universidade federal de sergipe mestrado em filosofia · no planeta”, tornou-se ... o protocolo...

157
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA Ética da responsabilidade ambiental em Hans Jonas e a relevância do diálogo entre a Filosofia, a Biologia e o Direito. Telma Maria Santos Machado São Cristóvão Sergipe 2014

Upload: dinhthu

Post on 08-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

MESTRADO EM FILOSOFIA

Ética da responsabilidade ambiental em Hans Jonas e a relevância do

diálogo entre a Filosofia, a Biologia e o Direito.

Telma Maria Santos Machado

São Cristóvão – Sergipe

2014

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

Telma Maria Santos Machado

Ética da responsabilidade ambiental em Hans Jonas e a relevância do

diálogo entre a Filosofia, a Biologia e o Direito.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em

Filosofia, da Faculdade de Filosofia Universidade Federal de

Sergipe, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre

em Filosofia.

Orientadora: Prof. Dra. Constança Marcondes Cesar

São Cristóvão – Sergipe

2014

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

______________________________________________________________________

Machado, Telma Maria Santos.

M149e Ética da responsabilidade ambiental em Hans Jonas e a relevância do

diálogo entre a Filosofia, a Biologia e o Direito/Telma Maria Santos

Machado. – Aracaju, 2014. 156 f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Sergipe, Faculdade

de Filosofia, 2014.

Orientadora: Profa. Dra. Constança Marcondes Cesar.

1. Filosofia. 2. Ética. 3. Responsabilidade ambiental. 4. Ciências

humanas e sociais. 5. Ciências biológicas. I. Jonas, Hans, 1903 – 1993. II.

Cesar, Constança Marcondes. III. Universidade Federal de Sergipe,

Faculdade de Filosofia. IV. Título.

CDU: 17:168.522+2:57

______________________________________________________________________

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Iane Souza Santana

CRB/5ª Região – BA/SE: n. 916

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

TERMO DE APROVAÇÃO

TELMA MARIA SANTOS MACHADO

ÉTICA DA RESPONSABILIDADE EMBIENTAL EM HANS JONAS E A

RELEVÂNCIA DO DIÁLOGO ENTRE A FILOSOFIA, A BIOLOGIA E O DIREITO.

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em

Filosofia, Universidade Federal de Sergipe, pela seguinte banca examinadora:

Presidente: Profa. Dra. Constança Marcondes Cesar

(PPGF/UFS)

Presidente da Banca – Orientadora

Profa. Dra. Irene Filomena Borges Duarte

(Departamento de Filosofia da Universidade de Évora/Portugal)

1º Examinador

Prof. Dr. Evaldo Becker

(PPGF/UFS)

2º Examinador

São Cristóvão, setembro de 2014.

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, “Inteligência Suprema e Causa Primeira de todas as coisas”. E a

Jesus, o Cristo, pelas lições de amor e ética que aspiro sejam faróis da minha existência.

A minha mãe, por ter me ensinado em que consiste a meta dos fortes, e a minha avó (in

memorian) pelas lições de doçura e paciência.

Ao meu pai, (in memorian), cujo caráter firme e verdadeiro, descobri através das palavras

da minha mãe.

Ao meu esposo, cujo apoio e carinho, mais uma vez, foram imprescindíveis para levar a

cabo esta empreitada intelectual.

Aos meus filhos Rebeca e Mateus, com os quais aprendo, dia-a-dia, o mais nobre,

complexo e gratificante papel do ser humano: ser mãe.

A minha irmã Tânia, minhas sobrinhas Renata e Fernanda, e minha tia Doura, cada uma

especial no modo de ser, reunidas, mostram-me o valor da família.

A minha orientadora, Prof. Dra. Constança Marcondes Cesar, por quem tenho profunda

admiração, não somente pelos impressionantes conhecimentos que detém e compartilha,

mas especialmente pela forma como ensina pelas atitudes.

Aos professores do Mestrado em Filosofia cujas aulas ampliaram o meu horizonte

intelectual para além do Direito e da Biologia.

Aos meus amigos que torceram e vibraram por mim, especialmente a Adalberto Umbelino

Júnior, pela ajuda inestimável.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

“Aje de tal modo que os efeitos da tua ação sejam

compatíveis com a permanência de uma autêntica vida

humana na Terra”. (Hans Jonas)

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

RESUMO

Este trabalho versará sobre a ética da responsabilidade de Hans Jonas e

procurará demonstrar a relevância, em plena era tecnológica, do diálogo entre a Filosofia,

a Biologia e o Direito. Embora se reconheça a necessidade de uma ampla interação entre

as várias áreas do conhecimento frente aos desafios de uma responsabilidade ambiental

que redunde na possibilidade de se ter o que Jonas denomina de “vida humana autêntica

no planeta”, tornou-se imprescindível proceder a um corte epistemológico em vista da

necessária limitação temática. À luz principalmente de assertivas constantes do livro O

Princípio Responsabilidade, o tema ética ambiental será analisado do ponto de vista

biológico, jurídico e especialmente filosófico, em capítulos específicos, porém não

estanques, eis que a proposta ética de Jonas norteará a análise de cada um deles.

PALAVRAS-CHAVES: ÉTICA AMBIENTAL, FILOSOFIA, BIOLOGIA,

DIREITO.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

ABSTRACT

This work will focus on the Hans Jonas’ ethics and seek to demonstrate the

relevance of, the dialogue between Philosophy, Biology and Law, in full technological

era. While recognizing the need for extensive interaction between various areas of

knowledge because of the challenges of environmental responsibility that redound to the

possibility of having what Jonas calls "authentic human life on the planet", it became

necessary to make an epistemological cut due the for thematic limitation. Mainly in the

light of statements contained in the book The imperative of responsibility, the

environmental ethics theme will be analyzed from a biological, legal and specially

philosophical standpoint. This will be deal with in specific, but not limited chapters,

because Jonas’ proposed ethics will guide the analysis of each of them.

KEYWORDS: ENVIRONMENTAL ETHICS, PHILOSOPHY, BIOLOGY, LAW.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. CAPÍTULO I – A Biologia e a ética ambiental.

2.1. Hans Jonas e o chamado de outras ciências para o fórum de discussão sobre a

necessidade de ampliação da ética clássica para a ética da responsabilidade.

Especificamente, o que a biologia tem a dizer à filosofia? ............................... 17

2.2. A compreensão filosófica da Ecologia à luz do Princípio Responsabilidade de

Hans Jonas ........................................................................................................... 28

3. CAPÍTULO II – Preservação ambiental como questão jurídica e a ética da

responsabilidade em relação à humanidade futura e aos demais seres vivos.

3.1. O Direito em diálogo com a biologia e com a ética da responsabilidade de Hans

Jonas: a coercitividade do direito na busca por um meio ambiente ecologicamente

equilibrado no presente e no futuro ....................................................................... 39

3.2. Rápida abordagem sobre a ressonância da ética ambiental no Direito

Internacional Ambiental ....................................................................................... 48

3.3. Uma ligeira análise sobre a formalização no ordenamento jurídico brasileiro da

ética ambiental ...................................................................................................... 58

3.4. As competências executivas (administrativas) da União dos estados e dos

municípios em matéria ambiental ......................................................................... 66

3.5. O Poder Judiciário, o Direito ambiental e o julgamento de conflitos ambientais:

O Juiz como agente político investido do poder de impor sanções civis e penais

.............................................................................................................................. 70

3.6. A legislação ambiental e as penalidades são suficientes para se lograr atingir o

imperativo de garantir um meio ambiente viável no futuro?

.............................................................................................................................. 74

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

4. CAPÍTULO III – Para além da coerção jurídica, em busca de uma ética que

transforme o conhecimento em responsabilidade pela existência de vida futura na

terra.

4.1. Ética ambiental: do arcanae naturae à era tecnológica – complexidade,

desafios e algumas concepções sobre a eco ética.................................................. 78

4.2. Modificação da natureza pelo agir humano e a insuficiência da ética tradicional,

segundo Jonas ....................................................................................................... 95

4.3. Responsabilidade ambiental e a ética volta para o futuro na concepção de Hans

Jonas ................................................................................................................... 110

4.4. Críticas à ética da responsabilidade proposta por Hans Jonas: breves

considerações ...................................................................................................... 120

4.5. Sucintas reflexões sobre o significado da “heurística do temor” em Hans

Jonas ................................................................................................................... 134

5. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 141

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

10

INTRODUÇÃO

Os incontáveis e sucessivos avanços da era tecnológica se por um lado propiciam

inúmeras comodidades para os humanos, por outro, demanda cada vez mais insumos, a

exemplo de recursos energéticos, dentre outros potencialmente capazes de interferir

maleficamente nos fatores bióticos e abióticos do meio ambiente. Assim é que a partir da

década de cinquenta tem aumentado sensivelmente a preocupação com a possibilidade de

vida futura no Planeta. E pelo menos há duas décadas já não se tem a certeza de que a

Terra, cuja idade está estipulada entre quatro e cinco bilhões de anos, será habitável, por

exemplo, daqui a mil anos.

Esse princípio da incerteza quanto à existência de vida, ainda que em sua forma

mais simples1, no futuro distante inclusive, decorrente da forma de interação dos humanos

com a sua Casa2, tem exigido profundas reflexões sobre a necessidade de uma ética que

amplie o seu objeto de preocupação para tempos vindouros.

Ao longo deste estudo, ainda que implicitamente, indagar-se-á mais de uma vez

por que a pós-modernidade, que trouxe mais perplexidades do que respostas a

questionamentos que se esperava pudessem ser dirimidos, encontra a humanidade

mergulhada na melancólica constatação de que o avanço científico e a multiplicidade de

meios para aquisição de conhecimento não redundaram numa racionalidade, se não

suficiente, pelo menos estimulante para a tessitura de uma responsabilidade ambiental

que inclua o futuro (inclusive distante) como preocupação pertinente a uma cogente

necessidade atual.

A preocupação com o meio ambiente é um dos temas que mais têm ocupado a

pauta de governantes, porém sem resultados animadores. O Protocolo de Kyoto,

ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, especialmente dos países

desenvolvidos do Norte, que visa à diminuição gradativa dos gases estufa expelidos na

atmosfera, sofreu um duro golpe em 2001, com a retirada do país mais poluidor do

planeta: os Estados Unidos da América, que justificou a saída com a alegação de que a

1 Tal o acontecido por ocasião do resfriamento do planeta, há cerca de quatro bilhões de anos. 2 Em grego, Oikos. Por isso o termo Ecologia, proposto pelo biólogo e médico alemão, discípulo de Darwin,

Ernst Haeckel (1834-1919).

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

11

adesão às metas propostas comprometeria o seu desenvolvimento econômico.

Efetivamente, o citado protocolo começou a viger em fevereiro de 2005 e, a partir dessa

data, aumentou a possibilidade de o carbono se tornar moeda de troca, no que se denomina

de comércio de créditos de carbono. Em junho de 2012, houve a Rio+20 (Conferência

das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável), segunda etapa da Conferência

Rio-92 (Cúpula Mundial sobre o desenvolvimento sustentável), cujo objetivo foi ratificar

e renovar o comprometimento com o desenvolvimento sustentável, o respeito ao meio

ambiente, dentre outras medidas. Mas os impasses costumeiros adiaram mais uma vez a

concretização de ações objetivas para tais finalidades, desta feita sob o principal

argumento de que o pouquíssimo avanço obtido derivou da crise econômica que assolou

os Estados Unidos e boa parte da Europa, a partir de 2010.

Acentue-se que esse novo encontro de Nações acontece pouco mais de dois anos

depois do maior vazamento de petróleo da história dos Estados Unidos (ocorrido em abril

de 2010, no Golfo do México), quando uma explosão na plataforma Deepwater Horizon,

matou 11 funcionários e dois dias depois afundou, provocando um vazamento de petróleo

no mar, o qual se aproximou do litoral americano, e um incalculável prejuízo para o

ecossistema marinho3. Os prejuízos financeiros foram calculados em bilhões de dólares e

aprofundou a discussão sobre a necessidade de se pensar energicamente em formas de

obtenção de energias alternativas. Os prejuízos ecológicos, por sua vez, são imensuráveis.

A recorrente displicência ou mesmo a voluntária agressão aos fatores bióticos e

abióticos dos ecossistemas além de causar perplexidade, expõe a contradição humana de

saber-se finita; de também saber serem finitos os recursos naturais e, nada obstante, nem

mesmo por uma causa utilitária hedonista, os humanos conduzem as respectivas ações

pelo respeito às várias formas de vida e aos fatores físicos e químicos propiciadores do

desenvolvimento e da preservação das mesmas, muito menos visam à superação, aqui

rememorando a crítica de Nietzsche a Darwin, decorrente da sua visão da vida como algo

que deve sempre superar-se a si mesmo4 e do entendimento de que Darwin supostamente

se ativera apenas à conservação das mesmas, afirmação essa que não nos cabe criticar

neste trabalho, porque fugiria do objeto do mesmo.

3 E, por derivação, para os ecossistemas que com ele se relacionam. 4 MARTINS PEREIRA, Lilian Al-Chueyr et al. (org), 2007, p. 464.

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

12

Em meio a esse “coro de Cassandras” que anuncia a iminência de uma crise

ambiental, o filósofo alemão Hans Jonas introduz, no conceito de responsabilidade, novo

dever relacionado ao futuro5, em que as éticas aplicadas são chamadas para dar as

respectivas contribuições em face da complexidade do tema, que demanda diversas áreas

de atuação. Constata-se, então, a necessidade de entrelaçamento das ciências da natureza

com outros ramos do conhecimento. Sobre tal necessidade de diálogo, Fernando Oliveira

Noal, ao se reportar à Complexidade e responsabilidade – ciência, ética, ecologia e futuro

na perspectiva de Hans Jonas, assevera que “a crise de identidade por que passam as

ciências humanas está relacionada com a sua dificuldade em dialogar com as outras áreas

[...]”6.

Em face de tal necessidade, este trabalho refletirá a relevância do diálogo entre

a Filosofia, a Biologia e o Direito, na busca de ações que redundem em respeito, cuidado

e proteção relativamente à natureza, considerando-se o nítido caráter instrutivo da

Biologia, o viés coercitivo-repressivo-pedagógico das leis e atos normativos7 e a proposta

reflexiva da Filosofia que repercute fortemente em ambas as áreas.

Essa compreensão da insuficiência de uma, duas ou poucas áreas de

conhecimento para enfrentar o grave problema ambiental também é compartilhada por

juristas, a exemplo de Renato Nalini, que afirma ser a ciência jurídica insuficiente para

esgotar as possibilidades de adequada aplicação de norma fundante, havendo de se

chamarem também as ciências sociais8, as teorias jurídico-funcionais e os métodos de

interpretação direcionados a atender o interesse público e o bem-estar geral9. Portanto, o

colóquio entre a Filosofia, a Biologia e o Direito, que encontra respaldo na proposta de

Hans Jonas quanto à necessidade de a Filosofia ouvir outras ciências e, ao mesmo tempo

na constatação de que o homem e o agir humano são os autores e ao mesmo tempo os

destinatários racionais de tais reflexões, conduzirá a discussão atinente à relevância das

éticas práticas, especialmente nos dois primeiros capítulos da dissertação. Visa-se,

portanto, a uma ética “medioambiental”, que, segundo Lenín Cardoso e Álvaro B.

Marquez-Fernandez10, implica uma recuperação crítica em que o ser humano não seja

5 GARCIA, 2007, p. 78. 6 NOAL, 2008, p. 45. 7 Concretizados em penalidades na área administrativa assim como no âmbito judicial. 8 Muito especialmente e imprescindivelmente a Filosofia. 9 NALINI, 2010, P 17. 10 CARDOSO; MÁRQUEZ-FERNANDEZ, 2003, p. 63.

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

13

novamente desprezado e ocultado por abstrações; supõe considerar, não só a natureza não

humana, como também a ambiental e também vê a transcendência extramuros da

singularidade e da alteridade dos outros como condições de possibilidade de vida,

enquanto vida humana11.

Ora, é fato que a partir do sepultamento do geocentrismo e advento do

heliocentrismo, decorrente principalmente dos estudos de Nicolau Copérnico, Giordano

Bruno, Galileu Galilei, Kepler e Isaac Newton (os três últimos aperfeiçoando a teoria), o

homem, paulatinamente, tem-se voltado para além das fronteiras da Terra, apropriando-

se da ideia de que é um ser universal, embora sequer tenha plena consciência da sua

identidade terrena, na esteira da reflexão de Edgar Morin, segundo a qual hoje se tem um

universo do qual não se sabe se vai em direção ao indefinido ou ao infinito, mas que porta

em si a finitude de tudo que nele nasce. Ou seja, o homem habita um Planeta diminuto

frente ao Universo que o abriga, onde o astro do qual depende é finito, assim como o são

os seres vivos. Mas ignora-se essa contingência, embora os alertas quanto à ponderação

das ações humanas, propiciados pelo conhecimento ecológico, os quais deveriam

conduzir à reflexão quanto aos limites do crescimento12. Talvez não se tenha atingido esse

limite, completa Morin, entretanto ele fica claramente visível no momento irreversível

em que o excesso de industrialização, de destruição do ecossistema chega a um resultado

suicida ou desastroso13. Afinal, a Terra é também uma pátria, não havendo opção como

dantes, entre um cosmopolitismo sem raiz e um enraizamento particular14.

Sob tal perspectiva, há de se atentar para a lição de Hans Jonas, quanto ao “uso

prático da teoria” que, longe de soar romântica, reverbera como uma advertência realista,

seja ao enfatizar que o “fim último de todo uso é o mesmo que o fim de toda atividade,

que é duplo: para conservar a vida, e para melhorar a vida, isto é, para promover a vida

que se considera boa”15; seja ao ressaltar “o ‘não ao não ser’ e, em primeiro lugar, ao

‘não ser’ do homem, constituindo essa postura, até nova ordem, a forma prioritária de

11 Livre tradução de: (...) implica una recuperación crítica en la que el ser humano no sea nuevamente

desplazado y ocultado por abstracciones, supone considerar, no sólo la naturaliza no humana, sino tambíén

la ambiental; ver la transcendência extramuros de la singularidade y la alteridade de los otros como

condiciones de posibilidad de vida, en cuanto vida humana. Uma ética que busquer, más que slavar el

concepto, assimilar que hay um metabolismo humano individual e coletivo enmarcado por una Natureza y

que es posible neutralizar la amenaza que se deriva del crescimento ilimitado. 12 MORIN, 2003, p. 107. 13 Ibid, loc. cit. 14 Ibid, p. 49. 15 JONAS, 2004, p. 213.

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

14

como uma ética de emergência, voltada para o futuro ameaçado, deve transpor para a ação

coletiva o ‘sim ao Ser’ [...]”16.

A noção de solidariedade é encontrada também no existencialismo de Sartre,

embora não focado num amanhã distante, quando ele concebe o homem como

responsável por si mesmo, por sua individualidade, mas também por todos os outros

homens, e quando explicita que a nossa responsabilidade é muito maior do que podemos

supor porque ela envolve a humanidade como um todo17. E Apel, um dos críticos de

Jonas18, segundo se verá no capítulo III deste trabalho, refere-se ao existencialismo

quando discorre sobre “uma ética de responsabilidade solidária”, argumentando que

transparece uma conexão muito interessante entre as consequências (meta)éticas da

filosofia “analítica” e as consequências éticas do existencialismo, que tem a ver com a

esfera privada das decisões subjetivas de consciência19. Na esteira de tais ponderações,

constata-se que por maior conhecimento que se tenha dos inúmeros perigos que ameaçam

o equilíbrio ambiental; por mais que as leis endureçam para punir os que são flagrados ou

acusados de tais ilícitos, há uma desproporção abissal entre a capacidade de fiscalizar e

punir, comparada ao número de agressores; com o que, há de se buscarem meios para

desenvolver uma consciência ética que leve o homem a cuidar da Terra, que lhe não

pertence exclusivamente, antes pertencendo inclusive a todos os seres vivos que ainda

surgirão.

Parece evidente, então, que para se buscarem métodos eficazes de cuidado e

preservação, é indispensável, inicialmente, que se tenha acesso a um conhecimento sobre

o objeto da preservação e da responsabilidade (embora esse passo inicial indispensável

esteja longe de ser suficiente). Nesse aspecto, a seguinte lição de Aristóteles encerra

importante contribuição para o estudo: “para que possa, portanto, julgar um assunto

particular, é preciso que o indivíduo tenha sido instruído nesse assunto [...]”20. Nessa

toada, releva atentar para a afirmativa de que a “aliança entrevista por Bacon entre o

conhecer e o modificar o mundo é de fato muito mais profunda do que o conseguiria a

16 JONAS, 2006, p. 233. 17 SARTRE, 2012, P. 26/27. 18 Segundo será visto no capítulo III deste trabalho. 19 APEL, 1994, p. 171. 20 ARISTÓTELES, 2009, p. 39.

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

15

mera delegação de resultados teóricos para uso prático, isto é, a aplicação da ciência post

factum”21.

A complexidade da empreitada exige a interdisplinaridade, havendo, então, de

se buscarem as éticas práticas para dialogar com a filosofia, tarefa que este trabalho se

propõe a demonstrar, restringindo-se, por uma questão de limite temático, à interação ente

a Filosofia, a Biologia e o Direito, o que requer, inicialmente rápida abordagem sobre a

contribuição das Ciências Biológicas e do Direito, em dois pequenos capítulos, os quais

visam a substanciar o estudo, que será objeto do terceiro e mais longo capítulo, sobre a

concepção, o alcance e a relevância da ética exigida pelo princípio responsabilidade de

Jonas, filósofo esse que se refere de modo eloquente a essa necessidade de outros ramos

do conhecimento apresentarem-se na questão ambiental, justamente porque são eles que

podem responder, ainda que sem total segurança, de que forma os componentes vivos e

não vivos dos ecossistemas reagirão a agressões cada vez mais intensificadas22. É que na

visão jonasiana essa questão situa-se no domínio de saber da jovem ciência ecológica e,

em particular, nas áreas de conhecimento de biólogos, agrônomos, químicos, geólogos,

climatologistas e outros, cuja colaboração interdisciplinar conduz à ciência ecológica de

que hoje necessitamos23.

Considerando-se que o principal “desafio da ecologia é desenvolver o

conhecimento sobre problemas muito básicos e evidentes para reconhecer este caráter

único e a sua complexidade, mas, ao mesmo tempo, buscar padrões e predições dentro

dessa mesma complexidade, em vez de ser submetida a ela”24, necessário refletir sobre a

ponderação de que “o conhecimento, como forma de relação com o mundo, tem sido

cooptado pelo interesse prático; o saber se reduz ao propósito de resolver os problemas

ambientais através dos instrumentos tecnológicos e econômicos”25. Mas ampliando-se tal

reflexão pode-se também perseguir um saber que não somente seja apto a resolver os

problemas eventualmente surgidos, como também a evitar o surgimento de muitos deles.

21 JONAS, 2004, p. 227. 22 JONAS, op. cit, p. 300. 23 JONAS, op. cit, p. 301. 24 BEGON, TOWNSEND, HARPER, 2007, p. V. 25 LEFF, 2001 p. 234.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

16

Pretende-se, enfim, refletir sobre a contribuição que um diálogo entre a Filosofia,

a Biologia e o Direito pode facultar na busca da concretização de uma ética ambiental que

ilumine novas possibilidades de atuação racionalmente orientada neste mundo complexo.

Portanto, há que se visitarem, ainda que superficialmente, algumas modalidades

do saber para aprofundar a reflexão sobre a necessidade de a espécie humana (recente

habitante de um planeta que há bilhões de anos tem passado por incontáveis e até

desconhecidas transformações que possibilitaram a sua estada, o seu desenvolvimento e

a sua irradiação) decidir agir de modo que não inviabilize, pelas suas escolhas e atitudes,

as futuras gerações humanas e a existência de outras espécies; que enfim aprendam a

compreender a Terra como a própria casa (segundo a etimologia do termo ecologia),

afinal é a única espécie, até hoje comprovado, que tem a capacidade de indução e dedução,

de manifestação de sentimentos complexos, elaborados, de reflexão, de memória

intelectual e sentimental; e que esse aprendizado os conduza a ações pertinente de respeito

ao ambiente.

Indispensável, então, descobrir formas de atingir essa dimensão de um saber

ético, ainda que haja o risco de a busca ser tudo o que se consiga por um largo tempo, até

que se atente para o que Edgard Morin destaca no tocante à “identidade humana”, um dos

“sete saberes da educação para o século XXI”, proposta encampada pela UNESCO,

especificamente na afirmação de que as ciências da terra nos inscrevem neste planeta

formado por fragmentos cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores e que

nos resta saber como esses fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal

organização, uma auto-organização para nos dar este planeta, portanto sendo necessário

mostrar que ele gerou a vida26.

26 MORIN, disponível em: <http://www2.ufpa.br/ensinofts/artigo3/setesaberes.pdf>. Acesso: 07 jun. 2012.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

17

CAPÍTULO I

A ÉTICA DA BIOLOGIA E A COMPLEXIDADE DO TERMO

“MEIO AMBIENTE”.

1. HANS JONAS E O CHAMADO DE OUTRAS CIÊNCIAS PARA O FÓRUM DE

DISCUSSÃO SOBRE A NECESSIDADE DE AMPLIAÇÃO DA ÉTICA

CLÁSSICA PARA A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE. ESPECIFICAMENTE,

O QUE A BIOLOGIA TEM A DIZER À FILOSOFIA?

Na obra Princípio Responsabilidade, Hans Jonas concebe uma ampliação da

ética, de modo que se volte também para o futuro longínquo, propondo uma urgente

mudança no comportamento humano em face da ameaça de perecimento da natureza.

Destaca a urgência e a necessidade de os vários ramos do conhecimento pertinente

estabelecerem a devida e indispensável comunicação a fim de que se possa manter,

mesmo num futuro distante, este sistema vivo impressionantemente rico, complexo e

belo, apontando os seres humanos como os maiores responsáveis por uma eventual futura

inexistência de uma “vida humana autêntica na Terra”, mas, ao mesmo tempo, como a

espécie habilitada a dizer sim à vida e à existência dos que ainda virão.

Nesta reflexão, a necessidade de se ressaltar que este novo olhar sobre os fatores

bióticos e abióticos de um ecossistema não significa o esquecimento ou a indiferença às

necessidades humanas. Na verdade, esta nova visão traduz-se como um grito preventivo,

um apelo à ponderação de interesses, ou seja, consoante enfatiza Jacqueline Russ, este

“levar em conta ecológico das mutações do agir humano e da realidade natural é legítimo,

como a vontade de inscrever os problemas do meio ambiente no coração das

preocupações éticas”27. Um sim à vida equivale – a menos que o planeta seja sacudido

por desastres sobre os quais não tenhamos qualquer interferência ou poder de prevenção

– a um sim à futura existência do gênero humano; e sempre que existam humanos, nós,

27 RUSS, 2006, p. 156.

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

18

os do presente e os do passado, de certa forma, existiremos também, porque

compartilhamos a humanidade que nos é cogente.

Não se está a defender, entretanto, uma “ecologia profunda”28 nas palavras de

Maercel Gauchet, citadas por Russ29, um amor à natureza e ódio aos homens, um anti-

humanismo. A ética do meio ambiente defendida por Jonas, sobre a qual este trabalho se

aprofundará no capítulo III, não transita por esta via radical, pois, conforme observa a

autora supramencionada, Jonas leva em conta, com justa razão, a humanidade futura, ao

passo que a “ecologia profunda” cede, às vezes, ao canto das sereias do anti-humanismo

e do antimodernismo30.

Sendo induvidoso que parte da humanidade tergiversa em assumir

responsabilidades, bastas vezes atribuindo-as somente a governos (que também as tem,

obviamente), a entes encarregados de fiscalização e de punição, há de se pontuar com

mais vigor que não somente os grandes “acidentes” ecológicos como também pequenas

ações individuais, geralmente invisíveis para que sejam repreendidas ou penalizadas,

quando somadas, adquirem uma capacidade deletéria que sequer se pode aquilatar, por

não se deter ainda conhecimento suficiente das consequências em nível de ciclo biológico.

Daí a relevância da advertência de Jonas: “Tanto o conhecimento quanto o poder eram

por demais limitados para incluir o futuro mais distante em suas previsões e o globo

terrestre na consciência da própria causalidade”31.

Neste momento grave, a filosofia necessita ouvir outras ciências, especialmente

a Biologia, e esse diálogo deve fomentar uma discussão que não abstraia a situação

biológica, a qual se apresenta independentemente do querer filosófico, eis que as

condições planetárias e os seres vivos, com exceção do homem, não se comportam

pautados por um agir ético: refletem a causalidade do que lhe fizerem e somente

28 Por alguns autores é vista como uma corrente filosófica que equipara o homem a qualquer outros ser

vivo, nas relações ecológicas, mas há também os que defendem que tal corrente, ao ir além do utilitarismo

do homem frente à natureza, não está negando a condição particular dos humanos, mas sim enfatizando que

entre os seres humanos e as demais espécies há interações e interdependências que não podem ser ignoradas

nas reflexões “ecosóficas” (ecologia filosófica). No texto acima, a autora refere-se à visão da primeira

corrente citada acima. 29 Ibid., p. 157. 30 Ibid., loc. cit. 31 JONAS, 2006, p. 22.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

19

indiretamente, por sofrerem as consequências das ações humanas, terão relação com a

ética clássica.

Jonas refere-se pragmaticamente a essa necessidade de outros ramos do

conhecimento apresentarem-se na questão ambiental, justamente porque são eles que

podem responder, ainda que sem total segurança, como o meio ambiente, onde estamos

inelutavelmente mergulhados, reagirá a agressões cada vez mais intensificadas32, ou seja,

essa problemática situa-se no domínio de saber da jovem ciência ecológica e, mais

particularmente, nas áreas de conhecimento de biólogos, agrônomos, químicos, geólogos,

economistas e engenheiros, de urbanistas etc, cuja colaboração interdisciplinar conduz à

ciência ecológica atualmente tão necessária33. Eis a razão determinante para Jonas afirmar

que neste campo o filósofo nada tem a dizer, apenas a ouvir34, mas que, por outro lado,

lamentavelmente, a ciência atual é incapaz de lhe oferecer resultados seguros porque as

predições quantitativas nas várias áreas do saber ainda são incertas35.

Indubitavelmente quando Hans Jonas diz que o filósofo “nada tem a dizer”, há

de se entender que ele se refere ao aspecto técnico de cada ciência, cujo conhecimento

requer formação específica, tanto é que o seu Princípio Responsabilidade reflete sobre a

necessidade de uma ampliação da ética em decorrência dos perigos que as ciências

apontam quanto à inexistência de vida, em longo prazo, em face do excesso danoso de

tecnologias. Daí se poder afirmar com segurança que ele não está e nem poderia excluir

a filosofia da discussão, da reflexão acerca da contribuição e das consequências éticas das

evidências trazidas pelas ciências. Isso, aliás, fica perceptível conforme explicita Jovino

Pizzi, pois Jonas vale-se da ‘causística heurística’ como possibilidade eficaz de projetar

os efeitos prováveis do conhecimento científico, sendo fato que para ele essas tarefas

somente se viabilizam por meio da ciência e essa extrapolação requer, no mínimo,

idêntico grau de ciência utilizado nos próprios empreendimentos, mas tal metodologia,

nada obstante tenha a capacidade de realizar ‘prognósticos de curto prazo’, não é capaz

de produzi-los a longo prazo, daí o papel da ética como extrapolandum tecnológico, em

outras palavras, um saber pertencente tido por ideal, não limitado à infalibilidade das

projeções científicas, observando-se ainda que embora tal efeito longínquo não afete as

32 JONAS, op. cit., p. 300. 33 Ibid, p. 301 34 Original sem negrito. 35 JONAS, 2006, p. 301.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

20

gerações atuais, não está na alçada da ciência, mas sim na da filosofia (vale dizer, na da

ética) a orientação normativa do agir36.

E para que não reste qualquer dúvida quanto ao fato de Jonas não restringir a

Filosofia a uma mera ouvinte das ciências, inclusive da Biologia, há um eloquente texto

neste sentido em seu Princípio e Vida onde ele destaca que a Biologia científica, cujas

regras a mantêm enlaçada aos fatos físicos exteriores, é jungida a ignorar a dimensão da

interioridade, que faz parte integrante da vida; com isto ela deita por terra a distinção entre

“animado” e “inanimado” como também e simultaneamente, o sentido da vida, quando

explicado tão somente através da matéria e que uma releitura filosófica do texto biológico

pode redirecionar para a unidade psicofísica da vida o lugar por ela perdido na teoria após

a cisão estipulada por Descartes entre o mental e o material, com o que, em tal situação,

o ganho para a compreensão do orgânico deve redundar em lucro também para a

compreensão do ser humano37.

Tal aspecto não passou despercebido por Jaqueline Russ que, ao se reportar às

éticas aplicadas, lança a interrogação “Grandeza ou miséria das éticas aplicadas?”, para

em seguida refletir que: onipresentes, reivindicadas tanto no âmbito das empresas quanto

nos comitês médicos, as éticas aplicadas aos diversificados campos sociais e científicos

nem sempre são bem aceitas pelos pensadores; no entanto, a ideia de partir de princípios

e retroceder às múltiplas esferas – ciências biológicas38, mídias, mundo dos negócios etc.

– parece, a priori, inteiramente legítima, sendo fato que toda prática demanda o recurso

a normas ou princípios destinados a esclarecer a ação, não se mostrando gratuita a descida

outra vez “à caverna”, no nosso universo empírico, de forma a direcionar os

comportamentos, com o que, há de se indagar por que esta crítica frequente às éticas

aplicadas39.

Russ também indaga se, contrariamente a certas ideias em evidência, não se pode

ver nas éticas aplicadas deontologias axiológicas, pondo em jogo princípios de

responsabilidade e de comunicação e que irredutíveis às metamorais teóricas, as éticas

aplicadas não são, entretanto, novidades, exprimindo, rotineiramente de maneira confusa,

a desordem de uma tempo que, ausentes as referências fixas, esforça-se sem, contudo,

36 PIZZI, in: SANTOS (org), 2011, p. 105/106. 37 JONAS, 2004, p. 7. 38 Original sem negrito. 39 RUSS, op. cit., p. 135.

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

21

tomar o futuro a seu encargo e que por vezes jungidas às modas do momento, supõem,

no entanto, um certo “retorno da moral”, numa época alimentada por inquietudes difusas

e por angústias, referentes ao “ad-vir” distante do homem40.

Especificamente no que diz respeito com a Biologia, ramo da ciência cujo estudo

é indispensável para uma melhor compreensão do quão relevante é o desenvolvimento de

uma ética ecológica, já se fala numa “Filosofia da Biologia”, que, segundo Karla Chediak,

é um campo de pesquisa relativamente novo, que vem se desenvolvendo desde as décadas

de 1960 e 1970, sendo fruto do interesse despertado pelas ciências biológicas, devido,

principalmente, às pesquisas relacionadas à evolução, à genética, ao desenvolvimento, à

ecologia comportamental, entre outros41. Tal qual a visão de Hans Jonas sobre a

necessidade de a filosofia ouvir outros ramos das ciências, Chediak pondera que, por um

lado, a ciência pode se tornar fonte de informação relevante para a filosofia se é verdade

que essa também não detém de modo absoluto o domínio reflexivo sobre a natureza em

geral, sobre os sistemas vivos em particular e mesmo sobre a espécie humana; por outro

viés, uma visão puramente especulativa das ciências não se sustenta hoje, com o que, as

descrições delas advindas não são suficientes por si só42.

De fato, nem a filosofia pode menosprezar o que é fato comprovado ou dedutível

em face da causalidade, nas diversas áreas das ciências, nem as ciências podem prescindir

da reflexão filosófica sobre tais fatos, especialmente quando eles se referem ou se

relacionam, ainda que indiretamente, com o ser humano. Daí a pertinência da observação

de Jacqueline Russ quanto aos perigos de se criar um cientismo, irmão gêmeo do

positivismo, que “oculta a especificidade humana ou o núcleo axiológico dos

problemas”43. Eis que constituir um estudo do homem sem esse último, negando sua

especificidade, ou seja, o projeto humano que informa o corpo e a vida, fazendo a

economia da reflexão sobre a pessoa, cientismo e positivismo ocultam o essencial, as

normas éticas, os princípios fundadores, a axiologia que deve esclarecer a bioética, como

retomada reflexiva e não como deontologia, isto é, o cientismo longe de ser ciência,

designa a ciência entregue a si mesma e querendo legislar em tudo44.

40 Ibid., p. 168. 41 CHEDIAK, 2008, p. 7. 42 Ibid, p. 9. 43 RUSS, 1999, p. 150. 44 Ibid., p. 151.

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

22

Apoiada na doutrina de Gadamer, Constança Marcondes Cesar também

contribui para o debate em foco ao destacar que a filosofia, originariamente, sem se

confundir com a ciência, exige de rigor e justificação de suas afirmações, o que remete

ao tema das relações filosofia-ciência-técnica ser considerada por Hans-Georg Gadamer

como o fio condutor da história ocidental, de seus primórdios até a sociedade

contemporânea, na qual se dá o império da razão instrumental, entretanto, na atualidade

perdura a exigência de recuperação de uma unidade entre teoria e prática, surgindo, na

modernidade, um novo conceito de ciência e de método, a partir de Galileu e Descartes45.

Finaliza com a ponderação de que na tentativa de resgate da plenitude do significado da

filosofia na composição do saber humano, o neokantismo e a fenomenologia, no século

passado, buscaram a reflexão acerca dos conceitos fundamentais dos diversos campos de

investigação, observando-se que hoje, no dizer de Gadamer, a irredutibilidade – mas

também a complementaridade – entre a filosofia e ciência sobressai-se quando a ciência,

cuja pretensão é de compreender, fracassa, mas essa pretensão é mantida pela filosofia,

como sua tarefa propriamente dita46.

Essas observações são relevantes especialmente para que se possa analisar, no

capítulo III desta dissertação, até que ponto haveria no apelo ético de Hans Jonas uma

“heurística do medo” decorrente apenas de um mal imaginado ou de um mal provável, à

luz do que já se tem como fato científico ou como perspectiva decorrente de causalidade

biológica respaldada pelos conhecimentos atuais. Isso parece ter sido compreendido por

Robinson dos Santos na ponderação segundo a qual ao operar com essa crítica às éticas

tradicionais, na linha oposta do que pode parecer, Jonas não visa a substituí-la nem a

eliminá-las, por conseguinte, “o princípio responsabilidade poderia ser visto como um

complemento ou, até mesmo, como atualização da ética, na medida em que os problemas

de nosso tempo exigem mais elementos e considerações do que a tradição tem para

oferecer” 47. E a necessidade da interdisciplinaridade do trabalho a ser desenvolvido em

prol da concretização de ações pautadas pela ecoética está gizada nas palavras a seguir:

Por isso mesmo é que se apresenta a exigência de um trabalho científico

interdisciplinar que extrapole o próprio âmbito restrito da ética filosófica,

conclamando todas as ciências à colaboração para o estabelecimento de um

novo patamar de relações, de uma nova posição sobre os problemas técnico-

45 CESAR, 2003. Disponível em: http://pidcc.com.br/br/component/content/article/2-uncategorised/63-a-

questão-da-tecnica-em-gadamer. Acesso: 25 de abr. 2013. 46 Ibid. 47 SANTOS, in: SANTOS, 2011, p. 37.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

23

científicos. Se Jonas tem razão, então a filosofia contemporânea não pode mais

se esquivar dessa tarefa, pois não está em condições de resolvê-la sozinha48.

Portanto, enfatizar o diálogo entre a Filosofia e as Ciências não é novidade nos

escritos filosóficos, o que leva ao reconhecimento da importância em reafirmar a

necessidade da interdisciplinaridade necessária para se buscar a responsabilidade

ambiental com as características defendidas por Hans Jonas. Nessa busca, o

conhecimento, ainda que não exaustivo, sobre classificação e interação entre os seres

vivos, os conceitos básicos em ecologia (ecossistema, espécies, população, comunidade,

biosfera, habitat, nicho ecológico, teia alimentar, fatores bióticos e abióticos, as relações

intra e interespecíficas etc) são relevantes para que se possa entender melhor o que Jonas

está propondo e se há exagero na sua exortação a uma urgente responsabilidade. Trata-

se, por conseguinte, de um conhecimento finalístico.

John Donne (1571/2-1631), imortalizado num dos trechos mais conhecidos da

literatura mundial, constante em Meditação nº 17, no qual o conhecido escritor

Hemingway foi buscar o título da sua famosa obra Por quem os sinos dobram, diz que

nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo, que todo homem é um pedaço do

continente, uma parte da terra firme. Parodiando essa bela passagem poder-se-ia dizer

que todo homem é um pedaço da natureza, assemelhando-se com outras espécies em

diversos mecanismos vitais. Quanto a isso, o resultado do Projeto Genoma apontou, entre

outras coisas, que não diferimos tanto, por exemplo, do verme microscópico

Caenorhabditis elegans – um nematelminto com apenas 969 células e que mede cerca de

1 milímetro – no que toca, v.g., à quantidade de genes, eis que o corpo humano, com os

trilhões de células possui apenas 1.500 genes a mais do que ele, conforme assinala o

cientista estadunidense Bruce Lipton49.

A Ecologia, portanto, confere o suporte científico para entender os principais

tipos de relações entre os seres vivos, enquanto a Filosofia faculta a reflexão sobre o

conhecimento das mesmas.

Um breve exemplo para fomentar a reflexão sobre a temática, uma vez que se está

transitando no campo filosófico: é sabido que “atividade de um organismo muda o

48 Ibid. loc. cit. 49 LIPTON, 2007, p. 78/79.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

24

ambiente em que ele vive”50 e que, pode “alterar as condições, como quando a

transpiração de uma árvore refresca a atmosfera, ou pode adicionar ou subtrair recursos

do ambiente, que poderiam ficar disponíveis a outros organismos, como quando uma

árvore projeta sombra sobre outras plantas abaixo dela”51.

O próprio Jonas, em seu Princípio Vida, contrapõe as concepções de Aristóteles

e Bacon quanto à finalidade do conhecimento: para Aristóteles o ser humano alcança a

plenitude do ser no conhecimento, assim, o que se realiza na busca do conhecimento é a

felicidade daquele que conhece; para Bacon, o conhecimento deve remover os

sofrimentos da humanidade, então a busca do saber tem como fim a felicidade da

humanidade; mas Jonas também expõe um ponto em comum entre as duas concepções,

aduzindo que em ambos os casos existe um “benefício” supremo do conhecimento

teórico52.

Com efeito, aponta Raul Fiker, na apresentação do livro O progresso do

conhecimento, que Francis Bacon tem duas formas de distinção entre o teórico e o prático,

entre conhecimento e ação (binômio clamado pela ética da responsabilidade ambiental),

em sua terminologia, entre o especulativo e o operativo, isto sendo aplicado através de

todos os ramos principais da filosofia ou da ciência (...)53. Ressalta-se, pois, a força do

conhecimento como ferramenta de racional direcionamento das ações, embora se deva

reconhecer que o agir ético dependerá da escolha individual de cada ser e que tal escolha,

neste caso, de fato pode afetar outros seres do presente e do futuro.

Maria da Glória F. P. D. Garcia traduz a urgente necessidade de entrelaçamento

das ciências da natureza com outros saberes (o Direito, por exemplo) e com a ética ao

enfatizar que entrelaçar as ciências da natureza e o saber inerente que possibilitam os

desenvolvimentos técnicos com a ética tornou-se, assim, uma prioridade, e que Jonas dá

um passo mais, introduzindo no conceito de responsabilidade um novo dever que se liga

ao futuro54.

