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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS Rui, cê tá me ouvindo? Uma análise da construção do sentido na interação em um sitcom Maria Amélia Cunha de Souto Maior Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos dos Santos Xavier Recife, dezembro de 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

Rui, cê tá me ouvindo? Uma análise da construção do sentido

na interação em um sitcom

Maria Amélia Cunha de Souto Maior

Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos dos Santos Xavier

Recife, dezembro de 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

Rui, cê tá me ouvindo? Uma análise da construção do sentido

na interação em um sitcom

Maria Amélia Cunha de Souto Maior

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Lingüística.

Recife, 01 de dezembro de 2005

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Souto Maior, Maria Amélia Cunha de Rui, cê tá me ouvindo ? : uma análise da

construção do sentido na interação em um sitcom / Maria Amélia Cunha de Souto Maior. - Recife : O Autor, 2005.

114 folhas : il., fig., quadros.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CAC. Letras, 2005.

Incluir bibliografia e anexos.

1. Lingüística – Análise sócio-pragmática do discurso. 2. Textos televisivos – linguagem sitcom – Programa “Os Normais” - . 3. Interação face a face – Construção de sentido – Mecanismos lingüístico – discursivos. 4. Autonomia e interpretação dos atores, ethos – Limite escrito-oral. I. Título.

81’42 CDU(2.ed) UFPE 401.41 CDD (22. ed) BC2006-130

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Dedicatória

Aos meus pais, Milton Pessoa de Souto Maior (in

memorian) e Eliane Cunha de Souto Maior, aos meus

irmãos Francisco e Alexandre, às minhas irmãs Ana

Paula e Verônica, aos meus cunhados, Jorge Luiz e

Maria Odete e finalmente, aos meus sobrinhos Jorge

Luiz Júnior, Thais Mylane, Milton José e Ana Carolina,

por serem o que são na minha vida.

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Agradecimentos À Faculdade Marista Recife, pelo incentivo, em especial à minha equipe de

professores, pelo apoio e aos meus alunos, pelas palavras de conforto.

À Liliane Gonçalves, pela constante torcida e amizade.

A Evandro Mesquita, (in memorian), meu ex-marido, pela sua admiração e

carinho.

À amiga Meire Queiroz, por tudo que passamos e nos ajudamos.

Aos colegas de mestrado Eduardo Vieira, Tatiana Luna e Leonardo Mozdzenski,

pelas contribuições e apoio.

À Eraldo e Diva, secretários da Pós, pelo carinho e atenção.

Imensamente ao amigo David Batista, ele sabe o porquê.

Ao meu amigo Yuri Dantas, que nunca saiu de perto de mim, principalmente

nas horas de dificuldade e à minha amiga Fabiane Lucena, por entender as

minhas ausências;

Aos meus amigos Vivianne Macena, Manuela Suassuna e João Sombra que, no

momento mais crucial, estavam do meu lado.

A minha irmã Vera, pelas revisões e pelo ombro amigo.

Ao meu Anjo particular, minha luz, que sempre me deu um motivo para seguir

em frente.

E a todos que contribuíram de uma forma ou de outra, para a construção

desse trabalho.

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Agradecimentos Especiais

À Deus, meu Pai eterno, que está comigo o tempo

todo.

Ao professor e amigo Antônio Carlos Xavier, o

“Tonix”, meu adorável orientador, que além de ter

acreditado na minha proposta de trabalho e ter

compartilhado de seu valioso tempo comigo na

construção desse estudo científico, sempre tinha uma

palavra amiga, uma direção e acima de tudo, muita

compreensão.

Ao meu amigo-irmão, Dario Brito, companheiro

permanente de perdas e conquistas. Nossa história,

nossos momentos, só nós dois sabemos.

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RESUMO

Este trabalho propõe uma análise da construção do sentido durante

um programa de TV. Muitos estudos já se debruçaram sobre a problemática

da interação.O ineditismo do nosso estudo se dá por analisarmos o sentido

que se constitui em uma interação “pré-produzida” ou “idealizada” no

sitcom , classificado como gênero discursivo televisivo. O corpus analisado

foi a comédia de situação Os Normais , exibida pela Rede Globo de

televisão, entre 2001-2003, que se tornou um modelo-padrão para outras

produções do gênero. A perspectiva da Análise do Discurso, que nós

utilizamos, enfoca o aspecto sócio-pragmático do discurso, particularmente,

no tocante às estratégias argumentativas, utilizadas na preservação e

manutenção do jogo de linguagem entre os interactantes. Nosso referencial

teórico fundamenta-se na ótica sócio-interacionista e dialógica de Mikhail

Bakhtin ([1979]2000) e ([1929]2000), na análise do discurso sócio-

pragmática de Dominique Maingueneau (2002/2005), e nas observações

teóricas de Ingedore Koch ([1993] 2003) e ([1997]2002), relativas à

perspectiva interacional da conversação face a face para a construção de

sentido de textos orais e escritos. Objetivamos neste trabalho refletir sobre

quais são os mecanismos lingüístico-discursivos, considerando suas

condições de produção, em que o sitcom se baseou para constituir o efeito

de sentido do humor privilegiado pelos telespectadores. Outros fatores,

também, foram considerados em nossa análise como formato de programa

televisivo diferenciado, interpretação e autonomia dos atores que

contribuíram para uma interação híbrida nas fronteiras do escrito com o oral

pelas quais flutua o gênero televisivo que investigamos.

Palavras-chave: sitcom, interação, interdiscursividade, jogo de linguagem, ironia, preservação da face.

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ABSTRACT

This paper aims the meaning construction analysis on a TV program.

Many studies have already had insights about the interaction issue, although

we have innovated when focusing the meaning in a “pre produced” or

“conceived” interaction on a sitcom, classified as a discursive gender on

television. The analyzed corpus was the comedy of situation “Os Normais”,

on air at Globo channel within 2001 and 2003, which served as a model for

other similar productions. The perspective of the Discourse Analysis used

by us focuses the discourse social pragmatic aspect, especially, the

argumentative strategies used to keep what we could call l inguistic game

between interlocutors. Our theorical references include Mikhail Bakhtin

([1979]2000) and ([1929]2000) with his social interactionist and dialogical

theory, Dominique Maingueneau (2002/2005), with a social pragmatic

discourse analysis; and Ingedore Koch ([1993]2003) and ([1997]2002), with

an interactional perspective of the discourse, facing the meaning

construction, so we could reflect on the linguistic and discursive matters,

taking in account its production conditions, the sitcom took as basis to

build its meaning effect from the humor expected by the telespectators.

Other aspects have also been considered for our analysis, such as original

format, actors performance and autonomy, that contributed for a perfect

interaction between written and oral within the gender under investigation.

Key words: sitcom, interaction, inter discourse, linguistic game,

irony, face maintenance

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SUMÁRIO Introdução.. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13 PARTE I: TRAJETO METODOLÓGICO... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 1- Justificativa.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17

2- Hipóteses e Metodologia.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18

PARTE II: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 CAPÍTULO 01: UM GÊNERO QUE DEU CERTO: O SITCOM.... . . . . . . . . . . . .21 1.1 A relação entre gênero discursivo e suporte.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 1.2. A televisão: um domínio discursivo e seus vários formatos.. . . . . . . . . . . . .24 1.3.O gênero sitcom . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27

1.4.A ideologia machista que orienta os personagens.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

1.5 A simulação da realidade para o telespectador: a audiência qualificada... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 CAPÍTULO 02: A LINGUAGEM DO SITCOM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 2.1 A linguagem cotidiana:um diálogo sócio-interativo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 2.2. Da interação artificial à conversação espontânea: a fronteira entre o escrito e o oral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 2.3. O jogo de linguagem dos interactantes: as estratégias interacionais.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .46 2.3.1.O fenômeno da polidez dos atores: a preservação da face e o alinhamento na manutenção da interação nos contextos sociais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

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2.3.2 Mecanismos de Subversão.. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .50 a) A interdiscursividade da ironia na constituição do sentido humorístico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 b) Um traço do inconsciente constituindo o humor: os chistes.. . . . . . . . . .56 2.4. Possibilidades de conflito - interincompreensão dos personagens.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .58 CAPÍTULO 03: SENTIDO CONSTRUÍDO NA INTERAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . .60 3.1 A Instauração do Ethos... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .60 3.2. A autonomia do ator.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .63 3.3. A publicidade de Os Normais : interação na marca e no formato....... . .67 PARTE III: ANÁLISES DO CORPUS CAPÍTULO 04 : OS EPISÓDIOS E AS CHAMADAS DE OS NORMAIS..72 4.1 Sobre o Corpus: o s itcom Os Normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72 4.2 A análise da conversação de Rui e Vani.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .73 4.3 Como se dão os efeitos de sentido em Os Normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74 4.4 Análises dos Episódios... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76 4.4.1 Episódio Motivos Normais... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76 a) trecho 01.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76 b) trecho 02 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .80 C) trecho 03 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83 4.4.2. Episódio Os Normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .85 a) Rui e Vani num restaurante italiano dando as primeiras garfadas nos respectivos pratos. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 4.5 Análise dos Monólogos... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .87 a) Típico Rui.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 b) Típica Vani.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .87

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4.6 Análise das Chamadas... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .88 a) Chamada 01.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .88 b) Chamada 02.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89 Considerações Finais .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .92 Bibliografia.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95 Anexos.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .98

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LISTA DE QUADROS QUADRO 1 - Categorias e Gêneros dos Programas na TV Brasileira por Souza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

QUADRO 2 - Círculo de programação, produção e consumo... . . . . . . . . . . . . . . . . .34

QUADRO 3 - Quadro baseado em Goffmam... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .50

QUADRO 4 - Modalidades faladas e escritas por Koch.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .66

QUADRO 5 - Formas e Objetivos do Discurso.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .69

QUADRO 6 - Foto ilustrativa dos personagens fazendo a chamada... . . . . . . .70

QUADRO 7 - Sinais de transcrição por Marcuschi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74

QUADRO 8- Corpus Restrito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75

QUADRO 9 - Categorias de Análise... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75

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INTRODUÇÃO

Atualmente o cenário de programação das empresas televisivas vem

apresentando um aumento nas produções de entretenimento como os

programas humorísticos, as comédias de situação (sitcoms1) e os programas

de auditório. Isso possivelmente tem ocorrido porque esses gêneros

televisivos possuem uma grande interatividade com o telespectador e

conseqüentemente recebem uma resposta positiva constatada pelo aumento

da audiência.

Esse quadro pode ser observado tanto na TV aberta como nos canais

por assinatura. Neles, a produção é tão acentuada que vários programas são

meras adaptações de algo já veiculado, já testado, mesclando o nacional e o

global. Tais programas são inspirados em produções estrangeiras muitas

com várias versões, que tiveram grande audiência em outros países, um

exemplo é o sitcom Sexo Frágil , que muitos críticos classificam como uma

versão brasileira masculina da série americana Sex and the City.

O corpus pesquisado neste trabalho é a série de comédia de situação

Os Normais , referência de produção televisiva em sua categoria, exibida

pela Rede Globo de Televisão entre os anos de 2001 a 2003. Pela riqueza de

dados, pelo material interativo contido e pelo sucesso alcançado junto ao

público e à maioria significativa dos jornalistas, é que propusemos a série

Os Normais como objeto de estudo.

Assim, a questão central desse projeto está relacionada ao efeito de

sentido do humor construído pelos personagens nesta interação em análise.

Entretanto, vale salientar, que o estudo científico ora apresentado tem

uma motivação particular que é de descrever e explicar como o

funcionamento da linguagem no tocante à interação verbal e ao efeito de

sentido constituído é alicerçado por vários fatores extra - l ingüísticos e que,

mesmo diante de uma interação pré-construída, como um diálogo em um

1 Programa exibido semanalmente, com elenco fixo, que enfoca a comédia de situação, isto é, a observação do humor nos atos cotidianos de pessoas de classe média.

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programa de televisão, o sentido é estabelecido na hora por seus

interactantes.

O percurso acadêmico em busca de dar respostas à nossa questão de

pesquisa, ou seja, quais seriam os mecanismos lingüístico-discursivos,

considerando suas condições de produção, nos quais o programa televisivo

em pauta se apoiou para produzir o efeito de sentido desejado pelos

telespectadores iniciou, primeiramente, em nossas interpretações do

referencial teórico da Análise do Discurso. Mais especificamente apoiamo-

nos no sócio-interacionismo e no dialogismo de Bakhtin ([1979]2000) e

([1929]2000); nos conceitos de subversão argumentativa, ethos, cena da

enunciação e fenômeno de interincompreensão de Dominique Maingueneau

(2002/2005), e finalmente baseamos-nos também na ótica sócio-

interacionista que descreve e explica como se dá a construção de sentido no

texto escrito e falado postulada por Ingedore Koch ([1993] 2003) e

([1997]2002).

Em um segundo momento, percebemos a necessidade de classificar o

sitcom Os Normais como um gênero discursivo televisivo. Assim sendo,

observamos que este sitcom apresenta estrutura e formato próprios, além de

se ancorar em uma ideologia por ser utilizado dentro de uma dada cultura.

O telespectador, a partir de uma possível identificação com as situações

vividas pelos personagens acaba tendo uma atitude responsiva ativa2

percebida pelos altos índices de audiência do programa, independente do

suporte em que foi veiculado (programa exibido semanalmente, l ivro, DVD,

cinema).

Para explicitar a valorização da interação pré-construída de um

programa televisivo, observamos inicialmente as características do gênero

sitcom .

O primeiro capítulo da segunda parte discute não só o conceito de

gênero discursivo, como também sua relação com o suporte utilizado. Se faz

mister atentar para o fato de que a diferenciação entre os dois é bastante 2 De acordo com Mikhail Bakhtin([1979] 200), o interlocutor visando à interação adota uma postura responsiva ativa, isto é, concorda, discorda ou complementa a fala do locutor seja com palavras, seja com ações.

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delicada e é necessário estabelecer seus limites. Para Marcuschi (2003), o

gênero é um modelo de discurso que modifica o efeito de sentido também

por causa do suporte utilizado. Dentro dessa premissa, o capítulo busca a

visualização dessa mudança de suporte no que diz respeito ao sitcom Os

Normais , uma vez que este se apresenta ao telespectador não só como uma

série televisiva transmitida semanalmente, como é também disponibilizada

em DVDS e livros, o que proporciona um efeito de sentido diferenciado no

telespectador. O capítulo trata, também, do entendimento do que seja um

gênero discursivo televisivo como o sitcom . Explicita a gênese de seu

formato em terras americanas e sua importação a terras brasileiras, bem

como suas características sine qua non como diálogos sustentados por

humor, ironia com elenco e cenários em sua grande maioria fixos.Esse

capítulo faz ainda um apanhado histórico a respeito das discussões sobre a

ideologia. Entre várias posições a esse respeito, a conclusão recai nos

posicionamentos de Michel de Certeau por constatar que aos indivíduos é

possível perceber a ideologia que neles está instaurada e como eles dela

fazer uso em prol de si mesmos.

O público-alvo das comédias de situação não é irrelevante, é um

público segmentado que possui características e atitudes peculiares.Tal

audiência só elege programas para seu entretenimento se estiverem

compatíveis com suas crenças, valores, situação social e cultural, chegando

muitas vezes, a buscar programa que simula sua própria realidade. Isto

acontece muitas vezes quando assiste de forma regular e satisfatória aos

sitcoms .

No tocante ao segundo capítulo, abordamos a linguagem do sitcom

abarcando grande parte das categorias de nossa análise. Inicialmente

destacamos a perspectiva teórica bakhtiniana sócio-interativa da linguagem.

Observamos que a linguagem verbal do sitcom é complementada pela

naturalidade das interpretações dos personagens que envolvem a cena da

enunciação: muitas vezes, os atores aparecem com roupas íntimas ou de

dormir, interagem com os telespectadores quando olham diretamente para a

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câmera e têm atitudes consideradas “anormais” diante de outras pessoas,

como gritar, quebrar pratos ou se questionar o tempo todo sobre o porquê de

tal atitude, o que fazer diante do tédio, etc. Isso evidencia que um forte

elemento constituinte do sentido produzido é alicerçado pela expressividade

e conversação simulada com os telespectadores. Ainda nesse capítulo,

discutimos o jogo de linguagem dos personagens, que revela que estão

sempre em confronto. O jogo mostra que o casal está freqüentemente

produzindo um interdiscurso subversivo, utilizando a ironia e as estratégias

argumentativas, apesar de manterem a harmonia da interação através da

polidez, da preservação das faces, e da mudança de alinhamento. A

enunciação humorística é construída pelas situações que são interpretadas

de forma equivocadas, e pela interincompreensão3 do sentido instaurado.

O III capítulo da segunda parte da dissertação trata de conceitos

centrais para a nossa análise, tais como, o ethos do personagem, isto é,

como a imagem dos personagens é construída e apresentada ao telespectador

e quanto interfere na interpretação deste. Aqui também, discutimos a

autonomia do ator em relação ao texto original do programa. Ao encenar, os

atores/atrizes constroem sua interpretação também com improvisos, com

acréscimos de textos que contribuem para o efeito de sentido pretendido

pelo diretor do programa. Outro ponto tratado neste capítulo diz respeito à

publicidade do programa, seu formato interativo, inovador em que o próprio

personagem sai do programa e faz a chamada.

E finalmente, na parte III deste trabalho, realizamos as análises do

corpus , ou seja, observamos, descrevemos e comentamos trechos de alguns

programas para podermos visualizar melhor e interpretarmos com mais

precisão e clareza a interação empregada nesta interessantíssima comédia de

situação.

3 A interincompreensão na Análise do Discurso é defendida por Dominique Maingueneau e será tema de discussão no capítulo 02 deste trabalho.

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PARTE I: TRAJETO METODOLÓGICO

1- Justificativa

Várias são as justificativas possíveis em defesa do presente estudo. A

primeira delas é que, nesse estudo, pretende-se, dentro de uma concepção

bakhtiniana de interação verbal, analisar o formato, a linguagem, a

interatividade com o outro, mesmo que este “outro” seja o próprio

personagem, conversando consigo mesmo e/ou com o telespectador. Uma

outra razão desse estudo é investigar quais são as causas desse produto ter

se tornado um grande sucesso de audiência.

Todas as vertentes de Análise do Discurso consideram que as

condições de produção são constitutivas de sentido. Portanto, se pensarmos

o contexto/cenografia como constitutivo de interação qualquer variação

relativa às condições de produção compromete a significação e

conseqüentemente a compreensão dos interlocutores.

Outro fator que promove o efeito de sentido cômico são as

interferências discursivas. A interdiscursividade dos personagens é

estabelecida nas estratégias argumentativas de subversão irônica, por sua

natureza contraditória entre referências implícitas e explícitas.

A esse respeito, ressaltamos o pensamento de Beth Brait (1996,

p.196) que afirma que: Considerando que a ironia es tá sendo concebida ( . . . ) como forma interdiscursiva, como interdiscurso cujo sent ido necessar iamente advém de um imbricamento contradi tór io que conta com a conivência e com a memória do enunciatár io para se rea l izar como tal , os diferentes mecanismos de produção estão sendo considerados como diferentes formas de ci tação, como es tra tégia de combinações de vozes.

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A justificativa que o orienta é o intuito de contribuir para a

construção de uma visão mais clara, de uma maior compreensão da

complexidade da utilização de estratégias lingüística-discursivas para

constituir sentido, mesmo que seja em uma interação pré-estabelecida, como

é o caso de um programa de TV. Esse estudo justifica-se também relevante

pela tentativa de evidenciar e identificar como ocorre a interatividade do

telespectador com os atores na construção do sentido, a partir dos diálogos

em confronto, da sua ideologia e da cultura que refletem principalmente as

referências a que ele teve acesso ou a que tem sido submetido.

Em última análise, a pertinência deste estudo se dá por almejar

contribuir para o enriquecimento da literatura especializada, servindo como

material de consulta para estudantes e profissionais da área de lingüística,

comunicação, sociologia, antropologia e afins.

2- Hipóteses e Metodologia

Sabendo-se que o discurso não é homogeneizado, não é limpo e é

passível de “furos”, de incompreensão do que é dito, levando a sentidos

confusos, a mal-entendidos e a interincompreensão a partir das condições

externas à linguagem, o problema de pesquisa proposto neste estudo

consiste no seguinte: Como evidenciar os mecanismos lingüístico-

discursivos, considerando suas condições de produção, em que Os Normais

se baseiam para constituir o efeito de sentido do humor privilegiado pelos

telespectadores?

Mediante a esse questionamento, buscamos confirmar duas hipóteses:

A primeira: que a estratégia l ingüístico-discursiva da ironia

sustentada na interdiscursividade enquanto estratégia

interativo-argumentativa, proporciona o efeito de sentido de

humor, gerando a atração necessária e conseqüentemente a

preferência dos telespectadores;

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A segunda:.o sucesso de Os Normais se reflete em seu e thos e

em sua cena de enunciação irreverentes que produzem

identificação nos telespectadores.

