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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ UFC CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS MESTRADO EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS MAPP CLEFRA VIEIRA GUEDELHO AVALIAÇÃO EM PROFUNDIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DO INSTITUTO FEDERAL DO PIAUÍ FORTALEZA CE JULHO/ 2017 [Digite uma citação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC

CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

MESTRADO EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – MAPP

CLEFRA VIEIRA GUEDELHO

AVALIAÇÃO EM PROFUNDIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA

ESTUDANTIL DO INSTITUTO FEDERAL DO PIAUÍ

FORTALEZA – CE

JULHO/ 2017

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CLEFRA VIEIRA GUEDELHO

AVALIAÇÃO EM PROFUNDIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL

DO INSTITUTO FEDERAL DO PIAUÍ

Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Avaliação de Políticas Públicas. Orientador: Prof. Dr. Carlos Américo Leite Moreira.

FORTALEZA – CE

JULHO/ 2017

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca UniversitáriaGerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

G1a Guedelho, Clefra Vieira. Avaliação em profundidade da Política de Assistência Estudantil do Instituto Federal do Piauí / ClefraVieira Guedelho. – 2017. 170 f. : il.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação,Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas, Fortaleza, 2017. Orientação: Prof. Dr. Carlos Américo Leite Moreira.

1. Assistência estudantil. 2. Novo desenvolvimentismo. 3. Avaliação em profundidade. I. Título. CDD 320.6

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CLEFRA VIEIRA GUEDELHO

AVALIAÇÃO EM PROFUNDIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL

DO INSTITUTO FEDERAL DO PIAUÍ

Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Avaliação de Políticas Públicas.

Aprovada em: 14/07/2017

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Carlos Américo Leite Moreira (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Danielle Maia Cruz

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Paula Virgínia Pinheiro Batista

Universidade Federal do Ceará (UFC)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, cuja bondade sinto bem próxima a mim.

A meus pais, Cleris e Quinha, sempre vibrantes com minhas conquistas. Obrigada

pelas orações e apoio às minhas escolhas que, repetidamente, me ausentaram do vosso

convívio por um propósito de realização profissional meu.

A meu irmão caçula, Clerisvitor, pelo afeto e companheirismo que tornaram menos

solitário o período de escrita da dissertação.

A meu irmão Clefson e minha cunhada Jani, pelo apoio e disponibilidade.

A Ricardo e Paula, pelo acolhimento familiar em minha passagem por Fortaleza, bem

como incentivo e presteza.

A minhas amigas e colegas de trabalho, especialmente Karolina, com quem

compartilho a profissão de serviço social. Obrigada pelo incentivo e apoio em todos os

momentos dessa caminhada, inclusive suprindo minha ausência na instituição.

A minha amiga Amanda por compartilhar saberes e aprendizados comigo.

As amigas e companheiras dessa jornada, Patrícia e Chrystiane, piauienses como eu

erradicadas no Ceará em prol do sonho de realização do mestrado. Nosso convívio, apoio

mútuo e amizade foram fundamentais para o êxito desse processo.

Ao Instituto Federal do Piauí, lócus do meu exercício profissional, no qual emergem

minhas reflexões e amadurecimento, especialmente pela concessão do afastamento para a

realização do mestrado.

Aos sujeitos participantes da pesquisa que com muita solicitude atenderam a minha

demanda e possibilitaram o alcance dos meus objetivos.

Ao Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP), secretárias, colegas de

curso, professores que generosamente compartilharam saberes em sala de aula, especialmente

as professoras Léa Rodrigues e Danielle Cruz, que possibilitaram o contato com a

metodologia da avaliação em profundidade.

Ao Professor Américo, pelo trabalho de orientação realizado com tanta

disponibilidade e pelo aprendizado que me proporcionou na construção desse trabalho.

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RESUMO

Esta pesquisa trata da avaliação da Política de Assistência Estudantil (POLAE) do Instituto

Federal do Piauí, enquanto regulamentação institucional do Programa Nacional de Assistência

Estudantil (PNAES), sob a perspectiva da avaliação em profundidade (RODRIGUES, 2008).

Avalia a forma como as definições do PNAES são consubstanciadas na POLAE,

considerando as concepções que norteiam a ambos, em articulação aos contextos de

formulação nacional e local, situadas tanto pelo aspecto normativo quanto pelas percepções

dos sujeitos envolvidos na implementação. O objetivo é avaliar as concepções de assistência

estudantil que norteiam a implementação do PNAES no Instituto Federal do Piauí e as

implicações desse processo, na visão de estudantes, professores e técnicos-administrativos. A

abordagem é qualitativa e os procedimentos adotados são: revisão bibliográfica, análise

documental e entrevistas. Discute-se sobre o contexto econômico, político e social propiciador

da regulamentação do PNAES, articulando tal discussão à análise do conteúdo do Programa,

ou seja, a base conceitual que lhe confere sustentação teórico-ideológica. O PNAES nasce a

partir do processo de expansão do ensino superior e profissional em nível federal, com o foco

na equidade social entre os estudantes de graduação, através da focalização naqueles

suscetíveis à evasão e retenção, perspectivas associadas ao ideário novo desenvolvimentista

emergente nos anos 2000. No âmbito local, o Programa foi regulamentado a partir do

protagonismo de um grupo, sendo incorporadas as definições das diretrizes nacionais, com

adaptações visando atender as demandas institucionais. Prevalece na fala dos sujeitos a

concepção de assistência estudantil como auxílio financeiro aos estudantes, devido à condição

socioeconômica de vulnerabilidade. Constatou-se que as implicações da implementação da

POLAE se referem ao objetivo de prevenir a evasão e retenção, tanto pela incipiente

efetividade das ações, quanto devido aos fatores que fogem ao seu alcance, sobretudo devido

à canalização de tal intento para o plano individual, em que os próprios estudantes são

responsabilizados por tais resultados.

Palavras-chave: Assistência Estudantil. Novo Desenvolvimentismo. Avaliação em

Profundidade.

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ABSTRACT

This research deals with the evaluation of the Student Assistance Policy (POLAE) of the

Federal Institute of Piauí, as an institutional regulation of the National Program of Student

Assistance (PNAES), from the perspective of in-depth evaluation (RODRIGUES, 2008). It

evaluates how the definitions of the PNAES are embodied in the POLAE, considering the

conceptions that guide both, in articulation with the contexts of national and local

formulation, established both by the normative aspect and by the perceptions of the subjects

involved in the implementation. The objective is to evaluate the conceptions of student

assistance that guide the implementation of the PNAES in the Federal Institute of Piauí and

the implications of this process, in the view of students, teachers and technical-administrative.

The approach is qualitative and the procedures adopted are: bibliographic review,

documentary analysis and interviews. It discusses the economic, political and social context

that propitiates the regulation of the PNAES, articulating such discussion to the analysis of

the content of the Program, that is, the conceptual basis that gives it theoretical and

ideological support. The PNAES arises from the process of expansion of higher and

vocational education at the federal level, with a focus on social equity among undergraduate

students, focusing on those susceptible to evasion and retention, perspectives associated with

emerging new developmental ideas in the 2000. At the local level, the program was regulated

based on the role of a group, incorporating the definitions of the national guidelines, with

adaptations aimed at meeting the institutional demands. Students' conception of student

assistance prevails as a financial aid to students due to the socioeconomic condition of

vulnerability. It was found that the implications of the implementation of the POLAE refer to

the objective of preventing evasion and retention, both due to the incipient effectiveness of the

actions and due to the factors that are beyond its reach, mainly due to the channeling of such

intention to the individual plan, In which the students themselves are held accountable for

such results.

Keywords: Student Assistance. New Developmental. In-depth Evaluation.

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LISTA DE QUADRO

QUADRO 1 - SÍNTESE COMPARATIVA ENTRE PNAES E POLAE ........................... 104

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LISTA DE TABELA

TABELA 1 - SITUAÇÃO DAS PRIMEIRAS TURMAS DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO AO TÉCNICO DO CAMPUS PARNAIBA ................................................ 107

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LISTA DE SIGLAS

ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino

Superior

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento Social

BIRD Banco Mundial

BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CEB Casa do Estudante do Brasil

CEFET Centro Federal de Educação Tecnológica

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina

CONIF Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica

DAE Diretoria de Assistência Estudantil

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FGV-SP Fundação Getúlio Vargas de São Paulo

FIES Fundo de Financiamento Estudantil

FMI Fundo Monetário Internacional

FONAPRACE Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis

IFPI Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LOA Lei Orgânica Anual

MAPP Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas

MEC Ministério da Educação

ONU Organização das Nações Unidas

PAE Programa de Atendimento ao Educando

PEBE Programa Especial de Bolsa de Estudo

PGTAE Plano Geral de Trabalho da Assistência Estudantil

PIB Produto Interno Bruto

PNAES Programa Nacional de Assistência Estudantil

PNAES-EPCT Política Nacional de Assistência Estudantil da Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica

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PNE Plano Nacional de Educação

POLAE Política de Assistência Estudantil do IFPI

PRAEI Programa de Acolhimento ao Estudante Ingressante

PROEX Pró-Reitora de Extensão

PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PROUNI Programa Universidade para Todos

PT Partido dos Trabalhadores

PTR Programas de Transferência de Renda

REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais

SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

SIFAE Sistema de Fluxo de Atendimento ao Estudante

SINAES Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior

SISU Sistema de Seleção Unificada

TCU Tribunal de Contas da União

UNE União Nacional dos Estudantes

UNED Unidade de Ensino Descentralizada

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12

2. O PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL COMO OBJETO DA AVALIAÇÃO EM PROFUNDIDADE ....................................................................... 17

2.1 Assistência estudantil como programa social .............................................................. 17

2.2 O PNAES como objeto de estudo ................................................................................. 19

2.2.1 Histórico da assistência estudantil ............................................................................... 20

2.2.2 Concepções de assistência estudantil ........................................................................... 23

2.2.3 Abordagens metodológicas .......................................................................................... 27

2.3 Perspectiva da avaliação em profundidade ................................................................. 28

3. ANÁLISE DO PNAES A PARTIR DO CONTEXTO POLÍTICO E ECONÔMICO BRASILEIRO E DE SUA ORIENTAÇÃO IDEOLÓGICA ............................................ 41

3.1 Realidade econômica, política e social brasileira na primeira década dos anos 2000 42

3.1.1 O contexto da Rede Federal de Educação Profissional ................................................. 53

3.2 Base teórico-ideológica do programa .......................................................................... 62

3.2.1 Desenvolvimentismo ................................................................................................... 63

3.2.2 Teoria do capital humano ............................................................................................ 76

3.2.3 Equidade social e focalização ...................................................................................... 83

3.2.4 Permanência, evasão e retenção ................................................................................... 86

3.3 PNAES: análise de contexto e conteúdo ...................................................................... 88

4. POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DO IFPI: trajetória institucional e perspectiva dos sujeitos ...................................................................................................... 92

4.1 O contexto do Campus Parnaíba do IFPI ................................................................. 106

4.2 Concepções de assistência estudantil ......................................................................... 108

4.2.1 Critérios de seleção ................................................................................................... 117

4.2.2 Contrapartida do estudante ........................................................................................ 120

4.3 Dificuldades enfrentadas pelos estudantes no percurso acadêmico ......................... 125

4.3.1 Transporte ................................................................................................................. 125

4.3.2 Alimentação .............................................................................................................. 127

4.3.3 Ensino ....................................................................................................................... 128

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4.3.4 Falta de identificação profissional ............................................................................. 133

4.3.5 Condição socioeconômica ......................................................................................... 133

4.3.6 Ocorrência de greves ................................................................................................. 135

4.3.7 O alcance dos objetivos da POLAE ........................................................................... 135

4.4 Envolvimento dos sujeitos na implementação ........................................................... 139

4.4.1 O trabalho da Comissão de Assistência Estudantil ..................................................... 140

4.4.2 Envolvimento dos estudantes ..................................................................................... 148

4.4.3 Envolvimento dos professores ................................................................................... 151

5. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 154

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 158

APÊNDICE A: ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO COM ESTUDANTES ... 166

APÊNDICE B: ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO COM PROFESSORES . 167

APÊNDICE C: ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO COM TÉCNICO-ADMINISTRATIVOS ..................................................................................................... 168

APÊNDICE D: ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO COM GESTOR ............. 169

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1. INTRODUÇÃO

O trabalho versa sobre a implementação da Política de Assistência Estudantil

(POLAE) no âmbito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI),

aprovada por meio da Resolução N.º 014/2014, de 08 de abril de 2014, e baseada no

Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), instituído pelo Decreto Nº. 7.234, de

2010. A partir do PNAES, as ações de assistência estudantil das Instituições Federais de

Ensino Superior passam a ser orientadas por diretrizes nacionais, com recursos financeiros

assegurados, por isso tomou-se como ponto de partida da pesquisa a assistência estudantil

desenvolvida pelo IFPI, enquanto consubstanciação do PNAES. Para estudar tal objeto,

considera-se as concepções que norteiam o PNAES e, por consequência, a POLAE tanto do

ponto de vista normativo quanto dos sujeitos envolvidos na implementação.

O PNAES foi estabelecido durante o processo de expansão das Instituições Federais

de Ensino Superior e reestruturação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e

Tecnológica, com a Lei nº. 11.892, de 29 de dezembro 2008, que cria os Institutos Federais.

Conjuga-se, portanto, ao projeto de democratização do acesso ao ensino superior empreendido

a partir da primeira década dos anos 2000, no qual se articulam uma série de medidas tais

como: Programa Universidade para Todos (ProUni), Fundo de Financiamento Estudantil

(FIES), Universidade Aberta do Brasil, Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais (REUNI), sistema de reserva de vagas para o ensino

superior, etc. O PNAES, particularmente, objetiva democratizar as condições de permanência

no ensino superior, minimizando o efeito das desigualdades sociais, e reduzir as taxas de

evasão e reprovação, através de ações garantidoras do acesso à moradia, alimentação,

transporte, saúde, etc.

No contexto de regulamentação do PNAES, uma auditoria do Tribunal de Contas da

União teve como foco o desempenho dos Institutos Federais revelando altos índices de evasão

nos cursos de nível médio e de retenção nos cursos de nível superior (TCU, 2012). Tal

levantamento colocou ainda mais em evidência o escopo do PNAES que abrange o

enfrentamento destas situações. Nesse sentido, legitima-se a necessidade de estudos que

busquem avaliar o alcance das ações de assistência estudantil na prevenção da evasão e

retenção, sobretudo, compreender a lógica que confere sustentação a tal objetivo e as

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possibilidades de seu alcance tendo em vista sua própria formulação e o contexto mais amplo

no qual se insere, não somente os meios institucionais construídos para sua efetivação.

O caminho da pesquisa segue a abordagem metodológica da avaliação em

profundidade de políticas públicas, elaborada por Rodrigues (2008). Para esta, o fio condutor

da avaliação não se centra nos objetivos, metas e resultados delineados pelo programa, mas

nos seguintes eixos analíticos entre si articulados: análise de contexto, análise de conteúdo,

trajetória institucional e espectro temporal e territorial. Neste tipo de avaliação encontrou-se a

forma para investigar a principal inquietação sobre o objeto: Quais as concepções de

assistência estudantil norteiam a implementação do PNAES no Instituto Federal do Piauí e as

implicações desse processo, na visão de estudantes, professores e técnicos-administrativos?

Tal questão norteadora envolve, portanto, uma perspectiva avaliativa capaz de relacionar o

conteúdo do Programa ao contexto de sua formulação, em nível nacional e local, bem como

analisar a coerência ou dispersão do Programa pelas vias institucionais, considerando o

aspecto normativo e o envolvimento de sujeitos na implementação.

O problema de pesquisa leva aos seguintes questionamentos, como desdobramentos:

Quais as concepções dos sujeitos envolvidos, direta e indiretamente, na implementação da

POLAE acerca da mesma? Estas concepções se relacionam à base conceitual do PNAES? Em

que medida a base conceitual do Programa é absorvida em sua implementação no IFPI? Qual

o contexto social, econômico e político em que surge a regulamentação da assistência

estudantil em nível nacional e local? Neste contexto existem elementos que ajudam a explicar

o porquê dessa regulamentação? O que pensam os sujeitos sobre as possibilidades de alcance

dos objetivos da assistência estudantil, relativos à permanência e êxito acadêmico dos

estudantes, a partir das ações propostas?

As respostas para tais indagações foram buscadas a partir de uma abordagem de

pesquisa qualitativa, vez que esta é a abordagem prioritária para o desenvolvimento da

avaliação em profundidade. Portanto, para a coleta de dados relativos às concepções de

assistência estudantil e a implementação do Programa foi realizado: revisão da literatura,

pesquisa em fontes documentais e entrevistas com sujeitos envolvidos na implementação do

PNAES no IFPI.

A revisão da literatura foi primordial para construir um quadro teórico acerca do

contexto social, político e econômico, bem como os aspectos ideológicos que recaem sobre as

políticas públicas de caráter social, em destaque para a educação profissional e assistência

estudantil. Já a pesquisa documental, segundo Rodrigues (2008), consiste no trabalho de

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levantamento e análise do material institucional que subsidia a análise de conteúdo da

avaliação em profundidade.

O material documental delimitado consiste em: Lei nº. 11.892, de 29 de dezembro

2008, que institui a Rede Federal e Educação Profissional, Científica e Tecnológica e cria os

Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia; Decreto nº. 7.234, de 19 de julho de

2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES); Resolução

do IFPI Nº 02, de 01 de fevereiro de 2010, que estabelece o Projeto de Atendimento ao

Educando (PAE) para exercício 2010; Resolução do IFPI N.º 014, de 08 de abril de 2014, que

estabelece a Política de Assistência Estudantil do IFPI (POLAE); Resolução do IFPI Nº. 027,

de 19 de abril de 2016, que modifica a Política de Assistência Estudantil do IFPI; além de

notícias veiculadas nos sites oficiais.

O uso de entrevistas foi fundamental para alcançar os objetivos da pesquisa,

considerando as percepções dos sujeitos envolvidos na implementação da Política de

Assistência Estudantil no IFPI. Para a coleta de dados por meio de entrevista foram definidos

os seguintes grupos de sujeitos: gestor envolvido na formulação; técnicos-administrativos

envolvidos na execução, isto é, aqueles que compõem a equipe mínima da Comissão de

Assistência Estudantil (assistente social, pedagogo e psicólogo); estudantes que assumem ou

assumiram papel de líder de turma ou membro de Centro Acadêmico, que cursavam o 3º ou 4º

Ano do Ensino Médio Integrado ou Licenciaturas; e professores que exerceram função de

coordenação. A amostra foi do tipo aleatória e definida no quantitativo de vinte sujeitos,

sendo um gestor, três técnicos, dez estudantes e seis professores.

As entrevistas foram conduzidas por roteiros de perguntas visando o processo de

formulação e implementação da Política de Assistência Estudantil do IFPI e o modo como os

sujeitos se envolvem nesse processo, seja diretamente, como gestor, executores e

beneficiários, ou indiretamente, enquanto sujeitos inseridos no contexto da implementação.

Os roteiros foram construídos de forma adequada para cada grupo a fim de obter informações

acerca das percepções desses sujeitos quanto ao programa, contendo questões do tipo: O que

pensam sobre os objetivos, ações e critérios estabelecidos? Como participam da

implementação? Como percebem a participação de outros sujeitos na implementação?

Os sujeitos participantes da pesquisa são ligados ao Campus Parnaíba (exceto o gestor,

vinculado à Reitoria) por ser este um dos que, juntamente com o Campus Picos, foi

inaugurado à época inicial do processo de expansão da Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica, desencadeado a partir de 2006. Em relação ao outro, o

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Campus Parnaíba recebeu maior volume de recursos da Assistência Estudantil entre 2013 e

2015 (OLIVEIRA, 2016, p. 51).

Os dados obtidos por meio da pesquisa documental e das entrevistas são qualitativos,

foram sistematizados e analisados com vistas a atender aos objetivos da pesquisa, a partir das

categorias analíticas definidas tanto com base no referencial teórico – enquanto “conceitos

mais gerais e mais abstratos”, o que “requer uma fundamentação teórica sólida por parte do

pesquisador” – como a partir da coleta de dados – visando à classificação dos mesmos, o que

permite a formulação de categorias “mais específicas e mais concretas” – a fim de

correlacionar as categorias gerais com as específicas (MINAYO, 1994, p. 70).

Os resultados deste trabalho intitulado “Avaliação em Profundidade da Política de

Assistência Estudantil do IFPI” estão organizados em cinco capítulos, incluindo esta

Introdução que é o primeiro. A sequência lógica dos capítulos vai do geral ao particular, ou

seja, aborda primeiramente a realidade do Programa Nacional de Assistência Estudantil

(PNAES), considerando o contexto mais geral de sua regulamentação, e depois a realidade

específica do Instituto Federal do Piauí circunscrita na implementação da Política de

Assistência Estudantil (POLAE).

O segundo capítulo, “O Programa Nacional de Assistência Estudantil como objeto de

estudo da avaliação em profundidade”, trata de uma apresentação sucinta do PNAES,

enquanto programa social regulamentado nacionalmente e inserido na agenda pública, bem

como objeto de estudo de pesquisas acadêmicas. Este também evidencia a perspectiva

metodológica adotada no intuito de discutir sobre a avaliação em profundidade, no âmbito da

avaliação de políticas públicas, revelando sua adequação aos objetivos da pesquisa.

O terceiro, “Análise do PNAES a partir do contexto econômico, político e social

brasileiro e de sua orientação ideológica”, compreende a análise de contexto e conteúdo do

PNAES. Aborda uma discussão sobre o modelo econômico, político e social vigente no país

durante o período de regulamentação do Programa e seus impactos sobre as políticas sociais,

especialmente, no tocante à educação profissional, assim como uma revisão bibliográfica

sobre algumas categorias teóricas que fundamentam o Programa, tais como:

desenvolvimentismo, capital humano, equidade e focalização, permanência, evasão e

retenção.

O quarto, “Política de Assistência Estudantil do IFPI: trajetória institucional e

perspectiva dos sujeitos”, consiste na análise da trajetória do Programa pelas vias

institucionais, considerando o contexto particular do IFPI, a consubstanciação da base

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conceitual do Programa no processo de implementação, tendo como enfoque as concepções

dos sujeitos participantes da pesquisa. A Conclusão apresenta a relação entre contexto e

conteúdo do Programa, considerando as esferas nacional e local, bem como revela as

constatações a que chegaram a avaliação da Política de Assistência Estudantil do IFPI, na

perspectiva dos sujeitos envolvidos, relativas às concepções de assistência estudantil e

implicações de sua implementação.

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2. O PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL COMO OBJETO DA AVALIAÇÃO EM PROFUNDIDADE

A assistência estudantil vem se conformando enquanto área estratégica da intervenção

do Estado e temática de pesquisa em várias áreas do conhecimento. Em avaliação de políticas

públicas, torna-se um campo aberto para diversas possibilidades de estudo, em especial por se

efetivar através de programas que se tratam de uma realidade recente no âmbito do ensino

superior público brasileiro, atrelada a uma determinada conjuntura. Programas sociais são

desenhados para atender determinadas demandas e dependem de uma ação política

“transformada num programa com base em critérios técnicos apresentados pelos formuladores

e em critérios políticos do próprio Legislativo ou defendidos pelo Executivo” (SILVA, 2008,

p. 95). Assim, a ação política da qual surgem os programas sociais não se forma

arbitrariamente, mas depende de critérios técnicos e, principalmente, de condições políticas.

Neste capítulo, o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) é tratado

como um programa social que se tornou objeto de estudo, ou seja, alvo de interesse de

pesquisas, incluindo esta que corresponde aos resultados de uma investigação. O objetivo do

item é situar o objeto de estudo e a perspectiva de avaliação de políticas públicas aqui

adotada. Inicialmente, tem-se uma breve apresentação do PNAES, enquanto programa

regulamentado e constituído de objetivos, público alvo, ações e recursos financeiros. Em

seguida, traz uma discussão com base em revisão bibliográfica sobre o tema assistência

estudantil, que apresenta algumas construções em nível teórico desenvolvidas,

principalmente, como desdobramento do processo de consolidação do PNAES. Por último,

são tecidas considerações acerca da avaliação em profundidade, perspectiva metodológica

adotada por este trabalho, com vistas a apresentar tal modelo.

Assim, o item a seguir volta-se para a seguinte questão: em que consiste o Programa

Nacional de Assistência Estudantil?

2.1 Assistência Estudantil como Programa Social

O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) está voltado para atender as

demandas de estudantes de graduação por condições de permanência nas instituições federais

de ensino superior e efetiva-se por meio de ações relativas à moradia, alimentação, transporte,

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saúde, etc. Foi regulamentado nacionalmente a partir do Decreto nº. 7.234, de 19 de julho de

2010, com o objetivo de normatizar as ações de assistência estudantil desenvolvidas no

âmbito das Instituições Federais de Ensino Superior. É, portanto, implementado nas

universidades e nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, destinados à oferta

de educação de níveis superior e técnico.

Consoante ao Art. 1º do Decreto nº. 7.234/2010, as ações do PNAES visam “ampliar

as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal” (BRASIL,

2010). Conforme o Art. 2º, objetivam ainda:

I - democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal; II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior; III - reduzir as taxas de retenção e evasão; e IV - contribuir para a promoção da inclusão social pela educação (BRASIL, 2010).

Os princípios norteadores do PNAES aparecem nitidamente em seus objetivos:

democratização da permanência, equidade social, combate à evasão e retenção e a visão de

educação como propulsora da inclusão social. Segundo o Art. 3º, O PNAES “deverá ser

implementado de forma articulada com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, visando

o atendimento de estudantes regularmente matriculados em cursos de graduação presencial

das instituições federais de ensino superior” (BRASIL, 2010).

Conforme parágrafo 1º do Art. 3º, as ações são desenvolvidas nas seguintes áreas:

moradia, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche,

apoio pedagógico, além de favorecer “acesso, participação e aprendizagem de estudantes com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação”

(BRASIL, 2010).

O Art. 4º do referido decreto, em seu parágrafo único, determina que tais ações

“devem considerar a necessidade de viabilizar a igualdade de oportunidades, contribuir para a

melhoria do desempenho acadêmico e agir, preventivamente, nas situações de retenção e

evasão decorrentes da insuficiência de condições financeiras”. Conforme Art. 5º, as ações

destinam-se prioritariamente aos “estudantes oriundos da rede pública de educação básica ou

com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio” (BRASIL, 2010). Assim,

circunscreve-se também o caráter assistencial do Programa quando estabelece o princípio da

focalização para atender estudantes suscetíveis à retenção e evasão motivadas por suas

condições financeiras.

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O Art. 8º estabelece a destinação de recursos específicos para o Programa a partir da

dotação orçamentária anual consignada ao Ministério da Educação ou às Instituições Federais

de Ensino Superior. Assim, fica instituída a forma de financiamento do PNAES, “devendo o

Poder Executivo compatibilizar a quantidade de beneficiários com as dotações orçamentárias

existentes, observados os limites estipulados na forma de legislação orçamentária e financeira

vigente” (BRASIL, 2010).

Está previsto também por este instrumento legal a obrigatoriedade de que cada

instituição organize e normatize de modo particular o desenvolvimento do PNAES. No inciso

I, parágrafo único do Art. 5º, o supracitado Decreto estabelece que as Instituições Federais de

Ensino Superior devem fixar “requisitos para a percepção de assistência estudantil, observado

o disposto no caput do art. 2º” (BRASIL, 2010), ou seja, devem definir as condições exigidas

para a institucionalização das ações de assistência estudantil, considerando os objetivos

previstos pelo PNAES. Este item expressa, portanto, como o PNAES representa uma diretriz

que se estende às instituições responsáveis por executá-lo.

Com estas disposições, o PNAES regulamenta nacionalmente um conjunto de ações

institucionalizadas no ensino superior, isto é, confere às ações de assistência estudantil um

status de programa social e aparato de política pública a partir de uma normatização em nível

federal que prevê objetivos, público alvo, áreas estratégicas e recursos orçamentários. O

PNAES veio, portanto, suprir a carência de uma regulamentação nacional que até 2010

inexistia, embora as instituições desenvolvessem serviços nessa área com recursos próprios e

sem diretrizes nacionais padronizadas, como será abordado adiante. Com esta regulamentação

a assistência estudantil tornou-se, assim, alvo de reflexões e objeto de estudo para alguns

pesquisadores e profissionais atuantes na área. É o que se discute no item a seguir.

2.2 O PNAES como objeto de estudo

Até a publicação do Decreto nº. 7.234/2010, a assistência estudantil no ensino superior

não constituía área estratégica da ação governamental, nem tampouco campo de investigação

conformado academicamente. Até então, a revisão bibliográfica sobre o tema era dificultada

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pela pequena produção existente, com destaque para relatos de experiência. A quase escassez

de referências foi constatada por Guedelho1 (2007, p. 11).

Somente a partir do surgimento do PNAES, a assistência estudantil passa a se

consolidar enquanto temática de interesse para pesquisadores e expande-se pelo país a

quantidade de publicações sobre o tema a partir de cursos de pós-graduação de diversas áreas

(Serviço Social, Política Social, Educação, Políticas Públicas, Sociologia, Administração,

Economia, etc.), a maioria deles em nível de mestrado. Nessa direção, Spricigo2 (2016, p. 62)

afirma que, tendo o período de 2003 a 2015 como referência, o maior número de dissertações

de mestrados foi publicado no ano de 2012, o que o autor considera como decorrência da

divulgação do PNAES, sendo que dissertações de mestrado levam em média dois anos para

serem concluídas.

Algumas dessas publicações foram selecionadas e a seguir tem-se uma breve revisão

da literatura com intuito de apresentar ideias centrais dos autores, sendo estas elencadas da

seguinte forma: resgate histórico da assistência estudantil; concepções de assistência

estudantil explicitadas e; abordagens metodológicas adotadas.

2.2.1 Histórico da assistência estudantil

Ao tratar especificamente sobre assistência estudantil, alguns autores consideram

importante destacar, de início, seu histórico desde o surgimento no Brasil e no ensino

superior.

Autoras como Guedelho (2007), Costa (2010), Coelho (2012) e Magalhães (2013)

indicam que a assistência estudantil surge oficialmente no Brasil a partir da Reforma

1 Trata-se da minha monografia de conclusão de curso de graduação em Serviço Social, que marca o

surgimento do interesse pessoal pela temática da assistência estudantil, do ponto de vista da pesquisa acadêmica. O objetivo central da pesquisa era descortinar o significado da assistência estudantil no ensino superior brasileiro, em um momento em que não existia uma regulamentação nacional sobre esta questão.

2 Spricigo (2016) realizou um intenso trabalho de revisão da literatura sobre assistência estudantil, por meio do qual resgatou a produção acadêmica, entre 2003 e 2015, através de dissertações, teses e artigos, e apresenta resumo das ideias principais de cada uma. Para uma consulta mais detalhada sobre tais produções, portanto, é indicado ler Spricigo (2016), posto que as pesquisas aqui referenciadas servem apenas para apresentar, sob alguns aspectos (histórico, conceitos e abordagens), a maneira como o tema assistência estudantil é tratado pela literatura.

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Francisco Campos para a educação nacional, na década de 1930, quando o ensino superior

passa então a ser organizado através do Estatuto das Universidades Brasileiras.

Guedelho (2007) resgata a história da assistência estudantil no Brasil de maneira a

defender a ideia central de sua pesquisa: a assistência estudantil é intrínseca à universidade.

Quando cita o Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931, afirma que o mesmo elegeu o

modelo universitário como preferencial para a organização do sistema de ensino superior no

país. Desse marco, para a autora, decorre a institucionalização da assistência estudantil no

ensino superior brasileiro, posto que o mesmo documento indica pela primeira vez a

necessidade de oferta de serviços de assistência ao estudante, mesmo em um contexto de

elitização do ensino superior, em que as camadas populares tinham acesso restrito à

universidade. À época, a educação não era uma política social universal, a maioria da

população brasileira era analfabeta e o acesso a título de nível superior constituía um

privilégio da elite. A autora explica que a universidade consiste historicamente em uma

instituição corporativa, no sentido medieval atribuído em sua origem, o que lhe confere

práticas de auxílio mútuo entre pares. Essa característica medieval da universidade foi,

portanto, mantida historicamente e, quando surgiu no Brasil, houve a institucionalização da

assistência estudantil, sem que esta representasse uma conquista dos estudantes de camadas

populares. Para a autora, somente a partir da Reforma Universitária de 1968, o processo de

expansão da oferta de ensino superior no Brasil passou a imprimir um novo sentido à

assistência estudantil enquanto estratégia importante para a democratização do acesso ao

ensino superior, visando garantir condições de permanência para os estudantes pobres na

universidade.

As autoras referidas acima também associam o período de institucionalização da

assistência estudantil no Brasil ao surgimento do movimento estudantil organizado com a

criação da União Nacional dos Estudantes (UNE). Coelho (2012, p. 79) relata que à época foi

fundada a primeira Casa do Estudante do Brasil (CEB) que, além de constituir sede da UNE,

cumpriu também a função de moradia estudantil para estudantes do Rio de Janeiro oriundos

de outros estados. A partir de então, o movimento estudantil passou a reivindicar, dentre suas

pautas, serviços de assistência estudantil para o ensino superior, especialmente durante o

momento de mobilizações nacionais em torno da Reforma Universitária, no início da década

de 1960, antes da ditadura militar (GUEDELHO, 2007, p. 18).

Conforme Coelho (2012), a assistência estudantil para o ensino superior não foi

devidamente regulamentada durante os anos de 1930 e 1940, sendo que as Constituições

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Federais vigentes, embora assegurassem assistência estudantil em todos os níveis de ensino,

referiam-se expressamente apenas à assistência escolar. Para Cavalheiro (2013, p. 32), nas

décadas de 1950 e 1960 as ações governamentais voltadas para a assistência estudantil

priorizaram o ensino básico através de programas de merenda escolar e livro didático.

Segundo Oliveira (2016, p. 19), a assistência estudantil só entrou na agenda

governamental em 1970, com a criação da Diretoria de Assistência ao Estudante (DAE) no

Ministério da Educação e Cultura. A autora afirma que “essa Diretoria tinha como objetivo

manter uma Política de Assistência ao Estudante Universitário em nível nacional, priorizando

ações de alimentação, moradia, assistência médica e odontológica” (OLIVEIRA, 2016, p. 19).

As ações da DAE, segundo Oliveira (2016), eram organizadas através de dois programas: o

Programa Especial de Bolsa de Estudo (PEBE), criado pelo Decreto nº. 68.314, de 3 de março

de 1971, que previa bolsas de auxílio financeiro a estudantes secundaristas filhos de

trabalhadores sindicalizados e; o Programa Bolsa de Trabalho, criado pelo Decreto nº. 69.927,

de 13 de janeiro de 1972, destinado a estudantes de todos os níveis de ensino com vistas a

proporcionar-lhes inserção em órgãos públicos e instituições privadas para desempenharem

atividade remunerada.

À época de desenvolvimento desses programas, em plena ditadura militar, a sociedade

civil estava tolhida de manifestar-se politicamente, portanto, não houve participação efetiva

de entidades representativas dos estudantes que, somente no contexto democrático, puderam

fazer frente às demandas universitárias. Contudo, em contexto democrático, os estudos

apontam que o principal articulador no debate em torno da assistência estudantil nos anos

1980 e 1990 foi o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis

(FONAPRACE), criado em 1987 para assessorar a Associação Nacional dos Dirigentes das

Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) em matéria de assistência ao estudante

(CAVALHEIRO, 2013; NASCIMENTO, 2013; MAGALHÃES, 2013), cumprindo esse papel

estratégico especialmente com a extinção da DAE nos anos 1980 e a perda de uma referência

nacional para a assistência estudantil no âmbito do Ministério da Educação.

Nascimento (2013, p. 114) destaca que, devido à conjuntura político-econômica

orquestrada pelo ideário neoliberal nos anos 1980 e 1990, o Ministério da Educação foi

omisso em relação às reivindicações do FONAPRACE e do movimento estudantil durante o

período. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 expressa bem o lugar da

assistência estudantil nos anos 1990. Guedelho (2007, p. 26) e Coelho (2012, p. 85) fazem

referência ao Art. 71 da LDB que nega a assistência estudantil como despesa de manutenção e

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desenvolvimento do ensino e ao Art. 212 que relega os recursos para essas ações à verba de

contribuições sociais. Nessa direção, “a LDB de 1996 contribuiu para a desresponsabilização

do Estado com o financiamento da assistência estudantil nas universidades públicas”

(MAGALHÃES, 2013, p. 66).

Assim, avanços em relação ao reconhecimento legal da assistência estudantil

emergiram nos anos 2000. Devido à articulação do FONAPRACE, segundo Cavalheiro

(2013, p. 36), Magalhães (2013, p. 60) e Oliveira (2016, p. 21), a assistência estudantil foi

inserida como pauta no Plano Nacional de Educação de 2001. Os autores citam ainda a

Portaria Normativa MEC nº. 39, de 12 de dezembro de 2007, que trata da assistência

estudantil para estudantes das Instituições Federais de Ensino Superior, o que consideramos

aqui esboço do Decreto nº. 7.234/2010.

Assim, diante dessa longa trajetória, concordamos que “o reconhecimento do direito à

assistência estudantil para a educação superior no Brasil é muito recente” (COELHO, 2012, p.

81). Data, especialmente, da regulamentação do PNAES, no sentido de que este garante a

oferta de serviços aos estudantes visando sua permanência no ensino superior. Ressalta-se que

tal conquista é fruto de um processo histórico, que envolveu o surgimento da demanda ao

longo da expansão do ensino superior com a ampliação do acesso das camadas populares,

além do papel do FONAPRACE como entidade articuladora das demandas estudantis em

período democrático, porém sem muito êxito até a primeira década dos anos 2000, questão

que situa o objeto de estudo desta pesquisa. O que pensam os autores sobre a assistência

estudantil? Um esforço de leitura sobre algumas concepções abordadas por pesquisadores da

temática é o enfoque do item seguinte.

2.2.2 Concepções de assistência estudantil

Alguns autores trazem explicitamente uma definição de assistência estudantil. Para

Guedelho (2007), a concepção de assistência estudantil está atrelada aos processos sócio-

históricos que lhe imprimem transformações. No contexto anterior ao PNAES, “a assistência

estudantil não é reconhecida como um direito social, antes de tudo, é uma prática inerente à

universidade como forma de solidariedade entre os membros de uma corporação”

(GUEDELHO, 2007, p. 40), posto que surge no Brasil quando apenas a elite tinha acesso à

universidade. Ainda define a autora:

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Consiste em uma herança da universidade medieval, relativa à conservação de práticas de auxílio mútuo entre membros de uma corporação. Preservada ao longo dos tempos, ganha, no contexto sócio-histórico contemporâneo, um novo sentido e um papel na esfera da compensação das desigualdades socioeconômicas entre os estudantes que têm acesso ao seletivo sistema de ensino superior brasileiro. Representa, não mais uma espécie de proteção entre pares, mas uma necessidade daqueles que, a despeito de todas as probabilidades estatísticas, conseguem ultrapassar a barreira de acesso ao ensino superior público (GUEDELHO, 2007, p. 54).

Assim, para Guedelho (2007), a assistência estudantil ganha legitimidade e

reconhecimento enquanto direito social a partir do processo de expansão do ensino superior

público que permitiu a ampliação do acesso às camadas populares, tornando a questão das

condições de permanência dos estudantes pobres no ensino superior um campo legítimo para

disputas e conquistas. Outros autores se eximem dessa reflexão e de antemão declaram que a

assistência estudantil consiste em direito social por considerarem que a mesma se situa em um

contexto mais geral das políticas sociais (SILVEIRA, 2012; MELO, 2013). Araújo (2015, p.

62), que situa a assistência estudantil como ação inserida na sociedade capitalista e

comprometida com a reprodução social nesse modelo societário, reforça a noção de direito

social desta ação que “precisa ser ampliada a todo estudante de forma universal” (ARAÚJO,

2015, p. 74).

Fernandes (2012, p. 129) se propõe discutir sobre a relação conceitual entre assistência

social e assistência estudantil. Contudo, apenas diferencia estas categorias devido à primeira

estar vinculada à seguridade social e a segunda inserida na educação; além de possuírem

regulamentações específicas. Oliveira (2016, p.18) explicita que a assistência estudantil não

consiste em política de seguridade social, assim como é a assistência social, porque não

objetiva proteção social diante das privações econômicas e sociais advindas da incapacidade

para o trabalho devido, por exemplo, a maternidade, a idade, a doença e a morte. Nessa

direção, Guedelho (2007) faz uma comparação entre as duas categorias. Afirma, portanto, o

seguinte.

A assistência social constitui um direito de cidadania assegurado pelo Estado e destinado ao suprimento de necessidades básicas. É nesse sentido que se pode fazer um contraponto à assistência desenvolvida no âmbito da educação superior. Esta se distingue, porque se estabelece por meio da solidariedade entre os membros da corporação universitária. Não se trata de fornecer, estrito senso, mínimos sociais aos excluídos socialmente, o que é papel da Assistência Social, mas proteger aqueles que se encontram em condições desfavoráveis para o prosseguimento com as atividades estudantis (GUEDELHO, 2007, p. 52).

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Os motivos que levam estudantes do ensino superior a serem atendidos pela

assistência estudantil, ou seja, condições desfavoráveis que os acometem durante o percurso

acadêmico, na visão de Guedelho (2007), se distinguem das demandas do público alvo da

assistência social, pois “aqueles que conseguem ser atendidos pelos parcos recursos

destinados à assistência estudantil, correspondendo aos critérios rigorosos de carência

exigidos, constituem um grupo de indivíduos privilegiados socialmente em relação à maioria

da população que sequer chega à universidade pública” (GUEDELHO, 2007, p. 53).

Para Cavalheiro (2013, p. 27), a assistência estudantil “é compreendida como um

programa focalizado no âmbito de uma política universal que é a educação”. Sobre

focalização, define: “As ações focalizadas das políticas sociais não produzem mudanças

estruturais na sociedade capitalista, [...] serve apenas para amenizar os impactos da pobreza

severa e desigual” (CAVALHEIRO, 2013, p. 53). A compreensão de Oliveira (2016) se

aproxima dessa visão de ação focalizada, destacando ainda que a assistência estudantil se trata

de “uma ação que, ao tempo em que supre necessidades que permeiam a vida acadêmica,

ampliando as possibilidades de êxito acadêmico, contribui para a redução das desigualdades

educacionais e previne a evasão escolar” (OLIVEIRA, 2016, p. 18).

Costa (2010) se propõe refletir sobre o termo equidade associado ao conceito de

assistência estudantil. Defende que “a correção de injustiças sociais, só ocorrerá a partir da

formação de políticas focadas de caráter pontual e que, acima de tudo, conduzam à equidade”

(COSTA, 2010, p. 46). Assim, a autora reforça teoricamente a perspectiva contida no PNAES

sobre equidade social. Por outro lado, mas na mesma direção, a abordagem de Queiroz (2015)

alega a importância do capital humano, por meio do qual compreende que “a educação torna

os indivíduos mais produtivos, aumenta suas rendas e colabora para o crescimento econômico

nacional” (QUEIROZ, 2015, p. 22). Para o autor, essa perspectiva justifica a implementação

do PNAES e a necessidade de investimentos no Programa.

Abreu (2012, p. 91) admite que “a assistência estudantil resulta da necessidade de criar

condições de justiça social para compensar os setores submetidos a difíceis e desiguais

condições de existência”. Porém, quando se reporta às reformas da Política Educacional no

Brasil afirma que estas são conduzidas a partir de demandas sociais legítimas, mas também

por uma visão redentora da educação e propulsora de desenvolvimento (ABREU, 2012, p.

56). A autora, contrariando a perspectiva de Queiroz (2015), considera que a ideia de capital

humano, a qual critica, quando relaciona escolaridade e desigualdade social como variáveis

dependentes, escamoteia a realidade, responsabilizando o indivíduo pela situação de pobreza e

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atribuindo à educação o papel de estratégia para a solução do problema da pobreza (ABREU,

2012, p. 57).

Seguindo a mesma linha de pensamento de Abreu (2012), Spricigo (2016) afirma o

seguinte.

Nesse sentido, as políticas de assistência estudantil têm seu papel desenhado para atuar em superfície, uma vez que se destinam a tratar os sintomas das desigualdades sociais que adentram as Instituições Educacionais, sem relação com seus processos constituintes e suas causas. Desse modo, a responsabilidade social do Estado direciona-se para o particular, o individual, com políticas públicas de caráter minimalista (SPRICIGO, 2016, p. 116).

Assim, o autor se posiciona de forma crítica em relação aos fundamentos ideológicos

do PNAES, ao passo em que identifica em sua revisão bibliográfica os autores que se mantem

em posição teórica semelhante. Nascimento (2013) adota também posicionamento crítico em

seus estudos sobre assistência estudantil. A autora faz uma crítica à concepção de assistência

estudantil vinculada a sua funcionalidade ao modelo de educação superior vigente no contexto

da democratização do acesso.

A assistência estudantil aparece na agenda da contrarreforma universitária dos anos 2000 diretamente vinculada ao controle das taxas de evasão e retenção universitária. De acordo com o discurso governamental, estas taxas funcionariam como empecilhos à materialização das propostas “democratizantes” para a universidade pública, sobretudo por reduzir a “eficiência” do sistema público, aumentando os gastos do governo federal e impedindo a liberação das vagas das universidades para outros estudantes (NASCIMENTO, 2013, p. 123).

Esta linha de análise acerca da assistência estudantil que sugere um posicionamento

crítico será retomada no capítulo seguinte, no intuito de desvendar uma perspectiva de análise

para o PNAES. Contudo, de antemão, entende-se que a assistência estudantil não se

conformou enquanto direito social na agenda pública desde seu nascedouro, o que foi

impulsionado a partir do surgimento da demanda social pela mesma, mas não de maneira

decisiva, até que existissem condições governamentais favoráveis a sua legitimação enquanto

uma ação pública focalizada. Dessa forma, é necessário voltar-se para o momento político,

social e econômico de regulamentação do PNAES, o que será priorizado no capítulo seguinte.

No âmbito das pesquisas sobre assistência estudantil, verificou-se a existência de

diversas concepções, conservadoras e críticas. Ora contextualizando o seu significado para a

sociedade brasileira, ora evocando seus princípios norteadores. Tais concepções sobre

assistência estudantil evidenciam a necessidade de conhecimento sobre a base conceitual do

Programa, sem fugir de uma análise crítica. Isso será abordado no capítulo seguinte. O

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próximo item se detém em apresentar alguns caminhos metodológicos percorridos por

algumas dessas pesquisas.

2.2.3 Abordagens metodológicas

Quanto ao percurso metodológico de pesquisas existentes sobre assistência estudantil,

destaca-se a seguir algumas delas.

Oliveira (2011) investigou sobre o tema a partir de uma metodologia que leva em

conta uma abordagem quantitativa, através da qual buscou avaliar a execução das ações de

assistência estudantil por meio da verificação do desempenho do programa, com base na

satisfação de sujeitos, em dois campi distintos do Centro Federal de Educação Tecnológica de

Minas Gerais.

Nascimento (2013) realizou pesquisa qualitativa de natureza documental, tendo como

foco os programas que, como o PNAES, estão voltados para a democratização do ensino

superior brasileiro durante os anos 2000. A partir de tal levantamento documental, a autora

analisou as concepções de assistência estudantil contidas em textos oficiais, com destaque

para os motivos que justificam sua institucionalização e expansão no ensino superior, e

construiu sua crítica ao discurso dominante veiculado.

Cavalheiro (2013) debruçou-se sobre esse tema lançando o olhar especificamente para

a assistência estudantil como campo de atuação dos profissionais de serviço social, o que a fez

preferir por seguir uma linha de investigação focada no exercício da profissão, sem escapar de

uma análise minuciosa sobre a experiência de implantação do PNAES nos Institutos Federais

gaúchos. A autora considerou os depoimentos dos assistentes sociais que atuam na assistência

estudantil em relação ao trabalho realizado no âmbito do planejamento e execução do

Programa. Destacou, em suas análises, o trabalho de estudo socioeconômico realizado por

esses profissionais.

Abreu (2012) investigou sobre o tema a partir da avaliação da implementação do

PNAES no contexto de expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica.

Enfocou a avaliação da eficiência e eficácia do PNAES nesse contexto de expansão da

política de educação profissional, considerando os aspectos dos recursos financeiros,

materiais e humanos e da infraestrutura disponíveis. Realizou também seu estudo a partir de

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informações declaradas pelos profissionais responsáveis pela execução sobre esse processo e

de beneficiários, quanto à satisfação em relação aos serviços.

Oliveira (2016) pesquisou sobre o processo de implementação do PNAES no Instituto

Federal do Piauí tomando por modelo de avaliação de políticas públicas o enfoque da

anatomia geral do processo de implementação do programa que tem por base os seguintes

aspectos: sistema gerencial e decisório; seleção dos implementadores e beneficiários;

capacitação dos agentes; sistema logístico e operacional; monitoramento e avaliação. Nesse

caso, a autora voltou-se não para os resultados do Programa, mas para sua implementação e

conformação institucional local, dando ênfase aos recursos (humanos, materiais e financeiros)

disponíveis para a execução. Considerou um modelo de avaliação centrado no processo, mas

que não aborda em profundidade o momento da formulação e o contexto mais geral em que

ocorre, nem tampouco as percepções dos beneficiários.

