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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
MESTRADO EM FILOSOFIA
Ética da responsabilidade ambiental em Hans Jonas e a relevância do
diálogo entre a Filosofia, a Biologia e o Direito.
Telma Maria Santos Machado
São Cristóvão – Sergipe
2014
Telma Maria Santos Machado
Ética da responsabilidade ambiental em Hans Jonas e a relevância do
diálogo entre a Filosofia, a Biologia e o Direito.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Filosofia, da Faculdade de Filosofia Universidade Federal de
Sergipe, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre
em Filosofia.
Orientadora: Prof. Dra. Constança Marcondes Cesar
São Cristóvão – Sergipe
2014
______________________________________________________________________
Machado, Telma Maria Santos.
M149e Ética da responsabilidade ambiental em Hans Jonas e a relevância do
diálogo entre a Filosofia, a Biologia e o Direito/Telma Maria Santos
Machado. – Aracaju, 2014. 156 f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Sergipe, Faculdade
de Filosofia, 2014.
Orientadora: Profa. Dra. Constança Marcondes Cesar.
1. Filosofia. 2. Ética. 3. Responsabilidade ambiental. 4. Ciências
humanas e sociais. 5. Ciências biológicas. I. Jonas, Hans, 1903 – 1993. II.
Cesar, Constança Marcondes. III. Universidade Federal de Sergipe,
Faculdade de Filosofia. IV. Título.
CDU: 17:168.522+2:57
______________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Iane Souza Santana
CRB/5ª Região – BA/SE: n. 916
TERMO DE APROVAÇÃO
TELMA MARIA SANTOS MACHADO
ÉTICA DA RESPONSABILIDADE EMBIENTAL EM HANS JONAS E A
RELEVÂNCIA DO DIÁLOGO ENTRE A FILOSOFIA, A BIOLOGIA E O DIREITO.
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Filosofia, Universidade Federal de Sergipe, pela seguinte banca examinadora:
Presidente: Profa. Dra. Constança Marcondes Cesar
(PPGF/UFS)
Presidente da Banca – Orientadora
Profa. Dra. Irene Filomena Borges Duarte
(Departamento de Filosofia da Universidade de Évora/Portugal)
1º Examinador
Prof. Dr. Evaldo Becker
(PPGF/UFS)
2º Examinador
São Cristóvão, setembro de 2014.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, “Inteligência Suprema e Causa Primeira de todas as coisas”. E a
Jesus, o Cristo, pelas lições de amor e ética que aspiro sejam faróis da minha existência.
A minha mãe, por ter me ensinado em que consiste a meta dos fortes, e a minha avó (in
memorian) pelas lições de doçura e paciência.
Ao meu pai, (in memorian), cujo caráter firme e verdadeiro, descobri através das palavras
da minha mãe.
Ao meu esposo, cujo apoio e carinho, mais uma vez, foram imprescindíveis para levar a
cabo esta empreitada intelectual.
Aos meus filhos Rebeca e Mateus, com os quais aprendo, dia-a-dia, o mais nobre,
complexo e gratificante papel do ser humano: ser mãe.
A minha irmã Tânia, minhas sobrinhas Renata e Fernanda, e minha tia Doura, cada uma
especial no modo de ser, reunidas, mostram-me o valor da família.
A minha orientadora, Prof. Dra. Constança Marcondes Cesar, por quem tenho profunda
admiração, não somente pelos impressionantes conhecimentos que detém e compartilha,
mas especialmente pela forma como ensina pelas atitudes.
Aos professores do Mestrado em Filosofia cujas aulas ampliaram o meu horizonte
intelectual para além do Direito e da Biologia.
Aos meus amigos que torceram e vibraram por mim, especialmente a Adalberto Umbelino
Júnior, pela ajuda inestimável.
“Aje de tal modo que os efeitos da tua ação sejam
compatíveis com a permanência de uma autêntica vida
humana na Terra”. (Hans Jonas)
RESUMO
Este trabalho versará sobre a ética da responsabilidade de Hans Jonas e
procurará demonstrar a relevância, em plena era tecnológica, do diálogo entre a Filosofia,
a Biologia e o Direito. Embora se reconheça a necessidade de uma ampla interação entre
as várias áreas do conhecimento frente aos desafios de uma responsabilidade ambiental
que redunde na possibilidade de se ter o que Jonas denomina de “vida humana autêntica
no planeta”, tornou-se imprescindível proceder a um corte epistemológico em vista da
necessária limitação temática. À luz principalmente de assertivas constantes do livro O
Princípio Responsabilidade, o tema ética ambiental será analisado do ponto de vista
biológico, jurídico e especialmente filosófico, em capítulos específicos, porém não
estanques, eis que a proposta ética de Jonas norteará a análise de cada um deles.
PALAVRAS-CHAVES: ÉTICA AMBIENTAL, FILOSOFIA, BIOLOGIA,
DIREITO.
ABSTRACT
This work will focus on the Hans Jonas’ ethics and seek to demonstrate the
relevance of, the dialogue between Philosophy, Biology and Law, in full technological
era. While recognizing the need for extensive interaction between various areas of
knowledge because of the challenges of environmental responsibility that redound to the
possibility of having what Jonas calls "authentic human life on the planet", it became
necessary to make an epistemological cut due the for thematic limitation. Mainly in the
light of statements contained in the book The imperative of responsibility, the
environmental ethics theme will be analyzed from a biological, legal and specially
philosophical standpoint. This will be deal with in specific, but not limited chapters,
because Jonas’ proposed ethics will guide the analysis of each of them.
KEYWORDS: ENVIRONMENTAL ETHICS, PHILOSOPHY, BIOLOGY, LAW.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
2. CAPÍTULO I – A Biologia e a ética ambiental.
2.1. Hans Jonas e o chamado de outras ciências para o fórum de discussão sobre a
necessidade de ampliação da ética clássica para a ética da responsabilidade.
Especificamente, o que a biologia tem a dizer à filosofia? ............................... 17
2.2. A compreensão filosófica da Ecologia à luz do Princípio Responsabilidade de
Hans Jonas ........................................................................................................... 28
3. CAPÍTULO II – Preservação ambiental como questão jurídica e a ética da
responsabilidade em relação à humanidade futura e aos demais seres vivos.
3.1. O Direito em diálogo com a biologia e com a ética da responsabilidade de Hans
Jonas: a coercitividade do direito na busca por um meio ambiente ecologicamente
equilibrado no presente e no futuro ....................................................................... 39
3.2. Rápida abordagem sobre a ressonância da ética ambiental no Direito
Internacional Ambiental ....................................................................................... 48
3.3. Uma ligeira análise sobre a formalização no ordenamento jurídico brasileiro da
ética ambiental ...................................................................................................... 58
3.4. As competências executivas (administrativas) da União dos estados e dos
municípios em matéria ambiental ......................................................................... 66
3.5. O Poder Judiciário, o Direito ambiental e o julgamento de conflitos ambientais:
O Juiz como agente político investido do poder de impor sanções civis e penais
.............................................................................................................................. 70
3.6. A legislação ambiental e as penalidades são suficientes para se lograr atingir o
imperativo de garantir um meio ambiente viável no futuro?
.............................................................................................................................. 74
4. CAPÍTULO III – Para além da coerção jurídica, em busca de uma ética que
transforme o conhecimento em responsabilidade pela existência de vida futura na
terra.
4.1. Ética ambiental: do arcanae naturae à era tecnológica – complexidade,
desafios e algumas concepções sobre a eco ética.................................................. 78
4.2. Modificação da natureza pelo agir humano e a insuficiência da ética tradicional,
segundo Jonas ....................................................................................................... 95
4.3. Responsabilidade ambiental e a ética volta para o futuro na concepção de Hans
Jonas ................................................................................................................... 110
4.4. Críticas à ética da responsabilidade proposta por Hans Jonas: breves
considerações ...................................................................................................... 120
4.5. Sucintas reflexões sobre o significado da “heurística do temor” em Hans
Jonas ................................................................................................................... 134
5. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 141
10
INTRODUÇÃO
Os incontáveis e sucessivos avanços da era tecnológica se por um lado propiciam
inúmeras comodidades para os humanos, por outro, demanda cada vez mais insumos, a
exemplo de recursos energéticos, dentre outros potencialmente capazes de interferir
maleficamente nos fatores bióticos e abióticos do meio ambiente. Assim é que a partir da
década de cinquenta tem aumentado sensivelmente a preocupação com a possibilidade de
vida futura no Planeta. E pelo menos há duas décadas já não se tem a certeza de que a
Terra, cuja idade está estipulada entre quatro e cinco bilhões de anos, será habitável, por
exemplo, daqui a mil anos.
Esse princípio da incerteza quanto à existência de vida, ainda que em sua forma
mais simples1, no futuro distante inclusive, decorrente da forma de interação dos humanos
com a sua Casa2, tem exigido profundas reflexões sobre a necessidade de uma ética que
amplie o seu objeto de preocupação para tempos vindouros.
Ao longo deste estudo, ainda que implicitamente, indagar-se-á mais de uma vez
por que a pós-modernidade, que trouxe mais perplexidades do que respostas a
questionamentos que se esperava pudessem ser dirimidos, encontra a humanidade
mergulhada na melancólica constatação de que o avanço científico e a multiplicidade de
meios para aquisição de conhecimento não redundaram numa racionalidade, se não
suficiente, pelo menos estimulante para a tessitura de uma responsabilidade ambiental
que inclua o futuro (inclusive distante) como preocupação pertinente a uma cogente
necessidade atual.
A preocupação com o meio ambiente é um dos temas que mais têm ocupado a
pauta de governantes, porém sem resultados animadores. O Protocolo de Kyoto,
ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, especialmente dos países
desenvolvidos do Norte, que visa à diminuição gradativa dos gases estufa expelidos na
atmosfera, sofreu um duro golpe em 2001, com a retirada do país mais poluidor do
planeta: os Estados Unidos da América, que justificou a saída com a alegação de que a
1 Tal o acontecido por ocasião do resfriamento do planeta, há cerca de quatro bilhões de anos. 2 Em grego, Oikos. Por isso o termo Ecologia, proposto pelo biólogo e médico alemão, discípulo de Darwin,
Ernst Haeckel (1834-1919).
11
adesão às metas propostas comprometeria o seu desenvolvimento econômico.
Efetivamente, o citado protocolo começou a viger em fevereiro de 2005 e, a partir dessa
data, aumentou a possibilidade de o carbono se tornar moeda de troca, no que se denomina
de comércio de créditos de carbono. Em junho de 2012, houve a Rio+20 (Conferência
das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável), segunda etapa da Conferência
Rio-92 (Cúpula Mundial sobre o desenvolvimento sustentável), cujo objetivo foi ratificar
e renovar o comprometimento com o desenvolvimento sustentável, o respeito ao meio
ambiente, dentre outras medidas. Mas os impasses costumeiros adiaram mais uma vez a
concretização de ações objetivas para tais finalidades, desta feita sob o principal
argumento de que o pouquíssimo avanço obtido derivou da crise econômica que assolou
os Estados Unidos e boa parte da Europa, a partir de 2010.
Acentue-se que esse novo encontro de Nações acontece pouco mais de dois anos
depois do maior vazamento de petróleo da história dos Estados Unidos (ocorrido em abril
de 2010, no Golfo do México), quando uma explosão na plataforma Deepwater Horizon,
matou 11 funcionários e dois dias depois afundou, provocando um vazamento de petróleo
no mar, o qual se aproximou do litoral americano, e um incalculável prejuízo para o
ecossistema marinho3. Os prejuízos financeiros foram calculados em bilhões de dólares e
aprofundou a discussão sobre a necessidade de se pensar energicamente em formas de
obtenção de energias alternativas. Os prejuízos ecológicos, por sua vez, são imensuráveis.
A recorrente displicência ou mesmo a voluntária agressão aos fatores bióticos e
abióticos dos ecossistemas além de causar perplexidade, expõe a contradição humana de
saber-se finita; de também saber serem finitos os recursos naturais e, nada obstante, nem
mesmo por uma causa utilitária hedonista, os humanos conduzem as respectivas ações
pelo respeito às várias formas de vida e aos fatores físicos e químicos propiciadores do
desenvolvimento e da preservação das mesmas, muito menos visam à superação, aqui
rememorando a crítica de Nietzsche a Darwin, decorrente da sua visão da vida como algo
que deve sempre superar-se a si mesmo4 e do entendimento de que Darwin supostamente
se ativera apenas à conservação das mesmas, afirmação essa que não nos cabe criticar
neste trabalho, porque fugiria do objeto do mesmo.
3 E, por derivação, para os ecossistemas que com ele se relacionam. 4 MARTINS PEREIRA, Lilian Al-Chueyr et al. (org), 2007, p. 464.
12
Em meio a esse “coro de Cassandras” que anuncia a iminência de uma crise
ambiental, o filósofo alemão Hans Jonas introduz, no conceito de responsabilidade, novo
dever relacionado ao futuro5, em que as éticas aplicadas são chamadas para dar as
respectivas contribuições em face da complexidade do tema, que demanda diversas áreas
de atuação. Constata-se, então, a necessidade de entrelaçamento das ciências da natureza
com outros ramos do conhecimento. Sobre tal necessidade de diálogo, Fernando Oliveira
Noal, ao se reportar à Complexidade e responsabilidade – ciência, ética, ecologia e futuro
na perspectiva de Hans Jonas, assevera que “a crise de identidade por que passam as
ciências humanas está relacionada com a sua dificuldade em dialogar com as outras áreas
[...]”6.
Em face de tal necessidade, este trabalho refletirá a relevância do diálogo entre
a Filosofia, a Biologia e o Direito, na busca de ações que redundem em respeito, cuidado
e proteção relativamente à natureza, considerando-se o nítido caráter instrutivo da
Biologia, o viés coercitivo-repressivo-pedagógico das leis e atos normativos7 e a proposta
reflexiva da Filosofia que repercute fortemente em ambas as áreas.
Essa compreensão da insuficiência de uma, duas ou poucas áreas de
conhecimento para enfrentar o grave problema ambiental também é compartilhada por
juristas, a exemplo de Renato Nalini, que afirma ser a ciência jurídica insuficiente para
esgotar as possibilidades de adequada aplicação de norma fundante, havendo de se
chamarem também as ciências sociais8, as teorias jurídico-funcionais e os métodos de
interpretação direcionados a atender o interesse público e o bem-estar geral9. Portanto, o
colóquio entre a Filosofia, a Biologia e o Direito, que encontra respaldo na proposta de
Hans Jonas quanto à necessidade de a Filosofia ouvir outras ciências e, ao mesmo tempo
na constatação de que o homem e o agir humano são os autores e ao mesmo tempo os
destinatários racionais de tais reflexões, conduzirá a discussão atinente à relevância das
éticas práticas, especialmente nos dois primeiros capítulos da dissertação. Visa-se,
portanto, a uma ética “medioambiental”, que, segundo Lenín Cardoso e Álvaro B.
Marquez-Fernandez10, implica uma recuperação crítica em que o ser humano não seja
5 GARCIA, 2007, p. 78. 6 NOAL, 2008, p. 45. 7 Concretizados em penalidades na área administrativa assim como no âmbito judicial. 8 Muito especialmente e imprescindivelmente a Filosofia. 9 NALINI, 2010, P 17. 10 CARDOSO; MÁRQUEZ-FERNANDEZ, 2003, p. 63.
13
novamente desprezado e ocultado por abstrações; supõe considerar, não só a natureza não
humana, como também a ambiental e também vê a transcendência extramuros da
singularidade e da alteridade dos outros como condições de possibilidade de vida,
enquanto vida humana11.
Ora, é fato que a partir do sepultamento do geocentrismo e advento do
heliocentrismo, decorrente principalmente dos estudos de Nicolau Copérnico, Giordano
Bruno, Galileu Galilei, Kepler e Isaac Newton (os três últimos aperfeiçoando a teoria), o
homem, paulatinamente, tem-se voltado para além das fronteiras da Terra, apropriando-
se da ideia de que é um ser universal, embora sequer tenha plena consciência da sua
identidade terrena, na esteira da reflexão de Edgar Morin, segundo a qual hoje se tem um
universo do qual não se sabe se vai em direção ao indefinido ou ao infinito, mas que porta
em si a finitude de tudo que nele nasce. Ou seja, o homem habita um Planeta diminuto
frente ao Universo que o abriga, onde o astro do qual depende é finito, assim como o são
os seres vivos. Mas ignora-se essa contingência, embora os alertas quanto à ponderação
das ações humanas, propiciados pelo conhecimento ecológico, os quais deveriam
conduzir à reflexão quanto aos limites do crescimento12. Talvez não se tenha atingido esse
limite, completa Morin, entretanto ele fica claramente visível no momento irreversível
em que o excesso de industrialização, de destruição do ecossistema chega a um resultado
suicida ou desastroso13. Afinal, a Terra é também uma pátria, não havendo opção como
dantes, entre um cosmopolitismo sem raiz e um enraizamento particular14.
Sob tal perspectiva, há de se atentar para a lição de Hans Jonas, quanto ao “uso
prático da teoria” que, longe de soar romântica, reverbera como uma advertência realista,
seja ao enfatizar que o “fim último de todo uso é o mesmo que o fim de toda atividade,
que é duplo: para conservar a vida, e para melhorar a vida, isto é, para promover a vida
que se considera boa”15; seja ao ressaltar “o ‘não ao não ser’ e, em primeiro lugar, ao
‘não ser’ do homem, constituindo essa postura, até nova ordem, a forma prioritária de
11 Livre tradução de: (...) implica una recuperación crítica en la que el ser humano no sea nuevamente
desplazado y ocultado por abstracciones, supone considerar, no sólo la naturaliza no humana, sino tambíén
la ambiental; ver la transcendência extramuros de la singularidade y la alteridade de los otros como
condiciones de posibilidad de vida, en cuanto vida humana. Uma ética que busquer, más que slavar el
concepto, assimilar que hay um metabolismo humano individual e coletivo enmarcado por una Natureza y
que es posible neutralizar la amenaza que se deriva del crescimento ilimitado. 12 MORIN, 2003, p. 107. 13 Ibid, loc. cit. 14 Ibid, p. 49. 15 JONAS, 2004, p. 213.
14
como uma ética de emergência, voltada para o futuro ameaçado, deve transpor para a ação
coletiva o ‘sim ao Ser’ [...]”16.
A noção de solidariedade é encontrada também no existencialismo de Sartre,
embora não focado num amanhã distante, quando ele concebe o homem como
responsável por si mesmo, por sua individualidade, mas também por todos os outros
homens, e quando explicita que a nossa responsabilidade é muito maior do que podemos
supor porque ela envolve a humanidade como um todo17. E Apel, um dos críticos de
Jonas18, segundo se verá no capítulo III deste trabalho, refere-se ao existencialismo
quando discorre sobre “uma ética de responsabilidade solidária”, argumentando que
transparece uma conexão muito interessante entre as consequências (meta)éticas da
filosofia “analítica” e as consequências éticas do existencialismo, que tem a ver com a
esfera privada das decisões subjetivas de consciência19. Na esteira de tais ponderações,
constata-se que por maior conhecimento que se tenha dos inúmeros perigos que ameaçam
o equilíbrio ambiental; por mais que as leis endureçam para punir os que são flagrados ou
acusados de tais ilícitos, há uma desproporção abissal entre a capacidade de fiscalizar e
punir, comparada ao número de agressores; com o que, há de se buscarem meios para
desenvolver uma consciência ética que leve o homem a cuidar da Terra, que lhe não
pertence exclusivamente, antes pertencendo inclusive a todos os seres vivos que ainda
surgirão.
Parece evidente, então, que para se buscarem métodos eficazes de cuidado e
preservação, é indispensável, inicialmente, que se tenha acesso a um conhecimento sobre
o objeto da preservação e da responsabilidade (embora esse passo inicial indispensável
esteja longe de ser suficiente). Nesse aspecto, a seguinte lição de Aristóteles encerra
importante contribuição para o estudo: “para que possa, portanto, julgar um assunto
particular, é preciso que o indivíduo tenha sido instruído nesse assunto [...]”20. Nessa
toada, releva atentar para a afirmativa de que a “aliança entrevista por Bacon entre o
conhecer e o modificar o mundo é de fato muito mais profunda do que o conseguiria a
16 JONAS, 2006, p. 233. 17 SARTRE, 2012, P. 26/27. 18 Segundo será visto no capítulo III deste trabalho. 19 APEL, 1994, p. 171. 20 ARISTÓTELES, 2009, p. 39.
15
mera delegação de resultados teóricos para uso prático, isto é, a aplicação da ciência post
factum”21.
A complexidade da empreitada exige a interdisplinaridade, havendo, então, de
se buscarem as éticas práticas para dialogar com a filosofia, tarefa que este trabalho se
propõe a demonstrar, restringindo-se, por uma questão de limite temático, à interação ente
a Filosofia, a Biologia e o Direito, o que requer, inicialmente rápida abordagem sobre a
contribuição das Ciências Biológicas e do Direito, em dois pequenos capítulos, os quais
visam a substanciar o estudo, que será objeto do terceiro e mais longo capítulo, sobre a
concepção, o alcance e a relevância da ética exigida pelo princípio responsabilidade de
Jonas, filósofo esse que se refere de modo eloquente a essa necessidade de outros ramos
do conhecimento apresentarem-se na questão ambiental, justamente porque são eles que
podem responder, ainda que sem total segurança, de que forma os componentes vivos e
não vivos dos ecossistemas reagirão a agressões cada vez mais intensificadas22. É que na
visão jonasiana essa questão situa-se no domínio de saber da jovem ciência ecológica e,
em particular, nas áreas de conhecimento de biólogos, agrônomos, químicos, geólogos,
climatologistas e outros, cuja colaboração interdisciplinar conduz à ciência ecológica de
que hoje necessitamos23.
Considerando-se que o principal “desafio da ecologia é desenvolver o
conhecimento sobre problemas muito básicos e evidentes para reconhecer este caráter
único e a sua complexidade, mas, ao mesmo tempo, buscar padrões e predições dentro
dessa mesma complexidade, em vez de ser submetida a ela”24, necessário refletir sobre a
ponderação de que “o conhecimento, como forma de relação com o mundo, tem sido
cooptado pelo interesse prático; o saber se reduz ao propósito de resolver os problemas
ambientais através dos instrumentos tecnológicos e econômicos”25. Mas ampliando-se tal
reflexão pode-se também perseguir um saber que não somente seja apto a resolver os
problemas eventualmente surgidos, como também a evitar o surgimento de muitos deles.
21 JONAS, 2004, p. 227. 22 JONAS, op. cit, p. 300. 23 JONAS, op. cit, p. 301. 24 BEGON, TOWNSEND, HARPER, 2007, p. V. 25 LEFF, 2001 p. 234.
16
Pretende-se, enfim, refletir sobre a contribuição que um diálogo entre a Filosofia,
a Biologia e o Direito pode facultar na busca da concretização de uma ética ambiental que
ilumine novas possibilidades de atuação racionalmente orientada neste mundo complexo.
Portanto, há que se visitarem, ainda que superficialmente, algumas modalidades
do saber para aprofundar a reflexão sobre a necessidade de a espécie humana (recente
habitante de um planeta que há bilhões de anos tem passado por incontáveis e até
desconhecidas transformações que possibilitaram a sua estada, o seu desenvolvimento e
a sua irradiação) decidir agir de modo que não inviabilize, pelas suas escolhas e atitudes,
as futuras gerações humanas e a existência de outras espécies; que enfim aprendam a
compreender a Terra como a própria casa (segundo a etimologia do termo ecologia),
afinal é a única espécie, até hoje comprovado, que tem a capacidade de indução e dedução,
de manifestação de sentimentos complexos, elaborados, de reflexão, de memória
intelectual e sentimental; e que esse aprendizado os conduza a ações pertinente de respeito
ao ambiente.
Indispensável, então, descobrir formas de atingir essa dimensão de um saber
ético, ainda que haja o risco de a busca ser tudo o que se consiga por um largo tempo, até
que se atente para o que Edgard Morin destaca no tocante à “identidade humana”, um dos
“sete saberes da educação para o século XXI”, proposta encampada pela UNESCO,
especificamente na afirmação de que as ciências da terra nos inscrevem neste planeta
formado por fragmentos cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores e que
nos resta saber como esses fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal
organização, uma auto-organização para nos dar este planeta, portanto sendo necessário
mostrar que ele gerou a vida26.
26 MORIN, disponível em: <http://www2.ufpa.br/ensinofts/artigo3/setesaberes.pdf>. Acesso: 07 jun. 2012.
17
CAPÍTULO I
A ÉTICA DA BIOLOGIA E A COMPLEXIDADE DO TERMO
“MEIO AMBIENTE”.
1. HANS JONAS E O CHAMADO DE OUTRAS CIÊNCIAS PARA O FÓRUM DE
DISCUSSÃO SOBRE A NECESSIDADE DE AMPLIAÇÃO DA ÉTICA
CLÁSSICA PARA A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE. ESPECIFICAMENTE,
O QUE A BIOLOGIA TEM A DIZER À FILOSOFIA?
Na obra Princípio Responsabilidade, Hans Jonas concebe uma ampliação da
ética, de modo que se volte também para o futuro longínquo, propondo uma urgente
mudança no comportamento humano em face da ameaça de perecimento da natureza.
Destaca a urgência e a necessidade de os vários ramos do conhecimento pertinente
estabelecerem a devida e indispensável comunicação a fim de que se possa manter,
mesmo num futuro distante, este sistema vivo impressionantemente rico, complexo e
belo, apontando os seres humanos como os maiores responsáveis por uma eventual futura
inexistência de uma “vida humana autêntica na Terra”, mas, ao mesmo tempo, como a
espécie habilitada a dizer sim à vida e à existência dos que ainda virão.
Nesta reflexão, a necessidade de se ressaltar que este novo olhar sobre os fatores
bióticos e abióticos de um ecossistema não significa o esquecimento ou a indiferença às
necessidades humanas. Na verdade, esta nova visão traduz-se como um grito preventivo,
um apelo à ponderação de interesses, ou seja, consoante enfatiza Jacqueline Russ, este
“levar em conta ecológico das mutações do agir humano e da realidade natural é legítimo,
como a vontade de inscrever os problemas do meio ambiente no coração das
preocupações éticas”27. Um sim à vida equivale – a menos que o planeta seja sacudido
por desastres sobre os quais não tenhamos qualquer interferência ou poder de prevenção
– a um sim à futura existência do gênero humano; e sempre que existam humanos, nós,
27 RUSS, 2006, p. 156.
18
os do presente e os do passado, de certa forma, existiremos também, porque
compartilhamos a humanidade que nos é cogente.
Não se está a defender, entretanto, uma “ecologia profunda”28 nas palavras de
Maercel Gauchet, citadas por Russ29, um amor à natureza e ódio aos homens, um anti-
humanismo. A ética do meio ambiente defendida por Jonas, sobre a qual este trabalho se
aprofundará no capítulo III, não transita por esta via radical, pois, conforme observa a
autora supramencionada, Jonas leva em conta, com justa razão, a humanidade futura, ao
passo que a “ecologia profunda” cede, às vezes, ao canto das sereias do anti-humanismo
e do antimodernismo30.
Sendo induvidoso que parte da humanidade tergiversa em assumir
responsabilidades, bastas vezes atribuindo-as somente a governos (que também as tem,
obviamente), a entes encarregados de fiscalização e de punição, há de se pontuar com
mais vigor que não somente os grandes “acidentes” ecológicos como também pequenas
ações individuais, geralmente invisíveis para que sejam repreendidas ou penalizadas,
quando somadas, adquirem uma capacidade deletéria que sequer se pode aquilatar, por
não se deter ainda conhecimento suficiente das consequências em nível de ciclo biológico.
Daí a relevância da advertência de Jonas: “Tanto o conhecimento quanto o poder eram
por demais limitados para incluir o futuro mais distante em suas previsões e o globo
terrestre na consciência da própria causalidade”31.
Neste momento grave, a filosofia necessita ouvir outras ciências, especialmente
a Biologia, e esse diálogo deve fomentar uma discussão que não abstraia a situação
biológica, a qual se apresenta independentemente do querer filosófico, eis que as
condições planetárias e os seres vivos, com exceção do homem, não se comportam
pautados por um agir ético: refletem a causalidade do que lhe fizerem e somente
28 Por alguns autores é vista como uma corrente filosófica que equipara o homem a qualquer outros ser
vivo, nas relações ecológicas, mas há também os que defendem que tal corrente, ao ir além do utilitarismo
do homem frente à natureza, não está negando a condição particular dos humanos, mas sim enfatizando que
entre os seres humanos e as demais espécies há interações e interdependências que não podem ser ignoradas
nas reflexões “ecosóficas” (ecologia filosófica). No texto acima, a autora refere-se à visão da primeira
corrente citada acima. 29 Ibid., p. 157. 30 Ibid., loc. cit. 31 JONAS, 2006, p. 22.
19
indiretamente, por sofrerem as consequências das ações humanas, terão relação com a
ética clássica.
Jonas refere-se pragmaticamente a essa necessidade de outros ramos do
conhecimento apresentarem-se na questão ambiental, justamente porque são eles que
podem responder, ainda que sem total segurança, como o meio ambiente, onde estamos
inelutavelmente mergulhados, reagirá a agressões cada vez mais intensificadas32, ou seja,
essa problemática situa-se no domínio de saber da jovem ciência ecológica e, mais
particularmente, nas áreas de conhecimento de biólogos, agrônomos, químicos, geólogos,
economistas e engenheiros, de urbanistas etc, cuja colaboração interdisciplinar conduz à
ciência ecológica atualmente tão necessária33. Eis a razão determinante para Jonas afirmar
que neste campo o filósofo nada tem a dizer, apenas a ouvir34, mas que, por outro lado,
lamentavelmente, a ciência atual é incapaz de lhe oferecer resultados seguros porque as
predições quantitativas nas várias áreas do saber ainda são incertas35.
Indubitavelmente quando Hans Jonas diz que o filósofo “nada tem a dizer”, há
de se entender que ele se refere ao aspecto técnico de cada ciência, cujo conhecimento
requer formação específica, tanto é que o seu Princípio Responsabilidade reflete sobre a
necessidade de uma ampliação da ética em decorrência dos perigos que as ciências
apontam quanto à inexistência de vida, em longo prazo, em face do excesso danoso de
tecnologias. Daí se poder afirmar com segurança que ele não está e nem poderia excluir
a filosofia da discussão, da reflexão acerca da contribuição e das consequências éticas das
evidências trazidas pelas ciências. Isso, aliás, fica perceptível conforme explicita Jovino
Pizzi, pois Jonas vale-se da ‘causística heurística’ como possibilidade eficaz de projetar
os efeitos prováveis do conhecimento científico, sendo fato que para ele essas tarefas
somente se viabilizam por meio da ciência e essa extrapolação requer, no mínimo,
idêntico grau de ciência utilizado nos próprios empreendimentos, mas tal metodologia,
nada obstante tenha a capacidade de realizar ‘prognósticos de curto prazo’, não é capaz
de produzi-los a longo prazo, daí o papel da ética como extrapolandum tecnológico, em
outras palavras, um saber pertencente tido por ideal, não limitado à infalibilidade das
projeções científicas, observando-se ainda que embora tal efeito longínquo não afete as
32 JONAS, op. cit., p. 300. 33 Ibid, p. 301 34 Original sem negrito. 35 JONAS, 2006, p. 301.
20
gerações atuais, não está na alçada da ciência, mas sim na da filosofia (vale dizer, na da
ética) a orientação normativa do agir36.
E para que não reste qualquer dúvida quanto ao fato de Jonas não restringir a
Filosofia a uma mera ouvinte das ciências, inclusive da Biologia, há um eloquente texto
neste sentido em seu Princípio e Vida onde ele destaca que a Biologia científica, cujas
regras a mantêm enlaçada aos fatos físicos exteriores, é jungida a ignorar a dimensão da
interioridade, que faz parte integrante da vida; com isto ela deita por terra a distinção entre
“animado” e “inanimado” como também e simultaneamente, o sentido da vida, quando
explicado tão somente através da matéria e que uma releitura filosófica do texto biológico
pode redirecionar para a unidade psicofísica da vida o lugar por ela perdido na teoria após
a cisão estipulada por Descartes entre o mental e o material, com o que, em tal situação,
o ganho para a compreensão do orgânico deve redundar em lucro também para a
compreensão do ser humano37.
Tal aspecto não passou despercebido por Jaqueline Russ que, ao se reportar às
éticas aplicadas, lança a interrogação “Grandeza ou miséria das éticas aplicadas?”, para
em seguida refletir que: onipresentes, reivindicadas tanto no âmbito das empresas quanto
nos comitês médicos, as éticas aplicadas aos diversificados campos sociais e científicos
nem sempre são bem aceitas pelos pensadores; no entanto, a ideia de partir de princípios
e retroceder às múltiplas esferas – ciências biológicas38, mídias, mundo dos negócios etc.
– parece, a priori, inteiramente legítima, sendo fato que toda prática demanda o recurso
a normas ou princípios destinados a esclarecer a ação, não se mostrando gratuita a descida
outra vez “à caverna”, no nosso universo empírico, de forma a direcionar os
comportamentos, com o que, há de se indagar por que esta crítica frequente às éticas
aplicadas39.
Russ também indaga se, contrariamente a certas ideias em evidência, não se pode
ver nas éticas aplicadas deontologias axiológicas, pondo em jogo princípios de
responsabilidade e de comunicação e que irredutíveis às metamorais teóricas, as éticas
aplicadas não são, entretanto, novidades, exprimindo, rotineiramente de maneira confusa,
a desordem de uma tempo que, ausentes as referências fixas, esforça-se sem, contudo,
36 PIZZI, in: SANTOS (org), 2011, p. 105/106. 37 JONAS, 2004, p. 7. 38 Original sem negrito. 39 RUSS, op. cit., p. 135.
21
tomar o futuro a seu encargo e que por vezes jungidas às modas do momento, supõem,
no entanto, um certo “retorno da moral”, numa época alimentada por inquietudes difusas
e por angústias, referentes ao “ad-vir” distante do homem40.
Especificamente no que diz respeito com a Biologia, ramo da ciência cujo estudo
é indispensável para uma melhor compreensão do quão relevante é o desenvolvimento de
uma ética ecológica, já se fala numa “Filosofia da Biologia”, que, segundo Karla Chediak,
é um campo de pesquisa relativamente novo, que vem se desenvolvendo desde as décadas
de 1960 e 1970, sendo fruto do interesse despertado pelas ciências biológicas, devido,
principalmente, às pesquisas relacionadas à evolução, à genética, ao desenvolvimento, à
ecologia comportamental, entre outros41. Tal qual a visão de Hans Jonas sobre a
necessidade de a filosofia ouvir outros ramos das ciências, Chediak pondera que, por um
lado, a ciência pode se tornar fonte de informação relevante para a filosofia se é verdade
que essa também não detém de modo absoluto o domínio reflexivo sobre a natureza em
geral, sobre os sistemas vivos em particular e mesmo sobre a espécie humana; por outro
viés, uma visão puramente especulativa das ciências não se sustenta hoje, com o que, as
descrições delas advindas não são suficientes por si só42.
De fato, nem a filosofia pode menosprezar o que é fato comprovado ou dedutível
em face da causalidade, nas diversas áreas das ciências, nem as ciências podem prescindir
da reflexão filosófica sobre tais fatos, especialmente quando eles se referem ou se
relacionam, ainda que indiretamente, com o ser humano. Daí a pertinência da observação
de Jacqueline Russ quanto aos perigos de se criar um cientismo, irmão gêmeo do
positivismo, que “oculta a especificidade humana ou o núcleo axiológico dos
problemas”43. Eis que constituir um estudo do homem sem esse último, negando sua
especificidade, ou seja, o projeto humano que informa o corpo e a vida, fazendo a
economia da reflexão sobre a pessoa, cientismo e positivismo ocultam o essencial, as
normas éticas, os princípios fundadores, a axiologia que deve esclarecer a bioética, como
retomada reflexiva e não como deontologia, isto é, o cientismo longe de ser ciência,
designa a ciência entregue a si mesma e querendo legislar em tudo44.
40 Ibid., p. 168. 41 CHEDIAK, 2008, p. 7. 42 Ibid, p. 9. 43 RUSS, 1999, p. 150. 44 Ibid., p. 151.
22
Apoiada na doutrina de Gadamer, Constança Marcondes Cesar também
contribui para o debate em foco ao destacar que a filosofia, originariamente, sem se
confundir com a ciência, exige de rigor e justificação de suas afirmações, o que remete
ao tema das relações filosofia-ciência-técnica ser considerada por Hans-Georg Gadamer
como o fio condutor da história ocidental, de seus primórdios até a sociedade
contemporânea, na qual se dá o império da razão instrumental, entretanto, na atualidade
perdura a exigência de recuperação de uma unidade entre teoria e prática, surgindo, na
modernidade, um novo conceito de ciência e de método, a partir de Galileu e Descartes45.
Finaliza com a ponderação de que na tentativa de resgate da plenitude do significado da
filosofia na composição do saber humano, o neokantismo e a fenomenologia, no século
passado, buscaram a reflexão acerca dos conceitos fundamentais dos diversos campos de
investigação, observando-se que hoje, no dizer de Gadamer, a irredutibilidade – mas
também a complementaridade – entre a filosofia e ciência sobressai-se quando a ciência,
cuja pretensão é de compreender, fracassa, mas essa pretensão é mantida pela filosofia,
como sua tarefa propriamente dita46.
Essas observações são relevantes especialmente para que se possa analisar, no
capítulo III desta dissertação, até que ponto haveria no apelo ético de Hans Jonas uma
“heurística do medo” decorrente apenas de um mal imaginado ou de um mal provável, à
luz do que já se tem como fato científico ou como perspectiva decorrente de causalidade
biológica respaldada pelos conhecimentos atuais. Isso parece ter sido compreendido por
Robinson dos Santos na ponderação segundo a qual ao operar com essa crítica às éticas
tradicionais, na linha oposta do que pode parecer, Jonas não visa a substituí-la nem a
eliminá-las, por conseguinte, “o princípio responsabilidade poderia ser visto como um
complemento ou, até mesmo, como atualização da ética, na medida em que os problemas
de nosso tempo exigem mais elementos e considerações do que a tradição tem para
oferecer” 47. E a necessidade da interdisciplinaridade do trabalho a ser desenvolvido em
prol da concretização de ações pautadas pela ecoética está gizada nas palavras a seguir:
Por isso mesmo é que se apresenta a exigência de um trabalho científico
interdisciplinar que extrapole o próprio âmbito restrito da ética filosófica,
conclamando todas as ciências à colaboração para o estabelecimento de um
novo patamar de relações, de uma nova posição sobre os problemas técnico-
45 CESAR, 2003. Disponível em: http://pidcc.com.br/br/component/content/article/2-uncategorised/63-a-
questão-da-tecnica-em-gadamer. Acesso: 25 de abr. 2013. 46 Ibid. 47 SANTOS, in: SANTOS, 2011, p. 37.
23
científicos. Se Jonas tem razão, então a filosofia contemporânea não pode mais
se esquivar dessa tarefa, pois não está em condições de resolvê-la sozinha48.
Portanto, enfatizar o diálogo entre a Filosofia e as Ciências não é novidade nos
escritos filosóficos, o que leva ao reconhecimento da importância em reafirmar a
necessidade da interdisciplinaridade necessária para se buscar a responsabilidade
ambiental com as características defendidas por Hans Jonas. Nessa busca, o
conhecimento, ainda que não exaustivo, sobre classificação e interação entre os seres
vivos, os conceitos básicos em ecologia (ecossistema, espécies, população, comunidade,
biosfera, habitat, nicho ecológico, teia alimentar, fatores bióticos e abióticos, as relações
intra e interespecíficas etc) são relevantes para que se possa entender melhor o que Jonas
está propondo e se há exagero na sua exortação a uma urgente responsabilidade. Trata-
se, por conseguinte, de um conhecimento finalístico.
John Donne (1571/2-1631), imortalizado num dos trechos mais conhecidos da
literatura mundial, constante em Meditação nº 17, no qual o conhecido escritor
Hemingway foi buscar o título da sua famosa obra Por quem os sinos dobram, diz que
nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo, que todo homem é um pedaço do
continente, uma parte da terra firme. Parodiando essa bela passagem poder-se-ia dizer
que todo homem é um pedaço da natureza, assemelhando-se com outras espécies em
diversos mecanismos vitais. Quanto a isso, o resultado do Projeto Genoma apontou, entre
outras coisas, que não diferimos tanto, por exemplo, do verme microscópico
Caenorhabditis elegans – um nematelminto com apenas 969 células e que mede cerca de
1 milímetro – no que toca, v.g., à quantidade de genes, eis que o corpo humano, com os
trilhões de células possui apenas 1.500 genes a mais do que ele, conforme assinala o
cientista estadunidense Bruce Lipton49.
A Ecologia, portanto, confere o suporte científico para entender os principais
tipos de relações entre os seres vivos, enquanto a Filosofia faculta a reflexão sobre o
conhecimento das mesmas.
