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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
JOSEMAR GUEDES FERREIRA
“JESUS VAI VOLTAR E EU NÃO APRENDO A LER”:
PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES EM CONDIÇÃO DE
ANALFABETISMO
Recife
2013
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
JOSEMAR GUEDES FERREIRA
“JESUS VAI VOLTAR E EU NÃO APRENDO A LER”:
PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES EM CONDIÇÃO DE
ANALFABETISMO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação do Centro de
Educação da Universidade Federal de
Pernambuco, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Drª. Eliana Borges Correia de
Albuquerque.
Recife
2013
2
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JOSEMAR GUEDES FERREIRA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
TÍTULO: “JESUS VAI VOLTAR E EU NÃO APRENDO A LER”: PRÁTICAS DE
LEITURA E ESCRITA DE MULHERES EM CONDIÇÃO DE ANALFABETISMO.
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________________
Profa Dr
a. Eliana Borges Correia de Albuquerque
1a Examinadora/Presidente
______________________________________________
Profa. Dr
a. Dayse Cabral de Moura
2a Examinadora
______________________________________________
Profa. Dr
a. Andréa Tereza Brito Ferreira
3a Examinadora
______________________________________________
Profa. Dr
a. Ana Maria de Oliveira Galvão
MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADO
RECIFE, 26 de agosto de 2013
4
Essa é a importância de eu querer saber ler: é pra ler a Bíblia.
Eva
(aluna da pesquisa)
Eu vou aprender, sim, a ler, para cantar hino na igreja.
Ana
(aluna da pesquisa)
Eu queria tá lendo, assim, a Palavra, pra passar [...] o amor de Deus.
Rebeca
(aluna da pesquisa)
Eu gostaria de ler [...] tudo.
Sara
(aluna da pesquisa)
Já estou com idade avançada, só quero mesmo aprender a ler. Tudo isso, só que eu quero
Rute
(aluna da pesquisa)
Jesus vai voltar e eu não aprendo a ler!
Raquel
(aluna da pesquisa)
5
A Deus, em quem “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”.
(Colossenses 2:3)
Às seis mulheres da pesquisa, cuja sabedoria e conhecimento são um tesouro para mim.
DEDICO
6
AGRADECIMENTOS
A meu Deus, pois nele encontro o sentido da minha existência e vida e somente em quem nos
tornamos verdadeiramente humanos.
À Profa. Doutora Eliana Borges Correia de Albuquerque, estimada e competente
orientadora, que me ajudou antes mesmo do mestrado e sem suas preciosas contribuições e
direção seria muito mais difícil a conclusão desta pesquisa.
À Profa. Doutora Andréa Tereza Brito Ferreira, pela amizade, pela atenção sempre
dispensada e pelas valiosas orientações, quando da qualificação deste trabalho.
À Profa. Doutora Dayse Cabral de Moura, pela amizade, por ter permitido acompanhá-la em
suas aulas de EJA e nos encontros do grupo de estudo e pelas orientações durante a
qualificação desta pesquisa.
À Profa. Doutora Ana Maria de Oliveira Galvão, por atender prontamente ao convite de
participar da defesa desta pesquisa, pelas suas orientações esclarecedoras e por contribuir para
minha formação acadêmica com os seus trabalhos.
Às mulheres da pesquisa, que são para mim companheiras de fé e mães e sem as quais esta
pesquisa simplesmente não existiria.
À professora alfabetizadora, que me permitiu observar suas aulas, pela sua colaboração na
realização deste trabalho e pela sua atenção e respeito para comigo.
Ao Pr. Adrian Stewart, pela sua amizade e ajuda na construção do abstract.
A amada Irly da Silva Ferreira, mulher, esposa, mãe, companheira de fé e presente de Deus
para mim.
A Ana Sophia Guedes Ferreira e Ana Carolina Guedes Ferreira, minhas filhas, que,
apesar de não saberem ainda a dimensão deste empreendimento, elas nem imaginam o quanto
me ajudaram.
7
Aos meus pais, Manoel Patrocínio Ferreira e Darcy Guedes Ferreira (em memória), que
sempre me amaram e me educaram incondicionalmente. A ambos, a minha honra e dívida
eternas.
A meus irmãos e as minhas irmãs, que carrego no coração, Wylma Guedes Ferreira do
Nascimento, Uilza Guedes Ferreira Carvalho, Jean Guedes Ferreira, Leile Guedes Ferreira,
Manoel Patrocínio Ferreira Júnior e seus respectivos esposos, esposa, filhos e filhas.
A Ivonete Bastos Ferreira, pela atenção e frutíferos debates.
Aos professores e às professoras do curso de Pedagogia da UFPE e do Mestrado,
especialmente ao Professor Doutor Artur Gomes de Morais e à Profa. Doutora Magna do
Carmo Silva Cruz, pela sua simplicidade e comentários esclarecedores.
À Profa. Doutora Célia Maria Rodrigues da Costa Pereira, por sua simplicidade e
competência, pela amizade, pelo constante estímulo e por ter contribuído significativamente
para o meu amadurecimento no exigente caminho da pesquisa científica.
Aos colegas e às colegas do curso de Pedagogia, especialmente Aldenize (em memória),
Daniela Luiza Lemos Machado, Jane Rafaela Pereira da Silva e Vânia Rocha da Silva.
À amiga e Profa. Cristiana Vasconcelos do Amaral e Silva (Cris), que sempre demonstrou,
em nossa caminhada, preciosas qualidades como humildade, cortesia, serviço abnegado,
respeito e competência profissional.
À UFPE, enquanto instituição e aos funcionários e às funcionárias, especialmente os (as) de
Serviços Gerais, os (as) da Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação, os (as)
do laboratório, e os (as) da Biblioteca, notadamente Adilson dos Ramos, Ênio Barbosa de
Lima, Francisco Bezerra de Lima, Kátia Tavares e Maria das Neves Maranhão, sempre
atenciosos (as) e competentes profissionais.
Ao CNPq, pelo financiamento da pesquisa.
À Igreja Evangélica Congregacional em Cajueiro Seco, pela amizade, cuidado,
compreensão, companheirismo na fé e intercessão constante em meu favor.
8
Ao Seminário Teológico Congregacional do Nordeste, pela amizade, confiança e
oportunidades na minha iniciação à pesquisa, em especial ao Pr. Glenn Thomas Every-
Clayton e a Profa. Joyce Elizabeth Winifred Every-Clayton.
À Igreja Evangélica Congregacional em Juazeiro – BA, que sempre cooperou comigo no
sentido mais amplo dessa palavra, e Cleunice David de Sena (Nicinha), amiga, companheira
de fé, intercessora, cujo cuidado comigo é mesmo como de uma mãe.
À Igreja Evangélica Congregacional em Juazeiro V, na cidade de Juazeiro – BA, por ter
me ensinado, na prática, a vivência dos ensinos de Jesus Cristo.
Ao meu vizinho Murilo Thadeu Viana Lavra, pela amizade e apoio em palavras e atitudes.
9
LISTA DE SIGLAS
CONFINTEA- Conferência Internacional de Educação de Adultos
EJA – Educação de Jovens e Adultos
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEC – Igreja Evangélica Congregacional
INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional
JA – Jovens e Adultos
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MEC– Ministério da Educação e Cultura
MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetização
PBA – Programa Brasil Alfabetizado
PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PLE - Práticas de Leitura e Escrita
SEA - Sistema de Escrita Alfabética
UNESCO– Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UFPE – Universidade Federal de Pernambuco
10
RESUMO
A presente pesquisa buscou analisar as práticas de leitura e escrita de mulheres analfabetas no
contexto da escola e da igreja. A metodologia utilizada teve como fundamento teórico e
prático uma abordagem de natureza qualitativa. Os sujeitos da pesquisa corresponderam a 6
(seis) mulheres alunas do Programa Brasil Alfabetizado e a professora da turma que elas
frequentavam, em uma comunidade de Jaboatão dos Guararapes-PE. Como procedimentos
metodológicos, realizaram-se observações de aulas e observações das práticas de leitura e
escrita de três dessas mulheres no âmbito da igreja; entrevistas com as alunas sujeitos da
pesquisa e com a professora; aplicação de uma atividade diagnóstica de escrita de palavras no
início e no final do período de escolarização e análise de documentos (das atividades no
caderno e no livro didático adotado). Os dados da pesquisa revelaram que as alunas, ao
ingressarem no Programa, já tinham conhecimentos sobre a escrita e se encontravam na
hipótese silábico-alfabética de acordo com a abordagem da Psicogênese da língua escrita.
Além disso, observou-se que as mulheres lidavam com a leitura, muito mais que a escrita, no
seu dia-a-dia, em diversos eventos de letramento. Na escola elas se depararam com atividades
pedagógicas que não as ajudaram a avançar em seus conhecimentos, uma vez que a maioria
delas concluiu o ano na mesma hipótese de escrita que possuíam ao ingressar no Programa.
As atividades de alfabetização se baseavam no trabalho com uma palavra geradora extraída de
um texto ou de uma situação de conversa e, com base nessa palavra, eram realizadas
principalmente atividades de escrita no quadro pela professora de outras palavras que
começavam com a mesma letra para que as alunas copiassem e a separação silábica de
algumas das palavras. Assim, as atividades envolviam basicamente a memorização e cópia de
palavras. Em relação à leitura de textos, ela não era realizada diariamente. Em apenas 12
(doze) aulas, das 31 (trinta e uma) observadas, houve leitura de textos, retirados, muitos deles,
do livro didático que os alunos receberam. No geral, a professora lia o texto, fazia uma
discussão da temática e depois trabalhava alguma palavra chave do texto. A alfabetizadora
não proporcionou às alunas a leitura de textos que faziam parte de suas experiências fora da
escola, no caso, na igreja, ou leitura de textos que poderiam ser interessantes para ampliar as
experiências de letramento das alunas, como os literários. Atividades de produção de textos
não foram vivenciadas ao longo das observações. Enfim, a análise dos dados da pesquisa
apontou que as mulheres analfabetas possuíam conhecimentos de mundo, que envolviam
também aqueles relacionados com o sistema de escrita e seus usos, mas ao concluírem o
Programa Brasil Alfabetizado, suas expectativas de aprender a ler e escrever não foram
atendidas e elas continuavam se achando analfabetas ou, no caso de duas delas, tomaram
consciência desse estado. Nessa perspectiva, propostas de formação de professores que
contemplem a construção de práticas de alfabetização, na Educação de Jovens e Adultos, que
priorizem tanto as atividades de leitura e produção de textos, como aquelas relacionadas com
a apropriação da escrita alfabética, precisam ser efetivamente desenvolvidas.
Palavras - chave: Alfabetização. Letramento. Práticas de Leitura e Escrita. EJA.
11
ABSTRACT
This research sought to analyse the reading and writing practices of illiterate women in the
context of school and church. The basis of the methodology, both in theory and practice, was
an approach of qualitative nature. The subjects of the study were six women, students of the
Brazilian Literacy Programme plus the teacher of the class they attended, based in a
community of Jaboatão dos Guararapes – PE. In terms of methodological procedures:
classroom observations were conducted; observations of reading and writing practices of three
of the women in a church context; interviews with the research subjects and their teacher; the
application of a diagnostic test for writing at the beginning and end of their period of
schooling, and the analysis of documents (from their work as prescribed by the workbook
they used). The results of the survey showed that, on entering the study programme, they
already had some writing knowledge and were in the alphabetical syllabic stage according to
the Psychogenesis approach to written language. Furthermore, it was observed that the
women dealt with reading, much more than with writing, in their daily life, in a variety of
literary moments. At the school they encountered educational activities which did not help to
advance their understanding, since most of them concluded the year at the same writing stage
as they had when they joined the study programme. Literacy activities were based on
exercises with a generative word taken from a text or conversation, and, using the word as a
basis, the teacher conducted writing activities, principally on the board, writing other words
which began with the same letter so that the pupils could copy them noting the syllabic
separation of some of the words. In this way the classroom exercises basically involved the
memorization and copying of words. As to the reading of texts, this was not a daily
occurrence. There were readings of texts in only twelve of the thirty-one classroom
observations, mostly taken from the workbook which the pupils had received. In general the
teacher read the text, encouraged a discussion of the theme and then worked on a keyword
from the text. The literacy teacher did not provide the students with the reading of texts that
were part of their experiences beyond the school, for example, in the church, or the reading of
texts that could have been helpful in expanding their literary experiences, as readers.
Exercises to produce texts were not observed. Ultimately, the analysis of the survey data
showed that the illiterate women had some understanding of the world which involved aspects
related to writing and its uses, but in completing the Brazilian Literacy Programme their
hopes of learning to read and right were not met and they continued to consider themselves
illiterate, or, as in the case of two of the subjects, they became aware of this. From this
perspective, proposals for teacher training which address the construction of literacy practices
in youth and adult education, prioritizing both reading exercises and the production of texts,
such as those related to the ownership of alphabetic writing, need to be effectively developed.
Keywords: literacy, reading and writing practice, EJA.
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Diagnose inicial da aluna Eva (nível silábico-alfabético) ....................................... 128
Figura 2:Diagnose inicial da aluna Sara (nível silábico-alfabético) ....................................... 130
Figura 3:Diagnose inicial da aluna Rebeca (nível silábico-alfabético) .................................. 132
Figura 4:Diagnose inicial da aluna Raquel (nível silábico-alfabético)................................... 135
Figura 5:Diagnose inicial da aluna Rute (nível silábico-alfabético) ..................................... 138
Figura 6:Diagnose inicial da aluna Ana (nível alfabético) ..................................................... 142
Figura 7: Diagnose final da aluna Eva (nível silábico-alfabético) ......................................... 182
Figura 8: Diagnose final da aluna Sara (nível alfabético) ...................................................... 184
Figura 9: Diagnose final da aluna Rebeca (nível silábico-alfabético) .................................... 186
Figura 10: Diagnose final da aluna Raquel (nível silábico-alfabético) .................................. 188
Figura 11: Diagnose final da aluna Rute (nível silábico-alfabético) ...................................... 190
Figura 12: Diagnose final da aluna Ana (nível alfabético) ..................................................... 192
13
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Perfil do sujeitos da pesquisa ................................................................................. 78
Quadro 2: Quantitativo de aulas previstas e aulas dadas pela professora ................................ 89
Quadro 3: Quantitativo de aulas observadas ........................................................................... 89
Quadro 4: Frequência e motivos de ausência das alunas às aulas ............................................ 90
Quadro 5: Quantitativo de observações feitas na igreja ........................................................... 90
Quadro 6: Tópicos temáticos das entrevistas com cada aluna.................................................. 92
Quadro 7: Quantitativo de entrevistas feitas na igreja ............................................................. 93
Quadro 8: Como as mulheres se viram durante o PBA? ........................................................ 107
Quadro 9: O que as mulheres liam antes do PBA?................................................................ 110
Quadro 10: O que as mulheres escreviam antes do PBA ...................................................... 115
Quadro 11: O que as mulheres gostariam de ler ..................................................................... 116
Quadro 12: Material que cada uma das mulheres gostaria de ler ........................................... 117
Quadro 13: O que as mulheres gostariam de escrever............................................................ 121
Quadro 14: Proposta de prática de escrita pela professora ..................................................... 150
Quadro 15: Leituras feitas pela professora em sala de sala .................................................... 169
Quadro 16: Atividades comuns nas tarefas de casa ................................................................ 174
Quadro 17: Proposta de prática de leitura pela professora ..................................................... 178
Quadro 18: O que as mulheres disseram sobre a prática pedagógica da professora .............. 178
Quadro 19: Avanços das mulheres na leitura ......................................................................... 194
Quadro 20: O não avanço das mulheres na leitura e na escrita .............................................. 198
Quadro 21: Leituras realizadas na igreja ANTES do ingresso na escola ............................... 206
Quadro 22: Relação com a Bíblia e sua leitura ANTES do ingresso na escola ..................... 207
Quadro 23: Estratégias usadas na leitura daBíblia ANTES do ingresso na escola ................ 208
Quadro 24: Dificuldades na leitura da Bíblia na igrejaANTES do ingresso na escola .......... 211
Quadro 25: Estratégias usadas na leitura daBíblia APÓS do ingresso na escola ................... 220
Quadro 26: Dificuldades na leitura da Bíblia na igreja APÓS o ingresso na escola .............. 224
Quadro 27: Estratégias usadas na leitura do Hinário APÓS do ingresso na escola ............... 226
Quadro 28: Atividades realizadas pela professora em sala de aula ........................................ 270
14
LISTA DE TABELA
Tabela 1 -Brasil: Evolução do analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais–1920/2000. . 49
Tabela 2- Brasil: Evolução da população em milhões ............................................................ 50
Tabela3 - Brasil: Pessoas de 15 anos ou mais, não – alfabetizados por sexo segundo os grupos
de idade - 2000 ......................................................................................................................... 51
15
LISTA DE ATIVIDADES
Atividade 1: Cópia do alfabeto ............................................................................................... 151
Atividade 2: Leitura e cópia de palavras ............................................................................... 151
Atividade 3: Cópia de palavras ............................................................................................... 152
Atividade 4: Cópia de texto coletivo construído oralmente ................................................... 153
Atividade 5: Oralização e escrita de palavras pelas alunas .................................................... 156
Atividade 6: Formação de palavras a partir de sílabas ........................................................... 156
Atividade 7: Formação de frases ............................................................................................ 157
Atividade 8: Desenho e escrita de nome de figuras................................................................ 158
Atividade 9: Oralização e cópia de palavras .......................................................................... 160
Atividade 10: Separação de palavras em sílabas .................................................................... 161
Atividade 11: Contagem de sílabas de palavras ..................................................................... 162
Atividade 12: Escrita de palavras ditadas ............................................................................... 163
Atividade 13: Não correção de “erros” ortográficos .............................................................. 173
Atividade 14: Formação de palavras com as letras do próprio nome ..................................... 175
Atividade 15: Cópia de receita ............................................................................................... 175
16
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Texto do Evangelho de João 3:16 ........................................................................ 213
Imagem 2: Letra do Hino 333................................................................................................. 227
Imagem 3: Letra da música Diante da cruz ............................................................................ 229
Imagem 4: Letras das músicas Rio de vida e Bendito serei ................................................... 232
Imagem 5: Escrita de palavras soltas e de frases .................................................................... 236
17
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 20
CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................... 27
1.1. O jovem e adulto analfabeto no Brasil: história, identidade e realidade escolar ............... 27
1.1.1 Um panorama histórico da alfabetização de jovens e adultos no Brasil ......................... 27
1.1.2 Quem é o jovem e adulto analfabeto no Brasil e sua realidade escolar........................... 45
1.2 Alfabetização, letramento e EJA ........................................................................................ 55
1.3 Alfabetização e letramento: relação e especificidades ...................................................... 65
CAPÍTULO 2. FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......... 76
2.1 Caracterização e apresentação das mulheres da pesquisa, da professora da escola e
professores (as) da igreja ......................................................................................................... 76
2.1.1 Caracterização e apresentação das mulheres da pesquisa ............................................... 76
2.1.2 Apresentação das mulheres sujeitos da pesquisa ............................................................ 79
2.1.3 Caracterização e apresentação da professora do Brasil Alfabetizado ............................. 80
2.1.4 Caracterização e apresentação dos professores da igreja ................................................ 81
2.2 Apresentação dos espaços da pesquisa e suas caracterizações ........................................... 82
2.2.1 A escola ........................................................................................................................... 82
2.2.2 A igreja ............................................................................................................................ 84
2.3 Fundamentos metodológicos .............................................................................................. 85
2.4 Procedimentos e instrumentos metodológicos ................................................................... 88
2.4.1 Observações ..................................................................................................................... 89
2.4.2 Entrevistas com os sujeitos .............................................................................................. 91
2.4.3 Diagnose .......................................................................................................................... 95
2.4.4 Análise de documentos .................................................................................................... 96
2.5 Análise dos dados ............................................................................................................... 96
CAPÍTULO 3. MULHERES ADULTAS “ANALFABETAS” E/OU POUCO
ESCOLARIZADAS: QUEM SÃO? COMO SE VEEM? O QUE SABEM? E QUAIS AS
SUAS EXPECTATIVAS? ...................................................................................................... 99
3.1 Quem eram as mulheres participantes da pesquisa? ........................................................... 99
3.2 Como as mulheres se viam em relação à leitura e à escrita? ............................................ 106
3.3 O que as mulheres liam e escreviam antes de entrar na escola? ....................................... 110
3.4 As expectativas das mulheres ........................................................................................... 116
18
3.4.1 O que gostariam de ler e escrever .................................................................................. 116
3.4.1.1 O que gostariam de ler ................................................................................................ 116
3.4.1.2 O que gostariam de escrever ....................................................................................... 121
3.4.2 Por que as mulheres voltaram à escola? ........................................................................ 123
CAPÍTULO 4. PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES
ANALFABETAS NO ESPAÇO ESCOLAR: O QUE ELAS SABIAM? O QUE
APRENDERAM? ................................................................................................................. 127
4.1 O perfil de entrada das mulheres em relação à escrita alfabética ..................................... 127
4.1.1 Eva ................................................................................................................................. 128
4.1.2 Sara ................................................................................................................................ 130
4.1.3 Rebeca ........................................................................................................................... 132
4.1.4 Raquel ............................................................................................................................ 135
4.1.5 Rute ................................................................................................................................ 138
4.1.6 Ana ................................................................................................................................ 142
4.2 Como as mulheres escreviam o seu próprio nome? ......................................................... 145
4.3 As práticas de ensino da leitura e da escrita vivenciadas pelas mulheres no Programa
Brasil Alfabetizado ................................................................................................................. 147
4.3.1 Relacionamento com a turma, frequência e horário de início das aulas........................ 147
4.3.2 A rotina de atividades vivenciadas pelas alunas no PBA .............................................. 148
4.3.3 Avaliação das práticas de leitura e escrita propostas pela professora do ponto de vista
das mulheres .......................................................................................................................... 178
4.4 O que as alunas efetivamente aprenderam? ...................................................................... 181
4.4.1 Eva ................................................................................................................................. 182
4.4.2 Sara ................................................................................................................................ 184
4.4.3 Rebeca ........................................................................................................................... 186
4.4.4 Raquel ............................................................................................................................ 188
4.4.5 Rute ................................................................................................................................ 189
4.4.6 Ana ................................................................................................................................ 191
4.5 O que as mulheres escreviam ou não do seu próprio nome.............................................. 193
4.6 As expectativas das mulheres foram atendidas?............................................................... 194
CAPÍTULO 5. PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES FORA DA
ESCOLA: O ESPAÇO DA IGREJA .................................................................................. 206
5.1 Práticas de leitura e escrita na igreja ANTES de entrar na escola ................................... 206
5.1.1 Práticas de leitura .......................................................................................................... 206
19
5.1.1.1 A leitura da Bíblia....................................................................................................... 207
5.1.1.2 A leitura do Hinário e da coletânea de cânticos ......................................................... 215
5.1.1.3 A leitura de outros textos ............................................................................................ 215
5.1.2 Práticas de escrita ......................................................................................................... 217
5.2 Práticas de leitura e escrita na igreja APÓS entrar na escola ........................................... 217
5.2.1 Práticas de leitura .......................................................................................................... 217
5.2.1.1 A leitura da Bíblia ...................................................................................................... 218
5.2.1.2 A leitura do Hinário e da coletânea de cânticos ......................................................... 226
5.2.1.3 A leitura de outros textos ............................................................................................ 233
5.2.2 Práticas de escrita ......................................................................................................... 234
CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 237
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 245
APÊNDICE A ....................................................................................................................... 260
APÊNDICE B ........................................................................................................................ 261
APÊNDICE C ....................................................................................................................... 262
APÊNDICE D ....................................................................................................................... 263
APÊNDICE E ........................................................................................................................ 264
APÊNDICE F ........................................................................................................................ 266
APÊNDICE G ....................................................................................................................... 268
APÊNDICE H ....................................................................................................................... 270
20
INTRODUÇÃO
Vem crescendo, no Brasil, desde as últimas cinco décadas do século XX, uma
preocupação com a educação voltada para jovens e adultos (JA)1 não escolarizados, que têm
sido designados ao longo do tempo de analfabetos. Uma das razões para isso é que, num
mundo letrado como o que se vive atualmente, eles enfrentam restrições, constrangimentos e
preconceitos, sem que possam contar, em geral, com a presença de alguém que os ensinem,
seja este um professor ou não, embora convivam com pessoas alfabetizadas em outros
ambientes, como o familiar, e desenvolvam Práticas de Leitura e Escrita (PLE) em distintos
espaços sociais.
Dentro de um retrospecto pessoal e da temática da pesquisa, pode-se afirmar que o
interesse pelo eixo temático desse trabalho (as práticas de leitura e escrita de mulheres
analfabetas) surgiu, mesmo que ainda de maneira incipiente, na metade do curso de
Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Contudo, a
confirmação e especificações desse eixo temático ocorreram gradativamente, em três
momentos cruciais, como se verá a seguir.
O primeiro momento se situa numa experiência de monitoria com a Prof.ª Dr.ª Célia
Maria Rodrigues da Costa Pereira, na disciplina de História da Educação do Brasil, em 2007,
na qual se estudou a educação popular, com o viés para Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Somaram-se ainda a esse momento as discussões teóricas das disciplinas de Metodologia do
Ensino da Língua Portuguesa I e II, em 2007 e 2008, respectivamente.
O segundo momento se deu, mais precisamente, no âmbito das pesquisas do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), em 2008. A partir dessa data, e
durante dois anos (até 2010), iniciou-se uma parceria com a Prof.ª Dr.ª Eliana Borges Correia
de Albuquerque em um projeto, cujo título versava sobre As Práticas de Alfabetização de
Professores de Educação de Jovens e Adultos e seus Reflexos nas Aprendizagens dos Alunos,
que proporcionou a possibilidade de dois aprofundamentos: um teórico, motivado por leituras
pessoais, debate com a Prof.ª Eliana e com o grupo de estudo de EJA, na UFPE, que contava
com colegas-pesquisadoras e com a Prof.ª Dr.ª Andréa Tereza Brito Ferreira, e um
aprofundamento prático, na medida em que nos possibilitou vivenciar mais de perto a
realidade escolar em si, conhecer, ainda que superficialmente, as práticas pedagógicas de
1Atualmente, com a inclusão do termo idoso, a nomeação tem sido Educação de Jovens e Adultos e Idosos
(EJAI), mas nesta pesquisa continuará sendo usada a denominação tradicional de EJA.
21
professoras da Rede Municipal de Recife e de Camaragibe – PE, bem como a realidade e as
aprendizagens dos alunos de EJA, notadamente em relação ao Sistema de Escrita Alfabética
(SEA). Como as pesquisas no grupo tinham como foco, em sua maioria, mulheres, se
delineou esse gênero e uma faixa etária que se reportava a pessoas adultas como uma
referência de investigação.
Chegou-se ao terceiro momento quando surgiu a necessidade de se definir o eixo
temático e, por conseguinte, o problema da pesquisa. Essa definição só se concretizou em
meio a uma experiência de vida crucial, iniciada com o pastoreio de uma igreja evangélica de
classe popular, num bairro urbano em Jaboatão dos Guararapes – PE, desde 1999 até a
presente data. A vivência contínua com pessoas analfabetas, ou em alfabetização, nessa Igreja
(Igreja Evangélica Congregacional - IEC), e outras do bairro acima citadas, que apresentavam
saberes, PLE e expectativas pessoais, sinalizou para a necessidade de um acompanhamento
das referidas pessoas, no âmbito de um trabalho científico.
Com o ingresso no mestrado da UFPE (2010), e ao longo do ano seguinte,
aconteceram duas situações relevantes, que ajudaram na definição da problemática: a primeira
delas foi a escolha das pessoas partícipes do projeto. Após contatos iniciais com algumas
mulheres, conversamos mais detalhadamente com 6 (seis) delas, 3 (três) da IEC e 3 (três) do
bairro onde elas moravam, as quais prontamente aceitaram integrar a pesquisa. Dessa forma,
continuou-se com a modalidade da EJA, mas agora com um público específico: o de
mulheres.
A segunda situação, estritamente associada à primeira, se deveu ao fato da desistência
de procurar outro grupo de mulheres, que seria formado por aqueles JA em processo de
alfabetização no ambiente escolar, por dois motivos: um deles é que não se encontrou, nos
limites geográficos do bairro, uma escola que tivesse uma turma de EJA e, o outro motivo,
ocorreu quando as mulheres acima mencionadas decidiram voltar a estudar (para 5/cinco
delas), ou começar a estudar pela primeira vez, (para 1/uma delas), o que de fato sucedeu no
final de 2011.
Partiu-se, depois disso, para a definição do problema da pesquisa, propriamente dito,
que passou por mudanças desde o projeto de pesquisa inicial.
Apesar da necessidade de definições mais precisas, algumas questões sobre o
problema estavam respondidas. A primeira delas foi: por quê? Ou seja, por que se interessar
por um problema que envolvia PLE de pessoas adultas e idosas? Como se disse
anteriormente, isso teve a ver com as pesquisas realizadas por nós na EJA e o convívio com
22
pessoas analfabetas, que inicialmente estavam fora da escola. Após o porquê, a segunda
questão foi: para quê? E essa pergunta tinha relação com a necessidade em se analisar essas
PLE entre pessoas adultas e/ou idosas, nos espaço escolar e no da igreja, para se identificar,
por exemplo, as aprendizagens e as estratégias dos próprios sujeitos.
Finalmente, mais duas questões foram respondidas antes da construção final do
problema: Onde? E quando? Em relação à primeira, ou seja, o campo espacial de
investigação, a definição sucedeu por conta da vivência do pesquisador com pessoas
analfabetas de um bairro no município de Jaboatão dos Guararapes, ao longo de anos. E a
segunda questão, o aspecto temporal, abrangeu o período de 1 (um) ano, de 2011 a 2012.
Respondidas as perguntas acima, chegou-se à seguinte delimitação do problema:
Quais as práticas de leitura e escrita de mulheres analfabetas em Jaboatão
dos Guararapes – PE, na escola e na igreja?
Do problema acima citado se depreendeu prioritariamente o objetivo geral, conforme
exposto abaixo:
Analisar as práticas de leitura e escrita de mulheres analfabetas em Jaboatão
dos Guararapes – PE, na escola e na igreja.
Como desdobramento do objetivo geral, estabeleceu-se os seguintes objetivos
específicos:
Investigar os conhecimentos que mulheres analfabetas de uma turma de
alfabetização já possuíam sobre a leitura e a escrita;
Analisar práticas de alfabetização de mulheres na escola e como elas se
relacionam – ou não – com as expectativas e experiências dessas alunas;
Investigar as aprendizagens relacionadas à leitura e à escrita de mulheres da
EJA de alfabetização;
Analisar as experiências de letramento que mulheres analfabetas possuíam
sobre leitura e escrita na igreja.
O percurso feito até aqui estabeleceu o lastro para a justificativa ou relevância da
presente pesquisa.
Um primeiro motivo dessa justificativa emergiu de uma experiência pessoal associada
à JA, que já vinha acontecendo no âmbito das atividades eclesiásticas, antes e durante o
pastorado junto à igreja, no qual, nas práticas de ensino, contou-se com ouvintes, dentre os
23
quais figuravam mulheres adultas analfabetas (acima dos 40/quarenta anos), que em casa e/ou
nos eventos da igreja, por exemplo, demonstravam conhecimento de letras do alfabeto,
sabiam escrever o próprio nome, conseguiam abrir a Bíblia, sem o auxílio de outra pessoa, e
de utilizarem estratégias para identificar os livros da Bíblia.
Pesquisas já mostram que pessoas assim possuem conhecimentos do SEA, que se
envolvem, no seu cotidiano, com gêneros textuais e são produtoras de conhecimento, mesmo
com suas limitações no âmbito da leitura e escrita. O presente trabalho, favorecido pela
interação entre pesquisador e sujeitos, permitiu conhecer mais detalhadamente o perfil de
mulheres, desde a questão familiar até educacional; se as mesmas se consideravam ou não
analfabetas; o que elas já liam e escreviam no período antecedente ao ingresso na escola e
quais as suas expectativas mais significativas.
Um segundo motivo da relevância deste estudo foi a constatação da escassez de
trabalhos voltados para uma análise, propriamente dita, de PLE de grupos de jovens e adultos
no espaço escolar.
Para tanto, analisou-se as PLE realizadas pelas alunas, fruto da proposta pedagógica da
professora, e viu-se em que medida esta levou as alunas a avançarem ou não na leitura e na
escrita. Ao mesmo tempo, tornou-se possível destacar as reações das alunas e a avaliação
delas a respeito da referida proposta.
Finalmente, um último motivo esteve associado à inclusão de um espaço extraescolar,
ou seja, a igreja, no qual as mulheres desenvolveram PLE como também o fizeram na escola.
Além disso, foi na igreja, especialmente, que as expectativas de vida delas e as suas
estratégias encontraram sua razão de ser.
Fazer uma pesquisa que considere essas práticas fora do ambiente escolar ajudou,
dentre outras coisas, a se evitar a tendência comum de se homogeneizar as experiências de
vida e a não tornar tão óbvio assim, nem linear, o que é desejado, vivenciado e criado no
cotidiano por essas pessoas, quando se tem em vista a educação, na escola ou fora dela.
A essa altura, é importante destacar algumas das referências teóricas norteadoras da
presente pesquisa. Aqui, se entende “teoria” num sentido amplo, se referindo, como afirma
Larrosa a “um gênero de pensamento e de escrita que pretende questionar e reorientar as
formas dominantes de pensar e de escrever em um campo determinado” (1994, p.35). No caso
aqui, o campo da educação.
Os pressupostos teóricos, portanto, apresentados no presente trabalho podem ser
elencados da seguinte forma: a primeira delas diz respeito à própria concepção de educação.
24
Compreende-se que a educação se constitui numa prática social humanizadora, sempre
presente ao longo da vida e cuja ocorrência perpassa diversos espaços sociais e que, portanto,
é anterior e transcende os limites da educação escolar. Nesse sentido, Brandão (1982) diz que
ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um
modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para
aprender, para ensinar, para aprender - e - ensinar. Para saber, para fazer, para
ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com
uma ou com várias: educação? Educações (p.7).
E ao considerar a educação associada àquela que é oferecida na escola, esse mesmo
autor afirma que “não há uma única nem um único modelo de educação; a escola não é o
único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única
prática e o professor profissional não é o seu único praticante” (ibid., p.9).
Outro pressuposto teórico importante, ligado ao primeiro, é a necessidade de se
desconstruir a concepção de analfabeto, associada àquelas pessoas que não adquiriram e/ou
não dominaram as técnicas de leitura e escrita ensinadas convencionalmente na escola, como
se não tivessem conhecimentos e aprendizados.
Durante o século XX, pesquisas começaram a apontar uma inversão nessa concepção,
isto é, de conceber a pessoa analfabeta como alguém que possui conhecimentos, práticas e
aprendizagens das mais diversas, nos seus espaços de vida, antes mesmo de ingressarem na
escola; e de que o fenômeno e o discurso (ideológico) do analfabetismo estão relacionados a
determinantes políticos e econômicos, dentre outros.
Considerando a importância dessa inversão, se faz necessário explicitar os
pressupostos teóricos em torno das concepções, complexas e diversas, de alfabetização e de
letramento, além das concepções de escolarização, de leitura e de escrita.
Alfabetização é compreendida aqui como a apropriação de uma técnica histórica e
culturalmente construída, que envolve a leitura e a escrita. Já letramento, que é indissociável
da alfabetização, se refere ao uso concreto e eficiente dessa tecnologia da leitura e da escrita,
nos diversos espaços sociais (portanto, não só na escola), e que envolvem diferentes gêneros
textuais.
Quanto às outras três concepções, se entende aqui escolarização como o processo que
tende a possibilitar o acesso à escrita de forma sistematizada pela alfabetização escolarizada.
Leitura se compreende como o ato e o processo através dos quais se apreende e compreende a
língua escrita. Já escrita (alfabética) é entendida como a apreensão e compreensão de um
determinado sistema notacional, expresso num texto ou não, por meio de material (por
25
exemplo, caneta e lápis) e em lugar próprios (por exemplo, papel e tela do computador) e,
que, além disso, no seu processo inicial, hipóteses do (a) alfabetizando (a) podem ser
reveladas, conforme indicam as formulações teóricas da psicogênese da língua escrita.
Tendo como referência o objeto de pesquisa e o problema ressaltado anteriormente,
estabeleceu-se a metodologia.
Antes de se começar as observações das aulas propriamente ditas, já em maio de 2011,
em conversa com a orientadora, a Prof.ª Eliana, um projeto piloto realizou-se para se verificar
a consistência da metodologia e dos procedimentos metodológicos. No mês seguinte, em
outubro, as 6 (seis) mulheres, que provavelmente participariam efetivamente da pesquisa,
começaram a estudar com uma professora, também moradora do mesmo bairro e vinculada ao
Programa Brasil Alfabetizado (PBA), em Jaboatão dos Guararapes.
Como a pesquisa envolveu sujeitos e mais diretamente suas práticas sociais
relacionadas à leitura e à escrita, recorreu-se a uma abordagem qualitativa, de tipo participante
e com características etnográficas, especialmente no espaço escolar, que exigiu uma inserção
mais extensiva no campo empírico (que já existia antes da pesquisa), pois permitiu identificar,
descrever e analisar as diversas experiências de leitura e escrita, que ocorrem nos espaços
escolhidos para a pesquisa (a escola e a igreja2) das 6 (seis) mulheres adultas escolhidas. Os
dados provenientes dos procedimentos metodológicos (observação, entrevista, diagnose e
análise de documento) serão analisados tendo como base teórica a técnica de análise temática
de conteúdo.
Finalmente, a presente dissertação está dividida em cinco capítulos. No capítulo 1, o
REFERENCIAL TEÓRICO - procurou-se fazer um levantamento histórico da EJA em
nosso país, com destaque para a alfabetização, para depois, dar relevo ao fato de como é visto
o analfabeto no Brasil e de sua realidade escolar. Por fim, fez-se uma discussão teórica,
especialmente a partir do século XX, sobre as concepções de alfabetização e letramento e suas
relações no ambiente escolar e fora dele. No capítulo 2, FUNDAMENTOS E
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA - se apresentou os sujeitos
investigados e os campos da pesquisa, os fundamentos metodológicos (concepção de pesquisa
qualitativa e a posição do observador), também se apresentou os procedimentos e
2De uma perspectiva teológico-cristã o termo “Igreja” não se identifica com o templo, como comumente se
entende popularmente. Também não tem a ver com número de pessoas, pois conforme Jesus, duas ou três
pessoas reunidas em Seu nome é uma Igreja (nascendo e em possível desenvolvimento), nem tem a ver,
essencialmente, com o processo de institucionalização da Igreja. Igreja se refere, sim, a pessoas chamadas e
reunidas em Deus, numa relação de amor. Para os propósitos desta pesquisa a palavra igreja não foi utilizada no
seu sentido teológico lato, mas com o sentido de espaço (geográfico) onde os sujeitos acompanhados se reuniam.
26
instrumentos metodológicos e, por fim, a técnica usada na análise dos dados. No capítulo 3,
MULHERES ADULTAS ANALFABETAS E/OU POUCO ESCOLARIZADAS: QUEM
SÃO, COMO SE VÊEM, O QUE SABEM E QUAIS AS SUAS EXPECTATIVAS? -
buscou-se apresentar algo da história de vida dessas mulheres, sua identidade, os seus saberes
e seus desejos. No penúltimo capítulo, o quarto – PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA
DE MULHERES ANALFABETAS NO ESPAÇO ESCOLAR - tratou-se das observações
das aulas de uma professora e das práticas de leitura e escrita das alunas nesse espaço, suas
concepções de como se veem, o que as levaram a estudar, o que liam e escreviam antes de
irem à escola, o que estão aprendendo nas aulas e o que têm achado das aulas. Por fim, no
capítulo cinco, PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DAS MULHERES FORA DA
ESCOLA: O ESPAÇO DA IGREJA – se destacou algumas das práticas de leitura e escrita
de três das mulheres, bem como suas estratégias de leitura na igreja, em quatro eventos: a
Escola Bíblica Dominical, os cultos dominicais, os estudos bíblicos e os encontros de oração.
27
CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo, foram feitas duas abordagens: a primeira diz respeito aos jovens e
adultos em si. Realizou-se, inicialmente, uma breve história da alfabetização desses adultos,
em nosso país, cujo interesse se volta para como ocorreu a construção do preconceito contra o
adulto analfabeto. Em seguida, se destacou as concepções a respeito dos Jovens e Adultos
(JA) analfabetos e de sua realidade escolar. Por fim, apresentou-se um perfil desses JA que
chegam à escola. A segunda abordagem destaca a questão da alfabetização e do letramento.
1.1 O jovem e adulto analfabeto no Brasil: história, identidade e realidade escolar
As referências teóricas, que orientam os subtópicos adiante são, especialmente, Beisiegel
(1974), Furter (1974), Ricco (1979), Paiva (2003), Fávero (2004), Galvão e Soares (2004),
Romanelli (2005), MEC (2006) e Galvão e Di Pierro (2007).
1.1.1 Um panorama histórico da alfabetização de jovens e adultos no Brasil
A construção de uma história da alfabetização de adultos no Brasil tem suas
limitações. Galvão e Soares (2004) apontam alguns motivos dessas limitações: o primeiro
deles é que “a historiografia” e, particularmente, “a historiografia da educação – reconhece
que, da totalidade do passado, só temos acesso a alguns dos seus vestígios”; que esses
vestígios “nem sempre foram conservados em instituições públicas”; também que “as
experiências de alfabetização de adultos” no Brasil, por conta da sua diversidade, têm sido
vivenciadas de forma distinta no território nacional; que não é possível “abordar mais de 500
anos de experiências de alfabetização” e, finalmente, que “são poucos e ainda incipientes os
estudos que tomam como objeto a história da alfabetização” de JA no País.
28
Apesar disso, essa história pode ser contada desde a chegada dos padres jesuítas, cuja
ação cultural, educacional e religiosa (século XVI - século XVIII)3 também estava relacionada
à consolidação e enriquecimento do domínio português.
Os adultos colonizados não eram uma prioridade dos jesuítas, em razão, por exemplo,
da faixa etária avançada, em relação à das crianças. Não havia, por parte dos índios, práticas
de leitura e escrita escolares como havia em alguma medida na sociedade do colonizador.
Além disso, nesse período colonial, pode-se inferir que a transmissão do idioma português, no
processo de alfabetização de adultos, era concebida “como aquisição de um sistema de
código alfabético, tendo como único objetivo instrumentalizar a população com os
rudimentos de leitura e escrita (MOURA, 2004, p. 24, grifo do autor), cujos fins eram
religiosos.
Sem saber ler e escrever e sem a adesão à religião católica, os indígenas eram
considerados, ao mesmo tempo, “iletrados” e “ignorantes”, no sentido escolar, e vistos como
“pagãos” e “ingênuos”; que nada sabiam de Deus. Portanto, para superar esse binômio, os
jesuítas começaram a institucionalizar a atividade educacional e “a primeira escola de ler e
escrever foi logo aberta [no mês abril de 1549]” (PAIVA, op. cit., p.448).
Essa catequese de adultos, já bem institucionalizada, raramente abrangia “a leitura e a
escrita” (PAIVA, ibid., p.66), que somadas ao cálculo se constituíam o conteúdo da
alfabetização dada pelos jesuítas. Daher (1998) destaca duas “formas textuais” relevantes no
que tange à “aplicação de uma lógica letrada e de práticas letradas com fins catequéticos a
sociedades ágrafas”, que são “as gramáticas da língua tupi e os catecismos ou doutrinas”
(p.34).
O conteúdo cultural ensinado pelos padres-educadores não levou em consideração o
que os colonizados conheciam, em termos de experiências e saberes, advindo da vivência em
sua própria cultura e sociedade, que passaram por um processo de aculturação, com a
3Essa relação entre alfabetização e religião é um fenômeno anterior à colonização no Brasil. Até porque a vinda
dos jesuítas às terras brasileiras está situada dentro do contexto maior das Reformas religiosas, Protestante e
Católica, no século XVI, no Ocidente, embora, Graff, ao tratar da tradição oral e escrita na cultura ocidental, diz
que “o impulso religioso para a leitura, tendo como objeto a propagação da fé antecede de muito” a essa época
(1995, p.42). A campanha de alfabetização católica no Brasil visava um ensino com fins explícitos, cuja relação
envolvia questões religiosas, com repercussões político-econômicas. A operacionalização desse ensino, durante
essa colonização portuguesa, no Brasil, não representava ainda um sistema escolar que, nesse momento, era uma
experiência européia até então em formação, como é o caso mesmo de Portugal, onde “o analfabetismo
dominava não somente as massas populares e a pequena burguesia, mas se estendia até a alta nobreza e à família
real” (KAPLAN apud PAIVA, op.cit., p.66 - 67).
29
absorção impositiva da cultura ocidental do colonizador4, como declara Romanelli (op. cit.,
p.34). Da perspectiva da legislação, Paraíso (2010) diz que “há alguns pontos comuns a toda a
legislação criada a partir de 1548” e um deles é “o não reconhecimento” e a não "preservação
de suas peculiaridades socioculturais” (p.3).
A falta de prioridade em relação aos índios, no âmbito da educação escolar formal de
adultos, igualmente, se estendia aos adultos negros e às mulheres, no período de escravidão
no Brasil.
Apesar das poucas pesquisas e informações acerca desse período, é possível afirmar
que a catequização de homens e mulheres negras envolvia segundo Paiva, o combate do
“culto dos deuses africanos”, e a promoção das condições de apropriação do “catolicismo”
(op. cit., p.67). A educação dos adultos negros, em particular, “se fazia através de sermões
que os exortavam à prática da moral cristã e à fé católica” (LEITE apud PAIVA, idem).
Quanto às mulheres, os dados históricos sobre elas são escassos5, algo evidente
quando se pensa este gênero no âmbito educacional. As mulheres adultas sejam elas índias,
negras ou não, estavam excluídas do processo educativo, mesmo aquelas pertencentes à classe
dos donos de terra e senhores de engenho (ROMANELLI, op. cit., p.33). Pelo que se sabe
“poucas parecem ter sido as experiências educacionais realizadas” e um número
reduzidíssimo delas “sabiam, ao final do período colonial, ler e escrever” 6 (GALVÃO e
SOARES, op. cit., p.30).
4Mesmo assim, é preciso destacar que “ainda que adotando posições baseadas em visões contraditórias da cultura
indígena”, os jesuítas “vão sempre denunciar a violência do processo da conquista com o extermínio e a
exploração do índio” (MESGRAVIS, 2001, p.40). 5As pesquisas sobre uma historiografia das mulheres, na Europa e Estados Unidos da América, especialmente a
partir de 1970, feitas por feministas, esbarraram em dois problemas (que ocorrem também no Brasil): o primeiro
deles diz respeito à “falta de reflexão sobre a especificidade do objeto e a aplicação de categorias de pensamento
que não eram egressas da história das mulheres, mas da história ‘tradicional’” (PRIORE, 2001, p. 223). O outro
problema é a constatação “do silêncio a que se era confrontado ao fazer uma interpretação das fontes” (idem). 6Dadas às circunstâncias, não havia possibilidade de elas ingressarem na vida educacional. Das mulheres
indígenas, os jesuítas testemunham mesmo, desde o início da colonização, a exploração sexual delas dentro de
um processo de miscigenação (MESBRAVIS, 2001, 41). E da mulher negra, Rufino (1993) diz que ela era “um
instrumento de trabalho forçado, dentro das casas, na lavoura, nas minas, no comércio”, “sujeitas ao abuso
sexual do homem branco”, servindo “de ama – de - leite para os filhos dos senhores” e ainda destaca que “suas
habilidades culinárias criaram a figura da vendedora de quitutes, ainda nos tempos coloniais” (p. 77).
30
Saber ler e escrever, nesse contexto, não era uma exigência sine qua non da sociedade.
Conforme Paiva,
ultrapassada a fase inicial de colonização, a educação dos indígenas adultos
perdeu sua importância; por outro lado, as atividades econômicas7 coloniais não
exigiam o estabelecimento de escolas para a população adulta composta de
portugueses e seus descendentes e ainda menos para a população escrava. O
domínio das técnicas de leitura e da escrita não se mostrava muito necessário
ao cumprimento das tarefas exigidas aos membros daquela sociedade colonial (ibid., p.193, grifo nosso).
Essa não exigência das técnicas de leitura e escrita para as camadas populares muito se
deve ao fato da sociedade colonial estar fundamentada numa “agricultura rudimentar e no
trabalho escravo” (ROMANELLI, op. cit., p.34), não havendo necessidade de uma mão de
obra instruída. A relevância da alfabetização tinha mais relação com o proselitismo religioso.
Independente, porém, do não uso do vocábulo analfabeto, o analfabetismo reinante em
terras brasileiras desde os tempos primevos da colonização só pode ser concebido do ponto de
vista dos colonizadores e não dos colonizados. E se, mesmo assim, o analfabetismo fosse
considerado, isso seria resultado da política econômico-social estabelecida em nosso país,
com repercussão na educação. Além disso, com a formação da elite, gradativamente foi sendo
demarcada a linha entre letrados e iletrados, o que já ocorria no contexto educacional dos
países dos colonizadores, mesmo que não houvesse uma exigência de se aprender a ler e
escrever para a população em geral.
No século XVIII, a escolarização de adultos foi atingida em cheio, como toda a
escolarização em geral no Brasil, com a atuação do marquês de Pombal, que buscava a
centralização da administração da colônia por parte de Portugal. Como consequência, o já
precário ensino regride (PAIVA, op. cit., p. 69).
No período pós-independência, a pessoa que não sabia ler e escrever podia exercer o
direito de votar ou ser votado. As mulheres, nesse período, que representavam 50% da
população livre (5.520.000 habitantes), apesar da lei de 1827, eram marginalizadas
do processo educativo escolar, sendo conhecida a ignorância [delas] durante o
período do Império. Muito poucas frequentavam escolas: as mulheres do povo não
recebiam instrução; as da elite eram educadas em suas casas, de modo mais ou
menos sistemático, em alguns casos (PAIVA, ibid., p.73).
7Apesar das questões econômicas nesse período não exigirem a fundação de estabelecimentos escolares e as
práticas de leitura e escrita não se apresentarem necessárias, o fator econômico será crucial na história da
alfabetização no Brasil e se tornará um parâmetro para se compreender as mudanças ocorridas na forma como se
conceberá a alfabetização.
31
A concepção de “libertação” da mulher “por meio da instrução” e a “crença na
educação8 como chave para resolver os problemas fundamentais do país” eram ideias que
circulavam na Europa e gradativamente chegavam ao Brasil (CORRÊA, 2007, p.242).
Em 1870, marcando certo crescimento numérico da educação popular, escolas
noturnas para adultos surgiram nas diversas províncias, mas com aulas assistemáticas e em
situação precária. Conforme Paiva, “a criação de tais escolas, entretanto, estava (com algumas
exceções) ligada à valorização da educação em si mesma, sem considerar o seu aspecto
instrumental e sem a adequação às reais necessidades de ensino para a faixa da população à
qual eram destinadas” (ibid., p.85, grifo nosso).
Segundo Galvão e Soares (2004), em Pernambuco, no século XIX (1885), ocorriam
aulas para adultos, “que não tinham nenhuma instrução” (p.31). Além das instituições
escolares, essas aulas eram dadas em outros espaços sociais, como nas “escolas dominicais”,
na “Casa de detenção para presos”, na “aula dos cegos no ‘Asylo de mendicidade’ e por
professores, sem remuneração e com permissão legal, na casa e com os móveis da escola
diurna” (idem).
Quanto às mulheres adultas, em Pernambuco, dizem os mesmos autores que “quando
ocorria [a escolarização], deveria se pautar nas funções que deveriam desempenhar na
sociedade, até então predominantemente circunscritas ao espaço doméstico” (ibid., p.32), e
não para o desenvolvimento de práticas de leitura e escrita em outros espaços diferentes da
casa.
Galvão e Soares destacam também, tendo como base pesquisas recentes, que as
experiências de alfabetização no Brasil, especialmente no espaço urbano, não se limitavam ao
espaço escolar. Os escravos, por exemplo, tinham eles acesso a leitura e à escrita, e isto se
constituía “um elemento fundamental para a conquista dos direitos civis” (ibid., p.33). Mesmo
sem acesso à escola oficial e sendo os escravos associados tradicionalmente à oralidade, como
acontecia com os índios, práticas de leitura e escrita estavam ocorrendo entre eles em espaços
sociais distintos.
Em relação àqueles que viviam no contexto religioso “a alfabetização parecia fazer
parte das regalias que gozavam os cativos da Igreja, ao lado da instrução profissional e da
8Dados do início da segunda metade desse período mostram um quadro educacional alarmante no país, como é o
caso da província de Pernambuco. Em 1865 haviam matriculado no ensino público 3.807 homens e 918
mulheres, num total de 4.725 pessoas, e no ensino particular, 842 homens e 438 mulheres, num total de 1.280
pessoas, perfazendo um total geral no público e particular de 6.005 pessoas. Mas da população livre de
Pernambuco (1.040.000 pessoas), nesse mesmo ano, somente 148.571 eram considerados capazes e recebiam
instrução apenas 142.566. Logo se vê uma pequena parcela da população sendo atendida, e na sua maioria
mulheres (PAIVA, ibid., p.78).
32
educação religiosa” (WISSENBACH apud GALVÃO e SOARES, 2004, p.33). Já em relação
“aos escravos urbanos, para o desempenho autônomo de seus ofícios especializados, era
importante saber ler e escrever para agenciar por conta própria seus serviços” (idem).
Galvão e Soares (idem) dizem, ainda, que quando os escravos se apropriavam das
técnicas de leitura e escrita, “formavam-se, em alguns casos, redes de aprendizagens
informais, em que, através da leitura oralizada e do reconhecimento de trechos previamente
memorizados, tornava-se possível à alfabetização”. Percebe-se, assim, que mesmo sem
conhecer as convenções necessárias para diferençar os distintos gêneros textuais, que
circulavam, especialmente na sociedade urbana, sabiam da existência deles, vivendo ou
trabalhando em espaços sociais diferentes e/ou participando de outras práticas de leitura e
escrita.
Na última década do século XIX, porém, a educação passou a merecer uma atenção
mais ampla, já que começou a ser percebida como uma condição essencial para o progresso
do país (aos poucos se industrializando) e outras discussões mais antigas vem à tona como a
questão da educação da população adulta analfabeta (GALVÃO e SOARES, ibid., p. 82-85).
Essa população analfabeta começou, contudo, a ser pensada paulatinamente como “criança”,
como população “inativa” e “ignorante” e que precisava ser redimida. E no censo de 1890 os
analfabetos já representavam 85% de uma população de 14.000.000 (OLIVEIRA, 2002, p.
94).
O quadro educacional do Império visto até agora, se arrastou pela República e nas suas
duas primeiras décadas a situação permaneceu praticamente a mesma. Moura (2004) destaca
que nesse período começaram “inúmeras campanhas, normalmente de duração curta,
descontínuas, sem grande sistematização e buscando apoio e a parceria das diferentes
instâncias da sociedade civil”. Para essa autora “isso mostra a falta de compromisso do poder
público em definir uma política de educação institucional” (p. 24).
Apesar da situação da educação no Brasil ser muito precária ao final do período
imperial, Paiva afirma que “até o final do Império não se havia colocado em dúvida a
capacidade do analfabeto: esta era uma situação usual da maioria da população e a instrução
não era condição para que o indivíduo participasse da classe dominante ou das principais
atividades do país” (op. cit., p.93). Dessa forma, “o não saber ler não afetava o bom senso, a
dignidade, o conhecimento, a perspicácia, a inteligência do indivíduo; não o impedia de
ganhar dinheiro, ser chefe de família, exercer pátrio poder, ser tutor” (RODRIGUES apud
PAIVA, idem). Mas por que isso ocorria? Paiva mesmo responde que “somente quando a
33
instrução se converte em instrumento de identificação das classes dominantes (que a ela têm
acesso) e quando se torna preciso justificar a medida de seleção é que o analfabetismo passa a
ser associado à incompetência” (idem). Esse estereótipo contra o analfabeto o acompanhará
ao longo da história do Brasil.
A Constituição de 1891 aprofundou a dualidade9 do sistema educacional, que era um
legado do Império e incorpora a Lei Saraiva10
, durante o Império, que selecionava as pessoas
pela sua instrução, ou seja, os que sabiam e os que não sabiam ler e escrever e cresceu, assim,
gradativamente a ideia de que a instrução escolar era um caminho essencial para a ascensão
social11
. É nesse contexto que encontramos a semente que deu “origem ao preconceito contra
o analfabeto, identificado como indivíduo incapaz” (PAIVA, op. cit., p.93).
Os dados do analfabetismo no início do século XX em todo o Brasil causaram uma
repercussão dentro e fora do país. A partir da Primeira Grande Guerra (1914-1918) se
intensificou o movimento em favor da educação popular, que englobará a educação dos
adultos e “a ideia do analfabeto como incapaz encontra sua formulação mais radical”
(PAIVA, ibid., p.100), mas que receberá resistência. De qualquer forma, nas duas primeiras
décadas do século XX, da Primeira República, o analfabetismo continuava acentuado em todo
Brasil.
Apesar do gradativo crescimento industrial, nas primeiras décadas do século XX, o
Brasil permanecia com uma economia basicamente agrícola, num contexto de latifúndios e da
monocultura. Romanelli diz que “a educação realmente não era considerada como fator
necessário” (op. cit., p. 45). Até porque “se a população se concentrava na zona rural e as
técnicas de cultivo não exigiam nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetização, está claro
que, para essa população camponesa, a escola não tinha qualquer interesse” (idem).
De acordo com Souza (1990) “antes da década de 20, praticamente, a população
jovem e adulta era considerada para uma parcela dominante da sociedade brasileira, como
meros trabalhadores, sem relevância social e política” (p.73). E, ainda, segundo o autor, havia
a necessidade de se “legitimar o novo poder que procura instalar no país. E o voto é
9“Era também uma forma de oficialização da distância que se mostrava, na prática, entre educação da classe
dominante (...) e a educação do povo (...). Refletia essa situação uma dualidade que era o próprio retrato da
organização social brasileira” (ROMANELLI, op. cit., p. 41). Sociedade essa que ia se tornando cada vez mais
complexa. 10
Lei, de 1881, que defendia o tolhimento do direito das pessoas analfabetas de votar. Segundo Paiva, “a eleição
direta com restrição ao voto do analfabeto provocara a valorização daqueles que dominavam as técnicas da
leitura e da escrita” (ibid., p. 196). 11
Analisando essa relação no contexto europeu em geral, Cook-Gumperz (2008) diz que “desde o começo do
século XX, acredita-se inquestionavelmente que a alfabetização seja o propósito e o produto da escolarização
(...) e que o fato de ser alfabetizado melhora a qualidade de vida dos indivíduos, grupos sociais e até da
sociedade como um todo” (p. 29).
34
instrumento apto para essa legitimação e apenas ao alfabetizado era permitido votar. Além da
necessidade de uma mão de obra um pouco mais qualificada” (idem).
Nesse momento, as ações com vistas à “redenção” do analfabeto encontraram
resistências e posições radicais12
. Miguel Couto, também via o analfabetismo como uma
doença a ser banida, e o analfabeto como um “indolente’ e ‘rebelde”. Para ele
o analfabetismo não é só um fator considerável na etiologia geral das doenças, senão
uma verdadeira doença, e da mais graves. Vencido na luta pela vida, nem
necessidades nem ambições, o analfabeto contrapõe o peso morto de sua indolência
ou o peso vivo de sua rebelião a toda ideia de progresso, entrevendo sempre, na
prosperidade dos que vencem pela inteligência cultivada, um roubo, uma extorsão,
uma injustiça. Tal a saúde da alma, assim a do corpo; sofre e faz sofrer; pela incúria
contrai doenças e pelo abandono as contagia e perpetua (apud PAIVA, ibid., p.109).
Essas posições não eram compartilhadas, pelo menos não explicitamente, por todos e
houve resistências quanto a essa obsessão em relação a se combater o analfabetismo, pois
os conhecimentos dos rudimentos da instrução primária não bastariam para
transformar o indivíduo num cidadão útil; era preciso fazer a campanha em favor da
difusão do ensino mudar de objetivo e de rumo, pois não poderíamos querer acabar
com os analfabetos criando uma legião de semianalfabetos (PAIVA, ibid., p.110).
Cria-se, nesse período, a Associação Brasileira de Educação (ABE). A finalidade da
ABE era
convencer a nossa gente de que, ao contrário do que habitualmente se afirma, não
cabe ao analfabetismo a culpa do atraso, do desgoverno, da anarquia e dos muitos
males que afligem nosso país, antes são mais nocivas, culpáveis e condenáveis as
elites mal preparadas que nos governam e as legiões sempre crescentes de
semianalfabetos que as sustentam (SODRÉ apud CARVALHO, 1988, p. 7).
A postura da ABE se alinhava com a opinião de outros setores, no sentido de erigir
uma concepção correta do adulto sem instrução convencional e corrigir a ideia de que eles
eram os responsáveis pelos males do Brasil, o que passava a ser uma ameaça para
determinados setores do poder.
12
Indício dessa preocupação pode ser vista nas palavras de Carneiro Leão, citado por Paiva, que afirma que com
a ampliação da educação “talvez aumentemos a anarquia social. Toda essa gente que, inculta e ignorante, se
sujeita a vegetar, se contenta em ocupações inferiores, sabendo ler e escrever aspirará outras coisas, quererá
outra situação e como não há profissões práticas nem temos capacidade para criá-las, desejará ela conseguir
emprego público” (op. cit., p.102).
35
Com o crescimento dos programas voltados para a promoção da educação de adultos,
no período da Segunda República, tornará claro “o papel político de tais programas,
mostrando seu caráter ideológico e sua função potencial como instrumento de recomposição
do poder político e das estruturas sócio - econômicas” (PAIVA, op. cit., p. 187).
Na década de 30, a estruturação gradativa do Brasil, com perfil urbano-industrial
exigirá da força de trabalho formação, qualificação e diversificação. Dessa forma, no campo
particular do trabalho, Ventura (2011) diz que o “desafio enfrentado pela elite brasileira era o
de permitir patamares mínimos de educação a todos, sem, no entanto, colocar em risco o
controle ideológico e o nível de exploração exercido sobre a classe trabalhadora” (p.59). Na
verdade, era necessário “um trabalhador que, além do domínio dos mecanismos da leitura, de
escrita e do cálculo, apóie o novo poder que se instala no país” (SOUZA, op. cit. p.72).
Em matéria de educação de adultos, nesse sentido, a Constituição de 34 consagrou
como alguns dos seus princípios o reconhecimento da educação como “direito de todos”,
devendo ser o ensino “gratuito” e de “frequência obrigatória”, “extensivo aos adultos” e
garante às mulheres o direito de votar, menos as mulheres analfabetas 13
. Se antes a educação
era instrumento para recomposição do poder político, agora se constituía mais fortemente
instrumento ideológico desse poder (PAIVA, ibid., p. 141).
Na década de 40, com a educação de adultos se definindo no cenário educacional
brasileiro, em meio ao crescimento do número de analfabetos, aumentará a mobilização para
minimizar o analfabetismo, em busca do desenvolvimento de uma nação mais democrática.
Nesse período ia se tornando mais clara a distinção entre a educação popular e a educação de
adultos, que começava a ser vistas como instrumentos de redemocratização.
Ainda nessa década, surgiu, no cenário estrangeiro, ao lado do termo analfabeto o
termo funcional, isto é, analfabeto funcional, que difere de outra designação, a de analfabeto
absoluto.
Paiva considera que o uso dessa expressão ocorreu “em complementação ao conceito
de analfabetismo absoluto e em decorrência de muitos fracassos observados nas campanhas
de massa que atravessaram o planeta desde os anos 40/50” (ibid., p.409). Ao contrário do
analfabetismo absoluto, que indicava a ausência de determinados conhecimentos no domínio
da leitura, da escrita e de cálculo, o conceito de analfabetismo funcional dizia respeito “à falta
de domínio daqueles conhecimentos básicos necessários à realização de suas tarefas
13
“Em âmbito nacional, a educação de adultos, no Brasil, não se derivou diretamente de uma constituição em
face do princípio de descentralização, mas respondeu a imperativos humanitários e desenvolvimentistas” (DI
RICCO, op.cit., p. 44-45).
36
profissionais...” (idem). Ainda a respeito do analfabetismo funcional, Ribeiro (2004) afirma
que
mais recentemente, o termo ‘analfabeto funcional’ passou a ser utilizado, estendendo
todos esses estigmas [‘ignorância’, ‘burrice’, ‘chaga’, ‘cegueira’ e
‘subdesenvolvimento’] não só aos chamados analfabetos absolutos (que vem
diminuindo em termos percentuais e absolutos no Brasil), mas também a todos
aqueles que tiveram acesso limitado à escolarização ou que têm domínio limitado
das habilidades de leitura e escrita (p.10).
Fica claro que a concepção do que era uma pessoa alfabetizada mudou paulatinamente.
Romanelli destaca que até 1950 e mesmo depois dessa data, uma pessoa alfabetizada era
entendida oficialmente como toda aquela “que simplesmente respondesse à pergunta: ‘Sabe
ler e escrever? ’”. Para resolver os casos duvidosos se pedia “que a pessoa inquirida apenas
traçasse o seu nome” (op. cit., p.63).
Com a complexidade crescente do trabalho, no âmbito da indústria, somado ao
aumento de práticas letradas na cidade, essa classificação se tornou incapaz de abarcar a
complexidade da realidade em constante transformação. Assim, depois dos anos 50, “foram
consideradas alfabetizadas”, conforme a mesma autora acima, “as pessoas capazes de ler e
escrever um bilhete simples, com o que se conferiu maior rigor aos dados” (idem). Mas não
só saber ler e escrever, mas também se “no seu dia-a-dia entende aquilo que leu e escreveu”
(MORTATTI, 2004, p.20).
No cenário nacional, ainda na mesma década de 40, se destacou a Campanha de
Educação de Adultos e Adolescentes (CEAA), que funcionou durante o período
compreendido entre 1947 e 1963. A ideia central era que “o adulto analfabeto é um ser
marginal ‘que não pode estar na corrente da vida nacional’ e a ela se associa a crença de que o
adulto analfabeto é incapaz ou menos capaz que o indivíduo alfabetizado” (LOURENÇO
FILHO apud PAIVA, ibid., p. 212). O analfabeto sofreria de “minoridade econômica, política
e jurídica”, era alguém que “produz pouco e mal”, também “não pode votar e ser votado” e
“não possui [...] sequer os elementos rudimentares da cultura de nosso tempo” (idem). A
alfabetização, assim, “deveria ser mais do que a simples alfabetização, sendo aquisição das
técnicas da leitura e da escrita apenas um meio para a ‘atuação positiva’; a pura alfabetização
levaria os recém-alfabetizados à reabsorção pela ‘incultura ambiente’” (idem).
Apesar de o analfabetismo continuar sendo visto como a causa dos problemas de
ordem econômica, social e cultural do país, a visão do analfabeto como marginal e incapaz
sofreu modificações no decorrer da Campanha, e o próprio analfabeto
37
passa a ser valorizado como elemento que participa da produção e que embora
‘saiba-se inculto’ tem uma visão própria e muitas vezes amadurecida dos problemas,
que aprendeu a solucionar as questões que a vida lhe colocou e que devia ser
respeitado como alguém que raciocina e decide, sem que o domínio do alfabeto
fosse indispensável para isso (PAIVA, idem, p.214).
Na década de 50, uma iniciativa na dita luta contra o analfabetismo, e que tomara
fôlego na década anterior, foi a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
(CNEA) criada em 1958, durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek.
Dentre os 12 (doze) aspectos apresentados no plano da CNEA, um deles, de acordo
com Di Ricco, era a concepção da educação “para o presente e para o futuro”, isto é, a
consideração da alfabetização não mais como “um fim em si mesma”, mas numa perspectiva
“funcional”. Dessa forma, “o movimento não deveria, somente, ensinar a ler e escrever”.
Essas técnicas culturais “seriam utilizadas de acordo com as necessidades do meio”. Essa
“alfabetização funcional”, assim, “começou a integrar as preocupações da direção das
campanhas nacionais” (op.cit., p.54). Um segundo aspecto, ressaltado por Di Ricco, é que o
“problema do analfabetismo da metade da população” era um “entrave ao desenvolvimento”,
sendo esse analfabetismo uma “vergonha nacional” (ibid., p. 54-55). Finalmente, nas palavras
desse autor, “exterminar o analfabetismo traria, como consequência, o desenvolvimento
socioeconômico do país”, se rejeitando, assim, a concepção de que esse desenvolvimento
criaria as condições para o desenvolvimento educacional. O analfabetismo era compreendido
como tendo raízes no passado e “é produto de uma série de situações”, isto é, “é sintoma de
doença, não a própria doença” (ibid., p.55).
Apesar de posicionamentos pessoais de expressão e de campanhas, conferências e
assim por diante, aqui e acolá, Moura (2004) avalia que de um ângulo teórico-metodológico,
em geral, “as experiências desse período não surgem nem provocam formulações teórico-
metodológicas que possibilitem mudanças nas formas de conceber e desenvolver a
alfabetização e muito menos nas formas de conceber os analfabetos e os alfabetizadores” (p.
