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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

PAISAGENS DA CIDADE: OS OLHARES SOBRE O RECIFE DOS ANOS 1920

DANIEL DE SOUZA LEÃO VIEIRA

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO DE TÍTULO DE MESTRE EM HISTÓRIA

BANCA EXAMINADORA PROF. DR. ANTONIO PAULO DE MORAIS REZENDE (ORIENTADOR) PROFa. DRA. SÍLVIA CORTEZ SILVA PROF. DR. LOURIVAL HOLANDA BARROS

RECIFE 2003

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Para Mila.

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AGRADECIMENTOS

No Eu que escreve este texto está presente o Nós, uma vez que o indivíduo se constrói

nas relações com os outros. Mesmo nos instantes de maior isolamento, e talvez aí com mais

intensidade ainda, todos estavam presentes em minha vida. A essas pessoas, meu mais sincero

agradecimento. A alguns, entretanto, quero agradecer em especial.

A Epitácio, meu pai, que foi para mim, em todos os sentidos, um mestre. Por ter me

ensinado as coisas belas da vida: dos “opala bege”, vistos da varanda, ainda em seu braço, ao

amor pelos livros.

A Marluce, minha mãe, pelo carinho e compreensão que só ela poderia dar; pelas longas

angústias compartilhadas; e pelo apoio e torcida incondicionais.

A Lena, por ter me tirado da toca, me fazendo viver outras paisagens, como nas gostosas

conversas nas janelas dos sobrados, vendo o dia raiar por entre os telhados do velho Recife.

A Tela, por ter segurado minha mão num dos momentos mais difíceis desta jornada.

A Antonio Paulo, pela generosidade com que me acolheu. Mas, sobretudo pelo exemplo

de afetividade, sinceridade e maturidade intelectual, que o tornam uma pessoa extraordinária.

A Sílvia Cortez, pela atenção e bem querer com que sempre me recebeu.

A Marc Hoffnagell, por ter me dado a chance de viver o difícil e proveitoso exercício de

me socializar no trabalho.

A Antonio Montenegro, pelas fecundas discussões em sala de aula.

A Lucinha, pelo brilho élfico de seu sorriso e de sua presença constante.

A Alex, pelas noites negras, cheias de elucubrações e de fumaça.

A Lucas, pelo abraço amigo e apaixonado.

A Artur, Tati Ferraz, Tatiana Silva, Alberon, Raoni, Mauro, todos companheiros de

empreitada.

Aos demais companheiros do núcleo de pesquisa: Jaílson, Gustavo, Sylvia, Luís

Manuel, Fabiana e Cibele.

A Luciane, Marly e Carmem, da Pós-Graduação.

A Maria do Carmo, Marcos e Raquel, da FUNDAJ.

Ao CNPq, pelo financiamento.

A Breno, amigo sempre presente.

À presteza de Carlos e ao abraço apertado de Igor e Lara.

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Ao carinho de Lenira, Filipe, Nina e João, cujas presenças ampliaram minha capacidade

de amar.

A Mila, por tudo. Por ter sido, durante as longas madrugadas, minha mulher, esposa,

filha, mãe, companheira, amante, namorada, colega nas ciências humanas, amiga... Meu bem, meu

mal. Meu bem...

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RESUMO

Esta pesquisa tem por objeto de estudo a construção dos olhares sobre a cidade do

Recife nos anos 1920. Propus trabalhar a questão da paisagem de uma forma interdisciplinar,

concebendo-a como olhar; e, levando em conta tanto abordagens espaciais quanto imagéticas,

apreender a relação entre a percepção do ambiente urbano e a elaboração de representações de

cidade, (re)produzidas nos órgãos de imprensa, pelos sujeitos de então. Desta reflexão, trilhei dois

caminhos.

No primeiro, notei que as invenções modernas permitiram a emergência de uma

percepção cinética do ambiente, que, no entanto, não era associada ao termo “paisagem”, que

parecia ainda coincidir com a noção de criação artística, em meio a uma relação de êxtase com a

natureza. No entanto, procurei apreender em que medida esse repertório migrou para o campo

perceptual.

No segundo, trabalhei com a expansão urbana, possibilitada pelo automóvel, e

alicerçada em práticas elitistas de segregação espacial. Essa construção dos espaços urbanos na

cidade foi relacionada às discussões que os intelectuais fizeram acerca da paisagem. Houve um

embate entre um imaginário modernizante, portador de um discurso do progresso; e um outro,

tradicionalizante, que defendia a “cor local” para a preservação do que se supunha ser a identidade

do Recife.

A modernidade possibilitou, com suas epifanias, que as mudanças urbanas fossem

levadas a cabo na medida mesma em que se imbricavam na construção de novas imagens da

cidade.

PALAVRAS-CHAVES 1. PAISAGEM;

2. CIDADE, MODERNIDADE, CULTURA;

3. HISTÓRIA DO RECIFE.

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ABSTRACT

The aim of this dissertation is to study the imaginary of Recife in the 1920s. The focus is

to conceive landscape in an interdisciplinary way, so that it could be apprehended both in terms of

space and imagery. This facilitates the study of the relationship between the perception of urban

environment and the construction of representations of the city. From this point, I followed two

paths.

Firstly, I observed that modern inventions allowed the emergence of a kinetic perception

of environment that, however, was not followed by such a change in the concept of landscape,

which still seemed to fit the idea of artistic creation. So, I looked for the sinals of the passage from

a artistic vocabulary from one of the perceptual field.

In the second moment, I studied the urban expansion, allowed by the automobiles and

supported by élitist social practicals of spatial segregation. This construction of spaces in the city

was connected to the querel among the inteligentsia of Recife. There were two imaginaries about

landscape: the one which believed in progress; and the other, which defended the “local colour”,

so the supposed identity of the city could be preserved.

Finally, modernity allowed the construction of urban spaces in such a way that it was

mixed with the making of the imagery of the city.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO: ESCOLHENDO UM ENQUADRAMENTO........................................................11 CAP. I: PAISAGEM, TEORIA, REPRESENTAÇÃO, HISTÓRIA..................................21 CAP. II: PAISAGEM, IMAGEM DA CIDADE..................................................................57 CAP. III: PAISAGEM, CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO.....................................................96 CONSIDERAÇÕES FINAIS: UMA ÚLTIMA OLHADA..................................................................................149 LISTA DE IMAGENS.......................................................................................154 FONTES/BIBLIOGRAFIA/FILMOGRAFIA.....................................................155

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“Marco Pólo descreve uma ponte, pedra por pedra. - Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? – pergunta Kublai Khan. - A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde Marco – mas pela curva do arco que estas formam. Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois, acrescenta: - Por que falar das pedras? Só o arco me interessa. Pólo responde: - Sem pedras o arco não existe.”

Italo Calvino

“Quero falar daquela tarde, porque ela deixou claro de que tipo é o domínio que as cidades exercem sobre a imaginação, e porque a cidade – onde os homens se exigem uns aos outros sem a menor consideração, onde os compromissos e telefonemas, as reuniões e visitas, os flertes e a luta pela vida não concedem ao indivíduo nenhum momento contemplativo – , na hora da recordação, se vinga e o véu que ela teceu ocultamente da nossa vida mostra menos as imagens das pessoas que as dos lugares onde nós nos encontramos com os outros ou conosco mesmos.”

Walter Benjamin

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I A preocupação primeira deste trabalho é a de entender a cidade. Lugar de encontros e

desencontros, passagens e infância, ela torna-se uma esfinge para os que nela se deparam.

Inscrição de símbolos, ruínas de sonhos, a cidade é o palco da modernidade. Várias são as

abordagens que tentam desvendá-la, criando sensações e idéias que se esvaem quando se julgam

definitivas. Dos vários prismas através dos quais pode-se perscrutá-la, escolhi a paisagem. Numa

época de fragmentação, como a nossa, na qual a cidade aparece desconexa, em imagens que

perderam sua força, ao se sucederem ininterruptamente, ou em espaços vazios, amplidões de

asfalto, saturados de signos, uma pergunta ecoa: é possível que a paisagem devolva o olhar?1

Italo Calvino, n’As Cidades Invisíveis, afirma que acerca de Dorotéia pode-se falar de

duas maneiras: enumerar-lhe as pontes, as ruas, as torres, descrevendo-a bairro por bairro,

mostrando os produtos que nela se trocam e de como são as relações que a permeiam; ou então,

dizer como o cameleiro que, ao visitá-la pela primeira vez, viu tocadores de clarim e moças de

dentes brancos, ao percorrer as ruas apinhadas que conduziam às praças e mercados, de forma que

nunca mais viu o deserto com os mesmos olhos2.

Na primeira abordagem, a cidade aparece como objeto de saberes que a vêem de topo,

como se pudéssemos perscrutá-la de cima e de fora, pairando no tapete voador da racionalidade.

O paradigma epistemológico de tal enfoque é profundamente enraizado na noção de que é

possível, se não necessário, ao sujeito do conhecimento afastar-se de seu objeto. E assim, ele

poderia fazer uma descrição tal que a apreendesse em sua totalidade.

Por outro lado, ao dar voz ao viajante, Calvino faz a cidade surgir como experiência, na

qual o conhecimento sobre ela se dá na vivência das sensações. Ele a descobre no encontro com

ela. Uma abordagem assim não só mostra que é possível construir um saber que não exclua a

dimensão subjetiva, mas faz ver que, desse pressuposto, toda uma miríade de elementos surge,

ausente na abstração da vista aérea.

Viver a infância no bairro da Várzea, durante os anos oitenta, foi algo único. Sem os

engarrafamentos estressantes de hoje, ainda era possível sair de carro apenas para passear. Ver a

cidade. Era com empolgação que, grudado na janela do carro amarelo de papai, um fuscão, via as

ruas e as pessoas passando, cenas que mostravam lugares diferentes da cidade. Não tardaria a

aguçar esse olhar, e ainda menino, perceber os diferentes espaços do Recife. Em casa mesmo,

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brincando com os bonecos e os carros e os edifícios, (mania de miniaturizar a cidade), reproduzia

os diversos lugares e suas respectivas vivências. A avenida Caxangá e seu imenso corredor viário.

Pessoas se deslocando, indo ou vindo da cidade... que começava propriamente a partir da Mesbla,

na metade da avenida Conde da Boa Vista. Ali o ambiente já era outro: prédios altos, enfileirados,

que não deixavam, em alguns momentos, o sol tocar o asfalto. Lembro do roxo das bandejas com

maçãs, nas barracas dos camelôs. Era tanto movimento... Tantos rostos sérios de trabalho, que não

tinha como não contrapor a cidade ao subúrbio onde morava. Esse não era a Várzea dos engenhos,

mesmo que tivesse andado muito, bicicleta e barro, pelas matas de São João. Mas a Várzea dos

subúrbios de massa. Classe média e classe pobre. E embora minha rua fosse calçada, ainda se

jogava bola nas ruas em volta, sandálias umas por cima das outras servindo de trave.

Assim é a cidade: vivida sob diversos olhares. E o menino cresce e percebe outros

espaços... As relações tornam-se mais complexas, emaranhando-se em questões antes não

pensadas. O adulto já tem outros olhares sobre a cidade, cheios de outros desejos e de outras

preocupações...

Tomo então a paisagem como uma experiência subjetiva. Isso não significa dizer que

essa vivência não seja histórica. Muito pelo contrário. Nossa percepção está permeada por todo

um modus vivendi que é construído (e constrói) pelas relações sociais. Falar dessas experiências

passa por apreender essas relações.

Este trabalho tem por objetivo, então, estudar a paisagem do Recife nos anos 1920.

Porém, dito desta forma, deixo o leitor numa certa vagueza. O que, especificamente, na paisagem

do Recife, quero estudar? Concebendo a paisagem como uma vivência, em meio a processos

perceptivos e criativos, pretendo perscrutar a construção dos olhares sobre a cidade a partir das

transformações nas experiências sensoriais propiciadas pela modernidade. A vida moderna trouxe

um novo horizonte cultural, em que se deram profundas mudanças espaciais na cidade, com a

aceleração do ritmo de vida, no cotidiano, resultando daí uma diversidade de estímulos para os

indivíduos. Como eles lidaram com essa nova sensibilidade, permeada pelas novas invenções

técnicas e estéticas? Como eles representaram a vida na cidade? Como se deu a relação entre o

novo e o velho na imagem que se fazia do ambiente urbano? Eis algumas perguntas que

tentaremos responder.

Uma vez delimitada a moldura temática do objeto desta pesquisa, e antes de me ater à

questão do uso das fontes, devo fazer um último ajuste para obter o enquadramento. O foco. E

aqui se trata de tecer alguns comentários sobre a periodização utilizada.

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Quando do início desta pesquisa, queria estudar as transformações urbanas ocorridas no

Recife dos anos 1920; bem como as representações que os sujeitos de então fizeram sobre esse

mesmo processo. Por isso delimitei o corte cronológico ao quatriênio do governo estadual de

Sérgio Loreto, pois esse período (de fins de 1922 a fins de 1926) concentrava as obras e

modernizações da década, assim como viu vários eventos que estavam estreitamente ligados a

essas transformações, como o Congresso Regionalista e o Congresso de Estradas de Rodagem.

Além do que, pela própria escala temporal, esse formato permitia uma abordagem do tipo

microanálise3, mais adequada a uma história do cotidiano, como pretendia ser este trabalho.

Porém, à medida que percorria os caminhos da pesquisa, percebi que tomar a questão da

paisagem no imaginário da cidade requereria uma outra abordagem, mais próxima de uma história

das mentalidades, ou se se preferir, uma história da cultura4, com uma duração mais longa. Assim,

mudei um pouco a forma de conceber a narrativa, procurando me mover nos diversos momentos

históricos. Daí os recuos até inícios do séc. 19 e as incursões a fins do 20. Mas sem deixar de

manter o recorte inicial como o cerne do trabalho. As divagações sobre um período anterior

funcionaram para rastrear os conceitos usados na década de 1920; e as elucubrações sobre um

período posterior, longe de ser antagonismos de uma análise teleológica, procuraram delimitar

fronteiras entre temporalidades. As pontas do fio de Ariadne estão em tempos diversos: o

historiador tem os pés no hoje, muito embora sua mente e coração se voltam para o ontem.

II

Aqui, emergem duas perguntas: que fontes usar e como manuseá-las. Gostaria de

ressaltar que, se distingo teoria e metodologia, é com o intuito didático da construção das idéias.

Entretanto, o processo é de mão dupla. Penso a teoria com preocupações metodológicas. E vice-

versa. Afinal, uma pesquisa histórica se faz no diálogo entre os referenciais teóricos e a leitura das

fontes, no qual ambos se auxiliam.

Nesse sentido, parti para a leitura de outros órgãos de imprensa, juntando-os ao arquivo

de fichamentos do Diario de Pernambuco e da Revista de Pernambuco. A escolha dos jornais e

periódicos da época, para estudo, se deu em função da importância dos veículos e sua

acessibilidade para o pesquisador, hoje. Assim, selecionei o Jornal do Commercio, cujo layout

moderno, ligado às posturas dos setores urbanos, sobretudo o comercial, sugere um aspecto de

jornal novo. E por outro lado, o Jornal do Recife, diário antigo e tradicional, que assumia posturas

mais conservadoras. Também dei uma olhada n’A Provincia. Digo uma olhada no sentido de um

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relance, e ao fazê-lo me refiro também ao Jornal do Commercio e ao Jornal do Recife, porque a

leitura desses órgãos não foi completa como a que fiz com o Diario de Pernambuco. Em função

de mudanças no andamento da própria pesquisa, decidi trabalhar mais com as revistas,

consultando os jornais para cobrir apenas alguns momentos importantes, ao contrário da leitura do

Diario de Pernambuco, que cobriu todo o período estudado.

Em relação às revistas, a proposta é estudar a semanária A Pilheria, fonte que permitirá

apreender aspectos da vida social, desde as frivolidades da moda até a resistência aos autos, que

em sendo velozes se tornavam uma fonte de perigos aos transeuntes. As outras duas revistas

foram A Revista do Norte, que embora se abrisse para novos referenciais, trazia, incluído no seu

programa, a discussão em torno da tradição; e a Revista da Cidade, cuja reprodução de fotografias

esteve imbricada a um processo de elaboração de uma imagem moderna da cidade.

Os periódicos foram lidos na Biblioteca Pública Estadual Castelo Branco e na Biblioteca

Blanche Knopff, na FUNDAJ. Outras fontes, tomadas como auxiliares, mas não menos

importantes, são a literatura5, o cinema6 e três mapas da cidade, um de 19067, anterior à época

estudada, um de 19248, feito pelo Departamento de Saúde e Assistência e um de 19329, situando-

se posteriormente.

Mas, ao usar tais fontes enquanto registro, como apreender a paisagem numa pesquisa

histórica10, uma vez que ela se duplica num trabalho que pretende fazer uma história do olhar

sobre a cidade? Jamais verei a paisagem do Recife dos anos vinte porque jamais a vi. Ao deparar-

me com uma fotografia da avenida beira-mar, em construção, posso, parafraseando Barthes11,

afirmar que vejo não a praia de Boa Viagem, mas os olhos que a viram. Essa imagem contém os

indícios do olhar.

Porém, como seguir as pistas inscritas nesses sinais? Como compreender nos

documentos, esse olhar sobre o ambiente urbano? As imagens e os discursos estão permeados de

olhares. Eles, os documentos, não são nem o resultado final nem o ponto de partida dos olhares,

mas antes perpassam e são perpassados por aqueles. A imagem produzida e veiculada pela

imprensa fala de um olhar. Apesar da dimensão política que envolve a produção e divulgação das

imagens/discursos estar relacionada ao nosso objeto12, ela é apenas uma tangente. Não é meu

intuito estudá-las, mas antes o objetivo é perscrutar os olhares sobre a cidade que as atravessam.

Que desejos se projetaram na tela da paisagem? Numa sociedade que viveu a sedução

do moderno, num ambiente povoado por suas epifanias, como o automóvel, o cinema, o avião, os

registros se apresentam permeados desses (des) encantos13. Ao ler um jornal da época, perscruto

os sonhos de consumo, presentes, ainda que invertidos, nos anúncios, mas também o medo de se

perder numa época tão veloz, pois para os que passaram a infância numa cidade marcada pelo

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lento vagar dos bondes puxados a burro, passeando por sombras de gameleiras, o Recife dos anos

vinte era um outro. Mais frenético. Talvez frívolo. Certamente novo. Mas o quanto esse novo não

estava permeado do velho? Os anos vinte, longe de serem uma fronteira nítida ou uma linearidade

única, tal como idealizado nas abordagens sobre a modernidade, foram o território das múltiplas

temporalidades, vividas na simultaneidade do cotidiano14. As imagens do novo e do velho são

superposições, de forma que alguns relegam as antigas ao fundo do baú, enquanto outros não as

tiram do foco e, percebendo-as simultâneas nos diferentes tempos, passam a se atormentar com o

aspecto fantasmagórico dessas ruínas.

O jornal, no Recife dos anos vinte, aparece em meio a uma ambigüidade: a

fragmentação da vida na cidade moderna e o surgimento de uma forma textual que se utiliza,

sobretudo, da informação. É esse tipo de órgão divulgador que possibilitará à cidade fazer a

costura da diversidade da vivência cotidiana. É o formato informacional que, pela sua rapidez e

generalidade, tornará possível essa articulação, embora contribuirá para a maior complexificação

da própria experiência urbana, em meio à fragmentação moderna. Souza Barros afirma que os

jornais, bem como as revistas, eram de fundamental importância para o Recife da década de vinte,

uma vez que era nele que seus membros tinham acesso ao que acontecia e se faziam audíveis. Não

havia intelectual que não passasse pelas redações15. O Recife, nos anos vinte, é uma cidade que

convive com duas experiências distintas, embora simultâneas: por um lado, há um sentimento que

a marca através de sua tradição, suas memórias, que a dota de uma identidade; mas, por outro,

vive dias de expansão e de velocidade que apontam, no horizonte, os caminhos de uma cidade

moderna, rica em diversidade, embora se abra à fragmentação. Nesse ínterim, a imprensa se

constrói como a articuladora dessa nova dizibilidade. Seu caráter informacional ainda está

atrelado à função social de possibilitar a costura das várias vozes da cidade, de forma que os

jornais podem se colocar como a tribuna, na qual aquela é discutida, muito embora percebo que

nem todos circulam nesse espaço de visibilidade. É esse aspecto ambíguo dos jornais da década,

entre a informação e a reflexão, que me permite perceber o discurso como registro histórico; ou

pelo dito, ou pelo não-dito, que ao primeiro se soma, como uma sombra.

Mas não é só o discurso que tomei como registro do imaginário dos grupos que viveram

a década. É também a imagem. A imagem da cidade não era nenhuma novidade para o Recife dos

anos vinte, uma vez que ele já tinha sido alvo da pintura, da gravura e da própria fotografia. A

novidade estava na reprodutibilidade técnica que o jornal impresso pôs a serviço para difundir a

imagem de uma forma nunca antes pensada. E é essa relação que aqui interessa em particular:

discurso e fotografia na imprensa. Pois aí reside a junção dessas duas linguagens a fim de

“melhor” persuadir o leitor. O poder argumentativo da fotografia reside na capacidade que ela tem

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de apresentar a imagem sob os auspícios de uma veracidade. Posta do lado da matéria escrita, era

tão direta sua influência que nem mil palavras a substituíam16. Por que essa crença absoluta na

imagem? Se não for a sedução causada pela epifania dessa novidade, então não sei o que seja.

Essa crença na suposta objetividade da fotografia deixa entrever, porém, os usos desse

veículo, bem como sua relação com o público leitor. A fotografia não tem uma capacidade de se

auto-referenciar como o cinema.17 Nesse último, a própria seqüência de imagens leva o espectador

a seguir um fio, mais ou menos definido por quem produziu a película, daí a montagem ser tão

importante quanto as técnicas mesmas de obtenção de imagens. Enquanto que a fotografia não

tem essa versatilidade. A mesma característica que a torna digna de espanto é sua própria

limitação: a capacidade de, congelando um instante numa “segunda realidade”, retirar a cena de

sua ambiência. Daí a necessidade que ela tem com o texto, resultando então numa relação

simbiótica com esse, uma vez que é ele que sugerirá ao leitor a referência do signo-imagem. É

essa interface de suportes, sobretudo o textual e o imagético, que faz das revistas uma fonte

preciosa.18 Preciosa porém cheia de armadilhas. Pois, se essa relação entre texto e imagem é

estabelecida (mesmo que num pólo apenas do campo de significações) por quem produz o

veículo, então há intuitos por entre os interstícios do esconde-esconde da(s) linguagem(ns). Cabe,

portanto, ao historiador que se debruça sobre a imagem (na sua relação com outras linguagens),

procurar reconstruir o lugar de onde essas teias são fiadas.19 Não apenas tomar a fotografia como

ilustração, pois essa não é reflexo; mas apreendê-la como uma ficcio histórica.

III Neste trabalho, trilhei três caminhos distintos.

Primeiramente, discuti alguns pontos teóricos sobre o que se compreende por paisagem.

Para tanto, examinarei o conceito tal como ele é enfocado na literatura específica. Trata-se de um

caminho bastante árduo, pois se abre em direções as mais diversas possíveis. De um lado, há

saberes como a geografia e o urbanismo; do outro, a fotografia, o cinema e a pintura. Admitindo

que nenhuma dessas áreas, sozinhas, dá conta da totalidade da paisagem, optei por percorrê-las

diagonalmente, extraindo elementos que fornecessem chaves interpretativas para o objeto.

Porém, estou ciente de que, se por um lado, a interdisciplinaridade traz um

enriquecimento a esta abordagem, quando soma pontos de vista; por outro, me coloca numa

posição de risco na qual posso cometer desacertos. É acreditando que os saberes são aberturas, e

que é no refinamento do debate que eles alargam seus campos, que assumo o desafio.

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Neste ponto, os caminhos se bifurcaram. Pensando a paisagem como relação entre

imagem e espaço, montei os dois capítulos seguintes de forma que tivessem uma certa autonomia

um do outro. Num, a paisagem foi enfocada como imagem, embora imagem que dê visibilidade

ao espaço; e num outro, a paisagem foi trabalhada como espaço, embora espaço que seja

construído no imaginário. Ao invés de subordinar um ao outro, deixo-os soltos, para que formem

um mosaico para o leitor. Que eles dialoguem entre si na leitura.

No primeiro caso, procurei elencar a imagem mental que as elites elaboraram sobre a

cidade, tomando como ponto de partida os indícios deixados pelas imagens e textos editados pela

imprensa da época. Percebi que as invenções técnicas, graças à modernidade da noção de instante,

permitiram uma percepção cinética do ambiente. No entanto, essas novas imagens, oriundas

desses novos olhares, não foram nomeadas como paisagens. As elites no Recife pareciam ainda

fazer coincidir o termo com a noção artística, ligada ao pitoresco e ao cênico.

No segundo, busquei relacionar a noção cinética do instante a um novo instrumento

propiciador da expansão urbana: o automóvel. Isso permitiu às elites uma série de ações

modernizantes, com o propósito de criar espaços diferenciados, dentro da mesma área urbana.

Esse processo de construção dos espaços urbanos remete, entretanto, às discussões que os

intelectuais fizeram acerca da paisagem do Recife. Houve um embate entre um imaginário

modernizante e um outro, tradicionalizante. Enquanto uns defendiam o discurso do progresso,

pregando a demolição da imagem colonial da cidade; outros alertavam para o perigo dessas

mudanças, crendo-as destruidoras da paisagem e de sua “cor local”, ameaçando a própria

identidade da cidade.

Nas considerações finais, tentei amarrar certas questões, relacionando as modificações

urbanas e suas interrelações com a construção mesma de novas imagens da cidade.

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NOTAS

1. Em ANDREWS, Malcolm. Landscape and Western Art. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 22, encontrei

uma discussão sobre ambientalismo e desaparecimento do conceito de paisagem. Segundo o autor, a diminuição

dos recursos naturais e incapacidade de discernir o que é natural ou cultural inviabilizou o conceito de paisagem,

abolindo as molduras desse próprio olhar. Não se vê mais a paisagem pois se está dentro dela. Pensando assim,

entendo o que significa dizer que Wim Wenders foi o último paisagista de uma longa tradição imagética do norte

(DEBRAY, Régis. Vida e Morte da Imagem: uma história do olhar no ocidente. Petrópolis: Vozes, 1996); ou então

a frase que diz que estudar algo como a paisagem é um anacronismo (PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens

Urbanas. São Paulo: Ed. SENAC São Paulo; Marca D’Água, 1996). No entanto, discordo da postura de Andrews,

pois ela toma como pressuposto que a paisagem é uma visão que se tem da natureza quando se está fora dela, o que

é impossível. Daí perceber o sentido de ironia por trás da frase de Peixoto, que sugere precisamente o oposto do

que afirma: não há anacronismo em estudar a paisagem.

2. CALVINO, Italo. As Cidades Invisíveis; tradução de Diogo Mainardi. São Paulo: Cia. Das Letras, 1990. p. 13.

3. Ver: REVEL, Jacques (org.). Jogos de Escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio

Vargas, 1998.

4.VAINFAS, Ronaldo. “História das Mentalidades e História da Cultura”. In: CARDOSO, Ciro Famarion e

VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,

1997. p. 127-129.

5. Ver o romance de REGO, José Lins do. O Moleque Ricardo. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1987. (Ficção

Completa, Vol. I); as crônicas em LEMOS FILHO, Clã do Açúcar. Rio de Janeiro: São José, 1960; e o livro tipo

inventário de VIANNA, A. J. Barbosa. Recife, capital do Estado de Pernambuco (1900). 2a. ed. Recife: Secretaria

de Educação e Cultura, 1970. 6. Ver: os filmes do Ciclo do Recife, sobretudo Aitaré da Praia (1925) e A Filha do Advogado (1926).

7. Mapa de Douglas e Fox. Atlas histórico-cartográfico do Recife. Organização de José Luiz Mota Menezes. Recife:

Massangana, 1988. 8. Diario de Pernambuco. “A Planta do Recife”, 03.04.1924. p. 3.

9. Ver: MOREIRA, Fernando Diniz. “A construção de uma cidade moderna: Recife, 1909-1926”. Dissertação de

Mestrado em Desenvolvimento Urbano. Recife: UFPE, 1994.

10. Não há muitos trabalhos, na historiografia, que enfoquem a paisagem como olhar, processo cognitivo e

sensibilidade que relacionam o repertório iconográfico com a percepção ambiental, produzindo imagens mentais

que contêm tanto alusões ao referente empírico quanto significados, criações imaginárias. Mapeamos alguns

textos que podem se relacionar, direta ou indiretamente, com a nossa abordagem. No que concerne à relação

entre urbanização e representações culturais, oriundas de narrativas sobre a cidade, temos: PONTUAL, Virgínia.

“Tempos do Recife: representações culturais e configurações urbanas”, In: Revista Brasileira de História, v. 21,

no 42. São Paulo: Humanitas, 2002; há também duas coletâneas, que tematizam a paisagem, através de textos de

vários autores. Trata-se de MAIOR, Mário Souto e SILVA, Leonardo Dantas (orgs.) O Recife: quatro séculos de

sua paisagem. Recife: Massangana; PCR – Secretaria de Educação e Cultura, 1992; e ______ . A Paisagem

Pernambucana. Recife: Massangana; PCR – Secretaria de Educação e Cultura, 1993; do ponto de vista de uma

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análise do imaginário, ver: CORBIN, A. O território do vazio. A praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Cia

das Letras, 1989; sobre as transformações nas paisagens urbanas, tem-se: CHOAY, Françoise. “A natureza

urbanizada, a invenção dos ‘espaços verdes’”, tradução de Eveline Bouteiller Kavakama, In: Projeto História –

Revista da PUC de São Paulo, no 18 – Espaço e Cultura. São Paulo: EDUC, 1999. p. 103-106; e RONCAYOLO,

Marcel. “Transfigurações noturnas da cidade: o império das luzes artificiais”, tradução de Eveline Bouteiller

Kavakama, In: Projeto História, op. cit, p. 97-101; acerca do olhar sobre a cidade e suas mudanças, ver:

LEMAGNY, Jean-Claude. “Metamorfoses dos olhares fotográficos sobre a cidade”, tradução de Eveline

Bouteiller Kavakama, In: Projeto História, op. cit, p. 115-120; e MONDENARD, Anne de. “A emergência de

um novo olhar sobre a cidade: as fotografias urbanas de 1870 a 1918”, tradução de Eveline Bouteiller Kavakama,

In: Projeto História, op. cit, p. 107-113.

11. BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre a fotografia. Tradução de Júlio Castañon Guimarães. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 11.

12. Devemos atentar para que, se a Revista de Pernambuco dá amplo espaço às obras modernizantes na área urbana, é

porque ela é ligada oficialmente ao governo estadual, cuja bandeira foi a operosidade da modernidade. Num

outro extremo, rastreamos o porquê do Jornal do Recife divulgar tão pouco “A Semana das Árvores”. Se

pensarmos no apoio que o evento teve do governo estadual e notarmos que aquele órgão ficou do lado do

candidato borbista, por ocasião da sucessão estadual, em 1922, então podemos falar do silêncio do jornal como

uma resistência, em atitude política, a usar a esfera midiática como publicidade a um governo tido como

intervenção federal. Ver o verbete “Jornal do Recife” In: NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa de

Pernambuco, 1821-1954, Vol. II – Diários do Recife, 1821-1900. Recife: Arquivo Público; Universitária, 1962-

1982.

13. REZENDE, Antonio Paulo. (Des) Encantos Modernos. histórias da cidade do Recife nos anos vinte. Recife:

FUNDARPE, 1997.

14. Idem. Ver o capítulo 3, que faz uma discussão teórica sobre a modernidade, em comparação com o capítulo 2, que

remonta a modernidade enquanto vivência nos tecidos do cotidiano. Para uma conceituação da modernidade

enquanto experiência de vida, ver BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da

modernidade. Tradução de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo: Cia. das Letras, 1986.

15. BARROS, Souza. A Década 20 em Pernambuco. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1985. p. 180.

16. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 59.

17. XAVIER, Ismail. “Cinema: revelação e engano”, In: NOVAES, Adauto et alli. O Olhar. São Paulo: Cia. das

Letras, 1988. p. 368.

18. MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revista: Imprensa e Práticas Culturais em Tempos de República, São Paulo

(1890-1922). São Paulo: Edusp; Fapesp; Imprensa Oficial do Estado, 2001.

19. KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. Cotia: Ateliê Editorial, 2002. p. 20.

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“Que aconteceria, indaga Merleau-Ponty, se os filósofos, em lugar de passar da percepção ao juízo, ou melhor, em vez de substituir a percepção pelo juízo, houvessem considerado “essa outra e mais profunda abertura às coisas proporcionadas pelas ‘qualidades segundas’, particularmente a cor”? Ter-se-iam achado diante de um problema insolúvel para o empirismo e o intelectualismo, isto é, diante de “uma universalidade sem conceito” e seriam obrigados a indagar “como o murmúrio indeciso das cores pode oferecer-nos coisas, florestas, tempestades, enfim, o mundo?””

Marilena Chauí

“Em todo o momento de atividade mental acontece em nós um duplo fenômeno de percepção: ao mesmo tempo que temos consciência de um estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer, entendendo-se por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior de nossa percepção.“

Fernando Pessoa

I

Que é a paisagem? Antes de ser uma pergunta retórica, trata-se de uma preocupação em

conceituar e construir um referencial para a presente pesquisa. O que se destaca, desde cedo, nos

estudos das paisagens, é a diversidade de abordagens para com o tema1. Na geografia, seja ela

urbana ou ecológica, ou antes, uma junção de ambas, a paisagem é enfocada através de uma

análise espacial. Para a história da arte, incluindo aí seus capítulos sobre história da pintura, da

fotografia e do cinema, prevalece uma análise imagética. De tão amplo que é o tema, o uso do

termo extrapolou os territórios desses saberes, e hoje, o vocábulo transformou-se numa metáfora,

quando se quer situar num panorama qualquer assunto sobre o qual se queira discorrer2.

A definição que os dicionários dão, “porção da terra que a visão abrange”, parece

insuficiente em dar conta da paisagem3, dando margem para ambas as perspectivas: é uma

representação imagética do que se vê ou o espaço enquanto referente? Que é a imagem? Que é o

espaço? As perguntas se multiplicam e apontam cada vez mais para respostas diversas. O caminho

parece me levar a escolhas teóricas. Ou me coloco no lugar de um saber específico, admitindo que

esse possa dar conta do estudo da paisagem; ou construo um lugar próprio, interface entre essas

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pontes, incorporando elementos de cada saber e selecionando-os a partir das especificidades desta

pesquisa. Tentei a segunda trilha, fazendo uma história cultural do olhar, na encruzilhada, entre o

surgimento de técnicas e a criação imagética.

II

Começo com uma imagem.

Cidade Frederica na Paraíba é uma tela pintada em óleo por Frans Post em 1638,

quando de sua estada no Brasil sob o domínio holandês. Nela, a cidade surge no alto de uma

encosta, que desce, em meio à vegetação tropical, até o rio. O corpo d’água reflete, então, a

paisagem, duplicando a colina, a mata e o céu nublado. Os elementos estéticos apontam os pontos

de vista do pintor. Há uma nítida opção pela descrição da natureza em termos que, hoje, chamaria

“realistas”, rejeitando a narratividade alegórica, tal como prevaleceu na pintura italiana4. Post

monta o quadro a partir de dois eixos de coordenadas, o horizontal da vista da Cidade na colina e

o vertical das árvores, no canto direito da tela (qualquer semelhança com o pensamento cartesiano

é mera coincidência!), através dos quais ele inscreve o uso da perspectiva, tanto no traço quanto

na cor.

A perspectiva, redescoberta renascentista da geometria clássica5, permite operar a

transposição de um espaço percebido enquanto tridimensional para o plano bidimensional da

imagem pictórica, daí a possibilidade de descrição, que dá a noção da imagem enquanto espelho,

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presente na cena da paisagem refletida na água. A cena parece tal como ela é: silêncio que paira

no ar, imagem que resvala de qualquer sentido e linguagem6. Post pinta a paisagem como a

presentificação (sem o re da representação) da natureza em seu domínio anterior ao homem. A

tentativa de abolir a janela albertiana (intenção percebida na assinatura do artista, inscrita no

tronco de uma árvore, ao invés de sua sobreposição à imagem), força a escolha estética como

descrição daquela como o não-humano. Objetivação da natureza.

Essa postura ajudou a inaugurar a idéia da paisagem como espelho da natureza, gerando

a dupla crença: a imagem como mimese e a natureza como anterior à cultura. É esse imaginário

que iria pôr em crise o personagem do diretor de cinema no filme Lisbon Story (traduzido para o

português como O céu de Lisboa), de Wim Wenders7. No fim do séc. 20, um cineasta vai a Lisboa

com o projeto de filmá-la em preto-e-branco, mas logo abandona a idéia por achar que quando

obtidas nas imagens, as coisas perdem suas “auras” e morrem. Criticando a mercadorização das

imagens na contemporaneidade, ele começa a buscar a imagem em estado puro, isenta do olhar

humano. Daí percorrer as ruas com uma câmera presa às costas, gravando as imagens na

aleatoriedade com que elas se deixam capturar.

Ora, esse projeto é utópico, e por isso mesmo, mostra-se impossível. Ao procurar a

natureza fora da cultura, essas imagens acreditaram numa descrição que fosse capaz de apresentar

a paisagem em si, operando a cisão entre o sujeito e o objeto do conhecimento. No entanto, esse

intuito é improvável, sendo capturado na armadilha mesma do olhar. Ao fundar a paisagem entre

essa intuição da invisibilidade da existência e a visibilidade que a permite ser, é que se delineia a

contradição central dessa imagem: o olhar que pinta a ausência (ou filma ou mesmo fotografa) já

se faz presença, e não poderia ser de outro modo8.

Essa objetivação da natureza é um fato de cultura9. É o outro lado da moeda que passa

pelo processo de subjetivação do olhar. Não é à toa que a pintura de paisagens surge na mesma

época de um outro gênero pictórico: o retrato. Assim como o retrato dá visibilidade ao sujeito do

olhar, a paisagem faz ver o objeto mesmo desse olhar. É recorrente, na literatura sobre o tema, a

noção de que a paisagem é o retrato da natureza10. Ao representar algo, o sujeito se identifica, e ao

fazer desse modo, se representa. A natureza não se nomeia, nem está “dada”. Os sujeitos, em suas

teias sociais, é que lhe atribuem sentido, a partir da significação. Colonização sígnica do empírico:

“Pois conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção humana em dois campos

distintos, na verdade elas são inseparáveis. Antes de poder ser um repouso para os sentidos, a

paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de camadas de lembranças quanto de estratos de

rocha.”11

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Eis a preocupação de Simon Schama em Paisagem e Memória: mostrar que a paisagem

é um constructo da cultura. A percepção do ambiente está relacionada com a memória, e essa é

perpassada pelo imaginário. As relações sociais colocam o sujeito em meio a todo um mundo de

artefatos, de tecnologias, de representações, de mitos, de forma que ele não olha o mundo exterior

como se fosse tabula rasa. Essa desnaturalização da relação entre cultura e natureza, afirma

Schama, foi percebida a partir de dois locus: a literatura que estuda a paisagem enquanto

tridimensionalidade e a que se debruça sobre ela enquanto bidimensionalidade12. Na primeira, ele

aponta todo um movimento ambientalista, de cunho revisionista, que, ao inserir a história nas

relações ecossistêmicas, operou o reverso também: a humanização da natureza, mostrando que o

homem vem interferindo há tanto tempo nos biomas que não faz mais sentido ver os territórios da

cultura e da natureza como distantes e mesmo excludentes. Em relação à segunda abordagem, ele

mostra como a paisagem deixou de ser o referente visto para ser a percepção dele, em meio à

criação imaginária, que o constrói enquanto significação.

Detenho-me nesses dois enfoques sobre a paisagem.

A história das paisagens funda-se como um campo novo, entre as disciplinas da

geografia humana e a história agrária, a partir de tentativas pioneiras, ainda nos anos 193013. No

entanto, ainda era presente a dicotomia entre natureza e cultura, havendo uma distinção entre uma

paisagem física e uma outra, cultural. Dois movimentos, durante o séc. 20, se propuseram romper

essa fronteira: o encontro da história das paisagens com a história urbana, não só mostrando a

interrelação entre campo e cidade, mas também concebendo a cidade como ecossistema; e o

ambientalismo que ampliou a noção de ecologia, baseada até então no pensamento de Haeckel,

conjunção de darwinismo com malthusianismo, abrindo-a à teoria do caos, incluindo ao conceito

de sistema a noção de abertura e de imprevisibilidade.

Dessa forma, deixava-se de lado um determinismo do meio ou uma geoantropologia

etnocentrista, que acompanhou a expansão européia na virada do séc. 19 ao 20, para se pensar em

termos de interrelação entre os aspectos culturais e naturais. Assim, com exemplos de

modificações, voluntárias ou não, nos ecossistemas, a partir de ações humanas, mostrou-se que os

sistemas sócio-econômicos, que determinam um modo específico de exploração dos recursos

naturais, também mudavam em função daquelas novas variáveis introduzidas pelo próprio

sistema14.

É em Milton Santos que encontro uma compreensão dessa interdependência. Falando

sobre a demografia, a tecnologia e as normatizações legais, ele afirma: “a realidade social, tanto

quanto o espaço, resultam da interação entre todas essas estruturas [...]”15 Portanto, o meio físico,

condição sensível inicial, co-determina a organização espacial da paisagem, somando-se a outras

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instâncias do social, como o direito, capaz de normatizar a ocupação e a exploração do território;

a tecnologia disponível pelo grupo social, que variando em complexidade, pode alterar o uso dos

recursos naturais em diversos níveis; a demografia, que relaciona o potencial uso dos recursos

com a população, em sua distribuição e configuração; e a sociologia, que instaura políticas de

preservação ou de conservação16.

Sobre essa abordagem, gostaria de destacar dois elementos de análise fundamentais

nesta reflexão.

Primeiramente, o conceito de paisagem que emerge na geografia é o de imagem do

espaço17. Manifestação do espaço, visibilidade do território, exterioridade e superficialidade do

relevo, essa noção topográfica da paisagem nos leva ao segundo elemento dessa análise: o espaço.

E aqui vejo que a abertura sistêmica proposta pelo ambientalismo não se deu completamente,

como poderia julgar à primeira vista. O espaço, para tais estudos, deixou de ser o espaço “dado”,

como no naturalismo de La Blache18, para ser o resultado da organização social. Aqui, interessa-

nos notar a relação entre espaço e verdade. O espaço é cognoscível desde que se utilize uma

metodologia correta. Há de se levantar o véu da paisagem para se determinar o espaço verdadeiro,

que reside além das representações19. A metodologia para tal projeto reside na decomposição da

paisagem (desmontando-a de sua forma visível) para, em seguida, recompô-la enquanto

conhecimento da dimensão espacial20.

Enquanto isso, em outra trilha... O conceito de paisagem migrou da idéia de objeto da

arte, espaço naturalizado, à noção de processo perceptivo que constitui esse próprio objeto. Foi

preciso que a pintura de paisagem surgisse para que uma vista no campo fosse tida como

“paisagem”. Tal é o que sugere a metáfora do espelho de Claude Lorrain. Ao passear no campo,

as pessoas levavam um espelho portátil, e quando miravam nele uma bela imagem, diziam-na

“pinturesca”, ou pitoresca21. Dá a idéia de que o olhar opera como uma moldura, facilitada pela

delimitação da superfície do espelho.

Mas, as coisas não são tão simples assim. Há outras molduras por trás do olhar. O que

vem a ser uma “bela vista”? É Kenneth Clark, em seu livro, hoje clássico, Landscape into Art, que

afirma poder-se chegar à consensual idéia de beleza numa determinada vista porque o desejo pela

fruição de uma paisagem é um valor universal22. Um outro estudioso da paisagem nas artes,

Malcolm Andrews, refuta essa idéia, propondo uma leitura “relativista” do olhar. Para ele, as

culturas são diferentes umas das outras, construindo-se a partir de valores próprios. E mesmo em

um ambiente cultural compartilhado coletivamente, os indivíduos possuem maneiras distintas de

olhar, uma vez que constroem suas identidades de forma única. Analisando um poema de

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Wordsworth, Andrews conclui que nele há, pelo menos, três percepções de paisagem, ligadas à

memória de diferentes idades. Assim, a experiência na infância significa a paisagem a partir da

recreação; na adolescência, a significação é estética; enquanto na fase madura, vê-se a paisagem

através de uma espiritualidade racionalizante23. Essas três instâncias da experimentação da

paisagem não são progressivas, no sentido de que a última é suprimida pela imediatamente

seguinte. Antes, a relação é de co-existência no tempo interior. Assim, um adulto pode sentir a

paisagem em termos recreativos. Assim, discorrendo sobre uma fotografia de Ansel Adams, à luz

de um comentário do próprio fotógrafo norte-americano, Andrews afirma que a experiência dele é

um exemplo da simultaneidade em todas as instâncias. Portanto, o que aparece como diacrônico

em Wordsworth, surge como sincrônico em Adams24.

Quando Andrews fala da paisagem como “artifício” antes mesmo de ser arte, é porque o

olhar, que enquadra, seleciona, edita, interpreta, se dá numa conversão mental que está

perpassada, como num feixe de sentidos, significações, afetividades, memórias, pela história de

nossa relação com o ambiente e a tradição visual das representações de paisagem. As obras dessa

tradição, os produtos artísticos, não são produtos finais, determinados pelos feixes nos quais se dá

a percepção. Tampouco é o fator inicial, como causalidade, do mesmo processo perceptivo. Pode-

se dizer que elas se dão no interregno que vai de uma polaridade a outra25.

Esboçados esses aspectos, é pertinente tecer alguns comentários, apontando limitações

nesses saberes, a fim de construir sínteses que fundamentem nossas posições neste trabalho.

Sobre a abordagem espacial da paisagem, gostaria de refletir a partir de três pontos.

Primeiramente, o espaço é tanto uma realidade exterior quanto uma representação. E por

representação não concebemos um falseamento do real, tal como alguns autores quando falam em

ideologia. A representação é a construção de uma visão de mundo. O conceito de ideologia é

etnocêntrico, pois enxerga na visão de mundo de outros grupos a supressão da verdade, sendo

essa construída por uma meta-narrativa que se impõe às demais. Tampouco são as representações

produtos determinados pela estrutura. A cultura não é um apêndice dos fatores econômicos.

Falando sobre o ambiente urbano, Kevin Lynch afirma: “Cada cidadão tem vastas

associações com alguma parte de sua cidade e a imagem de cada um está impregnada de

lembranças e significações.”26 Não faz sentido falar que a imagem mental que um indivíduo tem

da cidade é mais verdadeira do que a de um outro, por ser “mais” ou “menos” fiel à realidade.

Daí, passo ao segundo ponto: o espaço não é sítio, mas lugar. Ao contrário do que

Milton Santos concebe por lugar27, pensamos que esse é construído na atribuição de significados

dados a um sítio. E por sítio, quero dizer um ponto localizável geometricamente na crosta da

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Terra. O lugar é o espaço povoado por afetividade, habitado por intimidades, no qual moram

desejos, medos e sonhos. Todos já devem ter experimentado a sensação de estranhamento quando,

adultos, retorna-se a lugares vividos na infância. O espaço parece ter diminuído. Não.

Decididamente, o espaço é que deveria ter sido maior. Essa confusão se dá pelas dimensões do

espaço na relação com as dimensões do observador. Quando criança é-se pequeno e os lugares são

muito mais vastos. Porém, a palavra “vasto” contém significados que extrapolam as noções

geométricas e lógicas do espaço. A vastidão é uma espacialidade interior que só o devaneio pode

compreender28. Pois,

“[...] Bachelard não fala do espaço apenas diurnamente, enquanto categoria física e matemática,

espaço neutro, impessoal; resgata, no nível do imaginário poético e filosófico, o espaço enquanto lugar:

situado, singular, povoado por lembranças pessoais, sítio de experiências colorido por emoções datadas.