Tanto Abreu (2012), quanto Oliveira (2016) adotam modelos de avaliação em políticas

públicas como caminho metodológico para o estudo sobre o PNAES. Diante dessas

abordagens, pretende-se avaliar o mesmo Programa a partir de outra perspectiva

metodológica, isto é, de uma abordagem investigativa que, inspirada na avaliação em

profundidade, dê conta de compreender a lógica de sustentação desse Programa e as

possibilidades de alcance dos seus objetivos tendo em vista sua própria formulação, o

contexto no qual se insere, as concepções dos atores envolvidos e não os meios institucionais

construídos para sua efetivação. Assim, o próximo item apresenta o modelo de avaliação em

profundidade, ao passo em que dialoga com outras perspectivas de avaliação de políticas

públicas.

2.3 Perspectiva da Avaliação em Profundidade

Avaliação de políticas públicas constitui um campo especializado em matéria de

pesquisa social aplicada, construído a partir do envolvimento de várias áreas do

conhecimento, por isso interdisciplinar. Profissionais da educação, das ciências sociais, da

economia, dentre outros, têm contribuído para produzir uma vasta literatura sobre avaliação

de políticas públicas, considerada heterogênea, diversificada, em termos conceituais,

metodológicos e procedimentais. Essa premissa implica na difícil tarefa de, ao propor uma

pesquisa de avaliação, delimitar um processo metodológico, o qual parte de uma escolha por

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determinada abordagem ou modelo cujo papel concernente é o caminho mais específico da

investigação, posto que se configura em uma pesquisa científica.

Partindo desse pressuposto, desenvolve-se a seguir uma discussão com base em

revisão bibliográfica sobre o tema, sem a pretensão de esgotá-lo plenamente, considerando

esta uma tarefa complexa, pela qual não se vislumbra enveredar. O intuito é delinear uma

breve aproximação à temática avaliação de políticas públicas, tendo em vista subsidiar uma

discussão que justifica a escolha por determinada proposta avaliativa.

Nessa direção, a proposta avaliativa aqui esboçada sustenta-se na avaliação em

profundidade desenvolvida por docentes do Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas –

MAPP, da Universidade Federal do Ceará, (RODRIGUES, 2008; GUSSI, 2008;

GONÇALVES, 2008) e interage com outros paradigmas, a partir de uma interlocução

construída de forma crítica, sem dispensar o cuidado com a coerência no pluralismo teórico,

sob o risco de se incorrer em ecletismo epistemológico. Para tanto, tal diálogo parte do resgate

de algumas perspectivas e proposições, tendo em vista destacar pontos de convergências ou

divergências em relação à avaliação em profundidade e, por fim, apresenta esse modelo sob o

ponto de vista trabalhado nesta pesquisa.

Inicialmente, apresentam-se algumas características da avaliação em profundidade

para posteriormente estabelecer uma interlocução com outras propostas. Esse modelo foi

construído inicialmente por Rodrigues (2008), como um esboço de uma alternativa que visava

ultrapassar a perspectiva clássica de avaliação, centrada na mensuração de resultados e

alcance de objetivos como seu fio condutor.

A proposta de uma avaliação em profundidade tem por base uma perspectiva

interpretativa para a qual importa compreender os processos de elaboração e implementação

da política ou programa em questão, considerando quatro eixos analíticos: análise de

conteúdo, análise de contexto, trajetória institucional, espectro temporal e territorial

(RODRIGUES, 2008). Embora possam de alguma forma estar presentes em outros modelos,

tais aspectos assumem uma nítida centralidade nesta proposta, ou seja, constituem dimensões

centrais para a avaliação que considera a coerência da política, desde a esfera da formulação à

forma assumida no âmbito das instituições que a executam, bem como sua relação com o

contexto no qual se insere, a forma que assume nas vias institucionais, destacando-se o papel

de atores e as relações de poder neste âmbito. Além disso, observa a dimensão temporal e

territorial que circunda e condiciona a implementação da política, interferindo sobre seus

resultados.

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Cabe destacar sua pretensão de romper com um modelo de avaliação mais comumente

difundido, no sentido de inovar e agregar novas perspectivas ao campo da avaliação de

políticas públicas, inclusive a partir da contribuição de outras áreas do conhecimento, como é

o caso da antropologia, que se utiliza fundamentalmente de abordagens qualitativas e tem no

método etnográfico uma prerrogativa. Tal intenção de ruptura é expressa pela autora quando

explicita sua postura em relação aos modelos tradicionais.

A perspectiva é de cautela e mesmo ceticismo quanto aos modelos de análise que buscam avaliar políticas públicas tomando como questões centrais, que orientam os instrumentos de coleta de dados, aquelas que dizem respeito única e exclusivamente ao que foi o fio condutor da formulação dessas políticas (RODRIGUES, 2008, p. 10).

Nessa afirmação, está implícita também a intenção de ampliar a lente investigativa, ou

seja, por no centro da análise outras questões que estão implicadas na implementação da

política, mas que não se restringem ao que fora tomado como fio condutor de sua formulação.

Diante disso, volta-se para o modelo clássico, do qual se pretende distanciar, pois

primeiramente é necessário conhecê-lo para então buscar superá-lo. Estabelecendo esse ponto

de partida, portanto, destaca-se a abundante contribuição do paradigma clássico para a área de

avaliação, tendo em vista que tal paradigma marca o seu nascedouro enquanto campo

especializado do conhecimento científico. Para que se possa esboçar uma apresentação sobre

algumas dessas contribuições e, de forma crítica, ensaiar uma análise que vá ao encontro dos

objetivos aqui já mencionados, fundamenta-se nas obras de Nilson Holanda (2006) e Paula

Arcoverde Cavalcanti (2007). Ambas se tratam de sistematizações sobre conceitos e tipos de

avaliação com base em revisão da literatura.

Cavalcanti (2007) faz inicialmente uma retrospectiva histórica com o intuito de

demonstrar o surgimento e evolução do conhecimento sobre avaliação, especialmente a partir

de estudos nas áreas da saúde e educação. Um importante marco para o desenvolvimento

deste campo se refere ao período após a Segunda Guerra Mundial, quando se instituiu o

Estado de Bem Estar Social e se empreendeu no sentido de desenvolver a pesquisa social

aplicada (CAVALCANTI, 2007, p. 49). Contudo, um maior florescimento da literatura sobre

o tema ocorreu a partir dos anos 1970, em meio a questionamentos a respeito dos recursos

alocados para a área social, objeto de preocupação de organismos internacionais, como o

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (CAVALCANTI, 2007,

p. 56). Com o advento da globalização e do neoliberalismo a partir dos anos 1980, tal

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perspectiva se acentuou, provocando a consolidação e profissionalização da avaliação que

acarretou em seu aperfeiçoamento metodológico (CAVALCANTI, 2007, p. 57). Tal contexto

favoreceu o surgimento de um determinado enfoque de avaliação que Cavalcanti (2007, p. 43)

considera estar voltado para o objetivo de conhecer os resultados subjacentes às políticas

públicas tendo como foco o processo de implementação.

Tanto na obra de Cavalcanti (2007), quanto em Holanda (2006), encontra-se uma

gama de tipos de avaliação citados pelos autores. Contudo, “o tipo mais comum de avaliação

é aquela centrada nos produtos ou resultados e impactos do programa ou projeto”

(HOLANDA, 2006, p. 114). Acredita-se que o relevo dado a este tipo de avaliação ocasiona

uma imediata associação do mesmo ao modelo clássico, criticado por autores cuja abordagem

construtivista ou interpretativa tende a distanciar-se dessa lógica. Nas palavras de Rodrigues

(2011a), observa-se tal associação.

Verifica-se, desta forma, que o foco da investigação concentra-se naquilo que foi planejado e que é esperado alcançar como resultado das ações e perde-se a oportunidade de perceber o imprevisto na formulação da política, ou, ainda, de compreender como a proposta original se efetiva na prática e o que isto revela de inconsistências na sua própria formulação. Ou seja, nessas abordagens há pouco ou mesmo nenhum espaço para a crítica à própria política, desde sua formulação, e menos ainda aos princípios nos quais a mesma está alicerçada (RODRIGUES, 2011a, p. 43).

A autora faz, portanto, uma crítica bastante contundente a determinado tipo de

avaliação tradicional focado nos resultados, como escopo limítrofe para uma visão mais

ousada de avaliação. Outros autores que encontram também na crítica ao modelo clássico o

ponto de partida para suas elaborações são Guba e Lincoln (2011), vinculados ao paradigma

construtivista que, ao realizarem um resgate da tradição em avaliação na área educacional,

apontam a existência de “imperfeições ou defeitos suficientemente graves para justificar que

se questione se não seriam indispensáveis no momento outros aprimoramentos – ou mesmo

uma completa reconstrução” (GUBA; LINCOLN, 2011, p. 39). Os autores ainda citam estes

“defeitos”: “tendência ao gerencialismo, incapacidade de acomodar o pluralismo de valores e

comprometimento exagerado com o paradigma científico de investigação” (GUBA;

LINCOLN, 2011, p. 39). Assim, a crítica a modelos de avaliação focados na mensuração de

resultados é um aspecto de convergência entre Rodrigues e Guba e Lincoln.

Quanto ao aspecto de mensurar resultados, pode-se ainda fazer alusão à crítica de

Lejano ao paradigma positivista presente nas ciências sociais, como segue.

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Nas ciências sociais, porém, lidamos com fenômenos como confiança, esperança, ganância, imaginação e outras coisas que são naturalmente imensuráveis. Essas realidades não são apenas observadas, mas experimentadas e interpretadas. Neste caso, o positivismo insiste em encontrar dimensões de medição que podem traduzir estes fenômenos em coisas fisicamente observáveis e mensuráveis (LEJANO, 2011, p. 196).

A prática de mensuração de resultados é, portanto, associada ao paradigma

positivista, na visão de Lejano3 (2011). Para além de tal crítica, o autor também propõe um

novo modelo interpretativo de avaliação de políticas públicas focado na experiência, o qual é

fonte de inspiração para Rodrigues (2008) na construção da avaliação em profundidade, o que

será abordado mais adiante.

A mensuração dos resultados de uma política, contudo, não é o único alvo de

preocupação de modelos de avaliação encontrados na literatura. A fim de demonstrar tal

assertiva, destacam-se a seguir outras propostas e aspectos considerados relevantes que, na

perspectiva aqui apresentada, podem dialogar com a proposta de avaliação em profundidade.

Para tanto, abordam-se outros pontos encontrados na revisão de literatura apreciada

por Holanda (2006), Cavalcanti (2007) e, ainda por Silva (2008). Dentre os tipos de avaliação

citados por Holanda (2006, p. 106), destacam-se a avaliação da teoria do programa e a

avaliação do processo. Embora, sejam mencionados como parte do conjunto de avaliações

tradicionais, acredita-se que estes especificamente não se limitam à perspectiva clássica

criticada acima e chamam a atenção por manterem aparentemente algum nível de

aproximação com a proposta de avaliação em profundidade.

A avaliação da teoria do programa considera o seguinte entendimento.

Qualquer programa social está fundamentado em uma teoria – a teoria do programa, um conjunto de hipóteses logicamente articuladas que explicam como e por que podemos esperar que a intervenção do governo irá resolver um determinado problema social. Ela define também a estratégia e a tática que serão utilizadas para atingir os objetivos e metas do programa (HOLANDA, 2006, p. 109).

Esta afirmação acerca da existência de uma teoria em qualquer programa social é

instigante, pois demonstra a necessidade de se construir um determinado tipo de avaliação que

tenha como foco analítico tal teoria. Ao que parece, a avaliação da teoria do programa busca

suprir tal demanda. Esse tipo de avaliação se aproxima da avaliação política da política

apresentada por Silva (2008, p. 149) como sendo um tipo de avaliação que “consiste em

3 A publicação de 2011 refere-se à versão traduzida para o português. Rodrigues (2008) usa como

referência o texto original de Lejano publicado em inglês, em 2006.

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analisar e elucidar as razões que tornaram determinada política preferível a qualquer outra,

preocupando-se com os princípios explícitos e implícitos que a fundamentam”. Assim, tal tipo

de avaliação se volta para a “análise dos pressupostos e fundamentos políticos de determinada

ação política, não interessando o desenho do programa nem seus resultados” (SILVA, 2008,

p. 118-119).

Tais preocupações se aproximam em alguma medida da proposta de Rodrigues (2008),

quando elege como um dos eixos analíticos da avaliação em profundidade a análise de

conteúdo, que implica em um trabalho de levantamento e análise do material institucional no

intuito de apreender objetivos, critérios, dinâmica de implantação, acompanhamento e

avaliação, paradigmas orientadores, concepções e valores, conceitos e noções centrais que

sustentam a política ou programa, bem como sua coerência interna, ou seja, “não contradição

entre as bases conceituais que informam o programa, a formulação de sua implementação e os

itens priorizados para o seu acompanhamento, monitoramento e avaliação” (RODRIGUES,

2008, p. 11). Apesar da aproximação percebida, a proposta de uma avaliação em profundidade

não se restringe à análise do conteúdo, teoria ou princípios que orientam a política,

constituindo apenas um dos escopos da avaliação.

Nesse caso, a autora propõe não apenas a percepção da base conceitual da política,

mas sua relação com a formulação de sua implementação, considerando que o processo de

formulação de determinada política não se limita às instâncias na qual se origina, mas

compreende o processo decisório como contínuo, dependendo do grau de autonomia das

instituições executoras. Por isso, ela inclui o escopo da trajetória institucional a qual “pretende

dar a perceber o grau de coerência/ dispersão do programa ao longo do seu trânsito pelas vias

institucionais” (RODRIGUES, 2008, p. 12). Para tanto, a reconstrução da trajetória do

programa deve considerar sua gestação e a base de sua implementação, inclusive

considerando que ambos os momentos ocorrem em espaços diferenciados, em que apenas o

segundo coincide com o espaço em que agentes institucionais têm contato direto com sujeitos

receptores da política (RODRIGUES, 2008, p. 12). A autora ainda considera que este aspecto

da avaliação em profundidade é “um dos mais importantes para o entendimento do que

realmente ocorre quando se implementam ações dentro de uma política gestada nas esferas

superiores, principalmente quando, em razão dos processos de descentralização, é fornecida

autonomia às esferas regionais e locais” (RODRIGUES, 2011b, p. 59).

A trajetória institucional, tomada como eixo analítico da avaliação em profundidade

não se confunde, portanto, com a tradicional avaliação de processo, outro tipo destacado pela

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literatura, embora exista alguma aproximação entre ambas. A avaliação de processo se

preocupa com o processo da política, mais que com o seu produto, tendo em vista evidenciar

o “como fazer” a política (HOLANDA, 2006, p. 111). O autor ainda aponta a diferença entre

avaliação de processo e monitoramento, uma vez que a primeira corresponde a uma atividade

externa, uma pesquisa executada num prazo determinado, e o último “é uma atividade interna

do projeto (...), realizada de forma continuada, tendo como objetivo apoiar o gerenciamento”

(HOLANDA, 2006, p. 111). Cavalcanti (2007) também trata da avaliação de processo, como

sendo aquela que ocorre durante a execução do programa e que, de maneira geral, “focaliza a

gestão e se preocupa em produzir informações para as modificações e correções que permitam

melhorar e otimizar o funcionamento e consequentemente os seus resultados”

(CAVALCANTI, 2007, p. 87). Assim, está preocupada em avaliar a implementação da

política ou programa tendo por parâmetro o seu planejamento. Silva (2008) define avaliação

de processo da seguinte forma.

É o modelo de avaliação de políticas e programas sociais que se volta sobretudo a aferir a eficácia de um programa. Ou seja: em que medida o programa está sendo implementado conforme as diretrizes preestabelecidas e quais as relações entre produto gerado e as metas previstas ou desejadas. (...) Pode ainda se preocupar com a relação custo/ benefício, procurando aferir o grau de otimização dos recursos disponíveis, tanto econômicos como políticos (eficiência). Assim, a questão central da avaliação de processo se refere ao funcionamento do programa e aos serviços prestados (SILVA, 2008, p. 152).

Entre esses autores é explícita a elucidação ao alcance de resultados que foram

predefinidos e estão em estreita relação com a adequação entre meios utilizados na

implementação do programa e objetivos originais (SILVA, 2008, p. 152). Dessa forma, tendo

como foco o funcionamento do programa, é possível revelar incoerências na implementação,

contudo a avaliação de processo restringe as possibilidades de explicar por que isso ocorre.

Nessa direção, ainda, no intuito de propor contribuições para se fazer avaliações

menos ingênuas, Arretche (2001) introduz a ideia de que, antes do avaliador emitir juízo de

valor acerca de determinado programa, é necessário considerar que a implementação modifica

e de fato faz as políticas públicas. Assim, a autora aprofunda aspectos da implementação de

políticas públicas, constatando que “um programa é, então, o resultado de uma combinação

complexa de decisões de diversos agentes” (ARRETCHE, 2001, p. 47), decisões estas que

seguem tendências raramente coincidentes. Assim, a autora alega o seguinte:

Uma adequada metodologia de avaliação não deve, portanto, concentrar-se em concluir pelo sucesso ou fracasso de um programa, pois, como espero haver

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demonstrado, independentemente da “vontade política”, da ética ou do interesse dos formuladores e implementadores, a distância entre formulação e implementação é uma contingência da ação pública. Com efeito, uma adequada metodologia de avaliação deve investigar, em primeiro lugar, os diversos pontos de estrangulamento, alheios à vontade dos implementadores, que implicaram que as metas e os objetivos inicialmente previstos não pudessem ser alcançados (ARRETCHE, 2001, p. 52).

O que a autora aponta é a necessidade de reconhecer a natural divergência entre as

concepções de formuladores e implementadores. Assim, para ela, uma avaliação menos

ingênua não deveria se limitar a concluir que a distância entre formuladores e

implementadores define o sucesso ou fracasso de uma política, mas ir além dessa constatação

factual e investigar os motivos que impossibilitaram o alcance dos objetivos. Então, a autora

complementa.

Uma adequada metodologia de avaliação deveria concentrar-se no exame das razões pelas quais a distancia entre os objetivos e a metodologia de um programa – tal como previstos por seus formuladores –, bem como sua implementação efetiva, ocorre por decisão dos próprios agentes implementadores (ARRETCHE, 2001, p. 52).

Tal constatação de que os programas são modificados pelos implementadores e que,

portanto, a avaliação deve investigar os motivos pelos quais isso ocorre, embora seja uma

compreensão importante, não chega a propor de fato uma contribuição para a realização de

avaliações menos ingênuas. Isso porque tal constatação leva a autora a concluir que o que

pode explicar tal realidade é o nível de adesão dos implementadores à proposta dos

formuladores, determinado pelo: nível de conhecimento que os implementadores de fato

possuem sobre o programa; a aceitação dos seus objetivos, regras e prioridades; condições

institucionais para a implementação do programa; e adaptações ao desenho original do

programa devido a questões não previstas pelos formuladores (ARRETCHE, 2001, p. 53).

Para suprir tal “prejuízo” (digamos assim) que a baixa adesão dos implementadores

possa causar ao sucesso do programa, a autora propõe então que, “por esta razão, todo modelo

de implementação deve contemplar a formulação de uma adequada estrutura de incentivos”

(ARRETCHE, 2001, p. 54) como estratégia para garantir a adesão dos implementadores à

proposta formulada originalmente. Defende ainda que, “problemas na estrutura de incentivos

podem explicar grande parte das dificuldades da autoridade central para obter sucesso na

implementação de seus programas” (ARRETCHE, 2001, p. 49).

Destarte, a avaliação de processo restringe as possibilidades de compreender porque

podem existir incoerências entre a formulação e a implementação de programas, pois parte da

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crítica ao processo de implementação e não da crítica à construção da própria política, como

propõe Rodrigues (2008), (2011a) e (2011b). Neste sentido, entende-se que a avaliação em

profundidade ultrapassa o escopo da avaliação de processo, porque lida com aspectos que se

tornaram lacunas da literatura convencional.

A avaliação em profundidade, ao buscar compreender os objetivos da política para

além de seu alcance e apreensão dos resultados de êxito ou fracasso, busca avaliar a coerência

com os mecanismos construídos para sua efetivação, de maneira a questionar os próprios

objetivos predefinidos. Tal questionamento se fundamenta ainda nas análises de conteúdo e

contexto da política, que evidenciam os princípios norteadores, a lógica envolvida na

formulação, bem como ao longo da implementação, em relação aos seus respectivos

contextos. Portanto, entende-se aqui que a avaliação em profundidade se constitui a partir de

uma visão holística da política ou programa em questão, compreendendo-os a partir de

dimensões processual, histórica, social, econômica e cultural, ou seja, de sua

“multidimensionalidade” (RODRIGUES, 2011b, p. 57).

E quanto ao aspecto contextual, é possível resgatar determinadas compreensões sobre

“contexto” que se diferenciam em Lejano (2011) e Rodrigues (2011b). Para o primeiro autor,

inspirador de Rodrigues (2008) na formulação de um modelo interpretativo para avaliação de

políticas públicas, vale problematizar a fusão de texto e contexto, ou seja, “o engajamento do

texto com o real induz mudanças reais na maneira pela qual a política é posta em ação” e,

portanto, verificar a coerência da política que significa a adaptação do texto ao contexto

(LEJANO, 2011, p. 229). Nessa perspectiva, o autor compreende contexto como um recorte

voltado para o lugar específico no qual uma política é efetivamente implementada, dando

vasão ao aspecto da “experiência”, que significa “o modelo de conhecimento da pessoa (ou

grupo) inserido na situação política” (LEJANO, 2011, p. 205). Já Rodrigues (2011b),

aprofunda o conceito e admite que há vários níveis de contexto e, por isso, propõe na

avaliação em profundidade a análise de contexto da formulação da política, considerando:

“levantamento de dados sobre o momento político, condições socioeconômicas, com atenção

para as articulações entre as esferas local, regional, nacional, internacional, e mesmo

transnacional, quando for o caso” (RODRIGUES, 2011a, p. 59).

Além disso, a autora destaca o seguinte:

A importância da apreensão do modelo político/econômico vigente no país, do lugar que ocupa o social neste modelo e em que medida à política ou ao programa se articulam outras políticas e/ou programas. Ou seja, ver a política ou programa como

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parte de um conjunto de ações que expressa, de uma forma mais abrangente, um modo de conceber a política, em seu sentido amplo, contemplando o econômico e o social e a definição dos caminhos para o país (RODRIGUES, 2011a, p. 59).

Tal aspecto é considerado como fundamental para a pesquisa aqui realizada com base

na avaliação em profundidade, considerando que os objetivos desta não se restringem a

capturar as concepções dos sujeitos envolvidos na assistência estudantil acerca da mesma,

mas vislumbra correlacionar tais perspectivas com um conteúdo de âmbito mais geral e

complexo, situado nos campos econômico, social e político, posto que o próprio conteúdo do

programa está relacionado ao contexto e, portanto, ao momento político e econômico de sua

idealização.

A avaliação em profundidade se propõe também detalhada e densa, segundo

Rodrigues (2011b). Tal pretensão, a autora justifica a partir de sua própria área de formação,

ou seja, da antropologia, inspirada em Geertz (1978 apud Rodrigues, 2011b, p. 57), para quem

uma descrição densa, que emerge de uma abordagem interpretativa, consiste no “esforço

intelectual do pesquisador na busca dos sentidos e significados que emanam da situação em

estudo”, no caso da política pública, deve preocupar-se com os significados para quem as

formulam, executam ou vivenciam (RODRIGUES, 2011b, p. 57). Nesse sentido, considerou-

se a avaliação em profundidade adequada para a realização dos objetivos dessa pesquisa, uma

vez que também se preocupa em compreender a concepção de assistência estudantil para os

sujeitos envolvidos de forma direta com o programa, como aqueles citados anteriormente

(formuladores, executores e beneficiários), mas também, vale acrescentar, a concepção de

sujeitos que se envolvem indiretamente com as ações de assistência estudantil a partir de sua

vinculação direta com a finalidade primeira destas ações, relativa ao processo educacional,

que são os professores.

Esse aspecto é fundamental, porque essa pesquisa não se restringe a buscar

compreender o que os sujeitos pensam sobre a realidade social. Observa-se a relevância do

aspecto subjetivo que, nas ciências sociais, tem fundamental importância e remete a

abordagens de investigação qualitativas. Minayo (1996) constata uma revalorização do

qualitativo nas ciências sociais. Segundo a autora, a partir da sociologia compreensiva, da

fenomenologia e do marxismo, vem se evidenciando uma preocupação maior com os

significados e a subjetividade dos fenômenos como parte integrante das ciências sociais.

Contudo, considerando as matrizes do pensamento sociológico apresentadas por Minayo

(1996), a avaliação do Programa Nacional de Assistência Estudantil desenvolvida neste

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trabalho entende a realidade social, não como uma construção de significados feita pelos

sujeitos no cotidiano, como pensam os compreensivistas, mas como uma totalidade cujo

movimento de aproximação deve considerar as condições objetivas e subjetivas inerentes aos

processos sociais. Isso porque “a realidade não se apresenta aos homens, à primeira vista”, tal

como ela é, a não ser pela aparência dos fenômenos, cuja essência se manifesta apenas

parcialmente e só se pode conhecer através de aproximações sucessivas (KOSÍK, 1976, p.

10).

Nesse sentido, entende-se que não é possível realizar um estudo aprofundado acerca

de determinado fenômeno detendo-se apenas nos aspectos subjetivos das percepções

imediatas dos sujeitos envolvidos, pois se considera que as condições materiais de existência,

ou seja, a realidade objetiva é anterior ao pensamento humano e o condiciona.

A estrutura social e o Estado nascem continuamente do processo vital de indivíduos determinados; mas desses indivíduos não tais como aparecem nas representações que fazem de si mesmos ou nas representações que os outros fazem deles, mas na sua existência real, isto é, tais como trabalham e produzem materialmente; portanto, do modo como atuam em bases, condições e limites materiais determinados e independentes de sua vontade (MARX; ENGELS, 1998, p. 18).

Assim, as condições reais de existência, ou seja, a realidade social é construída a partir

da ação dos indivíduos em dadas condições e não como fruto exclusivo do pensamento. Esta

não é uma premissa epistêmica determinista. Apenas representa a relação entre sujeito e

realidade, mundo subjetivo e objetivo, condições concretas de vida e pensamento, estrutura e

superestrutura, no âmbito da perspectiva marxista. E ainda expressa a relação dialética e

complexa de como a realidade social se apresenta para os homens em sua vida cotidiana.

Assim, para efeito desta avaliação, consideram-se as percepções dos sujeitos sobre a

assistência estudantil sem perder de vista o contexto e a realidade social que lhes antecedem.

Rodrigues (2011) ainda indica algumas contribuições no sentido de como se realizar

avaliação em profundidade. A autora ressalta a importância da “articulação entre trajetória

individual, institucional e do programa, por um lado, contexto, bases conceituais e dimensão

cultural da organização, por outro” como forma de potencializar os resultados de uma

pesquisa avaliativa (RODRIGUES, 2011b, p 64). Tal articulação é considerada aqui também

como fundamental para subsidiar a construção de uma avaliação em profundidade, por isso,

entende-se que seus eixos analíticos possuem íntima vinculação e devem ser analisados a

partir de mútua articulação. Rodrigues também se volta para esse aspecto ao concluir sobre a

dissertação de mestrado de Chaves (2010 apud RODRIGUES, 2011b) “que não separa

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trajetória, concepções e bases conceituais, assim como contexto. Estão todos bem

entrelaçados e é esse deslindamento que permite compreender o que ela denominou de

instabilidade do programa” (RODRIGUES, 2011b, p. 69). Portanto, para uma avaliação em

profundidade chegar a determinadas conclusões, sejam elas quais forem, é necessário haver

articulação entre os eixos analíticos.

Quanto ao eixo analítico do espectro temporal e territorial indicado por Rodrigues

(2008), este é destacado da seguinte forma:

O último tópico desenvolvido diz respeito ao que denominei de espectro temporal-

territorial, que se refere ao percurso de uma política pelas vias institucionais e espaços socioculturais, ao longo do tempo de sua implementação. Trata, portanto, dos deslocamentos de uma política por espaços políticos, econômicos e socioculturais distintos, uma vez que comporta não apenas, do ponto de vista macroestrutural, o trânsito pelas esferas federal, estadual e municipal, mas a apreensão e efetivação da política em contextos distintos; sujeita, portanto, a uma variada gama de apropriações e interferências – conforme os interesses, jogos de poder e forças políticas locais – podendo levar a resultados distintos, bem como revelar inadequações na forma como a mesma foi pensada, formulada e implantada, em razão de particularidades que dizem respeito à dimensão sociocultural local e/ou regional (RODRIGUES, 2011b, p. 60).

Este é um aspecto importante, pois diz respeito às particularidades que um programa

formulado em âmbito federal assume localmente. Contudo, tal dimensão não foi levada às

últimas consequências, devido ao tempo destinado à realização da pesquisa ser insuficiente

para tal empreitada que necessitaria inclusive de uma análise comparativa entre espaços de

implementação distintos, ultrapassando, assim, os objetivos iniciais da pesquisa. O que se

pôde agregar a partir de tal dimensão analítica, o espectro temporal e territorial, é a busca

pelos aspectos culturais e as relações de poder imbricados na implementação.

Esses aspectos evidenciam a maneira complexa como uma política ou programa se

efetiva em contextos específicos, ou seja, na realidade particularizada. Nessa direção, é

necessário evidenciar que tais aspectos como as relações de poder acomodam níveis relativos

de participação dos sujeitos no decorrer do processo decisório que conduz a implementação.

A participação é, portanto, uma categoria relevante para a pesquisa avaliativa, para a qual se

faz necessário recorrer a outras contribuições teórico-metodológicas, tendo em vista subsidiá-

la, vez que não fora claramente explicitada por Rodrigues (2008), (2011a) e (2011b).

A participação pode ser compreendida como dimensão analítica da avaliação de

políticas públicas. Silva (2009) explicita essa dimensão a partir da função política atribuída à

pesquisa avaliativa, “oferecendo informações para sujeitos sociais fundamentarem lutas

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sociais para o controle social das políticas públicas” (SILVA, 2009, p. 13). Assim, a autora

considera dois aspectos da abordagem participativa: um vinculado ao envolvimento dos atores

(gestores, executores) e usuários no processo de avaliação; outro relativo ao compromisso dos

avaliadores com os interesses da população e o fortalecimento das lutas por mudanças sociais

(SILVA, 2009, p. 14). Entende que a participação, na perspectiva da autora, está voltada para

a produção de um conhecimento comprometido com as lutas sociais de maneira a contribuir

para o controle sobre os programas sociais enquanto ações de interesse público. Nesta

pesquisa, acrescenta-se ainda outro aspecto para a dimensão participativa na avaliação, que

diz respeito a busca por revelar ou capturar o grau de participação dos sujeitos (formuladores,

implementadores e beneficiários) no decorrer da implementação. Este é um aspecto

considerado aqui intrínseco à trajetória institucional do Programa.

Com essas ressalvas, no geral, a avaliação em profundidade é a perspectiva aqui

adotada para investigar a implementação do Programa Nacional de Assistência Estudantil no

âmbito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), considerando

como objeto de estudo as concepções de assistência estudantil que norteiam a implementação

do PNAES no IFPI e suas implicações nesse processo, na visão de diferentes sujeitos.

Os resultados da pesquisa estão expostos nos capítulos subsequentes, sendo que o

próximo aborda a análise de contexto e conteúdo do PNAES de maneira articulada.

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3. ANÁLISE DO PNAES A PARTIR DO CONTEXTO POLÍTICO E ECONÔMICO BRASILEIRO E DE SUA ORIENTAÇÃO IDEOLÓGICA

Como salientado anteriormente, com base em Rodrigues (2008), a avaliação em

profundidade consiste na análise de conteúdo do programa articulada à análise do contexto e

trajetória institucional, além do espectro temporal e territorial. Neste capítulo, o enfoque é nos

dois primeiros eixos analíticos. O objetivo aqui é apresentá-los de maneira articulada. Embora

estejam expostos em seções específicas com vistas à organização das ideias, não se deseja

estacionar na aparente fragmentação das mesmas. Dessa forma, no final do capítulo serão

tecidas considerações que visam retomar os itens, demonstrando a relação existente entre as

análises de conteúdo e contexto do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES),

capaz de revelar uma perspectiva de análise para o PNAES tendo em vista sua

contextualização social, econômica, política, histórica, bem como referência a base teórico-

ideológica que o sustenta.

Na primeira seção, busca-se discutir sobre a realidade brasileira recente, considerando

os aspectos econômico, político e social que subjaz as políticas públicas de caráter social,

tendo como recorte histórico a primeira década dos anos 2000, que compreende os mandatos

do presidente Luís Inácio Lula da Silva. O panorama, portanto, é propício para se

compreender a perspectiva das políticas sociais desse período, tendo como foco a política de

educação profissional, à qual é reservado destaque em subseção específica.

Na segunda seção, são abordados os fundamentos teórico-ideológicos do Programa a

partir de uma revisão da literatura sobre categorias teóricas definidas por manterem relação

com os preceitos que subsidiam a construção do Programa. A revisão bibliográfica privilegia

a literatura que possui uma visão crítica em relação às categorias desenvolvimentismo, capital

humano, equidade, focalização, permanência, evasão e retenção. Isso significa que as fontes

originais que embasaram o surgimento destas categorias no universo científico não foram

exploradas a fundo ou diretamente consultadas, uma vez que já existe uma leitura crítica que

as toma como objeto de estudo e que é consideravelmente confiável e reconhecida no âmbito

da pesquisa social.

Por fim, este capítulo apresenta uma discussão com enfoque no PNAES resgatando as

análises de contexto e conteúdo a fim de esboçar uma perspectiva analítica para o Programa.

Nessa discussão, evidencia-se como estão arraigados os seus conceitos fundamentais

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(desenvolvimentismo, capital humano, equidade, permanência, etc.) ao contexto econômico,

social e político determinado pelo período histórico de sua regulamentação. Ao tempo em que

se identifica a relação entre a legitimidade do Programa e a programática novo

desenvolvimentista, observa-se que a fragilidade de tal proposta, atrelada a determinações que

se operam no plano econômico e desembocam na esfera social, condiciona sua real

materialização, ao que se soma ainda as orientações impingidas pelas circunstâncias políticas

que podem lhe ser favoráveis ou adversas.

3.1 Realidade econômica, política e social brasileira na primeira década dos anos 2000

O surgimento da assistência estudantil no ensino superior é um aspecto que já foi

tratado por outras produções científicas abordadas no segundo capítulo deste trabalho, o que

se pode considerar como pertinente pelo menos para a compreensão de que esta ação nasce

bem antes da regulamentação do Programa Nacional de Assistência Estudantil. Então o que

corroborou para que uma ação tão antiga quanto à universidade4 pudesse assumir um desenho

de política pública? Cabe aqui fazer uma discussão sobre o contexto de legitimação da mesma

enquanto programa social na esfera das políticas públicas. É no contexto econômico, político

e social da época de regulamentação do PNAES, portanto, que se buscam os elementos que

dão sentido às respostas para essa questão, no intuito de privilegiar a abordagem avaliativa

que se propõe aprofundada. O recorte temporal para essa análise parte da ascensão do Partido

dos Trabalhadores à presidência da República do Brasil até o ano de regulamentação do

PNAES, ou seja, a primeira década dos anos 2000. Inicialmente, este item busca fazer um

breve apanhado desse contexto subjacente às políticas sociais, para adiante focar na política

de educação profissional. Dessa forma, é necessário compreender os processos econômicos,

políticos e sociais como interconectados e interdependentes no âmbito do movimento

histórico.

Desde o final do século XX, vem se consolidando na América Latina, de forma geral,

e no Brasil, particularmente, um cenário econômico regido por um padrão de especialização

4 Consultar Guedelho (2007).

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da produção e da base exportadora centrado em commodities5 agrícolas e metálicas assim

como produtos industriais de baixo valor agregado. Alguns estudos vêm abordando tal

temática, como se observa no trecho abaixo.

Essa configuração não reflete uma estratégia ativa de diversificação e geração de novos mercados e oportunidades comerciais, mas o aproveitamento de vantagens naturais ou comparativas na produção e no comércio internacional. Na verdade, o dinamismo exportador reflete uma demanda externa aquecida por esses produtos característicos da região assim como na rápida capacidade de reação das economias latino-americanas a tal demanda (MOREIRA; MAGALHÃES, 2016, p. 193).

Os autores acima se referem a esse perfil econômico enquanto dependente do

comércio internacional e da demanda externa, uma vez que a competitividade entre os países

é determinada pela ideia de existência de vantagens comparativas6 entre as nações. Essa

realidade se tornou propícia para os países latino-americanos dentro da lógica de

financeirização econômica desencadeada nas últimas décadas do século XX, a partir da qual o

lucro das empresas é potencializado através de especulações que lhes garantem valorização

fictícia. Sobre essa configuração mais ampla que o padrão de acumulação capitalista assume

atualmente, os autores abaixo destacam.

A lógica do regime de acumulação de dominância financeira na condição de nova configuração da globalização se impõe progressivamente a partir do início dos anos oitenta e se afirma definitivamente em meados dos anos noventa. Este novo regime é notadamente caracterizado por transformações no regime concorrencial, com a passagem para um modelo de concorrência oligopolista mundial, pela afirmação da esfera financeira como locus privilegiado de valorização do capital e por mudança na repartição e na relação salarial (MOREIRA; BORBA, 2015, p. 02).

Assim, nos auspícios do século XXI, transformações gestadas na esfera econômica

mundial impelem uma liberalização dos mercados em tempos de domínio das finanças em

nível global, ou seja, a cumulação e reprodução capitalista agora se situam primordialmente

no campo da especulação financeira e no sistema bancário, onde os lucros das grandes

empresas multinacionais e transnacionais são potencializados em uma proporção sem

precedentes. Enquanto lócus privilegiado da valorização do capital, a esfera financeira se

5 Commodities consistem em transações comerciais de produtos de origem primária, de baixo valor

agregado, a partir de especulações no mercado financeiro internacional. 6 Para seguidores da Lei das Vantagens Comparativas, cada nação deve se especializar no âmbito do

mercado internacional conforme suas competências, o que seria vantajoso do ponto de vista do mercado a regular as relações cambiais e o lucro das nações. Alguns autores adeptos dessa corrente acreditam que é positivo para o Brasil firmar sua economia em exportação de matéria prima, o que não é o pensamento de Moreira e Magalhães (2016).

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funde à esfera da produção, em uma relação de interdependência entre ambas capaz de

transferir riquezas da segunda em relação à primeira (MOREIRA; BORBA, 2015, p. 02).

Nesse contexto, a inserção do Brasil no circuito de acumulação financeira mundial foi o ponto

nevrálgico para as opções econômicas que se sucederam desde meados da década de 1990 e

que se perpetuam nos anos 2000. Essa inserção do Brasil na era da financeirização foi

propiciada por dois fatores principais, como indicam os autores abaixo.

Por um lado, os processos de abertura comercial e financeira, bem como o êxito da política de estabilização monetária, garantiram um ambiente favorável à retomada do influxo de capital. Por outro lado, as reformas ocorridas no setor financeiro, com a abertura do mercado brasileiro de títulos privados e públicos permitiram, juntamente com os fatores anteriormente mencionados, o ingresso ativo do país no processo de financeirização (MOREIRA: BORBA, 2015, p. 03).

Conforme citação acima, as políticas de estabilização monetária adotadas nos anos

1990 com o Plano Real, associadas à política de abertura financeira e comercial do país

permitiram a entrada de moeda estrangeira na forma de investimentos externos, inaugurando a

inserção da economia brasileira no circuito de acumulação financeira mundial. Essas políticas

visavam à abertura do país ao mercado financeiro, a securitização da dívida externa e o

controle rígido da inflação, problemas que se alastravam até início dos anos 19907.

Tal processo intensifica a “predominância das atividades comerciais e financeiras

sobre as produtivas”, impulsionando profundas mudanças para a inserção produtiva do país

(MOREIRA: BORBA, 2015, p. 06). Assim, sua opção pela acumulação rentista se expressou

a partir da valorização de setores produtivos voltados para atender o mercado financeiro

internacional, o que provocou a reprimarização econômica tendo por base as commodities, em

detrimento da ampliação do setor industrial de média e alta tecnologia.

Esse padrão vem substituir o modelo de desenvolvimento econômico adotado entre as

décadas de 1940 e 1970 que privilegiava a industrialização como estratégia de modernização

propulsora do crescimento econômico dos países subdesenvolvidos. Maiores evidências dessa

nova conjuntura são apontadas por Moreira e Borba (2015) e Moreira e Magalhães (2016),

para os quais o processo de reprimarização da pauta exportadora foi acompanhado por um

processo de desindustrialização da economia.

7 Uma análise mais detida sobre as medidas adotadas pelos governos de Fernando Henrique Cardoso,

Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff no sentido de garantir a inserção do país na era da financeirização e seus efeitos sobre o perfil econômico que se configurou desde então consta em Paulani (2012a).

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Em estudo sobre o perfil do Brasil no comércio exterior, os autores apontam que a

indústria vem cedendo espaço para setores não industriais, vez que os produtos básicos têm

cada vez maior representação na pauta das exportações. Moreira e Magalhães (2016, p.196),

com base em informações do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio

(MDIC), apontam que a participação dos produtos básicos nas exportações totais do país

saltou de 28,9% em 2003 para 47% em 2012 e a participação das manufaturas caiu de 54,3%

em 2003 para 37,2% em 2012. Diante desse cenário, os autores concluem que “o Brasil volta

à indesejada situação de país exportador de bens primários e de baixo valor agregado”, agora

em um contexto de financeirização mundial (MOREIRA; MAGALHÃES, 2016, p. 195).

Esta posição que o Brasil assume no comércio exterior o coloca em uma situação de

vulnerabilidade em relação à demanda externa, como atualmente ocorre em relação à

exportação de commodities que resulta do aproveitamento de oportunidades do comércio

bilateral Brasil-China (MOREIRA; MAGALHÃES, 2016, p. 196). Em curto prazo, essa

situação tem garantido ao Brasil a sexta posição enquanto potência econômica. Com o

aumento da demanda externa nos anos 2000, esse processo acelerou garantindo melhores

taxas de crescimento do PIB, que passou de uma média de 2,0% a.a., desde os anos 1980 até

2002, para uma média de 4,7% a.a., entre 2003 e 2008 (CARLEIAL, 2016, p. 131).

Entretanto, esse novo padrão tem comprometido “o peso do setor industrial no produto

interno bruto assim como o grau de sofisticação tecnológica dos bens industriais fabricados,

levando a um processo de desindustrialização” (MOREIRA; MAGALHÃES, 2016, p. 197).

Em longo prazo, isso representa uma tendência à perda de postos formais de trabalho e de

poder aquisitivo dos assalariados, uma vez que, predominando as atividades comerciais e

financeiras sobre as produtivas, “o mercado assalariado local não constitui um elemento

dinâmico nesse padrão de reprodução do capital” (MOREIRA; MAGALHÃES, 2016, p. 197).

Moreira e Borba (2015) apontaram duas importantes constatações sobre a relação

entre a situação da indústria brasileira e a geração de empregos formais, no período de 2002 a

2012: a indústria geral não ganhou importância na geração de empregos nos últimos anos”

(MOREIRA; BORBA, 2015, p. 13) e ainda; “a composição do emprego formal na indústria

continua concentrada nos setores de baixa e média-baixa tecnologia” (MOREIRA; BORBA,

2015, p. 14).

Apesar desse resultado negativo no setor industrial, o governo brasileiro se beneficiou

do crescimento econômico garantido pela reprimarização para dinamizar o mercado interno.

As principais medidas tomadas nessa direção foram: 1) uma política de valorização do salário

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mínimo, que passou a crescer mais de 70% entre 2002 e 2013 e recuperou o seu valor real

depreciado durante o período anterior, chegando em 2013 ao patamar nominal do ano de

1983, o maior desde então (MOREIRA; MAGALHÃES, 2016, p. 201); 2) ampliação de

postos formais de trabalho, redução do desemprego, que caiu de 10% em 2001 para 7,3% em

2011 e redução da informalidade, que caiu de 55,1% em 2001 para 45,4% em 2011

(CARLEIAL, 2016, p. 133 e 137) e; 3) expansão de crédito a pessoas físicas, somada à

expansão de financiamento habitacional, que dentre as demais medidas, é considerada a maior

responsável pelo movimento de ampliação do mercado interno (MOREIRA; MAGALHÃES,

2016, p. 203).

Tais resultados, todavia, não implicam em mudanças estruturais no mundo do

trabalho, nem melhorias nas condições de trabalho no Brasil. Evidenciam somente “a inserção

dessa parcela do mercado na dinâmica de realização da produção capitalista mundial,

absorvendo cada vez mais bens de consumo duráveis por meio do uso de crédito, também

fazendo parte da dinâmica financeira global” (MOREIRA; MAGALHÃES, 2016, p. 200).

Nas palavras de Paulani (2012a, p. 98), esse sistema transforma em rentista cada um dos

trabalhadores, tornando a classe trabalhadora partícipe da reprodução do capital financeiro. A

autora ainda conclui: uma economia que sustenta sua dinâmica no mercado de consumo

propiciado pelo acesso ao crédito e na demanda externa por commodities não possui

autonomia e encontra obstáculos frente as frequentes crises financeiras mundiais (PAULANI,

2012a, p. 98).

A dinamização do mercado de consumo interno, pautada no acesso ao crédito, não

representa, portanto, um sinal de prosperidade em longo prazo. Apesar do processo de

reprimarização e desindustrialização brasileira ter promovido o crescimento econômico de

curto prazo, tal situação é analisada pelos especialistas como um risco recorrente, em longo

prazo, uma vez que tal crescimento não se sustenta no estímulo a real acumulação produtiva,

que fica aquém dos ganhos dos setores estritamente financeiros (PAULANI, 2012a, p. 98).

Assim, os riscos de uma economia com esse padrão são sempre latentes e visíveis em

períodos de crise global, como verificado em 20088. Apesar do atrativo da exportação de bens

primários, a reprimarização da economia brasileira torna-se um risco maior para o

desenvolvimento da economia interna, pois não estimula o aumento da renda real dos 8 Em 2008, a crise financeira foi desencadeada no centro do capitalismo mundial a partir da

especulação imobiliária americana que, de forma sistêmica, atingiu o mercado financeiro internacional, inclusive repercutiu no Brasil.

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trabalhadores. Associada ao processo de desindustrialização, vulnerabiliza a economia de

países periféricos aos ditames do capital estrangeiro, na era da financeirização da economia,

que pode incidir ainda mais duramente em períodos de crises, ocasionando especialmente a

socialização das perdas entre a população.

Fazendo um resgate da história da economia brasileira, por um lado, o modelo

primário exportador representou um atraso, tanto do ponto de vista do crescimento

econômico, devido à relação subordinada que o país estabelecia com países desenvolvidos

centralizadores do excedente produzido a partir da comercialização dos produtos agrícolas

brasileiros; quanto sob o aspecto social expresso através da concentração de renda por meio

da estrutura fundiária existente, extremamente desigual9. Por outro lado, a reprimarização da

economia brasileira representa um risco gerador de dívida externa e concentração de renda,

embora se verifique nesse novo contexto um avanço em relação à expansão do mercado

interno de consumo, fruto de uma política econômica basicamente baseada no acesso dos

trabalhadores ao crédito, característica particular do processo de financeirização da economia

brasileira.

Tal processo, orquestrado na trama da lógica capitalista contemporânea, teve o Estado

como principal protagonista. Foi o Estado que, portanto, conduziu tal processo, como se

demonstrou anteriormente através de medidas de abertura econômica e financeira adotadas

pelos governos brasileiros. Considerando, então, o Estado como instância política que se alia

às determinações econômicas, cabe ainda discutir sobre o contexto político brasileiro

contemporâneo. Para tanto, parte-se do pensamento de Carvalho (2010, p. 183), para quem “o

campo político revela-se como a via pela qual se efetiva a disputa democrática, incorporando

dissenso e conflitos com a lógica do capital”.

A chave analítica tomada pela autora para desvendar o contexto político e o Estado

brasileiro contemporâneo é a “confluência contraditória entre democratização e ajuste à nova

ordem do capital” (CARVALHO, 2008, p. 21). A primeira dimensão se faz presente a partir

do contexto de redemocratização do país nos anos 1980, quando um potencial democrático

ampliado pela via da participação política buscava se efetivar por meio do interesse público e

9 Esse resgate histórico será abordado ainda neste capítulo, na seção que trata sobre o

desenvolvimentismo. Como o objetivo desta seção é analisar o contexto mais recente, fez-se aqui apenas uma comparação entre dois momentos distintos da história brasileira, uma vez que estamos considerando o processo de reprimarização econômica, que com o prefixo “re”, já evidencia um retorno ao passado ou retrocesso.

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da ampliação de direitos. A segunda se faz sentir através da lógica da mercantilização que se

sobrepõe e captura o Estado, no mesmo período, a fim de que se institua o processo de ajuste

a essa lógica. Tais concepções, na visão da autora, constituem o tecido do Estado brasileiro

em duas configurações distintas: o Estado democrático e o Estado ajustador, no qual o

segundo se impõe ao primeiro, submetendo-o.