O estudo será descritivo buscando examinar o funcionamento da

linguagem utilizada no texto do sitcom considerando sua exterioridade

constitutiva, embora seja um gênero discursivo pré-construído.

Adicionalmente, procederemos a uma análise interpretativa do

discurso do objeto, o que significa dizer que o trabalho será essencialmente

qualitativo.

Quanto ao procedimento metodológico geral, utilizamos o de natureza

indutiva: por ele, as constatações particulares permitiriam uma

generalização . Essa generalização, evidentemente, deriva de observações

específicas de fatos e situações da realidade concreta em que se insere o

objeto de estudo.

Assim, tendo por objetivo geral analisar as estratégias lingüístico-

discursivas utilizadas no sitcom Os Normais . Buscamos ainda atingir os

seguintes objetivos específicos:

Identificar que mecanismos lingüístico-discursivos são utilizados

no programa Os Normais, e quais os efeitos de sentido são

produzidos para se conseguir o humor necessário ao sucesso de

audiência do programa;

Investigar se a produção de sentido é constituída pela autonomia

dos mecanismos lingüístico-discursivos ou se ela depende da

composição de outros elementos, como a interatividade dos atores

com público/telespectador na cena, isto é, a identificação do

telespectador com o próprio discurso e a interação simulada entre

atores e telespectadores.

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Debruçamo-nos no que diz respeito às estratégias argumentativas

util izadas na instauração da preservação e manutenção do jogo de

linguagem entre os interactantes. Para fins de análise, todo material

interativo foi considerado: jogos de linguagem, valores ideológicos e

culturais, trocas conversacionais etc. Os procedimentos de pesquisa

compreenderam, especificamente, os seguintes passos:

a) Ampliação e aprimoramento do arcabouço conceitual e teórico de

pesquisa;

b) Análise dos mecanismos lingüísticos e as estratégias discursivas das

relações de interação social, valorizando todo o material interativo

contido no corpus que representou interpretações à luz de conceitos

como dialogismo, conversação face a face, interdiscursividade, polidez,

preservação da face, subversão, ironia, interincompreensão, ethos e cena

da enunciação.

c) Análise de trechos do programa, no que se refere à construção do seu

formato cenográfico e teatral. Examinamos as situações vividas pelos

personagens (monólogos e diálogos) selecionados na versão em livro do

programa entitulada Os melhores Momentos. (Anexo A). A fonte

fundamental de observação foram os episódios constantes em Os

melhores Momentos e nos doze episódios editados em dois DVDS (Os

Normais e Os Normais sem cortes), que foram exibidos no período

2001-2003, além do episódio inédito para tv presente no DVD Os

Normais – o filme. Por essa razão, nosso estudo pode ser caracterizado

como sendo um estudo longitudinal conforme mostram os anexos F, G e

H.

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d) Análise das chamadas dos programas4, para observar especificamente a

utilização do metadiscurso na fala dos atores que nestas chamadas,

simulam conversar com o telespectador.

e) Análise das entrevistas concedidas pelos autores, atores e diretores (da

série e do núcleo) na Rede Globo de Televisão5.

4 As chamadas estão inseridas no segundo DVD disponibilizado ao público : Os Normais sem Corte. 5 As entrevistas estão dentro do primeiro DVD disponibilizado para o público – OS Normais.

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PARTE II- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS CAPÍTULO 01 O SITCOM: UM GÊNERO QUE DEU CERTO

1.1 A relação entre gênero discursivo e suporte

Falar sobre gêneros discursivos é falar do funcionamento sócio-

comunicativo da linguagem e de práticas sociais cotidianas. Entretanto, isto

não quer dizer que eles apenas reflitam os usos e costumes da sociedade,

mas que, na verdade, fazem parte dela. A legitimidade dos gêneros está

justamente em sua natureza social. Os gêneros têm um caráter regulador e

normativo que orienta os usuários em suas ações sociais. Normalmente se

utiliza um gênero comunicativo que envolva interação na práxis social,

pois, ao falar ou escrever, determinadas regras fazem-se necessárias, ou

seja, precisa-se de formatos que garantam certa estabilidade para que os

falantes possam agir de forma adequada e eficiente. Podemos tomar como

exemplo Mikhail Bakhtin ([1979]2000), que entende que o gênero

discursivo está inserido em toda atividade humana, como formas

relativamente estáveis de enunciados6, tendo uma intenção de dizer,

alicerçada em uma atitude responsiva ativa, já que se inscreve em uma

relação comunicativa interacional dialógica, isto é, todo o enunciado é

sempre um enunciado de alguém para outrem. Bakhtin explicita que o

desejo de dizer de um locutor passa necessariamente pela seleção de um

gênero de discurso que melhor realize esta vontade comunicativa. Segundo

ele:

6 É considerado como uma seqüência verbal relacionada com a intenção de um mesmo enunciador e que forma um todo dependente de um gênero de discurso determinado. Maingueneau (1998,p.56).

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o querer-dizer do locutor se rea l iza ac ima de tudo na escolha de um gênero discurs ivo. Essa escolha é determinada em função da especific idade de uma dada esfera da comunicação verbal , das necess idades de uma temát ica (do objeto de sent ido) , do conjunto const i tuído dos parceiros . Depois disso, o intui to do locutor , sem que es te renuncie à sua individual idade e à subjet ividade, adapta-se e ajus ta-se ao gênero escolhido, compõe-se e desenvolve-se na forma do gênero determinado (Bakhtin, [1979]2000, p.301) .

Bakhtin lembra que os gêneros discursivos não são exatamente uma forma

de língua, e sim, uma forma de enunciado , como por exemplo, as cartas, os

bilhetes, os avisos que apesar de terem função informativa semelhante, são

gêneros discursivos diferentes, pelas suas condições e formatos, por

expressarem uma forma enunciativa típica, em certo contexto. Em suma, a

função do gênero define sua utilização. (Bakhtin, [1979] 2000, p.312).

Com relação ao conceito de gênero, Luiz Antônio Marcuschi

(2003,p.05) define gêneros discursivos como “textos orais ou escritos

materializados em situações comunicativas recorrentes”, ou seja, são

modelos de linguagem que realizam ações comunicativas diárias para

regularizar contextos sócio-interacionais definidos. Dessa forma, é possível

afirmar que o discurso7 social entra em atividade por meio do gênero,

levando-se em consideração suas condições de produção histórica, cultural,

ideológica e, principalmente, sua intenção de produzir uma resposta no

outro. Uma vez que o gênero está relacionado com “a utilização da língua”

por meio dos enunciados, e esta se relaciona com todas as “esferas da

atividade humana”, podemos dizer que os gêneros têm grande diversidade.

Assim sendo, é difícil categorizá-los, bem como defini-los. Notamos,

portanto, que, a noção de gênero depende tanto do entendimento da língua,

quanto do entendimento do autor. Por essa razão, pode-se afirmar que os

gêneros são dinâmicos.

7 Discurso, de acordo com Dominique Maingueneau (2002,p.53), são enunciados orientados que se desenvolvem no tempo com uma finalidade de efeito de sentido em uma relação sócio-interativa contextualizada regida por normas.

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Várias teorias apresentam os gêneros enfocando diversos aspectos: os

funcionais, enunciativos, culturais, cognitivos e sócio-interacionais. Na

abordagem do objeto de estudo a ser aqui trabalhado, o gênero sitcom,

adotaremos a teoria sócio-interacionista de Mikhail Bakhtin.

Para a perspectiva de língua como sendo essencialmente dialógica,

como postula Bakhtin, utilizada a partir da existência do outro, na relação

de um eu para um tu , promovendo as relações interpessoais, o gênero é

composto por três elementos centrais: conteúdo temático , que tem a ver

com o que se fala; estilo , que se refere à autoria e construção

composicional que reflete a estrutura lingüística recorrente caracterizadora

do gênero.

Para todo gênero há um suporte, entretanto, é preciso ficar atento

para o fato de que há diferenciação entre gênero e suporte, pois ela é

bastante tênue, fazendo-se necessário o estabelecimento de definições

capazes de sinalizar os seus limites. Nessa perspectiva, Marcuschi (2003,

p.80) afirma que o gênero é uma prática discursiva que muda seu efeito de

sentido também de acordo com o suporte utilizado. Uma simples frase

“estarei sempre com você’’, dependendo do suporte que a exponha, receberá

significações distintas, podendo ser desde uma declaração de amor até uma

advertência. Ainda conforme Marcuschi, ( . . .) “o suporte de um gênero é

uma superfície física em formato específico que suporta, f ixa e mostra um

texto”.

Observando o funcionamento do programa de TV Os Normais ,

percebemos ser possível enquadrá-lo dentro do domínio discursivo televisivo.

Então, poderíamos afirmar que ele se realiza pelo gênero discursivo sitcom .

Já no que diz respeito ao suporte, podemos considerá-lo um programa

semanal de televisão.

O sitcom Os Normais possui uma variação de suporte de transmissão,

como a exibição semanal pela TV, o DVD e o livro. É válido ressaltar que

apesar de manter uma atitude responsiva ativa (classificação bakhtiniana), o

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telespectador, provavelmente, já não produz o mesmo efeito de sentido de

quando assiste ao programa de forma inédita.

Aliado a esse posicionamento, Marcuschi (2003) em suas conclusões

a respeito da relação da mudança de efeito de sentido na variação do gênero

a partir do suporte eleito, afirma que:

( . . . ) nós não operamos do mesmo modo com os textos em supor tes diversos, mas isso não s ignifica a inda que os supor tes veiculem conteúdos diversos para os mesmos textos. O supor te não muda o conteúdo, mas nossa relação com ele, não só por permit i r anotações , mas por manter um contato diferenciado com ele . (Marcuschi 2003, p.28 ) .

É importante salientar que a relação gênero versus suporte necessita

de todo um cuidado na definição sobre o que pode ser considerado gênero e

sobre o que deve ser considerado suporte.

O fato é que a relação de recepção, de efeito de sentido é modificada,

por vários aspectos e contextos diferentes, por exemplo, ao assistir ao

sitcom em DVD, temos a opção de repetir a cena, de dar pausas. Ao ler o

livro, é possível fazermos uma releitura de certo trecho, diferentemente

da exibição semanal, na qual cada segundo não pode voltar. Em resumo:

ou o telespectador se vê compenetrado ou ele poderá perder o fio

condutor do sentido. Assim, podemos afirmar que não só a escolha do

gênero está associada ao “querer dizer”, a intencionalidade do

autor/locutor, como à escolha do suporte no qual o querer dizer se

realiza. Na verdade, o gênero dentro da atividade humana constituído por

diretrizes culturais, sociais e históricas, funciona como uma estratégia de

comunicação, visando à interação entre o enunciador e enunciatário,

como bem entendia Bakhtin. Por essa ótica, lembramos que Jesús Martin-

Barbero ([1987]1997, p.302) entende gênero como estratégia de

comunicabilidade, dizendo que: “um gênero não é algo que ocorra no

texto, mas sim pelo texto, pois é menos questão de estrutura e

combinatórias do que competência”.

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1.2- A televisão: um domínio discursivo e seus vários formatos

A televisão surgiu nos Estados Unidos da América e chegou ao Brasil

em 1950. Desde então, é orientada para atender às perspectivas dos

telespectadores. Nos anos 1970/1980, com o advento da transmissão em

cores, já se percebia o alcance da audiência extraordinária que ela atingiria.

O veículo televisivo também impulsionaria a economia, ao abrir as portas

para a publicidade que promove o consumo e a produção de bens materiais e

simbólicos, vendendo o mundo para o mundo. Herdeira do rádio no trabalho

de comunicação através do diálogo, a televisão com o passar dos anos, foi

definindo seu papel na vida cotidiana da sociedade: orientação, companhia,

informação, entretenimento, bem como, a função de estabelecer

comportamentos. Assim, várias possibilidades de diálogo foram desenhadas

pelos programas televisivos diferentes que foram surgindo: entrevistas,

debates, e mesmo apresentações solo – monólogo, já que há uma interação

com o telespectador do outro lado da tela. Tudo isso permite dizer que a

televisão se enquadra no que entendemos por domínio discursivo.

Bakhtin ([1979]2000) acredita ser o domínio discursivo uma esfera de

atividade humana, que proporciona o surgimento de diversos gêneros

discursivos. No caso do domínio televisivo, vários gêneros são originários

deste, tais como: gênero jornalístico, gênero humorístico, gênero telenovela,

inclusive o gênero sitcom. Nessa perspectiva, podemos afirmar que o domínio

discursivo não abarca necessariamente um único gênero, pelo contrário,

acomoda vários deles, constituindo práticas discursivas identificáveis e

específicas em determinados gêneros.

Retomando as considerações bakhtianas da constituição de um

gênero, podemos ver claramente que cada gênero televisivo possui um

tema central que norteia o programa: particularidades próprias, que o

diferenciam dos demais e caracterizam sua autoria; uma estrutura

composicional , ou seja, um formato de apresentação, quantidade de

apresentadores/atores, breaks (intervalos comerciais), ainda que pertença

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a um só gênero, como o jornalístico. Nesse gênero há as apresentações

monológicas, dialógicas, formatos de bancada, de sala de estar ou mesmo

com apresentador em pé no cenário. Apesar do formato diferenciado, a

necessidade sócio-comunicativa, o tema e a estrutura composicional são

as mesmas, ou seja, transmissão de informação em linguagem direta e

objetiva.

José Carlos Aronchi de Souza (2004), estudioso do gênero e dos

formatos que existem no domínio televisivo, destaca que a classificação

geral dos programas deste domínio discursivo abrange o entreter, o

informar e o educar. Entretanto, há categorias que não se encaixam

nesses três grandes gêneros, e podem ser classificadas como: religioso,

político, teleshopping e alguns identificados na programação das redes de

televisão.

No domínio discursivo televisivo, vários formatos constituem um

gênero de programa. Segundo Souza, alguns gêneros agrupados formam uma

categoria, como, por exemplo, na categoria entretenimento existem os

gêneros sitcom , o humorístico, talk Show, novela, filme, variedades, etc.

Souza (2004, p.92) sistematiza os gêneros e as categorias televisivas no

seguinte quadro:

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Q U A D RO N Ú M E RO 0 1 : c a te g o r i a s e g ên e ro s d o s p r og rama s n a t v b r a s i l e i r a p o r S o uz a

CATEGORIA GÊNERO

ENTRETENIMENTO Auditór io. Colunismo social .Culinário.Desenho animado.Docudrama.Esport ivo.Filme.Game show(compet ição).Humorís t ico.Infant i l . In terat ivo.

Musical.Novela.

Quiz show (perguntas e respostas).Reali ty show (tv-real idade).Revis ta.Sér ie brasi le ira. Si tcom (comédia de s i tuações. Talkshow. Teledramaturgia(f icção).Variedades.

Western(faroeste. )

INFORMAÇÃO Debate .Documentário.Entrevis ta.Tele jornal.

EDUCAÇÃO Educativo.Ins trut ivo.

PUBLICIDADE Chamada.Filme. Comercial . Pol í t ico.Sorte io. Telecompra.

OUTROS Especial .Eventos.Religioso.

Souza (2004, p.42) retoma o pensamento de Michel Foucault sobre o

contexto cultural que direciona a “ordem” desses gêneros ao lembrar que

“gênero e ordem existem como verdades culturais”. Segundo este mesmo

autor, os estudos sobre gêneros devem ser relacionados com aspectos

históricos e culturais das sociedades que os utilizam.Conseqüentemente,

essas podem ou não ser influenciadas pelas considerações do observador e

de seus pares.

Entretanto, no tocante à televisão, todo gênero construído é

elaborado a partir da interação com o telespectador, já que este é a pedra

fundamental que a alimenta. A influência é tanta que muitos diálogos dos

programas são reproduzidos pelo público no dia-a-dia. A esse propósito,

Bakhtin afirma que muitos gêneros são construídos e fomentados por uma

cultura, de modo a proporcionar comunicabilidades em várias gerações de

enunciadores.

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1.3- O gênero sitcom

Atualmente, os Estados Unidos e o Brasil são os maiores

produtores de programas para a televisão do mundo, particularmente na

categoria entretenimento. De acordo com Souza (2004), alguns dos

programas de maior audiência nos Estados Unidos são os sitcoms , filmes,

docudramas, talk shows , noticiário, seriados de ação entre outros. Essa

grande produção televisiva facilitou países da América Latina, como o

Brasil , a produzir telenovelas um gênero aprovado pelo público e,

conseqüentemente, que seria de fácil comercialização junto aos

patrocinadores.

Nos Estados Unidos, a produção de sitcom ocorre em larga escala,

geralmente alcançando grande sucesso junto ao público, como é o caso da

série Friends, Mel Rose, E.A8, etc. No Brasil, apesar da expressão maciça

nos canais por assinatura, esse tipo de produção vem crescendo nos canais

abertos como pode ser observado na programação da Rede Globo de

Televisão em programas do gênero como a Diarista e a Grande Família

veiculadas atualmente.

A estrutura composicional , o conteúdo temático e o estilo nos

permitem categorizar um gênero discursivo no suporte televisão. Nesse

sentido lembramos a afirmativa de Souza (2004, p. 46) de que o “formato

está sempre associado a um gênero, assim como gênero está diretamente

ligado a uma categoria”. Como vimos, na leitura de Bakhtin, o discurso de

determinado programa e a categoria representam o domínio televisivo.

O gênero sitcom insere humor na teledramaturgia para apresentar

situações engraçadas dos costumes humanos buscando uma possível

identificação com os telespectadores. São construídos com base no dia-a-

dia de pessoas normais como os telespectadores, sejam dentro de um

ambiente de hospital , de um condomínio, de uma profissão específica, ou

mesmo com situações cotidianas como é o caso de Os Normais .

8 Também conhecida como Plantão Médico.

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O formato da série analisada era uma comédia de situação que tentou

reportar a linguagem e os hábitos de grupos sociais de classe média, cuja

personalidade privada era apresentada de forma reveladora, tanto de seus

atos solidários e nobres, como de suas atitudes agressivas e individualistas;

suas formas de consumo, seus sentimentos, suas frustrações profissionais.

Em resumo, seus hábitos contemporâneos revelados com naturalidade por

um casal de noivos: os personagens centrais Rui, interpretado pelo ator

Luiz Fernando Guimarães, e Vani , interpretada pela atriz, Fernanda Torres.

Por outro lado, vale ressaltar que a saída de programas do ar em

pleno auge (anexo B e C) é um mecanismo de condução que observamos na

indústria brasileira de entretenimento. Esse procedimento é especialmente

notado no caso da Rede Globo de televisão, através do comando do diretor

Guel Arraes, que tem como estratégia recorrente a preservação de suas

obras, retirando-as de exibição quando elas possuem relativo sucesso de

audiência9.

Assim, emoção, humor, ironia, ambigüidade, subversão

argumentativa, são alguns dos elementos que compõem os roteiros desses

programas que envolvem temas como atividade político-econômica do

país, situações sobre relações familiares, conjugais, amizade e

comportamento.

Em relação a sua produção, o sitcom necessitava de um elenco fixo,

da construção de cenários para contar a história em episódios semanais com

duração média de 30 minutos.

De acordo com Anna Maria Balogh (2002, p.116), sempre existiu na

TV brasileira a tendência de manter o humor menos sutil , como é

apresentado nos humorísticos Zorra Total, A Praça é Nossa . Já o humor

“bem mais moderno, escrachado, intertextual e metalingüístico” surgiu no

programa TV Pirata e a partir daí, surgiram programas que os mesclavam,

como o Sai de Baixo .

9 Na década de 1980 a série Armação Ilimitada e o humorístico TV Pirata e na década de 1990 A comédia. da Vida Privada saíram do ar sem desgaste de audiência.

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Os sitcoms, geralmente mantêm os mesmos personagens, em episódios

diferentes. Ao fazerem isso, essas séries parecem contribuir para a criação

de uma relação de afetividade entre atores e público, de identificação deste

último com os personagens, gerando, assim, o que poderíamos chamar de

audiência planejada e qualificada.

1.4 - A ideologia machista que orienta os personagens

A ideologia é um dos conceitos nucleares das Ciências Humanas. O

conceito de ideologia recebeu várias definições de diferentes concepções

de autores como Karl Marx e Friedrich Engels, Louis Althusser, Paul

Ricoeur, Michel Foucault. O termo ideologia surgiu pela primeira vez na

história da sociedade no ano de 1801 na obra do filósofo Destutt de

Tracy, Elements d’ Idéologie , como uma ciência da gênese de idéias,

oposta à metafísica, à teologia e à monarquia. Entretanto, por volta de

1812, Napoleão Bonaparte inverteu seu conceito, entendo a ideologia de

forma pejorativa, nebulosa, tenebrosa e abstrata, perigosa para os

interesses franceses.

O termo voltou a ter um sentido valorativo com Augusto Comte, pai

do Positivismo. Comte, entendia a ideologia da mesma maneira que

Tracy, como formação de idéias a partir da experimentação das sensações

do corpo humano com o meio ambiente. Mas também, percebe que a

ideologia é um conjunto de idéias de uma determinada época, como se

fosse uma espécie de “opinião geral” dos indivíduos pensadores dessa

época. Esse posicionamento positivista acarretou três conseqüências: a

ideologia era entendida como teoria que se reduzia à organização

sistemática e hierárquica de idéias, autoritária no comando do saber

perante a subserviência dos ignorantes e, mero instrumento de

regularidades e normatizações.

