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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO E LINGUAGEM JOSEMAR GUEDES FERREIRA JESUS VAI VOLTAR E EU NÃO APRENDO A LER: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES EM CONDIÇÃO DE ANALFABETISMO Recife 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO

LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO E LINGUAGEM

JOSEMAR GUEDES FERREIRA

“JESUS VAI VOLTAR E EU NÃO APRENDO A LER”:

PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES EM CONDIÇÃO DE

ANALFABETISMO

Recife

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO

LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO E LINGUAGEM

JOSEMAR GUEDES FERREIRA

“JESUS VAI VOLTAR E EU NÃO APRENDO A LER”:

PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES EM CONDIÇÃO DE

ANALFABETISMO

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação do Centro de

Educação da Universidade Federal de

Pernambuco, como requisito parcial para

obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Drª. Eliana Borges Correia de

Albuquerque.

Recife

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JOSEMAR GUEDES FERREIRA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TÍTULO: “JESUS VAI VOLTAR E EU NÃO APRENDO A LER”: PRÁTICAS DE

LEITURA E ESCRITA DE MULHERES EM CONDIÇÃO DE ANALFABETISMO.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________________

Profa Dr

a. Eliana Borges Correia de Albuquerque

1a Examinadora/Presidente

______________________________________________

Profa. Dr

a. Dayse Cabral de Moura

2a Examinadora

______________________________________________

Profa. Dr

a. Andréa Tereza Brito Ferreira

3a Examinadora

______________________________________________

Profa. Dr

a. Ana Maria de Oliveira Galvão

MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADO

RECIFE, 26 de agosto de 2013

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Essa é a importância de eu querer saber ler: é pra ler a Bíblia.

Eva

(aluna da pesquisa)

Eu vou aprender, sim, a ler, para cantar hino na igreja.

Ana

(aluna da pesquisa)

Eu queria tá lendo, assim, a Palavra, pra passar [...] o amor de Deus.

Rebeca

(aluna da pesquisa)

Eu gostaria de ler [...] tudo.

Sara

(aluna da pesquisa)

Já estou com idade avançada, só quero mesmo aprender a ler. Tudo isso, só que eu quero

Rute

(aluna da pesquisa)

Jesus vai voltar e eu não aprendo a ler!

Raquel

(aluna da pesquisa)

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A Deus, em quem “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”.

(Colossenses 2:3)

Às seis mulheres da pesquisa, cuja sabedoria e conhecimento são um tesouro para mim.

DEDICO

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AGRADECIMENTOS

A meu Deus, pois nele encontro o sentido da minha existência e vida e somente em quem nos

tornamos verdadeiramente humanos.

À Profa. Doutora Eliana Borges Correia de Albuquerque, estimada e competente

orientadora, que me ajudou antes mesmo do mestrado e sem suas preciosas contribuições e

direção seria muito mais difícil a conclusão desta pesquisa.

À Profa. Doutora Andréa Tereza Brito Ferreira, pela amizade, pela atenção sempre

dispensada e pelas valiosas orientações, quando da qualificação deste trabalho.

À Profa. Doutora Dayse Cabral de Moura, pela amizade, por ter permitido acompanhá-la em

suas aulas de EJA e nos encontros do grupo de estudo e pelas orientações durante a

qualificação desta pesquisa.

À Profa. Doutora Ana Maria de Oliveira Galvão, por atender prontamente ao convite de

participar da defesa desta pesquisa, pelas suas orientações esclarecedoras e por contribuir para

minha formação acadêmica com os seus trabalhos.

Às mulheres da pesquisa, que são para mim companheiras de fé e mães e sem as quais esta

pesquisa simplesmente não existiria.

À professora alfabetizadora, que me permitiu observar suas aulas, pela sua colaboração na

realização deste trabalho e pela sua atenção e respeito para comigo.

Ao Pr. Adrian Stewart, pela sua amizade e ajuda na construção do abstract.

A amada Irly da Silva Ferreira, mulher, esposa, mãe, companheira de fé e presente de Deus

para mim.

A Ana Sophia Guedes Ferreira e Ana Carolina Guedes Ferreira, minhas filhas, que,

apesar de não saberem ainda a dimensão deste empreendimento, elas nem imaginam o quanto

me ajudaram.

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Aos meus pais, Manoel Patrocínio Ferreira e Darcy Guedes Ferreira (em memória), que

sempre me amaram e me educaram incondicionalmente. A ambos, a minha honra e dívida

eternas.

A meus irmãos e as minhas irmãs, que carrego no coração, Wylma Guedes Ferreira do

Nascimento, Uilza Guedes Ferreira Carvalho, Jean Guedes Ferreira, Leile Guedes Ferreira,

Manoel Patrocínio Ferreira Júnior e seus respectivos esposos, esposa, filhos e filhas.

A Ivonete Bastos Ferreira, pela atenção e frutíferos debates.

Aos professores e às professoras do curso de Pedagogia da UFPE e do Mestrado,

especialmente ao Professor Doutor Artur Gomes de Morais e à Profa. Doutora Magna do

Carmo Silva Cruz, pela sua simplicidade e comentários esclarecedores.

À Profa. Doutora Célia Maria Rodrigues da Costa Pereira, por sua simplicidade e

competência, pela amizade, pelo constante estímulo e por ter contribuído significativamente

para o meu amadurecimento no exigente caminho da pesquisa científica.

Aos colegas e às colegas do curso de Pedagogia, especialmente Aldenize (em memória),

Daniela Luiza Lemos Machado, Jane Rafaela Pereira da Silva e Vânia Rocha da Silva.

