-se,

portanto, a meta de iniciar seus alunos na prática de orquestra desde os primeiros

ensinamentos. Segundo Galindo, na apresentação do livro Educação musical e transformação

social, de Flavia Maria Cruvinel (2000, p. 12),

O Professor Alberto Jaffé sempre foi muito claro: é realmente muitíssimo difícil

alguém imaginar uma carreira de solista, tocando um instrumento como violino ou

violoncelo, para alguém que começou a estudar com 15, 16 anos. Mas, para ser mais

exato, dizia o mestre que uma carreira de solista era algo que não figurava em seus

planos [...] Solista? Para quê? Seus objetivos eram outros: levar a prática musical

para muita gente, de todas as classes sociais; criar o hábito de fazer música em grupo

entre amadores, e, se de seus alunos surgissem alguns que enveredassem pelo

caminho da profissionalização, tanto melhor. Ajudariam a melhorar o padrão das

orquestras brasileiras, naquela época (e de certa forma hoje) tão carente de bons

instrumentistas de arco.

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No cenário musical brasileiro da época, quando então prevalecia o formato de

ensino herdado dos conservatórios europeus, Jaffé procurou introduzir outra proposta: aplicar

um método de ensino coletivo que formasse instrumentistas em número satisfatório para as

orquestras. Esse processo implicaria também a disponibilidade de professores devidamente

preparados para a aplicação do método, visto que a demanda por docentes qualificados seria

proporcional ao previsível número crescente de alunos. Para administrar essa demanda, Jaffé

introduzia alguns alunos mais adiantados como monitores das turmas iniciantes, investindo na

preparação de futuros professores. Portanto, a multiplicação de professores representaria uma

possível multiplicação de músicos e de orquestras.

Desse modo, ao refletir sobre qual método de ensino de violino/viola eu

poderia/deveria ensinar aos alunos do curso de Música da UFCA, procurei dialogar com o

Projeto Pedagógico do Curso. Segundo o PPC, “A Prática Instrumental, assim como as

demais disciplinas, acontecerão coletivamente, buscando incentivar a colaboração, a

cooperação, a interação e a compartilha de saberes na aprendizagem” (UFCA, 2014, p. 25).

Os novos alunos ingressam no curso sem teste de aptidão e a maioria não possui

conhecimento prévio do instrumento. Compreendendo essas questões, optei por ensinar

coletivamente aos alunos das turmas de Violino/Viola da UFCA, ou seja, o processo de

ensino e aprendizagem acontece com diversos alunos em uma mesma sala de aula. Esses

ensinamentos se assemelham aos ensinamentos que vivenciei durante o Método Jaffé. Na

região do Cariri, esses instrumentos não são tão populares quanto o violão. Assim, minha

escolha metodológica justifica-se também em virtude do restrito uso desses instrumentos na

sociedade do Cariri. A ausência de maior incentivo ao ensino de Música no âmbito familiar,

na escola ou na sociedade (escolas de música, ONGs etc.) impede os alunos de uma

experiência musical antes do ingresso na universidade. Desse modo, procurando democratizar

a prática dos instrumentos de cordas friccionadas na região do Cariri, adoto uma abordagem

que acomode o máximo de alunos em uma mesma sala de aula.

Antes de iniciar a discussão acerca da metodologia, é importante compreender o

significado da palavra método e como esta se estabelece no contexto do ensino de Música. De

acordo com o dicionário Aurélio, compreende-se que “método” é um caminho pelo qual se

alcança um objetivo. Pode ser visto também como um programa planejado que regula

diversas metas que devem ser alcançadas. “Ensino”, por sua vez, é a ação ou o efeito de

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ensinar. É, ainda, um dos principais meios de educação, a forma sistemática normal de

transmitir conhecimentos, em geral, em escolas.

Segundo Moura (2006), ensino e aprendizagem são processos que se

complementam. Analisados do ponto de vista etimológico, ensino e aprendizagem são duas

categorias que possuem suas peculiaridades. Ensino pode ser considerado um movimento

coordenado por um sujeito habilitado para mediar o ato pedagógico. Aprendizagem, por sua

vez, é o resultado dessa intervenção, implicando na assimilação de “saberes”, pelos sujeitos

aprendentes, que, depois de internalizados, serão socializados. Com efeito, compreende-se

que o conceito de método aplica-se bem a um conjunto de práticas ordenadas de ensino e está

fundamentado em uma teoria de ensino e aprendizagem.

Desde que foram estabelecidos os primeiros métodos para o aprendizado de

música, por volta do século XVII, com Comenius, os conceitos sobre aprender e ensinar

música foram sendo transformados ao longo do tempo (SILVA, 2008).

Gerling (1989, p. 47) chama de método “a sistematização de uma área de

conhecimento que possibilite, ao não iniciado, a aquisição de competência na área escolhida,

no menor prazo viável”. Segundo esse autor, para que um método venha a ser elaborado,

deve-se definir competência dentro da área de conhecimento, bem como os objetivos de

aplicação dos conhecimentos alcançados por meio do método. Nesse sentido, conceitua-se

competência como “a posse de um número de habilidades que permitem ao indivíduo a

execução de tarefas dentro de uma área de conhecimento com segurança, naturalidade e,

sobretudo, discernimento” (GERLING, 1989, p. 48).

Quando vivenciei o aprendizado de violino no Sesi com o professor Alberto Jaffé,

nos anos 1970, internalizei um saber violinístico por meio de uma metodologia de ensino

coletivo. Essa abordagem, apesar de ser inovadora, ainda estava fundamentada em uma

epistemologia europeia; contudo, encaminhou-me para a constituição de um habitus inicial

violinístico e me direcionou a outras instituições, permitindo tornar esse conhecimento mais

sofisticado.

Essa nova aquisição (bacharelado em Violino) de novos saberes violinísticos

proporcionou-me participar do teste de seleção para ocupar um cargo de violinista de

orquestra. É importante ressaltar que a atividade por mim exercida na orquestra como músico

não me proporcionava um exercício reflexivo. A função do músico, sentado em uma cadeira

no interior da orquestra, é passiva.

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Existe uma relação muito próxima entre o bacharelado em instrumento musical e

a atividade de uma orquestra profissional. O discente do bacharelado desenvolve habilidades

técnicas que o capacitam a tocar de maneira sofisticada o instrumento. Com essa

compreensão, aplicar um método de ensino tradicional na região do Cariri não dialoga com a

necessidade dessa região. Desse modo, a metodologia de ensino coletivo aproxima-se do

ensino de violino dessa região e permite, também, ampliar essa prática instrumental no Cariri

para um maior número de estudantes.

A prática instrumental dos instrumentos de cordas friccionadas não é muito

democrática no Brasil. Os instrumentos construídos em luteria, que possuem uma melhor

sonoridade, não são baratos. Nesse sentido, torna-se inviável o seu uso por estudantes

provenientes das classes populares. Essas questões são discutidas por Glaucia Borges,

professora de violino da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), quando afirma que

a ausência de tradição dos instrumentos de cordas friccionadas ainda é um problema grave no

Brasil. Segundo ela, a distribuição de renda é realizada desigualmente e isso ocasiona

ausência de investimentos na cultura e, consequentemente, na área de Música (BORGES,

2003). Em decorrência de tal realidade, a autora afirma que

A música, por sua vez, não é percebida como fator de crescimento pessoal pela

população. Consequentemente, há restrita tradição musical, o que faz com que o

estudo e o trabalho do músico não sejam reconhecidos e valorizados tanto cultural

quanto financeiramente (BORGES, 2003, p. 26).

Essa maneira generalizante com a qual a sociedade trata essa área de estudos, sem

dar a ela o devido reconhecimento, reflete-se diretamente na falta de tradição do setor das

cordas friccionadas. Há ainda, contudo, por parte de alguns, uma preocupação em alinhar

esforços para o fortalecimento do estudo desses instrumentos. A exemplo disso, o curso de

Música da UFCA e os demais cursos de Música dos campi da UFC ofertam o ensino desses

instrumentos. Iniciativas como essa apontam para diminuição das distâncias estabelecidas

entre a música e a sociedade, bem como para consolidar esse setor de estudos.

Além disso, viabiliza aos alunos perspectivas de carreira no âmbito musical e

dispõe de oportunidade para inclusão social. De tal modo, a transformação da realidade

sociocultural dos alunos se inclui no âmbito das questões a serem significadas e enfocadas nos

cursos superiores de Música. A esse respeito, Freire (2011) reflete que devem ser propostas

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diretrizes que tenham como objetivo uma efetiva significação social. Nesse caso, ela esclarece

que:

A educação, assim como a arte, interage com a sociedade, e é por esta determinada,

numa primeira instância, mas também nela influindo, ou seja, a educação se

relaciona dialeticamente com a sociedade, como elemento condicionado e

influenciando, por sua vez, o condicionante (FREIRE, 2011, p. 23).

Assim, tanto a educação como a arte e, mais especificamente, a música, são

instrumentos políticos, e, ainda que mantenham o potencial de adequação à sociedade, ao

mesmo tempo, atuam na transformação do homem e da sociedade. Esse movimento dialético

pode ser entendido de modo prático nas disputas que se apresentam no campo do ensino de

Música.