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Novamente, o conceito de ideologia passa a carregar um tom

negativo, de opressão de classes, como apontaram Marx e Engels. Os

autores alemães viam a ideologia como uma inversão da realidade,

instrumento de distorção que cristaliza idéias particulares como

universais. A separação de classes, de propriedades, do que era material

– trabalho braçal - do intelectual – o saber. Era compreendida como

condições de existência, condições que não produzidas pelo próprio

homem e sim entregue a ele de forma aleatória. A ideologia alimenta a

alienação para poder manter os interesses da classe dominante. A

dominação é mantida de forma camuflada, fazendo com que os homens

crescessem entendendo que a divisão de classes de forma desigual era

devido a forças da própria natureza ou de competência de alguns

privilegiados.

Para Althusser, a ideologia se realiza a partir de práticas e dos aparelhos

que reproduzem essas práticas. Em Aparelhos Ideológicos do

Estado(1970), Althusser explicita que o Governo, o exército, os tribunais

- aparelhos repressores do Estado , bem como, a escola, a igreja, os

sindicatos, a cultura – aparelhos ideológicos do Estado , interferiam na

sociedade como “orientação” de obediência, de comportamento de

exploração. Para ele, a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos

sociais, orientando-os em sua práxis social e proporcionando uma visão

ilusória da realidade, como se fosse sua real condição de vida.

Dentro da perspectiva marxista de ideologia, Ricoeur (1977) afirma

que há algumas funções da ideologia que não foram tratadas além do foco

das classes sociais. Nesse sentido, Ricoeur destaca a função de

integração social , da necessidade de união do grupo, do convívio entre

os homens. Os traços que desenham essa função de coesão social são: a

perpetuação das idéias para além do momento atual; a motivação,

propulsora da prática social, a simplificação e a esquematização das

práticas sociais. A ideologia também é entendida para Ricoeur como

operatória, não-temática e intransigente à inércia que lhe é característica

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cabendo ao homem se adequar a esses modelos, conforme, as condições

sociais nas quais está inserido.

A outra função disposta pelo teórico é a de dominação, na qual a

política, o Estado, instaura a hierarquia e a organização social através da

ideologia de forma regularizadora e legítima. E finalmente, a última função

é a de deformação . Ao representar os interesses da classe dominante, a

ideologia deforma a realidade de ilusoriamente, sem repressão, de maneira

natural, dentro do caráter da inversão apontada por Marx.

A partir disso, percebe-se o ser humano como um ser racional que

constitui sua personalidade e atos a partir das suas experiências sociais,

culturais e históricas. Inserido no meio em que vive, age e reage de acordo

com os membros sociais com os quais está inserido. Por outro lado, o

Estado sempre manteve seu status de poder e regência na sociedade, para

manutenção da “ordem” e do bem social, seja na defesa dos interesses da

classe dominante ou da classe operária.

Convém também trazer a essa discussão as reflexões de Marilena

Chauí (1985 [1980]), fi lósofa brasileira que faz um bem apurado balanço

das considerações tratadas pela ótica marxista da ideologia. Para ela, a

ideologia é o resultado da divisão de trabalho, material e intelectual,

instrumento de dominação, cuja implantação independe de ser percebida

pelos indivíduos de uma dada sociedade ou não que impede que esta seja

percebida em sua realidade. Assim, Chauí lembra que a ideologia age nos

indivíduos como:

um conjunto lógico, s is temát ico e coerente de representações ( idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar , o que devem valor izar , o que devem sent i r e como devem sent ir , o que devem fazer e como devem fazer .(Chauí [1985] 1980, p.113)

Chauí (1980,p.108) lembra que para muitos autores como Gramsci, a

ideologia é compreendida como uma visão de mundo manifesta

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implicitamente, ou seja, como os membros sociais interpretam esse mundo

através da arte, do Direito, nas manifestações individuais e coletivas. Dessa

forma, as Formações Ideológicas alimentam as Formações Discursivas10 que

são construídas pelos indivíduos materializando a concepção de mundo que

receberam, isto é, os discursos dos sujeitos durante a interação refletem o

discurso das classes sociais.

Em outra perspectiva, a da análise crítica do discurso, Teun Van Dijk

(1997)11 entende que a ideologia não é nem “verdadeira” nem “falsa” , é na

realidade, forma de perceber o mundo e de agir dentro dele, funcionando

como orientação de conduta, procedimento e objetivos. Nesse sentido, o

autor afirma que nada impossibilita a existência de falsas crenças, como,

por exemplo, o machismo. Tal exemplo mostra uma atitude provavelmente

preconceituosa da sociedade ou paradigmas de entendimento e posturas

usados para atender a fins particulares.

Sendo assim, entendemos que o homem atual, dentro da ideologia

dominante na qual está inserido, acaba por viver e se guiar por esta

ideologia, como bem lembra Michel de Certeau (1994). Segundo Certeau, é

possível para o homem social em sua prática do cotidiano reconhecer a

ideologia determinante e optar pelo uso, sendo nem totalmente livre, nem

totalmente determinado. Nessa perspectiva o indivíduo torna-se usuário da

ideologia que o cerca. Por fim, Certeau defende que não há pessoas mais

inocentes ou comandadas, mas sim alerta, capazes de perceber o sentido do

que lhe é sugerido.

O homem constrói o sentido do seu discurso. O machismo, por

exemplo, é uma ideologia historicamente reconhecida e tem marcado seu

lugar nas relações sociais, determinando o espaço social que cada gênero de

sexo deve ocupar.

10 Formação discursiva é um termo amplamente usado pela Análise de Discurso Francesa introduzido por Foucault para explicar conjuntos de enunciados relacionados a um mesmo sistema de regularização, (Maingueneau,1996, p.67-68) 11 Teun Van Dijk l ançou se te h ipóteses sobre a ideologia que podem ser encontradas em seu artigo Semântica do discurso e ideologia [In: PEDRO, Emiliana Ribeiro (org). Análise Crítica do Discurso. Lisboa: Editorial Caminho, 1997. Cap. 4, pp. 105-168]

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O texto do sitcom em estudo retrata o modo de concepção da mulher

pelo homem, a idealização da mulher perfeita para viver ao lado do homem,

as características e atributos que ela deve possuir para que ele, o homem,

possa manter um relacionamento.

A série Os Normais tem em seu texto muito claramente esse discurso

ideológico “machista” do homem estereotipado, decisor, centralizador de

toda e qualquer atenção.

Por mais que o feminismo seja atuante em nossa sociedade, o

sentimento machista de que o homem é quem deve tomar a iniciativa do

casamento e que a mulher deve lhe ser submissa, em alguns aspectos, ainda

é muito latente em nossos grupos sociais.

Partindo desse pressuposto, podemos dizer que há uma tentativa de

manipulação consciente do interlocutor, uma vez que o falante organiza sua

estratégia discursiva em função de um jogo de imagens: a imagem que ele

faz do interlocutor, a que ele pensa que o interlocutor tem dele, a que

deseja transmitir ao interlocutor etc. É em razão desse complexo jogo de

imagens que o falante usa certos procedimentos argumentativos e não

outros.

A partir do exposto, percebemos que o sujeito possui posicionamentos

que variam de acordo com as condições de produção12 estabelecidas no

momento da enunciação.

Nesse sentido, podemos dizer que há uma simulação da realidade. O

interlocutor – telespectador interage com o enunciado da série por este

representar um “protótipo” de sua realidade, de sua ideologia, de sua

história, não levando em consideração que o programa é apenas uma

teatralização, uma dramaturgia seriada e que nada vivido ou dito ali de fato

aconteceu. O que importa para o telespectador é a sua identificação com os

episódios, seu prazer, seu entretenimento e não a constatação da veracidade

dos fatos. Assim, já que um programa televisivo retrata o cotidiano dos

12 Termo originário da Psicologia Social, foi reelaborado por Pêcheux para a análise do discurso com intuito de estabelecer o pré-construído (representações imaginárias através do que já foi dito e do que já foi ouvido). Também é empregado como uma variante de contexto.(Mainguenau, 1996,p.30-31)

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indivíduos, mesmo que seja uma das suas piores situações vividas já

relatadas, é compreensível que a audiência corresponda e eleja como seu,

um certo programa semanal, seja por identificação ideológica ou cultural.

1.5- A simulação da realidade para o telespectador: a audiência

qualificada

A indústria cultural, enquanto indústria do entretenimento, tem na televisão um

poderoso instrumento de difusão. Por sua vez, o público é seduzido por essa máquina de

entretenimento, que oscila entre o atendimento das necessidades de mercado e o

atendimento de uma dada demanda pública. Para Theodor Adorno e Max Horkheimer

(1990,p. 174): “A força da indústria cultural reside em seu acordo com as necessidades

criadas”, por isso, talvez seja possível dizer que, na produção midiática, existe a tendência

a repetir experiências de sucesso: o que deu certo deve ser repetido com uma roupagem

diferente e estrategicamente posicionada. Por isso, considera-se que fatalmente o sucesso

de público e audiência serão garantidos. Logo, o interlocutor- telespectador passa a ser

objeto de pesquisa na busca do conhecimento das preferências do público- alvo e seu estilo

de vida. Para isso, criam-se bancos de dados sobre os indivíduos e grupos. Essas

informações alimentam o seguinte círculo:

QUADRO NÚMERO 02: círculo de programação, produção e consumo

Consumo

Programação Produção

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Stuart Hall, um dos principais teóricos dos estudos culturais,

refletindo sobre o processo da comunicação televisiva, definiu-a ou dividiu-

a em quatro momentos de construção: produção, circulação,

distribuição/consumo e reprodução . Sua preocupação eram as audiências.

Entendia que a audiência era, ao mesmo tempo, receptora e fonte da

mensagem, já que as condições de produção, na pessoa dos codificadores,

atendem às imagens que a televisão faz da audiência. Desse modo, Hall

define três tipos de codificadores: os codificadores dominantes (fatores

hegemônicos que são vistos como naturais e legítimos); os codificadores

oposicionais (a visão de mundo contrária) e finalmente a codificação

negociada (é a mistura de oposição e adaptação).

Hall desenhou um quadro teórico capaz de mostrar que o

funcionamento de uma mídia não pode ser limitado a uma transmissão

hipodérmica (emissão/recepção). Ele acredita em um modelo triádico do

material midiático: discurso, imagens, relato; também crê em fatores como:

dados técnicos, pressões de produção e modelos cognitivos, que

condicionam o sentido da mensagem. Chamava a atenção para o fato de que

as produções deveriam considerar as referências culturais dos receptores.

Dentro da ótica de Hall, entendemos que se faz necessário perceber

que a audiência tem estatutos sociais e culturais que devem ser levados em

consideração para qualquer produção dirigida a um público específico.

Assim, devemos levar em conta a classe social do casal de noivos

(personagens principais) da série, seus hábitos, suas crenças, e suas

ideologias, pois essas características segmentam a audiência do programa.

A identificação do público dirigido se dá justamente por este perfil

comportamental dos personagens. A audiência de Os Normais é

supostamente constituída por um público de classe seletiva e detentora de

conhecimento geral, uma vez que as ironias e subversões existentes nos

diálogos dos personagens muitas vezes são subentendidas, veladas e,

portanto, para que se tenha o efeito de sentido pretendido, a audiência

dirigida deve compartilhar um conhecimento enciclopédico similar a dos

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personagens do programa. As próprias chamadas da série aludiam a um

público de vida social ativa, por insistirem que o telespectador só saísse de

casa na sexta-feira à noite após assistirem ao programa. Dentro dessa

perspectiva, entende-se que, mesmo em um sistema de televisão

hegemônico, o grande poder de decisão de formato e gêneros audiovisuais

dependem do público-alvo que deverá consumir aquele produto cultural

televisivo ou a intenção sócio-comunicativa. Como já dissemos

anteriormente, no sitcom em questão, a palavra de ordem é ironia,

funcionando como uma espécie de resposta inteligente ou dissimulada para

não deixar de dizer o que se pensa e ao mesmo tempo, preservar a imagem

diante do interlocutor/telespectador.

A preservação da imagem é uma característica essencial aos personagens, pois

mesmo discordando de algum ponto de vista, é latente a preocupação da não agressão, da

polidez no embate dialógico. O casal procura um meio termo em suas estratégias

discursivas para equilibrar as discordâncias, sem correr o risco de ameaçar ou afetar o

parceiro. Corroborando o papel sedutor do personagem televisivo, Joan Ferrés (1998, p.71)

destaca que: “A televisão seduz porque é o espelho, não tanto da realidade

externarepresentada quanto da realidade interna de quem a vê“. Pelas razões expostas, e

considerando que “(...) a civilização atual a tudo confere um ar de semelhança”

(Horkheimer/Adorno, 1990, p. 159), acreditamos que o sitcom é essencialmente uma

simulação13 da realidade. Simulação da vida cotidiana de sua audiência qualificada, em

primeiro lugar, pelos seus aspectos culturais, sociais e ideológicos, pelas experiências e

situações vividas pelos personagens, pela manutenção do emprego, pelo noivado, etc, bem

como, pela preservação da imagem nas discussões conjugais. O telespectador consome o

produto que lhe parece mais próximo de sua personalidade, de suas experiências, de sua

vida de modo geral.

13 O sentido de simulação adotado no trabalho é entendido como uma reprodução quase perfeita do real. Desta forma, o consumo está garantido, por representar uma realidade autêntica.

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CAPÍTULO 2

A LINGUAGEM DO SITCOM

2.1- A linguagem cotidiana: um diálogo sócio-interativo

No início do século XX, o lingüista genebrino, Ferdinand de

Saussure, apresentou uma abordagem ao estudo da linguagem pelo qual

considerava os idiomas como sistemas estruturados. Essa perspectiva de

estudo recebeu o nome de Estruturalismo, embora a palavra estrutura nunca

tenha sido mencionada por Saussure, mas sim, a noção de sistema, como

objeto de estudo fundamental, em lugar dos elementos particulares que o

compõem. Dessa forma, Saussure, ao mesmo tempo, combateu a

atomicidade na abordagem do estudo da linguagem por seus predecessores e

centrou a discussão na análise de dicotomias: Significante versus

Significado; Langue versus Parole e Sincronia versus Diacronia.

Em relação à dicotomia , Langue versus Parole , o lingüista suíço

valoriza a língua (langue), deixando à margem, a fala; muito embora ele

reconhecesse o caráter dual da linguagem, formada por uma instância

subjetiva, a fala , e outra objetiva, a l íngua . Saussure percebia a língua

como um fato social pelas seguintes razões: pertencia a todos os membros

de uma comunidade de fala; era passível de fixação e de sistematização em

dicionários e gramáticas; constituía-se de um patrimônio extenso e,

finalmente, não poderia ser possuída em toda sua totalidade por qualquer de

seus usuários. Por essa compreensão, cada falante retém uma parte do

sistema , que não existe perfeita, funcionalmente, em nenhum indivíduo. O

recorte saussureano fez com que o estruturalismo se tornasse a orientação

dominante na lingüística européia.

Por sua vez, Edward Sapir e, especialmente, Leonard Blommfield

desenvolveram o estruturalismo americano , tratando-o de maneira

relativamente independente, isso levou a que a proposta chegasse ao

extremo pelos seus sucessores, através da abordagem a que chamaram

distribucionalista .

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Entretanto, não tardou a aparecerem críticas ao estruturalismo, uma

vez que a compreensão da língua como sistema de estrutura, bloqueava todo

o processo de significação e de funcionamento.

A partir do postulado da teoria da Enunciação, na década de 1960,

surgem abordagens que percebem no estudo da linguagem a instância do

enunciador, visando, assim, prover o sistema de abertura e de mobilidade.

Como Saussure, Mikhail Bakhtin, também via a língua como um fato

social, entretanto, o mestre russo afasta-se do pai da lingüística moderna,

ao priorizar a fala, a parole , a enunciação, e ao afirmar a natureza social e

não individual da língua. Para Saussure, o mais importante não é nem tanto

o enunciado em si, mas a enunciação, o processo verbal. Como bem destaca

Cardoso (2003) em Discurso e Ensino: A oposição que Bakhtin (1929) faz a Saussure é radical , se levarmos em conta que a l inguagem, para esse f i lósofo, não se divide em duas ins tâncias , l íngua e fa la , ou l íngua e discurso, ou a inda competência e performance. A enunciação, “a verdadeira substância da l íngua”, é , para Bakhtin , a s íntese do processo da l inguagem, o concei to-chave para se entender os processos l ingüís t icos. (Cardoso, 2003, p.24)

Bakhtin critica as duas correntes do pensamento filosófico da

linguagem: o Objetivismo Abstrato (que coloca como substância da língua

um sistema de formas normatizadas) e o Subjetivismo Idealista (que

valoriza o ato da fala de criação individual como o fundamento da língua e

considera o psiquismo individual como lugar de origem da língua).

A língua como sistema estável de formas normativamente idênticas é

apenas uma abstração científica que só pode servir a certos fins teóricos e

práticos particulares. Essa abstração não dá conta da realidade concreta da

língua. A língua constitui um processo de transformação ininterrupto que se

realiza através da interação verbal social dos locutores;

As leis da transformação lingüística não são de maneira alguma, as

leis da psicologia individual, mas também não podem ser divorciadas da

atividade dos falantes. Tais leis da lingüística são essencialmente

sociológicas;

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Bakhtin acentua que são as condições de produção de um dado

enunciado que determinam sua forma de enunciação. Segundo o autor, o

percurso que vai da elaboração mental do conteúdo a ser expresso à

objetivação externa desse conteúdo - a enunciação -, é orientado

socialmente, buscando adaptar-se ao contexto imediato do ato da fala e,

sobretudo, a interlocutores concretos. Não há, portanto, uma elaboração

discursiva a priori , uma construção imanente do discurso, mas sua

formulação está intrinsecamente relacionada às condições de produção e às

direções proposicionais (a ideologia) que engendra num determinado

contexto, ou seja, a enunciação é ideológica, que se transforma e recebe

diferentes significados, de acordo com o contexto que está inserida.

A palavra chave do pensamento de Bakhtin é diálogo . A orientação

voltada para o outro tem, na interlocução, um fator específico para a

dialogização do discurso, pois " toda enunciação depende 'bivocalmente' do

locutor e do alocutário". Nesse sentindo retomamos as palavras de Bakhtin

([1929]2000,p.113): Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fa to de que procede de a lguém, como pelo fato de que se dir ige para alguém. Ela const i tui jus tamente o produto da interação do locutor e do ouvinte . Toda palavra serve de expressão a um em re lação ao outro .

Para o autor o diálogo é o modo mais natural de expressar a

linguagem. Os enunciados que produzimos, mesmo produzidos diretamente

para nós mesmos, são monológicos apenas em sua exterioridade, pois sua

estrutura interna, semântica e mesmo estilística são necessariamente

dialógicas. Por esta razão, podemos entender o diálogo em um sentido bem

maior, não apenas em um formato de interação face a face, mas também,

inserido dentro de toda atividade comunicativa do homem, como textos

escritos e orais, palestras, sala de aula, discursos auto-reflexivos, etc.

As contribuições de Mikhail Bakhtin a partir dos anos 1960

influenciaram todas as posições dos lingüistas que criticavam a visão da

língua como um sistema homogêneo e imóvel, e anteciparam as principais

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preocupações da lingüística moderna. A concepção de língua como

interação social influenciou os estudos que hoje se desenvolvem sobre a

interação verbal, como a pragmática, a teoria da enunciação e a análise do

discurso, e que adotam o princípio de que linguagem é ação e não

meramente instrumento de comunicação. Na ótica interacionista, a

exterioridade lingüística configura todo o conjunto a ser observado como as

trocas conversacionais, a comunicação verbal e não-verbal, os aspectos

culturais, pragmáticos utilizados na linguagem. Dentro dessas perspectivas

teóricas, o sujeito volta a ocupar uma posição privilegiada no discurso e a

linguagem passa a ser considerada o lugar de constituição da subjetividade.

Nessa visão da linguagem sócio-interativa bakhtiniana, é possível

inserir o seriado humorístico “Os Normais”. Comédia que provoca o humor,

na observação dos pequenos acontecimentos diários tendo como

personagens protagonistas Rui e Vani . A série tinha uma linguagem

objetiva, direta e reveladora, expondo situações embaraçosas e atitudes

secretas dos personagens/ indivíduos, que antes seriam consideradas

inconfessáveis. Os telespectadores identificavam-se com diálogos muitas

vezes, de caráter íntimo, antes nunca visto em um programa de televisão14.

Observa-se uma linguagem que revela a intimidade dos personagens.

Um exemplo do formato inusitado e singular do programa seria o

episódio em que Vani se encontra com uma mulher estranha em um banheiro

de um restaurante. A personagem da mulher inicia uma conversa,

ressaltando o fato de que Vani não está gorda, enquanto urina de porta

aberta com uma naturalidade desconcertante.