Esse espaço, que se desdobra e singulariza em casa, concha, ninho, cofre, gaveta..., é cenário da vida do

corpo, morada de afetos, fonte de poiesis artística ou filosófica, fundamento da natureza enquanto

paisagem.”29

O devaneio, por fim, conduz ao terceiro ponto: a imagem. Essa não é reflexo; nem é

mimese. É criação. Ao recuar no tempo, através da aventura das palavras, encontro o vocábulo

grego que expressa o que se chama de imagem: Eidolon (ídolo, espectro). Esse era pensado como

uma membrana, na superfície dos corpos, que se desprendia e, ao encontrar o olhar, possibilitava

a visão. O pensamento platônico é que renegou a imagem à noção unilateral de superficialidade

da Physis, tomando-a como efemeridade das coisas materiais, e privilegiou, pois, o Eidôs

(idéia)30. Quando ele constrói o mito da caverna, convida a filosofia a abandonar as sombras,

esses aspectos desprendidos da verdade, Alethéia, e buscar a luz na Idéia. Toda uma tradição

filosófica se funda concebendo a imagem, pejorativamente, como cópia, perecível e não-

confiável.

Esse pensamento racionalizante não deixa ver a imagem enquanto criação poética.

Longe de separar pensamento e sensação, a imagem poética promove a integração entre elas; faz

um ser tocar o âmago de um outro ser. O cultivo da afetividade é que diferencia os humanos das

máquinas e dos objetos.

Nesse instante, é importante refletir sobre a análise imagética da paisagem. Ao tomar a

experiência da paisagem como processo perceptivo, tem-se tomado como referencial uma teoria

da percepção lastreada em noções lingüísticas.

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A contemporaneidade trouxe consigo toda uma torrente de imagens. Daí a necessidade,

sobretudo a partir de meados dos anos 1960, de mapear esse repertório imagético, culminando

com a instituição de um saber31. E a ciência que forneceu o modelo para essa formalização foi a

lingüística32. Isso trouxe algumas implicações que devo considerar aqui.

Gostaria de destacar que não é possível inserir a imagem numa gramática lingüística. O

uso de expressões como linguagem visual ou texto visual é metafórico. Ao contrário do que

alguns autores pensam33, não se pode “ler” imagens. Há uma relação entre imagem e palavra, mas

uma não se reduz à outra. Falar de imagens é como criar imagens ao falar/escrever, mas não devo

perder da mente a noção de que se trata de dois domínios distintos da criação humana. Essa

relação, que vai do pólo da complementaridade ao do campo de batalha, institui uma

especificidade da imagem. A dificuldade é que, ao falar sobre imagens, “traduzo” os conteúdos

imagéticos em palavras. O risco que corro é o de aplicar categorias, próprias de um saber, a um

universo que é estrangeiro, uma vez que a imagem não é passível de divisão interna em elementos

constitutivos até chegar a unidades de análise. Não se isola um ponto de tinta amarela em Monet

para se estabelecer regras aplicáveis a relações entre outras unidades.

Assim, corre-se o risco de repetir a tradição ocidental de cisão entre o olho do espírito e

o olho do corpo. Aqui, não pelo realismo ou empirismo, mas pelo intelectualismo, construindo

uma determinação a partir de finas teias lingüísticas. Do homo oeconomicus ao homo symbolicus.

A linguagem se dá em meio à materialidade das coisas. Mais ainda: os sujeitos da fala são sujeitos

corpóreos, que se relacionam com e no corpo do mundo, pois em meio às coisas sensíveis, há o

corpo, coisa sensível que pode ser sentida, que sente e que se sente a si mesma sentindo34.

No livro As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, está colocada, em termos literários que

de tão sintéticos parecem pequeninos diamantes dilapidados, a questão epistemológica da

percepção. O autor imagina um diálogo entre Marco Pólo, o mercador veneziano, e Kublai Khan,

o imperador mongol, sobre uma ponte. Ao descrever a ponte, pedra por pedra, o mercador escuta

do imperador a pergunta sobre qual é a pedra que sustenta a ponte. Como eco, escuto os

materialistas procurando pela determinação material da vida. Mas a resposta faz qualquer

tentativa se esvair. O veneziano afirma que a ponte é sustentada pelo arco que as pedras, juntas,

fazem, e não aquela ou esta isoladamente. Há um todo, feito a partir da realidade material, mas

que não se limita a isso apenas, e ganha independência. Então, o Khan diz que as pedras não

interessam e o que importa é o arco. E ouço os neo-tomistas afirmarem que não é da coisa que

vem o significado, mas da palavra, esse duplo, porém de uma outra natureza, virtual. Então, não

deve se perder tempo com o mundo empírico, concluem logicamente. Mas eis que a resposta de

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Marco Pólo é surpreendente: “Sem pedras, o arco não existe”, e põe um fim ao determinismo

simbólico da realidade35.

Leia-se esse trecho:

“Porque cremos que a visão se faz em nós pelo fora, e simultaneamente, se faz de nós para fora,

olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si. Porque estamos certos de que a

visão depende de nós e se origina em nossos olhos, expondo nosso interior ao exterior, falamos em janela

da alma. [...] Porém, porque estamos igualmente certos de que a visão se origina lá nas coisas, delas

depende, nascendo do ‘teatro do mundo’, as janelas da alma são também espelhos do mundo.”36

O olhar é uma janela. Toda janela tem dois lados que se comunicam através dela.

Interior e exterior. Se a paisagem é um olhar, então ela é o encontro da interioridade de quem vê e

a exterioridade do que é visto, em meio à corporeidade sensória. Se para a geografia, a paisagem é

imagem do espaço; e para a história da arte, ela é imagem que contém espaço; e ambas são

definições insuficientes, então a paisagem pode ser tomada como a relação entre o espaço e a

imagem. É o encontro entre elas. É a janela que comunica tais instâncias. Como na tela de René

Margritte, La Condition Humaine37, na qual ele pintou um cavalete, com uma tela pintada, na

frente de uma janela. Pinta-se o que se vê ou se vê o que se pinta? Eis o enigma. Não se sabe ao

certo, pois a “Paisagem é uma cena natural mediada pela cultura. É um espaço tanto representado

quanto apresentado, tanto um significador quanto um significado, tanto uma moldura quanto o

que ela contém, tanto um lugar real quanto um simulacro, tanto uma embalagem quanto o seu

conteúdo”38.

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III

Num livro já clássico, escrito no final dos anos 1950, Kevin Lynch procurou pensar a

cidade, essa construção no corpo do mundo, como imagem.39 No primeiro capítulo, onde estão

apresentados seus pressupostos teóricos, ele colocou a construção da imagem mental do ambiente

na relação entre os processos perceptivos do observador e o próprio ambiente observado. Daí ele

afirmar que “para compreender isso [o ambiente na escala urbana de dimensão, tempo e

complexidade] devemos levar em consideração não apenas a cidade como uma coisa em si, mas a

cidade do modo como a percebem seus habitantes”.40 Partindo dessas imagens individuais, Lynch

chegou às imagens sociais. E com o termo social ele quis dizer aquelas imagens coletivas, de

grupos tais quais reunidos por critérios de idade, gênero, classe, etc. Não preciso, aqui, entrar na

discussão de que as imagens oriundas da percepção individual do observador são também sociais,

uma vez que aquele as elabora de dentro de códigos sociais. Aquelas imagens coletivas ele

identifica como “imagens públicas”, ou “as imagens mentais comuns a vastos contingentes de

habitantes”.41

Essa formulação da cidade enquanto imagem me oferece, segundo Lynch, a noção de

que há uma legibilidade, ou se se quiser, uma imaginabilidade na/da cidade, e que é passível de

apreensão pelo estudioso. Essa legibilidade pode ser distinguida em três elementos, que, embora

formem um todo no momento da percepção, podem ser diferenciados para efeito de estudo. São

eles: identificação, estrutura e significado. Dando o exemplo da porta, numa escala muito menor

que a que toma o tecido urbano, ele situou a questão da percepção do ambiente. Ao ver uma porta,

o observador a identifica como tal, distinguindo-a, enquanto objeto singular, em meio a outros

objetos, de forma a relacioná-los. Ao fazê-lo, ele apreende sua estrutura, ou função, que é a de

passagem, ou o impedimento dessa, de um espaço físico a outro.42 Não é à toa que Lynch traz à

tona esse exemplo, no qual a ênfase recai mais nos elementos de identificação e estrutura,

deixando o significado num segundo plano. Isso porque, em sendo ele um urbanista, seu objetivo

é estudar a imagem da cidade para dispor de dados a fim de elaborar um projeto de design urbano.

Eis porque a imagem mental que o observador faz do ambiente funciona, para seus objetivos,

como “elo estratégico” para um melhor conhecimento das formas de “navegação/orientação” no

espaço urbano.43

É neste ponto, precisamente, que as nossas trilhas se bifurcam. Enquanto a preocupação

de Lynch é a de melhorar a orientação no espaço, através de projetos urbanísticos, a minha, aqui

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neste trabalho, segue outro caminho... O de estudar, historicamente, as significações e os sentidos

conferidos ao ambiente urbano, num dado momento da cidade. A saber: o Recife dos anos 1920.

Porém, dessa diferença de objetos, surge uma outra diferenciação, que, embora pareça

sutil, traz implicações que se tornam crescentemente relevantes. Trata-se do enfoque dado à

questão da percepção. Para Kevin Lynch, o observador é aquele que vê a cidade. E por trás dessa

consideração há uma “fé perceptiva” na existência do mundo.44 Mas o fenômeno perceptivo,

sobretudo no que se relaciona com a visão, carrega uma ambivalência, que a linguagem denuncia.

Seguindo os rastros dos verbos, me deparo com duas ações que, em estando relacionadas, são

diversas: o ver e o olhar.45 Acompanhemos, eu e tu, leitor, essa incursão de Sérgio Cardoso na

aventura do ver/olhar:

“O ver, em geral, conota no vidente uma certa discrição e passividade ou, pelo menos, alguma

reserva. Nele, um olho dócil, quase desatento, parece deslizar sobre as coisas; e as espelha e registra,

reflete e grava. Diríamos mesmo que aí o olho se turva e se embaça, concentrando sua vida na película

lustrosa da superfície, para fazer-se espelho... Como se renunciasse a sua própria espessura e

profundidade para reduzir-se a esta membrana sensível em que o mundo imprime seus relevos. Com o

olhar é diferente. Ele remete, de imediato, à atividade e às virtudes do sujeito, e atesta a cada passo nesta

ação a espessura da sua interioridade. Ele perscruta e investiga, indaga a partir e para além do visto, e

parece originar-se sempre da necessidade de ‘ver de novo’ (ou ver o novo), como intento de ‘olhar bem’.

Por isso é sempre direcionado e atento, tenso e alerta no seu impulso inquiridor... como se irrompesse

sempre da profundidade aquosa e misteriosa do olho para interrogar e iluminar as dobras da paisagem

(mesmo quando ‘vago’ ou ‘ausente’ deixa ainda adivinhar esta atividade, o foco que rastreia uma

paisagem interior) que, freqüentemente, parece representar um mero ponto de apoio de sua própria

reflexão.”46

O título desse artigo é bastante emblemático, pois que remete à figura do viajante. Esse

é o estrangeiro; o que se põe a andar por lugares que são outros. Essa sua relação com as paragens

visitadas o coloca como estranho aos códigos que possibilitam os marcos colonizarem a

invisibilidade da paisagem. “O viajante – aquele que persegue, como se estivesse caçando

borboletas, os sons dos lugares – é a figura emblemática desse paisagismo urbano”.47 É munido

dessa idéia que Italo Calvino monta seu livro As Cidades Invisíveis. O que aqui aparece é a noção

mesma do viajante como portador desse olhar que desvenda e se sensibiliza com as

invisibilidades. Mesmo quando os outros já foram capturados nas armadilhas do cotidiano.

Repetição de tarefas, de itinerários, de vistas, que leva o transeunte a se acostumar com a

realidade que se lhe imprime na retina.

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Mas esse arquétipo do viajante, como sujeito de um olhar revelador, já encontramos

antes mesmo de Calvino. Trata-se de um personagem que aparece em vários textos de Walter

Benjamim: o flaneur.48

Esse, que é capaz de se distanciar do cotidiano, como estrangeiro/viajante em meio à

própria cidade, para poder perscrutá-lo, é tanto em Calvino quanto em Benjamin o que opera a

junção de duas instâncias do olhar: a experiência e sua própria narratividade. Pois, o olhar pode

ser tomado como o ver que ganhou uma moldura, um formato, através do qual se interpreta o que

é visto. Num artigo elaborado por membros do Núcleo de Pesquisa em Comunicação,Tecnologia

e Estudos Culturais, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE, tem-se

objetivado essa questão. Nele, diz-se:

“A vivência da cidade é cada vez mais fortemente representativa, negociada através de narrações,

mas ela é, ao mesmo tempo, conformada (confirmada ou negada) pela experiência física direta. [...] A

experiência urbana, essa trajetória pela cidade, vai ser sempre atravessada pelas narrativas. Assim como as

narrativas vão sendo atravessadas pela experiência. Mais interessante para nós é justamente estar nesse

espaço intersticial experiência-narrativa, nesse ‘entrelugar’.”49

O flaneur é justamente o sujeito que se coloca nesse “entrelugar”, e percebe a cidade

enquanto legibilidade. E o faz através da experiência. Porém, aqui, este ponto me coloca diante de

duas situações. A primeira gravita em torno de como se dá a significação, em meio a essa relação

experiência/representação; enquanto a segunda me remete à necessidade de apreender esse sujeito

do olhar em sua especificidade histórica.

A cidade, sobretudo na modernidade, aparece como fonte de estímulos os mais variados

para o sujeito que a percebe em meio à experiência urbana. A simultaneidade dos eventos e a

fragmentação de uma forma anterior de experiência colocam a questão da percepção em novos

termos. O efêmero e o evanescente transformaram a apreensão do corpo do mundo, criando uma

forma fugaz de vivência. Alguns críticos, entre eles Benjamin, se propuseram pensar esse novo

processo perceptivo que emergia.50 Eles chamaram a atenção para o que veio a ser nomeado como

“instante”. Só tal conceito daria conta de uma realidade cada vez mais apreendida em termos de

intensidade e suas implicações de seqüência. A percepção dos corpos em movimento operou um

esvaziamento da presença estável e cindiu a percepção em dois campos: a sensação, que foi capaz

de aglutinar o presente, mesmo que em sua fugacidade; e a cognição, reconhecimento posterior à

vivência do momentâneo. Para esses críticos de inícios do séc. 20, a “cognição do instante e a sua

sensação nunca podem habitar o mesmo instante.”51 Daí porque Benjamin afirmar que “uma

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imagem é a dialética imobilizada num instante”.52 O vivido deveria ser sentido, enquanto

ocorrência, para assegurar a presença. Já a cognição viria, no instante seguinte, atribuir um

significado àquilo que foi sentido. A experiência, assim posta, está intimamente ligada à própria

representação que faz de si mesma. Se o vivido, para Benjamin, reside na fluidez da dialética, a

percepção (cognitiva) ocupa o lugar da produção de uma imagem. E essa imagem, num primeiro

momento, é mental; e poderá se transformar em imagem fixada em outros suportes: a película, no

caso do cinema; o papel no qual se imprime a gravação luminosa da fotografia; a tela da pintura; e

mesmo o papel no qual se escreve.

Mas a imagem assim (re)produzida em outros suportes está longe de ser algo

imobilizado. Parafraseando Paul Ricoeur, posso afirmá-la como a interceptação de uma

percepção.53 Se reconheço a “anterioridade psicológica e sociológica” da percepção é para

salientar a mudança que a imagem produzida opera na relação entre os sujeitos a partir de um

novo objeto. Não se trata de saber se a representação que o cinema, por exemplo, faz da cidade

corresponde ou não com a realidade. Não é uma questão de verdade, em termos absolutos. No

artigo de Ismail Xavier, lê-se: “Não discuto a existência das figuras dadas ao olhar. Pergunto pela

significação do que é dado a ver, numa interrogação cuja resposta mobiliza dois referenciais: o da

foto (enquadre e moldura), que define um campo visível e seus limites, e o do observador, que

define um campo de questões e seu estatuto, seu lugar na experiência individual e coletiva.”54

A questão está posta em termos de produção e recepção de imagens. E a experiência, a

percepção, não é nem causa dessa cadeia, nem tampouco é resultado, produto. Mas antes está nos

interstícios dessa polarização. A percepção do ambiente em meio à experiência urbana e a

leitura/interpretação de uma imagem são processos distintos. Mas se apóiam mutuamente. Assim,

a produção de imagens se alimenta da percepção experienciada e também a alimenta, de forma

que ao decodificar uma imagem fixada, o sujeito do olhar se serve de um repertório que inclui

outras imagens fixadas (e seus respectivos códigos). E o ciclo reinicia-se. Uma vez “recebidas”,

essas imagens serão incluídas no quadro referencial com que o sujeito experienciaria o mundo-

objeto; dotando-o novamente de significados e produzindo mais uma imagem, que poderá ser

fixada num suporte e, assim, permanecerá no ar, “fora” do mundo, a espera de que outro sujeito

efetue a referência, ao emprestar ambiência.55

A segunda questão passa por situar historicamente o flaneur. É Beatriz Sarlo que aponta

os abusos para com o pensamento benjaminiano desde que os “estudos culturais” passaram a

enfocar a cidade.56 Esse movimento, que ela chama de modismo acadêmico, e que se iniciou nos

anos 1980, terminou por gerar certos exageros. A flanerie foi quase transformada em experiência

universal, desde que emergiu enquanto prática cultural da modernidade. O que Sarlo nos lembra é

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que, para Benjamin, a flanerie foi própria da Paris que viu os processos de industrialização e

urbanização mudarem o aspecto da cidade.57 Nesse sentido, ela é uma prática historicamente

localizada. Não que isso fosse um fenômeno apenas parisiense, mas daí a transpô-lo para outras

realidades...

Aqui, então, trata-se de procurar esse flaneur do Recife dos 1920. E isso implica em

desvendar de que formas, próprias e singulares, se construíram os olhares sobre a cidade do

Recife. De certo modo não era o olhar parisiense, embora esse possa ter se difundido a ponto da

elite local tomá-lo como referência. É o próprio Gilberto Freyre que, alfinetando essa elite com

ares europeizados, afirma que os “devotos das árvores”, tal qual se encontra numa Escócia ou

numa Suíça, passariam por snobs no Brasil. Isso porque, segundo Freyre, somos um povo cuja

fome de beleza é pouca, uma vez que herdamos dos lusitanos a praticidade.58 Há uma certa razão

na crítica que ele faz a esses costumes pretensamente europeus; mas, por outro lado, tal

argumento termina por engessar a experiência num molde, tal como os autores da época ao pensar

a identidade nacional como caráter, ou mesmo de dentro desse “nós” generalizante. Então, se os

indivíduos do período não tinham esse olhar à francesa, ou à inglesa, quais eram os seus próprios?

José Lins do Rego, em seu romance O Moleque Ricardo, traça um painel do Recife dos

anos 1920, à medida que vai contando a história de um rapaz que deixa a vida de engenho e foge

para a cidade grande. Esse texto, embora escrito posteriormente, nos anos 1930, é baseado nas

lembranças do tempo em que ele próprio, Zé Lins, viveu e estudou no Recife. Nessa evocação do

passado, ele remonta o cotidiano dos habitantes da cidade. Tomemos dois trechos do livro. O

primeiro é uma cena em que Ricardo vai até a rua do Cisco, na beira do mangue, onde morava

Odete, sua noiva. Leia-se: “A lua vagava pelo céu da rua do Cisco bem longe do fedor do

curtume, espelhando-se no mangue silencioso. Ali não cantavam sapos como nas lagoas do Santa

Rosa, a água era imunda e serena. Os namorados na verdade não queriam ver a lua e nem o

mangue. Precisavam eles de amor. Queriam lá ver a lua e o mangue?”59 A cena é descrita através

do contraponto entre a beleza da lua e a imundície do mangue, mas o casal não olhou nem uma

nem outra. Esse é um olhar que pede contemplação, mas tal não era o interesse deles, pelo menos

naquele momento. Porém, o narrador olha a lua, até para poder mostrar o não-olhar dos

personagens. E, nessa onipresença, o narrador fez ver ao leitor o luar sobre o mangue. Já num

segundo trecho, especificamente quando Ricardo é escoltado, junto com os cinqüenta homens do

sobrado (em alusão à casa que os grevistas usaram para resistir até a polícia cercar o local), o

narrador nos mostra o personagem numa relação mais íntima com o ambiente da cidade: “Eles

vinham pela rua da Aurora. Por ali Ricardo passara com o Paz e Amor, com Odete, com seu

Abílio, com o seu clube que se botava festivo com o carnaval. Muitas vezes ele vira aquele

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Capibaribe com a lua boiando nas suas águas. Muitas vezes estrelas do céu deixavam as suas

marcas naquelas águas.”60

Quando o narrador nos fala que Ricardo muitas vezes vira o rio, ao luar, já não sabemos

se em cada vez que o vira ele o teria olhado, o que implica uma sensibilização e mesmo uma

tomada de consciência do ambiente. Ou então, ele apenas vira o rio, de forma cotidiana, e naquele

momento, o de se saber preso-indo-para-não-se-sabe-pra-onde, ele tomara consciência da

importância do lugar para ele e, pela primeira vez, olhou a cena da cidade estrelada em meio ao

rio.

Procurar a imagem da cidade no reflexo dos olhos dos que a observam: eis o desafio de

um historiador que pretende estudar a imagem da cidade a partir da experiência urbana. Eis o que

significa aquela paráfrase a Barthes. Não vemos uma ponte em A Filha do Advogado, mas a ponte

tal qual ela foi olhada. Porém, esse olhar não é corriqueiro. Não é sempre que se olha a cidade.

Nem são todos os que o fazem. Há de se procurar, nos registros históricos, as marcas desse olhar,

que o observador deixou, ao fixá-lo em imagens.

Para que esse olhar surja em meio à experiência, muitas vezes é preciso estar à toa e se

deixar levar pelas impressões, até que algo o desperte. Na revista A Pilheria, encontrei um

testemunho dessa relação entre o olhar a cidade e o estado de espírito. Linhas poéticas em forma

de prosa deixam entrever a relação entre paisagem e solidão. Talvez estando só, a procura de uma

satisfação que não vêm é que o olhar se dá conta desse mundo exterior. E esse mundo termina por

se tornar uma metáfora do próprio olhar que o vê. Demos voz a esse solitário, que, numa noite,

perambulou pelas ruas:

“Anoiteceu sobre a tristeza da terra. Estou só. O meu quarto exíguo não contém entre suas paredes

brancas o pássaro irrequieto e dourado do meu pensamento e do meu sonho.

Morro de tédio neste ambiente. O tédio moderno é um vampiro imundo, bebendo a alegria da

gente, a boa alegria das manhãs de aleluia e das tardes de seda.

Estas espessuras muito alvas doem-me à vista como se me fizessem cócegas dentro dos olhos...

Desço à rua. Que noite linda! O céu picado de vidrilho sonha sob o êxtase da noite povoada de

lendas e visões como o último momento emocional de um Ossiau...

O Capibaribe é uma esteira furta-cor, mordida de luz como um óleo luminoso e ondeante... É o

quadro da cidade na moldura singular dos meus nervos retesados e abalados... É como sinto-a adormecida,

a cidade nereida, sob a paz da noite que se povoa de sombras através do cristal dos meus nervos...

Lá em cima, a vida me era um grande mal, um irrequieto mal, tédio, spleen, cansaço... enfim,

saudade depois do sonho, depois dos beijos, da ausência dos seus olhos... Ela! Ela!

Preciso de sensação! O espírito, a essência da vida, a energia da substância, é a sensação. A minha

psique reflete a vida exterior alucinadamente. É a sensação a vertigem dos meus sonhos...”61

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37

IV

A cidade moderna é um ambiente que se abre para o olhar com uma intensidade nunca

antes ocorrida. A modernidade, segundo Marshall Berman, pode ser compreendida enquanto um

modus vivendi, uma experiência vital “de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das

possibilidades e perigos da vida”.62 Aventura e rotina. A modernidade é a tragédia do

desenvolvimento, que permitiu deslumbrar incríveis horizontes ao mesmo tempo em que criou

uma força que desmancha tudo que é sólido no ar.

Paris viu essas transformações de um modo mais típico. Embora em outras capitais,

sobretudo Londres, esse processo também foi vivido de forma decisiva. Basta, para se ter uma

idéia, lembrar a construção do Crystal Palace, de Paxton, e toda a inovação que a tecnologia de

construção dispôs ao usar o ferro e o vidro.63 No entanto, Paris foi um exemplo mais recorrente

entre as elites recifenses de 1920. Não só pelas mudanças econômicas, mas por todo um conjunto

de práticas culturais que a transformou num pólo irradiador desse novo modus vivendi.

Haussmann demoliu o “lacre medieval” da cidade e erigiu-a enquanto espaço moderno, abrindo-a

através do boulevard, essa via fluidora da sociedade, em todas as potencialidades humanas. A

avenida não foi apenas a passagem do capital; foi também o cenário desses novos tempos, com

toda a ambivalência da modernidade, desde a grandiosidade barroca aliada às normatizações da

Cidadela, até o caos e o aleatório em jogo. Pois, ao abrir a cidade, a avenida mostrou-a em todas

as suas facetas.

O fundamental aqui é sublinhar essa transformação da cidade em meio à modernidade.

A cidade se torna mais visível, bem como os seus habitantes. O que antes estava isolado por um

traçado confuso de ruas estreitas a partir de então ganhou visibilidade enquanto cenário urbano.

Assim é que Baudelaire atentou para o encontro do moço burguês e sua fiancée, sentados a uma

mesinha de um café, e os pobres que, esfarrapados, olhavam do boulevard boquiabertos para a

beleza ofuscante dos espelhos, dos cristais e dos ornamentos do edifício, sem perceberem o

constrangimento que causaram involuntariamente ao casal.64

Esse desenvolvimento da modernidade se ancorou no que Sevcenko chamou de

Revolução Científico-Tecnológica. A cidade moderna foi povoada, então, pelas invenções

técnicas, que não só mudaram o espaço urbano, mas invadiram o cotidiano. Raymond Loewy, um

dos pioneiros do design industrial, dá um testemunho: “Estando com apenas quatorze anos, em

Paris, onde nasci, eu já tinha visto o surgimento do telefone, do aeroplano, do automóvel, da

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eletricidade doméstica, do fonógrafo, do cinema, do rádio, dos elevadores, dos refrigeradores, do

raio-x, da radioatividade e, ademais, da moderna anestesia.”65

Essas invenções também chegaram ao Recife e geraram novas formas de sociabilidade,

dando à época um aspecto próprio, com a multidão se aglomerando no Cais da Praça Rio Branco,

para ver a chegada de hidroaviões; as janelas se abrindo para as meninas verem a passagem do

automóvel, transformado em artigo de sedução e conquista amorosa; o cinema, que virou

obsessão da cidade; o foot-ball e a elegância das melindrosas na arquibancada.66 É através dos

jornais e revistas da época que se pode fazer uma crônica dos costumes. Assim, percebem-se as

modernizações, ainda que tímidas, na relação homem-mulher, mostrando a conquista de alguns

territórios sociais por parte das mulheres. Livres do figurino antigo, das cintas e espartilhos, e

agora em um novo, condizente com a imagem hollywoodiana em exibição nos cines, como os

vestidos leves e soltos, importados ou reproduzidos pelas casas de costura, que povoam os jornais

com anúncios publicitários, as mulheres saíam, à tarde, para tomar chá na rua Nova, a olhar

vitrines: o footing. E em meio a toda essa excitação de estar na cidade, ampliava-se a abrangência

do olhar, que, inclusive, possibilitava o flirting.

No entanto, as novidades da cidade moderna não são apenas sedução e fascínio. Daí a

expressão “(des)encantos”, no livro de Antonio Paulo. Se por um lado, todas essas maravilhas

modernas traziam consigo a mágica das epifanias; também sobrecarregaram a cidade de novos

objetos, novos signos. Num artigo sobre modernidade e hiperestímulo, Ben Singer destaca que:

“A modernidade implicou um mundo fenomenal – especificamente urbano – que era

marcadamente mais rápido, caótico, fragmentado e desorientador do que as fases anteriores da cultura

humana. Em meio à turbulência sem precedentes de tráfego, barulho, painéis, sinais de trânsito, multidões

que se acotovelam, vitrines e anúncios da cidade grande, o indivíduo defrontou-se com uma nova

intensidade de estimulação sensorial. A metrópole sujeitou o indivíduo a um bombardeio de impressões,

choques e sobressalto.”67

Esse aumento de estímulos levou o indivíduo a estar mais atento na cidade. Andar pelas

ruas é tanto uma aventura quanto um perigo. Há de se desviar dos autos, procurar não esbarrar

com outra pessoa na calçada. Daí Sevcenko falar no “passo inglês” ou o “andar à americana”.68

Trata-se de uma atitude de interiorização da atenção em meio ao tráfego urbano. Esses estímulos

eram também vividos através das imagens que a cidade fazia de si mesma, multiplicando-a. Até

no bonde, a caminho de casa, o sujeito não tinha trégua: lá estavam os anúncios publicitários.

Invasão ao olhar. Na própria revista A Pilheria, encontrei menção a tal situação. Num curioso

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artigo, o escritor criticou essa disseminação indiscriminada de cartazes e anúncios. Segundo ele,

há uma profusão dessas imagens nas ruas, nas casas de comércio, nos bondes, etc.69

Foi a partir dessa profusão de estímulos que a vida moderna inaugurou, que um crítico

como Georg Simmel escreveu, no início do séc. 20:

“O rápido agrupamento de imagens em mudança, a descontinuidade acentuada ao alcance de um

simples olhar e a imprevisibilidade de impressões impetuosas: essas são as condições psicológicas criadas

pela metrópole. A cada cruzar de rua, com o ritmo e a multiplicidade da vida econômica, ocupacional e

social, a cidade cria um contraste profundo com a cidade pequena e a vida rural em relação aos

fundamentos sensoriais da vida psíquica.”70

Todos os elementos elencados acima apontam para uma experiência fortemente marcada

por uma consciência da simultaneidade do que é apreendido. Como se a cidade ganhasse vida

própria. O observador podia passar um dia inteiro olhando-a e, no entanto, há sempre algo

acontecendo. Essa simultaneidade está relacionada com a fragmentação do vivido. O ritmo já não

é mais da contemplação, de um olhar que vagueia com tempo de sobra. Agora são flashes,

instantâneos. O repertório de imagens mentais com que se apreende o ambiente parece já não dar

mais conta da experiência em meio a essa nova vida. Eis porque Leo Charney afirma que “a

cultura moderna foi ‘cinematográfica’ antes do cinema”.71 Se atento para a expressão de Simmel,

“imagens em mudança”, concluiremos que há aí duas características que a cidade moderna

inaugura, ou antes, leva a uma intensidade tal que passa a chamar a atenção: a imagem e o

movimento. A cidade é alvo do olhar na medida mesma em que aparece enquanto lugar no qual

muitas pessoas e máquinas se movimentam. O que Charney sugere é que esses dois elementos não

apenas co-existiram, mas se imbricaram. O olhar se movimenta para apreender o deslocamento

dos corpos do/no mundo. Daí porque ele pensa o cinema como a grande invenção talismânica da

modernidade, pois culmina essa forma de experiência, ou essa sensibilidade, sendo imagem que

consegue transcender essa própria percepção. E com isso ele quer dizer que o cinema nasceu

dessa fragmentação das imagens que se movem (moving pictures), sintetizando-a; mas também

foi capaz de lhe atribuir um sentido, construindo uma leitura desse caos. Em uma palavra:

representando.72 Para ele, o surgimento de uma cultura urbana metropolitana, ligada ao

entretenimento de massa, apoiada pelo aparecimento de novas técnicas, estéticas, mídias

(fotografia, cinema, gravuras, anúncios, cartazes, etc.), centralizou a experiência da vida moderna

no movimento e na corporeidade e diminuiu (ou mesmo suprimiu) a linha que distinguia a

realidade das suas próprias representações.

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No entanto, Charney coloca o surgimento do cinema como algo “inevitável e

redundante”.73 Neste ponto, penso um pouco diferente. Se concordasse com essa última idéia,

estaria pensando a história como uma grande teleologia. Creio que esse ambiente moderno,

propiciador dessa nova sensibilidade, atenta para a cidade enquanto imagem e movimento,

possibilitou a emergência do aparato cinematográfico e sua imagem. Como também permitiu o

aparecimento de outras formas de produção de imagens. Agora, se dessas, o cinema foi a imagem

que teve uma maior disseminação e chegou a se constituir numa prática social que atraía tanto as

elites quanto as camadas populares, então está-se diante de uma outra questão, que não cabe aqui

discutir. O que nos interessa, nesse trabalho, é a idéia de que, na vida moderna, o surgimento

conjunto de técnicas e estéticas, como o cinema, possibilitou a ampliação de um quadro de

referências com as quais os indivíduos leram o ambiente urbano.

V

Há algo que me inquieta quando leio autores que, ao tratar um tema afim, usam o termo

paisagem de uma forma pouco desleixada. Ou, melhor expressando, de uma forma anacrônica,

que impõe uma concepção atual ao emprego do vocábulo por parte de um sujeito situado em outro

momento histórico. Há esse livro de Wolfgang Schivelbusch, que nos anos 1980 praticou uma

história cultural marcadamente benjaminiana, estudando as transformações industriais de tempo e

espaço, durante o séc.19, possibilitadas pela ferrovia. Ainda no prefácio, assinado por Alan

Trachtenberg, lê-se:

“Desde que apareceu, a máquina se mostrou contínua no seu crescente domínio sobre a paisagem –

de forma que ‘venceu as milhas’, na expressão de Emily Dickinson – e em pouco mais de uma geração

introduziu um novo sistema de comportamento: não apenas de viagem e comunicação, mas de

pensamento, de sentimento, de expectativa.”74

Quando Trachtenberg afirma o crescente domínio da máquina (entendida aqui como

todo o equipamento ligado à ferrovia, como a locomotiva, os postes telegráficos, os trilhos, etc.)

sobre a paisagem, ele está considerando essa última como o espaço no qual a locomotiva se

desloca. Ele assim o faz para apresentar o pensamento contido nas páginas do livro de

Schivelbusch. A idéia central de seu livro é de que a ferrovia criou um sistema virtual de

organização de espaço-tempo que rearticula o mundo empírico.75 Destaco a questão do espaço por

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ser mais pertinente aqui. A ferrovia operou essa nova organização espacial através de critérios

técnicos. As localidades passam a ser pontos ao longo da linha férrea. Isso monta o espaço em

teias radiais, cujo centro e pólo irradiador é a capital. Além do que, a ferrovia “encurta” distâncias

e suprime as localidades que se situam durante o percurso. A viagem se dá entre o ponto de

partida e o de chegada. O que o autor coloca é que esse processo operou uma mudança na própria

atividade perceptiva do observador, agora tido como passageiro. Segundo as palavras de

Trachtenberg, ainda no prefácio, essa nova sensibilidade se dá em relação a diversas instâncias do

social: são novas experiências de si, do outro, do tempo, do espaço, e da paisagem, que, agora, é

percebida como panorama que passa suavemente.76

No próprio texto de Schivelbusch há uma interessante passagem sobre esse aspecto. A

mediação do aparato ferroviário (especificamente os postes e fios do telégrafo, que acompanham a

linha férrea) entre o viajante e o mundo exterior faz o movimento ganhar visibilidade, sugerindo

ao observador que a paisagem passe por ele, o qual remonta sua percepção enquanto panorama.

Assim, o aparelho telegráfico funciona como moldura fixa para uma paisagem móvel.77 Ora, a

própria janela é a moldura e o poste termina por tornar-se, em sendo mais próximo, um objeto

visível. Ao contrário dos objetos ao fundo, na distância, que são esvaziados de profundidade em

função da velocidade.78 Sobre essas transformações que a ferrovia operou na percepção do

espaço, há um trecho que sintetiza bem as idéias de Schivelbusch. Trata-se de um texto de uma

autora norte-americana, chamada Lynne Kirby. Nele, ela afirma:

“A velocidade da viagem de trem criou um encolhimento temporal e espacial e uma desorientação

perceptual que tirou o passageiro do tradicional continuum espaço-temporal e impulsionou-o num novo

mundo de velocidade e diminuindo os intervalos entre os pontos geográficos. Movendo-se bruscamente

no espaço, de dentro do corpo do trem (concebido como um projétil), como se tivesse sido atirado através

da paisagem, o passageiro experiencia a perda do plano de fundo e dessa forma, a homogeneidade do

espaço entre o passageiro e a vista do lado de fora da janela. Isso foi sentido como a perda da percepção

de profundidade, e a perda da aura, no sentido benjaminiano de que a distância dá às coisas uma

unicidade. Sua vista mediada pela moldura da janela, a percepção visual multiplica-se e forma uma

percepção móvel, panorâmica, em contraste a uma percepção tradicional, que não mais pertence ao

mesmo espaço dos objetos percebidos; o passageiro vê os objetos, as paisagens, etc., através do aparato

que se move no mundo.”79

Ao mesmo tempo em que essa industrialização do espaço-tempo corroeu uma percepção

antiga, aos poucos, segundo Schivelbusch, propiciou uma nova. Leia-se:

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“Não se trata de uma paisagem pitoresca destruída pela ferrovia; ao contrário, é uma paisagem

intrinsecamente monótona transformada em perspectiva esteticamente prazerosa pela ferrovia. Essa criou

uma nova paisagem. A velocidade que atomizou os objetos da percepção de Ruskin e, dessa forma,

privou-os de seu valor contemplativo, se tornou um estímulo para a nova percepção. Foi a velocidade que

tornou atraentes os objetos do mundo visível.”80

Ora, o que no início deste tópico eu colocava era particularmente o emprego do termo

paisagem nesses textos. O que chama a atenção é o descompasso de conceituação entre o autor,

contemporâneo, e os autores do séc. 19 que ele cita ao longo do trabalho. Aliás, o bom manuseio

das fontes (relatos de viagens, crônicas, cartas, etc.), não impede essa discrepância. Vejam-se

alguns testemunhos do período em questão. Nos Journals, de 1843, Emerson escreve: “É como

um sonho viajar na ferrovia. As cidades por onde passo / entre Filadélfia e Nova Iorque fazem

nenhuma distinta / impressão. São como pinturas numa parede. No mais / você pode ler, durante

todo o trajeto no carro, uma novela francesa”81 Na construção textual que Emerson faz, as cidades

que passam durante a viagem são descritas como quadros numa parede. Ele sugere a idéia de

imagens fixas observadas seqüencialmente. É a isso que Schivelbusch chama de panorama e

atribui a uma nova percepção de paisagem. É partindo desse ponto, por exemplo, que Leo

Charney, em seu livro já mencionado, sugere a emergência, nessa nova percepção, do conceito

cinematográfico do instante. Mas essa percepção só está plenamente representada na imagem

cinematográfica que é projetada na telona. Aí se cria a ilusão de uma imagem contínua em

movimento. O olhar de Emerson ainda não opera esse movimento das coisas no mundo, nem o

movimento do próprio mundo. Ele, ao contrário, fixa o olhar tal como um quadro. Como ele está

num aparato que se move, ele vai seqüencialmente registrando esses olhares fixos.

Um outro autor citado por Schivelbusch é Mallarmé. Este, ao falar dos parisienses que,

no inverno, migraram para o sul, descreve-os como “calmos, absorvidos, prestando nenhuma

atenção às paisagens invisíveis da viagem. Deixar Paris e ir para onde o céu é limpo, esse é o seu

desejo”82 O poeta colocou a questão através de uma deliciosa ambivalência. Já não sei se as

paisagens são invisíveis por conta de seu aspecto de inverno, ou se as são porque os parisienses

não as olham. Mas eles não as olham precisamente por seu aspecto de inverno. Porém, o que aqui

me é caro é o uso do termo no plural. Se a ferrovia, ao operar a transformação da percepção do

espaço, mudou a relação com a paisagem, através de uma imagem em movimento que passou a

percebê-la como um continuum, porque o poeta não usou a palavra no singular? Creio que sua

concepção está mais próxima da de Emerson, embora o que esse chamou de quadros, aquele já

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nomeara como paisagens. O que seria apenas, na lógica de seu uso, especificar o gênero de

pintura.

Mesmo quando Schivelbusch cita Benjamin Gastineau, cujos ensaios jornalísticos sobre

viagens foram coletados em 1861, na forma do livro La Vie en Chemin de Fer, há esse

descompasso entre as acepções de hoje e as do séc. 19. Schivelbusch afirma, de acordo com

Gastineau, que o movimento do trem foi apreendido como o movimento da própria paisagem. Eis

a análise de Schivelbush.83 No entanto, quando esse usa as palavras de Gastineau (“la philosophie

synthétique du coup d’oleil”), o termo paisagem não aparece para nomear a experiência

perceptiva. O próprio Schivelbusch se contradiz quando cita Erwin Straus, num trabalho de 1963,

para falar da industrialização da noção de espaço. Isso porque Straus afirma que a ferrovia

possibilitou uma organização e sistematização do território que transformou “o espaço da

paisagem em espaço geográfico”84 Ora, aqui, o geográfico e a paisagem aparecem como

distintos. Se a idéia de geografia está ligada à noção de espaço, e a palavra paisagem vem se

contrapor a ela, então sou levado a pensar que o termo “paisagem”, no séc. 19, guardava uma

relação íntima com a produção de imagens.

Vim até aqui discutindo a questão da paisagem em meio às transformações perceptivas

que a ferrovia operou para procurar saber se essas modificações modernizantes teriam chegado ao

Recife dos anos 1920. Ora, se essa nova percepção não é nomeada enquanto paisagem mesmo em

lugares como a Europa Ocidental e os Estados Unidos, onde a ferrovia se difundiu de uma forma

muito mais abrangente e marcante, quanto mais no Recife? Claro que a viagem de trem não era

uma novidade, mas o que tentei fazer ver, por contraste, é que aqui essa forma de transporte não

era uma prática comum a um vasto contingente de pessoas. As viagens de trem se davam através

de poucas linhas que iam dos portos para o interior; no máximo, de um porto regional para um

local, como no caso de Recife para Maceió. No mais, as viagens mais longas, entre as cidades de

maior importância, eram feitas através da navegação de cabotagem. Havia uma página inteira nos

jornais, e às vezes mais, dedicada só ao movimento desse trânsito. Havia listas de navios que

chegavam e partiam. Em 1924, a reforma do Porto fora concluída, permitindo a atracação direta

dos transatlânticos ao cais. Apesar dessa mudança, que se somava a inúmeras outras no cenário da

cidade, essa ainda era a forma com que se chegava ao Recife, ou vindo do estrangeiro ou de outras

capitais do país. Ver a cidade, boiando, entre as águas, por detrais da formação rochosa que lhe

dava nome, era a primeira imagem do viajante. Só depois ele veria a praça e seus prédios em

arquitetura eclética, no lugar dos sobrados e das gameleiras do antigo cais. Daí a vista que Vianna

teve da cidade, e que ele reproduziu em seu livro85; e também a imagem da Beira-Mar, de noite,

como uma esteira luminosa, tal como no texto do missivista da Revista de Pernambuco86. Embora

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a ferrovia fosse usada, e essa percepção cinética (que Schivelbusch afirma panorâmica e que

Kirby prefere chamar de diorâmica, pois se liga à idéia seqüencial de edição87) estivesse presente,

me pergunto pela inserção dela no imaginário da cidade.

Em O Moleque Ricardo, Zé Lins descreve o Recife tal qual Ricardo o viu, quando

chegou de trem. Leia-se:

“A cidade começava a mostrar os primeiros sinais. Arraial. Viu um bonde amarelo. Era o primeiro

que se apresentava aos seus olhos. Não era tão grande como diziam. ENCRUZILHADA. Casa de gente

pobre pela beira da linha, jaqueiras enormes, mulheres pelas portas das casas. E agora o Recife. Tudo

aquilo já era o Recife que estendia as suas pernas, que crescia, que era o mundo.”88

Aqui parece sugestiva a forma com que o autor constrói o olhar narrativo. O narrador

assume os olhos de Ricardo, para fazer ver ao leitor o choque de estímulos que era chegar à

cidade para alguém vindo do interior. No texto, os períodos são curtos. Parece haver muitas

pausas. Mas é o inverso. O trem avança rápido e a linguagem não acompanha o olho. E mesmo

esse, ainda não está acostumado a perceber tanta coisa ao mesmo tempo. Encruzilhada. No

período seguinte, já se está no Recife. Percebendo as páginas precedentes, a viagem havia durado

duas páginas inteiras, embora seja claro que não existe essa relação direta entre o tempo narrativo

e o tempo vivido pelo personagem. Mas é ao longo da viagem que Ricardo está refletindo.

Enquanto o canavial passa, através de fazendas nunca dantes vistas por ele, Ricardo se lembra dos

seus e sente a saudade a lhe angustiar o peito. Coincidência ou não, o tempo narrativo parece

sugerir, proporcionalmente, o tempo vivido na viagem. Para Ricardo, o Recife é enorme, é

imenso. “[...] os seus olhos não davam para ver tudo, tantas as luzes, os bondes, os

automóveis[...]”89 Para o narrador o Recife é apenas o último parágrafo, em meio a duas páginas

de canavial. Mas o mais sugestivo dessa passagem é que o olhar de Ricardo só é despertado

quando se aproxima a cidade. Durante o trajeto, o olhar como que embaça e, na vagueza, se

transforma em reflexão. O canavial passa e ele só se lembra do irmão pequeno.

Encontro, portanto, no texto de Zé Lins, essa percepção cinética (instantânea talvez

fosse mais adequado) que lê o ambiente urbano. Mas também aqui o vocábulo paisagem não

emerge enquanto parte do léxico relacionado ao campo perceptual.

Sobre paisagens e trens, encontrei em A Pilheria um texto, parte de uma coluna regular

da revista. Leia-se: “Enquanto o trem rodava célere, em torno da paisagem verde, entre serros e

grotas, um poeta manuseava, para matar o tempo, o ‘Conde de Abranhos’, do inolvidável Eça de

Queiroz.”90 Aqui, se trata de saber de que lugar o narrador monta a imagem. Se for do próprio

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trem, então se tem o mundo exterior percebido cineticamente e nomeado como paisagem. Se não,

então o olhar afastou-se para perceber o trem, na distância, como que serpenteando pela paisagem,

elaborada como enquadramento fixo. A expressão “em torno” nos sugere uma certa abrangência

do olhar, que se torna capaz de situar o percurso do trem numa escala maior, incompatível com a

posição interior da cabine. Creio que, das duas hipóteses feitas logo acima, a segunda parece mais

provável, embora o texto apresente poucos elementos. As linhas que se seguem se ocupam das

ações dentro do vagão.

Em outros dois textos d’A Pilheria, encontrei indícios de uma elaboração metafórica da

experiência através dos termos ligados à pintura. O que pode nos fornecer mais elementos para

entender a compreensão que os observadores de então faziam do processo perceptivo. Embora não

haja referências ao local que se descreve, o interessante nesse pequeno trecho é o formato com

que o olhar monta a imagem. Leia-se: “Lá longe onde a vista se esbarra com a linha do horizonte,

em que parecem se misturar o céu e o mar, passam ligeiras e enfunadas umas velas muito brancas

de pescadores ousados. Parece que vejo uma encantadora marinha de Oswald Teixeira...”91 O

termo “marinha”, com a acepção de um tipo, um gênero de pintura, serve de figura de linguagem

para nomear a experiência de perceber o ambiente: o céu e o mar, com as jangadas ao fundo.

Neste outro, a metáfora também se faz presente.E mais ainda. Aqui, há outras pistas

sobre a prática do olhar o mundo exterior.

“Gravatá, cheia de sugestivos aspectos do verde vivo da relva, do verde ora sombrio, ora brilhante

das serras gigantescas, que vivem dormindo eternamente, é uma amável cidade.

A gente sente um bem enorme na alma e tem vontade de precipitar-se beijando o quadro lindo da

festa de Pan.