Na mesma linha de raciocínio, há uma reflexão no livro Francis Bacon – o profeta

da ciência moderna, onde se nota que esse filósofo, que tanto contribuiu para o

50 BEGON, TOWNSEND, HARPER, 2007, p. 223. 51 Ibid, loc. cit. 52 JONAS, 2004, p. 215. 53 BACON, 2007, p. 10/11. 54 GARCIA, 2007, p. 78.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

25

desenvolvimento da ciência, também esperava demais dela, inclusive quanto à

possibilidade de técnicas de domínio da natureza, o que a faria estar a serviço do homem.

Ocorre que as ciências não detêm conhecimento completo da natureza (meio ambiente),

com o que, não se tem como garantir que um dia o homem venha a dominá-la antes dele

mesmo e a vida perecerem em face de agressões de que ela for vítima. Feitas tais

ressalvas, importa conferir o texto no qual está a defesa do conhecimento como algo

indispensável para melhor se lidar com a natureza e dela extrair o máximo de utilidade.

O projeto de base da doutrina baconiana consiste em negar que existe verdade

ou conhecimento em si. Porque todo conhecimento deve ser útil ao homem,

deve servir para a instauração do “reino do homem”, quer dizer, para a

felicidade de todos. Graças à ciência, a vida de cada homem será mais fácil

mais feliz, isenta de trabalho, de desolação, de tristeza, de doenças, de golpes

do destino, equivalente à transformação do mundo. Para realizar esse projeto,

devemos conhecer as causas das leis naturais, forçar a Natureza a colocar-se

a serviço do “reino humano”, vale dizer, tornar-nos mestres do mundo, exercer

nosso poder sobre as coisas e transformar os objetos para que eles nos

sirvam!55.

No capítulo intitulado “Natureza x sociedade: percursos e percalços de nossa

trajetória científico-civilizacional”, Evaldo Becker analisa, a partir das teorias de Bacon,

Hobbes, Las Casas, Rousseau e Jonas, o que ele denomina de percalços e descaminhos

que afastaram o homem de si mesmo e da natureza, e que chegam a ameaçar a própria

existência de nossa “Civilização”. Nessa análise, o citado articulista reporta-se a um

elogio de Rousseau dirigido a Bacon:

Rousseau elogia as academias de ciências por se encarregarem do “perigoso

depósito dos conhecimentos humanos” e por colocarem “freios” nos letrados

que queiram alcançar a glória de participar elas, impedindo que se corrompam.

Ainda do Discurso sobre as ciências e as artes, Rousseau dirá de Bacon, que

ele é “talvez o maior dos filósofos” (...). E elogia o fato de não apenas dedicar-

se às ciências, mas também participar ativamente de seu país56.

Ainda cabe citar uma reflexão de Foucault, no sentido de que a questão

ideológica proposta à ciência não é questão das situações ou das práticas que ela reflete

de um modo mais ou menos consciente; também não é a questão de sua utilização

eventual ou de todos os empregos abusivos que se possa dela fazer, mas sim, é questão

de sua existência como prática discursiva e de seu funcionamento entre outras práticas57.

E este capítulo da dissertação visa justamente a demonstrar que os conhecimentos

55 JAPIASSU, 1995, p. 130. 56 BECKER, in: SANTOS, BACKER, Evaldo (orgs), 2012, p. 57. 57 FOUCAULT, 2012, p. 223.

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

26

biológicos, ainda que não profundos, podem levar a conhecer de que modo vivem e

interagem os seres vivos e as razões pelas requerem um profundo “olhar” ético nesta pós-

modernidade repleta de contradições, perplexidades e desafios.

A ligeira abordagem biológica feita neste capítulo tem a finalidade de mostrar a

relevância da inclusão do ensino da ecologia de forma não isolada da ética. Nessa quadra,

a pertinência da ponderação de Heidegger: na “biologia, surge a tendência de questionar

o organismo e a vida independentemente das determinações do mecanismo e vitalismo

para, assim, definir, de maneira nova, o modo de ser do vivo como tal”58.

Consoante visto acima, Hans Jonas reporta-se taxativamente à necessidade do

estudo da Biologia assim como de outros ramos da ciência para que se possa aquilatar os

limites de tolerância da natureza, embora ele mesmo enfatize que tais predições não

oferecem resultados seguros, ainda mais quando se fala em integração num todo

ecológico, mas que em vários casos é possível indicar os limites existentes59. Em Jonas,

percebemos o caráter instrumental da Biologia para, através das pesquisas e do saber

ecológico, ter-se uma dimensão do que será a biosfera em longo prazo, caso não se

desenvolva uma ética voltada para o futuro que diga sim ao Ser e à existência de “vida

humana autêntica” no planeta.

A existência de vida no futuro, aliás, é o tema condutor de O Princípio

Responsabilidade de Jonas. E a preocupação com a vida também exsurge já no título e

como objeto central do livro O Princípio Vida: fundamentos para uma biologia filosófica

(Das Prinzip Leben: Ansätze zu einer philosofhischen Biologie) onde ele reflete sobre

diversos temas biológicos. Nenhum filósofo que trata de ética ambiental o faz ressaltando

a Biologia como Jonas. Portanto, notória pertinência tem para este trabalho lembrar que

o imperativo categórico de Jonas, segundo enfatiza Cristina Beckert, “pressupõe uma

continuidade entre os planos ontológico, biológico e ético”60. E como aponta Flaviano

Oliveira Fonseca, a ética de Jonas ganha significação cósmica, sendo pragmática, por ser

intencionalmente dirigida para os problemas das sociedades contemporâneas, e

58 HEIDEGGER, 2012, p. 45. 59 JONAS, 2006, p. 301. 60 BECKERT, 2012, p. 105.

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

27

fundamenta-se na totalidade dos seres, o que se traduz numa fundamentação ontológica

ou biológica, cuja objetividade assenta no finalismo da natureza61.

Portanto, embora Heidegger mostre sua angústia com as consequências de

exageros da era tecnológica e se refira também à Biologia, conforme visto acima, com

Jonas essa ciência ganha relevo indispensável justamente porque será uma bússola para

que se possa entender o seu apelo ao “sim ao Ser” e “um não eloquente ao não ser”.

Também não se vê em Karl-Otto Apel, que discorre sobre responsabilidade no

livro Ética e responsabilidade, o qual será objeto de comentário no capítulo três desta

dissertação, um realce tão evidente da Ciência Biológica como se percebe claramente e

sem nenhum esforço hermenêutico em Jonas. Daí a escolha desse autor que,

notoriamente, logrou estabelecer laços mais profundos com a Biologia na sua proposta de

uma ampliação da ética clássica. E o alargamento das possibilidades de diálogo

interdisciplinar tem o condão de oportunizar uma fértil reflexão sobre o significado e os

parâmetros da ação humana em relação à natureza.

Habermas, discordando de Karl-Otto quando à visão que tem da posição

privilegiado da Filosofia, adota uma visão pluralista dos vários discursos teóricos, seja do

ponto de vista fundacionista, seja reducionista, pugnando pelo diálogo com a ciência, ao

asseverar que

Karl-Otto ainda crê na existência de metadiscurso racional de caráter

transcendente e auto-referencial que garante uma posição privilegiada para a

filosofia. Quanto a mim, faço outra idéia da cooperação entre a filosofia e a

ciência – tenho uma visão pluralista de diversos discursos teóricos que devem,

na melhor das hipóteses, ser compatíveis entre si, sem porém que nenhum deles

possa reivindicar uma prioridade sobre os demais, quer pelo ponto de vista

fundacionista, quer reducionista (filosofia ou teoria social X física, biologia ou

neurofisiologia)62.

A intimidade da obra de Jonas com a Biologia é realçada também por Lilian

Godoy, ao ressaltar que a natureza já se faz presente nas primeiras publicações de Jonas

(após sua reflexão inicial sobre a gnose) quando ele percebe a necessidade de se voltar

para a questão do organismo, dando os passos iniciais rumo à filosofia da biologia ou à

61 FONSECA, in: SANTOS, 2011, p. 265. 61 GODOY, disponível em:

<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4037&secao=371&limitstart=

1>. Acesso em 25 set. 2013. 62 HABERMAS, 2007, p. 23.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

28

sua biologia filosófica; assim, entre outras coisas, pode-se atribuir a Jonas o mérito de ser

um dos que restituíram à natureza a sua relevância como tema filosófico, devolvendo-lhe

a dignidade perdida desde a emergência da ciência moderna, quando a natureza deixou

de ser vista como ameaça (conforme era vista pelos primeiros humanos), para ser reduzida

(a partir da modernidade) a mero objeto a ser conhecido (matematicamente) e dominado

em proveito do homem63.

Paul Ricoeur é outro filósofo a lembrar que os resultados da filosofia da biologia

a que Jonas se dedicou no seu livro O Princípio Vida: fundamentos para uma biologia

filosófica, em 1966, seriam integrados vinte e cinco anos depois na filosofia ética que

Jonas considera o terceiro momento forte de um desenvolvimento coerente que se

estendeu por cinquenta anos e que não se confunde com uma romântica filosofia da vida,

mas sim, trata-se de uma filosofia da biologia, eis que é a ciência biológica que se oferece

ao pensamento filosófico e faz isso apresentando-lhe o fenômeno maior da organização,

no qual o filósofo é convidado a distinguir os inícios de um desenvolvimento que encontra

seu arremate na liberdade humana64. E que “o alcance filosófico dessa reflexão sobre a

biologia, e mais ainda sobre o fenômeno maior da organização, é considerável, atentando-

se para a sua integração ulterior no campo da ética”65. A ênfase deste capítulo é

justamente refletir sobre a interação entre a ciência biológica e as reflexões filosóficas

acerca da nossa condição orgânica, da nossa liberdade e da nossa responsabilidade.

2. A COMPREENSÃO FILOSÓFICA DA ECOLOGIA À LUZ DO PRINCÍPIO

RESPONSABILIDADE DE HANS JONAS.

O termo ecologia deriva do grego oikos66, que significa “casa”67, e foi usado pela

primeira vez por Ernst Haeckel (1834-1919) em 1869, sendo que a disciplina Ecologia

63 GODOY, disponível em:

<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4037&secao=371

&limitstart=1>. Acesso em 25 set. 2013. 64 RICOEUR, 1996, p. 232. 65 Ibid, p. 234. 66 Que juntamente com o logos (estudo), tem-se literalmente estudo da “casa”, aí concebido como o Planeta

Terra. 67 Há sem dúvida um apelo ético nesta nomenclatura cunhada pelo médico, biólogo e professor de Zoologia

Haeckel, uma vez que ampliar para além das paredes do próprio lar, às quais geralmente o ser humano é

restrito no que se refere a dedicação e compromisso, a palavra “casa”, denota uma proposição de devotar

ao nosso planeta cuidado idêntico ao que dedicamos ao nosso lar.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

29

vem a ser o estudo científico das interações entre os organismos e o seu meio ambiente,

anotando-se que o ambiente do organismo consiste em um conjunto de influências

externas exercidas sobre ele, representadas por fatores e fenômenos, ou, mais

detalhadamente, ecologia é o estudo científico da distribuição e abundância dos

organismos e das interações que determinam a distribuição e a abundância68.

Anote-se que o mundo vivo pode ser visto como uma hierarquia biológica,

iniciada com partículas subcelulares e continua através das células, dos tecidos e dos

órgãos, havendo três níveis de interesse: organismo individual, população (conjunto de

indivíduos da mesma espécie) e comunidade (traduz-se no número menor ou maior de

populações). Assim, relativamente ao organismo, a Ecologia ocupa-se da presença ou

ausência de determinadas espécies, da sua abundância ou raridade e das tendências e

flutuações em seus números69.

Diante de tais elucidações, um retorno a Chediak, especificamente na parte em

que ela esclarece que alguns dos princípios abordados pela Filosofia da Biologia são

voltados para o domínio de questões que dizem respeito diretamente ao objeto da

Biologia, ou seja, a vida, e cuidam de temas relacionados com a natureza, a diversidade

dos organismos, das populações e das espécies, incluindo o ser humano, obviamente70.

Na lição filosófica de Hottois e Missa, não se deve perder de vista que a Ecologia

é, em primeiro lugar, e muitos diriam exclusivamente, uma ciência, que recentemente

passou a ser objeto de preocupação de várias disciplinas, e o alargamento da Ecologia da

natureza à Ecologia humana realizou-se a partir da verificação de que o ser humano não

escapa, mais do que os animais e os vegetais, às leis naturais71 que governam as interações

entre os organismos e o seu meio ambiente72. Ainda acrescentam os mencionados autores,

e aí usarão termos técnicos, os quais serão transcritos, a título de exemplo do que se visa

a demonstrar sobre a necessidade de esclarecimento biológicos para uma melhor

compreensão do alcance da ética ambiental:

A ecologia é, antes de tudo, uma ciência de síntese que recorre aos

conceitos e métodos das diversas ciências biológicas. Utiliza igualmente certos

resultados das ciências fundamentais, como a física, a bioquímica e as

68 BEGON, TOWNSEND, HARPER, op. cit, p. IX. 69 Ibid., loc. cit. 70 CHEDIACK, op. cit., p. 7. 71 Sendo, inclusive, a única espécie que pode conhecer e refletir sobre tais leis. 72 HOTTOIS, MISSA, 2001, p. 287.

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

30

matemáticas. A sua unidade de estudo privilegiada é o ecossistema que

podemos definir uma unidade natural formada pelo meio biológico dotado de

certas características físico-químicas (o biótopo) e por organismos animais e

vegetais que vivem nesse meio (a biocenese). O que deve reter sobretudo é o

fato de a ecologia não separar o ser vivo do seu contexto. Se a ecologia se

interessa pelos organismos vivos e pelo seu meio, é porque eles se encontram

numa relação de interdependência: os seus efeitos recíprocos formam, na

ausência de intervenções externas indevidas, um sistema estável no qual

intervêm processos cíclicos.

Esta estabilidade e estes processos cíclicos são estudados pela ecologia de

modo a compreender a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas. A

estabilidade de um ecossistema é garantida, em grande parte, pela diversidade

dos elementos que o compõem73.

Ainda a título de ilustração do quão amplo e complexo é o tema, uma correção

da afirmação de que o ecossistema é formado por animais e vegetais: o ecossistema é

também formado por animais e vegetais, mas não somente por eles, eis que outras forma

de vida o compõem, a exemplo dos seres dos Reinos Monera, Protista, Fungi e até mesmo

seres que sequer se enquadram na teoria celular, quais sejam, viroides, príons e vírus.

As explicações acima são relevantes, porque o saber ambiental talvez seja um

dos maiores desafios da pós-modernidade. Em poucas palavras, a visão filosófica do

professor inglês Wayne Morrison, sobre a pós-modernidade, enriquece a proposta deste

capítulo porque discute claramente as ambiguidades e as dúvidas quanto a uma diretriz

ética que possa amenizar a sensação de desconfiança dos fundamentos antropológicos,

entre os quais inelutavelmente está a relação do homem com a natureza. Com efeito,

enfatiza o referido jusfilósofo que para alguns autores, a pós-modernidade tem, entre

outras, as seguintes características: o sentimento de extrema ambivalência diante das

esperanças e estruturas sociais dos últimos duzentos anos, a nostalgia, o relativismo

cultural, o convencionalismo moral, o ceticismo e o pragmatismo, uma dialética do

localismo em meio ao globalismo, uma desconfiança de todas as formas de fundamentos

éticos ou antropológicos; e que, acima de tudo, é o sentimento de fracasso e profunda

confusão quanto aos rumos a tomar seja em nível pessoal, quanto em termos de

implementação de projetos sociais voltados à criação de uma sociedade justa74.

O pós-modernismo, continua Morrison, “é a conscientização da inutilidade de

qualquer utopia de uma sociedade justa – a viagem está condenada e – por implicação de

73 Ibid., p. 287. 74 MORRISON, 2006, p. 616/617.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

31

que já chegamos ao destino. O problema é que o destino é a inconcludência: não existe

fim”75; portanto o desafio, pós-moderno consiste em indagar continuamente qual o

sentido da existência humana, com a plena ciência do fato de que qualquer resposta

ofertada, e qualquer ordem social por meio dela advinda, não passam de uma suspensão

temporária, de uma personificação de alguma de nossas vontades, de alívio para os nossos

medos76.

Em plena ultramodernidade há de se atentar para proposta educacional de Edgar

Morin, encampada pela UNESCO, traduzida em 7 saberes77 indispensáveis para a

educação do futuro, entre os quais destacam-se como pertinentes para a reflexão neste

trabalho:

i) ensinar a condição humana, que na sintética explicação de Ivone Pacheco,

significa reconhecer que o ser humano é a um só tempo, físico, biológico, psíquico,

cultural, social, histórico e essa unidade complexa inerente à natureza humana é

totalmente fragmentada na educação através das disciplinas, o que tornou impossível

aprender o significado de ser humano; que é preciso restaurá-la, de forma que cada um,

onde quer que se encontre, adquira conhecimento e consciência, a um só tempo, de sua

identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos; e que

portanto, a condição humana deveria ser o objeto primordial de todo o ensino, sendo

possível, com fulcro nas disciplinas atuais, reconhecer não somente a unidade como

também a complexidade humanas, agregando e organizando conhecimentos dispersos nas

ciências da natureza, nas ciências humanas, na literatura e na filosofia, evidenciando o

elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade de tudo que é humano78.

Nessa rede em que todos estão inseridos, incabível a indiferença em relação ao

meio ambiente porque implica em indiferença à espécie humana, que faz parte da

complexidade planetária e depende dos recursos naturais para a sobrevivência atual e

futura.

75 Ibid., p. 621. 76 Ibid., p. 629. 77 Os sete saberes indispensáveis para a educação do futuro foram assim propostos por Edgar Morin: i) as

cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; ii) os princípios do conhecimento pertinente; iii) ensinar a

condição humana; iv) ensinar a identidade terrena; v) enfrentar as incertezas; vi) ensinar a compreensão;

vii) a ética do gênero humano. 78 PACHECO, disponível em: http://www.ufrgs.br/tramse/educ/2005/04/os-sete-saberes-necessrios-

educao-do.htm. Acesso: 19 jan. 2012

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

32

ii) ensinar a identidade terrena, o que deve levar à reflexão sobre o fato de que o

destino planetário da espécie humana é uma realidade até agora ignorada pela educação,

havendo de ser reconhecido que o conhecimento do desenvolvimento planetário, que

tende a crescer no século XXI, e o reconhecimento da identidade terrena, que se tornará

cada vez mais indispensável, devem converter-se em um dos principais objetos da

educação; que o século XX deixou como herança contracorrentes regeneradoras e a

história demonstra que frequentemente contracorrentes suscitadas em reação às correntes

dominantes podem se desenvolver e modificar o curso dos acontecimentos; que se devem

considerar como movimentos relevantes e atuantes: a contracorrente ecológica que por

conta das crescentes degradações e do surgimento de catástrofes técnicas/industriais,

tende a aumentar, e ainda a contracorrente qualitativa que, relativamente à invasão do

quantitativo e da uniformização generalizada, apega-se à qualidade em todos os campos,

a começar pela qualidade de vida79.

Atentar para o saber ambiental é, por conseguinte, uma decisão de

responsabilidade diante de si mesmo e das demais espécies com as quais se compartilha

a existência neste ainda habitável planeta. E esse saber ambiental, tão relevante para uma

decisão racional sobre a indispensabilidade de uma mudança de paradigma de

responsabilidade, na visão acurada de Enrique Leff, surge de uma reflexão sobre a

construção social do mundo contemporâneo, onde convergem e se precipitam tempos

históricos que já não são mais os tempos cósmicos, da evolução biológica e da

transcendência histórica, traduzindo-se na confluência de processos físicos, biológicos e

simbólicos recambiados pela ingerência humana – da economia, da ciência e da

tecnologia – para um novo critério geofísico, da vida e da cultura, reconhecendo-se que

se vive hoje um mundo de complexidades, onde sobrevivem e adquirem novo significado

reflexões filosóficas e identidades culturais no redemoinho da cibernética, da

comunicação eletrônica e da biotecnologia80.

Ao autor acima mencionado também não passou despercebido “O princípio de

sustentabilidade na era da globalização”, que para ele irrompe no contexto da

globalização como “a marca de um limite e o sinal que reorienta o processo civilizatório

da humanidade. A crise ambiental veio questionar a racionalidade e os paradigmas

79 Ibid. 80 LEFF, 2001, p. 9.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

33

teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a

natureza”81.

De fato, a destruição e o desrespeito ao ambiente são notórios, especialmente na

recente história da humanidade. Em tempos idos poder-se-ia alegar uma certa ignorância

das consequências de cada atitude potencialmente destrutiva, mas com o

desenvolvimento das ciências, especialmente a biológica tem-se um razoável

conhecimento sobre a dinâmica dos seres vivos, o que torna ainda mais incompreensíveis

inúmeras ações que agridem e comprometem fortemente a dinâmicas dos ecossistemas.

Neste contexto, uma reflexão imparcial sobre as ações e omissões humanas mostra algo

melancólico: a agressão à natureza algumas vezes nem se dá pelo desconhecimento, mas

por opção egoísta, ambiciosa, cínica etc. Eis mais um paradoxo humano: saber-se finito,

saber que os recursos o são também, mas agir como se ele mesmo e o meio ambiente

fossem eternos, imutáveis, imperecíveis.

As lições sobre ecologia podem esclarecer que os danos causados a uma ou mais

espécies têm o potencial de alterar profundamente a cadeia alimentar, nos seus diversos

níveis tróficos (produtores, consumidores e decompositores), bem assim, o conjunto das

relações alimentares (teia alimentar) dos ecossistemas, afetando atividades como

reprodução, nutrição, hábitos etc. Em outras palavras, podem interferir no nicho

ecológico das várias espécies que têm habitat no local agredido e daquelas que, mesmo

tendo habitat diverso, com elas se relacionam.

Para que a humanidade continue existindo inclusive no futuro distante, não resta

outro itinerário que não passe por uma maior conscientização de que as relações entre os

seres vivos são complexas e interdependentes, e essa constatação precisa fomentar

reflexão, a exemplo da proposta por José N. Heck, no sentido de que “não é a moral que

prescreve ações a uma vontade individual, mas, sim, é o caráter valorativo do ser que

afeta nosso sentimento moral e lança, cada vez mais, o fundamento de condutas

responsáveis”82. Nota-se a harmonia desta proposição com a concepção de Hans Jonas.

Em sentido similar, o texto traduzido e adaptado do livro The machinery of nature, de

Paul R. Ehrlich:

81 Ibid., p. 15. 82 HECK, in: SANTOS, 2011, p. 65.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

34

Os princípios básicos da Ecologia são acessíveis a qualquer pessoa que

esteja disposta a dedicar um pequeno esforço em compreendê-los. E esse

esforço compensa. A familiaridade com a Ecologia básica mudará para sempre

sua visão do mundo. Você nunca mais considerará as plantas, os

microorganismos (sic) e os animais, incluindo as pessoas, como entidades

isoladas. Ao contrário, você os verá como partes de uma grande e complexa

máquina, como elementos relacionados de um sistema em pleno

funcionamento.

Para compreender a máquina da natureza, você precisará entender não

apenas como ela opera hoje, mas como foi construída nesses bilhões de anos.

O processo de construção, chamado de evolução biológica, foi de tentativa e

erro. O curso da construção foi sendo alterado por diversos tipos de eventos,

desde o relativo sucesso ou insucesso de partes da máquina ecológica até

destruições catastróficas. (...)83.

Percebe-se, por conseguinte, a relevância das palavras de Jonas, que no capítulo

IV de O Princípio Responsabilidade comunica o biológico com o filosófico ao anunciar

que o Ser, ou a natureza, é uno e presta testemunho de si naquilo que permite emergir de

si, daí porque a compreensão sobre o que é Ser precisa ser obtida a partir do seu

testemunho84, cabendo ao filósofo mostrar o que significa para o status de fim o fato de

que o testemunho de sua existência, prestado pela subjetividade, não se limite a ela

mesma, mas que abarque a natureza como um todo85.

É sabido que “atividade de um organismo muda o ambiente em que ele vive”86

e que pode alterar as condições, a exemplo de “quando a transpiração de uma árvore

refresca a atmosfera, ou pode adicionar ou subtrair recursos do ambiente, que poderiam

ficar disponíveis a outros organismos, como quando uma árvore projeta sombra sobre

outras plantas abaixo dela”87. Nesses esclarecimentos, nota-se claramente a

multiplicidade de interações entre os seres, cujos estudos das principais modalidades pode

levar à assimilação do quão sistêmico é o meio ambiente e do quão complexo é manter o

equilíbrio dinâmico do mesmo.

A apropriação do conhecimento acerca da dinâmica ecológica tem a

potencialidade fomentar a reflexão do quanto autorregulável é a natureza e de como

interferências externas nessas relações – especialmente as advindas do excesso

tecnológico, que tanto preocupam Jonas – podem alterar profundamente um ecossistema

ou mesmo levar uma espécie à extinção. Isso ocorrendo pode desencadear alterações no

83 AMABIS, MATHO, 1990, p. 341. 84 JONAS, 2006, p. 135. 85 Ibid., p. 136. 86 BEGON, TOWNSEND, HARPER, 2007, p. 223. 87 Ibid, loc. cit.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

35

nicho ecológico88 de outros seres integrantes da teia alimentar. Inclusive quando “plantas

e animais morrem, seus corpos tornam-se recursos para outros organismos”89, num ciclo

bioquímico que demonstra as transformações pelas quais passam as substâncias, a

depender da quebra ou transmutação de suas moléculas, através dos vários metabolismos

ocorrentes na matéria viva, mecanismo este a que se refere Hans Jonas no seu O Princípio

Responsabilidade, onde se reporta ao metabolismo próprio de cada ser como expressão

de liberdade. Há de ser acentuado que o metabolismo age na manutenção da vida do ser,

inclusive sem a participação da própria vontade.

Ao lembrar veementemente que o Homo faber não deixa de ser, pela condição

biológica que ostenta, um Homo sapiens, Jonas enfatiza não estar a espécie humana fora

nem acima da natureza que o cerca e da qual ele faz parte. Embora não adentre no

radicalismo ecológico, as proposições jonasianas também se distanciam da visão do

homem como senhor e dominador na natureza, ou seja, de uma mera visão

antropocêntrica; nesse aspecto, na acurada observação de Helder Buenos Aires de

Carvalho, Jonas “enfrenta o “dualismo cosmológico que opõe o homem à natureza [ou

mundo] e o dualismo antropológico que opõe o corpo à alma e prepara caminho para a

superação [...] do dualismo ético entre ser e dever ser”90.

Vê-se, pois, que as lições possibilitadas pela Biologia, mais especificamente por

uma de suas subdivisões, a Ecologia, são por demais relevantes para a apropriação do

conhecimento de que os impactos de qualquer ação têm consequências futuras, tal como

observa Jovino Pizzy, ao discorrer sobre as repercussões dos diferentes desastres

provocados pela ação humana e a contaminação do ambiente, a exemplo do ocorrido com

a British Petroleum, em Chernobyl, Prestige e outros tantos casos que ressoam na opinião

pública, acrescentando-se o dilema com a rotulagem dos organismos geneticamente

modificados91 e a grande preocupação com os agentes químicos sintéticos em face das

88 Conjunto de atividades desempenhadas por uma espécie em seu habitat. 89 BEGON, TOWNSEND, HARPER, op. cit., p. 326. 90 Carvalho, in: SANTOS, 2011, p. 161/162. 91 No Brasil, há uma lei federal que dispõe sobre os “organismos geneticamente modificados”, a de nº

11.105, de 24 de março de 2005, em cujo artigo 1º dispõe já se esclarece que “estabelece normas de

segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o

transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o

consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e

seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e

biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da

precaução para a proteção do meio ambiente”. No capítulo II desta dissertação retornaremos ao este diploma

legal.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

36

respectivas modificações por eles provocadas nos seres vivos e na natureza, alterando a

estrutura e a personalidade, além de interferir no equilíbrio da natureza92. Com essa

advertência, Pizzy justifica que a filosofia não deve isolar-se e rechaçar o diálogo com a

ciência nem com os cientistas, que para reforçar a importância desse diálogo, é

esclarecedor o livro Our Stolen Future (1996), de Colborn, Dumanoski e Myers (O futuro

roubado, 2002), vez que a obra descreve a forma como os agentes químicos sintéticos

alteram os sistemas hormonais dos humanos e não-humanos, provocando distúrbios

funcionais e metabólicos, interferindo até mesmo na fertilidade e na inteligência das

pessoas, e que, de certo modo, o livro parece dar continuidade à preocupação de Jonas,

trazendo dados até então desconhecidos93.

A incursão na Ecologia visa a reforçar o fato de que o ser humano, como animal

que é, “participa dessa aventura e nela ocupa um lugar privilegiado, pelas imensas

fragilidades que carrega e que, também nele, somam-se no desenvolvimento de grandes

capacidades em busca de êxito existencial”94. Mas é preciso lembrar que, na concepção

de Hans Jonas, há no ser humano a transanimalidade, pelo fato de o homem se relacionar

com o mundo físico e biológico de modo claramente distinto, o que o faz se sobressair.

Conforme observa Jelson Silveira,

O conceito de transanimalidade, assim, autoriza uma perspectiva de análise

sob a qual o homem se vê como animal entre os animais e ao mesmo tempo

distinto deles. Seu ‘trans’ é seu ‘trânsito’, a um tempo seu movimento, seu

atravessamento, seu pertencimento e sua ruptura. Um ‘através’ que é um ‘para-

trás’, mas também um ‘ára-além’. Algo que evoca uma transnatureza, evocada

também como supranatureza, já que essa suprantureza do humano se efetiva

pela sua maior capacidade de obter êxito na luta da vida”.

Mas essa supranatureza não autoriza as interpretações que abriam um

abismo entre o humano e o animal e, ainda mais, entre o humano e a natureza.

[...] É como parte do processo de evolução da vida que o homem, por se

sobrepor ao caráter imediato dos demais seres e pela capacidade que ele

mantém de autocompreensão, que ele se torna o agente da resposnsabilidade95.

Também Helder Buenos Aires de Carvalho, valendo-se da doutrina de Alasdair

MacIntyre constante na obra Dependente rational animals: Why Human Beings Need the

Virtues96, assim pondera sobre a condição animal do homem e da respectiva conexão com

92 PIZZI, op. cit, p. 101/102. 93 Ibid., loc. cit. 94 OLIVEIRA, in: SANTOS, 2011, p. 53. 95 Ibid., p. 53-55. 96 Obra que será comentada no capítulo III desta dissertação.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

37

os demais seres, acentua que MacIntire busca ancorar à ética das virtudes “o

reconhecimento da identidade animal do ser humano juntamente com a vulnerabilidade e

aflição às quais está submetido, compreendendo o ser humano a partir de uma identidade

animal – e aqui, de certa forma, fazendo eco a Jonas”97; que a condição animal dos

humanos, compartilhada com muitos outros animais não humanos inteligentes, é um dado

a mais colocado por MacIntyre no âmbito da ética das virtudes, diversificando das éticas

tradicionais, que parecem olvidar dessa característica humana e aproximando-se da ética

da responsabilidade jonasiana, sendo incorreto supor uma ética independente da

biologia98.

Este capítulo visou principalmente a lembrar ao ser humano a sua natureza, a

fim de que a sua supranatureza seja despertada quanto à urgente conscientização de que

a opção pelo Ser e pelo existir é imperiosa, na esteira da ponderação de Giacoia Júnior,

segundo a qual diferindo das éticas antigas, há de se ter em mente que nos dias de hoje a

ação humana, potencializada pela tecnologia, pode danificar crítica e irreversivelmente a

natureza e o próprio ser humano, havendo de se ressaltar que ciência ecológica emergente

torna evidente, no resultado de suas pesquisas e investigações, de que forma e em que

grau a intervenção tecnológica modifica a própria natureza do agir humano99. Com isso,

resta claro que tanto a biosfera do planeta, quanto a natureza como um todo passa a ser

atingida pelo agir humano e pela responsabilidade daí decorrente, e isso em razão da

extensão e da periculosidade que dele decorre, em face da extensão incomensurável do

poder de que a tecnologia o investe, sendo que tal extensão e periculosidade dela derivado

exigem uma regulamentação normativa das forças e do potencial envolvido no agir

humano, implicando, por consequência, o plano ético da responsabilidade, o que, para

Jonas, constitui o novum de uma ética da responsabilidade100.

Jonas sintetiza a relação entre organismo e ambiente, quando pontua que

organismo e ambiente formam juntos um sistema, que desde então determina o conceito

básico de vida e, de acordo com isso, a vida traduz-se pelo comportamento que esse

sistema bipolar induz sobre um dos seus pólos; que as maneiras típicas de viver, a relativa

estabilidade e peculiaridade do comportamento das várias espécies dadas, representam,

97 CARVALHO, in: SANTOS, 2011, p. 170. 98 Ibid., p, 175. 99 GIACOIA JÚNIOR, 2000, p. 197. 100 Ibid., loc. cit.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

38

cada caso, o equilíbrio alcançado entre os dois fatores que constituem a situação101. Daí

a precisão da análise de Robinson Santos ao destacar que desde o início da sua formação,

Jonas é movido pela sua Filosofia da Biologia e por isso é compreensível a ênfase dada à

natureza, o que, por sua vez, confere um certo ineditismo nesse aspecto de sua ética

relativamente às éticas tradicionais, por ele criticadas como antropocêntricas, eis que para

Jonas a vida é o “valor fundante de toda a ética e a vida diz sim a ela mesma e através de

seu porta-voz privilegiado, o ser humano, isso se torna um compromisso, um dever-

ser”102.

Ainda à guisa de conclusão do capítulo, a reflexão de Pelizzoli vem somar a este

trabalho, em que um dos objetivos é propor a interlocução dos conhecimentos ecológicos com a

Filosofia e o Direito, sob o enfoque de que, tal como alerta Pelizzoli, “falar em ambiente é

falar em pessoas e suas relações, ou seja, falar em ética, o que por sua vez não é apenas

falar em normas morais e comportamentos, mas em formas de conhecimento (que são

sempre relações), visões de mundo”103.

Ao final deste capítulo, releva anunciar que o capítulo dois desta dissertação

discorrerá sobre a Preservação ambiental como questão jurídica e a ética da

responsabilidade em relação à humanidade futura e aos demais seres vivos em nosso

Planeta, tendo em vista a indispensabilidade da tutela jurídica deste valor inestimável que

é o meio ambiente senão ecologicamente equilibrado, pelo menos em condição de haver,

no futuro distante inclusive, “vida humana autêntica”. No decorrer dele será enfrentada a

necessidade de trazer as Ciências Jurídicas para o palco das discussões, especialmente

com Jonas, mas acrescentado também concepções de determinados autores que

estabelecem uma sólida ponte entre o Direito, a responsabilidade ambiental e a ética

ambiental, a exemplo de Maria da Glória F. P. D. Garcia, em sua obra O lugar do Direito

na questão ambiental, em cujo capítulo IV, intitulado A ética e a proteção do meio

ambiente, discorre sobre a responsabilidade como princípio ético e a concepção de Hans

Jonas.

101 JONAS, 2004, p. 56/57. 102 SANTOS, [32, 2010] 139 – 155. 103 PELIZZOLI, 2002, p. 4.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

39

CAPÍTULO II

PRESERVAÇÃO AMBIENTAL COMO QUESTÃO JURÍDICA E A

ÉTICA DA RESPONSABILIDADE EM RELAÇÃO À

HUMANIDADE FUTURA E AOS DEMAIS SERES VIVOS.

1. O DIREITO EM DIÁLOGO COM A BIOLOGIA E COM A ÉTICA DA

RESPONSABILIDADE DE HANS JONAS: A COERCITIVIDADE DO DIREITO

NA DEFESA DE UM MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

NO PRESENTE E NO FUTURO.

O link entre o Direito e a concepção de ética voltada para o futuro Jonas

estabelece claramente no capítulo IV de O Princípio Responsabilidade, embora ele já

lance luzes sobre o tema no capítulo I da referida obra, porém de forma ainda não

aprofundada. Essas proposições jonasianas serão dissecadas alhures.

A título de preâmbulo deste capítulo, há de ser lembrado que uma das

manifestações modernas do que se denomina de Direito Ambiental foi a Lei Negra de

1723, do rei George I da Inglaterra, a qual arrolava mais de cinquenta crimes ambientais,

punidos com pena de morte, embora não com o intuito de proteger a natureza, mas sim

de manter abundante a caça e a pesca para Sua Majestade104.

Desde logo há de se destacar que a responsabilidade apontada por Jonas não se

restringe à civil, penal ou administrativa, no sentido de mera repressão pelo fato ocorrido.

Para o referido filósofo, há de se buscar juridicamente uma responsabilidade que

ultrapasse o binômio ação/repressão105, e que se revista de forte conteúdo moral, eis que

a responsabilidade moral é o ponto fulcral da ética voltada para o futuro de Jonas, cujo

foco não se traduz em responsabilizar pelo que já foi feito, mas em alertar o que será feito

da vida no Planeta caso as ações humanas não sejam pautadas por uma reponsabilidade

104 SANTOS, disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30237-30984-1-

PB.pdf. Acesso: 02 mar. 2014. 105 Embora esta ainda seja indispensável pelo fato notório de muitas condutas humanas, nas diversas áreas,

inclusive nesta, serem pautadas pelo receio da penalização e não pelo valor intrínseco da ação.

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

40

ambiental focada na possibilidade de existência de vida no futuro distante. E a

formalização da ética ambiental na Constituição de um País, também conhecida como

Carta Política de uma Nação, tal como se deu com o Brasil, é um prenúncio da apropriação

da responsabilidade moral que aos humanos cabe, enquanto seres reflexivos.

Antes, porém, que se venha a adotar uma interpretação apressada no sentido de

que tal concepção implicaria em Jonas achar desimportante que as condutas lesivas sejam

civilmente e penalmente reprimidas, convém esclarecer que esse filósofo não dispensa a

força coercitiva inerente às responsabilidades civis e penais, eis que, pelo que se

depreende claramente da sua obra, apenas as considera insuficientes para a construção de

uma ética que, situada no presente, tem o foco estendido para o futuro distante.

Naturalmente Jonas não se ocuparia em dizer o óbvio, ou seja, que o Direito regula a vida

em sociedade e que a humanidade não prescinde da sua atuação impositiva. Depreende-

se da sua proposta ética que as leis não bastam, mas não que se pode delas prescindir.

Indispensável a imperatividade do Direito, seja na penalização de condutas

nocivas ao meio ambiente, seja na imposição de ações voltadas para a recuperação, ainda

que parcial, das agressões perpetradas, ou mesmo quando a impossibilidade de

recuperação deságua na condenação por danos materiais e morais, cujos montantes

podem ser revertidos, por exemplo, para o Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado

pela Lei nº 7.797/89, ou para Fundos Estaduais e Municipais voltados para fim idêntico.

O Direito será abordado aqui de forma ampla, não se restringindo apenas à

função de jurisdizer afetada ao Poder Judiciário, eis que: i) o Poder Legislativo participa

desta empreitada na medida em que tem a função precípua de legislar, portanto de

estabelecer, via processo legislativo, obrigações e sanções; ii) o Poder Executivo, além

de ser competente para expedir atos normativos não enquadrados na moldura das leis,

expede Decretos, Portarias, Resoluções etc.; iii) o Poder Judiciário, com a função de

aplicar a lei ao caso concreto, lei aí entendida de forma ampla (latu sensu), portanto

incluindo os comandos escritos e os princípios implícitos da Constituição Federal, os

quais podem, inclusive, justificar a declaração de inconstitucionalidade de lei, de ato

normativo e de Emendas Constitucionais.

Urge enfatizar que Jonas aponta um vazio ético nessa era tecnológica que a ética

clássica não dá conta; e a premente necessidade de ampliar as preocupações éticas para o

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

41

futuro não passa por uma abstração da indispensabilidade do Direito para impor

obrigações de fazer, de não fazer e de tolerar que se faça. Há, portanto, de se atentar para

as palavras de Hans Jonas, quando ele discorre sobre “Homo faber acima do Homo

sapiens” e sobre “cidade universal como segunda natureza e o dever ser do homem no

mundo” porque elas têm estreita relação com este capítulo.

Pois bem, diz Jonas que seja o que for que pertença à plenitude do homem fica

eclipsado em prestígio pela amplitude de seu poder, de forma que essa expansão, “na

medida em que vincula cada vez mais as forças humanas à sua empresa, é acompanhada

de uma construção do conceito de homem sobre si mesmo e de seu Ser” 106; que na

imagem de si mesmo por ele conservada em que a representação programática tanto

determina o seu Ser atual quanto também o reflete, cada vez mais o ser humano é produtor

do que ele produziu e o feitor do que ele mesmo pode fazer, e mais: é o preparador daquilo

que ele, a seguir, estará apto a fazer107. Mas aí é de se indagar que é “ele” afinal? Jonas

responde que nem somos nós nem é ele, porque nessa reflexão importa compreender que

tanto o ator quanto o ato são coletivos, e o horizonte significativo da responsabilidade é

propiciado muito mais pelo futuro indeterminado do que pelo espaço contemporâneo da

ação, o que exige imperativos de outro tipo, pois se a esfera do produzir violou o espaço

do agir essencial, então a moralidade deve adentrar na esfera do produzir, da qual ela se

mantinha afastada anteriormente, devendo fazê-lo na forma de política pública108.

Jonas ainda lembra que nunca antes a política pública precisou lidar com

questões de tal envergadura e que mostrassem projeções temporais tão longas; que, de

fato, a natureza modificada do agir humano modifica a natureza fundamental da política,

e que se antes se podia dizer “fiat iustitia, pereat mundus – ‘que se faça a justiça, mesmo

que o mundo pereça’–, onde ‘mundo’ significa evidentemente o enclave renovável na

totalidade imperecível”, tal assertiva não mais pode ser empregada de forma retórica,

quando o perecer da totalidade tornou-se uma possibilidade real por conta dos feitos

humanos, justos ou injustos, portanto, questões nunca dantes objeto de legislação

ingressam na seara das leis que a “cidade” global precisa formular, para que possa existir

um mundo para as futuras gerações de humanos109.

106 JONAS, 2006, p. 43/44. 107 Ibid., loc. cit. 108 Ibid., loc. cit. 109 Ibid., loc. cit.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

42

Sabe-se que a partir da segunda metade do século XX vários países, a exemplo

do Brasil, produziram, na atuação político-administrativa, leis e atos normativos

infralegais visando não somente a punir diversas formas de agressão aos ecossistemas

como também a promover a recuperação ainda que parcial dos mesmos. Em tais atos

expedidos pelo Legislativo e pelo Executivo estão previstas diversas medidas

preventivas, as quais devem ser observadas por ocasião das licenças para construção ou

mesmo para exploração de determinadas atividades econômicas. As multas, interdições e

a tipificação penal para algumas condutas mais nocivas, na seara das penalidades, têm

função repressiva e pedagógica, no sentido de desestimular o agressor de repetir a conduta

e de inibir ações lesivas dos demais.

Hans Jonas traz a política para o palco da ética por ele proposta, e o faz de forma

clara e objetiva no capítulo VI de O Princípio Responsabilidade, não somente no texto

acima referido, segundo o qual a era tecnológica demanda também uma legislação que

vise à estabilidade ambiental. Portanto, quando Jonas enfatiza que “questões que nunca

foram antes objeto de legislação ingressam no circuito das leis que a ‘cidade’ global tem

de formular, para que possa existir um mundo para as próximas gerações de homens”,

aponta um dos caminhos inexoráveis nesse palco em que a humanidade é vítima e

culpada.