Validando a linguagem sócio-interativa do sitcom com o público,

outros pontos do seu formato de apresentação podem ser destacados, quando

os atores surgem na cena, em seu apartamento com trajes sumários

(comportamento que só temos com pessoas que gozam de nossa intimidade).

Eles interagem com os telespectadores olhando e se dirigindo para a

câmera, como se o telespectador estivesse realmente na sua frente ou até

14 Opinião do própr io Luiz Fernando Guimarães comentada no DVD.

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mesmo no cenário. Assim, assumem atitudes consideradas “anormais”

diante de outras pessoas, como ir ao banheiro, fazer depilação, discutir voz

alterada, etc. Esse comportamento revela um ethos15 totalmente privado e

íntimo em uma situação pública.

O ethos traz à cena todo o suporte da lingüística interacionista

comentada. Aspectos culturais, sociais, ideológicos aliados à

expressividade, dialogismo, mesmo quando produzido unilateralmente, pois

os personagens se abrem totalmente para os telespectadores.

O diretor do núcleo da série, Guel Arraes, em seu depoimento no

primeiro DVD disponível ao público, ressalta que “eles confiam ao

telespectador seus sentimentos mais secretos, as culpas mais vergonhosas e

acaba tendo um efeito liberador” . A exposição da intimidade possivelmente

leva os telespectadores à identificação e/ou ao choque. Isso é ser normal?

2.2 - Da interação artificial à conversação espontânea: a fronteira

entre o escrito e o oral

Sabemos que toda ação humana procede da interação, assim, como

seres sociais, os indivíduos não têm como fugir desse fenômeno. Por isso, a

lingüística não poderia deixar de tratá-la como um dos modos de

funcionamento da linguagem.Isso nos remete ao posicionamento de Morato

(2004, p.317) quando afirma que: ( . . . ) a l inguagem não apenas é es truturada pelas circunstâncias e referências do mundo socia l ; é ao mesmo tempo est ruturante do nosso conhecimento e extensão (s imból ica) de nossa ação sobre o mundo. Ou se ja, podemos dizer da l inguagem que ela é uma ação humana (ela predica, interpre ta , representa, influencia, modifica, configura, cont ingência, t ransforma, etc .) na mesma proporção em que podemos dizer da ação humana que atua também sobre a l inguagem.

15 De acordo Dominique Maingueneau (2002, 98)) a noção de ethos encapsula “não só a dimensão propriamente vocal, mas também o conjunto das determinações físicas e psíquicas ligadas pelas representações coletivas à personagem do enunciador.”Trataremos mais detalhadamente a esse respeito no capítulo três.

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Nessa perspectiva, os estudos sobre interação verbal foram avançando

e construindo seu espaço no campo da lingüística. Várias vertentes foram

estabelecendo essa seara, dentre elas a vertente da pragmática e da

sociolingüística interacional.

Na metade do século XX, ocorreu a chamada “virada pragmática” nos

estudos da linguagem. A pragmática é uma concepção da linguagem,

particularmente da comunicação, contrária ao estruturalismo, sendo assim,

perpassa por uma série de ciências humanas que comungam do mesmo

interesse sobre as análises ligadas ao uso que os falantes fazem da língua

como, a semiótica de Charles Peirce, a teoria dos atos de fala de Austin, o

estudo das inferências que os participantes fazem em uma interação de

Grice, o estudo da interação verbal e de certas teorias da comunicação.

Para Bakhtin, a interação verbal é a realidade essencial da língua.

Esse fenômeno social constituído pela enunciação é o que de fato

materializa e faz evoluir as relações sociais, culturais, ideológicas nas

diversas situações da vida cotidiana dos indivíduos.

A interação verbal se dá de forma natural, na qual os fenômenos

ocorridos durante o processo comunicativo como truncamentos, hesitações,

reformulações e mesmo marcadores conversacionais, que antes eram

considerados como ruídos ou complicadores do entendimento, da

compreensão de sentido, são dentro dessa perspectiva, as pedras

fundamentais na constituição do sentido que os interlocutores produzem.

As condições que determinam e caracterizam a interação são

trabalhadas por Van Dijk em sua obra La Ciencia Del Texto (1989). Para

explicitar o que seja interação, o autor assinala que “a interação resulta de

uma série de atos de fala de diferentes interlocutores, ordenados, entre

outras coisas, seguindo regras convencionais”(p.92). A interação é uma

ação social constituída por, pelo menos, duas pessoas, e deve ter no

mínimo, um acesso parcial do conhecimento, do desejo, das intenções dos

interlocutores.

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Assim, ao constatar que o interlocutor interpreta corretamente os

propósitos do locutor e os aceita, a partir da persuasão do que foi falado,

traz à tona a existência de vários tipos de atos de fala.

Na década de 1960, precisamente em 1962, J. L. Austin, filósofo

britânico, introduziu a Teoria dos Atos de Fala. As concepções austinianas

focavam a concepção de linguagem como uma atividade realizada pelos

interlocutores, isto é, os falantes sempre expressam uma ação em seu

dizer, ao falar, como desejos, ordem, acordos, etc.

Uma das descobertas do filósofo britânico é o conceito de enunciados

performativos e performativos implícitos. Os enunciados performativos

expressam que alguém ao “dizer” alguma coisa, denota “um compromisso”

só pelo fato de dizê-lo. Por seu turno, os enunciados performativos

implícitos são os enunciados que dizem por outros meios alguma coisa, por

exemplo, “eu trago”. Esses enunciados carregam três tipos de atos:

locucionário, i locucionário e perlocucionário.

A definição dos atos de fala é trazida por Austin em sua obra Quando

Dizer é Fazer: Dis t inguimos um conjunto de coisas que fazemos ao dizer algo, que s intet izamos dizendo que real izamos um a to locucionár io, o que equivale , a grosso modo, a profer ir determinada sentença com determinado sent ido e referência, o que, por sua vez, equivale, a grosso modo, a “s ignificado”no sent ido tradic ional do termo. Em segundo lugar dissemos(s ic) que também real izamos a tos i locucionár ios ta is como informar , ordenar , prevenir , avisar , comprometer-se , e tc . , i s to é , profer imos que têm uma cer ta força (convencional) .Em terceiro lugar também podemos real izar atos per locucionár ios , os quais produzimos porque dizemos algo, ta is como convencer , persuadir , impedir , ou, mesmo, surpreender ou confundir . (Aust in, [1962,1975] 1990,p. 95)

Austin alerta-nos para a distinção do ato ilocucionário, “ao dizer tal coisa eu o

estava prevenindo” e que para o ato perlocucionário, “ao dizer tal coisa eu o convenci, ou

surpreendi, ou fiz parar”, por serem ações intencionais que têm efeitos diferenciados.

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A teoria dos Atos de Fala tratada aqui nos serve de norte para o entendimento dos

fenômenos que ocorrem durante a interação face a face. Esse entendimento nos permitirá

compreender se um evento idealizado e pré-fabricado pode se transformar em uma

interação real.

Diante disto, como podemos considerar uma atividade de fala

preliminarmente organizada, por exemplo, o caso de Os Normais , como um

evento interativo social?

Os sitcoms , como qualquer outro produto fabricado pela mídia

televisiva, têm características de conversação16 artificial, ou seja, discursos

e diálogos idealizados e escritos por autores a serem dramatizados por

atores. Sendo assim, dessa forma, todas as expressões corporais e atividades

comunicativas a priori, já estão estruturadas. Mas será que realmente no

momento de suas atuações os atores/interactantes “obedecem” fielmente às

orientações pré-estabelecidas?

É importante ressaltar que processo de interação social é usado a

partir de alguns elementos constituídos no texto pelos interlocutores no

momento da fala17. A atividade de fala, como bem lembra John J.Gumperz

(1982,p.151), é “ um processo dinâmico que se desenvolve e sofre

alterações à medida que os participantes interagem”. Essas alterações de

que nos fala o sociólogo podem ser observadas na interpretação dos

atores/interactantes em seus diálogos roteirizados, através de seus

acréscimos de fala, de suas expressões corporais e faciais no

desenvolvimento de suas interpretações. Partindo desse pressuposto de

mudança do “script” comunicativo no encontro conversacional, mesmo que

inicialmente orientado, é possível que o mesmo se torne um encontro

natural, em uma interação social real, como é o caso dos sitcoms. Um

exemplo disto pode ser bem claramente evidenciado na fala de um

personagem em que apenas estava escrito o seguinte texto sem outras

16 Neste trabalho, os conceitos de textos conversacionais e textos falados não recebem distinção, como também as expressões decorrentes dessas denominações receberam o mesmo tratamento. 17 Ribeiro & GARCEZ em sua obra Sociolingüística Interacional (2002) definem “fala” como qualquer produção de elocuções em situação de interlocução.

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orientações: “ah, é”. Ao interpretar esse texto, o ator, a partir do sentido e

intensidade que queira dar a sua interpretação, enfocará um tom sugestivo,

ameaçador ou mesmo, acordativo, como também, sua hesitação, suas

expressões faciais. Tais mecanismos ocorrem naturalmente em uma

interação face a face e que nessas condições não ficam apenas em uma

tentativa de interpretação do real e sim da própria realidade, a partir do

momento em que o ator também é o interactante e como interactante tende a

realizar sinais “naturais” de conversação.

Neste trabalho, refletimos sobre o discurso de “Os Normais”, para

saber o que os autores utilizam da linguagem em sua essência, quando

interagem ou simulam interação com outro, mesmo que este outro, seja o

próprio personagem, conversando consigo mesmo e/ou com o telespectador.

Talvez essa estratégia de interatividade com o público seja o grande

diferencial de “Os Normais”: o personagem conversa com o telespectador,

se revela e se identifica, com a grande maioria de sua audiência.

Guel Arraes, diretor do núcleo da série, em seu depoimento no

primeiro DVD do programa diz tentar se aproximar do pensamento da

audiência ratificada do sitcom, para que ela se identifique com o programa:

( . . . ) esse personagem sente isso que eu também sinto, quando há ident if icação do te lespectador , termina funcionando como uma espécie de divã de ps icanál ise na televisão, porque se todo mundo é maluco então ser maluco é ser normal .

Após essas reflexões, podemos entender que para esse gênero de

discurso - sitcom , a expressividade aparece como uma das particularidades

que constroem o sentido. O humor só é instaurado se considerarmos toda a

cenografia, expressividade, tonicidade. E essa expressividade e tonicidade

estão atreladas aos atos de fala dos atores em suas interpretações e

construções dos personagens. “O ator e o personagem se encontram e

formam um terceiro personagem”, como bem relata Luiz Fernando

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Guimarães no depoimento do DVD, e esse terceiro personagem é

constituído na hora da interação social da cena, seja com o personagem

Vani, seja com o telespectador ao se dirigir diretamente para a câmera, ou

ainda, com os atores convidados que participam dos episódios. Esse cenário

interativo nos remete a classificação de Van Dijk (1989) sobre os critérios

de interação: da seqüência dos atos de fala, dos interactantes e seus

possíveis contribuintes, na situação pública social, na convencionalização,

no objetivo social e das convenções . Isso nos leva a percebermos novamente

o estado híbrido em que Os Normais se apresenta, ao se enquadrar nas

condições de existência da interação social, ou seja, em uma fronteira de

interação entre o escrito e o oral.

2.3 - O Jogo de linguagem dos interactantes: as estratégias

interacionais

Na interação pela linguagem há sempre objetivos a serem alcançados,

como, por exemplo, a aceitação pelo outro daquilo que queremos dizer, o

efeito de sentido que queremos proporcionar, ou mesmo o comportamento

que queremos estabelecer no outro. Diante disso, podemos dizer que a

interação é sustentada por um jogo de linguagem18 que os interactantes

util izam para manter a estabilidade da interação. Esse jogo é realizado, com

no mínimo dois interactantes de acordo com as condições socioculturais

estabelecidas, bem como, os conhecimentos lingüísticos, enciclopédicos, as

condições ideológicas, os conhecimentos partilhados e obviamente as

intenções.

O jogo de linguagem se refere à realização dos diversos tipos de

atividade de fala, às estratégias de preservação das faces e/ou de

manutenção positiva do eu , que envolvem o uso de modelos amenizadores.

Outra referência seria as estratégias de polidez, de acordos, de mudança de

18 Na esteira de Koch 2004 , entendemos jogo de linguagem como estratégias interacionais realizadas pelos interactantes e se referem às escolhas textuais que visam a construção de sentido que se quer aplicar.

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alinhamento, de atribuição de causas aos subentendidos, mal-entendidos,

etc.

Na verdade nem sempre a intenção do locutor é compartilhada,

acordada com o interlocutor. Diante desse contexto, algumas estratégias

interacionais são praticadas para atingir o objetivo das práticas

comunicativas como, por exemplo, a estratégia da preservação da face, na

qual o interlocutor mesmo não concordando plenamente com o locutor,

utiliza recursos lingüísticos de polidez para manter a harmonia nas relações

interpessoais ou mesmo em suas reformulações enunciativas ou de

mudanças de alinhamento na interação.

Outra estratégia utilizada pelos interactantes são os mecanismos de

subversão , com os quais o interlocutor desqualifica o discurso do outro,

util izando a ironia em prol de suas convicções ou lançando mão de chistes

para marcar lingüisticamente suas intenções. Essas estratégias acabam por

acarretar uma possibilidade de conflito identificada como

interincompreensão. Maingueneau (2005) diz que ocorre

interincompreensão quando o interlocutor não consegue “entender” o

posicionamento do outro, por questões ideológicas. Trataremos a seguir de

cada estratégia utilizada pelos interlocutores, levando em consideração seus

interesses bem como o fenômeno interincompreensivo.

2.3.1- O fenômeno de polidez dos atores: a preservação da face e o

alinhamento na manutenção da interação nos contextos sociais.

Em uma interação verbal são utilizadas expressões lingüísticas que

envolvem um acordo entre as partes para que o processo desenvolva

tranquilamente, flua sem risco de conflitos ou constrangimentos, pois se

trata principalmente de uma relação social. Novamente lembramos aqui o

pensamento de Van Djik (1989), para quem:

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“a interação tem de ser considerada refer ida a um contexto socia l , e no qual só se compõem de categor ias de par t ic ipantes , re lações e dis t intos t ipos de categorias convencionais” (p. 249).

É consenso entre os estudiosos da linguagem a importância do

contexto nas atividades comunicativas, pois essas atividades fazem parte da

práxis social bem como são determinadas, guiadas pelo contexto social. É

uma grande troca de usos: uso da linguagem e uso do contexto. É a partir do

contexto instaurado que os indivíduos condicionam seus comportamentos,

suas palavras com ou sem moderação para manter o equilíbrio e a harmonia

da interação.

O interlocutor faz uso do fenômeno da polidez, ao ter cuidado com as

palavras e expressões de cortesia que serão dirigidas ao outro. Esse

fenômeno possui algumas variáveis como tom de voz, expressões de

tratamento, a opção de falar ou silenciar, entre outras. Essas variáveis

mudam de uma região para outra, de uma situação para outra. É preciso

conhecer a sociedade e o contexto cultural que se está para não correr o

risco de ser indelicado ou mesmo ofender. Um caso típico desse cuidado

pode ser observado nas expressões locais e culturais, como, por exemplo,

com o vocábulo rapariga. Em Portugal, rapariga significa uma jovem

moça, já no Brasil , refere-se a mulheres que exercem a profissão da

prostituição. Um interlocutor desavisado ou mesmo que tenha negligenciado

essa informação, passará no mínimo por uma situação constrangedora em

ambos os países dependendo de que sentido ele dê ao termo.

Outro exemplo que podemos citar dentro de contextos culturais são os

falantes de malgaxe de Madagascar que entendem como falta de polidez dar

respostas diretas às perguntas. Se o interlocutor assim o faz, provavelmente

perceberá algumas pistas de que não agiu corretamente no trato social.

Estas pistas podem ser consideradas como pistas de contextualização . De

acordo com Gumperz (1982, p.152) as pistas na realidade são “todos os

traços lingüísticos que contribuem para a sinalização de pressupostos

contextuais”. Entretanto, é importante salientar que o contexto social não se

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refere apenas ao contexto cultural. As relações sociais são fomentadas

também por contextos políticos, ideológicos, econômicos que devem ser

alimentadas por estratégias de polidez. O fenômeno da polidez está inserido

dentro da Teoria das Faces criada por P. Brown e S. Levinson em 1987.

Essa teoria foi baseada nos postulados de Erving Goffmam (1974), cujas

noções de território e face sofreram uma releitura, agora entendidas

respectivamente como face negativa e face positiva. Entende-se que todo

ser humano carrega em si duas faces, e em uma interação verbal, há no

mínimo dois interactantes que se apresentam cada um com duas faces, a

positiva e a negativa . A face negativa refere-se ao “território” de cada

indivíduo (corpo, mente, privacidade), já a face positiva, refere-se à

“fachada” social, o reflexo da imagem que se apresenta às outras pessoas.

As faces sempre são potencialmente ameaçadas durante o processo

interativo, sendo assim, os atores sociais têm todo um cuidado para que

suas ações/expressões não percam a sua face positiva e sempre lançam mão

de estratégias que as preservem, como sua imagem diante do outro e mesmo

de si. A estratégia de preservação das faces ocorre através de atos que

podemos chamar de preparatórios, como o eufemismo, a mudança de tópico

e os marcadores que amenizam as expressões comunicativas. Koch(2004)

lembra que:

O grau de pol idez é socia lmente determinado, em geral com base nos papéis sociais desempenhados pelos par t ic ipantes , na necess idade de resguardar a própr ia face do parceiro , ou a inda, condicionado por normas cul tura is . (p.28)

A mudança de tópico pode ser compreendida como mudança de

alinhamento ou footing . O termo é cunhado por Erving Goffmam (1979) e

não possui tradução definitiva em português, tem-se utilizado alinhamento,

embora se perceba pouca significância em português. Em francês foi

traduzido como position . Posição, alinhamento, postura são comportamentos

observáveis que o interlocutor adota na interação em função da imagem que

pretende passar diante do contexto social que se encontra. Esse alinhamento

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e sua provável mudança são bastante analisados por Goffmam que nos

lembra o seguinte: uma mudança de foot ing implica uma mudança no a l inhamento que assumimos para nós mesmos e para os outros presentes , expressa na maneira como conduzimos a produção ou a recepção de uma elocução. Uma mudança em nosso foot ing é um outro modo de fa lar de uma mudança de enquadre dos eventos. (Goffmam 1979, p.113)

O autor alerta ainda para o fato de que é preciso delimitar a

participação de cada interlocutor na atividade conversacional, pois a partir

disto é possível entender a base para a análise das mudanças de footing . Em

uma conversa os falantes/interlocutores podem ser ratif icados , ou seja, a

fala do locutor lhes é diretamente endereçada, ou ainda, quando a fala não

lhes é enderaçada exatamente, são chamados de não-ratificados . Uma

interação verbal, conforme já comentamos anteriormente, pode ser

constituída não só exatamente em um encontro face a face, tal qual uma

conversa, mas pode se apresentar também como um programa de televisão,

de rádio, uma palestra. Sendo assim, outros pontos devem ser considerados

na análise da mudança de footing na manutenção da interação. São eles: a

estrutura de participação dos interlocutores , ou seja, o cenário, a situação

na qual a interação ocorre e o formato de produção que o encontro

interacional se apresenta e os tipos determinados falantes, como por

exemplo, alguém que funciona como animador da fala, animador o qual foi

chamado de principal; alguém que organiza e estrutura o que é dito, ou seja,

autor , e finalmente, alguém cujos sentimentos e idéias são expressos,

responsável . Sobre tipos de falantes e formas de produção oral

apresentamos o seguinte quadro baseado nas idéias de Goffmam (1979):

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QUADRO NÚMERO 03: qu ad ro b a se a d o e m G o f fma m

Tipos de Falantes Formas de Produção Oral

Principal + Lei tura

+ Memorização

- Improviso

Animador + Memorização

+ Lei tura

- Improviso

Autor + Improviso

+ Memorização

- Lei tura

2.3.2 - Mecanismos de Subversão

Os usuários da língua realizam várias estratégias textuais de acordo

com seus objetivos, envolvendo não só seu conhecimento lingüístico como

suas características pessoais, crenças, valores. Assim, fazem uso de

estratégias sociocognitivas-interacionistas que se baseiam em estratégias de

conhecimento partilhado. Compartilhando da afirmativa de Ingedore Koch,

entendemos que:

as inferências de ordem cognit iva têm ass im, a função de permit i r ou faci l i tar o processamento textual , quer em termos de produção, quer em termos de compreensão. As es tra tégias interacionais , por sua vez, v isam a fazer com que os jogos de l inguagem t ranscorram sem problemas, evi tando o fracasso da interação. (2002,p.36)

Nessa busca pela manutenção e harmonia da interação, retomamos o

princípio do dialogismo de Mikhail Bakhtin, no qual todo discurso, seja um

monólogo ou um diálogo, sempre está voltado para o discurso do Outro,

mesmo que seja para você mesmo. O teórico russo acredita que o discurso

do Outro atravessa e influencia a construção e a direção do discurso. A

legitimação do discurso reinvestido está na orientação da intenção do

sujeito em construir o sentido.