Um breve exemplo para fomentar a reflexão sobre a temática, uma vez que se está
transitando no campo filosófico: é sabido que “atividade de um organismo muda o
48 Ibid. loc. cit. 49 LIPTON, 2007, p. 78/79.
24
ambiente em que ele vive”50 e que, pode “alterar as condições, como quando a
transpiração de uma árvore refresca a atmosfera, ou pode adicionar ou subtrair recursos
do ambiente, que poderiam ficar disponíveis a outros organismos, como quando uma
árvore projeta sombra sobre outras plantas abaixo dela”51.
O próprio Jonas, em seu Princípio Vida, contrapõe as concepções de Aristóteles
e Bacon quanto à finalidade do conhecimento: para Aristóteles o ser humano alcança a
plenitude do ser no conhecimento, assim, o que se realiza na busca do conhecimento é a
felicidade daquele que conhece; para Bacon, o conhecimento deve remover os
sofrimentos da humanidade, então a busca do saber tem como fim a felicidade da
humanidade; mas Jonas também expõe um ponto em comum entre as duas concepções,
aduzindo que em ambos os casos existe um “benefício” supremo do conhecimento
teórico52.
Com efeito, aponta Raul Fiker, na apresentação do livro O progresso do
conhecimento, que Francis Bacon tem duas formas de distinção entre o teórico e o prático,
entre conhecimento e ação (binômio clamado pela ética da responsabilidade ambiental),
em sua terminologia, entre o especulativo e o operativo, isto sendo aplicado através de
todos os ramos principais da filosofia ou da ciência (...)53. Ressalta-se, pois, a força do
conhecimento como ferramenta de racional direcionamento das ações, embora se deva
reconhecer que o agir ético dependerá da escolha individual de cada ser e que tal escolha,
neste caso, de fato pode afetar outros seres do presente e do futuro.
Maria da Glória F. P. D. Garcia traduz a urgente necessidade de entrelaçamento
das ciências da natureza com outros saberes (o Direito, por exemplo) e com a ética ao
enfatizar que entrelaçar as ciências da natureza e o saber inerente que possibilitam os
desenvolvimentos técnicos com a ética tornou-se, assim, uma prioridade, e que Jonas dá
um passo mais, introduzindo no conceito de responsabilidade um novo dever que se liga
ao futuro54.
Na mesma linha de raciocínio, há uma reflexão no livro Francis Bacon – o profeta
da ciência moderna, onde se nota que esse filósofo, que tanto contribuiu para o
50 BEGON, TOWNSEND, HARPER, 2007, p. 223. 51 Ibid, loc. cit. 52 JONAS, 2004, p. 215. 53 BACON, 2007, p. 10/11. 54 GARCIA, 2007, p. 78.
25
desenvolvimento da ciência, também esperava demais dela, inclusive quanto à
possibilidade de técnicas de domínio da natureza, o que a faria estar a serviço do homem.
Ocorre que as ciências não detêm conhecimento completo da natureza (meio ambiente),
com o que, não se tem como garantir que um dia o homem venha a dominá-la antes dele
mesmo e a vida perecerem em face de agressões de que ela for vítima. Feitas tais
ressalvas, importa conferir o texto no qual está a defesa do conhecimento como algo
indispensável para melhor se lidar com a natureza e dela extrair o máximo de utilidade.
O projeto de base da doutrina baconiana consiste em negar que existe verdade
ou conhecimento em si. Porque todo conhecimento deve ser útil ao homem,
deve servir para a instauração do “reino do homem”, quer dizer, para a
felicidade de todos. Graças à ciência, a vida de cada homem será mais fácil
mais feliz, isenta de trabalho, de desolação, de tristeza, de doenças, de golpes
do destino, equivalente à transformação do mundo. Para realizar esse projeto,
devemos conhecer as causas das leis naturais, forçar a Natureza a colocar-se
a serviço do “reino humano”, vale dizer, tornar-nos mestres do mundo, exercer
nosso poder sobre as coisas e transformar os objetos para que eles nos
sirvam!55.
No capítulo intitulado “Natureza x sociedade: percursos e percalços de nossa
trajetória científico-civilizacional”, Evaldo Becker analisa, a partir das teorias de Bacon,
Hobbes, Las Casas, Rousseau e Jonas, o que ele denomina de percalços e descaminhos
que afastaram o homem de si mesmo e da natureza, e que chegam a ameaçar a própria
existência de nossa “Civilização”. Nessa análise, o citado articulista reporta-se a um
elogio de Rousseau dirigido a Bacon:
Rousseau elogia as academias de ciências por se encarregarem do “perigoso
depósito dos conhecimentos humanos” e por colocarem “freios” nos letrados
que queiram alcançar a glória de participar elas, impedindo que se corrompam.
Ainda do Discurso sobre as ciências e as artes, Rousseau dirá de Bacon, que
ele é “talvez o maior dos filósofos” (...). E elogia o fato de não apenas dedicar-
se às ciências, mas também participar ativamente de seu país56.
Ainda cabe citar uma reflexão de Foucault, no sentido de que a questão
ideológica proposta à ciência não é questão das situações ou das práticas que ela reflete
de um modo mais ou menos consciente; também não é a questão de sua utilização
eventual ou de todos os empregos abusivos que se possa dela fazer, mas sim, é questão
de sua existência como prática discursiva e de seu funcionamento entre outras práticas57.
E este capítulo da dissertação visa justamente a demonstrar que os conhecimentos
55 JAPIASSU, 1995, p. 130. 56 BECKER, in: SANTOS, BACKER, Evaldo (orgs), 2012, p. 57. 57 FOUCAULT, 2012, p. 223.
26
biológicos, ainda que não profundos, podem levar a conhecer de que modo vivem e
interagem os seres vivos e as razões pelas requerem um profundo “olhar” ético nesta pós-
modernidade repleta de contradições, perplexidades e desafios.
A ligeira abordagem biológica feita neste capítulo tem a finalidade de mostrar a
relevância da inclusão do ensino da ecologia de forma não isolada da ética. Nessa quadra,
a pertinência da ponderação de Heidegger: na “biologia, surge a tendência de questionar
o organismo e a vida independentemente das determinações do mecanismo e vitalismo
para, assim, definir, de maneira nova, o modo de ser do vivo como tal”58.
Consoante visto acima, Hans Jonas reporta-se taxativamente à necessidade do
estudo da Biologia assim como de outros ramos da ciência para que se possa aquilatar os
limites de tolerância da natureza, embora ele mesmo enfatize que tais predições não
oferecem resultados seguros, ainda mais quando se fala em integração num todo
ecológico, mas que em vários casos é possível indicar os limites existentes59. Em Jonas,
percebemos o caráter instrumental da Biologia para, através das pesquisas e do saber
ecológico, ter-se uma dimensão do que será a biosfera em longo prazo, caso não se
desenvolva uma ética voltada para o futuro que diga sim ao Ser e à existência de “vida
humana autêntica” no planeta.
A existência de vida no futuro, aliás, é o tema condutor de O Princípio
Responsabilidade de Jonas. E a preocupação com a vida também exsurge já no título e
como objeto central do livro O Princípio Vida: fundamentos para uma biologia filosófica
(Das Prinzip Leben: Ansätze zu einer philosofhischen Biologie) onde ele reflete sobre
diversos temas biológicos. Nenhum filósofo que trata de ética ambiental o faz ressaltando
a Biologia como Jonas. Portanto, notória pertinência tem para este trabalho lembrar que
o imperativo categórico de Jonas, segundo enfatiza Cristina Beckert, “pressupõe uma
continuidade entre os planos ontológico, biológico e ético”60. E como aponta Flaviano
Oliveira Fonseca, a ética de Jonas ganha significação cósmica, sendo pragmática, por ser
intencionalmente dirigida para os problemas das sociedades contemporâneas, e
58 HEIDEGGER, 2012, p. 45. 59 JONAS, 2006, p. 301. 60 BECKERT, 2012, p. 105.
27
fundamenta-se na totalidade dos seres, o que se traduz numa fundamentação ontológica
ou biológica, cuja objetividade assenta no finalismo da natureza61.
Portanto, embora Heidegger mostre sua angústia com as consequências de
exageros da era tecnológica e se refira também à Biologia, conforme visto acima, com
Jonas essa ciência ganha relevo indispensável justamente porque será uma bússola para
que se possa entender o seu apelo ao “sim ao Ser” e “um não eloquente ao não ser”.
Também não se vê em Karl-Otto Apel, que discorre sobre responsabilidade no
livro Ética e responsabilidade, o qual será objeto de comentário no capítulo três desta
dissertação, um realce tão evidente da Ciência Biológica como se percebe claramente e
sem nenhum esforço hermenêutico em Jonas. Daí a escolha desse autor que,
notoriamente, logrou estabelecer laços mais profundos com a Biologia na sua proposta de
uma ampliação da ética clássica. E o alargamento das possibilidades de diálogo
interdisciplinar tem o condão de oportunizar uma fértil reflexão sobre o significado e os
parâmetros da ação humana em relação à natureza.
Habermas, discordando de Karl-Otto quando à visão que tem da posição
privilegiado da Filosofia, adota uma visão pluralista dos vários discursos teóricos, seja do
ponto de vista fundacionista, seja reducionista, pugnando pelo diálogo com a ciência, ao
asseverar que
Karl-Otto ainda crê na existência de metadiscurso racional de caráter
transcendente e auto-referencial que garante uma posição privilegiada para a
filosofia. Quanto a mim, faço outra idéia da cooperação entre a filosofia e a
ciência – tenho uma visão pluralista de diversos discursos teóricos que devem,
na melhor das hipóteses, ser compatíveis entre si, sem porém que nenhum deles
possa reivindicar uma prioridade sobre os demais, quer pelo ponto de vista
fundacionista, quer reducionista (filosofia ou teoria social X física, biologia ou
neurofisiologia)62.
A intimidade da obra de Jonas com a Biologia é realçada também por Lilian
Godoy, ao ressaltar que a natureza já se faz presente nas primeiras publicações de Jonas
(após sua reflexão inicial sobre a gnose) quando ele percebe a necessidade de se voltar
para a questão do organismo, dando os passos iniciais rumo à filosofia da biologia ou à
61 FONSECA, in: SANTOS, 2011, p. 265. 61 GODOY, disponível em:
<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4037&secao=371&limitstart=
1>. Acesso em 25 set. 2013. 62 HABERMAS, 2007, p. 23.
28
sua biologia filosófica; assim, entre outras coisas, pode-se atribuir a Jonas o mérito de ser
um dos que restituíram à natureza a sua relevância como tema filosófico, devolvendo-lhe
a dignidade perdida desde a emergência da ciência moderna, quando a natureza deixou
de ser vista como ameaça (conforme era vista pelos primeiros humanos), para ser reduzida
(a partir da modernidade) a mero objeto a ser conhecido (matematicamente) e dominado
em proveito do homem63.
Paul Ricoeur é outro filósofo a lembrar que os resultados da filosofia da biologia
a que Jonas se dedicou no seu livro O Princípio Vida: fundamentos para uma biologia
filosófica, em 1966, seriam integrados vinte e cinco anos depois na filosofia ética que
Jonas considera o terceiro momento forte de um desenvolvimento coerente que se
estendeu por cinquenta anos e que não se confunde com uma romântica filosofia da vida,
mas sim, trata-se de uma filosofia da biologia, eis que é a ciência biológica que se oferece
ao pensamento filosófico e faz isso apresentando-lhe o fenômeno maior da organização,
no qual o filósofo é convidado a distinguir os inícios de um desenvolvimento que encontra
seu arremate na liberdade humana64. E que “o alcance filosófico dessa reflexão sobre a
biologia, e mais ainda sobre o fenômeno maior da organização, é considerável, atentando-
se para a sua integração ulterior no campo da ética”65. A ênfase deste capítulo é
justamente refletir sobre a interação entre a ciência biológica e as reflexões filosóficas
acerca da nossa condição orgânica, da nossa liberdade e da nossa responsabilidade.
2. A COMPREENSÃO FILOSÓFICA DA ECOLOGIA À LUZ DO PRINCÍPIO
RESPONSABILIDADE DE HANS JONAS.
O termo ecologia deriva do grego oikos66, que significa “casa”67, e foi usado pela
primeira vez por Ernst Haeckel (1834-1919) em 1869, sendo que a disciplina Ecologia
63 GODOY, disponível em:
<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4037&secao=371
&limitstart=1>. Acesso em 25 set. 2013. 64 RICOEUR, 1996, p. 232. 65 Ibid, p. 234. 66 Que juntamente com o logos (estudo), tem-se literalmente estudo da “casa”, aí concebido como o Planeta
Terra. 67 Há sem dúvida um apelo ético nesta nomenclatura cunhada pelo médico, biólogo e professor de Zoologia
Haeckel, uma vez que ampliar para além das paredes do próprio lar, às quais geralmente o ser humano é
restrito no que se refere a dedicação e compromisso, a palavra “casa”, denota uma proposição de devotar
ao nosso planeta cuidado idêntico ao que dedicamos ao nosso lar.
29
vem a ser o estudo científico das interações entre os organismos e o seu meio ambiente,
anotando-se que o ambiente do organismo consiste em um conjunto de influências
externas exercidas sobre ele, representadas por fatores e fenômenos, ou, mais
detalhadamente, ecologia é o estudo científico da distribuição e abundância dos
organismos e das interações que determinam a distribuição e a abundância68.
Anote-se que o mundo vivo pode ser visto como uma hierarquia biológica,
iniciada com partículas subcelulares e continua através das células, dos tecidos e dos
órgãos, havendo três níveis de interesse: organismo individual, população (conjunto de
indivíduos da mesma espécie) e comunidade (traduz-se no número menor ou maior de
populações). Assim, relativamente ao organismo, a Ecologia ocupa-se da presença ou
ausência de determinadas espécies, da sua abundância ou raridade e das tendências e
flutuações em seus números69.
Diante de tais elucidações, um retorno a Chediak, especificamente na parte em
que ela esclarece que alguns dos princípios abordados pela Filosofia da Biologia são
voltados para o domínio de questões que dizem respeito diretamente ao objeto da
Biologia, ou seja, a vida, e cuidam de temas relacionados com a natureza, a diversidade
dos organismos, das populações e das espécies, incluindo o ser humano, obviamente70.
Na lição filosófica de Hottois e Missa, não se deve perder de vista que a Ecologia
é, em primeiro lugar, e muitos diriam exclusivamente, uma ciência, que recentemente
passou a ser objeto de preocupação de várias disciplinas, e o alargamento da Ecologia da
natureza à Ecologia humana realizou-se a partir da verificação de que o ser humano não
escapa, mais do que os animais e os vegetais, às leis naturais71 que governam as interações
entre os organismos e o seu meio ambiente72. Ainda acrescentam os mencionados autores,
e aí usarão termos técnicos, os quais serão transcritos, a título de exemplo do que se visa
a demonstrar sobre a necessidade de esclarecimento biológicos para uma melhor
compreensão do alcance da ética ambiental:
A ecologia é, antes de tudo, uma ciência de síntese que recorre aos
conceitos e métodos das diversas ciências biológicas. Utiliza igualmente certos
resultados das ciências fundamentais, como a física, a bioquímica e as
68 BEGON, TOWNSEND, HARPER, op. cit, p. IX. 69 Ibid., loc. cit. 70 CHEDIACK, op. cit., p. 7. 71 Sendo, inclusive, a única espécie que pode conhecer e refletir sobre tais leis. 72 HOTTOIS, MISSA, 2001, p. 287.
30
matemáticas. A sua unidade de estudo privilegiada é o ecossistema que
podemos definir uma unidade natural formada pelo meio biológico dotado de
certas características físico-químicas (o biótopo) e por organismos animais e
vegetais que vivem nesse meio (a biocenese). O que deve reter sobretudo é o
fato de a ecologia não separar o ser vivo do seu contexto. Se a ecologia se
interessa pelos organismos vivos e pelo seu meio, é porque eles se encontram
numa relação de interdependência: os seus efeitos recíprocos formam, na
ausência de intervenções externas indevidas, um sistema estável no qual
intervêm processos cíclicos.
Esta estabilidade e estes processos cíclicos são estudados pela ecologia de
modo a compreender a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas. A
estabilidade de um ecossistema é garantida, em grande parte, pela diversidade
dos elementos que o compõem73.
Ainda a título de ilustração do quão amplo e complexo é o tema, uma correção
da afirmação de que o ecossistema é formado por animais e vegetais: o ecossistema é
também formado por animais e vegetais, mas não somente por eles, eis que outras forma
de vida o compõem, a exemplo dos seres dos Reinos Monera, Protista, Fungi e até mesmo
seres que sequer se enquadram na teoria celular, quais sejam, viroides, príons e vírus.
As explicações acima são relevantes, porque o saber ambiental talvez seja um
dos maiores desafios da pós-modernidade. Em poucas palavras, a visão filosófica do
professor inglês Wayne Morrison, sobre a pós-modernidade, enriquece a proposta deste
capítulo porque discute claramente as ambiguidades e as dúvidas quanto a uma diretriz
ética que possa amenizar a sensação de desconfiança dos fundamentos antropológicos,
entre os quais inelutavelmente está a relação do homem com a natureza. Com efeito,
enfatiza o referido jusfilósofo que para alguns autores, a pós-modernidade tem, entre
outras, as seguintes características: o sentimento de extrema ambivalência diante das
esperanças e estruturas sociais dos últimos duzentos anos, a nostalgia, o relativismo
cultural, o convencionalismo moral, o ceticismo e o pragmatismo, uma dialética do
localismo em meio ao globalismo, uma desconfiança de todas as formas de fundamentos
éticos ou antropológicos; e que, acima de tudo, é o sentimento de fracasso e profunda
confusão quanto aos rumos a tomar seja em nível pessoal, quanto em termos de
implementação de projetos sociais voltados à criação de uma sociedade justa74.
O pós-modernismo, continua Morrison, “é a conscientização da inutilidade de
qualquer utopia de uma sociedade justa – a viagem está condenada e – por implicação de
73 Ibid., p. 287. 74 MORRISON, 2006, p. 616/617.
31
que já chegamos ao destino. O problema é que o destino é a inconcludência: não existe
fim”75; portanto o desafio, pós-moderno consiste em indagar continuamente qual o
sentido da existência humana, com a plena ciência do fato de que qualquer resposta
ofertada, e qualquer ordem social por meio dela advinda, não passam de uma suspensão
temporária, de uma personificação de alguma de nossas vontades, de alívio para os nossos
medos76.
Em plena ultramodernidade há de se atentar para proposta educacional de Edgar
Morin, encampada pela UNESCO, traduzida em 7 saberes77 indispensáveis para a
educação do futuro, entre os quais destacam-se como pertinentes para a reflexão neste
trabalho:
i) ensinar a condição humana, que na sintética explicação de Ivone Pacheco,
significa reconhecer que o ser humano é a um só tempo, físico, biológico, psíquico,
cultural, social, histórico e essa unidade complexa inerente à natureza humana é
totalmente fragmentada na educação através das disciplinas, o que tornou impossível
aprender o significado de ser humano; que é preciso restaurá-la, de forma que cada um,
onde quer que se encontre, adquira conhecimento e consciência, a um só tempo, de sua
identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos; e que
portanto, a condição humana deveria ser o objeto primordial de todo o ensino, sendo
possível, com fulcro nas disciplinas atuais, reconhecer não somente a unidade como
também a complexidade humanas, agregando e organizando conhecimentos dispersos nas
ciências da natureza, nas ciências humanas, na literatura e na filosofia, evidenciando o
elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade de tudo que é humano78.
Nessa rede em que todos estão inseridos, incabível a indiferença em relação ao
meio ambiente porque implica em indiferença à espécie humana, que faz parte da
complexidade planetária e depende dos recursos naturais para a sobrevivência atual e
futura.
75 Ibid., p. 621. 76 Ibid., p. 629. 77 Os sete saberes indispensáveis para a educação do futuro foram assim propostos por Edgar Morin: i) as
cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; ii) os princípios do conhecimento pertinente; iii) ensinar a
condição humana; iv) ensinar a identidade terrena; v) enfrentar as incertezas; vi) ensinar a compreensão;
vii) a ética do gênero humano. 78 PACHECO, disponível em: http://www.ufrgs.br/tramse/educ/2005/04/os-sete-saberes-necessrios-
educao-do.htm. Acesso: 19 jan. 2012
32
ii) ensinar a identidade terrena, o que deve levar à reflexão sobre o fato de que o
destino planetário da espécie humana é uma realidade até agora ignorada pela educação,
havendo de ser reconhecido que o conhecimento do desenvolvimento planetário, que
tende a crescer no século XXI, e o reconhecimento da identidade terrena, que se tornará
cada vez mais indispensável, devem converter-se em um dos principais objetos da
educação; que o século XX deixou como herança contracorrentes regeneradoras e a
história demonstra que frequentemente contracorrentes suscitadas em reação às correntes
dominantes podem se desenvolver e modificar o curso dos acontecimentos; que se devem
considerar como movimentos relevantes e atuantes: a contracorrente ecológica que por
conta das crescentes degradações e do surgimento de catástrofes técnicas/industriais,
tende a aumentar, e ainda a contracorrente qualitativa que, relativamente à invasão do
quantitativo e da uniformização generalizada, apega-se à qualidade em todos os campos,
a começar pela qualidade de vida79.
Atentar para o saber ambiental é, por conseguinte, uma decisão de
responsabilidade diante de si mesmo e das demais espécies com as quais se compartilha
a existência neste ainda habitável planeta. E esse saber ambiental, tão relevante para uma
decisão racional sobre a indispensabilidade de uma mudança de paradigma de
responsabilidade, na visão acurada de Enrique Leff, surge de uma reflexão sobre a
construção social do mundo contemporâneo, onde convergem e se precipitam tempos
históricos que já não são mais os tempos cósmicos, da evolução biológica e da
transcendência histórica, traduzindo-se na confluência de processos físicos, biológicos e
simbólicos recambiados pela ingerência humana – da economia, da ciência e da
tecnologia – para um novo critério geofísico, da vida e da cultura, reconhecendo-se que
se vive hoje um mundo de complexidades, onde sobrevivem e adquirem novo significado
reflexões filosóficas e identidades culturais no redemoinho da cibernética, da
comunicação eletrônica e da biotecnologia80.
Ao autor acima mencionado também não passou despercebido “O princípio de
sustentabilidade na era da globalização”, que para ele irrompe no contexto da
globalização como “a marca de um limite e o sinal que reorienta o processo civilizatório
da humanidade. A crise ambiental veio questionar a racionalidade e os paradigmas
79 Ibid. 80 LEFF, 2001, p. 9.
33
teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a
natureza”81.
De fato, a destruição e o desrespeito ao ambiente são notórios, especialmente na
recente história da humanidade. Em tempos idos poder-se-ia alegar uma certa ignorância
das consequências de cada atitude potencialmente destrutiva, mas com o
desenvolvimento das ciências, especialmente a biológica tem-se um razoável
conhecimento sobre a dinâmica dos seres vivos, o que torna ainda mais incompreensíveis
inúmeras ações que agridem e comprometem fortemente a dinâmicas dos ecossistemas.
Neste contexto, uma reflexão imparcial sobre as ações e omissões humanas mostra algo
melancólico: a agressão à natureza algumas vezes nem se dá pelo desconhecimento, mas
por opção egoísta, ambiciosa, cínica etc. Eis mais um paradoxo humano: saber-se finito,
saber que os recursos o são também, mas agir como se ele mesmo e o meio ambiente
fossem eternos, imutáveis, imperecíveis.
As lições sobre ecologia podem esclarecer que os danos causados a uma ou mais
espécies têm o potencial de alterar profundamente a cadeia alimentar, nos seus diversos
níveis tróficos (produtores, consumidores e decompositores), bem assim, o conjunto das
relações alimentares (teia alimentar) dos ecossistemas, afetando atividades como
reprodução, nutrição, hábitos etc. Em outras palavras, podem interferir no nicho
ecológico das várias espécies que têm habitat no local agredido e daquelas que, mesmo
tendo habitat diverso, com elas se relacionam.
Para que a humanidade continue existindo inclusive no futuro distante, não resta
outro itinerário que não passe por uma maior conscientização de que as relações entre os
seres vivos são complexas e interdependentes, e essa constatação precisa fomentar
reflexão, a exemplo da proposta por José N. Heck, no sentido de que “não é a moral que
prescreve ações a uma vontade individual, mas, sim, é o caráter valorativo do ser que
afeta nosso sentimento moral e lança, cada vez mais, o fundamento de condutas
responsáveis”82. Nota-se a harmonia desta proposição com a concepção de Hans Jonas.
Em sentido similar, o texto traduzido e adaptado do livro The machinery of nature, de
Paul R. Ehrlich:
81 Ibid., p. 15. 82 HECK, in: SANTOS, 2011, p. 65.
34
Os princípios básicos da Ecologia são acessíveis a qualquer pessoa que
esteja disposta a dedicar um pequeno esforço em compreendê-los. E esse
esforço compensa. A familiaridade com a Ecologia básica mudará para sempre
sua visão do mundo. Você nunca mais considerará as plantas, os
microorganismos (sic) e os animais, incluindo as pessoas, como entidades
isoladas. Ao contrário, você os verá como partes de uma grande e complexa
máquina, como elementos relacionados de um sistema em pleno
funcionamento.
Para compreender a máquina da natureza, você precisará entender não
apenas como ela opera hoje, mas como foi construída nesses bilhões de anos.
O processo de construção, chamado de evolução biológica, foi de tentativa e
erro. O curso da construção foi sendo alterado por diversos tipos de eventos,
desde o relativo sucesso ou insucesso de partes da máquina ecológica até
destruições catastróficas. (...)83.
Percebe-se, por conseguinte, a relevância das palavras de Jonas, que no capítulo
IV de O Princípio Responsabilidade comunica o biológico com o filosófico ao anunciar
que o Ser, ou a natureza, é uno e presta testemunho de si naquilo que permite emergir de
si, daí porque a compreensão sobre o que é Ser precisa ser obtida a partir do seu
testemunho84, cabendo ao filósofo mostrar o que significa para o status de fim o fato de
que o testemunho de sua existência, prestado pela subjetividade, não se limite a ela
mesma, mas que abarque a natureza como um todo85.
É sabido que “atividade de um organismo muda o ambiente em que ele vive”86
e que pode alterar as condições, a exemplo de “quando a transpiração de uma árvore
refresca a atmosfera, ou pode adicionar ou subtrair recursos do ambiente, que poderiam
ficar disponíveis a outros organismos, como quando uma árvore projeta sombra sobre
outras plantas abaixo dela”87. Nesses esclarecimentos, nota-se claramente a
multiplicidade de interações entre os seres, cujos estudos das principais modalidades pode
levar à assimilação do quão sistêmico é o meio ambiente e do quão complexo é manter o
equilíbrio dinâmico do mesmo.
A apropriação do conhecimento acerca da dinâmica ecológica tem a
potencialidade fomentar a reflexão do quanto autorregulável é a natureza e de como
interferências externas nessas relações – especialmente as advindas do excesso
tecnológico, que tanto preocupam Jonas – podem alterar profundamente um ecossistema
ou mesmo levar uma espécie à extinção. Isso ocorrendo pode desencadear alterações no
83 AMABIS, MATHO, 1990, p. 341. 84 JONAS, 2006, p. 135. 85 Ibid., p. 136. 86 BEGON, TOWNSEND, HARPER, 2007, p. 223. 87 Ibid, loc. cit.
35
nicho ecológico88 de outros seres integrantes da teia alimentar. Inclusive quando “plantas
e animais morrem, seus corpos tornam-se recursos para outros organismos”89, num ciclo
bioquímico que demonstra as transformações pelas quais passam as substâncias, a
depender da quebra ou transmutação de suas moléculas, através dos vários metabolismos
ocorrentes na matéria viva, mecanismo este a que se refere Hans Jonas no seu O Princípio
Responsabilidade, onde se reporta ao metabolismo próprio de cada ser como expressão
de liberdade. Há de ser acentuado que o metabolismo age na manutenção da vida do ser,
inclusive sem a participação da própria vontade.
Ao lembrar veementemente que o Homo faber não deixa de ser, pela condição
biológica que ostenta, um Homo sapiens, Jonas enfatiza não estar a espécie humana fora
nem acima da natureza que o cerca e da qual ele faz parte. Embora não adentre no
radicalismo ecológico, as proposições jonasianas também se distanciam da visão do
homem como senhor e dominador na natureza, ou seja, de uma mera visão
antropocêntrica; nesse aspecto, na acurada observação de Helder Buenos Aires de
Carvalho, Jonas “enfrenta o “dualismo cosmológico que opõe o homem à natureza [ou
mundo] e o dualismo antropológico que opõe o corpo à alma e prepara caminho para a
superação [...] do dualismo ético entre ser e dever ser”90.
Vê-se, pois, que as lições possibilitadas pela Biologia, mais especificamente por
uma de suas subdivisões, a Ecologia, são por demais relevantes para a apropriação do
conhecimento de que os impactos de qualquer ação têm consequências futuras, tal como
observa Jovino Pizzy, ao discorrer sobre as repercussões dos diferentes desastres
provocados pela ação humana e a contaminação do ambiente, a exemplo do ocorrido com
a British Petroleum, em Chernobyl, Prestige e outros tantos casos que ressoam na opinião
pública, acrescentando-se o dilema com a rotulagem dos organismos geneticamente
modificados91 e a grande preocupação com os agentes químicos sintéticos em face das
88 Conjunto de atividades desempenhadas por uma espécie em seu habitat. 89 BEGON, TOWNSEND, HARPER, op. cit., p. 326. 90 Carvalho, in: SANTOS, 2011, p. 161/162. 91 No Brasil, há uma lei federal que dispõe sobre os “organismos geneticamente modificados”, a de nº
11.105, de 24 de março de 2005, em cujo artigo 1º dispõe já se esclarece que “estabelece normas de
segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o
transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o
consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e
seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e
biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da
precaução para a proteção do meio ambiente”. No capítulo II desta dissertação retornaremos ao este diploma
legal.
36
respectivas modificações por eles provocadas nos seres vivos e na natureza, alterando a
estrutura e a personalidade, além de interferir no equilíbrio da natureza92. Com essa
advertência, Pizzy justifica que a filosofia não deve isolar-se e rechaçar o diálogo com a
ciência nem com os cientistas, que para reforçar a importância desse diálogo, é
esclarecedor o livro Our Stolen Future (1996), de Colborn, Dumanoski e Myers (O futuro
roubado, 2002), vez que a obra descreve a forma como os agentes químicos sintéticos
alteram os sistemas hormonais dos humanos e não-humanos, provocando distúrbios
funcionais e metabólicos, interferindo até mesmo na fertilidade e na inteligência das
pessoas, e que, de certo modo, o livro parece dar continuidade à preocupação de Jonas,
trazendo dados até então desconhecidos93.
A incursão na Ecologia visa a reforçar o fato de que o ser humano, como animal
que é, “participa dessa aventura e nela ocupa um lugar privilegiado, pelas imensas
fragilidades que carrega e que, também nele, somam-se no desenvolvimento de grandes
capacidades em busca de êxito existencial”94. Mas é preciso lembrar que, na concepção
de Hans Jonas, há no ser humano a transanimalidade, pelo fato de o homem se relacionar
com o mundo físico e biológico de modo claramente distinto, o que o faz se sobressair.
Conforme observa Jelson Silveira,
O conceito de transanimalidade, assim, autoriza uma perspectiva de análise
sob a qual o homem se vê como animal entre os animais e ao mesmo tempo
distinto deles. Seu ‘trans’ é seu ‘trânsito’, a um tempo seu movimento, seu
atravessamento, seu pertencimento e sua ruptura. Um ‘através’ que é um ‘para-
trás’, mas também um ‘ára-além’. Algo que evoca uma transnatureza, evocada
também como supranatureza, já que essa suprantureza do humano se efetiva
pela sua maior capacidade de obter êxito na luta da vida”.
Mas essa supranatureza não autoriza as interpretações que abriam um
abismo entre o humano e o animal e, ainda mais, entre o humano e a natureza.
[...] É como parte do processo de evolução da vida que o homem, por se
sobrepor ao caráter imediato dos demais seres e pela capacidade que ele
mantém de autocompreensão, que ele se torna o agente da resposnsabilidade95.
Também Helder Buenos Aires de Carvalho, valendo-se da doutrina de Alasdair
MacIntyre constante na obra Dependente rational animals: Why Human Beings Need the
Virtues96, assim pondera sobre a condição animal do homem e da respectiva conexão com
92 PIZZI, op. cit, p. 101/102. 93 Ibid., loc. cit. 94 OLIVEIRA, in: SANTOS, 2011, p. 53. 95 Ibid., p. 53-55. 96 Obra que será comentada no capítulo III desta dissertação.
37
os demais seres, acentua que MacIntire busca ancorar à ética das virtudes “o
reconhecimento da identidade animal do ser humano juntamente com a vulnerabilidade e
aflição às quais está submetido, compreendendo o ser humano a partir de uma identidade
animal – e aqui, de certa forma, fazendo eco a Jonas”97; que a condição animal dos
humanos, compartilhada com muitos outros animais não humanos inteligentes, é um dado
a mais colocado por MacIntyre no âmbito da ética das virtudes, diversificando das éticas
tradicionais, que parecem olvidar dessa característica humana e aproximando-se da ética
da responsabilidade jonasiana, sendo incorreto supor uma ética independente da
biologia98.
Este capítulo visou principalmente a lembrar ao ser humano a sua natureza, a
fim de que a sua supranatureza seja despertada quanto à urgente conscientização de que
a opção pelo Ser e pelo existir é imperiosa, na esteira da ponderação de Giacoia Júnior,
segundo a qual diferindo das éticas antigas, há de se ter em mente que nos dias de hoje a
ação humana, potencializada pela tecnologia, pode danificar crítica e irreversivelmente a
natureza e o próprio ser humano, havendo de se ressaltar que ciência ecológica emergente
torna evidente, no resultado de suas pesquisas e investigações, de que forma e em que
grau a intervenção tecnológica modifica a própria natureza do agir humano99. Com isso,
resta claro que tanto a biosfera do planeta, quanto a natureza como um todo passa a ser
atingida pelo agir humano e pela responsabilidade daí decorrente, e isso em razão da
extensão e da periculosidade que dele decorre, em face da extensão incomensurável do
poder de que a tecnologia o investe, sendo que tal extensão e periculosidade dela derivado
exigem uma regulamentação normativa das forças e do potencial envolvido no agir
humano, implicando, por consequência, o plano ético da responsabilidade, o que, para
Jonas, constitui o novum de uma ética da responsabilidade100.
Jonas sintetiza a relação entre organismo e ambiente, quando pontua que
organismo e ambiente formam juntos um sistema, que desde então determina o conceito
básico de vida e, de acordo com isso, a vida traduz-se pelo comportamento que esse
sistema bipolar induz sobre um dos seus pólos; que as maneiras típicas de viver, a relativa
estabilidade e peculiaridade do comportamento das várias espécies dadas, representam,
97 CARVALHO, in: SANTOS, 2011, p. 170. 98 Ibid., p, 175. 99 GIACOIA JÚNIOR, 2000, p. 197. 100 Ibid., loc. cit.
38
cada caso, o equilíbrio alcançado entre os dois fatores que constituem a situação101. Daí
a precisão da análise de Robinson Santos ao destacar que desde o início da sua formação,
Jonas é movido pela sua Filosofia da Biologia e por isso é compreensível a ênfase dada à
natureza, o que, por sua vez, confere um certo ineditismo nesse aspecto de sua ética
relativamente às éticas tradicionais, por ele criticadas como antropocêntricas, eis que para
Jonas a vida é o “valor fundante de toda a ética e a vida diz sim a ela mesma e através de
seu porta-voz privilegiado, o ser humano, isso se torna um compromisso, um dever-
ser”102.
Ainda à guisa de conclusão do capítulo, a reflexão de Pelizzoli vem somar a este
trabalho, em que um dos objetivos é propor a interlocução dos conhecimentos ecológicos com a
Filosofia e o Direito, sob o enfoque de que, tal como alerta Pelizzoli, “falar em ambiente é
falar em pessoas e suas relações, ou seja, falar em ética, o que por sua vez não é apenas
falar em normas morais e comportamentos, mas em formas de conhecimento (que são
sempre relações), visões de mundo”103.
Ao final deste capítulo, releva anunciar que o capítulo dois desta dissertação
discorrerá sobre a Preservação ambiental como questão jurídica e a ética da
responsabilidade em relação à humanidade futura e aos demais seres vivos em nosso
Planeta, tendo em vista a indispensabilidade da tutela jurídica deste valor inestimável que
é o meio ambiente senão ecologicamente equilibrado, pelo menos em condição de haver,
no futuro distante inclusive, “vida humana autêntica”. No decorrer dele será enfrentada a
necessidade de trazer as Ciências Jurídicas para o palco das discussões, especialmente
com Jonas, mas acrescentado também concepções de determinados autores que
estabelecem uma sólida ponte entre o Direito, a responsabilidade ambiental e a ética
ambiental, a exemplo de Maria da Glória F. P. D. Garcia, em sua obra O lugar do Direito
na questão ambiental, em cujo capítulo IV, intitulado A ética e a proteção do meio
ambiente, discorre sobre a responsabilidade como princípio ético e a concepção de Hans
Jonas.
101 JONAS, 2004, p. 56/57. 102 SANTOS, [32, 2010] 139 – 155. 103 PELIZZOLI, 2002, p. 4.
39
CAPÍTULO II
PRESERVAÇÃO AMBIENTAL COMO QUESTÃO JURÍDICA E A
ÉTICA DA RESPONSABILIDADE EM RELAÇÃO À
HUMANIDADE FUTURA E AOS DEMAIS SERES VIVOS.
1. O DIREITO EM DIÁLOGO COM A BIOLOGIA E COM A ÉTICA DA
RESPONSABILIDADE DE HANS JONAS: A COERCITIVIDADE DO DIREITO
NA DEFESA DE UM MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
NO PRESENTE E NO FUTURO.
O link entre o Direito e a concepção de ética voltada para o futuro Jonas
estabelece claramente no capítulo IV de O Princípio Responsabilidade, embora ele já
lance luzes sobre o tema no capítulo I da referida obra, porém de forma ainda não
aprofundada. Essas proposições jonasianas serão dissecadas alhures.
A título de preâmbulo deste capítulo, há de ser lembrado que uma das
manifestações modernas do que se denomina de Direito Ambiental foi a Lei Negra de
1723, do rei George I da Inglaterra, a qual arrolava mais de cinquenta crimes ambientais,
punidos com pena de morte, embora não com o intuito de proteger a natureza, mas sim
de manter abundante a caça e a pesca para Sua Majestade104.
Desde logo há de se destacar que a responsabilidade apontada por Jonas não se
restringe à civil, penal ou administrativa, no sentido de mera repressão pelo fato ocorrido.
Para o referido filósofo, há de se buscar juridicamente uma responsabilidade que
ultrapasse o binômio ação/repressão105, e que se revista de forte conteúdo moral, eis que
a responsabilidade moral é o ponto fulcral da ética voltada para o futuro de Jonas, cujo
foco não se traduz em responsabilizar pelo que já foi feito, mas em alertar o que será feito
da vida no Planeta caso as ações humanas não sejam pautadas por uma reponsabilidade
104 SANTOS, disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30237-30984-1-
PB.pdf. Acesso: 02 mar. 2014. 105 Embora esta ainda seja indispensável pelo fato notório de muitas condutas humanas, nas diversas áreas,
inclusive nesta, serem pautadas pelo receio da penalização e não pelo valor intrínseco da ação.
40
ambiental focada na possibilidade de existência de vida no futuro distante. E a
formalização da ética ambiental na Constituição de um País, também conhecida como
Carta Política de uma Nação, tal como se deu com o Brasil, é um prenúncio da apropriação
da responsabilidade moral que aos humanos cabe, enquanto seres reflexivos.
Antes, porém, que se venha a adotar uma interpretação apressada no sentido de
que tal concepção implicaria em Jonas achar desimportante que as condutas lesivas sejam
civilmente e penalmente reprimidas, convém esclarecer que esse filósofo não dispensa a
força coercitiva inerente às responsabilidades civis e penais, eis que, pelo que se
depreende claramente da sua obra, apenas as considera insuficientes para a construção de
uma ética que, situada no presente, tem o foco estendido para o futuro distante.
Naturalmente Jonas não se ocuparia em dizer o óbvio, ou seja, que o Direito regula a vida
em sociedade e que a humanidade não prescinde da sua atuação impositiva. Depreende-
se da sua proposta ética que as leis não bastam, mas não que se pode delas prescindir.
Indispensável a imperatividade do Direito, seja na penalização de condutas
nocivas ao meio ambiente, seja na imposição de ações voltadas para a recuperação, ainda
que parcial, das agressões perpetradas, ou mesmo quando a impossibilidade de
recuperação deságua na condenação por danos materiais e morais, cujos montantes
podem ser revertidos, por exemplo, para o Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado
pela Lei nº 7.797/89, ou para Fundos Estaduais e Municipais voltados para fim idêntico.