Assim, sob o título “Toda arte de governar é responsável pela possibilidade de

uma futura arte de governar”110, Jonas logo de início assevera que diferentemente “da

responsabilidade paterna, não há um término que seja estabelecido pela natureza do seu

objeto”, ou seja, tal responsabilidade é sucessiva, a ser assumida de geração em geração,

sem solução de continuidade. A partir de tal necessidade, ele propõe um imperativo geral

para o homem público, ao enfatizar que essa responsabilidade é agravada pela

exorbitância de resultados causais em detrimento do conhecimento prévio, que, por

conduto disso, suporta mais consequências do que as que formalmente lhe deveriam ser

atribuídas e que um imperativo demasiado geral, mas importante para o homem público,

cuja atividade tem essa perspectiva excessiva de futuro implica em se abster de fazer

qualquer coisa que possa obstar o nascimento de seus semelhantes, em outras palavras,

não impedir o manancial essencial, imprevisível até, da espontaneidade na comunidade,

110 Ibid., p. 201.

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

43

de onde poderão ser recrutados111. Aqui, “o princípio é o de que toda responsabilidade

integral, com seu conjunto de tarefas particulares, é responsável não apenas por cumprir-

se, mas por garantir a possibilidade do agir responsável no futuro”112.

Tal como observa Enrique Leff, neste momento da história a racionalidade

ambiental abre um novo debate entre necessidade e liberdade, entre lei e acaso, não sendo

tal pensamento de complexidade corolário do niilismo pós-moderno; ao contrário, é a

reabertura da história como complexificação do mundo, a partir do ambiental para a

construção de um ser no totalitário que, além da realidade existente, projeta a história

para a criação “do que ainda não é”113.

Essa percepção também não faltou a Maria da Glória F.P.D. Garcia, que indaga

se a questão ecológica, configurada com toda sua dramaticidade “nas alterações

climáticas, será uma ideia força capaz de criar politicamente sentido e desencadear uma

estrutura consensual em redor, fundada numa responsabilidade pelo futuro, compreendida

em termos de cidadania”114. A autora esclarece que a interrogação está delineada, sabendo

de antemão, que falar em democracia num “Estado Ambiental” somente tem sentido se

previamente se puder falar em cidadãos preocupados ambientalmente, que tenham uma

opinião pública esclarecida e que queiram, em razão do ambiente, não somente tomar

decisões corretas, como também agir em conformidade com essas decisões, afastando

comportamentos imediatistas, cidadãos dispostos a aprender, a adquirir saberes,

experiências e competências ao longo da vida para se adaptarem à mudança e

incorporarem nas decisões o futuro, enquanto por ele são politicamente responsáveis115.

No final do parágrafo acima, percebe-se o respaldo à proposta desta dissertação,

na expressa dicção da autora sobre a indispensabilidade de aquisição de saberes, no caso

específico, a Ecologia, a qual desnuda o desafio que a humanidade deverá enfrentar;

quanto ao Direito, a sua indispensabilidade decorre da constatação de que a humanidade

ainda não se apropriou da ética necessária para fazer frente às agruras já existentes e às

futuras. Ao mesmo tempo, há que se insistir e investir na apropriação de uma ética que

inclua o futuro da vida na Terra como foco das preocupações, uma vez que os poderes do

111 Ibid., loc. cit. 112 Ibid, loc. cit. 113 LEFF, 2001p. 425. 114 GARCIA, 2007, p. 266. 115 GARCIA, op. cit., p. 266.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

44

conhecimento e do Direito são insuficientes para solucionar tão complexo e desafiador

problema.

Também são analisadas pela autora portuguesa as posições a serem ocupadas

pelo homem e pela natureza da qual faz parte, no que se entende como o Estado de Direito

Moderno. Inicialmente ela lembra que o Estado de Direito (Rechtsstaat) nasceu na

doutrina publicista alemã de meados do século XIX, pelas palavras de Robert von Mohl,

e que esse termo contém uma síntese de valores e processos, sendo uma fórmula que

funciona como meta a atingir na prática, ao mesmo tempo que o próprio impulso para

alcançar116. E no percurso de realização do Estado de Direito desenvolvem-se duas linhas:

i) a do Estado de Direito Formal, concepção segundo a qual o fim do Estado encontra-se

na execução de um sistema jurídico a partir das fontes jurídicas legitimadas, sendo o

direito entendido como limite à ação do Estado para a proteção do indivíduo, tudo

havendo que ser regulado através de normas a fim de que o arbítrio do poder seja

eliminado e os indivíduos protegidos; ii) a do Estado de Direito Material, em que a ideia

da pessoa humana, da dignidade que a caracteriza e transcende, revela-se essencial,

comandando a evolução do Estado através de normas legais, por ele mesmo legitimadas,

inclusive para além da lei, por invocação à própria ideia de direito117.

Assim é que, pondera a referida autora, ganha uma luz a evolução até os nossos

dias, do Estado de Direito, eis que, sem relativizar os valores que o fundamentam, permite

que estes se cumpram na diferença que o diálogo cultural convoca, o qual embora

intersubjetivo, também é fruto da dialética entre as duas autonomias que a pessoa polariza

(a do eu pessoal e a do eu social), e a partir daí indaga-se sobre quais os desafios que o

Estado de Direito atual enfrenta diante das múltiplas complexidades, do imenso

desconhecimento humano, da impossibilidade de “agarrar” o movimento que

permanentemente se move, da incerteza quanto aos riscos a que estão sujeitos e em

conjunto caracterizam a “questão ambiental”118.

Esse arsenal de compromissos a serem assumidos pelas pessoas e instituições

públicas e privadas ou a imposição de responsabilidades reparadoras e minorantes de

prévias agressões, exige um Direito cada vez mais próximo aos fatos, além de célere na

116 Ibid., p. 279. 117 Ibid., loc. cit. 118 Ibid., p. 280.

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

45

resolução de demandas; um Direito que se nutra de outros ramos do conhecimento, a

exemplo da Filosofia e da Ecologia, a fim de que os seus aplicadores possam fundamentar

suas decisões através de argumentos de convencimento e não por mero argumento de

autoridade, desprovido de justificativa cognoscível. No que se refere ao aspecto

filosófico, a ética de Hans Jonas tem sido discutida em livros jurídicos e numerosos

artigos acadêmicos que se debruçam sobre a temática ambiental.

Com efeito, a autora portuguesa refere-se a Jonas no quarto capítulo do livro já

mencionado e o faz ao discorrer sobre o tema “A ética e a proteção ambiental”, no

subtítulo “A responsabilidade como princípio ético, a concepção de Hans Jonas”, onde,

entre várias reflexões, defende que a procura de sentido novo de dever, qual seja, um

dever mais amplo e profundo que ultrapasse a moral tradicional e integre a

irreversibilidade da ação humana, maximizada pela técnica, sobre a imensa fragilidade da

vida, levou Hans Jonas a reformular a ética em redor da ideia de responsabilidade, eis

que, apercebendo-se do “vazio ético” (das ethische Vakuum) do pensamento ecológico e

da dificuldade humana em lidar com irreversibilidade da ação, mergulha na metafísica

para através dela indagar a razão pela qual o homem existe no mundo e por que é

imperativa a preservação da existência futura; e da resposta advinda a esta questão decorre

o nosso estar no mundo com os outros119. Esse estar no mundo com os outros será regido

não somente pela conduta ética de cada indivíduo como também pelo Direito que “na sua

autonomia diferenciadora e na sua capacidade propulsora, como resposta cultural possível

ao problema humano de convivência humana”120 é indispensável na luta pela defesa do

meio ambiente. E a ética de Jonas tem uma amplitude maior do que a ética tradicional,

eis que:

Ao contrário da ética tradicional, construída na base de direitos e

obrigações, e, logo, numa responsabilidade fundada na reciprocidade – a minha

obrigação é a imagem de um direito de outrem –, à nova ética de que HANS

JONAS fala, fundada numa responsabilidade voltada para o futuro, falta

reciprocidade (Fortfall der Reziprozität in der Zukunftsethik). Isto porque a

ideia ontológica que subjaz a essa ética não garante um concreto objeto.

Procura, isso sim, garantir a herança humana que cada um transporta e que

integra o seu próprio futuro. No fundo, procura garantir a «ideia» de homem,

que se impõe ao homem concreto como um dever ser, como algo a preservar

por ele, por todos nós, enquanto através de acção, a podemos pôr em perigo.

Ora, sendo a «ideia» de homem que impõe uma ética nova, a obrigação que

determina o dever ser – «que a humanidade seja» (dass eine Menschheit sei)

– traça uma nova mundividência e uma nova caminhada para o homem

119 Ibid., p. 76/77. 120 Ibid., p. 14.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

46

concreto que assim se vê obrigado a ultrapassar o agir intersubjectivo, a

compreensão recíproca da ação que a ética da contemporaneidade propiciava,

e a colocar-se num patamar de acção ética que o responsabiliza pelo que há de

vir. Consequentemente, um patamar que não deixa margem para

reciprocidades nem para concretas análises causais dos resultados da acção121.

Maria da Glória F. P. D. Garcia prossegue a análise da ética de Jonas, desta feita

apontando que ele a concebe imbricada com o sentido de ação coletiva, o que faz com

que a projeção dela alcance a dimensão política, justamente por demandar políticas

públicas do Estado, que a todos implica122. Arremata aduzindo que, em resumo, a ética

por ele apresentada para ultrapassar a tradicional é a ética do futuro, de dimensão “quase

cósmica” “eminentemente política, uma ética que, de um lado, demanda uma cidadania

informada e ciente das consequências da sua ação e irreversibilidade, de outro, demanda

uma cidadania à escala global, mundial”123.

No aspecto político em que deve ser inserida a responsabilidade ambiental,

Glória Garcia chama a atenção para o fato de que a dimensão global do ambiente e a

ordem a que aspira, obrigam a ampliar o diálogo à dimensão mundial e a densificá-lo,

sendo que o desafio dessa ampliação e densificação é tanto maior quanto se sabe não

haver precedente histórico e em vão se buscará no passado arrimo para construir o

futuro124. Assim, há que se procurar colocar o longínquo na proximidade da ação,

entendida como “dever ser”, tendo-se a percepção e interiorização do apelo à ação

dirigido por quem nem o rosto se conhece ou conhecerá e vive e deve continuar a viver

ou melhorar o status de dignidade da vida; significa aceitar o desafio que a justiça

intragerencial impõe, justiça essa que significa também interagir com os diferentes

processos da vida [fauna, flora] e os bens e recursos que os suportam, com o que,

aprofundar a justiça intragerencial é desafio a ser assumido por todos, num contínuo

questionamento do agir125. Notoriamente, a Filosofia sendo exigida no palco principal das

discussões.

121 Ibid., p. 79/80. 122 Ibid., p. 81. 123 Ibid., p. 81/82. 124 Ibid., p. 281. 125 Ibid., p. 281/282.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

47

Ainda refletindo a dimensão política, e comentando sobre “O Estado Ambiental

como de Direito”, ocasião em que tece várias considerações sobre as lições de Christian

Calliess, assim se posiciona a autora ora em estudo:

As tendências ditatoriais que CHRISTIAN CALLIESS reconhece no

Estado Ambiental e que resultam das facetas evidenciadas devem, na sua

opinião, ser contrariadas por outras tendências, a identificar e realçar, sem o

que o Estado Ambiental não será uma Estado de Direito. As tendências cuja

continuação permitirá edificar o Estado de Direito são, para CHRISTIAN

CALLIESS, três: a introdução na acção de uma atitude de cuidado, de cautela

quanto aos efeitos que toda a acção poderá produzir – «Estado de cautela»

(Vorsorgestaat) –, a cooperação entre comunidade e Estado entre comunidade,

internas ou estaduais – «Estado de cooperação» (Kooperationsstaat) – e a

contínua exigência de ponderação de interesses nas tomadas de decisão e no

acompanhamento da ação, com vista à optimização dos resultados – «Estado

de ponderação» (Abwägungsstaat) 126

.

Explicita que as três tendências acima mencionadas, analisadas de forma

pormenorizada por Christian Calliess, mostram também que o Estado Ambiental

[...] é um Estado com «deficit» de condução política e regulativa127 na área

ambiental e, logo, um Estado que não pode dar as garantias jurídicas do Estado

de Direito Ambiental e, logo, um Estado que não pode dar as garantias jurídicas

do Estado de Direito tradicional. Mas é neste espaço que o Estado Ambiental,

que quer ser Estado de Direito, encontra a sua força, através de três princípios:

o princípio da proporcionalidade, chamado para equilibrar o princípio da

cautela em busca do «melhor direito» (ein bessers Recht), o princípio da

participação, exigido para compensar o déficit de condução política e

regulativa do Estado, e o princípio da igualização de oportunidades e

encargos, chamado para racionalizar as ponderações aparentemente contrárias

que emergem da tensão sempre presente na decisão jurídica ambiental128.

Agora asseverando que os direitos fundamentais precisam ser reapreendidos

constantemente para não se transformarem em “areia de engrenagem”, Glória Garcia

diferencia a forma de proteção ambiental na Alemanha e em Portugal: no primeiro país,

a proteção ambiental é tarefa do Estado e não um direito fundamental, como acontece no

ordenamento jurídico-constitucional do segundo, não obstante a Constituição alemã

garanta o direito à informação, à participação, ao acesso ao tribunal na área do ambiente;

porém Christian Calliess reconhece, no âmbito do ordenamento constitucional alemão, a

garantia de um “direito fundamental a um «mínimo de existência ecológica» (ökologische

Existenzminimum), que se revela na garantia de ar respirável, de água potável ou de bens

126 Ibid., p. 299. 127 Leis e demais atos normativos. 128 GARCIA, op. cit., p. 299.

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

48

alimentares comestíveis e que decorre da dignidade humana, constitucionalmente

assegurada”129.

Identificada no último parágrafo da citação acima uma ligeira referência ao

status jurídico do Direito Ambiental na Alemanha, analisar-se-á rapidamente, no item

seguinte, a evolução do Direito Ambiental no plano internacional e no Direito interno de

alguns países, de logo esclarecendo-se que a conotação filosófica da dissertação não

permite aprofundamento na Doutrina e jurisprudência, mas, tão somente, uma sintética

visão sobre o tema.

Antes dos breves apontamentos convém destacar, a título de registro, que Édis

Milaré refere-se a “Direito do Ambiente”, por entender que tal nomeclatura é abrangente,

mais exata do ponto de vista gramatical e jurídico, adicionando que a Doutrina mais

recente tem-na utilizado. E por Direito do Ambiente deve-se entender “o complexo de

princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou

indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando a

sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”130.

2. RÁPIDA ABORDAGEM SOBRE A RESSONÂNCIA DA ÉTICA AMBIENTAL

NO DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL.

Destaca Milaré que Direito e ética necessitam conviver e entender-se, não sendo

raro confundirem-se questões jurídicas com questões de ordem moral e vice-versa, mas

um determinado fato, seja social, econômico, comportamental etc, pode ser objeto

comum tanto do Direito quanto da Moral; que embora essas duas ciências sejam afins,

têm métodos diferenciados e a vida tem ensinado que nem sempre o que é moral se reveste

do aspecto legal e nem sempre o que é legal é moral e eticamente aceitável, com o que,

em se tratando de meio ambiente e respectivo gerenciamento, também estão presentes os

paradoxos e conflitos envolvendo não somente Direito e Moral como também Política e

Administração131.

129 Ibid., loc. cit. 130 MILARÉ, 2013, p. 254/255. 131 Ibid., p. 145.

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

49

O autor supracitado pondera que as ciências não têm o poder de se manifestar

sobre o fato ético e nem mesmo o Direito pode fazê-lo, pois a Ética gravita em outra

órbita, estando, desde tempos imemoriais, no âmbito da Filosofia e da Religião e, na seara

da questão ambiental, “entra o papel da Ética como ciência e arte do comportamento

correto e adequado da espécie humana em face do próprio homem e da natureza132. E no

que se refere ao meio ambiente surgiu a Ética Ambiental, já cultuada por filósofos,

cientistas, políticos, militantes de movimentos socioambientais, e cujo percurso se dá em

companhia do Direito do Ambiente, direito de terceira geração, daí porque pode-se

considerar a Ética Ambiental “uma ética de terceira geração”, tendo em vista que ela,

considerando já a ética ou moral individual e social, centra-se na sobrevivência do planeta

Terra com todos os seus ecossistemas e a família humana, o que, aliás, é o pensamento

pós-moderno sucessor da cultura mecanicista da civilização industrial133.

Na esteira de tais considerações, é natural que Milaré reporte-se a Hans Jonas, e

o faz ressaltando incialmente que o autor de O Princípio Responsabilidade refere-se

expressamente a uma ética para a civilização tecnológica, voltando-se especialmente para

o futuro da humanidade e da natureza, defendendo uma responsabilidade que deve ser

assumida conscientemente134.

A necessidade de perseverar na concretização de uma tal responsabilidade

ambiental que permita a existência de vida agora e no futuro transcende os desafios do

ordenamento jurídico de cada Estado, transbordando para o Direito Internacional, posto

que muitos dos efeitos de que é vítima a natureza são transnacionais, exigindo, portanto,

legislação e celebração de acordos e tratados em que tal responsabilidade seja imposta,

embora a dificuldade de cobrança, em face da soberania de que gozam as Nações, somada

à ausência de um Tribunal Internacional afeto a julgar tais questões, ao qual os Países

membros adiram à respectiva competência julgadora e executora. Aliás, paralelo ao

evento “Rio+20”, reuniram-se intelectuais135 e ambientalistas que propuseram a criação

de um Tribunal Internacional exclusivo para julgar graves ações degradadoras do meio

ambiente, mas cuja sanção seria a ampla divulgação dos julgamentos em várias mídias,

132 Ibid., loc. cit. 133 Ibid., p. 144. 134 Ibid., p. 143. 135 A exemplo de Edgar Morin.

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

50

ou seja, uma sanção ética, o que, por ora, mostra-se mais viável do que um Tribunal com

poderes de punição e execução das penalidades aplicadas.

Em Responsabilidade internacional do Estado por dano ambiental, a Juíza

Federal Alessandra Nogueira Reis inicialmente faz uma apanhado histórico da evolução

da “proteção internacional do meio ambiente e sua relação com os direitos humanos”,

adiantando-se que tal relação será mote para mais à frente a autora defender que os

Tratados Internacionais que versem sobre proteção ao meio ambiente devem ser

recepcionados, pela ordem jurídica brasileira, como Emenda Constitucional, à luz do

disposto no artigo 5º, §3º, da Constituição Federal de 1988136. Sob tal perspectiva é que

ela afirma que a “proteção internacional do meio ambiente é considerada, ao lado da

proteção internacional dos direitos humanos, um dos grandes temas do moderno direito

internacional”137.

Sobre a evolução histórica da proteção internacional mencionada no parágrafo

antecedente, Nogueira Reis argumenta que uma vez evidenciada, no período pós-Segunda

Guerra, a necessidade de proteção do ser humano, foi praticamente uma consequência o

foco da comunidade internacional sobre as questões ambientais, posto que a preservação

ambiental está diretamente relacionada à preservação da saúde e da vida da população,

embora somente em 1972, com a Declaração de Estocolmo, foram lançadas as bases do

atual direito internacional ambiental138.

A Declaração de Estocolmo também foi o ponto de partida para o

desenvolvimento do direito internacional139 do meio ambiente como um campo autônomo

dentro do direito internacional, possibilitando o surgimento de diversos tratados sobre

matéria ambiental, além de declarações universais, a exemplo da Carta da Natureza,

adotada em 1982 pela Assembleia Geral das Organizações das Nações Unidas, e o fato

de o direito ao meio ambiente saudável não ter constado no rol da Declaração dos Direitos

136Art. 5º (Omissis).

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa

do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais. 137 REIS, 2010, p. 7. 138 Ibid., p. 8. 139 Também merece destaque o Protocolo Adiciona I, de 1977, às Convenções de Genebra de 1949. O Brasil

ratificou esse Protocolo em 05 de maio de 1992. Os artigos 35 e 55 do mesmo referem-se a parâmetros de

conservação ambiental em caso de hostilidades, em face de novos métodos de combate com potencialidade

de destruir a natureza.

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

51

Humanos, de 1948, quando o homem ainda acordava para a questão ambiental, não retira

a natureza humanitária do direito ambiental140. E na década de 70 do século passado

surgiram, como consequência dos avanços e danos causados pelo desenvolvimento

tecnológico, os chamados direitos difusos, em face da impossibilidade de identificação

concreta dos afetados pelos danos, sendo que tais direitos são também chamados de

direitos de “solidariedade”, dado que, pelo grau de complexidade, não somente o Estado,

como também a comunidade internacional em seu conjunto têm a responsabilidade de

garanti-los141. Em Jonas encontraremos a exortação à solidariedade para com as gerações

futuras, através da responsabilidade pela manutenção de um planeta biologicamente

viável para as gerações vindouras. Em Jonas também vemos que o desafio para atingir

esse intento de cuidado e preservação é imensa e o sucesso da empreitada é incerta,

havendo, pois, que impor, cobrar e punir através da legislação, mas, concomitantemente,

investir na educação dos humanos a fim de que se busque o desenvolvimento e a

concretização de uma ética (a da responsabilidade em relação ao futuro) que redunde em

um sim ao Ser e em um não enfático ao Não Ser.

A responsabilidade internacional por danos ambientais encontra diversos

obstáculos, não somente econômicos como também jurídicos. Neste ponto, Alessandra

Nogueira Reis lembra que para a análise do tema é necessário entender a relação entre

direito internacional e direito interno e atentar para as posições monistas e dualistas: para

a corrente dualista o direito internacional é essencialmente diferente do direito interno,

diferindo desse quanto às fontes142, quanto às relações que regulam143 e quanto à

substância144; portanto, na concepção dualista, por serem tão diversos o direito

internacional e o direito interno, nem o direito interno tem o poder de alterar regra de

direito internacional e nem o direito internacional é parte integrante do direito interno,

sendo ambos os sistemas independentes, com que, em termos práticos, para os dualistas

é necessária a transformação do direito internacional em direito interno, não havendo

140 REIS, op. cit., p. 9. 141 Ibid., p. 10. 142 Esclarece a autora que as fontes do direito interno são os costumes nascidos nos limites do Estado e os

estatutos postos pela autoridade, enquanto as fontes do direito internacional são o costume que surge na

sociedade das nações e tratados internacionais com força de lei. 143 A autora explica que o direito interno “regula relações entre indivíduos subordinados a um Estado e

relações entre estes indivíduos e o Estado, ao passo que o direito internacional regula relações entre os

Estados”. 144 Ou seja, “enquanto o direito interno é um direito de um soberano sobre indivíduos submetidos a seu

controle, o direito internacional não é um direito sobre, mas entre Estados soberanos e consequentemente

um direito mais fraco” [OPPENHEIM, apud REIS, 2010, p. 23].

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

52

possibilidade de aplicação direta do primeiro145. De outro lado, relativamente ao monismo

diferenciam-se as correntes: i) do monismo kelseniano, corrente que se baseia numa

situação ideal de existência de uma única ordem jurídica e que aponta o engano na ideia

de que os Estados possam sobreviver indiferentes aos princípios e normas de direito

internacional; ii) do monismo nacionalista, que considera a Constituição do Estado a

ordem superior que deve conter o valor a ser conferido ao direito internacional146. Ambos

os tipos de monismo levam em consideração que ordem interna e ordem internacional

não são sistemas distintos, portanto, ao contrário do dualismo, possibilita a aplicação

imediata de normas de direito internacional sem necessidade de qualquer ato de

adequação ao direito interno, havendo de se pontuar que uma ou outra posição gera

consequências diretas na responsabilização do Estado: a adoção da corrente monista

diminui a possibilidade de o Estado ser responsabilizado internacionalmente, tendo em

vista que as regras de direito internacional aplicam-se imediatamente ao direito interno,

eliminando a incompatibilidade entre o direito interno e o direito internacional147.

Em regra, o Brasil adota a teoria dualista, havendo a exceção encartada no artigo

5°, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988, preceptivo incluído pela Emenda

Constitucional n. 45, de 2004, já transcrito em nota de rodapé, cuja disposição determina

que a recepção de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, por três quintos dos

votos dos respectivos membros, serão equivalentes às Emendas Constitucionais. Segundo

visto alhures, vários doutrinadores defendem a tese de que o direito ao meio ambiente

dinamicamente equilibrado é uma das vertentes dos direitos humanos.

Anote-se, ainda, que a responsabilidade objetiva (a qual dispensa a prova de dolo

e de culpa em sentido estrito por parte do agente agressor em termos de responsabilização

por dano ambiental, recorrendo-se à responsabilidade subjetiva em se tratando de atos

omissivos), não prevalece na jurisprudência internacional, embora seja a que confere

melhor proteção ao bem jurídico tutelado, tal como apontado Alessandra Nogueira, que

também pondera sobre a dificuldade de se aferir a culpa e em consequência em se obter

a reparação do dano em face de os eventos serem causados por diferentes fatores e

145 REIS, op. cit., p. 24. 146 Ibid., loc. cit. 147 E sendo imperativo e coercitivo o direito interno, tanto os cidadãos quanto a própria instituição política

Estado podem ser compelidos a respeitar as normas de direito ambiental, ou punidos se violá-las.

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

53

agentes148. Portanto, tem sido “a teoria subjetiva, de difícil comprovação por conter um

elemento psicológico e que oferece maior proteção ao Estado149, a prevalecer na

jurisprudência internacional”150.

Por sua vez, Alexandra Aragão, ao escrever sobre a “história do Direito

Constitucional Europeu do Ambiente”, destaca que as preocupações ambientais da

Comunidade Europeia surgiram e se manifestaram primeiro pela adoção de atos de direito

derivado e só depois através da consagração nos Tratados; portanto, fazendo uma analogia

com o direito interno, isso significaria que primeiro surgiram as leis (materialmente

inconstitucionais) e somente depois a consagração constitucional da competência para a

adoção de leis151.

Alexandra Aragão também realça que a Comunidade Europeia esteve presente

na já referida Conferência de Estocolmo, em junho de 1972, e em outubro do mesmo ano

realizou-se em Paris uma reunião de Chefes de Estado e de Governo dos Estados

Membros das Comunidades Europeias, ocasião em que proferiram uma declaração

pública na qual demonstraram preocupação pelo meio ambiente, encarregando a

Comissão Europeia da elaboração de um programa de ação em matéria de meio

ambiente152.

As preocupações com a proteção do meio ambiente aumentam progressivamente

e, no âmbito da Comunidade Europeia não poderia ser diferente, embora a lentidão na

celebração de tratados, tal como salienta Alexandra Aragão, que se reporta ao “lento

esverdear dos tratados”, destacando cada um daqueles durante o processo de

“ecologização do Direito Constitucional Europeu”153:

i) Acto Único Europeu: o primeiro a atribuir competências ambientais à

Comunidade Europeia;

ii) Tratado de Maastricht: que, em 1982, além de criar uma nova organização

internacional regional na Europa, a União Europeia, introduziu algumas alterações aos

148 REIS, op. cit., p. 39. 149 Embora não ao meio ambiente. 150 REIS, op. cit., p. 39. 151 CANOTILHO, in: CANOTILHO, LEITE, (orgs), 2011, p. 36. 152 ARAGÃO, in: CANOTILHO, LEITE, 2011, p. 38. 153 Ibid., p. 41.

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

54

Tratados então em vigor, o que “esverdeou” um pouco mais o Direito Constitucional

Europeu154.

iii) Tratado de Amesterdão – as alterações introduzidas em 1977 por esse

Tratado resumiram-se à introdução do desenvolvimento sustentável no preâmbulo do

Tratado da União Europeia e à recolocação sistemática do princípio da integração na Parte

I do Tratado, que versa sobre os princípios155.

iv) Tratado de Nice – de 2001, esse Tratado praticamente mantém inalterada a

Política Comunitária do Ambiente, apenas com uma mudança importante: o art. 175, n.

2, relativo ao procedimento de deliberação, que foi aclarado pelo aditamento de medidas

direta ou indiretamente relacionadas à disponibilidade de recursos hídricos156.

v) Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa – “o desenvolvimento

sustentável e o nível elevado de proteção do ambiente são duas grandes ideias-força que

atravessam as três partes fundamentais em que se divide o Tratado Constitucional

Europeu”157.

Ainda no plano da Comunidade Europeia, adverte Alexandra Aragão que há de

se atentar para os artigos 174º, 175º e 176º do Tratado da União Europeia. E analisando

tais preceptivos, a autora portuguesa discorre, por exemplo, sobre os princípios gerais,

modeladores do exercício da competência ambiental da referida Comunidade, dentre os

quais destacam-se:

i) Princípio da precaução – acrescentado pelo Tratado de Maastricht; apesar de

muitas hesitações e dúvidas terem sido expressadas relativamente ao conteúdo desse

princípio, indubitavelmente ele é um dos mais promissores princípios de Direito

Ambiental158. Por esse princípio, ao qual Jonas também se refere, na dúvida quanto a uma

atividade ser ou não nociva ao meio ambiente, deve-se escolher a abstenção de tal

atividade.

154 Ibid., loc. cit. 155 Ibid., p. 42. 156 Ibid., loc. cit. 157 Ibid., p. 43. 158 Ibid., p. 62.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

55

ii) Princípio da prevenção – é mais sensato antecipar-se e evitar danos do que

contabilizar prejuízos; e esses danos podem ocorrer por algumas razões evidentes que vão

desde a justiça ambiental à mera racionalidade econômica, passando pela justiça

intertemporal159.

Quanto a esse aspecto, a lição de Jonas situa-se no dever ser do homem no

mundo, que, diante da constatação de que a existência é sempre melhor do que a não

existência, deve nascer a obrigação prática ante à posteridade de um futuro distante e,

como princípio de decisão já na ação presente, tal assertiva é muito diferente da antiga

ética da simultaneidade160.

iii) Princípio da correção na fonte – diversamente dos princípios da prevenção e

do poluidor-pagador, que já haviam sido mencionados em alguns atos de Direito

Comunitário derivado, antes mesmo de serem consagrados no Tratado, a primeira vez

que o referido princípio apareceu formulado ao nível do Direito Comunitário foi na

primeira grande revisão do Tratado de Roma: o Ato europeu de 1986161. O referido

princípio determina quem deve, onde e quando se devem desenvolver ações de proteção

do ambiente, visando, portanto, a pesquisar as causas da poluição para, sempre que

possível, eliminá-las ou pelo menos moderá-las, evitando que se repitam162.

Hans Jonas conclama os humanos a agirem de tal modo que não comprometam

a existência de vida humana autêntica no futuro, inclusive pela não destruição das demais

formas vivas com as quais os homens compartilham a vida aqui na Terra. No capítulo III

deste estudo serão vistas algumas correntes da ética ambiental e será observado que a

ética voltada para o futuro de Jonas não é antropocêntrica, não obstante ele considerar

que os humanos se sobressaem na natureza. Além disso, ele evidencia, através da sua

“ética de emergência”, que o tempo para o início de ações concretas e específicas já está

atrasado.

Pousando rapidamente no Direito Ambiental vigente no âmbito do

MERCOSUL, interessa atentar para as palavras de Rafael Santos Oliveira, autor do livro

Direito Ambiental Internacional: o papel da soft law em sua efetivação e organizador da obra

159 Ibid., p. 64. 160 JONAS, 2006, p. 44/45. 161 ARAGÃO, in: CANOTILHO, LEITE, 2011, p. 65. 162 Ibid., p. 66.

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

56

Direito Ambiental Contemporâneo – Prevenção e Precaução, obra que não será abordada

aqui por uma questão de limitação temática, conforme explicitado no início do capítulo.

Esclarece Oliveira que as primeiras normas de proteção ao meio ambiente na

América Latina surgiram para regulamentar a utilização dos recursos naturais e embora

sejam normas que não foram criadas com a função expressa de proteger o meio ambiente,

tiveram efeitos ambientais indiretos, sendo que posteriormente surge outro tipo de

regulamentação desta feita ligada a setores ambientais específicos, a exemplo de água,

solos e fauna; entretanto, complementa, foi somente há poucas décadas, notadamente

após as Conferências realizadas pela ONU, que a legislação ambiental passou a encarar a

proteção ao meio ambiente como um sistema complexo e cuja regulamentação deve ser

realizada conjuntamente com diversos fatores163. Mas o referido autor também esclarece,

socorrendo-se da doutrina de BRAÑES (1994, p. 35-53) que não obstante essa evolução,

o Direito Ambiental latino-americano ainda convive com três tipos de ordenamentos

jurídicos com enfoques diferenciados no que se refere à proteção ambiental, quais sejam:

i) países em que a proteção ao meio ambiente é composta por uma visão moderna e que

o visualiza como um todo organizado e sistemático (nesse caso, tem-se legislação

propriamente ambiental); ii) os países onde a proteção se dá através da regulamentação

de determinados elementos e atividades ambientais (aqui fala-se em legislação setorial de

relevância ambiental); iii) por fim, há aqueles sem nenhum propósito ambiental mas que

regulam condutas que incidem significativamente na sua proteção (tem-se, aqui, a

legislação de relevância ambiental-causal)164. E sublinha que, em tal contexto, uma

tendência que se observa mais intensamente depois da realização da Conferência de

Estocolmo e do Rio de Janeiro é a adoção de legislações propriamente ambientais, sendo

que, após o ano de 1972, alguns países começaram a alterar as suas Constituições

seguindo as orientações constantes das Declarações da ONU165.

Quanto ao tema Proteção jurídica do meio ambiente no MERCOSUL, Oliveira

faz um apanhado que vai desde o Tratado de Assunção ao Acordo-Quadro, indicando

como a matéria evoluiu ao longo dos anos até que, em julho de 2004, foi aprovado o

Protocolo Adicional ao Acordo Quadro sobre Meio Ambiente, que regulamentou a

163 OLIVEIRA, disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8161>.

Acesso em: 24 jun. 2013. 164 Ibid. 165 Ibid.

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

57

cooperação e assistência ante a emergências ambientais, tema que já havia sido incluído

no programa de trabalho do SGT-6 pela Resolução 7/98, havendo esse Protocolo

instituído a cooperação entre os países membros do Mercosul para atuarem juntos em

caso de emergência ambiental resultante de um fenômeno de origem natural ou antrópica,

susceptível de provocar graves danos ao ambiente ou aos ecossistemas e que, por suas

características, necessitem de assistência imediata166.

Em face dessa aprimoramento gradual da proteção jurídica ambiental, releva

atentar para a observação de Antônio Herman Benjamin: “é seguro dizer que a

constitucionalização do ambiente é uma irresistível tendência internacional, que coincide

com o surgimento e consolidação do Direito Ambiental”167.

Diante da relevância temática que colocou o meio ambiente no atual patamar

legislativo, são pertinentes as observações de Flaviano Oliveira Fonseca que, ao comentar

a obra de Jonas, afirma ser observável que diversas áreas do conhecimento têm utilizado

suas reflexões, podendo ser comprovado isso não apenas na área da Filosofia, mas

também em outras áreas do conhecimento, a exemplo das de: de saúde, ciência sociais

aplicadas, ciências da vida, ciências agrárias e da terra, política etc168.

Por último, é de se conferir também uma ligeira abordagem sobre a proteção

jurídica ambiental nos Estados Unidos da América, nas palavras Arnaldo Sampaio de

Moraes Godoy, em artigo publicado no Instituto paulista de estudos bioéticos e jurídicos.

Pondera o referido autor que o Direito Ambiental centra-se em três pontos fundamentais:

i) controle de poluição, de dejetos e de resíduos decorrentes do desenvolvimento

industrial; ii) gerenciamento de recursos naturais; iii) regulamentação do uso da terra,

infraestrutura e desenvolvimento, destacando-se o papel preeminente do governo federal

americano, a partir da metade da década de 60 do século passado, baseado na commerce

clause do texto constitucional do país169.

Arnaldo Sampaio ainda acrescenta a falta de previsão constitucional expressa

que autorize a União a legislar em tema de Direito Ambiental e que as fontes do Direito

166 Ibid. 167 BENJAMIN, in: CANOTILHO, LEITE, 2011, p. 81. 168 FONSÊCA, in: SANTOS, 2011, p. 264. 169 GODOY, disponível em:

<http://www.ipebj.com.br/artigo/caracteristicas-do-direito-ambiental-nos-eua>. Acesso em: 28 jun. 2013.

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

58

Ambiental americano pulverizam-se: em leis federais, estaduais e locais, sendo que essas

últimas são complementares da primeira; em regulamentação infralegal dos mesmos

agentes políticos; em jurisprudência; em princípio e arquétipo de common law; na

Constituição americana (não diretamente eis que havendo previsão expressa de proteção

ambiental na mesma, valem-se das commerce clause, regra segundo a qual norma

estadual limitadora de comércio é inconstitucional, portanto, uma vez que os efeitos

materiais da legislação ambiental afetam a vida comercial, justificam a rationale para a

fixação da competência federal, orientação já definitivamente assimilada pela

jurisprudência americana) e em tratados internacionais, tudo sob o ângulo político que

busca a conciliação entre o crescimento econômico e a proteção ambiental170.

Ainda sobre o Direito Ambiental nos Estados Unidos, o saudoso jusfilósofo

norte-americano Ronald Dworkin analisou, no primeiro capítulo do livro Law’s empire

(O império do Direito), um rumoroso caso, ocorrido nos idos de 1973. Trata-se do caso

do Snail darter, um peixe de aproximadamente 7,5 cm, cujo único habitat, segundo

palavras de Dworkin, era o Vale do Tennessee, onde iniciaram a construção de uma

barragem que, depois de consumidos $100.000.000,00 (cem milhões de dólares), já quase

terminada, percebeu-se que a obra ameaçava de extinção essa espécie de peixe, e o

ministro pela questão, convencido por defensores da sobrevivência do Snail darter,

impediu que a barragem fosse terminada e usada, o que levou a Administração do Vale a

questionar a interpretação da lei usada, até que enfim a causa foi decidida pela Suprema

Corte, que ordenou a interrupção da barragem, apesar do enorme desperdício de recursos

públicos, com o que, o Congresso então aprovou outra lei em que estabeleceu um

procedimento geral para excluir a incidência da Lei das Espécies Ameaçadas com base

nas conclusões de uma junta revisora171.

3. UMA LIGEIRA ANÁLISE SOBRE A FORMALIZAÇÃO DA ÉTICA

AMBIENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Visto no item anterior um rápido panorama da proteção ambiental no cenário

internacional, resta uma breve incursão na situação do Brasil.

170 Ibid. 171 DWORKIN, 1999, p. 27.

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

59

Consoante lembra Antônio Herman Benjamin, o meio ambiente brasileiro foi

cantado em prosa na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal em 1500, onde foi

destacada a riqueza de “terras e arvoredos”, que surpreendeu e encantou o missivista,

finalmente vindo toda esta riqueza a ser reconhecida na Constituição Federal de 1988172.

Mas o mesmo autor, depois de acentuar o progresso que o país atravessou ao longo dos

anos decorridos desde a bela carta, critica o fato de pouco desenvolvimento ter havido no

cenário ambiental, argumentando, primeiramente, que somente a partir de 1981, mediante

a promulgação da Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), deu-se

o passo inicial rumo a um paradigma jurídico-econômico que holisticamente173 tratasse e

não maltratasse a terra, seus arvoredos e os processos ecológicos174.

Destaca Édis Milaré que a Política Nacional do Meio ambiente, instaurada a

partir da Lei nº 6.938, de 31.08.1981, foi, indubitavelmente, um marco na vida pública

nacional, no que se refere à dinâmica da realidade ambiental, e esse caráter de

vanguardeiro não se restringiu à esfera do ambiente, dado que também teve significado

na história da Administração Pública brasileira175.

A constitucionalização do direito ambiental no Brasil, fato, aliás, que ocorreu

em muito outros países, é um passo fundamental para que se alcance uma rede de proteção

jurídica para fazer frente à escalada vertiginosa de tecnologias e ações notadamente

impactantes aos fatores bióticos e abióticos. No entanto, na esteira da observação de

Herman Benjamin, com a Constituição apenas (embora isso não seja pouco) “inicia-se

uma jornada fora do comum, que permite propor, defender e edificar uma nova ordem

pública, (...), centrada na valorização da responsabilidade de todos para com as

verdadeiras bases da vida, a Terra”176, aliás, é justamente a responsabilidade que aos

humanos cabe assumir a fim de garantir vida futura autêntica no planeta, núcleo da ética

defendida por Jonas.

Que há notáveis benefícios decorrentes da constitucionalização da proteção

ambiental é fato, e o autor acima destaca 11 (onze) deles, classificando-os em benefícios

substantivos ou materiais (que têm o condão de reorganizar a estrutura de direitos e

172 BENJAMIN, op. cit., p. 77. 173 Visão esta defendida por Hans Jonas, que não somente fala da multiplicidade de saberes de várias áreas

de conhecimento como também de ações políticas direcionadas à proteção da natureza. 174 BENJAMIN, op. cit., p. 77. 175 MILARÉ, op. cit., p. 679. 176 Ibid., p. 86.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

60

deveres, bem assim da ordem jurídica) e formais (relacionam-se com a implementação

das normas de tutela ambiental177)178.

Inicialmente, os benefícios substantivos.

i) Primeiro benefício substantivo: estabelecimento de um dever constitucional

genérico de não degradar, base do regime de explorabilidade limitada e condicionada.

Assegura que esse aspecto é positivo nos regimes constitucionais do meio

ambiente, e especialmente no Brasil, “é a instituição de um inequívoco dever de não

degradar, contraposto ao direito de explorar, inerente ao direito de propriedade, previsto

no art. 5º, XXII, da Constituição Federal”179.

ii) Segundo benefício substantivo: a ecologização da propriedade e da sua função

social.

Aqui, vê-se que a cultura civilista da propriedade, de usar, gozar e dispor da

mesma, e cuja fonte mais expressiva foi o Código de Napoleão, que considerava a

propriedade como o “mais absoluto dos direitos”, sofrerá temperamento com o também

direito a um meio ambiente que possibilite a existência da vida, relativizando-se aquele,

em benefício de todos.

Com efeito, a própria ordem econômica e a social, segundo os ditames dos

artigos 170, VI, e 186, II, da Constituição Federal brasileira de 1988, sofre limitação

imposta pelo dever de preservar a natureza.

iii) Terceiro benefício substantivo: a proteção ambiental como direito

fundamental.

Os mais recentes modelos constitucionais além de trazerem a inovação com o

“dever de não degradar”, com a ecologização do direito de propriedade, também elevam

a tutela a um nível de direito fundamental e, assim posta, a proteção ambiental deixa de

177 Muitas vezes não é suficiente garantir o direito substantivo, havendo necessidade de determinados

mecanismos processuais para fazer valer tais direitos, previstos no Direito Processual. 178 Ibid., p. 89. 179 Ibid., loc. cit.

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

61

ser um interesse acidental e o meio ambiente é alçado ao ponto máximo no ordenamento

jurídico180.

iv) Quarto benefício substantivo: legitimação constitucional da função

reguladora.

A inserção da proteção ao meio ambiente na Constituição legitima a atuação

estatal, dispensando-se a regulação estatal de justificação legitimadora, facilitando a ação

das instituições estatais, havendo que se destacar ainda que a verbalização do discurso

constitucional de proteção ambiental não tem como desiderato principal um non facere,

indo além, para exigir prestações positivas a cargo do Estado181.

v) Quinto benefício substantivo: redução da discricionariedade administrativa.

