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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO URBANO
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco como parte dos requisitos para obteno do titulo de Mestre em Desenvolvimento Urbano do curso de Ps- Graduao Stricto-Sensu.
DE TAPUITAPERA A VILLA DALCANTRA COMPOSIO URBANA E ARQUITETNICA DE
ALCNTARA NO MARANHO
Grete Pflueger
Banca Examinadora: Profa Dra.Virgnia Pitta Pontual Orientadora Prof. Dr.Ney de Brito Dantas (examinador interno) Prof. Dr.Jos Luis Mota Menezes (examinador externo)
UFPE, 24 de julho de 2002.
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AGRADECIMENTOS
Universidade Estadual do Maranho, pela realizao do mestrado em So Lus.
Universidade Federal de Pernambuco, mestrado em Desenvolvimento Urbano -
MDU e ao Centro de Conservao Integrada - CECI pela parceria firmada durante o curso.
Aos professores da Universidade Federal de Pernambuco, Virginia Pontual,
Thomas Lapa, Ana Rita, Lucia Leito, Ftima Furtado, De la Mora, Silvio Zanquetti e Norma
Lacerda pela empatia e interao com os alunos e com as questes locais.
Ao curso de Arquitetura e Urbanismo, em especial a Marluce Wall e Alex Oliveira
pelo esforo para realizao do convnio.
Aos professores do curso de Arquitetura, colegas do mestrado, parceiros nessa
empreitada Hermes Fonseca, Clia Mesquita, Brbara Prado, Marluce Wall, Chico Maranho,
Z Marcelo do Esprito Santo, Phelipe Andrs, Frederico Burnett, Mrcia Marques, Carlos
Coelho, Margareth Figueiredo, Therezinha,Lcia Nascimento ,Luciana Caracas , Z Antonio e
Deborah Garreto e especialmente Thais Zenkner pelas angustias e horas de estudos
divididas.
orientadora, Professora Virginia Pontual pela dedicao, persistncia,
preocupao e parceria ao longo do trabalho.
A minha famlia, especialmente meus pais Ernest e Theresa, pelo apoio
incondicional, minhas irms Silvia e Ldia pelo incentivo permanente e meus irmos Fabio e
Oswaldo pelas horas ocupadas em seus computadores. A Harms e Cia. pela ajuda com
computadores e impressoras.
Ao meu marido, Jos Wilson, pela ajuda com as meninas , e a Juliana e Lusa,
minhas filhas pela compreenso e pacincia.
historiadora Glria Correa, pelos valioso conselhos e pela oportunidade o acesso
a documentos sobre o Maranho.
Ao arquelogo Deusdedit Leite Filho por dividir as inquietaes sobre os mapas e
pelo emprstimo de seus livros.
A Mariana Sirene, incansvel na correo e normalizao do documento, alm de
companheira nas horas de agonia e corrida contra o tempo.
A Pedro Alcntara, pela confiana em deixar seus escritos e pela semente da
inquietao sobre Alcntara e incentivo pesquisa plantada desde os tempos de Rio de Janeiro.
amiga Mrcia Jardim, pela incansvel ajuda no Rio de Janeiro no acesso ao
acervo da Mapoteca do Itamaraty.
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A Juliana e Lusa, minhas filhas.
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Resumo
Estudo sobre a formao da cidade de Alcntara no Maranho, estabelecendo um dialogo entre o urbanismo e a histria, por meio da caracterizao da composio urbana e arquitetnica da cidade nos diferentes momentos da formao, questionando a existncia do planejamento urbano na perspectiva de que o resgate da formao urbana um instrumento fundamental compreenso dos dilemas do planejamento urbano da cidade atual. A cronologia de longa durao percorre trs sculos investigando inicialmente as origens da cidade a partir da hiptese da povoao transitria de Nazar e da aldeia indgena Tapuitapera, ponto estratgico de passagem dos conquistadores europeus no sculo XVI, a aldeia religiosa de Santo Antonio DAlcantra no sculo XVII marcada pela presena religiosa at a sede da aristocracia rural agro exportadora de algodo do sculo XVIII, quando finalmente consolida sua formao urbana e arquitetnica. Estabelecendo se uma comparao com a cidade de Mariana em Minas Gerais dentro do contexto do Barroco.
Abstract
This is a study about the formation of the city of Alcntara in Maranho,
establishing a dialogue between urbanism and history through the caracterization of the citys urban and archietectonic composition at the diferent moments of formation, questioning the existence of urban planning in the prospective that the rescue of thje urban formation is a fundamental instrument to understand the urban plannning dilemmas of the city nowadays. The long term chronology covers three centuries investigating the origins of the city from the Nazars ephemeral population hyphotesis and the Tapuitaperaindigenous village which was a strategic gateway for the European conquerors in the XVI centurys:Santo AntonioDalcantra religious village in the XVII century was marked by strong religious presence up to the rural aristocracy that used to export cotton in the XVIII century when it finally consolidates its urban and architectonic formation.We establish then a comparison with the city of Mariana in Minas Gerais a baroque context.
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SUMRIO
p. INTRODUO.............................................................................................................. 9
CAPITULO 1
PRESSUPOSTOS GERAIS
16
1.1 Fontes e Mtodos de Pesquisa.......................................................................................... 16 1.2 Conceitos e Referncias Tericas...................................................................................... 22 1.3 Principal Debate: Cidades Portuguesas, Planejadas Ou espontneas?.............................. 25 1.4 O Barroco no Brasil:O Caso de Mariana em Minas Gerais............................................... 29 1.4.1 O Barroco Como Concepo de Mundo e o Urbanismo Barroco.................................... 29 1.4.2 Mariana: Cidade Espontnea ou Planejada........................................................................ 32
CAPTULO 2
ALCNTARA HOJE
35
2.1 Localizao e Caractersticas do Territrio....................................................................... 35 2.1.1 Tombamento de Alcntara................................................................................................. 37 2.1.2 Implantao do Centro de Lanamentos............................................................................ 38 2.2 Caractersticas Culturais ................................................................................................... 39 2.2.1 As manifestaes culturais................................................................................................ 37 2.2.2 Aspectos econmicos......................................................................................................... 38 2.3 Composio Urbana e Arquitetnica........................................................................ 42 2.3.1 Composio urbana (caractersticas)................................................................................. 42 2.3.2 Composio arquitetnica.................................................................................................. 45 2.4 Problemas de Alcntara face ao Planejamento da Conservao...................................... 49
CAPTULO 3
ALDEIA INDGENA E A PRESENA DOS CONQUISTADORES SECULO XVI
52
3.1 Os ndios e a Organizao Espacial........................................................ 58
CAPTULO 4
A ALDEIA RELIGIOSA DE SANTO ANTONIO DALCNTARA SCULO XVII
65
4.1 Presena Francesa Em Alcntara - 1612-1615.................................................................. 65 4.2 Relaes entre So Lus e Alcntara.................................................................................. 70 4.3 Eleio Da Vila De Alcntara........................................................................................... 72 4.4 Composio Urbanstica.................................................................................................... 74
CAPTULO 5
A VILLA DE SANTO ANTONIO DALCNTARA SCULO XVIII
81
5.1 O Apogeu Econmico e a Aristocracia Rural Agro-Exportadora.................................... 81 5.2 O Estudo de Pedro Alcntara............................................................................................. 85 5.3 A Composio Urbana de Alcntara no Sculo XVIII............................................. 88 5.3.1 O Stio................................................................................................................................ 90
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5.3.2 Os Conjuntos urbanos........................................................................................................ 91 5.3.2.1 O Conjunto urbano da Praa da Matriz............................................................................. 91 5.3.2.2 O Conjunto urbano do Carmo........................................................................................... 97 5.3.2.3 O Conjunto urbano das Mercs......................................................................................... 97 5.3.3 Traado.............................................................................................................................. 97 5.3.4 Fontes................................................................................................................................. 1035.4 Comparao com a cidade de Mariana em Minas Gerais no sculo XVIII....................... 1045.4.1 Os conjuntos urbanos......................................................................................................... 1055.5 A composio arquitetnica de Alcntara no sculo XVIII.............................................. 1085.5.1 Arquitetura civil urbana de Alcntara................................................................................ 1085.5.2 Os materiais de acabamento.............................................................................................. 1145.5.3 A arquitetura religiosa....................................................................................................... 122
CONCLUSO
129
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................
132
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NDICE DE FIGURAS
CAPTULO 2
2.1 PLANTA CADASTRAL DE ALCNTARA, 1970 , arquivo do arquiteto Pedro Alcntara.................................................................................................................................
43
2.2. PLANTA DIGITAL DA CIDADE DE ALCNTARA, em GPS, 2000 acervo PrefeituraMunicipal................................................................................................................................
43
2.3 CROQUI DA IGREJA MATRIZ. LEFVRE, Rene e COSTA filho, Odylo. Maranho: So Lus e Alcntara. So Paulo, 1971. Cia. Editora Nacional, EDUSP, p. 37.
47
CAPTULO 3
3.1 MAPA DAS CAPITANIAS DO BRASIL - de Lus Teixeira, 1574, Mapoteca do Itamaraty Rio de Janeiro, reproduzido do livro de Mrio Meireles - Joo de Barros, primeiro donatrio do Maranho.ALUMAR1996..................................................................
54
3.2 FRAGMENTO DE MAPA - BRASILIA - autoria de Arnold F. Van Langeren de 1595, reproduzido da pesquisa de Alcntara na histria, de Pedro Alcntara, mimeo.
57
3.3 GRAVURAS DOS NDIOS, publicadas no livro Sur La France quinoxiale de Nicolas Fornerod, 2001..........................................................................................................
59
CAPTULO 4
4.1 GRAVURA COM TRAADO DE SO LUS,1647, retirada do CDRoom, REIS Filho, Nestor Goulart. Imagens das vilas e cidades do Brasil colonial............................................
71
4.2 PLANTA DE SO LUS, 1759 autoria no identificada; um detalhe de um Manuscrito original em tons amarelados existente na Torre do Tombo de Lisboa, publicado no livro Imagens das vilas e cidades do Brasil Colonial. REIS Filho, Nestor Goulart. 2000..........................................................................................................................
71
4.3 PROVNCIA DO MARANHO 1631, a 33 carta contida no Portugalia Monumenta cartogrfica e o nmero 176, do catlogo da mapoteca do Itamaraty - RJ, por Joo Teixeira Albernaz, o velho. Reduo do livro de ADONIAS, Isa. ...............................................................................................................................................