De longe, ao pé do morro, nasce o rio que vem serpeando num serpejar de salamandra.

O sol no alto do azul puríssimo dos espaços, se estende sobre as árvores dando-lhes tons de ouro e

fazendo sombra na terra fértil, sombra que se projeta no gramado, florida qual levíssima tapeçaria.

No ar delicado que beija o nosso rosto, ainda a melodia alegre dos pássaros. É assim a Natureza

daqui. O melhor bem para o nosso espírito. Salvo quando a invernada cai impiedosa e monótona, cheia de

rajadas violentas e frias e da luz incerta e temível dos relâmpagos. Nestes dias então aborreço-me.” 92

Além da alusão à figura do “quadro”, que opera como moldura para esse olhar sobre a

festa de Pan, a Natureza, há aqui o registro de outro elemento importante. Quando chove, as cores

se esvaem e o aguaceiro impede que o observador saia e contemple a vida natural. Sinal que a

percepção está intimamente ligada ao sentido da visão. A experiência da/na natureza é, sobretudo,

visual. E essa cultura, que eu diria urbana, coloca o contemplador numa relação diferente da que o

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nativo tem com seu ecossistema. Aquilo que traz fartura, fertilizando a terra, para um; é, para o

outro, uma interdição ao exercício do olhar: a chuva.

VI

“A Semana das Árvores foi um evento que ocorreu, no Recife, em novembro de 1924.

Tratou-se de uma iniciativa do Centro Regionalista, instituição (e talvez seja melhor falar em

círculo de intelectuais ou num grupo de estudo) criada para refletir sobre a cidade do Recife,

procurando preservar seus traços tradicionais. Com o apoio da Municipalidade do Recife, e do

Governo Estadual, a “Semana” realizou-se com um caráter pedagógico que marca toda uma

postura da elite enquanto agente do processo civilizatório. Daí as palestras terem sido proferidas

em colégios e escolas da cidade. Com a exceção das palestras do fim de semana, que ocorreram

no Edifício da Polícia, no Derby, por ocasião de sua inauguração, através de outro evento: a

Exposição Geral da Indústria, Comércio e Agricultura do Estado de Pernambuco. A iniciativa de

debater sobre as árvores se inseria num programa que visava ampliar a arborização em meio ao

processo de urbanização do Recife. E isso incluía o envolvimento dos estudantes. Portanto, o

governador Sérgio Loreto foi à Escola Normal plantar uma muda; e alunos daquela instituição

elaboraram um jornalzinho sobre as árvores.93

A palestra de abertura do evento foi proferida por Odilon Nestor, que estava à frente do

Centro Regionalista, e versou sobre as árvores na poesia. A edição dominical seguinte do Diario

de Pernambuco publicou o texto original, que ocupou uma página e meia daquele.94 Nele, o autor

fala que desde longa data as árvores são motivos para os poetas e que a paisagem é um tema não

só para a pintura mas para a poesia. Aqui, emerge, no texto, uma primeira ambigüidade em

relação a como Odilon Nestor usa o termo paisagem. Se penso na produção artística, tal como ele

cita, tanto pictórica quanto literária, então a palavra “paisagem” ganha conotação de um gênero

dentro dessa produção. A paisagem seria então os quadros ou os versos engendrados pelo ato

mesmo da criação artística. Porém, o texto não é evidente (e nem poderia sê-lo). Ao me deixar

conduzir por aquele raciocínio, não atentei para outra dimensão: a paisagem é o referente, o sítio

físico, que se torna tema para essa elaboração subjetiva do pintor/escritor. Ao invés de gênero, ela

é o mundo que permite a criação daquele enquanto um campo da produção artística. Deixo,

porém, a questão no ar, e retorno à leitura da palestra. Mais adiante, no texto, Odilon Nestor

afirma que, apesar do crescimento urbano ter afastado o poeta de uma relação mais próxima com

a natureza, com a vida no campo, tal conhecimento não se extinguiu. Antes se diluiu em todas as

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áreas da experiência humana. Daí em diante, na palestra, o autor passa a examinar, na literatura

contemporânea, uma produção poética que se atém ao tema. Destaca-se a idéia de que não se

pode, ao louvar em versos a natureza, tomar a árvore isoladamente. Antes o poeta deve olhá-las na

sua paisagem de entorno. Outra vez a palavra é utilizada, embora aqui, em outro sentido: o de

lugar das árvores. Em relação àquela primeira questão, o autor pensou a paisagem como algo

exterior ao sujeito. O termo “entorno” situa as árvores num lugar determinado. Mas é

precisamente na forma como o autor constrói seu enunciado que emerge uma segunda

ambigüidade da paisagem. Embora o entorno das árvores seja exterior ao poeta, o que sugere a

crença na independência da existência daquelas, essa só se torna visível quando do olhar que o

artista é capaz de a elas lançar. A paisagem é espaço que se apresenta enquanto imagem.

Percepção e representação.

Referente que se sugere como tema; gênero que se elabora a partir do olhar artístico:

ambigüidade que o texto possibilita. Isto implica um duplo desafio: procurar apreender os códigos

com os quais se concebia a paisagem; e, ao mesmo tempo, perceber as interdições que tais

códigos apresentam. Eis uma hermenêutica das paisagens preocupada com o visível e o invisível;

com o dito e o não-dito.

O primeiro passo nesse propósito é me embrenhar na aventura das palavras. Seguir as

pistas deixadas por elas no texto. Perscrutar as marcas que elas imprimiram nas trilhas da

paisagem. Vejam-se alguns exemplos. Tomei até aqui o termo paisagem como signo que traz

assinaladas/escondidas as marcas de uma significação. Mas há outras pistas. Ao procurar

desvendar a concepção de paisagem em meio à experiência perceptiva, através da produção de

textos e imagens, me deparei com outras palavras, relacionadas com a primeira. Leia-se um trecho

desse artigo, publicado na Revista de Pernambuco. Falando das praias de Pernambuco, o autor

comenta: “De todas elas que são em grande quantidade, Olinda e Boa Viagem foram sempre as

mais procuradas. [...] A segunda, apesar do pitoresco do seu panorama e de maior segurança

contra os acidentes na ocasião do banho, constituiu um privilégio da classe abastada, que supria a

falta de meios de locomoção pelo uso do automóvel.”95 O ambiente é descrito através do emprego

das palavras “pitoresco” e “panorama”. Que vem a ser tais elementos do enunciado? Qual sua

relação com a paisagem? Numa outra matéria, publicada na mesma revista, a idéia de panorama

vem associada a outra palavra. Falando também sobre Boa Viagem, tem-se: “A avenida Beira-

Mar, por exemplo, com seu longo percurso macadamizado, que corre à margem de uma linda

praia pernambucana, veio dar novo rumo à diretriz urbana da capital, e mostrar à população que o

Recife, condenado a ser uma cidade central, já não pode invejar a perspectiva panorâmica que se

vê no recôncavo elegante do Botafogo.”96 Nesse trecho, a idéia de panorama liga-se à de

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perspectiva. Um exame das fontes faz entrever um conjunto de palavras que, aos poucos, foi

formando um léxico que gravitava em torno da idéia de paisagem. Em muitos dos textos, esses

termos apontam para o uso metafórico desses para nomear a experiência. Assim, de palavras

oriundas de práticas de produção de imagens, como a pintura, a fotografia, o cinema, esse léxico

terminou por se interpenetrar num outro, próprio do campo perceptivo. Paisagem, pitoresco,

panorama, perspectiva, vista, fita, são vocábulos usados nessa transversalidade, entre a

representação e o próprio processo perceptivo da experiência.

Eis porque este exercício, o de seguir os rastros das palavras, é bastante difícil. Por

conta da heterogeneidade dos usos dos termos. Ao selecionar textos e imagens nos jornais, nas

revistas, nos romances, deparo-me com uma diversidade de acepções para o termo paisagem. Em

cada uma dessas, um uso correspondente. Uma concepção. É como estar diante de uma miríade de

peças de um grande quebra-cabeça. Como proceder a tudo isso? Se pensar que as peças formam

um todo, pré-existente, corro o risco de cair no desejo de compor um mapa, que se pretende total,

desse bosque enevoado. Mas às peças não corresponde uma imagem prévia; nem tampouco total.

Continuo através da metáfora do bosque. Nas suas Conferências Norton, pela

Universidade de Harvard, Umberto Eco afirma (justificando seus títulos através de uma citação de

Jorge Luis Borges) que o bosque é uma metáfora para qualquer texto narrativo, pois é feito de

caminhos que se bifurcam. Mesmo quando não há trilhas, qualquer um pode criar uma vereda por

entre as árvores.97 Eco se atém à imagem da multiplicidade de trajetos que o bosque sugere e usa-

a como alusão à construção que o leitor faz no próprio processo de leitura. Se o trabalho do autor

é configurar um mundo, através da montagem do texto; o do leitor é reconstruir caminhos e

explorar esse universo. Isso me remete a um duplo processo: seguir as marcas e sinais deixados no

bosque dos registros históricos; e, auto-reflexivamente, procurar compor o presente texto como

um bosque com caminhos diversos. De forma que, ao apresentar uma vereda, possa também

permitir que o leitor vislumbre outras trilhas. A diversidade de acepções que o léxico relacionado

às práticas de paisagem encerra, coloca-nos diante de escolhas. Tentar formar um mapa que

abarque a totalidade das experiências e práticas representacionais ligadas à paisagem é algo que se

mostra uma tarefa muito mais ampla do que este trabalho. Portanto, ao invés de pensá-lo como

um mapa, preferimos tomá-lo como périplo, itinerário, passeio.98

Além do que, tal escolha me permite uma mobilidade maior entre as duas atitudes

polarizadas que Ginzburg chamou de a aridez do racionalismo e os pântanos do irracionalismo.99

Sua preocupação em encontrar uma saída epistemológica foi exatamente a de explicitar o

paradigma indiciário, ancoragem de diversos saberes, mas que, pelo menos ao historiador, se

apresentava disperso. Porém, quando Ginzburg remonta ao saber do detetive para retomar o

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método indicial, ele o faz através da novela policial clássica. Como na lucidez positivista de

Sherlock Holmes. Ele não pensou, entretanto, em outra tradição literária de romance policial... a

da neblina.100 Nessa, paira um certo ar de indeterminação, que estabelece um jogo entre o sujeito e

o objeto do conhecimento. Não que, com isso, queira este trabalho essa atmosfera dissolvida e

dissolvente; mas tomá-la como algo que se faz presente, baralhando os tempos históricos, tanto

o(s) dos sujeitos do período em estudo, quanto o(s) do presente.

Mas, então, porque todo esse longo parêntesis sobre bosques e neblina? Precisamente

porque o conceito de paisagem não é preciso. O que se vê na penumbra embaçada da neblina pode

ser uma árvore ou uma pessoa... E aqui um Holmes poderia contra-argumentar que, embora a

verificação não possa ser auferida, trata-se de uma árvore ou uma pessoa. Mas esse exemplo,

através de um objeto “concreto” é apenas a ponta do iceberg. Mesmo que houvesse a certeza de

que era uma pessoa, isso não diria nada sobre quem era, ou que motivos a levaram ali. O que

estou tentando dizer com essa relativização do saber indicial é que, em sendo a significação da

paisagem o nosso objeto de estudo, não há como determiná-la.

Assim, encontrei textos que relacionam a paisagem à pintura, à fotografia e mesmo ao

cinema. Em outros, emergem usos que a tomam como imagem da memória, ou estado de espírito.

Outros ainda a inscrevem como objetivação de um conceito de espaço. Várias são as

representações de paisagem em meio aos textos e imagens veiculadas pelos jornais e revistas do

Recife dos anos 1920. Como apreender as percepções do ambiente urbano e relacioná-las às

representações que as perpassam e nomeiam? Tentarei elencar as várias emergências da

percepção/representação de paisagens, procurando estabelecer alguns padrões. Mas, esse é apenas

um caminho. Neste processo, estarei sempre esbarrando em pistas inconcludentes; em alguns

momentos, retornando por uma vereda já tomada; e às vezes me emaranhando. Se o périplo

sugere uma certa linearidade, não é jamais a linearidade do oitocentos, retilínea. No entanto, ao

longo dos trajetos, estarei atento aos olhares do passado.

E quanto ao leitor... Bem, certa vez Roberto da Matta falou dessa relação em termos de

visita. O escritor convidava o leitor a conhecer a casa que ele havia construído, procurando deixá-

lo à vontade, segundo as regras de hospitalidade.101 Isso aqui não é bem uma casa, mas... que o

leitor aproveite o bosque.

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NOTAS

1. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “A paisagem como fato cultural” In: YÁZIGI, Eduardo (org.). Turismo e

Paisagem. São Paulo: Contexto, 2002. p. 29.

2. JACKSON, John Brinckerhoff. Discovering the Vernacular Landscape. New Haven: Yale University Press, 1984.

p. 4. Jackson rastreia a origem etimológica do vocábulo na forma germânica landschaft e do latin pagus. Em ambas

acepções, a paisagem aparece como conjunto de espaços organizados pelos humanos, delimitado enquanto

território. Exemplos do uso metafórico como ambiente ou atmosfera, que circunscreve algo, no caso a cultura na

contemporaneidade, ver: SUBIRATS, Eduardo. Paisagens da Solidão: Ensaios sobre Filosofia e Cultura.

Tradução de Denise Guimarães Bottmann. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1986; e SARLO, Beatriz. Paisagens

Imaginárias: Intelectuais, Arte e Meios de Comunicação. Tradução de Rubia Prates Goldoni e Sérgio Molina. São

Paulo: Edusp, 1997.

3. JACKSON, John Brinckerhoff. op. cit. p. 3. Ver o verbete “paisagem” em FERREIRA, Aurélio Buarque de

Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, S/d. p. 1018; e HOUAISS,

Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

p. 2105.

4. ORAMAS, Luis Pérez. “Frans Post: invenção e ‘aura’ da paisagem” In: HERKENHOFF, Paulo (org.). O Brasil e

os Holandeses, 1630-1654. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 1999. p. 225.

5. BOSI, Alfredo. “Fenomenologia do Olhar” In: NOVAES, Adauto et alli. O Olhar. São Paulo: Cia. das Letras,

1988. p. 74-75 (o item “o novo olhar: as núpcias da pintura com a ciência”).

6. ORAMAS, Luis Pérez. op. cit. Ver o trecho: “A paisagem, a ‘primeira paisagem’, seria isso: um campo sem nome,

deserto de relatos, um mundo emudecido que se oferece ante um olho silencioso, o universo despojado de suas

aventuras, antes de toda história ou já sem ela, como testemunha local, topológico, de sua simples e embaraçada

possibilidade. [...] A paisagem, a terrenalidade representada, a planície verdadeira é a-poética: não suporta nenhum

elogio de palavra, é pura topologia de silêncio, mudez da linguagem e esgotamento retórico.” p. 234-235.

7. LIMA, Rogério. “A permanência das imagens e os fragmentos da esquina: Wim Wenders e Paul Auster e as

formas de imaginação da cidade” In: LIMA, Rogério e FERNANDES, Ronaldo Costa (orgs.). O imaginário da

cidade. Brasília: UnB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. p. 166-178.

8. ORAMAS, Luis Pérez. op. cit. Ver a passagem: “Se a paisagem é, por diferença categórica com a natureza, esta

mesma portando os rastros da humanidade que a habita (e o primeiro desses rastros é o olho que a vê), então a

‘primeira paisagem’ seria já uma ‘natureza habitada’, humanamente ‘marcada’ pelo olhar que a reinventa em sua

representação. Não é possível, pois, uma ‘primeira paisagem’ e só haveria natureza virgem no invisível, na terra

incógnita, ainda não descoberta.” p. 218.

9. DEBRAY, Régis. Vida e Morte da Imagem: uma história do olhar no ocidente. Tradução de Guilherme Teixeira.

Petrópolis: Vozes, 1993. p. 190.

10. “[...]a pesquisa sobre o interior parece progredir com a investigação do exterior. Subjetivação do olhar,

objetivação da natureza.” In: DEBRAY, Régis. op. cit. p. 196. A idéia de fisionomia da natureza é expressa

nessa frase: “Landscape as the portrait of Nature in her physical forms can function as the embodiment of an

abstract.” In: ANDREWS, Malcolm. Landscape and Western Art. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 10.

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11. SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. p. 17.

12. Idem. p. 22-24. Nas notas da Introdução aparecem referências à historiografia ambientalista: CRONON, William.

Changes in the land: indians, colonists and the ecology of New England. New York: s/ed., 1978; PYNE, Stephen.

The Ice: a journey to Antartica. Ames: s/ed., 1986; _____ . Burning Bush: a firestick history of Australia. New

York: s/e, 1991; e WORSTER, Donald. Rivers of Empire: water, aridity and the growth of the American West.

New York: s/ed., 1986. (No mesmo tema, ver a edição brasileira de DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a

devastação da Mata Atlântica. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.) Sobre as representações bidimensionais da

paisagem, Schama faz referência, em “um guia bibliográfico”, aos livros de CLARK, Kenneth. Landscape into Art.

London: s/ed., 1949; e MITCHELL, W. J. T. Landscape and power. Chicago: s/ed., 1994.

13. SILVA, Francisco Teixeira da. “História das Paisagens” In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo

(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. P 204

14. Idem. p. 209-210.

15. SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1997. p. 17.

16. SILVA, Francisco. op. cit. p. 211-216.

17. [a paisagem é] “o reflexo exterior do meio geográfico, o qual nos informa sobre muitos aspectos desse meio

geográfico.” In: KULA, Witold. Problemas y métodos de la história económica. Barcelona: Península, 1977. p.

521 apud SILVA, Francisco. op. cit. p. 208; “Assim, temos, paralelamente, de um lado, um conjunto de objetos

distribuídos sobre um território, sua configuração geográfica ou sua configuração espacial e a maneira como

esses objetos se dão aos nossos olhos, na sua continuidade visível, isto é, a paisagem;...” In: SANTOS, Milton.

op. cit. p. 1-2; bem como em CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (Re) Produção do espaço urbano. São Paulo:

Edusp, 1994. p. 15.

18. CARLOS, Ana. op. cit. p. 31-33

19. Idem. p. 20; no entanto, alguns trabalhos recentes já incorporaram as preocupações com a dimensão simbólica da

paisagem, sem reduzi-lá à superfície da realidade, mas pensando-a como um deslizamento de sentido ou mesmo

criação de imaginários. Veja-se COSGROVE, Denis. Social Formation and Symbolic Landscape. London:

Croom Helm, 1984; aqui no Brasil, tem-se CASTRO, Iná Elias de. “Paisagem e Turismo. De estética, nostalgia e

política” In: YÁZIGI, Eduardo (org.). op. cit. ; e VERAS, Lúcia Maria de Siqueira Cavalcanti. De Apé-Puc a

Apipucos: numa encruzilhada, a construção e permanência de um lugar urbano. Recife: Bagaço, 1999.

20. Idem. p. 44.

21. SCHAMA, Simon. op. cit. p. 22.

22. CLARK, Kenneth. op. cit. p. 74. apud ANDREWS, Malcolm. op. cit. p. 7-10.

23. ANDREWS, Malcolm. op. cit. p. 9-10.

24. Idem. p. 14-15.

25. Idem. p. 1.

26. LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.

1. Ver todo o capítulo 1, “a imagem do ambiente”, p. 1-15.

27. SANTOS, Milton. op. cit. Leia-se a passagem: “Não confundir localização e lugar. O lugar pode ser o mesmo, as

localizações mudam. E lugar é o objeto ou conjunto de objetos. A localização é um feixe de forças sociais se

exercendo em um lugar.” p. 2.

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28. Buscamos nosso conceito de devaneio em BACHELARD, Gaston. Poética do Espaço, In: Coleção Os

Pensadores. São Paulo: Abril, 1974. Veja-se o trecho: “Por si só, o devaneio é uma instância psíquica que

freqüentemente se confunde com o sonho. Mas quando se trata de um devaneio poético, de um devaneio que frui

não só de si próprio, mas que prepara para outras almas deleites poéticos, sabe-se que não se está mais diante das

sonolências.” P. 344-345. Para a noção de vastidão como uma espacialidade interior, ver especificamente o

capítulo 8, “A imensidão íntima”. p. 474-492.

29. PESSANHA, José Américo Motta. “Bachelard e Monet: o olho e a mão” In: NOVAES, Adauto. op. cit. p. 156.

30. CHAUI, Marilena. “Janela da alma, espelho do mundo” In: NOVAES, Adauto. op. cit. p. 34-36.

31. LEITE, Míriam L. Moreira. “Texto visual e texto verbal” In: FELDMAN-BIANCO, Bela e LEITE, Míriam L.

Moreira ( Orgs. ). Desafios da Imagem: Fotografia, iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. Campinas:

Papirus, 1998. p. 37-49.

32. DEBRAY, Régis. op. cit. Leia-se o trecho: “No fim do séc. XX, nossa teologia se chama semiologia; quanto à

lingüística, ciência piloto, impõe-se aos olhos da comunidade especular e especulativa.” p. 54. Para uma maior

compreensão do pensamento do autor, ler todo o capítulo II, “A transmissão simbólica”. Para saber sobre a

passagem da Semiótica Sígnica para uma Semiótica da Significação, ver CARDOSO, Ciro Flamarion e

MAUAD, Ana Maria. “História e Imagem: os exemplos da fotografia e do cinema” In: CARDOSO, Ciro

Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). op. cit. p. 401-417.

33. MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens. Uma história de amor e ódio. Tradução de Rubens Figueiredo, Rosaura

Eichemberg, Cláudia Strauch. São Paulo: Cia. das Letras, 2001.

34. CHAUI, Marilena. op. cit. p. 59.

35. CALVINO, Italo. As Cidades Invisíveis. Tradução de Diogo Mainardi. São Paulo: Cia. Das Letras, 1990. p. 79

36. Idem. P. 33-34.

37. SCHAMA, Simon. op. cit. p. 22

38. Tradução livre do trecho: “Landscape is a natural scene mediated by culture. It’s both a represented and a

presented space, both a signifier and a signified, both a frame and what a frame contains, both a real place and a

simulacron, both a package and the commodity inside the package.” In: MITCHELL, W. J. T. op. cit. p. 5 apud

ANDREWS, Malcolm. op. cit. p. 15.

39. LYNCH, Kevin. op. cit.

40. Idem. p. 3.

41. Idem. p. 8.

42. Idem. p. 9-10.

43. Idem. p. 4.

44. MERLEAU-PONTY apud CARDOSO, Sérgio. “O olhar viajante (do etnólogo)” In: NOVAES, Adauto. op.cit.

45. CARDOSO, Sérgio. op. cit. p. 347.

46. Idem. p. 348.

47. PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. São Paulo: SENAC São Paulo; Marca D’água, 1996. p. 26.

48. BENJAMIN, Walter. “O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov” In: BENJAMIN, Walter.

Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

Obras Escolhidas, vol. I. Ver também MOREIRA, Fernando Diniz. “A Cidade do Espetáculo: notas sobre a

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contribuição de Walter Benjamin para o estudo da cidade moderna”. In: Revista Vivência, Natal, vol. 8, no 2, p.

165-182, jul/dez 1994.

49. AFONSO, José et. alli. “A cidade em fragmentos”. In: Revista Continente Multicultural. Ano 2, no 20, ago 2002.

p. 36-40.

50. CHARNEY, Leo. “Num instante: o cinema e a filosofia da modernidade”. In: CHARNEY, Leo e SCHWARTZ,

Vanessa (orgs.). O cinema e a invenção da vida moderna. Tradução de Regina Thompson. São Paulo: Cosac &

Naify, 2001. p. 386-392.

51. Idem. p. 389.

52. BENJAMIN, Walter. Trabalho das Passagens. In: SMITH, Gary (org.). BenjamIn: Philosophy, Aesthetics,

History. Chicago: University of Chicago Press, 1989. p. 38. apud CHARNEY, Leo. op. cit. p. 391.

53. RICOEUR, Paul. Do Texto à Ação. Porto: Rés-Editora, 2000. p. 142-143.

54. XAVIER, Ismail. “Cinema: revelação e engano”. In: NOVAES, Adauto. op. cit. p. 368.

55. RICOEUR, Paul. op. cit. p. 144-145.

56. SARLO, Beatriz. op.cit. p. 97.

57. Idem. p. 99-100.

58. FREYRE, Gilberto. “82”, Diario de Pernambuco, 09.11.1924, p.1.

59. REGO, José Lins do. O Moleque Ricardo. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1987. Ficção Completa, Vol. I.. p. 596.

60.Idem. p. 667.

61. FURTADO, J. M. “A cidade nereida através do crystal dos meus sentidos...”, A Pilheria, ano 7, no 231,

28.02.1926.

62. BERMAN, Marshall. op. cit. p. 15.

63. Idem. p. 223-235. Ver também SCHIVELBUSCH, Wolfgang. The Railroad Journey: the industrialization of

space and time in the nineteenth century. Los Angeles; Berkeley: The University of California Press, 1986. p.

45-51.

64. BAUDELAIRE, Charles. “A Família dos Olhos” (Spleen de Paris, no 26) apud BERMAN, Marshall. op. cit. p.

144-150. Para Berman, o desenrolar da modernidade foi o desenvolvimento do diálogo entre esses dois grupos

sociais. O maltrapilho, exemplo de declassé, perderia aquela ingenuidade, e o burguês teria de ceder às

reivindicações populares, de forma que o sentimento de povo-nação, aliado à maturidade da individuação, fez a

modernidade alavancar um projeto social. Embora inovadora e rica, a abordagem de Berman termina por fazer da

modernidade ocidental o caso típico. Daí a análise do caso de São Petersburgo como o “modernismo do

subdesenvolvimento”. Essa noção, por mais que não queira, termina caindo no mito da modernidade como uma

marcha (etnocêntrica) rumo ao progresso. Isso impede de ver as experiências dos demais grupos de outros países

como uma alteridade. Sobre esse tópico, é interessante o trabalho de REZENDE, Antonio Paulo, (Des)Encantos

Modernos. histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife: FUNDARPE, 1997. Ao estudar o Recife

dos anos vinte, ele mostra que grupos sociais viveram, no cotidiano, as tensões entre esse mundo moderno que se

fabrica e o mundo tradicional, lastro emotivo da memória. Daí o Recife reafirmar suas tradições, suas memórias,

ao mesmo tempo em que se seduzia pelos artefatos modernos e a sociabilidade nova que eles possibilitavam. Ao

invés de explicar a sociedade através de um modelo monolítico, ou dual, ele aponta para a diversidade, as

múltiplas interfaces que compõem as identidades.

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65. LOEWY, Raymond. “Never leave well enough alone”. In: SPARKE, Penny. An Introduction to design and

culture in the nineteenth century. London: Allen and Unwin, 1986. apud SEVCENKO, Nicolau. “Introdução: o

prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões de progresso” In: História da Vida Privada no Brasil, vol. III –

da Belle-Époque à Era do Rádio. Coordenador: Fernando A. Novais; organizador do volume: Nicolau Sevcenko.

São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 10.

66. REZENDE, Antonio Paulo. op.cit. Ver o capítulo 2, “A cidade: seduções, desejos, imagens”.

67. SINGER, Ben. “Modernidade, hipersetímulo e o início do sensacionalismo popular”. In: CHARNEY, Leo e

SCHWARTZ, Vanessa (orgs.). op. cit. p. 116.

68. SEVCENKO, Nicolau. “A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio” In: História da Vida Privada no

Brasil. p. 550-551.

69. “O descalabro dos anúncios”, A Pilheria, Ano 3, no 95, 21.07.1923. Ver também SINGER, Ben. op. cit. e

SEVCENKO, Nicolau. op. cit. p. 552-553.

70. SIMMEL, Georg. “The Metropolis and Mental Life”. In: WOLFF, Kurt H. Sociology of Georg Simmel. New

York: Free Press, 1950. p. 410. apud SINGER, Ben. op. cit. p. 116.

71. CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa. op. cit. p. 20.

72. “Há entre o aparato cinematográfico e o olho natural uma série de elementos e operações comuns que favorecem

uma identificação do meu olhar com o da câmera, resultando daí um forte sentimento da presença do mundo

emoldurado na tela, simultâneo ao meu saber de sua ausência (trata-se de imagens e não das próprias coisas).

Discutir essa identificação e esta presença do mundo à minha consciência é, em primeiro lugar, acentuar as ações

do aparato que constrói o olhar do cinema.” In: XAVIER, Ismail. op. cit. p. 369. Leia-se também: “Pelo

caminho de uma psicologia da recepção poderíamos dizer, em complemento ao que foi apresentado, que o

cinema imita processamentos básicos do pensamento feitos através de imagens. Naturalmente que cada

pensamento tem sua elaboração narrativa própria ao contar uma história, ao relembrar fatos, ao planejar o dia, ao

sonhar, mas essas elaborações se utilizam constantemente de imagens. Sendo o cinema a invenção de uma

linguagem que se utiliza de imagens, ele tem a princípio um grande poder sugestivo de elaborações narrativas

para o pensamento, que aos poucos se utiliza dos movimentos e efeitos cinematográficos para a construção das

idéias.” In: DUARTE, Eduardo. Sob a luz do projetor imaginário. Recife: Universitária, 2000. p. 100.

73. CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa. op. cit. p. 20.

74. Tradução livre do trecho “Once it appeared, the machine seemed unrelenting in its advancing dominion over the

landscape – in the way it ‘lapped the miles’, in Emily Dickinson’s words – and in little over a generation it has

introduced a new system of behavior: not only of travel and communication but of thought, of feeling, of

expectation.”, In: SCHIVELBUSCH, Wolfgang. The Railway Journey: the industrialization of time and space in

the 19th century. Los Angeles; Berkeley: The University of California Press, 1986. p. xiii.

75. Idem. p. 53.

76. Idem. p. xiv.

77. Idem. p. 31-32.

78. Idem. p. 64.

79. Tradução livre do trecho “The speed of train travel created a temporal and spatial shrinkage, and a perceptual

desorientation that tore the traveler out of the traditional space-time continuum and thrust him/her into a new

world of speed, velocity and diminishing intervals between geografical points. Hurtling through space in the

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body of the train (conceived as a projectile), as if being shot through the landscape, the traveler experiences the

loss of the foreground, and thus the homogeneity of space between the traveler and the view outside the window.

This is experienced as a loss of depth perception, and a loss of aura, in the benjaminian sense of the distance that

endows things with unequeness. His/her view mediated by a framed glass screen, visual perception multiply and

form a mobile, panoramic perception, in contrast to traditional perception, no longer belongs to the same space as

the perceived objects; the traveler sees the objects, landscapes, etc., through the apparatus which moves through

the world.” In: KIRBY, Lynne E. “The Railroad and the Cinema, 1895-1929: Institutions, Aesthetics and

Gender”. Los Angeles: The University of California Press, 1989. (Tese de Doutorado). p. 62.

80. Tradução livre do trecho “That is not a picturesque landscape destroyed by the railroad; on the contrary, it is an

intrinsically monotonous landscape brought into an esthetically pleasing perspective by the railroad. The railroad

has created a new landscape. The velocity that atomized the objects of Ruskin’s perception, and thus deprived

them of their contemplative value, became a stimulus for the new perception. It is the velocity that made the

objects of the visible world atractive.” In: SCHIVELBUSCH, Wolfgang. op. cit. p. 60.

81. Tradução livre do trecho “Dreamlike traveling on the railroad. The towns which I pass / between Philadelphia and

New York make no distinct / impression. They are like pictures on a wall. The more, that you / can read all the

way in a car a French novel.” In: EMERSON. Journals apud SCHIVELBUSCH, Wolfgang. op. cit. p. 52.

82. Tradução livre do trecho “calm, self-absorbed people, paying no attention to the invisible landscapes of the

journey. To leave Paris and go to get to where the sky is clear, that is their desire.” In: MALLARMÉ apud

SCHIVELBUSCH, Wolfgang. op. cit. p. 38.

83. GASTINEAU, Benjamin. La Vie en Chemin de Fer, apud SCHIVELBUSCH, Wolfgang. op. cit. p. 60-61.

84. Tradução livre do trecho “the space of landscape into geografical space”. [o friso é do próprio Schivelbusch]. In:

STRAUS, Erwin. The primary world of the senses. New York/London. 1963. apud SCHIVELBUSCH,

Wolfgang. op. cit. p. 53.

85. VIANNA, A . J. Barbosa. Recife, capital do Estado de Pernambuco. 2a. ed. Recife: Secretaria de Educação e

Cultura, 1970. p. 1.

86. SANTIAGO, Oswaldo. “Ave do Norte sob o céu do Sul...”, Revista de Pernambuco. Ano 3, no 22, abr 1926.

87. KIRBY, Lynne E. op. cit. p. 63.

88. REGO, José Lins do. op. cit. p. 481.

89. Idem. p. 481.

90. Dr. A. de S. “À Porta do Leça”, A Pilheria, Ano 7, no 243, 22.05.1926.

91. Conde D’Austin. “Bilhetes de Algures...”, A Pilheria, Ano 7, no 233, 13.03.1926.

92. IVOR, Fred. “Emoções de um Fútil”, A Pilheria, Ano 7, no 246, 12.06.1926.

93. A Provincia, 12.11.1924, p. 3; Jornal do Recife, 12.11.1924, p. 2; Jornal do Commercio, 12.11.1924, p. 10 e

13.11.1924, p. 3; Diario de Pernambuco, 12.11.1924, p. 1 e 13.11.1924, p. 3.

94. NESTOR, Odilon. “As Árvores na Poesia”, Diario de Pernambuco, 09.11.1924, p. 4-5.

95. “As nossas praias”, Revista de Pernambuco, Ano 1, no 6, dez. 1924.

96. “O actual governo e sua intervenção na vida moral do Estado”, Revista de Pernambuco, Ano 2, no 18, dez. 1925.

97. ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Cia. das Letras,

1994. p. 12. Para ver a narrativa histórica como ficcio, ver WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso. São Paulo:

Edusp, 1994.

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98. A crítica literária já colocou esta questão através da contraposição entre textos modernistas e os contemporâneos,

que alguns chamam de pós-modernistas. Tratando especificamente da dimensão espacial na construção ficcional

do romance do séc. 20, coincide-se aos textos modernistas a atribuição ao tempo narrativo de uma certa

espacialidade. Como se o fluxo temporal pudesse ser congelado e, em sendo secionado, ser apresentado numa

visão de topo, de caráter estrutural. Com o romance pós-moderno, essa suposta pretensão analítica é substituída

por uma auto-reflexividade que, em explicitando a condição meta-narrativa da literatura, constrói o texto à

medida mesma em que o narra. E procura incorporar o leitor nesse trajeto. Sobre esse aspecto, ver CONNOR,

Steven. Cultura Pós-Moderna. Introdução às Teorias do Contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1996. p. 99-100.

99. GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e história. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. p. 7. Ver

especificamente o capítulo “Sinais. Raízes de um paradigma indiciário”, p. 143-179.

100. Não é à toa que num romance sobre o lugar do leitor num texto, Italo Calvino abre a discussão com um capítulo

que remonta ao romance policial da neblina. Além de abrir a ficção, o capítulo dá o título ao livro. Além de,

desde cedo, colocar a questão da indeterminação entre sujeito-objeto. Trata-se de CALVINO, Italo. Se um

viajante numa noite de inverno. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. Para um exemplo

na produção cinematográfica, ver SCOTT, Ridley. Blade Runner. Estados Unidos. 1982.

101. DaMATTA, Roberto. A Casa e a Rua. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 11-13.

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“Subiram até quase o pico do morro. Numa curva, a cidade, surgiu, lá em baixo, ao fundo, esparramada sem contornos pela cinzenta teia de aranha das ruas”.

Italo Calvino

“Eu amo o barulho das ruas, porque vejo nele, a

voz da própria civilização; O automóvel que fonfona, ou esbarra súbito, para

evitar um desastre diante de um cavalheiro que passa apressado;

O bonde que se anuncia, segue a oito pontos, pára imprevistamente;

O carro da assistência impondo silêncio com a sua cruz e a sua sineta;

As campanhias dos cinemas convidando a assistir a mais recente novidade da cena muda: uma voz de homem fantasiado, rouquenha e impertinente, a dizer que o cigarro tal é o mais saboroso; a gritaria dos vendedores de frutas... tudo isso forma a poesia da cidade”.

Luiz de Marialva

I

Os telhados e o rio Capibaribe. Vê-se a ponte Maurício de Nassau. No plano médio, as

construções modernas da Av. Marquês de Olinda. Na distância, a linha do horizonte. Numa outra

cena, vê-se a ponte metálica da Boa Vista, e o casario, à beira do rio, ao fundo. De repente, um

remador passa sob a ponte, deslizando através da água e do enquadramento fixo. Uma terceira

cena dá uma vista geral do bairro de São José, com as torres da Igreja de São Pedro e a da Penha.

Lá atrás, marcando o horizonte, quase numa miragem, a bacia do Pina, com seus coqueiros e

mangues. Segue-se, após uma pausa, uma legenda, com os dizeres: “[o Recife] com suas ruas

movimentadas e o footing ao entardecer...” E então surge a rua Nova, com o movimento dos

pedestres. Bondes e automóveis passam apressados. Em outra rua, próxima a uma praça, um

bonde faz a curva. Na rua da Imperatriz, que se abre na perspectiva da imagem, pedestres e

máquinas circulam pela cidade.

Estas seis tomadas são a abertura do filme A Filha do Advogado, produzido no Recife

em 1926, a partir de uma novela de Costa Monteiro. A adaptação para as telas foi feita por Ary

Severo e sob a direção de Jota Soares. Através da cinematografia de Edson Chagas, essa talvez

seja uma das primeiras janelas que o cinema de enredo abriu sobre o Recife. O que essas imagens

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mostram e escondem, nesse jogo da (in)visibilidade da cidade? De que olhares elas falam? No

Recife dos anos 1920, foi a paisagem apreendida em termos cinéticos? Mas ao assim elaborar a

questão, o termo “paisagem” ficou empregado como o corpo do mundo, aquilo que, em sendo

exterior ao indivíduo, é por ele percebido enquanto espaço. E aqui, minha questão transborda para

outra: que conceito correspondia à palavra “paisagem”, quando os sujeitos a usavam? Era ela

pensada como espaço ou como imagem? A partir daqui, procurarei abordar essa relação de um

modo mais próximo.

II

Para responder a essas perguntas, precisarei fazer uma incursão na produção imagética,

incluindo aí vários suportes, a fim de perscrutar que imagens fundaram o repertório de referências

com as quais os sujeitos históricos do Recife dos anos 1920 perceberam o ambiente urbano e o

representaram. E relacionar esse duplo processo ao conceito de paisagem. Retomando a questão

das metáforas para nomear as experiências, parece-me que uma das acepções do termo paisagem

liga-se à representação pictórica. Isso nos remete àquela tradição que Schivelbusch tinha feito

coincidir com a apreciação da natureza em Ruskin1. E daqui parto para um ponto importante.

Procurarei compreender as relações entre paisagem e pintura, atentos para que elementos dessa

relação estavam presentes no imaginário do Recife dos anos 1920.

Kenneth Clark, num livro pioneiro sobre estudos de paisagem, concorda com Ruskin

sobre a emergência daquele conceito durante o séc. 19. Mas, uma pergunta fica no ar: então, antes

disso, não havia pintura de paisagem? Para Clark o que havia eram pinturas que procuravam

imitar a natureza. Mas essas pinturas eram descritivas demais. Foi apenas quando os padrões

estéticos do romantismo se impuseram à apreciação da natureza que a pintura passou a pintar

paisagem. É como se, ao cair no gosto popular, a natureza imitada passaria a ser apreendida em

termos subjetivos. Nesse capítulo da história das mentalidades, tais representações ganharam o

status de paisagem. Leia-se esse trecho, de um capítulo chamado “The Natural Vision”, do livro

Landscape into Art, de Clark:

“Desde cedo no séc. 19 que foi reconhecido que o estatuto da pintura de paisagem vinha mudando.

E essa mudança aconteceu bem depressa. O fabuloso sucesso de Turner ocorreu apenas trinta anos depois

da decadência de Wilson; e no curso do século, paisagens que pelo menos significavam imitações

próximas da natureza, passaram a ocupar um lugar mais seguro na afeição popular do que qualquer outra

forma de arte. Uma cena tranqüila, com água, no plano de fundo, refletindo um céu luminoso e

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começando em árvores escuras, era algo em que todos concordavam que era bela, assim como, em épocas

anteriores, tinham concordado sobre um atleta nu ou uma santa com as mãos cruzadas em seu seio.” 2

Já destaquei, em outro lugar deste trabalho, a contradição no seio mesmo do argumento

de Clark. Se por um lado, ele procura mostrar como novos padrões estéticos emergiram, ligados à

sensibilidade do romantismo, e fundaram uma nova representação da natureza, a que ele chama de

paisagem; por outro, ao fazê-lo, ele generaliza esse novo padrão/código para “todos”. É como se o

estatuto de pintura de paisagem no séc. 19 fosse a nova forma de manifestação de um ontos: o

ideal de beleza. Mais adiante, no texto, ele continua tal argumento: “Em perspectiva: uma grande

mudança ocorreu desde que Petrarca se sentou no Monte Ventoux, e, com exceção do amor, não

há mais nada sobre o qual as pessoas de todo tipo são mais unânimes do que pelo prazer de uma

boa vista.”3

Foi se referindo a essa frase que Malcolm Andrews, no seu livro Landscape and

Western Art, afirmou que à postura teórica de Clark colou-se uma abordagem essencialista

(idealista, diria) da história da arte. Mas, polêmicas em torno de um relativismo cultural à parte, o

que me interessa da leitura de Clark é a noção da emergência do estatuto de paisagem, adquirido

pela pintura de natureza, em meio aos padrões estéticos do romantismo. Que códigos marcaram

esses padrões? Que elementos pictóricos fundaram uma série de estratégias representacionais de

paisagem? No livro O Brasil dos Viajantes, Ana Maria Belluzzo dedica o terceiro volume à

questão da paisagem. Nele, ela se pergunta “como determinados modos de apreciação do universo

europeu do século XIX se casaram com estímulos da topografia, da geografia, da vegetação, da

vida humana no Brasil.”4

O que se destaca na leitura de Belluzzo é a relação entre a prática de representação de

paisagem e dois elementos pictóricos que fundam, respectivamente, duas estratégias, distintas

entre si; dois tipos de imagens. A primeira é da ordem do pitoresco. Já a segunda tem a ver com

outro tipo de suporte: o panorama. Analisarei essas duas instâncias do olhar pictórico, sempre

procurando entender os registros dos jornais e revistas do Recife de 1920.

O pitoresco, ou pinturesco se funda enquanto prática pictórica ligada ao paisagismo

inglês. A uma visão arcádica da natureza se somou uma atitude de criar jardins que não

impusessem uma racionalidade à natureza. Isso porque essa era concebida como o território das

forças irracionais, inesperadas, temperamentais. Esses novos valores, do paisagismo associado ao

pitoresco, “representam uma atitude de escape concomitante com a idealização da vida rural.”5 O

desencanto romântico com o urbano levou o observador a buscar um ambiente campestre. E por

esse espaço não racionalizado, ele tomava de dentro de uma relação que pretendia ser um retorno

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a uma ordem anterior: a natureza. Assim, através da crença romântica na emotividade como

centro criativo, a pintura de paisagem passou a ser expressa através das sensações que o ambiente

“natural” evocava no artista. Belluzzo afirma que: “A paisagem pitoresca oferece evidências do

que poderíamos chamar imagens prévias criadas pela pintura, agindo no momento da percepção

do mundo sensível. Concorre para a justa compreensão de que toda paisagem decorre de um

encontro entre o que é dado a ver e o que a cultura legitima no que é visto.”6 Essa apreensão da

natureza em termos de sentir, fundada pela noção romântica do bucólico (ora resvalando para o

sublime), possibilitou duas características que os sujeitos dos anos 1920 iriam relacionar ao termo

paisagem: primeiro, a noção de paisagem como produto artístico ligado à emotividade; e em

segundo, a idéia de que essa imagem se produz na relação íntima e sensível entre o sujeito e o

mundo-objeto.

O primeiro tópico é encontrado tanto em textos que reproduzem o termo paisagem como

uma alusão ao elemento pictórico quanto nas legendas que acompanham imagens,7 embora aqui,

neste último caso, a palavra “pitoresco” apareça com maior freqüência. Aquele termo é usado,

sobretudo nos textos em que se trata de pinturas de paisagens, seja comentando exposições que

ocorriam na cidade; seja fazendo resenhas das pinturas.8 Tais texto eram mais comuns do que se

supunha. Isto talvez sugere uma intimidade maior no uso dos termos oriundos da representação

pictórica no imaginário que apreendia o ambiente urbano do Recife.

O segundo tópico me remete à paisagem enquanto relação sensível entre o sujeito e o

mundo. Em três autores distintos, que escreveram em épocas diferentes, essa noção romantizada

do pitoresco atravessou o séc. 19 e chegou até os anos 1920. A primeira é Maria Graham, cronista

inglesa que, em suas viagens, visitou o Brasil. Esse extrato, no qual ela descreve Olinda, será um

modelo da relação que o sujeito guarda com a apreciação da natureza. Leia-se:

“Olinda jaz em pequenos morros, cujos flancos caem a prumo em algumas direções, de modo a

apresentar as perspectivas rochosas mais abruptas e pitorescas. Estas são circundadas de bosques escuros

que parecem coevos da própria terra: tufos de esbeltas palmeiras, aqui e ali, a larga copa de uma antiga

mangueira, ou os ramos gigantescos da copada barriguda, que se espalha amplamente, erguendo-se acima

do restante terreno em torno, e quebram a linha da floresta; entre esses, os conventos, a catedral, o palácio

episcopal, e as igrejas de arquitetura nobre, ainda que não elegante, colocam-se em pontos que poderiam

ser escolhidos por um Claude ou um Poussin, alguns ficam nos lados íngremes das rochas, alguns em

campos que se inclinam suavemente para a praia; a cor deles é cinzenta ou amarelo-pálido, com telhas

avermelhadas exceto aqui e ali quando um campanário é adornado com telhas de porcelana azul e

branca.”9

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Maria Graham monta o texto não apenas com referências à pintura, mas a própria

elaboração textual é marcada fortemente pelo aspecto visual. Como se ela estivesse esboçando, ou

mesmo pintando, um quadro de Olinda. Esse modo de representar a velha cidade, em suas colinas

(cujo fato de serem abruptas leva o viajante romântico a se encantar, pois rompe com os espaços

ordenados e geométricos que a vida urbana instaura), terminou por criar uma imagem vinculada a

esse colorido pictórico. Olinda é tornada símbolo, pois parece possibilitar a criação desse olhar: a

cidade que, em meio à natureza, se bucoliza.

Em outra citação, essa de Joaquim Nabuco, há a referência, até mais forte, a essa

emotividade na construção de uma apreciação estética que torna a natureza em paisagem. Leia-se:

“Para conhecer uma paisagem não basta vê-la, é preciso muito mais, é preciso que as duas almas, a

do contemplador e a do lugar, cheguem a entender-se, quantas vezes elas nem mesmo se falam! Não é a

todos que a natureza conta os seus segredos e inspira o seu amor, mas mesmo com os poucos de quem ela

tem prazer em fazer pulsar o coração é preciso que eles se aproximem dela sem pressa de a deixar, com

tempo para ouvi-la. Os viajantes nunca estão nessa disposição de espírito em que é possível estabelecer-se

o magnetismo da paisagem sobre os sentidos, de fato sobre o coração.”10

Deixando de lado a questão da impossibilidade do viajante em estabelecer um vínculo

com a paisagem, Nabuco pensa esta como um olhar sobre a natureza que só se tem ao conhecer

bem o lugar de onde se olha. É preciso tempo para a contemplação desvendar a natureza, e

transformá-la em paisagem.