Os comandos constitucionais, ao impor o permanente dever de preservar, reduz

a discricionariedade administrativa182; consequentemente não restará ao Estado senão o

comportamento de formulação de políticas públicas e de optar sempre, entre várias

alternativas viáveis ou possíveis presentes em decisórios individuais, pela menos gravosa

ao equilíbrio ecológico, inclusive vedando empreendimento, a depender do risco

verificado183.

vi) Sexto benefício substantivo: ampliação da participação pública.

Esse último benefício substantivo citado por Benjamin observa-se no fato de que

é possível, graças a ele, ampliar os canais de participação pública, inclusive em nível de

Poder Executivo e de Poder Judiciário184.

Vistos os benefícios substantivos, algumas observações sobre os benefícios

formais.

i) Primeiro benefício formal: máxima preeminência e proeminência dos direitos,

deveres e princípios ambientais.

180 BENJAMIN, op. cit., p. 93. 181 Ibid., p. 94. 182 Que, em linhas gerais, é o poder (modernamente cada vez mais reduzido por várias teorias jurídicas

sobre as quais não se mostra adequado trazer a este trabalho) conferido ao administrador de, dentro de uma

margem de liberdade, eleger ações administrativas, pautadas não somente pela conveniência e

oportunidade, como também pela razoabilidade e pela busca da finalidade visada pela lei. 183 BENJAMIN, op. cit., p. 95. 184 Ibid., p. 96.

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

62

As regras constitucionais têm hierarquia superior no ordenamento jurídico,

assim sendo, a legislação infraconstitucional deve-lhes obediência e, se desconformes,

serão invalidadas pelo Poder Judiciário, mediante o controle de constitucionalidade.

ii) Segundo benefício formal: segurança normativa.

Essa segurança normativa é especialmente observada em Constituições rígidas

como a brasileira, a qual, veda, inclusive, propostas de Emenda Constitucional que visem

a abolir determinados comandos constitucionais (cláusulas pétreas), a exemplo dos

direitos e garantias individuais185.

iii) Terceiro benefício formal: substituição do paradigma da legalidade

ambiental.

Com a substituição do paradigma da legalidade ambiental pelo paradigma da

constitucionalidade ambiental alcança-se uma ambiciosa reestruturação da equação

jurídico-ambiental, com implicações mais amplas186.

iv) Quarto benefício formal: controle da constitucionalidade da lei.

A conformidade das leis com a Constituição é exigida seja no campo da ação

seja no da omissão, eis que a omissão, em determinadas situações, também se caracteriza

como inconstitucional, declarável pelo Poder Judiciário.

v) Quinto benefício formal: reforço exegético pró-ambiente das normas

infraconstitucionais.

Em países com tradição constitucional a norma constitucional é uma poderosa

ferramenta exegética, cujo uso torna-se prevalente e rotineira na prática administrativa ou

judicial, trazendo em si a função de guia para a boa compreensão da norma

infraconstitucional por juízes, administradores e outros destinatários; justamente porque

a proteção constitucional do meio ambiente situa-se numa elevada hierarquia das normas,

a só existência dessa hierarquia impõe a (re)leitura do direito positivo nacional do

passado, do presente, e em especial do futuro, no balanceamento de interesses

185 Ibid., p. 98. 186 Ibid., p. 99.

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

63

conflitantes187. Essa interpretação pró-futuro quanto à higidez ambiental tem forte e

evidente comunhão com a ética ambiental de Jonas, uma vez que ele defende a precaução

e a preservação como decisões proeminentes entre as escolhas que podem significar a

existência de vida no futuro.

Sônia Maria Schio destaca que na preocupação em relação ao futuro, ponto

fulcral da ética de Jonas, há de se contar com mecanismos que obriguem não somente

cada cidadão a respeitar a lei (lato sensu) como também os Estados a respeitarem os

acordos celebrados e essa observação ela faz ao final de uma interessante reflexão:

(...) Nos termos do autor, “os efeitos finais para a continuidade da atividade

humana no futuro” precisam estar na pauta atual, seja individual seja

coletivamente. Dessa forma, a preocupação com o futuro não pode ser uma

simples hipótese, pois deve tornar-se uma questão ‘produtiva’ no sentido de

gerar ações que objetivem a preservá-lo ou possuindo “a característica de

universalidade na medida real de sua eficácia” (JONAS, 2006, p. 149). Nesse

contexto, pode-se questionar como esse ‘todo coletivo’, que tem suas ações

que se juntam, se unem, formando um conjunto, um todo quase indiscernível,

pode se tornar ‘eficaz’ sem que haja uma vontade que norteie as ações para que

elas não continuem a degradar o meio e que, ao contrário, o recuperem e o

preservem para o futuro. Em outras palavras, como levar e obrigar, cada

cidadão (e também o Estado) a respeitar os acordos com relação às

limitações da tecnologia, da agressão ao próprio homem e ao meio

ambiente, não se escondendo sob o grupo?188. (Original sem negritos).

A Constituição brasileira tem um arsenal de dispositivos favoráveis não somente

à imposição de deveres para com a natureza no âmbito do próprio Estado, como também

relativamente aos Tratados Internacionais, uma vez que, concebido o direito fundamental

ao meio ambiente equilibrado entre os direitos humanos, tais acordos celebrados pelo

Brasil teriam o regramento no já citado artigo 5º, § 3º, da CF, portanto equivalendo a uma

Emenda Constitucional, depois de aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em

dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. E a relevância dos

direitos humanos conferida pela nossa Constituição é patente na disposição também do

artigo 4º, o qual proclama que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações

internacionais, entre outros princípios, pela “prevalência dos direitos humanos”.

Mas não somente os direitos humanos encontram-se positivados na Carta

Política brasileira, como também, especificamente, a proteção ambiental mereceu uma

ampla atenção do Constituinte Originário, conforme se pode observar nos itens seguintes.

187 Ibid., p. 101. 188 SCHIO, in: SANTOS, 2011, p. 219/220.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

64

3.1. Em nível constitucional tem-se os comandos que serão transcritos a

seguir.

i) O substancioso artigo 225, cujo caput reza que todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações189.

ii) O artigo 5º, inciso LXXIII, por sua vez, garante a concretização do direito

acima, na hipótese de violação pelos entes enumerados no dispositivo, ao dispor que

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo

ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade

administrativa, ao meio ambiente190 e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,

salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência191.

Tal preceptivo confere legitimidade ao cidadão para fazer valer os direitos acima

elencados, se o mesmo não estiver sendo respeitado pelos Entes Públicos, por pessoas

jurídicas ou por entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

Através dessa legitimidade conferida ao cidadão, tem-se não somente um direito

declarado ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como também um mecanismo

processual extremamente democrático para fazer valer tal direito. Isso se coaduna com a

crescente evolução da era da declaração dos direitos para a era da concretização dos

mesmos.

iii) O teor do artigo 129, inciso III, que confere legitimidade ao Ministério

Público para não somente propor ações judicias em matéria de meio ambiente, a fim de

que o Poder Judiciário decida sobre lide ambiental, como também para que celebre

Termos de Ajustamento de Conduta, os quais, se não cumpridos, poderão ser executados

também perante o Poder Judiciário competente.

189 Original sem negrito e sem destaque. Destaquei para comentar que nada mais jonasiano do que essa

busca de uma responsabilidade ambiental que inclua o futuro nas preocupações e decisões atuais. 190 Original sem negrito. 191 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso: 20 abril. 2013.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

65

iv) O artigo 23, incisos VI e VII que prevê a competência comum da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proteger o meio ambiente, combater

qualquer forma de poluição e preservar as florestas, a flora e a fauna, observando-se que

competência comum não significa sobreposição de competências.

v) O conteúdo do artigo 21, inciso XIX, que se refere ao gerenciamento dos

recursos hídricos como competência da União.

vi) A letra do artigo 22, inciso IV, que atribui competência privativa à União

para legislar sobre as águas, o que permite um tratamento uniforme relativamente a essa

substância indispensável à vida:

vii) O artigo 24 prevê competência à União, aos Estados e ao Distrito Federal

para legislar concorrentemente sobre determinados assuntos de interesse ecológico,

conforme se vê nos incisos VI, VII e VIII, o que se denomina de competência concorrente.

Aos comandos acima deve-se acrescer a previsão do artigo 30, inciso II, da

também da Constituição Federal, onde se confere aos Municípios suplementar a

legislação federal e estadual no que couber.

viii) O artigo 170, o qual estipula que dentre outros princípios, a ordem

econômica também se funda na defesa do meio ambiente, numa clara determinação de

tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental de determinados produtos e

serviços. Também nesse artigo observamos ecos da ética da responsabilidade de Jonas

quanto à ponderação que se deve ter com os tipos de tecnologia e com os excessos dela.

ix) No título VII (da ordem econômica e financeira), capítulo VII (da política

agrícola e fundiária e da reforma agrária), há a disposição encartada no artigo 186, quanto

à função social da propriedade, a qual deve primar pela utilização adequada dos recursos

naturais disponíveis e pela preservação do meio ambiente.

3.2. A proteção em nível de Leis estrito senso.

Os exemplo mais relevantes são as leis: 5.197/67, 6.938/81, 7.713/83, 7.661/88,

7.802/89, 9.433/97, 9.695/98, 9.795/99, 9.966/2000, 9.985/2000, 10.308/2001,

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

66

11.105/2005, 11.284/2006, 11.428/2006, 11.794/2008, 12.184/2009, 12.305/2010,

12.633/2011, ainda acrescentando-se a importantíssima Lei Complementar nº 140 que,

nos termos dos incisos III, VI e VII do caput, e do parágrafo único do art. 23 da

Constituição Federal, fixou normas para a cooperação entre a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da

competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do

meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das

florestas, da fauna e da flora.

Na rede de proteção oriunda desse arcabouço legislativo, vê-se, com facilidade,

a ética ambiental defendida por filósofos, a exemplo de Jonas, formalizada em estatutos

legais, ostentando, por força do Direito, a capacidade de justificar penalidades e

obrigações de fazer, de não fazer e de tolerar que se faça. Embora a ética da

responsabilidade de Hans Jonas proponha a assunção da responsabilidade derivada de

uma escolha consciente pelo sim ao “Ser” e um não eloquente ao “Não-Ser”, não se pode

deixar de comemorar a evolução legislativa, uma vez que é notório o longo caminho que

a humanidade tem a percorrer até que o valor intrínseco da vida, em suas diversas

manifestações, seja o mote para a preservação e o cuidado.

4. AS COMPETÊNCIAS EXECUTIVAS (ADMINISTRATIVAS) DA UNIÃO DOS

ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL.

Além das competências legislativas, há as competências executivas, as quais

concretizam o comando legal. Nesse aspecto, tanto a Constituição Federal quanto a Lei

Complementar nº 140/2011, trazem os ordenamentos a serem observados.

4.1. Competência executiva exclusiva da União à luz da Constituição

Federal e da Lei Complementar 140/2011.

No artigo 21, incisos IX, XVIII, XIX, XX e XXIII, estão previstas as

competências exclusivas da União.

Consoante bem lembra Heline Sivini Ferreira, em algumas circunstâncias as

atribuições previstas nos incisos IX (elaborar e executar planos nacionais e regionais de

ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social) e XX (instituir

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

67

diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e

transportes urbanos) podem ensejar algumas dificuldades, por se imbricarem com

competências estaduais e municipais; entretanto, há de se ter em mente que imbricar não

significa invadir ou imiscuir-se192. Não obstante, a recente Lei Complementar 140, de

2011, trouxe importante delimitação de campo de atuação das Unidades da Federação,

inclusive impondo “uma ressalva na competência dos Estados, visando à observação da

competência mais ampla da União”193.

Além das disposições do artigo 21, incisos IX, XVIII, XIX, XX e XXIII, da

Constituição Federal, é de se observar, no tocante às repartições de competências

executivas trazidas pela Lei Complementar 140/2011, que as atribuições da União estão

previstas no artigo 7º desse diploma legal.

4.2. Competência executiva exclusiva dos Estados à luz da Constituição

Federal e da Lei Complementar nº 140/2011.

No âmbito constitucional, tal como pontua Heline Sivini Ferreira, aos Estados

foi reservada competência remanescente, uma vez que o constituinte dispôs

explicitamente apenas sobre a competência da União e dos Municípios, assim como no

âmbito da competência residual, a Constituição estabeleceu expressamente que os

Estados detêm poderes exclusivos de natureza executiva para explorar diretamente, ou

mediante concessão, os serviços de gás canalizado e instituir regiões metropolitanas,

aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamento de Municípios

limítrofes194.

No âmbito da Lei Complementar nº 140/2011, o legislador elencou, no artigo 8º,

com seus vinte e oito incisos, as ações administrativas a cargo dos Estados, dentre as

quais: executar e fazer cumprir, em âmbito estadual, a Política Nacional do Meio

Ambiente e demais políticas nacionais relacionadas à proteção ambiental; exercer a

gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições; formular, executar e fazer

cumprir, em âmbito estadual, a Política Estadual de Meio Ambiente; promover, no âmbito

estadual, a integração de programas e ações de órgãos e entidades da administração

192 FERREIRA, in: SANTOS, 2011, p. 219/220. 193 MACHADO, 2012, p. 185. 194 FERREIRA, in: Santos, op. 233.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

68

pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, relacionados à

proteção e à gestão ambiental; articular a cooperação técnica, científica e financeira, em

apoio às Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente; promover e orientar a educação

ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do

meio ambiente; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos

e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente,

na forma da lei195.

4.3. Competência executiva exclusiva dos Municípios à luz da Constituição

Federal e da Lei Complementar nº 140/2011.

No artigo 30, incisos VIII e IX da Constituição de 1988 tem-se a competência

explícita em matéria ambiental dos Municípios.

Por sua vez, a Lei Complementar nº 140/2011 elenca, no artigo 9º, as ações

afetadas aos Municípios, dentre elas: executar e fazer cumprir, em âmbito municipal, as

Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente e demais políticas nacionais e estaduais

relacionadas à proteção do meio ambiente; formular, executar e fazer cumprir a Política

Municipal de Meio Ambiente; promover, no Município, a integração de programas e

ações de órgãos e entidades da administração pública federal, estadual e municipal,

relacionados à proteção e à gestão ambiental; elaborar o Plano Diretor, observando os

zoneamentos ambientais; promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis

de ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente; controlar a

produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que

comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei196.

4.4. Competência executiva exclusiva do Distrito Federal à luz da

Constituição Federal e da Lei Complementar 140/2011.

195 BRASIL. Lei complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos

III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a

União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício

da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente,

ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e

altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso: 28

abr. 2013. 196 Ibid.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

69

O Distrito Federal é um Ente Federado anômalo, eis que às vezes detém

competências conferidas aos municípios e Estados, mas, por outro lado, “algumas de suas

instituições fundamentais são tuteladas pela União (Poder Judiciário, Ministério Público,

Defensoria Pública e Polícia)”197.

Quanto à competência administrativa do Distrito Federal, tem-se que o

constituinte não as elencou no artigo 32, §1º, mas sim reportou-se às competências

legislativas reservadas a Estados e Municípios. Entretanto, a interpretação que os

constitucionalistas fazem, e não poderia deixar de assim ser por uma questão de coerência

constitucional, é a de que as competências previstas nos artigos 25 e 30 da Constituição,

ainda que não se refiram especificamente a legislar sobre determinada matéria, também

são reconhecidas ao Distrito Federal. Portanto, o Distrito Federal possui competência

administrativa plena, salvo as ressalvas constitucionais. Nessa linha de argumentação, o

comentário do constitucionalista José Afonso da Silva.

Ao Distrito Federal, como lembramos, são atribuídas as competências

tributárias e legislativas que são reservadas aos Estados e Municípios (arts. 32,

§1º, 147 e 155). Isso quer dizer que ele dispõe de uma área de competências

remanescentes correspondentes aos Estados, segundo o art. 25, §1º, assim

também lhe cabe explorar diretamente, ou mediante concessão a empresas

distritais, com exclusividade de distribuição, os serviços locais de gás

canalizado (art. 25, §2º). Competem-lhe as matérias relacionadas no art. 30,

como de competência municipal, (...)198.

E o artigo 10 da Lei Complementar 140/2011, determina que todas as ações

transcritas acima, de competência dos Estados (art. 8º) e dos Municípios (art. 9º), são

reconhecidas como de competência do Distrito Federal.

4.5. A competência administrativa comum.

A par das competências exclusivas em matéria ambiental, a Constituição da

República Federativa do Brasil ainda prevê competência comum da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios, no artigo 23, traduzidas principalmente em: zelar

pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o

patrimônio público; proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,

artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios

197 SILVA, 2007, p. 649. 198 SILVA, 2007, p. 650.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

70

arqueológicos; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas

formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; promover programas de construção

de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; registrar,

acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos

hídricos e minerais em seus territórios199.

No âmbito administrativo os entes não apenas devem fiscalizar como também

aplicar multas administrativas (previstas em lei) em decorrência de infração

administrativa-ambiental. No plano da responsabilidade civil, onde são buscadas

indenizações e condenação em obrigação de fazer e de não fazer em matéria ambiental,

assim como em matéria de repressão penal, o Poder Judiciário é o competente para

processar, julgar e executar as suas decisões.

Conforme se vê, há um leque de providências direcionadas a conferir máxima

eficácia ao comando constitucional de preservação do meio ambiente para a atual e

futuras gerações. No item seguinte, será abordado o papel indispensável do Poder

Judiciário para fazer valer as disposições constitucionais e legais quando acionado. As

três esferas de Poder são chamadas a agir em prol da possibilidade de se ter, no dizer de

Jonas, “vida autêntica humana” num futuro longínquo.

5. O PODER JUDICIÁRIO, O DIREITO AMBIENTAL E O JULGAMENTO DE

CONFLITOS AMBIENTAIS: O JUIZ COMO AGENTE POLÍTICO INVESTIDO

DO PODER DE IMPOR SANÇÕES CIVIS E PENAIS.

Afirma Paulo Affonso Leme Machado que a presença do Poder Judiciário para

dirimir os conflitos ambientais é, sem exagero, uma das conquistas sociais importantes

do último século, abrangendo tanto países desenvolvidos como em desenvolvimento,

sendo que o acesso ao Judiciário poderá ser percorrido por diversas vias judiciais, a

exemplo do procedimento sumário, do procedimento ordinário, do processo cautelar, do

199 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso: 20 abril. 2013.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

71

processo de execução, dentre outros, destacando-se, porém, a Ação Civil Pública e a Ação

Popular, consideradas na acepção constitucional de defesa do meio ambiente200.

De fato, a Constituição brasileira prevê, no art. 5º, XXXV, o amplo acesso ao

Judiciário, apenas com a ressalva do artigo 217, §§ 1º e 2º, relativamente à disciplina e

competições desportivas.

5.1. A Ação Popular, os legitimados para agir em Juízo e a intervenção do

Ministério Público.

A Constituição Federal dispõe, no artigo 5º, LXXIII, sobre essa Ação que já

constava, com o mesmo nome, nas Constituições de 1824, 1967 e na Emenda

Constitucional 1/1969; mas ainda que sem usar o mesmo nome, reconheceu-se a sua

presença nas Constituições de 1934 e de 1946, segundo lembra Paulo Affonso Leme de

Machado201. Com efeito, reza o atual preceptivo constitucional, artigo 5º LXXIII, que

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo

ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade

administrativa, ao meio ambiente202 e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,

salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência203.

Ao conceder legitimidade a qualquer cidadão, o qual deverá provar a cidadania

com o título eleitoral ou com documento que a ele corresponda, nos termos do art. 1º, §3º,

da Lei n. 4.717/65, recepcionada pela Constituição de 1988, que regula a referida ação, o

constituinte abriu um leque imenso de legitimados para proteger os bens por ela

amparados, entre eles o meio ambiente. Com isso, os cidadãos não dependem da ação de

outros Órgãos, por mais respeitáveis e competentes que sejam, tal como se dá para a

propositura da Ação Civil Pública, segundo veremos no tópico seguinte. O valor

inestimável do bem em estudo justifica essa amplitude de medidas protetivas tanto

materiais quanto processuais. O cidadão tocado pela responsabilidade ambiental não

200 MACHADO, op. cit., p. 427/428. 201 Ibid., p. 428. 202 Original sem negrito. 203 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso: 16 maio. 2013.

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

72

somente será um fiscal das posturas administrativas lesivas ao meio ambiente, como

também acionará o Poder Judiciário para coibir tais posturas.

5.2. A Ação Civil Pública, os legitimados para agir em Juízo e a intervenção

do Ministério Público.

A Lei n. 7.347/85 disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos

causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,

histórico, turístico e paisagístico. Logo no inciso I do artigo 1º da referida Lei, a atenção

com o assunto meio ambiente aparece, sendo que no inciso III tem-se a referência a valor

paisagístico, e no VI, à ordem urbanística, tema que também interessa ao estudo do meio

ambiente.

Através do manuseio da Ação Civil Pública (ACP) pode-se pleitear a

condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, conforme

dispõe o artigo 3º.

Podem ajuizar essa ação, assim como a ação cautelar correspondente, nos termos

do art. 5º: o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia

mista, associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano

nos termos da lei civil e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio

ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico204.

A depender do ente que figure na condição de autor, réu, assistente ou opoente,

a competência para julgar será da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, I da

Constituição Federal; não sendo o caso, caberá o julgamento à Justiça Estadual; a

legitimidade para agir será do Ministério Público Federal (MPF) para o primeiro caso e

do Ministério Público estadual (MPE) para as lides processadas nos fóruns estaduais,

embora o MPE possa, em algumas situações, atuar em litisconsórcio ativo com MPF, na

Justiça Federal. Um exemplo clareará esta questão: se o dano ambiental ocorrer em um

204 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso: 03 mai. 2013.

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

73

bem da União, por exemplo, num rio federal (v.g. Rio São Francisco), a competência para

julgar a ação é da Justiça Federal e o Ministério Público legitimado é o Federal.

Por último há de se atentar para a doutrina Hely Lopes Meirelles, sobre um

tópico relevante para a responsabilização do autor da ação lesiva, qual seja, que a defesa

do réu na ação civil pública deve ser restrita à demonstração de que: i) não é o responsável

pelo ato ou fato lesivo ao meio ambiente; ii) não houve a ocorrência impugnada; iii) a

ocorrência não é lesiva ao meio ambiente e sua conduta está autorizada por lei e também

licenciada pela autoridade competente, sendo inútil alegar a inexistência de culpa ou dolo,

porque a responsabilidade do réu é objetiva205.

5.3. O Direito Penal, os crimes e as penas.

De extrema relevância, tem-se a seara criminal, onde os crimes ambientais são

julgados e penas de detenção e reclusão, muitas vezes substituídas por penas restritivas

de direitos, a depender do atendimento de certos requisitos legais, são aplicadas ao

infrator; outras vezes, a depender também das disposições legais pertinentes, o autor do

fato poderá celebrar transação penal proposta pelo Ministério Público e homologada pelo

Juiz(a), e em certas situações, aceitar a suspensão condicional do processo, também

proposta pelo órgão ministerial e homologada pelo Magistrado(a).

A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, dispõe sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O artigo 3º

dessa lei penaliza inclusive a pessoa jurídica, obviamente não lhes aplicando penas

inerentes a pessoas físicas:

Outras disposições e os crimes em espécies podem ser lidos nos demais artigos

da referida lei.

205 MEIRELLES, 1997, p. 156.

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

74

6. LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E PENALIDADES SÃO SUFICIENTES PARA

GARANTIR UM MEIO AMBIENTE VIÁVEL NO FUTURO?

Do que foi visto acerca da proteção ambiental nos planos nacional e

internacional, patenteia-se que as exortações contundentes de Hans Jonas no sentido da

indispensabilidade de uma ação política traduzida não somente pela interdisplinaridade

como também pela adoção de ações objetivas e específicas, tanto do ponto de vista

preventivo como também reparador e reconstrutor, exige ação política competente em

nível de cada Nação e entre as Nações. Glória Garcia, quando se reporta à ética de Jonas

na obra já citada, sublinha a necessidade de alargamento das ações coletivas e das

políticas públicas a serem promovidas pelos Estados, que, somadas às ações individuais

cotidianas, darão a dimensão “quase cósmica” da ética do futuro, ponto fulcral na ética

da responsabilidade jonasiana, reclamadora de uma cidadania em escala global,

mundial206.

Também Manfredo Araújo de Oliveira, aos se reportar à ética da

responsabilidade em Hans Jonas, na já mencionada obra Ética, Direito e Democracia,

pontua o acervo político de que ela se reveste nesta sociedade em que valores são

colocados constantemente em litígio e tais litígios normalmente são concretizados em

ações que demandam intervenções estatais dos Poderes Legislativo, Judiciário e

Executivo.

(...) Todo ser, enquanto portador de valor, me diz respeito, e o reconhecimento

desse valor se torna uma obrigação de modo que, no caso de uma decisão, se

faz necessário considerar a hierarquia de valores, o que é fundamental numa

situação de litígio. Numa palavra, para H. Jonas, sou responsável diante do ser

em sua totalidade, de forma que a responsabilidade é a mediação entre dois

polos constitutivos de toda ação: liberdade e o caráter valorativo do ser207.

Para tamanho desafio a ser enfrentado, necessário o conhecimento sobre

ecologia, e por que isso não basta para o sucesso da empreitada, indispensável o Direito

para impor pela força das leis e das decisões judiciais. Entretanto a força do Direito não

é suficiente eis que muitas agressões sequer chegam ao conhecimento do Judiciário e

outras delas muitas vezes são irreversíveis a ponto de somente restar ao Juiz condenar em

206 GARCIA, op. cit., p. 81. 207 OLIVEIRA, 2010, p. 32.

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

75

indenização por danos materiais e morais que, não obstante o efeito pedagógico, não têm

o condão de recuperar o meio ambiente degradado. Diante dessa sintonia de incompletude

é que vem à mente a estrofe do poema Nosso Tempo do poeta Carlos Drummond de

Andrade: “As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis”.

Para o grave momento que a humanidade está atravessando, dos excessos da era

tecnológica, das grandes catástrofes provocadas pelas ações humanas contra a natureza e

das pequenas ações que, multiplicadas, também comprometem o equilíbrio ecológico, há

de se acrescer à responsabilidade jurídica, a ética da responsabilidade.

Aponta Cristina Beckert que a responsabilidade como conceito ético é recente,

figurando o termo pela primeira vez num dicionário em 1783, sendo que a análise

etimológica revela o contexto jurídico do próprio surgimento, uma vez que provém de

responsus (resposta) que, por sua vez, tem raiz no verbo spondeo (prometer), entendendo-

se o responsável (sponsor) como aquele que dá caução, que responde por outrem ou o

substitui perante a lei, evoluindo o sentido jurídico para uma restrição da responsabilidade

ao sujeito da ação, enquanto a acepção moral manteve-se mais fiel à própria etimologia,

ao englobar a dimensão da alteridade, razão pela qual se torna imprescindível distinguir

entre responsabilidade formal ou jurídica e responsabilidade substantiva ou moral208.

Diz ainda Beckert que o cerne da responsabilidade jurídica está no agente como

causa de um determinado efeito, relativamente ao qual é imputado ou tem que responder,

sendo que a compensação anula o dano provocado, pondo fim à relação de

responsabilidade e que, por outro lado, essa é essencialmente retrospectiva, responde à

questão quem foi o responsável, mas enquanto decalcada a responsabilidade jurídica, a

responsabilidade moral apenas substitui o plano dos efeitos visíveis da ação pela

interioridade invisível da intenção, mantendo, no entanto, a relação de causalidade, desta

vez entre a intenção e a ação209. E é precisamente esse aspecto unidirecional da relação

que a ética contemporânea, confrontada com o processo de globalização e com o

acelerado desenvolvimento tecnológico, é obrigada a romper, fazendo com que a tônica

não se fixe no agente tão somente como causa da ação nem mesmo como responsável por

si mesmo, mas também como sujeito de um compromisso com outrem, por esse e perante

esse respondendo, em face do que, tem-se uma responsabilidade com dimensão

208 BECKERT, 2012, p. 99. 209 Ibid., p. 100.

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

76

prospectiva, que se expressa na indagação do que cada um deve fazer para promover o

bem daquele pelo qual é responsável210.

Destacando que, pela primeira vez na história da humanidade, o homem detém

poderes suficientes para acabar com a vida no planeta, Beckert assinala a ética do

compromisso como uma promessa de sentido que implica a responsabilidade radical de

quem o produz211. Depois a autora adentra na responsabilidade voltada para o futuro de

Jonas, não sem antes: i) lembrar que a radicalização da categoria da responsabilidade

inicia-se com Sartre e sua afirmação de “uma liberdade absoluta no seio da finitude, isto

é, com a emancipação da decisão ética de toda determinação exterior ao próprio acto

decisório”212; ii) aduzir que “um passo decisivo no reconhecimento do outro como objeto

de responsabilidade, é dado por Emmanuel Levinas, ao investir a própria alteridade com

o poder ético de reclamar para si a responsabilização do sujeito”213. Depois, Cristina

Beckert reconhecerá em Jonas um nome incontornável para quem pretende equacionar os

problemas do mundo contemporâneo a partir de uma ética da responsabilidade, uma vez

que foi ele quem, pela primeira vez, chamou a atenção para a mudança operada na

natureza da ação humana, a partir do século XX, sob o impacto do progresso tecnológico,

ao mesmo tempo em que anunciava uma nova extensão da responsabilidade em escala

planetária e das gerações futuras214.

Tal como defendido na introdução e no capítulo I deste trabalho, Beckert

lembrará a concepção jonasiana de que o triplo efeito da tecnologia contemporânea

(dispersão, irreversibilidade e cumulação) exige nova aliança entre a ética e a ciência, em

que a dimensão cognitiva toma uma importância fundamental, tal qual dito por Jonas e

transcrito pela autora:

Nestas circunstâncias, o conhecimento torna-se num dever primeiro, acima de

tudo quanto até agora se pôde considerar o seu papel, tendo esse mesmo

conhecimento de ser proporcional à escala causal da nossa ação. O facto de ele

não poder realmente ser tão proporcional como isso, isto é, o facto de o

conhecimento prospectivo ficar aquém do conhecimento técnico que confere

poder ao nosso agir, assume ele próprio importância ética215.

210Ibid., p. 101. 211 Ibid., loc. cit. 212 Ibid., p. 101/102. 213 Ibid., p. 102. 214 Ibid., p. 103. 215 Ibid., p. 104.

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

77

Comentando sobre a responsabilidade ambiental em Paul Ricoeur, Maria da

Glória F.P.D. Garcia assevera que a abordagem desse autor sobre a “questão ecológica”

é feita sob o ângulo da justiça e do Direito, que apreendida “pelo ângulo judicial, a acção

é compreendida através da especificidade do direito, que aparece entre a ética e a

política”216, acrescentando que é nesse âmbito que Ricoeur propõe-se a analisar a ação e

o conceito de responsabilidade, lembrando da evolução semântica da mesma, nos últimos

anos, especialmente depois da obra de Hans Jonas “ter feito transbordar o conceito do

plano da obrigação de fazer e, particularmente, dos planos da ação e da punição, para o

plano dos «princípios»”217, posto que, no plano semântico, “os conceitos fundadores da

responsabilidade são dois e estão ligados a dois verbos, «responder» e «imputar». Sendo

que este último abre a ideia de retribuição”218. Finalmente, proclama que a “reformulação

do conceito de responsabilidade exigida pela «questão ecológica» é resultado de dois

movimentos evolutivos, um no plano jurídico, outro no plano ético”219.

Glória Garcia220 enfatiza que o ato científico também é um ato político,

justamente porque exerce um poder no âmbito social, no caso, o de expor e impor o

próprio conhecimento e, portanto, os cientistas, tanto quanto todos nós, encontram-se

vinculados ao contexto liberdade/responsabilidade e, ao se falar em responsabilidade, há

de se adentrar no âmbito do Direito221.

Visto o plano jurídico, o capítulo seguinte abordará o plano ético, especialmente

à luz da ética da responsabilidade de Hans Jonas, a qual transita em esfera diversa, porém

não excludente, da responsabilidade jurídica civil, administrativa e penal.

216 GARCIA, op. cit., p. 106. 217 Ibid., p. 107. 218 Ibid, loc. cit. 219 Ibid., loc. cit. 220 Não se confunde com a autora portuguesa Maria da Glória F.P.D. Garcia. 221 GARCIA, 2004, p. 260.

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

78

CAPÍTULO III

PARA ALÉM DA COERÇÃO JURÍDICA, EM BUSCA DE UMA ÉTICA QUE

TRANSFORME O CONHECIMENTO EM RESPONSABILIDADE PELA

EXISTÊNCIA DE VIDA NO FUTURO.

1. ÉTICA AMBIENTAL: DO ARCANAE NATURAE À ERA TECNOLÓGICA –

COMPLEXIDADE, DESAFIOS E ALGUMAS CONCEPÇÕES SOBRE A

ECOÉTICA.

Na idade média vigia a tríplice proibição arcana dei (proibido desvendar os

mistérios de Deus), arcana naturae (proibido desvendar os mistérios da natureza) e

arcana imperii (proibido desvendar os mistérios da política).

Na modernidade, conforme pontua Rudolf Virchow, “Bacon, paralelamente a

outros autores do século XVII, introduz uma nova ética e epistêmica: a defesa da

indagação do mundo natural”222, que, segundo o citado filósofo, não configurava

desrespeito a Deus. Reiteradas afirmações concluem que o método baconiano de pesquisa

trouxe luzes à Ciência e teve papel relevante para o desenvolvimento científico.

Entretanto, desde meados da década de 80 do século passado, quando o problema

ambiental evidenciou-se como algo premente em face da preocupação com a

sobrevivência das espécies inclusive num devir longínquo, o sucesso de muitas

tecnologias para o qual Bacon contribuiu decisivamente tem sido analisado à luz das

potenciais consequências vindouras, especialmente em longo prazo, a exemplo das

reflexões do filósofo alemão Hans Jonas e a sua concepção de uma ética que inclua o

futuro da vida na Terra como urgente preocupação.

Ultrapassada essa singela explicação, há de se acentuar que o risco de

inexistência de vida em longo prazo será tanto mais inevitável quanto persistam as ações

e omissões potencialmente comprometedoras dos ciclos biológicos, bioquímicos e

biofísicos do planeta. Essa atual e evidente problemática ambiental tem sido objeto de

222 VIRCHOW, in: Cátedra, 2012, p. 9-40.

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

79

reflexão por vários filósofos, dentre eles Hans Jonas, sobre cuja concepção de

responsabilidade este trabalho debruçar-se-á mais amiúde a partir do próximo item deste

capítulo.

Sob o título “A ética e a proteção do meio ambiente”, a multicitada autora Maria

da Glória F. P. D. Garcia analisa alguns discursos éticos concernentes à problemática

ambiental, inclusive o de Jonas, no subtítulo “A responsabilidade como princípio

ético”223. Porém, antes de se buscar compreender a ética voltada para o futuro, convém

atentar para as concepções de alguns outros importantes teóricos que se debruçaram sobre

essa temática. Nas várias concepções a serem expostas, perceber-se-á nas reflexões de

Ricoeur um notório ângulo jurídico, o que realça a pertinência do capítulo II deste

trabalho acadêmico.

i) Paul Ricoeur – Esse filósofo acentua a relevância da comunicação entre os

aspectos jurídico e ético na compreensão do tema responsabilidade ambiental.

Explica Glória Garcia que Ricoeur, ao se debruçar sobre a questão ecológica,

chama-a de “trágico da ação”, eis que marcada pela incerteza e pelo conflito da situação,

da qual emerge “o julgamento da ação”; que a sua abordagem é feita sob o ângulo da

justiça e do direito e, apreendida pelo ângulo judicial, a ação é compreendida através da

especificidade do direito, o qual aparece a meio caminho entre a ética e a política224,

definida “como desejo de uma vida boa ou, mais especificamente, como o desejo de uma

vida realizada com e para os outros no âmbito de instituições justas, a ética interfere

diretamente no justo” 225, em outras palavras, para Ricouer a justiça é “parte integrante do

desejo de viver bem” e a política, em sentido lato, por seu turno, apresenta-se como a

arquitetura da ética, tendo em vista que é como cidadão que cada pessoa realiza

humanamente o desejo de viver em instituições justas, o que corresponde, por excelência,

a uma ação política226.

Aduz que Ricoeur propõe-se a analisar a ação e o conceito de responsabilidade

dando conta da evolução sistemática dessa nos últimos anos, especialmente depois da

obra de Hans Jonas “ter feito transbordar o conceito do plano da obrigação de fazer e,

223 Sobre a qual se escreverá no item 2 deste capítulo. 224 GARCIA, 2007, p. 106. 225 Ibid., loc. cit. 226 Ibid., loc cit.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

80

particularmente, dos planos da acção e da punição, para os planos dos «princípios»”227,

com o que, a reformulação do conceito de responsabilidade determinada pela “questão

ecológica” resulta de dois movimentos evolutivos, um deles no plano jurídico e o outro

no plano ético228. No plano jurídico, observa-se a evolução no reconhecimento cada vez

maior da responsabilidade objetiva, independente da culpa, a qual é fundada no risco da

ação, cujo dano leva ao dever de indenizar; no plano ético tem-se que é necessário

reformular o conceito de responsabilidade e aqui, pondera a autora portuguesa, o que

impressiona o filósofo francês é a proliferação e a dispersão do termo responsabilidade229:

De um lado, a responsabilidade aparece ligada ao risco e à necessidade de

conferir maior segurança nas relações sociais, o que exige redobrada atenção

aos mecanismos de precaução e prudência, com vista a impedir danos. De

outro lado, a responsabilidade desloca-se do plano do autor que age e produz

danos, por intermédio dessa ação, para o plano da responsabilidade pelo outro:

«é pelo outro de quem tenho encargo que sou responsável». Aqui, não é a

relação entre quem age e os efeitos dessa acção que está em causa. O relevante

é a relação entre o autor da acção e quem a sofre. Está em causa uma relação

entre sujeitos. A responsabilidade amplia-se porquanto a acção integra quem é

vulnerável ou frágil, que passa a ser o verdadeiro objeto da responsabilidade.

Mais do que a possibilidade de produzir danos, o que está em causa é a

possibilidade de afectação do outro. Num segundo momento, a

responsabilidade ética amplia-se ainda mais e passa a abranger as condições

de vulnerabilidade e de fragilidade, desde logo a «vulnerabilidade futura do

homem». A partir daqui, a responsabilidade não se resume só no espaço;

assume também no tempo, numa cadeia infindável de acções. Neste quadro se

inscreve a trilogia poder/poluição (degradação ambiental) /responsabilidade,

sobre a qual PAUL RICOEUR entende que a «heurística do medo» de HANS

JONAS se funda230.

De fato, no livro Ética e Moral, Ricoeur define o desígnio ético como o de uma

vida boa com e para os outros, em instituições justas, acrescendo que desígnio do bem-

viver envolve de algum modo o sentido da justiça, e tal encontra-se implicado na própria

noção de outro231.

Mas voltando à especificidade da ecoética, Glória Garcia pontua que Paul

Ricoeur enriquece e densifica o plano da responsabilidade prospectiva ao introduzir na

discussão a distinção entre os efeitos intencionais de uma ação e os efeitos laterais não

desejados, distinção essa especialmente analisada por Hegel, e que a recolocação da teoria

de Hans Jonas, passando pelo pensamento de Hegel, conduz à conclusão da necessidade

227 Ibid., p. 107. 228 Ibid., loc. cit. 229 Ibid., loc. cit. 230 Ibid., p. 108. 231 RICOEUR, 2011, p. 5/7.

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

81

de uma arbitragem concreta entre a visão restrita da responsabilidade limitada aos efeitos

possíveis e a visão ampla da responsabilidade ilimitada; assim, entre a fuga à

responsabilidade pelas consequências e o excesso de uma responsabilidade ilimitada, é

necessário encontrar a justa medida e é exatamente a procura por essa justa medida que

tende a substituir a ideia de reparação pela ideia de prevenção, através da qual o sujeito

torna-se responsável pela prudência com que escolhe a ação, entre diversas alternativas,

pela atenção às dinâmicas em que a sua futura ação se insere, pela visão prospectiva

relativamente ao agir e pelos cuidados e cautelas inseridos nesse agir; enfim, pelo apelo

a uma ideia de prudência que vai além de prevenção, ou seja pela prudentia enquanto

julgamento moral, tal qual juízo que distingue nos efeitos o alcance das consequências

legítimas232.

Maria da Glória Garcia conclui as reflexões sobre a concepção de

responsabilidade ambiental em Ricoeur estabelecendo elo com Hans Jonas ao pontuar

que a abordagem do filósofo francês não põe em causa a responsabilidade ambiental

voltada para o futuro do autor de O Princípio Responsabilidade, e tal compatibilidade vai

ao ponto de propor “limar” as arestas teóricas que poderiam levar a excessos inaceitáveis

no quadro de uma ação que se quer justa233. Alinhava a conclusão observando que seja

como for, é indubitável que, para Paul Ricoeur, a ação, especialmente a que envolve

riscos, quer na seara ecológica quer na bioética, configura-se a partir do saber teórico dos

peritos, da argumentação a que esse saber propicia, da convicção individual, tudo numa

moldura material, em que a criatividade faz-se presente, desde logo porque os princípios

morais clássicos não logram responder às situações presentes, daí o motivo de Ricoeur

apontar o “juízo moral em situação”, exigido em face da necessidade de avaliação da

questão ecológica numa dimensão ética234.

ii) A concepção de Ulrich Beck e “O princípio da dúvida sistemática”.

Garcia chama a atenção para o fato de o autor defender a necessidade premente

de uma “ética nova”, que diga respeito a um princípio de dever de cada um perante si

mesmo, embora a compreensão desse dever não se coloque num plano egoístico ou

232 GARCIA, 2007, p. 109. 233 Ibid., loc. cit. 234 Ibid., loc. cit.

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

82

narcísico; que longe da ética tradicional em que os deveres se inserem numa teia de

reciprocidades, o sistema de valores da pós-modernidade repousa num princípio de

“deveres para consigo próprios” sem que resvalem para o plano narcísico ou egoístico235.

Distanciando-se da ética tradicional em que os deveres estão inseridos numa teia

de reciprocidade, o sistema de valores da pós-modernidade, consequência da crescente

individualização da sociedade de risco a que Beck se refere, apoia-se num sistema de

deveres para consigo mesmo, fundado nos processos de libertação pessoal e saber pessoal,

que, embora partindo do indivíduo, procura outros deveres sociais, por exemplo, no

campo da família, do trabalho, da política e muito especialmente no agir cotidiano, assim

como nas ações ainda que diminutas, mas cuja força expansiva de interpretação tende a

extravasar os espaços restritos, públicos ou privados, havendo como um retornar às raízes

para verificar se estão lá: para Ulrich Beck nisso se traduz a busca de uma outra forma de

agir236.

Glória Garcia ainda traz o entendimento do autor no sentido de que a sociedade

de risco deve ser, também, a sociedade da formação e do saber; assim, a aprendizagem

permanente, ao longo da vida, com vistas a ampliar e aprofundar as competências sociais

e desenvolver concepções interdisciplinares – aliás como vem defendendo este trabalho

acadêmico desde a Introdução – impõe-se como exigência a cada membro da sociedade

atual, com resposta aos problemas ambientais237. Finaliza a análise quanto a Beck com as

seguintes palavras:

Tornar o futuro causa do agir presente da comunidade, em razão do risco do

agir para as condições da vida na Terra, não pode deixar de transformar, de

modo significativo, o sentido ético da acção. As questões de interesse para o

todo planetário são agora parte da experiência local quotidiana, bem como da

conduta ética de todos os membros da comunidade. Pode dizer-se que, em

ULRICH BECK, cada um é livre de gozar a sua liberdade, mas não é livre

sempre que esteja em causa evitar as consequências desse gozo. O tempo das

desculpas acabou (ist das Zeitalter der Ausrede vorbei). Agora impõe-se um

dever, o dever ético, que obriga ao questionamento das consequências do agir

e coloca limites à acção238.

