universidade federal de santa catarina · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do...

282
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Centro de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas Marise Borba da Silva NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos éticos do homo viator e a visão de natureza Tese de Doutorado FLORIANÓPOLIS 2008

Upload: dinhhanh

Post on 30-Nov-2018

234 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas

Marise Borba da Silva

NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos

éticos do homo viator e a visão de natureza

Tese de Doutorado

FLORIANÓPOLIS

2008

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

1

Marise Borba da Silva

NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos

éticos do homo viator e a visão de natureza

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Ciências Humanas - Área de Concentração Condição Humana na Modernidade da Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientador: Selvino J. Assmann Co-orientador: Hector Ricardo Léis

FLORIANÓPOLIS 2008

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

2

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meu pai (in memoriam), que já não é mais

um ser entre as coisas que as nossas escalas explicam. Deve

estar na dimensão do quase nada pulverizado em quase tudo.

Ele gostava de Astronomia e de Mitologia, acompanhava a

evolução tecnológica, como um sequioso Prometeu. Alguns o

chamavam de “Professor Pardal” por sua criatividade e

inventividade. Do “mundo da vida” vinham suas idéias que

viravam engenhocas, algumas delas, como suas forminhas de

chumbo para fazer pirulitos; outras, como os aparelhos

odontológicos que inventou, foram aperfeiçoadas e requeriam a

eletricidade para funcionar.

Aqui e agora, estaria muito orgulhoso de minha conquista!

Estaria vibrando em macro, micro e nano entusiasmo!!!

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

3

AGRADECIMENTOS

Ao professor Hector Ricardo Leis, que tão prontamente aceitou orientar-me, muito

atencioso e demonstrando interesse pelo assunto desta tese. Sempre me concedeu muita

solicitude quando dele precisei, e agradeço seu empenho em abrir-me caminho para os

primeiros passos na produção escrita. Devo-lhe meu ingresso neste maravilhoso Doutorado.

Ao meu querido orientador, professor Selvino José Assmann, pela extrema

generosidade pessoal e intelectual com que aceitou dar continuidade à minha orientação. Foi

mais que orientador, um professor e amigo que, em termos de categoria taxonômica, eu o

denominaria carinhosamente de “homo collu”, que me ofereceu o aconchego no momento de

minha maior solidão de pesquisadora, além de colocar a meu dispor sua rica biblioteca. Sem

a sua colaboração tão dedicada, sem sua paciência, sem seu “cuidado de mim” e altruísmo,

esta tese não teria sido possível;

Ao meu querido e eterno mestre, professor Norberto Jacob Etges, por ter sido, ainda

que indiretamente, o maior responsável pela escolha deste assunto, ao ter propiciado, em

minha formação intelectual e acadêmica no Curso de Mestrado, os primeiros contatos com a

“nanotecnologia” e sempre ter exigido de mim o rigor necessário na busca pelo

conhecimento, além de ser um grande companheiro sempre que solicitei sua ajuda;

Aos representantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sobretudo,

aos fundadores do excepcional Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências

Humanas. À UFSC, da qual nós catarinenses nos orgulhamos, por ter sido a Instituição que

me possibilitou o acesso ao Doutorado de forma gratuita, visto que de outro modo, isto não

teria, muito provavelmente, sido possível. Ao Programa de Doutorado (DICH), com

seus/suas renomados/as dirigentes e professores/as, por considerá-lo um Curso refrência,

tendo verdadeira admiração por este Programa e orgulho de ter passado por ele, por sua

qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio nome diz e por todos

aqueles profissionais que acolhe na sua condução. Devo um agradecimento muito especial

aos Coordenadores do Programa, cada um em seu tempo: Professor Héctor Ricardo Leis e à

Professora Carmen Silvia de Moraes Rial, e aos respectivos Vice-Coordenadores - pelas

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

4

ousadas, firmes e dedicadas posições à frente da estrutura administrativa, alicerçadas no

desejo de fazer o Programa ser exitoso, crescer em excelência e reconhecimento nacional e

internacional.

Á Liane Bergmann, ao Jorge, ao Ângelo La Porta e ao Jerônimo, por suas atitudes de

solicitude, de atenção e profissionalismo, com que sempre me atenderam na Secretaria.

Ao gentil e perspicaz professor Franz Josef Bruseke e à afável e entusiástica,

professora Júlia Silvia Guivant que, com despeendimento, generosidade e espontaneidade,

muito me honraram com sua participação na minha Banca de Qualificação;

Aos profissionais que se dispuseram a contribuir com este estudo, aceitando meu

convite para serem entrevistados de uma maneira tão especial, tão generosa, espontânea,

carinhosa e nobre, que a mim causou surpresa e entusiasmo. Admirando a forma digna com

que me trataram, quero registrar minha admiração eternal por eles:

André Avelino Pasa (Professor, Doutor em Engenharia Metalúrgica e de Materiais -

UFSC/SC).

Tania Beatriz Creczynski Pasa (Professora, Doutora em Química Biológica -

UFSC/SC).

Ricardo Machado Peres (Engenheiro, Mestre em Engenharia Mecânica - NANO

ENDOLUMINAL/SC).

Norberto Jacob Etges (Professor, Doutor em Sociologia - UFSC/SC).

Jatir Francisco de Moraes (Implantodontista, Florianópolis/SC).

Márcia Ramella (Programadora de Computador - Bento Gonçalves/RS).

Lidiane Goedert (Professora, Mestre em Educação Científica e Tecnológica - SENAC

- UDESC/SC).

Mauro Cherobim (Professor, Doutor em Ciências Sociais - UNESP/SP).

Oswaldo Luiz Alves (Professor, Doutor em Ciências – UNICAMP/SP).

Rafael Rafaelli (Professor, Doutor em Psicologia/Psicologia Clínica - UFSC/SC).

Paulo Roberto Martins (Professor, Doutor em Ciências Sociais – UNICAMP-

Campinas/SP).

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

5

Vanessa Carla Furtado Mosqueira (Professora, Doutora em Biofarmácia,

Farmacotécnica/Ciências Farmacêuticas - Escola de Farmácia da UFOP/MG).

Maria Helena Andrade Santana (Professora, Doutora em Engenharia Mecânica e

Pós-doutora em Engenharia Química - UNICAMP/Campinas/SP).

Simone Adad Araújo (Médica, professora, Doutora em Medicina Otorrinolaringologia

- USP/SP).

Silmara Nery Cimbalista (Professora, Doutora em Ciências Humanas –UFPR/PR-

vínculo-livre).

Tamara Benakouche (Professora, Doutora e Pós-Doutora em Ciências

Humanas/Sociologia - UFSC/SC).

Vilma Ferreira Bueno (Professora, Mestre em Educação - SED - Florianópolis/SC).

Zulmira Guerrero Marques Lacava (Médica geneticista, professora, Doutora em

Patologia Molecular - UnB/SC).

Bernardo Neves (Professor, Doutor em Física - UFMG/MG).

João Ibaixe Jr. (advogado criminalista, Mestre em Filosofia do Direito).

Sérgio Barbosa (Jornalista, professor, Mestre em Ciências da Religião/Sociologia da

Religião - FAI/Adamantina/SP).

Márcio José Dalmolin (Contador, Gerente de Exportação - Todeschini Indústria e

Comércio - Bento Gonçalves/RS).

Azor El Achkar (Advogado, Mestrando em Direito - Tribunal de Contas do Estado de

Santa Catarina/SC).

Paulo César Moraes (Professor, Doutor em Física - UnB/BR).

Às professoras Joana Maria Pedro, Miriam Pillar Grossi, Luzinette Simões Minella,

Tamara Benakouche e, particularmente, ao Professor Rafael Raffaelli. Todos eles tornaram

minha pesquisa possível e são também co-articipantes desta tese. Acima de tudo, porque com

suas aulas enlaçaram-me para sempre à vontade de conhecer suas áreas de atuação, outros

autores, novos temas e termos, enfim, ao novo que faltava em minha formação intelectual, a

ter maisamplidãopara prosseguir fazendo-me a mim mesma e ao mundo o que me cabe nesse

latifúndio.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

6

Ao professor Doutor Arsênio José Carmona Gutiérrez que, com a mais indescritível

generosidade, emprestou-me livros valiosos de sua biblioteca particular, para que eu pudesse

dar início a leituras fundamentais e aos ensaios de produção escrita.

Aos queridos colegas de turma, Adilson Francelino Alves, Carla Schubert Sengl,

Cláudia Hausman Silveira, Cristina T. da C. Rocha, Edonilce da Rocha Barros, Elisa Gomes

Vieira, Maria Carolina Andion, Maria da Graça A. Faccio, Olga Regina Z. Garcia, Silmara

Nery Cimbalista e Tito Sena, pelo companheirismo em sala de aula, estudos conjuntos, trocas

de idéias e também nossos laços rizomáticos nas festas. Destaco outros colegas, de outras

turmas que guardei com carinho em minha lembrança: Katja Plotz Froís, Sandra

Makowiecky, Ana Lúcia S.V.Guimarães, Paulo Roberto Sandrini e Ronaldo de Oliveira

Corrêa.

Aos componentes da Banca de Defesa da Tese: Professor Selvino José Assmann,

Professor André Avelino Pasa, Professor Mauro Cherobim, Professora Myriam Raquel

Mitjavila, Professor Gilson Rocha Reynaldo, Professora Betina Giehl Zanetti Ramos e

Professora Martha Kaschny Borges, tão amáveis e altruístas. A todos por terem aceitado

compartilhar comigo um dos momentos mais expressivos de minha vida, iluminando-o e

tornando-o mais grandioso com suas presenças, com seus conhecimentos a subsidiarem,

fundamentarem e reencaminharem os meus próprios, e por suas reconhecidas experiências

profissionais na academia e no mundo do conhecimento.

À minha mãe por seu companheirismo, paciência, apoio, amparo, cuidado, troca de

conhecimentos e debates na área de Matemática, na qual é graduada, pelo socorro nas

gravações de CDs, nas digitações, no enfrentamento de meus momentos de estresse profundo,

e dos estados depressivos e necessidade de silêncio.

À minha família, às minha irmãs Cláudia e Miriam, pelos favores prestados nas horas

de correria e por terem me suportado em meus momentos difíceis, em função de todo esforço

despreendido na realização deste estudo.

Aos amigos que acompanharam mais de perto minha extenuante travessia: prima

Terezinha, César, Dalal, prima Juçara, Vilma, Silvane e às colegas do Ensino Médio da

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

7

Secretaria de Estado de Educação de Florianópolis, em especial, Maike, Maristela, Janete,

Evanir, Nilza e Pedro.

A todos professores e professoras a quem ministrei cursos no Estado de Santa

Catarina e no Rio Grande do Sul, e aos meus alunos nos cursos de pós-graduação nestes dois

estados. Não sabem eles o quanto lhes devo por muito do que fui aprendendo, construindo,

avançando. Eles foram sempre um “termômetro vivo” que pulsava e media o grau alcançado

na caminhada.

Ao Professor José Carlos Cechinel por quem tenho o maior carinho e a quem devo

muitos, por sua confiança, amizade e reconhecimento durante minha atuação no Centro de

Educação a Distância – CEAD/UDESC, no período entre 2001 e 2005.

A Sueli Wollf Weber, por sua solidariedade e compreensão, quando minha

coordenadora pedagógica no CEAD/UDESC em meu exercício no Centro de Educação a

Distância - CEAD/UDESC, Florianópolis, em que cursava simultaneamente o Doutorado.

A Ivone Franciozzi, minha amiga, também solidária e dedicada companheira nos

momentos de aflição, em busca de esmero e concisão na redação escrita.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

8

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................. 10

LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................... 11

LISTA DE TABELAS ......................................................................................................... 12

RESUMO ............................................................................................................................ 13

ABSTRACT ........................................................................................................................ 14

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15

1 ASPECTOS GERAIS: A INOVAÇÃO NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DO

CONHECIMENTO COM AS QUESTÕES CENTRAIS COLOCADAS

PELA NANOTECNOLOGIA ........................................................................................... 34

2 O QUE É NANOTECNOLOGIA ...................................................................................... 46

3 A NANOTECNOLOGIA E O CONHECIMENTO PROPICIADO PELOS

CAMPOS E CONCEITOS DA FÍSICA E DA MATEMÁTICA: APROXIMANDO

TECHNE E ARTE ............................................................................................................ 81

3.1 Do universo plano, tridimensional e macroscópico de Euclides ao universo da

escala de dimensão nanoparticulada ............................................................................. 113

4 NANOTECNOLOGIA E A SECULAR OPOSIÇAO ENTRE NATUREZA-

CULTURA: TENTANDO RECONFIGURAR O DEBATE............................................ 127

4.1 Nanotecnologia: o possível elo entre natureza e cultura...................................................142

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

9

5 DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA PARA O

DEBATE SOBRE A NANOTECNOLOGIA...................................................................... 171

5.1 Bases atuais para a relação da nanotecnologia com o conhecimento racional e a postura

ética ........................................................................................................................................210

6. A NANOTECNOLOGIA NO CENÁRIO: O QUE BRASILEIROS PENSAM DA

PESQUISA NESTA

ÁREA..................................................................................................Erro! Indicador não

definido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 252

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 2560

ANEXOS .......................................................................................................................... 278

ANEXO A: QUESTIONÁRIO DA PESQUISA DE DOUTORADO: NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA NO FUTURO: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos éticos do homo viator e a visão de natureza................................................278

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

10

LISTA DE SIGLAS

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CRN Centro de Nanotecnologia Responsável

ETC Group Action group on Erosion, Technology and Concentration

FAI Faculdades Adamantinenses Integradas

LABJOR Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo

LNLS Laboratório Nacional de Luz Síncrotron

LQES Laboratório de Química do Estado Sólido

MCT Ministério da Ciência e Tecnologia

NANO ENDOLUMINAL Empresa Nano Endoluminal S.A.

NUDECRI Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade

SED Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina

UFOP Universidade Federal de Ouro Preto/MG

UFPR Universidade Federal do Paraná,

UFPR Universidade Federal do Paraná

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UnB Universidade de Brasília

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UNESP Universidade Estadual Paulista

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

WWW Wide World Web

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

11

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Escala do nanômetro (nm). .................................................................................... 49

Figura 2: Dimensões nanométricas na vida ........................................................................... 53

Figura 3: Microscópio de Força Atômica (AFM ou MFA).................................................... 55

Figura 4: Luminômetro ........................................................................................................ 60

Figura 5: Modelização de um nanotubo.. .............................................................................. 66

Figura 6: Grafite e nanotubo de carbono. .............................................................................. 69

Figura 7: Grafite Faber Castell.. ........................................................................................... 70

Figura 8: In-Ceram. .............................................................................................................. 71

Figura 9: Dente antes da instalação de implante com In-Ceram ............................................ 71

Figura 10: Coroa de In-Ceram (porcelana). .......................................................................... 72

Figura 11: Esqueleto estrutural do DNA ............................................................................... 88

Figura 12: American Pavilion............................................................................................. 911

Figura 13: Moebius Strip II.... .............................................................................................. 92

Figura 14: Fulereno .............................................................................................................. 93

Figura 15: Favos de abelhas hexagonais ............................................................................... 94

Figura 16: Arte e técnica na nano ......................................................................................... 95

Figura 17: Taça de Lycurgus. ............................................................................................. 104

Figura 18: Body Art: piercing na língua. ............................................................................ 111

Figura 19: Medicina e prótese ............................................................................................ 161

Figura 20:O universo do grande e do ínfimo, na potência de dez . ..................................... 111

Figura 21: Pós-Humana? .................................................................................................... 161

Figura 22: O homo da mecânica. ........................................................................................ 162

Figura 23: Língua eletrônica e nariz eletrônico ................................................................... 169

Figura 23: No azul (1925), obra de Kandinsky. ................................................................. 254

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

12

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: ORDEM DE GRANDEZAS: Múltiplos e submúltiplos do metro.......................... 48

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

13

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas

NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO HUMANA: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos éticos do homo viator e a visão de natureza

RESUMO

TESE DE DOUTORADO

MARISE BORBA DA SILVA A ciência dos nanoelementos vem provar relações profundas que sustentam a transição do físico e orgânico para patamares de existência ainda mais sutis, verificados na fronteira entre o material e o imaterial, o orgânico e o inorgânico, a Terra, o interplanetário e o universo, a vida e a não-vida. Lidar com nanopartículas é defrontar-se com a ambivalência de elementos de dimensão nanométricos que, em certas doses, podem ser letais e em doses menores são essenciais à vida. O imponderável dos nanoelementos abala automaticamente a mentalidade e o sistema de raciocínio que mede a importância das coisas pelo tamanho, pelo peso, ou pela sua tradução comercial em cifras, na dimensão macro e micro. Nanoelementos, de peso insignificante, intocáveis pelos cinco sentidos, entram na contabilidade básica dos seres vivos e são preocupação recente para o que pode representar casos de vida ou de morte para o ser humano, sobretudo. Analisam-se, pois, acontecimentos vinculados à nanotecnologia na visão de natureza que está se constituindo e nas questões articuladas a ensaios éticos, que voltam a pulsar sempre que se lida com o “novo”. Propõe-se a necessidade da análise multi e interdisciplinar dos dilemas gerados em meio às imbricações doutrinárias com base na relação técnica-ética, posto que muitos pensamentos permeiam esta novidade em suas implicações para a espécie, indivíduos e humanidade. Indaga-se se a visão progressista com que se concebe a “nano”, como a técnica mais radical do momento, é compatível e capaz de alterar o próprio curso da vida, já que tem sido argumentado que se trata da “última revolução tecnológica” e que esta afeta a essência de toda natureza humana. As idéias apresentadas tentam situar um patamar mediador entre determinismos biológicos e culturais, que possa contribuir para o debate sobre a liberdade de decidir os rumos que estão sendo tomados, já que os produtos da técnica tornaram-se complexos e diversificados demais para serem apreendidos em tempo hábil, antes de se tornarem ultrapassados. Imagina-se o que pode acontecer em relação ao fascinante e surpreendente “mundo do infinitamente pequeno”! Problematizam-se algumas posições particulares advindas de diferentes vozes e lugares, interlocuções empenhadas em avaliar o contexto de avanço da nanotecnologia em seus efeitos reais e potenciais, para dispor-se de um leque mais amplo, nos dias atuais, pois já se fala do século XXI, como o “século nanotecnológico”. Palavras-chave: Nanotecnologia. Natureza. Técnica. Ética. Vida. Condição humana.

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

14

FEDERAL UNIVERSITY OF SANTA CATARINA CENTRE OF PHILOSOPHY AND HUMAN STUDIES

POST-GRADUATION PROGRAM IN UMAN SCIENCES OF THE FEDERAL UNIVERSITY OF SANTA CATARINA

NANOTECHNOLOGY AND THE HUMAN CONDITION: the

technical contemporary radicalidade, the questions ethics of the homo viator and the vision of nature

ABSTRACT DOCTORAL THESIS

MARISE BORBA DA SILVA The science of the nanoelementos comes to prove deep relations that support the transition of the physicist and organic one for landings of existence still more subtle, checked in the frontier between the material and the immaterial thing, the organic thing and the inorganic thing, the Land, the interplanetary thing and the universe, the life and the non-life. To deal with nanoparticles is to face the ambivalence of elements of dimension nanometrics what, in certain doses, can be lethal and in less doses they are essential to the life. The imponderable thing of the nanoelements shakes automatically the mentality and the system of reasoning that measures the importance of the things for the size, for the weight, or for his commercial translation in ciphers, in the dimension macro and micro. Nanoelements, of insignificant weight, untouchable by five senses, enters in the basic accountancy of the lively beings and is a recent preoccupation for what it can represent cases of life or of death for the human being, especially. There are analysed events linked to the nanotechnology in the vision of nature that is if constituting and in the questions articulated to the ethics, which pulsate again whenever if it deals with the “new”. The necessity of the analysis is proposed multi and interdisciplinary of the dilemmas produced amid the crossing doctrinary on basis of the relation nanotechnology -ethics, although many thoughts permeate this novelty in his implications for the sort, individuals and humanity. It is inquired if the progressive vision with which one conceives I her "sleep", like the most radical technique of the moment, is compatible and able to alter the course itself of the life, since it has been argued what one treats as the “ last technological revolution ” and what this one affects the essence of any human nature. The presented ideas try to situate a landing mediator between determinism biological and cultural, what could contribute to the discussion on the freedom of deciding on the courses that are being taken, since the products of the technique became complexes and diversified too much to be apprehended in reasonable time, before becoming outdated. Imagine what can happen regarding fascinatingly and surprising “world of the small infinity”! It surpasses the man, again, in the figure of “homo viator”: a walker inside the world that he himself created, changing into a citizen of the universe, so able to explore the exterior space, the "flesh" of the Land and the bottom of the sea how much the recess of his mind itself from a pointed geometrical creativity molecular-atomic. Someone are put in problem some particular positions resulted from different voices and places, interphrases pawned in valuing the context of advancement of the nanotechnology at his real and potential effects, to be prepared of a more spacious fan, in the current days, so is already spoken of the century XXI, like the “century nanotechnological”. Key words: Nanotechnology. Nature. Technique. Ethics. Life. Human condition.

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

15

INTRODUÇÃO

Retroviagem

Adiada a chegada

o mar é só vertigem o porto está distante.

A noite nos oceanos

é uma tragédia de negrumes onde se perdem

os homens ávidos de idílios entre cetáceos ressabiados

e atlânticas saudades.

A estrela que me acompanha (ou a persigo, em solitária romaria?)

restabelece o ancoradouro que precocemente fugiu

das garras tênues de um viandante inconcluso.

Mais inquieta é a esperança

se nela não navego ou galopam outros sonhos.

A geografia dessas águas

fabrica desafios, enquanto no rosto mareja o sacrifício da espera.

(Ronaldo Cagiano)

Seculares são os questionamentos sobre a relação entre natureza e cultura, entre ser

humano e técnica, entre homem e animal, antigas inquietações que perseguem a humanidade.

Mas os dois últimos séculos inauguraram uma forma de pensar a natureza (nature), o

ambiente (nurture), a vida e o humano, radicalmente transformada, devido a diversas

mudanças provenientes da oposição entre natureza e cultura, da intervenção de uma sobre a

outra e das simultâneas singularidades originadas da estupenda participação humana nestes

processos. Novamente inquieto, o inconformado animal humanizado que formou só por si,

um reino, o Reino Hominal, assume, mais uma vez, a figura do “homo viator”: um

caminhante dentro do mundo que ele mesmo criou, transmutando-se em um cidadão do

universo, tão capaz de explorar o espaço exterior, o “miolo” da Terra e o fundo do mar quanto

o recôndito de sua própria mente a partir de uma aguçada criatividade geométrica atômico-

molecular.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

16

A nanotecnologia constitui uma lição exemplar em vários sentidos, como a evidência

de que existem coisas que escapam à nossa apreensão, dificilmente mensuráveis por

instrumentos da tecnologia moderna que aprendemos a usar, tão irredutíveis ao puro

raciocínio do cálculo matemático que permaneceram por muito tempo praticamente ignoradas

pela ciência objetivista que sabe medir, pesar, calcular. Bem por isso, a nanotecnologia,

possivelmente, se tornou a cultura mais excitante do momento e por esta razão, é

compreensível a indecisão ante as coisas do bem e do mal que ela representa em si mesma, a

maneira conveniente com que nos acostumamos a pensar tudo o que provém da técnica.

Trata-se certamente de um terreno fértil para a realização de muitos estudos a respeito,

tomando por referência, principalmente, o desenvolvimento da biologia molecular, da

biotecnologia, da nanotecnologia/nanobiotecnologia e dos processos de clonagem, e o

aprofundamento das pesquisas do genoma humano. Estes importantes avanços, certamente,

repercutirão mais uma vez somados à expectativa do que ainda deverá ocorrer nos próximos

anos com o uso em larga escala de objetos, produtos e dispositivos reservados para vários

tipos de aplicações, fabricados a partir da nanotecnologia. Esta inovação tecnológica que

alcança a intimidade da matéria, já que mexe com sua estrutura atômico-molecular, foi a fonte

de motivação que inovou esta tese, além do grande interesse da pesquisadora pelo assunto, já

que possui familiaridade com a temática, dada a sua formação no campo das Ciências

Naturais e por sua preocupação educacional.

Se o que já diz à técnica, de modo geral, a tem colocado como algo que vem causando

profundas transformações nos últimos anos, a “nanotecnologia” vai mais além. Esta tornou-se

alvo crescente de grandes polêmicas e de acalorados debates em círculos intelectuais, no

sentido de se buscar um melhor entendimento do seu processo de desenvolvimento e avaliar

seus reais impactos na vida das pessoas. Além disso, abriram-se precedentes para que sejam

também revisitados alguns aspectos específicos que dizem, na atualidade, à relação da técnica

contemporânea com o par natureza e cultura (criação), com as questões ligadas à vida, ao

homem e, em decorrência, olhando para o futuro, com a natureza humana e os rumos éticos.

A nanotecnologia é ainda um assunto muito recente em nossa vida comum. Refere-se a

alguma coisa que diz respeito à criação não apenas de uma nova tecnologia, mas do que ela

traz subjacente, consigo, ou seja, novas propriedades que só existem numa escala não

observada no âmbito do macroscópico e tampouco, por sua singularidade, no do

microscópico. É uma tecnologia pertinente ao nível atômico-molecular, da ordem de um

mundo potencial ainda a ser conhecido, portanto, e que por isso mesmo culmina no

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

17

desenvolvimento de matérias-primas inéditas com aplicações na fabricação de uma gama

diversificada de produtos novos, de muitas coisas que podem ser criadas a partir dela.

Tem sido bastante sinalizado na mídia e na literatura específica que a nanotecnologia

representa uma nova revolução industrial, em suas distintas formas de expressões. Tanto

cientistas das ciências exatas quanto das humanas e sociais têm falado que se trata da última

revolução tecnológica possível. Em vários eventos realizados - a exemplo da Nanotec Expo

2006, em São Paulo, com cerca de cinco mil participantes -, têm sido devidamente

apresentadas as tendências mundiais nos setores de componentes semicondutores orgânicos e

inorgânicos, que alterarão profundamente a eletrônica nos próximos anos. Hoje, os trabalhos

baseados em nanomateriais são considerados revolucionários perante outros sem base

nanotecnológica, com a promessa de melhorar nossas vidas com produtos e ferramentas

muito mais aperfeiçoados e eficazes. Mas não custa chamar a atenção para o fato de que a

motivação para muitas destas promessas e da maior parte da “tinta derramada” na mídia

(desde os antigos frascos de tinta para impressão aos mais potentes cartuchos) é ainda

suposição, em grande parte não verificada, de que esta técnica transformará o mundo e terá

conseqüências éticas e sociais profundas. Há uma gama expressiva de impressões e jornais

on-line, científicos e técnicos que colocam seu foco especificamente em nanotecnologia. Para

nosso descontentamento, porém, ainda não constituem número expressivo aqueles que,

ocasionalmente, publicam artigos sobre implicações éticas e sociais com o rigor científico e

argumentação necessária que gostaríamos para que o debate sobre a relação entre a

nanotecnologia e uma possível mudança na natureza humana, ou o fim do próprio homem e o

advento do pós-humano, não fique restrito ao campo dos próprios exageros e especulações

mal embasadas.

Para dar consistência à escolha da pesquisadora por nanotecnologia, ressaltamos que,

num primeiro momento, foram seus grandes aliados sua formação em Ciências Biológicas, o

gosto acentuado pela informática, a paixão pelo conhecimento e pelo novo, as experiências

anteriores vinculadas à formação acadêmica e ao desempenho profissional; aspectos bem mais

relevantes que a disponibilidade de fontes de informação específica sobre a nova tecnologia.

O que havia, nesse início, era pouco arsenal, uma literatura razoavelmente escassa.

Sucessivamente, foi aumentando o entusiasmo por este campo do conhecimento de

inusitada novidade e por se tornarem mais evidentes as possibilidades de realizar uma

pesquisa capaz de integrar conhecimentos de ordem biológica, física, química, filosófica,

sociológica, antropológica e histórica. Ante algo que tendia a consagrar-se como mais uma

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

18

revolução ou moda, fortificou-se a necessidade de visualizar melhor e especificar a

abrangência do estudo por dispor-se de notícias tantas que vinham de um terreno ainda

pouco explorado academicamente no Brasil, com pouquíssimos trabalhos neste tipo de

discussão; por isso mesmo, constituía-se um locus em que começava a haver grande

efervescência de problemas relevantes na atualidade.

Convém complementar, que já existia grande interesse da pesquisadora pela temática

desde a realização do Mestrado1. À época, foram fascinantes as informações que procederam

de obras de Pierre Lévy (1998, pp. 48-50), já alertando que há muito tempo estávamos nos

despedindo das tecnologias em macroescala (mecânicas), caracterizadas também como

“brutas” ou “pesadas”, com que nós operamos normalmente e não nos espantamos tanto.

Igualmente estava acontecendo com as tecnologias “molares” ou técnicas quentes,

consideradas “de massa” (carvão/ferro, eletricidade/fundição, petróleo/química). Ambas as

tecnologias fundamentam-se no princípio da explicação da natureza em seu movimento

mecânico – estática e inerte – e num princípio de uniformidade, equivalentes à visão

mecanicista da matéria passiva, dotada apenas de extensão e com as qualidades materiais

suscetíveis ao tratamento geométrico, à grandeza, à figura e ao movimento. Numa referência

às técnicas pesadas arcaicas e às molares, um exemplo sobre a presença dessas tecnologias é

reportar-se ao que permite mover grandes quantidades de átomos de um lado para outro,

como nos carregamentos de grandes volumes de areia feitos nas obras e construções. São

técnicas ainda vinculadas a magnitudes (massas, cargas e dimensões) de limites mais

precisos à nossa visibilidade, às dimensões de como nos apercebemos das coisas através de

nossos sentidos (grandezas microscópicas), exigindo a sua redefinição. Certamente, o

equivalente a atirar um tijolo na cabeça de alguém é bem mais significativo que arremessar

uma pedrinha de dimensão muito pequena, ou mesmo uma bolinha de algodão; faz muita

diferença! E foi deste contexto motivador, que começou a busca por literatura específica que

fundamentasse algumas questões existentes.

Constatamos que, na década de 1990, sobressaía no âmbito das Ciências Sociais o que

constava em obras do filósofo, sociólogo e historiador francês Levy (1998), e pouca coisa

1 Mestrado em Educação, linha de pesquisa Educação e Trabalho (1992-1994), da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. O interesse por nanotecnologia floresceu, sobretudo, a partir de 1993, mediante os estudos realizados com o Professor Norberto Etges, na disciplina Educação e Trabalho, e com a leitura de obras de Pierre Lévy (1956-) que abordavam de forma passageira o advento da nanotecnologia.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

19

existia, ainda, quanto a informações disponibilizadas na internet, prevalecendo conteúdo

específico às áreas das Ciências Naturais e Engenharias de Materiais.

Aos que estão atentos às transformações que a nanotecnologia desencadeia na vida

social em geral, para alguns, técnicas ‘enxeridas’ e, para outros, ‘bem-vindas’, acopladas à

vida como estão sendo no campo da Medicina e Farmácia, por exemplo, elas prometem

mudar irreversivelmente as premissas da condição humana, o que pode significar para muitos

críticos uma nova mancha no tecido das relações humanas, caso seja transformada em nova

estratégia eugênica. Mas se trata de uma visão ainda prematura, cuja afirmação pode ser um

tiro no escuro. Há um longo caminho a percorrer antes de certezas finais, pleno de questões

entrelaçadas com técnicas modernas e sua participação na produção de aspectos da vida e do

homem.

O que já é possível ver, nesta abordagem, é que a nanotecnologia mexe numa ferida

bastante antiga, que não somos capazes de curar, porque é um corte que nunca estancou, que

ainda não sarou, mas que é preciso ao menos tentar aliviar ou fazer revigorar de outro modo: a

da rivalidade entre os defensores das ciências sociais e defensores das ciências exatas (como

foi sempre forte o embate entre o pensamento mítico e as explicações científicas). Tal como

derivou de uma longa tradição do Ocidente, a depreciação dos escritores perante os homens

de ciência, que remonta ao Renascimento e se tornou paradigmática na discussão sobre as

relações entre ciências biológicas e exatas com as humanidades e a literatura, a partir do

estudo clássico de C. P. Snow Two Cultures2 outra querela ocorreu entre duas culturas que

representam uma espécie de dicotomia igual a que existe entre os conceitos vindos de alguns

setores das ciências humanas e das ciências naturais. Concordamos com Snow (1995, p. 29)

quando argumenta que “essa polarização é pura perda para todos nós. Para nós como pessoas,

e para a nossa sociedade. É ao mesmo tempo perda prática, perda intelectual e perda criativa,

e repito que é errôneo imaginar que esses três aspectos são claramente separáveis”.

A ousada constatação de Snow convida-nos a explicar melhor a que viemos e o que

pretendemos. Para nós, escrever uma tese sobre um assunto tão polêmico ainda, e o fato de

tomar a frente e assumir atividades, como as que puderam ser e estão sendo desenvolvidas

2 No século XVI, um dos aspectos das vastas transformações acontecidas foi o início da reivindicação de autonomia da ciência em relação à retórica. Uma ilustração marcante e inaugural desse movimento se deu no século XVII com a proposta da Royal Society of London, no sentido de erigir a clareza, compreendida como a supressão de ornamentos supérfluos preconizados pela retórica, em padrão de estilo original pelo qual deveriam pautar-se os relatos científicos, a partir de então. Resulta que, mais do que uma cisão profunda, gera-se verdadeira desconfiança mútua entre humanidades e ciência, que foi ganhando contínuo aprofundamento ao longo dos séculos XVIII e XIX, motivando o ensaio famoso de C. P. Snow “The two cultures and the scientific revolution”, publicado em 1959.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

20

com o ensino público e a formação espontânea de grupos de estudos, contribuem de algum

modo para romper o obstáculo representado pelo afastamento entre as ciências sociais e as

exatas. Divórcio este que ocasiona além do empobrecimento mútuo, destacado por Snow

(1995), um empobrecimento tanto de uma quanto de outra área do conhecimento e, em

conseqüência, do ensino e da formação em geral. O que queremos elucidar é, justamente, o

que a nanotecnologia traz consigo de comprometedor no que se refere a afetar a natureza

humana e implicar em problemáticas éticas, seja para maior clareza, tanto do dia quanto da

noite, que estão imbricadas nesta sua intromissão. Este é um aspecto inspirador para aquilo

que acreditamos ser um estudo significativo, tanto para transitar entre razão e imaginação,

quanto para ajudar na construção de uma ponte que reduza o distanciamento entre as duas

culturas, a que nos referimos antes. Visamos, por isso mesmo, dar destaque a uma produção

multi e interdisciplinar, tentando seguir mais de perto o que preconiza o relatório da

Comissão Gulbenkian (1996), que fala da necessidade de refletir de forma conjunta e

integrada sobre os modelos teóricos de determinadas disciplinas, com ênfase no que diz

respeito à natureza, aos seres vivos, aos humanos e não-humanos, no que é próprio à sua

complexidade e inter-relações existentes e possíveis.

No início deste estudo, dispúnhamos de certos conceitos considerados importantes,

mas constatamos depois que ainda precisávamos – e muito – ter deles maior domínio.

Nomeadamente, fala-se dos domínios específicos da nanotecnologia e daqueles que abrangem

suas relações com a vida, a vida em geral, sobretudo a humana, pela experiência própria

porque é de fato tão dura, penosa, confusa e repleta de dilemas, uns deles bastante conflitantes

à existência até mesmo dificultando nossa capacidade para entender as recentes

transformações por que passamos.

Hoje muito se tem pensado a respeito do que afeta a própria natureza humana e os

valores políticos, éticos, sociais que têm direcionado as opções da sociedade em que vivemos,

e ao mesmo tempo abre espaços para muitas perguntas. Por exemplo: sobre a relação entre a

vida e a nanotecnologia; se a nanotecnologia se apresenta como aquilo que deve ser uma

inclusão da cultura na natureza, mas através de uma exclusão desta; se a nano se trata de uma

nova cultura originada a partir da natural continuação da natureza, capaz de contribuir com a

limitação desta, numa ordem evolutiva das coisas; se ambas, natureza e cultura se

interpenetram a ponto de se confundirem uma com a outra e se transformarem a partir daí em

algo que as contém e ao mesmo tempo delas se destaca, como um objeto ou uma idéia. Enfim,

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

21

são indagações que dão já o que pensar e muito trabalho, indicando que há muito ainda por

saber do que teremos hoje e pela frente com o desenvolvimento das tecnologias.

Conta também que já temos um longo período de enfrentamentos e catástrofes para

registrar, em estreito vínculo com o viver às custas dessa relação mal resolvida em nossa

cabeça - natureza-criação/cultura -, que já vêm sucedendo desde tempos mais primitivos,

acentuando-se nos tempos modernos e se tornando mais e mais agudizados nos dias

contemporâneos. Indicam alguma coisa que parece escapar à nossa compreensão inteligente,

ao domínio humano. Estes acontecimentos sucessivos foram mostrando a razão por que nós, e

nenhum outro ser além de nós, reclamamos como objeto principal para reger nossas vidas a

própria submissão a normas, regras e leis, mesmo que muitas delas pudessem frustrar nossos

sonhos e desejos. Tais questões seguem ainda sendo contempladas, e, nos últimos séculos,

alguns teóricos têm se esforçado para abordá-las de forma mais literal e sistemática, com

menos apelo ao romântico, ao personalizado e ao sentimento calcado em questões morais.

Mas este é um vasto debate, sobretudo, levando em conta uma escala de mundo de domínio

técnico, que perdeu a ligação com a escala do mundo sensível, com o mundo do vivido.

O tema aqui abordado não foi uma escolha fácil, afinal, não basta defini-lo

simplesmente e começar a escrever sem que se provoque algum tipo de perda de precisão nas

informações, ainda mais quando se trata de algo tão específico se comparado a outros

assuntos com maior amplitude temática. Em casos assim, quando está em jogo uma inovação

técnica com rápida difusão, tanto no plano do conhecimento como no das aplicações e

serviços, enfatizamos que esta é uma oportunidade ímpar para interrogarmo-nos sobre a

nanotecnologia, sobre seu sentido, sua evolução, suas implicações éticas e, se possível,

devolver e instigar tais interrogações ao debate público.

Como pensou Hans Jonas (1995), com as tecnologias modernas de última geração, são

introduzidas ações de magnitude muito diferente, com objetos e conseqüências tão novos que

o marco da ética anterior não pode mais abarcá-los dada a essência da técnica moderna que

transformou de tal modo a natureza em algo que antes não era. Por esta razão, levando em

conta uma alegação tão contundente, abordamos como tema desta pesquisa a relação entre

nanotecnologia, natureza, natureza humana e ética. O tema nos remeteu necessariamente

a revisitar algumas das principais correntes de pensamento que têm governado o rumo dos

posicionamentos, comportamentos e atitudes tomados em torno ao vínculo natureza, técnica e

ética. Isto não significa dizer que fizemos todo o caminho atrás da origem das grandes

correntes doutrinárias existentes, de seus principais filósofos e autores representantes que

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

22

delas sofreram fortes influências, tampouco aprofundamos a história da ética, porque não é

nosso objetivo e porque concordamos com a filósofa Mary Midgley (1995) quando diz que

perguntar de onde provém a ética não é a mesma coisa que perguntar de onde vêm os

meteoritos. Preocupou-nos, desde o início, a) dispor da possibilidade de refletir e avaliar os

acontecimentos que ocorrem em nosso redor, vinculados à nanotecnologia, b) analisar se eles

recebem ou não uma outra explicação e, portanto, c) apontar novos questionamentos e

conduções éticas colocados atualmente, já que por ética se entende o decidir entre humanos, e

o que interessa à ética é como viver bem a vida humana, a vida que transcorre entre humanos.

Algo nunca antes percorrido ou explorado teoricamente pela pesquisadora - por

exemplo, a necessidade de examinar o uso eventual de capacidades para as quais não se

dispunha antes, referentes à própria manipulação biológica e atômica para fins humanos,

alguns já bem definidos e outros de que nada se sabe ainda com garantia - foi gerando novos

caminhos para a delimitação do problema. Um fator determinante foi ter acompanhado os

avanços crescentes da biotecnologia, das tecnologias de informação, da nanotecnologia e das

ciências cognitivas, que têm contribuído para projetar a civilização em direção a uma

sociedade do conhecimento e cujo alcance parece ir além da interdisciplinaridade ou da

multidisciplinaridade, mas até uma verdadeira mudança “na natureza da ciência e da

tecnologia”, com todo tipo de implicações possíveis para a economia, a sociedade e a cultura.

Podemos indicar alguns exemplos dessas inovações, como as recentes notícias de que

o Brasil é o país com maior aumento no uso de computadores, divulgadas pela BandNews3, a

invenção por um grupo de pesquisadores da Embrapa da “língua eletrônica”, como foi

batizado o sensor gustativo para avaliação de bebidas (como a água, vinho e café). Este

equipamento é cerca de dez mil vezes mais sensível que o paladar humano e representa um

avanço no controle da qualidade para a indústria alimentícia, vinícolas, estações de tratamento

de água, possivelmente, também para a indústria farmacêutica, com destaque nacional e

internacional, notícia inclusive na prestigiada revista Nature (a língua eletrônica já está no

mercado desde 2006, avaliando a qualidade do famoso cafezinho). Temos ainda as grandes

repercussões e sucessos que as pesquisas nanotecnológicas começaram a ganhar mundo afora,

haja vista a entrega recente do Prêmio Nobel de Física de 2007, em 9 de outubro deste mesmo

ano, em Estocolmo4, a Albert Fert e Peter Grünberg, respectivamente um francês e um

3 Brasil é o país com maior aumento no uso de computadores. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2007/10/09/298070123.asp>. Acesso em 12 de outubro de 2007. 4 Trabalho reconhecido pela radical miniaturização de discos rígidos dos computadores a serem capazes de armazenar cada vez mais informação, que contou também com a participação do gaúcho Mario Baibich.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

23

alemão, por seu trabalho com nanotecnologia, motivos bastante fortes para dinamizar novas

indagações.

Também chamou nossa atenção a notícia bombástica, em novembro de 2007, de que

cientistas anunciaram a clonagem, pela primeira vez, de embriões de um macaco extraindo

células-tronco desta cópia. Certamente foram muitas as interrogações. Para surgir o primeiro

macaco clonado, é só uma questão de tempo? Poderão, a partir daí, avançar os feitos da

ciência para fazer surgir o primeiro ser humano clonado? Será que é este o caminho que a

ciência está seguindo? Houve ainda a divulgação de recentes experimentos com células-

tronco5, no dia 21 de novembro desse mesmo ano, algo que mostrou a impressionante

especialização e sofisticação científica e tecnológica de nosso tempo. Acrescentamos a

realização de pesquisas por dois grupos de cientistas, uma equipe japonesa e uma norte-

americana, que conseguiram transformar células da pele humana em células-tronco. Abriu-se

um caminho sem precedentes e potencialmente ilimitado para a substituição de tecidos ou

órgãos com problemas, com a criação de células-tronco a partir do código genético do próprio

paciente, eliminando assim os riscos de rejeição além de acelerar as pesquisas sobre

tratamento de câncer, mal de Alzheimer, doença de Parkinson e recuperação de partes do

corpo lesionadas. Este procedimento destacou-se dos realizados por meio das técnicas atuais

com as quais se obtêm células-tronco pela manipulação de embriões, cuja defesa da utilização

e clonagem de embriões humanos é, em última análise, segundo referenciado na mídia, para a

Igreja Católica Apostólica Romana, um ato homicida e nazista; logo, trata-se de técnicas

cercadas de considerações éticas, portanto, implicadas com princípios de existência humana.

Segundo foi noticiado, em termos técnicos o que os dois físicos fizeram, de forma independente um do outro, foi um modo de construir materiais mais sensíveis a campos magnéticos, mediante o fenômeno chamado “magnetorresistência gigante”. Este se vale das propriedades novas e pode-se dizer ‘esotéricas’ no sentido de serem estranhas, obscuras, ainda, no nosso dia-a-dia, que os materiais assumem na escala nanoscópica (dos bilionésimos de metro e milionésimos de milímetro). Foi uma das primeiras aplicações do campo nascente da nanotecnologia. Ver: Pesquisa com nanotecnologia vence Prêmio Nobel de Física. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2007/10/09/298070123.asp>. Acesso em 12 de outubro de 2007. Ver também: Princípio que permitiu o iPod leva Prêmio Nobel. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=477488>. Acesso em 12 de outubro de 2007. 5 As células-tronco são consideradas como a esperança de cura para algumas das doenças consideradas as que mais matam, as que geram malformações congênitas no corpo humano (como craniofaciais, a exemplo das fissuras lábio-palatinas ou lábio leporino etc.), as neurofibromatoses (que geram tumores nos nervos) e as afecções neuro-degenerativas (como as doenças de Parkinson, Huntington e Alzheimer). Embora por anos e anos se venha praticando o descarte de embriões, o acesso às células-tronco embrionárias, mesmo para fins de pesquisa, é limitado em razão de considerações éticas sobre a utilização e a clonagem de embriões humanos. Além disso, tem a questão dos órgãos transplantados obtidos a partir de células-tronco embrionárias serem rejeitados pelo paciente.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

24

Tudo isso mostra que a questão da responsabilidade social e ética da ciência e do

cientista vai migrando do terreno do discurso e passa a ser uma realidade efetivamente

política, e sobretudo vai suscitando o envolvimento de todas as sociedades!

É importante destacar aqui, para elucidarmos melhor o rumo que nossas preocupações

tomaram neste estudo, que o problema de pesquisa começou a tomar forma quando

transitamos da compreensão de um domínio tecnológico a outro, não mais entre grandezas de

escala macro e de microescala, como nos acostumamos a fazer comumente nos “cálculos” em

função de nossos atos (ou políticas). Sucede que a multiplicidade de possibilidades que

vieram com a Física Quântica gerou certa angústia, derivada precisamente da abertura de

imprecisão a que fomos submetidos. Este acontecimento chegou a desbaratar todo cálculo e

destreza racionalmente projetados abalando também as estruturas de apreensão dos

fenômenos do mundo, com respeito à condição limitante dos sentidos humanos, conformados

que fomos a ele segundo nossos padrões de escala, sentidos e incidência de detalhes captados.

A sociedade contemporânea se viu de novo às voltas com um novo grande paradoxo. Ao

mesmo tempo em que derivados e produtos nanotecnológicos acentuam sua presença no

mercado, ainda que não na vida da maioria das pessoas, não se pode ainda acompanhá-los a

tempo em seu progressivo desenvolvimento; o acesso a eles ainda é muito restrito e se vêm

cheios de enigmas, surgem com menos parafernálias, ou pelo menos são bem menores, cujo

ingresso crescente de coisas tão fenomenais impõe novas reflexões sobre nossos modos de

viver. Temos então um problema que julgamos fundamental, que se refere às cogitações

consequencialistas em torno da possibilidade da nanotecnologia de alterar radicalmente

a natureza humana, criando o autêntico pós-humano, a afetar toda a vida no planeta.

Situação esta sobre a qual novos questionamentos e conduções éticas estão sendo colocados,

já que por ética se entende o decidir entre humanos, e o que interessa à ética é como viver

bem a vida humana, a vida que transcorre entre humanos com o ingresso das nanotecnologias.

O estudo ampliou nosso campo conceitual, aplicações e inserção da nanotecnologia

na sociedade, e sobre de que modo a manipulação atômico-molecular coloca em questão

valores, projetos sociais e tensões entre a técnica e o poder de decidir o modo de viver, a

afirmarmos que a nanotecnologia é a maior revolução técnica de todos os tempos. Richard

Feynman (Apud REGIS, 1997) alega que o objetivo da nanotecnologia é o de criar novos

materiais e desenvolver novos produtos e processos baseados na crescente capacidade da

tecnologia moderna de ver e manipular átomos e moléculas. Acreditamos que podemos

discutir aspectos sobre o potencial de transformação e implicações da nanotecnologia na vida

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

25

social, identificando características associadas às mudanças que vêm se configurando nos

chamados contextos tradicionais e científicos dada sua introdução na natureza e no ambiente

humano, e em vários setores da sociedade.

Neste aspecto, na medida em que a abordagem metodológica permite aprofundar o

conhecimento de um aspecto da realidade, comparativamente aos caminhos realizados por

outros estudos acerca de inserções técnicas e seus respectivos questionamentos éticos, é

fundamental para esta pesquisa a análise mais segura do tipo de relação existente entre a

nanotecnologia e as questões éticas que com elas advêm, bem como com os limites éticos de

nosso tempo e os posicionamentos tomados na sociedade, tendo em conta a distância que a

tecnologia em nanoescala tem da experiência cotidiana. Temos aqui o objetivo geral que é

avaliar as possibilidades e limitações da nanotecnologia em relação à percepção humana,

quanto ao que esta técnica implica para a natureza e a natureza humana, na intenção de

“alterá-las”, “destruí-las” ou “melhorá-las”, sob a alegação, por exemplo, de que dispõe

do poder de interferir na preparação do ser humano para melhor se adaptar ao seu

ambiente, ou o contrário, em condições ainda apenas imaginadas para a maioria de nós.

Para isso, julgamos necessário, ao mesmo tempo, identificar, elucidar e discutir elementos,

especialmente importantes, que expandam a nossa compreensão sobre o que a nanotecnologia

efetivamente é. Do mesmo modo, é de igual importância verificar as formas de sua inserção

na sociedade, mediante os direcionamentos que estão sendo tomados com relação à solução

dos complexos e intensos problemas referentes às questões éticas, implicados ao avanço das

nanociências e das nanotecnologias; estabelecer elos com as opiniões de leigos no assunto,

avaliações técnicas e decisões éticas e políticas, cujo entendimento e encaminhamento de

possíveis soluções exigem, cada vez mais, da população uma base mínima de conhecimento

científico.

Consideramos, então, que a nanotecnologia, mediante sua base em ínfima escala

de fazer cálculos, faz parte da evolução e, ao mesmo tempo, é um conhecimento que põe

em causa uma forma de evolução - que é a evolução através dos macro-funcionamentos

biológicos – a favor de como a vida se dá em seus processos átomo-moleculares, o que

vai alterar necessariamente nossa visão de natureza. Mas não é uma técnica que, por sua

necessidade intrínsica de vários aspectos do conhecimento, tem um fim em si mesma, com o

poder de alterar por completo a natureza humana. Desde que surge e na sua trajetória vai

alocando meios e fins específicos e diversos, dispondo-os à realização de novas condições

para a sobrevivência, uma vez que o organismo, na sua determinação puramente biológica,

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

26

enquanto “forma”, vai se constringindo perante suas próprias interações com o ambiente, sem

que se conceda prioridade a qualquer um dos termos da relação, mediante o artifício técnico

que resultou do processo de evolução bio-cultural. Ou seja, por sua atividade técnica

inventiva, com a nanotecnologia o homem transcende as condições da existência que lhe

foram impostas, tanto naturais quanto as subseqüentes culturais e os resultados da mútua

interferência que uma vai exercendo na outra, por sua inteligência diferenciada como um

processo de comunicação próprio capaz de combinar os mais distintos elementos e mesmo

estranhos entre si, até mesmo inconciliáveis, contribuindo para a mudança de nossa visão de

natureza.

Na realização deste estudo, buscamos fundamentos em pensadores que se dedicaram e

dedicam ao estudo da relação técnica e ética para nos subsidiarem na trajetória secularmente

‘espinhosa’ que é discutir as aparentemente eternas inquirições sobre o Homo: com suas

características biológicas próprias à espécie humana, sem contato com a história do mundo

humano; com os impasses sobre a sua natureza incompleta ou como uma “tábua rasa”, desde

ao nascer, na qual nada está escrito, só adquirindo conhecimentos através da experiência que

lhe vem unicamente dos sentidos; em relação à influência da natureza biológica humana à

natureza social de nossa espécie e vice-versa; no que diz respeito ao viver do homem como

um estranho dentro do seu próprio mundo social e às manifestações da natureza humana, mais

importantes ou não do que a tecnologia; enfim, problemáticas que, como as citadas

anteriormente, dizem respeito à natureza, ao modo de viver, aos seres em geral.

Por tais razões é que visitamos autores modernos: Thomas Hobbes (1588-1679); René

Descartes (1596-1650); Baruch de Spinoza, (1632-1677); John Locke (1632-1704); Gottfried

Leibniz (1646-1716); Giambattista Vico (1668-1744); David Hume (1711-1776); Jean-

Jacques Rousseau (1712-1778); Immanuel Kant (1724-1804) e o considerado último pensador

moderno, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). E também os contemporâneos:

como John Stuart Mill, (1806-1873); Karl Marx (1818-1883); William James, (1842-1910);

Friedrich Nietzsche, (1844-1900); Edmund Husserl (1859-1938); José Ortega y Gasset (1883-

1955); Martin Heidegger (1889-1976); Alexandre Koyré (1892-1964), Arnold Gehlen (1904-

1976); Claude Lévi-Strauss (1908-1902) Willard Van Orman Quine (1908-2000); Donald

Herbert Davidson (1917-2003 John Rawls (1921-2002); Thomas Kuhn (1922-1996); Michel

Foucault (1926-1984); Karl-Otto Apel (1922); Hilary Putnam (1926); Jürgen Habermas

(1929); Richard Rorty (1931-2007); Gianteresio Vattimo (1936); Richard Dawkins (1941);

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

27

Daniel Dennett (1942); Peter Albert David Singer (1946-); Pierre Lévy (1956), além de

outros.

Para responder ao que surgiu no contexto de nossa preocupação em avaliar quais as

implicações mais amplas e específicas que a nanotecnologia pode ter sobre a natureza humana

e sociedade, e visualizarmos a partir daí questões de fundo ético que afetam a vida,

buscamos, simultaneamente, idéias centrais que fundamentassem a hipótese principal desta

tese, recorremos a autores como: Antonio Negri - mais conhecido como Toni Negri (1933-),

Edoardo Boncinelli (1941-), Umberto Galimberti (1942-), Giorgio Agamben (1942-), Félix

Duque Pajuelo (1943-), Peter Sloterdijk (1947-), Laymert Garcia dos Santos (1948.), Roberto

Esposito (1950), Werner Jaeger (1888-1961), Steven Arthur Pinker (1954-), e outros de igual

expressividade.

Ecolhemos estes autores sobretudo porque não apenas oferecem seu ponto de vista

filosófico, psicológico e biológico, mas também modelos de exposição clara e concisa de

problemas similares ao nosso - nanotecnologia. Por acréscimo, eles se alicerçam em

referências adequadamente selecionadas, apresentam abordagem de problemas de modo claro

e acessível e idéias, que defendem ou criticam, com argumentos ou objeções explicitamente

formulados e não apenas sugeridos. No que diz respeito à relação entre nanotecnologia e

ética, arte e técnica, abordando mais diretamente o uso pragmático, ético e moral da razão,

buscamos nos orientar em autores, cujas obras oportunizam uma leitura histórica da tradição

baseada no confronto de argumentos e concepções. Citamos como exemplos, Habermas,

Rorty, Rawls e Putnam, a nos delinearem um quadro com a ação humana se transformando

em ação eticamente “boa” ou eticamente “má”. Além desta contribuição, consideramos a

expressão “carência biológica” apresentada por Galimberti (2003, p. 119), particularmente

especial e inusitada para nós, julgando que seja um argumento procedente da “insuficiência

biológica” de Arnold Gehlen.

Desde o primeiro instante, para avançarmos nesta pesquisa, toda esta

fundamentação foi indispensável, mas consideramos necessário que nos reportemos à visão

de natureza que hoje temos e que pensemos a ética na sua realidade atual, numa reflexão

mais rigorosa, pautando-nos tanto no objetivo de conhecer, acompanhar e avaliar melhor

seus princípios reguladores e orientadores quanto na conduta dos cientistas, dos tecnólogos e

dos consumidores dos seus produtos. Também necessitamos estar atentos a que, no seio do

viver ético, tanto insurgem aberturas impensadas, à luz do lucro, como surgem formas

veladas de inquisição que ensombram o desenvolvimento da investigação científica e

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

28

tecnológica. Estaremos assim orientando e reorientando o nosso próprio comportamento,

acompanhando a história do homem, sua evolução social, cultural e ética, obtendo lições

importantíssimas para o futuro da humanidade. Tudo está mesmo decidido pela técnica?

Pode existir ética onde tudo está decidido pela técnica em nossa vida (ou quase tudo)?

Existem implicações para a prática da ética, se é que tudo está já decidido tecnicamente, para

que possamos nos situar com menos desconforto e acompanhar o desenrolar das questões

éticas implicadas à nanotecnologia?

Pelo exposto, consideramos na realização da abordagem teórico-metodológica uma

ampla e complexa base analítico-conceitual sobre o que é a nanotecnologia, como podem a

partir dela ser representados a ‘natureza’, a ‘vida’, o ‘ser humano’ e o ‘mundo’, e também as

implicações com a ética, por si só um desafio de partida. É evidente que existem muitas

questões conceitualmente complexas envolvidas nesse ponto crucial do problema e não

sabemos ainda com certeza qual é a melhor teoria disponível para dar conta delas, ao

vincularmos a nanotecnologia com um maior poder de decisão sobre nossas vidas, com o

saber, a ética e a condição humana.

Não poupamos esforços a este estudo, que exigiu a mais extenuante reflexão sobre o

que se acolhe da palavra dos pensadores eleitos, e teóricos, com os quais ousamos dialogar,

interagir, confrontar e não simplesmente incorporar seus discursos, para podermos avançar

por um terreno que tem sido alvo de muitas discussões e controvérsias, como já o dissemos.

Indicamos assim as principais idéias tratadas nos seis capítulos, destacando tópicos

temáticos, essenciais para justificar a relevância do assunto abordado e definir os pressupostos

teóricos juntamente com as proposições conceituais que dão sustentação às questões de

pesquisa. Esses tópicos, em seu conjunto, possibilitaram estruturar o contexto da tese e

facilitar a ‘visualização’ da sua abrangência.

Na introdução, buscamos definir o tema/ problema de pesquisa e seus objetivos para

justificar a sua relevância científico-acadêmica e social, e para falar àqueles que, direta ou

indiretamente, estão interessados em nanotecnologia. Situamos revisão da literatura,

fundamentos teóricos, problema, objetivos, justificativa, hipótese principal e questões

norteadoras, expondo alguns conceitos e idéias favoráveis à elaboração textual, mediante o

suporte oferecido por alguns autores, cujas considerações teóricas são significativas para a

construção do argumento desta tese. Procuramos servir-nos destas referências como

evidências para nos situarmos quanto ao modo de como seremos – e estamos sendo - afetados

por um novo parâmetro de mundo. Marcamos, assim, os pontos de partida para balizar o

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

29

percurso feito com a delimitação de seis capítulos. Estes correspondem a quadros teóricos e

de referência quanto ao conteúdo particular de cada um e em relação uns aos outros. Com

eles ampliam as oportunidades de compreensão multi e interdisciplinar sobre a

nanotecnologia, bem como as potencialidades da pesquisa, e o seqüenciamento mais

adequado das idéias apresentadas. Buscamos igualmente desenvolver novas possibilidades

analíticas e teóricas que auxiliem a investigação nas ciências sociais e humanas, para que

assumam em suas abordagens uma tecnologia, aparentemente tão esotérica, estranha e

distante, de forma não menos comum daquelas que já dominamos. Visamos, também, nesses

capítulos: a) atender aos objetivos e questões da tese; b) favorecer a compreensão reflexiva

dos métodos e instrumentos metodológicos utilizados; c) estruturar as estratégias de

abordagem; d) promover a delimitação dos instrumentos de coleta, análise e interpretação dos

dados; e) dar maior suporte à discussão sobre os resultados das análises feitas.

No primeiro capítulo, tratamos de aspectos gerais que revelam espaços abertos à

divulgação científica da nanotecnologia, apresentando elementos marcantes de sua

introdução, além de algumas abordagens sobre suas características e sua recepção na

sociedade.

No segundo capítulo, discorremos sobre a necessidade de definir a nanotecnologia, ou

nanotecnologias, como querem alguns dos que a abordam e a pesquisam. Considerando que a

palavra nanotecnologia está intimamente relacionada ao muito pequeno, observa-se de

antemão que as coisas do mundo “nano” não tratam de algo naturalmente e simplesmente

assimilado por todos nós.

No terceiro capítulo, procuramos colocar a nanotecnologia em sua relação com a

natureza e com a natureza humana, verificando as possibilidades de mudanças em relação à

vida em si, à nossa vida em particular. Lembramos que os materiais, cujos aspectos e

propriedades básicas fazem parte do mundo de nossa experiência, trabalhados na escala de

medidas própria da nanotecnologia, passam a ganhar outras e novas propriedades e a

apresentar um comportamento peculiar, acenando uma aproximação muito íntima entre techne

e arte. A nova materialidade nanotecnológica, então, ao que nos parece, representa verdadeiro

desafio à idéia que temos de realidade, de valor, de comportamento humano, de

comportamento moral, de ética etc., perante novos acontecimentos que se apresentam e que

fazem alguma diferença em nosso modo de viver e do valor da vida, imediatamente

considerados. Abordam-se caminhos seguidos pelos avanços do conhecimento científico e das

tecnologias, que ocasionam profundas mudanças e acontecimentos, responsáveis até mesmo

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

30

pela natureza interdisciplinar das N&N (Nanociência e Nanotecnologia) e pelos eventos que

marcaram e influenciaram o seu desenvolvimento. Quaisquer projetos neste domínio

implicam, necessariamente, na congregação de competências diversificadas, não apenas da

Matemática (geometria, álgebra, outras), mas também requerem uma base da Física, da

Química, da Biologia e da Filosofia, em que se reconhecem conteúdos bem definidos quanto à

importância que suas teorias têm para a nanotecnologia.

No quarto capítulo, levamos em conta as implicações da separação e, posteriormente,

da oposição radical entre natureza e cultura, que teve início no século XVIII. Ela dificultou o

entendimento da significação das ações históricas, do domínio da natureza e da criação

cultural, acontecimento que se refletiu nas grandes polêmicas que existem nas discussões

atuais em torno da própria nanotecnologia. A partir do século XIX alguns dos efeitos dessa

dicotomia são bastante problemáticos à vida, pois a própria técnica trouxe consigo a

impressão quase generalizada de que corresponde a uma espécie de processo sem nenhuma

conexão com a vida, pelo qual seríamos arrastados e cuja natureza escaparia, na verdade, aos

desígnios e finalidades estabelecidos pelo homem. É algo que alguns filósofos descreveram

como a realização impensada de uma potência libertada pela metafísica ocidental, mas não

controlável pela sua ética, pela sua moral, ou por qualquer outra filosofia prática.

No quinto capítulo, buscamos expor o que existe em torno da relação nanotecnologia,

natureza humana, ética e sociedade, cujas implicações possam afetar as instâncias legais,

políticas e econômicas. Mediante esta análise, identificamos distintas correntes éticas

influentes do pensamento moderno e contemporâneo, que trazem elementos especialmente

relacionados à inserção da nanotecnologia na sociedade, vinculando-os às fontes de tensão e

aos dilemas éticos existentes face às novas modalidades de controle técnico e suas

possibilidades. Acreditamos que isto se constitua numa indagação central para muitos

estudos, a ser aprofundada e repensada, ponto em que colocamos o maior leque possível, que

pudemos elaborar de pensadores da técnica e da ética. Fazemos uma breve revisão de idéias

que tratam da ética e buscamos traçar o caminho de sua influência até o presente momento, a

exemplo do que representam os expressivos debates que envolvem Habermas, Rorty, Apel e

Putnam que estão interessados nisso e acerca das influências do pragmatismo americano, com

relação ao desenvolvimento da técnica e sua aplicabilidade.

No sexto e último capítulo apresentamos uma forma de abordagem estruturada para

descobrir e avaliar o que as pessoas pensam e sentem em relação à nanotecnologia e algumas

de suas implicações, a fim de contribuir parcialmente para futuros e mais amplos debates

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

31

quanto ao entendimento do panorama atual da perspectiva brasileira e de alguns estrangeiros

(destes, o fizemos mediante argumentos encontrados em publicações com as quais

trabalhamos) sobre o desenvolvimento da nanotecnologia. Visamos auxiliar o

aperfeiçoamento dos mecanismos de participação pública de nossa sociedade. A pesquisa teve

por base o estudo bibliográfico e o trabalho de campo. Com a pesquisa de campo, tivemos um

recurso bastante favorável para fazer o estudo evoluir de uma abrangência mais pessoal a uma

mais ampla, e mesmo para uma integração a nível nacional, deixando de ser a nossa uma

experiência isolada e ocasional. Foi fundamental para nós atrair cada vez mais a participação

ativa da comunidade, para seu envolvimento mais expressivo, abandonando a atitude

puramente passiva perante o ingresso dos novos aparatos técnicos em seu dia-a-dia e a

entendê-los como dispositivos que estão organizando a vida comum e ordenando as coisas e

os corpos na polis. A investigação no âmbito do estudo individual, antes de recorrer para a

pesquisa de campo com o objetivo de compreender os mais diferentes aspectos de uma

realidade nova, como qualquer outro tipo de pesquisa partiu do levantamento bibliográfico.

Determinou-se o uso do questionário como técnica (e instrumento) de coleta de dados

apropriada à natureza do tema. O questionário foi aplicado, via e-mail, a vinte e três pessoas

que foram convidadas e aceitaram espontaneamente participar desta pesquisa. Tendo em vista

a preocupação de poder contar com pessoas que constituíssem um subgrupo que fosse

representativo em relação à população como um todo, os sujeitos de pesquisa foram por nós

escolhidos enquanto “pesquisadores-experimentadores”, diretamente envolvidos com a

pesquisa em nano, “pesquisadores de área não-nano" (que estão reposicionando problemas

ligados à nanotecnologia dentro do contexto mais vasto da ação no âmbito das ciências sociais

e humanas e da comunicação humana), “público informado sobre o tema nano” e “público

não-informado sobre o tema nano”. Estas duas últimas categorias de participantes foram

incluídas por suas posições e papéis mediante os quais podem contribuir com reflexões sobre

a singularidade da nanotecnologia. Assim, foram selecionadas as pessoas para a composição

do universo da pesquisa, dispostas a colaborar para que se cumprissem os objetivos principais

do trabalho de pesquisa, satisfazendo algumas necessidades do mesmo e podendo oferecer as

contribuições solicitadas. Podemos antecipar que contamos com participantes de diversas

áreas, a saber: Física, Biologia, Engenharia Química, Química Biológica, Farmácia e

Biofarmácia, Medicina Genética, Medicina Otorrinolaringologia, Odontologia, Psicologia,

Filosofia, Sociologia, Antropologia, Direito, Engenharia Metalúrgica e de Materiais, História,

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

32

Administração, Contabilidade, Pedagogia, Informática, Jornalismo, Engenharia Mecânica e

do setor empresarial.

Julgamos que ter seguido o viés exploratório, desde o início do trabalho, foi um

empreendimento imprescindível, porque ainda se dispunha de número pouco expressivo de

publicações, tanto brasileiras quanto estrangeiras, a respeito do assunto. Esta escassez inicial

limitava nossas possibilidades de desenvolver, esclarecer e precisar conceitos e idéias para a

formulação de abordagens condizentes com as necessidades próprias à continuação do estudo.

Buscou-se ainda acompanhar e ao mesmo tempo apreciar o desenvolvimento do fenômeno em

questão, objeto de nosa pesquisa, na sua visão atual, com a firme decisão de nos envolvermos

da melhor forma possível em sua estrutura íntima, ainda latente para nosso cotidiano,

inclusive por ser um fenômeno não-visível ou observável à simples reflexão.

Deste estudo, concluímos que as opiniões e percepções sobre a nanotecnologia e suas

implicações à natureza e à vida em geral, sobretudo os posicionamentos que remetam a uma

nova visão sobre a relação da técnica com o ser humano, assinalam um incipiente

envolvimento das pessoas com as novas informações, mostram que existe ainda pouquíssima

familiarização com estas novas tecnologias, o que explica a atitude geral de emissão de

pronunciamentos a respeito, tanto de seus riscos quanto ao otimismo face às novas promessas

tecnológicas em particular na melhoria na qualidade de vida e em questões de saúde. No

público que domina o assunto, encontramos tanto crédito favorável em relação à nano, quanto

temores e incertezas face ao caráter de algo invisível-incontrolável que a princípio em si

representa.

Mas foi possível ter uma idéia mais clara sobre o que especialistas e o público leigo

brasileiros entendem por nanotecnologia, focalizando seus pontos de vista em aspectos

essenciais, particularmente, associados à radicalidade que tem sido concedida à

nanotecnologia como inovação tecnológica e à sustentação de aspectos teóricos, éticos e

morais que estão na base dessas posições, expressivos como referência a outras interpretações

acerca da nanotecnologia, para que se trabalhe com a educação do cidadão, através da

compreensão do papel desta inovação no desenvolvimento da tecnologia e da educação em

ciência. Concordamos com o presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Adalberto

Fazzio (2005), quando defende a incorporação do conhecimento científico à cultura popular,

acrescentando que: “O cidadão comum precisa processar informações de forma objetiva e

comunicar-se de forma estruturada, ter espírito crítico e ser capaz de ler a tecnologia de seu

tempo”.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

33

Deste modo, destaca-se a importância de ações educativas mais amplas e

sistematizadas que promovam o acesso a informações e ao debate sobre a nanotecnologia,

bem como à bio e nanobiotecnologia, que incentivem os indivíduos a participarem mais

efetivamente dos processos decisórios pertinentes às mesmas que afetam diretamente sua vida

cotidiana. Durante o desenvolvimento de nosso estudo, podemos dizer com segurança, já

efetuamos uma divulgação de longo alcance sempre que tivemos esta oportunidade, uma

socialização necessária e bastante produtiva, por considerarmos um ‘dever’ nosso, de todos

nós, neste momento de tantas perguntas e receios, e também muita falta de sentido à vida e de

esperança. Fizemos um pouco, mas ainda há muito por fazer. O desafio está lançado!

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

34

1. ASPECTOS GERAIS: A INOVAÇÃO NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DO

CONHECIMENTO COM AS QUESTÕES CENTRAIS COLOCADAS PELA

NANOTECNOLOGIA

Não desespereis se não puderdes compreender à primeira os mais profundos mistérios do Espaço. Gradualmente far-se-á

luz em vós... (Edwin A. Abott)

Destacamos que, de início, foram fundamentais para o trabalho de pesquisa justamente

as referências encontradas na internet, com indicativos de credibilidade, cujas consultas se

intensificaram a partir do ano 2000 até se ter à mão literatura especializada, no momento

ainda limitada e pouco acessível. Observamos que praticamente nada existia de estudos

realizados nas ciências sociais e humanas no Brasil, estritamente sobre nanotecnologia. Esta

carência teórica e prática mostrava-se contraditória em vista do grande número de

reportagens e artigos referentes às áreas da biologia, física, química, farmácia e engenharia

de materiais, veiculados pelo meio virtual e em reportagens esporádicas na TV, e por jornais

de grande porte e em revistas científicas de expressiva divulgação científica. Em pesquisas

na rede, mediante intencional e insistente busca do que foi produzido nesse período com

vistas a examinar um número mais representativo de artigos e entrevistas publicados, foram

utilizados como descritores os termos básicos: nanotecnologia, nanotechnology,

biotecnologia, biotechnology. Também se fez consulta a trabalhos anteriores ao ano 2000,

nos quais a nanotecnologia é assunto vital, por se constituírem em recursos de grande valor

científico e por fornecerem um panorama abrangente sobre o assunto, a darem uma idéia

tanto dos temas de pesquisa mais investigados, como também dos temas que receberam

pouca atenção das pesquisas.

As aproximações primeiras com o assunto culminaram na produção de um artigo, em

1997, publicado no site WMulher (1997), intitulado “Nanotecnologia”. Posteriormente, a

partir de 1999, veio a decidida disposição de cursar o Doutorado. Contava-se então com mais

fontes bibliográficas e documentais específicas sobre o assunto, mesmo que se dispusesse de

pouca coisa em publicações nacionais6, sendo também mais expressivo o número de obras

6 Destacamos aqui as obras: REGIS Ed (1997). Nano: a ciência emergente da nanotecnologia (refazendo o mundo molécula por molécula). Rio de Janeiro: Rocco; LAMPTON, Cristopher. (1994). Divertindo-se com Nanotecnologia: construindo máquinas a partir de átomos. São Paulo: Berkeley.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

35

internacionais sobre o assunto, artigos e reportagens on-line e publicações em revistas

científicas qualificadas.

A partir de 2003, cursando as disciplinas do Doutorado e já em trabalho de pesquisa,

foram debatidos resultados parciais com mais de 2.000 pessoas, entre alunos e educadores de

biologia, química, física e também de outras áreas, durante aulas em cursos de Pós-

Graduação e cursos de curta duração ministrados pela pesquisadora, no Estado de Santa

Catarina e no Rio Grande do Sul, e em palestras proferidas pela mesma. Obteve-se, assim,

uma gama de distintas percepções e considerações preliminares e gerais, a respeito da

introdução da nanotecnologia e de alguns conceitos fundamentais, abordando-se também

algumas experiências e resultados pertinentes, bem como objetivos e avanços científico-

tecnológicos. Nesse período, foram publicados pela pesquisadora dois artigos com ênfase na

temática nanotecnologia: um deles na Revista Impulso (2003) com o título “Nanotecnologia:

considerações interdisciplinares sobre processos técnicos, sociais, éticos e de investigação”,

e o outro na Revista Eletrônica Teknokultura (2004), chamado “A Cibercultura, os Hackers e

o Emergente Campo da Nanotecnologia: o minúsculo espaço nano e as ações finas dos

hackers”.

Dois eventos, em que a pesquisadora se fez presente, foram considerados expressivos

e podem ser demarcados como boas oportunidades de debates iniciais sobre as grandes

questões internacionais e nacionais, referentes à nanotecnologia.

O primeiro a destacar foi a participação como ouvinte na palestra “A revolução

nanotecnológica”, em Florianópolis7, em outubro de 2003, proferida pelo físico Cylon

Gonçalves da Silva, professor da Unicamp e então Secretário de Políticas e Programas de

Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Nesta ocasião,

Cylon Gonçalves recomendou uma reflexão mais profunda sobre o impacto da

nanotecnologia nos mais variados setores industriais, chamando a atenção para o fato de que

o Brasil correria sério risco de ficar para trás se deixasse de investir em processos

nanotecnológicos, podendo acontecer de os produtos brasileiros perderem competitividade e

de ficar limitado o desenvolvimento sócio-econômico e científico do País. Salienta-se que

esta é a visão de um dos representativos nomes brasileiros ligados à área de pesquisa

científica. Além disso, o Professor Cylon é um cientista/físico que teve seu papel social

redefinido quando passou, na extensão de suas atividades de pesquisador, a desempenhar o

7 A palestra aconteceu no auditório do Centro de Convenções da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), em 25 de outubro de 2003.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

36

cargo de Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério

da Ciência e Tecnologia (MCT), no atual Governo Federal.

O palestrante argumentou à época que a nanotecnologia é de grande interesse para o

Brasil, ainda em desenvolvimento inicial, e, sendo uma atividade de ponta exige das

empresas brasileiras grande investimento na área, de modo a não correrem o risco de ficarem

defasadas em relação às demais. Nesse aspecto, sua preocupação nos pareceu bem amparada

nos fundamentos assinalados por Eric Drexler8, ao assinalar que a nanotecnologia traz uma

promessa de hiperabundância a custo econômico e ambiental zero, que deverá significar o

fim de todas as formas societais de que se teve notícia nos últimos dez mil anos, incluindo-se

nessa extinção o próprio sistema capitalista (REGIS, 1997). Assim é que, para Cylon

Gonçalves, se trata de um outro nível de realidade com que seria conveniente entrar em

contato desde a infância, acrescentando que os norte-americanos já o vêm fazendo para

facilitar a compreensão de fenômenos somente situáveis mediante o conhecimento de

grandezas muito pequenas (medidas de grandezas fundamentais, inclusive as relativas a

propriedades atômicas).

O segundo evento em que houve a participação da pesquisadora foi o V Fórum Social

Mundial (FSM)9, ocorrido em Porto Alegre/RS, na atividade “Novas tecnologias para um

novo mundo possível: a nanotecnologia é a nova solução?”, no dia 28 de janeiro de 200510.

Este evento oportunizou que a pesquisadora tornasse públicas breves considerações sobre

aspectos inerentes à relação nanotecnologia-condição humana, abordando informações

disponibilizadas nos meios impressos, eletrônicos e virtuais e, mediante as mesmas,

levantando questões pertinentes a pontos importantes sobre a pesquisa nanotecnológica, para 8 Kin Eric Drexler é físico, autor de Engines of Creation (1986) e o Fundador e Presidente do Foresight Institute, e introduziu o termo ‘nanotecnologia’ em 1986. Nos anos 80, o conceito de nanotecnologia foi por ele popularizado através do livro citado, "Engines of Creation". Drexler foi o primeiro cientista a doutorar-se em nanotecnologia pelo MIT. 9 Nesse Fórum, bastante significativo para referenciar também este estudo, estavam presentes os convidados internacionais: Renzo Tomellini (chefe de Nanociência e Nanotecnologia da União Européia), Simone H.C. Scholze da Division of Ethics for Science and Technology (UNESCO), Kenneth Gould (St. Lawrence University-USA), Silvia Ribeiro (EtcGroup, Canadá), Pat Mooney (EtcGroup, Canadá) e os convidados nacionais: Sedi Hirano (Diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas-USP), Paulo Roberto Martins (Coordenador), Silvia Guterres (NANOBIOTEC - Faculdade de Farmácia-UFRGS), Petrus Santa Cruz, da RENAMI (no lugar de Oscar Manoel Loureiro Malta, coordenador da Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces - RENAMI/DF/UFPe) e esta pesquisadora (aluna do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas - UFSC). Não compareceram ao evento os convidados Mike Treder (Center for Responsible Nanotecn-CRN), Eronides F. Silva Junior (coordenador da Rede NANOSEMIMAT- DF/UFPe) e Tânia E. Magno da Silva (aluna do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal de Sergipe-UFS). 10 Atividade esta inscrita pelos órgãos RENANOSOMA, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP/SP e SINSESP. Essa atividade foi coordenada pelo professor Paulo Roberto Martins do IPT e Coordenador da Rede RENANOSOMA.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

37

uma reflexão de maior alcance. Mas, foi substancial ter presenciado o embate de idéias e a

troca de análises entre os palestrantes Petrus D’AmorimSantacruz de Oliveira (à época,

professor da UFPE, pesquisador do CNPq e representante da Rede NANOSEMIMAT e

RENAMI - e Sílvia Ribeiro, pesquisadora mexicana do ETC Group - Action Group on

Erosion, Technology and Concentration), uma organização da sociedade civil com sede no

Canadá.

Sílvia Ribeiro fez duras críticas à nanotecnologia, em sua fala, a respeito de questões

como a das patentes, alegando o vínculo irrestrito da nanotecnologia a grupos de interesses, às

conseqüências da penetração da nanotecnologia na alimentação e agricultura, ao câncer de

pele dos trabalhadores rurais por conta das nanopartículas, os impactos sobre o meio

ambiente, como as nanopartículas aplicadas nos campos via pesticidas e as que já estão

presentes em aditivos alimentares, sem que nenhum governo tivesse desenvolvido ainda um

regime que regulamente a nanoescala. Por sua parte, Petrus D’Amorim Santacruz fez sua

réplica, alegando que era necessário conhecimento de causa, fundamentação científica séria,

para poder alegar a ocorrência de certos riscos e conseqüências maléficas, e que não se

deveria deixar questões como essas em aberto, principalmente, quando se tem à disposição

um debate em que deve existir transparência. O professor brasileiro complementa dizendo que

raciocínios falaciosos com relação, por exemplo, à própria nanotecnologia, como no caso da

confusão feita entre lipossomas e nanopartículas, são impróprios, considerando que a

população deveria sim estar mais esclarecida, e que lhes cabia o papel de contribuir para a

transparência da informação. Este embate foi, de fato, um momento que, para a pesquisadora,

mostrou claramente uma arena relacionada à questão ética. Frente ao desenvolvimento que é

apontado para a nanotecnologia, por ser uma temática muito complexa não só pelas

características que lhes são próprias, senão também por tratar-se de um tipo de conhecimento

marcado por uma grande amplitude científico-tecnológica, vislumbrando grandes

modificações na vida em geral, podemos assegurar que a nanotecnologia precisa de grande

debate público e em termos éticos há tudo por dizer. Por nossa trajetória até aqui, marcada

pelo acompanhamento de algumas posições e seus desmembramentos, notamos que existe

efetivamente um considerável cenário de incertezas e vazios existentes, de modo geral, no

conhecimento da nanociência e a nanotecnologia.

Outro fator de interesse para este trabalho, que deve ser registrado, foi a atuação da

pesquisadora, em 2006, como consultora da disciplina de Ciências junto à Secretaria

Municipal de Educação de Florianópolis, na retomada dos trabalhos de elaboração do Plano

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

38

Curricular para a área de Ciências Naturais, em seu Projeto de Qualificação dos Profissionais

da Educação Básica. Esta atividade contribuiu de modo expressivo para que fossem discutidas

as principais bases teóricas necessárias à familiarização com a nanotecnologia, bastante nova

para a grande maioria dos educadores, bem como as diferentes fontes de informações e a

necessidade de incorporar ao estudo outros conteúdos, sobretudo, referentes à física clássica e

à física quântica, em comparação com a mais recente manipulação do átomo através da

nanotecnologia11. Já havíamos chegado a esta constatação na Dissertação de Mestrado em

Educação12, em que analisamos e apresentamos às mais expressivas posições epistemológicas

que se manifestam no seio das Ciências Biológicas e influenciam o ponto de vista de

estudiosos e educadores nas suas abordagens referentes à organização material do ser vivo. A

pesquisa introduziu um território vasto de questões a explorar, uma vez que tratou da situação

epistemológica da Biologia, à época, uma ciência intimamente envolvida com o quadro

teórico de outras ciências. Era, pois, reconhecido que a discussão em torno do contexto

biológico suscitava, necessariamente, uma análise à luz da crítica epistemológica para colocar

as Ciências Biológicas e o ensino de suas teorias no lugar que lhes compete, já que, enquanto

ciências naturais, têm em comum a investigação da natureza e dos desenvolvimentos

tecnológicos, compartilhando linguagens para a representação e sistematização do

conhecimento de fenômenos ou processos naturais e tecnológicos, campo do conhecimento a

ser melhor situado em seu caráter formativo comprometido com a vida. Mas é importante

declarar que o desafio agora é bem maior, pois, por seu caráter multidisciplinar e

interdisciplinar, por exigência teórica de abordagem, a nanotecnologia vem demonstrando um

potencial inusitado de revolucionar amplamente vários campos tecnológicos e científicos,

vários conceitos já estabelecidos e incorporados na cultura científica, e vários setores

produtivos.

Entendemos como Hans Jonas (1995) que questões - a exemplo das pertinentes à

nanotecnologia - que nunca foram antes matéria de legislação, penetram no campo das leis;

11 O aquecimento das discussões e a possibilidade de abordar conhecimentos novos e tão complexos, trazendo à tona algumas questões implicadas desde o macrocosmo até a mais ínfima partícula, na escala nanométrica, foram fundamentais. Além desta feliz oportunidade, a maior plenitude desses momentos foi a de poder começar nas escolas públicas municipais um trabalho de introdução de bases conceituais referentes a estes avanços científicos e tecnológicos, desde as séries iniciais. Tais ocasiões, contando com o envolvimento de aproximadamente 90 professores, enriqueceram a compreensão de questões acerca do objeto de pesquisa e pertinentes à formulação de hipóteses. Também contribuíram para a pesquisadora manter-se atenta aos novos elementos que emergiam durante o processo partindo de pessoas com bacharelado e especialização em ciências naturais, como é o caso da pesquisadora. 12 Intitulada Posições epistemológicas legitimadoras de determinadas formas de abordagem do conteúdo das Ciências Biológicas12, com a defesa em 14 de dezembro de 1994.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

39

basta lembrar de situações pertinentes à eutanásia, à clonagem humana e às células-tronco

embrionárias para fins de pesquisa e terapia, para ponderarmos sobre até que ponto cabe ao

Direito definir a partir de que momento o que diz respeito à vida é passível de proteção

jurídica, quando existe divergência até mesmo entre biólogos e geneticistas sobre isso. Mas,

como é possível atribuir somente à arena jurídica a responsabilidade ética, política e social

dessa difícil decisão, sabendo que hoje nos deparamos com o campo do Direito mergulhado

em matérias como bioética, direitos fundamentais, novos direitos e novas tecnologias

(biodireito, direito à vida e comércio do corpo humano, e biomedicina) e direito à vida e à

dignidade humana (anencefalia e antecipação do parto, anomalias fetais e direito à vida,

aborto e direito à vida)?

Sem dúvida, esta intervenção, que até algum tempo era uma atividade de ordem e

organização, de certo modo considerada normal, lida hoje como uma atividade de

transformação cultural equivalente à ordem da manipulação da natureza (de todos os seres

inorgânicos, dos vivos à humana), no âmbito circunscrito da intenção e da ação, que regem a

ética, fortemente atravessada pelo efeito do fazer nanotécnico, cujas produções vão ainda

além do atuar humano. Entendendo por ética o decidir entre humanos e por aquilo que a

interessa como o viver bem a vida humana, viver bem a vida que transcorre entre humanos, a

nanotecnologia constrange o direito e condiciona e questiona a ética, pois, é de outra ordem

de aplicação das propriedades operatórias nas técnicas de “cálculo” e modos de operar.

Obriga-nos a tomar posição sobre uma realidade que já não é mais natural em essência, mas é

o mais puro resultado da mescla natureza-cultura-técnica e de uma intervenção recíproca de

uma sobre a outra, cuja produção daí derivada passa a reger a vida e não cessa de construir e

tornar possível o impossível, qualquer que seja a posição assumida pela natureza ou pela

cultura. Estamos diante do impasse quanto a redefinir ou mesmo delimitar com mais precisão

o papel de nós mesmos perante isso tudo. Caso fosse para prevermos conseqüências positivas

ou negativas nas nossas escolhas quanto ao que considerássemos bom, prazeroso,

conveniente, econômico, e implicasse em menos prejuízo ou males, não pensaríamos duas

vezes em recorrer ao uso dos parâmetros da ética utilitarista, uma ética de cálculo de

conseqüências, assemelhada à ‘matemática’ ou ao ‘cálculo moral’, como algo que entra no

cálculo de benefícios, voltado para resultados concretos e previsíveis, mais do que para as

formalidades das intenções. Mas, há uma exigência mais imediata que nos impele à necessária

reflexão ética de outra ordem, que se pronuncie a respeito dos acontecimentos novos, que

abarque as transformações que a nanotecnologia poderá trazer aos conceitos de ‘natureza’, de

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

40

‘vida’, de ‘humano’, de ‘natureza humana’, além das implicações pertinentes aos seres que

habitam o mesmo nosso planeta, ainda chamado Terra. Talvez, um primeiro passo seja

amenizar a distância que existe entre as particularidades conceituais da nanotecnologia, ainda

distantes da compreensão da grande maioria das pessoas em sua linguagem cotidiana, o que se

espera que aconteça levando esta preocupação para outras áreas; outro passo é desmistificar

alguns “absurdos” sobre a nanotecnologia e também delimitar de forma mais clara quais são

de fato as implicações de ordem ética que estão envolvidas com a nanotecnologia.

Vale fazer notar que o termo “ética”, em muitos dicionários, é encontrado como

disciplina filosófica que tem por objeto de estudo os julgamentos de valor na medida em que

estes se relacionam com a distinção entre o bem e o mal. Observamos que o termo medida já

aparece na própria definição, e também o termo valor, que de modo geral, estão sempre

associados à ética.

Em termos éticos, nos remetendo ao uso das células-tronco adultas, no caso das

fabricadas a partir da pele humana (procedimento equiparável ao de transplante de tecido no

próprio corpo em que se retiram as células-tronco da própria pessoa e se injetam no lugar

onde o tecido está danificado), façamos aqui uma evasiva. Podemos dizer que a obtenção de

células-tronco a partir da pele humana não representa problemas, pelo menos imediatamente,

e foi o que realmente presenciamos por parte da sociedade, com a divulgação dessa pesquisa

na mídia. Mas não se pode descartar a hipótese de que esta reação receptiva se dê até o

momento em que o uso das células da pele não afete a resposta de quando tem início a vida

humana. Como ficaria se o homem estabelecesse parâmetros para medir o que é vida, com um

salto qualitativo para baixo ou ainda mais da escala do nanômetro, a poder chegar um dia ter a

coragem e a ousadia de dizer que a vida está na nanopartícula, no átomo! Quem tem afinal a

resposta decisiva para a pergunta: Quais são os parâmetros para determinar quando começa

uma vida? O que é vida? O que determina a natureza humana?