O terceiro observador/narrador apresenta essa descrição pitoresca, tal qual em Graham,

e essa relação íntima e afetiva com a natureza, tal como em Nabuco. Trata-se de Francis Butler

Simkins, um professor norte-americano, correspondente de Gilberto Freyre, e que visitou o Recife

e o olhou da Misericórdia, em Olinda. O texto, traduzido por Lauro Borba, foi publicado na

Revista do Norte, em 1925. Se o texto do viajante é de uma época anterior (e o tradutor não

informa sobre isso), a publicação fala da ocupação de um espaço midiático por parte do tema aqui

desenvolvido. Isso sugere que tal texto, pela sua possibilidade de leitura, se inseria num

imaginário, do Recife dos anos 1920, que se apropriava de códigos pictóricos para apreender o

ambiente, inclusive urbano. Leia-se: “O que liga o homem à terra é a paisagem. Dela se evola um

filtro para impregnar a alma e afeiçoá-la a si mesma. É ela que faz a tristeza ingênita do sertanejo

nortista.”11 Para ele, a paisagem é aquilo que opera a relação entre o homem e a terra. Esta última,

tomada como meio geográfico. Para o professor, a paisagem é a imagem da terra que afetivamente

impregna o estado de espírito do sujeito. Daí porque ele, mais adiante no texto, define: “A

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nostalgia é a saudade de uma paisagem, de um aspecto da natureza a que nos afeiçoamos pelo

muito que ela nos diz, seja na estesia da sua contemplação, ou na tristeza de recordá-la quando

nos sentimos afastados.” Para ele, a contemplação ou a recordação são processos mentais que

tornam possível empatizar com certo “aspecto” da natureza. A paisagem passa por ser a imagem

resultante deste olhar de devaneio. Depois de assim estabelecidas suas idéias acerca do que sejam

paisagens, ele remete a sua experiência no Recife. Leia-se este trecho, do mesmo artigo:

“Há entre as paisagens que me são caras, uma que em especial me recorda uns dias tristes já

vividos há longo tempo, mas sempre presentes com uma nitidez que em vão me esforçarei para esmaecer.

É a parte leste da meia encosta de um morro, sem graça e sem beleza, mas obstinadamente evocativa.

Uma das minhas amigas mais gentis, passando por ali certa vez, não há muito tempo ainda, quis

mandar-me uma lembrança sua e o fez com uma fotografia daquele trato de terra, para mim, perdido e

distante. Curiosa coincidência! Eu não lhe havia falado nunca da influência daquela paisagem sobre o

meu espírito e foi isto justamente um motivo para fazê-lo. Contei-lhe então em minha resposta como

havia sido certeira a mão do acaso ao lhe guiar naquela escolha. Certeira por ter tocado justo em um ponto

especializado pelos azares da minha sorte de peregrino, mas não feliz, por me ter estimulado uma

lembrança que estou trabalhando para apagar.

São assim as paisagens que ora nos ligam à terra e quase nos modelam à sua feição, mas que outras

tantas vezes tocam a nossa sensibilidade pelo tumulto das idéias que despertam, das recordações que

guardam, mas sempre pesando no nosso destino.”12

Até aqui examinei a emergência do pitoresco na representação romântica de pintura e

sugerindo a continuidade desse olhar mesmo na forma de perceber o ambiente urbano do Recife,

na década de 1920. A partir daqui, me deterei em outra instância do olhar pictórico que o séc. 19

legou em forma de estratégia representacional: o panorama.

Na virada do séc. 18 para o 19, o escocês Robert Barker inventou o panorama. Embora

utilizando elementos oriundos da pintura, tratava-se de uma nova imagem. E, sobretudo, de um

novo suporte. Os primeiros panoramas eram montados em estruturas circulares nas quais o

observador se encontrava em meio à imagem. Essa característica do panorama o faz romper com a

idéia de quadro, subordinando o visto ao efeito ilusionista e submetendo cada parte do conjunto à

impressão geral. Esse último ponto é o cerne da questão. Vocábulo de origem grega, panorama

quer dizer “visão do todo”. Daí se atribuir tal nome a esse aparato, que imita o ambiente em volta

do espectador, compondo uma imagem em 360o. O panorama teve amplo sucesso e logo se

difundiu. Primeiro para as capitais européias. Mas já no início do séc. 19 havia sido introduzido

no Rio de Janeiro. Segundo Belluzzo, o panorama (ou antes algumas de suas características)

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influenciou a pintura, sobretudo de paisagens, e terminou por se incorporar a um léxico

relacionado ao campo perceptivo, originando várias modalidades de “vista panorâmica”13 A

questão crucial para a pintura panorâmica era como remontar, no plano bidimensional do quadro,

a espacialidade que no panorama era circular. A solução foi encontrar uma nova escala que

equacionasse a relação proximidade versus distância. Houve a opção por certa horizontalidade na

representação do ambiente, mas o desafio era como montar a profundidade irradiada em todas as

direções. No entanto, para poder sugerir uma visão geral, a pintura panorâmica adotou um ponto

de vista distante, e quando possível, alto.

Com pretensões de construir uma imagem que abarcasse toda a cidade (a maioria dos

panoramas e, posteriormente, as pinturas panorâmicas, tinham como motivo a cidade14), a vista

panorâmica, no entanto, distancia o observador do próprio ambiente urbano. A capacidade de

olhar a cidade, tanto como um todo, quanto inserida num todo ainda maior (a natureza), paga o

preço do distanciamento e a perda dos pormenores. Em cidades com ampla variação altimétrica,

como o Rio de Janeiro, foi possível que esse afastamento coincidisse com um ponto de vista alto.

Lá, o panorama ganhou proximidade com a vista de topo, que os pintores chamam de “vôo de

pássaro”. Já em cidades planas, como no caso do Recife, o ponto de vista era estabelecido do mar,

em frente à cidade. Ou então, o olhar era lançado de locais próximos, como os arrecifes, em frente

ao porto. Mas a imagem panorâmica mais difundida no Recife era a vista que se situava no alto

dos edifícios. Como o Recife apresenta uma horizontalidade muito marcante, ao subir no topo de

um sobrado alto, o que se descortinava era um mar de telhados, contrastados com as torres das

igrejas, que tentavam romper essa contingência de planície.15

Esses elementos panorâmicos influenciaram marcadamente a criação pictórica e se

incorporaram a uma gama de estratégias de representação. Porém, o panorama coloca a relação

entre o sujeito e o objeto do olhar num nível diferente do que o pitoresco instaura. Nesse, há uma

proximidade que passa pelo vivido, através da emoção. Naquele, o olhar torna-se mais abstrato e,

por isso mesmo, mais descritivo. Leia-se essa passagem para se ter uma idéia da influência do

panorama na pintura de paisagens. Trata-se de um comentário sobre a pintura de Emil Bauch, que

passou no Recife, produzindo alguns panoramas em litogravuras, e depois se estabeleceu no Rio

de Janeiro, onde chegou a ensinar paisagem:

“Nas grandes panorâmicas, o imenso nasce com o enquadramento da linha do horizonte abaixo da

metade do campo da pintura, de maneira a dar lugar ao vazio do grande céu. [...] [seus quadros] revelam

que para vencer o espaço o artista escala os perfis montanhosos, em sanfona, fazendo com que simulem

esconder parte da paisagem, reconstruindo a sensação de continuidade sugerida pela ondulação do terreno.

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[...] A empostação visual de suas pinturas dispensaria referências literárias. No entanto, o artista introduz

a figura humana na paisagem como um recurso não só compositivo, mas principalmente literário. As

figuras colocadas no primeiro plano tem função narrativa e mostram que Bauch se deixou contaminar pela

pintura de costumes, ao evocar o sol fustigante pela sombrinha do caminhante, ao aludir ao calor por meio

do leque usado pelas senhoras, e outras práticas, como a das lavadeiras na frente da casa e o uso da

charrete, não omitindo o hábito de olhar a paisagem.”16

Não é à toa que, folheando o Livro do Nordeste, cuja publicação, em 1925, foi parte

integrante das comemorações do centenário do Diario de Pernambuco, encontrei a reprodução de

uma gravura que monta a imagem do Recife em termos panorâmicos. Trata-se da “Vista do

Recife em 1840”, gravura feita para ilustrar o livro de Kidder e Fletcher, Brazil and the

Brazilians. A “vista”, panorâmica, mostra, no primeiro plano, o bairro do Recife e, ao fundo, o

bairro de Santo Antônio. Reparo que o caminho para Olinda e a colina onde ela se situa está fora

de perspectiva. Isso porque o plano procurou conter um espaço “circulado”, no qual há vários

pontos de fuga, para parecer um panorama. E um outro detalhe interessante, porém, é que a vista

se descortina (literalmente, pois há cortinas nos cantos) através de uma janela. É por ela que um

observador, numa mesinha, olha a cidade.17

Fora a explicitação e auto-referência à questão meta-narrativa no olhar que constrói a

imagem da cidade, pergunto pela relevância de tal imagem, produzida no séc. 19, para o

repertório com o qual se imaginava o Recife nos anos 1920. Se pensar na reprodução dessa

gravura como função ilustrativa de um artigo sobre a história da cidade do Recife, enfocando,

sobretudo, as transformações urbanas, então essa junção de texto e imagem está justificada. Mas a

questão não é tomar essa relação como algo natural em sua auto-suficiência. Trata-se de perguntar

pelos sentidos que se quer estabelecer, ao utilizar essa estratégia imagética e, sobretudo, na sua

interrelação com o texto. É que o artigo insinua um certo desejo de continuidade com aquela

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imagem. Quer-se com isso manter aberta aquela janela que mostra o Recife, seus bairros se

espalhando pela planície cortada pelos rios, e seu porto. Imagem que atesta uma importância da

cidade em 1840 que, talvez, os de então quisessem manter, apenas atualizando-a. Daí o desenho

de Manuel Bandeira abrindo o artigo. Nele, vê-se uma panorâmica da cidade. A longa faixa

horizontal que é a cidade é apenas interrompida pelas cúpulas das igrejas, insinuando uma certa

verticalidade. O traço procura dar o tom de antiguidade a esse gênero do olhar. Mas, não se trata

de imitação; antes, de uma transposição de um olhar antigo para códigos contemporâneos, embora

sem romper com aquele. Há uma intencionalidade em montar a imagem da cidade em tons

antigos, o que sugere uma continuidade do olhar em meio à passagem do tempo.

III

Em um artigo sobre a representação da natureza na pintura e na fotografia, ao longo do

séc. 19, Vânia Carneiro Carvalho afirma: “A pintura propõe um modelo de relacionamento com a

natureza que a fotografia tenderá em parte a imitar utilizando os mesmos recursos compositivos

[...]”18 Essa transposição de estratégias representacionais para um outro suporte, no caso a

fotografia, foi possível não só por conta de um imaginário pictórico que dava a tônica em termos

de apreciação estética; mas também em função das dificuldades técnicas da nova imagem.

Precisava-se de um tempo relativamente longo de exposição luminosa para que houvesse uma

impressão no suporte. Daí, certa preferência em se obter fotografias de alvos fixos, como cidades

ou lugares no campo.

Em outro artigo, esse sobre arquitetura e fotografia ao longo do séc. 19, lê-se:

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“Predominam nas primeiras fotografias brasileiras panoramas da paisagem que enquadram, em

meio à natureza pródiga, os conjuntos de construções que definiam as vilas, povoamentos e cidades. Os

fotógrafos pioneiros aparentemente interessavam-se pela paisagem brasileira de uma maneira ampla, na

qual a paisagem natural e a construída pelo homem integravam-se em composições únicas. O casario, a

vegetação e os recortes topográficos, eram elementos que se harmonizavam, retratando a paisagem

brasileira de uma forma abrangente.”19

Essas fotografias geralmente tomavam por objeto as cidades de maior importância.

Assim, afora o Rio de Janeiro, cidades como Salvador e Recife também foram alvo das lentes

fotográficas.20 Mas a fotografia está longe de se limitar a ser uma cópia da pintura. Vânia

Carvalho, em texto citado, continua a investigação sobre a relação entre a fotografia e a pintura.

Sobre a fotografia, ela afirma que inseriu “um novo tratamento plástico aos mesmos elementos

temáticos”, oriundos da pintura, e por fim rompeu com eles “através da construção de um novo

modelo. Esse novo modelo substitui o estudo dos elementos naturais pela atitude de domínio e

controle da natureza.”21

Num primeiro momento, os temas pictóricos foram alvo de um olhar novo. O exemplo

disso é o céu, que na pintura de paisagem sempre foi bastante importante. E para ter certeza do

que coloco, basta ver que o céu ocupa os dois terços superiores dos quadros de Emil Bauch. Já na

fotografia, esse perde importância, não se constituindo um alvo do olhar, mesmo quando a

dificuldade técnica de captá-lo já tinha sido superada, por volta de 1860, por Bayard.22 Isso

porque a fotografia parece olhar mais para o plano inferior do enquadramento. E não é só o

deslocamento do olhar; é a elaboração de uma nova escala. Os objetos são vistos mais de perto.

Daí por que Maria Cristina Carvalho afirmar que depois de 1860 e 1870, as fotografias do

ambiente urbano abandonam aquele distanciamento panorâmico e enfocam mais as construções

arquitetônicas, as fachadas, etc.23 Essa mudança no olhar fotográfico é tão marcante que opera

duas transformações: uma na pintura e outra na própria fotografia. Na primeira, a nova escala, que

procura os objetos mais de perto, passa a ser usada como estratégia para elaborar o

enquadramento na própria pintura. Aqui há, inclusive, uma relação entre a imagem pictórica e a

noção do instante.24 Enquanto que, na fotografia, isso que vai sendo a constituição de um novo

olhar possibilita o abandono dos temas pictóricos, substituídos por outros, próprios à imagem

fotográfica.

É assim que Vânia Carneiro diz que a maior parte das pinturas de paisagens se dedicava

a motivos como os portos e a natureza selvagem. Nelas, a cidade tendia a ser bucolizada e inserida

num entorno pitoresco. Enquanto que a fotografia se ocupou mais do ambiente urbano e das cenas

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de produção, de obras. Aqui, foi a natureza que apareceu cercada: jardins em meio à cidade. A

fotografia operou, segundo Vânia Carneiro, uma transformação na representação de natureza, uma

vez que ressaltou as construções humanas numa escala que as monumentalizou e abriu a noção

daquela como passível de domínio pela técnica. Daí a ferrovia ser o grande símbolo. Mas, essas

fotografias tinham o estatuto de paisagens?

Joel Snyder fala de “fotografias territoriais” ao analisar imagens que Carleton Watkins e

O’Sullivan fizeram do oeste norte-americano nas décadas de 1860 e 1870.25 Ele usa o termo

“territorial”, em vez de paisagens, porque a fotografia, para o público consumidor da época, era da

ordem da imagem indicial. Enquanto a pintura era tida como elaboração artística, a fotografia

parecia, inclusive para os críticos e os fotógrafos, uma imagem produzida através de uma

máquina. O que mais contribuiu para essa distinção, entre arte e indústria, pintura e fotografia,

especialmente no caso da paisagem, é que as convenções estéticas da representação de paisagens

eram fortemente marcadas pelas noções do pitoresco e do sublime. E por trás de tais valores

estéticos, havia um paradigma romântico que pensava a composição através do sentir. Ora, como

já coloquei antes, é isso que conferia valor estético à natureza. Eis o que a tornava paisagem. Se a

imagem fotográfica era da ordem do mecânico, como lhe atribuir o significado de paisagem? Para

Snyder, tanto do ponto de vista da produção quanto da recepção das imagens, aquelas fotografias

eram tidas como cópia da realidade. A nitidez, cada vez mais crescente, da imagem fotográfica,

suscitava essa crença metonímica. Não se tratava de uma elaboração que um sítio possibilitava ao

artista; era o próprio sítio registrado. Leia-se o trecho em que ele comenta uma fotografia que

Watkins fez de Yosemite, na Califórnia: “O fascínio de Watkins com a superfície espelhada do

Lago Tenaya é emblemática da sua postura retórica como fotógrafo. Ele vê seu trabalho como o

fixar ou o gravar de um reflexo, evanescente, de uma realidade física, e não como a construção de

uma paisagem idealizada.”26 Embora essa fotografia, como outras, não tivesse o estatuto de

paisagem, sua composição, combinando os planos de forma a contrapor a solidez da topografia

com a evanescência de seu reflexo, deixa claro que “eram adaptações de práticas de paisagens

existentes em outras mídias”27

A postura teórica de Snyder está de acordo com o que Mitchell afirma ainda no início

do livro Lanscape and Power. Ao longo do séc. 20, os estudos de paisagem passaram por dois

momentos históricos, marcados, cada um por um tipo de abordagem. Num primeiro, ligado a

preocupações modernistas, a atitude teórica foi de um formalismo que analisava a produção de

paisagem como purificação do campo visual; num segundo, marcado pela abertura que a

semiótica possibilitou, sobretudo dos anos 1960 para cá, tratou-se de pensar a produção de

paisagem como criação sígnica; a imagem enquanto texto.28 O que Mitchell propõe é ir além

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dessas duas abordagens e situar a paisagem enquanto produção de sentidos que se estabelecem a

partir das relações de poder. Assim, mesmo imersos naquele contexto, que não considerava a

imagem fotográfica como arte e, portanto, paisagem, os fotógrafos Watkins e O’Sullivan

terminaram por atribuir sentidos diversos aos seus trabalhos, dando dimensões que incluíam

elementos que não se restringiam ao técnico. Snyder destaca o aspecto político nas fotografias dos

dois. Ambos utilizaram elementos do código pitoresco-sublime da pintura de paisagem, embora

de modos inversos. O primeiro documentou Yosemite tornando-o familiar aos padrões estéticos

da apreciação da natureza, recriando-o em tom de publicidade: o oeste norte-americano como o

novo Éden, puro e, ao mesmo tempo, compatível com a noção protestante de trabalho e

exploração da terra. Já o segundo mostrou o oeste como um território que era estranho ao olhar

americano de então. Seu enfoque recaiu no caos que esses lugares, cheios de passagens

interrompidas por serras abruptas, representavam; sua atitude foi dar visibilidade à

inospitabilidade desse território estranho e desordenado.

A questão aqui é de, à luz desse argumento, situar a produção de imagens fotográficas

dentro das especificidades do caso brasileiro. A julgar pelo título de uma fotografia citada por

Maria Cristina Carvalho e Sílvia Wolff, Paisagem do Rio de Janeiro com Outeiro da Glória,29

para o mesmo período trabalhado por Snyder, me pergunto se a relação da fotografia no Brasil

não estava muito mais atrelada à pintura. Será que a mera utilização de um motivo pictórico para a

composição de uma fotografia já seria o suficiente para nomear a imagem enquanto paisagem?

Há uma fotografia, publicada na Revista da Cidade, em 1926, que nos coloca de frente

para esse enigma. A imagem mostra Murilo La Greca pintando fora do estúdio.30 Nela, o pintor

está diante de um corpo d’água, com uma mata ao fundo. No centro da imagem, e de frente para o

pintor, está o cavalete, com a tela na qual ele cria. A fotografia é montada de forma a sobrepor a

pintura, no centro, e o seu referente, ao fundo. Que diz essa imagem? Que é a tela que opera a

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transposição do sítio em paisagem? Mas, ao fazer do referente da pintura, o sítio, seu próprio

objeto, a fotografia não estaria tomando-o como paisagem? Ou seria apenas o registro do artista

fora do estúdio?

Em outra edição da Revista da Cidade, vêem-se oito fotografias de Phil. Schäfer,

ocupando duas páginas inteiras.31 São todas imagens que procuram recortar aspectos da natureza

dos arrabaldes do Recife, sobretudo ligados ao elemento “água”, como um rio Capibaribe e os

açudes. O interessante é que cada fotografia traz um título, como de costume do fotógrafo, que,

aliás, as assinava. Isso me leva a pensar a questão da autoria na relação com a elaboração estética.

A partir de fins da década de 1880, com o surgimento do instantanée, atrelado à câmera portátil,32

a fotografia tornou-se uma imagem mais fácil de ser produzida por alguém que não fosse um

especialista. Essa situação criou uma distinção entre uma prática amadora e uma profissional.

Aliado a outras transformações, de ordem estética, como o pictorialismo ou a fotomontagem, foi

possível pensar a fotografia como algo passível de criação, ou “creação”. Ou antes, algumas

fotografias. Penso que as práticas fotográficas que procuraram se distinguir das amadoras o

fizeram através do uso de estratégias já consagradas pela produção artística, ou então por aquelas

oriundas dos movimentos fotográficos acima citados. Assim, encontrei, na Revista da Cidade,

uma fotografia de barcos no mar, entra o cais do porto e os arrecifes.33 A menção ao tema

pictórico é evidente nos dizeres que acompanham a imagem: “uma linda marinha ao cair do sol”.

Em outra fotografia, é o próprio temo paisagem que acompanha a imagem. Nela, Olinda aparece

em silhueta ao pôr do sol. A fotografia é seguida do texto: “Um lindo trecho de paisagem ao

crepúsculo numa das mais fecundas e alterosas paragens da vizinha cidade de Olinda. Panorama

magnífico, dir-se-ia que as tintas da paisagem se confundem, numa suave harmonia com o ouro

líquido do sol que se derrama, fecundado, pela paisagem luxuriante.”34

Mas não são todas as imagens fotográficas do ambiente urbano que são consideradas

paisagens. É o caso, dentre vários, da fotografia do bairro da Boa Vista, feita do alto de uma

cúpula (provavelmente do edifício do Senado, atual Assembléia Legislativa). Junto a ela, vêm os

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dizeres: “Recife. Panorama da Boa Vista.”35 Ora, há uma relação entre paisagem e panorama, mas

essas são de ordens distintas. O termo panorama, elemento representacional que entrou para a

pintura, transbordou, em seu uso, para um léxico ligado ao campo perceptivo. O panorama passou

a ser empregado para descrever a visão (perceptiva) que abarca uma certa totalidade e que, para

isso, é feita à distância. Já o termo paisagem parece ter ficado como sinônimo de imagem que,

pela beleza (conferida socialmente), ganha ares artísticos. A paisagem, de gênero de pintura,

passou a ser um certo tipo de olhar, estetizante, que algumas imagens apresentam. Daí a fotografia

do bairro ser apenas uma vista. Mais abrangente, mas ainda uma vista. Já a silhueta da colina de

Olinda ao crepúsculo foi nomeada como paisagem. Mesmo que ligada ao uso perspectivo da visão

panorâmica, a imagem gravitava em meio a uma construção pitoresca do ambiente. De que

olhares sobre o ambiente essas imagens panorâmicas falam?

No jornal A Provincia, há uma longa matéria tratando das obras e melhoramentos

efetuados até então (outubro de 1924), pelo governo estadual. A temática, como de praxe nessas

publicações, abordava questões como as finanças, as obras públicas, como reformas de praças, de

pontes, etc. Nelas, descreve-se o Derby e a construção do novo edifício da Polícia, que ficaria

junto ao jardim projetado. O interessante aqui é que quando da descrição do edifício, o escritor

fala até da vista que se tem lá de cima. Leia-se o trecho: “Sobre este terraço está construída a

grande torre de concreto armado, tendo a forma octogonal e terminando por uma cúpula também

em cimento armado, vendo-se aí um varandim de ferro e um minarete, descortinando-se toda a

cidade. Observa-se também Olinda, Ilha do Pina, Paulista, etc.”36 O texto parece indicar que havia

certa familiaridade em olhar a cidade do alto dos edifícios. Pois, além do autor ter-se dedicado ao

assunto tanto quanto das finanças do estado, a própria curiosidade de olhar a cidade do alto do

recém-inaugurado Quartel do Derby denota que esse olhar já era uma prática social corrente. E

insinua ainda outro dado. Pelo tamanho (e altura) e pela relativa distância a que o Derby fica do

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núcleo central do Recife, a vista de lá de cima poderia trazer novidades a esse olhar panorâmico.

E, de fato, trazia. Conseguia ser um topos através do qual a cidade era apreendida como um todo

novamente. Para o Recife que crescia, se expandia, as vistas do alto dos sobrados, ou mesmo de

outras construções mais elevadas, do centro, já não davam conta, no campo visual, da totalidade

do ambiente urbano.

A esse olhar antigo, já estabelecido, coincidia o desejo por novos lugares através dos

quais se mudaria a própria escala da observação. A cidade crescia e o panorama procurava tomar

um ponto de vista mais distante. Em outro texto, que narra a aventura de um grupo de amigos,

essa procura por um novo topos se tornou mais visível. Dou voz a esse relato, procurando tornar

visível esse olhar, que percorreu o terreno até vislumbrar o ambiente lá do alto.

“Quando chegamos ao sopé do morro, paramos.

A vereda principal, alva pelo luar que caía através da folhagem rala, fazendo arabescos no chão,

sumia-se logo na primeira curva. Fazia um ar fino, quase frio, perfumado pelas carolinas que marginavam

a estrada. Grandes chapas de ferro, carcomidas pelo tempo, estavam a amparar as barreiras, protegendo-as

dos desmoronamentos de que as águas as ameaçavam na descida do morro. E assim fomos subindo.

Nunca o nosso corpo parecera pesar tanto, forçando-nos a despender energias tão fortes. Ao chegarmos ao

cimo, suarentos, cansados, pisando firme no terreno limpo, de argila endurecida, lançamos o olhar para

tudo, gozando o panorama que se mostrava aos nossos olhos pela primeira vez.

O luar sem nuvens descia do alto, caindo em vertical sobre o santuário da Virgem da Conceição,

banhando-a de luz. Por trás do monumento, cinco palmeiras eretas, firmes como guerreiros romanos,

davam apenas ligeiros sinais de vida, ciciando a folhagem. Em redor, a vista caía nos baixios. Alvejavam,

longe, os telhados novos de capim-açu, ressequidos pelo sol forte. Para o norte, Olinda brilhava num

polvilhamento de luz, e o sul, todo enevoado, fechava a linha do horizonte numa paz adormecida.”37

Pelo que se lê, o deslumbramento da visão inédita, abrangente tal como um panorama

permite ser, compensa o esforço de galgar o Morro da Conceição. De lá, um grupo de amigos

olhou a planície do Capibaribe, em meio à névoa. E suas sensações eram de tirar o fôlego diante

da sublimidade da natureza. Vê-se aqui que o esforço do “raid” terrestre, pra usar uma expressão

da época, era, sobretudo, o desejo por um novo olhar. Nele, a cidade surgiu com um novo ar. E a

noite dava o tom...

Mas, se a noite cria essa atmosfera mágica, esconde, na penumbra, os objetos alvos do

olhar. Ou pelo menos do olhar panorâmico, que se pretende nítido. Não demoraria e, alguns meses

depois, outro grupo empreenderia a façanha. Dessa vez, de dia. Leia-se:

“Domingo de sol.

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‘Banhando o Monte Pascoal, esse monte que fica em um dos arrabaldes do Recife, o sol de verão

despendia seus raios com fulgor, sobre o barro de fogo.

Galgamos o monte e chegamos no alto, onde há um pequeno povoado.

As casinhas de sapé, cobertas de capim, estão bem alinhadas. Olhei, e distingui o Recife, com seus

belos edifícios: a faculdade, o senado, enfim, todos os prédios elevados.

Estendi a vista mais para o norte e eis que aparece à minha vista a bela Olinda, depois as águas

tumultuosas do embravecido Atlântico.

Descortinavam-se majestosos panoramas. Voltei-me mais uma vez para o Recife.”38

É interessante notar os dois usos da palavra “vista” no penúltimo parágrafo. Quando o

narrador diz que estendeu a vista, ele usa o termo como metáfora para o processo perceptivo de

olhar o ambiente; mas quando ele fala em que apareceu à vista dele a bela Olinda, o vocábulo

significa a imagem, fixa, que ele criou ao operar o olhar.

Nessa procura por um novo topos para atualizar esse antigo olhar que é a vista

panorâmica, terminou por emergir uma nova imagem da cidade. Ainda que herdeira dessa

tradição panorâmica, ela inauguraria uma nova forma de olhar a cidade, inclusive através de um

outro aparato epifânico dessa modernidade: o avião. A conjunção dessas duas tecnologias, a

aviação e a representação fotográfica, canalizadas para olhar o ambiente urbano engendrou a foto

aérea.

A arquibancada do Jockey Club já estava lotada, com os almofadinhas vestidos à inglesa

e as melindrosas, com seus cabelos curtos, quando o ás Lafay aterrissou seu avião. Mas não

bastava que quase toda a cidade visse o piloto francês descer no Recife. No dia seguinte Lafay

decolou e sobrevoou a cidade. Levava no avião um fotógrafo. Na edição seguinte da Revista de

Pernambuco lá estava a fotografia, impressa, acompanhada dos dizeres “O Recife de aeroplano”,

com a informação de que tinha sido tirada a 800m de altitude.39 Eis uma imagem que era

produzida por uma prática social ainda incipiente. Além de bastante elitizada. Poucos tiveram o

privilégio de olhar a cidade lá do alto. No entanto, sua divulgação através dos órgãos de

imprensa,40 foi gradativamente tornando-a em uma das imagens “oficiais” da cidade. O olhar

dessa fotografia seria tomado como estratégia representacional para tentar costurar a unicidade de

um tecido urbano que não cessava de transbordar de seus limites.41

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A fotografia aérea pôde finalmente dotar o Recife dessa imagem panorâmica por

excelência. Agora, podia-se vencer, através do aparato tecnológico, a contingência da

horizontalidade do sítio do Recife. E, o resultado era deslumbrante, pois o que antes era

impedimento, agora era condição mais do que favorável. Sem obstáculos ao campo visual, como

morros abruptos, o olhar abarcava a planície do Capibaribe até esta se tornar azulada nas linhas do

horizonte. E essa imagem, moderna, seduziu a elite que a produziu e a transformou numa das mais

significativas da cidade. Basta ver como essa imagem foi sendo estabelecida ao longo do séc. 20.

Melhores condições técnicas, a escolha de enquadramentos, tudo passou a referendar a auto-

imagem da cidade enquanto aquática, com seus rios, suas pontes, etc. Atualização imagética da

cidade que era inventada pela imprensa da época como a “Veneza Americana”. Além do que, ao

montar uma imagem da cidade a tal distância, a foto aérea criava a necessidade de

reconhecimento, nessa escala nova, de marcos urbanos. E não demorou para que reafirmassem

marcos já conhecidos (instituídos socialmente pelos grupos que os erigiram e deles usufruíam) do

ambiente urbano, como o edifício do Senado, o da Faculdade de Direito, etc. E no entanto, esse

olhar (que através da verticalidade como alteridade), apesar de reafirmar o sítio natural como

característica da identidade horizontal da cidade, terminou por estender o domínio sobre a

natureza. A cidade vencia a planície e subia para além dela. Colonização sígnica tanto quanto

material da natureza.

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IV

Da pintura à fotografia, e dessa ao cinema. Mas não se trata de uma evolução,

necessária, no sentido progressivo do aprimoramento da produção imagética em captar a realidade

fidedignamente. Ao contrário, o objetivo é mostrar como estratégias de representação, que

emergiram na pintura, formam um repertório de imagens mentais com as quais se operou o olhar

sobre o ambiente, em termos de paisagem. Depois, em que consistiu a especificidade da

fotografia, quando tomou importadas tais estratégias pictóricas e imprimiu a elas um viés próprio,

pertinente ao seu suporte/mídia. Assim também o cinema.

“As possibilidades abertas pela temporalidade própria da imagem são infinitas: há o

movimento do mundo observado e o movimento do olhar do aparato que observa.”42 Com essa

afirmação, Ismail Xavier destaca que, quando do aparecimento do cinema, na virada do séc. 19

para o 20, duas leituras se deram sobre esse processo: uma enxergava o cinema “enquanto

coroamento de um projeto já definido na esfera da representação; na segunda, se vislumbra o

cinema enquanto inauguração de um universo de expressão sem precedentes, destinado a provocar

uma ruptura na esfera da representação.”43 Em relação à primeira corrente, penso no cinema de

massa, indústria cultural, que, apostando no gosto popular pela teatralização, iria privilegiar o

melodrama. E é aí nos anos 1920 que esse formato torna-se mais definido. Não era mais o desfile

de vários filmes seqüenciados, curtos, sobre assuntos diversos; mas o cinema narrativo, como

ficou conhecido, com seu filme longo, sendo atração única da seção da sala escura da projeção.44

A grande parte das películas exibidas no Recife, oriundas de uma produção hollywoodiana,

tinham essa característica. Esse cinema inseriu-se “na tradição do espetáculo dramático mais

popular, de grande vitalidade no séc. XIX.”45 Essa tradição remonta à reformulação que Diderot

introduziu, na teoria do teatro, ao romper com a tragédia (neo)clássica, tal qual encenada na

França dos setecentos. Deixando de lado a ênfase na linguagem poética, o filósofo propôs “um

teatro que explore a expressividade do gesto, privilegie a ação (não somente as grandes, mas

também as cotidianas), a composição visual da cena (define os tableaux construídos pela posição

recíproca dos atores e da cenografia).”46 Esse gosto pelo gesto, expressão dos sentimentos,

exposição das paixões, tem seus desdobramentos e desemboca no “gênero dramático de massas

por excelência: o melodrama.”47

Um outro autor, John B. Jackson, falando sobre a paisagem, também concorda com as

raízes teatrais daquela, e sugere que a paisagem no cinema não passa de cenário para o drama.

Leia-se:

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“No séc. 18, a paisagem indicava o cenário no teatro e tinha a função de sugerir discretamente

qualquer locação, não há melhor indicação de como nossa relação com o ambiente pode mudar ao longo

dos séculos do que no papel do cenário do palco. Trezentos anos atrás, Corneille podia escrever uma

tragédia em cinco atos com uma única indicação do lugar do drama: ‘a ação toma lugar no palácio do rei.’

Se olharmos para o trabalho de um moderno escritor teatral, provavelmente encontraremos uma descrição

detalhada de cena após cena, e o último estágio desse tipo de paisagem, suponho, é o cinema

contemporâneo.”48

No entanto, isso que Jackson chamou de “papel de cenário”, não faz da paisagem um

tema, um argumento central da imagem cinematográfica, sendo apenas aquilo a que Malcolm

Andrews se referiu como parerga.49 Moldura e não o argumento central. Falando no cinema do

Recife dos anos 1920, Eduardo Duarte o afirma como “uma janela para mundos de costumes e

valores até então conhecidos pelas fotos de revistas, jornais ou pelas histórias dos viajantes. Agora

era possível de se ver os carros, os prédios, as pessoas e suas roupas. Mas isso as fotos já

mostravam. O específico do cinema é o movimento.”50 Num artigo sobre o cinema, publicado na

Revista da Cidade, J. H. de Sá Leitão afirma que o cinema não consegue transpor para a tela a

riqueza artística da literatura, como o teatro o faz. Mas reconhece que aquele tem a capacidade de

chamar a atenção do espectador para as imagens. Nele, diz-se:

“Nas ações mutiladas das peças de teatro, o cinema é apenas um depredador. A representação

cinematográfica de uma cena literária importa no que pode haver de mais inartístico. Mas, o cinema põe

em foco, de um modo flagrante, os caracteres, e faz, com a extensão incalculável do seu prestígio e o seu

formidável poder de sugestão, a crítica dos costumes, viagens, sports, paisagens, locais, acontecimentos,

aparecem na tela animados pela fotografia. Há revelações de cenas e particularidades que são de um valor

inestimável.”51

Ora, esse espectador, culto, pensa o cinema como uma arte menor que o teatro e a

literatura. E assim, desprendido da trama, ele pôde ater-se às imagens que o cinema torna visíveis,

embora ele as tenha tomado como “inartísticas”. E referia-se a sua dimensão fotográfica, da

ordem do mecânico. A contradição é que ele nomeia uma das diversas imagens e elementos que

aparecem, “animados pela fotografia”, como paisagem. Aqui a palavra paisagem ganha contornos

diferentes e outro significado emerge: o de referente espacial que possibilita a produção de uma

imagem. Mas a esse uso do termo retornarei mais adiante, no próximo tópico. Aqui cabe ver

naquele espectador da telona um membro de outro público, mais seleto. Embora ele o seja de uma

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posição conservadora, que via no cinema uma linguagem pobre, aquém da literatura, havia os que

assumiam outra postura. É para um público assim que, entretanto, afirma Ismail Xavier:

“Encontramos aqui quem vê o cinema como ruptura, espectadores avessos aos códigos do filme de

ação corrente, cinéfilos não interessados na fluência dos acontecimentos, no pulsar da narrativa, nas

tensões dramáticas usuais. Através deles, o cinema ganha uma recepção mais empenhada em surpreender

aspectos da plástica da imagem, do trabalho da câmera e da presença peculiar do mundo na tela que

permanecem recalcados na visão dominante.”52

São os movimentos avant-guarde, como um Epstein, na França; um Vertov e um

Eisentein, na Rússia; um Griffith, nos Estados Unidos; e um Fritz Lang, na Alemanha.

Esse outro cinema, atento à imagem como possibilitadora de uma nova representação,

trabalha a partir de duas instâncias que, embora relacionadas, são distintas: a obtenção de imagens

e a montagem. No campo da obtenção de imagens, surgem duas técnicas, ainda durante o cinema

mudo, ambas ligadas ao trabalho da câmera, ou antes, ao movimento da câmera. É o que Sitney

chama de “moving camera”, continuadora do diorama; e a “panoramic sweep”, herdeira do

panorama.53 Falando sobre o primeiro, Kirby destaca que já havia tomadas em trens em

movimento.54 A paisagem filmada enquanto o trem está em movimento guarda semelhança com

um entretenimento que, surgindo no início do séc. 20, era uma espécie de avô dos parques de

diversão, com aqueles brinquedos que simulam a experiência em termos de movimento e imagem.

Trata-se do Hale’s Tour. Era a projeção de cenas em movimento, projetadas de forma que os

espectadores, situados dentro de um vagão parado, ao vê-las através das janelas, tinham a

sensação de que o próprio trem corria.55 Em relação ao segundo, também chamado de pan shot, já

era utilizado. Sobre ele, Sitney afirma:

“Ainda que diferente dos panoramas, a tomada circular manteve a moldura fílmica, implicando em

termos estilizados. O movimento dos olhos humanos sobre o campo de visão não criou a ilusão de uma

ambiência ao redor do espectador. A tomada circular sublinha a inevitável potencialidade do espaço fora

da tela: o senso da paisagem se estendendo em todas as direções para além dos limites da tela contribui

para a ilusão da presença da câmera no campo de visão,”56

Porém, não há neste trabalho como aferir se essas imagens alternativas ao cinema

narrativo clássico eram recebidas pelo público recifense e como influenciaram no repertório com

o qual se concebia a experiência urbana. Seria importante buscar a resposta a essa questão, para

poder descobrir se a paisagem era percebida em termos cinéticos. Que o ambiente o era, não há

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dúvida. Agora, se tal percepção obteve o estatuto de paisagem, então estou diante de outra

questão. A que imagens se referia o Sá Leitão quando mencionou as paisagens no cinema? Os

poucos elementos de que disponho são os filmes produzidos no Recife dos anos 1920 e os outros

tipos de registros, como os textos e imagens em jornais e em revistas. Esse material, no entanto,

aponta para uma noção mais estática da paisagem. Como se, daquelas duas possibilidades que o

cinema abria, apenas a primeira correspondia ao conceito de paisagem (e sua triangulação entre a

representação fílmica e a experiência urbana). Trata-se do movimento do mundo observado, e não

o movimento do olhar do próprio aparato.

Tomo o cinema como uma janela que se abre para o olhar sobre a cidade.

Em A Filha do Advogado há duas cenas que envolvem a metáfora da janela. Elas se

tornam emblemáticas da discussão da paisagem através de uma apreciação cinética versus uma

parada.

Lúcio é um jornalista do Recife, amigo do advogado famoso que tem uma segunda

família. Quando esse viaja à Europa, Lúcio fica encarregado, a pedido daquele, de dar apoio a

Heloísa (filha do advogado) e sua mãe. É então que ele viaja até a propriedade rural onde as duas

moram, a fim de dar-lhes a notícia da partida do pai e de seu pedido para que fossem morar numa

vivenda, nos arrabaldes dos Aflitos, no Recife. A primeira cena é quando Lúcio está no trem, indo

para o interior. Sentado, ele lê um jornal. Atrás dele, na poltrona seguinte, uma senhora olha

através da janela do trem. O olhar do espectador, projetado no olhar do aparato, ao se deparar com

o olhar dela, é refratado na direção da janela. É então que se vê o terreno passar veloz, pela

moldura fixa. Falo “o terreno”, pois não sei se tal vista coincidiria com o termo paisagem, embora

o filme leve, mesmo num átimo de segundo, a olhá-lo. Já a segunda cena é na casa de Heloísa.

Lúcio já contou as novas e ela senta-se, encostada a uma ampla janela. Enquanto o espectador vê

um verdadeiro “quadro” através da janela, com uma casinha ao fundo, algumas árvores (tudo no

preto-e-branco degradé que apenas insinua o colorido do lugar), Heloísa lança a tudo isso um

olhar vago e opaco, como se soubesse que partir para o Recife seria deixar aquela janela para trás.

As duas imagens são produtos do olhar dos sujeitos que viveram o Recife daqueles

tempos. No entanto, cabe perguntar que significados cada um evocou e quão difundidos eles

foram. Tomando a idéia do cinema narrativo dos 1920, imbuído das tradições melodramáticas do

séc. 19, então às cenas iniciais do filme corresponde a descrição de pano de fundo. Tal como se

situa o drama num lugar e tempo. A segunda imagem do filme é um exemplo do que venho

objetivando. Vê-se a ponte da Boa Vista cruzar o rio Capibaribe; ao fundo, o casario. A fixidez do

enquadramento e a escolha perspectiva lembram uma imagem fotográfica. Mas eis que um

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elemento surge, aos poucos, deslizando. É uma canoa. Nela, um remador sobe o rio sob a ponte e,

saindo da penumbra, atravessa o enquadramento, carregando consigo os olhares da platéia. Porque

a cena não foi montada através do olhar do remador, com a imagem da cidade e do rio em

movimento? Porque os espectadores não se identificavam e tampouco reconheceriam o ambiente

(pelo menos em termos de prazer estético). A percepção cinética do ambiente era algo muito

restrito. Só a elite que andava de carro tinha oportunidade de vivenciá-la. O avião era uma

experiência ainda mais inacessível. Mas, olhar os remadores, nas regatas, do alto das pontes, ou

da beira dos cais, era uma prática já incorporada ao cotidiano. A imagem no filme fala desse

olhar. A síntese que o cinema opera é a junção da imagem e do movimento. Movimento não do

aparato, mas dos corpos se deslocando no corpo do mundo. Todas as tomadas no filme são fixas.

É como se nesse momento, o cinema mostrasse quadros fixos cujos elementos se movem. Mas

não o próprio quadro.

E aqui gostaria de afirmar que não se tratava da gestação de um cinema que seria

plenamente desenvolvido depois. Mas, sim, de uma imagem própria e singular a um tempo

histórico específico.

Essa imagem cinematográfica faz com que os olhares sejam lançados em duas direções,

produzindo dois tipos de apreciação do ambiente urbano. Uma que enfoca a cidade como cenário,

entendendo por cenário uma noção tradicional de pano de fundo; e outra que procura estar atenta

ao movimento dos corpos no mundo.

Há uma cena em A Filha do Advogado que apresenta a paisagem como pano de fundo.

Quando Heloísa está presa, por ter matado Helvécio em legítima defesa, Lúcio vai até a Casa de

Detenção para lhe falar. No caminho, ele é acompanhado pela mãe dela. Juntos, eles andam ao

longo de uma calçada, como num cais, margeando o rio. Vê-se uma árvore, ao fundo. A

plasticidade da cena a remonta em termos de pintura, o que confere ao momento narrativo uma

carga dramática mais intensa. A paisagem acentua as ações do drama.

Essas estratégias de produção de imagem e sua sugestão semântica são encontradas de

forma semelhante nos contos e artigos reproduzidos nas revistas. Em A Pilheria, foi publicado

esse pequeno texto, com ares literários. A estrutura narrativa constrói-o, de forma parecida com

outros também editados pela imprensa, com uma descrição do cenário nos parágrafos iniciais.

Depois, o olhar do narrador se volta para os atores e o drama que eles vivem. No final, o cenário

pode ser evocado como fechamento da história. Ou como clímax. Ou pode não ser mencionado.

Tudo dependerá de sua importância para a própria narrativa. Leia-se:

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“O marulhar lento das vagas era o único rumor que perturbava o silêncio, quase absoluto, da tarde

agonizante...

O sol, como um globo fantástico, sumia-se na profundez das águas que a sua luz morrente tingia de

púrpura. Jangadinhas retardadas, como gaivotas erráticas, abriam à viração, as asas brancas das velas. Lá,

muito ao longe, o vulto dum navio indecizava-se, aos poucos na distância...

Recostado no varandim de mármore, a que florões rubros ensaguentavam a brancura, Jayme

fixava os olhos verde-esmeralda, enigmáticos como um destino, pela vastidão infinita do mar.

Olhava para tudo sem nada ver, porque na retina só tinha, nítida, a figura esbelta de Sarita, a

amante que ele adorava.”57

O narrador descreve inicialmente o cenário e depois, já num segundo movimento,

apresenta a figura que, diante da vista, não está olhando o mar. A beleza do mar, descrito no início

pelo narrador, não era percebida pela indiferença do personagem, e continuaria não sendo depois

que ele lesse a carta na qual ela lhe dizia que terminava o affair. Nesse caso, o cenário é um mero

pano de fundo. Os atores não interagem com ele. Seu efeito é apenas compor a ambiência da cena

para o leitor.

Num segundo conto, de Paul Bouret, há uma outra construção semântica. Havia essa

mulher que tinha perdido um filho e, inconformada, se debatia em angústias, remoendo um ódio

para com os filhos do seu marido. Há uma longa descrição da região da Provence, no

Mediterrâneo francês, cenário no qual se dá a ação. Entretanto, a paisagem, aqui, não é mero pano

de fundo; é também um elemento narrativo importante, no qual faz o papel da natureza que

celebra a vida, tal como a Igreja cultua a Ressurreição. Os filhos do marido dela colocam ovos de

páscoa e flores junto ao quarto do amigo e isso a comove tanto que ela se liberta da angústia da

perda, e passa a amá-los como a seus verdadeiros filhos. Se antes, seu estado interior era

antagônico à vida que florescia e verdejava na paisagem, no fim, passa a estar em sintonia com

aquela. De estranha, ela passa a fazer parte da paisagem. O último parágrafo funciona como

coroamento dessa reintegração do personagem à vida circundante. Leia-se: “Mais uma vez o

grande mistério do renascimento, celebrado pela Igreja e visível naquela paisagem de primavera,

se realizava num coração humano: a vida sobrepujava a morte; o amor vencia o ódio...”58

Nesse outro conto, a descrição do ambiente parece duplicar a tensão que paira no ar. Um

grupo de amigos, reunidos, comentava a morte de uma conhecida, que se dera de forma trágica. O

que aqui destaco é a descrição do cenário e de como ele ganha vida própria, no desfecho do texto.

Leia-se:

“O cenário em que estávamos prestava-se a histórias tétricas.

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A chuva caía miúda e impertinente, fazendo fugir os transeuntes.

Na avenida larga os automóveis deslizavam com intermitência cortando com o som das buzinas o

soturno marulhar das ondas. No ‘bar’ do hotel, fartamente iluminado, nós éramos os únicos.

[...]

Aumentara o silêncio. Só se ouvia o bater surdo da garoa nas folhas do arvoredo e o compassado

desmanchar das ondas nas largas pedras do quebramar.

O ruído distante da cidade que aquela hora ainda vivia, não chegava até nós.”59

De mero pano de fundo, o mundo exterior passara a ser algo cuja relação com os atores

é interativa. Na Revista da Cidade, há uma fotografia de um grupo de atletas. Nela, os “atores”

estão inseridos no “cenário” da praia.60 O que a revista propõe é fazer os retratos emoldurando-os

na própria imagem da cidade. Assim, o ambiente aparece como algo comum ao cotidiano das

pessoas. Em outra fotografia, da mesma revista, que nessa edição veio publicada na capa (o que

denota uma ampla visibilidade), há um banhista que salta da Casa de Banhos.61 O interessante é a

coincidência da centralidade na sobreposição dos planos. No primeiro, o mar, as escadas de

acesso à casa e o próprio mergulhador que, flagrado no instante do pulo, flutua; ao fundo,

exatamente onde o olhar se atém ao mergulhador, vê-se o casario e os barcos no Cais de Santa

Rita. O olhar é facilmente deslocado da ação do personagem para o próprio cenário. A cidade

mesma aparece como alvo do olhar. Em meio aos personagens em cena, o cenário se personifica e

se torna mais um elemento do mundo observado.