77
4.4 DEMONSTRAO DO MARANHO ATE O RIO DAS PREGUIAS 1666 - o nmero 180, do catlogo da Mapoteca do Itamaraty; o mapa esta contido no Livro De toda a costa da Provncia de Santa Cruz, por Joo Teixeira Albernaz, o moo. ADONIAS, Isa. Op. Cit..........................................................................................................
77
4.5 ESTUDO DA FORMAO DE ALCANTRA NO SCULO XVII. Mapa base 1970,
por Grete Pflueger................................................................................................................... 81
CAPTULO 5
5.1 ESTUDO DE PEDRO ALCNTARA Croquis da formao urbana no sc. XVIII......................................................................................................................................
87
5.2 TRANSFERNCIA DE INFORMAO DO MAPA 1755 SOBRE MAPA BASE
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DE 1970.PFLUEGER,Grete.2002.......................................................................................... 89 5.3 VISTA AREA DA PRAA DA MATRIZ em Alcntara,retirada do Livro
Arquitetura luso-brasileira no Maranho. SILVA, Olavo Pereira da. Belo Horizonte: 1998, Ed. Formato, p. 25........................................................................................................
92
5.4 CROQUI DO PELOURINHO EM ALCNTARA. PFLUEGER, Grete. 2002............... 93 5.5 CASA DE CMARA E CADEIA EM ALCNTARA. CUNHA, Gaudncio.
Maranho 1908, p. 152........................................................................................................... 94
5.6 DEMONSTRAO DA VILA E PORTO DE TAPUITAPERA , 1789, Mapoteca do Itamaraty, reproduzido do CDRoom Imagens das vilas e cidades do Brasil colonial, REIS Filho Nestor Goulart, 2000..........................................................................................
96
5.7 IDENTIFICAO DAS IGREJAS E PORTO no mapa 1789,Grete Pflueger................. 96 5.8 PLANTA DA VILA DE ALCNTARA, 1755, autoria no identificada, original
existente na Torre do Tombo de Lisboa, publicado no livro Imagens das vilas e cidades do Brasil colonial. REIS Filho, Nestor Goulart. 2000..........................................................
102
5.9 IDENTIFICAO DE RUAS E IGREJAS da planta de 1755, por PFLUEGER, Grete.......................................................................................................................................
102
5.10 CROQUI DA FONTE DAS PEDRAS EM ALCNTARA. PFLUEGER, Grete. 2002. 103 5.11 CROQUI DA FONTE DA MIRITITIUA , em ALCNTARA. PFLUEGER, Grete.
2002........................................................................................................................................ 103
5.12 PLANTA DA CIDADE DE MARIANAMINAS GERAIS, SCULO XVIII ,livro Imagens das vilas e cidades do Brasil colonial.REIS Filho,Nestor Goulart. 2000........................................................................................................................................
107
5.13 MAPA SNTESE DE MARIANAMINAS GERAIS, SCULO XVIII ,Fonseca, Claudia Damasceno. Do arraial cidade: a trajetria de Mariana no contexto do urbanismo portugus. In Universo urbanstico Portugus (1415-1822), Lisboa 1998, p. 267 a 300................................................................................................................................
107
5.14 COMPARAO DO ALADO POMBALINO (Pelouro da Reabilitao de Lisboa), com o CROQUI DE CRO LIRA e a foto dos SOBRADOS DA PRAA MATRIZ............
110
5.15 ESTUDO DAS FACHADAS DA ARQUITETURA CIVIL EM ALCNTARA. PFLUEGER, Grete. 1999.......................................................................................................
112
5.16 PLANTA BAIXA MORADA INTEIRA E SOBRADO. PFLUEGER, Grete. 2002.............................................................................................................................
112
5.17 CROQUI DOS ELEMENTOS DO SOBRADO. PFLUEGER, Grete. 1989..................... 113 5.18 CROQUIS DE FECHADURAS E ALDRABAS DE SO LUIS E ALCNTARA.
SILVA, Olavo Pereira da. Arquitetura Luso Brasileira no Maranho. 1998, p. 74 117
5.19 CROQUIS DE GRADIS DE SO LUIS E ALCNTARA. SILVA, Olavo Pereira da. Arquitetura Luso-Brasileira no Maranho. 1998, p. 77..........................................................
117
5.20 ESQUADRIAS DE SO LUIS E ALCNTARA. SILVA, Olavo Pereira da. Arquitetura Luso Brasileira no Maranho. 1998, pg. 36......................................................
118
5.21 ALJUBE EM MARIANA. RODRIGUES, Jos Wasth. Documentrio Arquitetnico, p. 142...........................................................................................................................................
120
5.22 CASA DO DIVINO EM ALCNTARA do Guia dos Bens Tombados do Maranho, p. 4...............................................................................................................................................
120
5.23 CASA DE CMARA E CADEIA DE MARIANA Croqui de Jos Washt Rodrigues op.cit.......................................................................................................................................
123
5.24 CASA DE CMARA E CADEIA DE ALCNTARA. Croqui de Olavo Pereira da Silva..op.cit.............................................................................................................................
123
5.25 ESTUDO DAS FACHADAS DA ARQUITETURA RELIGIOSA EM ALCNTARA.Croqui de PFLUEGER, Grete. 1999.
125
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INTRODUO
A escolha de Alcntara como objeto de estudo fruto de um interesse pessoal pela
cidade histrica, tombada pelo Patrimnio Federal em 1948, e pesquisada anteriormente em vrias
situaes: em bolsa de iniciao cientifica do CNPq em 1989, com orientao do arquiteto Antnio
Pedro Gomes de Alcntara do IPHAN-RJ; em monografia do curso de especializao em
Metodologia do Ensino superior (1997); em discusses acadmicas no mbito da Universidade
Estadual do Maranho e em disciplinas tericas do curso de Arquitetura e Urbanismo.
A trajetria de Alcntara construda a partir de Aldeia Tupinamb Tapuitapera, ponto
estratgico na conquista do territrio maranhense no sculo XVI - XVII e testemunha das presenas
francesa, portuguesa e holandesa no Estado. A aldeia indgena transformou-se na aldeia religiosa
portuguesa, sendo elevada categoria de vila de Vila de Santo Antnio de Alcntara, em 1648.
Alcntara foi um marco da catequese do sculo XVII, estruturada em torno dos
conjuntos urbanos religiosos: Igreja e Convento do Carmo e Igreja e Convento das Mercs
centralizadas pela Praa da Matriz, onde foram implantados o Pelourinho, a Casa de Cmara e cadeia
e a Igreja Matriz de So Mathias. No havia nesse momento planejamento urbano e os caminhos
entre os largos configuravam as ligaes que dariam origem ao traado do sculo XVIII.
N sculo XVIII a vila tornou-se a sede da aristocracia rural agro exportadora de
algodo, apresentando uma formao urbana de ruas e quadras em torno dos elementos originais
conformando um traado que envolve os principais conjuntos religiosos onde a arquitetura civil se
consolidou. Esse traado analisado a partir da cartografia de 1755 e 1789 demonstra a articulao
entre os elementos originais e as edificaes. Hoje algumas pistas nos revelam as reminiscncias
desse passado, a arquitetura civil do sculo XVIII e as runas das igrejas e dos sobrados.
Da trade original: Igreja e Convento Mercs, Igreja da Matriz e Igreja e Convento do
Carmo, s restou, em p, completa, a Igreja do Carmo. Da Igreja e convento das Mercs s restou o
baldrame transformado em praa e da igreja Matriz restou a runa da fachada; alm de runas
religiosas h um expressivo numero de runas de edificaes civis. E nos perguntamos qual o
significado das runas? Permanncia, teimosia ou resistncia? Ruas inteiras, que antes representavam
a sociedade emergente, transformaram-se em runas ,smbolo do abandono, da decadncia e da
permanncia silenciosa, com a vegetao encobrindo caminhos.
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Essas constataes nos motivaram a questionar a formao da cidade e rejeitar a cultura
da decadncia imposta pelas razes econmicas que desativaram a sede da aristocracia rural agro-
exportadora, levando ao esquecimento o significado dos monumentos marcados pelo processo de
arruinamento.Deste modo, a cidade histrica de Alcntara enfrenta hoje um grave problema de
transformao do seu espao urbano devido desapropriao, atravs de Decretos estadual e federal,
de mais da metade do seu territrio, na dcada de 80, para implantao do Centro de Lanamentos de
foguetes - CLA1.
Este processo, que incluiu remanejamento e deslocamento compulsrio de centenas de
famlias de comunidades rurais remanescente dos escravos para agrovilas inadequadas tradio
cultural, gerou desagregaes social e urbana, provocando, na dcada de 90, um xodo para o centro
histrico, sede do municpio. E o resultado foi uma crescente favelizao do ncleo histrico que
comeou com a ocupao das encostas e dos mangues ao longo da avenida de anel de contorno e hoje
se estende s reas de interesse arqueolgico, remanescentes do traado onde esto situadas as runas
de antigos monumentos em alguns casos completamente desconhecidos da comunidade. O
esquecimento dos marcos da cidade nos fez perceber que a cidade estava perdendo alguns pontos de
referncia e que o crescimento desordenado os apagaria definitivamente.
A percepo desse processo foi possvel durante dois anos de experincia profissional
em Alcntara (1997-1999), onde se constatou que os problemas do inchamento da periferia, da
decadncia cultural e econmica da cidade estavam ligados a uma realidade histrica distante, tanto
quanto ao passado colonial quanto ao futuro da base espacial, situaes opostas que passaram a
demonstrar como a memria da formao daquela cidade estava perdida no tempo.
Naquele ano de 1997 houve a oportunidade de questionar novamente aspectos da
formao de Alcntara, com o arquiteto Pedro Alcntara, que realizava consultoria para o processo
de incluso de So Luis na lista de patrimnio mundial da UNESCO. Parte das conversas e
inquietaes esto presentes neste trabalho, incentivadas pelos manuscritos deixados por Pedro para
leitura e amadurecimento e pelo seu incentivo continuidade do trabalho por ele iniciado.
Lamentavelmente, seu falecimento interrompeu nosso dialogo deixando apenas o desejo de responder
e investigar questes pendentes.