Carvalho (2002) analisou o papel do Estado para a garantia da inserção brasileira na

economia global. Para ela o papel do Estado foi decisivo nesse processo, assumindo

nitidamente um intervencionismo de novo tipo, “funcional às exigências de acumulação do

capital nos ciclos de ajuste” (CARVALHO, 2002, p. 14). No passado, o Estado desenvolvimentista promoveu a acumulação estatizando, ou seja, garantindo toda a infraestrutura ao capital industrial. Agora, o Estado favorece a cumulação privatizando, voltando-se, assim, para aqueles que estão no setor financeiro ou no setor produtivo. Na prática, portanto, através das privatizações, o Estado beneficia bancos, empreiteiras, grandes grupos industriais e grupos financeiros (CARVALHO, 2002, p. 14).

Assim, o Estado transfere sua intervenção direta no setor produtivo para a tarefa de

regulação do mercado, assumindo um papel “eminentemente ajustador, que tem como marca

essencial a submissão ao mercado”, favorecendo a acumulação rentista e o enriquecimento

das empresas na esfera financeira (CARVALHO, 2002, p. 13). Na década de 1990, no Brasil,

vivenciou-se um processo de “reforma” do Estado que consistiu em um processo de

enxugamento do Estado reduzido ao seu papel gerencial no âmbito da economia de mercado,

em detrimento de sua dimensão social, o que caracteriza um retrocesso às conquistas

constitucionais.

Desmistificada a ideia de crise do Estado, propagada a partir do ideário neoliberal que

conduziu sua “reforma”, Carvalho (2010) defende que na atualidade há o seu “regresso sem

partida”, posto que sua intervenção ativa esteve presente na esfera do ajuste econômico, desde

o final do século XX e permanece durante as primeiras décadas do século XXI. Há, portanto,

um continuísmo das ações do Estado nessa direção. Embora as forças democráticas exerçam

fissuras no tecido estatal, não conseguem romper com a lógica que se sobrepõe.

Percebe-se que no escopo político, cujo potencial democrático exprime-se muito mais

no papel do que na prática, tem prevalecido a figura do Estado ajustador, em detrimento do

Estado democrático de direitos. Considerando, portanto, esse quadro econômico e político

brasileiro recente, resta questionar acerca do contexto social inerente a esses processos de

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ajuste. Em outras palavras: quais os efeitos desse quadro conjuntural sobre as condições de

vida da população brasileira e como são conduzidas as políticas sociais contemporâneas?

Em princípio, cabe ressaltar que embora o Brasil tenha obtido posição de destaque

mundial em termos de crescimento econômico, mantém sua condição de país com os maiores

índices de desigualdade social, o terceiro pior do mundo segundo a Organização das Nações

Unidas (BOSCHETTI, 2012, p. 48). O caminho percorrido pelo país, portanto, via

reprimarização e desindustrialização na era da financeirização econômica não promoveu uma

distribuição de renda considerável que efetivamente representasse a melhoria das condições

de vida da maioria da população. Ao contrário, o modelo econômico vigente parece conviver

sem constrangimentos com as mazelas sociais de uma economia dita emergente e que

atualmente ousa metas compartilhadas com os demais países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia,

China e África do Sul).

Algumas evidências desse descompasso podem ser encontradas em estudo de

Gonçalves (2012) sobre a desigualdade de renda durante a primeira década do século XXI na

América Latina. O autor aponta que, embora incipiente, houve uma tendência de redução da

desigualdade de renda na região entre 2003 e 2008, de acordo com o coeficiente de Gini, que

cai de 55,1 em 2002 para 51,0 em 2008 e, no Brasil, registra-se queda de 63,4 em 2002 para

57,9 em 2009 (GONÇALVES, 2012, p. 17). Também a razão entre a renda média dos 20%

mais ricos e a renda média dos 20% mais pobres foi reduzida no período de 2003 a 2008,

caindo de 23,3 em 2002 para 17,2 em 2008 e, no Brasil, reduzida de 34,4 em 2002 para 23,9

em 2009 (GONÇALVES, 2012, p. 18). Apesar da evidência de queda da desigualdade de

renda, contudo, o autor afirma que “os países da América Latina continuam com coeficientes

de Gini muito mais elevados do que a média mundial”, ou seja, com índice de 51,6 diante da

média mundial de 39,5, o que revela que a mudança nos índices da América Latina foi

realmente incipiente, incapaz de alterar a desigualdade social que persiste na região e,

particularmente, no Brasil (GONÇALVES, 2012, p. 19).

O autor ainda tece alguns argumentos que julga ter favorecido a redução da

desigualdade na América Latina: primeiro, a legitimidade do Estado e a estabilidade política;

segundo, o peso das políticas de redução da desigualdade nas disputas eleitorais

(GONÇALVES, 2012, p. 24) e; por último destacamos abaixo.

O terceiro argumento é que a redução da desigualdade tem sido bem-sucedida graças, em grande medida, à menor vulnerabilidade externa conjuntural dos países da região em decorrência da fase ascendente da economia mundial no período de

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2003-2008. O afrouxamento da restrição de balanço de pagamentos permite maior dinamismo econômico (renda, emprego, crédito, etc.) e geração de excedentes que viabilizam políticas públicas. Não é por outra razão que, com a crise global em 2008-2009, parece ter ocorrido reversão ou interrupção da tendência de queda da desigualdade no conjunto dos países (GONÇALVES, 2012, p. 26).

Assim, para o autor, a redução da desigualdade de renda na América Latina não foi

ocasionada somente sob o efeito da ação governamental nesses países, mas devido a uma

condição conjuntural que beneficiou alguns deles principalmente. Portanto, efeitos

conjunturais sobre o crescimento econômico e a distribuição de renda, impactados por fases

ascendentes ou de crises globais, parece ser uma tendência contemporânea para o Brasil.

Além de contingenciais, “as políticas econômicas e sociais que geram leve aumento de

rendimentos não atacam as causas estruturais da desigualdade econômica e social”

(BOSCHETTI, 2012, p. 46). Portanto, embora a redução da desigualdade possa ser

importante ao se considerar o cotidiano das famílias, não representa alterações de forma

significativa na estrutura de classes.

Em relação às políticas sociais, observa-se nos estudos de Boschetti (2012, p. 52) uma

elevação dos investimentos na primeira década do século XXI na América Latina, com a

média do gasto público saltando de 11,3% do PIB em 1990-1991 para 17,9% em 2008-2009,

distribuído nas diversas áreas. Grande marca do governo Lula, os programas de transferência

de renda no Brasil receberam apenas o reduzido percentual de 0,4% do PIB em 2009, o que

faz Boschetti (2012, p. 52) afirmar: “trata-se, nitidamente, de um ‘pobre’ programa, que

‘custa’ pouco, não atinge a estrutura da desigualdade, mas possui forte impacto político”.

A autora também critica o modelo de desenvolvimento econômico baseado na

expansão do consumo, em que os programas de transferência de renda operam papel

complementar junto aos mais pobres. Nesse sentido, afirma que vem se constituindo um

modelo de desenvolvimento econômico que indica um horizonte de políticas sociais

focalizadas na extrema pobreza, em detrimento do investimento em políticas sociais

universais (BOSCHETTI, 2012, p. 34). Porém, mais adiante conclui.

Ora, o investimento em programas assistenciais pífios, focalizados e recheados de condicionalidades, aliado à manutenção do desemprego estrutural e ao não investimento em políticas universais, longe de indicar um novo modelo de desenvolvimento social, é uma estratégia útil ao capitalismo para regular o mercado a baixo custo. A forte tendência imperante na América Latina e Caribe de adotar os programas de transferência de renda nada mais é do que uma forma de minorar a pobreza e indigência, absolutamente necessária para a reprodução das relações capitalistas. Longe está, portanto, de constituir um novo modelo de desenvolvimento social (BOSCHETTI, 2012, p. 54).

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No âmbito das políticas sociais, o Estado, que já sofria o seu processo de redução de

gastos na década de 1990, operou nos anos 2000 de maneira singular: não abandonou a

prioridade dada à política econômica, pelo contrário, a intensificou; e no campo social

priorizou politicas compensatórias, em detrimento de políticas universais. Em matéria de

política social, em verdade, vem se operando práticas destrutivas e degradantes do fundo

público direcionado à garantia de direitos, o que prejudica a ampliação de investimento nas

políticas sociais universais como saúde e educação. Algumas delas são citadas abaixo.

No Brasil, para pagar os juros da dívida e aumentar o superávit primário estabelecido em acordos com o FMI, o governo federal compromete os recursos que deveriam ser investidos em políticas sociais. Em 2011 o governo cortou R$ 50 bilhões do orçamento e em 2012 anunciou um corte de R$ 55 bilhões, sendo R$ 5,47 bilhões da saúde e R$ 1,93 bilhão da educação. O comprometimento com o pagamento dos juros da dívida subtrai do Estado brasileiro a possibilidade de assegurar os necessários investimentos nas políticas sociais. A queda na relação DLSP/PIB, portanto, está ocorrendo graças à opção de sacrificar a necessária universalização e qualificação de direitos como saúde, educação, moradia, trabalho (BOSCHETTI, 2012, p. 39).

Nesses termos, para a autora, os cortes no orçamento público que incidem sobre as

políticas sociais de caráter universal indicam a opção do governo pelo pagamento da Dívida

Líquida do Setor Público, uma das medidas anticrises adotadas em sintonia com as metas de

superávit primário. Além do corte orçamentário, a destinação de recursos para o pagamento

de juros da dívida é citado pela autora.

No orçamento geral da União de 2011, foram utilizados 45% dos recursos do orçamento somente para pagamento dos juros da dívida (R$ 708 bilhões de reais ou U$ 406 bilhões de dólares). Por outro lado, foram destinados apenas 4,07% para saúde, 2,99% para a educação, 2,85% para a assistência social, 2,29% para políticas de trabalho, 0,12% para a reforma agrária e 0,41% para a segurança pública, conforme estudos da auditoria cidadã da dívida (BOSCHETTI, 2012, p. 39).

A prioridade pelo pagamento dos juros da dívida, em detrimento das políticas sociais,

é mais uma prova de que a lógica do ajuste se sobrepõe às disputas democráticas. Outro dado

que sustenta essa afirmação diz respeito à Desvinculação das Receitas da União (DRU),

mecanismo instituído por emenda constitucional, através do qual “o governo federal retira

anualmente do orçamento da seguridade social 20% das receitas advindas das contribuições

sociais” (BOSCHETTI, 2012, p. 39). Diante dessa realidade posta, a autora analisa em

resumo a seguridade social brasileira.

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Tais dados indicam nitidamente a reiterada opção e direção econômica da política governamental nos últimos anos, com ênfase na extração de recursos do orçamento da seguridade social para geração de superávit primário e pagamento dos juros da dívida. Tal tendência segue imutável e implica a estagnação do sistema público de saúde, que se debate para continuar público e universal e luta contra as investidas privatizantes permanentes e insistentes. Implica a estabilização do acesso à previdência social pública, que deixa fora do sistema metade da classe trabalhadora ativa e convive com a assustadora expansão dos planos privados que fortalecem o mercado. E implica, também, a expansão da assistência social pública, com garantia de parcos rendimentos mensais, mas que impactam nos índices de redução da pobreza e desigualdade de renda. São tendências presentes não apenas no Brasil, mas na maioria dos países da América Latina (BOSCHETTI, 2012, p. 40).

Enfim, há uma evidente sobreposição das demandas do capital financeiro sobre as

demandas sociais, embora alguns avanços no campo social possam ser observados durante o

governo Lula, relativos à diminuição do desemprego e da desigualdade social, juntamente

com a ampliação do mercado interno de consumo, impulsionado pelo aumento do salário

mínimo, acesso ao crédito e programas de transferência de renda. Contudo, tais resultados

foram restritos, sem impacto sobre a ampliação das políticas sociais que de fato absorvessem

as demandas sociais em sua totalidade.

O destaque das políticas públicas de corte social no período, em que se manifesta

diretamente a ação do Estado na área social, foram os Programas de Transferência de Renda

(PTR), especialmente, mas também algumas medidas operadas no âmbito da política

educacional, principalmente direcionadas para a ampliação e reformas do ensino superior,

bem como a estruturação e expansão da educação profissional federal.

Quanto aos PTR, o Programa Bolsa Família foi o carro chefe dos governos do Partido

dos Trabalhadores (PT) – incluindo os dois mandatos do presidente Lula e, posteriormente, os

mandatos da presidente Dilma Rousseff. O programa visa o repasse de auxílio pecuniário

como forma de complementação de renda a famílias em situação de pobreza que tenham

como membros crianças e adolescentes. O repasse é concedido mediante ao cumprimento de

condicionalidades por parte dos beneficiários, no tocante à frequência à escola, para os

membros em idade escolar, e em relação à efetivação do calendário de vacinas e

acompanhamento à saúde infantil. Uma das principais características desse programa é a

seletividade e focalização, traços das políticas sociais contemporâneas, que será discutida

mais adiante.

Em relação à política educacional de nível superior, foi adotado um conjunto de

medidas: Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), Sistema de Seleção Unificada (SISU),

Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES), Programa Universidade para

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Todos (ProUni), Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) que financia cursos superiores

não gratuitos; Universidade Aberta do Brasil, Programa de Apoio a Planos de Reestruturação

e Expansão das Universidades Federais (REUNI), sistema de reserva de vagas para o ensino

superior, etc. Enfim, uma verdadeira reforma do ensino superior, cuja análise mais detida foge

às pretensões desse trabalho.

Em matéria de educação profissional, observa-se durante o período um processo de

expansão e reestruturação da rede federal, o que será enfocado adiante, e ainda a criação do

Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC). Portanto, há

uma forte tendência dos programas governamentais à qualificação profissional. Todas as

ações já mencionadas convivem no mesmo contexto social e econômico da regulamentação

do Programa Nacional de Assistência Estudantil, eleito aqui como objeto de estudo.

Embora se verifique mudanças no contexto econômico, político e social recente, estas

não alteraram a lógica mais profunda reinante desde a década de 1990, sob orientação

neoliberal. O desenvolvimento econômico e social almejado e aclamado por setores

governistas, diferencial dos anos 2000, não confrontou com essa mesma lógica, aprofundou o

modelo econômico vigente e garantiu pequenos impactos sociais sem alterar o processo de

destituição dos direitos sociais. Essa temática e os aspectos ideológicos que sustentam esse

contexto serão abordados sistematicamente adiante, após análise mais específica do contexto

da política de educação profissional que segue.

3.1.1 O contexto da Rede Federal de Educação Profissional

O PNAES está voltado para atender as demandas de estudantes de graduação por

condições de permanência nas instituições federais de ensino superior, portanto, situa-se no

âmbito da educação superior e é implementado tanto nas universidades, como na Rede

Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, composta por instituições

reconhecidamente destinadas à oferta de educação de níveis superior e técnico. Estas

instituições seguem as diretrizes da Política de Educação Profissional, a qual é tomada como

ponto de partida para as análises de contexto e conteúdo, considerando que a pesquisa centra-

se na implementação do PNAES em uma destas instituições, qual seja, o Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí, por isso não trataremos da legislação sobre ensino

superior propriamente dita.

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Antes de discutir sobre a realidade atual da Rede Federal de Educação Profissional é

necessário compreender que esta surge no Brasil a partir do Decreto nº. 7.566, de 23 de

setembro de 1909, que cria as Escolas de Aprendizes Artífices em 19 capitais dos estados

brasileiros, segundo justificativa do próprio decreto, devido à necessidade de “habilitar os

filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual”, além

de “fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo”, que os afastasse “da ociosidade, escola do

vício e do crime” (BRASIL, 1909 apud MANFREDI, 2002).

Nesse período, pode-se perceber a presença de uma visão moralista e assistencialista

na educação profissional, que a associava a uma forma de atendimento aos pobres. Trata-se de

um contexto em que o Brasil tem sua economia fundada na produção e exportação de bens

primários, quadro que só foi alterado a partir da década de 1930, quando, devido à crise da

economia cafeeira, se empreendeu um esforço nacional em prol da substituição de

importações de bens industrializados como incentivo à produção industrial no país.

No período de “deslocamento do centro dinâmico da economia” (FURTADO, 1995),

foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, em 14 de novembro de 1930, e as

Escolas de Aprendizes Artífices passaram a ser denominadas de Liceus Profissionais, com a

Lei nº. 378, de 13 de janeiro de 1937. No mesmo ano, a Constituição Federal de 1937 foi a

primeira a tratar sobre o ensino industrial reforçando uma reorientação ao ensino destas

instituições voltado às necessidades da indústria nascente. Posteriormente, foram

denominadas de Escolas Industriais e Técnicas por meio da Lei Orgânica do Ensino

Industrial, Lei nº. 4.073, de 30 de janeiro de 1942 (MANFREDI, 2002).

Assim, entende-se que há uma relação entre o processo de consolidação da educação

profissional na agenda pública com o processo de industrialização do país, vez que, este

movimento demanda a criação de um mercado de trabalho urbano, assalariado e industrial.

Com a exigência de mão de obra qualificada para a indústria, o Estado passa a assumir tal

papel com vistas a assegurar condições básicas para o desenvolvimento econômico brasileiro.

No decorrer do período ditatorial, o ensino profissional sofreu alterações em sua

regulamentação, principalmente quanto à profissionalização compulsória ou facultativa no

segundo grau (MANFREDI, 2002). Vale destacar que gradativamente as Escolas Técnicas

Federais foram transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET),

revelando um constante processo de mudança na nomenclatura dessas instituições ao longo de

suas trajetórias e, mais ainda, sua ressignificação no âmbito da política educacional.

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A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº.

9.394, de 20 de dezembro de 1996, como resultado de processo de redemocratização do país,

garantiu à Educação Profissional e Tecnológica o status de modalidade de educação escolar

integrada “às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia” (BRASIL, 1996).

Conforme parágrafo 2º do artigo 39 da LDB, a educação profissional abrange os

seguintes cursos: “I – de formação inicial e continuada ou qualificação profissional; II – de

educação profissional técnica de nível médio; III – de educação profissional tecnológica de

graduação e pós-graduação” (BRASIL, 1996). Assim, esta modalidade educacional envolve

distintos níveis de formação, que, segundo compreensão do Conselho Nacional de Educação

(CNE) tem por objetivo “conduzir o cidadão a um permanente desenvolvimento ‘de aptidões

para a vida produtiva’ na sociedade do trabalho e do conhecimento” (BRASIL, 2004c).

Tal modalidade educacional está regulamentada atualmente pelo Decreto nº. 5.154, de

23 de julho de 2004, publicado no primeiro mandato do Presidente Lula, em substituição ao

Decreto nº. 2.208/1997, do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o qual não

previa a articulação entre ensino técnico e ensino propedêutico. O artigo 2º do Decreto nº.

5.154/2004 estabelece as premissas da educação profissional da seguinte forma:

I – organização, por áreas profissionais, em função da estrutura sócio-ocupacional e tecnológica; II – articulação de esforços das áreas da educação, do trabalho e emprego, e da ciência e tecnologia; III – a centralidade do trabalho como princípio educativo; e IV – a indissociabilidade entre teoria e prática (BRASIL, 2004a).

Tais princípios estão expressos na legislação a fim de orientar as ações desenvolvidas

no campo da educação profissional. Dessa maneira, destaca-se o envolvimento entre

educação, mundo do trabalho, ciência e tecnologia, considerando a divisão do trabalho em

áreas e profissões, o trabalho como princípio educativo e a articulação entre teoria e prática.

Assim, tais ideias indicam o relacionamento entre formação profissional, enquanto política

pública, e as esferas da produção e do conhecimento, contudo tal relação ocorre em meio a

contradições implícitas nesse campo permeado pela lógica do mercado e pelas demandas dos

trabalhadores por qualificação, emprego e renda.

À época de adequação a esse instrumento normativo, os CEFET passaram a ser

organizados pelo Decreto nº. 5.224, de 1º de outubro de 2004, tendo por finalidade expressa

no artigo 2º:

Formar e qualificar profissionais no âmbito da educação tecnológica, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, para os diversos setores da economia, bem como

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realizar pesquisa aplicada e promover o desenvolvimento tecnológico de novos processos, produtos e serviços, em estreita articulação com os setores produtivos e a sociedade, especialmente de abrangência local e regional, oferecendo mecanismos para a educação continuada (BRASIL, 2004b).

Isto significa que os CEFET assumiam desde a definição de sua finalidade um vínculo

entre a oferta de cursos e as demandas dos setores produtivos. Ainda em relação ao Decreto

nº. 5.224/2004, são objetivos dos CEFET ministrar cursos de formação inicial e continuada,

de educação de jovens e adultos e de educação profissional técnica de nível médio de forma

articulada com o ensino médio, “ensino superior de graduação e de pós-graduação lato sensu e

stricto sensu, visando à formação de profissionais e especialistas na área tecnológica”

e “cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, nas áreas

científica e tecnológica” (BRASIL, 2004b). Isso mostra que os CEFET assumiam uma

diversidade de atribuições com um público igualmente diversificado.

Nesse ínterim, tais instituições passaram por um processo de expansão que se

intensificou a partir do governo Lula, com a evidência de ampliação do número de

instituições, cursos e vagas ofertadas. Até 2002, existiam 140 (cento e quarenta) escolas

técnicas no país. Entre 2003 e 2010 foram construídas 214 (duzentas e quatorze) novas

unidades. Entre 2011 e 2016 foram construídas 269 (duzentas e sessenta e nove) unidades.

Contando com a expansão, a desvinculação de 04 (quatro) e a incorporação de 19 (dezenove)

unidades, em 2016, somam-se 644 (seiscentas e quarenta e quatro) unidades da Rede Federal

de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (MEC, 2016), uma ampliação de mais de

78% em relação ao quadro existente em 2002.

Durante esse processo de expansão, a partir da Lei nº. 11.892, de 29 de dezembro

2008, os CEFET são transformados em Institutos Federais de Educação, Ciência e

Tecnologia, que, conforme explicita o artigo 2º, se tratam de:

Instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas (BRASIL, 2008).

Assim, mantendo a diversidade de níveis correspondentes aos cursos ofertados, a

partir da legislação vigente, os Institutos Federais tornam-se reconhecidamente instituições de

educação superior, básica e profissional. Cada Instituto é formado por um conjunto de

unidades que o caracterizam por uma estrutura multicampi. Segundo parágrafo 1º do Artigo

2º, “para efeito da incidência das disposições que regem a regulação, avaliação e supervisão

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das instituições e dos cursos de educação superior, os Institutos Federais são equiparados às

universidades federais” (BRASIL, 2008). A partir desta lei foram criados trinta e oito

Institutos Federais espalhados em todo o país que, juntamente com a Universidade

Tecnológica Federal do Paraná, os Centros Federais de Educação Tecnológica do Rio de

Janeiro e de Minas Gerais, e as Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais,

formam a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica.

Conforme artigo 6º, os Institutos Federais têm por finalidades e características:

I - ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; II - desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais; III - promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão; IV - orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal; V - constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica; VI - qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino; VII - desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica; VIII - realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico; IX - promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente (BRASIL, 2008).

Assim, fica definida uma gama de responsabilidades aos Institutos Federais

pretendidos como centros de excelência para o desenvolvimento científico e tecnológico. Em

suas finalidades, o ensino, a pesquisa e a extensão estão voltadas para o desenvolvimento

socioeconômico local, regional e nacional, a partir da consolidação e fortalecimento dos

arranjos produtivos, sociais e culturais locais com a devida preservação do meio ambiente.

Essa noção de desenvolvimento é acompanhada ainda pela promoção do empreendedorismo e

cooperativismo.

Diante da diversidade de níveis de ensino, o artigo 8º determina que, no

desenvolvimento da sua ação acadêmica, o Instituto Federal, em cada exercício, deverá

garantir: o mínimo de 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para atender a educação

profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os

concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos e; o

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mínimo de 20% (vinte por cento) de suas vagas para atender cursos de licenciatura, bem como

programas especiais de formação pedagógica, com vistas à formação de professores para a

educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional

(BRASIL, 2008).

Assim, os IF atendem um diversificado público, proveniente do ensino fundamental,

estudantes de nível médio e da educação de jovens e adultos, enquanto público prioritário,

bem como estudantes de graduação e pós-graduação. Este universo configura uma

particularidade para a assistência estudantil enquanto serviço prestado aos estudantes dos

Institutos Federais, comparada àquela destinada aos estudantes das universidades.

A assistência estudantil é uma ação que está presente ao longo da trajetória das

instituições federais de educação profissional. O Programa Nacional de Assistência Estudantil

(PNAES), regulamentado pelo Decreto nº. 7.234 de 2010, possui antecedentes históricos nas

ações de assistência estudantil desenvolvidas pelas instituições que compõem a rede federal

de educação profissional, contudo sem a existência de uma normatização específica em

âmbito nacional voltada para o direcionamento destas ações. Assim, as ações de assistência

estudantil foram institucionalizadas na rede federal de educação profissional desde o seu

nascedouro, originariamente formada por dezenove Escolas de Aprendizes e Artífices criadas

pelo Decreto nº. 7.566, de 23 de setembro de 1909.

Anteriormente ao PNAES, portanto, o desenvolvimento da assistência estudantil,

inclusive a definição de recursos financeiros para essas ações, ficava a cargo das instituições,

suas dinâmicas internas, formas de organização e gestão. O Plano Nacional de Educação

(PNE) 2001-2010, aprovado por meio da Lei nº. 10.172, de 9 de janeiro de 2001, já indicava a

importância da assistência estudantil ao afirmar que se devia “estimular a adoção pelas

instituições públicas de programas de assistência estudantil, tais como Bolsa Trabalho ou

outros destinados a apoiar os estudantes carentes que demonstrem bom desempenho

acadêmico” (BRASIL, 2001).

O hiato referente à regulamentação da assistência estudantil tratava-se de um ponto

das antigas reivindicações do Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Estudantis e

Comunitários, ligado à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de

Ensino Superior (ANDIFES), por uma política efetiva do Ministério da Educação voltada para

o apoio aos estudantes de graduação (FONAPRACE, 1993). Desde a década de 1980 essa

entidade se organizava em torno de discussões e articulações em prol de melhorias para as

ações de assistência estudantil desenvolvidas pelas universidades federais, até então as únicas

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Instituições Federais de Ensino Superior do país. Contudo, tal mobilização, empreendida por

gestores representantes dos interesses estudantis, só ganha notoriedade na agenda

governamental a partir dos anos 2000.

Em 2007, o Plano Nacional de Assistência Estudantil elaborado pelo FONAPRACE é

base para a Portaria Normativa nº. 39, de 12 de dezembro de 2007 que institui, no âmbito do

Ministério da Educação, o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) voltado

para os estudantes de graduação das universidades federais (FONAPRACE, 2012, p. 31).

Em 2010, um redimensionamento desta portaria e sua elevação legal em nível de

decreto representou um avanço do ponto de vista normativo. O Decreto nº. 7.234 de 2010, que

institui o PNAES, surge com o objetivo de regulamentar a assistência estudantil desenvolvida

no âmbito das Instituições Federais de Ensino Superior. Voltado para o ensino superior, o

PNAES incorpora também os Institutos Federais como seus executores, o que pode ser

compreendido aqui como um fator de desdobramento da Lei nº. 11.892 de 2008, que cria os

Institutos Federais para ofertar ensino superior, além de educação profissional e tecnológica

de nível médio. Esta lei se relaciona também ao processo de expansão e consolidação da Rede

Federal de Educação Profissional e Tecnológica e representa aqui a necessidade dos Institutos

estarem contemplados no PNAES.

Conforme notícia veiculada pelo Ministério da Educação em 02 de março de 2011, por

meio do PNAES, o MEC garantiu o repasse de recursos financeiros à Rede Federal de

Educação Profissional, Científica e Tecnológica para investimento em assistência estudantil,

na ordem de R$ 150 milhões, em 2011. A notícia afirma ainda: “É a primeira vez que os

institutos federais e os centros federais de educação tecnológica terão repasses específicos

para aplicar em programas dessa natureza. Antes, a reserva de verbas era decidida

internamente pelos membros da rede” (MEC, 2011). De fato, a partir de 2010, esses recursos

foram destinados como incremento à Ação 2994 (Assistência ao Educando da Educação

Profissional) da Lei Orçamentária Anual (LOA) e chegaram a um aumento de 262% até 2014,

segundo dados analisados por Oliveira (2016, p. 27).

Voltado às Instituições Federais de Ensino Superior, incluindo os Institutos Federais, o

PNAES foi instituído em nível de Ministério da Educação, envolvendo não somente a

Secretaria de Educação Superior, mas também a Secretaria de Educação Profissional e

Tecnológica (SETEC). Assim, através do Ofício nº. 42, de 03 de maio de 2011, as instituições

da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica foram orientadas pela

SETEC a implementarem as ações do PNAES por meio de uma regulamentação própria,

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considerando que “a assistência estudantil constitui-se em investimento concreto feito pela

instituição para garantir bons índices de aproveitamento e avaliação, coibindo a evasão

escolar” (SETEC, 2011).

No contexto de regulamentação e implementação do PNAES, a realidade empírica do

processo de expansão da Rede Federal de Educação Profissional foi objeto de estudo do

Tribunal de Contas da União, que realizou em 2011 um trabalho de auditoria sob a seguinte

justificativa: “a realização da auditoria decorre do fato de a Educação Profissional ser

estratégica para que os cidadãos tenham efetivo acesso às oportunidades de empregos

qualificados e às conquistas científicas e tecnológicas da sociedade” (TCU, 2012, p. 01).

Um dos objetivos da auditoria era a caracterização da evasão e medidas para reduzi-la.

Sobre este quesito, o TCU divulgou dados relativos à taxa de evasão, conclusão e retenção

nos Institutos Federais. Assim, as maiores taxas de evasão são observadas nos cursos de nível

médio, com destaque para a modalidade de educação de jovens e adultos (24%) e cursos

Médios Subsequentes (19%), e os menores índices de conclusão são dos cursos superiores:

bacharelado (27%) e licenciatura (25%) (TCU, 2012, p. 11). O TCU explica que o não

casamento entre taxa de evasão e conclusão deve-se à existência de muitos alunos na situação

“em curso”, o que remete a uma situação não definida para o estudante que pode representar

um percurso acadêmico de retenção que favorece a evasão futura. Dessa forma, os cursos de

nível superior (Licenciatura, Bacharelado e Tecnólogo) apresentam índices mais elevados de

retenção (43%, 44% e 37% respectivamente), diante dos percentuais apresentados pelos

cursos de nível médio (22% para o Proeja, 35% para o Subsequente e 17% para o Integrado)

(TCU, 2012, p. 12).

O relatório do TCU indicou que são complexas as causas da evasão nos Institutos

Federais. Em sua pesquisa, deu destaque ao diagnóstico feito por docentes: os déficits

educacionais dos estudantes provocam dificuldade de aprendizado dos conteúdos do curso, na

opinião de 80% dos professores consultados e, por sua vez, esses déficits dificultam a atuação

dos professores em sala de aula, segundo 75% dos entrevistados (TCU, 2012, 15). Assim, o

relatório aponta, como um dos aspectos mais evidenciados por docentes, o fato de que os

estudantes ingressam nos Institutos sem prévia orientação vocacional capaz de recrutar

aqueles com aptidão aos cursos ofertados, ou seja, se atribui os motivos da evasão, em grande

medida, a características individuais dos estudantes ingressantes.

O relatório ainda aponta três medidas essenciais para prevenção à evasão.

Primeiramente, a necessidade de contratação de profissionais especializados em identificar e

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acompanhar estudantes em situação de risco; bem como o fomento à participação de

estudantes em programa de reforço escolar (TCU, 2012, p. 16). Além disso, indica a

necessidade de adequar o instrumento de elegibilidade do público alvo atendido pelo PNAES,

para isso acrescentando ao critério da renda per capita estimado pelo Programa (até 1,5 salario

mínimo, considerado abrangente pelo TCU, tendo em vista que 77% da população brasileira

se insere nesse patamar) a focalização nos estudantes com real probabilidade de evadir (TCU,

2012, p. 18).

Na vigência do PNAES, o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de

Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF) apresentou ao Ministro da

Educação, José Henrique Paim Fernandes, por meio de Ofício, no dia 09 de maio de 2014,

minuta de decreto com o objetivo de nortear a Política Nacional de Assistência Estudantil da

Rede Federal (PNAES-EPCT), conforme noticiado pelo CONIF na mesma data (CONIF,

2014a).

A proposta é a regulamentação de uma Política de Assistência Estudantil específica

para a Rede Federal de Educação Profissional, no qual o público alvo seja “o estudante

regularmente matriculado em qualquer dos cursos ministrados pela Instituição,

prioritariamente aqueles em situação de vulnerabilidade social” (CONIF, 2014b, grifo

nosso). Neste sentido, entende-se que o PNAES, da forma como fora elaborado para atender

as demandas dos estudantes de graduação, não explicita as particularidades dos Institutos

Federais que também possuem a necessidade de atender, por meio das ações de assistência

estudantil, os estudantes do nível médio de ensino que compõem o corpo discente destas

instituições. Neste sentido, a proposta do CONIF visa adequar o público alvo do PNAES.

Além disso, explicita a inserção de um novo conceito, ausente no PNAES, direcionado à

delimitação do público alvo das ações de assistência estudantil, não mais aqueles com renda

per capita familiar de até um salário mínimo e meio e provenientes de escola pública, mas

aqueles em situação de vulnerabilidade social, enquanto prioridade.

A proposta prevê ainda os seguintes procedimentos para a Gestão do PNAES-EPCT:

I - elaboração de regulamentação, acompanhamento e avaliação da PNAES-EPCT no âmbito das Instituições da Rede Federal de EPCT, garantida a representação dos estudantes neste processo; II - composição de Equipe Multiprofissional básica, formada por pedagogos ou técnicos em assuntos educacionais, assistentes sociais e psicólogos, em cada campus da Rede EPCT, para operacionalização da Assistência Estudantil, admitidas, sempre que necessárias, a participação e inclusão de outros profissionais; III - estabelecimento de articulação com atores sociais, em especial com a Rede pública de saúde, para encaminhamento dos estudantes que demandarem atendimento especializado, bem como de parcerias com instituições

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para projetos que atendam a tais demandas; IV – articulação com as demais políticas institucionais, buscando unicidade nas questões relativas aos estudantes (CONIF, 2014b).

Reivindica também “condições de planejamento, implementação, desenvolvimento,

acompanhamento e avaliação da PNAES-EPCT” a partir de: estrutura de gestão sistêmica, no

âmbito da SETEC e; “constituição do Comitê de Governança da PNAES-EPCT, composta

pelos representantes dos Fóruns correlatos, representação estudantil e assessorada pelos

Comitês Regionais, estabelecida com regulamentação própria”, no âmbito da Rede Federal de

EPCT (CONIF, 2014b).

A seguir, a análise de algumas categorias teóricas que se relacionam ao conteúdo do

PNAES.

3.2 Base teórico-ideológica do Programa

A análise do conteúdo do Programa Social em questão revela conceitos e ideias

relacionados à esfera de sua elaboração, em primeira instância, e como tais conceitos se

apresentam extensivamente nos momentos da implementação e avaliação. Tal análise

apreende a base teórica que o conduz, aqui concebida também enquanto base ideológica,

posto que comporta visões de mundo e perspectivas sobre a relação que o Estado deve

estabelecer com a sociedade e o mercado, capaz de definir os rumos das políticas públicas.

Apreende também as concepções pertinentes ao processo de implementação do Programa que,

no entanto, serão expostas apenas no quarto capítulo.

Inicialmente, identificou-se a emergência do termo desenvolvimento enquanto

relacionado às finalidades estabelecidas para os Institutos Federais, a partir da Lei nº. 11.892,

de 29 de dezembro de 2008. Por decorrência, surgiu a categoria capital humano, como ideia

balizadora das propostas de desenvolvimento econômico a partir do investimento em

educação. O recorte do PNAES, no âmbito da educação superior, deu visibilidade à categoria

equidade social, aqui compreendida enquanto um princípio viabilizado por meio de políticas

focalizadas, bem como à tríade permanência, evasão e retenção, que se apresenta nitidamente

e de maneira concatenada no aparato legal do Programa. Estas constituem, portanto,

categorias centrais para contemplar a análise de conteúdo do Programa, por meio de uma

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revisão de literatura, o que será ainda mais adiante aprofundado a partir de categorias

empíricas que emergem da pesquisa de campo, exposta e discutida no quarto capítulo.

A escolha das categorias de análise buscou identificar não apenas terminologias que

emergem da regulamentação do Programa, ou seja, de sua orientação normativa, mas

apreender principalmente um conjunto de ideias que se relacionam de forma mais ampla ao

planejamento do Programa. Assim, as categorias desenvolvimentismo e capital humano estão

vinculadas ao aspecto mais amplo das teorias que embasam e influenciam o desenho das

políticas educacionais no Brasil, o que será melhor abordado nos itens pertinentes a essa

discussão. Por outro lado, uma leitura superficial sobre o PNAES revela de antemão a

referência que o mesmo faz às categorias equidade social, permanência, evasão e retenção.

Todas estas categorias teóricas são também exploradas neste capítulo. A primeira a ser

abordada é o desenvolvimentismo, logo depois, o capital humano e as demais em seguida.

3.2.1 Desenvolvimentismo

Há aproximadamente uma década, especificamente no final do primeiro mandato do

presidente Lula, surge uma discussão, na seara da economia ligada ao governo, sobre a

necessidade de uma proposta novo desenvolvimentista para assegurar o crescimento

econômico com distribuição de renda. Esse momento coincide com o período de aumento dos

investimentos públicos na rede federal de educação profissional, com evidente expansão da

rede pelo país10. A defesa de uma perspectiva de desenvolvimento também coincide com a

definição de princípios e objetivos para os Institutos Federais, dentre eles, voltados para a

promoção do desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional.

Tal coincidência, contudo, é concebida aqui não como obra do acaso, mas como um

fenômeno revelador de perspectivas que estão por trás das ações do Estado. Pretende-se,

portanto, resgatar conceitualmente a proposta novo desenvolvimentista, a fim de compreendê-

la a partir de suas origens teóricas e históricas, para tanto, faz-se necessário iniciar com uma

discussão sobre desenvolvimentismo e novo desenvolvimentismo, tendo em vista

compreender tais conceitos. Posteriormente são tecidas críticas ao segundo, baseado na

literatura.

10 Alguns dados sobre a expansão da rede federal foram apontados na seção anterior.

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Em primeiro lugar, a preocupação com o desenvolvimento origina-se no contexto do

capitalismo monopolista que, nos grandes centros, se tornou um estágio mais complexo e

avançado do capitalismo mundial no século XX e a reiteração da subordinação econômica dos

países periféricos. Nos anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial, a relação centro-

periferia passou a ser objeto de maior atenção dos recém criados organismos internacionais

que, pelo contexto de Guerra Fria, passaram a fomentar um debate sobre o desenvolvimento

das nações periféricas, incluindo a América Latina. Assim, “forma-se um consenso

desenvolvimentista que recebeu apoio, inclusive, das políticas implementadas pelos

organismos internacionais, como foi o caso da Organização das Nações Unidas e de seus

diversos órgãos internos” (MATTEI, 2011, p. 9). Nesse ínterim, ganha relevo na Comissão

Econômica para a América Latina (CEPAL), uma das comissões regionais da ONU, o estudo

de pesquisadores estruturalistas que se empenharam em construir uma estratégia nacional-

desenvolvimentista, uma proposta que previa basicamente a intervenção do Estado como

propulsor do desenvolvimento, como grande agente econômico e social nos países latino-

americanos, caracterizados como economias periféricas e dependentes do sistema

imperialista.

O nacional-desenvolvimentismo sustentava-se teoricamente em análises acerca da

formação social e econômica brasileira. Tais estudos buscam explicar a condição de

dependência do país e remetem à colonização brasileira, tipicamente voltada para a

exploração das riquezas naturais, em contraposição ao modelo construído na região norte da

América, que deu origem a colônias de povoamento. Assim, analisa-se que o Brasil foi

integrado à ordem mundial a partir da exploração agrícola em larga escala, com base no

latifúndio monocultural e no trabalho escravo, o que garantiu a transferência de excedente

para o exterior e a ausência de uma mão de obra assalariada que demandasse a generalização

de um mercado de consumo. O país tardou a formar o seu mercado interno, inexpressivo ou

quase inexistente durante o período colonial, em que a renda interna concentrava-se nas mãos

de senhores de engenho, na fase açucareira. Durante o ciclo do açúcar, o mercado interno

formou-se de maneira subsidiária e periférica, principalmente através da atividade pecuária,

responsável pelo processo de interiorização na ocupação do espaço brasileiro. Esta

perspectiva é defendida por Celso Furtado, que atribuiu o motivo do atraso na formação do

mercado interno à eclosão tardia da industrialização no país, que ocorreu somente com a crise

da economia cafeeira. Para o autor (FURTADO, 2005, p.83), embora na fase mineradora

existissem as circunstâncias propícias ao desenvolvimento de atividades ligadas ao mercado

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interno, uma vez estabelecidos os centros urbanos, apenas se desenvolveram atividades

manufatureiras em etapa subsequente.

Florestan Fernandes (2006) aprofunda reflexões sobre a formação do mercado interno

brasileiro em seu estudo sobre a formação e desenvolvimento do capitalismo no Brasil a partir

da análise da “revolução burguesa”. Sobre esse aspecto, afirma que no Brasil “configurou-se,

estrutural e funcionalmente, uma situação de mercado em que preponderavam as conexões

econômicas com o exterior e em que as conexões econômicas com a vida econômica interna

possuíam escassa importância estrutural e dinâmica” (FERNANDES, 2006, p. 110). Assim, a

partir de uma economia que produzia para fora e consumia de fora, o país constituiu um

“mercado interno nuclearmente heteronômico” (FERNANDES, 2006, p. 111). Isso porque a

formação econômica brasileira ocorreu nos moldes de um “capitalismo dependente”, posto

que incorporada de forma dependente às economias centrais (FERNANDES, 2006, p. 113).

Dessa forma, o Brasil tornou-se rentável para a expansão do mercado internacional,

desde que sua dependência política e econômica se situava na relação colônia-metrópole, até a

sua subordinação no estágio capitalista, em que a acumulação do excedente passou a se

concentrar no processo de industrialização e nas relações de trabalho assalariadas, enquanto

permanecia ainda como um país de economia agroexportadora fundada na monocultura, cujo

valor agregado é inferior àquele de natureza manufatureira que precisava ser importado,

resultando então na transferência de excedentes para o mercado internacional. Nas palavras de

Leda Paulani:

Num período que abrange desde a época do exclusivo metropolitano até o início do século XX, o Brasil vai funcionar como alavanca da acumulação no Centro, singrando ao sabor de um processo determinado desde fora, em tempos de consolidação e afirmação do modo capitalista de produção. (...) Os produtos agrícolas e matérias-primas aqui produzidos garantiam o sucesso da acumulação capitalista nos países centrais e mantinham a natureza heterônoma da economia brasileira (PAULANI, 2012a, p. 91).

Essa situação de dependência econômica do país em relação aos grandes centros

capitalistas é ainda concebida por Celso Furtado como uma resultante da tardia

industrialização brasileira, que somente se iniciou a partir dos anos 1930, em decorrência da

crise econômica mundial e da crise da economia agroexportadora brasileira, compreendido

por Furtado (2005) como deslocamento do centro dinâmico da economia brasileira.

Assim como a segunda metade do século XIX se caracteriza pela transformação de uma economia escravista de grandes plantações em um sistema econômico baseado no trabalho assalariado, a primeira metade do século XX está marcada pela

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progressiva emergência de um sistema cujo principal centro dinâmico é o mercado interno (FURTADO, 2005, p. 228).

Assim, a industrialização seria para o autor o verdadeiro motor para a transformação

da base econômica voltada para um mercado interno, bem como condição para o

desenvolvimento da nação e superação da subordinação econômica ao imperialismo

internacional. Os idealizadores do nacional-desenvolvimentismo defendiam o modelo de

substituição de importações que consistia, basicamente, em diminuir a importação de produtos

industrializados através de sua produção nacional, tendo o Estado assumido o papel de

“grande incentivador desse modelo, ao disponibilizar a rede de infraestrutura básica, bem

como viabilizar os financiamentos necessários ao processo de industrialização” (MATTEI,

2011, p. 9).

Segundo Castelo (2012a), os defensores do projeto desenvolvimentista almejavam um

conjunto de reformas protagonizadas por uma burguesia nacional estimulada pelo Estado.

Defendiam reformas típicas das revoluções democrático-burguesas, como a agrária, a tributária, a consolidação de leis trabalhistas (especialmente dos trabalhadores rurais), o direito ao sufrágio universal, a livre organização classista e um conjunto de políticas econômicas para a geração de emprego e aumento da massa salarial (CASTELO, 2012a, p. 622).

O projeto de desenvolvimento conduzido a partir dos anos 1930, contudo, manteve a

subordinação imperialista e as antigas estruturas coloniais. Segundo Paulani (2012a), inaugura

a inserção da economia brasileira no movimento mundial de acumulação a partir de um

processo de modernização favorável à industrialização voltada para o mercado interno de

consumo, contudo determinado pelas necessidades e imperativos do capital de fora que sofria

com o problema da sobreacumulação. Segundo Castelo (2012a, p. 619), operou-se por meio

da articulação de um novo bloco no poder liderado por Vargas, com uma aliança entre o

Estado e uma burguesia nacional emergente, sem romper totalmente com as antigas classes

dominantes latifundiárias, forjando um desenvolvimento desigual e combinado.

Para Castelo (2012a, p. 620), o auge desse desenvolvimentismo ocorreu nos anos 1950

a 1960, durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, com o desembarque das

multinacionais que investiram nos setores de bens de consumo duráveis, o início da

construção do setor de bens de capital e da indústria de base. Assim, na prática, promoveu a

fusão de um novo bloco no poder formado por burguesias internacionais, burguesia brasileira

e Estado. Ainda, segundo o autor, o projeto nacional desenvolvimentista esbarrou de fato no

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golpe de 1964, quando as reformas democráticas foram então duramente reprimidas

(CASTELO, 2012a, p. 622).

Como fora citado o período de emergência e auge do desenvolvimentismo na história

brasileira, cabe ressaltar que o adormecimento das bandeiras nacionalistas e

desenvolvimentistas está relacionado à nova ordem do capitalismo mundial emergente a partir

dos anos 1970, que consagrou uma nova fase de dependência econômica sob as marcas da

interdependência entre os mercados, da especulação financeira e do imperativo neoliberal (já

abordado em seção anterior). Segundo Paulani (2012a), a partir de 1970, a emergência do

regime de acumulação financeira mundial passou a encontrar no Brasil a demanda por

empréstimos, dando início a uma nova fase na inserção da economia brasileira a partir do

início do seu processo de financeirização. As consequências da inserção brasileira no

capitalismo mundial durante as décadas de 1970 e 1980 foram o aumento da dívida externa e

elevadíssima inflação. “O Brasil era o retrato de uma economia periférica já industrializada,

vitimada pela marcha acelerada da financeirização do capitalismo em nível mundial”

(PAULANI, 2012a, p. 92).

Paulani (2012b) considera que o Brasil tornou-se uma das maiores vítimas do processo

de financeirização mundial, que alterou profundamente a relação entre produção e finança,

sendo que a segunda passou a dominar o processo de acumulação, submetendo a primeira. A

autora explica seu posicionamento da seguinte forma:

Como os investimentos do II PND tinham se tornado possíveis graças ao endividamento externo em contratos estabelecidos a taxas flutuantes, a brutal elevação dos juros internacionais ao final dos anos 1970, patrocinada pelo banco central norte-americano num golpe destinado a resgatar a posição hegemônica do dólar, atingiu em cheio a economia brasileira, minando qualquer possibilidade de uma definitiva ascensão do país ao grupo das nações desenvolvidas (PAULANI, 2012b, p. 2).

Nos anos 1990, a partir dos ditames neoliberais, a economia brasileira então se

consolida como potência financeira emergente. Nesse momento a preocupação central da

política econômica do governo, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso,

era a garantia da estabilização monetária e o controle da dívida. Para tanto, as providências

tomadas foram: securitização dos débitos e abertura financeira da economia brasileira, com a

retirada gradativa dos controles que obstaculizavam o livre fluxo internacional de capitais.

Tais medidas possibilitaram o retorno de capitais ao país e o acúmulo de reservas, uma das

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bases de sustentação do Plano Real (PAULANI, 2012a, p. 92). Nesse mesmo sentido, outras

medidas também foram tomadas:

Concessão de isenções tributárias a ganhos financeiros de não residentes, alterações legais para dar mais garantias aos direitos dos credores do estado, e uma reforma previdenciária para cortar gastos públicos e abrir o mercado previdenciário ao capital privado. Em paralelo, mas tudo contribuindo para o mesmo resultado, adotou-se uma política monetária de elevadíssimos juros reais e um controle fiscal bastante rígido (buscando gerar polpudos superávits primários) e deslanchou-se o processo de privatizações (PAULANI, 2012a, p. 92).

Tais medidas tomadas pelo governo “foram vendidas como necessárias para

modernizar institucionalmente a economia brasileira e viabilizar sua inserção na nova

economia globalizada”, porém seu fundamento era “colocar o Brasil no circuito da

valorização financeira” com absorção de poupança externa necessária à manutenção da

sobrevalorização da nova moeda (PAULANI, 2012a, p. 93).

Essa realidade colocada para o país consiste em uma expressão de um movimento

mais amplo que impelia medidas para as políticas econômicas dos países latino-americanos a

partir do Consenso de Washington.