O Direito será abordado aqui de forma ampla, não se restringindo apenas à
função de jurisdizer afetada ao Poder Judiciário, eis que: i) o Poder Legislativo participa
desta empreitada na medida em que tem a função precípua de legislar, portanto de
estabelecer, via processo legislativo, obrigações e sanções; ii) o Poder Executivo, além
de ser competente para expedir atos normativos não enquadrados na moldura das leis,
expede Decretos, Portarias, Resoluções etc.; iii) o Poder Judiciário, com a função de
aplicar a lei ao caso concreto, lei aí entendida de forma ampla (latu sensu), portanto
incluindo os comandos escritos e os princípios implícitos da Constituição Federal, os
quais podem, inclusive, justificar a declaração de inconstitucionalidade de lei, de ato
normativo e de Emendas Constitucionais.
Urge enfatizar que Jonas aponta um vazio ético nessa era tecnológica que a ética
clássica não dá conta; e a premente necessidade de ampliar as preocupações éticas para o
41
futuro não passa por uma abstração da indispensabilidade do Direito para impor
obrigações de fazer, de não fazer e de tolerar que se faça. Há, portanto, de se atentar para
as palavras de Hans Jonas, quando ele discorre sobre “Homo faber acima do Homo
sapiens” e sobre “cidade universal como segunda natureza e o dever ser do homem no
mundo” porque elas têm estreita relação com este capítulo.
Pois bem, diz Jonas que seja o que for que pertença à plenitude do homem fica
eclipsado em prestígio pela amplitude de seu poder, de forma que essa expansão, “na
medida em que vincula cada vez mais as forças humanas à sua empresa, é acompanhada
de uma construção do conceito de homem sobre si mesmo e de seu Ser” 106; que na
imagem de si mesmo por ele conservada em que a representação programática tanto
determina o seu Ser atual quanto também o reflete, cada vez mais o ser humano é produtor
do que ele produziu e o feitor do que ele mesmo pode fazer, e mais: é o preparador daquilo
que ele, a seguir, estará apto a fazer107. Mas aí é de se indagar que é “ele” afinal? Jonas
responde que nem somos nós nem é ele, porque nessa reflexão importa compreender que
tanto o ator quanto o ato são coletivos, e o horizonte significativo da responsabilidade é
propiciado muito mais pelo futuro indeterminado do que pelo espaço contemporâneo da
ação, o que exige imperativos de outro tipo, pois se a esfera do produzir violou o espaço
do agir essencial, então a moralidade deve adentrar na esfera do produzir, da qual ela se
mantinha afastada anteriormente, devendo fazê-lo na forma de política pública108.
Jonas ainda lembra que nunca antes a política pública precisou lidar com
questões de tal envergadura e que mostrassem projeções temporais tão longas; que, de
fato, a natureza modificada do agir humano modifica a natureza fundamental da política,
e que se antes se podia dizer “fiat iustitia, pereat mundus – ‘que se faça a justiça, mesmo
que o mundo pereça’–, onde ‘mundo’ significa evidentemente o enclave renovável na
totalidade imperecível”, tal assertiva não mais pode ser empregada de forma retórica,
quando o perecer da totalidade tornou-se uma possibilidade real por conta dos feitos
humanos, justos ou injustos, portanto, questões nunca dantes objeto de legislação
ingressam na seara das leis que a “cidade” global precisa formular, para que possa existir
um mundo para as futuras gerações de humanos109.
106 JONAS, 2006, p. 43/44. 107 Ibid., loc. cit. 108 Ibid., loc. cit. 109 Ibid., loc. cit.
42
Sabe-se que a partir da segunda metade do século XX vários países, a exemplo
do Brasil, produziram, na atuação político-administrativa, leis e atos normativos
infralegais visando não somente a punir diversas formas de agressão aos ecossistemas
como também a promover a recuperação ainda que parcial dos mesmos. Em tais atos
expedidos pelo Legislativo e pelo Executivo estão previstas diversas medidas
preventivas, as quais devem ser observadas por ocasião das licenças para construção ou
mesmo para exploração de determinadas atividades econômicas. As multas, interdições e
a tipificação penal para algumas condutas mais nocivas, na seara das penalidades, têm
função repressiva e pedagógica, no sentido de desestimular o agressor de repetir a conduta
e de inibir ações lesivas dos demais.
Hans Jonas traz a política para o palco da ética por ele proposta, e o faz de forma
clara e objetiva no capítulo VI de O Princípio Responsabilidade, não somente no texto
acima referido, segundo o qual a era tecnológica demanda também uma legislação que
vise à estabilidade ambiental. Portanto, quando Jonas enfatiza que “questões que nunca
foram antes objeto de legislação ingressam no circuito das leis que a ‘cidade’ global tem
de formular, para que possa existir um mundo para as próximas gerações de homens”,
aponta um dos caminhos inexoráveis nesse palco em que a humanidade é vítima e
culpada.
Assim, sob o título “Toda arte de governar é responsável pela possibilidade de
uma futura arte de governar”110, Jonas logo de início assevera que diferentemente “da
responsabilidade paterna, não há um término que seja estabelecido pela natureza do seu
objeto”, ou seja, tal responsabilidade é sucessiva, a ser assumida de geração em geração,
sem solução de continuidade. A partir de tal necessidade, ele propõe um imperativo geral
para o homem público, ao enfatizar que essa responsabilidade é agravada pela
exorbitância de resultados causais em detrimento do conhecimento prévio, que, por
conduto disso, suporta mais consequências do que as que formalmente lhe deveriam ser
atribuídas e que um imperativo demasiado geral, mas importante para o homem público,
cuja atividade tem essa perspectiva excessiva de futuro implica em se abster de fazer
qualquer coisa que possa obstar o nascimento de seus semelhantes, em outras palavras,
não impedir o manancial essencial, imprevisível até, da espontaneidade na comunidade,
110 Ibid., p. 201.
43
de onde poderão ser recrutados111. Aqui, “o princípio é o de que toda responsabilidade
integral, com seu conjunto de tarefas particulares, é responsável não apenas por cumprir-
se, mas por garantir a possibilidade do agir responsável no futuro”112.
Tal como observa Enrique Leff, neste momento da história a racionalidade
ambiental abre um novo debate entre necessidade e liberdade, entre lei e acaso, não sendo
tal pensamento de complexidade corolário do niilismo pós-moderno; ao contrário, é a
reabertura da história como complexificação do mundo, a partir do ambiental para a
construção de um ser no totalitário que, além da realidade existente, projeta a história
para a criação “do que ainda não é”113.
Essa percepção também não faltou a Maria da Glória F.P.D. Garcia, que indaga
se a questão ecológica, configurada com toda sua dramaticidade “nas alterações
climáticas, será uma ideia força capaz de criar politicamente sentido e desencadear uma
estrutura consensual em redor, fundada numa responsabilidade pelo futuro, compreendida
em termos de cidadania”114. A autora esclarece que a interrogação está delineada, sabendo
de antemão, que falar em democracia num “Estado Ambiental” somente tem sentido se
previamente se puder falar em cidadãos preocupados ambientalmente, que tenham uma
opinião pública esclarecida e que queiram, em razão do ambiente, não somente tomar
decisões corretas, como também agir em conformidade com essas decisões, afastando
comportamentos imediatistas, cidadãos dispostos a aprender, a adquirir saberes,
experiências e competências ao longo da vida para se adaptarem à mudança e
incorporarem nas decisões o futuro, enquanto por ele são politicamente responsáveis115.
No final do parágrafo acima, percebe-se o respaldo à proposta desta dissertação,
na expressa dicção da autora sobre a indispensabilidade de aquisição de saberes, no caso
específico, a Ecologia, a qual desnuda o desafio que a humanidade deverá enfrentar;
quanto ao Direito, a sua indispensabilidade decorre da constatação de que a humanidade
ainda não se apropriou da ética necessária para fazer frente às agruras já existentes e às
futuras. Ao mesmo tempo, há que se insistir e investir na apropriação de uma ética que
inclua o futuro da vida na Terra como foco das preocupações, uma vez que os poderes do
111 Ibid., loc. cit. 112 Ibid, loc. cit. 113 LEFF, 2001p. 425. 114 GARCIA, 2007, p. 266. 115 GARCIA, op. cit., p. 266.
44
conhecimento e do Direito são insuficientes para solucionar tão complexo e desafiador
problema.
Também são analisadas pela autora portuguesa as posições a serem ocupadas
pelo homem e pela natureza da qual faz parte, no que se entende como o Estado de Direito
Moderno. Inicialmente ela lembra que o Estado de Direito (Rechtsstaat) nasceu na
doutrina publicista alemã de meados do século XIX, pelas palavras de Robert von Mohl,
e que esse termo contém uma síntese de valores e processos, sendo uma fórmula que
funciona como meta a atingir na prática, ao mesmo tempo que o próprio impulso para
alcançar116. E no percurso de realização do Estado de Direito desenvolvem-se duas linhas:
i) a do Estado de Direito Formal, concepção segundo a qual o fim do Estado encontra-se
na execução de um sistema jurídico a partir das fontes jurídicas legitimadas, sendo o
direito entendido como limite à ação do Estado para a proteção do indivíduo, tudo
havendo que ser regulado através de normas a fim de que o arbítrio do poder seja
eliminado e os indivíduos protegidos; ii) a do Estado de Direito Material, em que a ideia
da pessoa humana, da dignidade que a caracteriza e transcende, revela-se essencial,
comandando a evolução do Estado através de normas legais, por ele mesmo legitimadas,
inclusive para além da lei, por invocação à própria ideia de direito117.
Assim é que, pondera a referida autora, ganha uma luz a evolução até os nossos
dias, do Estado de Direito, eis que, sem relativizar os valores que o fundamentam, permite
que estes se cumpram na diferença que o diálogo cultural convoca, o qual embora
intersubjetivo, também é fruto da dialética entre as duas autonomias que a pessoa polariza
(a do eu pessoal e a do eu social), e a partir daí indaga-se sobre quais os desafios que o
Estado de Direito atual enfrenta diante das múltiplas complexidades, do imenso
desconhecimento humano, da impossibilidade de “agarrar” o movimento que
permanentemente se move, da incerteza quanto aos riscos a que estão sujeitos e em
conjunto caracterizam a “questão ambiental”118.
Esse arsenal de compromissos a serem assumidos pelas pessoas e instituições
públicas e privadas ou a imposição de responsabilidades reparadoras e minorantes de
prévias agressões, exige um Direito cada vez mais próximo aos fatos, além de célere na
116 Ibid., p. 279. 117 Ibid., loc. cit. 118 Ibid., p. 280.
45
resolução de demandas; um Direito que se nutra de outros ramos do conhecimento, a
exemplo da Filosofia e da Ecologia, a fim de que os seus aplicadores possam fundamentar
suas decisões através de argumentos de convencimento e não por mero argumento de
autoridade, desprovido de justificativa cognoscível. No que se refere ao aspecto
filosófico, a ética de Hans Jonas tem sido discutida em livros jurídicos e numerosos
artigos acadêmicos que se debruçam sobre a temática ambiental.
Com efeito, a autora portuguesa refere-se a Jonas no quarto capítulo do livro já
mencionado e o faz ao discorrer sobre o tema “A ética e a proteção ambiental”, no
subtítulo “A responsabilidade como princípio ético, a concepção de Hans Jonas”, onde,
entre várias reflexões, defende que a procura de sentido novo de dever, qual seja, um
dever mais amplo e profundo que ultrapasse a moral tradicional e integre a
irreversibilidade da ação humana, maximizada pela técnica, sobre a imensa fragilidade da
vida, levou Hans Jonas a reformular a ética em redor da ideia de responsabilidade, eis
que, apercebendo-se do “vazio ético” (das ethische Vakuum) do pensamento ecológico e
da dificuldade humana em lidar com irreversibilidade da ação, mergulha na metafísica
para através dela indagar a razão pela qual o homem existe no mundo e por que é
imperativa a preservação da existência futura; e da resposta advinda a esta questão decorre
o nosso estar no mundo com os outros119. Esse estar no mundo com os outros será regido
não somente pela conduta ética de cada indivíduo como também pelo Direito que “na sua
autonomia diferenciadora e na sua capacidade propulsora, como resposta cultural possível
ao problema humano de convivência humana”120 é indispensável na luta pela defesa do
meio ambiente. E a ética de Jonas tem uma amplitude maior do que a ética tradicional,
eis que:
Ao contrário da ética tradicional, construída na base de direitos e
obrigações, e, logo, numa responsabilidade fundada na reciprocidade – a minha
obrigação é a imagem de um direito de outrem –, à nova ética de que HANS
JONAS fala, fundada numa responsabilidade voltada para o futuro, falta
reciprocidade (Fortfall der Reziprozität in der Zukunftsethik). Isto porque a
ideia ontológica que subjaz a essa ética não garante um concreto objeto.
Procura, isso sim, garantir a herança humana que cada um transporta e que
integra o seu próprio futuro. No fundo, procura garantir a «ideia» de homem,
que se impõe ao homem concreto como um dever ser, como algo a preservar
por ele, por todos nós, enquanto através de acção, a podemos pôr em perigo.
Ora, sendo a «ideia» de homem que impõe uma ética nova, a obrigação que
determina o dever ser – «que a humanidade seja» (dass eine Menschheit sei)
– traça uma nova mundividência e uma nova caminhada para o homem
119 Ibid., p. 76/77. 120 Ibid., p. 14.
46
concreto que assim se vê obrigado a ultrapassar o agir intersubjectivo, a
compreensão recíproca da ação que a ética da contemporaneidade propiciava,
e a colocar-se num patamar de acção ética que o responsabiliza pelo que há de
vir. Consequentemente, um patamar que não deixa margem para
reciprocidades nem para concretas análises causais dos resultados da acção121.
Maria da Glória F. P. D. Garcia prossegue a análise da ética de Jonas, desta feita
apontando que ele a concebe imbricada com o sentido de ação coletiva, o que faz com
que a projeção dela alcance a dimensão política, justamente por demandar políticas
públicas do Estado, que a todos implica122. Arremata aduzindo que, em resumo, a ética
por ele apresentada para ultrapassar a tradicional é a ética do futuro, de dimensão “quase
cósmica” “eminentemente política, uma ética que, de um lado, demanda uma cidadania
informada e ciente das consequências da sua ação e irreversibilidade, de outro, demanda
uma cidadania à escala global, mundial”123.
No aspecto político em que deve ser inserida a responsabilidade ambiental,
Glória Garcia chama a atenção para o fato de que a dimensão global do ambiente e a
ordem a que aspira, obrigam a ampliar o diálogo à dimensão mundial e a densificá-lo,
sendo que o desafio dessa ampliação e densificação é tanto maior quanto se sabe não
haver precedente histórico e em vão se buscará no passado arrimo para construir o
futuro124. Assim, há que se procurar colocar o longínquo na proximidade da ação,
entendida como “dever ser”, tendo-se a percepção e interiorização do apelo à ação
dirigido por quem nem o rosto se conhece ou conhecerá e vive e deve continuar a viver
ou melhorar o status de dignidade da vida; significa aceitar o desafio que a justiça
intragerencial impõe, justiça essa que significa também interagir com os diferentes
processos da vida [fauna, flora] e os bens e recursos que os suportam, com o que,
aprofundar a justiça intragerencial é desafio a ser assumido por todos, num contínuo
questionamento do agir125. Notoriamente, a Filosofia sendo exigida no palco principal das
discussões.
121 Ibid., p. 79/80. 122 Ibid., p. 81. 123 Ibid., p. 81/82. 124 Ibid., p. 281. 125 Ibid., p. 281/282.
47
Ainda refletindo a dimensão política, e comentando sobre “O Estado Ambiental
como de Direito”, ocasião em que tece várias considerações sobre as lições de Christian
Calliess, assim se posiciona a autora ora em estudo:
As tendências ditatoriais que CHRISTIAN CALLIESS reconhece no
Estado Ambiental e que resultam das facetas evidenciadas devem, na sua
opinião, ser contrariadas por outras tendências, a identificar e realçar, sem o
que o Estado Ambiental não será uma Estado de Direito. As tendências cuja
continuação permitirá edificar o Estado de Direito são, para CHRISTIAN
CALLIESS, três: a introdução na acção de uma atitude de cuidado, de cautela
quanto aos efeitos que toda a acção poderá produzir – «Estado de cautela»
(Vorsorgestaat) –, a cooperação entre comunidade e Estado entre comunidade,
internas ou estaduais – «Estado de cooperação» (Kooperationsstaat) – e a
contínua exigência de ponderação de interesses nas tomadas de decisão e no
acompanhamento da ação, com vista à optimização dos resultados – «Estado
de ponderação» (Abwägungsstaat) 126
.
Explicita que as três tendências acima mencionadas, analisadas de forma
pormenorizada por Christian Calliess, mostram também que o Estado Ambiental
[...] é um Estado com «deficit» de condução política e regulativa127 na área
ambiental e, logo, um Estado que não pode dar as garantias jurídicas do Estado
de Direito Ambiental e, logo, um Estado que não pode dar as garantias jurídicas
do Estado de Direito tradicional. Mas é neste espaço que o Estado Ambiental,
que quer ser Estado de Direito, encontra a sua força, através de três princípios:
o princípio da proporcionalidade, chamado para equilibrar o princípio da
cautela em busca do «melhor direito» (ein bessers Recht), o princípio da
participação, exigido para compensar o déficit de condução política e
regulativa do Estado, e o princípio da igualização de oportunidades e
encargos, chamado para racionalizar as ponderações aparentemente contrárias
que emergem da tensão sempre presente na decisão jurídica ambiental128.
Agora asseverando que os direitos fundamentais precisam ser reapreendidos
constantemente para não se transformarem em “areia de engrenagem”, Glória Garcia
diferencia a forma de proteção ambiental na Alemanha e em Portugal: no primeiro país,
a proteção ambiental é tarefa do Estado e não um direito fundamental, como acontece no
ordenamento jurídico-constitucional do segundo, não obstante a Constituição alemã
garanta o direito à informação, à participação, ao acesso ao tribunal na área do ambiente;
porém Christian Calliess reconhece, no âmbito do ordenamento constitucional alemão, a
garantia de um “direito fundamental a um «mínimo de existência ecológica» (ökologische
Existenzminimum), que se revela na garantia de ar respirável, de água potável ou de bens
126 Ibid., p. 299. 127 Leis e demais atos normativos. 128 GARCIA, op. cit., p. 299.
48
alimentares comestíveis e que decorre da dignidade humana, constitucionalmente
assegurada”129.
Identificada no último parágrafo da citação acima uma ligeira referência ao
status jurídico do Direito Ambiental na Alemanha, analisar-se-á rapidamente, no item
seguinte, a evolução do Direito Ambiental no plano internacional e no Direito interno de
alguns países, de logo esclarecendo-se que a conotação filosófica da dissertação não
permite aprofundamento na Doutrina e jurisprudência, mas, tão somente, uma sintética
visão sobre o tema.
Antes dos breves apontamentos convém destacar, a título de registro, que Édis
Milaré refere-se a “Direito do Ambiente”, por entender que tal nomeclatura é abrangente,
mais exata do ponto de vista gramatical e jurídico, adicionando que a Doutrina mais
recente tem-na utilizado. E por Direito do Ambiente deve-se entender “o complexo de
princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou
indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando a
sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”130.
2. RÁPIDA ABORDAGEM SOBRE A RESSONÂNCIA DA ÉTICA AMBIENTAL
NO DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL.
Destaca Milaré que Direito e ética necessitam conviver e entender-se, não sendo
raro confundirem-se questões jurídicas com questões de ordem moral e vice-versa, mas
um determinado fato, seja social, econômico, comportamental etc, pode ser objeto
comum tanto do Direito quanto da Moral; que embora essas duas ciências sejam afins,
têm métodos diferenciados e a vida tem ensinado que nem sempre o que é moral se reveste
do aspecto legal e nem sempre o que é legal é moral e eticamente aceitável, com o que,
em se tratando de meio ambiente e respectivo gerenciamento, também estão presentes os
paradoxos e conflitos envolvendo não somente Direito e Moral como também Política e
Administração131.
129 Ibid., loc. cit. 130 MILARÉ, 2013, p. 254/255. 131 Ibid., p. 145.
49
O autor supracitado pondera que as ciências não têm o poder de se manifestar
sobre o fato ético e nem mesmo o Direito pode fazê-lo, pois a Ética gravita em outra
órbita, estando, desde tempos imemoriais, no âmbito da Filosofia e da Religião e, na seara
da questão ambiental, “entra o papel da Ética como ciência e arte do comportamento
correto e adequado da espécie humana em face do próprio homem e da natureza132. E no
que se refere ao meio ambiente surgiu a Ética Ambiental, já cultuada por filósofos,
cientistas, políticos, militantes de movimentos socioambientais, e cujo percurso se dá em
companhia do Direito do Ambiente, direito de terceira geração, daí porque pode-se
considerar a Ética Ambiental “uma ética de terceira geração”, tendo em vista que ela,
considerando já a ética ou moral individual e social, centra-se na sobrevivência do planeta
Terra com todos os seus ecossistemas e a família humana, o que, aliás, é o pensamento
pós-moderno sucessor da cultura mecanicista da civilização industrial133.
Na esteira de tais considerações, é natural que Milaré reporte-se a Hans Jonas, e
o faz ressaltando incialmente que o autor de O Princípio Responsabilidade refere-se
expressamente a uma ética para a civilização tecnológica, voltando-se especialmente para
o futuro da humanidade e da natureza, defendendo uma responsabilidade que deve ser
assumida conscientemente134.
A necessidade de perseverar na concretização de uma tal responsabilidade
ambiental que permita a existência de vida agora e no futuro transcende os desafios do
ordenamento jurídico de cada Estado, transbordando para o Direito Internacional, posto
que muitos dos efeitos de que é vítima a natureza são transnacionais, exigindo, portanto,
legislação e celebração de acordos e tratados em que tal responsabilidade seja imposta,
embora a dificuldade de cobrança, em face da soberania de que gozam as Nações, somada
à ausência de um Tribunal Internacional afeto a julgar tais questões, ao qual os Países
membros adiram à respectiva competência julgadora e executora. Aliás, paralelo ao
evento “Rio+20”, reuniram-se intelectuais135 e ambientalistas que propuseram a criação
de um Tribunal Internacional exclusivo para julgar graves ações degradadoras do meio
ambiente, mas cuja sanção seria a ampla divulgação dos julgamentos em várias mídias,
132 Ibid., loc. cit. 133 Ibid., p. 144. 134 Ibid., p. 143. 135 A exemplo de Edgar Morin.
50
ou seja, uma sanção ética, o que, por ora, mostra-se mais viável do que um Tribunal com
poderes de punição e execução das penalidades aplicadas.
Em Responsabilidade internacional do Estado por dano ambiental, a Juíza
Federal Alessandra Nogueira Reis inicialmente faz uma apanhado histórico da evolução
da “proteção internacional do meio ambiente e sua relação com os direitos humanos”,
adiantando-se que tal relação será mote para mais à frente a autora defender que os
Tratados Internacionais que versem sobre proteção ao meio ambiente devem ser
recepcionados, pela ordem jurídica brasileira, como Emenda Constitucional, à luz do
disposto no artigo 5º, §3º, da Constituição Federal de 1988136. Sob tal perspectiva é que
ela afirma que a “proteção internacional do meio ambiente é considerada, ao lado da
proteção internacional dos direitos humanos, um dos grandes temas do moderno direito
internacional”137.
Sobre a evolução histórica da proteção internacional mencionada no parágrafo
antecedente, Nogueira Reis argumenta que uma vez evidenciada, no período pós-Segunda
Guerra, a necessidade de proteção do ser humano, foi praticamente uma consequência o
foco da comunidade internacional sobre as questões ambientais, posto que a preservação
ambiental está diretamente relacionada à preservação da saúde e da vida da população,
embora somente em 1972, com a Declaração de Estocolmo, foram lançadas as bases do
atual direito internacional ambiental138.
A Declaração de Estocolmo também foi o ponto de partida para o
desenvolvimento do direito internacional139 do meio ambiente como um campo autônomo
dentro do direito internacional, possibilitando o surgimento de diversos tratados sobre
matéria ambiental, além de declarações universais, a exemplo da Carta da Natureza,
adotada em 1982 pela Assembleia Geral das Organizações das Nações Unidas, e o fato
de o direito ao meio ambiente saudável não ter constado no rol da Declaração dos Direitos
136Art. 5º (Omissis).
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais. 137 REIS, 2010, p. 7. 138 Ibid., p. 8. 139 Também merece destaque o Protocolo Adiciona I, de 1977, às Convenções de Genebra de 1949. O Brasil
ratificou esse Protocolo em 05 de maio de 1992. Os artigos 35 e 55 do mesmo referem-se a parâmetros de
conservação ambiental em caso de hostilidades, em face de novos métodos de combate com potencialidade
de destruir a natureza.
51
Humanos, de 1948, quando o homem ainda acordava para a questão ambiental, não retira
a natureza humanitária do direito ambiental140. E na década de 70 do século passado
surgiram, como consequência dos avanços e danos causados pelo desenvolvimento
tecnológico, os chamados direitos difusos, em face da impossibilidade de identificação
concreta dos afetados pelos danos, sendo que tais direitos são também chamados de
direitos de “solidariedade”, dado que, pelo grau de complexidade, não somente o Estado,
como também a comunidade internacional em seu conjunto têm a responsabilidade de
garanti-los141. Em Jonas encontraremos a exortação à solidariedade para com as gerações
futuras, através da responsabilidade pela manutenção de um planeta biologicamente
viável para as gerações vindouras. Em Jonas também vemos que o desafio para atingir
esse intento de cuidado e preservação é imensa e o sucesso da empreitada é incerta,
havendo, pois, que impor, cobrar e punir através da legislação, mas, concomitantemente,
investir na educação dos humanos a fim de que se busque o desenvolvimento e a
concretização de uma ética (a da responsabilidade em relação ao futuro) que redunde em
um sim ao Ser e em um não enfático ao Não Ser.
A responsabilidade internacional por danos ambientais encontra diversos
obstáculos, não somente econômicos como também jurídicos. Neste ponto, Alessandra
Nogueira Reis lembra que para a análise do tema é necessário entender a relação entre
direito internacional e direito interno e atentar para as posições monistas e dualistas: para
a corrente dualista o direito internacional é essencialmente diferente do direito interno,
diferindo desse quanto às fontes142, quanto às relações que regulam143 e quanto à
substância144; portanto, na concepção dualista, por serem tão diversos o direito
internacional e o direito interno, nem o direito interno tem o poder de alterar regra de
direito internacional e nem o direito internacional é parte integrante do direito interno,
sendo ambos os sistemas independentes, com que, em termos práticos, para os dualistas
é necessária a transformação do direito internacional em direito interno, não havendo
140 REIS, op. cit., p. 9. 141 Ibid., p. 10. 142 Esclarece a autora que as fontes do direito interno são os costumes nascidos nos limites do Estado e os
estatutos postos pela autoridade, enquanto as fontes do direito internacional são o costume que surge na
sociedade das nações e tratados internacionais com força de lei. 143 A autora explica que o direito interno “regula relações entre indivíduos subordinados a um Estado e
relações entre estes indivíduos e o Estado, ao passo que o direito internacional regula relações entre os
Estados”. 144 Ou seja, “enquanto o direito interno é um direito de um soberano sobre indivíduos submetidos a seu
controle, o direito internacional não é um direito sobre, mas entre Estados soberanos e consequentemente
um direito mais fraco” [OPPENHEIM, apud REIS, 2010, p. 23].
52
possibilidade de aplicação direta do primeiro145. De outro lado, relativamente ao monismo
diferenciam-se as correntes: i) do monismo kelseniano, corrente que se baseia numa
situação ideal de existência de uma única ordem jurídica e que aponta o engano na ideia
de que os Estados possam sobreviver indiferentes aos princípios e normas de direito
internacional; ii) do monismo nacionalista, que considera a Constituição do Estado a
ordem superior que deve conter o valor a ser conferido ao direito internacional146. Ambos
os tipos de monismo levam em consideração que ordem interna e ordem internacional
não são sistemas distintos, portanto, ao contrário do dualismo, possibilita a aplicação
imediata de normas de direito internacional sem necessidade de qualquer ato de
adequação ao direito interno, havendo de se pontuar que uma ou outra posição gera
consequências diretas na responsabilização do Estado: a adoção da corrente monista
diminui a possibilidade de o Estado ser responsabilizado internacionalmente, tendo em
vista que as regras de direito internacional aplicam-se imediatamente ao direito interno,
eliminando a incompatibilidade entre o direito interno e o direito internacional147.
Em regra, o Brasil adota a teoria dualista, havendo a exceção encartada no artigo
5°, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988, preceptivo incluído pela Emenda
Constitucional n. 45, de 2004, já transcrito em nota de rodapé, cuja disposição determina
que a recepção de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às Emendas Constitucionais. Segundo
visto alhures, vários doutrinadores defendem a tese de que o direito ao meio ambiente
dinamicamente equilibrado é uma das vertentes dos direitos humanos.
Anote-se, ainda, que a responsabilidade objetiva (a qual dispensa a prova de dolo
e de culpa em sentido estrito por parte do agente agressor em termos de responsabilização
por dano ambiental, recorrendo-se à responsabilidade subjetiva em se tratando de atos
omissivos), não prevalece na jurisprudência internacional, embora seja a que confere
melhor proteção ao bem jurídico tutelado, tal como apontado Alessandra Nogueira, que
também pondera sobre a dificuldade de se aferir a culpa e em consequência em se obter
a reparação do dano em face de os eventos serem causados por diferentes fatores e
145 REIS, op. cit., p. 24. 146 Ibid., loc. cit. 147 E sendo imperativo e coercitivo o direito interno, tanto os cidadãos quanto a própria instituição política
Estado podem ser compelidos a respeitar as normas de direito ambiental, ou punidos se violá-las.
53
agentes148. Portanto, tem sido “a teoria subjetiva, de difícil comprovação por conter um
elemento psicológico e que oferece maior proteção ao Estado149, a prevalecer na
jurisprudência internacional”150.
Por sua vez, Alexandra Aragão, ao escrever sobre a “história do Direito
Constitucional Europeu do Ambiente”, destaca que as preocupações ambientais da
Comunidade Europeia surgiram e se manifestaram primeiro pela adoção de atos de direito
derivado e só depois através da consagração nos Tratados; portanto, fazendo uma analogia
com o direito interno, isso significaria que primeiro surgiram as leis (materialmente
inconstitucionais) e somente depois a consagração constitucional da competência para a
adoção de leis151.
Alexandra Aragão também realça que a Comunidade Europeia esteve presente
na já referida Conferência de Estocolmo, em junho de 1972, e em outubro do mesmo ano
realizou-se em Paris uma reunião de Chefes de Estado e de Governo dos Estados
Membros das Comunidades Europeias, ocasião em que proferiram uma declaração
pública na qual demonstraram preocupação pelo meio ambiente, encarregando a
Comissão Europeia da elaboração de um programa de ação em matéria de meio
ambiente152.
As preocupações com a proteção do meio ambiente aumentam progressivamente
e, no âmbito da Comunidade Europeia não poderia ser diferente, embora a lentidão na
celebração de tratados, tal como salienta Alexandra Aragão, que se reporta ao “lento
esverdear dos tratados”, destacando cada um daqueles durante o processo de
“ecologização do Direito Constitucional Europeu”153:
i) Acto Único Europeu: o primeiro a atribuir competências ambientais à
Comunidade Europeia;
ii) Tratado de Maastricht: que, em 1982, além de criar uma nova organização
internacional regional na Europa, a União Europeia, introduziu algumas alterações aos
148 REIS, op. cit., p. 39. 149 Embora não ao meio ambiente. 150 REIS, op. cit., p. 39. 151 CANOTILHO, in: CANOTILHO, LEITE, (orgs), 2011, p. 36. 152 ARAGÃO, in: CANOTILHO, LEITE, 2011, p. 38. 153 Ibid., p. 41.
54
Tratados então em vigor, o que “esverdeou” um pouco mais o Direito Constitucional
Europeu154.
iii) Tratado de Amesterdão – as alterações introduzidas em 1977 por esse
Tratado resumiram-se à introdução do desenvolvimento sustentável no preâmbulo do
Tratado da União Europeia e à recolocação sistemática do princípio da integração na Parte
I do Tratado, que versa sobre os princípios155.
iv) Tratado de Nice – de 2001, esse Tratado praticamente mantém inalterada a
Política Comunitária do Ambiente, apenas com uma mudança importante: o art. 175, n.
2, relativo ao procedimento de deliberação, que foi aclarado pelo aditamento de medidas
direta ou indiretamente relacionadas à disponibilidade de recursos hídricos156.
v) Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa – “o desenvolvimento
sustentável e o nível elevado de proteção do ambiente são duas grandes ideias-força que
atravessam as três partes fundamentais em que se divide o Tratado Constitucional
Europeu”157.
Ainda no plano da Comunidade Europeia, adverte Alexandra Aragão que há de
se atentar para os artigos 174º, 175º e 176º do Tratado da União Europeia. E analisando
tais preceptivos, a autora portuguesa discorre, por exemplo, sobre os princípios gerais,
modeladores do exercício da competência ambiental da referida Comunidade, dentre os
quais destacam-se:
i) Princípio da precaução – acrescentado pelo Tratado de Maastricht; apesar de
muitas hesitações e dúvidas terem sido expressadas relativamente ao conteúdo desse
princípio, indubitavelmente ele é um dos mais promissores princípios de Direito
Ambiental158. Por esse princípio, ao qual Jonas também se refere, na dúvida quanto a uma
atividade ser ou não nociva ao meio ambiente, deve-se escolher a abstenção de tal
atividade.
154 Ibid., loc. cit. 155 Ibid., p. 42. 156 Ibid., loc. cit. 157 Ibid., p. 43. 158 Ibid., p. 62.
55
ii) Princípio da prevenção – é mais sensato antecipar-se e evitar danos do que
contabilizar prejuízos; e esses danos podem ocorrer por algumas razões evidentes que vão
desde a justiça ambiental à mera racionalidade econômica, passando pela justiça
intertemporal159.
Quanto a esse aspecto, a lição de Jonas situa-se no dever ser do homem no
mundo, que, diante da constatação de que a existência é sempre melhor do que a não
existência, deve nascer a obrigação prática ante à posteridade de um futuro distante e,
como princípio de decisão já na ação presente, tal assertiva é muito diferente da antiga
ética da simultaneidade160.
iii) Princípio da correção na fonte – diversamente dos princípios da prevenção e
do poluidor-pagador, que já haviam sido mencionados em alguns atos de Direito
Comunitário derivado, antes mesmo de serem consagrados no Tratado, a primeira vez
que o referido princípio apareceu formulado ao nível do Direito Comunitário foi na
primeira grande revisão do Tratado de Roma: o Ato europeu de 1986161. O referido
princípio determina quem deve, onde e quando se devem desenvolver ações de proteção
do ambiente, visando, portanto, a pesquisar as causas da poluição para, sempre que
possível, eliminá-las ou pelo menos moderá-las, evitando que se repitam162.
Hans Jonas conclama os humanos a agirem de tal modo que não comprometam
a existência de vida humana autêntica no futuro, inclusive pela não destruição das demais
formas vivas com as quais os homens compartilham a vida aqui na Terra. No capítulo III
deste estudo serão vistas algumas correntes da ética ambiental e será observado que a
ética voltada para o futuro de Jonas não é antropocêntrica, não obstante ele considerar
que os humanos se sobressaem na natureza. Além disso, ele evidencia, através da sua
“ética de emergência”, que o tempo para o início de ações concretas e específicas já está
atrasado.
Pousando rapidamente no Direito Ambiental vigente no âmbito do
MERCOSUL, interessa atentar para as palavras de Rafael Santos Oliveira, autor do livro
Direito Ambiental Internacional: o papel da soft law em sua efetivação e organizador da obra
159 Ibid., p. 64. 160 JONAS, 2006, p. 44/45. 161 ARAGÃO, in: CANOTILHO, LEITE, 2011, p. 65. 162 Ibid., p. 66.
56
Direito Ambiental Contemporâneo – Prevenção e Precaução, obra que não será abordada
aqui por uma questão de limitação temática, conforme explicitado no início do capítulo.
Esclarece Oliveira que as primeiras normas de proteção ao meio ambiente na
América Latina surgiram para regulamentar a utilização dos recursos naturais e embora
sejam normas que não foram criadas com a função expressa de proteger o meio ambiente,
tiveram efeitos ambientais indiretos, sendo que posteriormente surge outro tipo de
regulamentação desta feita ligada a setores ambientais específicos, a exemplo de água,
solos e fauna; entretanto, complementa, foi somente há poucas décadas, notadamente
após as Conferências realizadas pela ONU, que a legislação ambiental passou a encarar a
proteção ao meio ambiente como um sistema complexo e cuja regulamentação deve ser
realizada conjuntamente com diversos fatores163. Mas o referido autor também esclarece,
socorrendo-se da doutrina de BRAÑES (1994, p. 35-53) que não obstante essa evolução,
o Direito Ambiental latino-americano ainda convive com três tipos de ordenamentos
jurídicos com enfoques diferenciados no que se refere à proteção ambiental, quais sejam:
i) países em que a proteção ao meio ambiente é composta por uma visão moderna e que
o visualiza como um todo organizado e sistemático (nesse caso, tem-se legislação
propriamente ambiental); ii) os países onde a proteção se dá através da regulamentação
de determinados elementos e atividades ambientais (aqui fala-se em legislação setorial de
relevância ambiental); iii) por fim, há aqueles sem nenhum propósito ambiental mas que
regulam condutas que incidem significativamente na sua proteção (tem-se, aqui, a
legislação de relevância ambiental-causal)164. E sublinha que, em tal contexto, uma
tendência que se observa mais intensamente depois da realização da Conferência de
Estocolmo e do Rio de Janeiro é a adoção de legislações propriamente ambientais, sendo
que, após o ano de 1972, alguns países começaram a alterar as suas Constituições
seguindo as orientações constantes das Declarações da ONU165.
Quanto ao tema Proteção jurídica do meio ambiente no MERCOSUL, Oliveira
faz um apanhado que vai desde o Tratado de Assunção ao Acordo-Quadro, indicando
como a matéria evoluiu ao longo dos anos até que, em julho de 2004, foi aprovado o
Protocolo Adicional ao Acordo Quadro sobre Meio Ambiente, que regulamentou a
163 OLIVEIRA, disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8161>.
Acesso em: 24 jun. 2013. 164 Ibid. 165 Ibid.
57
cooperação e assistência ante a emergências ambientais, tema que já havia sido incluído
no programa de trabalho do SGT-6 pela Resolução 7/98, havendo esse Protocolo
instituído a cooperação entre os países membros do Mercosul para atuarem juntos em
caso de emergência ambiental resultante de um fenômeno de origem natural ou antrópica,
susceptível de provocar graves danos ao ambiente ou aos ecossistemas e que, por suas
características, necessitem de assistência imediata166.
Em face dessa aprimoramento gradual da proteção jurídica ambiental, releva
atentar para a observação de Antônio Herman Benjamin: “é seguro dizer que a
constitucionalização do ambiente é uma irresistível tendência internacional, que coincide
com o surgimento e consolidação do Direito Ambiental”167.
Diante da relevância temática que colocou o meio ambiente no atual patamar
legislativo, são pertinentes as observações de Flaviano Oliveira Fonseca que, ao comentar
a obra de Jonas, afirma ser observável que diversas áreas do conhecimento têm utilizado
suas reflexões, podendo ser comprovado isso não apenas na área da Filosofia, mas
também em outras áreas do conhecimento, a exemplo das de: de saúde, ciência sociais
aplicadas, ciências da vida, ciências agrárias e da terra, política etc168.
Por último, é de se conferir também uma ligeira abordagem sobre a proteção
jurídica ambiental nos Estados Unidos da América, nas palavras Arnaldo Sampaio de
Moraes Godoy, em artigo publicado no Instituto paulista de estudos bioéticos e jurídicos.
Pondera o referido autor que o Direito Ambiental centra-se em três pontos fundamentais:
i) controle de poluição, de dejetos e de resíduos decorrentes do desenvolvimento
industrial; ii) gerenciamento de recursos naturais; iii) regulamentação do uso da terra,
infraestrutura e desenvolvimento, destacando-se o papel preeminente do governo federal
americano, a partir da metade da década de 60 do século passado, baseado na commerce
clause do texto constitucional do país169.
Arnaldo Sampaio ainda acrescenta a falta de previsão constitucional expressa
que autorize a União a legislar em tema de Direito Ambiental e que as fontes do Direito
166 Ibid. 167 BENJAMIN, in: CANOTILHO, LEITE, 2011, p. 81. 168 FONSÊCA, in: SANTOS, 2011, p. 264. 169 GODOY, disponível em:
<http://www.ipebj.com.br/artigo/caracteristicas-do-direito-ambiental-nos-eua>. Acesso em: 28 jun. 2013.
58
Ambiental americano pulverizam-se: em leis federais, estaduais e locais, sendo que essas
últimas são complementares da primeira; em regulamentação infralegal dos mesmos
agentes políticos; em jurisprudência; em princípio e arquétipo de common law; na
Constituição americana (não diretamente eis que havendo previsão expressa de proteção
ambiental na mesma, valem-se das commerce clause, regra segundo a qual norma
estadual limitadora de comércio é inconstitucional, portanto, uma vez que os efeitos
materiais da legislação ambiental afetam a vida comercial, justificam a rationale para a
fixação da competência federal, orientação já definitivamente assimilada pela
jurisprudência americana) e em tratados internacionais, tudo sob o ângulo político que
busca a conciliação entre o crescimento econômico e a proteção ambiental170.