Posteriormente, quando a planta com o traado de Alcntara de 1755 foi publicada em
2001 entrevistou-se informalmente a arquiteta Dora Alcntara, sua esposa, sobre a incluso dessa
informao na pesquisa e o efeito causado pela constatao de um traado no sculo XVIII. Sua
resposta foi de que certamente ele revisaria suas consideraes acerca da sua afirmao de que
1 Centro de Lanamento de Alcntara, base militar para lanamento de foguetes.
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Alcntara tinha sido construda sem uma inteno prvia, nem obedecendo a regras de construo de
cidade.
Dentre tantas razes, pessoais e profissionais passou-se a investigar os elementos de
anlise do espao urbano dentro de um contexto maior que conectasse Alcntara rede urbana do
Brasil Colonial. Entendeu-se que, para compreender a cidade atual seria necessrio um mergulho no
passado. Um entendimento da formao do espao urbano ao longo dos trs sculos da histria da
cidade na busca das especificidades da formao urbana.
A busca das especificidades passa pela resposta das seguintes hipteses:
a) Alcntara como uma cidade portuguesa foi construda a partir de um plano prvio;
sua formao foi espontnea ou planejada?
b) Alcntara como uma cidade portuguesa teve ao longo da histria de sua formao
perodos de construo sem obedecer a regras urbansticas e em outros seguiu
preceitos do urbanismo barroco?
Observou-se que, embora Alcntara tenha sido amplamente estudada e pesquisada por
uma gerao de historiadores maranhenses, que muitos nos honraram no sculo XIX, como Csar
Marques, Jernimo Viveiros e Antonio Lopes, as dificuldades e desleixos com os documentos
antigos no nosso Estado e a limitao de acesso s fontes primrias, em sua maioria arquivadas em
Instituies europias, especialmente portuguesas, como a Torre do Tombo ou o Arquivo
Ultramarino de Lisboa ,dificultaram uma reconstituio da histria urbana, que ainda repleta de
pontos obscuros, dvidas e imprecises discutidas e apontadas pela nova gerao de historiadores do
sculo XX, como Carlos Lima e Mrio Meireles ,e pelas reflexes do arquiteto Pedro Alcntara.
No obstante, o esforo permanente desses historiadores, suas pesquisas limitavam-se as
dimenses poltico e econmicas, relegando os aspectos urbanos e a formao da cidade, inclusive
em razo das dificuldades de acesso aos mapas e plantas da cidade.
No Brasil, ressalte-se a importncia da publicao em 2000 do Livro Imagens das vilas
e cidades do Brasil Colonial, de Nestor Goulart Reis Filho, que reuniu um nmero expressivo de
mapas e gravuras de todos os Estados brasileiros em uma publicao de qualidade, possibilitando o
estudo comparativo entre cidades assim como o acesso ao acervo cartogrfico de Instituies
europias e brasileiras.
A formao das cidades brasileiras no contexto do Universo Urbanstico Portugus
tem sido objeto de ampla investigao por parte de historiadores, arquitetos e urbanistas brasileiros e
portugueses preocupados em desvendar aspectos obscuros das nossas origens urbanas.
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As recentes dissertaes e teses apresentadas nas academias, as novas abordagens
desenvolvidas, resultantes de seminrios e Congressos Internacionais, as coletneas de estudos
realizadas e especialmente a parceria e interao na pesquisa entre os governos brasileiro e
portugus, por ocasio das comemoraes dos 500 anos de descobrimento do Brasil, possibilitaram
um novo olhar sobre as cidades, compartilhando idias e teorias, graas abertura dos arquivos e ao
acesso documentao histrica primria (como as do Arquivo Ultramarino de Lisboa referentes a
cada Estado brasileiro) e a cartografia antes desconhecida do sculo XVII e XVIII.
Nessa perspectiva, esta dissertao busca resgatar a formao da cidade de Alcntara,
estabelecendo um dialogo entre o Urbanismo e a Histria, por meio da caracterizao da
configurao urbanstica e arquitetnica da cidade assim como contribuir para a discusso da
polmica acerca das cidades portuguesas serem planejadas ou espontneas.
A pesquisa foi feita atravs do levantamento de fontes primrias, como documentos,
manuscritos, narrativa dos memorialistas, cartografia histrica e dos estudos e relatrios que
possibilitaram a compreenso da configurao urbanstica da cidade e a definio das categorias de
analise, considerando-se as especificidades do objeto de estudo. Tambm das fontes secundrias
bibliogrficas de autores maranhenses sobre aspectos da histria da cidade e do Estado e de uma
bibliografia geral de suporte pesquisa, percorrendo-se arquitetura, urbanismo, metodologia e
histria.
Essas fontes foram levantadas em Instituies de So Lus2, de Alcntara3 e do Rio de
Janeiro4 em busca de pontos obscuros da formao da cidade para confront-los com a pesquisa de
historiadores maranhenses e com os relatrios do arquiteto Pedro Alcntara, do IPHAN, do Rio de
Janeiro.
O contato com o universo da cartografia e sua simbologia na Mapoteca do Itamaraty, a
riqueza de detalhes das gravuras antigas e o contedo histrico do Livro Grosso do Maranho, ambos
do acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, a experincia na transcrio de documentos
antigos no IHGB -RJ, o contato com livros raros como o de Yves DEvreux na Biblioteca Pblica de
So Lus e o encantamento pela narrativa dos memorialistas foram experincias vividas durante a
pesquisa inicial que nos trouxe a curiosidade da pesquisa histrica e suas descobertas.
Os conceitos-chave utilizados foram a formao urbana de carter histrico e as
categorias de anlise coletadas esto presentes nas obras de Nestor Goulart Reis Filho e Paulo Santos,
entretanto, adotou-se aquelas apropriadas cidade de Alcntara, ao recorte temtico e s fontes
primrias e secundrias levantadas, quais sejam: a implantao do stio, a arquitetura religiosa, os
2 Biblioteca Pblica, Casa Josu Montello, Arquivo Pblico, 3 SR IPHAN, PRODETUR, IHGB do Maranho. 3 Cartrio, Prefeitura Municipal e Museu Histrico de Alcntara. 4 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro , Museu e mapoteca do Itamaraty, Real Gabinete de Leitura Portuguesa, IHGB, IPHAN e MEC.
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conjuntos urbanos e o traado (ruas e quadras) e fontes.Para complementar essa anlise, estabeleceu-
se a comparao com uma cidade portuguesa no sculo XVIII, tendo sido escolhida a cidade histrica
de Mariana em Minas Gerais.
A escolha de Mariana deveu-se a algumas similaridades e diferenas significativas para
anlise. A origem de Alcntara est na aldeia religiosa e a de Mariana, no arraial de minerao,
porm em ambas observou-se a importncia dos conjuntos religiosos do Carmo como articuladores
do espao, a presena da praa central com Casa de Cmara e cadeia e pelourinho, a implantao do
stio prximo ao rio e a passagem de uma formao urbana espontnea ligado s origens (sculo
XVII) para uma outra estabelecida por um traado com relativa regularidade no sculo XVIII.
Assim como o estudo do arquiteto Pedro Alcntara serviu de referncia para este
trabalho, tomar-se- ainda como referncia o estudo desenvolvido pela arquiteta Cludia Damasceno
Fonseca sobre a cidade de Mariana, especialmente no que se refere s concluses de sua pesquisa
confrontando-se as abordagens de ambos os pesquisadores com as nossas.
A configurao arquitetnica de Alcntara foi analisada considerando-se as categorias
colocadas por Olavo Pereira da Silva filho, no livro Arquitetura Luso-Brasileira no Maranho:
implantao; fachadas, ferragens, esquadrias, alvenarias, pisos, coberturas, revestimentos, forros e
escadas com a contribuio dos estudos de Dora Alcntara sobre a morada trrea e o sobrado onde se
ressaltam alguns aspectos das similaridades e das diferenas com as caractersticas arquitetnicas da
cidade de Mariana MG. Para tal utiliza-se o trabalho de Jos Washt Rodrigues e Afonso vila,
destacando-se os principais elementos da arquitetura civil Barroca.
A tipologia arquitetnica encontrada em Alcntara e em Mariana reflete a influncia do
Alado pombalino, mdulo desenvolvido para reconstruo de Lisboa no sculo XVIII. Nas duas
cidades encontrada a arquitetura civil dos sobrados de cinco portas e cinco janelas, com um ritmo
de vos similares. Cada uma com sua especificidade, em Alcntara, ornamentos mais simples; em
Mariana, mais clssicos com uma leitura de elementos decorativos mais barroca em mais requintes
de acabamento. Algumas diferenas podem ser claramente observadas, como por exemplo, o uso da
pedra de cantaria em Alcntara e da pedra sabo em Mariana, os oratrios em Mariana e os passos
em Alcntara. Algumas edificaes so peculiares como as duas Casas de Cmara e Cadeia e o
Aljube ou casa dos padres, parecidas e diferentes ao mesmo tempo. So as diferenas e similaridades
que sero confrontadas no estudo da configurao arquitetnica.
O trabalho divide-se em cinco captulos. No Capitulo 1, denominado Pressupostos
Gerais (terico metodolgicos) descreve-se os acervos pesquisados e as fontes consultadas primrias
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e secundrias, o mtodo utilizado, os principais conceitos e referncias tericas e as questes
principais e debates sobre o planejamento urbano das cidades coloniais.
No Capitulo 2, Alcntara Hoje, caracteriza-se a cidade atual e seus problemas urbanos
atravs de informaes bsicas como a localizao geogrfica, dados populacionais e relaes de
interdependncia com So Luis. Demonstra-se sua importncia como stio histrico tombado pelo
Patrimnio Federal em 1948 e se tecem consideraes sobre a configurao urbanstica e
arquitetnica da cidade, reforando-se a necessidade do entendimento da formao histrica da
cidade como instrumento fundamental a compreenso dos dilemas do planejamento urbano hoje.
No Capitulo 3, inicia-se a cronologia de longa durao com o sculo XVI - a aldeia
religiosa e a presena dos conquistadores. Nesse capitulo trata-se da hiptese da povoao transitria
de Nazar, smbolo das primeiras investidas no territrio maranhense e da posio estratgica das
terras alcantarenses. Descreve-se a aldeia tupinamb Tapuitapera, com nfase ao entendimento do
indgena no processo de colonizao atravs da narrativa dos memorialistas, especialmente de
DAbbeville e DEvreux quanto viso do paraso, a perplexidade com os hbitos indgenas e as
descobertas do Novo Mundo.