Em essência, as medidas do Consenso representaram a vitória político-cultural da burguesia rentista e prepararam o terreno para a inserção da América Latina na etapa contemporânea do imperialismo, na qual a região se torna uma plataforma de valorização dos capitais estrangeiros por meio de compras e expropriações maciças de bens públicos e da especulação financeira (CASTELO, 2012a, p. 623).

Assim, a conjuntura brasileira nos anos 1990 era de um país cuja agenda política

girava em torno da estabilização financeira e de ajuste fiscal, mais que do crescimento

econômico propriamente dito. Os maiores impactos dessa conjuntura recaíram sobre as

políticas sociais, tendo em vista o prevalecimento de uma visão de que Estado deveria se

limitar ao controle da política econômica e adotar reformas que visassem o enxugamento da

máquina, através de privatização e cortes de gastos públicos. Os efeitos da nova ordem

atingiram incisivamente as classes sociais desprivilegiadas, a partir do aumento do

desemprego e da precarização do trabalho, bem como da perda de direitos sociais derivados

de reformas nas leis trabalhistas e da privatização da saúde, previdência e educação

(CASTELO, 2012a, p. 623).

Além dessas perdas, o país tornou-se vulnerável à economia externa e obteve baixas

taxas de crescimento do PIB durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique. É

então que esses desdobramentos do neoliberalismo apontam para um desgaste de suas

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premissas que, somado à crença nas possibilidades de mudanças direcionada ao governo do

Partido dos Trabalhadores em ascensão, serviram de motivo para o ressurgimento do debate,

entre alguns economistas, sobre um projeto desenvolvimentista requalificado pelo prefixo

novo. Entretanto, o Governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva do PT manteve o

compromisso com o Fundo Monetário Internacional (FMI), declarado na “Carta ao Povo

Brasileiro” em 2002, em meio ao processo eleitoral. Além disso, seu primeiro mandato

presidencial passou a adotar a mesma política econômica do governo anterior, o que serviu

como alvo de críticas por parte de economistas de diferentes correntes teóricas, segundo

Morais e Saad-Filho (2011, p. 508).

Durante esse período, então, foram sistematizadas as primeiras propostas, de

inspiração keynesiana e estruturalista, para o novo desenvolvimentismo como estratégia para

o crescimento e desenvolvimento do país. As primeiras publicações foram de Bresser-Pereira

em 2004 ao jornal Folha de São Paulo, um artigo intitulado “O novo desenvolvimentismo”; e

o livro “Novo desenvolvimentismo” publicado em 2005, por autoria de Sicsú, Paula e Michel.

Segundo Mollo e Fonseca (2013, p. 234), os autores novo desenvolvimentistas, dos

quais citam os precursores Bresser-Pereira e Sicsú et al, defendem uma atualização do projeto

desenvolvimentista adaptada às novas condições macroeconômicas, não mais centrada na

“balança comercial”, mas na “conta de capitais”. Dessa forma, Mollo e Fonseca (2013)

defendem tais proposições como herdeiras da mesma causa desenvolvimentista, embora

situadas em novo contexto, o qual exige novas estratégias.

Mollo e Fonseca, apoiados em Bielschowsky, conceituam desenvolvimentismo da

seguinte forma:

“Ideologia de transformação da sociedade brasileira” assentada em um projeto econômico voltado à industrialização como via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento, sob o entendimento de que esta não adviria pela espontaneidade das forças de mercado, ou seja, seria indispensável a atuação do estado como indutor, como agente planejador do desenvolvimento e/ou investidor direto (BIELSCHOWSKY, 1988, p. 7 apud MOLLO; FONSECA, 2013, p. 223).

Assim, destaca-se a centralidade do papel do Estado associado ao processo de

industrialização como alavancas para um desenvolvimento nacional. Esta concepção de

Estado, segundo Mollo e Fonseca (2013, p. 224), se distancia da visão da ortodoxia

neoliberal, para a qual “o papel que o estado pode ter para impulsionar o desenvolvimento

econômico é limitado e discutível, porque, em primeiro lugar, o crescimento é algo que

depende de iniciativas privadas”. Apoiados em Bresser-Pereira (2006 apud MOLLO;

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FONSECA, 2013, p. 225), os autores apontam que, em contraposição à ortodoxia, a discussão

acerca da importância do papel do Estado como interventor na sociedade possui raízes

teóricas heterodoxas, ora vinculada ao marxismo, a macroeconomia keynesiana ou a teoria

estruturalista. Entretanto, a “ideologia de transformação da sociedade brasileira” encontrou

suas bases teóricas nessas duas últimas correntes.

Para os proponentes do novo desenvolvimentismo, uma questão central é a existência

de um Estado forte para administrar o mercado. Portanto, manifestam-se em oposição à

ortodoxia neoliberal (para a qual o mercado é autorregulado e o Estado deve ser mínimo) e,

ainda, ao nacional-desenvolvimentismo (que impingia ao Estado funções excessivas, inclusive

como produtor industrial). Assim, na estratégia “novo desenvolvimentista”, o Estado possui

um papel de destaque, porém com funções voltadas à regulação da economia em prol do

desenvolvimento. Nessa direção, Mattei aponta:

Para o novo desenvolvimentismo, no atual estágio produtivo não faz mais sentido a existência de um “Estado-empresário”. Isto não quer dizer que esteja sendo defendida por esse grupo a ideologia do “Estado Mínimo”, ao contrário propõe-se o seu fortalecimento nos campos político, regulatório e administrativo (MATTEI, 2011, p. 10).

Portanto, seriam esses os papeis do Estado na visão novo desenvolvimentista,

diferente da realidade vigente durante o nacional-desenvolvimentismo, em que “as empresas

privadas nacionais praticamente tiveram um papel secundário na industrialização do país”

(MATTEI, 2011, p. 10). Ao contrário, no novo desenvolvimentismo o Estado seria o

“responsável pela criação de oportunidades de investimento lucrativo para os empresários no

quadro de uma estratégia nacional de desenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 7).

Ainda na visão de Bresser-Pereira (2010, p. 23), “enquanto que no nacional-

desenvolvimentismo o Estado tinha como tarefa completar a acumulação primitiva de capital

e promover a revolução industrial, no novo desenvolvimentismo o papel do Estado diminui e

o do mercado aumenta”.

O novo desenvolvimentismo alega a importância da intervenção estatal, diferente do

modelo empresarial e protecionista vigente no velho desenvolvimentismo que, diga-se de

passagem, é criticado tomando-se por base as experiências históricas de governos brasileiros

reconhecidos como desenvolvimentista. Alguns pontos criticados nesse antigo modelo: a

inflação era tolerável, as medidas econômicas voltavam-se para a infraestrutura, investimento

direto no setor produtivo, substituição de importações, industrialização e protecionismo, mas

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sem avanço tecnológico competitivo. Além disso, havia um discurso nos governos

antidemocráticos de que seria necessário que primeiramente o “bolo” crescesse para que

depois fosse distribuído, ou seja, não havia naquele modelo a pretensão de melhorar as

condições de vida da população através do acesso ao emprego e aumento da renda. Esse

aspecto da distribuição da renda também estava ausente na política neoliberal dos anos 1990

cujo papel do Estado era reduzido à política econômica, especialmente voltada para a

estabilidade monetária.

De maneira enfática, Mollo e Fonseca (2013) apresentam a diferença fundamental

entre os desenvolvimentismos (velho ou novo) e a ortodoxia neoliberal.

A estratégia ortodoxa responsabiliza o mercado pelo desenvolvimento, enquanto a desenvolvimentista vê o estado sempre necessário, embora propondo, regulamentando e intervindo de forma diferente conforme a conjuntura, as necessidades específicas e o projeto nacional desejado pelo país (MOLLO; FONSECA, 2013, p. 234).

Ainda nessa linha de se contrapor ao neoliberalismo, quando os autores novos

desenvolvimentistas se referem ao modelo de política econômica mais adequado, indicam:

As políticas econômicas decorrentes da perspectiva novo-desenvolvimentista não se satisfariam, portanto, apenas com a “estabilidade monetária”, objetivo maior das políticas neoliberais. Ao invés disso, seu objetivo é a “estabilidade macroeconômica”. (...) Esses objetivos só podem ser alcançados por políticas com objetivos múltiplos e pela complementaridade entre as políticas monetária, fiscal, cambial e salarial (MORAIS; SAAD-FILHO, 2011, p. 513-514).

Além da adoção dessa política “macroeconômica” centrada no tripé metas de inflação,

câmbio flutuante e superávit primário, a partir de 2006, o governo Lula passou a adotar novas

iniciativas e políticas, “estabelecendo-se, dali em diante então, a política econômica híbrida

que caracterizou esse governo até 2010” (MORAIS; SAAD-FILHO, 2011, p. 509). Estas

medidas as quais os autores se referem como responsáveis pelo caráter híbrido da política

econômica, na verdade, estão relacionadas à redução da desigualdade de distribuição de

renda, por intermédio do aumento de recursos dos programas de transferência de renda e

elevação do salário mínimo, bem como o aumento do investimento público em recuperação

ao papel do Estado no planejamento do crescimento de longo prazo (MORAIS; SAAD-

FILHO, 2011, p. 517). Estas medidas, embora não estivessem explícitas na proposta do grupo

neoestruturalista vinculado a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, liderado por Bresser-

Pereira, são admitidas tendo em vista que, “no longo prazo, supondo-se progresso técnico

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neutro, o aumento dos salários à mesma taxa do aumento da produtividade é compatível com

a manutenção da taxa de lucro no nível satisfatório para os empresários investirem”

(BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 8).

A necessidade de medidas voltadas à distribuição de renda como parte do projeto novo

desenvolvimentista fora colocada em evidência na obra dos autores Sicsú, Oeiro e Paula,

aliados à concepção teórica keynesiana e vinculados a Universidade Federal do Rio de

Janeiro. Para estes, o projeto de novo desenvolvimentismo deveria associar as seguintes

estratégias, segundo Mattei:

1) A existência de um Estado forte e de um mercado forte também; 2) a implementação de políticas macroeconômicas que fortaleçam essas duas instituições; 3) a adoção de uma estratégia nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento econômico com equidade social; e 4) a manutenção de taxas de crescimento em patamares elevados para reduzir as desigualdades (MATTEI, 2011, p. 7).

Dessa forma, a partir dessa versão, a proposta de redução das desigualdades e

equidade social é introduzida no modelo novo desenvolvimentista. Mattei (2011) ainda

destaca as diferenças entre as duas concepções:

Os autores chamam atenção que suas propostas concordam com os pontos levantados pelo grupo anterior (paulistas) de novos desenvolvimentistas, mas que suas preocupações ultrapassam as barreiras da questão da estabilidade macroeconômica, indo em direção a outros pontos igualmente essenciais no debate sobre o projeto de desenvolvimento. Dentre estes, destacam as relações entre as esferas públicas-privadas; as relações entre economia e a vida social; e as relações entre as dimensões nacional e internacional, considerando-se que propostas específicas em diversas áreas faziam parte do conjunto da obra (MATTEI, 2011, p. 7).

Assim, de maneiras distintas, as construções desses dois grupos compreenderam a

manifestação da proposta novo desenvolvimentista. Somado a essas, um outro grupo, liderado

por Marcio Pochmann e ligado ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) passou a

sistematizar acerca de tal proposta a partir de 2006 e 2007. Nos estudos desse grupo, estão

presentes as propostas de um projeto de desenvolvimento para o país a partir dos seguintes

eixos:

1) Inserção internacional soberana; 2) Macroeconomia para o pleno emprego; 3) Infraestrutura econômica, social e urbana; 4) Estrutura tecnoprodutiva avançada e regionalmente articulada; 5) Sustentabilidade ambiental; 6) Proteção social, direitos e oportunidades; 7) Fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia (MATTEI, 2011, p. 8).

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Castelo (2012a), que estuda a temática do ponto de vista marxista, tece várias críticas a

essas ideias, cujos principais veículos de divulgação foram a FGV-SP, a Associação Brasileira

Keynesiana e a Revista de Economia Política. Uma destas críticas, diz respeito à

contraposição ao neoliberalismo reivindicada pelos formuladores da proposta novo

desenvolvimentista. Para o autor, essa contraposição não é absoluta. Segundo Castelo

(2012a), os próprios pioneiros do novo desenvolvimentismo (Bresser-Pereira e Sicsú et al),

defendem-no como um projeto político de superação do neoliberalismo, mas reconhecem que

há semelhanças entre ambos em matéria de políticas econômicas, “como a defesa do

equilíbrio fiscal e o controle inflacionário” (CASTELO, 2012a, p. 625). Ainda destaca outros

pontos em comum entre a proposta novo desenvolvimentista e o neoliberalismo, “como a

defesa da equidade social e a promoção da igualdade de oportunidades” (CASTELO, 2012a,

p. 625), os quais destaca como sendo de origem genuinamente liberal.

Castelo (2012b) afirma ainda que tais conteúdos (equidade social e igualdade de

oportunidades) foram acrescidos à agenda neoliberal de maneira a lhe conferir uma nova

identidade, o chamado social-liberalismo que foi disseminado em várias regiões do mundo,

frente às tensões causadas pela intensificação das expressões da questão social. Analisa que o

conteúdo do social-liberalismo agrega uma agenda social ao projeto neoliberal, do qual

deriva.

As suas principais medidas direcionavam-se a uma tentativa de acoplar uma agenda social ao projeto neoliberal, promovendo um sincretismo de medidas de estímulo a intervenções pontuais do Estado e do chamado Terceiro Setor nas expressões da “questão social” e reconhecendo as falhas de mercado, sem, no entanto, tocar nos fundamentos da vida mercantil generalizada no capitalismo. O mercado, de acordo com os intelectuais do social-liberalismo, ainda seria a melhor forma de organização das relações socais de produção e reprodução inventada pelo ser humano, mas deveria sofrer ações tópicas nas suas principais falhas, como má distribuição de renda e a destruição ambiental (CASTELO, 2012b, p. 47).

Algumas reformas e modalidades de políticas sociais, portanto, seriam aceitáveis para

o social-liberalismo no sentido de corrigir falhas do mercado, contanto que não alterassem

profundamente a lógica mercantilista generalizada nas relações sociais atuais. Nesse sentido,

o social-liberalismo compreende uma proposta derivativa do neoliberalismo, uma inflexão

devido à necessidade de incorporação de medidas corretivas, e não uma profunda ruptura com

o mesmo.

Essa revisão teórica e, sobretudo, ideológica do modelo neoliberal fez-se sentir em

diversos países, inclusive no Brasil. Nesse sentido, entende-se o social-liberalismo como uma

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vertente que não rompe profundamente com a perspectiva neoliberal, mas representa uma

inflexão à ordem mundial estabelecida voltada para a conformação de um “capitalismo com

face mais humana”. Coaduna, portanto, com a nova tendência ideológica disseminada pelos

organismos internacionais (Banco Mundial, FMI), destinada a orientar a política econômica e

a política social dos países da América Latina, em um contexto de desajuste de direitos

sociais. Nestes termos, na realidade brasileira posta na primeira década dos anos 2000,

observa-se a tendência de equalização social, contudo sem garantir o desenvolvimento

econômico almejado pelos desenvolvimentistas. Castelo (2012b) resume bem as principais

proposições políticas e analíticas do social-liberalismo implantado no Brasil:

1) o crescimento econômico, por si próprio, não traria a redução das desigualdades, havendo a necessidade de políticas públicas específicas e direcionadas para este problema; 2) os gastos sociais não seriam baixos, pelo contrário: se deveria torna-los mais eficientes, melhorando a alocação de recursos com sua focalização nos estratos sociais miseráveis; 3) propostas de desenvolvimento baseadas no investimento no capital humano, reformas tributárias, previdenciárias e trabalhistas e ampliação do microcrédito (CASTELO, 2012b, p. 63).

Assim, as mudanças impingidas por essa releitura se limitam a ações focalizadas que,

em sua essência, estão voltadas à valorização do mercado e à dinamização da economia, com

distribuição de renda. Para Mota e Oliveira (2010), nesta direção, o papel do Estado é mantido

minimamente, em especial voltado ao combate à pobreza e à “promoção da equidade social

via igualdade de oportunidades”, e se enfatiza de forma predominante o papel do espaço

privado, no sentido de oferecer condições para o bem estar social, inclusive a partir da

produção e mercantilização de bens e serviços (MOTA; OLIVEIRA, 2010, p. 20). Porém, o

resgate do papel do Estado não está voltado somente para sua função como regulador das

atividades econômicas, mas também no tocante à condução de políticas sociais emergenciais.

A partir desse aspecto se constata que a experiência brasileira das últimas décadas não

rompe com a lógica neoliberal, posto que o processo de mercantilização das políticas sociais

convive com ações estatais de caráter social e econômico com vistas à inclusão social, tanto

por meio de ações voltadas à inserção pelo consumo, isto é, a ampliar o mercado de consumo

de massa, incluindo as camadas mais pobres, bem como por meio de ações que se

concretizam em programas governamentais voltados à igualdade de oportunidades.

Nessa direção, Castelo (2012b, p. 58) aponta que as áreas estratégicas para esses

objetivos são principalmente as políticas sociais compensatórias (através dos programas de

transferência de renda) e as políticas sociais estruturais (como a democratização do acesso à

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educação, terra e crédito). A primeira compreende ações cujos objetivos estão centrados na

perspectiva neoliberal de focalização “que deve orientar a chegada de benefícios sociais aos

mais pobres” (CASTRO, 2010, p. 200), desconsiderando o caráter de universalização dos

direitos sociais. Tema que será abordado em seção posterior neste capítulo. A segunda se faz

perceber através das políticas voltadas para a democratização do acesso ao ensino superior e

de qualificação do trabalhador, como caminho para a inserção no mercado de trabalho. Nessa

perspectiva, portanto, seria relevante o investimento em formação do capital humano como

forma de superar o problema da exclusão social, assim analisa o autor.

A estrutura social que reproduz incessantemente a péssima distribuição de renda entre nossos cidadãos estaria alicerçada na distribuição desigual de ativo educação. Se a sociedade brasileira quiser políticas de combate à exclusão social, deveria lutar por um sistema educacional mais eficiente do ponto de vista da melhor formação profissional para o mercado de trabalho, capacitando os trabalhadores para as demandas tecnológicas e organizacionais decorrentes da economia do conhecimento (CASTELO, 2012b, p. 60).

Nesta visão criticada pelo autor, o pauperismo não seria uma condição do sistema

capitalista e fruto da inserção subordinada do país no mercado mundial, mas seria

consequência de falhas do mercado e do não acesso à educação por parte dos pobres

(CASTELO, 2012b, p. 64).

Castro (2010, p. 198), que estuda sobre as políticas educacionais, afirma que “o campo

educacional é tido como um núcleo estratégico para ajudar a alavancar os processos de

desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento”. O que, na visão da autora, tem

impulsionado as ações governamentais voltadas preferencialmente para reformas no ensino

superior em detrimento de investimento na educação básica que possibilite verdadeiramente a

consolidação da educação pública de qualidade como direito universal. A criação de várias

universidades e instituições de educação profissional convive ainda com um investimento de

apenas 4,6% do PIB, abaixo dos 6% que recomenda a Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), segundo a autora (CASTRO, 2010, p. 198).

Assim, como desdobramento das propostas desenvolvimentistas é necessário retomar

de forma mais sistematizada a discussão sobre a teoria do capital humano. Este é o enfoque do

item seguinte.

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3.2.2 Teoria do Capital Humano

Uma breve discussão sobre a teoria do capital humano se faz necessária para se

compreender os meandros nos quais é concebido o papel da educação impresso nas ações

desenvolvidas no âmbito da política educacional brasileira. Assim, dentre alguns autores,

reporta-se a Saul (2004) e principalmente a Frigotto (2010), uma vez que estes realizaram um

trabalho de revisão da literatura sobre a teoria do capital humano. Quanto ao primeiro,

enfatizou principalmente o taylorismo como berço das ideias sobre o capital humano. O

segundo tomou como ponto de partida as contribuições de alguns autores adeptos e

aperfeiçoadores dessa teoria e construiu uma análise crítica acerca desse conjunto de ideias

entendido por ele como uma apologia às relações sociais capitalistas.

Para Frigotto (2010), a teoria do capital humano é herdeira do pensamento econômico

neoclássico introduzido no âmbito educacional a partir da década de 1950, no contexto do

capitalismo monopolista em que o Estado assume um formato intervencionista. É, portanto,

uma corrente inserida no âmbito da disciplina economia da educação, que passou a ganhar

maior sistematização nos anos 1960 e 1970, primeiramente nos Estados Unidos, sendo

posteriormente disseminada para outros países. Os adeptos11 da teoria do capital humano

buscam explicar os motivos para o crescimento econômico das nações a partir do

investimento que estas despendem na formação do capital humano, principalmente obtida

através da educação formal voltada para a produção de capacidades para o trabalho. Assim, o

conceito de capital humano serve para explicar os determinantes para o aumento da

produtividade e superação do atraso econômico dos países, em uma visão macroeconômica,

da mesma forma que serve para explicar as diferenças individuais de produtividade, de renda

e de mobilidade social, em uma visão microeconômica (FRIGOTTO, 2010, p. 51).

Para Saul (2004, p. 257), “a teoria do capital humano é um produto típico do

desenvolvimento econômico americano. É produto do capitalismo mais desenvolvido e

elemento decisivo da atualização e consolidação do conceito de capitalismo sem proprietários,

ou sem classes sociais contrastantes”. Para o autor, essa corrente, em sua versão moderna,

cumpre a finalidade de explicar o desenvolvimento das sociedades capitalistas não em virtude

da apropriação dos meios de produção e da riqueza socialmente produzida, mas a partir da 11 Um dos pioneiros da divulgação da teoria do capital humano foi Theodore Schultz que publicou

inicialmente a obra “O valor econômico da educação”, em 1962, e devido suas construções teóricas recebeu o prêmio Nobel de Economia, em 1979 (FRIGOTTO, 2010, p. 50).

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apropriação do conhecimento pelos indivíduos, resultante dos investimentos individuais e das

nações em formação profissional. Considera que o capital humano nasce enquanto conceito a

partir das elaborações de Taylor sobre a teoria gerencial com ênfase nos recursos humanos, na

qual se defendia a consideração do trabalho humano como fator de produção importante para

o aumento da produtividade. Assim, o autor aborda algumas contribuições teóricas do

taylorismo enquanto conjunto teórico que seria o prelúdio da moderna teoria do capital

humano, consolidada a partir do período de Guerra Fria no contexto norte-americano, e que se

perpetua em meio à crise do modelo de produção baseado no fordismo-taylorismo com

impactos sobre as transformações no mundo do trabalho, competição entre as nações e

aceleração das inovações tecnológicas.

Dessa forma, para Saul (2004) a teoria do capital humano é associada à necessidade do

capitalismo se legitimar e consolidar sua dinâmica de transformações internas. Para o autor,

essa corrente estimula a competição entre os trabalhadores devido à busca individual por

títulos escolares e especialização profissional, o que ajuda a conformar uma visão acerca das

desigualdades vinculada a uma consequência da relação entre demanda e oferta de mão de

obra qualificada.

Frigotto (2010), preocupado em apreender a teoria do capital humano em sua gênese

histórica, afirma que a referida teoria consiste em um dos fundamentos das propostas

desenvolvimentistas tecidas na trama das relações imperialistas. O autor situa a teoria do

capital humano no mesmo momento histórico em que surge um conjunto de teorias

explicativas para o desenvolvimento e a modernização econômica, bem como no âmbito do

intervencionismo imperialista liderado pelos Estados Unidos em relação aos países

subdesenvolvidos, no qual ganha espaço as agências multilaterais (Banco Mundial, FMI, etc.)

após a Segunda Guerra Mundial. Assim, a teoria do capital humano possui íntima relação com

a discussão realizada no item anterior sobre o desenvolvimentismo. Para Frigotto (2010), essa

relação vai além de uma simples coincidência histórica.

O conceito de capital humano vai mascarar, do ponto de vista das relações internacionais, a questão do imperialismo, passando à ideia de que o subdesenvolvimento nada tem a ver com as relações de poder, mas se trata fundamentalmente de um problema de mudança ou modernização de alguns fatores, onde os recursos humanos qualificados – capital humano – se constitui no elemento fundamental (FRIGOTTO, 2010, p. 144).

Para o autor, a teoria do capital humano cumpre o papel de reduzir a educação a um

fator de produção que explica o desenvolvimento e a modernização das nações. Assim, esta

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teoria “mostra-se fecunda enquanto uma ideologia, tanto no sentido de falseamento da

realidade quanto no de organização de uma consciência alienada” (FRIGOTTO, 2010, p. 46).

Por meio dessa ideologia, a relação entre educação e trabalho é falseada ao nível imediato

como sendo um processo de causa e feito em que o investimento dos indivíduos e do Estado

em educação leva à capacidade de trabalho, aumento da renda e mobilidade social, como

resultados. Portanto, esta seria a chave para a superação do atraso econômico e para o

desenvolvimento das nações.

No Brasil, segundo Frigotto (2010, p. 38), “toda a política educacional, desenhada

especialmente após a segunda metade da década de 1960, tem nos postulados da teoria do

capital humano seu suporte básico”. O autor ainda afirma: Ao lado de uma política econômica que velozmente se associa ao capital internacional, cujo escopo é a exacerbação da concentração de renda e da centralização do capital, toma-se a “democratização” do acesso à escola – particularmente à universidade – como sendo o instrumento básico de mobilidade, equalização e “justiça” social. Produz-se, então, a crença de que o progresso técnico não só gera novos empregos, mas exige uma qualificação cada vez mais apurada. De outra parte, enfatiza-se a crença de que a aquisição de capital humano, via escolarização e acesso aos graus mais elevados de ensino, se constitui em garantia de ascensão a um trabalho qualificado e, consequentemente, a níveis de renda cada vez mais elevados (FRIGOTTO, 2010, p. 38).

Como evidencia a citação acima, a política educacional, impulsionada pela teoria do

capital humano que faz crer que educação gera desenvolvimento, tende a buscar a

universalização ou pelo menos a ampliação do acesso à escolaridade, em que pesam as

políticas voltadas para a democratização do acesso ao ensino superior. Toda essa proposta

adepta de uma mesma origem ideológica que responde aos interesses do capital enquanto

arcabouço “teórico” imbuído de uma ideologia burguesa que se reflete na concepção de

educação presente na política educacional. Contudo, não há evidências de que o investimento

em educação gera desenvolvimento econômico e novos postos de trabalho. Em uma

conjuntura de aumento do desemprego, do trabalho informal e da precarização do trabalho, há

de se questionar se é o investimento em educação, como uma exigência do competitivo

mundo do trabalho, que garante uma efetiva inserção neste.

Nessa direção, para Frigotto (2010, p. 38) a realidade tem demonstrado o não

cumprimento das “promessas” prognosticadas da política educacional e econômica, diante do

quadro de desemprego e subemprego que atinge inclusive os egressos do ensino superior.

Essa realidade contraditória que poderia por em xeque a teoria do capital humano é na

verdade uma condição para sua reatualização, na perspectiva de Gentili (2005). O autor

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explica que a teoria do capital humano surge enquanto “principal enquadramento teórico

usado para definir o sentido da relação trabalho-educação no capitalismo contemporâneo”

(GENTILI, 2005, p. 47). Assim, a inserção dos indivíduos no mercado de trabalho passa a ser

explicada a partir do acesso à escolarização, que por sua vez promoveria o desenvolvimento,

como já foi mencionado. Esse pensamento – cuja base ideológica corresponde às necessidades

do capitalismo de se desenvolver e se legitimar – se consolida no contexto do

desenvolvimento capitalista marcado pelo modelo de produção fordista-taylorista (produção

rígida, em série, voltada para o consumo de massa, com mão de obra especializada e

organizada).

Destaca-se que nesse contexto prevalecia uma noção de Estado intervencionista, com

funções sociais e econômicas importantes voltadas para a garantia do próprio

desenvolvimento capitalista sem os riscos anunciados pela crise de 1929, caracterizada pela

superprodução, riscos estes que serviram para demonstrar que o mercado não poderia se

autorregular sem consequências drásticas para a perpetuação do sistema. O papel do Estado

foi decisivo e fomentou a construção de Estados de Bem Estar Social nos países

desenvolvidos a fim de assegurar redistribuição de riqueza através de políticas sociais e

regulamentação trabalhista com direitos sociais garantidos. Todo esse aparato propiciou, por

um lado, a ideia de pleno emprego e ampliação do mercado de consumo e, por outro, a

concepção de educação como instituição integradora12 tendo em vista os princípios da teoria

do capital humano.

A crise do modelo de produção fordista-keynesiano que, vigorando até os anos 1970,

compreendeu os anos de ouro do capitalismo uma vez que, nos países centrais,

caracterizaram-se pelas “altas taxas de crescimento econômico, ampliação de empregos,

salários e uma forte intervenção do Estado” (MOTA, 2009, p. 55) fez surgir a fase de re-

estruturação produtiva marcada pelo avanço tecnológico (especialmente no campo da

informática e microeletrônica) e pelo modelo toyotista japonês, “quando a produtividade é

potenciada pela implantação de formas diversas de subcontratação e terceirização da força de

trabalho, além da descentralização das unidades de produção” (MOTA, 2009, p. 60-61). Essas

12 A função integradora atribuída à escola nesse período foi mencionada por Gentili (2005) e é

entendida aqui como extensão do papel assumido pelo Estado intervencionista capaz de garantir a integração social após a crise de 1929, mas também no sentido de que recai sobre ela a função de adestramento ideológico e qualificação para desempenho das funções técnicas pertinentes ao mundo do trabalho.

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transformações impactaram principalmente sobre o mundo do trabalho, através da

precarização do emprego, aumento do desemprego e do subemprego, bem como da

competitividade por exigência de mão de obra cada vez mais qualificada.

A crise desse padrão de acumulação nos anos 1970, entretanto, não foi capaz de

desqualificar a teoria do capital humano, mas de imprimir-lhe um novo direcionamento, na

perspectiva de Gentili (2005).

A desintegração da promessa integradora não tem suposto a negação da contribuição econômica da escolaridade, mas sim uma transformação substantiva de sentido. Passou-se de uma lógica da integração em função de necessidades e demandas de caráter coletivo (a economia nacional, a competitividade das empresas, a riqueza social, etc.) para uma lógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição do mercado de trabalho (GENTILI, 2005, p. 51).

Assim, o sentido de escola enquanto entidade integradora, de caráter coletivo, foi

desintegrado e substituído por um sentido individualizado e competitivo, em sintonia com as

novas configurações do mundo do trabalho. Em seguida, o autor ressalta ainda: “morta

definitivamente a promessa do pleno emprego, restará ao indivíduo (...) definir suas próprias

opções, suas próprias escolhas que permitam (ou não) conquistar uma posição mais

competitiva no mercado de trabalho” (GENTILI, 2005, p. 51).

Assim, a teoria do capital humano reatualizada encontra no novo contexto do

desenvolvimento capitalista pós-reestruturação produtiva elementos que a sustentam com

maior intensidade, agora embasados em uma lógica neoliberal e individualista, não cabendo

mais ao Estado oferecer condições para a formação do capital humano, mas a cada um, a

partir de esforço e competência pessoais, buscar os mecanismos para sua formação e inserção

no mercado de trabalho competitivo. Dessa forma, a escolarização torna-se condição precípua

para essa inserção, contudo o desenvolvimento de capacidades para o trabalho é cada vez

mais atribuído às competências individuais, posto que a competitividade do mundo do

trabalho, suas transformações através da precarização e mesmo diminuição dos postos formais

de emprego, agora não garantem mais a colocação de todos no mundo do trabalho, o que

torna a empregabilidade uma responsabilidade individual.

A realidade de precarização no mundo do trabalho põe em questão as condições reais

dos indivíduos de se manterem incluídos por meio do acesso à educação, mas não esvazia a

teoria do capital humano de sentido para as sociedades capitalistas. Ao contrário permanece

orientando ajustes às políticas educacionais sobre o signo do neoliberalismo, em que cabe ao

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indivíduo adquirir no mercado educacional condições para atingir melhores chances de

inserção no mercado de trabalho. Assim, expande-se a oferta de títulos escolares no setor

privado, com cada vez menor participação do Estado, reduzida ao papel de regulamentação.

Portanto, em um cenário neoliberal caracterizado pela adoção de funções mínimas pelo

Estado e ampliação da esfera privada inclusive na oferta de serviços voltados ao bem-estar

social (saúde, educação, previdência), ganha relevo a teoria do capital humano. Nesse

contexto, segundo Mota e Oliveira (2010, p. 552) “os argumentos passam a residir no

aumento da competitividade como condição de inserção no mercado, agora, ‘livre’ e

mundializado”.

Essa ressignificação da teoria do capital humano aponta dois aspectos peculiares

destacados por Gentili (2005). Primeiro de que esta agora comporta a possibilidade de

fracasso, uma vez que, embora o incremento em capital humano aumente as condições de

empregabilidade, não garante necessariamente empregabilidade, pois não há lugar para todos

no mercado de trabalho (GENTILI, 2005, p. 54). Esse aspecto revela ainda o seguinte: “o

discurso da empregabilidade tem significado uma desvalorização do princípio (teoricamente)

universal do direito ao trabalho e, de forma associada, uma revalorização da lógica da

competitiva interindividual na disputa pelo sucesso num mercado estruturalmente excludente”

(GENTILI, 2005, p. 54). Outro aspecto apontado pelo autor é o fato de que essa

ressignificação da teoria do capital humano, associada à noção de empregabilidade, se afasta

da perspectiva de educação como direito, posto que “na condição de consumidor o indivíduo

deve ter a liberdade de escolher as opções que melhor o capacitem a competir” (GENTILI,

2005, p. 55).

Corrobora com essa visão a crítica de Frigotto (2010) a esta teoria, quando se refere à

relação que esta estabelece entre a educação e o trabalho, de onde se justifica a

responsabilização individual pela situação de desemprego, como se este não correspondesse a

um fenômeno de natureza social determinado pelo desenvolvimento do sistema capitalista

que, no estágio atual, traz a ausência do emprego como marca registrada.

O raciocínio da concepção do capital humano, tanto do ponto de vista do desenvolvimento econômico como da renda individual, é que a educação, o treinamento são criadores de capacidade de trabalho. Um investimento marginal (pelo menos até certo ponto) em educação ou treinamento permite uma produtividade marginal. Concebendo o salário ou a renda como preço do trabalho, o indivíduo, produzindo mais, consequentemente ganhará mais. A definição da renda, neste raciocínio, é uma decisão individual. Se passa fome, a decisão é dele (indivíduo); se fica rico, também (FRIGOTTO, 2010, p. 61).

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Neste raciocínio ressaltado acima reside o conteúdo básico da ideologia burguesa que

mascara a desigualdade estrutural da sociedade capitalista como sendo resultado de decisões

pessoais dos indivíduos movidos ou não por valores que tributam ao trabalho o papel de

dignificar o homem e à educação, o de possibilitar a ascensão social. Nesta perspectiva, as

relações contraditórias próprias da sociedade capitalista são ocultadas e a educação passa a

assumir papel central enquanto equalizadora social. Nesse sentido, sendo tal papel destinado à

educação conforma-se a configuração de uma nova sociabilidade na trama das relações

sociais pós-reestruturação produtiva. Garantir um lugar no mundo do trabalho, portanto,

depende de esforço individual e investimento em educação, o que responsabiliza

sobremaneira o indivíduo por sua posição social e situação de renda. Contudo, considerar o

contexto de transformações no mundo do trabalho e no padrão de acumulação, pode ajudar a

compreender tal realidade sobre outro prisma e outras determinações que ultrapassam o

alcance das escolhas individuais.

Um olhar crítico sobre esse contexto faz com que se considere que está em curso um

processo de “exclusão includente”, como denominado por Kuenzer (2005), a qual explica que,

no atual cenário, “são identificadas várias estratégias para excluir o trabalhador do mercado

formal, no qual ele tinha direitos assegurados e melhores condições de trabalho e, ao mesmo

tempo, são colocadas estratégias de inclusão no mundo do trabalho, mas sob condições

precárias” (KUENZER 2005, p. 92). Condições precárias essas viabilizadas por meio de

subcontratação, terceirização e informalidade que permeiam as relações de trabalho atuais.

Segundo Kuenzer (2005), essa realidade agrava-se ainda mais a partir de outra lógica

que se associa a citada anteriormente, denominada pela autora de “inclusão excludente”, ou

seja, “as estratégias de inclusão nos diversos níveis e modalidades da educação escolar aos

quais não correspondam os necessários padrões de qualidade que permitam a formação de

identidades autônomas intelectual e eticamente, capazes de responder e superar as demandas

do capitalismo” (KUENZER, 2005, p. 92). Essa lógica se manifesta em estratégias

educacionais que visam à qualificação de mão de obra para o mercado de trabalho excludente,

sem, contudo, oferecer a qualidade exigida pelo mesmo mercado e que apenas fornecem

“certificação vazia” (KUENZER, 2005, p. 93).

Impulsionada a partir desse contexto, a teoria do capital humano atualiza-se e é

reforçada pelos organismos internacionais, para os quais a educação é eficaz em sua função

produtiva e enquanto estratégia para o combate à pobreza. A partir dos anos 1990,

especialmente nos anos 2000, o Banco Mundial passou a se preocupar mais enfaticamente

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com a problemática da pobreza como resultado do modelo de desenvolvimento capitalista

pautado na liberalização financeira. Para o enfrentamento da mesma, reforçou-se a ideia de

capital humano como investimento necessário, focado nos mais pobres.

A educação passou a ser concebida como condição de alívio da pobreza, de reduzir as desigualdades sociais e de impulsionar o desenvolvimento. Investir no capital humano dos pobres é considerado pelo Banco Mundial como fundamental para elevar a economia do país. Tal estratégia político-ideológica evidencia-se nos documentos do Banco Mundial que definem os rumos educacionais nacionais e internacionais (BUENO; FIGUEIREDO, 2012, p. 06).

Assim, enquanto chave para o problema da pobreza, os organismos internacionais

passaram a influenciar os países de economias emergentes a buscarem melhorar os índices de

analfabetismo, por exemplo, especialmente de qualificação profissional visando à

configuração de um mercado de trabalho tecnicamente especializado. Reduzida à função de

enfrentamento da desigualdade social, a educação passa a ser objeto da ação pública através

de estratégias residuais e, de forma geral, a atenção aos pobres passou a ser reconhecida

enquanto diretriz para as políticas sociais. Esta questão será abordada no item seguinte.

3.2.3 Equidade social e focalização

A proposta deste item é pensar equidade social atrelada à ideia de focalização, posto

que esta confere à primeira o verdadeiro tom do debate atual. A compreensão que se tem por

equidade aqui foi inspirada em Castelo (2012a), quando o autor associa a emergência de uma

preocupação com o tema no âmbito do pensamento social-liberal que preconizou uma

proposta de desenvolvimento equalizando crescimento econômico com equidade social.

Nessa perspectiva, a noção de equidade estaria relacionada ao combate ao pauperismo, por

meio da combinação de políticas sociais compensatórias e focalizadas (como os programas de

transferência de renda) e de políticas sociais estruturais com ênfase na geração de

oportunidades, ou seja, de investimento em capital humano (como a educação).

Equidade social, nesse sentido, implica uma tendência mais justa para o

desenvolvimento de um país. A perspectiva para tal é o equilíbrio entre crescimento

econômico e melhoria dos índices sociais, como distribuição de renda, redução da pobreza,

escolarização e qualificação profissional. Então tais resultados deveriam ser atingidos através

de estratégias que garantam oportunidades para os que precisam se inserir no mundo do

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trabalho e um subsídio em forma de renda para aqueles em situação de pobreza e miséria.

Nesse sentido, a equidade com vistas à redução da pobreza deveria ser buscada de forma

imediata e em longo prazo.

O princípio da equidade se justifica pela questão de que as pessoas não são iguais em

suas capacidades e condições; e significa, em linhas gerais, tratar de forma desigual os

desiguais visando à igualdade. Segundo Pereira e Stein (2010) essa ideia possui um

significado até progressivo.

A equidade como conceito orientador das políticas públicas progressistas tem mais a ver com um antigo preceito de Marx, de que, numa sociedade de classe todo igual tem efeitos desiguais, “porque consiste na aplicação de uma regra única a homens diferentes que, de fato, não são nem idênticos nem iguais. Sendo assim, o direito igual (típico do direito burguês) é uma violação da igualdade e da justiça” (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 113).

Da forma como foi preconizada, porém, a equidade social se restringe ao

enfrentamento da pobreza. Então, ao invés de comportar um alcance social mais amplo no

sentido de buscar uma sociedade justa e livre das desigualdades de classe, etnia e gênero a

partir do fomento à equidade que gera igualdade como resultado, esse princípio, no entanto, se

manifesta concretamente nas políticas sociais atuais de maneira mais restrita, a partir de

estratégias focalizadas e seletivas, onde esses termos se confundem com equidade. Essa

discussão põe em evidência uma reflexão sobre o significado do termo focalização em

contraposição à noção de universalização de direitos.

Atentas a esse debate, Pereira e Stein (2010), argumentam que o conceito de

universalidade está arraigado ao período após a Segunda Guerra Mundial, quando nas

democracias avançadas instituíram-se várias vertentes de um Estado Social, conhecido como

Welfare State, Estado de Bem-Estar Social ou Estado Providência. Já em crise nos anos 1970,

quando a onda neoliberal passou a reger a forma de regulação do Estado, a tendência para as

políticas sociais foram se modificando para ações focalizadas em detrimento da

universalização. Essa transição vivida nos países desenvolvidos foi também sentida na

América Latina, segundo as autoras.

A partir da segunda metade dos anos 1980, os diversos tipos de políticas e programas sociais que foram colocados em marcha na América Latina realizaram um trânsito do paradigma da universalização do acesso a serviços básicos para a redução ou combate à pobreza resultante das políticas de ajuste estrutural. Tais políticas, em consonância com o paradigma da efetividade e eficiência na gestão, instituíram a focalização, a privatização e a descentralização como um mecanismo de gestão e distribuição de recursos (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 117).

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Essa tendência foi fortalecida pela orientação dos organismos multilaterais, como

Banco Mundial (Bird), Banco Interamericano de Desenvolvimento Social (BID) e o Fundo

Monetário Internacional (FMI). Assim as políticas focalizadas e seletivas foram prevalecendo,

sob as seguintes justificativas.

Aplicam-se com mais eficácia e moralidade critérios redistributivos e igualitaristas; enfrentam-se situações de pobreza e de exclusão de forma mais orientada (sem perder o foco) e efetiva; gasta-se menos; e, tecnicamente, atua-se de forma mais eficaz na gerência de programas e projetos a serem desenvolvidos (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 113).

Nessa perspectiva defendida, a seletividade coincide com a ideia de focalização na

pobreza e prescinde da seletividade dos gastos sociais, em outras palavras, “significa garantir

que os subsídios públicos cheguem aos cidadãos mais necessitados, sem que os grupos menos

necessitados deles se apropriem ‘indevidamente’” (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 113). Disso decorre que a seletividade prevalecente não é aquela que visa identificar necessidades mais agudas para melhor atende-las, com o objetivo de calibrar a balança da justiça. Mas, pelo, contrário, trata-se de uma seletividade iníqua, centrada na defesa dos gastos sociais, que exige das políticas sociais (em particular da assistência) a criação de estratégias que reduzam as necessidades humanas a sua mísera expressão animal, para diminuir as despesas do Estado (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 115).

As autoras, portanto, expressam muito bem como a seletividade e a focalização

imprimem na ideia de equidade um alcance mais restrito. Sobre a preponderância dessas

ideias, emergiram especialmente os programas de transferência de renda no final dos anos

1990 e, nos anos 2000, passaram a assumir papel central na política de proteção social aos

segmentos vulnerabilizados socialmente da América Latina, enquanto partícipes de um

conjunto de ações pontuais que visam igualmente efeitos restritos e pontuais, como observado

na discussão realizada em seção anterior sobre o contexto brasileiro recente.

A equidade aqui discutida é, portanto, focalizada por três motivos: tanto pelo ponto de

vista das demandas que são atendidas (a pobreza e extrema pobreza, principalmente); do seu

alcance (pelo reduzido impacto que promove sobre as desigualdades); quanto sob o aspecto da

contenção do gasto público. Além de restritiva, como dito anteriormente, a equidade também

é sinônimo de geração de oportunidades por meio, especialmente, do capital educacional, já

demasiadamente discutido neste trabalho. É então que, por meio desse raciocínio, a

preocupação com resultados mais focalizados e a aplicação de recursos de forma mais

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eficiente também invadiram o espaço educacional, voltado principalmente para a formação

profissional de nível superior e profissionalizante. Dessa forma, surge um debate acerca da

permanência, evasão e retenção, abordado no item seguinte.

3.2.4 Permanência, evasão e retenção

A questão da evasão e repetência escolar tem se tornado gradativamente uma

preocupação, uma problemática emergente na agenda pública. Esta problemática decorre do

modelo de democratização do ensino, compreendido aqui como ampliação do acesso à

escolarização, qualificação profissional e ao ensino superior. Portanto, no marco das políticas

de ampliação do acesso à educação em diversos níveis, a temática permanência, evasão e

retenção escolar torna-se objeto então de pesquisas, seja no âmbito acadêmico, seja

institucional através das agências de assessoramento do governo federal. Uma das principais

ênfases desses estudos está no quantitativo de estudantes evadidos do sistema de ensino que,

ao constatar altos índices, concluem pela necessidade de investimento em políticas de

combate à evasão e retenção.

Sobre o prisma acadêmico, Dore e Lüscher (2011) estudam a temática e afirmam que a

evasão escolar é um fenômeno complexo que envolve várias dimensões e perspectivas que

devem ser consideradas em sua análise. Para as autoras, “a evasão é influenciada por um

conjunto de fatores que se relacionam tanto ao estudante e à sua família quanto à escola e à

comunidade em que vive” (DORE, LÜSCHER, 2011, p. 776). Afirmam que os fatores

relacionados à família do estudante são reconhecidos como os principais motivos para o

sucesso ou fracasso escolar, ainda que seja também importante considerar os aspectos

escolares, como os recursos e estrutura escolares, as práticas pedagógicas e o corpo docente.

As autoras apontam que há um consenso na literatura sobre o assunto de que são necessárias

medidas de prevenção à evasão através de acompanhamento escolar de estudantes em

situação de risco, capaz de identificar previamente aqueles que estão em iminência de evasão,

para que se previna sua ocorrência (DORE, LÜSCHER, 2011, p. 777).

Para Frigotto (2010, p. 60), com base na teoria do capital humano (já discutida em

item anterior), vários estudos buscaram identificar as principais causas dessa problemática

através de uma matriz de variáveis relacionadas com as características pessoais do aluno, da

família (educação dos pais, status ocupacional, renda, etc.), do meio ambiente e da escola. É

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então que “o rendimento escolar, a permanência ou não ao longo da trajetória escolar são

tidos como função de um conjunto de ‘fatores’’’, analisados a partir de recursos estatísticos,

cujos resultados conferem maior peso ao aspecto socioeconômico e à educação dos pais

(FRIGOTTO, 2010, p. 60).

Para o autor, portanto, há um modelo circular de análise na teoria do capital humano,

posto que para a mesma a educação é o fator básico de mobilidade social e aumento da renda

individual e, por outro lado, “o ‘fator econômico’, traduzido por um conjunto de indicadores

socioeconômicos, é posto como sendo o maior responsável pelo acesso, pela permanência na

trajetória escolar e pelo rendimento ao longo dessa trajetória” (FRIGOTTO, 2010, p. 62). É

nesse sentido que o autor tece sua crítica à circularidade da teoria do capital humano, nos

seguintes termos.

O que é determinante vira determinado, ou seja, a escolarização é posta como determinante da renda, de ganhos futuros, de mobilidade, de equalização social pela equalização das oportunidades educacionais (tese básica do modelo econômico concentrador), e o acesso à escola, a permanência nela e o desempenho, em qualquer nível, são explicados fundamentalmente pela renda e outros indicadores que descrevem a situação econômica familiar (FRIGOTTO, 2010, p. 62).

A crítica do autor, entretanto, tem como único objetivo desvendar o significado

burguês da teoria do capital humano que justifica as desigualdades a partir de aspectos

individuais, eximindo-se de uma análise mais totalizante sobre as causas das desigualdades no

acesso, no percurso e na qualidade escolar (FRIGOTTO, 2010, p. 80). Para Frigotto (2010),

tais análises não atingem o cerne da questão, porque não questionam a lógica capitalista.

Adota-se aqui a perspectiva de Frigotto (2010) de que as análises voltadas para a

evasão e retenção no espaço educacional estão embasadas na teoria do capital humano. Além

do mais, as políticas públicas voltadas para a prevenção desta problemática, como o caso da

assistência estudantil, balizam-se no horizonte dos resultados e da otimização de recursos

investidos em educação, isto é, a preocupação com a permanência e êxito acadêmico que

emana da ação pública consiste em tornar produtivo o investimento em capital humano para a

inserção mais eficiente da população no mundo do trabalho. Uma análise mais aprofundada

desse tipo de ação pública está contemplada no item a seguir.

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3.3 PNAES: análise de contexto e conteúdo

Considerando, portanto, o contexto econômico, político e social recente do país, como

compreender o processo de regulamentação do Programa Nacional de Assistência Estudantil

com toda a base conceitual que lhe imprime significado nesta conjuntura?

