universidade federal de pernambuco …...meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. visito os...

117
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Camila Laurentino Lopes A MORALIDADE ADMINISTRATIVA NO CONTEXTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO: desencontros da doutrina administrativista e da jurisprudência do STF DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Recife 2017

Upload: others

Post on 03-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Camila Laurentino Lopes

A MORALIDADE ADMINISTRATIVA NO CONTEXTO DEMOCRÁTICO

BRASILEIRO: desencontros da doutrina administrativista e da jurisprudência do STF

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Recife

2017

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

Camila Laurentino Lopes

A moralidade administrativa no contexto democrático brasileiro: desencontros da

doutrina administrativista e da jurisprudência do STF

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências

Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito

final para obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito

Linha de pesquisa: Estado, Constitucionalização e

Direitos Humanos / Direitos Humanos, Sociedade e

Democracia

Orientador: Prof. Dr. João Paulo Fernandes de Souza

Allain Teixeira

Recife

2017

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

Catalogação na fonte

Bibliotecário Wagner Carvalho CRB/4-1744

L864m Lopes, Camila Laurentino A moralidade administrativa no contexto democrático brasileiro: desencontros da doutrina administrativista e da jurisprudência do STF. – Recife: O Autor, 2017. 115f.

Orientador: Profº. Drº. João Paulo Allain Teixeira.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, Recife, 2017. Inclui referências.

1. Direito Administrativo - Brasil. 2. Ciência política – Brasil. 3. Pós-

positivismo filosófico. 4. Brasil. Supremo Tribunal Federal. 5. Democracia - Brasil. I. Teixeira, João Paulo Allain (Orientador). II. Título.

342.8106 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2017-33)

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

Camila Laurentino Lopes

A MORALIDADE ADMINISTRATIVA NO CONTEXTO DEMOCRÁTICO

BRASILEIRO: desencontros da doutrina administrativista e da jurisprudência do STF

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito

do Recife / Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco, como

requisito para obtenção do grau de Mestre em Direito. Área de concentração: Teoria e

Dogmática do Direito. Orientador: Prof. Dr. João Paulo Fernandes de Souza Allain Texeira.

A banca examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro,

submeteu a candidata à defesa, em nível de Mestrado, e a julgou no seguintes termos:

MENÇÃO GERAL: ____________________________

Professor Dr. João Paulo Fernandes de Souza Allain Teixeira (Presidente)

Assinatura: ______________________________________________

Professor Dr. José Luciano Gois de Oliveira (1º Examinador: Externo/UNICAP)

Julgamento: _____________________________ Assinatura:_________________________

Professor Dr. Artur Stamford da Silva (2º Examinador: Interno/UFPE)

Julgamento: _____________________________ Assinatura:_________________________

Professor Dr. Alexandre Ronaldo da Maia de Farias (3º Examinador: Interno/UFPE)

Julgamento: _____________________________ Assinatura:_________________________

______________, ___ de _________ de _______.

Coordenadora Profª. Drª. Juliana Teixeira Esteves

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

Aos que têm fome e sede de justiça.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

AGRADECIMENTOS

Ao Deus de todo o entendimento, pela oportunidade de qualificar-me em busca de

melhor servi-Lo no mundo profissional;

A Luis, Rosilene, Flaviana e Tarcísio, por serem a firmeza da minha raiz, quando

os ventos do mundo sopram meus galhos em tantas direções;

A Thomas, pela sublime realização de ser comigo, em cada momento, dos

gráficos e formatações deste trabalho aos contornos e formas que o Amor nos traçar;

A Luiz Carlos e à Comunidade Lumen, pelo aprendizado de ofertar esforços por

algo muito além de mim mesma;

A Vitória, por compartilhar pacientemente suas descobertas, recursos e etapas de

construção de um mesmo projeto acadêmico e de vida;

A Artur Stamford, pela disponibilidade e atenção gratuitas para com este

trabalho.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

“Este é tempo de partido,

tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,

viajamos e nos colorimos.

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.

Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.

As leis não bastam. Os lírios não nascem

da lei. Meu nome é túmulo, e escreve-se

na pedra.

Visito os fatos, não te encontro.

Onde te ocultas, precária síntese,

penhor de meu sono, luz

dormindo acesa na varanda?

Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo

sobe ao ombro para contar-me

a cidade dos homens completos.

Calo-me, espero, decifro.

As coisas talvez melhorem.

São tão fortes as coisas!”

(Carlos Drummond de Andrade)

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

RESUMO

Os desencontros na delimitação de sentido do princípio da moralidade administrativa, tanto

entre os administrativistas e diplomas legais que tratam do tema, quanto na jurisprudência

recente do Supremo Tribunal Federal, formam a tônica do presente trabalho. Inicialmente,

contextualizou-se o tema no âmbito do pós-positivismo filosófico de resgate de cargas

valorativas, da crise do liberalismo econômico na crítica à busca do autointeresse e da crise

ética e democrática da esfera pública brasileira, motivada pelos recentes escândalos de

corrupção no país. Em seguida, usando a metodologia da pesquisa bibliográfica, abordou-se a

origem sistematizada da moralidade administrativa, que remonta ao controle dos desvios do

poder na seara do direito francês, e as controvérsias doutrinárias na recepção desse instituto

no Brasil, onde se firmou como contraponto à legalidade formal dos atos administrativos, sob

a feição de conceito jurídico indeterminado. Depois da menção aos dispositivos

constitucionais e diplomas legais que regulamentam esse instituto, realizou-se uma pesquisa

empírica de dados dos acórdãos do STF que citam expressamente a moralidade

administrativa, entre os anos de 2012 a 2016, buscando analisar se também a jurisprudência

da Suprema Corte espelhou a fluidez conceitual observada na doutrina e na legislação pátrias

que versam sobre o tema.

Palavras-chave: Moralidade administrativa. Democracia. Doutrina. Jurisprudência do STF.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

ABSTRACT

Disagreements towards the delimitation of meaning of the administrative morality principle,

both among the Administrative Law writers and laws concerning the subject, and in the recent

jurisprudence of the Federal Supreme Court, are the focus of this work. Initially, the topic was

contextualized in the scope of the philosophical post-positivism of values rescue, from the

crisis of economic liberalism in the critique of the search for self-interest and the ethical and

democratic crisis of the Brazilian public sphere, motivated by the recent corruption scandals

in this country. Then, using the methodology of the bibliographical research, we approached

the systematized origins of administrative morality, which goes back to the control of power

deviations in French law, and the legal doctrine controversies in the reception of this institute

in Brazil, where it was firmed as a counterpoint to the formal legality of administrative acts,

in terms of an indeterminate legal concept. After mentioning the constitutional articles and

legal acts that regulate this institute, there was an empirical research of data of the Supreme

Court judgments that explicitly cite the administrative morality between the years of 2012 to

2016, seeking to analyze if also the jurisprudence of the Brazilian Supreme Court mirrored the

conceptual fluidity observed in the legal doctrine and laws that deal with the subject.

Key words: Administrative morality. Democracy. Doctrine. Supreme Court Jurisprudence.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC – Ação Direta de Constitucionalidade

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

AgR – Agravo Regimental

AI – Agravo de Instrumento

AP – Ação Penal

ARE – Recurso Extraordinário com Agravo

CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CPC – Código de Processo Civil

HC – Habeas Corpus

Inq – Inquérito

MS – Mandado de Segurança

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

PJe – Processo Judicial Eletrônico

Rcl – Reclamação

RDA – Revista de Direito Administrativo

RE – Recurso Extraordinário

RHC – Recurso Ordinário em Habeas Corpus

RMS – Recurso em Mandado de Segurança

SL – Suspensão de Liminar

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STM – Superior Tribunal Militar

TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo

TSE – Tribunal Superior Eleitoral

TST – Tribunal Superior do Trabalho

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11

1 O CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DO ESTADO SOCIAL

DEMOCRÁTICO: AMBIENTANDO A DISCUSSÃO SOBRE A MORALIDADE

ADMINISTRATIVA ................................................................................................ 16

1.1 DA FILOSOFIA PÓS-POSITIVISTA DO DIREITO ÀS TEORIAS POLÍTICAS

DEMOCRÁTICAS ..................................................................................................... 16

1.2 O ASPECTO MORAL DA BUSCA DO INTERESSE COLETIVO NA CRÍTICA AO

LIBERALISMO POLÍTICO-ECONÔMICO .............................................................. 20

1.3 A CORRUPÇÃO DA ESFERA PÚBLICA BRASILEIRA .......................................... 24

2 MORALIDADE ADMINISTRATIVA: UMA CONTROVÉRSIA BRASILEIRA 30

2.1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA IDEIA DE MORALIDADE

ADMINISTRATIVA .................................................................................................. 30

2.1.1 França: o berço da sistematização ................................................................................ 30

2.1.2 Desenvolvimentos em outros sistemas jurídicos: Itália, Espanha e Portugal ................. 36

2.2 A RELEITURA BRASILEIRA DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA ............... 40

2.2.1 Primeiras menções....................................................................................................... 40

2.2.2 Tentativas dispersas de situar e conceituar a moralidade do ato administrativo ............ 42

2.2.3 Moralidade X Legalidade ............................................................................................ 47

2.2.4 Moralidade administrativa X Moralidade comum ........................................................ 50

2.3 A PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA NA

FORMA DE PRINCÍPIO ............................................................................................ 52

2.3.1 Uma relevância sem precedentes ................................................................................. 52

2.3.2 O princípio constitucional da moralidade administrativa: conceito indeterminado ou

discricionário? ............................................................................................................ 54

2.3.3 As diferentes feições da moralidade administrativa na Constituição Cidadã e as lacunas

de sentido nos diplomas legais que regulamentam a matéria........................................ 57

2.3.4 O desencontro de sentidos espelhado na jurisprudência ............................................... 62

3. ANÁLISE DE ACÓRDÃOS: UMA PESQUISA EMPÍRICA DA MORALIDADE

ADMINISTRATIVA NA JURISPRUDÊNCIA RECENTE DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL ............................................................................................ 68

3.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A PESQUISA EMPÍRICA EM DIREITO E A

ANÁLISE DE ACÓRDÃOS ....................................................................................... 68

3.1.1 A pesquisa empírica como superação do paradigma idealista da doutrina jurídica........ 68

3.1.2 O “mundo dos fatos” do direito: o Poder Judiciário e seus acórdãos ............................ 69

3.1.3 Características da pesquisa de acórdãos judiciais ......................................................... 72

3.2 DESENHANDO A PESQUISA: PROBLEMÁTICA, HIPÓTESE E VERIFICAÇÃO 75

3.2.1 Esclarecendo a problemática e formulando a hipótese a ser testada .............................. 75

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

3.2.2 Elegendo os meios e métodos de verificação da hipótese ............................................. 80

3.3 RESULTADOS E CONCLUSÕES DA PESQUISA: MEDIANDO CERTEZAS E

INCERTEZAS EM INFERÊNCIAS DESCRITIVAS QUANTO À MORALIDADE

ADMINISTRATIVA .................................................................................................. 85

3.3.1 Resultados da pergunta n.º 1: Qual a data de julgamento? ............................................ 86

3.3.2 Resultados da pergunta n.º 2: Quantas vezes a moralidade é citada? ............................ 87

3.3.3 Resultados da pergunta n.º 3: Quantas vezes a moralidade é referida junto a outros

princípios ou valores? Quais e por quantas vezes cada um? ......................................... 88

3.3.4 Resultados da pergunta n.º 4: A moralidade é referida como princípio central na questão

de fato sob exame? Se sim, ele foi considerado observado ou violado? ....................... 91

3.3.5 Resultados da pergunta n.º 5: Houve algum balizamento do conceito de moralidade? Se

sim, por mera afirmação, doutrina ou precedente judicial? .......................................... 91

3.3.7 Analisando os resultados da pesquisa através de inferências ........................................ 92

3.3.8 Posicionar-se é encarar o desafio: o exemplo do ministro Teori Zavascki .................... 95

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: TRAÇANDO LINHAS PARA UM POSSÍVEL

BALIZAMENTO DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA . 100

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 105

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

11

INTRODUÇÃO

O tema da moralidade administrativa encontra-se em plena discussão no cenário

sociopolítico brasileiro, especialmente diante dos recentes e alarmantes casos de corrupção

dos agentes públicos nacionais. O escândalo do Mensalão1 somado, recentemente, às

investigações, acusações e condenações no bojo da Operação Lava Jato2, vem levando a

opinião pública a um cansado descrédito na probidade das instituições públicas nacionais e

dos agentes administrativos e políticos, que frequentemente as movem em prol de seus

interesses particulares, deixando o bem público em segundo (ou último) plano.

Nesse cenário, volta a ganhar força o clamor social pela moralização do Poder

Público, pelo exercício do chamado direito à boa administração pública, que alberga a

faculdade de exigir uma administração: transparente (com especial resguardo do direito à

informação), dialógica (com as garantias do contraditório e da ampla defesa), imparcial (que

não pratica nem estimula discriminação negativa, mas promove discriminações inversas ou

positivas, redutoras das desigualdades injustas), proba (na vedação de condutas éticas não-

1 O Supremo Tribunal Federal concluiu que o “Mensalão” foi um esquema ilegal de financiamento político

organizado pelo PT para corromper parlamentares e garantir apoio ao governo Lula no Congresso em 2003 e

2004, logo após a chegada do partido ao poder. Esse esquema possuía três núcleos: o político, chefiado pelo

então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e formado por outros três dirigentes partidários que integravam a

cúpula do PT; o operacional, encabeçado pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, dono de agências

de publicidade que tinham contratos com o governo federal, condenado por usar suas empresas para desviar

recursos dos cofres públicos para os políticos indicados pelos petistas; e o financeiro, alimentado pelo Banco

Rural através de empréstimos fraudulentos, permitindo que os políticos sacassem o dinheiro sem se identificar e

transferissem parte dos recursos para o exterior. Os participantes desse esquema foram acusados de sete crimes:

formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e

gestão fraudulenta. [FONTE:

<http://www1.folha.uol.com.br/especial/2012/ojulgamentodomensalao/ojulgamento/> Acesso em 31 jul. 2015.] 2 “A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-

se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de

reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que

envolve a companhia. (...)

Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina

para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante

total de contratos bilionários superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do esquema, incluindo doleiros investigados na primeira etapa. (...)

Essa repartição política revelou-se mais evidente em relação às seguintes diretorias: de Abastecimento, ocupada

por Paulo Roberto Costa entre 2004 e 2012, de indicação do PP, com posterior apoio do PMDB; de Serviços,

ocupada por Renato Duque entre 2003 e 2012, de indicação do PT; e Internacional, ocupada por Nestor Cerveró

entre 2003 e 2008, de indicação do PMDB. Para o PGR, esses grupos políticos agiam em associação criminosa,

de forma estável, com comunhão de esforços e unidade de desígnios para praticar diversos crimes, dentre os

quais corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Fernando Baiano e João Vacari Neto atuavam no esquema

criminoso como operadores financeiros, em nome de integrantes do PMDB e do PT.” [FONTE:

<http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso> Acesso em 31 jul. 2015.]

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

12

universalizáveis), além de preventiva, precavida e eficaz (comprometida com resultados e em

sintonia com os objetivos fundamentais do Estado Democrático). (FREITAS in JORGE et al,

2010, p. 355)

O desencanto da população com a moralidade de seus representantes e

administradores faz com que o direito a um Estado dirigido por administradores íntegros,

legisladores probos e juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com respeito

aos postulados ético-jurídicos, num exercício legítimo da atividade pública em terras

brasileiras, mais pareça uma utopia. Assim, permanece longe de concretização o direito a um

governo honesto, a uma administração legal, impessoal, moral e eficiente, cujos atos sejam

públicos e permitam a qualquer pessoa contestar aquilo que considera prejudicial ao seu

interesse ou ao interesse público (DAL BOSCO, 2004, p. 78).

Atualmente, portanto, o estudo da moralidade administrativa ganha contornos

urgentes e imprescindíveis ao enfrentamento da crise ético-política que atinge a

Administração Pública brasileira. Trata-se de uma matéria de dimensão teórica controversa e

de grande repercussão prática, sendo um dos mais relevantes vetores normativos que formam

o ordenamento jurídico brasileiro. Assim, não se pode considerá-la uma simples abstração,

mas uma questão de senso político, de regime de liberdades públicas e de direitos

consubstanciados em leis. (FRANCO SOBRINHO, 1993, p. 21)

De fato, o direito positivo está repleto de normas que se utilizam de conceitos

jurídicos indeterminados, retirados do mundo da cultura e dos valores ético-morais, os quais

não podem ser desprezados pelo intérprete que deseje fixar o sentido e o alcance dessas

normas. (CAMMAROSANO, 2006, p. 37)

Por um lado, os indivíduos são livres para se determinarem e relacionarem

segundo os valores e preceitos morais que mais lhes apeteçam, abrindo a possibilidade para

uma infinidade de comportamentos baseados nos mais diversos sistemas morais, cada qual

segundo as práticas culturais de um povo ou grupo de interesse. Porém, é inegável, de outro

lado, que a positivação da moralidade dentro de um ordenamento jurídico, ainda que sem um

conteúdo determinado, aponta para a consagração de certos valores morais específicos, os

quais devem guardar consonância com as demais regras e princípios desse mesmo

ordenamento. Isso sem deixar de remeter aos valores morais que permanecem em voga na

sociedade para além do direito, tal qual vem sendo recentemente resgatado pela filosofia do

direito e a teoria política democrática.

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

13

Nos ordenamentos jurídicos, a consagração do respeito à moralidade estabelece

uma conexão entre as esferas da política, da economia, da moral e do direito. Quiçá por essa

razão, a moralidade ganhou um destaque sem precedentes na Constituição Cidadã, a partir de

sua nomeação expressa: como princípio constitucional, no art. 37, caput; como direito

fundamental, no art. 5º, LXXIII; e como requisito de elegibilidade, no art. 14, §9º. Tal

previsão está em consonância com o paradigma seguido por nossa carta constitucional: o do

Estado Democrático e Social de Direito e das chamadas Constituições Programáticas ou

Dirigentes, voltadas à implementação de políticas públicas e à efetivação dos direitos

fundamentais, buscando o resgate da utilização de cargas valorativas dentro dos âmbitos de

aplicação e interpretação jurídica.

Contudo, a efetividade desse instituto não supõe apenas seu reconhecimento como

direito fundamental e critério de conduta a ser seguido pelo cidadão comum e pelo gestor

público, em consonância com o conteúdo axiológico da constituição, mas a reflexão sobre os

contextos filosófico, político e econômico nos quais esse princípio se realiza, compreendendo

sua dimensão ideológica e concebendo sua expressão prática. Caso contrário, corre-se o risco

de cair num discurso vazio de moralização da Administração Pública, manipulável pelos

detentores do poder e atentatório ao Estado Democrático de Direito, não sendo raros os

exemplos de ditaduras que se instalam sob o discurso de moralização das práticas

governamentais.

A relação íntima entre Moralidade Administrativa, que alcança indubitavelmente a

atuação parlamentar, e o princípio democrático é inegável, já que a efetivação deste

implica necessariamente a fidelidade política da atuação dos representantes

populares, como bem assinala Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Mais do que isso,

a confiança depositada pela sociedade em sua classe governante é elemento indeclinável da consecução da segurança jurídica erigida como um dos fundamentos

da República. (MARTINS, 2012, p. 150-151)

Nessa senda, o objetivo geral deste trabalho consistiu na investigação dos

(desencontrados) caminhos percorridos pela doutrina, legislação e jurisprudência brasileiras

quanto à exegese do princípio constitucional da moralidade, isto é, sua construção de sentido,

a partir do paradigma do regime democrático de governo, suportado pelo desenvolvimento de

uma filosofia pós-positivista e pelas críticas ao liberalismo político-econômico, e culminando

numa análise de acórdãos do Supremo Tribunal Federal (STF) que mencionaram a moralidade

administrativa nos anos de 2012 a 2016.

Como objetivos específicos, propomos, inicialmente, a contextualização da

temática da moralidade administrativa dentro da filosofia pós-positivista e das teorias políticas

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

14

democráticas, bem como da crítica ao pensamento econômico liberal diante da primazia da

busca do interesse público num paradigma de Estado Social Democrático. Prosseguindo a

ambientação das discussões sobre a moralidade administrativa, refletimos sobre a

problemática da corrupção na esfera pública brasileira, expondo um breve diagnóstico das

bases patrimonialistas da construção da sociedade brasileira e dos avanços recentes no

fortalecimento de uma consciência cidadã por parte dos brasileiros.

No segundo capítulo, debruçamo-nos sobre o instituto da moralidade

administrativa, desde a sua origem e desenvolvimento, da França até o Brasil, identificando

suas controvérsias no âmbito da doutrina, além de detalhar os diversos aspectos

constitucionais e legais que circunscrevem a aplicação desse princípio. Antecipando o

provável reflexo da fluidez conceitual observada na doutrina e na legislação, destacamos

algumas decisões da Suprema Corte, além do acórdão referente à Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) nº 3026/DF, em cujo julgamento os ministros divergem sobre o

sentido da moralidade frente ao conteúdo de outros princípios caros à Administração Pública.

Por fim, procedemos a uma pesquisa empírica no âmbito jurisprudencial,

identificando todos os acórdãos do Supremo Tribunal Federal, entre os anos de 2012 e 2016,

que fizeram referência expressa à moralidade administrativa, e relevando os aspectos

quantitativos da análise do conteúdo de cada acórdão, a partir das seguintes: 1) Qual a data de

julgamento?; 2) Quantas vezes a moralidade é citada?; 3) Quantas vezes a moralidade é

referida junto a outros princípios ou valores? Quais e por quantas vezes cada um?; 4) A

moralidade é referida como princípio central na questão de fato sob exame? Se sim, ele foi

considerado observado ou violado?; 5) Houve algum balizamento do conceito de moralidade?

Se sim, por mera afirmação, doutrina ou precedente judicial?

O objetivo da investigação empírica supradescrita foi constatar se a

indeterminação conceitual que se observou nas referências à moralidade administrativa no

âmbito da doutrina e legislação pátrias espelhava-se na jurisprudência cotidiana do mais alto

tribunal do país.

A metodologia utilizada neste trabalho foi, inicialmente, a pesquisa bibliográfica

das diferentes doutrinas administrativistas sobre o tema e um aporte documental da legislação

brasileira, seguida pela pesquisa empírica de acórdãos judiciais. Num primeiro momento, a

pesquisa bibliográfica levou ao aprofundamento teórico sobre a contextualização do tema

central do trabalho, nas esferas jusfilosófica, econômica, sociopolítica e jurídico-

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

15

constitucional contemporâneas. Em seguida, procedeu a uma minuciosa análise doutrinária

sobre o surgimento da moralidade administrativa no cenário jurídico, sua finalidade e seu

desenvolvimento histórico na França e em outros países europeus até a sua recepção no

direito brasileiro, seguida de uma investigação sobre as diversas tentativas de caracterização

desse instituto pelos doutrinadores brasileiros.

Em continuação, realizou-se um aporte documental na identificação e comentário

dos dispositivos constitucionais e diplomas legais pátrios que preveem a moralidade

administrativa e no destaque de alguns julgados do Supremo Tribunal sobre a matéria e suas

divergências. Por fim, procedeu-se a uma pesquisa empírica de todos os acórdãos do Supremo

Tribunal Federal que mencionaram a moralidade administrativa, entre os anos de 2012 e

2016, a partir de pesquisa no banco de dados disponível no sítio eletrônico da corte, seguida

pela crítica desses resultados. A pesquisa foi do tipo estudo de casos cruzados, com a exceção

de um acórdão em especial, o RE 405386/RJ, julgado em 26/02/2013, que pelo foco dado à

moralidade administrativa, especialmente no voto do ministro Teori Zavascki, mereceu uma

análise mais aprofundada.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

16

1 O CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DO ESTADO SOCIAL

DEMOCRÁTICO: AMBIENTANDO A DISCUSSÃO SOBRE A MORALIDADE

ADMINISTRATIVA

1.1 DA FILOSOFIA PÓS-POSITIVISTA DO DIREITO ÀS TEORIAS POLÍTICAS

DEMOCRÁTICAS

De acordo com a filósofa italiana Carla Faralli, a partir dos anos 1960, surgiram

novas correntes jusfilosóficas, fruto de correções, especificações ou crises das escolas de

pensamento anteriores. A autora agrupa essas novas correntes em cinco linhas de pesquisa: 1)

retorno aos valores ético-políticos; 2) institucionalismos e realismos jurídicos; 3) raciocínio

jurídico; 4) lógica jurídica; e 5) novas fronteiras técnico-científicas. A primeira linha, que

interessa particularmente a este trabalho, é dedicada ao retorno do valor ético-político ao

debate jusfilófico e à renovada aplicação dessa perspectiva às constituições democráticas,

remetendo a uma crise do positivismo jurídico. (LOSANO In FARALLI, 2006, p. X-XI)

Faralli observa que o juspositivismo encontrava suporte em duas teses: a da

teorização dos cientistas sociais do final do século XIX, sustentando a impossibilidade

estrutural de encontrar critérios de juízo moral para fundamentar decisões no campo do direito

e da política, e a da filosofia analítica, mais característica da primeira metade do século XX,

que desenvolveu uma metaética não cognitivista dos valores, afirmando a impossibilidade de

conhecê-los objetivamente. Para a autora, o debate contemporâneo questionou ambas as teses,

determinando, de um lado, a abertura da filosofia do direito ao mundo dos valores ético-

políticos, e, de outro, essa mesma abertura ao mundo dos fatos, integrando as duas primeiras

novas linhas de pesquisa supracitadas. (FARALLI, 2006, p. 3)

No centro desse debate contemporâneo encontra-se a Teoria dos Princípios de

Robert Alexy, segundo a qual os princípios são mandados de otimização, gerais e abstratos, os

quais interagem entre si por meio da ponderação justificada pelo razoável. Eles concentram

relevante grau de imperatividade, impondo obrigatoriamente a conformação das ações, atos e

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

17

condutas ao respectivo comando normativo, característica que lhe é própria. Suas

semelhanças e diferenças no tocante às regras foram explanadas in verbis:

“Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser.

Ambos podem ser formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da

permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos

concretos do dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção dentre duas espécies de norma”

(ALEXY, 2008, p. 87).

“O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas

que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das

possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte,

mandamentos de otimização que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em

graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende

somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas”.

(ALEXY, 2008, p. 90)

A abertura do debate filosófico e jurídico hodierno aos valores ético-políticos

trouxe, como um de seus mais importantes resultados, as chamadas teorias constitucionalistas

ou neoconstitucionalistas, que reconhecem o aumento da complexidade da estrutura

normativa dos sistemas constitucionais contemporâneos, com introdução dos princípios e a

sua diferenciação das regras. Essas teorias seguem três aspectos principais: a consideração de

que a moral não pode ser resumida ao direito válido, mas deve passar pelo processo de

inclusão no direito, através dos princípios e dos direitos fundamentais dos indivíduos; o

destaque aos processos de aplicação do direito, em particular, a atuação do Judiciário, para

sua determinação no interior dos sistemas constitucionais; e, por fim, a vinculação do

legislador aos princípios e aos direitos constitucionais e sua execução pelos juízes, ainda que

em contraste com a lei. (FARALLI, 2006, p. 12)

O reconhecimento da formação ética e moral coletiva é consubstanciado

justamente no regime democrático, de modo que um dos grandes méritos da filosofia política

e do direito contemporâneo foi resgatar a visão positiva sobre a democracia, pois, até os anos

1980, por influência do marxismo e do estruturalismo, a democracia fora considerada

asseguradora de uma mera liberdade formal, que ocultava a história de exploração e alienação

das classes menos favorecidas. Era a chamada democracia liberal, uma democracia “de baixa

intensidade”.

Sociólogo contemporâneo de grande expressão na temática da democracia,

Boaventura de Sousa Santos tece importantes reflexões críticas à sociedade hodierna,

propondo um modelo contra-hegemônico de defesa dos direitos humanos e sociais e

anunciando uma degeneração das práticas democráticas nos sistemas políticos dominados

pela lógica capitalista globalizada neoliberal e fomentados pela mídia oligopolizada.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

18

Nesse sentido crítico dos rumos atuais da democracia, Boaventura defende que, à

parte as exclusões sociais gestadas e ampliadas no bojo de uma vivência democrática

meramente formalista, a democracia liberal caracterizou-se, sob a influência norte-americana,

por campanhas eleitorais midiáticas, partidos cada vez menos diferenciados, financiamentos

milionários e substituição das ruas e praças pela privacidade das casas, numa ideologia que

buscava identificar o cidadão com o consumidor e o processo eleitoral com o mercado. A

formação da opinião pública é feita cada vez mais pela ação dos grandes meios de

comunicação, cada vez mais condicionados por critérios comerciais de busca de audiência e

de publicidade. (SANTOS, 2005, p. 653)

O catedrático português afirma que o debate sobre a democracia, ao longo do

século XX, especialmente no período entre guerras, na Europa, deu ensejo a duas formas

complementares de hegemonia: a primeira, baseada no abandono do papel da mobilização

social e da ação coletiva na construção democrática; a segunda, calcada numa solução elitista

para o debate sobre a democracia, com a supervalorização do papel dos mecanismos de

representação, sem que esses precisassem ser combinados com mecanismos societários de

participação. Estabeleceu-se uma contradição entre mobilização e institucionalização, além de

uma valorização positiva da apatia política do povo, concentrando o debate democrático na

questão dos desenhos eleitorais de cada Estado. (SANTOS, 2005, p. 43)

Num diagnóstico preciso, Boaventura conclui que a democracia liberal

contemporânea, desenvolvida sob o influxo direto do neoliberalismo, encontra-se em grave

crise, induzida pela corrosão da estrutura social e cultural por parte das relações mercantis

sem o contrapeso da ação reguladora do Estado na promoção de direitos. As consequências

dessa crise seriam a perda de legitimidade dos governos, dos legislativos e da Justiça, o

enfraquecimento das organizações sociais, a desmoralização das ideologias e dos partidos, o

desinteresse eleitoral e político geral e a privatização exacerbada das relações sociais e do

próprio Estado. (SANTOS, 2005, p. 653-654)

O jurista português arremata que, após a expansão global da democracia liberal,

observou-se a degradação das práticas democráticas até mesmo nos países centrais, onde o

regime mais se tinha consolidado, acarretando uma “dupla patologia”: a da participação

popular, em vista do aumento dramático do abstencionismo; e a da representação, pelo fato de

os cidadãos se considerarem cada vez menos representados por aqueles que elegeram. Diante

disso, surgiram correntes teóricas contra-hegemônicas acerca do conceito e da efetivação da

democracia, as quais ressaltaram a pluralidade humana, dando ênfase à criação de uma nova

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

19

gramática social e cultural, à procura de uma nova institucionalidade da democracia.

(SANTOS, 2005, p. 41 e 51)

Portanto, a efetivação da democracia numa experiência contra-hegemônica

implicaria o reconhecimento da pluralidade humana e da ampliação de uma cultura

democrática que proponha uma nova institucionalização da democracia. Em seguida, caberia

a valorização positiva de uma mobilização social para além do jogo eleitoral, mais próxima de

um modelo de democracia representativa e participativa, na qual haja a prática fiscalizada dos

princípios e valores morais consubstanciados na ordem jurídica.

Não se trata, portanto, de promover a participação política dos cidadãos

centrando-a no voto, como fez a democracia liberal, ao sacralizar o momento eletivo e tomá-

lo como uma espécie de cheque em branco, num vínculo que só é retomado a cada ciclo

eleitoral. (SANTOS, 2005, p. 658) De fato, o respeito à consciência cívica de cada cidadão

implica a valorização de sua participação, do “fazer política” no cotidiano, resultando na

ocupação da esfera pública numa dimensão política e pedagógica, sem apelar a ideologias

políticas específicas.

A participação tem valor em si mesma, por isso não é instrumental de um projeto

político. Podemos dizer que a participação tem suas dimensões fundamentais

interligadas e que interagem permanentemente: a dimensão política e a pedagógica.

Participação, antes de tudo, é a partilha do poder e o reconhecimento do direito a

interferir de maneira permanente nas decisões políticas (dimensão política). É também a maneira através da qual as aspirações e as necessidades dos diferentes

segmentos da população podem ser expressas no espaço público de forma

democrática, estando associada ao modo como esses “grupos” se percebem como

cidadãos e cidadãs. A participação é um processo educativo-pedagógico. Expressar

desejos e necessidades, construir argumentos, formular propostas, ouvir outros

pontos de vista, reagir, debater e chegar ao consenso são atitudes que transformam

todos aqueles que integram processos participativos. É uma verdadeira educação

republicana para o exercício da cidadania, que amplia um espaço público real, em

que a construção dialogada do interesse público passa a ser o objetivo de todos os

homens e mulheres. Por isso, participar também é disputar sentidos e significados.

(MORONI, 2006).

Hoje, pode-se identificar uma nova visão do espaço público, como

questionamento permanente dos significados, das instituições e das representações de cada

comunidade, calcada na ideia de dignidade humana. Essa é concebida como uma cláusula

aberta que assegura a mesma consideração e respeito a todos os indivíduos, mas que depende,

na sua concretização, dos próprios julgamentos desses indivíduos, tonando-se o próprio ethos

da moralidade administrativa. (RABENHORST, 2001, p. 48-49)

Entretanto, não se pode supor que a fidelidade aos princípios democráticos,

especialmente à dignidade humana, imponha a aceitação de um “populismo moral”, isto é, a

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

20

concepção de que a maioria tem o direito moral de determinar como todos devem viver. Essa

interpretação da democracia ameaça a liberdade individual e elimina a voz política dos grupos

minoritários. Segundo Hart, não se pode incorrer no equívoco de pensar que o exercício do

poder político pela maioria implique no uso desse poder, pela maioria, como estando acima de

críticas e resistências. (HART, 1987, p. 95-96)

Portanto, o debate reavivado pela teoria jusfilosófica contemporânea dialoga

diretamente com os direitos e garantias fundamentais previstos nas constituições modernas em

proteção às minorias, enriquecendo o debate da moralidade administrativa a partir dos

horizontes e limites interpretativos dos institutos constitucionais de cunho democrático.