235 Ibid., p 89. 236 Ibid., p 90. 237 Ibid., p 93/94. 238 Ibid., p 94.

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

83

iii) A concepção de Zygmunt Baumann – “o estar aqui como atitude humana

individual”239.

Baumann entende que não é o comportamento ético que vai alterar o estado de

coisas em matéria de agressão ambiental e por isso coloca em questão o pensamento de

Ulrich Beck, afirmando que a avaliação ética defendida por esse tende a ser substituída

pela execução de normas procedimentais, as quais impõem condutas que incorporam o

agir ético, e a correção ética ao coincidir com o comprimento da lei tende a substituir a

ética material pela formal, sendo que tal coincidência pode criar a tentação de fazer cada

vez mais leis e estas cada vez mais pormenorizadas240.

A crítica de Baumann a Beck, anotada por Glória Garcia, traduz-se no fato de o

primeiro entender que simplesmente a ética formal, defendida pelo segundo, é incapaz de

“agarrar a realidade com toda a complexidade” – bem na linha da proposta deste trabalho

acadêmico, no sentido da multidiciplinaridade –, afinal, como indaga Baumann, numa

sociedade “orientada para o bem-estar, para o que é útil, que boa razão pode ser invocada

para sustentar uma orientação diversa do agir habitual, porventura oposta? Que boa razão

legitima o desvio da ideia de bem-estar, de utilidade, para a proteção do outro?”241.

Conforme já dito no final do capítulo I e início do capítulo II, o ser humano ainda

está a anos-luz da condição de bem agir em decorrência do valor intrínseco desse

proceder, e, enquanto tal opção moral não for uma prática corriqueira, o Direito estará

regulando as sociedades, com a sua força vinculante e coercitiva. Nessa toada, há de se

atentar também para a observação de que Baumann “não contesta que a sociedade possa

melhorar por intermédio da ética que subjaz à lei e que, pela execução desta, permite

alterações da vivência social, apesar de colocar ressalvas quanto à possibilidade de a lei

abarcar toda a realidade”242 e à dificuldade “de encontrar fundamentos racionais para a

lei, quando o quadro de pensamento é culturalmente adverso”243, porém acrescentando,

239 Ibid, p. 95. 240 Ibid, loc. cit. 241 Ibid, loc. cit. 242 Ibid, p. 96. 243 Ibid, loc. cit.

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

84

em tese geral, que o acento tônico da sociedade está nos indivíduos que a constituem e

não na lei e na justiça objetiva que a funda244.

iv) A concepção de Jean Ladrière – o apelo ao ambiente e a resposta ética, feita

simultaneamente de intervenção e descoberta.

Discorre Glória Garcia que esse filósofo belga é mais um dos que entendem que

a ética tradicional tornou-se obsoleta na contemporaneidade e a sua reflexão sobre o atual

estado de coisas leva-o à reinterpretação da ação humana sob o enfoque da liberdade, que

lhe é característica, propondo, ao final, uma nova formulação ética para a ação245.

Seguindo a linha de Paul Ricoeur, distingue ética e moral, diferenciando, por

consequência, o plano subjetivo do plano objetivo do comportamento, o primeiro

correspondendo à moral e o segundo à ética246, aduzindo ainda que há dois elementos

evidentes na responsabilidade, seja por ação passada, seja por ação futura:

(...) de um lado, o reconhecimento racional das consequências da acção; de

outro, a ligação afectiva que transforma a imputação exterior em auto-

imputação. Em qualquer dos casos, é a capacidade de criar distância entre

agente e acção que permite a reflexividade, o juízo interior; e é essa distância

que, por sua vez, gera a imediatividade, o sentimento de fonte de onde pode ou

não jorrar um estado de coisas que constrange. A acção assume-se, de seguida,

em toda a sua radicalidade, na medida em que não pode haver transferência da

causalidade para outra causalidade247.

Glória Garcia continua a reflexão sobre a concepção de Ladrière, segundo a qual

a responsabilidade faz intervir também, ao lado da imputação e do sentimento, a

judicabilidade da ação, uma vez que a responsabilidade é sempre perante o outro, com o

outro e pelo outro, em face de a ação ser exigível em razão de regras que instituíram nessa

ação o caráter responsável248. Então, no plano da responsabilidade ética, há de se ter

presente, inicialmente, a estrutura teleológica da ação eticamente decisiva enquanto o agir

ético tem o sentido de um agir em razão dos fins, traduzindo-se em ideia tradicional do

bem, com o que, a finalidade ética caracteriza a existência e, assim sendo, a sua

efetividade está na autorrealização, e cada um, enquanto se autorrealiza, contribui para a

autorrealização dos outros, pois cada um reconhece o outro como portador de idêntico

244 Ibid, loc. cit. 245 Ibid, p. 97. 246 Ibid, loc. cit. 247 Ibid, p. 99. 248 Ibid, loc. cit.

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

85

destino de liberdade-razão249; nesse quadro, a responsabilidade ética integra-se como

exigência de ação perante o que existe250 e, sob tal contexto, a responsabilidade de

natureza ambiental, como desdobramento da responsabilidade ética251. Assim, o

fundamento da ordem ética identifica-se com o rumo traçado pelo ser do homem,

consubstanciado na razão, que funciona252.

[...] como um metaprincípio, de fachada formal – «o dever ser é a exigência

interna da essência de cada um» (pela razão) – a que outro metaprincípio

formal se alia, por expressa ligação ética com o conhecimento biológico –

dever ser como exigência de prolongamento na direcção das leis

tendenciais que a biologia vai desvendando. São estes metaprincípios que

conferem moralidade à acção, nas indeterminações que os caracterizam253.

(Original sem negrito).

v) Bernhard Irrgang e a ética hermenêutica.

As afirmações desse filósofo e teólogo alemão, trazidas por Glória Garcia,

apoiam-se, segundo ele mesmo proclama, no fato sabido de que a atual crise ecológica é

consequência dos desenvolvimentos da ciência e da técnica, da expansão econômica,

assim como da sociedade de consumo; em outras palavras, na cultura caracterizadora da

civilização ocidental e na sociedade técnica, a responsabilidade pelo futuro e a decorrente

necessidade de evitar a ruptura, com vistas a garantir a durabilidade do desenvolvimento,

tornaram-se o tema exponencial da ética, e a consciência desse fato conduz à permanente

reflexividade do agir à aprendizagem através dos erros (ecodesenvolvimento)254.

Pondera também que “a moderna filosofia coloca o conceito de natureza sob um

novo enfoque e uma reflexão quanto aos pontos de partida, permitindo caracterizar como

ética a relação entre o homem e a natureza”255, bem assim que, “sob outro ângulo de

análise, o homem torna-se responsável pela interpretação da natureza, na medida em que,

na análise que dela faz, há pré-compreensões que impedem separações absolutas entre

ciências da natureza e ciência do homem”256. Diz ainda que a natureza tornou-se

antropológica, socializou-se e que hoje é um produto síntese do homem, portanto, a ética

249 Ibid, p. 100. 250 Ibid, loc. cit. 251 Ibid, p. 102. 252 Ibid, p. 105. 253 Ibid., loc. cit. 254 Ibid, p. 111. 255 Ibid, loc. cit. 256 Ibid, loc. cit.

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

86

do futuro é uma nova ética do antropocentrismo: “nova”, porque Irrgang situa o seu modo

de pensar no antropocentrismo alargado, não utilitarista e rejuvenescido pela abrangência

do futuro; Assim, a responsabilidade pelo futuro coloca na motivação do agir a verdadeira

cruz do pensamento ético257. O núcleo da concepção de Irrgang foi assim exposto por

Glória Garcia:

(...) BERNARD IRRGANG propõe a sua «ética hemenêutica»

(hermeneuticsche Ethik). No centro da «ética hemenêutica» está a reflexão e a

procura da correcta resolução de questões quotidianas, num contexto

situacional. O objectivo consiste em reduzir a complexidade da acção através

do discurso, da argumentação, do actuar. Os problemas complexos de

interpretação e de acção intemporais, na base de regras consequenciais, são

substituídas pela perequação258 entre ética teórica e ética prática, por

considerações epistemológicas tendo em vista de sendo comum (comomm

sense Standpunkte). O objetivo é obter uma consistência pragmática de

interpretação e argumentação – um conjunto de sentidos e valor (Deuten und

Verten) – que permita agir em contexto, projectando alternativas de acção para

a hipótese de outras situações poderem ter lugar. O critério central é o da

convergência argumentativa, tendo na base a historicidade da acção e o

processo de interpretação e de valoração259.

Mas em seguida Garcia faz uma reflexão sobre a abordagem de Irrgang: a

primeira ponderação levanta o eventual relativismo valorativo da mesma e a segunda

aponta a ausência de consenso apriorístico sobre o conteúdo material de normas de ação.

Argumenta-se, relativamente à primeira, com o valor último da pessoa

humana, raiz e fim de todo agir; relativamente à segunda, enfatiza-se a

aceitabilidade fáctica do risco de cada acção, o que impede a aceitabilidade

normativa material, que passa a residir nos pontos de vista ambientais

(standards ambientais). A legitimidade para agir tende, em consequência, a

radicar no procedimento, um caminhar que se faz caminhando, pelo que o

modelo de acção comunitário se tem de alterar profundamente. O novo modelo

deixa-se interpretar como uma procura de «agarrar» o momento de incerteza

quanto ao futuro através do procedimento, necessariamente argumentativo, a

partir de standards ambientais, obtendo-se, por seu intermédio, a aceitação

indiscutida da comunidade. O desenvolvimento duradouro, sustentado

economicamente, não corresponde, por isso, a um modelo apriorístico de

comunidade para que a acção presente tenda. É, pelo contrário, uma práxis de

acção presente constitutiva de futuro, um processo permanentemente em

aberto.

vi) A ética ecocêntrica. Aldo Leopold e a ética da terra. A ecologia profunda

(deep ecology) e o ecocentrismo radical de Arne Naess e James Lovelock.

257 Ibid, p. 113. 258 Repartição igual de uma coisa por muitas pessoas. 259 GARCIA, 2007, p. 114.

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

87

Maria da Glória Garcia inicia a análise da concepção de Leopold anunciando o

sobressalto que a mesma provocou nas consciências nos finais da década de 40, eis que,

impressionado com a degradação ambiental e com a destruição de recursos ambientais,

esse autor defendeu o princípio de que uma ação é boa quando tende a preservar a

integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica, e má quando tende ao

oposto; sendo assim, afirma que o juízo sobre a bondade da ação humana é aferido em

função do bem-estar da comunidade biótica e não deste ou daquele indivíduo ou da

comunidade humana no seu todo260. Ainda observa que, no limite, essa concepção de

Aldo Leopold poderia conduzir ao sacrifício dos humanos, se este fosse o meio para

preservar a integridade da biota, daí porque tal concepção261 recebeu contundentes

críticas, nada obstante tal alerta262 seja mote para uma nova relação ética, para a tomada

de consciência de que os bens ambientais são valiosos enquanto tais e não como meros

objetos de gozo, reforçando, por conseguinte, a necessidade de modificar

comportamentos humanos e alavancar metodologias de ação263.

Ainda se atendo ao entendimento de Leopold, a autora lusitana ressalta a

complexidade das situações e necessidade do diálogo pluridisciplinar que o conhecimento

das situações demanda quando é preciso sobre elas decidir, na certeza das consequências

que toda ação acarreta no equilíbrio do homem com o meio ambiente, não podendo ficar

à deriva, sem ética conformadora, perante a falência da ética utilitarista tradicional”264,

assim como não podem ficar agarrados a uma ética que também descentra e deslocaliza

culturalmente o homem, como que penalizando-o “no presente e para o futuro por crimes

ambientais que porventura provocou, sem que tais acções tenham alguma vez sido

definidas como crimes e sem que o homem tivesse consciência quando agiu, de que suas

as acções poderiam algum dia ser como tal classificadas”265.

Glória Garcia entende que o ecocentrismo de Leopold apequena e desumaniza o

homem, mas ao mesmo tempo esclarece que essa afirmação não significa que não haja a

necessidade de alcançar um novo modelo de pensamento ético, capaz de ir além do

utilitarismo clássico e incumbir o homem do processo evolutivo, numa forte relação com

260 Ibid, p. 118. 261 Extremista. 262 Visto com temperamentos, obviamente. 263 GARCIA, 2007, p. 118. 264 Ibid, p. 118. 265 Ibid, loc. cit.

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

88

o ambiente que o rodeia e acolhe; que tal necessidade existe, é real e novos modelos éticos

fundamentados no homem têm surgido, no caso, teses antropocêntricas não utilitaristas,

não somente na ação científica e tecnológica como também no esclarecimento

comportamental de todos e cada um, em prol da continuidade da vida humana, num

contexto de responsabilidade para com as gerações futuras e de respeito e sensibilidade

para com os diversos ecossistemas266.

Se o ecocentrismo de Leopold despertou tantas críticas, Garcia lembra que mais

radical ainda é a tese da ecologia profunda da lavra de Arne Naess, encontrada também

nos escritos do químico, biólogo e médico inglês, autor da “hipótese Gaia”267, James

Lovelok, segundo a qual os diferentes modos de vida na Terra têm valor próprio,

independente da utilidade dessas formas de vida para os humanos, e que a vida do homem

vale tanto quanto a vida dos demais seres; isso equivale à ultrapassagem radical do

antropocentrismo utilitarista, em nome da defesa, igualmente radical, da Terra como

sistema holístico que suporta múltiplas formas de vida em equilíbrio, interdependentes268,

redundando tal concepção no repúdio veemente ao antropocentrismo e à valorização dos

interesses humanos em relação aos demais interesses, o que implica numa ética ambiental

fundada na defesa da biodiversidade sem que a vida humana mereça atenção especial

comparada às demais vidas269. Para a autora, o descentramento ético proposto pela

ecologia profunda é claro quanto ao valor intrínseco à biodiversidade, mas a partir dele

fica aberto o caminho a novas e desconhecidas modalidades de totalitarismo270.

Além do estudo apoiado em Maria da Glória Garcia, importa trazer algumas

considerações acerca da ética ambiental de Alasdair MacIntyre, filósofo britânico que

enfatiza a relevância da retomada da concepção aristotélica sobre as virtudes, trazendo

estes valores para a abordagem da ética ambiental. A análise será procedida confrontando

textos selecionados do livro Dependent rational animals: why human beings need the

virtue, com algumas reflexões de Lilian Godoy, Helder Buenos Aires de Carvalho e

Alasdair MacIntyre.

266 Ibid., p. 119. 267 Hipótese segundo a qual a Terra deve ser considerada como um imenso organismo vivo. 268 Tal como demonstrado no capítulo I desta dissertação. 269 GARCIA, 2007 p. 120. 270 Ibid., loc. cit.

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

89

No capítulo um do livro Dependent rational animals: why human beings need

the virtue, sob o título “Vulnerability, dependence, animality”, o filósofo britânico

MacIntyre, já no primeiro parágrafo, anuncia a fragilidade da condição humana, mais

especialmente na infância e na velhice, assim como o fato de estarmos sujeitos a inúmeras

doenças. Diz que

Nós, seres humanos, somos vulneráveis a muitos tipos de afeição e a maioria

de nós, às vezes, é afetada por várias doenças sérias. Somente uma pequena

parte disso é uma decisão que nos pertence. Na maior parte das vezes,

delegamos aos outros nossa sobrevivência, muito menos nossa prosperidade.

Nós nos deparamos com doenças e ferimentos, nutrição inadequada, distúrbio

mental, assim como agressão e negligência humana. Essa dependência em

relação aos outros, com o intuito de termos proteção e sustento, é mais evidente

no início da infância e em idades mais avançadas. Contudo, os estágios iniciais

e finais de nossas vidas são marcadamente caracterizados por períodos mais

curtos ou mais longos de ferimentos, doença ou outra deficiência e alguns de

nós ficam incapacitados pelo resto de suas vidas271.

MacIntyre prossegue com a sua reflexão desta feita referindo-se à

vulnerabilidade da natureza, especificamente usando o exemplo dos golfinhos:

Golfinhos, diferentemente do que seria durante suas vidas relativamente

longas, são vulneráveis a uma variedade de agentes letais: doenças, ferimentos,

predadores, má nutrição e a privação de comida causaram danos às suas áreas

de alimentação. Mais recentemente, outro problema letal são as atividades

devastadoras relacionadas às equipes de pesca, às vezes, incidentalmente,

como o uso das cercas de pescar por pescadores em busca altos lucros com a

venda do atum albacora e, algumas vezes, através da pesca do golfinho para o

mercado de carne de golfinho. Contra muitas dessas ameaças, eles não podem

fazer nada para se protegerem. Todavia, parece existir pouca dúvida que as

chances de os golfinhos sobreviverem e prosperarem são significativamente

aumentadas, a depender dos diferentes estágios de suas vidas, visto que suas

relações sociais são estruturadas pela adesão de membros aos grupos – grupos

de fêmeas com suas crias, grupos de machos subadultos, grupos de golfinhos

machos e fêmeas mais velhos – e pela formação de alianças272.

271 Livre tradução de: We human beings are vulnerable to many kinds of affection and most for us are at

some time affected serious ills. How we cope in only small part up to us. It is most often to others that we

owe our survival, let alone our flourishing, as we encounter bodily illness and injury, inadequate nutrition,

mental defect and disturbance, and human aggression and neglect. This dependence on particular others for

protections and sustenance is most obvious in early childhood and in old age. But between these first and

last stages our lives are characteristically marked by longer or shorter periods of injury, illness or other

disablement and some among us are disabled for their entire lives. In: MACINTYRE, Alasdair. Dependent

rational animals: why human beings need the virtue. Illinois/USA, 1999, p. 1. 272 Livre tradução de: Dolphins, during what would otherwise be their relatively long lives, are vulnerable

to a variety of lethal agents: diseases, injuries, predators, malnutrition, and starvations caused damage to

their feeding-grounds, and most recently the devasting activities of fishing crews, sometimes incidentally,

as with the purse seining of crews in pursuit of high profits from yellowfin tuna, and sometimes through

the hunting of dolphin for the dolphin meat market. Against many of these threats they can do nothing to

protect themselves. But, there seems little doubt that the chances of dolphins surviving and flourishing are

remarkably enhanced by the ways in which at different stages of their lives, their social relationships are

structured by membership in groups - groups of females with their calves, groups of subadult males, groups

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

90

Depois de várias reflexões sobre a vulnerabilidade da natureza, MacIntyre

escreve sobre “as estruturas sociais e políticas do bem comum” (The political and social

structures of the common good).

Quais são os tipos de sociedade política e social que podem englobar

aquelas relações de dar e receber através das quais nossos bens comuns e

individuais podem ser alcançados? Eles terão que satisfazer três condições.

Primeiramente, eles deverão fornecer expressões à tomada de decisão política

de pensadores independentes sobre todos aqueles assuntos sobre os quais é

importante que os membros de uma comunidade particular sejam capazes de

chegar através de uma deliberação racional compartilhada num denominador

comum.

Em segundo lugar, numa comunidade em que apenas a generosidade é

contada entre as virtudes centrais, as normas de justiça estabelecidas terão que

ser consistentes com o exercício dessa virtude. Nenhuma formulação simples

será capaz de capturar os diferentes tipos de norma que serão necessários para

os diferentes tipos de relação.

Em terceiro lugar, as estruturas políticas devem tornar possível, tanto para

aqueles capazes de razão prática independente quanto para aqueles cujo

exercício de raciocínio é limitada ou inexistente, ter voz numa deliberação

comum sobre o que essas normas de justiça requerem. Por isso, o único modo

de os últimos poderem ter voz é se houver outros que sejam capazes e

preparados para representá-los e se ao papel de representação é dado um lugar

formal nas estruturas políticas273.

Pois bem, pondera Helder Buenos Aires de Carvalho que embora Alasdair

MacIntiyre não deva ser considerado um pensador da técnica, um analista do impacto que

a utilização contemporânea da tecnologia tem nos causado do ponto de vista da boa vida,

sua defesa do resgate dos elementos fulcrais da ética aristotélica das virtudes fornece-nos

parâmetros teóricos que nos propiciam começar a pensar a complementaridade da ética

da responsabilidade de Hans Jonas, o que leva “a conectar a problemática ética gerada

of older male and female dolphins - and by the formations of alliances. In: MACINTYRE, Alasdair. Op.

cit., , p. 6 273 Livre tradução de: What are the types of political and social society that can embody those relationships

of giving and receiving through which our individual and common goods can be achieved? They will have

to satisfy three conditions. First they must afford expressions to the political decision-making of

independent reasoners on all those matters on which it is important that the members of a particular

community be able to come through shared rational deliberation to a common mind.

Secondly, in a community in which just generosity is counted among the central virtues the established

norms of justice will have to be consistent with the exercise of this virtue. No single simple formulation

will be capable of capturing the different kinds of norm that will be necessary for different kinds of just

relationship.

[…].

Thirdly, the political structures must make it possible both for those capable of independent practical reason

and for those whose exercise of reasoning is limited or nonexistent to have a voice in communal deliberation

about what these norms of justice require. And the only way in which the latter can have a voice is if there

are others who are able and prepared to stand proxy for them and if the role of proxy is given a formal place

in the political structures. In: MACINTYRE, Alasdair. Op. cit., , p. 29.

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

91

pela técnica, e seu lugar quase onipresente em nossas vidas, com o lugar que as virtudes

ocupam na compreensão e realização da vida boa” 274.

Lembra Helder Buenos que o projeto filosófico de MacIntyre é trazer de volta a

racionalidade ao discurso moral “defendendo a retomada do reconhecimento da estrutura

teleológica do agir humano, concebida matricialmente na filosofia moral de Aristóteles e

dada sequência por Tomás de Aquino e outros integrantes da tradição de virtudes”275,

entretanto associando-a às exigências teóricas contemporâneas que historicizam tanto a

racionalidade como o agir humano276.

O autor supra também observa que tal qual Jonas, MacIntyre é um crítico da

modernidade iluminista e das nocivas consequências que o modelo de racionalidade

instrumental trouxe para a moralidade, eis que, na sua visão, os problemas enfrentados na

moralidade contemporânea, quais sejam, a falta de racionalidade, consenso, egoísmo

desenfreado, desinteresse pela política, corrupção generalizada etc, decorrem das más

escolhas feitas na aurora da modernidade e a nossa crise moral deita raízes “no fracasso

do iluminismo de fundamentar racionalmente a moralidade, que demarcou toda a

problemática filosófica da teoria moral moderna e contemporânea fazendo-a girar em

torno da necessidade de devolver a validade às regras morais”277.

Ainda para Helder Buenos Aires de Carvalho,

É na compreensão das virtudes como necessárias para a racionalidade

autônoma que MacIntyre oferece alguns elementos que nos permitam chegar

a esse fim, especialmente em sua obra Animais Racionais Dependentes (1999),

na sua tematização da dependência como parte inerente do processo de

constituição do sujeito moral autônomo e da sua condição de animal.

Nela, MacIntyre busca ancorar à ética das virtudes o reconhecimento da

identidade animal do ser humano justamente com a vulnerabilidade e aflição

às quais está submetido, compreendendo o ser humano a partir de uma

identidade animal – e aqui, de certa forma, fazendo eco a Jonas. Entende que

os seres humanos enfrentam uma grande quantidade de aflições e uma grande

maioria padece em algum momento de sua vida de alguma enfermidade

proveniente de tal dimensão animal, mas a forma como cada um enfrenta tais

problemas depende em grande parte dos outros que o rodeiam para sua

sobrevivência278.

274 CARVALHO, in: SANTOS, 2011, p. 169. 275 Ibid., p. 170. 276 Ibid., loc. cit. 277 Ibid., 169/170. 278 CARVALHO, in: SANTOS, 2011, p. 170/171.

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

92

O mesmo autor acima ainda enfatiza que a responsabilidade em MacIntyre, tal

como em Jonas, é concebida como princípio, sendo que para aquele as virtudes da justa

generosidade e da dependência reconhecida deve concretizar no caráter do indivíduo

como responsabilidade pela vida, amplamente concebida, para além da espécie humana,

ou seja, a vida cosmicamente entendida279. Entende ademais que a conexão que Jonas

estabelece entre ética e ontologia, entre dever ser e vida, entre homem e natureza, por

meio do seu princípio responsabilidade, é insuficiente e que a teoria jonasiana precisa ser

ampliada com as considerações trazidas pela teoria moral de Alasdair MacIntyre e sua

defesa de um lugar central para as virtudes na consideração da vida boa, da vida ética280.

Procurando justificar esta tese, Aires de Carvalho destaca que

Jonas se reporta ao sentimento de temor como um fator heurístico para

mobilizar os homens a modificar sua relação com a técnica e com a natureza

da qual se viram equivocadamente como separados. A heurística do temor é

vista por Jonas como capaz de fazer a responsabilidade humana no seu agir

hodierno, ao focalizar prudencialmente nos resultados destrutivos do uso

indiscriminado da técnica em nosso modo de viver. Entretanto, esperar que o

temor possa mobilizar o ser humano a efetivar sua responsabilidade ontológica

pela vida no planeta e pela possibilidade futura da própria vida humana parece-

nos insuficiente. O temor é apenas um dos inúmeros sentimentos e não

necessariamente o mais fundamental na determinação do agir humano; mesmo

o temor pode ser superado por outros sentimentos como o amor, o respeito, a

coragem e a generosidade, para citar apenas alguns, fontes inequívocas de

virtudes morais. E, afinal de contas, lidar com o temor é aquilo que é próprio

da virtude da coragem281.

Sobre heurística do temor282 este trabalho contemplará no item 4 (quatro) deste

capítulo, daí porque não haverá aprofundamento, por ora, no tema. Quanto às críticas ao

princípio responsabilidade de Jonas, a abordem constará no item 5 (cinco) também deste

capítulo. Mas algumas afirmações de Helder Buenos constantes do parágrafo acima (e da

respectiva citação) merecem, desde logo, uma rápida análise.

O fato de Jonas ter focado a tessitura de uma ética da responsabilidade que

enfatiza a conexão entre ética e ontologia, dever ser e vida, homem e natureza, consoante

observou Buenos, não significa que ele tenha abstraído o valor das virtudes para que se

busque atingir tal ética; tanto que Jonas afirma com todas as letras que “embora a

279 Ibid., 173. 280 Ibid., 168. 281 Ibid., p. 173. 282 No item 5 deste capítulo haverá referência à afirmação de que o problema de tradução do termo oriundo

do alemão acabou por se ter como significado a palavra “medo”, quando o mais aproximado com o original

seria “temor”.

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

93

heurística do medo não seja a última palavra283 na procura do bem, ela é uma palavra

muito útil”284, ou seja, é forte o entendimento de que, por considerar que ainda estamos

longe de abrigar as virtudes necessárias para o agir solidário, para fazer aos outros o que

desejamos que os outros nos façam, Jonas propõe uma forma, até certo ponto

neurolinguística, para chamar a humanidade despreocupada e omissa à responsabilidade,

inclusive de forma contundente. Nesta Dissertação, aliás, desde a introdução se vem

afirmando, com apoio em vários autores, que somente com a interação de várias vertentes,

tais como: i) a educação em matéria ambiental, cujo fim precípuo é esclarecer a nossa

condição de ser que interage com os demais e que depende não somente destes, como

também de fatores abióticos; ii) as sanções jurídicas impostas às condutas lesivas, eis que

a maioria de nós ainda não se conduz pelas virtudes defendidas por MacIntyre; iii) a

necessidade de se perseguir uma ética de respeito e cuidado relativamente ao meio

ambiente dado que o Direito apesar de poder muito, não pode tudo, haja vista as inúmeras

condutas que sequer chegam ao conhecimento dos órgãos responsáveis pela fiscalização

e repressão.

E os argumentos acima são robustecidos ainda mais pelas palavras de Jonas, as

quais induzem à segura presunção de que ele jamais afastou a também necessidade de

virtudes, tais a solidariedade, o amor ao próximo, como necessárias para que a autêntica

vida humana continue existindo no futuro. Com efeito diz ele que a tomada de partido

sentimental origina-se no reconhecimento do bem intrínseco do objeto, tal como ele influi

na sensibilidade e envergonha o egoísmo cru do poder e não na ideia da responsabilidade

geral; que em primeiro lugar está o dever do objeto; a seguir, o dever de agir do sujeito

designado para cuidar do objeto, e reivindicação do objeto, de um lado, na insegurança

da sua existência, e a compreensão do poder, de outro, culpada da sua causalidade,

conectam-se no sentimento de responsabilidade afirmativa do eu ativo, que está sempre

interferindo no Ser das coisas, sendo que, se brotar daí o amor, a responsabilidade terá o

acréscimo da devoção da pessoa, que aprenderá a temer pelo destino daquele que é digno

de existir e que é amado 285. Jonas ainda enfatiza que é “esse tipo de responsabilidade e

de sentimento de responsabilidade – e não aquela “responsabilidade” formal e vazia de

283 Original sem negritos. 284 JONAS, 2006, p. 71. 285 Ibid., p. 167/168.

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

94

cada ator por seu ato – que temos em vista quando falamos na necessidade de ter hoje

uma ética da responsabilidade futura”286.

Ainda comparando as éticas de Jonas e MacIntyre, há de se atentar para reflexão

de Lilian Godoy, no sentido de que não obstante Jonas e MacIntyre sejam críticos da

condição humana contemporânea, divergem tanto no foco da crítica quanto na solução

que apontam, uma vez que o segundo centraliza a reflexão nos problemas das filosofias

moral e política modernas, as quais, segundo entende, estão bastante fragmentadas e

inflacionadas; por conseguinte, propõe como solução o exame da questão não do ponto

de vista liberal, mas, de preferência, do ponto de vista da concepção moral e política

aristotélica287. Pondera ainda que a tarefa que MacIntyre se dá em Após a virtude “é

explicar o aspecto problemático do discurso moral da sociedade atual e reabilitar o que

ele considera como uma alternativa esquecida: a racionalidade teleológica da ética

aristotélica da virtude”288 e que, em outros termos “MacIntyre sugere como solução aos

problemas atuais, uma volta à tradição, para recuperar a ética das virtudes”289. Jonas, por

seu turno, faz um diagnóstico da situação atual a partir do extremo avanço tecnológico

atingido por nossa civilização e, justamente em virtude dessa situação que ele avalia como

inédita, considera impossível encontrar na tradição, como o faz MacIntyre, respostas aos

dilemas éticos mais cruciais, razão pela qual ele assume em O princípio responsabilidade,

a árdua tarefa de propor uma ética (também inédita) destinada à civilização tecnológica.

Assim é que, prossegue:

Com relação às ambiguidades do progresso, poderíamos considerar que, no

pensamento de MacIntyre, elas surgem particularmente em sua crítica ao

individualismo, típico do liberalismo, por prejudicar nossas análises e decisões

sobre importantes questões de nosso tempo. E no de Jonas, em sua análise da

civilização tecnológica e em sua crítica à utopia, quando fica nítido que o

progresso, de um lado, responde a inúmeras necessidades e anseios da espécie

humana, mas, de outro, compromete a continuidade da vida humana e da vida

em geral e, assim, o futuro de nosso planeta290.

286 Ibid., loc. cit. 287 GODOY, in:

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4037&secao=371&l

imitstart=1. Acesso: 17 ago. 2013. 288 Ibid. 289 Ibid. 290 Ibid.

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

95

Nos itens seguintes será explicitada mais detalhadamente a ética voltada para o

futuro de Hans Jonas, que trouxe um novo olhar sobre responsabilidade em plena era

tecnológica.

2. MODIFICAÇÃO DA NATUREZA PELO AGIR HUMANO E A

INSUFICIÊNCIA DA ÉTICA TRADICIONAL, SEGUNDO JONAS.

A discussão entre o desenvolvimento e ações que impliquem em, no mínimo,

impactos suportáveis para o ambiente ou mesmo em medidas compensatórias, tem

levado, nas últimas décadas, à frequente utilização da expressão “desenvolvimento

sustentável”, condição sine qua non para a humanidade não comprometer ou mesmo

inviabilizar a existência futura, que depende, inelutavelmente, da sobrevivência também

de outras inúmeras formas de vida, porquanto a crescente devastação implicará na

destruição da biota, onde estamos inseridos.

Há de se atentar ainda para o fato de que umas das dificuldade na necessária

persecução da sustentabilidade é a inclusão do fator social em tal equação. Daí porque,

esclarece José Roque Junges, “a sustentabilidade do desenvolvimento adquire uma

complexidade que precisa englobar tanto o fator ambiental quanto o social, o que aponta

para a questão do consumo sustentável”291, e para atingi-lo há de se passar pela ética da

preservação.

Junges também informa que alguns economistas começam a propor incluir a

depreciação ou preservação do meio ambiente no cálculo orçamentário, sob o critério de

que quem polui mais deve pagar pelo dano, no intuito de que a preservação do meio

ambiente seja incentivada como um ganho, o que redundaria na concepção de que a

salvação do planeta pode ser um negócio rentável292.

Indubitavelmente o mais desejável é que a decisão de cuidar dos fatores bióticos

e abióticos transponha o utilitarismo acima reportado para um conjunto de hábitos que

implique em preservar a vida em respeito à própria vida. Entretanto não se pode abstrair

291 JUNGES, 2010, p. 62/63. 292 Ibid., p. 58.

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

96

quão distante está a humanidade da solidariedade para com a própria espécie e do respeito

quanto às demais e ao devir da natureza.

E a modificação da natureza pelo agir humano foi objeto de estudo de Hans

Jonas, que propôs uma inédita concepção ética que procura responder aos desafios e

inquietações desta era tecnológica na qual estamos mergulhados há várias décadas e sobre

a qual não há previsibilidade do quanto ainda se pode desenvolver. Em meio à profusão

de tecnologias crescentes, Jonas vem destacar que a busca da essência do ser humano

precisa ser encaminhada através de encontros com o ser e que esses encontros não

somente fazem aparecer a essência humana como também a constroem, pois neles ela se

decide a cada momento293. A própria capacidade do encontro é a essência básica do ser

humano, ou seja, é a liberdade e seu lugar na história, que, por sua vez, somente é possível

através da essência básica transhistórica do sujeito294. Ainda esclarece que desde tempos

remotos, tem sido assinalada, “nas imagens do ser, o ‘estar entre’ do ser humano: entre

animal e anjo, entre passado e futuro, entre condenação e salvação”, alinhavando que

Platão concebeu o vir-a-ser como um meio-termo entre o não-ser e o ser, fazendo parte

de ambos, e a alma mergulhada no vir-a-ser como se aberta para o ser eterno no saber da

razão; então, o vir-a-ser, alcançando poder externo, recortado do ser eterno racional,

entregou o eu ao delíquio da liberdade, e fez com que o encontro com o ser se

transmutasse em encontro com o nada295.

O niilismo moderno pressagiado por Nietzsche, continua, Jonas, forçou a

relocação da questão do ser na era pós-platônica e ela precisa perseguir as razões

históricas da experiência niilista; necessita tentar instituir ontologicamente a essência da

liberdade humana na relação com o mundo restante da vida, ou mesmo com a natureza

como um todo296, e “encontra transcendência interior daquela liberdade a instrução para

tatear metafisicamente em busca de um novo sentido de transcendência e eternidade”297.

Em O Princípio Responsabilidade encontra-se, no primeiro capítulo, as

reflexões de Jonas sobre “A natureza modificada do agir humano”, em nove itens, os

quais serão objeto de ligeira referência, na ordem por ele discorrida, uma vez que

293 JONAS, 2004, p. 209. 294 Ibid., p. 209/210. 295 Ibid., p. 210. 296 Ibid., loc. cit. 297 Ibid., loc. cit.

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

97

notoriamente Jonas faz uma preparação rumo à explicação da ética da responsabilidade

que desenvolverá mais detalhadamente nos capítulos IV e VI da obra acima citada.

2.1. O exemplo da antiguidade.

Hans Jonas inicia as reflexões com um trecho do canto do coral da obra

Antígona, de Sófocles, em que a natureza é enaltecida e o homem é louvado como a mais

notável maravilha, embora sobre ele também paire a advertência de honrar as leis da Terra

e a justiça divina, sob pena de vir a ser excluído da cidade. Com tal preâmbulo, que já

relaciona o homem com a natureza da qual faz parte e dela depende inteiramente, vem a

advertência de que a violação da natureza e a civilização do homem caminham unidas e

que as duas enfrentam dois elementos: um, “na medida em que ele se aventura na natureza

e subjuga as suas criaturas; o outro, na medida em que erige no refúgio da cidade e de

suas leis um enclave contra aqueles”298.

Aduz que antes destes tempos atuais as interferências do homem na natureza

eram essencialmente superficiais e impotentes para prejudicar o equilíbrio fortemente

assentado299. Que, mediante a obra humana da cidade, a vida humana desenvolveu-se

entre o que permanecia (a natureza) e o que mudava (suas próprias obras) e maior obra

sua era a cidade, “à qual ele podia emprestar um certo grau de permanência por meios

que inventava e aos quais se dispunha a obedecer”300. Era essa cidadela por ele criada,

distinta do resto das coisas e confiada aos seus cuidados, o completo e único domínio da

responsabilidade humana, ficando a natureza de fora de tal responsabilidade, do que se

formou “o quadro intra-humano que habita toda a ética tradicional, adaptada às dimensões

do agir humano assim condicionado”301.

Percebe-se, já nessa explanação inicial de Hans Jonas, as primeiras linhas

justificadoras para a construção de uma ética voltada para a era tecnológica, uma vez que

a ética tradicional não transbordava das relação entre o homem e pelo homem, em vista

da desnecessidade, durante milênios, de se olhar a natureza como algo vulnerável.

Marcelo Pelizzoli e Erliane Miranda analisando essa transição pela qual passou

a humanidade mais recentemente, ditada pela crescente e veemente tecnologia das últimas

298 JONAS, 2006, p. 32. 299 Ibid., p. 32. 300 Ibid., p. 33. 301 Ibid., p. 34.

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

98

décadas, apontam que, no fundo, a discussão sobre bioética deságua na questão da

dignidade humana e na apreensão “de si por si do sujeito humano, no decorrer das

mudanças paradigmáticas/históricas e as implicações desse apreender-se, a partir da

autopercepção”302: o compreender-se subjetivamente (dimensão psicológica) e conhecer-

se fisiologicamente (dimensão biológica)303. A compreensão subjetiva é indispensável

para que se possa alcançar e elaborar a ampliação do conhecer-se biologicamente, em

face da necessidade de o homem colocar-se em meio à natureza, e de refletir sobre a

influência que a sua interação provoca nos outro de agora e do futuro, os quais dependem

dessa mesma natureza para terem, no dizer de Jonas, uma autêntica vida humana no

planeta.

2.2. Características da ética até o momento presente.

Reafirmando o que disse anteriormente, no sentido de que a “significação ética

dizia respeito ao relacionamento direto de homem com homem, inclusive o de cada

homem consigo mesmo”304, Jonas assegura que toda ética tradicional é

antropocêntrica305. E justifica essa característica da ética com a observação de que o “bem

e o mal com os quais o agir humano tinha que se preocupar, evidenciavam-se na ação,

seja na práxis ou em seu alcance imediato, e não requeriam um planejamento de longo

prazo”306, mesmo porque era pequeno o alcance da ação, e o lapso temporal para previsão,

fixação de objetivo e imputabilidade era curto, assim como limitado era o domínio sobre

as circunstâncias307.

Durante milênios as civilizações não tinham motivos para se preocupar com o

perecimento da vida no planeta, daí a razão pela qual a ética clássica centrava-se no

universo moral dos contemporâneos e o seu universo futuro estendia-se até a previsão de

duração de suas vidas308; por conseguinte, a decisão sobre ser boa ou má uma ação dava-

se nesse contexto de curto prazo309.

302 PELIZZOLI, MIRANDA, in: SANTOS, 2011, p. 288. 303 Ibid., loc. cit. 304 JONAS, 2006, p. 35. 305 Ibid., loc. cit. 306 Ibid., loc. cit. 307 Ibid., loc. cit. 308 Ibid., p. 36. 309 Ibid., loc. cit.

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

99

O vácuo ético apontado por Jonas e o novo imperativo que propõe (assuntos a

serem ainda visitados neste trabalho) derivam dessas constatações de que as condições

antes ensejadoras da ética antropocêntrica estão radicalmente alteradas pela técnica.

2.3. Novas dimensões da responsabilidade.

As mudanças inerentes à era tecnológica são manifestas, o que tem sedimentado

a reflexão de como o agir humano pode alterar significativamente a natureza antes tida

como perene e imune à sua ação. Nesse toar, percebe-se que de fato Jonas não despreza

a força coercitiva do Direito como algo necessário, embora não suficiente, na busca de

uma responsabilidade ambiental voltada para o futuro, que se amplia para além do espaço

e tempo da ética tradicional, ao afirmar que o “coro de Antígona sobre o ‘Ungeheure’310,

o fantástico poder do homem, soaria bem diferente hoje, assumindo a palavra ‘fantástico’

um outro sentido; e não mais bastaria a advertência aos indivíduos para que

respeitassem as leis”311, ou seja, haveria de se valer das sanções previstas nas leis.

Tal qual a preocupação de MacIntyre, porém com outra fundamentação, Jonas

refere-se à vulnerabilidade da natureza jamais pressentida, provocada pela intervenção

técnica do homem e, de tal descoberta, aliada ao choque das consequências de tais ações,

é que surge a ciência do meio ambiente, a ecologia312, cuja origem do termo já foi

explicada no capítulo I deste trabalho. Diz que a partir dessa constatação, modifica-se a

representação que temos de nós mesmos como fator causal no complexo sistema das

coisas, e por meio dos seus efeitos é-nos revelada que a natureza da ação humana foi

modificada de fato e que a biosfera inteira do planeta (objeto de ordem totalmente nova),

somou-se àquilo pelo qual devemos ser responsáveis, tendo em vista que sobre ela temos

poder313. De tais conjecturas, a partir das quais vai didaticamente construindo a sua ética

da responsabilidade ambiental, sobre a qual discorrerá mais amiúde no capítulo IV e VI,

da obra em comento314, Jonas proclama que a natureza como uma nova teoria ética precisa

ser pensada, indagando-se, por exemplo, que tipos deveres ela exigirá, se haverá algo

além de interesse utilitário, se é apenas a prudência que recomenda não se matar a galinha

dos ovos de ouro ou que “não se serre o galho sobre o qual se está sentado”, quem é a

310 Monstruoso. 311 JONAS, 2006, p. 39. 312 Ibid., loc. cit. 313 Ibid., loc. cit. 314 Que será objeto de estudo mais específico no item 3 deste capítulo III.

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

100

pessoa sentada e que talvez caia no precipício e qual é o interesse de cada um em o outro

sentar e cair315. Pondera que enquanto o destino do homem, dependente da situação da

natureza, for a razão primordial que torna o interesse na manutenção da natureza um

interesse moral, ainda perdura a orientação antropocêntrica da ética clássica, ainda que se

reconheça uma grande diferença, posto que dissipam as delimitações de proximidade e

simultaneidade, sustadas pelo crescimento espacial e o prolongamento no tempo do fluxo

de causa e efeito, postos em movimento pela atividade técnica ainda quando

desenvolvidas para fins próximos, esclarecendo-se que o somatório da sua

irreversibilidade e magnitude condensada, insere outro fator na equação moral316.