À amiga e Profa. Cristiana Vasconcelos do Amaral e Silva (Cris), que sempre demonstrou,

em nossa caminhada, preciosas qualidades como humildade, cortesia, serviço abnegado,

respeito e competência profissional.

À UFPE, enquanto instituição e aos funcionários e às funcionárias, especialmente os (as) de

Serviços Gerais, os (as) da Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação, os (as)

do laboratório, e os (as) da Biblioteca, notadamente Adilson dos Ramos, Ênio Barbosa de

Lima, Francisco Bezerra de Lima, Kátia Tavares e Maria das Neves Maranhão, sempre

atenciosos (as) e competentes profissionais.

Ao CNPq, pelo financiamento da pesquisa.

À Igreja Evangélica Congregacional em Cajueiro Seco, pela amizade, cuidado,

compreensão, companheirismo na fé e intercessão constante em meu favor.

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Ao Seminário Teológico Congregacional do Nordeste, pela amizade, confiança e

oportunidades na minha iniciação à pesquisa, em especial ao Pr. Glenn Thomas Every-

Clayton e a Profa. Joyce Elizabeth Winifred Every-Clayton.

À Igreja Evangélica Congregacional em Juazeiro – BA, que sempre cooperou comigo no

sentido mais amplo dessa palavra, e Cleunice David de Sena (Nicinha), amiga, companheira

de fé, intercessora, cujo cuidado comigo é mesmo como de uma mãe.

À Igreja Evangélica Congregacional em Juazeiro V, na cidade de Juazeiro – BA, por ter

me ensinado, na prática, a vivência dos ensinos de Jesus Cristo.

Ao meu vizinho Murilo Thadeu Viana Lavra, pela amizade e apoio em palavras e atitudes.

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LISTA DE SIGLAS

CONFINTEA- Conferência Internacional de Educação de Adultos

EJA – Educação de Jovens e Adultos

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEC – Igreja Evangélica Congregacional

INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional

JA – Jovens e Adultos

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC– Ministério da Educação e Cultura

MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetização

PBA – Programa Brasil Alfabetizado

PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

PLE - Práticas de Leitura e Escrita

SEA - Sistema de Escrita Alfabética

UNESCO– Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

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RESUMO

A presente pesquisa buscou analisar as práticas de leitura e escrita de mulheres analfabetas no

contexto da escola e da igreja. A metodologia utilizada teve como fundamento teórico e

prático uma abordagem de natureza qualitativa. Os sujeitos da pesquisa corresponderam a 6

(seis) mulheres alunas do Programa Brasil Alfabetizado e a professora da turma que elas

frequentavam, em uma comunidade de Jaboatão dos Guararapes-PE. Como procedimentos

metodológicos, realizaram-se observações de aulas e observações das práticas de leitura e

escrita de três dessas mulheres no âmbito da igreja; entrevistas com as alunas sujeitos da

pesquisa e com a professora; aplicação de uma atividade diagnóstica de escrita de palavras no

início e no final do período de escolarização e análise de documentos (das atividades no

caderno e no livro didático adotado). Os dados da pesquisa revelaram que as alunas, ao

ingressarem no Programa, já tinham conhecimentos sobre a escrita e se encontravam na

hipótese silábico-alfabética de acordo com a abordagem da Psicogênese da língua escrita.

Além disso, observou-se que as mulheres lidavam com a leitura, muito mais que a escrita, no

seu dia-a-dia, em diversos eventos de letramento. Na escola elas se depararam com atividades

pedagógicas que não as ajudaram a avançar em seus conhecimentos, uma vez que a maioria

delas concluiu o ano na mesma hipótese de escrita que possuíam ao ingressar no Programa.

As atividades de alfabetização se baseavam no trabalho com uma palavra geradora extraída de

um texto ou de uma situação de conversa e, com base nessa palavra, eram realizadas

principalmente atividades de escrita no quadro pela professora de outras palavras que

começavam com a mesma letra para que as alunas copiassem e a separação silábica de

algumas das palavras. Assim, as atividades envolviam basicamente a memorização e cópia de

palavras. Em relação à leitura de textos, ela não era realizada diariamente. Em apenas 12

(doze) aulas, das 31 (trinta e uma) observadas, houve leitura de textos, retirados, muitos deles,

do livro didático que os alunos receberam. No geral, a professora lia o texto, fazia uma

discussão da temática e depois trabalhava alguma palavra chave do texto. A alfabetizadora

não proporcionou às alunas a leitura de textos que faziam parte de suas experiências fora da

escola, no caso, na igreja, ou leitura de textos que poderiam ser interessantes para ampliar as

experiências de letramento das alunas, como os literários. Atividades de produção de textos

não foram vivenciadas ao longo das observações. Enfim, a análise dos dados da pesquisa

apontou que as mulheres analfabetas possuíam conhecimentos de mundo, que envolviam

também aqueles relacionados com o sistema de escrita e seus usos, mas ao concluírem o

Programa Brasil Alfabetizado, suas expectativas de aprender a ler e escrever não foram

atendidas e elas continuavam se achando analfabetas ou, no caso de duas delas, tomaram

consciência desse estado. Nessa perspectiva, propostas de formação de professores que

contemplem a construção de práticas de alfabetização, na Educação de Jovens e Adultos, que

priorizem tanto as atividades de leitura e produção de textos, como aquelas relacionadas com

a apropriação da escrita alfabética, precisam ser efetivamente desenvolvidas.

Palavras - chave: Alfabetização. Letramento. Práticas de Leitura e Escrita. EJA.