Observamos que existem muitos argumentos à nossa disposição para ficarmos

oscilantes entre a “tecnofobia” e a “tecnofilia”, mais precisamente, a ficarmos enredados no

maniqueísmo quanto ao domínio técnico-científico. Com referência aos últimos pontos,

seguindo os passos de Galimberti, nos deparamos com a ética do viandante, do ser humano

de hoje, que não conhece seu futuro, refletindo o estado da ética na idade da nanotécnica.

Como estão sendo calculados os benefícios das pessoas e comparados o prazer e a felicidade

de pessoas diferentes, em relação ao usufruir do saber fazer nanotécnico? Qual é o grau de

intensidade dessas motivações? Ao fazer correspondências com as coisas em escala

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

41

nanométrica, uma nanopartícula de óxido de ferro, por exemplo, usada por pesquisadores

alemães, para o tratamento de tumores cerebrais multirresistentes, o que este alcance

representa para nós sem o apoio de uma medida-referência usual? Neste caso, temos que

pensar que o que predomina não é uma aproximação mediante a utilidade imediata, objetiva

e naturalista com a partícula nanométrica, ao nível exclusivo do ‘fazer’; em verdade, o

‘compreender’ torna-se obsoleto e sem sentido perante esta nanopartícula, ocorrendo até

mesmo a perda de uma perspectiva teleológica (orientação finalista). Somos acometidos de

certa instabilidade quanto ao que passa a representar o mundo do intangível, aquele que

escapa de certa finalidade (télos) que se pretende atingir, e que, portanto, é algo

imediatamente livre de valores; sentimos dificuldades em estabelecer um critério (princípios,

modos de ser, valores etc.) para distinguir as ações corretas e as incorretas a serem

legitimadas por um consenso entre nós e outros indivíduos, a respeito do destino dessa ‘coisa

nanométrica’, que como nós não podem atribuir valores. Do mesmo modo, teríamos também

dificuldades à falta de regras efetivas em que se fundamentasse a nossa ação, utilizando

regras subjetivas de ação; não saberíamos discernir entre o correto e o incorreto por não

dispormos de uma referência, uma “lei”, que pudesse ser observada e seguida por todos os

demais, a decidirmos que por dever, a comparação de utilidades é sempre irrelevante:

algumas ações simplesmente não devem ser feitas, quaisquer que sejam as conseqüências, e

pronto!

Nesse aspecto, nos perguntamos também sobre a possibilidade de ser bem sucedida a

prática da ética do discurso, elaborada por Apel, e, posteriormente, aprofundada por seu

compatriota, Habermas, para determinar as regras do que é correto a partir de uma

comunidade ideal de comunicação, em que todas as pessoas apresentassem normas de ação

capazes de legitimação por consenso (entre os participantes do discurso comunicativo). Para

Costa (2005), Apel argumenta que é necessário distinguir atitudes individuais de condições

universalistas para a vida em grupo, considerando que cada pessoa deve procurar o que é

melhor para si, que é o indivíduo quem faz sua própria escolha profissional, por exemplo. O

filósofo enfatiza que vivemos num espaço livre para a individualidade, o que nos faz ter que

pensar em responsabilidade conjunta das sociedades, não específica, em que a busca de

princípios morais é uma questão de todos os seres humanos. Habermas (1983) defende a

exigência de uma reflexão acerca do agir comunicativo que possa ser capaz de esclarecer

normas de ação, sem recorrer a dogmas religiosos ou metafísicos para sua fundamentação e

ainda dissolva a tensão entre a positividade do direito (sua faticidade) e sobre a legitimidade

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

42

que se lhe pode associar (sua validade). Com sua posição referente à reflexão ética e moral,

partindo da distinção entre três possíveis usos da razão prática, ou seja, o uso pragmático, o

uso ético e o uso moral, o filosofo esclarece que: A ética do Discurso não dá nenhuma orientação conteudística, mas sim, um procedimento rico de pressupostos, que deve garantir a imparcialidade da formação do juízo. O Discurso prático é um processo, não para a produção de normas justificadas, mas para o exame da validade de normas consideradas hipoteticamente (1989: p. 148).

Ao fazer o questionamento sobre a importância da ética do discurso (uma teoria do

agir comunicativo), fomos tomados por um impasse substancial face aos rumos que o poder

de decisão técnica assume em nossas vidas, desenvolvendo questões norteadoras que, dentre

outras coisas, demonstram a situação ética da nanotecnologia plena de incertezas ainda, como

as seguintes: Temos já condições, perante a nanotecnologia, para como quer Habermas,

autolegislar, a nos instituirmos e nos realizarmos como autores e, ao mesmo tempo,

destinatários de nossa soberania e dos nossos direitos fundamentais, na efetivação das regras

do procedimento devido, sem sermos teleológicos, ou seja, sem agirmos de acordo com

finalidades que projetam para o futuro?

Espera-se, com essas abordagens, explorar fortes e impactantes questões, contribuindo

para uma atualização das classificações epistemológicas hoje dominantes sobre as questões

éticas e para tentar uma ponte entre elas e a nanotecnologia. O cientista químico brasileiro

Henrique Eisi Toma (2004, p. 87-89) afirma que é notório o interesse trazido pela

nanotecnologia nos setores governamentais dos Estados Unidos, no que diz respeito à energia,

à defesa (segurança e recursos bélicos), à aeronáutica, podendo ser criados dispositivos que

escapem à detecção dos radares, produtos de destruição ou defesa e os que afetem à saúde (via

nanopartículas caso não sejam controladas, podendo atingir a cadeia alimentar), entre outros.

Mas é importante ressaltar que nesta dimensão, eles não se comportam exatamente da mesma

forma como com eles convivemos em nossa experiência cotidiana, nem vêm com rótulos

informando quais as perguntas que devemos fazer a respeito deles, sendo necessário, do ponto

de vista evolutivo não dissociar a ciência da consciência humana, para que o que não está

dado à percepção sensível tenha a condição de se tornar presente à consciência.

É possível afirmar, com segurança, que sobre essas tecnologias tão pequenas, ínfimas,

em nosso convívio no mundo da vida não se sabe quase nada sobre elas, e sobre qualquer

coisa que esteja fora da escala comum em que desenvolvemos a visão das coisas e

percebemos nosso entorno. Muito embora o estudo e o desenvolvimento sistemáticos de

objetos e dispositivos na escala nanométrica seja algo recente, pode-se afirmar que a

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

43

tendência interdisciplinar é muito grande e que não é de agora que vem se construindo. A

nanotecnologia vale lembrar, segundo Celso Pimenta de Melo e Marcos Pimenta (2004, pp. 9-

21), está presente na natureza há bilhões de anos, desde quando os átomos e moléculas

começaram a se organizar em estruturas mais complexas que culminaram na origem da vida.

É importante localizar, portanto, historicamente, a introdução da tecnologia na sociedade,

desde os primórdios da história da humanidade, quando o homem utilizava os materiais que a

natureza lhe oferecia para satisfazer as suas necessidades, até chegarmos hoje a grande

diversidade de problemas tecnológicos caracterizados pelo ramo de pesquisa denominado

nanotecnologia. Problemas de cálculo e de álgebra estão na base dos princípios e aplicações

da Nanotecnologia. Também o mundo sempre viveu da “prática avidez humana” pela certeza,

explicação, segurança e a constante tentativa de fugir de tudo o que pudesse ameaçar a perda

de controle racional e técnico, empurrando o homem a orientar-se segundo a perspectiva do

cálculo, sentindo-se assim seguro, fazendo com que ciência e técnica se transformassem e

reinventassem a si próprias, e servindo a projetos civilizatórios, redefinindo rumos e

estratégias.

Com as técnicas desempenhando importante papel na constituição e manutenção da

sociedade do controle e os usos das novas tecnologias, certamente objeto de disputa no que

tange à grande disposição mundial das redes e à sua regulação quanto ao uso dos poderes e

contrapoderes, as tecnologias da informação podem por uma parte conduzir para a

manutenção de situações de exclusão e produzir as subjetividades que lhe são adequadas, mas,

por outra, se incorporadas de maneira criativa, com livre acesso e com qualidade hiper-real da

informação e capazes de emancipar a capacidade cognitiva, podem abrir espaços para o novo,

extrapolando o controle.

Nestes casos, tão novos ainda e bastante polêmicos, em que se chocam tantas

questões complexas como os avanços científicos e tecnológicos na área de Genética, com

ênfase no vasto campo da Biologia Moderna, em Genética Molecular, da Biotecnologia e no

que se refere à Nanotecnologia e à emergente Bioeconomia13, se põem em relevo implicações

de natureza ética e social, como: os próprios princípios éticos para as pesquisas médicas em

seres humanos, a relação sujeito de direito e corpo, o direito de privacidade, os interesses

econômicos na vinculação do conhecimento científico com o mercado cada vez maior, e

13 As indústrias alimentar, farmacêutica, química, da saúde, da energia e da informação estão se agregando de forma nunca antes imaginada, observando-se que as fronteiras entre negócios tradicionalmente distintos já estão se integrando, grande convergência esta que está gerando o que promete ser a maior indústria do planeta, já denominada Bioindústria.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

44

outras mais. O que se pode dizer de concreto, é que muitas dessas questões foram trazidas

pelo homem moderno, e quanto a isso e quanto ao mérito de tais dilemas não há dúvida. Não

podem mais ficar esquecidas, ignoradas displicentemente ou propositalmente questões

relevantes que dizem respeito aos conceitos científicos e técnicos envolvidos, fundamentais

para analisar as referências mais imediatas ao debate público, sobre as influências das

tecnologias na vida em geral, no Planeta inteiro, no universo, que vêm sofrendo modificações

com o tempo por força da intervenção técnica.

È importante registrar que, rastreando a literatura especializada no assunto,

observamos muitas dificuldades de terminologia nela encontrada, que decorrem do fato de

que o assunto nanotecnologia é novo ainda, mas cujo corpo de conhecimentos tem sido

submetido a uma evolução bastante rápida. Desse modo, é possível encontrar algumas

expressões assumindo um significado diferente, em relação àquelas já utilizadas para outras

técnicas, ou, ainda, algumas delas se referindo a termos não totalmente reconhecidos ou

completamente desconhecidos na vida comum. Por isso há que se criar mecanismos para

facilitar os meios de se ter acesso a algumas considerações mais claras a respeito da nano.

Apresentam-se assim pontos fortes a reafirmarem a tarefa de pensar em como fazer para

estreitar os laços entre as Ciências Naturais, as Ciências Sociais e Humanas e as Ciências da

Engenharia e Tecnologias. Do mesmo modo, trata-se da necessidade de introduzir alguns

conceitos essenciais e espinhosos por sua amplitude e complexidade, acerca da

nanotecnologia, que possam transitar em meio a elas, aproximando-as mais.

Por nossa caminhada até aqui, afirmamos com segurança que a falta de informações é

a grande causa da falta de base para tratar da nanotecnologia de uma forma mais familiar,

mesmo para discutir as questões sociais e éticas, as ambientais, as que dizem respeito à saúde

humana, entre outras, a que se possa traçar um panorama mais abrangente sobre os assuntos

do campo ético na pesquisa nanotecnológica e seu relacionamento com os mundos dos seres

humanos, a saber, como refere Koyré (.1980), o “mundo do mais ou menos” e o “mundo da

ciência”.

É importante, também, desde o começo, ter bem precisa a diferença entre ética e

moral, pois enquanto a primeira implica liberdade para podermos optar e, portanto, requer

responsabilidade, a segunda nos remete ao fato de que toda cultura e cada sociedade institui

uma moral, isto é, valores concernentes a uma série de conceitos e padrões de comportamento

em relação ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para

todos os seus membros. Isso é importante lembrar, porque discutir a ética nos leva a poder

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

45

optar, implica em decidir por valores, posicionamentos, o que não tem sido muito expressivo

em relação ao desenvolvimento da técnica nas sociedades e em relação aos avanços que

ciência e tecnologia trouxeram à vida, a todos os seres, ao ser humano.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

46

2. O QUE É NANOTECNOLOGIA

Quando vamos ao mundo muito, muito pequeno – digamos,

circuitos de sete átomos – acontece uma série de coisas novas que significam oportunidades completamente novas para

design. Átomos na escala pequena não se comportam como nada na escala grande, pois eles seguem as leis da mecânica

quântica. Assim, à medida em que descemos de escala e brincamos com os átomos, estaremos trabalhando com leis

diferentes, e poderemos esperar fazer coisas diferentes. Podemos produzir de formas diferentes.

Richard P. Feynman (1959)14

Em contraposição às tecnologias mecânicas tradicionais e molares, estão as

tecnologias moleculares (nuclear, hidrogênio, energias renováveis, microeletrônica,

biotecnologia e nanotecnologia), que possibilitam observar e até manipular de maneira bem

precisa os objetos e os processos por elas controlados. O fato é que nem migramos com

muita rapidez das tecnologias em macrosescala para as em microescala, e já estamos

ingressando de forma acelerada nas tecnologias em nanoescala, sem que muitos se dêem

conta disso. Elas não são ainda, pelo menos por enquanto, acomodáveis facilmente ao nosso

cotidiano, pois não são construídas na escala comum segundo a qual desenvolvemos a visão

e o tato em relação às coisas em nosso entorno e de nós mesmos e com que nos acostumamos

a pensar nossa relação com a natureza. Passamos a conviver com uma tecnologia que nem

sequer se compara a um reduzido grão de areia, um quase nada dentro da escala humana, a

nanotecnologia. Esta tecnologia molecular que alcança níveis submoleculares favorece

conexões denominadas por muitos cientistas da física e da química – sobretudo, aqueles que

tratam da relação modelo quântico-consciência - como “elegantes, finas e mais precisas”

(LÉVY, 1996: pp.54-58).

É importante notar que a nanotecnologia, por vezes designada de "fabricação

molecular" ou "nanotecnologia molecular", engloba os vários tipos de pesquisa que

trabalham com dimensões inferiores a 1.000 nanômetros, sendo que um nanômetro é igual a

0,000001 milímetros. Vejamos melhor os comparativos entre a nanotecnologia e as demais,

observando, desde já, que a tecnologia humana, com a qual convivemos, foi construída na

14 FEYNMAN, Richard P. “Memória: há mais espaço lá embaixo”. In. Revista Parcerias. CGEE, Brasília, n 18, ago. 2004, p. 137-155.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

47

escala humana, cujas proporções variam desde um centímetro até os vários quilômetros da

linha do horizonte, pois se trata da escala em que percebemos o mundo. Acrescentamos

ainda que a tecnologia de ponta que conhecemos funciona na microescala, equivalendo a

medidas com um pouco mais de um micrômetro.

Nós sabemos a importância da quantificação e que ela é bastante antiga. É inegável o

quanto é indispensável a medida na vida do ser humano, bem como o desenvolvimento dos

métodos de medida e as diferentes ordens de grandezas criadas, em sua relação com a ciência

e com o cotidiano.

Muito do que aqui se dirá a respeito do que é a nanotecnologia já foi e tem sido

devidamente explorado pela literatura recente. O termo nanotecnologia deriva do grego

"nannos" (νάνος), significando anão; quando é utilizado como um prefixo para algo diferente

de uma unidade de medida, como em "nanociência", nano é relacionado à nanotecnologia, ou

na escala dos nanômetros. Nesse caso, o termo nano é uma medida de grandeza usada na

ciência para designar um bilionésimo do metro, algo 50 000 vezes menor que a espessura de

um fio de cabelo. Para efeito ainda de comparação ilustrativa, a escala atômica e molecular de

uma estrutura química molecular varia de 0,1 a 1 nano. Os objetos de estudo da

nanotecnologia costumam ser medidos em nanômetros. Enquanto um milímetro, que já é

muito pequeno, “pode ser enxergado numa régua” (Gonçalves, 2003), um micrômetro (1 µm

= 1 x 10-6) corresponde a um milionésimo do metro e a um milésimo do milímetro. Mas um

nanômetro (1 nm = 1 x 10-9 m), extraordinariamente, equivale à bilionésima parte de um

metro, ou seja, a um milionésimo de milímetro ou, ainda, a um milésimo de mícron. O

nanômetro, cujo símbolo é "nm", mede, na escala de comprimento, os menores dispositivos

construídos pelo homem, em que se encontram átomos e moléculas formados, naturalmente,

numa escala nanométrica.

Para radicalizar mais um pouco, na tentativa de melhor colocar a nanotecnologia em

seu lugar e para conferir um maior destaque a estas questões, consideramos que vale a pena

recordar os parâmetros de medida. Podemos afirmar com bastante convicção, que eles não são

muito “visualizados” em nossas ações corriqueiras, a não ser nos casos específicos em que

deles precisemos para uma questão de ordem prática ou de um estudo que exija conhecê-los.

No Sistema Internacional de Medidas (SI) são usados múltiplos e divisões do metro,

conforme é indicado na Tabela 1.

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

48

Tabela 1: ORDEM DE GRANDEZAS: Múltiplos e submúltiplos do metro.

ORDEM DE GRANDEZAS Múltiplos e sub-múltiplos do metro

Unidade Símbolo Relação com o metro Fator pelo qual a unidade é multiplicada

Yottametro Ym 1024 1 000 000 000 000 000 000 000 000 m

Zettametro Zm 1021m 1 000 000 000 000 000 000 000 m

Exametro Em 1018m 1 000 000 000 000 000 000 m

Petametro Pm 1015m 1 000 000 000 000 000 m

Terametro Tm 1012m 1 000 000 000 000 m

Gigametro Gm 109m 1 000 000 000 m

Megametro Mm 106m 1 000 000 m

Quilometro Km 103m 1 000 m

Hectometro hm 102m 100 m

Decametro dam 101m 10 m

Metro m 1 m 1m

Decímetro dm 10-1 m 0,1 m

Centímetro cm 10-2 m 0,01 m

Milímetro mm 10-3 m 0,001 m

Micrometro µm 10-6 m 0,000 001 m

Nanometro Nm 10-9 m 0,000 000 001 m

Picometro pm 10-12 m 0,000 000 000 001 m

Femtometro fm 10-15 m 0,000 000 000 000 001 m

Attometro am 10-18 m 0,000 000 000 000 000 001 m

Zeptometro zm 10−21m 0,000 000 000 000 000 000 001 m

Yoctometro ym 10−24m 0,000 000 000 000 000 000 000 001 m Fonte: Wikipédia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Metro.

A unidade principal de comprimento é o metro, entretanto, existem situações em que

essa unidade deixa de ser prática. Se quisermos medir grandes extensões, ela é muito

pequena; por outro lado, se queremos medir extensões muito “pequenas”, a unidade metro é

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

49

muito “grande”. Os múltiplos e submúltiplos do metro são chamados de unidades secundárias

de comprimento. É importante notar, com base na Tabela 1, que a nanotecnologia, por vezes

designada de "fabricação molecular" ou "nanotecnologia molecular", engloba os vários tipos

de pesquisa que trabalham com dimensões inferiores a 1.000 nanômetros, sendo que um

nanômetro é igual a 0,000001 milímetros. Situando melhor os comparativos entre a escala

nanométrica (Ver Figura 1) e as demais, sobretudo, com relação às grandezas da megaescala

para cima e as da nanoescala para baixo, observamos que a tecnologia, com a qual temos

convivido na maior parte de nossas vidas, foi construída na escala humana, cujas proporções

variam desde um centímetro até os vários quilômetros da linha do horizonte, pois se trata da

escala em que percebemos o mundo. Acrescentamos ainda que a tecnologia de ponta, que

conhecemos, funciona na microescala, equivalendo a medidas com um pouco mais de um

micrômetro.

Figura 1: Escala do nanômetro (nm): 1 nanômetro é o mesmo que uma bilionésima parte de um metro (1 nm = 1x10-9 m) e equivale a um milionésimo de milímetros. A nanotecnologia trabalha no nível molecular e manipula materiais com dimensões geralmente entre 0,1 e 100 nanômetros. Leis da física que existem no mundo na escala em que estamos familiarizados, como a gravidade, por exemplo, nessa dimensão adquirem menor importância. Na escala nanométrica, também determinados materiais passam a se comportar diferentemente, com base nos princípios da física quântica, distinta em vários pontos da física clássica. Assim é que propriedades térmicas, ópticas, magnéticas e elétricas, podem ser atingidas quando certos materiais são submetidos ao processo de miniaturização em nanopartículas, mantendo-se a mesma composição química. Do mesmo modo, reações químicas também podem ocorrer entre diferentes elementos químicos em proporções muito menores, uma vez que as partículas nanométricas apresentam uma área superficial específica de contato muito maior. Fonte: Blog Conta Natura - Biologia: divulgação, política de ciência, personalidades, crítica Disponível em: < http://contanatura.weblog.com.pt/arquivo/2006/07/nanotecnologia.html>. Acesso em 20 de março de 2007.

Criado pelo cientista japonês, Norio Taniguchi, em 1974, o termo nanotecnologia era

praticamente desconhecido na academia fora de suas áreas de abrangência mais direta, como

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

50

da Engenharia de Materiais, da Física, da Farmácia, da Química e da Biologia. Esta distância

invocou limitações nas discussões epistemológicas sobre as novas produções científico-

tecnológicas e alheamento dos correspondentes campos conceituais e de nomenclatura. Do

mesmo modo, constatamos que já faz bastante tempo que as sociedades em geral estão à

margem das emergências científicas que abalaram a estrutura da certeza científica, desde o

século XX.

Sendo o prefixo nano muito próximo à palavra “anão”, este dificilmente era

relacionado à designação de uma unidade de medida, mais precisamente ao bilionésimo do

metro. O nano vinculava-se ao ser muito pequeno – ao “anão” - e não a uma dimensão

invisível a olho nu. Bem por isso, uma questão marcante, nos inícios dos debates sociais sobre

a nanotecnologia, foi a relação desta com o fenômeno do gray goo, termo cunhado pelo

famoso físico Eric Drexler (Apud Drexler, 1997), em 1986, um dos pioneiros em

nanotecnologia, cuja tradução invoca uma substância ou massa cinzenta pegajosa de alta

periculosidade. Drexler fez em um de seus livros referência a um cenário de ficção científica

anunciando que uma legião de nanorrobôs auto-replicantes, criados em laboratórios, sairiam

do controle e começariam a se “reproduzir” como uma gigantesca “meleca cinza”, podendo

engolfar o planeta e consumir toda a matéria orgânica e acabar com a vida na Terra. Foi o que

ficou marcado nessa fala, a ligação da nanotecnologia com os apelidos “meleca cinza” e

“gosma cinzenta”, expressões próprias ao contexto que a consciência de pessoas e da

imprensa popular tem dessa situação. Entendemos que é como se ressuscitasse o “homúnculo

de Paracelso” (1493-1541), do período renascentista, que ainda permanece em muitos

pensamentos atuais tanto no discurso de cientistas que apelam ao “fator invisível animista” da

nanotecnologia como o leigo no assunto que apela ao monstro feito de “gosma cinzenta”. Mas

isso é algo para se ver mais à frente.

É proveitoso esclarecer que a nanotecnologia tem sido considerada uma decorrência

da microeletrônica, porém falar em microtecnologia é diferente do que falar em

nanotecnologia. A escala micrométrica, disse Drexler (Ibid.), é voluntariamente 109 vezes

maior do que a escala nanométrica. “Confundir a microtecnologia com a nanotecnologia é

como confundir um elefante com uma joaninha” (Apud REGIS, 1997: p. 197), pois enquanto

a primeira se preocupou “(...) com a fabricação de componentes mecânicos ‘pequenos’,

porém ainda basicamente objetos macroscópicos” (Idem, p. 97), a segunda tem como

característica fundamental o desafio singular de manipular coisas menores e “fabricar” coisas

a partir delas. Ela pode mexer com átomos individuais que estariam entremesclados ou

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

51

interpenetrados no espaço, em conjuntos de certo modo distintos um do outro, não podendo

essa nova ordem ser distinta evidentemente pelos sentidos. Falar em nanotecnologia,

portanto, é pensar em “máquinas” muito menores que as da microtecnologia, cujo

funcionamento deve ser pensado numa dimensão molecular, conforme temos dito. Greg Bear

(1993)15, em algumas de suas obras, analisou o possível uso futuro do que denominou

nanomáquinas, algo assim como um DNA “motorizado”, verdadeiros robôs em escala

molecular, comparativamente à estrutura molecular deste ácido desoxirribonucléico.

No que concerne às tecnologias de visualização macroscópica, nada de fato espanta

tanto, nem mesmo a diferença de escala entre uma formiga e um elefante, pois, considerados

à medida usual dos sentidos podem ser inteligíveis e se tornarem o objeto de uma análise.

Sabemos dizer facilmente que os elefantes são grandes e que as formigas são pequenas, e se

examinados numa escala maior estes dois animais, dirá Lampton (1994: pp. 6-7): são

basicamente do mesmo tamanho de acordo com algumas ordens de grandeza16, não havendo

diferença expressiva nos seus tamanhos, provavelmente. Ressalta o autor que a diferença de

escala que existe entre ambos, formiga e elefante, é de cerca de quatro ordens de grandeza no

máximo, o que considera insignificante. Por outro lado, a extensão das magnitudes, mediante

as quais nos orientamos comumente, varia aproximadamente do tamanho da formiga ao raio

do horizonte. Vejamos isso em ordens de grandeza: a) Formiga: cerca de 1 cm de

comprimento ou 10-2 m; b) Horizonte cerca de 20 milhas à frente ou 3,2 x 104 m; c) Elefante:

cerca de 10 pés de altura ou 3 m.

O que acontece, considerando o que já temos dito antes, é isso mesmo: estamos

acostumados em nossa vida diária com uma extensão de magnitudes que varia

aproximadamente desde o tamanho de uma formiga ao raio do horizonte, conforme os valores

apontados em torno de ordens de grandeza. O problema começa quando se passa de um

domínio a outro, e começamos a fazer correspondências, sem poder recorrer ao que nos é

tangível. Para Lampton (1994, p. 7): “Qualquer tecnologia que não se situa neste intervalo nos

assombra. Oferecemos resistência para entendê-la. Ela parece mágica”. Isso é muito ruim,

assegura o autor, porque os aspectos mais essenciais à vida e de nosso mundo acontecem fora

desse intervalo macro, ou seja, no da microescala e da nanoescala, o que nos faz compreender

melhor porque, quando nos defrontamos com tecnologias que não se situam na escala maior,

nas escalas em que percebemos o obstáculo, podemos ser mais facilmente induzidos ao erro

15 Greg Bear é autor dos livros Rainha dos Anjos (1990) e Marte se Move (1993). 16 Vale lembrar que cada ordem de grandeza representa uma potência de dez.

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

52

ou ao medo de determinada tecnologia de que a nossa escala humana não tem a “noção”.

É natural que a incerteza de natureza epistemológica nos acompanhe, afinal nem

sempre temos consciência dessa forte limitação às nossas previsões, de modo que a incerteza

é indispensável à vida humana tal como a consideramos em sua relação com o risco, não visto

apenas como um problema técnico de segurança, mas, sobretudo, como um produto social e

do modo como se organizam os valores da sociedade.

Lembramos que, no que se refere às nanopartículas e à sua observação, considerando

que o tamanho de um átomo é da ordem de um décimo de nanômetro, o trabalho com

nanotecnologia remete-se às aplicações tecnológicas de objetos e dispositivos que tenham ao

menos uma de suas dimensões físicas menor que, ou da ordem de algumas dezenas de

nanômetros, ou que uma de suas dimensões seja muito menor do que as outras duas (MELO;

PIMENTA, 2004). Do que pudemos apreender, então, além do fato de que também os efeitos

quânticos entram em funcionamento nos processos nanotecnológicos, as propriedades da

matéria em nanoescala diferem daquelas em grande escala devido, sobretudo, as maiores

áreas exploráveis de superfície por unidade de volume na escala nanométrica. Ou seja,

reduzindo-se o tamanho de uma partícula, aumenta a proporção da superfície sobre o volume,

e nessas dimensões suas propriedades são diferentes, como ocorre com a viscosidade, a tensão

superficial etc. Assim, propriedades que dependem mais da superfície do que do volume

passam a contribuir de forma significativa para as propriedades do material que está sendo

investigado.17

A importância da ciência nessa dimensão tão ínfima para alguns de nós, denominados

às vezes de “indivíduos comuns”, reside no fato de que, à medida que a escala do objeto

manipulado aproxima-se do intervalo de 0,1 a 1000 nanômetros, as leis da física existentes no

mundo, numa escala por nós estudada e com a qual estamos familiarizados, leis como a da

gravidade, por exemplo, deixam de ter importância que tiveram até então, com o advento da

nanotecnologia. Levando em conta a mecânica quântica, em que nas coisas materiais cada

átomo ou molécula agem como partículas interagentes e se encontram espacial e

temporalmente numa região própria, particular e intersticial (Ver Figura 2) perante regiões

pertencentes a outras coisas mais exteriores, na escala de 0,1 a 100 nanômetros, algo novo

acontece Diferindo em vários pontos da física clássica e com base em princípios da física

quântica, pode acontecer que as propriedades de um material tornem-se melhoradas, e este

passe a se comportar de modo que novos tipos de propriedades, novos tipos de forças e de 17 PASA, André. E-mail recebido em 2 de março de 2007, às 04,29h.

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

53

possibilidades sejam exibidos, capazes de alterar arranjos que a natureza teria produzido ou

mesmo o próprio homem. O modo conforme os átomos e as moléculas se organizam em

nanoescala determina, assim, novas propriedades mecânicas, ópticas, magnéticas etc. da

matéria, que são a base de sua aplicação tecnológica.

Figura 2: Dimensões nanométricas na vida Fonte: INSTITUTO INOVAÇÃO (imagens obtidas a partir do site <http://micro.magnet.fsu.edu/primer/java/scienceopticsu/powersof10>)

Podemos ilustrar essa transformação com o que acontece em relação aos

medicamentos ingeridos para curar problemas de saúde. Se entrarmos na questão do uso de

medicamentos, tratando de benefícios e riscos debatidos sob uma visão histórica, política,

filosófica e sociológica crítica, é o caso de pensarmos no mal que alguns deles têm causado de

acordo com estudos realizados, como acontece com o Paracetamol18 (fármaco do grupo dos

antiinflamatórios) e o Frontal (ansiolítico), implicando uma série de reações adversas

provocadas por doses usuais ou incorretas. Na administração de um fármaco na forma livre,

ou seja, sem ser encapsulado, em geral ele se espalha por todo o corpo ficando apenas uma

porção no alvo da ação, e isso se reflete no número de doses que o paciente terá de usar e na

toxicidade, que podem causar danos ao organismo. Ora, esta situação implica em preceitos 18 Conforme resultados apresentados no 22.º Congresso Internacional de Farmacoepidemiologia e Comunicação de Risco na Saúde Pública, em Lisboa. Disponível em: <http://www.biotec-ahg.com.br/asp/acervo/acervo_display.asp?id=292>. Acesso em 17 de setembro de 2007.

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

54

éticos e técnicos na indução ao consumo de medicamentos compostos de “partículas nanicas e

invisíveis” e no que diz respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.

O acontecimento relevante é o que representa poder lidar com uma escala de grandeza

que torna inteligíveis e sensíveis estruturas e propriedades da matéria, não vistas a olho nu

nem em microscópios ópticos comuns, caracterizando uma complexidade de propriedades,

aparentemente impossível de ser entendida na escala humana, para as quais é exigida uma

precisão que foge à experiência vivida, que é da ordem do nanômetro e não do metro, do

centímetro, do milímetro etc. Ou seja, fatores de escala usados para medições no dia-a-dia.

Pensar nas coisas deste modo pode não parecer algo de profundo interesse para alguém, mas

vale dizer que à medida que um instrumento dispõe de magnitude e alcance em escalas

manifestadamente amplificadoras, diferentes das que estamos habituados a usar, a avaliação

visual torna-se mais objetiva, precisa e atenuadora dos pequenos pormenores, diminuindo a

distância com a fenomenalidade sensível, a consciência se aguça, e, sobretudo, um mundo

impensável ao humano de seres que poderiam passar pela vida sem jamais os conhecermos,

invisíveis à própria mente, a não termos deles sequer a idéia de sua existência! Vive-se a

probabilidade de preencher algo que antes era uma mirada no vazio, como o que representa o

que existe no interior de uma asa de borboleta, belas estruturas de cerca de 100 nm quando

observadas ao microscópio de força atômica (AFM), que mostramos na Figura 3, ou de um

DNA, de um átomo ou uma nanopartícula, ou de outros seres incomuns pelo seu tamanho,

sem um elo com o tamanho do nosso mundo! Agora que o homem toca o coração da matéria

e, átomo por átomo, pode chegar a construir moléculas sob a medida do nanômetro, o que

impressiona nessa área do conhecimento de crescente amplitude do seu espectro temático é

uma realidade de que não podemos fugir: Quanto menor é o valor numérico da magnitude

utilizada, têm-se noções mais detalhadas dos objetos.

O que pode ter soado como profecia quando foi colocado pelo físico norte-americano

Richard Phillips Feynman (1918-1988), quanto à possibilidade de manipular e controlar

coisas em escala atômica, arranjar os átomos da maneira que quiséssemos, podendo dispô-los

um por um da forma desejada deu lugar à realidade.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

55

Figura 3: Microscópio de Força Atômica (AFM ou MFA). É possível fazer uma comparação entre o tamanho

da mão da pesquisadora e o do próprio microscópio. Fonte: Acervo da autora. Ano: 2006.

Nesta conquista de uma riqueza de detalhes jamais antes atingida, exerceu importante

papel o microscópio de varredura por tunelamento eletrônico (scanning tuneling microscope –

STM), com altíssima resolução, no início dos anos 1980, no laboratório da IBM em Zurique

(Suíça). Criado pelo físico alemão Gerd Binnig e pelo físico suíço Heinrich Rohrer19, foi um

equipamento considerado conceitualmente tão simples quanto tecnologicamente importante

valeu aos seus inventores o Prêmio Nobel de Física de 1986. Na verdade, ele oportunizou a

mudança do modo de visualizar e de manipular os materiais, como o fazem instrumentos já

disponíveis em muitos laboratórios de pesquisa, denominados “microssondas eletrônicas de

varredura”, desenvolvidos a partir do microscópio de Binning e Roher.

Nessa nova situação, o que pode ser de certo modo original são o controle e o grau de

precisão que exigem as técnicas usadas em análises teóricas, preparação e caracterização de

materiais em escala nanométrica (como é o caso de pensar a miniaturização de dispositivos na

escala molecular). Uma das possibilidades de trabalhar as interações moleculares significa,

pois, passar a atuar na manipulação da matéria de modo semelhante ao que se faz com as

moléculas biológicas, já que a maioria dos fenômenos em biologia molecular ocorre em

nanoescala. Coisas observadas neste microscópio nada diriam especialmente para o leigo

como realidades invisíveis que são e podem, por isso mesmo, gerar uma situação de conflito

interpretativo sobre o sentido que podem assumir, face à necessidade de manter a qualidade 19 Ambos do laboratório da IBM em Zurique, Suíça, ganhadores de prêmio Nobel pelos seus méritos como pesquisadores.

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

56

da presença de um valor de interesse requerido para tal experiência ser compartilhada, do

mesmo modo que fique claro a uma pessoa o que representam no seu corpo as rajadas fortes

do vento a 70 km por hora quando sai à rua num dia assim, que lhe possibilite relacionar de

onde procede toda aquela força que a joga pra lá e pra cá! E mesmo para que possa associar a

idéia de nanopartículas com o furacão Michelle e seus ventos de 200 km por hora, ocorrido

entre os dias 29 de outubro a 6 de novembro de 2001, que atingiu Cuba e seguiu para as

Bahamas e em direção ao extremo sul da Flórida (EUA).

De forma semelhante, poderíamos questionar: O que pode haver em comum entre o

declínio de uma civilização inteira, que foi dominante durante praticamente 1.500 anos, e a

lama do fundo de um lago depositada na parte externa de uma sonda perfuradora? E mais: O

que pode haver de tão especial no esperma do ouriço-do-mar, colocado entre lâmina e

lamínula, visualizado com o auxilio de um microscópio óptico comum, e que relação se pode

fazer entre um pixel e um ‘nanotubo’ de carbono?

À primeira vista, não parecem assuntos sem qualquer relação direta, em torno de

temáticas de interesses aparentemente distantes? No primeiro caso, a relação pode parecer

discrepante e incongruente até mesmo para arqueólogos, historiadores, geólogos e

climatologistas. Imaginemos como seria para o grande público que não dispõe de um conjunto

de referências científicas gerais a respeito dessas questões de certa forma bastante específicas.

Afinal, ainda é pouco divulgada a hipótese, segundo pesquisas recentes têm reafirmado, de

que o povo maia desapareceu devido ao papel essencial do clima - em especial da seca - no

colapso desta grande civilização que ocupou extensas áreas da América Central pré-

colombiana.

Até então, estudiosos haviam proposto as mais variadas hipóteses para explicar esse

declínio: guerras internas, invasão estrangeira, surtos de doenças, dependência da

monocultura, degradação ambiental e mudanças climáticas. Mas foi com a junção de estudos

históricos, arqueológicos, climatológicos, geográficos e geológicos que pôde ser levantada a

hipótese mais recente de eventos climáticos naturais para explicar a queda da civilização

maia, sobretudo, com as perfurações em sedimentos do lago Yucatã, feitas por David A.

Hodell, Jason H. Curtis, Mark Brenner e outros geólogos da Universidade da Flórida. As

medições desses depósitos de sedimentos no solo lodoso extraído, acumulados em enormes

quantidades e conservados sem nenhuma perturbação desde a época de sua deposição,

oportunizaram aos outros geólogos “um raro vislumbre em alta resolução do passado

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

57

distante”20. Com métodos de medição próprios do ‘muito pequeno’, adequados para grandes

profundidades, com a chamada técnica de fluorescência de raios X e mediante os estudos dos

sedimentos extraídos com a perfuração, foram obtidos dados indicativos de que houve um

período de intensa estiagem, entre cerca de 800 e 1000 d.C., período este inferido por David

A. Hodell e seus colegas geólogos. Estes argumentos, reforçados pela análise dos sedimentos

do lago Yucatã, têm sido efetuados de forma persuasiva durante anos de estudos pelo

arqueólogo Richardson B. Gill, em favor do que teria provocado o colapso da grande

civilização maia21.

No segundo caso, o que chama a atenção para alguma coisa ímpar na observação do

esperma de um ouriço-do-mar, pode passar despercebido até mesmo para biólogos, embora se

trate de um procedimento simples e corriqueiro do seu cotidiano, mas isso poderia não

acontecer com alguns expectadores leigos, ao observarem os espermatozóides na lâmina de

microscopia. Eles poderiam dizer: “Magnífico, estupendo! Parecem pequenos diamantes”! E

isso de fato aconteceu com a pesquisadora, em sua primeira observação dessas células,

quando em prática de laboratório, durante a freqüência do curso de bacharelado em Ciências

Biológicas. O interessante é que na visão macro, neste esperma é marcadamente visível uma

secreção homogênea, associada a algo biológico; não há como supor que seja sua composição

material que possa dirigir a atenção movida por um interesse estético. A própria forma

biológica se empobrece quando não se aguça mais e mais o olhar para descobrir a riqueza dos

fenômenos da natureza orgânica (e inorgânica) e penetrar cada vez mais a fundo nas

particularidades e nos detalhes do pequeno, da vida e de suas condições.

Quanto à possível aproximação entre pixels e nanotubos, nada tem de extraordinário.

Ora, vários pixels, termo que vem da abreviação do termo em inglês “pictures elements”, ou

elementos da fotografia (digital), em sua “junção” formam uma imagem inteira.

O pixel é então o que se considera o menor elemento em um dispositivo de exibição

(como por exemplo, um monitor de um computador), ao qual é possível atribuir-se uma cor.

Esta unidade mínima de captura de luz, verdadeiras fotocélulas que conseguem transformar

luz em sinais elétricos, sensibiliza um sensor de captura digital que, a exemplo do olho

humano, é composto de milhões de pequenos sensores que capturam os pixels, logo, os

20 PETERSON. Larry C.; HAUG Gerald H. O declínio dos Maias. Disponível em: http://www2.uol.com.br/sciam/conteudo/materia/materia_105.html. Acesso em: 21 de janeiro de 2007. Documentário: Apocalipses da Antigüidade – III - O colapso dos Mayas. Discovery. 20 de janeiro de 2007. 20 horas. 21 Ibid.

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

58

menores pontos que formam uma imagem digital. Cada um desses pontos possui a informação

que determina sua cor. Na verdade, este conjunto de pontos é organizado no formato de uma

matriz, sendo que esta matriz é que forma a imagem e determina a resolução desta imagem.

Assim, é mediante este “mapa” constituído de muitos deles que se forma a imagem inteira.

Atribui-se que os pixels têm o formato quadrado, correspondendo ao formato desses

minúsculos sensores que capturam a luz. Explicando melhor, como cada pixel é capturado por

um pequeno sensor quadrado, tem, portanto, o formato quadrado. Isto explica o que acontece

quando ampliamos demais uma fotografia, nós a vemos realmente num aspecto de grãozinhos

também quadrados. Com efeito, pode-se definir uma imagem fotográfica digital como uma

ilusão de ótica pelo agrupamento muito coeso desses pixels, conjunto esse percebido como

uma imagem sem arestas pela vista humana. Se agruparmos bastante esses pixels, a fotografia

parecerá melhor e mais nítida; se espalharmos esses pixels (ampliando a foto), a imagem

parecerá pior e menos nítida. Assim quanto mais ampliarmos a foto, melhor veremos os pixels

e pior a qualidade da imagem, e desse modo, quanto mais sensores existem num dispositivo,

maior é a quantidade de pixels formada, maior é a resolução e também maior é o tamanho

com que uma imagem pode ser ampliada sem que apareçam os contornos quadrados dos

pixels que, se surgem para nosso olhar, fazem decair a qualidade do que vemos.

Devido ao limite visual humano, com a perda visual da qualidade da imagem - ou seja,

com menos pixels, percebemos que estamos sendo visualmente "iludidos". Em outras

palavras, quando o assunto é pixels, tamanho é documento, sim! Da mesma forma como

quando se fala em nanotubos de carbono, conhecidos pelo mundo científico há cerca de 15

anos, tamanho é documento, sim! É ai que podemos encontrar a relação entre um e outro. Isto

está bem claro na reportagem Antenas de nanotubos de carbono para telefones celulares e

TVs, do site Inovação Tecnológica22: “Conjuntos de nanotubos também poderão processar

dados de imagens em cada pixel, permitindo a melhoria das imagens de televisores”. Cada

pixel é construído com nanotubos de carbono, que possuem dimensões nanométricas23. Numa

combinação sofisticada e eficiente de uma série de dispositivos avançados com pixels e

nanotubos de carbono integrados ao microscópio, incorporar-se-ão tratamentos de imagens

pela combinação de detectores mais sensitivos, obtendo-se imagens de dimensões

22 Revista Diversa. Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5 - nº. 10 - outubro de 2006. Disponível em: <http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010160040205>. Acesso em: 10 de março de 2006. 23 Para maiores detalhes a este respeito, sugerimos a leitura do artigo Nanotecnologia: Viagem ao país dos "nanos". Disponível em: < http://www.ufmg.br/diversa/10/nanotecnologia.html>. Acesso em 10 de novembro de 2006.

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

59

significativas24, o que é extremante importante na obtenção de informação e análise de dados

a partir da observação de superfície de amostras e mesmo do interior de amostras

transparentes.

Essas considerações visam oferecer elementos para uma reflexão acerca da temática

aqui abordada, considerando o delicado lugar ocupado pelo já vasto campo da

nanotecnologia, nova ciência que já se iniciou no Brasil, em centros de excelência com foco

nas pesquisas e aplicações dessa tecnologia em diversas áreas, e com avanços que acabam

aparecendo onde menos se espera e bem próximos de afetar nossa vida diária. Vale lembrar

que este interesse é próprio da grande maioria de países do mundo todo. Somente nos Estados

Unidos, já existem mais de 30 centros dedicados à nanotecnologia, representando um marco

do ponto de vista industrial no processo de planejamento estratégico norte-americano e no

plano tecnológico.

Tomando o mundo em torno de nós como um ponto de partida e o metro como a

unidade da medida comum, nós entramos em um universo em que a percepção dos fenômenos

passa a exigir medidas correspondentes a bilhões do metro. Necessariamente, requeremos as

mais apropriadas referências de acesso à compreensão de estruturas cada vez menores que já

permitem a capacidade de trabalhar elementos de uma nova escala, agora “visível”, e que

possibilitem e alimentem a elaboração de novas idéias e explicações e maior reflexão sobre o

os argumentos que estão postos no caráter revolucionário conferido à nanotecnologia em

determinados discursos, atualmente feitos.

As nanopartículas são sistemas com viabilidade tecnológica e econômica para a

produção de comprimidos a partir de polímeros contendo hormônios e antiinflamatórios, em

nanocápsulas biodegradáveis, nanoesferas e nanoemulsões. Apresentam a vantagem de não

necessitarem de tantos componentes ativos para estabilizar as drogas que carregam, de não

serem absorvidas pela circulação sangüínea e de diminuírem as chances dos efeitos colaterais,

uma vez que os componentes químicos são diretamente carreados para um local mais

específico do corpo, mantendo-se a parte saudável intacta. Do mesmo modo, reações químicas

podem igualmente ocorrer entre diferentes elementos químicos, cujas proporções sejam muito

menores, uma vez que, conforme já foi acentuado, as partículas nanométricas que têm que ser

24 Indicamos um importante artigo a este respeito: Novas e originais nanoestruturas: origâmis de DNA, consta no site do LQES (Laboratório de Química do Estado Sólido): Disponível em: <http://lqes.iqm.unicamp.br/canal_cientifico/lqes_news/lqes_news_cit/lqes_news_2006/lqes_news_novidades_756.html>. Aceso em: 20 de novembro de 2007.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

60

compatíveis com o meio ao qual estarão expostas, apresentam uma área de contato muito

maior.

Todos os trabalhos de pesquisa dependem de instrumentos muito especializados para

operarem na escala do nanômetro, como o luminômetro25, mostrado na Figura 4, aparelho

com o qual a pesquisadora entrou em contato pela primeira vez. De acordo com a professora

Tânia B. C. Pasa26, entrevistada na UFSC, nos anos de 2006 e 2007, as lipossomas ou

vesículas em escala nanométrica produzidas artificialmente, têm uma biocompatibilidade

muito grande. Neste aspecto, para a professora Maria Helena Andrade Santana (2005), da

Unicamp, as cápsulas feitas de lipídios são outra forma de administrar fármacos com

eficiência, como se fossem “bolinhas de gordura em torno do fármaco”. Usando lipídios

semelhantes a nossa membrana celular, adicionando ligantes específicos a cada lipossoma,

permite-se sua conexão a receptores de células que se pretende atingir, sendo possível ‘imitar’

a membrana e ‘burlar’ o sistema imunológico, colocando o fármaco em seu interior e

direcionando-o para onde for desejado. Entre os benefícios do nanofármaco, pois, estão a

diminuição da dose recomendada e o aumento da potência do princípio ativo e do tempo de

duração do efeito terapêutico.

Figura 4: Luminômetro. Fonte: Acervo da autora.

25 O luminômetro é um aparelho de última geração que é utilizado para a medição e quantificação de luz. Faz a leitura dos microorganismos encontrados na superfície da amostra a ser analisada, mostrando se está no nível aceitável ou não. Aplicações potenciais podem ser citadas: estudos da membrana celular e tecnologia de produção de membranas “artificiais” biocompatíveis (nanotecnologia molecular), para otimizar as características da membrana (a fotografia mostrada foi obtida em visita da pesquisadora ao Departamento de Farmácia da UFSC, no ano de 2006). 26 Tânia Beatriz Creczynski Pasa pertence ao Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Farmácia, da UFSC, trabalha com pesquisa relacionada à nanotecnologia (sistemas biomiméticos) que envolve estudos com lipossomos e membranas lipídicas imobilizadas em suportes sólidos, materiais que podem ter aplicação no desenvolvimento de estruturas para a liberação controlada de fármacos e de biosensores. As nanopartículas lipídicas, semelhantes às células, em geral são produzidas com matéria-prima de origem sintética ou extraída de soja ou ovo. Os lipossomas podem transportar fármacos e entregá-los preferencialmente na região acometida pela doença. Enfatizamos que a participação desta professora foi essencial à realização desta pesquisa.

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

61

Segundo noticiado na internet27, em página do informativo do Laboratório de Estudos

Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, um dos projetos desenvolvidos pela UFSC é

o estudo de nanocápsulas com princípio ativo do açafrão para tratamento do câncer de pele.

Segundo a informação disponível: O requintado açafrão, usado em risotos, caldos e massas, essencial à paella, na UFSC é foco de uma pesquisa no campo da nanomedicina – área que une a medicina à nanotecnologia. O estudo vai analisar as propriedades de nanocápsulas de curcumina, composto natural extraído do açafrão-da-índia, no combate do câncer de pele. A pesquisa faz parte da dissertação de mestrado de Letícia Mazzarino, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Farmácia, sob orientação da professora Elenara Lemos Senna, do Departamento de Ciências Farmacêuticas (CIF). O emprego de estruturas nanoscópicas como “entregadoras” de medicamentos antitumorais é uma estratégia para contornar as limitações e reduzir os efeitos colaterais da quimioterapia convencional. A nanotecnologia atua na escala do nanômetro, o bilionésimo de metro, ou um milímetro dividido um milhão de vezes.

Na UFSC, é importante relatar, existe um trabalho conjunto no desenvolvimento de

projetos de pesquisa entre o Departamento de Ciências Farmacêuticas e o Departamento de

Física, por exemplo, a) o “Projeto que visa a caracterização de sistemas nanoestruturados por

microscopia de força atômica” e b) o “Utilização de microscopia de força atômica na

caracterização de membranas fosfolipídicas”28. Neles trabalham, entre outros da equipe, os

professores Tânia Beatriz Creczynski Pasa e André Avelino Pasa29, com os quais a

pesquisadora manteve importantes contatos para seu estudo, com destacada acolhida de

ambos às suas solicitações. Segundo apuramos, nesses encontros, o Laboratório de Filmes

Finos e Superfícies do Departamento de Física, trabalha desde 1996, com a pesquisa voltada

para a preparação e caracterização de materiais na forma de filmes finos e nanoestruturas.

Segundo o Pequeno Glossário de Nanotecnologia, do MTC (2006), os filmes finos são de alta

qualidade com material, cuja espessura é tão pequena que suas características são

determinadas principalmente por efeitos bidimensionais, diferindo das propriedades do

material tridimensional; muito utilizado em semicondutores.

Em publicação no Caderno Especial Cenário XXI, online (2005), objetivando

desenvolver vacinas e medicamentos que possam, por meio de nanopartículas, percorrer o

organismo humano e liberar substâncias de tratamento das células doentes, de forma gradual, 27 Açafrão e câncer: UFSC estuda nanocápsulas com princípio ativo do açafrão para tratamento do câncer de pele. Disponível em: <http://www.labjor.unicamp.br/wiki/index.php?n=Main.AcafraoECancer?action=diff>. Publicado em 21 de novembro de 2007. Acesso em: 21 de dezembro de 2007. 28 Projetos de Pesquisa – FARMÁCIA. Disponível em: <http://servicos.capes.gov.br/arquivos/avaliacao/estudos/dados1/2006/41001010/019/2006_019_41001010044P7_ProjPesq.pdf>. Acesso em: 26 de março de 2007. 29 O professor e físico, André Avelino Pasa, tem experiência na área de Física de Materiais, com ênfase em Materiais Nanoestruturados, atuando principalmente nos seguintes temas: eletrodeposição, filmes finos, nanoestruturas, membranas biomiméticas, spintrônica, sensores magnetorresistivos, e transistores de base metálica.

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

62

desde o ano de 2005 pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas já vêm testando

em animais o uso de micro e nanocápsulas visando o transporte e a liberação de fármacos de

forma controlada em locais específicos do corpo. Também ficamos cientes de que a medicina

poderá usufruir dos “nanorrobôs”, nanopartículas invisíveis aliadas que seriam injetados ao

corpo, carregados de nutrientes, podendo percorrer trajetórias pré-estabelecidas e controladas

por softwares até os pontos desejados (Ibid.). Estes dispositivos são programados para

identificar obstáculos, moléculas diferentes, órgãos que necessitem algum tipo de intervenção

e outros nanorrobôs que “naveguem” no mesmo espaço evitando colisões e favorecendo uma

ação conjunta. A locomoção destes nanorrobôs é guiada pelos os pesquisadores que fazem

uso de macrotransponders, sistemas de ultra-som que permitem localizar a nanomáquina e

comandar seu trajeto. Este trabalho, iniciado em abril de 2002, envolvendo grandes

universidades, chamou a atenção do mundo, e no Brasil é realizado em cooperação com o

Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, sediado em Campinas (SP)30.

Para sintetizarmos de vez uma comparação satisfatória e concebível, as nanopartículas

precisam ser pensadas como uma coisa de complexa magnitude e escala própria, cuja

investigação equivale a perseguir um mosaico de modalidades não visíveis à escala humana.

Elas incluem ao menos propriedades com características funcionais diferentes daquelas

próprias dos materiais comuns, sobretudo das partículas consideravelmente grandes ou

macroscópicas, ou mesmo microscópicas. O resultado importante a destacar é que tais

empreendimentos em graus nanoparticulados estão se mostrando bastante favoráveis à

produção de novos dispositivos, com os quais nossos avós ou bisavós nem sequer sonharam,

que podem causar um grande impacto social e econômico, fundamentado na Nanociência e

Engenharia de Materiais que trabalham com a escala do nanômetro, equivalendo para muitos

pesquisadores do setor à ultima revolução possível na ciência e engenharia de materiais. Nas

palavras de Cylon Gonçalves da Silva (2003, pp. 5-8):

Isto é, a nanotecnologia, por manipular átomos, representa o limite final para o projeto e

30 O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), com sede em Campinas, que trabalha com a luz síncrotron (intensa radiação eletromagnética produzida por elétrons de alta energia num acelerador de partículas), para descobrir novas propriedades físicas, químicas e biológicas existentes nos componentes básicos de todos os materiais, ou seja, átomos e moléculas, é considerado o único deste gênero, existente no Hemisfério Sul. Desde 1987, o LNLS vinha intentando realizar o ambicioso projeto de colocar o Brasil no seleto grupo de países capazes de produzir luz síncrotron, objetivo já alcançado. Segundo informa no site do respectivo laboratório, desde julho de 1997, centenas de pesquisadores, do Brasil e do Exterior, já utilizam a fonte brasileira de luz síncrotron para fazer pesquisas que visam desbravar novas fronteiras de conhecimento sobre os átomos e as moléculas. Para maiores informações, ver: Isto é o LNLS. Disponível em: <http://www.lnls.br/lnls/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13&sid=1>. Acesso em: 2 de janeiro de 2006.

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

63

criação de materiais inovadores capazes de impulsionar a economia mundial para um novo patamar. A complexidade desse problema, contudo, é tão grande que ele estará conosco ainda por um bom tempo.

A conseqüência desses esforços para entender esse confronto entre anteriores

observações e conhecimentos sobre a vida em geral e a existência humana em particular, com

base em magnitudes e escalas materiais maiores, culminou no reconhecimento de que as

nanotecnologias, por serem técnicas de medida bilionesimamente precisas, demonstram

características que podem ser consideradas como indicativos de amplas discussões

envolvendo a abordagem interdisciplinar e a opinião pública. A maior parte dos debates atuais

sobre o futuro de nanotecnologia concentra-se nos tipos e magnitude de riscos. Como saber

com que se comparam os riscos e os benefícios da nanotecnologia examinados pelo público,

levando em conta os associados com outras tecnologias tais como organismos geneticamente

modificados, células-tronco, biotecnologia e poder nuclear? E caso os consumidores decidam

usar um produto nanotecnológico específico, considerarão os riscos, os benefícios ou ambos?

A reportagem What drives public acceptance of nanotechnology? (2006), publicada na

Revista Nature Nanotechnology, apresenta os resultados da pesquisa de percepção pública de

norte-americanos (cerca de 5,5 mil pessoas), realizando o que os próprios autores

consideraram como a primeira escala de análise empírica mais ampla referente à

nanotecnologia. Os autores, preocupados com o que nortearia a aceitação pública da mesma,

conseguiram, na opinião de muitos leitores e peritos no assunto, apresentar de fato a maior e

mais abrangente pesquisa em relação às conduzidas em outros lugares do mundo sobre as

percepções públicas dos riscos e benefícios da nanotecnologia comparativamente a outras

tecnologias. No artigo, também é analisada a boa vontade pública em usar produtos

comerciais contendo nanotecnologia, especialmente apropriados com a aproximação do Natal,

além de questionar se uma maior conscientização e melhor entendimento a respeito da

nanotecnologia poderiam aumentar a exigência pública e o interesse para sua utilização ou

causariam inquietação sobre os maus efeitos potenciais de novas aplicações. Os autores

examinam ainda como a percepção pública está sendo formada, comparam a emergência da

nanotecnologia com outras tecnologias, incluindo o poder nuclear, os organismos

geneticamente modificados, a pesquisa de célula-tronco embrionária e a biotecnologia.

De acordo com o estudo realizado, é interessante que para os consumidores norte-

americanos, a resposta em larga escala foi a constatação de que as vantagens superam os

riscos, quando o assunto é nanotecnologia, e o público tende a olhar mais os benefícios e a

considerar a nanotecnologia menos perigosa do que outras tecnologias, a exemplo dos

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

64

conservantes utilizados na indústria alimentícia, dos herbicidas e desinfetantes. Trata-se de

um dado importante, porque quanto mais forem feitas novas pesquisas sobre riscos ao

ambiente e à saúde humana, quanto mais novos produtos nanotecnológicos chegarem ao

mercado, o público terá mais fundamentos para se posicionar diante da novidade tecnológica.

Vale recordar que, de certo modo, muitas das fobias antigas já voltaram com a notícia

da clonagem de uma ovelha adulta (feita na Escócia pelo Instituto Roslin, em 1997).

Basicamente, governos, igrejas e seitas religiosas de todas as crenças manifestaram profundo

receio perante a possibilidade da clonagem de um ser humano. É sabido através da mídia que

houve sanções e ameaças aos cientistas, caso eles tentassem tal experiência. Mas isto tudo é

muito natural, uma vez que toda inovação de caráter revolucionário provoca um choque de

caráter ético na humanidade. Normalmente, com o tempo, os obstáculos e embates vão

diminuindo, e o que pode ter sido encarado certa vez como uma blasfêmia, ou um crime

contra a vontade divina, passa a ser visto com naturalidade. Feita esta ressalva, é certo que

Prometeu, quer queiram ou não, acabou cumprindo a sua promessa feita nos tempos do

Romantismo de conseguir fazer nascer criaturas à sua imagem, com a consagração do homem

moderno como o senhor e dono da natureza.

Há, portanto, numa análise particular, um conflito perceptível que adquire uma grande

importância antes da introdução à nanotecnologia: o embate entre as questões que pertencem

aos dois níveis de escalas, denominados macro e micro (como se estes já fossem alheios um

ao outro), e à ciência e tecnologia na escala molecular e atômica, uma abordagem

completamente diferente de tudo que se viu até agora e que ultrapassa até mesmo a noção

que temos de ‘pequeno’, de ‘micro’ ou de ‘miniaturização’. Fazemos alusão especificamente

à extraordinária manipulação de átomos e moléculas que possibilita trabalhar com dimensões

tão ínfimas, e à observação decorrente do resultado desta operação de “mexer” na estrutura

mais íntima da matéria. Para enfatizar este ponto, ressaltamos que Drexler (Apud REGIS,

1997, p. 160) já havia chamado a atenção para o fato de que a diferença mais notável entre os

mundos macroscópico e nanoscópico devia-se a alguns dos fenômenos que se apresentavam

na nanoescala nem sequer existiam no macromundo, a exemplo da granulosidade da matéria,

uma vez que no nível molecular “todos os materiais de construção disponíveis vinham na

forma de pedaços discretos e individuais – os átomos”.

Se já não foi fácil aceitar a existência real dos átomos pela boa e suficiente razão de

que estes eram entidades totalmente inobserváveis aos sentidos, nem vistos por lupas, lentes

de aumento, microscópios ou qualquer outro meio afim, distantes da escala humana, vem

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

65

como ‘uma superbomba’ a possibilidade do controle de uma tecnologia suficientemente capaz

de “domar” átomos e moléculas, manipulando-os como se fossem tijolos ou bolinhas de gude;

lembramos que este engenho vai além de lidar com efeitos puramente físicos. Ora, era difícil

imaginar como se poderia fazer isto com essas “criaturas vagas, indistintas e diminutas que,

segundo a mecânica quântica, nem sequer se poderia capturá-las ou mantê-las em

determinado lugar, pois não ficavam quietas” (Ibid.)? Deixando de ser possível a constatação

de algo que fisicamente só existe para nós de um modo perceptível à razão e à intuição

imediata, uma vez que não as temos potentes o bastante para estabelecer limites, pouco se

sabe com segurança sobre a maneira com que se pode consider objetos nanotecnológicos.

No caso das aplicações nanotecnológicas, as propriedades dos seres vivos são

simuladas para que com elas sejam criados novos dispositivos. Um exemplo é o que resultou

de pesquisas realizadas nos últimos anos que tratam de ‘simulação do vivo’, numa escala um

bilhão de vezes menor, com as propriedades elásticas das “nanomolas”, em que a biologia tem

sido bom lugar para os pesquisadores se orientarem na redução de espaço ocupado por um

material. A peculiaridade desta pesquisa31 é que foi inspirada na descrição darwinista da

estrutura da “gravinha”, uma planta trepadeira que à medida que cresce vai se enrolando como

a espiral de um caderno, em formato de mola. Segundo o professor da UNICAMP, Douglas

Soares Galvão, usa-se “um modelo inspirado na biologia para resolver um problema

importante de nanotecnologia, numa escala 1 bilhão de vezes menor”, fazendo pesquisas com

os chamados “nanotubos” (Ver Figura 5), graças à similaridade muito grande que existe entre

as “nanomolas” de óxido de zinco e a “estrutura da gravinha”.

31 Pesquisadores do IFGW que ganharam capas em

publicações científicas também recorrem a modelos de 100 anos atrás: Darwin inspira soluções em nanotecnologia. Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2004/ju250pag09.html>. Acesso em: 21 de julho de 2005.

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

66

Figura 5: Modelização de um nanotubo. Os nanotubos foram descobertos em 1991 pelo pesquisador japonês Sumio Iijima. Estas estruturas formam um dos quatro estados organizados do carbono, juntamente com a grafite, o diamante e os fulerenos (moléculas que apresentam a forma de uma bola de futebol). Os nanotubos de carbono são 100 mil vezes mais finos que um fio de cabelo e invisíveis até para microscópios ópticos. Mas possuem a maior resistência mecânica dentre todos os materiais conhecidos, não quebrando nem deformando quando são dobrados ou submetidos à alta pressão.

Fonte: (imagem trabalhada pela autora). Portal Laboratórios Virtuais de Processos Químicos. Disponível em: http://vega.eq.uc.pt/siteJoomla/index.php?option=com_content&task=view&id=124&Itemid=2. Acesso em: 20 de novembro de 2007.

O pesquisador considera ainda que: “Estamos a meio caminho entre esses dois

mundos, oferecendo aos teóricos a oportunidade de desenvolver novas ferramentas. A

biologia tem sido bom lugar para se inspirar”. Vale acrescentar que, nesta mesma reportagem,

consta que O modelo da gravinha para as nanomolas, que Alexandre da Fonseca adaptou rapidamente, apresentou diferenças de apenas 5% entre os dados experimentais da biologia e o que foi calculado no computador. “Imitando a natureza para desenhar alguns materiais, acabamos por resolver um problema de propriedades elásticas de baixa dimensionalidade”.

Consideramos que é importante esclarecer que nanotubos são moléculas cilíndricas,

formadas por átomos de carbono cujo diâmetro é de um a três nanômetros (nm) e cujo

comprimento de 1.000 nm. Um nanômetro corresponde a um bilionésimo do metro. Numa

comparação bastante comum feita pelos cientistas, os nanotubos são cem mil vezes mais finos

que um fio de cabelo. Por essa escala nanoscópica, os nanotubos têm propriedades que os

tornam potencialmente úteis em aplicações mecânicas e eletrônicas, em escala também

nanoscópica, como o fato de terem uma resistência mecânica 20 vezes maior que a do aço,

apresentarem flexibilidade e elasticidade, além de transportarem calor e eletricidade. A

propriedade de resistência oferecida, com os nanotubos adicionados a diferentes materiais e

produtos, faz com que indústrias como de cerâmica, de plástico e têxteis cogitem a

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

67

possibilidade de uma vida diferente no cotidiano, podendo-se dispor de peças inquebráveis ou

indeformáveis.

O professor Henrique E. Toma considera que, na previsão de esgotamento dos

recursos naturais não renováveis, que afeta já o presente e afetará decisivamente o futuro da

humanidade, a nanotecnologia tem um grande poder de contribuir “por meio do

desenvolvimento de processos inspirados na natureza, e do ganho em potencial possibilitado

pelos nanomateriais, nanomáquinas, nanodispositivos e nanoeletrônica” (2004, p. 96).

Com estas considerações, enfatizamos que com as transformações da sociedade

contemporânea devidas às aplicações da técnica em nanoescala, já se fabricam dispositivos

trabalhando numa escala, portanto, muito mais reduzida que a que mobilizou os famosos

microchips, fornecendo o entendimento, a produção, o controle e o uso da matéria estruturada

no nível atômico e molecular, especificamente em dimensões subatômicas (nanométricas).

Além de tratar-se de uma nova forma de manipular a natureza e a vida em geral, numa escala

de cálculo que jamais se operou, onde têm lugar fenômenos de natureza quântica, já estão

sendo possibilitados novos e revolucionários rumos, nas mais diferentes áreas do

conhecimento. Esta presença recente da nanociência é uma atividade que remonta, no entanto,

à primeira metade do século XX; já se faz nanociência há mais de 50 anos, para o professor

Paulo César Morais, do núcleo de Física Aplicada do Instituto de Física da UnB, a transição

entre a nanociência e a comercialização de produtos, ou seja, a geração de produtos que

puderam ser explorados comercialmente; nesta tradução é onde se assenta o que nós

chamamos de nanotecnologia (BRAZIL, 2004).

Estas são algumas das aplicações de nanoprodutos já em andamento. Para o professor

Oswaldo Luiz Alves (2004, pp. 23-40), da UNICAMP, representam áreas e aplicações

perspectivadas para a nanotecnologia: Pneus mais duradouros e recicláveis, tintas que não são

afetadas pela salinidade, plásticos não-inflamáveis e baratos, tecidos e materiais de

recobrimento que podem ser auto-reparados, telas planas, tecnologias sem-fio, aumento da

capacidade de armazenar informações em tecnologias de informação e comunicação, maior

velocidade no tratamento de dados e de armazenamento, de modo menos caro, ferramentas de

corte mais duras e resistentes, lubrificantes “inteligentes”, materiais “inteligentes” para a

fabricação de cerâmicas, novos medicamentos, medicamentos com difusão localizada

(atingindo pontos específicos e minimizando os efeitos colaterais), próteses biocompatíveis,

materiais para regeneração de tecidos corporais (pele, ossos etc.), dispositivos para

descontaminar e despoluir o ambiente (a exemplo da língua eletrônica, que possibilita máxima

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

68

precisão na verificação da qualidade da água e presença de contaminantes, pesticidas,

substâncias húmicas e metais pesados, tecidos (roupas) mais leves e com a capacidade de

auto-reparação, sistemas de segurança e defesa extremamente miniaturizados, roupas

resistentes à sujeira e que não se mancham, vidros auto-limpantes, entre muitas outras.

Melo; Pimenta (Ibid. p. 15) citam ainda as propriedades revolucionárias de objetos e

dispositivos nanométricos, como: miniaturização de transistores e aumento da sua capacidade

de processamento (à base de silício, com o uso de nanotubos de carbono e moléculas

orgânicas); miniaturização de chips e de processadores; propriedades mecânicas especiais

(como materiais mais resistentes e leves do que o aço), propriedades distintas em

componentes de compósitos de polímeros e nanopartículas metálicas, bem como novas

combinações de diferentes materiais e alteração de outros pela incorporação em seu interior

de partículas nanométricas cerâmicas, metálicas, por exemplo; e propriedades ópticas e

magnéticas novas e apropriadas para diferentes tipos de aplicação. Os nanocompósitos

poliméricos, vale esclarecer, são [...] materiais formados pela combinação e mistura íntima de um plástico ou borracha e um material disperso na forma de partículas que tenham pelo menos uma de suas dimensões na ordem de grandeza de nanômetros (GALEMBECK; RIPPEL, 2004, p. 42).

Estes materiais se formam pela combinação e mistura homogênea de dois ou mais

tipos de materiais. Suas principais abordagens para tratar dos problemas de aderência e

antiaderência objetivam melhorar a compreensão das interações de moléculas com superfícies

e o conhecimento dos processos químicos e eletroquímicos envolvidos. A fabricação de

ferramentas baseadas na nanotecnologia está ajudando os cientistas a enfrentarem problemas

em ambientes úmidos e corrosivos e, na antiaderência, muitas patentes depositadas estão

ligadas a produtos para uso médico e farmacêutico, como inaladores, e a temas mais

complexos, dedicados ao desenvolvimento de nanocompósitos para adesão e antiadesão

aplicados à indústria, como a construção de turbinas a jato, artes gráficas (impressão de

offset), conserto de defeitos em peças, tratamento de moldes e fabricação de isolantes para

linhas de tensão em automóveis. A pesquisadora Nara Regina de Souza Basso, da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS trabalha com o projeto “Síntese de

nanocompósitos de polímero/grafite”. Atualmente, estão sendo desenvolvidas diferentes

técnicas de intercalação e esfoliação da grafite para dispersão em diferentes matrizes

poliméricas a fim de se obter nanocompósitos (Ver Figura 6) com propriedades condutoras.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

69

Figura 6: Grafite (outra forma de estruturação do nanotubo de carbono) e nanotubo de carbono.

Fonte: Ciência Hoje. Disponível em: <http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://cienciahoje.uol.com.br/images/chdia/n058a.jpg&imgrefurl=http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/3796&h=193&w=275&sz=22&hl=pt-BR&start=41&um=1&tbnid=DKLb9wu_7vYzHM:&tbnh=80&tbnw=114&prev=/images%3Fq%3Dnanotubo%26start%3D40%26ndsp%3D20%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26rlz%3D1T4ADBF_pt-BRBR236BR237%26sa%3DN>. Acesso em 02 de janeiro de 2008.

Podemos falar aqui do grafite, a exemplo do que conhecemos nos lápis que usamos

para escrever (Ver Figura 7), que é constituído por folhas de grafeno (estruturas planas de

carbono, da espessura de um átomo, em que cada carbono se liga a três vizinhos, resultando

numa imagem semelhante a uma colméia de abelhas, com seus hexágonos. A sobreposição

das folhas de grafeno, como se fossem um maço de papéis, forma o grafite. No fulereno32

(terceira forma mais estável do carbono, após o diamante e o grafite) mais conhecido, o C60,

as ligações atômicas estão organizadas em superfícies curvas semelhantes a uma bola de

futebol. Os nanotubos também resultam da organização dos átomos de carbonos em folhas,

como no grafite; mas em lugar de ficarem empilhadas, cada folha se enrola num cilindro. O

tubo que resulta de uma só folha, é chamado de nanotubo de parede única. Quando várias

folhas se enrolam de maneira concêntrica, tem-se o nanotubo de parede múltipla.

32 Atribui-se a descoberta dos fulerenos, em 1985, aos pesquisadores norte-americanos, Harold Kroto,

inglês, e Richard Smalley e Robert Curi.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

70

Figura 7: Grafite Faber Castell – Lápis com nanopartículas organometálicas adicionadas, com mais resistência,

maciez e intensidade na cor33. No lápis, o Carbono, sob a forma de grafite, é macio, maleável e frágil. Mas o nanotubo do Carbono (que ocorre nas conhecidas formas de grafite, como a dos bicos de lápis e lapiseiras) é duro como aço.

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Torna-se notório, então, que o homem alcançou novos dados resultantes de

propriedades especiais e combinações entre elas que diferentes tipos de materiais adquirem,

quando obtidos em escala de tamanho nanométrica. Observemos que é alcançado um grau de

precisão na incorporação de tecnologias inovadoras - desenvolvidas para controlar o grau de

penetração de medicamentos -, em que estão sendo concebidos produtos que liberam

controladamente, através da pele, fármacos, hormônios ou até agentes de defesa contra

ameaças químicas ou biológicas, e ainda cosméticos para melhorar a estética como muitas

indústrias já o fazem. Não há, então, como deixar de ter preocupação com o arranjo estético

da própria essência atômica molecular, tanto quanto temos a preocupação com a função

mastigatória e implantes e estética dental para um belo sorriso.

Assim é que cada vez mais novos recursos intensificam a aplicação da nanotecnologia

33 INICIATIVAS DO MCT EM NANOTECNOLOGIA - PROGRAMA NACIONAL DE NANOTECNOLOGIA. II WORKSHOP NANOTECNOLOGIA AEROESPACIAL. 16 a 17 de outubro de 2006. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Disponível em: <http://www.ieav.cta.br/nanoaeroespacial2006/pdf_arquivos/1610%201130%20MCT%20-%20Nanotecnologia.pdf.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

71

na área da implantodontia (Ver Figuras 8, 9 e 10), em que as pessoas procuram cada vez mais,

além da saúde bucal, um sorriso mais perfeito.

Figura 8: In-Ceram: Massa cerâmica de infiltração livre da utilização de metal, à base de nanopartículas de

porcelana, que pode ser de zircônia ou alumina. Ela possui melhoria de resistência, acabamento, forma, contorno, polimento, qualidade, cimentação não adesiva, baixo grau de condutividade térmica, translucidez, pouco peso, estética etc. Minimiza ou mesmo exclui os problemas convencionais das próteses metalo-cerâmicas, tais como: bordas metálicas visíveis, retração da gengiva, deficiências nas ligas de metal e cerâmica, corrosão, intolerância aos metais, entre outros. Antes, as coroas eram feitas de macro e micropartículas.

Fonte: Acervo da pesquisadora. Colaboração do odontólogo e implantologista, Jatir Moraes.

Figura 9: Dente antes da instalação de implante com In-Ceram (sistemas cerâmicos mais utilizados para a

construção de coroas). Fonte: Acervo da pesquisadora. Colaboração do odontólogo e implantologista, Jatir Moraes.

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

72

Figura 10: Coroa de In-Ceram (porcelana). Mesmo dente anterior, confeccionado com acabamento de In-Ceram,

cujas propriedades óticas e mecânicas são melhores. Uniformidade gengival e fechamento de espaço. Fonte: Acervo da pesquisadora. Colaboração do odontólogo e implantologista, Jatir Moraes.

Esses são apenas alguns aspectos referentes ao assunto que estamos a tratar e que nos

fazem constatar que há idéias atuais que lembram as de tempos remotos, como as dos velhos

alquimistas que trabalhavam com os elementos, não pelo que representavam as substâncias

em si, mas sim por suas propriedades materiais que poderiam ser retiradas ou acrescentadas às

substâncias mediante seus princípios mutáveis e imutáveis, suas propriedades ativas e

passivas. De toda forma, é importante ressaltar que essa associação contribuiu para a

formulação teórica do caminho seguido, mas se trata de uma aproximação invocada não para

afirmar empiristicamente que “onde há poeira, há ácaros!”, mas para que na presente pesquisa

se produza um trabalho reflexivo e apto a servir de importante meio para a viabilização de

novas idéias, novas discussões e novos fóruns temáticos sobre o assunto ‘nanotecnologia’.

Neste aspecto particular, perante a praticidade e o modo descomplicado com que

Feynmann se colocou para apresentar a nanotecnologia, desde que começou a divulgá-la,

sugerindo que os átomos poderiam ser organizados, conforme a necessidade, desde que não

houvesse violações às leis da natureza, materiais com propriedades inteiramente novas

poderiam ser criados, ainda neste capítulo buscamos ilustrar algumas definições gerais

encontradas, importantes e pronunciadas por pessoas que entendem bem do assunto, para

preparar o terreno às nossas considerações sobre as respostas de nossos pesquisados.

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

73

Richard W. Siegel34, outro dos pioneiros nos estudos nanotecnológicos, assim entende:

Nanotecnologia abrange a gama de materiais nanoestruturados, formados por uma diversidade de técnicas de síntese e com aplicações amplas. O campo da ciência e tecnologia de nanostrutura é uma área ampla de interdisciplinaridade, de atividade mundial de pesquisas e desenvolvimento, que tem crescido explosivamente em poucos anos. O entendimento do alcance e natureza de funcionalidades que podem ser alcançados pelo nanoestruturamento, que começa a desvelar um potencial tremendo para revolucionar os meios em que materiais e produtos são criados estão já mais claros. Já existe um impacto comercial significativo, e muito certamente haverá um muito maior impacto no futuro.

Eric Drexler (Apud REGIS, 1997) 35, autor de Engines of Creation (1986), considera

que a nanotecnologia diz respeito às construções “átomo por átomo”. Segundo sua proposta,

as coisas seriam feitas manipulando-se os átomos e moléculas individualmente, trabalhando

com estes um a um, posicionando-os de forma precisa, alinhando-os um por um,

repetidamente, até que um número suficiente deles ficasse acumulado formando uma entidade

de grande escala, útil, como, por exemplo, um automóvel ou uma nave espacial. A

nanotecnologia é a capacidade projetada de fazer coisas do ‘fundo para cima’, usando técnicas

e ferramentas que estão, hoje, sendo desenvolvidas para colocar cada átomo e molécula num

lugar desejado, baseando-se na manipulação de átomos individuais e moléculas na construção

de estruturas complexas, com especificações atômicas. Drexler introduziu o termo

nanotecnologia em 1986. Considerou o termo “nano” como um prefixo que quer dizer um

bilionésimo de alguma grandeza, e que se falarmos do padrão de medida metro, tratamos,

então, do nanômetro, algo muito pequeno, aproximando-se das dimensões dos átomos que

formam toda a matéria que conhecemos, dando-nos a idéia comparativa de que um simples fio

de cabelo tem o diâmetro de aproximadamente 30.000 nanômetros e de um átomo, que possui

em média 0,2 nanômetros.

Algo dessa compreensão se encontra em Richard Palmer36, Diretor do Birmingham's

Nanoscale Physics Research Laboratory, ao dizer que:

Nanotecnologia é a aplicação da ciência de sistemas em escala nanométrica. Um nanômetro (nm) é 1 bilionésimo de metro; reais sistemas em escala nanométrica têm tamanhos que variam de 1 a 100 nm. Por um lado, este regime está entre o mundo

34 Diretor do Centro de Nanotecnologia de Rensselaer. Pioneer of Nanotechnology-Nanomaterials, Nobel Prize in 1996. Nanostructure Science and Technology. 35 Kin Eric Drexler é o Fundador e Presidente do Foresight Institute. 36 Mac Farlane John. O que é nanotecnologia? Trad. Karen Shishiptorova. Universia Science. Disponível em: <http://www.universiabrasil.net/nextwave/ver_materia.jsp?materia=209&subcanal=1>. Acesso em: 02 jun. 2005.

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

74

sub-nanométrico de átomos individuais e, por outro, o tamanho típico padrão em um circuito eletrônico de última geração (por volta de duzentos nanômetros). É um regime onde a física, a química e a biologia se aglutinam para criar a "nanociência", de onde a ciência da nanotecnologia possa (um dia) fluir.

Polemizando algumas concepções, Bill Joy (2000) afirma que nanotecnologia é uma:

Tecnologia de nível molecular que trabalha com elementos atômicos, reordenando-os para formar montagens de tamanho muito inferior ao mícron. Por exemplo: nanorrobôs capazes de penetrar o corpo humano e combater agentes infecciosos ou reparar artérias entupidas. [...] As mais poderosas tecnologias do século XXI - robótica, engenharia genética e nanotecnologia – estão ameaçando fazer dos humanos uma espécie em extinção [...]. A eletrônica molecular – o novo subcampo da nanotecnologia em que moléculas individuais são elementos de circuitos – deve amadurecer rapidamente e tornar-se enormemente lucrativa ainda nesta década, causando um grande incremento nos investimentos em nanotecnologia.

Mais otimista, o filósofo Pierre Lévy (1998. p. 57-8) se refere às nanotecnologias

como: “Tecnologias moleculares frias, procedimentos mecânicos aplicados na escala dos

átomos e moléculas, cujos efeitos serão modificações nas qualidades íntimas dos materiais”.

Ele fala em reunião átomo por átomo das macromoléculas, envolvendo extrema precisão na

perspectiva de fabricação (átomo por átomo), processo que, para Lévy, poderia eliminar em

algumas décadas a química industrial dos aquecimentos e das misturas, que considera já

ultrapassada, fazendo reduzir sensivelmente os desperdícios e as rejeições ao mínimo.

No Relatório da Fundação Nacional de Ciência, intitulado Societal Implications of

Nanoscience and Nanotechnology37 (2001), onde se declara haver uma revolução na ciência e

na tecnologia mediante a manipulação da matéria em nanoescala, encontramos argumentos

que consideram a nanociência como o estudo de sistemas com dimensões de nanômetro (na

faixa de 1nm a 100nm), sendo fenômenos verdadeiramente novos, realizados mediante

comportamento quânticos, com propriedades mais proximamente assemelhadas a moléculas

que a objetos microscópicos. Neste Relatório, é reconhecido ainda que a nanotecnologia é

uma disciplina emergente de engenharia, uma revolução que ocorre na ciência e na

tecnologia, baseada na capacidade recentemente desenvolvida de medir, manipular e

organizar a questão na nanoescala, que representa não só outro passo em direção à

37 National Science Foundation NSET Workshop report Societal Implications of Nanoscience and Nanotechnology. Edited by Mihail C. Rocco and William Sims Bainbridge, Mach 2001, Arlington, Virginia, USA. Disponível no endereço: www.wtec.org/loyola/nano/NSET.Societal.Implications. Este Relatório aborda a nanotecnologia em sua relação com a indústria, a medicina, a sustentabilidade, a exploração espacial, a segurança, como também suas implicações sociais, recomendações, potencialidades, implicações educacionais, éticas, legais e culturais.

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

75

miniaturização, mas a uma escala qualitativamente nova. São “coisas na escala de nanômetro”

ou “coisas na escala atômica”, sem ser uma resposta completa, pois, como uma nova

disciplina de engenharia, nanotecnologia deve significar mais que a capacidade de construir

coisas com precisão de átomo-escala. Em síntese, conforme este documento, a nanotecnologia

é uma nova corrente, uma ‘Nova Coisa’ em ciência, uma área que promete novo

entendimento da natureza e do uso em construir as tecnologias que mudarão o mundo.

No rumo dessas considerações do Relatório da Fundação Nacional de Ciência, parece

seguir a concepção expressada pelo Center for Responsible Nanotechnology-CRN38, para o

qual nanotecnologia:

[...] é a capacidade potencial de criar coisas a partir do mais pequeno, usando as técnicas e ferramentas que estão a ser desenvolvidas nos dias de hoje para colocar cada átomo e cada molécula no lugar desejado. Se conseguirmos este sistema de engenharia molecular, o resultado será uma nova revolução industrial. Além disso, teria também importantes conseqüências econômicas, sociais, ambientais e militares.

Nesta direção, Mike Treder39, Diretor Executivo do CRN, diz que em nanotecnologia:

[...] a manipulação de nanoestruturas, isto é, de materiais com dimensões nanométricas, do tamanho de moléculas, oferece oportunidades sem precedentes na história da humanidade. Porém não se pode esquecer dos riscos que novas tecnologias podem representar à sociedade e ao meio ambiente. [...] Nós sabemos que os riscos são altos, mas também os benefícios potenciais são bastante altos. Possibilidades de recuperação de ambientes degradados, a criação de indústrias muito mais limpas que não poluem o ar ou a água... Essas coisas precisam ser feitas para o benefício da humanidade.

Um outro aspecto particular, demonstrando uma insatisfação, é manifestado na

preocupação de Pat Mooney40 do ETCGROUP-Canadá, que acrescenta: "Não se trata apenas

de diminuir objetos metálicos - o que eu caracterizaria como Meleca Cinza - atualmente os

cientistas estão usando seres vivos microscópicos para auxiliar a nanotecnologia, é a ameaça

da Meleca Verde”. Mooney enfatiza veemente que “A nanotecnologia é a ‘Meleca Verde

38 “O que é a nanotecnologia? Por que é preciso um uso responsável?” Center for Responsible Nanotechnology-CRN. Disponível em <<http://www.euroresidentes.com/futuro/nanotecnologia/nanotecnologia_responsavel/introducao_nanotecnologia.htm>. Acesso em: 12 jul. 2004. 39 Treder, M. Apud Carlos Brazil. “Debate sobre nanotecnologia depende de abertura e cooperação”. Seminário Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente debate desdobramentos da nova tecnologia. Universia. Publicado em 19/10/2004. Disponível em <<http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=5490>>. Acesso em: 15 jan. 2005. 40 Money, P. Apud Renata Aquino. “FSM: Nanomonstros fazedores de hambúrguer dão gosto amargo à nanotecnologia”. Magnet. Disponível em <<http://www.magnet.com.br/bits/cosmonet/2003/01/0037>>. Acesso em 04 abr. 2005.

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

76

(Green Goo)”, caracterização que dá título ao Relatório da ETC.

Para Ralph C. Merkle41, do Foresight Institute, existe uma expectativa mais positiva:

A nanotecnologia é uma proposta de fabricação tecnológica com três objetivos centrais: 1) Posicionar essencialmente cada átomo em seu devido lugar. 2) Fazer com que quase qualquer estrutura seja consistente com as leis da física e da química permitindo especificá-la com detalhe atômico. 3) Ter custos de fabricação que não excedam largamente os custos da matéria-prima e energia necessários.

Richard Palmer42, por sua vez, segue na mesma trilha de raciocínio:

Nanotecnologia é a aplicação da ciência de sistemas em escala nanométrica. Um nanômetro (nm) é 1 bilionésimo de metro; reais sistemas em escala nanométrica têm tamanhos que variam de 1 a 100 nm. Por um lado, este regime está entre o mundo sub-nanométrico de átomos individuais e, por outro, o tamanho típico padrão em um circuito eletrônico de última geração (por volta de duzentos nanômetros). É um regime onde a física, a química e a biologia se aglutinam para criar a "nanociência", de onde a ciência da nanotecnologia possa (um dia) fluir.

Não muito diferente é o pensamento do cientista português Aristides Requicha43 na

mesma matéria. Para ele, a nanotecnologia:

É o estudo do fenômeno, dispositivos e sistemas de dimensões característicos da nanoescala. Neste caso, ‘nanoescala’ significa um âmbito de 1 a 50 nm. O âmbito de baixo exclui manipulação atômica e o de cima exclui grande parte do trabalho em litografia. São excluídos também, i.e., filmes finos que têm certa espessura em nanoescala mas comprimento e largura microscópica. É claro que outras pessoas podem ter parâmetros diferentes.

Nessa ótica de aplicabilidade, para Alejandro Gustavo Piscitelli (2002)44, a

nanotecnologia combina:

[...] los conceptos del diseño con la precisión, durabilidad y velocidad. [...] la nanotecnología es, básicamente, un experimento mental, un juego de la imaginación que muestra cómo construir mundos liberando la mente de la corrosión de la inmediatez y de los modelos y prácticas utilizadas a diario.

41Merkle, R. Entrevista concedida a John Macfarlane. Disponível em: <<http://www.universiabrasil.net/nextwave/ver_materia.jsp?materia=209&subcanal=1>>. Acesso em: 04 abr. 2005. Ralph Merkle é pesquisador de nanotecnologia do Centro de Pesquisa Xerox em Palo Alto. Ele também é editor executivo do periódico Nanotechnology e o diretor do Foresight Institute, uma organização sem fins lucrativos cujo propósito é fornecer orientação sobre tecnologias emergente. 42 Ibid. Richard Palmer é professor de física experimental da Birmingham University e diretor do Nanoscale Physics Research Laboratory. 43 Ibid. Aristides Requicha é professor de ciência de computação e de engenharia elétrica, e diretor do Programmable Automation Laboratory e do Laboratory for Molecular Robotics da University of Southern California em Los Angeles. 44Alejandro Gustavo Piscitelli é professor de Processamento de Dados, Telemática e Informática, na Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais, em Buenos Aires.