Jonas alerta que a isso (à práxis técnica) deve ser acrescido o caráter cumulativo,

na medida em que os seus efeitos somam-se continuamente, de forma que a situação para

uma existência posterior não será igual à vivida pelo primeiro agente, sendo fato que a

ética tradicional contava com um comportamento não cumulativo317. Em tais

circunstâncias, o saber torna-se um dever prioritário, para além do que antes era exigido,

que tal saber deve ter igual magnitude dimensional do agir318; com isso, “o hiato entre a

força de previsão e o poder de agir produz um novo problema ético”319.

Hans Jonas também indaga se há um direito moral próprio à natureza ao

conjecturar: “E se o novo modo de agir humano significasse que devêssemos levar em

consideração mais do que somente o interesse ‘do homem’, pois nossa obrigação se

estenderia para mais além, e que a limitação antropocêntrica de toda ética antiga não seria

mais válida?”, sublinhando a seguir que já não é mais absurdo interrogar se a condição da

natureza extra-humana, a biosfera no todo e em suas partes, atualmente subjugados ao

poder humano, exatamente por isso não se transformaram em um bem a nós confiados,

capaz de nos compelir a algo como uma exigência moral, por nossa causa, em causa

própria e por seu direito320. Jonas responde a esses questionamentos por ele mesmo

propostos estipulando que, se assim for, isso requereria profundas alterações nos

315 JONAS, 2006, p. p. 40. 316 Ibid., loc. cit. 317 Ibid., loc. cit. 318 O capítulo I desta dissertação procurou demonstrar a relevância do saber ambiental. Este capítulo III,

conforme anunciado na Introdução deste trabalho, visa justamente a mostrar que para além da força

coercitiva do Direito, urge a tessitura de uma ética ambiental que mire o futuro, um saber ecológico que

redunde em ação efetiva de preservação e em abstenção de destruição. 319 JONAS, 2006, p. 41. 320 Ibid., loc. cit.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

101

fundamentos da ética, o que se traduz em não somente procurar o bem humano, como

também o bem das cosias extra-humanas, ou seja, ampliar o reconhecimento de “fins em

si” para além da alçada do humano e acrescer o cuidado com esse no conceito de humano,

e conclui sentenciando que nenhuma ética anterior (além da religião) preparou a

humanidade para um tal papel de fiel depositário e muito menos para uma visão

científica321.

Acentua Cristina Beckert que o conceito de necessidade natural encontrar-se-ia

subvertido, eis que transferido para o poder humano, não sendo mais a natureza o limite

da técnica, mas essa o limite da natureza, o que a compele para além das capacidades que

lhes são inerentes, modificando-a qualitativamente, através do triplo aspecto: dispersivo

(os efeitos da ação técnica dispersam-se para além da pólis e numa rede infinita de causas

e efeitos); irreversível (a complexidade da rede causal leva à impossibilidade de retorno

ao status quo ante); cumulativo (decorrente da irreversibilidade)322.

Patenteia-se, com efeito, a relevância de se voltar o olhar para o conhecimento e

mais especificamente para o saber ambiental, a exemplo do que se lê na análise de Enrique

Leff, onde destaca que esse último constitui novas identidades e interesses, onde surgem

os atores sociais que mobilizam a construção de uma racionalidade ambiental e, sob tal

perspectiva, o saber ambiental produz-se numa relação entre teoria e práxis, em que o

conhecimento não se fecha em sua relação objetiva com o mundo, mas sim, abre-se à

criação de sentidos civilizatórios323. Perceptível que tais reflexões estão em harmonia com

as afirmações jonasianas sobre o saber e o agir.

2.4. Tecnologia como “vocação” da humanidade.

Mergulhado na era tecnológica, Jonas aponta que o Homo sapiens foi superado

pelo Homo faber, que a fronteira entre o Estado (pólis) e a natureza foi suprimida e que

questões que antes nunca foram objeto de legislação, entraram no circuito das leis que a

agora “cidade” global precisa formular, a fim de que haja chance de existir um mundo

para as próximas gerações de humanos324.

321 Ibid., loc. cit. 322 BECKERT, op. cit., p. 103. 323 LEFF, op. cit., p. 235. 324 JONAS, 2006, p. 44.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

102

Ao falar sobre técnica e ciência como ideologia, Jürgen Habermas comenta que

na sua crítica a Max Weber, Hebert Marcuse (1898-1979), filósofo alemão, naturalizado

americano, já preocupado com o desenvolvimento desgovernado da tecnologia, chega à

seguinte conclusão:

O conceito de razão técnica é talvez também sem si mesmo ideologia. Não só

a sua aplicação, mas a própria técnica é dominação metódica, científica,

calculada e calculante (sobre a natureza e sobre o homem). Determinados fins

e interesses da dominação não são outorgados à técnica apenas

«posteriormente» a partir de fora – inserem-se já na própria construção do

aparelho técnico; a técnica é, em cada caso, um projeto histórico-social; nele

se projecta o que uma sociedade e os interesses nela dominantes pensam fazer

com os homens e as coisas. Um tal fim de dominação é ‘material’ e, neste

sentido, pertence à própria forma da razão técnica325.

No livro O Princípio Responsabilidade Jonas analisa criticamente tal dominação

(razão técnica) relativamente aos efeitos que podem advir à natureza e, por consequência,

à existência de vida no futuro; giza que na atualidade a conduta humana tornou-se objeto

de dever, quando antes havia toda uma ideia de dever referente a ela, o que significa, entre

outras coisas, o dever de proteger, conservar este mundo físico de forma que as condições

para a presença humana permaneçam intactas326.

2.5. Velhos e novos imperativos.

Jonas cita o imperativo categórico de Kant: “Aja de modo que tu também possas

querer que a tua máxima seja lei geral”327, e explica o alcance dessa frase aduzindo que a

assertiva “que tu possas” invocado, é o da razão e de respectiva concordância consigo

mesma, ou seja, “a partir da suposição da existência de uma sociedade de atores humanos

(seres racionais em ação), a ação deve existir de modo que possa ser concebida, sem

contradição, como exercício geral da comunidade”328.

Nessa quadra, ele chama a atenção para o fato de que a reflexão da moral não é

propriamente moral, mas sim lógica, eis que o “poder” ou “não poder” querer “expressa

autocompatibilidade ou incompatibilidade, e não aprovação moral ou desaprovação”329,

acrescentando ainda que não existe contradição em si de que haja um fim para a existência

325 HABERMAS, 2011, p. 46/47. 326 JONAS, 2006, p. 45. 327 Ibid., p. 47. 328 Ibid., loc. cit. 329 Ibid., loc. cit.

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

103

da humanidade, assim como também inexiste contradição em si na ideia “de que a

existência e a felicidade das futuras gerações seja custeada com a infelicidade e até com

a eliminação parcial da presente. Jonas pondera sobre essa afirmação, para depois lançar

o seu famoso imperativo categórico, o qual será objeto de análise mais à frente.

O sacrifício do futuro em prol do presente não é logicamente mais refutável do

que o sacrifício do presente a favor do futuro. A diferença está apenas em que,

em um caso, a série segue adiante e, no outro, não. Mas que ela deva seguir

adiante, independentemente da distribuição de felicidade e infelicidade, e até

com o predomínio da infelicidade sobre a felicidade, e mesmo com da

imoralidade sobre a moralidade, tal não se pode deduzir da regra de coerência

no interior da série, por maior ou menor que seja a sua extensão. Trata-se de

um mandamento de um tipo inteiramente diferente, externo e prévio àquela

série, e cujo fundamento último só pode ser metafísico330.

E é exatamente por ocasião dessas reflexões constantes do capítulo I, item V de

O Princípio Responsabilidade que Jonas introduzirá o que segundo ele é o imperativo

adequado à nova modalidade de agir humano e voltado para o novel tipo de sujeito

atuante, assim proposto: “Aja de tal modo que os efeitos da tua ação sejam compatíveis

com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”, ou, desta forma: “Aja

de tal modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possiblidade futura

de uma tal vida”, ou, ainda: “Não ponha em perigo as condições necessárias para a

conservação indefinida da humanidade sobre a Terra”, ou, também: “Inclua na tua escolha

presente a futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer”331.

Afirmando que segundo esse novo imperativo até podemos arriscar a nossa

própria vida, porém não a da humanidade, Jonas recorrerá à figura mítica de Aquiles para

ilustrar tal argumento, assegurando que o grande guerreiro da Ilíada de Homero tinha

todo o direito de escolher para si uma vida breve, repleta de atos gloriosos, ao invés de

uma vida longa, segura, porém sem glórias (“sob o pressuposto tácito de que haveria uma

posteridade que saberia contar os seus feitos”); o que não podemos, diz categoricamente,

é escolher “a não existência de futuras gerações em função da existência atual, ou mesmo

de colocá-las em risco”332.

Reconhecendo a dificuldade de justificar teoricamente tal percepção, pondera

que o imperativo por ele defendido incialmente apresenta-se sem justificativa, sendo,

330 Ibid., loc. cit. 331 Ibid., p. 47/48. 332 Ibid., p. 48.

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

104

pois, um axioma333. Mas a seguir constata-se que na ética jonasiana, de cunho ontológico

e metafísico, a justificativa é a concepção de que ser é melhor do que não ser, existir é

melhor do que não existir, porque ser, existir, são a expressão de qualidades, por oposição

ao vazio do não ser, do não existir. Ser é bem, não ser é mal, privação de ser, ausência de

uma plenitude que deve e deverá existir no presente, no futuro próximo e distante.

Assegura que o novo imperativo volta-se bem mais para a política pública do

que para a conduta privada, que era prevalente no imperativo categórico de Kant, o qual

era voltado para o indivíduo, de critério momentâneo; adverte que o novo imperativo

“clama por outra coerência: não a do ato consigo mesmo, mas a dos seus efeitos finais

para a continuidade da atividade humana no futuro”334. Diz que a universalização

visualizada por esse novo imperativo não é hipotética, isto é, não significa “a transferência

meramente lógica do ‘eu’ individual para um ‘todos’ imaginário, sem conexão causal com

ele (‘se cada um fizesse assim’)”: ao reverso, as ações vinculadas ao novo imperativo, ou

seja, as ações de todo coletivo, avocam o atributo de universalidade na medida ideal de

sua efetividade; que elas totalizam a si mesmas na ascensão de seu impulso, desaguando

inapelavelmente na configuração universal do estado das coisas, e isso acrescenta ao

cálculo moral o horizonte temporal ausente na operação lógica e imediata do imperativo

kantiano, portanto, conclui, “se este último se estende sobre uma ordem sempre atual de

compatibilidade abstrata, nosso imperativo se estende em direção a um previsível futuro

concreto, que constitui a dimensão inacabada da nossa responsabilidade”335.

Ricoeur referiu-se a esse novo imperativo, inclusive pontuando que a inscrição

da vida na própria formulação dele pode ser ilustrada de modo ainda mais perceptível, ou

seja, o que o caracteriza não é apenas a sua orientação para o futuro, especialmente para

o futuro excedente ao horizonte fechado dentro do qual o mesmo agente pode reparar os

danos por ele causados, ou sofrer a pena pelos ilícitos em relação aos quais se presuma a

sua culpa336. Ainda arremata que o vínculo entre responsabilidade e perigo para a

humanidade futura impõe que se adicione ao conceito de responsabilidade um traço que

o diferencie definitivamente do da imputabilidade; “considera-se responsável, sente-se

333 Ibid., loc. cit. 334 Ibid., loc. cit. 335 Ibid., p.49. 336 RICOEUR, 1996, p. 230.

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

105

efetivamente responsável, aquele a quem é confiado a guarde de algo perecível; o objeto,

ou, melhor dizendo, o correspondente da responsabilidade é o perecível enquanto tal”337.

2.6. Antigas formas da nova “ética do futuro”.

Jonas cita três exemplos para demonstrar que até se pode refutar a tese de que as

éticas antigas não se orientavam também para o futuro, embora não fosse objeto de

preocupação a existência futura da humanidade, das outras formas de vida, do Planeta,

como um todo. São elas: i) a ética da consumação no mais-além, segundo qual, na

condução da vida terrena, chega-se a sacrificar a felicidade em prol da salvação da alma

eterna; ii) a responsabilidade do estadista para o futuro, o que equivaleria “à preocupação

previdente do legislador e do estadista com o futuro bem comum”338; iii) a utopia

moderna, eis que na política da utopia há a disposição de “utilizar os que agora vivem

como simples meio para um fim que se encontra além deles339: aqui ele cita o marxismo

como o principal exemplo.

Nessa perspectiva, cabe uma breve digressão sobre a crítica que Jonas faz à

política da utopia, e não à utopia, conforme observa Lilian Simone Godoy Fonseca340. E

pelo fato de o marxismo apontar no impulso revolucionário, patrocinado pelo avanço

tecnológico, que, finalmente, libertará o homem da fadiga do trabalho pela sobrevivência,

Jonas indica-o como herdeiro do projeto baconiano, reconhecendo, por um lado,

o mérito das “boas intenções” do projeto marxista, mas por outro lado testifica a

necessidade de se afastar de tal projeto a fim de estabelecer a sua própria concepção, eis

que vê no programa marxista uma notória apologia à técnica, o que, no seu entendimento,

compromete a sua própria execução341. Godoy Fonseca ainda acrescenta que Dominique

Janicaud faz uma instigante reflexão desse aspecto do entendimento de Jonas,

esclarecendo que Janicaud bem ressalta que “o principal aprendizado da crítica das

utopias é a constatação de que o estabelecimento de uma ética da responsabilidade passa

pela aceitação fundamental da condição humana em sua finitude e sua fragilidade”342.

337 Ibid., loc. cit. 338 Ibid., p. 51. 339 Ibid., loc. cit. 340 FONSECA, Lílian in: SANTOS, 2011, p. 202. 341 Ibid., p. 205. 342 Ibid., p. 211.

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

106

2.7. O homem como objeto da técnica.

Na elucidação de Jonas o que está em questão não é a validade no próprio

domínio das formas históricas da ética da simultaneidade e da imediatidade, para as quais

a ética de Kant serviu como exemplo, mas sim se elas são suficientes para a nova

dimensão do agir humano, que as transcende, em face do que, afirma que a sua tese é a

de que os novos tipos e limites do agir demandam uma ética de previsão e

responsabilidade conciliável com esses limites, que seja tão hodiernas quanto as situações

com as quais ela necessita lidar e que essas são as situações que afloram das obras do

Homo faber na era da técnica343.

Também ressalta que o Homo faber “aplica sua arte sobre si mesmo e se habilita

a refabricar inventivamente o inventor e confeccionador de todo o resto”344, bem assim

que essa culminação de seus poderes pode muito bem traduzir-se em subjugação do

próprio homem, assim como essa mais nova utilização da arte sobre a natureza incita o

último esforço ético que jamais antes precisou enxergar alternativas de escolha para o que

se reputava serem os caracteres definitivos da constituição humana345. Para ilustrar essas

ponderações, exemplifica a busca do prolongamento da vida, talvez indefinidamente; o

controle de comportamento e a manipulação genética346. Já no aspecto ambiental, além

dos desastres ecológicos decorrentes de ações mecânicas, debate-se a questão dos

transgênicos e do excesso de agrotóxico, fatores químicos que, se não manipulados com

o cuidado indispensável, podem desencadear desastres a curto, médio e longo prazo.

O fato é que Homo sapiens mergulhou na era tecnológica, mas não resistiu ao

encanto da técnica e nem se preocupou em perceber os “efeitos colaterais”, tão

embriagado que tem estado por ela; nesse diapasão, corre o risco de sequer enxergar o

“fio de Ariadne” para sair do labirinto em que colocou a si, as demais espécies e a própria

abiota, indispensável para o desenvolvimento e a permanência da vida. Como retirar essa

cortina de “utopia” que ainda turva a visão das consequências a médio e longo prazo de

algumas práticas e omissões potencialmente nocivas às condições ambientais do planeta,

é o imenso desafio a ser enfrentado, e a responsabilidade, concebida veementemente

343 JONAS, 2006, p.57. 344 Ibid., loc. cit. 345 Ibid., loc. cit. 346 Ibid., loc. cit.

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

107

como princípio ético em Hans Jonas, direciona-se a um dever-fazer, ditado pelo cuidado

das escolhas, em prol da possibilidade de existência futura.

2.8. A dinâmica “utópica” do progresso técnico e o excesso de

responsabilidade.

No dizer de Jonas, o poder tecnológico transmutou o que costuma ser exercício

hipotético da razão especulativa em esboços concorrentes para projetos executáveis, e a

escala inevitavelmente “utópica” da moderna tecnologia leva a uma redução constante da

saudável distância entre objetivos cotidianos e últimos, entre as ocasiões em que se pode

utilizar o bom senso ordinário e aquelas que demandam uma sabedoria iluminada; porém,

quanto mais necessitamos de sabedoria, é quando menos cremos nela347. Daí gizar que

quando “a natureza nova do nosso agir exige uma nova ética de responsabilidade de longo

alcance, proporcional à amplitude do nosso poder, ela então também exige, em nome

daquela responsabilidade, uma nova espécie de humildade”348; mas é uma humildade não

como a do passado que decorria da pequenez, mas sim derivada da demasiada grandeza

do nosso poder, uma vez que “há um excesso do nosso poder de fazer sobre o nosso poder

de prever e sobre o nosso poder de conceder valor e julgar”349.

Jonas menciona outro aspecto e justificativa do que denomina de nova ética da

responsabilidade requerida pelo futuro distante:

[...] a dúvida quanto à capacidade do governo representativo em dar conta das

novas exigências, segundo os seus princípios e procedimentos normais. Pois

esses princípios e procedimentos permitem que sejam ouvidos apenas os

interesses atuais, que fazem valer a sua importância e exigem ser levados em

consideração. Autoridades públicas devem-lhes prestar contas, e essa é a

maneira pela qual surge concretamente o respeito aos direitos (à diferença de

seu reconhecimento abstrato). Mas o “futuro” não está representado em

nenhuma instância; ele não é uma força que possa pesar na balança. Aquilo

que não existe não faz nenhum lobby, e os não nascidos são impotentes350.

Diz que tudo isso recoloca muito fortemente “a velha questão do poder dos

sábios ou da força das ideias do corpo político, quando estas não se ligam a interesses

egoístas” e indaga que força deve representar o futuro no presente, advertindo que essa é

uma questão para a filosofia política, embora alinhave que antes da questão de

347 Ibid., p. 63. 348 Ibid., loc. cit. 349 Ibid., loc. cit. 350 Ibid., p. 64.

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

108

implementação impor-se em termos práticos, a nova ética precisa encontrar a sua teoria,

na qual deveres e proibições justifiquem-se; em suma, um sistema do “tu deves” e “tu não

deves”, anunciando, outrossim, que antes de se questionar sobre quais poderes

representariam ou influenciariam o futuro, deve-se indagar sobre qual projeção ou que

tipo de conhecimento valorativo deve representar o futuro no presente351.

Conforme será detalhado alhures, a ética da responsabilidade voltada para o

futuro antecipa, trazendo para o agora, à luz dos conhecimentos atuais, a provável

inospitalidade do Planeta no futuro, se persistirem as condutas que já há décadas têm

interferido mais drasticamente na dinâmica interação dos seres vivos e deles com o meio

que os rodeia.

Robinson Santos lembra que a subjugação da natureza pelo homem, processo

tão antigo quanto ele próprio, teve uma impulsão e um aumento que não se pode ignorar

nos séculos mais recentes e que houve também um aumento em tal desproporção do nosso

poder que, segundo Jonas, não conseguimos mais dimensionar, portanto, é de agora em

diante que começaremos a identificar de forma mais evidente os danos e efeitos adversos

do modelo de desenvolvimento estabelecido e seguido pelas sociedades, especialmente

as ocidentais, com o que, em outras palavras, a vulnerabilidade da natureza começa a ser

aceita como a nossa vulnerabilidade, e a partir desse problema é que o autor de O

Princípio Responsabilidade desenvolverá sua proposta de um novo princípio moral352.

2.9. O vácuo ético.

É deveras revelador do que será objeto de detalhadamente nos capítulos IV, V e

VI de O Princípio Responsabilidade o modo como Hans Jonas, em apenas um longo

parágrafo, justifica o vazio ético. Com efeito, dever, movimento do saber, normas,

niilismo, ameaças iminentes, medo, poder de agir e capacidade de ação de um novo tipo,

são expressões utilizadas no seu alerta para a necessidade “de novas regras de ética, e

talvez mesmo uma ética de novo tipo”353. A transcrição de um fragmento da reflexão

sobre o “vácuo ético” é relevante para situar melhor a questão:

Aqui me detenho e todos nós nos detemos. Pois exatamente o mesmo

movimento que nos pôs de posse daquelas forças cujo uso dever ser agora

351 Ibid., loc. cit. 352 SANTOS,. 2010. 353 JONAS, 2006, p. 66.

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

109

regulamentado por normas – o movimento do saber moderno na forma das

ciências naturais –, em virtude de uma complementaridade forçosa, erodiu os

fundamentos sobre os quais se poderiam estabelecer normas e destruiu a

própria ideia de norma como tal. Por sorte, decerto que não o sentimento pela

norma e mesmo por determinadas normas; mas esse sentimento começa a

duvidar de si mesmo quando aquele suposto saber o contradiz ou quando, no

mínimo, lhe recusa qualquer apoio354.

Em seguida Jonas falará sobre o medo, aliás, algo que é bastante debatido por

outros autores que esboçaram os respectivos entendimentos quanto à “heurística do

medo” jonasiana. O assunto será retomado com mais vagar no item 4 deste mesmo

capítulo, onde será visto que há diversos autores que utilizam, por razões que serão ali

discorridas, a expressão “heurística do temor”. E sobre o medo, o sagrado, a religião e a

ética, Jonas destaca que em face de ameaças iminentes, cujas repercussões ainda podem

nos atingir, reiteradamente será o medo o melhor substituto para a verdadeira virtude e

sabedoria, entretanto esse recurso é falho diante de uma perspectiva de longo alcance, o

que especificamente, interessa nesse caso, pois a exígua amplitude das coisas em suas

origens faz com que elas aparentem ser, na maioria das vezes, inocentes; que somente o

receio ante a profanação do sagrado “independe do cálculo do medo e do consolo obtido

graças à incerteza sobre as consequências distantes”, mas que uma religião inexistente

não tem o poder de desobrigar a ética de sua incumbência, pois da religião é cabível dizer

da sua existência ou não como fato que influencia a ação humana, entretanto, no que se

refere à ética, “existe para ordenar suas ações e regular seu poder de agir”, sendo que a

necessidade de sua existência é diretamente proporcional aos poderes do agir que ela tem

de regular355.

Evidencia-se, pois, a preparação que Jonas faz antes de traçar, com tinta forte, a

sua proposta ética inovadora, justificada pelo vertiginoso crescimento tecnológico; mas

antes de direcionar o olhar mais criteriosamente ao núcleo de sua proposta, uma visão

panorâmica sobre mesma, da lavra de Pelizzoli estabelece interessante elo entre este item

e o que virá a seguir.

Alguns pontos introdutórios nos chamam a atenção aqui. O primeiro é que a

ética por ele buscada retorna à tradição, à chamada “metafísica”, legado do

pensamento do Ocidente grego, e que vai a fundo em princípios (ontológicos,

existenciais e de conhecimento) que guiam o saber e o agir, e portanto uma

base de pensamento e justificação bem argumentada para tal. O segundo é o

fato de que, apesar dessa tradição, não se conseguiu questionar o saber/poder

com as éticas tradicionais, pois elas não pensaram em geral nem em

354 Ibid., p. 65. 355 Ibid., loc. cit.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

110

conseqüências futuras, nem nos elementos não humanos. O terceiro é quando

ele mostra que a “dinâmica tecnológica de progresso, que é de escala

planetária, alberga enquanto tal um utopismo implícito”, ou seja, a construção

de um mundo fantasioso e artificial; é por isso que “o princípio de

responsabilidade contrapõe uma tarefa mais modesta, decretada pelo temor e

o respeito: preservar a permanente ambigüidade da liberdade do homem [...]

preservar a integridade de seu mundo e de sua essência frente aos abusos do

poder”356.

3. A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL E A ÉTICA VOLTADA PARA O

FUTURO NA CONCEPÇÃO DE HANS JONAS.

O imperativo da responsabilidade em Hans Jonas fundamenta-se na defesa da

possibilidade de existência de “autêntica vida humana” em um futuro distante no planeta

e, a partir da releitura que fez do imperativo categórico de Kant, anuncia as proposições

que já foram transcritas no item dois deste capítulo, todas com similares significados e

idêntico apelo: “Aja de tal modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a

permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”, ou, desta forma: “Aja de tal

modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possiblidade futura de uma

tal vida”, ou, ainda: “Não ponha em perigo as condições necessárias para a conservação

indefinida da humanidade sobre a Terra”, ou, também: “Inclua na tua escolha presente a

futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer”357.

Jonas enfatiza, na abertura do capítulo IV de O Princípio Responsabilidade, que

fundamentar no Ser o “bem” ou o “valor” corresponde a facultar a pretensa distância entre

o Ser e o dever, uma vez que a partir da sua própria definição, esse bem ou valor, quando

existe por si mesmo e não graças a desejo, necessidade ou escolha, é algo cuja

possibilidade contém a exigência de sua realização, daí porque torna-se um dever, desde

que exista uma vontade que assuma tal exigência e trate de concretizá-la358. A seguir,

Jonas esclarece que um “imperativo” pode emanar não somente de uma vontade

dominante, a exemplo de um Deus pessoal, como também “de uma demanda imanente

daquilo que é bom para si mesmo, que deve realizar-se”, contudo, o “ser em si”, do “bem”

ou do “valor” equivale a pertencer ao reino do Ser (embora não imprescindivelmente

356 PELIZZOLI, 2002, p. 57. 357 JONAS, 2006, p. 47/48. 358 Ibid., p. 149.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

111

pertencer à atualidade particular do existente), e isso leva a axiologia a se tornar parte da

ontologia359.

Avançando, Hans Jonas indaga de que forma esses argumentos relacionam-se

com os resultados obtidos até agora a respeito do ser na natureza, no tocante ao fato dela

também possuir valores, em se considerando que cultiva finalidades e objetivos, eis que

da forma como a natureza estabelece suas finalidades e as persegue, alcançá-las constitui

um bem e fracassar equivale a um mal e, a partir dessa distinção, inicia-se a

imputabilidade de valor360. A finalidade, enfim, impõe-se e não necessita de nenhum

dever e nem mesmo é capaz de fundamentá-lo, utilizando-se, no melhor dos casos, da

ficção de um “dever” como instrumento do seu poder361.

Desenham-se, em cores claras, a ontologia e a metafísica da ética ambiental de

Jonas, que ultrapassa o mero conhecimento emocional do objeto a ser protegido362 e

reivindica a escolha pelo Ser e pelo existir no futuro, eis que para ele é mediante a

assunção de responsabilidade que se pode garantir a existência de vida futura no planeta.

E tal lição ele escreve com frases fortes, quando ressalta:

Lembremo-nos, por último, que o cuidado da natureza por nossa progenitura

[...] é de tal forma espontâneo que não necessita do recurso à moral, pois é o

arquétipo humano elementar da coincidência entre a responsabilidade objetiva

e o sentimento de responsabilidade subjetivo, por meio do qual a natureza nos

educou previamente e orientou nossos sentimentos para os tipos de

responsabilidade aos quais falta a garantia do instinto363.

Para ele, o sentimento caracterizador da responsabilidade, não importando se

pressentimento ou reação posterior, é, de fato, moral, traduzido na disposição de assumir

os próprios atos; mas reconhece que

[...] em sua formalidade pura não é capaz de fornecer o princípio efetivo para

a teoria ética, que em primeira e última instância tem a ver com a apresentação,

reconhecimento e motivação de finalidades positivas para o bonum hamanum.

Da inspiração desses fins, do efeito do bem sobre o sentimento pode brotar a

disposição de assumir responsabilidades; sem elas, ou seja, sem valores

impositivos, talvez deva lamentar a fuga das responsabilidades (considerando-

se que, de um ponto de vista puramente hedonista, a prudência pode ser um

defeito), mas ela não é condenável364.

359 Ibid., loc. cit. 360 Ibid., loc. cit. 361 Ibid., p. 150. 362 Ibid., p. 163. 363 Ibid., p. 163/164. 364 Ibid., p. 166/167.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

112

Prosseguindo no exame da responsabilidade segundo a ótica de Jonas,

ponderações de alguns de seus comentadores, a exemplo de Helder Buenos Aires de

Carvalho, Flaviano Oliveira Fonseca e o filósofo Paul Ricoeur, auxiliam a compreensão

de sua ética.

Buenos de Carvalho explana que no entender de Jonas o critério kantiano para

julgar se uma ação é ou não moral é a coerência da vontade do indivíduo que age mediante

o próprio querer, sendo que a coerência, entretanto, é um critério lógico e não

propriamente moral, e por considerar este aspecto como uma “limitação” do imperativo

categórico de Kant, propõe outro princípio, o “princípio responsabilidade”, como

fundamento da ética que anuncia365. Buenos ainda complementa tal assertiva aduzindo:

Com base na definição de princípio – uma ‘proposição que constitui uma

norma moral ou uma regra de conduta’ – não é difícil identificar essas

diferentes formulações do imperativo jonasiano com um legítimo princípio

normativo. Com isso, então, se demonstra que, aqui, a responsabilidade é,

nitidamente, expressa enquanto princípio normativo366.

Sendo assim, complementa, diversamente da formulação kantiana, a concepção

ética por Jonas proposta não leva em conta somente os princípios, mas também as

consequências das ações concretizadas, o que confirma a hipótese aventada por Frogneux

de que a ética jonasiana realiza a síntese entre a moral deontológica e a moral

consequencialista367.

Oliveira Fonseca destaca que Jean Greisch368, inspirado em Jonas, afirma que a

responsabilidade adquire um status maior do que uma simples virtude, ou seja, “ela se

torna ‘a virtude’ por excelência; dito de outra forma, ela atinge o patamar de ‘sabedoria

prática’ e pode ser traduzida por prudência, que, longe de estabelecer limites, caracteriza-

se pelo fato de se comportar como uma atitude antecipatória”369.

Para Ricoeur, o que está em jogo é a inclusão da ideia de vida na própria

fundamentação do imperativo e que essa fundamentação, segundo Jonas, só pode ser

365 CARVALHO, in: SANTOS, 2011, p. 164. 366 Ibid., loc. cit. 367 Ibid., loc. cit. 368 GREISCH, Jean. L’amour du monde et Le principe responsabilité. In: VACquin, M (Dir.). La

responsabilité: La condition de notre humanité. Paris: Éditions autrement, 1994. 369FONSECA, in: SANTOS, 2011, p. 258.

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

113

ontológica, pois o que deve ser justificado é a continuação de uma existência e não a

racionalidade de um princípio de moralidade370.

As explanações acima indicam a razão pela qual Jonas afirma que a reflexão

básica que faz na anunciação da ética por ele proposta, fundada no dever, não é

propriamente moral, mas lógica, dado que o “poder” ou “não poder” querer expressa

autocompatibilidade ou incompatibilidade, e não aprovação moral ou desaprovação371.

Resta claro que para Jonas a natureza cultiva finalidade, que as persegue; que o

alcance das mesmas é um bem e o fracasso em alcançá-las um mal, e que em existindo

tais finalidades a dignidade delas somente pode derivar de sua existência efetiva, devendo

ser avaliadas em virtude da força de sua motivação e talvez do prazer obtido com a sua

realização, ou, por outro lado, do sofrimento oriundo da sua recusa372.

Segundo ele, a finalidade é um bem em si, impõe-se e não necessita de nenhum

dever, tampouco o fundamenta, sendo que, no melhor dos casos, utiliza a ficção de um

“dever” como instrumento do seu poder373. Essa concepção é nuclear para a doutrina de

Jonas, pois ele considera que o Ser se autoafirma na finalidade e nela mostra a sua razão

de ser374. Por isso ele enfatiza que “a busca de finalidade, cuja efetividade e eficiência no

mundo devemos considerar como estabelecidas” deveria ser vista como “uma auto-

afirmação fundamental do Ser, que se coloca em termos absolutos como sendo melhor

que o não-Ser”, reconhecendo-se que “em cada finalidade o Ser declara-se a favor de si,

contra o nada”. Ainda, que uma coisa elementar a se aprender de um Ser, na medida em

que ostente finalidade é que ele está envolvido com algo, no mínimo consigo próprio, e o

valor seguinte, consequente do valor fundamental do Ser como, ao assinalar a sua

diferenciação relativamente ao não-Ser, seria acréscimo de finalidades, o que equivale a

dizer a pletora de fins almejados e, por consequência, do bem e do mal que daí possam

resultar375.

Ao afirmar o “sim” à vida e um “não” enfático ao não ser, Jonas inicialmente

argumenta que a natureza manifestou seu interesse na vida orgânica e o satisfez

370 RICOEUR, 1996, p. 235. 371 JONAS, 2006. p. 47. 372 Ibid, p. 149. 373 Ibid, p. 150. 374 Ibid, p. 151. 375 Ibid, loc. cit.

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

114

progressivamente na extraordinária variedade de suas formas, sendo cada uma delas um

modo de ser e de esforço, ao preço da frustração e da extinção, eis que é o preço

necessário, uma vez que cada ser, sendo em si uma finalidade, irá realizar-se à custa de

outra finalidade, daí porque o interesse manifesta-se na intensidade dos fins próprios dos

seres vivos nos quais a finalidade da natureza torna-se cada vez mais subjetiva376. E os

seres vivos transformam-se nos executores de suas próprias finalidades, assim, todos os

seres sensíveis e movidos por um impulso são não apenas uma finalidade da natureza

como também uma finalidade em si mesmos, ou seja, o seu próprio fim377.

Prosseguindo na justificação ontológica da sua ética, Jonas dirá que, em virtude

da liberdade lúcida do homem, o qual é, a um só tempo, o continuador da obra (da

natureza) como também, paradoxalmente, pode se transformar em seu destruidor,

necessita incorporar um “sim” que impõe, ao seu poder, a vontade e o esforço, para assim

incorporar o “não” ao “não-Ser”378.

Portanto, se o agir humano traduzido na exploração e no aproveitamento da

natureza, sem o cuidado correspondente, tem-se revestido de ameaça apontada por

estudos científicos das diversas áreas do conhecimento, e uma vez que Jonas credita essa

crise ambiental à “conjunção do niilismo e da transformação tecno-científica do agir

humano”379, urge, de fato, refletir sobre o que este filósofo previne: o “caráter

problemático de um dever distinto do querer”. O querer decorre da própria finalidade, que

busca satisfazer a sua reinvindicação de ser, mas onde tiver que escolher entre um melhor

e um pior, tal como ocorre aos humanos, pode-se falar do dever de escolher o melhor

caminho em nome do fim desejado, conforme diria Kant, a partir de um “imperativo

hipotético” de prudência referente aos meios e não ao fim380. Entretanto, destaca Jonas,

por maior que seja a importância desse imperativo na selva dos assuntos humanos, ele

não tem nada a ver com o imperativo categórico da moralidade, e tampouco adianta falar

em fins “superiores” ou “inferiores” para justificar escolhas enquanto tal diferenciação

não tiver sido definida de forma ética, transformando em dever a escolha do fim

superior381.

376 JONAS, 2006. p. 151/152. 377 Ibid, p. 152. 378 Ibid, loc. cit. 379 HOTTOIS, 2008, p. 629. 380 JONAS, 2006. p. 153. 381 Ibid, p. 153/154.

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

115

No entanto não é o próprio dever o objeto e nem a lei moral a motivadora da

ação moral, mas sim o apelo do bem em si no mundo, que confronta a minha vontade e

exige obediência, de acordo com a lei moral, eis que ouvir o tal apelo é exatamente o que

ordena a lei moral: a obediência genérica ao apelo de todos os bens dependentes da ação

e o respectivo direito deles à minha ação; assim, o referido apelo torna o meu dever aquilo

que a intelecção mostrou-me que é digno de existir por si mesmo e necessita da minha

intervenção382. Para que algo me afete de forma a influenciar a minha vontade é preciso

que eu seja capaz de ser influenciado por ele, exigindo-se, por conseguinte, que o lado

emocional entre em jogo, sendo da essência da nossa natureza moral que a nossa

intelecção nos transmita um apelo que encontre resposta em nosso sentimento, no caso, o

sentimento de responsabilidade383.

Vê-se, pois, que Hans Jonas propõe a assunção de uma ética da responsabilidade

cujo elemento deontológico levanta um imperativo, o qual parte de um argumento

prudencial, praticamente aristotélico, segundo destacam Cardoso e Marqués-

Fernández384. Com efeito, assim comentam estes autores sobre a ética da responsabilidade

de Jonas:

A responsabilidade emana da liberdade, como ele mesmo disse:

Responsabilidade é o fardo da liberdade, partindo desta razão é que chega a

considerar a responsabilidade como um dever, uma exigência moral que

percorre todo o pensamento ocidental, mas que hoje tornou-se ainda mais

premente porque - nas condições sociedade tecnológica – a responsiblitdade é

obrigada a se nivelar à altura do poder que o homem tem.

Jonas argumenta que o princípio da Responsabilidade é convincente,

porque, ao contrário do que muitos acreditam, não é a terra que está em perigo,

mas sim a diversidade suas espécies atuais que estão expostas a sofrer um

terrível empobrecimento.

Na ética de Jonas é um elemento deontológico que levanta um imperativo,

mas não devemos esquecer que se parte de um argumento razoável,

praticamente aristotélico. Seu imperativo é causado pelas novas condições de

vida impulsionadas por ameaça tecnológica.

Confrontado com a ameaça que paira sobre a natureza o homem tem o

dever moral de protegê-la, esse direito aumenta à medida que você sabe como

é fácil de destruir a vida, portanto, neste momento, a ética deve levar em conta

as condições globais da vida humana e a sobrevivência da espécie385.

382 Ibid, p. 156/157. 383 Ibid, loc. cit. 384 CARDOSO, MÁRQUEZ-FERNANDEZ, 2003, p. 94/95. 385 Livre tradução de: La responsabilidad emana de la liberdad o, como él mismo lo disse: la

responsabilidade es la carga de la libertad, partiendo de esta razón es que llega a considerar la

responsabilidade como um deber, una exigencia moral que recorre todo el pensamiento occidental, pero

que hoy se ha vuelto más acuciante todavia porque – em las condiciones de la sociedade tecnológica –, la

responsabilidade está obligada a situarse a la altura del poder que tiene el hombre.

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

116

O filósofo francês Edgar Morin, já citado neste trabalho, também é lembrado por

Cardoso e Fernandez quando afirmam que a ética de Jonas coincide com alguns

pressupostos teóricos desse pensador, pelo fato, v.g., da pretensão de tal ética ser vista

como valor universal, não porque todo mundo há de fazer o mesmo, mas sim porque

trabalhando numa perspectiva ética, defende-se a vida de todos e, para escândalo dos

ilustrados, o imperativo ético de Jonas emana do medo ou, em suas palavras, da

“heurística do temor”386, que significa respeito mesclado com medo387.

Jonas propõe a autolimitação do poder, sem a qual não se pode garantir vida

futura no planeta, pois se o objetivo da natureza é regulado de forma cega e sem escolha

para a manutenção da totalidade diversificada e é gerido de forma severa, porém eficaz,

uma vez que o dever intrínseco do Ser se realiza em si mesmo, com o homem o poder

emancipou-se da totalidade por meio do saber e do arbítrio, podendo, então, tornar-se

fatal para a natureza e para ele mesmo388. Dessa forma, somente no caso do homem o

dever surge da vontade como autocontrole do seu poder, exercido conscientemente

primeiramente em relação ao seu próprio “Ser”, além de tornar-se o fiel depositário de

todos os outros fins em si mesmos, os quais se encontram sob a lei do seu poder; portanto,

o que une a vontade ao dever, o poder, é justamente o que leva a responsabilidade para o

núcleo da moral389.

Hans Jonas não sucumbe ao antropocentrismo reducionista nem ao radicalismo

ecológico que alguns autores identificam na ecologia profunda, sobre a qual já se escreveu

ligeiramente neste capítulo. Diz que o interesse humano coincide com o interesse dos

outros viventes, já que a natureza também possui a sua dignidade embora ela se curve à

nossa dignidade superior, em face mesmo do nosso poder, o qual, ao priorizar o dever em

Jonas sostiene que el principio de responsabilidade es apremiante porque, a diferencia de lo que muchos

creen, no es la tierra la que está em peligro, sino la diversidad de sus espécies actuales a las que se les

expone a sufrir un empobrecimiento espantoso. [...].

En la ética de Jonas hay un elemento deontológico que plantea un imperativo, pero no conviene olvidar que

se parte de um argumento prudencial, práticamente aristotélico. Su imperativo es provocado por las nuevas

condiciones de vida impelidas por la amenaza tecnológica. [...].

Ante la amenaza que se cierne sobre la Naturaleza el hombre tiene el deber moral de protegerla, ese deber

aumenta en la medida que sabe lo fácil que es destruir la vida, por ello, en la actualidad, la ética debe tener

en cuenta las condiciones globales de la vida humana y de la misma supervivência de la espécie. 386 Veremos mais adiante alguns comentários referentes à heurística do temor na obra de Jonas. 387 CARDOSO, MÁRQUEZ-FERNANDEZ, op. cit., p. 96. 388 JONAS, 2006. p. 216/217. 389 Ibid, p. 217.

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

117

relação ao ser humano, deve incluir também o dever em relação à natureza como condição

sine qua non para a própria sobrevivência e continuidade da espécie390. Refere-se à união

do poder com a razão que, para ele, traz consigo a responsabilidade, fato que sempre se

compreendeu quando no trato da esfera das relações intersubjetivas, e o que não se

compreendera é a novel expansão da responsabilidade sobre a biosfera e a sobrevivência

humana, decorrente da extensão do poder sobre as coisas e principalmente do fato de que

esse poder seja destrutivo; por sua vez, o poder e o perigo revelam um dever que, através

da solidariedade imperativa (decorrente do perigo comum), com o resto do mundo,

estende-se do nosso “Ser” para o conjunto391.

Assim, o perigo revela o “não ao não ser” como nosso dever principal, ressalta

Jonas392, e esse dever nascido do perigo clama, sobretudo, por uma ética da preservação,

da proteção, e o “não ao não ser”, em primeiro lugar ao “não ser” do homem, “constitui,

até nova ordem, a forma prioritária de como uma ética de emergência voltada para um

futuro ameaçado, que deve transpor para a ação coletiva o “sim ao Ser”, que o conjunto

das coisas acabou por tornar um dever humano”393.

Ao criticar o que se fez com o programa baconiano do progresso científico, Jonas

por vezes não é bem compreendido, embora a clareza das suas objeções no item 2 do

capítulo VI de O Princípio Responsabilidade, onde salienta que o perigo decorre da

dimensão excessiva técnico-industrial que não contou desde as origens, na execução

capitalista, com a racionalidade e a retidão que lhe seriam adequadas394. Não há, portanto,

uma contraposição dele ao pensamento de Bacon, mas sim à forma como se está

implementando o ideal baconiano395, tanto que Jonas mesmo sublinha que Bacon “não

poderia imaginar um paradoxo desse tipo: o poder engendrado pelo saber conduziria

efetivamente a algo como ‘domínio’ sobre a natureza (ou seja, à sua superutilização), mas

ao mesmo tempo a uma completa subjugação a ele mesmo”. Quanto a esse aspecto, frise-

se que também se percebe das palavras do próprio Bacon, na sua defesa do progresso

científico, que ele não visou à destruição da natureza e nem mesmo previu o caos

ecológico anunciado há algumas décadas pelo “coro de Cassandras”.