O Decreto nº. 7.234/2010, apresentado no segundo capítulo deste trabalho, representa

um marco legal importante da assistência ao estudante do ensino superior e sua legitimação

enquanto programa social inserido na agenda pública. Este instrumento legal traz consigo o

objetivo de garantir igualdade de condições de permanência aos estudantes da educação

superior pública federal, considerando que esse universo de sujeitos compreende um todo

heterogêneo, isto é, os estudantes de graduação são provenientes de distintas classes sociais,

sendo que aqueles mais pobres e oriundos de escolas da rede pública necessitam de

atendimento por meio de um conjunto de ações assistenciais (moradia, alimentação,

transporte, saúde, etc.) que visem sua permanência e conclusão de curso. O Decreto ainda

imprime a ideia de que as desigualdades sociais repercutem de alguma forma no percurso

acadêmico dos estudantes, podendo desencadear situações de evasão e retenção por

insuficiência de condições financeiras, efeitos que devem ser enfrentados pelas ações de

assistência estudantil. Por fim, e seguindo a mesma lógica, o PNAES visa promover a

inclusão social pela via educacional, ou seja, garantir condições de permanência no ensino

superior aos estudantes que tiveram oportunidade de nele ingressar e assim obterem uma

formação profissional para inserção futura no mundo do trabalho.

Como já mencionado, o PNAES foi instituído no âmbito do ensino superior e

estendido à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica por ocasião de

sua reestruturação e reconhecimento de que esta oferta também essa modalidade educacional,

embora o público alvo das instituições que a compõem seja diversificado devido à oferta de

ensino técnico de nível médio e modalidade de jovens e adultos. Tal peculiaridade promoveu

um debate, ainda inconcluso, dentro dessa rede sobre a necessidade de uma orientação

normativa específica para a assistência estudantil da educação profissional pública federal.

Por que somente na primeira década dos anos 2000 a assistência ao estudante do

ensino superior entra na agenda pública? Qual o contexto econômico, político e social que

favoreceu tal processo? Quais concepções orientam sua legalização e justificam sua

legitimidade?

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O contexto da política de educação superior é de ampliação (no setor privado e

público) e reforma. A particularidade da educação profissional pública federal se refere ao

processo de reestruturação da rede e sua expansão em sintonia com uma proposta de

desenvolvimento social e regional ambicionado a partir da qualificação de recursos humanos

para o setor produtivo. Tal contexto micro situado, ou seja, restrito ao escopo da política, não

se isenta de uma relação com o contexto mais amplo que subjaz as políticas sociais. Assim,

tais processos foram conduzidos em determinadas condições históricas.

Desde os anos 1990 e mais intensamente nos anos 2000, o Brasil vem garantindo seu

crescimento econômico a partir de um processo de desindustrialização e reprimarização da

pauta exportadora com base em commodities agrícolas, o que lhe permite se inserir no

mercado mundial como potência emergente e dependente da dinâmica financeira global. Tal

processo é conduzido especialmente pelo Estado, ao qual cabe o papel de ajustador no sentido

de dar prioridade para a política econômica em detrimento da esfera social democrática. Ao

campo social são destinados recursos e esforços pontuais, direcionados principalmente à

dinamização do mercado de consumo e formação de capital humano.

Nessas condições, ganham relevo os Programas de Transferência de Renda, sob o

signo da focalização e seletividade, bem como a política educacional orientada pela noção de

promoção de oportunidades via qualificação para o mercado de trabalho. A ênfase da política

social atual revela traços de uma revisão aos preceitos neoliberais, que, no entanto, não os

desconstrói, mas soma ao ideal de que o mercado é autorregulado a assertiva de que o lugar

do Estado nessa relação mercadológica deve estar assegurado a fim de manter o país dentro da

lógica econômico-financeira global, com um mínimo de equilíbrio entre crescimento

econômico e equalização social.

No período que vai de 2006, com o projeto de ampliação das instituições federais de

ensino superior, passando pela criação dos Institutos Federais em 2008 e pela regulamentação

da assistência estudantil em 2010, vigoram as contribuições do projeto novo

desenvolvimentista, cujas propostas não foram adotadas plenamente pelo governo Lula, mas

que inspiraram especialmente o resgate do papel do Estado no tocante à promoção de

oportunidades via mercado.

Enquanto um programa nacional voltado para as demandas dos estudantes de origem

pobre, o PNAES remete ao papel do Estado como prestador de serviços de natureza social,

norteado pelo princípio da “promoção da equidade social via igualdade de oportunidades”,

tanto do ponto de vista da focalização da ação pública nos indivíduos que mais precisam,

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quanto devido ao projeto de expansão dos investimentos na qualificação para o mercado de

trabalho.

Nesta direção, pode-se afirmar que as ações de assistência estudantil coadunam com a

perspectiva novo desenvolvimentista, que enfatiza o desenvolvimento econômico com

equidade social, à medida que essas ações estão voltadas para a garantia de condições de

permanência dos estudantes pobres nas instituições federais de ensino superior, ou seja,

voltadas para a igualdade de oportunidades. Assim, o PNAES apresenta traços dessa

perspectiva, como desdobramento de um processo mais amplo relativo ao contexto das

políticas públicas de caráter social, centradas na ideia de focalização e equidade.

Nascimento (2013), ao analisar o discurso dominante veiculado sobre o

reconhecimento da assistência estudantil no contexto de sua regulamentação, afirma que a

assistência estudantil inserida na agenda governamental nos anos 2000 assim se fez devido à

sua funcionalidade ao projeto expansionista da educação superior em curso (NASCIMENTO,

2013, p. 26), no qual seguem a mesma linha as instituições que compõem a Rede de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica, devido à adesão em certa medida por parte do governo

federal a ações pontuais relativas ao projeto novo desenvolvimentista. Por isso, embora a

legitimidade das ações de assistência estudantil tenha percorrido um longo processo histórico,

envolvendo inclusive a luta da UNE e do FONAPRACE, somente na primeira década dos

anos 2000 foi impressa no campo das políticas públicas por meio do PNAES, diante das

condições favoráveis a sua regulamentação.

Apesar dessa tendência da política educacional, explicitada pela ênfase na qualificação

profissional, a realidade se apresenta de forma contraditória, pois o modelo econômico

adotado pelo governo federal durante o período privilegia a acumulação rentista, lógica que

inviabiliza o investimento industrial capaz de gerar uma cadeia produtiva voltada para o

desenvolvimento do mercado interno. Assim, o investimento público no campo social aparece

de forma circunstancial, sem ser acompanhado por condições estruturais que viabilizem o

desenvolvimento do país. Há, portanto, um descompasso entre o conteúdo da proposta do

PNAES, de natureza desenvolvimentista, com o contexto econômico e social vigente no país.

A assistência estudantil a partir de então regulamentada é funcional ao processo de

expansão do ensino superior e da educação profissional federal, dentro de uma lógica

utilitária, da mesma forma que sofre as intemperes das circunstâncias políticas e econômicas

ao longo de sua implementação. O período de legitimidade do governo Lula, com impactos

positivos nos campos econômico e social, permitiu a ascensão da assistência estudantil ao

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status de política pública e ainda o reforço na ideia de que esta cumpre a missão de fortalecer

o acesso, permanência e êxito dos estudantes. Em tempos de mudanças13, porém, com

evidências de uma crise política vivenciada no país e ainda em curso, gestada na trama dos

interesses econômicos, vale verificar ainda quais repercussões tal processo pode alavancar na

atual condução de programas governamentais instituídos em contexto anterior. As reais e

atuais condições desse processo podem ser visualizadas a partir de uma análise mais

aproximada ao contexto atual (não priorizado até aqui, uma vez que a pretensão analítica

estava situada no recorte temporal da regulamentação do PNAES) e que o enfoque na

implementação local do Programa pode ajudar a identificar.

13 Esse contexto de mudanças diz respeito ao momento de crise da legitimidade do governo petista à

frente da Presidência da República, afetado pelos impactos da crise econômica mundial pós-2008, que repercutiu tardiamente no país, somado aos escândalos de corrupção que se tornaram midiáticos. Tal cenário culminou no impeachment da presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016. Uma coletânea de análises contemporâneas a tal processo, mas não isentas de valores e de uma percepção parcial do mesmo, pode ser encontrada em Singer et. al (2016).

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4. POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DO IFPI: trajetória institucional e perspectiva dos atores

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI) foi assim

nomeado a partir de 2008, como os demais Institutos Federais que compõem a Rede Federal

de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Consiste, entretanto, em uma instituição

centenária, posto que fundada em 1909 enquanto uma dentre as dezenove Escolas de

Aprendizes e Artífices. Segue os preceitos da Lei nº 11.892/2008 na oferta de educação

profissional técnica de nível médio (nas modalidades integrada, concomitante e subsequente)

e de graduação.

Quanto à assistência estudantil desenvolvida nas instituições federais de educação

profissional, inclusive no IFPI, é anterior ao Programa Nacional de Assistência Estudantil

(PNAES), ou seja, o PNAES possui antecedentes históricos nas ações de assistência estudantil

desenvolvidas pelas instituições que compõem a rede federal de educação profissional,

contudo sem a existência de uma normatização específica em âmbito nacional voltada para o

direcionamento destas ações.

Ações de assistência estudantil anteriores ao PNAES desenvolvidas pelo Instituto

Federal do Piauí foram registradas por Rêgo e Rodrigues (2009) e elencadas a seguir:

Programa de Alimentação, de 1910, voltado para a oferta de lanche aos estudantes a

partir de serviço terceirizado;

Instituição do Serviço de Saúde com objetivo de prestar assistência médico-

odontológica aos estudantes, por meio do Decreto nº 5.175, de 07 de janeiro de 1943;

Criação da Caixa Escolar, que funcionou durante as décadas de 1950, 1970 e 1980,

com o objetivo de proporcionar ajuda financeira a estudantes carentes, bem como

colaborar para excursões, visitas e passeios com fins educativos;

Criação do Refeitório com funcionamento garantido a partir de convênio com a

Fundação Nacional de Merenda Escolar do MEC, durante a década de 1970;

Programa de Bolsas Escolares, que funcionou como bolsa de trabalho durante as

décadas de 1970 e 1980 com recursos provenientes do convênio com o Departamento

de Assistência ao Educando (DAE) do MEC;

Programa de Alimentação Escolar, que funcionou durante a década de 1990, com

oferta de refeições (almoço e jantar) aos estudantes;

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Programa de Atendimento ao Educando (PAE) criado em 1997, visando auxílios

financeiros, assistência psicossocial e pedagógica a estudantes pobres selecionados por

meio de análise socioeconômica.

Assim, as ações de assistência estudantil foram institucionalizadas no IFPI desde o seu

nascedouro como Escola de Aprendizes e Artífices do Piauí. Sistematizadas anteriormente ao

Decreto nº. 7.234/2010 e até mesmo a Lei nº 11.892/2008, estas ações vigoraram até 2014

através do Programa de Atendimento ao Educando (PAE), coordenado até 2010 pela Gerência

de Apoio ao Ensino com a finalidade de “atender alunos oriundos de famílias de baixa renda,

tendo em vista proporcionar ações minimizadoras das disparidades sociais existentes na

comunidade estudantil” (RÊGO; RODRIGUES, 2009). O PAE, criado em 1997, era

reformulado anualmente no tocante aos seus recursos financeiros e foi aprovado no Conselho

Superior do IFPI pela última vez através da Resolução Nº. 02/2010 que estabelece o Projeto

de Atendimento ao Educando – PAE para exercício 2010. Os benefícios assistenciais previstos

para o atendimento aos estudantes de baixa renda eram denominados de bolsas, inclusive

visando o trabalho remunerado dos estudantes na instituição, como auxiliares administrativos,

no entanto sem vínculo empregatício ou contrato formal de trabalho, estágio ou aprendiz.

Uma das ideias contidas na justificativa do PAE era: O PAE apresenta-se como uma das experiências exitosas desenvolvidas pelo Instituto Federal do Piauí, pois se observa que parcela significativa do corpo discente é proveniente de famílias de baixa renda, que sobrevive com rendimentos insuficientes para superar suas necessidades básicas implicando numa difícil situação socioeconômica familiar. Essa realidade contribui para aumentar os níveis de evasão e repetência escolar, além dos alunos, face às suas condições financeiras, encontrarem-se em desigualdade para competir no mercado de trabalho e terem acesso aos demais direitos sociais em busca de uma vida digna e da cidadania plena, tornando-se necessário oportunizar a esse contingente às condições para se equipararem aos demais alunos da Instituição (IFPI, 2010).

As ações de assistência estudantil no IFPI continuaram seguindo as orientações do

PAE mesmo após a aprovação do PNAES em 2010, coordenadas a partir de então pela Pró-

Reitoria de Extensão, e somente em 2014 passaram por um processo de reformulação

norteado pelas diretrizes nacionais. Ressalta-se que o contexto da POLAE não corresponde

mais ao contexto de regulamentação do PNAES, caracterizado por um período de ascensão do

modelo econômico vigente na primeira década dos anos 2000 e que no final desta começa a

apresentar indícios de esfacelamento. De toda forma, a POLAE emerge no contexto de

investimento na assistência estudantil, com vigência do plano expansionista da rede federal,

do PNAES e da garantia de repasse de recursos que a viabilizam.

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Em estudo sobre a implementação do PNAES na educação profissional, Oliveira

(2016) afirma que, embora as instituições da Rede Federal de Educação Profissional,

Científica e Tecnológica tenham sido orientadas pela SETEC, em 2011, a implementarem as

ações do PNAES por meio de uma regulamentação própria, o IFPI está entre os 07 (sete)

últimos Institutos Federais a construírem uma normativa específica seguindo as orientações

do PNAES, sendo que mais de 80% dos Institutos Federais construíram suas normativas entre

2010 e 2013 (OLIVEIRA, 2016, p. 27). Acerca dos regulamentos construídos internamente

por cada instituição, a autora constata ainda o seguinte. A partir dos regulamentos, verifica-se que, ao tempo em que os objetivos da assistência estudantil nos Institutos atendem às orientações do PNAES, imprimem, no desenho das normativas, suas especificidades, com vistas a contemplar as demandas educativas e administrativas de cada instituição. O PNAES, apesar de orientar as normativas dos Institutos, volta-se para a educação superior e deixa a cargo da educação profissional a definição das estratégias de implementação (OLIVEIRA, 2016, p. 29).

Assim, entende-se que a implementação do PNAES é conformada na Rede Federal de

Educação Profissional segundo as particularidades institucionais, o que reforça a necessidade

de uma análise mais aprofundada do processo de implementação local do PNAES. O contexto

institucional do IFPI era de mudança na gestão e de avaliação das ações institucionais pela

equipe que assumia os principais cargos, em 2013. A gestora entrevistada, vinculada à Pró-Reitoria de Extensão, relata a situação

encontrada: “Existia um documento no IFPI feito por uma comissão de profissionais, não sei

se contemplava várias áreas, que começou a desenhar a Política, mas muito em nível teórico e

sem grandes mudanças” (Gestora). Esse documento, no entanto, a que se refere a entrevistada

não se trata de um documento oficial, visto que desde 2010 não havia sido aprovado pelo

Conselho Superior do IFPI nenhuma outra normativa diferente do PAE, o que sugere se tratar

de uma tentativa de regulamentação não consumada. Afirma ainda que: “Os campi

continuavam suas ações independentemente da proposição do PNAES. Não tinham uma

diretriz a seguir... trabalhavam com pagamentos da mesma bolsa para estudante com valores

diferenciados, cada campus pagava conforme seu entendimento” (Gestora). Ou seja, havia

dificuldade na gestão em nível de Reitoria que repercutia na execução das ações nos campi

sem padronização ou alinhamento ao que determina o PNAES. Outra peculiaridade desse

contexto era: “A definição ou o papel de cada profissional que participava das comissões de

assistência estudantil não estava especificado” (Gestora). Destarte, havia comissões

multiprofissionais de assistência estudantil responsáveis pela execução do PAE (IFPI, 2014, p.

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12), mas a fala da entrevistada sugere que, embora estivessem definidas formalmente em cada

campus, não possuíam diretrizes de atuação bem definidas. Assim, justificava-se a necessidade de construção do Programa no IFPI.

Foi nesse contexto que quando assumimos o então Departamento de Assistência Estudantil, em meados de 2013, criado nessa gestão para dar visibilidade e destaque à assistência estudantil, foi que, com base no próprio PNAES e em articulação com demais colegas da área, pensamos numa Política que iria fundamentar todas as ações na área da assistência estudantil e acabar com esse descompasso sofrido pelos campi e pelos nossos estudantes (Gestora).

Então, a partir do segundo semestre de 2013, inicia-se o processo de construção do

Programa em nível local, por ocasião do II Encontro de Assistentes Sociais do IFPI quando os

profissionais discutiam proposições para o Programa de Assistência Estudantil do IFPI (IFPI,

2013). A partir desse momento formou-se uma comissão responsável por elaborar tal

programa que foi denominado e aprovado como Política de Assistência Estudantil do IFPI

(POLAE), pela Resolução do Conselho Superior do IFPI N.º 014/2014, de 08 de abril de

2014, a qual representou, para alguns profissionais contemporâneos e partícipes desse

processo, o “resultado da demanda empreendida no âmbito institucional, por meio de agentes

e gestores, pela ampliação e reorganização das ações na área” (BRITO; GUEDELHO; REIS,

2014, p. 04). Sobre a participação de pessoas na elaboração do documento, a entrevistada afirma:

Diretamente apenas três pessoas delinearam a POLAE, três assistentes sociais. Quando assumimos o Departamento, tínhamos pressa para mudar a realidade da assistência estudantil no IFPI... e para nós, tínhamos um entendimento que primeiro asseguraríamos logo a regulamentação de uma Política, depois abriríamos espaços para discussões e avaliações.... e assim aconteceu... (Gestora).

Assim, de início a formulação da POLAE foi protagonizada por um grupo de

assistentes sociais, que encontraram aceitação e espaço na gestão do IFPI para tal tarefa. As

estratégias utilizadas nessa construção foram as seguintes: “Fizemos, eu e mais duas colegas

assistentes sociais, uma visita ao IFSC e lá conhecemos ações bem interessantes que

subsidiaram parte das nossas, bem como leitura do documento também do IFPB e de outros

IFs contribuíram para construção do nosso documento” (Gestora). Nesse momento, os

profissionais buscaram a experiência de outros Institutos, em termos de práticas e de normas,

entretanto, não houve a participação de estudantes e profissionais de outras categorias.

Constituiu-se em um processo de formulação de políticas públicas do tipo bottom down, ou

seja, sua legitimação e inserção como pauta das demandas institucionais ocorreram de cima

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para baixo, proveniente de esforços coorporativos (SILVA, 2008). De acordo com a

entrevistada, esses profissionais vislumbravam essa participação em um momento de

avaliação democrática após aprovação e implantação da POLAE. A POLAE tem por finalidade: “promover a ampliação das condições de acesso,

permanência e êxito acadêmico por meio do desenvolvimento de ações que interferem no

processo de ensino aprendizagem, apoiando a formação de estudantes e contribuir com a

igualdade de oportunidades e prevenção da evasão escolar” (IFPI, 2014, p. 13). Tal finalidade

é perseguida por um conjunto de ações que “visam garantir o acesso, a permanência e o êxito

acadêmico na perspectiva da inclusão social, formação ampliada, produção de conhecimento e

melhoria do desempenho acadêmico” (IFPI, 2014, p. 13).

A Resolução do Conselho Superior do IFPI Nº. 014, de 08 de abril de 2014, que

instituiu a POLAE, definia como seus beneficiários: “estudantes regularmente matriculados

nos cursos de Ensino Médio Integrado, Ensino Técnico Concomitante/Subsequente, e

estudantes de graduação” (IFPI, 2014, p. 15)14. Portanto, o público alvo é mais amplo que

aquele delimitado pelo PNAES, cujo foco está nos estudantes de graduação. A POLAE apresenta duas linhas de atendimento. A primeira é direcionada para o

incentivo à formação acadêmica e o desenvolvimento integral de todos os estudantes, através

dos Programas Universais, e a segunda prevê o atendimento aos estudantes que apresentam

renda per capta familiar de até um salário mínimo e meio e encontram-se em situação de

vulnerabilidade social, por meio do Programa de Atendimento ao Estudante em Situação de

Vulnerabilidade Social (IFPI, 2014). Os Programas Universais preveem ações por meio de três categorias: a) Atendimento

ao Estudante: atendimento as necessidades básicas de alimentação, de saúde,

acompanhamento psicossocial e pedagógico, incentivo à participação político acadêmica,

cultural e esportiva; b) Desenvolvimento Técnico Científico: fomento à produção do

conhecimento e ao desenvolvimento técnico científico, envolvendo as áreas do Ensino,

Pesquisa e Extensão15; e c) Necessidades Educacionais Especiais: apoio às atividades de

14 A Resolução do Conselho Superior do IFPI Nº. 027, de 19 de abril de 2016, altera a redação do

texto que trata do público alvo, no entanto, sem modificar o conteúdo. Assim, passa a defini-lo como “estudantes matriculados nos cursos presenciais da oferta regular do IFPI”, sendo estes o “Ensino Técnico Integrado ao Médio, Ensino Técnico Concomitante/subsequente e Ensino Superior em nível de Graduação” (IFPI, 2016).

15 Esta categoria se operacionaliza através dos seguintes Programas ou Projetos: Programa de Acolhimento ao Estudante Ingressante (PRAEI), Projetos de Monitoria, Projetos de Iniciação Científica (PIBIC e PIBIC Jr), Projetos de Extensão e Projetos de Visitas Técnicas (IFPI, 2014, p. 17).

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inclusão social a estudantes com necessidades educacionais específicas incluindo

impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, etc. (IFPI,

2014). O Programa de Atendimento ao Estudante em Situação de Vulnerabilidade Social se

organiza a partir de repasse pecuniário aos estudantes (através do Benefício Permanente,

Benefício Eventual, Benefício Atleta, Benefício Cultura) ou através do Benefício de Moradia

Estudantil. Os benefícios são assegurados durante o percurso acadêmico, ou enquanto for

comprovada a participação do estudante em atividades de esporte e cultura, no caso do

Benefício Atleta e do Benefício Cultura. Os valores do repasse pecuniário a estudante são de

R$ 100,00 (cem reais), R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), R$ 200,00 (duzentos reais), R$

300,00 (trezentos reais) e R$ 400,00 (quatrocentos reais), estabelecidos de acordo com a

situação analisada da renda per capita familiar e agravantes sociais, exceto para o Benefício

Eventual que envolve destinação de recurso de acordo com a necessidade extraordinária de

determinado material como fardamento, óculos, aparelho auditivo, dentre outros (IFPI, 2014). Por vulnerabilidade social, a POLAE entende que consiste em “um conjunto de

incertezas, inseguranças e riscos enfrentados quanto à fragilização de vínculos familiares e o

acesso e atendimento às necessidades básicas de bem estar social, que envolvem condições

habitacionais, sanitárias, educacionais, de trabalho, de renda e de bens de consumo” (IFPI,

2014, p. 16). Tal compreensão, segundo o documento, se fundamenta na Política Nacional de

Assistência Social (PNAS) de 2004. Quanto aos critérios estabelecidos para a inserção dos estudantes nos Programas

Universais, está previsto que é necessário matrícula regular, frequência mínima de 75% do

total das aulas, além de rendimento acadêmico satisfatório e dos critérios especificados em

editais dos Programas e Projetos de Desenvolvimento Técnico Científico (IFPI, 2014).

Quanto aos critérios para ingressar no Programa de Atendimento ao Estudante em

Vulnerabilidade Social, a POLAE estabelece: “I – estar regularmente matriculado, II – possuir

renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio, III – apresentar condições de

vulnerabilidade social, IV – estar na iminência de evasão escolar em razão das condições

financeiras” (IFPI, 2014, p. 24).

A Resolução do Conselho Superior do IFPI Nº. 027, de 19 de abril de 2016, tratou de

alterar os critérios para o estudante permanecer como beneficiário deste Programa16. Para

16 Este aspecto do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social, no tocante aos

critérios para permanência dos estudantes como beneficiários, foi formulado durante o processo de implementação da POLAE e não estava delimitado no texto original de 2014, que citava apenas a

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tanto, o estudante deve passar obrigatoriamente por um processo de reavaliação, sendo

consideradas as seguintes condições: manter os critérios pelos quais lhe foi garantido o

ingresso no Programa; frequência mínima de 75% das aulas no período letivo vigente;

participação em atendimentos e ações promovidas pela Coordenação/Comissão de Assistência

Estudantil, de forma espontânea ou quando convocado; cumprimento aos deveres estudantis

impostos pela Organização Didática; compromisso do estudante com o processo educacional,

que pode ser demonstrado pela busca dos serviços de apoio ao ensino (IFPI, 2016). A

reprovação do estudante não é critério para sua exclusão neste Programa e o seu desligamento

ocorrerá quando forem esgotadas todas as estratégias de acompanhamento (IFPI, 2016).

A delimitação dos critérios para o estudante permanecer recebendo benefício do

Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social é um aspecto do processo

de implementação da POLAE que merece destaque, tendo em vista que o mesmo processo

promoveu reflexões com base na experiência dos campi que culminaram em redefinições no

texto original. A fala da gestora sugere as motivações dessa construção.

A reformulação da POLAE foi necessária e ocorreu a partir da vivência dos profissionais nos campi junto ao próprio público estudantil mediante as ações da assistência estudantil. Penso que a motivação para esta mudança ocorreu devido ao fato que o estudante tinha uma concepção equivocada sobre assistência estudantil, era vista apenas como uma ação de repasse de recurso para aliviar uma situação de fragilidade social sua e não como uma ação necessária para seu crescimento acadêmico, sendo ele mesmo o protagonista desta ação (Gestora).

A forma como o Programa em questão, em princípio, foi regulamentado no âmbito da

POLAE não deixava explícita a contrapartida do estudante beneficiário, ou seja, o estudante

em vulnerabilidade social atendido precisava apenas manter frequência no curso para

continuar recebendo o benefício, o que poderia ter efeitos sobre a evasão do mesmo, mas, por

outro lado, não evidenciava o efeito desejado de que esse estudante obtivesse êxito nos

estudos. Portanto, com essa redefinição dos critérios, os beneficiários passam a ser cobrados

no sentido de darem algum retorno por estarem recebendo o benefício, nesse caso, a

demonstrarem comprometimento com os estudos e esforço individual com apoio dos serviços

disponibilizados para enfrentar as dificuldades de aprendizagem, o que pode ser considerado

uma espécie de contrapartida do Programa. Essa mudança é concebida como estratégia para

garantir o alinhamento da POLAE aos preceitos do PNAES, isso fica evidente na fala da

entrevistada.

necessidade de manutenção dos critérios garantidores do acesso do estudante ao benefício, pertinentes ao fator socioeconômico, e frequência regular (IFPI, 2014).

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Como sabemos o foco da assistência estudantil é a permanência do estudante para o alcance do êxito acadêmico e para que efetivamente possamos ter bons indicadores de permanência é preciso uma ação mais eficaz do ponto de vista da contrapartida também do estudante. É certo que a assistência estudantil é feita para o estudante, porém, este precisa compreender que o resultado desta também depende muito de seu compromisso enquanto estudante e nesse contexto as comissões dos campi trouxeram a reformulação dos critérios de permanência, ampliando as condições para tal [...]. Nós, enquanto Diretoria, juntamente com alguns profissionais das comissões de assistência estudantil nos campi, começamos a desenhar as alterações da POLAE, e encaminhamos para as comissões discutirem entre si, bem como se respaldarem nas avaliações dos estudantes junto a POLAE e trazerem o documento para ser finalizado no I Encontro dos profissionais da assistência estudantil. E foi o que ocorreu... as alterações foram apresentadas, discutidas mais uma vez e finalizadas com a participação de todos (Gestora).

Entende-se, portanto, que o combate à evasão e retenção é o norte do PNAES e que

deve orientar as ações de assistência estudantil desenvolvidas por cada instituição de ensino.

A destinação de recursos do mesmo para uma ação que consiste em repasse financeiro direto

ao estudante em vulnerabilidade social, então, se orienta por este princípio, quando os

resultados esperados por esta ação são a melhoria dos índices de evasão e retenção e o êxito

acadêmico. Tais objetivos foram, portanto, nesse caso, incorporados como contrapartida para

os beneficiários, mas com um enfoque no acompanhamento educacional e apoio realizado por

uma equipe multiprofissional (discriminado mais adiante). Essa foi uma definição que ocorreu

durante o processo de implementação, como construção coletiva dos implementadores que

não haviam participado da formulação da POLAE.

O financiamento da POLAE é proveniente da Dotação Orçamentária Anual definida

na fonte 2994 – Assistência ao Educando da Educação Profissional – e se destina

prioritariamente ao Programa de Atendimento ao Estudante em Situação de Vulnerabilidade

Social (IFPI, 2014).

No que se refere à gestão das ações, a POLAE é gerenciada em nível de Reitoria pela

Diretoria de Assistência Estudantil17, subordinada à Pró-Reitoria de Extensão, a qual está

vinculada uma Coordenação de Assistência Estudantil. Nos campi, a implementação das ações

cabe às Coordenações de Assistência Estudantil, conforme disposição de função gratificada

ou Comissões de Assistência Estudantil, que devem ser formadas por uma equipe

multiprofissional, minimamente composta por Assistente Social, Pedagogo e Psicólogo,

preferencialmente coordenada ou presidida pelo primeiro (IFPI, 2014). 17 A Resolução Nº. 027/2016 transformou o Departamento de Assistência Estudantil, instituído pela

Resolução Nº. 014/2014, em Diretoria de Assistência Estudantil.

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As atribuições da Diretoria de Assistência Estudantil se referem ao planejamento e

monitoramento das ações da POLAE, como segue: I – definir e organizar as ações de assistência estudantil; II – estabelecer políticas e regras para concessão de benefícios de assistência estudantil; III – planejar, orientar e monitorar metas estabelecidas pertinentes às alternativas relativas à Política de Assistência Estudantil; IV – identificar as prioridades, os recursos físicos, humanos e os materiais didático-pedagógicos a serem utilizados na Política de Assistência Estudantil; V – monitorar dados e informações da área; VI – desenvolver outras atribuições afins (IFPI, 2014, p. 30).

As atribuições da Coordenação de Assistência Estudantil vinculada à Diretoria de

Assistência Estudantil seguem abaixo: I – acompanhar a execução da Política de Assistência Estudantil; II – monitorar as ações de assistência estudantil que viabilizem a permanência e êxito dos estudantes do programa de vulnerabilidade socioeconômica; III – propor as políticas e regras para concessão de assistência estudantil e outros; IV – coordenar e controlar as ações de caráter educativo e preventivo, viabilizando a socialização de informações relacionadas aos direitos humanos junto à comunidade estudantil; V – estimular a implantação de parcerias de assistência estudantil, através de programas e projetos de inclusão social; VI – coordenar e acompanhar os recursos necessários para a execução dos projetos e programas de assistência estudantil; VII – controlar as ações/atividades relativas à assistência estudantil junto às coordenações de AE nos campi; VIII – promover anualmente encontros para avaliação desta Política com as equipes das Coordenações/Comissões de Assistência Estudantil; IX – monitorar dados e informações da área; X – desenvolver outras atribuições afins (IFPI, 2014, p. 31).

As atribuições das Coordenações/Comissão de Assistência Estudantil nos campi se

referem à execução das ações, conforme especificado abaixo: I – executar as ações da Política de Assistência Estudantil; II – realizar o acompanhamento periódico da execução da Política de Assistência Estudantil nos campi; III – realizar avaliação sistemática a fim de analisar os resultados de permanência e êxito escolar dos estudantes beneficiários do Programa de Vulnerabilidade socioeconômica desta Política. IV – elaborar Plano de Trabalho anual de ações na área da Assistência Estudantil; V – verificar e acompanhar a frequência mensal e o aproveitamento escolar bimestral dos usuários do Programa de Vulnerabilidade socioeconômica desta Política; VI – informar à Diretoria de Assistência Estudantil a demanda de recursos necessários para a execução da Política de Assistência Estudantil; VII – encaminhar ao setor de Contabilidade do campus folha de pagamento mensal dos estudantes beneficiários do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Socioeconômica, quais sejam: Benefício Permanente, Benefício Atleta, Benefício Cultura, VIII – informar periodicamente ao setor de contabilidade do campus a aplicação dos recursos para a Assistência Estudantil; IX – prestar esclarecimentos sobre a Política de Assistência Estudantil no campus aos estudantes e demais membros da comunidade escolar; X – realizar anualmente Fóruns de Assistência Estudantil nos campi com a participação da comunidade estudantil, para fins de discussões das ações, avaliação e análise de novas propostas para a temática; XI – Desenvolver outras atribuições afins; XII – divulgar junto à comunidade estudantil os programas previstos na política de assistência estudantil; XIII – Acompanhar a execução do orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES; XIV – solicitar aos setores

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responsáveis a atualização de cadastro dos estudantes atendidos pelos programas de assistência estudantil; XV – articular os setores comprometidos com a exequibilidade da política de assistência estudantil; XVI – elaborar relatórios dos programas em atividade em parceria com demais setores responsáveis; XVII – dar visibilidade às ações desenvolvidas no campo da Assistência Estudantil na perspectiva de consolidá-la; XVIII – planejar e executar o acompanhamento educacional e sócio familiar dos estudantes (IFPI, 2014, p. 31).

As atribuições de cada profissional que compõe a equipe mínima das

Coordenações/Comissão de Assistência Estudantil nos campi são as seguintes: 1. Ao assistente social compete: coordenar a assistência estudantil no campus, traçar

anualmente o perfil da comunidade estudantil, diagnosticar questões sociais que

interferem no processo ensino aprendizagem, identificar os estudantes em situação de

vulnerabilidade social, divulgar as ações de assistência estudantil junto aos estudantes,

realizar a distribuição de benefícios, propor alternativas de atendimento às demandas,

articular os setores comprometidos com as ações de assistência estudantil, elaborar

relatórios, avaliar os impactos do programa no percurso acadêmico, realizar

acompanhamento sociofamiliar, atividades socioeducativas, orientações,

encaminhamentos e articulação da rede de proteção social. 2. Compete ao psicólogo: contribuir para o desenvolvimento dos estudantes, seu

relacionamento intra e interpessoal, trabalhar aspectos do processo ensino

aprendizagem, realizar orientação profissional, promover integração dos estudantes à

instituição, orientar e acompanhar os estudantes, individualmente e em grupo no

tocante aos aspectos psicossociais. 3. Ao pedagogo compete: viabilizar o trabalho pedagógico coletivo, desenvolver

projetos visando à educação integral dos estudantes, realizar orientação pedagógica e

educacional a estudantes e familiares, bem como pesquisas que subsidiem a ação

educativa. Após a aprovação da POLAE, o primeiro passo adotado pelo Departamento de

Assistência Estudantil foi divulgar e orientar as Direções Gerais dos campi. Depois, os

executores receberam capacitação, segundo depoimento da entrevistada. A partir da regulamentação em abril de 2014, encaminhamos Memo. aos Diretores Gerais informando os procedimentos acerca da POLAE, principalmente com relação à criação das comissões (ou coordenações) locais, formada pela equipe mínima de Assistente Social, Psicólogo e Pedagogo, sendo que a presidência ficaria sob a responsabilidade do Assistente Social e em anexo a resolução POLAE em PDF para conhecimento e apresentação nos campi. Em junho, realizamos um Encontro com os Assistentes Sociais para melhor discutir a resolução e após um ano de sua implantação trouxemos para discutir a sua aplicabilidade com a equipe multiprofissional responsável no nosso I Encontro dos

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Profissionais da Assistência Estudantil do IFPI. Ou seja, o documento estava aberto às alterações necessárias e ainda está em construção e a cada ano será avaliado para que cada vez possamos aprimorar nossos trabalhos, até mesmo porque o processo educacional é dinâmico e a POLAE deve acompanhar esse processo sempre atenta e aberta a mudanças e adequações que venha contemplar os anseios dos estudantes e dos próprios profissionais envolvidos (Gestora).

A capacitação dos executores, portanto, foi direcionada primeiramente para os

assistentes sociais dos campi, responsáveis por presidir ou coordenar as

comissões/coordenações locais e somente após um ano de implementação os demais membros

das equipes mínimas foram convocados a participar de evento no intuito de avaliar as ações.

Uma das primeiras ações desenvolvidas nos campi, após a primeira capacitação, foi a

implementação do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social, através

de Editais para o Benefício Permanente publicados por cada campus em 2014, com vistas a

concessão do referido benefício aos estudantes que atendessem ao critério de renda

estabelecido pelo PNAES (renda per capita familiar de até um salário mínimo e meio) e que

possuíssem agravantes sociais identificados por assistentes sociais em um processo de estudo

socioeconômico constituído através de análise de documentos e entrevista (BRITO;

GUEDELHO; REIS, 2014).

O resultado dessa primeira experiência foi registrado por Oliveira e Passos (2014) que

evidenciam a seletividade no atendimento aos estudantes do IFPI, comparada ainda à

realidade do Estado do Piauí. As autoras consideram dois grupos de renda familiar: de 0 a 1

salário mínimo e de 1 a 3 salários mínimos, ambos inseridos no patamar estabelecido pelo

PNAES (renda per capita familiar de até um salário mínimo e meio). No primeiro, tem-se a

maior parte da população piauiense (52,51%) e no segundo, uma parcela de 21,25%, enquanto

que 33% dos estudantes que se inscreveram nos Editais para o Benefício Permanente em 2014

pertenciam à primeira faixa de renda e 65% à segunda (OLIVEIRA; PASSOS, 2014). Para as

autoras, a quase totalidade dos estudantes inscritos estava dentro dos critérios de elegibilidade

de renda, porém apenas 45% seriam contemplados, diante das vagas disponíveis. Além disso,

A maioria dos candidatos ao benefício pertence aos segmentos da população piauiense de menor renda, todavia, enquanto esta se encontra em maior número na primeira faixa, aqueles se concentram na segunda. Por conseguinte, há menos dos mais vulneráveis entre os estudantes do que no conjunto, sugerindo que aqueles têm menos acesso a esta instituição de ensino (OLIVEIRA; PASSOS, 2014, p. 6).

Assim, entende-se que, considerando o fator socioeconômico, a assistência estudantil

no IFPI se legitima diante do seu público alvo, mas também pelo contexto do Estado do Piauí

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com significante população pobre, sendo que a maioria pertence ao estrato mais pobre, em

certa medida chega a ter acesso ao IFPI e demandar benefícios assistenciais.

As ações mais recentemente empreendidas pelo setor competente pela gestão da

POLAE foram as seguintes:

Através de uma comissão multiprofissional, construímos o Plano Geral de Trabalho da Assistência Estudantil (PGTAE) subsidiando todas as ações da área, delimitando espaços e responsabilidades de todos os envolvidos. Agora para 2017 todos os campi vão apresentar seus Planos locais fundamentado no PGTAE. Conseguimos também criar o Sistema de Fluxo de Atendimento ao Estudante (SIFAE) no qual todas as ações são devidamente cadastradas no sistema, em tempo real acompanhamos o estudante bem como verificamos a aplicação dos recursos com a AE e os resultados dessas ações. São muitos setores e profissionais que alimentam o SIFAE porque como falei a assistência estudantil contempla as três principais áreas da instituição e ainda gerencia recursos (Gestora).

O PNAES no IFPI segue, portanto, um processo de implementação no sentido de

constituir mecanismos institucionais de monitoramento e gestão, tais como: Plano Geral de

Trabalho da Assistência Estudantil (PGTAE), que padroniza o planejamento das ações

executadas pelos campi; e o Sistema de Fluxo de Atendimento ao Estudante (SIFAE), um

sistema informatizado para registro de ações desenvolvidas com cada estudante, em termos de

atendimentos realizados pelos profissionais (assistente social, psicólogo, pedagogo, etc.) e

inserção nos serviços e programas da POLAE, envolvendo ensino, pesquisa e extensão. No tocante à avaliação, entretanto, são ausentes ainda ações concretas no sentido de

assegurar a participação estudantil, apesar de este aspecto ser sinalizado pela POLAE, quando

aponta a necessidade de ser avaliada anualmente por gestores e executores, envolvendo a

participação dos estudantes e das entidades estudantis, no intuito de analisar a eficiência e a

eficácia dos resultados e o impacto das ações realizadas na Política (IFPI, 2014). Esta etapa da

POLAE, no entanto, desafia os implementadores, no sentido de construir uma metodologia

que permita “a superação de procedimentos meramente burocráticos e delimitação de ações

dinâmicas, avaliadas no processo e de maneira participativa”, no tocante à avaliação da

eficiência e eficácia (BRITO; GUEDELHO; REIS, 2014). Quanto à avaliação dos impactos

da POLAE na vida dos estudantes, de modo a garantir melhores condições de permanência no

sistema de ensino, é ainda um desafio “a escuta às demandas dos estudantes e de suas

percepções diante das ações desenvolvidas”, além da verificação do alcance da melhoria dos

índices de evasão e fracasso escolar como resultados esperados (BRITO; GUEDELHO; REIS,

2014).

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No quadro a seguir, tem-se um resumo no intui de comparar o PNAES e a POLAE,

considerando alguns elementos pertinentes ao contexto e conteúdo de ambos.

QUADRO 1: SÍNTESE COMPARATIVA ENTRE PNAES E POLAE

PNAES POLAE

NORMATIVA Decreto nº. 7.234/2010 – regulamenta a assistência estudantil nas Instituições Federais de Ensino Superior.

Resolução nº. 014/2014 – regulamenta a assistência estudantil no IFPI; Resoluções nº. 031/2014 e nº. 027/2016 – estabelecem alterações ao texto original.

CONTEXTO Investimento na política de educação superior e profissional, a partir da expansão das instituições federais.

Mudança na gestão e demanda por regulamentação local inspirada nas diretrizes nacionais.

ATORES FONAPRACE como entidade articuladora do debate em torno da demanda, MEC como gestor do Programa na educação superior e profissional, IFES como executoras, SETEC como orientadora dos IFs, CONIF como articulador do debate em torno da demanda específica da educação profissional.

Grupo de formuladores composto por assistentes sociais, PROEX responsável pela gestão, Coordenações/Comissões de Assistência Estudantil multiprofissionais dos campi responsáveis pela execução, ausência da participação dos estudantes no processo (formulação e avaliação).

OBJETIVOS Igualdade de condições de permanência, reduzir evasão e retenção, inclusão social (ensino, pesquisa e extensão).

Acesso, permanência, êxito acadêmico, melhoria do desempenho acadêmico, inclusão social, igualdade de oportunidades.

AÇÕES Moradia, alimentação, transporte, saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pedagógico, atendimento a necessidades especiais.

Alimentação, saúde, acompanhamento psicossocial e pedagógico, cultura, esporte, desenvolvimento técnico científico (ensino, pesquisa e extensão), necessidades educacionais especiais, benefícios assistenciais.

PÚBLICO ALVO Estudantes de graduação oriundos da rede pública ou com renda per capita de até um salário mínimo e meio.

Estudantes dos cursos presenciais de todas as modalidades (Ensino Médio Integrado, Concomitante/ Subsequente, graduação), com prioridade para estudantes em situação de vulnerabilidade social.

Fonte: Elaboração própria a partir de análise de contexto e conteúdo dos seguintes regulamentos: Decreto nº. 7.234/2010 e Resolução n.º 014/2014/IFPI.

Assim, a POLAE foi construída no IFPI em um contexto local favorável à

consubstanciação institucional do PNAES, que representa um desdobramento de um processo

mais amplo, propício à legitimação e regulamentação da assistência estudantil nas Instituições

Federais de Ensino Superior. A peculiaridade da trajetória institucional revela a autonomia de

agentes que elaboraram o documento, com o apoio da gestão, entretanto, sem escapar de uma

lacuna quanto à participação estudantil (público-alvo) na construção e avaliação. A POLAE

segue o que preconiza o PNAES quanto aos seus objetivos e ações, mas estabelece o auxílio

financeiro como repasse direto aos estudantes, que não aparece expressamente no PNAES.

Ressignifica também o público alvo quando amplia o alcance das ações por todos os

estudantes presenciais do IFPI, sendo prioritários aqueles em situação de vulnerabilidade

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social. Então, quanto às ações, define-se um conjunto delas voltadas para o fortalecimento do

processo educacional sem o viés socioeconômico e outro em que pesa tal critério como

mecanismo de elegibilidade entre os estudantes.

No tocante à delimitação do público alvo, insere-se na base conceitual do Programa a

noção de vulnerabilidade social. No entendimento de Carvalho (2008, p. 19), a

vulnerabilidade social consiste no agravamento da questão social que “circunscreve e

atormenta o dia a dia da classe trabalhadora, se materializa no processo de destituição e

desconstrução de direitos econômicos e sociais: direito ao trabalho, e, mais especificamente, a

um emprego; direito ao acesso à terra; direito à moradia, à educação, à saúde, ao lazer”. A

vulnerabilidade social, portanto, é entendida como uma condição de perda de direitos pela

classe trabalhadora. Segundo Cronemberger e Teixeira (2012, p. 97), o termo remete a uma

discussão sobre o papel desempenhado pelas políticas sociais nos países desenvolvidos que

construíram um Estado de Bem Estar Social, em meio aos seus limites no contexto de crise

desse modelo a partir dos anos 1970. No contexto dos países menos desenvolvidos, como o

Brasil, o conceito está associado “à ideia de risco frente ao desemprego, à precariedade do

trabalho, à pobreza e à falta de proteção social” (CRONEMBERGER; TEIXEIRA, 2012, p.

98).

A inserção do conceito de vulnerabilidade social no texto da POLAE é compreendida

aqui como forma de garantir o atendimento daqueles que, imersos nesta situação, realmente

necessitam e estão mais suscetíveis à evasão e reprovação devido à insuficiência de recursos

financeiros, de serviços básicos e direitos sociais. O conceito agrega, portanto, no sentido de

melhor delimitar o público alvo, seguindo as recomendações do TCU, que foram abordadas

no capítulo anterior. Além disso, segundo Cavalheiro (2013, p. 61), o uso do termo

vulnerabilidade social para indicar o perfil do público alvo segue as orientações da SETEC,

construídas a partir de discussões nacionais em torno da implementação do PNAES na Rede

Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, que subsidiaram a construção do

projeto PNAES-EPCT.

Tal redefinição, porém, não implica em mudança substantiva de sentido atribuído ao

Programa, posto que não contraria sua base ideológica, ou seja, os princípios da equidade e

focalização na pobreza que norteiam as políticas sociais nos anos 2000. Em outras palavras, o

atendimento ao estudante em vulnerabilidade social favorece a seletividade daqueles mais

propensos à evasão e reprovação, situações que se almejam prevenir ou reverter, segundo os

objetivos do Programa. Nesse sentido, entende-se que a base conceitual do Programa em

âmbito nacional se estende pelas vias institucionais no ponto de vista normativo, sem se

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dispersar, mas tornando mais evidente o caráter assistencial do PNAES, ou seja, de que

consiste em garantir subsídio (por meio do repasse de serviços ou auxílio pecuniário) aos

estudantes em condição socialmente desfavorecida.

A execução da POLAE se dá através dos campi, por meio de equipes

multiprofissionais focadas na viabilização de serviços visando à melhoria das condições de

permanência dos estudantes e o enfrentamento da evasão e retenção. Dessa forma, cabe

buscar compreender como a assistência estudantil e o processo de implementação da POLAE

são percebidos pelos sujeitos envolvidos na dinâmica institucional, sendo estes não somente

executores e beneficiários diretos, mas representantes dos três segmentos que compõem a

comunidade acadêmica: estudantes, professores e técnicos-administrativos. Então, segue a

contextualização do Campus Parnaíba do IFPI, onde foram realizadas as entrevistas com os

sujeitos, a fim de evidenciar como a base conceitual do Programa se estende pelas vias

institucionais.

4.1 O contexto do Campus Parnaíba do IFPI

O Campus de Parnaíba situa-se no segundo maior município do Piauí, área litorânea

com potencial turístico. Foi criado em 2007 como Unidade de Ensino Descentralizada –

UNED de Parnaíba – do então Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET). Sua

fundação é, portanto, anterior à Lei nº. 11.892/2008 que cria os Institutos Federais e

corresponde ao período inicial do processo de expansão da Rede Federal capitaneado pelo

governo do presidente Lula. Até então, no Estado do Piauí o CEFET existia na Capital

Teresina e na cidade de Floriano, cuja UNED fora criada em 1994 (RÊGO; RODRIGUES,

2009, p. 115). A partir da expansão foram criadas as UNED’s de Parnaíba e Picos, visando

atender a demanda por profissionalização nesses dois polos piauienses. Atualmente, vinte

unidades, além da Reitoria, compõem o Instituto Federal do Piauí: Angical, Campo Maior,

Cocal, Corrente, Dirceu Arcoverde, Floriano, José de Freitas, Oeiras, Parnaíba, Paulistana,

Pedro II, Picos, Pio IX, Piripiri, São João, São Raimundo Nonato, Teresina Central, Teresina

Zona Sul, Uruçuí e Valença (IFPI, 2017).

O Campus Parnaíba oferta os cursos de Ensino Médio Integrado ao Técnico, nas áreas

de Edificações, Eletrotécnica e Desenvolvimento de Software, desde sua fundação, “cursos

tradicionalmente ofertados pelos IF’s, mas sem uma relação direta com o perfil econômico da

região” (GUEDELHO, 2014). Também oferta, na modalidade Técnico

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Concomitante/Subsequente, os cursos de Administração, Edificações, Eletrotécnica e

Informática. Somente após a transformação da UNED em Campus Parnaíba do IFPI, a partir

de 2009, foram ofertados cursos de graduação: Licenciatura em Física e Licenciatura em

Química. Também passaram a ser ofertados cursos na modalidade de educação de jovens e

adultos (CARVALHO, 2013).