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

77

Encontramos no Programa Nacional de P&D em Nanociências e Nanotecnologias -

Plano de Implementação/2001-2005, do CNPq45 a seguinte afirmação:

A essência da nanociência e nanotecnologia é a habilidade de trabalhar ao nível molecular, átomo por átomo, para criar grandes estruturas com organização molecular. Se compararmos o comportamento de moléculas isoladas de dimensões da ordem de 1nm (10-9

m) ao de materiais considerados volumosos (> 100mm, 10-4m), o comportamento de materiais cujas dimensões estão na faixa de 1nm a 100nm – ou tipicamente 10nm, que é 1000 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de cabelo – apresentam diferenças marcantes. Nanociência e nanotecnologia dizem respeito ao entendimento, controle e exploração de materiais e sistemas cujas estruturas e componentes exibem propriedades e fenômenos físicos, químicos e biológicos significantemente novos e modificados devido à sua escala nanométrica (1-100nm).

Cylon Gonçalves da Silva (2003, p. 7)46, numa abordagem mais etimológica para

explicar a nanotecnologia, considera que:

A nanotecnologia não possui uma definição simples porque é muito abrangente. O melhor é partir da origem do termo: o prefixo grego nano quer dizer anão e se refere a uma medida, o nanômetro, que equivale a um bilionésimo de metro. É essa a escala de medida que se usa para medir átomos e moléculas – os componentes fundamentais, em certo nível, pelo menos, da matéria, do mundo que nos cerca. Em uma analogia simples, pode-se dizer que a régua que se usa para medir essas entidades tão pequenas é a régua nanométrica. Mas mesmo essa régua é grande, porque o tamanho característico de um átomo é da ordem de um décimo de nanômetro. Em uma definição formal, diríamos que a nanotecnologia é a tecnologia dos materiais, processos e produtos cujas dimensões críticas estão na faixa de 0,1 a 100 nanômetros.

De forma similar, Henrique Eisi Toma47 (2004, p. 13) afirma:

A nanotecnologia pode ser considerada uma evolução da microtecnologia atual e, portanto, um caminho natural a ser seguido pelas empresas de alta tecnologia. A nanotecnologia e as nanociências contemplam o universo nanométrico, no qual a dimensão física é representada por uma unidade equivalente a um bilionésimo do metro. Essa dimensão é expressa pelo prefixo nano, do grego “anão”, de onde também vem a palavra “nanico”. Sua notação é nm ou 10-9 m. 1 nm equivale aproximadamente ao comprimento de dez átomos enfileirados.

Para Eronides F. da Silva Jr. (2003)48:

45 PROGRAMA NACIONAL DE P&D EM NANOCIÊNCIAS E NANOTECNOLOGIAS. Documento preliminar para discussão, do Grupo de Articulação criado pelo MCT/CNPq a partir da reunião realizada em Brasília, CNPq, 22/11/2000. Brasília, Abril 2001. Disponível em: <http://www.cnpq.br/noticias/nano.doc>>. Acesso em: 12 dez. 2002. 46 Cylon Gonçalves da Silva é professor emérito da Unicamp e Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCT Ex-Diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. 47 Henrique Eisi Toma é professor do Instituto de Química da USP e Pesquisador do CNPq.

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

78

Nanociência e Nanotecnologia, tratam de aplicações e desenvolvimentos de nanoestruturas e nanodispositivos utilizando-se das propriedades físicas, químicas, elétricas e óticas de novos materiais e materiais avançados, e que resultam em uma maior miniaturização de dispositivos e sensores; presentemente, a pesquisa de ponta realizada em todo o mundo requer a manipulação da matéria em nível atômico e molecular.

Idéias afins também encontramos em Paulo César Morais49. Sua abordagem, porém,

versa sobre a geração de produtos e a exploração comercial e limites da pesquisa brasileira:

[...] a nanotecnologia é o segmento, a conseqüência da nanociência. Tanto os materiais nanoestruturados (montados a partir de estruturas nanométricas) quanto essa instrumentação capaz de visualizar e manipular estes materiais podem dar origem a produtos. E a transição entre a nanociência e a comercialização de produtos, essa tradução é onde se assenta o que nós chamamos de nanotecnologia. [...] Então, todo esse conhecimento científico básico pode ser comercializado como um novo sucessor da economia mundial. E há uma grande expectativa em relação a isso. [...] O Brasil ainda tem espaço para construir um plano para a nanociência e a nanotecnologia. A nanociência brasileira já está razoavelmente organizada. Mas a nanotecnologia brasileira não existe. Não há instrumentos, não há uma política de médio e longo prazo para a nanotecnologia. É preciso criar essa política séria e é preciso fazer investimento sério. Mas é preciso também que o governo traga para esta tarefa a iniciativa privada.

Para a professora Zulmira G. M. Lacava50, pesquisadora do Instituto de Ciências

Biológicas da Universidade de Brasília-UnB, e o professor Paulo C. Morais, anteriormente

citado, em reportagem envolvendo a ambos:

A nanotecnologia está ligada à manipulação da matéria em escala nanométrica, ou seja, uma escala tão pequena quanto a de um bilionésimo do metro. Na escala nanométrica, os átomos revelam características peculiares, podendo apresentar tolerância à temperatura, cores, reatividade química, condutividade elétrica, ou mesmo exibir força de intensidade extraordinária.

De forma geral, esta argumentação é encontrada também em José A. Brum51, diretor

atual do Laboratório Nacional de Luz Síncroton, desde 2001, que diz: Costumamos definir nanociência e nanotecnologia como a pesquisa e desenvolvimento tecnológico no nível atômico, molecular e macromolecular, na escala de 0,1 à 100 nanômetros, que tem como objetivos proporcionar a compreensão de fenômenos e materiais na escala nano, criar e utilizar estruturas,

48 Eronides F. da Silva Jr. é professor do Departamento de Física, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 49 Membro do Núcleo de Física Aplicada do Instituto de Física da UnB (Universidade de Brasília). 50 Disponível em: <<http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano15.htm>>. Acessado em 15 mar. 2004. 51 Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano18.htm>. Acesso em: 2 mar. 2005.

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

79

dispositivos e sistemas que tenham propriedades e funções únicas devido ao seu tamanho reduzido.

Nesse sentido, complementa Wanderley de Souza52, dizendo que “A nanotecnologia é

a biotecnologia de 15 anos atrás. A área é estratégica e é uma prioridade”.

“Nanociência e nanotecnologia” diz José Roberto Leite53, professor do Instituto de

Física da USP e Presidente da Sociedade Brasileira de Física-SBF, “[...] se referem à pesquisa

básica e aplicada envolvendo sistemas atômicos de dimensões da ordem de milésimos de

milímetro. A origem do nome se refere ao fato de quando expressamos estas dimensões em

metros temos nove dígitos após a vírgula”. Não diferentemente é a compreensão de Carlos

Alberto Vogt54, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-

FAPESP, para quem a nanotecnologia significa: “Manipulação de átomos em escala

nanométrica, isto é, numa escala de 1 bilhão de vezes menor que o metro ou 1 milhão de

vezes menor que o milímetro, um espaço, pois, no qual cabem, no máximo, 10 átomos.”

Ao modo de ver dos pesquisadores, Sílvia Stanisçuaski Guterres (2002), da Faculdade

de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, e André Avelino Pasa,

do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, a compreensão

da temática não difere do que vimos antes. Para Guterres, a nanotecnologia está ligada à

criação de conhecimentos, enquanto que nanociência deve viabilizar as aplicações. Pasa, em

entrevista concedida à pesquisadora, em 2004, declara que a nanotecnologia, para ele,

significa a tecnologia que está baseada nas propriedades físicas e químicas, apresentadas

por objetos com dimensões inferiores a algumas centenas de nanômetros.

De nossa parte, temos a clareza que a nanotecnologia traz em si uma abertura para um

novo ímpar em nossas vidas, e por tudo o que vimos em termos de sua relação com a

manipulação molecular, consideramos as questões de ordem ética precisam ser examinadas,

debatidas e renovadas, com certeza, no rumo de sua escala de implicações. Partindo de

interpretações diversas dos acontecimentos que formos acompanhando, derivam-se também

diversas tarefas éticas: Qual é a legitimidade dessas derivações? Em que condições e de que

modo é possível interferir, a partir de uma interpretação físico-cosmológica, com tarefas

éticas? Para estas perguntas, ensaiamos algumas respostas, mas de nada temos certeza, apenas

52Secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia/MCT, entre 2003 a janeiro de 2004. Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/canal_aberto/clipping/abril2003/clipping030429_folha.html>. Acessado em: 12 jun. 2005. 53 Disponível em: <http://www. comciencia.br/entrevistas/nanotecnologia/leite.htm>. Acessado em 25 jun. 2004. 54 Disponível em: <http://www.comciencia.br/carta/nanotecnologia.htm>>. Acessado em: 25 mai. 2004.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

80

suposições, que foram enriquecidas com o esforçado e extenuante estudo que fizemos, com

base no conhecimento propiciado pelos campos e conceitos da física e da matemática,

conforme mostramos no próximo capítulo.

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

81

3. A NANOTECNOLOGIA E O CONHECIMENTO PROPICIADO PELOS CAMPOS

E CONCEITOS DA FÍSICA E DA MATEMÁTICA: APROXIMANDO TECHNE E

ARTE

Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés. Caminhava hesitante e cauteloso,

pé aqui, pé ali,

as pernas afastadas, os braços insuflados como balões pneumáticos,

o tronco debruçado sobre o solo. Lá vai ele.

Lá vai o Homem Novo medindo e calculando cada passo,

puxando pelo corpo como bloco emperrado. Mais um passo.

Mais outro. Num sobre-humano esforço

levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela. Com redobrado alento avança mais um passo,

e a Humanidade inteira, com o coração pequeno e ressequido,

viu, com os olhos que a terra há-de comer, o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira da sua Pátria,

exactamente como faria o Homem Velho.

(Poema do Homem Novo, António Gedeão, 1970)

Antes de continuar nossa tentativa de traçar uma história, voltamos à nanotecnologia

Em todo avançar do conhecimento, reconhecemos trilhas e caminhos que, enquanto forem

acessados e compartilhados, possibilitam não somente a nossa memorização e

reconhecimento, mas também dos que vierem depois de nós. Assim, para compreender o

espírito dessa gigantesca obra que representam a física quântica e a nanotecnologia, com suas

mudanças significativas, é preciso recorrer aos princípios que fundamentaram grandes áreas

do pensamento, nela refletidos e que são elementos fundantes no desencadeamento de

revoluções científicas.

É importante que realcemos aqui a distinção entre física quântica e nanotecnologia,

para colocá-las em seus devidos patamares, lembrando que a interpretação oferecida por

ambas aos fenômenos do mundo do “muito pequeno”, difere dramaticamente daquela

sugerida pela nossa percepção imediata e intuição, alterando, portanto, nossa visão de mundo.

Para falar da física quântica, precisamos ter em vista a idéia de “campo eletromagnético”, e

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

82

para explicarmos o que significa este campo, utilizamos uma analogia feita por Feynman,

Nobel de física em 1965: [...] se estivermos em uma piscina e uma rolha estiver flutuando bem perto, poderemos deslocá-la “diretamente” impelindo a água com outra rolha. Se olhássemos apenas para as duas rolhas, tudo que veríamos seria que uma se deslocou imediatamente em resposta ao movimento da outra – há um certo tipo de “interação” entre elas. Claro está que o que realmente fazemos é mexer a água, e esta mexe então a outra rolha. Poderíamos formular uma “lei” de que, se impelíssemos a água um pouco, um objeto próximo na água se deslocaria. Se estivesse mais distante, é claro que a segunda rolha mal se moveria, pois deslocamos a água localmente. Por outro lado, se agitarmos a rolha, um novo fenômeno estará envolvido em que o movimento da água desloca a água ali, etc. e ondas se afastam; assim, pela agitação, há uma influência de muito maior alcance, uma influência oscilatória que não pode ser entendida com base na interação direta. Portanto, a idéia de interação direta deve ser substituída pela existência da água ou, no caso elétrico, pelo que denominamos campo eletromagnético (FEYNMAN, 2004, p. 60).

O autor complementa que o campo eletromagnético pode transportar ondas, algumas

das quais são luz e outras são usadas em transmissão de rádio, porém em ambos os casos o

nome geral é ondas eletromagnéticas, que são oscilatórias (confirmando a idéia de “ondas de

matéria” proposta em 1924 por Louis de Broglie) e podem ter várias freqüências. Uma vez

entendido o que é campo eletromagnético e tomando em conta que o mesmo pode conduzir

ondas, é importante esclarecer que se verificou que estas “se comportam de uma forma

estranha que parece muito pouco ondulatória” (Ibid. p. 62), de modo que em freqüências

maiores, “elas comportam-se muito mais como partículas, o que acontece devido à mecânica

quântica”. Em outras palavras neste fenômeno que concebe que nada é real, e que não

podemos afirmar nada acerca dos fenômenos exceto quando os vemos, as coisas do mundo

que se encontram em uma escala muito pequena, têm comportamento diferente das que estão

em uma escala maior, o que não é, por isso mesmo, um fenômeno fácil de compreender em

nosso senso comum. Feynman diz que

É isso que torna a física difícil – e muito interessante. É difícil porque o modo como as coisas se comportam em uma escala pequena é totalmente “antinatural”; não temos experiência direta com isso. As coisas não se comportam como nada que conhecemos, e esse comportamento só pode ser descrito analiticamente. É difícil e requer muita imaginação (Ibid).

Disso resulta que, diferentemente da física clássica, não prevalece mais a idéia de que

uma partícula tenha uma localização e velocidade definida, não se podendo determinar onde

algo está e nem a velocidade com que se move, pois estas partículas estão em constante

ziguezague, embora as incertezas de posição e de velocidade sejam complementares. Além

disso, acrescenta Feynman: “não é possível prever exatamente o que acontecerá em qualquer

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

83

circunstância” (Ibid, p. 63). E sem engrenagem interna alguma, complementa o físico [...] a natureza, como a entendemos hoje, comporta-se de tal modo que é fundamentalmente impossível fazer uma previsão exata do que acontecerá exatamente em uma dada experiência. Trata-se de algo terrível; na verdade, os filósofos afirmaram antes que um dos requisitos fundamentais da ciência é que, sempre que se estabelecem as mesmas condições, deve ocorrer a mesma coisa. Isto simplesmente não é verdade, não é uma condição fundamental da ciência. O fato é que a mesma coisa não acontece, que só podemos encontrar uma média, estatisticamente, do que acontece.

Não resta dúvida de que esse ponto é bastante paradoxal, porque desmonta muito do

que foi concebido a respeito de que duas ou mais experiências se repetiriam do mesmo jeito,

ainda que em lugares diferentes, produzindo os mesmos resultados. E é o fato de pensar que

certos acontecimentos se repetem do mesmo modo em ambientes distintos (ou pelo menos se

pensava que assim o seria) que gera a formulação de alguma lei geral; ou seja, a maçã que

caiu na cabeça do cientista e matemático inglês Sir Isaac Newton, com a física clássica, em

sua teoria da gravitação universal, cai do mesmo modo em todas as cabeças, em qualquer

lugar? Para entender o mundo moderno e o contemporâneo, é preciso ir além da física clássica

de Isaac Newton e conhecer mais sobre a física quântica de hoje. É preciso saber mais sobre o

princípio da incerteza (que não deve ser entendido como uma relação de incerteza, mas de

indeterminação ou indefinição) proposto por Heisenberg (seguindo a onda filosófica anti-

realista positivista da época, tentando escapar da questão da dualidade onda-partícula, levando

em conta que Bohr havia procurado justificar, por meio de argumentos diversos, a ruptura

com a perspectiva realista típica da ciência), que segundo Feynman (Ibid, p. 144) descreve

uma característica básica da natureza. Sobre isto, a que fique melhor esclarecido, já que a

mecânica quântica foi um palco imenso de polêmicas, enfatizamos o que diz o professor

Silvio Seno Chibeni (2001), da Unicamp (SP): Uma grandeza só terá significado físico se pudermos atribuir valores a ela. É isso que permitirá colocar a noção em correspondência com os fenômenos, com a leitura de aparelhos de medida. Neste ponto surge a primeira e mais fundamental dificuldade interpretativa na MQ: Dados um estado quântico e uma grandeza física quaisquer, em geral o formalismo quântico simplesmente não atribui um valor à grandeza! (Dissemos "em geral" porque há exceções.) O problema é agravado pelo fato de que mesmo quando o estado não fornece o valor de uma grandeza física, medidas dessa grandeza sobre o objeto são inteiramente possíveis e dão valores bem definidos. Parece, então, que a teoria está falhando em uma de suas funções essenciais, a predição dos fenômenos, dos resultados de medida. Como interpretar essa situação?

E é com base nisso, que existem duas posições possíveis: a) a primeira já vista de

Heisenberg, Bohr e outros mais, para quem os valores dessas grandezas, a que se refere o

professor Silvio Seno Chibeni, não existem, ou não estão definidos antes que se efetue a

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

84

medida, de modo que a medida é que criaria ou tornaria definidos os valores, mas sem ser

propriamente uma medida, no sentido usual do termo, e, sim, a mera revelação de uma

propriedade preexistente do objeto investigado; b) a outra versão da teoria quântica, devida a

Schrödinger, que queria mostrar que a mecânica quântica é uma teoria incompleta (argumento

hoje conhecido pelo nome pitoresco de “gato de Schrödinger”), e ao também chamado

“argumento de EPR” (Einstein, Podolsky e Rosen). Ambas as posições buscam indicar que a

descrição quântica das propriedades dos objetos é incompleta. Para nós, a questão se torna

mais complexa quando Feynman (2004, p.149) argumenta que o princípio da incerteza

“protege” a mecânica quântica, ao modo de Heisenberg, defender que se fosse possível medir

com precisão o momento e a posição, isto implicaria no próprio desmoronamento da

mecânica quântica. O físico considera que A teoria completa da mecânica quântica, que usamos agora para descrever os átomos e, na verdade, toda a matéria, depende da correção do princípio da incerteza. O imenso sucesso da mecânica quântica reforça nossa crença no princípio da incerteza. Mas se fosse descoberta uma forma de “derrotar” o princípio da incerteza, a mecânica quântica forneceria resultados inconsistentes e teria de ser descartada como uma teoria válida da natureza (Feynman, p. 144).

E diante de muitas tentativas que foram feitas com qualquer precisão maior para

descobrir formas de medir a posição e o momento de algo, sem que isso se tenha conseguido,

Feynman conclui que a mecânica quântica segue preservando sua “perigosa”, mas correta

existência. Considerando o que caracteriza a mecânica quântica, a nanotecnologia é a

capacidade potencial de criar coisas a partir do “mais pequeno”, em que a física, a química e a

biologia se aglutinam para criar a “nanociência”. Usando as técnicas e ferramentas que estão

sendo desenvolvidas nos dias de hoje para colocar cada átomo e cada molécula no lugar

desejado, de certo modo faz com que quase qualquer estrutura seja consistente com as leis da

física e da química permitindo especificá-la com detalhe atômico, é de onde flui a ciência da

nanotecnologia (MACFARLANE, [s.d]).

O campo da nanociência e nanotecnologia vem recebendo uma atenção especial em

várias áreas do conhecimento, como Física, Química, Biologia e Engenharia. Este grande

interesse pode ser atribuído ao fato de que sistemas físicos apresentam novos comportamentos

quando manipulados em escalas nanométricas, segundo o professor Henrique Eisi Toma

(2004), do Instituto de Química da USP, que têm sua maior expressão nos sistemas

biológicos, onde sistemas moleculares organizados compõem as nanomáquinas que sustentam

a vida. O químico argumenta que, entrando nesse mundo, percebe-se que as máquinas mais

evoluídas se tornarão tão pequenas quanto as moléculas enquanto que a eletrônica será

transportada para uma dimensão mil vezes menor que a atual. Inspiradas nesses sistemas

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

85

podem ser exploradas novas estratégias em nanotecnologia. Richard Feynman disse muito

incisivamente que Os princípios da física, pelo que eu posso perceber, não falam contra a possibilidade de manipular as coisas átomo por átomo. Não seria uma violação da lei; é algo que, teoricamente pode ser feito mas que, na prática, nunca foi levado a cabo porque somos grandes demais55

Ainda que reconheçamos que a mecânica quântica é uma forma completamente nova

de ver o mundo em relação à física clássica, a matemática e a física básica estiveram sempre

muito entrelaçadas como instrumentos poderosíssimos na pesquisa científica e para os

avanços que foram dados com os “elementos de realidade” dessa nova forma (quântica) e seu

status, dando origem a novos caminhos que proporcionam uma visão de natureza bem

diferente da dos gregos e dos medievais. Também conta muito o que a física hoje alcançou

para o conhecimento de seu próprio campo e o conhecimento em geral, e a dar sua

contribuição à matemática para que consigamos resolver melhor um velho impasse que existe.

Trata-se de quando nos debatemos a tentar saber como é possível que a matemática, também

uma elaboração do pensamento humano, mas que é independente da experiência, seja tão

admiravelmente apropriada para os objetos da realidade. Apontamos a direção que Paul Dirac

(Apud FLEMING, 2002) concede à matemática um indispensável papel, alegando que um

livro na nova física, se não puramente descritivo do trabalho experimental, deve ser

essencialmente matemático. Mesmo assim, a matemática é só um instrumento e há que

aprender a manter as idéias físicas na mente de alguém sem referência à forma matemática.

Conforme está expresso no prefácio do livro de sua autoria, “Principles of Quantum

Mechanics”, publicado em 1930, que aborda a Mecânica Quântica por ele desenvolvida, Dirac

(Ibid., 2002) diz que A book on the new physics, if not purely descriptive of experimental work, must be essentially mathematical. All the same the mathematics is only a tool and one should learn to hold the physical ideas in one's mind without reference to the mathematical form.

Já bem definido por Galileu, a física não é matemática, nem faria sentido, pois

naquela época a física era uma coisa só. Antes mesmo do filósofo de olhos de luneta, o papel

essencial da linguagem matemática, considerando aí a geometria e a aritmética, era o de um

instrumento eminentemente organizador:

55 “Introdução à nanotecnologia. O que é a nanotecnologia?” (2000). Centro de Nanotecnologia Responsável: CRN. Disponível em: <http://www.euroresidentes.com/futuro/nanotecnologia/nanotecnologia_responsavel/introducao_nanotecnologia.htm>. Acesso em: 13 de abril de 2006.

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

86

Isaac Newton, inventando a física teórica, deu à matemática um novo papel na física. Enquanto, antes dele, a linguagem matemática tinha principalmente um papel organizador, a partir de Newton passou a ter um poder preditivo: passa-se a usar a matemática para investigar a totalidade das previsões de uma teoria. No entanto, mesmo aí, física não é matemática (Ibid.).

Com Newton, um físico experimental, construtor de instrumentos e notável teórico, a

matemática passou a constituir-se em poderoso recurso do pensamento para investigar a

física, a química e também a biologia. Einstein também foi beber na mesma fonte e sempre

considerou que a Matemática em geral e, particularmente, a Geometria devem a sua existência

à necessidade sentida de aprender algo sobre o comportamento dos objetos reais, porque o

homem conviveu sempre com a “simbiose” entre o abstrato e o real, ambos a interagirem.

Tanto isso é indiscutível, lembramos que nos primeiros momentos míticos do homem já se

encontra a necessidade desta relação.

Hoje, dispondo de tantos objetos culturais à nossa volta e em nós mesmos, vivemos

uma aproximação jamais vista entre o real e imaginário (e o que imaginamos que ainda não

foi feito) e entre a realidade palpável do universo físico e os pensamentos. A própria mecânica

quântica tem sido vista, por muitos físicos, como sendo cheia de mistérios e paradoxos, a que

os místicos recorrem para apoiar suas visões. Lembramos que a ciência depende em larga

medida da quantificação dos fenômenos que estuda. A fonte da maioria dessas alegações em

torno de mistérios e paradoxos pode ser referida à denominada dualidade onda-partícula da

física quântica, uma vez que os objetos físicos, em nível quântico, parecem possuir

propriedades tanto locais, reducionistas, de partícula, representadas por conexões entre

eventos espacialmente separados – partículas e rede de partículas - de onda, quanto

propriedades não-locais, que são instantâneas e não podem ser previstas: elas simplesmente

acontecem. Está aí a mecânica quântica a nos demonstrar esse novo quadro de coisas,

sobretudo, no que diz respeito ao misticismo quântico, associado a uma entidade matemática

abstrata, o estado quântico, em que as áreas imbricam-se cada vez mais, pois o

indeterminismo é um tema que convoca interesses da matemática, da física, da filosofia e

ainda de outras disciplinas, o que pode contribuir para quebrar antigas barreiras entre as várias

“culturas”. Quem é capaz de negar, embora o seja mais evidente na física e na química, as

infiltrações dos “rizomas matemáticos” de ponta a ponta na biologia, não apenas desde que a

vida começou a ser estudada na escala atômica e molecular pela biologia molecular, mas

muito antes? Se conferirmos mais proximamente, veremos que, com os primeiros pensadores

da humanidade, começa a grande pergunta onde já está presente a matemática: “O que é a

vida”?

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

87

E foram eles muitos, a exemplo de Aristóteles, que formulou a geração espontânea,

primeira teoria científica de origem da vida que conhecemos, antes mesmo de alguns

expressivos nomes de épocas mais próximas de nós. Esta teoria supunha a existência de um

“princípio ativo” organizador dentro de certas porções da matéria inanimada, diferente, de

acordo com o tipo de ser vivo, e que também tornaria possível que seres vivos completamente

formados eventualmente surgissem a partir da matéria bruta; o inglês Robert Hooke que fez

descrições de observações microscópicas de células e telescópicas e a quem é atribuído a

autoria do termo "célula", em 1665 (à época também professor de Geometria); o holandês

Antoni Van Leeuwenhoek que promoveu o melhoramento do microscópio, além de ter

contribuído com as suas observações para a biologia celular; Francisco Redi, notável médico,

físico e poeta italiano que deu um dos primeiros passos para a refutação da teoria da abiogêne

(do grego a-bio-genesis, “origem não biológica”), ou geração espontânea, que designa de

modo geral a origem da vida a partir de matéria não viva; o padre, fisiologista e estudioso das

ciências naturais, Lazzaro Spallanzani, cujo trabalho centrou-se na investigação da teoria da

geração espontânea, para refutar o religioso e cientista inglês John Turberville Needham, que

tentou comprovar as idéias da abiogênese; do naturalista britânico Charles Robert Darwin que

se destacou historicamente com sua teoria da evolução e proposição de uma teoria para

explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual, que se desenvolveu no que tem

sido ainda considerado o paradigma central para explicação de diversos fenômenos

biológicos; o cientista francês, Louis Pasteur que fez declinar de vez a abiogênese, triunfando

definitivamente a biogênese (teoria biológica, segundo a qual a matéria viva procede sempre

de matéria viva) e criou as vacinas, entre elas, a anti-rábica; o russo Aleksandr Ivanovich

Oparin, considerado uma das maiores autoridades sobre a teoria que explica a origem da vida;

e Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger, físico austríaco famoso e polemizado até hoje

pelo seu experimento conceitual (de caráter mental) conhecido como o Gato de Schrödinger,

pensado como exemplo para mostrar claramente as diferenças existentes entre o mundo

cotidiano e o mundo quântico. É um dos fundadores da Mecânica Quântica, especialmente,

criador da Equação de Schrödinger com que recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1933.

Schrödinger, que tinha profundos e amplos interesses intelectuais também pelas “áreas

da filosofia e da biologia, além de dar continuidade ao seu trabalho sobre física teórica”, é

comemorado até hoje em função de sua palestra O que é vida?, proferida em Dublin, em

1943. Foi a partir desta palestra que começaram as grandes discussões em torno da questão da

“ordem a partir da ordem” (na maneira mediante a qual os organismos ‘transmitem’

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

88

informações de geração à geração). Ao fazer esta abordagem sinalizou aos físicos que chegara

o momento de considerarem no seu trabalho os problemas biológicos, alegando que os seres

vivos podiam equivaler a sistemas físicos.

Mas há algo que nos chama a atenção na discussão sobre O que é vida - que

trouxemos à tona e que queremos vincular com o percurso traçado para dar conta de uma

questão que é tão importante em seu aspecto singular quanto àquela da nanotecnologia. É que,

ao tratar da ordem a partir da ordem, ter por preocupação, também, o tema da ordem a partir

da desordem e a questão de Por que são os átomos tão pequenos”, reacende o retrato

matemático e físico que emerge dos cálculos implicados nas relações entre átomos, tamanho

do átomo e dimensões do gene, partículas, agregado de milhares de átomos e precedente

análise das propriedades dos átomos. Suas considerações sobre a problemática do

enfrentamento da célula face à existência de genes, por exemplo, com tamanho estimado em

cerca de mil átomos, como no caso das alterações resultantes de mutações ocorridas na mosca

da fruta, foi culminar em trabalhos com a estrutura do DNA (Ver Figua 11) e na biologia

molecular.

Figura 11: Esqueleto estrutural do DNA: Consiste em duas cadeias helicoidais, enroladas uma ao redor da outra,

formando uma dupla hélice que gira ao longo de um mesmo eixo imaginário, mostrando-se os parámetros de uma geometria perfeita, a inspirar as nanomáquinas. Todos os seres vivos são constituídos então de verdadeiras nanomáquinas moleculares (DNA, RNA, ribossomos etc.), que funcionam em escala atômica e coordenam os átomos e as moléculas, de maneira extremamente precisa, com muito mais sucesso. A equipe do professor Ron Naaman, do Instituto Weizmann, Alemanha, construiu Nanotransistores com DNA e nanotubos de carbono (Disponivel em: <http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010165041229>. Acesso em 12 de outubro de 2007). Vale lembrar que as propriedades de um átomo de carbono são as mesmas, independente de ele estar dentro de uma molécula ou de um nanotubo.

Fonte: (imagens trabalhada pela autora) Structural Biology Lab. Disponível em <www.sinica.edu.tw/~wanglab/research_sac7d.htm>. Acesso em: 12 de novembro de 2006.

Essas considerações sobre a contribuição de varias áreas para o entendimento da vida

e da natureza registram não apenas a importância de um físico ter se transportado de sua área

de trabalho para uma outra que não era sua especialização, a possibilitar novas discussões

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

89

inspiradoras a pesquisadores de outras áreas, a exemplo dos avanços da engenharia molecular,

ou seja, a engenharia na escala atômico-molecular, considerada escala última da matéria

ordinária, onde os materias tradicionais são substituídos por moléculas orgânicas, como o

DNA, dando origem ao que está sendo chamado de “nanoeletrônica” (em contraponto à

microeletrônica), à frente, entre outras coisas, da indústria da informática e da nanorobótica.

Lembrando que o conceito mais comum de “verdade” remonta a Platão, que a define em

termos ontológicos como conformidade ou adequação entre o pensamento e a realidade,

ao afirmar que a “verdade” é a “adequação” ou “correspondência” entre a “razão” (logos) e o

“ser”, ou entre o “discurso” com a “realidade”. Esta relação platônica foi sintetizada por

Aristóteles, colocando a verdade como a adequação ou correspondência do que pensamos

com a realidade, relação a partir da qual este filósofo acentuou o papel da lógica da

linguagem.

O que consideramos de relevância é que este momento nos reportou à questão da

‘verdade’56, lembrando dos procedimentos similares que são aplicados às proposições de

ciências formais como a matemática, que são usualmente campo de aplicação da teoria

coerencial da “verdade”, em que se faz valer as diversas proposições geométricas. Fomos,

transportados à questão da ‘verdade’ dos axiomas e ao edifício denominado matemática,

construído a partir de Euclides bastante questionado, desde Einstein, com descrições das

experiências físicas se referindo a objetos macroscópicos.

A Geometria, como ciência dedutiva, foi criada pelos gregos. Mas, apesar do seu

brilhantismo, faltava operacionalidade à geometria grega. Mais do que isso, somente no

século XVII, a álgebra estaria razoavelmente aparelhada para uma fusão criativa com a

geometria, deixando associar equações a curvas e superfícies. Descartes, contemporâneo de

Kepler e de Galileu, inclui a aplicação da álgebra à geometria estabelecendo novas relações

entre problemas aparentemente desconexos quando tratados apenas em caráter geométrico,

dando origem à geometria cartesiana. Ao unificar a aritmética, a álgebra e a geometria, criou a

Geometria Analítica, um método que possibilitou a representação dos números de uma

equação como pontos em um gráfico, as equações algébricas como formas geométricas e as

formas geométricas como equações, sendo por seus significativos avanços considerado até

56 Na epistemología, um axioma é uma “verdade evidente”, que não admite demonstração mediante a intuicão racional e sobre a qual se sustenta o resto do conhecimento, ou sobre a qual se constroem outros conhecimentos. Nem todos os epistemólogos estão de acordo que os axiomas existam dessa maneira. Na matemática, um axioma não é necessariamente uma verdade evidente, mas uma expressão lógica utilizada em uma dedução para se chegar a uma conclusão. Em matemática se distinguem dois tipos de axiomas: axiomas lógicos e axiomas no-lógicos.

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

90

hoje o filósofo que individualmente mais contribuiu para o progresso das ciências exatas. E

isto só foi conseguido mediante a álgebra como princípio unificador.

São já esforços matemáticos com o intuito de mostrar como se comporta uma

definição de “verdade” aplicada a proferimentos, a argumentos e a proposições, que melhor

descreve o espaço real em que nós existimos, melhor dizendo, nossa “versão” de natureza.

Geometrias de novas dimensões, as consideradas “não-euclidianas”, começaram a expressar-

se a partir da Teoria da Relatividade (na visão relativista, o velho espaço de três dimensões

tem de ser substituído por um novo espaço-tempo, de quatro dimensões e, além disso, a

geometria desse espaço-tempo não é euclidiana, e sim minkowskiana) e da Mecânica

Quântica, a dizer-se que elas contemplam a possibilidade de transformarem radicalmente a

concepção do homem em relação ao mundo.

Citamos algumas geometrias que foram construindo a vida e o mundo: Geometria

Minkowskiana (de Hermann Minkowski), Geometria Fractal (de Benoît B. Mandelbrot);

Geometria Hiperbólica (creditada a Carl Friedrich Gauss, Johann Bolyai, Nikolai Ivanovich

Lobachevsky e Jules Henri Poincaré57); Geometria Elíptica ou Riemanniana (de Georg

Friedrich Bernhard Riemann); Geometria Algébrica; Geometria Analítica; Geometria dos

“fulerenos” ou “buckybolas”. Com relação a esta última, assinalamos que os fulerenos

lembram as cúpulas ou domos geodésicos (abóbada hemisférica ou esferóide), criados pelo

arquiteto Richard [“Bucky”] Fuller, que são estruturas que se baseiam no fato de que quando

três triângulos se combinam de modo a formar uma pirâmide, cuja própria base é também um

triângulo, forma-se um tetraedro. Se forem juntados vários tetraedros para formar uma esfera,

cortando-se a esfera ao meio, forma-se um hemisfério e se revela, assim, uma “cúpula” ligada

intimamente à nanotecnologia. Os fulerenos são o modelo de nanomaterial, geometria muito

semelhante à das cúpulas de Fuller, de extraordinária resistência e de leveza excepcional,

importante para a arquitetura, com o objetivo de criar abrigos versáteis, leves e flexíveis, ou

máquinas de habitar capazes de se modificarem conforme as necessidades de quem as habita

(como mostra a Figura 12).

57 Poincaré inventou um “mapa” transportando todo um plano do espaço hiperbólico para dentro de um círculo, bastante prático para ajudar na visualização do plano hiperbólico, mapa esse que foi usado por Maurits Cornelis Escher, em algumas de suas gravuras.

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

91

Figura 12: American Pavilion, criação do arquiteto Richard Buckminster Fuller, localizado em Quebec, Canadá,

que nos remete à Arquitetura no NanoSpace. O Pavilhão norte-mericano (da Exposição Mundial de 1967) hoje em dia é denominado de “Biosfera”, uma aplicação exemplar da estrutura designada por cúpula geodésica, ou domos geodésicos, conceitos desenvolvidos pelo trabalho de Fuller.

Fonte autorizada: Wikipédia (imagem trabalhada pela autora). Disponível em: <pt.wikipedia.org/ - 70k>. Acesso em 13 de janeiro de 2008.

Nos remetendo aos fractais, lembramos que o termo “fractal” foi introduzido em 1975.

A geometria fractal estuda as formas e figuras que possuem recursividade e dimensão

fracionária, denominando uma classe especial de curvas definidas recursivamente, que

produzem imagens reais e surreais, de modo que uma estrutura geométrica ou física apresenta

uma forma irregular ou fragmentada em todas as escalas de medição. Logo, a geometria

fractal é o ramo da matemática que estuda as propriedades e comportamento dos fractais, em

subconjuntos complexos de espaços métricos. Quando os objetos estudados são subconjuntos

gerados por transformações geométricas simples, do próprio objeto, nele mesmo, fala-se em

geometria de fractais determinísticos. O objeto é composto por partes reduzidas dele próprio.

Os belos trabalhos de Escher, sem conhecimento específico prévio, mas através do

estudo sistemático e da experimentação, são apoiados em conceitos matemáticos,

relacionados principalmente com a geometria. O Moebius Strip II (como é mostrado na

Figura 13) é inspirado na concepção da fita do matemático e astrônomo alemão August

Ferdinand Moebius, que é uma superfície de duas dimensões com um lado só e foi o embrião

de um ramo inteiramente novo da matemática conhecido como “topologia”, o estudo das

propriedades de uma superfície que permanecem invariantes quando a superfície sofre uma

deformação contínua. Formigas percorrem uma faixa contínua com o formato do número oito.

Acompanhando seu percurso, percebe-se que elas estão sempre do mesmo lado da faixa:

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

92

simplesmente não tem avesso. Com a ajuda da Geometria

Topológica, nada é o que aparenta ser no trabalho surpreendente do artista holandês.

Sua obra está apoiada em conceitos matemáticos, extraídos especialmente do campo da

geometria. Esta era a fonte de seus efeitos surpreendentes. Foi com base nestes princípios que

Escher subverteu a noção da perspectiva clássica para criar suas figuras impossíveis de existir

no espaço “real”. Está nas obras de Escher a simetria, o híbrido entre estética e matemática.

Tal como Escher faz, a nanotecnologia é uma ciência dos materiais inspirados na natureza,

numa demonstração também de relação entre as duas culturas (ciência e arte).

Figura 13: Moebius Strip II, de Maurits Cornelis Escher. Fonte: Planeta Aleph (imagem trabalhada pela autora).Disponível em: <http://planeta.aleph.googlepages.com/>. Acesso em 12 de janeiro de 2008.

Todas as conquistas matemáticas descritas vão além da capacidade intuitiva da mente

humana (evidentemente de origem mental), mas revelam aspectos da realidade que nos

impedem tanto de tomar posição idealista, racionalista, empirista, quanto realista, quando

corroboradas mediante experiência científica, em que o papel da ‘escala’, enquanto um

método de ordenação de grandezas físicas e químicas, qualitativas ou quantitativas, que

permite a comparação e relação existente entre as medidas e as distâncias, torna-se o grande

marco de distinção.

Como chegamos à “Geometria dos fulerenos” (Ver Figura 14), importante para

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

93

entender a nanotecnologia, para termos uma idéia pelo menos que nos dê um indício de onde

ela vem, em que átomos de carbono formam pentágonos e hexágonos à semelhança de uma

bola de futebol, podemos dizer que os conceitos geométricos estudados por Fuller

sobreviveram ao seu criador de forma inesperada. Exemplificamos com a estrutura biológica

dos vírus, dos quasicristais (interessantes quando o assunto é a diminuição do atrito)58 e dos

buckminsterfullerenos, demonstrando que este arquiteto soube interpretar os fundamentos

geométricos da natureza, indo muito além do que, talvez, ele mesmo pudesse prever.

1. 2. Figura 14: Fulereno (Buckminsterfullerene). O Fulereno mais conhecido é uma molécula C60, como no quadro 1,

cujos 60 átomos de carbono estão dispostos nos vértices de um icosaedro truncado. Esta forma, que apresenta 12 pentágonos e 20 hexágonos como faces, tem a forma familiar de uma bola de futebol (Bucky Ball). Já a molécula C20, no quadro 2, não tem hexágonos, somente os 12 pentágonos. Uma molécula C20 é o menor Fulereno, que não tem hexágonos, apresentando somente os 12 pentágonos. Além dessa minúscula Bucky Ball, foram geradas pelos pesquisadores duas outras formas, os “isômeros”, do C20, uma em forma de anel e outra com um formato que lembra uma tigela.

Fonte: Schlumberger. (imagens trabalhadas pela autora). Disponível em: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.seed.slb.com/pt/scictr/watch/fullerenes/images/c60.jpg

&imgrefurl=http://www.seed.slb.com/pt/scictr/watch/fullerenes/begin.htm&h=198&w=200&sz=13&hl=pt-BR&start=4&um=1&tbnid=71HXyNt_jZ9veM:&tbnh=103&tbnw=104&prev=/images%3Fq%3Dfulereno%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26rlz%3D1T4ADBF_pt-BRBR236BR237%26sa%3DN. Aceso em 12 de janeiro de 2008.

Lembramos aqui do documentário que assistimos, intitulado “Observando a

natureza”59, em que muito nos impressionou a geometria que as abelhas usam para fazer os

alvéolos do favo de mel (Ver Figura 15) em formas “econômicas”, mediante perfeitos

58 Da mesma forma que os cristais normais, os quasicristais consistem em átomos que se combinam para formar estruturas geométricas, como triângulos, retângulos, pentágonos etc., que se repetem em um padrão. Mas, ao contrário do que acontece nos cristais, seu padrão não se repete a intervalos regulares. As ligas metálicas quasicristalinas, uma vez que entre suas propriedades, combinam-se as propriedades de resistência à abrasão e ao calor das resinas antiaderentes com a condutividade térmica própria dos metais, são usadas em grande número de aplicações industriais, a exemplo das conhecidas panelas antiaderentes. 59 Sueli Costa e Maria Alice Grou. Observando a Natureza. Campinas: Unicamp. 2004. 1 fita de vídeo, 15min.

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

94

compartimentos hexagonais para alojarem o mel; em outros modelos, como o que inspira

soluções para problemas como encontrar o formato ideal para uma região de plantio. São

geometrias no mundo, bastante interessantes quanto à observação das formas da natureza, que

trabalham a abstração do conceito de semelhança e discutir as conseqüências dos diferentes

fatores de crescimento para comprimentos, áreas e volumes quando ampliamos figuras.

Figura 15: Favos de abelhas. As abelhas têm seus favos em formato hexagonal, ou seja, a natureza está toda “modelada” matematicamente. Relaciona o pentágono com flores como jasmim-estrela, por exemplo, estrela do mar, flor de seda etc.

Fonte: Acervo da autora.

Lemos também, em uma reportagem60, que na seqüência da devastação do Furacão

Katrina, os abrigos destinados a cuidar dos vivos e a montagem logística de apoio às vítimas

foram inspirados nas cúpulas geodésicas e na ‘dymaxion’ de Fuller, duas de suas grandes

invenções. Assim como pareceu a Fuller, a natureza nos aparece também, como a grande

mestra e fonte onde o homem se deve inspirar, no caminho iniciado pelos antigos gregos (Ver

Figura 16). Em outra reportagem61, ficamos cientes de que o pesquisador do Departamento de

Química e Bioquímica da Universidade Estatal da Flórida, Harold Kroto, que recebeu o Nobel

de Química em 1996 junto com Robert F. Curl Jr. e Richard E. Smalley pela descoberta de

fulerenos (C60 Buckminsterfullerene, a nova forma de carbono na qual os átomos são

arranjados em conchas fechadas), tem abordado os temas “Arquitetura no NanoSpace” e

“2010, A Nanospace Odyssey”.

60 Documentário - Comandante Fuller e a Nave Espacial Terra: Viver intensamente a baixo custo. (2006). Disponível em: <http://www.oasrs.org/conteudo/agenda/noticias-detalhe.asp?noticia=101>. Acesso em: 12 de dezembro de 2007. 61 On Nanomedicine, Geriatric Care, Brain Injury: Nobel Laureate Keynote Speaker. Disponível em: <http://www.medicalnewstoday.com/articles/51350.php>. Acesso em: 12 de dezembro de 2007.

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

95

2) 3)

1)

Figura 16: Arte e técnica na nano. A arte e a técnica se entremeiam na nanotecnologia: 1) Arte de Mary Ann on-

Frenk's, inspirada nos domos geodésicos de Richard Buckminster Füller (Buckminster), que compreendeu a metafísica e a cósmica da geometria, inspirou o trabalho de Mary Ann Thompson-Frenk, uma artista de Dallas, cujo trabalho tende a ter uma coloração espiritual, na alta mulher de 7 pés de altura (2,1 m) moldada com palitos formados em cúpulas geodésicas.

Fonte: Foto do jornalist, John Ater. Disponível em: <http://www.thompsonfineartsinc.com/>. Acesso em: 15 de janeiro de 2008. 2.

2) O emprego das técnicas de Origami (acervo da autora) oferece informações geométricas, fundamentais na construção de modelos, para ter-se uma idéia de um conjunto de novos tipos de moléculas de carbono, os “fulerenos”. Os fulerenos inspiraram a grande simplicidade e versatilidade dos “origamis” de DNA do pesquisador Paul W.K. Rothemund, especialista en nanotecnología do California Institute of Technology, Pasadena, Califórnia, o convertendo em uma revolução dentro da arquitetura à nanoescala. 3). Físicos da International Business Machines (IBM) conseguiram fazer um pequeníssimo logotipo dessa empresa reunindo 35 átomos de xénon depositados sobre uma superfície de prata. Fonte: Blog De Rerum Natura: http://dererummundi.blogspot.com/2007/05/breve-histria-da-nanotecnologia.html. Acesso em 14 de janeiro de 2008.

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

96

No final de uma de suas palestras62, respondendo às perguntas vindas da platéia, Kroto

afirmou que o conhecimento científico tanto pode ser usado para o bem da humanidade como

para construir mecanismos autodestrutivos, a exemplo da bomba atômica. Neste aspecto, o

químico defendeu como garantia de uso benéfico da tecnologia possibilitada pelo

desenvolvimento científico um forte sentido coletivo de responsabilidade social. Solicitado a

indicar o nível em que a Mecânica Quântica pode ser aplicada à vida comum, o pesquisador

respondeu que o conceito mais importante desta ciência é a ligação, a mesma a contribuir para

que a humanidade se adapte às alterações céleres verificadas na tecnologia, no mundo do

trabalho e na vida cotidiana, dependentes cada vez mais de uma economia global, caminhando

para uma auto-suficiência que evite a disrupção.

Todas essas imbricações geométricas estão patentes na história do campo das

tecnologias desde seu surgimento, ao se utilizar de cálculos para projetar uma obra ou criar

um produto. A construção da obra ou a fabricação do produto trazem ao mundo aquilo que

antes foi somente pensado, e foi assim desde a geometria fundamentada na percepção

sensorial dos babilônios à quase invenção do cálculo por Euclides de Alexandria (360 a.C. -

295 a.C.) com sua geometria plana e espacial, que ajuda a lidar de modo mais eficiente com

nossas intuições de espaço, e por Arquimedes (287 a.C. - 212 a.C.), passando por Galileu

Galilei (1564-1642), para quem o mundo era um livro escrito em linguagem matemática e em

caracteres geométricos, com sua geometria dos indivisíveis (átomos dotados de movimento

incessante, que sustentava a geometria euclidiana). Seguiram-se as contribuições do

astrônomo Tycho Brahe (1546-1601), cujas observações possibilitaram ao também astrônomo

Johannes Kepler (1571-1630) relacionar as órbitas planetárias a elipses, rumo à grande

criação do “Cálculo Integral e “Diferencial” - resultado de uma co-invenção de Sir Isaac

Newton (1643-1727), com sua mecânica clássica, geometria euclidiana métrica e extrínseca;

Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) e James Clark Maxwell (1831-1879) com sua

geometria igualmente euclidiana métrica e extrínseca, como em Newton, inaugurando a

Eletrodinâmica Clássica.

Neste ponto, é importante acrescentar que essa reconstituição que fazemos do percurso

matemático não é em vão. Como é colocado por Michael Francis Atiyah (2002, pp. 10-25),

um dos nomes expressivos da matemática do século XX, se analisarmos comparativamente os

62 Sir Harold Kroto, Prêmio Nobel da Química 1996: ciência versus cultura pop. Artigo publicado no jornal Nova em Folha, edição nº 37, Abril 2006. Disponível em: <http://sol.sapo.pt/blogs/isabelmetello/archive/2007/09/21/Sir-Harold-Kroto_2C00_-Pr_E900_mio-Nobel-da-Qu_ED00_mica-1996_3A00_-ci_EA00_ncia-versus-cultura-pop.aspx>. Acesso em: 12 de dezembro de 2007.

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

97

trabalhos de Newton e Leibniz, observaremos que ambos pertencem a tradições diferente:

Newton era fundamentalmente um geômetra, Leibniz era fundamentalmente um algebrista.

Havia boas e profundas razões para isso. Que isso quer dizer? Segundo pudemos apreender

dessa leitura, que consideramos muito oportuna e interessante, Newton considerava a

geometria - ou o “cálculo” que desenvolveu – como a tentativa matemática para descrever as

leis da natureza. Seu interesse pela física era “em sentido lato” e por considerar que ela tinha

lugar no mundo da geometria, defendia que, para perceber como as coisas funcionavam,

“pensava-se em termos do mundo físico, pensava-se em termos de figuras geométricas” (Ibid,

p.15). Deste modo, ao desenvolver um cálculo, o de quilo, por exemplo, tinha em mente tanto

quanto possível o contexto físico subjacente, usando argumentos geométricos para manter-se

próximo do significado. Leibniz, por sua vez, ambicionava formalizar toda a matemática,

tornando-a uma “grande máquina algébrica”, numa abordagem totalmente oposta a de

Newton, com notações muito diferentes. Neste controvertido embate entre Newton e Leibniz,

a notação de Leibniz acabou por ganhar, e o seu modo de escrever derivadas parciais

prevaleceu.

Para Atiyah (Ibid.), a álgebra tem a ver com a manipulação do tempo, e a geometria,

com o espaço; considera que passar para o cálculo algébrico, é basicamente deixar de pensar,

deixar de pensar geometricamente, deixar de pensar no significado. O autor alega daí a

origem de sua dureza com os algebristas, mas reconhece que o objetivo da álgebra foi

fundamentalmente sempre produzir uma fórmula que se pudesse “introduzir numa máquina,

rodar uma manivela e obter a resposta. Pegava-se em qualquer coisa que tinha um significado,

convertia-se numa fórmula e obtinha-se uma resposta” (Ibid, p. 17). Disso se apreende que

ambas, álgebra e geometria, separadas ou juntas, assim como física e matemática, também

equivalem a correspondentes formas de concebermos a natureza, o homem, a vida, o que

somos.

O surgimento da Geometria Riemanniana marcou os novos tempos da geometria não-

Euclidiana63, em que se passou a geometrias que não eram homogêneas, onde a curvatura

variava de lugar para lugar e não havia simetrias globais do espaço. A matemática prossegue

com Carl Gustav Jakob Jacobi (1804-1851), Sir William Rowan Hamilton (1805-1865), que

desenvolve a mecânica clássica e cujo trabalho em mecânica analítica foi muito influente nas

áreas da mecânica quântica e da teoria quântica de campos, e Jules Henri Poincaré,

introduzindo os conceitos da Geometria Riemanniana na Mecânica Clássica de Newton e na

63 Intrínseca, métrica, conexão, curvatura e torção.

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

98

Eletrodinâmica Clássica de Maxwell. Albert Einstein (1879-1955) que concedeu enorme

impulso a todo o desenvolvimento da geometria diferencial, emprega e estende as idéias de

Maxwell, Jacobi, Hamilton e Poincaré à geometria riemanniana para generalizar a Mecânica

Clássica, criando as Teorias da Relatividade Restrita e Geral.

Vê-se que ao longo da história, a física tem tido uma longa relação com a matemática

e amplas partes da matemática, a exemplo do cálculo, tiveram seu desenvolvimento para

resolver problemas em física, uma evidência do operar multi e interdisciplinar a tal ponto que

já existe dificuldade de classificar determinados nomes como físicos ou matemáticos. O

século XX viu, então, segundo Atiyah uma mudança surpreendente no número de dimensões.

“Os físicos foram para além disso. Na teoria quântica dos campos estão realmente a tentar

fazer um estudo, muito detalhado e em profundidade, do espaço de dimensão infinita” (Ibid,

p. 22). Eles fazem trabalhando com espaços de dimensão infinita, muito complicados não só

por esta dimensão, mas por usarem funções de vários tipos, por usarem álgebra, geometria e

topologia complicadas.

Com o advento das Teorias de Gauge, também chamadas Teorias de Calibre,

associadas à “simetria de gauge”64 (uma das simetrias fundamentais que existem na física,

implicada com a relação espaço-tempo), - que são uma classe de teorias físicas baseadas na

idéia de que transformações de simetria podem ser locais ou globais -, trouxeram novas

conquistas. Importante lembrarmos que toda a matéria é constituída de elétrons e núcleos

atômicos, e são estes que dão origem aos átomos e moléculas. Os núcleos contêm prótons e

nêutrons e estes, por sua vez, são constituídos por quarks. Essas partículas elementares

interagem entre si, sendo que as forças de interação também podem ser tratadas como

partículas. Podemos assim imaginar que duas partículas interagem entre si pela troca de uma

terceira partícula. Para cada força fundamental da natureza existe uma ou mais partículas

associadas. São as partículas de gauge que atuam como mediadoras nas interações, que

devem existir porque, quando se descobre que o mundo é constituído por partículas, descobre-

64 Uma intrigante questão colocada na física é a questão do “calibre”, ou o gauge (pronuncia-se guêidje). Por “calibre” ou “gabarito” pode-se entender algo como um instrumento ou medida que se usa como referência, para comparar valores obtidos por meio de alguma ferramenta. Pode-se dizer que algumas teorias podem ser "ajustadas" com outros calibres, sem que elas deixem de ser válidas. Quando falamos em calibrar um pneu, por exemplo, é através do calibrador que a pressão do ar no interior do pneu é regulada. A pergunta por “quanto calibrar?”, nesse caso, ao que se pode responder 27, deve-se ao procedimento subseqüente que é colocar a mangueira com pressão na válvula do pneu e consultar o manômetro que indicará a pressão em libras por polegada quadrada. Daí que a tradução mais correta do termo gauge seria “gabarito”, pois, não necessariamente o que se vai fazer será medido em libras.

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

99

se que os campos do eletromagnetismo, da força fraca e da força forte são, na verdade, uma

imensa superposição de muitas e muitas (infinitas) partículas.

Quatro interações fundamentais descrevem todos os fenômenos naturais que

observamos - duas são observáveis no mundo macroscópico (gravitacional e a

eletromagnética), e duas, apenas em escala subatômica (nuclear forte e nuclear fraca). A força

gravitacional e a eletromagnética são as interações fundamentais que se fazem sentir no

mundo macroscópico, inclusive em escala humana. As outras duas - a força nuclear forte e a

força nuclear fraca -, não se revelam em escala macroscópica. Aparecem apenas em escala

subatômica - na verdade, como o nome indica, nas escalas nuclear e subnuclear, portanto a

distâncias tão pequenas ou ainda menores que o décimo do trilionésimo do centímetro, o que

corresponde ao centésimo de milésimo da escala atômica ou à milionésima parte da

nanoescala. Essa descrição de partículas e forças é o modelo padrão das partículas

elementares.

A importância das teorias de gauge está em um ponto de vista formal matemático, ao

se fornecer uma estrutura unificada para se descrever as Teorias Quânticas de Campos

associadas ao eletromagnetismo; daí a importância moderna de simetrias de gauge que

aparecem na Teoria Quântica Relativística. Falar em simetria é um marco essencial porque,

além de procurar-se ressaltar e elucidar o papel central das simetrias na construção de

modelos e teorias para as interações fundamentais, trata-se de um conceito relacionado que

nos lembra: a) a simetria na biologia (divisão imaginária de um ser vivo em partes

semelhantes externamente, a dizer-se que existem animais e plantas assimétricos, com

simetria radial, simetria bilateral etc.); b) a simetria aplicada em manifestações artísticas e no

artesanato, devido ao fato de que a arte teve durante muito tempo e mesmo ainda hoje,

referente à área artística, uma forte inclinação mimética, buscando imitar a natureza, onde a

simetria aparece de diversas formas; e c) a simetria está até mesmo na literatura, como nos

palíndromos e, por isso ela é chamada de palíndromo! Os palíndromos (o termo palíndromo

vem das palavras gregas palin – trás, e de dromos - corrida) são vocábulos ou expressões que

podem ser lidos em qualquer direção sem se alterarem, como uma imagem espelhada, a

exemplo de “ovo”, “Roma me tem amor” etc.

Historicamente, essas idéias foram observadas primeiramente no contexto do

eletromagnetismo clássico e, mais tarde, no contexto da Relatividade Geral. Vale lembrar que

os aspectos geométricos e as propriedades quanto-mecânicas das teorias de gauge

apresentam-se como elementos essenciais na busca por uma Teoria Unificada da Natureza,

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

100

onde o espaço, o tempo e a matéria se entrelacem numa teoria unificada, uma teoria final que

responda às perguntas sobre a estrutura da matéria que forma o universo e as forças da

natureza. Lembramos que o próprio Einstein gastou os últimos 20 anos de sua vida buscando

tal teoria para explicar o universo. Para Lee Smolin (Apud, SERPA, 2006, p. 74): A unificação de forças é o santo graal da física desde Johannes Kepler (unificação das órbitas celestes), passando por Isaac Newton (unificação da gravidade e movimento orbital) James Maxwell (unificação da luz, eletricidade e magnetismo) e Einstein (unificação da energia e matéria).

Visto desse modo, tem-se a impressão que a dimensionalidade do espaço-tempo

passou a ser algo que deve ser determinado experimentalmente. É neste “estranho” mundo

onde a geometria e o quantum se encontram, que estamos assistindo muito do que diz respeito

aos princípios físicos fundamentais. Temos ainda a registrar a Teoria de Supercordas (objetos

fundamentais incluem cordas e membranas de diversas dimensões), que fixa o número de

dimensões do espaço-tempo em 10 dimensões (nove espaciais e uma temporal), coisa que

nenhuma outra conseguiu com novos encaminhamentos no sentido de, entre outras questões,

resolver os problemas da gravitação quântica. Segundo o físico Edward Witten (Apud

GREENE, 2001), a Teoria das Cordas é uma parte da Física do século XXI, que caiu por

acaso no século XX (Ibid.).

As revoluções recentes na Física e na Cosmologia efetivamente alteraram de forma

radical as perspectivas sobre o mundo físico, existindo alguns cientistas que defendem que

toda a natureza está sob o controle desta superforça única, como a que explica o que causou o

Big Bang, dando origem ao universo, idéias novas e até mesmo algumas com um caráter

bizarro, como a Teoria da Membrana ou Teoria-M. Trata-se de uma teoria que unifica as

cinco diferentes Teorias das Cordas com a da Supergravidade, uma espécie de

"generalização" da teoria da gravitação (na forma da Relatividade Geral), que tinha também

onze dimensõe: ou seja, ela incluía a Teoria da Relatividade Geral, de Einstein, caracterizada

por uma supersimetria que faz com que a matéria e as forças da natureza sejam tratadas em pé

de igualdade, mas que não foram capazes de gerar uma teoria quântica consistente para a

relatividade geral, que só foram encontradas na década de 1980, com a descoberta da Teoria

das Supercordas - dez dimensões espaciais e uma temporal. A corda deixa de ter uma forma

linear e passa a ter a forma planar, de uma membrana; tudo, matéria e campo (campo é a

porção do espaço onde se exerce uma força), é formado por membranas; o universo flui

através de onze dimensões - comprimento, largura, altura e tempo bem conhecidas por nós, e

mais sete dimensões curvas. Controlando a superforça, o ser humano seria capaz de controlar

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

101

a dimensionabilidade do espaço e criar, assim, mundos artificiais com propriedades

inimagináveis. Segundo entendemos em Paul Davis (1988), a idéia de superforça é como um

bálsamo que alivia uma expectativa, pois oferece ao leigo uma nova visão do universo, uma

teoria “una” de toda a existência que, se for mesmo verdadeira, poderá marcar o fim da

ciência tal como a conhecemos.

O impacto científico e tecnológico que a Mecânica Quântica trouxe para a cultura do

século XX, não trouxe uma Teoria Quântica da Gravitação (teoria quântica de espaço-

tempo proposta com o objetivo de reconciliar as evidentes incompatibilidades teóricas da

Mecânica Quântica e da Relatividade Geral, embora não se falasse em partícula que media a

gravitação), mas tem lhe conferido o status de teoria física mais bem-sucedida e a mais

fundamental entre as criadas pela ciência. As teorias da física nos seus limites mais extremos,

que são encontrados nos aceleradores de partículas elementares, nos buracos negros e no big

bang, buscam descobrir os constituintes mais básicos da natureza, os átomos no sentido de

Demócrito, e quais as leis que regem seu comportamento. Dentre as inovações conceituais de

destaque, incluem-se a dualidade onda-partícula, o princípio da incerteza (indeterminismo),

o princípio da superposição, além da propriedade conhecida como não-localidade. Todas

essas mudanças, de algum modo, implicaram outra visão de mundo acerca da objetividade da

física.

O físico Richard Feynman considerou que o “mistério” da Mecânica Quântica pode

ser compreendido (no sentido de como funciona), através do experimento da dupla fenda com

“partículas” subatômicas (elétrons, fótons etc). Daí resultaram a) os famosos diagramas de

Feynman (desenhos que representam determinados processos físicos) e a matemática por

detrás desses diagramas permite ao físico calcular quantidades medidas no laboratório e que

obedecem a certas leis físicas, e b) as chamadas regras de Feynman para se escreverem com

os diagramas as amplitudes de processos quânticos envolvendo as partículas. Foram

contribuições que afetaram, em profundidade, a teoria quântica dos campos (de Feynman), e

que se estenderam a vários domínios da física. Dentre suas pesquisas, o seu célebre trabalho

com o desenvolvimento da eletrodinâmica quântica (descreve todos os fenômenos

envolvendo partículas eletricamente carregadas interagindo por meio da força

eletromagnética) agilizou muitos domínios da física do estado sólido, da física nuclear, dos

sistemas de muitas partículas. Com seus diagramas, ele criou a formulação da mecânica

quântica pela teoria das integrais funcionais - as famosas integrais de caminho - que se

mostrou instrumento poderoso em domínios desde a mecânica estatística até as modernas

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

102

teorias de campos de calibre. O cálculo de amplitudes de espalhamento (efetuado através de

diagramas de Feynman) se constitui num método para se fazer cálculos na teoria quântica de

campos. Ele inventou o Quantum-Elétron-Dinâmica, o mais prático sistema para resolver

problemas em Mecânica Quântica e renormalizou os infinitos que impediam as soluções

exatas das equações quânticas. Com sua Integral de Trajetória, que contém toda informação

de uma determinada Teoria Quântica de Campos (que trata, entre outras coisas, das condições

de contorno dos campos e, sobretudo, do tratamento unificado dos campos), alcançou-se um

patamar em relação à Gravitação Quântica, que integra a Mecânica Quântica e a Relatividade

Geral num mesmo arcabouço matemático. Elas deixaram de existir por si sós e passaram a

constituir uma nova teoria, mais completa e mais profunda, alicerçando o advento da

Nanociência e da Nanotecnologia, com padrões próprios de mensuração, com uma nova visão

de natureza, mas ainda com pesquisas bastante incipientes, existentes na área de percepção

pública e comunicação da nanotecnologia.

Segundo Sandra Elena Murriello, Marcelo Knobel, Carlos A. Vogt, em uma pesquisa,

realizada em 2006, com crianças e adolescentes que visitam a exposição NanoAventura – do

Museu Exploratório de Ciências da UNICAMP/Brasil, especialmente para esse púbico alvo e

que faz parte de um estudo mais amplo, visando mapear o imaginário social sobre a

nanociência e nanotecnologia, os estudos que estão disponíveis mostram que as pessoas estão

muito pouco familiarizadas com a nanotecnologia, existindo uma atitude geral de otimismo

face às novas promessas tecnológicas sobretudo na melhoria da qualidade de vida e em

questões de saúde, embora temores e incertezas face ao invisível-incontrolável estejam

também presentes. Os autores desse trabalho observam, dentre outros resultados, que a

referência a pequenas partículas poderia estar indicando uma concepção sobre a conformação

da matéria; mas esta menção não significa que exista uma compreensão conceitual,

necessitando da formação de conceitos científicos e de mudança conceitual, que são processos

a longo prazo e que precisam de certas condições para acontecer.

Em outra pesquisa desta natureza, realizado na Itália pelo sociólogo Federico

Neresini65, para entender como a população incorpora as novas tecnologias, envolvendo 12

grupos focais em uma amostra de mil enquetes, contemplando pessoas de diversas faixas

etárias e formação de todo o país, a grande maioria não reconhecia sequer o termo

nanotecnologia. A boa receptividade demonstrada mais evidente da nanotecnologia deu-se

65 MURRIELLO, Sandra Elena. PESQUISA DE OPINIÃO: O que os italianos pensam da nanotecnologia? Disponível em: < http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v59n1/a10v59n1.pdf>. Acesso em 02 de janeiro de 2008.

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

103

particularmente com referência às suas possíveis aplicações médicas. Uma das questões que o

autor dessa pesquisa apurou foi a existência de uma nova preocupação: “de quem é a

responsabilidade sobre o controle de uso dessa inovação”? Neste ponto, o pesquisador

enfatiza que o problema central diz respeito ao questionamento às instituições e aos

processos, fazendo da questão central de debate um tema que considera controverso e urgente:

a governança da tecnologia. Pensamos que a mesma pergunta vale para o Brasil, em que

essa discussão sobre a governança parece ainda distante, sendo válido o questionamento sobre

se o público brasileiro se sente com direito a opinar sobre o assunto.

Dada a natureza interdisciplinar da Nanociência e Nanotecnologia (N&N), quaisquer

projetos neste domínio implicam necessariamente na congregação de competências

diversificadas não apenas matemáticas, como temos visto, mas que disponham de uma boa

base destas, da Física, da Química, da Biologia e da Filosofia, em que se reconheçam

objetivos bem definidos em suas articulações. Só assim se poderá realmente afirmar que a

nanotecnologia abala as fronteiras, antes nítidas, entre as várias ciências, o que já vem sendo

mostrado nas considerações tecidas anteriormente. A grande questão de foco aqui, que nos

parece não deixar que uma área se sobreponha à outra, é que elementos de características

distintas têm determinadas propriedades quando isolados e adquirem novas propriedades

quando misturados. Na grande maioria dos materiais é isso que acontece; logo, a “mistura”

vai além das partes individuais e de suas especificidades próprias. Mas é bem provável que no

domínio do nano, as boas idéias estarão nas fronteiras das diversas especialidades, sendo

necessário sempre o especial cuidado em distinguir o trigo do joio neste intricado cenário, em

que a mitificação pode se transformar em mistificação, o que se espera conseguir com o

Microscópio de Força Atômica e seus aperfeiçoamentos como uma boa oportunidade.

Independentemente da área, existe um entusiasmo generalizado em vários laboratórios

do mundo inteiro na preparação de determinados materiais com propriedades únicas devido a

efeitos de dimensão, lembrando que com o termo nano, ainda que se refira a objetos de

dimensões bilionésimas, o objetivo perseguido é conseguir coisas grandes. Lembramos que,

conforme esclarecem Melo e Pimenta (2004), são dois os procedimentos gerais para se obter

materiais e dispositivos na escala nanométrica: a) o chamado procedimento “de baixo para

cima” (bottom-up), em que é possível construir o material a partir de seus componentes

básicos (átomos e moléculas) do mesmo modo que uma criança monta um castelo conectando

as peças de um Lego, e b) o procedimento chamado “de cima para baixo” (top down),

utilizando as chamadas técnicas de litografia, que corresponde a uma série de etapas de

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

104

corrosão química seletiva e extremamente precisa para a preparação final do objeto

nanométrico a partir de um bloco macroscópico do material. Os autores explicam que é como fabricar um objeto nanométrico pela eliminação do excesso de material existente em uma amostra maior do material, à semelhança da maneira como um artista trabalha os pequenos detalhes em uma escultura, fazendo cuidadoso desbaste do supérfluo ou excedente de um grande bloco de pedra ou madeira (MELO; PIMENTA, 2004, p. 13).

Por sua vez, a pesquisa com base na teoria quântica, cuja semente já estaria situada,

conforme amplamente divulgado no meio científico e na mídia, no século IV d.C., na taça de

Lycurgus66 (Ver Figura 17) do período Romano, mas efetivamente deflagrada por Einstein,

segue e vai apontando novos rumos, que estão em pauta nas grandes discussões atuais,

algumas das quais já indicamos anteriormente: Teoria de Supercordas, Gravitação Quântica

de Laços; Teoria Quântica de Campos em Espaços Curvos; Triangulação Dinâmica e Cálculo

de Regge; Geometria Não-Comutativa, Formulações em Superfícies Nulas, Modelos de

Espuma de Spin; Conjuntos Causais e “Twistors”.

Figura 17: Taça de Lycurgus. Fonte: Cambridge 2000 Gallery: British Museum: Lycurgus Cup (imagem trabalhada pela autora).

Disponível em: http://www.cambridge2000.com/gallery/html/P70315712.html. Acesso em 12 de janeiro de 2007.

66 Os sopradores de vidro romanos produziam vidros com nanopartículas metálicas, nomeadamente com

ouro e prata, sendo um dos exemplos mais famosos de artefato a taça de Lycurgus. Esta taça era feita de vidro do tipo sódico-cálcico (composição ainda utilizada nos dias de hoje, típica dos vidros de janelas) com nanopartículas de ouro e prata, com 20 nanos em baixo relevo no material de vidro e rubi. A beleza desta taça de vidro reside no fato de que reflete uma cor esverdeada, enquanto que simultaneamente a luz transmitida é avermelhada. Tal efeito verificado nessa famosa peça romana, que hoje é fonte de inspiração para muitos cientistas nanotecnológicos, só foi conseguido através da incorporação de nanopartículas metálicas.

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

105

De tudo o que foi apresentado anteriormente, podemos apreender que a coexistência

de pesquisas que se orientaram por múltiplas grandes teorias (que alguns preferem denominar

paradigmas da ciência, no rastro de Kuhn), grifou os últimos séculos com um forte marca da

produção científica multidisciplinar, culminando na nanotecnologia.

Após termos feito o percurso que fizemos até aqui, a nós parece que há na essência da

nanotecnologia uma aproximação muito íntima entre ‘técnica’ e ‘arte’, nos possibilitando

vislumbrar a techne grega, que tinha um significado muito amplo, uma vez que se referia a

toda profissão prática que fosse baseada em um conjunto de conhecimentos especiais,

compreendendo-se nesta categoria não apenas a arquitetura, a escultura, a música, a poesia,

mas também a engenharia, a medicina, a estratégia bélica e a arte de navegação, atividades

práticas, especializadas, que exigiam a posse de conhecimentos exatos, seguros, formulados

em regras gerais. Desse modo, não existia a distinção que hoje se faz entre artistas, artesãos,

técnicos qualificados e ‘cientistas’.

Segundo Vernant (2002, p.142), a experiência social na Antiguidade era objeto de uma

reflexão positiva e se prestava na cidade ao debate público de argumentos: O declínio do mito data do dia em que os primeiros sábios puseram em discussão a ordem humana, procuram defini-la em si mesma, traduzi-la em formas acessíveis à sua inteligência, aplicar-lhe a norma do número e da medida. Assim se destacou e se definiu um pensamento propriamente político, exterior à religião, com seu vocabulário, seus conceitos, seus princípios, suas vistas teóricas. Este pensamento marcou profundamente a mentalidade do homem antigo; caracteriza uma civilização que não deixou, enquanto permaneceu viva, de considerar a vida pública como o coroamento da atividade humana.

Hesíodo já havia iniciado uma cosmologia, representada pela pujança de criação

mitológica que agirá por muito tempo ainda no pensamento dos precursores da filosofia

científica e, “sem a qual não se poderia conceber a atividade prodigiosa que se expande na

criação das concepções filosóficas do período mais antigo da ciência”.

Desde o modo de pensar grego, ao momento em que aparece o “eu racional”,

imprescindível se faz retomar o termo physis, em seu significado originário, que não se iguala

ao termo “física”, na moderna concepção que dela temos hoje. Jaeger (1979, p. 196), a este

respeito se pronuncia quanto ao que se refere à physis: “O seu interesse fundamental era, na

realidade, o que na nossa linguagem corrente denominamos metafísica. Era a ele que se

subordinavam o conhecimento e a observação física. Há de início um devotamento ao

conhecimento do ‘cosmos’, ao estudo e aprofundamento do ‘ser’, em si mesmo. Um

devotamento à ‘meteorologia’ em sentido mais vasto e profundo, às ciências das coisas do

alto” (Ibid., p. 195). Vernant (Ibid.) reconhece que o grego arcaico não tinha conhecimento de

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

106

uma oposição entre pessoalidade e natureza, sujeito e objeto.

Quando se colocou o problema da origem e essência do mundo, se desenvolveu

progressivamente a necessidade de ampliar o conhecimento dos fatos e a explicação dos

fenômenos particulares. Foi então que, da aproximação dos gregos com o Egito e os países do

Oriente, adotaram-se novas técnicas, como na agrimensura, na náutica, na observação do céu,

e a resolução de certos problemas por meio de “mitos” referentes ao nascimento do mundo e

às histórias dos deuses. Essas observações empíricas que os gregos assumem desses povos

enriquecem as suas próprias, afetando seu pensamento teórico e causal, direcionando-os ao

reino dos mitos, cujo desapego virá apenas mais tarde. Conforme argumenta Jaeger (Ibid, p.

197): “É neste momento que assistimos ao aparecimento da filosofia cientifica’. Surge a

designada “escola milesiana” - forma que Jaeger considera anacrônica - com seus célebres

gregos, a proporem e resolverem problemas, abrindo caminhos e fornecendo conceitos

fundamentais à física de Demócrito até Aristóteles.

Duas gerações mais tarde (Ibid, p. 1037), Aristóteles define a relação entre a arte e a

natureza, aludindo que “não é esta que a arte imita, mas sim que a arte se inventou para

preencher as lacunas da natureza”, assinalando para nós o principio de que a natureza tem

“uma estrutura adequada a um fim e vê nela o protótipo da arte”. Na obra “Da Dieta”, famosa

na baixa Antiguidade, cujo autor não encontramos, era apresentada uma forma mais mística

da concepção teleológica, segundo a qual todas as artes são imitações da natureza do homem

e devem ser interpretadas a partir das analogias ocultas com ela (Ibid.), abrindo-se um novo

quadro: a multiformidade e a disseminação da idéia “na medicina do tempo” da physis

individual concebida como um ser que “age de acordo com um fim”, descobrindo a natureza

“por si própria os meios e as vias necessárias, sem precisão de uma inteligência à ação

consciente”. Para a ciência antiga, então, a ação teleológica da natureza estará essencialmente

vinculada à existência dos “seres animados”, os que interessam à medicina até o século XIX,

na idéia de que a natureza se basta a todos, em todas as coisas (Ibid, p. 1040), imagem da

natureza como força espontânea e inconscientemente teleológica; caracterizando a polis

grega, mesmo na sua forma democrática, como uma aristocracia social, comum também ao

helenismo clássico, a perseguir o ideal do “homem são”.

Por outra parte, existia o conceito de areté (virtude), que para o grego dizia respeito à

condição de ser “bom” para algo, de saber executar “bem” uma ação. Exemplifica-se com a

areté a excelência significativa dos atletas, a dos músicos, a qualidade do médico ou do

general, entre outros, que os qualificasse como bons ou virtuosos. Significava, pois,

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

107

habilidade que se sobressaia, eficiência, excelência ou mérito em uma tarefa ou ofício, o

mesmo sentido com que também nós usamos, freqüentemente, o termo virtude para significar

ser bom em algo.

Interessante pensar que na Idade Moderna, a técnica foi incorporada ao saber (ciência),

e esta fusão abriu um novo espaço de conhecimento, resultando na “tecnologia”, uma técnica

que emprega conhecimentos científicos e que, por sua vez, fundamenta a ciência, quando lhe

dá uma aplicação prática, a dizer-se comumente que a tecnologia é então o conhecimento

aplicado, como se fosse um “corpo” concedido à “alma”, ou seja, a ciência seria a “alma” que

precisaria de um “corpo” para objetivar-se no mundo. Vamos nos defrontar daí em diante com

a técnica orientada por um logos cartesiano a fim de que o homem, como “centro do mundo”,

realizasse a realidade com base em seus desejos de expansão. Nessa cultura, o homem pode

tudo. É assim que o espírito se transforma em inteligência e linguagem restringindo-se a

exercer função mediadora dos meios de troca, não mais sendo ‘a casa do ser’, como queria

Heidegger, mas um instrumento a mais de dominação.

Assim é que, para abordarmos a própria evolução da escala de medidas, no caso a que

nos interessa particularmente aqui, ou seja, a nanométrica, relevamos os primórdios que têm

relação com as questões em torno a possibilidade da filosofia grega ter-se envolvido com os

problemas da natureza e não com os relativos ao homem, problema que não foi, a princípio,

encarado pelos gregos, do ponto de vista teórico e que segundo Jaeger (1995, p.193), só vai

acontecer bem depois, “nos estudos dos problemas do mundo externo e particularmente da

Medicina e da Matemática, com a descoberta de intuições do tipo de uma techne exata, que

serviram de modelo para a investigação do “Homem interior”. Com o novo pensamento

moderno, deixou-se de fazer uma simples descrição de fatos, em favor de justificar a natureza

do mundo que foi se revelando como um cosmos, isto é, como uma comunidade jurídica das

coisas, que afirmam o seu sentido na incessante e inexorável geração e corrupção, quer dizer,

naquilo que a existência tem de mais incompreensível e insuportável para as aspirações da

vida do homem ingênuo. Se os gregos tinham o logos na era clássica, que não lhes favoreceu

uma civilização tão ‘miraculosa’ quanto a nossa, não existiu na realidade uma física grega,

pela ausência da experimentação e da aplicação do cálculo à realidade, particularmente, os

fenômenos exteriores, que não se prestam a demonstrações nem ao cálculo, pois, na realidade,

não tentaram compreender o que contradizia esse princípio lógico de identidade.

Se existe mesmo uma natureza especificamente humana, portanto, pode-se pensar que

as raízes desta especificação se assentam na capacidade do ser humano de transformar o

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

108

mundo e modificar a si mesmo. Desta arte-habilidade de moldar o mundo, que começou com

a techne, mediante a oposição entre ‘natureza’ e ‘homem’, com o trabalho da ciência e da

técnica alicerçando esta cisão, foi resultando o “motor” que forjou as primeiras manifestações

de poder, uma vez que a chance do sucesso era exatamente usar das ferramentas e das

potencialidades do trabalho para aumentar a produção dos meios de vida e em conseqüência,

ampliar ao máximo as chances de sobrevivência.

Em princípio, a idéia de cosmos encontra-se - embora sem o sentido rigoroso que teve

mais tarde - na concepção de um acontecer natural governado pela dike eterna, de

Anaximandro. Podemos, assim, caracterizar a concepção do mundo de Anaximandro como a

íntima descoberta do cosmo. A idéia do cosmos mostra, com simbólica evidência, a

importância da primitiva filosofia natural para a formação do homem grego.

O conceito de cosmos constituiu até os nossos dias uma das categorias essenciais de

toda concepção do mundo, embora nas modernas interpretações científicas tenha

gradualmente perdido o sentido metafísico original. Assim como em Sólon o conceito ético-

jurídico da responsabilidade deriva da teodicéia para a epopéia, também em Anaximandro a

justiça do mundo recorda que o conceito grego de causa, fundamental para o novo

pensamento, coincidia originalmente com o conceito de culpa e foi transferido da imputação

jurídica à causalidade física. Esta transposição espiritual está ligada à transposição análoga

dos conceitos de cosmos, dike e tisis, originários da vida jurídica, para o acontecer natural. O

fragmento de Anaximandro permite-nos obter uma visão profunda do desenvolvimento do

problema da causalidade a partir do problema teológico. A sua Dike é o princípio do processo

de projeção da polis no universo.

Dado que se serviram da ordem da existência humana para tirar conclusões a propósito

da physis e sua interpretação, a sua concepção continha em germe, desde o início, uma futura

e nova harmonia entre o ser eterno e o mundo da vida humana com os seus valores. É uma

tese antiga: Todo o ente que contribuir para o resultado verificado deve ser responsabilizado,

alterando-se a relação entre a “idéia sobre cosmos” e a de “justiça do mundo. O apelo dirigido

aos homens para ganharem consciência da responsabilidade na ação e oferecerem um modelo

com a sua conduta política e moral deste tipo de ação, como um testemunho da seriedade

ética, já aparece, portanto, na obra de Sólon, pilar fundamental na formação de Atenas, cujos

versos representaram a expressão clássica do espírito da cidadania ática. O que nos chama a

atenção é a relação que é possível fazer desde aí, entre a medida, a justiça, o saber político, e o

nexo entre violação do direito e perturbação da vida social (Ibid, p. 179). Para Sólon, a

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

109

injustiça se mantém por breve tempo, pois cedo ou tarde sobrevém a dike. Sólon concede

novo sentido aos problemas da vida humana simples e aos da vida política, a manifestar o

autêntico sentido da vida grega, como o mesmo com que segue o movimento geral da

natureza, no seu crescimento, apogeu e decadência (Ibid, p, 188). “Tudo o que é natural é

simples, depois de conhecido. O mais difícil, porém, é chegar à percepção inteligente da

medida invisível, ao fato de todas as coisas terem seus próprios limites”. Segundo Jaeger,

parece que estas palavras de Sólon nos são dadas para apreendermos “a medida exata da sua

própria grandeza”. Jaeger (Ibid) complementa ainda dizendo algo, que é para nós

extremamente importante, neste estudo, e que nos remete diretamente ao assunto do qual

tratamos - a nanotecnologia: “o conceito de medida e de limite, que ganhará importância tão

fundamental na ética grega, revela claramente a aquisição de uma nova forma de viver, por

meio da força do conhecimento interior”.

Tantas e tantas indagações sobre a técnica, antigas, seculares, recentes, estão nos

colocando em contato com elementos da cultura e da arte, num aparente extremo de sua

libertação, que consiste nos muitos e infinitos sentidos com que surgem e que aproximam as

diferentes formas de ‘profano’ e ‘sagrado’, admitem o ‘dissonante’, o ‘finito’, o ‘bem’ e o

‘mal’, o ‘belo’ e o ‘feio’, a ‘dor’ e o ‘prazer’, tudo isto que existe no homem.

Embora nos seja notório que no mundo dos átomos não há ética nem etnia, mas

estética e geometria, este estado de acontecimentos humanos que vem de longe mexeu tempo,

espaço, dimensões, natureza e vida, Nos mostra que, além do aquecimento imperativo no

campo do poder e dos interesses costumeiros, ocasionais e difusos, ou organizados e

permanentes, ocorre um desenraizamento de grande amplitude no sentido étnico, no estético e

no ético, que é necessário compreender para o melhor convívio social e para embasar futuras

propostas de ação social com base na origem, natureza e fundamentos das questões que

marcam indiscutivelmente novos tempos. Só para citar alguns exemplos desse

desenraizamento, enfatizamos: a perda da conexão com os elementos sensoriais e culturais

que remetem o ser humano à memória de sua origem; um sobrevir de dimensões temporais e

espaciais que geram organizações rítmicas, temporais e espaciais inéditas; o instituir de novas

disposições estéticas - excessivamente abstratas e absurdas algumas e de identidades sui

generis para os nossos olhos; o acontecer de atos nem sempre regidos pelo respeito e por uma

responsabilidade pelo humano, muitas vezes terrivelmente conflitivos e nem sempre

reconhecidos no âmbito dos assuntos humanos; e muito mais situações similares a estas.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

110

Uma ilustração deste desenraizamento, nós pudemos evidenciar com o que nos foi

apresentado em uma reportagem vista em 2006, no Canal de TV (Discovery Channel), sobre

jovens que se tatuavam, reeditando o mais radical de todos os estilos que a pesquisadora

conhecia: o branding, um modo de gravar “a ferro e fogo” na carne, numa temperatura

altíssima, usando-se um símbolo em brasa para marcar profundamente a pele. Para estes

jovens, quando questionados sobre a possibilidade da dor, alegaram que no ato de se tatuar

dessa forma a dor não incomodava, mas apenas o cheiro da carne queimada. Mais do que isso,

com estas marcas cravadas particulares, primavam pela diferenciação pessoal como algo a

ser, acima de tudo, cultivado como uma espécie de “selo”, em que se reconhecem, se

identificam e se diferenciam, fazendo-se eles mesmos, sobretudo, por viverem em meio a

contextos sociais cada vez mais regidos por uma lógica indiferenciada e impessoal (a lógica

do “rebanho”, como aludiu Nietzsche). Ora, isto significa ou não a expressão particular da

constituição de uma identidade psíquica e pessoal única?

Além da busca por novas experiências e busca pelo prazer, colocando entre a dor e o

prazer uma tênue linha de distinção, chegou então até nossos tempos formas mais radicais de

body modification. Outros procedimentos que podem ser citados são: afiar dentes, cortar a

língua ao meio, implantar chifres, perfurar o corpo por jóias de tamanhos variados, cores e

formas e fazer a scarification. Tal como o branding, uma prática extremamente dolorosa (a

mesma utilizada nas marcações do gado) e que pode causar inúmeros problemas de

cicatrização, a scarification, também conhecida como "a arte do quelóide", corresponde a

fazer cortes profundos na pele, o suficiente para que esta se abra e seja depositada em seu

interior, no caso de pessoas muito claras, tinta utilizada para se fazer tatuagens. Nas pessoas

de pessoas escuras, é colocado um alcalóide cinzento no interior do corte. Existem alguns

indivíduos que se tatuam cortando a pele com uma faca aquecida, para que já ocorra a

cauterização a cauterização durante o corte. Vale destacar que não se utiliza anestesia durante

estes processos, que devem ser bastante dolorosos, como é possível imaginar. Segundo

KLESSE (1999, p.15), “tatuagem, piercings múltiplos, branding, cutting e escarificações são

algumas das mais radicais, permanentes modificações corporais nesse contexto67.

Também lembramos das próteses, das parafernálias cheias de pinos e parafusos (ver

Figuras 18 e 19), usados no corpo em caso de acidentes, por exemplo, entre muitos outros

67 KLESSE, Christian, “Modern Primitivism’: Non-Mainstream Body Modification and Racialized Representation”, in: Body & Society, Vol. 5 (2-3), London: Sage Publications, 1999, pp. 15-38.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

111

“estranhos dispositivos técnicos”, que chamaria de bodyphilos, dada sua afinidade com o

corpo.

Figura 18 Figura 19 Figura 18: Body Art. Piercing na língua. Figura 19: Mediciana e prótese. Pinos metálicos nas pernas, devido a um acidente. Fonte: Acervo da autora.