Isso me traz ao olhar que, quando falava do cinema, se depara com o movimento dos

corpos no enquadramento. Encontrei esse olhar nos vários suportes pesquisados, como o cinema,

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a fotografia, os artigos e demais matérias jornalísticas e até na literatura. Essa forma de apreensão

do ambiente através do movimento constitui o que chamaria, para usar uma expressão da época,

de instantâneo. A rapidez da linguagem tenta expressar a momentaneidade do que é percebido. A

fugacidade de algo que não mais será visto. Em A Filha do Advogado, enquanto Helvécio

conversa no portão, com o jardineiro, ao fundo vê-se um automóvel passar. Quando Lúcio vai ao

interior, vê-se o trem partir do Recife, ao fazer uma curva. No primeiro plano da imagem, um

jovem caminha sobre o trilho. Encontrei na Revista da Cidade, um trecho que funciona como

editorial que explicita a proposta imagética do órgão. Leia-se: “Para uma revista que se propõe a

registrar, fotograficamente, a vida da cidade, o instantâneo de rua, flagrante da elegância e do bom

gosto das mulheres da terra, é uma preocupação bem justificada.”62

Essa preocupação, ligada a novos suportes como a fotografia e o cinema, terminou por

se difundir na linguagem escrita. Nesse texto curto, vê-se o acompanhar de uma conversa ser

interrompido pelo barulho de um bonde. Ao perder-se um único instante, já se tem, depois, uma

outra cena:

“Às 19 no Moderno, ia terceira à esquerda. E o resto o barulho de um bonde da Tramways

interrompeu.

Ele entretanto deixou o fone radiante.

De certo o compromisso ficou firmado.”63

“À Porta do Leça” era uma seção da revista A Pilheria. O título dava o tom das suas

colunas, escritas como se olhassem a rua e seu movimento da porta de um café, ou de uma

confeitaria. Nesse texto, especificamente, a situação é precisamente essa. No desfecho, o

movimento da cidade ganha visibilidade. Ao fim da conversa sobre a vida alheia, tem-se a linha:

“Um automóvel cortou a rua, nesse instante, veloz, barulhento, afrontando a nossa Inspetoria de

Veículos.”64

É como se esse olhar se ativesse a algo, descuidadamente, enquanto se faz outra coisa.

Ao conversar na porta de um café, o olhar é desviado da conversa por um estímulo que a cidade,

sempre em movimento, propicia. Aliás, nos momentos de maior intensidade, como na hora do

burburinho do fim de tarde, os alvos do olhar são vários. Leia-se esse trecho: “À tardinha, já sem

o sol causticante, desceu da sua água furtada de um quarto andar para o seu passeio costumeiro. A

rua estava movimentadíssima; os moleques corriam apregoando os jornais vespertinos, os bondes

trafegavam mais rápidos; os automóveis impertinentemente fonfonavam.”65

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Também encontrei essa mesma estrutura narrativa no romance O Moleque Ricardo, de

Zé Lins do Rego. Entre um assunto e outro da história, o narrador olha o entorno, e no que o faz,

torna visível a cidade. “A chuva não diminuía. Os trens passavam com os vagões fechados,

rompendo o aguaceiro. Eram bem 12 horas. E agora só se ouvia a chuva fazendo barulho. Uma ou

outra vez fonfonava automóvel rompendo a enxurrada.”66 E já retornava à vida de Ricardo.

O que, no entanto, esses vários instantâneos fazem ver é a noção de que a cidade passa a

ser independente do olhar do observador. A consciência da simultaneidade dos eventos possibilita

tal apreensão. Arriscaria dizer que, lentamente, de dentro dessa forma de estruturar o olhar que

percorre o ambiente urbano, a imagem da cidade passou a significar a própria cidade. E o reverso

também. A cidade estava contida na imagem que fazia de si. Através desse processo, a idéia de

paisagem migraria da noção imagética para uma ambiental. Mas antes de me ater a essa

transformação (objeto do próximo tópico), procurarei dar visibilidade a esse outro olhar, que,

mesmo sendo incipiente e restrito, já tinha emergido: a percepção em movimento. E isso será

fundamental para a relação futura com o significado de paisagem.

O vento na tela e no rosto. Um passeio de automóvel pela avenida Beira-Mar, numa

tarde de domingo. A velocidade inaugurava um outro olhar: coqueiros que ficavam para trás num

piscar de olhos; a curva que o mar fazia no campo visual de quem dobrava vindo da avenida de

Ligação. Cor e luminosidade. Arejamento e modernidade. Distâncias que se encurtam, cidade que

diminui. O automóvel permitiu essa percepção da cidade através do movimento. Ainda mais que

sua mobilidade é maior que a do bonde ou a do trem. Assim também como o campo visual que ele

possibilita. Mesmo quando o automóvel era apenas tido como um meio de transporte que faria

com que as pessoas chegassem a outros lugares, a própria experiência do translado já era o

componente de um novo olhar. Assim, se encontro menção ao auto como meio para procurar um

lugar com uma vista agradável,67 a própria viagem seria percebida enquanto prazer estético.

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Aqui, nesse novo olhar, o ambiente é descrito à medida que vai sendo percebido, ao

longo do trajeto. Leia-se, nessa passagem, como o escritor monta seu texto, de forma a dar

visibilidade às coisas à medida mesma que ele passa por elas:

“Mas, anteontem, resolvi conhecer a avenida Beira Mar, visualmente. A tarde estava extremamente

quente. No azul metálico o sol dardejava. Tomei um automóvel e parti. Passada a rua Imperial e já na

Estrada Saturnino de Brito (demos às coisas os verdadeiros nomes), o espaço se descampou.

Tudo aquilo era novo para mim, com todas as possibilidades para um esplêndido bairro. De

repente, porém, uma brisa forte soprava, e como num pano de boca que se abre, o mar apareceu. Era toda

ela uma larga esteira de farpas luminosas.

O automóvel virou e na avenida Beira Mar começou a correr...”68

O que Luiz Cedro, o autor do texto, deixa entrever é a novidade desse olhar, e não só a

novidade do passeio. Pelo menos para os moradores do Recife. Daí a justificativa para a

construção, urgente inclusive, de uma avenida à beira mar para a cidade, pois só um passeio

desses pode suscitar tal apreciação. Poucos parágrafos antes de descrever aquela viagem, ele

afirmava a necessidade de se construir uma verdadeira avenida no Recife. E por verdadeira, ele

queria dizer: reta, pois, segundo suas próprias palavras, o que havia eram algumas ruas mais ou

menos largas, com nomes de avenidas, e que apresentavam várias curvas e “cotovelos”. Aqui, a

sugestão é a de que só o percurso retilíneo poderia dar ao olhar essa aparência de “fita”. E a alusão

à imagem cinematográfica é para nomear a experiência de perceber o ambiente que passa.

Mas, se quando Luiz Cedro descreveu o passeio de automóvel pela Beira Mar, isso era

algo recente, pouco tempo depois já não o seria. É o que sugerem essas linhas. Comentando sobre

o veraneio em Boa Viagem, o autor destaca a fruição da praia enquanto prática visual. Leia-se:

“Aos sábados e aos domingos sempre se aprecia um certo movimento. Gente que vem do Recife.

Assim mesmo, rápido. Nesses dias é grande o número de automóveis que desfila avenida afora.

Vêm, dão a volta e tornam viagem. Os passageiros gozam o passeio, e sabem que nenhum encanto

existe que os atraia por alguns segundos.”69

Muitas vezes o prazer da fruição do passeio era pura e simplesmente o próprio ato de

passear; e a percepção cinética que esse possibilitava. Não se tratava de ir a algum lugar e, de lá,

parado, olhar o mundo. O texto acima citado afirma que os autos “vêm, dão a volta e tornam

viagem”. Embora os dois olhares não fossem incompatíveis e co-existiram enquanto prática, o que

venho salientando é o aparecimento dessa relação com a cidade que é o passeio de automóvel.

Algo que, hoje, está cada vez mais relegado à memória, diante dos imensos congestionamentos do

tráfego urbano, ante a violência e sua saída banal: fechar os vidros para a cidade. Enfim, falo da

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emergência de um olhar sobre a cidade que foi possível naquelas circunstâncias de início do séc.

20, conjugação que foi de uma série de técnicas e estéticas. O fascínio, na época, era se encantar

com o mundo em movimento. Passar por ele. Atravessá-lo. Se fomos para Boa Viagem com Luiz

Cedro, voltemos de lá seguindo de carona o olhar do narrador que, à “porta do Leça”, elaborou

essa passagem (e por que não dizer paisagem?).

“A tarde estava tão encantadora, à hora evocativa do crepúsculo, o sol numa sanguínea viva, a

noite caindo lentamente, em tão doce poesia, que os três amigos meteram-se no automóvel que rumou ao

encantamento da avenida Beira Mar.

O chauffer, mão firme na direção, parecia preso à volúpia da corrida. Ao seu lado, o marido,

silencioso, parecia sugestionado pela beleza pujante do mar. Ao fundo do carro, Ele e Ela entregavam-se

ao doce êxtase contemplativo, sentindo n’alma toda a encantadora poesia daquele fim de tarde.

E a natureza lhes entrou tanto na alma que os dois começaram a recitar, a voz em surdina, uns

lindos versos de amor, enquanto o carro voava, macio, vencendo a distância.”70

O movimento também engendrou outra prática do olhar. Embora fosse uma experiência

muito mais restrita que andar de automóvel, pois além de cara era uma oportunidade mais rara,

dadas as circunstâncias com que se dispunha do aparato, ela fundou uma nova percepção do

ambiente. Trata-se do avião e a vista aérea. Num curioso artigo, um repórter d’A Pilheria narra a

aventura de voar num aeroplano, com as peripécias, as sensações e os olhares que se lançam à

cidade. Nesse texto, está relacionada a percepção cinética à imagem cinematográfica, através da

metáfora da fita; entrevê-se a noção de “limpeza” no campo visual que o distanciamento

panorâmico possibilita; e há a utilização da experiência cinética do automóvel como

conhecimento prévio para nomear essa nova percepção. O texto é composto por vários olhares,

múltiplos de diversos, como se, ao conquistar o espaço nas três dimensões, o repórter tivesse

alvos para mirar em todas as direções e em todos os sentidos. No desenrolar desses olhares,

“A sensação é muito agradável: dêem asas a um automóvel guiado por um bom chauffer e já se

tem sentido a verdadeira sensação da ascensão.

As coisas cá por baixo vêem-se do alto muito diminuídas de tamanho, o que a princípio parece até

uma coisa lógica basta subir à Torre do Espírito Santo ou à Faculdade de Direito. O clima não é mau. Não

há poeira, nem barulho, nem bilheteiros nem homens de prestação...

Não se distingue nada: somente telhados, sombras, e o verde da folhagem – (o Recife já é uma

cidade essencialmente folhuda) os edifícios mais altos da capital como os ‘arranha-céus’ do Bairro do

Recife [...] quase que muito esforço se divulgam do alto, parece às vezes que não existem.

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É uma impressão de quem tem diante dos olhos um binóculo e vê através dele tudo diminuído de

tamanho. Depois o movimento do aeroplano ainda nos dá a idéia de que tudo que se vai observando é uma

fita que passa, tão bonita, tão colorida, e mal chega ao fim estamos aterrando no Prado da Madalena.”71

V

Em novembro de 1925, o Livro do Nordeste foi organizado e publicado, como parte

integrante das atividades de comemoração do centenário do Diario de Pernambuco. Nele, há um

artigo de Gilberto Freyre, no qual ele faz uma história social dos costumes no Nordeste, ao longo

de todo o séc. 19 até chegar aos anos 1920. O início do texto funciona como uma apresentação do

cenário no qual se deram os hábitos e costumes, sociais, que ele estudará ao longo do

desenvolvimento do texto. Assim, num primeiro instante, ele mostra a paisagem para fazer com

que as mudanças ocorridas nessa centena de anos (1825-1925) ganhem visibilidade para o leitor.

Ora, o uso dessa estratégia, na composição textual e na organização de idéias, se assemelha à

estrutura narrativa/descritiva que encontrei nos contos, e mesmo nos artigos jornalísticos,

publicados nas revistas ilustradas. Mas, em se tratando do texto de Freyre, essa atitude ganha uma

certa ambigüidade. Isso porque essa estratégia representacional coincide com uma noção de

paisagem enquanto enquadramento fixo de pano de fundo. Mas o significado que ele dá ao termo

faz surgir uma outra conceituação, na qual a paisagem tem a conotação de espaço geográfico,

conjunção do meio físico e do construído. Leia-se essa passagem:

“Comparando o Nordeste de 1825 com o de 1925 tem-se quase a impressão de dois países

diversos.

A própria paisagem, o próprio físico da região, alterou-se profundamente. É outra a sua crosta.

Outra, a fisionomia.

Perdeu a paisagem aquele seu ar ingênuo dos flagrantes de Koster e de Henderson para adquirir o

das modernas fotografias de usinas e avenidas novas.

Beirando os canaviais e pastagens correm linhas telegráficas, fios de telefone, vias férreas; pelo

barro mole e por essa areia de praia que, no litoral, e às vezes no ‘agreste’, range sob os pés e pelo gneiss

duro em que se acizentam os caminhos mais para o interior, em vez de carros de boi levando aos

engenhos cana madura e liteiras conduzindo sinhazinhas para as festas de batizado e carruagens a trote

doce – rodam autos, espadanando areia, roncando.

[...]

As cidades muito se modificaram com a construção, sobre modelos europeus do século

decimonono, de gares, de mercados, bancos; com a tração elétrica; com os novos tipos de residência de

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uma arquitetura de confeitaria; com a preocupação da linha reta à americana, que por completo alterou,

em vários bairros do Recife, o à vontade antigo das ruas.”72

Num outro texto de Gilberto Freyre, essa noção geográfica da paisagem aparece

novamente, e agora com maior nitidez. Trata-se de um artigo, também publicado no Livro do

Nordeste, sobre a pintura do Nordeste. Nele, Freyre se atém a dois gêneros de pintura: a paisagem

e a pintura de costumes. Em ambos os casos, ele afirma que ainda não tinha surgido um pintor

verdadeiramente nordestino. Diz ele que “a paisagem e a vida do Nordeste brasileiro se acham

apenas arranhados na crosta, nos seus valores mais íntimos continuam virgens.”73 É que, continua

Freyre, as tintas para pintar o Nordeste não são nem os “entre-tons corretamente acadêmicos nem

das cores carnavalescamente brilhantes dos ‘impressionistas’.” É então que ele procura sugerir

temas para que essa pintura possa ser levada a cabo. No caso da pintura de costumes, ele elencará,

no texto, uma série de relatos para fazer uma história social que fornecesse os objetos, os motivos,

os temas à representação pictórica dos costumes, dos tipos, etc. Seguindo uma mesma

metodologia, ele procura descrições do meio natural para sugerir motivos pictóricos à

representação de paisagem. Esse último aspecto é o que aqui interessa. Freyre argumenta que

Euclides da Cunha já afirmara que ainda era inédito um trabalho sobre geografia física no Brasil.

E aqui, Freyre cita Euclides, dando-lhe voz:

“Alheiamo-nos desta terra. Criamos a extravagância de um exílio subjetivo, que dela nos afasta,

enquanto vagueamos como sonâmbulos pelo seu seio desconhecido [...] As nossas mesmas descrições

naturais recordam artísticos decalques, em que o alpestre da Suíça se mistura, baralhado, ao distendido

das ‘landes’ [sic.]; nada do arremessado impressionador dos itambés a prumo, do áspero rebrilhante dos

cerros de quartzitos, do desordenado estonteador das matas, do dilúvio tranqüilo e largamente esparso dos

enormes rios ou do misterioso quase bíblico das chapadas bíblicas...”74

Utilizando a passagem de Euclides para fazer ver que se olhava a paisagem do Nordeste

com os olhos do distanciamento etnocêntrico, através do qual enxergavam-se Alpes suíços num

meio tão diverso, Gilberto Freyre terminou por sugerir, talvez sem a consciência de que o fazia,

pois não era o cerne de sua questão, que faltava uma descrição científica da paisagem. Pelo menos

é o que Euclides diz, ao comparar a descrição natural com “artísticos decalques”. Ao artista, cabe

fazer esse quadro; ao geógrafo, o estudo empírico. Aqui, então, a paisagem deixa de ser imagem

pictórica, na relação sentimental com a natureza; mas o próprio meio físico. Espaço geográfico.

Embora a paisagem desperte no artista a imaginação que o permite criar, ela é o espaço. De signo,

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ela passa a ser pensada como o próprio referente, a realidade exterior ao sujeito. E Gilberto Freyre

assim o faz para dizer que ao pintor cabe interpretá-la.

No entanto, uma ressalva seja feita aqui. No texto de Euclides não há essa relação entre

o conceito de paisagem e a noção de meio físico. Ele se refere àquele com palavras como terra, ou

‘landes’ [sic.], seu equivalente na língua inglesa. É o próprio Freyre que opera essa coincidência.

Ele é que atribui à paisagem o significado de meio físico, usando o esboço geográfico em

Euclides para respaldar sua escolha teórica.

De dentro dessa nova conceituação, Gilberto Freyre encontra apenas um pintor que

procurou trabalhar a paisagem do Nordeste, mesmo que com sérias limitações. Leia-se:

“Entretanto, da paisagem do Nordeste só a ‘mata’ achou quem a fixasse, ainda que com

insuficiências; e esse raro pintor brasileiro com o senso regional tão especializado foi Jeronymo José

Telles Júnior [...]

Preso à ‘mata’ como se para a pintar tivesse nascido, Telles Júnior não a interpretou; apenas a

fixou. Estava aí sua insuficiência: não ser a sua pintura, de interpretação. O interesse das telas de Telles

Júnior está praticamente na documentação que oferecem – documentação exata, quase fotográfica – duma

fase da paisagem nordestina: a da natureza ‘já assenhoreada pelo homem e defendendo a custo a sua

integridade selvagem e as suas opulências florestais’; a da natureza tropical perturbada nas suas últimas

volúpias selvagens pelos avanços civilizadores da cana-de-açúcar. Em certos trabalhos do pintor

pernambucano chegam a branquejar à distância casas de engenho; chegam a fumegar ao longe boeiros de

‘bangüês’.

Mas o elemento humano local, animador dessa paisagem de ‘mata’, sempre o desprezou Telles

Júnior na sua pintura descritiva. Nos seus quadros – à exceção de um ou de outro, como ‘Usina

Cuyambuca’ – a vida de engenho apenas se advinha de longe pelos sulcos das rodas dos carros de boi no

vermelho mole das ladeiras. Dir-se-iam suas pinturas, ilustrações para um compêndio de geografia

física.”75

Atentando para essa conceituação de paisagem enquanto espaço, encontro um novo uso

para o termo “pitoresco”, o qual atesta que essa transição da paisagem (de imagem que é olhar

sobre o espaço natural a meio geográfico) já se vinha dando no imaginário dos sujeitos históricos

da época em questão. O que Gilberto Freyre fez foi amarrar essa passagem através de uma

linguagem erudita, de dentro de saberes científicos. Assim, nos jornais e revistas, emerge um uso

da palavra “pitoresco” que, do significado inicial, ligado à noção de pinturesco, passa a ser o de

algo característico ou peculiar a um dado lugar.76 Ao pensar a pintura de Telles Jr. como

“documentação exata, quase fotográfica”, Gilberto Freyre deixa entrever que a paisagem seria

algo passível do registro metonímico da imagem fotográfica. E o reverso, então, torna-se

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palpável: aquilo que a fotografia faz ver, o referente, o próprio mundo empírico, passa a ser

nomeado como a paisagem.

Na segunda metade dos anos 1940, Josué de Castro escreve um artigo sobre a cidade do

Recife, e usa o termo “paisagem” duas vezes, e em cada emprego emergem essas duas acepções, o

que sugere a convivência dessas concepções até em um mesmo autor. Além do que, em sendo um

texto dos anos 1940, dá a idéia de que tal transformação foi obra de um tempo relativamente

longo, e não uma ruptura, brusca. Leia-se a passagem de Josué de Castro:

“É curioso ressaltar o contraste entre Amsteerdam e Recife. Apesar de as duas cidades possuírem

geograficamente paisagens semelhantes, com ilhas, rios, pontes, canais; enquanto em Amsterdam os

componentes da paisagem se apresentam geometricamente disciplinados num perfeito arranjo urbano, no

Recife tudo está ostensivamente jogado numa espécie de desarranjo cósmico. [...]”77

No primeiro uso do termo, Josué de Castro a menciona como elementos (sobretudo em

seus aspectos visuais) da geografia urbana. Já no segundo, a palavra “paisagem” denota a

totalidade daqueles “componentes”, antes mencionados. Aqui, ela já não é mais uma vista de algo

isolado, como um dique ou uma ponte, mas o próprio conjunto do espaço. Daí o emprego do

singular, em contraposição ao plural das várias cenas percebidas. Tal noção, a da paisagem como

o espaço ou meio geográfico, emerge com mais nitidez em outro texto seu. No desfecho de

Homens e Caranguejos, escrito em 1966, a paisagem surge como o fechar do ciclo do caranguejo

e, arriscaria afirmar, como síntese entre uma geografia física e uma humana, que para Castro são

indissociáveis. Leia-se o trecho:

“E sobre toda a paisagem do mangue estende-se agora um lençol de sombra, negra mortalha

recobrindo todos os corpos dos mortos da revolução fracassada. Dentre eles, enterrado nos mangues, deve

estar, em qualquer parte, o corpo de João Paulo que, com a sua carne em decomposição, irá alimentar a

lama que alimenta o ciclo do caranguejo.”78

Essa transposição, operada pela fotografia, da paisagem enquanto signo, oriundo da

criação subjetiva, para o próprio referente registrado, documentado, iria se ampliar, ao longo do

séc. 20, através de diversas técnicas de obtenção da imagem cinematográfica. À moving camera,

ao pan shot e ao plano longo, se somaria o recurso do zoom. Combinadas em usos diferentes pela

montagem e na narrativa, essas imagens criariam a noção da paisagem como o próprio

ambiente.79 Esse processo, oriundo de transformações no seio mesmo das representações

imagéticas de paisagem, se imbricou a um outro, que marcou a emergência do conceito de

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paisagem enquanto aspecto visível do espaço geográfico. Essa mudança do conceito de paisagem,

de imagem pano de fundo para o ambiente que nos cerca, ganhou visibilidade quando o cinema a

elaborou em termos de travelling. Quando o ambiente à nossa volta (no qual o olhar da câmera

cinematográfica se moveu) passou a ser percebido como paisagem, é que a imagem produzida

pelo aparato e projetada na sala escura pôde coincidir com aquela percepção cinética, iniciada

com a experiência urbana da virada do séc. 19 para o 20. Só assim aquele olhar, que nos anos

1920 era incipientemente nomeado através da metáfora da “fita”, viria a ser, ao longo do séc. 20,

tido como paisagem. Mas essa é uma outra história e deverá ser contada em outro lugar...

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NOTAS 1. “Ruskin destaca a modernidade da paisagem, sua aparição recente na história da arte. De fato, a pintura de

paisagem foi, diz ele, a maior criação do séc. XIX.” In: PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. São Paulo:

SENAC São Paulo; Marca D’água, 1996. p. 117. Ver também: “Escolho o tema da pintura de paisagem, porque

esse, mais do que Ruskin percebera, foi a principal criação do século dezenove”. Tradução livre do trecho: “I

choose the subject of landscape painting, because this, in an even fuller sense than Ruskin realized, was the chief

artistic creation of the nineteenth century.” In: CLARK, Kenneth. Landscape into Art. London: Harper & Row

Publishers, 1976. p. viii.

2. Tradução livre do trecho: “Early in the nineteenth century it was recognized that the status of landscape painting

was changing. This change happened quite quickly. The fabulous success of Turner took place only thirty years

after the failure of Wilson; and in the course of the century landscapes which at least purpoted to be close

immitations of nature, came to hold a more secure place in popular affection than any other form of art. A peaceful

scene, with water in the foreground reflecting a luminous sky and set off by dark trees, was something which

everyone agreed was beautiful, just as, in previous ages, they had agreed about a naked athlete or a saint with hands

crossed on her bosom.” In: CLARK, Kenneth. op. cit. p. 147.

3. Tradução livre do trecho: “As for an extensive view: a great change has taken place since Petrarch’s assent of

Mount Ventoux, and, with exception of love, there’s perhaps nothing else by which people of all kinds are more

united than by their pleasure in a good view.” In: CLARK, Kenneth. op. cit. p. 147.

4. BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. O Brasil dos Viajantes. Vol. 3 – A Construção da Paisagem. São Paulo:

Objetiva; Metalivros, 2000. p. 11.

5. Idem. p. 18.

6. Idem. p. 19.

7. Trata-se de quatro fotografias com os dizeres “Aspectos Pitorescos”. Eles deixavam ver um riacho que corta um

engenho na Muribeca; roupas a secar na janela de uma edificação colonial; uma jangada próxima a uma praia em

Olinda; e uma mulher carregando um jarro e seguindo pela linha do trem, na Imbiribeira. In: Revista do Norte, ano

2, no 04, maio 1924.

8. A matéria é uma resenha sobre os quadros da exposição do pintor Pedro Bruno. Nele, diz o autor:

“São de minha preferência os pintores de marinhas, de quadros em que resplandece a natureza exuberante, de

quadros que trazem, à minha estesia, uma alegria brilhante de sol.

Louvo os pintores que põem, nos quadros, a vibratilidade da vida ao ar livre, à sombra das árvores acolhedoras, à

margem das águas límpidas e correntes.

[...]

E entre pintores de minha escolha, está esse artista simples e emotivo, que é Pedro Bruno.”

In: MEIRA, Célio. “Gaveta de Ourives”, A Pilheria, Ano 6, no 220, 12.10.1925.

9. GRAHAM, Maria apud BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. op. cit. p. 18.

10. NABUCO, Joaquim apud SILVA, Leonardo Dantas. “Estudo introdutório: Pernambuco, história e aspecto de sua

paisagem”. In: MAIOR, Mário Souto e SILVA, Leonardo Dantas (orgs.). A Paisagem Pernambucana. Recife:

Massangana, 1993. p. Lviii-Lix.

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11. SIMKINS, Francis Butler. “Paisagens”. Tradução de Lauro Borba. In: Revista do Norte, Ano 3, no 01, 1925.

12. Idem. Ver também, em consonância a essa noção da paisagem como relação afetiva entre o sujeito e o mundo,

MARIALVA, Luiz de. “Ba-Ta-Clan”, A Pilheria, Ano 5, no 197, 14.02.1925; VARELA, Martins. “Recordar...”,

A Pilheria, Ano 5, no 189, 09.05.1925; e LAGE, Gabriel. “Respingos”, A Pilheria, Ano 5, no 190, 16.05.1925.

13. BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. op. cit. p. 50.

14. Idem. p. 58-62.

15. Ver as litogravuras e pinturas, que artistas fizeram do Rio de Janeiro e do Recife, e que incorporam estratégias

representacionais para construir visões panorâmicas. In: BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. op. cit.

Especialmente o capítulo “A visão panorâmica no séc. XIX”.

16. Idem. p. 143.

17. FERNANDES, Annibal. “Recife”. In: Livro do Nordeste. Comemorativo do primeiro centenário do Diario de

Pernambuco. Introdução de Mauro Mota; Prefácio de Gilberto Freyre. Recife: Arquivo Público Estadual, 1979.

18. CARVALHO, Vânia Carneiro. “A Representação da Natureza na Pintura e na Fotografia Brasileira do séc. XIX”.

In: FABRIS, Annateresa (org.). Fotografia: usos e funções no séc. XIX. São Paulo: Edusp, 1988. p. 207.

19. CARVALHO, Maria Cristina Wolff e WOLFF, Sílvia Ferreira Santos. “Arquitetura e Fotografia no séc. XIX”.

In: FABRIS, Annateresa. op. cit. p. 161.

20. Idem. p. 164.

21. CARVALHO, Vânia Carneiro. op. cit. p. 207.

22. Idem. p. 207-208.

23. CARVALHO, Maria Cristina Wolff e WOLFF, Sílvia Ferreira Santos. op. cit. p. 163-164.

24. Veja-se como o olhar em Grimm já é direcionado à exploração do terreno. In: BELLUZZO, Ana Maria de

Moraes. op. cit. p. 148-149; ou a diferença de escala nos olhares, lançados sobre a mesma praia, em Vinet e

Castagneto. In: CARVALHO, Vânia Carneiro. op. cit. p. 212-213. Para a relação da pintura e a noção do

instante, ver: CRARY, Jonathan. “A visão que se desprende: Manet e o observador atento no fim do séc. XIX”.

In: CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa (orgs.). O Cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo:

Cosac & Naify, 2001.

25. SNYDER, Joel. “Territorial Photography”. In: MITCHELL, W. J. T. (org.). Landscape and Power. Chicago: The

University of Chicago Press, 1994.

26. Tradução livre do trecho: “Watkins’ fascination with the mirrored surface of Tenaya Lake is emblematic of his

rhetorical posture as a photographer. He views his job as the fixing or recording of an evanescent reflection of

physical reality and not as the construction of an idealized landscape.” In: SNYDER, Joel. op. cit. p. 183.

27. Tradução livre do trecho: “were adaptations of existing landscapes practice in other media.” In: SNYDER, Joel.

op. cit. p. 185.

28. MITCHELL, W. J. T. “Imperial landscapes”. In: MITCHELL, W. J. T. op. cit. p. 1.

29. CARVALHO, Maria Cristina Wolff e WOLFF, Sílvia Ferreira Santos. op. cit. p. 162.

30. Revista da Cidade, Ano 1, no 03, 12.06.1926.

31. Revista da Cidade, Ano 1, no 12, 14.08.1926.

32. PRZYBLYSKI, Jeanne M. “Imagens (co)moventes: fotografia, narrativa e a comuna de Paris de 1871”. In:

CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa. op. cit. p. 358-359.

33. Revista da Cidade, Ano 1, no 09, 24.07.1926.

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34. A Pilheria, Ano 3, no 91, 23.06.1923.

35. Revista do Norte, Ano 2, no 04, maio 1924. Ver também três fotografias da cidade (Praça da Independência; rua 1o

de Março; o bairro de São José, com as igreja de São Pedro e a Matriz da Penha a se impor diante do mar de

telhados), qualificadas, pelos dizeres que as acompanham, como panoramas. In: Revista da Cidade, Ano 1, no 04,

19.06.1926.

36. MELLO, Oscar. “Os melhoramentos de Pernambuco”. In: A Provincia, 16.10.1924, p. 3.

37. RIBEIRO, Chagas. “Quem sabe?” In: A Pilheria, Ano 7, no 243, 22.05.1926.

38. SILVA, Luis Correia da. “Uma excursão ao alto do Paschoal”. In: A Pilheria, Ano 7, no 264, 16.10.1926.

39. “O Recife de Aeroplano”. In: Revista de Pernambuco, Ano 2, no 09, mar 1925.

40. Ver as quatro fotografias panorâmicas da cidade em “O Recife de Aeroplano”, In: Revista de Pernambuco, Ano

2, no 10, abr 1925; em “A cidade vista do céu”, In: Revista da Cidade, Ano 1, no 04, 19.06.1926; e também em

“A cidade vista das nuvens”, In: Revista da Cidade, Ano 1, no 05, 26.06.1926.

41. Sevcenko, falando sobre o avião, afirmou que: “as primeiras fotografias aéreas da cidade, pouco depois

publicadas, para gáudio da população que, ademais de gozar da perspectiva deslumbrante da vista de ‘vôo de

pássaro’, podia pela primeira vez ter uma imagem compacta e unitária da enorme extensão que assumira a área

urbana.” In: SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole. São Paulo: Cia. das Letras, 1992. p. 77. Pouco

depois, em outro texto seu, ele retomou a idéia e, dessa vez, ao associá-la à imagem que vê o próprio avião

sobrevoando a cidade, destacou a questão da consciência mesma da emergência desse olhar e sua capacidade de

representar a cidade moderna. SEVCENKO, Nicolau. “A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio” In:

História da Vida Privada no Brasil, vol. III – da Belle-Époque à Era do Rádio. Coordenador: Fernando A.

Novais; organizador do volume: Nicolau Sevcenko. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 524. Ver também

CASTRO, Josué de. “Perspectiva ideal da cidade do Recife”, In: Boletim da Cidade e do Porto do Recife.

Recife, no 19-34, jan/dez, 1946-1949 apud PONTUAL, Virgínia. “Tempos do Recife: representações culturais e

configurações urbanas” In: Revista Brasileira de História, Vol. 21, no 42. São Paulo, 2002. Nele, lê-se o trecho:

“A cidade só se deixa captar na unidade de sua expressão urbana, quando vista do alto dos aviões, em sua

perspectiva vertical. [...] Cidade construída numa planície encharcada, formada de ilhas, penínsulas, alagados,

mangues e paús, envolvidos e salpicados por manchas d’água por todos os lados, é impossível captar-se a

expressão do seu rosto, do nível do solo ou do mar. [...]”

42. XAVIER, Ismail. “Cinema: revelação e engano”. In: NOVAES, Adauto (org.). O Olhar. São Paulo: Cia. das

Letras, 1988. p. 370.

43. Idem. p. 371.

44. SITNEY, P. Adams. “Landscape and cinema: the rhythms of the world an the camera”. In: KEMAL, Salim e

GASKELL, Ivan (orgs.). Landscape, Natural Beauty and the Arts. Cambridge: Cambridge University Press,

1993. p. 106.

45. XAVIER, Ismail. op. cit. p. 371.

46. Idem. p. 371-372.

47. Idem. p. 372.

48. Tradução livre do trecho: “In the eighteenth century, landscape indicated scenery in the theater and had the

function of discreetly suggesting elsewhere, there is no better indication of how our relation to the environment

can change over the centuries than in the role of stage scenery. Three hundred years ago Corneille could write a

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five act tragedy with a single indication of the setting: ‘the action takes place in the palace of the king.’ If we

glance at the work of a modern playwright we will probably find one detailed description of a scene after

another, and ultimate in this kind of landscape, I suppose, is the contemporary movie.” In: JACKSON, John

Brinckerhoff. Discovering the vernacular landscape. New Haven: Yale University Press, 1984. p. 4-5.

49. ANDREWS, Malcolm. Landscape and Western Art. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 7.

50. DUARTE, Eduardo. Sob a luz do projetor imaginário. Recife: Universitária, 2000. p. 81.

51. LEITÃO, J. H. de Sá. “A ação do cinema”, In: Revista da Cidade, Ano 1, no 13, 21.08.1926.

52. XAVIER, Ismail. op. cit. p. 373.

53. SITNEY, P. Adams. op. cit. p. 107.

54. KIRBY, Lynne E. “The Railroad and the Cinema, 1895-1929: Institutions, Aesthetics and Gender”. Los Angeles:

The University of California Press, 1989. (Tese de Doutorado). p. 34.

55. Idem. p. 63-64.

56. Tradução livre o trecho: “Yet unlike the panoramas, the pan shot mantained the filmic frame thereby reflected in a

stylized manner. The movement of human eyes over the field of vision; it did not create the illusion of an

ambiance around the viewer. The filmic pan underlines the ineluctable potentiality of offscreen space: the sense

of the landscape extending in all directions beyond the edges of the screen contributes to the illusion of the

camera’s presence in the field of vision.” In: SITNEY, P. Adams. op. cit. p. 107.

57. BEIRIZ, Anayde. “Renúncia”, In: A Pilheria, Ano 5, no 163, 08.11.1924.

58. BOURET, Paul. “Ressurreição”, In: A Pilheria, Ano 5, no 201, 01.08.1925.

59. LELLIS, Raul. “A Volúpia”, In: A Pilheria, Ano 5, no 173, 17.01.1925.

60. Revista da Cidade, Ano 1, no 16, 11.09.1926.

61. Revista da Cidade, Ano 1, no 09, 24.07.1926.

62. Revista da Cidade, Ano 1, no 08, 17.07.1926.

63. “Elegâncias”, In: A Pilheria, Ano 3, no 85, 12.05.1923.

64. “À Porta do Leça”, In: A Pilheria, Ano 5, no 156, 20.09.1925.

65. GALVÃO, Odon. “O dedo simbólico”, In: A Pilheria, Ano 4, no 11.08.1923.

66. REGO, José Lins do. O Moleque Ricardo. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1987. Ficção Completa, Vol. 1. p. 608.

67. Nos versos d’A Pilheria, lê-se: “A Burguesia apatacada e avante / que possui seu Buick rebrilhante, / seu

Cleveland macio, ou seu Hudson veloz, / procura, é claro, a melhor paisagem... / Ergue seu bungalow em Boa

Viagem / e mata-nos de inveja a todos nós.”, In: João-da-Rua-Nova. “De Monóculo”, A Pilheria, Ano 6, no 213,

24.10.1925. Num desenho, publicado num anúncio publicitário, essa questão do auto como o aparato que leva o

observador a um lugar de onde se desfruta uma “bela vista” está mais especificada. Na propaganda, de

automóveis Buick e Oldsmobile, há um texto que detalha as questões técnicas do número de lugares,

comprimento de eixo, e os equipamentos acessórios, e, ilustrando-o, há esse desenho. Nele, há um automóvel

estacionado à beira mar, ao longo da estrada; Dentro dele, o motorista, de costa para o observador e de frente

para o mar, conversa com uma mulher, que está voltada para ele. Uma outra mulher está sentada no banco de

trás. Lá fora, no canto esquerdo da imagem, banhistas descem de uma casa, outros contemplam o mar, em pé ou

sentados. Ao fundo, um farol. Na imagem, a fruição estética da vista aparece através da janela do carro parado, o

que sugere que a “procura” da “melhor paisagem” fosse a escolha de um “melhor” ponto de vista, fixo. In:

“Automóveis Buick e Cleveland”, A Pilheria, Ano 5, no 153, 30.08.1924.

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68. CEDRO, Luiz. “A avenida Beira-Mar”. Revista de Pernambuco, Ano 1, no 05, nov 1924.

69. GALES, Príncipe de. “Bôa-Viagem, ao som do jazz”, A Pilheria, Ano 7, no 223, 02.01.1926.

70. “À Porta do Leça”, A Pilheria, Ano 6, no 219, 05.12.1925.

71. “A Pilheria rolando pelos ares”, A Pilheria, Ano 3, no 93, 07.07.1923.

72. FREYRE, Gilberto. “Vida social no Nordeste: aspectos de um século de transição”. In: Livro do Nordeste.

73. ____ . “A Pintura no Nordeste”. In: livro do Nordeste.

74. CUNHA, Euclides apud FREYRE, Gilberto. op. cit.

75. FREYRE, Gilberto. op. cit.

76. L. V. “Recife novo: vida nova”, In: Revista de Pernambuco, Ano 2, no 18, dez 1925; e “O governo actual e suas

iniciativas”, In: Revista de Pernambuco, Ano 2, no 19, jan 1926.

77. CASTRO, Josué de. op. cit.

78. CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 2001. p. 188.

79. Sobre a emergência do conceito de paisagem nos textos teóricos sobre cinema, nos anos 1980, leia-se o trecho:

“However, it is just as clear that ‘landscape’ had, at least at thet moment, become a term in the epistemology of

cinema, essentially because avant-guard film-making in a number of different modes had cojoined the

representation of natural beauty with explorations of how the film-making tools ‘see’ and ‘know’ their subjects.”

In: SITNEY, P. Adams. op. cit. p. 125.

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“Há duas maneiras de se alcançar Despina: de navio ou

de camelo. A cidade se apresenta de forma diferente para

quem chega por terra ou por mar.

O cameleiro que vê despontar no horizonte do planalto os

pináculos dos arranha-céus, [...] imagina um navio; sabe

que é uma cidade, mas a imagina como uma embarcação

que pode afastá-lo do deserto, [...]

Na neblina costeira, o marinheiro distingue a forma da

corcunda de um camelo, [...] sabe que é uma cidade, mas a

imagina como um camelo de cuja albarda pendem odres e

alforjes de fruta cristalizada, vinho de tâmaras, folhas de

tabaco, e vê-se ao comando de uma longa caravana que o

afasta do deserto do mar [...]

Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe; é

assim que o cameleiro e o marinheiro vêem Despina,

cidade de confim entre dois desertos.”

Italo Calvino

“O Recife viveu, desde suas origens, sempre atraído por

duas atrações opostas: pela atração do vasto mar

salpicado de caravelas e pela atração do ondulado mar de

canaviais espalhados nas grandes várzeas.”

Josué de Castro

I

Era madrugada de domingo e todos já se encontravam na Praça da Independência. O

relógio do Diario de Pernambuco marcava quatro horas. Juízes, testemunhas e pilotos esperavam

o automóvel inscrito com o número 1. Mas ele não compareceu. Assim, de acordo com o

regulamento, os demais pilotos partiram a cada quarto de hora. Foi dessa forma que, um após o

outro, largaram o Dodge no 2, o Dodge no 3, o Cadillac no 4, o Ford no 5 e o Chevrollet no 6.

Partindo do coração do bairro de Santo Antônio, eles atravessaram o bairro de São José

e rumaram para Afogados. Depois de cruzarem a ponte de Motocolombó, ao avistarem o espesso

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manguezal que margeava a estrada, é possível que tivessem experimentado a sensação de que o

Recife ficara para trás. À frente estava todo o caminho para Maceió. Bem..., não era exatamente

um caminho, e sim um punhado de estradas, algumas bem definidas, outras não passando de

trilhas e veredas em meio a plantações e sítios. Tudo que sabiam é que teriam de passar por

cidades e localidades como o Cabo, Escada, Ribeirão, Gameleira, Palmares, Leopoldina, Matriz,

Camaragibe, Passo de Camaragibe e Barra de Santo Antônio até chegar à capital alagoana.

O primeiro a ser recebido em Maceió pelas autoridades e população locais foi o Dodge

no 2, em perfeito estado de conservação, com a marca de 7 horas e 45 minutos. O primeiro

colocado, no entanto, foi o Dodge no 3, que fez o tempo de 7 horas e 38 minutos, também em

perfeitas condições. O terceiro foi o Chevrollet no 6, que chegou em 9 horas e 42 minutos,

faltando a capota. O quarto colocado foi o Ford no 5, com o tempo de 9 horas e 49 minutos, tendo

chegado sem duas rodas sobressalentes. O Cadillac no 4 (e não se menciona o seu estado) só

chegou depois de 18 horas e 15 minutos.

Houve, no entanto, alguns percalços no caminho. Um poeta, que vinha num dos carros

como testemunha, tendo passado mal e ficado impossibilitado de prosseguir, foi abandonado no

oitão de uma venda, próxima a Escada. Mas o cidadão que o substituiu não teve melhor sorte e foi

deixado de lado também, só que à margem de um barreiro, depois de Palmares. Outras vítimas

também foram sacrificadas em nome da aventura automobilística. Ao passar por dentro das

propriedades, muitas vezes por quintais, os autos acertaram duas galinhas, um porco e um

cachorro, tirando-lhes a vida. De um cavalo partiram-lhe a perna; e de um passante derrubaram

um saco de farinha, que ao invés de chegar à feira local terminou derramado na beira da estrada.

Mas tudo isso são episódios próprios de um raid. Coisas que são esquecidas quando se

chega a uma cidade e se vê toda a população vibrar com a passagem dos intrépidos raiders. Os

meninos a correr atrás dos autos, até esses sumirem na poeira...

O que hoje eu chamaria de uma mistura de off-road (tão comum para os que gostam de

esportes de “natureza” ou de “aventura”) com uma espécie de corrida maluca tinha, na verdade,

alguns critérios bem definidos. O julgamento foi elaborado a partir de uma fórmula estabelecida

pela Associação de Estradas de Rodagem de São Paulo, que já tinha organizado o raid São Paulo-

Ribeirão Preto, bem como a partir da experiência do Club dos Bandeirantes, também de São

Paulo. No percurso, havia pontos não só para reabastecimento de combustível, mas também como

pontos de checagem, nos quais os juízes iam rubricando o tempo anotado em cadernetas entregues

na hora da largada. Em cada automóvel iam o piloto, um navegador e duas testemunhas.

O evento teve tal importância que os próprios governos dos dois estados se envolveram.

O governador de Alagoas, Costa Rego, mandou um telegrama, atestando o interesse dos dois

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estados “por essa brilhante prova, de resultados imediatos e os mais fecundos”.1 O governo

estadual de Pernambuco enviou telegramas oficiais aos proprietários de terras para que esses

facilitassem o trajeto com a abertura de porteiras.2 A própria Repartição de Obras Públicas do

Estado chegou a reproduzir, especialmente para esse fim, “uma planta da estrada contendo todos

os esclarecimentos”.3

Mas o raid não ocorreu do nada. Era uma das atividades integrantes do Congresso de

Estradas de Rodagem, Instrução e Saúde Pública, ocorrido no Recife em janeiro de 1926. Fora os

debates sobre as estradas de rodagem, e o próprio raid, houve também um Salão do Automóvel,

no qual várias marcas, tanto de autos quanto de acessórios e combustíveis, expuseram seus

produtos. A atmosfera das discussões sobre transportes girava com as quatro rodas. O Jornal do

Commercio fez publicar uma longa matéria, de quase página inteira, sobre as estradas de

rodagem. Nela, fala-se de um projeto de construção de estradas e um sistema de emplacamento de

veículos. Num trecho, lê-se:

“Inegavelmente, a tração sobre as estradas será em breve exclusivamente automóvel; o verdadeiro

problema consiste, portanto, em criar estradas construídas para o tráfego de automóvel, estradas

destinadas pela evolução do automobilismo a absorver todo o tráfego quer turístico, quer comercial.”4

Em outro artigo, esse publicado no Diario de Pernambuco, lê-se essa mesma

preocupação com o transporte, mas de um ponto de vista mais próximo ainda da vivência do

usuário. A comparação com a viagem de trem é inevitável. E o tom assimétrico dessa comparação

é que deixa entrever a relação de desejo que se estabelecia com o automóvel. Desejo de conforto e

eficiência. E ouso pensar que por trás desses dois substantivos, há um outro, mais amplo. Leia-se

a passagem.

“Um dos números mais interessantes, até então realizados do Congresso de Estradas de Rodagem,

Instrução e Saúde Pública, foi esse raid de automóveis do Recife a Maceió. O seu lado prático é

indiscutível. Para os agentes de automóveis, que puseram à prova a superioridade dos seus carros, e para o

público em geral que fica ciente de poder ir num automóvel, sem receios, à vizinha capital alagoana livre

do suplício que representa a viagem nos trens da Great Western.

Depois, a eloqüência do quanto valem a civilização, o progresso. Em lugar de 14 horas num trem

sem conforto, mal alimentado, asfixiado pela poeira, vai-se a Maceió, comodamente, em 7 horas e meia.”5

Assim, se num primeiro momento, penso nessa aventura que foi o raid como algo

curioso ou até mesmo excêntrico, depois, à luz das pistas que me levam a recompor o contexto no

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qual ele se deu, essa impressão apressada se esvai e cede lugar à idéia de que se tratou de um ato

pioneiro.

Em um pequeno artigo sobre a moda dos raids, publicado na Revista do Norte, o escritor

lamenta que esses não acrescentavam nada de novo e que a maioria não passava de aventura pela

aventura. E terminava, em tom de panfleto, instigando que se fizessem raids científicos, a fim de

conhecer, por exemplo, várias facetas do território, como a extensão do estado, que segundo ele,

não se sabia ao certo.6

Ora, os integrantes da corrida até Maceió tinham que anotar, na caderneta que os juízes

lhes haviam dado quando da largada, todos os acidentes ocorridos no caminho bem como o estado

de conservação das estradas. Essa era uma forma de observar o trajeto, suas características e

juntar informações que possibilitassem um uso mais racional dos caminhos. Afora a aventura pela

aventura, certamente um componente da corrida, e que aponta para uma nova forma de relação

com a natureza, que inclui a noção de entretenimento, havia nesse episódio uma noção de

observação empírica, procedimento nomeado como “científico” pelo autor do artigo acima citado.