O público do campus, então, compreende tanto os alunos do nível médio quanto do

nível superior, sendo 78,44% pertencente ao primeiro e 21,56%, ao segundo, o que atende ao

patamar de distribuição de vagas segundo a Lei nº. 11.892/2008 de, no mínimo, 50% e 20%,

respectivamente (CARVALHO, 2013). A despeito da ausência de pesquisas “capazes de

revelar a relação entre o perfil produtivo local com a oferta de cursos, ou mesmo de buscar

compreender a realidade de evasão, retenção, permanência, conclusão de cursos e inserção do

egresso no mundo do trabalho” (GUEDELHO, 2014, p. 05), alguns dados podem ser

visualizados referentes às primeiras turmas ofertadas na modalidade de ensino médio

integrado ao técnico.

TABELA 1: SITUAÇÃO DAS PRIMEIRAS TURMAS DE ENSINO MÉDIO INTEGRADO AO TÉCNICO DO CAMPUS PARNAÍBA

TURMA MATRÍCULAS EVASÃO RETENÇÃO CONCLUSÃO

Edificações (2007.1) 43 67% 7% 26%

Edificações (2008.1) 47 36% 11% 53%

Eletrotécnica (2007.1) 48 77% 13% 10%

Eletrotécnica (2008.1) 45 69% 15% 16%

Informática (2007.1) 50 54% 2% 44%

Informática (2008.1) 42 40% 10% 50%

Fonte: Guedelho (2014), elaborado a partir de dados da Coordenação de Controle Acadêmico do Campus Parnaíba.

Conforme a Tabela 1, as primeiras turmas, que ingressaram no ano de 2007, atingiram

26%, 10% e 44% de conclusão (Edificações, Eletrotécnica e Informática, respectivamente),

índices aquém da média nacional de 46,8%, segundo o TCU (2012). As turmas ingressantes

no ano seguinte atingiram 53%, 16% e 50% de conclusão (Edificações, Eletrotécnica e

Informática, respectivamente), sendo que o único curso que não acompanhou o mesmo

crescimento da taxa de conclusão foi Eletrotécnica, continuando com índice abaixo da média.

A evasão é o principal inibidor das taxas de conclusão nos cursos, posto que a taxa de evasão

é inversamente proporcional à taxa de conclusão, ou seja, quanto maior a evasão na turma,

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menor a quantidade de concluintes. Assim, o curso de Eletrotécnica, com menores taxas de

conclusão apresentou as maiores taxas de evasão, de 77% e 69%.

Com o intuito de identificar os motivos potenciais para a desistência nos cursos de

ensino médio integrado ao técnico, foi realizado um levantamento junto aos estudantes que

ingressaram em 2014, ano de surgimento da POLAE e do Programa de Acolhimento ao

Estudante Ingressante (PRAEI)18. Assim, constatou-se que “as dificuldades de aprendizagem

somada a notas baixas e reprovações, bem como a dificuldade no deslocamento até o campus

são fatores determinantes das probabilidades de evasão”, pois são os motivos predominantes

que geram uma situação de insegurança inicial entre os estudantes (GUEDELHO, 2014, p.

09).

Diante desse contexto particularizado na realidade do Campus Parnaíba, tem-se as

dificuldades enfrentadas pelos estudantes no percurso escolar. Quais as medidas de

enfrentamento às dificuldades que podem repercutir em situações de evasão e reprovação? A

assistência estudantil é um mecanismo eficaz para a prevenção da evasão e reprovação? A

assistência estudantil garante melhores condições de permanência dos estudantes? Como a

assistência estudantil é compreendida pelos sujeitos? Como os sujeitos participam do

processo de implementação da Política de Assistência Estudantil do IFPI? Partindo dessas

questões norteadoras, aborda-se em seguida os resultados da pesquisa pertinentes às

entrevistas, visando a análise de conteúdo da POLAE a partir das concepções dos sujeitos

envolvidos na implementação.

4.2 Concepções de assistência estudantil

Para a avaliação em profundidade, enquanto perspectiva de avaliação de políticas

públicas, vale investigar a maneira como a base conceitual de uma determinada política ou

programa se dispersa, solidifica ou se modifica nas vias institucionais (RODRIGUES, 2008).

Portanto, considera-se nos limites desse trabalho a perspectiva de sujeitos inseridos na

dinâmica institucional. O que pensam esses sujeitos sobre assistência estudantil, sua

finalidade e objetivos? Primeiramente, observam-se as considerações daqueles envolvidos

18 Esse levantamento partiu do interesse de investigarmos sobre o perfil dos estudantes ingressantes,

de maneira a subsidiar o trabalho de acompanhamento da equipe multiprofissional do Campus Parnaíba, bem como identificar e compreender as dificuldades iniciais enfrentadas pelos estudantes, como forma de prevenir a evasão (GUEDELHO, 2014).

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diretamente no processo de execução das ações de assistência estudantil, a saber, a equipe

mínima que compõe a Comissão de Assistência Estudantil no Campus Parnaíba do IFPI.

Assistência estudantil... Então, primeiro que diz respeito ao estudante, todos os estudantes. Então assistência, auxílio, ajuda, no sentido de assistir, de realmente focar, se dedicar àquele aluno. Então assim, eu compreendo a Política de Assistência Estudantil como estratégias, como métodos, como formas de apoiar esse aluno, esse estudante no percurso escolar ou acadêmico, no caso dos alunos da licenciatura. Então, é isso. Assistência estudantil é uma política, um projeto, enfim, um programa, são as atividades, estratégias voltadas para os estudantes da instituição, de uma maneira que os auxiliem nesse percurso acadêmico, nesse percurso escolar. Que auxilie ele a ter êxito realmente, a não só permanecer, mas ter sucesso escolar. Então para que desde a entrada dele, até a saída dele, as necessidades dele naquele processo sejam supridas. Então esse é o papel da assistência estudantil, suprir as necessidades que vão desde a alimentação, ao fardamento, transporte, tudo isso é assistência estudantil, tudo está envolvido, eu penso, em assistir os estudantes no percurso escolar deles (Técnico II).

A fala do Técnico II evidencia a compreensão de que a assistência estudantil está

voltada para a garantia de permanência visando o êxito acadêmico dos estudantes, através da

oferta de serviços e benefícios que visam suprir as necessidades dos mesmos durante o

percurso acadêmico, especialmente àqueles que mais necessitam desse apoio. Esta

compreensão vai ao encontro do que prevê a POLAE em sua finalidade, como já apresentado

anteriormente neste capítulo. Tal compreensão é complementada pelas falas do Técnico I e do

Técnico III, discriminadas abaixo.

Eu vejo a assistência estudantil como um conjunto de ações que possibilitam não só a entrada do estudante no ambiente acadêmico, mas, sobretudo, que a nossa luta é para que ele permaneça e logre êxito. A nossa luta... porque como eu falei anteriormente, muitos são os convites feitos para esse aluno desistir: ou porque ele se inseriu no mercado de trabalho, ou porque o campus é distante, porque não tem ônibus, enfim. Mas a assistência estudantil é uma política garantidora de direitos, sobretudo àqueles vulneráveis. A gente consegue visualizar quando a gente, por exemplo, à época das reavaliações, a gente consegue visualizar aquele aluno que percebe um benefício de, sei lá, trezentos reais e a gente verifica, por exemplo, a frequência dele, o boletim, as notas, enfim, que aí então a gente dialoga com esse aluno e ele nos dá esse retorno: “eu sou beneficiário da assistência estudantil, então eu tenho direito”. Então a gente consegue visualizar isso, esse retorno do estudante. Então eu penso que é uma política pública muito interessante, no sentido de que ela consegue dar visibilidade ao socialmente invisível. Como eu falei, a nossa grande dificuldade é que o aluno não só ingresse, mas, sobretudo, que ele logre êxito também, que ele permaneça (Técnico I).

O Técnico I evidencia igualmente uma concepção de assistência estudantil vinculada à

finalidade de garantia da permanência e êxito escolar. Além disso, para o mesmo, a

assistência estudantil está situada no campo dos direitos sociais, sobretudo quando o próprio

estudante se reconhece como sujeito de direito ao tempo em que é beneficiário da assistência

estudantil. O relato abaixo aprofunda tal perspectiva.

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Eu compreendo a Política como essencial, só que ao mesmo tempo a gente se bate muito com a questão da eficácia dela, porque ela não é tudo o que a gente gostaria. Foi o que até a gente conversou com os alunos repetentes... aquilo que ele ganha ali, apesar de ele receber, às vezes ele não tem aquela sensibilidade, ele não tem aquele entendimento que aquilo ali é direito dele, mas é um investimento também no futuro dele. Ele tem que investir no futuro dele. Não é uma coisa assim assistencialista. Nossa intenção não é ser assistencialista, mas suprir a necessidade dele, mas para que ele tenha condições de estar em pé de igualdade ou aproximado daquela outra pessoa que teve mais recursos, teve mais recursos a vida toda, vive em um ambiente letrado, onde os pais estão ali pra eles, esperam alguma coisa dele. Mas a política estudantil é essencial, principalmente pra esses alunos que não tem o apoio da família. Ela é fundamental (Técnico III).

Nessa perspectiva, destaca-se ainda a visão de que a assistência estudantil está voltada

para a promoção de igualdade de oportunidades através do acesso à educação. Nesta visão, a

assistência estudantil está imbricada à ideia de investimento educacional focalizado em

determinado grupo, visando à equidade social entre os estudantes. Dessa forma, a

compreensão dos sujeitos envolvidos diretamente na implementação das ações de assistência

estudantil se alinha ao conteúdo do PNAES e da POLAE, uma vez que expressa seus

objetivos (combate à evasão e retenção) e elementos da base conceitual que sustenta e

imprime significado ao Programa (capital humano, equidade social e focalização). A fala

desses sujeitos, porém, leva ainda a uma reflexão sobre o caráter assistencial da POLAE, não

evidenciada na análise de conteúdo do PNAES, mas latente em sua implementação no IFPI.

De forma semelhante ao que fora mencionado pelo Técnico I, o Técnico III apontou

que às vezes o estudante não se percebe como sujeito de direitos, quando não associa o

benefício a um investimento público em sua formação, o que remeteria a assistência estudantil

a uma mera ajuda assistencialista. A partir da fala dos sujeitos entrevistados, entende-se que

há uma preocupação em diferenciar a assistência estudantil do assistencialismo, situando-a no

campo dos direitos, pois o assistencialismo consiste na “ação assistencial que não se funda no

reconhecimento do direito social de seus usuários, mas no paternalismo e no clientelismo”

(YASBEK, 2009, p. 140).

Há, no entanto, um ponto obscuro entre o direito social e o assistencialismo na

concepção de assistência estudantil que aparece aqui. Esta visão evidencia que o fato da

assistência estar vinculada à educação, no sentido de investimento em capital humano,

objetivando permanência e êxito dos estudantes, a exime da característica assistencialista,

dependendo da “sensibilidade”, do “entendimento” do próprio estudante que,

conscientemente, faz jus à assistência em prol da sua formação. Assim, nesse entendimento,

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cumprindo a assistência estudantil sua finalidade, o público atendido pode se considerar

sujeito de direito.

Essa visão ofuscada de assistência estudantil como direito pode ser analisada a partir

de Carvalho (2008), quando trata sobre a luta por direitos sociais na sociedade brasileira.

Lutar por direitos no Brasil é contrapor-se a toda uma “cultura de carência”, do clientelismo, do patrimonialismo, da dependência que marca a vida brasileira. E mais, é contrapor-se aos padrões neoliberais das configurações capitalistas contemporâneas, que reeditam a “cultura da benesse”, do favor, envolvendo-a no humanitário discurso da “solidariedade”, da “compaixão”, do “dar de si” a um outro que está abaixo, aquém, que é incapaz de prover suas necessidades; enfim, o carente, destituído de cidadania (CARVALHO, 2008, p. 19).

Valendo-se do que pensa Carvalho (2008), a noção de direito social se encontra

distorcida na sociedade capitalista contemporânea, porque não é capaz de revelar a luta por

direitos, em contraponto à “cultura da carência”. Ainda ressalta a autora que o pensamento do

cidadão brasileiro sobre direitos sociais segue uma lógica, uma cultura política, sustentada por

dois vetores: 1) “os direitos da tradição getulista, numa ótica corporativa, tutelar,

profundamente distinta da tradição igualitária e universalista da modernidade”; 2) “a confusão

persistente entre direito-e-ajuda ou direito-e-proteção aos pobres e carentes, concebendo-se

direitos nos termos da gestão filantrópica da pobreza” (CARVALHO, 2008, p. 19). Assim,

entende-se que, na visão da equipe técnica da assistência estudantil é ainda obscura a noção

de assistência estudantil como direito, fruto da cultura política brasileira que associa direito à

ajuda do Estado patrimonialista. Encontra na co-responsabilidade do beneficiário, do ponto de

vista individual, um mecanismo para a superação do assistencialismo, mas não na ideia de

luta por direitos do ponto de vista coletivo.

Por outro lado, é necessário abordar a fala do público alvo destas ações. Assim, a

concepção de estudantes sobre a assistência estudantil pode ser observada nos relatos

destacados abaixo.

Acerca da POLAE... eu conheço muito pouco, digamos assim, porque antigamente, no meu ver, era mesmo só uma ajuda. Tipo assim, a gente estava precisando, a gente ganhava do governo, mas com o tempo, o benefício veio se esclarecendo melhor na minha cabeça, mas mesmo assim, ainda tenho dificuldade em algumas pautas do benefício ainda... Mas ao meu ver mesmo assim, hoje é um meio, que a gente recebe esse benefício... não vendo que a gente é pobre, mas sim vendo as dificuldades de cada um e vendo a necessidade de cada um pra ser em determinada quantidade de dinheiro ser utilizada pra suprir tal necessidade (Estudante I).

De acordo com o fragmento acima, o Estudante I revela ter pouco conhecimento

acerca da POLAE, inicialmente concebida como uma ajuda, um benefício assistencial

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somente, mas que com o passar do tempo, foi percebida sua finalidade relacionada ao

suprimento das dificuldades financeiras. Na mesma direção, os relatos abaixo evidenciam a

importância da assistência estudantil atrelada à finalidade do benefício, no suprimento de

despesas relativas ao processo educacional.

A assistência estudantil... eu acho muito importante, muito legal a iniciativa, porque só quem realmente precisa sabe o quanto é importante. A gente pode comprar os materiais, porque às vezes a gente não tem dinheiro, principalmente eu que sou do curso de Edificações, porque tem um custo, os esquadros, as lapiseiras e com esse dinheiro eu pude comprar o meu material, eu compro meus vales, eu posso lanchar na escola sem pedir minha mãe, porque nem tem mesmo... Eu acho massa, pra quem... tipo assim... eu acho que ela foi criada justamente pra isso, pra evitar a desistência dos alunos, evitar que eles saiam da escola pra trabalhar (Estudante II). O que eu acho é como se ela fosse um programa aqui da escola que serve pra auxiliar os alunos... auxiliar basicamente em tudo, tudo que os alunos precisam assim... ela está ali pra ajudar a gente. Por exemplo, questão aqui do IFPI que é um local muito longe e tudo... ajuda a gente no transporte, ajuda a gente a comprar nossos vales ou então, caso a gente perca o ônibus, ajuda a gente a pagar um moto-táxi ou alguma outra alternativa e também ajuda a gente a comprar, deixa eu ver... as coisas que a gente necessita. Eu, por exemplo, assim por mim, quando eu recebia, eu comprei uma mochila pra mim quando eu estava precisando. Comprei também um livro. Isso me ajudou bastante no meu rendimento também (Estudante V).

Os relatos do Estudante II e do Estudante V evidenciam a utilização do benefício da

POLAE, ou seja, a maneira como os estudantes podem através deste custear despesas com a

formação profissional e necessidades básicas como de alimentação e transporte. O Estudante

II ainda salienta que a POLAE previne a evasão de estudantes que necessitam trabalhar para

se manter financeiramente. A ajuda financeira é ainda reforçada por outros entrevistados.

É uma assistência financeira para o aluno, os alunos que estão em mais, digamos assim, vulnerabilidade social... que tem menos recursos que os outros. Por exemplo, nem todos recebem, só os que precisam mais. E ajuda muito os estudantes (Estudante III). Assim, a Política de Assistência Estudantil é, como o próprio nome já diz, pra prestar assistência para os alunos que são socioeconomicamente vulneráveis. Eu acho que, do meu ponto de vista assim, muito importante, uma instituição, principalmente uma instituição federal de educação ter uma política de assistência boa, porque para prestar um atendimento para o aluno estudar, poder fazer as atividades dele escolar corretamente (Estudante IV).

Para o Estudante III e o Estudante IV, a POLAE consiste em uma ajuda financeira aos

que necessitam. Explicitam, assim, o termo vulnerabilidade social para indicar o público

atendido por esse tipo de assistência que, portanto, não engloba a todos os estudantes de

forma geral. O entendimento que estes possuem acerca do termo vulnerabilidade social,

contudo, não está necessariamente fundado em um debate teórico, é fruto da disseminação do

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mesmo, explicitado inclusive na denominação do Programa de Atendimento ao Estudante em

Vulnerabilidade Social, instituído no âmbito da POLAE e desenvolvido por meio de

benefícios assistenciais. O teor da vulnerabilidade social assimilada pelos entrevistados é

melhor explicitado nos trechos a seguir: “Que é uma bolsa estudantil que ajuda os alunos...

tipo os alunos que não tem renda pra conseguir se sustentar com a escola e tudo...” (Estudante

VI). Além disso, “A POLAE, pelo que eu conheço, é um órgão, não sei, que ajuda os alunos

quando necessário. Alguns alunos que possuem baixa renda... ajudam em alguns casos...

Acho que basicamente só isso” (Estudante IX).

Para o Estudante VI e o Estudante IX, a POLAE se destina aos estudantes de baixa

renda, revelando que o entendimento dos estudantes acerca da assistência estudantil implica

em evidenciar o perfil focalizado do atendimento, sobretudo, caracterizado pela classificação

da renda familiar. Assim, mais do que uma discussão aprofundada sobre a fragilização dos

direitos sociais no contexto capitalista atual, o conceito de vulnerabilidade social absorvido

pelos sujeitos expressa uma característica vinculada à condição de pobreza somente. Outros

estudantes entrevistados revelaram outros aspectos em seu entendimento sobre a POLAE.

Ela é uma forma de ajudar muitos dos alunos, sejam eles da graduação ou do ensino médio técnico integrado, permanecerem no curso, porque é uma ajuda financeira. Quando eu entrei no curso tinha auxílio transporte, auxílio alimentação... eu mesma não tive, mas eu conheci o trabalho da assistência estudantil e alguns amigos meus recebiam esses auxílios. Hoje não... já é uma bolsa que somou tudo... não é mais aquela bolsa repartida (Estudante VII). O que eu sei assim é porque antes era separado, cada um tinha um programa diferente, de alimentação, de transporte, auxílio... vários auxílios separados. E depois foi mudado pra POLAE, que é como se fosse um sistema só. O que eu me recordo basicamente é isso (Estudante X).

Os estudantes acima demonstraram ter algum conhecimento sobre a POLAE enquanto

uma política que modificou a condução da assistência estudantil no IFPI, em substituição ao

antigo PAE. Essa percepção se refere à extinção de benefícios assistenciais com outras

nomenclaturas (Auxílio Alimentação, Auxílio Transporte, etc.) a partir da POLAE, o que fica

implícito a referência ao Benefício Permanente. Assim, entende-se que a POLAE é

diretamente associada ao Benefício Permanente que, em verdade, compreende uma das ações

previstas por ela. Em geral, a POLAE é concebida pelos estudantes enquanto ajuda financeira,

como evidencia o entrevistado abaixo:

É uma política que procura ajudar os alunos, tanto financeiramente, alguns alunos que tem uma dificuldade de locomoção, que às vezes a família é carente... Então essa política procura ajudar os alunos pra que eles tenham uma qualidade melhor de

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ensino e também procurar as dificuldades que o aluno tem e buscar ficar sempre ajudando o aluno (Estudante VIII).

A fala dos estudantes é convergente: a assistência estudantil é associada a um auxílio

financeiro às necessidades estudantis, pertinentes a despesas com o curso e permanência na

instituição, além disso, consiste em uma ação que não se destina a todos os estudantes, mas

àqueles que mais precisam, os socialmente vulneráveis. Assim, evidenciam as noções de

focalização e vulnerabilidade social pertinentes ao conteúdo da POLAE, mas compreendem a

Política de forma restrita, considerando apenas o teor do Programa de Atendimento ao

Estudante em Vulnerabilidade Social.

Segundo professores, a assistência estudantil é compreendida da seguinte forma:

É uma assistência a alunos carentes. Por exemplo, questão de materiais, questão de deslocamento dos alunos virem pra cá. Então esse dinheiro acaba ajudando nesse sentido. Eu sei que... eu acredito, porque tem muitos alunos aqui que são de origem simples, simples mesmo. Eu acredito... porque assim, a verba da POLAE é mais destinada à parte estudantil... à vida acadêmica do aluno... se não me falhe a memória, ou eu estou enganada? Eu acredito que grande parte dos alunos... Alguns deles podem desviar esse dinheiro para as necessidades da casa, alimentação... eu acho que, porque são tão humildes, simples, uma parte deles... Então assim, a POLAE acaba sendo uma motivação para esses alunos não evadirem do IFPI (Professor I). Assistência estudantil é exatamente você dar um apoio para aqueles estudantes carentes. Assistência estudantil... apoio nas mais diversas áreas, físicas, apoio de equipamento de óculos, de cadeira de rodas, seja o que for, e também questão de locomoção e alimentos também. Assistência estudantil seria isso. Por isso que vejo essa diferença de assistência para qualificação, capacitação. São coisas distintas (Professor III).

De acordo com o Professor I e o Professor III, a assistência estudantil consiste em uma

ação voltada para estudantes pobres, ou seja, “carentes”, visando suprir necessidades

materiais que envolvem a questão da locomoção, alimentação, dentre outras de natureza

assistencial. Essa noção é reforçada na fala do Professor III, quando faz distinção entre apoio

à capacitação (ajuda de custo para o estudante apresentar trabalho acadêmico em evento

científico fora da cidade) e assistência (ajuda financeira por decorrência da situação de

pobreza e vulnerabilidade), isso porque, enquanto esta atende àqueles que necessitam de

apoio para continuar os estudos, aquele é atribuído a uma atividade extraclasse não

obrigatória que depende do esforço e mérito individual do estudante e que, portanto, não

deveria, na visão do sujeito, ser financiado pela mesma dotação orçamentária. No entanto,

ambas são ações garantidas pela POLAE, portanto, pela mesma fonte de recursos. Na mesma

direção, outros sujeitos apontaram o seguinte:

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A POLAE se resume a bolsas ou não? Eu sei que ela existe. Eu vejo os editais. Eu vejo meus alunos participando. Eu sei que é feito entrevista, avaliação da condição socioeconômica do aluno... familiar, dificuldade de transporte. Eu sei que são bolsas de auxílio de transporte, de auxílio moradia... que busca favorecer a permanência do aluno aqui no Instituto. Não é isso? É isso o que eu vejo (Professor II). O que eu penso, o que vem na minha cabeça é justamente esse auxílio ao aluno. É isso o que vem na minha cabeça... o auxílio que o aluno teria de continuar o curso, de terminar o seu curso, sendo amparado por essa ajuda. Isso é o que eu tenho em mente sobre POLAE (Professor V).

Estes professores enfatizam o seu entendimento sobre a POLAE atrelado à noção de

benefício assistencial, voltado para a garantia de permanência aos estudantes pobres. Neste

mesmo sentido o professor destaca abaixo:

Eu compreendo que ela é fundamental. O Instituto Federal tem que caminhar junto com a assistência estudantil, porque nós temos alunos carentes aqui, muito carentes, principalmente na minha área, [...] porque a maioria vem mesmo sem condições, se você vê as notas do classificatório, as menores notas... ou seja, que acaba refletindo na sua condição de vinda pra o campus... vem de escolas muito problemáticas [...] Então eu acho que a POLAE tem que vir para o Instituto Federal, porque nós estamos numa área distante da cidade e o transporte é problemático já de vir e quando vem eles ainda cobram desses alunos carentes e eles não tem recursos pra isso. Então eu acho que a POLAE entra aí como um meio de eles estarem vindo ao campus pra estudar, um meio de dar qualidade de estudos aqui. Porque aluno com fome não consegue se concentrar. Você vê gente que se atrasa porque não tem condição de vir de ônibus, ou vem de bicicleta, gente que falta muito porque perdeu o ônibus ou mora muito longe... (Professor IV).

Na visão do Professor IV, a assistência estudantil consiste em garantir apoio ao

estudante, por meio de auxílio financeiro, no intuito de viabilizar a permanência e prevenir a

evasão, como evidenciado por outros professores. Seu relato, entretanto, aponta ainda que a

assistência estudantil se justifica, se legitima, devido ao perfil socioeconômico dos estudantes

da instituição. Na fala do Professor VI, esta justificativa também pode ser observada.

Pra mim é muito claro a necessidade e a importância da assistência estudantil. A gente pode fazer um parâmetro com a universidade e o Instituto: quem tem isso é o Instituto; a universidade não tem. O aluno, se ele quer ir pra um evento, pra um congresso... vou falar nível superior primeiro né... se ele quiser ir pra um congresso, o aluno da universidade raramente ele consegue um apoio desse da instituição. Quando muito ele consegue, ele consegue o transporte. E a gente não. Então o Instituto, além dele dar o transporte, ele dá essa ajuda de custo que é justamente pro aluno fazer essa capacitação, esse aprimoramento do que ele está estudando. Então isso pra mim é assim vital. E a questão mesmo da vulnerabilidade social, eu acho imprescindível pelo nosso público. A gente tem realmente um público muito carente e alguns realmente precisam desse acompanhamento (Professor VI).

A percepção dos professores, portanto, se aproxima à visão dos estudantes, por

relacionarem a assistência estudantil à garantia de condições de permanência, mas

principalmente pelo entendimento de que esta é viabilizada a partir de recursos financeiros

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repassados diretamente aos estudantes mais pobres. Para os professores, ainda, esta ação se

justifica devido ao perfil dos estudantes da instituição, no geral, provenientes de famílias de

baixa renda. Prevalece, portanto, a associação imediata da POLAE à noção de benefício

financeiro, como se verifica nos trechos a seguir, pertinentes a falas de estudante, professor e

técnico.

Eu acho que primeiro vem à mente a bolsa. Porque todo mundo fica assim: “Ah, o POLAE saiu”. Aí é a primeira coisa, porque fala assim “o POLAE saiu”, ninguém fala o benefício saiu, fala “a POLAE saiu”... A primeira coisa que vem na minha cabeça é o benefício. Mas a gente sabendo o que realmente é a POLAE, a gente vê que a assistência estudantil é o que ajuda a gente em todos os aspectos, tanto financeiramente, como psicologicamente... às vezes a gente está com problema na nossa família, a gente conversa com a assistente social, eles vão na casa... Eu acho que é isso (Estudante VIII). Eu acho que quando fala POLAE, os alunos lembram mais da bolsa... da bolsa... daquela bolsa de transporte... aquela bolsa mesmo de ajuda. Eu acho que não lembram de refeitório, nem de PIBIC, PIBID, nada... só lembram mais da bolsa. E os professores também (Professor II). Soa muito também essa questão dos benefícios. Parece muito que a assistência estudantil está direcionada para os benefícios financeiros. É claro que nela consta todo tipo de ação, de todos os profissionais. Mas quando se fala em POLAE... isso é uma cultura que está se tentando mudar... mas até bem pouco tempo, quando se falava em POLAE, em benefício, só falava em recurso financeiro. Só se pensava em assistência estudantil como recurso financeiro, nas bolsas, nos benefícios. Mas está se tentando mudar essa perspectiva realmente pra ampliar a assistência estudantil de uma forma que abranja as ações mesmo, não só em relação aos benefícios (Técnico II).

Essa concepção de assistência estudantil restrita a benefício financeiro não é capaz de

apreender de forma mais completa o conteúdo da POLAE, revelando apenas uma dimensão

parcial da Política que na verdade abrange dois grandes eixos de atuação: os Programas

Universais (Refeitório, Saúde, Acompanhamento e Suporte ao Ensino, Programa de

Acolhimento ao Estudante Ingressante, Monitorias, Programa de Iniciação Científica, Projetos

de Extensão, Visitas Técnicas, Atendimento às Necessidades Educacionais Específicas) e o

Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (Benefício Permanente,

Benefício Eventual, Benefício Atleta, Benefício Cultura, Benefício Moradia). Este último é a

ação cujos recursos devem ser destinados prioritariamente, bem como aquela que mais

evidentemente representa a POLAE na perspectiva dos sujeitos inseridos no contexto

institucional no qual é executada.

Essa redução da Política a benefício pode ser analisada como um entrave para a

compreensão de sua finalidade e seu alcance pelos sujeitos envolvidos na implementação. Sua

legitimidade localiza-se na existência de estudantes pobres, o que justifica o repasse de

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recurso financeiro aos mesmos. Assim, o caráter assistencial da POLAE se destaca na

concepção dos sujeitos, trazendo consigo as implicações das políticas focalizadas, segundo

advertem Pereira e Stein (2010).

A lógica da fragmentação e do curto prazo prepondera; o trato com a realidade exige apenas conhecimento de pequeno alcance, pois o local se sobrepõe ao geral; as prestações sociais são ditadas pelo imediatismo e pela rapidez de resultados, geralmente quantitativos e referenciados na renda; o mérito desbanca o direito, até mesmo entre os pobres, que se transformam em vítimas meritórias da proteção social, por sua situação de penúria; as preferências individuais substituem as necessidades sociais na definição das políticas sociais; e a história, cujo sentido de totalidade é essencial para se pensar em mudanças complexas e de longo prazo, se restringe a acontecimentos localizados ou isolados que requerem respostas pontuais (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 107, grifo nosso).

Assim, na compreensão da maioria dos sujeitos entrevistados, a legitimidade da

POLAE encontra-se no mérito dos estudantes acometidos por situação de pobreza e

merecedores de ajuda financeira. Quando mencionada alguma referência à assistência

estudantil como direito do estudante, esta visão apresenta-se de forma corrompida, devido ao

processo de erosão da própria noção de direitos, discussão apontada por Carvalho (2008).

Para a autora, ocorre um “encolhimento do horizonte de legitimidade dos direitos”, que deixa

de ser uma demanda de todos e passa a ser objeto do mérito de alguns (CARVALHO, 2008,

p. 23).

Diante da fala dos sujeitos acerca da assistência estudantil, pôde-se também observar o

que entendem sobre os critérios para os estudantes serem beneficiados, conforme segue.

4.2.1 Critérios de seleção

Quando questionados acerca dos critérios estabelecidos para que estudantes tenham

acesso às ações da POLAE, os estudantes entrevistados foram unânimes em afirmar que

devem existir tais critérios a fim de selecionar o público alvo, socioeconomicamente

vulnerável. Destaca-se a opinião a seguir:

Sim, concordo com os critérios. Principalmente da POLAE, que realmente todos nós precisamos, mas tem aqueles que precisam mais ainda. Então eu acredito que a POLAE realmente vai atrás daquele que realmente precisa, não que os outros não precisem, aqueles que não foram selecionados, mas eu acredito que com aquelas perguntas com os questionários que fazem, realmente veem aquele que realmente necessita mais (Estudante VII).

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O Estudante VII evidenciou que os critérios servem para selecionar os que mais

precisam, dentre o conjunto dos estudantes que, no geral, se enquadrariam no perfil. Este

aspecto se relaciona à seletividade do Programa, em meio ao contexto de sua implementação,

percepção que encontra sustentação na discussão abordada anteriormente sobre a seletividade

do PNAES no IFPI, conforme Oliveira e Passos (2014). Outro ponto foi evidenciado pela

maioria dos entrevistados, como se destaca a seguir.

Concordo. O pouco que eu lembro dos critérios, eu concordo. Eu tenho certeza que se eu lesse os critérios completos de novo eu concordaria com a maioria das pautas. Eu acho muito válido, porque é uma ajuda extremamente eficiente para todos os alunos que estão recebendo agora no momento. Agora às vezes tem uma certa dificuldade porque há alunos que omitem informações sobre o que tem na casa deles e às vezes recebem esse benefício, sendo que tem outras pessoas que necessitariam muito mais do que aqueles alunos. Essa é uma dificuldade que a POLAE tem, porque nem sempre vai conseguir descobrir todos esses alunos e digamos que cortar esses alunos, porque um aluno que recebe, digamos que não precisa, está tirando de outro que precisa receber (Estudante I).

Para muitos dos entrevistados, como se observa na fala do Estudante I, é possível que

um estudante burle o processo de seleção e seja incluído indevidamente, sem ter necessidade

financeira, por isso justificam a importância dos critérios e de uma seleção rigorosa. Esse

aspecto corresponde a um dos pontos críticos das políticas sociais focalizadas, do ponto de

vista operacional, no sentido de que se refere ao problema da identificação correta das

necessidades de cada grupo e definição dos destinatários das ações (PEREIRA; STEIN, 2010,

p. 116). Para Pereira e Stein (2010, p. 116), tal questão remete a “vícios arcaicos e

anacrônicos das políticas sociais focalizadas, como os constrangedores e vexatórios testes de

meios (comprovação compulsória da pobreza)” e “a fraudemania (mania de ver em cada

pobre que recorre à proteção social do Estado um fraudador)”. Como estratégia para

solucionar tal problema, o Estudante VIII sugere:

Concordo. Eu acho que dá pra ver os alunos que mais... Eu acho que é assim, na papelada que vocês pegam ou na prova que tem pra monitoria, eu acho que está tudo oquei, mas eu acho que se a gente fizesse assim, mais reuniões a gente ia conseguir ver melhor, conhecer mais o aluno, entendeu? Porque a gente só vem aqui mesmo ou quando a gente quer falar de algum problema da gente ou então quando é pra fazer o cadastro. Quando a gente vai fazer o cadastro não tem muito tempo de conversar, porque é muito aluno. Aí eu acho que se tivesse alguma reunião, sei lá, por semestre, acho que é por semestre mesmo, todo mundo viesse, procurava assim sabe conversar mais sobre a assistência eu acho que seria um pouco melhor (Estudante VIII).

Para o Estudante VIII, seria interessante a ocorrência de reuniões frequentes da

Comissão de Assistência Estudantil com os estudantes beneficiários, a fim de que, com maior

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contato e proximidade, se promova um maior conhecimento sobre a realidade vivenciada

pelos estudantes e sobre o papel da assistência estudantil. Outra sugestão foi apontada, como

segue.

Concordo. Acho até que devia ter mais critérios. Seria uma análise até mais criteriosa. Por exemplo, no refeitório... quem chegar primeiro vai almoçar e quem chegar atrasado não vai almoçar. Então não tem nem critério pra pessoa receber esse benefício. Então deixa de ser um benefício. A monitoria... antigamente tinha prova pra entrar, pra poder você conseguir a vaga. Hoje em dia não tem mais. A nota que você tirou na disciplina, você tem que ter sido aprovado naquela disciplina que você está querendo ser monitor, aí a nota que você tirou vai ser a sua nota pra classificação. Então eu não vejo isso como um bom critério. Por exemplo, a gente está se formando pra ser professor. As monitorias poderiam exigir uma prova, uma aula. Seria selecionado o conteúdo daquele que a gente vai ser monitor, aí a gente poderia dar uma aula. É até uma forma de experiência, porque os concursos exigem isso [...] Então, os critérios, eu acredito que são bons, são bem colocados, os que tem, mas que ainda poderia ser bem mais rigoroso (Estudante X).

Na visão do Estudante X, portanto, os critérios para acesso às ações da POLAE

precisam ser rigorosos, no sentido de possibilitar selecionar aqueles que correspondem ao

perfil de cada ação, como os que mais necessitam, no caso dos benefícios assistenciais, mas

também das demais ações, incluindo a monitoria e o refeitório.

Por uma insuficiência física e material do Refeitório do Campus Parnaíba em atender a

todos os estudantes, vale destacar, as refeições oferecidas diariamente são limitadas, com

prioridade para os estudantes do Ensino Médio Integrado ao Técnico, já que permanecem na

instituição nos turnos manhã e tarde, devido à carga horária dos cursos. Esta situação foi

apontada pelo Estudante X como um limite para o atendimento “universal” dessa ação da

POLAE, ou seja, para que o refeitório atenda realmente a todos os estudantes, necessitando

assim de critérios para a garantia do acesso ao mesmo por aqueles que mais precisam. A

dificuldade em relação ao refeitório foi também apontada pelos estudantes como um fator que

interfere nas condições de permanência na instituição, o que será tratado mais adiante. Ainda

quanto aos critérios de seleção, um dos professores manifestou a opinião em destaque.

Eu vejo que é necessária. Alunos que realmente não tem condições às vezes até de se locomover pra cá... serem ajudados. Eu concordo com isso. Eu só assim, às vezes, eu não concordava naquele tempo... se ainda existir... essas turmas do PRONATEC ainda... em que os alunos eram pagos pra poder estudar. Teve uma época que o PROEJA também era pago pra estudar. Isso daí é que eu acho que não. Pagar... Eu era professor deles... no dia que atrasava uma semana, os alunos: “Ah, vou mais pra aula não, porque o dinheiro atrasou”. Eu ficava chateado. Na aula eu até falava pra eles: “Eu estudei minha vida inteira em escola pública, com dificuldade, nunca recebi nenhuma banda e hoje você tem sala com ar condicionado, cadeira confortável, ainda recebe pra estudar e no dia que atrasa você fica dizendo que não vai estudar... O prejudicado só vai ser você mesmo. Quer dizer que você só está aqui por causa do dinheiro”... Tive até um bate boca com os alunos uma vez sobre isso, que realmente eu não concordo é essa questão de dar o peixe. A gente tem é que

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ensinar o cara a pescar. Está sendo muito de graça, entendeu? Agora no caso de aluno realmente comprovado pobre, que você ajuda ele a se locomover pra cá... aí eu concordo. [...] Com triagem sim. Claro... a assistência social acompanhando, vendo a questão da família, que não tem condição de manter, que é difícil de se locomover pra cá... eu concordo. Mas a pessoa às vezes tem dinheiro e fica recebendo... tira de um que não tem... (Professor III).

Esse entendimento expressa bem a visão de que são legítimos os critérios de seleção,

importantes para garantir o atendimento dos estudantes em vulnerabilidade social através da

assistência estudantil, especialmente quando se trata de repasse pecuniário diretamente para

estudantes, o que não pode ser feito de forma indiscriminada e aleatória, descaracterizando-a.

Entende-se, portanto, que a legitimidade do benefício assistencial da POLAE está fincada,

sobretudo, na vulnerabilidade social, que decorre precipuamente da condição socioeconômica,

um dos fatores atribuídos às causas de evasão, segundo a base conceitual do Programa. Nesse

ponto especificamente, a percepção dos sujeitos alinha-se ao conteúdo do PNAES e da

POLAE, fortalecendo o princípio da focalização por meio da seletividade, este último ligado

“ao problema da identificação correta das necessidades” (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 116).

Por outro lado, constatou-se que existe uma expectativa quanto à contrapartida dos

beneficiários, o que é abordado na próxima seção.

4.2.2 Contrapartida do estudante

A noção de contrapartida é uma tendência das políticas sociais atuais, especialmente

norteadas pelo princípio da focalização. Nessa perspectiva, o público alvo dos programas

sociais é selecionado com base em determinados critérios e, quando inseridos, assumem

determinadas responsabilidades, compromissos individuais, como condicionalidades para a

manutenção do benefício. Na fala dos sujeitos, a questão da contrapartida emerge da seguinte

forma, primeiramente para estudantes.

Assim, de início eu fui bolsista da assistência mesmo, mas aí depois eu migrei pra de trabalho. Foi bastante boa a experiência, principalmente a do trabalho, porque você está ali fazendo alguma coisa e está recebendo um dinheiro, mas você está recebendo dinheiro, mas por estar merecendo mesmo, porque você está ali trabalhando e tal... sem falar também da experiência que eu adquiri naquela parte de trabalhar, porque até então eu nunca tinha tido de estar em um ambiente, ainda mais um ambiente como o IFPI, um ambiente de trabalho assim... foi positivo, gostei bastante sim. Pena que hoje em dia não tem mais (Estudante IV).

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O Estudante IV relata sua experiência como beneficiário da assistência estudantil em

sua trajetória acadêmica no IFPI, onde pontua dois momentos: sendo beneficiário sem a

contrapartida do trabalho e com a contrapartida do trabalho. Neste último, julga ter recebido o

auxílio financeiro por “merecimento”. Destaca ainda a importância desta experiência como

uma iniciação ao trabalho, um aprendizado para uma futura atuação profissional. Lamenta

ainda a extinção desse tipo de atividade no âmbito da assistência estudantil. Abaixo, outra

opinião convergente.

É porque a maioria dos benefícios não exige dele um retorno, ao meu ver pelo menos, não exige. Porque eu acredito que o que exigiria o retorno seria os resultados da monitoria, que também entra né? Então, os de monitoria exige o retorno do aluno, mas outros benefícios não exigem. Então fica uma coisa muito passiva. O aluno está lá, o programa está aqui e acaba não tendo aquela relação. Se houvesse, por exemplo, algo que exigisse do aluno que ele estivesse ativo em alguma coisa, como é o caso da monitoria, talvez seria melhor, por exemplo, um aluno que estivesse aqui na parte do setor de saúde, auxiliando aqui, ou então algum outro setor que ele pudesse estar aqui na instituição... ou sei lá, outra coisa, que ele pudesse estar fazendo algo por aquilo que ele está recebendo (Estudante X).

O Estudante X também acredita ser positiva a contrapartida do beneficiário, no sentido

de prestação de serviço. O retorno do estudante, portanto, é visto como uma atividade que o

mesmo possa exercer para fazer jus ao recebimento do benefício. Este raciocínio é

compartilhado também entre professores.

Eu acho que seria interessante se voltasse. Às vezes uma bolsa para um aluno desses é muito importante. Além dele receber, ele ainda está aprendendo. Enquanto que tem muito aluno... que eu vejo... tem aluno que recebe bolsa da POLAE que nem... tipo assim... só pra vir mesmo pra cá. [...] Eu acho que seria interessante porque ele vai ajudar o aluno a fixar aqui, porque ele não vai querer perder aquele dinheiro, ele vai trabalhar, ou seja, vai aprender um ofício e... serve até como um primeiro emprego. E eu acho que vai ter o mesmo efeito de uma bolsa dessas sem o aluno precisar trabalhar, na minha opinião... assim, de efeito de fixar o aluno... porque se ele está estagiando aqui, ele não vai querer sair daqui também e vai até se entrosar mais com a instituição (Professor II).

O Professor II admite ser interessante que o estudante tenha uma vivência de “estágio”

na instituição de ensino como contrapartida da assistência estudantil. Para o mesmo, tal

atividade promove aprendizado e contribui para a permanência do estudante, prevenindo a

evasão. O Professor V ainda revela:

Eu acho assim... porque eles recebem sem precisar prestar algum serviço para o campus... eu acho assim, poderia se pensar em ele ganhar essa bolsa, mas poderia se pensar em colocar o aluno pra prestar algum serviço para o campus. Assim, eu acho que iria valorizar mais, o aluno ia valorizar mais... eu tiro por mim, porque quando eu era bolsista de trabalho no campus... eu estudei no IFPI... e eu valorizava muito, estudava mais... (Professor V).

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Para o Professor V, a contrapartida de trabalho para o beneficiário promove a

valorização do benefício pelo estudante. Na fala de estudantes e professores, portanto, emerge

a concepção de que é correto o estudante receber repasse pecuniário mediante “merecimento”,

ora atribuído à situação de vulnerabilidade social (abordada no item anterior), ora relacionado

à prestação de serviço.

Para alguns, então, é válido para os estudantes a prestação de serviço como

contrapartida para o recebimento de auxílio financeiro, tanto no sentido de possibilitar

experiência e aprendizado, quanto instigar nos estudantes efeito moral de valorização do

benefício. Esse é realmente um ponto polêmico da concepção e implementação do PNAES,

pois a assistência em forma de benefício pecuniário ao estudante é aqui confundida por uma

visão mercantilizada da vida social que implica em uma relação de troca com envolvimento

de força de trabalho.

Nas discussões nacionais, registradas por Cavalheiro (2013), em torno da

implementação do PNAES na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e

Tecnológica, que subsidiaram a construção do projeto PNAES-EPCT (abordado no capítulo

anterior), “há uma orientação para a extinção da contrapartida de trabalho do estudante como

requisito para o repasse financeiro de auxílios”, pauta que foi redimensionada para os

aspectos da frequência e aproveitamento acadêmico como contrapartidas (CAVALHEIRO,

2013, p. 61). Esta foi uma orientação basilar da POLAE no IFPI, um dos aspectos que a

diferencia do antigo Programa de Atendimento ao Educando (PAE), que previa bolsas de

trabalho aos estudantes como ação de assistência estudantil.

Atualmente, no âmbito da assistência estudantil do IFPI, a contrapartida do estudante

beneficiário é visualizada especificamente quanto aos critérios estabelecidos para o estudante

permanecer recebendo benefícios, que, como já mencionado, foi um aspecto construído

durante a implementação da POLAE já instituída. Tal contrapartida emerge como expectativa

em relação aos beneficiários na fala de professores entrevistados.

O único questionamento que eu tenho da POLAE é em relação à cobrança, que às vezes você pensa que deveria cobrar pelo menos a iniciativa dos alunos, que em relação a isso eu não vejo... porque professor faz tudo pra ajudar os alunos, sabe, então quando chega o final do ano, então quando você vê aquele aluno que chega a não ter as notas boas, se você vê que ele é um aluno que busca, você tenta ajudar o máximo, você dá todas as oportunidades possíveis... (Professor IV).

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Para o Professor IV, o estudante beneficiário da POLAE deve ser cobrado por bons

resultados no desempenho escolar, ao menos no sentido de que demonstre interesse pelos

estudos, iniciativa e esforço pessoal. No mesmo sentido, outro sujeito aponta:

Eu acho que seria interessante vocês fazerem periodicamente uma triagem, um acompanhamento do histórico do aluno, vendo como está a situação dele, se ele está progredindo, se ele está se interessando no curso, presença, ver se está tendo frequência no curso... Se vocês puderem estar verificando a aprendizagem do aluno... depois, sei lá, de três meses que ele está recebendo a POLAE, chama o aluno: “Olha, a gente está analisando o seu histórico, a gente percebeu aqui que houve uma queda do seu rendimento e a gente queria saber por que”... é isso... eu acho que um pouco de cobrança também, pra ter uma maior valorização (Professor V).

O Professor V evidencia a importância do trabalho de acompanhamento ao estudante

beneficiário, no sentido de verificar o rendimento escolar e identificar dificuldades, motivos

para a ocorrência de resultados insatisfatórios. Tudo isso levando o estudante a perceber que é

preciso dar retorno, contrapartida pelo benefício, através do desempenho escolar. O relato

abaixo destacado ainda explicita de maneira mais detalhada o pensamento do professor acerca

desse tipo de cobrança aos beneficiários.

O aluno tem que mostrar o retorno disso. Como é que o aluno mostra? É no empenho, é nas notas. Então muitas vezes eu vejo o aluno que fica aqui até o fim do ano letivo pra ele não tomar falta, mas entregando provas em branco. Então assim, onde é que está o comprometimento do aluno em receber esse auxílio, que pouco, que muito, mas é um auxílio que ele recebe que o grupo entendeu que era o suficiente pra mantê-lo aqui e ele tem que dar esse retorno. Então nesse ponto, eu acho que a gente tem que melhorar ainda [...] Então aí você vê um aluno que levanta cinco horas da manhã do Buriti pra vir pra cá pra estudar... o aluno que vem pedalando né, não sei de onde, do Bairro São Vicente, enfim, são áreas bem carentes que eu tenho alunos assim e eu vejo eles pegarem o valorzinho que eles recebem e reverter ali... Você vê eles tirarem boa nota... quando tira uma... não estão muito bem de rendimento, correm atrás. Você vê a preocupação e tudo. Ali eu vejo o retorno da POLAE. Por isso que eu digo assim que, a gente realmente assim talvez pelo quadro... não sei, buscar algum software, alguma coisa ajude a gente a ter esse retorno mais rápido dos rendimentos dos alunos beneficiários e chamar a família e dar ciência: “olha, está recebendo, é pra vir, é pra estudar”. Qual o retorno? O retorno é a aprovação do aluno no final do ano. Se esses casos isolados, se o aluno tem déficit de atenção, sei lá, dislexia, problema de memória, não sei. Esses casos médicos, aí a gente tem que ponderar. Fazer o diagnóstico, ponderar realmente: “não, ele vai continuar recebendo, mas ele só vai até aqui”. Tudo bem. Isso daí a gente respeita. Mas assim, o aluno que eu não tenho o diagnóstico médico e eu vejo que o aluno está vindo por vir, só porque se ele pegar falta, ele não recebe benefício... aí isso daí me incomoda. Isso aí me incomoda muito. [...] Às vezes me parece realmente desinteresse. Mas eu não vou generalizar isso, mas alguns casos, realmente é o que eu estou dizendo, o que me incomoda é isso. Como eu já ouvi, há algum tempo atrás, logo quando a POLAE começou, de alunos que me entregavam a prova em branco, botava o nome... E eu fui atrás perguntar por que não quis nem marcar, tinha duas questões de marcar na minha prova. Eu falei: “você não quer nem chutar?” “Não, professora, eu tô vindo pra não pegar falta”. “E por quê?” “Não, é porque se eu pegar falta eu não recebo minha bolsa”. Então desde que eu ouvi isso

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realmente assim me chamou a atenção e me incomodou. Esse investimento que a instituição faz que o aluno, muitos alunos não dão esse retorno (Professor VI).