É preciso ter firme que uma techne autêntica, como diz Jaeger (ibid, p. 1021), exige

um princípio harmônico a que se pudessem reduzir todos os fenômenos concretos como

faziam os filósofos com os seus sistemas. Nisto se pode investir para que confluam todas as

áreas do conhecimento, a que se trabalhe a verdadeira interdisciplinaridade, tendo todos os

envolvidos, em comum, buscar extrair seus ensinamentos do conhecimento objetivo da

própria natureza, mas não como um amontoado de informações desconexas e dados

estatisticamente fechados por um lado, a respeito do “corpo” e por outro da “alma”. Há que

situar-se o “ser” por inteiro e o princípio normativo para suas condutas, precisamente com o

aspecto ético e político, para as quais Platão chamou a atenção na abordagem do homem

(JAEGER, p. 1028). Princípio de ação que faça com que tenhamos algo de comum com os

outros, e cujo ethos seja compreendido não apenas pelos profissionais peritos, mas por todos,

para que se avance em relação ao monumental processo de formação do homem helênico e do

iluminista, referentes à conservação do grande homem “são” e “melhorado”, no sentido de

cuidar e manter a “saúde da vida” e “compreensão da natureza” naquilo que simplesmente é. Embora reconheçamos o salto que existe entre o conceito de “natureza” (visão na

escola macroscópica de mundo, tanto interior quanto na aparência) no pensamento dos

médicos gregos e no dos médicos modernos e contemporâneos, que mudou radicalmente

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

112

desde a mecânica quântica com seu criativo precursor, Karl Werner Heisenberg, na sua idéia

que ficou mais conhecida como “Principio da Incerteza”, afetando os conceitos de medição,

de precisão, alegando que o problema não está na “medição” e sim no que diz respeito à

“natureza particulada da matéria”, adveio a visão de natureza “incerta” e “indeterminada” e

caiu por terá a relação causa-efeito. Ficou faltando assim uma tentativa sistemática para

definir o conceito de “natureza”, levando-se em conta toda a história do espírito no mundo e o

do curso da vida até agora e na posteridade (Ibid, p. 1035).

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

113

3.1 DO UNIVERSO PLANO, TRIDIMENSIONAL E MACROSCÓPICO DE

EUCLIDES AO UNIVERSO DA ESCALA DE DIMENSÃO NANOPARTICULADA

Nuvens não são esferas, montanhas não são cones, continentes não são círculos,

o som do latido não é contínuo e nem o raio viaja em linha reta. (Benoît Mandelbrot, em seu livro The Fractal Geometry of Nature, 1983).

Toda vez que desejo falar com Pitágoras, por exemplo, vou à praia e ando por algum tempo — e daí Pitágoras

fala comigo. Richard Buckminster Fuller

(1895–1983)

Tanto Koyré (1980; 1997; 2006), como muitos outros autores usaram a mesma

expressão “matematização da natureza” tanto para o momento platônico (de Pitágoras, Platão

e Aristóteles, quanto para o momento galileano (Galileu, Descartes e Newton), variando

apenas a potencialização da racionalidade promovida por esta matematização, dentro de uma

perspectiva atual de gênese e desenvolvimento da ciência moderna. Quando Platão colocou

um princípio de medida, um princípio de congruente, ou concórdia no primeiro lugar, foi

porque sua idéia também era um tipo de medida ou forma definitiva para configurar e dar

limite à matéria indeterminada, e o princípio de proporção foi colocado depois daquele porque

o bem só pode ser apreendido através da beleza. Na academia platônica desenvolveu-se a

geometria que, embora inspirada nas técnicas egípcias de medir terrenos, é uma teoria das

formas perfeitas das quais as coisas participam. Os geômetras da Academia desenvolveram os

teoremas pelos quais as propriedades das figuras geométricas eram demonstradas de forma

racional. Posteriormente Euclides, já na Escola de Alexandria, demonstrou que esses teoremas

eram todos dedutíveis uns dos outros a partir de certos axiomas, evidentes por si mesmos,

formados com noções primeiras. Assim surgiu a geometria como modelo de uma teoria

axiomática.

A geometria não-euclidiana levou à existência de um espaço diferente do que era

acreditado desde Euclides, e as noções de reta, plano e distância num espaço não-euclidiano

são completamente diferentes e não podem ser observadas diretamente como a geometria

euclidiana. Devido a essa questão da não-existência concreta (no sentido de que possa ser

“tocada”) da geometria não-euclidiana, esta demorou a ser aceita entre os matemáticos.

Contudo, Einstein, a partir de seu projeto de geometrizar a gravitação na teoria da relatividade

geral recorrendo às geometrias não-euclidianas - mediante às quais começou a aumentar o

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

114

número de dimensões associados à geometria cotidiana, ou seja, a geometria sobre planos ou

em três dimensões, baseados nos postulados de Euclides em que a distância entre dois pontos

pode ser facilmente calculada - provocou uma enorme transformação de dois conceitos

basilares da Física: o de espaço e o de tempo. Einstein incorporou a dimensão temporal na

descrição geométrica do mundo, já que para ele, a geometria do universo é curva e não plana.

Olhando em retrospectiva, vemos que seria impossível realizar essa tarefa mantendo

espaço e tempo como grandezas independentes e separadas, tornando-se possível estabelecer

que uma distância deveria ser entendida como uma distância espaço-temporal e não somente

do tipo espaço como tradicionalmente a física havia nos convencido. Faz surgir o espaço-

tempo quadridimensional, recorrendo não à estatística mas às geometrias não-euclidianas, que

tiveram franco desenvolvimento no século XIX. Na realidade, o que é impossivel até para nós

visualizar de forma intuitiva e sem ferramentas matemáticas, acontece é que o espaço

tridimensional “estica-se” ao longo de um espaço quadrimensional, ficando a matéria mais

diluída; assim, a quarta dimensão do espaço corresponde ao estiramento do espaço

tridimensional ao longo de um espaço quadrimensional em que a 4D é o tempo. Somando-se

este tempo, passaríamos então a ter um universo em cinco dimensões, ou seja: quatro

dimensões espaciais mais o tempo; se comparado com as quatro dimensões - três espaciais

mais o tempo - da Teoria da Relatividade Geral de Einstein.

A teoria é, na verdade, um novo modelo para o entendimento da força da gravidade,

uma alternativa à Teoria da Relatividade Geral de Einstein, sendo imperativo pensar na

existência de um tempo ao longo do qual as outras três dimensões possam esticar-se. Para

Einstein, o espaço-tempo envolve todos os objetos maciços (planetas, estrelas...) através de

seu encurvamento em que a curvatura é importante68 e modifica a distância entre dois pontos.

E este encurvamento é o que se chama de “força da gravidade”, que não é na verdade uma

força, mas sim a curvatura do espaço-tempo sobre a matéria. Em campos gravitacionais

fortes, próximos a objetos de grande massa, também ocorre o fenômeno de dilatação do

tempo, mas, neste caso, devido à aceleração. Quando se trata de gravidade o único fato é que

todos os corpos caem, todas as outras explicações são modelos. Einstein propôs um outro

68 O espaço euclidiano, baseado em propriedades dos números inteiros e que envolve muitos problemas que são facilmente compreendidos mesmo por não-matemáticos, era imutável, simétrico e geométrico, representando a metáfora do saber na Antiguidade clássica, que se manteve incólume no pensamento matemático medieval e renascentista, pois somente nos tempos modernos puderam ser construídos modelos de geometrias não-euclidianas depois da contestação feita por Riemann, Lobatchewski e Bolyai, considerados os criadores das geometrias não-euclidianas. Num plano, em que o espaço é euclidiano, a curvatura é nula; numa esfera, é positiva e num espaço hiperbólico, é negativa.

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

115

modelo, diferente do newtoniano para o qual a gravidade era uma “força de atração”.

Hoje, os cientistas norte-americanos, Charles R. Keeton e Arlie O. Petters (2006)

publicaram uma pesquisa que demonstra como detectar a quarta dimensão do espaço.

Somando-se o tempo, passaríamos então a "ver" nosso universo em cinco dimensões. A teoria

é, na verdade, um novo modelo para o entendimento da força da gravidade, uma alternativa à

Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Einstein já creditara a idéia revolucionária de

quantização de energia (teoria quântica), mas em sua teoria da relatividade construída, tendo

por base a estrutura do eletromagnetismo de Maxwell, os fenômenos são constituídos ainda de

coisas formadas por matéria e energia. “A ciência, em outros termos, é um sistema de

relações. Ora, como acabamos de dizer, é apenas nas relações que a objetividade deve ser

buscada; seria inútil procurá-la nos seres considerados como isolados uns dos outros

(POINCARÉ, 1995: p. 165).

No caso do observador, sua intervenção é necessária, mas não é vital sua

comprovação, uma vez que valem as leis físicas objetivas que são constantes para todos. Não

que para Einstein tudo seja relativo, mas, na sua teoria geral, prevalecem as grandezas

invariáveis próprias dos fenômenos e não vinculadas ao ponto de vista do observador, o que é

uma condição suficiente para atribuir como “realidade” uma magnitude física sem pretender

uma definição rigorosa de realidade física. O sistema observado, pois, teria determinado valor

compatível com o valor exato de uma respectiva magnitude Em todos os casos, em tal teoria

continua o “mistério” das “variáveis ocultas” prescrito aos fenômenos que envolvem

partículas macroscópicas e na textura elástica da relação espaço-tempo, onde o papel da

mente humana não é fundamental.

A Geometria Euclidiana é apropriada para descrever “fenômenos ordenados e

artefatos da civilização” (CARVALHO et al. [s.d.]), mas, quando nos deparamos com formas

irregulares, imperfeitas, como as nuvens, os ramos das árvores, os alvéolos pulmonares, entre

outros, esta geometria é inadequada, sendo necessário buscar objetos da “Geometria da

Natureza”, chamada de “Geometria Fractal”. Se observarmos uma folha de samambaia,

atentamente, ‘olhos fractais’, verificamos que a folha se repete dentro de si própria, ou seja, é

como se a mesma fosse “composta por grande número de folhas estatisticamente semelhantes

e menores. Seguindo o mesmo raciocínio, podemos dizer que a rugosidade de uma cordilheira

está estatisticamente reproduzida num simples pedaço de rocha” (Ibid. p. 10). Há, pois, uma

questão de auto-semelhança que é a simetria através de escalas, o que significa para GLEICK

(1993) uma recorrência, “um padrão dentro de outro padrão”, e outra é a dimensionalidade

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

116

que dependerá da forma do objeto analisado. A realidade é objetivamente reconhecida pela

caracterização bem definida de alguns atributos das partículas materiais, como posição e

velocidade, por exemplo, mesmo quando inobservadas. Neste caso, a intervenção do

observador independente da sua validação pela experiência.

Quando a física, portanto, detectou fenômenos subatômicos que não conseguiu

descrever a partir do modelo descritivo clássico da mecânica newtoniana, nem da teoria

einsteiniana da relatividade, começou o enfrentamento de problemas referentes à observação

e à representação, e a formulação quântica passou a ter implicações filosóficas perturbadoras.

Instalou-se, então, um mal-estar face ao problema de falta de liberdade de interpretação ou

de demasiado ecletismo interpretativo, o que não foi de todo ruim, pois se havia miséria por

um lado, por outro, havia também a abundância. E este foi o terreno fértil para que a

filosofia dialogasse com a física, não no sentido de solucionar questões próprias de uma ou

de outra, mas no sentido de ajudar a pensar como interpretamos o mundo e assim avançar,

não por agregação de verdades novas a verdades já adquiridas, mas pelo manejar as coisas e

as entender, extraindo do ‘dito’ real mais que pequenezas, pacientemente, por conquistas

ainda que duramente feitas, ora parciais e ora provisórias. Tudo para atingir o gosto secreto

da “nova coisa” que roça a inteligência moderna, com uma espécie de tato originalmente

especializado, extrapolando a capacidade de apreciar o universo das evidências racionais da

nanotecnologia como se faria com um sistema de engrenagens bem lubrificadas.

Lembramos dos antagonismos que vêm sendo gerados entre cientistas quanto à relação

‘fé’ e ‘ciência’ e que repercutem no problema da existência ou não de Deus como está

acontecendo atualmente. É uma questão bastante polemizadora na ciência e nos estudos da

consciência, expressando-se, ainda, a incompatibilidade da ciência com a mística e com a

religião mais do que, por exemplo, com a arte e a razão, talvez, da disputa sobre a causa ou as

causas das transformações da vida69. É importante lembrar também que concepções, pelo

menos nos pareceu sempre, como as de caos, indeterminismo, relatividade e mais outras,

correm em paralelo com um resquício de passado, se nos reportarmos ao misticismo

pitagórico e também ao de Kepler. Segundo importante contribuição de SERRA (2005, p. 8-

9): Eles produziram resultados matemáticos importantes, perfeitamente integrados no conjunto da ciência grega mas, para além disso, também especularam sobre a natureza e significado dos números, atribuindo-lhes propriedades místicas. Esse pensamento fez escola e perdurou: o desenvolvimento de especulações matemáticas, harmónicas, e de natureza moral e religiosa

69 Citam-se como exemplos Richard Dawkins, Daniel Dennett69 e Susan Blackmore, sendo considerados espécies de “cães de guarda de Darwin”, sobretudo, Dawkins.

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

117

que se associam ao pitagorismo prolongaram-se por oito séculos (V aC a III dC). O pitagorismo é, pela sua dimensão, o exemplo mais importante de mística científica. Mas existem outros, como o de Kepler (1571-1630), que baseava as suas concepções cosmológicas na harmonia universal, relacionando-a com os sólidos platónicos. O misticismo pitagórico e também o de Kepler assentam em propriedades de objectos científicos tal como acontece com a Mecânica Quântica.

Serra faz alusão ao fato de que o misticismo pitagórico e também o de Kepler, numa

comparação da autora, estariam ambos assentados em propriedades de objetos científicos, do

mesmo modo como a mecânica quântica faz. Para os pitagóricos, a mística criada em torno

dos números teria sido a motivação para o estudo das suas propriedades, estudo este

inseparável de especulações geométricas, harmônicas, físicas e cosmológicas. Embora nos

tempos contemporâneos exista real e indiscutível interesse pelo aspecto matemático dos

números tanto na física quântica quanto na nanotecnologia, é preciso salientar que com a

nanotecnologia ocorre semelhante virtude motivacional quanto às novas propriedades

moleculares e atômicas observadas e produzidas mediante as relações possíveis entre elas. No

entanto, consideramos que a tecnologia em dimensão de nanoescala se apresenta distanciada

desse misticismo pitagórico. Seu caráter é incompatível com interpretações especulativas,

como as que têm sido encontradas na problemática do indeterminismo quântico ainda com

algumas obscuridades na história das idéias. Isso ocorre, talvez, porque a ciência

nanotecnológica não apresenta tanta arbitrariedade no que se refere à demarcação da fronteira

entre objeto, sujeito e dispositivos instrumentais, algo que é bastante vinculado à raiz do que

veio a ser chamado de "problema da medição". Avançamos no que segue sobre a importância

de caracterizar a medição e a observação.

Para nós, é bastante pertinente considerar certo fundamento na constatação anterior

sobre as discussões em torno da relação do sistema quântico e da nanotecnologia com o

observador. Von Neumann admitia a necessidade da presença de um observador inteligente

ou consciente na ‘observação’; neste aspecto, considerava que o resultado de uma medição

poderia implicar em indeterminação se não fosse conhecido de maneira exata “o estado do

observador antes da medição. Para Von Neumann (Apud PESSOA, 1992, p. 183): “É

concebível que tal mecanismo pudesse funcionar, porque o estado de informação do

observador em relação ao seu próprio estado poderia ter limitações absolutas, pelas leis da

natureza”. Essa tese do conhecimento limitado foi igualmente preocupação de Heisenberg

para quem as relações de indeterminação (imprevisibilidade na mecânica quântica-MQ) se

deveriam, segundo Jammer (Idem. p. 184), “ao inevitável distúrbio da observação no objeto”.

No caso do sistema quântico, correspondente ao sistema composto de um objeto e um

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

118

aparelho (instrumento macroscópico de medição), Neumann, numa tentativa de também

provar a impossibilidade de variáveis ocultas, faz a separação entre sistema e observador; o

observador consistiria num terceiro sistema (descrito classicamente) que interage com o

sistema composto e a observação; portanto, “observação” implica necessariamente na

presença de um observador inteligente ou consciente. Essa intervenção do sistema quântico,

de um lado, e da observação de outro resultaria na imprevisibilidade (resultante de medições

individuais, sendo fruto do conhecimento necessariamente limitado a respeito do estado

inicial de sistemas em interação com o objeto), em interpenetração, espontaneidade, auto-

organização, irreversibilidade e evolução, em desordem, criatividade e acidente. Pensamos

que nesse campo do quântico muitas coisas ainda podem acontecer, pois as interpretações são

passíveis de confirmação e/ou esquecimento, sendo bem possível que a “mística quântica”

ceda lugar à ciência, tal como ‘sucumbiram’ as místicas científicas de Kepler e a de Pitágoras.

Seguindo essa linha de pensamento, é possível ponderar a relevância de outra questão.

As ciências passam de um para outro estágio tão mais rapidamente quanto forem os seus

níveis de abstração; na falta destes, pode-se imergir num estado teológico, no qual os

fenômenos são atribuídos à vontade de entes sobrenaturais imaginários, ou num estado

puramente metafísico, no qual, a fim de se explicar as coisas, recorre-se a entidades abstratas,

isto é, a causas, a forças e a substâncias, ou, ainda, aos argumentos do senso comum, em que

prevalece a marca de um hábito de resposta ou propósito geral. Sobre a última incorrência,

numa atribuição de limites à representação nas categorias do entendimento de senso comum,

que consolida e confere sentido à experiência vivida, Atlan (1992) aludiu que este “não

consegue alcançar a verdade científica a que nos conduzem o método experimental e a razão

matemática”. Para o autor (Idem, p. 22-23): [...] nossa representação sensorial e nosso senso ‘comum’ são adaptados apenas à realidade macroscópica, e não ao mundo submicroscópico das partículas elementares ou ao mundo do infinitamente grande das galáxias. Dado que nenhuma razão nos força a presumir que as mesmas categorias da representação sensorial sejam válidas em todos esses universos, concordamos em renunciar a essa representação concreta em prol de uma representação abstrata, matemática, mais rigorosa (Idem).

Nota-se, por essa via, que no estudo tornou-se necessário considerar as implicações da

nanotecnologia também para a representação sensorial, a objetificação do vivido e a

apreensão subjetiva e fenomenológica dos indivíduos, enfim para a experiência que estes

fazem do mundo e de si mesmos, no sentido de apreenderem um outro modo de atuação na

convivência com uma tecnologia oriunda da natureza particulada e de acompanharem melhor

as interferências desta para a transformação de algumas fronteiras envolvidas nas relações que

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

119

estabelecem.

Os aspectos dos processos envolvidos na representação de conceitos e de certas

propriedades e dimensões da matéria, como os de olhar/visualizar/enxergar/representar as

operações intelectuais, relacionadas com manipulação, transformações e comunicação de

idéias, conceitos, métodos e modelos, e os processos que estabelecem relações entre o

representar, o abstrair, o intervir e o afetar e de que modo eles são feitos, podem ser um

diferencial quando a dimensão invisível dos processos mentais ganha alguma visibilidade,

tornando-se mais próximos de dimensões invisíveis do mundo ‘mudo’ do que denominamos

matéria física. Muda-se o rumo das decisões perante o fato de que uma dimensão antes

inacessível seja aos sentidos, à ação ou à compreensão e à relação de qualquer tipo - como o

que representa para nós algo que equivale à bilionésima parte do metro - se oferece à

visibilidade, à experimentação ou à significação, tornando-se a intimidade da matéria

parcialmente manipulável, experimentável, acessível, habitável.

No caso do observador, sua intervenção é necessária, mas não é vital sua

comprovação, uma vez que valem as leis físicas objetivas que são constantes para todos. Não

que para Einstein tudo seja relativo, mas, na sua teoria geral, prevalecem as grandezas

invariáveis próprias dos fenômenos e não vinculadas ao ponto de vista do observador, o que é

uma condição suficiente para atribuir como “real” uma magnitude física sem pretender uma

definição rigorosa de realidade física. O sistema observado, então, teria determinado valor

compatível com o valor exato de uma respectiva magnitude. Porém observamos que ainda

prevalece o “mistério” das “variáveis ocultas” prescrito aos fenômenos que envolvem

partículas macroscópicas e na textura elástica da relação espaço-tempo, onde o papel da

mente humana não é fundamental.

Na medida em que, conforme essa teoria, o mundo é pensado por valores que resultam

das propriedades atribuídas às coisas sem referência a um observador, mas à matéria e às suas

manifestações, nossa vida passa a ser regulada pelo que afeta nossos sentidos, numa

adequação à realidade física e à realidade construída a partir das relações entre propriedades

de objetos. Poincaré (1995, p. 165) já dizia que a ciência é um sistema de relações, e é

somente nas relações que a objetividade deve ser buscada, sendo inútil procurá-la nos seres

considerados como isolados uns dos outros.

Nossos valores, nossa ética, nossa moral são, pois, dependentes desse modo de “ver”

as coisas, localizadamente ou relativas ao nosso quadro cotidiano de espaço-tempo, às nossas

percepções de enormes agregados dos fenômenos e determinadas pelas posições relativas que

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

120

ocupamos como observadores. O “ethos” significa, assim, o conjunto de nossas atitudes

positivas e preferências diante das qualidades, propriedades ou características das coisas a

serem utilizadas, mediante a exatidão de dispositivos de cálculos exigidos para avaliá-las. Nós

“habitaríamos” esse mundo por sermos conformados a ele, conforme a ele, conforme seus

padrões de escala, sentidos e incidência de detalhes captados. O espaço do ethos nos é dado

por esses parâmetros, e nossa responsabilidade remete-se à ética do ângulo macro dos valores

que dispomos ou queremos alcançar.

Einstein já falava da idéia revolucionária de quantização de energia (teoria quântica),

mas em sua teoria da relatividade, construída com base na estrutura do eletromagnetismo de

Maxwell, os fenômenos são constituídos ainda de coisas formadas por matéria e energia. Com

a mecânica quântica, tudo pareceu abalar-se, como se advisse uma nova era coperniciana,

galiléica, newtoniana ou einsteiniana: o que antes era dado como “sólido” à intervenção de

nossa observação, melhor dizendo, “imexível” na sua natureza íntima, pulveriza-se em

milhões e bilhões de pedaços com infinitas possibilidades de serem alcançados,

“experimentados”, só que desta vez pela nossa consciência! Como uma jogada fenomenal de

“sinuca” que desarma todo um conjunto montado de peças, o estável se cinde em partículas e

ondas com probabilidades e possibilidades e com dimensões inferiores ao inferior do âmbito

do inimaginável. Pensamos em fenômenos intrigantes que sugerem estranhas conexões físicas

entre todos os pontos do Universo, como se existissem atalhos universais a ligar cada coisa a

cada coisa e tudo a tudo, graças à escala de Planck70 e suas principais grandezas (tempo,

massa, energia e comprimento). Com esta sua escala ou constante fundamental, Planck

sugeriu que a energia eletromagnética não pode assumir qualquer valor, mas sim valores

múltiplos de uma quantidade fundamental de energia, denominada quantum, esta descoberta

que marcou o início da física quântica, que possibilitou explicar o comportamento de sistemas

70 Construída a partir da teoria relativística de gravitação quântica, a assim chamada escala de Planck, representa a menor escala da física quântica com que se mede as principais grandezas físicas (tempo, massa, energia e comprimento), numa referência às unidades de medida definidas no início do século passado pelo físico alemão Max Planck, considerado o criador da física quântica. Planck conseguiu estabelecer uma espécie de métrica da natureza a partir de três grandezas constantes do Universo, em que as unidades de medida não variam de um país para outro, como acontece com o metro usado no Brasil, ou a milha adotada para medir comprimento nos países anglo-saxões. Alguns físicos definem a escala de Planck como sendo da ordem de fenômenos extremamente rápidos e energéticos que ocorrem em espaços extremamente diminutos. Para que se tenha uma idéia de quão extremos são esses fenômenos nessa escala - ainda inexplorada pelos aceleradores de partículas dada a grande quantidade de energia exigida - a energia de uma única partícula atômica como o elétron, por exemplo, corresponderia a de um carro viajando à incrível velocidade de 7 mil quilômetros por hora. Se este veículo existisse, poderia dar a volta no planeta em menos de seis horas. Para saber mais, ver: A cidade proibida: equipes brasileiras colaboram no esforço de reunir a física do infinitamente pequeno à do infinitamente grande. Disponível em: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=3095&bd=1&pg=1&lg= Acesso em: 02 de janeiro de 2008.

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

121

em escala nanométrica. Vale acentuar que as leis clássicas da física geralmente não se

aplicam na escala de interesse da nanotecnologia, e que os fenômenos que ocorrem à escala

atômica devem ser descritos de acordo com a física quântica, elucidando que em escala

nanométrica os corpos podem seguir trajetórias distintas em relação ao que é previsto pela

teoria física clássica, assumindo o comportamento como onda ou partícula. Isso decorre do

fato de que a energia só pode ser emitida ou absorvida pela matéria em unidades discretas,

denominadas quanta (quantum, no singular).

Torna-se possível aos físicos uma nova consciência, por suas novas capacidades de

criar com a nanotecnologia, ativando mais o mundo da energia que constitui a existência

física, e que a natureza põe à disposição para aqueles que têm a capacidade de compreendê-la

em suas formas energéticas às portas de uma nova dimensão de realidade. Os

nanotecnologistas podem intervir mais profundamente na vida e “fabricar” o real, por

disporem de cálculos mais extremados de análise, com base na própria disponibilidade da

consciência nanotecnológica que lhes é atribuída na contemporaneidade, para definir a exata

localização das partículas do mundo, não mais como “localizadas” e “imexíveis”, mas sim

como se fossem uma “nuvem de probabilidades”. Se antes, com a Teoria da Relatividade

podíamos definir a localização exata de algo num tempo dado, passar a não fazê-lo dessa

forma, mas dispor de infinitas possibilidades de fazê-lo, de dizer que está em tal ou qual lugar

e de poder fazê-lo, o que é mais importante, é bastante perturbador! Pensamos que a grande

questão da física não está essencialmente no fato de agora passarmos a ser observadores,

capazes de “representar”, “intervir” e “escolher” com a nossa consciência, mas, sem termos

dela a medida, ou seja, o “quanto” desses processos exatamente calculado na realização de

qualquer ato, qualquer operação, num mundo que tínhamos como estável, de certo modo

muita coisa visível e audível, mas, sobretudo, tangível pelo cálculo, pela razão exata, e não

por tendências.

Novamente se põe o dedo na chaga da “variável oculta”, quando o homem se depara

com esse “quantum” que é algo que pode ser medido ou contado, mas que diz respeito ao

mais íntimo da matéria, da energia, do mundo e de nós mesmos. O que é espantoso, sem uma

previsão de cálculo exato, capaz de sossegar a razão da finitude matemática e a geometria,

tomadas em sua forma, tanto contemplativa quanto prática. Num sentido antropológico,

podemos dizer que se põe uma estreita relação como jamais houve entre o homem e o mundo

íntimo de si mesmo.

Denominar este momento do pensamento de razão, intuição, mimetismo, mítico,

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

122

místico, mágico, artístico, holístico e religioso, não é de nosso alcance, tampouco queremos

garantir, neste acontecimento, uma separação do pensamento racional, como vem sendo

preocupação de muitos pensadores da mecânica quântica. Já é um ganho que possamos falar

em indeterminismo e incertezas, incompletude da TR e subjetivismo na descrição da

realidade, embora estejamos presenciando o aumento da relação entre a física quântica e o

misticismo, o que acaba tornando mais aguda a “solução sem saída” das “variáveis ocultas”.

Temos ainda as soluções das “variáveis não locais” – como as de Bohm e Hiley e a

“interpretação de muitos universos” de Everett, bastante discutidas atualmente, ambas de

caráter “não-local” como característica nova, fundamental e estranha idéia.

Esses impasses, pensamos, evidenciam as diferentes interpretações possíveis da física

quântica que vamos encontrar em físicos, tanto os filiados à Interpretação de Copenhague

(década de 1920 e 1930), quanto os adeptos ao Paradoxo EPR71 de Albert Einstein, Podolsky

e Rosen, e os que se refugiaram em outras soluções, como as que citamos antes, das

“variáveis ocultas não-locais”. Vale registrar que no fenômeno quântico, o que é bastante

evidenciável na relatividade geral, a ênfase não recai no instrumento de medição, mas, sim, na

“consciência” do observador no ato de medição, sendo esta o lugar onde se produz a rede.

Atingir este patamar pode ser frustrante no sentido da dificuldade em estabelecer o

tamanho exato do “certo” ou do “errado” de uma ação, mesmo por aproximações da razão em

uma demonstração matemática, ou pela intuição em uma operação imediata da inteligência

sem recorrer à demonstração, mas a uma imagem ou símbolo. No entanto, é importante pensar

o quanto este evento contribui para uma maior aproximação entre as ciências, sobretudo, para

as exatas, uma vez que os peritos requerem avanços do conhecimento de um fato ou

fenômeno à compreensão do “porquê” deles, e a se dizerem não apenas testemunhas,

representadores ou intervencionistas numa dada situação que exige conhecimento da

existência dela, mas, por apelarem à consciência, capazes de conhecerem seu próprio

conhecimento, seja por razão ou intuição – a respeito das coisas.

Se a razão objetivista marcadamente fixou nas almas e corpos que tudo é na medida

do objeto físico e em suas manifestações, determinando a medição do raciocínio e da intuição

no conhecimento dos princípios e fenômenos, as questões mudam com a não-localidade

quântica (de que Einstein teria exigido uma explicação causal e não aleatória). Esta, ao 71 A dimensão das partículas atômicas e subatômicas tornou relevantes o “princípio da incerteza” do físico alemão, Karl Heisenberg e a “dualidade onda-partícula”. O princípio de Heisenberg ou da Incerteza concebe que quando há precisão de medida de uma quantidade (acurácia) observável, simultaneamente aumenta a incerteza mediante a qual outras quantidades possam ser conhecidas, que se caracterizam, sobretudo, pela supremacia concedida à razão matemática, à física e à experimentação.

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

123

conceber toda a realidade determinada pela consciência, em lugar das coisas, combinando

elementos objetivos e subjetivos (face a tendências dos objetos), privilegia o idealismo

subjetivista ao supor o conhecimento como dependente de cada observador e por atribuir

“razão” ao sujeito mediante propriedades potenciais existentes na consciência, antes mesmo

da observação no ato da medição.

“Incompletude”, “indeterminação”, “incerteza”, “variáveis ocultas não-locais” e

outros termos afins, próprios ao campo da mecânica quântica, conferem, de fato, maior valor

ao observador e à sua percepção, diferentemente do que acontece no mecanicismo clássico,

que está fundamentado na razão absoluta e no relativismo moderno, assentado também na

razão. Mas pensar a realidade, trazendo-a à consciência, significa que se sabe o que se está

fazendo e se tendo uma compreensão de seu conteúdo. Não é tanto o corpo que sente, mas sim

a consciência, talvez pudéssemos dizer ao modo de Arendt (1993), como uma espécie de

alargamento ímpar dos campos do saber, que passam a conferir à ciência um estatuto

universal, possibilitando ao homem gerar e implementar processos cósmicos para a natureza,

fora da percepção comum das coisas, mas nem por isso distante do mundo da vida, a

desencadear e ativar certos campos de energia e integrá-los nos já existentes.

Os órgãos dos sentidos já não precisam mais estar tão presentes para mediar as

percepções e sensações do mundo exterior, e o ser humano se sobreleva como que de um

estado de hipnose num universo de coisas a que esteve submetido por muito tempo sem as

entender, e que tornaram a vida uma mera repetição de hábitos, gestos e crenças solidamente

instalados. O sobressalto vai além da necessidade de reavaliar a realidade (ou o que

acreditamos que ela seja), de reconsiderar pontos de vista, revalorizar a maneira de pensar, a

própria maneira de viver; invade-nos uma dimensão até então pertencente ao sagrado: mexer

na criação da vida!

Esse intento é o mesmo que a tentativa de invasão na dimensão em que situamos a

grandeza de nossa vida, assinalando os avanços que nos são sugeridos, a propiciarem

simultaneamente a emergência de uma nova maneira de conceber natureza e cultura, homem

e universo, subjetivação e objetivação, a vida, enfim, e aplicar este novo modo ao

aprendizado de diferentes caminhos, porque certamente nossas pegadas já não são medidas

com as mesmas dimensões que dominamos até agora. Estaremos com a nanotecnologia a

provocar uma reviravolta na passagem do finitismo ao infinitismo, que se cumpriu e de

diversas maneiras, sobretudo, durante o século XVII, provocando a substituição do mundo

geocêntrico dos gregos e do mundo antropocêntrico da Idade Média por um universo

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

124

descentrado, no curso da revolução científica e filosófica que Koyré descreveu como “a

destruição do cosmos”? Ou seja, poderá mudar o mundo concebido como um todo finito e

bem ordenado, de acordo com a concepção aristotélica do espaço e em sua substituição pela

concepção da geometria euclideana, que considera o espaço como extensão necessariamente

homogênea e infinita?

Koyré analisou os grandes textos clássicos de Nicolau de Cusa, Bruno e Copérnico,

Kepler e Galileu, Descartes, Leibniz e Newton, que centraram toda a sua obra na

desmontagem e destruição da cosmologia antiga e medieval, substituindo-a pelo “universo

infinito” com que se inaugurou o saber moderno. Ora, dizer que a nanotecnologia equivale a

um bilionésimo de um metro (1 nm=1/1.000.000.000 m) indica que se o homem antigo e

medieval passou de espectador da natureza a seu mestre e possuidor, substituindo o cuidado

com o “outro mundo” pelo interesse neste, obrigado a modificar e adequar suas concepções

fundamentais e as próprias estruturas de seu pensamento, novamente enfrenta uma revolução

neste sentido. Reportando-nos ao momento da chamada “crise da consciência européia”, que

representou o surgimento de uma nova cosmologia que reestruturou ou, desestruturou toda a

visão de mundo sustentada até então, fazendo com que o ser humano a) tivesse que converter

totalmente os seus fins transcendentes nos objetivos imanentes e b) perdesse o seu lugar, em

referência na formação do quadro da sua existência no mundo que tinha como o objeto do seu

saber, vimos florir algo semelhante em nossos tempos.

Existem novos modelos com que se basear, mudanças radicais no modo de pensar em

que se põe a exigência de que sejam bem explicadas todas as coisas por definição e por seus

princípios, com a necessária paciência de descer até os primeiros princípios das coisas

especulativas da imaginação. Consideramos que os problemas colocados pela infinitização do

universo - sempre demasiado profundos e cujas soluções encontradas sempre traziam consigo

implicações demasiado vastas e importantes para possibilitar um progresso contínuo e

constante - estão enveredando por outros caminhos no que se refere à natureza, estrutura e

valor do pensamento e da ciência humanos. É o que nos parece com o crescimento da

demanda por metrologia de precisão, isto é, por nanometrologia, na montagem do “lego”72 da

72 Em muitas considerações de peritos sobre as conquistas da nanotecnologia, há referência a que devamos a) utilizar métodos semelhantes à vida, a exemplo do que acontece com a elaboração das proteínas, células, tecidos e órgãos, dirigidos pelos genomas e efetuados por “nanomáquinas” como os ribossomas, b) e seguir uma via semelhante. Assim, na fabricação de coisas, manipulando átomos não com as nossas mãos, mas com nanomáquinas construídas por outras máquinas, construídas para os ínfimos submundos, tornados mais próximos de nós, ou por aí acima, até o nível controlado diretamente por nós, juntando os átomos e moléculas de forma apropriada ao projeto desenhado mediante a nanotecnologia. É um modo de construção tipo brinquedo Lego, bem diferente, oposto às tecnologias desbastadoras, desperdiçadoras, utilizadas até o presente pela humanidade.

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

125

vida. Isso indica que é necessário um esforço no sentido de rever as noções gerais da moral

pautada nas regras práticas da conduta, mediante uma transformação interior e despertar da

consciência, ao modo de Blaise Pascal (1978), quando alegou que o melhor livro de moral é a

nossa consciência, a termos que muito freqüentemente consultá-lo.

Culmina, assim, que modernidade, contemporaneidade e a já comemorada pós-

modernidade emergiram, desde sempre, como espaços afinados com a maneira de conceber a

natureza em sua plenitude potencial infinita em mãos de nosso também infinito poder de agir

nela. Cabem, pois, ante essas reflexões sobre as possibilidades da nanotecnologia de

promover uma reviravolta cosmológica, como indicamos antes, as considerações de Michel

Foucault (Apud MIRANDA, 2002) que falou da necessidade de definir as condições nas quais

o ser humano ‘problematiza’ aquilo que é, aquilo que faz e o mundo onde vive. E se a

experiência é a estruturação de certos problemas e das respostas históricas que mereceram,

“problematizar” significa, portanto, reabrir problemas aparentemente solucionados, que se

inscreveram na nossa vida e ganharam efetividade e a inseri-los em novos

confrontamentos. Uma das notícias interessantes que dá fundamento a esta necessidade de

“abrir a caixa preta” é a do lançamento do telescópio espacial GLAST (Gamma-ray Large

Area Space Telescope), em agosto de 2007, que veio como ferramenta-meio fundamental para

novas medidas. Lembramos que a palavra "dimensão" vem do latim dimetiri, e significa

"medir completamente".

Se for comprovada uma nova dimensão, quando se tem afirmado a Nanociência como

o “mundo em nova dimensão”, a exemplo do próprio título do livro “O mundo nanométrico: a

dimensão do novo século”, do professor Henrique Toma (2004), seu impacto não se

restringirá apenas à física, à química, à biologia, à engenharia de materiais etc., mas à vida

como um todo. Ela irá confirmar que há uma quarta dimensão no espaço, o que irá criar uma

alteração, também, filosófica em nosso entendimento do mundo natural. Sem dúvida, isso

significa, por si só, mudança na forma de pensar o espaço e preparar-se para ver a ciência

dando os primeiros passos rumo ao conhecimento de um outro universo, intuído por muitos,

mas até agora fugidio e insistentemente se escondendo até mesmo de nossos sensores mais

apurados A esse respeito pensamos como Foucault (1984), que se trata mais do que analisar

comportamentos ou idéias, ou sociedades e suas ‘ideologias’, mas chegar às problematizações

através das quais o ser se dá como podendo e devendo ser pensado e as práticas a partir das

quais elas se formam. Conforme diz Lampton (1994, p. 118): E quais são algumas das maneiras de fazer isto? Quem sabe? A tecnologia apresentou novos modos de vida no passado e certamente fará isto novamente no futuro. Drexler sugeriu que

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

126

podemos desejar investir na colonização do espaço, para que as formas de vida terrestre possam se expandir além do planeta, quase da mesma forma como se expandiram no planeta até agora. Obviamente, isto pode não ser viável. Mas é o tipo de solução que deve ser examinada melhor, se a nanotecnologia alterar o modo real como os seres humanos vivem – e morrem.”

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

127

4. NANOTECNOLOGIA E A SECULAR OPOSIÇÃO ENTRE NATUREZA-

CULTURA: TENTANDO RECONFIGURAR O DEBATE

[...] numa palavra, o homem sabe que é miserável. Ele é, pois, miserável, de vez que o é, mas é bem grande de

vez que o sabe. (Pascal)

A nanotecnologia como tal e os resultados de seus avanços, representam um momento

de ruptura e apontam para mudanças que pressupõem saltos significativos, tendo em vista o

que pode ser alterado quanto à complexidade existente nas relações recíprocas entre a vida, a

espécie humana, os indivíduos, a sociedade e a natureza. A verdade é que tudo isso pode

abranger as condições de vida dos seres humanos em sentido amplo, ou seja, compreendendo-

as como condições naturais ou biológicas, culturais, sociais e políticas. A nanotecnologia nos

propõe a retomar questões a respeito da nossa visão de natureza e não de mudança da natureza

humana, colocando-nos novos parâmetros para alcançarmos mais unidade nas concepções

sobre a relação entre vida, natureza humana, condição humana e “idéia” de homem. Também

nos força a pensar na influência de tudo o que provém das funções cognitivas assentadas nas

formas de calcular, verbalizar, raciocinar, provar a dor etc., adaptadas às necessidades

práticas, não importando de que algo é feito, mas o que ele faz, como é próprio do agir

quando se segue os passos da escola funcionalista anglo-saxônica. Esta escola, com seu

acento por vezes excessivo na ordem e na integração, onde cada elemento tem uma tarefa a

desempenhar dentro de uma aparelhagem instrumental e se pautando estritamente numa

racionalidade econômica e tecnológica, acaba perseguindo a extensão do poder de disposição

da técnica, em detrimento da extensão do poder da vida, para a maioria dos seres, não só a

humana, inclusive daqueles que vivem no mundinho do nanométrico que muitos de nós

morreremos sem conhecer ou sequer saber de sua existência. Depois de termos por bom

tempo sustentado que a cultura é total ruptura com o que há de natural, tanto no próprio “ser

humano” quanto no que está em seu entorno, emergem cada vez mais fortes questões a

respeito da existência, mas não de sua natureza humana.

Algumas evidências no sentido de superação deste ideal técnico-narcisístico, como se

a cara da técnica sempre avistasse apenas a si mesma, têm sido feitas nos esforços de dar voz

à tentativa de integrar estudos biológicos, filosóficos, psicológicos e sociológicos, o que está

fazendo recuar um pouco mais o temor nos debates em torno à relação entre natureza e

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

128

cultura, diminuindo o fosso, aparentemente intransponível, entre as ciências naturais e as

ciências sociais, que perseguem uma metodologia comum capaz de auxiliar na superação da

distância entre ambas. Este abismo tem sido também interpretado como uma extensão do

famoso ‘problema das duas culturas’, provocando, entre outras situações, certos

“linchamentos” acadêmicos como o que ocorreu durante um bom tempo com uma área em

relação à outra, e mais recentemente com a sociobiologia73 e com qualquer tentativa de

aplicação do paradigma evolucionário às ciências do homem. Mas é preciso que os caminhos

sejam redirecionados na sociedade contemporânea face aos avanços da técnica,

particularmente da nanotecnologia, que são de grande impacto para a história da humanidade

e para compreender a vida. Sentimo-nos amparados nessa nossa posição, quando Leis e

Assmann74 nos remetem a Norbert Elias que adverte, sobre esse grau a que chegou nossa vida,

que está em jogo o próprio “destino humano, a humana conditio”. Segundo os autores, Elias

(1989, p. 56) ainda enfatiza que, apesar dos seres humanos insistirem em querer saber a verdade, com freqüência muitos deles ficam com medo e recuam frente a ela quando esta apresenta um mundo que não corresponde a seus desejos. Essa intuição de Elias é particularmente válida em momentos de grandes transformações sociais e tecnológicas como o atual. Nessas circunstâncias se pode verificar que a ampla maioria dos seres humanos resiste a aceitar que as coisas não são mais como eram antes. Do qual se deduz que um pensamento inovador e original deve traduzir um certo equilíbrio entre aspectos teóricos e empíricos ou, em outras palavras, assumir a necessidade tanto de analisar os fenômenos sociais e políticos emergentes, quanto de refletir sobre eles com bases científicas e filosóficas bem informadas.

Não podemos esquecer que, de um lado, está a irrefutável conclusão de que,

biologicamente, conforme Boncinelli75, o homem é o que é mediante o seu patrimônio

genético, o qual se manteve substancialmente igual aproximadamente nos últimos cento e

cinqüenta mil anos. O biólogo molecular argumenta que não se pode mais ignorar o papel da

psicologia experimental, das neurociências e da biologia evolucionista, oferecendo valiosas

contribuições fundamentais ao entendimento dos mecanismos biológicos do desenvolvimento

embrionário dos animais considerados superiores e do homem, descobertas reconhecidas 73 Resultante da denominada “revolução do DNA”, que trouxe profundas modificações para as Ciências Biológicas, a partir dos anos 50, a Sociobiologia empenhou-se na tentativa de relacionar os comportamentos sociais com os genes e de propiciar aos comportamentos humanos uma base biológica, o que a tornou alvo de ataques reticentes de uma boa parte de cientistas sociais e de alguns biólogos em seu amparo firme em uma estrita dualidade mente-corpo; estes, embora conscientes da continuidade evolucionária que vincula os homens aos outros animais em seus aspectos físicos, não admitem por completo esta continuidade quando se entre no campo dos aspectos mentais. 74 LEIS, Héctor Ricardo; ASSMANN, Selvino José. (2004). Justificação da disciplina: A condição humana na modernidade. UFSC. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~dich/ICH4064.htm>. Acesso em: 30 de julho de 2006. 75 BONCINELLI, Edoardo. (2007). “Necessità e contingenza della natura umana”. Revista Internacional Interdisciplinar, v. 4 n. 1, jan/jun, 2007. Florianópolis. Disponível em: <http://www.interthesis.cfh.ufsc.br/interthesis7/01_v4n1_interthesis.pdf >. Acesso em 02 de setembro de 2007.

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

129

como um marco na biologia do século de XX. De outro ponto de vista, existe a observação,

igualmente irrefutável, daqueles que se ocupam da idéia de que o homem, sem deixar de ser

um ser natural, começa a se diferenciar da natureza à medida que vai se “descolando” dela.

Nesse modo de pensar, o homem vai se diferenciando, se transformando e

transformando a natureza, superando ao mesmo tempo sua condição biológica com o

surgimento da consciência. Enquanto conquista a consciência de ser e é também portador de

uma alma, ao viver desde os primeiríssimos anos de sua vida em um universo cultural em

primeira instância lingüístico, se diferencia de outros animais, destacando-se assim de

qualquer outro animal conhecido. Quanto a esta segunda posição, observamos em nossas

leituras que, nem Ridley (2004), zoólogo e jornalista britânico que retoma o debate sobre a

essência humana ao desafiar o suposto antagonismo entre a influência dos genes e a do

ambiente, e tampouco Armesto-Fernández, historiador que alerta para a importância de

repensar nossa relação com outros animais e com o ambiente, concedem à linguagem a

supremacia que tem sido dada à mesma como elemento capaz de estabelecer fronteira entre

humanos e outros animais. Bem antes, Cassirer (1993, p. 46) também já considerara que a

linguagem sempre se viu enlaçada em termos ditirâmbicos76, na autêntica expressão e prova

inegável daquela ‘razão’ que coloca o homem superior às bestas e a uma espécie de

antropoidolatria que se tributa a si mesma. De outro aspecto - e é uma impressão nossa - o

zoólogo e o historiador citados parecem compartilhar alguns pontos com o físico e biólogo

Boncinelli no que se refere também à consciência, no dizer deste último, “o lugar e o estado

que consideramos este Sancta Sanctorum da nossa interioridade”77, o que representa talvez o

problema dos problemas para qualquer análise mais séria e direta sobre lugar destacado que o

ser humano ocupa no reino animal. Os dualistas existenciais, por sua vez, ao situarem

distintamente o homem como ser de consciência em que esta exerce papel causal

determinante e é evocada como princípio último na explicação do comportamento, juntamente

76 CASSIRER, Ernst. Las ciencias de la cultura. México: Fondo de la Cultura Econômica, 1993.

Pensamos que faz referência a um sentido dionisíaco de querer criar algo para além de si, com o êxtase e gestualidade dionisíaca e ditirâmbica lábia e delírio, próprios do ser humano, descontente de si mesmo, em querer expressar-se não como indivíduo, senão como ser humano genérico. Numa passagem de O nascimento da tragédia, Nietzsche analisa o efeito que o coro ditirâmbico dionisíaco provoca em seus partícipes, Afirma que é um coro de transformados, cujo passado civil e posição social estão para eles inteiramente esquecidos, tornando-se os servidores intemporais de seu deus, passando a habitar fora do tempo e de todas as esferas sociais (NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. Companhia das Letras, São Paulo, 1996).

77 BONCINELLI, Edoardo. Necessidade e contingência da natureza humana. Disponível em: <http://www.interthesis.cfh.ufsc.br/interthesis7/01_v4n1_interthesis.pdf>. Acesso em 03 de setembro de 2007.

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

130

com outros eventos mentais, a exemplo da “intencionalidade”, dos qualia78 (consideradas

propriedades de nível superior do cérebro e inexistentes nos animais), fortalecem uma

separação radical, uma descontinuidade, que repercute por todo o ambiente cultural. Além

disso, também vai abrir caminhos para as especializações que representam, historicamente,

certa necessidade de garantia de cultura profunda, mas que não tem levado a lugar algum e

deixa ainda mais longe a possibilidade de podermos abrir canais de comunicação entre as

ciências, mantendo-as em suas cômodas e fechadas regiões fronteiriças. em nome de uma

necessidade de comunidade, comunicação e agenciamento social. Temos ainda, mais

recentemente, o biólogo Lynn Margulis e o escritor free-lance Dorion Sagan, que, trilhando os

passos do físico austríaco e Prêmio Nobel da Física, Erwin Schrödinger, buscam juntos

mostrar que a riqueza da vida e da discussão em torno dela é muito maior do que supõem a

biologia reducionista e as demais ciências também reducionistas.

Volta e meia vem à tona o duelo natureza versus cultura, homem versus ambiente,

sujeito versus objeto, que, seguramente, à medida que avançam os estudos sobre o que nos faz

humanos e por que pensamos que somos humanos, vai tomando novos rumos. Ridley (2004 p.

348) dirá que mesmo muitos polemistas na história do debate natureza (genes) versus criação

(ou ambiente e cultura), acreditam aproximadamente que a natureza humana vem de uma

interação de natureza com criação, sendo impossível dar a vitória a qualquer uma das

posições. O autor (Idem, p. 349) complementa dizendo que “Natureza versus criação está

morto. Vida longa à natureza via criação”.

O término das hostilidades que surgiram entre partidários de diferentes teorias, a partir

da divisão da psicologia humana em natureza e criação ou cultura, tornando a nossa

qualidade de vida insatisfatória, é uma alternativa edificante a que se possa refletir e ter a

consciência sobre a emoção sentida de viver no mundo, de constituí-lo e de viver com os

outros seres vivos, compartilhando com eles o processo vital. Simultaneamente, o mundo

também constrói a todos ao longo dessa viagem comum, e se ainda não estamos vivendo e

nos comportando desse modo, a responsabilidade cabe a nós. Neste aspecto, ao trazerem de

volta o verbo “amar”, antes de tudo como um fenômeno biológico, instintivo e relacional,

Maturana e Varela (2001) buscam revesti-lo, já que ficou nu de sentido, como uma emoção

central cotidiana e essencial na vida.

78 Qualidades fenomenais das experiências humanas, como sentimentos, sensações e emoções conscientes etc. De modo geral, os qualia têm sido referidos como o conhecimento adquirido pela experiência humana e estão cientificamente e comumente relacionados ao conceito de consciência, trazendo questionamentos sobre o problema da relação corpo-mente, ou a que diz respeito ao material e ao espiritual.

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

131

É inegável que se trata de um ato bastante dificultado, por termos sido convencidos

pela visão representacionista de que cada um de nós é separado do mundo (e, em

conseqüência, das outras pessoas), o que acabou desencadeando fortes entraves em relação a

aceitar o “amor” como uma ação, uma atitude, em que o outro é aceito como legítimo outro,

no que diz respeito ao sentido da alteridade. Por seu lado, ao considerar a nova forma de

acercar-se da experiência cotidiana, Varela, recorrendo à fenomenologia, pretende situar-se na

contramão do que habitualmente foi estabelecido para examinar o comportamento humano e,

em particular, o comportamento ético, considerando que promover a diferença entre

comportamento ético e juízo moral, que demande interações e um despertar recíproco de

mudanças de estado por efeito da comunicação, em que a vida do dia-a-dia seja um contínuo

tecer de tramas comportamentais, que se coordenem reciprocamente, nos conduz

necessariamente a una nova forma de nos acercarmos da experiência cotidiana. Para muitos

de nós, acostumados a desprezar esta experiência e a supervalorizar o saber teórico e as

decisões da ciência, com sua proposta de acercar-se da experiência vivida, objetivando a volta

às coisas mesmas (processo que se inicia, de modo geral, a partir da confrontação direta com

os fatos imediatos que percebemos), Varela abre caminhos para que possamos jogar com

novas possibilidades em nossa existência. Mas, este retorno ao mundo da vida, tal como é

experimentado em sua imediatez, só se dá desde que tenhamos em conta as ações de nossa

vida, desde que entendamos as ações em sua totalidade ou nas manifestações de

comportamento que avaliamos, em que apareçam as ações éticas e sua imbricação em outras.

Aproximar os processos conciliando os dois termos da dicotomia naturezaxambiente,

é ainda uma contínua caminhada pela frente, e a tentativa parece não cessar nunca,

permanecendo ainda vivo o desafio de mostrar (o que nem sempre se consegue de maneira

clara e precisa como se gostaria) uma mútua co-determinação. Já tentamos isso antes, no

Mestrado, nos utilizando dos estudos que estão ainda recentes de Humberto Maturana

Romecín e Francisco Varella, em seus trabalhos fundamentados em bases biológicas sobre a

vida como um processo de conhecimento, sobre a diferença entre homem e os animais e sobre

o fosso que separa a ciência (o universo da objetividade) da experiência humana (o domínio

da subjetividade).

Na conhecida obra, A Árvore do Conhecimento: as bases biológicas da compreensão

humano (MATURANA; VARELA, 2005), tais autores proclamam que o conhecimento não

se limita ao processamento de informações oriundas de um mundo pré-dado, anterior à

experiência do observador, que simplesmente se apropria desse mundo para fragmentá-lo e

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

132

explorá-lo. Os seres vivos (e o homem é um dos tantos dentre eles), lembram estes autores,

são autônomos, autoprodutores, ou seja, capazes de produzir seus próprios componentes ao

interagir com o ambiente, vivendo no conhecimento e conhecendo no viver. Por essa razão,

nos tornamos, ao longo do nosso desenvolvimento histórico e evolutivo, seres sociais, pela

intensificação do convívio que se tornou possível mediante a “emoção de amar”, emoção esta

que se tornou banalizada com o tempo, mas que segundo os autores se configura como

condição sine qua non para a sobrevivência da espécie.

No discurso dos dois biólogos em questão, está claro que o “corte” cartesiano

profundo (filosofia dualista mecanicista de Descartes) entre o racional e o emocional também

banalizou a vida em si, uma vez que a razão passou a ser considerada apenas mais uma

“modalidade especial” da emoção. Este modo de pensar produziu ainda conseqüências

práticas e éticas como, por exemplo, as que reforçaram a crença de que o mundo é um objeto

à mercê da exploração do homem, tendo em vista sempre benefícios próprios, egoístas,

individualistas. A fragmentação mente-corpo culminou consequentemente na separação

sujeito-objeto, e este rompimento é para os autores, a principal característica da concepção

representacionista. Hoje – segundo Maturana e Varela, o representacionismo ainda perdura

para que continuemos convencidos de que somos separados do mundo e de que este existe

independentemente de nossa experiência.

A esse respeito, nos vem à mente um dado histórico, comentado por Hannah Arendt

em sua obra, As origens do totalitarismo (1998, pp 222-223), em relação aos “bôeres”, que

foram os primeiros colonizadores europeus em sua maioria descendentes de holandeses. Os

boeres ficaram perplexos com os negros, quando iniciaram a colonização da África do Sul no

século 17. Na verdade, o contato com os nativos sempre chocava os brancos europeus79, mas

não era propriamente a cor da pele o que tornava os negros tão diferentes para eles, e sim o

fato de que viviam de tal modo “misturados” à natureza, indiferenciados, como se fossem

parte da mesma, pois, ao contrário dos europeus, não haviam criado um âmbito humano

específico, separado do mundo natural. Essa ligação tão íntima dos negros com o ambiente,

sob o ponto de vista dos bôeres, transformava estes nativos em seres estranhos, como se eles

não pertencessem à espécie humana. Ora, europeus, brancos, representantes de uma cultura

que se concebia separada do mundo natural, os colonizadores não podiam admitir esse modo

79MARIOTTI, Humberto. “Diálogo: a competência do conviver”. Comitê Paulista para a Década da

Cultura de Paz: um programa da UNESCO. Disponível em: <http://www.comitepaz.org.br/download/Di%C3%A1logo%20-%20Humberto%20Mariotti.pdf>. Acesso em: 05 de setembro de 2007.

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

133

de viver. Pode ter resultado daí que, por serem representados como ‘parte da natureza’, os

negros tenham sido vistos apenas como mais um recurso natural a ser explorado. É possível

supor igualmente que da mesma maneira, Cristóvão Colombo teria pensado em relação aos

indígenas da América, ao deparar-se com eles, considerando-os como parte da fauna e da

flora; seus ornamentos, sua singularidade, portanto, eram belezas naturais, nada tendo a ver

com a condição de serem humanos.

Considerando essa e outras circunstâncias com o mesmo viés dualista, tem sido

concebido em literaturas que tratam deste assunto, que deste raciocínio simples pode ter

surgido um outro, mais grave: se algum “ser”, seja qual ele for, qualquer coisa, faz parte da

natureza, faz parte da fauna e da flora, podem e devem ser explorados. Este modo de pensar é

atribuído não à visão grega da natureza, mas à visão judaico-cristã em que a natureza, o

universo, perde o caráter sacral (adoração à natureza) e ganha o de exótico, passando a ser

motivo de temor. Esta ultima circunstância histórica teria favorecido: a) a visão mecanicista,

positivista e cartesiana do mundo (como o conceito de homem-máquina que contribuiu para

a formação de uma concepção fragmentada do universo), em que os seres humanos se auto-

intitulam ‘senhores da natureza’, separados dela (antropocentrismo) e superiores, e b) a visão

organicista, fisiológica e determinista, em que o ser humano não se concebe compreendido

fora do contexto biológico e ecológico, tratando-se de uma visão de homem como um sistema

fechado e isolado, movido pelo impulso de buscar a sua própria sobrevivência, que

compreende o todo e a conexão necessária entre as partes: corpo, mente, sociedade e natureza.

O ânimo de caráter utilitarista e extrativista que ainda persiste em nossos dias,

sustentado em certos tipos de atos tidos como certos ou errados, independentemente das

conseqüências que possam ter, é um exemplo do que traz em si a marca do cometimento

colonial, catequizador e domesticador dos processos civilizatórios. Pode-se afirmar que é um

caso do tipo de ‘alteridade’ que foi gerado quando o branco europeu, sob as idéias do projeto

iluminista de melhorar o homem, com suas raízes no humanismo da Renascença e no

deísmo80 da Inglaterra do século XVII. O iluminismo acreditava na emancipação da

humanidade pela ‘razão’, erigida como o grande guia (natureza e ciência a serviço do homem)

para iluminar as trevas em que se encontrava a sociedade, impregnada de crenças religiosas e

misticismo, que, segundo os iluministas, bloqueavam a evolução do homem. O homem

passou a ser o centro de tudo e passou a buscar respostas para as questões que, até então, eram 80 Os deístas acreditavam em Deus, mas que este Deus agiria indiretamente nos homens, através das leis

naturais.

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

134

justificadas somente pela fé, vendo-se como o ‘humano civilizado’, responsável pelo domínio

da natureza, através de domínios e conquistas à imagem de si mesmo para manter elementos

que não conflitassem com a cultura européia. O projeto iluminista foi então a ocasião para o

desbanque da escuridão da magia e da superstição pela aplicação da ciência natural aos

costumes e valores sociais, momento onde a nova posição do homem diante do mundo tomou

um impulso inusitado graças a postulação da idéia de uma natureza humana duplamente

independente: de um lado, independente de Deus; de outro, uma natureza inteiramente

diferenciada da sociedade. Separam-se natureza (biológico), fé (Deus, religião) e cultura

(homem). Separam-se orgânico e inorgânico na natureza e no homem. Surge um domínio

inesgotável, a ser infinitamente explorado pelas novas técnicas que despontam como o ‘fruto

finalmente amadurecido, concreto das idéias científicas e que foram responsáveis por um

conjunto de extraordinárias transformações materiais e morais no seio da sociedade. Agora

existiam ‘natureza’ e ‘sociedade’ e, na sociedade, religião e política se colocavam como

esferas separadas. Não é de estranhar, pois, que um dos resultados do Iluminismo tenha sido a

idéia de que o Paraíso poderia ser construído neste mundo e não mais encontrado após a

morte num outro mundo: os habitats, os nichos, o oikos - a “casa”, o “lugar onde se vive”, o

“meio ambiente”, o “ecossistema” - passaram a ser cultuados em detrimento da interação

entre orgânico e inorgânico, bios e socius, natureza e homem, homem e seres irracionais etc.

Essas idéias foram fundamentalmente responsáveis pelo quadro de valores do

capitalismo, do mundo e dos indivíduos por ele constituídos, dando seguimento,

aprofundando e consolidando novas perspectivas no plano político e social, cujas implicações

mostraram e mostram ainda hoje o quanto o conhecimento e o domínio da natureza, como

condições básicas da liberdade humana, comprometeram nossa capacidade de pensar a vida

em sua integridade e a natureza em sua complexidade. Ambas – natureza e vida – passaram a

submeter-se à visão de alguma coisa como composta de dois elementos, totalmente

fragmentados, mas não por isso tão somente, o que é pior: quando não totalmente

indissociáveis, elementos justapostos, inimigos inconciliáveis.

Assim, se o colonizador europeu se projetou no ‘outro’, desconhecendo-lhe ou mesmo

negando-lhe a identidade, para o colonizado não apareceu, portanto, a possibilidade de ser ele

mesmo ‘outro’, visto que apareceu apenas como matéria a ser conquistada, colonizada,

modernizada, civilizada, às custas da dualidade mente/corpo subjacente ao modelo mental

fragmentador, que se traduz na separação entre o eu e o mundo, interioridade e exterioridade,

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

135

esquema/mundo e sujeito-objeto, sendo esta última a principal característica da concepção

representacionista.

Com efeito, o quadro representacionista engendrou com muita propriedade toda uma

série de problemas existenciais interligados que dizem respeito à fundamentação do

conhecimento humano e a do conhecimento do homem em relação a si mesmo, cujo fundo é o

dualismo radical que os pressupõe. Problemas que dizem respeito aos meios de que um

homem dispõe para representar de forma precisa e adequada, um objeto, um outro ser, ou

ainda, as relações entre mente e realidade e entre linguagem científica e realidade.

O homem, seguindo a sua jornada de forma desatenta a este abismo profundo que ele próprio

cavou entre si e a natureza que ele mesmo é, tem a segura impressão que conhece

suficientemente bem o caminho que percorre, a realidade em que vive. Salvo algumas

surpresas improváveis, um vulcão que entra em erupção, uma enxurrada que causa mortes e

calamidades de todo tipo, um tsunami, uma epidemia de dengue, o desmoronamento de um

prédio, uma invasão de animais indesejados, como escorpiões ou capivaras etc., tudo parece

ser uma repetição rotineira de algo já acontecido.

Tem sido com essa visão reduzida e superficial, que para a grande maioria de nós a realidade

tem se apresenta de uma forma extremamente simples, tão simples que temos às vezes a

ingênua convicção que a conhecemos em sua essência e que podemos, por isso mesmo,

desenvolver automaticamente habilidades para manipular os seus fundamentos em nosso

favor. Certamente os americanos não imaginavam a destruição das Twin Towers do do World

Trade Center, tampouco os brasileiras tinham idéia que vivenciariam o pior acidente da

história da aviação brasileira, quando em 2007 um avião da TAM com 176 pessoas a bordo,

proveniente de Porto Alegre caiu ao lado do Aeroporto de Congonhas ao tentar pousar, sob

chuva em São Paulo. Agir com a absoluta certeza previsiva na absoluta capacidade humana,

como auto-suficiente, é estar, portanto, reconhecendo o universo fundamentado nos

conhecimentos da época de Newton, numa visão predominante no século XVII para qual a

razão não pode provar nenhuma verdade absoluta, mas pode demonstrar a existência de uma

“quase-verdade”, uma descrição mais próxima possível aos fatos.

Mas, o que será que há por trás dessa aparente simplicidade com que concebemos

nosso universo? Será que existe algo além desse aspecto grosseiro? O que será que a cria e

mantém essa sua realidade cotidiana? Ora, o pragmatismo dogmático não significa que nosso

conhecimento por si só possa determinar muitas coisas com precisão. Nem mesmo o contorno

do nosso Brasil é definido, visto por alguém que possa viajar a anos-luz daqui, podendo no

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

136

mínimo divisar uma difusa mancha no lugar onde o país está. A imensidão do universo e a

escala gigantesca das estrelas é impressionante. O conjunto de imagens da NASA, na Figura

2, permite perceber até que ponto uma coisa gigantesca se pode tornar um mísero ponto no

espaço. E tudo é apenas uma questão de perspectiva de escala de grandeza, pois, tão

impressionante como esta vastidão imensa que na escala humana não alcançamos, é o fato de

nela viverem pequenos e ínfimos seres, a sermos incapazes de compreender a significante

posição que a sua espécie ocupa no Cosmos e a insignificante pretensão que tem sido ditada

pela escala das dimensões humanas, perante o grande demais e o pequeno demais,

inconcebíveis sem equipamentos especiais que alcancem os objetos e fenômenos que existem

na escala de certos materiais que permitem que eles possam ter sentido para nossa vida.

108 100.000 km 1020 1023 - 10 milhões de anos-luz

10-1 10-14 10-16

100 Attometros 10 Femtometro

Figura 20: O universo do grande e do ínfimo, na potência de dez.

E agora? Podemos nos considerar o centro do universo? O ser mais importante do

planeta? E o que haverá depois dos limites? Existem limites? Fazemos notar que no sentido

que o físico Richard Feynman falou, ao dizer que “há mais espaço lá em baixo”, em alusão

aos espaços subatômicos, “para baixo” podemos ir até a 16ª potência de 10 e dizer que

chegamos aos limites da matéria e, “para cima”, irmos até a 23ª potência de 10 e pararmos.

Neste caso, só poderíamos continuar a nossa viagem pelo universo no limite de nossa

imaginação! E a pergunta fundamental é: Em ambos os extremos potenciais, tanto para o

macro quanto para o submicro, onde estão divisados a natureza e o homem, o sujeito e o

objeto? O que se pode antecipar sobre isto é que o avanço do conhecimento e as

potencialidades de seu grande impacto social ainda estão numa certa região que dista muitos

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

137

[...?]metros ainda do Yottametro (1024) quanto do Yoctometro (10-24).

Podemos assegurar então que quadro representacionista engendrou com muita

propriedade toda uma série de problemas existenciais interligados que dizem respeito à

fundamentação do conhecimento humano e a do conhecimento do homem em relação a si

mesmo, cujo fundo é o dualismo que os pressupõe. Problemas que dizem respeito aos meios

de que um homem dispõe para representar de forma precisa e adequada, um objeto, um outro

ser, ou ainda, as relações entre mente e realidade e entre linguagem científica e realidade.

Nietzsche criticou a separação nítida entre sujeito e objeto, admitindo que o sujeito somente

existe porque há um objeto ou vice-versa, debatendo-se com o representacionismo amparado

na suposição de que o mundo e o homem são entes separados e de que a linguagem é um meio

entre ambos, o que viria depois a ser fortalecido por Edmundo Husserl.

Para Nietzsche, todos os objetos práticos correspondem ao desenvolvimento de um

conjunto de ferramentas úteis e são uma invenção do ser pensante, do ato verdadeiramente

criador, no sentido de que se produz uma nova síntese de idéias e, especialmente, uma

combinação inédita de elementos que propiciam o ato de encontrar, reencontrar, reinventar a

vida, em que existe algo que nos coloca em contato com alguma coisa maior do que nós

mesmos. Nietzsche foi um grande crítico da idéia de que a finalidade da vida humana é tentar encarnar

em alguma coisa maior do que o meramente humano, ou filiar-se a tal, mas ao julgar as crenças

humanas como erros e mentiras, não conseguiu esconder o desejo de transcender a condição humana

desempenhando a linguagem um papel que serve a fins práticos para que o homem tenha

acesso às coisas tal como elas realmente são e compreenda a si mesmo e ao mundo. Nesta

acepção, invenção e descoberta se opõe, pois a invenção tem em si presente a marca da

potência criadora com que constantemente nos reinventamos “humanos”, sem comportar

nenhuma evolução nesta reinvenção infinda, nenhum ponto ou porto final, mas uma constante

revolução das figuras e formas em que momentaneamente nos inventamos, representamos as

coisas e a nós mesmo. Por isso, para Nietzsche (1977), a verdade não pode ser conquistada,

pois não existe, já que a verdade é não para ser encontrada e sim inventada81. Importa-lhe a

vontade de verdade como a expansão da vida, o perseguir alguma coisa a ser infinitamente

81 Em Nietzsche se expressa uma vontade objetiva de ultrapassar que não tem fim, no curso de uma finalidade sem fim, em que a satisfação buscada no ato de ultrapassamento é a partida e não a finalidade, fazendo sua crítica à limitação da visão teleológica que compreende o universo como tendo sempre um fim último a ser alcançado. Para o filósofo, introduzir a verdade é uma determinação ativa, como algo que deve ser criada e que dá nome a um processo que tende ao infinito, e não como devir consciente de algo, pois este seria ‘em si’ firme e determinado, seria visar o retorno do mesmo; trata-se do próprio vir de novo, mas do que passa como expressão do diverso. Esta seria a relação nietzscheana da verdade com a vida, não enquanto relação de adequação, cópia, ascensão, mas como criação, como transfiguração.

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

138

criada, o que dá nome a um processo constante de acolher e rejeitar algo, para que a própria

existência possa se desenvolver. Em decorrência disto, o conhecimento não tem por objetivo

atingir uma verdade, nem tem nenhuma afinidade com o mundo, o que faz Nietzsche

introduzir nas considerações acerca do conhecimento humano um pragmatismo avant la

lettre, precedente, a serviço dos desejos humanos, à sua ânsia de liberdade, como um objetivo.

A verdade não é, pois, correspondência a uma realidade preexistente, mas é o apontar para

alguma coisa que se em algum momento vier a existir, o será como uma criação inteiramente

humana. Nietzche, porém, no que diz respeito aos feitos científicos, critica as ciências

positivas, por sua visão quantitativa da vida, sua intromissão na moral, e relação com o

estado. Numa clara reivindicação da vida, critica diretamente toda moral imposta como norma

de conduta, tudo o que se dirige contra os instintos da vida e também a ordem moral do

mundo, concebendo que esta ordem provém do homem, o qual possui metas e leis, que são

parciais e humanas. A questão ética implícita nesse modo nietzscheano de conceber a verdade

corresponde à vontade de expansão e de superabundância de vida, em que os valores

dominantes não são mais do que algo “humano, demasiado humano”.

Husserl e Heidegger romperão com a dicotomia ser-mundo. Husserl estabelece a

necessidade de observar os fenômenos tal e como estes se apresentam, despojados de toda

explicação, juízo e introspecção, alicerçando as bases da fenomenologia contemporânea. Em

Heidegger (1996), este empenho é levado ao extremo, o que o fez perguntar pela

fenomenologia do que pergunta, ou seja, pergunta, novamente, pelo “ser”, mas observa que o

“ser” está no mundo, que não há “ser” sem mundo. Argumenta que o “ser” se encontra

lançado ao mundo, que não pode descer dele nem dele despojar-se. Para o filósofo, o “ser” e o

“mundo” (a natureza) são um só e mesmo fenômeno (Ibid). Com isso, além de dissolver as

categorias de ser-mundo, dissolve igualmente as categorias de sujeito-predicado, de sujeito-

objeto, por onde abre a porta para que seja balançada a estrutura que sustenta a dicotomia

teoria-prática.

Muito depois do pragmatismo vitalista de Nietzsche (que considera a vida, e

especialmente a vida humana, como a realidade primordial ou central, em que o bom é tudo o

que favoreça a vida), esta corrente vai ser o primeiro broto importante e original do

pensamento norte-americano. O nome “pragmatismo” está unido, sobretudo ao nome de

William James (1842-1910), que foi o primeiro a usar por escrito esta denominação, no ano

de 1898, porém a recebera de Charles Sanders Peirce (1839-1914), o legítimo iniciador da

doutrina, que nasceu originalmente como um método no interior da filosofia deste, explicitado

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

139

e catalogado depois como filosofia por James que se tornou seu máximo expositor e

sistematizador. Vamos ter como continuadores desta corrente, por uma parte, na linha que faz

convergir com o pragmatismo norte-americano, especialmente na tradição de Dewey; por

outra parte, na linha da filosofia pos-nietzscheana de Wittgenstein e Heidegger que retomam o

impulso poético como caminho de reflexão e, finalmente, faz convergir com a crítica de

filósofos como Quine e Davidson ao essencialismo e ao dogma do representacionismo.

Logo, não é difícil constatar que o fazer, o saber e a elaboração dos horizontes de vida

do homem sejam conformes a uma determinada filosofia e compreendidos como

representação. Esta representação não é intelectual, mas uma imagem idealizada (o sujeito

representacionista converte o mundo em imagem, o “ente” é somente na medida em que é

estabelecido pelo homem que o representa), a compreendermos melhor o velho modelo

colonizador do Ocidente ele mesmo representante de uma matriz cultural.

A prática cotidiana do representacionismo, tal e como se vive, hoje, cotidianamente,

pode assumir para nos a forma de lição. Sem dúvida, o representacionismo se constituiu no

paradigma dominante da cultura e do pensamento ocidental ao longo da história, fazendo-se

expressivo nas grandes discussões presentes no pensamento em curso que giraram em torno

do caráter espiritual ou material da realidade, de como esta muda ou permanece, de quais são

as fontes de seu dinamismo, da sua consistência, da realidade última etc. A cultura e o

pensamento ocidental deram por legitimamente assentada a existência da dualidade “ser-

realidade”, como duas naturezas diferentes. Ao considerar, portanto, o quanto foi imperante o

modo de pensar afirmado na existência de uma realidade externa, objetiva, distinta, diferente

e independente de quem conhece, como nas tantas dualidades com as quais convivemos em

termos de pensamento e ação e, no que diz respeito ao conhecimento, à cisão teoria-prática,

cabe de partida proceder a mais séria e tenaz interpretação crítica possível dos debates,

contrastes e posições sustentadas no representacionismo, com conhecimento de causa

suficiente para fazer a crítica a este paradigma e aos seus efeitos quanto à qualidade das

opiniões, profecias, idéias e conhecimentos sobre a nanotecnologia, nos mais diversos setores

das sociedades. Também consideramos que esta preocupação deve levar em conta o que é

próprio do representacionismo que está na base do academicismo, nos modos individual e

solitário de sustentar posições, o que é comum na educação latino-americana. Não é tampouco

no âmbito do representacionismo nem do extremismo da absoluta solidão cognoscitiva ou

solipsista, de julgar-se como o único sujeito de experiências (com os argumentos de que em

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

140

tudo o que existe, só há um lugar de pensamento e só há um pensamento, o meu), que nos

serão possibilitados os modos de operar com a nanociência e suas produções.

Neste sentido, é importante revisitar: as colocações de Maturana e Varela, que

continuam congruentes com o desenvolvimento da filosofia do século XXI; as filosofias de

Husserl, de Heidegger e Wittgenstein82 (pós-Tractatus); as correntes anglo-saxônicas da

filosofia da linguagem, como na teoria dos atos de fala em John Langshaw Austin83 levada

adiante com a filosofia da linguagem de John Roger Searle84 e de Hubert Dreyfus, seguidor

do pensamento de Heidegger e um dos primeiros a esboçar uma crítica ontológica e

fenomenológica, apoiada na filosofia deste filosofo; a fenomenologia da percepção de M.

Merleau-Ponty; e outros mais que lhes acrescentam.

Richard Dreyfus (2001) considera que nosso corpo, incluindo junto as nossas

emoções, tem um papel decisivo em nossa habilidade de tornar as coisas significativas, tanto

quanto em indicar o que é relevante, como também em nossa habilidade em deixar as coisas

nos perturbarem. Mediante essas possibilidades de escolhas, adquirirmos habilidades em

nosso senso de realidade, em nossa confiança nos demais e, enfim, em nossa capacidade de

nos engajarmos em compromissos que confiram sentido a nossas vidas.

Se com Maturana e Varela, e com Heidegger, não há uma realidade externa, objetiva e

alheia ao “ser”, é importante que nos perguntemos em relação às tecnologias que aí estão: “o

que” e “como nós, os humanos, conhecemos”? Obviamente, sabemos que conhecemos desde

a linguagem e conhecemos na linguagem, que é um modo humano de estar no mundo, tanto

quanto a emoção e os juízos, que nos permitem abrir ou fechar possibilidades de coordenar 82 Refez seu caminho, que mantinha uma posição solipsista até sua obra lógico-filosófica Tractatus. 83 É uma teoria pragmática (teoria do uso da linguagem), que se refere a como a linguagem é usada pelas pessoas no dia a dia para atingirem seus planos e intenções. Implica, pois, em que comunicar é agir, é uma ação regular como qualquer outra, que deve ser gerada e processada, levando em conta que certas expressões são como “ações físicas” que parecem alterar o estado do mundo. 84 A forma de intencionalidade mental, que é característica aos sujeitos humanos, é definida por Searle como “intencionalidade intrínseca” ou original, pela capacidade humana de se relacionar com o mundo em geral por intermédio de estados mentais intencionais. Estes são representações de objetos e estados de coisas desse mesmo mundo, não apenas uma forma de intencionalidade do mental inerente à história biológica dos seres humanos e de certos organismos com um tipo de estrutura cerebral que pode causar e sustentar estados mentais que são intencionais, considerando que estes têm se dão independentemente do que qualquer outro ser humano pense. Searle concebe a mente como um produto da evolução, não levando em conta nenhuma forma de explicação teleológica, tendo por objetivo ao afirmar que a mente humana é um produto da evolução, não o de traçar uma teoria histórica sobre a gênese e a evolução da consciência e da intencionalidade, mas o de servir-se de todos os resultados de disciplinas como a Neurobiologia, a Biologia evolutiva, entre outras, para fundamentar uma teoria sobre a natureza, estrutura e funcionamento da mente humana. Alguns exemplos desses estados mentais intencionais são a fome, a sede, as crenças, os desejos, as percepções, as intenções, as lembranças etc. Considera que a intencionalidade é importante para o entendimento de como se produz o comportamento humano, ou, em sua linguagem, como a intencionalidade mental própria dos organismos biológicos individuais determina condições de satisfação de modo que estes conseguem estabelecer relações com o mundo real, sendo cada elemento importante para se explicar isso.

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

141

nossas ações. Por exemplo, se se está com uma perna fraturada, não se está disponível para

andar, para quase nada. Do mesmo modo, se se instala em nos o juízo de que a

nanotecnologia é um mal, é perigosa, é o fim do mundo, dificilmente teremos qualquer outro

valor para decidir sobre a mesma que não seja o de refutá-la. Para Maturana e para os muitos

dos pensadores que se coadunam com as suas idéias, nós humanos não vivemos na

linguagem. Em rigor, vivemos conversando, vivemos em conversações. E no dizer de

Maturana, as conversações são o trançado permanente da linguagem com a emoção.

Fenomenologicamente, si observamos o que os humanos fazemos, veremos que basicamente,

estamos quase sempre conversando. Estamos coordenando ações. Ditas ações apontam para

coordenações humanas e geralmente também envolvem o uso de objetos como úteis a mão,

como ferramentas que se manejam com destreza e que servem para que melhor coordenemos

outras ações. Nesta interpretação, a linguagem é ação. Nesta fenomenologia, aprender é

dispor das distinções lingüísticas que nos possibilitam entrar em novas conversações mediante

as quais ampliamos nossas possibilidades de coordenar ações. Se observarmos o fenômeno do

“conhecer”, faz pleno sentido a afirmação de que as ciências e as artes podem ser

consideradas “linguagens especializadas”, no sentido de que denotam coordenação de ações e

em um âmbito preciso: o das matemáticas, o da literatura, o da física etc.

Nesta perspectiva, as exigências tecnológicas novas e emergentes cobram um sentido

novo. Por exemplo, o domínio dos aparelhos para estudos de materiais à escala nanométrica,

se tornaram indispensáveis para criar simulações e mundos virtuais nos quais se façam

visíveis os fenômenos em sua complexidade, e se opere com eles trabalhando em equipes, ou

para que cada um possa desenvolver sua atividade específica, ou simplesmente para que cada

um faça o estudo que deseja ou simplesmente para ter o que conversar sobre os temas

complexos da vida do século XXI, como sobre a biotecnologia, células-tronco, clonagem,

colonização extraterrestre, nanotecnologia etc., que não são alheios às matemáticas, à

literatura ou a ciência, nem constituem “letra morta” senão conversação viva e ativa,

aprendizagem da realidade; da (realidade) que elaboramos e na qual estamos mergulhados

convivendo e conversando com os seres humanos.

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

142

4.1 NANOTECNOLOGIA: O POSSÍVEL ELO ENTRE NATUREZA E CULTURA

É quase um mistério da vida da gente

A luta da mente é quase que vã Aquilo em que hoje se vê naufragada

Talvez será nada em nosso amanhã E a 'Saudade da Minha Terra'

Está em minh'alma e em todo o meu ser No palco da vida eu vou trabalhando

Mas quando sentir a cortina fechando É na minha terra que eu quero morrer

(Gente de Minha Terra, Goiá e Almir)

Com o reconhecimento de que a experiência humana é, culturalmente, incorporada, ao

serem colocadas em cena as limitações do representacionismo, pautado em encontrar a

correspondência precisa entre o objeto e sua réplica pelo sujeito, conseguimos situar melhor

em que se apóia hoje a aproximação de muitas áreas do conhecimento com a pesquisa

científica atual da cognição - e do que Humberto Maturana e Francisco Varela, com sua

sócio-biologia, chamaram de biologia da cognição, para a da forma como encarar a questão da

vida. Buscamos com ambos tornar mais claro o certo receio que existe em falar com sobre a

noção de nanotecnologia, que particularmente vemos muita cercada de uma sensibilidade

intelectual, uma posição niilista e pós-modernista da técnica. Entendemos que precisamos

ainda de muito suporte teórico e empírico para termos condições de avaliar a dimensão

presente naquilo a que se denominou Nanociência e que chamamos de conhecimento. O que

é a nanotecnologia e qual a relação entre a mesma com o problema epistemológico e

justificativo do conhecimento, são as dúvidas mais freqüentes neste momento atual.

Para Maturana e Varela, não faz sentido acreditar que o interior da nossa mente é a

única coisa que existe, tampouco não faz sentido a necessidade de provar que não existe só a

realidade exterior; assim nos colocam a posição de termos de conceber a existência de um

mundo exterior às nossas vidas mentais: um mundo fisicamente real, que depende da

estrutura de cada um de nós existindo, pois, tantas realidades quantas forem às formas

individuais privilegiadas de ver o mundo. Aqui nos reportamos à Nagel (1995), que afirma

que o fato de aceitarmos a existência de diferentes mundos, não significa que a realidade

seja múltipla. Não há uma realidade repartida em nanométricos fragmentos, um para cada

um de nós, neste caso. Nagel considera que os mundos diferentes são situações

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

143

epistemológicas, o que é contrário ao mundo no sentido ontológico; ou seja, o fato de haver

variabilidade, por exemplo, quando falamos macrocosmos, microcosmos ou nanocosmo, não

nos obriga a dizer que há diversos cosmos, ou diversas naturezas. Então, no seu modo de

ver, nós e a nossa realidade mental somos parte da realidade, mas parte, porque o mesmo é

válido para qualquer um que assim o afirme.

Nesse ponto, chegamos à delicada questão da “verdade”, mas já sabemos que

tentamos fugir do dualismo cartesiano, um exemplo de posição perante este problema, que

concebe a existência de consciência e a matéria como duas substâncias de natureza

irredutível; temos o fisicalismo, para o qual tudo o que existe é de uma só natureza, a física,

de modo que os nossos estados mentais também são, necessariamente, estados físicos.

Também citamos o monismo de Espinosa, que é outra possibilidade, em que o

filósofo, por muitos considerado “o gênio da liberdade”, defende que o pensamento e a

matéria são dois modos infinitos da mesma substância única, que designou “Deus”, mas não

entendendo “Deus” como um “ser” à parte e/ou externo ao mundo; para Espinosa, “Deus” e

“Natureza” são dois nomes para a mesma realidade, são a causa intrínseca, a causa primeira.

Na sua forma de abordar a natureza, numa visão estranha ao modo ocidental, consideramos,

parece estar mais de acordo com as mais sofisticadas concepções orientais - ele almeja o

bem viver, a forma correta de viver em harmonia e em equilíbrio no mundo, capaz de nos

conduzir ao viver em consonância com a harmonia maior da natureza. Isso representa a

própria expressão visível de Deus, a causa maior existente, sendo tudo o mais efeitos

resultantes. Para Espinosa, inclusive o homem (que hoje se pensa um deus) é uma

manifestação conseqüente, mas, por ter algo à semelhança da causa primária, é, também, ele

mesmo um co-criador, até mesmo de seus próprios problemas, por imperfeito ser que é,

contudo, um ser igualmente livre para escolher, fazer de sua vida algo com sentido,

especialmente o seu próprio aperfeiçoamento humano, segundo os limites que lhe é dado

pela natureza. A partir de seus pressupostos sobre conhecimento intelectual e a afetividade

ativa que dele decorre (contentamento de si e amor intelectual de Deus), nos oferece a ética

de Espinosa uma teoria coerente acerca da natureza dos juízos de valor. Trazendo para essa

discussão também Foucault, que investiga a questão do sujeito mas afastar-se das teorias

sobre o mesmo e dirigindo-se às formas da relação através das quais o indivíduo se constitui

e se reconhece como sujeito, como experiência, como podendo e devendo ser pensado,

tendo como fio condutor de sua análise o conceito de “cuidado de si” para caracterizar o

conjunto de experiências modificadoras do sujeito, a que tenha acesso à verdade e

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

144

transforme o ser de si mesmo, tomando a isto como ponto de partida de uma moral do

sujeito ético da ação; neste caso, também Foucault nos oferece com sua ética uma teoria

coerente acerca da natureza dos juízos de valor. E Husserl com sua fenomenologia da

existência e seus desdobramentos concretos, afetivos e existenciais.

Por acaso, parece que vivemos hoje o confronto de duas grandes concepções éticas:

uma subjetiva e outra objetiva; uma natural, que já observamos em capítulos anteriores que

marcou profundamente a formação humanista ocidental, e uma outra a priori, como ponto

de partida da maior parte das teorias éticas posteriores a Kant; ambas, ao mesmo tempo em

que são mutuamente críticas, não o são uma elucidativa da outra? Cabe indagar se por acaso

as éticas atuais, como as teorias da técnica, da justiça, e da comunicação, por exemplo, não

se alimentam nestas duas fontes? Temos ainda a acrescentar que Nietzsche e Max Scheler

coincidem em atribuir a gênese dos juízos de valor, que integram o ethos da modernidade,

ao ressentimento provocado pela consciência de inferioridade dos fracos, à força da religião

cristã e da burguesia. António Damásio que interpreta a maneira como pensamos a relação

entre os nossos sentimentos e as nossas emoções, apontando que falta ainda muito que fazer

na investigação do problema mente-corpo, e que a compreensão dos conflitos internacionais

poderia ser melhorada se houvesse uma compreensão mais correta do que a que se passa no

mundo das emoções. E Maturana e Varela, com suas obras voltadas para a discussão dos

fundamentos biológicos do conhecimento e do autoconhecimento.

Sem ser preciso nos remeter a tantos outros pensadores expressivos, afirmamos que,

para nós, essas dificuldades se prendem, sobretudo, às heranças do representacionismo e do

solipsismo, nas suas formas estanques, que nos afastaram da importante questão da

“compreensão do si” para alcançarmos a “compreensão do outro”. Não sabemos se convém

o termo, mas diríamos da aceitação do “estrangeiro”, do “estranho”, que invade nossa

realidade, como parece ser o caso da forma de defrontar-se com a invasão de tantas

tecnologias, que, por suas características tão exotéricas, muitas delas são vistas como objetos

“alienígenas”, sem que se tenha qualquer idéia de que planetas vieram. Interferimos que,

perante tais questionamentos e impasses, as contribuições de Maturana e Varela são

importantes, porque conferem alguma autoridade a cada pessoa sobre o que pensa a respeito

da natureza, do homem, da ciência, da nanotecnologia. Assim, faz sentido que a certeza no

chamado conhecimento puramente objetivo seja inviável, porque, mesmo que muitas

doutrinas de pensamento tivessem defendido isso, ambos os autores não concebem o

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

145

observador separado dos fenômenos que observa, nem como um deus no topo de um “tripé”

que observa de fora um fenômeno: trata-se de um observador atuante, em ação.

Se tomarmos como certo os postulados de que o conhecimento opera como um

sistema determinado, desde o interior, mediante suas próprias estruturas, e que isto traz

como conseqüência que o observador não pode dar explicações da realidade, se não somente

as que tenham sido produzidas por suas próprias operações e que ocasionam uma mudança

estrutural determinada em sua estrutura temos um contraponto. Existindo tantas explicações

quanto observadores que participam nelas, teremos a oportunidade de abarcar a realidade e

de estabelecer fatos simples ou complexos, seremos capazes de saber se uma dessas tantas

explicações se corresponde com uma realidade comum (e objetiva, além disso); de saber se

o processo de estabelecimento do próprio fato científico incide sobre um observador em

forma distinta com respeito a outro, em virtude de que, em cada um deles, transcorrem

operações singulares, que ocasionam mudanças estruturais singulares de sua própria singular

estrutura.