26-27).
38
No final dos anos 50 e início dos anos 60, porém, essas mudanças, aos poucos,
começam a ocorrer. No II Congresso Nacional de Educação de Adultos, Freire chamou a
atenção no sentido de se restabelecer as reais causas sociais do analfabetismo14
. Aquela
imagem construída socialmente do adulto inculto e “sem saber”, sofre oposições mais
contundentes. A luta que surgia no horizonte era pela “formação” de um adulto mais
consciente do seu papel sócio-político-econômico15
. Nesse contexto, começou a se esboçar
uma separação mais nítida entre a educação popular e a educação de adultos16
, que não
podem, contudo, ser vistas como duas coisas independentes.
Na década de 60, ainda, também houve várias mobilizações em torno da educação de
adultos, a exemplo do Movimento de Cultura Popular (MCP) 17
, que se multiplicou pelo país.
Este teve como berço de origem o MCP de Recife, criado em 1960 e ligado à Prefeitura de
Recife. O movimento tinha como propósito o combate ao analfabetismo e elevação do nível
cultural do povo, influenciado por ideias socialistas e cristãs.
Souza (1987) destaca que no MCP, e também no SEC, Freire “começa a consolidar a
sua proposta educacional iniciada nos quadros do SESI que fica conhecida como Sistema
Paulo Freire de alfabetização de adultos”, mas alerta que essa proposta não pode se restringir,
14
“Discute-se em Recife a indispensabilidade da consciência do processo de desenvolvimento por parte do povo
e da emersão desse povo na vida pública nacional como interferente em todo trabalho de colaboração,
participação e decisão responsáveis em todos os momentos da vida pública; sugeriam os pernambucanos a
revisão dos transplantes que agiram sobre o nosso sistema educativo, a organização de cursos que
correspondessem à realidade existencial dos alunos, o desenvolvimento de um trabalho educativo “com” o
homem e não “para” o homem, a criação de grupos de estudo e de ação dentro do espírito de autogoverno, o
desenvolvimento de uma mentalidade nova no educador, que deveria passar a sentir-se participante no trabalho
de soerguimento do país; propunham, finalmente, a renovação dos métodos e processos educativos com rejeição
daqueles exclusivamente auditivos, substituindo o discurso pela discussão e utilizando as modernas técnicas de
educação de grupos com a ajuda de recursos audiovisuais. Estavam aí esboçados, portanto, os princípios que
iriam servir de base ao sistema de ensino e à teorização educativa de Paulo Freire na década de 60” (PAIVA,
ibid., p. 238). 15
Segundo Moura, “Freire construiu nas décadas de 60 e 70 uma proposta teórico-metodológica para a
alfabetização de adultos que se constituiu no único referencial próprio para a área, a única formulação, no acervo
da literatura brasileira, que define explicitamente a conceitualização de alfabetização de adultos, reconhecida
inclusive, por educadores e pesquisadores (...)” (op. cit., p. 29). 16
Essa “identificação entre educação popular e educação de adultos deriva, de um lado, da expansão acelerada
do ensino primário (e, posteriormente, do ensino fundamental – ensino primário plus ginasial) na segunda
metade do século XX”. Também “resulta (...) da multiplicação dos movimentos de educação de adultos
destinados às camadas populares a partir do final dos anos 50 em conexão com a politização crescente da área
educacional”. Mas “essa identificação tende a ser revista, na medida em que se elevem as oportunidades de
educação para aquelas camadas e se ampliem as demandas de grupos populacionais mais educados e mais
idosos” (PAIVA, op. cit., p.165). 17
A versão norte-rio-grandense do MCP foi o movimento “De pé no Chão também se aprende a ler”. Surgida na
cidade de Natal, em 1961, também tinha como finalidade a minimização da questão do analfabetismo. Com a
promulgação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (1961), é criado o Movimento de Educação de
Base (MEB) e a Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo (MNCA).
39
“absolutamente, a um projeto de alfabetização” (p.16), mas ao seu ambiente histórico –
cultural18
.
Na sua essência, portanto, o método de Freire tinha como ponto de partida a realidade
vivencial dos sujeitos e era marcado pela necessidade de diálogo entre os sujeitos envolvidos
com os processos de ensino e de aprendizagem. Nas palavras de Paiva,
a prática do método tinha base inicial o levantamento do universo vocabular dos
grupos com os quais a equipe pretendia trabalhar. Em seguida eram escolhidas as
palavras no universo vocabular pesquisado, devendo ser selecionadas pela sua
riqueza fonêmica, palas dificuldades fonéticas da língua e pelo engajamento da
palavra numa dada realidade social, cultural ou política. Tais palavras eram
relacionadas a situações existenciais típicas do grupo, que serviam como ponto de
partida da discussão, à qual se seguia a decomposição das famílias fonêmicas
correspondentes aos vocábulos geradores. Para esse trabalho era necessário uma
adequada preparação dos coordenadores e a confecção de material didático através
de slides e cartazes (ibid., p. 281).
Apesar dessas mudanças no campo teórico – metodológico e prático, o preconceito
contra o analfabeto continuou, como também as reações contrárias a tal atitude, por parte de
pessoas individualmente19
, como Freire, e/ou por Movimentos, como a CEAA. Em 1963
extinguiram-se oficialmente as campanhas nacionais de educação de adultos, mas floresceram
movimentos locais, públicos e privados, em todo país20
.
O cenário político a partir de 1964 mudará radicalmente. E o método de Freire não
merecerá a atenção devida. O que se fizera até o momento em termos da educação,
particularmente em relação à alfabetização das massas, passará a ser ameaçador. Dizer isso é
reforçar um fato que permeou esse percurso histórico, que a educação nunca esteve divorciada
da realidade política, econômica, social, cultural e ideológica. Com ênfase em questões
18
Além disso, “o método Paulo Freire para a educação dos adultos, sistematizado em 1962, representa
tecnicamente uma combinação original das conquistas da teoria da comunicação, da didática contemporânea e da
psicologia moderna. Entretanto, o método derivava diretamente de ideias pedagógicas e filosóficas mais amplas:
não era uma simples técnica neutra, mas todo um sistema coerente no qual a teoria informava a prática
pedagógica e os seus meios” (PAIVA, ibid., p. 279). 19
A partir de uma ótica marxista, houve aqueles que foram contrários à restrição ao voto do analfabeto “porque o
analfabeto é um indivíduo que, como qualquer outro, trabalha, produz, constitui família, paga impostos, educa os
filhos, enfim pratica todos os atos da vida civil e, muitas vezes, com maior eficiência que muitos letrados. Para
isso são obrigados, constantemente, a opinar, decidir, escolher, não nos parecendo que todos esses atos que
realiza como homem e cidadão sejam mais fáceis de executar do que a escolha consciente de representantes para
a administração ou para as assembléias legislativas” (PASCHOAL LEMME apud ibid., p. 467-468). 20
Paiva faz uma síntese desses Movimentos e os classifica em grandes grupos. O comparecimento de grande
número de movimentos, num total de 77, possibilitou não somente o seu cadastramento como sua classificação
em 3 grandes grupos, de acordo com suas atividades, analisadas a partir dos informes e relatórios apresentados.
Havia movimentos dedicados preferencialmente à alfabetização (como o MEB, “De Pé no Chão”), movimentos
dedicados preferencialmente à pesquisa e elaboração de manifestações artísticas de conteúdo e forma popular
(CPCs) e movimentos dedicados a atividades diversificadas (MCPs) e movimentos comunitários (como o de
Ijuí). No conjunto dos movimentos presentes a alfabetização era a atividade mais difundida, sendo desenvolvida
por 44 movimentos, em 38 dos quais havia adquirido caráter prioritário (ibid., p. 274).
40
políticas, econômicas e ideológicas, surge a “necessidade de [se] ampliar, também os
objetivos da educação e, consequentemente, redirecionar a concepção de alfabetização”
(MOURA, op.cit., p.30). Como diz Souza, essa educação “ao mesmo tempo [em] que
possibilita o domínio dos mecanismos da leitura, da escrita e do cálculo”, o que é um aspecto
do conceito e da prática educativa, “contribui”, segundo esse mesmo autor, “para a
compreensão da realidade histórica da classe trabalhadora, permitindo-lhe o crescimento da
consciência de classe e de sua humanização” (op.cit., p.65).
Uma definição mais complexa e relacional em voga de alfabetização nos anos 60 é
aquela construída pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) e que ecoará também no Brasil, que concebe a alfabetização como
um processo global e integrado, de formação técnica e profissional do adulto – em
sua forma inicial – feito em função da vida e das necessidades do trabalho; um
processo educativo diversificado, que tem por objetivo converter os alfabetizados
em elementos conscientes, ativos e eficazes na produção e no desenvolvimento em
geral. Do ponto de vista econômico, a alfabetização funcional tem a dar aos adultos
iletrados os recursos pessoais apropriados para trabalhar, produzir e consumir mais e
melhor. Do ponto de vista social, a facilitar-lhes sua passagem de uma cultura oral
para sua melhoria de grupo (BEISIEGEL, 1974, p.83).
Percebe-se aí uma nova concepção de alfabetização, que procurava formar uma mão –
de – obra qualificada diante da expansão e diversificação da economia e modernização dos
meios de produção. Além do MCP, outros dois movimentos surgirão na segunda metade da
década de 60, a Cruzada da Ação Básica Cristã (ABC, em 1966) e o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (MOBRAL - criado em 1967 e lançado em 1970), que procurarão “extinguir” o
analfabetismo.
A Cruzada ABC tem seu nascedouro no Nordeste, particularmente em Recife - PE. E
se estenderá para outras regiões do Nordeste como Paraíba, Sergipe, Ceará, Alagoas e para
regiões no Sudeste, como Rio de Janeiro e Guanabara, com recursos do governo brasileiro. De
origem evangélica, sem ser confessional, mas sem abandonar o religioso, na Cruzada ABC,
segundo Paiva, a ideia de homem era como “parasita econômico”, o qual seria salvo pela
educação, pois ele “deveria começar a produzir e a participar da vida comunitária” (ibid., p.
296). Já o analfabeto “era visto como um potencial de trabalho marginalizado e como um
elemento que contribuía apenas para minar a sociedade em suas estruturas mais básicas”
(idem). Percebe-se aqui o resgate do analfabeto que não sabe e que para ser útil tem que
passar por um processo de escolarização. Os problemas com recursos se somaram a outras
41
críticas (ingerência estrangeira, uma atitude meramente alfabetizadora inicial, dentre outras)
até se extinguir no início da década de 70.
Com o estabelecimento do Regime militar, este “reprimiu e destruiu os movimentos
sociais e de educação popular dos anos 50 e início dos anos 60” (FERRARO, op.cit. 117-
118). E a criação do MOBRAL, em 1967, se desenvolveu como movimento especialmente a
partir dos anos 70, cujo objetivo era também combater o analfabetismo, seguindo o mesmo
caminho de outras iniciativas ligadas à educação de adultos.
A ideologia do MOBRAL, porém, difere daquela dos movimentos de educação e
cultura popular. Os movimentos estavam associados “à problematização e conscientização da
população sobre a realidade vivida e o educando era considerado participante ativo no
processo de transformação dessa mesma realidade”, aquele, em relação à ideologia no livro
didático, “o conteúdo crítico e problematizador das propostas anteriores foi esvaziado”. Nesse
material padronizado, “as mensagens reforçavam a necessidade do esforço individual do
educando para que se integrasse no processo de modernização e desenvolvimento do País”.
Contrariando a proposta do próprio MOBRAL, de alfabetizar definitivamente o adulto, pela
não garantia de “continuidade dos estudos, muitos adultos que se alfabetizaram através dele
‘desaprenderam’ a ler e escrever” (GALVÃO e SOARES, op. cit., p.46). Ferraro, contudo,
adverte que
dizer simplesmente que o MOBRAL fracassou na realidade do objetivo de ‘eliminar
o analfabetismo de jovens e adultos’ seria insistir numa meia verdade. O MOBRAL
foi parte e foi posto a serviço de um determinado projeto educacional e social.
Seriam, pois, a política educacional e em seu todo e, com ela, o projeto social da
Ditadura que precisariam ser avaliados (op.cit. p.117-118).
Desde que ficou mais nítida a educação de adultos, no Brasil, percebeu-se que,
basicamente, pode ser identificadas, do ponto de vista teórico-metodológico, uma formulação
tradicional, que se condensa numa prática pedagógica, cuja “concepção de alfabetização” é
vista “como um processo de aquisição de uma técnica de decodificação oral (para escrever) e
de decodificação escrita (para ler)” 21
(MOURA, op. cit., p.32) e uma formulação elaborada
por Freire, que envolveu o pedagógico e dimensões como a política.
No final dos anos 80 e durante a década de 90, vale destacar a Constituição de 1988; o
surgimento do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), em 1989; a Lei de
21
Essa “conceituação de alfabetização de adultos e a definição de seus objetivos são fundamentados em
concepções filosóficas positivas de caráter pragmático – características dos modelos econômicos liberal e
neoliberal; concepções psicológicas empiristas – associacionistas que consideram o adulto analfabeto como um
ser inferior do ponto de vista das capacidades superiores de inteligência; e uma visão antropológica de um
indivíduo pobre culturalmente” (MOURA, op. cit., p.31).
42
Diretrizes e Base da Educação (LDB), Lei no
9.394/96 e o Programa de Alfabetização
Solidária (PAS), criado em 1997. E no âmbito internacional, a Conferência Mundial de
Educação para Todos (CMET), em 1990 e a V Conferência Internacional de Educação de
Adultos (CONFINTEA) 22
, em 1997.
Com a Constituição de 1988 a EJA ficou sob a responsabilidade dos municípios, que
procuraram iniciar ou ampliar a oferta para essa modalidade de ensino e outras iniciativas
ocorreram em diferentes espaços, em movimentos sociais, em universidades e em
organizações não governamentais. Dessa maneira,
uma pluralidade de práticas e metodologias de ensino passaram a ser utilizadas,
algumas das quais influenciadas pelas descobertas recentes da Psicologia, da
Linguística e da Educação que, com os estudos de Emilia Ferreiro e com os
trabalhos sobre letramento, forneceram subsídios para a compreensão de como se
processa a construção das hipóteses acerca da leitura e da escrita pelos sujeitos não-
alfabetizados (GALVÃO e SOARES, ibid., p. 48-49).
Dentre esses movimentos de base popular, o Programa MOVA lançado no Estado de
São Paulo, quando Paulo Freire era Secretário Municipal de Educação, continuava
perseguindo o propósito de eliminar o analfabetismo, como outros movimentos antecedentes.
Tendo como proposta a vinculação Estado – sociedade, Galvão e Soares chamam a atenção
para os seguintes princípios do MOVA - SP: uma concepção distinta “das propostas sobre os
sujeitos da alfabetização”; “a elaboração das propostas a partir do contexto sociocultural dos
sujeitos”; e “a consideração dos sujeitos como co - partícipes do processo de formação” (ibid.,
p. 48).
O CMET e a V CONFINTEA também deram valiosas contribuições para o
entendimento da educação de adultos. O CMET realizado em Jomtien, Tailândia, partiu de
um conceito central: o atendimento das necessidades básicas de aprendizagem, ou seja, que vá
além de uma educação escolar inicial (alfabetização), por sinal, com muitos problemas. Souza
(2000) lembra que na Declaração desta Conferência, “a Educação é vista como direito e uma
responsabilidade social pelos quais os governos devem trabalhar” e cita um trecho da
Declaração, em que esta situa em bases mais amplas o processo educativo, nos seguintes
termos: “o otimismo atual em relação à educação básica não se fundamenta na premissa
ingênua de que a educação é o único determinante da mudança individual ou social”, pois,
22
A CONFINTEA vem sendo realizada desde 1949, acontecida na Dinamarca. A compreensão mais aprofundada
a respeito da concepção da educação de adultos vinha ocorrendo antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, mas
vai sofrer uma evolução bem mais rápida especialmente a partir da década de 60, cujas CONFINTEAs, no plano
internacional, serão significativas. Essa evolução não é consensual, ela apresenta, sim, desenvolvimentos,
divergências, aproximações e/ou aprofundamentos.
43
segundo o Documento em questão “são necessários vários requisitos prévios e mudanças
concomitantes nas estruturas e processos políticos, sociais e econômicos gerais” (p.8 - 9).
Posição contrária à ideia (ideológica), construída historicamente, que o analfabeto era o
culpado pela situação econômica problemática do país e que, por sua vez, só a educação
poderia resolver.
Seis anos depois da Conferência acima, da qual o Brasil fora signatário, surgiu, em
nosso país, a LDB/96, embasada na última Constituição, que deu respaldo legal à educação
voltada para jovens e adultos, que por sua vez passou a ser uma modalidade da educação
básica.
A V CONFINTEA, realizada em Hamburgo, Alemanha, também teve o Brasil como
signatário. A Declaração produzida aqui “congrega, entre outros elementos, o resultado das
discussões realizadas por diferentes segmentos organizacionais” (BARBOSA, 2009, p.48).
O texto final da Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos concebeu a
educação de adultos como um “direito” e como “chave para o século XXI”. Entendeu que
essa educação era “consequência do exercício da cidadania” e “condição para uma
participação na sociedade”. Na verdade, a educação de adultos era “poderoso argumento”
para “o desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia [...]” e assim por diante. Essa
educação considerou “o processo de aprendizagem, formal e informal” como possibilidade
para o desenvolvimento das “habilidades” de “adultos”, de enriquecimento de seus
conhecimentos e aperfeiçoamento de “suas qualificações técnicas e profissionais,
direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as da sua sociedade” (apud SOUZA
e PORTO, 2000, p. 163).
Nesse sentido, a alfabetização foi compreendida “como o conhecimento básico,
necessário a todos num mundo em transformação em sentido amplo” e, portanto, “é um
direito humano fundamental”. A Declaração ainda afirmou que “em toda a sociedade, a
alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o
desenvolvimento de outras habilidades”. E reconheceu que “existem milhões de pessoas – a
maioria mulheres – que não têm a oportunidade de aprender ou que não têm acesso a esse
direito”. Finalmente, ressaltou que outro papel da alfabetização era o “de promover a
participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser um requisito
básico para a educação continuada durante a vida” (ibid., p.166).
A compreensão de alfabetização acima não ressalta o seu aspecto pedagógico, falando
apenas em um “conhecimento básico”, em um “direito”, em “uma habilidade primordial”,
44
cujo objetivo é a participação ativa desses adultos, especialmente das mulheres e idosos. Em
relação às mulheres, lembrou a Declaração que “as políticas de educação voltadas para a
alfabetização de jovens e adultos” deveriam levar em consideração a “cultura própria de cada
sociedade” e priorizar a “expansão das oportunidades educacionais para todas as mulheres,
respeitando sua diversidade e eliminando os preconceitos e estereótipos que limitam o seu
acesso à educação e que restringem os seus benefícios”. E quanto aos idosos, a Declaração
reconheceu que eles “têm muito a oferecer ao desenvolvimento da sociedade”. Sendo assim,
“é importante que eles tenham a mesma oportunidade de aprender que os mais jovens”. E
finalizou ao explicitar que as “habilidades” desses idosos “devem ser reconhecidas,
respeitadas e utilizadas” (ibid., p.167, 169).
No mesmo ano da V CONFINTEA, em nível nacional foi lançado o PAS, como uma
iniciativa do governo federal, em parcerias com instituições superiores e privadas, visando o
combate ao analfabetismo. O Programa, no entanto, sofreu reações das mais diversas por
parte de pesquisadores, como reforçar a “imagem que se faz de quem não sabe ler e escrever
como uma pessoa incapaz, passível de adoção, de ajuda, de uma ação assistencialista [o
itálico é nosso]” (GALVÃO e SOARES, ibid., p.49) 23
.
No século XXI, noutra iniciativa de combate ao analfabetismo, o governo federal criou
o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), em 2003, mas que, como o PAS, se tornou alvo de
críticas. O PBA ocorreu em parcerias com estados, municípios, instituições privadas,
públicas e religiosas, Organizações Não – Governamentais e outros, convocando a todos
“para alfabetizar os jovens e os adultos que, por direito, deveriam ter acesso aos bens culturais
que a escrita nos proporciona”, em virtude “das desigualdades sociais presentes na nossa
sociedade” (SILVA et.al., 2004, p.11 – 12).
Mesmo apresentando um objetivo aceitável, críticas foram feitas ao PBA,
especialmente por professores e/ou pesquisadores. Destacaram-se pelo menos três dessas
críticas: a primeira teve relação com a “concepção básica de alfabetização, que limitava o
tempo para a construção de capacidades e conhecimentos complexos”; a segunda era “de que
‘qualquer’ cidadão deveria assumir a função de alfabetizador” e, por fim, a terceira teve
associação com “o processo de mobilização das turmas”, já que para esses (as) pesquisadores
(as) “a responsabilidade pela formação das turmas deveria ficar a cargo dos alfabetizadores, o
23
Já no século XXI, em 2009, aconteceu pela primeira vez no Hemisfério Sul, e mais precisamente no Brasil, em
Belém, Pará, a CONFINTEA VI. A Educação de Adultos constituiu-se como um dos eixos de estudo e como
ocorreu na CONFINTEA V, as mulheres receberam uma atenção de destaque.
45
que reforça a ideia da alfabetização como salvação, do alfabetizador como missionário e do
programa como campanha” (ibid., p.13).
Como percebido, ao longo do processo educacional brasileiro, a alfabetização de JA
tornou-se paulatinamente alvo de debates políticos e ideológicos, por parte de políticos,
educadores, intelectuais, movimentos sociais e organismos internacionais. Mas muitos
problemas ainda persistem como o alto índice de analfabetismo. Weber (1992), fazendo um
levantamento panorâmico, mas consistente, da produção brasileira na área educacional, no
início da década de 90, destaca que “a persistência de elevadas taxas de analfabetismo tem, ao
longo dos anos, constituído argumento importante para o desencadeamento de iniciativas
experiências na área de educação de adultos, as quais têm conseguido, periodicamente,
aglutinar, com o apoio de governos, grupos e pessoas preocupadas com o futuro do país”
(p.28). Outro problema é que o analfabeto continua sendo visto como alguém que não sabe.
Mais grave ainda é a assimilação de tal ideologia por parte desse analfabeto. Mas quem são
esses jovens e adultos brasileiros designados de analfabetos? Qual a sua a realidade escolar? É
o que será apresentado a seguir.
1.1.2 Quem é o jovem e adulto analfabeto no Brasil e sua realidade escolar
Pensar as pessoas na idade jovem e adulta é tarefa por demais complexa. Alguns
aspectos dessa complexidade têm relação com as faixas etárias distintas desses dois grupos
humanos, com suas peculiaridades (por exemplo, de vida, de religião, de trabalho, de
conhecimentos prévios), também com os seus contextos (por exemplo, histórico, político,
econômico, social, cultural) e com as diversas perspectivas possíveis de análise desses jovens
e adultos (por exemplo, religiosa, filosófica, histórica, psicológica, sociológica,
antropológica). A essa altura, ao se falar de JA, tem-se em vista aquelas pessoas de cidades
brasileiras, que tiveram acesso à escola ou não vivenciaram, por diferentes motivos, essa
escolarização regular prevista na legislação, e ainda não dominam as práticas culturais de
leitura e escrita e continuam sendo designadas de analfabetas24
.
24
Entende-se que o conceito de jovens e adultos, no âmbito educacional, não se restringe à situação denominada
“adequação idade-série”, embora seja esse grupo o foco dessa pesquisa, pois há jovens e adultos, por exemplo,
no ensino médio, em cursos técnicos e no ensino superior.
46
Apesar de tamanha complexidade, ao se destacar a condição de ser analfabeto, situa-se
os referidos JA num contexto bem específico, ou seja, o escolar, no qual se estabeleceu,
gradativamente, uma dicotomia entre quem é analfabeto e quem não o é. Provavelmente a
utilização generalizada dos termos ‘analfabetismo’ e ‘analfabeto’ teria sido exatamente o
“preconceito com o indivíduo que não soubesse [...] ler e escrever que, na Modernidade, era
visto como ‘incivilizado’, ‘bruto’, ‘bárbaro’. Com isso, teria se tornado necessário nomear
esse ‘fenômeno’ para que ele pudesse ser estigmatizado, repelido” (SILVEIRA apud
TRINDADE, 2004, p.126).
Nesse universo de analfabetos estão tanto os considerados analfabetos absolutos, pois
não sabem ler e escrever, quanto os que tiveram um acesso restrito à escolarização ou possui
uma habilidade restrita quanto ao uso de prática de leitura e escrita. De qualquer modo, são
todos eles enquadrados na designação mais ampla e preconceituosa de analfabetos.
Sendo assim estereotipados ao longo do tempo, no Brasil, passaram a ser vistos como
pessoas carentes de algo, que nada sabem e assim por diante25
. Na própria morfologia do
termo analfabeto, é possível já identificar a ideia de negação. De fato, em sua etimologia, o
prefixo grego “an-” (de “an - alfabeto”) já indica “negação”, “privação”.
Tal concepção de analfabeto pode ser encontrada, por exemplo, em dicionários da
língua portuguesa. Conforme o Dicionário Brasileiro Globo, por exemplo, analfabeta é a
pessoa “que não sabe ler nem escrever; que é muito ignorante” ou aquele “que desconhece o
alfabeto”, um “indivíduo ignorante”; e analfabetismo como uma “qualidade ou estado do que
é analfabeto” ou que não possui “instrução elementar” (1998).
Furter (1974) afirma que uma das negações em relação às pessoas designadas de
analfabetas diz respeito ao termo mesmo analfabeto, pois “a priori, no simples ato de
denominar uma pessoa, caracterizamos uma diferença radical entre sua inexistência,
totalmente negativa, e a nossa existência plena e radiosa”. E esse autor acentua que o
analfabeto é, portanto, “um homem que nos é totalmente estranho. Nada tem do próximo, mas
tem tudo do contaminado. Não causa espanto se, por associação, lhe são atribuídos todos os
caracteres negativos imagináveis”. E conclui Furter, afirmando que o analfabeto é alguém que
“só conta para nós pelo que não é. E, por isso, não o estudamos: o analfabeto não é um
homem – é apenas o suporte de uma negação. Basta classificá-lo” (p.33).
25
Um levantamento histórico do preconceito contra o analfabeto bem como a necessidade de revisão de tal
concepção são ressaltados em trabalhos como os de Furter (1974), Romanelli (1978), Viñao Frago (1993), Graff
(1995), Freire (2001), Almeida (2003), Galvão e Di Pierro (2007) e Galvão e Soares (2004).
47
Ainda sobre essa questão, Galvão e Di Pierro afirmam que, atualmente, no Brasil, o
termo analfabeto é, “com poucas exceções, carregado de significados negativos”. Por
conseguinte, “podemos inferir, também, que a relação que as pessoas, de modo geral, têm
com o analfabeto é mediada por preconceito, por pré-julgamentos, por estigmas” (2007, p.10).
Freire (2001), por exemplo, elenca algumas concepções (ideológicas) ingênuas, associadas à
pessoa analfabeta, a saber: “erva daninha”, “enfermidade”, “chaga”, “incapacidade”, “pouca
inteligência”, “preguiça”, “famintos de letras” e “sedentos de palavras”, “vergonha” e de
“natural inferioridade” (p.15,53-55, 59).
Galvão e Soares (2004) chamam a atenção também para duas tendências comuns (que
serão desenvolvidas mais adiante): a de se infantilizar o adulto analfabeto, como alguém que
se assemelha “a uma criança que precisa de ajuda de alguém”, e a de considerá-lo num estado
de prisão, ou seja, como “alguém que precisa” de se libertar da “escravidão” (p.50). O que
agrava essa situação, ainda segundo os referidos autores, é a veiculação desse tipo de
representação na mídia e em outros discursos, que alimenta nesses sujeitos a “inferioridade a
eles atribuída” e, também, a presença do referido discurso na escola, quando alfabetizadores
veem os adultos não alfabetizados como “tábulas rasas”, os quais “precisam do saber do outro
para sobreviver” (ibid., p.50 - 51).
O ser analfabeto, no uso comum, no entanto, não se limitou ao fato só do sujeito não
saber ler e escrever. Abrangeu, também, o seu aspecto identitário.
Esse aspecto, segundo Furter, é mais sutil e perigoso. Ele diz que “uma vez que os
analfabetos só existem para nós, em função de alguma coisa que não são; não se fará distinção
entre eles. São todos reduzidos a um denominador comum: o analfabetismo26
”. Dessa
maneira, “substituem-se homens que vivem plenamente, em situações concretas, por uma
única qualidade ‘coisificada’ e negativa: o analfabetismo”. E mais, “substitui-se uma
qualidade diversa e múltipla por uma qualidade abstrata, pejorativa, que só tem sentido para
aquele que julga. Para o homem que tratamos de analfabeto, representa uma rejeição
definitiva”. E conclui, “o analfabetismo não pode, então, ser um fim em si mesmo, pois é
apenas o fim de um começo” (op. cit. p.34-35).
A questão se agrava ainda quando se tem em vista a mulher brasileira.
Quanto à educação das mulheres, Souza (1990) recorre à própria constituição da
sociedade brasileira e aponta que “as raízes do sombrio quadro atual [21 anos atrás] da
26
O termo analfabetismo é marcado pela dicotomia e exclusão, sem falar em ambiguidades, pois o próprio sufixo
“-ismo” aponta para um estado, uma condição, no caso, de ser analfabeto.
48
educação das mulheres se localiza nas estruturas do patriarcado, que continuam a influenciar
as atitudes e comportamentos para com as meninas e as mulheres em muitas sociedades”
(p.13).
Ainda segundo o mesmo autor, durante séculos, as mulheres que foram excluídas “das
estruturas de poder, pela subjugação e discriminação”, deveriam elas mesmas ser “as figuras-
chave na campanha de alfabetização global” (ibid., p.12). Souza afirma, assim, sobre a
necessidade de se desvelar a falsidade do mito que afirma que “LUGAR DE MULHER É EM
CASA. MULHER – PIOR AINDA DEPOIS DA IDADE – NÃO TEM DE INVENTAR DE
ESTUDAR” (idem, grifo do autor). O referido desvelamento para esse mesmo autor se faz
preciso, pois esse mito
reforça uma dupla discriminação: ser mulher e ser analfabeta. Contraditoriamente, a
mesma sociedade que a discrimina, cobra-lhe responsabilidade pela sobrevivência e
bem-estar dos filhos, assim como um papel central na transmissão do patrimônio
cultural às novas gerações. Se é verdadeiro que ‘educar uma mãe é educar uma
família’, é igualmente verdadeiro que quando a educação da mãe é insuficiente, a
dos filhos também o será. Finalmente, a condição de ser mulher não pode afetar o
direito à cidadania (ibid., p.29).
O primeiro alerta de Souza, é que a mulher, então, se assemelha ao homem em relação
à condição de analfabeta, mas pesa sobre ela a questão de gênero, de ser mulher. E embora
tenham ocorrido mudanças evidentes no campo profissional, nos mais diversos espaços
sociais, para muitas delas a realidade é aquela que só situa a mulher unicamente no espaço do
lar. Outro alerta feito pelo autor é aquele que garante à mulher o direito à cidadania, que
certamente inclui o acesso irrestrito dela à educação.
Do ponto de vista da legislação, a Constituição do Brasil consagra a educação escolar
como um direito civil básico tornado explícito para mulheres e homens, quando afirma que a
educação é um direito social (Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo II,
Dos Direitos Sociais, Art. 6), que “o dever do Estado com a educação será efetivamente a
garantia de ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a este não
tiveram acesso na idade própria” (Artigo 208) e estabelece como uma de suas metas a
“erradicação do analfabetismo e da universalização do atendimento escolar” (Artigo 214).
Apesar dos direitos assegurados e metas estabelecidas, a EJA permanece, porém,
como um grave problema da educação escolarizada brasileira, e como visto acima, um
problema que atinge especialmente as mulheres.
49
Souza (1990) elenca pelo menos três razões para justificar a permanência desse
problema: a primeira é que é um problema, antes de tudo, “econômico-político” e não
somente pedagógico; a segunda, que “depende da escolarização infantil que da forma como
está sendo realizada não nos permite grandes esperanças” e, por fim, “porque o próprio
trabalhador (empregado, desempregado, por conta própria) ainda hoje não percebe nem sente
tão claramente a necessidade de se alfabetizar” de forma, conclui o autor, “que justifique
acrescentar à dureza de sua vida o sacrifício de frequentar uma escola noturna, sem condição
física e mal equipada, com um professor despreparado para enfrentar os problemas da
aprendizagem de jovens e adultos” (p. 70).
Dados quantitativos27
no Brasil, que abrangem todo o século XX (1920 a 2000), os
quais vêm sendo usados integral ou parcialmente, especialmente na literatura educacional em
geral28
, mostram a situação do analfabetismo na população de 15 anos ou mais, conforme
apresenta a tabela abaixo (IBGE apud GALVÃO e DI PIERRO, 2007, p.59).
Tabela 1 - Brasil: Evolução do analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais–1920/2000.
Ano/Censo Total Analfabetos %
1920 17.557.282 11.401.715 64,9
1940 23.709.769 13.269.381 56,0
1950 30.249.423 15.272.632 50,5
1960 40.278.602 15.964.852 39,6
1970 54.008.604 18.146.977 33,6
1980 73.541.943 18.716.847 25.5
1991 95.837.043 19.233.758 20,0
2000 119.556.675 16.294.889 13,6
Fonte: IBGE. Censo Demográfico
A tabela 1 destaca uma relação estreita, para fins estatísticos, entre o crescimento da
população de 15 anos ou mais, ao longo dos anos, e os números de analfabetos dentre essa
população.
27
Ferraro faz uma separação entre “indicadores do estado educacional”, que se relacionam “à avaliação e
determinadas características da população, tais como saber ler e escrever”, realizados, por exemplo, pelo IBGE,
e “indicadores do movimento educacional”, que “são construídos com base nos dados extraídos dos registros de
determinados eventos escolares, como matrícula”, dentre outros (2009, p.19). Nessa pesquisa, destacou-se o
primeiro dos indicadores. Ainda segundo esse mesmo autor, os censos, apesar de fundamentais, têm limitações
metodológicas, como a dificuldade da verificação da informação dada; a impossibilidade de “certificar-se de que
‘saber ler e escrever’, tenha, para as pessoas entrevistadas, o mesmo significado que (...) para os formuladores do
censo (...) e/ou para os pesquisadores”; também “que a avaliação socialmente negativa ou estigmatização das
pessoas que têm a característica chamada analfabetismo pode produzir um viés tendente a esconder, em
dimensão ignorada, a condição de analfabeto ou analfabeta” (idem, p.20). 28
Por autores como Di Rocco (1979, p. 85); Siqueira (1989); Gatti, Silva e Espósito (1990); Paiva (2003);
Romanelli (2005) e Ferraro (2009).
50
O crescimento desse conjunto populacional durante o século XX acompanhou o
crescimento da própria população brasileira, conforme os dados da tabela a seguir (apud
PAIVA, op. cit., p.408).
Tabela 2 – Brasil: Evolução da população em milhões.
ANO 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
População 30,6 41,2 51,9 70,9 94,5 121,1 146,8 169,4
Houve, sim, esses dois crescimentos ditos acima, e é preciso reconhecer que houve a
diminuição, no âmbito da educação, da população analfabeta, de acordo com a tabela 1,
especialmente entre os anos de 1940 a 1970 e o ano 2000.
Na avaliação de Romanelli, porém, “em números absolutos, cresceu o analfabetismo29
,
mas “em números relativos decresceu sensivelmente” (op.cit., p.75). Nesse sentido, Galvão e
Di Pierro dizem que esse recuo nos índices de analfabetismo no século XX ocorreu, “quando
se intensificou a migração do campo para as cidades e começou a se estruturar uma rede de
escolas públicas acessível à população mais pobre, ao mesmo tempo [em] que se
desenvolveram campanhas de alfabetização de adultos” (op.cit. p.58).
Dados do analfabetismo das mulheres no Brasil, em 2000, considerando faixas etárias
mais específicas, mas a partir dos 15 anos, em comparação aos homens, indicam que há mais
mulheres analfabetas do que homens, mas, igualmente aos homens, à proporção que a faixa
etária aumenta, também aumenta o número de analfabetos, não ocorrendo esse fenômeno,
para ambos os gêneros, a partir dos 39 anos, quando a quantidade de pessoas analfabetas é
muito grande, e mais uma vez o número de mulheres é superior ao dos homens, como indica a
tabela abaixo (apud, ibid., p.62).
29
Ferraro também constata isso e acrescenta que “somente os censos de 1991 e 2000 é que passaram a registrar
queda no número absoluto de pessoas não - alfabetizadas” (op. cit., p.102).
51
Tabela 3 – Brasil: Pessoas de 15 anos ou mais, não - alfabetizadas, por sexo segundo os
grupos de idade – 2000.
Grupos de idade Total Homens % Mulheres %
Total 15.467.262 7.526.250 48,66 7.941.012 51,34
15 a 17 anos 432.005 287.005 66,44 145.000 33,56
18 a 24 anos 1.330.327 837.329 62,94 492.998 37,06
25 a 29 anos 1.040.647 618.652 59.45 421.994 40,55
30 a 34 anos 1.197.781 670.639 55,99 527.142 44,01
35 a 39 anos 1.252.178 668.772 53,41 583.406 46,59
Mais de 39 anos 10.214.324 4.443.853 43,51 5.770.472 56,49
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.
Diante desse cenário ainda persistente, Gatti, Silva e Espósito, a partir de fontes
estatísticas diferentes, dizem que um dos grandes desafios atuais [isso na década de 90], no
Brasil, se relaciona ao “contingente de adultos analfabetos”, os quais “a sociedade não se tem
mostrado capaz de incorporá-los à cultura escrita” 30
(op.cit., p. 7).
De fato, continua muito alto o número de JA analfabetos, para um país de dimensões
continentais como o Brasil, que, segundo um levantamento estatístico, expõe uma das maiores
taxas de analfabetismo, entre pessoas com 15 anos ou mais (11,6%, em 2003), se comparado,
por exemplo, com outros países da América do Sul, pra quem o Brasil só fica atrás, de acordo
com esse mesmo levantamento, da Bolívia (13,5% em 2001) e do Peru (12,3% em 2004)
(UNESCO apud GALVÃO e DI PIERRO, op. cit., p.57). Realidade que Siqueira, no final da
década de 80, destaca que o Brasil naquele momento era “o país latino-americano”, que mais
apresentava “o maior número absoluto de analfabetos adultos” (op.cit., p. 10). Mas, afinal,
quem são esses JA? Como são vistos no Brasil?
Como dito até agora, a faixa etária do público destacado como analfabeto é aquele de
15 anos e acima. Nesse sentido, Di Rocco diz que “conceituar adulto através do aspecto
cronológico, apontando uma idade para separar a infância da maturidade, seria simplificar
demasiado uma realidade extremamente complexa” (op. cit., p.12). E a justificação para a
30
Do ponto de vista avaliativo, que não será aprofundado aqui, o que está sendo avaliado nesses critérios
censitários é a alfabetização. Sobre isso, Soares (2004) diz que “as medidas censitárias, no Brasil, têm avaliado
índices de alfabetização, isto é, têm buscado identificar a posse, ou não, da tecnologia da escrita, quer do ‘saber
ou não saber assinar o próprio nome’ (...), quer pelo critério do ‘saber ou não saber ler e escrever um bilhete
simples’ (...). Embora em ambos os critérios estejam pressupostas práticas sociais de escrita (assinar o nome e
fazer uso de bilhete), a avaliação da capacidade de ler e escrever um bilhete simples, prática sem dúvida um
pouco mais complexa que a assinatura, já representou um avanço em direção a medidas de letramento, avanço
incentivado pela UNESCO que, no final dos anos 1970, passou a sugerir, para as estatísticas educacionais, a
avaliação da alfabetização funcional” (p.96). Essa mesma autora, falando a respeito dessa avaliação proposta
nesses censos, diz que na verdade “não se trata de avaliação, mas de auto-avaliação, uma vez que os Censos se
baseiam na declaração do informante, sem qualquer verificação, o que traz consequências para a confiabilidade
dos dados” (idem).
52
escolha dessa idade como referência tem associação, segundo ele, com “fins estatísticos”, pois
“o fato dos indivíduos atingirem 15 anos de idade, sem saber utilizar os recursos mínimos de
comunicação lida e escrita, equivale a classificá-los como analfabetos” (idem).
Apesar do estereótipo sobre as pessoas analfabetas, e talvez também por causa disso,
tem crescido o contingente de JA que estão voltando à escola depois de muito tempo ou que
estão iniciando os estudos pela primeira vez. O perfil geral desse público que tem procurado a
escola vem sendo destacado em algumas pesquisas, inclusive em documentos produzidos pelo
próprio Ministério da Educação (MEC, 2006; GALVÃO e DI PIERRO, 2007).
No âmbito pessoal, um primeiro aspecto que pode ser detectado é a baixa autoestima
desses sujeitos. O preconceito existente contra as pessoas analfabetas na sociedade brasileira
termina sendo internalizado pelos próprios JA e se reflete em seus relatos, quando, sobretudo,
falam sobre si. Nesse sentido, Larrosa (1984), de uma perspectiva foucaultiana, afirma que
o que somos ou, melhor ainda, o sentido de quem somos, depende das histórias que
contamos e das que contamos a nós mesmos. Em particular, das construções
narrativas nas quais cada um de nós é, ao mesmo tempo, o autor, o narrador e o
personagem principal. Por outro lado, essas histórias estão construídas em relação às
histórias que escutamos, que lemos e que, de alguma maneira, nos dizem respeito na
medida em que estamos compelidos a produzir nossa história em relação a elas. Por
último, essas histórias pessoais que nos constituem estão produzidas e mediadas no
interior de práticas sociais mais ou menos institucionalizadas (p.48).
Relatos de JA tem sido um material riquíssimo utilizado em diversas pesquisas.
Galvão e Di Pierro, de um ponto de vista histórico, e afirmando, como Larrosa, a construção
histórica desse preconceito e a não linearidade dessa construção, dizem que tal preconceito
foi sendo fabricado, em diferentes instâncias sociais, ao longo da história brasileira.
Esse processo não foi linear, na medida em que as visões sobre aquele que não sabe
ler nem escrever não caminharam em uma única direção. Hoje, assim como ocorreu
em outros momentos, discursos diferentes e muitas vezes antagônicos concorrem,
em diferentes esferas, na produção de um lugar simbólico para esse sujeito (op.cit.,
p.53).
Essa baixa autoestima é “muitas vezes reforçada pelas situações de fracasso escolar”,
até porque “a sua passagem pela escola, muitas vezes, foi marcada pela exclusão e/ou pelo
insucesso escolar”. Assim, quando esse jovem e/ou adulto retorna aos estudos ou começa pela
primeira vez a estudar, “com um desempenho pedagógico anterior comprometido", ele “volta
à sala de aula revelando uma autoimagem fragilizada, expressando sentimentos de
53
insegurança e de desvalorização pessoal frente aos novos desafios que se impõem” (MEC, op.
cit., p.16).
Além disso, esses mesmos alunos, em sua maioria, tendem a se culpar pelo não
aprendizado em sala de aula, sem que façam uma avaliação mais ampla que inclua fatores
externos à escola (por exemplo, relações familiares, questões econômicas e políticas públicas)
e fatores internos (por exemplo, o relacionamento com os colegas e com os professores, as
condições físicas da escola, e, especialmente, a prática pedagógica vivenciada).
No âmbito sócio – econômico esse público é composto por “homens, mulheres,
jovens, adultos ou idosos”, pertencentes “todos a uma mesma classe social: são pessoas com
baixo poder aquisitivo, que consomem, de modo geral, apenas o básico à sua sobrevivência:
aluguel, água, luz, alimentação, remédios para os filhos (quando os têm)”. Dentro desse
quadro, “o lazer fica por conta dos encontros com as famílias ou dos festejos e eventos das
comunidades das quais participam, ligados, muitas vezes, às igrejas ou associações”. E ainda,
“a televisão é apontada como principal fonte de lazer e informação. Quase sempre seus pais
têm ou tiveram uma escolaridade inferior à sua” (MEC, ibid., p.15).
No âmbito do trabalho, esses JA, em sua maior parte, “são trabalhadores e, muitas
vezes, a experiência com o trabalho começou em suas vidas muito cedo” (MEC, ibid., p.19).
Na zona urbana, os pais desses JA “saíam para trabalhar e muitos deles já eram
responsáveis, ainda crianças, pelo cuidado da casa e dos irmãos mais novos. Outras vezes,
acompanhavam seus pais ao trabalho, realizando pequenas tarefas para auxiliá-los”. Também,
é comum que “estes alunos tenham realizado um sem-número de atividades cuja renda
completava os ganhos da família: [...] arrematar costuras, cuidar de crianças etc.” (idem).
Diante do perfil de jovens e adultos supracitado, por que, no entanto, eles procuram a
escola? Quais as suas expectativas de vida? Eles desenvolvem práticas de leitura e escrita em
espaços além da escola?
Em relação à primeira pergunta, é sabido que pessoas jovens e adultas procuram a
escola por diversos motivos. Numa dimensão individual, esses motivos se avolumam
bastante. Até porque, quando se considera alunos analfabetos da zona urbana em geral,
a cada realidade corresponde um tipo de aluno e não poderia ser de outra forma, são
pessoas que vivem no mundo adulto do trabalho, com responsabilidades sociais e
familiares, com valores éticos e morais formados a partir da experiência, do
ambiente e da realidade cultural em que estão inseridos (MEC, ibid., p.4).
54
É possível, no entanto, reunir alguns motivos comuns destacados em algumas
pesquisas. Nessa dimensão pessoal, por exemplo, Gléria (2009) destaca que “os alunos da
EJA veem à volta aos estudos como uma possibilidade de recuperação da identidade humana
e cultural, restabelecendo dessa forma a autoestima que por muitas vezes permanece oculta
nos sujeitos de suas ações” (p.43).
A segunda pergunta (quais as suas expectativas de vida?), nos leva às mais variadas
expectativas de vida expressas por pessoas jovens e adultas. Numa de suas pesquisas, Garcia
(2006) destaca algumas dessas expectativas: “alfabetização como busca de emprego”;
“alfabetização como valorização da imagem social”; “alfabetização como prazer em
aprender”; “alfabetização como exercício da cidadania”; “alfabetização como uso da norma-
padrão da língua”; “alfabetização como busca de mais convivência social” (p.78-90).
Finalmente, a última pergunta (eles desenvolvem práticas de leitura e escrita em
espaços além da escola?) nos leva a perceber que de fato JA desenvolvem práticas de leitura e
escrita em espaços além da escola. No caso da pessoa adulta, esta possui uma cosmovisão
própria, uma experiência de vida, além de conhecimentos ou saberes adquiridos ao longo de
sua vida, mesmo aqueles que nunca estiveram na escola.
Dos vários tipos de saberes, dois deles podem ser percebidos mais claramente nesse
público adulto, quando este chega à escola: o saber sensível e o saber cotidiano. O saber
sensível é aquele presente no ser humano e que tem relação com o corpo, com os cinco
sentidos e suas expressões no contato com o mundo, e que leva à “percepção das coisas e do
mundo”. É uma espécie de saber pouco estimulado na “sala de aula” e que geralmente se
restringe à “exploração apenas às aulas de arte”. Mesmo sendo pouco valorizado, esse saber é
uma condição básica para o conhecimento dito formal e, “os alunos jovens e adultos, pela sua
experiência de vida, são plenos deste saber sensível” (MEC, op. cit., p.6-7).
O outro saber destacado nesse documento oficial do MEC é o do cotidiano. Como
acontece com o saber sensível, esse é o saber advindo da vida vivida pelos jovens e adultos no
dia-a-dia e durante anos. É um saber concreto, que exige reflexão. Apesar de estar fundado
frequentemente no “senso comum”, é elaborado, mesmo não sendo sistematizado ou dito
científico (ibid., p.7). Calháu (2010) resume essa discussão feita acima, ao dizer o seguinte:
ao longo de mais de cinco séculos a escola brasileira ainda não consegue identificar
com clareza quem é o seu aluno; ainda temos dificuldade de identificar quem é o
povo brasileiro, como ele pensa, como ele vive, que conhecimentos ele produz, que
conhecimentos lhe interessam. Talvez isso aconteça porque falamos em povo
brasileiro como uma entidade longe de nós, exótico qualquer um, que nem eu e
você. Nos colocamos como meros observadores, não nos vemos nesse conjunto.
55
Precisamos fazer uma autoanálise e reconhecer através da história, [que] somos esse
brasileiro miscigenado, rico de uma oralidade que muitas vezes só faz sentido dentro
de nossos próprios grupos sociais, sejam eles quais forem (p.44)
Para referida autora, a escola ainda não conhece de fato o aluno que recebe, seja no
que diz respeito a sua origem, a sua subjetividade e ao seu próprio contexto histórico. Isso
também é verdade para JA analfabetos que têm expectativas, sabem coisas, produzem
conhecimentos, criam estratégias para superarem suas dificuldades em ler e escrever.
Pelo que foi dito até aqui, então, o jovem e o adulto no Brasil, consagrados ao longo
do tempo de analfabetos, continuam sendo vistos, pela sociedade letrada, como pessoas
necessitadas de algo por não exercitarem uma prática da leitura e da escrita convencional.
Esse contingente de pessoas é relativamente elevado e a situação da mulher, como já afirmado
anteriormente, é ainda mais delicada. E mesmo com a expectativa expressa na Constituição de
se erradicar o analfabetismo, o sistema educacional brasileiro, entretanto, tem historicamente
negligenciado a educação das camadas populares, desde a invasão estrangeira em nosso País.
Esses e outros desafios estão diante da escola, que pode contribuir com jovens e
adultos, desde o processo de alfabetização até a inserção dos mesmos de maneira efetiva no
mundo letrado. Sobre isso se falará logo adiante.
1.2 Alfabetização, letramento e EJA
O discurso (ideológico) do analfabetismo, abordado anteriormente, que via o sujeito
sobre uma ótica estereotipada e negativa, recebeu no século XX novos enfoques teóricos e
práticos advindos de pesquisas no exterior e no Brasil, formando, por exemplo, equações
entre a alfabetização e escolarização e alfabetização e o letramento. Esta última equação,
especialmente, é o nosso foco neste tópico. Para se tratar das especificidades e relações entre
alfabetização e letramento, no contexto da EJA, se recorrerá, especialmente, às referências
teóricas associadas a Freire (1967; 1987; 1988; 2011), Ferreiro (1985; 1988; 2003), Ferreiro e
Teberosky (1988), Graff (1995), Cook – Gumperz (2008), Soares (2000; 2004; 2010), Tfouni
(1995), Kleiman (1995 e 2001) e Street (2003).
Como visto no panorama histórico, no início deste capítulo, a compreensão teórica do
que era a alfabetização e de quem era uma pessoa alfabetizada e em “condições” de viver na
cidade modificou gradativamente ao longo do século XX, à medida que a vida urbana ia se
56
tornando mais complexa, especialmente com as transformações ocorridas no mundo do
trabalho, das diversas ciências e da tecnologia. É nesse sentido que Di Pierro e Galvão e
(2007) salientam que a alfabetização tornou-se
um dos pilares da cultura contemporânea, pelo valor que a leitura e a escrita
adquiriram no modo de vida das sociedades urbano-industriais permeadas pela
ciência e tecnologia, e também por ser uma ferramenta que permite o
desenvolvimento de outras habilidades igualmente valorizadas nesse âmbito (p.13).
No início da primeira metade do século XX, especialmente no Ocidente, a exemplo do
Brasil, as relações entre a tríade alfabetização, industrialização e urbanização produzirão
princípios teóricos e práticos para o campo mais amplo da educação, que serão,
posteriormente, colocados sob suspeita e problematizado.
Concernente à questão da alfabetização nesse contexto, Graff (1995), de uma
perspectiva histórica, destaca que até a década de 60 “o lugar e o sentido do conceito e do fato
da alfabetização na compreensão acadêmica e popular eram simples e segura”, sendo vista
como “uma variável central”, que distinguia “indivíduos e sociedades”, julgando-as
desenvolvidas ou menos desenvolvidas, passando, assim, a ser concebida como uma “variável
independente” (p.11), sendo superestimada a sua importância. Para esse mesmo autor, só após
o final da década de 80, a alfabetização veio a ser conceitualizada como um “fator
dependente” e a “linearidade de suas contribuições” (ibid., p.12) questionada.
A tese que considerava a alfabetização como a responsável pelos efeitos e pelas
consequências do “desenvolvimento socioeconômico, na ordem social e no progresso
individual” dos sujeitos foi discutida por Graff, que a denominou de “mito da alfabetização”,
o qual não servia “mais como uma explicação satisfatória para o lugar da alfabetização na
sociedade, na política, na cultura ou na economia” (ibid., p.26 -27). O referido autor apontou
para a necessidade, de uma “desconstrução” ou uma “reconsideração” e “reconceitualização”
da alfabetização, para lançá-la em bases mais “significativas”, como mudança “mental” e
também “histórica” (ibid., p.17, 25).
Além da alfabetização, superestimada também foi a escolarização. Segundo Cook-
Gumperz (2008), “durante os dois últimos séculos, quando as taxas e os valores da
alfabetização mudaram e se expandiram nas sociedades ocidentais, a escolarização também se
desenvolveu como movimento social” (p.34). Essa autora, assim como Graff (1995), se
posiciona contrariamente à concepção de uma passagem linear do analfabetismo ao
alfabetismo, propondo, ao invés disso, trajetórias de “múltiplas alfabetizações” à alfabetização
57
escolar31
, apontando para uma diversidade de práticas de leitura e escrita independentemente
daquelas práticas estabelecidas na instituição escolar. Esse posicionamento contraria e coloca
em novas bases “as equações entre alfabetização e escolarização, alfabetização e mudança
cognitiva, alfabetização e desenvolvimento econômico” que, segundo Trindade “incluíam a
escolarização da alfabetização – tendo por base o mito da alfabetização e do alfabetismo”
(ibid., p.127).
Cook-Gumperz, por meio de um enfoque histórico, faz uma revisão dessa relação
entre a alfabetização e escolarização, que tanto tem influenciado as atuais concepções de
alfabetização e da aprendizagem (op. cit., p.21). Ela realça que “ao longo de seu
desenvolvimento”, as escolas tiveram, pelo menos, duas preocupações: “o ensino de
habilidades de alfabetização” e “os usos dessas habilidades, que são principalmente sociais”32
.
Vista dessa forma ampla, é que a aprendizagem escolar não deve ser concebida somente como
aprendizagem cognitiva, até porque, segundo essa mesma autora,
se compararmos a situação atual com a história da alfabetização e da escolarização,
descobriremos que, antes do desenvolvimento de um sistema de educação universal
burocrático e complexo, era mais provável que a aquisição da alfabetização
ocorresse por meio da interação informal em grupos localizados (ibid., p.34).
Não se pode também fazer uma associação tão estreita entre alfabetização e
desenvolvimento econômico. A respeito da anterioridade da alfabetização à escolarização,
Cook-Gumperz afirma, tendo como base trabalhos de historiadores a respeito da cultura
popular, no Ocidente (Grã-Bretanha, Europa e Estados Unidos), nos séculos XVIII e XIX, que
a atividade econômica não foi a única razão para o desenvolvimento da
alfabetização, pois era bastante possível ganhar a vida sem habilidades letradas.
Inicialmente, a alfabetização tinha valor nas áreas sociais e recreativas da vida:
apenas gradualmente entrou na vida econômica das pessoas comuns, de maneira que
podiam determinar suas perspectivas de vida (ibid., p.37).
Em meio a essa discussão, a referida autora identifica basicamente duas correntes de
mudança social contraditórias, que moldaram a institucionalização da escolarização, a saber: a
primeira, que buscava a promoção da alfabetização popular, concebendo a “cultura popular e
letrada das pessoas comuns” como duas referências para uma definição de alfabetização e de
escolarização, que levariam tanto a “realizações individuais” como a um “radical 31
Trindade (2004) observa que “também podemos reconhecer a alfabetização escolar como múltipla pelas
interpretações discursivas que recebe na produção acadêmica e na prática didático – pedagógica” (p.139). 32
Os usos dessas habilidades são designados, em geral, no Brasil, de letramento, como se verá mais adiante.
58
desenvolvimento pessoal”. E a segunda corrente que procura o controle dessa alfabetização da
cultura popular e era representada por “políticos e patrões capitalistas”, que “acreditavam que
a escolarização proporcionava uma força de trabalho cada vez mais industrializada, com o
sentido de disciplina [de controle] e aquilo que posteriormente seria chamado de
competências escolarizadas” (ibid., p.4, grifo do autor). Essa disciplina da qual a autora trata
é o tipo de alfabetização, cujos processos de ensino e aprendizagem enfatizavam
“características comportamentais e morais” (idem)33
, sem deixar de lado, mas não
priorizando, a habilidade de decodificar e codificar símbolos escritos.
Além da ideia de que a alfabetização estava essencialmente ligada ao desenvolvimento
pessoal, social e econômico, Cook-Gumperz realça que na construção da “ideologia da
alfabetização” (desde os séculos XVIII e XIX), ainda estiveram presentes os seguintes
princípios teóricos: a ideia de que “habilidades letradas para todas as pessoas resultariam em
igualdade e na possibilidade de uma nova ordem social e política”; a ideia de que a
alfabetização escolarizada deveria estratificar o “conhecimento” e a sua “transmissão”,
descontextualizando-os, bem como padronizá-la, o que a distinguiu dos “usos cotidianos da
alfabetização” das pessoas; e a ideia de que o indivíduo analfabeto seria responsável tanto
pelos seus avanços no aprendizado e usos da leitura e da escrita como pela sua pobreza e/ou
fracasso (ibid., p.43 - 44).
No século XX, novos princípios são incorporados à ideologia da alfabetização,
segundo a mesma autora, fruto dos “movimentos de educação em massa e o alcance de níveis
mais ou menos universais de alfabetização nas sociedades industriais avançadas”, a saber: a
“institucionalização” da alfabetização como um direito fundamental; a alfabetização como
“pré-condição para qualquer mudança ou progresso futuro” e que sem esta “não existe
escolarização ou educação” (ibid. p.45).
Mais dois princípios podem ser identificados: o surgimento da escolarização
profissional34
, que “proporcionou as condições organizacionais para que as escolas se
tornassem juízes dos padrões de alfabetização, tornando-a mensurável e avaliativa para outras
33
Não é demais se realçar que a oferta pública da educação e o crescimento da alfabetização, desde o começo
encontraram resistências pela “preocupação política crescente com o fracasso da escolarização” bem como “uma
noção recém - afinada do analfabetismo, que considerava aqueles que não tiveram escolarização e alfabetização
um perigo social” (ibid., p.42). 34
Para Cook – Gumperz esse termo “significa a escolarização pública, com apoio legal dentro da sociedade e
com um currículo coerente, que contenha um plano organizado de instrução para aprendizes e professores”
(ibid., p.46).
59
habilidades”,35
por meio de testes; e o de que houve uma “transformação da alfabetização, de
uma virtude moral para uma habilidade cognitiva”, levando as escolas ao status de
transmissora “seletiva do conhecimento” e promotora dessa habilidade, em razão da
“crescente sofisticação tecnológica das técnicas de aprendizagem e ensino” (ibid., p.46,49).
Porém, na avaliação de Cook-Gumperz “se a alfabetização é vista como uma habilidade
cognitiva que pode ser aprendida e adquirida em cenários especializados por meio de esforços
individuais”, a mesma cria a ideia de que “os menos prósperos em realizações educacionais
também podem ser vistos como menos merecedores do ponto de vista social” (ibid., p.49).
Trindade, portanto, considera “problemáticos os discursos que desvalorizam as
habilidades dos não-escolarizados, ao mesmo tempo em que valorizam as dos escolarizados,
já que cada habilidade deve ser analisada no seu contexto de aprendizagem e uso” (op. cit.,
p.132). Ao invés disso, habilidades cognitivas ocorrem em espaços sociais distintos dos
escolares, apresentando contornos próprios, no que tange ao cultural, ao regional, ao histórico,
ao dialético e ao instrumental. Na verdade, Leal (1996) diz que “qualquer conhecimento a ser
construído, decorre de um processo histórico, onde não apenas os conceitos, como as próprias
formas de aquisição e operações cognitivas são provenientes das relações sociais que se
estabelecem nas sociedades” (p.21).
Nesse sentido, é que a escrita deve ser ela considerada um instrumento cultural e a
leitura, por conseguinte, não deve se limitar a uma simples decodificação. Até porque,
a escrita é um instrumento que favorece, na sociedade, mudanças ao nível da
organização desta; mudanças cuja natureza e direção dependem das mensagens
emitidas e interpretadas, bem como de quem as emite. Assim, aprender a ler não
implica apenas em saber decodifica textos, mas também analisar sua veracidade
lógica e suas próprias premissas, a fim de proceder à análise crítica deste (COOK –
GUMPERZ apud LEAL, 1996, p.21).
A alfabetização, no entanto, até 1960 era vista de fato, no seu aspecto pedagógico,
simplesmente como aprendizagem de um código, de uma tecnologia. Cook-Gumperz
relaciona a prática escolar de leitura com ênfase em métodos que destacam o processo de
35
Para Soares (2004) essa relação entre alfabetização e escolarização talvez se explique justamente “pelo fato de
que a aquisição da tecnologia da escrita – o processo de alfabetização – tem resultados visíveis e evidentes
(como, aliás, a aquisição de qualquer tecnologia): embora alfabetização seja um contínuo, e o nível de domínio
da tecnologia da escrita possa variar de indivíduo a indivíduo, é sempre possível determinar se (...) um jovem ou
adulto sabe ou não sabe ler e escrever – trata-se de ter ou não ter a posse de uma tecnologia” (p. 94-95). Para a
referida autora, do processo de alfabetização, então, “pode-se esperar que resulte, ao fim de determinado tempo
de aprendizagem, em geral pré-fixado, um ‘produto’ que se pode reconhecer, cuja aquisição, ou não, atesta ou
nega a eficiência do processo de escolarização” (p.95). Soares compreende alfabetização e escolarização como
dois fenômenos distintos, embora relacionados.
60
decodificação, à expansão da escolarização, à população, com o objetivo de alfabetizá-la ou
de “controlar a alfabetização e não promovê-la, controlar ambas as formas de expressão e de
comportamento que acompanhava o avanço rumo à alfabetização” (op. cit., p.40). Como
abordado anteriormente, essa alfabetização escolar, relacionada a uma noção estratificada e
potencialmente padronizável de alfabetização, se diferenciava das práticas sociais de leitura e
de escrita vivenciadas fora e antes mesmo da escola.
Ao se enfatizar os métodos de alfabetização, o foco pretendido era na apropriação de
habilidades que ajudassem o (a) aluno (a) a codificar e decodificar, exigindo dele (a) a
memorização de letras, sílabas e/ou palavras e/ou frases soltas e a consequente associação de
sons, sem a devida atenção a uma construção reflexiva do SEA e à inserção em práticas de
leitura e escrita.
A partir da década de 60, no Brasil, Paulo Freire (1987) destacou a necessidade de se
ultrapassar a concepção de alfabetização voltada apenas para a decodificação da escrita,
enquanto uma ação neutra. Essa questão, segundo o referido autor, tem relação estreita com a
visão do educador como sujeito do processo de alfabetização, cujas implicações básicas são as
seguintes: a primeira é que “conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo
narrado”, para que se apossem de uma tecnologia; e a segunda implicação é que a “narração
os transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a serem ‘enchidos’ pelo educador”, ou seja, “a
educação se torna um ato de depositar” (p.58).
Já a educação que ele chama de “problematizadora” / “libertadora” (ou seja, o
desenvolvimento de uma “consciência crítica”) concebe a alfabetização como um “ato de
conhecimento” ou um “ato cognoscente” (isto é, percepção de si mesmo no mundo onde está),
baseada numa relação dialógico-dialética36
entre educador e educando (ibid., p. 68), afinal
ambos aprendem juntos. Nesse sentido, Freire (ibid.) propõe uma inversão conceitual
(ideológica) e prática, ou seja, a de que o educando adulto é um “agente” ou um “sujeito” do e
no processo de alfabetização. Por conseguinte, ele é um produtor de cultura, não uma “tábula
rasa” ou mero portador de conhecimentos prévios, e que se encontra imerso em práticas em
36
Segundo Zitkoski (2010) “no diálogo aberto, o exercício da argumentação dos sujeitos participantes dele
garante que as posições diferentes tenham iguais condições de serem ouvidas, debatidas e avaliadas com base no
processo de construção dialógica do mundo humano. Então, a construção dialética freiriana confere um sentido
inovador e uma fundamentação diferente, desde a construção lógico – racional da experiência humana no mundo
até a produção cultural das formas de organização da sociedade e sua recriação através da história, porque as
raízes profundas de seu processo efetivo visam à libertação da humanidade e não ao controle dela à semelhança
de uma visão histórica determinista, que, infelizmente, a tradição da dialética hegeliano – marxista reproduziu
nos últimos séculos” (p.116).
61
distintos espaços sociais. Nessa perspectiva, Galvão e Soares (2004) afirmam que, para a
alfabetização se tornar significativa, é necessário considerar o adulto como
produtor de saber e de cultura e que, mesmo não sabendo ler e escrever, está inserido
– principalmente quando mora nos círculos urbanos – em práticas efetivas de
letramento, [tornando] o processo de alfabetização [...] mais significativo. O adulto
não é mero portador de ‘conhecimentos prévios’, que precisariam ser resgatados
pelo alfabetizador para ensinar aquilo que quer, mas um sujeito que construiu uma
história de vida, uma identidade e cotidianamente produz cultura (p.51).
Tal perspectiva é diametralmente oposta àquela que infantiliza o adulto a exemplo do
MOBRAL. Pinto (2010) chama a infantilização de adultos de “concepção ingênua” na EJA,
pois
considera o adulto analfabeto como uma criança que cessou de desenvolver – se
culturalmente. Por isso, procura aplicar – lhe os mesmos métodos de ensino e até
utiliza as mesmas cartilhas que servem para a infância. Supõe que a educação
(alfabetização de adultos) consiste na ‘retomada do crescimento’ mental de um ser
humano que, culturalmente, estacionou na fase infantil. O adulto é considerado,
assim, um ‘atrasado’ (p.91).
Freire (1985) ressalta que, no processo de alfabetização, o aspecto pedagógico é
indissociável do aspecto sociopolítico. Quando trata do ato de ler nesse processo, adverte que
[...] não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita,
mas [...] se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo
precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da
continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente.
A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção
das relações entre o texto e o contexto (p.11-12).
Para esse mesmo autor, é justamente essa “percepção das relações entre o texto e o
contexto” que faz da alfabetização um “ato político e um ato de conhecimento” e, por
conseguinte, “um ato criador” (ibid., p.12), inversa à educação bancária, que não conscientiza,
não humaniza e não dialoga.
Ao se considerar que o sujeito adulto analfabeto é um ser produtor de saber e de
cultura, é importante que ele, ao longo de sua vida, construiu conhecimentos diversos nas
relações sociais vivenciadas, incluindo aqueles relacionados à escrita. Nessa perspectiva,
desde a década de 1980, a alfabetização de crianças e adultos tem sido considerada, por meio
das pesquisas sobre a Psicogênese da Língua Escrita, como um processo de apropriação da
62
escrita alfabética. Por outro lado, vem ganhando força os estudos que, principalmente a partir
da década de 1990, relacionam a alfabetização às práticas de letramento.
No início da década de 80, avanços ocorreram na compreensão da aquisição da escrita,
do ponto de vista cognitivo, com os estudos da psicogênese da escrita, cujo referencial teórico
advém, sobretudo, da Psicologia e Epistemologia Genética de Jean Piaget. Esses estudos
fazem um contraponto com a já mencionada concepção de alfabetização como um código
fragmentado e descontextualizado, mostrando a necessidade de vê-la como um sistema
socialmente construído, como um processo.
Ferreiro e Teberosky (1988) mostram que a criança e o adulto analfabeto possuem, por
exemplo, competências cognitivas e linguísticas relacionadas a conhecimentos sobre a escrita
e sobre o sistema alfabéticos. E afirmam que
as atividades de interpretação e de produção da escrita começam antes da
escolarização, como parte da atividade própria da idade pré – escolar; a
aprendizagem se insere (embora não se separe dele) em um sistema de concepções
previamente elaboradas, e não pode ser reduzido a um conjunto de técnicas
perceptivo – motoras (p.42 – 43).
As referidas autoras compreendem a “escrita não como um produto escolar, mas sim
um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade” (ibid., p.43). Sendo assim,
“a escrita cumpre diversas funções sociais e tem meios concretos de existências
(especialmente nas concentrações urbanas)” (idem). E destacam que para a criança, “o escrito
aparece [...] como objeto com propriedades específicas e como suporte de ações e
intercâmbios sociais”, já os adultos “fazem anotações, leem cartas, comentam os periódicos,
procuram o número de telefone, etc.” (idem). Ou seja, na sociedade circulam diversas fontes e
gêneros textuais37
, com os quais os adultos convivem com alguns desses gêneros. Dessa
forma, segundo Trindade essas autoras
apresentam [...] três princípios básicos que guiariam suas pesquisas: não identificar
leitura com [o] decifrado, não identificar escrita com cópia de um modelo e não
identificar progressos na conceitualização com avanços no decifrado ou na exatidão
da cópia (op. cit., p.130).