Ainda sobre o Direito Ambiental nos Estados Unidos, o saudoso jusfilósofo
norte-americano Ronald Dworkin analisou, no primeiro capítulo do livro Law’s empire
(O império do Direito), um rumoroso caso, ocorrido nos idos de 1973. Trata-se do caso
do Snail darter, um peixe de aproximadamente 7,5 cm, cujo único habitat, segundo
palavras de Dworkin, era o Vale do Tennessee, onde iniciaram a construção de uma
barragem que, depois de consumidos $100.000.000,00 (cem milhões de dólares), já quase
terminada, percebeu-se que a obra ameaçava de extinção essa espécie de peixe, e o
ministro pela questão, convencido por defensores da sobrevivência do Snail darter,
impediu que a barragem fosse terminada e usada, o que levou a Administração do Vale a
questionar a interpretação da lei usada, até que enfim a causa foi decidida pela Suprema
Corte, que ordenou a interrupção da barragem, apesar do enorme desperdício de recursos
públicos, com o que, o Congresso então aprovou outra lei em que estabeleceu um
procedimento geral para excluir a incidência da Lei das Espécies Ameaçadas com base
nas conclusões de uma junta revisora171.
3. UMA LIGEIRA ANÁLISE SOBRE A FORMALIZAÇÃO DA ÉTICA
AMBIENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.
Visto no item anterior um rápido panorama da proteção ambiental no cenário
internacional, resta uma breve incursão na situação do Brasil.
170 Ibid. 171 DWORKIN, 1999, p. 27.
59
Consoante lembra Antônio Herman Benjamin, o meio ambiente brasileiro foi
cantado em prosa na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal em 1500, onde foi
destacada a riqueza de “terras e arvoredos”, que surpreendeu e encantou o missivista,
finalmente vindo toda esta riqueza a ser reconhecida na Constituição Federal de 1988172.
Mas o mesmo autor, depois de acentuar o progresso que o país atravessou ao longo dos
anos decorridos desde a bela carta, critica o fato de pouco desenvolvimento ter havido no
cenário ambiental, argumentando, primeiramente, que somente a partir de 1981, mediante
a promulgação da Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), deu-se
o passo inicial rumo a um paradigma jurídico-econômico que holisticamente173 tratasse e
não maltratasse a terra, seus arvoredos e os processos ecológicos174.
Destaca Édis Milaré que a Política Nacional do Meio ambiente, instaurada a
partir da Lei nº 6.938, de 31.08.1981, foi, indubitavelmente, um marco na vida pública
nacional, no que se refere à dinâmica da realidade ambiental, e esse caráter de
vanguardeiro não se restringiu à esfera do ambiente, dado que também teve significado
na história da Administração Pública brasileira175.
A constitucionalização do direito ambiental no Brasil, fato, aliás, que ocorreu
em muito outros países, é um passo fundamental para que se alcance uma rede de proteção
jurídica para fazer frente à escalada vertiginosa de tecnologias e ações notadamente
impactantes aos fatores bióticos e abióticos. No entanto, na esteira da observação de
Herman Benjamin, com a Constituição apenas (embora isso não seja pouco) “inicia-se
uma jornada fora do comum, que permite propor, defender e edificar uma nova ordem
pública, (...), centrada na valorização da responsabilidade de todos para com as
verdadeiras bases da vida, a Terra”176, aliás, é justamente a responsabilidade que aos
humanos cabe assumir a fim de garantir vida futura autêntica no planeta, núcleo da ética
defendida por Jonas.
Que há notáveis benefícios decorrentes da constitucionalização da proteção
ambiental é fato, e o autor acima destaca 11 (onze) deles, classificando-os em benefícios
substantivos ou materiais (que têm o condão de reorganizar a estrutura de direitos e
172 BENJAMIN, op. cit., p. 77. 173 Visão esta defendida por Hans Jonas, que não somente fala da multiplicidade de saberes de várias áreas
de conhecimento como também de ações políticas direcionadas à proteção da natureza. 174 BENJAMIN, op. cit., p. 77. 175 MILARÉ, op. cit., p. 679. 176 Ibid., p. 86.
60
deveres, bem assim da ordem jurídica) e formais (relacionam-se com a implementação
das normas de tutela ambiental177)178.
Inicialmente, os benefícios substantivos.
i) Primeiro benefício substantivo: estabelecimento de um dever constitucional
genérico de não degradar, base do regime de explorabilidade limitada e condicionada.
Assegura que esse aspecto é positivo nos regimes constitucionais do meio
ambiente, e especialmente no Brasil, “é a instituição de um inequívoco dever de não
degradar, contraposto ao direito de explorar, inerente ao direito de propriedade, previsto
no art. 5º, XXII, da Constituição Federal”179.
ii) Segundo benefício substantivo: a ecologização da propriedade e da sua função
social.
Aqui, vê-se que a cultura civilista da propriedade, de usar, gozar e dispor da
mesma, e cuja fonte mais expressiva foi o Código de Napoleão, que considerava a
propriedade como o “mais absoluto dos direitos”, sofrerá temperamento com o também
direito a um meio ambiente que possibilite a existência da vida, relativizando-se aquele,
em benefício de todos.
Com efeito, a própria ordem econômica e a social, segundo os ditames dos
artigos 170, VI, e 186, II, da Constituição Federal brasileira de 1988, sofre limitação
imposta pelo dever de preservar a natureza.
iii) Terceiro benefício substantivo: a proteção ambiental como direito
fundamental.
Os mais recentes modelos constitucionais além de trazerem a inovação com o
“dever de não degradar”, com a ecologização do direito de propriedade, também elevam
a tutela a um nível de direito fundamental e, assim posta, a proteção ambiental deixa de
177 Muitas vezes não é suficiente garantir o direito substantivo, havendo necessidade de determinados
mecanismos processuais para fazer valer tais direitos, previstos no Direito Processual. 178 Ibid., p. 89. 179 Ibid., loc. cit.
61
ser um interesse acidental e o meio ambiente é alçado ao ponto máximo no ordenamento
jurídico180.
iv) Quarto benefício substantivo: legitimação constitucional da função
reguladora.
A inserção da proteção ao meio ambiente na Constituição legitima a atuação
estatal, dispensando-se a regulação estatal de justificação legitimadora, facilitando a ação
das instituições estatais, havendo que se destacar ainda que a verbalização do discurso
constitucional de proteção ambiental não tem como desiderato principal um non facere,
indo além, para exigir prestações positivas a cargo do Estado181.
v) Quinto benefício substantivo: redução da discricionariedade administrativa.
Os comandos constitucionais, ao impor o permanente dever de preservar, reduz
a discricionariedade administrativa182; consequentemente não restará ao Estado senão o
comportamento de formulação de políticas públicas e de optar sempre, entre várias
alternativas viáveis ou possíveis presentes em decisórios individuais, pela menos gravosa
ao equilíbrio ecológico, inclusive vedando empreendimento, a depender do risco
verificado183.
vi) Sexto benefício substantivo: ampliação da participação pública.
Esse último benefício substantivo citado por Benjamin observa-se no fato de que
é possível, graças a ele, ampliar os canais de participação pública, inclusive em nível de
Poder Executivo e de Poder Judiciário184.
Vistos os benefícios substantivos, algumas observações sobre os benefícios
formais.
i) Primeiro benefício formal: máxima preeminência e proeminência dos direitos,
deveres e princípios ambientais.
180 BENJAMIN, op. cit., p. 93. 181 Ibid., p. 94. 182 Que, em linhas gerais, é o poder (modernamente cada vez mais reduzido por várias teorias jurídicas
sobre as quais não se mostra adequado trazer a este trabalho) conferido ao administrador de, dentro de uma
margem de liberdade, eleger ações administrativas, pautadas não somente pela conveniência e
oportunidade, como também pela razoabilidade e pela busca da finalidade visada pela lei. 183 BENJAMIN, op. cit., p. 95. 184 Ibid., p. 96.
62
As regras constitucionais têm hierarquia superior no ordenamento jurídico,
assim sendo, a legislação infraconstitucional deve-lhes obediência e, se desconformes,
serão invalidadas pelo Poder Judiciário, mediante o controle de constitucionalidade.
ii) Segundo benefício formal: segurança normativa.
Essa segurança normativa é especialmente observada em Constituições rígidas
como a brasileira, a qual, veda, inclusive, propostas de Emenda Constitucional que visem
a abolir determinados comandos constitucionais (cláusulas pétreas), a exemplo dos
direitos e garantias individuais185.
iii) Terceiro benefício formal: substituição do paradigma da legalidade
ambiental.
Com a substituição do paradigma da legalidade ambiental pelo paradigma da
constitucionalidade ambiental alcança-se uma ambiciosa reestruturação da equação
jurídico-ambiental, com implicações mais amplas186.
iv) Quarto benefício formal: controle da constitucionalidade da lei.
A conformidade das leis com a Constituição é exigida seja no campo da ação
seja no da omissão, eis que a omissão, em determinadas situações, também se caracteriza
como inconstitucional, declarável pelo Poder Judiciário.
v) Quinto benefício formal: reforço exegético pró-ambiente das normas
infraconstitucionais.
Em países com tradição constitucional a norma constitucional é uma poderosa
ferramenta exegética, cujo uso torna-se prevalente e rotineira na prática administrativa ou
judicial, trazendo em si a função de guia para a boa compreensão da norma
infraconstitucional por juízes, administradores e outros destinatários; justamente porque
a proteção constitucional do meio ambiente situa-se numa elevada hierarquia das normas,
a só existência dessa hierarquia impõe a (re)leitura do direito positivo nacional do
passado, do presente, e em especial do futuro, no balanceamento de interesses
185 Ibid., p. 98. 186 Ibid., p. 99.
63
conflitantes187. Essa interpretação pró-futuro quanto à higidez ambiental tem forte e
evidente comunhão com a ética ambiental de Jonas, uma vez que ele defende a precaução
e a preservação como decisões proeminentes entre as escolhas que podem significar a
existência de vida no futuro.
Sônia Maria Schio destaca que na preocupação em relação ao futuro, ponto
fulcral da ética de Jonas, há de se contar com mecanismos que obriguem não somente
cada cidadão a respeitar a lei (lato sensu) como também os Estados a respeitarem os
acordos celebrados e essa observação ela faz ao final de uma interessante reflexão:
(...) Nos termos do autor, “os efeitos finais para a continuidade da atividade
humana no futuro” precisam estar na pauta atual, seja individual seja
coletivamente. Dessa forma, a preocupação com o futuro não pode ser uma
simples hipótese, pois deve tornar-se uma questão ‘produtiva’ no sentido de
gerar ações que objetivem a preservá-lo ou possuindo “a característica de
universalidade na medida real de sua eficácia” (JONAS, 2006, p. 149). Nesse
contexto, pode-se questionar como esse ‘todo coletivo’, que tem suas ações
que se juntam, se unem, formando um conjunto, um todo quase indiscernível,
pode se tornar ‘eficaz’ sem que haja uma vontade que norteie as ações para que
elas não continuem a degradar o meio e que, ao contrário, o recuperem e o
preservem para o futuro. Em outras palavras, como levar e obrigar, cada
cidadão (e também o Estado) a respeitar os acordos com relação às
limitações da tecnologia, da agressão ao próprio homem e ao meio
ambiente, não se escondendo sob o grupo?188. (Original sem negritos).
A Constituição brasileira tem um arsenal de dispositivos favoráveis não somente
à imposição de deveres para com a natureza no âmbito do próprio Estado, como também
relativamente aos Tratados Internacionais, uma vez que, concebido o direito fundamental
ao meio ambiente equilibrado entre os direitos humanos, tais acordos celebrados pelo
Brasil teriam o regramento no já citado artigo 5º, § 3º, da CF, portanto equivalendo a uma
Emenda Constitucional, depois de aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. E a relevância dos
direitos humanos conferida pela nossa Constituição é patente na disposição também do
artigo 4º, o qual proclama que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais, entre outros princípios, pela “prevalência dos direitos humanos”.
Mas não somente os direitos humanos encontram-se positivados na Carta
Política brasileira, como também, especificamente, a proteção ambiental mereceu uma
ampla atenção do Constituinte Originário, conforme se pode observar nos itens seguintes.
187 Ibid., p. 101. 188 SCHIO, in: SANTOS, 2011, p. 219/220.
64
3.1. Em nível constitucional tem-se os comandos que serão transcritos a
seguir.
i) O substancioso artigo 225, cujo caput reza que todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações189.
ii) O artigo 5º, inciso LXXIII, por sua vez, garante a concretização do direito
acima, na hipótese de violação pelos entes enumerados no dispositivo, ao dispor que
qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo
ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente190 e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência191.
Tal preceptivo confere legitimidade ao cidadão para fazer valer os direitos acima
elencados, se o mesmo não estiver sendo respeitado pelos Entes Públicos, por pessoas
jurídicas ou por entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
Através dessa legitimidade conferida ao cidadão, tem-se não somente um direito
declarado ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como também um mecanismo
processual extremamente democrático para fazer valer tal direito. Isso se coaduna com a
crescente evolução da era da declaração dos direitos para a era da concretização dos
mesmos.
iii) O teor do artigo 129, inciso III, que confere legitimidade ao Ministério
Público para não somente propor ações judicias em matéria de meio ambiente, a fim de
que o Poder Judiciário decida sobre lide ambiental, como também para que celebre
Termos de Ajustamento de Conduta, os quais, se não cumpridos, poderão ser executados
também perante o Poder Judiciário competente.
189 Original sem negrito e sem destaque. Destaquei para comentar que nada mais jonasiano do que essa
busca de uma responsabilidade ambiental que inclua o futuro nas preocupações e decisões atuais. 190 Original sem negrito. 191 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso: 20 abril. 2013.
65
iv) O artigo 23, incisos VI e VII que prevê a competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proteger o meio ambiente, combater
qualquer forma de poluição e preservar as florestas, a flora e a fauna, observando-se que
competência comum não significa sobreposição de competências.
v) O conteúdo do artigo 21, inciso XIX, que se refere ao gerenciamento dos
recursos hídricos como competência da União.
vi) A letra do artigo 22, inciso IV, que atribui competência privativa à União
para legislar sobre as águas, o que permite um tratamento uniforme relativamente a essa
substância indispensável à vida:
vii) O artigo 24 prevê competência à União, aos Estados e ao Distrito Federal
para legislar concorrentemente sobre determinados assuntos de interesse ecológico,
conforme se vê nos incisos VI, VII e VIII, o que se denomina de competência concorrente.
Aos comandos acima deve-se acrescer a previsão do artigo 30, inciso II, da
também da Constituição Federal, onde se confere aos Municípios suplementar a
legislação federal e estadual no que couber.
viii) O artigo 170, o qual estipula que dentre outros princípios, a ordem
econômica também se funda na defesa do meio ambiente, numa clara determinação de
tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental de determinados produtos e
serviços. Também nesse artigo observamos ecos da ética da responsabilidade de Jonas
quanto à ponderação que se deve ter com os tipos de tecnologia e com os excessos dela.
ix) No título VII (da ordem econômica e financeira), capítulo VII (da política
agrícola e fundiária e da reforma agrária), há a disposição encartada no artigo 186, quanto
à função social da propriedade, a qual deve primar pela utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e pela preservação do meio ambiente.
3.2. A proteção em nível de Leis estrito senso.
Os exemplo mais relevantes são as leis: 5.197/67, 6.938/81, 7.713/83, 7.661/88,
7.802/89, 9.433/97, 9.695/98, 9.795/99, 9.966/2000, 9.985/2000, 10.308/2001,
66
11.105/2005, 11.284/2006, 11.428/2006, 11.794/2008, 12.184/2009, 12.305/2010,
12.633/2011, ainda acrescentando-se a importantíssima Lei Complementar nº 140 que,
nos termos dos incisos III, VI e VII do caput, e do parágrafo único do art. 23 da
Constituição Federal, fixou normas para a cooperação entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da
competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do
meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das
florestas, da fauna e da flora.
Na rede de proteção oriunda desse arcabouço legislativo, vê-se, com facilidade,
a ética ambiental defendida por filósofos, a exemplo de Jonas, formalizada em estatutos
legais, ostentando, por força do Direito, a capacidade de justificar penalidades e
obrigações de fazer, de não fazer e de tolerar que se faça. Embora a ética da
responsabilidade de Hans Jonas proponha a assunção da responsabilidade derivada de
uma escolha consciente pelo sim ao “Ser” e um não eloquente ao “Não-Ser”, não se pode
deixar de comemorar a evolução legislativa, uma vez que é notório o longo caminho que
a humanidade tem a percorrer até que o valor intrínseco da vida, em suas diversas
manifestações, seja o mote para a preservação e o cuidado.
4. AS COMPETÊNCIAS EXECUTIVAS (ADMINISTRATIVAS) DA UNIÃO DOS
ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL.
Além das competências legislativas, há as competências executivas, as quais
concretizam o comando legal. Nesse aspecto, tanto a Constituição Federal quanto a Lei
Complementar nº 140/2011, trazem os ordenamentos a serem observados.
4.1. Competência executiva exclusiva da União à luz da Constituição
Federal e da Lei Complementar 140/2011.
No artigo 21, incisos IX, XVIII, XIX, XX e XXIII, estão previstas as
competências exclusivas da União.
Consoante bem lembra Heline Sivini Ferreira, em algumas circunstâncias as
atribuições previstas nos incisos IX (elaborar e executar planos nacionais e regionais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social) e XX (instituir
67
diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e
transportes urbanos) podem ensejar algumas dificuldades, por se imbricarem com
competências estaduais e municipais; entretanto, há de se ter em mente que imbricar não
significa invadir ou imiscuir-se192. Não obstante, a recente Lei Complementar 140, de
2011, trouxe importante delimitação de campo de atuação das Unidades da Federação,
inclusive impondo “uma ressalva na competência dos Estados, visando à observação da
competência mais ampla da União”193.
Além das disposições do artigo 21, incisos IX, XVIII, XIX, XX e XXIII, da
Constituição Federal, é de se observar, no tocante às repartições de competências
executivas trazidas pela Lei Complementar 140/2011, que as atribuições da União estão
previstas no artigo 7º desse diploma legal.
4.2. Competência executiva exclusiva dos Estados à luz da Constituição
Federal e da Lei Complementar nº 140/2011.
No âmbito constitucional, tal como pontua Heline Sivini Ferreira, aos Estados
foi reservada competência remanescente, uma vez que o constituinte dispôs
explicitamente apenas sobre a competência da União e dos Municípios, assim como no
âmbito da competência residual, a Constituição estabeleceu expressamente que os
Estados detêm poderes exclusivos de natureza executiva para explorar diretamente, ou
mediante concessão, os serviços de gás canalizado e instituir regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamento de Municípios
limítrofes194.
No âmbito da Lei Complementar nº 140/2011, o legislador elencou, no artigo 8º,
com seus vinte e oito incisos, as ações administrativas a cargo dos Estados, dentre as
quais: executar e fazer cumprir, em âmbito estadual, a Política Nacional do Meio
Ambiente e demais políticas nacionais relacionadas à proteção ambiental; exercer a
gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições; formular, executar e fazer
cumprir, em âmbito estadual, a Política Estadual de Meio Ambiente; promover, no âmbito
estadual, a integração de programas e ações de órgãos e entidades da administração
192 FERREIRA, in: SANTOS, 2011, p. 219/220. 193 MACHADO, 2012, p. 185. 194 FERREIRA, in: Santos, op. 233.
68
pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, relacionados à
proteção e à gestão ambiental; articular a cooperação técnica, científica e financeira, em
apoio às Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente; promover e orientar a educação
ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do
meio ambiente; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos
e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente,
na forma da lei195.
4.3. Competência executiva exclusiva dos Municípios à luz da Constituição
Federal e da Lei Complementar nº 140/2011.
No artigo 30, incisos VIII e IX da Constituição de 1988 tem-se a competência
explícita em matéria ambiental dos Municípios.
Por sua vez, a Lei Complementar nº 140/2011 elenca, no artigo 9º, as ações
afetadas aos Municípios, dentre elas: executar e fazer cumprir, em âmbito municipal, as
Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente e demais políticas nacionais e estaduais
relacionadas à proteção do meio ambiente; formular, executar e fazer cumprir a Política
Municipal de Meio Ambiente; promover, no Município, a integração de programas e
ações de órgãos e entidades da administração pública federal, estadual e municipal,
relacionados à proteção e à gestão ambiental; elaborar o Plano Diretor, observando os
zoneamentos ambientais; promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis
de ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente; controlar a
produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei196.
4.4. Competência executiva exclusiva do Distrito Federal à luz da
Constituição Federal e da Lei Complementar 140/2011.
195 BRASIL. Lei complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos
III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício
da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente,
ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e
altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso: 28
abr. 2013. 196 Ibid.
69
O Distrito Federal é um Ente Federado anômalo, eis que às vezes detém
competências conferidas aos municípios e Estados, mas, por outro lado, “algumas de suas
instituições fundamentais são tuteladas pela União (Poder Judiciário, Ministério Público,
Defensoria Pública e Polícia)”197.
Quanto à competência administrativa do Distrito Federal, tem-se que o
constituinte não as elencou no artigo 32, §1º, mas sim reportou-se às competências
legislativas reservadas a Estados e Municípios. Entretanto, a interpretação que os
constitucionalistas fazem, e não poderia deixar de assim ser por uma questão de coerência
constitucional, é a de que as competências previstas nos artigos 25 e 30 da Constituição,
ainda que não se refiram especificamente a legislar sobre determinada matéria, também
são reconhecidas ao Distrito Federal. Portanto, o Distrito Federal possui competência
administrativa plena, salvo as ressalvas constitucionais. Nessa linha de argumentação, o
comentário do constitucionalista José Afonso da Silva.
Ao Distrito Federal, como lembramos, são atribuídas as competências
tributárias e legislativas que são reservadas aos Estados e Municípios (arts. 32,
§1º, 147 e 155). Isso quer dizer que ele dispõe de uma área de competências
remanescentes correspondentes aos Estados, segundo o art. 25, §1º, assim
também lhe cabe explorar diretamente, ou mediante concessão a empresas
distritais, com exclusividade de distribuição, os serviços locais de gás
canalizado (art. 25, §2º). Competem-lhe as matérias relacionadas no art. 30,
como de competência municipal, (...)198.
E o artigo 10 da Lei Complementar 140/2011, determina que todas as ações
transcritas acima, de competência dos Estados (art. 8º) e dos Municípios (art. 9º), são
reconhecidas como de competência do Distrito Federal.
4.5. A competência administrativa comum.
A par das competências exclusivas em matéria ambiental, a Constituição da
República Federativa do Brasil ainda prevê competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, no artigo 23, traduzidas principalmente em: zelar
pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o
patrimônio público; proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios
197 SILVA, 2007, p. 649. 198 SILVA, 2007, p. 650.
70
arqueológicos; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas
formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; promover programas de construção
de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; registrar,
acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos
hídricos e minerais em seus territórios199.
No âmbito administrativo os entes não apenas devem fiscalizar como também
aplicar multas administrativas (previstas em lei) em decorrência de infração
administrativa-ambiental. No plano da responsabilidade civil, onde são buscadas
indenizações e condenação em obrigação de fazer e de não fazer em matéria ambiental,
assim como em matéria de repressão penal, o Poder Judiciário é o competente para
processar, julgar e executar as suas decisões.
Conforme se vê, há um leque de providências direcionadas a conferir máxima
eficácia ao comando constitucional de preservação do meio ambiente para a atual e
futuras gerações. No item seguinte, será abordado o papel indispensável do Poder
Judiciário para fazer valer as disposições constitucionais e legais quando acionado. As
três esferas de Poder são chamadas a agir em prol da possibilidade de se ter, no dizer de
Jonas, “vida autêntica humana” num futuro longínquo.
5. O PODER JUDICIÁRIO, O DIREITO AMBIENTAL E O JULGAMENTO DE
CONFLITOS AMBIENTAIS: O JUIZ COMO AGENTE POLÍTICO INVESTIDO
DO PODER DE IMPOR SANÇÕES CIVIS E PENAIS.
Afirma Paulo Affonso Leme Machado que a presença do Poder Judiciário para
dirimir os conflitos ambientais é, sem exagero, uma das conquistas sociais importantes
do último século, abrangendo tanto países desenvolvidos como em desenvolvimento,
sendo que o acesso ao Judiciário poderá ser percorrido por diversas vias judiciais, a
exemplo do procedimento sumário, do procedimento ordinário, do processo cautelar, do
199 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso: 20 abril. 2013.
71
processo de execução, dentre outros, destacando-se, porém, a Ação Civil Pública e a Ação
Popular, consideradas na acepção constitucional de defesa do meio ambiente200.
De fato, a Constituição brasileira prevê, no art. 5º, XXXV, o amplo acesso ao
Judiciário, apenas com a ressalva do artigo 217, §§ 1º e 2º, relativamente à disciplina e
competições desportivas.
5.1. A Ação Popular, os legitimados para agir em Juízo e a intervenção do
Ministério Público.
A Constituição Federal dispõe, no artigo 5º, LXXIII, sobre essa Ação que já
constava, com o mesmo nome, nas Constituições de 1824, 1967 e na Emenda
Constitucional 1/1969; mas ainda que sem usar o mesmo nome, reconheceu-se a sua
presença nas Constituições de 1934 e de 1946, segundo lembra Paulo Affonso Leme de
Machado201. Com efeito, reza o atual preceptivo constitucional, artigo 5º LXXIII, que
qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo
ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente202 e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência203.
Ao conceder legitimidade a qualquer cidadão, o qual deverá provar a cidadania
com o título eleitoral ou com documento que a ele corresponda, nos termos do art. 1º, §3º,
da Lei n. 4.717/65, recepcionada pela Constituição de 1988, que regula a referida ação, o
constituinte abriu um leque imenso de legitimados para proteger os bens por ela
amparados, entre eles o meio ambiente. Com isso, os cidadãos não dependem da ação de
outros Órgãos, por mais respeitáveis e competentes que sejam, tal como se dá para a
propositura da Ação Civil Pública, segundo veremos no tópico seguinte. O valor
inestimável do bem em estudo justifica essa amplitude de medidas protetivas tanto
materiais quanto processuais. O cidadão tocado pela responsabilidade ambiental não
200 MACHADO, op. cit., p. 427/428. 201 Ibid., p. 428. 202 Original sem negrito. 203 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso: 16 maio. 2013.
72
somente será um fiscal das posturas administrativas lesivas ao meio ambiente, como
também acionará o Poder Judiciário para coibir tais posturas.
5.2. A Ação Civil Pública, os legitimados para agir em Juízo e a intervenção
do Ministério Público.
A Lei n. 7.347/85 disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos
causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico. Logo no inciso I do artigo 1º da referida Lei, a atenção
com o assunto meio ambiente aparece, sendo que no inciso III tem-se a referência a valor
paisagístico, e no VI, à ordem urbanística, tema que também interessa ao estudo do meio
ambiente.
Através do manuseio da Ação Civil Pública (ACP) pode-se pleitear a
condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, conforme
dispõe o artigo 3º.
Podem ajuizar essa ação, assim como a ação cautelar correspondente, nos termos
do art. 5º: o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia
mista, associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano
nos termos da lei civil e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico204.
A depender do ente que figure na condição de autor, réu, assistente ou opoente,
a competência para julgar será da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, I da
Constituição Federal; não sendo o caso, caberá o julgamento à Justiça Estadual; a
legitimidade para agir será do Ministério Público Federal (MPF) para o primeiro caso e
do Ministério Público estadual (MPE) para as lides processadas nos fóruns estaduais,
embora o MPE possa, em algumas situações, atuar em litisconsórcio ativo com MPF, na
Justiça Federal. Um exemplo clareará esta questão: se o dano ambiental ocorrer em um
204 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso: 03 mai. 2013.
73
bem da União, por exemplo, num rio federal (v.g. Rio São Francisco), a competência para
julgar a ação é da Justiça Federal e o Ministério Público legitimado é o Federal.
Por último há de se atentar para a doutrina Hely Lopes Meirelles, sobre um
tópico relevante para a responsabilização do autor da ação lesiva, qual seja, que a defesa
do réu na ação civil pública deve ser restrita à demonstração de que: i) não é o responsável
pelo ato ou fato lesivo ao meio ambiente; ii) não houve a ocorrência impugnada; iii) a
ocorrência não é lesiva ao meio ambiente e sua conduta está autorizada por lei e também
licenciada pela autoridade competente, sendo inútil alegar a inexistência de culpa ou dolo,
porque a responsabilidade do réu é objetiva205.
5.3. O Direito Penal, os crimes e as penas.
De extrema relevância, tem-se a seara criminal, onde os crimes ambientais são
julgados e penas de detenção e reclusão, muitas vezes substituídas por penas restritivas
de direitos, a depender do atendimento de certos requisitos legais, são aplicadas ao
infrator; outras vezes, a depender também das disposições legais pertinentes, o autor do
fato poderá celebrar transação penal proposta pelo Ministério Público e homologada pelo
Juiz(a), e em certas situações, aceitar a suspensão condicional do processo, também
proposta pelo órgão ministerial e homologada pelo Magistrado(a).
A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O artigo 3º
dessa lei penaliza inclusive a pessoa jurídica, obviamente não lhes aplicando penas
inerentes a pessoas físicas:
Outras disposições e os crimes em espécies podem ser lidos nos demais artigos
da referida lei.
205 MEIRELLES, 1997, p. 156.
74
6. LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E PENALIDADES SÃO SUFICIENTES PARA
GARANTIR UM MEIO AMBIENTE VIÁVEL NO FUTURO?
Do que foi visto acerca da proteção ambiental nos planos nacional e
internacional, patenteia-se que as exortações contundentes de Hans Jonas no sentido da
indispensabilidade de uma ação política traduzida não somente pela interdisplinaridade
como também pela adoção de ações objetivas e específicas, tanto do ponto de vista
preventivo como também reparador e reconstrutor, exige ação política competente em
nível de cada Nação e entre as Nações. Glória Garcia, quando se reporta à ética de Jonas
na obra já citada, sublinha a necessidade de alargamento das ações coletivas e das
políticas públicas a serem promovidas pelos Estados, que, somadas às ações individuais
cotidianas, darão a dimensão “quase cósmica” da ética do futuro, ponto fulcral na ética
da responsabilidade jonasiana, reclamadora de uma cidadania em escala global,
mundial206.
Também Manfredo Araújo de Oliveira, aos se reportar à ética da
responsabilidade em Hans Jonas, na já mencionada obra Ética, Direito e Democracia,
pontua o acervo político de que ela se reveste nesta sociedade em que valores são
colocados constantemente em litígio e tais litígios normalmente são concretizados em
ações que demandam intervenções estatais dos Poderes Legislativo, Judiciário e
Executivo.
(...) Todo ser, enquanto portador de valor, me diz respeito, e o reconhecimento
desse valor se torna uma obrigação de modo que, no caso de uma decisão, se
faz necessário considerar a hierarquia de valores, o que é fundamental numa
situação de litígio. Numa palavra, para H. Jonas, sou responsável diante do ser
em sua totalidade, de forma que a responsabilidade é a mediação entre dois
polos constitutivos de toda ação: liberdade e o caráter valorativo do ser207.
Para tamanho desafio a ser enfrentado, necessário o conhecimento sobre
ecologia, e por que isso não basta para o sucesso da empreitada, indispensável o Direito
para impor pela força das leis e das decisões judiciais. Entretanto a força do Direito não
é suficiente eis que muitas agressões sequer chegam ao conhecimento do Judiciário e
outras delas muitas vezes são irreversíveis a ponto de somente restar ao Juiz condenar em
206 GARCIA, op. cit., p. 81. 207 OLIVEIRA, 2010, p. 32.
75
indenização por danos materiais e morais que, não obstante o efeito pedagógico, não têm
o condão de recuperar o meio ambiente degradado. Diante dessa sintonia de incompletude
é que vem à mente a estrofe do poema Nosso Tempo do poeta Carlos Drummond de
Andrade: “As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis”.
Para o grave momento que a humanidade está atravessando, dos excessos da era
tecnológica, das grandes catástrofes provocadas pelas ações humanas contra a natureza e
das pequenas ações que, multiplicadas, também comprometem o equilíbrio ecológico, há
de se acrescer à responsabilidade jurídica, a ética da responsabilidade.
Aponta Cristina Beckert que a responsabilidade como conceito ético é recente,
figurando o termo pela primeira vez num dicionário em 1783, sendo que a análise
etimológica revela o contexto jurídico do próprio surgimento, uma vez que provém de
responsus (resposta) que, por sua vez, tem raiz no verbo spondeo (prometer), entendendo-
se o responsável (sponsor) como aquele que dá caução, que responde por outrem ou o
substitui perante a lei, evoluindo o sentido jurídico para uma restrição da responsabilidade
ao sujeito da ação, enquanto a acepção moral manteve-se mais fiel à própria etimologia,
ao englobar a dimensão da alteridade, razão pela qual se torna imprescindível distinguir
entre responsabilidade formal ou jurídica e responsabilidade substantiva ou moral208.
Diz ainda Beckert que o cerne da responsabilidade jurídica está no agente como
causa de um determinado efeito, relativamente ao qual é imputado ou tem que responder,
sendo que a compensação anula o dano provocado, pondo fim à relação de
responsabilidade e que, por outro lado, essa é essencialmente retrospectiva, responde à
questão quem foi o responsável, mas enquanto decalcada a responsabilidade jurídica, a
responsabilidade moral apenas substitui o plano dos efeitos visíveis da ação pela
interioridade invisível da intenção, mantendo, no entanto, a relação de causalidade, desta
vez entre a intenção e a ação209. E é precisamente esse aspecto unidirecional da relação
que a ética contemporânea, confrontada com o processo de globalização e com o
acelerado desenvolvimento tecnológico, é obrigada a romper, fazendo com que a tônica
não se fixe no agente tão somente como causa da ação nem mesmo como responsável por
si mesmo, mas também como sujeito de um compromisso com outrem, por esse e perante
esse respondendo, em face do que, tem-se uma responsabilidade com dimensão
208 BECKERT, 2012, p. 99. 209 Ibid., p. 100.
76
prospectiva, que se expressa na indagação do que cada um deve fazer para promover o
bem daquele pelo qual é responsável210.
Destacando que, pela primeira vez na história da humanidade, o homem detém
poderes suficientes para acabar com a vida no planeta, Beckert assinala a ética do
compromisso como uma promessa de sentido que implica a responsabilidade radical de
quem o produz211. Depois a autora adentra na responsabilidade voltada para o futuro de
Jonas, não sem antes: i) lembrar que a radicalização da categoria da responsabilidade
inicia-se com Sartre e sua afirmação de “uma liberdade absoluta no seio da finitude, isto
é, com a emancipação da decisão ética de toda determinação exterior ao próprio acto
decisório”212; ii) aduzir que “um passo decisivo no reconhecimento do outro como objeto
de responsabilidade, é dado por Emmanuel Levinas, ao investir a própria alteridade com
o poder ético de reclamar para si a responsabilização do sujeito”213. Depois, Cristina
Beckert reconhecerá em Jonas um nome incontornável para quem pretende equacionar os
problemas do mundo contemporâneo a partir de uma ética da responsabilidade, uma vez
que foi ele quem, pela primeira vez, chamou a atenção para a mudança operada na
natureza da ação humana, a partir do século XX, sob o impacto do progresso tecnológico,
ao mesmo tempo em que anunciava uma nova extensão da responsabilidade em escala
planetária e das gerações futuras214.
Tal como defendido na introdução e no capítulo I deste trabalho, Beckert
lembrará a concepção jonasiana de que o triplo efeito da tecnologia contemporânea
(dispersão, irreversibilidade e cumulação) exige nova aliança entre a ética e a ciência, em
que a dimensão cognitiva toma uma importância fundamental, tal qual dito por Jonas e
transcrito pela autora:
Nestas circunstâncias, o conhecimento torna-se num dever primeiro, acima de
tudo quanto até agora se pôde considerar o seu papel, tendo esse mesmo
conhecimento de ser proporcional à escala causal da nossa ação. O facto de ele
não poder realmente ser tão proporcional como isso, isto é, o facto de o
conhecimento prospectivo ficar aquém do conhecimento técnico que confere
poder ao nosso agir, assume ele próprio importância ética215.
210Ibid., p. 101. 211 Ibid., loc. cit. 212 Ibid., p. 101/102. 213 Ibid., p. 102. 214 Ibid., p. 103. 215 Ibid., p. 104.
77
Comentando sobre a responsabilidade ambiental em Paul Ricoeur, Maria da
Glória F.P.D. Garcia assevera que a abordagem desse autor sobre a “questão ecológica”
é feita sob o ângulo da justiça e do Direito, que apreendida “pelo ângulo judicial, a acção
é compreendida através da especificidade do direito, que aparece entre a ética e a
política”216, acrescentando que é nesse âmbito que Ricoeur propõe-se a analisar a ação e
o conceito de responsabilidade, lembrando da evolução semântica da mesma, nos últimos
anos, especialmente depois da obra de Hans Jonas “ter feito transbordar o conceito do
plano da obrigação de fazer e, particularmente, dos planos da ação e da punição, para o
plano dos «princípios»”217, posto que, no plano semântico, “os conceitos fundadores da
responsabilidade são dois e estão ligados a dois verbos, «responder» e «imputar». Sendo
que este último abre a ideia de retribuição”218. Finalmente, proclama que a “reformulação
do conceito de responsabilidade exigida pela «questão ecológica» é resultado de dois
movimentos evolutivos, um no plano jurídico, outro no plano ético”219.
Glória Garcia220 enfatiza que o ato científico também é um ato político,
justamente porque exerce um poder no âmbito social, no caso, o de expor e impor o
próprio conhecimento e, portanto, os cientistas, tanto quanto todos nós, encontram-se
vinculados ao contexto liberdade/responsabilidade e, ao se falar em responsabilidade, há
de se adentrar no âmbito do Direito221.
Visto o plano jurídico, o capítulo seguinte abordará o plano ético, especialmente
à luz da ética da responsabilidade de Hans Jonas, a qual transita em esfera diversa, porém
não excludente, da responsabilidade jurídica civil, administrativa e penal.
216 GARCIA, op. cit., p. 106. 217 Ibid., p. 107. 218 Ibid, loc. cit. 219 Ibid., loc. cit. 220 Não se confunde com a autora portuguesa Maria da Glória F.P.D. Garcia. 221 GARCIA, 2004, p. 260.
78
CAPÍTULO III
PARA ALÉM DA COERÇÃO JURÍDICA, EM BUSCA DE UMA ÉTICA QUE
TRANSFORME O CONHECIMENTO EM RESPONSABILIDADE PELA
EXISTÊNCIA DE VIDA NO FUTURO.
1. ÉTICA AMBIENTAL: DO ARCANAE NATURAE À ERA TECNOLÓGICA –
COMPLEXIDADE, DESAFIOS E ALGUMAS CONCEPÇÕES SOBRE A
ECOÉTICA.
Na idade média vigia a tríplice proibição arcana dei (proibido desvendar os
mistérios de Deus), arcana naturae (proibido desvendar os mistérios da natureza) e
arcana imperii (proibido desvendar os mistérios da política).
Na modernidade, conforme pontua Rudolf Virchow, “Bacon, paralelamente a
outros autores do século XVII, introduz uma nova ética e epistêmica: a defesa da
indagação do mundo natural”222, que, segundo o citado filósofo, não configurava
desrespeito a Deus. Reiteradas afirmações concluem que o método baconiano de pesquisa
trouxe luzes à Ciência e teve papel relevante para o desenvolvimento científico.
Entretanto, desde meados da década de 80 do século passado, quando o problema
ambiental evidenciou-se como algo premente em face da preocupação com a
sobrevivência das espécies inclusive num devir longínquo, o sucesso de muitas
tecnologias para o qual Bacon contribuiu decisivamente tem sido analisado à luz das
potenciais consequências vindouras, especialmente em longo prazo, a exemplo das
reflexões do filósofo alemão Hans Jonas e a sua concepção de uma ética que inclua o
futuro da vida na Terra como urgente preocupação.
Ultrapassada essa singela explicação, há de se acentuar que o risco de
inexistência de vida em longo prazo será tanto mais inevitável quanto persistam as ações
e omissões potencialmente comprometedoras dos ciclos biológicos, bioquímicos e
biofísicos do planeta. Essa atual e evidente problemática ambiental tem sido objeto de
222 VIRCHOW, in: Cátedra, 2012, p. 9-40.
79
reflexão por vários filósofos, dentre eles Hans Jonas, sobre cuja concepção de
responsabilidade este trabalho debruçar-se-á mais amiúde a partir do próximo item deste
capítulo.
Sob o título “A ética e a proteção do meio ambiente”, a multicitada autora Maria
da Glória F. P. D. Garcia analisa alguns discursos éticos concernentes à problemática
ambiental, inclusive o de Jonas, no subtítulo “A responsabilidade como princípio
ético”223. Porém, antes de se buscar compreender a ética voltada para o futuro, convém
atentar para as concepções de alguns outros importantes teóricos que se debruçaram sobre
essa temática. Nas várias concepções a serem expostas, perceber-se-á nas reflexões de
Ricoeur um notório ângulo jurídico, o que realça a pertinência do capítulo II deste
trabalho acadêmico.
i) Paul Ricoeur – Esse filósofo acentua a relevância da comunicação entre os
aspectos jurídico e ético na compreensão do tema responsabilidade ambiental.