Pode-se dizer que há considerável contrassenso no âmbito da educação musical no

que se refere à música operar como fator de transformação social dos indivíduos, ao mesmo

tempo que se valoriza demasiado o uso de métodos que privilegiam alguns em detrimento de

outros. Essa afirmação aplica-se bem ao formato tradicional de ensino de Música, que adota

um professor para um aluno, reconhecida como ensino tutorial. Essa maneira de ensinar

música reúne as mesmas características da educação tradicional, mencionadas por Albino e

Lima (2008, p. 119):

[...] trabalha basicamente com a transmissão de informações. Nesse modelo, cabe ao

professor, com o auxílio do livro-texto transmitir os conhecimentos ao aluno. Nessa

modalidade são raras as situações em que o aluno é estimulado a raciocinar sozinho.

O aluno não é visto como um construtor do conhecimento.

Refletindo sobre essa citação, posso assinalar que é possível associar o processo

de ensino conservatorial ao ensino tradicional da educação. O ensino tradicional dos

instrumentos de cordas friccionadas também é conhecido como conservatorial, tutorial. Nesse

modelo, o professor apresenta o conhecimento ao aluno, que tende a repetir várias vezes até

incorporar uma prática. O aluno não reflete, não improvisa, ele procura memorizar e

reproduzir o que é feito pelo professor. Assim, a função do professor é apresentar ao discente

todas as ferramentas didáticas (instrumento musical, partituras musicais, métodos e outros), o

conhecimento para que o aluno aprenda a tocar. Nesse sentido, o ensino tradicional tem como

prática no processo de ensino e aprendizagem a transmissão de informações.

Em contraposição a esse padrão, revela-se como alternativa o ensino coletivo,

preocupando-se em proporcionar o ensino do instrumento musical a um maior número de

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alunos, flexibilizando o acesso e facilitando o aprendizado. Nesse caso, a aprendizagem

ocorre em um contexto grupal, de sociabilidade, em que se exercita e se desenvolve em um

espaço de colaboração, de experiências e de práticas coletivas.

Entendo que essas duas metodologias têm objetivos diferenciados. Enquanto o

ensino tutorial procura preparar instrumentistas para orquestras profissionais ou para serem

solistas, o ensino coletivo centra sua proposta em oferecer um ensino mais democrático,

concentrando esforços mais no processo do que em resultados.

Apoiando-se no significado dessas duas posições, o curso de Música da UFCA fez

a opção por trabalhar com um ensino mais democrático, que atendesse às reais necessidades

do público caririense. Assim, adotou o ensino coletivo como metodologia para as práticas

instrumentais. Com efeito, é ensejado aos discentes, ao adentrarem na universidade, uma

vivência musical por meio do aprendizado de um instrumento. Essas experiências são

desfrutadas nos dois primeiros anos de curso e se complementam nos anos seguintes,

dialogando com outras disciplinas, outros projetos e outras atividades. Pode-se dizer que são

vivências transformadoras, porquanto são saberes estabelecidos, que preparam os discentes

para atuarem na sociedade ao concluírem o curso. Logo, capacitam o egresso para ministrar

aulas de Música em diversos espaços, como também participar de grupos musicais, tocar em

diversos tipos de eventos, onde a música tem uma função determinante, provocando, também,

emoções e afetividades.

Tais aspectos me remetem à Teoria da Aprendizagem, expressa por Vygotsky, ao

entender que ela pode dar suporte teórico ao ensino coletivo dos instrumentos de cordas, haja

vista que a apropriação do conhecimento se dá com origem na percepção dos estímulos

externos, da elaboração cognitiva dessa percepção e da ação responsiva a essa percepção.

Assim, considero importante o diálogo do processo de ensino e aprendizagem nas aulas de

violino/viola com autores da educação.

4.5 Ensino coletivo

O método de ensino coletivo empregado em minhas aulas na UFCA tem como

objetivo inicial proporcionar aos discentes uma vivência musical através do violino ou da

viola. Em sala de aula, os alunos escutam atentamente os ensinamentos que compartilho com

eles, os quais são frutos de minha experiência musical. Desse modo, aceitar vários alunos em

uma mesma sala significa proporcionar a diversos alunos esse conhecimento musical.

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Desde 2010, ano em que ingressei na UFCA como professor, tenho requerido, por

meio de editais e projetos, à Pró-Reitoria de Ensino (Proen) bolsas para os alunos mais

experientes, para que possam através da monitoria compartilhar os conhecimentos

vivenciados em sala de aula com o professor. Depois de sete anos, tenho percebido que os

alunos desenvolvem com consistência o conteúdo apreendido quando compartilham com seus

pares (alunos de uma mesma sala) o conteúdo empregado. Nesse mesmo sentido, reporto-me

à teoria de Vygotsky discutida por Benedetti e Kerr (2009, p. 81, grifos dos autores), quando

expressam que

a capacidade de se apropriar da bagagem sócio-cultural acumulada historicamente

constitui o aspecto central do desenvolvimento e a gênese do psiquismo humano.

Este, com suas características específicas – linguagem, tipos memória, pensamento

conceitual-abstrato, lógico, classificatório – deixa de ser concebido como fruto de

uma essência universal inata, biologicamente herdada, mas sim, como algo

construído no decorrer do processo histórico-social [...]. O processo de apropriação

tem como resultado a reprodução no e pelo indivíduo das aptidões e funções

humanas, historicamente formadas.

Dessa forma, Vygotsky propõe que as funções psíquicas do sujeito se originam no

âmbito exterior ou social para depois serem apropriadas e interiorizadas. Esse processo de

aprendizagem é visto por ele não como memorização mecânica, ou reprodução de ações ou

informações, mas, sim, como apropriação do conhecimento, processo ativo de apreensão,

interiorização e compreensão.

Benedetti e Kerr (2009) explicitam que o termo apropriação refere-se ao processo

pelo qual o sujeito interioriza e apreende o mundo social com seus esquemas mentais,

significados e valores, tornando-os seus. Isso implica dizer que também torna a fazer parte de

seu corpo.

Percebe-se, portanto, que o processo de aprendizagem é iniciado no mundo

exterior ou social. No método coletivo, o professor executa uma determinada melodia e seus

aprendizes escutam, memorizam e depois reproduzem. Ao reproduzi-la, os alunos

compartilham juntos e/ou separados a melodia de forma coletiva, contribuindo, assim, para a

interiorização da música na prática instrumental. Na teoria de Vygotsky, o aprendizado é o

resultado de uma relação dialética entre o sujeito e o mundo exterior, ou seja, o homem

transforma o meio e o meio transforma o homem.

Nesse sentido, a orquestra da UFCA apresenta-se com um laboratório que

proporciona esses momentos de aprendizagens coletivas no contexto de situações em que eles

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interagem socialmente e, dessa forma, desenvolvem aspectos cognitivos e de relações

interpessoais.

4.6 Orquestra da UFCA

Durante minhas vivências no curso de Música da UFCA, observei que as

disciplinas de práticas instrumentais Violino/Viola e Violoncelo/Contrabaixo poderiam

cultivar um exercício coletivo em um mesmo ambiente. Desse modo, em 2011, procurei

dialogar com o professor Claudio Mappa, responsável pela disciplina de

Violoncelo/Contrabaixo, para juntos alcançarmos esse objetivo.

Essa união proporcionou também a percepção dos alunos para outros timbres

diferentes de seus instrumentos. Assim, os discentes dos instrumentos com timbres graves

ouvem os instrumentos de seu próprio naipe e, simultaneamente, escutam os timbres agudos

dos outros instrumentos, assim como os alunos que tocam instrumentos de timbres agudos

escutam ao mesmo tempo os instrumentos de timbres graves. Essa massa sonora que compõe

uma orquestra de cordas tem um vasto repertório para ser tocado, explorando a técnica

musical desses instrumentos em vários níveis.

Essa visão é resultado de minhas vivências no Sesi nos anos 1970. Nasci

musicalmente dentro de uma orquestra. O professor Jaffé utilizou as semelhanças entre os

instrumentos para iniciar o processo de ensino e aprendizagem dos instrumentos da família

das cordas friccionadas. Com efeito, os aprendizes de violino, viola, violoncelo e contrabaixo

poderiam praticar em uma mesma sala de aula.

No caso dos alunos da UFCA, os de Violino/Viola, como também os da Prática

Instrumental Violoncelo/Contrabaixo, têm o início do aprendizado musical com o professor

da disciplina. Essas vivências com o instrumento se expandiram desde o aprendizado inicial

com o professor Jaffé, perpassando também pela experiência na graduação/bacharelado no

instrumento, nos conhecimentos adquiridos em orquestras profissionais e amadoras, no

mestrado em Práticas Interpretativas na Subárea Violino, entre outros. O professor de

violoncelo/contrabaixo tem o diploma em bacharelado em contrabaixo, músico profissional

com experiências na música de concerto, música popular e jazz.

Assim, a primeira música foi um arranjo de “Brilha, brilha, estrelinha” pelo

violinista e pedagogo Shinichi Suzuki, em seu método para quarteto de cordas. O professor

Claudio Mappa fez o arranjo de uma peça do repertório popular brasileiro, considerando o

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nível técnico dos alunos. Fiz o arranjo de “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, de forma que esse

repertório dialogasse também com a região do Cariri.

Esses primeiros passos deram forte impulso para a prática instrumental de cordas

friccionadas. Foi possível perceber a alegria dos alunos em praticarem o repertório proposto.

Essa nova orquestra foi convidada para tocar na abertura da Semana de Biblioteconomia, e o

público desse evento, além de prestigiar a apresentação, ficou impressionado com o

desenvolvimento musical dos alunos.

Em 2012, a Revista da UFC fez uma reportagem sobre os novos cursos

implantados através do Reuni. Naquela edição, encontramos uma menção sobre a Orquestra

da UFC – Cariri (posteriormente o nome mudou para Orquestra da UFCA), como mostra a

Figura 20.