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Koch (2004) postula serem várias as formas pelas quais os sujeitos

usam os textos a fim de atingir seus propósitos, seja com marcadores coesos

e coerentes, seja, com afrouxamento do foco (enquadre) escolhido. O

reinvestimento permite ao interlocutor reconhecer seu próprio discurso e o

possibilita entender a mensagem que está sendo produzida. Assim, nas

estratégias interacionais durante o jogo de linguagem, os interactantes, a

partir de suas intenções, reinvestem o texto do outro de forma a valorizá-lo

ou desqualificá-lo. Estas estratégias opostas são entendidas por Dominique

Maingueneau (2002) como captação e subversão respectivamente.

A captação de um discurso o segue em sua mesma direção, imita o

discurso não apenas pelo simples fato de imitá-lo, mas sim por legitimar o

discurso reinvestido. Exemplos de discursos captados podem ser observados

nas paródias, nos slogans, que elegem com conveniência um discurso para

valorizar o seu.

Por sua vez, o que Maingueneau enxerga como valor de subversão é o

processo oposto da captação; processo este em que o discurso incorpora o

interdiscurso para rebaixá-lo, questioná-lo, permitindo ao enunciador apoiar

a sua fala em cima da fala do Outro. É possível identificar dois tipos de

subversão: a subversão implícita, em que o co-enunciador recorre à

memória para interpretar o sentido, como a ironia, que desqualifica a si

mesma, para diminuir o discurso do Outro ou para colocá-lo em questão. E

a subversão explícita, pela qual o co-enunciador faz oposição ao discurso

do Outro, ridicularizando-o, para elevar o seu. A subversão é uma estratégia

interacionista que util iza o interdiscurso para dar autoridade ao seu

discurso. A ironia é um mecanismo subversivo bastante presente nas

relações humanas, seja por sua forma implícita que ajuda a manter o

equilíbrio nas interações, seja, pela forma estilística do enunciador, por seu

conhecimento enciclopédico, cultural e ideológico que o faz não deixar de

dizer ou afirmar o que pensa sem ameaçar a sua face perante a sociedade.

Neste trabalho, o objeto de discussão é a estratégia interacionista de

subversão percebida a partir dos interdiscursos atravessados pela ironia. O

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interdiscurso pode ser compreendido na visualização da reunião de vários

discursos, sejam contemporâneos ou não e com ligações e dimensões bem

variadas. Na Análise do Discurso, a interdiscursividade se insere no

processo de construção, interpretação ou interincompreensão do sentido.

Maingueneau (1976,p.39) ressalta que “um discurso não vem ao mundo

numa inocente solitude, mas constrói-se através de um já-dito em relação

ao qual toma posição”. Como já foi comentado neste trabalho, uma vez que

o discurso praticamente quase nunca se apresenta limpo, homegeneizado,

sempre é a edificação da fala de outrem, essa interdiscursividade é

apresentada por marcas de heterogeneidade, de alteridade, de discursos de

outros que pode ser expressa por uma heterogeneidade constitutiva, e por

uma heterogeneidade mostrada. Essas heterogeneidades encontradas dentro

do discurso foram observadas na Análise do Discurso por Jacqueline

Authier-Revuz (1982). Para a compreensão do que se trata realmente esses

dois fenômenos discursivos, retomamos aqui as definições de Charaudeau &

Maingueneau (2004). Os autores explicam que na heterogeneidade

constitutiva o “discurso é dominado pelo interdiscurso” (p.261), ou seja,

tem uma relação de embate com alteridade do discurso primeiro e se

constitui a partir disto. Funciona como se fosse um discurso pré-construído

natural ao sujeito. É uma heterogeneidade não marcada, mas é percebida na

formulação de hipóteses, através do interdiscurso. Por outro lado, a

heterogeneidade mostrada, possibilita de forma bastante clara a presença do

discurso Outro. Apresenta-se nas formas não-marcadas ou implícitas

através do discurso indireto livre, nas alusões, nas ironias, apoiadas no

conhecimento cultural partilhado dos enunciadores e nas formas marcadas

ou explícitas, percebidas de maneira unívoca através das aspas, do discurso

direto e indireto e das glosas que sugerem uma não-coincidência de

discursos, já que é um reencontro do já-dito. Authier-Revuz (apud

Maingueneau 2000, p.79) separa essa não-coincidência em quatro tipos de

glosas: 1) Não-coincidência do discurso com ele próprio, por exemplo

“como nos fala fulano.. .”; 2) Não-coincidência entre palavras e coisas, por

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exemplo” como poderei dizer?”/“é a palavra que convém”; 3) Não-

coincidência das palavras com consigo mesmas, por exemplo “ em todos os

sentidos” e 4) Não-coincidência entre o enunciador e o co-enunciador, por

exemplo, “como você mesmo disse”.

A partir do esclarecimento do que seja e como se instaura a

interdiscursividade nos diálogos, traremos agora o que diz respeito ao

fenômeno da ironia.

a) A interdiscursividade da ironia na constituição do

sentido humorístico

A ironia é um fenômeno inerente à sociedade, poderíamos arriscar a

dizer que se trata de uma condição sine qua non do cotidiano. O que se

pode considerar como relativo é se as pessoas são mais inclinadas, ou não, a

serem irônicas. Essa variável gira em torno da escolaridade, da cultura, da

religiosidade, da personalidade, etc. Nesse contexto, da forte presença da

ironia na vida das pessoas, lembramos a afirmativa do filósofo dinamarquês

Sören Kierkegaard (apud D. C. Muecke, 1995 [1982],p.19):

assim como os f i lósofos afirmam que não é poss ível uma verdadeira f i losofia sem a dúvida , ass im, também pela mesma razão pode-se afi rmar que não é poss ível a vida humana autênt ica sem a i ronia.

Desde os primórdios que o conceito de ironia é objeto de interesse da

classe intelectualizada, seja concernente a questões literárias, seja a

questões sociológicas. Assim, vários conceitos emergiram e entre eles, as

definições mais profícuas surgiram na Inglaterra e no restante da Europa

moderna nos postulados de Cícero e Quintiliano. Para eles, a ironia era

vista como uma forma de se dirigir ao interlocutor em um contexto

situacional de confronto, funcionando como uma estratégia de diálogo, isto

é, uma estratégia verbal argumentativa. Assim, a ironia era entendida como

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algo que “diz uma coisa mas significa outra”, como uma forma de “elogiar

a fim de censurar e de censurar a fim de elogiar”. Ela seria como um modo

de “zombar e escarnecer” (MUECKE, 1995 [ 1982], p. 33).

Esse modelo dialógico da ironia foi concebido originalmente por

Sócrates através dos escritos de Platão19 e posteriormente adotado por

Aristóteles. Era um modelo entendido como uma atitude do interlocutor que

transformava os diálogos contraditórios, isto é, uma afirmativa em uma

interrogativa, por exemplo. Tinha como propósito neutralizar o discurso,

seja pela insegurança da ignorância do assunto em questão, seja para pôr em

dúvida o que foi dito.

Dando um salto nos anos, foi no início do século XIX, que o termo

ironia ganhou outras percepções conceituais. O que antes era visto como

intencional, como atitude tal como apresentada por Aristóteles e Platão em

suas leituras de Sócrates, pode ser percebido depois como algo que

acontecera nas interações sociais. Desse período de reavaliação de

conceitos a respeito da ironia, a Alemanha através das diretrizes filosóficas

e estéticas foi o principal terreno europeu que mais se destacou. Um dos

ironólogos mais importantes desta época foi Friedrich von Schegel (1772-

1829).

Schegel foi o precursor do conceito romântico de ironia. Com ele os

estudos articulados entre os princípios filosóficos e estilos li terários

“irônicos” receberam os elementos essenciais dessa orientação.

Compreendia que a ironia se inseria na arte como uma carta de licença para

a liberdade poética: contradição, presença e ausência do sentido literal e

figurado. A ironia era vista como natural, como observável nos indivíduos

sem necessariamente uma postura intencional e sim involuntária.

Caminhando na direção do entendimento histórico e teórico do que

seja, como surgiu e como é utilizada a ironia, traremos outra concepção

19 Sócrates nunca escreveu suas idéias. Seus posicionamentos intelectuais foram interpretados em sua segunda voz, a voz de Platão.

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diferente da entendida como romântica e que de uma certa forma pode ser

considerada como uma releitura da concepção clássica socrática. Tratam-se

das reflexões do filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard citado

anteriormente neste trabalho.

As reflexões de Kierkegaard sobre ironia, inseridas dentro de sua tese

“O Conceito de Ironia” de 1841 são interpretadas pelo antropólogo,

sociólogo e ensaísta filosófico Henri-Pierre Jeudy em sua obra “A Ironia da

Comunicação” (2001). Jeudy destaca que o filósofo dinamarquês lembra

que as posturas irônicas são, em um primeiro instante, um instrumento

constitutivo que possibilita assegurar constantemente “uma subjetividade

sem aniquilar a realidade”(pg.107). Jeudy comenta ainda que Kierkegaard

não percebe a ironia como um entretenimento diante da vida, mas sim uma

postura que se insere em comportamento ético de todo ser humano, unindo-

o à comunidade.

Diante dessas diferentes concepções, percebemos que é constante o

caráter dialógico e interdicursivo da ironia e consequentemente, da

essencialidade da interação para sua manifestação. Nesse sentido, o

discurso irônico promove uma dupla decodificação tanto lingüística quanto

discursiva, fazendo com que o interlocutor participe ativamente e assim

constitua-se em co-produtor do sentido. Para apoiar esse posicionamento,

recorramos às idéias de Beth Brait:

Considerando que a ironia está sendo concebida ( . . . )como forma interdiscursiva , como interdiscurso cujo sent ido necessar iamente advém de um imbricamento contradi tór io que conta com a conivência e com a memória do enunciatár io para se rea l izar como tal , os diferentes mecanismos de produção estão sendo considerados como diferentes formas de ci tação, como es t ra tégia de combinações de vozes. (1996,p.196).

Essa co-autoria da produção de sentido dos interactantes remete à

situação que se estabelece durante a interação que é “o jogo de linguagem”.

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A forma colet iva da i ronia implica, ao contrár io, uma percepção comum do“mundo como jogo” que torna poss ível os jogos de l inguagem. O que se des igna como a “real idade” se apresenta como obje to do desvio de sent ido porque o sent ido nele já es tá desviado. (Jeudy,2001,p102)

Neste trabalho adotamos a definição de ironia como um processo

interdiscursivo verbal que produz efeitos de sentido sendo utilizado pelos

atores do sitcom intencionalmente a fim de preservar em sua face o jogo

comunicativo.

A estratégia interacional de subversão muito utilizada no sitcom em

análise é a ironia e será uma grande ferramenta para entendermos a

constituição humorística do programa e seu conseqüente sucesso com sua

audiência ratificada.

b) Um traço do inconsciente constituindo o humor:

os chistes

A ironia acaba constituindo um efeito bem humorado nas relações

sociais. Ao desqualificar, contradizer ou mesmo ridicularizar o discurso do

outro, o resultado pode muitas vezes acarretar em riso, em humor. Ao ser

irônico, o autor do discurso adota um desvio de comportamento. Um

discurso que está fora dos “padrões” se torna desarmônico, estranho,

deslocado e o que geralmente está fora do lugar provoca humor. Entretanto,

o que pode provocar humor em uma pessoa pode não provocar em outra,

pois a relação não é igual para todos, por isso o risco próprio da ironia.

A gênese da palavra humor é científica20, vem do latim umor (fluido)

que se transformou no vocábulo humor. Atualmente é usado em vários

países, na França evoluiu para humour (humor, ironia) e humeur

(disposição, ânimo). É fato sabido que o riso provoca a dilatação dos vasos

20 Não é ocasional que a primeira definição de humor na maioria dos dicionários tenha o caráter científico pois humor significa substância orgânica líquida ou semilíquida como indica o dicionário Aurélio. Só em um segundo momento é que a definição recai para “ disposição de espírito”; veia cômica, espírito, graça”.

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sanguíneos otimizando seu fluxo. Ao rir o homem sofre duas reações

químicas: o aumento da liberação de endorfina, hormônios ligados às

sensações de bem-estar e prazer, e a diminuição dos níveis de adrenalina e

cortisol. Outro fator conseqüente de dar risada é o emagrecimento. Segundo

Estudos da Universidade Vanderbilt , nos USA, rir por mais de quinze

minutos provoca em média, uma queima de 50 calorias.

Assim como a ironia, a prática do humor é talvez um grande traço de

identidade do homem em sociedade, pois o homem é capaz de rir não só de

uma situação, de uma pessoa, como é capaz de rir de si mesmo. O indivíduo

que não é capaz de rir tem fortes possibilidades de ser uma pessoa

angustiada, sofrida, pesada. Como lembra o senso comum “o riso é um

elixir para a alma” ou como dizem os médicos “sorrir faz bem ao coração,

alivia as tensões”.

Nesse sentido, o humor ultrapassa a instância rotineira e ganha os

palcos da dramaturgia, da arte. O humorista lança mão do sarcasmo, da

subversão, da crítica para fazer piadas, anetodas e mesmo ironias com o

discurso de outrem, dizendo com freqüência o contrário daquilo que se quer

dizer. Por isso, o humor ultrapassa uma interpretação denotativa, sendo

necessário para o interlocutor um conhecimento partilhado geral

indissociável do locutor.

Os primeiros registros humorísticos estão nas cantigas de escárnio e

mal-dizer da Idade Média e nos textos de Gil Vicente. Estes textos

funcionavam como uma crítica social, como os textos humorísticos atuais

que são geralmente utilizados para desconstruir e subverter a realidade

socioeconômica e polít ica dos países.

A discussão sobre o humor também é tratada através da psicanálise

por Sigmund Freud em sua obra: “Os chistes e sua relação com o

inconsciente” (1969).

Para Freud, o humor e a ironia são muito próximos do chiste por

fazerem o riso e possuírem a mesma capacidade de inverter o sentido das

coisas, já que o chiste permite que “uma coisa pode significar seu

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contrário” como o conceito clássico dado à ironia, como algo que “diz uma

coisa mas significa outra”. Todavia, não são necessariamente a mesma

coisa, pois o chiste tem um caráter espirituoso de brincar com as palavras,

porém de forma inconsciente.

De acordo com Jane de Almeida (1998), o vocábulo chiste não é usual

em nosso país. Deriva do castelhano e quer dizer “dito gracioso, pilhéria”,

ou seja, está associado ao riso, ao cômico e ao espírito. Essa distinção entre

chiste e humor é comentada por Almeida:

pode-se perceber que no chiste, gera lmente , o suje i to r ir da s i tuação em que es tá e a coloca de forma externa a e le . No humor, o sujei to r i r pr incipalmente dele mesmo, por es tar em determinada s i tuação. O cômico compreende os dois ou exclama sozinho: is to é a v ida! (Almeida, 1998,p.40)

Freud alerta para o fato de que o interlocutor tem que estar preparado

para a contradição do humor, da ironia e até gostar dessa relação. Brait

(1996, pg.45) comenta que essa interação “funciona como um diálogo ou

uma interlocução dos inconscientes”. Essa concepção freudiana de ironia

remete ao jogo de linguagem já comentado aqui, no qual os interlocutores

dispõem de regras de participação, nesse caso de conhecimento intelectual e

emocional partilhados, para manterem não só a harmonia da interação como

a edificação de sentido.

Apesar do caráter inconsciente dado por Freud que se afasta das

diretrizes teóricas de uma análise lingüístico-discursiva de já-dito, pré-

construído, não-coincidências de discurso como bem analisado por Beth

Brait (1996,p.46), achamos por bem comentar o fenômeno chistoso que

ocorre entre usuários da língua e que acarreta também o humor.

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2.4 - Possibilidades de conflito - interincompreensão dos

personagens

Segundo o Van Djik (1989), “queremos ser compreendidos” e o ato de

fala é formado de acordo com nossos propósitos, nossas intenções, as quais

devem ser entendidas por nossos interlocutores. Para tanto, os atos de fala

dependem em geral de alguns princípios de cooperação. Por exemplo, você

fala, eu escuto; se cumprimentamos alguém, estamos por criar um rápido

compromisso para que nos agradeça.

Da mesma forma, quando fazemos um discurso dentro de um contexto

sociocognitivo compartilhado, esperamos que não só sejamos

compreendidos como também que o nosso discurso seja aceito, uma vez que

quando comunicamos algo nunca há apenas o sentido informativo e sim

carregado de intenção. Entretanto, nem tudo que se é produzido é

compreendido como se desejou. O sentido de um enunciado é constituído

para além dele, ou seja, os vários contextos que envolvem esse enunciado é

que irão possibilitar a sua interpretação. Todavia, algum desnivelamento

entre os interactantes pode promover a incompreensão. Existe sempre o

risco da falha no jogo de linguagem. Como assevera Koch (2004,p.28),

“conflitos , mal entendidos, situações que desencadeiam incompreensão

mútua são inevitáveis no intercâmbio lingüístico”. Os conflitos podem

também ser gerados a partir de textos polêmicos por uma ideologia não

compartilhada, ou seja, não advém do exterior. A polêmica acaba por

articular o que Maingueneau conceitua de interincompreensão . O analista

de discurso francês acredita que o discurso segundo se constitui contra o

discurso primeiro e que cada interlocutor preenche um determinado espaço

enunciativo. Assim, o segundo nunca poderá compreender o que se fala a

partir do outro lugar ocupado, ou seja, do primeiro.

É certo que necessariamente dois indivíduos não possuem a mesma

representação dos fatos, mesmo que pertençam à mesma língua, por vários

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fatores, como ideologia, conhecimento enciclopédico e conhecimento de

mundo que geralmente são variados e particulares.

Assim, o interlocutor apenas, esforça-se em refletir o que ele diria se

estivesse na posição contrária. Esse esforço evita o conflito direto, porque

representa um desejo de compreender o pensamento e a posição adotada

pelo outro.

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CAPÍTULO 3

SENTIDO CONSTRUÍDO NA INTERAÇÃO

3.1- A instauração do Ethos

O termo ethos não é originário da análise de discurso francesa, é um

termo derivado da retórica antiga que o definia como uma imagem

construída para a otimização da prática oratória. Faz parte dos termos

“logos” e pathos”da tri logia dada por Aristóteles para caracterizar os meios

de prova ou argumentos de finalidade persuasiva. Na retórica aristotélica o

termo ethos está relacionado a dois campos semânticos distintos mas não

excludentes: um de sentido moral l igado a epieíkeia , à moral, à ética,

envolvendo atitudes como honestidade e eqüidade que lhe concede

credibilidade. Há um outro termo, ligado a héxis (hábito) de caráter neutro,

objetivo, social. Por sua vez, o pathos está relacionado aos sentimentos, a

emoção, ao afeto. Por fim, o Logos está associado ao raciocínio, à razão, à

argumentação. Para Aristóteles (apud Eggs 2005, p.40, “o ethos constitui

praticamente a mais importante das provas” por absorver uma característica

coletiva das três provas: argumentação, moral e sentimento.

O enunciador persuade o co-enunciador através de seu discurso

imagético representado por seu ethos . Vale ressaltar aqui, entretanto, que a

imagem constituída pelo enunciador só será aceita e interpretada pelo co-

enunciador se ambos comungarem da mesma concepção ideológica, social e

enciclopédica. Na Análise do Discurso Francesa e na Pragmática, o termo

ethos é extensamente trabalhado por Dominique Maingueneau. Qualquer ato

de fala é originado de um enunciador, de um ator social que possui

características físicas, psicológicas, culturais, isto é, características que

revelam sua personalidade e que se encontram além do texto, seja, na

expressividade, seja na tonicidade que são visualizadas na enunciação.

Nesse sentido, o enunciador acaba criando uma espécie de imagem de si em

seu discurso.

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Esses aspectos colaboram para a constituição de sentido do

interlocutor durante o processo interativo, e são identificados por

Dominique Maingueneau como um fenômeno que denomina ethos . A partir

dessa compreensão, o analista francês advoga que:

O universo de sent ido propiciado pelo discurso impôe-se tanto pelo ethos como pelas “ idéias” que t ransmite ; na real idade, essas idéias se apresentam por intermédio de uma maneira de dizer que remete a uma maneira de ser , à par t ic ipação imaginár ia em uma exper iência vivida. (2002,p.99)

O ethos não se limita apenas à visualização do enunciador, na verdade

ele é um fenômeno que dá materialidade ao texto, ou seja, mesmo na não

presença do autor, ou como é entendido na análise do discurso francesa, de

seu f iador21, o leitor através do enunciado tem plenas condições de perceber

a tonicidade, de fazer uma representação mental do corpo do enunciador,

isto é, ocorre então um fenômeno do ethos sobre o co-enunciador22 que é

entendido como incorporação .