Explica Glória Garcia que Ricoeur, ao se debruçar sobre a questão ecológica,
chama-a de “trágico da ação”, eis que marcada pela incerteza e pelo conflito da situação,
da qual emerge “o julgamento da ação”; que a sua abordagem é feita sob o ângulo da
justiça e do direito e, apreendida pelo ângulo judicial, a ação é compreendida através da
especificidade do direito, o qual aparece a meio caminho entre a ética e a política224,
definida “como desejo de uma vida boa ou, mais especificamente, como o desejo de uma
vida realizada com e para os outros no âmbito de instituições justas, a ética interfere
diretamente no justo” 225, em outras palavras, para Ricouer a justiça é “parte integrante do
desejo de viver bem” e a política, em sentido lato, por seu turno, apresenta-se como a
arquitetura da ética, tendo em vista que é como cidadão que cada pessoa realiza
humanamente o desejo de viver em instituições justas, o que corresponde, por excelência,
a uma ação política226.
Aduz que Ricoeur propõe-se a analisar a ação e o conceito de responsabilidade
dando conta da evolução sistemática dessa nos últimos anos, especialmente depois da
obra de Hans Jonas “ter feito transbordar o conceito do plano da obrigação de fazer e,
223 Sobre a qual se escreverá no item 2 deste capítulo. 224 GARCIA, 2007, p. 106. 225 Ibid., loc. cit. 226 Ibid., loc cit.
80
particularmente, dos planos da acção e da punição, para os planos dos «princípios»”227,
com o que, a reformulação do conceito de responsabilidade determinada pela “questão
ecológica” resulta de dois movimentos evolutivos, um deles no plano jurídico e o outro
no plano ético228. No plano jurídico, observa-se a evolução no reconhecimento cada vez
maior da responsabilidade objetiva, independente da culpa, a qual é fundada no risco da
ação, cujo dano leva ao dever de indenizar; no plano ético tem-se que é necessário
reformular o conceito de responsabilidade e aqui, pondera a autora portuguesa, o que
impressiona o filósofo francês é a proliferação e a dispersão do termo responsabilidade229:
De um lado, a responsabilidade aparece ligada ao risco e à necessidade de
conferir maior segurança nas relações sociais, o que exige redobrada atenção
aos mecanismos de precaução e prudência, com vista a impedir danos. De
outro lado, a responsabilidade desloca-se do plano do autor que age e produz
danos, por intermédio dessa ação, para o plano da responsabilidade pelo outro:
«é pelo outro de quem tenho encargo que sou responsável». Aqui, não é a
relação entre quem age e os efeitos dessa acção que está em causa. O relevante
é a relação entre o autor da acção e quem a sofre. Está em causa uma relação
entre sujeitos. A responsabilidade amplia-se porquanto a acção integra quem é
vulnerável ou frágil, que passa a ser o verdadeiro objeto da responsabilidade.
Mais do que a possibilidade de produzir danos, o que está em causa é a
possibilidade de afectação do outro. Num segundo momento, a
responsabilidade ética amplia-se ainda mais e passa a abranger as condições
de vulnerabilidade e de fragilidade, desde logo a «vulnerabilidade futura do
homem». A partir daqui, a responsabilidade não se resume só no espaço;
assume também no tempo, numa cadeia infindável de acções. Neste quadro se
inscreve a trilogia poder/poluição (degradação ambiental) /responsabilidade,
sobre a qual PAUL RICOEUR entende que a «heurística do medo» de HANS
JONAS se funda230.
De fato, no livro Ética e Moral, Ricoeur define o desígnio ético como o de uma
vida boa com e para os outros, em instituições justas, acrescendo que desígnio do bem-
viver envolve de algum modo o sentido da justiça, e tal encontra-se implicado na própria
noção de outro231.
Mas voltando à especificidade da ecoética, Glória Garcia pontua que Paul
Ricoeur enriquece e densifica o plano da responsabilidade prospectiva ao introduzir na
discussão a distinção entre os efeitos intencionais de uma ação e os efeitos laterais não
desejados, distinção essa especialmente analisada por Hegel, e que a recolocação da teoria
de Hans Jonas, passando pelo pensamento de Hegel, conduz à conclusão da necessidade
227 Ibid., p. 107. 228 Ibid., loc. cit. 229 Ibid., loc. cit. 230 Ibid., p. 108. 231 RICOEUR, 2011, p. 5/7.
81
de uma arbitragem concreta entre a visão restrita da responsabilidade limitada aos efeitos
possíveis e a visão ampla da responsabilidade ilimitada; assim, entre a fuga à
responsabilidade pelas consequências e o excesso de uma responsabilidade ilimitada, é
necessário encontrar a justa medida e é exatamente a procura por essa justa medida que
tende a substituir a ideia de reparação pela ideia de prevenção, através da qual o sujeito
torna-se responsável pela prudência com que escolhe a ação, entre diversas alternativas,
pela atenção às dinâmicas em que a sua futura ação se insere, pela visão prospectiva
relativamente ao agir e pelos cuidados e cautelas inseridos nesse agir; enfim, pelo apelo
a uma ideia de prudência que vai além de prevenção, ou seja pela prudentia enquanto
julgamento moral, tal qual juízo que distingue nos efeitos o alcance das consequências
legítimas232.
Maria da Glória Garcia conclui as reflexões sobre a concepção de
responsabilidade ambiental em Ricoeur estabelecendo elo com Hans Jonas ao pontuar
que a abordagem do filósofo francês não põe em causa a responsabilidade ambiental
voltada para o futuro do autor de O Princípio Responsabilidade, e tal compatibilidade vai
ao ponto de propor “limar” as arestas teóricas que poderiam levar a excessos inaceitáveis
no quadro de uma ação que se quer justa233. Alinhava a conclusão observando que seja
como for, é indubitável que, para Paul Ricoeur, a ação, especialmente a que envolve
riscos, quer na seara ecológica quer na bioética, configura-se a partir do saber teórico dos
peritos, da argumentação a que esse saber propicia, da convicção individual, tudo numa
moldura material, em que a criatividade faz-se presente, desde logo porque os princípios
morais clássicos não logram responder às situações presentes, daí o motivo de Ricoeur
apontar o “juízo moral em situação”, exigido em face da necessidade de avaliação da
questão ecológica numa dimensão ética234.
ii) A concepção de Ulrich Beck e “O princípio da dúvida sistemática”.
Garcia chama a atenção para o fato de o autor defender a necessidade premente
de uma “ética nova”, que diga respeito a um princípio de dever de cada um perante si
mesmo, embora a compreensão desse dever não se coloque num plano egoístico ou
232 GARCIA, 2007, p. 109. 233 Ibid., loc. cit. 234 Ibid., loc. cit.
82
narcísico; que longe da ética tradicional em que os deveres se inserem numa teia de
reciprocidades, o sistema de valores da pós-modernidade repousa num princípio de
“deveres para consigo próprios” sem que resvalem para o plano narcísico ou egoístico235.
Distanciando-se da ética tradicional em que os deveres estão inseridos numa teia
de reciprocidade, o sistema de valores da pós-modernidade, consequência da crescente
individualização da sociedade de risco a que Beck se refere, apoia-se num sistema de
deveres para consigo mesmo, fundado nos processos de libertação pessoal e saber pessoal,
que, embora partindo do indivíduo, procura outros deveres sociais, por exemplo, no
campo da família, do trabalho, da política e muito especialmente no agir cotidiano, assim
como nas ações ainda que diminutas, mas cuja força expansiva de interpretação tende a
extravasar os espaços restritos, públicos ou privados, havendo como um retornar às raízes
para verificar se estão lá: para Ulrich Beck nisso se traduz a busca de uma outra forma de
agir236.
Glória Garcia ainda traz o entendimento do autor no sentido de que a sociedade
de risco deve ser, também, a sociedade da formação e do saber; assim, a aprendizagem
permanente, ao longo da vida, com vistas a ampliar e aprofundar as competências sociais
e desenvolver concepções interdisciplinares – aliás como vem defendendo este trabalho
acadêmico desde a Introdução – impõe-se como exigência a cada membro da sociedade
atual, com resposta aos problemas ambientais237. Finaliza a análise quanto a Beck com as
seguintes palavras:
Tornar o futuro causa do agir presente da comunidade, em razão do risco do
agir para as condições da vida na Terra, não pode deixar de transformar, de
modo significativo, o sentido ético da acção. As questões de interesse para o
todo planetário são agora parte da experiência local quotidiana, bem como da
conduta ética de todos os membros da comunidade. Pode dizer-se que, em
ULRICH BECK, cada um é livre de gozar a sua liberdade, mas não é livre
sempre que esteja em causa evitar as consequências desse gozo. O tempo das
desculpas acabou (ist das Zeitalter der Ausrede vorbei). Agora impõe-se um
dever, o dever ético, que obriga ao questionamento das consequências do agir
e coloca limites à acção238.
235 Ibid., p 89. 236 Ibid., p 90. 237 Ibid., p 93/94. 238 Ibid., p 94.
83
iii) A concepção de Zygmunt Baumann – “o estar aqui como atitude humana
individual”239.
Baumann entende que não é o comportamento ético que vai alterar o estado de
coisas em matéria de agressão ambiental e por isso coloca em questão o pensamento de
Ulrich Beck, afirmando que a avaliação ética defendida por esse tende a ser substituída
pela execução de normas procedimentais, as quais impõem condutas que incorporam o
agir ético, e a correção ética ao coincidir com o comprimento da lei tende a substituir a
ética material pela formal, sendo que tal coincidência pode criar a tentação de fazer cada
vez mais leis e estas cada vez mais pormenorizadas240.
A crítica de Baumann a Beck, anotada por Glória Garcia, traduz-se no fato de o
primeiro entender que simplesmente a ética formal, defendida pelo segundo, é incapaz de
“agarrar a realidade com toda a complexidade” – bem na linha da proposta deste trabalho
acadêmico, no sentido da multidiciplinaridade –, afinal, como indaga Baumann, numa
sociedade “orientada para o bem-estar, para o que é útil, que boa razão pode ser invocada
para sustentar uma orientação diversa do agir habitual, porventura oposta? Que boa razão
legitima o desvio da ideia de bem-estar, de utilidade, para a proteção do outro?”241.
Conforme já dito no final do capítulo I e início do capítulo II, o ser humano ainda
está a anos-luz da condição de bem agir em decorrência do valor intrínseco desse
proceder, e, enquanto tal opção moral não for uma prática corriqueira, o Direito estará
regulando as sociedades, com a sua força vinculante e coercitiva. Nessa toada, há de se
atentar também para a observação de que Baumann “não contesta que a sociedade possa
melhorar por intermédio da ética que subjaz à lei e que, pela execução desta, permite
alterações da vivência social, apesar de colocar ressalvas quanto à possibilidade de a lei
abarcar toda a realidade”242 e à dificuldade “de encontrar fundamentos racionais para a
lei, quando o quadro de pensamento é culturalmente adverso”243, porém acrescentando,
239 Ibid, p. 95. 240 Ibid, loc. cit. 241 Ibid, loc. cit. 242 Ibid, p. 96. 243 Ibid, loc. cit.
84
em tese geral, que o acento tônico da sociedade está nos indivíduos que a constituem e
não na lei e na justiça objetiva que a funda244.
iv) A concepção de Jean Ladrière – o apelo ao ambiente e a resposta ética, feita
simultaneamente de intervenção e descoberta.
Discorre Glória Garcia que esse filósofo belga é mais um dos que entendem que
a ética tradicional tornou-se obsoleta na contemporaneidade e a sua reflexão sobre o atual
estado de coisas leva-o à reinterpretação da ação humana sob o enfoque da liberdade, que
lhe é característica, propondo, ao final, uma nova formulação ética para a ação245.
Seguindo a linha de Paul Ricoeur, distingue ética e moral, diferenciando, por
consequência, o plano subjetivo do plano objetivo do comportamento, o primeiro
correspondendo à moral e o segundo à ética246, aduzindo ainda que há dois elementos
evidentes na responsabilidade, seja por ação passada, seja por ação futura:
(...) de um lado, o reconhecimento racional das consequências da acção; de
outro, a ligação afectiva que transforma a imputação exterior em auto-
imputação. Em qualquer dos casos, é a capacidade de criar distância entre
agente e acção que permite a reflexividade, o juízo interior; e é essa distância
que, por sua vez, gera a imediatividade, o sentimento de fonte de onde pode ou
não jorrar um estado de coisas que constrange. A acção assume-se, de seguida,
em toda a sua radicalidade, na medida em que não pode haver transferência da
causalidade para outra causalidade247.
Glória Garcia continua a reflexão sobre a concepção de Ladrière, segundo a qual
a responsabilidade faz intervir também, ao lado da imputação e do sentimento, a
judicabilidade da ação, uma vez que a responsabilidade é sempre perante o outro, com o
outro e pelo outro, em face de a ação ser exigível em razão de regras que instituíram nessa
ação o caráter responsável248. Então, no plano da responsabilidade ética, há de se ter
presente, inicialmente, a estrutura teleológica da ação eticamente decisiva enquanto o agir
ético tem o sentido de um agir em razão dos fins, traduzindo-se em ideia tradicional do
bem, com o que, a finalidade ética caracteriza a existência e, assim sendo, a sua
efetividade está na autorrealização, e cada um, enquanto se autorrealiza, contribui para a
autorrealização dos outros, pois cada um reconhece o outro como portador de idêntico
244 Ibid, loc. cit. 245 Ibid, p. 97. 246 Ibid, loc. cit. 247 Ibid, p. 99. 248 Ibid, loc. cit.
85
destino de liberdade-razão249; nesse quadro, a responsabilidade ética integra-se como
exigência de ação perante o que existe250 e, sob tal contexto, a responsabilidade de
natureza ambiental, como desdobramento da responsabilidade ética251. Assim, o
fundamento da ordem ética identifica-se com o rumo traçado pelo ser do homem,
consubstanciado na razão, que funciona252.
[...] como um metaprincípio, de fachada formal – «o dever ser é a exigência
interna da essência de cada um» (pela razão) – a que outro metaprincípio
formal se alia, por expressa ligação ética com o conhecimento biológico –
dever ser como exigência de prolongamento na direcção das leis
tendenciais que a biologia vai desvendando. São estes metaprincípios que
conferem moralidade à acção, nas indeterminações que os caracterizam253.
(Original sem negrito).
v) Bernhard Irrgang e a ética hermenêutica.
As afirmações desse filósofo e teólogo alemão, trazidas por Glória Garcia,
apoiam-se, segundo ele mesmo proclama, no fato sabido de que a atual crise ecológica é
consequência dos desenvolvimentos da ciência e da técnica, da expansão econômica,
assim como da sociedade de consumo; em outras palavras, na cultura caracterizadora da
civilização ocidental e na sociedade técnica, a responsabilidade pelo futuro e a decorrente
necessidade de evitar a ruptura, com vistas a garantir a durabilidade do desenvolvimento,
tornaram-se o tema exponencial da ética, e a consciência desse fato conduz à permanente
reflexividade do agir à aprendizagem através dos erros (ecodesenvolvimento)254.
Pondera também que “a moderna filosofia coloca o conceito de natureza sob um
novo enfoque e uma reflexão quanto aos pontos de partida, permitindo caracterizar como
ética a relação entre o homem e a natureza”255, bem assim que, “sob outro ângulo de
análise, o homem torna-se responsável pela interpretação da natureza, na medida em que,
na análise que dela faz, há pré-compreensões que impedem separações absolutas entre
ciências da natureza e ciência do homem”256. Diz ainda que a natureza tornou-se
antropológica, socializou-se e que hoje é um produto síntese do homem, portanto, a ética
249 Ibid, p. 100. 250 Ibid, loc. cit. 251 Ibid, p. 102. 252 Ibid, p. 105. 253 Ibid., loc. cit. 254 Ibid, p. 111. 255 Ibid, loc. cit. 256 Ibid, loc. cit.
86
do futuro é uma nova ética do antropocentrismo: “nova”, porque Irrgang situa o seu modo
de pensar no antropocentrismo alargado, não utilitarista e rejuvenescido pela abrangência
do futuro; Assim, a responsabilidade pelo futuro coloca na motivação do agir a verdadeira
cruz do pensamento ético257. O núcleo da concepção de Irrgang foi assim exposto por
Glória Garcia:
(...) BERNARD IRRGANG propõe a sua «ética hemenêutica»
(hermeneuticsche Ethik). No centro da «ética hemenêutica» está a reflexão e a
procura da correcta resolução de questões quotidianas, num contexto
situacional. O objectivo consiste em reduzir a complexidade da acção através
do discurso, da argumentação, do actuar. Os problemas complexos de
interpretação e de acção intemporais, na base de regras consequenciais, são
substituídas pela perequação258 entre ética teórica e ética prática, por
considerações epistemológicas tendo em vista de sendo comum (comomm
sense Standpunkte). O objetivo é obter uma consistência pragmática de
interpretação e argumentação – um conjunto de sentidos e valor (Deuten und
Verten) – que permita agir em contexto, projectando alternativas de acção para
a hipótese de outras situações poderem ter lugar. O critério central é o da
convergência argumentativa, tendo na base a historicidade da acção e o
processo de interpretação e de valoração259.
Mas em seguida Garcia faz uma reflexão sobre a abordagem de Irrgang: a
primeira ponderação levanta o eventual relativismo valorativo da mesma e a segunda
aponta a ausência de consenso apriorístico sobre o conteúdo material de normas de ação.
Argumenta-se, relativamente à primeira, com o valor último da pessoa
humana, raiz e fim de todo agir; relativamente à segunda, enfatiza-se a
aceitabilidade fáctica do risco de cada acção, o que impede a aceitabilidade
normativa material, que passa a residir nos pontos de vista ambientais
(standards ambientais). A legitimidade para agir tende, em consequência, a
radicar no procedimento, um caminhar que se faz caminhando, pelo que o
modelo de acção comunitário se tem de alterar profundamente. O novo modelo
deixa-se interpretar como uma procura de «agarrar» o momento de incerteza
quanto ao futuro através do procedimento, necessariamente argumentativo, a
partir de standards ambientais, obtendo-se, por seu intermédio, a aceitação
indiscutida da comunidade. O desenvolvimento duradouro, sustentado
economicamente, não corresponde, por isso, a um modelo apriorístico de
comunidade para que a acção presente tenda. É, pelo contrário, uma práxis de
acção presente constitutiva de futuro, um processo permanentemente em
aberto.
vi) A ética ecocêntrica. Aldo Leopold e a ética da terra. A ecologia profunda
(deep ecology) e o ecocentrismo radical de Arne Naess e James Lovelock.
257 Ibid, p. 113. 258 Repartição igual de uma coisa por muitas pessoas. 259 GARCIA, 2007, p. 114.
87
Maria da Glória Garcia inicia a análise da concepção de Leopold anunciando o
sobressalto que a mesma provocou nas consciências nos finais da década de 40, eis que,
impressionado com a degradação ambiental e com a destruição de recursos ambientais,
esse autor defendeu o princípio de que uma ação é boa quando tende a preservar a
integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica, e má quando tende ao
oposto; sendo assim, afirma que o juízo sobre a bondade da ação humana é aferido em
função do bem-estar da comunidade biótica e não deste ou daquele indivíduo ou da
comunidade humana no seu todo260. Ainda observa que, no limite, essa concepção de
Aldo Leopold poderia conduzir ao sacrifício dos humanos, se este fosse o meio para
preservar a integridade da biota, daí porque tal concepção261 recebeu contundentes
críticas, nada obstante tal alerta262 seja mote para uma nova relação ética, para a tomada
de consciência de que os bens ambientais são valiosos enquanto tais e não como meros
objetos de gozo, reforçando, por conseguinte, a necessidade de modificar
comportamentos humanos e alavancar metodologias de ação263.
Ainda se atendo ao entendimento de Leopold, a autora lusitana ressalta a
complexidade das situações e necessidade do diálogo pluridisciplinar que o conhecimento
das situações demanda quando é preciso sobre elas decidir, na certeza das consequências
que toda ação acarreta no equilíbrio do homem com o meio ambiente, não podendo ficar
à deriva, sem ética conformadora, perante a falência da ética utilitarista tradicional”264,
assim como não podem ficar agarrados a uma ética que também descentra e deslocaliza
culturalmente o homem, como que penalizando-o “no presente e para o futuro por crimes
ambientais que porventura provocou, sem que tais acções tenham alguma vez sido
definidas como crimes e sem que o homem tivesse consciência quando agiu, de que suas
as acções poderiam algum dia ser como tal classificadas”265.
Glória Garcia entende que o ecocentrismo de Leopold apequena e desumaniza o
homem, mas ao mesmo tempo esclarece que essa afirmação não significa que não haja a
necessidade de alcançar um novo modelo de pensamento ético, capaz de ir além do
utilitarismo clássico e incumbir o homem do processo evolutivo, numa forte relação com
260 Ibid, p. 118. 261 Extremista. 262 Visto com temperamentos, obviamente. 263 GARCIA, 2007, p. 118. 264 Ibid, p. 118. 265 Ibid, loc. cit.
88
o ambiente que o rodeia e acolhe; que tal necessidade existe, é real e novos modelos éticos
fundamentados no homem têm surgido, no caso, teses antropocêntricas não utilitaristas,
não somente na ação científica e tecnológica como também no esclarecimento
comportamental de todos e cada um, em prol da continuidade da vida humana, num
contexto de responsabilidade para com as gerações futuras e de respeito e sensibilidade
para com os diversos ecossistemas266.
Se o ecocentrismo de Leopold despertou tantas críticas, Garcia lembra que mais
radical ainda é a tese da ecologia profunda da lavra de Arne Naess, encontrada também
nos escritos do químico, biólogo e médico inglês, autor da “hipótese Gaia”267, James
Lovelok, segundo a qual os diferentes modos de vida na Terra têm valor próprio,
independente da utilidade dessas formas de vida para os humanos, e que a vida do homem
vale tanto quanto a vida dos demais seres; isso equivale à ultrapassagem radical do
antropocentrismo utilitarista, em nome da defesa, igualmente radical, da Terra como
sistema holístico que suporta múltiplas formas de vida em equilíbrio, interdependentes268,
redundando tal concepção no repúdio veemente ao antropocentrismo e à valorização dos
interesses humanos em relação aos demais interesses, o que implica numa ética ambiental
fundada na defesa da biodiversidade sem que a vida humana mereça atenção especial
comparada às demais vidas269. Para a autora, o descentramento ético proposto pela
ecologia profunda é claro quanto ao valor intrínseco à biodiversidade, mas a partir dele
fica aberto o caminho a novas e desconhecidas modalidades de totalitarismo270.
Além do estudo apoiado em Maria da Glória Garcia, importa trazer algumas
considerações acerca da ética ambiental de Alasdair MacIntyre, filósofo britânico que
enfatiza a relevância da retomada da concepção aristotélica sobre as virtudes, trazendo
estes valores para a abordagem da ética ambiental. A análise será procedida confrontando
textos selecionados do livro Dependent rational animals: why human beings need the
virtue, com algumas reflexões de Lilian Godoy, Helder Buenos Aires de Carvalho e
Alasdair MacIntyre.
266 Ibid., p. 119. 267 Hipótese segundo a qual a Terra deve ser considerada como um imenso organismo vivo. 268 Tal como demonstrado no capítulo I desta dissertação. 269 GARCIA, 2007 p. 120. 270 Ibid., loc. cit.
89
No capítulo um do livro Dependent rational animals: why human beings need
the virtue, sob o título “Vulnerability, dependence, animality”, o filósofo britânico
MacIntyre, já no primeiro parágrafo, anuncia a fragilidade da condição humana, mais
especialmente na infância e na velhice, assim como o fato de estarmos sujeitos a inúmeras
doenças. Diz que
Nós, seres humanos, somos vulneráveis a muitos tipos de afeição e a maioria
de nós, às vezes, é afetada por várias doenças sérias. Somente uma pequena
parte disso é uma decisão que nos pertence. Na maior parte das vezes,
delegamos aos outros nossa sobrevivência, muito menos nossa prosperidade.
Nós nos deparamos com doenças e ferimentos, nutrição inadequada, distúrbio
mental, assim como agressão e negligência humana. Essa dependência em
relação aos outros, com o intuito de termos proteção e sustento, é mais evidente
no início da infância e em idades mais avançadas. Contudo, os estágios iniciais
e finais de nossas vidas são marcadamente caracterizados por períodos mais
curtos ou mais longos de ferimentos, doença ou outra deficiência e alguns de
nós ficam incapacitados pelo resto de suas vidas271.
MacIntyre prossegue com a sua reflexão desta feita referindo-se à
vulnerabilidade da natureza, especificamente usando o exemplo dos golfinhos:
Golfinhos, diferentemente do que seria durante suas vidas relativamente
longas, são vulneráveis a uma variedade de agentes letais: doenças, ferimentos,
predadores, má nutrição e a privação de comida causaram danos às suas áreas
de alimentação. Mais recentemente, outro problema letal são as atividades
devastadoras relacionadas às equipes de pesca, às vezes, incidentalmente,
como o uso das cercas de pescar por pescadores em busca altos lucros com a
venda do atum albacora e, algumas vezes, através da pesca do golfinho para o
mercado de carne de golfinho. Contra muitas dessas ameaças, eles não podem
fazer nada para se protegerem. Todavia, parece existir pouca dúvida que as
chances de os golfinhos sobreviverem e prosperarem são significativamente
aumentadas, a depender dos diferentes estágios de suas vidas, visto que suas
relações sociais são estruturadas pela adesão de membros aos grupos – grupos
de fêmeas com suas crias, grupos de machos subadultos, grupos de golfinhos
machos e fêmeas mais velhos – e pela formação de alianças272.
271 Livre tradução de: We human beings are vulnerable to many kinds of affection and most for us are at
some time affected serious ills. How we cope in only small part up to us. It is most often to others that we
owe our survival, let alone our flourishing, as we encounter bodily illness and injury, inadequate nutrition,
mental defect and disturbance, and human aggression and neglect. This dependence on particular others for
protections and sustenance is most obvious in early childhood and in old age. But between these first and
last stages our lives are characteristically marked by longer or shorter periods of injury, illness or other
disablement and some among us are disabled for their entire lives. In: MACINTYRE, Alasdair. Dependent
rational animals: why human beings need the virtue. Illinois/USA, 1999, p. 1. 272 Livre tradução de: Dolphins, during what would otherwise be their relatively long lives, are vulnerable
to a variety of lethal agents: diseases, injuries, predators, malnutrition, and starvations caused damage to
their feeding-grounds, and most recently the devasting activities of fishing crews, sometimes incidentally,
as with the purse seining of crews in pursuit of high profits from yellowfin tuna, and sometimes through
the hunting of dolphin for the dolphin meat market. Against many of these threats they can do nothing to
protect themselves. But, there seems little doubt that the chances of dolphins surviving and flourishing are
remarkably enhanced by the ways in which at different stages of their lives, their social relationships are
structured by membership in groups - groups of females with their calves, groups of subadult males, groups
90
Depois de várias reflexões sobre a vulnerabilidade da natureza, MacIntyre
escreve sobre “as estruturas sociais e políticas do bem comum” (The political and social
structures of the common good).
Quais são os tipos de sociedade política e social que podem englobar
aquelas relações de dar e receber através das quais nossos bens comuns e
individuais podem ser alcançados? Eles terão que satisfazer três condições.
Primeiramente, eles deverão fornecer expressões à tomada de decisão política
de pensadores independentes sobre todos aqueles assuntos sobre os quais é
importante que os membros de uma comunidade particular sejam capazes de
chegar através de uma deliberação racional compartilhada num denominador
comum.
Em segundo lugar, numa comunidade em que apenas a generosidade é
contada entre as virtudes centrais, as normas de justiça estabelecidas terão que
ser consistentes com o exercício dessa virtude. Nenhuma formulação simples
será capaz de capturar os diferentes tipos de norma que serão necessários para
os diferentes tipos de relação.
Em terceiro lugar, as estruturas políticas devem tornar possível, tanto para
aqueles capazes de razão prática independente quanto para aqueles cujo
exercício de raciocínio é limitada ou inexistente, ter voz numa deliberação
comum sobre o que essas normas de justiça requerem. Por isso, o único modo
de os últimos poderem ter voz é se houver outros que sejam capazes e
preparados para representá-los e se ao papel de representação é dado um lugar
formal nas estruturas políticas273.
Pois bem, pondera Helder Buenos Aires de Carvalho que embora Alasdair
MacIntiyre não deva ser considerado um pensador da técnica, um analista do impacto que
a utilização contemporânea da tecnologia tem nos causado do ponto de vista da boa vida,
sua defesa do resgate dos elementos fulcrais da ética aristotélica das virtudes fornece-nos
parâmetros teóricos que nos propiciam começar a pensar a complementaridade da ética
da responsabilidade de Hans Jonas, o que leva “a conectar a problemática ética gerada
of older male and female dolphins - and by the formations of alliances. In: MACINTYRE, Alasdair. Op.
cit., , p. 6 273 Livre tradução de: What are the types of political and social society that can embody those relationships
of giving and receiving through which our individual and common goods can be achieved? They will have
to satisfy three conditions. First they must afford expressions to the political decision-making of
independent reasoners on all those matters on which it is important that the members of a particular
community be able to come through shared rational deliberation to a common mind.
Secondly, in a community in which just generosity is counted among the central virtues the established
norms of justice will have to be consistent with the exercise of this virtue. No single simple formulation
will be capable of capturing the different kinds of norm that will be necessary for different kinds of just
relationship.
[…].
Thirdly, the political structures must make it possible both for those capable of independent practical reason
and for those whose exercise of reasoning is limited or nonexistent to have a voice in communal deliberation
about what these norms of justice require. And the only way in which the latter can have a voice is if there
are others who are able and prepared to stand proxy for them and if the role of proxy is given a formal place
in the political structures. In: MACINTYRE, Alasdair. Op. cit., , p. 29.
91
pela técnica, e seu lugar quase onipresente em nossas vidas, com o lugar que as virtudes
ocupam na compreensão e realização da vida boa” 274.
Lembra Helder Buenos que o projeto filosófico de MacIntyre é trazer de volta a
racionalidade ao discurso moral “defendendo a retomada do reconhecimento da estrutura
teleológica do agir humano, concebida matricialmente na filosofia moral de Aristóteles e
dada sequência por Tomás de Aquino e outros integrantes da tradição de virtudes”275,
entretanto associando-a às exigências teóricas contemporâneas que historicizam tanto a
racionalidade como o agir humano276.
O autor supra também observa que tal qual Jonas, MacIntyre é um crítico da
modernidade iluminista e das nocivas consequências que o modelo de racionalidade
instrumental trouxe para a moralidade, eis que, na sua visão, os problemas enfrentados na
moralidade contemporânea, quais sejam, a falta de racionalidade, consenso, egoísmo
desenfreado, desinteresse pela política, corrupção generalizada etc, decorrem das más
escolhas feitas na aurora da modernidade e a nossa crise moral deita raízes “no fracasso
do iluminismo de fundamentar racionalmente a moralidade, que demarcou toda a
problemática filosófica da teoria moral moderna e contemporânea fazendo-a girar em
torno da necessidade de devolver a validade às regras morais”277.
Ainda para Helder Buenos Aires de Carvalho,
É na compreensão das virtudes como necessárias para a racionalidade
autônoma que MacIntyre oferece alguns elementos que nos permitam chegar
a esse fim, especialmente em sua obra Animais Racionais Dependentes (1999),
na sua tematização da dependência como parte inerente do processo de
constituição do sujeito moral autônomo e da sua condição de animal.
Nela, MacIntyre busca ancorar à ética das virtudes o reconhecimento da
identidade animal do ser humano justamente com a vulnerabilidade e aflição
às quais está submetido, compreendendo o ser humano a partir de uma
identidade animal – e aqui, de certa forma, fazendo eco a Jonas. Entende que
os seres humanos enfrentam uma grande quantidade de aflições e uma grande
maioria padece em algum momento de sua vida de alguma enfermidade
proveniente de tal dimensão animal, mas a forma como cada um enfrenta tais
problemas depende em grande parte dos outros que o rodeiam para sua
sobrevivência278.
274 CARVALHO, in: SANTOS, 2011, p. 169. 275 Ibid., p. 170. 276 Ibid., loc. cit. 277 Ibid., 169/170. 278 CARVALHO, in: SANTOS, 2011, p. 170/171.
92
O mesmo autor acima ainda enfatiza que a responsabilidade em MacIntyre, tal
como em Jonas, é concebida como princípio, sendo que para aquele as virtudes da justa
generosidade e da dependência reconhecida deve concretizar no caráter do indivíduo
como responsabilidade pela vida, amplamente concebida, para além da espécie humana,
ou seja, a vida cosmicamente entendida279. Entende ademais que a conexão que Jonas
estabelece entre ética e ontologia, entre dever ser e vida, entre homem e natureza, por
meio do seu princípio responsabilidade, é insuficiente e que a teoria jonasiana precisa ser
ampliada com as considerações trazidas pela teoria moral de Alasdair MacIntyre e sua
defesa de um lugar central para as virtudes na consideração da vida boa, da vida ética280.
Procurando justificar esta tese, Aires de Carvalho destaca que
Jonas se reporta ao sentimento de temor como um fator heurístico para
mobilizar os homens a modificar sua relação com a técnica e com a natureza
da qual se viram equivocadamente como separados. A heurística do temor é
vista por Jonas como capaz de fazer a responsabilidade humana no seu agir
hodierno, ao focalizar prudencialmente nos resultados destrutivos do uso
indiscriminado da técnica em nosso modo de viver. Entretanto, esperar que o
temor possa mobilizar o ser humano a efetivar sua responsabilidade ontológica
pela vida no planeta e pela possibilidade futura da própria vida humana parece-
nos insuficiente. O temor é apenas um dos inúmeros sentimentos e não
necessariamente o mais fundamental na determinação do agir humano; mesmo
o temor pode ser superado por outros sentimentos como o amor, o respeito, a
coragem e a generosidade, para citar apenas alguns, fontes inequívocas de
virtudes morais. E, afinal de contas, lidar com o temor é aquilo que é próprio
da virtude da coragem281.
Sobre heurística do temor282 este trabalho contemplará no item 4 (quatro) deste
capítulo, daí porque não haverá aprofundamento, por ora, no tema. Quanto às críticas ao
princípio responsabilidade de Jonas, a abordem constará no item 5 (cinco) também deste
capítulo. Mas algumas afirmações de Helder Buenos constantes do parágrafo acima (e da
respectiva citação) merecem, desde logo, uma rápida análise.
O fato de Jonas ter focado a tessitura de uma ética da responsabilidade que
enfatiza a conexão entre ética e ontologia, dever ser e vida, homem e natureza, consoante
observou Buenos, não significa que ele tenha abstraído o valor das virtudes para que se
busque atingir tal ética; tanto que Jonas afirma com todas as letras que “embora a
279 Ibid., 173. 280 Ibid., 168. 281 Ibid., p. 173. 282 No item 5 deste capítulo haverá referência à afirmação de que o problema de tradução do termo oriundo
do alemão acabou por se ter como significado a palavra “medo”, quando o mais aproximado com o original
seria “temor”.
93
heurística do medo não seja a última palavra283 na procura do bem, ela é uma palavra
muito útil”284, ou seja, é forte o entendimento de que, por considerar que ainda estamos
longe de abrigar as virtudes necessárias para o agir solidário, para fazer aos outros o que
desejamos que os outros nos façam, Jonas propõe uma forma, até certo ponto
neurolinguística, para chamar a humanidade despreocupada e omissa à responsabilidade,
inclusive de forma contundente. Nesta Dissertação, aliás, desde a introdução se vem
afirmando, com apoio em vários autores, que somente com a interação de várias vertentes,
tais como: i) a educação em matéria ambiental, cujo fim precípuo é esclarecer a nossa
condição de ser que interage com os demais e que depende não somente destes, como
também de fatores abióticos; ii) as sanções jurídicas impostas às condutas lesivas, eis que
a maioria de nós ainda não se conduz pelas virtudes defendidas por MacIntyre; iii) a
necessidade de se perseguir uma ética de respeito e cuidado relativamente ao meio
ambiente dado que o Direito apesar de poder muito, não pode tudo, haja vista as inúmeras
condutas que sequer chegam ao conhecimento dos órgãos responsáveis pela fiscalização
e repressão.
E os argumentos acima são robustecidos ainda mais pelas palavras de Jonas, as
quais induzem à segura presunção de que ele jamais afastou a também necessidade de
virtudes, tais a solidariedade, o amor ao próximo, como necessárias para que a autêntica
vida humana continue existindo no futuro. Com efeito diz ele que a tomada de partido
sentimental origina-se no reconhecimento do bem intrínseco do objeto, tal como ele influi
na sensibilidade e envergonha o egoísmo cru do poder e não na ideia da responsabilidade
geral; que em primeiro lugar está o dever do objeto; a seguir, o dever de agir do sujeito
designado para cuidar do objeto, e reivindicação do objeto, de um lado, na insegurança
da sua existência, e a compreensão do poder, de outro, culpada da sua causalidade,
conectam-se no sentimento de responsabilidade afirmativa do eu ativo, que está sempre
interferindo no Ser das coisas, sendo que, se brotar daí o amor, a responsabilidade terá o
acréscimo da devoção da pessoa, que aprenderá a temer pelo destino daquele que é digno
de existir e que é amado 285. Jonas ainda enfatiza que é “esse tipo de responsabilidade e
de sentimento de responsabilidade – e não aquela “responsabilidade” formal e vazia de
283 Original sem negritos. 284 JONAS, 2006, p. 71. 285 Ibid., p. 167/168.
94
cada ator por seu ato – que temos em vista quando falamos na necessidade de ter hoje
uma ética da responsabilidade futura”286.
Ainda comparando as éticas de Jonas e MacIntyre, há de se atentar para reflexão
de Lilian Godoy, no sentido de que não obstante Jonas e MacIntyre sejam críticos da
condição humana contemporânea, divergem tanto no foco da crítica quanto na solução
que apontam, uma vez que o segundo centraliza a reflexão nos problemas das filosofias
moral e política modernas, as quais, segundo entende, estão bastante fragmentadas e
inflacionadas; por conseguinte, propõe como solução o exame da questão não do ponto
de vista liberal, mas, de preferência, do ponto de vista da concepção moral e política
aristotélica287. Pondera ainda que a tarefa que MacIntyre se dá em Após a virtude “é
explicar o aspecto problemático do discurso moral da sociedade atual e reabilitar o que
ele considera como uma alternativa esquecida: a racionalidade teleológica da ética
aristotélica da virtude”288 e que, em outros termos “MacIntyre sugere como solução aos
problemas atuais, uma volta à tradição, para recuperar a ética das virtudes”289. Jonas, por
seu turno, faz um diagnóstico da situação atual a partir do extremo avanço tecnológico
atingido por nossa civilização e, justamente em virtude dessa situação que ele avalia como
inédita, considera impossível encontrar na tradição, como o faz MacIntyre, respostas aos
dilemas éticos mais cruciais, razão pela qual ele assume em O princípio responsabilidade,
a árdua tarefa de propor uma ética (também inédita) destinada à civilização tecnológica.
Assim é que, prossegue:
Com relação às ambiguidades do progresso, poderíamos considerar que, no
pensamento de MacIntyre, elas surgem particularmente em sua crítica ao
individualismo, típico do liberalismo, por prejudicar nossas análises e decisões
sobre importantes questões de nosso tempo. E no de Jonas, em sua análise da
civilização tecnológica e em sua crítica à utopia, quando fica nítido que o
progresso, de um lado, responde a inúmeras necessidades e anseios da espécie
humana, mas, de outro, compromete a continuidade da vida humana e da vida
em geral e, assim, o futuro de nosso planeta290.
286 Ibid., loc. cit. 287 GODOY, in:
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4037&secao=371&l
imitstart=1. Acesso: 17 ago. 2013. 288 Ibid. 289 Ibid. 290 Ibid.
95
Nos itens seguintes será explicitada mais detalhadamente a ética voltada para o
futuro de Hans Jonas, que trouxe um novo olhar sobre responsabilidade em plena era
tecnológica.
2. MODIFICAÇÃO DA NATUREZA PELO AGIR HUMANO E A
INSUFICIÊNCIA DA ÉTICA TRADICIONAL, SEGUNDO JONAS.
A discussão entre o desenvolvimento e ações que impliquem em, no mínimo,
impactos suportáveis para o ambiente ou mesmo em medidas compensatórias, tem
levado, nas últimas décadas, à frequente utilização da expressão “desenvolvimento
sustentável”, condição sine qua non para a humanidade não comprometer ou mesmo
inviabilizar a existência futura, que depende, inelutavelmente, da sobrevivência também
de outras inúmeras formas de vida, porquanto a crescente devastação implicará na
destruição da biota, onde estamos inseridos.