No Capitulo 4, aborda-se o sculo XVII, da elevao da aldeia religiosa a Vila de Santo
Antonio DAlcantra em 1648, analisando-se a presena da aldeia e vila na cartografia de 1631 e
1666 e construindo o contexto histrico das ordens religiosas e do sistema do padroado na colnia. A
composio urbana e arquitetnica de vila analisada atravs da implantao dos trs conjuntos
originais, a Praa da Matriz, o Convento do Carmo e o Convento das Mercs. Reconhecendo-se a
arquitetura religiosa como principal elemento na formao dos conjuntos urbanos articuladores do
espao.
A implantao da arquitetura religiosa o fator importante na consolidao da
composio urbana da vila analisada a partir das categorias: a implantao do stio, a arquitetura
religiosa, os caminhos e largos.
No Capitulo 5, trata-se o sculo XVIII inicialmente com o entendimento do contexto
histrico da sede da aristocracia rural agro exportadora de algodo.A consolidao da composio
urbana da Vila de Santo Antnio de Alcntara analisada atravs da cartografia do sculo XVIII
1755 e 1789, dos estudos de Pedro Alcntara, a partir das categorias de anlise da formao dos
ncleos coloniais, retiradas da obra de Nestor Goulart Reis Filho e Paulo Santos, determinadas dentro
da especificidade da cidade no perodo, resultando no estudo da formao, feito com a transferncia
das informaes dos mapas histricos no mapa e das datas de construo das edificaes, utilizando-
se como base o mapa de Alcntara da dcada de 70.
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Aspectos da formao urbana de Alcntara so confrontados com a pesquisa
desenvolvida pela arquiteta Claudia Damasceno Fonseca sobre a cidade de Mariana , onde ela coloca
que a cidade formada pela sobreposio de diferentes momentos do planejamento , desde sua
origem espontnea como arraial religioso de Nossa Senhora do Carmo at a vila planejada pelo
Engenheiro Alpoim no sculo XVIII. Suas concluses nos permitiram compreender o processo de
formao de Alcntara e seus diferentes momentos .
A composio arquitetnica analisada pela influncia do Alado Pombalino, do
Marques de Pombal, decorrente da reconstruo de Lisboa aps o terremoto de 1755, a partir de
categorias estabelecidas dentro das caractersticas dominantes tendo como suporte o estudo de Olavo
da Silva sobre arquitetura luso-maranhense, estabelecendo-se uma comparao com a cidade de
Mariana em Minas Gerais.
Por fim, na concluso retoma-se algumas questes relativas formao urbana com as
caractersticas de cada sculo, reafirmando-se a questo da existncia de diferentes momentos do
planejamento urbano.
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CAPITULO 1
PRESSUPOSTOS GERAIS 1.1 FONTES E MTODOS DE PESQUISA
Nesta pesquisa utiliza-se o mtodo histrico em um perodo de longa durao (sculos
XVI ao XVIII) na busca das especificidades cronolgicas da formao da cidade de Alcntara
compreendendo todas as etapas da formao histrica desde o perodo das navegaes e povoaes
transitrias do sculo XVI, a aldeia tupinamb Tapuitapera at a vila religiosa portuguesa de Santo
Antonio DAlcantra do sculo XVIII.
No mtodo histrico o primeiro passo pesquisar documentos, conhec-los e classific-
los. Esta etapa pressupe conhecer os acervos existentes na cidade para a busca inicial de
documentos, livros, plantas e informaes sobre o objeto de estudo.Desta forma o levantamento das
fontes primrias (arquivisticas, iconogrficas e bibliogrficas) e das fontes secundrias bibliogrficas
foi realizado em acervos de Instituies de So Luis, Alcntara e Rio de Janeiro.Consideram-se como
fontes primrias bibliogrficas os livros dos memorialistas franceses, (Claude DAbbeville e Yves
DEvreux do sc. XVII) que contriburam com importantes relatos sobre a aldeia. Estes livros foram
encontrados no setor de obras raras da Biblioteca Pblica Benedito Leite de So Luis onde iniciamos
nossa pesquisa. L foram encontradas ainda importantes fontes primrias que fazem parte de uma
srie intitulada Documentos Maranhenses.
Essa coleo, apoiada por empresas privadas, foi promovida pela Academia Maranhense
de Letras e dedicada publicao de documentos originais sobre o Maranho nos sculo XVII e
XVIII.Dessa srie consultou-se Jornada no Maranho por ordem de sua majestade no ano de 1614
sobre a disputa com os franceses e conquista do Estado pelos portugueses e dos ndios de
Tapuitapera; Histria dos animais e pssaros do Maranho de Frei Cristvo de 1625 com o nome
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indgena dos animais; Annais histricos do Maranho em 1726/1729 do governador Bernardo P.
Berredo com descries da villa de Santo Antonio de Alcntara, ressalta-se a importncia dessa
coleo fundamental para a pesquisa histrica no Estado por possibilitar a leitura sistemtica e acesso
a informaes contidas em livros raros restritos aos arquivos pblicos.
No acervo da associao Comercial do Maranho encontrou-se uma edio fac-similar
comemorativa do centenrio da fundao da Comisso da Praa, antigo nome da Instituio, da
Histria do Comrcio do Maranho em 3 volumes ,de autoria de Jernimo Viveiros ,com
importantes informaes sobre o comrcio no Estado entre 1612 1895.
As fontes secundrias da biblioteca pblica so constitudas pela importante produo
dos historiadores maranhenses do sculo XIX, Csar Marques com o Dicionrio histrico e
geogrfico, Antonio Lopes com Subsdios para a histria de Alcntara e Jernimo Viveiros com
Alcntara no seu passado. Estes autores fornecem um relato da Vila de Alcntara e do contexto
social e econmico do Estado no sculo XVI e XIX.
A biblioteca possui um excelente acervo de livros portugueses como o Dicionrio da
colonizao de Beatriz Nizza da Silva muito consultado na fase inicial da pesquisa. No se encontrou
nesse acervo iconografia sobre a cidade de Alcntara.Tambm a leitura do rarssimo livro de Yves
DEvreux, viagem ao norte do Brasil, que estava incompleto na Biblioteca pblica foi possvel na
Casa de Cultura Josu Montello onde foram encontradas fontes primrias e secundrias
semelhantes ao acervo da Biblioteca Pblica e uma edio rara, de 1874, do memorialista Yves
dEvreux, alm de outros memorialistas do sculo XIX como Kidder e Spix Von Martius assim como
livros sobre a histria da colonizao portuguesa.
No Arquivo Pblico Estadual pde-se analisar o Catlogo de resenhas de documentos
do Arquivo Ultramarino de Lisboa relativos ao Maranho (1614-1833) com a cronologia dos
documentos trocados entre o Maranho e Portugal. Trata-se de consultas e cartas rgias enviadas ao
Reino sobre questes administrativas, prticas, religiosas e sociais correntes no Maranho.
Lamentavelmente, os documentos resenhados no esto disponveis para consulta no
arquivo. Este trabalho faz parte do projeto Resgate do Ministrio da Cultura, do levantamento no
arquivo ultramarino de documentos de cada Estado brasileiro. Tais documentos esto em fase de
processamento em arquivos digitais e ainda no foram disponibilizados. No entanto, estive-se em
contato com a equipe que trabalhou em Portugal na elaborao da resenha dos documentos e tive-se
acesso para leitura, atravs da historiadora Glria Correa ,de alguns documentos originais do sculo
XVII como o documento 8 do arquivo ultramarino de Lisboa que contem o Regimento de Alexandre
de Moura, sobre a conquista do Maranho e visita dos portugueses a Tapuitapera, assim como dois
documentos sobre os ndios de Tapuitapera. O contato com esse documento do sculo XVII cuja
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leitura s pode ser feita depois de transcrio por especialista devido s abreviaes e grafia peculiar
revelou a importncia do conhecimento de uma fonte primria arquivistica com informaes
importantes sobre a formao do nosso Estado.
Visitou-se ainda o acervo do Instituto histrico e geogrfico do Maranho IHGB - MA,
em busca de informao sobre o livro antigo de Alcntara, citado por Antonio Lopes, historiador
maranhense, o qual esteve guardado naquela instituio.Lamentavelmente encontrou-se Instituto
quase fechado, em precrias condies de funcionamento e sem noticia do acervo original. Foram
Consultadas algumas revistas antigas do Instituto com artigos relativos a cidade e encontrou-se um
interessante relato sobre a numismtica maranhense.
Para o entendimento da cidade atual foi-se em busca de relatrios tcnicos e
consultaram-se os arquivos dos rgos de Patrimnio estadual e federal. Na 3 Superintendncia
Regional do IPHAN consultaram-se documentos relativos ao processo de tombamento de Alcntara,
em 1948, e relatrios tcnicos sobre a necessidade da delimitao do permetro de tombamento e
pesquisas arqueolgicas.
No arquivo da Coordenadoria do Patrimnio Cultural do Estado tive-se acesso a
relatrios tcnicos da equipe elaborados por consultores internacionais sobre a cidade entre as
dcadas de 60 e 80. Dentre eles destacou-se uma importante fonte secundria consultada, que foi a
pesquisa realizada pelo arquiteto Pedro Alcntara, do Patrimnio Nacional IPHAN - Rio de Janeiro,
Sua pesquisa foi o primeiro trabalho dedicado a compreender a formao histrica e urbana da
cidade, realizado na dcada de 60, perodo em que o arquiteto e sua esposa, a arquiteta Dora
Alcntara moraram em Alcntara e produziram relatrios tcnicos visando a delimitao do
permetro de tombamento e alternativas para a preservao do conjunto tombado.
O relatrio intitulado Recuperao de Alcntara, de autoria de Pedro e Dora
Alcntara, de 1963, foi publicado pela revista Acrpole, em abril de 1974. O plano consiste em uma
tentativa setorial de integrar um planejamento para a preservao de bens culturais numa planificao
mais ampla que visasse disciplinar, orientar e coordenar o crescimento de Alcntara. Esse
documento faz um relato da cidade atual, do plano de recuperao, discorre sobre a pesquisa
bibliogrfica e sobre o roteiro de uma exposio. Percorreram-se os acervos citados por Pedro
Alcntara, no Rio de Janeiro, em busca de mais informaes sobre a cartografia e iconografia da
cidade.
A pesquisa de Pedro Alcntara foi fundamental para nosso trabalho por constituir-se no
nico estudo sobre a formao urbana da cidade de Alcntara.