Figura 20 – Orquestra da UFCA

Fonte: Revista da UFC.

Destaca-se, também, nesse projeto de extensão, a inclusão de alguns alunos

instrumentistas da sociedade caririense que, após a experiência na orquestra, fizeram a prova

do Enem e, com a aprovação, matricularam-se no curso.

No Cariri, a UFCA emerge apresentando nova configuração de universidade. Ela

se manifesta exibindo, em vez de três, quatro pilares, ou seja, ensino, pesquisa, extensão e

cultura. Assim, a orquestra tornou-se um projeto interinstitucional da Pró-Reitoria de Cultura,

que proporcionou para os alunos dez bolsas.

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Em 2013, a orquestra recebeu o convite para participar do I Festival de Orquestras

Eurochestries, na cidade de Sobral. Apresentei aos alunos a necessidade de participação em

festivais para o fortalecimento do aprendizado na performance musical. Nesse festival, foi

possível conviver com regentes, músicos, professores do Brasil e de outros países,

fomentando a elaboração do conhecimento musical em várias perspectivas.

Ressalto a visão dos alunos iniciantes, que tiveram dificuldades de tocar o

repertório proposto no festival. Eles destacaram o ritmo acelerado, no interior da orquestra,

para decifrar os sinais da partitura e transformá-los em som por meio do instrumento. A

Figura 21 apresenta a orquestra no referido festival, que causou forte impacto nos jovens

estudantes da UFCA.

Figura 21 – Orquestra da UFCA no I Festival de Orquestras Eurochestries

Fonte: Arquivo pessoal.

Nos dias de hoje, a Orquestra da UFCA proporciona ao público do Cariri, como

também ao de outras cidades e estados circunvizinhos, uma apreciação musical mediada pela

prática instrumental. O grupo é solicitado para tocar na abertura de vários congressos. Esse

conjunto de aspectos, discutidos neste capítulo, demonstra que o trabalho realizado na UFCA

tem proporcionado aos jovens caririenses o acesso aos códigos musicais.

A adoção, em minhas aulas de violino/viola, do ensino coletivo como

metodologia adequada para iniciação musical de instrumentistas, como também a criação da

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orquestra da UFCA, que proporciona aos alunos uma vivência musical através de um

repertório eclético composto por diversos estilos, têm procurado atender à carência de

professores nessa área e de escolas de músicas na região para atender a uma grande demanda.

Esse cenário de poucos investimentos e incentivos na área de educação musical é

discutido também pela professora Liu Man Ying (2007, p. 7) em sua dissertação de mestrado,

quando diz:

A presente dissertação parte da reflexão sobre a importância dos métodos de ensino

coletivo de instrumentos de cordas na educação musical do Brasil, tendo em vista a

precária situação em que se encontra essa área no país, onde a falta de um ensino

musical de base se faz presente, pois as escolas de música e conservatório são, em

sua maioria, de caráter privado e inacessíveis para a grande parte da população que

não possui condições econômicas para frequentar tais instituições. As poucas

escolas de música existentes e projetos não governamentais que empregam a

educação musical como meio de integração social são insuficientes para atender à

enorme demanda.

Assim, compreendo que minha formação inicial nos espaços do Sesi, na década de

1970, minhas vivências em festivais, o aprendizado experimentado nos cursos de bacharelado

e de licenciatura em Música e no mestrado oportunizaram-me uma maturidade musical que

me tem permitido contribuir na formação de outros educadores musicais na região do Cariri.

Embora reconheça que essa região possui grande demanda de pessoas que necessitam

experimentar uma vivência musical, minha escolha em utilizar o método coletivo e a criação e

manutenção da orquestra deverão também multiplicar esses educadores a partir de minha

experiência. Espero que, em poucos anos, tenhamos diversos educadores, músicos e

professores proporcionando uma arte musical para os moradores dessa região, diminuindo,

então, a carência de profissionais na área.

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5 AUTOANÁLISE DA TRAJETÓRIA DO AGENTE

Neste capítulo, sintetizo uma autoanálise de minha trajetória de formação

procurando apresentar uma compreensão dos aspectos formativos que me encaminharam à

posição que ocupo nos dias de hoje, ou seja, professor de uma universidade federal. Assim,

apresento minha caminhada dialogando com o livro Esboço de auto-análise, de Pierre

Bourdieu, por entender que me fornece meios para avaliar minha constituição como agente do

campo musical. Essa perspectiva demonstra os resultados de minhas relações com as

estruturas sociais.

Descrevo também a incorporação de um habitus violinístico-docente,

fundamentado em um capital de mobilidade que tem início no ambiente familiar chegando até

o momento da escrita deste trabalho. Finalizo o capítulo destacando, a partir de minha história

de vida, os momentos de transição, de evolução, conhecidos como “momentos charneira”,

marcadores de minha progressão social.

5.1 Leitura da tese a partir do livro Esboço de auto-análise

Ao escolher minha história de vida como objeto de pesquisa, tornou-se necessário

observar, também, a evolução do pensamento dos pesquisadores que inspiraram este trabalho.

Propus esta análise iniciando por Bourdieu, que enfatiza o grupo, a classe, tendo a

sociedade como objeto de estudo, para em seguida verificar o trabalho de Bernard Lahire, que

escolheu destacar o indivíduo, tomando, assim, um grupo pequeno de pessoas como seu

objeto de estudo (NOGUEIRA, 2013). Partindo desses dois modelos de análise, chego ao meu

próprio objeto de estudo, olhando para mim como agente de minha história e da constituição

de um habitus docente.

São, desse modo, três leituras da realidade que enfocam a sociedade como um

todo, os indivíduos e uma subjetividade em particular. Partir dessa análise conjunta significa

explorar os limites das teorias, seu poder explicativo quando aplicada a objetos de diferentes

tamanhos. De fato, há uma transformação progressiva das teorias para dar conta de diversos

objetos de estudo; e é isso que torna este trabalho vivo e interessante. O próprio Bourdieu

começa dedicando-se aos grandes aglomerados (classes) e termina explorando sua própria

autobiografia (BOURDIEU, 2005).

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Assim, nesta pesquisa, procurei me expor com desprendimento, desvelando o que

é relevante no diálogo com várias estruturas sociais. Desse modo, revelo também que a

constituição de meu habitus docente musical não é a

[...] réplica de uma única estrutura social, na medida em que é um conjunto

dinâmico de disposições sobrepostas em camadas que grava, armazena e prolonga a

influência dos diversos ambientes sucessivamente encontrados na vida de uma só

pessoa (WACQUANT, 2007, p. 68).

De tal modo, a tese revela os principais aspectos que me fizeram alcançar a

posição dominante em uma estrutura tendo como origem uma classe social dominada. Ao

olhar para minha história e analisá-la, procurei apropriar-me de mim mesmo e de minha

trajetória como objeto de estudo. Nesse caso, as autobiografias correspondem à necessidade

de síntese daqueles agentes que alcançam um ponto relevante de suas vidas, olham para trás,

desvelando nesse processo a história social do autor.

Nesse sentido, procurei examinar de início o estado do campo no momento em

que nele ingressei, como também o porquê e de que maneira me tornei violinista e professor

de violino. Procurei, além disso, assimilar como outros professores ou profissionais ajudaram-

me a perceber a vida profissional.

Para compreender essa ascensão desde minha infância/juventude e clarificar

minhas escolhas, minhas tomadas de posição, foi preciso saber também qual posição objetiva

eu ocupava no campo específico que agi, quais as disputas e quais os entendimentos

subjacentes que caracterizavam o campo.

Ao apresentar o estado do campo na década de 1970, rememoro a fala inicial de

Bourdieu (2005, p. 40) no seu Esboço de auto-análise: “Compreender é primeiro

compreender o campo com o qual e contra o qual cada um se fez”. Desse modo, procuro

compreender como fui, enquanto agente, inserindo-me nesse espaço. Para isso, foi importante

apresentar os confrontos e as afinidades, assim como minhas posições diante das diferentes

concepções teóricas de ensino e de prática musical vivenciadas naquele período.

Minha percepção aponta para alguns momentos de destaque em minha formação,

três de minhas principais experiências institucionais, talvez as mais importantes do ponto de

vista individual: uma realizada com o professor Jaffé, no Sesi; a outra, na UFPB, que se

completa na UECE; e a última, no mestrado em Práticas Interpretativas de Violino na UFPB.

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Essas experiências, cuja motivação e cujo interesse me foram inculcados

inicialmente por minha mãe, promoveram uma transformação daquele menino jogador de

bola na rua em um professor universitário. De tal modo, obtenho o entendimento que fazer

esse inventário de minha trajetória adquire, assim, o mesmo papel descrito por Sergio Miceli

no prefácio do livro citado, ao afirmar que Bourdieu se saiu bem na “empreitada de fazer

justiça a si mesmo, àquele menino provinciano, àquele rapaz amargurado, àquele normalista

inseguro quanto ao rumo a tomar [...]”. (BOURDIEU, 2005, p. 17). Logo, considero que a

análise da história que me tornou quem sou, semelhante à narrativa de Bourdieu, constitui-se

em “fazer sociologia, como se fosse um romance de formação” (BOURDIEU, 2005, p. 17).

Nesse itinerário, o bairro Carlito Pamplona é minha comunidade de referência.

Procuro relatar o complexo processo de desnaturalização que passei para poder objetivar

aquele mundo tão familiar. Desafio metodológico, emocional e subjetivo de confrontação com

o universo primeiro que me formou e do qual precisei me distanciar.