E aqui chego ao ponto crucial deste texto. Levando em consideração que houve

transformações espaciais na cidade do Recife ao longo dos anos 1920, e que esse processo foi

uma construção, tanto no sentido material quanto representacional, penso em quais foram os

critérios dos sujeitos para essa construção; e que desejos (e seus reversos, os medos) se colaram a

essas iniciativas; e que imaginários fundaram e foram fundados por essa construção. Eis algumas

perguntas que mantive em mente ao longo de todo esse capítulo.

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II

Antes de prosseguir nesta nova trilha, devo fazer uma ressalva. No capítulo anterior, tive

a preocupação de apreender os sentidos que os sujeitos dos anos 1920 conferiram ao termo

“paisagem”. E neste terreno, encontrei a palavra associada a práticas e estratégias de

representações oriundas da pintura, sobretudo no que concerne às noções românticas de produto

artístico que possibilitasse uma relação de êxtase entre o observador e o mundo. Vi também como

essas estratégias foram transpostas para outros suportes, como a fotografia e o cinema, e de como

agiram num repertório mental com que o imaginário leu o ambiente empírico.

Neste próximo passo, tive que mudar um pouco a perspectiva. Isso porque, aqui,

trabalhei com as transformações urbanas, o que significa que levei em consideração aquele

próprio ambiente, dito “empírico”. Só que, com a exceção da recente emergência de outro

discurso, esse ambiente empírico (que alguns chamariam de físico, outros de real, e outros ainda

de referente) não era nomeado como paisagem. Portanto, por uma questão de clareza para com as

palavras, procurei usar outros termos para me referir ao ambiente, sobretudo o vocábulo “espaço”.

Assim, quando surgir, no corpo deste texto, o termo paisagem será não com a acepção que a ele se

dava pelos sujeitos dos anos vinte, mas como um conceito a posteriori, usado, sobretudo, com

o(s) sentido(s) que a literatura especializada a ele confere.

Mas por que trabalhar com algo, precisamente o ambiente urbano do Recife dos anos

1920, que escapa à representação de paisagem que os sujeitos de então faziam? Porque a realidade

não cabe na palavra. Essa tenta dar conta do vivido, da experiência, mas não consegue esgotar o

real. Não nego a importância da linguagem. Muito ao contrário; sem linguagem, não há cultura;

não há história. Mas ela própria, a linguagem, é histórica; e com tudo o mais que é humano ela se

relaciona. Se o humano é um ser que, desde há muito, atribui nomes, o faz ao longo das mutações

que marcam suas relações, tanto com os outros como com o meio no qual ele se insere.

Castoriadis afirma que a sociedade não comporta ruído, uma vez que tudo está nomeado.7 Mas há

ruído, sim! Mesmo que, logo em seguida, ele seja nomeado e perca o estatuto de tal. Não fosse

assim, a linguagem chegaria a um ponto em que teria decifrado todos os enigmas e a história teria

então seu fim, congelada numa verdade total e totalitária. Mas a história não tem fim... e a própria

criação humana, na sua relação com a natureza, se encarrega de inventar novas realidades, e com

elas novas necessidades de nomes. Os enigmas estarão sempre no caminho dos humanos, pois o

humano é a metáfora de si mesmo. Não é à toa que José Saramago, no Ensaio sobre a cegueira,

coloca a frase na boca de uma personagem, imprevisível, o que soa quase como um oráculo:

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“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”8 Há um território que

a palavra apenas margeia, tangencia, entrevê. Mas não atinge.

Em dois autores que se propuseram pensar a relação entre história e natureza, através do

conceito de paisagem inclusive, encontrei a postura teórica que admite pensar a paisagem de dado

contexto histórico para além das significações que os sujeitos de então a ela atribuíram. Muito

embora os dois o façam de lugares distintos, cada um lançando um olhar que chega a conclusões

diversas. Simon Schama afirma: “[...] as paisagens podem ser conscientemente concebidas para

expressar as virtudes de uma determinada comunidade política ou social.”9 E os exemplos que ele

dá ao longo de seu livro mostram que aquela “consciência” nem sempre acompanhou o uso do

termo, uma vez que, ao objetivar essas virtudes na paisagem, os grupos sociais o faziam de dentro

de estruturas imaginárias que remontavam a mitos muito mais antigos. De certa forma, é como se

a relação com as matas, com os rios, ou com os desertos passassem por mitos de origem,

invertendo assim as coisas: os mitos é que pensavam os grupos, que se reafirmavam neles. Já

Raymond Williams diz: “É possível e interessante levantar a história da paisagem na pintura, da

paisagem na literatura, do paisagismo e da arquitetura paisagística, mas na análise final devemos

relacionar estas histórias à história comum de uma terra e da sociedade nela existente.”10

O que Williams quer dizer, ao longo desse capítulo, em específico, é que o homem

sempre observou rios, montanhas, matas, etc, mas em dado momento, houve a consciência de que

se via tais elementos. Para ele, no entanto, isso não chega a ser a invenção da paisagem, mas “[...]

a aplicação, em certas circunstâncias sócio-econômicas especiais, de idéias que, por si sós, nada

tinham de novas. No entanto, como sempre ocorre nesses casos, a aplicação específica de tais

idéias num contexto social concreto teve efeitos novos e singulares.”11 O caso específico a que o

autor se refere é a Inglaterra do séc. 18, e a elaboração do conceito de paisagem estava

relacionada a dois processos. Um que, marcado pelo ideal do pitoresco em Poussin e Lorrain,

operou uma transformação nos ambientes rurais, para que esses se adequassem àquele ideal; e um

outro, que mostra que essas mudanças foram levadas a cabo pela aristocracia que estava à frente

da política de cercamentos. Assim, o bucólico e o arcádico foram apropriações da aristocracia

inglesa para referendar uma política fundiária e econômica.

Procurando um meio termo, entre a noção arquetípica do imaginário, em Schama, que

aponta para um certo determinismo simbólico; e a concepção materialista de Williams, que já

sugere de que natureza é a relação entre os processos estético e sócio-econômico, de um ponto,

pelo menos, tenho certeza: há de se relacionar as representações de paisagem no Recife de 1920 a

outros processos que lhe são adjacentes. As transformações no espaço urbano, por exemplo. No

entanto, quando falava, ainda há pouco, em ir “além” das significações dos sujeitos, não queria

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dizer que se deve transcender a sua natureza de representação para buscar a Verdade em outro

terreno. Muito pelo contrário; quis afirmar que só entendemos aquelas representações buscando as

relações delas com as outras esferas do vivido; procurando as suas imanências. Assim, posso

entender suas linguagens, as quais mostram e escondem aqueles que as elaboraram.

Há uma série de elementos, sobre os quais discorrerei mais adiante neste texto, como,

apenas para mencionar, desde já, a relação entre paisagem e espaço presente nas metáforas da

fisionomia e do corpo e nas comparações pictóricas, utilizadas também como metáforas do

espaço, que apontam para a possibilidade de trabalhar a paisagem, no sentido de espaço, mesmo

quando os sujeitos não o nomeiam como tal. Mas o que vem a ser o espaço? Já disse, em outro

lugar deste trabalho, que por espaço concebo mais que as propriedades físicas e empíricas do sítio.

O espaço é o sítio tornado lugar. É o referente físico que se cola à própria significação que a ele se

confere, num processo que é duplo: distinção empírica e atribuição de significados à topografia.

Assim, falar da paisagem enquanto transformação do espaço é admitir que essa mudança ocorre

simultaneamente em duas interfaces: a material e a simbólica. É tanto a construção de uma

avenida quanto a abertura de novos pontos de vista, com toda a ambigüidade que essa expressão

carrega.

Que essas divagações fiquem, na beira da trilha, apenas como sinalizações.

III

As transformações urbanas ocorridas no Recife dos anos 1920 podem ser encaradas

como um capítulo da modernização da cidade. Esse processo, antes de ter sido contínuo, foi

marcado por saltos, intercalados por períodos quase sem intervenções. Segundo Fernando Diniz, a

modernização do Recife ocorreu de meados do séc. 19 a meados do séc. 20, em quatro

momentos.12 A partir dos anos 1840, com o governo de Rêgo Barros, o Conde da Boa Vista, a

cidade se viu invadida por “estrangeirices”, alusão à introdução de elementos franceses nas obras

urbanas, por conta do engenheiro e arquiteto Louis Vauthier, que construiu o Teatro Santa Isabel,

a ponte pênsil de Caxangá, além de projetar o Mercado de São José. Mas Vauthier não só se

preocupou com a construção de edifícios ou vias de circulação; ele, em suas andanças pelo Recife,

percebeu a importância de se pensar a questão do abastecimento e saneamento da cidade. Esse

ponto, porém, só foi realizado no início do século 20.

Foi imbuída do mesmo espírito civilizador, que transformou a área central do Rio de

Janeiro e, depois, varreu as cidades brasileiras, de Belém a Porto Alegre, que o Recife viveu, no

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início da década de dez, as obras do Bairro do Recife.13 Foram derrubados os Arcos da Conceição

e o de Santo Antônio, bem como a Igreja do Corpo Santo. Com o tecido urbano do bairro rasgado,

as ruelas antigas e estreitas deram lugar às avenidas arborizadas (Marquês de Olinda e Rio

Branco) que convergiam para uma praça (hoje, Marco Zero), à beira de uma avenida (Alfredo

Lisboa), que margeava os recém-construídos armazéns do porto. Novos edifícios, em majestática

arquitetura eclética, dominavam as avenidas, criando uma perspectiva moderna para quem as

descortinava. Essas intervenções urbanas, levadas a cabo de 1909 a 1913, se imbricaram mesmo a

uma outra reforma, a do Porto, que visava a dragagem do leito do ancoradouro, a retificação dos

cais e infra-estrutura necessária para a atracação de navios de maior porte e calado, como os

transatlânticos. A Reforma do Porto, iniciada em 1909, se arrastou até quase meados da década

seguinte, em função de longas paralisações nas obras. A esse ímpeto modernizador somou-se a

necessidade de higienizar o espaço urbano, dada a precariedade sanitária que o Recife herdara dos

tempos imperiais. Assim, através do Plano de Saturnino de Brito, de 1915, o sistema de água

encanada e o de esgotamento sanitário foram atualizados e oferecidos à quase totalidade da

cidade.

A cidade ainda seria alvo de mais dois momentos de modernização: o do governo

estadual de Sérgio Loreto, de 1922 a 1926, a que, neste trabalho, me detive mais; e o da

construção da Av. Guararapes, que demoliu várias edificações do Bairro de Santo Antônio, nas

quais se abrigavam várias casas de pensão e outras formas de ocupação que geravam habitações

com pouca qualidade de vida. Mas aqui já se trata de um outro momento histórico, com outras

implicações para o estudo das transformações urbanas da cidade, uma vez que as intervenções ali

feitas já obedeciam a um nítido saber urbanístico, com conceitos definidos, por um grupo de

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especialistas, numa terminologia já estabelecida, como as noções de city planning, zonning, entre

outros, mas que, por uma questão temática, extrapola os objetivos deste trabalho.

Uma vez reformado o centro do Recife, as elites, em plena década de vinte14, voltam

seus olhos para os subúrbios, para os pequenos arruados que surgiram nas encruzilhadas e

caminhos dos canaviais. Ao chão que outrora fora sítio e que outrora fora canavial ia ser estendida

a malha urbana. Uma nova elite fugia do centro apertado e “viciado”, como viam a cidade

portuguesa, e olhava para os arrabaldes, tranqüilos, arborizados e arejados. Nesse sentido, as

transformações urbanas ocorridas nos anos 1920 foram uma complementação às obras da década

anterior. Mas, ao serem propostas em termos de modernização de arrabaldes, elas propiciaram

novas vivências e novos sentidos àquela mesma modernização, uma vez que possibilitou um

embate entre um imaginário moderno, oriundo dos centros de civilização, (e os modelos sempre

foram Paris e, no caso brasileiro, o Rio de Janeiro), e um outro, com elementos que ainda se

agarravam a uma visão mais tradicional. Os arrabaldes, lugar de encontro entre a cidade e o

campo, foram o palco desse embate.

O governo de Sérgio Loreto foi marcado pela profusão de obras. A cidade transformou-

se num imenso canteiro. O suposto caráter apaziguador do governo Sérgio Loreto possibilitou que

ele empunhasse a bandeira da modernidade e implementasse, ou pelo menos iniciasse, a

transformação do Recife em um novo cenário.

Das obras levadas adiante nesse quatriênio, que se estende de outubro de 1922 a outubro

de 1926, a mais marcante foi a construção da avenida Beira Mar. Iniciada em 22, só foi entregue

em outubro de 26. O que chama a atenção, logo de início, é o vulto da obra. São cinco

quilômetros de pista macadamizada, correndo paralela à praia de Boa Viagem. Ladeada por

coqueiros, a avenida foi dotada de iluminação elétrica e ganhou uma linha de bonde. Até ônibus

fazia o translado da Igreja de Boa Viagem até o Pina. A obra envolveu outras mudanças no sítio.

Em complemento à avenida foram construídas mais duas: a avenida de Ligação (atual Herculano

Bandeira) e a da Cabanga (atual Saturnino de Brito), inauguradas em fins de outubro de 1924,15

mais a ponte do Pina, resultante da ampliação de um pontilhão, que havia no local, antes da

reforma. Além da construção das pistas a obra implicou no completo saneamento da região, com a

dragagem do terreno e a canalização das áreas alagadas, como os mangues e os córregos. Os

terrenos à beira mar foram loteados e postos à venda.

A construção da Beira Mar foi envolta, porém, em controvérsia, e sofreu várias críticas,

sobretudo as do Senador Manoel Borba.16 O governo estadual foi acusado de construir uma

avenida faraônica num local ermo. Segundo Borba, nas palavras de Antonio Paulo: “Não tinha

Boa Viagem condições propícias para uma obra de tal vulto. O local insalubre, cercado de

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pântanos, atrasado, [...] incomparável com os locais que justificaram as obras no Rio e em

Salvador [referência às avenidas Atlântica e Beira Mar, no Rio; e à Oceânica, em Salvador].”17 O

Senador Manoel Borba insinuou que, se tivesse de construir uma avenida com investimentos tão

vultosos, que se construísse a de ligação com Olinda, que seria mais importante para a economia e

privilegiaria mais diretamente a população.18

Além dessas alegações, o senador Borba ainda acusou Sérgio Loreto de aliar-se aos

especuladores imobiliários, privilegiando alguns empreiteiros e se beneficiando mesmo no que

concerne às vendas dos terrenos. Sérgio Loreto adquiriu um lote, seu filho outro, e Amaury de

Medeiros, seu genro e que na época era Chefe do Departamento de Saúde e Assistência, também

comprou um.19

Isso gerou uma guerrinha entre os jornais da cidade. O Jornal do Recife, ligado aos

interesses do grupo borbista, fez publicar, em trechos diários, o livro do senador. Já o Diario do

Estado, órgão oficial do governo, afirmou, em matéria de primeiro de setembro de 1924, que o

governador, Sérgio Loreto, e o diretor do Departamento de Assistência e Saúde, Amaury de

Medeiros, possuíam, cada um, um terreno de 40m:20m numa avenida cuja extensão era de

4.993m.20 O texto queria desmentir, com esse dado, a idéia de que os dois eram proprietários dos

terrenos ao longo de quase toda a extensão da avenida e que as obras iriam valorizá-las.

No entanto, se a Avenida Beira Mar não foi construída para beneficiar a especulação

imobiliária, fica como pergunta, no ar, a crítica do Senador Borba: por que não construir a avenida

beira mar ligando o Recife à Olinda? Ora, o único caminho disponível para tal projeto era passar

tal suposta avenida pelo estreito istmo que separa o oceano das águas do Beberibe, que desde o

Varadouro, numa curva, corre para o sul, paralelo ao mar. Mas além de ser um trecho curto, a

estreiteza do sítio não possibilitava o ganho de uma área considerável para a construção. Assim,

vê-se que a localização da avenida beira mar em Boa Viagem não foi um mero capricho. Ela foi a

percepção da limitação geográfica do Recife e uma tentativa de expansão de seu próprio território.

Toda uma área foi saneada e ligada à cidade, constituindo-se numa região que seria, ao longo das

décadas posteriores, alvo de construções particulares, tornando-se mais um bairro a ser ocupado

por uma população crescente. Numa matéria publicada pelo Diario do Estado, que não se cansava

de argumentar a favor do governo, o argumento central que justifica a obra é exatamente o da

expansão territorial da cidade. Leia-se:

“Para quem observa os melhoramentos porque vem passando essa capital, de alguns anos a esta

parte e principalmente no atual momento, o de maior relevo no que se respeita à ampliação da área

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urbana, o que se fazia inadiável pelo desenvolvimento de nossa população – é a construção da Av. Beira

Mar que, partindo da praia do Pina, vai ter a Boa Viagem.”21

No entanto, essa consciência da necessidade de ampliação da área urbana, em face da

crescente demanda habitacional de uma cidade, atraía mais gente do que podia comportar, vinha

colada, pelo menos para as elites que tinham acesso à produção midiática, ao aspecto estético da

cidade. Tanto na dimensão pública das vias de circulação quanto na esfera privada dos que tinham

condições financeiras de construir um palacete e desfrutar das perspectivas. Assim, no mesmo

texto, o escritor afirma:

“A ânsia de edificar, aproveitando o aprazível aspecto, aumenta dia a dia entre os particulares.

Existem lá, à margem da avenida, materiais destinados à construção de palacetes.

Em breve estará o Recife servido por mais aquela encantadora perspectiva com que o governo

procura auxiliar os dotes de nossa dadivosa e empolgante natureza.”22

A Avenida Beira Mar ganhou mais importância pelo que representava no imaginário

modernizante. A avenida é quase que uma reta, ampla, o que conferia a ela a racionalidade

exigida para que a natureza fosse dominada, mesmo que essa dominação fosse expressa em

termos de auxílio à natureza, dita “dadivosa” e “empolgante”. A Revista de Pernambuco publicou

um texto, de uma missivista, que bem expressa essa empolgação, ao mesmo tempo em que

presencia essa construção da natureza, tanto sígnica (presente em seu olhar) quanto material (a

ação paisagística na disposição dos coqueiros). Leia-se o trecho:

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“Impacientada destas dúvidas, de ouvir estas conversas contínuas ora louvando, ora atacando os

trabalhos da avenida, resolvi fazer também um passeio àquele lugar no intuito de poder também, por

minha vez, condenar ou elogiar obra tão falada.

[...]

Fiquei simplesmente maravilhada, contemplando a obra realizada!

Os inúmeros coqueiros novos, que cobrem todo o campo ao longo da estrada, a muralha de pedra,

que se estende como uma fita diante da vista, os pequenos passeios, calçados de pedra branca e preta,

onde se acham colocados os postes do bonde, me faziam pensar no ‘Passeio dos Ingleses’, de Nice... O

mar azul, azul, do azul do mediterrâneo, excitava ainda mais a minha imaginação e pensei estar na ‘Côte

d’Azur’!

Não posso exprimir a minha surpresa, a minha impressão ante a perspectiva belíssima e original

daquela interminável fileira de postes, elegantes, em cimento armado, formando um branco arrendado que

se destacava sobre o fundo muito azul do céu e do mar.

Pode somente negar a beleza e a importância da obra quem ainda não a conhece, quem ainda não a

pôde apreciar com a sua própria vista.”23

É interessante notar que, para a escritora, a dimensão visual (que se desdobra em

apreciação estética), é um componente fundamental para se perceber a importância da obra. Não

estamos mais diante da necessidade, apenas, de nova área habitável, mas de uma nova área no

sentido de visibilidade. Assim, a Beira Mar logo se transformou num signo de modernidade, que

juntava a perspectiva da grande avenida, própria das grandes metrópoles, com o arejamento e

saneamento que o mar oferecia. Tudo era sol, mar, coqueiros. Tudo isso fazia com que a Beira-

Mar seduzisse a cidade. Era comum ler-se nos jornais artigos como esse, do qual reproduzimos

um trecho: “[...] por uma graciosa curva deixa-se essa grande avenida que propriamente se deve

chamar de Ligação, até o mar onde se depara, a beleza de suas sinuosidades, suas alvas dunas,

todas emolduradas pelos coqueiros e, de futuro, por elegantes palacetes, a avenida Beira Mar do

Recife.”24 O ambiente onde se construiu a Beira Mar, a praia, transformou-se num espaço de

alteridade para a própria cidade. O cenário natural sugeria essa distinção: o vento nos coqueiros, o

marulhar das ondas, tudo era sentido como o oposto da agitação e o ritmo frenético da cidade. A

experiência da praia, nesse sentido, seria a oportunidade de pausa, e mesmo supressão, daquela

vida corrida; muito embora essa experiência se pautasse pelo deslocamento daquela percepção

cinética, tão marcadamente urbana, ao ambiente praieiro, como nas caminhadas à beira do mar,

como nos passeios de automóvel, etc.25

Os próprios textos são construídos e pautados por uma imagética que se pretende

superior a qualquer outra forma de linguagem, como se não houvesse argumento que vencesse

uma imagem. N’A Pilheria, tem-se um exemplo disso que venho falando. Na seção “À Porta do

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Leça”, um cidadão usa da retórica para criticar a febre de automóveis na cidade, enquanto o Leça

tenta contra-argumentar. Mas, ao invés de descrever o diálogo, melhor é transcrevê-lo, para que se

tenha a idéia das duas formas de linguagem: uma por demais pesada; e a outra de uma leveza

imagética, tal como perscrutada em Calvino.26 Leia-se:

“Parece triunfante a idéia da fundação, na cidade, do Automóvel Club. Sobre o assunto alguém

ironizou”. - É triste que uma cidade como esta, em que a gente já tem a sensação deliciosa do risco de ser

esmagado por um automóvel, ainda não cogitasse de organizar uma associação com o louvável fim de

trabalhar pela difusão das tais máquinas, reconhecidamente úteis à sociedade, no tocante à diminuição da

espécie.

E o Leça, que é um dos maiores propugnadores do justo tentamen [sic.], protestou:

- O automóvel não serve só para diminuição da espécie. Muito ao contrário, ele é o grande veículo

que vence distâncias, quando se fez mister sua cumplicidade para casos urgentes de...

E, numa pirueta:

- O Sr. nunca foi à Boa Viagem?”27

Eis um elemento que parece estar imbricado nessa relação espaço-imagem: o

automóvel. No texto acima citado ele aparece como o propiciador do passeio visual pela Beira

Mar. É tanto que o pedido de Luiz Cedro, sobre a construção da avenida, remete diretamente ao

automóvel. Leia-se o trecho:

“Faça-se, portanto, uma avenida, e uma avenida à beira-mar. Porque, francamente, o que

possuímos, até aqui, não são senão ruas mais ou menos largas. De avenidas, só os nomes.

Nem uma reta de trânsito livre onde se ponha a correr um automóvel, dez minutos, a fio, sem parar.

Poucas são as ruas que não tem o seu cotovelo, em que o tráfego é, absolutamente, atroz e aflitivo.”28

Qual a relação, ou as relações, do automóvel com essas transformações urbanas a que o

Recife passava? O automóvel é mais um capítulo da história das técnicas e que seria usado para o

transporte urbano. Se a tração animal substituiu o transporte fluvial, foi pela fixidez do traçado do

rio, em comparação à mobilidade dos coches, carroças e semelhantes. O bonde, então, primeiro

por tração animal e depois elétrica, o substituiu, pois era mais rápido e comportava mais

passageiros, embora fosse condicionado a uma certa quantidade de caminhos, previamente

definidos pelos trilhos. O automóvel era mais rápido do que o bonde e dispunha de uma maior

mobilidade no terreno urbano. Jaílson Silva destaca que muitos dos fabricantes e revendedores

quiseram passar, através dos anúncios publicitários em jornais e revistas, essa idéia de que para o

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automóvel não havia fronteira.29 Mais adiante, ele afirma: “Ainda que os espaços da cidade não

tenham sido pensados para os automóveis, ele os invadirá. Disputará as ruas e avenidas com

outros meios de transporte e, por fim, na esmagadora maioria dos casos, sairá vencedor.”30 Com o

automóvel, ocorreu uma mudança no conceito de tempo/distância, possibilitando pensar a cidade

em lugares antes não imaginados. Ou antes, ele foi o catalizador da urbanização

exponencialmente crescente dos arrabaldes recifenses, ao longo do séc. 20.31 Subúrbios como, por

exemplo, Apipucos e a Várzea, que antes tinham uma vida mais distante do centro da cidade,

passaram a estar temporalmente mais próximas, sendo mais viável de se inserirem na vida urbana,

com uma circulação maior de pessoas e mercadorias.

E, nesse sentido, a disputa com o bonde era algo que se tornava cada vez mais uma

realidade. N’A Pilheria, ainda em 1923, encontrei vários artigos, matérias e até entrevistas, nos

quais entrevejo críticas, feitas pela população (ou pelo menos a população letrada que escrevia

sobre a cidade na mídia), ao transporte público, feito através do bonde e por meio da empresa

responsável: a Pernambuco Tramways.32 A polêmica em torno da insuficiência dos bondes para

dar conta do transporte coletivo terminou levando Eugênio Gudin, ex-diretor da citada

companhia, à “Rádio” de Olinda, a fim de dar uma entrevista sobre o assunto. Nela, o ex-diretor

rebate todas as críticas afirmando que o motivo dos atrasos, do número limitado de carros, etc. são

as multas, indevidas segundo ele, e as excessivas taxações a que a empresa está submetida pelo

governo.33

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Mas os escritores da revista não parecem aceitar os argumentos do Sr. Gudin. Tanto que,

num artigo, o escritor satiriza a situação ao pintar o seguinte quadro: depois de muito esperar o

bonde, vendo o ponto ir se enchendo cada vez mais de gente, o cidadão já não precisa mais do

carro, pois quando esse finalmente passa, ele, nem mais ninguém estão no ponto. É que,

impacientes pela espera, e entediadas, as pessoas começam a mexer no gradil que protege a

arborização municipal, até que chega a guarda e a todos leva presos.34 O deboche da revista para

com o assunto é tanto que surge uma seção de “rápidas”, textos curtos em formato de suelto, cuja

chamada é “Enquanto o bond não chega...”35, sugerindo um passatempo para os leitores que terão

de enfrentar a odisséia para ir de casa para o trabalho e vice-versa.

No entanto, em 1926, os artigos e matérias que trazem o bonde como tema ou assunto

central já não apresentam a situação a partir desses moldes. O que eles enfocam é o aumento do

trânsito na área central da cidade, destacando a relação, nem sempre viável, entre o bonde e o

automóvel. Essa mudança na temática da mídia corresponde a um aumento surpreendente no

número de automóveis em circulação na cidade. A partir de 1924 as propagandas de automóveis

passam a ser mais constantes. Do início do século XX, quando da chegada do primeiro auto ao

Recife, a cidade passa a contar com pouco menos de 1100 automóveis, em maio de 1925.36 Sendo

que só entre o período de dezembro de 1924 a março de 1925 chegaram 900 autos.37 Em março de

1926 o Diario de Pernambuco publica uma matéria sobre trânsito e comenta que pela época havia

1600 automóveis.38 Em outubro de 1926, segundo uma matéria d’A Pilheria, havia cinco mil

veículos na cidade.

Mesmo tomando essa última cifra como um dado que engloba todos os tipos de

veículos, incluindo o bonde, ainda assim talvez haja um certo exagero da mídia. O que não

impede de tomar com espanto um crescimento vertiginoso como esse. De dezembro de 1924 a

outubro de 1926, ou seja, em menos de dois anos, os autos se multiplicaram. De menos de 200 a,

pelo menos, 2000.39

O que mais marca esses dados é que esse crescimento coincidiu com o aumento de vias

calçadas pelo governo estadual de Sérgio Loreto. Tendo iniciado em outubro de 1922, o governo

logo começou a transformar a cidade, sobretudo os subúrbios mais próximos, num canteiro de

obras. Com dois anos, por ocasião do aniversário da gestão, muitas delas foram entregues; e

outras tantas o foram até o término do quatriênio, em outubro de 1926. Assim, de 1924 a 1926, a

cidade passou a ter um número maior de ruas e estradas calçadas que ligavam os subúrbios ao

centro. Isso possibilitou o crescimento do número de automóveis, mas também o contrário: o

automóvel possibilitou a escolha de investimentos nesse tipo de expansão, o que levou a cidade a

crescer rumo aos arrabaldes, mas, em contrapeso, sofrer com o tráfego intenso nas ruas centrais. O

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desejo de se ver moderna fez a elite pensar os novos espaços da cidade em função do automóvel.

As vias públicas além de calçadas foram alargadas. As residências agora tinham de prover guarida

a esse novo membro da família; daí a garagem, mudando a arquitetura da casa e instaurando

outros espaços...Mas tudo isso foi vivido na ambigüidade do moderno/tradicional.

É ainda Jaílson Silva quem descreve a cidade do Recife como de um cotidiano

tradicionalmente marcado por trabalhadores ambulantes, a encher as ruas com balaios de frutas,

caranguejos pendurados; as carroças puxadas por animais, que iam descarregar no Porto, ali

pertinho do novo Bairro do Recife, com suas avenidas elegantes e cheias de carros.40 Não é de se

estranhar, nesse ambiente cheio de “maravilhas” modernas e reminiscências tradicionais que

teimam em permanecer, aborrecendo a elite, verificar-se um aumento nos acidentes envolvendo

autos e pedestres, uma vez que não se tinha uma legislação específica que ordenasse o espaço, em

função dessa novidade moderna. As ruas eram espaço do bonde, dos animais criados soltos, dos

pedestres e até mesmo dos meninos que brincavam nos subúrbios. Assim, gradativamente, os

animais foram expulsos das ruas mais próximas do centro e sua criação doméstica regulamentada

por uma vigorosa legislação sanitária. Até o bonde, que desde os tempos do Ferro Carril, no séc.

XIX, transformara-se em parte da paisagem recifense, tem seus roteiros alterados, limitando as

travessias na rua Nova, por conta do engarrafamento, resultado da convivência com os autos, com

os quais dividiam o espaço urbano.41

Uma outra obra de vulto no quatriênio de Sérgio Loreto foi a radical transformação por

que passou o bairro do Derby. Foi construída a nova sede para o quartel general da Polícia Militar,

num imponente edifício em estilo renascentista, com uma cúpula dominando sua planta baixa

retangular. O quartel e a praça foram inaugurados em outubro de 1924, por ocasião do aniversário

do segundo ano do governo estadual, que promoveu uma exposição industrial, comercial e

agrícola de Pernambuco.

O Derby era uma região alagadiça, relativamente próxima aos bairros centrais da cidade,

ficando entre o Caminho Novo (hoje Paissandu) e as estradas que davam acesso aos arrabaldes

dos Aflitos e Espinheiro. A imprensa da época descrevia-o como uma área abandonada e

insalubre. Leia-se o trecho:

“Qualquer que atravesse o grande portão do parque do Derby, em visão retrospectiva, terá dentro

da retina o antigo terreno vasto e alagadiço, onde uma garotada vadia se dava ao esporte do pontapé; os

caranguejos moravam, placidamente, nos buracos profundos do vasto mangue; os colecionadores de

objetos alheios exerciam o seu nobre mister, em refugo seguro, longe da vista incômoda da polícia; e os

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Romeus baratos iam à entrevista com Julietas indecorosas, sentirá, então, o quanto de ação está ali

capitalizada [...]”42

A ação a que o escritor se referia era a da completa remodelação do sítio, mediante o

saneamento e o ajardinamento. Assim, as águas foram canalizadas e o terreno drenado. Construiu-

se um pontilhão e uma avenida ligando-o à Soledade, a Avenida 18 de Outubro (hoje Av. Carlos

de Lima Cavalcanti); e criou-se uma praça ajardinada, no meio de um bairro com ruas

arborizadas, num traçado entrecruzante. Os terrenos foram loteados e, aos poucos, foram surgindo

construções. Famílias de classe média alta e novos ricos afluíam ao bairro, cuja praça

transformou-se no espaço para passeios, corsos de automóveis, manifestações e festas cívicas.

Embora fale da cidade, em geral, esse artigo torna-se importante porque relaciona o crescimento

das construções e edificações à implantação de uma infra-estrutura urbana. E que também foi o

caso do bairro do Derby. Leia-se:

“[...] a mesma comunicativa febre de construções elegantes que vem diariamente, como por

milagre, transformando em absoluto, a fisionomia da nossa capital.

São por demais conhecidos os fatores determinantes da mudança de atitude daqueles que se

encontram em condições de concorrer de um modo eficaz e decisivo para a nossa evolução em matéria de

arquitetura.

Dantes, não era possível, como agora, a aquisição relativamente pouco onerosa, de grandes lotes de

terrenos em zonas pouco afastadas do centro da cidade e aparelhadas com os indispensáveis requisitos de

higiene, de segurança e de conforto.

Agora, porém, esse grave problema de urbanismo, em virtude das acertadas providências

administrativas, postas em execução, mudou completamente de aspecto.

Ao influxo dessa bem orientada política de realizações multiformes e fecundas, e em obediência ao

forte ritmo de trabalho que impera no Estado, a Tramways distendeu as suas linhas, ampliando a sua zona

provida de iluminação elétrica; o calçamento das ruas aumentou consideravelmente a sua área; o serviço

da águas e esgotos aumentou igualmente numa apreciável proporção e, para completar a série dos fatores

a que acima nos referimos, uma higienização conscienciosa e pertinaz foi levada a efeito em todos os

recantos da capital e seus subúrbios.”43

Há muito exagero nesse texto, e o leitor desavisado, que tome a fonte histórica como

transparente, enxergaria aqui o testemunho de uma cidade que se urbaniza de uma forma

esplêndida. Houve mesmo construções em profusão, mas quanto às instituições, tanto públicas

quanto privadas, terem dado conta da oferta daqueles serviços todos, e ainda mais “em todos os

recantos da capital e seus subúrbios”, aí é acreditar demais. O que o relato oferece ao pesquisador

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é a dimensão de que, ao propor ao leitor um efeito de verdade, situando essas transformações na

relação com o governo estadual, tal construção textual fala mais de um desejo de civilização. E só

esse elemento é já de uma riqueza exemplar. Voltando ao caso do bairro do Derby, por exemplo,

percebe-se o cunho estratégico de se sanear e reformar a região: com o objetivo de dotar a cidade

de uma nova área habitável. Num outro órgão de imprensa ligado ao governo, o Diario do Estado,

se publicou uma matéria, sobre o Derby, destacando-se que os terrenos pantanosos e inúteis foram

transformados numa área aprazível e importantíssima para a expansão urbana do Recife.44

Embora as construções no Derby demorariam ainda para operar a plena ocupação dos

terrenos loteados, em outros locais, elas se fizeram mais numerosas, como ao longo das estradas

dos Manguinhos e seu prolongamento na estrada de Ponte d’Uchôa (atual Av. Rui Barbosa) e da

estrada dos Aflitos (atual Av. Rosa e Silva). Quanto às construções públicas, com exceção das

localizadas na área central, como o prédio sede das Docas do Porto e as obras do imponente

Palácio da Justiça, que só seria concluído em 1929, várias foram localizadas nos subúrbios, que

passaram a contar com edifícios que abrigavam instituições importantes, como o Quartel do

Derby, no bairro de mesmo nome, o edifício sede do Departamento de Saúde e Assistência, em

Fernandes Vieira, o Hospital do Centenário, nos Aflitos e a Faculdade de Medicina, cuja pedra

fundamental havia sido lançada, em 1925, num terreno a beira rio, no Derby. Todas essas

intervenções apontam para a valorização dessas localidades, através de investimentos não só em

infra-estrutura, mas em serviços, a fim de incentivar a classe média a ali edificar.

Virgínia Pontual, no artigo “Tempos do Recife: representações culturais e configurações

urbanas”45, afirma que a evolução urbana da cidade passou de uma forma tentacular a uma

mancha urbana compacta. Ao núcleo central (Recife, Santo Antônio, São José e Boa Vista), se

uniram várias povoações, interligadas pelos antigos caminhos. Segundo ela, esse processo, que se

deu através da ocupação dos interstícios entre os tentáculos, começou nos anos 1920. Em 1940, a

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porção norte já era contínua, o que incluía ao núcleo central os bairros em volta do Capibaribe, em

sua direção noroeste. Até 1970, outros eixos estariam incorporados a essa mancha urbana: o de

Afogados-Tejipió, e o do Pina-Boa Viagem. O que confirma o que Fernando Diniz coloca no

capítulo conclusivo de sua dissertação. Tomando um mapa da cidade, feito em 1932, ele comenta

o crescimento urbano a partir das obras do governo Sério Loreto. Leia-se:

“O núcleo central ocupado pelos quatro bairros principais (Santo Antônio, São José, Boa Vista e

Recife) evidentemente continua, só que com maior densidade e mais compacto e mais ampliado em

direção aos seus limites. Os tentáculos que partem para os subúrbios agora estão mais largos e menos

definidos, perdendo aos poucos, inclusive, o traço linear tão peculiar. Os bairros e os antigos ‘nódulos

periféricos’ se ampliam, e iniciam, ainda que lentamente, um processo de interligação, além de obterem

uma ligação maior com os bairros centrais.”46

Mas esse processo, longo, e que teve na década de 1920 um momento crucial e decisivo

(só à guisa de dados, em 1923 a cidade contava com 238 mil habitantes, e pulou para 290 mil em

1930; os dados do Livro do Nordeste parecem, no entanto, exagerados ao apontar uma população

de 343.150 hab. para o ano de 1923;47 e mais ou menos a metade das edificações que abrigavam

esse contingente populacional era de mocambos.48), não está apenas circunscrito às obras da Beira

Mar e à do Derby. Há outras modernizações do espaço urbano do Recife, que, embora de menor

vulto, formam um conjunto importante e articulado aos projetos do governo estadual. Assim, a

prefeitura, sob a gestão de Antônio de Góes Cavalcanti, levou adiante os projetos de calçamento

das ruas e estradas da cidade, no centro e principalmente nos subúrbios. A rua do Sol foi calçada,

bem como a Estrada dos Aflitos, a Estrada dos Manguinhos, a Estrada da Madalena, entre outras.

O calçamento das ruas conviveu com a arborização da cidade. Logo que o prefeito tomou posse,

em outubro de 22, choveu pedidos e queixas, através dos jornais, no sentido de dotar o Recife de

um projeto de arborização sistemática. A pressão da opinião pública foi tão grande que, em seis

meses, as mudas tinham sido plantadas nas principais ruas e uma legislação rigorosa, executada

por um corpo de guardas específico, protegia as árvores. Ao longo dos três anos da administração

de Antônio de Góes, a arborização da cidade foi cuidada.

Porém, as modernizações mais importantes na urbanização do Recife, levadas a cabo

pela municipalidade, foram as melhorias nas praças. O centro da cidade modernizado, a Beira Mar

sendo construída, o Recife expandindo-se para os subúrbios, tudo isso fazia com que houvesse

necessidade de modernizar os bairros suburbanos para incorporá-los à cidade moderna e pulsante.

Ao observar o mapa do Recife, nota-se que todas as praças reformadas situam-se em pontos-chave

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para a expansão da cidade. Assim, o Parque Amorim, o Entroncamento e a Praça da República

foram ajardinados e embelezados; a praça Oswaldo Cruz foi construída e, ao lado dela, o palácio

onde seria a sede do Departamento de Saúde e Assistência; o largo do Chora Menino e a Campina

do Bodé tiveram seus limites retificados e calçados, ganharam coretos e novos nomes: Paissandu

e Sérgio Loreto, respectivamente. O Largo da Paz e o da Encruzilhada, por estarem em bairros

populosos e importantes, tiveram uma intervenção mais forte. O da Encruzilhada, além de ser

embelezado, ganhou um moderno mercado. O Largo da Paz foi ajardinado, e as ruas que para ele

convergem foram alargadas, com a demolição de parte do casario, e pavimentadas.

Dizer que a década de 1920 foi um momento de expansão urbana da cidade na direção

dos subúrbios é pouco para entender as vivências do moderno e do tradicional em meio à

construção dos espaços. É preciso perguntar como se deu essa expansão e que espaços ela funda

ou retoma. Ainda no fim do último capítulo de sua dissertação, como quem deixa no ar um espaço

para futuras reflexões, Fernando Diniz nota que há um movimento de uma população com poder

aquisitivo rumo às periferias que, ao construir seus palacetes, operou uma elitização do espaço, ou

pelo menos de alguns espaços.49 Um escritor do Diario de Pernambuco certa vez escreveu: “De

um vasto charco abandonado e sombrio transformou-se o Derby num lindo bairro com o grande

luxo do ar, das sombras e da água... [...] O Derby será de futuro a nossa cidade jardim.”50 Ora, o

uso da expressão “cidade jardim” é sintomático aqui, pois torna-se um indício desse processo de

expansão urbana a partir de um viés elitista. “Cidade jardim” pode ser tomada como tradução

literal das gardens city, criação do arquiteto e urbanista Ebenezer Howard. Esse as elaborou como

proposta para melhorar as condições de moradia nas cidades industriais inglesas.51 Para isso, ele

lançou mão de um traçado sinuoso, evitando assim o tráfego; ruas profusamente arborizadas; e as

cidades teriam suas funções (residencial, serviços, etc.) urbanas dispostas de uma forma mais

equilibrada. Isso tudo para atenuar as péssimas condições de vida das camadas menos favorecidas.

Mas não era a essa “cidade jardim” que o escritor do jornal recifense se referia, ao falar do Derby.

Mas a um outro tipo de cidade jardim...

Em fins dos anos 1910, a City of São Paulo Improvements and Freehold Co. direcionou

o projeto inicial para o Jardim América, de autoria de Barry Parker e Raymond Unwin, ambos

sucessores de Howard, destinando-o às classes abastadas, e tornando-o um bairro exclusivamente

residencial, proibindo qualquer tipo de comércio ou outra atividade, precisamente para evitar

circulação de estranhos e assim manter uma vizinhança mais homogênea.52 Longe de se tratar de

“idéias fora do lugar”, essa mudança foi uma releitura do projeto inicial e a subseqüente aplicação

prática conforme a conveniência do grupo social que a levou adiante. 53 No caso específico, a elite

paulistana de inícios do séc. 20, Robert Pechman diz que a emergência das “questões urbanas” na

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Europa coincidiu com um processo de transformação nas representações de pobreza e de poder.

As “classes perigosas” passaram a ser percebidas como resultado de um sistema econômico-

político “desajustado”.54 Esse desenrolar da cidadania desembocaria na concepção do Estado de

bem-estar social. Já no Brasil, as condições do capitalismo eram diferentes. O aumento

populacional, a insalubridade urbana, a mortandade não eram função do crescimento de uma

economia industrial. A urbanização brasileira se deu numa economia ainda mercantil, na qual a

indústria incipiente era dependente da economia de exportação e seus setores comerciais. Daí

porque, no Brasil, a “questão urbana” não foi pensada como “questão social”, mas como uma

discussão sobre a identidade nacional.55

Portanto, a expansão urbana, inclusive no caso do Recife de 1920, foi um processo que

esteve imbricado a uma elitização de certos espaços da cidade; processo esse que se fazia possível

através de práticas segregacionistas. À distinção social dos grupos haveria de corresponder uma

diferenciação espacial na cidade.

Ao se propor fazer um estudo da estruturação do espaço intra-urbano no Brasil, Flávio

Villaça reconhece a importância interdisciplinar da relação que a geografia guarda com a história.

Daí ele acompanhar a formação das metrópoles brasileiras, dos portos de inícios do séc. 19 aos

shopping centers de fins do séc. 20. E um conceito fundamental em sua leitura desse processo é o

de segregação.56 A idéia central do autor é de que o espaço intra-urbano (o “arranjo interno” dos

espaços urbanos, suas localizações e a circulação entre elas) no Brasil foi estruturado de acordo

com um processo de segregação social. Assim, os grupos de alta renda tenderam a se concentrar

numa única área intra-urbana, geralmente próxima dos serviços urbanos, quer de cunhos públicos,

quer privados, e tenderam a expulsar as classes de baixa renda para áreas mais distantes e menos

providas dos mesmos serviços urbanos.

No caso do Recife, o autor afirma que houve a formação de duas áreas de concentração

de camadas de alta renda, uma a noroeste do centro, seguindo o curso do Capibaribe; e outra ao

sul, ao longo da praia de Boa Viagem. Mas, longe de ser uma exceção à regra, para ele o Recife é

o exemplo de uma metrópole brasileira que se encontra em outro momento dessa estruturação

intra-urbana. Segundo Villaça, o setor noroeste, mais antigo, está decaindo, enquanto o setor novo

está em ascensão.57 E essa nova área, a beira mar de Boa Viagem, foi construída nos anos 1920,

embora, para o autor, só a partir dos anos 1950 e 1960 é que passou a ser ocupada mais

sistematicamente.

Já outro autor, Paulo Marins, falando do projeto elitista de exclusão social a partir da

segregação espacial, nas primeiras décadas da República,58 afirma que essa distinção espacial não

teve êxito nas metrópoles brasileiras, uma vez que as elites não romperam com as relações

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tradicionais de trabalho. Para ele, as reformas nas áreas centrais e o enobrecimento de arrabaldes

com a finalidade de retirar da cidade aqueles que não tinham um comportamento adequado com

aquele espaço, dito civilizado, não foram capazes de mudar a realidade de cidades que cresciam

com a chegada de gente vinda do interior, ou de imigrantes europeus. Muitos desses foram morar

nos subúrbios distantes, mas outros não tinham nem condições financeiras para alugar uma casa,

nem para arcar com as distâncias de lá para o centro ou para as áreas elitizadas, onde havia

empregos. Assim, segundo Marins, grande parte dessa população preferiu morar perto da elite,

criando assim, em áreas contíguas, os mocambos e as favelas.

No Rio de Janeiro, por exemplo, à medida que a elite rumava para o que hoje se chama

de Zona Sul, primeiro para as encostas dos morros, como Laranjeiras, Botafogo, e depois para as

praias de Copacabana e Ipanema, os grupos desfavorecidos erguiam as primeiras favelas. Dos

palacetes de Botafogo ver-se-iam os casebres do Morro Dona Marta; assim como, depois, dos

edifícios de Copacabana se avistavam os barracos da Rocinha. Mas, se no Rio as elites ocuparam

as praias e os vales entre as escarpas da serra, e os pobres subiram nos morros contíguos, em

Salvador se deu o oposto. A elite preferiu as áreas altas, enquanto os pobres ficaram nos baixios

entre aquelas.59 No caso do Recife, essa “dificuldade em assegurar vizinhanças homogêneas”

também ocorria, e aos poucos, a área elitizada em torno do Capibaribe foi cercada por uma

“multidão de casebres, construídos inicialmente em taipa de mão, palmáceas e capim – os

notórios mocambos”.60 Para Marins, apenas São Paulo e, parcialmente Belo Horizonte,

conseguiram operar essa distinção espacial de acordo com a posição social. São Paulo, por

exemplo, por conta de seu crescimento súbito, pôde organizar seu espaço de forma a alocar os

imigrantes em bairros operários, próximos às indústrias, geralmente a leste do centro, enquanto a

elite cresceu para o sudoeste do centro, em seus bairros jardins. Mas esse exemplo foi uma

exceção. Foi o caso de uma cidade que até 1870 contava com menos de 30 mil habitantes e que

em 1900 já ultrapassara Salvador e Recife, estando atrás apenas da então capital federal. Aí, nesse

ambiente, a experiência urbana, inclusive de mistura entre senhores e escravos, foi muito menor

do que nas antigas cidades portuárias. O imaginário se fundaria através da metáfora do novo, do

moderno; ao contrário das cidades do litoral, onde esse imaginário modernizante conviveu com

tradições muito arraigadas.