37
De acordo com Marcushi (2005), os gêneros textuais não são o produto de um trabalho individual, mas
coletivo, e que “contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia”, sendo
“entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”,
caracterizando-se “como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”, surgindo “emparelhados
a necessidades e atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas” (p.19).
63
Albuquerque e Ferreira (2008), tendo essas duas autoras acima como referência, dizem
que:
os alunos, sejam crianças ou adultos, na interação com a escrita em práticas sociais
realizadas em diferentes contextos significativos, se apropriam do sistema alfabético
de escrita por meio de um processo construtivo que envolve a reflexão sobre alguns
dos princípios do sistema de escrita alfabética e a apropriação da linguagem própria
dos diferentes gêneros textuais escritos” ( p.427-428).
Nesse processo, de acordo com Ferreiro (1988), crianças e adultos passam por alguns
estágios sobre a escrita (não lineares), que são simplificados por ela em quatro sistemas
ordenados de escrita: pré-silábico, silábico (inicial quantitativo ou inicial de qualidade),
silábico – alfabético e o alfabético38
.
No estágio pré-silábico, a pessoa não estabelece uma relação entre escrita e pauta
sonora. Quando essa relação começa a ser estabelecida, a pessoa avançaria para outro estágio
de compreensão, que é chamado de silábico inicial. Quando os alunos “passam por um
período em que a preocupação é exclusivamente quantitativa, então colocam qualquer letra
para representar as sílabas”, considerando a quantidade delas nas palavras. O estágio silábico
de qualidade é quando os alunos “passam a demonstrar preocupação com as
correspondências, colocando letras que tenham relação com os sons representados”. Para eles,
cada sílaba deveria ser representada por uma letra, e a escolha dessa letra tem relação com o
som. Outros dois estágios são o silábico alfabético e o alfabético. O primeiro se apresenta
quando gradativamente “os aprendizes começam a perceber que ‘as sílabas podem ser
compostas de unidades menores (fonemas)’ e começam a colocar mais letras em cada sílaba”.
No estágio alfabético os alunos e alunas “começam a perceber que ‘as regras de
correspondência grafofônica são ortográficas e não fonéticas”, e aí, “as preocupações se
voltam para as normas ortográficas” (LEAL, 2004, p. 81-87).
Os alunos adultos, no processo de alfabetização, também passam por tais estágios
(hipóteses) de escrita, como revelou Ferreiro (1988), ao realizar pesquisas com adultos não
alfabetizados. No entanto, diferentemente das crianças, ela observou que os conhecimentos
que os adultos possuem são mais amplos e também mais específicos do que os das crianças.
Diante de suas experiências de vida, eles têm uma maior compreensão dos usos e funções
sociais da língua, ao mesmo tempo em que, mesmo com hipóteses iniciais de escrita, esses
38
Para uma discussão mais pormenorizada desses níveis, ver, por exemplo, FERREIRO, Emília; MUÑOZ,
Margarida Gomes Palacio. Analisis de lasperturbacionesenel processo de aprendizaje escolar de lalectura y
la escritura: evolución de la escritura durante el primer año escolar. México: SEP – OEA, 1982.
64
adultos já conhecem alguns dos princípios do nosso sistema de escrita, como o de que para
escrever é preciso usar letras. Essa percepção é uma contribuição relevante para as pesquisas
sobre a escrita, mostrando como crianças e adultos constroem a escrita recorrendo a diferentes
hipóteses antes de ingressarem na escola.
A apropriação do SEA, porém, não ocorre, no geral, fácil e espontaneamente. Nesse
sentido, o (a) professor (a) deve ser um mediador das aprendizagens dos alunos e, para isso,
precisa considerar os conhecimentos que eles já possuem sobre o nosso sistema de escrita.
Antes mesmo de um estudo mais aprofundado do SEA com jovens e adultos, Rameh e Araújo
(2006) ressaltam que são necessárias algumas atitudes do (a) alfabetizador (a):
a) Reconhecer o conhecimento construído individualmente pelo/a aluno/a; b)
valorizar esse conhecimento já construído e tomá-lo como ponto de partida para a
construção de novos conhecimentos; c) avaliar o nível de conhecimento construído
pelo/a aluno/a em função do que se espera que ele/a aprenda e do que se pode fazer
para possibilitar/fortalecer esta aprendizagem; d) identificar os momentos em que
deve intervir mediando o saber e os momentos em que deve estimular o/a aluno/a
para que prossiga só, evitando dar respostas prontas para perguntas que ele/a
próprio/a pode responder (p.21).
As práticas de alfabetização devem considerar, portanto, a necessidade de os alunos
evoluírem em suas hipóteses de escrita e, para isso, é preciso que eles compreendam os
princípios que regem nosso sistema, tais como:
O sistema alfabético de escrita tem relação com a pauta sonora (correspondência
grafofônica) e não com as propriedades dos objetos ou conceitos apresentados
(tamanho, cor, formato).
São utilizados símbolos convencionais (...) para a escrita dos textos verbais.
Na escrita alfabética, a correspondência entre a escrita alfabética e a pauta sonora é
realizada predominantemente entre grafemas e fonemas e não entre grafemas e
sílabas, por exemplo.
Toda sílaba contém uma vogal.
As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes, vogais e
semivogais (CV, CCV, CVSv, CSvV, V, CCVCC...), mas a estrutura predominante
é a consoante – vogal.
As regras de correspondência grafofônica são ortográficas, dessa forma pode-se
representar um mesmo fonema através de letras diferentes ou uma mesma letra pode
representar fonemas diferentes, assim como um fonema pode ser representado por
uma ou mais letra. No entanto, predominam as motivações regulares diretas (uma
letra corresponde a um único fonema, como B, D, F, J, P, T).
A direção predominante da escrita é horizontal.
O sentido predominante da escrita é da esquerda para direita (LEAL, op. cit., p.79 -
80).
Os princípios referidos acima, uma vez compreendidos, devem reger “o processo de
construção da escrita alfabética”. Ou seja, determinam “as hipóteses e os conflitos que
65
impulsionam a aprendizagem do sistema alfabético” (LEAL, ibid., p.80). No entanto, o
processo de alfabetização deve ainda proporcionar ao aluno expressar-se oralmente e
compreender e produzir textos, levando–o a participar efetivamente de eventos sociais
instrumentalizados pela escrita. Para isso, não basta alfabetizar. É preciso ampliar as
experiências de leitura e de escrita dos alunos ou, nas palavras de Soares (1988), é preciso
“alfabetizar letrando”. E aqui se chega à outra contribuição dos estudos da psicogênese da
escrita, a saber, o conhecimento sobre a natureza da própria escrita, que não pode ser visto
como um código de transcrição gráfica (e mecânica) da fala, mas um sistema, uma forma de
conhecer o mundo, como já alertava Paulo Freire. Na próxima seção, se discutirá as relações
entre alfabetização e letramento.
1.3 Alfabetização e letramento: relação e especificidades
Com as mudanças na concepção de alfabetização nas sociedades ocidentais vistas
anteriormente, surge a questão: como as pessoas que se apropriam das habilidades de leitura e
escrita conseguem se envolver em práticas sociais que envolvem essas habilidades? Mas mais
do que isso. O outro lado da questão é a percepção de que existe uma aquisição e uso plural
da leitura e escrita na sociedade. Dessa forma, um enfoque distinto a respeito do processo de
alfabetização começa a ser pensado, especialmente desde o final do século XX.
No Brasil, esse enfoque concerne aos estudos do que passou a ser designado de
letramento e/ou alfabetismo, situados na década de 8039
. Trindade (2004) lembra que “tais
estudos deixam de ocupar-se”, em termos de ênfase, “com o como se ensina’” (do período
anterior aos anos 60, com os métodos de alfabetização) “e com o ‘como se aprende’” (dos
estudos da psicogênese da língua escrita), “passando a discutir os mitos que se constroem em
torno do mito da alfabetização” (p.130).
O aparecimento dos termos letramento e também alfabetismo no cenário educacional
marcam uma diferença conceitual com os já citados e conhecidos termos analfabetismo e
alfabetização. Como discutido antes, autores tais como Graff (1995), Cook-Gumperz (2008) e
Ferreiro (2003), no estrangeiro, e Trindade (2004), no Brasil, traduzem o termo inglês literacy
39
O termo letramento, em particular, surgiu segundo Soares (2000), no vocabulário acadêmicobrasileiro (da
Educação e das ciências linguísticas), em meados da década de 1980, cujos usos iniciais estão associados a
nomes como o de Kato (1996), Tfouni (1988) e Kleiman (1995), nos seus respectivos textos: KATO, Mary. No
mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986; TFOUNI, Leda Verdiani. Adultos
não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas: Pontes, 1988 e, no caso de Kleiman, ver referências.
66
como alfabetização (ou alfabetismo40
) e o compreendem como aquisição e, também, como
utilização efetiva das práticas de leitura e da escrita. No Brasil, literacy, geralmente, tem sido
traduzido por letramento e possui acepções diversas, originadas das complexas e dinâmicas
interações e relações sociais.
Trindade (2004) opta por diferenciar “alfabetismo de letramento”, pois considera que
este último termo “inclui e extrapola as práticas culturais, sociais e escolares do primeiro” e
afirma que “a opção pelo uso do termo alfabetismo ou letramento, exige uma discussão
cuidadosa [...]”, e “que o uso do termo alfabetismo remete diretamente a analfabetismo e
alfabetização, sem ficar encoberto em um novo termo” e a utilização do “termo letramento
exige a discussão de significado que recebe nos estudos acadêmicos” (p.139). Alguns autores,
porém, utilizam o termo alfabetismo como sinônimo de letramento (BRITTO, 2004), ou
substitui aquele por este, como é o caso de Soares (2010) 41
, que, já em textos anteriores
(desde o final da década de 90 em diante) explica que “só recentemente esse termo
[alfabetismo] tem sido necessário, porque só recentemente começamos a enfrentar uma
realidade social em que não basta simplesmente ‘saber ler e escrever’”, como se compreendia
antes, porém se requer dos “indivíduos [...] não apenas que dominem a tecnologia do ler e do
escrever, mas também que saibam fazer uso dela, incorporando-a a seu viver, transformando-
se assim seu ‘estado’ ou ‘condição’, como consequência do domínio dessa tecnologia”
(SOARES, 2004, p. 15, 29).
Dentre as questões relacionadas ao termo letramento, uma é particularmente útil para
esta pesquisa: a distinção que Soares (2000; 2010) faz entre letramento individual e
letramento social42
.
40
Pode-se dizer que o termo inglês literacy incluiu por extensão o referido termo alfabetismo. Trindade (2004)
considera que Graff (1995) também usa a palavra alfabetismo para literacy (p.139). 41
Soares (2010) diz que “é importante observar que, aqui [se referindo a esse texto de 2010], opta-se pelo termo
alfabetismo, preferido a letramento, na época da elaboração” de outro texto seu: SOARES, Magda. Letramento:
um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. 42
No penúltimo texto mais recente de Soares (2004) que se usou aqui, esta autora ainda utiliza as expressões
“letramento individual” e “letramento social”, mas no texto mais recente que se recorreu na presente pesquisa
(2010), a referida autora lança mão das expressões “alfabetismo individual” e “alfabetismo social”.
67
Esses dois tipos de letramento são inferidos das discussões a respeito das definições,
não só distintas, mas antagônicas e contraditórias de letramento, a exemplo das definições
expressas por Graff (1995) e Scribner (apud SOARES, 2000) 43
.
Quando se tem em vista o letramento individual, a tarefa revela um nível de
complexidade grande, pois “é difícil definir letramento, devido à extensão e diversidade das
habilidades individuais que podem ser consideradas como constituintes do letramento”
(SOARES, 2000, p.67). De qualquer maneira, para a referida autora, o letramento individual
“focaliza a dimensão individual”, sendo o letramento “visto como um atributo pessoal,
referindo-se à posse individual de habilidades de leitura e escrita” (2010, p.30, grifo nosso).
Nessa dimensão individual, estas duas habilidades devem ser vistas como dois processos
radicalmente distintos, tanto no aspecto do conhecimento que os constitui como no aspecto da
aprendizagem dos mesmos, mas também complementares.
No que tange à tecnologia da leitura, Soares (2000) a concebe como “um conjunto de
habilidades” e conhecimentos “linguísticos e psicológicos, que se estende desde a habilidade
de decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos” (p.68).
Nesse conjunto figuram, portanto, desde habilidades de “traduzir em sons sílabas” isoladas, a
“habilidades [de pensamento] cognitivas e metacognitivas”. Mas, além disso, a referida autora
afirma que “há ainda o fato de que” essas habilidades “devem ser aplicadas diferenciadamente
a diversos tipos de materiais de leitura” (p.69).
Já a tecnologia da escrita, para Soares, é compreendida como “habilidades linguísticas
e psicológicas, mas habilidades [e conhecimentos] fundamentalmente diferentes daquelas
exigidas pela leitura” (idem). Nesse sentido, a tecnologia da escrita envolve desde “a
habilidade” de apenas transcrever sons “até a capacidade de transmitir significado de forma
adequada a um leitor potencial” (idem), isto é, abrange “desde a habilidade de transcrever a
fala, via ditado” [de fonemas em grafemas], “até habilidades cognitivas e metacognitivas”
43
Para o estudo e a interpretação da alfabetização (letramento no Brasil), Graff apresenta algumas questões
fundamentais, das quais destacamos duas: a primeira é a necessidade de se formular uma “definição consistente
que sirva comparativamente ao longo do tempo e através do espaço. Níveis básicos ou primários de leitura e
escrita constituem os únicos sinais ou indicações razoáveis que satisfazem este critério essencial” (op. cit., p.29)
e a segunda questão é que a alfabetização é “uma tecnologia ou conjunto de técnicas para a comunicação e a
decodificação e reprodução de materiais escritos ou impressos [itálicos do autor]; ela não pode ser tomada como
sendo nada mais nem nada menos” (ibid., p.33). Já Scribner, citado por Soares (2000), diz que “as tentativas de
definição (de letramento) estão quase sempre baseadas em uma concepção de letramento como um atributo dos
indivíduos; buscam descrever os constituintes do letramento em termos de habilidades individuais. Mas o fato
mais evidente a respeito do letramento é que ele é um fenômeno social [...]. O letramento é um produto da
transmissão cultural [...]. Uma definição de letramento [...] implica a avaliação do que conta como letramento na
época moderna em determinado contexto social... Compreender o que “é” o letramento envolve inevitavelmente
uma análise social...” (p.66, grifo do autor).
68
(ibid., p.70). Mas, além disso, essas habilidades escritas “devem ser aplicadas
diferenciadamente à produção de uma variedade de materiais escritos” (idem).
Já o letramento social, para Soares (2010), é compreendido como “um fenômeno
cultural”, tendo como foco “um conjunto de atividades sociais, que envolvem a língua escrita,
e a um conjunto de demandas sociais de uso da língua escrita”, em diferentes contextos. Logo,
essa prática social “não se limita pura e simplesmente à posse individual de habilidades e
conhecimentos”, como enfatizado pelo letramento individual; “implica também, e talvez
principalmente, em um conjunto de práticas sociais associadas com a leitura e a escrita,
efetivamente exercidas pelas pessoas em um contexto social específico” (p.32).
A referida autora destaca dentro do letramento social, pelo menos duas tendências de
pensamento, que tornam ainda mais complexo o termo letramento. A primeira delas se
relaciona a uma tendência “progressista, ‘liberal’”, designada de “versão fraca”. Nesta
perspectiva, como acentua Soares (2000) o “letramento é definido como um conjunto de
habilidades necessárias para ‘funcionar’44
adequadamente em práticas sociais nas quais a
leitura e a escrita são exigidas” (p.74). Subjaz a essa concepção, o que Graff (op. cit.) chama
de “mito da alfabetização”, no qual o letramento promove o progresso individual e social, ou
seja, promove “desenvolvimento cognitivo e econômico, mobilidade social, progresso
profissional, cidadania” (SOARES, 2000, p.74).
A segunda tendência teórica é a chamada de “radical, ‘revolucionária’”, nominada de
“versão forte”. Nesta vertente, como mostra Soares (2000), o “letramento não pode ser
considerado um ‘instrumento’ neutro a ser usado nas práticas sociais quando exigido”, pelo
contrário “é essencialmente um conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem a
leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e responsáveis por reforçar ou
questionar valores, tradições e formas de distribuição de poder presentes nos contextos
sociais” (p. 74 - 75).
44
Soares (2010) lembra que daí “deriva [...] a expressão alfabetismo funcional (ou alfabetização funcional, como
se tem usado no Brasil)” (p.32), esta última expressão já mencionada desde o início deste capítulo.
69
Soares associa Street (ibid., p. 75) como um dos autores da vertente “revolucionária”.
Contrapondo-se à construção teórica (e ideológica) em torno do “mito da alfabetização”,
Street (2003) propõe “duas perspectivas novas para o letramento e para o desenvolvimento”, a
saber: as “contribuições alternativas oferecidas pelos métodos etnográficos” 45
e o que ele
designa de “modelo ideológico do letramento” (p.1) 46
.
Na verdade, Street (idem) discute sobre dois modelos de letramento. O primeiro é o
chamado modelo autônomo47
, no qual “as pessoas precisam aprender uma forma de
decodificar as letras, e depois poderão fazer o que desejarem com o recém-adquirido
letramento” (p.4). Nesse modelo, se supõe que uma prática de letramento de maneira
autônoma terá “efeitos sobre outras práticas sociais e cognitivas”, mas na verdade se baseia
numa prática de pretensa neutralidade e de caráter universal, que simplesmente impõe
“conceitos ocidentais de letramento a outras culturas” (idem).
A proposta de Street (idem) é que se compreenda o letramento numa perspectiva
ideológica. Esse modelo, conforme o referido autor, “oferece uma visão com maior
sensibilidade cultural das práticas de letramento [no plural], na medida [em] que elas variam
de um contexto para outro” (p.4).
No modelo ideológico, assim, têm-se como referência algumas premissas, a saber: a
primeira é que o letramento “é uma prática social, e não uma habilidade técnica e neutra” ou
abstrata, ou seja, divorciada do ato comunicativo, dos seus interlocutores, do contexto social e
45
Na década de 1980, concomitantemente às perspectivas psicológicas e históricas sobre letramento, surgiu a
perspectiva social e etnográfica. Com o nome New Literacy Studies, essa perspectiva se consolida na década de
90, a qual segundo Soares (2004) trouxe, além de novos princípios e pressupostos teóricos, alguns instrumentais
para a análise do fenômeno do letramento, entre os quais se destacam dois pares de conceitos: de um lado, dois
‘modelos’ de letramento, o modelo autônomo em confronto com o modelo ideológico; de outro lado, dois
componentes básicos do fenômeno do letramento, os eventos e as práticas de letramento (p.104). 46
Stromquist (2001) diz que “nas últimas duas décadas [as de 80 e 90], vários acadêmicos, particularmente nos
campos da linguística e da antropologia [e em menor grau no campo da semiótica, da psicologia e da história],
têm desafiado a ideia de que existe uma divisão clara entre pessoas alfabetizadas e analfabetas e de que as
habilidades letradas podem ser adquiridas independente do contexto social no qual as pessoas vivem. Conhecida
como New Literacy Studies (NLS), essa escola de pensamento e pesquisa tem examinado as experiências
cotidianas das pessoas, procurando exemplos nos quais a comunicação e o uso da palavra escrita acontecem”
(p.308). 47
O termo autônomo pode causar confusão, pois não se refere a uma pretensa autonomia da instituição escolar
nem dos alunos e alunas, mas sim da perspectiva que se tem acerca da tecnologia da escrita. Na verdade, a
característica da ‘autonomia’ refere-se ao fato de que a escrita seria, nesse modelo, um produto completo em si
mesmo, que não estaria preso ao contexto de sua produção para ser interpretado; o processo de interpretação
estaria determinado pelo funcionamento lógico interno ao texto escrito não dependendo das (nem refletindo,
portanto) reformulações estratégicas que caracterizam a oralidade, pois, nela, em função do interlocutor, mudam-
se rumos, improvisa-se, enfim, utilizam-se outros princípios que os regidos pela lógica, a racionalidade, ou
consistência interna, que acabam influenciando a forma da mensagem. Assim, a escrita representaria uma ordem
diferente de comunicação, distinta da oral, pois a interpretação desta última estaria ligada à função interpessoal
da linguagem, às identidades e relações que interlocutores constroem, e reconstroem, durante a interação
(KLEIMAN, op. cit., p. 22).
70
assim por diante; e a segunda é que o letramento “aparece sempre envolto em princípios
epistemológicos socialmente construídos” (idem), ou seja, é um aspecto das estruturas de
poder da sociedade48
.
Finalmente, para um aprofundamento dos significados e usos do letramento, na
perspectiva ideológica, dois conceitos são destacados: o de eventos é descrito como “qualquer
ocasião [concreta] em que um texto escrito faça parte da natureza das interações dos
participantes e de seus processos interpretativos [e suas estratégias]” (HEATH apud STREET,
2003, p.7). Dessa forma, essa interação se torna um aspecto fundamental nas relações
estabelecidas entre falantes partícipes num determinado evento. Um segundo conceito é o de
prática, formulado por Street, que amplia a noção de evento, no sentido em que este autor
compreende práticas de letramento como um “conceito cultural mais amplo das formas
específicas de pensar e de fazer a leitura e a escrita dentro dos contextos culturais” (p.8).
Em meados da década de 90, Kleiman (op. cit.) recorre a Street como uma referência e
afirma que o conceito de letramento começa a ser usado numa “tentativa de separar os estudos
sobre o ‘impacto social da escrita’ [...] dos estudos sobre a alfabetização, cujas conotações
escolares destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita” (p. 15-16, grifo
do autor). Segundo a mesma autora, os estudos sobre letramento posteriormente se alargam no
momento em que “os estudos já não mais pressupunham efeitos universais do letramento, mas
pressupunham que os efeitos estariam correlacionados às práticas sociais e culturais dos
diversos grupos que usavam a escrita” (p.16), seguindo as pressuposições do modelo
ideológico.
Kleiman propõe a utilização do termo letramento ao invés alfabetização49
. Não
identifica o fenômeno do letramento com métodos, com habilidades, com escolarização e/ou
com alfabetização (embora reconheça a existência desse processo como alvo do “letramento
escolar”). Compreende, sim, esse fenômeno “como um conjunto de práticas sociais que usam
a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para
objetivos específicos” (ibid., p.19, grifo nosso). Essa definição destaca a existência de uma
multiplicidade de práticas (admite o letramento social daquelas pessoas não alfabetizadas) e
48
Mesmo sem utilizar a terminologia de modelo ideológico, o sentido disso é algo já discutido por Freire, desde
as suas primeiras obras, nas quais ele mostra o papel político que a educação pode ter, e que esta poderia levar as
massas não somente a uma participação efetiva, mas à condução da própria construção de uma nova sociedade,
atribuindo, dessa maneira, à alfabetização e ao letramento (escolar) um caráter político e não apenas pedagógico. 49A autora justifica essa substituição mostrando as diversas facetas possíveis da temática da oralidade no campo
dos estudos sobre letramento e que “em certas classes sociais, as crianças são letradas, no sentido de possuírem
estratégias orais letradas, antes mesmos de serem alfabetizadas” (1995, p.17-18).
71
resgata um pressuposto teórico de Street (2003) sobre o letramento, que concebe as práticas
de escrita como um aspecto social e da cultura e como tal,
os significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem dos
contextos e instituições em que ela foi adquirida. Não pressupõe, nesse modelo, uma
relação casual entre letramento e progresso ou civilização, ou modernidade, pois, ao
invés de conceber um grande divisor entre grupos orais e letrados, ele pressupõe a
existência, e investiga as características, de grandes áreas de interface entre práticas
orais e práticas letradas (KLEIMAN, op. cit., p.21).
Segundo Kleiman (ibid.), apesar de a escola ser “o parâmetro de prática social
segundo a qual o letramento era definido”, e, também “segundo a qual os sujeitos eram
classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado”, com o alargamento da
compreensão de letramento, essas práticas escolares “passam a ser, em função dessa
definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de
habilidades, mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a
escrita” (p.19). Ela chama a atenção para o equívoco de supervalorizar o processo de
escolarização e de se classificar os alunos e alunas, reproduzindo, portanto, o que
historicamente se fez, inclusive no Brasil, que quanto mais tornavam precisas essas práticas
(escolares), mais se hierarquizava os seus sujeitos aprendizes.
O modelo autônomo é normalmente associado ao processo formal de escolarização.
Ou seja, a instituição – alvo é a escola, na qual a escrita é encarada como neutra, além de ser
ela um fim em si mesmo. Segundo Kleiman, é um modelo que
pressupõe que há apenas uma maneira de o letramento ser desenvolvido, sendo que
essa forma está associada quase que casualmente com o progresso, a civilização, a
mobilidade social [...] esse é o modelo que hoje em dia [falando em meados da
década de 90] é prevalente na nossa sociedade e que se reproduz, sem grandes
alterações, desde o século passado [se referindo ao século XX], quando dos
primeiros movimentos de educação em massa (ibid., p. 21).
Esse modelo, ainda de acordo com essa mesma autora, “tem o agravante de atribuir o
fracasso e a responsabilidade por esse fracasso ao indivíduo que pertence ao grande grupo dos
pobres e marginalizados nas sociedades tecnológicas” 50
(ibid., p. 38). Ou seja, o aluno e
50
A discussão sobre o neoliberalismo, no âmbito do capitalismo, acentuou a tese na culpabilidade do indivíduo.
Cook-Gumperz (2008) diz que “o desenvolvimento social e os usos da literatura no Ocidente” terminaram por
distorcer “a ideia do que significa letrado”, pois “grande parte dessa discussão considerava a presença ou a
ausência de alfabetização [entendida como incluindo o letramento] como um atributo individual, que transforma
as chances da vida da pessoa ou existe como sinal de fracasso social e pessoal” (p.14). Na verdade, passa por
esse modelo uma questão bem mais ampla, que tem a ver com a própria concepção de educação, de escola, de
homem/mulher e de sociedade. Uma questão que foge ao propósito deste trabalho, mas que se constitui matéria
de discussão na teoria educacional e pedagógica, por exemplo.
72
aluna são responsáveis pelo seu não aprendizado. Os estereótipos que são incorporados por
pessoas jovens e adultas são um exemplo disso e que vão se aprofundando negativamente,
pois o “analfabetismo”, conforme Galvão e Di Pierro “não é percebido como expressão de
processos de exclusão social ou como violação de direitos coletivos, e sim como experiência
individual de desvio ou fracasso, que provoca repetidas situações de discriminação e
humilhação, vividas com grande sofrimento e, por vezes, acompanhadas por sentimentos de
culpa e vergonha” (2007, p.15).
Ainda segundo Kleiman (op. cit., p.20), o letramento, dessa forma, extrapola o mundo
da escrita conforme ensinado na escola. Esta instituição é de fato “a mais importante das
agências de letramento”, cuja preocupação é com uma prática de letramento determinada, ou
seja, a alfabetização, “o processo de aquisição de códigos [alfabético, numérico], processos
geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e
promoção na escola”. A mesma autora completa “que outras agências de letramento, como a
família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram orientações de letramento muito
diferentes” (idem). Nessa lógica, de acordo com a agência em questão, teríamos tipos de
letramento distintos e, associar o letrar à agência escolar seria no mínimo questionável.
Nesse sentido, o letramento se inicia bem cedo, até mesmo antes de se aprender a ler e
a escrever e pode existir mesmo onde não haja escola (escolarização), tanto no tempo como
no espaço. Pessoas jovens e adultas analfabetas envolvem-se em práticas sociais de leitura e
escrita diariamente, em diferentes contextos com diferentes objetivos e interlocutores,
portanto; pode acontecer fora do espaço escolar de forma espontânea, independente, como
quando jovens e adultos leem um texto da Bíblia, leem o nome do ônibus, escrevem uma lista
de compras de supermercado e assim por diante. Nesse sentido é que não somente Kleiman,
mas outros autores têm problematizado o descompasso existente entre o letramento escolar e
os demais letramentos extraescolares, a exemplo de Rojo (2010) que diz:
as camadas populares tiveram finalmente acesso à educação pública (ou a ela
retornaram) e trouxeram para as salas de aula práticas de letramento que nem
sempre a escola valoriza e que dialogam com dificuldades com os
letramentos dominantes das esferas literárias, jornalística, da divulgação
científica e da própria escola. Por outro lado, os letramentos na sociedade
atual urbana (e mesmo no campo) sofisticaram-se muito nos últimos 20 anos,
exigindo novas competências e capacidades de tratamento dos textos e da
informação. Os letramentos escolares, no entanto, não acompanharam essas
mudanças e permanecem arraigados em práticas cristalizadas, criando
insuficiências. Há, pois, problemas sérios no letramento escolar das camadas
populares (p 79).
73
A compreensão de Soares (2000; 2004; 2010) a respeito de letramento é distinta da de
Kleiman (1995). Ao invés de uma substituição de termos, ela distingue letramento de
alfabetização e, apesar de considerar esses dois fenômenos como distintos destaca que eles
são ao mesmo tempo indissociáveis.
Diferentemente de alfabetização, o vocábulo letramento tem segundo Soares (2004),
“um sentido ainda pouco claro e impreciso” e aponta duas razões para isso: a primeira porque
o termo foi “introduzido recentemente no léxico das ciências sociais, particularmente da
Pedagogia e da Sociologia da leitura e da escrita”. A segunda porque, como a alfabetização e
letramento “são conceitos frequentemente confundidos ou sobrepostos, é importante
distingui-los, ao mesmo tempo, que é importante também aproximá-los”. Por que distingui-
los e aproximá-los? Conforme essa autora “a distinção é necessária porque a introdução, no
campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade
do processo de alfabetização”. Por outro lado, a “aproximação é necessária porque não só o
processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro
do conceito de letramento, como também este é dependente daquele” (p.90).
Soares (2004) compreende a alfabetização “em seu sentido próprio, específico”, como
correspondente “ao processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e
escrita”. Processo, sim, até porque não se aprende a tecnologia da escrita da noite para o dia.
É preciso tempo, maturação, dentre outras coisas, como expressa a seguir, ao afirmar que
alfabetização é o processo
de aquisição da ‘tecnologia da escrita’, isto é, do conjunto de técnicas –
procedimentos, habilidades – necessárias para a prática da leitura e escrita: as
habilidades de codificação de fonemas em grafemas e decodificação de
grafemas em fonemas, isto é, o domínio do sistema de escrita (alfabético,
ortográfico); as habilidades motoras de manipulação de instrumentos e
equipamentos para que codificação e decodificação se realizem, isto é, a
aquisição de modos de escrever e de modos de ler – aprendizagem de uma
certa postura corporal adequada para escrever ou para ler, habilidades de uso
de instrumentos de escrita (lápis, caneta [...] computador...), habilidades de
escrever ou ler seguindo a direção correta da escrita da página (de cima para
baixo, da esquerda para a direita), habilidades de organização espacial do
texto da página, habilidades de manipulação correta e adequada dos suportes
em que se escreve e nos quais se lê –livro, revista, jornal, papel sob diferentes
apresentações e tamanhos [...]. Em síntese: a alfabetização é o processo pelo
qual se adquire o domínio e um código e das habilidades de utilizá-los para
ler e para escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de
técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita (op. cit., p.91).
Enquanto prática pedagógica, a concepção de alfabetização tem, de fato, como
explicitada nesta última definição, uma ligação estreita com a apropriação de um sistema
74
complexo de representações e de normas de correspondências entre letras (grafemas) e sons
da fala (fonemas) ou correspondência grafofônica, histórica e socialmente construído, que
“possui convenções, muitas vezes arbitrárias, as quais precisam ser” ensinadas “por alguém a
quem se pretende alfabetizar” (RAMEH; ARAÚJO, 2006, p.16), o qual tem sido chamado
comumente de SEA.
Soares (2000) ao traduzir, no Brasil, literacy por letramento tem em vista um sentido
mais específico, isto é, de que letramento é “o resultado da ação de ensinar ou de aprender a
ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
consequência de ter-se apropriado da escrita” (p.19).
Para ela, pessoas e/ou grupos sociais se encontram em vários níveis (complexos) de
letramento ou graus de domínio de língua escrita51
, pois “analfabetos podem ter [...] certo
nível de letramento: não tendo adquirido a tecnologia da escrita, utilizam-se de quem a tem
para fazer uso da leitura e da escrita” (SOARES, 2004, p.92); ou se possuem competências
relacionadas à leitura e escrita, atuam em espaços sociais organizados em função da escrita52
.
Soares (idem) afirma que esse vínculo entre alfabetização e escolarização53
pode ser
problematizado e criticado por vários aspectos e destaca dois deles: “em primeiro lugar, se à
escola cabe, realmente, alfabetizar, cabe-lhe muito mais que isso, mesmo na etapa inicial de
escolarização”. Essa é uma afirmação consensual de um dos princípios básicos e precípuos da
escola. Ou seja, a escolarização não cessa com a apreensão das habilidades básicas de leitura e
escrita proporcionadas pela alfabetização. Ela se estende para o uso efetivo e competente das
técnicas de leitura e escrita concretizadas em práticas sociais.
51
Nesse sentido é que Soares (2004) destaca a abrangência do termo letramento quando diz que este envolve a
“capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou informar-se, para interagir
com outros, para imergir no imaginário, no estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para
divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse [...]; habilidades de interpretar e produzir
diferentes tipos de gêneros de textos; habilidade para orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto
ou de lançar mão desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse
e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos,
escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor” (p.91- 92). 52
Rameh e Araújo (op. cit.) lembram que, “fazer uma lista de compras, preencher um cheque não exige o
domínio de escrita que a análise de uma tese de doutorado exigiria. Assim, quanto maior a complexidade da
atividade utilizando a escrita maior o letramento exigido” (p. 24-25). 53
Semântica e sintaticamente o substantivo escolarização é derivado do verbo transitivo direto escolarizar. Dessa
maneira, é um verbo que por ser transitivo exige um complemento, sem auxílio de preposição, por ser direto.
Esse complemento, como diz Soares (2004), “pode ser de duas naturezas: ou pode designar um ser animado –
escolarizar alguém, escolarizar pessoas, ou pode designar um ser inanimado, uma ‘coisa’, um conteúdo –
escolarizar um conhecimento, uma prática social, um comportamento” (p.92-93). No âmbito educacional, o uso
do termo escolarização tem em geral como complemento, pessoas, que aprendem um determinado conteúdo e
são transformadas pessoalmente na instituição escolar. Mas como realça a autora acima, “também
conhecimentos e práticas sociais são escolarizadas, passam a objetos de aprendizagem na escola, sendo, também
eles, nesse e por esse processo, transformados” (ibid., p.93).
75
Em segundo lugar, além da relação entre alfabetização e escolarização formal, existe
outra, nem sempre reconhecida e/ou explicitada na história da educação ocidental, inclusive
no Brasil, a relação entre alfabetização e instâncias formais não escolares. Para Soares, apenas
“vincular alfabetização e escolarização é ignorar que, como já comprovaram numerosas
pesquisas [...], que também se aprende a ler e a escrever em instâncias não escolares – na
comunidade, na família, no trabalho, na igreja” (ibid., p.94). Do que se deduz de imediato que
não pode haver uma identificação absoluta entre escolarização e educação, pois a educação
não – formal ou informal54
tem uma data muito mais antiga.
Ainda para Soares (ibid., p.94), a primeira dessas relações (alfabetização e
escolarização) “tem tido consequências negativas sobre” a segunda relação (alfabetização e
instâncias não escolares). Isso acontece, por exemplo, “com frequência em programas de
alfabetização de jovens e adultos”. Aqui, “não só os alfabetizandos em geral esperam, e até
solicitam, ser alfabetizados segundo o modelo escolar de alfabetização – inadequado, porque
se destina a crianças, não a jovens e adultos”, mas “os próprios programas e alfabetizadores
tendem a replicar esse modelo inadequado” (idem). De maneira que quando o adulto, por
exemplo, chega à escola, encontra práticas de escrita que ainda enfatizam a apreensão de um
código ou enfatizam a utilização da escrita em práticas sociais, porém, o que precisa ser
lembrado é que quando o sujeito vai à escola, ele quer, sim, é aprender a ler e escrever.
Enfim, para que os alunos efetivamente aprendam a ler e escrever concorda-se com
Soares que é preciso “alfabetizar letrando”, ou seja, garantir que os alunos se apropriem da
escrita alfabética imersos em práticas de leitura e escrita de diferentes textos.
54
Trilla (apud COOMBS, 2008) faz uma distinção entre educação formal, não – formal e informal. A primeira
abrangeria nas palavras de Coombs, “o ‘sistema educacional’ altamente institucionalizado, cronologicamente
graduado e hierarquicamente estruturado que vai dos primeiros anos da escola primária até os últimos da
universidade”; a educação não – formal segundo este autor é “toda atividade organizada, sistemática, educativa,
realizada fora do marco do sistema oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos
específicos da população, tanto adultos como infantis” e, finalmente, a educação informal é compreendida como
“um processo, que dura a vida inteira, em que as pessoas adquirem e acumulam conhecimentos, habilidades,
atitudes e modos de discernimento por meio das experiências diárias e de sua relação com o meio” (p. 32 - 33).
76
CAPÍTULO 2: FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Tendo em vista o referencial teórico utilizado e os objetivos da pesquisa, neste
capítulo destaca-se 4 (quatro) aspectos distintos, mas relacionados entre si: o primeiro são as
caracterizações e apresentações dos sujeitos (das mulheres) da pesquisa, da professora da
escola e professores (as) da igreja, bem como a caracterização dos espaços da escola e da
igreja. O segundo são os fundamentos metodológicos adotados nessa pesquisa, e o terceiro
são os procedimentos e instrumentos metodológicos por nós usados para coleta dos dados.
Finalmente, o quarto aspecto revela a trajetória que lançamos mão para análise dos dados.
2.1 Caracterização e apresentação das mulheres da pesquisa, da professora da escola e
professores (as) da igreja
2.1.1 Caracterização e apresentação das mulheres da pesquisa
Como abordado anteriormente, esta pesquisa teve o objetivo de analisar as práticas de
leitura e escrita de mulheres analfabetas que moravam em Jaboatão dos Guararapes, na escola
e fora dela. Quais foram os critérios de escolha dos sujeitos da pesquisa? Buscaram-se sujeitos
residentes em uma comunidade popular do referido município, com os quais já o pesquisador
já convivia a certo tempo devido à experiência de pastorado na comunidade e que fossem
considerados analfabetos. Além disso, queriam-se sujeitos que estivesse participando de uma
turma de alfabetização do Programa Brasil Alfabetizado (PBA), iniciada em outubro de 2011,
em uma casa da comunidade, já que pretendíamos ver as experiências de leitura e escrita na
escola e fora dela. Por meio de dados de entrevista (APÊNDICE A), será apresentado a seguir
o perfil dos sujeitos participantes da pesquisa, considerando os seguintes aspectos:
naturalidade, idade, cor, estado civil, filho, período de frequência na escola, trabalho
desenvolvido no momento da pesquisa e religião.
77
Participaram da pesquisa seis mulheres que em 2011 eram alunas de uma turma do
Brasil Alfabetizado e que frequentavam diferentes igrejas (Católica e Evangélica). Como na
nessa turma não havia alunos homens, os sujeitos escolhidos foram todos do sexo feminino.
Apesar das mulheres morarem em Jaboatão dos Guararapes, num bairro de camada
popular, cinco delas nasceram no interior de Pernambuco e uma no interior da Paraíba. A
média de idade do grupo era de 56 anos. Em conversas informais, sem gravação, as mulheres
afirmaram o seguinte quanto a sua cor: Eva, Raquel, Ana e Rute disseram que eram morenas e
Sara e Rebeca, que eram de cor branca. Com respeito ao estado civil, duas dessas mulheres
eram solteiras, duas eram casadas, mas não no civil, e duas eram viúvas e todas tinham pelo
menos um filho.
No ano de início da pesquisa, duas dessas mulheres desenvolviam atividades somente
como donas de casa, duas eram donas de casa e aposentadas, uma também era dona de casa e
empregada doméstica e uma, além de dona de casa, trabalhava em casa cuidando de crianças
de vizinhos e lavando e passando roupas de outras famílias. A renda dessas mulheres era
muito limitada.
Quanto à religião, cinco eram evangélicas (três de uma mesma Igreja Protestante
Histórica/de uma Igreja Congregacional e duas de Igrejas Pentecostais) e uma era da Igreja
Católica Apostólica Romana.
Finalmente, no que tange à educação escolar, uma delas nunca estudou e o Brasil
Alfabetizado era a sua primeira experiência escolar. Três frequentaram a escola por mais de
um ano na infância e duas tinham, no ano anterior, participado, por pouco tempo, de uma
turma de alfabetização de adultos do mesmo programa e com a mesma professora da turma
observada por nós. Elas tiveram que suspender os estudos por problemas pessoais (morte do
marido e questões de saúde). No próximo capítulo, essas experiências escolares dos sujeitos
serão detalhadas desde a infância.
O quadro a seguir retoma as informações gerais dadas acima e servirá de referência
para o detalhamento do perfil de cada uma das mulheres participantes da pesquisa.
Quadro 1: Perfil dos sujeitos da pesquisa.
MULHERES
NATURALIDADE
IDADE
COR
ESTADO
CIVIL
FILHO
TRABLAHO
DESENVOLVIDO
ATUALMENTE
RELIGIÃO
EXPERIÊNCIA ESCOLAR
Estudou na
infância e/ou
na adolescência
Tempo de estudo na
escola pesquisada e
com a professora
Permanência na
escola até o final
da pesquisa
Eva
Macaparana
PE
65 anos
Morena
Separada
do marido
1
Dona de casa
e
Aposentada
Evangélica
Não
8 meses
Sim
Sara
Ribeirão
PE
40 anos
Branca
Casada
4
Dona de casa e
Empregada
doméstica
Evangélica
Sim
8 meses
Sim
Rebeca
Pedra D’água
PB
50 anos
Branca
Casada
2
Dona de casa
Evangélica
Sim
8 meses
Sim
Raquel
Independência
PE
61 anos
Morena
Viúva
5
Dona de casa
Evangélica
Não
1 ano e 2 meses
Sim
Ana
Sirinhaém
PE
50 anos
Morena
Solteira
3
Dona de casa,
Cuidadora de
crianças e
Lavadeira
Evangélica
Não
1 ano e 6 meses
Sim
Rute
Paudalho
PE
72 anos
Morena
Viúva
3
Dona de casa e
Aposentada
Católica
Não
8 meses
Sim
79
2.1.2. Apresentação das mulheres sujeitos da pesquisa
A seguir, são apresentadas algumas informações da vida das mulheres participantes da
pesquisa, com ênfase em suas vivências na escola e na igreja. Os dados obviamente são
parciais e vieram da vivência do pesquisador com essas mulheres, também de observações e
de entrevistas (APÊNDICE A). Para preservar a identidade delas, os nomes escolhidos são
fictícios e se referem a nomes de mulheres do Antigo Testamento, como indicado abaixo.
Eva
Eva foi a primeira pessoa entrevistada durante a realização da primeira etapa do
projeto - piloto da pesquisa. Ela era separada de seu marido, morava com seu único filho e
residia no bairro há mais de 15 anos. Esporadicamente prestava serviços em casa de família.
Nos encontros na igreja sempre levava sua Bíblia e o seu ‘Salmos e Hinos’, hinário
utilizado pela sua igreja. Nesse espaço, Eva era uma pessoa que vivenciava intensamente os
encontros com as pessoas, com quem mantinha um relacionamento amigável.
Sara
Sara vivia com o seu marido e seus filhos e morava no bairro há mais de 15 anos.
Trabalhava o dia inteiro durante os seis dias da semana e cuidava da sua casa.
Nos encontros da igreja, não se esquecia de levar a Bíblia, mas não possuía o hinário.
Sara era, dentre as evangélicas, a que mais demonstrava dificuldades de participar dos
encontros da igreja, em razão do cansaço físico e da assistência aos seus dois filhos menores.
Rebeca
Rebeca vivia com o seu marido e neto e morava no bairro há alguns meses. Para
ajudar na renda familiar, possuía, dentro da sua casa, uma barraquinha, na qual vendia
confeitos, bombons e outros produtos, e vendia tapioca fora de casa.
Rebeca morava muito próxima da igreja que frequentava. Demonstrava uma alegria
muito grande em participar dos encontros eclesiásticos. Antes não levava a Bíblia, pois estava
80
com dificuldade de comprar uma. Em meados de 2012 ela ganhou uma Bíblia, mas não tinha
o hinário.
Raquel
Raquel vivia com algumas pessoas da família e morava no bairro há mais de 8 anos.
No momento da pesquisa não desenvolvia nenhuma atividade fora de sua casa.
Ela participava ativamente dos encontros em sua igreja e sempre levava sua Bíblia e o
hinário adotado por sua igreja, a ‘Harpa Cristã’.
Ana
Ana morava com o seu marido e com o seu filho e encontrava-se no bairro há muitos
anos. Além de diarista, sua atividade principal era a de cuidar de crianças de família.
Ana mantinha uma boa frequência nos encontros da sua igreja e gostava muito de
cantar os hinos do hinário, que era o mesmo de Raquel, a ‘Harpa Cristã’. No momento da
pesquisa, ela não levava nem a Bíblia nem o hinário adotado por sua igreja, pois dizia não
saber ler como deveria.
Rute
Rute vivia com a filha e um neto e morava a uns trinta anos no bairro. Participava,
quase que diariamente, de diversas atividades (artísticas, de lazer e outras) em uma instituição
do governo, no bairro onde morava.
Rute não era muito frequente nos encontros da sua igreja (Católica) e não levava a
Bíblia nem qualquer outro material para os encontros eclesiásticos.
2.1.3 Caracterização e apresentação da professora do Brasil Alfabetizado
Com os dados advindos de entrevista, se elaborou um perfil geral da alfabetizadora
(que será chamada pelo nome de Priscila) e se identificou as categorias relacionadas à
81
religião, idade, ao tempo em que morava no bairro, à formação profissional, às condições de
trabalho, a outras atividades desenvolvidas e ao tempo que ensinava na EJA (APÊNDICE E).
Priscila era Católica, tinha 40 anos no momento da pesquisa e morava no bairro há
nove anos. Sobre sua formação escolar, ela disse que fez, no Segundo Grau, o curso técnico
de Contabilidade e depois fez o Magistério. No momento da pesquisa, ela cursava o 5º
período do curso de Pedagogia, aos sábados, em uma faculdade privada em Recife.
Priscila conheceu o Programa do BA por meio de uma amiga e sobre ele fez o seguinte
comentário:
me interessou porque era com jovens e adultos. Nessa época eu tinha esse espaço,
procurei informações e fui atrás (Prof.a Priscila - Entrevista 1 – 02/01/2012).
Além de trabalhar como professora do PBA à noite, Priscila dava aulas particulares a
crianças (até quinto ano) pela manhã, em casa, e lecionava em uma turma de Educação
Infantil de uma escola da rede privada à tarde. Ela disse que trabalhava com jovens e adultos
há muito tempo, desde os quinze anos de idade:
Comecei em casa. Coloquei (...) duas crianças para ensinar, só que eu notei quem
sempre (...) se interessava eram jovens e adultos (...), que estavam precisando e que
tinham vergonha de procurar uma escola, devido a não serem alfabetizados (Prof.a
Priscila - Entrevista 1 – 02/01/2012).
2.1.4 Caracterização e apresentação dos professores da igreja
Nas observações das práticas de leitura e escrita das mulheres na igreja, acompanhou-
se a prática de duas professoras e de três professores (como são chamados/as), cujos nomes
são fictícios.
A primeira professora, que será chamada de Débora, é formada em teologia e nutrição
e tem curso técnico. Ela é membro da Igreja Evangélica Congregacional (IEC) e atua em
algumas das áreas da igreja, especialmente na área do ensino de adultos e idosos, há muitos
anos. A segunda professora, que nominada de Áfia, também é formada em teologia e
atualmente é responsável pelo acompanhamento dos jovens da IEC.
Os três professores acompanhados foram: Filipe, João e Silas. Filipe terminou o ensino
médio e figura como um dos líderes na IEC e, nesse espaço, também atua na área de ensino de
jovens e adultos há alguns anos. João é estudante de teologia e não é membro da IEC, mas
estava estagiando na IEC e vem se envolvendo com a educação de adultos e idosos há
82
bastante tempo no âmbito da igreja. Finalmente, Silas é pastor e faz graduação em Pedagogia,
e estava visitando a IEC na ocasião.
2.2 Apresentação dos espaços da pesquisa e suas caracterizações
Como serão detalhados mais adiante, os espaços sociais se tornaram fatores essenciais
para se avaliar as experiências de leituras e escrita das mulheres acompanhadas. Assim, o
presente trabalho tem como espaços definidos para investigação a escola e a igreja.
A escolha desses espaços se justifica pelas seguintes razões: a primeira razão é que os
lugares escolhidos para a pesquisa são comuns a todos os sujeitos. Até outubro de 2011,
nenhum dos sujeitos estava na escola, embora no ano anterior duas das adultas participantes
da pesquisa, Ana e Raquel, tenham frequentando a escola, mas interromperam os estudos por
questões de trabalho e doença do marido, respectivamente. A partir de outubro, como já foi
dito, todos os sujeitos resolveram estudar e no mesmo lugar (uma turma do Brasil
Alfabetizado). Diferentemente da escola, apesar das mulheres serem de igrejas diferentes, a
maioria mantinha uma regularidade nos encontros da igreja.
Uma segunda razão é que os lugares escolhidos eram onde ocorriam com mais
intensidade as práticas de leitura e escrita com maior ou menor frequência entre os sujeitos.
Enfim, eram estes os lugares comuns vivenciais dos sujeitos (além, é claro, da casa, mas que
não foi alvo de pesquisa).
Uma última observação aqui é que, após esta pesquisa ter sido submetida à
qualificação, a banca examinadora recomendou que acompanhássemos as 6 (seis) mulheres
no espaço da escola, porém, somente 3 (três) no espaço da igreja (três pertencentes a uma só
igreja – Eva, Sara e Rebeca), em virtude do pouco tempo e pelo fato das demais mulheres
fazerem parte de igrejas diferentes, o que seria inviável diante do tempo disponível.
2.2.1 A escola
A aproximação do espaço escolar ocorreu com a ajuda de um dos sujeitos da pesquisa,
chamada de Eva.
No mês de março Eva, numa das entrevistas, expressou o seu desejo crescente de “ir à
escola”, no caso dela, pela primeira vez. O desejo de Eva em estudar começou a se concretizar
quando uma jovem senhora e professora, moradora do mesmo bairro de Eva, e que residia
83
próxima à sua casa, a convidou para participar das aulas de alfabetização, no âmbito do PBA.
Enquanto as aulas não iniciaram, Eva conversou com mulheres conhecidas dela, do bairro,
algumas da IEC e outras não, para convencê-las de voltarem ou começarem seus estudos.
Embora as aulas tenham sido programadas para começar no início do ano, isso só
ocorreu em outubro de 2011.
No primeiro dia de atividades (10/11/11- segunda-feira) não estivemos presente, já que
a confirmação da aula se deu no final da tarde e não houve tempo hábil para se chegar ao
bairro. Isso só aconteceu no dia seguinte com a ajuda de Eva, que avisou a professora da
chegada do pesquisador. Ao chegar ao local das aulas, às 19h, fomos recebidos com alegria
pelas 4 (quatro) alunas presentes: Eva e Sara (da IEC), bem como Ana e Raquel (de outras
igrejas). A professora bem discreta e educadamente nos cumprimentou e pediu que nós
sentássemos e, após isso, as alunas passaram a conversar conosco.
A turma de Priscila, em termos numéricos, mudou bastante. Em outubro de 2011, no
início das aulas, havia somente quatro alunas. Depois foram chegando mais alunas e o número
de matriculados deve ter chegado a cerca de dez. No entanto, a média de frequência, ao longo
do curso, girava em torno de cinco ou seis pessoas. Durante esse período só se matriculou um
homem, que posteriormente desistiu, como outras alunas também, por motivos vários como
doença, trabalho e questões familiares. A faixa etária da turma era de 40 a 70 anos.
O PBA não provê espaço físico para realizar as aulas, isso ficou a cargo da professora,
que utilizou uma pequena sala em sua própria casa. A sala de aula encontra-se no térreo da
casa pertencente à professora e ficava localizada numa rua sem pavimentação. Na rua havia
uma canaleta, por onde corria um esgoto, era rodeada de mato em frente à sala e a uns seis
metros as pessoas da comunidade jogavam lixo. Esse lixo normalmente se espalhava pela rua
e caía na referida canaleta, pois as próprias pessoas jogavam os sacos plásticos de qualquer
forma e, além disso, animais (por exemplo, porco, cachorro, cavalo), rasgavam esses sacos.
De acordo com a primeira observação, no dia 11 de outubro de 2011, fez-se a seguinte
descrição interna da sala de aula: o espaço tinha uns 12 ou 15 m2. A sala era fechada por um
portão de ferro, mas que mesmo fechado, era possível visualizar a sala inteira e o que nela
havia quando se passava pela calçada ou pela rua. Havia uma lâmpada na sala, um quadro de
giz, um apagador, uma prancha com alguns objetos, uma estante de madeira com livros e
cadeiras, um móvel (raque de ferro) com um urso de pelúcia grande e livros. Havia também
onze cadeiras (oito de madeira e uma plástica, com encosto, e duas plástica, sem encosto).
Não havia no ambiente janela, ventilador, bebedouro (a professora fornecia a água de sua
84
própria casa), mural e cartazes. Ao longo do tempo, a sala passou por algumas
transformações.
Um mês antes de concluir o curso com os sujeitos, a professora mudou o espaço das
aulas para a Associação de Moradores do Bairro. O motivo foi que na sua casa a docente
estava dando aula de reforço escolar, à tarde, para algumas crianças do bairro. Ela já vinha
realizando algumas mudanças na sala, adaptando-a para um público infantil (cadeiras, mesas,
cartazes, enfeites etc.). À noite, tinha que desfazer a arrumação da sala para os adultos, o que
se tornava difícil.
A Associação já era conhecida dos sujeitos da pesquisa. O espaço era uma espécie de
salão, que ficava no primeiro andar e onde, no seu centro ocorriam as aulas. A sala era três
vezes maior que a anterior, era bem iluminada e ventilada, mas as quatro janelas ainda não
haviam sido assentadas. Em frente às alunas encontrava-se uma lousa emprestada por alguém
e no lado esquerdo, onde sentavam as alunas, ficava um amontoado de cadeiras, e, do seu lado
direito, alguns materiais de som (uma bateria incompleta, caixas de som e fios). Esses
materiais estavam ali porque a Associação também era utilizada por jovens e adolescentes do
bairro para ensaios de conjuntos musicais e atividades artísticas relacionadas à dança.
Na opinião de três dos sujeitos da pesquisa, uma grande vantagem do salão era o fato
dele não ter lixo nas suas imediações, como ocorria com o espaço anterior.
2.2.2 A igreja
O segundo espaço da pesquisa foi numa Igreja Evangélica Congregacional (IEC)55
.
55
Historicamente, o uso do termo ‘congregacional’ para uma igreja local ocorreu no século XVII, na América do
Norte e depois na Inglaterra, onde surgiram as doutrinas desse sistema eclesiástico. O grupo que levou a
designação de ‘congregacional’ tem sua origem na Igreja Anglicana e começaram a ser chamados de
‘independentes’ ou ‘separatistas’. A chegada do ‘congregacionalismo’ no Brasil está associada ao casal Robert
Reid Kalley (escocês) e Sara Poult Kalley (inglesa), em 1855, no Rio de Janeiro. Segundo César (1983) “o
Evangelismo Nacional Brasileiro, em caráter definitivo, no nosso vernáculo, deve a sua gênese ao ministério
pioneiro dos irmãos Kalley [do casal Kalley]” (p.13). Considerando as semelhanças e diferenças com os
congregacionais estrangeiros, houve um crescimento das igrejas congregacionais no Brasil, que hoje se reúnem
em grupos distintos, sendo o maior e mais antigos deles aquele representado pela União de Igrejas Evangélicas
Congregacionais do Brasil (UIECB), fundada formalmente em 1913, da qual faz parte a igreja da pesquisa. Uma
última observação aqui é que não se fala em Igreja Congregacional, no singular, mas em Igrejas
Congregacionais, no plural. A razão disso tem relação com os princípios bíblico–teológicos e o sistema
congregacional/democrático de governo adotado por essas igrejas. Para outras informações ver, por exemplo,
CARREIRO, Vanderli Lima (compilador). Lições de história do congregacionalismo brasileiro. Rio de
Janeiro: UIECB, 1996. Também o livro de CÉSAR, Salustiano Pereira. O Congregacionalismo no Brasil: fatos
e feitos históricos. Rio de Janeiro: OMEB, 1983 e, por fim, PORTO FILHO, Manoel da Silveira.
Congregacionalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: UIECB, 1983.
85
O primeiro contato com a IEC aconteceu há pelo menos quinze anos atrás, quando
éramos estudante de teologia. Nesse período, somente ocorreram visitas casuais. Após se
oficialmente o pastorado da igreja, em 1999, iniciou-se uma vivência com a igreja e com o
bairro, que se intensificou gradativamente.
A IEC era supervisionada por outra igreja localizada em Afogados, em Recife – PE.
Naquele momento, havia umas doze pessoas na igreja, que se reuniam num lugar de
dimensões bem pequenas, todas pertencentes à camada popular e, na sua maioria, composta
de mulheres. Por volta de 2002, Eva passou a participar do convívio da igreja, depois de uma
visita que fizemos em sua casa. Sara veio a seguir e mais recentemente Rebeca.
O templo estava localizado numa esquina, em uma rua principal do bairro e
encontrava-se em construção. O salão maior do templo era espaçoso (8,5 m x 16m) e possuía
quatro grandes janelas de cada lado das paredes. O templo possuía outras dependências: no
térreo, uma sala usada pelo pastor da igreja; dois banheiros; uma escada que dá acesso ao
primeiro pavimento, onde foram construídas três salas para crianças, um espaço usado como
bebedouro e um depósito. No primeiro pavimento, somente três salas para crianças. As
observações das mulheres da pesquisa se deram no salão principal e/ou na sala utilizada pelo
pastor, para evitar o barulho, já que as entrevistas ocorriam imediatamente após os encontros
da igreja.
Na Escola Bíblica Dominical, a partir da 8h, dois grupos permaneciam no salão
principal. As mulheres - alvos de observação - integravam um desses grupos. No culto
dominical, cujo início era às 18h 30 min., não havia divisões, senão das crianças menores (até
7 ou 8 anos), que recebiam um acompanhamento de professoras dessa faixa etária. Nos
estudos bíblicos, às quintas-feiras, a partir das 19h, ocorria a mesma coisa dos cultos
dominicais (mudando só a faixa etária, que incluía adolescentes). Finalmente, somente nos
encontros de oração e consagração, aos sábados pela manhã, a partir das 7h 30 min., é que não
havia divisões de grupos.
2.3 Fundamentos metodológicos
A pesquisa qualitativa
O presente trabalho se situa no campo das pesquisas qualitativas em educação, e tem
relação com os estudos do tipo etnográfico. Nessa abordagem qualitativa empregamos como
86
aportes teóricos principalmente os estudos de Ludke & André (1986), André (1995), Minayo
(2002) e Moreira (2002).
Diante da crescente complexidade da educação escolar, novas abordagens
metodológicas foram se desenvolvendo, avançando para além do paradigma tradicional
empirista de ciência. E a pesquisa qualitativa (PQ) 56
, figurando dentre essas abordagens, vem
sendo de grande importância para o campo educacional.
Tanto em educação quanto nas ciências sociais, a PQ, segundo Minayo, “se preocupa
[...] com um nível de realidade que não pode ser quantificado” (2002, p.22), no sentido de
ênfase, mas não de achar que exista uma dicotomia entre as abordagens quantitativa e
qualitativa57
. Até porque se fez uso de dados quantitativos, ajudou na análise dos fenômenos
empíricos, que tiveram como região de inquérito, fenômenos humanos associados à própria
educação.
Autores como André (1995) e Bicudo & Esposito (1994) dizem que o suporte ou a
origem mesma dessa abordagem é a fenomenologia. Para André, “o mundo do sujeito, as suas
experiências cotidianas e os significados atribuídos às mesmas são [...] os núcleos de atenção
na fenomenologia” (op. cit., p.18). Além disso, a PQ tem como alvo fundamental a
compreensão do sentido “que os eventos têm para as pessoas que estão sendo estudadas”
(MOREIRA, op. cit., p. 237). Ou seja, “o foco da investigação é na essência do fenômeno e a
visão de mundo é função da percepção do indivíduo” (idem). No caso da presente pesquisa,
buscou-se analisar quais os sentidos que mulheres analfabetas dão às práticas de leitura e
escrita.
Para obtenção dos dados descritivos relacionados a esses significados ou percepções,
estabeleceu-se um contato direto com as mulheres da pesquisa, procurando enfatizar “[...]
mais o processo do que o produto [...]” (BOGDAN E BIKLEN apud LUDKE e ANDRÉ,
1986, p. 13). Ou seja, esse contato e essa ênfase permitiram experimentar outras
características da PQ.
56
As origens da PQ datam do século XIX, mas o seu desenvolvimento mais acentuado ocorreu na segunda
metade do século XX, em países como a Inglaterra, Austrália, Escandinávia e Estados Unidos.No Brasil,
segundo André (1995), a PQ começou a ser usada no campo educacional na década de 80, surgindo um número
grande de pesquisas (p.40).Moreira (2002) diz, no entanto, que “a perspectiva qualitativa nas décadas de 70 e 80
era ainda marginal na área da educação e só praticada por pesquisadores considerados mais heterodoxos” (p.
236). Isso porque, segundo esse mesmo autor, “havia de fato quase consenso de que este tipo de investigação
existia, mas, na verdade, este consenso era muito tímido e a pesquisa qualitativa não era muito bem aceita pelos
pesquisadores convencionais” (idem). 57
Para uma discussão sobre a abordagem qualitativa e sobre o debate entre essa abordagem e a abordagem
quantitativa, ver Thiollent (1984), Gibaja (1988), Moreira (2002).
87
Uma dessas características é que esse contato se deu no espaço vivencial das mulheres
ou “no [seu] ambiente natural”, como afirma Moreira (op. cit., p. 237), que, no nosso caso,
correspondeu à casa de cada uma delas, à escola onde estudavam e à igreja que
participavam58
. A permanência nesses ambientes ocorreu durante os anos de 2011 e 2012.
Outra característica é que as mulheres puderam expressar suas perspectivas em
palavras, atitudes, gestos, crenças, valores, expectativas e assim por diante, “o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, op. cit., p.22). A identificação desses
aspectos subjetivos explicitados pelas mulheres exigiu do pesquisador, dentre outras coisas,
experiências, conhecimentos, sensibilidade, percepção e assim por diante.
Enfim, outras características da PQ surgiram quando do tratamento dos dados em si,
como se verá pormenorizadamente no último tópico deste capítulo. Não se tinha, por
exemplo, “hipóteses pré-concebidas”, já que “as abstrações” foram “construídas à medida que
os dados particulares” iam sendo “coletados” e posteriormente agrupados (idem). Agrupados
os dados, passou-se para um processo de análise dos mesmos enfatizando muito mais a
“indução”, já que “a pesquisa convencional enfatiza em grande parte a dedução” (MOREIRA,
ibid., p. 237- 238)
Quanto ao caráter etnográfico da PQ, este encontra suas raízes na Antropologia. A
abordagem antropológica no campo educacional tem em vista o cotidiano e os contextos
vivenciais das pessoas partícipes da investigação.
Como se viu anteriormente, a PQ tem como uma das suas características a busca de
sentidos dada pelas pessoas às coisas, experiências e assim por diante. E é nesse sentido que
Spradley afirma que “a principal preocupação na etnografia é com o significado que têm as
ações e os eventos para as pessoas ou os grupos estudados” (apud ANDRÉ, 1995, p.19). Mas
essa concepção está estritamente relacionada à categoria “cultura”, ou seja, ao se buscar esse
sentido, a cultura está, em alguma medida, sendo descrita.
Essa preocupação com a cultura já indica uma diferença em relação à pesquisa
qualitativa em educação, pois esta se preocupa com o “processo educativo” (ANDRÉ, ibid.,
p.28). Mas segundo essa mesma autora, há “uma diferença de enfoque nessas duas áreas, o
que faz com que certos requisitos da etnografia não sejam – nem necessitam ser cumpridos
pelos investigadores das questões educacionais”. Alguns desses requisitos destacados por
58
Como dito no início deste capítulo, no espaço da igreja acompanhamos somente 3 (três) mulheres.
88
Wolcott são “uma longa permanência do pesquisador em campo, o contato com outras
culturas e o uso de amplas categorias sociais na análise de dados” (apud ANDRÉ, idem).
Ainda para André, no estudo etnográfico, principalmente da escola, deve-se colocar
uma lente na dinâmica das relações interpessoais, “identificando as estruturas de poder e os
modos de organização escolar e compreendendo o papel e situação de cada sujeito nesse
contexto interacional onde ações, relações e conteúdos são construídos, negados,
reconstruídos e modificados” (ibid., p. 41).
No caso desta pesquisa, esse caráter etnográfico esteve mais relacionado ao espaço
escolar e não tanto ao espaço da igreja. Neste espaço, as três mulheres acompanhadas já eram
conhecidas e com quem convivíamos. Ao contrário do espaço da escola, porém, três das
mulheres eram desconhecidas, o que permitiu certo distanciamento. E mesmo conhecendo as
três mulheres da igreja, elas foram acompanhadas num espaço nunca dantes realizado.
A posição do observador
Como observador, procurou-se atender às exigências de uma pesquisa qualitativa,
como mencionado anteriormente.
Não houve nenhuma dificuldade de aproximação com mulheres sujeitos da pesquisa,
senão com Ana, cujo marido não era conhecido e ela tinha certo receio disso, mas essa
situação não impediu a realização do acompanhamento, das observações e entrevistas, que
serão tratadas com mais detalhes no tópico seguinte. Mesmo existindo uma convivência com
as mulheres (mais com as da igreja), durante as entrevistas sempre se contou com alguém por
perto, seja outra mulher da pesquisa, seja alguém da igreja e/ou da família da pessoa
entrevistada.
2.4 Procedimentos e instrumentos metodológicos
No espaço da escola, iniciou-se o acompanhamento das mulheres com um projeto
piloto, de maio até setembro de 2011 e deu-se continuidade à pesquisa com as aulas do PBA,
de outubro de 2011 até maio de 2012. No espaço da igreja, o acompanhamento também
começou antes das aulas, perpassou o período de aulas e se prorrogou até outubro de 2012.
Para a coleta dos dados, os seguintes procedimentos foram utilizados: observações;
entrevistas; diagnoses e análise de documentos.
89
2.4.1 Observações
Realizou-se cinquenta e sete (57) observações. Destas, 31 (trinta e uma) foram feitas
na escola, distribuídas da seguinte maneira: 10 (dez) observações no início do período, 10
(dez) no meio e 11 (onze) no fim do período de aulas e vinte e seis (26) foram realizadas na
igreja.
A previsão de aulas pela professora para o curso do Brasil Alfabetizado era de 105
(cento e cinco) aulas, mas foram dadas somente 71 (setenta e uma aulas), 67,6 % do total,
como mostra o quadro.
Quadro 2: Quantitativo de aulas previstas e aulas dadas pela professora
AULAS QUANTIDADE
Total de aulas previstas 105
Total de aulas dadas 71
Durante esse período, estão fora da previsão os dias que corresponderam aos feriados
(cinco dias) e os que se referiam aos recessos (doze dias).
No universo das aulas dadas, observamos 31 delas (29,5% do total) e estivemos
ausentes em 40 dias de aulas (38% do total). A professora não deu aula em 34 dias (32,3% do
total previsto), conforme pode ser observado no quadro a seguir:
Quadro 3: Quantitativo de aulas observadas
OBSERVAÇÕES QUANTIDADE PORCENTAGEM DO TOTAL
Aulas dadas que fizemos observação 31 29,5%
Aulas dadas que não fizemos observação 40 38%
Aulas que não foram dadas por outros motivos 34 32,3%
Os motivos da ausência da professora no quantitativo de aulas acima foram os
seguintes: doença, formação de professores, reunião no bairro, falta de energia e razões
particulares.
As observações das aulas na escola tiveram como foco as aulas de Língua Portuguesa,
mas cada aula observada correspondeu a uma jornada noturna inteira de aulas. A cada dia de
observação buscou-se acompanhar a prática pedagógica da professora e os alunos no que
tange aos seus gestos, suas atitudes, reações, perguntas, respostas, brincadeiras, dentre outros
aspectos. As aulas duravam em média 2h por dia.
90
A frequência das 6 alunas no universo das aulas observadas (31 aulas) variou bastante.
O quadro a seguir destaca a frequência, a ausência e os motivos de ausência delas:
Quadro 4: Frequência e motivos de ausência das alunas às aulas.