Buscando uma clareza expositiva e um poder explicativo, esta pesquisa foi

organizada de acordo com uma lógica analítica que parte de uma dimensão mais objetiva (a

descrição do estado do campo musical intelectual cearense no momento de meu ingresso) para

chegar ao mais subjetivo (minhas experiências de família, escola, deslocamentos durante

minha infância e juventude). Essa operação procura apresentar minha intimidade (origem,

sotaque, modo de ser, trejeitos etc.) como elemento para análise sociológica.

O que procurei, então, foi compreender a formação das disposições intelectuais,

afetivas, motoras, cognitivas e ético-políticas de um violinista e professor de violino em uma

universidade pública federal, associada às posições ocupadas no campo, desde o ingresso até

o momento da análise. Também busquei entender a maneira como essa posição evoluiu no

tempo e está associada às minhas tomadas de posição técnica, estética, teórica e ético-política.

De certo modo, as informações que a autoanálise explicita a respeito do agente

são similares àquelas que todos nós teríamos apreciado encontrar quando estudávamos os

artistas do passado ou mesmo os contemporâneos, questionando como aquele jovem estudante

se tornou o artista renomado que conhecemos. E mudando o que deve ser mudado em termos

teóricos e metodológicos, isto é, o mesmo que Norbert Elias faz com Mozart (ELIAS, 1995),

Tia DeNora faz com Beethoven (DENORA, 1995), Paulo R. Guérios procede com Villa-

Lobos (GUÉRIOS, 2011), Elba Ramalho, com Luiz Gonzaga (RAMALHO, 2000) e Pedro

Rogerio, com Roger Rogerio (ROGERIO, 2011). E, em especial, o que Bourdieu faz com ele

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mesmo quando adere à autobiografia, cujo trabalho foi inspiração para esta escrita

(BOURDIEU, 2005).

Além disso, considerar minha origem social humilde remete-me também aos

estudos de Bernard Lahire. Sou um daqueles casos de sucesso improvável, discutidos por ele

e, como tal, a negação do processo de violência simbólica que imprime no habitus a

inevitabilidade dos destinos sociais. Ao lembrar Loic Wacquant, posso afirmar que minha

trajetória foi a exceção às leis de transmissão de capital cultural que Bourdieu havia

estabelecido. Esse reconhecimento o próprio Bourdieu o faz ao defrontar-se com um habitus

clivado, referindo-se a sua experiência dual, expressa em uma elevada consagração e uma

baixa extração social, movida por tensões e contradições.

Essa similaridade é atestada no fato de que, sendo agente do campo musical, sou

ao mesmo tempo filho de um modesto motorista e de uma cabeleireira. Tive, portanto, todas

as dificuldades derivadas dessa origem social que se traduziram na ausência de

oportunidades educacionais adequadas, de acesso a bens culturais refinados e experiências

enriquecedoras proporcionados pelo capital econômico. Entretanto, minha trajetória escolar

e as experiências formadoras (Projeto Jaffé, viagens e participações em festivais de música

erudita no Rio de Janeiro e em São Paulo, os concertos, os contatos com músicos de destaque

internacional, além de um presente especial – meu primeiro violino) foram determinantes e

me conduziram ao mundo dos herdeiros da aristocracia escolar na universidade, lugar dos

eleitos, que reunia os melhores estudantes, no melhor curso para a formação de músicos

violinistas.

Da observação desses movimentos, esboçados nesses trajetos, emerge esta

análise. Compreendo, então, que minha trajetória perpassa por vários ciclos e,

concomitantemente, por muitos pontos de convergência. Visualizo, desse modo, essa

caminhada em três etapas. Na primeira, curso o ensino básico, vivencio a “experiência

Jaffé” e os festivais de música que me encaminham para o bacharelado em Violino. O

retorno a Fortaleza e a necessidade de experiências no campo da docência me encaminham,

por sua vez, para um curso de licenciatura em Música. Na segunda etapa, ao procurar

ingressar no campo da docência, realizo um novo/velho deslocamento para João Pessoa,

dessa vez para cursar um mestrado em Práticas Interpretativas. Finalmente, na terceira

etapa, submeto-me a um concurso público, buscando conquistar uma vaga no ensino

superior. Passo, assim, a ocupar a função de professor da UFCA e, em seguida, participo do

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processo seletivo para o doutorado e sou aceito no programa. Mediante esse delineamento,

percebo que minha trajetória é construída em forma de um espiral ascendente que me

permite ver cada uma dessas elaborações com maior clareza e em relação umas às outras.

Por conseguinte, posso representar meu processo formativo significado pela configuração de

uma espiral, figurativamente esboçada a seguir (Figura 22).

Figura 22 – Processo formativo

Fonte: Elaboração própria.

A leitura dessa imagem aplica-se à análise que realizo na perspectiva da

mobilidade feita dentro do campo. Primeiro, sofro o impacto do mundo nas primeiras

experiências vividas nos contextos familiar e escolar-musical. Passo a ter outra visão do

campo docente musical adquirindo uma perspectiva de ocupar a função de professor

universitário, ao cursar uma licenciatura em Música, para ocupar, finalmente, a posição de

professor do ensino superior e chegar a concluir o doutorado, adquirindo, desse modo, uma

posição autônoma dentro do campo. A despeito de todas as dificuldades, ambivalências e

contradições, segui uma trajetória adequada a promover uma carreira daqueles que se

destinam a um lugar no mundo da alta intelectualidade.

Essa trajetória evoca uma primeira interpretação que se retrata no desajuste entre

minha origem social subordinada e um destino social dominante, entre a aquisição de um

habitus primário subordinado no ambiente familiar e a gradual substituição por um habitus

Projeto Jaffé

– Habitus

Primário

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110

cultural dominante através da educação e da disciplina. Refletir sobre essas questões

possibilita compreender os fundamentos de minhas tomadas de posição, dos capitais escolares

acumulados e das posições profissionais alcançadas.

Esse contexto reflete com clareza a tensão entre origem social e financeira nas

camadas dominadas e o destino nos estratos sociais dominantes. Essa tensão cria a

ambiguidade de minhas relações com a futura instituição escolar (bacharelado em Violino).

Isso porque havia em mim um sentimento de insegurança acerca de meu futuro musical, e o

fato de não possuir o instrumento (violino) naquele momento corroborava essa inquietação.

Minhas próprias expectativas de desempenho para alcançar a consagração de músico

profissional de orquestra, da música de concerto, também passam a ser questionadas pelas

expectativas de sucesso no campo musical a ser conquistado.

Outro aspecto da ambiguidade com o mundo escolar manifesta-se nas opiniões

contrastantes de meus pais a respeito da viabilidade da música como alternativa profissional,

acentuando, assim, o conflito entre ser bancário ou advogado versus ser músico.

Elaborar este texto, confrontando essas memórias em um contexto analítico, aflora

a forte emoção de rememorar esses fatos e demonstra o quanto esse tema é rico em

significados e de uma complexidade que o torna efetivamente uma análise sociológica da

trajetória desse agente que sou eu. E é compreensível que, ao me aproximar da máxima

consagração, na defesa de tese, minhas emoções estejam em seu auge. O menino que jogava

bola no meio da rua agora empunha a batuta do maestro e ocupa a cadeira do professor que

forma outros professores para empoderar meninos que jogam bola em alguma rua. Assim, o

habitus primário sofre uma modificação singular para se tornar o habitus professoral do

ensino superior.

Minha trajetória confirma a teoria empregada para descrevê-la. Meu habitus

deslocado naquele espaço social possibilita uma visão distanciada daquela realidade que não

era em nada natural para minhas disposições. Entendo, assim, que aqueles que ocupam

posições frágeis no interior do campo têm mais oportunidade de tomarem consciência das

desigualdades socioculturais pelo fato de se verem obrigados a se vigiar e a corrigir

constantemente suas condutas, por conta de um habitus gerador de comportamentos pouco

adaptados ou deslocados e que deve ser substituído por outro, capaz de dar conta dos novos

desafios.

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Esse ponto da teoria é fundamental, porque ilumina a questão das possibilidades

de modificar a trajetória através da escola e, com isso, escapar da reprodução mecânica das

condições iniciais de existência. Minha história, especificamente, demonstra que existe algo

além da reprodução. Embora improvável, o sucesso é possível através de mecanismos de

escolarização abertos a todos.

O que distancia das concepções mais estruturalistas por dar espaço às

contingências é também o que possibilita uma existência como a minha. Essa existência que

negou meu destino provável, permite-me, enquanto agente ou pesquisador, por um lado,

perceber a lógica da reprodução das desigualdades, mas também postular a possibilidade de

inadaptação entre o habitus e os espaços sociais, a possibilidade de deslocamentos que podem

desorganizar as estruturas.

Nesse trajeto, a transformação do habitus teria decorrido de uma percepção desse

agente a respeito das condições de vida nos estratos dominantes? Que tipo de percepção eu,

enquanto agente em constituição, teria a respeito dos processos aos quais estava me

submetendo? Poderia a influência materna ser baseada em algum cálculo racional? Teríamos

nós (agente e mãe) alguma certeza tácita da possibilidade de modificação das condições de

vida através da educação?

Certamente que eu poderia escapar da determinação social de meu destino através

de estratégias escolares, considerando que elas têm um grande poder explicativo. No entanto,

elas não explicam tudo. Há que se considerar também outras possibilidades, como a

motivação materna, meu próprio esforço e dedicação reconhecidos por meus professores, o

estímulo incrementado pelas viagens, o exemplo de outros agentes consagrados no campo e a

generosidade de um professor digno desse título.