A incorporação age no co-enunciador em três aspectos: proporciona

ao co-enunciador conceder um ethos ao fiador; pode provocar a

incorporação do co-enunciador ao fiador do enunciado pela forma como se

insere nas relações sociais; e finalmente proporciona a constituição de um

corpo ao enunciado a partir da concessão do ethos e da forma como

enunciado se posiciona no mundo. Assim, o entendimento de ethos abarca

não só a questão vocal, mas todo um complexo de características que

envolvem a personalidade do enunciador relacionando corpo, tom23, caráter.

Para Maingueneau o ethos é mostrado, não precisa necessariamente

ser explicado, pois é “visto a olho nu”. Mesmo se o co-enunciador não

tiver qualquer referência da personalidade, do caráter do enunciador, uma

primeira pista será a inserção do texto em um gênero discursivo. A partir do

gênero, o co-enunciador poderá construir uma representação do autor do

21 Fiador representa uma instância subjetiva encarnada do que é dito.( Maingueneau, 2002, p.98) 22 Termo utilizado pela Análise do discurso em substituição do termo destinatário e implicando que os dois participantes, enunciador e co-enunciador tem papel ativo. 23 Em relação ao tom segundo Maingueneau (2005,pg.72) ” apresenta a vantagem de valer tanto para o sentido escrito quanto para o oral: pode-se falar do “tom de um livro”.

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texto. Como já foi discutido anteriormente neste trabalho o gênero

discursivo possui três elementos essenciais: o seu conteúdo temático, o seu

estilo, que se refere à autoria; e ,por fim, a sua composição, ou seja, sua

estrutura lingüística caracterizadora. Por exemplo, um gênero discursivo

publicitário possui um conteúdo de oferta de um produto ou serviço,

apresentado de forma particularmente criativa e competitiva com estrutura

lingüística em sua grande maioria construída por sentenças adjetivadas e

sedutoras. Nesse sentido, a partir do gênero discursivo o ethos mostrado ao

co-enunciador pertence a uma cena de enunciação. Dessa forma, no que diz

respeito à cena da enunciação no processo discursivo, Maingueneau lembra

que: “um texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro deixado

por um discurso em que a fala é encenada”. (2002, p.85). Assim na

perspectiva postulada por Maingueneau, o ethos não pode ser medido

apenas no aspecto da retórica aristotélica como um mecanismo persuasivo

de argumentação de convencimento, pois ele faz parte da cena da

enunciação, dando autoridade ao seu enunciado no qual o sentido é

constituído.

Quando Maingueneau fala em cena da enunciação, ele a compreende

dividida em três: a cena englobante , a cena genérica e a cenografia . No que

diz respeito à cena englobante, as questões pragmáticas das relações sociais

através do discurso são as que a produzem, tais como, seu caráter político,

religioso, fi losófico. Por seu turno, a cena genérica está relacionada a um

gênero, como a aula, o editorial, o publicitário. E finalmente no que se trata

de cenografia é nada mais que uma imposição do gênero utilizado, como

uma aula que pode ser dada em uma sala de aula, em um auditório, ou

mesmo à distância via internet. Diante desse fato, retomamos a assertiva de

Maingueneau em relação à cena de discurso:“todo discurso, por sua

manifestação mesma, pretende convencer instituindo a cena de enunciação

que o legitima”(2002, p.87). Entretanto, vale ressaltar aqui que uma

cenografia só se constitui inteiramente se tiver autonomia, ou seja, se puder

manter uma certa distância do co-enunciador. Um bom exemplo disto é o

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discurso publicitário que em termos de cenografia pode aparecer de várias

formas como um anúncio impresso, eletrônico ou mesmo digital. O discurso

é o mesmo, o que muda é a sua cenografia. Faz mister ratificar que o termo

cenografia aqui discutido não está associado à teatralidade e sim a sua

inscrição, a sua caracterização enunciativa que a legitima. E essa relação é

compreendida como um enlaçamento paradoxal , isto é, ela é ao mesmo

tempo, aquela que o discurso vem e aquela que ele engendra

(Maingueneau,2005, p.77).

Trazendo a discussão de ethos para a esfera do sitcom Os Normais, os

personagens carregam um ethos revelador no qual se abrem e se confessam

na maioria dos episódios, seduzindo o telespectador através da

interatividade, da busca pela identificação. O texto dos personagens é

apresentado pela naturalidade das interpretações que envolvem a cena da

enunciação . Geralmente, os atores aparecem com roupas íntimas, interagem

com os telespectadores quando olham e conversam diretamente para a

câmera, e tem atitudes consideradas “anormais” diante de outras pessoas,

como gritar, quebrar pratos ou se questionar o tempo todo: o porquê de tal

atitude.

Ratificando o papel sedutor do ethos da personagem sobre os

telespectadores, Ferrés(1998,p.71) afirma que:

o fasc ínio que os personagens e as s i tuações exercem sobre o espectador provém de que o põe em contato com mais profundo e ocul to de suas tensões e pulsões, de seus confl i tos e ânsias , de seus desejos e temores .

Assim, entendemos que aliado às estratégias interativas utilizadas no

jogo de linguagem realizado pelos personagens, o ethos é um dos

componentes essenciais na constituição de sentido nas interações verbais,

neste caso em particular na constituição do humor.

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3.2- A autonomia do ator

A perspicácia é característica das interações humanas, principalmente

em gêneros textuais em que o discurso é construído no momento da

interação pelos interlocutores. Como bem destaca Koch, em A Inter-ação

pela Linguagem (2003[1993], p. 25),“o sentido é construído na

interlocução, no interior da qual os interlocutores se constituem e são

constituídos” . Dentro desse prisma, lembramos que o texto de “Os

Normais” é idealizado por seus autores, e complementado pela naturalidade

e criatividade das interpretações dos atores, com os acréscimos que são

dados de forma espontânea durante a cena. Dessa forma, mesmos os

interlocutores-atores vivendo uma simulação da interação tornam real a

interação quando inserem no diálogo, os acréscimos de fala, empregando na

elaboração da interpretação certos fenômenos de repetições e

reformulações.

As reformulações podem ser visualizadas quando se observa que,

apesar das condições de harmonização do jogo de linguagem como polidez e

preservação da face, os atores sociais não deixam de inserir

intencionalidade, e ao inseri-la acabam por mudar o discurso, ou seja,

mudam as pistas de contextualização, a cena da enunciação, por meio do

improviso, reelaborando o texto pré-elaborado pelo autor. Dessa forma,

poderíamos dizer que há momentos claros de inserção e acréscimos de fala

feitas pelos atores ao texto dos autores, tornando os diálogos de Os Normais

muito semelhante à conversação espontânea, concedendo-lhes dessa maneira

um caráter vivo e dinâmico, fazendo com que a cada intervenção do

interlocutor haja uma orientação reformulada.

Os roteiristas do programa em estudo parecem ter consciência do

papel relevante das construções improvisadas pelos atores na hora da

interpretação, como também, sabem da importância dos efeitos de sentido

positivos que esses acréscimos e reformulações realizam no público. Os

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próprios autores já explicitam isso em seus depoimentos no primeiro DVD

da série, disponibilizado ao público.

De acordo com a roteirista Fernanda Young:

O texto é fei to, já inspirado no t ipo de in terpre tação que a Fernanda Torres e o Luís Fernando Guimarães fazem. Hoje em dia escrever “Os Normais” desde o iníc io já com o Luiz Fernando e depois com a Fernanda, a sensação é que a coisa é um trabalho de co-autoria .

Por sua vez, Alexandre Machado, roteirista do programa, destaca que:

Tudo, eu acho, que um roteir is ta de humor pediu na vida era o Luiz Fernando e a Fernanda Torres na mesa, trocando diálogos já era sufic iente, se eles improvisassem durante o programa inte iro já ter ia metade do ibope garant ido. A gente só ia ter que incrementar um pouco mais .

A repetição24 é um fenômeno lingüístico inerente às interações e

principalmente à conversação espontânea. Usa-se a repetição para

persuadir, convencer o interlocutor de sua intenção como uma marca

conversacional de edificação do discurso. Repete-se também para marcar

exatamente aquilo que está sendo dito, para que não haja dúvidas ou mesmo

tentativas de subversão. Por outro lado, a repetição pode ser entendida,

como um processo de aprendizagem, repetir para aprender. A repetição

pode ser entendida e utilizada ainda como um mecanismo redutor de

ambigüidades. Esse fenômeno, essencial à linguagem recebeu através de

estudos a seu respeito quatro enfoques de análise: quanto ao seu mecanismo

coesivo, quanto ao recurso retórico, quanto aos seus efeitos semânticos e,

finalmente, quanto a sua importância na aquisição da linguagem, na

socialização e no ensino das línguas. Para nossa análise, o mecanismo da

repetição será tomado como um elemento constituinte da interação que tem

24 Marcuschi discute o fenômeno da repetição em seu trabalho: A Repetição na Língua Falada (1992) definindo – a como ”a produção de segmentos discursivos idênticos ou semelhantes duas ou mais vezes no âmbito de um mesmo evento comunicativo" (p.07).

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como função a estruturação do discurso em sua ênfase retórica e como

mecanismo de coesão textual.

Como já foi comentado anteriormente, o discurso de Os Normais é

híbrido, flutua entre a fronteira do escrito e do falado, entre a criação do

autor e a interpretação do ator. A fala e a escrita são modalidades da

linguagem que possuem especificações diferenciadas.

Retomando o pensamento de Koch (2002[1997}, p.78) há características

distintas que geralmente ocorrem entre as modalidades faladas e escritas:

QUADRO NÚMERO 04: Modalidades faladas e escritas pro Koch

FALA ESCRITA

Contextual izada Descontextual izada

Impl íci ta Explícita

Redundante Condensada

Não-planejada Planejada

predominância do

“modus pragmático”

predominância do

“modus sintático”

Fragmentada não-fragmentada

Incompleta Completa

pouco e laborada Elaborada

pouca densidade informacional Densidade informacional

Predominância de frases cur tas,

s imples ou coordenadas

predominância de frases

complexas, com subordinação

abundante

pequena freqüência de passivas emprego freqüente de passivas

abundância de nominal izações poucas nominalizações

menor densidade lexical maior densidade lexical

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Koch advoga que as características de cada modalidade não são

exclusivas podendo ocorrer de forma alternada. No que diz respeito à fala,

nosso foco de análise, ela possui uma estruturação própria mínima como

não-planejável, ou planejável localmente a cada intervenção, dinâmica, com

marcadores conversacionais e com uma sintaxe própria. A sintaxe própria

pode ser compreendida a partir das hesitações, repetições, truncamentos

inerentes à conversação espontânea. No tocante aos marcadores

conversacionais, podem ser observados quando, por exemplo, os atores do

programa acrescentam-nos em suas interpretações: oh, né, pô, aqui, (apesar

de não acrescentar nenhuma informação nova com isso). Dessa forma, falam

como se realmente estivessem face a face com o telespectador e não se

restringem ao texto pré-fabricado.

Marcuschi em Análise da Conversação (1999[1986], p. 62) aponta

que os marcadores conversacionais verbais “não contribuem propriamente

com informações novas para o desenvolvimento do tópico, mas situam-no

no contexto geral, particular ou pessoal da conversação”.

Percebemos, então, que o ator na realidade, quando sai do texto pré-

fabricado pelos autores através da interação com o outro, torna-se um co-

autor do texto em uma co-produção discursiva. Aliado à personalidade

artística dos atores do sitcom , o efeito de sentido do humor tende a ser

garantido.

3.3 - A Publicidade de Os Normais: interação na marca e no

formato .

Há algum tempo que a hegemonia da comunicação massiva televisiva

padronizava comportamentos, preferências, consumos. Hoje em dia, a

programação televisiva luta contra as rejeições, seleções e mesmo

segmentações do público telespectador. De maneira consciente ou

inconsciente, o que vem à cena são as crenças, culturas, ideologias,

sensibilidades e mesmo particularidades demográficas e qualitativas do

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público desejado. Ferrés (1998, p. 268) assevera a seguinte afirmativa no

que diz respeito às mensagens televisivas:

( . . . ) as mensagens da te levisão somente adquirem plena s ignificação quando interagem com as mensagens que o receptor emite na forma de res is tências e f i l t ros , mas também na forma de desejos , temores , anseios , i lusões, esperanças. . .

Nesse cenário da busca pela preferência do telespectador, as

empresas de televisão, como todo mercado de ofertas, recorre a um

mecanismo secular, colaborador da sociedade consumista e do

desenvolvimento da economia: a publicidade . O que será esse instrumento

que invade todas as esferas da sociedade seja em bens de consumo,

ideológicos, religiosos e políticos?

Existe uma discordância teórica sobre como definir publicidade e

propaganda . Os dois termos são usados, muitas vezes, indistintamente. Para

muitos estudiosos as ações a eles correspondentes, têm a mesma função:

persuadir o consumidor a comprar ou ainda facilitar a venda de produtos e

serviços. Entretanto, outros estudiosos do assunto, como J. B. Pinho(1990)

e Armando Sant’Anna (2002) acreditam que exista apenas uma tênue

distinção entre ambas, devido à função exercida por cada uma delas. Pinho

defende que a propaganda é construída a partir de técnicas direcionadas

para a profusão de idéias, em especial para defesas políticas; por outro

lado, a publicidade, segundo ele, baseia-se em ações que visam a motivar e

incitar o consumo de produtos e serviços. (Pinho, 2001,p. 131).

Em sua origem e aplicação, os vocábulos Publicidade e Propaganda

distinguem-se. O vocábulo propaganda foi primeiramente utilizado pelo

Papa Clemente VII, por volta de 1597, para propagar a fé católica no

mundo, ao fundar a Congregação da Propaganda. O termo Propaganda

origina-se do latim , propagare e quer dizer reproduzir através de mergulho .

Santa´Anna interpreta essa tradução do Papa como sendo adequada para

exprimir “a propagação de doutrinas religiosas ou princípios polít icos de

algum partido”. Já em relação ao termo publicidade , o mesmo autor lembra

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que, etimologicamente, a palavra tem também origem latina, publicus

(público) e significa “divulgar, tornar público” (Santa´Anna, 2002,p.75).

Pinho defende que, por essa razão, a propaganda é mais abrangente do que a

publicidade, já que ela compreende não só a propagação das idéias, mas por

extensão a sua vulgarização, no sentido de difusão. Os dois termos,

entretanto, apesar de seu uso indistinto, estão inseridos em uma ampla e,

constitutivamente falando, complexa tipologia, a saber: publicidade de

produto, publicidade de serviços, publicidade de varejo, publicidade

comparativa, publicidade cooperativa, publicidade industrial e, finalmente,

publicidade de promoção. Por sua vez, a propaganda também apresenta sua

própria classificação tipológica, de acordo com sua natureza: propaganda

ideológica, propaganda política, propaganda eleitoral, propaganda

governamental, propaganda institucional, propaganda corporativa,

propaganda legal e propaganda religiosa. (Pinho, 1990 ,p. 18-24).

Dessa forma, é possível perceber que o termo propaganda e a ação a

ele correspondente, significam a veiculação e propagação com o objetivo de

levar, promover e incutir idéias, crenças e valores a um público pré-

determinado e/ou determinado.

Partindo dessa percepção da questão, é que vamos observar como

ocorre a publicidade/propaganda do sitcom Os Normais. A forma e o

conteúdo em que o discurso foi constituído parecem revelar tanto a natureza

como o objetivo do discurso do programa:

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Q U A D RO N Ú M E RO 0 5 : Fo rma s e O b je t i v o s d o Di sc u r so

A forma: a natureza do discurso é essencialmente promocional , chamando

telespectador para ass is t ir ao programa através dos personagens;

o obje t ivo geral do discurso: lembrar o telespectador o dia e o horário do

programa;

o objet ivo especí f ico: at ingir , mediante uma propaganda especí f ica , o

público alvo também s ingular que é essencialmente urbano, de c lasse média,

com bom poder aquis i t ivo e boa escolaridade .

Adicionalmente, a propaganda promocional em questão está apoiada

no que poderíamos chamar de propaganda institucional25 com marca

própria . Mas cabe um esclarecimento: na medida do possível, todo

programa televisivo busca personalizar seu nome, sua identidade. Porém,

acreditamos que uma análise pontual, casuística poderia ajudar a perceber

nuances interessantes, permitindo uma abordagem indutiva do fenômeno da

personalização mediante uma abordagem do trabalho publicitária.

Vamos analisar primeiramente, a Marca Os Normais como bastante

enfática, cuidadosamente personalizada. A Marca em questão é o nome do

programa com a letra R escrita de forma inversa - -

implicando na identidade do programa de uma casal “normal” apesar de se

expor, de gritar e ridicularizar um ao outro. A marca é estratégica e

essencialmente personalista, mas também nominalista: o nome basta-se.

No segundo momento, observamos que o formato da publicidade do

programa é inovador para época, no qual os próprios personagens

divulgavam o programa agindo com o mesmo comportamento dos episódios:

brigas, ironias, disputas, expansividade.26 A fórmula era como se fosse uma

25 Mensagem institucional ou propaganda institucional, de acordo com Sampaio (2003), é um tipo de propaganda desenvolvida para valorar a instituição e obter ganhos para a imagem da marca. 26 Atualmente o formato de chamada publicitária de Os Normais, na qual os próprios personagens participam, tornou-se estratégia recorrente nos sitcoms produzidos pela Rede Globo, como Sexo Frágil e a Diarista.

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pílula do programa, ou seja, uma mini cena, uma degustação, para atrair o

interesse do telespectador para o episódio da semana.

Q U A D RO 0 6 : Foto ilustrativa dos personagens fazendo a chamada

Al Ries (2002, p.50) afirma que os responsáveis pela difusão

midiática têm amplo espaço para operar estrategicamente. No caso em

questão, através de recursos tais como formato irreverente e revelador,

interpretações interativas, apelo a situações e contextos de natureza

privada, tecnicamente fundidos com a publicidade e, finalmente, o uso da

metalingüagem27, na saída dos personagens para o ambiente das chamadas

do programa. Esse último recurso atende ao que afirma Marcos Rey (2001,

p.27): “ ( .. .) o personagem é o grande elo entre o autor e o público. Se bem

concebido, por inteiro, pode salvar uma história fraca ou até dispensá-la,

pois traz no bojo toda uma biografia repleta de fatos”. Nessa perspectiva,

os personagens Rui e Vani , protagonistas fundamentais de Os Normais ,

carregam consigo vidas e situações reveladoras, sem pudor; e assim

conseguem atuar em plena interatividade com o telespectador, quando

conversam com ele, olhando direto para a câmera, quando revelam seus

segredos, sua privacidade. É válido ressaltar que quando levam isso para a 27 Segundo o dicionário de linguagem e lingüística de R.L.Trask, (2004) metalinguagem pode ser compreendida como processo de utilização da língua para falar da língua objeto. No caso em questão os próprios personagens são utilizados para falarem deles mesmos.

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publicidade das chamadas, essa estratégia publicitária visa atingir um

mercado : o mercado simbólico da indústria do entretenimento. Essa

indústria, portanto, está de alguma forma, baseada na concepção

benjaminiana acerca das técnicas de reprodução e de uma preservação da

essência da arte, que nesse caso, quando aplicadas ao produto/série

midiático, podem influir e modificar a reação do público diante do produto.

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PARTE III: ANÁLISES DO CORPUS

CAPÍTULO 4: OS EPISÓDIOS E AS CHAMADAS DE OS NORMAIS

Após nossa discussão nos capítulos anteriores, a respeito do

arcabouço teórico que entendemos como necessário para evidenciar o efeito

de sentido construído na interação do sitcom, partiremos para a análise

descritiva e interpretativa do corpus estabelecido. Esperamos contribuir

para a visualização concreta dos aspectos discutidos ao longo do trabalho.

Antes, contudo, apresentaremos o nosso corpus , explicaremos as regras de

transcrição realizadas e exporemos as categorias de análise.

4.1 - Sobre o corpus: o sitcom Os Normais

O olhar do presente estudo se volta aos textos dos sitcoms brasileiros,

especificamente o texto de Os Normais , da Rede Globo de Televisão. O

programa pertencia ao Núcleo de Guel Arraes, com direção executiva de

produção de Eduardo Figueira. Escrito por Alexandre Machado e Fernanda

Young o sitcom era estrelado por Fernanda Torres e Luiz Fernando

Guimarães e dirigido por José Alvarenga.

O sitcom se destacou desde seu primeiro dia de exibição28 e recebeu

prêmios como o Troféu APCA, outorgado pela Associação Paulista de

Críticos de Arte, considerando-o o melhor programa de 2001, na categoria

televisão. O programa recebeu também o Troféu Imprensa , do SBT, na

categoria de melhor programa de televisão de 2002. Após 71 episódios, em

outubro de 2003, saiu do ar e foi lançado Os Normais – O Filme, nos

cinemas.(Anexo D e E)

28 Atingiu no primeiro dia exibição a média de 39 pontos no ibope segundo depoimento do diretor executivo de produção, Eduardo Figueira em depoimento no DVD.