ALUNAS
PRESENÇA
AUSÊNCIA
MOTIVO
Atividade de casa Trabalho Doença Outros Total
Eva 27 04 --- --- 04 --- 31
Sara 14 17 03 10 03 01 31
Rebeca 09 22 06 --- 15 01 31
Raquel 20 11 05 --- 02 04 31
Ana 24 07 02 02 02 01 31
Rute 25 06 --- --- 02 04 31
TOTAL 16 12 28 11 ---
De acordo com os números do Quadro 4, Eva foi a aluna que mais frequentou as aulas,
seguida de Rute, Ana e Raquel, respectivamente; e Sara e Rebeca foram as que menos
frequentaram. As causas para as faltas das alunas às aulas foram principalmente as
relacionadas a doenças, seguido das atividades de casa, trabalho e outros (como fazer compras
no supermercado, visitar, levar ou acompanhar alguém ao hospital, e assim por diante).
As observações na igreja também incluíram aquelas realizadas antes das mulheres
ingressarem na escola, iniciadas em maio de 2011. Diferentemente do que se fez na escola,
não se avaliou a prática pedagógica dos professores da igreja, senão naquilo que foi relevante
para compreensão das práticas de leitura e escrita das mulheres, nosso verdadeiro foco. O
quadro a seguir detalha quantitativamente as observações na igreja:
Quadro 5: Quantitativo de observações feitas na igreja.
OBSERVAÇÕES QUANTIDADE ALUNA (S)
Escola Bíblica Dominical (manhã) 13 Eva e Rebeca
Cultos dominicais (noite) 08 Eva, Sara e Rebeca
Estudo bíblico (noite) 02 Eva e Rebeca
Encontros de oração e consagração (manhã) 03 Eva e Rebeca
TOTAL 26 ---
Como mostra o Quadro 5, as observações se concentraram na EBD e o número menor
nos estudos bíblicos. Eva e Rebeca estavam presentes em todas as observações e Sara esteve
presente apenas nos cultos à noite, pois trabalhava em casa de família de segunda a sábado e,
no domingo, por razões pessoais e familiares, participava somente dos cultos à noite.
91
O acompanhamento das mulheres, na escola e na igreja, ocorreu com uma frequência
semanal. Fizeram-se várias anotações durante essas observações em relação às aulas, aos
eventos e às práticas nas quais elas se envolveram, além de “reconstrução de diálogos” e
apontamentos a respeito do próprio “comportamento do observador” (LUDKE &ANDRÉ, op.
cit., p. 30 - 31). O levantamento de dados das observações consistiu nos seguintes passos:
Registros por escrito em caderno de campo, principalmente dos eventos e
práticas das alunas da pesquisa; também das aulas, da prática da docente e de
descrições de lugares.
Registro, num caderno pequeno, da frequência das participantes da pesquisa às
aulas da escola (PBA), anotando os motivos da ausência.
Digitação dos dados registrados nos cadernos de campo.
Gravações de áudio de algumas conversas das mulheres participantes da
pesquisa e das aulas observadas.
Transcrição das conversas das alunas da pesquisa e de algumas aulas, para
posterior análise.
2.4.2 Entrevistas com os sujeitos
As entrevistas se constituíram como outro material empírico do trabalho, oferecendo
vantagens para a coleta de dados.
Uma dessas vantagens, que Ludke e André destacam, é que a entrevista pode “permitir
o tratamento de assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de
natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais” (ibid., p. 34). As mulheres, por
exemplo, trataram de experiências pessoais da infância, de questões familiares e de
expectativas relacionadas ao aprendizado da leitura e da escrita.
Outra vantagem é “atingir informantes que não poderiam ser atingidos por outros
meios de investigação, como é o caso de pessoas com pouca instrução formal, para as quais a
aplicação do questionário escrito seria inviável” (idem). Nesta pesquisa, as mulheres são
designadas de analfabetas, especialmente algumas delas, que ainda apresentavam limitações
no âmbito da leitura e da escrita.
Optou-se pela entrevista do tipo semiestruturada por possibilitar a interação, o diálogo
e influências mútuas entre entrevistador e entrevistados. Isso é percebido especialmente nas
92
entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a imposição de uma ordem rígida de
questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele
detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista (LUDKE & ANDRÉ, ibid., p.33 -
34).
As entrevistas com as mulheres permitiram a investigação das suas subjetividades, no
sentido de se identificar, principalmente, os significados que elas dão as suas práticas de
leitura e escrita, além, dentre outras coisas, de traçar o perfil de cada uma, as suas trajetórias e
experiência de vida, os seus saberes prévios, de como se veem (APENDICE B) e das
expectativas relacionadas à leitura e escrita (APENDICE A).
Não se tinha um número exato de entrevistas a realizar, pois isso dependeria de alguns
fatores como a disponibilidade de tempo das mulheres, a presença delas nas aulas e/ou nos
encontros da igreja, dentre outros. O total de entrevista foi de 232 (duzentas e trinta e duas).
Na igreja foi realizado um número bem menor de entrevistas (vinte e oito). Na escola se
conseguiu realizar 204 (duzentos e quatro) entrevistas (a maioria minientrevistas realizadas
após ou durante as jornadas de aulas), distribuídas de acordo com as temáticas abaixo:
Quadro 6: Tópicos temáticos das entrevistas com cada aluna.
ENTREVISTA EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE TOTAL
Para elaboração geral de perfil. 3 2 2 2 2 2 13
As hipóteses em relação à escrita
explicitadas durante as diagnoses.
5
5
6
6
5
5
32
Como se viam (se analfabetas ou
não).
4
3
3
3
4
3
20
As práticas de leitura e escrita
realizadas no cotidiano.
12
6
8
5
4
5
40
O que aprenderam nas aulas. 15 6 8 6 2 5 42
Avaliação sobre o livro didático
adotado.
1
2
1
2
2
2
10
Opinião a respeito do espaço físico
da escola.
1
3
2
2
2
3
13
Informações gerais em relação ao
início das aulas e o que sabiam do
PBA.
2
2
1
2
1
2
10
Avaliação geral da prática da
professora.
---------------------------- 4 (x 6 = 24)--------------------------
24
TOTAL 47 33 35 32 26 31
204 TOTAL GERAL 204
A última das categorias no quadro acima, a avaliação geral da prática da professora
(APÊNDICES C e D), corresponde a 4 (quatro) entrevistas realizadas coletivamente, mas se
considerou como 4 (quatro) entrevistas para cada aluna (perfazendo, assim, 24/vinte e quatro),
93
já que todas participaram desse momento dando a sua opinião. Quanto à duração, as
entrevistas variaram bastante, de modo que houve entrevista de poucos minutos (no geral,
durante ou após as aulas), como houve também algumas de mais de 1 (uma) hora.
As entrevistas na igreja incluíram aquelas realizadas antes da entrada das mulheres na
escola (maio de 2011) e não foi feita nenhuma entrevista com a professora e os professores da
igreja. Ao contrário das entrevistas na escola, as da igreja foram bem menores e distribuídas
da seguinte maneira:
Quadro 7: Quantitativo de entrevistas feitas na igreja.
EVENTOS
MULHERES
TOTAL EVA SARA REBECA
EBD 09 __ 04 13
Cultos dominicais 03 05 01 09
Estudos bíblicos 01 __ 02 03
Encontro de oração e consagração 02 __ 01 03
TOTAL 15 05 08 28
TOTAL GERAL 28
Na casa de Eva, realizou-se grande parte das entrevistas e os motivos para o
quantitativo maior de entrevistas com ela foram os seguintes: 1. Ela era partícipe da IEC (e
ainda o é); 2. Era a mulher da pesquisa com quem o pesquisador mantinha uma amizade de
mais de dez anos; 3. Era a casa mais próxima da escola; 4. E era a casa mais silenciosa,
oferecendo um maior aproveitamento das entrevistas. Na casa de Eva fizeram-se praticamente
todas as entrevistas com Raquel e Ana e algumas com Sara e Rebeca, mas nenhuma com
Rute.
Com Raquel e Ana ocorreu o seguinte: com Raquel não se fez nenhuma entrevista em
sua casa, por conta do número de pessoas que moravam lá, o que poderia dificultar a
qualidade das entrevistas. Sendo assim, praticamente todas as entrevistas com ela realizaram-
se na casa de Eva, somente uma, a primeira, é que aconteceu na casa de um irmão da IEC,
localizada em frete à casa de Raquel. Também com Raquel não se realizou nenhuma
entrevista na e sobre a igreja, já que a mesma não seria observada nesse espaço.
Diferentemente de Raquel, realizaram-se três entrevistas na casa de Ana. Mas
igualmente a Raquel, a maioria das entrevistas com Ana aconteceu na casa de Eva, pois
durante o dia Ana trabalhava e o horário mais conveniente para ela era no final do dia ou
mesmo após as aulas. Ela achou por bem, por questões pessoais, fazer na casa de Eva. Com
94
ela também não se fez entrevista na igreja, pois as duas eram vizinhas de Eva. Assim como
Raquel, Ana não foi entrevistada na e sobre a igreja, porque não seria observada nesse espaço.
As entrevistas com Rute ocorreram em sua casa, por causa dos seus horários e por ela
ser uma pessoa que não gostava de andar na casa de outras pessoas com frequência, até
porque as outras mulheres da pesquisa se tornaram conhecidas dela após o início das aulas
(com exceção de Eva). Como Raquel e Ana, Rute também não foi entrevistada na e sobre a
igreja.
No caso de Eva, Sara e Rebeca as coisas foram um pouco diferentes. Eva foi a mais
entrevistada em todos os tópicos da pesquisa. As entrevistas com ela, em grande parte,
ocorreram em sua casa, como já afirmado, e as outras na igreja, já que a mesma foi
acompanhada nesse espaço. Ocorreram algumas poucas entrevistas na casa do pesquisador
(uma/1 somente), em casa de um irmão da IEC, vizinho a Eva, em casa de Sara e em casa de
Rute.
A situação de Sara e Rebeca, quanto às entrevistas, eram muito semelhantes. Sara foi
entrevistada, na maioria das vezes, na casa de Eva, mas algumas entrevistas foram feitas em
sua casa, como também aconteceu com Rebeca. Ambas, como ocorreu com Eva, foram
entrevistadas no espaço da igreja, já que também foram acompanhadas nesse espaço.
Fez-se também uma entrevista com a professora, cujos objetivos foram o de traçar seu
perfil acadêmico e profissional, assim como o de solicitar que falasse sobre suas concepções e
práticas de alfabetização.
O levantamento de dados relacionados às entrevistas consistiu nos seguintes passos:
Registros por escrito em caderno de campo, de informações anteriores às
entrevistas e outras informações relevantes para pesquisa.
Digitação dos dados registrados no caderno de campo.
Gravações de áudio de todas as entrevistas realizadas com as mulheres
participantes da pesquisa. Para o registro das falas dos sujeitos, utilizamos um
gravador.
Transcrição de todas as entrevistas.
95
2.4.3 Diagnose
As atividades de diagnose aplicadas às alunas participantes da pesquisa serviram para
identificar os conhecimentos das mulheres sobre a escrita, de modo a identificar suas
hipóteses em relação à construção da escrita e acompanhar a evolução destas de acordo com
as fases da psicogênese da escrita (FERREIRO, 1987; FERREIRO & TEBEROSKY, 1988).
Elaborou-se e aplicou-se a diagnose no início (APÊNDICE F), meio e fim do período
(APÊNDICE G) que as mulheres estiveram na escola. Considerou-se, na análise dos dados, a
diagnose inicial e final, já que a segunda diagnose não apresentou avanços significativos em
relação à primeira.
Na atividade diagnóstica avaliou-se a escrita de palavras nos moldes das atividades
realizadas por Ferreiro e Teberosky (1988). Foram escolhidas 10 (dez) figuras coloridas (pão,
caju, sapoti, abacaxi, graviola, cenoura, chuchu, beterraba, jabuticaba e melancia), dentro
do campo semântico de alimentos, e as alunas deveriam escrever as palavras correspondentes
às figuras presentes nas atividades.
A seleção das figuras levou, basicamente, em consideração os seguintes critérios: 1. O
número de sílabas das palavras, como pão (monossílaba), caju (dissílaba), sapoti (trissílaba) e
abacaxi e melancia (polissílaba); 2. A presença de diferentes estruturas silábicas nas palavras
(CV, V, CCV, etc.); 3. A presença de sílabas cujos fonemas poderiam ser escritos por mais de
um grafema (Ex. CENOURA, CAJU).
As diagnoses foram digitadas e impressas em papel ofício. Seguiu-se uma só dinâmica
para as diagnoses:
1. Escolhia-se um lugar o mais adequado possível, que tivesse uma mesa, com boa
iluminação e o mais silencioso possível;
2. Verificou-se se as mulheres estavam de posse de lápis e borracha;
3. Distribuía-se a atividade para as alunas;
4. Explicava-se a questão,
5. Antes de fazer a atividade, solicitava-se que elas oralizassem as figuras, para
verificar se as haviam reconhecido;
6. Quando terminavam de escrever os nomes das figuras, pedia-se, individualmente,
que elas soletrassem cada letra e lessem a palavra.
96
2.4.4 Análise de documentos
Na pesquisa, consideraram-se como documento para análise as atividades de classe
realizadas pelos alunos em seus cadernos e no livro didático. Cópias foram tiradas dos
cadernos e do livro didático, tendo como pressuposto a ideia de que a concepção subjacente
ao ensino da leitura e escrita se expressa, também, nas atividades propostas aos alunos.
Assim, na mais simples tarefa de preparar uma leitura, de escolher uma atividade de escrita,
está implícita uma maneira de entender o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita.
2.5 Análise dos dados
A análise dos dados é uma fase fundamental da pesquisa. Ela tem como objetivo
compreender, ratificar ou ampliar os pressupostos ou não da pesquisa, em relação ao que foi
coletado.
Para tratamento e análise (descrição e interpretação) dos dados, recorreu-se à
metodologia proposta pela técnica de investigação chamada de Análise de Conteúdo (AC), no
contexto de uma abordagem qualitativa. Para a compreensão da AC e da organização de suas
fases, destacamos como aporte principal desse tipo de metodologia, Bardin (1977) e outros
autores como Gil (1990), Marconi & Lakatos (1990), Gomes (2002) e Minayo (1998).
Segundo Minayo (1998), diferentes são os tipos de análises de conteúdo: de expressão,
das relações, de avaliação, de enunciação e categorial temática. Esta última, à qual se dará
destaque, se propõe a “descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja
presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”,
utilizando-a de forma mais interpretativa, em lugar de realizar inferências estatísticas. A
análise categorial temática funciona em etapas, por operações de desdobramento do texto em
unidades e categorias para reagrupamento analítico posterior, e comporta dois momentos: o
inventário ou isolamento dos elementos e a classificação ou organização das mensagens a
partir dos elementos repartidos.
Bardin considera a AC como “um conjunto de instrumentos metodológicos”, não
estanques ou inflexíveis, mas “cada vez mais subtis em constante aperfeiçoamento que se
aplicam a ‘discursos’ (...) extremamente diversificados” (op. cit., p.9).
97
É pertinente, dessa forma, destacar que os domínios aplicativos dos instrumentos
fornecidos pela AC, não estão, por exemplo, restritos a conteúdo de textos (domínio
linguístico) ou presentes nos veículos midiáticos (nas suas manifestações escrita e oral), mas
eles se estendem aos mais variados discursos, apontando para a análise de uma diversidade de
comunicações. No caso desta pesquisa, os dados são provenientes tanto de mensagens escritas
quanto de mensagens transcritas, a saber, das diagnoses e dos cadernos das alunas, bem como
das falas advindas das entrevistas feitas com essas alunas e das entrevistas com a professora.
Nesse sentido, Berelson define AC como “uma técnica de investigação que através de
uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações,
tem por finalidade a interpretação destas mesmas comunicações” (apud BARDIN, ibid., p.36).
Ainda conforme Bardin, “o fator comum destas técnicas múltiplas e multiplicadas (...)
é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência” (idem). Essa inferência,
para a autora, tem relação com “conhecimentos relativos às condições de produção (ou,
eventualmente de recepção), inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não)”
(p.38). Podem essas inferências responder tanto às causas da mensagem, como a seus efeitos
(p.39). Também afirma a autora que, “enquanto esforço de interpretação”, a AC, “oscila
entre os dois pólos do rigor da objectividade e da fecundidade da subjectividade” (idem).
No processo de utilização da AC, serão seguidas nessa pesquisa as seguintes
etapas59
elencadas por Bardin (ibid., p.95): 1. Pré-análise; 2. A explicação do material; 3.O
tratamento do resultado, a inferência e a interpretação.
A propósito dessas etapas, essa autora diz que a primeira envolve todo o conjunto de
organização. Tem como propósitos principais três elementos, inter-relacionados, não
necessariamente em ordem cronológica e com seus respectivos desdobramentos: a “escolha
dos documentos”, os quais serão submetidos à análise; a “formulação de hipóteses e dos
objetivos” e a “elaboração de indicadores que fundamentam a interpretação final”. (idem,
p.95-96).
59
Essa é uma classificação seguida por autores como Gil (1990), que usa para alguma dessas etapas uma
terminologia distinta e Gomes (2002), que tendo como referência Bardin, apresenta a mesma metodologia
defendida por Gil, mas destaca mais duas funções que podem ser destacadas na aplicação dessa técnica: a
primeira delas “se refere à verificação de hipóteses e/ou questões”, o que nessa pesquisa não fizemos, pelas
razões dadas neste capítulo, no tópico Fundamentos metodológicos. Outra função relaciona-se à “descoberta do
que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado” (p. 74).
Gomes diz que ao analisar o conteúdo de uma mensagem é necessário optar por unidades. Uma delas é a unidade
de registro, a qual se refere aos elementos alcançados com “a decomposição do conjunto das mensagens”, que
pode ser, por exemplo, por ‘palavra’, ‘frase’ ou ‘oração’, o ‘acontecimento relatado’ e assim por diante. Outra
unidade é a de contexto, a qual se refere à atitude de precisar o contexto, ou seja, são as referências mais amplas
que estão presentes na mensagem (p.75).
98
Na segunda etapa é feita, então, “a administração sistemática das decisões tomadas”.
A referida etapa “consiste essencialmente de operações de codificação, desconto ou
enumeração, em função de regras previamente formuladas”.
Na última etapa, “os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos
[...] e válidos. Operações estatísticas simples [...], ou mais complexas [...], permitem
estabelecer quadro de resultados, diagramas, figuras e modelos, os quais condensam e põem
em relevo as informações fornecidas pela análise”. A partir desses resultados, inferências e
interpretações são feitas pelo pesquisador, “que podem servir de base a outra análise disposta
em torno de novas dimensões teóricas, ou praticadas graças a técnicas diferentes” (idem,
p.101). Diante do exposto até aqui, nos próximos capítulos serão feitas as análises dos dados
da pesquisa.
99
CAPÍTULO 3: MULHERES ADULTAS ANALFABETAS E/OU POUCO
ESCOLARIZADAS: QUEM SÃO? COMO SE VÊEM? O QUE SABEM E QUAIS AS
SUAS EXPECTATIVAS?
Dizer quem são essas mulheres de maneira mais detalhada é algo que foge ao alcance
desta pesquisa. No capítulo anterior da metodologia, teve-se a oportunidade de apresentar as
mulheres da pesquisa, destacando alguns aspectos relacionados às suas vidas, como o familiar
e o religioso. Neste capítulo, o olhar se voltou, especialmente, para o aspecto educacional,
tendo como referência a escola. Para tanto, lançou-se mão das seguintes categorias: Quem
elas são? Como se veem? O que sabiam ler e escrever antes de ingressarem na escola e quais
algumas de suas expectativas?(o que querem ler e escrever? E por que (re) iniciaram os
estudos?).
3.1 Quem eram as mulheres participantes da pesquisa?
No caso da presente pesquisa, as mulheres vieram de regiões interioranas, situadas em
sítio (Raquel e Ana), em engenhos (Eva e Sara) e em cidade (Rute), cujas famílias eram de
camada popular, constituídas por um grande número de pessoas, que variavam entre 15
(quinze/Raquel), 12 (doze/Eva e Sara), 11 (onze/Rute), 8 (oito/Rebeca) e 5 (cinco/Ana)
pessoas.
A profissão dos pais estava mais relacionada à agricultura: vendia o que plantava (pai
de Eva), trabalhava em engenho (pai de Sara) ou em sítios (os pais de Raquel e Rute). O pai
de Rebeca, porém, abandonou a família e Ana não conheceu o seu pai, nem sabia o que ele
fazia. As mães das mulheres eram donas de casa e ajudavam seus maridos em suas atividades.
A mãe de Rebeca e de Ana, além de cuidarem da casa, trabalhavam também em engenhos e
na roça, respectivamente.
A situação financeira de cada uma dessas famílias era muito precária ou como elas
mesmas disseram: não “tinham condições” (Eva) ou a condição financeira era “humilde”
(Sara).
Somada às limitações econômicas, o perfil educacional dos pais não se diferenciava
em muito das mulheres da pesquisa, ou seja, os seus progenitores não sabiam ler nem
escrever, embora Sara lembrasse que sua mãe lia “soletrando algumas palavras, como
100
‘hospital’ e nome de ‘ônibus’”e Raquel destacasse que seu pai dizia que não precisava ser
alfabetizado, pois sempre viveu “sem estudo”.
Esse contexto descrito até aqui influenciou na criação familiar das mulheres. Eva,
Sara e Raquel foram criadas por padrinhos, Rebeca pelo tio e depois por uma prima de sua
mãe, Ana por sua avó e Rute pela madrasta, situação que provocou a separação entre as
mulheres e seus irmãos e suas irmãs, como pode ser verificado a seguir, em três relatos
particularmente dramáticos.
O primeiro relato é o de Eva, que se separou de sua família aos sete anos e morou
vinte e nove anos com a família que a criou. Seus irmãos e irmãs terminaram por ser
“distribuídos” para familiares e pessoas conhecidas (padrinhos). Sobre isso Eva diz:
nesse tempo foi um desgosto muito grande que nós passamos, porque foi como levar
um bicho para o matadouro. Foi muito choro, muito desgosto. A gente sofremo
muito [começa a chorar]. Eu não gosto nem de pensar, sabe? Chorava tanto a gente,
que não tinha nem como ter consolo [continua chorando] (Eva - Entrevista 2 –
18/09/2011).
Rebeca também se separou da sua família muito cedo, aos onze anos e saiu do seu
Estado, por decisão dos seus pais, para morar em Recife, para trabalhar, como ela relatou:
morava muito longe deles, separado [...] eu não sei da vida deles, assim, [na]
infância(Rebeca- Entrevista 1 – 09/10/2011).
Finalmente, Rute declarou que sua mãe morreu quando ela ainda era muito pequena e
nem ao menos chegou a conhecê-la.
A gente se criou- se sofrida, pela casa dos outros, com madrasta. Quer dizer que a
vida da gente não foi tão muito boa, né? [...] A gente não teve oportunidade de nada
(Rute - Entrevista 1 – 08/11/2011).
No que tange à escolarização das mulheres, Ana e Rute não sofreram nenhuma
resistência por parte dos pais em estudarem quando criança, mas também ninguém as motivou
para isso. Rebeca e Sara estudaram quando criança, porém, daí para frente, não de maneira
sistemática. Ambas não se lembravam de praticamente nada do que aprenderam durante esse
período na escola, o que não as diferenciava, no que tange às limitações em ler e escrever, das
demais mulheres desta pesquisa, Eva, Raquel, Ana e Rute, que praticamente nunca estiveram
numa instituição escolar.
101
Rebeca começou os seus estudos aos nove ou dez anos, ocasião em que já morava com
o seu tio, que a encaminhou à escola. A interrupção dos seus estudos aconteceu porque ela
passou a trabalhar em casa de família aos onze anos, quando já estava morando em casa de
uma parenta, em Recife, como ela mesma diz:
desde pequena que eu estudei. Depois de adulta já estudei, depois de até os quarenta
eu já estudei, mas não desandei [no sentido de avançar] nada, assim, de leitura
mesmo, pra chegar ler à vontade [...] como os outros lê não (Rebeca- Entrevista 1 –
09/10/2011).
Rebeca ingressou na escola, na adolescência, mas afirmou que não queria estudar e
não aproveitou bem esse período, voltando a estudar de maneira sistemática quando adulta.
No caso de Sara, as interrupções no período escolar ocorreram por dois motivos: a família se
mudava frequentemente de engenho em engenho e ela começou a trabalhar cedo em casa de
família, para contribuir no pagamento das despesas de casa, como relatou:
pois eu comecei a trabalhar muito cedo em casa, assim, de família [...], minha mãe
não tinha condição, meu pai, eu tinha que trabalhar pra [...] arrumar o alimento da
[...] gente mesmo de [...] dentro casa (Sara - Entrevista 1 – 14/06/2011).
Quando adulta, ela retomou os seus estudos de maneira mais sistemática, como
ocorreu com Rebeca. Já Ana e Rute só estudariam quando adultas. A dificuldade de estudar
na infância teve relação com a distância geográfica da escola pública e da falta de condições
financeiras para pagar uma escola particular.
Não tinha onde a gente morava [...] não tinha escola. Escola era para quem podia
pagar, né? Não tinha [...] condições de pagar escola pra mim (Ana - Entrevista 1 –
16/10/2011).
Rute afirmou que na infância não havia nenhuma instituição escolar perto de onde ela
morava e fala da sua impossibilidade de estudar desde cedo:
se eu não sei ler é porque eu não tive condições de ler. Onde eu morava era muito
distante da rua, não tinha [...] escola. [...] Eu morava no interior [...] aí lá não tinha
[...] professora, não tinha escola, não tinha nada. Aí eu me cresci assim, sem saber
de nada (Rute - Entrevista 1 – 08/11/2011).
Quando adulta Rute interrompeu os seus estudos uma vez, por questões familiares.
102
Estava com o meu marido doente [...]. Aí teve uma piora, aí eu tive que parar pra
cuidar dele, ter mais tempo, porque à noite era muito ruim para eu estudar e tomar
conta dele. Eu saí e eu não voltei mais. Depois ele faleceu e eu não voltei mais (Rute
- Entrevista 1 – 08/11/2011).
Eva e Raquel, porém, diferentemente das outras mulheres, foram impedidas de irem à
escola quando criança pelas pessoas que as criaram. A experiência escolar para as duas só
ocorreria quando adultas. Ao invés de estudar, Eva trabalhou durante a infância até ao início
de sua fase adulta, fazendo serviços domésticos em casa da família que a criara, conforme
mostraram os seus relatos:
sim havia por perto escola. Antigamente era aquela história MOBRAL. Aí, através
disso, eles não quiseram que eu fosse, que eu fosse pra escola (Eva -Entrevista 1 –
12/05/2011).
quem nos criou, nos fez de escravo mesmo [...]. Eu acordava de 4h da manhã, para
passar roupa direto [...] com ferro de calvão [...]. Aquilo ali se sujasse um pouquinho
já era para apanhar [...]e voltava a fazer tudo de novo [...]. Foi sofrimento até o dia
que Deus me tirou de lá. [...] Não tinha direito de brincar não (Eva -Entrevista 2 –
18/09/2011).
O motivo de Raquel não estudar desde cedo se diferenciava do de Eva e se relacionava
a um “temor” particular de seu pai.
[...] Estudei não. [...] Quando eu era novinha meu pai não me deixou estudar. Minha
mãe quis me botar na escola, mas meu pai não me deixou estudar, porque meu pai
dizia que [...] só quem podia estudar era os meninos e [as meninas não, pois] as
meninas ia fazer bilhetinho pra namorado [...]. Ai depois que eu cresci e me casei
também não dediquei mais, botei isso na minha cabeça e só fui cuidar de menino e
acabou. E agora que eu quero estudar (Raquel- Entrevista 1 – 16/10/2011).
Nessas condições, se tornou difícil o acesso e/ou permanência das mulheres à escola e
as consequentes dificuldades de leitura e de escrita influenciaram a maneira como as mulheres
se viam. Elas terminaram por internalizar a construção histórica – ideológica, por sinal,
negativa e estereotipada, da identidade das pessoas designadas de analfabetas, na sociedade
brasileira, em geral (já mencionada anteriormente, no capítulo 1, e que esteve especialmente
circunscrita à falta de escolarização de jovens e adultos/JA na história ocidental, não só
brasileira). Contudo, diferentemente dos seus pais, eles não queriam a repetição dessa história
de resistência à escola na vida de seus filhos, pois entendiam que a escola podia, sim, ajudá-
los na concretização de suas expectativas.
103
As mulheres partícipes da pesquisa tendiam, assim, a repetir esse mesmo estereótipo,
se referindo ao analfabeto como uma pessoa cega, alguém que não sabe nada e, também,
ignorante. Eva, por exemplo, afirmou que a pessoa analfabeta era uma “pessoa cega”.
Às vezes, pastor, eu fico pensando assim: meu Deus se eu soubesse ler não pediria
nada a ninguém, eu mesmo fazia minhas coisas, eu mesmo. Porque a gente que sabe
ler é muito bom [...] Pra mim quem não sabe ler não tem visão, é como se a pessoa
não enxerga, porque não vê aquelas letras assim, digamos assim, não enxerga, então
a pessoa é cega, não saber ler, não saber ler, meu Deus! (Eva – Entrevista 01 –
12/05/2011).
Para Eva, a pessoa “analfabeta” era alguém sem autonomia. A leitura, para ela, daria
isso e, assim, não “pediria nada a ninguém” e poderia “fazer” as suas “coisas”. Essa pessoa,
portanto, sem autonomia, por “não saber ler”, era chamada por ela de alguém que “não tem
visão”, “que não enxerga” e “é cega”, pois não “vê” as “letras” (entendidas como palavras,
por Eva). Era como se o “cego”, na verdade, dependesse dos outros para tudo. Rute entendia,
além disso, que o analfabeto era alguém que “não sabe nada”.
[...] Que a gente não sabendo ler não sabe nada. É que nem cego, né? Não conhecer
as paradas dos ônibus, onde desce, onde [...] fica, como qual o ônibus que vai
apanhar na rua (Rute – Entrevista 01 – 08/11/2011).
Ainda segundo Eva, esse “não saber” do analfabeto, que ela designava de “cego”, era
da leitura, mas para Rute esse não saber da pessoa também designada de “cego”, era mais
abrangente, ou seja, ela “não sabe nada”, nem mesmo coisas do cotidiano como “conhecer
paradas” de ônibus e de conhecer os próprios “ônibus”. Para esse analfabeto, Ana utilizava o
estereótipo de “ignorante”, por não sabe ler, e, por conseguinte, ela não queria isso para si.
Se chama de ignorante as pessoas que não sabem ler. Por isso estou querendo dar a
volta por cima, para não ser ignorante (Ana – Aula 11 – 29/11/2011).
Todas as mulheres concebiam, portanto, o analfabeto sob uma ótica negativa de “quem
não sabe e não faz”; e consideravam que a leitura (elas não destacam a escrita) podia reverter
essa situação.
Como vimos no capítulo 1, já no início do século XX, no Brasil, o analfabeto era visto
sob um ponto de vista extremamente negativo. E as mulheres desta pesquisa demonstraram
que esse ponto de vista continua presente entre nós.
104
Miguel Couto diz que o analfabeto, na verdade, “é um microcéfalo: a sua visão física
estreitada, porque embora veja claro, a enorme massa de noções escritas lhe escapa” (apud
PAIVA, 2003, p.109). E como dizem Galvão e Soares (2004), o analfabeto vem sendo
concebido, e não é de agora, como um “ignorante, incapaz, cego, imbecil, dependente,
portador de uma doença grave, que precisa ser extirpada [o negrito é nosso]” (p.50).
Pesquisas apontam a internalização dessa construção pelos JA (Freire, 1987; Pinto,
2010; Albuquerque e Ferreira, 2008). Tal internalização, no entanto, foi levada às últimas
consequências por esses JA, a ponto de alcançar a totalidade de sua identidade, indo, portanto,
além da simples designação de serem analfabetos no sentido de não saberem ler e escrever,
mas, sim, de serem, dentre outras coisas, cognitivamente limitados, de não possuírem saberes,
incapazes de exercerem sua cidadania e até mesmo serem culpados pelo atraso econômico de
toda uma nação. Apesar dessa concepção internalizada pelas mulheres quanto à pessoa
“analfabeta”, Eva acreditava ser possível uma pessoa superar essa situação.
Aí a pessoa tem que pedir força ao Senhor pra Ele ajudar. Com a ajuda de Deus eu
vou aprender. Pra ler logo, a primeira letra que eu venho correndo ler é a Bíblia.
Quando a primeira, quando eu aprender meu Deus, eu tenho fé no Senhor, o Senhor
vai me ensinar (Eva – Entrevista 01 – 12/05/2011).
Eva, na verdade, tinha “fé”, que essa situação podia mudar. Por isso, ela “pede” a
Deus “ajuda”, pois no final das contas é o “Senhor” quem a ensinará. Ainda assim, as
mulheres não deixaram de expor como se sentiam não sabendo ler nem escrever: os
sentimentos são de “tristeza” (Eva), por se achar uma pessoa “cega”, “inútil, que não serve
para nada”; de que não saber ler é a “pior coisa” (Sara) e de se sentirem “mal” (Rebeca e
Ana). Apesar da tristeza, Eva destacou (chorando) que mesmo não sabendo ler tinha um dom,
o da oração, e que essa prática ela fazia melhor do que uma pessoa que sabia ler.
[...] Deus me deu um dom. Por exemplo, de orar eu sei um pouco, o senhor sabe que
eu sei. Eu já sei graças a Deus. Deus já me deu esse dom. E eu oro. Às vezes eu oro,
que eu chego fico pensando assim: meu Deus, brigado Senhor. Fico só aqui, às
vezes, aqui sozinha orando aqui a Deus, eu e Deus. Eu oro que nem toda gente que
sabe ler. Pela fé, pela minha fé em Jesus. Pela graça Dele. Ele é nossa graça. Ele está
nos ouvindo aqui agora. Esse Pai maravilhoso (suspira) (Eva – Entrevista 1 –
12/05/2011).
Essa declaração é particularmente interessante, pois a oração era compreendida como
algo intimamente associada à Palavra (registrada na Bíblia), ou seja, à leitura da Palavra
forneceria o conteúdo para oração. No caso de Eva, como ela tinha dificuldade de ler,
105
procurava ouvir a Palavra e fazia isso com muita atenção, quando participava dos eventos na
igreja.
Duas delas, porém, não expressavam sentimentos negativos por não saberem ler e
escrever. Mesmo elas querendo aprender a ler, se sentiam felizes por outros motivos ou
compreendiam que não tiveram oportunidade de ler, quando crianças: “tô lutando pra
aprender a ler, eu sou feliz” (Raquel) e “eu me sinto bem como sou, sem saber ler [...], se eu
não sei ler é porque eu não tive condição de ler” (Rute).
Finalmente, ao avaliarem a responsabilidade por essa situação de não saberem ler e
escrever, duas delas disseram que elas mesmas não eram as culpadas (Eva e Raquel); outra
culpou o pai, a mãe e a si mesma (Sara), Rebeca e Ana responsabilizaram a si mesmas e Rute
não culpou “ninguém”. Nenhuma delas, porém, culpou a instituição escolar ou a professora.
As que não se culpavam (Eva e Raquel) responsabilizaram ou a família que a criou
(Eva) ou o pai (Raquel). O relato de Eva é particularmente dramático, sobre isso:
o povo que me criaram, né. O povo que me criaram, que me criaram como escrava.
Ali eu não era gente, não, era escrava. Apanhava, não comia direito. Era uma solidão
minha vida, pastor, naquele tempo. Digo a todo mundo. Minha vida era uma solidão,
viu (fica emocionada). Eu não tinha vida naquele tempo. Era uma prisão, como se
fosse o povo de antigamente, do outro tempo, que era escravo, uns era escravo.
Naquele tempo do escravo. Não era do povo de Deus, não. Era do tempo do escravo,
não tinha o escravo? Aqueles povo? Judiavam, fazia deles. A minha vida era essa. E
apanhava até de palmatória, doze bolos em cada mão, porque eu não fazia as coisas
direito. Apanhava de macaca de coro cru. A minha vida foi essa. E um dia eu falei
com Deus: Deus, eu fui criada pelos outros, mas eu tenho fé no Senhor que nunca eu
vou abandonar meus filho. Até o fim eu crio eles. Criei meus filhos sozinha, eu e
Deus. De pequenininho, quando eu fui separada [...] (Eva – Entrevista 1 –
12/05/2011).
Rebeca demonstrou certa decepção com o pai, embora o fizesse com muito respeito e
cuidado.
Assim, eu agora não quero fazer isso com meu pai, não, Papai do céu levou ele, mas
se meu pai tivesse dado oportunidade a mim, nera, irmão? Feito deu a meus irmãos
[...] hoje eu sabia ler, feito meus irmãos sabe [...] (Rebeca – Entrevista 1 –
16/10/2011).
Sara é do grupo que culpava, além de si mesma, a família e assim se justificou:
porque a gente naquele tempo era muito menor [...], muito pequeno, assim, era
criança e meu pai e minha mãe ficava se mudando, se mudando, se mudando, dum
lado, mudando pra outro [...] eles moravam muito em engenho. Pronto, terminou não
conseguindo ler nada, nem escrever, pronto (Sara – Entrevista 1 – 14/06/2011).
106
Enfim, duas delas se culpavam ao reconhecer que não aproveitaram a oportunidade
que tiveram de estudar, seja na infância (Rebeca) ou quando mais adulta (Ana):
[...] A culpada foi eu mesmo, né? Que [...] se o pai, a mãe, seja lá que for da família
botou a criança pra estudar, se é um menino que tá ali, que foi para estudar, é pra
estudar, mas quando vai [...] pra escola, que não quer nada, vai para brincar [...], vai
mexer com os outros, aí ele não tá querendo nada mesmo [...]. Tem pessoa que bota
culpa na mãe, no pai, nos professor, não tem nada a ver não. [...] Eu não vou julgar
ninguém não, é eu mesmo [...]. [...] Não consigo, por causa do cansaço, do dia-a-dia
(Rebeca – Entrevista 1 – 09/10/2011).
[...] Depois que eu me entendi de gente, se eu tivesse pensado antes, se eu tivesse me
interessado, eu hoje sabia alguma coisa, mas a culpada foi eu mesmo, porque
quando me entendi de gente não me interessei. Não vou culpar ninguém, entendeu?
Não vou culpar meu pai, nem minha mãe. Meu pai eu não conheci, minha mãe não
me criou. Minha avó já foi um favor que ela me fez, de me criar e eu não me culpar
isso dela [...] (Ana – Entrevista 1 – 25/10/2011).
A respeito dessa tendência a se culparem Garcia diz que
suas falas estão impregnadas por uma concepção autônoma de letramento [tratado
no referencial teórico], ou seja, é natural para eles se sentirem inferiorizados, pois se
o discurso do poder dominante, das classes privilegiadas afirma que analfabetismo é
‘mancha’ [...] ‘erva daninha’ etc. com que autoridade os alfabetizandos poderão
questionar ou discordar desses pressupostos? (2006, p.74).
Como vimos até aqui, metade das mulheres se culpava por não ter aprendido a ler e a
escrever.
3.2 Como as mulheres se viam em relação à leitura e à escrita?
Neste tópico tivemos em vista as opiniões das mulheres sobre como elas se viam, ou
seja, se elas se consideravam analfabetas ou não e o porquê disso, durante o período em que
as mesmas foram acompanhadas no Programa Brasil Alfabetizado (PBA). Pelas entrevistas
feitas, no início, no final do período de escolarização e alguns meses após esse término isso se
tornou possível. O quadro a seguir apresenta as respostas que elas deram nas três entrevistas
realizadas:
107
Quadro 8: Como as mulheres se viram durante o PBA?
MULHERES ENTREVISTA 1 ENTREVISTA 2 ENTREVISTA 3
Eva
“Analfabeta”
(“[não sabia] ler e
escrever”)
“Analfabeta”
(Não havia aprendido
nada ainda)
“Analfabeta”
(Não escrevia tudo e não
lia direito)
Ana
“Analfabeta”
(“[não sabia] nada ainda”
e “[não sabia ler]
palavras grandes”)
“Não sou analfabeta”
(Sabia algumas coisas e
lia palavras grandes)
“Não sou analfabeta”
(Lia alguma coisa)
Raquel
“Não sou analfabeta”
(Escrevia o seu nome)
“Não sou analfabeta”
(Escrevia o seu nome)
“Não sou analfabeta”
(Escrevia o seu nome)
Rebeca
“Não sou analfabeta”
(Conhecia as letras do
alfabeto)
“Não sou analfabeta”
(Sabia escrever o nome e
conhecia e lia letras)
“Não sou analfabeta”
(Escrevia o nome,
entendendo e aprendendo
alguma coisa)
Sara
“Não sou analfabeta”
(Escrevia o seu nome)
“Mais ou menos
[analfabeta]”
(Fazia tarefa, conta e
soletrava palavras)
“Analfabeta”
(Não sabia ler completo
nem tudo)
Rute
“Não sou analfabeta”
(Escrevia o seu nome)
“Analfabeta”
(Não lia nem escrevia
uma palavra correta)
“Analfabeta”
(Não sabia ler tudo, nem
lia corretamente)
De acordo com o Quadro 8, duas alunas, Eva e Ana, iniciaram as aulas se
considerando analfabetas e uma delas (Eva) não mudou essa visão no final e mesmo depois do
PBA, porque, segundo ela, não havia aprendido nada (não sabia ler nem escrever). Já Ana,
por ter aprendido a ler palavras grandes, não mais se considerava “analfabeta”. Duas alunas
não mudaram a visão que tinham ao longo do Programa, uma vez que desde o início não se
consideravam analfabetas, uma porque sabia escrever o nome, conhecia e lia as letras e,
também, por estar aprendendo e entendendo algumas coisas (Rebeca) e a outra porque
escrevia o nome (Raquel). Como Rebeca e Raquel; Sara e Rute iniciaram o Brasil
Alfabetizado não se considerando analfabetas, mas terminaram mudando de concepção.Para
uma maior clareza e um detalhamento do Quadro 8, analisou -se as mulheres por pares, tendo
como critério alguns pontos de contato nas respostas delas.
No período inicial das aulas, quando perguntadas se elas se achavam analfabetas,
somente Eva e Ana iniciaram as aulas afirmando que sim. A razão dada por Eva era que ela
108
“[não sabia] ler e escrever” e Ana era a de que ela “[não sabia] nada ainda” e também “[não
sabia ler] palavras grandes”. É importante destacar que Ana era a aluna mais avançada60
em
relação à leitura e à escrita dentre as mulheres pesquisadas, e Eva era uma das menos
avançadas.
No final do período de aulas Eva continuava afirmando, como no primeiro momento,
que era “analfabeta”. O motivo de Eva era que não havia aprendido “quase nada ainda não”,
que para ela representa especialmente o não saber ler: “Eu só não digo que sou analfabeta
quando eu já tiver lendo (...), eu acho assim”. O não saber ler já tinha sido citado por ela num
primeiro momento como um motivo fundamental dela se compreender como “analfabeta”
(dessa vez ela não citou o escrever, como na primeira entrevista). Diferentemente de Eva,
Ana, nesse momento já não se considerava “analfabeta”, pois já sabia “algumas besteirinhas”,
já sabia ler palavras grandes.
Finalmente, no período após o término das aulas (cinco meses depois), Eva ainda se
achava analfabeta, porque não sabia “escrever tudo ainda. Não sei ler direito, nem escrever”.
Já Ana, nessa última entrevista, reafirmou que não se considerava mais “analfabeta”, pois já
sabia “ler alguma coisa”.
Outra dupla de mulheres é Raquel e Rebeca, que não se viam como analfabetas. Elas
justificaram essa afirmação de forma diferente. No período inicial, final e após o término das
aulas, Raquel, a menos avançada das duas em termos de leitura e escrita, justificou sua
resposta de uma só maneira: “já aprendi a fazer o meu próprio nome”. Raquel continuou
insistindo em dizer que não era “analfabeta”, porque aprendeu a “fazer” o nome dela. Rebeca
também afirmou que não era “analfabeta” do início ao final das aulas, porém, apresentou
justificativas distintas da de Raquel e mais diversificadas. Inicialmente ela afirmou que não
era analfabeta, porque já conhecia as letras do alfabeto, além da letra “o”. Ela disse:
mesmo eu não sabendo ler, né, assim, diretamente as palavras certas, como deve,
mas pra mim eu já tô, já tô feliz de estar aprendendo, né. Eu não sou a analfabeta
assim. Quando diz assim: eu não conheço nem um “o” como seja uma xícara de
café. Então, eu já tô conhecendo mais de um “o”, né (...). Mas, assim, tem que
aprender mais (Rebeca - Entrevista 5 – 22/12/2011).
No final das aulas, Rebeca apresentou o mesmo motivo de antes, isto é, que o
“analfabeto é aquele que não sabe nem o que é um ‘o’ [...], que se diz que é uma xícara”. Ou
que o “analfabeto mesmo, tapado, é aquele que não sabe nem do nome”. Ela afirmou que
60
A questão desses níveis de avanço em relação à leitura e à escrita será vista mais adiante.
109
conhecia as letras. Após as aulas, sendo ela uma das mulheres menos avançada em termos de
leitura e escrita, disse que o motivo dela não ser “analfabeta” era que ela estava “aprendendo
aos pouquinhos”, pois anteriormente “não sabia fazer nada”. Ou seja, “não conhecia a letra,
nem nada”. Além disso, também disse que já fazia o seu “nome” e já estava entendendo
“algumas coisinhas”.
Os outros dois pares de mulheres (Sara e Rute) iniciaram as aulas afirmando que não
eram analfabetas, justificando, como Raquel, que já sabiam “fazer” os seus próprios nomes.
No final do período de aulas, Rute mudou de opinião e disse, nesse segundo momento,
que se considerava “analfabeta” e apresentou como motivo o fato de não saber “ler uma
palavra correta” e não saber “escrever uma coisa” que alguém venha a pedir para ela escrever.
Sara, que havia dito categoricamente que não era “analfabeta”, no final do período de
aulas afirmou que era “analfabeta” só que “mais ou menos”. Ela disse, de um lado, que já
sabia “algumas coisas”, como “fazer tarefas, conta, [soletrar] [e ler] algumas coisinhas”. Por
outro lado, ela disse que não sabia “ler completo assim, totalmente ler, não sei ainda não”. Ou
seja, tinha dificuldade com “alguma letra” e com “alguns nomes”, e com “nome grande”.
No período após o término das aulas, Sara, uma das mais avançadas, continuou
afirmando, agora com mais convicção, que ainda era “analfabeta”, pois não sabia “ler, assim,
completo e tudo, tudo”. Quando foi feita informalmente essa pergunta, ela disse que ficara
pensando a semana todinha. Digo, meu Deus do céu, me ajuda, porque, porque eu
fiquei pensando: não sei ler, ler completamente, assim, tudo. Se eu soubesse, mas
não sei completamente, assim. De algumas coisas eu sei ler. Tem hora que dá um
branco (Sara – Entrevista 30 – 03/10/2012).
Rute, como Sara, afirmou que era “analfabeta”, pois ainda não sabia “ler [tudo]” ou
“ler corretamente”. Interessante é que, diferentemente de Rebeca e Raquel (que disseram não
ser analfabetas pelo fato de escreverem o seu próprio nome), ela disse que uma pessoa que só
escreve o seu nome continua sendo analfabeta.
Uma pessoa que escreve o nome, não pode dizer que não é analfabeta (Rute -
Entrevista 27 – 04/10/2012).
Acho que sou analfabeta. (pausa, olhando para mim). Acho que uma pessoa
escrevendo só seu nome não pode dizer que, que não é analfabeta. É sim (Rute -
Entrevista 27 – 04/10/2012).
110
O caso das alunas Sara e Rute é particularmente interessante, pois o processo de
escolarização se encarregou de convencê-las de que elas eram de fato analfabetas, já que não
aprenderam efetivamente a ler e escrever.
É preciso ficar atento, porém, às concepções das mulheres acerca do que é uma pessoa
“analfabeta”, que indica diferenças das concepções da literatura educacional em geral, revela
também diferenças nas próprias concepções das mulheres entre si e, além disso, expressa algo
da identidade delas, ou seja, de como se veem.
3.3 O que as mulheres liam e escreviam antes de entrar na escola?
Como dito em outros momentos desta pesquisa, a maioria das mulheres só foi à escola
quando adultas e somente duas delas estudaram na infância ou na adolescência de maneira
não sistemática. Para conhecermos o que as mulheres liam e escreviam antes de ingressarem
no PBA, foram feitas duas entrevistas com cada uma delas. O quadro abaixo mostra os
resultados em relação à leitura:
Quadro 9: O que as mulheres liam antes do PBA?
SABERES ANTERIORES EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE TOTAL
Todas as letras do alfabeto - - - 3
Algumas letras do alfabeto - - - 3
O próprio nome - - - 3
Algumas poucas palavras - - - 3
Várias palavras - - - - 2
Quanto à leitura, quatro delas (Eva, Rebeca, Raquel e Rute) disseram que sabiam ler
todas as letras do alfabeto (Rebeca) ou a maioria das letras do alfabeto (Eva e Rute) ou as
vogais e outras poucas letras (Raquel), o seu próprio nome (Eva) e algumas poucas palavras
(Eva, Rebeca e Rute).
No caso das letras do alfabeto, elas chamavam de “palavras” (Rebeca e Raquel) ou
“palavrinhas” (Eva). Numa entrevista feita cinco meses antes das aulas iniciarem, Eva disse:
111
Rebeca falou que o material usado por ela para aprender as letras do alfabeto foi o
“ABC do analfabeto” ou a “cartilhazinha do analfabeto”, conforme ela relatou:
antes de entrar na escola eu sabia, assim, o a, e, i, o, u (ri), que é o ABC, né? Que a
gente vai aprendendo primeiro, com aquela cartilhazinha do analfabeto, né? Que as
pessoas dizem. O ABC, né? A, b, c, d, e, f, g, h, i, j, i. Aí eu comecei aprender assim,
as letras (...) antes de estudar mesmo (...) (Rebeca – Entrevista 36 – 03/10/2012).
Quanto ao nome delas, somente Eva e Rute disseram que sabiam ler, até porque já o
havia memorizado. Mas mesmo assim não era uma leitura fluente, mas “soletrando” devagar
(Eva). Rute testemunhou que
(...) sabia. Antes de entrar na escola eu já escrevia meu nome (...). Isso eu nunca
esqueci, não (...) (Rute – Entrevista 21 – 27/09/2012).
As palavras que Eva e Rebeca afirmavam ler eram aquelas já memorizadas e
presentes nos eventos do dia a dia. Eva falou, por exemplo, que sabia ler o nome de ônibus:
Extrato da 1a entrevista com a aluna Eva: o que lia e escrevia antes de ir à escola- 12/05/2011.
Pesquisador: O que hoje a senhora consegue ler?
Aluna: Assoletrando as palavrinha.
Pesquisador: Soletrando como?
Aluna: É soletrando, assim, se eu pego um, se eu pego uma revista, pego uma revista e fico assim
assoletrando a letrinha e aí assim eu vou conseguindo formar a palavra, as palavrinha.
Pesquisador: Tem alguma palavra que a senhora conhece que se aparecer numa revista, num jornal
ou qualquer outro lugar a senhora leria?
Aluna: Sim. Conhecia. O nome assim.
Pesquisador: Qual?
Aluna: “A”, “b”, né, “c”.
Pesquisador: As letras?
Aluna: As letras, assim. E dá pra soletrar assim, né.
112
Já Rebeca falou que sempre tentava ler as palavras “soletrando”, “letrinha por
letrinha”:
antes de eu estudar aqui, já havia treinado em outras escolas. Então, eu sempre eu
tentei assim, soletrando, de letrinha por letrinha, não é, quer dizer assim que é uma
pessoa que sabe tudo, que tá diretamente na palavra (...) do livro, né (Rebeca –
Entrevista 16 – 16/05/2012).
Ela afirmou que conhecia o nome ‘Jesus’. Mas ao ler essa e outras poucas palavras,
tinha dúvidas se estava lendo corretamente. Um dia antes do início das aulas ela disse:
Extrato da 1a entrevista com a aluna Eva: o que lia e escrevia antes de ir à escola- 12/05/2011.
Pesquisador: O que hoje a senhora consegue ler?
Aluna: Assoletrando as palavrinha.
[...] Pesquisador: A senhora vê a palavra e aí vai soletrando?
Aluna: Vou soletrando e vou lendo. Feito assim, quando eu vou saio, e aí pra acertar o nome dos ôrnibu eu
olho assim o Cajueiro Seco né?E o Afogados. Aí o Cajueiro Seco eu sei pelo o número.
Pesquisador: E como é que a senhora aprendeu o nome Cajueiro Seco?
Aluna: Cajueiro Seco que tem, que tem um “j”? Como é? O “g”?
[...] Pesquisador: Um “g”?
Aluna: Um “g”, um “j”. Ca-jueiro, “G”. Ca-jueiro.
[...] Pesquisador: É o “g” ou “j”?
Aluna: “J”. Num tem? (...) Ca- ju- ei- ro?
Pesquisador: No nome Cajueiro Seco tem um “j”?
Aluna: Tem “j”.
Pesquisador: E é por causa do “j” que a senhora conhece?
Aluna: É, que eu conheço. E aí tem Cajueiro Seco.
Pesquisador: Mas como é que a senhora acha que começam as palavras “Cajueiro” e “Seco”?
Começam com quais letras?
Aluna: A primeira letra?
Pesquisador: Sim, da palavra Cajueiro.
Aluna: Cajueiro começa com “K”, né?
Pesquisador: E Seco começa com o quê?
Aluna: “C”, “c”. Se-co, co, co. Cajueiro Seco.
Pesquisador: E no nome Cajueiro tem um “j”?
Aluna: Um “j”, é.
Pesquisador: Mas é por causa do “j”?
Aluna: É (...). E tem cidade também, né? Cajueiro Seco que já é cidade, cidade. C-da-d-a-di.
Pesquisador: E como é que a senhora consegue ler “cidade”?
Aluna: Cidade eu começo com “c”.
Pesquisador: Começa com “c”.
Aluna: “C”.
Pesquisador: Começa com “c” cidade?
Aluna: “C” cidade é.
Pesquisador: E Cajueiro começa com o quê?
Aluna: Começa com “k”.
Pesquisador: E o que mais faz a senhora reconhecer o ônibus?
Aluna: Com o número. Aí eu digo esse. É aí é, ou, é 163, Cajueiro Seco. Aí eu digo Cajueiro, quando ele
vem já, já tô vendo o ônibus já vindo, Cajueiro Seco.
113
leio. Quando eu tento, leio. Eu aprendi a ler, assim, por exemplo, a primeira letra
que eu comecei a ler na Bíblia, Jesus. Aí eu lia e ficava ali martelando em cima da
palavra, eu não sei se está certo. Porque se eu pego esse livro aqui eu soletro uma
letra e posso até falar pro senhor: Olhe pastor, eu li. Agora, o senhor vai dizer pra
mim pra eu ter (...) certeza, se eu li mesmo. Aí pronto, eu me engancho é aí, sabe?
Aquela dúvida que (...), eu já inté orei pra Deus tirar essa dúvida de mim (Rebeca –
Entrevista 36 – 09/10/2011).
E Rute dizia que lia algumas palavras, que ela chamava de “besteiras” (por ser
numericamente pequenas) e as via em “cartilha” e “livros”, mas sem lê-las de forma
“correta”. Essas palavras eram conhecidas dela, mas mesmo assim não deu nenhum exemplo.
Rute também destacou que não houve uma prática contínua de leitura, o que trouxe
dificuldades para ela:
eu pegava o livro e lia muitas palavrinhas dele, mas depois eu deixei pra lá e fui
esquecendo [...] (Rute – Entrevista 21 – 27/09/2012).
Na verdade, Rute destacou que ler para ela era ‘ruim’, e isso mesmo após o período do
PBA:
Sara e Ana demonstraram um conhecimento mais avançado em termos de leitura e
escrita em relação às outras mulheres. Elas liam, além das letras do alfabeto, do seu nome e de
algumas palavras conhecidas, como as demais, também outras palavras que viam. Sobre as
palavras que as duas mulheres acima liam, Sara fez uma classificação entre “palavra fácil” e
“palavra difícil”. Palavras fáceis para ela eram as que tinham duas ou quatro letras:
(pausa, enquanto pensa) Assim, se for quatro letras, assim, ainda sei ler, porque,
assim, vou assoletrando eu leio. Mas se for, assim, palavra difícil eu não leio não
(Sara – Entrevista 01 – 14/06/2012).
nome fácil pra mim é nome, assim, que tem duas letras, quatro letra, assoletrando,
eu digo (Sara – Entrevista 31 – 03/10/2012).
Sara descreveu as palavras difíceis da seguinte maneira:
Extrato da 23a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘chave’ - 04/10/2012.
Pesquisador: A senhora consegue ler [a palavra ‘chave’]?
Aluna: Deixe eu ver.Pra ler é meio ruim [após ele tentar ler a palavra ‘chave’].
114
palavra difícil, pastor,é, assim, palavra difícil é essas palavras (...) esses nomes que
eu não sei ler, que são, assim, muito junto, assim, que tem as letras, assim, que eu
conheço, mas que realmente eu não sei assoletrar, pra dizer o nome completo (Sara –
Entrevista 01 – 14/06/2012).
Sara lia as palavras (fáceis ou difíceis) por meio do processo de soletração. Nesse
sentido, ela lia as letras e as juntava em sílabas. Quando as palavras possuíam sílabas
diferentes da estrutura consoante-vogal, ela apresentava dificuldades na leitura por soletração.
Já Ana tinha uma prática de leitura mais avançada dentre todas as mulheres, mesmo
começando seus estudos na fase adulta. Antes de começar os seus estudos ela sabia ler as
“letras” do alfabeto, ler o seu “nome” e algumas palavras. O seu filho, segundo ela, a ajudou
muito nesse processo de leitura:
olhe, eu sabia ler, eu sabia assim: sabia das letras que meu menino ensinava, eu
sabia das letras que meu menino ensinava, eu sabia meu nome que meu menino
ensinou e, assim, ajuntava as letras [...] (Ana – Entrevista 01 – 25/10/2011).
Sobre as palavras que ela lia, Ana usava uma terminologia diferente de Sara para sua
classificação: ela falava de “palavra pequena” e “palavra grande”. Ela definiu e exemplificou
o que eram palavras pequenas, que conseguia ler.
Agora, se disser, assim, “dado”, “Pedro”, “quadro”, essas coisas, assim, mais
pequenas eu sei rápido, logo, eu entendo logo o que é aquilo ali, tá entendendo?
(Ana – Entrevista 01 – 25/10/2011).
Sobre as palavras grandes, Ana afirmou:
depois que eu entendo o que é aquilo ali, faz feito ‘mocotolombó’. Aí eu fico o
tempo todo, ‘liquidificador’, tá entendendo, esses nomes, assim, mais difícil, aí fica
mais difícil; ‘professora’, sabe, aí fica mais difícil (Ana – Entrevista 01 –
25/10/2011).
Mesmo lendo as palavras que denominou de pequenas, ainda assim Ana disse que as
lia “gaguejando”.
O quadro a seguir apresenta os resultados do que as mulheres escreviam antes de
ingressarem no PBA.
115
Quadro 10: O que as mulheres escreviam antes do PBA?
SABERES ANTERIORES EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE TOTAL
Letras v v V 6
O próprio nome completo v v - v 5
O próprio nome incompleto - - - - - 1
Palavras que sabiam de cor - - - V - 2
Quanto ao que as mulheres escreviam; quase todas as mulheres (cinco delas)
afirmaram que, antes de iniciarem seus estudos no PBA, só sabiam fazer o seu nome
completo. Fora desse grupo, Raquel não escrevia seu sobrenome, mas somente ela escrevia o
seu nome, embora faltando letras, como ela mesma falou:
antes de entrar na escola eu fazia o primeiro nome, às vezes eu acertava e às vezes
eu errava (Raquel – Entrevista 25 – 04/10/2012).
As mulheres usaram estratégias distintas para aprender a escrever o nome. Eva
aprendeu a escrever o seu nome com um dos seus filhos, em casa. Enquanto ele oralizava as
letras do nome dela, a mesma escrevia várias vezes. Ela contou como esse processo ocorria:
assim, me ensinando, Alcides começou me ensinado, meu filho que faleceu. Aí ele
começou me ensinar, a dizer o nome [as letras] [...] e aí eu comecei a fazer [as letras]
[...] (Eva – Entrevista 01 – 12/05/2011).
Já Rebeca passou a escrever o seu nome olhando para a “carteira de identidade”.
[...] Aí eu boto a carteira [de identidade] na frente e aí meu marido diz: “para com
isso, vai tu (...) começa aí sozinha mesmo, pra tu fazer só”. Aí eu, de vez em
quando, eu faço só, sabe, tento (Rebeca – Entrevista 01 – 09/10/2011).
Ana disse claramente que não sabia escrever nada antes de entrar na escola, com
exceção do seu nome, que não escrevia corretamente:
eu sabia assim, porque eu marcava as letras que pegava o meu nome (Ana –
Entrevista 23 – 04/10/2012).
E Rute também sabia “assinar” o seu nome e aprendeu em casa sozinha.
Já sabia assinar, que eu aprendi em casa mesmo (Aluna Rute – Entrevista 01 –
25/10/2011).
116
Dentre as mulheres, só Sara falou que, apesar de escrever “muito pouco”, conseguia
escrever o seu “nome completo, sem olhar”. Sara também escrevia algumas palavras, como
Ana também.
Escrevia muito pouco, só se for um nome assim: “casa” (pausa), “papai”, que é um
nome, assim, fácil. Essas coisas, nomes fácil, aí eu escrevia (Sara – Entrevista 31 –
03/10/2012).
Sara entendia que era “muito pouco” o que ela escrevia. As palavras escritas por Sara
ela designava de palavras “fáceis”, ou seja, palavras de uma ou duas sílabas.
3.4 As expectativas das mulheres
As mulheres alimentaram determinadas expectativas durante a sua vida. E à medida
que se envolveram com práticas de letramento em diferentes agências de letramento, novas
expectativas foram surgindo.
3.4.1 O que gostariam de ler e escrever
As mulheres expressaram seus desejos e sonhos, que tinham relação estreita com
eventos e práticas com as quais elas se envolviam, embora não plenamente, em agências de
letramento distintas. A seguir, veremos o que elas desejavam ler e escrever, respectivamente.
3.4.1.1 O que gostariam de ler
O quadro abaixo expõe os textos ou gêneros textuais que as mulheres gostariam de ler:
Quadro 11: O que as mulheres gostariam de ler
MULHERES CATEGORIA
Eva, Rebeca, e Rute A Bíblia
Raquel A Bíblia e uma “lista de supermercado”
Sara Tudo, especialmente a Bíblia
Ana A Bíblia e cantar Hinos
117
O que se percebeu foi a presença da Bíblia como texto fundamental a ser lido por
todas elas. Pelo fato de serem cinco delas evangélicas e uma católica, revelaram um profundo
apego ao texto bíblico e estarem envolvidas em eventos diversos no espaço da igreja, com
menos frequência Rute. Raquel e Ana sempre expressaram, além da Bíblia, o desejo de ler a
“lista de supermercado” e o Hinário da sua igreja, respectivamente. Se utilizarmos, no
entanto, como referência a frequência, com que elas mencionaram os materiais alvos de suas
leituras tem-se o seguinte:
Quadro 12: Material que cada uma das mulheres gostaria de ler
ALUNA MATERIAL
Eva Bíblia
Sara Tudo
Rebeca Folhetos evangelísticos
Raquel Lista de compra de supermercado
Ana Hinário
Rute Livro
A leitura da Bíblia: sentimentos, crenças, sentido de vida e participação em
eventos
No caso das mulheres da pesquisa, a leitura da Bíblia nem sempre foi uma expectativa
da maioria delas, como o era agora. Isso ocorreu após elas se tornarem evangélicas61
. Ana
disse que
achava que nunca ia precisar [ir à escola], entendeu? Eu achava que nunca ia
precisar [...], mas chega um tempo, que depois que eu fui crente, aí foi aonde eu
achei a necessidade de saber ler, entendeu? Foi aonde eu achei, depois que eu fui
crente. Aí eu ia [...] pra igreja e quando chego lá na igreja, eu escuto o culto todinho.
Eu vejo as crianças, eu vejo aquelas mulheres, as senhoras lá [...]. Se eu quero ir pro
meio daquelas senhoras, o que eu vou fazer ali, se eu não sei [ler]? Tá entendendo?
(Ana – Entrevista 1 – 25/10/2011).
Em uma das aulas, Ana incentivou as demais alunas da sala a aproveitar os oito meses
que elas teriam [fazendo o PBA] para “aprender”. Ela afirmou: “vamos logo, temos que
aprender em oito meses. Não é possível que a gente não aprenda!”. Ana considerou
61
No “mundo evangélico” a Bíblia é o texto fundamental ou, como se diz, a ‘regra de fé e prática’ da vida das
pessoas. Ela é levada para os encontros da igreja, é lida, é interpretada, discutida e aplicada, cujo objetivo, dentre
outros, é a prática diária de suas orientações.
118
inconcebível ela e as suas colegas não aprenderem em oito meses. Na mesma aula Eva
acrescenta que o aprendizado é essencialmente “pra ler a Bíblia” (Aula 2 – 18/10/2011).
Não saber ler para Ana era algo tão expressivo que a privava não só de ler a Bíblia,
mas a desestimulava a levar a própria Bíblia para os encontros da igreja, pois, segundo ela,
não fazia sentido levá-la, sem saber lê-la:
eu não levo nem a Bíblia [...] para a igreja. Se não sei ler, para que levar? (Ana –
Aula 1 – 11/10/2011).
De qualquer maneira elas expressavam sentimentos e crenças pela Bíblia, tinham
expectativas quanto ao seu envolvimento em práticas de letramento na igreja e, mais do que
isso, a leitura do texto bíblico era algo que dá sentido à própria vida delas.
Os sentimentos e crenças pela Bíblia vão desde expressões de “amor” (Eva), de que
era algo “bonito e interessante” (Sara), de que era “a Palavra do Senhor” (Rebeca), de que ela
era “linda”, tornava alguém “bem-aventurado” e dava “alegria” (Raquel), de que eram
“palavras [...] que Deus deixou” (Ana) e de que era a “verdade” (Rute).
Eva, que exprimia mais clara e intensamente esses sentimentos e crenças, dizia que
amava a Bíblia, que
é uma Palavra. Eu tenho um amor muito grande por essa Palavra, de Deus (Eva –
Entrevista 1 – 12/05/2011).
É possível perceber que as mulheres viam a busca da leitura da Bíblia como algo que
alcançariam com ‘fé’: “[...] Eu quero aprender é ler a Bíblia. [...] Tem que ter fé, mulher [se
dirigindo a Sara, que havia dito que Ana era “firme”]!”, e com a ajuda de “Jesus”: “Tenho que
aprender [a ler e escrever] em nome de Jesus”, é o que afirmavam respectivamente Ana e Sara
na mesma aula (Aula 5 – 25/10/2011).
As mulheres também afirmaram que a leitura da Bíblia tinha uma relação estreita com
o sentido de suas vidas, como dissemos acima. Eva e Raquel diziam o seguinte:
É a Palavra mais importante da minha vida, é a Palavra de Deus, Jesus. [...] Essa é a
importância de eu querer saber ler: é pra ler a Bíblia. Se eu aprender a Bíblia pra
mim, eu aprender essa Palavra e morrer pra mim oi [gesticula, mostrando que tudo
mais não tem importância] (Eva – Entrevista 1 – 12/05/2011).
Ah, meu Deus! Eu abrir a Bíblia [em casa e na igreja] e ler versículos todinho que
tem na Bíblia sozinha [dá risadas]! É o mais importante que eu acho na minha vida
(Raquel – Entrevista 1 – 16/10/2011).
119
Além dos sentimentos e crenças e o que a Bíblia representava para elas, a prática da
leitura do texto bíblico, para elas, proporcionaria a participação de eventos no espaço da
igreja e fora dele.
As mulheres acreditavam que a prática da leitura da Bíblia ajudaria na leitura pública
da própria Bíblia (Eva), na evangelização (Rebeca), ajudaria a fazer leitura pessoal em casa e
na igreja (Raquel), “conhecer mais” ou “conhecer [...] a verdade do Livro” (Rute), a “ver as
Palavras [...] que Deus deixou escrita ali, que eu não entendo” e “cantar hino” (Ana) e
simplesmente “abrir” e “ler” a Bíblia (Sara).
Pelo menos quatro das mulheres (Eva, Rebeca Raquel e Ana) destacaram
explicitamente essas expectativas [de se envolverem mais plenamente em eventos na e fora da
igreja].
Rebeca era frequente nos encontros da igreja e a que mais se envolvia com as
atividades evangelísticas fora do espaço da igreja (nas ruas, em conjuntos habitacionais e em
residências do bairro e assim por diante).
Quando eu fosse evangelizar, já estava ali [...] eu quero falar do meu jeito [...] o que
o Senhor manda, me dê sabedoria, que eu vou embora pra rua [...] a gente se dá com
o público assim, pra falar a Palavra de Deus, tem que ser Jesus na frente [...]. Pra
aquele que sabe ler vai ler diretamente e tal. [...] Tem gente que tem aquela
sabedoria, sabe ler o livro [da Bíblia] e fica com aquela coisa [...], aquela coisa lenta,
com aquela preguiça [...]. Comigo ia ser diferente, porque eu tenho vontade [de ler a
Bíblia]. [...] Tem pessoa que sabe ler e nem tá aí e outro já não sabe [...] fica assim
como mudo ou surdo, quer falar e não pode, não consegue só o gesto [dá risada], a
mesma coisa sou eu [...]. Eu queria tá lendo, assim, a Palavra pra passar mesmo,
assim, [...] o amor de Deus (Rebeca – Entrevista 1 – 09/10/2011).