A expectativa de professores é de que o benefício deve causar efeitos do ponto de vista

comportamental do indivíduo, enquanto retorno devido pelo mesmo mediante inserção no

Programa. Portanto, os efeitos esperados pelo Programa passam pela conduta dos indivíduos

contemplados, no tocante à obrigatoriedade de assumirem uma postura de comprometimento

com os estudos. Assim, os beneficiários são vistos como “faltosos” no sentido apontado por

Pereira e Stein (2010, p. 116) de que há uma inversão no campo das políticas sociais, posto

que aqueles atendidos em direitos sociais básicos (educação, saúde, etc.), credores de uma

dívida histórica, é que têm que assumir contrapartidas. As autoras ainda indicam como risco

desse tipo de mecanismo regulador das políticas sociais focalizadas a tentativa de transformar

problemas estruturais em faltas morais dos próprios afetados por esses problemas.

Na visão de Carvalho (2008), esse fenômeno contemporâneo que incide sobre as

políticas sociais opera um esvaziamento da noção de direito transmutado em benefício.

O direito deixa de ser uma prerrogativa de todos e se transforma em elemento indexado ao desempenho individual, como “recompensa”. É o direito metamorfoseado em benefício, objeto de retórica, capturado pela racionalidade do Mercado, que retira a “alma do direito”. E, nesta perspectiva, ocorre uma transferência de responsabilidades sociais, também para a sociedade civil (CARVALHO, 2008, p. 23).

Infere-se, portanto, que a focalização das políticas sociais na pobreza, através de

atendimento na forma de benefício assistencial, implica na deterioração da noção de direito

social, sobretudo atribuindo-lhe um sentido individualizante. Essa perspectiva cabe na análise

da implementação do PNAES no IFPI, uma vez que conforma uma concepção de assistência

estudantil marcada pela assistencialização da pobreza na forma de benefício, o que se agrava

pela noção de responsabilização do indivíduo por meio de condicionalidades para o

recebimento do mesmo. A noção de direito é confundida, portanto, com a noção de mérito,

própria da sociedade capitalista. Assim, o benefício da assistência estudantil representa uma

moeda de troca pelo comportamento dos estudantes diante do processo educacional, visando o

sucesso escolar como um resultado que emana do plano individual.

No campo educacional, por meio de ações de assistência estudantil, os próprios

indivíduos, quando passam a ser atendidos, são cobrados pelos resultados esperados de

minimização dos problemas de evasão e retenção. Esta situação pode ser analisada pela

mesma linha da análise de Frigotto (2010) sobre a circularidade da teoria do capital humano,

já abordada no capítulo anterior. Para o autor, essa teoria defende que a escolarização é fator

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de mobilidade social; sua ausência ou deficiência é a causa das desigualdades. Ao mesmo

tempo, essa teoria ilumina políticas de combate à evasão escolar como o PNAES, pois associa

as causas dessa problemática às condições socioeconômicas dos sujeitos, ou seja, aqueles que

possuem menos recursos financeiros possuem menos chances de obter sucesso escolar e,

consequentemente, mobilidade. Para agravar tal raciocínio circular e evidenciar sua

incongruência, os efeitos almejados pela POLAE passam pelo esforço individual dos sujeitos

beneficiários, o que independe do auxílio financeiro em si. Fecha-se, portanto, todo esse ciclo

no plano individual. Entretanto, quais dificuldades são vivenciadas pelos estudantes no

percurso acadêmico e que podem representar riscos de evasão e retenção?

4.3 Dificuldades enfrentadas pelos estudantes no percurso acadêmico

Nas entrevistas com estudantes foram identificadas algumas dificuldades que

interferem na permanência destes no IFPI, são estas: falta de qualidade do serviço de

transporte; insuficiência do refeitório do campus para atendimento da demanda por

alimentação; dificuldade do ensino ofertado; falta de identificação com a área profissional;

condições financeiras dos estudantes e ocorrência de greves. Assim, segue a discussão sobre

as mesmas nos tópicos seguintes.

4.3.1 Transporte

O aspecto prevalecente na fala de todos os estudantes entrevistados é a dificuldade em

relação ao transporte para o Instituto, isto é, “o empecilho do transporte que é o bicho papão,

tanto dos alunos do ensino superior, como os alunos do médio” (Estudante IX). Dessa forma,

seguem alguns relatos, ricos de detalhes e dilemas impostos por este obstáculo na vida dos

estudantes. Os relatos são específicos, mas semelhantes no tocante à insuficiência do serviço

de transporte até o campus.

Eu tenho um colega que ele anda na base de cinco quilômetros da casa dele pra parada, só pra pegar o ônibus todo santo dia e também tenho colega que mora lá na Ilha Grande, aí dificulta mais ainda a vida dele pra vir pra cá (Estudante I). Tem várias né. Transporte. Transporte é o problema desde os primórdios ali no Instituto, porque a localização do Instituto arrasa, assim... Tem aluno que mora no Joaz Sousa, por exemplo, como uma amiga minha, ela mora no Joaz Sousa... ela tem

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que pegar um ônibus seis horas, uma van, descer na Guarita pra pegar outro ônibus seis e meia. Ela faz isso, paga o dobro de vale, porque ela tem que pegar duas vans... um de casa pra Guarita, e um da Guarita pro Instituto. E na volta do mesmo jeito, do Instituto pro Centro, do Centro pra casa. Será que todo aluno teria condição de pagar o dobro pra poder ir pra escola? Nem todos né... tem gente que mora no Broderville também... é outro problema também, quando vai pra lá tem que pegar um ônibus pra rodoviária. E o pessoal de Luís Correia, tem vez que não tem ônibus... tem três alunos na minha sala de Luís Correia. Tem vez que elas faltam prova, faltam aula, porque o ônibus não vem, e o do Instituto não vai buscar, porque não tem combustível, porque não pode rodar, porque... porque... vários porquês. Essa questão do transporte dificulta bastante. Tem gente que nem entra no Instituto. Prefere nem entrar, só por causa disso, já sabe que é longe (Estudante II). Eu como moro aqui no Planalto eu tenho mais dificuldade do que quando eu morava na outra casa... Eu saia de casa cedo, seis e vinte, conseguia pegar o ônibus ali na São Sebastião seis e meia. Eu ia e vinha. Era normal. Minha mãe recebe vale transporte eu nem comprava muito vale estudantil. A minha bolsa eu usava mais pra xerox, também nos outros anos eu ficava mais tempo aqui, eu também usava pra merendar, pra me manter mais aqui. Aí quando eu me mudei, a minha mãe comprou uma casa, agora a gente mora no Planalto. É bem mais perto daqui, só que eu tenho uma dificuldade maior de vir, porque lá não tem o ônibus, não passa o ônibus no Bairro Piauí e os alunos do Bairro Piauí tem que ir pra Pinheiro Machado, tem que ir pra São Sebastião. [...] A gente tem muita dificuldade. Eu agora estou dependendo de carona. Minha colega que estuda comigo sempre me traz, mas às vezes quando a moto quebra, ou então quando ela está doente, eu não posso vir, aí eu fico perdendo aula. (Estudante VIII). O primeiro de todos, de todos, de todos é a distância. Pra vir pra cá, de forma geral, os meninos tem muita dificuldade, até porque o foco daqui é o ensino médio. Então os meninos do ensino médio, a maioria deles não tem transporte próprio, até porque não tem idade pra dirigir. Os quem vem a gente sabe que é na ilegalidade. Precisa vir muito cedo e às vezes precisa passar o dia aqui. Então é complicado pra maioria. A gente sabe que a maioria dos alunos não tem como estar bancando.... perdeu o ônibus, não tem como vir de moto-taxi. Um moto-taxi cobra às vezes dez reais pra vir pra cá, dos lugares mais próximos. Então não é todo mundo que tem condição de pegar dez reais e dar num moto-taxi. Então a principal dificuldade que eu vejo é o transporte. Eu mesma muitas vezes perdi aula por causa de transporte. Perdi transporte, porque o ônibus passava na minha casa, era uma das primeiras rotas que ele passava, aí se eu não estivesse lá na hora certa, muito cedo, acabava perdendo. Então o principal que eu vejo é o transporte (Estudante X).

Existe um único ônibus particular que faz rota dentro da cidade até o Campus e este

não consegue executar um percurso que inclua todos os bairros da cidade, o que dificulta

sobremaneira para aqueles que residem em locais não contemplados, necessitando fazer uso

de duas conduções, ou dependendo de transporte próprio (carro, moto, bicicleta), carona, ou

percorrer a pé. Estudantes oriundos de cidades vizinhas como Luís Correia dependem de

ônibus disponibilizados gratuitamente pelas respectivas prefeituras.

A garantia do transporte para os estudantes é uma ação prevista pelo PNAES (inciso

III, parágrafo 1º, Art. 3º, do Decreto Nº. 7.234/2010). A POLAE, porém, viabiliza apenas a

ajuda de custo com o transporte em caso de visitas técnicas (IFPI, 2014, p. 18). A despesa

com o transporte utilizado diariamente pelos estudantes para frequentar o Instituto está

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subentendida como custeada pelos benefícios do Programa de Atendimento ao Estudante em

Vulnerabilidade Social, para aqueles contemplados, uma vez que a dificuldade com transporte

é compreendida como um agravante social (IFPI, 2014, p. 26). Entretanto, esse problema

parece atingir aos estudantes de maneira geral.

Nota-se que a visão dos estudantes acerca das dificuldades para permanência na

instituição de ensino se associa de forma mais imediata a problemas de logística, ou

infraestrutura institucional, referentes a serviços básicos que deveriam ser viabilizados pela

assistência estudantil como o transporte, bem como a alimentação, serviço abordado em

seguida.

4.3.2 Alimentação

As limitações do serviço de alimentação fornecido pelo IFPI é outro obstáculo à

permanência dos estudantes, segundo os sujeitos entrevistados. O Campus Parnaíba possui

um refeitório que oferece almoço e jantar gratuitos para os estudantes, mas os relatos apontam

o seguinte:

Tem essa questão do transporte, agora o refeitório é outro problema, porque o refeitório não suporta mais... tipo assim: “Ah, eu quero ficar pra estudar”. Você vai ficar se sobrar ficha, porque as turmas de primeiro ano tem contraturno, acho que são três dias na semana, ou dois, e a gente não tem mais as fichas disponíveis. Eu queria ficar hoje pra estudar, será que eu vou poder? Não sei... E se não ficar lá, será se em casa vai estudar? Esse negócio do refeitório estar limitado também dificultou bastante, dificultou muito, muito... (Estudante II). Depois a alimentação, porque os alunos da manhã que são os do ensino médio eles tem uma prioridade né, porque é o foco da instituição, aquela coisa toda. Aí quem chega à tarde, às vezes vem do trabalho, vem de uma outra situação, às vezes não consegue almoçar, aí já passa a tarde com fome (Estudante X).

Uma das dificuldades destacadas é a insuficiência da quantidade de refeições

oferecidas pelo Refeitório do Campus, cuja fonte de financiamento para compra de alimentos

é a POLAE (IFPI, 2014, p. 18), seguindo o que estabelece o PNAES (inciso II, parágrafo 1º,

Art. 3º, do Decreto Nº. 7.234/2010). Desde a regulamentação da POLAE em 2014, a partir do

seu Art. 7º, foi instituída a gratuidade das refeições (IFPI, 2014, p. 18). A implantação da

gratuidade, porém, não parece ser o motivo do problema de insuficiência das refeições. A

partir de 2015, houve um aumento da demanda pelo Refeitório após mudança na duração dos

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cursos de ensino médio integrado ao técnico de quatro para três anos19. Os estudantes dessa

modalidade passaram a ter aulas nos turnos manhã e tarde, quase todos os dias, em escalas

alternadas por turma, tendo prioridade para o uso do Refeitório. Assim, os estudantes que

desejam permanecer na instituição apenas para fazer uso das monitorias, biblioteca e

laboratórios no contra turno encontram na limitação das refeições uma dificuldade para o

processo de aprendizagem, o que aparece na fala dos entrevistados.

4.3.3 Ensino

Outra dificuldade apresentada pelos estudantes está relacionada ao ensino ofertado

pelo IFPI, como evidencia a fala do estudante a seguir:

Eu acho que a maior dificuldade é que o ensino do Instituto tem o nível elevado, os professores são muito capacitados, acho que cerca de noventa por cento dos professores... capacitados assim: com doutorado, mestrado. Raramente tem um graduado só. O nível lá é alto e os alunos tem dificuldade de se adaptar a isso. Mas eu acredito que é possível sim, porque o Instituto oferece monitoria e se os alunos procurassem mais a monitoria talvez tivessem mais sucesso. [...] Olha, quando eu entrei no Instituto, eu saí de uma escola pública... quando eu entrei no Instituto foi um baque assim que eu nunca tinha tirado uma nota vermelha na minha vida. Aí a primeira prova que eu fiz foi de matemática, eu tirei três. Aí eu: meu Deus do céu! Caramba! Três! Aí eu: rapaz eu vou ter que estudar, porque eu nunca tinha tirado uma nota vermelha e agora eu tirar um três? Caramba! Aí eu fiz o quê? Eu fui estudar. Eu fui estudar à tarde, que eu não trabalhava quando eu entrei lá. Eu estudava e eu consegui me adaptar. É difícil? É, mas você se adapta. Eu acho... eu sei que cada um é diferente, nem todo mundo tem facilidade de aprender tão rápido e nem se adaptar. E às vezes não tem interesse. Mas as monitorias estão lá, os professores estão lá pra tirar dúvida. Eu acho que o aluno, é papel do aluno isso daí de procurar aprender, porque as coisas não caem do céu e a dificuldade está lá, eu acho que pra quase todo mundo. Todo mundo sente que lá é difícil, também por ser uma escola técnica. Você não vê só as disciplinas comuns, você tem mais um peso das técnicas, que não são nada fáceis e é uma coisa que você nunca viu na vida. Você não tem noção, você nunca viu. Eu nunca... material de construção.... não sei nada. É estudar... a biblioteca está lá. Tem os laboratórios, que a gente tem acesso à internet. Agora melhorou ainda mais, porque todo mundo tem acesso à internet com Wi-Fi... Eu acho que se um aluno botar na cabeça que: “Tá difícil? Tá, mas eu tenho recurso pra estudar. Eu posso ficar aqui à tarde, tem uma biblioteca que tem um acervo enorme, tem computadores que eu posso usar à vontade pra pesquisa” (Estudante II).

19 A mudança na duração dos cursos de Ensino Médio Integrado no IFPI foi estabelecida a partir do

Edital Nº. 103, de 24 de outubro de 2014 – Exame Classificatório 2015.1/IFPI, quando indicou pela primeira vez a duração mínima de três ou quatro anos para essa modalidade, dependendo de cada Plano de Curso.

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O depoimento do Estudante II enfatiza uma dificuldade enfrentada no percurso

acadêmico, que se manifesta ainda no primeiro ano de andamento do curso. Refere-se ao nível

do ensino, considerado elevado devido à qualificação dos professores, bem como pela

existência de disciplinas técnicas. O estudante julga que a qualidade do ensino e o peso das

disciplinas técnicas geram dificuldades de aprendizagem para os estudantes que se deparam

com essa realidade como uma novidade, inicialmente percebida através do baixo desempenho

nas primeiras avaliações de aprendizagem. Essa fala vai ao encontro do diagnóstico realizado

pelo TCU, abordado no capítulo anterior, que reproduz a percepção de professores quanto ao

trabalho docente em sala de aula estar comprometido, em grande medida, pelos déficits

educacionais dos estudantes (TCU, 2012, p. 15). Assim, são evidentes as dificuldades de

aprendizagem enfrentadas pelos estudantes do IFPI, mas estas são percebidas pelos sujeitos

como um problema que depende do esforço individual, sem qualquer menção às condições

reais da educação básica de onde estes estudantes são provenientes.

Assim, o estudante relata que quando ingressou no IFPI, proveniente de escola

pública, se deparou com uma realidade diferente, a qual precisou se adaptar, devido à

formação técnica, grande quantidade de disciplinas e exigência dos professores. Na sua

opinião, foi determinante sua postura de esforço nos estudos, em busca também de atividades

e serviços oferecidos pela instituição no sentido de suporte ao ensino, como monitorias,

laboratórios e acesso à internet.

Conforme Frigotto (2010), esse pensamento decorre da ideia de que o processo escolar

comporta uma perspectiva meritocrática, inerente à teoria do capital humano.

Assim como no mundo da produção todos os homens são “livres” para ascenderem socialmente, e essa ascensão depende única e exclusivamente do esforço, da capacidade, da iniciativa, da administração racional dos seus recursos, no mundo escolar, a não aprendizagem, a evasão, a repetência são problemas individuais. Trata-se da falta de esforço, da “não aptidão”, da falta de vocação. Enfim, a ótica positivista que a teoria do capital humano assume no âmbito econômico justifica as desigualdades de classe, por aspectos individuais; no âmbito educacional, igualmente mascara a gênese da desigualdade no acesso, no percurso e na qualidade de educação que têm as classes sociais (FRIGOTTO, 2010, p. 80).

Assim, com base na citação acima, justifica-se o pensamento persistente de que o

rendimento acadêmico depende da adaptação do estudante ao meio, do esforço individual.

Esse discurso persiste desde o pronunciamento dos técnicos sobre o reconhecimento da

assistência estudantil como “direito” (entendido como investimento) pelos estudantes, passa

pela defesa de professores pela contrapartida do estudante beneficiário (em termos de

rendimento escolar), e chega até o discurso de estudantes sobre suas próprias dificuldades

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enfrentadas para a permanência na instituição. Assim, tudo é uma questão de esforço

individual, de mérito. A meritocracia, portanto, é absorvida como um dado natural, uma ideia

posta, sem ser questionada pelos sujeitos. Omitem, portanto, perguntas latentes: Por que os

estudantes encontram no ensino oferecido pelo Instituto uma barreira para a permanência e

êxito? Qual a qualidade do sistema escolar do qual esses estudantes são provenientes? Sem a

emergência destas questões, as causas da evasão e retenção são compreendidas apenas no

plano individual.

Esta perspectiva prevalece, portanto, na fala dos sujeitos e dá vazão a outro aspecto: a

existência de um discurso de que os índices de reprovação revelam um aspecto positivo.

Eu não posso falar do Instituto todo, mas no meu curso não, pelo contrário, eu acho que assim... quando chegou no terceiro ano, os professores sempre falam: “Ah, os fortes ficam... não sei o quê”. Como se os outros não fossem fortes, sabe. Eu acho que tem uma coisa assim tipo: “Ah, eles têm que desistir, tem que ficar só os melhores”. Tipo assim, cinquenta que entraram no primeiro ano não podem ficar até o final. Sabe, é como se tivesse uma influência muito forte... eu sinto muito isso. Os professores da área técnica são mais assim... os professores de sociologia, filosofia já pensam melhor sobre isso, sabe, eles tentam e tal... mas não vejo uma dedicação, uma preocupação muito grande quanto às desistências não. Não vejo de forma alguma, pelo contrário, eu acho que muitas vezes eles tentam ver quais alunos são mais fortes pra ficar, sabe. Como se tivesse isso. Não que os outros sejam fracos... eu já tive muitos amigos bons, muitos alunos bons, dedicados que saíram daqui, porque não aguentaram a carga horária extensa, a pressão que os professores colocam e aí... por exemplo, a minha turma que eram cinquenta alunos, agora só restam dez. Os outros não eram tão ruins, não todos. Tinham muitos alunos bons também que desistiram. Isso é bem chato (Estudante III). Nós temos números muito altos de evasão e repetência, por inúmeros fatores. Então eu acho que a gente tem que ter esse olhar mesmo cuidadoso, individual, criterioso com esses estudantes, porque, enfim, nós dependemos deles pra estar aqui. Nosso trabalho é pra eles e tem que ser feito de uma forma que alcance um número grande de alunos, que seja mínimo o índice de evasão e de retenção. Que seja realmente pouco. Não é o que acontece, ao contrário. Então isso chama atenção... de que alguma coisa a gente não está fazendo certo. Enfim, são vários fatores, mas a gente não pode deixar de olhar pra isso. De estar sempre atento aos alunos que estão à beira de evadir-se, antes que se concretize, e os que repetem... [...] Essa parte educacional além de conteúdo, eu sinto falho, e talvez isso ajudasse mais nessa conscientização de que estudar é importante, de se manter na instituição, de tentar realmente focar no êxito, desmistificar a crença de que não conseguem. Muitos deles são carentes, inclusive desses referenciais, de apoio, de motivação. Então trazer mesmo pra esse viés que vai além do conteúdo e de repente isso podia começar dentro da sala de aula. Muitas vezes é na própria sala de aula que ele evade, quando tem um contato com um docente que de repente em vez de trazer essa esperança em relação à possibilidade dele de crescer e de aprender, já diz pra ele que ele não tem base, que ele não tem condições, e então ele sai. Mas são vários fatores... não culpabilizando nenhum lado. Geralmente é multifatorial essa questão da evasão e da reprovação. Mas poderiam ser feitas mais atividades realmente a tempo de isso não acontecer... que não são índices positivos... apesar de que pra alguns, reprovar é algo bom... alguns professores, principalmente, verbalizam isso. Mas isso não são índices positivos, na verdade são índices de incompetência nossa enquanto instituição (Técnico II).

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Nas falas do Estudante III e do Técnico II, observa-se a existência de um discurso,

mais ou menos velado, de que as reprovações são positivas quando conseguem excluir ou

eliminar aqueles estudantes que não atingiram um rendimento satisfatório, sem se preocupar

com os motivos que os levaram a tal resultado. Nesse discurso, as causas da evasão não são

consideradas como um problema institucional, mas como problema individual dos estudantes

que não conseguiram obter êxito. Esses sujeitos que mencionaram a existência desse discurso

latente demonstraram-se incomodados exatamente por discordarem dessa culpabilização

imediata dos estudantes que fracassaram no percurso acadêmico, que não comporta reflexão

mais profunda sobre o assunto.

Estudantes apontam que a recorrência de reprovações merece mais atenção da gestão

da instituição, conforme os trechos destacados abaixo.

A parte de moradia, alimentação sim, que ela é regida pela POLAE. Os alunos que realmente necessitam conseguem. Mas a parte que eu falei de reprovação tem muita coisa ainda pra ser resolvida... Eu acredito que a Direção de Ensino ou a parte de coordenação de curso deveria estar mais em cima, por exemplo, deveria estar mais a par das situações que acontecem... fazer mais levantamentos com frequência, podemos dizer assim, tentar entender porque isso está afetando tantos alunos... isso foi o principal motivo da abertura do CA, da gente conseguir dialogar com a Direção de Ensino pra tentar diminuir a evasão dos alunos (Estudante IX). Muita gente que reprova, às vezes na primeira reprovação sai do curso, já desiste, não aguenta, digamos assim. Se houvesse... é lógico que não dá pra atender de um por um, mas podia ter uma atenção maior com esses casos. Se o aluno já reprovou duas vezes na mesma disciplina, por que isso está acontecendo? Chegar, conversar... Eu acredito que não tenha isso, eu não vejo isso. Eu estou falando mais no ensino superior.

Essa atenção que se deveria ter quanto à incidência de reprovações surgiu mais

evidentemente em referência ao ensino superior. Outro estudante comenta, sob outra

perspectiva, a dificuldade relativa ao ensino como fator que chega a provocar evasão, nos

termos que seguem:

Acho que essa evasão não diz respeito à parte de assistência, mas sim à parte do curso propriamente dito. Os professores são muito rigorosos. Muito rigorosos mesmo na hora de corrigir provas... alguns, não todos... e isso acaba meio que desestimulando os alunos. E questão de reprovação também, se o aluno reprovou um ano, só vai poder pagar matéria no próximo ano, ou seja, se reprovar em três disciplinas, no mínimo tem sete anos no instituto. Não tem como adiantar mais. Aí se o aluno reprovou por vacilo, por exemplo, e depois ele reprova de novo, já são dois anos a mais e ele prefere sair do Instituto e ir pra outra instituição que ofereça disciplinas com mais regularidade (Estudante IX).

O Estudante IX afirma que a ocorrência de reprovações, devido à exigência de

professores rigorosos, é um fator que gera desmotivação e consequentemente evasão. É

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recorrente a questão das exigências do ensino e de professores rigorosos e qualificados (em

nível de mestrado e doutorado), o que pode levar à obtenção de notas baixas que desestimula

os estudantes a permanecerem na instituição, posto que as reprovações desencadeiam retenção

e prolongamento da situação de estar cursando. Aqui, a visão acerca da dificuldade do ensino

oferecido pelo Instituto muda de perspectiva, porque ao invés de se culpabilizar o estudante,

culpabiliza-se o professor.

Mantendo relação com tal dificuldade enfrentada pelos estudantes, foi bastante citada

a oferta de monitorias como medida de suporte ao ensino e prevenção de reprovações. As

monitorias consistem em garantir que estudantes com dificuldades na aprendizagem sejam

subsidiados por outros estudantes aptos a transmitirem conhecimentos. Nos termos da

POLAE, são assim viabilizadas:

Como estratégia institucional para a melhoria do processo ensino-aprendizagem, através de experiências pedagógicas e cooperação mútua entre discentes e docentes com finalidade de fortalecer a articulação entre teoria e prática, além de favorecer a integração curricular em seus diferentes aspectos. A monitoria é uma atividade discente, que auxilia o professor, monitorando grupos de estudantes em projeto acadêmico ou com dificuldade de aprendizagem (IFPI, 2014, p. 21).

Sobre as monitorias, os sujeitos mencionaram o seguinte.

Oferece e é pouco aproveitado, acho que as monitorias. As monitorias estão lá e os alunos não aproveitam. Os três monitores, dois de matemática e um de português são da minha sala. Eles ficavam todo dia à tarde e não vinha um aluno pedir monitoria, pedir auxílio e quando vinha era... amanhã é a prova e eles vinham um dia antes querendo aprender tudo. Os alunos não aproveitam, não aproveitam o que é oferecido (Estudante II). Olha, assim, eu não acredito. Existe é monitoria assim pra tentar sanar as dificuldades dos alunos, mas tirando isso... Eu só vejo monitoria mesmo. Vejo monitoria pra tentar ajudar os alunos e olhe que os alunos que precisam às vezes nem vão atrás da monitoria, vai só aqueles mesmo que às vezes nem precisam, mas vai mesmo só pra... Já tem caso aqui na licenciatura que tem o monitor, mas não aparece aluno. É incrível isso, tem monitor, mas não aparece aluno. Eu não sei o que passa na cabeça desse pessoal. Porque monitor realmente tem, mas se não vão atrás, a pessoa não se empenhar mesmo, vai ficar sem adquirir aquele conhecimento, porque aquela pessoa que está ali pra repassar, devia estar passando, mas não está, devido a falta do aluno (Estudante IV).

Para alguns estudantes entrevistados, as monitorias não são devidamente usadas por

aqueles que precisam desse suporte, embora sejam importantes. Este tipo de ação, que seria

uma espécie de reforço escolar, corresponde a uma das recomendações do TCU para prevenir

a evasão, o que fora abordado no capítulo anterior, porém, entende-se que há problemas na

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implementação dessa ação prevista pela POLAE, já que não consegue efetivamente atingir

seu objetivo.

4.3.4 Falta de identificação profissional

Foi citada também a falta de identificação com a área de formação profissional como

fator que leva os estudantes a desistirem.

A evasão, primeiro, é a questão do lado da matemática, porque o curso de Física não é um curso fácil e segundo também é que o pessoal hoje em dia não se imagina ser professor, porque vem aquela imagem assim: “professor, profissional desvalorizado”. Aí a pessoa está aqui no curso de Física estudando pra caramba pra ver a imagem de um professor lá fora se desvalorizando, isso desmotiva bastante... (Estudante IV). No ensino médio, existe outro problema que eu identifiquei na época em que eu entrei, que os alunos entram até sem saber por que estão vindo pra cá. Entram por entrar, entram porque é bonito, “porque todo mundo está indo, eu vou também”. Eu entrei no meu curso sem ter noção do que era aquele curso. Então eu fui ficando, porque eu fui ficando. Fui empurrando com a barriga (Estudante X).

Esse aspecto é também um empecilho para a permanência de estudantes nos cursos, o

que se agrava devido à soma de outras dificuldades impostas, como o elevado nível do ensino

e a infraestrutura deficiente do campus para a garantia de permanência (transporte e

alimentação). Este aspecto suscita a relevância de outras pesquisas sobre o perfil dos cursos e

demandas por estes, em sintonia com o perfil produtivo local.

4.3.5 Condição socioeconômica

A condição financeira dos estudantes foi indicada como outro aspecto que dificulta o

percurso acadêmico.

Primeiro de tudo aqui no Instituto é transporte. O segundo vem a questão financeira, porque pra você chegar aqui, o aluno chegar aqui tem que gastar dinheiro com passagem... e o estudante que é de fora, além de sofrer com aluguel, sofre com passagem e tem também a questão de alimentação. Hoje em dia tem diversas políticas que visam assim ajudar esse estudante, esse estudante que vem de fora, como por exemplo, o acesso ao refeitório de graça e a própria POLAE mesmo. (...) O curso em si mesmo, porém essa dificuldade pode ser resolvida com estudo. Mas assim, pra se fixar aqui e seguir os estudos, eu digo mais essa parte financeira, porque o financeiro pesa tanto para o transporte, pra se locomover pra cá, e na

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estadia mesmo, pra permanecer na cidade, que aí entra a POLAE pra esses alunos terem incentivo pra seguir em frente, porque não é fácil (Estudante IV).

O Estudante IV aponta várias dificuldades enfrentadas na trajetória acadêmica dos

estudantes, em relação ao transporte, a alimentação, a estadia na cidade para aqueles

provenientes de outras localidades. Enfim, todas estas passam pela questão da situação

financeira, ou seja, tornam-se dificuldades diante da condição socioeconômica dos estudantes

que dependem de recursos para supri-las, muitas vezes encontrados na Política de Assistência

Estudantil. O relato a seguir endossa essa compreensão.

Isso é fácil de responder. A maioria dos alunos do Instituto, pelo menos no ensino superior, não é daqui. A maioria é de fora e o principal empecilho é se manter aqui na cidade. Além disso, tem. Acho que em primeiro lugar é a questão de moradia, segundo lugar a questão de transporte, alimentação não mais, porque a gente já tem o refeitório e o refeitório agora disponibiliza almoço e janta gratuito. Acho que basicamente o principal empecilho pro aluno se manter no curso é os alunos que são de fora, que não conseguem se manter aqui em Parnaíba. Agora os demais que moram aqui em Parnaíba, que tem casa aqui em Parnaíba conseguem manter o curso tranquilo (Estudante IX).

Para o estudante IX, a principal dificuldade em permanecer no curso é vivenciada por

aqueles estudantes provenientes de outras cidades e que necessitam se manter em Parnaíba

para estudar. Por outro lado, tem-se a seguinte situação:

Muitos têm que trabalhar. Tem a questão do trabalho. Isso influencia muitos à permanência no curso. Então alguns têm que trabalhar, porque nem todos os pais têm condições financeiras de bancar e acabam tendo que trabalhar e trancam o curso, desistem. Por ser só diurno, ele é muito bom para aqueles que se dedicam só a estudar. É ótimo. Mas para aqueles que trabalham, é mais complicado, porque tem que correr contra o tempo (Estudante VII).

A condição financeira dos estudantes repercute na permanência dos mesmos na

instituição, principalmente no caso daqueles provenientes de outras localidades e que

precisam se manter na cidade, longe de seus provedores, como também no caso daqueles que

necessitam ser os provedores do próprio sustento e conciliar trabalho com os estudos. Tais

situações e as diversas dificuldades familiares que cada caso pode apresentar foram

declaradas como empecilhos para a permanência dos estudantes na instituição.

As ações de assistência estudantil foram apontadas como medidas de prevenção à

evasão motivada por essa dificuldade, conforme o relato abaixo.

A assistência estudantil, eu acredito que seja uma forma, em relação a questões financeiras... vocês ajudam, tem a bolsa. Acredito que seria uma das iniciativas pra diminuir essa evasão... a bolsa estudantil e não somente ela, mas as outras bolsas: o PIBID, o PIBIC também... elas ajudam financeiramente os alunos... além de ser

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pontos no currículo para aqueles que participam dessas bolsas, mas também ajudam os alunos financeiramente pra que eles possam se manter e não precisem trabalhar... a se dedicar somente ao curso (Estudante VII).

Nesse aspecto, as ações de assistência estudantil são compreendidas pelo Estudante

VII como estratégias de combate à evasão, especialmente em relação ao repasse de auxílio

pecuniário aos estudantes com dificuldades financeiras. Dessa forma, enfatiza-se a visão

assistencial do Programa, em função de sua apreensão mais imediata relacionada ao benefício,

em detrimento de outras ações focadas no incentivo à pesquisa, extensão, reforço escolar, etc.

4.3.6 Ocorrência de greves

Também foi citado o problema decorrente das frequentes greves dos servidores, que

repercute na mudança de calendário e atraso na conclusão dos cursos, desestimulando e

ocasionando evasão em alguns casos, como indica a seguir:

A questão do transporte é a principal. Muito complicado transporte pra cá. Mas também tem outras coisas: a greve... A greve é um grande fator. Por exemplo, eu já deveria estar indo para o quarto ano agora, ainda estou muito atrasado, na metade do terceiro. As turmas do quarto ano agora que já iam se formar não vão mais. A greve é um grande fator (Estudante III).

Portanto, são muitas as dificuldades enfrentadas pelos estudantes durante o período

que frequentam o IFPI, como afirma a Estudante II: “Você tem dificuldade de ir pra escola, de

ficar lá, porque às vezes não tem almoço, porque não tem ficha suficiente... você enfrenta

greve... e fora que a escola é super puxada... é um mix, que tem que ter coragem”.

Diante das dificuldades evidenciadas pelos próprios estudantes, a seguir enfoca-se o

que pensam alguns sujeitos sobre as possibilidades de alcance de resultados através da

POLAE, no tocante à evasão e retenção.

4.3.7 O alcance dos objetivos da POLAE

A maioria das dificuldades acima apontadas se relaciona de alguma maneira ao escopo

de atuação da POLAE. Contudo, ao pensar sobre o seu principal objetivo, a prevenção à

evasão e reprovação, o Técnico I pontua algumas medidas que poderiam ser tomadas:

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O que eu vou falar pode parecer utópico, mas o que eu percebi, infelizmente, é que o estudante vai evadir mesmo com o benefício. Ele vai repetir mesmo com o benefício. Porque a nossa escola é situada numa região que não é estratégica, em nossa escola falta infraestrutura. Então eu poderia estar elencando aí os pontos que eu vejo como pontos positivos para estar enfrentando a evasão e repetência que seriam: outras atividades que não fossem somente sala de aula, como esporte, cultura, que nós não temos, ampliação da biblioteca, ampliação do refeitório, outras atividades de pesquisa e extensão que pudessem estar sendo também realizadas por esse alunado e mais envolvimento da própria Comissão de Assistência Estudantil, no sentido da gente pensar junto: “E agora, o que que nós vamos fazer? Nós temos xis alunos repetentes, esse número é crescente. O que nós vamos fazer?” Nesse sentido de nós nos reunirmos, de ações pontuais, eu vou dizer assim. Mas nosso campus tem bastante deficiências que vão convidar ao aluno a fazer esse descaminho da educação. Então por isso eu lhe digo: o sucesso escolar do nosso estudante do Instituto Federal não está intimamente atrelado ao repasse de benefício (Técnico I).

Estas colocações revelam os limites do alcance das ações da POLAE exatamente

devido aos problemas vivenciados pelo Campus, já destacados pelos estudantes, como a

insuficiência do refeitório, a ausência de transporte de qualidade e, ainda, de atividades

esportivas e culturais. Sobre esta última, alguns sujeitos destacam a importância da realização

de eventos e projetos extraclasse como medidas que visam fomentar a permanência dos

estudantes na instituição, como revela a fala do Estudante I.

Pra contribuir, eu digo que o IFPI na Praça ajuda bastante, porque é uma coisa atrativa pra qualquer aluno. Pra mim é extremamente atrativo, porque eu me sinto disposto e desafiado de ter um planejamento de um projeto, onde eu vou precisar da ajuda de outras pessoas... a feira de ciências, até mesmo o halloween como teve agora, é um meio atrativo de não ter essa evasão. [...] A gente precisa mais de projetos que envolvam todo mundo. Até um campeonato poliesportivo aqui do colégio... (Estudante I).

Nessa mesma direção, o Professor III ressaltou a necessidade de atividades esportivas,

culturais e de lazer, conforme relato abaixo.

Eu acho que aqui no campus falta muito espaço de lazer. Eu acho que os alunos, quando estão em horário vago, fazem uma bolinha de papel, ficam jogando um para o outro no meio do tempo ali... Eu acho isso... Poxa! Devia ter mesa de pingue-pongue... xadrez até que tem, mas sei lá, outras coisas, outras atividades para os alunos interagirem... Eu acho que falta isso. E também de incentivar mais a parte cultural aqui no Instituto. Eu acho que a iniciativa da banda que foi criada aqui, a banda de música, que eu acho que acabou porque os instrumentos eram dos próprios alunos. Eu acho que a banda de música era uma coisa que devia ter aqui. Assim de uma maneira que o aluno ocupasse melhor o tempo que ele passa aqui, já que está passando o dia todo agora, integral. Passa melhor o tempo, não ficar assim ocioso. Poderia ser melhor... a própria questão da quadra... Eu acho que poderia ser melhor. Se você prestar atenção, até espaço pra sentar... Tem os bancos aqui, mas não... são insuficientes. Você vê que ali naquela área de entrada tem um jardinzinho, mas nessas outras aqui não tem, deveria ter também. [...] São desleixos, coisas que você nota que... outras coisas que... O aluno se sente mais valorizado quando ele está em um lugar mais bonito, um lugar mais aconchegante. Ele se sente bem, até o professor mesmo se sente bem (Professor III).

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O relato do Professor III ressalta a importância de atividades que motivem os

estudantes a permanecerem na instituição, além das aulas. Assim, a permanência pode ser

entendida como um fator também simbólico, subjetivo, que envolve o sentimento de

pertencimento dos estudantes ao contexto institucional. Tratando-se do objetivo da POLAE de

prevenir a evasão e retenção, o Técnico I posicionou-se da seguinte forma.

A forma como ela está lá posta no texto é tudo muito lindo. Como estou falando, se ela precisa lá na frente ser implementada, a gente vai saber isso no cotidiano. Quando a gente vai pra prática, quando a gente vai se debruçar em cima da realidade do nosso estudante, na realidade do nosso campus, a gente percebe que as ações previstas lá na Política deixam de ter eficácia, eficiência lá na ponta, lá no nosso campus, porque a gente vai se deparar com problemas estruturais. A forma que ela é posta, pra mim, tá oquei. Tá tudo oquei quando a gente consegue visualizar os objetivos, a finalidade, quando a gente consegue dizer para o estudante para quem veio a assistência estudantil: “É pra você estudante”. E aí ele também nos dá esse retorno, quando ele consegue ser sujeito de direitos, quando ele consegue se perceber enquanto sujeito de direitos. Porém a gente se depara com problemas estruturais no nosso campus e aí a gente não consegue dar plena efetividade na nossa Política. Eu percebo isso (Técnico I).

Sendo favorável aos preceitos da POLAE, o entrevistado acima acredita que o

enfrentamento da evasão e reprovação por meio da POLAE encontra limites no âmbito da

execução que esbarra em problemas estruturais do próprio campus, o que compromete sua

eficácia e eficiência. Portanto, o maior problema identificado na implementação não está

atrelado propriamente à forma como as ações da POLAE são desenvolvidas, mas a questões

que não se vinculam a estas e precisam ser resolvidas em nível de gestão institucional. Por

outro lado, o Técnico II ressalta a seguir.

Elas contribuem. Elas podem não ser decisivas, até porque como a gente sabe não é uma relação simples de causa e efeito, linear. Existem inúmeras variáveis. Na questão do aluno que reprova, por exemplo, não necessariamente porque faltou o dinheiro da POLAE. Então pode ter sido um outro evento que venha... Ou então ele está totalmente assistido, mas vai reprovar. Então é muito relativo... a gente direcionar, dizer que sim ou que não, porque não é um fator único. Então assim, eu acredito que ela agrega. Contribui. Provavelmente não é única e exclusivamente ela. Contribuir ela contribui. Eu também não posso dizer que ela não contribui, porque estaria desmerecendo essa ideia e esse favorecimento. Se for realizado como prevê, como está sendo previsto... se de fato vir a acontecer como ela se propõe a acontecer, contribui sim. Então eu acho que ela tem que ser realmente mais fomentada, ela tem que ser mais alimentada, as modificações necessárias que forem acontecendo com as avaliações, melhoramento dessas ações (Técnico II).

O entrevistado acredita que a POLAE contribui para a permanência e êxito acadêmico,

porém não é o fator exclusivo para o alcance de bons resultados institucionais, posto que as

causas da evasão e reprovação são de natureza variada, que nem sempre a POLAE vai ser

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capaz de alcançar. Para que esta possa contribuir efetivamente deve ainda ser melhorada a

partir de sua avaliação no processo de implementação.

Quanto às ações da POLAE destinadas à prevenção da evasão, tem-se o seguinte

posicionamento de um professor:

Bom... além da questão das bolsas, de avaliar o aluno que precisa, aquele aluno que tem vulnerabilidade pra sair... tem que fazer também o acompanhamento de evasões, verificar o porquê que aquele aluno desistiu, fazer acompanhamento mais de perto. [...] Outra sugestão que eu dou com relação à POLAE é a questão da época das seleções. Porque às vezes o edital começa bem depois que as aulas já começaram. Talvez seria interessante bem logo no início. Começou as aulas, já publicar. Porque se esse aluno está mesmo com dificuldade de transporte... depois de dois, três meses de aula... ele já está desistente. Está com dificuldade, talvez nem consiga esperar tanto. Não que a POLAE seja obrigatória. O aluno entrou aqui, o curso já é gratuito, não quer dizer que ele tenha obrigatoriamente que receber bolsa. Mas já que tem a bolsa, eu acho que seria interessante oferecer logo no início das aulas (Professor II).

Para este, além de garantir atendimento aos vulneráveis socialmente, a POLAE deve

acompanhar os casos de evasão a fim de identificar seus fatores motivacionais. Além disso,

julga ser importante o atendimento dos estudantes através do benefício assistencial em tempo

hábil, ou seja, antes que a evasão ocorra, embora este aspecto seja sutilmente questionado

quanto a sua obrigatoriedade, o que não anula sua legitimidade, abordada anteriormente na

análise da concepção dos sujeitos sobre assistência estudantil. A avaliação do Técnico III é

destacada abaixo.

Eu acredito que nem sempre, porque não é suficiente, é pouco, apesar da Política ser muito bonita, está se tornando ineficaz pela falta de recursos. A abrangência dela está ficando pequena, não é suficiente. Eu acredito que, uma coisa que deveria ter nesses Institutos, realmente deveria ter o ônibus para pegar o aluno na casa dele. [...] Então eu acredito que nem sempre a Política contribui para permanência e êxito. Nem sempre. Ela contribui às vezes? Ela contribui, mas ela não é fundamental. Mesmo que o aluno... como a assistente social viu lá no início do ano... o fato do aluno ter bolsa ou não aparentemente não interferiu tanto na aprovação ou reprovação dele, ou mesmo na permanência dele, porque essa bolsa às vezes ele gasta todinha... sendo que ele estudando em uma escola mais próxima da casa dele, talvez ele não tivesse tanto gasto e tivesse mais facilidade de passar, porque seriam menos disciplinas. Então ele está aqui não porque tem o almoço ou porque tem uma bolsa de cem ou duzentos reais. Ele está aqui pelo ensino de qualidade. E tem aí esses outros entraves, da distância e da grande quantidade de disciplinas (Técnico III).

Para o mesmo, as ações de assistência estudantil tornam-se ineficientes devido à

ausência de recursos, especialmente quanto à problemática relativa ao transporte dos

estudantes. Ainda afirma que, diante das dificuldades impostas para os estudantes pelo

contexto do IFPI, nem sempre o repasse de benefício é suficiente para que o beneficiário

permaneça e logre êxito.

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Como tratado anteriormente, a POLAE, compreendida de forma restrita à noção de

benefício, atua na prevenção à evasão no sentido de atender certas demandas estudantis por

decorrência da insuficiência financeira, porém, não atende a todas as demandas a contento.

Esta questão é central para compreender os limites de sua eficácia. Nessa mesma linha de

raciocínio, observa-se a fala do seguinte entrevistado:

A POLAE ajuda os estudantes na parte financeira aqui na escola, mas fazer com que o aluno fique por causa da bolsa, eu não saberia responder... Acho que depende do aluno... dependendo do que ele achar... tipo se ele está conseguindo se dedicar na escola, está gostando e a bolsa está ajudando, eu acho que ele permaneceria de boa. Mas o outro que está achando: “Ah, só estou recebendo o dinheiro aqui então vou continuar porque é dinheiro né”... então não dá certo (Estudante VI).

Além da eficácia limitada pelo restrito alcance das demandas estudantis, visualizadas

nas dificuldades enfrentadas pelos estudantes no percurso acadêmico, uma incongruência é

identificada quanto à ideia disseminada abertamente de que a permanência do estudante na

instituição depende, precipuamente, do empenho deste, devido o viés meritocrático

prevalecente no contexto institucional. Assim, as ações de assistência estudantil, deficitárias e

com alcance restrito, não são decisivas para a garantia de permanência e êxito educacional, na

visão dos sujeitos envolvidos na implementação da POLAE.

Além da concepção dos sujeitos sobre a POLAE, outro elemento importante da

avaliação da Política, na perspectiva aqui trabalhada, é a forma como esses sujeitos se

envolvem na implementação das ações. Este é o assunto discutido no próximo item.

4.4 Envolvimento dos sujeitos na implementação

O envolvimento dos sujeitos na implementação é um aspecto abordado com o objetivo

de identificar o grau de participação dos mesmos na POLAE. Estes sujeitos, como já

explicitado, não são apenas executores e beneficiários, mas também aqueles inseridos no

contexto institucional, vinculados diretamente ao ensino e indiretamente ao objeto da

assistência estudantil. O termo envolvimento aqui utilizado não expressa o significado de

participação, no sentido da participação político democrática, posto que a postura que os

sujeitos podem assumir diante das ações da POLAE nem sempre vai configurar uma

participação efetiva. Isso porque, como discutido no capítulo anterior, o contexto político

atual impõe o dilema da sobreposição do ajuste econômico às lutas democráticas, fragilizando

a força da participação política (CARVALHO, 2008).

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A intenção não é simplesmente conceder um espaço para os sujeitos na avaliação do

programa, tornando a avaliação participativa, como eixo analítico proposto por Silva (2009), o

que foi abordado no segundo capítulo. É, sobretudo, verificar o envolvimento destes sujeitos

na implementação do programa no IFPI, particularmente no Campus Parnaíba. A participação

dos sujeitos nesta avaliação não se preocupou em verificar os resultados da POLAE na visão

dos usuários, ou implementadores, mas somente compreender como a base conceitual do

programa se estende pelas vias institucionais, a partir das concepções dos sujeitos sobre a

assistência estudantil. O olhar sobre o envolvimento destes na implementação, agora, objetiva

a efetivação das ações, ou seja, analisa a implementação com base nesse aspecto. Cada seção

a seguir apresenta o envolvimento de sujeitos pertencentes a grupos distintos, começando

pelos profissionais implementadores.

4.4.1 O trabalho da Comissão de Assistência Estudantil

A Comissão de Assistência Estudantil envolve-se na implementação da POLAE de

forma direta, pois, como explicitado anteriormente, a esta cabe várias atribuições voltadas

para a execução da POLAE nos campi. Nesse espaço, aborda-se o trabalho desenvolvido pela

equipe mínima, conforme relatos dos profissionais que a compõem. O que pensa o Técnico II

sobre o trabalho da Comissão, é o que manifesta a seguir.

Eu acho que existe uma equipe mínima que de fato atua. Muitos outros que poderiam... pelo menos aqui no Campus, eu não sei como são as realidades dos outros campi... mas docente que era pra estar compondo e aí tem toda uma parte de pesquisa, de extensão, de visita técnica que também está lá na POLAE e que fica muito solto. As reuniões... raramente participam. Então assim, como acaba sendo um número muito grande de pessoas, dificilmente a gente consegue adesão mesmo no projeto, na proposta, de todos. Acaba ficando mesmo... normalmente a cargo do presidente realmente a mobilização, a articulação acaba ficando muito para o próprio presidente, isso se for efetivamente um bom presidente. E os profissionais... a equipe mínima realmente é que engaja, que é a psicologia, o serviço social e a pedagogia. Os outros ficam muito... a nutrição fica mais voltada para a questão do Refeitório, acaba não se inserindo muito. Fica cada um fazendo seu trabalho, quase sempre. As tentativas de integrar as atividades não foram muito bem sucedidas... de fazer atividades mesmo conjuntas. Fica cada profissional fazendo e todos eles participam da POLAE. [...] É como eu coloquei, cada profissional faz suas atividades e isso é assistência estudantil, integra isso na assistência estudantil. Basicamente são as mesmas atividades. E o que ainda existe a mais é quando é solicitado, ou pelo pessoal do serviço social, ou da pedagogia, que é onde está essa interação, digamos assim, enquanto Comissão. Mas dizer que a Comissão de Assistência Estudantil fez um projeto, não (Técnico II).