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ABSTRACT

This research sought to analyse the reading and writing practices of illiterate women in the

context of school and church. The basis of the methodology, both in theory and practice, was

an approach of qualitative nature. The subjects of the study were six women, students of the

Brazilian Literacy Programme plus the teacher of the class they attended, based in a

community of Jaboatão dos Guararapes – PE. In terms of methodological procedures:

classroom observations were conducted; observations of reading and writing practices of three

of the women in a church context; interviews with the research subjects and their teacher; the

application of a diagnostic test for writing at the beginning and end of their period of

schooling, and the analysis of documents (from their work as prescribed by the workbook

they used). The results of the survey showed that, on entering the study programme, they

already had some writing knowledge and were in the alphabetical syllabic stage according to

the Psychogenesis approach to written language. Furthermore, it was observed that the

women dealt with reading, much more than with writing, in their daily life, in a variety of

literary moments. At the school they encountered educational activities which did not help to

advance their understanding, since most of them concluded the year at the same writing stage

as they had when they joined the study programme. Literacy activities were based on

exercises with a generative word taken from a text or conversation, and, using the word as a

basis, the teacher conducted writing activities, principally on the board, writing other words

which began with the same letter so that the pupils could copy them noting the syllabic

separation of some of the words. In this way the classroom exercises basically involved the

memorization and copying of words. As to the reading of texts, this was not a daily

occurrence. There were readings of texts in only twelve of the thirty-one classroom

observations, mostly taken from the workbook which the pupils had received. In general the

teacher read the text, encouraged a discussion of the theme and then worked on a keyword

from the text. The literacy teacher did not provide the students with the reading of texts that

were part of their experiences beyond the school, for example, in the church, or the reading of

texts that could have been helpful in expanding their literary experiences, as readers.

Exercises to produce texts were not observed. Ultimately, the analysis of the survey data

showed that the illiterate women had some understanding of the world which involved aspects

related to writing and its uses, but in completing the Brazilian Literacy Programme their

hopes of learning to read and right were not met and they continued to consider themselves

illiterate, or, as in the case of two of the subjects, they became aware of this. From this

perspective, proposals for teacher training which address the construction of literacy practices

in youth and adult education, prioritizing both reading exercises and the production of texts,

such as those related to the ownership of alphabetic writing, need to be effectively developed.

Keywords: literacy, reading and writing practice, EJA.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Diagnose inicial da aluna Eva (nível silábico-alfabético) ....................................... 128

Figura 2:Diagnose inicial da aluna Sara (nível silábico-alfabético) ....................................... 130

Figura 3:Diagnose inicial da aluna Rebeca (nível silábico-alfabético) .................................. 132

Figura 4:Diagnose inicial da aluna Raquel (nível silábico-alfabético)................................... 135

Figura 5:Diagnose inicial da aluna Rute (nível silábico-alfabético) ..................................... 138

Figura 6:Diagnose inicial da aluna Ana (nível alfabético) ..................................................... 142

Figura 7: Diagnose final da aluna Eva (nível silábico-alfabético) ......................................... 182

Figura 8: Diagnose final da aluna Sara (nível alfabético) ...................................................... 184

Figura 9: Diagnose final da aluna Rebeca (nível silábico-alfabético) .................................... 186

Figura 10: Diagnose final da aluna Raquel (nível silábico-alfabético) .................................. 188

Figura 11: Diagnose final da aluna Rute (nível silábico-alfabético) ...................................... 190

Figura 12: Diagnose final da aluna Ana (nível alfabético) ..................................................... 192

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Perfil do sujeitos da pesquisa ................................................................................. 78

Quadro 2: Quantitativo de aulas previstas e aulas dadas pela professora ................................ 89

Quadro 3: Quantitativo de aulas observadas ........................................................................... 89

Quadro 4: Frequência e motivos de ausência das alunas às aulas ............................................ 90

Quadro 5: Quantitativo de observações feitas na igreja ........................................................... 90

Quadro 6: Tópicos temáticos das entrevistas com cada aluna.................................................. 92

Quadro 7: Quantitativo de entrevistas feitas na igreja ............................................................. 93

Quadro 8: Como as mulheres se viram durante o PBA? ........................................................ 107

Quadro 9: O que as mulheres liam antes do PBA?................................................................ 110

Quadro 10: O que as mulheres escreviam antes do PBA ...................................................... 115

Quadro 11: O que as mulheres gostariam de ler ..................................................................... 116

Quadro 12: Material que cada uma das mulheres gostaria de ler ........................................... 117

Quadro 13: O que as mulheres gostariam de escrever............................................................ 121

Quadro 14: Proposta de prática de escrita pela professora ..................................................... 150

Quadro 15: Leituras feitas pela professora em sala de sala .................................................... 169

Quadro 16: Atividades comuns nas tarefas de casa ................................................................ 174

Quadro 17: Proposta de prática de leitura pela professora ..................................................... 178

Quadro 18: O que as mulheres disseram sobre a prática pedagógica da professora .............. 178

Quadro 19: Avanços das mulheres na leitura ......................................................................... 194

Quadro 20: O não avanço das mulheres na leitura e na escrita .............................................. 198

Quadro 21: Leituras realizadas na igreja ANTES do ingresso na escola ............................... 206

Quadro 22: Relação com a Bíblia e sua leitura ANTES do ingresso na escola ..................... 207

Quadro 23: Estratégias usadas na leitura daBíblia ANTES do ingresso na escola ................ 208

Quadro 24: Dificuldades na leitura da Bíblia na igrejaANTES do ingresso na escola .......... 211

Quadro 25: Estratégias usadas na leitura daBíblia APÓS do ingresso na escola ................... 220