Algo que Rebeca mencionava também é que, mesmo reconhecendo suas limitações em
relação à leitura e escrita, pessoas da vizinhança reconheciam que ela fala da Bíblia como
alguém que sabe ler. Ela explicou que isso era um cumprimento das promessas de Deus em
sua vida, que lhe dava condições de ouvir, aprender e falar da Palavra dele [de Deus].
Às vezes a menina [vizinha dela] diz assim, tu disse aí, falasse alguma coisa aí que
tá na Bíblia e tu não ler, por que tu fala assim? Porque Deus, Ele é fiel Ele é
tremendo. E Ele é um homem, que um homem [...] pra mentir, não é homem que vai
prometer a promessa e não vai cumprir, Ele vai cumprir sim (Rebeca – Entrevista 1
– 09/10/2011).
Eva e Raquel expressavam o mesmo desejo de realizar leituras pessoais e públicas da
Bíblia. Raquel, porém, não se envolvia nos encontros da igreja como Eva e nem fora da igreja
120
como Rebeca, em virtudes das suas responsabilidades em casa. Sobre a sua expectativa, ela
disse:
Ah, meu Deus! Eu abrir a Bíblia [em casa e na igreja] e ler versículos todinho que
tem na Bíblia sozinha [dá risadas] (Raquel – Entrevista 1 – 16/10/2011).
Já Ana sempre revelou o desejo de ler a Bíblia e, também, enfatizou o desejo de ler e
cantar hinos do Hinário, especialmente na igreja.
Porque eu estou estudando pra isso: pra aprender [no sentido de também
compreender] ler a Bíblia, pra aprender ler [...], cantar hino, tá entendendo? (Ana –
Entrevista 1 – 25/10/2011).
Outros tipos de leituras desejadas
Como dito anteriormente, Raquel expressou continuamente o seu desejo de ler ‘lista
de supermercado’, como o fez até ao final do PBA.
Eu quero aprender [a ler] só para ir ao supermercado e ler lista de supermercado e
ler a Bíblia, minha fia [falando com Maria José] (Raquel - Aula 31 – 23/05/12).
Raquel é a única das mulheres que realizava compras para o mês inteiro, juntamente
com o seu filho. Ela ditava os produtos para alguém que os escrevia, mas Raquel não
conseguia ler a lista no supermercado, precisando sempre da ajuda de alguém.
Ana expressou enfaticamente o desejo de ler, além da Bíblia, também o Hinário
utilizado em sua igreja. Desde o início das aulas Ana demonstrou o seu interesse em cantar.
Eu vou aprender, sim, a ler, para cantar hino na igreja (Ana – Aula 1 – 11/10/2011).
Apesar de tanta expectativa, Ana, além da dificuldade de ler e cantar os hinos cantados
pela sua igreja, não levava o seu hinário para os encontros da sua igreja, pois não via sentido
nisto, o que sempre a fazia chorar.
Eu não levo [...] o hinário para igreja. Se não sei ler, para que levar[ameaça chorar,
mas se segura] (Aluna Ana – Aula 1 – 11/10/2011).
121
Para Ana, cantar hinos era tão crucial, que havia um sentimento de urgência em
“aprender” que a levava, inclusive, a incentivar a sala, algumas vezes.
Vamos logo, temos que aprender em 8 meses. Não é possível que a gente não
aprenda! [...] Quero na nossa despedida cantar um hino da harpa (Ana - Aula 2 –
18/10/2011).
Esse desejo não será concretizado, pois na despedida ela ainda não se sentia segura e,
além disso, se sentia um pouco constrangida, e terminou não cantando.
Em voz alta e para toda a classe, Ana disse que a sua igreja não sabia que ela estava
estudando, pois queria fazer uma surpresa à mesma. E a surpresa incluía ela cantar um hino
nos cultos, diante de todos:
ninguém na igreja sabe que estou estudando. Vou fazer uma surpresa. Eu vou
aprender a ler para cantar hino na igreja. Mas enquanto não sei ler eu vou levar a
harpa para quê? Já tenho dois anos [na igreja] estudando e não aprendi o que queria.
Tem gente que decora, mas eu não [...] (Ana - Aula 1 – 11/10/2011).
Sara, além da leitura da Bíblia, gostaria de ler tudo com que ela tivesse contato:
Eu gostaria de ler [pausa] queria ler tudo. O que tava assim na minha frente eu
queria ler. E como eu já falei, a Bíblia também. (Sara – Entrevista 1 – 14/06/2011).
Esse também era um desejo que estava implícito no desejo das outras mulheres, mas
não com tanta ênfase como em Sara.
3.4.1.2 O que gostariam de escrever
Sobre o que gostariam de escrever, o quadro abaixo resume as expectativas das
mulheres.
Quadro 13: O que as mulheres gostariam de escrever
MULHERES CATEGORIA
Rebeca e Rute Carta
Eva Carta e cartão (de Natal)
Sara Carta, ensinar as tarefas dos meninos, tudo.
Raquel Tudo, como um cartão (de Natal)
Ana O que der vontade de fazer, especialmente um bilhete
122
Em relação ao que mais queriam escrever, as mulheres, conforme quadro acima, em
sua maioria, destacou o gênero “carta”, e dentre esse grupo, uma delas queria também
escrever um cartão de Natal e outra queria, além de escrever carta, ajudar os seus filhos em
suas tarefas escolares, naquilo que exigisse a escrita. Essa última também disse que desejava
escrever tudo, como o faziam outras duas. Nos demais grupos, uma delas mencionou só o
gênero “cartão de Natal” e a outra um “bilhete”.
A escrita de carta
Nos relatos das mulheres perceberam-se os motivos principais porque queriam praticar
a escrita, os quais tinham relação com sentimentos pessoais e práticas relacionadas à sua
atividade profissional.
Três das mulheres ao quererem escrever carta, expressavam sentimentos associados a
pessoas amigas ou da própria família. Como é o caso de Eva, Rebeca e Rute.
Porque eu gostaria de escrever pra mandar carta assim pra pessoas que amo, feito
Dete mesmo [...] e Everaldo [casal da igreja que se mudou para outro Estado] (Eva –
Entrevista 1 – 12/05/2011).
Escreve carta mesmo assim [...], pra família, né? [...]. Muita coisa, né?(Rebeca –
Entrevista 1 – 09/10/2011).
Porque às vezes a gente quer se comunicar com a família, aí pra tá pedindo os outros
eu acho chato. Então, já que eu não, não, sei fazer, também eu vou pedir a ninguém
pra fazer (Rute – Entrevista 1 – 08/11/2011).
Queriam mesmo uma autonomia na escrita. Quando isso não era possível preferiam às
vazes ficar sem se comunicar com aquela pessoa da família.
Outros tipos de escrita
Além de escrever cartas, Raquel e Ana destacaram outro gênero, a escrita de cartões,
com os de Natal:
quando eu quiser fazer assim, na semana de Natal, fazer um cartãozinho, mandar um
cartãozinho, assim, pá irmã, assim. Vou mandar um cartãozinho de Natal pra minha
irmã, aí eu mesmo escrever, assim, as palavras, não era? Do jeito que eu queria, não
era? E não pedir a ninguém, né, irmão? Aí como não sei ler, aí eu não compro o
123
cartão [...] quando eu ver ela, aí eu dou um abraço de amor, né irmão? [mais risadas]
(Raquel – Entrevista 1 – 16/10/2011).
cartão, assim, quando é Natal. A gente quer mandar um cartão pra pessoa que a
gente ama tanto. Aí a gente bota uma mensagem, no cartão (Ana – Entrevista 1 –
12/05/2011).
Essas expressões de sentimentos estavam associadas à escrita de alguns gêneros
literários que elas desejavam dominar, para se envolverem em práticas relacionadas a
atividades domésticas, como afirmou Sara, que desejava ajudar seus filhos nas tarefas de casa,
e Ana, que gostaria de escrever um bilhete para quem ela lavava roupa, solicitando aumento
do valor da lavagem de roupa:
[pausa] Que eu gostaria de escrever era [...] sair escrevendo, escrever carta, sair
escrevendo, ensinar as tarefas dos meninos [...] e escrever tudo (Sara – Entrevista 1
– 14/06/2011).
às vezes a gente, veja, eu sou uma pessoa, assim, tímida de outro jeito. Às vezes eu
lavo uma roupa de ganho, eu lavo. Aí eu vou lavando aquela roupa, tô vendo que tô
tendo prejuízo. Eu não quero chegar e cobrar aquela pessoa. Eu queria fazer um
bilhete, dizendo que a roupa não estava dando certo, porque eu queria que me
aumentasse que eu não queria receber aquele ordenado, queria que aumentasse,
queria que pagasse tanto, tá entendendo? Eu queria fazer isso e botar ele dentro da
trouxinha, entendeu? (Ana – Entrevista 1 – 25/10/2011).
3.4.2. Por que as mulheres voltaram à escola?
Finalmente, as mulheres disseram o porquê de terem iniciado ou retornado à escola, o
que se confunde com as expectativas do tópico anterior, quanto ao desejo de ler e escrever.
Ler era o motivo principal enfatizado por todas as mulheres. Seja “ler tudo” (Sara) ou
“ler bem muito” (Raquel) ou “ler mais coisa também” (Rebeca), indicando que alguma coisa
ela já consegue ler ou “só [...] mesmo aprender a ler” (Rute), como motivo exclusivo de voltar
a estudar.
Essa ênfase de Rute na exclusividade da leitura tinha relação com a sua idade e,
portanto, com aspirações mais essenciais, que, para ela, era tudo:
ele [se referindo a juventude em geral] vai querer estudar, ter um estudo melhor,
fazer uma faculdade, né? E eu, que já estou com idade avançada, só quero mesmo
aprender a ler [...]. Tudo isso, só que eu quero. (Rute – Entrevista 16 – 08/11/2011).
124
O desejo de ler das mulheres, no entanto, estava estritamente associado a “ler a Bíblia”
ou “ler [...] as Palavras de Deus” (Raquel) ou “aprender a ler versículo na Bíblia” (Ana), sem
o qual tudo o mais é secundário. Eva, mesmo após o término do PBA, relembrou o motivo
principal que a havia feito retornar à escola, que ainda não se concretizou:
foi pra ler [dá uma risada], tudo o que eu quero é ler a Bíblia. Tudo, sempre no
começo eu só queria aprender pra ler a Bíblia. A primeira coisa que eu queria fazer é
ler a Bíblia (Eva – Entrevista 33 – 05/06/2012).
Eva acreditava que, iniciando seus estudos e aprendendo a ler a Bíblia, ela alcançaria
“sabedoria” e “inteligência”, que se concretizaria com o ato de ler. É o que Eva reafirmou
após a conclusão do PBA:
Esse ato de ler, almejado pelas mulheres, ao ingressarem na escola, apontava, na
verdade, para a ampliação de outras práticas em espaços diversos. Uma prática destacada por
uma delas era simplesmente a leitura de “algumas palavras”, por exemplo, num “livro”
(Rute). Outra era “cantar o hino” (Raquel) ou, além de cantar um hino, “cantar na frente como
os outros canta [m] [na igreja], que eu não sei” (Ana), ou, ainda, como falou Raquel que
queria ler para “quando for fazer compra não perguntar a ninguém” e, por fim, porque “quer
viajar, quer saber o endereço”, ou seja, fazer isso sozinha (Ana).
Outro motivo, de caráter secundário, que motivou o retorno ou início dos estudos foi o
“escrever”, seja carta ou o nome, conforme já mencionado no tópico anterior desse mesmo
capítulo.
Sara enfatizou que já tinha uma prática em relação à escrita, que era a de escrever
“palavras fácil”, mas ela queria avançar nessa prática.
É. Meu sonho [...] É ler, escrever, que também, escrever também eu não sei essas
coisas todas não, só se for as palavrinhas fácil (Sara – Entrevista 31 – 03/10/2012).
Extrato da 47a entrevista com a aluna Eva: por que voltou a estudar? - 01/10/2012.
Pesquisador: A senhora acha que a leitura da Bíblia vai trazer o quê para a senhora?
Aluna: Oxente! Tudo de bom: sabedoria, inteligência (risada). Fazer com que eu entenda o que (...) significa
a Bíblia cada dia mais.
Pesquisador: Mas sabedoria e inteligência a senhora (...) tem.
Aluna: Eu tenho, mas, tenho, mas eu não tenho tanto como eu, não sei saber ler. (...) Se eu soubesse ler era,
era outra coisa.
125
Pelo que foi dito até aqui, as mulheres vieram de famílias do interior, de pais ligados à
agricultura e analfabetos. Elas tiveram uma vida escolar fora da relação idade - série e
assistemática e começaram os estudos, propriamente dito, na idade adulta ou idosa. Quanto ao
fato de serem analfabetas ou não, após o término das aulas, as mulheres figuraram em dois
grupos: as que não se achavam analfabetas e as que ainda se consideravam analfabetas.
Três das mulheres, Rebeca, Raquel e Ana (as duas primeiras menos avançadas e a
última a mais avançada), em termos de leitura e escrita, permaneceram com a opinião de que
não eram analfabetas e os motivos que usaram têm relação com o fato delas escreverem o seu
nome, conhecerem e lerem as letras do alfabeto e/ou saberem ler alguma coisa.
As outras três mulheres, Eva, Rute e Sara, concluíram o ano escolar se considerando
analfabetas, por motivos que se relacionavam ao fato de não saberem ler (ler tudo, como
nomes grandes, e corretamente) e, também, escrever.
As mulheres, em sua maioria, apresentavam uma prática semelhante a respeito da
leitura, antes de ingressarem na escola. Essa prática envolvia a leitura de letras do alfabeto, do
seu nome e palavras já conhecidas por elas, que estavam ligadas a eventos nos quais elas se
envolviam em espaços como a igreja e no uso de transporte público. Somente duas delas, Sara
e Ana, liam palavras novas, pequenas ou fáceis como diziam, que surgiam nos eventos nos
quais participavam ou em casa mesmo.
Quanto ao que elas escreviam, a maioria delas só sabia “fazer” o nome e mesmo assim
sem segurança, faltando letras ou incompleto. Elas conseguiram escrever o próprio nome
utilizando estratégias no espaço da própria casa. Uma delas (Sara) escrevia, além do nome,
palavras consideradas por elas fáceis, ou seja, as que possuíam duas sílabas.
Antes de entrar na escola, as mulheres tinham como expectativa o ato de ler. Mas a
motivação principal era a leitura da Bíblia. Quanto ao escrever, a escrita de carta figura como
a principal expectativa das mulheres. Elas mostraram, dessa forma, consciência quanto as suas
necessidades de aprender a ler e a escrever, para atender às necessidades do cotidiano delas.
O retorno à escola surgiu para concretizar esses desejos de leitura e escrita, mas no
centro das suas expectativas estava mesmo a leitura da Bíblia, como algo que dava sentido à
própria vida delas.
Esse ingresso na escola era algo tão significativo que se tornou um lugar prazeroso e
Eva chegou a orar a Deus para nela estar:
[...] eu tô gostando de ir pá escola [...], assim [...], todo dia, assim, que eu tô indo pra
a escola eu gosto [...] chega fico pedindo a Deus a hora que chegue, da hora do
colégio pra mim ir (Aluna Eva – Entrevista 5 – 15/12/2011).
126
Era pela instituição escolar que as mulheres pretendiam concretizar as suas
expectativas de leitura e escrita, mais do que isso, as expectativas que davam sentido as suas
próprias vidas. Mas, como se verá no próximo capítulo, essas expectativas não foram
atendidas.
Garcia (2006), em sua pesquisa sobre expectativas que levam jovens e adultos em
processo de alfabetização e escolarização a iniciarem seus estudos ou retornarem à escola,
afirma que “o adulto não retorna à escola com a intenção de recuperar um tempo perdido ou
para aprender algo que não aprendeu quando criança. O que ele busca é um aprendizado para
as suas necessidades atuais” (ibid., p.69). Ela conclui baseada nas expectativas colhidas em
sua pesquisa, que “as expectativas dos alunos [...] em relação ao processo de alfabetização
vêm, algumas vezes, desmitificar aquilo que muitas vezes julgávamos ser o mais relevante
para eles” (ibid., p.90-91).
Já no referencial teórico, teve-se a oportunidade de apresentar algumas expectativas de
jovens e adultos ao iniciarem o processo de alfabetização ou voltarem a este processo,
elencadas pela própria Garcia, autora mencionada acima. Mas, no caso desta pesquisa, não
houve nenhuma correspondência com os resultados de Garcia, pois as mulheres expressaram
desejos muito pessoais e ligados a práticas e eventos nos quais já se envolviam antes do
egresso na escola.
127
CAPÍTULO 4: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES
ANALFABETAS NO ESPAÇO ESCOLAR: O QUE ELAS SABIAM? O QUE
APRENDERAM?
Neste capítulo procurou-se mostrar e analisar algumas das práticas de leitura e escrita
vivenciadas pelas alunas na escola. Antes, porém, se apresentará o perfil de entrada dessas
alunas quanto aos conhecimentos que tinham sobre a leitura e escrita no início da experiência
escolar (embora não percebessem e/ou reconhecessem isso). Para tanto, recorreu-se aos
protocolos de escrita e às falas dessas mulheres no momento em que tentavam escrever ou ler
as palavras escritas. Depois disso, se destacará as práticas pedagógicas da professora, para se
perceber com mais clareza as atividades de leitura e escrita vivenciadas pelas alunas no
ambiente escolar. Por fim, se analisará também o perfil de saída dessas mulheres em relação à
escrita e à leitura, ou seja, o que elas efetivamente aprenderam no período escolar. Feito isso,
se discutirá, utilizando as falas das alunas, se suas expectativas foram ou não atendidas.
4.1 O perfil de entrada das mulheres em relação à escrita alfabética
De acordo com as fases da escrita propostas por Ferreiro e Teberosky (1988), pode-se
dizer que todas as mulheres da pesquisa estavam na fase alfabética ou silábico-alfabética,
antes de entrarem na escola, apresentando, no entanto, diferenças nas escritas. A seguir, se
comentará as atividades de cada uma delas e, para isso, se mostrará, inicialmente, a atividade
de escrita de palavras realizadas por elas.
128
4.1.1 Eva
Figura 1 - Diagnose inicial da aluna Eva (nível
silábico - alfabético)
Eva, ao escrever as palavras, conseguia escrever algumas correspondências silábicas
convencionais, mas fazia muitas trocas, omissão e/ou acréscimo de letras. Pode-se dizer que
ela se encontrava na hipótese silábico-alfabética de escrita.
Ao escrever a palavra PÃO, por exemplo, ela colocou o ‘P’ inicial e o ‘O’ final, mas
não conseguiu grafar corretamente o som do ‘A’ nasalisado. Na palavra SAPOTI, ela trocou o
‘S’ inicial pelo ‘C’ e escreveu a segunda sílaba transcrevendo a forma como ela é falada na
palavra (com som de ‘U’). Ao escrever a palavra CAJU, Eva disse que tinha um ‘C’ e um ‘K’,
e por isso não escreveu o ‘A’ da primeira sílaba. Vejamos o que ela comentou ao escrever
essa palavra:
Extrato da 3a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita da palavra ‘caju’-13/10/2011.
Pesquisador: Qual é essa próxima [palavra]?
Aluna: ‘Caju’ [dá uma risada de leve]. Um ‘c’ e um ‘k’. Fazer um ‘k’? [começa a rir]. Meu ‘k’ é muito
[pausa]. ‘Cá’, ‘gê’, ‘u’, ‘gê’ e um ‘u’, ‘ca-ju’.
Pesquisador: Terminou?
Aluna: ‘C’, ‘k’, ‘g’, ‘u’, ‘caju’.
Pesquisador: Caju?
Aluna: Caju.
129
Em BETERRABA, nas duas primeiras sílabas ela também omitiu as vogais, o que
pode estar relacionado com o fato do nome das letras apresentarem o som da vogal das
referidas sílabas (B e T) e acrescentou o ‘R’ no meio da última sílaba, porque foi assim que
ela leu. Na palavra CHUCHU, ela só escreveu duas letras e fez os seguintes comentários:
Percebe-se, nesse caso, que, como a palavra é formada por duas sílabas iguais, a aluna
achou desnecessário repetir a sílaba que já tinha escrito. Já ao tentar escrever GRAVIOLA,
ela comentou que essa palavra tinha a letra ‘H’, provavelmente por perceber que o som da
primeira sílaba (GRA) se parecia com o nome da referida letra. Seguem os comentários que
EVA fez quando estava escrevendo essa palavra:
Eva talvez tenha omitido o ‘A’ da primeira sílaba da palavra GRAVIOLA, por
considerar que o nome da letra ‘H’ já continha o som da vogal da referida sílaba (‘H’), como
ela também fez em ‘beterraba’.
Enfim, destaca-se que Eva, ao iniciar o Programa BA, apresentava hipótese silábico-
alfabética de escrita uma vez que, por um lado, escrevia algumas correspondências silábicas
corretamente (as mais simples), e por outro, omitia, trocava ou acrescentava letras ao escrever
partes de algumas palavras, correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente
da consoante–vogal (CV) e também apresentou ausência de nasalização. Por saber o nome das
Extrato da 3a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita da palavra ‘graviola’-13/10/2011.
Pesquisador: E a próxima [palavra]?
Aluna: ‘Jaboticaba’[...].
Pesquisador: Novamente?
Aluna: [...] Não [...] é ‘jaboticaba’, não. [...] Essa daqui é ‘graviola’, com ‘h’, né, também? ‘H’[...] deixe eu
ver, ‘h’ [...] ‘gá’[...]. Tô esquecida ‘h’ como é que faz, mas vou lembrar. ‘H’ [...] ‘graviola’ [...].
Extrato da 3a entrevista com a aluna Eva: demonstrando que faltava letra na palavra ‘chuchu’, mas não sabia
qual - 13/10/2011.
Pesquisador: Sentiu dificuldade?
Aluna: Senti [ri] dificuldade [...] pra escrever o ‘chuchu’.
Pesquisador: Por quê?
Aluna: Porque [...] só lembrei do ‘cê’ e ‘u’, ‘chuchu’.
Pesquisador: E a senhora acha que tem mais [letras]?
Aluna: Eu tô achando a palavra grande [ri].
Pesquisador: Tá achando a palavra grande?
Aluna: Sim, ‘chuchu’.
130
letras, em algumas sílabas ela apenas escreveu uma letra cujo nome correspondia ao som da
sílaba, o que indica que ela ainda não percebeu o princípio de que, no nosso sistema de
escrita, toda sílaba tem vogal.
4.1.2 Sara
Figura 2 - Diagnose inicial da aluna Sara (nível
silábico - alfabético)
Sara, na escrita das palavras, escreveu bem mais correspondências silábicas
convencionais e fez menos trocas, omissão e/ou acréscimo de letras se comparada com Eva.
Mas pode-se dizer que ela também se encontrava na hipótese silábico-alfabética de escrita.
Apesar de mostrar dúvida quanto à escrita da palavra PÃO, Eva conseguiu escrevê-la
corretamente, até porque é uma palavra estabilizada para ela, pois a decorou quando às vezes
ajudava o filho em suas “tarefas” escolares, em casa, e, também, por associar a nasalização de
‘pão’ ao próprio nome do filho. Vejamos o que ela disse sobre isso:
131
Sara grafou a palavra CHUCHU da mesma maneira que Eva, escrevendo apenas duas
letras (‘CU’), e não soube explicar o porquê disso. Possivelmente ela, como Eva, pensava
que,como a palavra era formada por duas sílabas exatamente iguais, era desnecessário repetir
na escrita a mesma sílaba. Na palavra JABUTICABA, ela trocou o ‘J’ inicial pelo ‘G’,
escrevendo a primeira sílaba da palavra com ‘GE’, talvez por notar que essa letra também
representa o som do ‘J’.
Na palavra MELANCIA, Sara escreveu a última sílaba como se a palavra fosse
nasalisada (‘ÃO’), como em ‘pão’, talvez pensando na segunda sílaba nasalisada (‘LAN’). Ela
omitiu o ‘L’, mas escreveu o ‘N’. Interessante é perceber que em GRAVIOLA ela escreveu a
letra ‘H’, como Eva o fez, provavelmente também por achar que o som da primeira sílaba
(‘GRA’) é semelhante ao nome da referida letra. Sara e Eva escreveram GRAVIOLA,
respectivamente, quase que iguais: (‘HAVIOLA’ e ‘HVIOL’), só omitindo, no caso de Eva, o
‘A’ da primeira sílaba e o ‘A’ final.
Identificou-se, assim, que Sara se encontrava na hipótese silábico-alfabética de escrita,
já que, como Eva, escrevia algumas correspondências silábicas corretamente (as mais
simples) e omitia, trocava ou acrescentava letras ao escrever partes de algumas palavras,
correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente da CV. Por saber o nome
das letras, em algumas sílabas ela apenas escreveu uma letra cujo nome correspondia ao som
da sílaba por não perceber, ainda, o princípio de que toda sílaba tem vogal.
Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre a escrita da palavra ‘pão’ - 05/10/2011.
Pesquisador: Essa primeira figura, qual é o nome? Aluna: Pão.
Pesquisador: E você escreveu aqui um [o quê?]? Aluna: Um ‘pê’, um ‘a’ e um ‘o’. E um tracinho.
Pesquisador: Que tracinho é esse? Aluna: Sei não.
Pesquisador: Sabe não?
Aluna: Sei não.
Pesquisador: [Sara já havia escrito a palavra ‘pão’] você já tinha visto essa palavra escrita em algum
outro lugar?
Aluna: Já.
Pesquisador: Já?
Aluna: Já.
Pesquisador: E aí você decorou a [...] palavra?
Aluna: Decorei.
Pesquisador: [...] Onde é que você vê normalmente essa palavra?
Aluna: Ah, pastor! Em alguma coisa. Nas tarefas dos meninos.
Pesquisador: [...] E esse som ‘ão’ de ‘pão’, você lembra-se de outras palavras, que tenham esse som
[...]?
Aluna: ‘Pão’, tem ‘João’, que é mais fácil e que é o nome de meu filho, que eu olho na tarefa dele e vejo,
né? Que o nome dele é ‘João’.
Pesquisador: Tem alguma coisa a ver você saber o nome de seu filho ‘João’ e [...] assim escrever ‘pão’?
Aluna: [...] As letras, assim, são parecidas e eu já vou [...] fico lembrando [...] [de] ‘pão’, ‘João’.
Pesquisador: [...] Então você se lembrou de ‘João’?
Aluna: É, de ‘João’.
132
4.1.3 Rebeca
Figura 3 - Diagnose inicial da aluna Rebeca
(nível silábico - alfabético)
Rebeca fez correspondências silábicas convencionais muito mais que Eva e Sara, mas,
como estas, também ela fez muitas trocas, omissão e/ou acréscimo de letras. Ela, de igual
modo, como Eva e Sara, se encontrava na hipótese silábico-alfabética de escrita.
Rebeca começou a diagnose fazendo a sua primeira troca na palavra PÃO, no
momento em que trocou o ‘P’ inicial pelo ‘D’, mas não fez isso em SAPOTI. O trecho a
seguir mostra a sua dúvida quanto à nasalização da palavra ‘pão’, que marcou corretamente,
mas ela não se conformava:
133
Eva também trocou a letra ‘B’ pelo ‘D’ ao escrever as palavras BETERRABA,
ABACAXI E JABUTICABA. Os comentários que Rebeca fez ao escrever a palavra
‘jabuticaba’ foram os seguintes:
Extrato da 2a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita da palavra ‘jabuticaba’-05/11/2011.
Pesquisador: [...] Que figura é essa? [...]
Aluna: ‘Jabuticaba’ [começa a rir]. Tô pegada com azeitona viu? [pesquisador também ri]. ‘Jabuticaba’.
‘Já’ um ‘gê’, ‘gê’. [pausa] Deixa ver, meu Deus! Olhe, um ‘gê’ [...]. [soletrando algumas letrinhas baixinho]
Deixe eu ver se eu me lembro viu, pastor? [pausa silenciosa] Um ‘gê’, ‘ja', um ‘gê’ ‘ja', um ‘ja' [...] ‘S’ ‘a’
[pausa silenciosa] ‘s’ ‘ja’ ‘ja’ ‘ja’ ‘ja’ ‘gê’ Não, não é ‘s’, é com ‘gê’, né? Eita meu Deus! Eita, pastor, pere
aí!
[...].
Pesquisador: Isso é o quê [apontando para a letra ‘j’]?
Aluna: ‘Jota’? ‘Jota não pode ser. ‘Ja’ ‘gê’ ‘a’.
Pesquisador: Por que não pode ser? Por que a senhora acha que não pode ser o ‘j’? No início a
senhora disse que era um ‘gê’, agora a senhora escreveu ‘jota’ e disse que não pode ser um ‘jota’. Por
quê?
Aluna: ‘Jabuticaba’, eu acho que pode.
Pesquisador: Pode?
Aluna: Um ‘gê’ com ‘a’ ‘ja’, um ‘gê’, acho que é ‘gê’ [começa a rir]. Pere aí, pastor, tem que dá certo,
porque senão não sai né? [soletra baixinho as letras] ‘ja’ ‘bu’, um ‘b’ com ‘u’, ‘ja’ ‘bu’ ‘ti’ ‘ti’ ‘ca’ ‘bra’.
Jesus!
Pesquisador: [...] Vamos ver como é que ficou então? A primeira letrinha?
Aluna: Um ‘gê’.
Pesquisador: A segunda?
Aluna: ‘A’.
Pesquisador: A terceira?
Aluna: ‘D’.
Pesquisador: ‘Dê’ ou ‘bê’?
Aluna: ‘Bê’ [mas escreve ‘d’].
[...].
Pesquisador: E essa?
Aluna: ‘B’ com ‘u’, ‘t’, ‘i’ ‘t’ ‘i’, ah, meu Deus amado, me ajude! [suspirando]. Um ‘g’ com ‘a’ ‘ja’ ‘b ‘u’
‘jabu’, ‘bê’ ‘u’[volta a escrever o ‘u depois do ‘d’, que ela chama de ‘b’] ‘cá’.
Pesquisador: [Termina escrevendo ‘jadutica’].
Extrato da 2a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita da palavra ‘pão’ - 05/11/2011.
[Após escrever outras palavras, retorna à escrita da palavra pão].
Pesquisador: A senhora, então, está preocupada com o pão [...]?
Aluna:Esse negócio do pão tem alguma coisa aí [começa a rir juntamente com o pesquisador].
Pesquisador: [...] Tem letra de mais ou está faltando letra [...] ou as letras não estão corretas?
Aluna:[...] O pão tem [...] um som [...]. Eu creio assim que ele tem um [...] pra ser pão tem um [...] tem
algum [...] traço, assim, alguma coisa que eu já percebi, né?
Pesquisador: Ah! A senhora acha que tem algum traço faltando?
Aluna:É, pra fazer ‘pão’, ‘pão’. É como a professora ensinou à gente, ela diz uma coisa à gente, que a gente
pensa que está falando certo e ela vai bem no som, bem longe, assim, vai arrastando, não é? [...] E aí a gente
se perde. Por isso que eu não aprendi ainda, por causa do som. Tem um som que ela leva [nesse momento a
aluna eleva as mãos para cima e faz um som] e a gente fica enganchando, feito um ralo na cenoura.
Pesquisador: Então a senhora acha que é o som?
Aluna:É.
[Termina escrevendo ‘dão’].
134
Algo que ficou claro na fala da aluna, mas imperceptível na escrita, é que ela, apesar
de escrever ‘jabuticaba’ com ‘J’, diz que a primeira letra dessa palavra é mesmo o ‘G’. Na
segunda sílaba, ela diz que é ‘B’ e ‘U’, mas grafa a letra ‘D’. Assim, percebe-se que ela
realmente confunde algumas letras que possuem sons iguais ou parecidos. Ela também trocou,
por exemplo, o ‘C’ pelo ‘S’ na primeira sílaba da palavra CENOURA, o que é comum nessa
fase em que ela se encontrava.
As palavras CHUCHU e GRAVIOLA merecem destaque, especialmente porque são
escritas diferentemente da escrita de Eva e Sara. Enquanto estas duas alunas escreveram
‘chuchu’ somente com uma sílaba, Rebeca escreveu com duas sílabas iguais (‘CUCU’),
escritas na estrutura CV, omitindo o ‘H’. Ela parece desconhecer estruturas silábicas
diferentes das formadas por consoante e vogal (CV) ou só por vogal (V). Na escrita da palavra
GRAVIOLA, ela omitiu, por exemplo, o ‘G’, escrevendo, para a primeira sílaba, as letras ‘R’
e ‘A’.
Enfim, pode-se relacionar Rebeca também com a hipótese silábico-alfabética de
escrita, uma vez que, por um lado, escrevia algumas correspondências silábicas corretamente
(as mais simples), e, por outro, omitia e trocava letras ao escrever partes de algumas palavras,
correspondentes principalmente a sílabas com estruturas diferentes da CV.
135
4.1.4 Raquel
Figura 4 - Diagnose inicial da aluna Raquel (nível
silábico - alfabético)
Raquel, na escrita das palavras, fez poucas correspondências silábicas convencionais,
realizando omissões, trocas e algumas inversões de letras ao marcar as sílabas das palavras.
Pode-se dizer que ela se encontra na hipótese silábico-alfabética de escrita, marcando,
diferentemente das outras alunas, muito mais sílabas com apenas uma letra.
Ao escrever a palavra PÃO, ela grafou o ‘P’ inicial de forma espelhada. Ela, como
pode ser visto no extrato a seguir, teve dificuldades de marcar essa letra, pois não se lembrava
como ela era:
Extrato da 3a entrevista com a aluna Raquel: que não conhecia a letra ‘p’ na palavra ‘pão’-20/10/2011.
Pesquisador: Como é que a senhora escreveria?
Aluna: E eu sei? Mostre um ‘p’ aqui a mim [olhando para o cabeçalho da diagnose]. Ah, meu filho, é muita
dificuldade pra minha cabeça, sei não. Um ‘p’, como é que faz um ‘p’? Um ‘p’, cadê? Sei não. Mostre um
‘p’ a mim, me ajude, porque não sei fazer não [o pesquisador ri com a maneira de Raquel falar]. Pensa que
eu estou brincando é [brincando e quase rindo]
Pesquisador: [Espera Raquel começar].
Aluna: Esse aqui é um ‘p’, não é? [apontando com o lápis para a palavra ‘PROJETO’, no cabeçalho da
diagnose].
Pesquisador: Esse aqui é um ‘p’?
Aluna: Meu Deus! Deveria me dizer [...]. [...] Que ‘p’ bonito!
Pesquisador: Na palavra pão...
Aluna: Aqui tá errado, irmão [se referindo à escrita da letra ‘p’, que estava escrito ao contrário].
136
Raquel, ao tentar escrever as palavras, as pronunciava oralmente e ia dizendo algumas
letras que percebia que elas tinham. Ao escrever CENOURA, por exemplo, ela identificou
que essa palavra começava com ‘C’ e disse que tinha um ‘N’ e o ‘A’, como pode ser
observado no extrato a seguir:
Nas palavras CAJU e JABUTICABA, Raquel realizou a mesma troca de letras, a
saber, o ‘J’ pelo ‘G’, provavelmente por conta da similaridade do som dessas duas letras.
Apesar de escrever a letra ‘C’ no início da palavra CAJU, quando a estava escrevendo disse
que caju começava com ‘Q’, como pode ser visto a seguir:
Extrato da 3a entrevista com a aluna Raquel: sobre a escrita da palavra ‘cenoura’-20/10/2011.
Pesquisador: E essa segunda figura?
Aluna: ‘Cenoura’[...].
[...] Pesquisador: Quais letrinhas a senhora acha que tem?
Aluna: Um ‘c’ [...].
[...] Pesquisador: Não posso dizer [rindo].
Aluna: Tá vendo que ele não quer dizer [pesquisador ri]. Pesquisador: A senhora acha que tem ‘c’?
Aluna: Não sei, sei não, irmão. Pesquisador: Vá colocando o que a senhora realmente acha [...].
Aluna: Meu Deus! [pausa silenciosa]. É um ‘c’ é, pastor?[...]. [...] Pesquisador: A senhora disse que acha que cenoura começa com ‘c’ [...].
Aluna: Mas não é. Pesquisador: Mesmo assim...
Aluna: Misericórdia. [...] Deveria me ajudar, né? Porque eu sei que não é um ‘c’, ‘cenoura’. Pesquisador: O que mais a senhora acha que tem?
Aluna: Sei não. Minha mente está muito apagada [...]. [...] Pesquisador: Como assim apagada?
Aluna: [...] Sei não, não consigo não. Pesquisador: [...] Que outra letrinha a senhora acha que tem cenoura?
Aluna: Um ‘n’, tem um ‘n’ e ‘n’? Pesquisador: Vá anotando!
Aluna: O irmão está me enganando [brincando]. Pesquisador: [...] Que mais [rindo]?
Aluna: Será que tem um ‘a’, meu Deus! Pesquisador: Vá ‘botando’.
Aluna: Depois eu vou apagar tudinho [rindo]!
137
Em SAPOTI, escreveu as duas primeiras sílabas marcando apenas uma letra, como o
fez também em outras palavras, o que a aproxima da escrita silábica. Na palavra CHUCHU,
ela só escreveu duas letras, como Eva e Sara, provavelmente também por achar desnecessário
repetir a mesma sílaba. Diferentemente das duas alunas mencionadas, não escreveu o ‘C’, mas
um ‘X’, e mesmo assim, após o ‘U’ e em forma de uma cruz, fazendo o seguinte comentário:
Na palavra GRAVIOLA ela substitui a primeira sílaba (‘GRA’) por ‘H’, como o
fizeram Eva e Sara, provavelmente por perceber, como as outras, que o som da primeira
sílaba se parece com o nome da referida letra.
Enfim, pode-se dizer que Raquel, então, apresentava a hipótese silábico-alfabética de
escrita, uma vez que escrevia poucas correspondências silábicas corretamente (as mais
simples), e omitia, trocava ou invertia letras ao escrever partes de algumas palavras,
correspondentes principalmente a sílabas com estruturas diferentes da CV. Por saber o nome
das letras, em algumas sílabas ela apenas escreveu uma letra cujo nome correspondia ao som
da sílaba por não perceber ainda o princípio de que toda sílaba tem vogal.
Extrato da 3a entrevista com a aluna Raquel: sobre a escrita da palavra ‘caju’-20/10/2011.
Pesquisador: Essa próxima [figura]?
Aluna: ‘Caju’.
Pesquisador: [...] Como se escreve [...]?
Aluna: ‘Caju’ é um ‘q’, cadê o ‘q’? O ‘q’ é isso aqui, é?
Pesquisador: A senhora se lembra do ‘q’?
Aluna: Não sei se é esse não!
[...].
Pesquisador: [...] A senhora colocando, eu sei a letrinha. Então a senhora acha que começa com o ‘q’
[...]?
Aluna: ‘Caju’? ‘ca - ju’ [soletrando], ‘ca - ju’ [começa a rir].
[...]
Extrato da 3a entrevista com a aluna Raquel: sobre o formato da letra ‘x’ - 20/10/2011.
Pesquisador: E a quarta figura?
Aluna: ‘Chuchu’ [...].
Pesquisador: A senhora imagina o quê [...]?
Aluna: Um ‘x’.
Pesquisador: Vá fazendo, não tem problema [...]!
Aluna: Mas tá errado [...]. Eu fiz foi uma cruz.
Pesquisador: Tem problema não, eu entendo [rindo].
Aluna: [...] Eu fiz a cruz da Igreja Católica [rindo com o pesquisador].
138
4.1.5 Rute
Figura 5 - Diagnose inicial da aluna Rute (nível
silábico - alfabético)
Rute começou a sua diagnose escrevendo a palavra PÃO. Na primeira tentativa ela
escreveu as letras ‘P’, ‘A’ e ‘U’, mas demonstrava dúvidas por causa da nasalização. Então,
ao retomar a palavra, ela apagou tudo, pois não sabia como marcar o som nasal, e escreveu
‘N’, ‘A’ e ‘U’. Esse procedimento pode ser observado no extrato a seguir, que mostra os
comentários que Rute fez ao tentar escrever essa palavra:
139
Na escrita da palavra SAPOTI, ela trocou o ‘S’ inicial pelo ‘C’, escreveu o ‘O’ para a
sílaba ‘PO’ e, na última sílaba, inverteu as letras, escrevendo ‘IT’. Eis abaixo os comentários
que ela fez ao escrever essa palavra:
Extrato da 3a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘pão’ - 10/11/2011.
Pesquisador: [Inicia a escrita da palavra ‘pão’].
Aluna: ‘Pão’
Pesquisador: A senhora está em dúvida?
Aluna: Tô em dúvida com as letras. Começa com ‘t’? ‘T’, não é ‘t’, ‘a’, é um ‘p’, né? ‘Pã’ ‘u’.
Pesquisador: [...] A senhora está em dúvida?
Aluna: Tô em dúvida.
Pesquisador: Entre o ‘p’ e o ‘t’ [...]?
Aluna: ‘Pã’ ‘u’ [pausa silenciosa]. [...] Vou deixar para depois [...].
[...].
Pesquisador: [Risadas]. A senhora [não] sabe escrever pão?
Aluna: [...] ‘Pã’ ‘o’ [pausa silenciosa]. Ah, meu Pai! [Pausa mais longa e silenciosa], ‘a’, é um ‘p’ ou ‘a’ sei
lá. ‘Pã’ ‘u’ [pausa rápida e falando baixo]. Tô sem memória hoje.
[...].
Pesquisador: [Ri] A senhora sabia escrever pão [...]?
Aluna: Eu fiz tanto ditado com tanta coisa, agora não sei mais de nada, deixei pra lá, esqueci foi tudo. Pão
não é uma palavra muito grande, não é? [...] ‘Pã’ ‘u’, tem um ‘u’ [pausa rápida e silenciosa] ‘pã’ ‘u’, esse
‘pã’ é que me encabula [pausa rápida e silenciosa] vê se dá certo assim ‘pê’ ‘a’, ‘pa’ ‘u’ [pausa rápida e
silenciosa].
Pesquisador: [...] Que letrinha é essa de pão, essa primeira letra?
Aluna: ‘T’.
Pesquisador: É um ‘t’?
Aluna: É.
Pesquisador: A segunda?
Aluna: ‘A’ ‘u’ [...].
Pesquisador: [...] A senhora acha [...] que está faltando mais letra [...]?
Aluna: [...] Eu acho que sim [pausa rápida silenciosa] ‘pã’ ‘u’, não sei se começa com ‘t’ ou com ‘c’, eu não
sei.
[Após escrever algumas palavras, Rute volta à palavra ‘pão’].
Aluna: ‘Pão’ está errado, ‘pã’ ‘o’.
Pesquisador: [...] Acha que está errado pão?
Aluna: ‘Pã’, pão é com ‘p’, termina a noite e eu não terminei.
Pesquisador: Que é isso!
Aluna: ‘Pão’ não é com ‘p’, ‘pã’ é o ‘n’ não é? [Falando bem baixinho].
Pesquisador: Então a senhora está apagando tudo, não é? [Começa a apagar as letras que ela escreveu
da palavra ‘pão’].
Aluna: Apagando tudinho [pausa rápida e falando bem baixinho]. ‘Pã’ ‘u’, ‘pão’, tá tudo errado, ‘pã’ ‘u’[...],
sei não.
Pesquisador: [...] Que letrinha é essa [para a primeira letra que Rute escreveu para a palavra ‘pão’]?
Aluna: ‘N’ ‘a’ ‘u’
140
Em CHUCHU, Rute expressa, na escrita, muitas dúvidas e dificuldades, “muito difícil
de fazer”, que a deixava “encabulada” e “atrapalhada” e a chama de “ruim”, “nome chato”,
apesar de ser um “nome pequenininho”. Como Rebeca, escreveu duas sílabas repetidas, mas
as grafou com as letras ‘X’ e ‘U’, o que é normal considerando que o primeiro fonema das
sílabas pode também ser representado por essa letra. Rute escreveu a palavra marcando a
sequência de sons dela e comentou que tinha dificuldades com “letras do mesmo jeito”:
Extrato da 3a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’-10/11/2011.
[Depois de algum tempo, Rute volta para ‘chuchu’].
Pesquisador: E faltou ‘chuchu’!
Aluna: ‘Chuchu’, fica ruim esse ‘chuchu’. Eu não sei nem qual é primeira letra de ‘chuchu’. É ‘chu’
[escrevendo ‘x’], ‘chuchu’ é com ‘x’, né?
[...]
Pesquisador: [...] Então escreva [ri].
Aluna: [Ri] Eu não sei nem qual é a primeira letra. ‘Chu’ é um ‘c’, ‘chu’ ‘chuchu’, que nome chato
[pesquisador ri]! ‘Chuchu’, ‘chu’ [fala baixinho algo], ‘chu’, nome pequenininho, mas chatinho, viu?
‘Chuchu’, é nas letras que eu me atrapalho [falando baixo] ‘chuchu’, sei lá!
[Antes de terminar a entrevista, Rute volta para ‘chuchu’].
Pesquisador: [Risadas] O que a senhora achou da tarefa?
Aluna: Quase não sai. Eu achei um pouco, muito pesada. Agora essa ficou em branco.
Pesquisador: ‘Chuchu’ não é?
Aluna: ‘Chuchu’ é muito difícil de fazer, eu não sei as letras dela direito não.
Pesquisador: Não sabe nenhuma?
Aluna: Eu sei que começa com ‘chu’, essa letra é que me encabula, ‘chu’ ‘chu’, duas letras do mesmo jeito.
Pesquisador: Ah, entendi!
Aluna: ‘Chu’ ‘chu’ [pausa rápida], é dois ‘u’ ‘chuchu’.
Pesquisador: Não posso dizer [risadas].
Aluna: ‘Chu’, com ‘x’ ‘u’, ‘x’, ‘chu’ [mas pensando em ‘xu’], ‘chuchu’ deve ter um ‘x’, né? Se tiver errado
[pausa rápida] ‘chu’ ‘chu’ [pausa rápida].
Pesquisador: É [...] para acompanharmos o desenvolvimento da senhora.
Aluna: ‘Chu’ ‘chu’, eu vou botar assim, se tiver errado, lá que me perdoe.Vai ficar assim mesmo. ‘Chuchu’
deve ter dois ‘x’ e dois ‘u’, ‘xu’ ‘xu’ [...].
Extrato da 3a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘sapoti’-10/11/2011.
[...]
Pesquisador: [...] Nesse momento ele vai para ‘sapoti’.
Aluna: ‘Sa', ‘sa' ‘po’, ‘sa' ‘po’ ‘ti’, será que é assim mesmo? Se tá errado vai ficar assim mesmo.
Pesquisador: [...] Qual é essa primeira letrinha de ‘sapoti’ [...]?
Aluna: ‘Sa’ é um ‘c’.
Pesquisador: É um ‘c’?
Aluna: É.
Pesquisador: Essa aqui é um ‘c’ [apontando para a primeira letra, que Rute escreveu, da palavra
‘sapoti’].
Aluna:‘C’, é [pausa rápida e silenciosa], eu digo um ‘c’, é a mesma coisa [em termos de SOM].
Pesquisador: A segunda?
Aluna:‘A’ ‘o’ ‘i’ ‘t’, ‘sa' ‘po’ ‘ti’.
[...]
141
Já ao tentar escrever GRAVIOLA, ela destacou o som ‘GRA’ e o associou com o ‘H’
e “acha muito ruim” esse som ‘GRA’. Como Rebeca, mostrou essa dificuldade por perceber
que o som da primeira sílaba (‘GRA’) se parece com o nome da referida letra.
Rute, então, apresentava hipótese silábico-alfabética de escrita. Pelos comentários que
ela fez ao escrever e ler as palavras percebe-se que ela já identificava os sons das mesmas,
mas apresentava dificuldades em grafá-los corretamente. Ela, para avançar em sua hipótese de
escrita, precisava consolidar as correspondências grafofônicas.
Extrato da 3a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘graviola’-10/11/2011.
Pesquisador: [Parte direto para ‘graviola’].
Aluna: ‘Graviola’, e eu sei lá escrever ‘graviola’.Começa com ‘h’, é? ‘A’ ‘gra’. [Pausa rápida e silenciosa],
será que é com ‘h’, meu Deus! ‘Ga’ ‘vi’ ‘o’ [pausa rápida e silenciosa]. Essas palavras assim eu acho muito
ruim [apontando com o lápis para as duas primeiras letras da palavra ‘gr’].
[...] Pesquisador: Que é [...].
Aluna: [...] ‘Ga’ [Rute volta para ‘graviola’, tentando escrever a palavra]. [Pausa] ‘Ga’ ‘vi’ [soletrando as
letrinhas da palavra ‘graviola’]. ‘Ga’ ‘gra’ ‘vi’ ‘o’ ‘la’, será que tem ‘ele’, meu Deus? [Pausa silenciosa].
Pesquisador: [...] Vamos ver, então, as letras que a senhora colocou em ‘graviola’? A primeira delas?
Aluna: ‘A’.
Pesquisador: A segunda?
Aluna: ‘H’ ‘i’ ‘o’ ‘la’, ‘ele’ ‘a’.
142
4.1.6 Ana
Ana, mais do que todas as outras mulheres, conseguiu escrever várias
correspondências silábicas convencionais, mas fez algumas trocas, omissões e pouco
acréscimo de letras. Pode-se dizer que ela se encontrava, diferentemente das demais, na
hipótese alfabética de escrita.
Ao escrever a palavra PÃO, por exemplo, ela coloca o ‘P’ inicial, mas não conseguiu
grafar corretamente o som do ‘A’ nasalisado e ao invés do ‘O’ final escreveu o ‘U’,
transcrevendo a forma como falamos a palavra. Apesar de escrever a palavra CAJU
corretamente, ela nos disse que a primeira letra da palavra era ‘K’, provavelmente se referindo
ao som que é igual ao nome dessa letra.
Figura 6 - Diagnose inicial da aluna Ana (nível
alfabético)
Extrato da 3a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘caju’-10/11/2011.
Pesquisador: [...] Parte para [...] ‘caju’.
Aluna: ‘Caju’, ‘ca’ ‘ju’ [pausa silenciosa] ‘ju’, deixe eu ver [pausa silenciosa] ‘ca’ ‘ju’ [...]
Pesquisador: Estás em dúvida?
Aluna: [...] É muito difícil [...]. [pausa silenciosa mais longa] será que está certo? [pesquisador ri]. Tá
faltando nada, alguma coisa. ‘Ca’ ‘ju’ [pausa silenciosa].
Pesquisador: A senhora terminou [...] [A escrita da palavra ‘caju’]?
Aluna: [Risos] Terminei. Não sei se está certo.
Pesquisador: [...] A primeira [letra da palavra ‘caju’] qual é?
Aluna: ‘K’
143
Ana fez, basicamente, duas trocas de letras. Na palavra CENOURA, trocou, na
primeira sílaba, o ‘C’ pelo ‘S’ e omitiu o ‘U’ na segunda sílaba e fez o mesmo em
MELANCIA, na segunda sílaba, omitindo também a letra ‘N’. Ela fez isso porque transcreveu
a forma como a letra é falada (com som de ‘S’). Um exemplo disso é a palavra CENOURA
que, mesmo ela dizendo que começa com a letra ‘C’, ainda assim, escreveu com ‘S’. Ao
terminar de escrever essa palavra, ela comentou que “pulou letras”, o que pode indicar que ela
percebe outros sons, mas não sabe grafar sílabas diferentes da estrutura CV.
Na escrita da palavra BETERRABA, Ana trocou o ‘B’ pelo ‘D’ (e omitiu um ‘R’) e
em JABUTICABA o ‘J’ pelo ‘G’. No caso da palavra ‘jabuticaba’, ela sentiu dificuldades de
escrever a palavra chamando-a de ‘esquisita’, ‘ruim’ e ‘grande’, como está claro na sua fala a
seguir:
Extrato da 2a entrevista com a aluna Ana: sobre a troca da letra ‘c’ por ‘s’ na palavra ‘cenoura’-01/12/2011.
Pesquisador: Vamos para a segunda então [no caso ‘cenoura’].
Aluna: [ofegante, pois estava se recuperando de uma crise asmática] ‘C’, ‘c’, ‘ce’ [pausa silenciosa]. Tem que
botar como eu entendi né? [o pesquisador afirma que sim] ‘C’ ‘e’ ‘ce’ [pausa silenciosa]. [...] Botei assim.
Pesquisador: [...] A primeira letrinha qual é?
Aluna: ‘S’.
Pesquisador: A segunda?
Aluna: ‘E’.
Pesquisador: A terceira?
Aluna: ‘N’ ‘o’.
Pesquisador: [...] Essa aqui?
Aluna: ‘R’ ‘a’.
Pesquisador: Vamos ler então?
Aluna: Eu botei assim ‘cenoura’.
Pesquisador: Ok!
Aluna: [risadas].
Pesquisador: Por que a senhora está rindo [ri]?
Aluna: Tá tudo errado, porque eu pulo letra.
Pesquisador: [...] Como é que a senhora sabe que está errado?
Aluna: Porque eu pulo letra.
Pesquisador: Por que a senhora pula letra?
Aluna: Sei lá, porque eu não sei. Eu botei isso assim, um ‘s’ mesmo.
144
Ana, como Rebeca e Rute, escreveu a palavra CHUCHU com duas sílabas e omitiu o
‘H’ em ambas as sílabas, provavelmente pela razão apontada anteriormente, relacionada com
a falta de conhecimento de outras estruturas silábicas. Como aconteceu com JABUTICABA,
teve muita dificuldade com a palavra ‘chuchu’ e a chamou também de ‘esquisita’, não por ser
grande, mas por outros motivos:
Extrato da 2a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘jabuticaba’-01/12/2011.
Pesquisador: A outra aqui é [se referindo à figura representando a ‘jabuticaba’]? [...].
Aluna: ‘Jabuticaba’, que nome esquisito é esse, em?
Pesquisador: Esquisito por quê?
Aluna: Porque é ruim de fazer.
Pesquisador: É ruim?
Aluna: É.
[...].
Pesquisador: Por que está rindo? [...] Como é que a senhora fez aqui? Essa aqui é o [aponta para a letra
‘g’]?
Aluna: ‘J’ ‘a’.
Pesquisador: Que letra é essa?
Aluna: ‘Jabuticaba’, ‘já’ ‘b’ ‘u’.
Pesquisador: [...] Reescreve a palavra.
Aluna: [...] ‘J’ ‘a’, ‘b’ ‘u’ ‘bu’, ‘t’ ‘i’ ‘ti’, é muito ruim esse nome, viu?
Pesquisador: ‘J’.
Aluna: ‘A’. ‘J’ ‘a’, ‘b’ ‘o’ ‘bo’. Que nome grande é esse? [pausa mais demorada].
Pesquisador: Como é que ficou?
Aluna: ‘Jabuticabra’. ‘J’ ‘já’, ‘b’ ‘o’ ‘bo’, ‘t’ ‘i’ ‘ti’, ‘c’ ‘a’ ‘ca’, ‘b’ ‘a’ ‘bra’.
Extrato da 2a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’-01/12/2011.
Pesquisador: E a próxima é chuchu.
Aluna: É com ‘c’, né? ‘Chuchu’ [risadas] ‘c’.
Pesquisador: [O lápis de Ana quebra a ponta]
Aluna: ‘Chuchu’ ‘c’ ‘u’ ‘c’ ‘u’, sei lá [falando bem baixinho]. ‘Chuchu” ‘chu’ [apagando o que ela havia
escrito]. Eu não vou saber fazer ‘chuchu’ não [...].
Pesquisador: Mas tente fazer [...]!
Aluna: [Pausa silenciosa]. ‘Chu’ ‘chuchu’ ‘chu’‘chu’ [nova pausa]. Esse nome é muito ruim, ‘chu’, é ‘c’ ‘u’.
É com ‘s’, ‘s’ ‘u’ [outra pausa], sei lá! ‘chu’‘chu’‘chu’. Eu não vou fazer esse nome não.
Pesquisador: Consegue não?
Aluna: Eu já não sei fazer [é] esquisito.
Pesquisador: [...] Mas tente! A senhora [...] escreveu o quê primeiro? Qual foi a letrinha?
Aluna: É ‘c’ ‘u’ é? Pesquisador: Não posso dizer. Mas assim, a senhora colocou ‘cu’, e a senhora está achando estranho?
Aluna: Eu acho ‘chuchu’ ‘chu’.
Pesquisador: O que a senhora está achando estranho? É o som [...]?
Aluna: Esse ‘chuchu’ é. É muito esquisito essa letra ‘chu’.
Pesquisador: Mas a senhora escreveu ‘cu’, não foi?
Aluna: Foi. [...] Nenhuma das duas [risadas].
[Terminou escrevendo ‘cu cu’].
145
Quanto à escrita da palavra GRAVIOLA, Ana e Rebeca foram às únicas alunas que
não a grafaram com ‘H’. Ana grafou a primeira sílaba da palavra com três letras, colocando o
‘R’ depois do ‘GA’. Ela, ao escrever essa palavra, comentou que a primeira sílaba tinha o ‘R’
depois do ‘G’, mas escreveu essa letra no final da sílaba, provavelmente pelo costume de
escrever na estrutura CV.
Enfim, destaca-se que Ana apresentava hipótese alfabética de escrita, uma vez que
conseguia estabelecer corretamente muitas correspondências grafofônicas nas sílabas, até nas
mais difíceis, mas ainda omitia, trocava e acrescentava letras ao escrever partes de algumas
palavras, correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente da CV.
4.2 Como as mulheres escreviam o seu próprio nome?
Das seis mulheres, metade delas – Sara, Raquel e Ana - começou os estudos sabendo
escrever o nome completo e corretamente. Sara, que fez a diagnose em 05/10/2011, conseguiu
escrever o seu nome sem maiores dificuldades, embora ela tenha escrito o seu sobrenome com
a primeira letra minúscula. De igual modo, Ana, que fez a diagnose no mês de outubro,
escreveu o seu primeiro nome com letra minúscula e se esqueceu de acentuar o segundo
sobrenome. Raquel, que fez a diagnose em 20/10/11, também escreveu o seu segundo
sobrenome sem acentuá-lo, mas, diferentemente das outras duas, escreveu o seu nome sem
nenhuma separação (segmentação entre nome e sobrenome).
Uma observação, porém, precisa ser feita. Se usarmos como referência, além da
diagnose inicial, os cadernos das mulheres, Raquel e Ana sempre escreviam o próprio nome
nas últimas linhas do caderno. Raquel, que escreveu o seu nome corretamente na diagnose,
antes disso, e mesmo depois da diagnose, escrevia, às vezes, no seu caderno, o seu nome
completo e corretamente, e outras vezes incompleto ou faltando letras. No caso de Ana, que
Extrato da 2a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘graviola’- 01/12/2011.
Pesquisador: A última [...], como é que se escreve?
Aluna: Meu Deus do céu, por que botou essa fruta esquisita?
Pesquisador: [Risadas]
Aluna: ‘Gê’ ‘a’ [pausa silenciosa] ‘gê’ ‘rê’ ‘a’ ‘gra’, ‘g’ ‘r’ ‘a’ [escreve as letras ‘i’ ‘v’ ‘i’] ‘o’ ‘lê’ ‘a’
‘graviola’ [...].
146
também escreveu o seu nome corretamente na diagnose, antes disso, e mesmo depois da
diagnose, escrevia normalmente o seu nome completo e corretamente, no seu caderno, mas
sempre sem o acento no primeiro sobrenome e mais raramente faltando letras.
A outra metade das mulheres – Eva, Rute e Rebeca - não escrevia o nome completo e
corretamente. Eva ao escrever o primeiro nome e sobrenome acrescentou uma letra em cada e
omitiu uma letra no sobrenome. Além disso, ela não segmentava as duas palavras (nome e
sobrenome), escrevendo tudo junto. Nas observações de aula, Eva demonstrou, no início do
Programa BA, na aula 11, dúvidas quanto à escrita do seu nome: “Vê se está certo o meu
nome!” [Perguntando à professora]. Mas no final, na aula 29, ela reconheceu que houve
avanços na escrita do seu nome: “Olhem como o meu nome melhorou!” [Dirigindo-se à
professora e demais colegas em voz alta].
Rute omitiu uma letra no seu primeiro nome, dando espaço entre nome e sobrenomes.
Já Rebeca, diferentemente de todas as mulheres, foi a única que não escreveu o seu nome
completo. Igualmente a Eva e a Rute, Rebeca omitiu uma letra no seu primeiro nome e uma
no seu primeiro sobrenome. Ela afirmou que só conseguia escrever o seu nome completo e
corretamente se olhasse para o seu RG.
Em síntese, pode-se dizer que os (as) alunos (as) jovens e adultos (as), quando entram
ou retornam à escola para aprender a ler ou escrever, possuem conhecimentos sobre a escrita
que revelam que não são ignorantes ou pessoas sem conhecimento algum (“tábulas rasas”),
como já observado pelo próprio Freire, ao considerar os chamados analfabetos como sujeitos
Extrato da 2a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita do seu nome - 05/11/2011.
Aluna: [inicia a escrita do seu nome]
Pesquisador: Está sentindo alguma dificuldade de escrever o seu [...] nome?
Aluna: ‘N’ ‘u’’d’ ‘a’ ‘da’ ‘da’ ‘Si’[...], um ‘d’.
Pesquisador: [...] A senhora está sentindo dificuldade em escrever o quê?
Aluna: [...] Olhe, pastor, eu sinto dificuldade em muita coisa.
Pesquisador: [ela continua tentando escrever o seu nome]
Aluna: Ninguém nasceu aprendiz, né?
Pesquisador: Com certeza.
Aluna: Eu sei que [quando] eu vou escrever meu nome em qualquer canto,eu boto a carteira na frente. Aí
meu marido diz: tu tem que tirar esse costume, tem que fazer só, pra assinar sozinha.
Pesquisador: Então quando a senhora [...] vai escrever o [seu] nome [...] utilizas o quê?
Aluna: Sempre boto a carteira de identidade na frente, pra chegar a fazer todo olhando [...].
Pesquisador: Quando a senhora olha, acerta direitinho?
Aluna: É, já me acostumei, eu tô olhando e tôbutando, aí quando eu vou sozinha, eu me perdo. [...] Às
vezes eu consigo treinar em casa, eu consigo fazer, às vezes eu não consigo fazer nada.
147
de cultura, e por outros pesquisadores como Soares, 1998; Graff, 1995, Morais e
Albuquerque, 2004, para citar alguns. Nessa perspectiva, se retornam à escola é porque
querem, e têm o direito de avançar em seus conhecimentos, e o professor deve garantir que
realmente avancem e aprendam. A seguir, se apresentará e se discutirá sobre as práticas de
ensino da leitura e da escrita vivenciadas pelas mulheres no âmbito do PBA.
4.3 As práticas de ensino da leitura e da escrita vivenciadas pelas mulheres no Programa
Brasil Alfabetizado
Para se avaliar a prática da professora Priscila se recorreu às observações feitas em sala
de aula, num total de trinta e uma (31).
4.3.1 Relacionamento com a turma, frequência e horário de início das aulas
O relacionamento da professora Priscila é anterior com pelo menos duas das mulheres,
Raquel e Ana, pois as mesmas já haviam estudado com ela, por alguns meses, em 2010. Eva
conhecia Priscila, pois praticamente elas moravam na mesma rua, mas não tinham a
aproximação que passaram a ter no momento da pesquisa. As outras três mulheres, Sara, Rute e
Rebeca, conheceram a professora na escola mesmo.
Em sala de aula, Priscila mantinha um bom relacionamento com as alunas.
O horário de chegada da professora era, em média, às 19h 15 min., ou seja, alguns
minutos após o horário estabelecido para início das aulas. Algumas alunas reclamavam, às
vezes, do atraso da professora, como é o caso de Ana:
que hora é essa, em gente? [Já era 19h 20 min.] Vai ter aula não? [olhando para duas
das colegas presentes e balançando a cabeça, reprovando o fato da aula não ter
começado] (Observação 13 – 05/12/11).
Normalmente, quando a professora chegava à classe, já havia uma ou duas alunas. As
alunas que primeiro chegavam eram, respectivamente, Rute, Eva e Raquel. Ana geralmente
chegava após o início da aula, pois estava envolvida com atividades domésticas, e Rebeca e
148
Sara, respectivamente, chegavam à metade ou um pouco depois da metade da aula, pois esta,
após sair do trabalho, ainda passava em casa para pegar os dois filhos para levá-los à escola
com ela (eles ficavam na sala durante as aulas), e aquela precisa terminar suas atividades
domésticas.
4.3.2 A rotina de atividades vivenciadas pelas alunas no PBA
Neste tópico, se destacará a organização e os tipos de atividades que faziam parte da
rotina das alunas na turma da professora Priscila (ver Apêndice H). O Quadro 28, aqui,
apresenta os tipos de atividades propostas aos alunos e a frequência delas nas trinta e uma
observações que realizamos.
De acordo com o Quadro mencionado acima, é possível estabelecer um perfil da prática
pedagógica da professora alfabetizadora.
A primeira atividade da noite correspondeu, em todas as aulas observadas, a um
momento em que a professora acolhia as alunas, cumprimentando-as e estabelecendo uma
conversa rápida com elas; já a atividade final constou de uma despedida, também com uma
rápida conversa entre professora e alunas e entre as próprias alunas, o que correu normalmente
como sexta atividade da noite. Subtraindo-se esses dois momentos, inicial e final, mais a
distribuição de lanche, que era realizada diariamente, a professora realizou, em média, quatro
atividades por dia.
As atividades mais comuns realizadas pela professora foram, em ordem de incidência,
as seguintes: atividade de classe, correção do exercício de classe e tarefa de casa. A
atividade de classe aconteceu quase sempre como segunda (esta em maior número) ou terceira
atividade; a correção de exercício de classe como terceira; quarta (esta em maior número) ou
quinta atividade e, por fim, a tarefa de casa como quarta ou quinta (esta em maior número).
Somente em 3 (três) aulas se aplicou a diagnose, que apenas na aula 29 (A29) levou a aula
inteira.
As atividades de menor incidência foram leitura de texto, explicação de atividade de
classe e correção de exercício de classe, respectivamente. As leituras de textos praticamente
aconteceram como segunda (esta em maior número) e como terceira atividade. A explicação do
assunto do dia ocorreu como terceira (esta em maior número) e como quarta atividade.
Finalmente, a correção de atividade em aula anterior se deu, em sua maioria como segunda
atividade.
149
Duas aulas em particular destacaram-se como forma de discutir a rotina da professora.
Na Aula 11 (A11) ocorreu o maior número de atividades (oito), e na aula 25 (A25) o menor
número de atividades (três). Na A11, a professora corrigiu a atividade anterior (completar
palavras com as sílabas ‘ma’, ‘me’, ‘mi’, ‘mo’, ‘mu’). Após a aplicação da diagnose da
Secretaria de Educação de Jaboatão dos Guararapes, ela leu um texto relacionado à disciplina
de Ciências, que serviu de base para as alunas oralizar em palavras correspondentes a ervas
medicinais, as quais foram escritas no quadro pela professora e copiadas pelas alunas. Elas
também oralizaram palavras vindas das sílabas de ARRUDA, a saber: ARROZ, ÁRVORE,
ARTISTA, RUA, RÚSSSIA, RUGA, DADO, DALUA, DAVI. Para finalizar a aula, a
professora distribui o lanche, deu uma breve explicação sobre dígrafos e se despediu de todos.
Já na aula 25, após a professora cumprimentar as alunas, passou uma atividade de casa sobre a
Páscoa e as alunas passaram a maior parte do tempo copiando a atividade no caderno. O lanche
foi distribuído e todas se despediram.
Feita a análise da rotina da prática da alfabetizadora, se passará, agora, ao estudo mais
detalhados da natureza das atividades realizadas durante as observações de aulas.
Acolhida dos alunos: cumprimentos e conversas entre professora e alunas
Priscila iniciava a aula cumprimentando a turma e às vezes mantinha uma conversa
informal com as alunas por alguns instantes a respeito de algum assunto ou apresentava algum
(a) aluno (a) que foram chegando ao longo de outubro e novembro de 2011, antes de iniciar a
aula propriamente dita. Um exemplo dessa prática está exemplificado a seguir:
Extrato da 2a observação: sobre apresentação de uma das alunas pela professora - 18/10/2011.
Professora: Temos uma nova aluna.
Alunas: [Todas olham para a nova aluna].
Professora: Qual o seu nome? [Olhando para nova aluna].
Aluna: Rute.
Professora: Vocês conhecem dona Rute? [Se dirigindo às demais alunas].
Alunas: Já.
Aluna (Eva): Já, ela visita a nossa igreja.
Professora: A senhora já estudou? [Volta a olhar para nova aluna].
Aluna (Rute): Já, várias vezes, mas não sei ler.
Professora: [Ela vai a sua casa para pegar um livro didático para nova aluna].
150
Atividades de classe
Em nenhuma das aulas a professora apresentou e/ou debateu o tema da noite ou os
objetivos didáticos específicos da aula, o que não era questionado pelas alunas.