Há de se atentar ainda para o fato de que umas das dificuldade na necessária
persecução da sustentabilidade é a inclusão do fator social em tal equação. Daí porque,
esclarece José Roque Junges, “a sustentabilidade do desenvolvimento adquire uma
complexidade que precisa englobar tanto o fator ambiental quanto o social, o que aponta
para a questão do consumo sustentável”291, e para atingi-lo há de se passar pela ética da
preservação.
Junges também informa que alguns economistas começam a propor incluir a
depreciação ou preservação do meio ambiente no cálculo orçamentário, sob o critério de
que quem polui mais deve pagar pelo dano, no intuito de que a preservação do meio
ambiente seja incentivada como um ganho, o que redundaria na concepção de que a
salvação do planeta pode ser um negócio rentável292.
Indubitavelmente o mais desejável é que a decisão de cuidar dos fatores bióticos
e abióticos transponha o utilitarismo acima reportado para um conjunto de hábitos que
implique em preservar a vida em respeito à própria vida. Entretanto não se pode abstrair
291 JUNGES, 2010, p. 62/63. 292 Ibid., p. 58.
96
quão distante está a humanidade da solidariedade para com a própria espécie e do respeito
quanto às demais e ao devir da natureza.
E a modificação da natureza pelo agir humano foi objeto de estudo de Hans
Jonas, que propôs uma inédita concepção ética que procura responder aos desafios e
inquietações desta era tecnológica na qual estamos mergulhados há várias décadas e sobre
a qual não há previsibilidade do quanto ainda se pode desenvolver. Em meio à profusão
de tecnologias crescentes, Jonas vem destacar que a busca da essência do ser humano
precisa ser encaminhada através de encontros com o ser e que esses encontros não
somente fazem aparecer a essência humana como também a constroem, pois neles ela se
decide a cada momento293. A própria capacidade do encontro é a essência básica do ser
humano, ou seja, é a liberdade e seu lugar na história, que, por sua vez, somente é possível
através da essência básica transhistórica do sujeito294. Ainda esclarece que desde tempos
remotos, tem sido assinalada, “nas imagens do ser, o ‘estar entre’ do ser humano: entre
animal e anjo, entre passado e futuro, entre condenação e salvação”, alinhavando que
Platão concebeu o vir-a-ser como um meio-termo entre o não-ser e o ser, fazendo parte
de ambos, e a alma mergulhada no vir-a-ser como se aberta para o ser eterno no saber da
razão; então, o vir-a-ser, alcançando poder externo, recortado do ser eterno racional,
entregou o eu ao delíquio da liberdade, e fez com que o encontro com o ser se
transmutasse em encontro com o nada295.
O niilismo moderno pressagiado por Nietzsche, continua, Jonas, forçou a
relocação da questão do ser na era pós-platônica e ela precisa perseguir as razões
históricas da experiência niilista; necessita tentar instituir ontologicamente a essência da
liberdade humana na relação com o mundo restante da vida, ou mesmo com a natureza
como um todo296, e “encontra transcendência interior daquela liberdade a instrução para
tatear metafisicamente em busca de um novo sentido de transcendência e eternidade”297.
Em O Princípio Responsabilidade encontra-se, no primeiro capítulo, as
reflexões de Jonas sobre “A natureza modificada do agir humano”, em nove itens, os
quais serão objeto de ligeira referência, na ordem por ele discorrida, uma vez que
293 JONAS, 2004, p. 209. 294 Ibid., p. 209/210. 295 Ibid., p. 210. 296 Ibid., loc. cit. 297 Ibid., loc. cit.
97
notoriamente Jonas faz uma preparação rumo à explicação da ética da responsabilidade
que desenvolverá mais detalhadamente nos capítulos IV e VI da obra acima citada.
2.1. O exemplo da antiguidade.
Hans Jonas inicia as reflexões com um trecho do canto do coral da obra
Antígona, de Sófocles, em que a natureza é enaltecida e o homem é louvado como a mais
notável maravilha, embora sobre ele também paire a advertência de honrar as leis da Terra
e a justiça divina, sob pena de vir a ser excluído da cidade. Com tal preâmbulo, que já
relaciona o homem com a natureza da qual faz parte e dela depende inteiramente, vem a
advertência de que a violação da natureza e a civilização do homem caminham unidas e
que as duas enfrentam dois elementos: um, “na medida em que ele se aventura na natureza
e subjuga as suas criaturas; o outro, na medida em que erige no refúgio da cidade e de
suas leis um enclave contra aqueles”298.
Aduz que antes destes tempos atuais as interferências do homem na natureza
eram essencialmente superficiais e impotentes para prejudicar o equilíbrio fortemente
assentado299. Que, mediante a obra humana da cidade, a vida humana desenvolveu-se
entre o que permanecia (a natureza) e o que mudava (suas próprias obras) e maior obra
sua era a cidade, “à qual ele podia emprestar um certo grau de permanência por meios
que inventava e aos quais se dispunha a obedecer”300. Era essa cidadela por ele criada,
distinta do resto das coisas e confiada aos seus cuidados, o completo e único domínio da
responsabilidade humana, ficando a natureza de fora de tal responsabilidade, do que se
formou “o quadro intra-humano que habita toda a ética tradicional, adaptada às dimensões
do agir humano assim condicionado”301.
Percebe-se, já nessa explanação inicial de Hans Jonas, as primeiras linhas
justificadoras para a construção de uma ética voltada para a era tecnológica, uma vez que
a ética tradicional não transbordava das relação entre o homem e pelo homem, em vista
da desnecessidade, durante milênios, de se olhar a natureza como algo vulnerável.
Marcelo Pelizzoli e Erliane Miranda analisando essa transição pela qual passou
a humanidade mais recentemente, ditada pela crescente e veemente tecnologia das últimas
298 JONAS, 2006, p. 32. 299 Ibid., p. 32. 300 Ibid., p. 33. 301 Ibid., p. 34.
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décadas, apontam que, no fundo, a discussão sobre bioética deságua na questão da
dignidade humana e na apreensão “de si por si do sujeito humano, no decorrer das
mudanças paradigmáticas/históricas e as implicações desse apreender-se, a partir da
autopercepção”302: o compreender-se subjetivamente (dimensão psicológica) e conhecer-
se fisiologicamente (dimensão biológica)303. A compreensão subjetiva é indispensável
para que se possa alcançar e elaborar a ampliação do conhecer-se biologicamente, em
face da necessidade de o homem colocar-se em meio à natureza, e de refletir sobre a
influência que a sua interação provoca nos outro de agora e do futuro, os quais dependem
dessa mesma natureza para terem, no dizer de Jonas, uma autêntica vida humana no
planeta.
2.2. Características da ética até o momento presente.
Reafirmando o que disse anteriormente, no sentido de que a “significação ética
dizia respeito ao relacionamento direto de homem com homem, inclusive o de cada
homem consigo mesmo”304, Jonas assegura que toda ética tradicional é
antropocêntrica305. E justifica essa característica da ética com a observação de que o “bem
e o mal com os quais o agir humano tinha que se preocupar, evidenciavam-se na ação,
seja na práxis ou em seu alcance imediato, e não requeriam um planejamento de longo
prazo”306, mesmo porque era pequeno o alcance da ação, e o lapso temporal para previsão,
fixação de objetivo e imputabilidade era curto, assim como limitado era o domínio sobre
as circunstâncias307.
Durante milênios as civilizações não tinham motivos para se preocupar com o
perecimento da vida no planeta, daí a razão pela qual a ética clássica centrava-se no
universo moral dos contemporâneos e o seu universo futuro estendia-se até a previsão de
duração de suas vidas308; por conseguinte, a decisão sobre ser boa ou má uma ação dava-
se nesse contexto de curto prazo309.
302 PELIZZOLI, MIRANDA, in: SANTOS, 2011, p. 288. 303 Ibid., loc. cit. 304 JONAS, 2006, p. 35. 305 Ibid., loc. cit. 306 Ibid., loc. cit. 307 Ibid., loc. cit. 308 Ibid., p. 36. 309 Ibid., loc. cit.
99
O vácuo ético apontado por Jonas e o novo imperativo que propõe (assuntos a
serem ainda visitados neste trabalho) derivam dessas constatações de que as condições
antes ensejadoras da ética antropocêntrica estão radicalmente alteradas pela técnica.
2.3. Novas dimensões da responsabilidade.
As mudanças inerentes à era tecnológica são manifestas, o que tem sedimentado
a reflexão de como o agir humano pode alterar significativamente a natureza antes tida
como perene e imune à sua ação. Nesse toar, percebe-se que de fato Jonas não despreza
a força coercitiva do Direito como algo necessário, embora não suficiente, na busca de
uma responsabilidade ambiental voltada para o futuro, que se amplia para além do espaço
e tempo da ética tradicional, ao afirmar que o “coro de Antígona sobre o ‘Ungeheure’310,
o fantástico poder do homem, soaria bem diferente hoje, assumindo a palavra ‘fantástico’
um outro sentido; e não mais bastaria a advertência aos indivíduos para que
respeitassem as leis”311, ou seja, haveria de se valer das sanções previstas nas leis.
Tal qual a preocupação de MacIntyre, porém com outra fundamentação, Jonas
refere-se à vulnerabilidade da natureza jamais pressentida, provocada pela intervenção
técnica do homem e, de tal descoberta, aliada ao choque das consequências de tais ações,
é que surge a ciência do meio ambiente, a ecologia312, cuja origem do termo já foi
explicada no capítulo I deste trabalho. Diz que a partir dessa constatação, modifica-se a
representação que temos de nós mesmos como fator causal no complexo sistema das
coisas, e por meio dos seus efeitos é-nos revelada que a natureza da ação humana foi
modificada de fato e que a biosfera inteira do planeta (objeto de ordem totalmente nova),
somou-se àquilo pelo qual devemos ser responsáveis, tendo em vista que sobre ela temos
poder313. De tais conjecturas, a partir das quais vai didaticamente construindo a sua ética
da responsabilidade ambiental, sobre a qual discorrerá mais amiúde no capítulo IV e VI,
da obra em comento314, Jonas proclama que a natureza como uma nova teoria ética precisa
ser pensada, indagando-se, por exemplo, que tipos deveres ela exigirá, se haverá algo
além de interesse utilitário, se é apenas a prudência que recomenda não se matar a galinha
dos ovos de ouro ou que “não se serre o galho sobre o qual se está sentado”, quem é a
310 Monstruoso. 311 JONAS, 2006, p. 39. 312 Ibid., loc. cit. 313 Ibid., loc. cit. 314 Que será objeto de estudo mais específico no item 3 deste capítulo III.
100
pessoa sentada e que talvez caia no precipício e qual é o interesse de cada um em o outro
sentar e cair315. Pondera que enquanto o destino do homem, dependente da situação da
natureza, for a razão primordial que torna o interesse na manutenção da natureza um
interesse moral, ainda perdura a orientação antropocêntrica da ética clássica, ainda que se
reconheça uma grande diferença, posto que dissipam as delimitações de proximidade e
simultaneidade, sustadas pelo crescimento espacial e o prolongamento no tempo do fluxo
de causa e efeito, postos em movimento pela atividade técnica ainda quando
desenvolvidas para fins próximos, esclarecendo-se que o somatório da sua
irreversibilidade e magnitude condensada, insere outro fator na equação moral316.
Jonas alerta que a isso (à práxis técnica) deve ser acrescido o caráter cumulativo,
na medida em que os seus efeitos somam-se continuamente, de forma que a situação para
uma existência posterior não será igual à vivida pelo primeiro agente, sendo fato que a
ética tradicional contava com um comportamento não cumulativo317. Em tais
circunstâncias, o saber torna-se um dever prioritário, para além do que antes era exigido,
que tal saber deve ter igual magnitude dimensional do agir318; com isso, “o hiato entre a
força de previsão e o poder de agir produz um novo problema ético”319.
Hans Jonas também indaga se há um direito moral próprio à natureza ao
conjecturar: “E se o novo modo de agir humano significasse que devêssemos levar em
consideração mais do que somente o interesse ‘do homem’, pois nossa obrigação se
estenderia para mais além, e que a limitação antropocêntrica de toda ética antiga não seria
mais válida?”, sublinhando a seguir que já não é mais absurdo interrogar se a condição da
natureza extra-humana, a biosfera no todo e em suas partes, atualmente subjugados ao
poder humano, exatamente por isso não se transformaram em um bem a nós confiados,
capaz de nos compelir a algo como uma exigência moral, por nossa causa, em causa
própria e por seu direito320. Jonas responde a esses questionamentos por ele mesmo
propostos estipulando que, se assim for, isso requereria profundas alterações nos
315 JONAS, 2006, p. p. 40. 316 Ibid., loc. cit. 317 Ibid., loc. cit. 318 O capítulo I desta dissertação procurou demonstrar a relevância do saber ambiental. Este capítulo III,
conforme anunciado na Introdução deste trabalho, visa justamente a mostrar que para além da força
coercitiva do Direito, urge a tessitura de uma ética ambiental que mire o futuro, um saber ecológico que
redunde em ação efetiva de preservação e em abstenção de destruição. 319 JONAS, 2006, p. 41. 320 Ibid., loc. cit.
101
fundamentos da ética, o que se traduz em não somente procurar o bem humano, como
também o bem das cosias extra-humanas, ou seja, ampliar o reconhecimento de “fins em
si” para além da alçada do humano e acrescer o cuidado com esse no conceito de humano,
e conclui sentenciando que nenhuma ética anterior (além da religião) preparou a
humanidade para um tal papel de fiel depositário e muito menos para uma visão
científica321.
Acentua Cristina Beckert que o conceito de necessidade natural encontrar-se-ia
subvertido, eis que transferido para o poder humano, não sendo mais a natureza o limite
da técnica, mas essa o limite da natureza, o que a compele para além das capacidades que
lhes são inerentes, modificando-a qualitativamente, através do triplo aspecto: dispersivo
(os efeitos da ação técnica dispersam-se para além da pólis e numa rede infinita de causas
e efeitos); irreversível (a complexidade da rede causal leva à impossibilidade de retorno
ao status quo ante); cumulativo (decorrente da irreversibilidade)322.
Patenteia-se, com efeito, a relevância de se voltar o olhar para o conhecimento e
mais especificamente para o saber ambiental, a exemplo do que se lê na análise de Enrique
Leff, onde destaca que esse último constitui novas identidades e interesses, onde surgem
os atores sociais que mobilizam a construção de uma racionalidade ambiental e, sob tal
perspectiva, o saber ambiental produz-se numa relação entre teoria e práxis, em que o
conhecimento não se fecha em sua relação objetiva com o mundo, mas sim, abre-se à
criação de sentidos civilizatórios323. Perceptível que tais reflexões estão em harmonia com
as afirmações jonasianas sobre o saber e o agir.
2.4. Tecnologia como “vocação” da humanidade.
Mergulhado na era tecnológica, Jonas aponta que o Homo sapiens foi superado
pelo Homo faber, que a fronteira entre o Estado (pólis) e a natureza foi suprimida e que
questões que antes nunca foram objeto de legislação, entraram no circuito das leis que a
agora “cidade” global precisa formular, a fim de que haja chance de existir um mundo
para as próximas gerações de humanos324.
321 Ibid., loc. cit. 322 BECKERT, op. cit., p. 103. 323 LEFF, op. cit., p. 235. 324 JONAS, 2006, p. 44.
102
Ao falar sobre técnica e ciência como ideologia, Jürgen Habermas comenta que
na sua crítica a Max Weber, Hebert Marcuse (1898-1979), filósofo alemão, naturalizado
americano, já preocupado com o desenvolvimento desgovernado da tecnologia, chega à
seguinte conclusão:
O conceito de razão técnica é talvez também sem si mesmo ideologia. Não só
a sua aplicação, mas a própria técnica é dominação metódica, científica,
calculada e calculante (sobre a natureza e sobre o homem). Determinados fins
e interesses da dominação não são outorgados à técnica apenas
«posteriormente» a partir de fora – inserem-se já na própria construção do
aparelho técnico; a técnica é, em cada caso, um projeto histórico-social; nele
se projecta o que uma sociedade e os interesses nela dominantes pensam fazer
com os homens e as coisas. Um tal fim de dominação é ‘material’ e, neste
sentido, pertence à própria forma da razão técnica325.
No livro O Princípio Responsabilidade Jonas analisa criticamente tal dominação
(razão técnica) relativamente aos efeitos que podem advir à natureza e, por consequência,
à existência de vida no futuro; giza que na atualidade a conduta humana tornou-se objeto
de dever, quando antes havia toda uma ideia de dever referente a ela, o que significa, entre
outras coisas, o dever de proteger, conservar este mundo físico de forma que as condições
para a presença humana permaneçam intactas326.
2.5. Velhos e novos imperativos.
Jonas cita o imperativo categórico de Kant: “Aja de modo que tu também possas
querer que a tua máxima seja lei geral”327, e explica o alcance dessa frase aduzindo que a
assertiva “que tu possas” invocado, é o da razão e de respectiva concordância consigo
mesma, ou seja, “a partir da suposição da existência de uma sociedade de atores humanos
(seres racionais em ação), a ação deve existir de modo que possa ser concebida, sem
contradição, como exercício geral da comunidade”328.
Nessa quadra, ele chama a atenção para o fato de que a reflexão da moral não é
propriamente moral, mas sim lógica, eis que o “poder” ou “não poder” querer “expressa
autocompatibilidade ou incompatibilidade, e não aprovação moral ou desaprovação”329,
acrescentando ainda que não existe contradição em si de que haja um fim para a existência
325 HABERMAS, 2011, p. 46/47. 326 JONAS, 2006, p. 45. 327 Ibid., p. 47. 328 Ibid., loc. cit. 329 Ibid., loc. cit.
103
da humanidade, assim como também inexiste contradição em si na ideia “de que a
existência e a felicidade das futuras gerações seja custeada com a infelicidade e até com
a eliminação parcial da presente. Jonas pondera sobre essa afirmação, para depois lançar
o seu famoso imperativo categórico, o qual será objeto de análise mais à frente.
O sacrifício do futuro em prol do presente não é logicamente mais refutável do
que o sacrifício do presente a favor do futuro. A diferença está apenas em que,
em um caso, a série segue adiante e, no outro, não. Mas que ela deva seguir
adiante, independentemente da distribuição de felicidade e infelicidade, e até
com o predomínio da infelicidade sobre a felicidade, e mesmo com da
imoralidade sobre a moralidade, tal não se pode deduzir da regra de coerência
no interior da série, por maior ou menor que seja a sua extensão. Trata-se de
um mandamento de um tipo inteiramente diferente, externo e prévio àquela
série, e cujo fundamento último só pode ser metafísico330.
E é exatamente por ocasião dessas reflexões constantes do capítulo I, item V de
O Princípio Responsabilidade que Jonas introduzirá o que segundo ele é o imperativo
adequado à nova modalidade de agir humano e voltado para o novel tipo de sujeito
atuante, assim proposto: “Aja de tal modo que os efeitos da tua ação sejam compatíveis
com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”, ou, desta forma: “Aja
de tal modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possiblidade futura
de uma tal vida”, ou, ainda: “Não ponha em perigo as condições necessárias para a
conservação indefinida da humanidade sobre a Terra”, ou, também: “Inclua na tua escolha
presente a futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer”331.
Afirmando que segundo esse novo imperativo até podemos arriscar a nossa
própria vida, porém não a da humanidade, Jonas recorrerá à figura mítica de Aquiles para
ilustrar tal argumento, assegurando que o grande guerreiro da Ilíada de Homero tinha
todo o direito de escolher para si uma vida breve, repleta de atos gloriosos, ao invés de
uma vida longa, segura, porém sem glórias (“sob o pressuposto tácito de que haveria uma
posteridade que saberia contar os seus feitos”); o que não podemos, diz categoricamente,
é escolher “a não existência de futuras gerações em função da existência atual, ou mesmo
de colocá-las em risco”332.
Reconhecendo a dificuldade de justificar teoricamente tal percepção, pondera
que o imperativo por ele defendido incialmente apresenta-se sem justificativa, sendo,
330 Ibid., loc. cit. 331 Ibid., p. 47/48. 332 Ibid., p. 48.
104
pois, um axioma333. Mas a seguir constata-se que na ética jonasiana, de cunho ontológico
e metafísico, a justificativa é a concepção de que ser é melhor do que não ser, existir é
melhor do que não existir, porque ser, existir, são a expressão de qualidades, por oposição
ao vazio do não ser, do não existir. Ser é bem, não ser é mal, privação de ser, ausência de
uma plenitude que deve e deverá existir no presente, no futuro próximo e distante.
Assegura que o novo imperativo volta-se bem mais para a política pública do
que para a conduta privada, que era prevalente no imperativo categórico de Kant, o qual
era voltado para o indivíduo, de critério momentâneo; adverte que o novo imperativo
“clama por outra coerência: não a do ato consigo mesmo, mas a dos seus efeitos finais
para a continuidade da atividade humana no futuro”334. Diz que a universalização
visualizada por esse novo imperativo não é hipotética, isto é, não significa “a transferência
meramente lógica do ‘eu’ individual para um ‘todos’ imaginário, sem conexão causal com
ele (‘se cada um fizesse assim’)”: ao reverso, as ações vinculadas ao novo imperativo, ou
seja, as ações de todo coletivo, avocam o atributo de universalidade na medida ideal de
sua efetividade; que elas totalizam a si mesmas na ascensão de seu impulso, desaguando
inapelavelmente na configuração universal do estado das coisas, e isso acrescenta ao
cálculo moral o horizonte temporal ausente na operação lógica e imediata do imperativo
kantiano, portanto, conclui, “se este último se estende sobre uma ordem sempre atual de
compatibilidade abstrata, nosso imperativo se estende em direção a um previsível futuro
concreto, que constitui a dimensão inacabada da nossa responsabilidade”335.
Ricoeur referiu-se a esse novo imperativo, inclusive pontuando que a inscrição
da vida na própria formulação dele pode ser ilustrada de modo ainda mais perceptível, ou
seja, o que o caracteriza não é apenas a sua orientação para o futuro, especialmente para
o futuro excedente ao horizonte fechado dentro do qual o mesmo agente pode reparar os
danos por ele causados, ou sofrer a pena pelos ilícitos em relação aos quais se presuma a
sua culpa336. Ainda arremata que o vínculo entre responsabilidade e perigo para a
humanidade futura impõe que se adicione ao conceito de responsabilidade um traço que
o diferencie definitivamente do da imputabilidade; “considera-se responsável, sente-se
333 Ibid., loc. cit. 334 Ibid., loc. cit. 335 Ibid., p.49. 336 RICOEUR, 1996, p. 230.
105
efetivamente responsável, aquele a quem é confiado a guarde de algo perecível; o objeto,
ou, melhor dizendo, o correspondente da responsabilidade é o perecível enquanto tal”337.
2.6. Antigas formas da nova “ética do futuro”.
Jonas cita três exemplos para demonstrar que até se pode refutar a tese de que as
éticas antigas não se orientavam também para o futuro, embora não fosse objeto de
preocupação a existência futura da humanidade, das outras formas de vida, do Planeta,
como um todo. São elas: i) a ética da consumação no mais-além, segundo qual, na
condução da vida terrena, chega-se a sacrificar a felicidade em prol da salvação da alma
eterna; ii) a responsabilidade do estadista para o futuro, o que equivaleria “à preocupação
previdente do legislador e do estadista com o futuro bem comum”338; iii) a utopia
moderna, eis que na política da utopia há a disposição de “utilizar os que agora vivem
como simples meio para um fim que se encontra além deles339: aqui ele cita o marxismo
como o principal exemplo.
Nessa perspectiva, cabe uma breve digressão sobre a crítica que Jonas faz à
política da utopia, e não à utopia, conforme observa Lilian Simone Godoy Fonseca340. E
pelo fato de o marxismo apontar no impulso revolucionário, patrocinado pelo avanço
tecnológico, que, finalmente, libertará o homem da fadiga do trabalho pela sobrevivência,
Jonas indica-o como herdeiro do projeto baconiano, reconhecendo, por um lado,
o mérito das “boas intenções” do projeto marxista, mas por outro lado testifica a
necessidade de se afastar de tal projeto a fim de estabelecer a sua própria concepção, eis
que vê no programa marxista uma notória apologia à técnica, o que, no seu entendimento,
compromete a sua própria execução341. Godoy Fonseca ainda acrescenta que Dominique
Janicaud faz uma instigante reflexão desse aspecto do entendimento de Jonas,
esclarecendo que Janicaud bem ressalta que “o principal aprendizado da crítica das
utopias é a constatação de que o estabelecimento de uma ética da responsabilidade passa
pela aceitação fundamental da condição humana em sua finitude e sua fragilidade”342.
337 Ibid., loc. cit. 338 Ibid., p. 51. 339 Ibid., loc. cit. 340 FONSECA, Lílian in: SANTOS, 2011, p. 202. 341 Ibid., p. 205. 342 Ibid., p. 211.
106
2.7. O homem como objeto da técnica.
Na elucidação de Jonas o que está em questão não é a validade no próprio
domínio das formas históricas da ética da simultaneidade e da imediatidade, para as quais
a ética de Kant serviu como exemplo, mas sim se elas são suficientes para a nova
dimensão do agir humano, que as transcende, em face do que, afirma que a sua tese é a
de que os novos tipos e limites do agir demandam uma ética de previsão e
responsabilidade conciliável com esses limites, que seja tão hodiernas quanto as situações
com as quais ela necessita lidar e que essas são as situações que afloram das obras do
Homo faber na era da técnica343.
Também ressalta que o Homo faber “aplica sua arte sobre si mesmo e se habilita
a refabricar inventivamente o inventor e confeccionador de todo o resto”344, bem assim
que essa culminação de seus poderes pode muito bem traduzir-se em subjugação do
próprio homem, assim como essa mais nova utilização da arte sobre a natureza incita o
último esforço ético que jamais antes precisou enxergar alternativas de escolha para o que
se reputava serem os caracteres definitivos da constituição humana345. Para ilustrar essas
ponderações, exemplifica a busca do prolongamento da vida, talvez indefinidamente; o
controle de comportamento e a manipulação genética346. Já no aspecto ambiental, além
dos desastres ecológicos decorrentes de ações mecânicas, debate-se a questão dos
transgênicos e do excesso de agrotóxico, fatores químicos que, se não manipulados com
o cuidado indispensável, podem desencadear desastres a curto, médio e longo prazo.
O fato é que Homo sapiens mergulhou na era tecnológica, mas não resistiu ao
encanto da técnica e nem se preocupou em perceber os “efeitos colaterais”, tão
embriagado que tem estado por ela; nesse diapasão, corre o risco de sequer enxergar o
“fio de Ariadne” para sair do labirinto em que colocou a si, as demais espécies e a própria
abiota, indispensável para o desenvolvimento e a permanência da vida. Como retirar essa
cortina de “utopia” que ainda turva a visão das consequências a médio e longo prazo de
algumas práticas e omissões potencialmente nocivas às condições ambientais do planeta,
é o imenso desafio a ser enfrentado, e a responsabilidade, concebida veementemente
343 JONAS, 2006, p.57. 344 Ibid., loc. cit. 345 Ibid., loc. cit. 346 Ibid., loc. cit.
107
como princípio ético em Hans Jonas, direciona-se a um dever-fazer, ditado pelo cuidado
das escolhas, em prol da possibilidade de existência futura.
2.8. A dinâmica “utópica” do progresso técnico e o excesso de
responsabilidade.
No dizer de Jonas, o poder tecnológico transmutou o que costuma ser exercício
hipotético da razão especulativa em esboços concorrentes para projetos executáveis, e a
escala inevitavelmente “utópica” da moderna tecnologia leva a uma redução constante da
saudável distância entre objetivos cotidianos e últimos, entre as ocasiões em que se pode
utilizar o bom senso ordinário e aquelas que demandam uma sabedoria iluminada; porém,
quanto mais necessitamos de sabedoria, é quando menos cremos nela347. Daí gizar que
quando “a natureza nova do nosso agir exige uma nova ética de responsabilidade de longo
alcance, proporcional à amplitude do nosso poder, ela então também exige, em nome
daquela responsabilidade, uma nova espécie de humildade”348; mas é uma humildade não
como a do passado que decorria da pequenez, mas sim derivada da demasiada grandeza
do nosso poder, uma vez que “há um excesso do nosso poder de fazer sobre o nosso poder
de prever e sobre o nosso poder de conceder valor e julgar”349.
Jonas menciona outro aspecto e justificativa do que denomina de nova ética da
responsabilidade requerida pelo futuro distante:
[...] a dúvida quanto à capacidade do governo representativo em dar conta das
novas exigências, segundo os seus princípios e procedimentos normais. Pois
esses princípios e procedimentos permitem que sejam ouvidos apenas os
interesses atuais, que fazem valer a sua importância e exigem ser levados em
consideração. Autoridades públicas devem-lhes prestar contas, e essa é a
maneira pela qual surge concretamente o respeito aos direitos (à diferença de
seu reconhecimento abstrato). Mas o “futuro” não está representado em
nenhuma instância; ele não é uma força que possa pesar na balança. Aquilo
que não existe não faz nenhum lobby, e os não nascidos são impotentes350.
Diz que tudo isso recoloca muito fortemente “a velha questão do poder dos
sábios ou da força das ideias do corpo político, quando estas não se ligam a interesses
egoístas” e indaga que força deve representar o futuro no presente, advertindo que essa é
uma questão para a filosofia política, embora alinhave que antes da questão de
347 Ibid., p. 63. 348 Ibid., loc. cit. 349 Ibid., loc. cit. 350 Ibid., p. 64.
108
implementação impor-se em termos práticos, a nova ética precisa encontrar a sua teoria,
na qual deveres e proibições justifiquem-se; em suma, um sistema do “tu deves” e “tu não
deves”, anunciando, outrossim, que antes de se questionar sobre quais poderes
representariam ou influenciariam o futuro, deve-se indagar sobre qual projeção ou que
tipo de conhecimento valorativo deve representar o futuro no presente351.
Conforme será detalhado alhures, a ética da responsabilidade voltada para o
futuro antecipa, trazendo para o agora, à luz dos conhecimentos atuais, a provável
inospitalidade do Planeta no futuro, se persistirem as condutas que já há décadas têm
interferido mais drasticamente na dinâmica interação dos seres vivos e deles com o meio
que os rodeia.
Robinson Santos lembra que a subjugação da natureza pelo homem, processo
tão antigo quanto ele próprio, teve uma impulsão e um aumento que não se pode ignorar
nos séculos mais recentes e que houve também um aumento em tal desproporção do nosso
poder que, segundo Jonas, não conseguimos mais dimensionar, portanto, é de agora em
diante que começaremos a identificar de forma mais evidente os danos e efeitos adversos
do modelo de desenvolvimento estabelecido e seguido pelas sociedades, especialmente
as ocidentais, com o que, em outras palavras, a vulnerabilidade da natureza começa a ser
aceita como a nossa vulnerabilidade, e a partir desse problema é que o autor de O
Princípio Responsabilidade desenvolverá sua proposta de um novo princípio moral352.
2.9. O vácuo ético.
É deveras revelador do que será objeto de detalhadamente nos capítulos IV, V e
VI de O Princípio Responsabilidade o modo como Hans Jonas, em apenas um longo
parágrafo, justifica o vazio ético. Com efeito, dever, movimento do saber, normas,
niilismo, ameaças iminentes, medo, poder de agir e capacidade de ação de um novo tipo,
são expressões utilizadas no seu alerta para a necessidade “de novas regras de ética, e
talvez mesmo uma ética de novo tipo”353. A transcrição de um fragmento da reflexão
sobre o “vácuo ético” é relevante para situar melhor a questão:
Aqui me detenho e todos nós nos detemos. Pois exatamente o mesmo
movimento que nos pôs de posse daquelas forças cujo uso dever ser agora
351 Ibid., loc. cit. 352 SANTOS,. 2010. 353 JONAS, 2006, p. 66.
109
regulamentado por normas – o movimento do saber moderno na forma das
ciências naturais –, em virtude de uma complementaridade forçosa, erodiu os
fundamentos sobre os quais se poderiam estabelecer normas e destruiu a
própria ideia de norma como tal. Por sorte, decerto que não o sentimento pela
norma e mesmo por determinadas normas; mas esse sentimento começa a
duvidar de si mesmo quando aquele suposto saber o contradiz ou quando, no
mínimo, lhe recusa qualquer apoio354.
Em seguida Jonas falará sobre o medo, aliás, algo que é bastante debatido por
outros autores que esboçaram os respectivos entendimentos quanto à “heurística do
medo” jonasiana. O assunto será retomado com mais vagar no item 4 deste mesmo
capítulo, onde será visto que há diversos autores que utilizam, por razões que serão ali
discorridas, a expressão “heurística do temor”. E sobre o medo, o sagrado, a religião e a
ética, Jonas destaca que em face de ameaças iminentes, cujas repercussões ainda podem
nos atingir, reiteradamente será o medo o melhor substituto para a verdadeira virtude e
sabedoria, entretanto esse recurso é falho diante de uma perspectiva de longo alcance, o
que especificamente, interessa nesse caso, pois a exígua amplitude das coisas em suas
origens faz com que elas aparentem ser, na maioria das vezes, inocentes; que somente o
receio ante a profanação do sagrado “independe do cálculo do medo e do consolo obtido
graças à incerteza sobre as consequências distantes”, mas que uma religião inexistente
não tem o poder de desobrigar a ética de sua incumbência, pois da religião é cabível dizer
da sua existência ou não como fato que influencia a ação humana, entretanto, no que se
refere à ética, “existe para ordenar suas ações e regular seu poder de agir”, sendo que a
necessidade de sua existência é diretamente proporcional aos poderes do agir que ela tem
de regular355.
Evidencia-se, pois, a preparação que Jonas faz antes de traçar, com tinta forte, a
sua proposta ética inovadora, justificada pelo vertiginoso crescimento tecnológico; mas
antes de direcionar o olhar mais criteriosamente ao núcleo de sua proposta, uma visão
panorâmica sobre mesma, da lavra de Pelizzoli estabelece interessante elo entre este item
e o que virá a seguir.
Alguns pontos introdutórios nos chamam a atenção aqui. O primeiro é que a
ética por ele buscada retorna à tradição, à chamada “metafísica”, legado do
pensamento do Ocidente grego, e que vai a fundo em princípios (ontológicos,
existenciais e de conhecimento) que guiam o saber e o agir, e portanto uma
base de pensamento e justificação bem argumentada para tal. O segundo é o
fato de que, apesar dessa tradição, não se conseguiu questionar o saber/poder
com as éticas tradicionais, pois elas não pensaram em geral nem em
354 Ibid., p. 65. 355 Ibid., loc. cit.
110
conseqüências futuras, nem nos elementos não humanos. O terceiro é quando
ele mostra que a “dinâmica tecnológica de progresso, que é de escala
planetária, alberga enquanto tal um utopismo implícito”, ou seja, a construção
de um mundo fantasioso e artificial; é por isso que “o princípio de
responsabilidade contrapõe uma tarefa mais modesta, decretada pelo temor e
o respeito: preservar a permanente ambigüidade da liberdade do homem [...]
preservar a integridade de seu mundo e de sua essência frente aos abusos do
poder”356.
3. A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL E A ÉTICA VOLTADA PARA O
FUTURO NA CONCEPÇÃO DE HANS JONAS.
O imperativo da responsabilidade em Hans Jonas fundamenta-se na defesa da
possibilidade de existência de “autêntica vida humana” em um futuro distante no planeta
e, a partir da releitura que fez do imperativo categórico de Kant, anuncia as proposições
que já foram transcritas no item dois deste capítulo, todas com similares significados e
idêntico apelo: “Aja de tal modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a
permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”, ou, desta forma: “Aja de tal
modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possiblidade futura de uma
tal vida”, ou, ainda: “Não ponha em perigo as condições necessárias para a conservação
indefinida da humanidade sobre a Terra”, ou, também: “Inclua na tua escolha presente a
futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer”357.
Jonas enfatiza, na abertura do capítulo IV de O Princípio Responsabilidade, que
fundamentar no Ser o “bem” ou o “valor” corresponde a facultar a pretensa distância entre
o Ser e o dever, uma vez que a partir da sua própria definição, esse bem ou valor, quando
existe por si mesmo e não graças a desejo, necessidade ou escolha, é algo cuja
possibilidade contém a exigência de sua realização, daí porque torna-se um dever, desde
que exista uma vontade que assuma tal exigência e trate de concretizá-la358. A seguir,
Jonas esclarece que um “imperativo” pode emanar não somente de uma vontade
dominante, a exemplo de um Deus pessoal, como também “de uma demanda imanente
daquilo que é bom para si mesmo, que deve realizar-se”, contudo, o “ser em si”, do “bem”
ou do “valor” equivale a pertencer ao reino do Ser (embora não imprescindivelmente
356 PELIZZOLI, 2002, p. 57. 357 JONAS, 2006, p. 47/48. 358 Ibid., p. 149.
111
pertencer à atualidade particular do existente), e isso leva a axiologia a se tornar parte da
ontologia359.
Avançando, Hans Jonas indaga de que forma esses argumentos relacionam-se
com os resultados obtidos até agora a respeito do ser na natureza, no tocante ao fato dela
também possuir valores, em se considerando que cultiva finalidades e objetivos, eis que
da forma como a natureza estabelece suas finalidades e as persegue, alcançá-las constitui
um bem e fracassar equivale a um mal e, a partir dessa distinção, inicia-se a
imputabilidade de valor360. A finalidade, enfim, impõe-se e não necessita de nenhum
dever e nem mesmo é capaz de fundamentá-lo, utilizando-se, no melhor dos casos, da
ficção de um “dever” como instrumento do seu poder361.
Desenham-se, em cores claras, a ontologia e a metafísica da ética ambiental de
Jonas, que ultrapassa o mero conhecimento emocional do objeto a ser protegido362 e
reivindica a escolha pelo Ser e pelo existir no futuro, eis que para ele é mediante a
assunção de responsabilidade que se pode garantir a existência de vida futura no planeta.
E tal lição ele escreve com frases fortes, quando ressalta:
Lembremo-nos, por último, que o cuidado da natureza por nossa progenitura
[...] é de tal forma espontâneo que não necessita do recurso à moral, pois é o
arquétipo humano elementar da coincidência entre a responsabilidade objetiva
e o sentimento de responsabilidade subjetivo, por meio do qual a natureza nos
educou previamente e orientou nossos sentimentos para os tipos de
responsabilidade aos quais falta a garantia do instinto363.
Para ele, o sentimento caracterizador da responsabilidade, não importando se
pressentimento ou reação posterior, é, de fato, moral, traduzido na disposição de assumir
os próprios atos; mas reconhece que
[...] em sua formalidade pura não é capaz de fornecer o princípio efetivo para
a teoria ética, que em primeira e última instância tem a ver com a apresentação,
reconhecimento e motivação de finalidades positivas para o bonum hamanum.
Da inspiração desses fins, do efeito do bem sobre o sentimento pode brotar a
disposição de assumir responsabilidades; sem elas, ou seja, sem valores
impositivos, talvez deva lamentar a fuga das responsabilidades (considerando-
se que, de um ponto de vista puramente hedonista, a prudência pode ser um
defeito), mas ela não é condenável364.
359 Ibid., loc. cit. 360 Ibid., loc. cit. 361 Ibid., p. 150. 362 Ibid., p. 163. 363 Ibid., p. 163/164. 364 Ibid., p. 166/167.
112
Prosseguindo no exame da responsabilidade segundo a ótica de Jonas,
ponderações de alguns de seus comentadores, a exemplo de Helder Buenos Aires de
Carvalho, Flaviano Oliveira Fonseca e o filósofo Paul Ricoeur, auxiliam a compreensão
de sua ética.
Buenos de Carvalho explana que no entender de Jonas o critério kantiano para
julgar se uma ação é ou não moral é a coerência da vontade do indivíduo que age mediante
o próprio querer, sendo que a coerência, entretanto, é um critério lógico e não
propriamente moral, e por considerar este aspecto como uma “limitação” do imperativo
categórico de Kant, propõe outro princípio, o “princípio responsabilidade”, como
fundamento da ética que anuncia365. Buenos ainda complementa tal assertiva aduzindo:
Com base na definição de princípio – uma ‘proposição que constitui uma
norma moral ou uma regra de conduta’ – não é difícil identificar essas
diferentes formulações do imperativo jonasiano com um legítimo princípio
normativo. Com isso, então, se demonstra que, aqui, a responsabilidade é,
nitidamente, expressa enquanto princípio normativo366.
Sendo assim, complementa, diversamente da formulação kantiana, a concepção
ética por Jonas proposta não leva em conta somente os princípios, mas também as
consequências das ações concretizadas, o que confirma a hipótese aventada por Frogneux
de que a ética jonasiana realiza a síntese entre a moral deontológica e a moral
consequencialista367.
Oliveira Fonseca destaca que Jean Greisch368, inspirado em Jonas, afirma que a
responsabilidade adquire um status maior do que uma simples virtude, ou seja, “ela se
torna ‘a virtude’ por excelência; dito de outra forma, ela atinge o patamar de ‘sabedoria
prática’ e pode ser traduzida por prudência, que, longe de estabelecer limites, caracteriza-
se pelo fato de se comportar como uma atitude antecipatória”369.