A convergência desses aspectos encontra sua culminância em 1979, no Festival de

Teresópolis, ocasião em que tenho um encontro com o professor Santino Parpinelli, de quem

recebo o incentivo mais importante, na forma de um violino francês, além de uma carta de

recomendação a meus pais e um convite para continuar meus estudos no Rio de Janeiro:

documentos e modos de consagração e instituição no campo. O impacto causado por esse

evento, em meu interior e no ambiente de minha família, é enorme.

Esse efeito é consolidado no ano seguinte, no Festival de Campos do Jordão, para

onde tive a oportunidade de viajar para participar do festival com a ajuda de uma bolsa de

estudos. Por essa ocasião, toquei na orquestra do festival sob a regência do maestro Eleazar de

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Carvalho e tive a felicidade de assistir pessoalmente à performance do violinista Salvatore

Accardo, além de muitas outras experiências formadoras que reforçaram minha decisão de

seguir no campo musical. Essa decisão é cheia de consequências de longo prazo.

De tal modo, no contexto dessas experiências, o habitus vai sendo elaborado,

enquanto matriz do pensamento que orienta as práticas do agente e como princípio ordenador

das decisões que o sujeito toma sobre seu destino, sem que este se dê conta do que o guiou em

suas escolhas. Esse processo é esclarecido por Bourdieu (1994, p. 80-81) na seguinte citação:

As experiências [...] se integram na unidade de uma biografia sistemática que se

organiza a partir da situação originária de classe, experimentada num tipo

determinado de estrutura familiar. Desde que a história do indivíduo nunca é mais

do que uma certa especificação da história coletiva de seu grupo ou de sua classe,

podemos ver no sistema de disposições individuais variantes estruturais do habitus

de grupo ou de classe, sistematicamente organizadas nas próprias diferenças que as

separam e onde se exprimem as diferenças entre as trajetórias e as posições dentro

ou fora da classe.

Assim, o novo habitus está sendo incorporado e vai se consolidar e se tornar a

lógica prática da vida cotidiana do futuro professor e regente. E vai apresentar-se na

reprodução, de forma notavelmente fiel, do habitus violinístico recebido do professor Jaffé e

dos outros que o sucederam; foi incorporado como disposição durável. Esta manifesta-se de

forma explícita na infinidade de detalhes que a prática do violino impõe ao aprendiz. Seria

ocioso detalhar aqui todos os aspectos desse habitus, bastando considerar os quatro séculos de

consolidação do instrumento e a ampla literatura que especifica nos mínimos detalhes cada

ação para perceber o quanto de Jaffé vive no agente Marco Antonio. Mas mesmo essa

reprodução não é total ou mecânica.

Retomando o momento da aquisição do meu primeiro violino, pondero a respeito

dessa circunstância. Entendo agora que a consciência dos limites financeiros de minha origem

me levou a uma providência que se mostrou crucial: pedir um instrumento. Esse foi um

momento decisivo em minha vida, pois propunha superar uma dificuldade importante, a

ausência de condições para obtê-lo, e lançar-me na busca de conquistá-lo através de uma

coragem humilde.

Para músicos oriundos das classes populares, a aquisição de um instrumento é um

fator crítico no sucesso dos estudos e na vida profissional. Quantos jovens motivados

desistem da música exatamente por falta de um instrumento disponível para estudar em casa

aproveitando os momentos livres! Além disso, o instrumento sintetiza uma dimensão quase

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mágica da experiência musical: ele é a materialização de toda uma cultura musical, de uma

história, de uma tecnologia; mantê-lo implica em cuidados especiais, como limpeza, afinação,

guarda, proteção e transporte.

Todos esses aspectos permeiam a construção do habitus violinista, que tem uma

dimensão física, orgânica, muito importante. O instrumento é incorporado ao músico e ambos

passam a se adaptar, ajustar-se um ao outro. É um ajuste durável, talvez para o resto da vida

de ambos. A posição do instrumento encaixado e seguro entre o ombro e o queixo e o ajuste

de queixeira e ombreira são detalhes mínimos, mas de uma enorme intimidade e relevância

para a prática cotidiana. Implicam uma aprendizagem muscular que vai ser decisiva para o

bom desempenho do uso do instrumento. Depois, vem a mão direita e o arco, que implicam

todo um conjunto de ajustes, força, controle muscular e a criação de uma memória corporal do

ajuste entre o lado direito e o esquerdo do corpo para conseguir o resultado desejado.

A cada início de atividade, a montagem, a resina, a afinação, a respiração, os

exercícios preparatórios, a escolha do programa do dia, a montagem da estante e das

partituras, as repetições, o estudo detalhado das dificuldades técnicas de cada peça, tudo isso

significa incorporar, colocar dentro do corpo, fazer-se um com o instrumento. É tudo isso que

significa adquirir o habitus violinístico: cognição, afeto, ética e motricidade mediando o

contato com um instrumento para criar algo de novo, belo e significativo.

A incorporação do habitus se faz pela repetição dessas rotinas e pelo estudo e pela

memorização do controle muscular e do repertório, num processo que exige milhares de

horas. Implica também na adesão a um referencial de valores, preferências estéticas, saberes e

habilidades físicas específicas do campo violinístico.

Essa aquisição do habitus violinístico depende do contexto sociocultural onde

essa atividade faça sentido. Pensar sobre isso significa discutir a inserção da música na

divisão social do trabalho num tempo e espaço determinados. A vida em um mundo marcado

por disparidades, injustiças e pela necessidade de responder ativamente a esses desafios foi o

cenário que experimentei desde muito cedo no ambiente familiar, na escola, no mercado de

trabalho, entre os amigos e nas viagens. Foram tensões estruturantes de meu pensamento e

uma chave para a compreensão das opções que definiram minha trajetória enquanto violinista.

Nesse contexto de elaborações de minha subjetividade, questionava sob diversos

aspectos a situação que me envolvia. Não obstante a esses questionamentos fazerem parte de

minha constituição, enquanto sujeito desses acontecimentos, não representavam o sentido das

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indagações que hoje faço ao me deparar com um olhar analítico acerca desses processos.

Diante disso, a reflexão que faço hoje perfaz o significado de refletir acerca das ideias que

moviam meus atos dentro de um campo no qual me posicionava. Será que vi na música um

caminho de ascensão social? Será que tentei evitar reproduzir as condições financeiras

adversas de minha família? Minhas opções se deram entre esses limites da reprodução e a

possibilidade de desestabilização constante na procura de um novo habitus; essa tensão

fundamentou minha visão de mundo.

O raciocínio utilizado para me compreender, compreender o professor Jaffé e os

outros professores que o sucederam no trajeto de minha formação, o desajuste do habitus de

um músico formado na tradição conservatorial e a possibilidade de ajustar-me às posições que

me foram oferecidas possibilitaram o distanciamento necessário para ampliar a visão do

mundo social do qual eu fazia parte. Da mesma forma, permitiram que eu aceitasse a

empreitada de assumir-me docente a partir de um contexto social modesto, organizado em

torno das iniciativas educacionais para filhos de operários, e de uma formação na perspectiva

da música erudita. Essa dualidade perpassou por todo o processo que me tornou um artesão do

ofício de professor. São, pois, tensões estruturantes que experimentei em diferentes momentos

de passagem, regime de portaria e sistema de acesso a uma cultura e um habitus

progressivamente mais sofisticado e crescentemente mais exigente, principalmente para

aqueles que têm uma origem social deslocada da alta cultura, que não lhes fornece na

socialização primária dos capitais as práticas, os valores, os contatos e as experiências

imprescindíveis à conquista de posições dominantes.

O deslocamento entre origem social subordinada e práticas culturais dominantes

inicia-se a partir do momento em que minha mãe me leva para fazer a primeira transição do

habitus, trocando a bola pelo violino; se fortalece quando decido manter-me vinculado à

música, recusando as possibilidades do campo do Direito ou do sistema bancário; consolida-

se quando decido pela academia e procuro um curso de mestrado; define-se quando me

submeto a um concurso público para professor de Música da UFCA, e, finalmente, quando

me candidato e sou aceito no curso de doutorado em Educação da UFC.

Cada uma dessas etapas é crítica a sua maneira, mas todas têm em comum o

distanciamento do habitus primário, ancorado nas experiências profissionais de motorista e

cabeleireira, e a adesão ao habitus professoral do docente do ensino superior e do regente de

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orquestra. Faço a opção pela vida acadêmica e me torno um “novo” Jaffé, mestre que me

encantou quarenta anos atrás.

A percepção das posições sociais, das oposições no campo musical, só foi

possível porque eu estava nesse entre-espaço, mas não me identificava com nenhuma das

posições dadas; estava, por assim dizer, “desencaixado”. A possibilidade de enxergar as

posições teóricas no campo musical de maneira mais distanciada, por não estar

completamente adaptado àquela realidade, foi o que permitiu a formulação de minha

trajetória, de meus conceitos e de minha forma peculiar de me conduzir nesse campo. Foi

justamente o fato de estar deslocado que me possibilitou perceber as posições vigentes e

construir a minha, a qual tem como fundamento o diálogo com as demais no campo musical.

É por isso que minha vida é um objeto de estudo interessante para ser compreendido a partir

de minha trajetória.