O que pudemos inferir até aqui, e assinalar é que se somos determinados pelo modo

como se interligam e funcionam os “fragmentos”, para não dizer partes ou divisões, de que

somos feitos, ou seja, pela nossa condição de natureza, a visão que cada um de nós pode ter

de alguma coisa, só pode desencadear em nós o que essa condição possibilita. Neste ponto,

Maturana e Varela entram na questão da “verdade”, com sua argumentação lógica de que a

partir de uma visão dividida e limitada às custas da tradição cartesiana, não podemos chegar à

“verdade” e mostrá-la aos outros, como sendo a “verdade” que julgamos ser a mesma para

todos. Isso é válido para a forma como as tecnologias estão sendo entendidas na sociedade.

Os autores também destacam, com relação a esta forma de operar do organismo e na

descrição das suas condutas, a importância do papel da linguagem humana, cuja

recursividade se institui como um sistema infinitamente produtivo de contínuas relações e do

que chamam acoplamentos estruturais. Quiseram-nos mostrar com o conceito de autopoiesis

(que de algum modo nos reporta a techné e à poéisis dos gregos, no sentido do fazer bem

feito e do revelar), que não vivemos de meros contatos com o mundo nem a processar cópias

dele ou submetidos, simplesmente, aos seus bombardeios de todos os lados e tipos, como

alvos das pressões do ambiente, mas que existe uma autêntica congruência de

comportamentos entre vários sistemas ou unidades. Deduzimos que estes modos de operar

são, além de consensuais, recorrentes e recursivos, porque se trata de uma congruência que se

repete de modo contínuo e sistemático e porque os resultados desse processo são novamente

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

146

imersos no próprio processo, num sistema infinitamente produtivo de contínuas relações e

acoplamentos estruturais. Além disso, concebem primazia ao papel da linguagem e da

emoção, não havendo outro modo humano de estar no mundo sem poder dispor de ambas.

Estas disposições, que ao longo do tempo perderam algo de sua precisão e virtude, ocasionam

modificações profundas, tanto na paisagem corporal, como na paisagem cerebral do homem

(DAMÁSIO, 2004), a ponto de se poder pensar que delimitando tipos de ações possíveis, a

rigor, não há distinção entre o humano e o não-humano no que diz respeito às emoções. Neste

sentido, Merleau-Ponty (1992) também apresentou sua visão de corpo, como um fenômeno

complexo, não reduzido à perspectiva de objeto, nem como coisa, nem como idéia, mas

relacionado com motricidade, percepção, sexualidade, linguagem, mito, experiência vivida,

bem como à poesia, ao sensível e ao invisível. Estas, portanto, são formas de trazermos para

outros as nossas experiências, e para torná-las compreensíveis e explicáveis para nós

mesmos.

Esta ênfase dada à emoção nos remete de certo modo a importância concedida também

por Nietzsche à arte, à poesia e à beleza, como formas de “vencer” o domínio puro do homem

observador designado a configurar o mundo; o mesmo deus do tripé de Maturana e Varela que

olha tudo do topo. Duro poder este que compete ao puro intelecto de criar no homem a ilusão

de ser o centro do mundo, a fazer com que o universo cobre uma ordem para si mesmo, uma

ordem ilusória, onde se pode viver só o reinado próprio. Ao nos reportarmos a esta situação,

lembramos do que Nietzsche traduz como criação85 de um mundo que está em jogo; uma

criação livremente interpretativa que cada um faz de seu mundo para romper com velhas

convenções pragmáticas, dirigindo-se, assim, para outro mundo.

Por mais que quiséssemos aprofundar uma possível relação entre as perspectivas de

Nietzsche e dos biólogos Maturana e Varela, esta passagem nos lembra Hegel, quando se

referiu à árdua tarefa do pensar, e à expressão nietzscheana da alegria no jogo com a

linguagem, nas opiniões e intuições e nas formas específicas do saber legado em formas

85 Para Nietzsche, criação (ou latência) não é o que se tem pressuposto como desejo de poder, nem como o querer subjetivo do homem, mas como aquilo que quer na vontade, que deseja conquistar, uma vontade de durar, permanecer vivo. Enfim, criação é no homem o impulso para fora de si, de autoconservação da vida para se satisfazer no objeto, ao mesmo tempo em se que realiza a experiência da satisfação e da insatisfação, isto é, da satisfação com a reprodução infinita da necessidade e da insatisfação enquanto desejo permanente. Nessa gama de movimentos, tanto o que se chama de bem como o que se chama de mau, são condições pragmáticas da vida e da luta pela afirmação da mesma. Para Nietzsche, então, tudo o que diz respeito ao corpo está naquilo que ele de fato é cada um dos nossos movimentos corporais, conscientes ou não, são exatamente tudo aquilo que o corpo é: vontade, desejo, impulso em direção à procura do prazer e à fuga da dor. Isto é importante para situarmos o papel das células-tronco, da nanotecnologia, por exemplo, hoje bastante aliadas à cura da dor, ao prazer, ao alívio do mal.

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

147

lingüísticas, que podem ser designadas como saber prático. Ao menos não se recai no curso

determinista da finalidade em tal mecanismo, mas com as características que a experiência

humana vivida determinou (DELEUZE,1976), e que as novas ciências da mente e também a

filosofia ocidental precisam abarcar como possibilidade de “transformação da experiência do

homem” tanto em si mesmo como em relação aos demais seres. Estamos de acordo com

Varela (2000), ao considerar que a experiência cotidiana precisa enriquecer-se com os

conceitos e análises que as ciências cognitivas têm alcançado, o que aproxima o “mundo da

vida” de Husserl (defende o retorno ao mundo vivido, oculto pela impregnação dos resultados

científicos e com suas influências projetadas sobre a experiência sensível), cuja tarefa precisa

se tornar clara, do “mundo do mais-ou-menos”, do impreciso de Koyré (1980), e que a vida

cotidiana permita um desfrutar do tempo vivido não tão restrita ao universo da precisão.

Desse modo, é possível que muitas das questões que à simples vista se apresentam

como científicos e técnicos, em especial com relação à nanotecnologia, assunto que estamos

explorando neste estudo, não sejam mais tratados separadamente de outras importantes

preocupações intensamente éticas, que, por sua vez, reclamam uma compreensão

distintamente nova, e do mesmo modo, profunda a respeito da dignidade da vida humana. Daí

o ponto central em que se insere a ética: quando o mundo da vida – em nossos ditos

macromundo, micromundo e mais recentemente, nanomundo - é pensado como a nossa

história corporal e social, tomando a direção da sua origem e desenvolvimento em curso,

depois que a vista foi impressionada pela filosofia abstrata, traço tão comum à filosofia

ocidental (alheação tanto na racionalidade clássica, classificando a experiência como

conhecimento inferior, como na racionalidade moderna), em que a experiência é objetivada,

controlada, calculada e convertida em experimento, a ética merece ser colocada em situações

fundamentalmente novas. Nossos gestos, nossas posturas corporais, as manifestações e

respostas imediatas de nosso corpo são atos de natureza propriamente ética em que nos

desenvolvemos cotidianamente, representando o tipo mais comum de conduta ética que

manifestamos em nossa vida normal, o que nos permite dizer que tanto a ética como o

conhecer habitam o corpo e, pela mesma razão, estão entrelaçados.

Segundo Varela, com relação ao reconhecimento da importância da experiência

humana, esta foi uma tarefa que ficou pendente nas ciências ocidentais. Entretanto, sem perda

de tempo devemos começar a pôr em evidência que nossos corpos não são tão somente

estruturas físicas, mas também estruturas vividas e experienciais, o que se pode fazer

seguindo por caminhos teóricos acerca da vida e da mente e, por outra parte, de nossa

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

148

autocompreensão cotidiana. De acordo com o biólogo, foi o fenomenólogo Merleau Ponty

quem alcançou esta dupla dimensionalidade da corporalidade e seu entrelaçamento contínuo,

que experimentamos na cotidianidade.

Varela chama a atenção para o fato de que, em nossos dias não existe, nem na ciência,

nem na filosofia do ocidente, ou seja, nem em termos teóricos como empíricos, um enfoque

direto e pragmático da experiência com o qual ambos os campos possam complementar-se.

Portanto, é necessária abertura às tradições de sabedoria não ocidentais, mediante as quais se

possa examinar disciplinadamente a experiência. De modo mais direto, Varela faz alusão à

exploração pragmática e filosófica herdada de uma parte do budismo zen, em sua prática

meditativa.

Quando fala de “neurofenomenologia”86, com vistas a ampliar o horizonte das ciências

cognitivas, Varela torna mais explícitos os elementos tomados das correntes fenomenológicas,

em coerência com o desenvolvimento da filosofia do século XX. Especialmente, dialoga com

os filósofos alemães Husserl e Heidegger, com o mundo da experiência nietzscheana, além

de abordar as influências das correntes anglo-saxônicas da filosofia da linguagem,

expressivamente de Johnn R. Searle e Hubert Dreyfus e da fenomenologia da percepção de

Maurice Merleau-Ponty. Husserl, com seu conceito de intencionalidade, em sua formulação

clássica, base da fenomenologia que exalta a interpretação do mundo que surge

intencionalmente à consciência, enfatizando a experiência pura do sujeito.

A intencionalidade da consciência está direcionada para algo, o que significa que não

existe uma pura consciência, separada do mundo, mas toda consciência tende para o mundo, e

é consciência de alguma coisa. Husserl mostra a importância de colocar a nossa própria

experiência da realidade na forma de ver os fenômenos. Heidegger, com seu conceito de

hermenêutica da facticidade, correspondente a uma interpretação do ser humano e da vida

cotidiana, não pretende restringir a interpretação à linguagem verbal, o que seria falar numa

linguagem meramente instrumental, autônoma em relação ao sujeito lingüístico; o filósofo

entende que o sujeito interpreta todo momento, não só o mundo, mas também, a si mesmo; e a

linguagem, nesse caso, faz parte da própria constituição do indivíduo e de suas experiências

no mundo.

86 Varela destacou-se como estudioso de relevância mundial no campo da neurociência cognitiva, abrindo vias exploratórias através do que denominou neurofenomenologia, onde aparece a influência de Maurice Merleau-Ponty, as contribuições da fenomenologia e do pragmatismo, e também o vínculo que faz entre a fenomenologia e as tradições da sabedoria oriental.

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

149

Searle, em poucas palavras, chamou a atenção para o fato de que o fator causal da

percepção integra a própria experiência do sujeito que percebe. Isso quer dizer que a causação

perceptual não é apenas por nós indiretamente conhecida, inferida a partir do que sabemos

acerca do mundo, mas é diretamente dada na própria experiência perceptual. Para Searle, o

conteúdo da intencionalidade sensorial é causalmente auto-referencial, o que passou

despercebido para toda a tradição representacionista - da “teoria das idéias” de Locke e

Descartes às atuais filosofias da mente e neuropsicologia cognitiva. Segundo o filósofo, John

Searle (2000), a confiança ocidental na racionalidade humana foi abalada no século XX em

virtude de alguns resultados surpreendentes a que chegou a ciência, particularmente a Física.

Searle e Dreyfus estabeleceram debates em torno da noção de intenção-em-ação e da

adequada caracterização a ser oferecida das capacidades, habilidades e práticas que

constituiriam o pano de fundo dos comportamentos intencionais.

Para Merleau-Ponty, consciência e corpo são tidos como inseparáveis. Há uma

consciência perceptiva complementar à consciência representativa, não se podendo separar o

sujeito e o objeto, como fazem as ciências naturais e as ciências sociais de base positivista.

Como Husserl, Merleau-Ponty enfatiza o conceito de ser-no-mundo, buscando compreender a

experiência do mundo vivido e sua expressão pelo corpo próprio. Para o filósofo, o corpo

encarna a possibilidade de compreensão dos gestos e das palavras, cuja apreensão está na

reciprocidade de comportamentos vividos na dimensão social, mas cujo sentido da linguagem

expressiva foi expropriado da palavra pelas concepções empirista e idealista, fundadas na

dicotomia cartesiana. Concebe que a expressão de linguagem modifica e transcende o

fenômeno dado na percepção, transcendendo-se a si mesma, já que seu movimento consiste

sempre em nos atirar além, nas fronteiras entre o visível e o invisível, sondando as relações

entre um mundo e outro. Desse modo, inclui-se a experiência vivida num escopo mais

abrangente, chamando a atenção para o poder de conhecer de que dispomos pela experiência

vivida, algo que a ciência ocidental não conheceu por supervalorizar os meios e fins das

parafernálias tecnológicas e desprezar as práticas de atenção-consciência presentes nas

culturas orientais milenares.

Como já mencionado antes, no sub-capitulo 3.1, estas foram e são freqüentemente

consideradas práticas (ou experiências) místicas, metafísicas, religiosas e transcendentais, por

afirmarem uma íntima proximidade da consciência com a realidade, apegada ao mundo, capaz

de tocar o até então “incognoscível”, em novas bases de ação, pelas vias convencionais do

aparato sensorial.

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

150

Sob o enfoque do conceito de enação87 (ou cognição corporificada, que articula os

dois níveis ‘pensar’ e ‘fazer’, organizada precisamente pelo corpo), a noção de representação

é revisitada em Varela (2003) e o papel de sua primazia é por ele deslocado, passando a

cognição a ser compreendida como interpretação, que emerge nas capacidades do

entendimento da relação entre o eu e o mundo, entre corpo e mente. Estas capacidades têm

origem na estrutura biológica do corpo, são vividas e experienciadas no terreno da ação

consensual e no domínio histórico-cultural, posto que o conhecimento é incorporado (pelo

fato de sermos corpo), ou seja, transformado em prática, e nossa corporalidade implica uma

gama imensa de possibilidades sensório-motoras, e já que estamos imersos em contextos

múltiplos. A enação enfatiza, portanto, a dimensão existencial do conhecer, que emerge do

vivido com o corpo em ação. Nesta expressão da corporeidade ou expressão do humano, não

vinculadas à concepção dualista da corporeidade, coexistem os pensamentos racionais,

empíricos e técnicos, e os pensamentos simbólicos, míticos e mágicos, com que se produzem

os mais diversos fenômenos e distintas realidades (como a consciência, a espiritualidade, o

vital, a corporeidade como corpo pensante, a conexão entre natureza, sociedade e seres vivos,

entre outros), o que um campo disciplinar, isoladamente, não consegue explicar.

Consideramos que esta evidência se converte em um denso princípio para a

aproximação do modo de agir técnico e uma refundamentação do ético-político em geral,

fonte para uma forte reflexão filosófica a respeito da nanotecnologia e suas implicações

éticas. Podemos a partir desta tentativa, caracterizar um “novo paradigma”, já que no

tradicional em que vivemos até agora, a exclusão de relações entre dimensões tão essenciais

da condição humana produziu e produz conseqüências éticas importantes, dentro e fora do

âmbito das teorias científicas.

Como fundamento para tal compreensão, tem-se basicamente a concepção de

plasticidade do sistema nervoso e dos processos sensório-motores. Esta compreensão não se

opõe às concepções de percepção e motricidade em Merleau-Ponty. Fundamentados em

Varela (1997), consideramos que o construtivismo e o representacionismo propõem uma

supremacia do sujeito com relação ao objeto. Nesta enação88, o agente cognitivo, no enfoque

87 Enação é um neologismo que corresponde à tradução do termo inglês enactio. Vem do verbo enact, que significa “efetivar” ou “atuar”, daí ter sido traduzido também como atuação. O termo é proposto por Varela para substituir a “representação” como categoria cognitiva privilegiada, valorizando a especificidade conceitual. Trata-se de uma categoria híbrida de “pensamento” e “ação”, assim como na tese de Bergson da indissociabilidade entre percepção e ação, a percepção é uma categoria híbrida de “matéria” e “memória”, rejeitando qualquer pretensão de hierarquia entre seus componentes.

88 Vale lembrar que o termo enação, proposto por Varela, relaciona-se diretamente com a compreensão da cognição (Maturana e Varela, 1997), e, para o autor, depende da experiência de ter um corpo e suas

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

151

enativo, surge junto ao mundo que conhece e não pode afirmar sua primazia a respeito do

conhecimento. Assim vemos que todas as tecnologias surgem com o homem e o mundo,

simultaneammente, como expressão da vida em curso, em suas “bricolagens” e

“parangolagens”, sem clichê, mas no sentido com que vemos a capa da vida, que não

desfralda plenamente seus tons, cores, formas, texturas, as impregnações dos seus suportes

materiais, senão a partir dos movimentos, da sua dança inquieta e constante, da sua

criatividade, do seu percurso construtivo, divertido e trágico, ao mesmo tempo, sem esquemas

predeterminados, que nos dá sentido ao momento presente, criando laços de amizade, de

amor, de afetividade, fazendo redes e nos fazendo livres; livres porque queremos.

Retomando o caso da visão representacionista, ao conceber que somos separados do

mundo e que o mundo, existe independentemente de nossa experiência, não apenas a teoria

foi convertida numa atividade pura do pensamento, e o teórico, em um mero e desinteressado

expectador limitado a descobrir o mundo tal como “é”, mas também criou um profundo fosso

que separou a ciência da experiência humana. Ou seja, os objetos de estudo da ciência (o

universo da objetividade) se tornaram um “aí ativo”, colocados frente ao sujeito (o domínio da

subjetividade), um elemento passivo no ato do conhecimento. O conhecimento não opera por

representação do mundo exterior, mas está intrinsecamente atrelado ao mundo em relação de

co-especificação mútua: sujeito que conhece e objeto conhecido especificam-se mutuamente,

ou se co-especificam. Consideramos que o representacionismo, com a sua concepção de

mente como “espelho da natureza”, também produziu conseqüências práticas e éticas a

exemplo do que aconteceu com muitas outras posições teóricas. No sentido de serem as

representações mentais concebidas como entidades de existência independentes com respeito

a algo e que ocupam o lugar de alguma outra coisa, de um outro conteúdo, restou ao ser

humano interagir bem mais com representações de coisas e de pessoas do que com objetos e

com seus semelhantes. Deste modo, as representações alcançaram o poder de guiar

comportamentos ou modos de ser, carregando um conteúdo e culminando em um

comportamento como o que subjaz à pretensão de que continuemos convencidos de que

somos separados do mundo, e de que o mundo existe independentemente de nossa capacidades sensório-motoras enquadradas num grande contexto cultural e biológico. Percepção e ação são inseparáveis, operam juntas, e o mundo é recriado por seus acoplamentos estruturais. Assmann (1996) traduziu enação como “fazer emergir”, a partir do espanhol enacção e do inglês enaction. A cognição emerge da presença do corpo, da experiência vivida e da capacidade de se movimentar do ser humano, não podendo ser separada de sua linguagem, de sua história. As ações do corpo, neste lugar, fazem de cada participante um agente de enação. O sistema cognitivo cria, pois, seu próprio mundo, que resulta de aspectos internos preexistentes os quais, mutuamente ou em co-determinação, definem eles mesmos o mundo a ser criado por seu acoplamento estrutural.

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

152

experiência. É ignorada justamente a criatividade e a inventividade humana, que coloca a

própria nanotecnologia como um extra-mundo, um “fetiche insuportável”, extra-humano,

capaz de intervir mais fortemente que o próprio ser humano. O homem, além de resolver

problemas, tem a capacidade de criá-los, e é problematizando o mundo que transforma o

próprio ambiente em que vive relacionalmente. Não está, portanto, à mercê da imposição do

mundo, mas estabelece com ele algo mais que uma interação, uma relação de mútuo

acoplamento, sem considerá-lo como algo predefinido de modo que se limitaria a representá-

lo. Esta relação Foucault já admitia: Haverá coisas, com sua organização própria, suas secretas nervuras, o espaço que as articula, o tempo que as produz; e, depois, a representação, pura sucessão temporal, em que elas se anunciam sempre parcialmente a uma subjetividade, a uma consciência, ao esforço singular de um conhecimento, ao indivíduo psicológico que, do fundo de sua própria história, ou a partir da tradição que se lhe transmitiu, tenta saber. A representação está em via de não mais poder definir o modo de ser comum às coisas e ao conhecimento. O ser mesmo do que é representado vai agora cair fora da própria representação. (FOUCAULT, 2002: 330).

Frente à postura extrema do representacionismo, que afeta sobremaneira a visão sobre

a que veio a nanotecnologia, está o solipsismo que literalmente se esquece do ambiente e se

centra, segundo Varela, nas conexões neuronais. Ocorre um isolamento do indivíduo e da

própria técnica em face do pensar e do agir, a desprezar o lugar que ocupa uma comunidade

social em postular caminhos éticos e regras morais para o convívio em sociedade. Na

compreensão de Apel (1994), o pensamento monológico é a expressão nítida de uma falácia

abstrativa construída nas pretensões particulares de um autor que, por sua vez, compromete o

seu convívio social pelas trágicas conseqüências práticas de sua responsabilidade solidária.

Para alcançarmos novos resultados, que reconduzam às discussões sobre a técnica, não

apenas Maturana e Varela, mas muitos outros autores, cientistas naturais, filósofos e cientistas

sociais89 estão enfatizando a necessidade de que o trabalho científico não deva afastar de suas

preocupações qualquer aspecto da experiência humana e seus elementos constituintes.

Tampouco as questões sobre a experiência subjetiva, os valores imediatos específicos e a

dimensão qualitativa devem ser marginalizados, como se a ciência, embora seja uma espécie

de contraste do “sentido comum” do conhecimento, mas nele busca seu dínamo propulsor

89 Podemos citar: o sociólogo e filósofo Edgar Morin; o filósofo Karl Otto Apel; o sociólogo Zygmunt Bauman; o filósofo e sociólogo Jurgen Habermas; o entomologista e biólogo Edward Osborne Wilson; o filósofo John Rogers Searle; o filósofo, sociólogo e teólogo Hugo Assmann; o filósofo e político italiano Gianni Vattimo; o filósofo, matemático e físico teórico Gérard Fourez; o físico e filósofo Alan Francis Chalmers; o sociólogo Boaventura de Sousa Santos); o físico e biólogo Edoardo Boncinelli; o filósofo e psicanalista Umberto Galimberti; o filósofo Giorgio Agamben; o médico e neurocientista António Damásio; o filósofo da política, Roberto Esposito; o sociólogo, Laymert Garcia dos Santos; o sociólogo do conhecimento Yves Lenoir; o psicólogo e lingüista Steven Pinker, entre outros.

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

153

para seguir em frente, não fosse um trabalho feito por humanos. Trata-se de uma experiência

noutra concepção, no sentido de que fala Walter Benjamin (1984, p. 25), como aquela na qual

somos tocados, de onde saímos transformados. Por isso é que esses autores, que estão

reformulando a discussão, vêm se apoiando em conceitos capturados das ciências naturais e

nos conhecimentos da genética e das neurociências, relacionando-os, de maneira consistente,

com trabalhos pertinentes, mas de outras disciplinas, como psicologia, sociologia,

antropologia, primatologia, lingüística e biologia evolucionista, entre outras.

É neste rumo que o neurologista António Damásio90, na abordagem da natureza do

homem e das regras da vida social, argumenta sobre a necessidade da inclusão das ciências

sociais e humanas ao lado das neurociências e das ciências cognitivas, dizendo que: “Para isto

é preciso empregar uma abordagem experimental ampliada: além das neurociências e das

ciências cognitivas, deve-se levar em conta as ciências sociais e humanas.” Edward O. Wilson

(1999) também considera que a biologia pode preencher o hiato entre as ciências da natureza

e as ciências humanas. Por sua vez, Norbert Elias denuncia a cisão entre ciências humanas e

naturais como produto do desenvolvimento de um conhecimento estanque e particularizado.

Como conseqüência disso, fica mais difícil captar as múltiplas relações estabelecidas entre

homem e tempo. Parece que a ciência ainda carece de instrumentos para captar eventos de

forma processual e interdisciplinar. Elias faz comparações dos modos como diferentes

civilizações determinam o tempo, estabelece funções universais para o modo como esse

coordena as experiências humanas entre natureza e sociedade. Este sociólogo diz ainda que A tendência de cada grupo de cientistas de considerar seu próprio domínio como sacrossanto e como uma fortaleza para proteger intrusos com um fosso de convencionalismos e ideologias comuns àquela especialidade, obstrui qualquer intenção de relacionar as distintas áreas científicas mediante um marco de referência teórico comum. Tal como estão as coisas, é difícil derrubar essas barreiras, quando nos ocupamos do problema do tempo (ELIAS, 1989, p. 110).

Não se pode negar que estas são tarefas árduas, pois, como pondera Ridley (2004, p.

384): “Em vez de um progresso majestoso para o esclarecimento, o século XX tornou-se um

choque de idéias, uma guerra de cem anos entre as forças da natureza e as forças da criação”.

E como estamos tratando de avanços da técnica, em especial, falando de nanotecnologia,

afirmamos uma posição deste autor de que a linguagem e a tecnologia alteraram

drasticamente o destino da espécie, mudando a cada ano, a cada dia. O salto cultural dado,

mas tardio para Ridley (Idem, p. 284) em relação à evolução humana, como num zás foi

90 Entrevista concedida por António DAMÁSIO. Revista: Viver Mente & Cérebro Scientific American Ano XIII Nº 143, dez. 2004 (www.vivermentecerebro.com). Disponível em: <http://www.psiquiatriageral.com.br/cerebro/entrevista_antonio_damasio.htm>. Acesso em: 12 de nov. de 2007.

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

154

mudando o mundo, a vida, sem esperar que os genes a alcançassem. À maneira do pensar

proustiano, os dias, talvez, continuem iguais para um relógio, mas não para o ser humano.

Ridley (Idem, p. 289), em sua tentativa de examinar os critérios sobre a relação entre natureza

e cultura, iluminada por uma linguagem leve, argumentar, que os genes são uma espécie de

“dentes de engrenagem” e não “deuses no céu”, fazendo, por isso mesmo, muito mais que

simplesmente portar talentosas informações, como numa caixinha de surpresa. Os genes estão

abertos à experiência, absorvem-na, intercambiam com ela e até a norteiam; “reagem” a

fatores ambientais e acoplam-se aos mesmos, enfim, nos fazem perceber que o sucesso da

natureza e da cultura não são excludentes, um não implica na derrota do outro. “Não se

‘observa' do mesmo modo um neutrino, um micróbio, uma cratera sobre a Lua, uma nota de

música, um gosto de açúcar ou um pôr-do-sol” (FOUREZ, 1995: 41).

Com base nesses novos posicionamentos, ponderemos que a nanotecnologia deverá

também marcar outras conquistas e transformações na sociedade, assim como outras

inovações anteriores representaram avanços sociais e assinalaram o tempo de determinada

sociedade. Se pensarmos ao modo de Heidegger (BRUSEKE, 2005) a respeito do significado

do “morar”91, que para nós acontece sempre no mundo como um “morar-junto”, junto com

as coisas e com os outros (um dos pilares da ética finitista de Heidegger, que implica grandes

conseqüências para o comportamento social), numa espécie de resguardar-se, “lugar” e

“morar” - o que nos faz pensar no rumo das mudanças que com a nanotecnologia estão

despontando, como a capacidade ampliada de “espaço” na hora de armazenar informações,

que pode encolher a níveis absurdos o tamanho do suporte para gravá-las - , ganham outros

contornos, e consideramos que, no sentido ético, também. Pensando em “lugar” e “espaço”

com a nanotecnologia se torna possível a configuração e a mensuração de grandezas físicas de

diversas naturezas, como as que se referem à idéia de universo que temos e às conquistas

espaciais.

Na vida tem sido assim, temos de fazer coisas a todo o momento, e cada vez que

precisamos tomar uma decisão ou temos que fazê-las, uma dura realidade se impõe a nós,

segundo alerta Galimberti (1999b, p. 38-9): a de que vivemos na ilusão de que controlamos o

futuro, enquanto que é a técnica a forma mais alta de racionalidade e determinante dos rumos

da humanidade. O filósofo considera que não é mais a ética que escolhe o fim e instrui a

técnica a encontrar os meios, mas é a técnica que, assumindo como fim os resultados dos seus

91 BRÜSEKE, Franz Josef. Ética e técnica? Dialogando com Marx, Spengler, Jünger, Heidegger e Jonas Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/asoc/v8n2/28604.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2006.

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

155

procedimentos, condiciona a ética obrigando-a a tomar posições sobre a realidade, não mais

natural, mas artificial, que a tecnologia não pára de construir e tornar possível,

independentemente se a posição tomada seja ou não ética.

Sublinhamos, quando Galimberti fala que o agir se subordina ao fazer pelos ditames

da técnica, que na visão pragmatista-kantiana, assim nos parece, existe um desacreditar da

antecipação de uma teoria ética dogmaticamente construída, senão que concebe que cada um

tem o poder de pensar por si mesmo, com respeito à pergunta sobre como viver. É importante,

então, que busquemos pensar em como podemos impedir que os homens façam tudo o que

puderem desenfreadamente fazer, mas sem a ‘moral da intenção’ inaugurada pelo

cristianismo, nem em termos da razão pura prática de Kant92, ambas (também conhecidas por

deontológicas) sustentadas no lema máximo da ética que é o bem comum e em reflexões

éticas, aptas a asseverar que o homem é o fim último e o maior de todos os valores. Ambas

são ainda baseadas no dever e implicam ações que devemos executar ou não e num agir

moralmente, que equivale a cumprir o nosso dever, sejam quais forem as conseqüências que

daí surgirem. Por sua parte, a ética cristã, sem renunciar ao formalismo, pretende uma

sociedade justa que pode ser realizada somente no respeito pela dignidade transcendente da

pessoa humana, o que representa o fim último da sociedade, em que o Deus legislador é que

decide o certo e o errado. É a caridade que reúne todos os homens e que faz de todos irmãos

entre si dos seus semelhantes. Kant, por sua vez, imputando à razão a capacidade para criar

leis morais de aplicação universal, substitui o Deus legislador da ética cristã pela razão

humana universal. Ou seja, é a razão universal que dita a lei moral. É certo que existem coisas

que são universais à forma humana, atributos pertencentes à nossa essência de seres pensantes

e comunicantes, mas existem também diferenças entre indivíduos. Para ambas, ética cristã e

kantiana, a razão é que comanda o bem, as paixões deveriam ser domadas pelo intelecto por

meio da vontade. Somente conhecendo-se o bem é possível levar uma vida virtuosa e

organizar a sociedade. Esta é a base da santidade cristã e do imperativo categórico kantiano.

92 Em que o imperativo é a fórmula de determinação da ação, e nesse caso ele é categórico por determinar a ação como objetivamente necessária por si mesma, sem qualquer objetivo ulterior que não o respeito à lei prática. A razão prática tem a capacidade de dar-se suas próprias leis, e a autonomia deriva de que aquele que obedece à lei obedece apenas a si próprio, ou seja, é livre. Acaba prevalecendo o “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, 2002a, p. 59), sem se preocupar com a condição individual na qual cada um se encontra perante esse dever. Todos os imperativos derivam do dever e querer que seus efeitos façam parte da natureza, e não na responsabilidade (política) do saber, conforme a qual os indivíduos conduzem suas ações de forma a atender a uma racionalidade dos fins pretendidos, orientando-se para o uso dos meios necessários para alcançar determinado fim.

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

156

Para Galimberti, uma vez que ele se fundamenta no princípio subjetivo do querer sem

propriamente levar em consideração a conseqüência objetiva da ação, porque só quer

salvaguardar a “boa intenção” de que devemos tratar os outros homens sempre como um fim

em si, e não como um meio para qualquer outra coisa, a ética cristã não está à altura do “faro

técnico”. Em outro modo de dizer, a ética cristã não está a altura do fenômeno da ciência

tecnológica, que construiu uma sociedade pragmática e imediatista para decidir as questões

importantes do dia-a-dia. Por ficar de fora uma ética universal e ao mesmo tempo

responsável, não se poderá, então, com a moral cristã e a moral kantiana avançar na discussão

das questões pertinentes à nanotecnologia, que são de interesses de todos, isto é, da

responsabilidade social. Por isso, segundo nos foi possível constatar mediante a preocupação

de Galimberti, elas não constituiriam as dimensões eticamente relevantes.

A ética de responsabilidade, depois de Weber, vai ser retomada com intensidade por

Hans Jonas, com seu Princípio da Responsabilidade, para proceder a uma avaliação crítica da

ciência e da tecnologia moderna. Ela busca mostrar a necessidade do ser humano de agir com

parcimônia e humildade diante do extremo poder transformador da técnica, sobretudo, do que

considera “técnicas extra-humanas”. À luz de seu Princípio da Responsabilidade,

considerando atualmente a importância e contingência dos problemas pertinentes ao domínio

técnico da biotecnologia, da nanotecnologia e da já denominada nanobiotecnologia, que são

inegáveis, revigoram-se as discussões sobre a questão ética, que está sendo catalisadora para

um reexame dos valores humanos e para o reencaminhamento das preocupações acerca de

uma responsabilidade para com o bem comum. Este momento em que parecemos sair de um

torpor paralisante, por ausência de referências distintas das que tínhamos até então, exige uma

nova leitura das relações que se estabelecem entre o ser humano, a ciência, a tecnologia e a

natureza, que torne possível tomar posições éticas que respondam a algumas das interrogações

lançadas, a propósito das novas possibilidades de intervenção da nanotecnologia em vários

domínios da vida.

Apel (Ibid.), que também contribui com suas reflexões sobre a relação entre ciência,

técnica e ética, assinala que existe um novo paradoxo: a carência de uma ética universal

afirmada pela necessidade de manter a sobrevivência da vida humana e da biosfera, diante do

avanço do uso destrutivo da tecnologia. Para o filósofo, há o problema de natureza

gnosiológica quanto à impossibilidade de solucionar racional e consensualmente os problemas

que surgem, segundo o filósofo, tem comprometido as normas morais nas relações entre os

grupos humanos, principalmente nas instituições conservadoras, reclamando uma ética que

Page 158: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

157

atenda à comunidade social em sua globalidade e, ao mesmo tempo, se ofereçam fundamentos

racionais autênticos de uma ética universal responsável. A renúncia da ética universal, para

Apel, é registrada pela neutralidade da ciência-tecnológica em função dos novos instrumentos

da criação humana, que representam maior poder e dominação. Assim é que, com base na

ética da responsabilidade de Max Weber, e acrescentamos, atendendo o que reclama

Galimberti sobre a inoperância das éticas deontológicas, cristã e kantiana, ele propõe a ética

da responsabilidade solidária. Esta visa dar a resposta ao problema do sentido que falta ao

plano da ação moral humana e pelos efeitos do alcance de suas ações em medida planetária,

impondo-se como condição possibilitadora de convivialidade humana. Para nós, Apel tem em

vista ir além do que Hans Jonas almeja (com sua proposta ética basicamente colada à máxima

kantiana, apenas acrescentando o dever de se assegurar o futuro da humanidade) e manifesta a

importância de um novo acordo ético para a construção pragmática e valorativa da

intersubjetividade. Com isso, defende a necessidade de considerar os interesses do outro, o

que obriga a uma descentralização da moral, que passa a ser regida, então, por padrões

intersubjetivos e pelo encontro de estratégias conjuntas que satisfaçam os interesses de todos

os envolvidos.

Quem sabe, não seria assim tão agudo ter que viver e seria sempre mais fácil atuar,

como os animais o fazem com o que comem, sendo, para eles, o mesmo se ali estiver uma

planta, uma galinha, um rato ou um homem; é isto que a nós humanos não passa indiferente.

No mais das vezes, temos a necessidade mais precisamente de medir que de calcular, pois nos

aparenta que estaremos sendo inconseqüentes se não o fizermos, se não medirmos a

conseqüência de nossos atos. É como se alguma coisa tenha valor para nós somente na

medida em que tenha um propósito, um procedimento e um guia de ação, a implicarem a ação

moral quando falamos de ética, falamos dos comportamentos, falamos de alguns valores para

sustentar uma ética humana mesmo quando falamos a ética do cuidado, a ética da compaixão,

a ética da solidariedade, a ética do amor ou da amizade etc., como se existisse um vinculo

irrestrito entre a medida e a ética. Exemplos encontramos, quando dizemos coisas como “na

medida em que suas conseqüências para a evolução da humanidade são dramáticas, a técnica

é um mal”, ou “na medida que ficamos sem o chão da ciência, não existe a possibilidade de

desenvolver uma verdadeira moral para a vida moderna”, ou “na medida que a nanotecnologia

promete algo tão valioso como a imortalidade, ela é um bem”.

Lembramos que esse valor da medida está relacionado com uma noção cunhada no

âmbito do pensamento humano, como meio ou como fim, e se afirmou ao longo dos tempos

Page 159: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

158

como uma das principais chaves de reflexão ética, da forma de viver, conforme muitos dos

obstáculos que temos colocado, com relação à dualidade natureza-cultura. A vida humana tem

sido assim, incluindo sempre algumas medidas como o aumento da responsabilidade, do

poder, do cuidado, da vigilância etc., para a definição de decisões a tomar e distinguir as

respostas a determinadas perguntas persistentes ainda em nosso tempo, que se vinculam ao

que é bem e mal, à distinção entre o certo e o errado, a exemplo das que indagam se o melhor

é o “mais forte”, se o “maior” é o “menos perigoso”, se é “melhor” sofrer uma injustiça que

praticá-la.

Nas nossas expectativas conseqüencialistas, em geral, condicionados que fomos a

esperar por um “fim” em toda ação humana, e indiscutivelmente sempre primando pelos

finais felizes, fomos sacudidos em nossa forma de pensar ao prenúncio dos anúncios de um

fim iminente. Começou-se a falar na ligação de efeito destrutivo entre a biotecnologia e a

nanotecnologia e a dimensão de um mundo pós-humano face a manipulação da existência

com a morte do orgânico pelo domínio dos artifícios técnicos (FIMIANI et al., 2004), na

técnica como condição de “fim da história”, de supressão de tudo e “fim do ambiente

universo”, no “fim do homem” (GALIMBERTI, 2003), na negação contemporânea da

natureza humana, e também na refutação da cultura como moldadora exclusiva da mente.

Nada é muito prazeroso nem há promessas de felicidade. Constatamos, então, no rumo dessa

ordem de “tragédias” conseqüencialistas, a necessidade de tomarmos uma tarefa ética: a de

averiguar posições teóricas, abordagens críticas e pontos de vistas distintos, e suas influências

identificadas com as principais correntes de pensamento, tendo em conta que muitos dos que

estão à frente do debate em torno da nanotecnologia, agem como agentes de transformação e

contribuem para elucidar ou não alternativas de mudança. À medida que avançamos por esse

caminho, somos sendo bombardeados por uma série de questões que, se estavam

adormecidas, abruptamente despertaram como que de um período hibernal, sequiosas por

respostas. Perguntas como: O que é a vida? O que é a realidade? Quem somos nós? O que

nos faz humanos? O que é a vida?, e temáticas como “técnica e biopoder”, “dilemas éticos,

morais e culturais ocasionados pela técnica moderna”, o “futuro da natureza humana”,

“dicotomia natureza e cultura”, entre outros, colocaram para a nanotecnologia a necessidade

de uma ética.

Conforme já evidenciamos, as pesquisas em nanotecnologia estão sendo apontadas

como mais um dilema moral, já que seu uso pode trazer “conseqüências” profundas para a

humanidade e para o planeta, como um dos destinos que vem sendo traçado para a

Page 160: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

159

nanotecnologia em coerência com o que propõe a razão instrumental, o agir para

determinados fins. Ciência e tecnologia sempre produziram legitimamente um certo temor,

não só por representarem o aumento brutal dos poderes do ser humano, mas o colocarem na

condição de objeto passivo a cargo do próprio desenvolvimento tecnológico, como se tem

presenciado nas críticas às experiências genéticas e as vinculadas à reprodução, mais recentes.

A nanotecnologia não foge à regra. O desafio tende a persistir: os profissionais que trabalham

com as Nanociências apostam que estas devem se firmar como um dos principais campos das

Ciências Naturais e que a nanotecnologia vai revolucionar a forma com a qual serão

projetados inúmeros produtos. Há alguns atores sociais que assumem a incerteza como uma

desesperada, mas lúcida atitude; outros ostentam uma hostilidade cega à técnica misturada

com intensificado e neurótico temor ao do agir com efeitos. Para muitos, que estão

acompanhando mais de perto o desenrolar do tapete nanométrico, estão se estruturando ações,

práticas e instituições orientadas para a obtenção de fins egoístas próprios de interesses

particulares, tal como os de egoístas ou de altruístas éticos, sob um aspecto estritamente

utilitarista, na justificativa dos fins pela ação dos meios. Luc Ferry (1993) nos alerta para o

fato de como a atenção às conseqüências diretas e indiretas da técnica pode ceder espaço a um

fundamentalismo romântico contra a mesma técnica. Tem-se mostrado tensões entre as partes

afetadas, com negociações quase sempre muito difíceis, pois estão em jogo visões de mundo

sobre o potencial caráter de ameaça que a nanotecnologia representa, como as que têm sido

apontadas, apenas para exemplificar, pelas ações do ETC Group canadense, pela

RENANOSOMA, no Brasil e em eventos ocasionais que têm acontecido com mais

freqüência, citando o Fórum Mundial.

Em meados do século XIX, com Marx, o darwinismo, Nietzsche e Freud, entre outros,

iniciou-se certo declínio da discursividade emancipatória do iluminismo, que constituiu o

ponto fulcral de um projeto moderno de justiça e liberdade universais. Condicionado à

determinação racional dos fins (como a efetivação de valores julgados belos, justos e

verdadeiros), este projeto visava todos os homens, independentemente das fronteiras

nacionais, étnicas ou culturais, e a techne aparece como um meio instrumental ao serviço da

realização dos fins humanos, um meio como forma finita para satisfazer uma necessidade bem

próxima e definida. Diante do quadro que se nos descortina agora, parece que estamos

vivendo o estado terminal desse projeto inconcluso, ou pelo menos este se encontra de mãos

dadas com transformações notórias. Apel (Ibid.), por exemplo, considera que nenhuma moral

em particular está em condições de responder ao problema da técnica e, para outros, nem de

Page 161: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

160

cumprir suas promessas e expectativas de benefícios ímpares para a humanidade.

Julgamos aqui interessante recorrer a Boncinelli. Em seu último livro “Il male. Storia

naturale e sociale della sofferenza” (2007), em que trata da história natural e social do

sofrimento, considerada sua grande experiência de físico dedicado por anos ao estudo da

genética e da biologia, Boncinelli faz reflexões mais amplas encarando o problema do Mal,

conjugando caráter psicológico, sociológico e caráter ético. Explica que o tema foi durante

muitos séculos apreendido pelos filósofos, como se em verdade não interessasse ao cotidiano

de cada homem. Por esta razão, o autor em questão decide enfrentá-lo de um ponto científico,

colando-o no mundo real, longe de sínteses estreitas e banalizantes ou especulações

acadêmicas, concentrando-se no que é o ser humano por admitir que na natureza humana é

que está a chave para a compreensão do Mal. Boncinelli argumenta que o homem

coletivamente chama “Mal” a um certo número de várias coisas: à doença, à consciência da

morte (recentes estudos de etologia animal mostram que o sentido da morte não é prerrogativa

somente do homem93), à tristeza, ao temor, à ansiedade, à inquietude, à preocupação, aos

problemas, ao desejo insatisfeito, à perda, ao sentimento de angústia, à percepção de maldade

e de inveja... Em todo o caso, depois de suas últimas revisadas nas várias formas do mal,

buscando assumir uma distância essencialmente literária ou da filosofia do cotidiano, o autor

enfrenta a origem da diferença entre isto que é o Mal e isto que esperaríamos que fosse o

Bem, esboçando uma excelente apreciação a respeito. Em sua natureza, o mal e o bem não têm

para o autor nenhuma razão de ser e são dois modos nossos, isolados, de ver a mesma

realidade ou verdade.

Boncinelli oferece também contribuições fundamentais para a compreensão dos

mecanismos biológicos do desenvolvimento embrionário dos animais superiores e do homem

isoladamente, em um ponto de vista biológico, querendo dizer com a biologia do animal-

homem que este é um animal absolutamente particular, cerebralmente muito desenvolvido e

que tem entre outras uma cortesia, uma consciência de si e uma linguagem loquaz. Mas as

ciências da vida, a biotecnologia, a neurociência, abrem hoje perturbadores cenários de crise e

sugerem pensar no inevitável entrecruzamento, nunca visto, do biológico e tecnológico, a

exemplo do que é possível evidenciar em nosso próprio corpo (Ver figura 20).

93 A consciência da morte é a mesma entrelaçada à vida e é inerente ao ser humano. Observações sobre os bonobos, chimpanzés que vivem na floresta da Costa d'Avorio, na África, são um exemplo de sentido da dor e de cura pelo corpo de um companheiro morto (Christophe Boesch ed Hedwige Boesch-Ammerman, 1989).

Page 162: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

161

Figura 20: Pós-Humana? Mãos da pesquisadora, em que aparecem os resultados do uso com o mouse do computador (provavelmente incorreto e descuidado), que se pode observar na envergadura do dedo mínimo da mão direita e na calosidade perto do punho, no mesmo braço, pela forma de apoio da mão no uso do mouse.

Fonte: Acervo da autora, 2007.

A aproximação com a arte, como techne, nos parece estar bem presente na trajetória

que a nanotecnologia vem desenvolvendo, sobretudo como é evidenciado em trabalhos de

artistas plásticos, a exemplo de Eduardo Kac e Nancy Nisbet. O primeiro, natural do Rio de

Janeiro, é considerado um dos pioneiros em arte digital e biotecnológica, incluindo, em suas

obras, experimentações com materiais biológicos e, recentemente, vem se dedicando à arte

transgênica, unindo a engenharia genética à criatividade artística. A segunda, artista

canadense que trabalha com arte visual e fotografia pesquisa os relacionamentos mediados

pela tecnologia. Especificamente, Nancy investiga identidade: como algo pode mudar quando

é representado online, e como o online pode mudar identidade corporal. Seu trabalho mais

expressivo é marcado pela implantação cirúrgica de dois microchips de “identidade” em suas

mãos (uma inspiração a partir da guerra dos Estados Unidos e aliados contra o Iraque e seu

clima de terror). Os microchips servem como marcadores de duas identidades distintas,

rastreando cada versão enquanto online. Este projeto investigativo inclui a consideração das

mudanças entre identidades de trabalho e jogo, e também se aproxima de edições tecnológicas

culturais de vigilância e privacidade, incorporando temas compartilhados com sociologia,

psicologia e antropologia. Muito do trabalho da artista é considerado político, tecnológico e

pessoal, especificamente, abordando os meios de comunicação em suas misturas de edições

de poder, economia, e vigilância e suas influências culturais em divertimento/lazer, identidade

e comunidade.

Discutir o novo sujeito, se é “homem-máquina”, “pós-orgânico”, “pós-moderno”,

“trans-humano”, “cyborg” e outras classificações do gênero, busca lançar a necessidade ético-

Page 163: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

162

política de discutir na verdade o homem, a natureza e a cultura, que sirvam para oportunizar

reflexões sobre o uso utilitário da vida, como podem fazê-lo as imagens apresentadas na

Figura 21. As estratégias incluem a atenção aos temas da cura, do cuidado de si e do auto-

domínio, ao governo da paixão, assim como aceleram ou radicalizam interrogações para

repensar o ser humano e construir práticas, eticamente e politicamente intencionais, de um

novo laço social.

Julgamos que tais considerações procedem para que nos situemos ante a pergunta

sobre a importância de uma reformulação que o assunto técnica moderna exige face ao

relacionamento existente entre a nanotecnologia e a técnica, com apelos associados à oposição

persistente ainda entre o bem e o mal, vencedor e perdedor. É importante ressaltar que ter

chegado a este patamar de considerações, nos trouxe à tona questionamentos que não haviam

emergidos no início da pesquisa e que acabaram surgindo quando a pesquisadora identificou o

problema que desejaria pesquisar, bastante relacionado ao vínculo existente na sociedade

entre nanotecnologia, benefícios e riscos e questões éticas pertinentes.

Figura 21: O homo da mecânica. Exposto no monumento em frente ao Terminal Rita Maria, em

Florianópolis/SC, e o modelo que vislumbra o invólucro pós-orgânico em vitrine de loja. Olhando para ambos, cabem as perguntas: É natureza ou técnica? É natureza ou cultura?

Fonte: Acervo da autora.

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

163

Alguns subsídios para o alcance de tal orientação parecem estar claramente expressos

em referências comumente feitas quando em alusão a uma sociedade nanotecnológica em

evidência. Julgamos ser o caso do que é dito sobre o desenvolvimento da nanotecnologia a

partir de sua inserção na série de ondas de inovação como verdadeira ‘revolução tecnológica

invisível’ em cujo caráter subjaz ainda a recorrência ao darwinismo evolucionista. Pode ser

que se trate de uma válvula de escape, com vistas a justificar a edificação de uma nova razão,

indispensável para o avanço de soluções nanotecnológicas, o que é bastante evidente nos

pesquisadores envolvidos com tecnologias contemporâneas e futuristas ao apresentarem uma

relação inusitada com a biologia no que se refere à manipulação da matéria viva e mineral, ao

nível molecular (ANDERAOS, 2006). Diz Cylon Gonçalves Silva (2003, p. 12):

A Biologia Molecular é umas das tecnologias que, hoje, se encontram sob o “guarda-chuva” da nanotecnologia. A vida é a primeira, e ainda imbatível, nanotecnóloga. A maneira pela qual organismos vivos integram processos nanotecnológicos, da escala atômica ao DNA, do DNA à célula, desta aos órgãos dos organismos multicelulares e destes aos indivíduos (possivelmente, também, em um nível ainda mais elevado, dos indivíduos às espécies), são de fazer inveja a qualquer aspirante nanotecnólogo humano. Darwin, com a teoria da evolução por descendência, descobriu a maneira pela qual os processos nanotecnológicos da vida interagem com o meio ambiente e entre si para produzir a imensa variedade do mundo orgânico. A forma pela qual um organismo vivo se replica e se desenvolve, a partir de uma “semente” de dimensões nanometricas, que ainda estamos aprendendo a conhecer, consiste em um paradigma de manufatura distinto daquele das nossas fábricas da Revolução Industrial.

Falar de uma “técnica”, situada num limiar para além do bem e do mal e longe dos

dilemas referentes aos meios-fins instrumentais, é para nós o mesmo que não poder conhecer

por que existe o mal e o bem no mundo, nem como a nanotecnologia põe-se (ou não) como

problema em sua relação com o mal ou numa outra dimensão conceitual. Ora, a noção de

“bem” e a noção de “mal”, seus significados e representações, é uma questão sempre presente

que ganha, na contemporaneidade, novos e desafiadores contornos. Afinal, o homem alcançou

uma noção de escala nanométrica das coisas ou uma referência da sua magnitude, que remete

ao próprio esforço tecnológico de ‘miniaturização ao extremo’ da existência ou ao científico

de ‘reorganização’ da vida a partir da intimidade da matéria, ao nível atômico, com o intuito

de modificá-la. Acrescentamos com veemência, a escolha do tema representou uma

oportunidade ímpar, uma ocasião formidável para interrogarmo-nos sobre a nanotecnologia,

sobre o seu sentido, a sua evolução, as suas implicações e, se possível, para devolver e

instigar tais interrogações ao debate público.

Isto abre espaços para sabermos com mais clareza, por exemplo, o que queremos dizer

quando dizemos: as nanopartículas são perigosas, ou as nanopartículas não são perigosas?

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

164

Vem para cada um de nós o momento em que devemos nos pronunciar sobre esse “é

perigosa” e esse “não é perigosa”, que não se referem a alguma certeza, nem a alguma

capacidade específica que já se têm pronta, mas que, contudo, nos empenham e nos põem em

jogo inteiramente. Estes dizeres “é perigosa” e “não é perigosa”, são afirmações que ainda

nada significam se não nos põem imediatamente frente à experiência talvez mais exigente – e,

todavia, imprescindível – a de que nos seja dada a condição de medirmo-nos e medir todas as

conseqüências desse nosso dizer. Nietzsche (2001) tentou ultrapassar a questão bem x mal

reduzindo a distinção à questão do conhecimento, pois o conhecimento não está no mesmo

nível do instinto, numa visão nietzscheana, é traduzido por impulso, vontade, mostrado como

uma força mais possibilitadora na definição do homem. Para o filósofo, foi com Sócrates que

se estabeleceu a distinção entre dois mundos, quando opôs essencial e aparente, verdadeiro e

falso, fazendo da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores

“superiores” como o divino, o bem, o verdadeiro, o belo, num sentido moral. A partir daí

gerou-se a hipertrofia da razão pela inversão de valores, abalaram-se as estruturas morais e

relativizaram-se as estruturas do bem. Em seu espírito livre quanto à sua natureza criativa,

muito mais vital, espiritualizada e verdadeira para Nietzsche que a rousseauriana e a

goetheana, o homem munido tecnicamente é tanto mais forte e menos ordinário e preguiçoso,

ao não renegar aquilo que tem de impulsivo, perigoso, destrutivo, repulsivo e condenável.

Explicando mais, o homem rousseauriano, é o homem da natureza, de razão prática; o homem

natural representa a humanidade naturalizada, renovada e revitalizada, através da

emancipação das amarras da sociedade e da restauração dos básicos instintos. Rousseau

distingue o homem como deveria ser (instintivo, independente e ocioso por natureza), do

homem em que se transformou pela evolução dos tempos devido a mudanças exteriores e ao

progresso natural do homem (civilizado, agitado, trabalha até a morte, cheio de vícios...). Já o

homem goetheano, surge como potência individual, tensionado pela atividade vital, intensa na

luta por sua por sua felicidade e integração social; é a imagem da humanidade contemplativa,

cultivada e sofisticada, capaz de capaz de conter os rudes impulsos sensíveis, mas separada do

envolvimento ativo na vida. É, pois, o fio condutor, mas não mais o centro da vida, um, entre

tantos outros agentes, e o produto final não deriva de sua ação exclusiva, nem indiretamente.

Goethe teria inspirado Darwin, quanto a conceber a diferença fundamental entre o homem e

os outros animais como de índole espiritual, quando o cientista descobriu o osso intermaxilar

no crânio humano, que indicaria um parentesco entre o homem e os outros animais. Para

Goethe, a ideia do homem como um ser racional capaz de conhecer o ser racional do mundo,

Page 166: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

165

é, consciente ou inconscientemente, base de pensar da maioria dos grandes filósofos.

Mas é importante destacar que o filósofo assim o pensa, desde que seja também maior

a quantidade de impulsos que o homem consiga acolher, manter sob o seu próprio domínio,

pois é exatamente o que consegue acolher o que não é condenável do ponto de vista moral,

para não cair no extremo do perigo oposto, de uma espécie de libertinagem completa, com

total ausência de domínio, o que podemos relacionar ao dizer de Goethe (Apud MONTEZ,

2004): “Nós talvez sejamos, juntos com poucos, os últimos de uma época, que em breve não

retornará”.

Analisando as contribuições de Nietzsche, sob outro aspecto, dizemos que a

concepção ética implicada com o impulso ao conhecimento, ao viver e querer uma coisa tão

intensamente a ponto de desejar que ela retorne eternamente, sem um estado terminal que

compreende o universo dotado de uma finalidade (um fim a ser alcançado, próprio da visão

teleológica), é pertinente a este filósofo, é sua criação original. Embora, contrariamente ao

que o homem vive hoje com as técnicas planetárias e extraterrestres, Nietzsche reforça que a

ciência do homem não deve se afastar da vida terrena, do cotidiano dos indivíduos que vivem

numa cultura psicológica, modo de ver esse que inspirou Peirce no seu realismo indissociável

do seu pragmatismo, vendo a ciência decididamente como empreendimento social e que ele

definiu de modo genérico como a busca constante, dedicada e ponderada do conhecimento.

Este modo nietzscheano de conceber a ciência acolhendo a vida, conciliando-se com o acaso,

foi interessante também para o fortalecimento dos neo-pragmatistas e, o mesmo deve ter

representado para Galimberti (2003), que pensa que tudo o que nos foi encaminhado ao longo

da vida, em termos de sentimentos e percepções, se tornou insuficiente no novo cenário

técnico ao ponto de nos tornarmos verdadeiros “analfabetos emocionais”, diante de toda a

irracionalidade que brota da perfeita racionalidade da organização técnica, para o filósofo

desprovida de qualquer sentido reconhecível para nós (e lembramos aqui da nanotecnologia),

a necessitarmos de uma extensão psíquica capaz de compensar as nossas insuficiências

atuais, a contarmos com uma nova psicologia que nos permita, se não dominar a técnica, pelo

menos não sermos por ela dominados.

Seguindo por essas discussões, o desafio que a nanotecnologia representa parece não

se restringir ao retorno da cisão natureza-técnica, mas do próprio vir de novo da técnica, como

expressão do diverso da natureza, concedendo ao homem uma nova idéia, uma nova visão que

o permita diminuir sua limitação em relação ao conhecimento da natureza que ele mesmo é.

Passa a contar com dispositivos de dimensões nanométricas (dimensão que existe na

Page 167: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

166

constiuição dele mesmo, como nas suas moléculas, no seu DNA, no seu cromossoma, em

seres com que convive etc.), mas que dependem inteiramente não apenas do fato de que o

objeto apareça também para os outros e seja por eles reconhecido, mas que o seja para si

mesmo, o que pode chegar a constituir-se.

Neste aspecto, segundo Varela (Apud GUZMÁN [s.d]), a consciência inteligente

requer que, até nos atos mais espontâneos, o experto em ética seja capaz de fazer-se

consciente e de reelaborar esta consciência. Inclusive, é necessário que o faça para ser

também capaz de dar justificações a posteriori para seus atos, transitando por um lado, entre a

sabedoria como uma expressão meramente espontânea na qual não intervém a razão (e o

cosmos possa não ser visto como um depósito de matéria inerte, disposta a bel-prazer à

simples manipulação) e noutro extremo, com o pensar que se deve guiar tão somente pelo

cálculo racional acerca de objetivos e meios.

Não podemos esquecer como bem nos lembra Galimberti (2003, pp. 474-487), que a

técnica como acostumamos a pensá-la segundo critérios de funcionalidade e de eficiência –

mero instrumento à nossa disposição – se tornou faz tempo a natureza em nosso entorno,

constitui hoje todo o ambiente em que vivemos, estando nós subordinados aos requisitos das

necessidades do aparato técnico em seu caráter absoluto, logo, que já decide por nós. Ainda,

no rumo do pensamento deste filósofo a técnica por si mesma não tende a ser uma meta, não

promove um sentido, não abre cenários de salvação, não redime nem revela verdade alguma,

ela funciona. E por funcionar, de modo geral muito bem, acrescentamos, tanto é que suas

operações passaram a alcançar um nível mundial, Galimberti nos alerta de que é preciso, em

face desse “poder” que detêm as chaves para quase tudo da vida, rever os conceitos de

identidade individual, liberdade, salvação, verdade, significado, finalidade, e também os de

natureza, ética, política, religião, história, que até então se nutriam de um ideal humanístico e

agora, devem ser reconsiderados, desclassificados ou refundados em suas raízes. Ora, no meio destes perigos da nossa época, quem então doravante consagrará seus serviços de sentinela e cavalheiro à idéia de humanidade, ao tesouro do templo sagrado e inatingível que as várias gerações pouco a pouco acumularam? Quem erguerá ainda a imagem do homem, se todos só percebem neles o verme do egoísmo e um medo sórdido, e se desviam tanto dessa imagem, que acabam caindo na animalidade, ou seja, numa rigidez mecânica? (NIETZSCHE, 1990, p.168).

Se tomarmos em conta apenas a complexa realidade em que se afirma que a

nanotecnologia é essencialmente ambígua, que os produtos nanotecnológicos podem ser

desenhados para bem ou para mal, e podem ser usados com fins nobres ou com objetivos

perversos, nada estaremos nos dizendo, porque o mal e o bem são afirmados em relação a

Page 168: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

167

quê? Não é nada fácil para o homem, pois, dizer não a si mesmo. Para tanto, é preciso que ele

observe a si mesmo enquanto observa a nanotecnologia. Esse passo é fundamental, pois

permite compreender que há um liame profundo entre o observador e o observado (entre o ser

humano e o mundo), não havendo nem hierarquia nem separação. Sem esse reconhecimento

tácito dos outros, o homem não é capaz nem mesmo de ter fé no modo pelo qual aparece, já

que a vida do ser humano é um esforço constante de definição de si – face a si próprio, face

aos outros, face ao mundo. O homem sente necessidade de compreender o que se passa à sua

volta, do átomo à galáxia, ainda que nunca chegue a ver, com os seus olhos nus, aquele nem

esta. Esta limitação do homem é, no fundo, uma condição necessária para se transcender

enquanto ser situado, para especular além dos dados que lhe são fornecidos.

A irrupção da nanotecnologia, em seu poder atômico-molecular, pode representar, por

isso mesmo, uma espécie de evento mutante que desestrutura conceitos como os de indivíduo,

identidade, liberdade, sentido, e também os de natureza, ética, política, religião e história,

entre outros, cujas novas posições ficam inconciliáveis com as que dispomos hoje, além de

reavivar o vínculo entre política e vida, que se tornam de tal modo entrelaçadas e, segundo

Esposito (2004), desatar esse nó que as une é ainda impossível. Constatamos que a ‘vida’ e a

‘morte’ vêm a depender, de modo evidente, de um saber técnico, que é o da medicina com

seus suportes técnicos, biológicos, químicos, nucleares, engenharísticos, estatísticos,

farmacêutico etc. Ambas, ‘vida’ e ‘morte’, passando gradualmente de uma dimensão natural a

uma outra, e se é a tecnologia clínica, que decide, divide, analisa e segue seguindo as novas

técnicas, onde está o poder de decisão?

Se existe uma grande precisão no modo de mexer na estrutura mais íntima da natureza,

da vida, advindo novo conhecer - ou seja, o nanotécnico -, muda ao mesmo tempo a extensão

do conhecimento do ser humano urgindo uma nova politização dos mesmos conceitos de

‘vida’ e de ‘morte’, uma vez criado um mundo com características determinantes que não

podemos nos esquivar de habitar. Com esses caracteres, a nova técnica nasce não como

expressão “do espírito humano”, mas com uma nova face ‘abiológica’ que supre e cura a

própria insuficiência biológica do humano. À diferença do animal, que vive no mundo

estabilizado do instinto, para ir além da deficiência de seu aparato instintual, o homem só

pode sobreviver graças à sua ação, recorrendo aos procedimentos técnicos. A técnica, por

isso, pode estar mudando o que entendemos como “a essência do homem”, não só por aquilo

que ele conquistou fora do seu biológico e instintual que o categorizam como um ser

sobrevivente e foram se tornando limitados na medida em que o ser humano começor a mexer

Page 169: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

168

e a remexer em si mesmo, por fora, em seu interior, no muito distante de sua escala (com o

poder de alcance espacial extraplanetário e o intracorpóreo da técnica moderna). Também a

técnica, pelos procedimentos técnicos mais avançados, pode estar mudando nossa visão

quanto ao que pensamos sobre termos nos tornado capazes de alcançar culturalmente uma

estabilidade maior que o animal possui em relação à natureza e mais: termos sido capazes de

destruir a natureza, como uma criança quando quebra em pedaços um brinquedo, mas também

de reconstruí-la, recriá-la, continuá-la.

Refletir sobre o mal que pode estar relacionado à nanotecnologia é também prospectar

os atos dos homens e as relações que se estabelecem com a nova técnica não apenas neste

âmbito restrito, mas, em uma escala maior de relações, que é a correspondente a tudo o que

diz respeito ao Universo e a todos os seres que nele convivem. Esta é uma razão pela qual o

problema da justificação dos atos humanos, enquanto problema social e político, é tão

importante quanto impossível de ser deixado em desleixo, neste século.

À medida que se diversificam as técnicas, com a manipulação de objetos e materiais

em escala molecular, que surgem junto com outras tecnologias das áreas de fronteira/, como a

biotecnologia, a tecnologia da informação e as tecnologias originadas a partir das ciências

cognitivas, a nanotecnologia tem sido apontada como uma das tecnologias que abre caminho

para novos paradigmas de pesquisa cientifica. Uma vez que visa também suprir falhas e

aperfeiçoar a espécie humana e frente às conseqüências da aproximação destes benefícios,

numa referência ao fato de que, por meio de sua aplicação se poderá corrigir muitas

disfunções e em decorrência aprimorar funções consideradas normais, apesar de que isto

possa representar inéditos e vertiginosos triunfos da vida, resistências são registradas.

Mas surgem também objeções éticas utilitárias quanto aos imensos riscos da

manipulação da matéria pela nanotecnologia; não só tem sido ventilada a hipótese de uma

suposta liberação do Homo sapiens da herança de seu passado evolucionário, como se fala no

fim da espécie. Pensamos, porém, que os embates surgem do mesmo modo que acontece

quando existe a condição da novidade técnica em si, à falta de referências ou quando as

normas da obrigação se dissipam e certos valores se depreciam, esfumam-se no ar, ficando-se

à beira de um ‘não saber para onde ir’, diante de tantos desmoronamentos de coisas com que a

vida já se acostumou. Outros clamores há a respeito desta questão, face ao quadro que

demonstra uma explosão hedonista da técnica, com todas as promessas da nanotecnologia, de

conquista de prazer, luxo, facilidades, supérfluos, desejos ávidos e descontrolados, a imporem

a urgência do repensar ético, porque já não se trata de um simples instrumento, um mero

Page 170: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

169

prolongamento da mão humana, mas de algo que está para fazer germinar um mundo à parte,

a arquitetura de uma outra e estranha realidade, contando as teses que se baseiam nas mais

recentes pesquisas, da biotecnologia à nanotecnologia e suas previsões que utilizam modelos

matemáticos capazes de projetar para o futuro as mesmas taxas de miniaturização de componentes

eletrônicos e tudo o que é prório de um ser, a ser transformado em dispositivo técnico, a exemplo

da ‘língua eletrônica’ e do ‘nariz eletrônico’, mostrados ns Figura 22.

Figura 22: Língua eletrônica e nariz eletrônico. No primeiro campo, a imagem da “língua eletrônica”. Fonte: EMBRAPA/SBPC/Labjor (Brasil). Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano03.htm> Acesso em: 22 de março de 2007. No segundo, o denominado “nariz eletrônico”, um sistema olfativo semelhante ao nariz humano, apontado até como melhor do que o mesmo. O nariz eletrônico tem por base os receptores olfativos naturais, e seu uso reserva-se a uma ampla gama de setores, da medicina à agricultura, passando pela indústria e pela proteção ao meio-ambiente.

Fonte: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA. Disponível em: <http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010165060518>. Acesso em: 18 de maio de 2007.

A manipulação técnica molecular sinaliza para uma nova organização do mundo, uma

maneira de ser, um universo, e não somente um conjunto de procedimentos decorrentes de um

conhecimento das leis científicas. Este procedimento faz apelo a uma reformulação da ética

em torno de novos princípios e a uma nova teoria da responsabilidade, porque não é um

simples acontecimento que possa ser inspirado em valores ditados por uma tradição

dominada, incapaz de responder a muitas indagações de ordem mais recente, como as que

exigem respostas imediatas: o aborto, a eutanásia, o descarte de embriões congelados, a

própria nanotecnologia. Em geral, para tais assuntos a justificativa moral é a que gira em

torno de princípios ético-morais que conflitam entre si e divergem abertamente, gerando uma

disputa acirrada pela hierarquia deles. Em nossa caminhada, tanto ouvindo palestras como

ministrando aulas, e também lendo artigos publicados, a respeito da nanotecnologia, nos

deparamos muitas vezes com questões de forte teor de receio, como nas perguntas: A

Page 171: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

170

nanotecnologia vem para melhor ou para pior? Que riscos o desenvolvimento da

nanotecnologia pode provocar para o homem e a natureza? Quem serão os responsáveis pelo

espaço aberto e o território fechado na escala da nanotecnologia? A nanotecnologia deve

oferecer perigos que podem até mesmo extinguir a vida na Terra? Como será a situação do

material nanotecnológico em relação à sua deposição no ambiente, à sua decomposição? E

outras mais. Estas perguntas trouxeram para nós a convicção de que a nano tem pela frente

um longo percurso de respostas a dar, ainda.

Todas as vezes que o homem encontra um dilema, o que surge de imediato são os

valores pró ou contra que vão determinar a sua escolha. Mas, em meio ao atirar fogos para lá,

para cá, questionamos: trata-se apenas do adeus à velha ética, que pregava uma conduta

irrepreensível, um comportamento perfeito na sociedade em que todos os componentes

negativos que não fossem valores positivos do ser humano deveriam ser reprimidos ou

suprimidos? Ou se está ciente de que os caminhos da ética são muitos e diferentes e por isso

se vive uma total desmedida do mundo, exatamente porque nos sentimos todos “fora de

medida”, como se não soubéssemos viver sem uma? Afinal, a vontade de “medir” está desde

muito tempo na base de nosso pensamento? Será que as estratégias de exteriorizar o mal, isto

é, de jogá-lo para fora do instinto, da razão, da consciência e da moral humana, representam

um subterfúgio para “tirar o mal do homem”, ou seja, para dizer que este por si não é mau,

mas poderá sê-lo, caso acometido por uma entidade maligna? É a nanotecnologia da ordem de

uma entidade maligna?

Chegamos num ponto que desejávamos. Já faz muitos séculos que se mede e se fala

em números e cálculos, não apenas no campo das ciências exatas, mas no das ciências sociais

também. Em ambos é possível de se separar, classificar os homens na maneira de aferir os

resultados, como se faz também usando soluções padrões nas relações entre a história da

estatística e matemática e seu uso pela biologia e psicologia. A medida e os números têm,

pois, um fascínio e uma força difícil de questionar numa sociedade tecnológica como a nossa.

No entanto, é preciso coragem e ousadia para sempre recomeçar, para sempre ter que mexer

em questões que desde os mais antigos filósofos, no que se refere à complexidade da noção de

realidade, à nossa relação com a mesma, à natureza, a vida e aos valores que intrinsecamente

ela aspira. Entendemos que não apenas precisamos nos aproximar da questão do “bem

humano” enquanto expressão do bom como felicidade, talvez, para nós como confiança em

continuarmos nosso viver.

Levando em conta que a ética tradicional enfatiza a conformidade com padrões

Page 172: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

171

idealísticos do bem e do mal, ambos como idéias diametralmente opostas e aqueles que em

geral têm alicerçado até agora a própria compreensão das coisas, para nós é importante

apreender de forma mais clara como o mal e o bem, o certo e o errado, o risco e o beneficio

ou a vantagem, engendrados a partir da nanotecnologia e com suas implicações no campo

ético, está sendo administrada, calculada, gerida, regrada e normalizada com referência à

conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista da sociedade, em especial,

colhendo nossas informações de cidadãos brasileiros.

A partir da análise de concepções éticas contemporâneas em que gravita

preponderantemente a ética que se ocupa de temas como a nanotecnologia, e em suas

respectivas comparações, revendo um pouco da sua história particular confrontando com a

realidade de hoje, nos foi possibilitado reafirmar a necessidade de alargar e abrir espaços de

discussão que possam nos capacitar mais adequadamente a integrarmos as nanotecnologias

com a compreensão de suas condições potenciais e limitativas, já que é considerada

atualmente a mais radical ação humana, na infindável perseguição do obrar da existência.

O questionamento ético da nanotecnologia consiste numa problematização, que é um

de seus fundamentos, e tem conduzido diretamente a discussões filosóficas, sociológicas e

políticas contemporâneas, por não ter esta técnica surgido repentinamente, mas, ao contrário,

se constituído em relação a uma série de desenvolvimentos tecnológicos precedentes.

Lembramos que impasses dessa ordem também ocorreram após a Segunda Guerra Mundial

(1939-1945), em que tomou corpo a “ética para a tecnologia”, incluindo cientistas e filósofos,

que passaram a se preocupar com os efeitos, nem sempre favoráveis, do uso das modernas

tecnologias. A aplicação da energia nuclear, a constatação da contaminação ambiental, as

inovações e manipulações biotecnológicas e as tecnologias contemporâneas de informação e

comunicação, deram e ainda dão lugar à reflexões, a análises e a considerações que têm tido

ampla repercussão em torno à possível “negação contemporânea da natureza humana”

(PINKER, 2004), derivada do modo mais radical de pensar o problema da técnica que

efetivamente rege o mundo, os indivíduos, a identidade, a liberdade, a natureza, a ética, a

política, a religião e a história (GALIMBERTI, 2003).

Estamos cientes de que já faz algum tempo que os avanços tecnológicos, como

também os científicos, requisitam freqüentemente intervenções na vida humana no sentido de

regulamentar as pesquisas, como está acontecendo com as células-troncos, com os

transgênicos, no campo da biotecnologia e, mais recentemente, da nanotecnologia. Estamos,

porém, vivendo um momento em que não existem normas de regulamentação precisas e claras

Page 173: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

172

para avaliar o que representam os novos produtos em escala nanométrica, nem está

devidamente elucidado se, em relação ao futuro, poderá ou não existir espaço próprio para

outras técnicas de dimensões surpreendentes.

Não obstante se reconheça que a pergunta pela vida representa na história da

humanidade um antigo, longo e interminável questionamento, desde há muito determinada

por um valor que diz respeito ao ser humano e ao significado de sua existência, justamente na

condição em que se interpenetram profundamente técnica e natureza, no âmago molecular e

de forma cada vez mais indiferenciada, passou a se constituir alvo inédito de preocupação

nada menos que a inteira biosfera do planeta como também o mais minúsculo ser que o olho

nunca alcançou e a mão nunca tocou. Jonas (Idem) nos alerta que é preciso repensarmos os

princípios básicos da ética, procurando não apenas o bem humano, mas também o bem de

coisas extra-humanas, ou seja, é necessário alargar o conhecimento dos ‘fins em si mesmos’

para além da esfera do homem e fazer com que o bem humano inclua o cuidado dessas coisas.

Isto pode significar que as decisões éticas e morais sobre a nanotecnologia, tanto quanto as

políticas, não podem mais depender basicamente da capacidade expressa em conceitos

bastante sensíveis, do mesmo modo como se avaliou as biotecnologias e os transgênicos, com

base em avaliações superficiais geralmente de origem social e estreitamente vinculadas a

alguma impressão sensorial que os cidadãos e seus representantes inicialmente têm de avaliar

as oportunidades e os riscos que podem ser gerados. Um grande desafio que está sendo

colocado a toda comunidade científica mundial é o de diferenciar a bio e nanotecnologia,

quanto ao que ambas pesquisam, aos benefícios reais que a naotecnologia poderá trazer bem

como a ocorrência de danos e riscos potenciais, aé mesmo para sabermos se é aplicável o

mesmo Princípio da Precaução ou de Responsabilidade da primeira à segunda e em relação à

fusão de ambas – a nanobiotecnologia - apenas devido ao temor a conseqüências

desconhecidas e como se fossem de mesma magnitude. De fato, os produtos da

nanotecnologia estão chegando em número cada vez maior ao mercado sem debate público

que tenham ampla participação e sem uma regulamentação precisa. De modo geral, segundo

Langdon Winner (Apud SANMARTÍN in MEDINA et al, 1992), a avaliação imediata de

riscos relaciona-se normalmente também ao imediato cálculo do produto de probabilidade de

que se produzam conseqüências não desejáveis pelo custo de utilidade dessas conseqüências,

que podem ser perniciosas à vida humana, à saúde, ao bem-estar.

Consideramos que na avaliação de riscos de conseqüências sociais (nos costumes, na

vida cotidiana, etc.), geralmente intervêm distintos fatores subjetivos que são próprios de uma

Page 174: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

173

individualidade, amplitude e indefinição que precisam ser consideradas, pois pode estar

ausente um ponto de referência mais estável, sendo difícil estabelecer como o único um

procedimento de avaliação. Mas existem as situações em que estão em jogo valores de

referência objetiváveis, por exemplo, no caso dos denominados impactos ambientais, a saúde,

o equilíbrio ecológico, entre outros, que podem ser avaliados mediante critérios objetivos

previamente estabelecidos. Não podemos esquecer que entre os aspectos culturais figuram

com expressiva força não somente a crença no progresso, os objetivos que devem ser

alcançados, os direitos que não devem ser feridos e os valores amplamente compartilhados

que devem ser respeitados, mas, deve ser ressaltada a imagem negativa que as inovações

quase sempre têm perante as pessoas, criando temores fundados nas crenças ou na ignorância

real da verdadeira natureza da nanotecnologia. Sobre isto, Sanmartín in Medina et al (1992,

p. 263) nos chama a atenção ao dizer que o problema das crenças é bastante complexo (o é até

hoje como foi preocupação nas abordagens de Peirce, James e de outros pensadores afins), e

que estas não devem ser consideradas boas ou más; elas existem, não há como fazer técnica

adequada sem respeito a elas mesmas, pois são fatores culturais que o autor considera de

primeira magnitude muitas vezes.

Diante das fortes e freqüentes críticas às oposições natureza-cultura ou ao nosso

condicionamento pelo modelo mental linear, fica um tanto contraditório, incoerente, inócuo e

cansativo remeter-se sempre ao que pressupõe a aceitação ou a negação, o fechamento ou o

deslumbramento em torno das inovações tecnológicas, sem falar nas posturas salvacionistas e

na classificação das mesmas como elemento causador de uma revolução ou de uma catástrofe

qunado na realidade apresenta efeitos difusos e pode ser menos abrangente do que aparenta

ser.

Sanmartín in Medina et al (1992, p. 260) coloca muito bem que a questão de centrar-

se nos impactos últimos lhe recorda um dito de Winner (1987, p. 49), de que querer avaliar

impactos é o mesmo que levantar-se do solo depois que um rolo compressor passou sobre nós

e procurássemos medir, então, os efeitos de sua passada. Uma avaliação estratégica, para

Sanmartín, equivaleria a avaliar a tecnologia valorizando os riscos e impactos, mas propondo

soluções organizativas, enquanto medidas que não afetem o instrumento senão sua prática, e

também propondo redesenhos tecnológicos. Pode-se dizer que boa parte da mitologia antiga,

grega, romana ou oriental, enfatizou os perigos em que incorria o ser humano ao tentar

ultrapassar os limites fixados com leis de ferro da Natureza, amparada que era pelos deuses.

Basta lembrar a lenda de Ícaro, o jovem filho de Decalião, que tentou voar e terminou

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

174

tragicamente, ou ainda a tão conhecida história do titã Prometeu que, desconsolado com a

ignorância e miséria dos homens, roubou o fogo sagrado dos céus para ajudá-los a sair do

embrutecimento em que se encontravam. Os exemplos são inúmeros e até hoje são sempre

lembrados quando a ciência avança sobre áreas que consideramos melindrosas ou sagradas.

No entanto, os homens curiosos e cientistas ousados, mesmo arriscando suas vidas, jamais se

negaram a ir em frente. Tiveram que enfrentar a incompreensão das autoridades, o fanatismo

e a superstição do povo comum, a revolta do clero e por vezes o calabouço, o exílio, a pobreza

forçada ou a fogueira por terem defendido concepções que hoje consideramos absolutamente

aceitáveis e naturais, mas que no tempo em que foram proferidas foram consideradas

heréticas ou demoníacas. E, no contexto atual, isso passa pela atenção às formas como a

técnica está perdendo a sua inscrição milenar de ‘instrumento’. Muito da crise atual tem a ver

com a dissolução da instrumentalidade e a emergência de um descontrole no interior da

experiência, a que se responde com mais tecnologia.

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

175

5. DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA PARA O

DEBATE SOBRE A NANOTECNOLOGIA

De lugar em lugar venho pairando,

Na mais plena acepção do termo querendo Existir e ansiando ver quebrada

Minha vítrea prisão: só não desejo Com quanto vi’té agora ir confundir-me.

Um segredo porém vou confiar-te: Ia seguindo o rastro dos filósofos!

Escutei-os, ouvi-lhes: Natureza! Natureza! – Perder não quero a pista;

Devem bem conhecer da terra a essência, E talvez é possível que eu descubra Que alvitre para mim será provido.

(Uma das falas do Homúnculo, no Fausto de Goethe.

Farias, Robson Fernandes, (2006, p. 15).

Tivemos uma visão, nos capítulos anteriores, do quanto o conceito de cosmos foi

mudando e se consagrando como uma das categorias essenciais de toda a concepção de

mundo, até nossos dias acabando por perder seu sentido original nas interpretações científicas

modernas. Lembramos que o princípio segundo o qual a ciência natural descreve seus objetos

é o da “causalidade”, empregado para unificar fenômenos dados na experiência e o princípio

segundo o qual a ciência jurídica descreve seu objetivo é o da “imputação”.

O termo “causa” etimologicamente é originário das questões jurídicas. Mover uma

causa contra alguém ou a algo é imputar-lhe uma acusação ou responsabilidade, o mesmo que

atribuir-lhe a produção de um efeito ou conseqüência em geral, danosa. Anaximandro, a quem

se atribui a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude, cujo mundo

é construído segundo rigorosas proporções matemáticas, chegou a um conceito jurídico

cósmico, o apeíron - o ilimitado, o quantitativamente infinito e qualitativamente

indeterminado. O apeíron é um princípio abstrato que mostra a audácia em ultrapassar as

fronteiras da aparência sensível, por não se fixar diretamente em nenhum elemento palpável

da natureza; o princípio da physis (a natureza) é o apeíron, o ilimitado. O filósofo elaborou a

grande máxima: “Onde estiver a origem do que é aí também deve estar o seu fim, segundo o

decreto do destino. Porque as coisas têm de pagar umas às outras castigo e pena, conforme a

sentença do tempo” (BORNHEIM, 1991). Anaximandro formulou, assim, com as suas

Page 177: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

176

palavras mais uma norma universal do que uma lei da natureza, no sentido moderno, para

presidir o processo regulador do cosmos.

Não é de estranhar, então, que as grandes polêmicas vinculadas às questões que

envolvem muitos dos pensadores atuais têm sido suscitadas em torno das inquietações

provocadas pelas teorias erigidas sob a noção de “causação”, que atualmente se mostram

insuficientes para explicar o que é o domínio mental.

Ainda que aleguem os dois níveis, descritivos e fenomênicos, não conseguem manter a

eficácia entre tais domínios, para muitos críticos, sobretudo, por um esvaziamento ontológico,

importante na filosofia em relação ao princípio de identidade94, de ordem metafísica, que tem

sido tema para alguns dos mais calorosos debates na filosofia por tratar, em última instância,

da questão do que um “ente é”, condição necessária da possibilidade de elementos que estão

nele contidos de maneira implícita, correspondentes às primeiras verdades e fundamento de

todas as outras.

Temos, então, como fundamentais na “lógica tradicional”: o princípio da identidade95

e o axioma da não-contradição96, ambos originalmente formulados pelo pré-platônico

Parmênides de Eléia (530-460 a.C.), o axioma do terceiro excluído ou lógica binária97, que é

ainda a mais utilizada em nosso cotidiano, e o princípio de razão suficiente98.

Platão, com sua lógica dialética, pautada no raciocínio lógico-dedutivo, parte do

conhecimento empírico, sensível, da opinião do vulgo e dos sofistas, para chegar ao

conhecimento intelectual, conceptual, universal e imutável. Sócrates, limita a pesquisa

filosófica, conceptual, ao campo antropológico e moral; já a filosofia de Platão tem o caráter

científico, tem um fim prático e moral, e é concebida como a grande ciência que resolve o

problema da vida. Este fim prático realiza-se, pois, intelectualmente, através da especulação,

94 Ou seja, é como no enunciado A = A, o que significa que, se A é dado, então, por uma necessidade intrínseca do próprio pensamento, este deve ser idêntico a si mesmo. No campo lógico, temos ainda o axioma da não-contradição em que A não é não-A, e o axioma do terceiro excluído para o qual não existe um terceiro termo T (T de “terceiro incluído”) que é ao mesmo tempo A e não-A. 95 A é A. Este princípio implica a veracidade das idéias, ou melhor, aquilo que é, como por exemplo: a pedra é uma pedra, a mesa é uma mesa, de modo que não se pode afirmar que uma semente é um futuro fruto, mas que uma semente é uma semente, e pronto.) 96 Que nos diz que ou uma coisa é ou não é, no sentido de que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto: A não é não-A. 97 Entre A e não A não existe outra posição lógica, no sentido de que toda proposição dotada de significado é verdadeira ou falsa, ou seja, entre duas proposições contraditórias, só uma pode ser verdadeira; assim, só existem dois modos de ser, é ou não é, sim ou não, verdadeiro ou falso. 98 Segundo este princípio, nada existe que não tenha uma causa e que não possa ser conhecida, como na pergunta: Por que o que é, é como é e não de outro jeito? Implica que deve haver um motivo, uma razão suficiente para ser o que é ao invés de ser diferente.

Page 178: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

177

do conhecimento da ciência. Com sua dialética de oposição entre essência e aparência, Platão

coloca o problema acerca do valor objetivo dos conceitos, estendendendo tal indagação ao

campo metafísico e cosmológico, isto é, a toda a realidade, rejeitando a experiência como

fonte de conhecimento. A forma mais antiga do racionalismo, então, encontra-se em Platão.

Aristóteles é o criador da lógica, como ciência especial, sobre a base socrático-

platônica. Sob o ponto de vista metafísico, o objeto da ciência aristotélica é a forma, como

idéia era o objeto da ciência platônica. A filosofia aristotélica é conceptual como a de Platão,

mas parte da experiência; é dedutiva, mas o ponto de partida da dedução é extraído, mediante

o intelecto da experiência. As ciências platônica e aristotélica são, portanto, ambas objetivas,

realistas: tudo que se pode aprender precede a sensação e é independente dela. No sentido

estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular pelo universal, explicação do

condicionado mediante a condição, logo, o primeiro elemento – o particular - depende do

segundo – o universal. A lógica aristotélica, portanto, bem como a platônica, é essencialmente

dedutiva, segue-se a ordem da realidade, onde o fenômeno particular depende da lei universal

e o efeito da causa. Objeto essencial da lógica aristotélica é precisamente este processo de

derivação ideal, que corresponde a uma derivação real.

Ainda que a lógica aristotélica, bem como a platônica, sejam essencialmente

dedutivas, demonstrativas, apodícticas, Aristóteles coloca limitação à dialética platônica e fala

em seu processo característico, clássico: o silogismo ou a lógica formal, numa referência ao

conjunto de três juízos ou proposições que permitam obter uma conclusão verdadeira (que

basicamente nos diz: Se A implica B e B implica C, logo, A implica C). Seu método é

demonstrativo no sentido do qual, de duas premissas dadas, deduz-se uma conclusão, porém

os objetos que são conhecidos por experiência, e não só pelo puro pensamento, devem seguir

um método indutivo, no qual o silogismo, i.e., a forma de pensar, de conhecer e de organizar o

raciocínio sem ao menos analisar as questões de conteúdo, é o resultado final conseguido pelo

conhecimento. Aristóteles concebe a idéia de identidade, então, como um primeiro princípio

não só do conhecimento, mas também da “realidade”, sustentando que se trata do mistério

primitivo de ser e da exigência da subordinação da mente à realidade.

A busca por conciliar “mente e realidade”, é a mesmo que procurar a unidade entre

“natureza e cultura”, “homem e natureza”. No plano da filosofia do ser particularizado,

inovou Descartes um dualismo que abriu caminhos para a modernidade, asseverando a

existência de somente duas espécies de substâncias criadas: extensão e pensamento. Assim, na

análise dos objetos pensados, prevalecem apenas estas duas noções, como as mais simples e

Page 179: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

178

irredutíveis entre si. Dada essa diretriz dualista, a cosmologia cartesiana, obviamente, vai se

desenvolver em um plano firmemente separado do da psicologia, opondo claramente o

“corpo” (como extensão) e a “alma” (como pensamento). A “alma” teria como essência o

pensamento (que não seria apenas uma operação de uma faculdade que, por sua vez, fosse

sustentada por uma substância), e as sensações seriam pensamentos confusos. No modo de

conceber certesiano, os animais são considerados por não terem pensamento - não tendo alma,

portanto - não passando de máquinas bem construídas. As relações causais entre “alma” e

“corpo” são situadas conforme Platão: as mesmas que existem entre duas substâncias

completas, de natureza irredutível e especificamente distintas. Descartes não dispunha de

elementos claros para explicar como a “alma” podia agir sobre o “corpo”, e, vice-versa. É

possível dizer que limitações como estas criaram a necessidade de surgirem novas explicações

futuras.