Com certeza esse processo de transformação urbana que o Recife sofreu foi marcado por

uma segregação social muito forte. O que antes já ocorria, passa a ser mais intenso, pelo menos

em relação aos números. Mas quanto a afirmar um sucesso ou fracasso no projeto elitista de

segregação espacial, já é um outro problema. E a resposta depende do referencial teórico com que

se aborde a questão. Pois, se seguir o mesmo raciocínio de Marins, concluiria que os mocambos

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não cercaram os bairros da elite, em volta do Capibaribe; antes ocuparam os interstícios daqueles,

através das áreas alagadas da imensa malha aquática da cidade. A elite construiu seus palacetes ao

longo das estradas (que foram, a partir dos anos 1920, se transformando em avenidas), nos locais

menos baixos da extensa planície; enquanto os grupos menos favorecidos se assentaram nas áreas

mais baixas, inundadas pelas cheias do rio e pela maré. Assim posso entender o porquê dos

bairros do Recife possuírem favelas incrustadas em seu próprio seio. Mas isso é apenas levar o

mesmo conceito de espaço a uma análise mais micro: as favelas de Casa Forte ainda não são a

mesma coisa que Casa Forte. Não faria sentido falar de convivência num mesmo espaço, como se

esse fosse uma categoria euclidiana, mas sim numa exclusão espacial, no qual grupos distintos

ocupam lugares próprios, mesmo que debaixo dos arranha-céus.

Reconheço, porém, que há poucos elementos pesquisados para responder com mais

segurança a essa questão, por sinal, tão delicada. Ainda mais que para levar adiante uma pesquisa

mais ampla sobre o espaço, haveria de entrecruzar as várias dimensões que perpassam a

construção dos espaços. Se até então, esses dois autores citados trabalham mais com a dimensão

da divisão de classes, que aconteceria se a essa abordagem se somasse o estudo do espaço

enquanto relação entre o público e o privado; o urbano e o rural.

A formação histórica da várzea do Capibaribe, desde o séc. 19, passou por um duplo

processo: 1) Um recuo dos engenhos, com o conseqüente loteamento do território. Esse foi

ocupado de diversas formas: o senhor de engenho que manteve o solar ou construiu um sobrado

como residência temporária, quando vinha à cidade; o senhor que manteve o sobrado ou solar

como residência fixa, indo ao interior só em algumas ocasiões; e ainda aquela fatia de origem

rural que se urbanizou, passando a se ocupar com funções e trabalhos sediados na cidade, mas que

permaneceu nos arrabaldes; e, além das grandes residências, havia aqueles pequenos sobrados, de

porta e janela, que formaram os arruados, muitas vezes núcleos dos arrabaldes, originados alguns

de conjuntos de senzalas, outros da simples aglomeração num ponto de encontro, como

encruzilhada de caminhos ou largos. 2) Um avanço das casas de veraneio ao longo do Capibaribe.

Primeiramente, eram residências temporárias para os citadinos que iam veranear e tomar banhos

de rio. Depois, com a complexificação dos transportes, tornaram-se residências fixas. Junto com

essa população urbana elitizada, também foi uma de empregados domésticos, que viviam nas

próprias casas, e várias famílias de trabalhadores, que aumentaram os contingentes dos arruados.61

Esses espaços eram marcados tanto pelos mundos urbanos quanto pelo rural. Os

arrabaldes e subúrbios que se desenvolveram na várzea do Capibaribe não eram nem urbanos nem

rurais, precisamente porque eram ambos. Assim, parece que a excitação nos anos 1920 com as

edificações nos subúrbios mostrava mais um aumento de urbanização desses lugares do que o

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suposto início de um processo, nesse período, tido então como o despertar da modernidade em

Pernambuco. Era a cidade crescendo em direção àqueles lugares.

Mas a mistura de imaginários e práticas, própria desses espaços, nos quais se mistura o

âmbito do que é público e do que é privado, continuaria, acrescida agora dos desejos e das

epifanias modernas. Os subúrbios veriam a contraposição de elementos como os automóveis e as

casas de estilo europeizado, mas continuaria com seus hábitos tradicionais de relação com a

higiene, como nos exemplos que aparecem no Diario de Pernambuco. Embora capturados pelas

teias de sentido com as quais as elites teciam o cotidiano urbano, aparecendo como casos

absurdos de falta de higiene, o que exigia do poder público providências, esses fragmentos

deixam entrever usos diferentes do ambiente.

Incluindo aí bairros que seriam da cidade (São José), de subúrbio (Pombal) e de

arrabalde (Tegipió), era comum se lançar água servida, lixo doméstico e mesmo dejetos fecais à

rua.62 Em Apipucos, em Casa Amarela, e na Torre, vários habitantes usavam os terrenos dos sítios

para plantar frutas e verduras e até criar animais, como porcos e galinhas, não apenas para

consumo próprio, mas para comercialização.63 E a despeito das normatizações dos governos

estaduais, esses hábitos permaneciam. Em 14.08.1924, a prefeitura do Recife promulgava a lei no

1424, que regulamentava o trânsito de animais em comboio que se dirigissem à cidade. Haveria

alguns pontos nos quais os comboios deveriam parar, e não prosseguir, adentrando na cidade.

Seriam eles, a Cruz Cabugá, em Santo Amaro; na Estrada Nova de Caxangá; no Largo da Paz, em

Afogados, na Tamarineira, na Estrada de Água Fria, na Jaqueira, no Poço e na Encruzilhada.64

Mesmo assim, missivistas do Diario de Pernambuco, moradores das Graças, reclamam da

passagem de boiadas por um beco, próximo à igreja Matriz do arrabalde.65

As reminiscências tradicionais não se resumiam aos hábitos de higiene ou produção e

escoamento de artigos rurais. Também estavam nas formas de sociabilidade que marcavam os

usos do espaço, como nas feiras populares. Numa fotografia, publicada na Revista da Cidade, vê-

se o mercado do Bacurau, onde se vendia a produção hortifrutigranjeira.66 Com exceção das

barracas de comidas, o terreno era apenas um descampado, que, por ocasião da feira, era invadido

por gente, bichos e diversos odores e sabores. O espaço aí não é o cenário enfeitado da

modernidade belle-epoque.

Comentando um artigo de um jornalista português de passagem por Recife, chamado

João do Porto, Joaquim Inojosa termina por concordar com ele em relação às praças do Recife,

que são abandonadas. Ou, melhor expressando, pouco freqüentadas. Leia-se o trecho:

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“Sobre o abandono em que vivem os jardins públicos nesta urbe de trezentos mil habitantes, é um

caso, realmente a registrar. A qualquer hora – manhã, tarde e noite – que os visitemos, encontramo-los

desertos, quando não freqüentados por meia dúzia de desocupados, que, acham, assim, um abrigo para

suportarem o decorrer monótono das horas, à sombra das árvores, sobre os duros bancos...

À noite, os focos elétricos parecem arrependidos de sua missão, tal o ar de tristeza e de dor, de

sono e aborrecimento que apresentam.

De forma que os jardins, no recife, tem efeito puramente decorativo.

Vemos por aí afora praças ajardinadas sem viv’alma que as procure para conversar um pouco com

as palmeiras, ou as flores – com o silêncio, ao menos.”67

Mas o que queria João do Porto e Inojosa ao olhar para as praças recifenses? Esperavam

eles encontrar o movimento de um Jardin du Luxembourg, em Paris; ou um Regent’s Park, em

Londres ou um Central Park, em Nova Iorque? A vida urbana desejada conforme os modelos da

modernidade de tais centros não condizia com a vivência das afetividades, das subjetividades no

Recife. Ou pelo menos os espaços daquelas não eram os mesmos dos das cidades européias e

mesmo norte-americanas. Tanto que Inojosa, descordando de João do Porto, quando esse fala da

ausência da população nas ruas, particularmente daquelas “Evas modernas”, afirma que o patrício

não teria tido essa impressão se “se tivesse colocado em uma das casas de moda ou de chá da rua

Nova, ou à rua da Imperatriz”.68 Não é à toa que Inojosa remete ao espaço interior, mesmo que

aberto à rua, das casas de chá, confeitarias ou outras. É que a vivência das subjetividades era

vivida nos espaços privados e não nos públicos, como as praças.69 Ao contrário das sociedades

européias, onde o desenvolvimento de um certo tipo de individualidade possibilitou mais a

convivência com os outros em meio aos espaços públicos.

Depois de discorrer sobre outras dimensões da construção do espaço, como a relação

entre o urbano e o rural, e o público e o privado, permito-me afirmar que elas, essas dimensões,

não são, por si só, apenas, responsáveis pela construção do espaço; mas, antes, o que vejo é a

sobreposição de uma na outra. O urbano e o rural se mesclam ao público e ao privado, sem que

isso seja a coincidência do urbano com o público ou o rural com o privado. Não se trata de um

âmbito explicando o outro, mas duas esferas do vivido que criam interfaces, aumentando a

complexidade das experiências da e na cidade. Assim, ao invés de afirmar que houve ou não

segregação espacial na construção do espaço, deixo no ar a idéia de que a convivência entre tais

esferas produziu espaços múltiplos.

Tomando O Moleque Ricardo, de José Lins do Rego, como exemplo, pode-se visualizar

isso que venho tentando dizer. Se tomar o caso de Floriano, masseiro da padaria, e que vivia com

a família num barraco numa rua de mangue, percebo que, em relação aos grupos de elite, que

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compravam o pão de seu Alexandre sem nem pensar na vida do pobre, então faz sentido falar de

uma exclusão social que se transforma também em espacial. Mas se penso no próprio Ricardo, e

sua relação ambígua com o seu Alexandre, que permitia que aquele morasse em sua casa, que era

também o local da padaria, então a mistura do privado e do público aí presente sugere uma

convivência espacial, mesmo que haja uma distinção social. A meio termo entre esses dois casos

situa-se o de seu Lucas, jardineiro na casa de um rico que mora na João de Barros, mas que, findo

o serviço, volta pra sua casa no arrabalde popular de Beberibe.

Assim era o espaço na cidade do Recife dos anos 1920. Ou os espaços. Quantos outros

não passaram despercebidos ao longo desta pesquisa? Quantos outros não foram tragados pelo

esquecimento? Marcas que o tempo apagou.

IV

A questão da identidade permeia as representações que os atores sociais faziam da

cidade no Recife dos anos 1920. Encontrei artigos onde se chamava o Recife de “Veneza

Americana”. Num deles, o autor se questionava se, de fato, Recife tinha algo a ver com a cidade

italiana. Mais adiante, no texto, o missivista compara o Recife a Amsterdam. Pela geografia e

influência do período nassoviano, o Recife teria muito mais a ver com a capital holandesa do que

com Veneza. E aqui o missivista sugere a construção de um bairro holandês, com canais e jardins,

em pleno bairro da Cabanga.70

Outros, como Estêvão Pinto, falam que o projeto de Nassau se perdeu após a

Restauração Pernambucana e que o Recife não era nem como Veneza, nem como Amsterdam.

Assim, leia-se o seguinte parágrafo:

“Por de melhor casta que ela seja, o Recife não é, entretanto, nem uma tela de Turger, nem uma

aquarela de Hickcok. É o Recife colonial, é o Recife hispano-arábico de 1800, que a arquitetura do século

XX vem europeizando a pouco e pouco. Temos a ojeriza da água. Temos, no sangue, esse mesmo espírito

genuinamente português, ao qual só lhe era dado conceber uma cidade grande se estivesse ela plantada no

cume de algum morro.”71

Excetuando-se o exagero a que Estêvão Pinto chega, o de seguir uma vulgata

gilbertiana, levando a conclusões errôneas, uma vez que o Recife não surgiu “no cume de algum

morro”, e, portanto, não poderia ser tipicamente português. Seu texto torna-se revelador de um

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outro elemento para entender o Recife de 1920: a comparação explícita entre a pintura de

paisagem e o espaço urbano. Essa analogia é sintoma da emergência de um outro discurso sobre a

paisagem. Ou antes, é meio caminho já para o uso do termo paisagem com a acepção de espaço

natural, meio físico. Só que aqui, o uso do termo ainda é metafórico. Sabe-se que o Recife não é

uma tela de pintura. Mas a idéia já é explícita.

Em outras passagens, encontrei um outro tipo de comparação entre paisagem e

ambiente, que, ao invés de operar a relação direta entre pintura de paisagem e ambiente, o faz de

uma forma implícita, através de outras metáforas. A discussão em torno da identidade do Recife

parece tão presente no imaginário da década que até em relação a uma suposta sexualidade da

cidade os missivistas se preocupam, como nesse trecho: “[...] Mas o que mais dói é ver que a sua

mudança parece ter sido radical. Com o Recife sucedeu pior, muito pior ainda. Mudaram-no até

de sexo. O Recife foi sempre conhecido pelo Recife, mesmo. Agora é a Recife, a cidade [...]”72

Nesse trecho, o Recife torna-se feminino. E o que há por trás dessa elaboração é o pressuposto de

que a cidade apresenta-se num corpo. Só assim pode o Recife mudar de sexo, passando a ser a

Recife.

No livro Fisiognomia da Metrópole Moderna, Willi Bolle fala de uma “memória

topográfica”, através da qual se opera uma superposição de elementos distintos: o Eu e a Cidade.

Essa superposição torna os sinais topográficos da cidade, os objetos que compõem seu sítio, seu

ambiente, em “vasos recipientes de uma história da percepção, da sensibilidade, da formação das

emoções.”73 Ora, na transposição de sítio a lugar, ao transformar o ambiente em espaço, ao povoá-

lo de afetividades, atribuindo-lhe sentido e significado, o sujeito usa as formas topográficas, da

mesma maneira que aqueles significados adquirem as formas da topografia. Mais adiante no texto,

cujo objeto é a cidade moderna, estudando-a através das reflexões e dos escritos de Walter

Benjamin, o autor afirma:

“Numa ousada adaptação da idéia baudelairiana das correspondaces, a cidade, no texto de

Benjamin, torna-se parceira do escritor no trabalho de memória. Ela se antropomorfiza, torna-se tecelã de

um véu, autora de um texto destinado ao escritor – ‘muros e cais, asfalto, coleções e entulhos, cercas de

madeira, pequenas praças, passagens, bancas de jornal’ – texto escrito no idioma dela: topo-grafia.”74

O mesmo termo que Bolle utiliza para caracterizar essa capacidade da cidade em

aparecer com vida própria, como um corpo, é o mesmo que, numa outra discussão, Edgar Morin

usa para descrever a “experiência do cinema” que o espectador tem na sala escura:

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antropomorfização. Entretanto, Morin faz questão de chamar a atenção para o outro lado desse

processo, que é a cosmomorfização.75

Num exemplo imagético. Há uma telenovela brasileira, exibida há alguns anos com o

título de Pedra sobre Pedra, na qual a abertura era uma seqüência de tomadas feitas na Chapada

Diamantina, no Sertão da Bahia. Numa delas, enquadra-se o Morro do Camelo num ângulo que,

combinado à edição, que sobrepõe lentamente essa imagem a uma outra, possibilita ao espectador

ver a transformação da topografia em um corpo de mulher, deitada com o rosto de perfil, queixo

alinhado ao ombro. Eis uma montagem para antropomorfizar a paisagem, trazendo sua dimensão

para a escala humana, operando dessa forma a inclusão da natureza a um território mais conhecido

do espectador: o próprio corpo e o próprio rosto. Por outro lado, pensando no longa-metragem de

João Lima sobre o olhar, Janela da Alma, lembro de uma seqüência de cenas nas quais o corpo de

uma mulher nua é filmado muito de perto, perdendo a escala humana de reconhecimento do corpo

enquanto tal. O que se vê são pêlos, manchas, volumes, reentrâncias, saliências, etc. A primeira

impressão é a de que a câmera percorre um terreno, ondulado por morros e depressões, até que se

percebe que são pêlos, e que as manchas são sinais na pele; que as saliências são seios ou ombros

que se projetam. Aqui o próprio corpo foi cosmomorfizado. Extrapolou a escala humana e se

ampliou para além dela, numa tentativa sensual de compreender a vastidão do mundo, a qual, em

comparação, faz o humano se sentir pequeno. Desejo pelo sublime, tal quando se está diante de

um desfiladeiro, com uma vista de tirar o fôlego. Breathtaking, como se diz na tradição de língua

inglesa em relação à pintura de paisagem, que coloca frente a frente essas duas escalas: o humano

e o mundo.76

Leia-se essa passagem, retirada de um artigo da revista A Pilheria, na qual o processo de

antropomorfização/cosmomorfização se faz presente na comparação implícita da cidade como

corpo/fisionomia.

“Os teus poetas! As tuas mulheres! O teu sortilégio enfeitiçante. Recife das pontes líricas, das

águas rondantes, que são tesouros de velhos doges, cintilando ao luar, incendiando ao sol!

Eu vivo crucificado no amor, no culto dos teus artistas!

É por isso que és, para o desvirginamento dos meus olhos, a sereia de olhos verdolentes [sic],

cantando rapsódias embaladoras no delírio aquático das algas rendilhadas.

Amo-te! E não sei que mistério vive em minha religiosidade artística, para que eu te sinta toda nua,

tu, que és Cidade-Mulher!

[...]

Alucinada Mauricéa! Recife adormecida na distância!

És bem essa mulher torporizada, que fica, sob a poeira das estrelas...

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a mirar sua beleza no espelho branco do Capibaribe...”77

Aqui nesse texto há referências àquela discussão sobre o Recife e se esse é como

Veneza ou como Amsterdam. Ao dizer de suas águas que são tesouros de doges, ele filia a cidade

do Recife à italiana; mas, no final, ele a chama de Mauricéa, numa alusão à figura de Maurício de

Nassau, tido como um interventor urbano e portador de um projeto civilizatório. É como se o

cenário natural fosse associado ao sítio de Veneza, cidade construída sobre as águas; mas a cidade

enquanto palco dos atores sociais, essa era colada a Amsterdam, nesse momento tomada como

símbolo de cidade civilizada da Europa do Norte, porto e centro financeiro, exemplo da pujança

do liberalismo capitalista. E que, melhor ainda, se filia de um jeito ou de outro, ao passado do

Recife e ao imaginário mascate das elites comerciais aqui sediadas.

Mas essa antropomorfização/cosmomorfização também fala de outro duplo processo.

Ao instituir o mundo empírico, chamando-o de natureza, de paisagem (com toda a carga sígnica

que as palavras e seus usos carregam), na sobreposição ao Eu, num ato que passa por ser a

colonização simbólica do empírico, termina-se por naturalizar uma concepção, uma

representação, e todo um projeto sócio-político atrelado àquelas. A transposição da cidade em

corpo está testemunhada pelo olhar do narrador, que, ao se desvirginar vendo-a mirar-se no

espelho do Capibaribe, se transforma em meta-olhar. E essa transformação deixa um outro

vestígio... Quando a cidade é nomeada como sereia, é ela que se torna “enfeitiçante”, é ela que

canta “rapsódias embaladoras no delírio aquático”. A própria capacidade de enfeitiçar é

naturalizada na paisagem aquática da cidade. Mas a cidade não é um ente; ela não canta, nem fala.

Quem fala são os grupos sociais que se relacionam nela e com ela. Então, a pergunta que vem à

boca é a de que outros desejos e projetos, dos sujeitos do Recife de 1920, esses registros falam.

Que desejos se colaram na paisagem? Ou, dito de outra forma, que sujeitos se refletem,

cosmomorfizados, nesse espelho, antropomorficamente invertido?

No fim dos anos 1930 o jornal Folha da Manhã caracterizou a cidade do Recife como

uma “cidade bonita, cheia de erupção e de encanto”, porém, mais adiante, expressou um grande

lamento, ao dizer que “dói-nos vê-la a cada dia despenteada e maltrapilha.”78 Às portas dos anos

1940, a imprensa já antecipava preocupações com o crescimento urbano desenfreado, sob a forma

de proliferação de mocambos nas áreas pobres, o que coincidia com o que alguns intelectuais,

mais adiante, chamariam de “perda do equilíbrio ecológico”79

No entanto, nos anos 1920, os adjetivos dados a essa Cidade-Mulher eram outros e

descortinavam outro ambiente e outro sentimento em relação a esse. Reproduzo aqui um trecho

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longo, mas que se justifica pela profusão de adjetivos usados para caracterizar essa naturalização

da cidade em corpo.

“Verão –

Verão! ... E o sol devora a cidade sensual! / Com seus beijos de fogo, em volúpia animal! / Sob o

fino abat-jour da gaze transparente / E côncava do céu, na valva incandescente / E azul, como um fauno, o

verão, lesto, ressurgiu.

A cidade encantada olhava-se no rio, / - No espelho biscauté desta sua toillette - / E achava-se

gentil, e achava-se coquete, / toda assim pontilhada de missangas de oiro / Do seu colar de focos de luz,

muito louro, / - Da pulseira das árvores, verdes, esféricas, / Como uvas, e das torres, e das torres estéricas

/ Erguendo-se arrepiadas para o céu... / E assim, / Embevecidamente, a Cidade querida, / Pelo fauno, o

Verão, quedou-se surpreendida.

Mademoiselle Recife, esta melindrosa, / Vestida toda em rubro, rubra como u’a rosa, / Lábios

todos Carmim, não suporta no entanto / O mormaço do asfalto que sufoca tanto, / o ar tremente que sobe,

em shimmy, o sol que / inside... / ... E deixa esta cidade linda, e se decide / À estação balneária.

[...]”80

Aos “sensual”, “encantada”, “gentil”, “coquete”, “embevecida”, “surpreendida” pelo

sol, “melindrosa”, “rubra como u’a rosa” e “linda” dos versos acima se somam os “estonteante”,

“envolvente”, “farandulosa”, “tarantelante”, “rumorosa”, “louca” e “alucinada” de outros versos.81

No primeiro texto, a cidade aparece imersa na beleza que o sol irradia, tornando-se envaidecida,

voluptuosa. Já no segundo, o autor, além de destacar esses sentimentos, registrou outra faceta: a

de barulhenta e enlouquecida. Que vivências foram essas que transformaram a cidade em sedutora

e, ao mesmo tempo, fora do controle? É interessante notar que as qualificações dadas à cidade são

todas em referência ao corpo e ao movimento desse. Quando o escritor a chama de alucinada ele o

faz na relação mesma com a de envolvente.

Ora, é lugar comum afirmar que todos esses textos falam de uma série de vivências dos

sujeitos dos anos vinte, sobretudo ligadas à corporeidade e a novos ritmos.82 Frenéticos anos

vinte; roaring twenties. Que há nessa caracterização da cidade que o próprio texto não faz ver? Se

a adjetivação passa por escolhas, tanto que em outras passagens encontrei essa transformação da

cidade em corpo de mulher com outros fins,83 porque sobressaltar apenas os aspectos frenéticos

mas sedutores das mutações que os anos 1920 presenciaram? Leia-se esse trecho, tirado de outro

artigo publicado n’A Pilheria, mas sob outra ótica.

“Recife, esta deliciosa terra maurícia que nasceu de um sonho holandês, para a pompa de festas

suntuosas, Recife, hoje, é uma cidade que se presa, que tem hábitos civilizados, que se rebica e que se já

sabe dizer asneiras galantes aos que a requestam. De sua antiga modorra de cidade colonial, Recife foi

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renascendo para o luxo, para a grandeza e para o fastigio da vida moderna, intensa, bataclanizada, com

ares de grã-senhora que disfarça sob rebiques e pastas a sua velhice precoce.

Recife tem cinemas, teatros, automóveis, aviões, radiofones, cafés, casas de chá, almofadinhas,

melindrosas, coronéis, podres de chic, nouveaux riches e até, Santo Deus! Suntuosos gentlemen. E, dentro

de toda essa casta, gaffeurs e blagueurs em quantidade. Recife é uma grande cidade e isso está fora de

dúvida. [...]

[...]

Recife é uma cidade civilizada... Apenas, enquanto se lhe cogita da maquiagem do rosto, vai-se a

esquecer, lamentavelmente, o asseio do corpo. [...]”84

E a essa caracterização da vida moderna no Recife, num tom irônico, diga-se de

passagem, segue-se uma crítica tenaz ao serviço de limpeza pública da cidade. No entanto, o

interessante, nesse artigo, fora a utilização da analogia entre a cidade e a mulher, onde o autor

mostra o quanto essa empolgação com os aspectos modernos da vida, como o cinema, os

automóveis, os footing e flirting, as estações de praia, poderiam muito bem maquiar uma condição

que, de fato, a cidade não ostentava. Essa leitura crítica, presente na imagem de que a fisionomia

podia ser uma maquiagem, entrevê uma postura de intervenção, ou pelo menos de um desejo, em

relação a esse corpo/mulher. A modernidade, para tal visão, não era apenas a cega empolgação

com as epifanias modernas. É Sandra Jatahy Pesavento, falando das modernizações em Porto

Alegre de inícios do séc. 20, que afirma:

“No Brasil dos anos 20, a cidade emergia como o espaço privilegiado de atuação do poder público.

A imagem da cidade-organismo, cidade-corpo, composta de funções orgânicas especializadas, presentes

na literatura francesa desde o final do século, era retomada para justificar a necessidade de intervenção

urbana. As partes ‘doentes’ deveriam ser tratadas, a fim de garantir a ‘saúde’ do conjunto.”85

Mas, quando se fala em intervenção, que projetos vêm à tona? Que interesses

perpassavam esses projetos? Ou em outras palavras, que imaginários se

chocaram/complementaram naquele espelho da paisagem?

V

As modernizações na urbanização da cidade foram captadas por olhares múltiplos,

diferenciados pelos interesses que permeavam as relações de poder e a construção de discursos.

Nesse sentido, as representações, criações culturais oriundas das tensões sociais, surgem

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ambiguamente, entre o moderno e o tradicional; defendendo um ou outro; ou antes, um

determinado aspecto de um ou de outro. O discurso do Progresso, a crença no moderno, aparece

muito forte na sociedade recifense dos anos vinte.

Desde meados do século XIX que uma nova visão de mundo estava se gestando,

profundamente identificada com a Revolução Técnico-Científica, de 1870. Essa revolução trouxe

mudanças significativas nas indústrias, nas relações de trabalho, nas relações entre os mercados e

nas vidas das pessoas. Produtos cada vez mais sofisticados invadiam o cotidiano das cidades e

traziam consigo a crença na razão científica que os produzia. É indiscutível que o Ocidente tenha

dominado as outras partes do globo. Assim, surge a idéia de Progresso, vinculada a uma

mentalidade modernizante, na qual a ruptura é imprescindível e torna-se um emblema, uma vez

que modifica a relação entre o novo e o velho. A idéia de Progresso sugere que a atualização da

técnica seja sempre um avanço. Esse pensamento é transposto para a interpretação social, e afirma

que o sentido da História é o caminho que leva à Civilização, deixando para trás formas

“atrasadas” de construção social.

Discorrendo sobre as transformações culturais ocorridas na virada do séc. 19 para o 20,

Nicolau Sevcenko afirma que elas não só foram registradas pela literatura, como se deram na

literatura. O exemplo que ele usa me é caro, pois é justamente sobre a paisagem.86

Ele apresenta um trecho de O Guarani, de José de Alencar, de 1857, no qual a descrição

natural é feita a partir de metáforas que reafirmam a condição imagética da natureza como enfeite,

adorno, tornando-se um espetáculo para contemplação, levada a termo por um sujeito que a

apreende diretamente. Já num outro texto, uma crônica de Vicente de Carvalho, publicada em

1916, a condição cênica da natureza é transformada mediante uma mentalidade utilitarista, que se

pauta pelo aproveitamento prático e por valores de mercado. O olhar do sujeito, agora indireto na

relação com a natureza, a estuda, mensurando-lhes as propriedades, visando o consumo. Assim,

nas palavras de Sevcenko:

“No texto de Alencar a relação entre o homem e a natureza é direta e imediata. No de Vicente de

Carvalho essa mesma relação é indireta, estando sujeita à mediação de um terceiro elemento alçado em

eixo de articulação entre os dois pólos extremos: o valor, representação abstrata de um mercado livre de

oferta e procura. O homem aparece dominado pela natureza no escrito de 1857, e manifesta-se

embevecido ao se deixar conduzir e seduzir pela fúria majestática e envolvente dos elementos. Ao

contrário, na descrição de 1916, é o homem que tem nas mãos o destino da natureza, exprimindo um

júbilo incontido em poder dispor de toda a pletora de riqueza, graciosamente oferecida à sua ânsia de

consumo.”87

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Eis a noção da natureza, na qual ela deve ser estudada, dominada e transformada, pela

técnica, em recurso utilizável: os rios devem ser mananciais para abastecimento d’água, as

florestas devem ser derrubadas para que se use a madeira como combustível, os caminhos devem

ser estradas para automóveis, e os céus para o avião, pois não são deles o novo século? Não é em

termos de consumo que Benedito Monteiro fala da paisagem, naqueles versos “futuristas”?

“Respiro os ambientes de petróleo. / Bebo as paisagens de 100 milhões de hectares. / As retinas

vêem os focos de 1000 kilowats.”88 É imbuído dessa concepção que Joaquim Inojosa, escrevendo

sobre a identidade nacional do brasileiro, afirma que esse não a tem formada por conta da

natureza do país, que é muito grande e, por isso, inexplorada. Inojosa, então, conclama, em tom

panfletário, que o brasileiro subjugue-a, domine-a para que possa crescer e se tornar um povo

forte.89

Essa idéia de que a técnica deva explorar a natureza (o que inclui aí tanto a sua

utilização para o crescimento material, tido como progresso; quanto pela crença cientificista de

que tudo deve ser ordenado), foi levada ao extremo, em alguns casos, criando situações muito

além das aptidões técnicas de então. Num curioso artigo, publicado na Revista de Pernambuco, o

autor, estudando o sítio topográfico do Recife, conclui que o problema da cidade é o porto, que se

situa na foz do rio Capibaribe. Ora, outras cidades não apresentam esse problema justamente

porque se situam alguns quilômetros antes da foz, como Londres. Isso evita que o porto seja

localizado numa área que está constantemente submetida ao assoreamento, em função tanto da

maré quanto do próprio rio, já que ambos depositam sedimentos aí. Tal não é o caso do Recife.

Até aí tudo bem. O conhecimento de engenharia foi útil para diagnosticar a situação. Mas é na

solução proposta que a crença na ciência ganha as nuvens. Primeiramente, o autor propõe toda a

urbanização do curso do rio, mediante a construção de cais; além de

“estabelecer um traçado especial, desviando o rio, muito acima pelos terrenos mais firmes, afim de

trazê-lo num aqueduto cortando a cidade até o oceano. [...] Esses males das cidades fluviais e não das

marítimas, só se eliminam com a canalização central pela remoção do rio para seu leito artificial,

devidamente forrado e profundo.”90

Esses pensamentos, transpostos das ciências naturais ao estudo da sociedade, são

incorporados por uma geração que assumiu o poder, com a queda do Império, instaurando a

ordem republicana.91 Essa nova ordem era a expressão de uma elite letrada, que emergia. Uma

elite comercial, e depois industrial, mas, sobretudo, urbana. Era o gentil-homem burguês92,

membro da dita ‘geração de 70’ do séc. XIX, que exigia um cenário novo para sua roupagem e

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relações novas. Assim, o imperativo era equiparar o Recife aos grandes centros, tornando-o

aprazível e confortável; e isso era sinônimo de ordenado, racionalizado e, sobretudo, saneado,

quer espacialmente, quer socialmente.

No mesmo artigo, ainda há pouco transcrito, aparece a menção aos outros problemas

que advêm desse não ordenamento da natureza, como no caso das habitações populares e da falta

de higiene que elas apresentam. No entanto, se devidamente cuidado, o espaço da cidade ficaria

saneado.

“Desaparecerão os baixios, as vasantes, os pântanos e os mucambos piores em que o habitante se

faz anfíbio. [...] E, então, o próprio rio servirá de dreno e de um verdadeiro saneador, ao passo que em seu

estado primitivo contamina e arrasa as povoações que emergem naturalmente de suas águas.”93

Vê-se que essa noção científica pensa a intervenção no tecido urbano como algo que não

tem contra-argumento. Há de fazer a profilaxia de uma camboa de rio como se extrai um tumor de

um corpo doente. A questão não é pensada em termos sociais, mais em termos sanitários:

urbanizar essas áreas é o mesmo que arrancar a erva daninha do caminho, ou, na imagem do

escritor, “as povoações que emergem naturalmente de suas águas.”

Era, portanto, a elite que deveria, por ter acesso às letras e aos modos refinados, guiar a

coletividade rumo à vida moderna. Numa reportagem da Revista do Norte, sobre a cheia do

Capibaribe de 1924, várias fotografias são reproduzidas.94 Vêem-se dois automóveis atravessando

as águas; o rio que transbordou, quase atingindo a altura do pontilhão de pedestres; o nível da

água, atingindo quase metade do muro de um palacete de avenida; e a imensa poça na frente de

um conjunto de sobrados de porta e janela. As imagens são sobrepostas, num mosaico, dando ao

leitor a idéia de que toda a cidade fora vítima da força da natureza. E isso implicava em falar no

rico e no pobre: o que se locomove de auto e o que vai a pé; o que mora num palacete e o que

mora numa casa simples. E deixa implícita a necessidade de domar o rio, esse imperioso que, do

nada, recolhia as águas do interior e as despejava com fúria nos alagados do Recife. Mas essa

capacidade de domar o rio, pelo conhecimento de engenharia, pela técnica, era um requisito que

só as elites tinham, sobretudo as elites letradas, ligadas aos setores urbanos. E isso as instituíam

como portadoras dessa “missão civilizatória”, à frente do sentimento de comunidade que as

fotografias construíam, sob o signo da cidade.

Em outro artigo, essa “missão” está mais explícita. Samuel Campelo, único a criticar “A

Semana das Árvores”, afirmou que o evento deveria acontecer não nas escolas, mas no espaço

público, a fim de instruir a população no gosto pelas árvores.95 A elite como vanguarda

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intelectual, escondendo os matizes de uma sociedade conservadora e que vivia uma modernidade

com nítidos limites. Ele continuava, em seu artigo, lamentando a depredação das mudas e

defendendo o uso da força policial para evitar tais “barbarismos”.

Sanear espacialmente significava acabar com a estética de cidade colonial portuguesa,

com suas construções desordenadas e amontoadas num traçado confuso, que propiciava becos e

vielas, estreitos, sombrios e escuros. Essa cidade, velha e doente, tinha de desaparecer, e no lugar

dela, erigida a cidade moderna, limpa, arejada, espaçosa, arborizada, estetizada e ordenada.

“Entretanto, Recife a que não falta quem chame de ‘Veneza Americana’ e realmente, prestigiada

pela vizinhança do Atlântico, não possuía, até agora, uma avenida, um passeio, uma rua ao menos à beira-

mar. Ao contrário. Os velhos sobrados, na orla do cais, desde o Brum até a ponta da rua de Santa Rita

Nova sempre deram as costas para o mar. Pouco nos importava que do mar viesse a vista incomparável

dos seus aspectos, os primeiros raios da luz matutina, as brisas frescas do largo, as sombras da tarde...”96

Só assim, ela se transformaria no palco condizente com os novos atores e seus novos

espetáculos, com seus artefatos mágicos, que apareciam nas páginas dos jornais e revistas e

habitavam o imaginário dos que tinham em mente os modelos europeus, civilizados. Seguindo

essa concepção é que esse missivista escreve ao Diario de Pernambuco:

“O Recife está passando por importantes remodelações.

E à proporção que se efetuam melhoramentos, transformando o aspecto de nossas ruas, dando à

capital a graça dos parques e dos jardins modernos, cresce-nos o desejo de que se multipliquem essas

obras, de modo a fazer desaparecer a cidade velha.

Quem não sente, por exemplo, uma grande vontade de ver demolidas as vielas que existem por trás

da rua Nova...?”97

O lema, durante essa febre de remodelações, era “urbanizar, civilizar, modernizar”.

Vários intelectuais ativos e reconhecidos levantavam essa bandeira, e aí o conflito vinha à tona,

como nesse artigo de Joaquim Inojosa:

“Realmente, não adivinho no conservar as ruas infectas, os becos estreitos e, muitas vezes, sem

saída, dos bairros de São José, Recife e Santo Antônio, o manter o Recife Tradicional, quando, o que isso

revelaria, era a nossa incultura, nosso desamor à civilização, uma chinezisse pernambucana.

[...]

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Belo programa realizaria um governo em Pernambuco, se ao invés de iniciar a construção de novas

praças, de hospitais, de avenidas, autorizasse a conservação dos velhos bairros, das antigas ruas sem

expressão tradicional, onde os próprios ‘soi disants’, tradicionalistas não querem residir.

[...]

Mas construir é destruir.

Destruir o que é inútil. Construir o que é útil. E o inútil de hoje foi sempre útil ontem. É possível

que muito do que construímos venha a ser inútil amanhã.

Contra essa lei da evolução não há reação possível.”98

Assim, a urbanização transforma-se em sinônimo de modernização, atualização

tecnológica associada a uma espécie de darwinismo social, eugenia. Daí a contraposição da

civilização (leia-se europeização) à barbárie, ao atraso. A tradição é vista como peso morto, que

atrapalha a marcha da História. Leia-se o artigo publicado no Diario de Pernambuco:

“O RECIFE NOVO - A nossa capital apresenta, a cada passo, os mais frisantes atestados dos

grandes surtos de progresso por que vem passando, especialmente nos últimos anos.

Certo que, para sermos uma cidade moderna, muito nos falta ainda. Os milhares de mocambos que

dão a fisionomia de uma aldeia da África selvagem; as vielas ínfimas que bordam mesmo as artérias

principais do coração da urbe; as numerosas ruas que estão ainda a exigir calçamento digno desse nome; e

vários outros aspectos aí estão ainda requerendo uma série de administração de larga visão.

Se fizermos, entretanto, uma comparação, já não dizemos entre a capital de hoje e a de 1909 ou

1910, quando o bairro do Recife era um amontoado de casarões horríveis e labirinto de becos infectos, e

nos demais quarteirões quase que não se viam sinais de desenvolvimento, mas entre a atual e a de seis

anos atrás, quando o novo calçamento começou a imprimir uma feição inteiramente outra à cidade,

embelezando-a, tornando mais facilmente trafegáveis várias artérias e, abrindo acesso aos subúrbios -

veremos quão considerável é a diferença.”99

Nesse sentido, sanear espacialmente é sanear socialmente. Através e pelo discurso

higienista, criam-se legislações que normatizam a conduta do indivíduo, ordenando

autoritariamente o espaço que o cerca (a rua, o trabalho, o lar), submetendo-o ao controle do

Estado, que é feito pela burocracia, que mede quanto ele gasta de água, energia elétrica, etc...

Soma-se a isso a ideologia do trabalho, que impõe um modelo de papel social, transformando o

trabalhador, tornando-o dócil; e, conseqüentemente, marginalizando os que não se enquadram

nesse formato.

Um exemplo disso é o que está por trás da modernização do Mercado da Madalena.

Com o aval do discurso higienista, que condenou as instalações precárias e imundas do mercado,

bem como a venda de animais em volta do edifício, e as barracas de comidas nas redondezas,

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levaram adiante o projeto de modernizarem o mercado, agora com instalações adequadas e

limpas; e impuseram várias normatizações a fim de tornar as condutas próprias. No entanto, o que

a modernização do mercado fez foi acabar com o conhecido mercado do Bacurau, que na alta

noite e madrugada era freqüentado por boêmios (alguns iam até de carro) que ficavam a beber e

farrar até de manhã cedo, quando chegavam os primeiros moradores para comprar verduras e

carnes. Assim, a modernização impôs uma normatização aos marginais (a palavra aqui empregada

no sentido social), afinal, quem não trabalhava ordeiramente, era vagabundo.100 Embora o

problema aí não fossem os boêmios, mas o que os atraía no Bacurau: a manifestação popular da

feira e a forma “desleixada” com que ela era feita.

Essa elite se via como vanguarda de um processo inevitável, rumo à civilização. Vários

missivistas escrevem cartas e artigos levantando a bandeira de “urbanizar, civilizar, modernizar”,

e os periódicos publicavam-nos, até dando amplo espaço.

Mas o militante mais ferrenho desse discurso era, sem dúvida, o governo estadual. Esse,

colocando-se como acima das querelas políticas do estado, no alto de sua imparcialidade (Sérgio

Loreto era juiz), proclamava ser defensor da modernidade em Pernambuco. O governo utilizou

bastante da propaganda para atingir a população, mostrando seus projetos e, sobretudo,

divulgando as obras realizadas. Nunca os canteiros de obras estiveram tão em evidência. A cidade

já havia sido flagrada pela litogravura, pela pintura e pela própria fotografia. A diferença agora

era a profusão de imagens que a cidade fazia de si mesma. Jornais, revistas, cartões-postais, tudo

trazia imagens da cidade. Do porto, do bairro reformado, das praças ajardinadas, das obras nos

subúrbios, até fotografia aérea. Lá estava o bairro de Santo Antônio, com seu casario, as pontes,

tendo ao fundo o bairro do Recife e o porto. Era uma tentativa de captar a cidade toda, tentando-se

vê-la de fora. As fotografias eram usadas, muitas vezes, para fazer o contraste entre o ontem e o

hoje. A Revista de Pernambuco publicou várias fotos, uma junto a outra, mostrando uma praça

antes da reforma e depois da obra concluída. Era uma maneira de mostrar os avanços do

Progresso. O Recife se expandia, crescia, se modernizava, e isso tinha que ser documentado. Os

recifenses precisavam ver sua cidade refletida na imagem criada pela câmara escura. Narciso

diante do espelho das águas. Assim tentava o Recife solidificar sua imagem de cidade moderna,

auto-afirmar-se, numa tentativa ligeira de substituir por uma identidade nova aquela que se

esforçava por romper: o estigma de cidade colonial.

As inaugurações eram motivos para aparições, discursos. Uma praça, uma ponte

reformada, uma avenida inaugurada, tudo era ocasião para pregar o discurso do progresso. Além

do espaço dos jornais já estabelecidos na cidade, o governo criou dois órgãos de imprensa oficial:

o Diário do Estado e a Revista de Pernambuco, ambos começando a circular a partir de julho de

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1924. Essa última é um exemplo do esforço do governo em construir uma imagem da cidade,

mediante as obras modernizantes, que correspondia à de centros civilizados. A revista, bem

organizada visualmente, com numerosas reproduções fotográficas em papel de qualidade, operou

a costura entre imagem e palavra. Às fotografias da cidade, recortes visuais que informavam sobre

certos aspectos do ambiente, se juntavam os textos. Isso criava o estabelecimento de uma rede de

sentidos que, duplamente, faziam que os textos fossem respaldados pela “evidência” fotográfica,

ao mesmo tempo em que conferia referência às próprias imagens. Além desses dois veículos, o

governo de Pernambuco contratou produtores de cinema. Pelo menos três filmes foram feitos

sobre obras do governo.101

Mas havia fissuras na suposta crença monolítica que a elite depositava na modernidade.

Nem todos concordavam com as modernizações ocorridas e nem se entusiasmavam com o

discurso do progresso. É que esse processo de urbanização rompia com a tradição, vista com

orgulho pelo pernambucano. Um passado de brilho, com o luxo de Olinda, a expulsão dos

holandeses; tudo isso fazia o pernambucano afirmar seu passado, idealizando-o e cimentando sua

identidade à tradição. O passado era o duplo, o espelho, no qual se mira e se vê a própria imagem.

As modernizações eram uma ruptura aos emblemas do passado. Assim foram derrubados a Matriz

do Corpo Santo e os arcos da cidade, na reforma do bairro, de 1909 a 1913. Na década de vinte as

demolições prosseguiram e as ruas perderam os nomes pitorescos.

As opiniões divergiam entre si e as formas de se conceber o moderno e o tradicional

eram bem diversas. Havia alguns, como o Senador Julio Bello, que defendia os valores

tradicionais e seus símbolos. Ele assina um artigo muito curioso, no Diario de Pernambuco,

criticando a prefeitura de, ao alargar um beco para a colocação de um poste para a fiação elétrica,

derrubar o tamarineiro, embaixo de cujos galhos fora morto Nunes Machado, “maior figura liberal

no movimento liberal de 1848”.102 O saudosismo de um tempo que não retorna era evidente

quando se tinha em mente o cotidiano da cidade, e seus lugares e artefatos, suas referências. Esse

autor deixa bem claro tal sentimento, nessa crônica da cidade:

“[...] - ai! Como era lindo, ingênuo e bom, o Recife de outros tempos atrás! O progresso fê-lo

perder muitos dos seus mais tenros encantos: alargou-lhe ruas, calçou-o, revolveu tudo, extinguiu o

bondinho de burros, acabou com as carroças de boi, demoliu os quiosques. Foi um estrago completo.

[...]

Nos tempos que correm, não há mais criança que pare entusiasmada diante de uma loja de

brinquedos e se extasie a ver a variedade de coisas expostas à venda, cada qual mais interessante e

curiosa. Agora a meninada tem mais no que cuidar. O século é do rádio, do cinema, do ‘Pathé-Baby’, do

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‘Foot-ball’ e diversões outras que divertem muito mais e que talvez não valessem naquele tempo um

bondinho daqueles que se vendiam por uns 4 ou 5 mil réis.”103

No entanto, o saudosismo não era a opinião predominante. Num artigo assinado por

Carlos Lyra Filho, proprietário do Diario de Pernambuco, num jornal do Rio de Janeiro, dizia que

a confusão estava em pensar que, por conta das modernizações técnicas, a estética teria de estar

atrelada às primeiras. Ele dizia que, ao contrário, a estética tinha de ser tratada diferentemente da

técnica. Eram duas categorias arquitetônicas distintas.104 Essa visão do moderno até que poderia

reconhecer a perda do Recife Pitoresco, mas não sacrificaria jamais os avanços da técnica pela

preservação de uma cidade colonial. Veja-se:

“Ainda para os contemplativos de hoje, Recife seria bem melhor na sua feição antiga, com os seus

arcos, as suas ruas tortas, o seu bondinho de burros.

Convenhamos em que isso é mais literário, mas apesar disso bem sedutor. Nós não podíamos

porém guardar aquele aspecto antiquado e tristonho.”105

Gilberto Freyre, ao chegar ao Recife, vindo de seus estudos nos Estados Unidos e seu

prolongamento nas viagens pela Europa, afirmou que a cidade dava a impressão de um

amontoado de ossos a secar ao sol, tal era a sua imagem, nua, com suas casas caiadas, ruas

desprovidas de árvores, a torrar sob o sol dos trópicos106.

O cenário que Gilberto Freyre criticou não era, no entanto, a cidade colonial. O que ele

estava mostrando era como tinha ficado desolador o novo cais, com a praça Rio Branco (atual

Marco Zero), sem árvores. O alvo da crítica era o Recife de depois da reforma do bairro. Queria

ele dizer que sentia falta das sombras das gameleiras do antigo trapiche.107

Esse estranhamento está presente na opinião que Gilberto Freyre parece defender, como

disse em um artigo publicado no Diario de Pernambuco:

“[...] já uma vez escrevi que o Recife novo me comunica um horrível mal-estar: o de estrangeiro na

própria cidade natal...

É que no Recife, todo haussmannismo - o municipal, o eclesiástico, o particular - consiste em

reproduzir aqui os falsos brilhos de caravancará [sic.] do Rio. Nossos estetas de fraque têm por norma

suprema de expressão arquitetônica os cartões postais do Rio. De modo que não buscamos expressar

enquanto edificamos: nossa ânsia é copiar o Rio, caricaturar em cimento armado os cartões postais do

Rio.

Ora, se o Rio é uma cidade sem fisionomia própria, o que não será a caricatura, a que a estética

municipal pretende reduzir o Recife?

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[...]

Nós caminhamos para esse triste destino de cidade bric-à-brac, se o haussmannismo continuar

aqui a caricaturar o Rio - mesmo o que o Rio tem de próprio e de verdadeiramente belo.”108

O uso da palavra “estrangeiro” para definir seu sentimento em relação à cidade é

sintomático e aponta para as escolhas que Gilberto Freyre tomaria e defenderia, tanto nos jornais e

revistas, como em sua vida pública. Esse mal estar se estabelecia por conta da diferença entre o

Recife de então, reformado, com uma malha viária que se estendia para os subúrbios, com novas

modas na rua Nova, para o de seis anos antes, quando ele partiu para os Estados Unidos. Note-se

que também Gilberto Freyre reconhecia as transformações ocorridas na cidade, mas o que era

empolgação e sedução para uns, era decepção e lamento para ele.