Quadro 26: Dificuldades na leitura da Bíblia na igreja APÓS o ingresso na escola .............. 224

Quadro 27: Estratégias usadas na leitura do Hinário APÓS do ingresso na escola ............... 226

Quadro 28: Atividades realizadas pela professora em sala de aula ........................................ 270

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LISTA DE TABELA

Tabela 1 -Brasil: Evolução do analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais–1920/2000. . 49

Tabela 2- Brasil: Evolução da população em milhões ............................................................ 50

Tabela3 - Brasil: Pessoas de 15 anos ou mais, não – alfabetizados por sexo segundo os grupos

de idade - 2000 ......................................................................................................................... 51

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LISTA DE ATIVIDADES

Atividade 1: Cópia do alfabeto ............................................................................................... 151

Atividade 2: Leitura e cópia de palavras ............................................................................... 151

Atividade 3: Cópia de palavras ............................................................................................... 152

Atividade 4: Cópia de texto coletivo construído oralmente ................................................... 153

Atividade 5: Oralização e escrita de palavras pelas alunas .................................................... 156

Atividade 6: Formação de palavras a partir de sílabas ........................................................... 156

Atividade 7: Formação de frases ............................................................................................ 157

Atividade 8: Desenho e escrita de nome de figuras................................................................ 158

Atividade 9: Oralização e cópia de palavras .......................................................................... 160

Atividade 10: Separação de palavras em sílabas .................................................................... 161

Atividade 11: Contagem de sílabas de palavras ..................................................................... 162

Atividade 12: Escrita de palavras ditadas ............................................................................... 163

Atividade 13: Não correção de “erros” ortográficos .............................................................. 173

Atividade 14: Formação de palavras com as letras do próprio nome ..................................... 175

Atividade 15: Cópia de receita ............................................................................................... 175

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Texto do Evangelho de João 3:16 ........................................................................ 213

Imagem 2: Letra do Hino 333................................................................................................. 227

Imagem 3: Letra da música Diante da cruz ............................................................................ 229

Imagem 4: Letras das músicas Rio de vida e Bendito serei ................................................... 232

Imagem 5: Escrita de palavras soltas e de frases .................................................................... 236

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 20

CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................... 27

1.1. O jovem e adulto analfabeto no Brasil: história, identidade e realidade escolar ............... 27

1.1.1 Um panorama histórico da alfabetização de jovens e adultos no Brasil ......................... 27

1.1.2 Quem é o jovem e adulto analfabeto no Brasil e sua realidade escolar........................... 45

1.2 Alfabetização, letramento e EJA ........................................................................................ 55

1.3 Alfabetização e letramento: relação e especificidades ...................................................... 65

CAPÍTULO 2. FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......... 76

2.1 Caracterização e apresentação das mulheres da pesquisa, da professora da escola e

professores (as) da igreja ......................................................................................................... 76

2.1.1 Caracterização e apresentação das mulheres da pesquisa ............................................... 76

2.1.2 Apresentação das mulheres sujeitos da pesquisa ............................................................ 79

2.1.3 Caracterização e apresentação da professora do Brasil Alfabetizado ............................. 80

2.1.4 Caracterização e apresentação dos professores da igreja ................................................ 81

2.2 Apresentação dos espaços da pesquisa e suas caracterizações ........................................... 82

2.2.1 A escola ........................................................................................................................... 82

2.2.2 A igreja ............................................................................................................................ 84

2.3 Fundamentos metodológicos .............................................................................................. 85

2.4 Procedimentos e instrumentos metodológicos ................................................................... 88

2.4.1 Observações ..................................................................................................................... 89

2.4.2 Entrevistas com os sujeitos .............................................................................................. 91

2.4.3 Diagnose .......................................................................................................................... 95

2.4.4 Análise de documentos .................................................................................................... 96

2.5 Análise dos dados ............................................................................................................... 96

CAPÍTULO 3. MULHERES ADULTAS “ANALFABETAS” E/OU POUCO

ESCOLARIZADAS: QUEM SÃO? COMO SE VEEM? O QUE SABEM? E QUAIS AS

SUAS EXPECTATIVAS? ...................................................................................................... 99

3.1 Quem eram as mulheres participantes da pesquisa? ........................................................... 99

3.2 Como as mulheres se viam em relação à leitura e à escrita? ............................................ 106

3.3 O que as mulheres liam e escreviam antes de entrar na escola? ....................................... 110

3.4 As expectativas das mulheres ........................................................................................... 116

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3.4.1 O que gostariam de ler e escrever .................................................................................. 116

3.4.1.1 O que gostariam de ler ................................................................................................ 116

3.4.1.2 O que gostariam de escrever ....................................................................................... 121

3.4.2 Por que as mulheres voltaram à escola? ........................................................................ 123

CAPÍTULO 4. PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES

ANALFABETAS NO ESPAÇO ESCOLAR: O QUE ELAS SABIAM? O QUE

APRENDERAM? ................................................................................................................. 127

4.1 O perfil de entrada das mulheres em relação à escrita alfabética ..................................... 127

4.1.1 Eva ................................................................................................................................. 128

4.1.2 Sara ................................................................................................................................ 130

4.1.3 Rebeca ........................................................................................................................... 132

4.1.4 Raquel ............................................................................................................................ 135

4.1.5 Rute ................................................................................................................................ 138

4.1.6 Ana ................................................................................................................................ 142

4.2 Como as mulheres escreviam o seu próprio nome? ......................................................... 145

4.3 As práticas de ensino da leitura e da escrita vivenciadas pelas mulheres no Programa

Brasil Alfabetizado ................................................................................................................. 147