A inspiração racionalista de Descartes direcionou uma corrente considerável de

pensamentos até 1770, quando surge Kant que, embora tentasse escapar da influencia

cartesiana, conservou-lhe ainda as raízes, representadas pelo conceptualismo racionalista.

Ambos os pensadores, vale enfatizar, constituíram duas etapas sucessivas da direção

conceptualista moderna, surgindo o empirismo de Francisco Bacon que estará à frente de

outro grupo de pensadores e vai se expressar no enciclopedismo e positivismo. Enquanto o

racionalismo de origem cartesiana vê na razão, no pensamento, a fonte principal do

conhecimento humano, o modelo empirista do conhecimento opõe-se radicalmente ao

modelo racionalista, cujo princípio essencial reside na afirmação de que as idéias

fundamentais para o conhecimento são idéas inatas. A oposição firme a esse princípio é que

marca precisamente o ponto de partida do empirismo, que considera a experiência como

fonte de todas as nossas ideias.

Kant, concebendo que as idéias fundamentais para o conhecimento existem a priori no

entendimento, com suas idéias sustentadas no apriorismo, na percepção, como tentativa de

mediação entre o modelo racionalista e o modelo empirista, lutou para vincular a realidade

física e suas leis naturais com os atos humanos e com a forma do homem exercer a sua

liberdade. Num momento posterior, surge o monismo de Espinosa e se manifesta o poderoso

racionalismo (ainda de cunho cartesiano) de Wolff e Leibniz, da filosofia alemã, que, que

finalmente derivou para o apriorismo de Kant.

Fizemos assim, um breve roteiro de cerca de dois séculos e meio do cartesianismo, que

consagrou-se como a principal corrente filosófica do primeiro período da filosofia moderna,

Page 180: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

179

deixando muitos seguidores, até hoje.

Com Descartes, afirmando a necessidade de lidar exclusivamente com os objetos cujo

conhecimento é certo e indubitável, relevando a tarefa de investigar o que podemos apreender

através de uma intuição clara e evidente, ou que possamos deduzir com certeza, pois, de outro

modo, não se adquire um saber seguro, trouxe a garantia do “método” no sentido da ordem e

disposição das coisas, como necessário à procura da verdade. É importante, então, destacar

que, ao reduzir o ser à certeza, Descartes converteu a natureza num ser objetivo, susceptível

de ser instrumentalizado, afirmando a aritmética e a geometria como as únicas áreas isentas de

qualquer defeito de falsidade ou de incerteza. Além disso, a tese ou certeza arbitrárias como

um dogma de um único nível de realidade estão muito implantadas em nossas consciências,

sobretudo, ainda dominam o pensamento de hoje, sobretudo, no campo político, social e

econômico.

Podemos agora voltar ao que falávamos antes, com relação aos princípios de

identidade e de contradição, que têm sido tema para debates que estão ainda em evidência,

nós não só acabamos nos remetendo à influência exercida até os dias de hoje da conceituação

de que “o ser é” (o princípio parmedínico presente na obra de Platão, fundamentada a partir da

dualidade dos mundos), ou à premissa platônica de que no “mundo da idéias” existe a matriz

fiel perfeita de todas as coisas - inclusive do conceito de nanotecnologia, ou outra coisa, seja

ela qual for, qualquer ser da natureza, uma figura geométrica, uma obra de arte ou uma ação

nossa (CHAUÍ, 2000). Nós aportamos também na “razão”, nas “idéias da verdade”, na

“verdade de uma idéia” ou de um “ser”, na “intuição” (uma compreensão global e instantânea

de uma verdade, de um objeto, de um fato), à concepção fundamentalmente pragmática da

“verdade” (enquanto relação de adequação, cópia, de modo geral), enfim, a conceitos que para

muitos pensadores atuais, é preciso desbanalizar, onde se acentua o papel da Filosofia. Com

este percurso, chegamos ainda à necessidade de uma reflexão sobre a própria idéia de

“realidade”, de “natureza”, de “homem”, de “vida”, de “técnica”, de “ética”.

Vimos que a lógica está bastante envolvida nisso tudo. Lembramos que a lógica

clássica, cujo fundamento deriva do princípio do terceiro excluído, é a que vale na mecânica

de partículas clássica, como por exemplo, quando se afirmar que toda propriedade física é

verdadeira ou falsa com respeito a qualquer estado puro, se estabelece uma relação de causa-

efeito na explicação da “realidade”, que se expressa mediante e o estabelecimento de critérios

de verdade, como indício de um pretendido conhecimento final.

Com a teoria da relatividade demonstrou-se que as leis da natureza não guardam a

Page 181: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

180

objetividade que os princípios da identidade (o que é, é) e da não-contradição (o que é não

pode não ser) sugerem, pois ditas leis dependem da posição do observador. Os princípios

aristotélicos da identidade, da não-contradição, do terceiro excluído e da razão suficiente,

que são solidários e tomados pela ciência clássica como absolutos, são superados com a nova

física das partículas, a física quântica. Desde Planck, a física quântica colocou em evidência

que a matéria é somente uma modalidade de energia. Então uma lógica binária não pode dar

conta da infinita diversidade das manifestações da energia em nosso mundo. Na física dos

quanta, as dualidades surgem a cada momento e nada se virtualiza (ou se potencializa) o

suficiente para que o seu contraditório se atualize ao ponto que o princípio de não-

contradição possa testemunhar sua validade. Assim é que a luz pode ser “onda” ou

“partícula”, pelo que fica limitativo o princípio do terceiro excluído, segundo o qual alguma

coisa ou é isso ou é aquilo, não havendo uma terceira hipótese. A física quântica vem provar

que não é possível saber a razão porque os átomos se movimentam, nem sua velocidade, nem

a direção, caindo a “causalidade determinista”, nascendo um novo princípio da

indeterminação.

Vamos ter assim em vigência, os conflitos gerados quanto às questões em torno à

consciência e ao problema corpo-mente (e à relação mente-cérebro) entre o materialismo

determinista e reducionista, o dualismo e a fenomenologia.

No que se refere ao primeiro deles, argumenta que o modo correto de estudar um

fenômeno complexo é analisá-lo, em particularidades. Ou seja, se os objetos ou fenômenos

são genuínos, devem ser individualizados em um nível de descrição, de expressão naturalista

ou de identificação com os princípios de uma mecânica elementar, para que sejam explicáveis

em outro nível de descrição, como é feito na compreensão do mundo a partir da qual é

possível sistematizar os resultados das ciências. Nesse caso, todos os processos e realidades

observadas no universo podem ser explicados pela redução aos seus mais elementares

componentes científicos, como se faz com a Química pelos elementos e compostos que

constituem o universo (átomos, moléculas etc.), ou quando é concebido que os anunciados das

ciências são traduzíveis e explicáveis através do fisicalismo ou de certos predicados, por

exemplo, as propriedades e leis da Física. Outra idéia fundamental do materialismo redutor é

que cada tipo de estado mental, incluindo a consciência, é apenas um correspondente tipo de

estado físico. Já o dualismo, ao trazer consigo todo o empenho humano em resolver a idéia de

corpo e mente como duas substâncias diferentes que transcorrem em aparente paralelismo,

apresentando as clássicas soluções do interacionalismo, do ocasionalismo e da harmonia pré-

Page 182: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

181

estabelecida, vemos no memso uma forte implicação para abordar a nanotecnologia em seu

legítimo patamar. No dualismo cartesiano, lembremos, na explicação da “causalidade

mecanicista”, não há lugar para substâncias sem dimensão espacial, numa referência ao nosso

campo de ação. Descartes considerou a mente como entidade imaterial e, portanto, de maneira

independente do corpo material, capaz de sobreviver à morte deste. A mente é dada como o

sustentáculo de todas as nossas propriedades mentais e a promotora das distintas formas de

comportamento de nosso corpo. É o contrário do monismo proposto por Spinoza, segundo o

qual o mental e o físico são dois modos distintos da substância única que ele chama de Deus

(ou Natureza), e com que mais identificamos nosso pensamento, direcionado a explicar o que

se concebe em relação à nanotecnologia, quanto ao que lhe é cobrado pela oposição natureza-

cultura. Com relação à fenomenologia, também nos colocamos em condições de respeitar o

pensamento de Husserl que desenvolveu de início uma ciência da experiência, cuja tarefa

consiste em fazer a articulação entre o “mundo vivido” em senso comum e a sua elucidação

através da ciência. Vemos hoje - o que antes não acatávamos - que há muito sentido nessa

imbricação que este filósofo faz e sofríveis interpretações a respeito de suas idéias, que

afetaram nossa capacidade de melhor entendê-las.

Temos um panorama rápido de algumas implicações agumentativas do pensamento, ao

longo da história, que podem nos ajudar a definir de forma mais clara um panorama geral que

explicite ao domínio público como estão se colocando as decisões éticas fundamentais, que

ajudem tanto para a física quântica e, sobretudo para a nanotecnologia, considerando suas

relações de magnitude com as supostamente válidas para a técnica que na nossa condição

humana dominamos. Para que possamos fazer uma comparação, nos é fundamental perscrutar

epistemologicamente a respeito do caminho que a técnica veio percorrendo, para que

alcancemos uma idéia mais segura do tipo de relação que o homem possivelmente terá com a

nanotecnologia. Julgamos que o percurso anterior que traçamos sobre alguns aspectos lógicos

que evoluíram desde o mundo antigo até os tempos da física quântica, como o que percurso

que iniciamos agora, refletirão ao mesmo tempo direcionamentos teóricos e éticos

constituídos, bem como bases para o redirecionamentos necessários, pondo em relevo nossa

falta de “experiência” em conviver com a extensão das magnitudes com que a grande maioria

de nós não aprendeu a lidar na vida diária.

Para o efeito deste propósito, seguimos de mais perto o pensamento de autores, alguns

já mencionados neste estudo, cujos contributos teóricos nos foram extremamente pertinentes

face ao conjunto de questões que aqui abordamos, a que consigamos formular idéias mais

Page 183: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

182

próximas do a vida exigirá no âmbito do nanometricamente observável, mamipulável e

aplicável.

Começando por citar Pierre Lévy, em suas obras “As tecnologias da inteligência: o

futuro do pensamento na era da informática” e “Inteligência coletiva: por uma antropologia do

ciberespaço”, utilizadas neste estudo, chamaram-nos a atenção os argumentos do autor sobre a

chegada de novos tempos, quando constatamos nosso primeiro contato com a palavra

“nanotecnologia”. Em sua abordagem, quando Lévy (1998, p. 48) faz referência à

nanotecnologia como técnica molecular, que utiliza todos os recursos das tecnologias finas, de

identidades quânticas sobretudo, remete a tecnologias consideradas “além daquelas do

humano”. Ele esclarece que, na esfera do humano a partir dessas tecnlogias organizar-se-ia

uma nanopolítica que valorizaria “de modo mais sutil, mais justo e bem a tempo, a substância

social” e que, do mesmo modo que a nanotecnologia constrói suas moléculas átomo por

átomo, esta nanopolítica cultiva [...] seus hipercórtex comunitários de maneira fina, mais precisa, mais individualizada possível, favorecendo a conexão delicada das capacidades cognitivas, das fontes frágeis de iniciativa e imaginação, qualidade por qualidade, de modo a evitar todo desperdício de riqueza humana (Ibid. p.57).

Incomodou-nos um pouco, a princípio, o que Lévy diz quando fala da nanotecnologia

e suas potenciais promessas, da maneira mais fina, mais precisa e mais individualizada, que

seria possível de viver para evitar todo o desperdício de riqueza humana, das novas

tecnologias (em especial, das tecnologias moleculares) e da possibilidade delas de ampliarem

nossa partilha da memória, da percepção e da imaginação. Não tínhamos nenhuma clareza do

que isto representava em termos de mudanças na condição humana tampouco nas ações

humanas.

É importante ressaltar que Lévy, com suas argumentações, destacou-se no estudo da

história, filosofia e antropologia da informação, embora a respeito dele tenham sido - e são

ainda - feitas algumas críticas, a exemplo de que o filósofo seria um especulador otimista das

novas tecnologias, um deslumbrado, faltando nele a crítica social e sobrando um certo culto à

tecnologia. Paul Virílio e Jean Baudrillard, de certa forma, podem ser mencionados, quando

criticaram duramente a internet. Contrariamente a Lévy, que reafirma a importância desta

tecnologia na sociedade atual como um meio de comunicação dinâmico na ampliação do

conhecimento, como uma ferramenta de rede viva, que serve de apoio para muitos projetos

sociais, mas que por si sós, não fazem milagre. Requerendo que as pessoas não apenas se

conectem, mas tenham simultaneamente a clareza da sua identidade, de seus valores e

Page 184: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

183

objetivos. Para Virílio e Baudrilard, a internet representa um meio ideal para a emergência de

uma cultura de superexcitados que estariam substituindo os antigos super-homens

(BAUDRILLARD, 1997)99.

O que a princípio ocupou nossa atenção, com relação ainda aos argumentos de Lévy

(p. 57.), é que não conseguíamos estabelecer um vínculo entre a sua “engenharia do laço

social” e o que a engenharia dos materiais e a nanotecnologia vinham a possibilitar. Pairava

no ar a mesma dificuldade de saber “o quê e como fazer” para estreitar os laços entre as

ciências sociais e humanas e as ciências da engenharia e tecnologias na abordagem do

assunto. Do mesmo modo, pensar em nanotecnologia seria necessariamente ter que

introduzir alguns conceitos essenciais e espinhosos por sua amplitude e complexidade,

acerca do mundo e de nós mesmos.

Começamos com Lévy mais para aquecer as considerações que seguem, pois, não

foram poucos os pensadores que lidaram desde tempos mais remotos com a questão da

técnica e, junto com ela, da condição humana e da ética, sobretudo com as problemáticas

advindas com a modernidade100, construindo seu paradigma de conhecimento sob as

transformações provocadas pelas radicais mudanças que se desenvolveram a partir da física

newtoniana. Destacamos alguns deles, mais no sentido de sondar seu textos do que fixá-los

em alguma parte seu lugar (como é bem mais comum e fácil de fazer), que denunciaram os

‘malefícios’ da ideologia moderna tecnicista. É preciso visitá-los, nem que eles pela

profundeza de suas obras nos confundam, tais como:

1) Nietzsche foi quem iniciou o movimento de fustigação dos ideais modernos,

apaixonado pelo incompleto, pelo que expressa a multiplicidade, não de forma dialética mas

na forma ilimitada da “diferença”, que é uma forma própria de pluralismo, nem múltiplo nem

unitário, mas um tipo de descontinuidade, que, conforme nos sugere Pelbart (1989), para

Blanchot, é o grande ponto de virada na história do pensamento que Nietzsche realizou, rumo

contrário dos que pretendem hegelianizá-lo. Daí em Nietzsche existir uma concepção ética,

francamente contrária à racionalista (por isso, muitas vezes chamada de irracionalista), que

contesta a razão o poder e o direito de intervir sobre o desejo e as paixões, identificando a

liberdade com a plena manifestação do desejante e do passional do homem descentrado,

tra(du)zido de volta ao eterno texto básico da natureza. Já no começo do séc. XIX,

99 Outras obras, como bibliografia sugerida são: BAUDRILLARD, Jean. Televisão/revolução: O caso Romênia. In: PARENTE, A (org.). Imagem máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, e VIRILIO, Paul. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. 100 Segundo Bruseke (2003, p. 324), começou no século XVII e terminou no limiar do século XX.

Page 185: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

184

Schopenhauer começa a distanciar-se do mundo da razão e da técnica, afirmando que é

preciso destruir o ego, a ilusão da consciência e da ordem social e da racionalidade

desenfreada. Schopenhauer será criticado por Nietzsche, mas este não deixa de acatar a crítica

individualista daquele. Nietzsche se coloca no interior da modernidade, reivindica a herança

iluminista, particularmente de Voltaire, sobretudo pela reação volteriana ao cristianismo,

contribuindo na reflexão situada dentro do contexto relacional da modernidade, para melhor

trabalharmos o tema da ética e sua relação com a técnica, em especial, a nanotecnologia.

2) Heidegger: para quem a “questão do ser” domina o pensamento com exclusividade,

transformando-se de uma destruição ou liqüidação da história em uma história da

interpretação do ser, sistemática, filosófico-transcendental, fenomenológica ou hermenêutica,

no decurso da filosofia ocidental, mantendo-se atado à presença do ser através de seus modos,

não de lamento de sua ausência ou de esquecimento (como idéia, cogito, subjetividade, desejo

etc), mas no que se refere à desmontagem ou à demolição das ‘camadas e depósitos’ de

materiais que encobrem a natureza original do ser, orientada no sentido da história do espírito.

Assim, o ser ao desejar expressar-se nas idéias de um pensador, estaria confiando nele, pois

que este falaria o ser, isto é, o “ser do ente”. Heidegger buscou distinguir a) ôntico (aquilo

que um ente é em si mesmo, em sua existência própria, a sua identidade, sua diferença em

face de outros entes, suas relações com outros entes) e b) ontológico (a realidade última de

todos os seres, ou a essência de toda a realidade, tomados como objetos de conhecimento).

Neste aspecto, há possibilidade de fazermos uma classificação de nossa experiência cotidiana,

segundo Chaui (2000) nos sugere, em estruturas ônticas, tais como: a) entes materiais

naturais ou coisas reais [árvores, animais, rios, metais, corpo humano etc.]; b) entes materiais

artificiais, também coisas reais [aparelho de rádio, computador, piercing, celular, TV didital,

microscópio de força atômica, nano Ipod etc.); c) entes ideais, como as idéias gerais que são

concebidas a partir do pensamento lógico, matemático, científico e filosófico, denominadas de

“idealidades”, a exemplo de igualdade, diferença, número, círculo, classe, função, variável,

animal, orgânico, inorgânico, físico, psíquico, matéria, energia etc); d) entes passíveis de

valor (que podem ser valorizados positiva ou negativamente, como bem/mal, bom/mau,

correto/incorreto, justo/injusto, possível/impossível etc.); e) entes metafísicos, que fazem parte

de uma realidade diversa daquela que compreende as coisas, as idealidades e os valores, como

identidade, alteridade, natureza humana, propriedade, divindade, mundo como unidade etc.).

3) Freud teria provocado um questionamento radical do ideal de homem, ‘colado’ à

imagem do indivíduo-átomo inventada pelo pensamento moderno, e que tratará de fazer-se

Page 186: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

185

compreendida a contraposição de uma consciência objetiva e uma subjetividade interior, na

base de uma estrutura conflitual própria à organização psíquica e dinâmica do sujeito. Com

Nietzsche, Freud e Heidegger instalou-se uma ruptura no modo clássico de pensar. Mais

precisamente, para Nietzsche e Freud, o indivíduo deixa de ser concebido como forma, deixa

de ser um ente social e se torna um ser de desejo, um ser individual, um ser privado. Ambos

redefinem o sujeito não o vinculando mais a Deus, nem à razão ou à história, numa sequência

mais ou menos assim: Deus morreu, a razão se tornou meramente instrumental e a história foi

dominada pelos “colonizadores” norte-americanos e europeus. Segundo Touraine (1994), para

ambos os pensadores supracitados, o sujeito também não é a alma em oposição ao corpo, mas

é o próprio sentido dado pela alma ao corpo, em oposição às representações e normas

impostas pela ordem social e cultural.

4) Gadamer, com as questões da hermenêutica e da linguagem, busca salvar a

autoridade da razão diluída do ponto de vista da história, validando a consciência histórica

marcada pela tradição da força civilizatória como referência para a interpretação do

conhecimento humano.

5) Escola de Frankfurt: Dedicaram tempo e pesquisa na análise do vínculo entre

Iluminismo e Modernidade. Os frankfurtianos e sua teoria crítica, inspirados por Habermas,

não ignoraram radicalmente os princípios das teorias norte-americanas, mas denunciaram a

falsidade da promessa de progresso social para a humanidade, que a modernidade teria feito,

na medida em que ela acabou por engendrar justamente o seu contrário, mantendo o controle

repressivo da natureza, reificando os seres humanos. A modernidade caracterizou-se assim,

pela falta de transcendência reconhecida ao ser humano, sem conseguir prosseguir com seus

ideais de emancipação de modo satisfatório. Julgaram que o fato do capitalismo fragmentar a

experiência foi algo profundamente grave e de sérias conseqüências, porque desumanizou o

universo e o reificou, neutralizando e destruindo, com isso, potenciais antropológicos

presentes no “mundo da vida”, reguláveis por uma ética da convivência, do agir

comunicativo. Buscaram recuperar o sonho humano de emancipação perdido no iluminismo e

desvelar o Positivismo por meio da reflexão crítica.

6. Michel Foucault defendeu que o que se devia fazer era tentar delinear a genealogia,

não tanto da noção de modernidade, mas da modernidade como questão. Foucault colocou em

evidência a forma como a modernidade é antinômica da idéia de “progresso do bem-estar”,

sublinhando os processos de alienação gerados pelas sociedades modernas, defendendo que

nada há que não seja situado historicamente. Ele se refere mais a um modo de ser do que a um

Page 187: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

186

período propriamente dito da história, mas um modo de ser a favor ou contra a modernidade,

não uma referência ao modo de ser pós-moderno.

7. Habermas, por sua vez, reformulou a Teoria Crítica (buscando romper com o

distanciamento e a neutralidade para a maior participação ativa e crítica dos sujeitos) visando

fazer uma retomada da modernidade e de seus valores, de modo a procurar compreender o

que a levou a se desviar tão drasticamente dos caminhos traçados em seu projeto e da

possibilidade de uma auto-realização emancipada.

Vivemos hoje tempos que não são de total tranqüilidade, como não foram os destes

precursores de grandes idéias que realizaram profundas transformações na sociedade.

Também nos encontramos em muitas situações como as que devem ter afrontado, frente às

quais ainda titubeamos como na confusão entre o que é ético e o que é moral, o que é juízo e o

que é valor, implicados nas grandes decisões o que é bom e o que é ruim, o que é certo e o

que é errado, por exemplo, como em relação às questões ligadas ao aborto, à eutanásia, à

corrupção, ao preconceito, ao uso de transgênicos, entre outras, que requerem o

reconhecimento por parte das teorias morais.

Os parâmetros que nos orientam podem ser vários, e quando dicotomias se fazem

radicalmente presentes, podem surgir conflitos de valores. Além disso, existem as velhas e

cansativas abordagens da ética que pouco avançaram, quando as complexidades tornam as

regras simples de difícil aplicação. Mas temos pontos de vista éticos hoje predominantes,

sendo que nos é muito arriscado classificá-los ligeiramente dada sua riqueza de confluências,

em que se confrontam concepções éticas distintas que, sem apelar a autoridades, mas a partir

do critério da razão, busca definir compromissos éticos nas discussões da questão moral,

quanto à identificação do locus primário do valor moral, da ética geradora de moral

convencional, a saber: a) éticas de caráter deontológico101, com a fonte do bem centrada nas

ações corretas ou boas (boas porque seguem as regras ou normas de ação moral, enquanto o

mal está presente nas ações incorretas ou más, aquelas que violam as regras morais); b) éticas

conseqüencialistas ou teleológicas102, cuja normatividade centra-se nas conseqüências das

nossas opções, que constituem o único padrão fundamental da ética, afirmando que uma ação

moralmente correta é aquela que produz bons resultados, a exemplo do que é preconizado

pelo relativismo ético ou relativismo cultural; e c) intenções que podem ter tanto um cunho 101 Que se refere às disposições de caráter, às virtudes individuais e sociais do agente (Aristóteles e Kant cultivavam a virtude), das quais emerge a sua intenção e boa vontade, e ao tipo de ação que a intenção produz. 102 Que corresponde a toda e qualquer teoria ética, segundo a qual o fator decisivo da ação moral não é a intenção, abstratamente considerada, o procedimento, a norma, a causa eficiente, mas o que importa é o resultado, a conseqüência da ação.

Page 188: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

187

conseqüencialista como deontológico (como tem sido referenciada a ética da

responsabilidade de Hans Jonas, sustentada no princípio ‘utilitarista’ que procura obter bem-

estar e vantagem para o maior número de pessoas).

A ética deontológica considera mais básica a teoria do dever; por exemplo, quando se

diz que um caso de utilização da nanotecnologia é bom, na medida em que implica um

“cumprimento de dever” ou um tentar cumprir o dever, orientando-se a população sobre a

medida equilibrada de seu uso na agricultura, sem cometer excessos, visando o bem-estar e a

saúde de mais pessoas da sociedade (numa espécie de versão kantiana). O conseqüencialismo

considera mais básica a teoria do valor e explica a questão da moralidade em termos de

“valor”, e não de “dever”, como hoje representariam, segundo este ponto de vista ético, os

modos de reduzir o efeito colateral de medicamentos, potencializando-se os efeitos de

pequenas ações para que esses produtos tenham conseqüências menos nefastas para as

pessoas, e a nanotecnologia contribui muito neste aspecto. Numa visão das perspectivas

éticas, teleológica e conseqüencialista103, num ponto universal que pertenceria a uma esfera

de validade para todos os sujeitos, tendo como alvo desejável, neste caso particular, o fim da

dor para a humanidade inteira - ideal utilitarista -, com vistas a felicidade geral e a felicidade

individual, levando em conta que podem existir boas e más conseqüências, sejam quais forem

os possíveis benefícios que daí possam resultar.

Dentre estas teorias sobre o que devem fazer os indivíduos ou as instituições em

relação aos nossos atos ou aos do mundo em geral, ressaltamos que não é pauta de

preocupações apenas o que se refere à noção de natureza humana, mas também ao que está

estabelecido sobre onde está esta natureza, este modo de ser próprio do homem. Isso nos

remete aos grandes questionamentos no que tange às palavras ética e moral, e à ênfase dada

ao ressurgimento da teleologia em sua perspectiva conseqüencialista nas ciências

contemporâneas, à deontologia, na perspectiva contratualista de Rawls (teoria ético-política

para Nedel (2007), e a tratada nos programas da ética do discurso de Habermas (a partir das

pressuposições de uma pragmática universal), e de Apel (com sua pragmática transcendental)

incluindo aqui os representantes de diversas correntes que se conduzem por uma linha de

pensamento mais discursiva e interdisciplinar, como Putnam, por exemplo, vinculado a um

vertente de orientação lógico-lingüística, e Rorty, com seu neopragmatismo.

103 Como o que tem sido apresentado como a direção tomada por John Rawls, ao vincular a ética de princípios de Kant com o utilitarismo, para desenvolver princípios de ética sobre os quais homens racionais possam manter uma necessária cooperação entre si e servindo a uma satisfação máxima dos interesses gerais.

Page 189: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

188

Vamos ter abordagens de destaque na tentativa de resolver o problema mente-corpo

com as defesas de teses como a de que existe identidade entre eventos mentais e eventos

físicos (identificação entre acontecimentos mentais e físicos), sem relação com a existência de

leis mentais estritas ligando tais eventos, afastando a mente da possibilidade de interferir no

domínio dos fenômenos físicos (o mental é, pois, causalmente inerte), devido às propriedades

físicas dos acontecimentos em si mesmos. Existem assim, as soluções para o problema da

explicação da consciência na orientação do monismo, considerado redutivo ou fisicalista, que

reconhece apenas o cérebro material e seus estados cerebrais, podendo a consciência ser

eliminada de nosso quadro explicativo. Vamos ter ainda posições eliminativistas que

sustentam que, no que diz respeito a qualquer ciência, o ente, as metodologias ou os conceitos

desta ou daquela ciência devam ser eliminados completamente em todos os níveis

(ontológico, epistemológico e conceptual) e de fato se aceite e somente aceite o estudo à luz

de uma ciência mais fundamental. Nesta defesa particular, é necessário demonstrar que a

mente é um aspecto não científico e o conceito tradicional de mente deve ser completamente

refutado, pois esta deve ser considerada simplesmente um objeto da Física e deve ser estudada

como qualquer outro objeto físico. Assim, o funcionamento da mente deve ser descrito de

modo que tenha alguma caraterística particular que não lhe renda uma diferença em relação às

leis físicas, uma vez que, à falta de estados e propriedades a que se refiram os conceitos

associados ao mental, não faz sentido tentar reduzí-los, pois estados mentais são estados

físicos do cérebro e qualquer tipo de explicação que recorra a uma dimensão mentalista é

enganosa. Assim, a posição eliminativa é considerada por alguns autores como uma forma de

reducionismo, devendo ser eliminado. A posição eliminativista é encontrada em Paul

Churchland e Daniel Dennett.

Quando se trata das teorias dualistas, que admitem a existência de dois aspectos

distintos que podem ou não interagir observa-se que estas declaram que toda ação deve ser

julgada pelas conseqüências que produz visando o proceder correto, porém, não é uma teoria

particular que inclua conceito algum de valor, direitos, virtude ou bem; de acordo com a

mesma, sejam quais forem os valores adotados por um indivíduo ou uma instituição, a

resposta adequada a estes valores consiste em promover o seu desenvolvimento. O indivíduo

deve acatar os valores, no entanto, somente enquanto o respeito aos mesmos é parte de seu

favorecimento, sendo o bem, nesse caso, necessário para favorecê-los, não havendo qualquer

padrão de bem e mal no conseqüencialismo. Para os conseqüencialistas, a relação entre

valores e agentes é instrumental. Os agentes são necessários para que sejam levadas a cabo

Page 190: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

189

aquelas ações que têm a propriedade de fazer evoluir um valor perseguido. Os adversários, ou

seja, os ‘não-conseqüencialistas’ consideram que a relação entre valores e agentes não pode

ser instrumental, pois é exigido dos agentes ou ao menos lhes é permitido que suas ações

exemplifiquem um valor determinado, mesmo quando resultam em uma realização inferior ao

valor idealmente desejado.

Os conseqüencialistas desejam a maior felicidade possível para o maior número

possível de pessoas e, a exemplo dos utilitaristas clássicos, embora não sejam eles os únicos

(existem os egoístas e os altruístas éticos104), não partem de regras morais, mas de objetivos.

Eles avaliam as ações na medida em que estas favorecem ou não esses objetivos,

considerando que uma ação representa um ‘bem’ caso esta seja capaz de favorecer um

incremento igual ou maior da felicidade de todos os envolvidos, relativamente a uma ação

alternativa, ou pode representar um ‘mal’ caso assim não aconteça. As conseqüências de uma

ação variam de acordo com as circunstâncias em que é praticada. Um conseqüencialista

utilitarista, que tanto ama o prazer quanto ama ao próximo, nunca pode ser acusado de falta

de ‘realismo’ nem de uma adoção rígida de ideais que desafiam a experiência prática. Para o

utilitarista, mentir será um mal em algumas circunstâncias e um bem noutras, dependendo das

conseqüências.

No estudo da moralidade e da orientação da conduta ética, referente à nanotecnologia,

não podemos deixar de lado a questão da objetividade da ética na perspectiva do realismo

ético e moral e situar, também, alguns conceitos relacionados aos considerados obstáculos à

ética por muitos autores que escrevem sobre a mesma, como o niilismo, o relativismo, o

subjetivismo ético e o emotivismo.

Em termos de características fundamentais da ética niilista, para nós o niilismo

representa um pensamento complexo, bastante difícil de compreender por inteiro,

considerando que não teremos esta compreensão dificilmente sem o fazermos centrada na

herança deixada pela cultura ocidental, entendendo-se, aqui, ocidental, como o que foi

constituído pela cultura greco-judaico-cristã com sua moral e infiltração do dualismo

antropológico (matéria/espírito, corpo/alma, emoção/razão etc.). Afinal, o dualismo ainda

está presente em nosso mundo hoje, mas sublinhamos que existe ainda diferença entre ética e

104 BORGES, M.; DALL’AGNOL, D.; DUTRA, D. (2002). O que você precisa saber sobre Ética. Rio de Janeiro: DP&A Editora. No egoísmo ético, cada um age em defesa de seus interesses próprios sem a menor consideração pelos demais, teoria contraditória, pois em seus objetivos têm dificuldades para estabelecer níveis eficazes de cooperação social; no altruísmo ético, uma ação é moralmente correta quando produz um bem maior para os outros, independentemente do bem ou mal que possa trazer para o agente que a realiza, cabível somente para uma sociedade de pessoas igualmente altruístas.

Page 191: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

190

ontologia dualista, dado que a ética envolve o fazer o bem ou o mal, enquanto a ontologia

envolve o estudo do “ser” onde o corpo é mau e alma é boa.

Olhando alguns exemplares e artigos pertinentes à Filosofia, aparecem como nomes

representativos do niilismo Górgias de Leontino (480-375 a.C., aproximadamente), Arthur

Schopenhauer (1788-1860) e Friedrich Nietzsche (1844-1900). Mas já falamos neste estudo

sobre a contribuição de Nietzsche para nossa melhor compreensão da modernidade e seus

limites, como inspirador para o trabalho de grandes pensadores, a exemplo de Heidegger e

Foucault, a situarmos de uma forma não banalizada o seu niilismo e tampouco a razão

porque é dada a Nietzsche a caracteristica de niilista. Mas, em princípio, o niilismo é a idéia

de negação de toda a verdade objetiva e concepção de existência humana desprovida de

qualquer sentido, e somente uma oportunidade para sensações e experiências, renegando as

verdades morais e as hierarquias de valores. Assim, marcado que é pela indiferença à vida,

o niilista é guiado pela visão de mundo e dos valores últimos, faltando-lhe um projeto de

futuro, uma utopia, a lhe provocar um comportamento infantil e escapista, sendo que o

efêmero da vida detém o primado. Por exemplo, um niilista pode dizer que com a

nanotecnologia repete-se o extravagante “sonho alquímico”, durante séculos objetivado na

tentativa de preparação do “homúnculo” (do latim, homunculus, pequeno homem).

Desde que as operações corretas fossem realizadas, segundo a crença alquímica, um

ser humano poderia ser artificialmente produzido, em miniatura105. Para Robson Fernandes

de Farias (2006, p. 49): “Embora nos pareça hoje em dia risível essa ‘receita’, torna-se

evidente o paralelo com as modernas técnicas de fertilização in vitro e de clonagem, nas quais

procura-se obter um ser vivo ‘artificial’. Segundo este autor (2006, p. 49), a preparação

alquímica de um homúnculo é detalhadamente descrita numa das passagens do Fausto de

Goethe: Com amoroso som palpita o vidro, Já límpido, já turvo: a obra perfaz-se! Delicado de formas já diviso Um airoso homenzinho menear-se. Que mais queremos nós, que mais o mundo? Eis revelando o arcano! Ouvi atento O som! – Torna-se voz, torna-se fala! A alquimia é a fundação e o pilar da medicina, Sem a qual nenhum médico pode ser médico.

105 Denominação usada também pelo alquimista Paracelsus, para designar uma criatura que tinha aproximadamente 12 polegadas de altura, cuja “receita” poderia ser criada por meio de sêmen humano posto em um frasco hermeticamente fechado, a ser enterrado em esterco de cavalo durante 40 dias e, posteriormente, magnetizado e seguido de outras operações até que o homúnculo estivesse inteiramente pronto. Outro nome a um ser criado artificialmente é Quimera.

Page 192: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

191

Podemos dizer de uma forma simples, que no niilismo a nanotecnologia se caracteriza

pelas questões: Para quê? Nada mais vale a pena! Ou Tudo é em vão, não cria nada! Um

ceticismo relativamente em torno de objetos sem valores, ou aos valores tradicionais morais,

teológicos etc.

Façamos aqui um breve apontamento. A “moral”, como um código, denota um

conjunto de valores e regras de ação que são propostos a indivíduos ou grupos sociais, através

de dispositivos prescritivos (família, instituições educacionais, igrejas etc.), ou também

compreendida como o comportamento real dos indivíduos em suas relações com um conjunto

de práticas (regras e valores) que lhe são propostos, ou ainda como o modo mediante o qual

alguém deve se constituir como sujeito moral, agindo conforme aos elementos prescritivos

que constituem o código; por sua vez, a “ética” é o campo de reflexões filosóficas, que busca

conhecer as relações entre os seres humanos e seu modo de ser e pensar, e determinar como o

indivíduo deve se constituir a si mesmo enquanto sujeito moral de suas próprias ações. Assim,

na relação entre niilismo e ética, ou niilismo e moral, é considerado que as crenças e os

valores tradicionais são infundados e que não há qualquer sentido ou utilidade na existência,

tampouco há verdade alguma para além dos gostos, nem há valores independentes das

opiniões; em resumo, não há nenhum fato moral nem verdades morais. Se há fatos ou

crenças, são proposições rudemente verdadeiras, sendo negado que as crenças morais tenham

um fundamento objetivo ou (intemporalmente) real, que possam discernir-se delas quaisquer

conclusões morais. As normas morais não têm qualquer aplicação, mesmo à conduta dos

indivíduos. Nada, pois, está moralmente bom, mau, direito etc. Ou seja, um niilista moral,

numa visão de mundo pessimista e cética pode dizer que o uso das nanotecnologias não está

errado, mas não é direito, também, extremamente presente neste período em que vivemos

marcados pelo efêmero e fugaz ‘eu’, não mais salvável, em que é mostrado, conforme suas

próprias palavras, o pior dos mundos possíveis, sobretudo, quando estamos sem a força

necessária para não nos deixarmos iludir.

Este modo de pensar do niilismo conduz a uma perda das referências tradicionais da

existência, no nível moral e ético, tanto no plano da fundamentação das normas quanto no

plano de aplicação das mesmas, ou seja, tanto na dimensão teórica quanto na prática. Na

dimensão teórica, com esta perda se produz uma enorme confusão e uma interminável disputa

entre teorias éticas opostas travando-se verdadeira guerra de palavras entre diversas teorias

éticas, sem vencedores nem vencidos. Quase sempre se recai em relativismo e ceticismo. Já na

dimensão prática, o niilismo produz o esvaziamento da força que vincula as normas morais e

Page 193: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

192

a possibilidade de sua aceitação e aplicação. O niilismo acaba gerando tanto o politeísmo dos

valores quanto a inutilidade das proibições.

No mundo governado pela técnica moderna, com toda sua infinita multiplicidade de

valores, estão bem introduzidas – e não apenas elas - as idéias do niilismo, do realismo moral

e do irrealismo, e todas têm muito a seu favor e muito em contrário, pois é bastante aceitável

que quase toda posição de fundo ético ou moral contenha dificuldades e controvérsias. É,

pois, de se esperar que a introdução do perigo e do mal relacionados às nanotecnologias

tenham dado amplo espaço para algumas idéias de riscos que a mesma representa em si. A

idéia da prática moral, no mundo contemporâneo, pode estar em grande medida, como sugere

o niilista moral, em sérios apuros face aos presságios de todos os lados de que nada mais é de

todo bom ou de todo mau.

Se bem que sejam muitos os filósofos que se sentiram atraídos pelo subjetivismo,

poucos se tornaram niilistas. Olhando em alguns exemplares e artigos pertinentes à Filosofia,

apareceram os nomes representativos dos niilistas Górgias, Schopenhauer e Nietzsche. A

razão pode parecer um tanto óbvia, se considerarmos o quanto é difícil para alguém se

acredita realmente que nada é bom ou mau, que dissesse que, presumivelmente, a corrupção

na política não é boa nem má, que o abuso sexual em família não é nem bom nem mau, que a

tortura a presos políticos não é nem boa nem má, que não há nem bem nem mal dizer

aposentar-se antes dos 50 anos no Brasil é indício de vagabundagem, que o grave atraso do

vôo de um avião não é nem bom nem mal, que o assassinato dos pais pelos filhos não é nem

bom nem mal; e assim sucessivamente, por qualquer outra coisa similar que se mencione. Se

se dissesse seriamente tudo isto, não somente como parte de uma discussão filosófica, mas na

informalidade das falas, não seria alarmante? Para quem o disser, significa que,

presumivelmente, não se opõe à corrupção na política, à violência, à tortura, ao assassinato, à

irresponsabilidade, ao deboche perante o caos aéreo, ao descaso com o cidadão que trabalha e

ao que trabalha como um “escravo” desde criança, à desfaçatez do “dá-se um jeitinho” ou a

qualquer outra coisa. Pensemos no estranho que isto representa, quando não importa a alguém

que semelhantes coisas lhes sejam feitas, nem lhe importaria fazer aos outros.

Estas situações ilustrativas, com base nas análises de James Rachels (1995), podem

também nos fazer pensar que deve existir um vínculo mais profundo entre o subjetivismo e o

niilismo, pois, não pode ser também uma expressão do subjetivismo afirmar que na realidade

nada é bom ou maul? Nesse caso, a resposta depende apenas do que se entenda por bom e bem

ou mau e mal na realidade. Se entendermos o bom ou o mau, independentemente do que cada

Page 194: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

193

um sente, nesse sentido então o subjetivismo, nega do mesmo modo que o niilismo, que exista

algo bom ou mau. Se isto for o mesmo que está compreendido como niilismo moral, o

subjetivismo ético implica então um niilismo moral. Entretanto, vale a pena assinalar que o

subjetivista não está comprometido com o niilismo moral em seu sentido original: o

subjetivista não se sente obrigado a dizer que não se importa com nada, ou que nada é bom ou

mal. Podemos falar agora então do subjetivismo ético.

O subjetivismo ético nega que os fatos morais existam independentes de nossos

sentimentos. Ao realizar juízos morais, as pessoas não fazem nada mais do que expressar seus

desejos ou sentimentos pessoais. De acordo com esta posição, não existem “fatos” morais.

Vejamos o subjetivismo ético no caso de uma sociedade que aceita o “valor” da

nanotecnologia. Adotem a atitude que adotarem, seus cidadãos não terão, no entanto, a clareza

necessária sobre se sua escolha representa a verdade em termos de como devem se comportar

perante o uso dela. Considerando que a ética é uma reflexão sobre a moral, o reconhecimento

do benefício da nanotecnologia para o ambiente e para a vida humana está também

estreitamente vinculado ao reconhecimento de que seu uso apresenta riscos e isso pode ser

moralmente incorreto. Lembramos que para Nietzsche, a busca do conhecimento e da verdade

só tem sentido para fazer vivível a vida; mas, para fazer vivível a vida se faz necessária uma

verdade mais alta que a pretendida verdade cuja busca se atribui ao uso pragmático, social e

mentiroso do intelecto, a realizar-se no homem a busca por algo em que este alcance maior

lucidez, de tal modo determinado a fazer possível a sociedade. Então, no sentido da verdade

em Nietzsche, dizer que a nanotecnologia é para o bem ou para o mal, parece canalizar para

ações conjuntas com o estabelecimento de termos que visem uma convivência social e uma

linguagem constituída - fato social por excelência – com amplos espaços para

questionamentos e diálogos, criados e mantidos até o ponto que seja afastada a origem

arbitrária do ‘invento’ em questão. Nesse caso, há que se exercer o labor de lucidez,

incrustado na palavra ‘criação’, sobre a importância desse invento. Somente assim, se poderá

interpretar e avaliar porque uma sociedade aceita ou se opõe às pesquisas em nanotecnologia,

se o faz apenas porque crê que a mesma implicará benefícios ou riscos (que afetarão à ética e

serão, pois, imorais) ou por quais outras razões.

Uma possibilidade consiste em que podemos concordar com essa sociedade e

confirmar que, por exemplo, no caso do uso de ‘nanopartículas’ na fabricação de

medicamentos para a cura de determinadas doenças, uma vez que para alguns estes

Page 195: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

194

nanoelementos são potencialmente mais tóxicos106, se trata de um ato imoral. Outra

possibilidade é que podemos discordar e dizer com conhecimento de causa que essas

nanopartículas têm uma boa viabilidade celular e biocompatibilidade (grande semelhança com

a estrutura celular), apresentando o uso desses medicamentos pouco motivo para preocupação,

o que é moralmente aceitável. Mas existe ainda uma terceira possibilidade. Levando em

consideração que para o subjetivismo ético, no que diz respeito à moralidade, não existem

fatos e nada tem ou não razão, já que os juízos morais expressam sentimentos, ao

reconhecerem o mal ou o bem no uso da nanotecnologia, as pessoas nada mais estarão

fazendo que expressarem seus próprios sentimentos pessoais sobre o uso de tais

medicamentos. Logo, dizer que se trata de um malefício nada mais é mais que uma forma de

compreender a nanotecnologia, inclusive caso o seja feito em termos de um mal maior,

comparativamente ao que se refere à biotecnologia. Outros poderão reconhecer o benefício, e

seus sentimentos não pesarão nem mais nem menos do que aqueles das outras pessoas que se

lhes opõem. No caso do subjetivismo ético, os povos diferentes têm sentimentos diferentes, e

isto é tudo, nada mais fazendo do que expressar seus sentimentos pessoais.

Esta idéia do subjetivismo ético, lembramos, atraiu numerosos pensadores,

especialmente aqueles de inclinação empirista. Mas, mesmo que com esta postura seja evitado

que se tornem absurdos os veementes esforços de alguns pretendentes a reformadores, pois, os

juízos éticos dependem da aprovação ou desaprovação da pessoa que faz esse juízo e não da

sociedade em que essa pessoa se insere, existem grandes dificuldades a superar também para

o subjetivismo ético. Quando se afirma o perigo infligido por algo, na realidade, se está

apenas fazendo alusão ao mal na condenação feita à periculosidade endereçada a alguma

coisa, enfrentando o subjetivismo ético a mesma forma agravada de uma das dificuldades do

relativismo: a mesma incapacidade de explicar a divergência ética que este apresenta como

abordaremos a seguir.

O relativismo ético entende que o bem e o mal são relativos a cada cultura. Assim

sendo, numa dada cultura o bem coincide com o que é socialmente aprovado e o mal com o

que é socialmente desaprovado. Os princípios morais, por sua vez, descrevem convenções

sociais e devem ser baseados nas normas da sociedade, de certo modo relativas a

determinados fatores cultural e historicamente contingentes. Talvez, seja mesmo a

legitimidade das valorações morais, a respeito das sociedades com sistemas morais diferentes 106 Sobre isto, recomendamos a leitura da reportagem Nanotecnologia nos EUA: Riscos Ambientais, de Saúde e de Segurança já ocupam espaço no debate sobre avanço de produtos que incorporam nanotecnologia. Disponível em: <http://www.inovacao.unicamp.br/report/news-nanoEUA.shtml>. Acesso em: 2 de outubro de 2006.

Page 196: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

195

do sistema de quem emite o juízo de valor, incluindo as negativas, a questão prática mais

importante do relativismo ético. Cada um tem que ter por bem o que considera que é bom

para si, sem ter que submeter-se a critérios objetivos que, ao final das contas, seriam estranhos

às capacidades de sua própria liberdade. Postula o relativista ético que os valores são algo

privado, inclusive puras referências sentimentais e irracionais. O relativismo moral, segundo

entendemos, é uma resposta comum aos dilemas mais profundos que enfrentamos em nossa

vida ética atual. Alguns destes dilemas são muitas vezes expressamente públicos e políticos,

como a aparentemente insuperável desaprovação da organização não-governamental

canadense, Action Group on Erosion, Technology and Concentration (Grupo de Ação em

Erosão, Tecnologia e Concentração - Grupo ETC), ETC107, em relação às aplicações da

nanotecnologia na agricultura. Esta organização lançou na Cúpula de Johannesburgo, em

setembro de 2002, a idéia de uma moratória para pesquisas nanotecnológicas e, em 30 de

janeiro de 2003, publicou um documento de 84 páginas intitulado The Big Down: Atomtech -

Technologies Converging at the Nano-scale (que se pode traduzir como “O Imenso mínimo:

Atomotécnica - Tecnologias que convergem para a Nanoescala”)108, no qual está presente

entre outras constatações a de que a nanotecnologia já é uma realidade, inclusive de mercado

(estimado em US$ 45 bilhões anuais, devendo chegar a incrível US$ 1 trilhão em 2015). O

ETC publicou ainda o relatório “Down on the Farm: The Impact of Nano-scale Technologies

on Food and Agriculture”109, em novembro de 2004. Nesta reportagem, cujo título

corresponde em castelhano à La invasión invisible del campo, é feita uma abordagem sobre o

impacto das tecnologias de escala nanométrica na alimentação e na agricultura.

Como responder então à diversidade cultural entre sociedades? Se uma sociedade,

como por exemplo, a brasileira, condena a nanotecnologia enquanto a norte-americana em

boa parte a aceita, não temos bases para escolher entre ambas as perspectivas antagônicas, a

não ser que o decidamos por nós mesmos. Mas com que compromisso, com que critérios

éticos de validação das condutas, com que certa teoria moral se defende tais e tais regras, que

estejam fora dos pilares da visão moral antropocêntrica que opera na dicotomia entre homem

e natureza a que fomos acostumados, pois nos embala desde o berço renascentista e que

também acalentou o experimentalismo e o individualismo? Como fazer a ruptura com a

107 O acesso ao ETC está disponibilizado pelo endereço eletrônico: <http://www.etcgroup.org>. 108Disponível em: <http://www.etcgroup.org/en/materials/publications.html?ppage=2&limit=15& language=notSpanish&keyword=Biological+Warfare>. Acesso em: 2 de outubro de 2007. 109 Disponível em: <http://www.etcgroup.org/documents/ETC_DOTFarm2004.pdf>. Acesso em: 2 de outubro de 2007.

Page 197: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

196

concepção moral tradicional à qual Kant se filia ao estabelecer a posse da razão como critério

necessário para o ingresso na comunidade das ações em relação às quais os agentes morais

têm dever de considerar os interesses daquele que for afetado por elas, sem estarmos

exaltando a nós mesmos outra vez? É possível superar o antropocentrismo, sem correr o risco

de anular qualquer dualidade em relação ao ser humano e a natureza? Como falar em

naturalismo que afirma a unidade entre a sociedade e a natureza, entre a ciência do homem e

da natureza, sem contrariar radicalmente a corrente de pensamento culturalista que tem por

conta, acima de tudo, a influência que o social exerce sobre os indivíduos? Para melhor nos

situarmos, falemos um pouco dessas duas vertentes, afinal, ainda temos nosso olhar sobre o

mundo marcado pelo costume, hábito ou idéia consolidada de pensar as coisas em termos de

oposições bi-polares, assim como o binômio naturalismo versus culturalismo. Ética e

moralmente, serão estas duas correntes de pensamento vertentes tão antagônicas e

inconciliáveis?

O naturalismo, entendido mais ou menos o que pudemos apreender de autores

estudados, uma vez que são muitas as variantes desta corrente de pensamento, além de que

existe uma diversidade interpretativa nas distintas em áreas e, também, aconteceram muitos

avanços com as novas escolas de reflexão moral, tem como característica no seu sentido

filosófico a tentativa unificadora de considerar a natureza enquanto totalidade de realidades

físicas existentes. Afirma, assim, que as leis naturais estendem seu âmbito de validade ao

denominado reino do espírito, sendo tais leis tudo o que precisamos para explicar os

fenômenos mentais. Tal posição reduz os fenômenos mentais aos fenômenos biológicos, os

quais, por sua vez, são reduzidos aos fenômenos físicos. No seu sentido científico, para o

naturalismo, a natureza constitui o conjunto da realidade e somente pode ser compreendida

através da pesquisa científica. Esta corrente de pensamento é um dos princípios básicos em

torno dos quais se organiza toda a ciência, sustentando que as causas e os fenômenos

sobrenaturais devem ser eliminados, que tudo o que acontece deve ter uma causa

compreensível que se baseia em evidência empírica e submete-se a leis físicas e à causalidade.

O naturalismo afirma que as relações de causa-efeito (como na física, na química e também

na biologia) são suficientes para explicar todos os fenômenos; as concepções teológicas que

possam sugerir qualquer intenção e necessidade metafísica no estudo da realidade, ainda que

não seja por isso que devam ser invalidadas, não são tomadas em consideração. As ciências da

cognição em geral, e particularmente, a psicologia evolucionista, adotaram o paradigma do

estudo naturalista do homem. Lembramos que os fenômenos biológicos são estudados de

Page 198: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

197

acordo com as categorias que constituem o discurso biológico e os paradigmas nos quais se

desenvolve hoje a ciência biológica. Por outra parte, se integra assim com o discurso ético.

Para produzir dita integração com o discurso biológico, deve-se ter em conta algo mais que o

discurso científico em si: a racionalidade científica, a valoração científica, já que são pelo

menos estes discursos (o científico e o ético) os que se encontram na bioética. Para a Biologia,

os indivíduos ou espécies têm uma razão de ser (finalidade, teleologia) e, por exemplo, seria

eticamente negativo distorcer esta teleologia. Se isto é o que entendemos à natureza, ocorrerá

o mesmo. Esta situação merece ser abordada interdisciplinarmente, com o objetivo de criar

um marco referencial comum. É, pois, sumamente importante a clarificação dos conceitos que

definem o discurso biológico, espécie, natureza, pessoa humana, ser humano, teleologia etc.

O naturalismo ético identifica as propriedades morais com propriedades naturais.

Deste modo, a ética deixa de ser epistemologicamente problemática, uma vez que podemos

conhecer os fatos éticos através dos meios sensoriais comuns pelos quais conhecemos os fatos

naturais, pois os fatos éticos são apenas fatos naturais. O bem pode analisar-se ou explicar-se;

pode reduzir-se a outra coisa ou identificar-se com outra propriedade. Na realidade, os

naturalistas pensam que o bem, uma propriedade única e sui generis, não existe (e o mesmo

vale, naturalmente, para a maldade, a retidão e seu contrário). Se isto é verdadeiro, as

propriedades morais não colocariam dificuldades filosóficas especiais. Uma vez que o

naturalismo nega qualquer transcendência ou destino sobrenatural para a humanidade, os

valores devem encontrar-se dentro do âmbito social. Os valores, logo, são relativos aos

valores vitais ou da vida, aqueles valores de que é portadora a vida (vigor vital, a força, a

saúde etc.) no sentido naturalista desta palavra, isto é, o Bios. Foram estes os valores que se

reputaram como os mais elevados de todos na sua escala axiológica, como os únicos mesmo,

correspondendo ao que se chama também biologismo ético ou naturalismo. Em alguns

aspectos do naturalismo, seja pela via do apriorismo, seja pela do empirismo utilitarista,

promoveu-se com o pragmatismo mais recentente um giro completo, sem lugar para o

retorno ao naturalismo ético.

Na ética naturalista, a ordem moral baseia-se na ordem natural, em costumes,

inclinações ou em alguma forma de utilitarismo, pensamento segundo o qual o útil é bom,

uma posição defensiva que implica em que cada um deve esforçar-se em desenvolver um bom

caráter porque a posse de bons critérios morais pela maioria das pessoas maximiza a utilidade

geral. O utilitarismo é uma teoria naturalista sobre os fundamentos da moralidade. Na

verdade, este dado referencial pode ser indicado por aquilo que se denomina princípio da

Page 199: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

198

utilidade, destacando que para autores do século XVIII, como David Hume (1711-1776) e

Immanuel Kant (1724-1804), por exemplo, o termo “princípio” se referia a algo que está

realizado na mente de uma pessoa.

David Hume (1711-1776) é considerado o grande introdutor do termo “utilidade” em

nosso vocabulário moral, utilidade esta fundamentada em sentimentos humanos apenas e sem

apelo a comandos morais divinos, o que resultou em uma crítica ferrenha à sua doutrina por

ser concebida sem Deus. Na concepção de Hume (1995), que diferenciava dos fisiocratas por

postularem uma ordem de mundo providencial, harmoniosa, imutável e beneficiosa, tudo

aquilo que estava além do conhecimento humano era muito mais afeto à natureza do homem

que à natureza do mundo. O homem é uma criatura mais de percepção sensível e prática, que

de razão. Vale salientar que Hume praticava a observação e para ele os conhecimentos surgem

da experiência sensível, sendo um empírico defensor de que as oportunidades para realizar

experimentos genuínos eram muito limitadas dentro do âmbito das ciências sociais,

confiando, por isto mesmo, muito mais na introspecção e nas lições da história. Foi, talvez,

tendo como ponto central o estudo dos valores e interesses, pertinentes ao ser humano, diante

do conceito comum do bem e do mal, um dos precursores a fazer uma aguda distinção entre o

que é (o que as coisas são, como são e por que são) e o que deveria ser, entre juízo de fato e

juízo de valor (afirmações emitidas baseadas em crenças, valores, princípios ou percepções de

cada indivíduo), quer dizer, entre as “afirmações positivas” e as “normativas”, distinção esta

que haveria de tornar-se algo fundamental nas modernas ciências sociais. Hume via a

experiência enquanto a associação de idéias por costume e hábito, sendo esta a essência da

inferência causal. Uma vez que existe limitação na observação humana e é assim que o

observador passa de uma impressão para uma idéia, regularmente associada com ela, não

significa que um evento primeiro seja a causa do outro, concluindo Hume que pode haver

uma relação entre um e outro evento, mas não uma causalidade. Marcou com isso sua ética,

admitindo que o homem deve recusar todo sistema ético que não está fundamentado nos fatos

e na observação, indicando que o problema moral e o princípio moral coincidem com a

agradabilidade ou a utilidade de alguma coisa, gerando dúvida na sua aprovação ou

desaprovação, logo, os juízos morais expressam essencialmente nossos sentimentos, reações

emotivas perante uma utilidade que é, de certo modo, um fim para alcançar a felicidade. Para

Hume, as qualidades estimáveis são a virtude de algo e esta virtude é primária; por sua vez, os

atos pertinentes adquirem mérito somente na medida em que manifestem um caráter virtuoso,

ou seja, somente serão atos bons desde que tenham uma relação estreita com os motivos

Page 200: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

199

virtuosos. Neste aspecto, considerado cada caso em particular, as qualidades de alguma coisa

são valorizadas seja pela sua utilidade ou por sua agradabilidade, tanto para os que a possuem

como para os outros, de modo que o sentimento de aprovação surge da consideração

simpática face aos efeitos aprazíveis do motivo em jogo.

Entendemos assim que, na visão de Hume, com base em seu sistema moral, o que

pode produzir a aprovação da nanotecnologia e suas aplicações está necessariamente

vinculado ao fato de que as mesmas objetivem a felicidade das pessoas em geral e do próprio

eu, o que não quer dizer que seja exigida uma fórmula apropriada à realização de uma

felicidade maior para o maior número possível de indivíduos. Importa que suas qualidades

sejam aprovadas conforme sua utilidade, ou os efeitos aprazíveis que são capazes de

proporcionar. Os atos, as decisões, os procedimentos todos realizados em torno à

nanotecnologia, não podem permanecer indiferentes ao bem-estar dos indivíduos, nem serem

julgados facilmente por si mesmos, sem a consideração ulterior de que é um bem o que

promove a felicidade dos outros e um mal o que tende a conduzi-los à miséria. O interesse

pessoal não é o único móvel do homem; há, além disso, um bem comum: o bem-estar e a

felicidade individual, proporcionados pela nanotecnologia e suas aplicações devem estar

estreitamente unidos ao bem-estar e à felicidade coletiva. A teoria utilitarista de Hume se

colocou como a precursora imediata das concepções utilitaristas clássicas dos mais

expressivos representantes do pensamento utilitarista, embora tenha um certo caráter

hedonista enquanto uma versão que identifica o bem-estar com o prazer e a ausência de

sofrimento. Vemos a correspondência com um utilitarismo altruísta, de modo que, nesse

caso, o que responde pela maior parte da moralidade envolvida com a nanotecnologia é a

preocupação com os outros, devendo a justiça todo o seu mérito à utilidade pública no sentido

de acompanhar se os atos respondem ou não à inclinação e à utilidade para a vida social; daí

sua importância.

No seio do utilitarismo estão as éticas teleológicas (ou materiais), rivais das éticas

deontológicas (estudo do que convém, em termos de ação) segundo as quais o centro do valor

moral está nas regras morais.

Na obra, Crítica da razão pura, Kant aborda os limites do conhecimento humano,

buscando superar o ceticismo de Hume, colocando a razão pura, e não a prática, como o

centro da criação filosófica. Todo nosso conhecimento começa com a experiência, mas nem

por isso todo ele procede dela; nesse caso, se entende por conhecimento a priori (formas

como intuição, espaço e tempo, inerentes, não aos objetos, senão ao sujeito que os intui) todo

Page 201: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

200

aquele que é absolutamente independente de toda a experiência, e por conhecimento a

posteriori o empírico, ou seja, o que só é possível mediante a experiência. A natureza humana

é (ao menos em parte) produzível por si mesma, através da ação livre do homem, e este é

incapaz de conhecer a essência das coisas, de dizer com precisão o que determinada coisa é,

pois o conhecimento não ultrapassa a esfera das efetivas ou possíveis experiências

sensoriais, ficando vazias as formas estruturais da razão, por não serem preenchidas pelo

material aportado pelas sensações, marcando-se, assim, a separação essencial do homem

moderno da grande objetividade do mundo inapreensível aos sentidos, que atuam na

perspectiva da escala humana, e não extra-humana. Um sentido no qual alguma coisa é útil,

é que ela pode ser aplicada a nós, com o intuito de transformar a nós mesmos e esse

conhecimento prático do ser humano contribui para a sua prudência em relação as suas

escolhas.

Kant se distingue dos utilitaristas tentando resolver impasses morais, afirmando em

sua filosofia moral, que a essência da moralidade está no “motivo” pelo qual um ato qualquer

é praticado, buscando imputar à razão, e somente a ela, a capacidade para criar leis morais de

aplicação. O filósofo propõe o imperativo categórico ou dever, cujo fundamento está no

princípio objetivo da vontade, segundo o qual a natureza racional existe como fim, o que nos

mostra uma visão sobre a ética e sobre o juízo moral baseado na racionalidade e somente nela.

O imperativo afirma que devemos operar somente segundo uma máxima tal, em que

desejemos, ao mesmo tempo, que esta se converta em uma lei universal, permitindo-nos

inferir se uma dada ação é moralmente correta e se a regra nela envolvida é moral. Os

imperativos da razão não têm em vista nenhum resultado imediato, a não ser a obediência

irrestrita ao dever, que é o que determina e dita as normas do ser humano consigo mesmo,

com a sociedade e com o próprio Deus. Não há o bem e o mal como noções fundamentais;

estes são determinados de acordo com o dever. Assim, bem é tudo que é necessariamente

ordenado por tal imperativo e o mal é tudo que não pode ser objeto de um imperativo

categórico: é tudo que não pode ser lei universal. Desse modo, as inclinações do homem ao

mal, das quais é dotado por natureza, somente dificultam a execução do bem; o mal autêntico,

em troca, consiste em alguém não querer resistir àquelas inclinações quando o incitam à

transgressão, e esta má intenção é propriamente o verdadeiro inimigo. Kant valoriza a

intenção da ação. O dever de agir (ética deontológica) sobrepõe-se, pois, às conseqüências da

ação. Agir bem implica uma boa intenção (razão ou motivo) e uma boa vontade; ou seja, toda

ação é boa se a intenção subjacente a ela for boa e se for pensada como boa vontade, se for

Page 202: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

201

universal, no sentido de que o que for decidido fazer seja bom não apenas para si próprio, mas

para todos os outros. Se não for uma ação egoísta ou só pensada em função do eu unicamente,

então terá uma dimensão ética, nesse caso, os imperativos podem ser indispensáveis para a

convivência na sociedade, sobretudo, quando esta não tem as condições de decidir por si

mesma, de caminhar com suas próprias pernas. Uma liderança moral é um bom negócio,

representando a tarefa superior de supervisionar as atividades que possam gera riscos e

prejudicar a terceiros. O bom é que, desde a ética em qualquer situação, possamos perguntar-

nos por que devemos cumprir essas normas, de onde vem a sua legitimidade, tratando-se de

buscar o fundamento dessas normas.

Sob o prisma da visão kantiana, analisemos o caso de uma determinada organização,

por exemplo, que intenta lutar contra a aplicação na agricultura de produtos que contenham

nanopartículas, uma vez que estas parecem apresentar uma toxicidade diferente das versões

maiores do mesmo composto, criando um fundo para gerir os recursos que se destinarão aos

mecanismos de combate ao uso de insumos agrícolas que incorporem nanotecnologia. Ajudar

os agricultores a não serem acometidos pela toxicidade das nanopartículas é uma boa ação,

suposta numa intenção boa de lhes facilitar melhoria da qualidade de vida. A intenção pode

ser boa, no entanto pode ter conseqüências desastrosas se a organização tiver como intenção a

de impor seus interesses e monopólio pelos clássicos produtos, porque a mesma possui

investimentos no mercado da agricultura ocupada diretamente com a venda ou troca de

sementes viáveis para o cultivo. Caso existam interesses próprios a defender e a intenção de

tirar algum proveito desses interesses, a ação dessa organização é diretamente correspondente

à mesma das empresas que vendem produtos com base em transgênicos ou tecnologias

nanoscópicas para uso na alimentação e na agricultura. Em um e outro caso, não é diferente

do que fazem os EUA, ao investirem no fomento de violência e guerras para proteger seus

interesses econômicos, com bons propósitos ao servir determinado país com armamentos,

mantimentos e o que demais seja preciso.

O que se conclui, é que a pessoa pode agir de acordo com o dever, mas pode muito

bem agir movida por interesses egoístas. É o mesmo caso da atitude de qualquer comerciante

que é honesto para com os seus clientes apenas para ter mais lucros, que promove campanhas

em prol do ambiente, quando, por exemplo, vende coisas que afetam o mesmo. Ora, ele não

engana ninguém, não rouba, nem viola as leis. Exteriormente, a sua ação está de acordo com o

que deve ser feito. Mas, ao fazer tudo isso a fim de promover o seu próprio negócio, este

Page 203: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

202

comerciante não age moralmente bem. A sua ação é praticada apenas como um meio para

atingir um fim pessoal.

Uma ação pode ser então conforme ao dever e, no entanto, não ser moralmente boa. O

fato de uma determinada organização atuar contrariamente à aplicação de produtos à base de

nanoparticulados na agricultura e ajudar a proteger os trabalhadores contra riscos

significativos que possam ser apresentados mediante a aplicação dos mesmos, é feito porque

dá prazer a esta organização ajudar, porque para seus membros a virtude, por si só, é parte

integrante de sua felicidade, de sua paz de espírito e de sua ausência de dor ou de culpa. É

porque isso é o certo, não porque se é bom! Afinal, não existe um prazer em dar tapinhas nas

costas das pessoas e mostrar-lhes ajuda e proteção para assegurar-se de que se é um cidadão

compromissado e legal? A virtude, para alguns, dá ibope! Mas nada é dito sobre o modo

como concretamente se deve fazer para tratar os outros como “fins em si”, do tipo, como fazer

para proteger o agricultor da toxidade das nanopartículas. Na ética kantiana não há legislador,

em geral, são sugeridas posturas universais aplicáveis a todas as situações, no sentido de que

todos as percebemos como obrigatórias.

É uma ética interessante para a discussão dos grandes princípios, pois tem que ver com

as expectativas de comportamento recíproco, ou seja, quanto ao que eu espero dos demais e o

que os demais esperam que façamos, mas é vazia de conteúdo, tornada uma coisa estéril, de

escassa validade na nossa conduta cotidiana por ser incapaz de ser aplicada nas questões

importantes dada sua incapacidade de nos dar respostas concretas sobre como devemos

deliberar e agir em situação contextual, já que não nos indica regras concretas do agir,

pautando-se em princípios formais, abstratos que não resolvem problema moral algum, não

ordenam o que fazer, mas que são a referência para o modo de agir. O imperativo carrega em

si as marcas de noções religiosas fundamentais (a idéia de céu e inferno, de recompensa e

castigo), como no modo: Seja misericordioso com as pessoas, com a humanidade, te

entranhes de misericórdia perante seu sofrimento!

Em resumo, o certo e o bem (que fazem o indivíduo desenvolver-se) e o errado e o

mal (que impedem o indivíduo de ter esse desenvolvimento), foram conceitos que sofreram

profundas modificações no seu significado ao longo do tempo, mas com sua tese do

imperativo categórico, ninguém mais que Kant levou tão longe essa mudança de significado.

Sua ética, de caráter deontológico, centrado no dever e na racionalidade, o valor moral da

ação reside na intenção e não nas conseqüências do ato (lembrando que o enfoque

conseqüencialista é uma forma particular de utilitarismo em que a ação moralmente correta é

Page 204: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

203

a que tem como conseqüência um bem maior para as pessoas envolvidas). O filósofo, no seu

idealismo transcendental, não concede nenhuma garantia de que nosso saber sobre o cosmos

corresponda com a realidade, pois que anseia por conhecer aquilo que as coisas são “em si

mesmas” sem introduzir para nada a experiência. Deste modo, Kant afeta a pergunta em torno

de como é possível o conhecimento da realidade das coisas que conhecemos tal como resultam

em sua organização pelas formas próprias de nosso intelecto e com as intuições próprias de nossa

sensibilidade, abrindo precedentes para a época do relativismo e do dever ser moral.

Com respeito à naturalização da moral, Aristóteles e Hume são dois autores

especialmente considerados. Platão, Aristóteles e Kant crêem firmemente que existem

verdades morais universais que são independentes de convenções sociais particulares.

Aristóteles chama a consciência moral e seus princípios de “razão prática”. Kant ressuscita

essa denominação aplicando à consciência moral o nome de razão prática, sendo apontado

como o contraponto racionalista a um projeto de naturalização da moral, defendendo um

subjetivismo que afeta o conhecimento matemático e o saber sobre o mundo físico, como os

únicos conhecimentos certos que o homem pode ter. Uma determinada ação poderá ser boa ou

má, dependendo das circunstâncias e das conseqüências. Já a felicidade foi uma das questões

abertas em Aristóteles que define o bem do homem como um estar bem e fazer o bem,

defendendo o exercício das virtudes como a parte central de nossa vida. Seu sistema ético

ganha seu sentido neste exercício, que proporciona a escolha de uma boa ação como resultado

imediato. Para o filósofo, os meios para atingir um fim pedem juízo, e por isto mesmo é que

as virtudes entram em ação, sendo necessárias como capacidade para proceder ao julgamento,

à opinião (considerando que particularmente, uma opinião correta pode ser o verdadeiro), e

atingir assim a ação correta, o fazer correto, no lugar certo, no momento certo e da forma

mais correta, ação esta que por si só revela o caráter da pessoa.

Vale dizer que Kant (2000) tem como um dos conceitos centrais na sua doutrina moral

também o de felicidade. Para ele só é moral tudo aquilo que contribui por todos os meios para

que se realize o soberano bem possível no mundo, ou seja, a felicidade geral no universo,

associada à mais pura moralidade e conforme com ela. O pensador usa a palavra

“pragmático” para referir-se e caracterizar os conselhos de prudência que diferem das regras

de destreza e dos mandamentos da moral (fundamentação da metafísica dos costumes), sendo

que o seu princípio da primazia da razão prática é já uma antecipação do pragmatismo. Mas

foi a reflexão sobre a obra kantiana, Crítica da razão pura, que levou inicialmente Peirce a

formular a doutrina de que as confusões da metafísica podem ser deslindadas se tiver-se em

Page 205: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

204

consideração as conseqüências práticas das idéias.

Pode-se dizer que o pragmatismo norte-americano não é uma corrente filosófica

unitária, mas que nasceu basicamente com Charles Sanders Peirce, e se envolveu

imediatamente no senso utilitarista com William James e também no senso instrumentalisa

com John Dewey. Dewey fez a síntese das aspirações sociais norte-americanas da segunda

metade do século XIX, tomando como base o evolucionismo de Charles Darwin e o

pragmatismo de William James em sua concepção de experiência para englobar todas as

dimensões da ação vivida, sem privilegiar apenas o papel que ela desempenha na produção do

conhecimento científico. O pragmatismo de Dewey se aproxima mais da filosofia social ou

mesmo de uma prática mais política, orientando para que a filosofia deva reproduzir na área

sociopolítica, o que a ciência moderna realiza na área tecnológica. Dewey buscou trazer do

pragmatismo, numa perspectiva conseqüencialista, a contribuição para o conhecimento

social a tornar mais consciente e responsável uma sociedade, ao mostrar-lhe que a mesma é

produto dos atos criativos dos atores coletivos, ilustrando-se que na filosofia a visão

pragmatista está mais vinculada às discussões em torno da teoria do conhecimento, da estética

e da ética.

Podemos então melhor delimitar que o pragmatismo americano tem em seu solo o

pragmatismo metodológico de Peirce, o pragmatismo utilitarista de James e o

instrumentalismo de Dewey. Assim, temos correntes pragmatistas afins, o que não quer dizer

iguais. Enquanto Dewey procura romper a dicotomia entre a ciência e a filosofia, por seu

turno Émile Durkheim, pleiteando a sociologia como uma ciência positiva, a partir das críticas

que foram feitas à corrente americana, concebe que o pragmatismo, tal como a sociologia, se

debruça sobre a “ação” e a “vida”. Durkheim (2004), revendo suas posições anteriores, entre

outras contribuições, faz uma rigorosa revisão teórica e critica do excessivo individualismo

que marcou o pragmatismo clássico (e que já não caracteriza o pragmatismo atual), na

relação entre indivíduo e sociedade, mostrando a importância do indivíduo no coletivo. Para o

sociólogo, o indivíduo tem como papel o de ser um verdadeiro criador cujo principal fator de

renovação do social ele relaciona à consciência. Posteriormente renovou o racionalismo

francês com relação à questão da verdade e do conhecimento, ressaltando do pragmatismo o

sentido da “vida” e a “ação”. Desacreditando a ortodoxia que marca o antigo racionalismo,

defende que este deva ser substituído por um outro que considere a verdade a partir de um

quadro, necessariamente, tanto histórico quanto social. Mas, o pensador não deixou de

enfatizar a superioridade da Sociologia como ciência que possibilita o entendimento e as

Page 206: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

205

ações inerentes ao progressivo desenvolvimento humano, rumo a uma sociedade formada não

apenas por fatos reais, mas, sobretudo, constituída por ideais morais. Durkheim tenta

fundamentar porque a Sociologia requer hoje do pragmatismo e, sobretudo, porque é vital

que este se abra agora para a Sociologia o que é fundamental, supomos, para definir o lugar

central que ocupa a ação para explicar a gênese social das categorias mentais.

O que vemos, é que Dewey, Durkheim110 e Pierce compartilham com Darwin a

responsabilidade com o sentido da vida e das ações, inerente ao progresso humano, que

também subjaz ao pragmatismo, no mesmo rumo naturalista evolucionista.

De acordo com Peirce, que articulou problemas modernos da ciência, a verdade e o

conhecimento, conhecemos as coisas pelo leque das conseqüências que seu desempenho

causa na experiência possível. Peirce reformula o ceticismo cartesiano com o falibilismo111,

recorre ao suporte do evolucionismo como uma possibilidade de avançar em relação ao

nominalismo e ao associacionismo, ataca o mecanicismo determinista e a crença numa

necessidade causal, e elabora uma interpretação evolucionista do cosmos e do lugar do

homem, com a articulação que faz entre novidade-continuidade.

Tentando desvencilhar-se nos últimos anos da denominação “pragmatismo” devido

às más interpretações que deram a esta corrente, Peirce prefere cunhar sua filosofia como

pragmaticismo. O filósofo norte-americano, atento aos procedimentos que regem as

atividades do organismo humano e seguindo o modelo de funcionamento biológico dos

sistemas cognitivos manifesta uma clara preferência pelo modo de operar da ciência,

considerando sua capacidade de predizer resultados e forma evoluída de investigação, daí a

razão do seu cunho valorativo com relação ao pensamento científico na certificação de uma

verdade de uma idéia ou objeto.

A verdade, portanto, pode ser ‘medida’ através da investigação científica conforme

seu caráter vinculado à utilidade e com este aspecto marcando o realismo do pensamento

peirceano como a tentativa de escapar das armadilhas, tanto do idealismo quanto do 110 Também constamos que outra figura destacada neste vínculo com o pragmatismo, foi o filosofo e sociólogo Georg Herbert Mead (1863-1931), mediante a psicologia social, que traria com Dewey a proposta do que referencia como “evolução emergente”. Esta evolução é compreendida no sentido da capacidade de modificação que têm os atores, através de inovações não planejadas, dos estandartes culturais que aparentemente são os determinantes últimos da conduta social. Desse modo, a liberdade do agente social se estabelece não apenas com respeito às normas e valores senão, também, frente à necessidade de mudança das estruturas dentro das quais ambos se realizam, correspondendo a “emergência” à irrupção do não planejado, mas possível de acontecer e que aparece como um componente da ação que foi pensada por Mead. 111 Doutrina inicialmente desenvolvida por Karl Popper nos anos 30 do século XX. Karl Popper que admite o reconhecimento do erro como possibilidade do conhecimento científico, quebrando o paradigma de validade inquestionável do conhecimento adquirido. Assim, qualquer crença individual pode estar errada, isto é, aberta à dúvida, como uma conseqüência necessária do reconhecimento da limitação e finitude do ego humano.

Page 207: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

206

materialismo, na questão do conhecimento. O ato cognitivo situa-se diretamente articulado à

percepção e à ação do sujeito cognitivo, em seu processo de interação evolutiva com o

ambiente, o que impregnou a ciência norte-americana do “espírito de laboratório”.

Peirce (1877) formula sua teoria com os pés fincados na “realidade”, em uma

perspectiva eminentemente empirista, ao qual denomina de “método científico de obtenção da

crença”, e na direção da importância que concede também ao ato de “duvidar”, entendendo

que, embora sejam bem diferentes, tanto a dúvida como a crença têm efeitos positivos sobre

nós. Peirce faz esse argumento, tendo em conta sua preocupação com as situações em que

queremos perguntar uma questão ou pronunciar um julgamento, em face de sua constatação

de que existe uma divergência entre a “sensação de duvidar” e a de “acreditar”. Considera que

a nossa realidade, posta em crença - a crença também guia os nossos desejos e orienta as

nossas ações -, não nos faz agir imediatamente, colocando-nos numa posição em que nos

comportaremos de certa forma, quando surge uma ocasião para a qual não temos ainda

respostas, a dispormos, assim, de um estado de satisfação, de equilíbrio entre nós e o

ambiente, como uma espécie de “hábito” da mente que nos coloca de acordo com a realidade.

Isso não quer dizer que para Peirce, exista uma realidade independente de nós, mas não cinde,

nos parece, “realidade” e “experiência”, argumentando que é com base em nossa

“experiência” que fazemos a contemplação imediata de algo com que entramos em contato, a

dizermos que estamos já vivendo na “realidade”. A “dúvida”, segundo o filósofo, não tem um

efeito deste tipo, mas motiva-nos de algum modo a agir até que a mesma seja dissipada e

tenhamos a resposta que julgamos precisar. Peirce faz analogia entre desta situação com o que

acontece durante a excitação de um nervo e a ação reflexa consequentemente produzida,

explicando que, como no caso da crença, falando em termos de sistema nervoso, precisamos

atender às denominadas “associações nervosas”, por exemplo, às apropriadas para aquele

“hábito” dos nervos em consequência do qual o cheiro de um pêssego maduro pode fazer

“crescer água em nossa boca”.

Tomando a “experiência”, então, como ponto de partida apropriado para qualquer

investigação filosófica, para Peirce, a existência do mundo não se dá fora do alcance da

experiência. É a partir das interações entre as coisas em nossa experiência que vai se

constituindo um tecido de relações evidenciáveis ou semióticas, em que umas coisas se

convertem em evidência ou signo de outras. Forma-se assim, no processo de adequação e de

realidade, uma espécie de rede neuronal ou sináptica. Peirce admite os significados como

Page 208: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

207

regras para usar e interpretar as coisas, sendo a interpretação sempre uma imputação de

potencialidade para algumas conseqüências.

James, por sua vez, vai assumir assume o método pragmático de Peirce em sua teoria

pragmatista da verdade, segundo a qual a verdade é uma virtude de algumas de nossas

crenças, sendo verdadeiras as crenças que se adequam à realidade. Esclarece, porém, que o

pragmatismo aceita esta definição, porém discutindo, no entanto, o que deve entender-se por

“adequação” e por “realidade”. Assim, para James o conceito de realidade deve incluir fatos

concretos, gêneros abstratos de coisas e suas relações intuitivamente percebidas entre elas e,

também, de todo o corpo de verdades de que já dispomos, encaminhando uma nova

concepção pragmatista mediante uma aproximação com os modelos filosóficos do senso

comum, concebendo que “adequação” pode ser entendida como instância metafísica, fora do

alcance da experiência, mas é conduzida pela realidade.

Não é para nós nem um pouco fácil, ainda, dizer o que é o pragmatismo, desde

Peirce, de um modo que satisfaça a todos e a cada um de nós, mesmo porque atualmente esta

corrente se difunde e amplia com o reconhecimento inevitável do impacto imediato da

experiência e da significação da ação sobre a teoria. É igualmente difícil falar sobre a ética

pragmática. Normalmente, a encontramos associada à idéia de que alguma coisa somente é

verdadeira se funciona, se tem pleno êxito, o que nos remete à tendência de afirmar que o

conhecimento é um instrumento a serviço da atividade e que todo pensamento possui uma

finalidade prática. Nesse caso, a função do pensamento é guiar a ação, e a verdade deve ser

examinada preeminentemente por meio das conseqüências práticas, sendo esta uma

proposição que consiste em afirmar que é útil e bom tudo aquilo que é exitoso, que funciona

bem e que traz satisfação. Aponta-se aqui a crítica comumente feita aos pragmatistas de que

tal posição não é ética, pois, a sugestão do pragmatismo é a de obter vantagem, de apostar-se

em decisões que tragam as melhores vantagens. Em síntese, o traço característico das teorias

pragmatistas reside na centralidade que estas concedem às práticas no que diz respeito à

gênese e estrutura da normatividade cognitiva, deslocamento até as práticas este que significa

uma definitiva ruptura com a epistemologia clássica, tendo como tal aquela que fundia suas

raízes no ideal de ausência de pressuposições do cartesianismo.

Enquanto que para os deontologistas, os problemas são levantados em torno da

dificuldade que eles têm em dizer exatamente o que são os deveres e os direitos

concomitantes, havendo muito pouco consenso a respeito disso pendendo os impasses para o

Page 209: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

208

debate subjetivismo-objetivismo que parece infindável, com o utilitarismo não é diferente em

termos de repercussões críticas.

O utilitarismo é uma espécie de conseqüencialismo ético (lembrando que outras são

o egoísmo ético e o altruísmo ético) que sustenta que uma ação só é moralmente correta

caso os seus resultados sejam mais bons do que maus e promovam a felicidade do máximo

possível de pessoas, tendo como conseqüência portanto um bem maior para todos, inclusive

para o agente. Do contrário, a ação é moralmente incorreta. Os ataques mais freqüentes ao

mesmo têm se dado de muitas maneiras, sobretudo, no sentido que acarreta a mentalidade de

que “o fim justifica os meios” e por não oferecer argumentos satisfatórios pelos quais seja

possível estabelecer uma diferença entre o conjunto de ações que conduzem ao mais prazer

para um maior número de pessoas e o daquele que não conduz, levantando praticamente

grandes questões, a exemplo de: Como definir esse bem? Por quem? Que fazer no caso de

bens incompatíveis? O número total das pessoas envolvidas deve ou não contar? E caso conte,

como é que conta? Estes são apenas alguns dos problemas iniciais apontados, com o

precedente de que se nos ativermos ferrenhamente ao conseqüencialismo utilitário,

ficaremos sujeitos a passar todo o tempo tentando calcular o efeito preciso de cada ação,

correndo o risco de não fazermos seja lá o que for, lembrando ainda que os opositores do

pensamento utilitarista vêem diversos problemas no cálculo utilitarista que mede a

moralidade por suas conseqüências e que qualquer ação é potencialmente justificável quando

se baseia no aumento de utilidade para as partes envolvidas.

Para Jeremy Bentham e John Stuart Mill, dois outros grandes precursores desta

corrente de que estamos falando, a utilidade é o princípio de todos os valores no âmbito da

ação, enquanto que para o pragmatismo, o mesmo acontece, porém, no terreno do

conhecimento.

O utilitarismo representa a aproximação conseqüencialista da ética, que não parte de

regras, mas do objetivo de maximizar a felicidade de todos os envolvidos, e de minimizar a

sua infelicidade ou sofrimento. Jeremy Benthan concebia o princípio da utilidade como um

ato mental, um sentimento de aprovação, um sentimento que, quando aplicado a uma ação

aprova a utilidade que é considerada uma qualidade (da ação) e mediante a qual deve ser

governada a medida da aprovação ou da reprovação. Isto parece significar que “aprovar” a

aprovação de ações se baseia na sua utilidade. Este princípio pode ser exposto de uma

maneira ainda mais simples e precisa: uma ação é útil e, portanto, justa, ética e correta,

quando proporciona mais felicidade e prazer, do que sofrimento aos indivíduos. Deste modo,

Page 210: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

209

o prejuízo de alguns pode ser justificado pelo benefício de outros, desde que os outros estejam

em maior número (cálculo de maximização do bem). Isso quer dizer que quando os interesses

do outro têm que ser considerados, recorre-se ao cálculo de maximização do bem e de

minimização do mal, uma vez que se instaura o conflito justamente pelas divergentes

necessidades de cada um. Assim, é procedente o uso de cálculos na regulagem das ações

desde que os benefícios sejam mais elevados no usufruir de alguma situação prazerosa ou

para minimizar uma situação penosa, otimizando assim o bem-estar do conjunto dos seres

humanos.

Para Bentham, o princípio da utilidade consiste em encarar a felicidade, o prazer ou o

bem apenas no seu aspecto quantitativo, cabendo à razão calcular a quantidade de prazer

implicada, levando em conta a especificidade de cada ação, a que se possa determinar se deve

ou não ser efetuada. A qualificação dos efeitos tem como base a utilidade, sendo o bom tudo

aquilo que traz prazer e mau o que causa dor, sofrimento, acrescentando-se que, sob o ponto

de vista social, bom e justo correspondem ao que tende a aumentar a felicidade geral em que o

prazer e a dor combinam com motivação da ação correta. Bentham, fundamentado então na

ética hedonista, denota a prevalência da necessidade de fundar uma moral racional, mediante

um cálculo de tipo matemático, agregando uma escala de valores aos atos e mensurando seus

objetivos. Na moral utilitarista (utilidade, motivo e causa da ação, fontes do prazer,

intencionalidade etc.), os interesses do indivíduo concordam com os da sociedade.

Para exemplificar a questão utilitarista, analisemos uma situação, bastante recente, no

que diz respeito ao uso da língua eletrônica, nome dado ao dispositivo (um sensor gustativo),

desenvolvido pela Embrapa Instrumentação Agropecuária - EMBRAPA (São Carlos/SP)112,

projeto considerado mais famoso de nanotecnologia desenvolvido no Brasil. Trata-se de uma

ferramenta mais sensível que a língua humana para degustação e análise de bebidas, entre

elas, a água, vinho e café com rapidez, precisão, simplicidade e a um custo baixo.

A língua eletrônica é capaz de verificar a qualidade da água com precisão ímpar, a

detectar se existem contaminantes, pesticidas, substâncias húmicas e até metais pesados. As

bebidas são analisadas por degustadores e a avaliação de água é feita por análise química em

laboratório e são processos muitas vezes demorados, sendo possível fazer testes contínuos na

linha de produção em tempo real e em segundos, já que se trata de um equipamento que

permite medidas contínuas e de maior precisão. É evidente que essa ação produzirá um bem

112 Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em parceria com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Page 211: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

210

por possibilitar a eficiência na diferenciação sem dificuldade dos padrões básicos de paladar,

doce, salgado, azedo e amargo, em concentrações abaixo do limite de detecção do ser

humano, ilustrando que para algumas pessoas é algo totalmente desprovido de importância,

pois, questionam por que não continuamos dispondo de nossos próprios sentidos para fazê-lo,

se dão conta disso, sem ser por esse fator de caráter sentimental, a introdução da língua

eletrônica no mercado pode produzir também certo sofrimento, um certo prejuízo para os

técnicos degustadores de bebidas alcoólicas, intimamente relacionados com a viticultura e os

testes para avaliação do paladar de bebidas em geral.

Para o bem ou para o mal, a nanotecnologia tornará produtos obsoletos e produzirá

desemprego, ao menos num primeiro momento. Quanto ao mal, este pode ser reduzido se as

empresas reembolsarem as perdas e até ampliar as funções desempenhadas pelos

degustadores. Mas, fazemos notar então que, uma vez que o prazer resulta mediante os ajustes

feitos, pode se tornar muito maior que o sofrimento causado aos trabalhadores; nesse caso, o

comércio de línguas eletrônicas torna-se, quando medido por seus prováveis efeitos, uma boa

ação, em nossa reflexão sobre este caso.