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Nos Acervos do Maranho no forma encontradas fontes iconogrficas nem
cartogrficas sobre Alcntara, nenhuma gravura ou mapa relativo aos sculos XVII e XVIII. Foi a
publicao em 2000 do livro de Nestor Goulart Imagens das vilas e cidades do Brasil colonial que
revelou uma planta com o traado da cidade, de 1755, original da Torre do Tombo de Lisboa e a
Demonstrao da villa e porto de Tapuitapera com elevaes das edificaes religiosas em 1789.
Em Alcntara, j se havia observado que os historiadores maranhenses lamentavam a
destruio e perda de importantes acervos da cidade durante o perodo da decadncia econmica. Isto
foi comprovado com uma busca sem sucesso de documentos na cidade. Consultou-se o acervo do
Museu Histrico da cidade e foram feitas entrevistas informais com o diretor do Museu Sr. Heidimar
Guimares, sobre a destruio e arruinamento da igreja da matriz e o uso do material para calamento
da rua.
No h Biblioteca Pblica em Alcntara, e no prdio da Prefeitura Municipal, antiga
Casa de Cmara e Cadeia, devido s sucessivas reformas, o uso do imvel como presdio pblico
estadual e os longos perodos de abandono, fizeram o acervo de documentos tornar-se quase todo
perdido, restando o cartrio do primeiro ofcio como depositrio de alguns documentos relativos s
edificaes, testamentos e s cpias de um documento intitulado Alcntara no antigo que se
utilizou como fonte primria.
Em Alcntara, a maior fonte de informao encontrada foi a prpria cidade, com as
runas e os vestgios de sua formao histrica. A observao sistemtica dos problemas urbanos
durante dois anos de residncia e trabalho profissional na rea de preservao do patrimnio histrico
foi fundamental para a identificao dos monumentos, para o reconhecimento das descries e
anlise da cartografia do sc XVIII.
Diante da necessidade de conhecer a cartografia do sculo XVII e XVIII, tomou-se a
deciso de consultar acervos no Rio de Janeiro onde se teve a oportunidade de pesquisar na
Biblioteca Nacional, no setor de cartografia onde se tomou contato com a coletnea de mapas
Portugalia Monumenta Cartogrfica, com vrias cartas geogrficas sobre o Maranho, alm dos
mapas de Joo Albernaz, de 1631 e 1666, utilizados no trabalho. Pde-se observar no setor de
manuscritos uma gravura de So Luis do sculo XVII, intitulada Histria della Guerra e mapas de
Alcntara da dcada de 70. No setor de obras raras, consultaram-se os anais histricos da Biblioteca
onde estava publicado O livro grosso do Maranho de onde foram retiradas informaes sobre as
edificaes de Alcntara.
Encontrou-se no IHGB-RJ, Instituto Histrico e Geogrfico do Rio de Janeiro, um rico
acervo sobre Alcntara, proveniente do Arquivo Ultramarino de Lisboa, inclusive transcreveu-se a
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descrio da villa de 1774, que foi o relato mais importante do sculo XVIII, encontrado sobre a
formao urbana identificando a quantidade de ruas e as edificaes.
Na Mapoteca do Museu do Itamaraty, encontrou-se o maior acervo iconogrfico
organizado da Amrica latina, composto de 31.800 peas entre mapas, cartas e Atlas, alm de fotos,
desenhos e gravuras, organizados pelo Baro do Rio Branco. A mapoteca tem acesso restrito a
pesquisadores insistentes, pois no permitido manusear os mapas e visitas so difceis de agendar.
Ainda assim conseguiu-se observar algumas redues de mapas sobre o Maranho, consultar o
catlogo da mapoteca, reproduzir mapas do livro da Isa Adonias, Imagens da formao territorial
brasileira e entrevistar a coordenadora da mapoteca, Sra.Marlene, sobre o acervo relativo a
Alcntara.
Lamentvel que a Biblioteca do Itamaraty, fechada h 4 anos, por falta de funcionrios,
no pudesse ser consultada, pois se havia obtido referncia sobre os cdices existentes no acervo com
importantes comunicaes entre os engenheiros militares e o Rei de Portugal. Visitou-se ainda no
Rio de Janeiro o Real Gabinete de Leitura Portuguesa, jia da arquitetura manuelina no Rio, o qual
possui um importante acervo sobre as navegaes portuguesas, sobre a cultura e literatura
portuguesa.
O segundo passo da pesquisa histrica, depois de reunidas todas as informaes
coletadas nos diferentes acervos das trs cidades, foi proceder a uma crtica interna das fontes,
visando-se a determinao dos fatos, pois o contedo das informaes encontradas vai delimitando
novos caminhos para a pesquisa. A interpretao das informaes foi uma experincia de profundo
amadurecimento pessoal que se refletiu na atividade acadmica quando se percebeu a apropriao
em sala-de-aula das informaes e das experincias vividas na pesquisa.
Finalmente, o terceiro passo foi a construo de uma narrativa, agrupando-se e
ordenando-se os fatos numa seqncia lgica de consolidao das informaes, e a deciso final foi
dividir por sculos e identificar os diferentes momentos da formao urbana. Nessa etapa, percebeu-
se que mergulhar na pesquisa histrica foi uma experincia indita, na medida em que nos colocou
em contato com um universo de livros raros, mapas antigos, acervos de difcil acesso, informaes
que, como peas de um quebra-cabea iam- se encaixando e mostrando a difcil tarefa de desvendar a
formao de uma cidade, atravs da interpretao das fontes.
O contato com a narrativa dos memorialistas, cheia de perplexidades, sobre os ndios e
seus costumes, revelou verdades diferentes, verdades de um tempo que a cartografia atravs de seus
elementos simblicos foi mostrando lentamente.
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A cartografia foi analisada a partir do entendimento de Boaventura Santos5 da qual os
mapas so representaes simblicas da realidade. A principal caracterstica estrutural dos mapas
reside em que, para desempenharem adequadamente suas funes, tem de inevitavelmente distorcer a
realidade, e o fazem atravs de trs mecanismos principais: a escala, a projeo e a simbolizao.
Os mapas no podem coincidir totalmente com a realidade, no podem represent-la em
verdadeira grandeza; portanto, o grau de detalhamento envolve a deciso de privilegiar um foco
principal.
A escala o primeiro mecanismo de representao e distoro da realidade. E a relao
entre a distancia no mapa e a distancia correspondente no terreno. Estas os mapas podem apresentar
em grandes escalas e em menor grau de pormenorizao ou em pequenas escalas permitindo-se medir
com exatido elementos como rios ou estradas.Outrossim, a projeo cria um campo de
representao; cada mapa tem um centro, seleciona um ponto fixo, espao fsico ou simblico de
posio privilegiada. Por exemplo, no caso do mapa de Alcntara o centro a Praa da Matriz, este
elemento de fora pode ser observado tanto nos mapas cartogrficos quanto nos mapas mentais, que
expressam a nossa percepo cognitiva do espao.
A Simbolizao diz respeito aos smbolos grficos utilizados para identificar os
elementos importantes, os monumentos significativos, uma linguagem cartogrfica utilizando sinais
convencionais, a saber, a cruz vermelha para as igrejas com linhas para os conventos nas laterais, ou as linhas para ruas, ou os sinais icnicos que so signos naturalsticos convencionais que estabelecem
uma relao de semelhana com a realidade representada como um conjunto de rvores para designar
florestas, pontos para indicaes de mangue, de praias, igaraps, ou realar a topografia do terreno.
Esses sinais so fundamentais para o entendimento do mapa.
Foram utilizadas na pesquisa as cartas de 1631 e 1666 de Joo Albernaz, a planta de
1755 e a demonstrao de 1789.
Nos mapas do sculo XVII (1631 e 1666) observa-se apenas a descrio geogrfica da
aldeia religiosa com nfase na localizao. Na cartografia do sculo XVIII observa-se a nfase nas
descries dos monumentos em elevaes (demonstrao da barra de 1789) e da configurao
urbanstica do traado das ruas e quadras com destaque para a implantao arquitetura religiosa
presente no mapa de 1755.
5 Cartografia simblica das representaes sociais: prolegmenos a uma concepo ps-moderna do direito.
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1.2 CONCEITOS E REFERNCIAS TERICAS
Os conceitos-chave utilizados so a formao urbana de carter histrico, em Paulo
Santos e os elementos da formao espacial dos ncleos urbanos advindos das contribuies de
Nestor Goulart Reis Filho de onde foram selecionadas as categorias de anlise a escolha do stio; a
arquitetura religiosa; os conjuntos urbanos; o traado; as ruas; quadras e as fontes considerando-se
as especificidades da cidade de Alcntara e os aspectos mais significativos identificados nos
documentos histricos sobre a vila.
Por formao urbana entende-se a associao dos fatos urbansticos com o contexto
social econmico e poltico. Os fatos urbansticos so os elementos que compem o adensamento dos
ncleos urbanos formando o stio, o traado, as ruas e as praas.A escolha do conceito de formao
urbana de carter histrico foi devido constatao de que as vilas e cidades portuguesas no
Brasil,do sculo XVII e XVIII, refletiam a sntese das experincias urbanas vigentes e estavam
ligadas ao contexto socioeconmico e poltico europeu.
As cidades do Brasil colonial conservaram, sob as mais diferentes condies, o cunho
inequvoco da me ptria (Santos, 2001, pg. 17), que as caractersticas regionais no conseguiram
apagar, e podem por isso ser consideradas mais como cidades portuguesas no Brasil de que cidades
brasileiras, acusando sua dupla origem medieval e renascentista .
Paulo Santos6, ao tratar a formao urbana, considera os seguintes componentes
analticos:
a) Os preceitos da urbanizao em voga no tempo focalizado, considerando as
influncias na formao das cidades das experincias europias da cidade informal da
idade mdia e a da cidade ideal Renascentista;
b) A leitura da forma urbana por meio de plantas e das traas como expresso do
urbanismo;
c) A autoria dos traados, ressaltando a presena e orientao dos engenheiros militares
na adoo do plano xadrez como modelo, oriunda da influncia hispnica pela
aproximao dos povos celebrada no tratado de Madri de 1750. Destaca as Praas
considerando como o centro da vida urbana, local para onde convergem os caminhos,
as ligaes, o desembarcadouro e as ruas principais;
d) Os fatos histricos e o contexto econmico e poltico que influenciaram a construo
da traa.
6 SANTOS, Paulo Ferreira. Formao de cidades no Brasil Colonial.Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. Reedio atualizada, pg 45,
Cap. III.