1.2 O ASPECTO MORAL DA BUSCA DO INTERESSE COLETIVO NA CRÍTICA AO

LIBERALISMO POLÍTICO-ECONÔMICO

Numa perspectiva histórica, pode-se afirmar uma flagrante contradição entre o

desenvolvimento da economia liberal e o nascedouro do pensamento econômico na cultura

grega, em meio às considerações éticas do comportamento humano, subjacente à política e à

busca do interesse coletivo. Em “Ética a Nicômaco”, Aristóteles (1991, p. 6) afirma que até as

faculdades tidas em maior apreço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas à

política, de modo que a finalidade desta abrange a das outras ciências, consistindo na busca do

bem humano. E quando esse fim é o mesmo para o indivíduo e para o Estado, o deste último

parece ser algo “maior e mais completo”, “mais belo e divino” a se atingir e preservar.

É que a dimensão política referida por Aristóteles consubstanciava-se já na

primeira experiência democrática consagrada da história da humanidade: a democracia grega

do século IV a.C. Construída enquanto sistema político de cidadãos iguais, governando a si

próprios numa coletividade de indivíduos soberanos e com capacidades, recursos e

instituições suficientes para tal governo, a democracia grega permanece como um notável

referencial de participação política e concretização de valores morais na política.

Em seu berço filosófico-cultural, portanto, a economia estava atrelada à política e

à busca do bem comum, e o mesmo ocorreu quando do seu despontar científico, no século

XVIII. Com efeito, Adam Smith, em sua obra “The Theory of Moral Sentiments”, publicada

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

21

em 1759, enaltece o aspecto moral da conduta dos seres humanos individualmente e em

sociedade, salientando, entre outros valores, o espírito público e a realização de estudos

científicos para animar os homens a buscar meios de promover a felicidade social. Ele afirma,

ainda, que embora pareça louvável cultivar hábitos econômicos por motivos de autointeresse,

o egoísmo mancha a beleza dessas ações, que devem emergir de uma afeição benevolente.

(SMITH, 1790, p. 249-250, 327-328)

Não obstante suas raízes históricas ligadas à ética e aos valores morais, a

economia contemporânea foi dominada pelo capitalismo de mercado, que encontra no jurista

espanhol Joaquín Herrera Flores um de seus maiores opositores. Da mesma linha crítica ao

neoliberalismo adotada por Boaventura de Sousa Santos, com cuja teoria converge

especialmente na defesa da interculturalidade dos direitos humanos, o professor de Sevilla

analisa a globalização a partir de sua contextualização histórica e fundamentação teórica.

Numa breve remissão histórica do último século, Flores afirma que, nas décadas

que se seguiram à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, os economistas e

políticos keynesianos reformularam os âmbitos produtivos e geoestratégicos, nas bases de

uma “geopolítica de acumulação capitalista baseada na inclusão”, política que lançou as bases

do chamado Estado de bem-estar social, no qual se consagraram diversos pactos entre o

capital e o trabalho, com o Estado servindo de garantidor e árbitro da distribuição da riqueza.

No entanto, desde a década de 1970 até os dias de hoje, estabeleceu-se globalmente o

neoliberalismo, como resultado de uma “geopolítica de acumulação capitalista baseada na

exclusão”, acarretando a desregulamentação dos mercados, dos fluxos financeiros e da

organização do trabalho, com a conseguinte erosão das funções do Estado. (FLORES, 2002,

p. 9)

Ainda segundo o humanista espanhol, a teoria neoclássica elevou a economia ao

ambicioso posto de justificação e racionalização da luta para conseguir o maior benefício

individual, num pretenso ambiente de escassez de meios e recursos exigíveis para cumprir

simultaneamente com as expectativas de todos. A sociedade de mercado capitalista

subordinou o objetivo de satisfazer as necessidades materiais dos seres humanos ao da

apropriação de meios e recursos que satisfaçam as necessidades dos indivíduos “mais

racionais”. (FLORES, 2009, p. 58-59)

Herrera Flores afirma que a própria forma ocidental de ver o mundo, sobretudo a

partir do final do século XIX, teria sido constituída com base num processo de separação

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

22

entre a economia e o restante das instituições sociais, resultando na instauração do capitalismo

de mercado como ideologia, racionalidade e fundamento da vida em sociedade.

Consequentemente, entrou em evidência o aspecto individualista, travestido de racional, na

busca dos interesses econômicos do homem contemporâneo, processo em que a moralidade é

muitas vezes circunscrita à legalidade prática dos direitos garantidos aos trabalhadores,

pequenos e médios empresários e consumidores, porém pouco aplicada na própria motivação

das iniciativas econômicas e na efetiva distribuição dos lucros. (FLORES, 2009, p. 57)3

De fato, no último século, ganhou popularidade na economia a ideia de que as

pessoas se determinam de maneira racional apenas quando conscientemente buscam

maximizar a realização de seu autointeresse. Esse é o núcleo das teorias da escolha racional

formuladas por diversos economistas e cientistas políticos, como um reflexo da hegemonia

liberal no campo econômico e da filosofia individualista e pretensamente racional do

capitalismo de mercado, herdando toda a insatisfação social com as desigualdades fomentadas

nesse sistema.

Assim como o liberalismo político conheceu um significativo enfraquecimento

ante a recente retomada de valores democráticos na própria concepção dos sistemas políticos,

também o liberalismo econômico, fomentado pelas teorias da escolha racional, vem sofrendo

fortes críticas dos teóricos que advogam a defesa de valores éticos e sociais na definição e

concretização das práticas de mercado. Um desses teóricos mais renomados é o economista

indiano Amartya Sen, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1998.

Quando proferiu uma série de conferências na Universidade da Califórnia (EUA)

– adaptadas para publicação no livro “Sobre Ética e Economia” –, em 1996, Amartya criticou

o empobrecimento da economia moderna em razão de seu distanciamento da ética.

Desenvolvendo seus estudos, o Nobel de economia deixou clara sua crítica à chamada

“escolha racional”, observando que os seres humanos podem facilmente ter boas razões para

3 Um dos projetos que se contrapõem integralmente à chamada “economia de domínio”, desde os ideais

subjacentes à atividade econômica até o cotidiano de partilha dos esforços e ganhos dela decorrentes, é a

Economia de Comunhão (EdC), criada em 1991 por Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares,

após uma visita ao Brasil, no intuito de dar uma resposta concreta à desigualdade social e ao desequilíbrio econômico patentes no nosso país e no sistema capitalista em geral. Dirigida primariamente às empresas, a

proposta da EdC é colocar em comum a riqueza produzida e fundamentar a dinâmica operacional sobre a

comunhão e a fraternidade. Atualmente, centenas de empresas, no mundo inteiro, inspiram-se nela, ao adotar

uma governança centralizada na fraternidade, partilhando a riqueza produzida. O objetivo do projeto é apresentar

uma porção de humanidade “sem indigentes”, ativando a reciprocidade em vários níveis: criando postos de

trabalho a fim de incluir os excluídos do sistema econômico e social, difundindo uma “cultura da partilha” e da

comunhão, suscitando iniciativas educativas e culturais e intervindo em situações de emergência, com ajudas

concretas e projetos de desenvolvimento, conduzidos em colaboração com a ONG AMU (Ação Mundo Unido).

[Fonte: http://www.focolare.org/pt/in-dialogo/cultura/economia/]

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

23

adotar objetivos distintos da obstinada busca do autointeresse e perceber razões a favor do

reconhecimento de valores mais amplos que os individuais ou de regras normativas de um

comportamento decente. Desse modo, aquela teoria não passaria de uma compreensão

limitada da racionalidade (SEN, 2011, p. 212).

Amartya Sen observa que o próprio Adam Smith, em “The Theory of Moral

Sentiments”, elaborou as limitações da pressuposição de uma busca universal do

autointeresse, distinguindo claramente entre as diferentes razões para ir contra os ditames do

“amor próprio” ou self-love. Essas diferentes motivações seriam: a simpatia (a qual não exige

abnegação, autocontrole ou grande esforço do senso de prioridade), a generosidade (quando

se sacrifica algum grande e importante interesse próprio por um interesse igual de um amigo

ou de um superior) e o espírito público (observação dos fatos não sob a luz em que aparecem

naturalmente a nós mesmos, mas à nação pela qual lutamos). E se a primeira delas ainda pode

ser enquadrada no espectro do “amor próprio”, a generosidade e o espírito público seriam

motivações não centradas no autointeresse, ainda que muitas vezes não em virtude de uma

reflexão crítica, mas do mero seguimento de regras de comportamento bem estabelecidas em

sociedade. (SEN, 2011, p. 218-222)

Constatando a debilidade dos pressupostos individualistas das teorias da escolha

racional, Amartya Sen propõe uma teoria alternativa, defendendo que as escolhas humanas

seriam dotadas de racionalidade quando baseadas em argumentos que possam ser sustentados

de forma reflexiva quando submetidos à análise crítica, isto é, à investigação crítica das

razões para agir. Tal ponderação seria feita a partir de um raciocínio minucioso (quando

necessário, com o diálogo com os outros), levando em conta mais informações, quando e se

forem relevantes e acessíveis. Porém, isso não supõe a possibilidade de uma previsão da

escolha real que será feita por cada indivíduo, visto que, supondo que todos os seres humanos

agem de maneira racional, existe em cada situação um conjunto de escolhas potencialmente

racionais, mesmo nesse sentido reflexivo e crítico. (SEN, 2011, p. 213-216)

As considerações acima indicam que a economia, especialmente quando

vivenciada em meio a um regime democrático de governo, não pode se furtar ao seguimento

de princípios políticos e morais de busca do interesse coletivo, nem mesmo a propósito de

uma suposta racionalidade individualista de cunho liberal. Com efeito, a construção de um

espaço público democrático será consideravelmente limitada enquanto o liberalismo continuar

sobrelevando a vida privada e reduzindo a participação cidadã na esfera política a uma mera

gestão de economia de mercado baseada num modelo representativo de democracia.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

24

É certo que o grau de egoísmo, de um lado, ou de busca do interesse coletivo, de

outro, responde diretamente ao nível de lealdade de um indivíduo ao grupo do qual participa,

seja no âmbito das relações familiares e comunidades ou dos sindicatos e grupos de pressão

econômica. (SEN, 2003, p. 38) Porém, as críticas atualmente direcionadas ao liberalismo

político-econômico evidenciam que as democracias contemporâneas urgem a lealdade de seus

participantes, especialmente dos que detêm cargos de gestão, dos quais se espera uma conduta

pautada pela moralidade, em consubstanciação dos valores afeitos ao interesse coletivo e à

concretização dos princípios estabelecidos nas constituições nacionais.

1.3 A CORRUPÇÃO DA ESFERA PÚBLICA BRASILEIRA

Num cenário em que a economia liberal centraliza a racionalidade humana na

busca do autointeresse e da maximização do poder de consumo, exsurge a insistente

problemática da corrupção. Inobstante a crescente tomada de consciência política dos

cidadãos, a corrupção ainda não foi eficazmente atacada em seu ponto-chave: a permanência

do comum entre os indivíduos, o restabelecimento de um processo de demarcação entre

público e privado. (AVRITZER, 2008, p. 134)

De grande valia para a compreensão do fenômeno da corrupção é a teoria política

da alemã Hannah Arendt. É de sua autoria o conceito de esfera pública, cujo desenvolvimento

retirou a teoria democrática do dilema entre uma concepção elitista e uma concepção direta do

exercício da política e criou uma terceira opção interativo-participativa, razão pela qual é

considerado por Leonardo Avritzer (2008, p. 133) o mais importante conceito elaborado pela

teoria política na segunda metade do século XX. A esfera pública foi definida no âmbito da

obra magna de Hannah Arendt, “A Condição Humana”, significando tudo aquilo que “pode

ser visto e ouvido por todos e adquire a maior visibilidade possível” (ARENDT, 2007, p. 50).

Hannah Arendt associa a esfera pública diretamente à política, cujo elemento

central seria a demarcação distintiva entre o público e o privado, uma dicotomia expressa

numa dupla chave de ação e de interação entre os indivíduos, pensada a partir do contraste

entre o que é visível e partilhável (público) e o que é invisível e não partilhável (privado)

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

25

(AVRITZER, 2008, p. 133). Por isso, Hannah sustenta que a sociedade de massas e a

ascensão das preocupações e necessidades sociais, enquanto centro ou objetivo primeiro da

vida em sociedade, despolitizaram a condição humana, transferindo para as atividades

privadas e, em especial, para o consumo, o centro das atividades humanas.

Essa centralidade dada à satisfação das necessidades sociais e, proximamente, dos

interesses pessoais, afetou diretamente a política, pois introduziu no seu interior a dimensão

do interesse privado, da busca pelo poder econômico, gerando aquilo que podemos denominar

de “societalização da política”, fenômeno em que o interesse passou a ser o elemento

fundamental da ação política moderna. (AVRITZER, 2008, p. 134)

Tal observação, conjugada com as pontuações anteriores, faz-nos concluir que a

democracia pode ser considerada um regime de governo que fomenta liberdades individuais,

expressadas no plano da representação dos interesses particulares na esfera pública.

Tomando-se o interesse enquanto um valor que se projeta sobre determinada coisa ou prática,

percebe-se que pensar a questão da democracia e a economia significa pensar os elementos

ligados à própria moralidade, entendida como um sistema valorativo social.

A complexidade da questão, porém, é agravada ao se verificar que o intercâmbio

entre interesses públicos e privados é uma característica típica das democracias modernas –

não apenas dos regimes ditatoriais. No regime democrático, de um lado, aumentam-se as

oportunidades de transações ilegítimas entre o público e o privado e, de outro, permanecem

ausentes as restrições de acesso aos lugares de poder, o que distingue o Estado democrático

do absolutista e do oligárquico. Na mesma extensão em que se distribui o poder, distribuem-

se as oportunidades de corrupção nele implícitas (SANTOS, 2008, p. 126), entendida a

corrupção, de maneira geral, enquanto confusão entre a esfera pública e a esfera privada.

Seria a corrupção, assim, um fenômeno intrínseco à democracia ou à própria

política, de modo que nem o fim de um regime autoritário poderia salvar o país do desrespeito

contumaz à coisa pública? A resposta é negativa, se se considera que a política, em si mesma,

insere-se no campo do pensamento plural, no ser capaz de pensar no lugar e na posição dos

outros, numa mentalidade alargada (LAFER, 2003, p. 59): o inverso do pensamento

individualista do agente público que superpõe seus interesses particulares aos interesses

coletivos, da cultura do agir político em benefício próprio, que parece arraigada na cultura

patrimonialista brasileira há tempos.

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

26

Assim, pensar a corrupção enquanto resultado, e não causa, de diversas

características sociopolíticas que permeiam a histórica nacional – desde o patrimonialismo, a

motivação individualista dos partidos políticos, a deficiência de movimentos políticos

organizados e até mesmo a própria estrutura da democracia – não significa uma fuga ao

enfrentamento da questão, mas uma estratégia interdisciplinar epistemológica de sua

abordagem.

É fato que os males da corrupção são prementes e danosos nos mais diversos

âmbitos da vida humana em sociedade4, contudo, parece infrutífero o empenho numa luta

anticorrupção às cegas. Por esse motivo, ora se põe uma reflexão sobre os diversos fatores que

influenciam a problemática da moralidade no âmbito da esfera pública brasileira.

Embora os debates acerca da (i)moralidade da esfera pública brasileira tenham

ganhado novo fôlego com os escândalos recentes de corrupção, é antiga a constatação de que

os desmandos do Estado Brasileiro decorrem, em grande parte, do uso que os agentes

públicos fazem dos recursos estatais para fins particulares, assim como da ausência de uma

mobilização democrática politicamente organizada por parte dos cidadãos.

Tal posicionamento pode ser encontrado, com farta argumentação, na análise da

República Velha feita por Oliveira Vianna, jurista, historiador e sociólogo brasileiro nascido

no final do século XIX, estudioso dos direitos sociais e do processo de formação do povo

brasileiro. Em sua obra “O Idealismo da Constituição”, escrita no início do século XX, o

jurista fluminense observa que a formação de partidos políticos, após a proclamação da

República, não passou por uma mudança cultural que os dominasse do “espírito do interesse

público” e os impulsionasse a agir de maneira transcendente à sua própria corporação. Em vez

disso, os partidos continuaram a atuar no plano provincial e, depois, no plano nacional, com

os mesmos objetivos e o mesmo espírito de afirmação dos interesses dos seus chefes e do

pequeno grupo de ambiciosos que os formavam desde sua origem, no âmbito doméstico.

(VIANNA, 1939, p. 184)

De fato, a sociedade brasileira perpetuou, ao longo de sua histórica política, suas

raízes culturais patrimonialistas, que se refletem no exercício autoritário da política, na

instituição de uma ética que consagra a honra como valor social maior e submete o espaço

público à pilhagem dos interesses privados, fazendo daquele um prolongamento da

4 “A corrupção impede de olhar para o futuro com esperança, porque, com a sua prepotência e avidez, destrói os

projetos dos fracos e esmaga os mais pobres. É um mal que se esconde nos gestos diários para se estender depois

aos escândalos públicos.” (IGREJA CATÓLICA, 2015)

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

27

propriedade, da família, das manobras aliancistas e da rapinagem política. É a prática do

favorecimento e do clientelismo, uma espécie de “domesticação da política”, na qual se

contemplam com benesses e favores os familiares e amigos, dando continuidade às relações

do “espaço doméstico-afetivo-familiar”. (SIQUEIRA, 1993, p. 437 e 441)

Não se pretende, com a referência ao patrimonialismo enquanto elemento

histórico-cultural formador da sociedade brasileira, reforçar o mito da demonização do Estado

corrupto e da divinização do mercado como reino da virtude, tampouco justificar a conduta

dos agentes públicos como uma mera consequência desse traço formador da sociedade

brasileira, tal qual adverte outro sociólogo crítico do patrimonialismo estatal e estudioso da

formação das classes sociais no Brasil, o potiguar Jessé de Souza (2009, p. 63 e 73). Ao

contrário, a razão patrimonialista identificada historicamente auxilia a compreender que a

postura classicamente individualista (ou “familiarista”) do agente público brasileiro, que

utiliza a máquina pública em favor de si e dos seus, sobretudo em termos econômicos, vem de

um longo passado político e se repete insistentemente até os dias de hoje, sinalizando que

ainda não foi combatida eficazmente, na sua origem cultural.

Em tom crítico e aguçado, Oliveira Vianna também nega que a culpa pelos males

da sociedade brasileira estaria apenas no Estado corrupto, na superposição dos interesses

particulares dos agentes públicos ao interesse coletivo do povo. Vianna critica, sobretudo, a

postura passiva e politicamente desorganizada dos cidadãos brasileiros, que não tinham

espírito democrático, sentimento democrático, nem tradições e hábitos democráticos. Por isso,

os “clãs partidários” fizeram dos cargos públicos sua propriedade privada, tal qual um

indivíduo que se apoderasse de uma res derelicta. (VIANNA, 1939, p. 103)

Apesar das graves críticas à formação político-democrática do Brasil ao longo de

sua história, as transformações sociais vividas no último século apontam para um

amadurecimento do exercício da cidadania no Brasil, sem perigo de incorrer num otimismo

ilusório. Pode-se constatar essa mudança, por exemplo, a partir da externalização do clamor

da sociedade brasileira insatisfeita com a conduta imoral de seus agentes públicos, em

diversas manifestações públicas organizadas que envolveram boa parte da população, tais

como as que se viram nas ruas em junho de 2013.5

5 Segundo Leonardo Avritzer (2013), em artigo publicado em julho/2013 sobre a onda de manifestações

populares que tomou as ruas do país em junho/2013, movimento popularmente apelidado “Vem Pra Rua”: “Ele

[o movimento] surgiu em um campo de esquerda semi-petista ou pós-petista que envolveu militantes de

diferentes movimentos da juventude quase todos de esquerda com uma agenda de democratização do acesso ao

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

28

Alexandre Delduque Cordeiro (2005, p. 2-3) afirma que a insatisfação popular

atual parece estar ligada, fundamentalmente, a dois fatores. O primeiro seria um maior

esclarecimento da população a respeito do papel dos administradores públicos e agentes

políticos, bem como dos desvios que são por eles cometidos, conhecimento devido, em

grande parte, ao elevado grau de liberdade da imprensa brasileira, à popularização do acesso

aos meios de comunicação (especialmente os que utilizam a Internet) e ao aumento do nível

de instrução da população, que implica uma maior fiscalização das ações dos homens

públicos e de exigência por um feedback pós-eleições.

Em segundo lugar, a maior tomada de consciência política pelos cidadãos

brasileiros também estaria ligada às mudanças estruturais do próprio papel do Estado,

ocorridas ao longo do século XX. De fato, o Estado passou de executor e explorador direto de

serviços públicos para regulador da atividade econômica e concessor da exploração dessas

mesmas atividades, resultando num maior intercâmbio entre o setor privado e a

Administração Pública, o que gera certa desconfiança por parte do cidadão (CORDEIRO,

2005, p. 3-4). E essa suspeita acaba sendo corroborada pelas inúmeras notícias de fraudes em

licitações, superfaturamento de obras públicas executadas por empresas privadas, desvio de

dinheiro público dentro de Organizações Sociais (OSs), supostos patrocínios a Organizações

Não-Governamentais (ONGs) “fantasmas”, etc. – acirrando ainda mais o debate acerca da

ética pública no Brasil.

Foi nesse cenário que a moralidade administrativa foi inserida na Constituição

Cidadã de 1988. A palavra “moralidade” ecoa forte, traz consigo uma ideia de justiça para

além da lei, após o fim de um regime autoritário de mais de duas décadas. Com os olhos no

passado recente de menosprezo e desrespeito a direitos do cidadão pelo próprio Estado,

pretendeu o legislador constituinte romper com o modelo autoritário, consagrando, inclusive,

transporte público e com críticas ao sistema político. Tais críticas, em quase todos os casos, estavam

relacionadas ao que podemos denominar de forma da democracia, isto é, uma crítica à maneira como o governo

federal e, em especial, o Congresso Nacional vem governando o país através de acordos para a nomeação de

cargos políticos. [...] A lição que fica das manifestações tanto para o sistema político quanto para a opinião

pública pode, talvez, ser resumida da seguinte forma: há um enorme potencial de insatisfação ligado a infra-

estrutura urbana e às políticas públicas no Brasil hoje. Este potencial tem sido explorado por atores de esquerda, mas pode vir também a ser objeto de manifestações de atores conservadores, quando a porta de entrada leva

apenas a uma agenda despolitizada relativa à luta anti-corrupção.” A ressalva premonitória final do autor

demonstra a preocupação de que, enquanto o movimento político em favor da probidade democrática

permanecer sem uma orientação política definida, operando um combate cego à corrupção, o clamor de

insatisfação das massas populares – especialmente dos jovens – tende a seguir a orientação ideológica, inclusive

conservadora, dos agentes que tiverem maior apelo social e midiático no momento. No ano de 2016, frente à

permanente insatisfação popular com as medidas governamentais a partir da reeleição de Dilma Roussef, a

previsão de Leonardo Avritzer pareceu concretizar-se nas manifestações populares de cunho conservador que

pressionaram o Congresso Nacional a aprovar o impeachment da presidente petista.

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

29

o extenso rol de direitos do art. 5º, certamente o ponto alto e mais libertário da Constituição

Federal vigente. (GIACOMUZZI, 2013, p. 142)

No entanto, a moralidade administrativa já se havia consagrado no cenário

jurídico brasileiro ou mundial muito tempo antes da Constituição de 1988, desde o início do

século XX, quando foi invocada como fundamento de um controle supralegal da

discricionariedade dos agentes públicos, tal qual será explanado no tópico seguinte.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

30

2 MORALIDADE ADMINISTRATIVA: UMA CONTROVÉRSIA BRASILEIRA

2.1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA IDEIA DE MORALIDADE

ADMINISTRATIVA

2.1.1 França: o berço da sistematização

Não se pode dizer que o reconhecimento da moralidade, para além da legalidade,

é ideia de cunho recente no âmbito jurídico. Os jurisconsultos romanos já a expressavam

desde a Antiguidade, no famoso brocardo jurídico non omne quod licet honestum est6.

Contudo, a primeira sistematização teórica conhecida sobre a moralidade administrativa data

do início do século XX e é atribuída ao jurista e sociólogo francês Maurice Hauriou, autor da

obra Précis de droit administratif et de droit public.

É de Hauriou o mérito de tomar um conceito até então restrito ao âmbito do

direito privado – em institutos como o de boa-fé contratual e abuso de direito – e aplicá-lo ao

direito público. O intuito do pensador francês era fundamentar o controle dos atos

discricionários pelo Conselho de Estado da França, opondo-se ao desvio de poder, o

détournement de pouvoir das autoridades, quando a legalidade falhasse no alcance da

regulação de seus juízos de valor. (HAURIOU, 1933. p. 442-454)

O jurista francês defendeu a moralidade enquanto critério para o controle dos atos

administrativos no momento histórico da fase republicana do Conselho de Estado, já com a

feição de tribunal soberano, que pronunciava arrêts (sentenças) em matéria administrativa. O

Conselho foi o precursor da autonomização do direito administrativo e, por meio de sua

jurisprudência, firmou os princípios da legalidade e da responsabilidade da ação

administrativa, facultando aos indivíduos administrados manejar o recours pour excès de

pouvoir (recurso por excesso de poder), com o intuito de anular os atos administrativos

6 “Nem tudo o que é lícito, é honesto.” (TARANTI, 2006, p. 48)

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

31

ilegais, e o recours en indemnisation (recurso de indenização), almejando condenar o Estado a

uma reparação pecuniária em caso de desconhecimento dos direitos do requerente. (GAZIER,

1955, p. 7-8)

Portanto, a única forma de garantia do administrado frente ao administrador, na

França do início do século XX, era a invocação à ilegalidade ou à lesividade do ato

administrativo: aquela, no momento da ação; esta, no momento da repercussão do ato

administrativo. Não havia, portanto, mecanismos que resguardassem os administrados da

prática de atos administrativos legais, porém viciados em sua concepção, isto é, em seus

motivos determinantes ou móveis subjetivos, quando esses fossem contrários ao interesse

público, a serviço de algum interesse particular.

Nesses casos, defendeu Hauriou que estaria caracterizado o desvio de poder por

violação à moralidade, facultando ao administrado acionar o Conselho de Estado via recours

pour excès de pouvoir. A primeira obra a desenvolver essa ideia pioneira do teórico francês

foi uma publicação em conjunto com Guillaume Bezin, datada de 19037, mencionada por José

Guilherme Giacomuzzi (2013, p. 63 e 73)8.

Recorde-se que, no início do século XX, já estava plenamente consolidado o

positivismo científico9. Portanto, o contexto filosófico de que participava Hauriou rejeitava a

cientificidade de quaisquer concepções baseadas em justificativas não objetiváveis. Por essa

razão, desde a primeira menção à ideia de moralidade administrativa, o mestre de Toulouse

fez questão de desvinculá-la de escalas de valores morais de cunho subjetivo, remetendo-a a

duas condicionantes objetivas, a teoria da declaração de vontade do ato administrativo

(Erklärungstheorie) e a noção de “boa administração” (GIACOMUZZI, 2013, p. 54-72).

Na obra supracitada, Hauriou e Bezin afirmam que a declaração de vontade “é

oponível, em princípio, desde o momento de sua emissão, da qual se retira a consequência de

dar à declaração uma existência objetiva, fazendo-a independente de seu autor e

7 La déclaration de volonté dans le droit administratiff français, Revue Trimestrielle de Droit Civil 3/543-586.

Ano 2. Julho-setembro/1903. 8 Portanto, está equivocada a referência de que a obra pioneira no trato da moralidade administrativa foram as

anotações de Hauriou às decisões do Conselho de Estado proferidas no caso “Gomel”, no ano de 1914, como

erroneamente afirmam Diogo Moreira Neto (1992, p. 5) e Antônio José Brandão (1951, p. 457). 9 O positivismo foi invocado por seu maior expoente, Augusto Comte, como o último estado que a humanidade

teria atingido após o movimento histórico que perpassou o “estado teológico” e o “estado metafísico”,

alcançando o “estado positivo”, onde se encontraria a ciência, que se atém à observação dos fatos e se limita a

raciocinar sobre eles e procurar suas relações invariáveis, suas “leis”. Como consequência, estaria posta a

utilidade do conhecimento, que se traduziria na previsão e controle do fenômeno da construção da sociedade

positiva. (SIMON, 2004, p. 144-148)

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

32

transformando-a em um ato” (GIACOMUZZI, 2013, p. 63)10

. A afirmação consiste, pois, um

endosso da Erklärungstheorie, uma vez que é ressaltado o caráter controlável da declaração

de vontade apenas após ser emitida, não dependendo de qualquer perquirição sobre a psique

de seu emissor.

Já sobre a ideia geral de “boa administração”, o pensamento de Hauriou pode ser

conferido na tradução do texto original feita por Márcia Noll Barboza (2002, p. 90), com

grifos nossos:

O desvio de poder é o fato de uma autoridade administrativa usar de seus poderes

em conformidade com a letra da lei, mas em objetivo outro que não aquele em vista

do qual eles lhe foram conferidos. Tal definição mostra que, por essa abertura, o

Conselho de Estado anula os atos cuja causa seja ilícita ou que tenha uma falsa

causa. O que nos interessa é saber como o Conselho de Estado aprecia esta violência

praticada em relação a causa. (...) Quanto à questão de saber em relação a que norma a causa do ato é declarada falsa ou ilícita, a jurisprudência do Conselho de Estado

responde muito claramente que é em relação à “boa administração”. O que é então

essa “boa administração”? É uma noção puramente objetiva que se dá ao juiz

administrativo apreciar soberanamente, a parte das circunstâncias, do meio, do

momento. Ela é o equivalente da noção comum de boa-fé no comércio jurídico

privado à qual se refere o legislador alemão. O Conselho de Estado parte da ideia

de que a Administração está vinculada por uma certa moralidade objetiva; ela tem

uma função a cumprir, e quando os motivos que impulsionaram não são conformes

aos fins gerais desta função, o Conselho de Estado os declaro ilícitos. Ora, se

concebe como esses “fins gerais da função” são elementos concretos, objetivos,

que o juiz recolhe na constatação dos fatos. Notemos, de passagem, que o

Conselho de Estado está melhor colocado que qualquer outro para delinear

essa moralidade, pois que é ele mesmo o conselho administrativo mais elevado e

mais esclarecido. (HAURIOU; BEZIN, 1903, p. 575-576)11

Observa-se, inicialmente, que o desvio de poder, ensejador do recurso por excesso

de poder, é definido como a prática de um administrador que age dentro dos ditames legais,

porém animado por intuito contrário à “boa administração”. Já essa “boa administração” seria

10 HAURIOU, Maurice; BEZIN, Guillaume. La déclaration de volonté dans le droit administratiff français,

Revue Trimestrielle de Droit Civil 3/543-586. Ano 2. Julho-setembro/1903, p. 565. 11 No original: Le détournement de pouvoir est le fait par une autorité administrative

d'user de ses pouvoirs conformément à la lettre de la loi, mais dans un but autre que celui en vue

duquel ils lui ont été conférés. Cette définition montre que, par cette ouverture, le Conseil d'Etat annule

des actes dont la cause est illicite ou qui ont une fausse cause. Ce qui nous intéresse, c'est de savoir

comment le Conseil d'État apprécie cette violence par rapport à la cause. (...) Quant à la question de

savoir par rapport à quelle norme la cause de l'acte est déclarée fausse ou illicite, la jurisprudence du

Conseil d'Etat répond très clairement que c'est par rapport à la "bonne administration". Qu'est-ce

donc que "cette bonne administration"? C'est une notion purement objective qu'il est donné au juge administratif d'apprécier souverainement, d'après les circonstances, le milieu, le moment. Elle est

l'équivalent de cette notion commune de la bonne foi dans le commerce juridique privé à laquelle se

réfère le législateur allemand. Le Conseil d'Etat part de cette idée que l'administration est liée par une

certaine moralité objetive; elle a une fonction à remplir et lorsque les motifs que l'ont poussée ne sont

pas conformes aux buts généraux de cette fonction, le Conseil d'Etat les déclare illicites. Or, on conçoit combien

ces "buts généraux de la fonction" sont des éléments concrets, objectifs, que le juge puise dans

la constatation des faits. Remarquons, en passant, que le Conseil d'Etat est mieux placé que tout autre

pour dégager cette moralité, puisqu'il est lui-même le conseil administratif le plus élevé et le plus

éclairé.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

33

a concretização de uma certa “moralidade objetiva da administração”, equivalente à boa-fé no

direito privado, citada no Código Civil Alemão de 190012

, e remitida aos “fins gerais da

função administrativa”. Assim, os juristas sinalizam que o balizamento objetivo para a ideia

de moralidade administrativa se daria na referência a conceitos abertos já trabalhados pela

doutrina e jurisprudência (“boa-fé” e “fins gerais da administração”) e furtam-se a definir

concretamente quais aspectos deveriam ser avaliados no controle da vontade declarada do

administrador, deixando essa função ao Conselho de Estado na análise do caso concreto.

Anos mais tarde, desenvolvendo a noção de moralidade administrativa em sua

obra célebre, “Précis de droit administratif et de droit public”, Hauriou foi além das

referências à “boa-fé do direito privado” e aos “fins gerais da função administrativa”,

introduzindo a vinculação entre moralidade administrativa e interesse público ou interesse do

serviço, mais uma vez defendendo seu controle pelo Conselho de Estado francês via recurso

por excesso de poder lastreado na ocorrência de desvio de poder:

Quanto à moralidade administrativa, sua existência deriva de que cada um deve

possuir uma conduta prática na qual, obrigatoriamente, haja uma distinção entre o

bem e o mal. Como a administração tem uma conduta, ela pratica, obrigatoriamente,

essa distinção, a qual revive especialmente a discriminação entre aquilo que está e

que não dentro do significado do interesse público ou de interesse do serviço.