Após cumprimentar as alunas, em praticamente todas as aulas (menos na A25 e A29), a
atividade de classe se constituiu na atividade prevalente da noite. Dividiu-se, portanto, as
atividades de classe em 3 três blocos: aquelas feitas somente no quadro (dezoito vezes) que
eram copiadas pelas alunas no caderno, escritas normalmente com letra de imprensa; aquelas
feitas somente no livro (sete vezes), e as feitas no livro, no quadro ou no caderno (quatro
vezes). Em duas das aulas (Aulas 25 e 29) não houve atividade de classe. O Quadro 15
apresenta as atividades de classe mais comuns, considerando a frequência com que foram
desenvolvidas ao longo das observações:
Quadro 14: Proposta de prática de escrita pela professora
CATEGORIA ALUNAS AULAS TOTAL
CÓPIA
Todas
Aulas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17,
18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28,
30, 31.
27
FORMAÇÃO DE PALAVRAS Eva, Sara, Rebeca, Raquel, Ana Aulas 1, 7, 11, 14, 26, 27 6
FORMAÇÃO DE FRASES Eva, Sara, Raquel, Ana e Rute Aulas 1, 13 e 27 3
DESENHO Eva, Sara, Raquel, Ana e Rute Aulas 3, 8, 17 e 22 4
ANÁLISE LINGÜÍSTICA
(Alfabeto, ortografia/escrita
correta das palavras, separação de
sílabas e contagem de sílaba de
palavras).
Todas
Aulas 2, 3, 4, 8, 11, 14, 15,
16, 18, 19, 20, 23, 24, 31.
14
DITADO Eva, Ana e Rute Aulas 19 e 30 2
A CÓPIA se constituiu na atividade mais comum proposta pela professora e esteve
presente em vinte e sete aulas (menos nas Aulas 25, 26, 27 e 29). A atividade de cópia mais
corriqueira foi a de copiar palavras escritas pela professora no quadro. Os alunos também
realizaram cópia de letras (aulas 1 e 2), sílabas (Aula 1), frases (em oito aulas), texto coletivo
escrito pela professora no quadro (Aulas 3 e 5), respostas correspondentes a significados de
palavras (aulas 7 e 20) e respostas de operações matemáticas (em três aulas).
No primeiro dia de aula (10/10/2011), a professora fez atividades diferenciadas com as
alunas, e a cópia esteve presente em todas, como podemos ver nas atividades apresentadas a
seguir:
151
Atividade 1: Cópia do alfabeto
Atividade 2: Leitura e cópia de palavras
As atividades 1 e 2, das alunas Raquel e Sara, respectivamente (realizadas também por
Eva), envolveram a cópia do alfabeto, de sílabas e de palavras. A cópia do alfabeto, em todas
as aulas observadas, sempre contemplou as letras minúsculas escritas na forma cursiva. A
escolha das sílabas para cópia foi aleatória e estas sílabas serviram de base para a seleção de
mais da metade das palavras, que também deveriam ser copiadas. Nesse dia, as atividades
realizadas por Ana envolveram a formação de palavras iniciadas com as letras ‘B’, ‘C’, ‘T’ e
‘A’, a formação de frases com estas palavras e a resolução de operações de adição, esta última
feita por Sara também.
Na A2 a cópia mais uma vez predominou, a exemplo da atividade de Raquel, abaixo:
152
Atividade 3: Cópia de palavras
Raquel, como Eva (na 1a
aula), copiou sílabas e palavras selecionadas casualmente pela
professora e, dessa vez, as sílabas DA, DE, DI, DO, DU é que serviram de base para a seleção
de palavras alvos de cópia.
Outra atividade de cópia esteve ligada à produção coletiva de um texto (A3). E como
surgiu esse texto? Primeiro, a alfabetizadora destacou a palavra FAMÍLIA, chamada por ela de
“palavra geradora”, tirada do texto lido em aula anterior do livro didático (p.8). Em seguida, a
professora destacou as mesmas palavras oralizadas pelas alunas, na aula antecedente, vindas
das sílabas da palavra geradora (FAZENDA, FAVELA, FARINHA, MIAU, MINGAU,
MILHO, LIMÃO, LIMA, LILI, ABACAXI, ÁGUA). Finalmente, as alunas, destas palavras,
produziram frases para a construção de um texto coletivo, como pode ser observado no
exemplo a seguir, extraído do caderno de Eva:
153
Atividade 4: Cópia de texto coletivo construído oralmente
Eva levou mais de 1h escrevendo o texto acima e essa dificuldade de copiar textos ou
até mesmo frases pode ser percebida também na maioria das alunas. A versão final do texto
escrita no quadro pela professora foi a seguinte:
Enquanto copiava o texto, Rute fez um comentário, que se repetiu em outras aulas, a
saber: “As letras ficam muito juntas”. Rute, na verdade, chama a atenção para o cuidado com
algumas questões, nem sempre levada a sério, como o espaçamento entre as letras/palavras. Na
A5 também houve a construção de um texto coletivo, no livro didático (p.97), ditado pelas
alunas e depois copiado por elas, e em mais três aulas a atividade de classe também recorreu,
como na A3 supracitada, ao trabalho com base em ‘palavras geradoras’ (na A7, a palavra
TRABALHO; na A13, a palavra NATAL e na A22 a palavra CARNARVAL).
Nessas aulas, as alunas fizeram muitas atividades de cópia. A frequência das cópias se
tornou tão intensa que chegava a incomodar a professora, pois enquanto ela explicava e/ou
perguntava algo ou dava algum aviso, as alunas estavam sempre copiando e ficavam caladas,
sem prestar a atenção, o que levou a mesma a dizer o seguinte:
Extrato da 3a observação: sobre o texto coletivo oralizado pelas alunas - 19/10/2011.
LILI MORAVA NA FAZENDA. TINHA UM RIO COM ÁGUA. A FAMÍLIA CULTIVA MILHO,
ABACAXI E LIMÃO. NA FAZENDA DA FAVELA FAZIAM MINGAU DE FARINHA.
154
o processo de alfabetização pensa que é copiar, mas é prestar atenção, é ouvir [...].
Podem copiar agora, mas o maior aprendizado é prestar atenção (Professora – Aula
23 – 15/02/2012).
As atividades de cópia realmente levavam um bom tempo das aulas, sem que houvesse
uma reflexão a respeito delas. Mas em geral, as alunas não reclamavam, pois a cópia era
compreendida por elas como se já estivessem escrevendo.
Na A1, supramencionada, também foram realizadas duas outras atividades, além da
cópia: a FORMAÇÃO DE PALAVRAS e a FORMAÇÃO DE FRASES, que a professora só
pediu para Sara, pois sabia dos seus avanços na leitura e escrita.
AFORMAÇÃO DE PALAVRAS se constituiu na terceira atividade mais comum e
abarcou seis aulas (1, 7, 11, 14, 26, 27). Partindo de uma “palavra geradora”, como
TRABALHO, extraída no geral de um texto lido em classe, a docente propunha, como
aconteceu na A7, por exemplo, a formação de outras palavras usando as sílabas da palavra
geradora. Enquanto as alunas ditavam para a professora palavras com as sílabas da palavra
geradora que estava sendo trabalhada, a professora as copiava no quadro e as alunas no
caderno. Para exemplificar essa dinâmica, tem-se o extrato da aula adiante:
155
Nesta mesma aula, a professora propôs ainda a escrita de palavras, no caderno (pelas
próprias alunas), das sílabas da mesma palavra geradora TRABALHO, conforme pode ser
observado na página de caderno a seguir:
Extrato da 7a observação: sobre a formação de palavras vindas das sílabas da palavra ‘trabalho’-
01/11/2011.
Depois da atividade realizada no livro, a professora inicia outra atividade no quadro (ver abaixo):
Atividade na classe 01-11-11
X
Trabalho
Professora: Escreva tudo, gente, para ficar documentadozinho. Quando a coordenadora passar e vir, no dia que
eu esquecer me lembre, viu gente? Vamos gente! TRA – BA – LHO [falando e batendo palmas
três vezes, correspondendo às sílabas da palavra em questão]. Veja que daqui vem TRA – TRE –
TRI – TRO – TRU!
Ana: TRATOR.
Professora: Bom [e escreve a palavra no quadro].
[Alunas começam a copiar].
Eva: TRILHO.
Professora: É bom [e escreve a palavra no quadro]. Temos uma palavra que fazemos bolo e começa
com?
Sara: TRIGO.
Professora: Veja que da palavra geradora surgiram várias!
Raquel: BACIA.
Rute: BABÁ.
Professora: BATOM. [Agora] um que tenha LHO, não necessariamente que comece com ‘lho’. Pode
estar no meio da palavra.
Sara: Lua.
Eva: Lei.
Filho de Sara (9 anos): COLHER.
Raquel: O menino sabe mais que a gente mulher [começa a rir]!
Professora: Só elas viu amor! [Se dirigindo ao filho de Sara]. Fazemos ‘pamonha’, que palavra é?
Sara: MILHO.
Eva: OLHO.
Professora: Foi boa essa dúvida, pois dizemos OLHO, mas é ÓLEO [e escreve esta última palavra no quadro].
Enxergamos com o que mesmo?
Eva: OLHO [com o ‘O’ com som fechado].
Professora: Podem copiar essas palavras agora [mas as alunas já estavam copiando desde o início].
No quadro a professora havia escrito todas as palavras ditadas pelas alunas (com letra cursiva):
TRATOR – TRILHO, TRIGO – BACIA, BABÁ – BATOM, COLHER – MILHO, OLHO.
156
Atividade 5: Oralização e escrita de palavras pelas alunas
Na A26, distintamente da A7, as alunas Eva, Sara e Raquel não ditaram palavras para
serem escritas pela professora no quadro e copiadas por elas no caderno. Nesse dia, foi
solicitado que elas mesmas formassem palavras recorrendo às sílabas dadas pela professora,
como pode ser observado a seguir:
Atividade 6: Formação de palavras a partir de sílabas
Para a formação das frases, em uma determinada atividade, apresentada abaixo, Sara
teria que lançar mão das palavras DADO, DIA, BOCA:
157
Atividade 7: Formação de frases
Sara resistiu em formar as frases, em duas delas não utilizou as palavras dadas e
escreveu incorretamente algumas das palavras na construção das frases. Mesmo a professora
não passando as mesmas atividades para o restante das mulheres, elas reagiram negativamente,
a exemplo de Raquel que disse: “Tá bonzinho assim” [querendo só copiar]; e Ana, que afirmou:
“Acho mais difícil escrever”, não obstante ter feito somente uma atividade de Matemática,
porque chegou atrasada. Outras duas aulas também envolveram a formação de frases. Na A27,
as alunas Eva e Raquel, as únicas da pesquisa que estavam presentes nesse dia, tinham que
formar frases com as palavras CAMA, BOLA, TATU, COPO. Na aula A13 também houve
solicitação para formação de frase (para Eva, Sara, Ana e Rute), mas diferentemente das Aulas
1 e 27, as alunas não formaram frases sozinhas, elas ditaram frases para a professora, que as
escrevia no quadro e as alunas as copiavam no caderno.
Além da cópia e da formação de palavras e de frases, o DESENHO figurou como a
quarta atividade proposta pela professora mais frequente, e esteve presente nas Aulas 3, 8, 17 e
22. Na A8, por exemplo, a tarefa de classe escrita pela professora no quadro envolveu a escrita
de palavras com base em algumas figuras. A professora escreveu a tarefa no quadro e as alunas
deveriam copiá-la nos cadernos. Para isso, teriam que desenhar as figuras da tarefa. Nesse
momento, duas alunas reagiram à atividade. Ana afirmou: “Que coisa difícil” e Sara disse:
“Graças a Deus [só] tem oito meses”.
158
Atividade 8: Desenho e escrita de nomes de figuras
Na mesma aula, a tarefa de casa também envolveu a escrita de palavras com apoio de
figuras cujos nomes deveriam iniciar com as letras ‘B’ e ‘C’ (BOLA, BOMBOM, BODE,
BALDE, BONECA, BARCO, BOLO, BOTÃO, BAÚ, BONÉ, CASA, CARRO, CAJU,
CORAÇÃO).Na A22 a atividade também envolveu desenhos, que deveriam ser feitos tendo
como base palavras advindas das sílabas da palavra CARNAVAL. Nessa aula, em particular, as
alunas resistiram muito mais em fazer desenhos, como expressaram Rebeca e Ana
respectivamente: “Eu não sei desenhar nada” e “Desenhar?” [Desanimada em fazer a atividade,
pois disse não saber desenhar]. Em todas as aulas que compreenderam desenhos, estes foram
escolhidos aleatoriamente e sempre encontrou resistência das alunas.
Outras atividades que envolviam o eixo de ANÁLISE LINGUÍSTICA (apropriação da
escrita alfabética, questões de ortografia ou mesmo de análise linguística) foram elas muito
frequentes e consistiram em atividades com o alfabeto (Aulas 2, 4 e 20), com a escrita correta
de algumas palavras (Aulas 8, 18, 19, 23 e 24); a separação de sílabas (Aulas 2, 3, 4, 8, 11, 16,
18, 23, 31) e a contagem de sílabas em palavras (Aulas 14, 15 e 16).
A atividade ligada ao alfabeto ocorreu em três aulas. Na A2, por exemplo, a professora
pediu para três das alunas “copiarem” (Eva e Raquel) ou “fazerem” (Rute) o alfabeto, mas não
pediu para Ana, por entender que esta aluna já conhecia, sem dificuldades, as letras do alfabeto.
A dificuldade de reconhecimento de algumas letras continuou e três meses depois do início das
aulas, na A20, a alfabetizadora pediu para elas escreverem as letras do alfabeto no caderno.
As atividades que envolviam a escrita correta de palavras ditadas pelas alunas foram
elas muito frequentes. Na A24a professora passou praticamente a noite inteira procurando
159
trabalhar com as alunas a escrita correta das palavras. Ela iniciou utilizando o livro didático
(p.238). O assunto da aula antecedente foi retomado, cuja temática versava sobre as Diferentes
formas de organização do trabalho. A terceira questão do livro foi à única trabalhada nesse dia
e pedia para se escrever na tabela o nome da seção, o nome do produto e o preço de cada
produto, a partir de embalagens trazidas pelas alunas. Antes de começar a resolução
propriamente dita do exercício, a professora leu o enunciado e as alunas ouviram. A primeira
participação das alunas ocorreu com a oralização dos nomes das figuras e/ou as palavras das
embalagens, como pode ser visto abaixo:
À medida que as alunas falavam as palavras, a professora as escrevia no quadro com a
ajuda das alunas, que diziam as letras que compunham as palavras. Após esse momento, as
alunas copiaram no livro as respostas, como está exposto a seguir:
Extrato da 24a observação: sobre 3
a questão do livro didático (p.238) - 02/04/2012.
Professora: Falamos na aula passada das diferentes formas de organização do trabalho. Hoje, baseadas
no livro, veremos as embalagens que vocês trouxeram para dizermos a seção, o nome do produto e o
valor do produto.
Professora: De acordo com o livro, qual a seção onde fica essa embalagem? [Com a embalagem em mãos
de BISCOITO] Como se escreve?
Aluna (não da pesquisa): “Bê” com “i”.
Professora: Para falar “bis” como faz?
Aluna (não da pesquisa): “Bê”, “erre” “i”.
Professora: Não. Aí fica “bri”.
Eva: “Bis”, “co”, “to”.
Professora: [Escreve no quadro a palavra, conforme Eva disse]. É assim mesmo? [Pergunta a professora].
Aluna (não da pesquisa): Não.
Professora: [Escreve no quadro a palavra corretamente]. “De acordo com o livro”, diz ela, “qual o nome
do produto?”.
Aluna (não da pesquisa): Biscoito.
Professora: Qual o preço?
[Todas em silêncio].
Professora: [Ela mesma diz e escreve R$ 1,15]
[Alunas escrevem em silêncio, o que se encontra no quadro].
160
Atividade 9: Oralização e cópia de palavras
Nessas atividades relacionadas à escrita correta das palavras, a professora escrevia as
palavras no quadro com a ajuda das alunas que ditavam as letras e ela ia corrigindo, caso
alguma letra inadequada fosse mencionada.
A separação de sílabas se constituiu, realmente, na atividade de classe mais comum, no
eixo da análise linguística. É o caso da A4, em que a professora escreveu no caderno das alunas
algumas palavras para que elas fizessem a separação das sílabas que as compunham. Enquanto
copiava as palavras, aconteceu um breve diálogo entre elas, como se destacou adiante:
161
Quando o diálogo terminou, a professora já havia escrito a 2a
questão no quadro, e as
alunas a copiaram no caderno:
Atividade 10: Separação de palavras em sílabas
As palavras usadas para separação foram as mesmas da primeira questão, as quais, por
sua vez, foram tiradas de um livro que se encontrava na prateleira da sala62
.
A contagem de sílabas constou como uma atividade de apropriação da escrita
alfabética e esteve presente em três aulas: A14, A15 e A16, das quais só participaram Eva,
62
MENDONÇA, Walderene Dias. Alfabetização silábica: uma proposta introdutória para o letramento.
Uberlândia: Claranto, 2008.
Extrato da 4a observação: diálogo entre a professora e as alunas quanto à separação de sílabas -
24/10/2011.
Professora: Vou passar à segunda questão. Vamos separar as sílabas de algumas palavras.
Ana: Eu?
Professora: Para todas.
[Todas começam a copiar].
Ana: Essa JANELA [se referindo à primeira palavra escrita pela professora] pode separar em 3 (três) vezes,
não é Priscila [a professora]?
Professora: Isso. Tem algumas colegas espertinhas que não escrevem as palavras e vai logo separando
[começa a rir]. Tem alunas que com frequência fazem isso [ainda rindo]. Não vou dizer [brincando com
as alunas].
Ana: Como é isso?
Professora: Vou dá um exemplo. JANELA [eu] abri a boca quantas vezes?
Sara: Três.
[A professora bate palmas 3 (três) vezes].
Professora? Quantas vezes [eu] bati as mãos?
Sara: Três.
162
Rebeca, Ana e Rute. Na A15 a professora passou a contagem de sílabas só para Eva e Ana,
pois elas já haviam concluído a cópia da atividade anterior, como pode ser visto no caderno de
Eva:
Atividade 11: Contagem de sílabas de palavras
Para realização dessa atividade, Eva lançou mão de palavras da primeira questão,
selecionadas aleatoriamente. Como a professora auxiliou essas alunas, escrevendo algumas das
palavras no quadro, Rute, enquanto copiava, disse mais uma vez à docente: “Escreve mais
separado, pois tenho dificuldades de entender” [dizendo em voz alta].
Seguindo ainda em busca das atividades propostas pela professora, em duas Aulas (19 e
30) ela propôs como atividade o DITADO. A A30, por exemplo, foi a única em que as alunas
escreveram palavras ditadas pela professora e escritas por elas mesmas (o que levou a aula
inteira). Como normalmente sucediam, as palavras foram escolhidas sem nenhum critério (o
que ficou claro pelas expressões faciais da professora, como o franzir de testa e expressões
como: “deixe eu pensar na próxima”). O diálogo adiante nos ajuda a perceber isso:
163
Nesse dia, não foi possível corrigir o caderno de todas as alunas, somente os de Eva e
Rute, como se observa a seguir:
Atividade 12: Escrita de palavras ditadas
Antes de concluir este tópico, é necessário dizer duas coisas: a primeira é que não
obstante as análises terem como foco as atividades de língua portuguesa, as atividades de
matemática aconteceram em sete aulas (1, 6, 8, 16, 20, 22 e 28), nas quais se envolveram todas
Extrato da 30a observação: sobre palavras oralizadas pela professora no ditado mudo - 21/05/2012.
Professora: [...] Escrevam a palavra ‘ditado’!
[Passados alguns instantes Priscila inicia a atividade].
Professora: [A primeira palavra] é BONECA.
[O ditado é interrompido com a chegada de algumas alunas. A professora espera um pouco para que elas
também possam acompanhar a atividade].
Professora: Agora a segunda palavra é CAMISA.
[Alunas escreveram em silêncio].
Professora: A terceira palavra é PALITO.
[Alunas escreveram em silêncio].
Professora: Coloquem agora MESA.
Raquel: Está todo mundo cansado!
Professora: Agora escrevam TIJOLO.
[Alunas escreveram em silêncio].
Professora: A palavra seguinte é CAMA.
[Alunas escreveram em silêncio].
Professora: Escrevam agora MULA.
[Alunas escreveram em silêncio].
Professora: A próxima é PENA.
[Alunas escreveram em silêncio].
Professora: E a última é VASO.
[Alunas escreveram em silêncio].
164
as alunas, umas atividades mais do que as outras, e a atividade mais explorada envolveu a
operação de adição. A segunda coisa é que a alfabetizadora deu assistência às alunas nas
atividades de classe em (dezesseis) das aulas (1-5, 7, 9, 12, 15-18, 27 – 29 e 31), em um
universo de 31 observadas. Essa assistência se deu em nível individual, por iniciativa dela (indo
até às alunas) e outras por solicitação das alunas.
Considerando as aulas analisadas, se destacará mais a frente algumas
explicações/observações dadas pela professora sobre o Sistema de Escrita Alfabética (SEA) no
momento de correção das atividades.
Correção das atividades de classe
Os momentos de correção das atividades aconteciam tanto durante a realização das
mesmas, quanto no final. A A8e a A4, analisadas anteriormente, destacaram a separação de
sílabas e a A19 o ditado. Enquanto eram realizadas essas atividades, a professora fez algumas
correções/observações relacionadas à escrita das palavras pelas alunas, destacando a omissão,
troca ou acréscimo de letras. No entanto, em certos momentos, a professora chamou a atenção
das alunas para elas não terem medo de errar. Na A19, por exemplo, ela disse:
Vocês estão aqui para aprender [pausa]. Se errar, vão aprender com o erro (Professora
– A19 – 12/01/2012).
A observação foi feita porque as alunas, em geral, tinham receio de falar e errar,
permanecendo caladas quando inquiridas. A seguir, serão destacadas às correções/observações
propriamente ditas.
Como dito, na A8 pedia para separar as sílabas tendo como referência figuras
desenhadas no quadro. À medida que as alunas copiavam, a professora olhava a escrita delas e
fazia comentários acerca das omissões de letras:
Vamos [...] gente? É comum vocês engolirem letras demais (Professora – A8 –
08/11/2011).
A professora voltou a fazer essa mesma observação na A19 (quanto à escrita da palavra
CARRO), ao que uma das alunas (Ana) comentou:
165
só vou dizer que sei escrever se eu souber escrever tudo, pois existem palavras grandes
que não consigo fazer, pois a gente engole letra (Ana – A8 – 12/01/2012).
A professora percebeu a dificuldade das alunas ao omitirem letras, mas duas
observações distintas, pelo menos, devem ser feitas: a primeira é que não houve da parte dela
uma explicação do por que disso. Ela não buscava entender os motivos da omissão ou troca de
letras, não levando as alunas a refletirem sobre alguns princípios básicos do nosso sistema de
escrita, tais como: a escrita não é a transcrição da fala; “as regras de correspondência
grafofônicas são ortográficas”; “um fonema pode ser representado por grafemas diferentes e um
grafema pode representar mais de um fonema” (LEAL, 2004, p. 79). Exemplo disso é a palavra
CARRO, que Ana escreveu sem um dos ‘erres’ na A19, que ora analisamos, e, também, as
palavras da diagnose inicial no tópico anterior, em que as mulheres omitiram algumas letras. A
segunda observação é que ela não propunha atividades que levassem as mulheres a superarem
essas dificuldades, a avançarem em suas hipóteses de escrita. Para tanto,
é necessário que os docentes percebam que a progressiva compreensão dos princípios
[do SEA] torna o aluno um usuário da escrita. Só compreendendo tais princípios é
possível registrar qualquer palavra, ou seja, não é possível escrever sem entender qual
é a lógica de funcionamento da escrita (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2010, p.
36-37).
Ainda sobre a correção da escrita de algumas palavras pelas alunas, a docente fez
comentários quanto à escrita das palavras LÁPIS, JARRO e OVO, respectivamente. Ana, ao
tentar escrever a primeira palavra, perguntou se a palavra era LÁPI, e a professora disse:
“Vamos para o LÁPIS! O ‘S’ no final é para dar o som de ‘S’. Não falamos LÁPI”.
Na segunda palavra, após um aluno (não da pesquisa) perguntar sobre a escrita de
JARRO, ela comentou: “Realmente o ‘J’ tem às vezes um som de ‘G’”. E em seguida deu um
exemplo, “é como JANEIRO” [e aponta para o cabeçalho da atividade, no quadro, onde
estava escrita a palavra ‘janeiro’]. Nesse caso, ela não deu a explicação adequada que poderia
levar os alunos a refletirem sobre o uso do ‘G’ e ‘J’. Ao contrário do que ela falou (“de que o
‘J’ às vezes tem o som do ‘G’), era preciso explicar que a letra G pode representar mais de um
fonema uma vez que antes das vogais ‘E’ e ‘I’ possui o mesmo som da letra ‘J’. Nesse caso, a
palavra JARRO só poderia ser escrita com ‘J’, diferentemente da palavra GELO. Essa troca
do ‘J’ pelo ‘G’, em termos de som e de escrita, também pôde ser verificado nas diagnoses
aplicadas por nós com as alunas, em palavras como JABUTICABA. Mais uma vez não se
recorreu aos princípios do SEA, que destacam que as letras “têm valores sonoros fixos, apesar
166
de muitas terem mais de um valor sonoro” (LEAL, op.cit., p.36) e que, em muitas situações,
não há regras ortográficas para nortear a escrita das palavras.
Na aula 15, a professora pediu para que fossem lidas palavras com ‘J’,
independentemente da posição dessa letra (CAJU, JANELA, JACA, JILÓ, JOTA, JOCA,
CAJÁ, CANJA, JONAS, CAJUADA). Novamente ela não possibilitou uma reflexão sobre o
uso do J e do G na escrita de algumas palavras.
Outra explicação da professora é sobre a palavra OVO, desencadeada pela escrita
errada dessa palavra por uma das alunas, que escreveu na forma como se fala comumente:
A professora chamou a atenção para um fenômeno regional de alguns lugares no
Nordeste, como em Pernambuco, de as pessoas trocarem o som de letras, quando falam, a
exemplo da troca do ‘O’ pelo ‘U’, na palavra OVO. Ao dizer isso, ela relacionou o erro a um
“modo de falar errado”, dando a entender que a escrita é a transcrição da fala e que para
escrevermos corretamente é preciso falar corretamente. O erro das alunas estaria relacionado,
então, ao seu modo de falar, que não eram corretos. Nesse caso, ela novamente não levou os
alunos a refletir sobre os princípios destacados no parágrafo anterior.
Como visto no Quadro 14 (ver APÊNDICE - H), a leitura também figurou como uma
das atividades desenvolvidas nas aulas, as quais serão analisadas mais adiante.
Leitura de textos e de palavras
A atividade de leitura se constituiu na quarta atividade mais comum da professora
(sem contar o cumprimento, a despedida e o lanche). Das 31(trinta e uma) aulas observadas,
em 12 (doze) delas houve LEITURA DE TEXTO, sendo que em 2 (duas) o texto foi o
mesmo. As leituras em sala se deram, em geral, utilizando o livro didático, menos os das aulas
11 e 23, mas houve, também, 2 (duas) atividades de LEITURA DE PALAVRAS com cada
uma das alunas.
Extrato da 19a observação: diálogo entre a professora e as alunas quanto à ortografia da palavra OVO -
12/01/2012.
Professora: Dona Rute, qual foi a primeira palavra que eu ditei?
Rute: OVO, mas escreve OVU.
Professora: Êpa!
[Após alguns instantes, Rute tenta apagar para corrigir a escrita da palavra].
Professora: Não apague o errado. Na linha seguinte escreva o certo. Realmente temos o hábito de falar a
palavra com som de ‘U’. O culpado disso é que somos criados falando OVO com som de ‘U’.
167
Os textos e os enunciados dos exercícios de classe (no livro didático) eram lidos em
sala unicamente pela professora. As alunas ouviam, às vezes olhando para ela e/ou tentando
ler, sempre mostrando dificuldade em acompanhar a leitura dos textos. Em relação a essas
leituras, se responderá às seguintes perguntas: quando se leu? O que se leu em sala de aula?
Quem lia? Por que lia? Para que lia? Como lia? É o que o Quadro 15 descreve:
168
Quadro 15: Leituras feitas pela professora em sala de aula.
AULA (A)
TEXTO
QUEM LÊ?
POR QUE LÊ?
PARA QUE LÊ?
COMO LÊ?
A2
(18/10/2011)
Quem sou eu?
(Autoria desconhecida)
Professora
Por conta da entrega
do livro naquela noite
Para que as alunas
escrevessem no livro
seus dados pessoais.
Em pé, com livro didático em
mãos e em voz alta e fazendo
perguntas à turma.
A5
(25/10/2011)
O direito de ter direito
(Gilberto Dimenstein)
Professora
Escolha livre da
professora.
Sem objetivo
apresentado.
Sentada, com livro em mãos e em
voz alta e fazendo perguntas à
turma.
A7
(01/11/2011)
O Trabalho
(sem autor)
Professora
Escolha livre da
professora.
Sem objetivo
apresentado.
Em pé, com livro em mãos e em
voz alta, explicando e fazendo
perguntas à turma.
A9
(09/11/2011)
Nome das coisas
(André Abujamra)
Professora
Escolha livre da
professora.
Sem objetivo
apresentado.
Em pé, com livro em mãos e em
voz alta, explicando e fazendo
perguntas à turma.
A11
(29/11/2011)
Alimentação alternativa
(SESI)
Professora
Para introdução das
aulas de ciências.
Para que as alunas
apresentassem ervas
para fazer chá.
Em pé e em voz alta, explicando
e fazendo perguntas à turma.
A12
(30/11/2011)
Gente tem sobrenome
(Elifas Andreato e Toquinho).
Professora
Para retomar o que na
A2 fez com o nome.
Agora com o
sobrenome
Especialmente
mostrar a importância
do sobrenome.
Sentada numa cadeira, em voz
alta e bem pausada e fazendo
perguntas à turma.
A16
(21/12/2011)
Sobre o Natal
(sem autor)
Professora
Em virtude das
festividades
de Natal.
Sem objetivo
apresentado.
Sentada numa cadeira, em voz
alta e bem pausada e fazendo
perguntas à turma.
A18 e A19
(11e
12/01/2012)
O Brasil e suas etnias
(Roque de Barros Laraia)
Raça humana
(Gilberto Gil)
Professora
Escolha livre da
professora.
Sem objetivo
apresentado.
Sentada, lendo em voz alta e
dando pausa entre os parágrafos,
explicando e fazendo perguntas à
turma.
A21
(13/02/12) Como é a família indígena
(sem autor)
Professora Escolha livre da
professora.
Sem objetivo
apresentado.
Em pé, no livro didático e
fazendo perguntas à turma.
A21
(13/02/12) Cidadezinha qualquer
(Carlos Drummond de Andrade)
Professora Escolha livre da
professora.
Sem objetivo
apresentado.
Em pé, no livro didático e
fazendo perguntas à turma.
A23
(15/02/2012)
A jardineira
(Benedito Lacerda)
Professora
Para trabalhar com as
alunas nomes de
flores.
Sem objetivo
apresentado.
Em pé, lendo o texto que ela
mesma escrevera no quadro e
fazendo perguntas à turma.
169
Antes da leitura dos textos, não havia uma apresentação explícita do por que nem para
que a escolha do texto. Ao ler, a alfabetizadora apresentava as seguintes características: 1. Lia
normalmente em pé; 2. Lia o texto uma só vez; 3. Lia em voz alta e pausadamente; 4. Enquanto
lia, comumente dava explicações de expressões e palavras do texto; 5. Após a leitura, sempre
fazia perguntas a respeito do conteúdo do texto.
Os textos utilizados pela professora não tinham muita variação de gênero e não
incluíam textos significativos para as alunas. Mesmos os textos das aulas 12, 18(texto este
lido novamente na aula 19) e 23, que eram originalmente letras de músicas, e o segundo texto
lido na A21, que era um poema, não foram apresentados nem trabalhados nessas duas
perspectivas, ou seja, musical e poética. O texto da A21 encontra-se a seguir:
Nessa aula, a alfabetizadora não disse o motivo da escolha do texto, nem as atividades
que faria com ele. Também não se apresentou o nome do autor do poema, nem se lançou mão
de nenhuma estratégia no início, no meio ou no fim da leitura do texto. A mesma postura ela
teve na A23, no qual se trabalhou um texto/música bem conhecido de todos os alunos,
apresentado a seguir:
170
A jardineira
Ó jardineira porque estás tão triste?
Mas o que foi que te aconteceu?
Foi a camélia que caiu do galho
Deu dois suspiros e depois morreu
Vem jardineira vem meu amor
Não fiques triste que este mundo é todo seu
Tu és muito mais bonita
Que a camélia que morreu
A música acima é originalmente uma marchinha de carnaval e foi o único texto que a
alfabetizadora utilizou para uma eventual atividade que envolveu a apropriação do SEA, mas
sem interpretação e explicações sobre esse sistema. Os outros textos serviram para resolução
de atividades do livro didático e oralização de palavras e/ou frases pelas alunas, tendo como
referência palavras-geradoras escolhidas pela professora. O da aula 11, que era uma receita,
só foi utilizado para informar às alunas sobre alimentação alternativa, cujo destaque, na
atividade de classe, foi enumerar ervas, para preparação de chás.
Nas aulas 4, 13, 15, 17 e 31 a professora fez uma atividade de leitura individual com
as alunas.
Já se destacou no capítulo 3 o desejo intenso das alunas, aqui e acolá, expressos, em voz
alta, de “aprender a ler”, como falou a aluna Ana no começo do curso:
eu vou aprender, sim, a ler, para cantar hino na igreja. Eu vou levar a harpa para quê,
se não sei ler? Já tenho dois anos [na igreja]. Tem gente que decora, mas eu não [em
voz alta se dirigindo a toda às colegas] (Aluna Ana – A1 – 11/10/2011).
Ana sempre demonstrou a vontade, como as demais mulheres, de se inserir efetivamente
nas práticas de leitura, cujo propósito era de fato ler “hinos” e não decorar as letras, nos eventos
da igreja. A aluna também fez o comentário abertamente, em sala de aula, não sendo ouvida,
porém, no sentido da professora perceber não somente as suas expectativas, mas conhecer
melhor as alunas, suas práticas, os eventos nos quais se envolvem e propor a leitura de textos
relacionados à vivência das alunas.
As atividades de leitura individual de palavras principiaram como tarefa de classe, já
na A4, na qual a professora pediu para as alunas Eva, Sara, Raquel, Rute e Ana copiarem e
lerem doze palavras (que ela tirou de um livro mencionado anteriormente quando da análise
da A4). Ela chamou a atenção de todas para o fato de que essas palavras continham as sílabas
171
com ‘ja’, ‘je’, ‘ji’, ‘jo’, ‘ju’ e escreveu no quadro as seguintes palavras: JANELA – JAULA –
TIJOLO – JUDEU –JIPE – JÓIA – JIBÓIA – JUCA – JUBA – LAJE –JABUTI – BEIJO (ver
tarefa já citada nesse tópico quando da análise da A4). Após as alunas copiarem a questão no
caderno, a professora se dirigiu a cada uma em particular, a fim de que a leitura das palavras
fosse feitas, como exemplificado abaixo:
Ana é de fato uma das alunas mais avançadas em termos de leitura e escrita e, em
geral, não encontrou muita dificuldade na leitura das palavras acima, ao contrário de Raquel,
que antes de iniciar a leitura disse: “O problema é ler!”. A professora ouviu e pediu para ela
ler, como mostra o diálogo a seguir:
No momento em que a professora interrompeu a leitura com a aluna e se levantou;
Raquel comentou: “Jesus vai voltar e eu não aprendo a ler [...]”. Raquel tinha uma certeza
subjetiva, fruto da sua espiritualidade, a respeito da segunda vinda física de Jesus à terra, mas,
ao mesmo tempo, tinha uma incerteza desanimadora quanto ao aprendizado da leitura,
provavelmente por não perceber que avançava em seus conhecimentos.Apesar de a professora
ouvir o comentário que ela fez, permaneceu em silêncio.
Extrato da 4a observação: leitura de palavras feitas por Ana na presença da professora - 24/10/2011.
Professora: Vamos Ana [para iniciar a leitura]?
[A aluna Ana começa a leitura bem baixinho].
Ana: Que palavra é essa [apontando para JUBA]?
[A professora permaneceu calada].
Professora: O que o leão tem?
Ana: JUBA.
Professora: E essa [apontando para a palavra TIJOLO]?
Ana: ‘Tê’ o ‘ti’, ‘jê’ o ‘jo’, ‘lê’ o ‘lo’, TI – JO – LO. [Pausa breve] É assim mesmo. Ler assim ‘Tê’ o ‘ti’, ‘jê’ o
‘jo’, ‘lê’ o ‘lo’, TIJOLO. Como a professora diz, como hoje diz os meninos [da escola], que tem que assim
TIJOLO, PANELA [de uma vez só], é coisa de cafona. Só sei ajuntar assim.
Extrato da 4a observação: leitura de palavras feitas por Raquel na presença da professora - 24/10/2011.
Professora: Vamos agora Raquel [para iniciar a leitura]?
[A aluna resiste muito, mas começa a leitura].
Raquel: ‘Gê’, ‘a’ [pausa mais longa] ‘gê’, ‘a’, não consigo não [se referindo a palavra JANELA].
Professora: Passe para outra?
Socorro: ‘Gê’, ‘a’ [pausa mais longa], dá não [se referindo a palavra JAULA].
Professora: Ok! [A professora interrompe a leitura e passa para outra aluna]
172
Na A13, as palavras que deveriam ser lidas não tiveram relação com a atividade
anterior, que era para dizerem frases a respeito do Natal. As palavras utilizadas para leitura
foram aleatórias e continham sílabas com ‘AL’, ‘EL’ ou ‘OL’: SAL, PALCO, TAL, SALTO,
CAL, FALTA, MEL, FEL, MENTOL, CANAL. Dessa leitura participaram Eva, Sara, Ana e
Rute. Em mais três outras Aulas (15, 17 e 31) a dinâmica seguiu a da A13. Na A15, as
palavras tinham em sua formação as sílabas ‘JÁ’, ‘JI’, ‘JO’, ‘JU’ (CAJU, JANELA, JACA,
JILÓ, JOTA, JOCA, CAJÁ, CANJA, JONAS, CAJUADA) e só se envolveram na leitura as
alunas Eva, Rebeca e Ana. Na A17, as sílabas foram ‘PA’, ‘PE’, ‘PI’, ‘PO’, ‘PU’ e serviram
para formar as palavras POTE, PULA, PELE, PICO, PAPAI, LUPA, PANO, CAPA, COPO,
lidas por Ana e Rute e, finalmente, na A31 as palavras teriam que conter a letra ‘B’, a
exemplo de BOTA, BOCA, BICO, BULA, CABO, CUBO, BELO, lidas por Eva, Raquel e
Rute. No caso da A17, as alunas não conseguiram completar a atividade e deixaram para fazer
isso em casa, ao que Raquel, já inquieta, declarou:
Quando eu aprender, não vou mais à escola. A gente faz tanta coisa mais difícil e
não sei ler, que coisa! (Raquel – Aula 17 – 09/01/2012).
Para Raquel, então, a escola deixaria de ser importante no instante em que ela
efetivamente aprendesse a ler, pois, como vimos no capítulo 3, as suas expectativas estavam em
estreita associação com os eventos do seu dia-a-dia, como a leitura da Bíblia e de lista de
supermercado. Além disso, apesar de reconhecer que sabia outras coisas, até difíceis, como
cuidar de pessoas e cozinhar, ficava ela admirada com o fato de não saber ler.
O acompanhamento da professora nas atividades de leitura de palavras ocorria muito
rapidamente, as alunas não conseguiam ler todas as palavras e nem todas liam, como é o caso
de Rebeca, que não participou de nenhuma das leituras.
Correção do exercício da aula anterior
Uma das atividades de menor incidência foi a correção de exercício de aula anterior (no
caderno ou no livro), que tinham relação com a aula anterior ou de classe. A dinâmica era a
seguinte: a alfabetizadora solicitava o caderno e/ou livro das alunas e corrigia a atividade de
casa. A presença das alunas não era solicitada para nenhum esclarecimento. Outro detalhe
interessante é que, mesmo as tarefas apresentando escritas não convencionais, as correções às
vezes não eram feitas, como na atividade a seguir:
173
Atividade 13: Não correção de “erros” ortográficos
Na atividade acima temos casos de omissão e acréscimo de letras como em NATÁLIA e
DOENÇAS, respectivamente; inversão de letras como em DEUSES. Em momento algum a
professora levava os alunos a refletir sobre suas escritas de modo a trabalhar alguns princípios
do SEA. Ao término das correções de classe, especialmente, a professora passava a tarefa para
casa, que será comentada a seguir.
Tarefa para casa
Faltando alguns minutos para o término das aulas, geralmente a professora passava a
tarefa de casa, que consistia nas atividades apresentadas no Quadro 16:
174
Quadro 16: Atividades comuns nas tarefas de casa
TAREFA PARA CASA ALUNA (S) MATERIAL AULA TOTAL
Cópia de uma receita, no caderno. Todas Caderno Aula 1 1
Atividade de colagem Todas Caderno Aulas 1, 9, 13, 19 4
Formação de palavras tendo como referência
sílabas ou a primeira letra do próprio nome.
Todas Caderno Aulas 4, 14, 22, 26,
31
5
Separação de sílaba. Ana Caderno Aula 2 1
Contagem de sílabas de palavras. Todas Caderno Aula 15 1
Formação de frases. Todas Caderno Aulas 23, 27 2
Desenho de símbolos da Páscoa. Todas Caderno Aula 25 1
Escrita de nome completo da própria aluna,
do seu pai e de sua mãe.
Todas Caderno Aulas 12, 19, 31 3
Escrita de bilhete Todas Caderno Aula 29 1
Resolução de operações matemáticas Todas/Rute Caderno Aulas 8, 20, 28, 10 4
A professora passou tarefa de casa em vinte, das trinta e uma aulas observadas. Na
maioria das vezes a professora mesma escrevia a tarefa de casa, sempre no caderno das alunas.
Das atividades para casa, somente duas não contemplaram todas as alunas, mas apenas
uma das alunas: na A2, Ana, e na A10, Rute. Na aula 2, a alfabetizadora passou a tarefa para
casa somente para Ana, pois nesse dia ela havia concluído a atividade de classe e precisava sair
mais cedo e as demais alunas estavam cansadas. A atividade para Ana fazer em casa envolvia
separação de sílabas das palavras FAVELA – FA – VE – LA, MILHO, FAZENDA, LIMA,
ABACAXI, FARINHA, MENINO, CAVALO, que vieram da “palavra geradora” FAMÍLIA. E
na A10, a atividade de casa só contemplou Rute, pois ela pediu e envolveu operações
matemáticas, de adição e subtração, que não estiveram relacionadas com a atividade de classe,
que envolveu basicamente a escrita de palavras no livro.
A maioria das atividades desenvolvidas não tinha relação com aquilo que fora estudado
na atividade de classe, nem nas aulas anterior e posterior, como é o caso da solicitação da
escrita de uma receita na A1, para duas alunas (Sara e Ana).
Ao contrário das atividades de classe, nas quais a cópia prevaleceu, nas atividades para
casa predominou aquelas de análise linguística (em sete aulas) e envolveram: a formação de
palavras, a mais comum, a separação de sílabas e a contagem de sílabas. Nas atividades de
classe, para a formação de palavras, a professora sempre dava determinadas sílabas, mas na
A31, as palavras que deveriam ser formadas teriam que ter como letra inicial as letras do
próprio nome, conforme a atividade abaixo de Rute:
175
Atividade 14: Formação de palavras com as letras do próprio nome
As atividades que abrangeram colagem figuraram como uma das mais costumeiras.
Retomando a A1, já mencionada anteriormente, a professora pediu somente para duas das
alunas (Eva e Raquel) a colagem de uma receita no caderno. Eva colou uma receita de ‘Farofa
caseira’ e Raquel terminou colando uma receita de ‘Filé de pescada à dorê’, como mostramos
abaixo:
Atividade 15: Cópia de receita
176
A professora não pediu para Sara e Ana colarem, mas escreverem a receita, porque
considerava essas alunas mais avançadas em termos de leitura e escrita. Contudo, o pedido de
escrita da receita, era na verdade, uma cópia, como nós aludimos acima. Ao final, somente Ana
escreveu os ingredientes da receita, sem dizer que tipo de comida era, e Sara nada fez. A
alfabetizadora não explicou o objetivo da atividade e durante as duas primeiras aulas, não
indicou o porquê do pedido da receita. Ela simplesmente deu um visto e não utilizou as receitas
em nenhuma outra atividade.
Mais cinco atividades foram propostas para casa: formação de frases, desenho de
símbolos da Páscoa, escrita de nome completo da própria aluna, do seu pai e de sua mãe,
escrita de bilhete e resolução de operações matemáticas. Destas, destacamos duas: a escrita do
próprio nome foi a segunda mais costumeira, a exemplo da A12, na qual a professora solicitou
a escrita do nome e sobrenome do pai e mãe das alunas, isso porque o texto lido no dia tratava
da importância do sobrenome e porque as alunas persistiam com a dificuldade em escrever
corretamente o próprio nome. O segundo destaque tem relação com a escrita de um bilhete
(A29), a única atividade não solicitada nas atividades de classe, e que sofreu muita resistência
das alunas como Raquel, que afirmou: “Eu sei fazer bilhete nada”. Não se recuperou a escrita
dos referidos bilhetes, pois foram eles entregues à coordenadora do Programa Brasil
Alfabetizado (PBA).
Outras atividades
A professora utilizou três aulas (11, 29 e A30) para a aplicação de DIAGNOSE da
Secretaria de Educação, de Jaboatão dos Guararapes. Para realização da diagnose inicial (A11)
ela usou maior parte da aula. Ao começar a diagnose, Ana comentou sobre a sua incompreensão
dos adultos “juntarem as letras” do alfabeto, diferentemente das crianças:
uma coisa dessa simples e se torna algo difícil, pois a criança aprende ali na escola,
o alfabeto, nasce e não sabe as letras. Os adultos, não. Já velhos e experientes, sabe
as letras e tem dificuldade de juntar. Devia quando vai para escola ser mais fácil, não
é? Está me entendendo? [após entregar a folha e olhando para mim] (Observação 11
– Aluna Ana – 29/11/2011).
O comentário de Ana revelou provavelmente o desânimo que sentia por perceber que
mesmo já possuindo conhecimentos sobre a escrita, não apresentou avanços significativos ao
longo do PBA. Ela tinha razão ao se referir à diferença na alfabetização de adultos e crianças,
quando mencionou que a dos adultos deveria ser mais fácil diante dos conhecimentos que eles
177
já possuem (os adultos são “velhos e experientes”). Ao dizer que os adultos conheciam as
letras e “têm dificuldade de juntar”, ela se referiu exatamente ao fato deles não entenderem o
funcionamento da escrita alfabética. E, pelo que observamos das aulas da professora Priscila,
ela parecia não perceber o que de fato as alunas precisavam aprender para poderem ler e
escrever textos diferentes que faziam parte das suas vidas.
Nessa mesma aula, Ana também questionou o fato da diagnose ser usada na maior
parte da noite, ao dizer: “A aula da gente vai ser só essa folhinha? Pois se fosse é muito
pouco. Tem que escrever uma coisinha a mais” (olhando para a professora).
Na aula 29, a professora fez a aplicação da diagnose final, no entanto, nem todas as
alunas compareceram. As reações negativas das alunas foram mais fortes do que quando da
aplicação da diagnose inicial. Três alunas expressaram isso. A primeira delas foi Raquel, que
declarou: “Eu não sei não”. Depois de alguns instantes, disse: “Eu não vou fazer é nunca. Eu
não sei não”. A segunda foi Rute que repetiu duas vezes o seguinte: “Não entendi nada” e
concluiu: “Estou toda atrapalhada”. Finalmente, Sara disse: “Tô entendendo nada”.
Na A30, a professora voltou a aplicar a diagnose final com o restante das alunas. Após
isso, outras atividades foram realizadas.
As atividades finais, em geral, envolveram a distribuição de lanche e a despedida entre
professora e alunas.
Ao término das aulas, em geral, a professora distribuía o lanche às alunas. Isso, porém,
só começou a partir da aula 11 (29/11/11), ou seja, na 6a
semana de aula, sem que houvesse
uma justificativa para esse atraso. O lanche era distribuído faltando 40 a 50 min., em média,
para a conclusão da aula. A alfabetizadora sempre avisava às alunas, antes de sair da sala, que
iria buscar o lanche em sua casa (suco ou iogurte mais biscoito ou bolinho ou bolacha, em
geral). Ao chegar, ela mesma distribuía o lanche, indo de cadeira em cadeira, servindo a
todas, inclusive o pesquisador. Esse período durava em média de 8 a 10 min. e também era
um momento de conversas e brincadeiras entre as alunas. Apesar do início da distribuição do
lanche, nem sempre isso ocorreu em todas as aulas (como as de número 14, 16-17, 19-23, 27-
28).
Feitas as análises da prática da alfabetizadora, percebemos agora com mais clareza as
práticas de leitura e escritas realizadas pelas alunas no âmbito escolar.
Como visto, as práticas de leitura foram desenvolvidas em grande parte pela
professora, com a leitura de texto. As alunas não leram textos, mas unicamente palavras,
como descrito no quadro a seguir:
178
Quadro 17: Proposta de prática de leitura pela professora
PRÀTICA AULAS ALUNAS TOTAL
LEITURA DE
PALAVRAS
A4 Eva, Sara, Raquel, Rute e Ana
5 A13 Eva, Sara, Ana e Rute
A15 Eva, Rebeca e Ana
A17 Ana e Rute
A31 Eva, Raquel e Rute
4.3.3 Avaliação das práticas de leitura e escrita propostas pela professora do ponto de vista
das mulheres
Nas entrevistas feitas, as mulheres também avaliaram a prática pedagógica da
professora Priscila, e suas respostas foram distribuídas em algumas categorias descritas no
Quadro 18. A pergunta básica era a seguinte: O que a senhora tem achado das aulas da
professora até o momento?
Quadro 18: O que as mulheres disseram sobre a prática pedagógica da professora
CATEGORIA ALUNAS
Gosta das aulas. Todas
Ensina bem. Rebeca, Raquel
Não dá tempo para o aprendizado quando ensina. Eva, Raquel, Ana
Desconsideração do nível de escolaridade das alunas. Eva
Passava atividades difíceis. Eva
Não dá tempo para copiar as atividades no caderno. Eva, Raquel, Rute
Não explica direito. Eva
Faltava muito às aulas Eva, Raquel, Ana, Rute
Logo que eram perguntadas, todas as mulheres da pesquisa fizeram uma avaliação
positiva da prática da professora, como é o caso de Eva:
Eu tô, eu gosto [das] das aulas que ela dá, as aulas de Priscila, que a gente tá
aprendendo [...] (Aluna Eva – Entrevista 5 - 15/12/2011).
Rebeca, um pouco mais específica, disse que a professora ensinava bem:
[...] agora tá melhorando com a Priscila ensinando, que ela ensina muito bem (Aluna
Rebeca – Entrevista 4 - 21/12/2011).
179
A avaliação geral positiva da prática da professora não impediu que as mulheres
destacassem alguns pontos problemáticos dessa prática. Uma primeira coisa se relaciona ao
fato da alfabetizadora não dar tempo para o aprendizado quando ensina como mostra o
extrato a seguir:
Eva chamou os assuntos dados em sala de “lição”. Lições que a professora queria que
as alunas “aprenda [m] rápido”. Ensinar (ou “fazer”), dessa maneira, para essa aluna “às vezes
fica um pouco complicado”. A própria aluna chegou a comentar, num segundo diálogo, que
essa tinha sido também uma preocupação de outros alunos.
Mesmo elas achando que as aulas são boas, às vezes mostram hesitação.
Uma segunda categoria que pode ser percebida na fala de Eva tem ligação com a
desconsideração do nível de escolaridade das alunas, por parte da alfabetizadora. O que
designamos de nível a aluna chamou de “adiantado”, ao destacar “como que se a gente já [...]
tá adiantado na [...] escola”.
Um exemplo dessa desconsideração levou ao estabelecimento de uma terceira
categoria, a de que a alfabetizadora passava atividades difíceis, ou seja, “passa às vezes as
letras que a gente não sabe direito” (o que Eva chamou de “letras” não são apenas as letras do
alfabeto, mas também sílabas, palavras e/ou frases, isto é, as atividades em si). No entanto, a
própria Eva apontou uma solução dizendo que a professora deveria passar “coisas mais fácil”.
Essa situação a deixava angustiada, pois de um lado era a correria do dia-a-dia e os problemas
físicos, como a “cabeça”, que ficava “meio perturbada”, e de outro era aquilo que ela estava
Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação das aulas - 15/12/2011.
Pesquisador: O que a senhora tem achado das aulas da professora até o momento?
Aluna: Eu tô, eu gosto [das] das aulas que ela dá, as aulas de Priscila, que a gente tá aprendendo, mas só que
às vezes ela faz assim, umas lição que quer que a gente aprenda rápido e aí aquilo às vezes fica um pouco
complicado, pra gente saber como que se a gente já [...] tá adiantado na [...] escola. Porque era para ela fazer
assim, coisas mais fácil [...] e passa às vezes as letras [palavras] que a gente não sabe direito. [...] Ela ensina e
quer que a gente aprenda, mas [...] não é assim que se faz, né?
Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação de aula - 15/12/2011.
Pesquisador: Como assim?
Aluna: Eu e seu Dito. Ela fala, assim: “[...] Ela quer que a gente aprenda rápido, mas não é assim. Ela tem que
ensinar direitinho as palavras [...], pra poder gente aprender [...]”. [Pausa] Aí gente fica muitas vezes [...] sei
lá, dá, assim, uma [...]. É feita a irmã [se referindo a Raquel, também da pesquisa] [...] fica dizendo: “[...] Oh,
meu Deus! Às vezes eu tô tão perturbadinho, que nem sei ler direito, ela faz”, assim sou também [...] sobre
essas palavras também, assim, que Priscila quer que a gente aprenda rápido [...].
180
estudando na escola que são “umas letras muito difícil”. Como o seu desejo de aprender era
grande, ela orava pedindo a Deus “paciência” para, então, “aprender”.
Finalmente, a fala de Eva permitiu a identificação de mais duas categorias: a de que a
professora não [dava] tempo para copiar as atividades no caderno e, além disso, não explica
[va] direito. A penúltima dessas categorias teve relação com um dos aspectos do ensino da
alfabetizadora, o pouco tempo [que dava] para copiar as atividades:
rápido, coloca [...] no quadro e quer que a gente ali já olhe [...] e já [...] quer daqui a
pouco já quer que a palavra, por isso a gente não terminou, a gente tá olhando ali e
decorando o que tem ali pra gente fazer no caderno, né? [...] (Aluna Eva – Extrato da
Entrevista 5 – 15/12/2011).
Para Eva, a cópia envolvia o exercício de decorar e escrever aquilo que se encontrava
no quadro. É preciso lembrar que a cópia se constituiu como já visto, na atividade mais
corriqueira na prática das alunas. Finalmente, a última categoria, citada acima, era a de que a
professora não explicava direito. Isso se depreendeu da solução apontada pela própria Eva.
[...] Era o quê? Pra fazer e demorar um pouco, pra explicar também um pouco, assim
também fica um pouco difícil, né? (Aluna Eva – Extrato da Entrevista 5 –
15/12/2011).
A necessidade de uma explicação “um pouco” maior e “direita” dos assuntos, já havia
sido mostrada por Eva, no segundo diálogo acima, quando esta lembrou a fala de outro aluno:
Mesmo elas achando que as aulas são boas, às vezes mostram hesitação.
Para Eva e para Luiz (o único aluno homem da turma), sem uma explicação
contundente dos assuntos, ficava “difícil” a concretização do desejo deles de “aprender”, o
que lhes foi tolhido, pois não frequentaram a escola, como lembra abaixo:
Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação das aulas - 15/12/2011.
Aluna: Só que às vezes passa o correr do dia e a gente fica assim naquele corre-corre, às vezes de noite,
assim, com a cabeça meio perturbada, com dor de cabeça, aí eu digo: meu Deus! Me dá paciência, meu Deus,
pra mim aprender, que eu quero aprender, sabe pastor. Só que às vezes é umas letras muito difícil.
Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação de aula - 15/12/2011.
Pesquisador: Como assim?
Aluna: Eu e seu Luiz. Ela fala, assim: “[...] Ela quer que a gente aprenda rápido, mas não é assim. Ela tem
que ensinar direitinho as palavras [...], pra poder gente aprender [...]
181
Porque assim pra aprender rápido [...] pra gente fica um pouco difícil, pra gente que
[...] nunca foi pra uma escola, que nunca teve [...] quem incentivasse e aquilo tem
que a pessoa explicar direitinho (Aluna Eva – Extrato da Entrevista 5 – 15/12/2011).
Eva e Luiz não somente nunca foram à escola, como não tiveram nenhum incentivo
para estudarem e aprenderem.
Enfim, algo que também incomodou bastante as alunas foi às faltas da professora.
Como visto no capítulo 2, a porcentagem de falta correspondeu a 32,3% do total. Essas
ausências, segundo as alunas, trouxeram algumas consequências negativas para o aprendizado
delas, como disse Eva:
Para Eva, essas ausências não ajudaram no aprendizado, pois as alunas, inclusive ela,
esqueciam e tinham dificuldade com os conteúdos ensinados em sala de aula pela professora.
4.4 O que as alunas efetivamente aprenderam?
No início deste capítulo se apresentou o perfil inicial das mulheres da pesquisa. Agora,
se mostrará o perfil final delas em comparação com o inicial. Para tanto, lançou-se mão da
mesma diagnose, para saber os avanços em termos da escrita de palavras e verificar em que
nível de escrita cada aluna chegou ao final do PBA, e de entrevistas, para verificar o que elas
aprenderam.
Extrato da 56a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação de aula - 06/10/201.
Pesquisador: A senhora falava das dificuldades [...] por não ter havido muitas aulas.
Aluna: É, porque [...] a gente fica meia, assim, [...] às vezes de estar aprendendo a gente fica desaprendendo,
né? Porque na hora, assim, digamos [...] ler uma coisa todo dia, uma palavra todo dia e aí passa e aí passa
mais de 15 dias [...] e você já fica esquecida [...] sem saber o que está fazendo, né? Quando a gente vai, já fica
[...] a dificuldade, quando a gente volta.
182
4.4.1 EVA
Figura 1 - Diagnose inicial da aluna Eva (nível
silábico - alfabético) Figura 7 - Diagnose final da aluna Eva (nível
silábico - alfabético)
Eva, ao escrever as palavras na Diagnose Final (DF), continuava escrevendo algumas
correspondências silábicas convencionais, invertendo e omitindo letras como ela fez na
Diagnose Inicial (DI). Pode-se dizer que ela permaneceu na hipótese silábico-alfabética de
escrita.
Uma observação inicial é que embora Eva tenha escrito a palavra JABUTICABA com
o ‘J’ inicial, ela ainda permaneceu trocando o ‘j’ com o ‘g’, em termos de som, como mostra a
declaração que fez:
Extrato da 34a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita da palavra ‘jabuticaba’ - 13/06/2012.
Pesquisador: A senhora escreve os nomes das figuras, ‘jabuticaba’.
Aluna: [...] É um ‘g’. ‘Ja' é aqui na linha [...]? Jesus!
183
Eva não alterou a escrita da palavra CHUCHU, grafando-a com duas letras, achando
desnecessário repetir a sílaba, já que a palavra tem duas sílabas iguais. O comentário dela a
respeito da igualdade das duas sílabas da palavra está exposto abaixo:
Eva também continuou escrevendo GRAVIOLA com a letra ‘H’, provavelmente por
perceber que o som da primeira sílaba (‘GRA’) se parecia com o nome da referida letra, mas
acrescentou o ‘A’ no final da palavra, o que não havia feito na DI.
Nas palavras BETERRABA, CAJU e CENOURA ela omitiu a segunda letra da
primeira sílaba (as vogais ‘E’, ‘A’ e ‘E’ respectivamente), o que pode estar relacionado com o
fato do nome das letras apresentarem o som da vogal das referidas sílabas. Ela não tinha feito
isso com a palavra ‘cenoura’, na DI. No entanto, é de se destacar, que em ABACAXI ela
também omitiu o ‘A’, na segunda sílaba (como o fez na DI) e, no caso, isso não tem relação
com o nome da letra, mas talvez ela não achasse necessário repetir o ‘A’ tantas vezes, já que
ele aparece três vezes na palavra.
Em relação a palavra PÃO, Eva avançou desde a aplicação da DI, não escrevendo a
letra ‘U’ (influenciada pela maneira como ela lia a última letra, ou seja, o ‘O’ com som de
‘U’), mas escrevendo, sim, a vogal ‘O’, embora esta letra estivesse na posição invertida. Além
disso, ela não marcou a nasalização da palavra com o til. Finalmente, na palavra SAPOTI, ela
trocou o ‘O’ da segunda sílaba, pelo ‘U’ transcrevendo, dessa maneira, a forma como essa
palavra é falada.
Enfim, se destaca que Eva, ao terminar o Programa BA, não avançou em suas
hipóteses de escrita, uma vez que, por um lado, escrevia algumas correspondências silábicas
corretamente (as mais simples), e por outro, omitia e trocava letras ao escrever partes de
algumas palavras, correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente da
Extrato da 34a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’ - 13/06 /2012.
Aluna: E esse ‘chuchu’, como é essa palavra de ‘chuchu’? ‘Chuchu’, é o ‘c’, um ‘u’ e um ‘x’.
Pesquisador: A senhora acha que está faltando [letra]?
Aluna: Não sei. Eu acho que tá. E o ‘chuchu’ só é duas palavrinhas? ‘Chu’ ‘chu’, só? Só é duas palavrinhas?
[...]. Diga aí [se dirigindo ao seu filho que estava sentado no sofá].
Pesquisador: Não pode dizer [risos].
Aluna: [Risadas] não quer dizer não [que seu filho não queria dizer]?
Pesquisador: Pode não.
Aluna: ‘Chuchu’, ‘chuchu’, ‘c’ e ‘u’, ‘chuchu’. Li duas vezes ou é uma vez? ‘Chuchu’, ‘chuchu’, não sei,
meu Deus.
Pesquisador: Não tem segurança não [...]?
Aluna: Não, não tenho se está certo ou se está errado. Duas palavrinhas a gente fala feito Priscila [a
professora] fala, tá vendo? Eu falei quantas vezes? [Risadas].
184
consoante – vogal (CV) e também apresentou ausência de nasalização. Por saber o nome das
letras, em algumas sílabas ela apenas escreveu uma letra cujo nome correspondia ao som da
sílaba por não perceber ainda o princípio de que toda sílaba tem vogal.
4.4.2 Sara
Figura 2 - Diagnose inicial da aluna Sara (nível
silábico – alfabético) Figura 8 - Diagnose final da aluna Sara (nível
alfabético)
Na DF, Sara escreveu bem mais correspondências silábicas convencionais e realizou
menos omissões e nenhum acréscimo, contudo continuava realizando algumas trocas de
letras. Pode-se dizer que ela concluiu o ano na hipótese alfabética de escrita, embora tenha
escrito algumas palavras com omissão de sílabas. No entanto, na maioria das palavras, ela
grafou as sílabas de acordo com a estrutura CV ou só V.
185
Na palavra JABUTICABA, ela trocou o ‘J’ inicial pelo ‘G’ novamente, em virtude da
similaridade do som entre essas duas letras, mas ao contrário da DI, ela escreveu corretamente
agora a vogal da primeira sílaba.
A hesitação em escrever melancia (palavra que não escreveu toda) provavelmente se
deve a sua dificuldade de grafar a nasalização, sem til, da segunda sílaba. Como mostra o
depoimento a seguir:
Houve também avanço na escrita da palavra CHUCHU, escrevendo-a agora com duas
sílabas, embora tenha confundido o som do dígrafo ‘CH’ com a letra ‘X’. Não houve avanço,
porém, na escrita de GRAVIOLA, que Sara escreveu exatamente da mesma maneira que o fez
na DI, com a letra ‘H’. Como se viu anteriormente, Eva, de igual modo, preservou, na escrita,
o ‘H’. Finalmente, em CENOURA, Sara só escreveu o ‘C’ (diferentemente da DI), por haver
esquecido mesmo.
Extrato da 22a entrevista com a aluna Sara: sobre a escrita da palavra ‘melancia’ - 11/06 /2012.
Pesquisador: A próxima figura você disse que é ‘melancia’.
Aluna: ‘Melancia’ [longa pausa silenciosa].
Pesquisador: Está com dificuldade [...]?
Aluna: É, ‘melancia’ eu não sei não, pastor.
Pesquisador: [...] Quais são as letras aqui?
Aluna: [...] ‘M’ ‘e’.
Pesquisador: E essa última?
Aluna: [...] Sei não. Eu agora fiquei perdida [...].
[Ela interrompeu a escrita de ‘melancia’]
Pesquisador: ‘Melancia’ a dificuldade qual é [...]?
Aluna: Depois do.
Pesquisador: De quê?
Aluna: Depois do ‘e’, ‘lan’, ‘m’ ‘m’, sei lá.
186
4.4.3 Rebeca
Figura 3 - Diagnose inicial da aluna Rebeca
(nível silábico - alfabético) Figura 9 - Diagnose final da aluna Rebeca (nível
silábico - alfabético)
Na DF, Rebeca fez menos correspondências silábicas convencionais, em relação à DI.
Continuou fazendo trocas, omissões e acréscimos de letras. Ela permaneceu na hipótese
silábico-alfabética de escrita.
Na palavra JABUTICABA permaneceu fazendo a troca entre as letras ‘B’ e ‘D’, na
segunda sílaba, como na DI. Ela fez isso em virtude da proximidade de som, como fez nas
palavras BETERRABA, na primeira sílaba, ABACAXI, na segunda sílaba. Também efetuou
troca de letras em CAJU (que não havia feito na DI), entre o ‘J’ e o ‘G’.
As palavras CHUCHU e GRAVIOLA continuaram sendo uma dificuldade para
Rebeca. Na DI, ela grafou a primeira destas palavras com duas sílabas e omitiu o ‘H’, pela
187
dificuldade de não perceber que um fonema pode também ser representado por mais de uma
letra. Mas na DF, ela acrescentou mais letras na sílaba CHU: um ‘P’ e um ‘I’.
Já na palavra ‘GRAVIOLA’, Rebeca omitiu o ‘G’, por não conhecer esse tipo de
sílaba, consoante – consoante – vogal (CCV), mas não escreveu com ‘h’, como o fizeram Eva
e Sara.
Na palavra PÃO, Rebeca escreveu um ‘L’ no lugar do ‘P’, esquecendo como escrevia
o ‘P’, mas marcou corretamente a nasalização com o til.
Enfim, Rebeca avançou muito pouco e continuou na hipótese silábico-alfabética de
escrita uma vez que, por um lado, escrevia algumas correspondências silábicas corretamente
(as mais simples), e por outro, omitia, trocava ou acrescentava letras ao escrever partes de
algumas palavras, correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente da CV.
Extrato da 21a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’ - 12/06 /2012.
[...]
Aluna: O som é muito forte [...] pra mim, né? ‘Chu - chu’.
Pesquisador: É um som muito forte [...] por quê?
Aluna: Essa [...] palavra assim ‘chu-chu’.
Pesquisador: Por que ela é?
Aluna: Um ‘c’ com ‘u’ [começa a rir].
Pesquisador: A senhora acha que tem dificuldade por quê [...]?
Aluna: Porque pra mim está faltando alguma letra, pra chegar ao [...] ‘chu’ [...] ‘chu - chu’ [...].
Extrato da 21a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita da palavra ‘pão’ - 12/06/2012.
Pesquisador: Agora o pão.
Aluna: Eita, Jesus! O ‘pão’ é deste tamanhinho veja só.
Pesquisador: E é?
Aluna: O ‘pão’, a letrinha do ‘pão’ é mais menor que essa daqui [apontando para ‘melancia’].
Pesquisador: [Risadas].
Aluna: Se eu não estiver enganada, né? O ‘pão’ é meio complicado.
Pesquisador: A senhora acha complicado o ‘pão’?
Aluna: É. ‘Pão’ ‘p’ ‘o’. Vamos ver, né? ‘P’ ‘o’. ‘Ti’, ‘p’, não um ‘t’. ‘P’, ‘o’. Isso aqui está parecendo um ‘l’,
viu? [...]
Pesquisador: A primeira letra é o quê? Aluna: Um ‘p’ [...].