Os estudos no exterior parecem ter operado uma mudança naquele jovem anglófilo.

Uma mudança de perspectiva. Das influências que recebeu, talvez a mais importante tenha sido o

culturalismo de Franz Boas.109 O contato com a cultura norte-americana e os estudos em ciências

sociais na universidade de Columbia o fizeram rever sua forma de pensar a cultura. As idéias de

Boas fizeram com que ele rompesse com velhos paradigmas do oitocentos, inclusive a noção

evolutiva presente no conceito de progresso e o preconceito fundado nas teorias raciológicas.

Assim, munido de um relativismo cultural, ele aportaria no Recife com um olhar diferente; um

olhar, diria mesmo, do diferente, do outro, ainda que em sua terra natal. Esse novo olhar o faria

procurar, como um etnógrafo, os traços, costumes e hábitos brasileiros que lhe dessem condições

para apreender sua configuração.110 Daí suas “peregrinações”, junto com Luiz Cedro, pelas ruas

estreitas do bairro de São José, à cata de reminiscências, procurando conhecer o Recife das

tradições vivas, presente no cotidiano do povo.111

O resultado desse novo olhar já se faz sentir presente nos jornais da época. No Diario de

Pernambuco, Gilberto Freyre assinou uma coluna, semanal, e que ficou conhecida pela alcunha

de “os artigos numerados”. Neles, o jovem escritor expunha suas observações e impressões,

colhidas durante suas andanças pelas partes velhas da cidade. E esses textos geralmente traziam o

tom de polêmica, como na crítica que ele fez ao modismo, no Recife, de mudar os nomes das

ruas. Nomes pitorescos que, segundo ele, falavam mais das tradições da cidade do que os nomes

de políticos e doutores fulanos de tais. Assim, ele ironiza:

“Esse verbo ‘mudar’ é aliás muito conjugado no Recife. Vive o Recife a mudar de casa, de

profissão, de colégio... mas sobretudo vive o Recife a mudar o nome das ruas... Num simples nome de rua

resIdem às vezes imensidades. Apagar um nome assim seria destruir imensidades.

[...]

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[...] o nome Aflitos deve desaparecer do mapa do Recife. De fato na estrada dos Aflitos moram

hoje burgueses regalados e felizes, cujas casas possuem ‘abatjour’ e piano. Nada tem de aflitos.”112

Essa questão dos nomes gerou até brigas entre Gilberto Freyre e o Instituto

Arqueológico, que queria rebatizar o Encanta Moça, local, onde, às vezes, os aviões aterrissavam,

chamando-o de Santos Dumont, em homenagem ao brasileiro, herói da aviação.113 Para Gilberto

Freyre, isso era o tipo de coisa que aquela modernidade vinha fazendo às tradições da cidade. E

por trás de sua atitude, havia uma concepção de história que se chocava com a de então. Para ele,

a história não era os fatos extraordinários e seus heróis, mas a vivência cotidiana de tradições que

permaneciam vivas.

Assim, Gilberto Freyre, ao defender a “cor local”, acusava os estetas, do alto de sua

coluna no Diario de Pernambuco, denunciando o caráter de simulacro que as remodelações do

governo imprimiam. Num artigo, critica a remodelação da Campina do Bodé, dizendo:

“Atente-se no paradoxo: numa cidade a que não faltam sobrevivências do passado a se zelar e a

respeitar, que não são nem zeladas e respeitadas, inventam-se ruínas cenográficas; numa cidade em que a

água é um valor natural que se encontra em cada passo, improvisam-se lagoas para servir de pretexto a

pontes maracajadas.”114

Ou nesse outro, que se refere à modernização do Largo da Paz, na qual tinha-se em

mente substituir o cruzeiro, em frente à Igreja, por um coreto:

“Uma praça com um cruzeiro no meio, diante da Matriz? Horror para a estética de fraque! Que

desapareça o cruzeiro! Porque onde está uma praça com um cruzeiro nos catálogos franceses de arte

municipal, nos compendiosinhos que ensinam minuciosamente a levantar ruínas cenográficas, nos cartões

suíços?

Que importa que o cruzeiro seja a nota, a sugestão, o sinete mais vivo de brasilidade? Que importa

que ele recorde a primeira missa? Que importa que o cruzeiro anime no brasileiro, católico ou acatólico,

todo um mundo de emoções íntimas; e lhe recorde toda a poesia dos começos da nacionalidade?”115

Num tom irônico, e ao mesmo tempo clarividente, de uma clarividência de quem segue

a trilha de uma história cultural, atento ao cotidiano e ao imaginário, Gilberto Freyre mostrava que

símbolos eram derrubados e que outros eram erguidos. Muito mais que isso, apontava para os

significados desses emblemas. Fazia os outros verem que as ruínas cenográficas e os coretos e as

pontes maracajadas eram parte de um simulacro que varreria a cidade, desfigurando-a, ao torná-la

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igual às outras, fazendo-a perder sua identidade. Ao contrário, sugeria que o cruzeiro é que era a

verdadeira ruína, e que deveria ser preservada. Ruína de um tempo que a Modernidade ia enterrar,

num processo sucessivo, ao criar coisas novas e torná-las ruínas em tempo relâmpago. Deixar o

cruzeiro de pé não significava continuar sendo como os que o construíram, mas sim aceitá-lo

como parte integrante de suas histórias, memórias e identidades. Gilberto Freyre, como ninguém

na época, colocou o pernambucano de frente aos espelhos. Os espelhos do passado.

No entanto, a atuação de Gilberto Freyre não se limitou à escrita de artigos na imprensa.

Ele também organizou a edição do Livro do Nordeste, em novembro de 1925, por ocasião do

centenário do Diario de Pernambuco, e que teve a colaboração de Aníbal Fernandes, Joaquim

Cardozo, Manoel Bandeira, e seu xará, o pintor e desenhista Manuel Bandeira, entre outros. Nele,

escreveu-se sobre diversos temas da vida e cultura nordestina. E nesse sentido, a sua publicação se

inseriu num processo muito mais amplo do que a apenas comemoração de aniversário de um

periódico, ainda que isso fosse bastante significativo. Trata-se de todo um movimento em torno da

idéia de estudar e divulgar as tradições da sociedade.

Assim, ainda no início de 1924, um grupo de intelectuais se juntou e fundou o Centro

Regionalista do Nordeste. Eram eles: Odilon Nestor, Gilberto Freyre, Amaury de Medeiros, Luiz

Cedro, Moraes Coutinho, entre outros. O Centro teve participação fundamental na divulgação das

tradições, tornando-se um lugar de debate sobre a própria cidade, operando o contraponto ao

discurso do progresso e à avalanche de modernizações na cidade. Pelo menos dois eventos foram

organizados pelo Centro, antes dele acabar. O primeiro foi a Semana das Árvores, em novembro

de 1924, que envolveu atividades pedagógicas em algumas escolas e uma série de palestras, nas

quais a questão da arborização era relacionada a diversos aspectos do conhecimento e da arte. A

“semana” contou com o apoio do governo estadual e até da visita do vice-presidente, Estácio

Coimbra. O segundo evento foi o 1o Congresso Regionalista do Nordeste.

Nesse clima de inquietação, em reação à febre do progresso, o Centro criou um espaço

para se discutir a cidade, os costumes, as tradições e o processo modernizante. Em fevereiro de

1926 organizou-se o primeiro Congresso Regionalista do Nordeste, realizado na Faculdade de

Direito. Nesse baluarte da tradição pernambucana a cidade foi discutida. Porém, as opiniões não

eram unânimes, mesmo entre os membros do Centro, sobretudo acerca da questão da fisionomia

da cidade, que era um dos itens do programa do congresso, com o título de “Defesa da fisionomia

arquitetônica do Nordeste. Urbanização das capitais. Plano para as pequenas cidades do interior.

Vilas proletárias. Parques e jardins nordestinos.”, além de um tópico chamado “Defesa do

Patrimônio artístico e dos monumentos históricos”.116 A importância desses itens foi tamanha,

frente ao que se vivia na cidade, que o congresso lhe dedicou um dia inteiro.

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Nele, segundo resenha do Diario de Pernambuco, logo após a abertura, Moraes

Coutinho falou sobre “o problema da fisionomia das cidades nordestinas”. Discutindo sobre que

tipo ideal de cidade seria a nordestina, ele conclui que esta não poderia continuar sendo colonial,

em vista do progresso, que muitas vezes exige construções que não condizem com aquele estilo,

como uma gare. No que tange à fisionomia da cidade, sua paisagem, a cidade colonial já não mais

condizia com o capitalismo mundial. No entanto, essa cidade teria que ter o rosto de sua realidade

geográfica e regional; teria que ser tropical, e, sobretudo, brasileira.117

Quem vai discordar dessa visão é Amaury de Medeiros, que, logo em seguida, disse que

o estilo colonial era compatível com as leis da higiene moderna. Arquitetura tradicional e

progresso social podiam se harmonizar. Apesar do estilo colonial ainda não estar definido,

continua Amaury, ele se caracteriza pelos ornatos, os azulejos, os beirais, as platibandas, enfim,

elementos decorativos que em nada alteram a estrutura da edificação. Assim, afirmou ele que, do

ponto de vista da higiene da habitação, o estilo colonial podia se adaptar às exigências modernas

das leis sanitárias; do ponto de vista do conforto moderno, o estilo colonial podia receber os

aperfeiçoamentos da civilização; e do ponto de vista estético, o estilo colonial era uma forma de

reação à arquitetura sem forma do Modernismo.118 De certa maneira, Amaury de Medeiros

sugeria uma forma de separar a estética da técnica, transformando a primeira em fachada. Ele

propõe uma casa moderna, saneada e confortável, dentro de uma embalagem colonial. Aparece aí

o simulacro como síntese entre os pólos opostos do moderno e do tradicional.

Depois discorreu sobre o assunto Nestor de Figueiredo, arquiteto pernambucano

radicado no Rio de Janeiro, e que estava presente como representante do Instituto Central de

Arquitetura. Após sua fala, foram tomadas as seguintes indicações, a partir da palestra de Moraes

Coutinho, para serem encaminhadas às instituições responsáveis: 1) que os “melhoramentos” das

cidades sejam pautados pelas regras do urbanismo, com o fim de adequar as necessidades

econômicas e sociais aos quadros natural e tradicional de cada região, e 2) que seja aberto

concurso nas capitais para a elaboração de planos gerais. Seguindo sugestões de Nestor de

Figueiredo para o caso da impossibilidade dos concursos, ficou acatado que as municipalidades

organizariam uma comissão de estudos de urbanismo, constituída de um arquiteto, um engenheiro

civil e um higienista.

Foram organizadas excursões a Olinda e Igarassu, para visitar as igrejas e conventos, e,

à tarde, os participantes do congresso visitaram os exemplos atuais de arquitetura colonial,

devidamente adaptados à higiene moderna, como o edifício do Grupo Escolar Amaury de

Medeiros, em Afogados, inaugurado quase dois anos antes pelo governo estadual.

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Uma semana depois, ainda no clima do congresso, Gilberto Freyre publica, no Diario de

Pernambuco, um artigo no qual diz que aquela discussão, acerca da aplicabilidade do colonial às

construções modernas, errou desde o ponto de partida, pois o colonial não é “estilo”, mas

“espírito”. Leia-se um trecho:

“É por apresentar inconfundíveis qualidades e condições, não só de permanente simpatia com a

paisagem e o meio, como de plasticidade e de flexibilidade – não sendo um estilo, não tendo a rigidez ou

a definida sistematização de um estilo – que o espírito colonial de casa me parece a sugestão mais rica,

mais forte, mais pura, mais fecunda para o desenvolvimento de uma linha nossa, de um traço nosso, de

uma expressão nossa, nas cidades do Brasil como o Recife, saído dos primeiros séculos coloniais e ao

mesmo tempo em contato – contato sempre a avivar-se – com as grandes atualidades comerciais,

industriais, mecânicas.”119

O caráter enfático do texto é para sublinhar que o colonial não era estilo, como uma

fachada, a qual podia se escolher dentre várias outras, pura e simplesmente. Não. Defendia

Gilberto Freyre que o colonial era um ethos cultural presente nas cidades brasileiras. Nesse

sentido, as discussões acerca da modernidade versus tradição inserem-se na questão da identidade.

Daí porque o regionalismo foi importante para a elaboração do conceito de nacionalidade e

mesmo caráter do brasileiro. Independente da avaliação que se fez, posteriormente, ao

movimento.

Há os que enxergam o Nordeste como a emergência de uma formação imagético-

discursiva que fundou uma nova espacialidade a partir das ruínas da antiga geografia naturalista

que dividia o país em norte e sul. Mas isso é algo que entrou para o campo auto-reflexivo da

consciência histórica em capítulo muito recente.120 Essa idéia de que o Nordeste foi tecido pelos

discursos, como na metáfora da renda, é atual; devo ponderar, no entanto, e procurar conceber que

os sujeitos que viveram aqueles acontecimentos, na década de 1920, não pensaram assim. Para

eles, o Nordeste era um espaço no sentido topográfico da geometria euclidiana; era uma realidade.

Cabia a eles enxergá-la, uma vez que as lentes evolucionistas e raciológicas dos oitocentos não a

permitiam. Muito embora ao fazê-lo, eles operaram uma ressignificação daquele mesmo passado.

E nesse processo, os sujeitos reafirmaram certos valores tradicionais, e mesmo na ambigüidade da

vida moderna, mitificaram um passado senhorial, no qual tudo parecia ser melhor.121 É como se,

ao falar de hoje, acerca do que se chama de “resgate cultural”, concluísse que mesmo isso que se

pretende ser a “conservação” de uma prática cultural é já a inovação da mesma, uma vez que seu

uso se faz com um sentido que é novo, desde a sua utilização para projetos educacionais de

comunidades até a construção das apresentações como vitrine da cultura para turistas.

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Em Zé Lins do Rego, há um exemplo dessa visão retrô do passado, embebida de um

lamento saudosista, e que ainda aponta os limites da vivência da modernidade no Recife de 1920.

Eis um dos trechos finais de O Moleque Ricardo:

“As mãos dele [de Seu Lucas] mandavam nas roseiras, nos craveiros, nas dálias. Mas agora ele

tremia, agora uma coisa estava dizendo que a sua força se sumia, que havia outras forças por fora

mandando no povo. Ele ia mudar aquela roseira e era capaz dela secar, capaz do sol matar a sua roseira.

[...] Só podia haver uma coisa diferente no mundo. Só podia haver mesmo. Nunca que ele cavasse a terra

com medo de mudar uma planta, com medo de que a planta morresse. E agora estava cavando. Sim, Seu

Lucas não duvidava, mas ele temia qualquer coisa de fora. [...]”122

Aqui há uma correspondência entre a jardinagem/paisagismo e a própria ordem social

através da noção orgânica da vida. E para situar a angústia de Seu Lucas, a situação é que Ricardo

é preso com o pessoal da greve e enviado para o presídio, em Fernando de Noronha. Logo

Ricardo, que Seu Lucas tanto admirava, que achava um bom moço. Para ele, aquilo só podia ser

“coisa de fora”. É como se a organicidade da sociedade tradicional sucumbisse frente a elementos

externos (a modernidade e toda uma torrente de sociabilidades, de invenções, relações etc.). É

interessante esse ponto, pois situa a experiência de Ricardo na cidade como uma experiência de

fracasso. E lembrando que o romance é um parêntesis no “ciclo da cana-de-açúcar”, seu texto

parece o lamento de uma ordem social, baseada nas relações senhoriais do meio rural, que a

cidade rompe, mas não a substitui pelas promessas da modernidade, visto que ainda está presa

àqueles laços antigos. Daí a vida na cidade ser uma frustração atrás da outra. Por mais que

Ricardo tente, a vida dele não dá certo. Até os pobres são mais pobres do que no campo. Aí, o

coronel grita, explora, mas dá guarida; na cidade, operário é tratado como ladrão, mal-feitor. Na

cidade, o patrão é tirano, escravizado pelo lucro. A quebra dessa relação patriarcal, afetiva até, faz

da cidade o lugar da dissolução social dos laços antigos.

Mas esse lamento é emitido em meados dos anos 1930. O regionalismo dos anos 1920 é

de um outro momento. É como se, nos anos 1930, se percebesse que o desejo regionalista,

tradicionalista, não conseguiu conter essas transformações que a modernidade possibilitou à

cidade, conectando-a cada vez mais a um mundo maior, ampliado pelos transportes,

comunicações. Ora, nos anos 1920, a intuição desse processo é que faz surgir o movimento, cuja

construção do recorte “regional” é uma forma de reafirmar essa elite intelectual, local, e longe do

eixo Rio-São Paulo, nos novos quadros de poder que se descortinavam no século da velocidade.

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E como mostrava o trecho do jardineiro, Seu Lucas, a idéia de uma organicidade da vida

tradicional estava atrelada a um paisagismo. Aqui, a emergência do “regional” e do “Nordeste” se

imbrica na transposição do conceito de paisagem, de imagem artística ao meio natural,

geográfico. Esse embricamento se dá no sentido de que o conceito de “regional”, e portanto o de

“Nordeste”, precisa de uma imaginabilidade; precisa daquilo que chamei antes de

cosmomorfização. É assim que o conceito de paisagem, ao passar a ser usado, primeiramente,

como metáfora para o próprio referente da pintura, o ambiente, possibilita que o “regional” ganhe

uma imagem; e vice-versa. Talvez sem a necessidade desse cruzamento, o conceito de paisagem

continuasse com a acepção de produto artístico, pelo menos de forma hegemônica, já que, de uma

forma diferente, a partir da convivência entre múltiplos campos significacionais, ele permaneceu.

Oliveira Lima, um dos primeiros a pensar o regional, e uma influência muito presente na

vida e obra de Gilberto Freyre, disse que “a base das diferenças regionais está na verdade da

paisagem física do Brasil”123 Em Gilberto Freyre, constantemente se lê, em relação ao

regionalismo, que é “um movimento [...] atento às sugestões da paisagem regional, da vida

regional, da tradição regional”.124 Nesse sentido, junto com termos que se referem a âmbitos da

vida, como o sócio-econômico e o cultural, o meio físico e sua relação com a história também são

feitos alvos do recorte regional.

Assim, a cidade do Recife surge como espaço que também deva ser tomado dentro desse

recorte. Daí as discussões acerca de sua fisionomia e os projetos de transformações sem fugir ao

quadro de paisagem de cidade colonial.

Daí a postura, similar, de Débora Monteiro, colaboradora do Diario de Pernambuco.

Num artigo sobre a civilização das árvores, publicado durante “A Semana das Árvores”, ela

aponta como o crescente processo de urbanização poderia acabar com o campo.125 Mais

especificamente, ela temia o avanço do que chamou de cidadanização, sobre o Recife, que,

segundo ela, era uma cidade marcada por um aspecto rural, como se o campo a invadisse, a

inundasse. O que se percebe no seu discurso era o receio de que esse processo de intensa

expansão da área urbana rumo aos subúrbios pudesse acabar com aquele aspecto bucólico dos

sítios, que caracterizava o Recife. Apesar dela ser favorável à arborização, talvez ela percebesse

que esse processo estava vinculado a um projeto modernizante que iria estender os fícus da

arborização municipal e a malha asfáltica sobre os subúrbios. E por mais que o discurso higienista

condenasse os sobrados, propondo edificações com terrenos laterais, essas não seriam jamais tão

arborizadas como os quintais dos solares dos arrabaldes, com suas mangueiras, sapotizeiros,

jambeiros, goiabeiras, cajueiros e tantas outras espécies que agora habitavam o chão que outrora

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fora cana-de-açúcar, e que outrora fora mata atlântica. Árvores que acompanharam os humanos

em suas trajetórias.

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NOTAS

1. “Congresso de Estradas de Rodagem, Instrução e Saúde Pública”, Jornal do Recife, 17.01.1926. p. 4.

2. “Congresso de Estradas de Rodagem, Instrução e Saúde Pública – raid Recife-Maceió”, Diario de Pernambuco,

16.01.1926. p. 3.

3. “Congresso de Estradas de Rodagem, Instrução e Saúde Pública”, Diario de Pernambuco, 17.01.1926. p. 4.

4. “O problema rodoviário no Brasil”, Jornal do Commercio, 21.01.1926. p. 4.

5. Jornal Pequeno apud “Jornaes de hontem”, Diario de Pernambuco, 20. 01. 1926. p. 4.

6. “Os raids”, Revista do Norte, Ano 3, no 05, out 1924.

7. CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do Labirinto, Vol. II - os domínios do homem. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1987. p. 233

8. SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. p. 262.

9. SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. p. 26.

10. WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. Tradução de Paulo Henriques Britto. São

Paulo: Cia. das Letras, 1989. p. 167.

11. Idem. p. 167-168.

12. MOREIRA, Fernando Diniz. “A construção de uma cidade moderna: Recife (1909-1926)”. Dissertação de

Mestrado. Recife: UFPE, 1994. p. 9.

13. Ver: WEINSTEIN, Flávio. “As cidades enquanto palco da Modernidade: o Recife de Princípios do século”.

Dissertação de Mestrado. Recife: UFPE, 1994.

14. A gestão municipal de Lima Castro, do início da década até 1922, pode ser tida ainda como uma extensão das

obras modernizantes cujo alvo é a área central da cidade, pois foi aí que se localizaram o calçamento das ruas e a

arborização e ajardinamento das praças. Esse último item inferido a julgar pela localização das praças Joaquim

Nabuco, Independência, Maciel Pinheiro e Largo do Hospício; as duas primeiras em Santo Antônio e as duas

últimas na Boa Vista. In: SILVA, Jaílson Pereira da. “O Encanto da Velocidade: Automóveis, Aviões e Outras

Maravilhas no Recife dos anos 20”. Dissertação de Mestrado. Recife: UFPE, 2002. p. 103-104.

15. “Sergio Loreto”, Diario de Pernambuco, 21.10.1924. p. 3.

16. REZENDE, Antonio Paulo. (Des)Encantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife,

FUNDARPE. 1997. p. 42.

17. Idem. p. 42.

18. BORBA, Manoel. Sérgio Loreto e seu governo em Pernambuco: História de um quatriênio calamitoso (1922-

1926). Rio de Janeiro: Typographia dos Annaes, 1926. p. 154. apud REZENDE, Antonio Paulo. op. cit. p. 43.

19. REZENDE, Antonio Paulo. op. cit. p. 43.

20. “Solicitadas: os proprietários de terrenos na Boa Viagem”, Diario de Pernambuco, 02.09.1924.

21. “Jornaes de hontem”, Diario de Pernambuco, 26.07.1924. p. 2.

22. Idem.

23. LADEVESE, Angéline. “Impressões sinceras sobre a Avenida Beira Mar”, Revista de Pernambuco, Ano 01, no

05, novembro 1924.

24. “Jornaes de hontem”, Diario de Pernambuco, 21.02.1924. p. 4.

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25. CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanesa R. (orgs.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Casac

& Naify, 2001. p. 24.

26. Em CALVINO, Ítalo. Seis Propostas para o Próximo Milênio. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Cia. Das

Letras, 1990. p. 22-24, há uma inferência sobre a leveza a partir de uma passagem de Boccaccio, no

Decamerão. Nela, Cavalcanti, poeta e filósofo, meditava por entre as lápides de um cemitério, quando foi

importunado pela brigada florentina. Um dos membros lhe dirigiu a palavra perguntando o que, já que ele não

queria fazer parte da brigada, ele fará quando descobrir que Deus não existe. Ao que o poeta respondeu, num

salto sobre a lápide, e desvencilhando-se deles, que eles poderiam dizer o que quisessem nas suas casas. Ora,

Calvino diz que a leveza não está na resposta pretensamente epicurista (e que se trata, na verdade, em

averroísmo), mas no movimento do salto por sobre as lápides.

27. “À Porta do Leça”, A Pilheria, Ano 3, no 101, 01.09.1923.

28. CEDRO, Luiz. “A avenida Beira-Mar”, Revista de Pernambuco, Ano 01, no 05, novembro 1924.

29. SILVA, Jaílson Pereira da. “O Encanto da Velocidade: Automóveis, Aviões e Outras Maravilhas no Recife dos

Anos 20”. Dissertação de Mestrado. Recife: UFPE, 2002. p. 41.

30. Idem.

31. Inserir o crescimento urbano do Recife na relação com o automóvel num processo mais abrangente, que envolveu

as cidades mundiais como um todo. Ver MUNFORD, Lewis. A Cidade na História. São Paulo: Martins Fontes,

1998. Especificamente o cap. XVI, “O subúrbio – E depois”, p. 521-566.

32. “A crise de bonds no Recife”, A Pilheria, Ano 3, no 84, 05.05.1923; “A Tramways está zangada com o omnibus”,

A Pilheria, Ano 3, no 89, 09.06.1923; e “15 carros de 1a e 20 ditos de 2a”, A Pilheria, Ano 3, no 95, 21.07.1923.

33. “Os serviços da Tramways”, A Pilheria, Ano 3, no 86, 19.05.1923.

34. “Na hora do bond...”, A Pilheria, Ano 3, no 97, 04.08.1923.

35. “Enquanto o bond não chega...”, A Pilheria, Ano 3, no 102, 08.09.1923. 36. “Quantos automóveis há no Recife”, Revista de Pernambuco, ano 02, no 11, maio 1925. 37. Revista de Pernambuco, Ano 02, no 09, março 1925. 38. “Cousas da cidade”, Diario de Pernambuco, 09.03.1926. p. 3.

39. Num texto publicado pelo Centro de Chauffers como nota defendendo a categoria das acusações que vinham

sofrendo, há referência à cifra de 1500 associados. Supondo haver pelo menos um terço desse número como

motoristas amadores, como membros da elite que preferiam dirigir por esporte; ou aqueles de classe média que

não podiam dispor de um chauffeur, é razoável pensar em 2000 autos, pelo menos, circulando na cidade em

meados de 1926. In: “os acidentes de automóveis”, Jornal do Commercio, 19.06.1926, p. 8 apud SILVA,

Jaílson. op. cit. p. 74-76.

40. Idem. p. 105. 41. “O novo itinerário dos bonds”, Diario de Pernambuco, 26.08.1925. p. 3.

42. “A nota dos sete dias”, A Pilheria, Ano 5, no 162, 01.11.1924.

43. “As construções modernas no Recife”, Revista de Pernambuco, Ano 2, no 09, março 1925.

44. “Jornaes de hontem”, Diario de Pernambuco, 05.09.1925. p. 2.

45. PONTUAL, Virgínia. “Tempos do Recife: representações culturais e configurações urbanas”, In: Revista

Brasileira de História, Vol. 21, no 42. São Paulo. 2002.

46. MOREIRA, Fernando Diniz. op. cit. p. 142-143.

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47. Idem. p. 142-143.

48. A julgar pelos dados de 1913 (43,2% das edificações) e de 1940 (63,7% das edificações), fornecidos por

PONTUAL, Virgínia. op. cit; e MARINS, Paulo César Garcez. “Habitação e Vizinhança: limites da privacidade

no surgimento das metrópoles brasileiras”, In: História da Vida Privada no Brasil, Vol. III – Da Belle-Époque à

Era do Rádio. Coordenador da coleção: Fernando A. Novais; organizador do Volume: Nicolau Sevcenko. São

Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 200.

49. MOREIRA, Fernando Diniz. op. cit. . p. 164.

50. “Cousas da Cidade”, Diario de Pernambuco, 19.03.1926. p. 3.

51. MARINS, Paulo. “Habitação e Vizinhança...” p. 181.

52. Idem. p. 181-182.

53. RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. “Transferências, empréstimos e traduções na formação do urbanismo no

Brasil” In: RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz e PECHMAN, Robert (orgs.). Cidade, povo, nação: gênese do

urbanismo moderno. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1996. p. 16-19.

54. PECHMAN, Robert Moses. “O urbano for a do lugar? Transferências e traduções das idéias urbanística dos anos

20” In: RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz e PECHMAN, Robert (orgs.). op. cit. p. 335.

55. Idem. p. 337-340.

56. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Estúdio Nobel/FAPESP/ Lincoln Institute. 2001. p.

141.

57. Idem. p. 132-134.

58. MARINS, Paulo. op. cit. p. 156.

59. Idem. p. 168.

60. Idem. p. 168-169. Discorrendo sobre a expansão urbana do Recife durante os anos vinte, Fernando Diniz afirma:

“Por fim, há uma ocupação desenfreada nas áreas alagadas por habitações pobres.” In: MOREIRA, Fernando

Diniz. op. cit. . p. 142-143.

61. VILLAÇA, Flávio. op. cit. p. 210-217.

62. “Pedidos e Queixas”, Diario de Pernambuco, 18.07.1923. p. 2; “Pedidos e Queixas”, Diario de Pernambuco,

01.01.1926. p. 6; e “Pedidos e Queixas”, Diario de Pernambuco, 05.08.1924. p. 2.

63. “Pedidos e Queixas”, Diario de Pernambuco, 20.12.1922. p. 4; “Pedidos e Queixas”, Diario de Pernambuco,

18.02.1923. p. 5; “Pedidos e Queixas”, Diario de Pernambuco, 01.05.1925. p. 4 e “Pedidos e Queixas”, Diario

de Pernambuco, 26.05.1926. p. 2.

64. “Animais na Cidade”, Diario de Pernambuco, 14.04.1926. p. 1.

65. “Pedidos e Queixas”, Diario de Pernambuco, 10.07.1926. p. 2.

66. “As Feiras”, Revista da Cidade, Ano 1, no 10, 31.07.1926.

67. INOJOSA, Joaquim. “A cidade dos jardins abandonados”, Revista de Pernambuco, Ano 03, no 21, março 1926.

68. Idem.

69. Ver a praça como espaço neutro, ora podendo ser espaço de manifestações do privado invadindo o público, como

no carnaval; ora do público se reafirmando diante do privado, como nos discursos políticos, nos quais os

governantes se transformam em grandes “pais”, In: DaMATTA, Roberto. A Casa e a Rua. Rio de Janeiro:

Rocco, 1997. Especialmente o primeiro tópico: “Espaço”. 70. “Cousas da cidade”, Diario de Pernambuco, 25.03.1926. p. 3.

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71. PINTO, Estêvão. “O sonho de Nassau”, Revista de Pernambuco, Ano 03, no 22, abril 1926.

72. JUNIOR, Leovigildo. “Flagrantes do Recife”, Revista de Pernambuco, Ano 02, no 10, abril 1925.

73. BOLLE, Willi. Fisiognomia da Metrópole Moderna: representação da História em Walter Benjamin. São Paulo:

Edusp, 2000. p. 336.

74. Idem. p. 336.

75. Ver MORIN, Edgar. O cinema ou o Homem Imaginário. Lisboa: Relógio D’água, 1997.

76. Ver Nota no 10 do primeiro capítulo.

77. MENEZES, Bruno de. “Recife, adormecida na distância”, A Pilheria, Ano 5, no 183, 28.03.1925.

78. Folha da Manhã, 15.12.1937, p. 1, apud ALMEIDA, Maria das Graças Andrade Ataíde de. A construção da

verdade autoritária. São Paulo: Humanitas; FFLCH/USP. 2001. p. 142.

79. PONTUAL, Virgínia. “Tempos do Recife: representações culturais e configurações urbanas”, In: Revista

Brasileira de História, Vol. 21, no 42. São Paulo. 2002.

80. Conselheiro XXX, “Melle. Recife”, A Pilheria, Ano 5, no 158, 04.10.1924.

81. “Verão”, A Pilheria, Ano 5, no 161, 25.10.1924.

82. Ver SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na Metrópole. São Paulo: Cia. das Letras, 1992. E também

SEVCENKO, Nicolau. “A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio”, In: História da vida privada no

Brasil, Vol. III - República: da Belle Époque à Era do Rádio / coordenador-geral da coleção Fernando A .

Novais; organizador do volume Nicolau Sevcenko. - São Paulo: Cia. das Letras, 1998.

83. TORRES, Fradique. “Entre um acesso e outro da allucinada Mauricéa”, A Pilheria, Ano 5, no 165, 22. 11. 1924; e

TORRES, Fradique. “Entre um acesso e outro da allucinada mauricéa”, A Pilheria, Ano 5, no 178, 21.02.1925.

84. João Outro. “A nota dos sete dias”, A Pilheria, Ano 5, no 181, 14.10.1925.

85. PESAVENTO, Sandra Jatahy. “Entre práticas e representações: a cidade do possível e a cidade do desejo”, In:

RIBEIRO, Luiz César de Queiroz e PECHMAN, Robert. (orgs.). Cidade, povo, nação: gênese do urbanismo

moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 393.

86. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 238.

87. Idem. p. 240.

88. Revista do Norte. Ano 2, no 04, maio 1924.

89. INOJOSA, Joaquim. “Brasil-Brasileiro”, A Pilheria, Ano 6, no 205, 29.08.1925.

90. FALCÃO, Joaquim de Arruda. “O problema do Recife”, Revista de Pernambuco, Ano 1, no 06, dezembro 1924.

91. História da Vida Privada no Brasil, Vol. III - República: da Belle Époque à Era do Rádio. Coordenador-geral da

coleção Fernando A . Novais; organizador do volume Nicolau Sevcenko. - São Paulo: Cia. das Latras, 1998. p.

14. 92. SEVCENKO, Nicolau. op. cit. p. 26.

93. FALCÃO, Joaquim de Arruda. op. cit.

94. “A grande cheia do Capibaribe”, Revista do Norte, Ano 2, no 04, maio 1924.

95. CAMPELO, Samuel. “Árvores de uma semana”, Diario de Pernambuco. 05.11.24, p. 3.

96. CEDRO, Luiz. op. cit. 97. “Jornaes de hontem”, Diario de Pernambuco , 27.10.1923. p. 2. 98. INOJOSA, Joaquim. “Tradição e tradicionalistas”, Revista de Pernambuco, Ano 2, no 11, maio 1925. 99. “Jornaes de hontem”, Diario de Pernambuco, 21.02.1926, p. 2.

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100. “Jornaes de hontem”, Diario de Pernambuco, 16.10.1925, p. 4. 101. DUARTE, Eduardo. A estética do Ciclo do Recife. Recife: Universitária, 1995. p. 35-37. 102. BELLO, Julio. “A morte do tamarineiro”, Diario de Pernambuco, 13.06.1926, p. 1. 103. JUNIOR, Leovigildo. op. cit. 104. FILHO, Carlos Lyra. “Architetura da Cidade”, Diario de Pernambuco, 04.12.1924. p. 1. 105. L.V. “Recife novo: vida nova”. Revista de Pernambuco, Ano 2, no18, dezembro 1925. 106. FREYRE, Gilberto. “64”, Diario de Pernambuco, 06.07.1924. p. 2.

107. AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Modernismo e Regionalismo (os anos 20 em Pernambuco). João Pessoa;

Recife: Universitária UFPB; Universitária UFPE, 1996. p. 126.

108. FREYRE, Gilberto. “64”, Diario de Pernambuco, 06.07.1924. p. 2.

109. VIEIRA, Epitácio Fragoso. O senso antropológico em Gilberto Freyre. Recife: Comunigraf, 2002.

110. Idem. Ver o trecho: “Nenhuma cultura é original nos elementos que a compõem, assim mostram os difusionistas.

Mas cada cultura é original no modo próprio como seleciona, adapta, transforma e organiza esses elementos –

esta é a tese do configuracionismo.” p. 60.

111. FRU, “Ridículos”, A Pilheria, Ano 5, no 186, 18.04.1925.

112. FREYRE, Gilberto. “32”, Diario de Pernambuco, 25.11.1925. p. 1.

113. João Outro, “A nota dos sete dias”, Ano 5, no 180, 07.03.1925. 114. FREYRE, Gilberto. “Um consolo”, Diario de Pernambuco, 02.10.1924. p. 3. 115. FREYRE, Gilberto. A vitória dos coretos, DP, 26.07.25, p. 1.

116. AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. op. cit. p. 155.

117. “1o Congresso Regionalista do Nordeste”, Diario de Pernambuco, 11.02.1926. p. 1. 118.Idem. p. 3. 119. FREYRE, Gilberto. “Espírito e não estilo”, Diario de Pernambuco, 21.02.1926. p. 1.

120. Ver ALBUQUERQUE, Durval Muniz. A invenção do Nordeste. São Paulo; Recife: Cortez; Massangana, 1999.

121. REZENDE, Antonio Paulo. op. cit. p. 163.

122. REGO, José Lins do. O Moleque Ricardo. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1987. Ficção Completa, Vol. I. p. 662.

123. AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. op. cit. p. 102.

124. Idem. p. 163.

125. MONTEIRO, Débora do Rego. “As árvores e outras coisas”, Diario de Pernambuco, 06.11.24, p. 3.

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Deixo-me conduzir ainda pela metáfora da trilha no bosque.

Após chegar ao fim de uma caminhada, o viajante não tem, na mente, um mapa do lugar

por onde passou. Não há essa imagem, única, capaz de dar conta do que seja realmente aquele

lugar. Depois de passar por diversas paragens da trilha, tudo que ele tem na mente são imagens

várias, às quais ele tenta conferir sentido, dotando-as de um aspecto de conjunto. E isso só é

possível através da memória. O percurso se duplica: há o do ambiente, e o da memória. Mas eles

se colam um ao outro de forma que ele já não mais distingue um do outro. E nesse jogo, outras

sobreposições se somam ao mosaico: os desejos, os medos, os símbolos.

Assim chego ao fim deste trabalho. Várias imagens se sobrepondo umas às outras.

Lutando por espaço. Ou deixadas nos porões mentais do esquecimento. Mas nenhum mapa. Por

isso insisto em falar de considerações finais e não em conclusão. Esta última me remete ao caráter

completo e fixo que uma resposta pode assumir, ao se pretender verdadeira. E não creio que esse

seja o caso da disciplina História. Ousaria dizer que não é o caso de nenhum saber que trate do

que é social.

Este trabalho quis ser uma abertura: um caminho em meio a tantos outros possíveis.

Portanto, ao invés de apresentar uma conclusão, resultado lógico e necessário de um

procedimento que se supõe imparcial, prefiro compartilhar certas idéias, que por ora se

configuram como respostas. Deixo-me seduzir, então, pela possibilidade de, estando no fim da

trilha, dar uma última olhada sobre a paisagem. Mesmo sabendo que nela estão incidindo todas as

outras imagens, ao mesmo tempo em que ela, por outro lado, irá modificar o emaranhado do meu

frágil mosaico.

São duas as idéias aqui a considerar. A primeira é de ordem histórica e se situa no cerne

mesmo do objeto desta pesquisa. A segunda é oriunda de preocupações epistemológicas.

Angústias que me acompanharam ao longo de todo o trajeto até aqui. Passo a tratar delas.

A modernidade engendrou um processo histórico possibilitador de novas e várias

vivências da realidade. A emergência de novos artefatos, bem como de suas relações com os

usuários, mudou a forma de pensar/sentir a paisagem. Tanto na relação com o espaço quanto na

elaboração de imagens. Assim, surgiu o passeio de automóvel, sedução pela velocidade do

maquinismo que se desdobrou em percepção cinética do ambiente. E que dizer do cinema, esse

aparato que duplicou o rosto, os gestos, enfim, o mundo, conseguindo projetar na telona aquela

mesma percepção cinética?

Trazendo tal elucubração para o âmbito da produção de imagens que terminaram por

insinuar um imaginário da paisagem, percebi o uso da fotografia impressa nas revistas dos anos

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1920, atreladas ao textual, constituindo o veículo de uma forma ambígua: tornando-o instrumento

para fundar novas visibilidades na medida mesma em que é transformado em campo de

confrontação/complementação do próprio imaginário. A questão, entretanto, é apreender a

singularidade do tempo histórico dos anos 1920 nesse processo. O crescimento populacional do

Recife de então deixa entrever um aumento do público leitor. A isso se soma o aumento na

capacidade técnica de reproduzir imagens nas publicações. Todo esse universo iria fomentar o

aprofundamento da experiência de atrelar imagem e texto nos veículos e relacionar tais

representações à percepção do mundo. Ampliação de um repertório imaginário com a qual se

interpreta o ambiente. Assim, os anos 1920, no Recife, foram um cadinho de evocações, de

sugestões, enfim, de representações.

Entretanto, apenas algumas dessas imagens ganharam maior ressonância. Não porque

fossem mais sugestivas do que outras (se atribuir o sentido de “sugestivo” como uma qualidade

inerente à própria imagem). Mas porque foram elaboradas e difundidas por certos grupos. Trata-se

de um conjunto heterogêneo que chamo de elites. Ora ligadas à vida urbana, ora ao mundo rural.

Mas com certeza integrantes de uma minoria que lia os jornais e as revistas. Mais do que isso:

esses grupos eram os produtores daqueles veículos midiáticos, e, por conseguinte, da construção

imagético-textual da cidade neles presente.

Daí o porquê de certas imagens, no turbilhão de representações da cidade, se tornarem

emblemáticas, uma vez que correspondiam, num espelho invertido, aos desejos e anseios daqueles

grupos. Ou por um lado ou por outro. Assim, têm-se imagens do Recife como cidade moderna;

cenário do progresso; fisionomia que se embelezava; mulher que causava frisson. Ou então, o

contrário: cidade que perde seu encanto original; que devia preservar o que a tornava própria.

Tanto as primeiras quanto as últimas, no entanto, operaram a transposição de certas imagens da

cidade nas Imagens da Cidade. Não vejo nesse processo uma lógica consciente como que a

serviço de um telos. Ao contrário, têm-se certos grupos que, no esforço de construir suas

identidades, terminaram por engolir as identidades dos outros grupos. Ou antes, impuseram sua

forma de ver e se ver na cidade aos outros grupos, legando-lhes o fardo de se perceberem

incapazes de formular suas representações sobre a cidade e se incluir na coletividade. É assim que

as imagens que remontam aos bairros centrais terminaram por continuar uma tradição: aglutinar o

campo significacional da cidade naquela área. Atualização que se deu na lenta troca dos velhos

panoramas, tirados do alto dos sobrados, pelas “modernas” vistas aéreas. Mas essa atualização

implicou outras relações com os espaços da cidade. Até o séc. 19 podia-se dizer que a cidade era

só aquela área compreendida pelos bairros centrais, como o do Recife, de Santo Antônio, de São

José e da Boa Vista. Mas, a partir do século seguinte, gradativamente, a cidade crescia, e,

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rumando para os arrabaldes, diversificou e especializou os seus espaços. Mas a Imagem da Cidade

permaneceu na área nuclear, como se ali o Recife aglutinasse toda a sua força simbólica,

coagulando-se em cartões postais que povoariam todo o séc. 20: as pontes, os rios, as avenidas,

etc. Era cômodo que assim fosse, pois era aí onde estavam fincados os marcos colonizadores da

paisagem. Marcos que reafirmavam aquelas elites: o edifício do Senado, o Palácio do Governo, a

Faculdade de Direito. Todas edificações com letras maiúsculas.

Pergunto-me se não vem daí o hábito do recifense em usar o termo “cidade” com a

conotação de centro. É como se todos os bairros, que não aqueles quatro nucleares, fossem área

urbana mas não fossem considerados “cidade”. Se este trabalho conseguir suscitar esta discussão,

e várias outras, então terá cumprido sua missão.

Essa idéia desdobra-se, porém, em outra, com implicações que extrapolam o âmbito

histórico. Longe de querer resolvê-la, menciono-a aqui por fidelidade à inquietação que a gerou.

A construção desses imaginários se deu num (e através de um) momento singular da

relação com o meio. Quando lembro dos versos noturnos de Joaquim Cardozo, publicados na

edição de novembro de 1924 da Revista do Norte, penso nessas implicações de ordem

epistemológica. “Luzes das pontes e dos cais / refletindo em colunas sobre o rio / dão a impressão

de uma catedral imersa / imensa, deslumbrante, encantada.” Mescla de simbolismo com

modernismo (que alguns pejorativamente chamavam “futurismo”, enquanto outros

apologeticamente rotulavam de “arte nova”), esses versos sugerem uma dimensão ímpar da

intimidade da relação entre o sujeito do olhar e o mundo-objeto. E não me refiro apenas à

historicidade da linguagem. Mas à sugestão mesma de que o ambiente, no qual se cola a criação

simbólica, se impõe à construção sígnica. Jamais verei a catedral imersa nas águas do Capibaribe,

tal a poluição que hoje turva suas águas, e que impossibilita enxergar o leito do rio, tal como

através de sua antiga limpidez. Assim, não foram as criações sociais as únicas responsáveis pela

percepção do ambiente. Mas também as singularidades do mundo empírico. Ou antes, aquelas

criações, sociais, se deram na relação com um mundo que também é não-social. A paisagem

passaria, portanto, por essa dialética do interior e do exterior? Naquele momento, madrugada

perdida no tempo, o aspecto do rio chamou a atenção do poeta, como que magnetizando uma

imagem, que dotada de sentido e significados, se colou ao próprio rio. Ou antes, adquiriu sentido

e significado na relação mesma com o rio. Fosse diferente e talvez aquela criação poética não teria

sido possível. Espaços imaginados e imagens espacializadas.

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Mas, o que significa afirmar isso? Essa certeza se esvai, como o tênue vislumbre da

imagem do poeta andando pela madrugada e pelo rio. Tudo que fica é uma névoa, que confunde

mais ainda o viajante. E o dissolve...

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LISTA DE IMAGENS

P. 23: Cidade Frederica na Paraíba, Frans Post.

P. 30: A Condição Humana, René Magritte.

P. 65: Vista do Recife em 1840, In: Livro do Nordeste. Comemorativo do primeiro centenário do

Diario de Pernambuco. Introdução de Mauro Mota; Prefácio de Gilberto Freyre. Recife:

Arquivo Público Estadual, 1979.

P. 66: Recife Pittoresco, Diario de Pernambuco, 09.06.1923, p. 1.

P. 69: Fotografia de Murilo La Greca pintando fora de estúdio. In: Revista da Cidade, Ano 1, no

03, 12.06.1923.

P. 70: Paisagem de Olinda ao Crepúsculo. In: A Pilheria, Ano 3, no 91, 23.06.1923.

P. 71: Panorama da boa Vista. In: “Ruas do Recife”, Revista de Pernambuco, Ano 2, no 08,

fevereiro 1925.

P. 74: Foto aérea do Recife. In: “O Recife de aeroplano”, Revista de Pernambuco, Ano 2, no 09,

março 1925.

P. 81: Fotografia de um mergulhador, publicada na capa da edição. In: Revista da Cidade, Ano 1,

no 09, 24.07.1926.

P. 83: Anúncio publicitário dos Automóveis Buick e Cleveland. In: A Pilheria, Ano 5, no 153,

30.08.1924.

P. 100: Anúncio publicitário dos Automóveis Dodge. In: revista da Cidade, Ano 1, no 01,

29.05.1926.

P. 104: Atual Praça do Marco Zero. In: “Recife Novo”, revista de Pernambuco, Ano 2, no 10,

abril 1925.

P. 107: Fotografia da avenida Beira Mar em construção. In: “A futura avenida Beira Mar”,

Revista de Pernambuco, Ano 1, no 02, agosto 1924.

P. 110: A avenida da Ópera em Paris no anúncio publicitário da Michelin. In: Diario de

Pernambuco, 04.08.1926, p. 1.

P. 114: Fotografia do Quartel de Polícia, no Derby. In: “O novo parque do Derby”, Revista de

Pernambuco, Ano 1, no 05, novembro 1924.

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FONTES / BIBLIOGRAFIA / FILMOGRAFIA

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FONTES

PERIÓDICOS Jornais

Diario de Pernambuco – 1922, 1923, 1924, 1925, 1926.

Jornal do Commercio – 1924, 1926.

Jornal do Recife – 1924, 1926.

A Provincia – 1924, 1926.

Revistas

A Pilheria – 1923, 1924, 1925, 1926.

Revista de Pernambuco – 1924, 1925, 1926.

Revista do Norte – 1923, 1924, 1925, 1926.

Revista da Cidade – 1926.

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BIBLIOGRAFIA

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Paulo: Massangana; Cortez, 1999.

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Recife: Massangana, 1999.

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