390 Ibid, p. 229/230. 391 Ibid, p. 230. 392 Ibid, p. 232. 393 Ibid, p. 233. 394 Ibid., p. 235. 395 Ibid, p. 236/237.

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

118

Pelo menos duas proposições associadas, ambas constantes de o Novum

Organum, apontam que Bacon não admitiu, no seu ideal, agressão ou destruição da

natureza: i) “O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto

constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza;

nem sabe nem pode mais”396; ii) “Conhecimento e humano coincidem, porque onde a

causa é desconhecida o efeito não pode ser produzido. Pois para ser comandada, a

natureza deve ser obedecida”397.

Nesta quadra, tem-se que, em decorrência da sua visão sobre os excessos

tecnológicos desprovidos do planejamento que se fazia e faz necessário, Hans Jonas

também critica a política da utopia, que, segundo ele, equivale à crítica da técnica levada

ao extremo. E tal sentido emerge das suas palavras, as quais chicoteiam o excesso de

otimismo quanto ao emprego da técnica como tem sido feito, anunciando a ética da

responsabilidade como remédio para a ameaça de perecimento da biota e, por derivação,

de “autêntica vida humana” no Planeta.

[...] a crítica da utopia serve não tanto como refutação de um equívoco

cognitivo, por mais influente que seja, mas, sobretudo, à fundamentação da

alternativa que nos incumbe: a da ética da responsabilidade, que hoje, após

vários séculos de euforia pós-baconiana e prometeica, de onde se originou

também o marxismo, deve segurar as rédeas desse progresso galopante. Conter

tal progresso deveria ser visto como nada mais do que uma precaução

inteligente, acompanhada de uma simples decência em relação aos nossos

descendentes398.

Robinson Santos, em O problema da técnica e a crítica à tradição na ética de

Hans Jonas, lembra que, para Jonas, é sobre esse caráter apocalíptico e catastrófico da

técnica bem-sucedida que devemos refletir e que ao invés de permanecermos na segura

posição, ilusória, de quem controla a força da técnica, precisamos desenvolver uma

postura de reverência e de temor, pois, na visão jonasiana, quando a esperança não é mais

a inspiração, então talvez seja o alerta do medo o que pode levar a humanidade à razão,

daí porque este filósofo propõe que se faça uma “heurística do temor”399.

396 BACON, Novum Organum, “Prefácio”, p. 69. 397 Ibid., p. 70. 398 JONAS, 2006, p. 349. 399 SANTOS, 2011;5(2):130-140.

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

119

Ainda quanto à crítica da política da utopia400 que Jonas entende estar presente

no marxismo, embora “no seu entender, contrariando as intenções de Marx”401, note-se

que a visão de Flaviano Oliveira Fonseca, profundo estudioso da obra de Jonas, não

destoa da análise acima. O referido autor pontua que Jonas tece uma analítica refutação

do ideal utópico do marxismo tendo por base O Princípio esperança, tese fundamental

de Bloch, que, na visão dele, é o mais importante representante da ideologia progressista

de Marx e, nesse contexto, Jonas dirá que a sua ética da responsabilidade não é

escatológica, mas sim antiutópica402. Assim, “a crítica à utopia é a crítica à visão

escatológica de uma sociedade de classes, fruto da revolução, mas também nega a tese de

que a história esteja destinada àquela visão final”403.

Sob o título Hans Jonas e a crítica à utopia, Lilian Simone Godoy Fonseca

também assevera que ao identificar o marxismo como herdeiro do projeto baconiano, por

um lado Jonas “reconhece o mérito e as ‘boas intenções’ do projeto marxista, mas, por

outro, constata a necessidade de se distanciar de tal projeto, para estabelecer a sua

concepção”404, que não se irmana com a utopia e, ao mesmo tempo, denuncia que a

proposta de Marx não inclui a natureza.

[...] no que tange à consecução do principal objetivo da proposta marxista,

descrito como a “humanização através do trabalho”, processo que inicia com

o trabalho mais elementar do homem sobre a natureza (humanização da

natureza) e culmina com o trabalho livre de toda sua finalidade de

sobrevivência (humanização do próprio homem), Jonas vê aí “o radical

antropocentrismo da proposta marxista”, pouco adequado ao contexto atual em

que a natureza reclama também um lugar no pódio da reflexão ética, tão

ameaçada que está pelas inúmeras atividades humanas altamente amplificadas

pela tecnologia, que interferem de modo irresistível nessa dimensão da

realidade anteriormente tomada como permanente (inalterada) 405.

Ainda para a autora supra, a despretensiosa solução indicada por Jonas,

evidenciada por meio de seu ‘princípio responsabilidade’, deve ser assimilada, portanto,

tanto como um alerta, quanto um alento, dado que seu intento é assegurar a “vida humana

400 E não simplesmente utopia, conforme observa Lilian Simone Godoy Fonseca na obra objeto da nota de

rodapé seguinte, p. 202. 401 FONSECA, Lilian, in: SANTOS, 2011, p. 203. 402 FONSECA, in: SANTOS, 2011, p. 254. 403 Ibid. p. 255. 404 FONSECA, Lilian in: SANTOS, 2011, p. 205. 405 Ibid, p. 208/209.

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

120

autêntica na Terra”, aí estando o fundamento da sua ética orientada para o futuro (EOF)

e, como ele buscou estabelecer, em uma perspectiva antiutópica406.

À guisa de conclusão sobre o assunto “crítica à política da utopia”, a observação

que Simone Godoy traz, referente à obra O adeus crítico à utopia, de Dominique

Janicaud: “Janicaud enfatiza bem que o principal aprendizado da crítica das utopias é a

constatação de que o estabelecimento de uma ética da responsabilidade passa pela

aceitação fundamental da condição humana em sua finitude e sua fragilidade”407.

A ecoética em Jonas tem como fundamento basilar a crítica à desenfreada

tecnologia que ameaça o futuro do planeta, propondo a ética do cuidado com a natureza,

com vistas à possibilidade de “autêntica vida humana” no futuro; sendo assim, vai além

da ética tradicional das relações simultâneas, tendo como alicerce a metafísica,

justamente por defender a preservação da essência humana, ao tempo que mergulha na

ontologia, por também apoiar-se na doutrina do Ser.

4. CRÍTICAS À ÉTICA DA RESPONSABILIDADE PROPOSTA POR

HANS JONAS: BREVES CONSIDERAÇÕES.

É natural que um novo imperativo, tal o trazido por Jonas, embasado na

metafísica, na ontologia, e apontando para uma crítica à utopia, carregue em si a

potencialidade de fomentar diferentes reflexões críticas, concordantes ou discordantes

(ainda que parcialmente). De antemão, importa esclarecer que as críticas relacionadas a

uma alegada “heurística do temor408” serão estudadas em item próprio, seguinte a este.

Dentre os críticos da ética da responsabilidade de Jonas está Karl-Otto Apel, um

dos defensores (Habermas é outro) da ética do discurso de viés cognitivista, baseada na

teoria do agir comunicativo.

Com efeito, no livro Ética e responsabilidade – o problema para a passagem

para a moral pós-convencional, Apel afirma que a situação do problema defendida por

Jonas e a missão de uma ética da responsabilidade necessária nos dias de hoje é

406 Ibid., loc. cit. 407 Ibid., p. 211. 408 Muitas vezes chamada de “heurística do medo”.

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

121

compreensível e de fato plausível diante do pano de fundo da crise ecológica, que para a

maioria dos estudiosos do tema surgiu na consciência através da divulgação do “Clube de

Roma”409, desde “Os limites do Crescimento”410, reconhecendo-se que a causa mais

profunda da crise são as alterações revolucionárias na relação do homem com a natureza,

introduzidas pela moderna ciência e suas consequências técnicas411. Prosseguindo, Apel

aduz que

A natureza – isso demonstra a crise ecológica – não é, enquanto pressuposto

de fundo das forças produtivas do homem e enquanto espaço de habitação do

homem, ilimitadamente explorável e onerável; pelo contrário, ela é limitada

em muitos aspectos nos recursos aproveitáveis e, sobretudo: enquanto ecosfera

do ser humano ela é vulnerável sistema de equilíbrio funcional412, cuja

destruição atinge igualmente as condições da vida humana. Nessa medida,

resulta já deste desafio de uma natureza inteiramente nova da crise ecológica

a questão fundamental de igual natureza nova de uma ética da responsabilidade

[...]413.

Debruçando-se especificamente sobre a ética de Jonas, Apel inicialmente

indaga: “será o ‘princípio responsabilidade’, o qual contém uma resposta possível à

contemporânea situação de crise, irreconciliável com aquele ‘princípio de esperança’ que

numa perspectiva moral e social-emancipadora estava contido na ideia de progresso da

modernidade?”414. Diz que: i) Hans Jonas respondeu essa questão basicamente na

polêmica com o “princípio esperança” marxista de Ernst Bloch entendendo serem

irreconciliáveis, porém compreendeu a resposta como recusa direta da esperança “de

progresso da moderna filosofia da história desde o século XVIII, que ele interpreta na

totalidade como uma secularização utopista da escatologia judaico-cristã”415; ii) Jonas

distancia-se particularmente da confiança na “razão – imanente – da história”, embora

nisso ele também inclua silenciosamente na sua recusa “a concepção de Kant de uma

esperança de progresso, de pensar, por um dever moral, a história (sempre renovada)

enquanto progresso possível no sentido da realização aproximativa proposta de

409 Club of Rome. 410 Die Grenzen des Wachstums. 411 APEL, 2007, p. 132/133. 412 Conforme já demonstramos no capítulo um desta dissertação. 413 APEL, 2007, p. 133. 414 Ibid., p. 134. 415 Ibid., loc. cit.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

122

postulados morais”416, assim chegando à conclusão que nós, enfim conscientes, teremos

de pagar no processo impulsionador para a frente de um modo totalmente diferente417.

Quanto às afirmações acima, Apel declara achar problemática a recusa da ideia

de progresso moderna e que a crítica da ideia do progresso e de utopia nela implicada

parece tão equívoca e ambivalente como do mesmo modo as próprias noções de progresso

e utopia418. Esclarecendo o ponto do seu questionamento, escreve:

[...] mesmo quando, juntamente com Jonas, se partilha a opinião de que o

importante na situação actual é salvar a existência, portanto a sobrevivência, e

a imagem essencial intacta, portanto a dignidade dos perigos que se encontram

no mero avanço do progresso, ou seja do processo de industrialização em

curso, mesmo quando se é dessa opinião, e para tal também me incluo eu,

também se poderá indagar se a existência e dignidade humanas serão possíveis

de salvar por meio da mera conservação das condições atuais. Mais

precisamente: não será a natureza do homem e o seu meio ambiente desde há

muito tempo moldado técnica e socioculturalmente constituída de uma tal

maneira que ela sem uma ideia reguladora do progresso tecnológico e social

não pode ser conservada? A possibilidade de uma conservação ética da

dignidade humana não estará a priori associada à condição de que ela também

ainda terá de ser primeiramente realizada – em particular no sentido de uma

produção à escala mundial de relações sociais humanamente dignas?419.

Percebe-se do excerto acima que Karl-Otto Apel insurge-se contra uma frase de

Jonas, por ele transcrita, no sentido de que o importante na presente situação mundial é

uma ética da manutenção, da conservação, da proteção e não do progresso e da

perfeição420. No entanto Jonas retoma esse assunto logo no início do item III do capítulo

VI de O Princípio Responsabilidade, e de suas palavras emerge o entendimento de que a

preocupação inicial com a conservação e a proteção não descarta a do aperfeiçoamento,

mesmo porque não se pode cogitar de aperfeiçoar o que restar destruído ou

descaracterizado da essência humana, na esteira do que ele denomina como “autêntica

vida humana”: da forma como estão as coisas, durante certo tempo a postura positiva

implicará desempenhar-se, antes de tudo, de funções de preservação e proteção, no seio

da qual poderão exercer-se as funções de recuperação e de melhoramento421.

416 Ibid., loc. cit. 417 Ibid., loc. cit. 418 Ibid., p. 135. 419 Ibid., loc. cit. 420 Ibid., loc. cit. 421 JONAS, 2006. p. 349.

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

123

Apel também transcreve o imperativo categórico proposto por Jonas, para depois

admitir crer que no princípio responsabilidade exprime-se, de fato, um novo nível de

consciência moral, que

[...] em Kohlberg alcança níveis explícitos, e certamente não no sentido do

desenvolvimento lógico-evolutivo do princípio abstracto da reciprocidade

universalizada, mas no sentido de uma extrapolação da relação de

reciprocidade com o concreto-universal da humanidade no futuro enquanto

dimensão inconcludente da responsabilidade422.

Mas Apel explana sobre nova discordância pontuando que uma solução social-

darwinista423 do problema da sobrevivência e da continuidade da existência humana no

futuro não apresentaria qualquer solução eticamente responsável; no entanto, diz, a nosso

ver com um certo teor cáustico, que tal solução por ele rejeitada embora não aceita por

Jonas, também não foi excluída da proposta por ele anunciada de um imperativo

categórico, a não ser que que se incluísse na noção de integridade do humano a da

integridade a ser mantida da humanidade ora vivente e, dessa forma, “o atrofiamento da

saúde da população da terra através da morte pela fome de partes do Terceiro Mundo,

pelo menos como solução justa no sentido de uma ética da responsabilidade”424.

Os surpreendentes e questionáveis argumentos de Apel demandam uma rápida

análise: não se pode, objetivamente, dizer que se Jonas não rechaça expressamente algo,

é porque aceita, pelo simples fato de que tal exercício conjectural traduz-se numa dedução

evidentemente frágil. Se Apel tivesse mostrado evidências que, associadas, levassem,

ainda que indiretamente, à afirmação de que Hans Jonas defende uma solução social-

darwinista, poder-se-ia analisar criticamente as evidências apontadas, mas do modo como

procedeu, sem se desincumbir do ônus da prova da afirmação que fez, a carência de

fundamento deságua na fragilidade de convencimento. Chega a ser data máxima vênia,

uma ilação bizarra Apel usar como argumento para a sua crítica o fato de Jonas não ter

negado explicitamente a solução social-darwinista, dado que não há o mínimo indício na

obra de Jonas a indicar que a ética da responsabilidade dependeria da morte, por conta de

fome, da população do terceiro mundo. Apel inclusive se contradiz, pois antes ele mesmo

422 APEL, 2007, p. 144. 423 Apel explica a solução social-darwinista na p. 136 da obra citada, ao discorrer que numa “visão

puramente biológica, a sobrevivência da humanidade na presente situação da ameaçadora sobrepopulação

e do escasseamento dos recursos também poderia ser garantida, se parte da população terrestre, por

exemplo, no Terceiro Mundo, morressem à fome”. 424 APEL, 2007, p. 145.

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

124

reconhecera que a ética jonasiana visa à manutenção e conservação, no entanto como tal

conservação poderia se transfigurar em proposta na qual está embutida a morte de parte

da humanidade? Quando Jonas fala em uma ética que possa dar chance de, no futuro,

ainda haver “autêntica vida humana” no planeta, ele não discrimina que seja vida humana

dos países do primeiro, segundo ou do terceiro mundo, eis que na sua ética todos os

homens têm igual direito de existir no futuro e todos têm o dever moral de garantir as

condições para tal.

Robinson Santos recorre a Apel ao expor considerações críticas à ética da

responsabilidade de Jonas. Salienta que a ética de Jonas não está isenta de problemas e

que a fundamentação do princípio responsabilidade permanece ainda a ser explorada em

seus vários aspectos; giza que Apel questiona, por exemplo, se somente uma ética da

preservação e do cuidado é suficiente para dar conta tanto dos problemas teóricos, no

plano da fundamentação, e dos problemas efetivos que se apresentam no plano prático425.

Não parece, entretanto, que se pode extrair das palavras de Jonas a afirmativa de

que ele considera que apenas a ética da preservação e do cuidado é suficiente para dar

conta dos problemas teóricos, no plano da fundamentação e dos problemas efetivos que

se apresentam no campo prático, mesmo porque Jonas não somente expressa a

necessidade de uma interação entre as ciências, conforme já demonstrado no capítulo I

deste trabalho, como também defende a necessidade de ações políticas e, por derivação,

jurídicas, as quais devem caminhar ao lado da ética voltada para o futuro, consoante já

discorrido no capítulo II desta Dissertação.

Robinson Santos também destaca que tanto Jonas quanto Apel situam-se diante

do problema da civilização contemporânea, marcada desde o início do século XX por

guerras e escalada nuclear, pela crescente crise ecológica, como preço da civilização

industrial, enfim pelo predomínio de uma racionalidade cientificista que, de certa

maneira, procura reduzir problemas morais a questões relacionadas à subjetividade, ou

mesmo a questões de preferências pessoais ou emocionais e, portanto, irracionais426. Não

obstante a preocupação comum desses dois filósofos, Robinson Santos também destaca

brevemente a diferenciação das propostas de enfretamento dos problemas elencados

acima:

425 SANTOS, in: SANTOS, 2011, p. 38. 426 SANTOS, [32, 2010] 139 – 155.

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

125

Enquanto Jonas oferece um tratamento para a questão que parte do

descompasso entre as éticas da tradição e os desafios totalmente novos de

nossa época, apresentando a responsabilidade como dever fundamental do ser

humano, sobretudo para com as gerações futuras, Apel privilegia o

enfrentamento do problema de uma fundamentação última de princípios e

normas morais. Segundo Apel o conflito fundamental de nossa época é que ela

está marcada simultaneamente pela necessidade de uma ética universal e a

aparente impossibilidade de se estabelecê-la. Partindo desta consideração ele

reflete sobre a ética do discurso como possibilidade de saída para tal impasse.

De modo sucinto: ambos partem de uma preocupação comum e pretendem

oferecer um princípio, porém com uma substancial diferença no que se refere

à justificação de suas propostas427.

Pondera ainda o autor supra que Jonas, ao privilegiar uma relação não-simétrica

e não-recíproca, efetivamente traz algo novo para o campo da ética, isso até reconhecido

por Wolfgang Kühlmann, um dos expoentes da ética do discurso na perspectiva de Apel,

para quem a “fundamentação última da ética do discurso contém, portanto [...], também

uma fundamentação racional do postulado fundamental de Hans Jonas, que também no

futuro deverá haver uma humanidade [...]”428. Situando as perspectivas de ambos em

soluções diferentes, sendo que a ética do discurso de Apel não tematiza diretamente a

questão ecológica, enquanto a de Jonas inclui diretamente o problema ecológico como

central da ética da responsabilidade, Robson Santos considera como menos problemática

de fundamentação, do ponto de vista da aplicação prática, a concepção de Apel, embora

reconheça o valor provocativo da ética da responsabilidade de Jonas, na medida em que

ao se tratar desse tema, não se pode ignorar os problemas para os quais o autor de O

Princípio Responsabilidade chama atenção429.

Prosseguindo sobre a crítica feita por Apel, é de se atentar para o enfoque do

professor Flávio Beno Siebeneichler, justamente por ele ter situado o alcance das visões

de Jonas e Apel, as quais não são conflitantes mesmo porque transitam em especificidades

distintas relativamente à problemática ambiental.

Para corroborar a proximidade entre Apel e Habermas é necessário destacar

que os dois projetos repousam sobre elementos comuns, a saber: Em primeiro

lugar, a linha de argumentação é decididamente pós-metafísica delineada na

perspectiva de uma filosofia da linguagem vertida em termos pragmáticos. Em

segundo lugar, a moral do discurso formulada por ambos não constitui uma

reação moral a perigos iminentes que colocariam em risco a sobrevivência da

humanidade e da natureza, como é o caso da “ética da responsabilidade”

cultivada por Hans Jonas.

427 Ibid. 428 Ibid. 429 Ibid.

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

126

[...] o oponente principal da ética do discurso, a ser convencido mediante

argumentos, não é a pessoa cega ou indiferente aos perigos que a humanidade

está correndo – como quer Hans Jonas – mas principalmente o cético radical,

o cínico e o relativista, que não aceitam a possibilidade de uma demonstração

racional de deveres morais obrigatórios. Em que pese isso, convém notar,

inicialmente, que Habermas e Apel sempre tiveram a clara consciência de que

a ética do discurso constitui nada mais que um programa e um projeto

provisório, um verdadeiro experimento nas palavras de Apel, ou ainda, um

plano geral para uma construção em vias de realização, apoiado em pretensões

de validade discutíveis racionalmente430.

Ainda sobre a peculiaridade da ética da responsabilidade de Jonas e da ética do

discurso na seara da discussão dos problemas ambientais, uma sintética explicação de

Lilian Godoy, que aponta não somente os contextos de desenvolvimento filosóficos

distintos de ambas, como também que ambas pretenderam responder a preocupações

éticas inteiramente diferentes. Indagada sobre em que aspecto é possível aproximar o

princípio de universalização da ética do discurso de Habermas e o princípio da

responsabilidade de Jonas, Godoy salientou que Habermas e Apel buscavam sustentar

contemporaneamente uma ética cognitivista pós-convencional, no âmbito de uma Teoria

da Argumentação, partindo da Teoria do Agir Comunicativo, ao passo que Jonas buscava

encontrar uma ética capaz de responder às inquietações de nossa civilização tecnológica,

mas que, se alguma semelhança pode ser apontada entre as duas perspectivas filosóficas

é o fato de que “incluem, em suas respectivas formulações, a preocupação com os efeitos

e as consequências das ações, para além dos próprios agentes envolvidos, coisa que o

imperativo categórico de Kant, por razões internas à sua concepção ética, não fazia”431.

Outro comentador cujas análises das afirmações são úteis para enriquecer o

debate é Gilber Hottois, que elenca vários tópicos críticos e respectivas justificativas.

Alguns serão vistos neste item, mas o que ele denomina de milenarismo de Jonas será

analisado quando da rápida avaliação da “heurística do temor”.

i) Hottois afirma que o retorno ao fundacionalismo sob a forma de uma

metafísica destinada a apoiar de modo indiscutível normas éticas imponíveis a todos é,

indubitavelmente, o ponto menos aceitável do pensamento de Jonas, e justifica tal crítica

com o argumento do perigo e dos abusos do fundacionalismo, o qual pode remeter ao

430 SIEBENEICHLER, disponível em:

<http://www.slideshare.net/ClovisdeLima/reflexes-sobre-a-tica-do-discurso>. Acesso em: 09 dez. 2013. 431 GODOY, Lilian. A reformulação disponível em:

<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4037&secao=371>

Acesso em: 09 dez. 2013.

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

127

dogmatismo, ao fanatismo, à inquisição e à censura que acarretam a supressão da

liberdade de pensamento e de expressão, além de interromper qualquer forma de

progresso e de reforma432.

ii) Diz que a filosofia política de Jonas decorre de seu fundacionalismo e de sua

recusa de considerar os aspectos positivos e emancipadores do niilismo destrutivo de

qualquer valor ou verdade absolutos e de qualquer dogmatismo, aduzindo que essa

política é autoritária e não democrática, que dá poder a uma oligarquia, qual seja, uma

elite cultural que monopoliza o verdadeiro saber e a sabedoria e que é, portanto, a única

habilitada a impor leis e regras à massa ignorante, irrefletida e não-educável.

Embora os comentários sobre as objeções de Hottois sejam objeto de reflexão,

conjuntamente, despois das críticas transcritas, convém antecipar algumas considerações

sobre a afirmação supra.

Pois bem, é verdade que Jonas argumenta que a utopia tem mais probabilidade

de permanência em sistemas menos precários do que os que, na sua visão, possibilitam

maiores liberdades, contradições e, por conseguinte, crises e degenerações externas,

desacreditando que tais regimes, por sua vez, também tenham razoável condição de

contornar tais crises pela via do funcionamento das instituições democráticas sólidas,

independentes e harmônicas. Mas Jonas utiliza-se de tal afirmação justamente para

justificar o seu combate ao que ele na verdade denomina de política da utopia atribuída

ao marxismo433, a qual, no seu entendimento, não contém a preocupação com a

preservação ambiental, de modo a se garantir a existência futura das espécies. E esse

argumento se evidencia quando ele diz que a ética por ele buscada distancia-se do

marxismo por não ser escatológica e por ser antiutópica434. Ora, se Jonas associa a

facilitação da política da utopia com regimes não democráticos e se ele coloca sua ética

como não utópica, parece não se poder concluir que ele associe a ética da responsabilidade

a um sistema despótico como afirma Hottois. E a seguinte passagem do livro O Princípio

Responsabilidade caminha em sentido contrário à afirmativa de Hottois, daí porque,

432 HOTTOIS, 2008, p. 634/635. 433 Embora contrariando as intenções do próprio Marx, segundo aponta Lilian Simone Godoy Fonseca ao

comentar sobre Hans Jonas e a crítica à utopia. In: SANTOS, Robinson dos. Ética para a civilização

tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos Santos, Jelson Oliveria, Lourenço

Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011, p. 202. 434 FONSECA, Lilian in: SANTOS, 2011, p. 203.

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

128

embora longa a citação, será transcrita ipsis litteris, para que se possa beber diretamente

das palavras do autor.

[...] do que dissemos dos efeitos corrosivos do regime despótico, conclui-

se que os regimes liberais são pelo menos melhores nesse aspecto, na medida

em que evitam essas causas da corrupção. Abstraída essa constatação banal,

tais regimes evidentemente também têm muitos problemas, e o problema

fundamental é justamente a desconcertante liberdade, que nem sempre é uma

liberdade para o bem. Toda ampliação da liberdade é uma grande aposta de

que o bom uso dela superará o mau, e aquele que considere tal resultado como

certo só poderá ser alguém convicto da bondade inata dos homens (para não

falar na distribuição da inteligência, mesmo que na presença da boa vontade).

Porém, mesmo os que não acreditam em tal bondade inata deveriam apostar na

liberdade, pois ela é um valor moral em si, digna de seu alto preço. Qual é

precisamente esse valor? Não há uma resposta apriorística para tal questão,

que, segundo as circunstâncias, deverá ser respondida recorrendo-se ao senso

de responsabilidade e à sabedoria435.

E a exposição abaixo tem o condão de robustecer ainda mais as considerações

acima delineadas.

[...] Seria necessário reconhecermos (certamente com o preconceito

ocidental ao nosso lado) que, em todos os terrenos da atividade humana, um

sistema liberal, desde que ele possa se defender de seus excessos, é preferível

por motivos morais a um sistema não livre, mesmo quando este possa atender

melhor, ou de forma mais segura, a muitos mais dos interesses importantes dos

homens. E o mesmo vale para outras alternativas. Um Estado de direito é

melhor que um Estado arbitrário; a igualdade diante da lei, melhor que a

desigualdade; o direito a defender os seus interesses e a participar dos

processos decisórios sobre a coisa pública, melhor que a sua transferência

permanente a gestores oficiais; a diversidade individual, melhor que a

homogeneidade coletiva; a tolerância para com o outro, melhor que a

conformidade à força436.

Lenín Cardoso e Álvaro B. Marquez-Fernandéz437 demonstram ter compreendido

diferentemente de Hottois o que Jonas pretendeu dizer quando asseverou a renúncia

espontânea à liberdade (autolimitação da liberdade) em prol da assunção de deveres

relacionados com a existência futura da natureza, aí incluídos, por óbvio, os seres

humanos. Aliás, direitos reconhecidos e deveres impostos por um poder legiferante cujos

membros sejam escolhidos pelo povo são inerentes aos regimes democráticos, sobre os

quais Jonas disse ser preferíveis, na citação anterior.

[...] a questão de saber até que ponto de renúncia à liberdade se está

disposto, qual o grau de responsabilidade e ética deve ser levada a sério, pois

convém não esquecer que a liberdade só pode existir na medida em que ela é

435 JONAS, 2006. p. 278. 436 Ibid., loc. cit. 437 CARDOSO, MÁRQUEZ-FERNANDEZ, 2003, p. 100/101.

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

129

autolimitada. Uma liberdade ilimitada de o indivíduo apenas pode ser

destrutiva, ao não ser compatível com a de outros indivíduos.

Estas afirmações levaram a considerar a possibilidade de renunciar-se à

liberdade, e isso parece inevitável e evidente, uma vez que não se acredita que

se deva considerar isso como um infortúnio. Há de ser lembrado que na Antiga

Roma foram as leis que restringem a extravagância privada, censores que

tinham o direito de fornecer evidências sobre estilos de vida excessivos em

contradição com estado moral, e foram autorizados a punir tal conduta; tratava-

se de uma substancial interferência na liberdade privada, mas precisamente em

nome de uma autogestão da cidadania438.

Jonas não se contenta com a limitação de liberdade já prevista dentro dos

cânones do Estado Democrático de Direito, tal a insculpida, por exemplo, no caput do

artigo 5º, II439 da nossa atual Constituição, onde está previsto o poder estatal de impor

obrigações de fazer e de não fazer. Jonas propõe uma ética da autolimitação da liberdade

em prol da existência de uma “autêntica vida humana” no futuro. E isso é um desafio

muito maior do que fazer leis e atribuir a agentes públicos o dever de cobrar o

cumprimento das mesmas.

iii) Declara que a filosofia da natureza finalista que apresenta o ser humano como

o ápice da evolução é igualmente pré-moderna e não apoiada pelas ciências físicas e

biológicas, sem falar que a concepção jonasiana da natureza é particularmente confinada,

por limitar-se especialmente à Terra e temporalmente à gênese da humanidade, sem

nenhuma consideração pelos bilhões de anos de existência futura do universo.

Essa crítica também merece uma contradita imediata. Inicialmente a afirmação

de que as ciências biológicas e físicas não apoiam a ideia de que o ser humano representa

o ápice da evolução é controversa e as reflexões do biólogo evolutivo Futuyma

evidenciam o pensamento de boa parte de outros evolucionistas, de anatomistas e

438 Livre tradução de: [...] la cuestión de saber hasta qué punto de renuncia a la liberdad se está dispuesto,

qué grado de responsable y ética, ha de ser considerada en serio; pues conviene no olvidar que la liberdad

puede existir sólo en la medida que ella misma se autolimite. Uma libertad ilimitada del individuo sólo

puede hacerse destructiva, al no ser compatible com la de otros individuos.

Estas aseveraciones lo llevan a plantear la posibilidad de renunciar a la liberdad, y esto parece ineludible y

evidente, puesto que no cree que se deba considerar eso como una desgracia. Recuerda que em la antiga

Roma existían leyes que limitaban los dispêndios privados, se elegían censores que tenían el derecho de

aportar pruebas sobre un tren de vida excessivo, em contradiccíon com la moral del Estado, y estaban

autorizados a castigar tal conducta; se trataba de una considerable injerencia en la libertad privada, pero en

nombre, precisamente, de una autogestión de la ciudadanía. . 439 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros

e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança

e à propriedade, nos termos seguintes:

(Omissis);

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

130

fisiologistas, tal como Kent Marshall Van de Graaff, segundo lê-se, incialmente, nas

palavras do primeiro.

Nenhum tópico em biologia evolutiva é mais controverso do que aqueles

relativos à evolução e à genética dos caracteres comportamentais humanos,

incluindo as capacidades cognitivas descritas como “inteligência”. Os

humanos são, ao que sabemos, únicos entre as espécies em sua capacidade para

linguagem simbólica e sintética; eles são imensamente mais capazes de

aprender e transmitir informação do que qualquer outra espécie, e são

extremamente flexíveis em seu comportamento. Como e por que essas

capacidades evoluíram é um tema de grande especulação, mas de pouca

evidência direta. Ao mesmo tempo, o próprio fato de essas habilidades terem

evoluído, devendo por isso ter um fundamento genético, implica para alguns

pesquisadores que alguns comportamentos específicos têm uma base biológica

e genética e podem, na realidade, ser limitados por nossos genes. Em contraste,

outros pesquisadores, apontando para nossa capacidade de aprender e para a

imensa variação em quase todo o comportamento humano, afirmam que os

genes entregaram sua soberania para a cultura – que o comportamento humano

é sobretudo um produto do condicionamento social e do aprendizado. A

resolução desse debate – sobre a importância relativa da “natureza” e da

“criação”, como é muitas vezes enunciado – pode ter implicações sociais e

políticas de grande alcance (Lewontin et al. 1984; Degler 1991). Essa é uma

área na qual a avaliação da evidência é muitas vezes afetada pelos pontos de

vista sociais e ideológicos tanto de cientistas como de não cientistas440.

Complementa-se a exposição acima com a explicação seguinte do segundo

cientista citado.

Como certas características anatômicas dos seres humanos são muito

específicas, eles são analisados separadamente dos outros animais, e até

mesmo de outros mamíferos de ralações mais próximas. Nós também temos

características que são igualmente bem desenvolvidas em outros animais, mas

as funções do encéfalo humano nos proporcionam capacidades notáveis, sem

similares441.

Quanto à assertiva de confinamento porque Jonas refere-se somente ao Planeta

Terra e não ao Universo, pode-se contraditá-la com o fato de que, por ora, há vida

comprovada apenas em nosso Planeta e é precisamente essa vida que Jonas entende estar

ameaçada por ações humanas; consequentemente, em face da urgência decorrente dos

excessos da era tecnológica é que o referido filósofo “delimita” a sua proposta ética para

a Terra, o que não significa dizer que ele não se importe com o futuro do Universo, esse

ainda não ameaçado a ponto de justificar o enfoque cobrado por Hottois.

Vê-se, portanto que, até mesmo pelo fato da riqueza de interpretação facultada

pela obra de Jonas, há diversas análises sobre sua ética da responsabilidade. A título de

440 FUTUYMA, 2009, p. 741. 441 VAN DE GRAAFF, 2013, p. 25.

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

131

substancioso exemplo pode-se citar a visão de Paul Ricoeur a qual, mesmo não

direcionada para este fim, contrapõem-se, de uma maneira geral, aos argumentos de

Hottois. O eminente filósofo francês extrai algumas afirmativas do que ele entende como

sendo a essência do pensamento de Jonas, embora tenha o cuidado de ressalvar “se minha

interpretação estiver exata” e, a partir daí, observa o contexto das proposições jonasianas,

interpretando de forma sistêmica o cerne da ética da responsabilidade.

Nada obstante alguns pontos obscuros das propostas do consagrado filósofo

judeu-alemão, cujas minudências extrapolam este trabalho, parece mais consentâneo com

o que se extrai do livro Princípio Responsabilidade, inclusive de passagens aqui já

destacadas, o ponto de vista de Paul Ricouer, inclusive quanto ao alegado

fundacionalismo contra o qual insurge-se Hottois. Importante, então, conferir algumas

assertivas de Ricoeur, iniciando-se pela refutação a determinadas afirmativas de que o

princípio responsabilidade depende de uma moral naturalista.

[...]. O princípio responsabilidade pede apenas que se preserve a condição

de existência da humanidade ou, melhor ainda, a existência como condição de

possibilidade da humanidade. Como dissemos anteriormente, é o homem

enquanto vivente que é objeto de solicitude. Eis por que o princípio

responsabilidade se encarrega da vulnerabilidade específica que o agir humano

suscita a partir do momento em que ela se acrescenta à fragilidade natural da

vida. Não se poderia, portanto, dizer que o princípio responsabilidade depende

de uma moral naturalista. Ao contrário, é no nível do agir humano, e por meios

técnicos aplicados de modo corretivo às técnicas, que a ética da

responsabilidade delimita seu campo de exercício. [...]. Dizer que o homem é

responsável pela natureza não é, portanto, dizer que é preciso buscar na

natureza o modelo de medida a ser imposto à deriva tecnicista.

Não se teria nem mesmo o direito de falar de moral naturalista quando

Jonas se arrisca a dizer que o longo trabalho criador da natureza, ao qual

devemos o fato de estarmos vivos, e que hoje é entregue às nossas mãos e

confiado aos nossos cuidados, tem o direito à nossa proteção para o seu

próprio bem. Quer-se dizer com isso apenas que o interesse do homem

coincide com o do resto dos viventes e o da natureza inteira na medida em que

ela é a nossa pátria terrestre442.

É que para Ricoeur, o homem, como potencial destruidor do labor teleológico

da natureza, deve incumbir-se, no nível de seu querer, do sim que a natureza conduz ao

ser e do não que ela contrapõe ao não ser; que “dever ser salvo é a pressuposição do

homem”; que ninguém pode afirmar que o homem seja, deixando de dizer que a natureza

seja, daí o motivo pelo qual o sim ao ser, que a vida pronuncia espontaneamente tornou-

se na esfera humana um dever-ser, uma obrigação443.

442 RICOEUR, 1996, p. 241. 443 Ibid., loc. cit.

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

132

Paul Ricoeur também se opõe à ideia de que a ética da responsabilidade encontre

na filosofia da biologia um fundamento necessário, porém não suficiente (e por suficiente

ele faz questão de frisar como mais do que necessário), ao afirmar que o visado pelo novo

imperativo não é apenas a existência de homens depois de nós, mas sim e precisamente

que sejam homens compatíveis à própria ideia de humanidade444. E prossegue a reflexão:

Se minha interpretação é exata, a discussão da demonstração concernente

ao fundamento último do princípio responsabilidade deveria ter por objeto a

arquitetura que permite coordenar três axiomas aparentemente distintos: a vida

diz sim à vida; a ideia de humanidade exige ser realizada; o ser vale mais do

que o não-ser. O primeiro axioma representa a contribuição da filosofia da

biologia para a ética; quanto ao segundo, não se poderia ver outra coisa, quer

Jonas queira ou não, além de uma descendente do kantismo, que poderia se

encarregar, entre outras variantes, da ética da argumentação; quando ao

terceiro, o mais fundamental, ele deveria guardar a sua marca propriamente

leibniziana, com, além do mais, um acento platônico, na medida em que é o

Bem, com um grande B, que envolve ser e dever-ser. O segredo do pensamento

de Jonas a ser desvendado parece-me consistir na correspondência tácita entre

os três axiomas, correspondência que permite que se entre na filosofia de Jonas

a partir de qualquer um dos três. Considerados em conjunto, estes parecem-me

formar um vasto círculo hermenêutico. A questão seria então, como disse

vocês sabem quem, não evitar o círculo, mas entrar nele corretamente445.

Por fim, Ricoeur dirá sobre o livro de Jonas e seu empreendimento fundacional:

[...] é um grande livro, não apenas em razão da novidade de suas idéias sobre

a técnica e sobre a responsabilidade compreendida como retenção e

preservação, mas em razão da intrepidez de seu empreendimento fundacional

e dos enigmas que este nos dá para refletir446.

Jacqueline Russ, por sua vez, diz que Jonas edifica uma ética a partir de

fundações novas, de uma responsabilidade distante e não utópica, segundo a qual

respondemos plenamente pelo ser da humanidade futura, examinando lucidamente o

poder das ciência e das técnicas modernas, e que a mil léguas das perigosas utopias, a

ética ontológica de Jonas responde aos problemas do nosso tempo447.

Jonas vê a ciência como meio e clama para que o homem não seja desrespeitado

na sua integridade por esse meio, eis que haveria degradação do patrimônio que o cerca

e sustém a sua existência448. Como meio (caráter instrumental) também entendeu

444 Ibid., p. 243. 445 Ibid., p. 244. 446 Ibid., loc. cit. 447 RUSS, op. cit, p. 105/106. 448 JONAS, 2006. p. 353.

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

133

Heidegger, em um dos seus pronunciamentos sobre a técnica, onde adverte quanto à

necessidade de aprender-se a lidar de modo adequado com ela:

É correto dizer: também a técnica moderna é um meio para fins. Por isso, todo

esforço para conduzir o homem a uma correta relação com a técnica é

determinado pela concepção instrumental da técnica. Tudo se reduz ao lidar de

modo adequado com a técnica enquanto meio. Pretende-se, como se diz, “ter

espiritualmente a técnica nas mãos”. Pretende-se dominá-la. O querer-dominar

se torna tão mais iminente quanto mais a técnica ameaça escapar do domínio

dos homens449.

Nesse diapasão, as palavras de Mário Sérgio Cunha Alencastro, que não obstante

tecer críticas semelhantes às já vistas, à ética jonasiana, realçam o fato de que foi a partir

da concepção de Jonas que se construiu o “princípio da precaução” e que, em outro

ângulo, a sua obra Técnica, medicina e ética tem sido fonte de discussões e reflexões

sobre a bioética.

É inegável que, no campo da ética aplicada, sua contribuição é inestimável.

A Heurística do Medo apresentada por Jonas deu origem ao amplamente aceito

“Princípio da Precaução”, da mesma forma que seu imperativo geral - que

prevê o cuidado com as gerações futuras, é a base filosófica do chamado

“Desenvolvimento Sustentável”.

No campo da ética aplicada, e seu livro Técnica, medicina e ética é prova

incontestável, pois Jonas abre caminhos para as mais diversas discussões no

campo da bioética, da medicina, (a eutanásia e a clonagem humana), dentre

outros. São considerações de forte caráter heurístico e que têm inspirado os

debates sobre esses assuntos tão polêmicos450.

Enfim, o que se depreende da leitura dos críticos da obra de Jonas é que a maioria

não se furta em reconhecer, mesmo quando entende problemática a fundamentação

ontológica e metafísica da sua ética da responsabilidade, que a obra dele desperta não

somente variadas e férteis discussões como também múltiplas reflexões e contribuições,

para além da filosofia, às mais diversas áreas do conhecimento nesta era tecnológica.

449 HEIDEGGER, v. 5, n. 3, p. 375-98, 2007. 450 ALENCASTRO, 2007. 153f.

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

134

5: SUCINTAS REFLEXÕES SOBRE O SIGNIFICADO DA “HEURÍSTICA DO

TEMOR” EM JONAS.

Por uma questão didática, a denominada “heurística do temor” de que Jonas

utilizou-se será analisado neste item, uma vez que a complexidade do tema demanda uma

incursão mais específica na concepção jonasiana acerca do temor como um meio para

suscitar responsabilidade.

Inicialmente convém transcrever um trecho de Jonas em que ele se reporta ao

medo451, à esperança e à responsabilidade, constante do capítulo VI, item III, “a” de O

Princípio Responsabilidade.

A esperança é uma condição de toda ação, pois ela supõe ser possível fazer

algo e diz que vale a pena fazê-lo em uma determinada situação. Para o homem

experimentado, e mesmo para o favorecido pela sorte, pode tratar-se de algo

mais do que esperança: da certeza daquele que confia em si mesmo. Mas, por

maior que seja a confiança em si, só se poderia ter a esperança de que os

deslocamentos daquilo que já se obteve será, no fluxo imprevisível das coisas,

aquilo que se desejou. Os homens experientes sabem que um dia podem desejar

não ter agido desta ou daquela forma. O medo de que falo não se refere a esse

tipo de incerteza, ou ele pode estar presente apenas como um efeito secundário.

Com efeito, é uma das condições da ação responsável não se deixar deter por

esse tipo de incerteza, assumindo-se, ao contrário, a responsabilidade pelo

desconhecido, dado o caráter incerto da esperança; isto é o que chamamos de

coragem para assumir a responsabilidade452. (Original sem negritos)

Outro esclarecimento importante antes do breve mergulho no tema é fornecido

por Wendell Evangelista Soares Lopes, no que diz respeito à utilização, por alguns, do

termo “heurística do medo” ao invés de “heurística do temor”. Para esse autor, o medo

está sempre relacionado a um objeto presente, real, ou seja, é um medo do atualmente

dado, ao passo que o temor é sempre temor do possível e, não obstante a importância,

essa distinção não recebeu a acolhida que merecia por parte dos tradutores nem pelos

comentadores de Jonas453. Soares Lopes ainda acrescenta que em Das Prinzip

Verantwortung (O princípio responsabilidade), o vocábulo Furcht (na tradução para o

inglês, o termo usado é fear) foi traduzido (para o francês e para o português, mão não

451 Mais adiante será comentado sobre traduções que redundaram na palavra “medo” em vez de “temor”,

esta última mais adequada à ética da responsabilidade de Jonas. 452 JONAS, 2006, p. 351. 453 LOPES, in: SANTOS, 2011, p. 134.