4.3.1 Relacionamento com a turma, frequência e horário de início das aulas........................ 147

4.3.2 A rotina de atividades vivenciadas pelas alunas no PBA .............................................. 148

4.3.3 Avaliação das práticas de leitura e escrita propostas pela professora do ponto de vista

das mulheres .......................................................................................................................... 178

4.4 O que as alunas efetivamente aprenderam? ...................................................................... 181

4.4.1 Eva ................................................................................................................................. 182

4.4.2 Sara ................................................................................................................................ 184

4.4.3 Rebeca ........................................................................................................................... 186

4.4.4 Raquel ............................................................................................................................ 188

4.4.5 Rute ................................................................................................................................ 189

4.4.6 Ana ................................................................................................................................ 191

4.5 O que as mulheres escreviam ou não do seu próprio nome.............................................. 193

4.6 As expectativas das mulheres foram atendidas?............................................................... 194

CAPÍTULO 5. PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES FORA DA

ESCOLA: O ESPAÇO DA IGREJA .................................................................................. 206

5.1 Práticas de leitura e escrita na igreja ANTES de entrar na escola ................................... 206

5.1.1 Práticas de leitura .......................................................................................................... 206

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5.1.1.1 A leitura da Bíblia....................................................................................................... 207

5.1.1.2 A leitura do Hinário e da coletânea de cânticos ......................................................... 215

5.1.1.3 A leitura de outros textos ............................................................................................ 215

5.1.2 Práticas de escrita ......................................................................................................... 217

5.2 Práticas de leitura e escrita na igreja APÓS entrar na escola ........................................... 217

5.2.1 Práticas de leitura .......................................................................................................... 217

5.2.1.1 A leitura da Bíblia ...................................................................................................... 218

5.2.1.2 A leitura do Hinário e da coletânea de cânticos ......................................................... 226

5.2.1.3 A leitura de outros textos ............................................................................................ 233

5.2.2 Práticas de escrita ......................................................................................................... 234

CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 237

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 245

APÊNDICE A ....................................................................................................................... 260

APÊNDICE B ........................................................................................................................ 261

APÊNDICE C ....................................................................................................................... 262

APÊNDICE D ....................................................................................................................... 263

APÊNDICE E ........................................................................................................................ 264

APÊNDICE F ........................................................................................................................ 266

APÊNDICE G ....................................................................................................................... 268

APÊNDICE H ....................................................................................................................... 270

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INTRODUÇÃO

Vem crescendo, no Brasil, desde as últimas cinco décadas do século XX, uma

preocupação com a educação voltada para jovens e adultos (JA)1 não escolarizados, que têm

sido designados ao longo do tempo de analfabetos. Uma das razões para isso é que, num

mundo letrado como o que se vive atualmente, eles enfrentam restrições, constrangimentos e

preconceitos, sem que possam contar, em geral, com a presença de alguém que os ensinem,

seja este um professor ou não, embora convivam com pessoas alfabetizadas em outros

ambientes, como o familiar, e desenvolvam Práticas de Leitura e Escrita (PLE) em distintos

espaços sociais.

Dentro de um retrospecto pessoal e da temática da pesquisa, pode-se afirmar que o

interesse pelo eixo temático desse trabalho (as práticas de leitura e escrita de mulheres

analfabetas) surgiu, mesmo que ainda de maneira incipiente, na metade do curso de

Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Contudo, a

confirmação e especificações desse eixo temático ocorreram gradativamente, em três

momentos cruciais, como se verá a seguir.

O primeiro momento se situa numa experiência de monitoria com a Prof.ª Dr.ª Célia

Maria Rodrigues da Costa Pereira, na disciplina de História da Educação do Brasil, em 2007,

na qual se estudou a educação popular, com o viés para Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Somaram-se ainda a esse momento as discussões teóricas das disciplinas de Metodologia do

Ensino da Língua Portuguesa I e II, em 2007 e 2008, respectivamente.

O segundo momento se deu, mais precisamente, no âmbito das pesquisas do Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), em 2008. A partir dessa data, e

durante dois anos (até 2010), iniciou-se uma parceria com a Prof.ª Dr.ª Eliana Borges Correia

de Albuquerque em um projeto, cujo título versava sobre As Práticas de Alfabetização de

Professores de Educação de Jovens e Adultos e seus Reflexos nas Aprendizagens dos Alunos,

que proporcionou a possibilidade de dois aprofundamentos: um teórico, motivado por leituras

pessoais, debate com a Prof.ª Eliana e com o grupo de estudo de EJA, na UFPE, que contava

com colegas-pesquisadoras e com a Prof.ª Dr.ª Andréa Tereza Brito Ferreira, e um

aprofundamento prático, na medida em que nos possibilitou vivenciar mais de perto a

realidade escolar em si, conhecer, ainda que superficialmente, as práticas pedagógicas de

1Atualmente, com a inclusão do termo idoso, a nomeação tem sido Educação de Jovens e Adultos e Idosos

(EJAI), mas nesta pesquisa continuará sendo usada a denominação tradicional de EJA.

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professoras da Rede Municipal de Recife e de Camaragibe – PE, bem como a realidade e as

aprendizagens dos alunos de EJA, notadamente em relação ao Sistema de Escrita Alfabética

(SEA). Como as pesquisas no grupo tinham como foco, em sua maioria, mulheres, se

delineou esse gênero e uma faixa etária que se reportava a pessoas adultas como uma

referência de investigação.