A moralidade administrativa é quase sempre mais exigente que a legalidade.

Veremos que o instituto do excesso de poder, com base no qual são anulados muitos

atos da administração, está fundamentado tanto sobre a noção de moralidade

administrativa quanto sobre aquela de legalidade, de tal sorte que a administração

está vinculada, em certa medida, pela moral jurídica, particularmente no que

concerne ao desvio de poder.13 (HAURIOU, 1933. p. 360)

Em suma, a moralidade administrativa, para Hauriou, representava o espírito geral

da lei administrativa, que impunha aos administradores o dever de agir pelo bem do interesse

público e a seu serviço. Todavia, a noção vigente de violação da lei, que ensejava controle de

legalidade, não alcançava os casos de desvio de poder, de excesso de poder no exercício do

poder discricionário, sobre o qual não havia estrita regulamentação legal.

12 O princípio da boa-fé foi consagrado no BGB a partir da cláusula geral inserta no §242, que dispunha que o

devedor estava adstrito a realizar a prestação tal como o exigisse a boa-fé, com consideração pelos costumes do

tráfico (negocial). Para uma análise histórica e detalhada de sua exegese, conferir: NOBRE JÚNIOR, Edilson

Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 97-103. 13 Tradução livre do original: "Quant à la moralité administrative, son existence provient de ce que tout être

possédant une conduite pratique forcément la distinction du bien et du mal. Comme l’administration possède

une conduite, elle pratique forcément cette distinction, qui, pour elle, se ramène surtout à la discrimination de ce

qui est ou n’est pas dans le sens de l’intérêt public et de l’intérêt du service.

La moralité administrative est souvent plus exigeante que la légalité. Nous verrons que l’institution de l’excès de

pouvoir, grâce à laquelle sont annulés beaucoup d’actes de l’administration, est fondée autant sur la notion de

la moralité administrative que sur celle de la légalité, de telle sorte que l’administration est liée, dans une

certaine mesure, par la morale juridique, particulièrement en ce qui concerne le détournement de pouvoir".

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

34

(CAMMAROSANO, 2006, p. 19) Por isso o fundamento do controle do exercício do poder

discricionário, de apreciação pelo Conselho de Estado da França de recursos contra atos

eivados de desvio de poder, repousaria tanto na noção de moralidade administrativa quanto de

legalidade.

Após essa formulação inicial, Henri Welter14

e René Ladreit de Lacharrière15

deram prosseguimento aos estudos sobre o tema. Welter afirmou que a moralidade

administrativa não se confundia com a moralidade comum, sendo composta por regras de boa

administração. Lacharrière conceituou a moral administrativa como o conjunto de regras que

é imposto aos subordinados por parte de seu superior hierárquico, para disciplinar o exercício

do poder discricionário da Administração. (MEIRELLES, 2008, p. 90) Porém, os discípulos

de Hauriou não lograram, assim como seu mestre, esboçar contornos mais precisos acerca dos

elementos a serem considerados na avaliação da conformidade da intenção do administrador à

tal moralidade.

Ainda na época de Hauriou, sua defesa de que a moralidade (ou a imoralidade) do

ato administrativo residiria sempre na intenção do agente que o praticava foi fortemente

contestada por diversos juristas da época, como Marcel Waline. Para esse, se o vício do

desvio de poder ofendia ao espírito da lei, ofendia à própria lei, de modo que a violação à

moralidade não passaria de agressão à própria legalidade administrativa. (CORDEIRO, 2005,

p. 95)

A essa crítica, Hauriou rebateu o seguinte, em tradução do original feita por

Márcia Noll Barboza (2002, p. 92):

Para combater a distinção que fazemos aqui entre a legalidade e a moralidade

administrativa, se objeta que a moralidade administrativa não é outra coisa senão o

espírito da lei, e que, por consequência, o desvio de poder não é outra coisa senão a

violação do espírito da lei, caso particular de violação da lei.

Mas não é verdade que o espírito das leis administrativas se confunde com a

moralidade administrativa, como o espírito das leis civis não se confunde com a

moralidade individual. Se consultássemos apenas o espírito das leis, só teríamos

uma fraca idéia da moralidade. O espírito da lei é o limite a impor aos direitos no

interesse da justiça; o espírito da moralidade é a diretiva a impor aos deveres no

interesse do bem; há uma distância entre o que é justo e o que é bom.

14 WELTER, Henri. Le Contrôle Jurisdictionnel de la Moralité Administrative – Étude de Doctrine et de

Jurisprudence. Paris: Recueil Sirey, 1929. 15 LACHARRIERE, René de. Le Contrôle Hiérarchique de L'administration Dans la Forme Juridictionnelle.

Paris: Recueil Sirey, 1937.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

35

É evidente que a moralidade administrativa ultrapassa a legalidade e, por

consequência, o desvio de poder ultrapassa em profundidade de ação a violação da

lei.16

Portanto, o mestre de Toulouse recusou-se a aceitar que a violação à moralidade

consistiria, em verdade, uma violação à legalidade, ainda que essa fosse entendida como o

“espírito da lei” ou uma “legalidade substancial” para além do simples conteúdo formal da

legislação. A contrario sensu, o jurista francês asseverou que o intuito da legalidade seria a

busca do justo, enquanto o fim da moralidade seria o alcance do bem.

No entanto, permanecendo a individualização da moralidade administrativa mais

num campo filosófico que prático, seu intuito pareceu desenvolver-se mais que o próprio

nomen iuris na França. Assim é que ganhou maiores formulações doutrinárias e

jurisprudenciais a temática do controle dos atos discricionários dos gestores públicos, do

abuso e do desvio de poder, ao contrário da moralidade administrativa, que não alcançou

popularidade em seu próprio país de berço, permanecendo na sombra do princípio da

legalidade em seu contexto pós-positivista.

Embora tenha sido explicitamente rejeitada pelo precursor da ideia de moralidade

administrativa, a remissão desse instituto a um conceito amplo de legalidade, que abrange

uma conformidade do ato administrativo à lei no sentido interno, material ou substancial,

parece ter se consolidado na doutrina francesa, tal qual ilustrado por René Chapus17

. O autor

admite que o controle da legalidade do ato administrativo pode se dar de duas formas: por

meio da legalidade externa (cuja violação enseja incompetência, vício de procedimento ou

16 Confira-se o texto original: Ainsi le détournement de pouvoir marque la subordination du pouvoir

administratif au bien du service, notion qui dépasse celle de la légalité et qui permet de restreindre le

pouvoir dans ce qu'il a de plus discrétionnaire: les mobiles qui le font agir. La légalité dont les règles

générales sont rigides ne saurait pénétrer dans la région des mobiles sans tuer la spontanéité du pouvoir

discrétionnaire; au contraire, la moralité administrative, descendant avec le juge dans les cas particu

liers, peut pénétrer dans cette région sans tuer cette spontanéité. Pour combattre la distinction que

nous faisons ici entre la légalité et la moralité administrative, on objecte que la moralité administrative

est pas autre chose que l'esprit général de la loi, et que, par conséquent, le détournement de pouvoir

n'est pas autre chose que la violation de l'esprit de la loi, cas particulier de la violation de la loi. Mais

il n'est pas vrai que l'esprit des lois administratives se confonde avec la moralité administrative, pas

plus que l'esprit des lois civiles ne se confond avec la moralité individuelle. Si on ne consultait que l'esprit des lois on n'aurait qu'une piètre idée de la moralité. L'esprit de la loi, c'est la limite à imposer

aux droits dans l'intérêt de la justice; l'esprit de la moralité, c'est la directive à imposer aux devoirs

dans l'intérêt du bien; il y a un écart entre ce qui est juste et ce qui bien. Il est évident que la moralité

dépasse la légalité et, par conséquent, le détournement de pouvoir dépasse en profondeur d'action la

violation de la loi. (HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public. 11 édition. Paris:

Sirey, 1927, p. 419-420) 17 Cf. Droit Administratif Général, 12ª ed., t. I, Paris, Montchrestien, 1998, p. 941-971, citado por

GIACOMUZZI, Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública: o conteúdo

dogmático da moralidade administrativa. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 119-122.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

36

vício de forma) ou da legalidade interna (cuja violação enseja vício de conteúdo, de motivos e

de intenção). (GIACOMUZZI, 2002, p. 297-299)

O próprio discípulo de Hauriou, Henri Welter, após análise minuciosa da

jurisprudência administrativa francesa dos anos 1860 até 1929, afirmou, na obra “Le Contrôle

Jurisdictionnel de la Moralité Administrative – Étude de Doctrine et de Jurisprudence”, que a

doutrina francesa não tinha em boa conta a moralidade administrativa, e que as decisões que

ele próprio classificou enquanto pertencentes ao controle da moralidade podiam, em grande

parte, ser ligadas ao controle da legalidade, entendida em senso lato. (GIACOMUZZI, 2013,

p. 115)

Portanto, constatou-se o pouco crédito dado à noção de moralidade administrativa

na França, pois, além de vaga, foi-se mostrando desnecessária ao controle do desvio de poder,

quando a noção de legalidade passou a abarcar uma exigência de legalidade substancial, não

apenas de mera legalidade formal, consistindo um imperativo de juridicidade, de

conformidade ao direito. (BARBOZA, 2002, p. 96)

2.1.2 Desenvolvimentos em outros sistemas jurídicos: Itália, Espanha e Portugal

O desenvolvimento do controle jurisdicional sobre os motivos determinantes,

móveis subjetivos ou simples intenção do administrador deu-se igualmente sob outras

nomenclaturas, que não a de moralidade administrativa, em diversos outros países, a exemplo

da Itália, Espanha e Portugal.

Na Itália, o administrativista Renato Alessi18

afirmou que, por meio do sviamento

di potere, ataca-se a ilegitimidade substancial do ato por duas causas: ato emanado sem

relação com o interesse público, mas a serviço de interesse privado, e ato emanado por

interesse público de natureza diversa do proposto em lei. Portanto, foi a noção de interesse

público que vigorou no direito italiano enquanto critério a embasar o desvio de poder, num

contexto de legalidade substancial, não se problematizando a “causa” ou o móvel moral do ato

administrativo. (GIACOMUZZI, 2013, p. 124)

18 Sistema Istituzionale del Diritto Amministrativo Italiano, Milão, Giuffrè Editore, 1953, p. 306-308, conforme

citado por Guilherme Giacomuzzi (2013, p. 123)

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

37

Outro administrativista de expressão na Itália, Massimo Severo Giannini (1991, p.

112-115) cita como princípios decorrentes e complementares do princípio da legalidade, no

direito italiano: o princípio do acesso à justiça, o princípio da imparcialidade, o princípio da

regularidade e os princípios de garantia e organização. Segundo o jurista italiano, o princípio

do acesso à justiça desenvolveu-se modernamente para abarcar não apenas a possibilidade de

controle judicial dos atos administrativos no sentido de tutela dos interesses dos particulares,

mas também de “interesses legítimos”, o que seria uma das mais importantes conquistas da

ciência jurídica dos últimos séculos. Nenhuma menção é feita à moralidade administrativa.

Já a Constituição Espanhola de 1978, no seu Título IV, que cuida “Do Governo e

da Administração”, afirma, no artigo 103 que “la Administración Pública sirve con

objetividad los intereses generales y actúa de acuerdo con los principios de eficacia,

jerarquía, descentralización, desconcentración y coordinación, con sometimiento pleno a la

ley y al Derecho”. A seguir, versando sobre o controle da administração, no artigo 106, afirma

que “los Tribunales controlan la potestad reglamentaria y la legalidad de la actuación

administrativa, así como el sometimiento de ésta a los fines que la justifican”.

Portanto, na legislação espanhola, à parte não ter sido incluído o princípio da

moralidade no rol daqueles que regem a atividade administrativa, a referência à legalidade é

complementada pelo controle da submissão da administração aos “fins que a justificam”.

Embora não haja, nessa expressão, qualquer reminiscência a condicionantes morais, ela

expressar justamente a ideia de legitimidade supralegal, cujo papel é exercido pelo princípio

da moralidade no ordenamento brasileiro.

Tal assertiva é corroborada pela análise da Ley reguladora de la Jurisdicción

contencioso-administrativa de 1956, vigente de 28/06/1957 a 14/12/1998 em território

espanhol. O diploma definia o instituto do desvio de poder em seu artículo 83.3, assim

redigido: “constituirá desviación de poder el ejercicio de potestades administrativas para

fines distintos de los fijados por el Ordenamiento Jurídico”. A mesma definição foi repetida

na lei que a sucedeu, a Ley 29/1998, de 13 de julio, reguladora de la Jurisdicción

Contencioso-administrativa19

.

19 Esclareça-se que a referência feita por Guilherme Giacomuzzi na nota de rodapé n.º 303 (op. cit. 2013, p. 192)

encontra uma pequena inconsistência, dado que a definição de desvio de poder, na Lei Jurisdicional de 1956,

encontra-se no artigo 83.3, não no 70.2. Com efeito, é na Lei Jurisdicional de 1998, que sucedeu à lei de 1956,

que dita conceituação é repetida no artigo 70.2.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

38

Versando sobre essa norma do contencioso-administrativo espanhol, o catedrático

de direito administrativo da Universidade de Valladolid e destacado teórico espanhol do

direito público, García de Enterría20

(1962, p. 169-170) afirma que a Lei de 1956 introduziu,

pela primeira vez no ordenamento da Espanha e sem respaldo da jurisprudência, a técnica de

controle dos poderes discricionários pelo instituto do desvio de poder. Segundo o autor, o

direito espanhol se encontrava, na segunda metade do século XX, numa fase de redução dos

poderes discricionários a partir do controle dos elementos formais do ato administrativo,

incluindo o seu fim, fiscalizado pela técnica do desvio de poder – que não seria a forma de

controle mais substanciosa, na opinião do autor.

García de Enterría (1962, p. 169-176) especifica, então, três técnicas que seriam

mais efetivas no exercício do controle do poder discricionário, quais sejam: a) o controle dos

fatos determinantes; b) a distinção entre conceitos jurídicos indeterminados e sujeitos à

discricionariedade; c) o controle via princípios gerais do direito. Dentre esses, interessa a este

estudo, por ora, apenas o terceiro tipo, no qual se poderia pensar incluída a moralidade

administrativa. A segunda técnica será tratada mais adiante.

O autor espanhol ressalta que os princípios gerais de direito seriam princípios

jurídicos materiais que legitimam o Estado de Direito e exemplifica suas extensas

possibilidades de controle citando os princípios: da iniquidade manifesta, da irracionalidade,

da boa-fé, da proporcionalidade entre os meios e os fins e da natureza das coisas. Por fim,

argumenta que outros princípios se revelariam mais imediatos e operantes naquele

ordenamento, tais como o princípio da igualdade e todos os derivados dos direitos e

liberdades fundamentais. (ENTERRÍA, 1962, p. 176-179) Em nenhum momento, mais uma

vez, é sequer mencionado o princípio da moralidade administrativa ou qualquer condicionante

moral no controle da Administração Pública na Espanha.

Tal situação se repete no direito português. A Constituição da República

Portuguesa de 1976 abre o Título IX (“Administração Pública”) com o artigo 266º, intitulado

“Princípios fundamentais”. Na 1ª parte, explicita-se o caráter garantista da carta política ao se

afirmar que “a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito

pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Observa-se, mais uma vez, a

centralidade dada ao interesse público enquanto finalidade do atuar administrativo.

20 Em trabalho que recolhe o texto da conferência pronunciada pelo autor na Faculdade de Direito da

Universidade de Barcelona, no dia 2 de março de 1962, dentro do curso “O Poder e o Direito”, organizado pela

Promoción Manuel Ballbé daquele ano.

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

39

Já na segunda parte do artigo 266º, além da submissão à Constituição e à lei – que

pode ser traduzida enquanto princípio da legalidade –, elencam-se como regentes dos órgãos e

agentes administrativos do Estado português os princípios: da igualdade, da

proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé. A ausência da enunciação do

princípio da moralidade parece ter sido suficientemente suprida pela menção aos princípios da

justiça e da boa-fé, os quais também apontam para uma construção de sentido de normas para

além do positivado.

Tomando por base a Constituição da República Portuguesa de 1976, o

constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho (1999, p. 30-31) afirma que a dimensão do

Estado de direito encontra expressão jurídico-constitucional num complexo de princípios e

regras dispersos pelo texto constitucional. Além do já citado princípio da legalidade, expresso

no artigo 266º, o constitucionalista português identifica: o princípio da constitucionalidade

(artigo 3º); o controle judicial da constitucionalidade de atos normativos, a começar pelos de

valor legislativo (artigos 277º e seguintes); o princípio da responsabilidade do Estado por

danos causados aos cidadãos (artigo 22º); o princípio da independência dos juízes (artigo

218º) e os princípios da proporcionalidade e da tipicidade no domínio de medidas de polícia

(artigo 272º).

Aprofundando-se no caráter jurídico fundacional desses valores constitucionais, o

catedrático da Universidade de Coimbra contrapõe-se ao entendimento de que o Estado de

direito é uma forma de organização jurídica e política circunscrita aos Estados liberais do

Ocidente, adeptos de determinado paradigma jurídico, político, cultural e econômico, e afirma

que o Estado de direito seria uma forma de organização política em torno da chamada

juridicidade estatal. Essa, por sua vez, estaria calcada no governo de leis gerais e racionais, na

organização do poder segundo o princípio da divisão de poderes, o primado do legislador, a

garantia de tribunais independentes, o reconhecimento de direitos, liberdades e garantias, o

pluralismo político, o funcionamento do sistema organizatório estadual subordinado aos

princípios da responsabilidade e do controle e o exercício do poder estadual através de

instrumentos jurídicos constitucionalmente determinados. (CANOTILHO, 1999, p. 20)21

Igualmente, portanto, a doutrina e a constituição portuguesas demonstram ter

construído todo o sentido de juridicidade estatal passando ao largo da moralidade

administrativa e aparelhando o princípio do “governo das leis” com outros princípios de

21

Para um aprofundamento acerca desses princípios jurídicos informadores da juridicidade estatal, na visão de

Canotilho, conferir a obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2ª ed., Coimbra, 1998, p. 235-272.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

40

cunho ideológico supralegal, tais quais o da proporcionalidade e do pluralismo político. Outro

doutrinador português, Marcelo Caetano, chega a afirmar que a doutrina da moralidade

administrativa se encontra hoje abandonada, sendo majoritária a opinião de que a moralidade

está acautelada pela lei nos termos por essa estabelecidos. (GIACOMUZZI, 2013, p. 125)

2.2 A RELEITURA BRASILEIRA DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

2.2.1 Primeiras menções

A moralidade administrativa surgiu, no âmbito do direito pátrio, muito antes da

Constituição de 1988, contando com diversas referências na doutrina e jurisprudência

brasileiras, lastreadas nos estudos franceses. Um dos acórdãos pioneiros no cenário nacional a

adotar como fundamento a proteção à moral administrativa, foi o da Apelação Cível nº

151.580, julgada pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, em

01/03/1966, com relatoria de Cardoso Rolim.22

Tratava-se de uma apelação interposta por um

ex-tesoureiro da Caixa Econômica de São Paulo, demitido da autarquia, após o devido

procedimento administrativo, em virtude da emissão de cheque sem fundo contra a própria

instituição financeira. Buscando o reexame do mérito desse ato administrativo, o ex-

funcionário recorreu ao Judiciário, tendo por improcedente seu pleito em primeiro e segundo

graus.

Apreciando o caso, o TJSP não se limitou a afirmar a legalidade do ato

administrativo de demissão e o respeito ao princípio da separação de Poderes, que vedava ao

Judiciário imiscuir-se no mérito das decisões do Executivo e permitia-lhe apenas controlar a

apuração da falta segundo a lei, além da conformidade do ato à apuração administrativa. Por

unanimidade, recorrendo à doutrina de Hely Lopes Meirelles, a 1ª Câmara Cível decidiu que o

ato administrativo questionado era plenamente legal, tanto pela sua conformação à lei quanto

por atender à moral administrativa e ao interesse coletivo, pois “seria absolutamente contrário

22 Julgado publicado pela Revista de Direito Administrativo (RDA), vol. 89, jul./set. 1967. Rio de Janeiro:

Fundação Getúlio Vargas, p. 134-137.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

41

ao interesse público, reintegrar-se num cargo em que se exige a mais estrita probidade, pessoa

que levianamente emite cheque sem fundos”.

Nessa análise histórica, destaque-se a rica contribuição, para a doutrina brasileira,

dos estudos do promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, José Guilherme Giacomuzzi, cuja

dissertação de mestrado, defendida em dezembro/2000 na Universidade Federal do Rio

Grande do Sul – UFRS, foi publicada em forma de livro, com o título: “A Moralidade

Administrativa e a Boa-Fé da Administração Pública – o conteúdo dogmático da moralidade

administrativa”, obra de referência central para o presente trabalho.

Consoante mapeado por José Guilherme Giacomuzzi (2002, p. 32 e 128, 293-

294), a expressão “moralidade administrativa” não é nova no Direito Brasileiro, pois veio

mencionada “aqui e ali, ainda que tímida e circunstancialmente”, tal qual no art. 7º do Decreto

19.398, de 11/11/193023

. No âmbito da doutrina jurídica brasileira, José de Castro Nunes, em

1937, em obra acerca do mandado de segurança, tratando do cabimento do writ também nos

casos de excesso de poder, afirmou que a moralidade administrativa estava enquadrada na

legitimidade dos fins e motivos do ato administrativo e compunha, nas palavras do autor, a

“trilogia” da autoridade administrativa, junto à legalidade e à oportunidade. (CASTRO

NUNES, 1937, p. 132-133)

Outro doutrinador pátrio, Seabra Fagundes, referiu-se à moralidade administrativa

ainda em 1946, quando abordou a ação popular em artigo doutrinário24

. Ademais, pioneiro

nos estudos de Direito Administrativo no Brasil, Hely Lopes Meirelles já falava em

moralidade administrativa em 1964, desde a 1ª edição de seu clássico “Direito Administrativo

23 Trata-se do decreto que instituiu o “Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil”, após a

Revolução de 1930, que culminou com o golpe de Estado que levou Getúlio Vargas ao poder e ao fim da

República Velha no Brasil. O artigo citado é o seguinte: “Art. 7º Continuam em inteiro vigor, na forma das leis

aplicaveis, as obrigações e os direitos resultantes de contratas, de concessões ou outras outorgas, com a União, os

Estados, os municípios, o Distrito Federal e o Território do Acre, salvo os que, submetidos a revisão,

contravenham ao interesse público e á moralidade administrativa.” 24 “Da ação popular”, RDA 6/1-19, Rio de Janeiro, outubro/1946. Com efeito, a Lei n.º 4.717/65 ou Lei da Ação

Popular (LAP) prevê, em seu art. 2º, “e”, que os atos administrativos serão anulados quando eivados de desvio

de finalidade. A expressão remete-se à origem francesa da moralidade administrativa, a qual foi desde o início

identificada aos fins do ato administrativo. Tal vinculação se reflete na leitura da exposição de motivos da lei,

especialmente na citação de Seabra Fagundes, quando afirma que a ação popular é um “instrumento de colaboração para a moralidade da prática de governo”, e de Raphael Bielsa, ao asseverar que o autor da ação

popular: “É um cidadão que impugna o ato lesivo para o interesse geral, porque esse ato viola a lei ou prejudica

o patrimônio da entidade pública ou implica uma imoralidade ou restringe arbitrariamente a liberdade. (...) O

autor da Ação Popular é uma espécie de „cavaleiro cruzado‟ da legalidade e da moralidade pública. Nêle (SIC) se

vê uma expressão da solidariedade para com todos os cidadãos honestos ou animados de espírito cívico”. Fonte:

Exposição de Motivos nº 211-B-65 do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Dossiê do PL nº 2726/1965.

Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0233E038E64216ABAF3B96C81

00CC609.proposicoesWeb1?codteor=1196645&filename=Dossie+-PL+2726/1965> Acesso em 08/10/2016.

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

42

Brasileiro”. Hely adotara, então, sem reservas, as posições do advogado português Antônio

José Brandão, o qual escreveu um artigo intitulado “Moralidade Administrativa”,

originalmente publicado em 1947, no Boletim do Ministério da Justiça de Lisboa. Esse escrito

foi copiado para a nossa Revista de Direito Administrativo (RDA), volume 25, de 1951, por

meio da qual foi divulgado no Brasil e referenciado pela nossa doutrina, muitas vezes

acriticamente. (GIACOMUZZI, 2002, p. 131, 293-294)

No mencionado artigo, Antônio Brandão (1951, p. 454-467) disserta sobre o

desenvolvimento do conceito de moralidade administrativa, transcrevendo trechos das obras

de Hauriou e de dois de seus discípulos, Lacharrière e Welter, todavia sem referências

bibliográficas completas e imiscuindo os pensamentos desses autores às suas próprias

ponderações.

2.2.2 Tentativas dispersas de situar e conceituar a moralidade do ato administrativo

Antônio José Brandão, no artigo supracitado, reproduz a seguinte frase de Henri

Welter, da obra Le Contrôle Jurisdictionnel de la Moralité Administrative - Étude de Doctrine

et de Jurisprudence25

, como se fosse a chave para o desvelamento dos sentidos subjacentes ao

conceito em exame:

A moralidade administrativa, que nos propomos estudar, não se confunde com a

moralidade comum; ela é composta por regras da boa administração, ou seja: pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o bem

e o mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função

administrativa.

Insistentemente referenciada no âmbito doutrinário26

e jurisprudencial27

até os

dias de hoje, a máxima de Welter traz conceitos fluidos e abertos (“boa administração”, “bem

25 Cuidadosamente analisada por José Guilherme Giacomuzzi (2002, p. 295), que encontra o trecho em questão

na pág. 77 da citada obra, publicada em Paris pela Recueil Sirey, em 1929. 26 Por todos, considerando inclusive referência errônea ao autor da frase, confiram-se: MEIRELLES, Hely

Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 92; BRANDÃO,

Antônio José. Moralidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo (RDA). Rio de Janeiro, v. 25,

jul./set. 1951, p.459; MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração Pública. 10 ed. Rio de Janeiro: Elsevier,

2008, p. 19; LIMA, Rogério Medeiros Garcia. O Direito Administrativo e o Poder Judiciário. 2 ed. rev. atual e

ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 136; BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo

disciplinar. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 199. 27 TRF-3 - AC: 1199 SP 2002.61.14.001199-5, Relator: JUIZA RAMZA TARTUCE, Data de Julgamento:

08/03/2004, Data de Publicação: DJU DATA:06/04/2004, PÁGINA: 403 (inteiro teor); TRT-4 - ROREENEC:

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

43

e mal”, “ideia geral de administração” e “função administrativa”) que, longe de delimitarem o

sentido e a aferição da moralidade nas condutas praticadas no seio da Administração Pública,

carecem de uma extensa digressão conceitual – que quase nunca se segue à sua menção.

Assim, a moralidade administrativa permanece sendo referenciada no direito

brasileiro com base em referências de autores que fizeram referência aos autores franceses,

que se referem a termos igualmente indeterminados, sem ao menos ir-se consolidando uma

interpretação doutrinária orientada em torno de parâmetros concretos de análise.

O próprio Antônio Brandão, ao analisar o conceito proposto por Welter, julga que

dele resulta a “mais clara noção de moralidade administrativa”, em virtude da especificação

de que se trata de uma “moralidade especial”, distinta da moralidade comum (gênero do qual

aquela seria espécie), com caráter disciplinar, composta por juízos sobre o bem e o mal a

serem formulados a partir da concepção da função administrativa. A única ressalva que

Brandão faz acerca da precisão do conceito de Welter é no tocante à “boa administração”. Ele

afirma que, pelo contexto, a expressão trata da gestão administrativa, “que consiste em aplicar

normas de direito público, satisfazer intêresses (SIC) gerais mediante serviços burocráticos

apropriados e exercer poderes de polícia dentro dos próprios fins assinalados ao poder público

pela função administrativa”, de modo que a “boa administração” requereria o exercício do

senso moral comum juntamente com a não violação da ordem institucional. (BRANDÃO,

1951, p. 459)

À luz dessas ideias, o advogado português arremata que:

“(...) tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi

determinado por fins imorais ou desonestos, como aquêle (SIC) que desprezou a

ordem institucional e, embora movido por zêlo (SIC) profissional invade a esfera

reservada a outras funções, ou procura obter mera vantagem para o patrimônio à sua

guarda. Em ambos êstes (SIC) casos, os seus atos são infiéis à idéia (SIC) que tinha

de servir, pois violam o equilíbrio que deve existir entre tôdas (SIC) as funções, ou,

embora mantendo ou aumentando o patrimônio gerido, desviam-no do fim

institucional, que é o de concorrer para a criação do bem-comum.” (BRANDÃO, 1951, p. 459)

1083012 RS 01083.012, Relator: TÂNIA MACIEL DE SOUZA, Data de Julgamento: 04/11/1999, 12ª Vara do Trabalho de Porto Alegre (inteiro teor); TJ-MG - AC: 10143090224740001 MG, Relator: Belizário de Lacerda,

Data de Julgamento: 05/08/2014, Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/08/2014

(inteiro teor); TJPE – AC: 0420279-9 (Proc. Originário n.º 0000496-12.2013.8.17.1170), Relator Substituto:

Des. Alfredo Sérgio Magalhães Jambo, Data de Publicação: 01/02/2016 (inteiro teor); TJPE – AC: 0393663-2

(Proc. Originário n.º 0000654-67.2013.8.17.1170), Relator: Des. José Ivo de Paula Guimarães, Data de

Publicação: 05/10/2016 (inteiro teor); TJ-MG - AC: 10134110048896001 MG, Relator: Teresa Cristina da

Cunha Peixoto, Data de Julgamento: 28/11/2013,Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:

09/12/2013 (inteiro teor); entre tantas outras.

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

44

Observa-se, portanto, que Brandão enquadra como violação à moralidade

administrativa não apenas a conduta do administrador que age motivado por fins “imorais e

desonestos”, no sentido de contrários à moral comum (cujo conteúdo não é problematizado),

mas do administrador incompetente (que age fora de sua atribuição funcional) e daquele que

superpõe ao bem comum o patrimônio sob sua guarda, ou seja, prioriza o interesse público

secundário sobre o interesse público primário – sendo essas duas últimas condutas as

violadoras da “ordem institucional”.

Embora faça uma digressão autêntica sobre o conteúdo do princípio da

moralidade, Brandão parece estreitar em demasia os pormenores da moralidade, ao ponto de

enxergá-la violada até mesmo no vício de competência do ato administrativo, o qual em muito

dista da ideia inicial de controle dos móveis subjetivos do agente público.

Nessa senda, cabe relembrar que se pode constatar vício em qualquer dos cinco

elementos do ato administrativo: 1) competência (do sujeito), 2) forma, 3) finalidade, 4)

objeto e 5) motivo. Sobre o elemento motivo, Carvalho Filho (2016, p. 118) explica que se

subdivide em duas classes: motivo de direito e motivo de fato – o primeiro, a situação de fato

eleita pela norma legal como ensejadora da vontade administrativa; o segundo, a própria

situação de fato ocorrida no mundo empírico. Se a situação de fato já está delineada na norma

legal, trata-se de um ato vinculado ao motivo de direito; quando a lei não delineia a situação

fática que deve motivar determinada atuação estatal, o agente é que deve eleger ou não

determinado motivo de fato para subsidiar o ato administrativo, atendendo aos critérios da

conveniência e oportunidade, tratando-se de um ato discricionário.

Assim, havendo um motivo de direito, a violação do ato administrativo a esse

motivo seria uma questão de legalidade. Porém, havendo apenas um motivo de fato, eleito

como intencionalidade do ato administrativo pela discricionariedade do agente público, o

controle de legalidade restaria prejudicado, ao menos em seu aspecto formal, qual seja, de

conformação à lei escrita. Foi justamente visando ao controle dessa eleição de motivos de

fato, ou seja, da motivação dos atos discricionários da administração, não abarcados pela

noção formal de legalidade, que surgiu a ideia de moralidade administrativa.

Voltando às tentativas de conceituação da moralidade administrativa, outro autor

que propõe uma exegese bastante ampla do instituto, identificando sua violação em todos os

possíveis vícios de motivo e objeto do ato administrativo, é o advogado e professor titular de

Direito Administrativo da Universidade Cândido Mendes, Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

45

Ele busca situar a moralidade administrativa na escolha dos motivos e objetos do ato

administrativo, e não na intenção do agente – território da moral comum, para o autor. Assim,

o autor visa fugir ao subjetivismo da matéria, embora a partir de uma relação direta entre os

motivos e objetos do ato administrativo e o interesse público específico identificado com o

elemento finalidade.

Moreira Neto designa como vício de moralidade administrativa o fato de o agente

público praticar ato administrativo (contrato administrativo ou ato administrativo complexo)

fundando-se em motivo: a) inexistente28

; b) insuficiente29

; c) inadequado30

; d) incompatível31

;

ou e) desproporcional32

. Da mesma forma, para o autor, haverá vício de moralidade

administrativa se o agente público praticar ato administrativo (contrato administrativo ou ato

administrativo complexo) cujo objeto seja: a) impossível, fática e juridicamente33

; b)

desconforme34

; e c) ineficiente35

. (MOREIRA NETO, 1992, p. 11-14)

Porém, ao tentar restringir a análise da moralidade administrativa a fatores

“objetivos”, desvinculados dos móveis subjetivos do agente público, Moreira Neto deixa de

considerar, por exemplo, a possibilidade de tais vícios serem causados por equívocos ou

inabilidades do gestor. Dessa forma, pode-se concluir que a construção teórica de Moreira

Neto, assim como a de Antônio Brandão, ao tentar fugir ao subjetivismo da matéria, cai num

objetivismo que ignora a intenção do agente público, não diferenciando sua consciência e

vontade, afastando-se da noção de imoralidade proposta por Hauriou, no sentido de

desonestidade do agente público amparado pela lei formal.