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Sua contribuio ao nosso trabalho o entendimento de diferentes momentos na
formao das cidades que se refletem na evoluo dos traados a partir de quatro tipos, admitindo
opes intermedirias nos diferentes momentos da formao urbana:
1) traados inteiramente irregulares;
2) traados de relativa regularidade;
3) traados que inicialmente foram irregulares, sendo depois refeitos para adquirirem
perfeita regularidade;
4) traados perfeitamente regulares
Em sua concluso ele divide os comentadores da cidade em 4 grupos - primeiro os que
consideram que a cidade no contradiz a natureza, exprimindo desleixo; segundo, os que encaram
com complacncia, exprimindo solues de canhestra ingenuidade do colono; terceiro, os que
consideram um progresso as cidades construdas com traados regulares; quarto, ao qual o autor
pertence: Partindo do principio que a seduo que as cidades do plano informal despertam no
homem moderno, e vai a ponto de as guindarem s altitudes de monumentos nacional, resulta da genuinidade dessas cidades como expresso sincera de vida, e de autenticidade como interpretao de um sistema de conceitos urbansticos cujas razes recuam at os obscuros tempos da idade mdia peninsular, muulmana a crist.(Santos, p.76).
Considera ainda, o que nos parece muito peculiar: que o traado regular era um
retrocesso, ao contrrio da valorizao colocada por autores portugueses como Rafael Moreira e
Walter Rossa de que a engenharia militar seria um avano no urbanismo colonial. Os traados
reguladores (xadrez quase perfeito), constituram, em determinado sentido, uma regresso
urbanstica.Foram planos subjetivos, concebidos por inteiro e predeterminados na cabea dos
projetistas, abstraes do esprito de que a vida no participou. (Santos, p. 76).
Reis Filho7,ao reconhecer a existncia de uma rede urbana colonial, coloca a
organizao dos ncleos urbanos a partir de algumas categorias: a situao, o stio, o traado e as
construes. Sua pesquisa possibilitou uma compreenso mais ampla dos aspectos da uniformidade
existentes na formao das cidades brasileiras e nela se percebem os diferentes momentos do
planejamento urbano e a existncia de cidades espontneas e planejadas que, no entanto,
apresentavam aspectos como escolha do stio, a implantao dos edifcios religiosos e praas centrais
muito similares. A anlise desses elementos contribuiu para o entendimento e a adequao das
categorias de anlise para a o caso de Alcntara, valorizando-se suas especificidades.
A situao dos ncleos no sistema determinava modalidades de relao que seus
habitantes poderiam estabelecer com outras reas do sistema ou com o exterior. As relaes de
7 REIS FILHO, Nestor Goulart. Evoluo urbana do Brasil: 1500/1720. So Paulo: PINI, 2000 (terceira parte: a organizao dos ncleos
urbanos pgs 117-192).
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dependncia e de reciprocidade eram criadas entre vilas e cidades. A interdependncia interna e
externa contribua na composio de uma rede urbana que alimentava as relaes comercias e as
propriedades rurais produtivas.
A escolha do Stio de uma aglomerao urbana a determinao do local sobre o qual
ela ser assentada, o locus, onde vrios so os aspectos a serem considerados: a natureza do solo, o
relevo, fontes de gua para o consumo, cursos ou massas de gua. O relevo, sobretudo influencia
sobre a aparncia do conjunto e sobre o traado. No sculo XVI as cidades se implantaram em
terrenos elevados, sobre promontrios, beira-mar ou prximas dos rios, por necessidade de defesa.
Nos sculos XVIII e XIX, as cidades foram implantadas em stios planos, revelando interesse da
ocupao interna.
O traado, ou a traa, em sua definio significa plano, esboo, projeto; o traado a
representao simblica dos mapas, que revelam, na definio utilizada por Celso Castro8, uma
concepo de cidade em determinado momento histrico.Os traados estavam ligados ao conceito de
cidade ideal do Renascimento. O esquema renascentista usava a forma radio-concntrica, mas sua
forma prendia-se vantagem do plano xadrez utilizado na cidade italiana de Sabioneta, em 1560. Os
critrios de racionalidade e geometrizao correspondiam a uma concepo cartesiana de ordenao
urbanstica.
Reis Filho concorda com Paulo Santos e admite que havia os traados irregulares que
sofreram posterior geometrizao, como o caso de ncleos que inicialmente foram instalados em
colinas e que foram ganhando espaos planos onde a rea de expanso adotou o traado regular ou
um plano em xadrez. Afirma ainda que os ncleos menores mais antigos instalavam-se no topo das
colinas, e possuam os seguintes aspectos: traado com caractersticas de irregularidade, ruas
adaptadas s condies da topografia, valorizao do stio por meio de praas dos pontos de interesse
comunitrio (Casa de Cmara e Cadeia, Igrejas e Conventos) ao modo da Grcia Antiga cujas
preocupaes concentravam-se nos locais de reunio. No entanto, no sculo XVII verifica-se entre os
centros menores a tendncia adoo de formas de traado relativamente regulares com forma de
xadrez, com o aproveitamento das possibilidades oferecidas pela escolha do stio plano em
decorrncia da reduo dos ataques.
Dentre os elementos do traado esto as ruas, as praas, as quadras e os lotes. As ruas
so meios de ligao, articulao entre monumentos. O arruamento possibilita a leitura das quadras e
os limites das edificaes e acessos de entrada e sada da cidade. O comportamento das ruas com
8 Castro ,Celso . in Do cosmgrafo ao satlite: mapas da cidade do Rio de Janeiro. CZAJKOWSKI, Jorge (Org.). . Rio de Janeiro:
Secretaria Municipal de Urbanismo. Centro de Arquitetura e Urbanismo, 2000. Exposio de jul/set/2000.
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relao ao eixo norte e sul determinante na nomenclatura das mesmas. As Ruas so elementos
bsicos do urbanismo
As praas constituam os pontos de ateno e focalizao urbanstica.Nelas eram
construdos os principais edifcios religiosos e pblicos e atividade de interesse comum. Manuel
Teixeira9 coloca a praa da cidade portuguesa, dentro da categoria de espaos que incluem praas,
largos, terreiros e campos como elementos estruturadores ou geradores dos traados urbanos, onde os
diferentes conceitos esto associados s suas morfologias e nas suas relaes com os outros
elementos da malha urbana compreendendo a praa como expresso da crescente racionalizao e
geometrizao dos traados urbanos portugueses.
Quadra e lotes - As quadras completamente edificadas compunham-se de uma linha
contnua de construes considerando o alinhamento das edificaes rua. O traado das ruas definia
as quadras, que eram subdivididas em lotes. A uniformidade dos terrenos correspondia
uniformidade dos partidos arquitetnicos.As construes: oficiais - Casa de Cmaras e Cadeia,
Palcio dos governadores; civis - sobrados e solares, moradas trreas; para fins militares - fortalezas,
portas, baluartes, muro; Religiosas - conventos, igrejas, passos. Acrescentaramos ainda as utilitrias:
fontes e chafarizes e cemitrios.
1.3 PRINCIPAL DEBATE: CIDADES PORTUGUESAS, PLANEJADAS OU ESPONTNEAS?
No estudo da formao das cidades brasileiras de origem portuguesas ,nos sculos XVII
e XVIII encontramos o debate sobre Ser ou no planejada, passando especialmente pela
interpretao feita por Sergio Buarque de Holanda, Roberta Marx Delson e Paulo Santos.
Para subsidiar esta discusso, foi-se buscar os estudos existentes sobre a formao das
cidades brasileiras, percebeu-se ento que essa questo comeou a se desenvolver a partir dos anos
30 e foi possvel depois que a Semana de Arte Moderna, em 1922, lanou as bases para um novo
entendimento da cultura, arte e arquitetura no Brasil. Houve, ento, uma efervescncia cultural que
gerou um momento de renovao na Historiografia Brasileira atravs dos seguintes autores:
Caio Prado Jnior, foi o primeiro a fazer uma analise marxista da economia colonial
brasileira; no livro Histria Econmica do Brasil, 1 edio de 1945, onde analisa em dois captulos a
expanso e o apogeu da colnia, contribuindo para o entendimento do sistema colonial fundado na
produo e exportao de matrias-primas, onde se encontra referencias sobre a importncia do
algodo no Maranho e em Alcntara.
9 A praas na cidade portuguesa disponvel em acessado em 18 maio. 2001 e 21.Nov.2001
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somente quando se torna mercadoria de grande importncia no mercado internacional que o algodo comea a aparecer, tornando-se mesmo uma das principais riquezas da colnia. Verifica-se a, mais uma vez, o papel que representa na economia brasileira a funo exportadora (Prado Junior, 1987, p.81).
Srgio Buarque de Holanda, influenciado pela sociologia de Max Weber, escreve em
1936 o livro Razes do Brasil, inaugurando a coleo de documentos brasileiros, dirigida por
Gilberto Freire. Afirmando que, para muitas naes conquistadoras, a construo de cidades foi o
mais decisivo instrumento de dominao que conheceram. (Holanda, p. 61). Ele centra sua hiptese
no sculo XVII na contraposio entre o rural e o urbano.
No clssico capitulo IV O semeador e o ladrilhador, ele estabelece uma comparao
entre a colonizao de espanhis e portugueses fazendo analogia ao portugus Semeador que criava
cidades espontneas ou com traado irregulares (comuns no sculo XVII) e o espanhol ladrilhador
que criava cidades como empresa da razo, contrariando a ordem natural e prevendo rigorosamente o
plano em xadrez ou Damero, num esforo de vencer e retificar a paisagem agreste onde as ruas no
se deixam modelar pela sinuosidade, mas pelo triunfo da linha reta. Em seu pargrafo polmico que
seria amplamente discutido e interpretado, ele afirma:
A cidade que os portugueses construram na Amrica no produto mental, no chega a
contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaa na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum mtodo, nenhuma previdncia, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra desleixo. (Holanda,1989, p .76)
Desse modo ele lana uma das idias fundadoras para anlise das cidades brasileiras,
que passa a revelar a dualidade: planejadas ou espontneas, regulares ou irregulares. Percebe-se a
influncia de sua obra em todos que pesquisaram sobre a formao das cidades nas dcadas de 60 e
70, como, por exemplo, a anlise de Pedro Alcntara sobre a cidade de Alcntara.
Esta construo teve interpretaes diferenciadas e foi refutada por Paulo Santos em
1968, no V Colquio Internacional de Estudos Luso-brasileiros, quando publicou o trabalho
Formao das cidades no Brasil colonial, reconhecendo as influncias medievais, revelando um
compromisso entre a Idade Mdia e o Renascimento nos traados das cidades.