Chegou-se ao terceiro momento quando surgiu a necessidade de se definir o eixo

temático e, por conseguinte, o problema da pesquisa. Essa definição só se concretizou em

meio a uma experiência de vida crucial, iniciada com o pastoreio de uma igreja evangélica de

classe popular, num bairro urbano em Jaboatão dos Guararapes – PE, desde 1999 até a

presente data. A vivência contínua com pessoas analfabetas, ou em alfabetização, nessa Igreja

(Igreja Evangélica Congregacional - IEC), e outras do bairro acima citadas, que apresentavam

saberes, PLE e expectativas pessoais, sinalizou para a necessidade de um acompanhamento

das referidas pessoas, no âmbito de um trabalho científico.

Com o ingresso no mestrado da UFPE (2010), e ao longo do ano seguinte,

aconteceram duas situações relevantes, que ajudaram na definição da problemática: a primeira

delas foi a escolha das pessoas partícipes do projeto. Após contatos iniciais com algumas

mulheres, conversamos mais detalhadamente com 6 (seis) delas, 3 (três) da IEC e 3 (três) do

bairro onde elas moravam, as quais prontamente aceitaram integrar a pesquisa. Dessa forma,

continuou-se com a modalidade da EJA, mas agora com um público específico: o de

mulheres.

A segunda situação, estritamente associada à primeira, se deveu ao fato da desistência

de procurar outro grupo de mulheres, que seria formado por aqueles JA em processo de

alfabetização no ambiente escolar, por dois motivos: um deles é que não se encontrou, nos

limites geográficos do bairro, uma escola que tivesse uma turma de EJA e, o outro motivo,

ocorreu quando as mulheres acima mencionadas decidiram voltar a estudar (para 5/cinco

delas), ou começar a estudar pela primeira vez, (para 1/uma delas), o que de fato sucedeu no

final de 2011.

Partiu-se, depois disso, para a definição do problema da pesquisa, propriamente dito,

que passou por mudanças desde o projeto de pesquisa inicial.

Apesar da necessidade de definições mais precisas, algumas questões sobre o

problema estavam respondidas. A primeira delas foi: por quê? Ou seja, por que se interessar

por um problema que envolvia PLE de pessoas adultas e idosas? Como se disse

anteriormente, isso teve a ver com as pesquisas realizadas por nós na EJA e o convívio com

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pessoas analfabetas, que inicialmente estavam fora da escola. Após o porquê, a segunda

questão foi: para quê? E essa pergunta tinha relação com a necessidade em se analisar essas

PLE entre pessoas adultas e/ou idosas, nos espaço escolar e no da igreja, para se identificar,

por exemplo, as aprendizagens e as estratégias dos próprios sujeitos.

Finalmente, mais duas questões foram respondidas antes da construção final do

problema: Onde? E quando? Em relação à primeira, ou seja, o campo espacial de

investigação, a definição sucedeu por conta da vivência do pesquisador com pessoas

analfabetas de um bairro no município de Jaboatão dos Guararapes, ao longo de anos. E a

segunda questão, o aspecto temporal, abrangeu o período de 1 (um) ano, de 2011 a 2012.

Respondidas as perguntas acima, chegou-se à seguinte delimitação do problema:

Quais as práticas de leitura e escrita de mulheres analfabetas em Jaboatão

dos Guararapes – PE, na escola e na igreja?

Do problema acima citado se depreendeu prioritariamente o objetivo geral, conforme

exposto abaixo:

Analisar as práticas de leitura e escrita de mulheres analfabetas em Jaboatão

dos Guararapes – PE, na escola e na igreja.

Como desdobramento do objetivo geral, estabeleceu-se os seguintes objetivos

específicos:

Investigar os conhecimentos que mulheres analfabetas de uma turma de

alfabetização já possuíam sobre a leitura e a escrita;

Analisar práticas de alfabetização de mulheres na escola e como elas se

relacionam – ou não – com as expectativas e experiências dessas alunas;

Investigar as aprendizagens relacionadas à leitura e à escrita de mulheres da

EJA de alfabetização;

Analisar as experiências de letramento que mulheres analfabetas possuíam

sobre leitura e escrita na igreja.

O percurso feito até aqui estabeleceu o lastro para a justificativa ou relevância da

presente pesquisa.

Um primeiro motivo dessa justificativa emergiu de uma experiência pessoal associada

à JA, que já vinha acontecendo no âmbito das atividades eclesiásticas, antes e durante o

pastorado junto à igreja, no qual, nas práticas de ensino, contou-se com ouvintes, dentre os

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quais figuravam mulheres adultas analfabetas (acima dos 40/quarenta anos), que em casa e/ou

nos eventos da igreja, por exemplo, demonstravam conhecimento de letras do alfabeto,

sabiam escrever o próprio nome, conseguiam abrir a Bíblia, sem o auxílio de outra pessoa, e

de utilizarem estratégias para identificar os livros da Bíblia.

Pesquisas já mostram que pessoas assim possuem conhecimentos do SEA, que se

envolvem, no seu cotidiano, com gêneros textuais e são produtoras de conhecimento, mesmo

com suas limitações no âmbito da leitura e escrita. O presente trabalho, favorecido pela

interação entre pesquisador e sujeitos, permitiu conhecer mais detalhadamente o perfil de

mulheres, desde a questão familiar até educacional; se as mesmas se consideravam ou não

analfabetas; o que elas já liam e escreviam no período antecedente ao ingresso na escola e

quais as suas expectativas mais significativas.

Um segundo motivo da relevância deste estudo foi a constatação da escassez de

trabalhos voltados para uma análise, propriamente dita, de PLE de grupos de jovens e adultos

no espaço escolar.