Optando por uma abordagem ainda mais larga, Di Pietro (2001, p. 154) aduz que a

moralidade deve ser identificada na intenção do agente, nos meios de ação escolhidos por ele,

no objeto/conteúdo do próprio ato administrativo e, por fim, na sua interpretação. Ou seja, a

28 Cujo exemplo seria a concessão de período de férias remuneradas a servidor que já tenha gozado esse

benefício relativamente ao mesmo período. 29 Cujo exemplo seriam atos punitivos praticados exagerando-se o motivo. 30 Cujo exemplo seria a utilização de motivos indiciários para aplicar sanções extremas que, por sua própria

natureza categorial, exigiriam provas concludentes. 31 Cujo exemplo seria a retenção da carteira de habilitação de um motorista pela autoridade de trânsito porque em

seu veículo são encontrados petrechos de pesca predatória. 32 Cujo exemplo seria a retenção da carteira de habilitação apenas porque o agente de trânsito não se agradou de

uma atitude do motorista. 33 Cujo exemplo seria um prefeito que pretender estabelecer uma barreira sanitária para proibir o ingresso de

aidéticos em sua cidade. 34 Cujo exemplo seria um prefeito que, não satisfeito com a qualidade do ensino ministrado nas escolas

municipais, resolver encerrar as atividades escolares até que sejam admitidos novos professores. 35 Cujo exemplo seriam as encampações ideológicas de concessionárias de serviços públicos, tão dispendiosas

para os tesouros públicos quanto catastróficas para os usuários, embora vantajosas para a clientela política e para

a captação de votos radicais.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

46

moralidade administrativa deveria ser aferida durante todo o agir administrativo, desde a

concepção até a feitura e execução do ato. Tal afirmação nos remete à pergunta: o que se deve

buscar observar em todos esses momentos a fim de identificar a violação à moralidade

administrativa? A resposta, porém, parece ser dada pela autora apenas na forma de exemplos:

[Há imoralidade] quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum

de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à

boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade

entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os

benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades

públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. [...] Por isso mesmo a

imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas

legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa

de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. (DI PIETRO, 2001, p. 155)

Tal caminho doutrinário parece mais “seguro”, ao evitar polêmicas em torno da

conceituação e da indicação de critérios identificadores da moralidade administrativa. Outra

saída popular entre os doutrinadores é remeter o conteúdo da moralidade administrativa a

outros princípios ou normas da administração pública, muitas vezes sem se debruçar sobre o

significado desses, como se a simples vinculação da moralidade a outros institutos jurídicos

ou valores sociais sanasse sua indeterminação conceitual. É o que se percebe da leitura da

obra do administrativista brasileiro Celso Antônio Bandeira de Mello, ao relacionar a

moralidade administrativa aos conceitos de lealdade e boa-fé:

De acordo com ele [o princípio da moralidade administrativa], a Administração e

seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará

violação ao próprio Direito, configurando ilicitude e assujeita a conduta viciada a

invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na

conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é

evidente, o chamado os princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente

encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Perez em monografia preciosa.

Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em

relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer

comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos. (MELO, 2013,

p. 122-123)

Esse padrão repete-se nos escritos de administrativistas de renome na matéria, tais

como Juarez de Freitas e Carmem Lúcia Antunes da Rocha, que discorrem sobre a moralidade

administrativa remetendo-a a valores sociais como honradez, lealdade, honestidade e justeza,

conforme ilustrado nos trechos abaixo destacados:

Decerto, o princípio determina que se trate a outrem do mesmo modo ético pelo qual

se apreciaria ser tratado, isto é, de modo virtuoso, honesto e leal. [...]. Tudo no

combate contra qualquer modalidade de corrupção ou de lesão exclusivamente

moral e imaterial provocada por intermédio das condutas omissivas e comissivas dos

agentes públicos, destituídas de probidade e honradez. (FREITAS, 2012, p. 87-88)

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

47

Pelo princípio da moralidade administrativa, põe-se a conduta administrativa

conformada aos valores de honestidade e justeza devida a cada qual dos cidadãos e

dos administrados na base das condutas públicas. Quer-se por ele atingir-se a

juridicidade administrativa justa, a dizer, havida com a justeza determinada segundo

os paradigmas do Direito traçados como norte e limite da atuação dos agentes da

Administração Pública. A moralidade administrativa desempenha, então, um papel

preponderante e diretivo na garantia dos direitos subjetivos dos administrativos no

exercício do poder manifestado pela função administrativa. (ROCHA, 1997, p. 9-10)

A respeito de conceituações como essas, José Guilherme Giacomuzzi afirma que

compor o sentido da moralidade com noções, conceitos ou princípios tais como os de

interesse público, proporcionalidade e razoabilidade, significa apenas dar a uma mesma

realidade fenomênica nomenclatura diversa. (GIACOMUZZI, 2013, p. 175)

Percebe-se, portanto, a dificuldade dos doutrinadores em apontar um conteúdo ou

uma definição mais tangível ou específica acerca do princípio da moralidade, bem como sobre

em quais elementos do ato administrativo repousaria a violação a esse princípio. Resta, assim,

inviabilizada a segurança jurídica de sua aferição no caso concreto.

2.2.3 Moralidade X Legalidade

A doutrina brasileira mostra-se dividida entre a independência,

complementariedade ou sobreposição entre os princípios da moralidade e da legalidade.

A corrente que advoga a superposição da legalidade sobre a moralidade segue o

pensamento de Márcio Cammarosano (2006, p. 24-25, 81-83 e 114), segundo o qual não se

pode admitir que a moralidade referida na Constituição diga respeito às regras da moral

comum retiradas do corpo social, visto que o objetivo maior do direito seria a segurança

jurídica, alegadamente incompatível com o caráter mutável e fluido das disposições morais.

Ademais, admitir que as regras jurídicas poderiam ser determinadas pelas regras morais seria

um esvaziamento da função do legislador. Por essa razão, violar a moralidade administrativa

seria violar o direito, uma questão de legalidade, na medida em que a só violação de preceito

moral não juridicizado não implicaria invalidade do ato.

Mostram-se adeptos desse entendimento, tributando a definição de moralidade

administrativa à de legalidade, Maria Goretti Dal Bosco e Celso Antônio Bandeira de Mello: a

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

48

primeira ressalta a superação da doutrina de Hauriou, e o segundo aduz que a moralidade é

um reforço à legalidade, conforme se observa dos trechos infra:

(...) a visão de moralidade, oferecida pela doutrina de Maurice Hauriou, está

superada, e dá lugar, modernamente, à idéia de que a moralidade se acha acautelada

pela lei nos termos por ela estabelecidos. No Direito Administrativo, como em

qualquer outro ramo de Direito, a Moral só vale na medida em que, sendo recebida pela norma jurídica e como conteúdo desta, passe a beneficiar da sanção peculiar da

ordem jurídica, em lugar de ficar limitada às suas sanções peculiares (reprovação das

consciências). (DAL BOSCO, 2004, p. 98)

Quanto a nós, também entendendo que não é qualquer ofensa à moral social que se

considera idônea para dizer-se a ofensiva ao princípio jurídico da moralidade

administrativa, entendemos que este será havido como transgredido quando houver

violação a uma norma de moral social que traga consigo menosprezo a um bem

juridicamente valorado. Significa, portanto, um reforço ao princípio da legalidade,

dando-lhe um âmbito mais compreensível do que normalmente teria. (MELLO,

2013, p. 123)

A segunda corrente, seguida por juristas eminentes como Oswaldo Aranha

Bandeira de Mello (2012), Marçal Justen Filho (1995), Manoel de Oliveira Franco Sobrinho

(1993), Weida Zancaner (2001) e Maria Sylvia Di Pietro (2001), afirma que a moralidade

possui conteúdo próprio, autônomo, extraído dos valores éticos existentes na sociedade, os

quais comporiam latentemente os preceitos legais. Tal pensamento é ilustrado pelos trechos a

seguir:

“(...) pode perfeitamente ocorrer que a solução escolhida pela autoridade, embora

permitida pela lei, em sentido formal, contrarie valores éticos não protegidos

diretamente pela regra jurídica, mas passíveis de proteção por estarem subjacentes

em determinada coletividade. [...]

Por isso mesmo, a discricionariedade administrativa, da mesma forma que é limitada

pelo Direito, também o é pela Moral; dentre as várias soluções legais admissíveis, a Administração Pública tem que optar por aquela que assegure o mínimo ético da

instituição.” (DI PIETRO, 2001, p. 161-162)

“Hão de dizer que a legalidade é um fenômeno de normatividade legal. Mas não é

bem assim. As dúvidas podem atingir até a própria manifestação da vontade. Uma

vez que na formação da vontade há um fator maior de interesse social e de natureza

jurídica. A questão da vontade, não obstante ser psicológica, envolve

condicionamentos de licitude e de comportamento, de conduta e de procedimento

legal permitido.

Nesse fator de maior interesse, o fator constitucional determinante, está o sentido da

moralidade, isto é, um sentido de direito que excede o próprio conceito de

legalidade. Uma vez que o poder administrativo, como direito de decidir, agir e

ordenar, está rigorosamente cingido, nas sociedades políticas, à lei e à moral.” (FRANCO SOBRINHO, 1993, p. 84)

Para essa última corrente, defender a amplitude e a dignidade normativa do

princípio da moralidade não implica favorecer uma regência estrita do ordenamento jurídico

pelo regramento moral, uma derrogação de normas jurídicas por regras morais ou mesmo um

atuar em desprezo das normas positivas e em atenção a conceitos morais intrínsecos

(moralidade íntima). A defesa da autonomia da moralidade importaria, sim, a incidência de

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

49

parâmetros morais na orientação finalística da conduta do agente (MOREIRA, 2008, p. 101),

todavia, reconhecendo que o princípio da moralidade é um princípio jurídico “em branco”,

uma vez que seu conteúdo não se exaure em comandos concretos e definidos, mas contempla

a determinação da “observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, variáveis

segundo as circunstâncias de cada caso”. (JUSTEN FILHO, 1995, p. 50)

No entanto, por vezes, os doutrinadores evitam defender a existência de uma

superposição entre legalidade e moralidade, tentando conciliar a importância de ambos os

princípios, formando uma terceira corrente que ora enfatiza o viés da legalidade enquanto

juridicidade – ideia que congrega a noção de legalidade, legitimidade e moralidade, conforme

defendido por Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2014)36

–, ora salienta a posição da

moralidade e da legalidade como superprincípios, tal qual sustentado por Márcia Noll

Barboza (2002)37

.

Situando-se nesse terceiro escopo conciliador da importância dos princípios da

moralidade e da legalidade, merece destaque, mais uma vez, o posicionamento de José

Guilherme Giacomuzzi, que se posiciona, em termos práticos, quanto à interpretação jurídica

do instituto da moralidade administrativa. Sem pretender negar-lhe autonomia própria ou

descartá-la como cânone interpretativo do direito, o autor assevera que todo esforço de

desvincular a ideia de moralidade administrativa da de legalidade, emprestando à moralidade

um sentido subjetivo no controle dos móveis do agir administrativo ou do exame dos fatos,

motivos ou objeto do ato, será vão quando se interpreta o princípio da legalidade em sentido

lato ou substancial. (GIACOMUZZI, 2013, p. 146-147)

Para conceituar a legalidade substancial, Giacomuzzi (2013, p. 124) remete à

teoria do italiano Renato Alessi38

, segundo o qual a substância da legalidade não estaria na

causa do ato administrativo – nem, portanto, na intenção do agente – mas no interesse público

concreto, termo extrínseco oferecido pela lei com o fim de limitar, para a tutela tanto do

36 “O princípio da juridicidade, como já o denominava Adolf Merkl, em 1927, engloba, assim, três expressões

distintas: o princípio da legalidade, o da legitimidade e o da moralidade, para altear-se como o mais importante

dos princípios instrumentais, informando, entre muitas teorias de primacial relevância na dogmática jurídica, a

das relações jurídicas, a das nulidades e a do controle da juridicidade O princípio da juridicidade corresponde ao que se enunciava como um „princípio da legalidade‟, se tomado em sentido amplo, ou seja, não se o restringindo

à mera submissão à lei, como produto das fontes legislativas, mas de reverência a toda a ordem jurídica”

(MOREIRA NETO; FREITAS, 2014, p. 5) 37 “O quadro por nós figurado, assim, é o de um superprincípio – o princípio da moralidade administrativa – que,

em posição elevada, ilumina e reforça todos os demais princípios do regime jurídico administrativo, inclusive o

da legalidade, que também ocupa posto elevado, aparecendo como exigência de conformidade ao direito. De

acordo com esse quadro, portanto, ambos os imperativos se colocam como superprincípios no regime jurídico

administrativo, a ele conferindo qualidade formal e substancial.” (BARBOZA, 2002, p. 123) 38 Instituciones de Derecho Administrativo, vol. I, Barcelona, Bosch, 1970, p. 277-278.

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

50

citado interesse público como dos indivíduos, o poder de ação da Administração Pública de

uma maneira mais estrita que o poder de ação do sujeito privado no direito privado. Assim, o

uso de todo poder de ação administrativa estaria subordinado, por lei, à existência concreta de

um interesse público na medida, na natureza e no grau determinado pela norma.39

Dessa forma, para José Guilherme, compreendendo-se a legalidade de uma forma

ampla e atentando-se para sua realização a partir do alcance do interesse público concreto em

cada ato administrativo, conforme a teoria de Renato Alessi, seria inútil buscar uma definição

particular para a moralidade administrativa, uma vez que seu escopo repousaria justamente no

controle da finalidade do ato administrativo – desvio de finalidade – para além da legalidade

formal, em nada acrescentando à legalidade substancial daquela forma conceituada.

Tal posicionamento, porém, recorde-se, vai de encontro ao que o próprio Hauriou

afirmou em seu “Précis de droit administratif et de droit public”, tomando-se a legalidade

substancial enquanto o espírito da lei. Segundo o publicista francês, “o espírito da lei é o

limite a impor aos direitos no interesse da justiça; o espírito da moralidade é a diretiva a impor

aos deveres no interesse do bem; há uma distância entre o que é justo e o que é bom”,

portanto, afirma ser “evidente que a moralidade administrativa ultrapassa a legalidade e, por

consequência, o desvio de poder ultrapassa em profundidade de ação a violação da lei”.

(HAURIOU, 1927, p. 419-420)

Tais controvérsias entre a ideia inicial da moralidade administrativa, frente à

legalidade, e seus diversos desenvolvimentos na doutrina jurídica colocam em cheque a

existência de um consenso mínimo acerca do conteúdo e da construção de sentido da

moralidade administrativa, hábil a proporcionar a segurança jurídica de sua aplicação.

2.2.4 Moralidade administrativa X Moralidade comum

39 A referência aqui ao princípio do interesse público em muito se diferencia das simples e vazias menções feitas

por grande parte dos administrativistas brasileiros, uma vez que, neste particular, remete aos estudos abalizados

de Renato Alessi, amplamente difundidos no campo do direito público, tendo consagrado, inclusive, as

categorias do interesse público primário e do interesse público secundário. Para maior aprofundamento sobre o

tema, conferir: ALESSI, Renato. Sistema Istituzionale del diritto amministrativo italiano. Milano: Dott. Antonio

Giuffrè Editore, 1953.

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

51

Desde sua sistematização na doutrina jurídica francesa, o conceito de moralidade

administrativa desenvolveu-se no sentido de notabilizar uma moral administrativo-jurídica,

que não se confunde com a moral comum (ou “as morais comuns”), visto que esta regeria o

homem em suas relações em sociedade, de maneira geral, enquanto aquela regularia mais

especificamente os agentes públicos em seu atuar dotado de munus estatal.

Não obstante a dicotomia entre moralidade administrativa e moralidade comum,

reconhece-se certa interdependência entre ambas, devido às suas influências recíprocas, as

quais não descuidam da diferenciação entre o sistema moral e o sistema jurídico:

É bem verdade que o direito positivo está repleto de normas que se utilizam de

conceitos jurídicos indeterminados, retirados do mundo da cultura e dos valores, de

sorte que o intérprete dessas normas não pode voltar as costas para dados que deve

recolher desses mesmos mundos para fixar seu sentido e alcance, bem como para

avaliar situações de fato, detectando quais delas ficam sob a incidência dessas

mesmas normas. Mas uma coisa é interpretar normas que desses conceitos se valem,

e que deles não podem abusar, e outra bem diferente é recolher de ordens normativas

não jurídicas supostas normas de comportamento que se queira aplicar como se

jurídicas tivessem passado a ser por força do princípio constitucional da moralidade. (CAMMAROSANO, 2006, p. 37)

Todavia, num Estado democrático, o princípio da moralidade administrativa só

pode se reportar à moral comum que a ordem constitucional prioriza, expressa e.g. nos valores

supremos da liberdade, certeza e segurança jurídica, não à existência de uma só moral,

absoluta e objetivamente identificável. (CAMMAROSANO, 2006, p. 43)

Ora, se é certo que os indivíduos são livres para adotarem, em seu comportamento

social, os valores e preceitos morais que mais lhes apeteçam (moral interior), é também

inegável, diante das inúmeras diferenças culturais entre os vários povos e, até mesmo, diante

das diversas classes sociais ou grupos de interesse dentro de um único povo, que o referido

conceito subjetivo de moral não é unívoco e, portanto, não pode ser alçado à categoria de

moral absoluta.

Por outro lado, a positivação de determinadas normas jurídicas em cada

ordenamento, ainda que de conteúdo bastante indeterminado, aponta para a consagração de

certos valores morais específicos em cada ordem jurídica, os quais devem guardar

consonância com as demais regras e princípios desse mesmo ordenamento, sem deixar de

remeter aos valores morais que permanecem em voga na sociedade para além do direito.

Sobre essa interlocução direta entre direito e moral, pondera Juarez Freitas:

É o mútuo relacionamento dos princípios e dos direitos fundamentais que justifica a

aludida vinculação entre Direito e Moral: nesse sentido, o constituinte acolheu a

melhor postura, ao incorporar o princípio da moralidade, mas sem intentar o absurdo

monismo pleno (equívoco que representaria a negação dos demais princípios).

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

52

Ao mesmo tempo, não se acolhe a mera positivação da moralidade: realiza-se

autêntica proclamação da eficácia direta e imediata desse princípio como inerência

do direito fundamental à boa administração pública, de modo que a probidade tem

de ser considerada em toda e qualquer hierarquização tópico-sistemática, na tomada

de decisões administrativas, vale dizer, em toda justificação eficiente, eficaz e

moralmente universalizável. (FREITAS in JORGE et al, 2010, p. 356)

Deveras, ao abarcar as noções de moralidade dentro do ordenamento jurídico e do

controle da Administração Pública, a moralidade administrativa vai além da moralidade

comum e estabelece uma conexão entre as esferas do político, do moral e do jurídico.

(CADEMARTORI, 2008, p. 173) Assim, seu estudo nas constituições axiológicas modernas

parte do pressuposto de que está superada a postura infecunda que entendia o direito e a

moralidade como sistemas sociais isolados ou inconciliáveis40

.

2.3 A PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA NA

FORMA DE PRINCÍPIO

2.3.1 Uma relevância sem precedentes

Observa-se a referência expressa à moralidade ou moral administrativa em apenas

duas Constituições de países desenvolvidos: a colombiana, de 1991, e a brasileira, de 1988.

(GIACOMUZZI, 2002, p. 291)41

Ambas possuem o viés axiológico, consagrando a proteção a

40

Para um aprofundamento da ideia de interdependência entre os sistemas sociais que compõem a sociedade

moderna, numa abordagem universalista, conferir a extensa obra do sociólogo Niklas Luhmann. Ele observa a

sociedade como um sistema formado por comunicações, organizadas em subsistemas sociais, entre os quais

estariam direito, moral, educação, religião, arte, economia e poder (política), por exemplo. Cada subsistema

funcionaria de maneira autopoiética, com a seleção e o processamento interno de informações orientado em

torno de códigos binários específicos (e.g., lícito/ilícito para o direito, ter/não-ter para a economia), e possuiria

dois aspectos: um estrutural, compreendendo suas fronteiras e elementos sistêmicos, e um funcional, referente às

interações do sistema com o meio, formado pelos outros subsistemas sociais. A interrelação entre os subsistemas

aconteceria por meio de um acoplamento estrutural, em que as estruturas individuais de cada sistema seriam

preservadas, mas enfrentariam a abertura de um espaço para irritações comunicativas vindas de outros

subsistemas, a serem processadas pelas operações estruturais do próprio subsistema, num processo denominado

abertura cognitiva. Essa constante interação sistema/entorno garantiria a continuidade dos processos de comunicação na sociedade. (LUHMANN, 2007, p. 40-55) 41

As demais Constituições Nacionais, quando se referem à moralidade, fazem-no em sentido abrangente, o qual

mais se aproxima da moralidade comum aos cidadãos, em atividades de cunho social por eles desenvolvidas, que

da moralidade exigida nas condutas dos agentes públicos. É o que se observa, por exemplo, na Constituição

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

53

esse instituto como garantia fundamental dos cidadãos, a ser exercida por meio da ação

popular (ou acción popular). Na Carta brasileira, essa previsão encontra-se no Capítulo I (Dos

Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) do Título II (Dos Direitos e Garantias

Fundamentais), mais precisamente no artigo 5º, LXXIII42

. Já na Carta Colombiana, referência

semelhante está no Título II (De Los Derechos, Las Garantías Y Los Deberes), Capítulo 4 (De

La Protección Y Aplicación De Los Derechos), Articulo 8843

.

Na feição de princípio, também a moralidade administrativa encontra previsão

análoga em ambas as Constituições. Na nossa Constituição Cidadã, dito princípio encontra-se

consagrado no artigo 37, caput, incluído na Seção I (Disposições Gerais), do Capítulo VII (Da

Administração Pública), do Título III (Da Organização Do Estado)44

. Na Constitución

Política, encontra-se a disposição da moralidade enquanto princípio de conduta da

Administração Pública no Artículo 209, Capítulo V (De La Funcion Administrativa), Título

VII (La Rama Ejecutiva).45

Embora os dispositivos que tratem da ação popular numa e noutra Constituições

possuam o mesmo caráter abrangente de direito conferido a todo cidadão, nos dispositivos

que tratam da moralidade enquanto princípio, de pronto, verifica-se uma diferença

substancial: a Constituição colombiana impõe o dever de moralidade à função pública situada

no âmbito da Rama Ejecutiva, ou seja, do Poder Executivo, enquanto a Constituição brasileira

faz expressa menção à moralidade enquanto dever da Administração Pública exercida por

todos os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Portanto, a previsão constitucional

Venezuelana, em seu Artículo 104, do Capítulo VI (De los Derechos Culturales y Educativos), Título III (De los

Derechos Humanos y Garantías, y de los Deberes), a seguir transcrito: “La educación estará a cargo de

personas de reconocida moralidad y de comprobada idoneidad académica. El Estado estimulará su

actualización permanente y les garantizará la estabilidad en el ejercicio de la carrera docente, bien sea pública

o privada, atendiendo a esta Constitución y a la ley, en un régimen de trabajo y nivel de vida acorde con su elevada misión. El ingreso, promoción y permanencia en el sistema educativo, serán establecidos por ley y

responderá a criterios de evaluación de méritos, sin injerencia partidista o de otra naturaleza no académica.”

(Grifo nosso) 42 “LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao

patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e

ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus

da sucumbência;” (Grifo nosso) 43

“Artículo 88. La ley regulará las acciones populares para la protección de los derechos e intereses

colectivos, relacionados con el patrimonio, el espacio, la seguridad y la salubridad públicos, la moral

administrativa, el ambiente, la libre competencia económica y otros de similar naturaleza que se definen en

ella.” (Grifo nosso) 44

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]” (Grifo nosso) 45

“Artículo 209. La función administrativa está al servicio de los intereses generales y se desarrolla con

fundamento en los principios de igualdad, moralidad, eficacia, economía, celeridad, imparcialidad y publicidad,

mediante la descentralización, la delegación y la desconcentración de funciones.” (Grifo nosso)

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

54

brasileira é mais ampla que a colombiana, no que diz respeito ao destinatário do dever de

respeito ao princípio da moralidade administrativa.

Pode-se afirmar, portanto, que a moralidade administrativa possui, no Brasil, uma

expressividade jurídico-constitucional sem precedentes nos ordenamentos jurídicos mundiais.

Por essa razão, impõe-se aprofundar-lhe mais o sentido em cada dispositivo da Constituição

brasileira que a consagra.

2.3.2 O princípio constitucional da moralidade administrativa: conceito indeterminado

ou discricionário?

Com o fortalecimento de um novo modelo estatal garantista, o do Estado

Democrático e Social de Direito, surgiram as chamadas Constituições programáticas ou

dirigentes, voltadas à implementação de políticas públicas e demandando uma nova

harmonização e otimização do sistema jurídico, a fim de permitir a efetivação dos direitos

fundamentais. Entre outros objetivos, tais constituições buscam resgatar a utilização de cargas

valorativas dentro dos âmbitos de aplicação e interpretação jurídica, como diretrizes que

consistem parte integrante e indissociável do ordenamento, dentre as quais exsurgem

justamente os princípios jurídicos.

O princípio é um mandamento nuclear que se irradia sobre as diferentes regras e

funciona como alicerce do sistema normativo, compondo-lhe o espírito e servindo de critério

para sua exata compreensão e inteligência, por definir a lógica e a racionalidade de todo o

sistema, outorgando-lhe sentido harmônico (MELLO, 2013, p. 54). Veicula, assim, diretivas

comportamentais de maior grau de generalidade quando comparados às regras, embora estas e

aqueles devam ser aplicados em conjunto. Os princípios implicam, ademais, um agir positivo,

direcionado à consecução dos valores que integram o sistema, e um agir negativo, na

interdição da prática de qualquer ato que se afaste de tais valores. (GARCIA, 2002, p. 156)

Existe, pois, um elevado grau de abstração e dispersão do conteúdo de um

princípio dentro do ordenamento jurídico. Tal circunstância dificulta que se identifique se ou

quando há violação a um princípio específico. Para Juarez Freitas (in JORGE et al, 2010, p.

356), para ser considerada, dita violação deve ser grave ao ponto de atingir o âmago do

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

55

princípio violado, o qual precisa ser alvejado, não remota ou mediatamente, mas em seu

círculo eficacial próprio.

Acerca do princípio da moralidade administrativa, já se aduziu que ele segue a

feição dada à moralidade dentro do direito, passando a ser aceito como critério de conduta a

ser efetuado em total consonância com o conteúdo axiológico dos direitos fundamentais,

numa forma logicamente coerente de estabelecer a conexão entre as esferas do político, do

moral e do jurídico. (CADEMARTORI, 2008, p. 173) Contudo, não se pode considerá-lo

malferido em virtude de qualquer ofensa à chamada “moral social” (sob qualquer hipótese

unívoca). Para que se considere transgredido esse princípio, é necessário que haja violação a

uma norma de moral social que traga consigo menosprezo a um bem juridicamente valorado.

(MELLO, 2013, p. 123)

Percebe-se que a violação à moralidade enquanto princípio remete-se

inevitavelmente aos valores consagrados no ordenamento jurídico que o abriga, nos bens

jurídicos albergados por cada sistema normativo, a partir dos direitos e garantias fundamentais

juridicamente reconhecidos. Dessa forma, o estudo do alcance e da violação do princípio em

exame aponta a relevância de se fazer uma digressão acerca das normas que protegem a

moralidade em nosso sistema normativo.

Sabe-se, porém, que a moralidade administrativa é um conceito indeterminado,

pois não se encontra definido na Constituição nem nos diplomas que o regulamentam – nem

poderia estar, sob o risco de se deliberadamente limitar sua abrangência, propositadamente

larga. Todavia, o fato de esse princípio não ter uma definição taxativa não significa que ele

pode ser invocado sob os auspícios de cada aplicador do direito.

García de Enterría explana essa diferença fundamental, que para ele representa um

dos aportes mais importantes da ciência jurídica alemã dos últimos tempos: a distinção entre

discricionariedade e indeterminação dos conceitos jurídicos. Os conceitos indeterminados ou

normas flexíveis – boa-fé, ordem pública, bons costumes, fidelidade, respeito, coação

irresistível, entre outros – são consubstanciais a toda a técnica jurídica e sua indeterminação

decorre do fato de que a medida concreta para sua aplicação em um caso particular não

resolve ou determina com exatidão a própria lei que os previu ou de cuja aplicação trata.

Porém – e isso é essencial –, sua incidência no caso concreto não admite meios termos, e.g.,

ou se agiu com boa-fé ou não, ou se preservou a ordem pública ou não, de modo a supor uma

única solução justa a cada caso. (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1962, p. 171)

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

56

Por outro lado, a discricionariedade parte do pressuposto de que há uma

pluralidade de soluções justas possíveis ao seu exercício, sendo todas essas passíveis de

escolha pelo administrador. Dessa forma, o poder discricionário perfaz um processo volitivo

de discricionariedade ou de liberdade de eleição entre indiferentes jurídicos, diferentemente

do conceito indeterminado, que, dada sua perspectiva de alcançar a solução justa, deve ser

aplicado por referência a critérios de valor ou de experiência, a serem ponderados

juridicamente, segundo o sentido da lei que o prevê e as consequências reais de sua aplicação.

Portanto, a constatação de se um conceito jurídico indeterminado se aplica ou não a cada caso

perfaz um juízo de ponderação, aplicação e interpretação da lei e de subsunção às categorias

de um dado concreto, sendo, assim, um processo regulado, nunca discricionário. (GARCÍA

DE ENTERRÍA, 1962, p. 172)

Já se explanou que a ideia de moralidade administrativa nasceu no mundo jurídico

visando controlar a intenção do agente, quando refletida em finalidades metajurídicas

irregulares do ato administrativo. Porém, observa-se na doutrina grande disparidade de

opiniões, remissões, comparações e conceituações acerca da moralidade administrativa,

frequentemente reduzida a um posicionamento subjetivo sobre o que seja “moral” no contexto

da sociedade contemporânea.

Pode-se dizer, portanto, que focar a aplicabilidade do princípio em tela apenas

num exame subjetivo da finalidade do ato administrativo significaria reduzir o alcance de sua

previsão constitucional, uma vez que põe em risco a confiabilidade de sua aplicação – e,

consequentemente, a segurança jurídica sobre os atos que implicam sua violação e ensejam a

respectiva sanção. Por outro lado, sendo a moralidade um conceito indeterminado por

natureza, defini-lo taxativamente implicaria também reduzir sua abrangência, uma vez que

cada caso suscita uma determinada solução justa e defini-lo a partir de um viés específico, por

exemplo, as categorias de vícios nos elementos do ato administrativo, pode levá-lo a não

cumprir sua função principiológica de standard interpretativo, nem sua finalidade original de

controle da intenção do agente público para além de critérios legalmente postos.

Apesar de tantos contrapontos, ainda cumprindo sua condição de conceito

indeterminado conforme a exegese de García de Enterría, a interpretação sobre a satisfação da

moralidade administrativa no caso concreto demanda que se encontre uma solução justa

adequada. Trata-se de um conceito que busca respostas, assim como o próprio direito. Toca o

campo subjetivo do poder administrativo mas não pode se resumir a análises subjetivas do

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

57

arbítrio do julgador nem a conceitos objetivos estreitos, sob pena de lhe ferir a aplicabilidade

casuística.

Desse modo, parece-nos que o labor de identificar a violação à moralidade

administrativa se amolda mais à busca de critérios e balizamentos objetivos que de análises

subjetivas ou definições taxativas, a fim de instruir o jurista e o cidadão na interpretação

casuística desse princípio. Eis o grande desafio da doutrina, legislação e jurisprudência – pelo

visto, apenas – brasileiras: perquirir sobre a possibilidade de condicionantes objetivas para a

identificação do respeito ou da violação à moralidade dos atos administrativos; isto é, para

além da ontologia do conceito, encontrar-lhe balizamentos de aplicação prática.

2.3.3 As diferentes feições da moralidade administrativa na Constituição Cidadã e as

lacunas de sentido nos diplomas legais que regulamentam a matéria

Analisando-se o texto da Carta de 1988, observa-se que a moralidade

administrativa encontra previsão nos já citados artigos 37, caput, sob a feição de princípio, e

5º, LXXIII, sob a égide de direito fundamental de todo cidadão. Também é importante a

referência do artigo 14, §9º, à moralidade enquanto dever político-administrativo.

Prevista no artigo 37, caput, ao lado dos princípios da legalidade, impessoalidade,

publicidade e eficiência, o mandatório de moralidade na atuação dos administradores públicos

ganhou proteção legal em vários notáveis diplomas, dentre os quais destacam-se a Lei de

Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) e a Lei dos Processos Administrativos Federais

(Lei nº 9.784/99).

Fundamental à efetivação do princípio em tela, especialmente diante do cenário de

escândalos de corrupção que minam a credibilidade dos agentes públicos perante a sociedade

brasileira, a Lei nº 8.429/92, em seu artigo 11, estabelece como ato de improbidade

administrativa a violação aos cinco princípios da Administração Pública e aos deveres de

honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, elencando um rol

exemplificativo desses atos ímprobos, nos incisos do dispositivo. Ademais, o diploma em

comento define quais entes fazem parte da Administração Pública e, consequentemente,

podem ser vítimas de atos de improbidade, bem como quem pode ser considerado agente

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

58

público e, nessa condição, possível infrator daqueles mesmos princípios e deveres públicos.