Podemos sentir indignação diante de uma injustiça, sermos movidos por uma

necessária responsabilidade e também pela solidariedade nas relações que mantemos com os

outros, e neste aspecto nossos sentimentos e nossas ações exprimem nosso senso moral, nossa

consciência moral, que nascem e existem, portanto, como parte de nossa vida intersubjetiva.

Podemos dizer que bem e mal, são interpretados respectivamente como prazer e sofrimento,

em que o homem toma como fundamento de suas ações morais as condições de possibilidade

para o seu próprio existir como espécie.

Se Peirce se sentiu particularmente atraído pelo fato de que a teoria evolucionista de

Darwin era alimentada e enriquecida pela observação positiva, a possibilitar que provar-se-ia

“mortal” perante outras doutrinas, como o empirismo de John Stuart Mill, este foi um

incansável defensor da liberdade e da racionalidade em seu desejo de modificar o mundo

através de reformas sociais e políticas113. Mill faz sua critica à perspectiva kantiana, por

desconfiar da importância que a mesma atribui ao motivo da ação em detrimento das

conseqüências da ação, mas, nos parece, não avança no que tange à defesa dos direitos

humanos para fora da questão calculativa da felicidade e em relação ao que faz a diferença

nos cálculos, quanto à multiplicação da felicidade como sendo o objeto da virtude, embora

113 Mill foi deputado por breve período, tentou promover a igualdade das mulheres e defendeu o uso livre de métodos contraceptivos, iniciativa esta que o levou à prisão.

Page 212: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

211

hoje em dia estudiosos de Mill estejam considerando que o mesmo avançou bastante quanto à

importância que o mesmo concede a considerações orientadas pelo horizonte da justiça e do

direito. A máxima felicidade para toda a humanidade surge como o objetivo principal da sua

filosofia utilitarista e nisso consiste sua ética. Assim é que Mill tentou atenuar os impasses

que o utilitarismo calculista hedonista que Bentham acentuou, buscando redefinir a posição

do mesmo, corrigindo-a e reformulando o princípio de utilidade.

Mill elaborou a crítica ao método que Bentham designou para definir a quantidade ou

valor das condutas, denominado “cálculo”, muito próximo, na verdade, de uma fórmula

matemática, acautelando-se, porém, com relação a esta fonte matemática a partir da qual se

constituiu a engenhosa classificação das qualidades específicas de ações, com valorações

designadas a cada ato praticado pelos membros da sociedade. Passou assim a admitir que um

exame atento e fundamental da felicidade, do prazer, do bom e do bem não poderia

desconsiderar, de modo algum o aspecto qualitativo, a ser reconhecido tanto quanto o

quantitativo. Deste modo, a razão utilitária deveria proceder não apenas através do cálculo,

mas igualmente de modo a fazer distinção, dentre as várias modalidades de prazer, os que

fossem julgados mais desejáveis e valiosos.

A novidade em Mill está em que este concebe a existência de prazeres superiores e

inferiores, significando que para ele podemos dispor de prazeres intrinsecamente melhores do

que outros. Em termos simples, há prazeres que, devido à sua natureza, têm mais valor do que

outros, como os relacionados aos prazeres do pensamento, da imaginação, dos sentimentos

nobres (os da amizade, da honestidade, do amor e afins) e da virtude, indispensáveis à

formação do caráter humano e resultantes, sobretudo, da relação mantida com a experiência

de apreciação da beleza, da verdade, do amor, da liberdade, do conhecimento e da criação

artística. Nesta direção, segue sua pretensão em afirmar o homem, os seus direitos e

liberdades fundamentais, acreditando que cada indivíduo se encontra em processo de

evolução, vendo neste desenvolvimento a única esperança para a humanidade, em sua mais

rica diversidade, esperança esta que não considerava impossível de alcançar, de modo algum.

Por isso o ser humano é um ser de constante progresso moral e dotado de elevadas faculdades

intelectuais e morais.

Na sua afirmação de que toda a racionalidade prática é governada pelo princípio do

interesse, Mill admitia que a única razão a justificar a interferência na vida individual é a

possibilidade de que existam riscos de danos a terceiros, acautelando a sociedade a interferir

de forma legitima e autorizada na imposição de restrições à liberdade individual somente com

Page 213: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

212

vistas a prevenir danos aos demais. O que importa no espaço público é julgar as ações a partir

de suas conseqüências sobre o interesse geral. Desse modo, acentuava em toda a sua obra a

possibilidade de regeneração do homem insistindo em que a maioria dos grandes males

positivos da humanidade é, em si mesma, eliminável e que os assuntos humanos continuaram

aperfeiçoando-se, chegando a reduzir-se a estreitos limites. Podemos exemplificar o

utilitarismo de Mill quando nos deparamos com afirmações como a de que de tudo o que se

conhece da ciência, os efeitos benéficos superam de longe os maléficos, e, no caso da

nanotecnologia, a sociedade tem que conhecer os riscos, mas também os benefícios que ela

traz, sua parte bonita, sua maior eficiência e fazer de tudo para que não se interrompa a

evolução tecnológica.

É bem possível que certos indivíduos possam preferir alguma soma de sacrifícios,

esforços, dor ou privação no seu caminho para atingir metas mais elevadas, alcançando

alguma coisa de valor que está acima e além de seus prazeres e desejos imediatos, pois lhe

vale sofrer um mal, a dor, se o agir produz maior prazer, o bem, maior bem para o maior

número de pessoas. Há muitos exemplos de sofrimentos pessoais na luta individual por algum

objetivo mais alto, como no caso de uma liderança em guerrilha, que enfrenta torturas e os

meios mais adversos de sobrevivência por uma causa cuja natureza corresponde a uma

felicidade individual e, por conseqüência, acabar produzindo a maior felicidade do grupo, da

comunidade, visando ao interesse comum. Há que se levar em conta que há uma renúncia a

um prazer passageiro e a um conforto, tendo em vista a conquista de uma meta duradoura e,

logo, um maior prazer. O indivíduo aumenta sua utilidade geral ao suportar uma inutilidade

transitória, uma menor quantidade de dor, digamos, compensa-lhe a troca por uma maior

quantidade de prazer, uma prosperidade de amplo alcance, mais global, mais definitiva.

Salientamos que, com o passar do tempo, o utilitarismo vem comportando várias e

distintas compreensões e desdobramentos, mas, nos parece ainda, não deixou de perseguir a

concepção de felicidade e de ética, conforme a ações meditadas, medidas, e que confluam a

um fim último. Em síntese, referido pelos filósofos como sistema “teleológico”, numa alusão

a um sistema ético que determina a moral com base no resultado final, o utilitarismo

prevalece ainda até nossos dias. Ambos, utilitarismo e pragmatismo, são dados como os

resultados práticos de um juízo ou de uma teoria cuja pedra de toque para apreciar seu valor é

a sustentação de que “verdade é utilidade”. È, por certo, o preço que se tem ainda a pagar face

à superação da vida instintiva pelos critérios racionais teleológicos do homem, que continua

ávido de apetites por satisfazer, cheio de “desejos”, exigindo uma correta relação entre estes,

Page 214: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

213

cada vez mais crescentes e a sua satisfação.

Os considerados mais expressivos representantes do utilitarismo, desde o século

XVIII até os dias de hoje, além dos já citados, James e Mill, são: James Mill, seguidor de

Bentham e pai de John Stuart Mill; Karl Raimund Popper; John Borden Rawls; Henry

Sidgwick; George Edward Moore e Peter Singer.

Page 215: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

214

5.1 BASES ATUAIS PARA A RELAÇÃO DA NANOTECNOLOGIA COM O

CONHECIMENTO RACIONAL E A POSTURA ÉTICA

Objetivamente, o desenvolvimento técnico e científico marcou “a ferro e fogo” a

humanidade, sobretudo, a história das sociedades mais desenvolvidas. Por isso nos cabe, de

uma vez por todas, parar para pensar sobre este processo todo e abrir novas possibilidades de

rever nosso modo de viver para sabermos quais posições podem vir a favorecer mudanças

necessárias para a mais íntima aproximação entre a natureza, os homens e a sociedade, tão

fragmentados entre si e tão sós!

Não podemos desconsiderar que este tenha sido, talvez, o maior impulso que nos

levou até aqui a uma preocupação mais epistemológica do que a nos fazer colocarmos o dedo

diretamente na questão ética. Foi esta a nacessidade de situar velhos e tentar entender melhor

novos olhares epistemológicos, para termos alicerces mais firmes a acompanhar crítica e

reflexivamente o que tange agora às novidades nanotecnológicas, para nós uma tarefa por si

só espinhosa, considerando que precisamos sair dos muros da dogmatização da ciência e da

absolutização das verdades com que aprendemos a tratar de tais questões.

Antes que a teoria quântica constituísse enorme salto cognitivo no sentido da

compreensão da realidade física, tudo era domínio de sólidas certezas, sobretudo, de

determinismos fatalistas. A esse respeito, recordarmos que a experiência, com relevância para

a racionalidade ocidental, em função da visão mecanicista tradicional e já com suas

sofisticadas tecnologias de visualização, sustenta-se na descrição observacional do fenômeno

perceptual e fundamenta o conhecimento, ou o material com o qual ele é construído, através

dos cinco sentidos. Em poucas palavras, os conteúdos da experiência perceptual equivalentes

a representações mentais internas (sensações, impressões, cópias, idéias, afecções da alma

etc., como em Descartes), são bastante questionados. Até então, a realidade das coisas era

criada pela percepção do observador, como no empirismo (que pressupõe o tempo como uma

quantidade mensurável pelos sentidos e a realidade compreendida como objetiva e comum a

todos os indivíduos) e no racionalismo intuicionista (sem a influência dos sentidos empíricos,

cuja caracteristica predominante é a separação entre o tempo e sua medida de modo que o

tempo se reduz aos procedimentos de sua medição). Em ambos os casos há medição em jogo,

Page 216: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

215

implicando necessariamente a existência de aparelhos de medida que, simultaneamente,

marcam e definem a grandeza tempo, de modo que percepção e razão são bases de

sustentação dos homens como intrinsecamente iguais na representação da realidade,

afirmando assim o igualitarismo antropocêntrico da modernidade.

Para entender melhor o contexto moderno e sua riqueza científica e tecnológica, e a

pretensa posmodernidade e sua crítica ao iluminismo, destacamos por sua participação nesta

tentativa de ruptura, tão controversa e de enormes complexidades. Os trabalhos de autores

como John Rawls, Richard Rorty, Hilary Putnam e Habermas, vozes filosóficas, sociológicas,

políticas e históricas, nos propondo que a modernidade deixou algumas promessas para trás e

de que seu projeto precisa ser corrigido e completado, o que um deles, Habermas, designa

como “projeto inacabado”.

Com os norte-americanos, a fusão do critério utilitarista com o de adaptação,

fundamentado este no evolucionismo desenvolvido como doutrina pelos positivistas ingleses,

conduziu à formulação do pragmatismo, que, do mesmo modo que o utilitarismo do qual em

parte nasceu, encontra seus limites na ocultação da dimensão ética e dos interesses dos atos

que promovem seus defensores. Rawls aparece como uma eminente resposta ao utilitarismo

reinante, tentando apartar-se do rudimentar coletivismo moral de Mill e abandonar a

preocupação pelo fomento do bem-estar geral maximizado. Rawls retoma a discussão

buscando combater todo intuicionismo moral, inevitavelmente associado a alguma forma de

utilitarismo e pretensamente justificado pela falácia naturalista, comungando com o

individualismo de uma forma em que a ética de Mill não pode fazê-lo, concedendo ao

indivíduo uma posição original de poder vetar as políticas que maximizariam o bem-estar

geral às custas de imporem limitações à liberdade e obstáculos aos interesses de alguns.

Abarcando um enfoque contratualista114, que propõe que os princípios de ação sejam

validados por um contrato entre as partes interessadas (tendo Thomas Hobbes e David

Gauthier como seus maiores defensores), o filósofo americano revigorou a filosofia política

para fundamentar uma moderna teoria da justiça, cujos princípios para a estrutura básica da

sociedade sejam o objeto do consenso original.

Em seu modo de conceber, Rawls busca contestar a velha pergunta filosófica acerca

de que coisa é a justiça, quando se discute que modelo de pautas normativas enfrenta e

responde melhor às demandas de uma sociedade pluralista115, considerando que na grande

114 Rawls inspira-se em Locke, Rousseau e Kant. São obras contratualista, as de Locke, Hobbes e Rousseau. 115 Concepção que considera os indivíduos livres, iguais e capazes de formularem e de procurarem realizar sua

Page 217: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

216

maioria ficam de fora muitas instituições básicas da sociedade, configurando-se nesse ficar de

fora um ato carregado de injustiça. a exemplo das denominadas “minorias” como a familiar, a

econômica (o mercado) e a política (a constituição), sendo esta última a mais importante. A

obra de Rawls, de caráter anglo-saxônico, é, pois, destacada como um marco próprio das

democracias liberais modernas caracterizadas pelo pluralismo, sustentando a grande pergunta

do liberalismo político acerca de como pode existir, durante um tempo prolongado, uma

sociedade justa e estável de cidadãos livres e iguais, quando os mesmos permanecem

profundamente divididos por doutrinas razoáveis, religiosas, filosóficas e morais? Assim,

Rawls com sua teoria filosófica da justiça fundamentada no contratualismo e tendo como base

por os direitos e as obrigações políticas, cujo objeto são, em primeiro lugar, essas instituições

enquanto as estruturas pilares das sociedades avançadas (CAMPS, 1990), justifica a

desigualdade social e econômica sempre que se maximiza a utilidade dos piores situados na

sociedade.

Rorty enfatiza que as condições sociais de produção científica determinam em larga

medida a evolução da ciência, cuja tese epistemológica surge englobada em um projeto

filosófico mais amplo do pragmatismo: abandona o estudo de Peirce e recupera o

pragmatismo de Dewey, na verdade, um neopragmatismo. Rorty foi criticado por suas idéias

acerca do fim da filosofia e por seu pretenso relativismo. Considerado, principalmente, um

discípulo de Dewey, também é fortemente inspirado pelos grandes nomes de Hegel,

Nietzsche, Heidegger, Foucault e Derrida, sobrevivendo na sua teoria pragmatista a idéia

perceiana de “tychism”, ou seja, uma espécie de teoria darwinista de adaptação biológica e

cultural com base na evolução das espécies, que ele aplica nas ciências humanas como se

fosse uma seleção natural que conduziria à melhoria da humanidade e de seus projetos.

A análise histórica do pensamento científico em Rorty nos reporta, de certo modo, à

tese de Kuhn, segundo a qual a evolução da atividade científica se pauta por longos períodos

de continuidade (a "ciência normal") interrompidos esporadicamente por momentos de

ruptura (as "revoluções científicas"). Quanto a Kuhn, é sublinhado o fato de que o filósofo

tentou evitar um ‘evolucionismo teleológico’ em direção a um fim designado por

concepção de bem, aceitando a tolerância às diversas formas de vida. Logo, uma posição plural defende uma sociedade aberta a todos os tipos de concepções culturais possíveis, que devem coexistir de forma harmônica assim como deve haver a existência de pluralidade de doutrinas morais, de modo que todos aceitem e saibam que os outros igualmente aceitam os mesmos princípios de justiça. Bastante característico da sociedade moderna, quanto do dito estado democrático de direito, uma vez que, através da Constituição, procura harmonizar as diferenças existentes no convívio social e, também, abarcar direitos e garantias que preservem e assegurem os diversos grupos sociais.

Page 218: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

217

“correspondência com a realidade”, analisando que deve ser superada a concepção de que o

que muda nas revoluções científicas é a forma de interpretação dos fatos ou a maior

aproximação da realidade, não surgindo o conhecimento da confrontação com os fatos, mas

de uma transformação da nossa própria forma de apreensão da realidade. Segundo Filipe

Carreira da Silva (2006), tanto para Kuhn como para Rorty, as condições sociais de produção

científica determinam em larga medida a evolução da ciência. Para tal como Kuhn defende

em “nós não decidimos [...] que a Terra não era o centro do Universo. [...] Em vez disso, [...]

os europeus deram consigo próprios a falar de um modo que tomava como certas estas teses

interligadas. [...]. Não deveríamos, nestas matérias, procurar quaisquer critérios de decisão

dentro de nós, nem no mundo” (Apud SILVA, 2006).

Silva complementa que, tanto para Kuhn como para Rorty, a evolução da ciência é

determinada em larga medida pelas condições sociais de produção científica, ainda que para

Rorty essa tese epistemológica advenha “englobada em um projeto filosófico mais amplo em

que a recuperação do pragmatismo clássico americano (nomeadamente, na sua versão

deweyana) surge como alternativa à filosofia analítica” (Idem). Rorty teria subscrito a noção

kuhniana de ciência normal enquanto uma atividade de resolução de ‘enigmas’, sugerindo

que o que os cientistas normalmente nada mais fazem senão usar os mesmos métodos que nós

usamos em todas as nossas atividades humanas. De Kuhn, Rorty também traz a importância

do vocabulário usado em cada teoria (lembrando que a ciência extraordinária ou

revolucionária é, pelo menos na primeira versão do argumento de Kuhn, extremamente rara, e

cada vocabulário é responsável pela incomensurabilidade que as separa), bem como a noção

de “resolução de enigmas” como atividade científica fundamental.

Ao mesmo tempo que Rorty faz sérias e pertinentes críticas ao individualismo, que

marca o pragmatismo clássico (que já não caracteriza tanto o neopragmatismo atual, a versão

pragmatista mais recente), pode-se descrever que as ideias deste pensador se movem por dois

interesses fundamentais: um deles, a sua tentativa de afastar-se da herança kantiana e, com

ela, a preocupação epistemológica; o outro, o de abandonar uma filosofia que para muitos já

não cumpre os objetivos a que se propôs, em favor de uma “pós-filosofia” despreocupada

com a objetividade exacerbada, dando lugar à preocupação com a “solidariedade”. Rorty

associa a solidariedade à esperança social e também a uma esperança comum, objetivando

que o mundo de cada um não seja egoisticamente mantido, sendo então mais otimista quanto

ao destino comum da humanidade e não quanto à perseguição pela meta de “partilhar uma

verdade”.

Page 219: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

218

Rorty busca recuperar no debate epistemológico dos anos 1960 a linguagem e um

método científico mais próximo da vida cotidiana do que dos manuais científicos, como dois

elementos basilares para a sua própria posição epistemológica. Com relação à sua posição,

rechaça a necessidade de a filosofia ser fundamentadora, mas a mantém como uma força de

persuasão em seu projeto de lutar por situações de liberdade o que envolve um grande esforço

pela liberdade de expressão. Sua alusão ao fim da filosofia é justificada pela busca incansável

da “verdade” que esta faz, não sendo tampouco a única descrição possível em nossa cultura,

sobretudo, levando em conta o cientificismo dominante; também pretende recolocar de novo

a filosofia entre as humanidades, com tudo isso que implica sua limitação, porém, com outro

caminho, o que quer dizer que é preciso renunciar às verdades estabelecidas. Para Rorty, o

verdadeiro significa aproximadamente o que se pode fazer frente a qualquer coisa que se

apresente; a racionalidade não é mais que o respeito às distintas opiniões de quem quer que

esteja ao nosso redor, sendo indiferente o objeto ou sucesso articulador das explicações com

que intentamos dotar de sentido o mundo e os nossos fatos, uma vez que o mundo, no seu

entretecer, não necessita ser uma ciência positiva e é filosoficamente irrelevante se já está

povoado por “objetos duros ou brandos”. Por esse modo de pensar, Rorty tem uma postura

epistemologicamente democrática, ao considerar todos os objetos que povoam o mundo,

desde os quarks (e poderíamos incluir as nanopartículas) por nossa conta) até as instituições

democráticas, simetricamente, rompendo com as distinções epistemológicas entre os objetos

“duros” da ciência e os objetos “brandos” das humanidades, que tem legitimado a hierarquia

entre os saberes. Na sua concepção, todo objeto, seja ele um átomo ou um grande shopping, é

como um número, nada havendo que saber sobre ele, exceto as infinitas relações que mantém

com os outros objetos. Neste sentido, desde o ponto de vista abertamente pragmatista de

Rorty, não há diferença importante entre uma cama e o texto de um livro, entre um próton e

um poema, pois para um pragmatista, todas estas coisas são simplesmente permanentes

possibilidades de uso, e, por conseguinte, de redescrição, reinterpretação e manipulação.

Em Rorty não se evidencia um vinculo estreito do pragmatismo com a Sociologia.

Alguns estudiosos do autor entendem que se trata ainda de estabelecer, de modo mais claro e

explícito, um tipo de inter-relação entre pragmatismo e teoria social que conduziria a um

novo programa de investigação. Pensamos que se trata não apenas de repensar o modo de

fazer Sociologia, mas de ir mais além, distinguindo-se desde seu começo os estilos de

pragmatismo radicalmente diferentes que dão razão a tantas e diversas manifestações, como é

o caso de linhas que se pautam no pragmatismo reformista e no pragmatismo revolucionário.

Page 220: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

219

Na sua posição de rechaçar a necessidade de a filosofia ser fundamentadora, ainda

assim a mantém como uma força de persuasão em seu projeto de lutar por situações de

liberdade o que envolve um grande esforço pela liberdade de expressão. Do ponto de vista

político, este esforço tem a ver com a luta de Habermas que envolve, fora do campo da

fundamentação, o querer ver na realidade a “situação ideal de fala”.

Putnam, com seu pragmatismo de caráter pluralista, tenta oferecer uma filosofia mais

democrática e vinculada à vida, concedendo grande importância às nossas práticas, entre as

quais se encontram a ciência e a filosofia. Sustenta que não é algo tão rígido uma idéia

privilegiada do homem e do mundo, nem a que a ciência nos oferece, tampouco a filosofia, a

que se possa concluir de vez que cada uma delas seja uma única resposta verdadeira e, por

conseguinte, comportem um único conjunto de regras para descrever tanto o universo como o

que significa uma “vida perfeita”. Nestes exclusivismos, científico e filosófico, Putnam nos

faz ver que prevalece a suposição de que podemos alcançar uma descrição do mundo (ou da

na natureza humana) sem que nela estejam refletidos nossos interesses e valores, ou que ela

não expressa nenhum pouco nossas escolhas conceptuais. Essa mesma suposição manifesta

ainda um interesse muito humano, que é o desejo de eliminar tudo o que em nossas

descrições ou teorias possa “cheirar” a interesse ou à perspectiva humana. As ciências

somente têm sentido por serem atividades humanas cooperativas e comunicativas, mediante

as quais os seres humanos progridem realmente, ainda que não o façam sem titubeios nem

erros, em sua compreensão do mundo e de si mesmos.

Para o autor, quando se trata de falar sobre ética, a relação entre linguagem e

realidade torna-se problemática. Explica que toda a história da filosofia moderna e

contemporânea impregnou de pressupostos “metafísicos” a própria filosofia, impedindo que o

assunto das éticas fosse tratado como uma área do conhecimento que apreciasse regras

objetivas, por meio das quais fosse possível ser provada a verdade e a validade das indicações

éticas formuladas, tanto nos espaços diários, quanto prático e teórico da vida humana. Este

fato levou boa parte dos filósofos modernos e contemporâneos a pensar que o único âmbito

no qual se pode falar com segurança objetiva é o das ciências exatas. Putnam considera que a

atividade científica, como a ética e o resto da vida, consiste em uma constante tomada de

decisões sobre a ação que devemos seguir, individual ou coletivamente, decisões que

tomamos em virtude dos interesses que temos, os quais não dependem de um âmbito

metafísico senão de necessidades que julgamos valorativamente segundo a urgência que nos

apresentem para ser supridas.

Page 221: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

220

O filósofo ainda chama a nossa atenção para o fato de que em certos casos, se um

indivíduo tem certo manejo dos princípios de um determinado corpo teórico, seja o da lógica

clássica ou da álgebra linear, por exemplo, pode acontecer que à primeira vista ele julgue um

problema como aporético (que encerra uma contradição) ou impossível de provar seu valor.

Ao parar para desenvolver um problema, no entanto, vive a experiência de ter o que pensava

não ter solução. Nesta experiência, o indivíduo se dá conta de que existe um princípio, um

parâmetro ou regra que não conhecia antes e que lhe é dado pela teoria em questão com ainda

mais coerência e validade, ou que a partir desta experiência se pode desenvolver uma teoria

inovadora com respeito às já existentes. Este tipo de conhecimento experimental-experiencial

tem ainda a virtude de que não envolve a comparação com entidades metafísicas ou

“estruturas lógicas do mundo”, senão que é verdadeiro em virtude de que faz parte da solução

prática de um problema que se supunha não ter solução, e isto vale para a lógica, a

matemática, a física, a ética, e toda outra ocupação, teórica ou prática, que se pode enfrentar

com problemas cuja solução não está dada pelo corpo teórico sobre o qual se apóia

normalmente.

Em seu pluralismo, não relativista, Putnam segue o rastro de Rorty e de Kuhn. Khun

não concebia o mundo como uma “espécie de real”, independente do ser humano, de modo

que as coisas do mundo aconteceriam independentemente das interpretações humanas, a

colocar-se a ciência como uma atividade não de “descoberta”, mas de construção. Nesse

aspecto, considerando que o critério de escolha entre teorias científicas não pode ser algo

objetivo, ou de “fora” é que, segundo Putnam (1999, p. 212): Quando a teoria entra em conflito com o que é tomado como facto, por vezes, desistimos da teoria e, por vezes, desistimos do "facto"; quando a teoria entra em conflito com a teoria, a decisão não pode ser sempre tomada na base dos factos observáveis conhecidos (a teoria da gravitação de Einstein foi aceite e a teoria alternativa de Whitehead foi rejeitada anos antes de alguém pensar que uma experiência pudesse efectuar a decisão entre as duas).

Face às dicotomias radicais e simplistas, entre ‘fatos’ e ‘valores’ (havendo também

confusão existente entre ambos), entre ‘fatos’ e ‘teorias’, entre ‘fatos’ e ‘interpretações’, entre

‘ciência’ e ‘ética’, Putnam chama a atenção para que observemos a interpenetração de todas

essas conceptualizações com nossos objetivos e nossas práticas humanas a respeitar-se e

reconhecer-se a existência de posições divergentes, em que se tolere a verdade alheia, mas

desde que se mantenha a própria e sem fanatismo. Quanto à ciência, esta não visa somente

descobrir enunciados verdadeiros, mas também busca encontrar enunciados simples,

pertinentes e coerentes, e pautar-se em tais noções também implica colocar em jogo um vasto

Page 222: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

221

conjunto de interesses e valores, lembrando que os valores ‘simplicidade’ e ‘coerência’,

podem ser igualmente problemáticos como os valores ‘bondade’ e ‘maldade’, sendo,

portanto, fundamental não ignorar os questionamentos em torno a essas questões, apenas por

considerar que se referem à esfera meramente subjetiva. Bem ao contrário, argumenta

Putnam (Idem, 214), é preciso não perder de vista que a autoridade conferida a todos esses

valores provém da nossa idéia de prosperidade humana e de razão,

Nas reviravoltas que a ciências dá e na escolha entre teorias científicas, notadamente

no campo das ciências físicas e da natureza, tidas como mais objetivas que as ciências

sociais, Putnam aponta que, existe, também, uma evidente e clara aproximação entre os

questionamentos ditos éticos e os considerados científicos, o que é um requisito indispensável

a ser pensado em uma organização social que se pretenda realmente democrática. A tentativa

de aproximar fato e valor vai significar uma aproximação entre ciência e ética, culminando na

consideração de que, mesmo um saber que se diga científico, terá de lidar com conceitos

valorativos. O saber científico é valorativo, mas o saber por si só também o é. Os argumentos

de Putnam constituem importante resultado da investigação científica contemporânea,

avaliando uma possível aproximação do pensamento com a vida, de forma que o rigor do

pensamento analítico ganhe profundidade e relevância humanas, o que é condição

indispensável para a sua fecundidade.

Remetendo-nos agora a Habermas, que trabalha a partir da relação entre conhecimento

e interesse, colocando-se o interesse como um a priori do conhecimento e, que tem um

denominador comum com Rorty que é político, assentado no empenho em defesa de causas

como justiça, tolerância e a favor de uma comunidade global (SOUZA, 2005).

Habermas vê na abordagem pragmática de Peirce uma promessa de reconciliação entre

transcendentalismo e evolucionismo, preocupando-se com os processos modernos de

diferenciação, complexificação e racionalização das estruturas culturais da vida moderna, mas

critica seriamente o tratamento que Weber dá à racionalidade, que com seu pragmatismo,

agudizou a discussão em torno da ciência “isenta de valores” e deslocou os debates para além

das escaramuças metodológicas e vislumbrando o aspecto do pragmatismo ocidental

associado a uma ética das convicções, inseparável da ética da responsabilidade. Para

Habermas, não existe conhecimento desinteressado, prevalecendo sempre o interesse como

fenômeno controlador e orientador do conhecimento numa perspectiva do paradigma da

consciência. Suas concepções também acompanharam o giro lingüístico assinalado por

Richard J. Bernstein, importante filósofo norte-americano e notável interlocutor nos debates

Page 223: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

222

mais significativos do século XX, defendendendo as posições do pragmatismo, e que trouxe

sua inspiração na filosofia da linguagem como oposição à filosofia do sujeito e a filosofia da

consciência. Com sua teoria do ato da fala, contribuiu para os desenvolvimentos mais

recentes da Filosofia, em relação a temas como valores, linguagem, verdade e conhecimento.

Enquanto propõe um tipo ideal de sociedade, cujo eixo central seja a ação

comunicativa seja e onde o sujeito com ela se relacione a partir de processos dialógicos,

concebendo sua idéia de transubjetividade com o argumento de que os sujeitos que se auto-

conhecem podem interrelacionar-se com outros, sob uma racionalidade comunicativa. Não se

pode negar que esta é uma abordagem otimista.

Habermas, por sua vez, examina os confrontos da razão moderna, que perpassam pelos

deslocamentos de âmbito econômico, tecnológico e técnico, em direção a uma nova teoria que

permita um conhecimento que tenha como base valores que permitam a sociedade alcançar o

desenvolvimento e a liberdade social. Busca conciliar elementos teóricos da sociologia, da

psicanálise, das ciências políticas e da lingüística no sentido de estabelecer análises mais

amplas, dedicadando-se ao estudo da evolução do conceito de razão, assinalando a superação

da mesma, antes tida como uma razão puramente científica, imutável, absolutamente

verdadeira, perante o surgimento de uma razão limitada, em constante modificação, de acordo

com a história. Habermas preocupa-se com as questões em torno à tentação de aperfeiçoar a

espécie por meio da seleção de genes, chamando essa intervenção hipoteticamente bem-

intencionada de “eugenia liberal”, distinguindo-a assim (ao mesmo tempo em que a aproxima)

da eugenia racista praticada na Alemanha durante a II Guerra. Seu ensaio sobre a eugenia

liberal serviu de resposta ao filósofo Peter Sloterdijk, que em 1999 defendeu, numa palestra

intitulada de “Regras para o parque humano” a idéia de que o avanço da genética é uma

oportunidade para “reinventar o que significa ser humano”. Habermas, por sua vez, vê na

sociedade um tipo especifico de agir racional com relação a fins ou razão instrumental, que

se funda na justificativa dos fins pela ação dos meios, sustentando que é a partir da

racionalidade comunicativa que os sujeitos se tornam altamente “individuados”. Entende que

isto dependerá basicamente da autoconsciência que eles tomem em sua ação social, da crítica

que fizerem às epistemes e discursos estabelecidos pelo poder e sua autoridade, a que se

fortaleça uma democracia que jogue necessariamente um papel superlativo e que por este

caminho sejam legitimidas as instituições, jogando nessa imcumbência o uso da própria

técnica. Assim, os conflitos se irão minimizando, ou seja, o conflito entre “o mundo da vida”

e o sistema de poder se irão diluindo.

Page 224: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

223

É importante acrescentar que Rorty e Habermas estão entre os mais importantes

intelectuais e filósofos hoje em atividade, no mundo, tendo como denominador comum,

dominante o político, concebendo que este empenho é necessário a favor de causas como

justiça, tolerância e uma comunidade humana global, sendo ambos, provavelmente, os

pensadores do pragmatismo que têm maior público, dentro e fora das universidades.

Segundo SOUZA (2005), Habermas e Rorty debatem e dialogam, entre si, sobre suas

concepções mais gerais tratando criticamente de assuntos como a verdade, a base de nossas

posições morais e políticas e a solução e em especial, sobre filosofia, cultura, razão e política,

num confronto que envolve posições de outros importantes pensadores, de ontem e de hoje,

como o filósofo alemão que propôs a ética da razão comunicativa, Apel e os pós-modernos

franceses Dewey e Wittgenstein, bem como os filósofos alemães Heidegger, Nietzsche, Hegel

e Kant. Habermas sintetiza as perspectivas dos fundacionistas116 (importante dentro da

epistemologia porque representa a opção clássica acerca da definição da justificação, e como

esta noção se relaciona com a noção de conhecimento). No seu caso, uma proposição é

verdadeira se pode vencer argumentativamente em uma situação ideal de fala; em relação a

Putnam, se puder ser justificada sob condições epistêmicas ideais e quanto a Apel, se vencer

argumentativamente em uma comunidade ideal de comunicação.

Michel Foucault investiga os domínios históricos precisos em que as formas de

racionalidade exercem seu poder sobre nós. O filósofo francês concebe o homem moderno

não como cidadão com garantias, senão um ser calculável e objetivável, no qual a

individualidade é produto de uma transformação dos dispositivos tecnológicos sobre o corpo.

Fez uma economia analítica ao promover modificações na ordem discursiva e reunir o que

resultou para a humanidade com as transformações tecnológicas - no que denominou

“técnicas disciplinarias” -, defendendo que o poder disciplinário ilustra a maneira em que se

estabelece uma física do poder sobre o corpo, necessária a um processo de individualização.

Foucault, primeiramente, partiu de uma análise que pode ser considerada bastante

pessimista, por seu realismo. Sem dúvida, o filósofo não coloca para nenhum tipo de

sociedade qual o futuro ou qual meta que esta deve seguir, mas efetua uma descrição e

116 Na epistemologia ou teoria do conhecimento, justificação é um tipo de autorização a crer em alguma coisa, Quando o indivíduo acredita em alguma coisa verdadeira, e está justificado a crer, sua crença é conhecimento. Assim, a justificação é um elemento fundamental do conhecimento. Lembramos que os coherentistas da justificação são aqueles que defendem duas idéias centrais que os distinguem dos fundacionistas, ou seja, a de que não existem crenças básicas que sirvam de fundamento às demais crenças, e de que toda a justificação entre as crenças não é linear, quer dizer, a justificação não é unidirecional, que vai das crenças básicas às demais crenças.

Page 225: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

224

explicação da sociedade atual, a partir da sua genealogia, situando o sujeito-corpo que se acha

imerso nessa sociedade, como determinado por ela, a partir das normas e regras que exercem

influência sobre os mesmos, num indicativo que não podemos apartar-nos do poder-

manipulação. Foucault vê o sujeito interconectado com a sociedade a partir das relações de

poder que se exercem e que padece, sob sua episteme específica. Entende que a história é a

determinante das instituções-norma da atualidade, e que a possibilidade de transformar as

instituições somente se pode dar a partir da não-norma, uma forma de contracultura que

busque criar novas regras de jogo.

Importante acrscentar que Habermas veio a discordar em alguns pontos de Foucault e

observou que a modernidade deveria criar sua normatividade a partir de si mesma. Ambos os

filósofos concordaram quanto à problemática conjunção da ética e da política na

modernidade, divergindo quanto à sua fundamentação em torno da relação entre verdade,

poder, ética e a genealogia da modernidade. Habermas dirá que a “genealogia do saber” em

Foucault está “fundamentada em uma teoria do poder”, enquanto que muitos críticos

entendem de outro modo este debate entre Habermas e Foucault. Consideram que o que

Foucault faz em suas obras é questionar se ainda permanecemos ancorados em uma visão

tradicional do funcionamento do “Poder”, o que é importante verificar caso se queira construir

novos postulados para uma intervenção “teórica” ou efetiva racional, construídos como

“crítica social”. Ressaltam ainda que com seu trabalho, Foucault busca elucidar as análises de

certas instituições do poder quanto à maneira como funcionam determinadas práticas

governamentais, suas racionalidades políticas, seus discursos, os modos mediante os quais se

regulam discursivamente as práticas, como se constituem em sua efetividade histórica

(consciente das especificidades históricas que nos ligam ao nosso movimento histórico) na

imanência social que projetam, de que maneira os fenômenos relativos à população são

integrados no interior dessas racionalidades governamentais, entre outras preocupações,

abrindo, assim, espaço para o problema da biopolítica.

Agamben (2005) é um autor que se inspira em Foucault e busca explorar as zonas de

indiferenciação, onde “soberania” e “técnica” se imbricam, abarcando a passagem do “poder”

ao “biopoder” e as questões éticas embutidas nas práticas científicas, que considera terem se

tornado cada vez mais prementes, afetando as fronteiras biopolíticas e problematizando a

própria condição de vulnerabilidade da vida. Desse modo, direciona nosso pensar para algo

que normalmente não o fazemos, pelo menos fora da Academia ou das práticas resultantes da

passagem nela, que não entram nessas questões: a maneira e por que meios são hierarquizados

Page 226: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

225

e fragmentados os elementos biológicos constituídos em população, como se dá o cálculo que

classifica a população no padrão “normal” e “sadia”, as populações consideradas infectas, as

anormais, as biologicamente perigosas, entre outras, conforme as práticas governamentais

racionalmente organizadas na história. Sobre Foucault, não apenas Agamben, segundo ele

próprio diz117, faz seu trabalho num sentido muito próximo ao deste pensador francês; embora

não completamente coincidente com ele, também Deleuze fez um interessante mapa da

arquitetura de seu discurso buscando expor a ruptura de Foucault com a fenomenologia e a

hermenêutica, sobretudo se encarregando de explicar a diferença entre o pensamento de

Foucault e o marxismo.

Fora dos âmbitos francês, alemão e estadunidense, em relação com o pragmatismo e

envolvido com a questão da técnica moderna, está o espanhol José Ortega y Gassett que

dedicou intensa ocupação à mesma, considerado um dos pioneiros da filosofia da tecnologia,

que denomina filosofia raciovitalista (o sujeito é o centro dos pensamentos, de experiências e

de sentimentos), estabelecendo assim um precedente na filosofia espanhola e ao mesmo

tempo vanguarda européia do momento. Para Ortega, que também penetrou no emaranhado

de idéias a respeito do pragmatismo como um intento apreciável (ou não) de captar a

realidade radical que é a vida humana, queira ou não, o homem tem que inventar-se a si

mesmo, “autofabricar-se” (DUQUE, 2002, p. 170), uma qualidade exclusiva somente dele,

sendo, pois, a característica mais marcante da tecnologia a criação de novas possibilidades e

abertura ao incremento da liberdade. Ortega vê a técnica como uma demarcação com respeito

à animalidade da qual o homem provém, mas, trata-se de um luxo vinculado a aspirações

culturais de quem busca pelo bem-estar, pelo bem viver, e não apenas como meio para o

sobreviver, o que implica em um alto preço a pagar. Por isso dirá: “La técnica es lo contrario

de la adaptación del sujeto ao medio, puesto que es la adaptación del medio al sujeto (Apud

DUQUE, 2001, p. 170). A diferença de Ortega em relação a outros críticos da técnica, como

Heidegger, é que ele aposta numa visão mensurada da tecnologia sem considerá-la como uma

tendência maligna inerente ao homem, cujo caminho agora a tomar na época atual é buscar o

equilíbrio mensurado entre meios e fins, “reinventando” uma nova forma de enfrentamento

com a técnica moderna capaz de zelar pela cultura restante e potenciar elementos mais

propriamente humanos. 117 COSTA, Flavia. “Entrevista com Giorgio Agamben”. In: Revista do Departamento de Psicologia/UFF. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-80232006000100011&script=sci_arttext>. Acesso em: 12 de janeiro de 2008.

.

Page 227: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

226

Lembramos também da importância as contribuições de Hans Georg Gadamer e de

Peter Sloterdijk, que cruzarão o caminho traçado por Heidegger, sendo seus seguidores muito

preocupados com o problema do homem, ainda que segundo Duque (2002, p. 29), Gadamer

agirá mais como um mediador entre Sloterdijk e Heidegger. A posição filosófica

gadameriana remexe as idéias heideggerianas, com o destaque que ele dá ao poder da

linguagem como a “casa do ser e do homem” (o sujeito para Heidegger, supomos),

ressaltando o papel da compreensão, mas não a compreensão no sentido de explicar e definir

próprio das ciências, mas num sentido mais epistemológico que remete à idéia de que toda a

atividade humana, seja ela qual for, tem sua base de compreensão. Num caráter ontológico,

Gadamer vincula o homem ao modo de “ser-no-mundo”, de pensar e atuar por conta própria,

de modo diverso em relação a outros.

Quando a paz parecia reinar, além de Gadamer que a tivera conturbado, Sloterdijk,

como dirá Duque (Idem, p. 119) “pone de nuevo en carne viva la <<herida Heidegger>>”,

despontando com muito mais radical pessimismo antropológico que Heidegger. No âmbito

da domesticação da razão ocidental que supõe ao homem, reportando-se ao “parque

humano”, Sloterdijk assinala (Idem, p. 131) seu salto à metafísica, pela definição do homem

como “besta que se há de apascentar, apartar, designando-lhe posto, função e ordem”. O

filosofo alemão não acredita que possa haver algo assim como o que uma época acultural,

pela simples razão de que os homens, dos pés a cabeça, são criaturas da civilização, embora

haja diferentes modos de civilização, e por isso podemos falar de ruptura de uma época.

Acrescenta ainda que nesta sociedade de consumo, os homens comparam entre si sua

felicidade, tornando-se por isso mais difícil de dizer quando se é feliz ou pelo menos se está

contente. Caso se esteja em uma situação, por assim dizer, de paz, se pode pensar em algo

superior, e então se intenta não somente viver, mas, também se tem outras aspirações vitais, o

que Sloterdijk denomina de lucro de vida ou vida ganha. Mas como se pensa constantemente

em que se pode ser mais feliz do que se é, o conceito de vida ganha é um conceito perigoso,

porque é o conceito da vida ganha dos outros. Para o filósofo, o romantismo e a técnica foram

cúmplices numa colonização da obscuridade.

Buscou-se recolher nestas reflexões sobre o novo (ou velho) que suscita a questão em

torno do que a crença deve ter para ser considerada conhecimento bem como das propostas

da verdade nas sociedades modernas, com a retomada do pragmatismo e marcada pelo

relativismo, como dogma fundamental, que se converteu no argumento máximo para exigir a

tolerância frente a toda opinião e todo tipo de comportamento. Mostra-se que, sem sombra de

Page 228: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

227

dúvida, algo se move, mas também que, em meio a tantas teorias e explicações provisórias e à

tão propalada publicidade de pensamentos efêmeros, parece ouvir-se a proclamação de um

novo imperativo categórico.

Assinalamos que existem ainda outros e muitos outros tantos nomes da mesma

maneira expressivos, que abordaram de algum lugar e modo aspectos importantes

relacionados à temática de nosso interesse neste estudo e que o diálogo interdisciplinar

deveria tornar possível uma reflexão mais interessada sobre a vigência da realidade e iniciar

muitas conversas, mais serenas entre a técnica e a ciência por uma parte e a ética por outro,

tendo em conta que a mesma fundamentação da instância ética determina a orientação quase

que profética de todo pronunciamento moral. Consideramos que esta é uma forma de

podermos avançar em uma contemporaneidade enriquecida a cada dia com cada vez mais e

mais elementos, como nos diz Bruseke (2003, p. 335), “[...] vivendo num mundo onde as

coisas e os homens perambulam pelos lugares sem poder estabelecer uma relação de sentido

com estes”. Sobre essa necessidade de ampliar e enriquecer nossos conhecimentos e nossa

rede de relações

Page 229: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

228

6. A NANOTECNOLOGIA NO CENÁRIO: O QUE BRASILEIROS PENSAM DA

PESQUISA NESTA ÁREA

Transportando de barco um pedante por águas revoltas, um sábio barqueiro humilde disse qualquer coisa que contrariava as regras gramaticais.

- Você nunca estudou gramática? perguntou o erudito. - Não.

- Nesse caso, a metade de sua vida se perdeu. Minutos depois, o barqueiro voltou-se para o passageiro.

- Você sabe nadar? - Não. Por que?

- Nesse caso, toda a sua vida se perdeu. Estamos afundando.

(Pequeno conto de sabedoria da Tradição oral oriental, retirado de Shah, 1985)

A percepção que têm as pessoas em geral, sobre a nanotecnologia, é algo ainda pouco

definido. Temos dito sempre que nossa capacidade de lidar com algo que escapa à nossa

percepção imediata de início sempre implica em alguma coisa estranha para nós, por isso

mesmo nós nos fizemos muitas perguntas o tempo inteiro, enquanto realizávamos esta

pesquisa. De antemão, pudemos ter uma idéia do que representou o primeiro contato com a

mesma, para muitas pessoas com as quais pudemos conversar a respeito. Pudemos apenas

constatar a enorme distância da grande maioria dos cidadãos brasileiros da nova técnica,

sobretudo em seus parâmetros mensuráveis usuais para poderem confrontar na sua vida entre

si magnitudes da ordem do nano, tão ínfimas, melhor dizendo, “invisíveis” até para os

sentidos mais apurados.

Na biologia, na física e na química, tanto internacionalmente como no Brasil, não

observamos interlocuções expressivas que favoreçam aproximações às implicações da nano

em novos modos de viver. Muito menos, em relação ao viver ético na convivência com a

técnica. E este é um acontecimento que já veio para ficar, mas somente uma minoria apenas

de pessoas deste imenso universo tem idéia do que isso representa. Consideramos que uma

tarefa tem sido lidar com a variedade incrível de seres vivos e objetos inorgânicos, de um grão

de areia a uma galáxia, de um vírus a uma baleia; mas lidar com tipos de elementos diferentes

que constituem a intimidade da natureza, necessários para produzir o mundo em que vivemos,

com, por exemplo, é da ordem do esotérico, não nos sendo, certamente, familiares do mesmo

Page 230: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

229

modo que nos situamos com relação ao mosquito da dengue, ou a uma constelação; a situação

muda completamente. Ficamos impactados diante de novos comportamentos dos corpos com

os quais lidamos cotidianamente a partir do conhecimento emanado pelo comportamento de

propriedades dessas pequenas unidades “invisíveis” da matéria, os átomos e as moléculas (as

moléculas são átomos do mesmo tipo ou de tipos diferentes, fortemente ligados entre si,

formando novas entidades, com propriedades físico-químicas distintas). Nossos métodos

convencionais não nos permitem gerar informação detalhada sobre a dinâmica molecular;

permitem-nos no máximo circularmos no âmbito de uma microgênese social, por onde ainda é

possível transitarmos. Talvez agora compreendamos melhor o que Pierre Lévy queria dizer

quando falava que chegar a uma sociedade nanotecnológica implicaria em ações finas, em

outros modos de ações coletivas, o que certamente faria Foucault se ocupar agora, em vez da

microfísica do poder, da nanofísica do poder - um patamar bem mais distinto de redesenho da

sociedade, com uma transformação histórica nos mecanismos operatórios práticos para modos

sutis na constituição dos dispositivos construtores de relações, que exige ações coletivas

inteligentes. É importante destacar que nos foi possível observar que as idéias, que estão sob as

práticas de pesquisa vinculadas à nanotecnologia e à fabricação de produtos a partir dela,

inquietam tanto os estudiosos das ciências naturais quanto os das sociais, e também a alguns

administradores e a cidadãos que têm acompanhado e alcançado os avanços desta pesquisa.

Mas para a sociedade em geral, não está devidamente claro a que esta tecnologia veio e qual

é o pensamento que subjaz ao trabalho dos responsáveis pela pesquisa nanotecnológica,

tampouco os objetivos subjacentes às exigências de sua prática de investigação científica e

ao serviço dos seus mantenedores. Existem simultaneamente coerências e divergências entre

discursos técnicos ou intelectuais e as práticas, que contêm em si as principais características

das correntes de pensamento e abordagens que, por repercussão, sintetizam também

importantes tensões e contradições que permeiam as ciências sociais, pondo-lhes a complexa

tarefa de enfrentar os desafios que a nanotecnologia delineia, cuja ordem não se deixa

perceber facilmente para os cientistas sociais enquanto tal no nível da superfície, ou seja, no

plano dos seus discursos e pensamentos nem das suas práticas cotidianas. Foi com esta

preocupação que abordamos no Capítulo 5 sobre o desenvolvimento tecnológico e a

fundamentação ética.

É compreensível que possamos ficar um tanto impactados, mas não podemos é ficar

indiferentes nem imobilizados diante do novo. Foucault (1996), já falou do caráter de toda

Page 231: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

230

forma de ordenação e classificação do conhecimento que advém no que se refere à existência

“bruta” ou “muda” dessa própria ordem nova, como condição de possibilidade desse

conhecimento. Estamos sendo assim colocados frente à relação da nanotecnologia.

Precisamos ‘conversar’ com esta técnica, tirá-la de sua realidade bruta e trazê-la para nossa

convivência.

Considerando tal iniciativa, vale dizer que, na velocidade com que sopram os ventos

tecnológicos, com relação às restrições ao desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil, não

se tem a clareza satisfatória se tais limitações são de ordem ética, moral, legal, política e

econômica. Mas, queiramos ou não, sempre acabamos assumindo uma posição perante os

acontecimentos e às inovações tecnológicas, que implica atos valorativos. Existem já muitas

aproximações empíricas e teóricas, e profícuas análises e prognósticos sobre as temáticas

concernentes às nanotecnologias como sobre sua atuação no desenvolvimento de uma nova

cultura tecnológica, mas não se dispõe de respostas conclusivas e claras para que a sociedade

decida sobre quais implicações da manipulação atômico-molecular são dignas de suas maiores

preocupações neste momento.

Para enriquecermos nosso estudo tivemos que introduzir os problemas decisivos, - em

termos heideggerianos e à guisa de Sloterdijk - como o da “permanência no mundo”

(experiência de campo). Realizamos este procedimento, como já anunciamos na Introdução,

na apresentação deste capítulo, com o envio de questionário a uma pequena amostra de

pessoas com um conjunto de perguntas sobre o tema nanotecnologia e ética, visando ‘colher’

opiniões, interesses ou aspectos de personalidade e informações importantes para o objetivo

da pesquisa, relacionando as questões de forma a constituir uma população-alvo pretendida e

uma amostra selecionada. Interessou-nos particularmente o contexto social da aplicação do

instrumento, sobretudo no que diz respeito à experiência e referências dos pesquisados, para

que tivéssemos um retorno favorável às nossas expectativas, definidas intencionalmente em

função da influência do convidado na pesquisa em nanotecnologia e como formador de

opinião por uma parte, e de outra a aposta em um critério acidental de escolha levando em

conta a facilidade de acesso a algumas pessoas que dispunham de formação e preparo em suas

áreas específicas, domínio e compreensão do assunto ou certa familiaridade com o mesmo,

além da disposição em colaborar, respondendo ao questionário apresentado.

É interessante destacar que o trabalho de campo como método de pesquisa é também

uma atividade que não deixa de ter grande valor para o conhecimento dos direcionamentos

que vêm sendo tomados na sociedade em relação à ética da nanotecnologia, permitindo

Page 232: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

231

estabelecer com mais precisão a prevalência das posições, principalmente quanto às formas e

formatos do saber brasileiro e da posição-sujeito de conhecimento neles investida. Mais do

que simplesmente estabelecer fronteiras conceituais, estabelece-se uma relação de

contigüidade com o mundo vivido, que se possa mostrar que muitas das ações que se dizem

“políticas” de fato, muitas vezes, não o são, pensando como Castoriadis (1987, p. 290), que

diz entender por política não intrigas de corte, nem tampouco, acrescenta, as lutas entre

grupos sociais na defesa de seus interesses ou posições; para o autor, trata-se de uma atividade

coletiva cujo objetivo é a instituição da sociedade enquanto tal. A condução exploratória, por

sua vez, é apropriada para situações ainda pouco examinadas entre as comunidades, a

exemplo da nanotecnologia, de modo que as investigações desta natureza aproximam o

pesquisador do fenômeno a ser explorado para que se familiarize melhor com as

características e peculiaridades do mesmo, e possa assim obter percepções, idéias

desconhecidas e inovadoras a respeito.

Na análise do material, levamos em conta o que consideramos mais expressivo aos

nossos propósitos, em cada resposta, sendo recortados os elementos mais significativos dos

discursos enunciados, assinalando que optamos por apresentar as respostas sem alterar o

conteúdo das mesmas, mantendo-as tais como as recebemos. Estes dados se constituíram em

fragmentos que trabalhamos e buscamos interpretar, fazendo também comparações entre as

respostas dos pesquisados, de forma a se estabelecerem possíveis similaridades e diferenças

entre suas posições.

Estruturamos desde o início um roteiro ideal de perguntas que satisfizessem nossos

propósitos e fosse adequado ao perfil curricular do participante, pensando justamente na

organização do trabalho, nos critérios de escolha de nossos pesquisados e na amostragem

final. O questionário apresentado, anexo, ao final da tese, foi aplicado pela pesquisadora

utilizando o e-mail. Compreendendo oito perguntas, o mesmo versou sobre temas relativos à

problemática nanotecnologia-vida-ética e foi estruturado com questões semi-abertas (com

respostas possíveis fornecidas ao pesquisado), relacionadas aos objetivos da pesquisa,

formuladas de modo a possibilitar que os questionados nos dessem a conhecer a sua forma de

inserção na respectiva problemática e manifestassem aspectos relativos às mesmas e como as

percebem, relacionadas à sua prática.

Para elegermos as questões que constamos no questionário, tivemos o auxílio teórico

de Negri, Galimberti e Agamben, por terem preocupações que particularmente chamaram a

nossa atenção, quando se referem:

Page 233: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

232

- à forma de assinalar o domínio próprio da nanotecnologia, no sentido de seu significado;

- ao diferencial conferido à nanotecnologia como prerrogativa exclusiva do homem, como

condição de interpretar o mundo e dado o primado da certeza científica sobre a incerteza do

mundo da vida, comparativamente às demais tecnologias;

- às conseqüências técnicas decorrentes para a sociedade, levando em conta os avanços da

pesquisa que envolvem potenciais aplicações com a condição da finalidade técnica, e as

possíveis articulações do “viver bem” e do “viver” na relação nanotecnologia-política e vida

(inclusão e exclusão);

- a situação da nanotecnologia no âmbito de vantagens ou de riscos, em sua programação

como progresso técnico e face ao predomínio da visão maniqueísta que ainda impregna a

técnica;

- à coordenação entre organismo-ambiente e a expressão “carência biológica” como traço

constitutivo do corpo humano, em sua insuficiência instintual e ambiental, na sua abertura ao

mundo (abalo à teoria evolutiva);

- à ação do corpo humano e sua relação com a ordem da magnitude instrumental dos aparatos

nanotecnológicos e seu significado e instância de controle, implicação na construção de

saberes e como cálculo do mundo (processo de ordenamento técnico da natureza íntima da

matéria, em virtude da possibilidade de dispor dela);

- à incapacidade humana de pôr-se a altura do evento quando é preciso superar uma certa

grandeza e a técnica vista como hipótese biológica (vitalismo);

- ao ideal regulativo e ao critério do exercício da técnica, em vista de sua maior eficiência e

prerrogativa da razão na determinação do “fazer” e do “fazer produtivo”, seu sentido ético e

efeitos sobre a natureza e o corpo (a introdução da “perfeição” na confusão da vida a na

imperfeição do mundo e do corpo, a tensão fáustico-prometéica, segundo Hermínio Martins

(2003), derivada da crescente presença material da ciência na condução da vida moderna que

suscitaram a filosofia da técnica).

Constatamos que os impasses que vêm sendo gerados a partir do pouco convívio de

determinadas áreas com a nano, podem representar uma forma de diálogo entre as ciências

naturais e as sociais e humanas, vislumbrando, com isso, a possibilidade de integração entre

diferentes aspectos, o aprofundamento de temas relativos à sobrevivência da humanidade, à

dignidade e liberdade humanas e na séria discussão interdisciplinar, diante dos desafios dos

avanços tecnológicos emergentes, de todos os tipos.

Foram enviados e-mails, na sua totalidade, aproximadamente a 100 pessoas

Page 234: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

233

convidando-as a participar deste trabalho. Dessas 100, foram justamente 23 as que aceitaram

participar e com cujas respostas trabalhamos nesta pesquisa. Muitos dos que não participaram,

demonstraram boa vontade em atender ao convite da pesquisadora, mas por razões que lhes

dizem respeito, não deram retorno.

O critério básico que usamos para encaminhar nossas escolhas, lembrando aqui o que

já dissemos na Introdução, na apresentação breve deste capítulo, foi o de consultar os que

denominamos “pesquisadores-experimentadores”, diretamente envolvidos com a pesquisa em

nanotecnologia, e os “pesquisadores da área não-nano”, incluíndo aqui as pessoas que estão

empenhadas em abordar o assunto nanotecnologia, fazendo perguntas, levantando questões

existenciais mais profundas, apresentando suas proposições sobre as implicações da “nano”

para a sociedade, à natureza, ao homem, à vida em geral, o que não deixa de ser uma parcela

representativa do público “expert” no assunto. Esclarecemos que concedemos grande

importância também à participação dos que denominamos “público informado sobre o tema

nano” e “público não-informado sobre o tema nano”, levando em conta ainda a intenção que

temos de democratizar as informações (pesquisas, inovações, conceitos de nanociência e

nanotecnologia, por exemplo). Assim, reconhecemos a necessidade de nos pautarmos numa

linguagem que represente, com a máxima fidelidade, o fenômeno científico pesquisado e o

torne compreensível a públicos não especializados.

Nossa tentativa foi não nos limitarmos simplesmente à reprodução de falas, à

transcrição de textos e relatos fragmentados do material, mas demonstramos muito cuidado

para não desvirtuar determinados posicionamentos, nem ignorar qualquer resposta por mais

que nos pareça uma abordagem superficial a respeito do que queremos saber e nos

colocarmos da melhor maneira possível no lugar de quem disse o que disse, para saber porque

foi dito dessa ou daquela maneira, pois o texto de divulgação científica para o público leigo

pede muito mais. Nessa análise de resultados, estamos produzindo como resultado final não a

ciência, mas um discurso sobre ela, mais precisamente, um discurso a partir de discursos, por

isso mesmo a qualidade desse discurso depende, em grande medida, do que provém da

formação e do envolvimento dos pesquisados com o assunto. Quanto à pesquisadora, sabe que

produz um resultado de seu próprio olhar sobre todos os elementos envolvidos na realidade

investigada, mas é algo mais que um simples relato, ou pelo menos deveria ser, das

observações e entrevistas feitas na direção de uma interpretação de fatos, de fenômenos

científicos, de interesses diversos, apoiados na sua visão particular de mundo e na de seus

colaboradores.

Page 235: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

234

Para seguirmos com esses direcionamentos apresentados, nós adequamos as oito

perguntas constantes no questionário a oito situações (ou enfoques analíticos) que julgamos

apropriadas para discernir melhor nossas pretensões com o uso deste instrumento, conforme

constam no início deste sub-capítulo, estratégia que julgamos bem mais favorável, porque nos

permitiu não nos desviarmos de determinado caminho, sabendo onde estamos e onde

podemos ir e o que queremos alcançar. Tivemos em mente que não se fala de viajar por um

caminho de estrelas para encontrar a nanotecnologia. Temos muita técnica bem aqui na Terra,

e há mais dela surgindo todo o tempo e há mais dela por vir.

Com a relação à forma de assinalar o domínio próprio da nanotecnologia, a

conhecermos as idéias que os pesquisadores têm do lugar que a mesma ocupa em relação a

outras técnicas de impacto que a precederam, a exemplo da biotecnologia, verificamos que, de

modo geral as respostas foram no sentido de defini-la por seu fator de escala representativo ou

no sentido da sua relação com o “pequeno invisível”. Fizemos assim alguns registros: Para 13

dos 22 questionados, a nano é a tecnologia baseada nas propriedades físicas e químicas que

os objetos com dimensões inferiores a algumas centenas de nanômetros, ou seja, são

tecnologias abordadas em escala nanométrica. Interessante que 9 destes 12, trabalham

diretamente com pesquisas e aplicações nanotecnológicas, fazendo com maior precisão a

relação entre a nanotecnologia e as estruturas do tamanho da ordem de grandeza do

nanômetro, ou, o que é o mesmo, a um conceito de miniaturização ao extremo, equivalente à

bilionésima parte do metro. Esta relação de cálculo, associada à fabricação de dispositivos

próprios da engenharia à escala molecular que permite o conhecimento de novas propridades

da matéria, é o conteúdo fundamental da nanotecnologia.

Observamos que a definição da nanotecnologia aparece revestida de poucos nuances

diferenciadores, e que pouco ainda se sabe quanto à sua aplicação que no Brasil só não é mais

significativa, conforme Toma (professor e pesquisador da USP, da área de Química) a todos

os setores, devido a “[...] um descompasso acentuado entre a universidade e o setor industrial”

(2004, p. 93).

Desde o físico Richard Feynman, um dos pioneiros da nanotecnologia, a nano já foi

concebida como a técnica da criação de novos materiais e desenvolvimento de novos produtos

e processos, baseados na crescente capacidade da tecnologia moderna de ver, manipular e

controlar átomos, moléculas e coisas em escala atômica. Feynman (1959) adintava que os

princípios da física não são contrários à possibilidade de manipular as coisas átomo por

átomo; logo, não representa uma violação da lei. Para o físico, trata-se de algo que,

Page 236: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

235

teoricamente pode ser feito, mas que nunca tinha sido levado a cabo na prática, porque

“somos grandes” demais para arranjar os átomos da maneira que gostaríamos.

Neste aspecto particular, perante a praticidade e o modo descomplicado com que

Feynmann se coloca para apresentar a nanotecnologia a partir de agora, trabalharemos com os

resultados obtidos através das respostas que nossos pesquisados deram às perguntas

formuladas no questionário que lhes enviamos e que tinham vínculo com tudo o que já

tratamos e vamos especialmente tratar, ao indagarmos a sociedade sobre a nanotecnologia e

suas implicações.

Para preservarmos a identidade dos entrevistados, porque nos comprometemos a não

os identificarmos e para nós mesmos nos sentirmos mais à vontade ao trabalhar com suas

respostas, vamos indicar os vinte e três participantes com as seguintes abreviaturas, ADTR,

AMOS, BDSP, BJRS, BSEE, CCHI, CUNE, DCSB, ECAM, ECED, GSEN, LPMB, MDEN,

MFBR, FMMG, MSSP, NFIM, PDFM, PLUM, OSCI, RASB, RPSI e TDFC.

Iniciando então as discussões que queremos entabular sobre a relação entre

nanotecnologia e ética, achamos importante destacar que, mediante o estudo das respostas de

nossos entrevistados, constatamos o que já havíamos detectado com a pesquisa bibliográfica:

temos pessoas com pensamentos diferentes sobre a relação ética e nanotecnologia. De modo

geral, a nanotecnologia concebida como “meio” e a maior parte dos entrevistados pensa que o

problema a resolver está na ética, e não na técnica. Mas, ainda que encontremos algumas

posições ressaltando este aspecto, outras avançam em desconfiar disso e manifestam a visão

de que alguma coisa mudou ou pelo menos a técnica já não é vista de uma forma radicalmente

instrumental, a serviço de fins meramente utilitários.

Iniciamos nossos comentários com a pergunta que fizemos sobre se a nanotecnologia

implica em aumentar ou diminuir as desigualdades sociais. Segundo ECTE, na sua condição

de filósofo e sociólogo, quando discorre sobre essa possibilidade, considera ser este um ponto

de vista “falacioso”. E argumenta:

- Primeiro, porque parte de uma ideologia identitária. Platão à frente do Modelo da Idéia. Tudo deve pautar-se ao modelo do igual, do Uno, do mesmo [...] Já não é nem mesmo filosofia, é uma deontologia a apontar os dedos para os simulacros, as más cópias e a todos os que desconfiam de certas formas de comunitarismo igualitário que não é capaz de aceitar a diferença, ou simplesmente, diferenças econômicas ou sociais, o estrangeiro, o movimento feminista, o movimento do negro, de novos tipos de família, e assim por diante.

Complementa que:

Page 237: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

236

Além disso, no discurso atual presente nas universidades brasileiras, que se iguala ao das midias que reduzem tudo a realidades duais de oposição, esta pergunta: ”desigual ou igual” não permite a modulação do diferente, ou como diz Derrida, do mesmo que é diferente ao mesmo tempo[...].

Apontanto a ênfase do caráter normativo nos modos de pensar desta natureza que não

indaga por aquilo que é, mas por aquilo que deve ser, considera que estes remontam à ética

platônica que só percebe a ética relacionada com o bem e em que existe uma estreita unidade

da moral e da política, ponto de vista paral o qual a distinção igualdade-desigualdade é

moralmente relevante. A moral platônica já não é adequada para a época da revolução

tecnológica, o mesmo valendo para o imperativo categórico kantiano-utilitarista que resulta

muito estreito para nosso tempo de revolução cognitiva, em que a mentalidade emergente é

muito distinta. Terms como norma e obrigação, moral e dever, já não podem ser

compreendidos como o foram em épocas de convicções mais estáveis.

Quase de modo similar, CESP que é também um cientista das humanas diz que em

princípio não vê relação entre nanotecnologia com as desigualdades sociais, alegando não

saber bem o que é “desigualdade”, tanto no “singular” quanto no “plural”. CESP

complementa, registrando a posição da nano como meio, dizendo que:

- A desigualdade é uma questão política, econômica e cultural. A tecnologia é um instrumental que poderá permitir, por exemplo, o acesso a bens em face do barateamento, assim como permitir acesso às informações. A tecnologia, para ter influência política de modo a interferir nas desigualdades sociais, precisa ser secularizada.

E exemplifica dizendo:

- Países como a China, Cuba, Irã, Coréia do Norte [...] utilizam-se na Internet, mas criaram enormes barreiras para que os cidadãos comuns tenham acesso. Mesmo aqui no Brasil, grupos religiosos e grupos políticos que temem as novas tecnologias, fazem com que as desigualdades perdurem.

BJRS, também vinculado às humans, mas cuja realidade da prática profissional está

ligada à mídia, nos parece, entende também que a nanotecnologia não diminui ou aumenta

desigualdades sociais, o que existe são diversos interesses em jogo, cabendo à sociedade unir

as forças aos objetivos da “nanotecnologia”, tais como política e economia, até mesmo, em

questões de poder militar, o que para nós caracteriza, como nos argumentos anteriores, uma

posição ética no sentido de que não formulam juízo valorativo, mas sim explicam as razões e

proporcionam a reflexão sobre a nanotecnologia como meio para determinados fins. No caso

particular em que BJRS alega que as implicações sociais vinculadas à nanotecnologia

dependem de procedimentos (normas, regras procedimentos, que configuram, digamos, um

Page 238: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

237

código de moral), entramos no campo da moral como dever, que pressupõe regras de ação e

imperativos que se manifestam concretamente nas diferentes sociedades enquanto resposta às

suas necessidades, consistindo precisamente em regulamentar as relações entre os indivíduos

e entre estes e a nano, contribuindo para a estabilidade da ordem social. O argumento tem

caráter normativo, pois reclama a existência de procedimentos para que sejam alcançados os

objetivos ou motivações pertinentes ao que a nano se propõe. Estes procedimentos – humanos

– são os meios que indicariam a melhor forma de atingir o fim almejado pela nano, enquanto

técnica.

No modo de conceber de MSSP, que já há algum tempo debate questões pertinentes à

nanotecnologia em sua atuação no campo da Sociologia, é possível observar que o modo de

pensar pauta-se em padrões deontológicos apriorísticos que ignora o reconhecimento da

necessidade de uma ruptura com as teorias éticas convencionais para a formulaçaõ de uma

ética compatível com a nanotecnologia:

- No que toca às mudanças incrementais advindas da nanotecnologia, esta sociedade global já tem experiência anterior para realizar uma regulação, fundada em valores éticos e morais que possam não repetir os erros localizados no processo de introdução dos transgênicos. Quanto às mudanças revolucionárias advindas da nanotecnologia, estas não têm precedentes históricos em nossas sociedades. Aqui as dificuldades de regulação fundamentadas em valores éticos e morais que tornem os homens melhores serão de difícil discussão e realização.

A este respeito PLUM, com formação em física e atuação profissional vinculada à

empresa, coloca uma questão instigante, em que vincula a conduta ética a necessidades

humanas, indicando o caráter da técnica como importante meio de evolução:

- Uma balança, este é o instrumento mais importante quando se está diante de se fazer uma análise de uma nova tecnologia [...] Quais foram as considerações que o homem fez ao criar a primeira roda? Não sei! Pode ser até que ele tivesse levantado pontos positivos e negativos a respeito de sua invenção e fizesse uma média de tudo isto. A roda facilita o transporte, tudo passou a ser mais leve ao carregar e eu nem canso mais. Mas se a roda for usada por um rival, que observou o meu invento e o aplicar para um fim que não o mais nobre? E se ele me jogar uma destas coisas rolando morro abaixo de forma a acabar comigo e com minha família? Bom, o cara concretizou seu invento e a roda mudou toda a história da humanidade.

Este aspecto levantado pelo entrevistado nos lembrou um pouco a campanha brasileira

pelo desarmamento. Também sua fala, bem como a de outros entrevistados, deixa clara a

evidência de propósitos humanos presentes, e não da técnica por si mesma, a exemplo de um

machado sair sozinho de seu lugar e incidir sobre a cabeça de alguém, sem que o fosse por

controle remoto. Entram meios e fins em jogo, entram pensamentos, idéias, vontades, desejos,

Page 239: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

238

determinados por eleições condicionadas pelas consequências. ADTR, que tem alguma

aproximação com embates em torno do papel da tecnologia em relação ao ambiente, na sua

atuação ligada com o campo do Direito, nos parece reclamar a discussão ética também

relacionada à normatividade, ao ponderar que:

- Falar de natureza humana é algo extremamente complexo, pois sempre vai depender das ideologias a que uma pessoa se apega e das experiências de sua vida. O meu viver é para alcançar o equilíbrio, mesmo que o considere utópico. Infelizmente, nesta encruzilhada, sou pessimista em relação ao homem. Há muitas pessoas boas, que fazem o certo e vivem bem, porém o “mal” tem mais poder e domina. Então, vale a pena viver em paz com a consciência [...] retomo o conceito expressado pelo princípio da precaução e milito em falarmos nesse instante sobre a questão da “tolerabilidade dos riscos”. Considerando que, hoje, as decisões sobre qualquer assunto, sobre questões ligadas ao meio ambiente devem ser pautadas pelos sentidos de probabilidade dos fenômenos, a necessária certeza sobre os acontecimentos caiu por terra.

O entrevistado completa seu posicionamento acrescentando, algo que para nós trouxe

certa dificuldade de compreensão quanto ao que quer expressar, ao dizer que, em função do

que pensa: - todo controle e submissão à sociedade dos novos rumos da pesquisa deve ser

preservado. Nós entendemos que seja uma referência à participação maior da sociedade no

controle das pesquisas, mas aqui nos vem um quadro de dificuldades que precisam ser

superadas para realizar este processo, oferecido pela própria distância da universidade e da

pesquisa em relação à população, outra herança da oposição natureza-cultura. MDEN, que

além de sua formação nas ciências naturais também trabalha diretamente com a aplicação da

nanopartícula em sua atuação profissional, relacionada à saúde, considera que:

- [...] se for bem entendida em sua filosofia, a utilização para fins pacíficos só poderá trazer benefícios para a humanidade. Porém, é necessário criar órgãos que administrem de forma coerente e ética cientifica o uso destas tecnologias [...] é uma questão de domínio de informação sobre a tecnologia, depende dos interesses políticos e econômicos que vão estar atrelados a esta tecnologia. Quanto aos riscos e vantagens, também dependem de quem vai estar por trás disto, de quem vai estar com este poder nas mãos e de quem vai controlar. É como se fosse uma corrida armamentista nuclear. Muitos valores vão mudar e tudo vai depender de estratégias que vão gerar conflitos éticos e sociais. Vejo como uma questão existencialista, uma questão de valores. Vejo como uma questão de foro íntimo de cada ser. Da formação e concepção de mundo de cada pessoa. Cada uma vai entender de uma forma e usar da maneira que melhor entender. É uma questão de concepção antropológica e filosófica.

Nesta altura, lembramo-nos do questionamento aos entrevistados, sobre sua posição

diante da ameaça que foi bastante enfatizada, julgamos, mais no início da explosão das

pesquisas em nano, do fenômeno “grey goo”, referente ao fato das nanopartículas ou

nanomáquinas se auto-replicariam e produzirem autonomamente cópias de si mesmas, não se

Page 240: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

239

tendo garantias do controle sobre o resultado disso, como no caso de uma contaminação do

meio ambiente, de aplicações militares ou de maior controle sobre o comportamento humano.

RPSI, ligado também às ciências humanas com desempenho no campo da Psicologia, que não

se trata somente desta questão, mas também de outras a partir de outras técnicas:

- Mais uma vez, o emprego dessa tecnologia para fins militares – sem nenhum controle social – poderia nos levar a mais um possível desastre, como a guerra bacteriológica, ameaça muito mais tangível. A questão dos limites éticos é fundamental, não só para a nanotecnologia, como para qualquer outra tecnologia. A meu ver, toda pesquisa para fins militares é eticamente reprovável, pois não só não contribui para a melhoria das condições de vida humana, como desvia importantes recursos de pesquisas socialmente relevantes. Assim, não é a nanotecnologia que pode gerar uma contribuição ética, pois ela é apenas a ferramenta e não a mão.

O entrevistado nos apresenta a idéia de que tudo o que se reporta aos fins militares é

perigoso, é o mal, ao mesmo tempo em que enfatiza o bem que a técnica, como meio,

representa.

CCHI na sua visão educacional, campo em que atua e no qual tem formação

específica, expressa já uma desconfiança do papel da nano como mero meio, argumentando

que, com relação à mesma que surge com alguma particularidade nova:

- [...] é uma característica humana inicialmente resistir e ter medo do desconhecido, como foi com outras descobertas da ciência. Num primeiro momento, o ser humano resistirá, num segundo, vendo que traz benefícios aceitará. Vide exemplo dos cosméticos que trazem inúmeros benefícios à pele de mulheres com mais de 40 anos - foram aceitos até mesmo sem saber que continham partículas nanotecnológicas. Da mesma forma aconteceu, acontece e acontecerá com os alimentos transgênicos. É provável que se possa utilizar a nanotecnologia como um meio para determinados fins que não se possa ter controle [...] e será que um dia se terá controle sobre o uso dos avanços tecnológicos? De uma forma geral, não acredito que a nanotecnologia poderá contribuir para tornar os seres humanos melhores sob o ponto de vista moral e ético. Infelizmente, sob o ponto de vista legal, sempre existirão aqueles que utilizarão a nanotecnologia para fins escusos não beneficiando nem seres humanos muito menos a sociedade em geral.

Seguindo por uma trilha mais cautelosa, RASB, que trabalha diretamente com

tecnologias de informação, se mostra receptiva à nanotecnologia como meio, mas quanto ao

“grey goo” tem um viés que segue uma deontologia utilitarista, considerando com seriedade

as conseqüências das implicações morais com base em resultados imediatos, quando ainda é

cedo para assegurar com antecedência as conseqüências dos atos sociais implicados à

nanotecnologia. RASB diz:

- Não tenho conhecimento suficiente para ter uma resposta concreta. Mas, tudo o que é feito artificialmente, que não existe naturalmente na natureza pode ter um efeito contrário que não foi previsto anteriormente. Todo cuidado é pouco quando se trata de nanotecnologia.

Page 241: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

240

O homem está diante de uma tecnologia que pode revolucionar todos os setores da economia. Além do que, o homem diante da ciência sempre quis brincar de Deus, sempre buscou recriar artificialmente o que a natureza criou espontaneamente. E, agora ele está com a tecnologia certa para fazer o que ele bem entender, portanto depende do próprio ser humano o destino que essa tecnologia terá. Na minha opinião, o grande problema não é a nanotecnologia em si, mas o uso que o homem vai fazer dela. Muito pelo contrário, o homem com o poder da nanotecnologia nas mãos tende a ser mais autodestrutivo. Pois, poucos vão ter acesso a essa nova tecnologia, e aqueles que detiverem seu poder se sentirão donos do mundo e se acharão no direito de usar a nanotecnologia em seu próprio benefício. Para obter mais lucro, mais poder político e econômico. A história já provou que o homem, quando tem poder tecnológico, usa este poder contra o próprio ser humano, haja vista as guerras ocorridas desde o começo da civilização.

Numa outra posição, mostrando familiaridade com a nano no campo da medicina, em

sua rotina de trabalho com a pesquisa nesta área, LPMB considera que - O potencial para apresentar vantagens ao meio ambiente é enorme. Mas, sem

dúvida, entre os muitos materiais sintetizados, sempre poderá surgir aqueles que representam riscos para o meio ambiente [...] não acredito nesta auto-replicação das nanomáquinas, a menos que moléculas como DNA introduzidas nos organismos sejam definidas como nanomáquinas.

MFBR, com atuação no campo da física, contra a hipótese do “grey goo”, pondera que - Existem vírus cuja dimensão física encaixa-se no domínio do que entendemos como

“NANO”, ou seja, é uma estrutura material nanométrica produzida pela natureza e organizada a partir de moléculas biológicas conhecidas. Estas nanopartículas (os vírus) são capazes de auto-replicarem e o fazem quando encontram células (tecidos, órgãos,...) hospedeiras favoráveis. Portanto, entendo que estamos falando de algo que já conhecemos. Neste contexto, entendo que a nanotecnologia pode permitir a produção de novas estruturas supra-moleculares com a capacidade de auto-replicação em um ambiente adequado para tal.

O grey goo, realmente, desde que entramos em contato pela primeira com a

significação deste fenômeno, nos reportou à ficção, porque já sabíamos de antemão que o

DNA é capaz de auto-replicação desde que a vida é vida, e temos uma riqueza de diversidade

no mundo, a custa de muita auto-replicação, e não de aberrações. Neste sentido, assinalamos o

argumento de LPMB, que diz não acreditar que ocorra esta auto-replicação das

nanomáquinas, a menos que moléculas como DNA introduzidas nos organismos sejam

definidas como nanomáquinas.

Acentuamos o ponto de vista de BJRS, que defende um ponto de vista indeterminista

que de certo modo restringe os limites acerca do grau de precisão da nanotecnologia almejado

pelas explicações da própria nanociência, abrindo espaço para posições relativistas, quando

expõe que:

- O problema está quando este mesmo homem, por meio das suas descobertas frente

Page 242: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

241

ao seu tempo, desconhece os resultados destes avanços para o fator natureza; quando isso ocorre, tanto para o homem, como para a natureza, as conseqüências são cruéis para ambos os lados [...] Neste caso, lembro do filme “BLADE RUNNER”, bem como, outros que abordam tal questão por meio da denominada ficção científica, tal qual, o escritor de renome mundial, JÚLIO VERNE; porém, todas as conquistas do homem frente ao seu tempo podem acrescentar avanços e retrocessos em todas as áreas afins aos seus objetivos como pesquisador e/ou cientista. A indeterminação faz parte da determinação neste caso, bem como, o contrário disto e daquilo, assim, as nanopartículas podem desenvolver e precipitar uma indeterminação por meio da determinação, mas, tal determinação pode levar a uma indeterminação da tecnologia.

Para ECTE, em relação a este debate sobre o grey goo, é interesssante a relação que

faz sobre os efeitos do consequencialismo trágico nos modos existentes na sociedade de pensar a técnica, ao reconhecer que:

- Goethe já cantou a força do feitiço: vassoura atacando o feiticeiro. Vassoura pode limpar e ajudar ao homem, como também pode me levar a um tombo se tropeço descuidadamente contra ela num lugar e momento inadequados, como também pode servir para bater no outro. A diferença é de escala, porém [...] Não vai nenhuma indeterminação nisso. Os homens já jogaram gases morais sobre os outros, antraz, e outros contaminantes biológicos [...].

Quando complementa seu pensamento, temos a impressão de que deixa transparecer

em sua idéia uma intencionalidade da nano enquanto meio que em si representa, ao dizer que - Ela sozinha – a nanotecnologia – nada faz. Acordos, contratos e civilização serão

mais prementes do que hoje. Mas hoje estamos dependendo de um telefone vermelho e de um aperto de botão de um super-submarino que alcança todas as partes do mundo [...] Creio que as pressões poderão tornar-se maiores. Do que se trata antes de tudo, é de produzir em nós mesmos uma eticidade anterior a todas as leis morais e jurídicas, isto é, novos modos de sentir, ver, pensar e agir. Só a força dos Estados atuais em derrocada nada poderá fazer.

De todo modo, questões como esta nos remetem sempre à pergunta pelo papel da

técnica. Um ponto de vista também interessante sobre mitos, medos e afins, nos vem de

NFMG, com um acenar para mudanças paradigmáticas inerentes à nanotecnologia. O

entrevistado diz que:

- É difícil antever se as modificações serão radicais, mas elas ocorrerão, trazendo principalmente, mas não exclusivamente, benefícios [...] Mudar a concepção do funcionamento da natureza pode ser muito bom. Por exemplo, há pouco mais de 100 anos a concepção da natureza proibia o homem de andar de avião [...] Vírus são essencialmente nano-máquinas que se auto-replicam. Ou seja, os riscos de “grey goo” não são maiores que os riscos de uma epidemia de um vírus ainda desconhecido.

MFBR, por sua vez, em sua resposta, nos demonstra uma preocupação mais voltada à

pergunta “o que é ética” do que à “o que é técnica”:

- A nanociência e a nanotecnologia representam sim uma oportunidade para reflexão científica, ética e moral por parte da sociedade. Difícil julgá-las como um instrumento para

Page 243: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

242

tornar os homens melhores ou piores, mesmo porque teríamos que ter um entendimento mais aprofundado sobre o que significa ser melhor ou pior.

FMMG, que atua na área da medicina e da pesquisa farmacêutica, segue no rumo de

nossa preocupação quanto ao envolvimento mais estreitado da sociedade com a pesquisa,

quando entende que falar de moral e a ética... - é muito mais um problema cultural, onde a

nanotecnologia poderá contribuir, porém somente de forma indireta.

TDFC, que também trabalha com pesquisas na área farmacêutica, em seu modo de ver

concebe que ocorrerá ajustamento às situações, mas ao mesmo tempo considera que são

necessárias mudanças simultâneas no ser humano para que acompanhe o avanço da

nanotecnologia. Por sua vez, acrescenta que

- [...] a moral e a ética serão aspectos importantes em qualquer instância, com ou sem tecnologia. Tudo depende da índole humana. Criar-se-ão novos limites e novos sensos-comuns para a adaptação à nova era.

Com sua posição, TDFC nos transporta, de certo modo, às questões em torno do

homem “pós-humano”, “pós-moderno”, “pós-orgânico” e outras denominações mais. Do

mesmo modo, nos transporta à questão da relação da nanotecnologia com os debates em torno

à adaptação do homem ao meio ou do meio ao homem.

CESP, com sua visão otimista é receptivo à nano, expõe:

- Finalmente, novas tecnologias (as nanotecnologias inclusive) têm sido utilizadas em intervenções com o objetivo vencer a eterna luta contra a morte. Esta luta no mundo ocidental tem um significado especial. Oswald Spengler escreveu há mais de meio século que o ocidental vive numa corrida para o infinito onde a morte, no meio do caminho é um corte, uma interrupção, que precisa ser vencida. Será que nesta luta haverá uma fusão entre o orgânico e o inorgânico? Não sei.

Esta indecisão do entrevistado, que é a da maior parte de nossos entrevistados, apenas

reafirma o que já constatamos faz tempo, quanto à oposição entre orgânico e inorgânico, que

também presente esteve na formação científica da pesquisadora, na área das Ciências

Biológicas, outro grande empecilho a que entendamos a vida, a natureza, a nós mesmos.

Como pode o homem pensar-se sem sais minerais, água, ar, elementos atômico-moleculares?

Não vamos para o trabalho deixando em casa nosso inorgânico? Nem tampouco, quando

vamos dormir, desligamos nosso orgânico e fica apenas nosso inorgânico em ação! Temos

aqui pontos importantes, colocados por CESP e ECTE. Quanto ao primeiro, fazendo alusão a

uma colocação do professor e pesquisador Henrique Toma (cujo nome já mencionamos neste

trabalho), numa entrevista que ele deu para o boletim “Agência FAPESP”, em que diz que “a

nanotecnologia se aproxima cada vez mais à vida”. E CESP complementa:

Page 244: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

243

- Mas será que antes disto ainda teremos uma pico, uma femto ou uma attotecnologia? [...] Natureza humana! O “ser humano” é sinônimo de “ser social” (ou “ser cultural”). Esta hibridação homem-máquina será mais bem compreendida como a máquina em auxílio à manutenção da vida. Os exemplos são muitos e a mídia não cansa de apresentá-los. Os enxertos, marca-passos, as cirurgias de mudança de sexo e os tratamentos, adequação de um gênero a outro etc., demonstram que a “natureza humana” é passível de intervenções. O corpo, diz Mary Douglas (uma antropóloga inglesa), é a metáfora da sociedade, e por isto procura-se, sempre, adequá-lo a padrões estéticos. Ou para adequações psicológicas, como já acontece nas cirurgias de mudança de sexo.

CESP nos coloca diante do que a pesquisadora mesma sente, quando contempla uma

escultura moderna e se pergunta: “Onde está a técnica ali? E a arte?” Ora, o que pensamos é

que ambas estão de tal modo imiscuídas, que olhar para um automóvel incrementado de

aparatos muito avançados, que chama a atenção de qualquer pessoa que passa na rua, ou pegar

na mão um Ipod nano, último modelo, causa esta sensação de perplexidade e dúvida. ECTE

vai mais fundo na desestruturação de nossas dicotomias quando expõe que:

- [...] a fusão do orgânico e do inorgânico que a ciência está realmente produzindo, vem exatamente ao encontro da VIDA: VIDA é a própria atividade criadora da natureza da qual somos estruturas formadas. Somos fusão produzida e estruturada pela e com a Natureza. Portanto, com Deleuze vou além da concepção de vida como a autopoiése de Maturana e Varela. Para este último, a FORMA é a vida. Para mim, a vida é anterior à FORMA, ainda que esta seja autopoiética, auto-organizativa. Logo, não há contradição nesta fusão do orgânico e do inorgânico, mas antes, pelo contrário, há encontros...

BSEE, no olhar da especialização pedagógica, faz uma observação sobre a técnica,

que é por ela vista como natureza aperfeiçoada. Entende que

- [...] essa tendência à hibridização, mescla do natural e técnica, vem do desejo manifesto dos seres humanos de fundir-se com a natureza, mas uma fusão diferenciada na qual, ele não é anulado, mas constrói sua identidade numa relação de equilíbrio entre homem e natureza. Partindo do pressuposto de que muitas doenças se originam do desequilíbrio entre homem e natureza, teríamos a cura para muitos males que hoje assolam a humanidade, pois no mundo nanotecnológico, poderão ser construídos conhecimentos interdisciplinares que possibilitarão a invenção de minúsculos dispositivos possibilitando o exame, a manipulação e mesmo a imitação de sistemas biológicos, tornando possível a redução dos efeitos maléficos causados pelos problemas ambientais, entre outros, pois não mais existirão.

Outra posição que chamou nossa atenção foi a de PLUM. Nesta, há o reconhecimento

da nano como meio, mas uma posição que nos lembra Ortega uma vez que o entrevistado

concebe a nano em suas inter-relações entre vida, técnica e mundo, a que focalizemos a

atenção não estritamente sobre a vida humana como a única perspectiva mais radical desde a

qual se deva dar sentido à colocação do problema da técnica, mas é preciso reconhecer que a

técnica representa um inevitável substrato ontológico em que tem o ser humano está imerso.