À medida que me aproximo do final do trabalho, fica evidente, para mim, meu

crescimento dentro do campo, a acumulação de capitais e a ocupação de posições cada vez

mais elevadas. Assim, a pesquisa passa a ser indicativa de uma apropriação legítima das

teorias ali correntes, como aquela vinculada ao ensino e à aprendizagem coletiva, a qual,

incidentalmente, está ligada às minhas primeiras experiências de formação e vai fundamentar

o trabalho que faço quando alcanço a posição dominante de professor do ensino superior e a

função de regente e coordenador da Orquestra da UFCA. Mas será, então, uma teoria de

aprendizagem revista, criticada, fundamentada. Mostra-se, por conseguinte, como um caso de

reprodução atualizada. Nesse caso, o que elaboramos na UFCA, em termos de ensino de

música, reproduzimos de modo ampliado, aperfeiçoado e melhorado; tudo aquilo a que o

Projeto Jaffé se propunha.

Em síntese, é difícil extrair sentido de uma vida singular, principalmente nas

condições em que esta ocorreu. As razões, os motivos e as explicações que empreguei

refletem a singularidade de uma experiência concreta, vivida com muita determinação no

enfrentamento das dificuldades. Esta pode muito bem servir de exemplo para alimentar a

reflexão educacional a respeito das atividades de formação de professores de origem social

modesta, os quais, no fim das contas, são a maioria. Permite também compreender os efeitos

de políticas de formação do Projeto Jaffé através do Sesi, em Fortaleza. Minha trajetória,

minhas dificuldades e meu destino final mostram os limites e as possibilidades das iniciativas

de formar elites artísticas a partir de estratos populares.

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Quanto a mim, o resultado final, isto é, tornar-me professor doutor de uma

universidade pública federal, regente da orquestra, é, a meu ver, simplesmente extraordinário.

Não importa se as decisões não foram racionalmente estabelecidas, mas sim baseadas em

intuição inconsciente e na aspiração desalinhada dos agentes. Foram escolhas que se

converteram no melhor resultado possível, ainda que baseadas na sensibilidade e na intuição.

5.2 Capital de mobilidade apontando para um habitus docente violinístico

Neste trabalho, denomino capital de mobilidade as disposições incorporadas que

me conduziram, durante minha trajetória, a múltiplos espaços de experiências singulares.

Trata-se, portanto, de destacar os deslocamentos que me oportunizaram a aquisição de

saberes, conhecimentos de outras culturas, oportunidades, aquisições de determinados

capitais, entre outros aspectos, que contribuíram para minha inserção no campo da música,

tanto na performance quanto na docência.

O início desse processo acontece com os constantes deslocamentos efetuados por

minha família. Meus pais não tinham condições de adquirir uma casa própria e,

consequentemente, moraram em diversos bairros na cidade de Fortaleza. Durante a escrita

deste trabalho, minha memória aponta para os seguintes bairros, cronologicamente: Joaquim

Távora, Carlito Pamplona, Aerolândia, Monte Castelo, Pici, João XXIII e Carlito Pamplona

(novamente). Essas mudanças evidenciam um habitus familiar perpassado pelo contexto das

necessidades materiais. Quando morava no bairro João XXIII (periferia), com idade entre

nove e dez anos, realizava um deslocamento distante até a Escola Pública Estadual Juvenal

Galeno (no centro da cidade). Quando minha mãe me matriculou nessa escola, eu ainda

morava no bairro Carlito Pamplona. Por causa da mudança de bairro e procurando não

interromper o processo escolar, meus pais mantiveram-me em uma escola que se encontrava

distante do bairro onde eu morava. Desse modo, entende-se que a mudança de bairro nem

sempre favorece a uma mudança de escola. Diante dessa circunstância, necessitava enfrentar

um longo percurso para ir à escola usando transporte público, ônibus de linha, para as idas e

vindas. O longo percurso onerava também o orçamento da família; entretanto, para meus pais,

o mais importante era não interromper meus estudos escolares. Percebe-se que,

gradativamente, eu internalizava uma independência para agir em locais distintos daquele

onde eu morava. Entendo que, com nove anos de idade, eu já praticava um exercício de

autonomia.

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Quando fixamos residência, por um determinado tempo, no Carlito Pamplona,

durante meus treze anos, foi o momento em que mantive o primeiro contato com o Sesi no

bairro Barra do Ceará. Nesse período, cursava o ginásio (hoje ensino fundamental) em uma

escola no mesmo bairro. Esse percurso, entre os dois bairros, eu fazia todos os dias e foi esse

deslocamento que fez parte do meu cotidiano e me permitiu adentrar ao campo musical.

Ao ingressar na orquestra do professor Jaffé, no Sesi da Barra do Ceará, foram-me

oportunizados outros deslocamentos, dessa vez não foi entre bairros e, sim, entre cidades que

estão a uma distância de aproximadamente 3.000 quilômetros. A primeira viagem foi para a

cidade de Brasília, em 1976, onde estava sendo criado outro centro de atividades para

aplicação do Método Jaffé, no Sesi em Taguatinga, Distrito Federal. Ao sairmos de Brasília,

fomos para o Rio de Janeiro nos apresentar na abertura do I Encontro de Professores de

Ensino Coletivo. Em janeiro de 1978, fomos ao Festival de Música de Teresópolis, e em julho

desse mesmo ano, ao Festival de Música de Campos do Jordão. Em 1979, fui mais uma vez

ao Festival de Música de Teresópolis. Em todos esses festivais, fui como membro da

orquestra do Sesi; entretanto, em julho de 1980, fui ao Festival de Campos do Jordão como

instrumentista.

Ao olhar para minha história, é possível perceber que esses eventos me

encaminharam para outros deslocamentos, alguns momentâneos, como viagens para o sul do

país, outros, embora menos distantes, muito significativos. Nesse sentido, é interessante

dialogar com a tese do professor Pedro Rogerio (2011, p. 29), quando expressa que um

deslocamento físico implica em deslocamento sociocultural:

[...] o efeito do deslocamento geográfico e de uma inserção em um ambiente social

diferente aconteceu dentro de um contexto que – entre outros fatores analisados – já

tem um papel marcante nos traços formativos desses sujeitos. O momento de uma

nova experiência certamente estava habilitando-os para a tomada de decisão de

enfrentar ou não outro centro urbano em um contexto de referenciais outros e ainda

mais distantes de sua origem social. Importante é perceber que as mobilidades

espacial e social estão imbricadas.

Após cada viagem realizada, eu não retornava o mesmo. O encontro com outras

culturas, outros professores e outros alunos ia modificando meu interior, minha visão do

mundo musical, como também de vida. Nessa perspectiva, o que foi proporcionado por esses

deslocamentos ia sutilmente produzindo um habitus que me habilitava a fazer escolhas dentro

do campo musical e que posteriormente me levou a cursar a graduação em Música na UFPB,

em João Pessoa. Embora os atos de deslocamentos gerem no indivíduo incertezas,

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inseguranças, ou conflitos, no meu caso, esses movimentos realizados pela família durante

meus primeiros doze anos de vida me proporcionaram conviver de forma tranquila com essa

mudança de ambiente. Por conseguinte, tanto as viagens para os festivais como para João

Pessoa não foram tão impactantes para meu interior, pois eu havia internalizado certa

habilidade com esses processos. Assim, essas viagens motivavam-me a prosseguir e me

acrescentavam muito sob vários aspectos. Eu não era mais o mesmo estudante de Música.

Meu interior ia se transformando através de cada movimento realizado pelas viagens. Essa

movimentação pelo espaço físico vai alimentar as etapas posteriores e favorecer a conclusão

de meus estudos escolares.

A mobilidade para cidades no sudeste do país também me proporcionou a

aquisição de uma perspectiva de carreira violinística que encontrou culminância com a

aquisição de um violino e na visualização de um paradigma vivo através da apresentação

performática daquele que na época era um dos melhores violinistas do mundo, Salvatore

Accardo. Assistir ao vivo um violinista como Accardo é uma experiência que não consigo

explicar, porque diversos aspectos que presenciamos e aprendemos não estão no domínio da

explicação cognitiva. É algo específico que acontece no campo da música instrumental e do

canto. Contudo, foi a convivência com o professor Jaffé, no espaço do Sesi, e o aprendizado

com outros professores nos festivais que me permitiram apreciar aquela apresentação musical

de forma tão significativa. Pode-se dizer que a conexão entre essas duas experiências foi de

um ganho cognitivo “imensurável”.

A aquisição do violino ocorreu em outra viagem para Teresópolis, em 1979. O

fato extraordinário é ter ganhado um violino que me “condena” a ser violinista o resto de

minha vida. É importante notar que experiências de generosidade como essa costumam

acontecer no campo da música, pelo fato de que há uma dimensão afetiva que se desenvolve

nessas relações entre o mentor e o aprendiz, expressas em formas de incentivo.

Assim, essas duas experiências são deveras significativas e posso considerá-las

como a porta de entrada ao campo da Música. Uma apresentação paradigmática e um presente

emblemático/paradigmático.

As próximas viagens são mais curtas do ponto de vista físico, mas envolvem um

maior tempo e a abertura de um espaço de múltiplas e expressivas experiências. Vou cursar a

graduação na UFPB, em João Pessoa, que se completa no curso de licenciatura em Música na

UECE, em Fortaleza. Ao retornar de João Pessoa para Fortaleza, não sou mais o mesmo

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instrumentista. Tinha incorporado um habitus violinista. Cursei um bacharelado, como

também fui violinista de orquestra sinfônica.