Observe-se que, embora a Lei nº 8.429/92 esclareça alguns pontos relacionados ao

princípio da moralidade administrativa, mormente quem pode ser agente e quem pode ser

vítima de sua violação, a conceituação e exemplificação do artigo 11 é feita indistintamente

quanto a todos os princípios da Administração Pública e, ainda, a alguns chamados deveres,

que possuem conceituação também abstrata. Portanto, a Lei de Improbidade contribui muito

timidamente para a fixação de um balizamento conceitual sobre o princípio da moralidade

administrativa.

Já a Lei dos Processos Administrativos Federais dispõe, no artigo 2º, que a

Administração Pública obedecerá ao princípio da moralidade e a outros princípios caros à

processualística brasileira, exemplificando, no parágrafo único, os critérios a serem

observados pelos administradores na condução dos procedimentos em âmbito federal. Assim

como no artigo 11 da Lei nº 8.429/92, os critérios são mencionados sem qualquer distinção de

qual(is) princípio(s) seria(m) violado(s) por seu descumprimento. Dessa forma, pode-se

apenas inferir, pelo senso comum, por exemplo, que os deveres de atendimento objetivo ao

interesse público, vedada a promoção pessoal do agente público, e de atuação segundo

padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé dizem respeito diretamente ao princípio da

moralidade.

No tocante à referência do artigo 14, §9º, da Constituição Cidadã, observa-se que

a proteção da moralidade para o exercício de cargos eletivos foi incluída nesse dispositivo,

junto com a proteção à probidade administrativa, a partir da Emenda Constitucional de

Revisão nº 4, de 199446

. A recente mudança denota uma preocupação do constituinte

derivado, nas últimas décadas, com o alargamento da aplicação do princípio da moralidade às

diversas atuações no âmbito público, incluindo a política.

Trata-se não de uma previsão abstrata, mas de uma exigência concreta e

individualizada ao político eleito para exercer mandato eletivo, cuja vida pregressa será

considerada para se verificar se seu “histórico moral” é compatível com o exercício desse

mandato. A Constituição previu a edição de lei complementar para regulamentar tais casos de

inelegibilidade, uma vez que tal juízo não poderia ocorrer sob o manto da discricionariedade

46

Antes da Emenda Constitucional nº 4/1994, a redação do dispositivo era a seguinte: “§ 9º Lei complementar

estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e

legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou

emprego na administração direta ou indireta.”

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

59

do administrador, especialmente por se tratar de uma possível interferência na expressão da

vontade do povo, princípio central da democracia.

Hodiernamente, os critérios objetivos para essa proteção à moralidade pública no

âmbito político encontram-se dispostos na Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como

Lei da Ficha Limpa, que veio alterar a Lei Complementar nº 64/1990 para incluir novas

hipóteses de inelegibilidade – situações legalmente previstas como violadoras não apenas do

dever de moralidade, mas também de probidade administrativa e normalidade e legitimidade

das eleições. Tal como nos diplomas anteriormente citados, a Lei da Ficha Limpa não

diferencia, em suas prescrições, quais condutas estariam ferindo qual(is) dever(es) previsto(s)

no artigo 14, §9º, da Constituição; contudo, observando que o texto desse dispositivo se refere

à consideração da vida pregressa do candidato unicamente para a aferição da moralidade para

o exercício do mandato eletivo, pode-se concluir que as referências da LC nº 135/2010 ao

passado dos candidatos eleitos reportam-se diretamente ao dever em comento.

Interessante observar que, em seu art. 1º, e, a Lei Complementar nº 64/1990

passou a prever a inelegibilidade, por até 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, nos caso

de condenação transitada em julgada ou proferida por órgão colegiado em desfavor dos

candidatos condenados pelos seguintes crimes: contra a economia popular, a fé pública, a

administração pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema

financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; contra o meio

ambiente e a saúde pública; eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de

liberdade; de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à

inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e

valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e

hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual;

e praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando. (BRASIL, 2010)

Vê-se que a citada lei não se resumiu a mencionar os crimes diretamente

relacionados à atuação administrativa ou política da vida pregressa do candidato ao exercício

de mandato. O dispositivo inclui também os delitos contra o meio ambiente, a saúde pública,

a vida e a dignidade sexual, assim como o tráfico de entorpecentes e a redução à condição

análoga à de escravo, crimes que dizem respeito ao agir do candidato em sociedade, de uma

forma geral.

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

60

Da mesma forma, o art. 1º, m, da mesma Lei Complementar nº 64/1990, ao prever

a inelegibilidade dos que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória

do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, não diz

respeito a uma conduta pública do agente político, mas à sua conduta ética no exercício da

profissão, a qual não incide, necessariamente, sobre o trato da coisa pública. (BRASIL, 1990)

Infere-se, pois, que a referência constante no artigo 14, §9º, da Constituição Federal possui

um sentido ainda mais largo que a moralidade exigida no atuar administrativo, dizendo

respeito também à moralidade comum, atinente à conduta desejada de todo cidadão em seu

agir social.

Percebe-se que a Constituição Federal contemplou a moralidade não apenas como

um princípio administrativo, mas também como uma regra de procedimento social que possui

reflexos, inclusive, na permissão para que o agente se candidate ao exercício de mandato

eletivo. Concomitantemente, embora as hipóteses de inelegibilidade citadas na lei

complementar tenham por escopo a proteção da moralidade no exercício de mandato eletivo,

certo é que o cumprimento da moralidade não se restringe a tais hipóteses.

Outra menção constitucional de suma relevância à moralidade administrativa é

atinente à sua tutela pela via da ação popular, prevista no artigo 5º, LXXIII, da Carta Magna,

com regulamentação da Lei nº 4.717/65. Embora o dispositivo constitucional cite

expressamente o termo “moralidade administrativa”, o qual não volta a aparecer no texto do

diploma legal (promulgado antes da constituição), uma análise de seu conteúdo à luz do

desenvolvimento histórico do conceito em questão, permite aproximar a tutela da moralidade

administrativa, na ação popular, à anulação dos atos administrativos eivados do vício de

desvio de finalidade, previsto no artigo 2º, “e”, e parágrafo único, “e”, da citada lei, o qual diz

respeito diretamente ao desvio de poder das autoridades públicas. (GIACOMUZZI, 2013, p.

126)

Ante a menção aos diplomas legais que orientam a sanção do agente público

ímprobo (função repressora), bem como a correção do atuar estatal mediante a anulação dos

atos administrativos eivados de desvio de finalidade (função corretora), pode-se concluir que,

embora sob uma flagrante porosidade de sentido, o ordenamento brasileiro concretiza o

princípio da moralidade a partir dos vieses repressivo e corretor. Porém, existe ainda outra

dimensão de suma relevância à concretização do princípio constitucional em tela, que aparece

diluída no texto constitucional: a formação ético-profissional do agente público. Essa

formação desempenha uma função conformadora da moralidade administrativa, a partir, e.g.,

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

61

do treinamento e da motivação dos servidores públicos para o conhecimento e escorreito

cumprimento de seus deveres. (BARBOZA, 2002, p. 130-133)

Dita feição conformadora do princípio da moralidade aparece en passant no texto

constitucional, quando se menciona que “a União, os Estados e o Distrito Federal manterão

escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos” (art. 39,

§2º) e que a lei disciplinará a aplicação de recursos “no desenvolvimento de programas de

qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e

racionalização do serviço público” (art. 39, §7º). A Lei n.º 8.112/90, que disciplina o regime

jurídico dos servidores públicos em âmbito federal, não deixa dúvidas de que é dever do

servidor público “manter conduta compatível com a moralidade administrativa” (art. 116, IX),

embora não comprometa a administração a tomar responsabilidade concreta sobre a formação

do servidor nesse talante.

A nível nacional, observam-se apenas algumas iniciativas esparsas nesse sentido

formativo, tal qual a aprovação do Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil

Federal e a instituição do Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal,

respectivamente por meio dos Decretos n.º 1.171/1994 e n.º 6.029/2007. No inciso III da

Seção I do retrocitado código de ética, inclusive, encontra-se não uma definição, mas um

caminho interpretativo acerca da moralidade do ato administrativo, conforme se transcreve a

seguir:

III - A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e

o mal, devendo ser acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum. O

equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que

poderá consolidar a moralidade do ato administrativo.

Vê-se que o dispositivo acima não se propõe a definir abstratamente o que seria a

moralidade administrativa à parte do caso concreto, mas estabelece diretrizes interpretativas

para sua aplicação ao delimitar que ela passa pela distinção entre o bem e o mal e alcança a

finalidade do bem comum, a ser equilibrada pelo cumprimento da legalidade. Nesse sentido, o

dispositivo parece orientar-se à busca de critérios e balizamentos objetivos a fim de instruir o

jurista e o cidadão na interpretação casuística da moralidade administrativa, em consonância

com os caminhos apontados por García de Enterría para se trabalhar com conceitos

indeterminados.

Retornando à feição formativa do princípio, importante reconhecer que a questão

ética vai muito além da mera previsão legal educativa e alcança o enfrentamento de toda uma

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

62

cultura social que subjuga o exercício da cidadania ao ganho individual e ao desprezo pela

coisa comum.

Faz-se imprescindível, bem menos por temor e muitíssimo mais por espontânea

persuasão, interiorizar padrões éticos respeitáveis, se se quiser timbrar a jornada dos

que lidam com a coisa pública pelo acatamento cabal aos princípios superiores.

Indubitavelmente, a eticidade apenas haverá de se tornar um bem universalizado, gerando o correlato afastamento do improbus administrator e dos seus comparsas, se

vivificada – sem ingenuidade – a noção de cidadania plena e adulta, antes pela

formação contínua do que pela repressão (...)” (FREITAS, 1996, p. 64)

Seja na dimensão repressiva, corretiva ou conformadora, certo é que a moralidade

administrativa é contemplada no texto constitucional e em diversos diplomas legais que o

regulamentam, assumindo um papel de destaque no ordenamento pátrio. Porém, em que

consiste a atuação do agente público pautada pela moralidade administrativa? Ou, mais

significativamente, quando se poderia demandar o agente público por ter violado o princípio

da moralidade administrativa?

2.3.4 O desencontro de sentidos espelhado na jurisprudência

Tal qual ocorreu com os doutrinadores, os tribunais brasileiros parecem adotar a

moralidade administrativa como fundamento de suas decisões embarcando numa fluidez

conceitual propícia aos artifícios retóricos usados para justificar interpretações convenientes

ao subjetivismo de cada julgador.

Dita constatação é sinalizada por várias decisões dos tribunais pátrios, em especial

as que versam sobre a violação ao artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa. Nesses

julgados, percebe-se que a declaração de afronta ao princípio da moralidade vem

acompanhada pela de outro princípio, geralmente o da legalidade ou da impessoalidade, os

quais, esses sim, parecem ser diretamente malferidos pelo ilícito praticado. De outro lado

estão as decisões em que, invocado apenas o malferimento do princípio da moralidade como

lastro acusatório, não se obtém a condenação do agente público, pois não se reconhece a

ilicitude da conduta praticada, que seria (apenas) alegadamente imoral.47

47 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS. LEGALIDADE,

IMPESSOALIDADE E MORALIDADE. CONTRATAÇÃO E DESPESAS REALIZADAS SEM

QUALQUER PROCEDIMENTALIZAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. SANÇÃO. PROPORCIONALIDADE.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

63

Nem mesmo a Suprema Corte parece superar a flagrante indeterminação

conceitual sobre a violação à moralidade administrativa. Em junho de 2006, no julgamento da

Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3026/DF, discutiu-se a inconstitucionalidade

de dispositivo do art. 79, §1º, da Lei nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e

a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Supremo Tribunal decidiu, por maioria de votos,

que a OAB não se sujeitava aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta,

pois consistia um serviço público independente, sui generis, razão pela qual o regime

estatutário imposto aos seus empregados não se mostrava compatível com a entidade, que é

autônoma e independente48

.

PROIBIÇÃO DO EXCESSO E DA INSUFICIÊNCIA. -Configura improbidade administrativa a contratação

levada a efeito pelo chefe da administração municipal, que, a priori, a seu alvedrio, realizava despesas,

supostamente revestidas de viés público, com recursos próprios e em nome da municipalidade, para posterior

ressarcimento pelos cofres públicos, sem qualquer procedimentalização que, em observância à legalidade e

moralidade, assegurasse um mínimo de isonomia e impessoalidade, mormente se referida prática importou em

prejuízos à administração. -Ainda que não se olvide que a vedação do excesso é inerente ao princípio da

proporcionalidade, deve ser privilegiada a necessidade de não se aniquilar a gravidade da conduta praticada, pela

aplicação de sanção que possa se revelar insuficiente aos fins de prevenção e repressão ao ilícito praticado contra

a probidade administrativa.(TJ-MG - AC: 10398060008404001 MG , Relator: Selma Marques, Data de Julgamento: 29/04/2014, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/05/2014) Grifos

nossos.

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE.

INEXISTÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. O Superior Tribunal de

Justiça já firmou entendimento no sentido de que em ações de improbidade administrativa não se há falar em

foro por prerrogativa de função, pois "a ação de improbidade administrativa deve ser processada e julgada nas

instâncias ordinárias, ainda que proposta contra agente político que tenha foro privilegiado no âmbito penal e nos

crimes de responsabilidade." (AgRg na Rcl 12514/MT, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em

16/09/2013). Ainda que o Ministério Público tenha requerido a incidência de apenas uma das sanções, ao

magistrado cabe verificar se os fatos descritos na exordial podem engendrar obrigações diversas daquelas citadas

na inicial. O ato do ora apelante foi simplesmente no sentido de se manter uma situação que, de fato, já

existia na administração pública do Município de Colônia de Leopoldina, de modo que o ato praticado

pelo recorrente não configura qualquer improbidade administrativa. Recurso conhecido e provido. Decisão

unânime. (TJ-AL - APL: 00005179520108020010 AL 0000517-95.2010.8.02.0010, Relator: Des. James

Magalhães de Medeiros, Data de Julgamento: 26/05/2014, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 28/05/2014)

Grifos nossos. 48 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª

PARTE. "SERVIDORES" DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A

OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO

MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA

CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB.

ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO

ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO.

AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO

ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. [...] 11. Princípio da

moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da

legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de

finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido. (STF - ADI: 3026 DF, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento:

08/06/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 29-09-2006 PP-00031 EMENT VOL-02249-03 PP-00478)

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

64

O dispositivo questionado possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime

outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista, em troca de uma indenização a ser paga

à época da aposentadoria. O Procurador-Geral da República, autor da ADI em exame,

argumentou que referida indenização seria afrontosa ao princípio da moralidade, visto que “os

fins pretendidos pelo agente público de incentivar os servidores da OAB a aderirem ao regime

trabalhista não são proporcionais ao pagamento de uma indenização no valor de cinco vezes a

última remuneração do servidor”. (BRASIL, 2006) Observe-se que a violação ao princípio da

moralidade foi justificada pelo requerente com base na desproporcionalidade da indenização

prevista, não com lastro numa violação ao conteúdo próprio da moralidade administrativa.

O julgamento feito pelos ministros da Suprema Corte não fugiu a essa prática de

indeterminação conceitual e de divergências no viés de apreciação. Inicialmente, o Ministro

Eros Grau, relator da ação, aduziu que a ética do sistema jurídico era a ética da legalidade, de

modo que o princípio da moralidade estaria confinado “aos lindes do desvio de poder ou de

finalidade” e “qualquer questionamento para além desses limites estará sendo postulado no

quadro da legalidade pura e simples”. (BRASIL, 2006) Com isso, o ministro deu por superado

o argumento de violação à moralidade administrativa, sequer justificando por que não teria

havido desvio de poder ou de finalidade no caso em apreço.

Ademais, da análise de todos os posicionamentos proferidos no julgamento da

causa, verificou-se que apenas dois outros ministros rechaçaram expressamente o argumento

da imoralidade da indenização: o Ministro Gilmar Mendes, por considerar “razoável” a

indenização frente às vantagens que os estatutários perderiam ao optar pelo regime celetista, e

o Ministro Marco Aurélio, por considerar “socialmente aceitável” a previsão de

compensações para a mudança ao regime celetista, acrescentando que uma indenização de

cinco vezes a remuneração do servidor “não deve ser lá tão grande assim” (BRASIL, 2006).

Em ambos os casos acima, não se justificou a inocorrência de violação à

moralidade com base numa tributação desta ao princípio da legalidade, sinalizando que esses

dois ministros não entenderam por bem simplificar a questão à pura afirmação da legalidade

do preceito questionado; de outro lado, porém, não problematizaram em nenhum instante a

moralidade em si, senão a razoabilidade e a proporcionalidade da regra prevista.

Não obstante as referidas indeterminação e divergências, oriundas de critérios

diferenciados na efetivação de juízos morais, é de se reconhecer a importância da aplicação

concreta do princípio da moralidade como meio de efetivação do direito fundamental do

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

65

cidadão à boa administração da res pública. Embora ainda desprovido de critérios de

balizamento concordes pela doutrina e jurisprudência, o princípio da moralidade

administrativa permanece sendo um paradigmático critério para punir os agentes públicos que

praticam atos em desconformidade com a noção de moral administrativo-jurídica formada

pelo conjunto do ordenamento pátrio (qual seja sua amplitude conceitual).

A importância fulcral alcançada pelo princípio da moralidade, no intuito de

proteção do interesse público, foi reconhecida pela Suprema Corte, de maneira particular, no

julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 144/DF,

ocorrido em agosto de 2008, em que os ministros decidiram, por maioria de votos, que a

Justiça Eleitoral não pode negar o registro de candidatos que respondem a processo judicial,

sem condenações com trânsito em julgado, em homenagem ao princípio da presunção de

inocência.49

O exame dessas decisões do Supremo Tribunal é também inconclusivo acerca da

determinação conceitual do princípio da moralidade administrativo, tal qual o exame da

Constituição e dos diplomas legais que o tutelam especificamente. No entanto,

casuisticamente, observa-se que a Suprema Corte já decidiu no sentido da ocorrência de

violação ao princípio em tela em diversos casos. (BRASIL, 2014)

No âmbito administrativo, o STF reconheceu como afrontoso ao princípio da

moralidade o exercício da advocacia por um bacharel em direito que exercia o cargo de

assessor de desembargador50 e por outro que ocupava o cargo de Diretor Geral de Tribunal

Regional Eleitoral51. Ademais, julgou ser violadora da moralidade a autorização para que

estudante dependente de militar, na localidade para onde este fosse removido, transferisse seu

49

Na ocasião, o relator da ação, ministro Celso de Mello, assim destacou a relevância do princípio em exame:

“Não se questiona a alta importância da vida pregressa dos candidatos, pois a probidade pessoal e a moralidade

administrativa representam valores que consagram a própria dimensão ética em que necessariamente se deve

projetar a atividade pública. Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por

administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções

com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O

direito ao governo honesto – nunca é demasiado reconhecê-lo – traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania. Tenho reconhecido, por isso mesmo, que a probidade e a moralidade traduzem pautas interpretativas

que devem reger o processo de formação e composição dos órgãos do Estado, observando-se, no entanto, as

cláusulas constitucionais cuja eficácia subordinante conforma e condiciona, qualquer que seja a dimensão de sua

atuação, o exercício dos poderes estatais. A defesa dos valores constitucionais da probidade administrativa e da

moralidade para o exercício do mandato eletivo traduz medida da mais elevada importância e significação para a

vida política do País”. (ADPF 144, voto do Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-8-2008, Plenário, DJE de

26-2-2010) 50 RE 199.088, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 1º-10-1996, Segunda Turma, DJ de 16-4-1999. 51 RE 464.963, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-2-2006, Segunda Turma, DJ de 30-6-2006.

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

66

vínculo de uma instituição de ensino privada para uma pública52. Nesse mesmo âmbito, a

Corte considerou violadora do princípio em exame a modificação dos critérios de convocação

para as provas orais de concurso para a Magistratura do Estado do Piauí, mediante alteração

do edital no curso do processo de seleção, quando já concluída a fase das provas escritas

subjetivas e divulgadas as notas provisórias de todos os candidatos53.

Já na esfera legiferante, a Suprema Corte julgou que houve transgressão ao

princípio da moralidade quando um dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais

Gerais e Transitórias da Constituição do Mato Grosso do Sul previu que os ex-governadores

do estado receberiam subsídio mensal e vitalício, igual ao percebido pelo atual governador54.

Igualmente, os ministros decidiram que ocorreu malferimento ao princípio em análise quando

lei estadual maranhense autorizou a inclusão, no edital de venda do Banco do Estado do

Maranhão S.A., da oferta do depósito das disponibilidades de caixa do tesouro estadual55, bem

assim, quando os vereadores de um município mineiro fixaram sua própria remuneração, com

vigência na própria legislatura56.

Por fim, na seara jurisdicional, o STF reconheceu ofensa ao princípio da

moralidade na negação, ao delator de crime, do exame do grau da relevância de sua

colaboração e a criação de outros injustificados embaraços para lhe sonegar a sanção premial

da causa de diminuição da pena57, outrossim, no controle da nomeação dos membros do

Tribunal de Contas do Estado sem a observância dos requisitos que vinculam a nomeação58.

Da mesma forma, houve reconhecida infração ao princípio em tela a prática, por magistrado,

de ato de seu ofício, jurisdicional ou administrativo, sem nota demarcatória de impedimento e

suspeição, que implicam presunção juris et de jure de parcialidade59.

Embora a análise dos julgados acima mencionados auxilie na compreensão e

efetivação do preceito da moralidade administrativa à luz do ordenamento jurídico brasileiro,

é premente a dificuldade também existente na jurisprudência pátria em utilizar uma

abordagem de maior segurança jurídica a respeito do tema e, portanto, menos casuística e

particularizada.

52 ADI 3.324, voto do Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16-12-2004, Plenário, DJ de 5-8-2005. 53 MS 27.165, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 18-12-2008, Plenário, DJE de 6-3-2009. 54 ADI 3.853, Rel. Min. Cármen Lúcia, Julgamento em 12-9-2007, Plenário, DJ de 26-10-2007. 55 ADI 2.661-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-6-2002, Plenário, DJ de 23-8-2002. 56 RE 206.889, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 25-3-1997, Segunda Turma, DJ de 13-6-1997. 57 HC 99.736, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 27-4-2010, Primeira Turma, DJE de 21-5-2010. 58 RE 167.137, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 18-10-1994, Primeira Turma, DJ de 25-11-1994. 59 MS 21.814, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 14-4-1994, Plenário, DJ de 10-6-1994.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

67

Ademais, todos os julgados destacados acima, relevantes para um balizamento

conceitual da moralidade administrativa quando vistos em conjunto, possuem em comum o

fato de não serem recentes, pois nenhum deles foi proferido nos últimos 5 (cinco) anos, mas

entre os anos de 1994 e 2010. Tem-se, portanto, um lapso temporal significativo, de 16

(dezesseis) anos, dentre o qual destacou-se uma dezena de julgados.

Assim, conquanto a menção supra aos julgados da Suprema Corte tenha a

importante função de ilustrar o desenvolvimento da matéria nos tribunais pátrios, apenas uma

análise pormenorizada da jurisprudência do Pretório Excelso nos últimos anos, com base em

certos critérios objetivos, pode trazer uma credibilidade científica maior à afirmação sobre o

caráter dependente e poroso da moralidade administrativa na jurisprudência brasileira atual.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

68

3. ANÁLISE DE ACÓRDÃOS: UMA PESQUISA EMPÍRICA DA MORALIDADE

ADMINISTRATIVA NA JURISPRUDÊNCIA RECENTE DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL

3.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A PESQUISA EMPÍRICA EM DIREITO E A

ANÁLISE DE ACÓRDÃOS

3.1.1 A pesquisa empírica como superação do paradigma idealista da doutrina jurídica

Tradicionalmente, a teoria jurídica é criada com base em raciocínios silogísticos

em torno das interpretações possíveis de uma norma e de suas possibilidades de aplicação

concreta, numa contraposição de discursos retóricos e da sistematização taxonômica de

categorias abstratas. Porém, no cenário moderno de inflação legislativa, quando não é mais

factível aferir a sustentação de todas as teses jurídicas criadas, o valor da teoria jurídica acaba

sendo classificado conforme a autoridade de que desfruta o seu autor, por vezes advinda da

sua função e poder institucional; outras vezes, da credibilidade e fama como professor ou

doutrinador. (NERI, 2013, p. 7)

Como reflexo desse cenário, a pesquisa jurídica no Brasil acaba sendo marcada

por uma preponderância da pesquisa bibliográfica (especialmente doutrinária), que privilegia

as teorias acerca do objeto de estudo, em detrimento da pesquisa empírica, que privilegia os

dados, as informações e as evidências. (NORONHA; MONTEIRO, 2015, p. 108) Mesmo o

apanhado documental das leis que fazem parte do ordenamento pátrio, no sentido de

identificação de expressões textuais e matérias regulamentadas, não goza de popularidade

entre os juristas, que parecem mesmo preferir transitar entre conceitos idealizados e meras

opiniões.

Ocorre que uma doutrina sem qualquer embasamento empírico se mostra

insuficiente para construir uma percepção adequada do direito e entender a lógica do sistema

judiciário. Por isso a pesquisa empírica vem sendo muito utilizada por várias áreas das

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

69

ciências sociais60

como instrumento para romper o idealismo que permeia a doutrina e

estreitar a relação entre sujeito e objeto, a partir das escolhas metodológicas de análise que

permitem ao pesquisador interpretar e reconstruir a realidade. (REIS, 2015, p. 160)

Uma vez que, nos capítulos anteriores deste trabalho, já se utilizou o

procedimento de análise bibliográfica, buscando abordar os diferentes vieses da origem e

desenvolvimento do princípio da moralidade administrativa no direito brasileiro,

introduziremos, neste capítulo, a pesquisa empírica realizada sobre a problemática em estudo,

a fim de conferir-lhe um panorama mais completo e inovador.

Não se pretende, neste ponto do trabalho, alcançar uma pretensa objetividade

avaliativa supostamente inexistente nos capítulos anteriores. Com efeito, também a pesquisa

bibliográfica goza de objetividade científica quando seus resultados são fiéis aos dados

levantados, não obstante as interpretações e releituras feitas pelo pesquisador a partir desses

dados. Na pesquisa empírica, não é diferente. Embora a análise de dados do mundo fático –

no caso do direito, dados referentes à vivência concreta das demandas jurídicas, a exemplo

dos documentos produzidos pelos tribunais – tenha um apelo maior à cientificidade, por

remeter aos métodos de observação da natureza, próprios das ciências naturais, a objetividade

do procedimento permanece contida na etapa de coleta de dados, não de sua interpretação.

3.1.2 O “mundo dos fatos” do direito: o Poder Judiciário e seus acórdãos

O Judiciário brasileiro é dividido em instâncias. Em resumo, pode-se dizer que, na

primeira instância, os processos se iniciam, as provas são produzidas, as testemunhas são

ouvidas, o julgamento é realizado e o cumprimento da sentença será efetivado, tudo sob o

crivo de um juiz singular, que em regra acompanha o processo do início até a decisão “final”

– que nem sempre finaliza o processo, graças ao princípio do duplo grau de jurisdição. Na

60 Na área jurídica, essa importância vem sendo alavancada, recentemente, pela chamada Rede de Pesquisa

Empírica em Direito (REED). Trata-se de uma organização sem fins lucrativos de professores e pesquisadores

envolvidos em iniciativas de pesquisa empírica em direito, assim como em reflexões de natureza metodológica e

epistemológica no campo das investigações jurídicas. Os objetivos da REED são articular pesquisadores no

Brasil e no exterior de forma horizontal e acêntrica, divulgar trabalhos e informações sobre pesquisas empíricas

no campo jurídico, bem como promover a difusão e capacitação em métodos e técnicas de pesquisa empírica em

direito. Para tanto, a REED promove eventos e cursos e publica, semestralmente, a Revista de Estudos Empíricos

em Direito. FONTE: <http://reedpesquisa.org/institucional/quem-somos-nos/> Acesso em 18 jan. 2017.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

70

segunda instância, pode ser feita uma revisão dos julgados de primeira instância, para

confirmar, alterar ou desconstituir a decisão inicial.

Em geral, o papel de primeira instância é feito pelas varas federais ou estaduais,

enquanto o de segunda instância é desempenhado pelos tribunais. Nesses, as decisões podem

ser monocráticas, quando tomadas por apenas um magistrado (desembargador), ou colegiadas,

quando proferidas por um grupo de julgadores (câmara, turma, seção, plenário ou órgão

especial). Nessa segunda hipótese, um dos magistrados atua como relator do caso, sendo

responsável por analisá-lo previamente e emitir seu voto, que será submetido à concordância

ou discordância dos demais membros do colegiado. A partir do entendimento unânime ou

majoritário a favor de algum voto, decide-se a questão e proclama-se o resultado final, por

meio do documento que se chama de acórdão61

.

Os tribunais superiores – Superior Tribunal de Justiça (STJ), Superior Tribunal

Militar (STM), Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – e

o Supremo Tribunal Federal (STF) constituem uma instância especial, atuando como

guardiões da lei e, no caso do STF, guardião da Constituição. Por essa razão, só analisam

matéria de direito, omitindo-se a reanalisar as provas e a matéria de fato em litígio. Apenas de

forma excepcional o STJ, o TST, o TSE e o STF podem atuar como primeira ou segunda

instância, respectivamente nos casos de suas competências originárias previstas na

Constituição e quando outro tribunal inferior julgar uma causa em primeira instância, para

garantir efetividade ao duplo grau de jurisdição.62

Se o Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) faz poucas remissões aos

acórdãos e não os disciplina em si mesmos, o Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) traz

vários dispositivos acerca da definição, elementos, publicação e julgamento dos acórdãos.

Dois desses dispositivos possuem grande relevância para o presente trabalho. O primeiro é o

art. 489, §1º, II, ao dispor que a decisão judicial lato sensu, incluindo o acórdão, não pode ser

considerada fundamentada quando “empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem

explicar o motivo concreto de sua incidência no caso”. Tal prescrição é aplicável, portanto, ao

conceito indeterminado de que ora se trata, o de moralidade administrativa.

Se porventura um acórdão não explicar, balizar, contextualizar a subsunção do

caso julgado às normas que disciplinam a violação ao princípio da moralidade administrativa,

pode-se considerá-lo um acórdão sem fundamentação. E uma decisão não fundamentada é

61 Numa acepção clara e objetiva, o Código de Processo Civil de 2015 afirma, no art. 204: “Acórdão é o

julgamento colegiado proferido pelos tribunais.” 62 Conforme bem sumarizado por Thiago Coacci (2013, p. 96).

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

71

nula, tal qual assevera o art. 11 do mesmo diploma legal e o art. 93, IX, da Constituição

Federal, devendo ser a nulidade decretada de ofício pelo juiz.

Acerca da sua disponibilização, os acórdãos em regra são públicos, como os atos

processuais em geral, salvo as exceções previstas no art. 189 do CPC, e podem ser registrados

em documento eletrônico inviolável e assinados eletronicamente, na forma da lei, devendo ser

impressos para juntada aos autos do processo quando este for físico, tal qual disposto no art.

943 do mesmo código63

. A norma encontra-se em consonância com a expansão do Processo

Judicial Eletrônico (PJe) no Brasil, sistema desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça

(CNJ) em parceria com os tribunais para a automação do Judiciário.

Das normas supracitadas decorre que os acórdãos proferidos pelos tribunais

brasileiros em regra encontram-se disponíveis para consulta em sítios eletrônicos de busca,

mediante a procura direcionada por palavras-chave. Cada tribunal possui seu próprio sistema

de busca e não há uniformização entre eles, sendo possível encontrar, e.g., apenas a ementa e

o dispositivo do acórdão em um sítio de busca e, em outro, o inteiro teor dos votos dos

magistrados em arquivo de texto a ser descarregado em dispositivo eletrônico.64

Os acórdãos também podem ser encontrados em revistas de jurisprudência, como

a Revista dos Tribunais. Contudo, esses periódicos publicam apenas os acórdãos marcados

por alguma especificidade que o faz merecer a divulgação, desde características atípicas a

uma nova forma de se decidir sobre uma determinada matéria. Ainda, é possível consulta ao

acervo físico dos processos, mantido pelos diversos tribunais e acessado mediante requisição.

(COACCI, 2013, p. 101)

Destaque-se, ademais, que os acórdãos são importantes instrumentos de fundação

e consolidação de paradigmas jurídicos, seja por meio da referência inserta em outras

decisões, na condição de precedente, seja pelo destaque conferido pela literatura jurídica

(COACCI, 2013, p. 103), tanto maior quanto mais alta posição na hierarquia do Judiciário

possuir o tribunal decisor. Tal relevância paradigmática espelha o valor dado ao

posicionamento colegiado e a larga publicidade que é conferida aos acórdãos pelos sites de

busca de jurisprudência (nos quais as decisões de primeira instância em regra não são

cadastradas), mas encontra sua fundamentação especialmente nos próprios dispositivos legais.

63 Cujo teor é o mesmo do parágrafo único do art. 556 do antigo CPC/1973, com redação dada pela Lei nº

11.419, de 2006, em vigor quando foram proferidos os acórdãos analisados neste trabalho. 64 No primeiro caso (disponibilização apenas da ementa e do dispositivo) encontra-se o sítio eletrônico do

Tribunal Regional Federal da 5ª Região, enquanto na segunda hipótese (disponibilização também do inteiro teor

dos votos) encontra-se o sítio eletrônico do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. FONTE:

<https://www.trf5.jus.br/Jurisprudencia/> e < http://www10.trf2.jus.br/consultas/jurisprudencia/> Acesso em 19

jan. 2017.

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

72

O Novo CPC veio fortalecer a importância dos acórdãos alargando o sistema de

vinculação de precedentes, em especial no art. 927, inciso “V”. Muito além de fazer valer a

precedência dos tribunais superiores, esse artigo disciplina que os juízes e tribunais devem

observar os acórdãos proferidos pelo plenário ou órgão especial65

do próprio juízo ao qual

estiverem ligados, ainda que não seja um tribunal superior. Tal novidade no processo civil

brasileiro vem acompanhada de uma incorporação de premissas e conceitos próprios do

sistema de common law, tais quais os conceitos de ratio decidendi e obter dictum.