Page 245: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

244

O homem, desde sua mais radical realidade, obedece a uma razão ontológica pelo fato de ser

um “ser” estranho ao “ser” do mundo; por esta razão, não se adapta totalmente a circunstância

e, à diferença do animal - cujo ser se adapta totalmente à natureza (o que nos remeteu às

posições de Hegel e de Gehlen, para o qual a partir da substituição da força orgânica pela

anorgânica, o homem alargou seu campo de intervenção, autonomia e potencial de

desenvolvimento) - o ser humano aparece como um ser estranho ao ambiente e ao mesmo

tempo misterioso. Segundo o entrevistado, a nano traz

– [...] benesses, reveses, facilidades e dificuldades que esta impele ao longo de sua implementação e uso. Sem dúvida, quem tiver os recursos necessários, quer sejam financeiros, intelectuais, sociais, irá fazer uso das novas tecnologias, dentre elas das nano. Mesmo que venham a ser consideradas seres híbridos, mutantes ou sei lá eu! Pode ser até que isto confira algum “status” para o portador... Eu considero o uso de nanopartículas muito semelhante ao uso de óculos, perna mecânica, implante capilar, seio de silicones, implante dentário etc. Estas adaptações e complementações artificiais do corpo sempre existiram e continuarão a existir [...] O que dizer dos piratas da perna-de-pau? Do homem de olho de vidro? Dos implantes cocleares e da possibilidade de voltar ou começar a ouvir? De um transplante de rosto? E me parece que são dois. Tudo isto são adaptações do homem ao meio, para que possa transitar melhor à frente das adversidades e facilidades que ele lhe impõe. As tecnologias evoluem, as ferramentas são outras, mas as necessidades de adaptação vão continuar a existir.

Do ponto de vista das ciências sociais, MSSP ao nosso modo de ver explica o ser

humano na fusão orgânico-inorgânico concebendo a técnica como meio de adaptação,

mantendo a oposição entre homem e natureza. Entende que:

- A fusão de orgânico e inorgânico proporcionada pelo progresso técnico, se trata de uma nova fase do desenvolvimento capitalista em que as barreiras entre o orgânico e o inorgânico são abolidas, ou pelo menos destruídas de forma significativa para que o capital se aposse de áreas em que ele não construía mercadorias – portanto não se reproduzia – e agora o faz, ampliando assim seu universo de reprodução ampliada. Este processo envolve condições objetivas e também subjetivas: a) a posição crítica se refere a que o controle da introdução da nanopartícula não se encontra com a sociedade, mas sim com os grandes capitais, materializados nas empresas multinacionais e Estados que são seus representantes; b) se trata de uma adaptação do homem e do meio à reprodução ampliada do capital. Porque este é o cerne do sistema capitalista. Homem e natureza subordinados ao capital via o trabalho morto materializado em tecnologias.

TDFC, que trabalha com a pesquisa em nano, vê a “tecnologia nanica” chegando ao

nosso mundo particularizando-se em tecnologia nanométrica, sem reificar a mesma. Assim

argumenta que:

- Acredito que o homem, antes de tudo, guardando as proporções, age instintivamente para sobreviver. Procura novas formas de cura, de alimentação, de facilitação de procedimentos etc. Antes de tudo, os envolvimentos emocionais com os problemas muitas

Page 246: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

245

vezes nos levam a mudar de opinião em relação a determinados aspectos. No caso de doenças graves ou incuráveis em pessoas da família ou muito próximas, se o procedimento para salvar o indivíduo envolver a inserção de órgãos ou células de outros seres ou mesmo do inorgânico, é mais fácil aceitar. É muito confortável ser de opinião contrária, quando não se está envolvido diretamente na tomada de decisão. Acredito que é a adaptação do homem ao meio [...] o homem instintivamente luta para manter-se vivo. Além disso, por mais que venhamos interferir no meio, de uma forma ou de outra perderemos, pois a natureza readapta-se provocando algum fenômeno catastrófico de alto poder destrutivo para os seres vivos [...] a degradação ambiental já está ocorrendo e em grandes proporções com pouca tecnologia, com machados, serras e tratores, na derrubada de florestas; com jatos d’água e picaretas no garimpo; com dinamite na exploração de montanhas de granito e de mármore. Penso pelo contrário, uma agropecuária coordenada, para o mínimo de perdas e desperdícios, poderá utilizar áreas menores para o plantio e criação de animais e evitar maiores desmatamentos. Este sem dúvida é o caminho para evitar a fome no mundo.

Nesta direção, a posição de MFBR se mostra ilustrativa porque divisa uma

compreensão da técnica como equilíbrio entre homem e natureza, considerando que

- [...] a sobrevivência de uma civilização, ou mesmo da própria espécie humana, depende fundamentalmente da busca de um equilíbrio entre homem e natureza. Basta olhar a história. Veja o caso da ilha de Páscoa: o último homem da última civilização que ocupou a ilha cortou a última árvore e desapareceu!!! Ele construiu o seu próprio caixão.

Enfatizamos a colocação de PLUM, que caminha neste sentido. Ele concebe que:

- Bom seria poder afirmar que todas estas tecnologias garantirão a evolução e a perenidade de todo o planeta. Contudo, fazer isto, em minha modesta opinião, seria leviandade. Não devemos ser pessimistas ou mesmo levantar a bandeira de um pensamento com base no holocausto, somente porque estamos face ao desconhecido. Em contrapartida, não podemos chegar a um entusiasmo exacerbado e turvo que nos remova a capacidade de análise crítica e ação frente aos problemas, que sem dúvida ocorrerão[...] tenho a certeza e convicção de que nossa civilização está iniciando um processo de quebra com o passado e experimentando uma transformação que virá modificar a forma do homem agir, se relacionar e viver.

Em todas as exposições se percebe uma relação muito íntima entre a nano e a vida.

OSCI, que tem atuação na pesquisa científica contribui neste sentido, talvez algo que não

poderemos pensar se fizermos uma comparação entre o que representou a passagem do

bucólico e pastoril para o mundo industrializado. Coisas grandes e pequenas aconteceram.

Para o entrevistado, tem havido boa sinergia nas nossas interações dos pesquisdores da nano

com os diferentes grupos das diferentes redes, mas, do ponto de vista geral, ainda existem

dificuldades nas atividades em rede, sobretudo porque se trata de um tipo de organização da

pesquisa que exige uma forte vontade de interagir com outros grupos e de efetivamente

trabalhar dentro de uma perspectiva multidisciplinar. OSCI acredita que a pesquisa na área

nano pode contribuir expressivamente na solução de problemas que afetam diretamente os

Page 247: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

246

cidadãos, oportunizando: remediação ambiental, purificação de água, remoção dos

contaminantes, melhoria e fertilidade dos solos, construção de kits de diagnóstico para

doenças infecciosas e endêmicas, novas formulações de medicamentos e veículos para sua

liberação, novas formas de energia, entre outras. O entrevistado chama nossa atenção a um

ponto de partida, que não se pode esquecer, colocando que se deve

- Lembrar que o nanômetro é a bilionésima parte do metro. Em termos comparativos, trata-se de uma grandeza cerca de 70.000 vezes menor que o diâmetro de um fio de cabelo. É importante que se tenha presente que não basta simplesmente ser pequeno, e, sim, ser um “tipo especial” de pequeno. Esta consideração me parece importante, na medida em que leva ao entendimento de que existem propriedades fundamentais dos materiais - químicas, físicas mecânicas e biológicas -, as quais dependem do tamanho, ou, melhor dizendo, estabelecem, abusivamente falando, uma "cumplicidade" com ele, cumplicidade esta que se constitui na chave de toda a Nanotecnologia [...] não podemos perder de vista que a Nanotecnologia pode também ser uma oportunidade singular para o desenvolvimento do País.

Ficamos imaginando muita coisa que hoje acontece no mundo, coisas descomplicadas

para falarmos aqui, como do casamento entre um japonês nato e uma mulher brasileira, a

brincadeira de uma criança alemã com uma criança natural de Luanda, o contato entre um

urso polar e pulgas e carrapatos, a questão da própria transgenia e da clonagem, a união de um

alemão com uma mulher da tribo Padung, da tribo das mulheres-girafas, que usam anéis

dourados ao longo do pescoço comprido, e em outras relações. Pensamos nas palavras do

entrevistado ECTE, quando fala agora que a diferença se mostra como tal ela deliciosamente

assusta e galvaniza nossos sentimentos e nossos pensamentos mais secretos. Lembramos

também de OSCI, ao dizer que:

- No que se refere às questões sociais, ambientais e, acrescentamos éticas [...] há muito que fazer. A questão da informação qualificada é fundamental neste processo [...] a nanotecnologia - graças a um forte apelo mediático -, teve seu universo povoado por nanorobôs, nanomáquinas, nano-X, etc., aos quais são atribuídas às mais diversas funções, sendo grande parte delas altamente especulativa. Certamente esse tema assusta, se colocado para o grande público, sem qualquer explicação prévia, clara, ponderada e, sobretudo, abalizada. A dificuldade de compreensão transforma tudo numa “grande interrogação” que, no limite, pode até mesmo levar ao medo. O que geralmente nunca se diz é que coisas que lhe estão muito próximas, que fazem parte do seu cotidiano, as quais, muitas, inclusive consome, são produtos que já se apropriaram desta tecnologia e que, certamente, nada têm a ver com as “criaturas” que muitas vezes são mostradas em vários veículos de comunicação.

De certo modo, somos reportados aqui a pensar nas posições em que é assumida a

idéia de natureza humana e a implicação da nanotecnologia como possibilidade de alteração

da mesma – uma natureza pós-humana, pós-orgânica... -, complementando que não

encontramos em nossos pesquisados uma idéia tão radical quanto à do co-fundador e principal

Page 248: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

247

cientista da Sun Microsystems Bill Joy (Apud SANTOS, 2003, p. 273), em seu argumento de

que “estamos no limiar de aperfeiçoamento do mal extremo” com as novas tecnologias,

equivalente, segundo Santos (Ibid.), “à perda total do controle pelos humanos e a ameaça à

espécie”. Quando formulamos a questão para nossos pesquisados sobre como definiriam a

“natureza humana”, uma vez que muitos críticos que escrevem ou discursam sobre a

nanotecnologia afirmam que esta tecnologia representa o fim da mesma, ECTE coloca que

afirmações deste tipo se relacionam com a oposição entre “natureza” e “natureza humana”,

que “são criações da filosofia ocidental essencialista”. No seu modo de analisar esta condição

consequencialista, ele diz que:

- [...] são oposiçõs irredutíveis [...] qualquer costura aí se tornou impossível depois da ruptura da fysis e do nomo, da natureza e da cultura, do homem e do animal... Impensável logicamente qualquer evolução [...] sempre de novo aquela oposição binária: ou isto ou aquilo [...] oposições binárias corpo versus alma, corpo “onde os impulsos humanos condenáveis e perigosos” tramam nossa destruição, natureza versus cultura, identidade supostamente eterna versus desigualdade/devir, não dão conta do que se passa ao nosso redor.

Desta forma de pensar, podemos derivar algumas indicações quanto às possibilidades

de riscos e benefícios, vantagens e desvantagens, igualdade e desigualdade, vinculados ao uso

da nanotecnologia, sobretudo, nos entrevistados que trabalham diretamente com a mesma e

em alguns outros que, conforme pudemos perceber, têm uma referência informativa maior

sobre a nano. Dentre os que classificamos como “pesquisadores de área não-nano”,

“pesquisadores de área não-nano”, “público informado sobre o tema nano” e “público não-

informado sobre o tema nano”, em sua maior parte é clara a visão das nanotecnologias como

ferramentas que, na sua descrição e caracterização como técnicas especiais no âmbito da

física, química, ou mesmo da biologia, desempenham um papel de facilitadoras e mediadoras

do trabalho de outras técnicas. MFMG, por exemplo, que trabalha diretamente com a pesquisa

nesta área, vê um diferencial no caso das aplicações da nano ao desenvolvimento de novos

tipos de sistemas associados a fármacos. Estes são, na sua concepção, ferramentas mais

inteligentes e seletivas por sua escala de dimensões nanométricas e propriedades especiais de

direcionamento, dentro dos organismos vivos, no tratamento de doenças complexas, graves, e

mesmo para melhoria da eficácia de drogas já utilizadas na terapêutica (adentrando já no ramo

da nanotecnologia, que muitos chamam de nanobiotecnologias, mediante a aplicação de

fármacos). Assim, com respeito às “nanotecnologias”, acha que

- [...] as pessoas exageram e a idéia de algo novo traz consigo promessas mal compreendidas e exageradas. A nanotecnologia nada mais é que o estudo de sistemas de

Page 249: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

248

tamanho nanométrico e que por isso exige técnicas especiais de estudo, às vezes até muito onerosos. Mas é importante dizer que muitos desses estudos já eram realizados antes, sem que esse nome “nanotecnologia” tenha sido utilizado. Esses estudos só são possíveis hoje pelo avanço das tecnologias de detecção ao nível atômico etc.

E complementa: - [...] a nanotecnologia não tem o mesmo impacto da modificação genética, por

exemplo, que realmente altera a natureza. A nanotecnologia é mais uma ferramenta e que tem aplicações interdisciplinares [...] atualmente o homem tende mais para uma reengenharia radical do homem que tende para a necessidade de modificar o corpo e de desenhar sua própria identidade do jeito que quer, mas ao mesmo tempo aumentou nos últimos anos a consciência sobre os riscos para o equilíbrio tênue do artificial x natureza.

O ponto de vista de ECTE também denota o caráter de “meio” apropriado para a nano,

mas vai mais além e nos dá o que pensar com sua visão bastante otimista. Ele assinala que:

- [...] podemos dizer que toda vez que se introduzem novas mediações (sejam simples técnicas ou grandes tecnologias), os homens terão tantos ou “n” graus de liberdade a mais para serem diferentes uns dos outros e para afirmarem suas diferenças. Marx dizia na Ideologia Alemã que os homens só poderão ser verdadeiramente diferentes, criadores e livres, quando tiverem uma tecnologia avançada e, conseqüentemente, ilimitados graus de liberdade [...] com as tecnologias atuais de reprodução assistida, temos gente nascida de uma mãe genitora que deu seu óvulo para outra mãe de aluguel que carregou o embrião até seu nascimento, e uma terceira mãe social que cria e educa esta criatura. Três mães e um bebê. Veja que beleza, um mundo diferente de relações. Diferenças se pondo cada vez mais demandando o reconhecimento e todos os direitos de ser diferente. É o mesmo homem, mas diferente, nunca igual, nem quando saímos de uma só mãe [...]

DCSB, que atua diretamente com o setor da economia na empresa não vai longe, nos

fazendo repensar a relação homem-natureza e a nos perguntar: “O homem é natureza, é parte

dela, ou não é natureza?”. O entrevistado, em questão, afirma que concebe a nanotecnologia:

Como uma reengenharia radical do homem que tende para a necessidade de modificar o corpo e de desenhar sua própria identidade do jeito que quer. A nanotecnologia é uma prova de que o homem tenta adaptar a natureza de acordo com suas necessidades [...] Creio que seja a adaptação do meio ao homem. O uso de células-tronco é uma forma de corrigir possíveis imperfeições existentes na natureza. Adaptações da natureza às necessidades do homem.

BDSP, falando do lugar das ciências sociais, conclama para estas discussões as idéias

de Latour, para quem a técnica é representada por meio de um saber-fazer e a cognição deixa

de ser o agente central de uma ação para ser um dos atores envolvidos numa rede dada -. Ela

entende que: - “A natureza humana é uma construção social, histórica. Como a noção de

natureza em geral. Vide Latour. Para ele existe são naturezas. E quanto à questão da

Page 250: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

249

implicação da nanotecnologia com adaptações, questiona se não podem ser as duas coisas,

num processo interativo.

Uma posição que ressalta o papel do homem na natureza, mais do que necessidades de

adaptar o meio a si, é a que apresenta de forma muito tranquila PDFM, que como físico

trabalha há um bom tempo diretamente com a nano e suas aplicações. Ele recomenda um

balanço favorável entre os riscos e benefícios envolvidos, no sentido de um utilitarimo

altruísta, em que a nova técnica seja capaz de maximizar os benefícios, afirmando que não vê

– [...] uma evolução muito diferente da observada no século passado, com o surgimento da

energia nuclear e o advento dos computadores, por exemplo [...] Diz ainda que é

extremamente favorável ao desenvolvimento da nanotecnologia (na nossa visão, concebendo-

a como ferramenta). Para o pesquisador: - Os benefícios serão imensos! Os riscos também.

Tudo estará dependente de como nações, principalmente as desenvolvidas, conduzirão esta

questão!

Com o desenvolvimento das ciências físicas, que foi simultâneo ao desenvolvimento e

avanço das instrumentalidades, cada vez mais sofisticadas e eficazes, esperávamos mais

posicionamentos sobre a importância específica e a tarefa da nanotecnologia frente às

condições da vida e da ação, diante do quadro de muitos produtos que invadem a vida e que

não deveriam ser - ao menos pensamos - indiferentes aos assuntos humanos. Este foi um bom

motivo para consideramos que devemos dedicar atenção especial a tal situação e também

porque julgamos que experiência, natureza e instrumentação foram separados de modo

injustificável pela tradição, corte, em grau semelhante à cisão natureza-homem ou à natureza

cultura, oposições que trouxeram consigo um sem número de problemas já apontados nos

capítulos anteriores.

Ante tais retornos, apontamos alguns tipos acentuados de problemas em evidência: 1)

problemas práticos, que são os problemas e as pressões da vida cotidiana: 1) problemas

teóricos, que são os problemas dos quais se ocupa a ciência e a técnica; 2) problemas de

valor, que compreendem as circunstâncias nas quais é preciso saber o que é a coisa e o que se

deve fazer em relação a ela; 4) e os chamados problemas de fato, em que há um esforço por

descrever algo.

Pudemos verificar que com relação à nanotecnologia, como em cada tipo de problema

com que se deparam os seres humanos, para sua resolução, é empregado um padrão comum

que não está inscrito em nenhum código normativo ideal, senão que é o resultado empírico

que tem acompanhado e feito a espécie humana ao largo de sua constituição, lembrando que

Page 251: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

250

os mecanismos que regem o processo evolutivo continuam sendo discutidos, como também é

objeto de debate a sua sustentação nas leis que encontramos nas teorias biológicas. Existem

novas reflexões sobre o conhecimento humano, como estratégia de resolução de dilemas da

vida, mas de modo geral não se remetem às raízes biológicas, capazes de abrir outro caminho

para a compreensão do significado das ciências naturais, a que, por conseguinte, abram

também para definir o das ciências humanas e sociais. Pensamos que esta realidade talvez nos

tenha mostrado uma oportunidade de abandonar de modo definitivo velhas perguntas

substituindo-as por outras novas, mediante acordos com a natureza, a vida e a cultura humana,

que tenham relação com a capacidade de decisão sábia, consciente e solidária dos seres

humanos, os verdadeiros protagonistas com falas e ações deste poder da natureza.

Consideramos que conhecer mais sobre nanociência, sobre nanotecnologia, neste

aspecto, de um modo que se possa debater com mais fluidez as questões em torno a estes

campos, discutir conceitos de forma descomplicada e encontrar formas de fazer coisas

parecidas na vida cotidiana com os modos próprios dos cientistas e parecidos com os produtos

que estão na sociedade, é um bom passo para a partida. São procedimentos simples, ágeis,

colaborativos, imediatos (quanto à urgência do momento) e, ao modo de falar pragmatista,

eficazes em sua contribuição como instrumentos capazes de redefinir ou recolocar questões

novas sobre a vida, a técnica, a ética e sobre os seres humanos, que hoje são objeto de

discussão em todas as áreas do conhecimento, cujas preocupações já seguem além da ética do

‘grande’, do ‘concebível’, do ‘mensurável’, do ‘palpável’.

Não se trata aqui de investigar a origem e o desenvolvimento de posicionamentos e

mais posicionamentos, enquanto tais, que têm sido examinados sempre que surgem dilemas

afrontando a normalidade, já bastante perscrutados por muitos autores atuais nos debates que

abarcam a relação técnica-ética. É importante que se examine a capacidade que alguns deles

possam ter de iluminar problemas específicos à relação nanotecnologia-ética, no modo como

se vincula com interesses e manifestações que hoje se apresentam como problemas de todos

os homens.

Acreditamos que obtivemos algum sucesso revisitando as idéias manifestadas quanto à

capacidade de tomar decisões e quanto ao caminho a seguir para responder a algumas

perguntas que, de certo modo, foram bastante freqüentes neste estudo. Reportando-nos

constantemente a tais perguntas - porque diante de algo tão inusitado não conseguimos deixar

de fazê-las e porque não temos ainda a lucidez para entender se muitas delas já têm ou não a

resposta - pensamos como Agamben (2002, pp. 273-287), que as questões problemáticas se

Page 252: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

251

tornam mais claras se as reformularmos como perguntas sobre o significado das palavras.

Nesta direção, nos parece que Agamben caminha a partir do campo “poder” aberto por

Foucault, acolhendo caminhos apontados por este filósofo e por Benjamin de interrogar

tematicamente a relação entre “vida nua” (vida sem nenhum valor) e “política” que governa

subliminarmente as ideologias da modernidade.

Agamben tenta forçar que o político seja extraído de sua ocultação e, ao mesmo

tempo, restitua o pensamento à sua vocação prática, abordando as relações biopolíticas

existentes entre a “vida nua” e a “soberania” na história política ocidental. A partir dessas

relações, esclarece de que forma o advento da pólis assinala, pelo princípio ontológico de

exceção constitutivo da “soberania”, a inclusão por exclusão da zoé na pólis, da “vida nua” no

ordenamento jurídico, a contribuir nas discussões que giram em torno a problemas que

continuam atuais e a que sejam solucionados.

Precisamos pensar que, com a emergência da nano muda de forma significativa o

modo de viver nas sociedades contemporâneas e nas relações entre todos os atores envolvidos

nos mais diversos campos de trabalho. Basta aqui apenas lembrar que a chamada “terceira

idade” hoje é também do tempo do computador e pessoas desta faixa etárias estão cada vez

mais tendo acesso a informática e à Internet.

Precisamos pensar a técnica de outro modo diferente do que a temos pensado, no

sentido da reconciliação do homem com a natureza, da natureza consigo mesma, do homem

consigo mesmo. Temos certa dificuldade em dizer o que a técnica é, mas, mais do que pensar

que o homem triunfa sobre a natureza, é possível dizer que a técnica seja este processo mesmo

da natureza aperfeiçoar-se, uma vez que se vê forçada a fazê-lo no sentido de cuidar de si

mesma, do que criou e cria, no sentido da vida seguir em frente.

Necessitamos compreender o significado dos questionamentos em torno à relação

entre a nanotecnologia e as preocupações éticas, sobretudo, para ampliar nossa capacidade de

reconsiderar as oposições binárias que estão acompanhando as interpretações a respeito desta

tecnologia. Quase sempre implícitas nos efeitos da técnica sobre o homem, esta tendência

perturbou em demasia, a que se queira sair da velha discussão entre natureza e natureza

humana, natureza e cultura, técnica do bem e do mal e entender igualmente o que pode

significar a anulação surpreendente dessa bi-polaridade, pois a exclusão de quaisquer

dimensões importantes da condição humana produz, por certo, conseqüências éticas

importantes, dentro e fora do âmbito das teorias científicas.

Page 253: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

252

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou-nos ir além do conhecimento que tínhamos a respeito de

nanotecnologia. Foi-nos possível, por nos sentirmos estar participando do início de algo como

uma “nanoaventura”, já dominada por experts no assunto, também avaliar como a

universidade, a sociedade e as pessoas em geral (elo que foi simultaneamnete se estreitando)

estão reagindo às transformações técnicas que vêm ocorrendo no seu entorno, seus

comportamentos e esforços para se adequar à nova realidade, quando têm esta possibilidade.

Não apenas constatamos que ainda existe dificuldade em conectar a técnica com a

ética e, sobretudo, a natureza com a técnica, mas avaliar algo dessa natureza permitiu-nos

destacar alguns dos nossos próprios pontos fortes e fracos no estudo que fizemos, bem como

nos trouxe oportunidades de melhor conduzir a discussão a respeito da hipótese que nos

acompanhou desde que nos interessamos pelo assunto, porém com linhas mais seguras, novos

caminhos teóricos capazes de proporcionar novas trajetórias institucionais nos âmbitos

científico, tecnológico e de relação com a sociedade. Além disso, hoje vemos a diferença

enorme no que se refere às fontes que existem agora e o crescimento das pesquisas em relação

a quando começamos a ensaiar este estudo. A aplicação de tecnologias inovadoras nos

últimos anos fez com que as divulgações sobre nanotecnologia assumissem maior relevância,

tendo em vista a necessidade de fazer avançar o conhecimento, testemunhas que somos da

ignorância imensa que havia sobre o mesmo no início desta pesquisa e que em boa dose, ainda

existe, fora dos centros de pesquisa e das equipes institucionais que lidam com a questão.

Enfatizamos ainda que, nos dias atuais, as conquistas no campo da nanotecnologia dão origem

a um outro vasto campo de questões éticas e morais, porque estamos novamente colocados

diante do impasse humano que perdura em todos os tempos: O que é a técnica?

Dado o desdobramento que o estudo foi tendo, parecíamos estar presenciando o

ressurgimento de um novo Prometeu, em que o homem, e não um deus menor ou um titã118

118 Os titãs são denominados deuses menores, não primordiais, porque se referem, nos estudos mitológicos, aos antigos deuses que antecederam o reinado de Zeus. Originalmente, eram filhos dos primitivos senhores do universo, Gaia, a Terra, e Urano, o Céu. Trata-se, contudo, de uma série de divindades muito antigas, da segunda geração dos deuses gregos, descendentes de Urano, que, por uma razão ou outra, continuaram a ter uma certa vigência dentro da mitologia grega clássica, destacando-se na sua ascensão ao poder, por ousarem enfrentar o próprio Zeus e os deuses olímpicos, ou seja, os supremos entre os deuses, e que sucederam os titãs. Apenas para enriquecer tais esclarecimentos, observamos que as divindades em geral estão presentes nas obras de Homero, o que nos possibilita conhecer seus hábitos, características e costumes, além de nos transportar ao Olimpo ou à morada divina, fazendo-nos de algum modo, ter uma idéia do cotidiano dos seres ditos imortais.

Page 254: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

253

premeditador, desta vez roubou a sabedoria da intimidade da matéria, roubou o âmago do

próprio fogo. A sensação primeira assinalava que mais tarde ou mais cedo poderia se produzir

uma coisa estranha, profana, mas ímpar e magnífica, capaz de reorientar o espírito inventivo

dos homens para se defenderem da morte e de si mesmos (na esperança de alcançar a

perfeição, poderes e imortalidade dos deuses).

Novos desafios à escala humana foram colocados, porque um mundo, até então mais

imaginado que explorado pelo conhecimento, tornou-se possível, de uma parte,

reacendendendo preocupações éticas para garantir a sobrevivência não apenas do homem,

mas de todos os seres, da terra, do Universo inteiro. Tornou-se cada vez mais evidente que o

desenvolvimento das sociedades passou a depender cada vez mais da produção e aplicação do

saber, do conhecimento, conclamando a humanidade inteira a uma urgência em discutir os

caminhos para mudar sua forma de viver, a que possamos continuar ‘morando’ no Planeta. A

cada momento surgem novos problemas que exigem respostas novas no que diz respeito à

análise e compreensão da experiência convivencial com a nanotecnologia e com as próximas

técnicas que possam surgir.

Todos os mais recentes passos da ciência têm vindo com grandes questionamentos

éticos, como os que fizeram eco junto aos avanços da biologia molecular, da biotecnologia, da

física quântica e, agora, da nanotecnologia. Com este estudo, pudemos nos inteirar melhor da

complexidade que envolve os fundamentos da nanotecnologia, para podermos afastar

preconceitos morais, religiosos, ou sentimentos inconsistentes de medo em relação aos seus

possíveis avanços.

Existem para todo mundo, atualmente, muitas questões sobre a ética-técnica e nós

muitas vezes ficamos petrificados perante elas, como se estivéssemos presos ao olhar da

medusa, sem conseguirmos extrair deste olhar um aprendizado para entender o que está

acontecendo, a que possamos ter uma visão melhor do conjunto de elementos e dados novos

apresentados. Existem modificações do retrato do mundo com a introdução da nanotecnologia

em relação ao ato da medição (mais manipulável diante de uma maior intimidade entre o

observador e os objetos), ao novo papel atribuído ao observador e aos equipamentos de

observação e medição inusitados, como representam, por exemplo, tanto um microscópio de

força atômica quanto um nano Ipod, a trazerem questionamentos sobre o que somos e o que já

não somos a partir da convivência crescente com técnicas minúsculas e que cada evz mais se

parecem com coisas de nós mesmos, com a vida.

Se sabemos o que ainda somos, contudo, já não somos mais a parte de um sistema que

Page 255: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

254

nós observamos ou com o qual nós interagimos, ou um habitante interno e retido às suas

fronteiras; nós podemos não apenas observar todo esse sistema e a relação do exterior/interior,

mas também intervir, criar, recriar, afetar e mudar, concebendo as novas imbricações em

termos de uma necessidade também estética associada à medição. As marcas destas incisões

são bastante evidentes, por exemplo, em anúncios do surgimento de novos produtos, mais

úteis, práticos, leves e econômicos do que os que conhecemos resultantes das pesquisas em

nanotecnologia. Chamamos a atenção que aqui a invisibilidade está relacionada à arquitetura

da leveza do menor, como uma propriedade detentora de um ‘novo poder’ a expressar um

novo ângulo da profundidade da natureza, como na obra de Kandynsky (Figura 23).

Figura 23: "No azul", de Kandinsky (1866-1944). Fonte: Art.com. Disponível em: <http://www.art.com/asp/sp-asp/_/pd--10020013/Blue.htm>. Acesso em

22 de outubro de 2007).

Ao mesmo tempo em que a nanotecnologia possibilita o acesso a estruturas cada vez

menores, coisas mais lá do ‘fundo’, lembrando Feynmann, aumenta, também, a capacidade

humana de trabalhar com elementos numa nova escala igualmente menor, o que potencializa a

elaboração de novas idéias e explicações.

Temos algo de novo até na relação da teoria com a prática, e uma ilustração disso está

na quase indistinção entre nanociência e nanotecnologia, não satisfatoriamente bem

delimitadas ainda, de modo que a separação entre teoria e prática parece desaparecer

totalmente. Por sua vez, o arsenal prático em seu conjunto, ou seja, a tecnologia “trabalhando

no mundo” afetou a ciência e suas experiências, fazendo da ciência um laboratório em escala

magistral e uma incubadora de novas e outras tantas novas perguntas que traz a si mesma,

Page 256: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

255

num “circuito sem fim”. Isto foi, de certo modo, fascinante para nosso estudo!

Confirmamos Jonas quando nos faz ver, que na atividade da ciência está o homem, e

esta segue sempre mais e mais impulsionada por sua aspiração ao conhecimento.

Seguramente, como o filósofo nos faz ver, esse “eros teórico”, antes voraz pela verdade, é

agora arrojado pela tecnologia que o incita a expandir-se por todos os poros. Mas se disso

resultou o desenvolvimento acelerado de um conjunto de atividades de pesquisa que se

mostram cada vez mais sutis, mais finas, fazendo com que os objetos sejam muito mais

diversificados e ricos em modos de funcionamento, o que consideramos relevante e deve ser

celebrado sem presunção, é que nosso pensamento já consegue mergulhar num campo de

dimensões que antes não alcançávamos fora do campo da imaginação. Ora, isto representa um

desafio de porte até mesmo para o mais fértil sonho, mas ao mesmo tempo ameniza o que

aparenta ser extraordinariamente inalcançável e fictício na nanotecnologia, colocando rumos

para podermos acompanhar algo que queremos que seja mais do que uma quinta ou última

revolução, queremos um revolucionar, como diz Jonas (Idem, p. 24), de “nuestra propria vida

en su aplicación práctica a través de la técnica”.

No que se refere a dificuldades encontradas na delimitação das coisas nano, em seus

contornos particulares, questionamentos existentes em relação à nanotecnologia, assumem

importância para que se possa avaliar as relações que existem entre os desafios de um mundo

que começa a ser povoado por coisas “fabricadas” de outra forma. Já se pressupõe que as

implicações serão mais relevantes de algum modo, mudarão – e já têm mudado

significativamente - o jeito de viver em sociedade, o modo de viver de cada um, os valores e

princípios de vida, principalmente, no que se refere às significações que as tecnologias em

escala nanométrica acabam por constituir à existência, como se saíssemos de uma terra de

gigantes para um mundo de pigmeus. Convivemos inegavelmente com um grande

desenvolvimento tecnológico sem precedentes, que se por uma parte tem propiciado uma vida

mais confortável para o ser humano, acesso tornado possível para muitos de nós, por outra

leva a uma organização de mundo em que as próprias relações inter-humanas não são mais

pensadas sem a mediação tecnológica. Lembramos que se antes não tínhamos fácil condição

de acompanharmos os acontecimentos do mundo, hoje já ficamos sabendo de tragédias por

enchentes, de assassinatos, de tráfico de crianças, da miséria de muitos povos, enfim, pelo

rádio, televisão ou jornal, sem falar em internet, quase que simultaneamente. Muitos povos

considerados desprovidos em termos de recursos para pesquisa e avanço da ciência - o que

representa um grande questionamento para alguns economistas -, produzem tecnologia de

Page 257: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

256

ponta e fazem frente até ao próprio armamento norte-americano sem que se saiba com

garantia como eles desenvolveram tecnologias e atividades de investigação.

Não fosse a tecnologia necessária, não tivesse mesmo um potencial mediador, teria

sentido falar tanto como se fala atualmente em “inclusão digital”, um apelo que cada vez mais

ultrapassa e se estende até abranger o mundo inteiro? É o que está acontecendo em muitos

países, como no Brasil. Este grau de coisas, que emergiu já com a modernidade, preocupou

demasiadamente a Hans Jonas (1995, p. 40) em seu imperativo, formulado como age de tal

forma que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida

autêntica sobre a terra. Entretanto, tendo ciência de que o homem não pode viver sem

explicar o mundo, supomos que também não consegue ainda viver sem medidas e à falta de

consciência ordenadora das coisas, quando sente uma responsabilidade nova.

Uma vez que falamos em responsabilidade, nos reportamos aos processos de

precaução que se manifestam quando se trata de alertar para os perigos do emprego de uma

técnica, sem que haja responsabilidade para com sua influência. Não é nossa pretensão definir

de uma vez o campo dos perigos, riscos, vantagens e desvantagens da nanotecnologia como se

a mesma coisa que indicarmos determindas conseqüências apenas pelo odor ou por nossas

impressões visíveis. Neste sentido, como lembra Duque (1986, p. 243), nossa época “não é

em absoluto a era atômica”, época que muito valeu para a ciência mecanicista, tampouco é

seguro afirmar qualquer coisa a respeito do viver num mundo em que novas propriedades

serão geradas a partir da intimidade da matéria, e em que se avançou em relação às

representações do universo da forma euclidiana tridimensional, como fomos habituados a

pensar desde a infância.

A rigor, talvez possamos dizer que nunca nos defrontamos tanto, como na contemporaneidade, com a aproximação finitude-infinitude. Tampouco, já não se afirma mais com solidez que as coisas e fenômenos são formados apenas por matéria, enquanto referência a objetos físicos, nem que matéria e energia são coisas opostas ou o que moldam o nosso Universo, embora sefale agora emo em “ondas” e “partículas”!

Diante do clima de imprecisões que vivemos, é um grande desafio procurar respostas para a pergunta: O que é que faz tudo ser o que é? Em momentos assim, precisamos contar com razão, com imaginação e com o inimaginável. Shakespeare já disse que existe mais “mistério” entre o céu e a terra do que podemos imaginar. Esse “mistério” tem incitado o homem a agir, a buscar sempre um “facho de luz” para não se sentir vencido perante o desconhecido!

Nos valeu muito termos termos buscado ampliar certos horizontes para os seres

Page 258: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

257

humanos se sentirem menos contrastados à natureza, como seres privilegiados, e também

averiguado a possibilidade de recuo de oposições que perduram entre natureza e cultura,

natureza e técnica, matéria e energia e entre observador, instrumento e observado, como tem

sido pensado durante anos e anos. Com relação à polaridade matéria-energia, mesmo quando

há predisposição em conciliá-las, como a física quântica nos parece ter tentado fazer com a

dualidade onda-partícula, defrontamos-nos ainda com a idéia de substâncias opostas e com

um sistema que supõe a natureza sujeita a influências exercidas por circunstâncias imprevistas

e forças incontroladas ou ocultas. Julgamos que elas possam resultar, por necessidades

racionais mesmo, para justificar a ausência de grandezas mensuráveis, às quais não se tem

qualquer acesso direto. É preciso esclarecer que notamos que isso se dá particularmente em

algumas interpretações da mecânica quântica, mais especificamente no que se refere à relação

possibilidades-indeterminismo (descrição essencialmente probabilista) e determinismo

(inerente à física clássica), quando olhados sob a perspectiva de culturas distintas.

Para peregrinar há que se ter em conta que não se trata apenas do ato de caminhar (no

caso da peregrinação a pé), ou executar um trajeto com um determinado número de

quilômetros; é reconhecido que peregrinar carece caminhar-se motivado “por” ou “para algo”.

A peregrinação tem, assim, um sentido e um valor acrescentado cuja descoberta é necessária a

cada pessoa que a executa.

Parte de nosso estudo debruçou-se sobre alguns importantes domínios das técnicas

mais radicais, como a biotecnologia e a nanotecnologia, feitas sob o emblemático desígnio do

fim do humano, ou do que alguns designam como o “trans-humano” ou o “pós-humano”,

sobretudo diante das novas possibilidades de manipulação da natureza ao modo como a

própria opera é algo. O ser humano, que se habituou a pensar a vida por um processo

evolucionista e determinista para o meio e para o momento dos acontecimentos, com base em

fatos biológicos predeterminados e na identificação da vida biológica com a vida social e

política, portanto explicáveis, debate-se de novo com a indecisão quanto ao que ele próprio é

e sobre sua sobrevivência como espécie humana. Sobre este dilema, temos ainda a

desconfortável distância para afirmar com segurança, a arriscar uma resposta definitiva, tarefa

deixada para quem ousar tomá-la em suas mãos!

O ser humano na sua vida se mostrou sempre um peregrino: um ser em busca de si

mesmo, da sua própria identidade e da transcendência. O tempo da nossa vida é como uma

peregrinação que tem um ponto de partida, um caminho e uma meta a que devemos chegar:

somos homo viator, porque seres ligados à prática do caminho e à aprendizagem que essa

Page 259: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

258

prática implica. Temos, afinal, a viagem intrínseca ao nosso dia-a-dia, extraindo daí o saber

da ciência. A moral é, pois, um caminho do homo viator, mais um dos processos de auto-

realização do ser, daquilo que estamos constantemente “chamados a ser”, a existir. Existir, em

sua etimologia - ex sister - é “sair de um lugar para outro”, isto é, somos alguém que caminha,

portanto, tendo um horizonte, com um sentido. Inerente à nossa “caminhada” vital temos além

dos companheiros de estrada objetivos, rumos, horizontes, sonhos, utopias etc. uma nova

tecnologia que aperfeiçoou a natureza e a aproximou mais de nós mesmos, possibilitando ao

homem caminhar dentro de si mesmo e no extramundo.

Seres humanos viajantes que somos, já capazes de ver melhor em nós mesmos um

fragmento de escala nanométrico da natureza - que nós nunca deixamos de ser -, podendo

olhar dentro de nós, mergulhar na nossa maior intimidade, nos parece que dá em resultado

uma ocupação ética com o mais sutil da vida, com as mais finas ações, e talvez esta seja a

ética da nano. Evidentemente, da escolha do caminho depende a grandeza ou a mesquinhez do

ser humano. Esta viagem que elimina fronteiras entre macro, micro e nano (e outras mais...), é

agora dada com passos mais precisos para a travessia da própria vida, com seus percalços e

tropeços, e por isso a ética dos passos para lidar com a técnica do cristal da vida é algo de

muito precioso com que devemos nos preocupar.

Por isso, para nós, a diferença fundamental que há agora na idéia de homo viator, é a

de que o ser humano não é tão somente um mero passante pelo mundo: homem e mundo,

objeto e sujeito da travessia, coisas estanques; mas se atravessam e vão concretizando novos

mundos e novos seres ao longo desta travessia em que ambos se fazem, se desfazem, se

refazem e mudam as concepções de natureza.

Com o avanço das ciências físicas e das ciências humanas, temos então que

reinterpretar o que a tradição do homo viator nos foi legando. Reinterpretar supõe uma nova

linguagem, nova terminologia, novo olhar, novo modo de pensar, de dizer, de fazer. Max

Scheller, um admirador de São Francisco, entendia que o ser humano sofre de uma empatia

estruturante enquanto um “ser-para-os outros”. “Um sendo em busca do Ser” (Heidegger).

Scheller se considera um “homo viator”, um viajante do “sumo bem”. Sofremos todos de uma

empatia, um sentir comum (emphatein) que nos impulsiona para a busca do outro, e vice-

versa. Habilita-nos a sermos nós mesmos, peregrinos por nossa livre auto-realização ética e

heterônoma. No começo do século XXI, ainda seguem valendo as palavras que Max Scheler

escreveu há quase uma centúria: «En la historia de más de diez mil años somos nosotros la

primera época en que el hombre se ha convertido para sí mismo radical y universalmente en

Page 260: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

259

un ser "problemático": el hombre ya no sabe lo que es y se da cuenta de que no lo sabe».

Então, nossas seguranças e nossa própria existência cambaleiam frente à pergunta pelo

destino final do humano, ou pelo fim do humano, que ressurge com toda sua força: Qual é a

meta última de nosso caminhar? Qual tem sido? Se somos vida, natureza, nossa meta com a

técnica é de sempre transformá-las, não para pior, mas para melhor. Ao falar da temporalidade

do ser humano, caracterizando-o de homo viator, sua identidade se encontra precisamente em

sua capacidade de chegar sempre aonde nunca chegou. E o homem chegou ao mais profundo

de si mesmo.

Por isso, nossas decisões atuais em relação à nanotecnologia, à técnica de modo geral,

devem contribuir para preparar o presente que, sem dúvida, permanece sempre, em último

termo, como novidade imprevisível que é gerada pelas livres decisões vindas dos indivíduos.

Todo o obrar é para um ser errante uma forma de lhe ser dado compreender mais vivamente

sua condição essencial de “desterrado” no mundo, em direção à perenidade de um futuro

vivido a cada passo, equilibrista no fio da tensão constante do ser individual, que intenta

rebaixar seus limites para encontrar-se a si mesmo no mundo e nos outros, e cada vez

descobre que seus limites são mais amplos do que acreditara até então.

Acreditamos que nosso estudo possa despertar e aguçar outros quanto ao modo de

analisar a relação natureza-vida-técnica-ética-homem, dar hoje novo sentido às nossas ações,

contribuir para que os projetos de cientistas contemplem preocupações e reflexões que se

ocupem das mudanças do ser humano com suas representações, vínculos, sentimentos e novas

formas de pensar em todas as fases da vida. Isso é necessário para que possam ser abertos

espaços mais amplos, para que os cidadãos em geral melhor se situem, acompanhando o

desenrolar das criações científicas e técnicas, tomem decisões sobre o que representa para si

mesmos passar a conviver com uma tecnologia da ordem do bilionésimo e não mais do metro,

do macro nem do micro, saibam situar melhor o “é” e o “deve ser”, a tomarem nas mãos com

mais firmeza e conhecimento de seus próprios destinos. O problema agora talvez não seja

tanto o de sair a buscar a ética da nano, mas o da falta de conhecimentos básicos da

matemática para ultrapassar a cultura do metro e dominar o conhecimento necessário que nos

permita decidir de forma sábia, consciente e com segurança o cotidiano em que vamos viver a

escala nanométrica do seu projetar.

Page 261: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

260

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. (2002). Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: UFMG.

AGÊNCIA FAPESP. (2006). A cidade proibida: equipes brasileiras colaboram no esforço de reunir a física do infinitamente pequeno à do infinitamente grande. Novembro de 2006. Disponível em: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/index.php?art=3095&bd=1&pg=1&lg=. Acesso em: 02 de janeiro de 2008.

AIRAS, J. M. C. et al. (1996). Perspectiva histórica de la tecnología. Historia social del desarrollo científico y tecnológico. In: A. Andoni & I. Ayestarán & N. Ursúa. Para compreender ciencia, tecnologia y sociedad. Espanha: Editorial Verbo Divino.

ALCÁNTARA, H. A. F. (1997). Ciberespacio y ética hacker. Disponível em: <http://hfigueroabsociol.tripod.com/hacker.htm>. Acesso em 28 de março de 2004

ALLPOSTERS.COM. (1925). No azu.l Obra de Kandinsky. Disponível em: <http://www.allposters.com/gallery.asp?startat=%2Fgallery.asp&CID=44619B57C1BC4625A979EA172CB4D62B&txtSearch=kandinsky>. Acesso em 20 de janeiro de 2008.

ALONSO, A.; AYESTARÁN, I.; ÚRSUA, N. (1996). Para compreender ciencia, tecnología y sociedad. Estella: Verbo Divino.

ALVES, Oswaldo Luís. (2004). Nanotecnologia, nanociência e nanomateriais: quando a distância entre presente e futuro não é apenas questão de tempo. In. Revista Parcerias Estratégicas. CGEE, Brasília, n 18, pp. 23-40, ago., pp. 9-21.

ANDERAOS, Ricardo. (2006). Robô inteligente é resultado natural da evolução das espécies, diz Kurzweil. 13 novembro de 2006. Disponível em: <http://www.estado.com.br/suplementos/info/2006/11/13/info-1.93.8.20061113.1.1.xml>. Acesso em: 20 de setembro de 2006.

ANDRETA, Ezio (2004). Nanotecnologias Inovações para o mundo de amanhã: nanotecnologias e nanociências, materiais multifuncionais baseados no conhecimento e novos processos e dispositivos de produção. Disponível em: <ftp://ftp.cordis.europa.eu/pub/nanotechnology/docs/nano_brochure_pt.pdf>. Acesso em: 20 de maio de 2007.

APEL, Karl-Otto. (1994). Estudos de Moral Moderna. Petrópolis: Vozes.

ARENDT, Hannah. (1989). A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

Page 262: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

261

______. (1998). Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, p. 222-3.

ATIYAH, Sir Michael Francis. (2002). “A matemática no século XX”. In: Gazeta Matemática. Janeiro, n.142. Lisboa: Ediliber Lda., p. 10-25. Disponível em: <http://www.mat.uc.pt/~gazeta/Arquivo/gm142.pdf>. Acesso em: 20 de dezembro de 2007.

ATLAN, Henri. (1992). Entre o cristal e a fumaça: ensaio sobre a organização do ser vivo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

BARDIN, L. (2002). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.

BAUDRILLARD, Jean. (1997). Tela Total: mito-ironias na era do virtual e da imagem. Porto Alegre: Sulina.

BBC-BRASIL.COM. (2006a). Cientista sul-coreano é indiciado por fraude em clonagem. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/story/2006/ Publicado em 12 de maio, 2006 05/060512_cientistaclone.shtml>. Acesso em: 12 de maio, 2007.

______. (2006b). Depois de sul-coreano, norueguês admite fraude. Publicado em 12 de maio, 2006. Disponível em: <http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=34629>. Acesso em 20 de setembro de 2007.

BEAR, G. (2001). Rainha dos Anjos. São Paulo: Devir.

BIJKER, W. E. (1997). La construcción social de la baquelita: hacia una teoría de la invención. Em: Marta I.G G. & José A. C. & José L. L. Ciencia, tecnología y sociedad. Madrid: Tecnos.

BIOTEC AHG. (2006). 22.º Congresso Internacional de Farmacoepidemiologia e Comunicação de Risco na Saúde Pública. Lisboa. Disponível em: <http://www.biotec-ahg.com.br/asp/acervo/acervo_display.asp?id=292>. Acesso em 17 de setembro de 2007.

BOHM, D. (2001). A totalidade e a ordem implicada: uma nova concepção da realidade. São Paulo: Cultrix.

BONCINELLI, Edoardo. (2007a). Il male: storia naturale e sociale della sofferenza. Milano: Mondadori.

______. (2007b). “Necessità e contingenza della natura umana”. In: Revista Internacional Interdisciplinar, v. 4 n. 1, jan/jun, 2007. Florianópolis. Disponível em: <http://www.interthesis.cfh.ufsc.br/interthesis7/01_v4n1_interthesis.pdf>. Acesso em 02 de setembro de 2007.

BORGES, M.; DALL’AGNOL, D.; DUTRA, D. (2002). O que você precisa saber sobre

Page 263: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

262

ética. Rio de Janeiro: DP&A.

BORNHEIM, Gerd. (1991). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix.

BRAZIL, Carlos. (2004). Ciência, tecnologia e ética: a discussão é: O que o desenvolvimento da nanotecnologia pode provocar de ruim para o homem e a natureza? Disponível em:< http://www.universia.com.br/html/materia/materia_fcii.html>. Acesso em 25 de julho de 2007.

BRÜSEKE, Franz Josef. (2001). A técnica e os riscos da modernidade. Florianópolis: UFSC.

______. (2005). Ética e técnica? Dialogando com Marx, Spengler, Jünger, Heidegger e Jonas Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/asoc/v8n2/28604.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2006.

CAMBRIDGE 2000 GALLERY: BRITISH MUSEUM: Lycurgus Cup. Disponível em: <http://www.cambridge2000.com/gallery/html/P70315712.html>. Acesso em 12 de janeiro de 2008.

CAMPS, Victoria. (1990). Introducción a John Rawls: sobre las libertades. Barcelona: Paidós.

CAPES. Projetos de Pesquisa – FARMÁCIA. (2006). Disponível em: <http://servicos.capes.gov.br/arquivos/avaliacao/estudos/dados1/2006/41001010/019/2006_019_41001010044P7_ProjPesq.pdf>. Acesso em: 26 de março de 2007.

CAROS AMIGOS. Pós-humano: o desconcertante mundo novo. (2007). São Paulo: Casa Amarela. Mensal. Ano XI n. 36. pp 4-30. Nov. 2007.

CARVALHO, Maria C. C. S.; SILVA, Aristóteles A. et al.. [s.d.]. Fractais: uma breve introdução. São Paulo.

CASSIRER, Ernst. (1992). A filosofia do iluminismo. Campinas: Unicamp.

______. (1993). Las ciencias de la cultura. México: Fondo de la Cultura Econômica.

CASTELLS, M. (2000). A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra.

CASTORIADIS, C. (1987). As encruzilhadas do labirinto. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

CENÁRIO XXI. (2005a). Nanorrobôs vão percorrer nossos corpos em breve. Disponível em: <http://www.cpopular.com.br/cenarioxxi/conteudo/mostra_noticia.asp?noticia=1377319&area=2259&authent=35BEFBB89B547B3275FC739C9F7CF9>. Acesso em 17 de setembro de 2007.

Page 264: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

263

______. (2005b). Unicamp testa nanocápsulas de medicamento: Doses menores, precisão, controle e menos efeitos colaterais estão entre as vantagens de procedimento estudado na universidade. Publicado em 10/ de julho de 2005. Disponível em: <http://www.cpopular.com.br/cenarioxxi/conteudo/mostra_noticia.asp?noticia=1377319&area=2259&authent=35BEFBB89B547B3275FC739C9F7CF9>. Acesso em 17 de setembro de 2007.

CENTRO DE NANOTECNOLOGIA RESPONSÁVEL: CRN. (2000). Introdução à nanotecnologia: o que é a nanotecnologia? Disponível em: <http://www.euroresidentes.com/futuro/nanotecnologia/nanotecnologia_responsavel/introducao_nanotecnologia.htm>. Acesso em: 13 de abril de 2006.

CESERANI, G. P. (1971). Los falsos adanes: historia y mito de los autómatas. Caracas: Tiempo Nuevo.

CHAUI, Marilena. (2000). Convite à filosofia. São Paulo: Ática.

CHAVES, Alaor. Nanociência e Nanotecnologia. (2002). Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano17.htm.2002>. Acesso em: 20 de setembro de 2006.

CHIBENI, Silvio Seno. (2001). A interpretação da mecânica quântica. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/fisica/fisica04.htm>. Acesso em: 20 de março de 2007.

COMISSÃO CALOUSTE GULBENKIAN (1996). Para Abrir as Ciências Sociais - relatório da Comissão Gulbenkian, Mem Martins: Europa-América.

COSTA, Sueli; GROU, Maria Alice. (2004). Observando a Natureza. Campinas: Unicamp. 1 fita de vídeo, 15min.

COSTA, Regenaldo da. (2002). Ética do discurso e verdade em Apel. Belo Horizonte, Del Rey.

CURRALL, Steven C. et al. (2007). What drives public acceptance of nanotechnology? In: Nature Nanotechnology. v.2. Publicado em junho de 2007. Disponível em: http://www.ucl.ac.uk/advances/resources/What%20drives%20public%20acceptance%20of%20nanotechnology.pdf. Acesso em: 18 de setembro de 2007.

DADU – DIRETÓRIO ACADÊMICO – MEDICINA. Universidade Federal de Uberlância. (2006). Células-tronco, a frustração. Publicado originalmente na Revista Radis da Fundação Oswaldo Cruz, n. 42, fevereiro de 2006. Disponível em: <http://www.dadu.famed.ufu.br/?url=midia&num_pag=6&id=145>. Acesso em 20 de março de 2007.

DAMÁSIO, A. (2004). “Entrevista à António Damásio”. In: Revista Psiquiatria Geral. Ano

Page 265: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

264

XIII Nº 143, dez. 2004. Disponível em: <http://www.psiquiatriageral.com.br/cerebro/entrevista_antonio_damasio.htm>. Acesso em: 12 de nov. de 2007.

______. (1996). O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras.

DAVIES, Paul. (1988). Superforça: em busca de uma teoria unificada da natureza. Lisboa: Gradiva.

de Janeiro: Jorge Zahar.

DELEUZE, Gilles. (1976). Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Editora Rio.

DICIONÁRIO BRASILEIRO O GLOBO. (1997). São Paulo: Globo Multimídia.

DILTHEY, W. (1986). “La comprensión de otras personas y de sus manifestaciones vitales”. In: Crítica de la razón histórica. Barcelona: Península.

DISCOVERY CHANEL. (2007). Documentário: Apocalipses da Antigüidade – III - O colapso dos Mayas. 20 de janeiro de 2007. 20 horas.

DREYFUS, Hubert L. (2001). On the Internet. New York: Roudledge.

DUPAS, Gilberto. (2000). Ética e poder na sociedade da informação. São Paulo: Unesp.

DUQUE, F. (2002). En torno al humanismo: Heidegger, Gadamer, Sloterdijk. Madrid: Tecnos.

DURKHEIM, É. (1978). “As formas elementares da vida religiosa”. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural.

DURKHEIM, É. (2004). Pragmatismo e sociologia. Florianópolis: UFSC & Unisul.

ECHEVERRÍA, J. (1998). Filosofia de la ciencia. Madrid: Akal.

ELIAS, Norbert. (1989). Sobre el tiempo. México: Fondo de Cultura Econômica.

ELIAS, Norbert. (1994). A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

ERRO MÉDICO: A medicina e a ética. [s.d.]. Disponível em: <http://www.erromedico.org/etica.htm>. Acesso em 12 de janeiro de 2008.

ESPINOZA, B. de (1979). “Pensamentos Metafísicos”. In: Coleção Os Pensadores. São

Page 266: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

265

Paulo: Abril Cultural.

ETC GROUP. (2004a). Down on the farm: the impact of nano-scale technologies on food and agriculture. Publicado em novembro de 2004. Disponível em: <http://www.etcgroup.org/documents/ETC_DOTFarm2004.pdf>. Acesso em: 2 de outubro de 2007.

______. (2004b). The little big down: a small introduction to nano-scale technologies. Publicado em 11 de março de 2004. Disponível em: <http://www.etcgroup.org/en/materials/publications.html?ppage=2&limit=15&language=notSpanish&keyword=Biological+Warfare>. Acesso em: 2 de outubro de 2007.

FAZZIO, Adalberto. (2005). “A ciência deve se desenvolver com planejamento baseado na agenda brasileira”. In. Jornal da Ciência. Publicado em 25 de Janeiro de 2005. Disponível em: <http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=24986>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2007.

FERRY, Luc. (1993). A nova ordem ecológica, Lisboa: ASA.

FEYNMAN, Richard P. (2004). “Memória: há mais espaço lá embaixo”. In: Revista Parcerias – CGEE, Brasília, n 18, ago. 2004, pp. 137-155.

Fimiani, M; Kurotschka V. G.; Pulcini, E. Umano-post-umano: potese, sapere, ética nell’età globale. Rome: Riuniti, 2004.

FLEMING, Henrique. (2002). “O livro da natureza é escrito em caracteres matemáticos: Galileu Galilei”. In: Conferência no Instituto de Física da USP, em 8 de abril de 2002. São Paulo. Disponível em: <http://www.hfleming.com/confgal2.html>. Acesso em 20 de setembro de 2006.

FOLHA ONLINE. (2007). Brasil é o país com maior aumento no uso de computadores. Publicado Em: 09/10/2007. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u335001.shtml. Acesso em: 2 de janeiro de 2008.

FOUCAULT, Michel. (1996). As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes.

______. (2002). Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes.

______. (2004). A microfísica do poder. São Paulo: Graal.

FOUREZ, G. A. (1995). Aconstrução das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. São Paulo: Editora da UNESP,

Page 267: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

266

FRAILE, Guillermo. (1976). Historia de la Filosofia. v.I. Madrid: La Editorial Catolica.

GALEMBECK, Fernando; RIPPEL, Márcia Maria. (2004). Nanocompósitos poliméricos e nanofármacos: fatos, oportunidades e estratégias. Parcerias Estratégicas, Brasília, ago., n. 18, p. 41-60.

GALIMBERTI, U. (1999). “A emergência tecnológica e a passagem da cosmo-polis para a tecno-polis”. In: ID. Psiche e techne. L’uomo nell’età della técnica. Roma: Feltrinelli. Trad. portuguesa de Selvino J. Assmann. Parte VI, cap. 45, pp. 474-487. Florianópolis, junho de 2004, p. 5. Disponível em: <http://www.socitec.pro.br/e-prints_01_tecnica_e_natureza.pdf. Acessado em 15 abr. 2004>. Acesso em: 5 de abril de 2006.

______. (2003). Psiche e techne: L’uomo nell’età della técnica. Roma: Feltrinelli.

GARCÍA, M. I. G.; CEREZO, J. A. L.; LUJÁN, J. L. (1996). Ciencia, tecnologia y sociedad: uma introducción al estúdio social de la ciência y la tecnologia. Madrid: Tecnos.

GIDDENS, A. (2002). Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

GIDDENS, A.; Beck, U.; LASCH, C. (1997). Modernização reflexiva. São Paulo: Unesp.

GLEICK, James. (1993). Caos: O surgimento de uma nova ciência. Rio de Janeiro: Berkeley.

GLOBO ONLINE. (2007). Pesquisa com nanotecnologia vence Prêmio Nobel de Física. Disponível em: Publicado em 09 de outubro de 2007. <http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2007/10/09/298070123.asp>. Acesso em 12 de outubro de 2007.

GLOBO.COM. (2007). Princípio que permitiu o iPod leva Prêmio Nobel. Publicado em 10 de outubro de 2007. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=477488>. Acesso em 12 de outubro de 2007.

GREENE, Brian. (2001). O universo elegante: supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva. São Paulo: Companhia das Letras.

GUTERRES, S. S. (2002). “O Brasil na era da nanotecnologia”. In: Scientific American Brasil. Jun. São Paulo. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/sciam/brasil.htm>. Acessado em: 11 nov. 2002.

GUZMÁN, Ailyn Bravo et al. [s.d]. Ética y cuerpo: enacción como habilidad ética. Disponível em: <http://es.geocities.com/nayit8k/apuntes/oest/varela.doc>. Acesso em: 14 de nov. de 2007.

HABERMAS, Jurgen. (1983). Consciência moral e agir comunicativo. Rio de janeiro: Tempo

Page 268: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

267

Brasileiro.

______. (1993). Técnica e ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70.

HACKING, I. (2001). ¿La construcción social de qué? Barcelona: Paidós.

HARAWAY, D. (2000). “Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX”. In: Silva, T. T. da. (org.) Antropologia do Ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica.

HEGEL, George W. F. (1992). Fenomenologia do Espírito. v. I. Petrópolis: Vozes.

HEIDEGGER, Martín. (1997). A Questão da Técnica. In: Cadernos de Tradução, n.2, 1997, Universidade de São Paulo, pp.40-93. Conferências e Ensaios. Publicado originalmente em 1953. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano13.htm>. Acessado em: 10 jun. 2003.

______. (1998). Ser e tempo. Petrópolis: Vozes.

HUME, David. (1995). “Uma investigação sobre os princípios da moral”. In: Coleção Repertórios. Campinas: UNICAMP.

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA. (2004a). Nanotransistores com DNA e nanotubos de carbono. Publicado em 29 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010165041229> Acesso em 12 de outubro de 2007).

______. (2004b). Antenas de nanotubos de carbono para telefones celulares e TVs. Publicado em 05 de fevereiro de 2004. Disponível em: <http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010160040205>. Acesso em: 10 de março de 2006.

______. (2005). Nanotecnologia nos EUA: riscos ambientais, de saúde e de segurança já ocupam espaço no debate sobre avanço de produtos que incorporam nanotecnologia. Publicado em 30 jun. 2005. Disponível em: <http://www.inovacao.unicamp.br/report/news-nanoEUA.shtml>. Acesso em: 2 de outubro de 2006.

JAEGER, Werner. (1979/1995). Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes.

JASPERS, K. (1992). Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix.

JOI, B. (2000). “Por que o futuro não precisa de nós? As mais poderosas tecnologias do século XXI - robótica, engenharia genética e nanotecnologia - estão ameaçando fazer dos humanos uma espécie em extinção”. In: Revista Amanhã Economia & Negócios, n. 154, maio,

Page 269: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

268

2000. Disponível em: <amanha.terra.com.br/edicoes/154/wired_01.htm-25k>. Acesso em 25 jul. 2003.

JONAS, H. (1994). Técnica e responsabilidade: reflexões sobre as novas tarefas da ética. In: Ética, medicina e técnica. Lisboa: Vega Passagens.

______. (1995). El principio de la responsabilidad: ensayo de una ética para la civilización tecnológica. Barcelona: Herder.

______. (1997). Técnica, medicina y ética: la práctica del princípio de responsabilidad. Barcelona&Buenos Aires&México: Paidós.

JÚNIOR, E. F. da S. (2002). “Rede cooperativa para pesquisa em nanodispositivos semicondutores e materiais nanoestruturados/NanoSemiMat”. ComCiencia. Disponível em: < www.webmulher.com.br>.

JUNIOR, I. F. Educação e comunicação em Educação a Distância (EAD). Disponível em: <http://www.afm.org.br/artigo27.htm>. Acessado em 27 Junho, 2003.

KANT, Immanuel. (1995). “Resposta à pergunta: que é o iluminismo?” In: A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições Setenta.

KANT, Immanuel. (2000). Fundamentação metafísica dos costumes. Lisboa. Edições 70.

KEETO, Charles R.; PETTERS, Arlie O. (2006). “Cientistas descobrem como detectar a quarta dimensão do espaço”. Inovação Tecnológica. Publicado em 26/05/2006. Disponível em: <http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010130060526>. Acesso em: 20 de janeiro de 2007.

KHUN, T. S. (2003). As estruturas das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva.

KLESSE, Christian. (1999). “Modern primitivism: non-mainstream body modification and racialized representation”. In: Body & Society, v.5 (2-3), London: Sage Publications.

KOYRÉ, Alexandre. (1980). Galileu e Platão: do mundo do “mais ou menos” ao universo da precisão, Lisboa: Gradiva.

______. (1997). Estudos de história do pensamento filosófico. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

______. (2006). Do mundo fechado ao universo infinito. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

Page 270: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

269

LABJOR. Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo. Açafrão e câncer: UFSC estuda nanocápsulas com princípio ativo do açafrão para tratamento do câncer de pele. Disponível em: <http://www.labjor.unicamp.br/wiki/index.php?n=Main.AcafraoECancer?action=diff>. Acesso Em: 21 de dezembro de 2007.

LAMPTON, Cristopher. (1994). Divertindo-se com Nanotecnologia: construindo máquinas a partir de átomos. São Paulo: Berkeley.

LATOUR, B. (1994). Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34.

______. (2000). Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Unesp.

LEIS, Héctor Ricardo. (2003). “O conflito entre a natureza humana e a condição humana no contexto atual das ciências sociais”. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, n. 50, Universidade Federal de Santa Catarina.

______. (1999). A modernidade insustentável. Petrópolis: Vozes & LEIS.

______. (2000). “A tristeza de ser sociólogo no século XXI”. In: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 43, n. 04, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582000000400005& lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1º de dezembro de 2004.

______. (2004). O conflito entre a natureza humana e a condição humana no contexto atual das ciências sociais. In: Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 10, p. 39-45, jul./dez. 2004. Editora UFPR.

LEIS, Héctor Ricardo. ; Alves, C. F. (2003). Condição Humana e Modernidade no Cone Sul: elementos para pensar Brasil e Argentina. Florianópolis: Cidade Futura.

LEIS, Héctor Ricardo. ; ASSMANN, Selvino José. (2004). Justificação da disciplina: A condição humana na modernidade. UFSC, 2004. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~dich/ICH4064.htm>. Acesso em: 30 de julho de 2006.

LEMOS, A. L. M. (1999). “Bobynet e netcyborgs: sociabilidade e novas tecnologias na cultura contemporânea”. In: Rubim, A. A. C. et al. Comunicação e Sociabilidade nas Culturas Contemporâneas. Petrópolis: Vozes.

LÉVY, P. (1996). As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed. 34.

______. (1998). A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola.

Page 271: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

270

______. (1999). Cibercultura. São Paulo: Ed. 34.

LNLS - LABORATÓRIO NACIONAL DE LUZ SÍNCROTRON. Isto é o LNLS. Disponível em: <http://www.lnls.br/lnls/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13&sid=1>. Acesso em: 2 de janeiro de 2006.

LQES - LABORATÓRIO DE QUÍMICA DO ESTADO SÓLIDO. (2006). Novas e originais nanoestruturas: origâmis de DNA. Tradução de “Folding DNA to create nanoscale shapes and patterns”, de P. W. Rothemund, publicado na revista Nature, v. 440, pp. 297-302, em 16 de março de 2006. Disponível em: <http://lqes.iqm.unicamp.br/canal_cientifico/lqes_news/lqes_news_cit/lqes_news_2006/lqes_news_novidades_756.html>. Acesso em: 20 de novembro de 2007.

MACFARLANE, John. [s.d]. “O que é nanotecnologia?” In: Universia Science. Disponível em: <http://www.universia.com.br/nextwave/ver_materia.jsp?materia=209&subcanal=1>. Acesso em: 12 de março de 2006.

MAGGIO, Mariana. (1997). O campo da tecnologia educacional: algumas propostas para sua reconceitualização. Porto Alegre: Artes Médicas, pp. 12-22.

MARIOTTI, Humberto. (2002). “Diálogo: a competência do conviver”. In: Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz: um programa da UNESCO. Disponível em: <http://www.comitepaz.org.br/download/Di%C3%A1logo%20-%20Humberto%20Mariotti.pdf>. Acesso em: 05 de setembro de 2007.

MARQUES, H. (2004). “Operação Cavalo de Tróia já prendeu 51 hackers”. In: JB Online, Publicado em 20 de outubro de 2004. Disponível em: http://jbonline.terra.com.br/extra/2004/10/20/e2010672.html>. Acesso em 18 de outubro de 2004.

MARTINS, H. (2003). Dilemas da civilização tecnológica. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.

MARTINS, P. R. (2005). “Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente”. 1º Seminário Internacional. São Paulo: Associação Editorial Humanitas.

MATOS, Rui Paula de. Macroscopio. Disponível em: <http://macroscopio.blogspot.com/>. Acesso em: 26 de setembro de 2007.

MATURANA, H. R, VARELA, F. J. (2001). A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. Campinas: Editorial PSY II.

MATURANA, H. R, VARELA, F. J. (2005). A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena.

MEDICAL NEWS TODAY - Conference On Nanomedicine, Geriatric Care, Brain Injury:

Page 272: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

271

Nobel Laureate Keynote Speaker. Publicado Em 9 de setembro de 2006. Disponível em: <http://www.medicalnewstoday.com/articles/51350.php>. Acesso em: 12 de dezembro de 2007.

MEDINA, M. (Org.); SANMARTÍN, J.; CUTCLIFFE, S. H.; GOLDMAN, S. L. (1992). Estudios sobre sociedad y tecnologia. Barcelona: Anthropos, 1992.

MELO, Celso Pinto de; PIMENTA, Marcos. (2004). “Nanociências e nanotecnologia”. In. Revista Parcerias Estratégicas. CGEE, Brasília, n 18, p 129-164, ago. 2004, pp. 9-21.

MERKLE, R. [s.d.]. “Entrevista concedida a John Macfarlane”. In: Universia. Disponível em: <http://www.universiabrasil.net/nextwave/ver_materia.jsp?materia=209&subcanal=1>. Acesso em: 04 abr. 2005.

MERLEAU-PONTY, M. (1992). O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva.

METELLO, Isabel. (2006). “Sir Harold Kroto, Prêmio Nobel da Química 1996: ciência versus cultura pop”. In: Nova em Folha, Edição nº 37, Abril 2006. Disponível em: <http://sol.sapo.pt/blogs/isabelmetello/archive/2007/09/21/Sir-Harold-Kroto_2C00_-Pr_E900_mio-Nobel-da-Qu_ED00_mica-1996_3A00_-ci_EA00_ncia-versus-cultura-pop.aspx>. Acesso em: 12 de dezembro de 2007.

MIDGLEY, Mary. (1995). In. Peter Singer (Org.). Compendio de Ética. Madrid: Alianza Editorial, cap. 1, p.p. 29-41. Disponível em: <http://www.gobiernodecanarias.org/educacion/usr/ibjoa/et/sing1.html>. Acesso em: 30 de setembro de 2007.

MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA - Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação/Coordenação-Geral de Micro e Nanotecnologias. Pequeno glossário de nanotecnologia. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0019/19537.pdf>. Acesso em: 24 de janeiro de 2007.

______. (2006). “Iniciativas do MCT em Nanotecnologia - Programa Nacional de Nanotecnologia”. II workshop nanotecnologia aeroespacial. 16 a 17 de outubro de 2006. São José dos Campos. Disponível em: <http://www.ieav.cta.br/nanoaeroespacial2006/pdf_arquivos/1610%201130%20MCT%20-%20Nanotecnologia.pdf>. Acesso em: 11 de agosto de 2007.

MIRANDA, José A. (2002). Teoria da cultura. Lisboa: Século XXI.

MONEY, P. (2003). “FSM: nanomonstros fazedores de hambúrguer dão gosto amargo à nanotecnologia”. In: Fórum Magnet. Disponível em <http://www.magnet.com.br/bits/cosmonet/2003/01/0037>. Acesso em: 04 abril 2005.

MONTEZ, Luiz Barros. (2004). Literatura e vida: relembrando um Goethe um tanto esquecido. Disponível em:

Page 273: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

272

<http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/terceiramargemonline/numero10/xi.html>. Acesso em: 25 de novembro de 2007.

MORAIS P. C. (2004). “Nanotecnologia: o que é, como evoluiu em que dimensão se encontra a nanotecnologia”. In: Universia. Disponível em <http://www.universiabrasil.net/pesquisa_bibliotecas/materia.jsp?id=5287)>. Acesso em 20 junho 2005.

MURACHCO, Henrique Graciano. (1998). “Eidos-Téchne-Tektón”. In: Hypnos-Téchne. N. 4, São Paulo: EDUC-Palas Athena, pp. 9-17.

MURPHY, Michael P.; O´NEILL, Luke A.J. (Org.). (1997). O que é vida? 50 anos depois: especulações sobre o futuro da biologia. São Paulo: Unesp, p.9.

MURRIELLO, Sandra Elena. (2007). Pesquisa de Opinião: O que os italianos pensam da nanotecnologia? v.59 n.1. São Paulo jan./mar. 2007. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v59n1/a10v59n1.pdf>. Acesso em 02 de janeiro de 2008.

MURRIELLO, Sandra Elena; KNOBEL, Marcelo; VOGT, Carlos A. (2000). “Nanotecnologia, uma nova tecnologia para o público novo”. In: Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), UNICAMP. Disponível em: <http://www2.ricyt.org/docs/VII_Congreso/DIA_24/SALA_B/17_00/Murriello_Knobel_Vogt.pdf>. Acesso em 02 de janeiro de 2008.

NAGEL, Thomas. (1995). O que quer dizer tudo isto? Lisboa, Gradiva

NEDEL, José. (2007). A teoria ético-política de John Rawls. São Leopoldo: Nova Harmonia.

NIETZSCHE, Freidrich Wilhelm. (1977). Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

______. (1999). Schopenhauer como educador. Campinas: Unicamp.

______. (2001). Além do Bem e do Mal. São Paulo: Cia. das Letras.

______. (2002). A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras.

OASRS – ORDEM DOS ARQUITECTOS. (2006). Documentário - Comandante Fuller e a nave espacial terra: viver intensamente a baixo custo. (2006). Publicado em 7 de janeiro de 2006. Disponível em: <http://www.oasrs.org/conteudo/agenda/noticias-detalhe.asp?noticia=101>. Acesso em: 12 de dezembro de 2007.

OLIVEIRA, L. A. (2002). “Nanotecnologia assemelha homens e máquinas”. In: Revista

Page 274: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

273

Eletrônica de Jornalismo Científico ComCiência. Publicado em 10 de novembro de 2002. Disponível em: <http://www.comciencia.br/entrevistas/nanotecnologia/oliveira.htm>. Acesso em: 14 de março, 2004.

PASA, André. (2007). E-mail recebido em 2 de março de 2007, às 04,29h.

PASCAL, Blaise. (1978). Pensamentos. São Paulo: Nova Cultural.

PEIRCE, Charles Sanders. (1877). The fixation of belief. pp. 1-15. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/peirce-charles-fixation-belief.html>. Acesso em 15 de julho de 2007.

PESSOA JR., O. (1992). O problema da medição em mecânica quântica: um exame atualizado. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência (série 3) 2(2): 177-217, jul-dez, p. 183.

PETERS, F. E. (1977). Termos filosóficos gregos: um léxico histórico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

PETERSON. Larry C.; HAUG Gerald H. O declínio dos Maias. (2006). Publicado em 12 de novembro de 2006. Disponível em: http://www2.uol.com.br/sciam/conteudo/materia/materia_105.html. Acesso em: 21 de janeiro de 2007.

PISCITELLI, A. (2002). Ciberculturas 2.0: en la era de las maquinas inteligentes. Buenos Aires: Paidós.

POINCARÉ, Henri. (1995). O valor da ciência. Rio de Janeiro: Contraponto.

PUTNAM, Hilary. (1999). Realismo de rosto humano. Lisboa: Piaget.

RACHELS, JAMES. (1995). El subjetivismo. In. Peter Singer (Org.). Compendio de Ética., Madrid: Alianza Editorial (cap. 38, págs. 581-592). Disponível em: <http://www.gobiernodecanarias.org/educacion/usr/ibjoa/et/sing38.html>. Acesso em: 2 de outubro de 2007.

REGIS Ed (1997). Nano: a ciência emergente da nanotecnologia (refazendo o mundo molécula por molécula). Rio de Janeiro: Rocco.

Page 275: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

274

REVISTA DIVERSA – Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. (2006). Nanotecnologia: Viagem ao país dos "nanos". Ano 5. n.10, outubro de 2006. Disponível em: <http://www.ufmg.br/diversa/10/nanotecnologia.html>. Acesso em 10 de novembro de 2006.

REVISTA ÉPOCA. (2006). A igreja dos novos ateus. Edição nº 443, de 13 de novembro de 2006.

REVISTA GALILEU. (2007). Guerra contra Deus: por que os cientistas do século 21 querem acabar com as religiões. Edição 186, janeiro de 2007.

REVISTA PERFIL.COM. (2007). “La inclusión digital es cínica cuando muchos son analfabetos”. In: Semanario Perfil.com. Publicado em 30 de março de 2007. Entrevista concedida a Bernardo Sorj. Buenos Aires: Editorial da Revista Perfil.com. Disponível em: <http://www.perfil.com/contenidos/2007/03/30/noticia_0024.html>. Acesso em: 02 de abril de 2007.

REVISTA VEJA. (2007). “Entrevista de Francis Collins”: Ciência não exclui Deus. Edição 1992, de 24 de janeiro de 2007.

RIDLEY, M. (2004). O que nos faz humanos: genes, natureza e experiência. Rio de Janeiro: Record.

RIFKIN, J. (1999). O século da biotecnologia: a valorização dos genes e a reconstrução do mundo. São Paulo: Makron Books.

ROSMORDUC, J. (1988). Uma história da física e da química: de Tales a Einstein. Rio

SANTOS, B. S. (1987). Um discurso sobre as ciências. Porto: Edições Afrontamento.

SANTOS, B. S. (2000). A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez Editora.

SCHELER, Max. (1967). El puesto del hombre en el cosmos. Losada, Buenos Aires.

SCHOT, J.W. (1997). “Evaluación constructiva de tecnologías y dinámica de tecnologías: el caso de las tecnologías limpias”. In: Ciencia, tecnología y sociedad. Madrid: Tecnos.

SELLTIZ, C. et al. (1987). Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Herder.

SERPA, Flávio de Carvalho. (2006). “Com a corda no pescoço”. In. Jornal da Ciência. Publicado em 6 de novembro de 2006. Disponível em: <http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=42133>. Acesso em: 28 de julho de 2007.

SERRA, Isabel. [s.d.]. O indeterminismo e o problema das “duas culturas”. Disponível em: <http://cfcul.fc.ul.pt/textos/O%20INDETERMINISMO%20E%20O%20PROBLEMA%20D

Page 276: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

275

AS%20DUAS%20CULTURAS.pdf>. Acesso em 12 de dezembro de 2006.

CHIBENI, Silvio Seno. (2001). A interpretação da mecânica quântica. Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/fisica/frameset/chibeni.htm. Acesso em 12 de agosto de 2006.

SHIMIZU, Heitor. (2006). O mergulho num mundo invisível: pesquisas feitas em escala milhões de vezes menor que um alfinete geram a primeira leva de produtos. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/especiais/tecnologia_2006/p_016.html>. Acesso em: 20 de setembro de 2006.

SILVA, C. G. (2003). “Uma introdução à nanotecnologia”. In: Caderno de Estudos Avançados. v.1, n. 2, 2003. Rio de Janeiro: Instituto Oswaldo Cruz-Fio Cruz, pp.5-8.

______. “Rumo ao nanomundo”. In: Revista Ciência Hoje. , v.33, n. 177, mai/2003, p. 7. São Paulo: Abril Cultural.

SILVA, Filipe Carreira da. (2006). Habermas, Rorty e o pragmatismo americano. v. 49, n.1. Rio de Janeiro. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52582006000100005&script=sci_arttext>. Acesso em 20 de julho de 2007.

SILVA, Marise Borba da. (1997). “Nanotecnologia”. In: WMulher. 1997. Disponível em: <http://

______. (2003). “Nanotecnologia: considerações interdisciplinares sobre processos técnicos, sociais, éticos e de investigação”. In: Revista IMPULSO, Piracicaba, v. 14, n. 35, p. 75-93, set./dez. 2003. In: <http://iepmail.unimep.br/phpg/editora/mostraitemsumario.php>.

______. (2004). “A Cibercultura, os hackers e o emergente campo da nanotecnologia: o minúsculo espaço nano e as ações finas dos hackers”. In: Revista Eletrônica Teknokultura, da Universidad de Puerto Rico. Disponível em: <http://teknokultura.rrp.upr.edu/Teknosphera/portugues/a_cibercultura.htm>. Acesso em: 30 agosto de 2004.

______. (2006). “Nanotecnologia e a criação de novos espaços e novas identidades”. In Revista Iberoamericana de Ciencia, Sociedade, Tecnologia e Innovación. Madrid: OEI. n.7. Septiembre-diciembre. Disponível em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero7/articulo06.htm>.

SLOTERDIJK, P. (2000) Regras para o parque humano: uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo. São Paulo: Estação Liberdade.

SNOW, C. P. (1995). As Duas Culturas e uma Segunda Leitura: uma versão ampliada das duas culturas e a revolução científica. EDUSP, São Paulo.

SOLÍS, C. (1994). Razones e interesses: la história de la ciencia después de Jun. Buenos

Page 277: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

276

Aires: Paidós.

SOUZA, José Crisóstomo de (org.). (2005). Filosofia, racionalidade e democracia: os debates Rorty & Habermas. São Paulo: UNESP.

SUGIMOTO, Luiz. (2004). “Pesquisadores do IFGW que ganharam capas em publicações científicas também recorrem a modelos de 100 anos atrás: Darwin inspira soluções em nanotecnologia”. In: Jornal da Unicamp. Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2004/ju250pag09.html>. Acesso em:

THOMPSON FINE ARTS, INC. Mary Ann Thompson-Frenk's. Photo-Journalist, John Ater. Disponível em: <http://www.thompsonfineartsinc.com/>. Acesso em: 15 de janeiro de 2008.

TOMA, Henrique Eisi. (2004). O mundo nanométrico: a dimensão do novo século. São Paulo: Oficina de Textos.

TOURAINE, Alain. (1994). Crítica da modernidade. Petrópolis: Vozes.

TREDER, M. (2004). “Debate sobre nanotecnologia depende de abertura e cooperação”. In: Seminário Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente debate desdobramentos da nova tecnologia. In: Universia. Disponível em <http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=5490>. Acesso em: 15 de janeiro 2005.

ÚRIS, I. A. (1996). “Modernismo reaccionario y técnica: Heidegger frente a Nietzsche y Junger”. In: Para compreender ciência, tecnologia y sociedad. Espanha: Editorial Verbo Divino.

VARELA, F. (1994). Conhecer: As ciências cognitivas, tendências e perspectivas. Lisboa: Instituto Piaget.

______. (1997). De máquinas e seres vivos: autopoiesis – a organização do vivo. Porto Alegre: Artes Médicas.

______. (2000). El fenomeno de la vida. Santiago: Dolmen.

VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. (2003). A mente incorporada: ciências cognitivas e experiência humana. [1991]. Porto Alegre: Artmed.

VERNANT, J. P. (2002). Entre mito e política. São Paulo: EDUSP.

WILSON, Edward. (1999). A unidade do conhecimento. Rio de Janeiro, Campus.

WIKIPÉDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Metro>. Acesso em 3 de janeiro de 2008.

Page 278: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

277

WINNER, L. (1979). Tecnología autónoma. Barcelona: Gustavo Gili.

______. (1987). La ballena y el reactor. Barcelona: Gedisa.

Page 279: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

278

ANEXOS

Page 280: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

279

ANEXO A

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLITICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS

ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO: Condição Humana na Modernidade CHM)

ORIENTADOR: SELVINO J. ASSMANN DOUTORANDA: MARISE BORBA DA SILVA

Questionário da Pesquisa de Doutorado: NANOTECNOLOGIA E A CONDIÇÃO

HUMANA NO FUTURO: a radicalidade técnica contemporânea, os questionamentos éticos do homo viator e a visão de natureza

Instruções de preenchimento: Este questionário é de caráter dirigido, parcialmente aberto/parcialmente fechado e de feitio qualitativo, tendo um espaço para observações e sugestões as quais, solicita-se, devem ser digitadas no campo para este fim. Alguns contatos poderão ser feitos pessoalmente, usando-se a gravação caso o (a) pesquisado(a) concorde. Solicita-se que o questionário seja enviado para o e-mail da autora: [email protected] (à época). POR FAVOR, VOCÊ PODE DISPOR DE ALGUNS MINUTOS PARA RESPONDER ÀS QUESTÕES PROPOSTAS, TENDO EM CONTA A ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR E COLETIVA DA TEMÁTICA? MUITO OBRIGADA!

QUESTIONÁRIO 1. Considerando o que já ouviu falar ou sabe a respeito, o que é para você “nanotecnologia”? 2. Biotecnologia, transgenia, tecnologias de reprodução assistida, clonagem, células-tronco, nanotecnologia e, mais recentemente, nanobiotecnologia. Qual é o diferencial que você confere à nanotecnologia comparativamente às demais tecnologias: você concebe que esta inovação poderá resultar em uma transformação radical do que são os seres da Terra ou do que podem vir a ser? 3. Se é possível, mediante a nanotecnologia, manipular os átomos, na sua opinião, quais

Page 281: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

280

conseqüências podem automaticamente decorrer para a sociedade, levando em conta os avanços da pesquisa que envolve potenciais aplicações industriais, nos setores de alta tecnologia, na medicina, na defesa, no campo da alimentação e da agricultura etc? Você considera que o papel da nanotecnologia pode diminuir ou aumentar as desigualdades sociais? 4 Quando a técnica não mais representa um processo interessado e dirigido de domínio do homem sobre a natureza, mas a modificação do que até então concebemos como a própria natureza, como você interpreta a intervenção da nanotecnologia no ambiente? Com base nos argumentos que carregam a promessa de solução decisiva dos problemas ambientais ou de que podem causar dramáticas mudanças na agricultura, por exemplo, você coloca a nanotecnologia mais no âmbito de vantagens ou de riscos? 5. É cada vez mais crescente a fusão entre o orgânico e o inorgânico, “a Era das Mesclas, de hibridações de natureza e artifício, de carne e mente...”119, o que nos faz pensar em formas de vida mistas: biológicas e mecânicas. Como você melhor identifica, então, a natureza humana: como uma luta pela natureza ou a favor dela; como a vontade do homem em se diferenciar do animal irracional; como a própria luta do homem contra a "sua" natureza de ser humano; como uma reengenharia radical do homem que tende para a necessidade de modificar o corpo e desenhar sua própria identidade do jeito que quer; como uma nova relação de responsabilidade com a natureza; como um alívio para todos os impulsos humanos condenáveis e perigosos contra os quais lutamos, ou como um necessário equilíbrio entre homem e natureza? 6. As nanopartículas são partículas de magnitude nanométrica. Para Christopher Lampton120, “existem poucos limites para o que a nanotecnologia pode fazer”. Pensemos em uma nanopartícula introduzida no organismo por uma necessidade de complementação, de ampliação ou de um aperfeiçoamento artificial do corpo natural. Qual sua posição crítica frente à incorporação da nanotecnologia: você considera que se trata de uma adaptação do homem ao meio ou de uma adaptação do meio ao homem? Por quê? 7. Existem vertentes argumentativas de que a nanotecnologia favorecerá a ameaça de “grey goo” (nanopartículas ou nanomáquinas se auto-replicariam, produzindo cópias de si mesmas), não se tendo garantias do controle sobre o resultado disso, como no caso de uma contaminação do meio ambiente, de aplicações militares ou de maior controle sobre o

119OLIVEIRA, Luis Alberto. Nanotecnologia assemelha homens e máquinas. Ver em: http://www.comciencia.br/entrevistas/nanotecnologia/oliveira.htm. 120 LAMPTON, C. Divertindo-se com Nanotecnologia: construindo máquinas a partir de átomos. São Paulo: Berkeley, 1994.

Page 282: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA · 2013-05-01 · requisito parcial para obtenção do título de Doutora ... qualidade, seus objetivos, suas propostas, por tudo que seu próprio

281

comportamento humano. O que você pensa sobre isso: as nanopartículas teriam mesmo o poder tecnológico de nos precipitar a tal indeterminação?

8. O que você pensa a respeito dos limites éticos e legais, face aos novos conflitos, para o desenvolvimento científico e nanotecnológico? Tudo leva a crer que ele exige, além dos acordos sobre princípios éticos, intervenções reguladoras. Você considera que a nanotecnologia poderá contribuir para tornar os homens melhores do ponto de vista moral e ético? Se quiser, identifique-se para futuros contatos. Nome completo: Titulação: Profissão atual: Endereço: Telefones: E-mails: Muito obrigada por participar desta pesquisa! Com certeza, suas contribuições valerão para que se possa definir com mais clareza e conhecimento de causa o rumo da nanotecnologia em nossa sociedade! Serão especiais, porque estamos tratando de um assunto que é ainda pouco compreendido, e para que possamos não ficar restritos ao âmbito do otimismo ou do pessimismo mais radicais.

Marise Borba da Silva e-mail [email protected] [email protected] Florianópolis, Santa Catarina fones: (xxx) 048 30251576 - 048 99122354.

Alguma observação ou sugestão? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________