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No ano de 2003, o sitcom atingiu a marca dos 22 pontos de média,

mantendo o perfil de sua última temporada.29 Com menos de três anos de

exibição, boa audiência, formato de produção irreverente e linguagem

reveladora, a série utilizou-se dos outros produtos exibidos pela mesma

Rede de Televisão, além da sua exibição semanal, tais como as chamadas

(em que os próprios personagens, lançando mão do metadiscurso, faziam o

convite para o público assistir ao programa e ao filme) e as entrevistas nos

programas de auditório (talk show, games e variedades) para se manter

presente na vida dos telespectadores.

4.2 – A Análise da conversação entre Rui e Vani

A Análise da Conversação é uma abordagem que deriva da

etnometodologia (definida como o estudo das maneiras pelas quais as

pessoas criam sentido nos ambientes sociais em que vivem). Trata-se de

uma corrente da sociologia surgida nos anos 1960 com os trabalhos de

Harold Garfinkel, Harvey Sacks, Emanuel Schegloff e Gail Jeffrson.

Segundo Luiz Antônio Marcuschi [1986]1999, p.07), a análise

conversacional é uma tentativa de responder a questões do tipo: como as

pessoas se entendem ao conversar? ou como sabem que estão agindo

coordenada e cooperativamente?, ou como criam, desenvolvem e resolvem

conflitos interacionais?

Como o corpus da Análise da Conversação é a interação verbal

espontânea entre no mínimo dois participantes, a teoria considera também

os detalhes não verbais como a entonação, a gagueira ou hesitação, a

simultaneidade e a alternância das falas como elementos constitutivos deste

tipo de interação passíveis de investigação. Assim sendo, realizamos a

transcrição de trechos de 02 episódios da série, dois monólogos e duas

chamadas do programa observando a troca de turno (a produção de um

falante enquanto ele está com a palavra, incluindo aí também o silêncio),

29 Dados do Ibope comentados no site Gente &TV, disponível in: http:// exclusivo.terra.com.br/interna

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os marcadores conversacionais, para poder definir propriedades estruturais

claras.

As normas para transcrição dos diálogos obedeceram aos padrões

apresentados por Luiz Antônio Marcuschi em seu livro Análise da

Conversação (1999[1986]). Os sinais util izados nas transcrições objetivam

respeitar a produção real de truncamentos, hesitações, que aparecem na fala

dos personagens. Os sinais utilizados foram:

Q U AD RO N Ú M E RO 0 7 : S i na i s d e t r an sc r i ç ã o p o r M a rcu sc h i .

[[ ( colchetes duplos) - para as fa las s imultâneas no in ício do turno;

[ ( um colchete s imples) - para a sobreposição de vozes abrindo a

sobreposição;

(+) ( s inal + entre parênteses) - para as pausas e s i lêncios até 0,5 minuto de

pausa ou s i lêncio, caso ul t rapasse esse tempo, será cronometrado os minutos e

expressos em parênteses;

( ) ( s inal de parênteses) - para dúvidas e suposições - quando não for

poss ível o entendimento do que fo i di to coloca-se dentro dele o que supomos

ter ouvido;

MAIÚSCULA – para explici tar ênfase ou acento for te - quando uma palavra é

pronunciada com um tom mais for te usamos a expressão com let ra maiúscula ;

” (aspas duplas) - para s inais de entonação e ponto de interrogação, usamos

aspas duplas para indicar ponto de interrogação;

/ ( barra) - para t runcamentos, usamos a barra indicando que o falante teve um

truncamento brusco e,

(( ) ) ( parênteses duplos) - f inalmente para comentár ios do anal ista , quando

queremos descrever ou comentar algum gesto ou s i tuação da cena.

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4.3- Categorias de Análise: como se dá o efeito de sentido em Os

Normais

Partiremos finalmente para a análise do fenômeno da construção de

sentido estabelecida no sitcom Os Normais. Os doze episódios disponíveis

em DVD, exibidos no período 2001-2003 e do episódio inédito para tv

presente no DVD Os Normais – o filme, além dos episódios constantes em

Os melhores Momentos constituem o corpus ampliado. A partir desse

universo selecionamos dois episódios, dois monólogos e duas chamadas

para melhor evidenciar os conceitos das categorias de análise.São eles:

Q U A D RO N Ú M E RO 0 8 : Corpu s R es t r i t o

1- Episódios:

Episódio 01: Motivos Normais

Trechos: 03 t rechos - Cena no quarto

- Cena no elevador

- Cenário no carro

Fonte: episódio inédi to para tv presente no DVD Os Normais – o f i lme

Episódio 02 : Os Normais

Trecho: 01 trecho - Restaurante

Fonte: Episódio veiculado na tv, escr i to no l ivro Os melhores momentos de

Os Normais e constante no DVD da sér ie Os Normais .

2- Monólogos:

Fonte: Os melhores momentos de Os Normais

3- Chamadas:

Fonte: DVD OS NORMAIS SEM CORTES

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Acreditamos que esses exemplos caracterizam de forma consistente os

aspectos propostos para estudo.

As categorias de análise foram comentadas nos capítulos 01, 02 e 03

dos pressuspostos teóricos. A título de visualização elencamos todas elas no

quadro a seguir:

Q U A D RO 0 9 : Ca t e g o r i a s d e A n á l i s e Estra tégias discursivas sócio- interat ivas:

- preservação da face;

- subversão argumentat iva irônica;

Ideologia

Inter incompreensão

Caracter ís t icas da conversação:

- repet ições;

- espontaneidade (acréscimos) ;

- tonicidade

Dialogismo

Intera t ividade:

- s imulação da real idade;

- ident i f icação com o ethos

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4.4 . Análise dos Episódios

4.4.1 Episódio Motivos Normais

a) Trecho 1: Cena no quarto, enquanto os dois se

preparam para viajar.

V: Rui (+) , por que você gosta de mim”

R: ih , a í! ( (sorr indo))

V: " ih, a í!" o quê” Queria saber por que você gosta de mim.

R: por que você tem o DOM de escolher a hora cer ta para fazer esse t ipo de pergunta.

V: ah, que t ipo de pergunta” Uma pergunta s imples, direta”

R: ô, Vani , hoje é véspera de fer iadão. Se a gente não sa ir antes das oi to, vai pegar o

maior es tresse na estrada.

V: ca lma. Eu não tô pedindo pra você convocar a imprensa, parar tudo o que você es tá

fazendo. Eu tô pedindo para você responder uma pergunta s imples : Por que você gosta

de mim”

R: você quer que eu diga porque eu gosto de você enquanto eu escolho quantas cuecas

eu vou levar”

V: mas você precisa usar todos os neurônios do seu cérebro pra me responder uma coisa

tão s imples? Me dá um motivo de você gostar de MIM.

R: ah, bom. Não sabia. Você quer UM motivo. Achei que você quer ia O mot ivo.

V: como assim”

R: não, porque um motivo é uma coisa ass im: eu pego um motivo e digo pra você. Mas

agora O mot ivo é a razão básica e fundamental do fato de eu gostar de você, entendeu”

V: ah, é” Eu quero esse aí . A razão básica e fundamental de você gostar de mim.

R: ah, é”

V: é .

R: posso pensar no fer iadão e domingo à noi te eu te digo”

(( Vani f ica decepcionada com a resposta de Rui))

. . . . .

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Podemos notar, no primeiro trecho deste episódio, a presença de duas

estratégias discursivas sócio-interativas dos personagens: a preservação da

face e a subversão .

O personagem Vani na série é uma mulher em busca de sua realização

afetiva, dessa forma, tenta sempre engrenar conversas com seu noivo que o

levem à materialização do seu objetivo – marcar a data de seu casamento.

Ao iniciar o “tema” da conversa, o faz de maneira casual, despretensiosa,

“escondendo” suas verdadeiras intenções ao fazer a pergunta: “Rui, por que

você gosta de mim?”

Por sua vez, o personagem do noivo, Rui, é um homem que foge de

compromissos mais sérios como o casamento, apesar de manter uma relação

de noivado com a Vani. Assim, sua resposta subverte de forma irônica a

pergunta dela :“Por que você tem o DOM de escolher a hora certa para

fazer esse tipo de pergunta”. Apesar da carga irônica da resposta dele,

sugerindo que este tipo de assunto não seria de seu interesse e nem o

momento seria oportuno, já que estão se preparando para viajar, ela insiste

novamente na pergunta, porém de forma mais objetiva: ah, que tipo de

pergunta? Uma pergunta simples, direta? Isto indica que ela quer manter a

direção da conversa.

Rui, novamente tenta se desvencilhar de responder à pergunta da

noiva, mantendo o tom irônico de suas respostas: “Você quer que eu diga

porque eu gosto de você enquanto eu escolho quantas cuecas eu vou

levar?”. Há, então, uma tentativa do personagem, através de respostas

irônicas, sinalizar que este assunto precisa ser tratado com cuidado, com

tempo e atenção e não no momento em que estão fazendo malas.

Como ressalta Brait (1996), o enunciador, ao fazer um discurso

irônico, busca formas de despertar a atenção do co-enunciador e

conseqüentemente obter sua adesão, sua concordância em mudar de assunto.

O noivo poderia responder diretamente a pergunta e pôr um ponto

final na conversa, entretanto, como ele tem um relacionamento afetivo com

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ela e quer preservá-lo, tenta mudar de assunto:“Ô, Vani, hoje é véspera de

feriadão. Se a gente não sair antes das oito, vai pegar o maior estresse na

estrada .” Há novamente a estratégia de preservação da face por parte de

Rui, ao tentar mudar de tópico sem ser agressivo. Ele tenta fazer com que o

novo tópico seja mais relevante do que outro, uma vez que, geralmente, o

trânsito nas grandes metrópoles realmente congestiona em vésperas de

feriado. E assim, ela deixaria de insistir na continuação da conversa pela

qual ele não tem interesse.

Todavia, sabemos que o co-enunciador normalmente entende a

estratégia do outro e constrói também o sentido. É o que ocorre na resposta

dela: “Calma. Eu não tô pedindo pra você convocar a imprensa, parar tudo

o que você está fazendo. Eu tô pedindo para você responder uma pergunta

simples: Por que você gosta de mim “

Ao dar esse tipo de resposta à colocação de Rui, Vani acaba por

ameaçar a sua face positiva, ao demonstrar impaciência, perplexidade pelas

fugas dele, quando fala “calma”. Ou seja, ela quer transparecer que não é

nada assim tão complicado de responder. Como também, ao produzir esse

enunciado, Vani lança mão da ironia comentando que não seria necessário

convocar a imprensa ou coisa do tipo para responder à pergunta, mas que

era só responder. Do mesmo modo, há ironia quando ela diz que ele não

precisaria usar todos os neurônios para responder uma “coisa tão simples”.

Nesse ponto da conversa, ela muda de posição com Rui e agora, é ela quem

subverte as respostas dele. Ratificando o uso ou não dos neurônios, assim

novamente, Vani subverte o discurso de Rui através do mecanismo da

ironia.

Isso nos remete novamente ao pensamento de Brait (1996,p.105) “

(. . .) um enunciado irônico envolve formas de interação entre os sujeitos,

bem como a relação com o objeto da ironia e com as estratégias lingüístico-

discursivas que põem em movimento o processo”.

Apesar de que as respostas irônicas muitas vezes ameaçam a face do

casal, os noivos tentam sempre harmonizar o jogo de linguagem mesclando

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suas falas com estratégias de preservação da face, como ocorre na tentativa

de Rui em dizer que houve um “mal- entendido” sobre o que ela queria

saber. A resposta de Rui : “Ah, bom. Não sabia. Você quer UM motivo.

Achei que você queria O motivo”, provocando em Vani a inevitável

pergunta “como assim?”. Rui, ao explicar que um motivo pode ser qualquer

um e o motivo é que é a causa do seu sentimento, mantém novamente uma

tentativa de mudança de assunto e que o que está se discutindo não é o foco

da conversa. Essa era a tentativa de fazer com que ela desistisse.

Como Vani não desiste e, pelo contrário, insiste na resposta a sua

pergunta, Rui lança mão de uma forma polida encerrando a conversa e assim

adia a resposta para pelo menos o fim do feriadão.

Esse trecho nos permitiu observar que as estratégias interativas de

preservação da face são recorrentes nas falas dos personagens. Ora as

intervenções dos personagens tinham polidez buscando a mudança do tópico

conversacional, ora apresentavam subversão, desqualificação

argumentativa, daquilo que é dito para comprovar que o tema não é

pertinente nem no tempo da relação e nem naquele momento. Suas falas

também continham ironia para explicitar o desvio ou desinteresse em dar a

resposta desejada. A ironia utilizada por diversas vezes pelo casal serve de

instrumento para sinalizar que um ou outro assunto não deve ser posto em

questão por vários motivos que não precisavam ser explicitados. Por outro

lado, a ironia é muitas vezes percebida como uma pista que a face está

sendo ameaçada, ao dizer o que se quer sem literalmente fazê-lo, que a

persistência no tópico conversacional poderia levar a desentendimentos, já

que transparece irritação, impaciência, intolerância.

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b)Trecho 2 : Cena no elevador

V: eu sou uma besta quadrada mesmo. Eu sempre carrego mais coisa que precisa.

R: quer que eu leve a sua bolsa”

V: não, não, que eu sou mulher pau pra toda obra .

R: hein” Quê” Quê”

V: ué “ Você não fa lou há dois anos a trás que você adorava uma mulher pau pra toda

obra”

Então eu SOU. Será que é esse o mot ivo de você gostar de mim”

R: não. Eu acho que tem outras caracter ís t icas importantes numa mulher .

V: Ué” Quais , por exemplo”

R: por exemplo, o companheir ismo. Por exemplo, mulher ser companheira.

( (vani dá um tapa amigável nas costas de Rui e passa a mão no ombro dele))

R: outra coisa que eu acho importante também: a mulher cuidar do homem, porque o

homem gosta mui to de ser cuidado, né”

V: escuta, você não teve aquele torc icolo na semana passada” Você não pode carregar

peso, né”

R: não, tá tudo bem.

V: não, deixa que eu carrego pra você.

R: não, Vani , não precisa.

V: Que é isso, meu amor? Deixa , deixa. . .

R: Quer carregar”

V: Claro, Deixa!

(( Vani cai com o peso das bolsas ))

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No segundo trecho do episódio, o discurso da personagem, Vani,

explicita a “visão machista” que muitos membros da sociedade absorvem.

Para que o personagem Rui goste dela, Vani recorre à exaltação de atributos

como companheirismo, preocupação com o bem–estar que na opinião dele,

colaboram com o perfil da mulher ideal para qualquer homem.

No trecho da fala de Rui: “Outra coisa que eu acho importante

também: a mulher cuidar do homem, porque o homem gosta muito de ser

cuidado, né”, as expressões “eu acho” e “porque o homem gosta” revelam

a representação do discurso coletivo em uma sociedade pautada por

comportamentos e concepções machistas, como é a brasileira. Vale lembrar

aqui, que as Formações Ideológicas alimentam as Formações Discursivas

que são construídas pelos indivíduos materializando essa concepção de

mundo. Em outras palavras, os discursos dos sujeitos durante a interação

refletem o discurso das classes sociais.

Nessa perspectiva do perfil de alguns membros da sociedade, Van

Djik (1997) afirma que as ideologias têm manifestações que variam de

acordo com o contexto, como, por exemplo, se as pessoas estão inseridas no

mesmo grupo social e se identificam, podem comungar da mesma ideologia.

Outro trecho que podemos perceber a ideologia machista no discurso

da série está no fragmento a seguir da fala da personagem Vani: “ Ué? Você

não falou há dois anos atrás que você adorava uma mulher pau pra toda

obra? Então eu sou! Será que é esse o motivo de você gostar de mim?” Ela

apresenta um discurso de submissão próprio de uma mulher em uma

sociedade machista na qual TEM obrigatoriamente ser o que o namorado

deseja e não exatamente como ela é individualmente, seus valores pessoais,

vontades próprias, etc. Sua crença e personalidade não são individuais, não

lhe pertencem, acabam por pertencer ao noivo.

Apesar da declaração da noiva em constatar que seu comportamento

condiz com o perfil submisso e subserviente que agrada os homens, Rui não

se dá por satisfeito, ressaltando que uma mulher “pau pra toda a obra” não

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é uma característica suficiente, pois ainda existem outras que uma mulher

precisa possuir para ser merecedora do afeto do homem.

Nesse cenário é perceptível a existência de uma proposta

manipuladora consciente do interlocutor, já que o falante organiza sua fala

em função do jogo de linguagem em prol da imagem que ele faz do outro, a

imagem que ele pensa que o interlocutor faz dele e a que deseja transmitir

ao interlocutor etc. É em razão desse complexo jogo de imagens que o

falante usa alguns argumentos e não outros.

Nesse contexto, nós nos apoiamos em Van Djik (1997) com relação à

ideologia presente entre os membros da sociedade dentro de um certo

contexto, que acredita não existir uma ideologia falsa ou verdadeira. O que

pode ocorrer é a existência de “falsas posições” por parte das mulheres

feministas em relação ao domínio do homem machista. Na realidade, como

acredita o teórico holandês, esse tipo de ideologia compartilhada representa

provavelmente uma posição preconceituosa da sociedade que apóia seus

interesses.

No caso da relação do casal da série em análise, Rui utiliza seu

discurso machista para conseguir tudo o que quer com a noiva. Por sua vez,

Vani incorpora o machismo, a fim de satisfazer os desejos e caprichos do

noivo. Na verdade, ela está sendo muito mais tática, já que seu interesse é

obter a resposta de Rui sobre qual seria o motivo que o levaria a gostar dela

e conseqüentemente, reforçar o relacionamento afetivo, fortalecendo assim,

a idéia de par perfeito, pronto para o casamento.

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c) Trecho 3: Cenário no carro

V: Rui, outro dia eu tava olhando um ar t igo numa revis ta e me lembrei imedia tamente

de você.

R: ah, é”

V: é. Eu vivo me lembrando imediatamente de você. O tempo todo. Eu acho, seu

quisesse te trair em pensamento, era uma coisa que eu não ia conseguir .

R: ah, que bacana o que você fa lou, isso.

V: será que esse o mot ivo de você gostar de mim” Da minha lea ldade a você”

R: não. . . não é isso, não.

V ((suspirando)) : Ah. . . (+) Mas então, eu tava te fa lando desse ar t igo da revis ta . E diz ia

que o novo ideal de beleza da mulher é cabelo escuro, olho escuro e uma mulher bem

magrinha, sem pei to.

R:ah, é”

V: é .

R: ah, pô.

V: ai eu fa le i : "O Rui . . . o Rui é fogo, né” Sempre à frente da moda esse HOMEM".

R: mas eu na frente da moda, por quê”

V: ah, por quê? Porque você me escolheu, meu amor . E eu sou assim: cabelo escuro,

hummm ((suger indo a descr ição)) .

R: ah, s im, meu amor . Mas, a opção sent imental que o homem faz é uma coisa. Mas a

opção estét ica que ele tem é outra , né”

V: ah, é” Mas qual é a sua opção esté t ica”

R: ué. Mulher loira, escorr ido (( faz ges to de cabelos l isos)) , de olho azul e do peitão.

V: Rui, mas isso não tem nada a ver COMIGO Isso é o oposto de mim, RUI.

R: s im, mas você vai falar : Rui é um homem superfic ia l . Mas eu não sou um homem

superfic ial , porque eu não escolho mulher pela sua beleza exter ior , né Vani”

V ((decepcionada)) : ah, Rui , vamo voltar pra casa”

R: hein”

V: não se i . Não tô me sent indo mui to bem. . .

R: o que foi que eu te disse, que eu falei” Alguma coisa errada”

V: não, de je i to nenhum. Que eu não quero mais via jar : quero ir pra casa. Quero não.

R: quer não é’

((s i lêncio))

V: ô Vani , como é que é essa sua amiga Patr ícia é”

((Vani f ica constrangida. Surge uma mulher este t icamente idênt ica à descr ição de Rui))

( ( Rui buzina duas vezes))

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Patr íc ia: tô DESCENDO JÁ, só um pouquinho.

O fenômeno da interincompreensão pode ser muito bem ilustrado

neste trecho do episódio pelos diversos momentos de divergência do casal.

Por exemplo, a divergência que ocorre entre eles a respeito da escolha

estética do homem estar associada a sua escolha afetiva. Ela não consegue

“entender” que as duas coisas não são associadas ou interligadas, como

afirma seu noivo. Por sua vez, o personagem do noivo ainda exemplifica o

pensamento que a mulher teria se ele fizesse esse tipo de associação. Em

“Sim, mas você vai falar: Rui é um homem superficial. Mas eu não sou um

homem superficial, porque eu não escolho mulher pela sua beleza exterior,

né Vani” Ele tenta convencê-la de que as duas escolhas caminham separadas

e que se assim não o fossem, a decisão de se relacionar com outra pessoa

não seria sincera, realmente afetiva.Vani não acredita no que ouve e se

rebela: “Rui, mas isso não tem nada a ver COMIGO Isso é o oposto de mim,

RUI .”Ao chamar pela segunda vez o nome do noivo, Vani tenta fazê-lo

entender que o que está dizendo não tem fundamento, pois na sua

concepção, se um homem fica noivo de uma mulher, escolhe essa mulher é

porque ela atende a todas as suas expectativas. Percebendo que não haverá

uma concordância entre eles, ela resolve desistir , não só de continuar o

assunto, como também de viajar. Isto nos remete à assertiva de Koch (2004)

segundo a qual para restabelecer o consenso (commonality), é necessário

que os conflitos sejam devidamente identificados e que sejam percebidas as

possíveis causas para reconstruir o consenso, o sucesso do jogo.