(MARINONI, 2012)

3.1.3 Características da pesquisa de acórdãos judiciais

A pesquisa fundada em acórdãos é uma pesquisa de cunho empírico que utiliza o

procedimento técnico da pesquisa documental, uma vez que os acórdãos são, essencialmente,

documentos escritos oficiais do Poder Judiciário, dados prontos e acabados, aos quais se pode

observar e interpretar, mas nunca influenciar no desfecho, já processado no tempo. Embora

alberguem diversas análises jurídicas das matérias sob julgamento, os acórdãos, considerados

em si, são documentos que não possuem tratamento analítico agregado – salvo nos casos de

jurisprudência comentada, os quais se enquadram entre as fontes bibliográficas. Com efeito, a

análise do acórdão, enquanto documento, fica a cargo do pesquisador, de acordo com a

técnica escolhida.

Quanto à abordagem a ser empregada na análise dos casos, a pesquisa pode ser

quantitativa, quando privilegia a necessidade de encontrar a frequência e constância das

ocorrências, ou qualitativa, quando pretende interpretar o sentido do evento a partir do

significado que se atribui a ele por um determinado grupo de indivíduos ou de fontes de

dados. As pesquisas de acórdãos podem ensejar abordagens quantitativas ou qualitativas, a

depender do objetivo do pesquisador.

65 A Constituição Federal dispõe: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal,

disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] XI nos tribunais com número

superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de

vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da

competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo

tribunal pleno;”

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

73

Os instrumentos mais comuns às abordagens quantitativas são os questionários,

enquanto instrumentos padronizados, que permitem avaliar e comparar as respostas obtidas a

partir da análise de um número de casos argumentados como suficientes para representar um

universo de situações, reduzindo sua complexidade por meio dos padrões de comparação

encontrados. Para tanto, os questionários serão mais efetivos quanto mais objetivos e

aplicados sob a mesma sistemática. Segundo Laville e Dionne (2008, p. 226), se o

pesquisador escolhe o recurso aos instrumentos estatísticos, cumpre quantificar os dados

reunidos em cada uma das categorias, cujo modo mais usual é o de estabelecer frequências

enumerando as unidades presentes sob cada rubrica.

Por outro lado, as pesquisas qualitativas geralmente recorrem a pesquisas de

campo e à análise de características subjetivas, tais quais as diferentes opiniões e vivências de

determinado grupo social.

Desta feita, os que se valem dos métodos quantitativos estão centrados na

descoberta e explicação de alguns fatos sociais, enquanto os que se valem dos métodos

qualitativos estão mais interessados na descrição e na demonstração do funcionamento de

determinadas organizações (MEDEIROS, 2015, p. 65), tentando reconhecer suas motivações,

representações e valores, variáveis não quantificáveis. (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 43) É

possível, ainda, uma abordagem mista dos casos analisados, em parte quantitativa e em parte

qualitativa.

A pesquisa documental de acórdãos pode também ser combinada com o estudo de

casos ou estudo de casos cruzados, de acordo com a tipologia do professor da Universidade de

Boston, John Gerring, autor de “Case Study Research – Principles and Practices”. Segundo

Gerring (2007, p. 20-21), um estudo de caso compreende o estudo intensivo de um único caso

e de suas variáveis internas, com o propósito de lançar luzes sobre a análise de um número

maior de casos; já no estudo de casos cruzados, geralmente se testam algumas hipóteses a

partir da observação de variáveis que perpassam diversos casos, a fim de testar a extensão de

alguma teoria.

Nenhum dos dois tipos de estudo de caso é quantitativo por natureza, porque

mesmo tentando englobar vários casos numa única análise, será necessário reduzir as

evidências a um pequeno número de dimensões, pois ninguém pode abordar milhares de casos

em todos os seus termos. Para chegar a uma conclusão significativa sobre esses dados, será

necessário reduzir as informações e sistematizá-las através da estatística (GERRING, 2007, p.

33)

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

74

À vista dessa tipologia, cada acórdão corresponderia a um caso ou uma amostra.

O estudo de caso aplicado à pesquisa de acórdãos implicaria a análise aprofundada de um

determinado acórdão, escolhido por sua relevância paradigmática para o tema em exame, a

fim de ser dissecado em suas variáveis internas, tais quais os votos de cada julgador, os

debates, o resultado da decisão, os fundamentos utilizados em cada voto, os precedentes e

excertos doutrinários referenciados, etc. Já o estudo de casos cruzados ocorreria na análise de

vários acórdãos, escolhidos como uma amostra interessante ao teste da hipótese de pesquisa, a

fim de comparar determinadas varáveis presentes em todos eles, sem aprofundar as

individualidades de cada caso. Assim, seja na análise de muitas variáveis de um só acórdão ou

de algumas variáveis de muitos acórdãos, sob uma abordagem estatística quantitativa, sempre

será necessária uma visão qualitativa dos casos, a fim de perceber e reduzir as variáveis sob

observação.

Ademais, como qualquer outro tipo de pesquisa, a análise de acórdãos pode ter

como objetivos gerais descrever, explicar ou explorar a hipótese formulada por meio dos

dados verificados. A descrição objetiva produzir um minucioso registro da amostra de dados

analisada; a explicação busca raciocínios causais para o fenômeno observado; a exploração

intenta proporcionar mais familiaridade com a problemática trabalhada, tornando-a mais

explícita e construindo-lhe hipóteses.

Já o objetivo da análise de dados pode ser inferencial descritivo ou inferencial

causal, a partir do raciocínio utilizado para interpretar os dados colhidos. A inferência seria o

“processo de utilizar os fatos que conhecemos para aprender sobre os fatos que

desconhecemos” (EPSTEIN; KING, 2013, p. 36). As inferências, porém, não podem fornecer

juízo de certeza sobre uma descrição ou raciocínio causal, pois partem do viés analítico do

pesquisador. Esse caráter subjetivo, porém, não nega a cientificidade da pesquisa, pois toda

análise compreende uma etapa de interpretação em que o pesquisador explicita o que ele

entende dos resultados obtidos. (LAVILLE; DIONNE, 2008, p. 217)

Em verdade, a escolha dos dados a coletar (perguntas a responder) e do método a

ser seguido (se quantitativo ou qualitativo, por exemplo), até mesmo na pesquisa empírica,

pode conter juízos de valor subjacentes, reflexos da ideologia do pesquisador. A grande

exigência de cientificidade e “neutralidade” da pesquisa estaria no cumprimento do método

pré-fixado, na fidelidade aos procedimentos de investigação determinados pelo próprio

pesquisador. (OLIVEIRA, 1988, p. 127)

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

75

Por fim, é importante ressaltar que, seja de que tipo for, a pesquisa de acórdãos

não se debruça sobre o eventual cumprimento ou descumprimento dessas decisões. Tal

circunstância extrapola o processo de subsunção do fato à norma jurídica, tocando às

vivências sociais enquanto medidas de eficácia das normas e enveredando pela pesquisa de

cunho sociológico – denominada pesquisa de campo. Diferentemente, a pesquisa de acórdãos

restringe-se à análise do processo decisório de cada caso concreto, tratando-o como fato desse

“mundo real” do direito, que é o Poder Judiciário, onde as pretensões são deduzidas pelas

partes e as normas jurídicas são aplicadas pelos juízes.

3.2 DESENHANDO A PESQUISA: PROBLEMÁTICA, HIPÓTESE E VERIFICAÇÃO

3.2.1 Esclarecendo a problemática e formulando a hipótese a ser testada

Laville e Dionne (2008, p. 84) afirmam que a pesquisa científica seria composta

das seguintes etapas e subetapas: 1) propor e definir um problema – 1.1) conscientizar-se de

um problema, 1.2) torná-lo significativo e delimitá-lo, 1.3) formulá-lo em forma de pergunta;

2) elaborar uma hipótese – 2.1) analisar os dados disponíveis, 2.2) formular a hipótese tendo

consciência de sua natureza provisória, 2.3) prever suas implicações lógicas; 3) verificar a

hipótese – 3.1) decidir sobre novos dados necessários, 3.2) recolhê-los, 3.3) analisar, avaliar e

interpretar os dados em relação à hipótese; 4) concluir – 4.1) invalidar, confirmar ou

modificar a hipótese, 4.2) traçar um esquema de explicação significativo, 4.3) quando

possível, generalizar a conclusão.

Seguindo o roteiro proposto por Laville e Dionne, no presente estudo temos que a

problemática em exame já foi suficientemente contextualizada e explorada nos tópicos

anteriores, podendo ser resumida na seguinte pergunta: o princípio da moralidade

administrativa vem sendo referido no direito brasileiro a partir de conceitos ou balizamentos

objetivos? Nossa hipótese inicial – a partir da pesquisa bibliográfica em fontes da doutrina

administrativista pátria e do apanhado documental da legislação que faz referência a esse

princípio, bem como diante da análise do conteúdo de algumas decisões de relevo na matéria,

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

76

proferidas pelo Supremo Tribunal Federal entre os anos de 1994 a 2010 – é que a moralidade

administrativa não vem sendo referenciada em termos objetivos no discurso jurídico

brasileiro, tendo em vista a insuficiência ou o desencontro de estudos exegéticos sobre esse

princípio, favorecendo o subjetivismo casuístico do jurista (doutrinador ou julgador).

A confirmação dessa hipótese, por limitações concretas, não pode ser feita em sua

integralidade, pois não existem dados concretos, disponíveis no mundo dos fatos, que

consubstanciem o “direito brasileiro” em sua totalidade. Trata-se de uma variável não

diretamente observável, que pode ser denominada de variável latente. Nas ciências sociais

frequentemente se faz referência a variáveis latentes tais como opinião pública, status sócio

econômico, capital social, ideologia ou democracia. Ao invés de observar essas variáveis, a

abordagem comum é estimar ou explorar essa variável a partir de variáveis observáveis

sabidamente relacionadas a ela. (FONSECA, 2008)

A variável observável escolhida neste trabalho, enquanto representativa do

discurso jurídico brasileiro, foi a análise de acórdãos do Supremo Tribunal Federal entre os

anos de 2012 e 2016, que contivessem a referência textual à moralidade administrativa. Por

óbvio, o resultado dessa pesquisa não ensejará conclusões baseadas em certezas sobre o

direito brasileiro, mas apenas indicativas, inferentes acerca dessa matéria, dada a limitação

concreta de aferição dessa variável.

Isso posto, é importante justificar o porquê da escolha dessa amostra de dados

enquanto representativa do direito brasileiro. Ora, salta aos olhos o papel que as cortes de

Justiça vêm desempenhando nas sociedades contemporâneas como protagonistas de decisões

envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou

escolhas morais em temas controvertidos na sociedade. Esse fenômeno de judicialização da

vida representa o avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária,

aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo tendo por combustível o voto popular.66

(BARROSO, 2012, p. 23)

66 Segundo Luís Roberto Barroso, o fenômeno da judicialização, no Brasil, teria três causas principais. Em primeiro lugar, estaria a redemocratização do país, que reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e

de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses

perante juízes e tribunais, os quais ganharam importância política, não apenas técnica, junto a duas instituições

essenciais à expansão da prestação jurisdicional: o Ministério Público e à Defensoria Pública. A segunda causa

seria a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram

deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária, transformando-as, potencialmente, em

pretensão jurídica que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por fim, a judicialização seria um

resultado do nosso abrangente sistema de controle de constitucionalidade, concentrado e difuso, além do amplo

direito de propositura, previsto no art. 103 da Constituição. (BARROSO, 2012, p. 24)

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

77

No Brasil, desde a Constituição de 1988, esse fenômeno é especialmente evidente,

pois os tribunais passaram a decidir sobre as mais complexas relações sociais, determinando o

equilíbrio de competências e forças políticas, mesmo desprovidos da legitimação democrática

do voto popular. A depender da repercussão midiática alcançada pelo caso concreto sob

julgamento, os juízes tornaram-se conhecidos do público e emitem opiniões sobre os mais

variados assuntos, têm seus perfis descritos em periódicos de circulação nacional e seu

trabalho é acompanhado pelos meios de comunicação de abrangência nacional. (NERI, 2013)

No Brasil, acrescente-se a isso a transmissão direta dos julgamentos do Plenário da

Suprema Corte pela TV Justiça, um canal de televisão público e aberto, portanto, de

largo alcance entre a população.

Exemplo recente da visibilidade alcançada pelos magistrados é a que goza,

atualmente, o juiz Sérgio Moro, que atua na primeira instância da Justiça Federal no Estado

do Paraná e é responsável pelo julgamento dos crimes apurados na “Operação Lava-Jato”. Só

para exemplificar, numa rápida busca pela Internet, foi possível encontrar cinco grandes

portais e periódicos brasileiros de notícias – G167

, El País68

, Exame69

, Veja70

e Estadão71

que possuem tags específicas com o nome do magistrado, a fim de reunir em uma só página

eletrônica todas as (numerosas) notícias publicadas sobre ele.

Ainda assim, cabe esclarecer o porquê da escolha específica do Supremo Tribunal

Federal como órgão produtor das decisões judiciais a serem analisadas. Para além da razão

patente de ser a instância máxima de julgamento, dentro do sistema processual brasileiro

(previsto especialmente no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal),

proferindo a “última palavra” nas ações que lhe são submetidas – com exceção dos poucos

casos submetidos à jurisdição de tribunais internacionais aos quais o Brasil consente em

subordinar-se – existe uma razão simbólica e uma razão prática na escolha do Pretório

Excelso para esta pesquisa empírica.

Em primeiro lugar, o STF é o órgão jurisdicional que representa a abertura do

direito a outros sistemas normativos sociais, complementando a força constitucional no

diálogo entre moral e política.

Um dos pontos de contato mais importantes entre o Direito, a moral e

a política está justamente no texto constitucional. Ocorre que o texto é mudo, na medida em que admite as mais diversas conotações e

67 Disponível em: <http://g1.globo.com/tudo-sobre/sergio-moro> Acesso em 16 jan. 2017. 68 Disponível em: < http://brasil.elpais.com/tag/sergio_fernando_moro/a> Acesso em 16 jan. 2017. 69 Disponível em: < http://exame.abril.com.br/noticias-sobre/sergio-moro/> Acesso em 16 jan. 2017. 70 Disponível em: < http://veja.abril.com.br/noticias-sobre/sergio-moro/> Acesso em 16 jan. 2017. 71 Disponível em: < http://topicos.estadao.com.br/sergio-moro> Acesso em 16 jan. 2017.

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

78

denotações, todas dependentes de interesses, convicções

profundamente arraigadas, especificidades de casos únicos e

irrepetíveis. Por isso, o ponto de contato propriamente dito, passa

modernamente para a chamada jurisdição constitucional, isto é, o

conjunto de interpretações e consequentes decisões dos tribunais a

partir do texto da Constituição. No Brasil, tem papel central nessa

jurisdição o Supremo Tribunal Federal (ADEODATO, 2008, p. 12)

Uma vez que o tema deste trabalho está diretamente ligado à moral e ao direito,

perpassando a política no caso de agentes públicos que tenham acedido a um múnus na

Administração Pública pela via eletiva, pareceu-nos imprescindível, em termos de relevância

simbólica, a análise da jurisprudência do Pretório Excelso enquanto termômetro do direito

brasileiro.

Em segundo lugar, tal qual destacado anteriormente, é relevante o fato de a

Suprema Corte ser formada por apenas onze ministros: juristas qualificados (aprovados após

sabatina do Senado Federal) e dotados de grande estrutura técnica e de pessoal para

exercerem sua função jurisdicional, sempre sob os holofotes da mídia e em constantes

debates, numa formação regularmente estável ao longo do tempo72

. Por essas razões, pareceu-

nos que a jurisprudência do STF possuía maior tendência à coesão ao longo do tempo, em

comparação com os outros tribunais, de instâncias inferiores, cujos magistrados são mais

numerosos, estando mais suscetíveis a mudanças de composição e, possivelmente, de

posicionamento.

Isso posto, consideramos devidamente justificada a escolha da análise da

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal enquanto representativa do direito brasileiro.

Resta, ainda, esclarecer o porquê da eleição de acórdãos proferidos entre os anos de 2012 e

2016.

Quanto à eleição dos acórdãos enquanto únicas decisões a serem analisadas,

destaquem-se novamente uma razão simbólica e uma razão prática. A primeira advém do fato

de o acórdão ser um decisum produzido em colegiado. O STF é dividido, atualmente, em duas

turmas julgadoras, cada uma composta por cinco ministros, não tomando parte o presidente da

corte. Nesses pequenos colegiados são julgados os casos que não demandam a declaração de

inconstitucionalidade de leis, que compete somente ao Plenário. Portanto, os acórdãos são as

decisões produzidas colegiadamente pelos ministros da Suprema Corte, seja nas turmas

72 Nos últimos cinco anos, apenas três ministros aposentaram-se e deixaram a corte: Carlos Ayres de Britto (em

2012), sucedido por Luis Roberto Barroso, Cesar Peluzo (em 2012), sucedido por Teori Zavascki, e Joaquim

Barbosa (em 2014), sucedido por Edson Fachin. Com o recente falecimento do ministro Teori Zavascki, em

19/01/2017, deve passar a integrar a corte um novo ministro a ser indicado pelo atual presidente.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

79

julgadoras ou no Plenário, reunindo, portanto, o posicionamento de ao menos cinco ministros,

em regra, diferentemente das decisões monocráticas, proferidas por apenas um ministro.

Uma vez que nos propomos a analisar julgados representativos da jurisprudência

do STF, pareceu-nos mais adequado analisar apenas as decisões colegiadas dos ministros, ao

invés de abranger também as decisões tomadas individualmente.

De outro lado, sobressaiu-se também um viés prático na seleção dos acórdãos

como únicas decisões a serem analisadas neste trabalho: o número de decisões monocráticas

proferidas pelos ministros da corte, no corte temático e temporal proposto, era superior a

2.000 (dois mil) e ainda lacunoso, visto que o próprio sítio eletrônico do STF observa que o

banco de dados de decisões monocráticas acessado virtualmente não está completo. O grande

quantitativo, somado à incompletude do banco de dados pesquisado, levou-nos a excluir as

decisões monocráticas desta pesquisa empírica.

Outrossim, a escolha dos acórdãos em detrimento das decisões de cunho

específico, tais quais as questões de ordem e de repercussão geral, representa também uma

opção de representatividade da jurisprudência da Suprema Corte, uma vez que os acórdãos

decidem os casos práticos levados à jurisdição máxima, pretensões jurídicas a serem providas

ou improvidas, não apenas questões procedimentais prévias ao julgamento de mérito.

Por fim, a escolha dos anos de 2012 a 2016 enquanto lapso temporal de

julgamento dos acórdãos analisados reflete a disposição de debruçarmo-nos sobre os julgados

mais recentes da Suprema Corte. No primeiro momento, possuíamos a intenção de analisar os

acórdãos proferidos desde o ano de 2005 ao ano de 2016, por compreender o período no qual

o Brasil vivenciou os dois maiores escândalos de corrupção de sua história recente: o

Mensalão e a Operação Lava-Jato.

Todavia, observamos que vários acórdãos proferidos no ano de 2011 e em anos

anteriores tiveram o seu inteiro teor disponibilizado eletronicamente a partir da digitalização

das respectivas decisões impressas, semelhante a fotografias. Tal formatação impediu-nos de

utilizar as ferramentas de busca textual73

nos arquivos do inteiro teor das decisões,

inviabilizando a continuidade das análises, em razão do longo tempo que seria necessário para

ler todas as decisões na íntegra e identificar todas as informações pretendidas. Dessa forma,

optou-se por analisar acórdãos proferidos apenas nos últimos 5 (cinco) anos, cujos arquivos

de inteiro teor puderam ser acessados no formato hábil a instrumentalizar pesquisas textuais

específicas.

73 Comando “Ctrl + F”.

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

80

Portanto, em suma, a hipótese inicial desta pesquisa era a de que uma análise dos

acórdãos proferidos pela Suprema Corte, entre os anos de 2012 e 2016, que fizessem

referência expressa à moralidade administrativa, revelaria o desencontro e a fluidez de

significados atribuídos ao princípio em exame, bem como uma aplicação deveras casuística da

matéria. Caso tal hipótese fosse verificada, constataríamos a falta de balizamentos objetivos

na referência à moralidade administrativa no direito brasileiro, o que, dentre muitas

consequências negativas, geraria insegurança quanto ao resultado das demandas levadas ao

Judiciário pátrio.

3.2.2 Elegendo os meios e métodos de verificação da hipótese

Esclarecida a problemática inicial e a hipótese formulada diante das considerações

tecidas nos capítulos anteriores deste trabalho, optamos pela verificação da hipótese

supracitada por meio de uma pesquisa empírica centrada na análise de acórdãos proferidos

pelo STF entre os anos de 2012 e 2016 contendo referência expressa à moralidade

administrativa. Nosso objetivo era desenvolver uma pesquisa de cunho exploratório e, ao

final, realizar inferências descritivas acerca da referência à moralidade administrativa nos

julgados da Suprema Corte, enquanto representativos do direito brasileiro.

Para selecionar os casos a serem estudados, utilizamos a base de dados eletrônicos

do sítio virtual do próprio STF, de livre acesso ao público74

. Relevante esclarecer que esse não

é o único banco de dados da jurisprudência do Pretório Excelso, que também conta com o

Ementário de Jurisprudência75

e os chamados repositórios de jurisprudência76

. Ademais, é

possível solicitar uma pesquisa via e-mail diretamente ao STF, pelo endereço virtual

[email protected]”. (VERÇOSO et al, 2014, p. 114-115)

74 “A página eletrônica do STF foi criada em 1996 e desde esta data é possível realizar pesquisas de

jurisprudência em seu campo. No começo, o banco de dados eletrônico dispunha de poucos acórdãos.

Gradativamente os acórdãos foram digitalizados e incorporados ao banco de dados até a conclusão dos trabalhos em 2000, quando os acórdãos publicados após 5 de julho de 1950 foram disponibilizados. Nesse período, o STF

contou com uma empresa terceirizada para construção do banco de dados e para a alimentação de seu conteúdo.

Após 2002, o trabalho de digitalização e disponibilização dos acórdãos passou a ser feito pelo próprio tribunal.”

(VEÇOSO et al, 2014, p. 114) 75 Repositório físico onde se encontram os acórdãos publicados após 5 de julho de 1950, acessível a qualquer

interessado mediante agendamento com o chefe da Seção de Gerenciamento do Banco de Jurisprudência. 76 Compreendidos como “repertórios e revistas impressos ou em meio digital que reproduzem, na íntegra,

decisões do Supremo Tribunal Federal, obrigatoriamente, e de outros tribunais do País”, nos termos do art. 1º,

caput, da Resolução n.º 330/06 do STF.

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

81

O campo Pesquisa de Jurisprudência, disponível no site da Suprema Corte

permite uma pesquisa livre, a partir de determinadas palavras-chave, com a possibilidade do

uso de operadores booleanos77

– “e”, “adj”, “prox”, “ou”, “nao”, “mesmo” e “$” – cuja

função é esclarecida no tópico “ajuda”. (VERÇOSO et al, 2014, p. 116 e 119) Segundo

informações obtidas junto à Coordenadoria de Análise de Jurisprudência da Suprema Corte78

,

a pesquisa livre é feita pelo sistema não a partir do inteiro teor, mas do espelho do acórdão:

documento no qual são consolidados dados de identificação e de publicação, ementa e

decisão, bem como indexação79

, doutrina80

, legislação81

e observação82

, além de outras

informações relevantes para o resgate dos julgados. Enquanto as ementas são elaboradas pelo

próprio relator ou redator para o acórdão, os demais campos são preenchidos mediante a

análise e o tratamento de informações contidas no relatório e nos votos, atividade feita pela

Coordenadoria de Análise de Jurisprudência da Suprema Corte.

Isso posto, avancemos para a descrição dos métodos e abordagens utilizados nesta

pesquisa.

Inicialmente, buscamos obter o quantitativo total dos acórdãos proferidos pelo

STF entre 01/01/2012 e 31/12/2016, sem especificar um argumento textual de pesquisa, a fim

de obter o universo de acórdãos do qual selecionaríamos a nossa amostra. Obtivemos o

número de 30.365 (trinta mil, trezentos e sessenta e cinco) acórdãos.

Em seguida, para formar a amostra de casos a ser analisada nesta pesquisa,

inserimos a chave “moralidade e administrativa”83

(sem aspas) no campo de pesquisa livre da

jurisprudência do STF, especificando o período de 01/01/2012 a 31/12/2016 e selecionando a

busca exclusiva de acórdãos. Obtivemos como resultado uma lista de 67 (sessenta e sete)

77 Palavras que têm o objetivo de indicar ao sistema de busca como deve ser feita a combinação entre os termos

ou expressões utilizados numa pesquisa. 78 Em correios eletrônicos trocados nos dias 23 a 25/01/2017, por meio do endereço “[email protected]”. 79 A indexação consiste na representação do conteúdo do julgado com o uso de linguagem controlada, para que o

pesquisador possa recuperá-lo pelo espelho do acórdão. Atualmente a indexação é realizada com os termos do

“Tesauro”, uma ferramenta de controle terminológico cujo objetivo é a padronização da informação. Com

frequência a indexação se restringe à expressão “VIDE EMENTA”. Isso ocorre quando todo o entendimento do

órgão julgador foi esboçado na ementa. 80 No campo “doutrina” é indicada toda a bibliografia, inclusive os artigos científicos e os periódicos citados

pelos ministros em seus votos e debates. 81 No campo “legislação” são catalogados todos os atos normativos citados nos votos do acórdão. Visa a

possibilitar pesquisas que utilizem como critério dispositivos constitucionais e infraconstitucionais. 82 No campo “observação” estão registradas informações importantes para a identificação do acórdão e de

interesse do pesquisador. Aqui são indicados temas da repercussão geral; precedentes citados pelos Ministros

(atualmente agrupados por matéria com uma breve indicação do assunto para auxiliar o pesquisador); decisões

judiciais e administrativas de outros órgãos, as quais tenham maior relevância; legislação e decisões estrangeiras

citadas; termos de resgate; apelidos atribuídos a casos notórios; outras informações importantes atinentes ao

julgado (acolhimento de embargos de declaração com efeitos modificativos, etc.). 83 O operador lógico “e” comanda a busca de todas as palavras desejadas em qualquer lugar do documento.

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

82

acórdãos disponíveis na base de dados eletrônicos do site do STF84

que trazem a expressão

moralidade administrativa seja na ementa, decisão, indexação, legislação, observação, tema,

tese ou doutrina citados no acórdão.

Contudo, uma vez que tais campos passam por um tratamento de informações pela

Coordenadoria de Análise de Jurisprudência da Suprema Corte, fixamo-nos apenas sobre o

inteiro teor do acórdão (o qual contém a sua ementa), a fim de recorrer à fonte única e

exclusiva dos votos e debates entre os ministros do Pretório Excelso.

Dado o quantitativo significativo de casos enquadrados no corte temático

proposto, decidimos pela realização de uma pesquisa do tipo estudo de casos cruzados, com a

exceção de um acórdão em especial, o RE 405386/RJ, julgado em 26/02/2013, que pelo foco

dado à moralidade administrativa mereceu uma análise mais aprofundada, consubstanciando

um estudo de caso propriamente dito85

.

Quanto à abordagem a ser utilizada, escolheu-se a análise quantitativa dos dados.

A partir do texto do inteiro teor de cada acórdão selecionado, respondemos às seguintes

perguntas:

1) Qual a data de julgamento?

2) Quantas vezes a moralidade é citada?

3) Quantas vezes a moralidade é referida junto a outros princípios ou valores?

Quais e por quantas vezes cada um?

4) A moralidade é referida como princípio central na questão de fato sob exame? Se sim, ele foi considerado observado ou violado?

5) Houve algum balizamento do conceito de moralidade? Se sim, por mera

afirmação, doutrina ou precedente judicial?

O questionário acima foi preenchido com as informações encontradas no inteiro

teor de cada acórdão, não fazendo distinção entre o discurso direto de cada ministro – quando

encontramos suas opiniões e posicionamentos em cada voto – e as citações de precedentes,

doutrina, excertos da legislação ou dos requerimentos feitos pelas partes litigantes, uma vez

que, inseridos no contexto do voto, esses trechos também consistem no discurso – indireto –

dos ministros, expressando a ênfase conferida pelos membros do STF à moralidade

administrativa em diversos contextos. Ademais, dado que muitas argumentações são

84 A pesquisa foi feita no dia 03/01/2017. Ao repetirmos a busca nos mesmos termos, no dia 25/01/2017, porém,

observamos que os dois acórdãos mais recentes contendo a expressão “moralidade administrativa” (a qual

aparece como um único termo de pesquisa, a partir do uso do operador booleano “e”) foram suprimidos dos

resultados, quais sejam, e Rcl 23282 AgR/MG e a Rcl 23427 AgR/RJ, ambas julgadas no dia 09/12/2016,

resultando numa amostra de 65 (sessenta e cinco) acórdãos. Dado que a pesquisa inicial foi mais completa e

supondo um equívoco técnico temporário da busca eletrônica de jurisprudência no site do STF, prosseguimos à

análise dos 67 (sessenta e sete) acórdãos inicialmente encontrados. 85 As tipologias estudo de caso e estudo de casos cruzados já foram explanadas no tópico anterior, utilizando

como base a obra do professor da Universidade de Boston, John Gerring.

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

83

construídas inclusive textualmente a partir da incorporação de citações, não faria sentido

excluir essas últimas da presente análise.

Quanto à segunda pergunta, necessário tecer alguns esclarecimentos. Embora a

pesquisa de jurisprudência tenha usado o argumento textual “moralidade administrativa”,

contabilizamos também o número de vezes em que são citadas as expressões “moralidade” e

“imoralidade”, quando empregadas no sentido de observância e violação do princípio da

moralidade administrativa. Da mesma forma, por possuir o mesmo sentido, consideramos a

incidência das expressões “moral administrativa” (ex.: HC 112388/SP) e “moralidade

pública” (ex.: ADI 4650/DF)

Porém, excluímos da contagem o número de vezes em que “(i)moralidade” foi

citada no tocante à moralidade comum – associada aos bons costumes e exigida de todo

cidadão em sua vivência em sociedade, e não dos agentes públicos em razão de sua função –

ou à moralidade castrense – exigida de todos os militares, em razão das normas de obediência

e hierarquia que regem o Exército Brasileiro. Essa depuração de resultados fez com que dois

acórdãos de nossa amostra, a ADI 4815/DF e o RHC 118030/RS, não tivessem contabilizada

nenhuma referência expressa à moralidade administrativa86

.

Já a respeito da terceira pergunta, asseveramos que só foram considerados

princípios ou valores citados junto à moralidade aqueles que complementavam a mesma ideia

ou enumeração da qual fazia parte o termo “moralidade administrativa”, não quando faziam

parte de outra ideia, ainda que no mesmo período textual, nem quando eram citados como

definição ou balizamento conceitual da própria moralidade administrativa. Ademais,

desconsideramos, para fins de categorização em resposta a essa pergunta, frases grandes, tal

como: “livramento do processo eleitoral de investidas perniciosas do poder econômico e do

abusivo exercício de função pública” (ADC 29/DF).

Ainda sobre a terceira pergunta, advertimos que contabilizamos também os

princípios e valores cuja negativa estaria implicada na violação da moralidade. Por exemplo,

na ADI 4650/DF, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou: “no modelo brasileiro, considero

antirrepublicano, antidemocrático e, em certos casos, contrário à moralidade pública o

financiamento eleitoral conduzido por empresas privadas”. Ora, se o argumento é o de que a

violação ao princípio da moralidade estaria atrelada à violação aos princípios republicano e

86 Tais acórdãos foram enquadrados nos resultados de busca jurisprudencial por possuírem a moralidade

administrativa registrada em sua indexação, mas sem a expressão correspondente em seu inteiro teor, cujo texto

está sendo tomado por base para a análise quantitativa do presente estudo.

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

84

democrático, esses dois princípios foram também registrados como resposta à terceira

pergunta do questionário.

Todavia, nem sempre o termo de sentido negativo, assemelhado à imoralidade

administrativa, possuía um claro termo positivo correspondente. Se o termo

“antidemocrático” nos fez concluir imediatamente pela vinculação do “princípio democrático”

à moralidade administrativa, o mesmo não ocorreu com os termos “abuso de poder” (ADC

29/DF, ADC 30/DF e ADI 4578/AC), “desvio de finalidade” (MS 24020/DF e AI 842925

AgR/SP) e “lesividade” (RE 405386/RJ). Por essa razão, registramo-los com a observação

“(vedação a)”, a fim de conferir à classe o valor positivo de seu contrário.

Da mesma forma, expressões semelhantes foram unificadas sob uma única

denominação, ainda que aparecessem sob diferentes formas. Por exemplo: na ADI 4650/DF,

observam-se mais duas referências contabilizadas para o princípio democrático e o princípio

republicano, embora fraseados de maneiras distintas, in verbis: “nós precisamos criar um

sistema eleitoral mais barato e, consequentemente, mais autêntico, mais democrático, mais

republicano e mais capaz de atender as demandas por moralidade pública da sociedade

brasileira” (voto do ministro Luís Roberto Barroso) e “estão em jogo princípios caríssimos à

democracia, à República, à moralidade administrativa, e princípios caríssimos atinentes ao

binômio sinceridade e realidade institucional” (voto do ministro Luiz Fux).