Para Ricoeur, o que está em jogo é a inclusão da ideia de vida na própria
fundamentação do imperativo e que essa fundamentação, segundo Jonas, só pode ser
365 CARVALHO, in: SANTOS, 2011, p. 164. 366 Ibid., loc. cit. 367 Ibid., loc. cit. 368 GREISCH, Jean. L’amour du monde et Le principe responsabilité. In: VACquin, M (Dir.). La
responsabilité: La condition de notre humanité. Paris: Éditions autrement, 1994. 369FONSECA, in: SANTOS, 2011, p. 258.
113
ontológica, pois o que deve ser justificado é a continuação de uma existência e não a
racionalidade de um princípio de moralidade370.
As explanações acima indicam a razão pela qual Jonas afirma que a reflexão
básica que faz na anunciação da ética por ele proposta, fundada no dever, não é
propriamente moral, mas lógica, dado que o “poder” ou “não poder” querer expressa
autocompatibilidade ou incompatibilidade, e não aprovação moral ou desaprovação371.
Resta claro que para Jonas a natureza cultiva finalidade, que as persegue; que o
alcance das mesmas é um bem e o fracasso em alcançá-las um mal, e que em existindo
tais finalidades a dignidade delas somente pode derivar de sua existência efetiva, devendo
ser avaliadas em virtude da força de sua motivação e talvez do prazer obtido com a sua
realização, ou, por outro lado, do sofrimento oriundo da sua recusa372.
Segundo ele, a finalidade é um bem em si, impõe-se e não necessita de nenhum
dever, tampouco o fundamenta, sendo que, no melhor dos casos, utiliza a ficção de um
“dever” como instrumento do seu poder373. Essa concepção é nuclear para a doutrina de
Jonas, pois ele considera que o Ser se autoafirma na finalidade e nela mostra a sua razão
de ser374. Por isso ele enfatiza que “a busca de finalidade, cuja efetividade e eficiência no
mundo devemos considerar como estabelecidas” deveria ser vista como “uma auto-
afirmação fundamental do Ser, que se coloca em termos absolutos como sendo melhor
que o não-Ser”, reconhecendo-se que “em cada finalidade o Ser declara-se a favor de si,
contra o nada”. Ainda, que uma coisa elementar a se aprender de um Ser, na medida em
que ostente finalidade é que ele está envolvido com algo, no mínimo consigo próprio, e o
valor seguinte, consequente do valor fundamental do Ser como, ao assinalar a sua
diferenciação relativamente ao não-Ser, seria acréscimo de finalidades, o que equivale a
dizer a pletora de fins almejados e, por consequência, do bem e do mal que daí possam
resultar375.
Ao afirmar o “sim” à vida e um “não” enfático ao não ser, Jonas inicialmente
argumenta que a natureza manifestou seu interesse na vida orgânica e o satisfez
370 RICOEUR, 1996, p. 235. 371 JONAS, 2006. p. 47. 372 Ibid, p. 149. 373 Ibid, p. 150. 374 Ibid, p. 151. 375 Ibid, loc. cit.
114
progressivamente na extraordinária variedade de suas formas, sendo cada uma delas um
modo de ser e de esforço, ao preço da frustração e da extinção, eis que é o preço
necessário, uma vez que cada ser, sendo em si uma finalidade, irá realizar-se à custa de
outra finalidade, daí porque o interesse manifesta-se na intensidade dos fins próprios dos
seres vivos nos quais a finalidade da natureza torna-se cada vez mais subjetiva376. E os
seres vivos transformam-se nos executores de suas próprias finalidades, assim, todos os
seres sensíveis e movidos por um impulso são não apenas uma finalidade da natureza
como também uma finalidade em si mesmos, ou seja, o seu próprio fim377.
Prosseguindo na justificação ontológica da sua ética, Jonas dirá que, em virtude
da liberdade lúcida do homem, o qual é, a um só tempo, o continuador da obra (da
natureza) como também, paradoxalmente, pode se transformar em seu destruidor,
necessita incorporar um “sim” que impõe, ao seu poder, a vontade e o esforço, para assim
incorporar o “não” ao “não-Ser”378.
Portanto, se o agir humano traduzido na exploração e no aproveitamento da
natureza, sem o cuidado correspondente, tem-se revestido de ameaça apontada por
estudos científicos das diversas áreas do conhecimento, e uma vez que Jonas credita essa
crise ambiental à “conjunção do niilismo e da transformação tecno-científica do agir
humano”379, urge, de fato, refletir sobre o que este filósofo previne: o “caráter
problemático de um dever distinto do querer”. O querer decorre da própria finalidade, que
busca satisfazer a sua reinvindicação de ser, mas onde tiver que escolher entre um melhor
e um pior, tal como ocorre aos humanos, pode-se falar do dever de escolher o melhor
caminho em nome do fim desejado, conforme diria Kant, a partir de um “imperativo
hipotético” de prudência referente aos meios e não ao fim380. Entretanto, destaca Jonas,
por maior que seja a importância desse imperativo na selva dos assuntos humanos, ele
não tem nada a ver com o imperativo categórico da moralidade, e tampouco adianta falar
em fins “superiores” ou “inferiores” para justificar escolhas enquanto tal diferenciação
não tiver sido definida de forma ética, transformando em dever a escolha do fim
superior381.
376 JONAS, 2006. p. 151/152. 377 Ibid, p. 152. 378 Ibid, loc. cit. 379 HOTTOIS, 2008, p. 629. 380 JONAS, 2006. p. 153. 381 Ibid, p. 153/154.
115
No entanto não é o próprio dever o objeto e nem a lei moral a motivadora da
ação moral, mas sim o apelo do bem em si no mundo, que confronta a minha vontade e
exige obediência, de acordo com a lei moral, eis que ouvir o tal apelo é exatamente o que
ordena a lei moral: a obediência genérica ao apelo de todos os bens dependentes da ação
e o respectivo direito deles à minha ação; assim, o referido apelo torna o meu dever aquilo
que a intelecção mostrou-me que é digno de existir por si mesmo e necessita da minha
intervenção382. Para que algo me afete de forma a influenciar a minha vontade é preciso
que eu seja capaz de ser influenciado por ele, exigindo-se, por conseguinte, que o lado
emocional entre em jogo, sendo da essência da nossa natureza moral que a nossa
intelecção nos transmita um apelo que encontre resposta em nosso sentimento, no caso, o
sentimento de responsabilidade383.
Vê-se, pois, que Hans Jonas propõe a assunção de uma ética da responsabilidade
cujo elemento deontológico levanta um imperativo, o qual parte de um argumento
prudencial, praticamente aristotélico, segundo destacam Cardoso e Marqués-
Fernández384. Com efeito, assim comentam estes autores sobre a ética da responsabilidade
de Jonas:
A responsabilidade emana da liberdade, como ele mesmo disse:
Responsabilidade é o fardo da liberdade, partindo desta razão é que chega a
considerar a responsabilidade como um dever, uma exigência moral que
percorre todo o pensamento ocidental, mas que hoje tornou-se ainda mais
premente porque - nas condições sociedade tecnológica – a responsiblitdade é
obrigada a se nivelar à altura do poder que o homem tem.
Jonas argumenta que o princípio da Responsabilidade é convincente,
porque, ao contrário do que muitos acreditam, não é a terra que está em perigo,
mas sim a diversidade suas espécies atuais que estão expostas a sofrer um
terrível empobrecimento.
Na ética de Jonas é um elemento deontológico que levanta um imperativo,
mas não devemos esquecer que se parte de um argumento razoável,
praticamente aristotélico. Seu imperativo é causado pelas novas condições de
vida impulsionadas por ameaça tecnológica.
Confrontado com a ameaça que paira sobre a natureza o homem tem o
dever moral de protegê-la, esse direito aumenta à medida que você sabe como
é fácil de destruir a vida, portanto, neste momento, a ética deve levar em conta
as condições globais da vida humana e a sobrevivência da espécie385.
382 Ibid, p. 156/157. 383 Ibid, loc. cit. 384 CARDOSO, MÁRQUEZ-FERNANDEZ, 2003, p. 94/95. 385 Livre tradução de: La responsabilidad emana de la liberdad o, como él mismo lo disse: la
responsabilidade es la carga de la libertad, partiendo de esta razón es que llega a considerar la
responsabilidade como um deber, una exigencia moral que recorre todo el pensamiento occidental, pero
que hoy se ha vuelto más acuciante todavia porque – em las condiciones de la sociedade tecnológica –, la
responsabilidade está obligada a situarse a la altura del poder que tiene el hombre.
116
O filósofo francês Edgar Morin, já citado neste trabalho, também é lembrado por
Cardoso e Fernandez quando afirmam que a ética de Jonas coincide com alguns
pressupostos teóricos desse pensador, pelo fato, v.g., da pretensão de tal ética ser vista
como valor universal, não porque todo mundo há de fazer o mesmo, mas sim porque
trabalhando numa perspectiva ética, defende-se a vida de todos e, para escândalo dos
ilustrados, o imperativo ético de Jonas emana do medo ou, em suas palavras, da
“heurística do temor”386, que significa respeito mesclado com medo387.
Jonas propõe a autolimitação do poder, sem a qual não se pode garantir vida
futura no planeta, pois se o objetivo da natureza é regulado de forma cega e sem escolha
para a manutenção da totalidade diversificada e é gerido de forma severa, porém eficaz,
uma vez que o dever intrínseco do Ser se realiza em si mesmo, com o homem o poder
emancipou-se da totalidade por meio do saber e do arbítrio, podendo, então, tornar-se
fatal para a natureza e para ele mesmo388. Dessa forma, somente no caso do homem o
dever surge da vontade como autocontrole do seu poder, exercido conscientemente
primeiramente em relação ao seu próprio “Ser”, além de tornar-se o fiel depositário de
todos os outros fins em si mesmos, os quais se encontram sob a lei do seu poder; portanto,
o que une a vontade ao dever, o poder, é justamente o que leva a responsabilidade para o
núcleo da moral389.
Hans Jonas não sucumbe ao antropocentrismo reducionista nem ao radicalismo
ecológico que alguns autores identificam na ecologia profunda, sobre a qual já se escreveu
ligeiramente neste capítulo. Diz que o interesse humano coincide com o interesse dos
outros viventes, já que a natureza também possui a sua dignidade embora ela se curve à
nossa dignidade superior, em face mesmo do nosso poder, o qual, ao priorizar o dever em
Jonas sostiene que el principio de responsabilidade es apremiante porque, a diferencia de lo que muchos
creen, no es la tierra la que está em peligro, sino la diversidad de sus espécies actuales a las que se les
expone a sufrir un empobrecimiento espantoso. [...].
En la ética de Jonas hay un elemento deontológico que plantea un imperativo, pero no conviene olvidar que
se parte de um argumento prudencial, práticamente aristotélico. Su imperativo es provocado por las nuevas
condiciones de vida impelidas por la amenaza tecnológica. [...].
Ante la amenaza que se cierne sobre la Naturaleza el hombre tiene el deber moral de protegerla, ese deber
aumenta en la medida que sabe lo fácil que es destruir la vida, por ello, en la actualidad, la ética debe tener
en cuenta las condiciones globales de la vida humana y de la misma supervivência de la espécie. 386 Veremos mais adiante alguns comentários referentes à heurística do temor na obra de Jonas. 387 CARDOSO, MÁRQUEZ-FERNANDEZ, op. cit., p. 96. 388 JONAS, 2006. p. 216/217. 389 Ibid, p. 217.
117
relação ao ser humano, deve incluir também o dever em relação à natureza como condição
sine qua non para a própria sobrevivência e continuidade da espécie390. Refere-se à união
do poder com a razão que, para ele, traz consigo a responsabilidade, fato que sempre se
compreendeu quando no trato da esfera das relações intersubjetivas, e o que não se
compreendera é a novel expansão da responsabilidade sobre a biosfera e a sobrevivência
humana, decorrente da extensão do poder sobre as coisas e principalmente do fato de que
esse poder seja destrutivo; por sua vez, o poder e o perigo revelam um dever que, através
da solidariedade imperativa (decorrente do perigo comum), com o resto do mundo,
estende-se do nosso “Ser” para o conjunto391.
Assim, o perigo revela o “não ao não ser” como nosso dever principal, ressalta
Jonas392, e esse dever nascido do perigo clama, sobretudo, por uma ética da preservação,
da proteção, e o “não ao não ser”, em primeiro lugar ao “não ser” do homem, “constitui,
até nova ordem, a forma prioritária de como uma ética de emergência voltada para um
futuro ameaçado, que deve transpor para a ação coletiva o “sim ao Ser”, que o conjunto
das coisas acabou por tornar um dever humano”393.
Ao criticar o que se fez com o programa baconiano do progresso científico, Jonas
por vezes não é bem compreendido, embora a clareza das suas objeções no item 2 do
capítulo VI de O Princípio Responsabilidade, onde salienta que o perigo decorre da
dimensão excessiva técnico-industrial que não contou desde as origens, na execução
capitalista, com a racionalidade e a retidão que lhe seriam adequadas394. Não há, portanto,
uma contraposição dele ao pensamento de Bacon, mas sim à forma como se está
implementando o ideal baconiano395, tanto que Jonas mesmo sublinha que Bacon “não
poderia imaginar um paradoxo desse tipo: o poder engendrado pelo saber conduziria
efetivamente a algo como ‘domínio’ sobre a natureza (ou seja, à sua superutilização), mas
ao mesmo tempo a uma completa subjugação a ele mesmo”. Quanto a esse aspecto, frise-
se que também se percebe das palavras do próprio Bacon, na sua defesa do progresso
científico, que ele não visou à destruição da natureza e nem mesmo previu o caos
ecológico anunciado há algumas décadas pelo “coro de Cassandras”.
390 Ibid, p. 229/230. 391 Ibid, p. 230. 392 Ibid, p. 232. 393 Ibid, p. 233. 394 Ibid., p. 235. 395 Ibid, p. 236/237.
118
Pelo menos duas proposições associadas, ambas constantes de o Novum
Organum, apontam que Bacon não admitiu, no seu ideal, agressão ou destruição da
natureza: i) “O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto
constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza;
nem sabe nem pode mais”396; ii) “Conhecimento e humano coincidem, porque onde a
causa é desconhecida o efeito não pode ser produzido. Pois para ser comandada, a
natureza deve ser obedecida”397.
Nesta quadra, tem-se que, em decorrência da sua visão sobre os excessos
tecnológicos desprovidos do planejamento que se fazia e faz necessário, Hans Jonas
também critica a política da utopia, que, segundo ele, equivale à crítica da técnica levada
ao extremo. E tal sentido emerge das suas palavras, as quais chicoteiam o excesso de
otimismo quanto ao emprego da técnica como tem sido feito, anunciando a ética da
responsabilidade como remédio para a ameaça de perecimento da biota e, por derivação,
de “autêntica vida humana” no Planeta.
[...] a crítica da utopia serve não tanto como refutação de um equívoco
cognitivo, por mais influente que seja, mas, sobretudo, à fundamentação da
alternativa que nos incumbe: a da ética da responsabilidade, que hoje, após
vários séculos de euforia pós-baconiana e prometeica, de onde se originou
também o marxismo, deve segurar as rédeas desse progresso galopante. Conter
tal progresso deveria ser visto como nada mais do que uma precaução
inteligente, acompanhada de uma simples decência em relação aos nossos
descendentes398.
Robinson Santos, em O problema da técnica e a crítica à tradição na ética de
Hans Jonas, lembra que, para Jonas, é sobre esse caráter apocalíptico e catastrófico da
técnica bem-sucedida que devemos refletir e que ao invés de permanecermos na segura
posição, ilusória, de quem controla a força da técnica, precisamos desenvolver uma
postura de reverência e de temor, pois, na visão jonasiana, quando a esperança não é mais
a inspiração, então talvez seja o alerta do medo o que pode levar a humanidade à razão,
daí porque este filósofo propõe que se faça uma “heurística do temor”399.
396 BACON, Novum Organum, “Prefácio”, p. 69. 397 Ibid., p. 70. 398 JONAS, 2006, p. 349. 399 SANTOS, 2011;5(2):130-140.
119
Ainda quanto à crítica da política da utopia400 que Jonas entende estar presente
no marxismo, embora “no seu entender, contrariando as intenções de Marx”401, note-se
que a visão de Flaviano Oliveira Fonseca, profundo estudioso da obra de Jonas, não
destoa da análise acima. O referido autor pontua que Jonas tece uma analítica refutação
do ideal utópico do marxismo tendo por base O Princípio esperança, tese fundamental
de Bloch, que, na visão dele, é o mais importante representante da ideologia progressista
de Marx e, nesse contexto, Jonas dirá que a sua ética da responsabilidade não é
escatológica, mas sim antiutópica402. Assim, “a crítica à utopia é a crítica à visão
escatológica de uma sociedade de classes, fruto da revolução, mas também nega a tese de
que a história esteja destinada àquela visão final”403.
Sob o título Hans Jonas e a crítica à utopia, Lilian Simone Godoy Fonseca
também assevera que ao identificar o marxismo como herdeiro do projeto baconiano, por
um lado Jonas “reconhece o mérito e as ‘boas intenções’ do projeto marxista, mas, por
outro, constata a necessidade de se distanciar de tal projeto, para estabelecer a sua
concepção”404, que não se irmana com a utopia e, ao mesmo tempo, denuncia que a
proposta de Marx não inclui a natureza.
[...] no que tange à consecução do principal objetivo da proposta marxista,
descrito como a “humanização através do trabalho”, processo que inicia com
o trabalho mais elementar do homem sobre a natureza (humanização da
natureza) e culmina com o trabalho livre de toda sua finalidade de
sobrevivência (humanização do próprio homem), Jonas vê aí “o radical
antropocentrismo da proposta marxista”, pouco adequado ao contexto atual em
que a natureza reclama também um lugar no pódio da reflexão ética, tão
ameaçada que está pelas inúmeras atividades humanas altamente amplificadas
pela tecnologia, que interferem de modo irresistível nessa dimensão da
realidade anteriormente tomada como permanente (inalterada) 405.
Ainda para a autora supra, a despretensiosa solução indicada por Jonas,
evidenciada por meio de seu ‘princípio responsabilidade’, deve ser assimilada, portanto,
tanto como um alerta, quanto um alento, dado que seu intento é assegurar a “vida humana
400 E não simplesmente utopia, conforme observa Lilian Simone Godoy Fonseca na obra objeto da nota de
rodapé seguinte, p. 202. 401 FONSECA, Lilian, in: SANTOS, 2011, p. 203. 402 FONSECA, in: SANTOS, 2011, p. 254. 403 Ibid. p. 255. 404 FONSECA, Lilian in: SANTOS, 2011, p. 205. 405 Ibid, p. 208/209.
120
autêntica na Terra”, aí estando o fundamento da sua ética orientada para o futuro (EOF)
e, como ele buscou estabelecer, em uma perspectiva antiutópica406.
À guisa de conclusão sobre o assunto “crítica à política da utopia”, a observação
que Simone Godoy traz, referente à obra O adeus crítico à utopia, de Dominique
Janicaud: “Janicaud enfatiza bem que o principal aprendizado da crítica das utopias é a
constatação de que o estabelecimento de uma ética da responsabilidade passa pela
aceitação fundamental da condição humana em sua finitude e sua fragilidade”407.
A ecoética em Jonas tem como fundamento basilar a crítica à desenfreada
tecnologia que ameaça o futuro do planeta, propondo a ética do cuidado com a natureza,
com vistas à possibilidade de “autêntica vida humana” no futuro; sendo assim, vai além
da ética tradicional das relações simultâneas, tendo como alicerce a metafísica,
justamente por defender a preservação da essência humana, ao tempo que mergulha na
ontologia, por também apoiar-se na doutrina do Ser.
4. CRÍTICAS À ÉTICA DA RESPONSABILIDADE PROPOSTA POR
HANS JONAS: BREVES CONSIDERAÇÕES.
É natural que um novo imperativo, tal o trazido por Jonas, embasado na
metafísica, na ontologia, e apontando para uma crítica à utopia, carregue em si a
potencialidade de fomentar diferentes reflexões críticas, concordantes ou discordantes
(ainda que parcialmente). De antemão, importa esclarecer que as críticas relacionadas a
uma alegada “heurística do temor408” serão estudadas em item próprio, seguinte a este.
Dentre os críticos da ética da responsabilidade de Jonas está Karl-Otto Apel, um
dos defensores (Habermas é outro) da ética do discurso de viés cognitivista, baseada na
teoria do agir comunicativo.
Com efeito, no livro Ética e responsabilidade – o problema para a passagem
para a moral pós-convencional, Apel afirma que a situação do problema defendida por
Jonas e a missão de uma ética da responsabilidade necessária nos dias de hoje é
406 Ibid., loc. cit. 407 Ibid., p. 211. 408 Muitas vezes chamada de “heurística do medo”.
121
compreensível e de fato plausível diante do pano de fundo da crise ecológica, que para a
maioria dos estudiosos do tema surgiu na consciência através da divulgação do “Clube de
Roma”409, desde “Os limites do Crescimento”410, reconhecendo-se que a causa mais
profunda da crise são as alterações revolucionárias na relação do homem com a natureza,
introduzidas pela moderna ciência e suas consequências técnicas411. Prosseguindo, Apel
aduz que
A natureza – isso demonstra a crise ecológica – não é, enquanto pressuposto
de fundo das forças produtivas do homem e enquanto espaço de habitação do
homem, ilimitadamente explorável e onerável; pelo contrário, ela é limitada
em muitos aspectos nos recursos aproveitáveis e, sobretudo: enquanto ecosfera
do ser humano ela é vulnerável sistema de equilíbrio funcional412, cuja
destruição atinge igualmente as condições da vida humana. Nessa medida,
resulta já deste desafio de uma natureza inteiramente nova da crise ecológica
a questão fundamental de igual natureza nova de uma ética da responsabilidade
[...]413.
Debruçando-se especificamente sobre a ética de Jonas, Apel inicialmente
indaga: “será o ‘princípio responsabilidade’, o qual contém uma resposta possível à
contemporânea situação de crise, irreconciliável com aquele ‘princípio de esperança’ que
numa perspectiva moral e social-emancipadora estava contido na ideia de progresso da
modernidade?”414. Diz que: i) Hans Jonas respondeu essa questão basicamente na
polêmica com o “princípio esperança” marxista de Ernst Bloch entendendo serem
irreconciliáveis, porém compreendeu a resposta como recusa direta da esperança “de
progresso da moderna filosofia da história desde o século XVIII, que ele interpreta na
totalidade como uma secularização utopista da escatologia judaico-cristã”415; ii) Jonas
distancia-se particularmente da confiança na “razão – imanente – da história”, embora
nisso ele também inclua silenciosamente na sua recusa “a concepção de Kant de uma
esperança de progresso, de pensar, por um dever moral, a história (sempre renovada)
enquanto progresso possível no sentido da realização aproximativa proposta de
409 Club of Rome. 410 Die Grenzen des Wachstums. 411 APEL, 2007, p. 132/133. 412 Conforme já demonstramos no capítulo um desta dissertação. 413 APEL, 2007, p. 133. 414 Ibid., p. 134. 415 Ibid., loc. cit.
122
postulados morais”416, assim chegando à conclusão que nós, enfim conscientes, teremos
de pagar no processo impulsionador para a frente de um modo totalmente diferente417.
Quanto às afirmações acima, Apel declara achar problemática a recusa da ideia
de progresso moderna e que a crítica da ideia do progresso e de utopia nela implicada
parece tão equívoca e ambivalente como do mesmo modo as próprias noções de progresso
e utopia418. Esclarecendo o ponto do seu questionamento, escreve:
[...] mesmo quando, juntamente com Jonas, se partilha a opinião de que o
importante na situação actual é salvar a existência, portanto a sobrevivência, e
a imagem essencial intacta, portanto a dignidade dos perigos que se encontram
no mero avanço do progresso, ou seja do processo de industrialização em
curso, mesmo quando se é dessa opinião, e para tal também me incluo eu,
também se poderá indagar se a existência e dignidade humanas serão possíveis
de salvar por meio da mera conservação das condições atuais. Mais
precisamente: não será a natureza do homem e o seu meio ambiente desde há
muito tempo moldado técnica e socioculturalmente constituída de uma tal
maneira que ela sem uma ideia reguladora do progresso tecnológico e social
não pode ser conservada? A possibilidade de uma conservação ética da
dignidade humana não estará a priori associada à condição de que ela também
ainda terá de ser primeiramente realizada – em particular no sentido de uma
produção à escala mundial de relações sociais humanamente dignas?419.
Percebe-se do excerto acima que Karl-Otto Apel insurge-se contra uma frase de
Jonas, por ele transcrita, no sentido de que o importante na presente situação mundial é
uma ética da manutenção, da conservação, da proteção e não do progresso e da
perfeição420. No entanto Jonas retoma esse assunto logo no início do item III do capítulo
VI de O Princípio Responsabilidade, e de suas palavras emerge o entendimento de que a
preocupação inicial com a conservação e a proteção não descarta a do aperfeiçoamento,
mesmo porque não se pode cogitar de aperfeiçoar o que restar destruído ou
descaracterizado da essência humana, na esteira do que ele denomina como “autêntica
vida humana”: da forma como estão as coisas, durante certo tempo a postura positiva
implicará desempenhar-se, antes de tudo, de funções de preservação e proteção, no seio
da qual poderão exercer-se as funções de recuperação e de melhoramento421.
416 Ibid., loc. cit. 417 Ibid., loc. cit. 418 Ibid., p. 135. 419 Ibid., loc. cit. 420 Ibid., loc. cit. 421 JONAS, 2006. p. 349.
123
Apel também transcreve o imperativo categórico proposto por Jonas, para depois
admitir crer que no princípio responsabilidade exprime-se, de fato, um novo nível de
consciência moral, que
[...] em Kohlberg alcança níveis explícitos, e certamente não no sentido do
desenvolvimento lógico-evolutivo do princípio abstracto da reciprocidade
universalizada, mas no sentido de uma extrapolação da relação de
reciprocidade com o concreto-universal da humanidade no futuro enquanto
dimensão inconcludente da responsabilidade422.
Mas Apel explana sobre nova discordância pontuando que uma solução social-
darwinista423 do problema da sobrevivência e da continuidade da existência humana no
futuro não apresentaria qualquer solução eticamente responsável; no entanto, diz, a nosso
ver com um certo teor cáustico, que tal solução por ele rejeitada embora não aceita por
Jonas, também não foi excluída da proposta por ele anunciada de um imperativo
categórico, a não ser que que se incluísse na noção de integridade do humano a da
integridade a ser mantida da humanidade ora vivente e, dessa forma, “o atrofiamento da
saúde da população da terra através da morte pela fome de partes do Terceiro Mundo,
pelo menos como solução justa no sentido de uma ética da responsabilidade”424.
Os surpreendentes e questionáveis argumentos de Apel demandam uma rápida
análise: não se pode, objetivamente, dizer que se Jonas não rechaça expressamente algo,
é porque aceita, pelo simples fato de que tal exercício conjectural traduz-se numa dedução
evidentemente frágil. Se Apel tivesse mostrado evidências que, associadas, levassem,
ainda que indiretamente, à afirmação de que Hans Jonas defende uma solução social-
darwinista, poder-se-ia analisar criticamente as evidências apontadas, mas do modo como
procedeu, sem se desincumbir do ônus da prova da afirmação que fez, a carência de
fundamento deságua na fragilidade de convencimento. Chega a ser data máxima vênia,
uma ilação bizarra Apel usar como argumento para a sua crítica o fato de Jonas não ter
negado explicitamente a solução social-darwinista, dado que não há o mínimo indício na
obra de Jonas a indicar que a ética da responsabilidade dependeria da morte, por conta de
fome, da população do terceiro mundo. Apel inclusive se contradiz, pois antes ele mesmo
422 APEL, 2007, p. 144. 423 Apel explica a solução social-darwinista na p. 136 da obra citada, ao discorrer que numa “visão
puramente biológica, a sobrevivência da humanidade na presente situação da ameaçadora sobrepopulação
e do escasseamento dos recursos também poderia ser garantida, se parte da população terrestre, por
exemplo, no Terceiro Mundo, morressem à fome”. 424 APEL, 2007, p. 145.
124
reconhecera que a ética jonasiana visa à manutenção e conservação, no entanto como tal
conservação poderia se transfigurar em proposta na qual está embutida a morte de parte
da humanidade? Quando Jonas fala em uma ética que possa dar chance de, no futuro,
ainda haver “autêntica vida humana” no planeta, ele não discrimina que seja vida humana
dos países do primeiro, segundo ou do terceiro mundo, eis que na sua ética todos os
homens têm igual direito de existir no futuro e todos têm o dever moral de garantir as
condições para tal.
Robinson Santos recorre a Apel ao expor considerações críticas à ética da
responsabilidade de Jonas. Salienta que a ética de Jonas não está isenta de problemas e
que a fundamentação do princípio responsabilidade permanece ainda a ser explorada em
seus vários aspectos; giza que Apel questiona, por exemplo, se somente uma ética da
preservação e do cuidado é suficiente para dar conta tanto dos problemas teóricos, no
plano da fundamentação, e dos problemas efetivos que se apresentam no plano prático425.
Não parece, entretanto, que se pode extrair das palavras de Jonas a afirmativa de
que ele considera que apenas a ética da preservação e do cuidado é suficiente para dar
conta dos problemas teóricos, no plano da fundamentação e dos problemas efetivos que
se apresentam no campo prático, mesmo porque Jonas não somente expressa a
necessidade de uma interação entre as ciências, conforme já demonstrado no capítulo I
deste trabalho, como também defende a necessidade de ações políticas e, por derivação,
jurídicas, as quais devem caminhar ao lado da ética voltada para o futuro, consoante já
discorrido no capítulo II desta Dissertação.
Robinson Santos também destaca que tanto Jonas quanto Apel situam-se diante
do problema da civilização contemporânea, marcada desde o início do século XX por
guerras e escalada nuclear, pela crescente crise ecológica, como preço da civilização
industrial, enfim pelo predomínio de uma racionalidade cientificista que, de certa
maneira, procura reduzir problemas morais a questões relacionadas à subjetividade, ou
mesmo a questões de preferências pessoais ou emocionais e, portanto, irracionais426. Não
obstante a preocupação comum desses dois filósofos, Robinson Santos também destaca
brevemente a diferenciação das propostas de enfretamento dos problemas elencados
acima:
425 SANTOS, in: SANTOS, 2011, p. 38. 426 SANTOS, [32, 2010] 139 – 155.
125
Enquanto Jonas oferece um tratamento para a questão que parte do
descompasso entre as éticas da tradição e os desafios totalmente novos de
nossa época, apresentando a responsabilidade como dever fundamental do ser
humano, sobretudo para com as gerações futuras, Apel privilegia o
enfrentamento do problema de uma fundamentação última de princípios e
normas morais. Segundo Apel o conflito fundamental de nossa época é que ela
está marcada simultaneamente pela necessidade de uma ética universal e a
aparente impossibilidade de se estabelecê-la. Partindo desta consideração ele
reflete sobre a ética do discurso como possibilidade de saída para tal impasse.
De modo sucinto: ambos partem de uma preocupação comum e pretendem
oferecer um princípio, porém com uma substancial diferença no que se refere
à justificação de suas propostas427.
Pondera ainda o autor supra que Jonas, ao privilegiar uma relação não-simétrica
e não-recíproca, efetivamente traz algo novo para o campo da ética, isso até reconhecido
por Wolfgang Kühlmann, um dos expoentes da ética do discurso na perspectiva de Apel,
para quem a “fundamentação última da ética do discurso contém, portanto [...], também
uma fundamentação racional do postulado fundamental de Hans Jonas, que também no
futuro deverá haver uma humanidade [...]”428. Situando as perspectivas de ambos em
soluções diferentes, sendo que a ética do discurso de Apel não tematiza diretamente a
questão ecológica, enquanto a de Jonas inclui diretamente o problema ecológico como
central da ética da responsabilidade, Robson Santos considera como menos problemática
de fundamentação, do ponto de vista da aplicação prática, a concepção de Apel, embora
reconheça o valor provocativo da ética da responsabilidade de Jonas, na medida em que
ao se tratar desse tema, não se pode ignorar os problemas para os quais o autor de O
Princípio Responsabilidade chama atenção429.
Prosseguindo sobre a crítica feita por Apel, é de se atentar para o enfoque do
professor Flávio Beno Siebeneichler, justamente por ele ter situado o alcance das visões
de Jonas e Apel, as quais não são conflitantes mesmo porque transitam em especificidades
distintas relativamente à problemática ambiental.
Para corroborar a proximidade entre Apel e Habermas é necessário destacar
que os dois projetos repousam sobre elementos comuns, a saber: Em primeiro
lugar, a linha de argumentação é decididamente pós-metafísica delineada na
perspectiva de uma filosofia da linguagem vertida em termos pragmáticos. Em
segundo lugar, a moral do discurso formulada por ambos não constitui uma
reação moral a perigos iminentes que colocariam em risco a sobrevivência da
humanidade e da natureza, como é o caso da “ética da responsabilidade”
cultivada por Hans Jonas.
427 Ibid. 428 Ibid. 429 Ibid.
126
[...] o oponente principal da ética do discurso, a ser convencido mediante
argumentos, não é a pessoa cega ou indiferente aos perigos que a humanidade
está correndo – como quer Hans Jonas – mas principalmente o cético radical,
o cínico e o relativista, que não aceitam a possibilidade de uma demonstração
racional de deveres morais obrigatórios. Em que pese isso, convém notar,
inicialmente, que Habermas e Apel sempre tiveram a clara consciência de que
a ética do discurso constitui nada mais que um programa e um projeto
provisório, um verdadeiro experimento nas palavras de Apel, ou ainda, um
plano geral para uma construção em vias de realização, apoiado em pretensões
de validade discutíveis racionalmente430.
Ainda sobre a peculiaridade da ética da responsabilidade de Jonas e da ética do
discurso na seara da discussão dos problemas ambientais, uma sintética explicação de
Lilian Godoy, que aponta não somente os contextos de desenvolvimento filosóficos
distintos de ambas, como também que ambas pretenderam responder a preocupações
éticas inteiramente diferentes. Indagada sobre em que aspecto é possível aproximar o
princípio de universalização da ética do discurso de Habermas e o princípio da
responsabilidade de Jonas, Godoy salientou que Habermas e Apel buscavam sustentar
contemporaneamente uma ética cognitivista pós-convencional, no âmbito de uma Teoria
da Argumentação, partindo da Teoria do Agir Comunicativo, ao passo que Jonas buscava
encontrar uma ética capaz de responder às inquietações de nossa civilização tecnológica,
mas que, se alguma semelhança pode ser apontada entre as duas perspectivas filosóficas
é o fato de que “incluem, em suas respectivas formulações, a preocupação com os efeitos
e as consequências das ações, para além dos próprios agentes envolvidos, coisa que o
imperativo categórico de Kant, por razões internas à sua concepção ética, não fazia”431.
Outro comentador cujas análises das afirmações são úteis para enriquecer o
debate é Gilber Hottois, que elenca vários tópicos críticos e respectivas justificativas.
Alguns serão vistos neste item, mas o que ele denomina de milenarismo de Jonas será
analisado quando da rápida avaliação da “heurística do temor”.
i) Hottois afirma que o retorno ao fundacionalismo sob a forma de uma
metafísica destinada a apoiar de modo indiscutível normas éticas imponíveis a todos é,
indubitavelmente, o ponto menos aceitável do pensamento de Jonas, e justifica tal crítica
com o argumento do perigo e dos abusos do fundacionalismo, o qual pode remeter ao
430 SIEBENEICHLER, disponível em:
<http://www.slideshare.net/ClovisdeLima/reflexes-sobre-a-tica-do-discurso>. Acesso em: 09 dez. 2013. 431 GODOY, Lilian. A reformulação disponível em:
<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4037&secao=371>
Acesso em: 09 dez. 2013.
127
dogmatismo, ao fanatismo, à inquisição e à censura que acarretam a supressão da
liberdade de pensamento e de expressão, além de interromper qualquer forma de
progresso e de reforma432.
ii) Diz que a filosofia política de Jonas decorre de seu fundacionalismo e de sua
recusa de considerar os aspectos positivos e emancipadores do niilismo destrutivo de
qualquer valor ou verdade absolutos e de qualquer dogmatismo, aduzindo que essa
política é autoritária e não democrática, que dá poder a uma oligarquia, qual seja, uma
elite cultural que monopoliza o verdadeiro saber e a sabedoria e que é, portanto, a única
habilitada a impor leis e regras à massa ignorante, irrefletida e não-educável.
Embora os comentários sobre as objeções de Hottois sejam objeto de reflexão,
conjuntamente, despois das críticas transcritas, convém antecipar algumas considerações
sobre a afirmação supra.
Pois bem, é verdade que Jonas argumenta que a utopia tem mais probabilidade
de permanência em sistemas menos precários do que os que, na sua visão, possibilitam
maiores liberdades, contradições e, por conseguinte, crises e degenerações externas,
desacreditando que tais regimes, por sua vez, também tenham razoável condição de
contornar tais crises pela via do funcionamento das instituições democráticas sólidas,
independentes e harmônicas. Mas Jonas utiliza-se de tal afirmação justamente para
justificar o seu combate ao que ele na verdade denomina de política da utopia atribuída
ao marxismo433, a qual, no seu entendimento, não contém a preocupação com a
preservação ambiental, de modo a se garantir a existência futura das espécies. E esse
argumento se evidencia quando ele diz que a ética por ele buscada distancia-se do
marxismo por não ser escatológica e por ser antiutópica434. Ora, se Jonas associa a
facilitação da política da utopia com regimes não democráticos e se ele coloca sua ética
como não utópica, parece não se poder concluir que ele associe a ética da responsabilidade
a um sistema despótico como afirma Hottois. E a seguinte passagem do livro O Princípio
Responsabilidade caminha em sentido contrário à afirmativa de Hottois, daí porque,
432 HOTTOIS, 2008, p. 634/635. 433 Embora contrariando as intenções do próprio Marx, segundo aponta Lilian Simone Godoy Fonseca ao
comentar sobre Hans Jonas e a crítica à utopia. In: SANTOS, Robinson dos. Ética para a civilização
tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos Santos, Jelson Oliveria, Lourenço
Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011, p. 202. 434 FONSECA, Lilian in: SANTOS, 2011, p. 203.
128
embora longa a citação, será transcrita ipsis litteris, para que se possa beber diretamente
das palavras do autor.
[...] do que dissemos dos efeitos corrosivos do regime despótico, conclui-
se que os regimes liberais são pelo menos melhores nesse aspecto, na medida
em que evitam essas causas da corrupção. Abstraída essa constatação banal,
tais regimes evidentemente também têm muitos problemas, e o problema
fundamental é justamente a desconcertante liberdade, que nem sempre é uma
liberdade para o bem. Toda ampliação da liberdade é uma grande aposta de
que o bom uso dela superará o mau, e aquele que considere tal resultado como
certo só poderá ser alguém convicto da bondade inata dos homens (para não
falar na distribuição da inteligência, mesmo que na presença da boa vontade).
Porém, mesmo os que não acreditam em tal bondade inata deveriam apostar na
liberdade, pois ela é um valor moral em si, digna de seu alto preço. Qual é
precisamente esse valor? Não há uma resposta apriorística para tal questão,
que, segundo as circunstâncias, deverá ser respondida recorrendo-se ao senso
de responsabilidade e à sabedoria435.
E a exposição abaixo tem o condão de robustecer ainda mais as considerações
acima delineadas.
[...] Seria necessário reconhecermos (certamente com o preconceito
ocidental ao nosso lado) que, em todos os terrenos da atividade humana, um
sistema liberal, desde que ele possa se defender de seus excessos, é preferível
por motivos morais a um sistema não livre, mesmo quando este possa atender
melhor, ou de forma mais segura, a muitos mais dos interesses importantes dos
homens. E o mesmo vale para outras alternativas. Um Estado de direito é
melhor que um Estado arbitrário; a igualdade diante da lei, melhor que a
desigualdade; o direito a defender os seus interesses e a participar dos
processos decisórios sobre a coisa pública, melhor que a sua transferência
permanente a gestores oficiais; a diversidade individual, melhor que a
homogeneidade coletiva; a tolerância para com o outro, melhor que a
conformidade à força436.
Lenín Cardoso e Álvaro B. Marquez-Fernandéz437 demonstram ter compreendido
diferentemente de Hottois o que Jonas pretendeu dizer quando asseverou a renúncia
espontânea à liberdade (autolimitação da liberdade) em prol da assunção de deveres
relacionados com a existência futura da natureza, aí incluídos, por óbvio, os seres
humanos. Aliás, direitos reconhecidos e deveres impostos por um poder legiferante cujos
membros sejam escolhidos pelo povo são inerentes aos regimes democráticos, sobre os
quais Jonas disse ser preferíveis, na citação anterior.
[...] a questão de saber até que ponto de renúncia à liberdade se está
disposto, qual o grau de responsabilidade e ética deve ser levada a sério, pois
convém não esquecer que a liberdade só pode existir na medida em que ela é
435 JONAS, 2006. p. 278. 436 Ibid., loc. cit. 437 CARDOSO, MÁRQUEZ-FERNANDEZ, 2003, p. 100/101.
129
autolimitada. Uma liberdade ilimitada de o indivíduo apenas pode ser
destrutiva, ao não ser compatível com a de outros indivíduos.