O fenômeno de discurso observado nesse trecho é claramente de

interincompreensão. Não há possibilidade de se compreender o que o outro

está dizendo pela impossibilidade em se colocar na posição do outro. Cada

personagem só consegue visualizar e compreender seu modo de enxergar o

mundo. Não há entendimento entre eles, apesar de não ocorrer um total

desintendimento, já que no mínimo há intenção de preservar mutuamente as

faces de ambos buscam manter a harmonia na interação em andamento.

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4.4.2 . Episódio:Os Normais

A transcrição aqui ocorreu com o contraponto entre o discurso do

DVD e o discurso do livro, a fim de poder explicitar a ocorrência de

acréscimos dos atores no texto entregue pelos autores. Para indicar o

acréscimo dos personagens ao texto original, utilizamos o sinal : _____ e

colocamos o segmento entre parênteses.

a) Rui e Vani num restaurante italiano dando as primeiras

garfadas nos respectivos pratos. Humm!. . . Delic ioso Delic ioso (Tá ót imo!) Que del íc ia , tá uma del íc ia , ta não “ Hum, hum “ Hum. . . Tá ót imo” ((Vani mast iga t r is temente, como se fosse forçada a isso.)) R: Que foi? ( Gostou “ O que foi “) V:Nada. R: Não tá bom? V:Veio com cebola ( tem cebola. Rui “ ) R: Você pediu sem cebola? (Mas você pediu sem cebola”)

V: Não. Mas o verdadeiro Nhoque à Romana não leva cebola. (Não. Mas o verdadeiro Nhoque à Romana verdadeiro não tem cebola) . R: Sei . . . . Esse nhoque a í é fa ls if icado. (Ah, tá , fa ls i f icaram o Nhoque ) V: Eu já v iajei pra Roma, tá , Rui? E comi nhoque lá. Não t inha nenhuma cebola . ( fui a Roma comer nhoque a romana. t inha cebola.não Ta”) ( (Vani passa a acenar ao redor , buscando um garçom que veja .)) V: Ah, vem chau. . .

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R: Eles vão escarrar no seu pra to. (Ei , não faz isso não. Se não eles vão escarrar no seu pra to, heim “) V: Eu tô pagando, eu quero um verdadeiro Nhoque à Romana. (Mas eu tô pagando, tô querendo). R: Eles escarram no prato de cl iente que reclama, todo mundo sabe disso. ( (Vani pára de acenar , empurra o prato e emburra a cara .)) V: Então não vou comer . Melhor . Emagreço. (Então, melhor que eu não como que eu emagreço.) ( (Rui dá uma bufada impaciente. E t roca de prato com ela)) . R: Come o meu ta lhar im. É mais caro que nhoque. Você ainda sa i no lucro. (Vani f ica com o talhar im. Olha aqui . . . Talhar im sai muito mais caro que nhoque. você ainda sai no lucro. ) ( (Ele come o nhoque. Ela só cutuca o talhar im com o garfo .) ) V:Tem cebola” R: Talhar im à Putanesca. Já fui muito à Putanesca. Putanesca não tem cebola. ( ta lhar im a Putanesca não tem cebola . Eu já fui a Putanesca, ta lhar ima Putanesca não tem cebola. Você chega assim em Putanesca : cebola! As pessoas perguntam : o que é isso?

O texto do episódio “Os Normais” é elaborado pelos redatores do

programa e complementado com naturalidade e criatividade nas

interpretações dos atores que acrescentam falas espontaneamente durante a

cena.

Nesse tipo de programa, a espontaneidade é uma das características

particulares constitutivas do sentido. Devemos considerar aspectos como

cenografia, expressividade e tonicidade nos atos de fala dos atores para

entender a construção do efeito de sentido do humor.

Os textos sublinhados nesse trecho são os acréscimos dados pelos

atores na hora de suas interpretações. Quando Rui repete várias vezes o

“hum” retomando exatamente como as pessoas “normais” sentem ao

degustar um alimento saboroso, como também, o marcador conversacional

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“heim?“, na fala do ator: Ei, não faz isso não. Se não eles vão escarrar no

seu prato, heim?, são algumas das características da conversação

espontânea que não estão no roteiro originalmente proposto.

Dessa forma, lembramos o depoimento de Luiz Fernando Guimarães

que consta no DVD: “O ator e o personagem se encontram e formam um

terceiro personagem”, e esse terceiro personagem é constituído na hora da

interação social da cena, seja com a atriz/personagem, Fernanda

Torres/Vani, seja com o telespectador, ao se dirigir diretamente para a

câmera, seja, com os atores convidados a participar dos episódios.

Concordamos com John J.Gumperz (1982,p.151) quando ele afirma

que, um ato de fala é “um processo dinâmico que se desenvolve e sofre

alterações à medida que os participantes interagem”.

Diante dessa definição, constatamos realmente o estado híbrido do

discurso produzido pelos personagens do sitcom “Os Normais”, a partir das

condições de existência da interação social. Koch (2003[1993], p. 25)

lembra que “o sentido é construído na interlocução, no interior da qual os

interlocutores se constituem e são constituídos”. Observando as pessoas

iniciando uma conversa (mesmo que este diálogo seja pré-produzido)

podemos notar (e elas mesmas também notam) que acabam mudando ou

acrescentando algumas palavras ao texto planejado. Portanto, é natural que

encontremos acréscimos de fala dos personagens no texto roteirizado,

caracterizando-se como uma conversação real em uma fronteira de interação

entre o escrito e o verbal.

4.5 –Análise dos Monólogos

a) Típico Rui

Vocês repararam como, de quatro em quatro programas, a Vani fica mais nervosinha?

(Fonte: Os melhores momentos de Os Normais, p.142, editora Objetiva)

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b) Típica Vani

Tirem as crianças da sala. Daqui a pouco eu vou sair do banheiro com cara de magoada e nós vamos ter o

famoso “sexo de fazer as pazes”. É maravilhoso, você transa como se estivesse estrangulando a pessoa.

(Fonte: Os melhores momentos de Os Normais, p.49, editora Objetiva)

Nos exemplos a e b acima, observamos claramente o aspecto do

dialogismo na fala dos personagens. Os marcadores de interação com o

telespectador são explícitos: “Vocês repararam” e “Tirem as crianças da

sala”, percebemos que os personagens se dirigem para câmera e falam

diretamente com o telespectador. Dessa forma, acabam por fazer com que

haja uma resposta de aceitação ou não, ou um sorriso de concordância com

que ele/ela está falando, mesmo que não estejam (os atores e o público) em

um mesmo lugar. Como nesse evento comunicativo, apesar de as atitudes

responsivas ativas do telespectador existirem diante dos atos de fala dos

atores, não existe uma interação local ou mesmo presencial, fazendo com

que haja uma supremacia verbal dos atores em relação aos telespectadores,

como objetos de suas ações. Como nos lembra Bakhtin ([1929]2000), os

enunciados mesmo monológicos são apenas assim em sua exterioridade, já

que sua estrutura interna, semântica e estilística são necessariamente

dialógicas.

O sitcom “Os Normais” não é só baseado na rotina de um casal que

interage entre eles, ou diretamente com o público, mas também há interação

com outros personagens que participam dos episódios. O diálogo entre

quaisquer interactantes recai em conversas cotidianas, muitas vezes em

circunstâncias de confronto, de quem tem a razão, constituindo uma

interação de disputa, de marcas de subversão ou ironia do texto do outro. A

ironia é utilizada como mola mestra de marcação dos posicionamentos de

cada pessoa, como também, serve como um mecanismo de socialização, de

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acordo entre as partes, já que a sinceridade ou discordância de certos

argumentos muitas vezes pode parecer descortesia ou má-educação.

4.6 - Análise das Chamadas

a )Chamada 01 Vani chega em frente à porta do banheiro e começa a bater dizendo:

V: Rui, RUI, tá na hora da chamada, meu amor, já estão aqui. Rui, Rui (( e continua a bater na porta ))

R: Vani, agora eu não posso (( Rui abre a porta , fala e a fecha rapidamente))

V- Não, não tá na hora da cha /

não , não

V: Rui,((e continua a bater na porta e fala com a câmera)) pera aí só um minuto que ele já vem. Rui, Rui

V: vai acabar a hora da chamada. A gente não vai ter chamada do programa hoje

R: Vani, tô ocupado, Vani

V: Quê que é, comeu alguma coisa ”

R: é tô (+) pera aí

V: pêra aí RuI . Vai sem Rui mesmo gente! É só pra lembrar que hoje depois da Globo Repórter tem Os

Normais, ta bom ”

((Rui abre a porta do banheiro))

R: é , depois do Globo Repórter, falou ”

V: Já falei isso Rui. Na hora ele vai ta fora do banheiro e também eu vou ta pronta, ta” Vai Rui senão nem na

hora do programa cê ta ai.

b) Chamada 02

Vani , olhando para o monitor, segura uma máscara de rosto masculino como se fosse o Rui e inicia

um diálogo:

V- Ficou boa essa né, também achei.

(( Vani responde como se fosse Rui))

V: É

((Vani pergunta a máscara)) V: essa aqui que é que você achou”

(( Vani responde como se fosse Rui)) é mais ou menos

V: é também achei mais ou menos

(( depois ela desiste de segurar a máscara e comenta))

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V: ah, gente eu não vou ficar aqui segurando uma mentira pro público. Eu não vou mentir pro público.

Sabe o que acontece” o Rui foi embora cara(+)

Pegou um avião pra Espanha , disse que tava de férias e me deixou aqui para fazer 04 chamadas pra o

programa de amanhã.

Eu não tenho o que dizer

É gente” pelo amor de Deus ” assiste o programa amanhã depois do Globo Repórter.

(( ela se vira novamente para a máscara que está segurando e pergunta)) Não ta bom o programa”

(( respondendo pela máscara)) ta ótimo, viu, , ta bom

(( beija a máscara)) eu adoro ele.

Nos dois exemplos, percebemos que o formato de uma chamada de Os

Normais foge ao formato convencional, caracterizando dessa forma, a linha

do programa que se baseia na simulação dos pequenos acontecimentos

diários da rotina de um casal. Essa simulação é complementada pela

interatividade dos personagens com o público, que dentro desse formato,

participa ativamente como se estivesse frente a frente com os personagens.

Al Ries (2002) defende que a mídia tem abertura para operar

estrategicamente. Essas estratégias interacional e de metalinguaguem, pelas

quais o personagem sai do programa e faz a chamada do próprio programa

parece ser o grande diferencial das chamadas de Os Normais .

Na chama 01 a personagem Vani dialoga ao mesmo tempo com o Rui

(através da porta do banheiro) e com o público, quando olha para câmera e

dá explicação do que está acontecendo. Na chamada 02, ela chega ao ponto

de comentar que não está se sentindo à vontade por simular, que a máscara

não é o personagem Rui. Ela decide contar a verdade para o público: “Rui

viajou”. O ponto máximo percebido da interação pretendida pelos autores

da chamada se dá quando Vani comenta que teria ainda que fazer 03

chamadas para o programa, além daquela. Ela afirma não saber o que dizer,

apela à ajuda do público nessa missão, para que assista ao programa no

horário que ela informou. Nesse formato da chamada, lembramos aqui o

posicionamento de Ferrés (1998, p. 268) quando assegura que:

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( . . . ) as mensagens da te levisão somente adquirem plena s ignificação quando interagem com as mensagens que o receptor emite na forma de res is tências e f i l t ros , mas também na forma de desejos , temores , anseios , i lusões, esperanças. . .

A sinceridade dos fatos é dita extra programa, ou seja, o personagem

continua sendo ele em qualquer lugar, ou seja, seu ethos é mantido na rua,

no programa e na chamada.

Outro ponto que merece comentário é a força dos próprios

personagens. Ninguém teria melhor resultado em fazer a chamada do que

eles mesmos. Esse fato foi percebido e comentado por Marcos Rey (2001,

p.27):“ ( .. .) o personagem é o grande elo entre o autor e o público.”

Principalmente se considerarmos que o público admira e se identifica com

eles.

Tal formato proporcionou uma espécie de “modelo” de sucesso, pelo

menos no que diz respeito a chamadas de sitcom . Se observarmos, as

chamadas do sitcom a Diarista30, que se utiliza do mesmo formato

metalingüístico no qual o personagem para atrair e manter o interesse pelo

programa, fala diretamente ao telespectador no meio do “break” comercial.

Por tanto, podemos dizer que as chamadas de Os Normais exercem

sobre o público o mesmo fascínio que o programa a partir do momento que

constrói uma identificação de seus personagens com pessoas reais e comuns

tais como os telespectadores. Esses acabam por atender aos apelos das

chamadas e a gostar e assistir freqüentemente o programa pela possível

identificação não só dos personagens, mas também pelas situações vividas

no dia a dia. O próprio diretor do núcleo, Guel Arraes, destaca essa

estratégia interacionista no comentário abaixo, quando interpreta o

pensamento do telespectador do programa: “(...) esse personagem sente isso que eu

também sinto, quando há identificação do telespectador, termina funcionando como uma

espécie de divã de psicanálise na televisão, porque se todo mundo é maluco então ser

maluco é ser normal”

30 A Diarista é uma comédia de situação que retrata as aventuras do dia –a- dia de uma empregada doméstica nas diferentes casas que ele trabalha.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A descrição do funcionamento da linguagem no tocante à interação

verbal de um programa de TV foi para nós a motivação de desenvolver este

estudo de pesquisa. Uma interação pré-construída, planejada,

completamente divergente das características de uma conversação natural

poderia construir o sentido na hora pelos seus interactantes? E o que esse

sitcom , Os Normais , possuía como diferencial, o que ele teria de atraente,

diante de tantos programas exibidos aos telespectadores? Dentro desses

primeiros questionamentos, levantamos as duas hipóteses do projeto em

estudo, a primeira: o sucesso do sitcom Os Normais perante o público e a

imprensa se reflete em seu ethos interativo e pela cena enunciativa

irreverente com os quais os telespectadores identificam-se como um

discurso de si próprios; e a segunda hipótese acredita que a estratégia

lingüística da ironia sustentada na interdiscursividade da subversão

argumentativa, proporciona o efeito de sentido de humor, gerando a

atratividade e preferência por parte dos telespectadores.

Após o processo analítico do corpus ampliado e do corpus restrito,

em especial, alicerçado pela construção do arcabouço teórico referente ao

problema, chegamos à conclusão que as duas hipóteses parecem se

confirmar funcionando, assim, como pedras fundamentais para que o

telespectador privilegie a comédia de situação analisada, dentro de uma

variada grade de programação da quinta maior rede de TV aberta do mundo.

Vários fatores apontados nas hipóteses foram se confirmando no

encaminhamento de nosso estudo. O primeiro deles é a força representativa

do ethos do programa e dos personagens. Os personagens, dentro ou fora do

programa, (entenda-se quando estão fazendo a chamada comercial) mantêm

os perfis psicológicos, ideológicos, culturais e principalmente

comportamentais presentes em seu público-alvo.A identificação do

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telespectador acaba se tornando quase imediata, seja pelo formato, seja pelo

roteiro ou até mesmo por causa dos personagens.

Outro ponto relevante que verificamos foi a interdiscursividade nos

diálogos, ou melhor dizendo, o jogo de linguagem dos personagens usado

para manter o equilíbrio e a estabilidade da interação. Apesar de

pertencerem à mesma classe social, à mesma cultura e, por que não dizer,

possuírem a mesma ideologia, os personagens Rui e Vani não estabelecem

hierarquia igual nas representações sociais. Isso é até muito normal,

principalmente quando o assunto é o casamento. Objeto de desejo dela,

significa o não desejo dele. Entre outros temas na série este é o mais

recorrente e é o que proporciona com mais facilidade o fenômeno discutido

por Maingueneau da interincompreensão. Não há entendimento por não

haver possibilidade de aceitação do posicionamento do outro. Esse

fenômeno ocorre durante um jogo de linguagem repleto de subversão

argumentativa, em sua maioria irônica, que desqualifica o discurso do outro

para elevar o seu. Isto não quer dizer que os personagens não preservam

suas faces. A polidez e a mudança de alinhamento são bastante visíveis em

seus discursos. A ironia não deixa de ser uma forma elegante de discordar,

fugir ou mesmo de criticar o assunto discutido. Isso é refletido nas palavras

de Bakhtin quando fala da atitude responsiva ativa dos interlocutores

próprio da interação verbal.

Como também vale a pena ressaltar, a interação discursiva dos

personagens é sustentada pela exterioridade lingüística: tonicidade,

expressividade que constroem o sentido pretendido, neste caso, o humor.

Concordamos com apremissa que nunca se pode prever com exatidão

em que sentido o parceiro vai orientar a sua intervenção,uma vez que a fala

é um processo dinâmico, pode-se afirmar que a análise conversacional tem

como uma de suas principais características o improviso, e que o discurso é

construído em tempo real pelos interlocutores. Isto quer dizer que a

autonomia dos atores durante as suas interpretações também contribui para

a produção do efeito de sentido geral do programa. O humor não se limita

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ao texto, mas alcança, a “vida” que o ator proporciona ao personagem,

como um trabalho de co-autoria.

Logo, podemos afirmar diante do exposto que o efeito de sentido

também pode ser construído, na hora, durante a interação de personagens

em um programa de TV e que este programa em particular, a partir de seu

formato irreverente, de seus diálogos subversivos irônicos, e da

identificação do telespectador com o tema tratado e com os personagens,

que se revelam sem constrangimentos, sejam em seus hábitos mais secretos,

sejam em suas dúvidas cotidianas, atraem a atenção seletiva do

telespectador, retêm-no diante da tela surpreso por encontrar nas ações dos

personagens coisas tão banais. Isto o leva a se imaginar normal, exatamente

porque as maluquices não são exclusividades sua, mas comuns à maioria das

pessoas. Afinal “se todo mundo é maluco, ser maluco é Normal” (Guel

Arraes).

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Parábola. , . ([2002]2003).

Fontes primárias de pesquisa OS Normais . O Filme. Direção José Alvarenga Jr . Intérpretes: Luís Fernando Guimarães,Fernanda Torres, Marisa Orth e Evandro Mesquita. Brasil : Missão Impossível 5; Globo Filmes, 2004DVD vídeo.(92 minutos).

OS Normais . Direção José Alvarenga Jr. Intérpretes: Luís Fernando Guimarães e Fernanda Torres. Brasil : Ed. TV Globo Ltda, 2001DVD vídeo.(130 minutos).O DVD traz seis programas, entrevistas com os atores, autores, diretor e diretor do núcleo.

Os Normais Sem cortes: Cenas jamais vistas! Direção José Alvarenga Jr. Intérpretes: Luís Fernando Guimarães e Fernanda Torres. Brasil: Ed. TV Globo Ltda, 2003; 2001DVD vídeo.(3h14mim) Os Normais.Disponível em < http://www.globo.com/os normais> acesso em:23 out.2003.

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Fontes de pesquisa adicionais SÉRIE Os Normais exibe os últimos episódios. Jornal do commercio , Recife, 19 out. 2003. Caderno C, Imagem, p-6.

O “CASAL NEURA” Rui e Vani sai do ar no auge da fama . Jornal do commercio , Recife, 03 out. 2003. Caderno C, Imagem, p-6.

NO CINEMA como na TV. Jornal do commercio , Recife, 24 out. 2003. Caderno C, capa, p-1.

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ANEXOS

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ANEXO A

CAPA DO LIVRO:OS MELHORES MOMENTOS DE OS NORMAIS

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ANEXO B:

MATÉRIA JC PUBLICADA EM 19/09/03 – SÉRIE OS NORMAIS EXIBE

OS ÚLTIMOS EPISÓDIOS

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ANEXO C

MATÉRIA JC PUBLICADA EM 03/10/03 – O ‘CASAL NEURA’ RUI E VANI SAI DO AR

NO AUGE DA FAMA

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ANEXO D

MATÉRIA JC PUBLICADA EM 19/09/03 – OS NORMAIS JUSTIFICA ADAPTAÇÃO

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ANEXO E

MATÉRIA JC PUBLICADA EM 24/10/03 – COMÉDIA LIGEIRA TEM ELENCO BEM RELAX E

HUMOR SARCÁSTICO

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ANEXO F

CAPA DO DVD OS NORMAIS

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ANEXO G

CAPA DO DVD OS NORMAIS SEM CORTES

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ANEXO H

CAPA DE OS NORMAIS O FILME

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