188
4.4.4 Raquel
Raquel também não avançou em suas hipóteses de escrita ao longo do PBA, como
pode ser observado nas atividades de escrita de palavras que foi solicitado que ela fizesse:
Figura 4 - Diagnose inicial da aluna Raquel
(nível silábico - alfabético) Figura 10- Diagnose final da aluna Raquel (nível
silábico - alfabético)
Pode-se observar que houve avanço na escrita de algumas palavras, como PÃO e
CAJU. Na escrita de outras palavras não houve qualquer mudança, como em ABACAXI e
GRAVIOLA. Nesta última, Raquel continuou insistindo com o ‘H’ como letra inicial da
palavra. As dificuldades que enfrentava no início do PBA permaneceram, como é o caso de
JABUTICABA, na qual ela ainda trocou o ‘J’ pelo ‘G’, e não se lembrava de como se
escrevia a letra ‘G’, como ilustra o extrato a seguir:
189
Na palavra CHUCHU, ela escreveu o ‘X’ e ‘C’, pois provavelmente procurou
diferenciar as sílabas. Raquel, como dito anteriormente, permaneceu na hipótese silábico-
alfabética de escrita uma vez que ainda escrevia poucas correspondências silábicas
corretamente, omitindo, trocando, invertendo e acrescentando letras ao escrever partes de
algumas palavras.
4.4.5 Rute
Rute, como Raquel e Eva, também permaneceu na hipótese silábico-alfabética ao
longo dos oito meses do PBA, como pode ser observado nas atividades de diagnoses (DI e
DF) apresentadas a seguir:
Extrato da 22a entrevista com a aluna Raquel: sobre a escrita da palavra ‘jabuticaba’ - 12/06/2012.
Pesquisador: Vamos escrever a palavra ‘jabuticaba’.
Aluna: Meu Deus do céu!
Pesquisador: Como é que a senhora acha que se escreve ‘jabuticaba’?
Aluna: [Pausa silenciosa mais longa], ‘G’, não sei nem como faz um ‘g’. Mostre um ‘g’ aqui, irmão
[Apontando para o cabeçalho da diagnose, especificamente da palavra ‘figura’]. É esse aqui o ‘g’, é?
Pesquisador: [Aguarda a escrita da palavra ‘jabuticaba’].
Aluna: Um ‘g’ parece um oito [risadas]. [...] Sei lá se eu sei fazer esse ‘g’. [Pausa silenciosa] Ficou um ‘g’?
Ficou um 2 [risadas].
[Passou um período atendendo ao telefone].
Aluna: Vai dar meia noite e eu não faço essa palavra.
Pesquisador: [...] Qual o ‘g’ da senhora?
Aluna: [...] Um ‘g’ [...] eu sei fazer um ‘g’ assim, olhe! Parecido com um ‘s’ [...].
190
Figura 5 - Diagnose inicial da aluna Rute (nível
silábico – alfabético) Figura 11 - Diagnose final da aluna Rute (nível
silábico - alfabético)
A escrita de Rute demonstra que ela avançou nas correspondências silábicas
convencionais, mas continuou fazendo trocas, omissão, inversões e acréscimos de letras. Ela
realizou trocas relacionadas às palavras JABUTICABA e SAPOTI e CENOURA, trocando,
respectivamente, o ‘J’ pelo ‘G’, na primeira palavra e o ‘S’ pelo ‘C’ na segunda. Já no caso de
‘cenoura’, mais uma troca foi feita, do ‘R’ pelo ‘L’, talvez porque leu a última sílaba da
palavra com ‘LA’ e não ‘RA’, conforme está expresso abaixo:
191
Finalmente, ao tentar escrever GRAVIOLA, cometeu o mesmo erro que fez na
primeira diagnose, usando na primeira sílaba a letra ‘H’. Embora fizesse uma distinção entre
as letras ‘H’ e ‘R’, Rute confundiu o uso delas, como nos falou:
4.4.6 Ana
Ana, no início do Programa, apresentava hipótese alfabética de escrita e no final do
ano conseguiu escrever uma quantidade maior de palavras com correspondências sonoras
adequadas, como pode ser visto em relação às palavras PÃO, CHUCHU e ABACAXI.
Extrato da 23a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘graviola’ - 04/10/2012.
Pesquisador: E a ‘graviola’?
Aluna: ‘Ga’ ‘vi’, um ‘h’ e um ‘i’, né?
Pesquisador: [...] Veja aí. Essa é uma palavra que a senhora considera difícil, é?
Aluna: É. ‘Ga’, ‘vi’, às vezes eu me confundo com o ‘h’ e o ‘r’, mas o ‘r’ é um e o ‘h’ é outro.
Pesquisador: [...] Se confunde na escrita, é?
Aluna: É. Sou medonha pra me confundir no ‘h’ [...].
[...].
Extrato da 23a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘cenoura’ - 04/10/2012.
Aluna: ‘Cenoura’, ‘cenoura’. “Xô” ver se eu sei fazer ‘cenoura’.
Pesquisador: [...] A borracha?
Aluna: Vou escrever no canto, pra ver se sei fazer. Eu não sei fazer nada, sai todo da minha cabeça [no
sentido de ‘esquecer’]. “Xô” ver se eu sei fazer ‘cenoura’.
[Ela escreveu no caderno primeiro e depois passava para a folha de ofício].
Aluna: [Pausa silenciosa] ‘Cenoura’ [mais pausa]. Saiu certo [...]?
Pesquisador: [...] Quais são as letras?
Aluna: ‘C’, ‘e’, ‘n’, ‘o’, ‘a’.
Pesquisador: A senhora acha que está faltando alguma coisa?
Aluna: Tô achando.
Pesquisador: O que é que está faltando [...]?
Aluna: ‘Ce – nou – ra’, ‘ce – nou – la’ [pausa]. É um ‘l’, não é?
Pesquisador: E onde fica esse ‘l’?
Aluna: Fica junto do ‘o’.
Pesquisador: Antes ou depois do ‘o’?
Aluna: Depois. [Pausa] Será que eu acertei.
192
Figura 6 - Diagnose inicial da aluna Ana (nível
alfabético) Figura 12 - Diagnose final da aluna Ana (nível
alfabético)
As duas palavras que Ana mais demonstrou dificuldades em escrever foram
GRAVIOLA e CHUCHU. Na primeira palavra, continuou usando o ‘H’ na primeira sílaba e
na segunda, ao contrário da diagnose inicial, escreveu corretamente, mas fez um comentário,
no mínimo engraçado:
A única troca realizada ocorreu na palavra CENOURA, entre as letras ‘C’ e ‘S’, em
virtude da semelhança entre os sons, como mostra o comentário da aluna:
Extrato da 15a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’ - 20/06 /2012.
Pesquisador: Vamos ver a segunda.
Aluna: Esse tal desse ‘chuchu’, viu?
Pesquisador: [...] Esse ‘chuchu’ é de Ana.
Aluna: Olhe o tal do ‘chuchu’ é ruim para comer, é um bicho ruim, um bicho feio e ruim de escrever [muitas
risadas].
193
Enfim, Ana continuou na hipótese alfabética de escrita uma vez que conseguia
estabelecer corretamente muitas correspondências grafofônicas nas sílabas, até mesmo em
algumas mais difíceis, mas ainda omitiu letras.
Diante do exposto, constatou-se que a maioria das mulheres não avançou no processo
de apropriação da escrita alfabética, permanecendo na hipótese silábico - alfabético. Somente
Sara avançou para o nível alfabético e Ana, que iniciou o ano nesse nível, conseguiu
consolidar algumas correspondências grafofônicas.
4.5 O que as mulheres escreviam ou não do seu próprio nome
Das três mulheres (Sara, Raquel e Ana) que iniciaram os estudos sem dificuldades na
escrita do nome, somente Raquel terminou apresentando dificuldades. E Rute, que havia
iniciado escrevendo o seu nome com dificuldades, avançou na escrita.
Sara escreveu o seu nome sem maiores dificuldades, embora o tenha escrito sem
espaçamento em relação ao seu primeiro sobrenome. Ana também escreveu seu nome sem
maiores dificuldades, mas continuou esquecendo-se de acentuar o segundo sobrenome. E
Rute, que na primeira diagnose apresentou dificuldades de escrever o seu nome, na última o
escreveu corretamente, mas grafou a primeira letra do seu último sobrenome em minúsculas e
de forma não muito legível.
A outra metade das mulheres revelou dificuldade em escrever corretamente o próprio
nome, a exemplo de Eva e Rebeca, embora Rebeca já estivesse escrevendo o seu nome
completo. Como dito anteriormente, Raquel regrediu na escrita do seu nome.
A escrita correta do próprio nome continuou, dessa maneira, sendo uma dificuldade
pelo menos para a metade das mulheres.
A seguir, se concluirá este capítulo destacando o depoimento das mulheres sobre as
expectativas reveladas por elas no início do Programa do BA.
Extrato da 15a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘cenoura’ - 12/06/2012.
Pesquisador: E a última: ‘cenoura’.
Aluna: ‘S’, ‘e’, ‘sse’, ‘sse’ [pausa silenciosa rápida] ‘ne’, ‘o’, ‘no’ [risadas], ‘cenoura’, sei lá dois ‘erres’ ou
é um.
Pesquisador: Dois o quê?
Aluna: Dois ‘erres’ ou é um ‘r’. [...] ‘C’, ‘e’, ‘ce’ [...], ‘n’, ‘o’, ‘rê’, ‘a’, ‘ra’. Tá certo?
194
4.6 As expectativas das mulheres foram atendidas?
No início deste capítulo se mostrou as expectativas das mulheres em relação à leitura e
à escrita. No que tange à leitura, a Bíblia foi o texto que as mulheres mais queriam ler. Outros
textos alvos de leitura foram o hinário, usado por suas igrejas, lista de supermercado e/ou de
uma forma genérica, tudo. No que tange à escrita, o gênero carta mereceu destaque. Além de
carta, as mulheres expressaram o desejo de escrever cartão (especialmente de Natal), um
bilhete, ensinar os filhos a escrever e, de forma abrangente, tudo.
Após se analisar as práticas dessas alunas propostas pela professora ao longo do
processo de escolarização, as mulheres, em alguns depoimentos, deram a sua opinião se essas
expectativas foram ou não atendidas. O primeiro quadro apresenta alguns dos AVANÇOS em
termo de leitura:
Quadro 19: Avanços das mulheres na leitura e na escrita
CATEGORIA EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE N
o
Soletrando letras do alfabeto. 6
Ajuntando mais as letras. -- -- 4
Leitura de algumas palavras da
Bíblia. -- -- 4
Leitura de pequenos trechos de
versículos bíblicos. -- -- 4
Leitura de palavras de folhetos para
a evangelização. -- -- -- -- 2
Leitura de trechos do Hinário. -- -- -- -- -- 1
Escrita de palavras pequenas. -- -- -- -- 2
A maioria das mulheres reconheceu que houve, sim, um avanço na leitura e na escrita.
Em relação à LEITURA, todas afirmaram que haviam aprendido ou intensificado a
capacidade de soletrar as letras do alfabeto, a exemplo de Eva que destacou esse avanço,
ainda no início do PBA:
Sara, como Eva, admitiu estar soletrando mais e chegou a alistar algumas coisas nas
quais tinha progredido:
Extrato da 11a entrevista com a aluna Eva: sobre os avanços na leitura - 19/12/2011.
Pesquisador: Você tem lido mais depois que começou a estudar? Aluna: Tenho. Antigamente eu não sabia nem assoletrar as letrinhas direito, mas agora, graças a Deus eu já
to assoletrando já. Pouquinho, assim, mas eu sei.
195
sei fazer tarefa, conta, assoletrando (...) lendo algumas coisinhas., assoletrando, né.
E outras eu não sei não (Sara – Entrevista 15 - 16/05/2012).
O referido avanço de Sara, porém, diz respeito especialmente ao soletrar letras, pois
existem “coisas” que não sabia ler. Rebeca falou sobre o avanço ao soletrar letras e, também,
no “ajuntar” essas letras:
E hoje em dia eu já conheço, assim, letras, já leio, já leio [...]. Antes de estudar com
a Priscila eu já sabia de letras, ajuntar, soletrar letra. (...) Já que eu tô com essa
escola, com esse projeto com a professora, tá melhorando mais, só que eu demoro
assim, quando eu tô sentindo doente aí eu venho demoro, passei 2 (duas) semanas
sem vim. Mas mesmo assim, em casa eu tento ler algumas coisas (Rebeca –
Entrevista 16 - 16/05/2012).
Houve segundo Sara, uma intensificação do que já sabia e justifica a “demora” no
aprendizado, com sua ausência nas aulas, em virtude de constantes doenças, mas destacou que
esteve se esforçando para ler em casa.
Algumas mulheres destacaram avanços na leitura da Bíblia, sua expectativa mais
proeminente. Eva, por exemplo, compreendeu esse avanço de duas maneiras. A primeira
como a leitura de algumas palavras da Bíblia:
As palavras que Eva afirmou estar lendo, na verdade, não eram todas as palavras e não
estavam sendo lidas com autonomia, porém sendo “decoradas” por ela. A despeito disso,
pessoas da família de igual modo perceberam melhoras na leitura, conforme Eva comentou
acerca do seu filho:
Extrato da 24a entrevista com a aluna Eva: sobre a leitura de palavras da Bíblia - 02/04/2012.
Pesquisador: E a Bíblia, como está a leitura? Aluna: A Bíblia também to decoran..., lendo umas palavrinhas.
Pesquisador: Mas todos os dias a senhora faz isso? Aluna: É, pego.
196
A segunda coisa citada por Eva em que ela avançou foi a leitura de versículos da
Bíblia:
A leitura a qual ela se referiu, na verdade, são pequenos trechos do versículo, pois até
aquele instante não havia lido um verso inteiro da Bíblia. Já Rebeca, por conta do seu desejo
de evangelizar pessoas, sempre teve como foco, além da Bíblia, a leitura de palavras de
folhetos para a evangelização, a qual ela disse que aumentou:
Rebeca, contudo, não lia o texto do folheto, mas apenas algumas palavras conhecidas
como JESUS. Apesar dessa dificuldade, sempre mostrou muita facilidade na comunicação
com as pessoas durante as atividades evangelísticas da igreja.
Finalmente, Ana foi a única a mencionar progressos na leitura, associado à leitura do
Hinário da sua igreja.
Extrato da 15a entrevista com a aluna Eva: sobre a leitura de versículos da Bíblia - 11/01/2012.
Pesquisador: Leu [...] a Bíblia? Aluna: A Bíblia eu peguei, mas li um versículo, não sei nem qual foi o versículo [...].
Extrato da 19a entrevista com a aluna Eva: a respeito da leitura de algumas palavras - 15/02/2012.
Pesquisador: [...] A senhora leu alguma coisa durante o dia? Aluna: Só isso aqui que eu fiz?
Pesquisador: Mas leu? Aluna: Li. A palavra que eu fiz foi a palavra São Paulo, Deus, Jesus e meu nome [escreveu no próprio
caderno dela].
Pesquisador: Esses nomes a senhora olhou ou escreveu sozinha? Aluna: Eu escrevi sozinha. Que eu já sei fazer Deus, Jesus e São Paulo foi que eu vim passar [começa a
tossir]
Pesquisador: São Paulo foi [...] aonde? Aluna: Passou na televisão. Eu li, não eu li, passou eu li São Paulo e aí eu escrevi aqui [...]. [...] Aí meu
filho disse: ela sabe ler, não ler que, quando não quer. Eu vi São Paulo aí eu fui logo botando aqui, corri e
peguei a caneta e fui fazer o nome aqui São Paulo [...].
Extrato da 10a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a leitura de folhetos para a evangelização - 14/02/2012.
Pesquisador: E antes a senhora fazia isso [...]? Aluna: Fazia [...]. Isso é que eu gostei é [...] palavra, assim, de folheto da igreja que eu pego, aí fico lendo.
Pesquisador: [...] Depois que senhora começou a estudar aumentou esse desejo de ler?
Aluna: Aumentou.
197
As “coisinhas” as quais ela se referiu são trechos do Hinário. Os hinos que Ana
conhecia por inteiro tinham sido memorizados.
A dificuldade com a ESCRITA sempre foi grande para todas elas e poucos avanços
aconteceram. Quase todas as mulheres continuavam concebendo a escrita como cópia, apesar
de afirmarem que estavam avançando nessa tecnologia, a exemplo de Rebeca e Raquel.
Eu tento escrever sozinha. Quando vou assinar o nome, o nome de meu marido que
é Marcos, nome de pessoas Maria, fico tentando fazer. Eu fico fazendo e fico
confusa, se estar certo ou se estar errado. Eu fico fazendo e fico apagando [...] aí
alguém eu mando ler. Que eu fico achando que não está nada certo, aí quando eu
mando um vizinho olhar, as meninas lá, “ela tá certo, você escreveu”, mas eu não
confio em mim mesmo. Tá lá a palavra e estou dizendo o senhor que não está dando
certo, num tá certo. Aí eu tenho de confiar em mim mesmo, né? Eu tenho que
confiar. Eu tenho que fazer, que eu vou fazer e vai da certo. Eu creio, em nome de
Deus, que vai da certo (Rebeca – Entrevista 4 - 21/12/2011).
Escrevo bastante (Raquel – Entrevista 7 - 19/12/2011).
Rebeca tentou escrever o nome do marido e de outra pessoa da família olhando para
um caderno, no qual estava escrito o nome das referidas pessoas. Mas como ela comentou
acima, sempre duvidava se tinha escrito corretamente. Já Raquel quase não escreveu em casa
e quando disse que tinha escrito muito, se referia às atividades de cópia na escola.
Ana e Sara foram as únicas mulheres que reconheceram explicitamente algum avanço,
mencionando a escrita de palavras pequenas, como é o caso de Ana:
Os avanços supramencionados, no entanto, foram insatisfatórios. Na verdade, elas
admitiram que algumas das suas expectativas fundamentais ainda não haviam sido atendidas.
O Quadro 20 destaca o NÃO AVANÇO das alunas.
Extrato da 09a entrevista com a aluna Ana: avaliação das aulas - 09/01/2012.
Pesquisador: Você tem escrito mais depois que começou a estudar?
Aluna: É, essas palavrinhas pequenininha eu sei escrever, né?
Pesquisador: [...] Que palavrinhas a senhora se lembra? [...].
Aluna: [...] ‘bola’, ‘tatu’ [...] ‘sapo’.
Extrato da 14a entrevista com a aluna Ana: avaliação das aulas - 11/04/2012.
Pesquisador: E o Hinário?
Aluna: Ah! Eu já tô aprendendo umas as coisinhas
Pesquisador: A senhora está me devendo cantar um hino?
Aluna: Ah! Eu não sei cantar sem Harpa não? [...].
198
Quadro 20: O não avanço das mulheres na leitura e na escrita
CATEGORIA EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE No
Não consegue ler palavras acima de
três sílabas. 6
Não lê tudo que deseja. 6
Não lê todos os textos diferentes da
Bíblia. 6
Não lê versículos inteiramente. -- -- -- -- 2
Não entende o que lê da Bíblia. -- -- -- -- 2
Não consegue ler o Hinário. 6
Não consegue evangelizar com a
Bíblia e/ou folhetos evangelísticos. -- -- -- -- 2
Não escreviam o que queriam 6
Fé na aprendizagem da leitura e da
escrita. 6
Em termos de LEITURA, uma expectativa normalmente explicitada por todas, mas
especialmente por Ana era ler palavras designadas por ela de “grandes” (acima de três
sílabas):
No capítulo 3, inclusive, Ana afirmara que a não leitura de palavras “grandes” era a
razão principal dela se ver como analfabeta. O propósito delas, no final, era ler tudo, como
costumeiramente Sara chamava atenção, mas que não se concretizou, deixando-a muito
preocupada:
Aí eu fiquei pensando a semana todinha. Digo: meu Deus do céu, me ajuda! Porque
[...] eu fiquei pensando: não sei ler, ler completamente, assim, tudo (Sara –
Entrevista 15 - 16/05/2012).
A preocupação de Sara era tão grande que orava a Deus pedindo ajuda para ler.
No que tange à Bíblia, não conseguiam as mulheres ler textos diferentes. Rebeca
afirmou isso pelo menos em dois momentos depois do término do PBA:
Extrato da 9a entrevista com a aluna Ana: avaliação das aulas - 09/01/2012.
Pesquisador: Mas, outras palavras que a senhora tem dificuldade? Aluna: Só as palavras grande.
Pesquisador: A senhora se lembra de alguma?
Aluna: ‘Rio’.
Pesquisador: Rio?
Aluna: Rio é pouquinho, né? Qual a grande, meu Deus? ‘Armário’ ‘geladeira’.
Pesquisador: A senhora tem dificuldade?
Aluna: É.
199
O desejo recorrente dela era mesmo ler mais, “meditar mais” e não ficar restrita à
leitura de palavras isoladas. Mas enquanto isso não ocorria, às vezes, as mulheres
demonstravam uma aparente atitude evasiva, conforme os depoimentos abaixo:
[...] Tenho lido algum textozinho [da Bíblia], porque eu não tenho leitura [...]
(Rebeca – Entrevista 33 - 23/09/2012).
A Bíblia eu dou uma olhadinha (Ana – Entrevista 14 - 11/04/2012).
Permaneceu, porém, o desejo intenso de ler a Bíblia, apesar das limitações, como
demonstrado por Eva:
Mesmo não conseguindo ler os versos pretendidos, Eva contemplava os textos diante
de si com alegria, “prazer” “achando bonito” cada versículo, pois compreendia que estava
diante da ‘Palavra de Deus’. Enquanto Eva contemplava, Sara recorria a pessoas da família
para que fizessem a leitura dos textos bíblicos para ela, especialmente ao seu filho de 10 (dez)
anos para fazê-lo:
Extrato da 24a entrevista com a aluna Eva: acerca da dificuldade de ler textos da Bíblia - 02/04/2012.
Pesquisador: Quantas vezes ao dia? Aluna: Assim, quase, uma, umas duas vezes. Ai quando eu tô [...] corro pra pegar a minha Bíblia. Ao menos
eu sinto um prazer de tá com ela, sabe? Fico com ela às vezes aberta, olhando um salmozinho, Mateus [...].
Acho bonito aquele versículo: viver [murmúrios], não é Mateus não [pausa], parece que é, ou é Mateus ou
Atos.
Extrato da 23a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a dificuldade de leitura da Bíblia - 12/06/2012.
.
Pesquisador: Os desejos da senhora, no caso, primeiramente ler a Bíblia [...] foram alcançados, após
esses 8 meses de estudo?
Aluna: Pouquinho [...].
Aluna: [...] Assim, do meu desejo tá pouco [de ler outras coisas]. Pesquisador: Como é que a senhora se sente?
Aluna: Muita dificuldade [...] ainda. Assim, eu me acho com muita dificuldade [...].
Extrato da 33a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a dificuldade de leitura da Bíblia - 23/09/2012.
.
Pesquisador: [...] A leitura da Bíblia a senhora tem feito? [Pausa da parte dela] A senhora tem lido a
Bíblia?
Aluna: [...] Não me considero “analfabeta”, né? Porque já aprendi a fazer o nome e já tô lendo alguma
coisa, mas só muito pouco mesmo. E todos os dias eu tô lendo um pouquinho da Bíblia [...] sempre eu leio
uma palavra [...] e orando e pedindo a Deus que aprenda mesmo ler, pra meditar mais a Palavra do Senhor.
200
Outra prática de Sara era “orar a Bíblia”, ou seja, aprendeu um princípio importante
nos ensinamentos da sua igreja: que toda a vida cristã, a exemplo da prática constante da
oração, tinha a Bíblia (a ‘Palavra de Deus’) como a sua referência fundamental. As
dificuldades de leitura permaneciam inclusive para o filho de Sara, e a grande expectativa
dela, de ler a Bíblia, ficaria para uma posterior concretização.
Uma última observação a respeito da Bíblia apontou para a necessidade de
compreendê-la e não só lê-la, como enfatizou Ana:
Ela não se contentava em ler somente. Sabia que tinha pela frente outro desafio:
compreender o texto, que no mundo evangélico passa pelo caminho da interpretação ou, mais
tecnicamente, pelos princípios da hermenêutica do texto lido. Enquanto demonstrava
dificuldades na leitura, Ana não ia à Escola Bíblica Dominical, mas pensava em frequentá-la,
pois acreditava que ali superaria a sua dificuldade de entendimento do texto bíblico.
Extrato da 12a entrevista com a aluna Sara: sobre as dificuldades de leitura de textos da Bíblia - 08/05/2012.
Pesquisador: Tem pegado a Bíblia para ler diariamente? Aluna: Quando eu estou em casa eu fico lendo umas palavrinhas da Bíblia, à noite eu oro com a Bíblia. Todo
o dia eu pego na Bíblia de noite para orar.
Pesquisador: Você pega o versículo e tenta ler [...]? Aluna: É, tento ler.
Pesquisador: Tá conseguindo ler o versículo? Aluna: Tô, vou aos pouquinhos, vou lendo, vou lendo, também mando Luiz também ler.
Pesquisador: Manda quem ler? Aluna: Luiz. É meu filho
Pesquisador: A idade de Luiz é? Aluna: Dez/10 anos.
Pesquisador: Ele já sabe ler? Aluna: Mais ou menos.
Pesquisador: [...] Mas consegue ler o versículo direitinho?
Aluna: [...] Consegue.
Extrato da 14a entrevista com a aluna Ana: avaliação das aulas - 11/04/2012.
Pesquisador: E a Bíblia, como está [a leitura] [...]? Aluna: [...] A Bíblia eu dou uma olhadinha, assim, mas eu não entendo bem não, viu?
Pesquisador: Você disse que pra ler está sendo fácil.
Aluna: Eu estou lendo, mas não estou entendendo o que eu tô lendo, tá entendendo?
Pesquisador: Na Bíblia?
Aluna: É.
Pesquisador: Mas consegue ler o versículo?
Aluna: É. Agora eu tenho que ir para a Escola Bíblica Dominical. Pra eu aprender lá.
Pesquisador: A senhora acha que indo, a senhora vai entender? [...].
Aluna: Ler a pessoa lê, agora a pessoa não tem que entender o que está lendo, não é?
201
Outras duas mulheres, todavia, ainda demonstraram mais fortemente um pessimismo
em relação à leitura em geral: Raquel, que quando perguntada sobre como andavam as suas
leituras, respondeu que estava “uma negação” e chegou a perguntar ao pesquisador: “o que eu
faço pra poder, ler irmão?”, para depois completar: “meu Cristo amado!”. Já Rute, disse que
lia o seu nome, mas ao mesmo tempo afirmou: “[...] Eu não sei ler [...] ler uma palavra
correta”.
Outra expectativa não atendida e destacada por Sara e Eva esteve associada à leitura
do Hinário, conforme diálogos abaixo:
Pelo fato de não ler, as mulheres, a exemplo de Sara, continuavam praticamente
aprendendo os hinos e músicas por meio de uma atitude de escuta ou, como disse Eva,
guardando as letras “no coração”. Esta última aluna mais uma vez revelou, depois de três
meses do término do Programa, o seu profundo desejo de cantar, de “aprender para cantar”,
pois até aquele momento não havia concretizado sua “vontade”.
Eva e Rebeca revelaram algumas vezes um forte desejo de ler folhetos evangelísticos,
como bem expressou Rebeca:
[...] Eu não vou inventar [...]. Eu não tenho como dizer tô lendo, porque como eu
disse, né? Eu tenho dificuldade pra ler corretamente, mas eu vejo, assim, que a
Bíblia está no nosso coração, né? A Bíblia está no nosso coração, na nossa mente.
Os outros lê, medita, fala pra nós, o senhor [o pastor] passa a Palavra, e a gente
recebe, guarda, medita, então, minha Bíblia é o meu coração, porque guardo a
Palavra de Deus no meu coração. Não sei ler corretamente, mas não eu vou deixar
de trabalhar para o Senhor. Onde eu andar, é no ônibus, é na estrada, é de serviço,
onde eu tiver, é falando de Jesus. Deus traz aquela Palavra eu vou [e] dou para
aquela pessoa. E eu acho, me sinto muito feliz. Não me sinto vergonhosa,
envergonhada, né? Por causa de, porque não sei ler a Bíblia [...]. Eu não sou muito
de me incomodar, porque eu não sei ler, mas pretendo ler, em nome de Jesus, porque
muitos que lê, que tem leitura, não se incomoda de ler a Bíblia. Aí eu vejo, assim,
meu Deus, fico olhando, assim, que coisa [...]! Eu queria tanto ler corretamente,
assim, chegar na Palavra e tá, tá, tá [ler rápido], mas ao mesmo tempo, como eu tô
Extrato da 28a entrevista com a aluna Sara: sobre a dificuldade de ler e ouvir hinos no culto dominical à noite
- 12/08/2012.
Pesquisador: Você não consegue cantar [os hinos]?
Aluna: Não, só sei escutar. [...]
Extrato da 41
a entrevista com a aluna Eva: sobre o que se cantou da coletânea [e do hinário] no encontro de
oração e consagração - 18/08/2012.
Pesquisador: [...] A senhora ouve e guarda [as músicas e os hinos]?
Aluna: É, no coração, aquele, uma vontade de cantar, tenho uma vontade de aprender para cantar [...].
202
dizendo, já que eu guardo tanto no coração, o meu coração eu vejo que é a Bíblia.
Que o senhor [o pastor] passa uma Palavra para mim, aquela Palavra eu vou guardar,
vou meditar e lá na frente eu já pego uma pessoa, né? Que não é cristão e eu passo,
eu não sei como, Deus passou pra mim aquela Palavra e eu guardei, meditei, então,
eu não fico triste, né? Não me revolto, né? Eu não sei ler, e agora? De repente eu tô
na rua, assim, dou uma Palavra, dou um folhetozinho, Deus vai explica ali. Ainda eu
explico aquela Palavra e o povo fica, assim, meu Deus eu falei coisa mesmo e as
pessoa, chegar, assim, obedecer a Palavra que Deus, que Deus manda na minha
boca, que sai da minha boca! É Ele, não sou eu. Amém? [começa a rir e o
pesquisador a chorar] (Rebeca – Entrevista 25 - 10/07/2012).
A fala de Rebeca acima se alinhava com a das outras mulheres no que tange às
dificuldades na leitura da Bíblia. Mas como Rebeca participava e ouvia frequentemente os
estudos e mensagens nos eventos da igreja, tinha uma atitude no ouvir e guardava a Palavra
no seu “coração” e na sua “mente”, como costumeiramente dizia. Portanto, não se
envergonhava de não saber ler e não via em suas dificuldades um motivo para “deixar de
trabalhar” para Deus, isto é, de evangelizar ou anunciar a mensagem do Evangelho a todas as
pessoas e em todos os lugares por onde andasse, embora acreditasse que ainda conseguiria ler
com a ajuda de Deus, para poder usá-la em sua vida pessoal, nos encontros da igreja e em
suas ações evangelísticas.
A resistência em ESCREVER continuava bastante acentuada entre as mulheres.
Após alguns meses depois do término do BA, Eva ainda afirmava que em relação à
escrita, ela não sabia “escrever direito” e que só deixaria de ser analfabeta no momento em
que ela tivesse condições de “pegar um lápis e fazer uma carta”. Sara entendeu que a sua
expectativa de escrever “tudo”, como cartas e ajudar os seus filhos a fazer as suas tarefas, não
se concretizou e que só deixaria de ser analfabeta quando isso ocorresse. Apesar de Rebeca
falar dos seus avanços na escrita do seu nome, permaneceu com algumas dificuldades nessa
escrita. Raquel, que sempre hesitou em escrever qualquer coisa, reconheceu que a única coisa
que aprendeu de verdade foi “fazer” o seu “nome”, não concretizando um dos seus desejos, a
escrita da lista de compras do mês. Ana apresentou certos avanços na escrita, mas continuava
achando a escrita algo difícil. Finalmente, Rute disse que não houve avanços na escrita, senão
na escrita do nome, pois segundo essa aluna, “mal sabia escrever o [seu] nome” e apontou 2
(duas) questões sobre o seu não avanço: a primeira delas era que “não” sabia “escrever uma
coisa”. A segunda questão era que ela achava “que uma pessoa escrevendo só o nome não
pode dizer que (...) não é analfabeta. É sim”, discordando de Raquel, que achava a escrita do
nome a razão de alguém não ser analfabeta.
203
Mesmo com todas as suas limitações históricas e atuais no campo da leitura e da
escrita, todas as mulheres tinham fé na aprendizagem dessas tecnologias, como sintetizou
Eva:
Essa confiança na aprendizagem se manifestou da seguinte forma: o primeiro aspecto
é que havia a convicção de que Deus concretizaria as suas expectativas em relação à leitura e
à escrita. Isso fica claro nas expressões “Deus vai (...) abrir minha mente”, “que Deus me
ensine direitinho”, “Deus me ensina, me diga, meu Deus (...)!”, “vou encontrar com o Criador
me ensinando”, “Encontrei, (...) lembrei, Deus me lembrou” e “já, já eu encontro, com a graça
de Deus”. Esse otimismo das mulheres estava relacionado, mui provavelmente, com a fé e
esperança demonstradas por elas em todos os aspectos de sua vida, inclusive quanto ao
aprendizado da leitura e da escrita. Um segundo aspecto era que orações eram feitas
constantes e perseverantemente pedindo a Deus que suas expectativas fossem atendidas. Um
penúltimo aspecto dizia respeito ao desejo de Eva querer sabedoria, pois não a possuía “como
[...] queria”. Sabedoria aqui entendida como a capacidade de ler. Finalmente, o propósito final
de aprender a ler [e escrever] era “fazer tudo de melhor para Deus!”.
Enquanto os seus desejos não se concretizavam, a maioria das mulheres demonstrava
muita tristeza, como Eva chegou a expressar:
Extrato da 36a entrevista com a aluna Eva: sobre a fé que alcançará sabedoria –10/07/2012.
Aluna: [...] O povo pensa que eu não sei ler, meu Deus! Eu não sei ler, mas eu fico prestando atenção [...],
imagine se eu não tivesse esse problema de cabeça [...] eu acho que eu tinha muita sabedoria, viu? Às vezes eu
fico assim...
Pesquisador: E a senhora acha que não tem sabedoria [...]?
Aluna: Eu tenho sabedoria, o senhor acredita? Eu tenho sabedoria, mas não como eu queria.
Pesquisador: E a senhora acha que vai conseguir como [...]?
Aluna: Eu acho que Deus vai [...] abrir minha mente. Jesus vai abrir minha mente e me dar sabedoria, que eu
peço a Ele, tenho pedido.
Pesquisador: Para quê? Abrir a mente para quê?
Aluna: Pra ler. Ler a Bíblia [...], que Deus me ensine direitinho como é que eu vou ler, como é que eu vou ter
que aprender. Eu pergunto a Deus o que ele quer [...] que eu faça pra Ele. Eu falo com Deus. Deus me ensina,
me diga meu Deus [...]! Eu quero fazer tudo de melhor para Deus!
Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o assunto do estudo bíblico - 18/08/2012.
Pesquisador: [[...] Eva está no Novo Testamento, folheando, procurando o livro, que foi utilizado pela manhã
[...]].
Aluna: [Pausa longa] Deus, Pai todo poderoso!
Pesquisador: Não está encontrando não [...]?
Aluna: Criador, vou encontrar com o Criador me ensinando, vou abrir aqui, já, já eu encontro, com a graça de
Deus [pausa mais longa]. [...].
Pesquisador: Como foi que a senhora encontrou?
Aluna: Encontrei, [...] lembrei, Deus me lembrou, mas eu estou procurando, [...] encontrei Efésios.
204
Eva, então, se sentia “triste” e chorava quando pedia a ajuda de seu filho na leitura de
um versículo da Bíblia e ele, inicialmente, não a ajudava no que ela se abateu profundamente.
Nesse momento, expressou mais uma vez o desejo de ler a Bíblia e disse:
meu Jesus! Eu queria saber ler, abrir essa Bíblia e ler todinha. Aí eu acho que a
minha vida era só [pausa], eu acho que eu louca de tanto ler a Bíblia se eu soubesse
ler [dá várias gargalhadas] (Eva – Entrevista 39 - 22/07/2012).
Dois meses depois da entrevista acima, Eva continuou fazendo planos em relação à
leitura da Bíblia e não queria morrer sendo analfabeta:
[...] Se eu soubesse ler de verdade, se eu soubesse ler, tivesse [barulho de fogos], eu
não parava de ler, de ler a Bíblia não. Eu de quando em quando dou um pulinho
quando eu levanto de manhã, eu pego ela, essa Bíblia e medito, fico orando e
soletrando as letrinhas, meu Deus! [...] Saber ler pra aprender alguma coisa [...]
ANTES DE EU MORRER, EU NÃO QUERO MORRER ANALFABETA NÃO.
NÃO É NÃO? (Eva – Entrevista 46 - 23/09/2012).
Apesar desses avanços ela reconhecia a sua falta de autonomia na leitura, já que não
conseguia ler “sozinha”:
Extrato da 39a entrevista com a aluna Eva: sobre sua tristeza em não saber ler –22/07/2012.
Pesquisador: [...] O seminarista [na EBD] perguntou [...] se a senhora sabia ler? O que [...] a senhora
disse?
Aluna: Eu disse que não [começa a rir].
Pesquisador: Como?
Aluna: [Ainda rindo] Eu disse que não, porque era pra mim ler, Jesus. Aí eu disse que não, Jesus.
Pesquisador: Como a senhora se sentiu?
Aluna: Eu senti triste [começa a chorar].
Pesquisador: É.
Aluna: Triste, é, porque eu queria ler. É tão bom, Deus [...] eu chorei, assim, tava com a Bíblia, que eu só
vivo com a Bíblia na mão, agora, direto. Minha vida até quando eu vou pra fora eu vivo com a Bíblia debaixo
[...], na mão, aí aquilo eu me sinto tão triste [...]. Aí eu pedi [a seu filho] [...] aí [ele] não quis ensinar, aí eu
disse, assim, tá bom, meu filho, [...] eu disse: tá bom, meu filho, Deus lhe abençoe! [...] Aí depois ele se
arrependeu, aí eu digo: peça perdão do que eu peço pra você fazer pra mim, que você não faz. Ai ele disse:
“venha, venha” [...] como se ele ficou arrependido, ele disse: “venha, venha que eu vou lhe ensinar agora eu
não vou dizer mais nada não” [...]. Aí Deus tocou na mente dele e que ele disse: “eu não vou falar mais nada,
vou lhe ensinar direitinho com paciência, venha!”. Aí eu fiquei chorando, eu disse, tá bom [...], depois meu
filho. Quando Deus me consolar eu quero que você me volte a me ensinar, mas agora eu não vou querer não,
porque ele me magoou, sabe? [...] Da pessoa chamar a pessoa sabendo que a pessoa não sabe, aí eu me sinto
triste [chorou rapidamente]. Mas depois ele me ensinou [...] pediu perdão a mim [...]. Eu sei que meu filho é
nervoso [...] Aí eu disse a Deus: dá paciência a meu filho e a mim. Aí naquilo eu não disse nada a ele não, eu
só chorei [continua chorando]. [...] Tenha paciência com sua mãe, sua mãe tá ficando numa idade avançada
[continua chorando] [...]. [...] Era a Palavra [...]. Eu tava lendo aonde meu Deus, na Bíblia, Jesus? [Não se
lembra].
205
então, ainda, enquanto eu não desvendar mais e não souber ler uma [...] palavra
sozinha, só, sem ajuda de ninguém, toda, ainda me sinto [“analfabeta”] (Rebeca –
Entrevista 16 - 16/05/2012).
No capítulo seguinte, se focalizará as experiências de leitura e escrita de apenas três
das mulheres, no espaço da igreja, destacando suas especificidades e relações com as práticas
de leitura e escrita na escola.
206
CAPÍTULO 5: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES FORA DA
ESCOLA: O ESPAÇO DA IGREJA
No capítulo 4 se considerou as práticas de leitura e escrita das 6 (seis) mulheres
envolvidas na pesquisa, no espaço da escola. Como as mulheres sempre demonstraram
interesse em ler a Bíblia, bem como outros textos relacionados aos eventos na igreja, neste
capítulo o foco é analisar práticas de leitura e indícios de usos da escrita nesse espaço e,
também, em que medida essas práticas foram influenciadas pelo processo de escolarização.
Para tanto, se destacará apenas três das mulheres - Eva, Sara e Rebeca - que se reuniam na
mesma igreja, conforme anunciamos na metodologia.
5.1 Práticas de leitura e escrita na igreja ANTES de entrar na escola
Antes do ingresso das mulheres na escola, elas já se envolviam em experiências de
leitura e escrita na igreja e desenvolviam estratégias no uso de materiais como a Bíblia, o
Hinário, folhetos evangelísticos e coletânea de cânticos.
5.1.1 Práticas de leitura
Ao contrário da escola, na qual as mulheres se envolveram mais com a escrita, na
igreja a proeminência recaiu na leitura, como de fato ocorre no protestantismo em geral, no
qual o ato de ler é algo essencial. O quadro abaixo destaca as principais leituras feitas pelas
mulheres antes de iniciarem seus estudos:
Quadro 21: Leituras realizadas na igreja ANTES do ingresso na escola
LEITURAS ALUNAS ESPAÇOS
CASA IGREJA
Leitura de versículos específicos da Bíblia Eva e Sara
Leitura do Hinário Eva e Sara --
Lições na Escola Bíblica Dominical Eva e Rebeca --
Leitura de folhetos evangelísticos Rebeca --
Leitura de coletânea de cânticos. Todas --
De acordo com as informações do Quadro, todas as mulheres se envolveram com pelo
menos um material de leitura na igreja. Eva se envolveu com a maioria dos materiais, Rebeca
207
e Sara com um pouco mais da metade. É de se ressaltar que Sara havia perdido o Hinário e
Rebeca, recém-chegada à igreja, não possuía ainda a Bíblia nem o Hinário. O (a) professor (a)
ou a liderança, em geral, sempre solicitava que lessem a Bíblia (alguns textos), em razão das
lições da Escola Bíblica Dominical (EBD) e dos estudos bíblicos, o que Eva e Sara
procuravam atender. Outra solicitação era que lessem os folhetos evangelísticos, antes de
entregá-los a alguém, mas só Rebeca fazia isso.
5.1.1.1 A leitura da Bíblia
Como se disse mais de uma vez, as mulheres consideravam a Bíblia como o principal
texto alvo de leitura ou até mesmo o único motivo de estarem na escola. O quadro a seguir
identifica alguns elementos relacionados à leitura da Bíblia:
Quadro 22: Relação com a Bíblia e sua leitura ANTES do ingresso na escola
CATEGORIA EVA SARA REBECA TOTAL
Possuía a Bíblia. --- 2
Levava a Bíblia para a igreja. --- 2
Conhecia a maioria dos livros da Bíblia. -- -- 1
Conseguia encontrar vários livros da Bíblia. -- 2
Lia palavras já conhecidas da Bíblia. 3
Eva e Sara adquiriram a Bíblia desde que se tornaram evangélicas. Rebeca, como já
anunciado, não possuía a Bíblia, nem mesmo em casa. Sara, apesar de trabalhar durante o dia,
mantinha uma frequência de leitura da Bíblia quase que diária em sua casa e fazia isso
geralmente à noite. Já Eva fazia as suas leituras numa frequência de três a 4 quatro dias e
normalmente fazia isso no início da tarde e eventualmente pela manhã.
Eva e Sara sempre levavam a Bíblia para a igreja (Eva sempre a leva em sua bolsa,
enquanto Sara a conduz em sua mão). Eva declarou no segundo dia de aula, inclusive, que
sempre levou a Bíblia para a igreja:
eu levo, mesmo sem saber ler. Sei abrir a Bíblia [...] (Aluna Eva - Aula 1 –
11/10/2011).
208
Ela admitiu não “saber” ler, mas afirmou que sabia abrir a Bíblia, ou seja, conseguia
encontrar a maioria dos livros das Escrituras quando estava presente nos eventos da igreja.
É muito importante, quando as meninas manda. Na igreja mesmo, quando o pastor
manda ler: leia aí esse versículo aqui, eu li. De Jonas, eu li; qualquer um, li;
Deuteronômio, li; Isaías, li; I Coríntias, eu li [...] (Eva – Entrevista 1 – 12/05/2011).
Duas observações aqui são necessárias: a primeira é que Eva mostrava familiaridade
com praticamente a maioria dos livros da Bíblia, quando afirmava: “qualquer um li”; e,
também, quando citava livros tanto do Antigo como do Novo Testamento. A segunda
observação é que ela dizia que lia, mas na verdade fazia tentativas de leitura de algumas
palavras e não o versículo inteiro. Por isso, para Eva era insuficiente somente identificar os
livros da Bíblia, já que ela desejava ler a “Palavra” (o conteúdo da Bíblia), conforme exprime
adiante:
E aí aquilo eu fico assim: meu Deus, eu queria saber ler, pra ler essa Palavra! (Eva –
Entrevista 1 – 12/05/2011).
Finalmente, as mulheres afirmavam que já conheciam algumas palavras da Bíblia. Na
leitura de palavras e nas tentativas de leitura de versículos da Bíblia, as mulheres recorreram a
algumas ESTRATÉGIAS nos eventos da igreja e, também, no espaço da casa, conforme o
quadro abaixo:
Quadro 23: Estratégias usadas na leitura da Bíblia ANTES do ingresso na escola.
ESTRATÉGIA ALUNA (S)
Olhar o nome do livro bíblico no lado esquerdo e/ou direito na parte superior da folha.
Eva e Sara
Identificação do nome dos livros bíblicos pelas suas letras.
Olhar o índice para encontrar os livros bíblicos.
Olhar para a Bíblia de outra pessoa para encontrar o livro bíblico desejado. Todas
Pedir ajuda de alguém para abrir no livro bíblico desejado.
Uma primeira estratégia de duas das mulheres era olhar acima da folha o nome do
livro bíblico. Praticamente em todas as Bíblias impressas o nome do livro bíblico
correspondente está escrito no alto de cada folha (acompanhado do(s) seu(s) capítulo(s)), seja
à direita, numa parte da folha, seja à esquerda, na parte de trás da mesma folha. Essa
estratégia facilitava a identificação do livro mais rapidamente, uma vez que uma pessoa com
dificuldade de ler, ao folhear o seu Texto, pode vê-lo escrito várias vezes e não somente uma
209
vez, na folha inicial de apresentação desse mesmo livro. É o caso de Sara, que encontrou um
texto do Evangelho de João, embora com alguma dificuldade:
A dificuldade de Sara se relacionava ao fato dela só encontrar livros bíblicos cujos
nomes estivessem na categoria chamada por ela de “palavra fácil”:
os versículos, assim, eu não sei, não. Mas se for só assim no nome, assim, no livro
da Bíblia eu sei. Se não for muito difícil, né? Se for, assim, João, Pedro, Mateus,
Lucas, Marcos, esses aí, eu já sei (Sara - Extrato da entrevista 2 - 05/10/2011).
Sara citou alguns dos livros bíblicos e só do Novo Testamento (NT), pois suas leituras
da Bíblia eram inconstantes, frequentava bem menos os eventos da igreja e tinha mais
familiaridade com os livros do NT, ao contrário de Eva, que encontrou um livro do Antigo
Testamento (AT), incomum para Sara:
Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre uma atividade com a Bíblia - 05/10/2011.
[...] Pesquisador: [...] Se eu pedir para você abrir [...] no livro de João, você abriria?
Aluna: [Aluna procurando].
Pesquisador: Você encontrou?
Aluna: Encontrei [após algum tempo passando o dedo acima da folha]
Pesquisador: [...] No início você tentou abrir [...] logo na [...] parte [...] primeira da Bíblia [no Antigo
Testamento]. Por quê?
Aluna: [pausa] Não sei, porque eu tava procurando. [...]
Pesquisador: Então, você não sabia bem onde ficava?
Aluna: É, realmente. [...].
Extrato da 2a entrevista com a aluna Eva antes do ingresso na escola: sobre informações gerais - 18/09/2011.
Pesquisador: [...] Certa vez nós estávamos lá no templo, no estudo bíblico, [e foi aberta] a Bíblia no
livro de JEREMIAS, e eu percebi que a senhora abriu rapidamente e a senhora me disse que abriu
rapidamente, porque o nome JEREMIAS começa com G, certo? Agora a senhora está com a sua
Bíblia em mãos [...], a senhora conseguiria abrir em JEREMIAS? Aluna: Vou procurar agorinha, viu? [Abre a Bíblia e procura o livro, como ela fez na igreja, olhando para
parte superior da folha o nome de Jeremias]. Pesquisador: [...] Ela já conseguiu rapidamente, não é Eva [...]? Aluna: Jeremias 49. Pesquisador: Jeremias, 49. Aluna: E o verso deixe eu ver, o verso! [Pausa] 36, 37, 38 [todos rindo], 39, 40, 41, 42,43, 44, 45, 46, 47
[...], 49, cadê 48?[...] Pesquisador: Jeremias começa com G [...]? A senhora disse que começava com G. Aluna: É, ‘gê’ ‘e’. [...] ‘jota’[...]. Pesquisador: Começa com ‘g’ ou começa com ‘jota’? Aluna: [...] Jota [pausa]. ‘J’ ‘e’ ‘r’ ‘e’ ‘m’ ‘i’, ‘Jeremias’[...].
210
Eva, como Sara, lançava mão de um segundo caminho já sinalizado nesse último
diálogo: decorava letras chave para encontrar os nomes dos livros bíblicos e abria com
rapidez, como se observa em um dos eventos da igreja, conhecido de Estudo Bíblico:
Às vezes elas conheciam pela letra inicial, outras, por todas as letras do livro, mesmo
que ainda realizassem trocas de letras que possuíam um mesmo som, como no caso do
diálogo acima, no qual ela trocou o ‘J’ pelo ‘G’, o que também fez durante o período do
Brasil Alfabetizado.
Uma última estratégia utilizada apenas por Eva e Sara era a de olhar o índice da
Bíblia. Essa estratégia tinha a vantagem ter todos os livros da Bíblia em uma página somente,
como fez Sara:
Sara, diferentemente de Eva, pela dificuldade que tinha de manejar a Bíblia, quase
sempre procurava os livros no índice, no entanto, ainda assim demorava na identificação dos
mesmos, até aqueles livros mais conhecidos dela.
As duas últimas estratégias usadas por todas as mulheres tinham relação com o olhar
para a Bíblia de outra pessoa e/ou pedir ajuda de alguém para encontrar os livros bíblicos,
como Sara declarou:
Extrato da 1a entrevista com a aluna Eva antes do ingresso na escola: sobre informações gerais - 12/05/2011.
Pesquisador: Na terça-feira, quando foi solicitado que a igreja abrisse no livro de Jeremias (do profeta
Jeremias) no texto que seria a base para a reflexão da noite, eu percebi que a senhora abriu sem a ajuda de
ninguém. Como é que a senhora conseguiu abrir o livro de Jeremias?
Aluna: Por causa do “g”, “g”.
Pesquisador: Por causa do “g”?
Aluna: Do “g”, Jeremias, tem o nome, e eu conheço as letrinhas tudinha do nome.
Pesquisador: É assim que a senhora faz pra encontrar os livros da Bíblia?
Aluna: É.
Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre uma atividade com a Bíblia - 05/10/2011.
Numa das entrevistas solicitamos que Sara abrisse no Evangelho de João, pois,quando chegamos a sua casa,
ela estava tentando ler um verso desse Evangelho. [...].
Pesquisador: [...] Se eu pedir para você abrir [...] no livro de João, você abriria [novamente]?
Aluna: [Começa a procurar no AT, depois passa para o índice].
Pesquisador: Você encontrou?
Aluna: Encontrei [após algum tempo].
211
É. Então eu fico olhando na Bíblia de outra pessoa, da irmã [Eva], assim os nomes.
A irmã Eva também abre muito pra mim, quando eu vou pra igreja. Quando eu não
sei ela [ajuda] (Sara – Extrato da entrevista 2 –05/10/2011).
Essa declaração é interessante, pois Sara abraçou o cristianismo evangélico no mesmo
período que Eva e apresentava mais dificuldade que esta última, na identificação dos livros e
na leitura da Bíblia. A busca por essas estratégias era facilitada, pois nos encontros da igreja
as mulheres não tinham nenhum constrangimento em pedir ajuda a alguém próximo, durante
os cultos.
Antes e durante a pesquisa, elas apresentaram, contudo, algumas DIFICULDADES
na leitura e na procura de livros da Bíblia, explicitadas no quadro abaixo:
Quadro 24: Dificuldades na leitura da Bíblia na igreja ANTES do ingresso na escola
DIFICULDADES ALUNAS
A identificação de capítulos e versículos. Sara e Rebeca
O tamanho das letras. Eva e Sara
A leitura de palavras difíceis.
Todas A leitura do versículo inteiro.
De saber em qual das duas partes se encontra o livro.
Encontrar livros bíblicos que não seja na sua Bíblia.
Uma dificuldade apresentada por Sara e Rebeca foi a de identificar os capítulos e
versículos, no texto bíblico, a exemplo de Sara:
Apesar de conhecer os números, Sara não compreendia o sistema de capítulos e
versículos, o que era fundamental para a localização do texto pretendido.
Eva e Sara sempre mencionaram o tamanho das letras como uma das suas
dificuldades na leitura da Bíblia. Vejamos o que Eva disse:
Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre os usos da Bíblia - 05/10/2011.
.
Pesquisador: Quando na igreja [...] [se] pede pra abrir a Bíblia em um dos livros, você [...] consegue
abrir?
Aluna: Consigo, assim, se for, assim, os nomes, assim, que eu sei eu consigo, mas, assim, é porque tem,
como é que diz? Tem, assim, capítulo e versículo [...] eu não sei, não.
212
Além de Eva e Sara, o tamanho das letras também se constituiu numa de suas
dificuldades, como o era também para as demais mulheres antes e durante o Programa BA,
especialmente quando a professora escrevia no quadro e/ou no caderno delas.
Todas as 3 (três) mulheres apresentaram em comum mais cinco dificuldades: uma
delas era a leitura de palavras “difíceis”, como afirmado por Sara:
Essa classificação entre palavras “fáceis” e “difíceis” ela já fez antes e quando de suas
aulas na escola (ver capítulo 3). Nessa entrevista, Sara chamou de “palavras fáceis”,
especificamente alguns nomes bíblicos:
se for, assim, João, Pedro, Mateus, Lucas, Marcos, esses aí, eu já sei (Sara - Extrato
da entrevista 2 - 05/10/2011).
Nesse momento, Sara estava com a Bíblia aberta no índice e apontou para o livro de
Deuteronômio, no AT, como uma das palavras “difíceis”, que possui mais de quatro sílabas.
As dificuldades das mulheres não se limitavam à leitura de letras e palavras, mas à
leitura de versículos, o que de fato desejavam ler. Dessa forma, foi solicitado para Sara ler um
versículo do Evangelho de João (capítulo três, verso dezesseis), muito conhecido no meio
evangélico, em geral, já que antes de o pesquisador chegar à sua casa, ela estava lendo esse
Evangelho, usado como referência na mensagem do domingo anterior:
Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre os usos da Bíblia - 05/10/2011.
Pesquisador: Você [...] lê em casa a Bíblia? Aluna: Tento ler.
Pesquisador: E consegue?
Aluna: Não, se for uma palavra, assim, fácil, né? Mas não é toda vez que tem palavra fácil, é difícil, assim,
eu não [leio].
Extrato da 29a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade de leitura da Bíblia - 24/05/2012.
Pesquisador: [...] O que a senhora leu foi algo referente à escola? Aluna: É. A Bíblia eu peguei [...] na pequena eu não estava conseguindo não.
Pesquisador: Por quê? Aluna: Porque tá muito pequenininha a letra.
Pesquisador: A letra da Bíblia.
Aluna: Tá muito pequenininha [...]. Pesquisador: Não conseguiu ler nada ainda nessa nova Bíblia?
Aluna: Não, não consegui não, porque [...] minha cabeça fica doendo, que ela é muito miudinha aí eu tava
lendo, soletrando [...].
213
Imagem 1: Texto do Evangelho de João 3:16
Sara mais uma vez apresentou a dificuldade de encontrar o texto pelo seu capítulo e
versículo, mas, mais ainda, em ler o texto solicitado, chegando a dizer que não conseguiria lê-
lo. Continuou fazendo a troca de letras, no caso entre o ‘P’ e o ‘G’ e trocou o ‘Q’ pelo ‘G’ e
pelo ‘F’, na palavra ‘PORQUE’, que terminou não lendo. Apesar de não terem explicitado
isso, uma dificuldade de leitura percebida foi com a Tradução da Bíblia63
cuja linguagem é
bem rebuscada.
Finalmente, se percebeu mais duas dificuldades: a penúltima era a de saber em qual
das partes da Bíblia estava o livro (se no NT ou no AT), demonstrada com maior frequência
por Rebeca e por Sara:
63
A tradução da Bíblia usada por Sara é a Edição Revista e Atualizada no Brasil, traduzida em português por
João Ferreira de Almeida.
Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre uma atividade com a Bíblia - 05/10/2011.
Pesquisador: [...] Em ‘João’ há um versículo muito conhecido, João capítulo 3, verso 16. Você
consegue abri-lo?
Aluna: [pausa, falando em voz alta, repetindo ‘João 3’] Acho que achei três.
Pesquisador: E o verso 16?
Aluna: E o verso 16 [Dezesseis, meu Deus]. Dezesseis.
Pesquisador: Você consegue ler [o verso]?
Aluna: [pausa] Consigo não, pastor. ‘Por...’ [ri] ‘Por-gu-e’ [...].
Pesquisador: ‘Porgué’?
Aluna:‘Por-gué’. É pastor, acho que é, ‘por-gu-ré’, ‘e’. É, sei lá, uma coisa assim.
Pesquisador: [...] E a palavra seguinte?
Aluna: ‘Dê’, ‘u’, ‘cê’ [...], ‘ssá’, ‘Dê’, ‘u’[...], ‘Dê’, ‘u’, ‘ssé’, ‘Deus’, né? [suspira de alívio].
Pesquisador: [...] E a terceira palavra [sobre a palavra ‘amou’]?
Aluna: [...] ‘Deus’ ‘a’, ‘Deus’ ‘a’ ‘mo’ [pausa], ‘do’, ‘u’ [ah, pastor!].
Pesquisador: Não sabe essa [...]?
Aluna: Sei não. “A’ ‘do’ ‘ro’, ‘adoro’, né?
Pesquisador: Não.
Aluna: Sei não.
Pesquisador: [...] E essa?
Aluna: Essa daqui o ‘o’? O ‘eme’? Pesquisador: Você está conseguindo enxergar?
Aluna: Tô.
[Não consegue ler].
214
Não é demais ressaltar que essa era uma dificuldade também percebida em pessoas
alfabetizadas que não tem familiaridade com o texto bíblico.
A última dificuldade revelada era a de encontrar livros bíblicos numa Bíblia que não
fosse a sua, como Eva bem demonstrou:
Eva tinha familiaridade com a sua Bíblia e não conseguiu encontrar ‘Jeremias’. No
caso dela, inclusive, pode ter colaborado, para isso, o fato das folhas da Bíblia do irmão elas
estarem bem juntinhas, dando um aspecto de nova, ao contrário da sua, cujas folhas eram bem
separadas, em razão do uso, e, também, por estarem elas gastas dando a impressão de um
grande volume, o que facilitava a abertura do texto. Outra coisa são as dimensões físicas da
Bíblia do irmão Manoel, duas vezes menor do que a de Eva.
Extrato da 2a entrevista com a aluna Eva antes do ingresso na escola: sobre informações gerais - 18/09/2011.
Numa das entrevistas com Eva, conversamos sobre a sua rapidez em encontrar os livros da Bíblia como ela
fez com o livro de JEREMIAS, num dos estudos bíblicos na igreja. Nesta mesma entrevista pedi que Eva
abrisse novamente nesse mesmo livro, mas usando a Bíblia de outra pessoa, como indica o diálogo a seguir:
Pesquisador: Eu vou pedir à senhora para abrir em ‘Jeremias’ nessa outra Bíblia aqui [de um irmão
de fé da igreja, pois estávamos realizando a entrevista em sua casa]. [Pausa] Essa é a Bíblia do nosso
irmão Esdras.
Aluna: [Eva nesse momento começa a abrir a Bíblia do nosso irmão Esdras, irmão lá da igreja].
Pesquisador: A senhora demorou um pouquinho mais, por quê?
Aluna: [...] Estou acostumada abrir na minha [Bíblia].[Terminou não abrindo em Jeremias].
Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre uma atividade com a Bíblia - 05/10/2011.
Em uma das entrevistas, solicitamos que Sara abrisse no Evangelho de João, pois quando chegamos a sua
casa ela estava tentando ler um verso desse Evangelho.[...].
Pesquisador: [...] No início você tentou abrir [o Evangelho de João] logo na [...] parte [...] primeira da
Bíblia [no Antigo Testamento]. Por quê?
Aluna: [pausa] Não sei, porque eu tava procurando. [...].
Pesquisador: Então, você não sabia bem onde ficava?
Aluna: É, realmente. [...]
215
5.1.1.2 A leitura do Hinário e da coletânea de cânticos
O Hinário também fez parte dos textos alvos de leitura das mulheres, embora lido bem
menos que a Bíblia. Até porque, nesse período da investigação, somente Eva possuía o
Hinário, mas o seu uso por ela, em casa, era raro. Como havia memorizado a letra de alguns
hinos, ela cantava em casa, como também fazia Sara, mesmo sem possuir o Hinário. Como
Rebeca chegara recentemente à igreja, ainda não havia aprendido os hinos. Apesar de Eva
apresentar dificuldade na leitura, sempre levava, em sua bolsa, o Hinário para a igreja, mesmo
sem saber ler, como declarou em uma das entrevistas:
eu levo [o Hinário], mesmo sem saber ler. [Eu] conheço os hinos dos Salmos e
Hinos [Hinário oficial de sua igreja] (Aluna Eva - Aula 1 – 11/10/2011).
Ana pensava diferente, pois, por não saber ler, não se sentia motivada para levar a
Bíblia e o Hinário para os eventos da sua igreja. A atitude de Eva, na verdade, revelou uma
prática comum das igrejas evangélicas, nas quais os seus partícipes são exortados a levarem
esses textos aos encontros da igreja.
Além do Hinário, a coletânea de cânticos figurou entre os textos que circulou na
igreja, especialmente nos cultos de domingo à noite, dos quais todas as mulheres participavam
com frequência. Na coletânea encontravam–se músicas de vários cantores (as) e conjuntos e
continha várias temáticas (missionária, social e assim por diante) voltadas para a temática
principal: Deus. A coletânea era usada pela igreja, geralmente, no início e no meio dos cultos.
Eva abria quase sempre esse texto para acompanhar as músicas, ao contrário de Sara e
Rebeca, que não o faziam. Assim como os hinos do hinário, elas só catavam as músicas que
memorizavam.
5.1.1.3 A leitura de outros textos
Outros dois textos utilizados pelas mulheres na igreja, quando da aplicação do projeto
– piloto, foram: o uso de lições na EBD e o uso de folhetos para a evangelização.
As lições na EBD estavam impressas em folhas de ofício numa pasta. Participavam
desse evento Eva e Rebeca. Sara não ia à EBD com frequência, por motivos familiares.
216
Antes do início do Estudo Bíblico propriamente dito, o (a) professor (a) tinha cinco
atitudes básicas: 1. Cumprimentava todas as pessoas presentes; 2. Arrumava as cadeiras em
círculo, juntamente com os presentes; 3. Apresentava pessoas visitantes, quando tinha; 4.
Pedia para cada pessoa falar brevemente de como foi sua semana; 5. E orava ou pedia alguém
para orar. Passado esse momento inicial, o assunto da aula anterior era revisado rapidamente
e o assunto do dia era apresentado. Nesse período, na classe das mulheres, a temática da EBD
tratava de doutrinas fundamentais da Bíblia. Em cada folha de ofício entregue havia uma
dessas doutrinas, que após alguns instantes era lida pelo (a) professor (a), no que era
acompanhado (a) por Eva e Rebeca. Após isso, começava o debate. Apesar das limitações em
termos de escrita e leitura, as referidas mulheres participavam ativamente do estudo.
Já os folhetos estão associados à evangelização, que constituía uma das ações
fundamentais da igreja, pois representava o anúncio do Evangelho no bairro e eram
distribuídos em dois momentos: as quartas, à noite, e aos domingos, depois da EBD. Eva e
Rebeca participavam ativamente dos dois encontros, mas Sara não, pois na quarta estava
trabalhando e no domingo, pela manhã, se ausentava por razões familiares, como dissemos
anteriormente.
Como se ensinava e era vivenciado pela sua igreja, Eva e Rebeca compreendiam essa
ação evangelística como um estilo de vida, que se dava no cotidiano e nos espaços sociais por
onde andavam. Na verdade, para que a referida ação acontecesse, uma simples conversa com
alguém bastava para que a mensagem do Evangelho fosse apresentada, o que cada uma fazia
quase que diariamente sozinhas.
Comumente, no entanto, Eva e Rebeca, e os (as) demais irmãos (ãs) da igreja levavam
a Bíblia e quase sempre alguns folhetos evangelísticos quando saíam juntos (as), os quais
serviam de textos referências não só para falarem com as pessoas, mas, também, para
responderem eventuais perguntas de quem viessem a abordar. Eva e Rebeca não conseguiam
ler os folhetos como as demais pessoas da igreja, antes de entregá-los, mas conseguiam
evangelizar sem dificuldades as pessoas abordadas por elas.
5.1.2 Práticas de escrita
Nos eventos da igreja, as mulheres pouco se envolveram em práticas de escrita. Na
EBD, na segunda metade de 2011, os assuntos eram dados pelo professor em folhas de ofício,
217
sem que houvesse qualquer atividade escrita, pois como a classe era nova, a liderança da EBD
ainda estava definindo qual revista usar.
5.2 Práticas de leitura e escrita na igreja APÓS entrar na escola
O tópico anterior mostrou que antes de começarem os estudos escolares, as mulheres
tinham conhecimentos bíblicos – teológico, desenvolveram práticas de leitura e escrita nos
eventos da igreja, usaram estratégias para lidar com alguns gêneros textuais que circulavam
nesse ambiente e, também, apresentaram dificuldades ao vivenciarem as práticas de leitura.
No presente tópico se mostrará as práticas dessas mesmas mulheres no mesmo espaço,
destacando algumas estratégias e dificuldade relatadas por elas e buscando ver em que medida
o processo de escolarização influenciou no avanço da leitura e da escrita enquanto
participavam dos encontros na igreja, que sempre foram avaliados positivamente, a exemplo
de Rebeca:
5.2.1 Práticas de leitura
Tanto na escola como na igreja persistia, entre as mulheres, muita dificuldade na
leitura. Eva, por exemplo, afirmou que ainda estava lendo “devagarinho”.
Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade para ler- 15/12/2011.
Pesquisador: A senhora continua tendo alguma dificuldade para ler?
Aluna: Um pouco ainda.
Pesquisador: Por quê?
Aluna: [Pausa silenciosa] Não sei. Nem, eu ainda tô, tô meia, um pouquinho mais [...] devagarinho ainda.
Extrato da 31a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a avaliação dos encontros na igreja - 18/08/2012.
.
Pesquisador: O que a senhora não gostou?
Aluna: Pastor, aqui não tem com que a gente dizer [...] não tem palavra que não gostou. [...] Aqui a gente
aprende só amar uns os outros, orar pro uns outros, em nome de Jesus. Foi tubo bom, foi tudo ótimo,
maravilhoso.
218
Elas permaneceram sem saber o porquê de não lerem ou pelo menos não deixaram isso
claro.
Apesar das dificuldades de leitura, ao ingressarem na escola, houve, de certa forma,
um aumento das práticas de leitura das mulheres, as quais se envolveram com os mesmos
textos no ambiente da igreja: leitura de versículos específicos da Bíblia; do Hinário; das
lições da EBD; da coletânea de cânticos e de folhetos evangelísticos.
5.2.1.1 A leitura da Bíblia
Após o ingresso das mulheres na escola, o uso da Bíblia cresceu significativamente na
igreja (e também em casa). Eva manteve sua frequência de leitura da Bíblia quase que diária e
passava mais tempo tentando ler os textos bíblicos que escolhia, em casa. A sua facilidade
para abrir os livros da Bíblia e tentar ler os versículos era reconhecida por mulheres como
Rebeca:
Eva é mais esperta para procurar Salmos, versículos [...], porque [...] tá mais curiosa
na Bíblia do que eu [...], eu creio que ela vai mais fundo. [...] Ela traz a Bíblia [...],
ela já vai em cima [do livro da Bíblia solicitado] [...] (Aluna Rebeca – Entrevista 34
– 23/09/2012).
Sara continuava com a dificuldade de ler a Bíblia em razão do seu trabalho, mas
procurava lê-la todos os dias. Rebeca, após ganhar uma Bíblia, passou a lê-la de duas a três
vezes por semana, especialmente à tarde. Também ambas continuavam levando a Bíblia para
igreja.
Em todos os encontros da igreja havia, em geral, pelo menos dois momentos de leitura
da Bíblia: um no início do encontro e outra no meio. Esta última servia de base para a
mensagem ou estudo bíblico. Quando entrevistadas, as mulheres quase sempre se lembravam
do livro usado para a reflexão, mas elas nem sempre diziam qual tinha sido o texto e/ou o
assunto tratado, como é o caso de Eva e Rebeca:
219
Em vários momentos Eva só conseguiu lembrar-se do livro lido quando olhava na
Bíblia. O diálogo acima mostrou, mais uma vez, a mesma aluna recorrendo à estratégia de
encontrar o livro bíblico pelas suas letras, mas sem sucesso. Segundo ela, só encontrou a
epístola de Efésios, pela ‘graça de Deus’ e porque o próprio Deus foi quem a “ensinou a
abrir”, naquele momento. Em determinadas ocasiões, todavia, as mulheres não se lembravam
do texto, nem da ordem litúrgica, como é o caso de Eva:
Apesar da dificuldade de lembrar o assunto, sempre demonstraram um conhecimento
notável dos ensinos bíblicos, como realça Rebeca:
Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o assunto do estudo bíblico - 18/08/2012.