Nos anos 2000, fui convidado para lecionar violino/viola em uma escola pública

na periferia de Fortaleza. Desse modo, com a experiência adquirida em minha trajetória, volto

a transitar entre bairros, mas nesse novo movimento não sou o mesmo. Minha prática cultural

musical violinística estava ligada a meu grau de instrução, submetida ao volume global de

capital acumulado, qualificada pelos diplomas escolares e associada à quantidade de horas de

estudo que foi impelida por um habitus primário, ou seja, socialização familiar. Desse modo,

a posse desses capitais me permitia adentrar o campo da docência.

Ao me confrontar com o ensino de violino nesse ambiente descrito, percebi que

minha prática cultural não dialogava com a realidade local. As crianças e os jovens que

frequentavam minhas aulas eram oriundos de classe social humilde e não tinham nenhuma

familiaridade com os instrumentos. Através da convivência com eles, pude perceber que não

existia uma perspectiva de futuro diferente daquela proporcionada pela convivência do bairro.

Não havia, para a grande maioria, um interesse em aprender o instrumento.

A dialética entre essas duas vertentes encaminhou-me para o retorno à

universidade no curso de licenciatura em Música. Hoje, ao olhar para meu passado, percebo

que minha trajetória é cíclica, ou seja, minha formação é perpassada por eventos similares,

mas com níveis diferentes.

Essas experiências acumuladas, que culminaram até a UECE, conduziram-me até

o mestrado na UFPB. Dessa vez, apresento-me no mestrado da UFPB com fortes e

significativas experiências profissionais como músico. Esse somatório levou-me a concorrer à

vaga de docente na UFCA e, ainda nesse movimento, sou admitido no doutorado da

Faced/UFC.

A minha inserção no campo da docência na UFCA permite-me realizar outro

deslocamento. Dessa vez, não sou mais a criança que realiza deslocamentos submetidos pelos

pais. Estou realizando deslocamentos e submetendo minha esposa e filhas a realizar esses

movimentos.

Assim, esse deslocamento para o Cariri e o ato de assumir uma posição legitimada

no campo são pontos relevantes e um ápice dos esforços empreendidos em todos os

deslocamentos anteriores.

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5.3 Momento charneira

No capítulo três do livro Experiências de vida e formação, Marie-Christine Josso

apresenta um importante conceito, o de “momentos ou acontecimentos charneira”, ou seja,

aqueles que representam uma ponte entre dois momentos da vida de um agente (sujeito), um

“divisor de águas” (nas palavras da autora); acontecimentos que separam, dividem, articulam

as etapas da vida (PERES; MANCINI; OLIVEIRA, 2009; JOSSO, 2004). Desse modo, ao

aplicar neste trabalho uma abordagem de história de vida e formação, torna-se pertinente

destacar os acontecimentos que foram marcantes, decisivos, e mudaram o curso de minha

trajetória.

Foram muitos esses episódios, entretanto, ressaltarei dois desses por entender que

foram essenciais nessa caminhada em que me constituí professor. O primeiro foi o encontro

com a metodologia implantada pelo professor Jaffé, e o segundo foi quando me legitimei

professor de uma instituição superior, a UFCA.

Durante meus treze anos, encontrava-me na escola, mas, principalmente, na rua

jogando bola, bola de gude, entre outras brincadeiras. Nesse sentido, meu rumo encaminhava-

se para que eu reproduzisse uma herança familiar, onde eu provavelmente me tornaria

motorista de táxi, ou teria alguma outra profissão dentro da realidade local daqueles dias na

cidade de Fortaleza. Contudo, ao me confrontar com o Projeto Jaffé e todas as consequências

daquele encontro, posso afirmar que minha trajetória mudou consideravelmente. Das ruas de

um bairro de periferia de Fortaleza transformei-me em um violinista de orquestra.

O outro momento importante nesse contexto de descrição do conceito charneira se

dá quando me submeto a um concurso público para professor da UFCA. Enfrentei várias

dificuldades no processo do concurso. A prática de escrita acadêmica e as reflexões exigiam

um diálogo entre música e educação. Havia praticado essas competências durante o mestrado,

entretanto, eu havia adquirido maior intimidade com os aspectos musicais, principalmente os

relacionados ao instrumento violino. Com a aprovação, desloquei minha residência de

Fortaleza para a região do Cariri e trouxe comigo minha esposa e filhas. As alterações não

param apenas na mudança de cidade. Durante minha atividade docente na UFCA, não levo

para a sala de aula apenas o violino, carrego também reflexões pedagógicas voltadas para a

área de Música, Educação e Educação Musical. Carrego também afeto, uma posição ético-

política, reflexões acerca do repertório que deverá ser utilizado durante a disciplina. Enfim,

um conjunto de práticas diferentes daquelas que eu vivenciava enquanto instrumentista de

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uma orquestra. Outro ponto importante nesse momento é a própria escrita desta tese e as

vivências no doutorado. Será que, enquanto violinista, eu estaria preocupado em cumprir essa

etapa no doutorado?

Assim, após esta reflexão, posso afirmar que esses dois eventos foram os

principais, entre outros, em minha trajetória, e que mudaram o curso de minha vida.

5.4 Dos confrontos à simpatia: entre aprendizagens, amizades e afetos

Ao me aproximar do final da escrita deste trabalho, não posso deixar de agradecer

aos professores que influenciaram essa trajetória. Essas pessoas contribuíram para iluminar

meu caminho na docência.

Nesse sentido, reporto-me mais uma vez a Pierre Bourdieu (2005, p. 55, grifos do

autor), em seu livro Esboço de auto-análise, quando diz:

O efeito do campo exerce-se em parte por meio do confronto com as tomadas de

posição de todos ou de parcela daqueles que também estão engajados no campo [...]:

o espaço dos possíveis realiza-se nos indivíduos que exercem uma “atração” ou

“repulsão”, a qual depende do peso deles no campo, isto é, de sua visibilidade, e da

maior ou menor afinidade dos habitus que leva a achar simpáticos ou antipáticos seu

pensamento e sua ação.

Assim, posso afirmar que esses agentes (professores) foram uma espécie de farol

no meu caminho e que influenciaram em grande medida minha trajetória e minha inserção no

campo. A começar pelo professor Alberto Jaffé, que proporcionou o aprendizado do violino

aceitando jovens que não tinham nenhuma prática musical e nos incitou (meus

contemporâneos do Projeto Jaffé e eu) a uma simpatia com esse mundo da música.

No bacharelado em Violino da UFPB, fui influenciado pelos professores

Leopoldo Nogueira e Rafael Garcia, que me impressionavam pelo seu modo de tocar violino e

serviram como inspiração para uma prática instrumental no modelo conservatorial.

No curso de licenciatura da UECE, ao olhar para os professores dessa instituição,

aproximei-me da docência tendo como referência a realidade local. Quando vivenciei o

mestrado em práticas interpretativas, aperfeiçoei uma prática instrumental associando essa

prática à docência em violino; nesse sentido, agradeço ao professor Hermes Alvarenga. Sou

grato também à professora Ilza Nogueira, que me proporcionou um olhar mais refinado para a

partitura, seus sinais e significados.

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Durante minhas vivências no mestrado, entre 2006 e 2008, minha esposa cursava

o mestrado em Educação na Faced/UFC e eu costumava transitar nesse espaço. Em uma

dessas inúmeras vezes, encontrei-me com o professor Luiz Botelho, que me fez a seguinte

pergunta: “Marco, como está o mestrado?”, ao que respondi: “Professor, está pesado, pois

necessito escrever uma dissertação e preparar um recital de uma hora”. Ele respondeu: “É

assim mesmo, mas não se preocupe, é importante para nós (o campo)”. Na época, eu não

compreendi muito essa expressão. E hoje, sou o único professor de violino de um curso

superior de Música egresso do Projeto Jaffé no Ceará com mestrado (cursando o doutorado) e

estruturando outros alunos no estado. Naquele momento, o professor Botelho já compreendia

que um violinista da música de concerto, de origem cearense e cursando um mestrado,

poderia ocupar uma função no campo da docência.

Assim, após alguns anos daquele encontro, estou terminando a escrita deste

documento, sob orientação do mesmo professor Luiz Botelho, a quem agradeço os

ensinamentos, a tranquilidade e o apoio empregados durante a escrita desta tese. Nesse

período, o orientador apresentou, em notas de aula, vários aspectos pertinentes que deram

consistência a esta pesquisa. Ressalto também, com muita simpatia, seu olhar analítico para

meu diálogo com as diversas instâncias objetivas e subjetivas nas quais travei algum

confronto que resultou em escolhas no campo da música.

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6 CODA: CONCLUSÕES

Como me constituí em quem sou aponta, também, para os processos de

constituição de outros agentes. Nesse sentido, considerar meu processo formativo e outros

descritos por autores citados nesta tese leva-me a concluir que a discussão elaborada nesta

pesquisa revela como nos constituímos em quem somos.

De forma mais específica, o que se tornou claro nesta reflexão foi a apropriação

feita de minha história, de como um menino que costumava jogar bola na rua tornou-se o

professor de violino de uma universidade federal. E como esse agente no passado teve suas

ações dirigidas pela instituição familiar materna, mas que gradualmente assume as rédeas da

própria vida, começa a ter clareza a respeito de sua inserção no campo musical, aprende os

saberes típicos do campo, incorpora habilidades motoras, aprende os valores ético-políticos da

profissão e refina seus padrões de gosto estético de acordo com os critérios do campo musical.

Esse agente, em que me constituí, que assume agora uma das posições dominantes

no campo musical, elabora uma reflexão interligada de significados que perpassaram toda a

construção deste trabalho. Assim, desvelar minha história de vida na construção de uma tese

me fez reavaliar cada processo pelos quais passei até o momento da escrita deste texto.