Ele critica a afirmao de Buarque de que o aspecto predominante na cidade colonial a
desordem, questiona como difcil conciliar esse retrato com o fato dessas mesmas cidades terem
sido elevadas a Patrimnio Nacional Ouro Preto, So Joo Del Rei, Mariana, Tiradentes, Serro,
Gois Velho, Ouro Preto, Salvador, Alcntara etc.. Afirma que naquela aparente desordem existe
uma coerncia orgnica, uma correlao formal e uma unidade de esprito que lhe do genuinidade.
Genuinidade como expresso espontnea e sincera de todo um sistema de vida, e que tantas vezes falta cidade regular, traada em rgido tabuleiro de xadrez. (Santos, 2001, pg 18).
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A americana Roberta Delson10 expressa que a falta de planejamento no Brasil Colonial
na realidade um mito e questiona a afirmao de Srgio Buarque que diz que a cidade dos
portugueses no um produto mental em confronto com os estudos de Aroldo Azevedo, Paulo
Santos, Reis Filho, Tito Lvio e Manoel Ferreira. Centrada no sculo XVIII trabalha os conceitos do
traado e plano diretor barroco das praas, relacionando o compromisso de Portugal com o
Absolutismo e Iluminismo e os projetos de planejamento urbano decorrentes da legislao
determinante das cmaras na constituio das vilas e cidades do sculo XVIII.
Paulo Santos e Roberta Delson afirmam que existia uma inteno mental na construo
das cidades portuguesas no Brasil, o fato da organicidade do desenho da traa no significa desleixo
nem aleatoriedade. Roberta mais contundente, pois mostra que a construo das cidades no Brasil
foi um projeto do Marques de Pombal ,concretizado no sculo XVIII.No entanto, Buarque mostrava
que os portugueses respeitavam ordem natural e no impunham natureza o rigor do Dameiro
implantado sobre o terreno. De qualquer forma, o Semeador e o Ladrilhador11 exprimem apenas duas
possibilidades opostas, ser ou no planejado. Buarque difere de Santos e Delson em no considerar
outras possibilidades no planejamento.
Observa-se na anlise de Paulo Santos uma flexibilidade quando a admisso de traados
de formas inteiramente regulares, de relativa regularidade, que inicialmente foram irregulares e
depois adquiriram perfeita regularidade, refletindo os casos em estudo de Alcntara e o caso de
Mariana. No caso de Alcntara e Mariana, h espontaneidade e organicidade na implantao original
no sculo XVII e geometrizao do traado no sculo XVIII. Ambas partem da estrutura inicial da
implantao religiosa articulando um traado que lentamente tende a regularizao.
Pedro Alcntara considera Alcntara uma cidade de formao espontnea e seu estudo
demonstra a regularizao do traado no sculo XVIII. Damasceno afirma ser Mariana a fuso de
duas experincias urbansticas a do arraial espontneo do sculo XVII e a experincia reguladora do
engenheiro Alpoim, no sculo XVIII, refletindo em ambos os casos dois momentos do planejamento,
quando no existe e quando existe planejamento urbano.
Reis Filho 12 em Contribuio para um estudo da evoluo urbana do Brasil 1500 -
1720 concorda com Paulo Santos, considerando a formao das cidades brasileiras como fruto das
experincias europias, admite tambm que mesmo em ncleos menores espontneos a implantao
dos primeiros edifcios religiosa e civil atendia a regras, refletindo uma inteno prvia na formao
10 DELSON, Roberta. Marx. Novas vilas para o Brasil Colonial. [S.l.]: Editora Alva Ciord., 1997. O livro objeto de seu PHD
(philosophy doctor) em Estudos Latinos Americanos e Histria na Universidade de Colmbia. 11 HOLANDA, Srgio Buarque de. Razes do Brasil. 21. Ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1989.Cap semeador e o ladrilhador, 12 Reis Filho. Nestor Goulart, em 1964, defende a tese de livre-docncia na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Banca
composta por Srgio Buarque de Holanda e Paulo Santos (professor catedrtico da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil e conselheiro do IPHAN). Esse estudo publicado em 1968 foi reeditado em 2001.
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das vilas e cidades.Ressalta os aspectos da regularidade com que alguns elementos se repetem nas
cidades, identificando os elementos da formao dos ncleos urbanos coloniais compreendendo a
formao de uma rede urbana.Afirma que a regularidade dos traados estava, at o inicio do sculo
XVIII, quase ausente no Brasil. No entanto, casos como o de So Lus so excees devido
presena do Engenheiro-mor Frias de Mesquita. Na sua anlise, Alcntara se enquadra na
classificao dos ncleos menores instalados em colinas com traados de relativa regularidade e ruas
adaptadas topografia, cuja valorizao se d por meio de praas.
Reis Filho convergente com Paulo Santos em aceitar diferentes momentos no
planejamento urbano das cidades, entre ser ou no ser planejadas.
A discusso das origens do planejamento urbano brasileiro foi dinamizada pela
coletnea de estudos sobre o Universo Urbanstico Portugus (1415-1822)13 onde muitos conceitos
foram revisados a partir do acesso aos acervos dos arquivos portugueses ampliando o estudo da
histria do urbanismo portugus.Essas teorias sobre a formao das cidades ampliaram o
entendimento dos diferentes momentos de existncia ou no do planejamento urbano no contexto do
universo da expanso ultramarina da unio das Coroas que formaram a Monarquia Dual14 de
Portugal e Espanha no perodo compreendido entre 1580-1640 e suas posteriores influncias.
Esse contexto revela as intenes do colonizador portugus, que nos sculos XVI-XVII
empreendeu esforos destinados ocupao e fortificao do territrio com objetivo de defesa militar
contra a cobia de franceses e holandeses.At o final do XVI, a ocupao do territrio se limitava a
poucos ncleos de colonizao costeira favorecendo o isolamento e o vazio poltico que possibilitava
a cobia dos invasores.
Algumas vilas e cidades fundadas no sculo XVII, sem a presena de engenheiros
militares, apresentavam aspectos de espontaneidade na implantao das primeiras edificaes
religiosas, civis e militares. No entanto, seguiam regras determinadas pela Coroa portuguesa como a
escolha do stio e a implantao dos conjuntos religiosos e civis.
Contudo, no sculo XVIII a consolidao das cidades exigiu do planejamento urbano a
sistematizao dos traados para a expanso das cidades, impulsionadas pelo intenso movimento
comercial entre Portugal e o litoral brasileiro. Nesse momento, ruas e quadras envolvem os conjuntos
originais conformando um traado com regularidade.
Estes dois momentos ocorreram em diversas cidades brasileiras como Alcntara no
Maranho e Mariana em Minas Gerais, demonstrando a existncia de formas intermedirias do 13 Comisso Nacional para comemorao dos descobrimentos portugueses publicou a coletnea, em 1998, com autores portugueses e
brasileiros sobre o urbanismo colonial. 14 LOPES, Adriana. Franceses e tupinambs na costa do Brasil. SENAC, So Paulo, 2001. p. 135.
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planejamento com a percepo de que em momentos diferentes a cidade era espontnea ou regular.
Essa inquietao de encontrar alternativas e compreender a formao das cidades uma questo
ainda em aberto que justifica o estudo apronfundado da formao de cada cidade, no permitindo a
existncia de uma s posio: ser ou ser planejada e admitindo formas intermedirias do
planejamento.
1.4 O BARROCO NO BRASIL: O CASO DA CIDADE DE MARIANA EM MINAS GERAIS
1.4.1 O barroco como concepo de mundo e o urbanismo barroco
Entre os sculos XV e XVIII uma nova concepo de mundo comea a tomar conta da
Europa, um novo padro brotava de uma nova economia: o capitalismo mercantilista, e de uma nova
estrutura poltica, o despotismo e a oligarquia centralizada, personificada em um Estado Nacional
forte.At o sculo XVII essas mudanas eram confusas. De acordo com Munford (1998, p. 375) as
culturas humanas no morrem num dado momento: suas partes podem permanecer existindo depois
que o todo se desmancha; desta forma, a ordem medieval comeava a se desfazer.
O Renascimento foi uma fase intermediria, antes da organizao barroca, que contestou
o enclausuramento e a desordem que caracterizava a cidade da baixa Idade Mdia. Os urbanistas
abriram as muralhas a fim de construir em linha reta a praa retangular aberta, baseados nos
conceitos de amplido e clarificao geomtrica. A ordem renascentista transformou trechos das
cidades italianas em espaos abertos, cujos smbolos eram a linha horizontal, o arco redondo, as
colunas clssicas em fachadas bidimensionais.
To logo a ordem barroca se tornou absoluta a clarificao cedeu lugar a
arregimentao, a vastido vacuidade e grandeza grandiosidade.
Os valores estavam em transformao: a universalidade medieval foi substituda pela
uniformidade barroca, o localismo medieval pelo, centralismo barroco, e o absolutismo catlico pela
Estado Nacional. Vainfas15 (2000, pg 69) explica que, para compreender o Barroco necessrio
perceber a dimenso que exprime a conscincia aguda das contradies de uma ordem social em
transformao. Estavam em cheque o papel do indivduo face a comunidade, o papel do Estado em
formao face aos apelos religiosos gerando uma permanente tenso entre a materialidade das coisas
e a espiritualidade. A realeza, fruto das transformaes polticas e econmicas, necessitava de novos
espaos, novos bairros e at mesmo novas cidades para reis e prncipes; assim foram criadas as
cidades barrocas de Versalhes, Karlsruhe e Potsdam e os novos prolongamentos urbanos.Essas
15 VAINFAS, Ronaldo. Dicionrio do Brasil colonial. Objetiva. Rio de Janeiro. 2000 pg. 68-70.
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construes, de acordo com Munford (1998, p.382), reuniam elementos contraditrios na arte e na
arquitetura e exprimiam dois aspectos desse momento: o rigor geomtrico para os traados e a
sensualidade para a arte.
Na arte, pintura e escultura o lado sensual, rebelde, extravagante, anticlssico estava
expresso nas roupas, no fanatismo religioso e no estadismo.Na arquitetura e urbanismo o uso de
aspectos matemticos e abstratos estava expresso no rigoroso plano de ruas, nos traados urbanos
formais e nos desenhos geometricamente ordenados de jardins e paisagens e nos prolongamentos
urbanos.