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Para este, os profissionais mais engajados na Comissão são assistente social, psicólogo

e pedagogo, ou seja, aqueles que compõem a equipe mínima. Mas esta atuação é fragmentada

e setorizada, pois esses profissionais não desenvolvem ações conjuntas, cada qual realiza

atividades separadamente. Na visão do sujeito, as atividades de apoio ao estudante já

desenvolvidas pelos profissionais independentemente da POLAE, como o atendimento social,

psicológico e pedagógico, foram apenas inseridas como atividades de assistência estudantil a

partir da POLAE. A falta de integração das ações da equipe também foi registrada por um

professor.

Na verdade a POLAE, o que eu ouço falar mesmo, é essa questão de planejamento de recursos. Quando chega aqui no campus é assistência social, é a psicóloga, é... o pessoal já vira bem individualista. Eu nunca vi a assistente social como POLAE... nunca vi a psicóloga como POLAE... Eu vejo como assistente social do campus, eu posso estar errado, é claro, que faz parte do grupo da POLAE e esse grupo tem os seus braços, no caso aqui no campus e tem outros em outros campus. O que eu vejo é assistência social dando aquele apoio, dando aquele ombro que às vezes eles não tem em casa e encontram aqui no Instituto Federal. Agora um caso assim específico assim que diga: “foi a POLAE”... não. Só essa questão de recursos mesmo. Porque o recurso é dividido pela POLAE... Mas a atividade mesmo de campo ou daqui do campus, eu já vejo mais individualista (Professor VI).

A incorporação das ações dos profissionais à POLAE desafia, portanto, o aspecto da

interação das mesmas. Uma tentativa de interação foi registrada pelos profissionais, como

segue.

Agora mesmo fizemos um trabalho de acompanhamento aos estudantes beneficiários que reprovaram, com oficinas... nós fizemos um momento, a equipe da CAE, da Comissão de Assistência Estudantil, juntamente com os pais e os estudantes que reprovaram. Neste ano nós tivemos assim um índice considerável de estudantes beneficiários que reprovaram, sobretudo, no curso de eletrotécnica e fizemos esse trabalho de estar acompanhando esse alunos, levando também pra eles a questão da motivação, do empoderamento, a questão da autonomia, nós trabalhamos esses aspectos, essas categorias. Então o nosso trabalho consiste no acompanhamento e nas parcerias com a equipe pedagógica, com a psicóloga, de estar fazendo encaminhamentos, mais nesse sentido... (Técnico I). A gente não tem realizado nada assim realmente específico. Só o que a gente realizou mesmo foi essa questão de ir algumas vezes nas salas, conversando com os alunos, levando algum texto pra trabalhar com eles e essa conversa em particular com aluno, tentando essa aproximação com ele ou com a família. Mas de realizar assim alguma atividade diferenciada como foi feito... essa que a assistente social fez com os repetentes, a gente não fez ainda, a não ser essa que a gente se aliou com ela e fizemos. Então a gente, mais uma vez, não fez exatamente por isso, porque a gente vai ficando sufocado com as demandas... calendário de provas... só pra ter uma ideia, a gente passa praticamente quase o mês todo recolhendo matriz e mandando imprimir e ligando pra professor, organizando isso, organizando aquilo... e a gente fica bastante sufocado com isso... Interfere bastante, porque a gente fica muito preso nesse burocrático e às vezes a gente não tem nem tempo de fechar a coordenação e fazer uma reunião, ver o que a gente vai propor para os alunos (Técnico III).

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Essa atividade com estudantes beneficiários e repetentes realizada pelo profissional de

serviço social em parceria com um profissional da pedagogia foi uma iniciativa de ação

conjunta visando atender os objetivos da POLAE no tocante ao acompanhamento daqueles

estudantes beneficiários do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade

Social, através do Benefício Permanente. Segundo o Técnico III, ações como essa não são

mais frequentes por motivo de falta de tempo para planejamento de atividades para os

estudantes que não sejam meramente tarefas burocráticas do dia a dia.

O acompanhamento individual aos estudantes desenvolvido por cada profissional da

equipe mínima foi detalhado na fala dos sujeitos.

O meu trabalho de acompanhamento é mais no sentido de estar orientando esse estudante. Quando acontece o Conselho de Classe, aquele estudante que foi diagnosticado que está com problemas de faltas e ele é beneficiário, a gente chama o estudante, liga, nesse sentido de estar resgatando esse estudante. Mas um trabalho realmente preventivo de acompanhamento mesmo eficiente a gente não tem feito. A gente tem nossos planos, mas na hora da execução a gente acaba caindo, por exemplo: “Ah, não vai dar hoje porque o aluno está com a carga horária extensa”. Então o nosso grande problema é a entrada em sala de aula, é encontrar esse tempo pra esse estudante, uma vez que ele passa três turnos lá na escola. Então, muitas vezes, o que nos impossibilita é a questão do calendário mesmo (Técnico I).

De acordo com o Técnico I, são realizados atendimentos individuais a estudantes com

problemas de faltas identificados a partir de reuniões do Conselho de Classe20, com o objetivo

de orientá-los, visando prevenir a evasão, especificamente direcionado para os estudantes do

Ensino Médio Integrado ao Técnico que recebem Benefício Permanente. Outro tipo de

atividades voltado para esse objetivo não é realizado devido à dificuldade de organizar e

reservar um momento para isso no âmbito do calendário acadêmico, conforme relato.

Particularmente eu posso falar do meu serviço. Como eu disse, em relação à repetência, a gente faz isso de atender os alunos repetentes, tanto a parte de orientação para estudos, como essa parte de orientação mesmo sobre o que aconteceu, sentimentos envolvidos (Técnico II).

Outro tipo de atendimento individual realizado é citado pelo Técnico II: aquele

voltado para os estudantes que reprovaram e repetem a série, comumente designados de

20 O Conselho de Classe é um mecanismo previsto pela Organização Didática do IFPI com vistas ao

acompanhamento do rendimento escolar dos estudantes da modalidade técnica integrada ao ensino médio. É constituído pelos professores da turma, coordenador do curso e profissionais de outras áreas (assistente social, pedagogo, e psicólogo). As reuniões ocorrem bimestralmente e, quando do final do ano letivo, tem o objetivo de avaliar as situações de reprovação, podendo revertê-las à situação de aprovação ou não, segundo critérios estabelecidos na Resolução Nº. 079, de 11 de dezembro de 2012.

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estudantes repetentes, no intuito de promover apoio aos mesmos nessa situação. O

acompanhamento pedagógico é detalhado abaixo.

Então, o acompanhamento é assim, a gente dividiu as turmas, principalmente médio integrado. Nós somos cinco lá na sala, cada um ficou com duas ou três turmas e a gente assim... as minhas turmas, todo problema com elas sou eu que resolvo. Aluno está com mau comportamento, ele vem conversar comigo, sou eu que chamo o pai, sou eu que fico acompanhando. [...] A gente tentou dividir pra ver se facilitava pra cada um ter mais proximidade com as suas turmas. É assim que a gente está fazendo esse acompanhamento e olhando questão de... aliás, agora está mais difícil olhar, porque agora está ficando com o professor e ele só entrega no fim do bimestre. Ele está com a planilha, até a frequência ele bota na planilha. Então a gente fica muito esperando pelo professor, que o professor diga que o aluno tem mau comportamento ou o líder de turma, porque questão de nota, pra gente é fácil acompanhar porque a gente vê o boletim... Bimestralmente tem o acompanhamento da gente, já é de praxe, mas durante a semana, durante o mês, se ele chegou atrasado, alguma coisa assim, a gente já depende de outros pra acionarem a gente... (Técnico III).

Segundo o Técnico III, outro tipo de acompanhamento aos estudantes do ensino médio

integrado ao técnico é realizado a partir da verificação das notas bimestrais ou do

encaminhamento de estudantes com mau comportamento em sala de aula, que parte dos

professores. Nessas situações, os profissionais realizam um atendimento individual com os

estudantes que apresentam problemas de rendimento, ou de comportamento, juntamente com

os pais ou responsáveis. Os atendimentos até então citados pelos técnicos entrevistados são

direcionados somente aos estudantes do ensino médio integrado ao técnico, não havendo

ações nesse sentido para os estudantes da graduação ou dos cursos técnicos

concomitantes/subsequentes. São realizados ora pelo assistente social, ora pelo psicólogo, ora

pelo pedagogo, de acordo com a proposta de cada atendimento. Trata-se de ações individuais

de cada área profissional. A articulação dessas ações só é perceptível quando mencionado o

Sistema de Fluxo de Atendimento ao Estudante (SIFAE).

Inclusive, falando de atendimento, agora a gente está com um sistema, não sei se cabe nessa resposta, que é o SIFAE, também foi feito por essa comissão, justamente por que ele tem uma parte de possibilitar esses encaminhamentos, que muitas vezes ficavam jogados. Se não fosse no Conselho... no Conselho tem ata, tudo bem... mas as vezes a pessoa passava no corredor e pedia um atendimento pra um aluno, não especificava e aí ficava esquecido. Não existia a documentação e com o SIFAE existe esse registro e a possibilidade de ir agendando e fazendo os atendimentos e ir eliminando aqueles que já foram feitos e tendo essa noção, esse relatório, essa visão de quantos alunos já foram atendidos, quais alunos, quantas vezes. Então isso fica mais visual, apesar de cada profissional, provavelmente ter seus relatórios individuais, seus levantamentos individuais, de quantos atendimentos fez, mas ali fica algo pra toda a Comissão ter acesso, saber por onde aquele aluno passou, o que já foi feito em relação à intervenção a ele. Então, um programa muito bom. Espero que vá pra frente (Técnico II).

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O SIFAE consiste em um sistema informatizado para uso de todos os campi que

permite o registro de atendimentos individuais realizados pelos profissionais que atuam

diretamente com os estudantes. A partir desta ferramenta recentemente implantada, cada

profissional tem acesso ao histórico de atendimentos realizados com cada estudante.

Representa, portanto, uma construção decorrente da implementação visando a eficiência das

ações de acompanhamento, previstas pela POLAE.

Observou-se também o que os profissionais pensam sobre o processo de tomada de

decisões no âmbito da execução da POLAE no campus.

A gente consegue dialogar com os Diretores, tanto de Ensino, como de Administração e Planejamento, com o contador, na hora de nos reunir sobre a divisão dos recursos, a gente consegue, graças a Deus a gente não tem problemas. E a gente faz esse diálogo quando ainda nos são repassados os recursos, então a gente consegue dialogar nesse sentido. Com as outras ações, eu vejo assim, muitas questões, que eu estou me recordando agora, são repassadas para o serviço social. Então acredito assim que eles veem o serviço social como uma porta de entrada mesmo para a garantia dos direitos e a gente consegue no nosso campus ter autonomia para trabalhar (Técnico I).

O Técnico I evidencia a atuação direta do assistente social no processo de tomada de

decisões acerca das ações da POLAE, especialmente no tocante à distribuição de recursos

orçamentários entre os programas previstos para o campus. Essa assertiva é confirmada pelo

Técnico II, como segue:

No Campus, particularmente, eu nunca me envolvi, apesar de ser membro da Comissão, eu nunca fui solicitada pra alguma reunião acerca dos recursos, de como vão ser distribuídos. Então, particularmente, o que me é solicitado realmente é que eu continue fazendo minhas atividades que eu faço... nunca fui... de uma forma geral. É como se fosse algo pontual, você é da Comissão, mas você só é da Comissão nesse momento, entendeu? Então dessa forma geral assim fica bem centralizado mesmo no serviço social. Eu não sei até que ponto essa divisão mesmo de tarefas, ações é que faz com que cada um faça o seu trabalho e no final se relate o trabalho como se fosse de uma comissão... que acaba não sendo, são atividades individuais (Técnico II).

Para o Técnico II, a tomada de decisão sobre os recursos da POLAE não é uma

atividade em que a Comissão participe ativamente. Acredita que apenas o assistente social

assume tal tarefa. A visão do Técnico III é explicitada em seguida.

Eu acredito que não tenham muitas... pelos benefícios que eu vejo... não tem muita decisão a ser tomada, porque tudo retorna à questão do corte de verba. Cortou a verba, só pode fazer isso aqui, então o jeito é fazer isso aqui e não tem muito pra onde... a gente acaba tendo que concordar. Porque assim, eu vejo aqui que se a pessoa está de fora da Política, ela está de fora porque quer, porque os documentos estão aí, se a gente quiser se informar... falar com o diretor, falar com as assistentes sociais, ou com o conselho diretor, ou com a nutricionista que mexe com a questão do refeitório... a gente tem esse canal. [...] Mas eu concordo sim com essa parte

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também, da forma como as decisões são tomadas. Eu acredito que às vezes a gente dá essa figura da gestão democrática, mas nem todo mundo quer participar, nem todo mundo quer se dispor a sair do seu conforto pra estar envolvido naquilo ali, até porque às vezes a pessoa critica a forma como a coisa está, mas mudar também não é tão fácil, deixar de fazer aquilo que estava fazendo de uma maneira e você ser criativo pra mudar o sistema sem piorar (Técnico III).

Quando questionados sobre a tomada de decisão, os profissionais da equipe técnica

evidenciaram principalmente o que diz respeito à distribuição de recursos entre os programas

e projetos da POLAE. A partir das falas dos sujeitos, entende-se que a decisão sobre a

distribuição de recursos é efetuada pelos diretores do campus com a participação do assistente

social, presidente da Comissão. Os outros membros da Comissão não participam desse

momento. A quem compete esta tarefa em âmbito de campi, entretanto, não está

expressamente definido no texto da Política.

A definição de recursos da POLAE compete às políticas nacionais de assistência

estudantil, ao planejamento institucional e a Pró-Reitoria de Extensão, conforme Art. 50

(IFPI, 2014, p. 41). Estão regulamentadas como atribuições da Coordenação ou Comissão: a

apresentação da demanda de recursos à Diretoria de Assistência Estudantil e o

encaminhamento ao setor de contabilidade dos campi folhas de pagamento mensais,

referentes aos benefícios do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade

Social (IFPI, 2014, p. 32). Mas estas são tarefas executadas pelo assistente social, enquanto

presidente da Comissão. Enfim, a tomada de decisões é também fragmentada e setorizada.

Isso também aparece na fala do Técnico III, quando se refere ao papel do nutricionista,

membro da Comissão e responsável pela administração do Refeitório. Ainda comenta que a

participação nos processos decisórios, própria de uma gestão democrática, é uma prática ainda

limitada. Alguns professores também se pronunciaram quanto à distribuição de recursos.

Eu acho que dá mais liberdade pra você estabelecer quais são as prioridades. Tipo assim, vem o recurso e dele você pode distribuir pra onde você acha que é mais necessário, o que está precisando mais. Agora, eu acho que o refeitório deveria ficar por fora. Porque eu acho que o refeitório é mais... eu acho que o refeitório deveria ser um geral pra todos os alunos... enquanto que a bolsa de auxílio transporte, essas coisas, deveria ser mais pra questão dos que necessitam. Se você acaba, vamos supor... joga para os que necessitam, tira do refeitório, de todo mundo. Se joga para o refeitório, de todo mundo, tira dos que necessitam da ajuda. Então talvez isso limite. Não sei... não tenho muito... O bom é que dá liberdade, porém, dependendo do gestor desses recursos, ele pode priorizar uma área por convicção dele próprio... não é... em detrimento de outras. Então... por exemplo, eu acho que tem pouca bolsa de monitoria aqui, de estágio... eu não sei se ainda tem, porque antigamente a gente via os alunos estagiando... depois mudou essa política de estágio, agora são pessoas de fora (Professor II).

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Os professores, em geral, não possuem muito conhecimento sobre a tomada de decisão

sobre os recursos da assistência estudantil do campus, isso fica notório na fala dos

entrevistados. Porém, o Professor II expressa uma preocupação sobre a forma como essa

tarefa é executada e questiona sobre a existência de poucas bolsas remuneradas de monitoria e

extinção das bolsas de trabalho (que foram substituídas pela política de estágio, financiada por

outra fonte de recursos, sem ser da assistência estudantil), bem como a necessidade de

priorizar recursos para o refeitório. Somente o Professor VI demonstra mais propriedade sobre

o assunto e explica a seguir.

Não, eu acho que dessa... desses últimos anos aí, depois que houve descentralização de recursos, eu acredito que a forma como vem, como foi feita nos últimos anos, eu acho que ficou a contento de todo mundo. Todos sabiam o valor. Tirava-se o do refeitório, o restante, cada coordenação assumia pra benefício da maioria dos estudantes e eu acredito que foi bem utilizado. Nesse último ano, realmente assim, com a escassez de recurso, corte de verbas, realmente a prioridade foi o refeitório, primeiro lugar, tirados do refeitório, as bolsas de realmente vulnerabilidade social e acabou realmente comprometendo um pouco a parte de visita técnica, mas isso aí foi no país inteiro... mas eu acredito que dessa gestão, a partir da descentralização do recurso geral pela Reitoria, eu acho que melhorou bastante (Professor VI).

Para o mesmo, a distribuição de recursos da POLAE é decidida, primeiramente,

considerando a necessidade de compra de alimentos para o refeitório, em seguida a demanda

de benefícios do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social e, por

último, visitas técnicas e monitorias. Dessa forma, a distribuição de recursos, que é feita de

forma descentralizada, com autonomia do próprio campus, não contraria a determinação da

POLAE, cuja orientação é a prioridade de recursos para o Programa de Atendimento ao

Estudante em Vulnerabilidade Social, conforme art. 51 (IFPI, 2014, p. 41).

Nesse entendimento, somente as visitas técnicas e as monitorias foram prejudicadas

com a diminuição de recursos da POLAE em 201621. Quanto à situação das monitorias, o

relato abaixo detalha a seguir.

A gente teve editais de monitoria voluntária e os nossos alunos precisam de carga horária. Então eu não vejo que nesse sentido o recurso da POLAE em si seja o grande entrave no funcionamento da monitoria. Eu vejo como maior entrave no funcionamento da monitoria nossa é o transporte e o refeitório, porque o aluno não tem como ficar, porque não tem onde ele almoçar às vezes durante o dia, mas também não tem como ele ir em casa e voltar, porque também não tem o transporte eficiente. Então eu não atrelo a monitoria à questão da POLAE, porque os editais pra não remuneradas, elas ocorreram. A gente teve bastante alunos inscritos, inclusive

21 Os recursos destinados para a assistência estudantil foram crescentes até 2015, quando já vigorava a

POLAE, com aumento de 72,73% no IFPI e 102,42% no Campus Parnaíba, entre 2013 e 2015 (OLIVEIRA, 2016, p.52). Em 2016, entretanto, surgem evidências de corte de recursos na fala dos sujeitos entrevistados, mas que afetaram somente as monitorias e as visitas técnicas.

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nas disciplinas técnicas, porque os meninos pegam certificado. Alunos bons querem esse certificado de ser monitor. Então eu não vejo que isso dificultou não a questão dos recursos da POLAE à monitoria. Eu não vejo... é claro que é um incentivo a mais (Professor VI).

Embora as monitorias tenham sido ofertadas de forma voluntária, ou seja, sem

remuneração para os estudantes monitores, a dificuldade em sua execução foi atribuída a

outros fatores, como ao serviço precário de transporte e a ausência de refeições suficientes

para os estudantes permanecerem no campus para as atividades de monitoria. Quanto às

visitas técnicas, foi comentado o seguinte.

Realmente do ano passado pra cá eu acho que houve mais cortes assim, mais dificuldade, das visitas técnicas, porque realmente o volume diminuiu, pela questão que às vezes não tinha recurso pro professor. Tinha recurso pro aluno, mas não tinha recurso pro professor ir, diária. Aí o professor não vai sem diária, não porque ele não queira, mas pela própria questão da segurança documental e tudo. Então eu vejo que nesse ponto aí houve um prejuízo das visitas técnicas no ano passado (Professor VI).

Dessa forma, a situação orçamentária do campus impactou na não realização de visitas

técnicas em 2016, não pela ausência de recursos da POLAE, mas pela ausência de recursos

para diárias dos professores. Apesar do processo decisório das ações de um programa social

não implicar somente na gestão dos recursos financeiros, esse foi o aspecto ressaltado pelos

membros da Comissão de Assistência Estudantil, ou seja, pelos executores.

Voltando-se ao trabalho da Comissão, são muitas as atribuições definidas na POLAE.

Além da gestão dos benefícios, tem-se o acompanhamento educacional e sócio familiar dos

estudantes, através de atendimentos, da verificação da frequência mensal e rendimento dos

beneficiários, visando prevenir a evasão e reprovação. Além disso, cabe a esta o fomento à

participação política dos estudantes e a disseminação de conhecimento acerca da assistência

estudantil. São muitas as tarefas atribuídas aos executores, que na prática correspondem a um

grupo reduzido. Diante das falas dos sujeitos, foram constatados limites ao cumprimento de

tais ações, principalmente quanto à falta de integração das ações da Comissão; a dificuldade

de planejamento de atividades educativas frente ao calendário escolar; a falta de tempo dos

estudantes em participarem de atividades extraclasses. A fala do Técnico III a seguir indica

ainda outra dificuldade.

[...] se não for um trabalho pra ele envolvendo nota, ele não tem assim muita disponibilidade de participar. Tanto é que o da POLAE às vezes ele vai exatamente por isso, eles sabem que tem aquela questão do financeiro, aí vem ele e vem a mãe. Tanto é que, quando é uma reunião da POLAE, os pais não faltam, porque envolve o financeiro, mas quando é uma reunião mesmo para tratar do boletim do aluno, ou quando a gente faz aquele plantão pedagógico em que o pai vem e a gente conversa

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com ele, poucos comparecem, poucos mesmo, talvez vinte por cento dos pais (Técnico III).

Além da falta de disponibilidade de tempo dos estudantes, existe também outro fator

que interfere no sucesso das ações da Comissão que é a ausência de participação da família no

acompanhamento educacional dos filhos, segundo relato do profissional. Tais dificuldades

estão presentes na atuação dos executores. A seguir, discute-se sobre o envolvimento dos

estudantes na implementação.

4.4.2 Envolvimento dos estudantes

Os estudantes, obviamente, são o público alvo das ações da POLAE, portanto, vale

identificar o grau de participação dos mesmos no processo de implementação. Os sujeitos

entrevistados assim avaliam.

A participação dos estudantes tem sido tímida, porque, agora mesmo, um calendário bastante, eu vou usar esse termo, espremido ainda em decorrência das greves passadas, a gente tem sofrido bastante porque a gente precisava ouvi-los na avaliação e nós não conseguimos de jeito nenhum fazer essa avaliação com os estudantes. [...] A avaliação da Política de Assistência Estudantil onde a gente escuta os estudantes, é feito um formulário, eu dialoguei com o pessoal da TI e a gente ia fazer aplicação de questionário isso lá nos laboratórios, mais eficiente, mais rápida. O questionário já montado pela Pró-Reitoria, a gente ia fazer online através de uma experiência lá do Campus Piripiri, eu acredito que tenha sido exitosa, que a gente quis trazer pra cá pro Campus Parnaíba. Infelizmente, por uma questão de tempo mesmo nós não conseguimos fazê-lo ainda, fazer essa avaliação. Por isso que eu lhe digo que os estudantes ainda... a participação é bastante tímida. Eles têm conhecimento da assistência estudantil, eles têm, mas eles associam a assistência estudantil somente ao benefício, eu percebo isso. Embora quando a gente vai lançar os editais, a gente faz essa orientação do que venham a ser as ações de assistência estudantil, a gente faz toda uma orientação mesmo, mas eu acredito que eles ainda direcionam a assistência estudantil ao repasse. Eles não conseguem visualizar que a assistência estudantil está lá no setor de saúde, que está na coordenação pedagógica, que está no refeitório, na biblioteca. Eu acredito que eles não têm essa percepção. [...] Nós não fizemos nada de ações voltadas, por exemplo, um fórum estudantil não foi feito. A própria avaliação, ainda tem esse ponto pra gente avaliar, pra gente ouvir esses estudantes (Técnico I).

O Técnico I expõe que o envolvimento dos estudantes na POLAE não implica em

participação efetiva, pois não são promovidas ações que visem de fato fomentar essa

participação. Nesse sentido, não foram ainda aplicados com os estudantes os questionários de

avaliação da Política, nem tampouco realizado o Fórum Estudantil, previstos pela POLAE.

Afirma ainda que o conhecimento dos estudantes acerca da POLAE, em sua perspectiva, está

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direcionado à associação de assistência estudantil a benefício assistencial. A opinião do

Técnico II é a seguinte.

Eles participam sendo beneficiários. É como eu consigo ver. Sendo beneficiários tanto da parte financeira como das ações implementadas. Então é dessa forma que os estudantes participam. Eles também não fazem parte da Comissão. Então eles participam das ações realmente sendo os usuários das ações. É essa forma que eu consigo ver. Não consigo ver... enquanto tomada de decisão por eles, por exemplo, os alunos participando (Técnico II).

É nítida na fala do entrevistado a percepção de que os estudantes se envolvem na

implementação da assistência estudantil somente como beneficiários, receptores das ações,

mas não como participantes do processo decisório. O Técnico III também se manifesta sobre

o assunto.

Eu acho que muitos desconhecem, eu acho que da mesma forma que tem o manual do aluno falando sobre a organização didática, o aluno recebe no início do ano: “Está aqui o manual da Organização Didática”... ele deveria também receber um pequeno manual da política estudantil, eu acredito que seria positivo ficar ali ao alcance dele (Técnico III).

Para este, o conhecimento dos estudantes sobre a POLAE é superficial e poderia ser

maior com a distribuição de um manual, uma cartilha sobre o assunto. O pouco conhecimento

sobre a POLAE entre os estudantes é confirmado por outro entrevistado.

[...] é muito pouco o conhecimento... às vezes a maioria só fala mesmo assim só em receber o dinheiro, porque eu vejo muito até com alguns colegas meus que usam o dinheiro mais pra futilidade... Mas o conhecimento de todos os alunos é muito pouco mesmo, porque a gente participa de poucas reuniões falando sobre... sobre a POLAE e isso às vezes até prejudica a gente, porque a gente não tem uma consciência em si do que é a POLAE. [...] muitos não buscam isso, se envolver com a POLAE. Digamos que só fazem... buscam muito... buscam seus documentos, fazem sua inscrição, esperam pra ver o resultado e depois disso só ficam naquela... eu estou recebendo, estou de boa... tipo assim, relaxam, não se... não procuram saber melhor o que está acontecendo, o que pode prejudicar ele ou não... às vezes a falta, o atraso do dinheiro dele... as pessoas só se irritam, não procuram saber o porquê que está faltando, não procuram saber o motivo daquele benefício estar atrasado (Estudante I).

A despeito da falta de conhecimento sobre a POLAE entre os estudantes, segundo a

opinião de alguns, um dos entrevistados relata que há uma participação dos mesmos da

seguinte forma.

Eu falo assim até da minha turma... a maioria da minha turma recebe o benefício e a maioria também já entrou em contato com o serviço social, já entrou em contato com a psicóloga. [...] Eu já fiz vários horários de estudo e eu acredito que pra gente não é só o benefício, não é só a bolsa em si, mas também a ajuda... no sentido de preocupação de estar preocupado que a gente consiga aprender direito, que a gente consiga ser uma pessoa melhor... Tem gente que... eu conheço outras pessoas que

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são preocupadas mesmo só em receber a bolsa. Às vezes até mente em alguma documentação, mesmo sendo tanto documento, ainda tem gente que ainda consegue. Já tem aluno que não se esforça tanto pra... porque às vezes reprova... também às vezes tem uma dificuldade e não procura ajuda do psicólogo e outros. [...] Eu acho que eles participam sim, mas eu acho que a gente ainda participa pouco. Porque nós alunos, como a gente é integrado ao médio, a gente acaba tendo muitas matérias, muitos trabalho, muitos deveres e a gente acaba só participando em si quando tem alguma dinâmica, tipo uma que teve que a gente fez cartazes, que a gente trabalhou. Eu acho que se a gente buscasse mais trabalhos como esse de fazer cartaz, de fazer mais pergunta sobre a assistência... eu acho que a gente poderia estar mais próximo. A gente às vezes vê esse afastamento (Estudante VIII).

Para este, os estudantes beneficiários não se envolvem somente como receptores do

benefício em si, mas recebendo assistência no tocante ao suporte ao ensino, através dos

atendimentos psicossociais. Também ressalta que foram realizadas reuniões como atividade

educativa com os estudantes visando o conhecimento dos mesmos sobre a assistência

estudantil e fomento a sua participação, mas que deveria ser feito com mais frequência. A fala

de outro estudante já diverge um pouco dessa percepção.

Acho que fazem pouco uso dos recursos que a POLAE dá. Por exemplo, a psicóloga, é difícil um aluno procurar a psicóloga... o Refeitório, faz uso direto, porque é a necessidade básica, vai ficar na escola, vai usar o refeitório, mas poucos até sabem que o refeitório faz parte da POLAE e que era cobrado pra gente, mas depois não foi mais cobrado por causa da ação e tal... Eu acho que tem que tirar essa coisa de que é o governo está me dando dinheiro pra eu estudar, entendeu? Não é... tem que explicar pra esse pessoal que a POLAE não é só isso e incentivar a usar mais o que a POLAE te oferece, como psicólogo... psicólogo é uma coisa que, acho que poucas pessoas podem pagar um psicólogo... e lá tem e não é procurado! Eu acho que deviam, é isso, o incentivo com as reuniões, mostrando o que é a POLAE, que não é só isso, que é o psicólogo, é o refeitório... que eles podem usar: “Olha, o psicólogo está aqui pra ajudar vocês, podem usar”... E também fazer bom uso do dinheiro da POLAE. Eu acho que isso também é importante... mostrar regras de bom uso do dinheiro (Estudante II).

A percepção do Estudante II, portanto, é de que os demais estudantes fazem pouco uso

dos serviços da POLAE, especialmente do atendimento psicológico, o que precisa ser

fomentado através de reuniões e orientações. Este ainda acredita que os beneficiários

entendem a POLAE como mero repasse financeiro, o que já foi discutido e constatado que é a

concepção que prevalece na instituição. Nesse sentido, a lógica do ajuste que se sobrepõe à

democrática, repercute de maneira particular em políticas sociais compensatórios, posto que

se instituem formas degradantes de inclusão, pela via do consumo (CARVALHO, 2008). Esse

aspecto é um efeito da assistência estudantil quando assume o viés de repasse financeiro, o

que, entendido como distribuição de renda e acesso a bens de consumo, restringe a percepção

de assistência estudantil e desconfigura a participação política dos sujeitos. O envolvimento

dos estudantes é reduzido ao de receptores das ações e responsáveis pelo cumprimento de

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condicionalidades no tocante ao empenho nos estudos e busca de estratégias de apoio à

aprendizagem, em sintonia com o teor das políticas sociais focalizadas.

O envolvimento de professores na implementação da POLAE é o que se aborda no

próximo item.

4.4.3 Envolvimento dos professores

O envolvimento dos professores na implementação da POLAE é ainda mais distante,

posto que não são executores, nem beneficiários. Porém, deseja-se destacar aqui a importância

desse envolvimento já que estão em sala de aula lidando com o processo educacional

diretamente. Esses sujeitos precisam ser considerados, portanto, como partícipes do processo

que legitima as ações de assistência estudantil. Na prática, em um único momento os

professores se voltam para as ações da POLAE, no tocante ao uso de seus recursos, conforme

relato.

Esse recurso da assistência estudantil eu só uso em visitas técnicas, somente... É o único momento que eu vejo o uso mesmo em relação ao curso. Porque realmente tem o refeitório, tem a questão do transporte, mas o uso mesmo que eu vejo desse recurso da POLAE, enquanto professor, que eu faço a solicitação e que eu utilizo esse recurso é através de visitas técnicas (Professor IV).

Os professores se reportam aos recursos da POLAE quando necessitam realizar visitas

técnicas com os estudantes e, então, apresentam um projeto à Direção para que tal atividade

seja custeada. A partir do deferimento do projeto, os estudantes passam a receber um auxílio

financeiro, previsto pela POLAE, para custear a alimentação durante a viagem programada e

acompanhada pelo professor. Também é disponibilizado o ônibus do campus, o qual é

utilizado somente para esse fim. De outra maneira não há atuação de professores na execução

da POLAE, porém isso poderia ser diferente, na visão do entrevistado a seguir.

Olha, com relação a andamento de ações, eu acho que sim. Se fosse deixado assim, esclarecido assim como é que eu posso interferir ali pra poder pegar... Por exemplo, eu me lembro que uma vez, não sei se foi em 2009, chegaram pra mim e disseram: “professor, tem um dinheiro aí que vai voltar”... e eu criei ali um curso de montagem e manutenção, peguei uns alunos do PROEJA e nós fizemos uma turma... quer dizer, a gente em conjunto fez o projeto, fez o curso, ficou muito legal, foi muito bom. Então o professor fica muito na dele, mas quando ele é convocado assim a alguma coisa, às vezes tem muita ideia e... tem isso... (Professor III).

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Para o mesmo, os professores precisam ser convocados a participar e de repente

poderiam contribuir em ações como a realização de projetos de extensão, que também estão

previstos pela POLAE. Então, é limitada a atuação de professores na implementação da

POLAE, pois nem todas as ações previstas por esta são desenvolvidas, reduzindo-se ao

repasse financeiro a estudantes em vulnerabilidade. Outro aspecto que emerge da fala dos

entrevistados relaciona-se à atividade de acompanhamento aos estudantes com dificuldades de

permanência, o que é explicitado como atribuição das comissões dos campi.

[...] uma pessoa com problema familiar muito grave, que tem muita gente assim aqui na instituição, muitos alunos assim e que só vão dizer lá no Conselho, lá no final, lá no último Conselho quando é pra reprovar o aluno: “Não, esse aluno aí a mãe brigou com o pai, o pai batia na mãe... não, o aluno tal fugiu de casa, alguma coisa do tipo”. Eu acho isso daí muita falta de comunicação pra chegar no final, no último Conselho e tentar buscar no coração do professor que ele amenize quanto à reprovação. Eu acho que a gente devia ter essa conversa, nem que seja bimestral. Mesmo que seja semestral... eu acho que menos: bimestral. Ou então quando os alunos entrassem, que chegassem até a POLAE, começassem a receber aquele recurso, que a POLAE com certeza vai entender a situação social dele, vai dizer que ele vai receber tanto, ou outro, que ela repassasse aqueles casos pelo menos os mais graves... pelo menos aqueles que a gente acha que é o que vai dar mesmo problema... porque a gente como professor fica muito técnico na parte de ministrar aula (Professor IV).

Este professor destaca a ausência de comunicação entre equipe técnica e professores

no tocante a situações que acometem os estudantes e os prejudicam no processo educacional.

Para o mesmo, esse diálogo deve existir visando favorecer a permanência dos estudantes,

dando suporte aos mesmos. Tal comunicação poderia, portanto, estimular ainda mais a

contribuição dos professores e da equipe técnica. Esse envolvimento dos professores no

acompanhamento aos casos propensos à evasão ou reprovação é também identificado como

importante pelo Técnico I, como segue.

[...] Por isso que é importante a participação do professor, porque não tem como a gente saber se aquele aluno está com problema, se aquele aluno está com problema com os pais, se por exemplo, entrou na drogadição, ou faltou por outros motivos. Então não tem como a gente visualizar isso (Técnico I).

Na visão deste, o professor pode contribuir no sentido de encaminhar os estudantes

com dificuldade para os atendimentos realizados pela equipe técnica, conforme identificado

algum problema a partir da convivência em sala de aula. Dessa forma, entende-se que o

acompanhamento ao estudante ainda é falho devido também essa falta de comunicação e

diálogo entre equipe técnica e professores no sentido de contribuírem com o processo

educacional dos estudantes, observando cada caso e dificuldades enfrentadas pelos mesmos.

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Apesar do pouco conhecimento que os professores possuem sobre a assistência

estudantil e o restrito envolvimento em sua implementação, podem ser importantes atores

desse processo, sendo convocados à participação, assim como os estudantes. O envolvimento

dos professores na implementação da POLAE é restrito diante da percepção dos sujeitos de

que a assistência estudantil se resume a auxílio financeiro aos vulneráveis socialmente,

ficando à margem outras ações pertinentes como projetos de extensão. Esse aspecto do

envolvimento docente é também tensionado por causa da necessidade de acompanhamento

aos estudantes suscetíveis à evasão e reprovação, trabalho que deve ser executado pela equipe

técnica, mas onde cabe a contribuição dos professores.

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5. CONCLUSÃO

Este estudo teve como foco a Política de Assistência Estudantil (POLAE) do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí, que regulamenta institucionalmente o

Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), aprovado pelo Decreto Nº.

7.234/2010 e direcionado aos estudantes de graduação das Instituições Federais de Ensino

Superior, incluindo universidades e Institutos Federais. A assistência estudantil é uma

temática em estudo, visto que assume, nos marcos do PNAES, um status de programa social

no âmbito da ação pública. Está voltada para a garantia de condições de permanência àqueles

provenientes de escola pública e de baixa renda, visando o êxito acadêmico e o combate à

evasão e retenção.

A assistência estudantil é uma ação legitimada no contexto das universidades

brasileiras a partir do processo de democratização do acesso às mesmas, quando começou a se

diversificar as camadas sociais que nelas passaram a adentrar, em meados da década de 1960,

modificando o viés elitista de seu nascedouro na década de 1930. Sua inserção na agenda

pública, porém, é fruto de um contexto mais recente desencadeado na primeira década dos

anos 2000, sob a influência de uma proposta de retomada do papel do Estado em prol do

desenvolvimento nacional, envolvendo as esferas econômica e social. Nesse sentido, as

antigas reivindicações de entidades criadas no contexto de redemocratização do país na

década de 1980, especialmente o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários

e Estudantis (FONAPRACE), no tocante às demandas pela ampliação e regulamentação da

assistência estudantil, ganharam notoriedade dentro do modelo econômico adotado nos anos

2000 e sua perspectiva para o social, com ênfase na expansão e reestruturação da educação

superior e profissionalizante.

Esse contexto comporta contradições, vez que a ênfase do governo federal na

qualificação profissional conviveu com um processo de reprimarização e desindustrialização

da economia brasileira, o que levanta incertezas quanto à absorção da mão de obra qualificada

pelo mercado. Além disso, questões estruturais do capitalismo contemporâneo em relação ao

mundo do trabalho, marcado pela precarização, subemprego, desemprego, terceirização,

dificultam ainda mais essa resposta imediata do mercado à oferta de mão de obra qualificada.

Esta situação, analisada do ponto de vista da relação entre oferta e demanda, acarreta ainda

mais a desvalorização da mão de obra qualificada no mercado de trabalho.

A ênfase na qualificação é uma tendência da ação governamental em período de

retomada do crescimento, como uma das estratégias postas para a dinamização do mercado

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interno, combinada a outras medidas de ampliação do mercado de consumo como o acesso ao

crédito e os Programas de Transferência de Renda. Possui respaldo na ideia de capital humano

como desencadeador do desenvolvimento, em um cenário onde emergem contribuições

teóricas novo desenvolvimentistas. Tais construções se dispõem a traçar estratégias

econômicas para alavancar o desenvolvimento do país, considerando a realidade atual e a

necessidade de um Estado forte, regulador do mercado, mas não produtor direto. A intenção

desenvolvimentista, contudo, parece esbarrar no modelo vigente no país, caracterizado por

uma economia rentista baseada em produtos primários, isto é em commodities agrícolas, o que

por um lado é capaz de garantir a ascensão do PIB, mas por outro, torna o país vulnerável ao

mercado internacional, suscetível a crises e não proporciona um desenvolvimento de longo

prazo.

O PNAES é regulamentado, portanto, sob esse prisma desenvolvimentista e ao mesmo

tempo sob o signo compensatório das políticas públicas de caráter social. A ideia do PNAES é

garantir equidade social na permanência de estudantes de graduação inseridos no sistema de

ensino no contexto de democratização do acesso, por meio da focalização na pobreza. Esse

princípio norteia o Programa desde sua regulamentação nacional até sua normatização

institucional e implementação. A preocupação com a evasão e retenção na educação de forma

geral é um desdobramento dessa perspectiva desenvolvimentista levada a efeito a partir de

políticas focalizadas como o PNAES, ou seja, garantidoras de recursos seletivos em

atendimento a grupos específicos. Em âmbito local, essa perspectiva se exacerba e o foco

acaba sendo a assistência aos vulneráveis sociais, principalmente através de auxílio financeiro

a estudantes selecionados por critérios socioeconômicos. Dessa forma, a lógica da concessão

de benefício, típica do contexto contemporâneo das políticas sociais, prevalece nas

concepções dos sujeitos acerca da assistência estudantil, sem explicitar o processo histórico

do reconhecimento da mesma enquanto direito social.

Confluem as ideias de focalização e capital humano na implementação da POLAE no

IFPI. Estas permeiam a lógica institucional por legitimar um discurso meritocrático na visão

educacional dos sujeitos envolvidos na implementação. O mérito dos estudantes atendidos

está vinculado tanto à questão socioeconômica quanto ao empenho individual nos estudos.

Esse é o norte da implementação que se manifesta nas concepções dos sujeitos sobre a

assistência estudantil. Nesse ínterim, o contexto particular analisado na trajetória institucional

revela uma visão assistencial prevalecente sobre a POLAE que aponta para duas contradições.

Em primeiro lugar, não dá conta de responder às demandas estudantis que não se resumem a

dificuldades financeiras e envolvem questões mais complexas que vão desde a qualidade do

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ensino no sistema público de forma geral (vez que o foco das medidas expansionistas foi o

ensino superior e profissional), até questões de infraestrutura do IFPI. Em segundo, na

concepção da POLAE, os objetivos de garantir permanência e êxito, em detrimento da evasão

e retenção, passam pelo comportamento individual dos próprios beneficiários.

O alcance da POLAE em relação às dificuldades enfrentadas no percurso acadêmico

dos estudantes é, portanto, limitada devido à complexidade de questões que envolvem a

problemática da permanência, evasão e retenção, o que suscita a relevância de estudos sobre

esse aspecto. Além disso, o alcance de seus resultados não pode estar atrelado apenas a sua

eficiência, o que é o horizonte dos formuladores locais e executores, responsáveis por

redimensionar o processo de implementação nesse sentido. Assim, os resultados podem estar

comprometidos não somente por fatores ligados à operacionalização, mas, sobretudo a

contradições postas pela realidade que as análises de contexto e conteúdo do Programa

revelam, desde a esfera nacional à esfera local.

Em termos operacionais, constatou-se que no intuito de enfrentar à evasão e retenção,

são muitas as exigências postas para a Comissão de Assistência Estudantil, que consiste na

prática em uma equipe reduzida com trabalho desarticulado, setorizado, com diminuta

participação dos pais, bem como dos estudantes devido ao restrito conhecimento que possuem

sobre a POLAE. O envolvimento dos estudantes na implementação da POLAE é unilateral,

caracterizado pela mera receptividade das ações, ou seja, estes assumem a condição de

beneficiários, responsáveis pelo cumprimento de condicionalidades, mas sem poder de

participação. De maneira similar, os professores possuem reduzido conhecimento sobre a

POLAE e envolvimento restrito na implementação. Na visão dos sujeitos inseridos na

implementação, a ideia de capital humano se apresenta de forma dúbia: tanto manifesta a

importância do monitoramento das situações de evasão e retenção, visando o enfrentamento

destas, como também evidencia a reprovação e evasão como problemas a serem superados no

plano do esforço individual.

Os resultados da pesquisa foram possíveis a partir da metodologia adotada, inspirada

na avaliação em profundidade de políticas públicas. A partir desta, buscou-se a análise de

contexto e conteúdo do PNAES, porém delimitando especificamente o recorte temporal de

regulamentação do Programa e o modelo econômico, social e político vigente no país durante

o período. As limitações para a concretização desse eixo analítico impingiram que o mesmo

fosse construído a partir de revisão da literatura envolvendo as esferas econômica, social e

política, sem, no entanto, realizar um estudo de dados e fontes primárias. Na trajetória

institucional do Programa no IFPI, abordou-se o contexto local e a forma como houve a

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adesão da base conceitual do mesmo, ao longo da formulação e implementação da POLAE.

Para tanto, privilegiou-se as falas dos sujeitos envolvidos no contexto da implementação, a

partir das quais se pôde chegar às constatações mais importantes desta pesquisa, que dizem

respeito às implicações ou dilemas do processo de implementação da POLAE no IFPI.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE A: ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO COM ESTUDANTES

1. Você poderia falar um pouco sobre o que conhece acerca dos objetivos, critérios e serviços previstos pela POLAE?

2. Como você acredita que é o conhecimento dos demais estudantes acerca da POLAE?

3. Como os estudantes podem ter maior conhecimento acerca da POLAE?

4. Como os estudantes se envolvem na implementação da POLAE no Campus?

5. Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos estudantes para permanecerem no IFPI e obterem sucesso acadêmico?

6. Quais ações são realizadas no Campus para prevenir a evasão e a repetência dos estudantes?

7. De que maneira você acredita que as ações da POLAE executadas pelo Campus poderiam contribuir para a permanência e êxito dos estudantes?

8. Quais ações e serviços da POLAE são alvo de maior interesse dos estudantes? Por quê?

9. Você concorda com os critérios estabelecidos para participação dos estudantes nos programas e serviços da POLAE? Por quê?

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APÊNDICE B: ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO COM PROFESSORES

1. Como se deu o processo de formulação e implantação da POLAE no IFPI e no Campus?

2. Você participou desse processo? De que maneira?

3. Qual seu envolvimento na implementação da POLAE?

4. Você poderia me falar um pouco sobre o documento que orienta a POLAE?

5. Você concorda com as orientações normativas da POLAE? Comente.

6. O que você pensa em relação à distribuição de recursos entre os programas e serviços da assistência estudantil feito pelo Campus?

7. De que maneira você compreende o papel da assistência estudantil, sua finalidade, objetivos e ações previstas na POLAE?

8. A forma como as ações da POLAE são executadas pelo Campus contribuem para a permanência e êxito dos estudantes?

9. De que forma os professores contribuem ou podem contribuir com a implementação da POLAE?

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APÊNDICE C: ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO COM TÉCNICO-ADMINISTRATIVOS

1. Quando e como ocorreu sua inserção nas ações de assistência estudantil?

2. Como se deu o processo de formulação e implantação da POLAE no IFPI e no Campus?

3. Você participou desse processo? De que maneira?

4. Como você percebe a participação de outros profissionais nesse processo?

5. Quais atividades você desenvolve no Campus?

6. Quais atividades você desenvolve no âmbito da assistência estudantil?

7. Qual sua área de atuação profissional dentro do Instituto?

8. Você poderia me falar um pouco sobre o documento que orienta a POLAE?

9. Você concorda com as orientações normativas da POLAE? Comente.

10. Como as decisões acerca da implementação da POLAE são tomadas no Campus? Quais as pessoas envolvidas?

11. De que maneira os estudantes participam da implementação da POLAE no Campus?

12. O que você pensa sobre medidas de prevenção à evasão e repetência dos estudantes? Como estas são adotadas no Campus?

13. De que forma é realizado o acompanhamento aos estudantes?

14. De que maneira você compreende o papel da assistência estudantil, sua finalidade e objetivos?

15. A forma como os critérios, serviços e ações estão previstas na POLAE contribuem para a permanência e êxito dos estudantes?

16. A forma como as ações da POLAE são executadas pelo Campus contribuem para a permanência e êxito dos estudantes?

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APÊNDICE D: ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO COM GESTOR

1. Quando e como ocorreu sua inserção nas ações de assistência estudantil?

2. O que motivou a formulação da POLAE? Fale um pouco sobre o contexto institucional da época.

3. Como se deu o processo de formulação da POLAE no IFPI?

4. Que pessoas participaram desse processo? De que maneira participaram?

5. Como se deu o processo de implantação da POLAE a partir de sua regulamentação no IFPI?

6. De que maneira você compreende o papel da assistência estudantil, sua finalidade e objetivos?

7. Quais atividades são desenvolvidas pela Diretoria de Assistência Estudantil?

8. Em sua opinião, de que maneira os campi tem executado as ações da POLAE?

9. Como você percebe a participação dos estudantes na implementação da POLAE?

10. Na sua concepção, a assistência estudantil pertence a qual área estratégica no IFPI? Por quê?

11. O que você pensa sobre medidas de prevenção à evasão e repetência dos estudantes? Como estas são adotadas pelo IFPI?

12. Os critérios, serviços e ações da POLAE contribuem para a permanência e êxito dos estudantes?

13. Fale um pouco sobre como ocorreu o processo de reformulação da POLAE no tocante aos critérios de permanência dos estudantes como beneficiários do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social. Quais as motivações? Quais sujeitos participaram? Como foi construído o debate e definido o novo texto?