O processo de nossa formação muitas vezes é opaco às nossas percepções.

Descrever cada etapa da vida remontando experiências, tempos e lugares talvez pareça ser

simples, mas, quando nos debruçamos sobre essa história buscando ir além da perspectiva do

senso comum, agregamos significados a essa composição.

Por isso, foi tão importante o diálogo entre as histórias de vida e a praxiologia.

Enquanto uma me forneceu subsídios para dirigir o olhar a minha trajetória formativa, ou seja,

minhas vivências com as estruturas, a outra me forneceu uma compressão de que esse olhar

também me forma. Nesse sentido, a praxiologia foi o amparo que manteve minhas percepções

voltadas para entender o quanto fui influenciado pelas estruturas do campo, suas regras, suas

condutas, seus valores e suas práticas.

Assim, utilizar a teoria de Pierre Bourdieu para essa escrita permitiu evocar

minhas experiências com base em um arcabouço teórico que esclareceu questões acerca de

como minhas disposições foram internalizadas nos espaços em que fui me constituindo. Fez-

me examinar o estado do campo no momento em que nele ingressei. Transformou minhas

percepções ao desvelar os conceitos dessa abordagem, confrontando com os processos de

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minha formação. De tal modo, fez-me compreender minhas aquisições, quer no espaço

familiar, quer na escola ou no campo profissional, que são entendidas como capitais

conquistados ao longo de minha trajetória.

Possibilitou, também, uma reflexão do processo de ensino e aprendizagem nas

aulas de violino, seja na época do Projeto Jaffé, seja na época do bacharelado. Essa percepção

permitiu-me aprofundar/internalizar uma visão geral da aplicação das metodologias oriundas

do modelo conservatorial e do modelo de ensino coletivo. Com essa compreensão, adquiri

uma habilidade para aplicar algumas metodologias que sejam adequadas à realidade de cada

aluno, explorando, então, uma aprendizagem significativa. Propiciou ainda refletir sobre

minha atuação profissional em orquestras, fez-me lembrar de como outros professores ou

profissionais me ajudaram a perceber a vida profissional de outro jeito, a valorizar as

certificações emitidas por cada campo de estudo e suas atribuições, a explorar as trocas de

informações entre os agentes, ou seja, os diálogos realizados com os professores de cada

curso, como também com os colegas que conheci em vários espaços e o conhecimento

adquirido em cada etapa que me proporcionou avançar para o nível seguinte. Assim, olhar

para minha história utilizando a praxiologia como lupa me fez (re)valorizar esse processo e

atribuir aos meus alunos esses valores conquistados.

Quando me assentei e pensei em escrever estas conclusões, a primeira impressão

(lição) que emergiu em meu interior foi o fato de a abordagem história de vida proporcionar

ao pesquisador/agente um olhar para trás e uma reflexão sobre “de onde vim?” e seguir para

frente com outra perspectiva: “para onde devo ir?”.

Ao olhar para meu passado, considerando a teoria das histórias de vida, foi-me

oportunizado resgatar memórias formativas, percursos formativos que não lembrava que

sabia. Foi muito gratificante lembrar que durante minha formação violinística eu recebi

generosamente um violino francês de presente, acompanhado de uma carta para meus pais de

incentivo ao estudo da música. Possibilitou também compreender o esforço de minha mãe

para que eu avançasse nos estudos escolares, que me permitiram o ingresso na academia,

como também compreender cada procedimento que me encaminhava para determinadas

escolhas e, assim, avançar nesse acesso social e educativo.

Com essa compreensão, refletir sobre minha prática docente violinística me faz

compreender de forma mais clara os caminhos educativos que devo oferecer aos alunos da

UFCA, partindo de meu processo de aprendizagem e do aperfeiçoamento realizado nesse

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sentido. Assim, destaco as metodologias aplicadas em sala de aula, o repertório escolhido para

a prática instrumental, a prática pedagógica, entre outros.

Foi importante aperfeiçoar uma percepção do valor das certificações durante o

período das experiências familiares ao meu ingresso na UFCA. Com essa compreensão, ao ser

aprovado no concurso da UFCA e me deslocar, com minha família, para o Cariri, adquiri uma

experiência que pode contribuir na formação dos alunos dessa universidade. Analisar os

deslocamentos realizados em minha trajetória foi importante para minha compreensão dos

processos formativos apreendidos nesse sentido.

Outra importante percepção nessa trajetória é sobre a apreciação do público a meu

respeito. Antes de meu ingresso na UFCA, os ouvintes me assistiam como violinista

praticando a música de concerto no teatro. Agora, como professor do curso de Música, toco

para outro público, meus alunos em sala de aula. Minha prática violinística associada à

docência ganhou um novo sentido durante minha performance. Minhas experiências em

orquestras profissionais e minhas experiências com os métodos de ensino de violino

contribuíram para a nova função de professor de uma instituição superior, ou seja, a prática na

escolha do repertório.

Analisar esses processos formativos do habitus violinístico e professoral foi uma

maneira de me conhecer e conhecer o mundo social cientificamente no contexto de uma tese

doutoral. Apresentei, também, os elementos propriamente biográficos, as informações mais

íntimas, responsáveis pela formação de minhas disposições de origem.

Destaco, ainda, a aquisição e o desenvolvimento da prática de escrita acadêmica

que venho adquirindo desde o mestrado e que tem sido importante para registrar esse percurso

musical, como também promover reflexões acadêmicas, pedagógicas, musicais etc. Ressalto

que realizar a pesquisa socioeducativa de doutorado sem afastamento implica em conviver

diariamente com o objeto de pesquisa; entretanto, significa também ter a mente congestionada

com outros assuntos de trabalho, restando pouco tempo para reflexões acerca do tema

estudado. Esse cenário de construir uma tese sem afastamento implica em percepções

carregadas de conflitos diversos (resolver problemas da instituição, conseguir acalmar-se –

encontrar um tempo com a exigência da concentração para escrever a tese – para refletir sobre

a tese). Esse exercício é a incorporação de uma prática docente acadêmica e de pesquisador.

Isso me faz relembrar mais uma vez e comparar meu trajeto com a narrativa de

Bourdieu no Esboço de auto-análise, ao relatar o fato de realizar pesquisa sociológica em

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situação de guerra e o quanto isso foi penoso para ele, obrigando-o a pensar em tudo, a

controlar tudo, “em particular o que parece natural na relação ordinária entre o pesquisador e

o pesquisado” (BOURDIEU, 2005, p. 79).

Refletir sobre o processo de formação de um músico, especificamente um

violinista, nessa região do Nordeste, considero de extrema relevância para minha prática

docente, como também para futuras reflexões sobre trajetórias. Compreender o contexto em

que me encontro hoje, mesmo vindo de uma origem de formação erudita, faz-me elucidar uma

dimensão ético-política que se manifesta no repertório. Esta revela que sou um violinista

genuinamente cearense, pode-se dizer, um Cariri.

Não obstante, a narrativa apresentada permite concluir que foi a especificidade de

minha vida o fundamento de minhas tomadas de posição estéticas, técnicas e políticas,

vinculadas todas à minha origem e trajetória. Por conseguinte, vejo-me como esse agente que

desnudou sua história mediante uma análise sociológica; ao fazê-lo, pude perceber as misérias

do mundo, a arrogância dos poderosos e a hipocrisia de muitos, a dominação social e de seus

enfeites e véus.

Apesar de ser um estudo sobre um docente violinista, esse caminho encontra eco

em outros caminhos de músicos que se tornam professores em diversos setores da sociedade.

Assim, espero que esta pesquisa possa contribuir para futuras caminhadas de outros

profissionais que poderão ocupar funções docentes em um curso superior de Música.

A síntese elaborada em todo esse processo demonstra que a análise da história de

vida aqui realizada oferece suporte empírico à teorização de que o habitus musical docente

aqui constituído é um caso típico de sucesso improvável. Tal conclusão decorre dos seguintes

achados: o habitus musical docente originou-se a partir das motivações nascidas no seio de

uma família de parcos recursos financeiros, sociais e culturais, mas que se revelou educógena

pela atuação decisiva da mãe; este habitus desenvolveu-se pela influência formadora de uma

iniciativa educacional inovadora, única e descontinuada (o processo de ensino e aprendizagem

coletivo de violino no contexto do Projeto Espiral do professor Jaffé); este habitus se firmou

através de experiências estéticas significativas para o agente, mas de caráter ocasional e

irregular (participação em festivais de música no Rio de Janeiro e em São Paulo e a audição

de concertistas consagrados); a trajetória de constituição do habitus teve um episódio de

definição extraordinário e fortuito, mas fundamental (o violino presenteado por Parpinelli);

finalmente, o habitus consolidou-se através dos cursos universitários regulares de graduação,

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mestrado e doutorado, da aprovação em concurso público e do exercício do magistério no

ensino superior, onde o agente realiza como sua ocupação profissional precisamente aquilo

que o introduziu inicialmente no campo musical: o ensino coletivo de violino.

Assim, resgatar esse processo de formação desde minha infância até os dias de

hoje me fez perceber com maior clareza que o que me tornou o docente em que me constituí

foi iniciado com a música, foram as escolhas que ela me propiciou, foi a força da

sensibilização através da música instrumental. Isso nos faz compreender a lição fornecida pelo

professor Jaffé: “nada atrai mais do que realmente aquilo que se pratica, de sorte que o

contato com a música fazendo música é a melhor maneira que a pessoa pode sentir a força que

a música pode nos dar”.

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