Dentre os smbolos mais significativos estava a avenida. Na impossibilidade de planejar
toda a cidade no estilo barroco, novas avenidas ou novos bairros eram traados, com formas retas e
geomtricas, facilitando a movimentao. Os edifcios dispostos de forma regular com fachadas
simtricas serviam de cenrios para as avenidas, um campo de manobras, local de reunies de
expectadores para as evolues dos exrcitos. Lei, ordem e uniformidade eram produtos das cidades
barrocas; elas eram grandiosas, preocupavam-se com a arborizao das praas com os espaos de
monumentalidade.
As cidades barrocas eram grandiosas, preocupavam se com seus parques e vias
arborizadas, suas praas abertas ou cercadas com ruas retas e avenidas diagonais, mas
despreocupavam-se com a vizinhana como unidade integral e com a habitao familiar.
O apogeu do urbanismo clssico corresponde ao perodo entre os sculos XVII e XVIII.
Esse perodo, de acordo com Harouel (1990, pg. 61), essencialmente dominado pela influncia
francesa, que substituiu a italiana no decorrer do sculo XVII.
O ideal urbano reflete preocupaes de ordem prtica, de ordem esttica e poltica. Entre
as preocupaes de ordem prtica destaca-se o esforo do poder real para limitar o crescimento de
cidades como Paris, evitando o gigantismo urbano.Os imperativos de circulao exigem ruas largas e
retas, destinadas a colocar em comunicao direta os diferentes bairros e principais edifcios e as
exigncias com a salubridade, com a circulao do ar ,a higiene urbana e a infra estrutura bsica,os
quais esto muito presentes nas cidades no sculo XVIII.
Entre as preocupaes estticas esto o alinhamento das ruas, o traado urbano que deve
corresponder a uma figura regular, a regularidade das fachadas, originando um urbanismo de
decorao onde a cidade como um cenrio de teatro e a criao de praas, parques e jardins
estabelecendo o contato da cidade com a natureza criando belas paisagens de contemplao.O
urbanismo expressa tambm as aspiraes polticas atravs dos edifcios pblicos e das Praas
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Reais com esttuas do soberano; elas significavam a exaltao do poder monrquico e sero
difundidas por toda a Europa na segunda metade do sculo XVIII.
Em Roma, o Barroco se concretiza com o plano ordenador do Papa Sisto V no final do
sculo XVI, onde elaborada uma trama de largas vias retilneas permitindo a criao de novos
bairros e, principalmente, a comunicao entre os principais santurios romanos no sculo XVIII ,e a
concluso da Roma berniniana que consiste na ordenao das praas de Roma multiplicando o efeito
surpresa e tratando a cidade como uma decorao de teatro de maneira a sugerir uma amplitude
espacial.
Na Espanha, a Plaza Mayor, de acordo Harouel (1990, p. 91) uma praa programada
do sculo XVII, retangular e ladeada de casas com prticos, concebida, sobretudo para os
espetculos, touradas, autos de f, e cerimnias religiosas.
Em Lisboa, Portugal, aps o terremoto de 1755, que destruiu todo o centro da capital,
efetuada uma grande reconstruo sob as orientaes do ministro Pombal, onde uma srie de decretos
define a reconstruo como levantamento do parcelamento do solo antigo, nivelamento do sol nos
bairros afetados. Depois, ele manda preparar um plano urbanstico. Trata-se de um vasto
quadriculado possuindo uma hierarquia entre ruas onde as duas mais importantes tinham larguras de
20 metros ligando duas praas, a do Rossio praa do Comrcio.
As idias barrocas chegam tambm ao continente americano, trazida pelos portugueses e
espanhis. As cidades coloniais, desde o sculo XVI, traduzem as preocupaes dos soberanos
espanhis atravs de legislaes onde, dentre outras coisas foi estabelecido o plano da cidade
projetada. As ruas e praas deveriam ser traadas a corda e rgua, partindo do corao da futura
cidade, ou seja: da Plaza Mayor, qual deveria ser proporcional mdia da populao, levando-se
em conta seu crescimento e traduzindo-se uma disposio regular e geomtrica.
Em Portugal, a presena dos jesutas garantiu a introduo da esttica barroca, com a
igreja de So Roque de Lisboa. Tradicionalmente, considera-se a Igreja Del Ges (1568), em Roma,
como o primeiro exemplar e seus traos estavam associados a obras produzidas no Conclio de
Trento (1545-63), marco da Contra Reforma catlica. No entanto, a mais celebre realizao
urbanstica do sculo XVIII foi a reconstruo promovida pelo Marques de Pombal no centro da
capital, aps o terremoto de 1755. O plano dos arquitetos portugueses Santos e Mardel implantam
sobre a cidade medieval um traado regular e uma nova tipologia arquitetnica. Essa experincia
urbanstica e arquitetnica exerceu enorme influncia nas colnias portuguesas.
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No Brasil, de acordo com Correia, (1998, p. 145) no h um nico urbanismo barroco,
mas vrias formas, por vezes convergentes, de desenho urbano na poca barroca, 16 que ele associa
em duas grandes famlias de cidades. A primeira se reporta ao barroco romano, onde o efeito de
surpresa, com uso da perspectiva e da vivencialidade teatralizada, e a segunda so as cidades que se
aproximam das formas das cidades ideais do Renascimento, com seus modelos nas cidades -
fortalezas da Europa ou nas cidades de expanso urbana no Novo Mundo, na qual se integra a Escola
do Urbanismo Portugus.
Esse tipo de cidade chega ao Novo Mundo pelas mos dos arquitetos e engenheiros
militares encarregados de projetar e construir fortalezas, herdeiras formais das cidades ideais. o
caso de So Luis, projetada pelo Engenheiro Frias de Mesquita.
Reis Filho (1998, p. 473) afirma que os conjuntos urbanos constituem um dos aspectos
mais interessantes do urbanismo barroco. Trata-se de conjuntos de edifcios, destinado a comercio e
residncia, obedecendo a um projeto comum que, se tomado isoladamente, tem relativa importncia,
mas, no conjunto, adquire uma monumentalidade tanto em termos arquitetnicos como em termos
urbansticos. Considera ainda que um dos exemplos mais sofisticados constitudo pelos edifcios da
praa principal da Vila de Alcntara, no Maranho, sem as dimenses avantajadas de outros
exemplos. Os edifcios que envolvem aquela Praa obedecem a normas de relacionamento entre si,
de extrema elegncia.
Em Minas Gerais, o Brasil levou o refinamento Barroco Rococ mais longe que
Portugal, graas ao gnio de Antnio Francisco Lisboa, (1738-1814) conhecido como O
Aleijadinho.Os territrios ultramarinos, de acordo com Bazin (1993, pg. 237), sob dominao
espanhola e portuguesa no se limitaram a repetir frmulas importadas das respectivas metrpoles,
mas, sim, interpret-las com maior e ou menor nfase. Centros artsticos independentes formaram-se
nas colnias, inventando formas originais que s vezes superavam a me ptria em sua elaborao
das possibilidades do Barroco.
1.4.2 Mariana: cidade espontnea ou planejada
Contextualizando o momento do Barroco no Brasil partiu-se para identificao de uma
cidade que apresentasse alguma similaridade com Alcntara para estabelecer-se um dialogo. A
cidade escolhida foi Mariana em Minas Gerais. As razes da escolha foram especialmente
influenciadas pelo trabalho de pesquisa da arquiteta Cludia Damasceno Fonseca e suas concluses 16 CORREIA, Jos Eduardo. Urbanismo da poca Barroca em Portugal. In Coletnea de Estudos do Universo Urbanstico Portugus 1415-
1822. Lisboa, 1998. Pg. 145-153.
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sobre a questo da existncia ou no do planejamento urbano nos diferentes momentos das formao
da cidade de Mariana . Sua abordagem foi fundamental a construo da argumentao sobre a
existncia ou no de planejamento em Alcntara
Procedemos a um estudo sobre a configurao urbanstica a partir da pesquisa de
doutorado de Cludia Damasceno Fonseca17, que afirma que o caso da cidade mineira de Mariana
atpico apesar de ser considerado o caso mais documentado e exemplo mais visvel de interveno
regularizadora em Minas. Ao contrrio do que afirma a historiografia mineira, a sua conformao
regular no deve ser associada exclusivamente a suposta interveno do engenheiro militar Alpoim,
uma vez que a escolha do stio, a definio do traado das ruas e determinao do local para
construo dos novos edifcios pblicos da cidade foram objeto de vrios documentos trocados entre
D. Joo V e as diversas autoridade da Capitania de Minas.
Em sua pesquisa, a autora ressalta as origens espontneas da cidade de Mariana no
sculo XVII, como arraial religioso de Nossa Senhoras do Carmo, mesma ordem implantada desde
as origens de Alcntara, demonstrando as caractersticas urbanas de crescimento em torno dos largos
religiosos no primeiro momento e no segundo momento o planejamento urbano materializado no
traado do sculo XVIII.
A autora destaca ainda a escolha do stio prxima de um rio, a existncia do terreiro que
concentrava funes pblicas como a Praa da Matriz com Pelourinho, Casa de Cmara e Cadeia. Tal
caracterstica observada em Alcntara e nas duas vilas h exemplares originais da arquitetura civil
e pblica que possibilitam uma comparao hoje dos elementos (Casa de Cmara e Cadeia e Aljube,
ou sobrado).
O arraial religioso do Carmo foi implantado espontaneamente em 1693. O rio, ao longo
do qual a igreja do Carmo havia sido construda, transbordou, inundando toda a Vila. Contudo,
afirma Delson (1997, p. 36-39), a destruio redundou em proveito para a Coroa, pois os
administradores aproveitaram a catstrofe para requerer a reconstruo da vila em terreno mais
elevado. Surgiu ento a oportunidade de corrigir equvocos urbansticos e construir uma bela sede
para a recm-criada diocese de Minas, e dessa forma Mariana seria elevada categoria de cidade.
O projeto foi feito pelo coordenador da aula de fortificao e artilharia do Rio, Jos
Francisco Pinto Alpoim . O local escolhido foi do outro lado do rio. Nessa rea foram construdas a
Casa de Cmara e Cadeia e o Palcio Diocesano. A Vila de Ribeiro de Nossa Senhora do Carmo foi
fundada em 1711, pelo Governador da Capitania de So Paulo e Minas de Ouro, Antnio Coelho de
Carvalho. O traado apresentava irregularidade, comum em aglomeraes nascidas dos primitivos
arraiais de miner