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

135

para espanhol) por ‘medo’ e não ‘temor’, o que se traduz em equívoco, por essa tradução

não comportar todo o sentido do que significa para Jonas454.

De fato, as traduções vernaculares da palavras alemã Furcht indicam, além de

medo, apreensão, preocupação, ansiedade, inquietude, receio; por conseguinte, das

palavras de Jonas, pode-se retirar a ilação de que o sentimento presente na ética por ele

apresentada diz melhor com preocupação e até mesmo angústia quanto à existência de

vida no futuro, em face dos excessos da era tecnológica.

Dessa visão também compartilha Jelson Roberto Oliveira, para quem um

primeiro ponto que deveria ser observado à tradução do conceito “Heuristik der Furcht”

por “heurística do medo”, é que a palavra medo tem “uma posição negativa na língua

portuguesa que não traduz bem o alemão Furcht, que seria melhor traduzido por temor,

que daria a ideia não de um medo passivo, mas de um receio fundado, de um medo

acompanhado de respeito frente à força do mal eminente”; que a referida palavra objeto

de tradução tem a ver “com escrúpulo e com zelo e menos com a perturbação mental

provocada por algo estranho e perigoso, como um sentimento desagradável frente ao

desconhecido” e que dito isso se pode afirmar que

[...] esse é um dos conceitos mais interessantes e, por isso mesmo, mais

polêmicos da obra jonasiana. Trata-se de uma opção ética pelo mau

prognóstico, de um antídoto contra a esperança sem sentido que pode afetar a

ação humana no mundo. Em vez das probabilidades otimistas e idealistas,

Jonas propõe utilizar o medo como forma de aprendizado e fazer da projeção

da possibilidade da previsão negativa como condição para alterar a atitude do

ser humano frente à natureza. Para o autor, é preciso utilizar as predições e os

presságios apontados pelos saberes científicos modernos como forma de

antecipação das condições desastrosas previstas caso o ser humano não altere

as suas ações, em sentido de fomentar a responsabilidade. Catástrofes e

calamidades serviriam, portanto, de mote para refletir e vislumbrar os desastres

futuros que podem levar à extinção da própria humanidade. Esse prognóstico

negativo não é um mero pessimismo ou um procedimento puramente

instrumental. Mas a heurística do temor não deve ser entendida como uma

palavra última da nova ética da responsabilidade proposta por Hans Jonas.

Aliás, muitas confusões apareceram entre os intérpretes justamente por causa

dessa má compreensão do conceito. A heurística, como hipótese adotada

provisoriamente na forma de uma diretriz moral da qual se aprende tendo em

vista a descoberta que se faz a partir dos eventos que despertam o temor, é um

passo considerado indispensável na reelaboração do agir moral455.

454 Ibid., loc. cit. 455 OLIVEIRA, disponível em:

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4035&secao=371.

Acesso: 21 abr. 2014.

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

136

O autor retrocitado complementa a explanação ponderando que se trata de um

despertar da consciência para o perigo advindo do uso perigoso do poder tecnológico,

posto que, sendo a ameaça ambiental geralmente é invisível ou, no mínimo, de difícil

acesso para o cidadão comum, a heurística não somente poderia contribuir para “desvelar

a real possibilidade de perigo como também serviria de convocação, o que confere ao

temos um tom antecipador, traduzido pela “primazia do mau prognóstico”, o qual

despertaria a responsabilidade nos humanos456.

Roberto Oliveira reconhece que a polêmica é evidente e propõe resumi-la em

duas perspectivas:

[...] uma primeira, que remete ao fato de que talvez seja problemático que uma

ética do porte proposto por Hans Jonas necessite se fundamentar numa objeção

adversária, ou seja, na representação de um perigo exterior pela via de um

sentimento que altere e mobilize o sentido ético dos sujeitos; e uma segunda,

que diz respeito ao fato de que, talvez, frente ao medo do absurdo fim

(extenuado em vista do benefício de uso heurístico do temor) a consequência

pode não ser a mudança das ações, mas justamente, pela gravidade do

prognóstico, o despertar de um sentimento contrário, do tipo “por que mudar a

minha atitude se tudo vai acabar mesmo”; ou ainda: ao exacerbar com

vivacidade o perigo, ele pareça tão exagerado que soe justamente como

impossível de acontecer realmente, porque tal perigo não tem nenhuma

semelhança com a experiência real de mundo das pessoas. Seria, então, essa

representação do medo algo inerte? Talvez, mas aqui incorremos no erro de

interpretar, mais uma vez, o conceito como fundamento último457.

Por fim, Oliveira sentencia que Jonas é claro quanto ao fato de a heurística do

temor ser um antídoto contra as profecias de salvação e não um pessimismo em relação

ao futuro458.

Com visão distinta, Hottois, embora não se utilize do termo “heurística do

medo”, assevera que Jonas radicaliza e absolutiza problemas reais, principalmente

ecológicos e bioéticos, e que essa absolutização cultiva um aspecto de apocalipse

iminente, uma atitude típica dos anos 70, alinhavando que uma postura mais esclarecida

consistiria em tentar resolver esses problemas de uma forma pragmática e relativa, sem

renunciar, absurdamente, a todas as aquisições oriundas da modernidade459.

456 Ibid. 457 Ibid. 458 Ibid. 459 HOTTOIS, op. cit., p. 636.

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

137

Do que este trabalho já mostrou da obra de Jonas, pode-se dizer que a atribuição

de radicalismo que Hottois dirige à ética jonasiana, ele mesmo exercita nas suas várias

afirmações estudadas neste item, incluindo as do parágrafo acima.

Outros críticos, no entanto, aprofundaram a análise do significado do temor a

que Jonas se referiu, à luz de uma visão sistêmica da obra, mesmo porque tal sentimento

é para Jonas um dos fundamentos para a sua ética da responsabilidade.

Flaviano Oliveira Fonseca afirma que para Jonas o temor e o respeito pelo ser

são as condições fundamentais para a formulação da ética da responsabilidade; que Jonas

nos induz a crer que, possivelmente, apenas o sentimento de medo teria a força

pedagógica capaz de reeducar a civilização técnica, daí surgindo a responsabilidade como

paradigma ético que representa a racionalidade prática, ou phronesis, tal como pensada

por Aristóteles460. Também pondera que a proposta de Jonas é de uma ética da

responsabilidade não utópica, de caráter prático-engajado e que o referido filósofo

acentua que ao princípio esperança não contrapõe o princípio do medo, mas sim o

princípio responsabilidade461. Flaviano Fonseca ainda esclarece:

Convém ressaltar que algumas expressões são patentes em O princípio

responsabilidade como indicadores de uma responsabilidade engajada, prática

e não utópica. São elas: heurística do medo, aqui heurística se desdobra como

capacidade de antecipação ao perigo, trata-se de uma lucidez da imaginação e

da sensibilidade dos sentidos: ‘responsabilidade ativa” (aqui diz respeito ao

que ‘pode acontecer ao vulnerável’, caso eu não assuma responsabilidade,

quando tiver poder suficiente para tal); o medo como primeira obrigação

preliminar de uma ética da responsabilidade histórica. [...].

“Medo, mas não covardia”; talvez mesmo angústia, mas não ansiedade;

nenhuma das duas (medo/angústia) em causa própria. Nesses termos, tais

expressões propiciam um coroamento para pensar uma ética prática, não

utópica e da responsabilidade. Esse é o núcleo fundante do novo paradigma da

nova ética que é prática, não utópica, atenta para preservar a integridade futura

do ser humano como hoje o concebemos, isto é, uma sabedoria prática em vista

da ação presente e futura que a humanidade ‘seja’462.

Fonseca lembra que Jonas evidencia não defender um medo paralisante de agir,

um medo egoísta que só receia por si, enfim, um medo patológico, a exemplo do tratado

por Hobbes, ou um medo proveniente da sociedade de sobrevivência psico-corporal, onde

impera o narcisismo antiprotetor; ao contrário, o que está em pauta é um medo que

implica responsabilização e ação do sujeito, sendo que o termo “heurística” evoca a noção

460 FONSECA, in: SANTOS, 2011, p. 250/251. 461 Ibid., p. 255. 462 Ibid., p. 256.

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

138

de descoberta, de poder, devendo ser traduzido também como atitude que se antecipa ao

perigo, em que se cuida de um agir proativo e de cuidado pelo ser vulnerável: eis o viés

hermenêutico que Jonas se apodera para a construção da sua teoria463.

Debruçando-se sobre o tema, Jovino Pizzi destaca que a heurística reverencia

um apelo prudencial consubstanciado no delineamento das teorias científicas no sentido

de estudar e examinar também os efeitos futuros das respectivas proposições,

acrescentando mais que

A heuristic of fear tenderia a desacomodar diante do aparente sonho

maravilhoso da tecnologia. No idioma espanhol, a tradução da palavra

encomiable refere-se a algo louvável, encarecido e elogiável. O temor exige

uma abertura a ele e, então, perceber os riscos da devastação. Diante da dúvida,

o aspecto prudencial recomenda dar atenção ao pior prognóstico e não ao

melhor: in dubio pro malo464 [...]. O fato de acentuar a moral laica denuncia

que a ciência e a técnica assumem, às vezes, as figuras de deuses salvadoras e

redentoras de qualquer vulnerabilidade, inclusive da morte. Atualmente, o agir

humano encontra-se, por assim dizer, coagido pelo sentimento de

responsabilidade frente ao futuro. No fundo, os prognósticos representam um

alerta diante dos perigos e dos riscos que a vida como tal se defronta465.

Anor Sganzerla reportando-se ao que chama de “heurística do medo”, diz que

Jonas utiliza-se da mesma para fazer frente ao poder de evolução evocado pela técnica,

ou seja, trata-se de uma distorção hipotética da condição futura do Ser optando pela

primazia do mau prognóstico, uma vez que “é necessário dar mais profecia da desgraça

do que da salvação”; defende que, ao refletir sobre as ameaças e vislumbrando o mal,

podemos escolher a melhor ação para o presente466. O medo aqui, esclarece Sganzerla,

tem sentido de aprendizado, pois antecipa as condições desastrosas, e a nova ética, que

tem como princípio a responsabilidade, não busca seus fundamentos em um modelo

apenas racional, mas em um sentimento capaz de mover a vontade que preencherá o vazio

entre o desejo racional e as motivações concretas de cada ser humano enquanto agente

ético467.

Das reflexões do autor supra também se retira o que já foi defendido no capítulo

II desta Dissertação: a indispensabilidade da ação política e jurídica formalizarem

princípios éticos, a fim de que determinadas ações e abstenções individuais e coletivas

463 Ibid., p. 257. 464 Ou seja, na dúvida, deve-se pensar que o mal pode acontecer. 465 PIZZY, in: SANTOS, 2011, p. 108. 466 SGANZERLA, in: SANTOS, 2011, p. 126. 467 SGANZERLA, op. cit., p. 126.

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

139

(especialmente) sejam impostas sempre que não verificada a espontaneidade para tais

desideratos.

A responsabilidade coletiva com seus novos métodos e a responsabilidade do

poder público frente as suas decisões políticas devem ser maiores do que a

responsabilidade pessoal, pois, se existem novas formas de poder, essas

exigem novas normas éticas, não no sentido de regular a vida pessoal, mas a

vida coletiva e seu poder. Dessa forma, a exigência por obrigações,

mandamentos e proibições deve se voltar mais à esfera pública do que à

privada. A ética da intenção continua a valer nas relações humanas próximas

recíprocas, porém fica ofuscada pelo crescente agir coletivo: “As antigas

prescrições da ética ‘do próximo’, as prescrições da justiça, da misericórdia,

da honradez etc. ainda são válidas, em sua imediaticidade íntima, para a esfera

mais próxima, quotidiana, da interação humana” [...]. Na maioria das vezes, a

pergunta que devemos fazer não é “como devo guiar a minha vida de modo

decente”, mas “o que podemos nós humanos fazer com a humanidade e com o

futuro humano”468.

De fato, das palavras de Hans Jonas não se extrai o terror e a desesperança que

paralisam a coragem e o poder de agir indispensável para um sim ao Ser e um não enfático

ao não-Ser. Ele é enérgico em proclamar que o medo469 que faz parte da

responsabilidade não é aquele que nos aconselha a não agir, mas aquele que nos

convida a agir”470 e que se trata de um medo que tem a ver com o objeto da

responsabilidade e este objeto é vulnerável471, afirmando ser possível temer que algo

aconteça com o referido objeto, concebendo-se a responsabilidade no cuidado

reconhecido como obrigação relativamente a um outro ser, o qual se torna “preocupação”

quando existe ameaça a sua vulnerabilidade; assim “o medo está presente na questão

original, com a qual podemos imaginar que se inicie qualquer responsabilidade ativa”,

sendo o caso de se autoindagar o que pode acontecer a ele, se cada um não assumir a

responsabilidade por ele: tanto mais obscura a resposta, maior se afigura a

responsabilidade e quanto mais no futuro distante situa-se o objeto do temor, quanto mais

afastado do nosso bem-estar ou mal-estar, quanto menos conhecido for o seu gênero, mais

necessitam ser cuidadosamente impulsionadas a lucidez da imaginação e a sensibilidade

dos sentidos; assim, torna-se necessária uma heurística do medo472 que não somente

descubra e represente o novo objeto como tal, mas que também investigue e que tome

468 Ibid., p. 127. 469 Na obra traduzida utilizada usa-se o vocábulo medo, mas, na esteira do que já foi explicado sobre a

tradução, a opção mais utilizada pelos especialistas em Jonas, visitados neste trabalho é a utilização da

palavra temor. 470 Original sem negrito. 471 JONAS, 2006. p. 351. 472 Por alguns autores dito que temor seria o termo mais apropriado ao pensamento de Jonas.

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

140

ciência do interesse moral particular, ao ser interpelado pelo objeto, algo que jamais teria

acontecido antes473.

Consoante se depreende das exortações acima, Jonas se preocupa com o futuro

cuja imprevisão de condições garantidoras para a permanência de “vida humana

autêntica” na Terra deve levar a uma escolha pela responsabilidade fomentadora de ações

que se traduzam no sim ao Ser. Ele tem plena consciência da dificuldade de tal projeto

ético, que considera não utópico e nada fácil. Enfim, para Hans Jonas, embora o temor

seja necessário na sua teoria, ele deve estar sempre acompanhado da esperança; com isso,

carecem de melhor sustentação argumentativa as interpretações no sentido de que a

“heurística do temor” em Jonas plantaria o desespero. E essa leitura pode ser constatada

no texto abaixo, com o qual se encerra o último capítulo desta Dissertação.

A teoria da ética precisa tanto de representação do mal quanto da representação

do bem, e mais ainda quando este último se tornou tão borrado ao nosso olhar,

necessitando ser ameaçado pela antevisão de novos males, para ganhar alguma

nitidez. Nessa situação, que me parece aquela que estamos vivendo, o esforço

consciente para assumir um medo desinteressado, no qual junto com o mal

apareça o bem a ser definido, junto com o infortúnio apareça a salvação

preliminar histórica. Jamais deveríamos confiar o nosso destino àquele que

considere que essa fonte da responsabilidade, “o medo e o tremor” –

naturalmente, jamais a sua fonte única, apesar de muitas vezes ela predominar,

com razão, sobre as demais –, não seja suficientemente digna do status do

homem. Dessa parte, não teremos a acusação de pusilanimidade ou

negatividade, ao declararmos tal tipo de medo como uma obrigação, que

naturalmente deve estar sempre acompanhado da esperança (de evitar o

mal). Medo, mas não covardia, talvez mesmo angústia, mas não ansiedade

[...]474. (Original sem negrito).

473 Ibid., p. 352. 474 JONAS, 2006. p. 352/353.

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

141

IV. CONCLUSÃO.

Ao longo deste trabalho procurou-se mostrar a relevância de uma tal

responsabilidade ambiental que possibilite a existência de vida (especialmente “autêntica

vida humana”) no futuro distante, apontando-se a urgente necessidade de ampliação da

ética clássica. Destacou-se a perplexidade frente aos desafios dos excessos da era

tecnológica, cujas promessas são múltiplas, embora muitas das consequências não sejam

conhecidas, observando-se que o avanço científico e a multiplicidade de meios para

aquisição de conhecimento ainda não redundaram numa racionalidade, se não suficiente,

pelo menos estimulante para a tessitura de uma responsabilidade ambiental exigida no

presente, mas com efeitos voltados para o futuro, para além da reciprocidade da

convivência simultânea que se aprendeu com a ética clássica. Todas as discussões aqui

entabuladas emergiram principalmente do conteúdo do livro O Princípio

Responsabilidade de Hans Jonas, e foram ampliadas com as várias leituras de

comentadores e críticos desse filósofo alemão que percebeu, na imprevisão do futuro

consequente do excesso tecnológico, a necessidade de um novo imperativo que se traduza

em um sim ao Ser e em um não enfático ao não-Ser.

De base ontológica e metafísica, defendeu-se, até mesmo usando afirmativas de

Jonas, que a ética voltada para o futuro por ele apresentada clama por um diálogo entre a

Filosofia e outras áreas do conhecimento, tal como exposto em seu O Princípio

Responsabilidade, segundo se pode conferir no capítulo I desta Dissertação. E do amplo

diálogo proposto por Jonas, cuidou-se de analisar mais especificamente a sua nova

proposta ética no contexto de um conciliábulo entre a Filosofia, a Biologia e o Direito,

como reforço na busca da concretização de uma ética do cuidado, da preservação, que

deve se expressar em ações orientadas para um sim à vida atual e futura.

No capítulo I mostrou-se, ainda que sinteticamente, o quanto a existência

humana está inelutavelmente ligada à de outros seres, na teia complexa da vida, por força

das diversas interações e da interdependência, daí porque a proposta da ética de

preservação da natureza em Jonas tem um forte conteúdo biológico, viés aliás presente

em outra obra anterior deste autor, Princípio vida, onde cuidou de uma “biologia

filosófica”.

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

142

Pelo fato de vidas interagirem com outras vidas, demandando uma ética do

cuidado em face dos efeitos, bastas vezes imprevisíveis, da má ou irresponsável utilização

da técnica, a relevância do diálogo entre a Filosofia e a Biologia foi o tópico discorrido

no primeiro capítulo, porque o conhecimento pode ser um substancioso agente de

transformação: tendo-se ao menos uma noção da “árvore da vida” e suas relações intra e

interespecíficas, não se poderá alegar ignorância quanto ao que deve ser objeto de cautela.

Nesse aspecto, se aperfeiçoadas as grades curriculares dos ensinos fundamental e médio,

as quais já são contempladas com a disciplina Filosofia, quanto ao ensino da Ecologia,

poderiam ser de grande contribuição. É que essa última disciplina está inserida no

programa do terceiro ano do ensino médio, juntamente com diversas outras, embora os

graves e crescentes problemas ambientais das últimas décadas exigem que a Ecologia seja

lecionada como disciplina autônoma, preferencialmente desde o ensino fundamental.

Relevante seria também que essa nova disciplina e a Filosofia possam ter pautas

complementares que versem sobre responsabilidade ambiental, eis que gerações estão

sendo formadas sem esse saber hoje tão necessário para uma mudança de referencial

quanto a nossa inserção como habitante do Planeta Terra, tal como se viu nas reflexões

de Edgar Morin no capítulo inaugural desta pesquisa. Nessa quadra, há de ser lembrado

que a Lei Complementar n. 140, de 08.12.2011, vista no capítulo II desta dissertação,

prevê, nos artigos 7º, XI, 8º, XI e 9º, XI, como ações administrativas a cargo,

respectivamente da União, dos Estados e dos Municípios, promover e orientar a educação

ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do

meio ambiente.

E por que uma mudança no agir requer tempo para se tronar norma de conduta

ao menos de uma parte considerável das pessoas naturais e jurídicas, posto que a

complexidade humana afasta a possibilidade de unanimidade de propósitos, mesmo numa

área que diz com a própria existência de vida no futuro, o Direito, como ciência

reguladora da vida humana através de leis em sentido amplo, mediante as quais

formalizam-se muitos princípios éticos, é indispensável, tal como defende Ricoeur, entre

outros filósofos visitados no capítulo II e no início do capítulo III deste estudo. Aqui há

de ser observado que a dimensão coletiva proeminente da ética da responsabilidade de

Jonas tem na ciência jurídica uma aliada, diante da necessidade de que as Instituições

políticas, administrativas e jurídicas, respectivamente, promovam leis, executem ações e

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

143

imponham obrigações e penalidades àqueles que agirem em desacordo com a urgência

do clamor da vida pela sua continuação.

Ainda na seara jurídica, o Conselho Nacional de Justiça, juntamente com as

Escolas das Magistraturas Federal e Estadual, assim como demais escolas de entidades

que exercem funções essenciais à justiça, podem investir, respectivamente, na

capacitação de Juízes, Procuradores da República, Promotores de Justiça, Procuradores

Federais e Estaduais, Defensores Públicos etc, através de cursos e seminários que

atendam à crescente demanda ambiental distribuídas nos fóruns brasileiros. A capacitação

dos profissionais do Direito, para além do aspecto legal, incluindo noções de ecologia e

de ecoética pode redundar em atuações mais consistentes nessa área tão sensível à vida e

ao bem-estar da humanidade e dos demais seres vivos.

Especificamente quanto à atividade judicial, há de se destacar que durante a XVI

Cúpula Judicial Ibero-americana, realizada em Buenos Aires, de 25 a 27 de abril de 2012,

foi aprovada a proposta do Brasil referente à “atuação dos juízes e poderes judiciários

ibero-americanos relativamente à informação, à participação e ao acesso à justiça em

matéria de meio ambiente”, com 61 (sessenta e um) artigos, ao longo dos quais se discorre

sobre “informação e transparência em matéria de meio ambiente”, “participação pública

em matéria de meio ambiente”, “acesso à justiça em matéria de meio ambiente”.

No que diz respeito ao aspecto jurídico, há uma questão que se pode aprofundar

futuramente: a demanda pelo estreitamento da relação entre Direito e ética, inclusive

através da apropriação, pelo primeiro, de fundamentos da segunda no enfretamento da

crise ecológica que se desenha há algumas décadas e que se alastra em velocidade

diretamente proporcional ao avanço tecnológico, tem-se evidenciado também em outras

áreas da bioética. E se parte da esperança é confiada ao Direito, pelo fato de prescrever

condutas e sanções que visam a garanti-las, por outro lado, se a comunidade não se deixar

convencer e guiar pelas prescrições normativas, mediante um processo reflexivo que

incorpore a relevância do que a norma defende, o que se poderá ter é o que menos a norma

legal visa: a sanção pelo descumprimento, ao invés da ação voltada para a conservação.

À ponderação acima ainda se pode acrescentar a preocupação de muitos juristas

e operadores do Direito de se não descurar da axiologia jurídica nesse processo de

instrumentalização do Direito em face das várias áreas de conhecimento que têm sido

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

144

chamadas para contribuir com as propostas de solução ou mesmo minimização da grave

crise ambiental.

Por fim, há de se ponderar que embora criticado por alguns por ter fundamentado

a sua ética na ontologia, na metafísica e na “heurística do temor”, Jonas traz um sopro de

novidade ao partir do imperativo categórico de Kant para declarar fortemente que as

nossas ações de agora devem levar em conta a existência futura e que devemos

desenvolver a ética do cuidado, da preservação, à base do temor não desesperado, mas

sim responsável, sem utopia, mas com esperança de que, se por um lado as ações humanas

são potencialmente capazes de inviabilizar a vida, elas também, na esteira do que propõe

a ética voltada para o futuro, que analisa os avanços tecnológicos, levando em

consideração as suas prováveis consequências, à luz de dados científicos atuais e da

intervenção do homem na natureza, podem ser determinantes para garantir o Ser num

devir longínquo, através de um contundente sim no presente.

A tarefa a ser desenvolvida é imensa, Jonas reconhece, e talvez jamais se

complete, mas é na sua busca que valores e ações serão consolidadas cotidianamente, e

isso pode significar a nossa existência no futuro, compartilhando com os demais seres o

fato da vida que carregamos em nós e, com os homens, além disso, a humanidade que nos

é cogente em sua complexidade, em seus desafios, em suas imperfeições, mas também

em sua beleza e altruísmo.

Portanto, quando Hans Jonas fala que nem a esperança nem o temor jamais

devem adiar a prosperidade do homem na sua humanidade íntegra nem arruinar tal

objetivo através dos meios (tal como também vimos nas palavras de Heidegger) e defende

que os meios que não respeitam os homens do seu próprio tempo degradariam o seu

patrimônio e esse, degradado, degradaria inclusive os respectivos herdeiros, está

justificando a responsabilidade perene de cada um, sem solução de continuidade, como

maior garantia de continuidade da integridade futura da imagem e semelhança, e que tal

integridade não é nada mais do que seu apelo à humildade475.

475 Ibid., p. 353.

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

145

Guardar intacto tal patrimônio contra os perigos do tempo e contra a própria ação

humana, conclui Jonas, não é um fim utópico, mas tampouco um fim tão humilde: trata-

se de assumir responsabilidade pelo futuro do homem476.

Indispensável, portanto, nesta odisseia pós-moderna, à luz da obra de Jonas, que

os saberes, mediante a interdisciplinaridade, levem à compreensão de que o progresso

tecnológico deve se traduzir em facilitação, preservação e melhoramento da vida e não

em inviabilizar a existência dos outros do futuro.

476 Ibid., loc. cit.

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

146

V. REFERÊNCIAS

ALENCASTRO, Mario Sérgio Cunha. A ética de Hans Jonas: alcances e limites sob

uma perspectiva pluralista. Paraná: 2007. 153 f. Tese (Doutorado em meio ambiente e

desenvolvimento). Universidade Federal do Paraná, Paraná.

AMABIS, José Mariano; MATHO, Gilberto Rodrigues. Biologia das Populações. São

Paulo: Editora Moderna, 1990.

APEL, Karl-Otto. Ética e responsabilidade – o problema para a passagem para a

moral pós-convencional. Tradução: Jorge Telles Menezes. Lisboa/Portugal,

Instituto Piaget, 2007.

APEL, Karl-Otto. Estudos de moral moderna. Tradução de Benno Dischinger.

Petrópolis/RJ: Vozes, 1994, p. 171.

ARAGÃO, Alexandra. O Direito Constitucional do ambiente na União Europeia. In:

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs). Direito

ambiental brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 11. ed. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2010.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 3 ed. Bauru/SP: Edipro, 2009.

BACON, Francis. Novum Organum, “Prefácio”.

________. O progresso do conhecimento. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: UNESP,

2007.

BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Fundamentos da Bioética (orgs). São Paulo:

Paulus, 1996.

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

147

BASSALO, José Maria Filardo; FARIAS, Robson Fernandes de; FERREIRA, José

Edison. Ética e atividade científica. Campinas/SP: Editora Átomo, 2006.

BECKER, Evaldo. Natureza X Sociedade: percursos e percalços de nossa trajetória

científico-civilizacional. In: SANTOS, Antônio Carlos dos; BACKER, Evaldo

(orgs). Entre o homem e a natureza: abordagens teórico-metodológicas. Porto

Alegre: Redes, 2012.

BEGON, Michael, TOWNSEND, Clin R, HARPER, John. Ecologia: de indivíduos a

ecossistemas. 4. ed. Tradução de Adriano Sanches Melo et al. Porto Alegre:

Artmed, 2007.

BECKERT, Cristina. Ética. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2012.

BENJAMIN, Antônio Herman. Direito constitucional ambiental brasileiro. In:

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs). Direito

ambiental brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português na

União Europeia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens

Morato (orgs). Direito ambiental brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CARDOSO, Lenín; MÁRQUEZ-FERNANDEZ, Álvaro. Crítica a la razón productiva

de la modernidade y discurso filosófico ambientalista postmoderno.

Maracaibo/Venezuela: Universidad Católica Cecilio Acosta, 2003.

CARVALHO, Helder Bueno Aires de. Responsabilidade como princípio e virtude: uma

reflexão sobre o desafio ético da técnica contemporânea a partir das teorias morais

de Hans Jonas e Alasdair Macintyre. In: SANTOS, Robinson dos. Ética para a

civilização tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos

Santos, Jelson Oliveria, Lourenço Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário

São Camilo, 2011.

CAVAILLÈS, Jean. Filosofia das ciências. Tradução de Abner Chiquieri. Rio de Janeiro:

Forense, 2012.

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

148

CERQUEIRA, Nelson; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (coords.). Metodologia da

pesquisa em Direito e a Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2001.

CHEDIAK, Karla. Filosofia da biologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

CURTIS, Helena. Biologia. Tradução: Henri Sauia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,

2009, p. 321.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São

Paulo, Martins Fontes, 1999.

FERREIRA, Heline Sivini. Competências ambientais. In: SANTOS, Robinson dos. Ética

para a civilização tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. Coordenadores

Robinson dos Santos, Jelson Oliveria, Lourenço Zancanaro. 1. ed. São Paulo: Centro

Universitário São Camilo, 2011.

FOLSCHEID, Dominique; Wunenburger, Jean-Jacques. Metodologia filosófica.

Tradução de Paulo Neves. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

FONSECA. Flaviano Oliveira. Hans Jonas: a tecnologia na senda da responsabilidade

ética. In: SANTOS, Robinson dos. Ética para a civilização tecnológica: em diálogo

com Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos Santos, Jelson Oliveria, Lourenço

Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011.

FONSECA, Lilian Simone Godoy. Hans Jonas e a crítica à utopia. In: SANTOS,

Robinson dos. Ética para a civilização tecnológica: em diálogo com Hans Jonas.

Coordenadores Robinson dos Santos, Jelson Oliveria, Lourenço Zancanaro. 1. Ed.

São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011.

FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio

de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

FUTUYMA, Douglas J. Biologia Evolutiva. Tradução: Iulo Feliciano Afonso; revisão e

adaptação: Francisco A. Moura Duarte. Ribeirão Preto: FUNPEC Editora, 2009.

GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da

responsabilidade. São Paulo: RT, 2004.

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

149

GARCIA, Maria da Glória F. P. D. O lugar do Direito na proteção ambiental. Coimbra:

Almedina, 2007.

GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Hans Jonas: o Princípio Responsabilidade – ensaio de uma

ética para a civilização tecnológica. In: OLIVEIRA, Manfredo A. de (org).

Correntes Fundamentais da Ética contemporânea. Petrópolis/RJ: 2000.

GREISCH, Jean. L’amour du monde et Le principe responsabilité. In: VACquin, M

(Dir.). La responsabilité: La condition de notre humanité. Paris: Éditions

autrement,1994.

HABERMAS, Jürgen. A ética da discussão e a questão da verdade. Tradução: Marcelo

Brandão Cipolla. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

_________. Técnica e ciência como ideologia. Tradução: Artur Morão. Lisboa:

Biblioteca de Filosofia Contemporânea, 2011.

HECK, José N. Bioética: autopreservação, enigmas e responsabilidade.

Florianópolis/SC: Ed. Da UFSC, 2011.

________. O Princípio Responsabilidade e a teleologia objetiva dos valores. In:

SANTOS, Robinson dos. Ética para a civilização tecnológica: em diálogo com

Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos Santos, Jelson Oliveria, Lourenço

Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011.

HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. Scientiæ zudia, São Paulo, v. 5, n. 3, p.

375-98, 2007.

________. Ser e tempo. Tradução revisada de Márcia Sá Cavalcante Scuback. 6. ed.

Petrópolis/RJ: Vozes, 2012.

HOTTOIS, Gilbert. Do renascimento à pós-modernidade: uma história da filosofia

moderna e contemporânea. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2008.

HOTTOIS, Gilbert; MISSA, Jean-Noël. Nova enciclopédia da bioética. Tradução de

Maria Carvalho. Lisboa/Portugal: Instituto Peaget, 2001.

JAPIASSU, Hilton. Francis Bacon – o profeta da ciência moderna. São Paulo: Letras

& Letras, 1995.

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

150

JONAS, Hans. Técnica, medicina e ética – sobre a prática do princípio

responsabilidade. Tradução: Grupo de Trabalho Hans Jonas da ANPOF

(Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia). São Paulo: Paulus, 2013.

________. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização

tecnológica. Tradução: Marijane Lisboa, Luiz Barros Mont. Rio de Janeiro:

Contraponto: Puc-Rio, 2006.

________. O princípio vida: fundamentos para uma biologia filosófica. Tradução:

Carlos Almeida Pereira. Petrópolis/RJ: Vozes, 2004.

________. The phenomenon of life: toward a philosophical biology. New York/USA:

Northwestern University Press, 2001.

________. The imperative of responsibility: in search of na ethics for the

technological age. Translated by Hans Jonas with tehe collaboration of David Herr.

Chicago/USA: The University of Chicago, 1984.

LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade,

poder. Tradução: Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

LINHARES, Sérgio, GEWANDSZNAJDER, Fernando. Biologia Hoje, V. 2. São Paulo:

Ática.

________. Biologia Hoje, V. 3, 11. ed. São Paulo: Ática, 2006.

LIPTON, Bruce. A biologia da crença. Tradução: Ima Vick. 1. ed. São Paulo, Butterfly,

2007.

LOPES, Wendell Evangelista Soares. Sobre a fundamentação da ética: o sentimento de

responsabilidade em Hans Jonas. In: SANTOS, Robinson dos. Ética para a

civilização tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos

Santos, Jelson Oliveira, Lourenço Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário

São Camilo, 2011.

MACHADO. Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 20. ed. São Paulo:

2012.

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

151

MACINTYRE, Alasdair. Dependent rational animals: why human beings need the

virtue. Illinois/USA, 1999.

MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de bioética e biodireito. São

Paulo: Atlas, 2010.

MARTINS PEREIRA, Lilian Al-Chueyr et al. (org). Filosofia e história da biologia.

FREZZATI JR, Wilson Antônio. A relação entre filosofia e biologia na Alemanha

do século XIX: uma interpretação nietzschiana da seleção natural de Darwin a

partir das teorias neolamarckistas alemãs. São Paulo: Fundo Mackenzie de

Pesquisa, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública,

mandado de injunção, habeas data. Atualizada por Arnoldo Wald. 18 ed. São

Paulo: Malheiros, 1997.

MENDONÇA, Samuel. Projeto e monografia jurídica. 4. ed. Campinas/SP: Millenium

Editora, 2009.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

MORIN, Edgar. Ética, cultura e educação. Alfredo Pena-Veiga, Cleide R.S. Almeida,

Izabel Petraglia (orgs); 2ª edição. São Paulo: Cortez, 2003.

________. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice

Sampaio Dória. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertran Brasil, 2010.

MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. Tradução

Jefferson Luiz Camargo. Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins

Fontes, 2006.

NALINI, José Renato. Ética ambiental. 3. ed. Campinas/SP: Millenium Editora, 2010.

NIETZSCHE, Friederich. La gaya ciência. Tradução de Charo Graco e Ger Groot.

Madrid/Espanha: Editiones Akal, 1988.

NOAL, Fernando Oliveira. Complexidade e responsabilidade – ciência, ética, ecologia e

futuro na perspectiva de Hans Jonas. In BAGGIO, André e BARCELOS, Valdo

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

152

(Org.). Educação ambiental e complexidade: entre pensamentos e ações. Santa

Cruz do Sul: EDUNISC, 2008.

OLIVEIRA, Joelson. A ‘transanimalidade’ do homem: uma premissa do Princípio

Responsabilidade. In: SANTOS, Robinson dos. Ética para a civilização

tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos Santos,

Jelson Oliveria, Lourenço Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário São

Camilo, 2011.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética, Direito e Democracia. São Paulo: Paulus,

2010.

PELIZZOLI, Marcelo L. Correntes da ética ambiental. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.

PELIZZOLI, Marcelo; MIRANDA Erliane. Cuidado de si e ética da responsabilidade em

tempos tecnológicos: reflexões éticas a partir de Foucault e Jonas. In: SANTOS,

Robinson dos. Ética para a civilização tecnológica: em diálogo com Hans Jonas.

Coordenadores Robinson dos Santos, Jelson Oliveria, Lourenço Zancanaro. 1. Ed.

São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011.

PIZZI, Jovino. Jonas e o enaltecimento da heurística: a responsabilidade frente ao futuro

ameaçado. In: SANTOS, Robinson dos (org). Ética para a civilização tecnológica:

em diálogo com Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos Santos, Jelson Oliveria,

Lourenço Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011.

RAVEN, Peter H.; EVERT, Ray, F.; EICHOHORN, Susan E. Biologia Vegetal.

Coordenação de tradução Jane Elizabeth Kraus; revisão técnica Jane Elizabeth

Kraus, Neuza Maria de Castro. Tradução Ana Cláudia de Macêdo Vieira et. al. Rio

de janeiro: Guanabara Koogan, 2007.

REIS, Alessandra de Medeiros Nogueira. Responsabilidade internacional do Estado

por dano ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

RICOEUR, Paul. Ética e moral. Tradução de António Campelo Amaral. Covilhã:

Lusosofia, 2011.

________. Leituras 2: A região dos filósofos. Tradução de Marcelo Perine e Nicolás

Nymi Campanário. São Paulo: Loyola, 1996.

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

153

RUPERT, Edward E.; FOX, Richard S.; BARNES, Robert D. Zoologia dos

Invertebrados: uma abordagem funcional-evolutiva. Revisão científica Antônio

Carlos Marques, coordenador e revisor da tradução, 7ª edição. Rio de Janeiro: Editora

Roca, 2005.

RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. 4. ed. Tradução: Constança

Marcondes Cesar. São Paulo: Paulus, 2006.

SALLES, Alvaro Angelo (org). Bioética: a ética da vida sob múltiplos olhares. Rio de

Janeiro: Interciência, 2009.

SARTRE, Jean-Pau. O existencialismo é um humanismo. Tradução de João Batista

Kreuch. Petrópoilis/RJ: Vozes, 2012.

SANTOS, Robinson. O problema da técnica e a crítica à tradição na ética de Hans Jonas.

Bioethikos Revista, São Camilo/RS, Centro Universitário São Camilo -

2011;5(2):130-140.

_______. O problema da técnica e a crítica à tradição na ética de Hans Jonas. In:

SANTOS, Robinson dos. Ética para a civilização tecnológica: em diálogo com

Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos Santos, Jelson Oliveira, Lourenço

Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011.

________. Ética da responsabilidade e ética do discurso: as propostas de Hans Jonas

e Karl-Otto Apel. Dissertatio, UFPel [32, 2010] 139 – 155 verão 2010.

SCHIO, Sônia Maria. A ética da responsabilidade em Arendt e Jonas. In: SANTOS,

Robinson dos. Ética para a civilização tecnológica: em diálogo com Hans Jonas.

Coordenadores Robinson dos Santos, Jelson Oliveria, Lourenço Zancanaro. 1. ed.

São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011.

SGANZERLA, Anor. O sujeito ético em Hans Jonas: os fundamentos de uma ética para

a civilização tecnológica. In: SANTOS, Robinson dos. Ética para a civilização

tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. Coordenadores Robinson dos Santos,

Jelson Oliveria, Lourenço Zancanaro. 1. Ed. São Paulo: Centro Universitário São

Camilo, 2011.

SILVA. José Afonso da. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional

Positivo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

154

VAN DE GRAAFF, Kent Marshall. Anatomia humana. Tradução da 6. Ed. Original e

revisão científica: Nader Wafael. Barueri, SP: Monle, 2013.

VERGNÈRES, Solange. Ética e política em Aristóteles. Tradução: Constança

Marcondes Cesar. São Paulo: Paulus, 1998.

VIRCHOW, Rudolf. Bacon e os (novos) limites do conhecimento científico. In:

Cátedra, 2012, A Filosofia moderna e o problema do conhecimento, p. 9-40.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.

Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

Acesso: 20 fev. 2013.

BRASIL. Lei complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos

dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal,

para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações

administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das

paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em

qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei

no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

Acesso: 26 fev. 2013.

BRASIL. Lei complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos

dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal,

para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações

administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das

paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em

qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei

no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

Acesso: 26 abr. 2013.

BRASIL. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

Acesso: 01 mai. 2013.

CESAR, Constança Marcondes. A questão da técnica em Gadamer, 2003. Disponível em:

<http://pidcc.com.br/br/component/content/article/2-uncategorised/63-a-questão-da-

tecnica-em-gadamer>. Acesso: 25 de jun. 2013.

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

155

GODOY, Lilian. A reformulação do imperativo categórico e a reabilitação da

natureza. Revista on line do Instituto Humanitas Unisinos. Entrevista concedida a

Márcia Junges. Disponível em:

<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4

037&secao=371&limitstart=1>. Acesso em 25 set. 2013.

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Características do Direito Ambiental nos

EUA. Disponível em: <http://www.ipebj.com.br/artigo/caracteristicas-do-direito-

ambiental-nos-eua>. Acesso em: 28 jun. 2013.

Imagem representativa de uma cadeia alimentar disponível em:

<http://www.mundoeducacao.com.br/upload/conteudo/images/cadeia-alimentar.jpg>.

Acesso: 23 de fev. 2013.

Imagem representativa de um teia alimentar disponível em:

<http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2010/05/cadeia-alimentar1.jpg>.

Acesso: 24 de fev. 2013.

LANA, Carlos Roberto de. A contribuição de Aristóteles à ciência. Disponível em:

<http://educacao.uol.com.br/ciencias/historia-da-ciencia-1-a-contribuicao-de-aristoteles-

a-ciencia.jhtm>. Acesso: 14 jul. 2012.

MAGALHÃES JÚNIOR, W. A. Distribuição espacial e composição de equinodermos

em uma pradaria marinha, enseada Mutá, Coroa Vermelha, Bahia. Sociedade de ecologia

brasileira, X Congresso de Ecologia do Brasil, de 16 a 22 de setembro de 2011, São

Loureço, Minas Gerais. Disponível em <http://www.seb-

ecologia.org.br/xceb/resumos/866.pdf>. Acesso: 09 de mar. 2013.

MORIN, Edgar. Os sete saberes da educação para o século XXI. Disponível em:

<http://www2.ufpa.br/ensinofts/artigo3/setesaberes.pdf>. Acesso: 07 jun. 2012.

OLIVEIRA, Rafael Santos de. As assimetrias na normatização ambiental no

MERCOSUL: É possível uma harmonização legislativa entre os seus estados-

membros? Disponível em <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8161>.

Acesso: 24 jun. 2013.

OLIVEIRA, Jelson Roberto. A heurística do temor e o despertar da responsabilidade.

Disponível em:

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=40

35&secao=371. Acesso: 21 abr. 2014.

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE MESTRADO EM FILOSOFIA · no planeta”, tornou-se ... O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1998, advindo de um acordo de Chefes de Estado, ... 2 Em

156

PACHECO, Ivone. Os sete saberes necessários à educação no futuro. Disponível em:

http://www.ufrgs.br/tramse/educ/2005/04/os-sete-saberes-necessrios-educao-do.htm.

Acesso: 19 jan. 2012.

SANTOS, Roberto A. O. Ética ambiental e funções do Direito Ambiental. Disponível

em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30237-30984-1-PB.pdf.

Acesso: 02 mar. 2014.

SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Considerações sobre a ética do discurso. Disponível

em: <http://www.slideshare.net/ClovisdeLima/reflexes-sobre-a-tica-do-discurso>.

Acesso em: 09 dez. 2013.