Para tanto, analisou-se as PLE realizadas pelas alunas, fruto da proposta pedagógica da

professora, e viu-se em que medida esta levou as alunas a avançarem ou não na leitura e na

escrita. Ao mesmo tempo, tornou-se possível destacar as reações das alunas e a avaliação

delas a respeito da referida proposta.

Finalmente, um último motivo esteve associado à inclusão de um espaço extraescolar,

ou seja, a igreja, no qual as mulheres desenvolveram PLE como também o fizeram na escola.

Além disso, foi na igreja, especialmente, que as expectativas de vida delas e as suas

estratégias encontraram sua razão de ser.

Fazer uma pesquisa que considere essas práticas fora do ambiente escolar ajudou,

dentre outras coisas, a se evitar a tendência comum de se homogeneizar as experiências de

vida e a não tornar tão óbvio assim, nem linear, o que é desejado, vivenciado e criado no

cotidiano por essas pessoas, quando se tem em vista a educação, na escola ou fora dela.

A essa altura, é importante destacar algumas das referências teóricas norteadoras da

presente pesquisa. Aqui, se entende “teoria” num sentido amplo, se referindo, como afirma

Larrosa a “um gênero de pensamento e de escrita que pretende questionar e reorientar as

formas dominantes de pensar e de escrever em um campo determinado” (1994, p.35). No caso

aqui, o campo da educação.

Os pressupostos teóricos, portanto, apresentados no presente trabalho podem ser

elencados da seguinte forma: a primeira delas diz respeito à própria concepção de educação.

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Compreende-se que a educação se constitui numa prática social humanizadora, sempre

presente ao longo da vida e cuja ocorrência perpassa diversos espaços sociais e que, portanto,

é anterior e transcende os limites da educação escolar. Nesse sentido, Brandão (1982) diz que

ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um

modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para

aprender, para ensinar, para aprender - e - ensinar. Para saber, para fazer, para

ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com

uma ou com várias: educação? Educações (p.7).

E ao considerar a educação associada àquela que é oferecida na escola, esse mesmo

autor afirma que “não há uma única nem um único modelo de educação; a escola não é o

único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única

prática e o professor profissional não é o seu único praticante” (ibid., p.9).

Outro pressuposto teórico importante, ligado ao primeiro, é a necessidade de se

desconstruir a concepção de analfabeto, associada àquelas pessoas que não adquiriram e/ou

não dominaram as técnicas de leitura e escrita ensinadas convencionalmente na escola, como

se não tivessem conhecimentos e aprendizados.

Durante o século XX, pesquisas começaram a apontar uma inversão nessa concepção,

isto é, de conceber a pessoa analfabeta como alguém que possui conhecimentos, práticas e

aprendizagens das mais diversas, nos seus espaços de vida, antes mesmo de ingressarem na

escola; e de que o fenômeno e o discurso (ideológico) do analfabetismo estão relacionados a

determinantes políticos e econômicos, dentre outros.

Considerando a importância dessa inversão, se faz necessário explicitar os

pressupostos teóricos em torno das concepções, complexas e diversas, de alfabetização e de

letramento, além das concepções de escolarização, de leitura e de escrita.

Alfabetização é compreendida aqui como a apropriação de uma técnica histórica e

culturalmente construída, que envolve a leitura e a escrita. Já letramento, que é indissociável

da alfabetização, se refere ao uso concreto e eficiente dessa tecnologia da leitura e da escrita,

nos diversos espaços sociais (portanto, não só na escola), e que envolvem diferentes gêneros

textuais.

Quanto às outras três concepções, se entende aqui escolarização como o processo que

tende a possibilitar o acesso à escrita de forma sistematizada pela alfabetização escolarizada.

Leitura se compreende como o ato e o processo através dos quais se apreende e compreende a

língua escrita. Já escrita (alfabética) é entendida como a apreensão e compreensão de um

determinado sistema notacional, expresso num texto ou não, por meio de material (por

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exemplo, caneta e lápis) e em lugar próprios (por exemplo, papel e tela do computador) e,

que, além disso, no seu processo inicial, hipóteses do (a) alfabetizando (a) podem ser

reveladas, conforme indicam as formulações teóricas da psicogênese da língua escrita.

Tendo como referência o objeto de pesquisa e o problema ressaltado anteriormente,

estabeleceu-se a metodologia.

Antes de se começar as observações das aulas propriamente ditas, já em maio de 2011,

em conversa com a orientadora, a Prof.ª Eliana, um projeto piloto realizou-se para se verificar

a consistência da metodologia e dos procedimentos metodológicos. No mês seguinte, em

outubro, as 6 (seis) mulheres, que provavelmente participariam efetivamente da pesquisa,

começaram a estudar com uma professora, também moradora do mesmo bairro e vinculada ao

Programa Brasil Alfabetizado (PBA), em Jaboatão dos Guararapes.

Como a pesquisa envolveu sujeitos e mais diretamente suas práticas sociais

relacionadas à leitura e à escrita, recorreu-se a uma abordagem qualitativa, de tipo participante

e com características etnográficas, especialmente no espaço escolar, que exigiu uma inserção

mais extensiva no campo empírico (que já existia antes da pesquisa), pois permitiu identificar,

descrever e analisar as diversas experiências de leitura e escrita, que ocorrem nos espaços

escolhidos para a pesquisa (a escola e a igreja2) das 6 (seis) mulheres adultas escolhidas. Os

dados provenientes dos procedimentos metodológicos (observação, entrevista, diagnose e

análise de documento) serão analisados tendo como base teórica a técnica de análise temática

de conteúdo.