Ademais, algumas especificações de certos princípios ou valores foram

desconsideradas a fim de que se contabilizasse a frequência do termo mais amplo, mantido o

mesmo sentido. Por exemplo: na ADI 4792/ES, fala-se em “probidade da Administração”,

“probidade administrativa” e “probidade dos representantes (eleitorais)”. Todas essas

expressões foram contabilizadas na frequência do termo genérico “probidade”, a fim de se

evitar um detalhamento excessivo e facilitar a visualização geral da referência aos diversos

termos. Da mesma forma, as referências “legitimidade das eleições” e “legitimidade de

pleitos” (ADC 29/DF, ADC 30/DF e ADI 4578/AC) foram todas contabilizadas como

“legitimidade”.

Já o quarto questionamento diz respeito à moralidade ter sido referida em algum

argumento como o princípio central (único ou principal) para se analisar a matéria de fato sob

julgamento. A segunda parte da pergunta diz respeito à eventual indicação, feita por algum

ministro, de que o caso sob exame caracterizava uma hipótese de violação do princípio da

moralidade ou de sua observância (ou falta de provas de violação). O objetivo era entender se

a moralidade administrativa é um conceito que alberga situações de violação mais claras e

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

85

concordes que situações de observância, isto é, se é mais comum defini-lo concretamente, por

aquilo que é (observância) ou pelo que não é (violação).

Por fim, a última pergunta busca definitivamente comprovar ou refutar a hipótese

de pesquisa formulada, quantificando quantas vezes e de que forma a moralidade

administrativa foi esclarecida, balizada, definida ou teve seu conteúdo problematizado pela

Suprema Corte. O questionamento que se segue cria três classes para esse eventual

balizamento: o precedente judicial, a doutrina (sejam obras completas ou artigos de

periódicos) e as meras afirmações dos juristas (sejam lugares-comuns simplificados e

repetidos acriticamente ou digressões baseadas em reflexões mais elaboradas sobre a matéria,

porém sem qualquer balizamento doutrinário ou jurisprudencial).

Importante relevar que as três classes estabelecidas nessa segunda parte da quinta

questão não são mutuamente excludentes, podendo um mesmo acórdão, contendo o tal

balizamento, ser contabilizado em uma, duas ou nas três classes, conforme a delimitação

conceitual apareça ao longo do teor da decisão.

3.3 RESULTADOS E CONCLUSÕES DA PESQUISA: MEDIANDO CERTEZAS E

INCERTEZAS EM INFERÊNCIAS DESCRITIVAS QUANTO À MORALIDADE

ADMINISTRATIVA

Segundo Lee Epstein e Gary King (2013, p. 63), uma premissa básica de toda a

pesquisa empírica e teoria de inferência é a de que todas as conclusões possuem um grau de

incerteza, pois os fatos que conhecemos relacionam-se aos fatos que não conhecemos somente

por suposições que jamais poderemos verificar completamente. Portanto, não faria sentido

afirmar o grau de certeza de alguma inferência, mas estimar justamente o seu grau de

incerteza, relatando essa estimativa junto a cada conclusão.

Diante dessa perspectiva, não pretendemos apresentar, aqui, resultados que gerem

certezas acerca da hipótese que submetemos a verificação, mas conclusões que, após a

realização do método escolhido, lancem sobre os resultados descrições e constatações que

sistematizem os dados obtidos e lhes façam inferências de sentido, a partir de todo o

arcabouço teórico construído nos capítulos anteriores. A esse respeito, cabe lembrar que, sob

pena de um ingênuo desprezo às ideologias assumidas – consciente ou inconscientemente –

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

86

por cada ser humano, o pesquisador não perde a objetividade de seu trabalho ao propor

interpretações para os seus resultados, contanto que esses tenham sido produzidos com

fidedignidade ao método.

Isso posto, iniciemos o relato dos resultados que obtivemos com a aplicação dos

métodos descritos no tópico anterior, escolhidos com o fito de verificar a hipótese elaborada a

partir da problemática em estudo e que pode ser resumida na seguinte inquirição: o princípio

da moralidade administrativa vem sendo referido no direito brasileiro a partir de conceitos ou

balizamentos objetivos?

Inicialmente, observamos que, entre 01/01/2012 e 31/12/2016, 67 (sessenta e sete)

acórdãos referiram-se expressamente à moralidade administrativa. Foram eles: Rcl 23282

AgR/MG, Rcl 23427 AgR/RJ, Rcl 23505 AgR/PE, Rcl 24581 AgR/PE, AP 971/RJ, RMS

33666/DF, Inq 4177/DF, ADPF 388/DF, Rcl 22286 AgR/SC, RHC 132657/DF, ARE 921282

ED/SC, RE 837311/PI, Inq 4088/DF, SL 885 AgR/RJ, MS 32770 AgR/DF, Inq 3399/DF,

ADI 4650/DF, RE 632265/RJ, ADI 4815/DF, AC 2996 AgR/PI, Pet 3047 AgR/DF, ADI

1923/DF, RE 675978/SP, Rcl 19845 AgR/RS, ARE 860136 AgR/MG, ARE 855648 AgR/RS,

ADI 4792/ ES, RHC 125478 AgR/ES, RE 570392/RS, Rcl 14729 AgR/AM, Rcl 18778

ED/RJ, Rcl 14048 AgR/MG, Rcl 12017 AgR/DF, Rcl 17831 AgR/RJ, Rcl 15279 AgR/SP,

Rcl 15297 AgR/MS, Rcl 11692 AgR/RO, Rcl 14704 AgR/SP, Rcl 15365 AgR/PR, Rcl 14732

AgR/DF, Rcl 18181 AgR/RS, Rcl 11834 AgR/RN, ADI 4180/DF, AC 3585 AgR/RS, RHC

118030/RS, AI 747402 AgR/BA, RMS 28208/DF, AP 565/RO, Rcl 14151 ED/MG, Rcl

12758 AgR/DF, RE 503436 AgR-segundo/ PI, RE 589998/PI, ADI 4425/DF, ADI 4357/DF,

RE 405386/RJ, AP 470/MG, HC 112388/SP, RE 683168 AgR/AL, RE 423560/MG, RE

550005 AgR/PR, MS 28720/DF, RE 310028 AgR-ED/SP, MS 24020/DF, ADC 29/DF, ADC

30/DF, ADI 4578/AC e ADI 4638 MC-Ref/DF.

Considerando os 30.365 (trinta mil, trezentos e sessenta e cinco) acórdãos

julgados pelo STF no mesmo período, tal quantitativo representa uma porcentagem de

aproximadamente 0,2% (zero vírgula dois por cento)87

.

3.3.1 Resultados da pergunta n.º 1: Qual a data de julgamento?

87 As porcentagens serão referidas, neste trabalho, com aproximação até a primeira casa decimal, seguindo a

regra de arredondar o número para cima quando a casa decimal seguinte tem valor igual ou maior que 5.

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

87

Dentre os 67 (sessenta e sete) acórdãos analisados, 12 (doze) haviam sido julgados

no ano de 201288

, 8 (oito) em 201389

, 19 (dezenove) em 201490

, 18 (dezoito) em 201591

e 10

(dez) em 201692

. Observe-se tal divisão anual por meio do gráfico abaixo:

Gráfico 1: Número de acórdãos por ano de julgamento.

FONTE: Dados de pesquisa.

O elevado número de acórdãos no ano de 2014 remonta a diversas Reclamações93

que foram julgadas seguidamente, entre os meses de outubro a dezembro, no mesmo sentido,

através de acórdãos praticamente idênticos em conteúdo de ementa e inteiro teor.

3.3.2. Resultados da pergunta n.º 2: Quantas vezes a moralidade é citada?

88 Nas seguintes datas: 08/12/12, 16/02/12 (três acórdãos), 06/03/12, 20/03/12 (dois acórdãos), 08/05/12,

29/05/12, 07/08/12, 21/08/12 e 17/02/12. 89 Nas seguintes datas: 26/02/13, 14/03/13 (dois acórdãos), 20/03/13, 16/04/13, 24/04/13, 23/05/13 e 08/08/13. 90 Nas seguintes datas: 25/02/14, 27/05/14, 19/08/14, 02/09/14, 11/09/14, 21/10/14 (dois acórdãos), 28/10/14,

25/11/14 (três acórdãos), 02/12/14 (cinco acórdãos), 09/12/14 (dois acórdãos) e 11/12/14. 91 Nas seguintes datas:10/02/15, 12/02/15, 24/02/15, 24/03/15, 14/04/15, 15/04/15, 16/04/15, 02/06/15 (dois

acórdãos), 10/06/15, 18/06/15, 17/09/15, 20/10/15, 24/11/15, 25/11/15, 01/12/15, 09/12/15 e 15/12/15. 92 Nas seguintes datas: 16/02/16 (dois acórdãos), 09/03/16, 12/04/16, 31/05/201628/06/16, 18/11/16 e 09/12/16

(três acórdãos). 93 Rcl 14729 AgR/AM, Rcl 18778 ED/RJ, Rcl 14048 AgR/MG, Rcl 12017 AgR/DF, Rcl 17831 AgR/RJ, Rcl

15279 AgR/SP, Rcl 15297 AgR/MS, Rcl 11692 AgR/RO, Rcl 14704 AgR/SP, Rcl 15365 AgR/PR, Rcl 14732

AgR/DF, Rcl 18181 AgR/RS e Rcl 11834 AgR/RN.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

2012 2013 2014 2015 2016

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

88

Do inteiro teor dos 67 (sessenta e sete) acórdãos analisados, observou-se a

incidência da moralidade administrativa por 654 (seiscentos e cinquenta e quatro) vezes,

sendo 376 (trezentos e setenta e seis) no ano de 2012, 98 (noventa e oito) no ano de 2013, 60

(sessenta) no ano de 2014, 99 (noventa e nove) no ano de 2015 e 21 (vinte e uma) no ano de

2016. Podem-se visualizar as porcentagens desses resultados no gráfico abaixo:

Gráfico 2: Citações da moralidade administrativa por ano de julgamento de acórdão (em %).

FONTE: Dados de pesquisa.

O significativo número de aparições em 2012 deve-se ao fato de, em fevereiro

desse ano, terem sido julgadas em conjunto a ADC 29/DF, a ADC 30/DF e a ADI 4578/AC,

também contando com acórdãos quase idênticos em ementa e inteiro teor, cada um contendo

97 (noventa e sete) referências textuais à moralidade administrativa. Os julgamentos trataram

da aplicação da Lei Complementar n.º 35/2010, que veio acrescentar hipóteses de

inelegibilidade à Lei Complementar n.º 64/1990, popularmente conhecida como “Lei da Ficha

Limpa”.

Caso o julgamento dessas três ações constitucionais fosse considerado único,

contabilizando-se apenas uma vez as 97 (noventa e sete) referências à moralidade

administrativa, ainda assim o ano de 2012 contaria com 182 (cento e oitenta e duas) menções

ao princípio.

3.3.3. Resultados da pergunta n.º 3: Quantas vezes a moralidade é referida junto a

outros princípios ou valores? Quais e por quantas vezes cada um?

2012 58%

2013 15%

2014 9%

2015 15%

2016 3%

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

89

Das 654 (seiscentos e cinquenta e quatro) vezes referida nos últimos 5 (cinco)

anos, a moralidade administrativa apareceu 450 (quatrocentas e cinquenta) vezes ladeada por

outros princípios ou valores aplicáveis à ordem pública no direito pátrio, o que representa um

quantitativo de aproximadamente 68,8% (sessenta e oito vírgula oito por cento) do total de

referências. Isso significa que apenas em 204 (duzentos e quatro) momentos a moralidade

administrativa foi referenciada isoladamente, por si mesma.

Do montante de 450 (quatrocentos e cinquenta) referências conjuntas, 267

(duzentos e sessenta e sete) foram no ano de 2012, 59 (cinquenta e nove) no ano de 2013, 42

(quarenta e dois) no ano de 2014, 69 (sessenta e nove) no ano de 2015 e 13 (treze) no ano de

2016. Mais uma vez, ressalte-se que o alto número correspondente ao ano de 2012 deve-se ao

julgamento em conjunto das já citadas ADC 29/DF, ADC 30/DF e ADI 4578/AC.

Da análise do inteiro teor de cada um dos 67 (sessenta e sete) acórdãos da

amostra, catalogamos 66 (sessenta e seis) princípios e/ou valores citados junto à moralidade

administrativa, fazendo parte do mesmo argumento, lista descritiva ou situação. No total,

foram 817 (oitocentas e dezessete) referências a outros princípios ou valores, nas 654

(seiscentos e cinquenta e quatro) aparições do princípio da moralidade administrativa. Isso

significa 1,3 valores ou princípios “acessórios” para cada referência à moralidade

administrativa.

Entre os 66 (sessenta e seis) outros princípios ou valores, destacaram-se a

probidade administrativa – citada por 231 (duzentas e trinta e uma) vezes –, a impessoalidade

– citada por 89 (oitenta e nove) vezes –, e a legalidade – citada por 65 (sessenta e cinco)

vezes. O número de referências textuais a cada um desses princípios/valores está disposto no

gráfico abaixo:

Gráfico 3: Número de citações de outros princípios/valores junto à moralidade administrativa.

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

90

231 89

65 64

57 51

29 22 21 16 12 11 10 7 7 7 6 6 6 5 5 5 5 4 4 4 4 3 3 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

0 50 100 150 200 250

ProbidadeImpessoalidade

LegalidadeLegitimidade

Normalidade das eleiçõesEficiência

PublicidadePrincípio democrático

IsonomiaIgualdade

ÉticaInteresse público

EconomicidadeBoa-fé

Princípio republicanoRazoabilidade

Abuso de poder (vedação a)Honestidade

Meio ambiente ecologicamente equilibradoIndependência/Separação dos Poderes

LealdadeLei penal (respeito a)

Princípios ético-políticos basilaresCoisa julgada

Lisura do certamePatrimônio estatal (proteção do)

TransparênciaBem comum

Lesividade (vedação a)Presunção de inocência

ProporcionalidadeProteção da confiança

Regularidade do certameSegurança jurídica

SoberaniaAmpla defesa

Concurso públicoContraditório

Desvio de finalidade (vedação a)DignidadeFinalidade

Fiscalização pelo Tribunal de ContasMotivação

RespeitabilidadeAdministração pública (respeito a)

Aperfeiçoamento do serviço públicoAtuação correta e honesta dos servidores

AusteridadeCombate à corrupção

Controle dos recursos públicosCredibilidade do certame

Decência políticaDevido processo legal

DireitoHonorabilidade

IdoneidadeIntegridadeInvestidura

Legislação eleitoral (respeito a)Livre iniciativa

PropriedadeRegular funcionamento da administração

Responsabilidade dos agentes públicosSinceridade e realidade institucional

Sistema financeiro (respeito a)Zelo no trato da coisa pública

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

91

FONTE: Dados de pesquisa.

3.3.4. Resultados da pergunta n.º 4: A moralidade é referida como princípio central na

questão de fato sob exame? Se sim, ele foi considerado observado ou violado?

Da análise do assunto tratado nos 67 (sessenta e sete) acórdãos da amostra,

constatamos que apenas 15 (quinze) deles, ou 22,4% (vinte e dois vírgula quatro), apontam a

moralidade administrativo como princípio central na questão fática sob julgamento, sendo

que, desses, 4 (quatro) foram julgados em 2012, 2 (dois) em 2013, 1 (um) em 2014, 6 (seis)

em 2015 e 2 (dois) em 2014. E dos 15 (quinze) acórdãos mencionados, 5 (cinco) trouxeram

indicativo de cumprimento ou observação à moralidade administrativa, enquanto 10 (dez)

ostentaram referência à violação do princípio.

Gráfico 4: Número de acórdãos cujo princípio central é a moralidade administrativa

(observada ou violada).

FONTE: Dados de pesquisa.

3.3.5. Resultados da pergunta n.º 5: Houve algum balizamento do conceito de

moralidade? Se sim, por mera afirmação, doutrina ou precedente judicial?

0

1

2

3

4

5

6

7

2012 2013 2014 2015 2016

Observação Violação Total

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

92

Da leitura dos acórdãos da amostra, observamos que em apenas 10 (dez) deles a

moralidade administrativa recebeu algum balizamento, conceituação, tentativa de definição ou

esclarecimento de sentido, o que representa 14,9% (catorze vírgula nove por cento) do total.

Desses 10 (dez) acórdãos, 5 (cinco) foram julgados em 2012, 2 (dois) em 2013 e 1

(um) nos anos de 2014 a 2016. Em 3 (três) deles, houve um balizamento por meio de citação

de precedente judicial; em outros 3 (três), por meio de citação doutrinária; e em 9 (nove)

verificaram-se esforços de delimitação de conteúdo da moralidade administrativa por meio de

meras afirmações ou opiniões dos julgadores.

Em termos percentuais, 30% (trinta por cento) dos 10 (dez) acórdãos citaram

precedente ou doutrina, enquanto 90% (noventa por cento) deles recorreu a opiniões livres de

referências objetivas. Do total de acórdãos pesquisados, porém, registra-se que apenas 4,5%

(quatro vírgula cinco por cento) fizeram a citação de precedente ou doutrina acerca da

moralidade administrativa, enquanto 13,4% (treze vírgula quatro) trouxeram esforços

conceituais baseados em meras opiniões. Observe-se o gráfico abaixo:

Gráfico 5: Número de acórdãos que trazem algum balizamento da moralidade administrativa

(por precedente, doutrina ou mera afirmação).

FONTE: Dados de pesquisa.

3.3.7. Analisando os resultados da pesquisa através de inferências

0

1

2

3

4

5

6

2012 2013 2014 2015 2016

Cita Precedente Cita Doutrina Mera afirmação Nº de Acórdãos

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

93

De início, não podemos afirmar que o quantitativo de acórdãos integrantes da

amostra de pesquisa seja pouco ou muito significativo em cotejo com o número total de

acórdãos proferidos pelo STF no mesmo período, uma vez que não possuímos informações

comparativas quanto ao resultado de uma busca de mesmos critérios utilizando a referência

textual a outros princípios ou valores fundamentais à Administração Pública brasileira. Trata-

se do nosso “ponto cego”, por ser informação externa ao nosso universo de casos. Por essa

razão, nos deteremos a comentar os resultados encontrados da análise dos 67 (sessenta e sete)

acórdãos.

Quanto à primeira pergunta, observamos certa regularidade na distribuição de

acórdãos por ano de julgamento, não se percebendo um movimento crescente ou decrescente

nessas referências, apenas uma concentração de casos nos anos de 2014 e 2015.

Já a respeito da segunda pergunta, podemos observar que há uma grande

discrepância entre o número de vezes em que a moralidade é referida, por exemplo, nos anos

de 2012 e 2016. Mesmo que se entenda que o alto índice de frequência do ano de 2012 se

deva ao julgamento conjunto de três ações constitucionais, caso considerássemos apenas um

dos três acórdãos (cujo teor é quase idêntico), o ano de 2012 ainda contaria com o maior

número de referências textuais à moralidade administrativa – 182 (cento e oitenta e duas) –

numa divergência flagrante em relação às 21 (vinte e uma) aparições do princípio nos

acórdãos de 2016.

Por sua vez, os resultados da terceira pergunta nos permitem visualizar o quanto a

moralidade administrativa aparece nos acórdãos do STF atrelada a outros princípios,

denotando o hábito de ser expresso junto a certos valores complementares ou de

complementar o significado de outros valores. Observa-se essa situação em 68,8% (sessenta e

oito vírgula oito por cento) do total de referências.

Sobressai-se, dentre esses valores ou princípios “acessórios”, o da probidade

administrativa, que aparece junto à moralidade por 231 (duzentas e trinta e uma) vezes. Isso

representa 51,3% de todas as vezes em que a moralidade apareceu ladeada de outro valor ou

princípio. Outra observação curiosa é que o número de vezes em que a moralidade

administrativa é citada ao lado da probidade é maior que o número de vezes em que a

moralidade é citada sozinha – 204 (duzentas e quatro). Portanto, os ministros aparentam estar

mais confortáveis em citar moralidade e probidade administrativa juntas que apenas

moralidade administrativa, o que aponta para uma inconsistência na percepção do significado

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

94

de cada um desses princípios, razão pela qual optam em citá-los juntos para que um reforce o

outro.

A probidade também é citada em vários acórdãos nos quais se tenta apontar o

conteúdo da moralidade administrativa, o que reforça a ideia de confusão entre ambos os

conceitos, segundo será detalhado mais abaixo.

Os resultados da quarta pergunta são interessantes para visualizar que, embora

seja citada como fundamentação argumentativa das decisões dos ministros, apenas em 15

(quinze) doas 67 (sessenta e sete) casos a moralidade administrativa é tratada como o

princípio central a ser aplicado ao caso concreto para se chegar a uma solução justa. Esse

quantitativo representa 22,4% (vinte e dois vírgula quatro por cento) dos casos. Desses, fala-

se em violação à moralidade em 2/3 (dois terços) dos acórdãos, enquanto a sua observação

(ou falta de provas de violação) é estatuída em somente 1/3 (um terço) das decisões.

Tais resultados reforçam a constatação de que, muitas vezes, a moralidade é usada

apenas como um reforço argumentativo-retórico do magistrado, e não como princípio jurídico

específico a ser aplicado ao caso concreto. Da mesma forma, mostra-se mais comum apontar

aquilo que nega a moralidade administrativa do que aquilo que a reforça, ou seja, na

dificuldade de se definir do que se trata a moralidade administrativa, o ministro prefere

apontar casuisticamente situações que não se enquadram na moralidade administrativa do que

reconhecer as que se enquadram.

Por fim, a quinta pergunta traz observações valiosas para a verificação da nossa

hipótese de pesquisa. Dos 67 (sessenta e sete) acórdãos analisados, verificamos que em

apenas 10 (dez) deles existem esforços de balizamento, delimitação ou fixação conceitual

acerca da moralidade administrativa. Isso significa que numa maioria de 85,1% (oitenta e

cinco vírgula um por cento) dos casos, a moralidade administrativa é citada em passant, como

se seu significado fosse perfeitamente conhecido pelas partes litigantes e demais magistrados,

prescindindo de qualquer esclarecimento. Uma vez que tal clareza de sentido não se sustenta,

diante das observações feitas nos capítulos anteriores, pode-se concluir que, na verdade, os

ministros evitam a problematização do significado da moralidade administrativa.

Assim, apenas em 14,9% (catorze vírgula nove por cento) dos acórdãos houve

alguma delimitação de sentido do princípio da moralidade administrativa. Desses, 90%

(noventa por cento) fizeram o balizamento utilizando meras afirmações do magistrado, sem a

indicação de qualquer fonte de dados, tal qual um precedente judicial ou uma obra

doutrinária. Destacou-se a assertiva de que a probidade administrativa é um dos ou o principal

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

95

conteúdo da moralidade administrativa (AP 470/MG, ADC 29/DF, ADC 30/DF e ADI

4578/AC) ou que a lealdade o seja (MS 28720/DF).

Dos 10 (dez) acórdãos contendo balizamentos, apenas 30% citaram alguma fonte

doutrinária ou jurisprudencial, isto é, 3 (três) acórdãos de uma amostra total de 67 (sessenta e

sete). E desses 3 (três) que citaram doutrina e dos 3 (três) que citaram precedentes, 2 (dois)

acórdãos (AC 3585 AgrR/RS e Pet 3047 AgR/DF) pertencem a ambos os grupos e citam a

mesma obra doutrinária94

, o mesmo precedente judicial95

e as mesmas afirmações96

sobre a

moralidade administrativa, denotando que o mais antigo (AC 3585 AgrR/RS) teve sua

fundamentação aproveitada pelo acórdão mais recente (Pet 3047 AgR/DF).

Portanto, delimitar conceitualmente a moralidade administrativa foi algo raro nos

acórdãos pesquisados, o que corrobora a hipótese de que a moralidade administrativa é

referida no direito brasileiro sem esclarecimentos de sentido. Por outro lado, a constatação de

que, quando existe algum balizamento conceitual do princípio em exame, isso é feito através

das meras opiniões ou ideias do jurista, sem qualquer fonte objetiva de dados, reforça o

argumento de que a moralidade administrativa é frequentemente referida ao arbítrio do

julgador. Por fim, a ínfima quantidade de fontes doutrinárias e jurisprudenciais a embasar a

utilização da moralidade administrativa aponta para uma necessidade premente de se

fortalecerem os estudos acerca do conceito e de regras gerais para a aplicação concreta do

princípio em exame.

3.3.8. Posicionar-se é encarar o desafio: o exemplo do ministro Teori Zavascki

Um dos acórdãos analisados chamou-nos a atenção pelos debates travados entre

os ministros justamente acerca da delimitação conceitual da moralidade administrativa e de

94 “Princípios Constitucionais da Administração Pública”, p. 191, item n. 3.3, 1994, Del Rey, da doutrinadora e

também ministra da Suprema Corte, Carmem Lúcia Antunes da Rocha. 95 Voto do ministro Carlos Velloso na Rcl 2138/DF. 96 Confiram-se os trechos meramente afirmativos: “Nesse contexto, vale referir que o princípio da moralidade

administrativa (que tem, na Lei nº 8.429/92, poderosíssimo instrumento de sua concretização, na medida em que

legitima a punição do „improbus administrator‟) qualifica-se como valor constitucional impregnado de substrato

ético, erigido à condição de vetor fundamental que rege as atividades do Poder Público, como resulta da

proclamação inscrita no art. 37, „caput‟, da Constituição da República. (...) Na realidade, e especialmente a partir

da Constituição promulgada em 1988, a estrita observância do postulado da moralidade administrativa passou a

qualificar-se como pressuposto de validade dos atos que, fundados, ou não, em competência discricionária,

tenham emanado de autoridades ou órgãos do Poder Público (...)”

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

96

sua aplicação no caso concreto: o RE 405386/RJ, julgado em 26/02/2013, sob a relatoria da

ministra Ellen Gracie. O acórdão trata da instituição de pensão vitalícia à viúva de um ex-

prefeito de Porciúncula/RJ, por meio de lei municipal, o que, segundo a relatora, era um

privilégio que agredia frontalmente os valores jurídicos contidos no art. 37 da Constituição

Federal, “notadamente os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, esta

qualificada, no caso dos autos, pela manifesta lesividade ao erário municipal, impondo-se a

condenação prevista no art. 3º da Lei n.º 7.347/85”.

Diante da fundamentação dada pela relatora, o ministro Eros Grau pediu vista dos

autos, afirmando que o aspecto da moralidade o preocupava muito, pois temia “um dia

rompermos a garantia da certeza e segurança jurídica e substituirmos o direito pela moral”.

Posteriormente, em seu voto-vista, o ministro asseverou que:

Deveras, o conteúdo desse princípio há de ser encontrado no interior do próprio

direito, até porque a sua contemplação não pode conduzir à substituição da ética da

legalidade por qualquer outra. Vale dizer, não significa uma abertura do sistema

jurídico para a introdução, nele, de preceitos morais. O que importa assinalar, ao

considerarmos a função do direito positivo, o direito posto pelo Estado, é que este o

põe de modo a constituir-se a si próprio, enquanto suprassume a sociedade civil, conferindo concomitantemente a ela a forma que a constitui. Nessa medida, o

sistema jurídico tem de recusar a invasão de si próprio por regras estranhas a sua

eticidade própria, advindas das várias concepções morais ou religiosas presentes na

sociedade civil, ainda que isto não signifique o sacrifício de valorações éticas.

Ocorre que a ética do sistema jurídico é a ética da legalidade. E não pode ser outra,

senão esta de modo que a afirmação, pela Constituição e pela legislação

infraconstitucional, do princípio da moralidade o situa, necessariamente, no âmbito

desta ética, ética da legalidade, que não pode ser ultrapassado, sob pena de

dissolução do próprio sistema.

Isto posto, compreenderemos facilmente esteja confinado, o questionamento da

moralidade da Administração, nos lindes do desvio de poder ou de finalidade. Qualquer questionamento para além desses limites estará sendo postulado no quadro

da legalidade pura e simples. Essa circunstância é que explica e justifica a menção, a

um e a outro princípios, na Constituição e na legislação infraconstitucional.

Permitam-me que eu insista neste ponto: a moralidade da Administração somente

pode ser concebida por referência à legalidade.

Para lastrear sua primeira afirmativa, Eros Grau cita o seu “O direito posto e o

direito pressuposto”, 6ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2005, p. 286 e ss. A preleção

supra abertamente aproxima o ministro da corrente doutrinária que defende a submissão da

moralidade à legalidade e a situa no âmbito do desvio de finalidade. Todavia, o ministro não

segue apontando argumentos que embasem o reconhecimento ou não do desvio de finalidade

no caso concreto. Em vez disso, Eros Grau assevera não pensar que houve desvio de

finalidade na situação em tela, mas usa argumentos estranhos à matéria – não tratando de

finalidade ou poder – para defender seu posicionamento.

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

97

Primeiramente, afirmou que a pensão foi concedida por lei tomada em sentido

formal ou de ato administrativo, datada de 1986, sendo-lhe inaplicável o art. 37 da

Constituição Federal de 1988, cuja aplicação não é retroativa. Em segundo lugar, citou

precedentes do STF e de outros órgãos sobre a constitucionalidade das chamadas pensões

especiais. Depois, voltou a afirmar que não via desvio de poder ou finalidade no caso, sem

esclarecer o sentido dessa expressão, e passou a questionar o que seria uma “arbitrariedade

legislativa”, conforme citado pela relatora, concluindo por confundir-se com o princípio da

constitucionalidade. Por fim, diz não estar ferido esse princípio em virtude de a situação

encontrar abrigo sobretudo no art. 3º, I, da Carta Maior97

.

Em seguida, pediu vista do processo o ministro Cezar Peluso, que se aposentou

antes de proferir o voto, sendo sucedido nesse mister pelo ministro Teori Zavascki, cujo voto

demonstra a coragem e a lucidez de uma digressão teórica sobre o princípio da moralidade,

enfocando a necessidade de se examinar o elemento subjetivo no caso concreto. Os trechos do

voto que dizem respeito ao princípio em estudo merecem transcrição literal, com grifos

nossos:

Resta saber se a lei municipal em causa é, em sua substância, passível de anulação,

em face do princípio da moralidade. Embora se trate de lei anterior à Constituição de

1988, a discussão se travou a partir de referências a dispositivos da nova Carta,

especialmente porque o princípio da moralidade, implicitamente previsto no

regime constitucional anterior, foi intimamente associado, aqui, ao princípio da isonomia, comum a todas as Constituições.

Não há dúvida de que a lei deu tratamento privilegiado – e, portanto, anti-isonômico

- a certa pessoa, mas também isso, por si só, não pode ser considerado “imoral”.

Para tanto, seria indispensável demonstrar que o tratamento discriminatório não tem

qualquer motivo razoável. O que a Constituição proíbe não é, propriamente, o

tratamento privilegiado, mas a concessão de privilégios injustificados e

injustificáveis. Um mínimo de investigação a respeito das causas que

determinaram o tratamento privilegiado seria, portanto, indispensável à

declaração de nulidade por “imoralidade”. Convém enfatizar – e aqui pedimos

licença para invocar o que registramos em sede doutrinária (Processo Coletivo –

tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 5ª ed., P:RT, 2.011, p. 82 e

seguintes) - que a moralidade, tal como erigida na Constituição - como princípio da Administração Pública(art. 37) e como requisito de validade dos atos administrativos

(art. 5.º,LXXIII) -, não é, simplesmente, um puro produto do jusnaturalismo, ou

da ética, ou da moral, ou da religião. É o sistema de direito, o ordenamento

jurídico , sobretudo, o ordenamento jurídico-constitucional a sua fonte por

excelência, e é nela que se devem buscar a substância e o significado do referido

princípio. É certo que os valores humanos, que inspiram o ordenamento jurídico e a

ele subjazem, constituem, em muitos casos, inegavelmente, a concretização

normativa de valores retirados da pauta dos direitos naturais, ou do patrimônio ético

e moral consagrado pelo senso comum da sociedade. Sob esse aspecto, há, sem

97 O dispositivo em questão fala que um dos objetivos da república brasileira é a construção de uma sociedade

livre, justa e solidária. Tal abrangência não embasa diretamente a concessão de benefício discutida no caso

concreto, razão pela qual consideramos a fundamentação do ministro para o tal “princípio da

constitucionalidade” e, portanto, para a inocorrência de desvio de finalidade, deveras lacunosa.

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

98

dúvida, vasos comunicantes entre o mundo da normatividade jurídica e o mundo

normativo não jurídico (natural, ético, moral), razão pela qual esse último, tendo

servido como fonte primária do surgimento daquele, constitui também um

importante instrumento para a sua compreensão e interpretação. É por isso mesmo

que o enunciado do princípio da moralidade administrativa – que, repita-se,

tem natureza essencialmente jurídica – está associado à gama de virtudes e

valores de natureza moral e ética: honestidade, lealdade, boa-fé, bons costumes,

equidade, justiça. São valores e virtudes que dizem respeito à pessoa do agente

administrativo, a evidenciar que os vícios do ato administrativo por ofensa à

moralidade são derivados de causas subjetivas, relacionadas com a intimidade

de quem o edita: as suas intenções, os seus interesses, a sua vontade. Ato

administrativo moralmente viciado é, portanto, um ato contaminado por uma

forma especial de ilegalidade: a ilegalidade qualificada por elemento subjetivo

da conduta do agente que o pratica. Estará atendido o princípio da moralidade

administrativa quando a força interior e subjetiva que impulsiona o agente à

prática do ato guardar adequada relação de compatibilidade com os interesses

públicos a que deve visar a atividade administrativa. Se, entretanto, essa

relação de compatibilidade for rompida – por exemplo, quando o agente, ao

contrário do que se deve razoavelmente esperar do bom administrador, for

desonesto em suas intenções, for desleal para com a Administração Pública,

agir de má-fé para com o administrado, substituir os interesses da sociedade

pelos seus interesses pessoais –, estará concretizada ofensa à moralidade

administrativa, causa suficiente de nulidade do ato. A quebra da moralidade

caracteriza-se, portanto, pela desarmonia entre a expressão formal (= a aparência) do

ato e a sua expressão real (= a sua substância), criada e derivada de impulsos

subjetivos viciados quanto aos motivos, ou à causa, ou à finalidade da atuação

administrativa. É por isso que o desvio de finalidade e o abuso de poder (vícios

originados da estrutura subjetiva do agente) são considerados efeitos

tipicamente relacionados com a violação à moralidade. Pode-se afirmar, em

suma, que a lesão ao princípio da moralidade administrativa é, rigorosamente,

uma lesão a valores e princípios incorporados ao ordenamento jurídico,

constituindo, portanto, uma injuridicidade, uma ilegalidade lato sensu.