Pesquisador: O que foi [...] ensinado na Palavra hoje?
Aluna: Ensinado?
Pesquisador: [...] O que a senhora entendeu da palavra hoje?
Aluna: Num foi [pensou durante algum tempo, mas não respondeu].
Pesquisador: Qual foi o texto?
Aluna: Foi [pausa rápida] Esdras.
Pesquisador: Esdras?
Aluna: Esdras, Esdras não, foi Esdras?
Pesquisador: Foi Esdras?
Aluna: [[...] Eva agora vai pegar a [...] Bíblia dela pra mostrar [...] o texto]. Me ajuda, Deus?
Pesquisador: O [...] livro de hoje é [...] conhecido da senhora, muito conhecido?
Aluna: É [pausa rápida], graças a Deus.
Pesquisador: [...] Esse de hoje é conhecido?
Aluna: É porque a gente já estudou essa palavra, aqui já [...] o senhor [o pastor] já ensinou [pausa rápida].
Vou procurar, viu? [...]
Pesquisador: [Eva continua procurando, folheando o Novo Testamento [...]].
Aluna: [Após algum tempo] Efésios, Efésios [dizendo bem alegre].
Pesquisador: Ah! Ela lembra agora [...].
Aluna: Efésios, Efésios [ela continua procurando]. [...]
Pesquisador: Consegue ler [...]?
Aluna: Foi Efésios, deixe eu ver qual foi!
Pesquisador: Mas consegue ler o nome Efésios?
Aluna: Consegue, olhe aqui o nome Efésios! É um ‘e’ ‘e’ ‘fe’ ‘fe’ ‘fi’ ‘o’ ‘s’, Efésios, graças a Deus foi
aqui [pausa rápida] 2 (dois) 1 (um) [...] 4 (quatro), mas eu encontrei com a graça de Deus, tá vendo como é a
graça de Deus! Deus me ensina a abrir [...].
Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a primeira leitura nos cultos dominicais à noite - 10/07/2012.
Pesquisador: [...] A senhora lembra como ela [a dirigente] começou o culto [...]?
Aluna: [...] Deixa ver se eu me lembro [começa a pensar].
Pesquisador: Se ela começou cantando, se começou orando [...].
Aluna: Foi lendo, foi lendo, que ela começou lendo [mas não consegue dizer o que se seguiu a isso].
Pesquisador: Exatamente. [...] A senhora lembra qual foi texto que ela leu?
Aluna: [...] Agora esqueci, lembro não [...].
220
E que mesmo com a intervenção de alguém, ensinando ou pregando o evangelho,
elas entendiam que era Deus quem as ensinava. Ao expor o assunto da EBD, a fala de Rebeca
refletiu um conhecimento de doutrinas cristãs essenciais como adoção, nascimento espiritual,
predestinação, adoração, serviço, testemunho, relacionamento com Deus e a convicção da
possibilidade de todas essas coisas unicamente pela mediação de Jesus Cristo. As mulheres
mencionavam essas doutrinas também quando oravam, falavam, ensinavam ou evangelizavam
alguém.
Mesmo que muitas vezes se esquecessem do assunto principal debatido, gostavam
das meditações e das mensagens, como expressaram Eva e Sara, avaliando-as como
‘bênçãos’, ‘bonitas’ e assim por diante:
Durante os eventos da igreja, percebemos mais três ESTRATÉGIAS utilizadas por
elas na leitura da Bíblia, tanto no ambiente da igreja como no ambiente da casa.
Quadro 25: Estratégias usadas na leitura da Bíblia APÓS ingresso na escola.
ESTRATÉGIAS ALUNA (S)
Marcava o texto bíblico com algum material para lê-lo em casa.
Rebeca Simplesmente ouvir os ensinos e as mensagens.
Encontrava facilmente os livros bíblicos que são lidos com mais frequência na igreja. Eva e Sara
Encontrava o livro pela sua posição na Bíblia. Eva
Extrato da 31a entrevista com a aluna Rebeca: sobre o assunto tratado na EBD - 18/08/2012.
.
Pesquisador: O que a senhora mais gostou?
Aluna: Da palavra que Deus trouxe pra nós hoje de manhã, foi Deus quem [...] Deus adotou nós através da
gente nascer já [...], a gente não sabia que nós fomos escolhidos por Ele. A Palavra foi isso hoje: que nós
fomos escolhido por Ele, né? Que quando a gente veio ao mundo, a gente não sabia, mas Deus já tava
escolhido já, Deus já tinha escolhido nós, pra Ele, pra ser filho Dele, adorar o nome Dele e servir a Ele,
buscar o poder Dele [inclusive para evangelizar], em nome de Jesus.
Extrato da 24a entrevista com a aluna Sara: sobre a dificuldade de lembrar o assunto da mensagem do culto
dominical, à noite - 24/06/2012.
Pesquisador: O que você achou da mensagem do evangelho anunciada pelo pastor?
Aluna: Foi uma bênção, uma bênção de Deus.
Pesquisador: [...] E qual foi o assunto da mensagem [...]?
Aluna: [...] [Começa a olhar e gesticular dizendo que não sabia] O que ele pregou? Muitas coisas. Pregou as
palavras da Bíblia [...].
Pesquisador: Lembra?
Aluna: Não lembro.
Pesquisador: O que exatamente ele falou?
Aluna: Não, mas eu sei que falou umas palavras bonitas da Bíblia. Foi bom demais, eu adorei.
221
Duas dessas estratégias estavam associadas à Rebeca.
Nos encontros da igreja, quando era solicitada a abertura do texto bíblico a todos, ela
tinha muita dificuldade de encontrar o livro, pois não possuía nem havia se familiarizado com
a Bíblia até aquele instante, desenvolvendo, por conseguinte, uma atitude mais de escuta do
que de leitura. Superada a dificuldade da abertura do livro pedido, sempre com a ajuda de
uma pessoa da igreja, ela fechava a Bíblia e marcava o texto lido, com um folheto
evangelístico ou com uma caneta, por exemplo. Após isso, Rebeca tinha uma postura muito
firme de escuta das mensagens e estudos. Quando chegava a sua casa, voltava ao texto
marcado para tentar lê-lo. Caso não conseguisse pedia ajuda a alguém, para verificar se o que
ela ouvira no encontro da igreja correspondia ao que estava no texto:
Rebeca não marcava os textos mais longos, pois para ela eram difíceis de serem lidos,
e concebia a leitura e o estudo da Bíblia como uma “batalha”.
Mesmo não lendo e tendo uma atitude de mais escuta, durante os Estudos bíblicos (as
quintas e aos domingos) Rebeca participava ativamente dos debates. Não havia qualquer
timidez, constrangimento e/ou complexo de inferioridade da parte dela, como bem destacou:
Extrato da 34a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a estratégia de marcar os textos bíblicos para serem
lidos em casa -23/09/2012.
Pesquisador: [...] A pessoa que sabe ler e escrever abre rápido [a Bíblia] e a senhora não consegue?
Aluna: [...] Eu já tô, assim, curiosa pra mim, assim [...]. Por isso que quando eu pego, assim, a Bíblia [...]
isso aqui tudo foi passado [mostrando a Bíblia dela e os textos marcados], que o senhor [o pastor] já pregou,
sábado, no domingo [...]. O que o senhor [o pastor] vai passando ali [...] eu recebo em nome de Jesus [...].
AÍ EU JÁ MARCO, TUDO AQUI É MARCADO COM ESSE PAPELZINHO [...].
Pesquisador: Então, cada mensagem, cada estudo a senhora marca? [...] A senhora marca com o quê
[...]?
Aluna: [...] Eu passo, assim, UM FOLHETOZINHO.
Pesquisador: Nos textos que [a senhora está ouvindo]?
Aluna: [...] Às vezes quando é muito [o texto] ninguém nem consegue ta, marcando [...]. Pesquisador: [...] Esses textos [...] a senhora marca para quê?
Aluna: [...] Pra conseguir ler em casa, estudar a Bíblia, a Palavra, que o Senhor passou no domingo, no
sábado. Pesquisador: Aquilo que alguém pregou?
Aluna: Que alguém pregou. Aí [...], por exemplo, eu nunca li Bíblia [não conhece o texto] e pegar, assim,
pra tá lendo, aí pego e vou [...]. Eu tava aqui batalhando aqui, esse aqui que é pequenininho e fico
batalhando a semana todinha só no textozinho, pra ver se eu estou lendo de verdade, a Bíblia [...].
222
Em alguns momentos, porém, Rebeca tinha receios de participar das discussões para
não falar “qualquer coisa”, já que não sabia o que estava escrito no texto básico para o estudo.
A participação das mulheres nos estudos ocorria muito devido ao ambiente de acolhida
proporcionado pela igreja, às boas relações interpessoais entre elas e a igreja, a uma atitude de
escuta e ao grande desejo de alcançar as suas expectativas, como evangelizar, expresso várias
vezes por Rebeca.
De qualquer forma, essa participação ativa das mulheres nos estudos da Bíblia se
revelou muito interessante, pois, também incluía interpretações delas mesmas acerca da Bíblia
e/ou testemunhos pessoais, o que contribuía para ampliação da compreensão e/ou
esclarecimento do assunto tratado. Isso se tornou possível, não porque liam a Bíblia e/ou os
textos entregues na igreja e sim por conta da escuta atenta e perseverante. Assim, ouvir os
ensinos e as mensagens se constituiu uma estratégia bastante cultivada por todas elas.
Extrato da 25a entrevista com a aluna Rebeca: sobre simplesmente ouvir o texto bíblico - 10/07/2012.
Pesquisador: [A senhora tem lido] a Bíblia todos os dias?
Aluna: Não. Pesquisador: Por quê?
Aluna: Porque uma é que eu não sei, assim, diretamente ler a Bíblia, né? Eu sou mais de ouvir a Palavra,
meditar, guardar no coração, na mente, na alma [...], que eu não tenho leitura correta pra ler a Bíblia [...].
Mesmo a gente andando, ela é uma poderosa na nossa mão né? E eu tô tentando ler aqui, uma coisinha ali
[...] vai saindo uma palavrazinha [...].
Extrato da 25a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a participação nas conversas e debates a respeito do
texto bíblico - 10/07/2012.
Pesquisador: Eu [...] notei que a senhora participa muito [...] do estudo, traz exemplos, [...]
experiências [...].
Aluna: É, eu acho que participo muito, porque, assim, é de Deus mesmo, né? É Deus que toca no meu
coração, que quando falo dá vontade de chorar, porque não sei nem [...] explicar as coisas que vem de Deus,
né? As coisas de Deus é tão gostosa que acontece as coisas, assim, que eu digo: Jesus, tenha misericórdia
[...]! De primeiro eu tinha medo de falar [...], porque que eu achava fosse eu que estava falando, vindo coisa
de mim mesmo, mas tem momento que eu vejo que é de Deus, é de Deus, a gente não pode falar as coisas
que não seja de Deus, né? Pesquisador: A senhora não tem receio de falar na sala?
Aluna: Não. Pesquisador: Mesmo sabendo que aquelas pessoas sabem ler e escrever [...]?
Aluna: Não. Às vezes muitas coisas eu sou mais de ouvir, do que falar, porque eu digo: Senhor, só deixe eu
abrir essa boca se for Tu mesmo que tá mandando [...], pra eu falar, jogar palavra fora, que não vem de Deus
é melhor se calar, tem coisa que fico ouvindo [...]. Eu não quero falar qualquer coisa, né? Porque aquele que
sabe ler a Bíblia ele tá falando porque está escrito ali, que tem na Bíblia, então eu não tenho que falar por
falar [...] eu peço a Ele [Deus] sabedoria pra falar.
223
As mulheres eram ouvintes muito exigentes, porém, não desenvolveram essa atitude
simplesmente porque não sabiam ler e/ou por não terem outra saída e, sim, porque a questão
do ouvir é crucial no mundo evangélico, pois, uma vez acompanhado de obediência ou de um
“guardar”, de acordo com as palavras de Rebeca, promoveria o crescimento espiritual da
pessoa em todas as dimensões e permitiria o aprendizado dos ensinos bíblicos, como Eva
descreveu abaixo:
De fato, os estudos bíblicos (que ocorriam às quintas-feiras) e a EBD, que aconteciam,
principalmente, no espaço do templo, eram os eventos que as mulheres mais participavam.
Como ressalta Garcia (1990), a pessoa considerada analfabeta
sabe o tempo e o lugar onde a leitura deve ser absolutamente fiel ao texto escrito a
que se refere; por isso, não pode ser realizada por qualquer letrado, restringindo-a,
então, àqueles que pertencem a seu espaço pessoal consequentemente reconhecidos
como seus aliados. O analfabeto recorre a este grupo de interesse, sempre que
necessário, ouvindo atentamente (p.18).
Uma última estratégia, desenvolvida por Eva e Sara, esteve associada ao fato delas
encontrarem com mais facilidade os livros bíblicos que normalmente eram lidos na igreja,
como demonstrado por Eva:
Extrato da 36a entrevista com a aluna Eva: sobre o que fazer para aprender os ensinos dados nos encontros
da igreja - 10/07/2012.
.
Pesquisador: [...] Uma pessoa [...] para aprender os ensinos da sua igreja, ela precisa fazer o quê?
Aluna: Praticar [...], prestar atenção [ouvir], aprender, ir pra igreja, para as Escolas [Dominicais] [...].
224
Os livros de Deuteronômio e dos Salmos citados por Eva são dois dos livros bíblicos
lidos com certa frequência nos eventos da igreja, especialmente os Salmos.
Além das dificuldades apontadas no quadro 26, no manejo da Bíblia, outras três foram
identificadas:
Quadro 26: Dificuldades na leitura da Bíblia na igreja APÓS o ingresso na escola.
DIFICULDADES ALUNAS
De encontrar livros menos lidos na igreja.
Todas
Acompanhar as leituras realizadas nos cultos.
A leitura de muitos textos pelo dirigente e/ou o (a) pregador (a).
Nesse período, uma primeira dificuldade percebida teve relação com o não encontrar
os livros bíblicos menos lidos e estudados nos eventos da igreja, como mostrou Eva:
Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a procura de livros bíblicos nos cultos dominicais à noite -
10/07/2012.
Pesquisador: Como é que a senhora faz [para encontrar Deuteronômio]?
Aluna: Eu sei o ‘D’. [...].
Pesquisador: [...] Por que a senhora abriu logo [abriu tão rápido] em Deuteronômio [...]?
Aluna: [...] É porque eu já sei [...]. [...]
Pesquisador: Então [...] o que faz com que a senhora abra rápido é o lugar também [a posição em que
o livro se encontra]
Aluna: É [...] também é, viu?
Extrato da 24
a entrevista com a aluna Sara: sobre a abertura rápida da Bíblia no culto dominical à noite -
24/06/2012.
Pesquisador: [...] Quando o pastor pediu para abrir no Salmo 122:1, você abriu com rapidez, por
quê?
Aluna: Salmos?
Pesquisador: Salmo 122:1 [...].
Aluna: [Rindo] Porque eu já sei de cor.
Pesquisador: [...] E os outros textos que ele pediu [...]?
Aluna: Não [se referindo a textos como o livro de Tiago].
225
Um dos livros pouco conhecido por Eva, cuja leitura ela disse que era menos frequente
nos encontros da Igreja foi o de Daniel, no AT. É necessário dizer, porém, que outras pessoas
alfabetizadas na igreja também tinham dificuldade de encontrar esse livro e alguns outros.
Outras duas dificuldades apresentadas são mais práticas: o acompanhamento das
leituras realizadas nos encontros da igreja e a leitura de textos propostos por professores (as),
dirigentes e mensageiros (as):
Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade da leitura dos textos que circulam na igreja -
10/07/2012.
Pesquisador: A senhora acha que as leituras são muito rápidas [...]?
Aluna: [...]Às vezes dá, se a pessoa souber ler mesmo.
Pesquisador: E a senhora que às vezes [...] eles [mensageiros (as) e dirigentes] pedem para ler vários
textos?
Aluna: Se eles pedem?
Pesquisador: Sim. Eles pedem para ler vários textos [...], muito rápidos [...]? Aluna: Não [...] dá tempo para a pessoa que sabe ler [...]. Quem sabe ler dá tempo [...]. [...]
Pesquisador: No caso da senhora?
Aluna: Dá não, Jesus!
Pesquisador: A senhora acha que [eles] poderiam ler [...] os versículos mais devagar?
Aluna: É.
Pesquisador: Poderia?
Aluna: Poderia, porque a pessoa que não sabe ler, às vezes [...] ou, então, assim, falar antes de, de ler, né?
Porque a pessoa vai...
Pesquisador: Por quê? Aí daria o quê?
Aluna: Tempo, né? De abrir, porque tem gente que vai [...] abrir, mas já sabe logo lá, já tem aberto e a
pessoa vai procurar, assim, falar antes [...] um pouquinho antes.
Pesquisador: Primeiro citar o texto?
Aluna: Primeiro citar [...] o texto, o verso pra [fazer a leitura].
Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a procura de livros bíblicos nos cultos dominicais à noite -
10/07/2012.
Pesquisador: [...] Eva, no Antigo Testamento tem [...] outro [...] texto começado com ‘D’ [além de
Deuteronômio], que é o livro de Daniel [...]. Sabes onde fica [o livro de] Daniel?
Aluna:[...] Deixe eu ver se eu encontro Daniel, viu? [...].
Pesquisador: E Daniel?
Aluna: Daniel? Vou procurar Daniel [...].
[...]. [Eva continua manuseando [a Bíblia] para encontrar Daniel].
Pesquisador: [Na igreja] [...] o que é que se lê mais na Bíblia, Daniel ou Deuteronômio?
Aluna: Deuteronômio. Daniel se lê é muito difícil quase né? Lê mas não tanto não, eu não vejo quase ler
Daniel, não [...].
Pesquisador: A senhora acha que é por isso que [...] tens dificuldade de encontrar?
Aluna: [...] Deve ser [...].
226
Quando a igreja era solicitada para abrir o texto básico de reflexão, as mulheres, em
quase todas as ocasiões, não encontravam nem liam os textos. Quando todos terminavam a
leitura, geralmente, tentavam ler sozinhas, mas, nesse instante, a mensagem ou o estudo já
havia iniciado e as mulheres interrompiam a leitura para ouvir a Palavra.
5.2.1.2 A leitura do Hinário e da coletânea de cânticos
Nos encontros da Igreja todas as três mulheres cantavam os hinos que haviam
memorizado. Mas nem sempre conseguiam assim fazê-lo e aí elas só escutavam como
expressou Sara:
Eva, a única que possuía o Hinário, sempre o levava para a igreja e recorria a duas
estratégias, para encontrá-los e lê-los:
Quadro 27: Estratégias usadas na leitura do Hinário APÓS do ingresso na escola
ESTRATÉGIAS ALUNAS
Identificação do nome do hino pelo número.
Eva e Sara Memorização dos hinos na igreja.
Na igreja, Eva e Sara utilizavam o Hinário abrindo-o todas as vezes que o (a) dirigente
do encontro solicitava. No caso de Sara, que não possuía o Hinário, ás vezes ela pegava algum
Hinário deixado à disposição pela Igreja sobre as cadeiras. Ambas encontravam o hino pelo
número:
Extrato da 28a entrevista com a aluna Sara: sobre a leitura das letras de hinos no culto dominical à noite -
12/08/2012.
.
Pesquisador: [...] Os dois hinos que foram cantados você conhece?
Aluna:Conheço.
Pesquisador: [...] Sabe cantar os dois?
Aluna:[...] Sei, só não sei cantar só, mas se tiver um som eu [...] canto.
Pesquisador: [...] E como é que você aprendeu?
Aluna: Eu aprendi, cada dia eu vou escutando, assim, aqui na igreja, em casa, eu tenho um rádio e fico
ouvindo os hinos.
Pesquisador: Você não lembra os hinos, então?
Aluna: Não lembro não.
Pesquisador: Você não consegue cantar?
Aluna: Não, só sei escutar.[...]
227
Do hino mencionado, que é apresentado a seguir, Eva conhecia praticamente a letra
inteira, pois o havia memorizado, e cantou parte do mesmo na entrevista:
Imagem 2:Letra do Hino 333
Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre a estratégia utilizada para cantar hinos no encontro de
oração e jejum - 18/08/2012.
.
Pesquisador: Quando a senhora vai procurar no hinário esse hino, como é que a senhora faz?
Aluna: [[...] Eva vai pegar agora o [pausa rápida] hinário]. Olhe que pastor lindo [rindo todos], filho
abençoado, que Deus nos deu, agradeço amor [...] da minha vida [...]]. [...] Encontro já, já, em nome
de Jesus [pausa rápida]. 333.
Pesquisador: Como é que a senhora encontrou?
Aluna: Porque eu já encontro aqui.
Pesquisador: A senhora encontra como?
Aluna: [...] Assim, sei que é 333 aqui.
Pesquisador: A senhora encontra pelo...
Aluna: Pelo número [...].
228
O hino 333 era conhecido de Eva, pois comumente era cantado na igreja,
especialmente nos encontros de sábado (de oração e jejum). Tanto memorizou o hino, que ao
se pedir para que fosse feita a leitura do título do hino ela não conseguiu. No entanto, leu sim,
com o apoio da memória, as duas últimas palavras da primeira linha, da primeira estrofe: ‘seja
consagrada’, realizando a soletrações dessa última palavra, letra por letra. Memorização
exercida também com respeito à coletânea:
Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o assunto da reflexão bíblica no encontro de oração e jejum -
18/08/2012.
Pesquisador: A senhora lembra quais os hinos [...] cantados hoje pela manhã? Aluna: 333[começa a cantar um trecho do hino]. “A ti seja consagrada [ri] minha vida, ó meu Senhor!”
[continua rindo].
Pesquisador: [...] E quais foram os outros [...]?
Aluna: Esqueci [...], ó Deus [lamentando]!
Pesquisador: Os outros que foram cantados a senhora [...] conhecia [...]?
Aluna: Muito não, pastor.
Pesquisador: [...] Esse [333] já conhece?
Aluna: Já.
Pesquisador: Esse já conhece, por quê?
Aluna: Porque [pausa rápida] sempre a gente canta.
Pesquisador: Sempre canta?
Aluna: No sábado, sempre a gente canta esse hino. [...]
Pesquisador: [...] E o que está escrito aqui [pausa rápida] o título do hino?
Aluna: Aqui? [...]
Pesquisador: [...] Esse título mais escurinho.
Aluna: Esse?
Pesquisador: Sim.
Aluna: ‘Seje’, ‘seja consagrada’.
Pesquisador: Quais são as letras?
Aluna: É um ‘c’, um ‘o’ ‘n’ ‘s’ ‘a’ ‘g’ ‘r’ ‘a’, ‘seja’.
Pesquisador: Qual o [...] é essa [apontando para a palavra ‘seja’]
Aluna: Aqui, né? [...] ‘seja’, aqui ‘ a ti seja’, não, é não [olhando para o título]. É não ‘a ti seja’ é aqui
[apontado corretamente para a palavra ‘seja’ e começa a cantar], ‘A ti seja consagrada, minha vida [...]’. [Ela
não consegue ler o título CONSAGRAÇÃO].
229
Imagem 3:Letra da música Diante da cruz
A música acima sempre provocava choro em Eva e a expectativa de ler era tamanha
que ela queria cantar essa música na “frente” da igreja, seja sozinha, seja em grupo.
A relevância dos hinos na vida das mulheres era muito grande, as quais procuravam
compreender as letras e exprimia profundos sentimentos e declarações de amor.
Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o que se cantou da Coletânea no encontro de oração e
consagração - 18/08/2012.
Aluna: [...] Tens uns também aquele também, como é da cruz? [Começa a cantar] “vejo o sangue de Jesus” Pesquisador: [...] Esse é da Coletânea [...]?
Aluna: Da Coletânea é. É muito bonito. Tem muito hino bonito, menino [...] eu não aguento, não é pra
chorar, é pra chorar [...]. Pesquisador: [...] A senhora ouve e guarda?
Aluna: É, no coração, aquele [...]. Uma vontade tão grande que eu tenho de cantar lá na frente. Eu tenho,
mas queria tocar [...]. Pesquisador: Mas por que a senhora não canta?
Aluna: Eu queria tocar e queria sabe o quê? Eu queria cantar, tocar um negócio que eu tenho muita vontade
de cantar [...] violão.
230
O uso da coletânea de cânticos nos cultos de domingo à noite não mudou durante o
período em que as três mulheres estiveram fora da escola e as estratégias não foram diferentes
das usadas para os hinos. A única estratégia não mencionada anteriormente correspondia
àquela de pedir ajuda a alguém, quando não encontrava a música pelo número, na coletânea, a
exemplo de Sara:
De fato, a coletânea apresentava mais dificuldade para se encontrar as músicas do que
os hinos. Na coletânea, diferentemente do Hinário, o número não identificava o hino, mas a
página, e não havia índice.
Em relação às dificuldades na leitura e na identificação do Hinário e da coletânea, pelo
menos três foram percebidas: uma primeira era a de ler as letras dos hinos e das músicas. As
mulheres até tentavam ler, mas sempre nos eventos da igreja e quase nunca em casa.
Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o que se cantou do Hinário no encontro de oração e
consagração - 18/08/2012.
.
Pesquisador: [...] Quais são aqueles hinos que a senhora mais gosta no Hinário?
Aluna: Ah, eu gosto [...] é o 102 [...]. Pesquisador: Como é o [hino] 102?
Aluna: [Começa a cantar] “Mestre, chegou a bonançia”, né [...]? [Continua cantando baixinho]. Pesquisador: [...] E por que a senhora gosta do [hino] 102?
Aluna: Porque me emociona muito. É uma dor tão grande que eu sinto, uma dor de paixão. [...] Um hino
que choca lá dentro, o amor de Deus é grande, aí fala, como se fosse aquele outro [hino] que eu também
amo muito, é o [...], eu queria muito que eu cantasse ele é [pausa rápida], 409, 49. Pesquisador: 409?
Aluna: 409. [...] Também, agora [numa atitude pensativa, começa a cantar] “Alvo mais que a neve” e
também é, sabe qual é o outro que eu amo muito? É o [pausa rápida]. Pesquisador: Sim.
Aluna: É o[pausa rápida] “Castelo Forte” [E começa a cantar], [...] é lindo demais [e começa a cantar]:
“Castelo forte é nosso Deus, espada e bom escudo, com seu poder defende os seus [começa a rir] Pesquisador: Olhe aí! [...] A senhora conhece [Eva interrompe e continua cantando].
Aluna: [Continua cantando] “Sabei quem é Jesus, o que venceu na cruz, Senhor dos altos céus, sendo o
próprio Deus” [...]. Pesquisador: Como é que a senhora conheceu todos eles?
Aluna: É cantando. Pesquisador: Cantando?
Aluna: Cantando, o povo cantando, aí aquilo, esses hinos é tudo, eu choro com esses hinos menino [...].
Extrato da 28a entrevista com a aluna Sara: sobre as estratégias para cantar hinos da coletânea - 12/08/2012.
Pesquisador: Como você faz para encontrar os hinos da Coletânea?
Aluna: Eu peço ajuda para o pessoal, mas às vezes também tem as páginas, assim, número 1, número 2,
número 3, né?
231
A não leitura e a falta de compreensão das letras, por exemplo, desestimulavam Eva a
pegar a coletânea. Não que ela não entendesse as letras de todas as músicas, pois as
memorizava e falava a respeito do que ensinava. Ela só não entendia o que não lia sozinha.
Uma segunda dificuldade tinha relação direta com o tempo de leitura, como Sara bem
destaca:
A dificuldade de leitura impossibilitava Sara de ler a letra das músicas que não
conhecia. Ela não conseguia sincronizar o seu tempo com o dos demais participantes do culto
e, assim, desistia de continuar a leitura do texto.
Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade da leitura da Coletânea - 18/08/2012.
Pesquisador: [...] Eu percebi que a senhora não pegou a coletânea [...]. A senhora acha que não pegou
por quê? Porque ainda tem dificuldade na leitura? [...].
Aluna: [...] É [...] da leitura, eu acho que sim, mas se eu prestar atenção eu sei, viu? [...].
Pesquisador: [...] O fato da senhora [...] ter dificuldade ainda na leitura, isso desestimula a senhora ou
não a pegar a Coletânea?
Aluna: É. Pesquisador: [...] Desestimula por quê?
Aluna: Porque às vezes eu, pra mim, assim, cantar, assim, sem ler eu não; tem que ler [...]. A pessoa tem
que ler, assim, pegar e saber o que está cantando, aí por isso, aí às vezes eu não pego por isso. [...] Não
adianta eu estar olhando, assim, sem saber o que está cantando. Tem que ler e saber o que está cantando. Só
pra pegar pra dizer que sabe.
Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade da leitura da Coletânea - 10/07/2012.
Aluna: [...] Você vai para uma igreja, você tem que prestar atenção o que, o estudo, preste atenção, [...]
mesmo não sabendo ler, você tem que prestar atenção o que estar acontecendo ali [...]. Você vai a uma
igreja para prestar atenção aos ensino, [...] o que tá lendo ali, o que tá ensinando [...] pratique aquela Palavra
[...]. Se você não souber ler, mas você pergunte depois [...]. Feito essa a, você preste atenção quando tem um
cântico ali [...] quando [...] vai cantar ali, você não tem que prestar atenção a [...] caligrafia da música não?
Tem que prestar atenção. [...] Tudo isso que tem ali escrito é caligrafia, então você tem que prestar atenção,
escute [...] como é bonito ali, aquela música ali [...] seu coração fica cheio de amor pra dar a Jesus, porque
Jesus é quem merece toda honra e toda glória e todo amor, porque você chora. Eu mesmo fico ali me
derretendo com cada música que eu escuto, cada palavra ali [...].
Extrato da 29a entrevista com a aluna Sara: sobre a dificuldade da leitura da Coletânea no culto dominical à
noite - 23/09/2012.
Pesquisador: Você consegue acompanhar [a leitura da coletânea]?
Aluna: Consigo, vou olhando e vou [pausa longa].
Pesquisador: Mas consegue acompanhar lendo tudo?
Aluna: Lendo não, às vezes só se for algum, se for fácil, assim.
Pesquisador: Por quê?
Aluna: Porque eu tenho dificuldade de ler corretamente, assim.
Pesquisador: Aí não consegue acompanhar?
Aluna: É.
Pesquisador: Consegue acompanhar ou não?
Aluna: Não. Só se for cantando, se for lendo não.
232
Além da dificuldade de leitura e do tempo insuficiente para ler, um último obstáculo
foi realçado por Rebeca, em particular, a saber: as letras das músicas das coletâneas são
“grandes”, cuja média de tamanho pode ser exemplificada pela música apresentada a seguir:
Imagem 4: Letra das músicas Rio de vida e Bendito serei
Geralmente cada página da coletânea continha quatro músicas, dispostas duas à
esquerda e duas à direita, com seus respectivos títulos e com indicação de quem as cantava.
Para quem não dominava a leitura, se tornava difícil acompanhar os textos, como afirmou
Rebeca:
233
Para mostrar a grande extensão dos textos da coletânea, Rebeca os compara com as
informações dadas no frasco de um lambedor que ela estava lendo. O tamanho dos textos era
mais um desestímulo para ela pegar a coletânea, pois não dava “conta” de acompanhar a
música.
5.2.1.3 A leitura de outros textos
As lições na EBD e os folhetos para a evangelização continuavam sendo os mesmos
textos com os quais duas das mulheres (Eva e Rebeca) mais se envolviam.
Durante o período em que elas estavam na escola, lições na EBD ainda versavam
sobre as doutrinas essenciais da Bíblia, que estavam impressas em folhas de ofício, numa
pasta. A dinâmica desse encontro foi esboçada em tópico anterior (5.1.1.3). Uma diferença
relevante percebida aqui é que, quando o estudo iniciava, Eva e Rebeca não apenas fixavam o
olhar no (a) dirigente do estudo, mas no conteúdo da folha, procurando ler e manter uma
participação ativa nas discussões do assunto do dia. Em um dos domingos, Eva escolheu um
dos versículos na folha usado para a lição e procurou lê-lo ou “decorando”, como ela disse:
Extrato da 28a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a dificuldade de leitura de textos grandes da coletânea -
15/07/2012.
.
Pesquisador: Eu percebi que a senhora estava sem coletânea, por quê?
Aluna: Porque não pego a coletânea, porque eu, assim, como eu tenho falado, né? Ler corretamente [pausa
rápida], tô aprendendo aos poucos. Eu hoje [...] pela manhã, eu, eu tava lendo em casa, assim, uma receita
de um remédio, um lambedor que eu tô tomando. Aí comecei a ler uma receita do remédio, né? Então, eu
vejo, assim, eu não pego a coletânea, porque é muita coisa, né? Principalmente a música [...]. Coisas
pequenas eu tento ler, ainda vai, mas a coletânea é muita coisa. Pesquisador: Muita coisa como?
Aluna: Assim, durante do louvor, se eu pego ela pra ler a gente vai acompanhando o louvor pela coletânea
eu não vou [...] sei que eu não vou dar conta. Pesquisador: Não dá conta de...
Aluna: De ler, que é muita coisa, né? Mesmo se eu botar o óculos e eu começar a ler vai... Pesquisador: A senhora acha também que é uma questão de tempo?
Aluna: É, o tempo não dá pra mim, que é muita coisa [...] aí eu vou ficar pra trás, muito, muito. Tô
alcançando pouquinho. Pela graça de Deus estou alcançando de pouquinho [...]. Não adianta eu pegar e não
dá conta, né?
234
Uma coisa comum em Eva e nas outras duas mulheres apontadas acima, é que elas
esqueciam muito rapidamente o que liam e/ou escreviam na/da Bíblia.
Já os folhetos para a evangelização eram distribuídos por Eva e Rebeca às pessoas que
elas abordavam nos lugares por onde andavam, aos domingos, pois nas quartas estavam na
escola. Sara continuava sem participar desses encontros evangelísticos, por motivo familiar.
Antes da entrega dos folhetos, somente Rebeca procurava lê-los, algo que não fazia antes do
ingresso na escola. Ela procurava fazer leitura desse texto em casa, mas às vezes solicitava
alguém para lê-lo. De qualquer maneira, Eva e Rebeca, especialmente esta última, abordavam
e conversavam com as pessoas e demonstravam uma facilidade tanto na comunicação como
no conteúdo da mensagem apresentada, com o objetivo de ampliar a fé em Jesus Cristo para
outros lugares e outras pessoas, inclusive para aquelas alfabetizadas.
5.2.2 Práticas de escrita
Como dito anteriormente, as práticas de escrita foram poucas na igreja, mas dois
exemplos podem ser dados:
O primeiro deles é que a escrita do próprio nome das mulheres melhorou bastante,
como se percebeu quando Eva assinou o seu nome no livro de frequência nas reuniões
regulares mensais da Igreja. Ela, por sinal, expressou grande alegria por sua letra estar
melhor:
Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre o que tem lido após entrar na escola - 15/12/2011.
Pesquisador: A senhora aprendeu a ler alguma coisa que não sabia durante esses três meses de aula?
Aluna: Aprendi. Eu li um domingo mesmo [...].
Pesquisador: O que a senhora aprendeu a ler?
Aluna: Eu [...], assim, tô decorando uns versiculozinhos, assim, mas eu domingo um versiculozinho da
Bíblia.
Pesquisador: Qual foi o versículo?
Aluna: [...] Eu tô esquecida agora [...].
Pesquisador: Quando foi?
Aluna: Domingo, na [...] hora da Escola [...].
Pesquisador: Da Escola Bíblica Dominical?
Aluna: Sim, na hora da Escola Bíblica Dominical.
235
Antes do ingresso na escola, Eva tinha dificuldades na escrita do seu nome, omitindo
ou trocando letras, às vezes sem espaçamento entre o nome e sobrenomes. Agora, ela
manifesta muita alegria com o fato de escrever o seu nome “parecendo letra de professora” ou
“direitinho” e está um nome “bonito”. A sua satisfação é ainda maior quando as pessoas da
igreja reconhecem esse avanço. Além do nome, um segundo exemplo está associado à escrita
de determinadas palavras.
No período anterior ao início dos seus estudos, Eva lia os nomes ‘Deus’ e ‘Jesus’, mas
não os escrevia. Após começar seus estudos passou a escrever esses nomes sempre que podia
em diversos materiais, como na capa de um livro, em fevereiro de 2012:
Extrato da 50a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita do seu nome na ata - 01/10/2012.
Pesquisador: [...] Na reunião que a senhora participou [a senhora] mencionou sobre a sua assinatura
[...] na ata [...]. [...] Fale mais sobre isso.
Aluna: Ah, de [...] escrever meu nome, né? Ah! Eu não sabia escrever, era feio e ficava todo, assim, errado,
às vezes escrevia meu nome meio, assim, nervoso e não sabia [...], fazia errado [...], mas agora escrevi a ata da
igreja, ficou muito bonito, ficou parecendo letra de professora [risadas]. As meninas [da igreja] acharam
bonito [...], todo mundo se admirou meu nome, ficou bonito. Aí eu fiquei muito feliz com isso, né? De ver,
como eu escrevi errado, agora eu não tô escrevendo mais meu nome errado, escrevo direitinho.
Pesquisador: Foi no caderno de presença [...]?
Aluna: [...] Foi, na ata da presença de Deus, que a ata é de Deus [...], aquela ata da igreja é de Jesus [...]. Foi
por causa disso que o meu nome ficou bem bonito [...]. Menino, eu tô muito chique na letra [...].
Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre o que tem escrito após entrar na escola - 15/12/2011.
Pesquisador: A senhora aprendeu a escrever alguma coisa que não sabia durante esses três meses de
aula?
Aluna: Se eu aprendi? Eu agora tô fazendo melhor, assim, o ‘p’ [...] ‘a’, ‘r’ [...] e o ‘l’.
Pesquisador: A senhora tem conseguido escrever alguma palavra sem olhar [...]?
Aluna: Só meu nome. O meu nome e eu nem sei a letra [...] que eu escrevo [...] às vezes eu me esqueço. A
não ser “Deus” [...], a palavra “Deus” e “Jesus”, [...] que eu já escrevo sem olhar.
236
Imagem 5: Escrita de palavras soltas e de frases
O nome dela e os nomes ‘Deus’ e ‘Jesus’ Eva escrevia sem “olhar”. Os demais nomes
acima ela copiou de uma pequena revista infantil, que tinha em casa.
As experiências de leitura e escrita dessas mulheres, na igreja, revelaram
especificidades próprias, especialmente no que tange aos usos e estratégias de textos como a
Bíblia, o Hinário, a coletânea de músicas e os folhetos para evangelização. Contudo, mesmo
após o curso do Programa do BA, não houve avanços que possibilitassem às mulheres
atenderem as suas expectativas, as quais estavam relacionadas, sobretudo, à utilização desses
materiais e aos eventos e práticas de letramento nesse espaço social.
237
CONCLUSÕES
“Uma coisa dessa simples e se torna algo difícil, pois a criança aprende ali na escola,
o alfabeto, nasce e não sabe as letras. Os adultos, não. Já velhos e experientes, sabe
as letras e tem dificuldade de juntar. Devia quando vai para escola ser mais fácil, não
é? Está me entendendo?” (Ana).
“É a Palavra mais importante da minha vida, é a Palavra de Deus, Jesus. [...] Essa é
a importância de eu querer saber ler: é pra ler a Bíblia. Se eu aprender a Bíblia pra
mim, eu aprender essa Palavra e morrer pra mim, oi”[gesticula, mostrando que tudo
mais não tem importância] (Eva).
“Então, ainda, enquanto eu não desvendar mais e não souber ler uma [...] palavra
sozinha, só, sem ajuda de ninguém, toda, ainda me sinto [analfabeta]” (Rebeca).
“Jesus vai voltar e eu não aprendo a ler [...]” (Raquel).
Os extratos acima sintetizam o conteúdo do que foi este trabalho e servem, de maneira
geral, de roteiro para a construção das conclusões.
Como destacado na introdução desta pesquisa, o eixo–temático focalizou as práticas
de leitura e escritas de mulheres analfabetas e teve como problemática o seguinte: Quais as
práticas de leitura e escrita de mulheres analfabetas em Jaboatão dos Guararapes – PE, na
escola e na igreja?
Ao longo da pesquisa percebeu-se que as mulheres, antes mesmo do ingresso na
escola, participavam ativa e sistematicamente de eventos que envolviam a leitura e a escrita
em diferentes espaços sociais, como a igreja, e já demonstravam conhecimentos das letras do
alfabeto, liam palavras de cor, letras de músicas e hinos e escreviam o nome completo, e
assim por diante. Conhecimentos foram revelados não só nas falas das mulheres, quando
entrevistadas, mas também em suas práticas, algumas delas por nós observados.
As referidas mulheres revelaram também expectativas, as quais estão estritamente
relacionadas com os eventos e práticas na igreja e que representavam para elas o sentido de
vida e elemento essencial na construção de sua identidade. Uma das expectativas mais
apontadas por elas foi a leitura da Bíblia, pois além do prazer em lê-la, perpassava a confiança
que esta lhes daria, por exemplo, mais conhecimento e sabedoria. E elas viam, em Deus, o
mediador principal que as ensinaria a alcançar os seus desejos.
Assim, os depoimentos revelam um desejo forte que elas têm em aprender a ler e
escrever e também a consciência de que é preciso aprender algumas coisas para que de fato
elas deixem de ser analfabetas. O conhecimento das letras e do alfabeto, que muitos adultos
238
analfabetos possuem, não é suficiente. É preciso aprender, como bem falou Ana, o “mistério
das letras”, da junção das letras para poder ler e escrever palavras. É preciso, como disse
Rebeca, “desvendar mais, ler palavras sozinhas, sem a ajuda do outro”.
Oito meses de participação em um Programa de alfabetização não foram suficientes
para que as mulheres desta pesquisa avançassem em seus conhecimentos sobre a escrita e
consolidassem as práticas de leitura e produção de textos. Raquel, ao perceber o pouco avanço
nesse período, comentou que Jesus viria e ela não aprenderia a ler.
Por que é tão difícil para essas mulheres o aprendizado da leitura e da escrita? Por que
as crianças, como Ana falou, que, no geral, possuem menos conhecimentos e são menos
experientes que os adultos, aprendem mais rápido? Vários professores que trabalham com a
alfabetização de adultos afirmam ser mais difícil ensinar pessoas adultas do que a crianças,
por várias razões: baixa autoestima dos adultos, problemas de visão que eles possuem, falta de
motivação, cansaço por causa das jornadas de trabalho, dificuldades de raciocínio, etc.
No caso das mulheres da presente pesquisa, embora o cansaço estivesse presente, não
lhes faltava motivação para que quisessem aprender a ler e escrever, como já mencionado.
Conhecimentos prévios elas também possuíam. Mas de fato elas aprenderam muito pouco, e
avançaram pouco em seus conhecimentos. Suas expectativas não foram atendidas e, para elas,
como para as pessoas no geral, o problema não está nas práticas escolares vivenciadas por
esses alunos, mas nas suas próprias limitações. Ao não se perceberem aprendendo, os alunos
analfabetos se culpam e é comum ouvirmos, deles mesmos, afirmações de que não têm “a
cabeça boa para aprender”.
Nessa última parte do trabalho, se discutirá a relação das práticas de alfabetização da
professora da pesquisa com a aprendizagem dos alunos, à luz das discussões sobre
alfabetização e letramento. Para isso, se discorrerá sobre duas pesquisas que analisaram
práticas diferenciadas de alfabetização de adultos.
A primeira pesquisa corresponde à dissertação de Fabiana da Silva Correia Souza
(2012), intitulada Desvendando as práticas de alfabetização da EJA: o que pensam e propõe
as professoras? O que aprendem e dizem os alunos?Possui alguns pontos de convergência
com o nosso estudo. Neste trabalho, Souza investigou práticas de alfabetização de professores
da EJA e em que medida essas práticas contribuíram para as aprendizagens dos alunos no que
tange à apropriação do SEA. Para isso, a referida autora buscou perceber, nos processos de
ensino e aprendizagem, as próprias concepções, por assim dizer, avaliativas, das
239
alfabetizadoras e dos alfabetizandos em relação às práticas pedagógicas das docentes e das
aprendizagens dos alunos.
Tendo como referência os princípios da pesquisa qualitativa, o referido estudo teve
como sujeitos duas professoras, em suas respectivas salas de aula, de escolas públicas do
município de Camaragibe-PE e lançou mão dos seguintes procedimentos metodológicos: as
observações das aulas das professoras mencionadas, as entrevistas e minientrevistas
semiestruturadas e a aplicação de atividades de escrita e leitura de palavras com os alunos.
Os dados da pesquisa revelaram que uma das professoras trabalhou de forma
sistemática, mais do que a outra, a escrita alfabética em sala de aula. Segundo Souza, nas duas
práticas docentes, especialmente em uma delas, observou-se “a presença ainda marcante dos
‘antigos’ métodos de alfabetização e, por outro”, constatou-se “as dificuldades e a angústia
das docentes para incluir as ‘novas’ práticas em seus modos de fazer, o que se tornava mais
evidente nos momentos dedicados à realização de atividades de produção textual com os
alunos” (p.8). De qualquer forma, apesar de alguns avanços na prática de uma das
professoras, para Souza “os progressos dos alunos foram abaixo daqueles esperados” e que,
portanto, “as práticas investigadas” por ela “parecem ter contribuído pouco para os alunos
tornarem-se pessoas alfabetizadas”.
A principal contribuição da pesquisa de Souza para a presente dissertação é perceber a
dificuldade de uma prática docente que conheça, reflita e aprofunde as especificidades da
alfabetização, no que concerne, por exemplo, ao estudo reflexivo e sistemático, não de um
código, mas de um sistema. Outro ponto de contato com esta pesquisa foi a não concretização
das expectativas dos alunos, já que não avançaram em suas experiências de leitura e escrita.
Albuquerque e Ferreira (2008) desenvolveram uma pesquisa com o objetivo de
analisar a construção/fabricação de práticas de alfabetização em turmas de educação de jovens
e adultos. A pesquisa envolveu duas professoras que lecionavam no Programa Brasil
Alfabetizado, oferecido pela Secretaria de Educação da cidade do Recife. Como
procedimentos metodológicos, foram realizadas entrevistas com as professoras e observações
de suas aulas, como também dos encontros de formação continuada dos quais participavam,
ligados ao referido Programa. Os resultados apontaram para o desenvolvimento de práticas
distintas desenvolvidas pelas professoras. A professora Maria centrava suas aulas na
discussão de alguma temática e na leitura e escrita de palavras relacionadas a ela. Os alunos
participavam da discussão, mas os que não sabiam ler se recusavam a ler as palavras
solicitadas. Em relação às atividades de apropriação do sistema de escrita alfabética, além da
240
leitura de palavras, em alguns dias a professora realizou, coletivamente, a separação silábica
de algumas palavras lidas. Já a professora Marlene construiu uma rotina que envolvia,
diariamente, leitura de textos e atividades de apropriação do SEA, e de forma menos
frequente, atividades de produção de textos. Com isso, ela buscava desenvolver uma prática
na perspectiva do alfabetizar letrando, seguindo as orientações do Programa, discutidas nos
encontros de formação. Ao longo do ano, alguns alunos da professora Maria abandonaram o
Programa por perceberem que não estavam aprendendo. Já os alunos da professora Marlene
avançaram em seus conhecimentos sobre a escrita alfabética. Apresentaremos, a seguir, como
era a rotina dessa professora, da forma como foi descrita pelas pesquisadoras.
A professora Marlene sempre iniciava a aula com o que ela chamava de “hora da
novidade”. Nesse momento, os alunos contavam alguma coisa que lhes tinha
acontecido. Segundo a professora, esse momento foi instituído porque os alunos, no
início do Programa, eram muito tímidos e tinham vergonha de falar. Depois dessa
atividade inicial, a docente fazia a leitura deleite, que envolvia diferentes gêneros:
crônicas, parábola e poema. Durante a leitura desses textos, a professora utilizava
importantes estratégias de leitura para manter a atenção do grupo. Os alunos
participavam atentamente da leitura, sendo estimulados a criar hipóteses para
posteriormente confirmá-las ou não. A docente sempre ressaltava o título do texto e
seu autor. Em seguida, a professora dava início a um conjunto de atividades que
levavam os alunos a refletir sobre os princípios do sistema de escrita alfabética.
Essas atividades envolviam a exploração de palavras do texto lido, e eram realizadas
tanto oralmente, como por meio de exercícios impressos (mimeografados) ou
escritos no caderno. Assim, em todas as observações, a professora contemplou
atividades de leitura de palavras, seguida da partição oral das palavras em sílabas, e
de outras atividades, tais como: identificação de letras presentes em diferentes
palavras, comparação de palavras quanto à presença de letras ou sílabas iguais,
contagem de sílabas e letras das palavras, além da escrita de palavras. Ainda para
trabalhar com as características do SEA, a professora realizava muitas atividades de
jogos. A partir das observações feitas e do depoimento dos alunos, eles eram sempre
bem-vindos. A participação da turma nesses momentos era intensa. Esses jogos
eram realizados tanto coletivamente, como no caso do jogo da forca, como em
pequenos grupos. A professora falou, em conversa informal, que planejava sua aula
tentando contemplar aquilo que os alunos mais gostam de realizar, como os jogos
(p. 433).
Enfim, como apontado por Albuquerque e Ferreira, a professora Marlene estava
construindo uma prática de alfabetização na perspectiva do “alfabetizar letrando”, que
possibilitava que os alunos, ao mesmo tempo em que estavam aprendendo sobre a escrita
alfabética, ampliassem suas experiências de letramento.
Com base nos dados dessas pesquisas, gostaríamos de analisar alguns aspectos da
prática de alfabetização da professora da pesquisa. Apesar do bom relacionamento entre a
alfabetizadora e as suas alunas, a sua prática pedagógica apresentou algumas dificuldades,
que ora elencamos.
241
A primeira delas diz respeito ao desconhecimento das mulheres, dos seus
conhecimentos e expectativas. Durante o Programa do BA, a professora aplicou duas
diagnoses enviadas pela Secretaria de Educação de Jaboatão dos Guararapes, no início e no
final do PBA. As diagnoses, porém, não foram usadas para identificar o que as alunas já
sabiam sobre a escrita de modo a nortear o planejamento das atividades a serem realizadas. O
mais surpreendente é que não havia, no grupo acompanhado, nenhuma mulher que estivesse
na hipótese pré-silábica de escrita, o que indica que todas já entendiam uma questão
fundamental para o processo de apropriação da escrita: a de que as letras representam a pauta
sonora das palavras. Elas também conheciam o alfabeto e conseguiam marcar algumas
correspondências sonoras.
Elas precisavam, no entanto, compreender alguns princípios do SEA, como o de que
toda sílaba tem vogal, e de que as sílabas possuem diferentes estruturas. Para isso, era
essencial o desenvolvimento de atividades que as levassem a perceber as relações som-grafia
e a consolidar as correspondências sonoras, atividades como as desenvolvidas pela professora
Marlene, relatadas anteriormente.
A professora Priscila, no entanto, parecia não ter conhecimentos sobre a natureza do
nosso sistema de escrita e sobre a necessidade de identificar os conhecimentos que os alunos
já desenvolveram para fazê-los avançar. Ela também não considerava as experiências das
alunas com a leitura e com a escrita, realizadas fora da escola. Mesmo desconhecendo, por
exemplo, as expectativas das mulheres, estas, várias vezes, em sala de aula, disseram para a
professora e as demais pessoas os seus desejos mais profundos, quando conseguissem ler e
escrever, o que as levou a chorar algumas vezes. Apesar disso, elas não foram ouvidas pela
alfabetizadora. Em que sentido? Ela “ouvia”, mas não no sentido de mudar sua prática
pedagógica. Ela não trazia, para a sala de aula, textos que interessavam às alunas, incluindo os
da Bíblia e Hinários, com os quais a maioria convivia quase que diariamente, o que tornaria as
aulas mais próximas e significativas para todos.
Não se está falando em ensinar religião ou privilegiar alguma delas. Sabe-se que a
escola é laica, mas não podemos desconsiderar o fato de praticamente todas as alunas
conviverem frequentemente em suas igrejas, com diferentes textos e o desejo delas em poder
lê-los. É sobre essa necessidade de escutar que Paulo Freire (1996) afirma que “somente quem
escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise
[...] falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder falar com é falar
impositivamente” (p.113. Os itálicos são do autor). E continuam, ao lembrar que “quem tem o
242
que dizer tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo. É preciso, porém, que quem tem o que
dizer saiba, sem sombra de dúvida, não ser o único ou a única a ter o que dizer” (idem).
Em relação a Paulo Freire, a professora Priscila, por várias vezes, nos disse que em
suas atividades em sala lançava mão do método de alfabetização proposto por esse autor, ao
contemplar o trabalho por meio das chamadas “palavras geradoras”, vindas de livros ou não.
E realmente, se pudermos caracterizar a prática dessa professora, a ênfase era no trabalho com
uma palavra que era usada para a escrita/cópia de outras palavras que começavam com a
mesma letra e/ou para a realização de atividades de separação das sílabas das palavras. Não
havia, portanto, atividades que levassem os alunos a refletir sobre os princípios do SEA que
eles ainda não entendiam.
Práticas como a da professora Priscila, assim como da professora Maria (da pesquisa
de Albuquerque e Ferreira), que priorizam a oralidade e o trabalho com palavras geradoras é
muito presente na EJA. E o mais sério é que essas práticas são desenvolvidas tendo-se em
mente o tão famoso “Método de Paulo Freire”.
Como abordado por Soares (2003), as contribuições de Paulo Freire para a educação
vão muito mais além do que foi difundido no Brasil como método de alfabetização de Paulo
Freire, até porque, para alfabetizar os adultos, Freire lançou mão do que naquela época
(década de 1960) era o mais comum no ensino da leitura e da escrita: o método silábico.
Assim, ao mesmo tempo em que realizava atividades próprias desse método, como o trabalho
com palavras chaves e padrões silábicos, ele, como abordado por Albuquerque e Ferreira
(2010), rompeu com muitos aspectos constitutivos desse método, tais como: trabalho com
palavras não significativas para os alunos; necessidade de partir de sílabas mais simples para
as mais complexas; uso de textos cartilhados (construídos pelos autores do livro com o uso de
palavras já trabalhadas em lições anteriores); concepção de aluno como tábula rasa, cujo
conhecimento sobre a língua teria que ser transmitido pelo professor, e assim por diante. Para
Freire, os adultos analfabetos eram produtores de cultura e de conhecimento e o processo de
alfabetização deveria partir de suas experiências.
A prática da professora Priscila, como a de tantas outras alfabetizadoras, demonstra,
portanto, uma incompreensão das contribuições de Paulo Freire para a Educação, assim como
apontam para a falta de conhecimento das discussões teóricas sobre alfabetização
desenvolvidas nas últimas décadas, principalmente as que se relacionam com a teoria da
Psicogênese da língua escrita e com os estudos sobre letramento.
243
Faltava, à referida professora, conhecimentos básicos da alfabetização e seu papel
como mediadora das aprendizagens dos alunos terminou por não acontecer, no sentido de não
ter proporcionado às alunas o avanço em seus conhecimentos. Em relação à apropriação da
escrita alfabética, por exemplo, somente uma aluna avançou do nível silábico alfabético para
o nível alfabético. A maioria permaneceu no nível em que iniciou o Programa - o silábico
alfabético - e uma das mulheres não conseguiu avançar para além do alfabético. As
constatações desta pesquisa realizada não deixam de ser um desafio para as formações de
professores.
Diante do que vimos até aqui, é preciso uma discussão cada vez mais aprofundada a
respeito da alfabetização e do letramento. Apesar das propostas em substituir a palavra
alfabetização por letramento, o que necessitamos mesmo, como bem assevera Soares (2000;
2004; 2010) é pensarmos sobre as especificidades do processo de alfabetização de modo a
garantir que os alunos consigam, de fato, que suas expectativas ao retornarem à escola sejam
atendidas: de ler e escrever textos com autonomia, sem precisar depender de outras pessoas.
Assim é preciso, sim, em nosso contexto, tratar esses dois fenômenos – a alfabetização e o
letramento – como dois processos distintos, mas indissociáveis, de modo a se garantir o
desenvolvimento de práticas de alfabetização na perspectiva do alfabetizar letrando.
É importante pensar que se está lidando com pessoas com uma identidade e
subjetividade própria, além de experiências, saberes e expectativas. Para tanto é preciso que
os professores reflitam sobre as suas práticas sabendo que esta influencia o aprendizado e a
prática de seus alunos. Que compreenda, por exemplo, o SEA, seus usos e funções, para
utilizá-lo de maneira crítica e criativa.
Reconhecem-se as dificuldades que a escola, como instituição, vem mostrando em sua
história e as muitas críticas em torno dela. Muito disso não por culpa do professor e/ou do
aluno, mas por uma indisposição política intencional, que nunca priorizou, no Brasil, a
educação e o desenvolvimento da educação escolar. Concorda-se também com as críticas à
escola no âmbito pedagógico, ao conceber a alfabetização como apenas uma apropriação da
tecnologia da leitura e da escrita ou de um código, de forma neutra e para atender, por
exemplo, a alguma demanda econômica.
Apesar das referidas críticas, nem a escola e nem qualquer política pública não podem
fugir à responsabilidade de garantir o direito às pessoas que o discurso, ideológico e
preconceituoso, vem chamando erroneamente de analfabetos. Pessoas, como as mulheres
244
desta pesquisa, que buscam uma oportunidade que não tiveram e querem experimentar
concretamente os seus desejos mais significativos.
Para finalizar, destaca-se a importância do desenvolvimento de trabalhos de formação
continuada centradas na construção coletiva de práticas de alfabetização que garantam que os
alunos, de fato, se apropriem da escrita alfabética e, ao mesmo tempo, ampliem suas
experiências de letramento de modo a garantir que consigam ler e escrever em diferentes
situações sociais. Por fim, destaca-se também a necessidade de que novas pesquisas sejam
desenvolvidas, de modo a contribuir não só para o avanço na área de alfabetização, mas
também para a melhoria das práticas de ensino no nosso país.
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260
Apêndice A – Roteiro de entrevista 1 sobre o perfil geral dos sujeitos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO
ENTREVISTA COM JOVENS E ADULTOS EM ALFABETIZAÇÃO
Entrevistador: Josemar G. Ferreira
Entrevistado nome completo:
Naturalidade:
Idade:
Estado Civil: Filhos:
Profissão:
Religião:
Local:
Data:
Horário:
1. Você já estudou antes?
2. (Caso tenha estudado) Em que momento de sua vida você estudou?
3. (Caso tenha estudado) Por que parou de estudar?
4. (Caso tenha estudado) Pensa em retornar a estudar?
5. Pensa em começar seus estudos? 6. Quais as razões porque voltou a estudar?
7. Em sua opinião, para que serve a escola?
8. Tem alguma dificuldade para começar os seus estudos? Qual (ou quais)?
9. (Caso tenha estudado) Como eram suas aulas de alfabetização quando você estudou
anteriormente? O que você acha que aprendeu nessas aulas?
10. (Caso tenha estudado) Você aprendeu a ler quando esteve na escola? O quê aprendeu a
ler?
11. (Caso tenha estudado) Você aprendeu a escrever quando esteve na escola? O quê
aprendeu a escrever?
12. O que você lê hoje?
13. O que você escreve hoje?
14. Como você faz para ler e escrever algo quando quer e precisa?
15. O que você gostaria de ler?
16. O que você mais gostaria de escrever?
17. Como se sente não sabendo ainda ler e escrever?
18. Quem você acha que é o culpado por essa situação?
19. Você acha mais difícil ler ou escrever? Por quê?
20. Qual a sua dificuldade ao ler?
21. Qual a sua dificuldade ao escrever?
22. (Caso queira ainda estudar) O que deseja alcançar, como objetivo de vida, ao aprender a
ler e escrever?
261
Apêndice B – Roteiro de entrevista 2 sobre como os sujeitos se veem (no início, no meio e
fim de cada período de mais ou menos três (3) meses).
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO
ENTREVISTA SOBRE COMO OS ALUNOS SE VEEM
Entrevistador: Josemar G. Ferreira
Entrevistado:
Local da entrevista:
Data da entrevista:
Horário:
1. Você se acha uma pessoa analfabeta? Por quê?
2. Pra você, quando uma pessoa deixa de ser analfabeta?
3. Mesmo lendo e escrevendo alguma coisa, ainda assim você se considera uma pessoa
analfabeta?
4. O que você acha que as pessoas dizem sobre os analfabetos?
5. Você já ouviu alguma coisa de alguém – boa e/ou ruim – pelo fato dela considerar você
analfabeta?
6. Como você se sente sendo considerada uma pessoa analfabeta?
7. Quais as limitações de uma pessoa considerada analfabeta?
8. Uma pessoa considerada analfabeta é alguém útil pra sociedade? Por quê?
9. Você se considera uma pessoa útil? Por quê?
10. O que você mais fez na vida em termos de atividade profissional? O que está fazendo
atualmente?
11. Uma pessoa considerada analfabeta é alguém que sabe alguma coisa? (Se não) Por quê?
12. Como você faz para realizar suas atividades no cotidiano sem fazer uso da leitura e da
escrita?
262
Apêndice C – Roteiro de entrevista 3 sobre a avaliação das aulas pelos sujeitos (no início,
no meio e no fim de cada período de mais ou menos três (3) meses).
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO
ENTREVISTA COM OS ALUNOS SOBRE AS AVALIAÇÕES DAS AULAS
Entrevistador: Josemar G. Ferreira
Entrevistado:
Local da entrevista:
Data da entrevista:
Horário:
Perguntas feitas aos alunos no início, no meio e no fim do período de aulas.
1. O que você tem achado das aulas da professora até o momento?
2. Você aprendeu a ler alguma coisa que não sabia, durante esses três (3) meses de aulas
(seis/6 meses, no meio do período, e oito/8 meses, no fim do período)? (Se sim). O que
você aprendeu a ler? (Se não) Por quê?
3. Você aprendeu a escrever alguma coisa que não sabia, durante esses três (3) meses de aulas
(seis/6 meses, no meio do período, e oito/8 meses, no fim do período)? (Se sim). O que
você aprendeu a escrever? (Se não) Por quê?
4. Você continua tendo alguma dificuldade para ler? (Se sim) Por quê? (Se não) Ao que e/ou a
quem você atribui isso?
5. Você continua tendo alguma dificuldade para escrever? (Se sim) Por quê? (Se não) Ao que
e/ou a quem você atribui isso?
263
Apêndice D – Roteiro de entrevista 4 sobre a avaliação das aulas diárias dos sujeitos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO
ENTREVISTA COM OS ALUNOS SOBRE AS AVALIAÇÕES DAS AULAS DIÁRIAS
Entrevistador: Josemar G. Ferreira
Entrevistado:
Local da entrevista:
Data da entrevista:
Horário:
Perguntas feitas aos alunos ao término de cada aula
1. O que a professora ensinou na aula de hoje/ontem?
2. O que você achou da aula hoje/ontem?O que você gostou? E o que você não gostou?
3. O que você aprendeu na aula de hoje/ontem, que não sabia?
4. Você teve alguma dificuldade em aprender alguma coisa ensinada pela professora? (Se
sim) Pra você, o que a professora poderia fazer para resolver essa situação?
5. Algum aluno comentou com você sobre o que ele achou da aula hoje/ontem?
264
Apêndice E – Roteiro de entrevista 5 sobre o perfil da professora
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO
ENTREVISTA COM A PROFESSORA
Entrevistador: Josemar G. Ferreira
Entrevistado:
Idade:
Naturalidade:
Estado Civil:
Filhos:
Religião:
Profissão:
Quanto tempo no bairro:
Local da entrevista:
Data da entrevista:
Horário:
1. Fale um pouco sobre sua formação escolar.
2. Como ocorreu o seu envolvimento com o PBA?
3. Você realiza outra atividade, além de ensinar no PBA? (Se sim) Quais?
4. Há quanto tempo ensina jovem e adulto?
5. Como você se vê enquanto alfabetizadora de jovens e adultos?
6. Quais têm sido os maiores desafios encontrados por você no ensino de jovens e adultos?
7. Como você define o alfabetizando jovem e adulto?
8. Pra você e no contexto de sua experiência, como os alfabetizandos se vêem durante o
processo de ensino e aprendizagem da leitura? E da escrita?
9. Quais os desafios que encontras para alfabetizar?
10. O que você faz para alfabetizar?
11. Qual o perfil de aluno dessa turma do PBA, que você ensina?
12. Quais os maiores desafios encontrados por você no ensino dessa atual turma do PBA?
13. Quais as disciplinas que você está ensinado a essa atual turma do PBA? Você tem dado
ênfase a alguma delas? Qual? Por quê?
14. Pra você, o livro didático é importante ou não no processo de alfabetização? Por quê?
15. Qual o livro que você está usando? Por que está usando esse livro?
16. O que os alunos dizem acerca desse livro didático, que eles estão usando?
265
17. Como é a sua relação com os alunos dessa turma do PBA, que você ensina?
18. Pra você, o que é alfabetização?
19. Pra você, o que é letramento?
20. Qual a sua concepção de leitura?
21. Qual a sua concepção de escrita?
22. A senhora tem tido as formações? Qual a sua avaliação dessas formações?
23. Quais os temas que gostarias que fossem tratados na formação?
266
Apêndice F – Diagnose 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO
Jovens e adultos na escola. Nome: ____________________________________________________
Pesquisador: _______________________________________________
Data: ____/____/_____
DIAGNOSE N° 01
1) Escreva os nomes das figuras abaixo:
____________________________ ____________________________
__________________________ ______________________________
___________________________ _____________________________
_________________________ ___________________________
_________________________ __________________________
267
2. Ligue as palavras às figuras:
TELEVISÃO
CALCULADORA
PRATO
SAPATO
MÃO
CHAVE
JARRO
268
Apêndice G – Diagnose 3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO
Jovens e adultos na escola. Nome: ____________________________________________________
Pesquisador: _______________________________________________
Data: ____/____/_____
DIAGNOSE N° 03
1) Escreva os nomes das figuras abaixo:
___________________________ _____________________________
__________________________ ____________________________
___________________________ ____________________________
_________________________ ___________________________
_________________________ __________________________
269
2. Ligue as palavras às figuras:
CHAVE
TELEVISÃO
MÃO
PRATO
JARRO
CALCULADORA
SAPATO
270
Apêndice H - Quadro 28: Atividades realizadas pela professora em sala de aula
ATIVIDADE ATIV. 1 ATIV. 2 ATIV. 3 ATIV. 4 ATIV. 5 ATIV. 6 ATIV. 7 ATIV. 8 TOTAL
Cumprimenta e conversa
com as alunas.
31 AULAS __ __ __ __ __ __ __
31
Correção de exercício de aula
anterior no caderno.
__ 6 AULAS
(8,11, 13, 21, 26, 27) 2 AULAS
(5, 20)
__
__
___
8
Leitura de texto.
__ 7 AULAS
(2, 5, 7, 12, 18, 19,23). 3 AULAS
(9, 16, 21- 1o texto
do dia)
1 AULA
(11) 1 AULA
(21 – 2o texto
do dia)
__
__
__
12
Atividade de classe
__ 15 AULAS
(1, 3, 4, 6, 9, 10, 14,15,
16, 17, 20, 22, 24, 28, 31).
11 AULAS
(2, 7, 8, 12, 13, 18,
19, 23, 26, 27, 30)
2 AULAS
(5, 21)
1 AULA
(11)
__
__
__
29
Aplicação de diagnose em
folha de ofício.
__ 2 AULAS
(29, 30) 1 AULA
(11)
__ __ __ __ __ 3
Explicação de atividade de
classe.
__
__
4 AULAS
(1, 4, 22, 31) 3 AULAS
(6, 8, 23) 2 AULAS
(7, 27)
__
1 AULA
(11)
__
10
Correção de exercício de
classe
__
__ 5 AULAS
(3, 6, 14, 17, 28) 8 AULAS
(1, 4, 7, 19, 22,
24, 27, 31)
6 AULAS
(2, 5, 8, 18,
23, 30)
3 AULAS
(12, 21, 26)
__
__
22
Tarefa de casa.
__ 1 AULA
(25)
3 AULAS
(10, 15, 29) 5 AULAS
(2, 9, 14, 20, 28) 8 AULAS
(1, 4, 12, 13,
19, 22, 26, 31)
3 AULAS
(8, 23, 27)
__
__
20
Distribuição de lanche
__
__ 2 AULAS
(24, 25) 6 AULAS
(12, 13, 15, 18,
26, 30)
1 AULA
(28) 2 AULAS
(11, 31)
__
__
11
Professora e aluna se
despedem
__
__
__ 6 AULAS
(3,10, 16, 17,
25, 29)
6 AULAS
(6, 9, 14, 15,
20, 24)
11AULAS
(1, 2, 4, 5, 7,
13, 18, 19, 22,
28, 30)
7 AULAS
(8, 12, 21,
23, 26, 27,
31)
1 AULA
(11)
31
TOTAL 31 31 31 31 25 19 8 1 ---