Estas afirmações levaram a considerar a possibilidade de renunciar-se à
liberdade, e isso parece inevitável e evidente, uma vez que não se acredita que
se deva considerar isso como um infortúnio. Há de ser lembrado que na Antiga
Roma foram as leis que restringem a extravagância privada, censores que
tinham o direito de fornecer evidências sobre estilos de vida excessivos em
contradição com estado moral, e foram autorizados a punir tal conduta; tratava-
se de uma substancial interferência na liberdade privada, mas precisamente em
nome de uma autogestão da cidadania438.
Jonas não se contenta com a limitação de liberdade já prevista dentro dos
cânones do Estado Democrático de Direito, tal a insculpida, por exemplo, no caput do
artigo 5º, II439 da nossa atual Constituição, onde está previsto o poder estatal de impor
obrigações de fazer e de não fazer. Jonas propõe uma ética da autolimitação da liberdade
em prol da existência de uma “autêntica vida humana” no futuro. E isso é um desafio
muito maior do que fazer leis e atribuir a agentes públicos o dever de cobrar o
cumprimento das mesmas.
iii) Declara que a filosofia da natureza finalista que apresenta o ser humano como
o ápice da evolução é igualmente pré-moderna e não apoiada pelas ciências físicas e
biológicas, sem falar que a concepção jonasiana da natureza é particularmente confinada,
por limitar-se especialmente à Terra e temporalmente à gênese da humanidade, sem
nenhuma consideração pelos bilhões de anos de existência futura do universo.
Essa crítica também merece uma contradita imediata. Inicialmente a afirmação
de que as ciências biológicas e físicas não apoiam a ideia de que o ser humano representa
o ápice da evolução é controversa e as reflexões do biólogo evolutivo Futuyma
evidenciam o pensamento de boa parte de outros evolucionistas, de anatomistas e
438 Livre tradução de: [...] la cuestión de saber hasta qué punto de renuncia a la liberdad se está dispuesto,
qué grado de responsable y ética, ha de ser considerada en serio; pues conviene no olvidar que la liberdad
puede existir sólo en la medida que ella misma se autolimite. Uma libertad ilimitada del individuo sólo
puede hacerse destructiva, al no ser compatible com la de otros individuos.
Estas aseveraciones lo llevan a plantear la posibilidad de renunciar a la liberdad, y esto parece ineludible y
evidente, puesto que no cree que se deba considerar eso como una desgracia. Recuerda que em la antiga
Roma existían leyes que limitaban los dispêndios privados, se elegían censores que tenían el derecho de
aportar pruebas sobre un tren de vida excessivo, em contradiccíon com la moral del Estado, y estaban
autorizados a castigar tal conducta; se trataba de una considerable injerencia en la libertad privada, pero en
nombre, precisamente, de una autogestión de la ciudadanía. . 439 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
(Omissis);
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
130
fisiologistas, tal como Kent Marshall Van de Graaff, segundo lê-se, incialmente, nas
palavras do primeiro.
Nenhum tópico em biologia evolutiva é mais controverso do que aqueles
relativos à evolução e à genética dos caracteres comportamentais humanos,
incluindo as capacidades cognitivas descritas como “inteligência”. Os
humanos são, ao que sabemos, únicos entre as espécies em sua capacidade para
linguagem simbólica e sintética; eles são imensamente mais capazes de
aprender e transmitir informação do que qualquer outra espécie, e são
extremamente flexíveis em seu comportamento. Como e por que essas
capacidades evoluíram é um tema de grande especulação, mas de pouca
evidência direta. Ao mesmo tempo, o próprio fato de essas habilidades terem
evoluído, devendo por isso ter um fundamento genético, implica para alguns
pesquisadores que alguns comportamentos específicos têm uma base biológica
e genética e podem, na realidade, ser limitados por nossos genes. Em contraste,
outros pesquisadores, apontando para nossa capacidade de aprender e para a
imensa variação em quase todo o comportamento humano, afirmam que os
genes entregaram sua soberania para a cultura – que o comportamento humano
é sobretudo um produto do condicionamento social e do aprendizado. A
resolução desse debate – sobre a importância relativa da “natureza” e da
“criação”, como é muitas vezes enunciado – pode ter implicações sociais e
políticas de grande alcance (Lewontin et al. 1984; Degler 1991). Essa é uma
área na qual a avaliação da evidência é muitas vezes afetada pelos pontos de
vista sociais e ideológicos tanto de cientistas como de não cientistas440.
Complementa-se a exposição acima com a explicação seguinte do segundo
cientista citado.
Como certas características anatômicas dos seres humanos são muito
específicas, eles são analisados separadamente dos outros animais, e até
mesmo de outros mamíferos de ralações mais próximas. Nós também temos
características que são igualmente bem desenvolvidas em outros animais, mas
as funções do encéfalo humano nos proporcionam capacidades notáveis, sem
similares441.
Quanto à assertiva de confinamento porque Jonas refere-se somente ao Planeta
Terra e não ao Universo, pode-se contraditá-la com o fato de que, por ora, há vida
comprovada apenas em nosso Planeta e é precisamente essa vida que Jonas entende estar
ameaçada por ações humanas; consequentemente, em face da urgência decorrente dos
excessos da era tecnológica é que o referido filósofo “delimita” a sua proposta ética para
a Terra, o que não significa dizer que ele não se importe com o futuro do Universo, esse
ainda não ameaçado a ponto de justificar o enfoque cobrado por Hottois.
Vê-se, portanto que, até mesmo pelo fato da riqueza de interpretação facultada
pela obra de Jonas, há diversas análises sobre sua ética da responsabilidade. A título de
440 FUTUYMA, 2009, p. 741. 441 VAN DE GRAAFF, 2013, p. 25.
131
substancioso exemplo pode-se citar a visão de Paul Ricoeur a qual, mesmo não
direcionada para este fim, contrapõem-se, de uma maneira geral, aos argumentos de
Hottois. O eminente filósofo francês extrai algumas afirmativas do que ele entende como
sendo a essência do pensamento de Jonas, embora tenha o cuidado de ressalvar “se minha
interpretação estiver exata” e, a partir daí, observa o contexto das proposições jonasianas,
interpretando de forma sistêmica o cerne da ética da responsabilidade.
Nada obstante alguns pontos obscuros das propostas do consagrado filósofo
judeu-alemão, cujas minudências extrapolam este trabalho, parece mais consentâneo com
o que se extrai do livro Princípio Responsabilidade, inclusive de passagens aqui já
destacadas, o ponto de vista de Paul Ricouer, inclusive quanto ao alegado
fundacionalismo contra o qual insurge-se Hottois. Importante, então, conferir algumas
assertivas de Ricoeur, iniciando-se pela refutação a determinadas afirmativas de que o
princípio responsabilidade depende de uma moral naturalista.
[...]. O princípio responsabilidade pede apenas que se preserve a condição
de existência da humanidade ou, melhor ainda, a existência como condição de
possibilidade da humanidade. Como dissemos anteriormente, é o homem
enquanto vivente que é objeto de solicitude. Eis por que o princípio
responsabilidade se encarrega da vulnerabilidade específica que o agir humano
suscita a partir do momento em que ela se acrescenta à fragilidade natural da
vida. Não se poderia, portanto, dizer que o princípio responsabilidade depende
de uma moral naturalista. Ao contrário, é no nível do agir humano, e por meios
técnicos aplicados de modo corretivo às técnicas, que a ética da
responsabilidade delimita seu campo de exercício. [...]. Dizer que o homem é
responsável pela natureza não é, portanto, dizer que é preciso buscar na
natureza o modelo de medida a ser imposto à deriva tecnicista.
Não se teria nem mesmo o direito de falar de moral naturalista quando
Jonas se arrisca a dizer que o longo trabalho criador da natureza, ao qual
devemos o fato de estarmos vivos, e que hoje é entregue às nossas mãos e
confiado aos nossos cuidados, tem o direito à nossa proteção para o seu
próprio bem. Quer-se dizer com isso apenas que o interesse do homem
coincide com o do resto dos viventes e o da natureza inteira na medida em que
ela é a nossa pátria terrestre442.
É que para Ricoeur, o homem, como potencial destruidor do labor teleológico
da natureza, deve incumbir-se, no nível de seu querer, do sim que a natureza conduz ao
ser e do não que ela contrapõe ao não ser; que “dever ser salvo é a pressuposição do
homem”; que ninguém pode afirmar que o homem seja, deixando de dizer que a natureza
seja, daí o motivo pelo qual o sim ao ser, que a vida pronuncia espontaneamente tornou-
se na esfera humana um dever-ser, uma obrigação443.
442 RICOEUR, 1996, p. 241. 443 Ibid., loc. cit.
132
Paul Ricoeur também se opõe à ideia de que a ética da responsabilidade encontre
na filosofia da biologia um fundamento necessário, porém não suficiente (e por suficiente
ele faz questão de frisar como mais do que necessário), ao afirmar que o visado pelo novo
imperativo não é apenas a existência de homens depois de nós, mas sim e precisamente
que sejam homens compatíveis à própria ideia de humanidade444. E prossegue a reflexão:
Se minha interpretação é exata, a discussão da demonstração concernente
ao fundamento último do princípio responsabilidade deveria ter por objeto a
arquitetura que permite coordenar três axiomas aparentemente distintos: a vida
diz sim à vida; a ideia de humanidade exige ser realizada; o ser vale mais do
que o não-ser. O primeiro axioma representa a contribuição da filosofia da
biologia para a ética; quanto ao segundo, não se poderia ver outra coisa, quer
Jonas queira ou não, além de uma descendente do kantismo, que poderia se
encarregar, entre outras variantes, da ética da argumentação; quando ao
terceiro, o mais fundamental, ele deveria guardar a sua marca propriamente
leibniziana, com, além do mais, um acento platônico, na medida em que é o
Bem, com um grande B, que envolve ser e dever-ser. O segredo do pensamento
de Jonas a ser desvendado parece-me consistir na correspondência tácita entre
os três axiomas, correspondência que permite que se entre na filosofia de Jonas
a partir de qualquer um dos três. Considerados em conjunto, estes parecem-me
formar um vasto círculo hermenêutico. A questão seria então, como disse
vocês sabem quem, não evitar o círculo, mas entrar nele corretamente445.
Por fim, Ricoeur dirá sobre o livro de Jonas e seu empreendimento fundacional:
[...] é um grande livro, não apenas em razão da novidade de suas idéias sobre
a técnica e sobre a responsabilidade compreendida como retenção e
preservação, mas em razão da intrepidez de seu empreendimento fundacional
e dos enigmas que este nos dá para refletir446.
Jacqueline Russ, por sua vez, diz que Jonas edifica uma ética a partir de
fundações novas, de uma responsabilidade distante e não utópica, segundo a qual
respondemos plenamente pelo ser da humanidade futura, examinando lucidamente o
poder das ciência e das técnicas modernas, e que a mil léguas das perigosas utopias, a
ética ontológica de Jonas responde aos problemas do nosso tempo447.
Jonas vê a ciência como meio e clama para que o homem não seja desrespeitado
na sua integridade por esse meio, eis que haveria degradação do patrimônio que o cerca
e sustém a sua existência448. Como meio (caráter instrumental) também entendeu
444 Ibid., p. 243. 445 Ibid., p. 244. 446 Ibid., loc. cit. 447 RUSS, op. cit, p. 105/106. 448 JONAS, 2006. p. 353.
133
Heidegger, em um dos seus pronunciamentos sobre a técnica, onde adverte quanto à
necessidade de aprender-se a lidar de modo adequado com ela:
É correto dizer: também a técnica moderna é um meio para fins. Por isso, todo
esforço para conduzir o homem a uma correta relação com a técnica é
determinado pela concepção instrumental da técnica. Tudo se reduz ao lidar de
modo adequado com a técnica enquanto meio. Pretende-se, como se diz, “ter
espiritualmente a técnica nas mãos”. Pretende-se dominá-la. O querer-dominar
se torna tão mais iminente quanto mais a técnica ameaça escapar do domínio
dos homens449.
Nesse diapasão, as palavras de Mário Sérgio Cunha Alencastro, que não obstante
tecer críticas semelhantes às já vistas, à ética jonasiana, realçam o fato de que foi a partir
da concepção de Jonas que se construiu o “princípio da precaução” e que, em outro
ângulo, a sua obra Técnica, medicina e ética tem sido fonte de discussões e reflexões
sobre a bioética.
É inegável que, no campo da ética aplicada, sua contribuição é inestimável.
A Heurística do Medo apresentada por Jonas deu origem ao amplamente aceito
“Princípio da Precaução”, da mesma forma que seu imperativo geral - que
prevê o cuidado com as gerações futuras, é a base filosófica do chamado
“Desenvolvimento Sustentável”.
No campo da ética aplicada, e seu livro Técnica, medicina e ética é prova
incontestável, pois Jonas abre caminhos para as mais diversas discussões no
campo da bioética, da medicina, (a eutanásia e a clonagem humana), dentre
outros. São considerações de forte caráter heurístico e que têm inspirado os
debates sobre esses assuntos tão polêmicos450.
Enfim, o que se depreende da leitura dos críticos da obra de Jonas é que a maioria
não se furta em reconhecer, mesmo quando entende problemática a fundamentação
ontológica e metafísica da sua ética da responsabilidade, que a obra dele desperta não
somente variadas e férteis discussões como também múltiplas reflexões e contribuições,
para além da filosofia, às mais diversas áreas do conhecimento nesta era tecnológica.
449 HEIDEGGER, v. 5, n. 3, p. 375-98, 2007. 450 ALENCASTRO, 2007. 153f.
134
5: SUCINTAS REFLEXÕES SOBRE O SIGNIFICADO DA “HEURÍSTICA DO
TEMOR” EM JONAS.
Por uma questão didática, a denominada “heurística do temor” de que Jonas
utilizou-se será analisado neste item, uma vez que a complexidade do tema demanda uma
incursão mais específica na concepção jonasiana acerca do temor como um meio para
suscitar responsabilidade.
Inicialmente convém transcrever um trecho de Jonas em que ele se reporta ao
medo451, à esperança e à responsabilidade, constante do capítulo VI, item III, “a” de O
Princípio Responsabilidade.
A esperança é uma condição de toda ação, pois ela supõe ser possível fazer
algo e diz que vale a pena fazê-lo em uma determinada situação. Para o homem
experimentado, e mesmo para o favorecido pela sorte, pode tratar-se de algo
mais do que esperança: da certeza daquele que confia em si mesmo. Mas, por
maior que seja a confiança em si, só se poderia ter a esperança de que os
deslocamentos daquilo que já se obteve será, no fluxo imprevisível das coisas,
aquilo que se desejou. Os homens experientes sabem que um dia podem desejar
não ter agido desta ou daquela forma. O medo de que falo não se refere a esse
tipo de incerteza, ou ele pode estar presente apenas como um efeito secundário.
Com efeito, é uma das condições da ação responsável não se deixar deter por
esse tipo de incerteza, assumindo-se, ao contrário, a responsabilidade pelo
desconhecido, dado o caráter incerto da esperança; isto é o que chamamos de
coragem para assumir a responsabilidade452. (Original sem negritos)
Outro esclarecimento importante antes do breve mergulho no tema é fornecido
por Wendell Evangelista Soares Lopes, no que diz respeito à utilização, por alguns, do
termo “heurística do medo” ao invés de “heurística do temor”. Para esse autor, o medo
está sempre relacionado a um objeto presente, real, ou seja, é um medo do atualmente
dado, ao passo que o temor é sempre temor do possível e, não obstante a importância,
essa distinção não recebeu a acolhida que merecia por parte dos tradutores nem pelos
comentadores de Jonas453. Soares Lopes ainda acrescenta que em Das Prinzip
Verantwortung (O princípio responsabilidade), o vocábulo Furcht (na tradução para o
inglês, o termo usado é fear) foi traduzido (para o francês e para o português, mão não
451 Mais adiante será comentado sobre traduções que redundaram na palavra “medo” em vez de “temor”,
esta última mais adequada à ética da responsabilidade de Jonas. 452 JONAS, 2006, p. 351. 453 LOPES, in: SANTOS, 2011, p. 134.
135
para espanhol) por ‘medo’ e não ‘temor’, o que se traduz em equívoco, por essa tradução
não comportar todo o sentido do que significa para Jonas454.
De fato, as traduções vernaculares da palavras alemã Furcht indicam, além de
medo, apreensão, preocupação, ansiedade, inquietude, receio; por conseguinte, das
palavras de Jonas, pode-se retirar a ilação de que o sentimento presente na ética por ele
apresentada diz melhor com preocupação e até mesmo angústia quanto à existência de
vida no futuro, em face dos excessos da era tecnológica.
Dessa visão também compartilha Jelson Roberto Oliveira, para quem um
primeiro ponto que deveria ser observado à tradução do conceito “Heuristik der Furcht”
por “heurística do medo”, é que a palavra medo tem “uma posição negativa na língua
portuguesa que não traduz bem o alemão Furcht, que seria melhor traduzido por temor,
que daria a ideia não de um medo passivo, mas de um receio fundado, de um medo
acompanhado de respeito frente à força do mal eminente”; que a referida palavra objeto
de tradução tem a ver “com escrúpulo e com zelo e menos com a perturbação mental
provocada por algo estranho e perigoso, como um sentimento desagradável frente ao
desconhecido” e que dito isso se pode afirmar que
[...] esse é um dos conceitos mais interessantes e, por isso mesmo, mais
polêmicos da obra jonasiana. Trata-se de uma opção ética pelo mau
prognóstico, de um antídoto contra a esperança sem sentido que pode afetar a
ação humana no mundo. Em vez das probabilidades otimistas e idealistas,
Jonas propõe utilizar o medo como forma de aprendizado e fazer da projeção
da possibilidade da previsão negativa como condição para alterar a atitude do
ser humano frente à natureza. Para o autor, é preciso utilizar as predições e os
presságios apontados pelos saberes científicos modernos como forma de
antecipação das condições desastrosas previstas caso o ser humano não altere
as suas ações, em sentido de fomentar a responsabilidade. Catástrofes e
calamidades serviriam, portanto, de mote para refletir e vislumbrar os desastres
futuros que podem levar à extinção da própria humanidade. Esse prognóstico
negativo não é um mero pessimismo ou um procedimento puramente
instrumental. Mas a heurística do temor não deve ser entendida como uma
palavra última da nova ética da responsabilidade proposta por Hans Jonas.
Aliás, muitas confusões apareceram entre os intérpretes justamente por causa
dessa má compreensão do conceito. A heurística, como hipótese adotada
provisoriamente na forma de uma diretriz moral da qual se aprende tendo em
vista a descoberta que se faz a partir dos eventos que despertam o temor, é um
passo considerado indispensável na reelaboração do agir moral455.
454 Ibid., loc. cit. 455 OLIVEIRA, disponível em:
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4035&secao=371.
Acesso: 21 abr. 2014.
136
O autor retrocitado complementa a explanação ponderando que se trata de um
despertar da consciência para o perigo advindo do uso perigoso do poder tecnológico,
posto que, sendo a ameaça ambiental geralmente é invisível ou, no mínimo, de difícil
acesso para o cidadão comum, a heurística não somente poderia contribuir para “desvelar
a real possibilidade de perigo como também serviria de convocação, o que confere ao
temos um tom antecipador, traduzido pela “primazia do mau prognóstico”, o qual
despertaria a responsabilidade nos humanos456.
Roberto Oliveira reconhece que a polêmica é evidente e propõe resumi-la em
duas perspectivas:
[...] uma primeira, que remete ao fato de que talvez seja problemático que uma
ética do porte proposto por Hans Jonas necessite se fundamentar numa objeção
adversária, ou seja, na representação de um perigo exterior pela via de um
sentimento que altere e mobilize o sentido ético dos sujeitos; e uma segunda,
que diz respeito ao fato de que, talvez, frente ao medo do absurdo fim
(extenuado em vista do benefício de uso heurístico do temor) a consequência
pode não ser a mudança das ações, mas justamente, pela gravidade do
prognóstico, o despertar de um sentimento contrário, do tipo “por que mudar a
minha atitude se tudo vai acabar mesmo”; ou ainda: ao exacerbar com
vivacidade o perigo, ele pareça tão exagerado que soe justamente como
impossível de acontecer realmente, porque tal perigo não tem nenhuma
semelhança com a experiência real de mundo das pessoas. Seria, então, essa
representação do medo algo inerte? Talvez, mas aqui incorremos no erro de
interpretar, mais uma vez, o conceito como fundamento último457.
Por fim, Oliveira sentencia que Jonas é claro quanto ao fato de a heurística do
temor ser um antídoto contra as profecias de salvação e não um pessimismo em relação
ao futuro458.
Com visão distinta, Hottois, embora não se utilize do termo “heurística do
medo”, assevera que Jonas radicaliza e absolutiza problemas reais, principalmente
ecológicos e bioéticos, e que essa absolutização cultiva um aspecto de apocalipse
iminente, uma atitude típica dos anos 70, alinhavando que uma postura mais esclarecida
consistiria em tentar resolver esses problemas de uma forma pragmática e relativa, sem
renunciar, absurdamente, a todas as aquisições oriundas da modernidade459.
456 Ibid. 457 Ibid. 458 Ibid. 459 HOTTOIS, op. cit., p. 636.
137
Do que este trabalho já mostrou da obra de Jonas, pode-se dizer que a atribuição
de radicalismo que Hottois dirige à ética jonasiana, ele mesmo exercita nas suas várias
afirmações estudadas neste item, incluindo as do parágrafo acima.
Outros críticos, no entanto, aprofundaram a análise do significado do temor a
que Jonas se referiu, à luz de uma visão sistêmica da obra, mesmo porque tal sentimento
é para Jonas um dos fundamentos para a sua ética da responsabilidade.
Flaviano Oliveira Fonseca afirma que para Jonas o temor e o respeito pelo ser
são as condições fundamentais para a formulação da ética da responsabilidade; que Jonas
nos induz a crer que, possivelmente, apenas o sentimento de medo teria a força
pedagógica capaz de reeducar a civilização técnica, daí surgindo a responsabilidade como
paradigma ético que representa a racionalidade prática, ou phronesis, tal como pensada
por Aristóteles460. Também pondera que a proposta de Jonas é de uma ética da
responsabilidade não utópica, de caráter prático-engajado e que o referido filósofo
acentua que ao princípio esperança não contrapõe o princípio do medo, mas sim o
princípio responsabilidade461. Flaviano Fonseca ainda esclarece:
Convém ressaltar que algumas expressões são patentes em O princípio
responsabilidade como indicadores de uma responsabilidade engajada, prática
e não utópica. São elas: heurística do medo, aqui heurística se desdobra como
capacidade de antecipação ao perigo, trata-se de uma lucidez da imaginação e
da sensibilidade dos sentidos: ‘responsabilidade ativa” (aqui diz respeito ao
que ‘pode acontecer ao vulnerável’, caso eu não assuma responsabilidade,
quando tiver poder suficiente para tal); o medo como primeira obrigação
preliminar de uma ética da responsabilidade histórica. [...].
“Medo, mas não covardia”; talvez mesmo angústia, mas não ansiedade;
nenhuma das duas (medo/angústia) em causa própria. Nesses termos, tais
expressões propiciam um coroamento para pensar uma ética prática, não
utópica e da responsabilidade. Esse é o núcleo fundante do novo paradigma da
nova ética que é prática, não utópica, atenta para preservar a integridade futura
do ser humano como hoje o concebemos, isto é, uma sabedoria prática em vista
da ação presente e futura que a humanidade ‘seja’462.
Fonseca lembra que Jonas evidencia não defender um medo paralisante de agir,
um medo egoísta que só receia por si, enfim, um medo patológico, a exemplo do tratado
por Hobbes, ou um medo proveniente da sociedade de sobrevivência psico-corporal, onde
impera o narcisismo antiprotetor; ao contrário, o que está em pauta é um medo que
implica responsabilização e ação do sujeito, sendo que o termo “heurística” evoca a noção
460 FONSECA, in: SANTOS, 2011, p. 250/251. 461 Ibid., p. 255. 462 Ibid., p. 256.
138
de descoberta, de poder, devendo ser traduzido também como atitude que se antecipa ao
perigo, em que se cuida de um agir proativo e de cuidado pelo ser vulnerável: eis o viés
hermenêutico que Jonas se apodera para a construção da sua teoria463.
Debruçando-se sobre o tema, Jovino Pizzi destaca que a heurística reverencia
um apelo prudencial consubstanciado no delineamento das teorias científicas no sentido
de estudar e examinar também os efeitos futuros das respectivas proposições,
acrescentando mais que
A heuristic of fear tenderia a desacomodar diante do aparente sonho
maravilhoso da tecnologia. No idioma espanhol, a tradução da palavra
encomiable refere-se a algo louvável, encarecido e elogiável. O temor exige
uma abertura a ele e, então, perceber os riscos da devastação. Diante da dúvida,
o aspecto prudencial recomenda dar atenção ao pior prognóstico e não ao
melhor: in dubio pro malo464 [...]. O fato de acentuar a moral laica denuncia
que a ciência e a técnica assumem, às vezes, as figuras de deuses salvadoras e
redentoras de qualquer vulnerabilidade, inclusive da morte. Atualmente, o agir
humano encontra-se, por assim dizer, coagido pelo sentimento de
responsabilidade frente ao futuro. No fundo, os prognósticos representam um
alerta diante dos perigos e dos riscos que a vida como tal se defronta465.
Anor Sganzerla reportando-se ao que chama de “heurística do medo”, diz que
Jonas utiliza-se da mesma para fazer frente ao poder de evolução evocado pela técnica,
ou seja, trata-se de uma distorção hipotética da condição futura do Ser optando pela
primazia do mau prognóstico, uma vez que “é necessário dar mais profecia da desgraça
do que da salvação”; defende que, ao refletir sobre as ameaças e vislumbrando o mal,
podemos escolher a melhor ação para o presente466. O medo aqui, esclarece Sganzerla,
tem sentido de aprendizado, pois antecipa as condições desastrosas, e a nova ética, que
tem como princípio a responsabilidade, não busca seus fundamentos em um modelo
apenas racional, mas em um sentimento capaz de mover a vontade que preencherá o vazio
entre o desejo racional e as motivações concretas de cada ser humano enquanto agente
ético467.
Das reflexões do autor supra também se retira o que já foi defendido no capítulo
II desta Dissertação: a indispensabilidade da ação política e jurídica formalizarem
princípios éticos, a fim de que determinadas ações e abstenções individuais e coletivas
463 Ibid., p. 257. 464 Ou seja, na dúvida, deve-se pensar que o mal pode acontecer. 465 PIZZY, in: SANTOS, 2011, p. 108. 466 SGANZERLA, in: SANTOS, 2011, p. 126. 467 SGANZERLA, op. cit., p. 126.
139
(especialmente) sejam impostas sempre que não verificada a espontaneidade para tais
desideratos.
A responsabilidade coletiva com seus novos métodos e a responsabilidade do
poder público frente as suas decisões políticas devem ser maiores do que a
responsabilidade pessoal, pois, se existem novas formas de poder, essas
exigem novas normas éticas, não no sentido de regular a vida pessoal, mas a
vida coletiva e seu poder. Dessa forma, a exigência por obrigações,
mandamentos e proibições deve se voltar mais à esfera pública do que à
privada. A ética da intenção continua a valer nas relações humanas próximas
recíprocas, porém fica ofuscada pelo crescente agir coletivo: “As antigas
prescrições da ética ‘do próximo’, as prescrições da justiça, da misericórdia,
da honradez etc. ainda são válidas, em sua imediaticidade íntima, para a esfera
mais próxima, quotidiana, da interação humana” [...]. Na maioria das vezes, a
pergunta que devemos fazer não é “como devo guiar a minha vida de modo
decente”, mas “o que podemos nós humanos fazer com a humanidade e com o
futuro humano”468.
De fato, das palavras de Hans Jonas não se extrai o terror e a desesperança que
paralisam a coragem e o poder de agir indispensável para um sim ao Ser e um não enfático
ao não-Ser. Ele é enérgico em proclamar que o medo469 que faz parte da
responsabilidade não é aquele que nos aconselha a não agir, mas aquele que nos
convida a agir”470 e que se trata de um medo que tem a ver com o objeto da
responsabilidade e este objeto é vulnerável471, afirmando ser possível temer que algo
aconteça com o referido objeto, concebendo-se a responsabilidade no cuidado
reconhecido como obrigação relativamente a um outro ser, o qual se torna “preocupação”
quando existe ameaça a sua vulnerabilidade; assim “o medo está presente na questão
original, com a qual podemos imaginar que se inicie qualquer responsabilidade ativa”,
sendo o caso de se autoindagar o que pode acontecer a ele, se cada um não assumir a
responsabilidade por ele: tanto mais obscura a resposta, maior se afigura a
responsabilidade e quanto mais no futuro distante situa-se o objeto do temor, quanto mais
afastado do nosso bem-estar ou mal-estar, quanto menos conhecido for o seu gênero, mais
necessitam ser cuidadosamente impulsionadas a lucidez da imaginação e a sensibilidade
dos sentidos; assim, torna-se necessária uma heurística do medo472 que não somente
descubra e represente o novo objeto como tal, mas que também investigue e que tome
468 Ibid., p. 127. 469 Na obra traduzida utilizada usa-se o vocábulo medo, mas, na esteira do que já foi explicado sobre a
tradução, a opção mais utilizada pelos especialistas em Jonas, visitados neste trabalho é a utilização da
palavra temor. 470 Original sem negrito. 471 JONAS, 2006. p. 351. 472 Por alguns autores dito que temor seria o termo mais apropriado ao pensamento de Jonas.
140
ciência do interesse moral particular, ao ser interpelado pelo objeto, algo que jamais teria
acontecido antes473.
Consoante se depreende das exortações acima, Jonas se preocupa com o futuro
cuja imprevisão de condições garantidoras para a permanência de “vida humana
autêntica” na Terra deve levar a uma escolha pela responsabilidade fomentadora de ações
que se traduzam no sim ao Ser. Ele tem plena consciência da dificuldade de tal projeto
ético, que considera não utópico e nada fácil. Enfim, para Hans Jonas, embora o temor
seja necessário na sua teoria, ele deve estar sempre acompanhado da esperança; com isso,
carecem de melhor sustentação argumentativa as interpretações no sentido de que a
“heurística do temor” em Jonas plantaria o desespero. E essa leitura pode ser constatada
no texto abaixo, com o qual se encerra o último capítulo desta Dissertação.
A teoria da ética precisa tanto de representação do mal quanto da representação
do bem, e mais ainda quando este último se tornou tão borrado ao nosso olhar,
necessitando ser ameaçado pela antevisão de novos males, para ganhar alguma
nitidez. Nessa situação, que me parece aquela que estamos vivendo, o esforço
consciente para assumir um medo desinteressado, no qual junto com o mal
apareça o bem a ser definido, junto com o infortúnio apareça a salvação
preliminar histórica. Jamais deveríamos confiar o nosso destino àquele que
considere que essa fonte da responsabilidade, “o medo e o tremor” –
naturalmente, jamais a sua fonte única, apesar de muitas vezes ela predominar,
com razão, sobre as demais –, não seja suficientemente digna do status do
homem. Dessa parte, não teremos a acusação de pusilanimidade ou
negatividade, ao declararmos tal tipo de medo como uma obrigação, que
naturalmente deve estar sempre acompanhado da esperança (de evitar o
mal). Medo, mas não covardia, talvez mesmo angústia, mas não ansiedade
[...]474. (Original sem negrito).
473 Ibid., p. 352. 474 JONAS, 2006. p. 352/353.
141
IV. CONCLUSÃO.
Ao longo deste trabalho procurou-se mostrar a relevância de uma tal
responsabilidade ambiental que possibilite a existência de vida (especialmente “autêntica
vida humana”) no futuro distante, apontando-se a urgente necessidade de ampliação da
ética clássica. Destacou-se a perplexidade frente aos desafios dos excessos da era
tecnológica, cujas promessas são múltiplas, embora muitas das consequências não sejam
conhecidas, observando-se que o avanço científico e a multiplicidade de meios para
aquisição de conhecimento ainda não redundaram numa racionalidade, se não suficiente,
pelo menos estimulante para a tessitura de uma responsabilidade ambiental exigida no
presente, mas com efeitos voltados para o futuro, para além da reciprocidade da
convivência simultânea que se aprendeu com a ética clássica. Todas as discussões aqui
entabuladas emergiram principalmente do conteúdo do livro O Princípio
Responsabilidade de Hans Jonas, e foram ampliadas com as várias leituras de
comentadores e críticos desse filósofo alemão que percebeu, na imprevisão do futuro
consequente do excesso tecnológico, a necessidade de um novo imperativo que se traduza
em um sim ao Ser e em um não enfático ao não-Ser.
De base ontológica e metafísica, defendeu-se, até mesmo usando afirmativas de
Jonas, que a ética voltada para o futuro por ele apresentada clama por um diálogo entre a
Filosofia e outras áreas do conhecimento, tal como exposto em seu O Princípio
Responsabilidade, segundo se pode conferir no capítulo I desta Dissertação. E do amplo
diálogo proposto por Jonas, cuidou-se de analisar mais especificamente a sua nova
proposta ética no contexto de um conciliábulo entre a Filosofia, a Biologia e o Direito,
como reforço na busca da concretização de uma ética do cuidado, da preservação, que
deve se expressar em ações orientadas para um sim à vida atual e futura.
No capítulo I mostrou-se, ainda que sinteticamente, o quanto a existência
humana está inelutavelmente ligada à de outros seres, na teia complexa da vida, por força
das diversas interações e da interdependência, daí porque a proposta da ética de
preservação da natureza em Jonas tem um forte conteúdo biológico, viés aliás presente
em outra obra anterior deste autor, Princípio vida, onde cuidou de uma “biologia
filosófica”.
142
Pelo fato de vidas interagirem com outras vidas, demandando uma ética do
cuidado em face dos efeitos, bastas vezes imprevisíveis, da má ou irresponsável utilização
da técnica, a relevância do diálogo entre a Filosofia e a Biologia foi o tópico discorrido
no primeiro capítulo, porque o conhecimento pode ser um substancioso agente de
transformação: tendo-se ao menos uma noção da “árvore da vida” e suas relações intra e
interespecíficas, não se poderá alegar ignorância quanto ao que deve ser objeto de cautela.
Nesse aspecto, se aperfeiçoadas as grades curriculares dos ensinos fundamental e médio,
as quais já são contempladas com a disciplina Filosofia, quanto ao ensino da Ecologia,
poderiam ser de grande contribuição. É que essa última disciplina está inserida no
programa do terceiro ano do ensino médio, juntamente com diversas outras, embora os
graves e crescentes problemas ambientais das últimas décadas exigem que a Ecologia seja
lecionada como disciplina autônoma, preferencialmente desde o ensino fundamental.
Relevante seria também que essa nova disciplina e a Filosofia possam ter pautas
complementares que versem sobre responsabilidade ambiental, eis que gerações estão
sendo formadas sem esse saber hoje tão necessário para uma mudança de referencial
quanto a nossa inserção como habitante do Planeta Terra, tal como se viu nas reflexões
de Edgar Morin no capítulo inaugural desta pesquisa. Nessa quadra, há de ser lembrado
que a Lei Complementar n. 140, de 08.12.2011, vista no capítulo II desta dissertação,
prevê, nos artigos 7º, XI, 8º, XI e 9º, XI, como ações administrativas a cargo,
respectivamente da União, dos Estados e dos Municípios, promover e orientar a educação
ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do
meio ambiente.
E por que uma mudança no agir requer tempo para se tronar norma de conduta
ao menos de uma parte considerável das pessoas naturais e jurídicas, posto que a
complexidade humana afasta a possibilidade de unanimidade de propósitos, mesmo numa
área que diz com a própria existência de vida no futuro, o Direito, como ciência
reguladora da vida humana através de leis em sentido amplo, mediante as quais
formalizam-se muitos princípios éticos, é indispensável, tal como defende Ricoeur, entre
outros filósofos visitados no capítulo II e no início do capítulo III deste estudo. Aqui há
de ser observado que a dimensão coletiva proeminente da ética da responsabilidade de
Jonas tem na ciência jurídica uma aliada, diante da necessidade de que as Instituições
políticas, administrativas e jurídicas, respectivamente, promovam leis, executem ações e
143
imponham obrigações e penalidades àqueles que agirem em desacordo com a urgência
do clamor da vida pela sua continuação.
Ainda na seara jurídica, o Conselho Nacional de Justiça, juntamente com as
Escolas das Magistraturas Federal e Estadual, assim como demais escolas de entidades
que exercem funções essenciais à justiça, podem investir, respectivamente, na
capacitação de Juízes, Procuradores da República, Promotores de Justiça, Procuradores
Federais e Estaduais, Defensores Públicos etc, através de cursos e seminários que
atendam à crescente demanda ambiental distribuídas nos fóruns brasileiros. A capacitação
dos profissionais do Direito, para além do aspecto legal, incluindo noções de ecologia e
de ecoética pode redundar em atuações mais consistentes nessa área tão sensível à vida e
ao bem-estar da humanidade e dos demais seres vivos.
Especificamente quanto à atividade judicial, há de se destacar que durante a XVI
Cúpula Judicial Ibero-americana, realizada em Buenos Aires, de 25 a 27 de abril de 2012,
foi aprovada a proposta do Brasil referente à “atuação dos juízes e poderes judiciários
ibero-americanos relativamente à informação, à participação e ao acesso à justiça em
matéria de meio ambiente”, com 61 (sessenta e um) artigos, ao longo dos quais se discorre
sobre “informação e transparência em matéria de meio ambiente”, “participação pública
em matéria de meio ambiente”, “acesso à justiça em matéria de meio ambiente”.
No que diz respeito ao aspecto jurídico, há uma questão que se pode aprofundar
futuramente: a demanda pelo estreitamento da relação entre Direito e ética, inclusive
através da apropriação, pelo primeiro, de fundamentos da segunda no enfretamento da
crise ecológica que se desenha há algumas décadas e que se alastra em velocidade
diretamente proporcional ao avanço tecnológico, tem-se evidenciado também em outras
áreas da bioética. E se parte da esperança é confiada ao Direito, pelo fato de prescrever
condutas e sanções que visam a garanti-las, por outro lado, se a comunidade não se deixar
convencer e guiar pelas prescrições normativas, mediante um processo reflexivo que
incorpore a relevância do que a norma defende, o que se poderá ter é o que menos a norma
legal visa: a sanção pelo descumprimento, ao invés da ação voltada para a conservação.
À ponderação acima ainda se pode acrescentar a preocupação de muitos juristas
e operadores do Direito de se não descurar da axiologia jurídica nesse processo de
instrumentalização do Direito em face das várias áreas de conhecimento que têm sido
144
chamadas para contribuir com as propostas de solução ou mesmo minimização da grave
crise ambiental.
Por fim, há de se ponderar que embora criticado por alguns por ter fundamentado
a sua ética na ontologia, na metafísica e na “heurística do temor”, Jonas traz um sopro de
novidade ao partir do imperativo categórico de Kant para declarar fortemente que as
nossas ações de agora devem levar em conta a existência futura e que devemos
desenvolver a ética do cuidado, da preservação, à base do temor não desesperado, mas
sim responsável, sem utopia, mas com esperança de que, se por um lado as ações humanas
são potencialmente capazes de inviabilizar a vida, elas também, na esteira do que propõe
a ética voltada para o futuro, que analisa os avanços tecnológicos, levando em
consideração as suas prováveis consequências, à luz de dados científicos atuais e da
intervenção do homem na natureza, podem ser determinantes para garantir o Ser num
devir longínquo, através de um contundente sim no presente.
A tarefa a ser desenvolvida é imensa, Jonas reconhece, e talvez jamais se
complete, mas é na sua busca que valores e ações serão consolidadas cotidianamente, e
isso pode significar a nossa existência no futuro, compartilhando com os demais seres o
fato da vida que carregamos em nós e, com os homens, além disso, a humanidade que nos
é cogente em sua complexidade, em seus desafios, em suas imperfeições, mas também
em sua beleza e altruísmo.
Portanto, quando Hans Jonas fala que nem a esperança nem o temor jamais
devem adiar a prosperidade do homem na sua humanidade íntegra nem arruinar tal
objetivo através dos meios (tal como também vimos nas palavras de Heidegger) e defende
que os meios que não respeitam os homens do seu próprio tempo degradariam o seu
patrimônio e esse, degradado, degradaria inclusive os respectivos herdeiros, está
justificando a responsabilidade perene de cada um, sem solução de continuidade, como
maior garantia de continuidade da integridade futura da imagem e semelhança, e que tal
integridade não é nada mais do que seu apelo à humildade475.
475 Ibid., p. 353.
145
Guardar intacto tal patrimônio contra os perigos do tempo e contra a própria ação
humana, conclui Jonas, não é um fim utópico, mas tampouco um fim tão humilde: trata-
se de assumir responsabilidade pelo futuro do homem476.
Indispensável, portanto, nesta odisseia pós-moderna, à luz da obra de Jonas, que
os saberes, mediante a interdisciplinaridade, levem à compreensão de que o progresso
tecnológico deve se traduzir em facilitação, preservação e melhoramento da vida e não
em inviabilizar a existência dos outros do futuro.
476 Ibid., loc. cit.
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