Todavia, é uma ilegalidade qualificada pela gravidade do vício que contamina a

causa e a finalidade do ato, derivado da ilícita conduta subjetiva do agente.

O registro dessas premissas é importante para reafirmar a indispensabilidade da

investigação do elemento subjetivo da conduta dos agentes públicos como condição

inafastável para caracterizar a violação ao princípio da moralidade administrativa e,

com base nele, anular o ato.

Com o voto acima, o ministro Teori Zavascki diferenciou-se de todos os demais

ministros da corte, nos julgamentos dos últimos 5 (cinco) anos. Ele rompeu o ciclo de

negligência ao sentido objetivo do princípio da moralidade e posicionou-se claramente a esse

respeito, enfatizando a moralidade enquanto princípio eminentemente jurídico, que prestigia

os valores do ordenamento mas é aberto à pauta dos direitos naturais e ao patrimônio ético e

moral consagrado pelo senso comum da sociedade, o “mundo normativo não jurídico”, que

ajuda na compreensão e interpretação do princípio.

Além disso, o ministro apontou um elemento concreto a ser examinado a fim de se

constatar a violação ou observação da moralidade administrativa: a intenção do agente.

Assim, estaria observado o princípio da moralidade quando a subjetividade do agente público

fosse compatível com os interesses públicos a que deve visar a atividade administrativa; e

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

99

estaria violado o princípio quando tal atitude subjetiva fosse desonesta em suas intenções,

desleal para com a Administração Pública, agisse de má-fé para com o administrado e

substituísse os interesses da sociedade pelos seus interesses pessoais.

Percebe-se no posicionamento do ministro a centralidade da busca do interesse

coletivo como ponto distintivo de uma intencionalidade do agente público compatível com a

moralidade administrativa. Tal entendimento guarda forte congruência com o surgimento da

moralidade administrativa na doutrina de Maurice Hauriou, Renato Alessi e diversos outros

administrativistas, como Antônio Brandão, Diogo Moreira Neto e José Guilherme

Giacomuzzi, conforme se viu no capítulo anterior.

Após o voto de Teori Zavascki, o ministro Gilmar Mendes reafirmou a

problemática inicial deste trabalho, afirmando que: “em muitos casos, o que se aponta, a

pretexto de invocar o princípio da moralidade, é uma flagrante violação ao princípio da

Isonomia, princípio da igualdade, num caso de discriminação arbitrária, não fundamentada” e,

ainda, “devemos ter cuidado para que a moralidade não se torne esse tipo de pedra de toque

que vai resolver todos os nossos anseios e desejos, em matéria de jurisdição constitucional”.

Por fim, corroborou o entendimento divergente do colega catarinense.

Dessa forma, observa-se que, a despeito de o conjunto dos acórdãos recentes do

STF permitir a verificação da hipótese de pesquisa proposta anteriormente, de que

amoralidade administrativa é referida no direito brasileiro, em regra, sem qualquer

delimitação conceitual objetiva, à mercê de casuísmos dispersos dos julgadores, o ministro

Teori Zavascki, no voto proferido no RE 405386/RJ constitui um ponto fora da curva, por ir

de encontro à tendência dos demais ministros nos demais acórdãos, propor balizamentos

objetivos para a moralidade administrativa e apontar elementos concretos a serem observados

na situação em exame a fim de considerá-lo observado ou violado, baseado no conceito

central de interesse público.

Diante desse posicionamento convergente com o arcabouço doutrinário delineado

no capítulo anterior, pretende-se em estudos posteriores aprofundar o estudo teórico dessa

proposta de balizamento esposada pelo ministro. Diante de seu recente falecimento, esse voto

é um dos muitos legados deixados por Teori Zavascki para o direito brasileiro.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

100

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: TRAÇANDO LINHAS PARA UM POSSÍVEL

BALIZAMENTO DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

Os desencontros na delimitação de sentido do princípio da moralidade

administrativa foram a tônica do presente trabalho, que se iniciou a partir da contextualização

do tema no âmbito do pós-positivismo filosófico e do governo democrático. Seguiu-se uma

pesquisa bibliográfica sobre os estudos administrativistas da matéria, finalizando o trabalho

com uma pesquisa de dados sobre os balizamentos da moralidade administrativa nos acórdãos

do STF entre os anos de 2012 a 2016.

Sumarizando o conteúdo abordado, pode-se iniciar afirmando que o caráter

programático da Constituição Cidadã – primeiro diploma constitucional pátrio a dispor

explicitamente sobre a moralidade administrativa – remete ao desenvolvimento de uma

corrente jusfilosófica contemporânea de retomada de valores morais na ordem jurídica. Tal

resgate filosófico somou-se ao desenvolvimento de uma teoria política democrática, que

reconheceu os desgastes de uma democracia representativa de “baixa intensidade” e construiu

o apelo a uma nova cultura democrática participativa e à volta da publicização da esfera

política, como alternativas à crise política de abandono da esfera público-política pelos

cidadãos.

Analisou-se igualmente outra crise de suma relevância para o resgate dos valores

ético-morais no agir em sociedade: a do liberalismo econômico e da irrefreada e

pretensamente racional busca do autointeresse na consumação do capitalismo de mercado.

Observa-se uma forte corrente de pensamento que reconhece o desgaste sofrido pela teoria

econômica neoclássica em virtude das consequências socialmente deletérias do fomento

individualista e da segregação promovida entre economia e moralidade, advogando o retorno

do exercício econômico à sua concepção primeira, no aspecto cultural e propriamente

científico, de busca do interesse coletivo.

Em seguida, refletiu-se sobre a corrupção na esfera pública brasileira, a partir da

sua relação com a democracia e dos reflexos de uma cultura patrimonialista, desafiada por

uma crescente insatisfação popular contra os desmandos dos agentes públicos envolvidos em

escândalos de corrupção. Nesse impasse ganha relevo o maior esclarecimento da população a

respeito do papel dos agentes públicos e de seus desvios, pela imprensa, meios de

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

101

comunicação virtuais e pelo aumento do nível de instrução, que implicam maior fiscalização

das ações dos homens públicos e de exigência por um feedback pós-eleições.

Posteriormente, resgatou-se a origem sistematizada do instituto jurídico da

moralidade administrativa, que remonta ao controle dos desvios do poder na seara do direito

francês. Tratou-se de seu desenvolvimento em outros países europeus e da controvérsia

doutrinária que se instalou na doutrina brasileira quando da recepção desse instituto e de sua

aplicação ao âmbito público. Assim, de Maurice Hauriou a Antônio José Brandão e Hely

Lopes Meirelles, a moralidade administrativa desenvolveu-se e consagrou-se como

contraponto à legalidade formal dos atos administrativos. Os doutrinadores brasileiros

perpetuaram os debates acerca da relação entre moralidade e legalidade, alguns polarizando-

se entre a vedação ou fomento de interferências morais no direito, outros defendendo uma

complementariedade entre ambas as ideias ou a desnecessidade de controverter-se ante a

nomenclaturas, se compreendida a finalidade de cada princípio.

Destacou-se, em seguida, que a moralidade administrativa está prevista como

garantia fundamental do cidadão e como princípio da Administração Pública em duas

Constituições axiológicas modernas: a brasileira e a colombiana. No Brasil, porém, esse

instituto possui importância sem precedentes, constando expressamente no artigo 37, caput,

artigo 5º, LXXIII e artigo 14, §9º, da Constituição Cidadã – este último sob uma feição

político-administrativa.

Todos os mencionados dispositivos constitucionais tiveram sua eficácia

regulamentada ou alargada por diversos diplomas legais, como a Lei de Improbidade

Administrativa, Lei do Processo Administrativo Federal, Lei da Ficha Limpa e Lei da Ação

Popular. Contudo, em nenhum dispositivo constitucional ou legal a moralidade administrativa

é taxativamente definida ou prevista individualmente, fora do contexto de outros princípios ou

normativas de direito público.

Essa falta de definição legal faz da moralidade administrativa um conceito

indeterminado, mas não discricionário, pois decorre do fato de que a medida concreta para sua

aplicação em um caso particular não resolve ou determina com exatidão a própria lei que o

previu ou de cuja aplicação trata. A diferença entre ambos é fundamental para o escopo deste

trabalho: enquanto o conceito discricionário enseja um processo volitivo de discricionariedade

ou de liberdade de eleição entre indiferentes jurídicos, o conceito indeterminado mantém a

perspectiva de alcançar a solução justa, devendo ser aplicado por referência a critérios de

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

102

valor ou de experiência a serem ponderados juridicamente segundo o sentido da lei que o

prevê e as consequências reais de sua aplicação.

Portanto, a observação e determinação dos critérios e valores utilizados para a

ponderação da aplicabilidade da moralidade administrativa em cada caso concreto faz parte da

ontologia desse princípio. Não obstante, persistiu na doutrina e na legislação uma incômoda

abertura e vagueza no tocante aos parâmetros conceituais de aplicação da moralidade

administrativa. Esse mesmo cenário se repetiu na análise dos julgados do STF, inicialmente

buscados por amostragem e em seguida analisados mediante a problemática, hipótese,

metodologias de verificação e conclusões baseadas na análise de dados de uma pesquisa

empírica, tomando-se essa análise enquanto representativa do direito brasileiro.

Nessa etapa final do trabalho, inicialmente foram feitas breves considerações

acerca da importância da pesquisa empírica no direito e das características de uma pesquisa de

análise de acórdãos. Em seguida, detalhou-se todo o procedimento e os meios utilizados para

a seleção e análise dos dados pesquisados, partindo da seguinte pergunta-problema: o

princípio da moralidade administrativa vem sendo referido no direito brasileiro a partir de

conceitos ou balizamentos objetivos?

Para tentar responder ao questionamento, escolhemos analisar a jurisprudência

recente do STF, nos últimos cinco anos (de 2012 a 2016), acessada pela plataforma virtual de

jurisprudência da Corte, buscando por todos os acórdãos que tenham se referido

expressamente à moralidade administrativa. Obtivemos um quantitativo de 67 (sessenta e

sete) acórdãos, que foram analisados a partir de cinco perguntas: 1) Qual a data de

julgamento?; 2) Quantas vezes a moralidade é citada?; 3) Quantas vezes a moralidade é

referida junto a outros princípios ou valores? Quais e por quantas vezes cada um?; 4) A

moralidade é referida como princípio central na questão de fato sob exame? Se sim, ele foi

considerado observado ou violado?; 5) Houve algum balizamento do conceito de moralidade?

Se sim, por mera afirmação, doutrina ou precedente judicial?

A partir dos resultados obtidos, representados graficamente e devidamente

analisados, pudemos concluir que, de fato, a moralidade administrativa é majoritariamente

referida na jurisprudência recente da Suprema Corte – enquanto representativa do direito

brasileiro – sem qualquer tentativa de delimitação ou esclarecimento acerca de quais condutas

abarca, seja em sua violação (definição negativa) ou observação (definição positiva). Além de

frequentemente vir acompanhada por outros valores ou princípios – especialmente o da

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

103

probidade administrativa – demonstrando a dificuldade em referir-se a ela individualmente,

por seu próprio significado.

Com efeito, nos poucos casos em que se verificou algum balizamento sobre o

conteúdo desse princípio, preponderaram as meras afirmações do magistrado, sem referências

doutrinárias ou jurisprudenciais, demonstrando o quanto a moralidade administrativa

encontra-se suscetível ao arbítrio do julgador. Como uma exceção à regra, destacou-se o

julgamento do RE 405386/RJ, no qual o ministro Teori Zavascki expõe um posicionamento

claro sobre o alcance da moralidade administrativa, afirmando-lhe imprescindível o exame da

intenção do agente público de atuar contra o interesse público.

Assim, em todos os contextos abordados – doutrinário, legislativo e

jurisprudencial – reconheceram-se lacunas na construção de um sentido próprio da moralidade

administrativa no direito brasileiro. Essa vagueza de significado representa um fator de

insegurança jurídica que pode ensejar um discurso cego de moralização da Administração

Pública, passível de manipulação pelos grupos políticos mais expressivos na formação da

opinio populi.

Dessa forma, sem esquecer que a moralidade administrativa é conceito

indeterminado inserto no mundo do direito, cuja aplicação pressupõe a busca da solução justa

em cada caso concreto, afirma-se, em conclusão de toda a pesquisa ora culminante, a

necessidade de integrar referidas lacunas conceituais, a fim de preservar a segurança jurídica e

a efetividade do princípio em estudo. Tal escopo requer a análise da moralidade

administrativa de maneira associada à sua dimensão sistêmica, incorporada que está ao

próprio ordenamento, bem como à sua dimensão prática, enquanto viabilizadora da proteção

dos direitos e garantias dos cidadãos frente aos agentes públicos.

Embora a moralidade administrativa já produza efeitos no cenário jurídico pátrio,

identificaram-se poucos ecos de referências doutrinárias, legislativas e jurisprudenciais

específicas defendendo uma linha argumentativa para sua construção de sentido. Resta

premente a realização de mais estudos para uma construção de sentido clara acerca do núcleo

comum entre os fatos jurídicos considerados violadores da moralidade no direito brasileiro.

Nessa busca de integração conceitual, relevamos a proposta do inciso III da Seção

I do Código de Ética dos Servidores Públicos Civis Federais (Decreto n.º 1.171/1994), que

lança um caminho interpretativo para a moralidade administrativa, não focado em sua

definição abstrata, mas em sua aplicação prática. O dispositivo pondera que a moralidade da

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

104

Administração Pública passa pela distinção do bem e do mal e completa-se pela ideia de que

“o fim é sempre o bem comum”, afirmando que o equilíbrio entre legalidade e finalidade “é

que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo”.

Espelhando a abordagem do dispositivo acima, parece-nos que o labor de

identificar a violação ou observação à moralidade administrativa se amolda mais à busca de

critérios e balizamentos objetivos que de análises subjetivas ou definições taxativas, a fim de

instruir o jurista e o cidadão na interpretação casuística desse princípio. Pensar, portanto, a

possibilidade de condicionantes objetivas nos casos a serem analisados, com vistas a orientar

sua aplicação.

Partindo desse princípio de que a moralidade administrativa se integraria na busca

do bem comum enquanto finalidade essencial do ato administrativo (a ser equilibrada pela

legalidade), uma alternativa de balizamento seria a digressão acerca do cunho intrinsecamente

político-democrático da busca do bem comum. Isso implicaria aproximar o sentido de

moralidade administrativa da própria razão de ser da Administração Pública e da democracia

no Brasil contemporâneo, relacionando-o diretamente à superposição do interesse público

sobre os interesses particulares.

Tendo em vista as limitações concretas que envolveram a elaboração do presente

trabalho, tal observação conclusiva será melhor abordada e desenvolvida em estudos

posteriores, contando com o aprofundamento interdisciplinar do tema no campo da ciência

política e da filosofia do direito.

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

105

REFERÊNCIAS

ADEODATO, J. M. Prefácio. In: LOPES, Silvia Regina Pontes. Vida humana e esfera

pública: contribuições de Hannah Arendt e de Jürgen Habermas para a questão da

anencefalia fetal no Brasil. Belo Horizonte: Argvmentvum, 2008.

ALEXY, R. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:

Malheiros, 2008.

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. Prefácio de Celso

Lafer. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

________________. A Dignidade da Política. Org. Antonio Abranches. Trad. Helena

Martins et al. 3 ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

________________. Crisis of the Republic: lying in politics, civil disobedience, on

violence, thoughts on politics and revolution. Harcourt Brace Jovanovich, 1972.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; Poética. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim. 4. ed. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

AVRITZER, Leonardo. Esfera Pública. In: AVRITZER, Leonardo (et al) (Org.). Corrupção:

ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. 4.ed. São Paulo:

Saraiva, 2013.

BARBOZA, Márcia Noll. O Princípio da Moralidade Administrativa: uma abordagem de

seu significado e suas potencialidades à luz da noção de moral crítica. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2002.

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.

[Syn]Thesis: Cadernos do Centro de Ciências Sociais – UERJ. Rio de Janeiro, vol.5, nº 1,

2012, p.23-32. Disponível em: <http://www.e-

publicacoes.uerj.br/ojs/index.php/synthesis/article/view/7433/5388> Acesso em 16 jan. 2017.

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

106

BIGNOTTO, Newton. Apud. BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Corrupção e Cidade. In:

AVRITZER, Leonardo (et al) (Org.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora

UFMG, 2008.

BOLTANSK, Luc; CHIAPELLO, Ève. Apud. MATOS, Olgária Chain Féres. Transparência.

In: AVRITZER, Leonardo (et al) (Org.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte:

Editora UFMG, 2008.

BOSCO, Maria Goretti Dal. Responsabilidade do agente público por ato de improbidade.

Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

BRANDÃO, Antônio José. Moralidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo

(RDA). Rio de Janeiro, v. 25, jul./set. 1951, p.454-467.

BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Corrupção e Cidade. In: AVRITZER, Leonardo (et al)

(Org.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em

31 jul. 2015.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em

05 fev. 2017.

______. Exposição de Motivos nº 211-B-65 do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

Dossiê do PL nº 2726/1965. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0233E038E642

16ABAF3B96C8100CC609.proposicoesWeb1?codteor=1196645&filename=Dossie+-

PL+2726/1965> Acesso em 08 out. 2016.

______. Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010. Altera a Lei Complementar

no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9

o do art. 14 da

Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras

providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade

administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp135.htm> Acesso em 31 jul. 2015.

______. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art.

14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e

determina outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp64.htm> Acesso em 31 jul. 2015.

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

107

______. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos

agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo,

emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8429.htm>

Acesso em 31 jul. 2015.

______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:

<=http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 05

fev. 2017.

______. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo. 4ª Ed. PDF da versão

impressa. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/Completo.pdf>

Acesso em 16 jul. 2015.

______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3026/DF.

Brasília, 08/06/2006. Rel.: EROS GRAU. Tribunal Pleno. Publicação: DJ 29-09-2006, PP-

00031, EMENT VOL-02249-03, PP-00478. Disponível em:

<http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/760367/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-

3026-df> Acesso em 31 jul. 2015.

______. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental nº 144/DF. Brasília, 06/08/2008. Relator: CELSO DE MELLO. Tribunal

Pleno. Data de Publicação: DJe-035, DIVULG 25-02-2010, PUBLIC 26-02-2010, EMENT

VOL-02391-02, PP-00342. Disponível em:

<http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14719497/arguicao-de-descumprimento-de-

preceito-fundamental-adpf-144-df> Acesso em 16 de jul. 2015.

______. Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP. Acórdão em Apelação Cível nº 151.580, 1ª

Câmara Cível. Henrique Guilherme Fontes dos Santos e Caixa Econômica do Estado de São

Paulo. Relator: Sr. Desembargador Cardoso Rolim. DJ 01/03/1966. Lex: Revista de Direito

Administrativo (RDA), Rio de Janeiro, vol. 89, jul./set. 1967, p. 134-137.

CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Apud. NETO, Affonso Ghizzo. Corrupção,

Estado Democrático de Direito e Educação. Dissertação de mestrado em Filosofia e Teoria

do Direito. Florianópolis: UFSC, 2008.

CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da

função administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

108

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Estado de Direito. Coleçcão Fundação Mário Soares:

Cadernos Democráticos/7. Lisboa: Gradiva, 1999.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30 ed. Ver.,

atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2016.

CASTRO NUNES, José de. Do Mandado de Segurança: e outros meios de defesa do

direito contra actos do poder publico. São Paulo: Saraiva, 1937.

COACCI, Thiago. A pesquisa com acórdãos nas ciências sociais: algumas reflexões

metodológicas. Mediações – Revista de Ciências Sociais,v. 18, n. 2, jul./dez. 2013.

Londrina, 2013, p. 86-109. Disponível em:

<http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/viewFile/17313/13803> Acesso

em 18 jan. 2017.

CORDEIRO, Alexandre Delduque. Três Indagações sobre o Princípio da Moralidade

Administrativa: Teoria Política, Teoria do Direito e Teoria da Constituição em

Transformação. Coleção Direito, Política e Democracia. Coord.: José Ribas Vieira e Manoel

Messias Peixinho. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

DAL BOSCO, Maria Goretti. Responsabilidade do agente público por ato de

improbidade. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de

1988. São Paulo: Atlas, 2004.

GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lucha contra las inmunidades del poder em el derecho

administrativo (poderes discrecionales, poderes de gobierno, poderes normativos). Revista

de administración pública, nº 38, mai-ago/1962, p. 159-208. Disponível em:

<https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2112627> Acesso em 08 mar. 2017.

EPSTEIN, Lee; KING, Gary. Pesquisa empírica em direito: as regras de inferência.

Tradução MOROSINI, Fábio (Coord.) et al. Coleção acadêmica livre. São Paulo: Direito GV,

2013.

ESPANHA. Ley de 27 de diciembre de 1956, reguladora de la Jurisdicción contencioso-

administrativa. (Vigente hasta el 14 de diciembre de 1998). Disponível em: <

http://noticias.juridicas.com/base_datos/Derogadas/r0-lrjca.t4.html#balloon1> Acesso em 21

set. 2016.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

109

ESPANHA. Ley 29/1998, de 13 de julio, reguladora de la Jurisdicción Contencioso-

administrativa. Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/base_datos/Admin/l29-

1998.html> Acesso em 21 set. 2016.

ESPANHA. Constitución Española, 1978. Disponível em:

<http://noticias.juridicas.com/base_datos/Admin/constitucion.t4.html#a103> Acesso em 21

set. 2016.

FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito: temas e desafios. Trad. Candice

Premaor Gullo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006.

FLORES, Joaquín Herrerra. A (re)invenção dos direitos humanos. Trad. Carlos Garcia,

Antônio Suxberger e Jefferson Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.

______. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. Seqüência:

Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, p. 9-30, jan. 2002. ISSN 2177-7055. Disponível

em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15330/13921>. Acesso em:

10 jan. 2017.

FONSECA, Jaime Raúl Seixas. Os Métodos Quantitativos na Sociologia: Dificuldades de

Uma Metodologia de Investigação. Annais do VI Congresso Português de Sociologia –

Mundos sociais: saberes e práticas. Universidade Nova de Lisboa. Faculdade de Ciências

Sociais e Humanas. 25 a 28 de junho de 2008. Área temática: Teorias e Metodologias.

Disponível em: <http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/346.pdf> Acesso em 15 de jan. 2017.

FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. O princípio constitucional da moralidade

administrativa. Curitiba: Genesis, 1993.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São

Paulo: Malheiros, 2012.

______. Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. Revista de

Informação Legislativa. Brasília, ano 33, nº 129, jan./mar. 1996.

______. In JORGE, Flávio Cheim (Coord.) et al. Temas de Improbidade Administrativa.

Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2010.

GARCIA, Emerson. A Moralidade Administrativa e sua Densificação. Revista de

informação legislativa, v. 39, n. 155, p. 153-173, jul./set. 2002. Disponível em:

<http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/801> Acesso em 16 jul. 2015.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

110

GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 5ª ed. rev e

ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

GAZIER, François. O Conselho de Estado francês. Cadernos de Administração Pública.

Escola Brasileira de Administração Pública – EBAP, 1955. Disponível em <

http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/11942?show=full> Acesso em 15 set.

2016.

GERRING, John. Case study research: principles and practices. Cambridge: Cambridge

University Press, 2007.

GIACOMUZZI, José Guilherme. A Moralidade Administrativa: História de um Conceito.

Revista de Direito Administrativo (RDA) nº 230, out/dez 2002. Rio de Janeiro. p. 291-303.

______. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública: o conteúdo

dogmático da moralidade administrativa. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores,

2013.

GIANNINI, Massimo Severo. Derecho Administrativo. Trad. Luis Ortega. Volumen

Primero. Ministerio para las Administraciones Publicas. Madrid, 1991.

HART, Herbert. L. A. Direito, Liberdade, Moralidade. Trad. de Gérson Pereira dos Santos.

Porto Alegre: Fabris, 1987.

HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public. 12 édition.

Sirey/Dalloz, 1933.

HAURIOU, Maurice; BEZIN, Guillaume. La déclaration de volonté dans le droit

administratiff français. Revue Trimestrielle de Droit Civil 3/543-586. Ano 2. Julho-

setembro/1903, p. 575-576.

IGREJA CATÓLICA. Papa (2013-...: Francisco). Bula de Proclamação do Jubileu

Extraordinário da Misericórdia. Roma, 11/04/2015. Disponível em:

<http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_letters/documents/papa-

francesco_bolla_20150411_misericordiae-vultus.html> Acesso em 31 jul. 2015.

JUSTEN FILHO, M. O Princípio da Moralidade Pública e o Direito Tributário. Revista

Trimestral de Direito Público. Vol. 11, jul./set. 1995. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 44-58.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

111

KANT DE LIMA, Roberto; BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. O desafio de realizar

pesquisa empírica no direito: uma contribuição antropológica. In: 7º ENCONTRO DA

ABCP, Recife, 4 a 7 de agosto de 2010. Disponível em:

<http://filoinfo.net/disciplinasonline/pluginfile.php/4485/mod_resource/content/1/o_desafio_d

e_realizar_pesquisa_empirica_no_direito.pdf> Acesso em 18 jan. 2017

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt.

Estudos Avançados, São Paulo, v. 11, n. 30, 1997. Disponível em: <

http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8995> Acesso em 08 mar. 2017.

______. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2 ed., ver e ampl. São Paulo:

Paz e Terra, 2003.

LAVILLE, Christian e DIONNE, Jean. A Construção do Saber: Manual de Metodologia da

Pesquisa em Ciências Humanas. Revisão Técnica e Adaptação da Obra: Lara Mara Siman.

Porto Alegre: Artmed Editora S.A., 1999, reimp. 2008.

LIMA, Rogério Medeiros Garcia. O Direito Administrativo e o Poder Judiciário. 2 ed. rev.

atual e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

LOPES, Silvia Regina Pontes. Vida humana e esfera pública: contribuições de Hannah

Arendt e de Jürgen Habermas para a questão da anencefalia fetal no Brasil. Belo

Horizonte: Argvmentvum, 2008.

LOSANO, Mario G. In: FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito: temas e

desafios. Trad. Candice Premaor Gullo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006.

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração Pública. 10 ed. Rio de Janeiro: Elsevier,

2008.

MARINONI, Luiz Guilherme. Uma nova realidade diante do Projeto de CPC: a ratio

decidendi ou os fundamentos determinantes da decisão. Revista dos Tribunais, v. 101, n.

918, p. 351-414, abr. 2012.

MARTINS, Fernando Barbalho. Apud. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inteiro teor do

Acórdão da ADI nº 4.578/DF. Relator: Luiz Fux. Publicado no DJe nº 127, de 29/06/2012.

Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2257978> Acesso em

08 mar. 2017.

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

112

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34ª Ed. São Paulo: Malheiros,

2008.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2013.

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. 3 ed.

2ª tir. Vol. 1 – Introdução. São Paulo: Malheiros, 2012.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Moralidade administrativa: do conceito à

efetivação. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 190:1-44, out./dez. 1992.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da Lei

Anticorrupção – Reflexões e interpretações prospectivas. Revista Fórum Administrativo.

Belo Horizonte, ano 14, v. 156, fev. 2014.

MOREIRA, Egon Bockmann. O princípio da moralidade e seu controle objetivo. In: PIRES,

Luis Manoel Fonseca (et al) (Coord.). Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo

Horizonte: Fórum, 2008.

MORONI, José Antônio. O direito a participação no governo Lula. ICSW Conference

2006 – 32nd International Conference on Social Welfare. Disponível em:

<http://www.icsw.org/images/docs/Events/2006_Brazil/19_07_PDF/jose_antonio_moroni.pdf

> Acesso em 13 fev. 2016.

NERI, Marcelo Côrtes. Apresentação. In: CUNHA, Alexandre dos Santos; SILVA,

Paulo Eduardo Alves da (Coord. e Org.). Pesquisa empírica em direito. Rio de Janeiro: Ipea,

2013, p. 7-8.

NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Improbidade administrativa: uma leitura do art. 11 da Lei

8.429/92 à luz do princípio da segurança jurídica. Revista Direito Federal, ano 26, número

93, 2º semestre de 2013, p. 208-211.

______. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo brasileiro. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

NORONHA, Rodolfo; MONTEIRO, Matheus Vidal Gomes. Políticas de Acesso à Justiça:

um estudo sobre o Prêmio Innovare. In: BELLO, Enzo; ENGELMANN, Wilson (Coord.).

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

113

Metodologia da pesquisa em direito. Caxias do Sul: Educs, 2015. Disponível em:

<https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook_metodologia_da_pesquisa.pdf> Acesso em 18

jan. 2017.

NUNES, Cleucio Santos. A utilização do Poder Judiciário com instrumento do jogo de

forças políticas na democracia. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo

Horizonte, ano, nº 48, jan./mar. 2015, p. 43-59.

OLIVEIRA, Luciano. Neutros & Neutros. Revista Humanidades, Brasília, UNB, n° 19, p.

122/127, 1988.

OLIVEIRA VIANNA, José Francisco. O idealismo da Constituição. 2ª ed. augmentada.

Série 5ª, Vol. 141. Bibliotheca Pedagogica Brasileira. São Paulo – Rio de Janeiro – Recife –

Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1939. Disponível em:

<http://www.brasiliana.com.br/obras/o-idealismo-da-constituicao/preambulo/7/texto> Acesso

em 31 jul. 2015.

PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa – VII Revisão Constitucional

(2005). Disponível em:

<http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx#art26

6> Acesso em 21 set. 2016.

RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade Humana e Moralidade Democrática.

Brasília: Brasília Jurídica, 2001.

REIS, Ana Beatriz Oliveira. O objeto de pesquisa em ciências sociais: para além da

contemplação. In: BELLO, Enzo; ENGELMANN, Wilson (Coord.). Metodologia da

pesquisa em direito. Caxias do Sul: Educs, 2015, p. 154-164. Disponível em:

<https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook_metodologia_da_pesquisa.pdf> Acesso em 18

jan. 2017.

REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO (RDA), vol. 89, jul./set. 1967. Rio de Janeiro:

Fundação Getúlio Vargas, p. 134-137.

RIVERA, Claudia. Apud. NETO, Affonso Ghizzo. Corrupção, Estado Democrático de

Direito e Educação. Dissertação de mestrado em Filosofia e Teoria do Direito. Florianópolis:

UFSC, 2008.

ROCHA, Carmem Lucia Antunes da. Princípios constitucionais do processo administrativo

no Direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, nº 136, out./dez., 1997.

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

114

SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da

democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Democracia. In: AVRITZER, Leonardo et al (Org.).

Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

SEN, Amartya. A Ideia de Justiça. Trad. Denise Bottmann e Ricardo Mendes. São Paulo:

Companhia das Letras, 2011.

_______. Sobre Ética y Economía. Trad. Ángeles Conde. Madrid: Alianza Editoria, 2003.

SIMON, Maria Célia. O Positivismo de Comte. In REZENDE, Antonio (Org.). Curso de

Filosofia. 12ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

SMITH, Adam. The Theory of Moral Sentiments. 6ª ed. Dublin, 1790.

SOBRINHO, Manoel de Oliveira Franco. O Princípio Constitucional da Moralidade

Administrativa. Curitiba: Editora Genesis, 1993.

SOQUEIRA, Antônio Jorge. Imaginários da exclusão. Histórias e Utopias. Org.: Ilana Blaj e

John M. Monteiro. Anais do XVII Simpósio Nacional de História da ANPUH, São Paulo,

julho/1993. São Paulo: ANPUH, 1996, p. 437-450.

SOUZA, Jessé. Ralé brasileira: quem é e como vive. Org.: Jessé Souza. Coolaboradores:

André Grilo et al. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

TARANTI, Patrick G. Dicionário Básico de Latim – Português. Expressões e termos

jurídicos. Cajuru/SP. 1ª Edição Virtual. Disponível

em:<http://pt.slideshare.net/Waleriah/icionrio-bsico-latimportugus-expresses-e-termos-

jurdicos> Acesso em 31 jul. 2015.

VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho et al. Revista de Estudos Empíricos em Direito, vol.

1, n. 1, jan 2014, p. 105-139.

ZANCANER, W. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil

constitucional do estado social e democrático de direito. Revista Diálogo Jurídico, Salvador,

CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano I, nº. 9, dezembro, 2001. Disponível em:

<http://www.direitopublico.com.br> Acesso em 15 mar. 2016.

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …...Meu nome é túmulo, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te ocultas, precária síntese, penhor de meu sono, luz

115

Lista de websites consultados:

<http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/15/politica/1426458992_617989.html> Acesso em 31

jul. 2015.

<http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso> Acesso em 31 jul. 2015.

<http://pt.slideshare.net/Waleriah/icionrio-bsico-latimportugus-expresses-e-termos-jurdicos>

Acesso em 31 jul. 2015.

<http://www.focolare.org/pt/in-dialogo/cultura/economia/> Acesso em 13 fev. 2016.

<http://www1.folha.uol.com.br/especial/2012/ojulgamentodomensalao/ojulgamento/> Acesso

em 31 jul. 2015.

<http://reedpesquisa.org/institucional/quem-somos-nos/> Acesso em 18 jan. 2017.

<https://www.trf5.jus.br/Jurisprudencia/> Acesso em 19 jan. 2017.

< http://www10.trf2.jus.br/consultas/jurisprudencia/> Acesso em 19 jan. 2017.