Finalmente, a presente dissertação está dividida em cinco capítulos. No capítulo 1, o

REFERENCIAL TEÓRICO - procurou-se fazer um levantamento histórico da EJA em

nosso país, com destaque para a alfabetização, para depois, dar relevo ao fato de como é visto

o analfabeto no Brasil e de sua realidade escolar. Por fim, fez-se uma discussão teórica,

especialmente a partir do século XX, sobre as concepções de alfabetização e letramento e suas

relações no ambiente escolar e fora dele. No capítulo 2, FUNDAMENTOS E

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA - se apresentou os sujeitos

investigados e os campos da pesquisa, os fundamentos metodológicos (concepção de pesquisa

qualitativa e a posição do observador), também se apresentou os procedimentos e

2De uma perspectiva teológico-cristã o termo “Igreja” não se identifica com o templo, como comumente se

entende popularmente. Também não tem a ver com número de pessoas, pois conforme Jesus, duas ou três

pessoas reunidas em Seu nome é uma Igreja (nascendo e em possível desenvolvimento), nem tem a ver,

essencialmente, com o processo de institucionalização da Igreja. Igreja se refere, sim, a pessoas chamadas e

reunidas em Deus, numa relação de amor. Para os propósitos desta pesquisa a palavra igreja não foi utilizada no

seu sentido teológico lato, mas com o sentido de espaço (geográfico) onde os sujeitos acompanhados se reuniam.

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instrumentos metodológicos e, por fim, a técnica usada na análise dos dados. No capítulo 3,

MULHERES ADULTAS ANALFABETAS E/OU POUCO ESCOLARIZADAS: QUEM

SÃO, COMO SE VÊEM, O QUE SABEM E QUAIS AS SUAS EXPECTATIVAS? -

buscou-se apresentar algo da história de vida dessas mulheres, sua identidade, os seus saberes

e seus desejos. No penúltimo capítulo, o quarto – PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA

DE MULHERES ANALFABETAS NO ESPAÇO ESCOLAR - tratou-se das observações

das aulas de uma professora e das práticas de leitura e escrita das alunas nesse espaço, suas

concepções de como se veem, o que as levaram a estudar, o que liam e escreviam antes de

irem à escola, o que estão aprendendo nas aulas e o que têm achado das aulas. Por fim, no

capítulo cinco, PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DAS MULHERES FORA DA

ESCOLA: O ESPAÇO DA IGREJA – se destacou algumas das práticas de leitura e escrita

de três das mulheres, bem como suas estratégias de leitura na igreja, em quatro eventos: a

Escola Bíblica Dominical, os cultos dominicais, os estudos bíblicos e os encontros de oração.

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CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo, foram feitas duas abordagens: a primeira diz respeito aos jovens e

adultos em si. Realizou-se, inicialmente, uma breve história da alfabetização desses adultos,

em nosso país, cujo interesse se volta para como ocorreu a construção do preconceito contra o

adulto analfabeto. Em seguida, se destacou as concepções a respeito dos Jovens e Adultos

(JA) analfabetos e de sua realidade escolar. Por fim, apresentou-se um perfil desses JA que

chegam à escola. A segunda abordagem destaca a questão da alfabetização e do letramento.

1.1 O jovem e adulto analfabeto no Brasil: história, identidade e realidade escolar

As referências teóricas, que orientam os subtópicos adiante são, especialmente, Beisiegel

(1974), Furter (1974), Ricco (1979), Paiva (2003), Fávero (2004), Galvão e Soares (2004),

Romanelli (2005), MEC (2006) e Galvão e Di Pierro (2007).

1.1.1 Um panorama histórico da alfabetização de jovens e adultos no Brasil

A construção de uma história da alfabetização de adultos no Brasil tem suas

limitações. Galvão e Soares (2004) apontam alguns motivos dessas limitações: o primeiro

deles é que “a historiografia” e, particularmente, “a historiografia da educação – reconhece

que, da totalidade do passado, só temos acesso a alguns dos seus vestígios”; que esses

vestígios “nem sempre foram conservados em instituições públicas”; também que “as

experiências de alfabetização de adultos” no Brasil, por conta da sua diversidade, têm sido

vivenciadas de forma distinta no território nacional; que não é possível “abordar mais de 500

anos de experiências de alfabetização” e, finalmente, que “são poucos e ainda incipientes os

estudos que tomam como objeto a história da alfabetização” de JA no País.

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Apesar disso, essa história pode ser contada desde a chegada dos padres jesuítas, cuja

ação cultural, educacional e religiosa (século XVI - século XVIII)3 também estava relacionada

à consolidação e enriquecimento do domínio português.

Os adultos colonizados não eram uma prioridade dos jesuítas, em razão, por exemplo,

da faixa etária avançada, em relação à das crianças. Não havia, por parte dos índios, práticas

de leitura e escrita escolares como havia em alguma medida na sociedade do colonizador.

Além disso, nesse período colonial, pode-se inferir que a transmissão do idioma português, no

processo de alfabetização de adultos, era concebida “como aquisição de um sistema de

código alfabético, tendo como único objetivo instrumentalizar a população com os

rudimentos de leitura e escrita (MOURA, 2004, p. 24, grifo do autor), cujos fins eram

religiosos.

Sem saber ler e escrever e sem a adesão à religião católica, os indígenas eram

considerados, ao mesmo tempo, “iletrados” e “ignorantes”, no sentido escolar, e vistos como

“pagãos” e “ingênuos”; que nada sabiam de Deus. Portanto, para superar esse binômio, os

jesuítas começaram a institucionalizar a atividade educacional e “a primeira escola de ler e

escrever foi logo aberta [no mês abril de 1549]” (PAIVA, op. cit., p.448).

Essa catequese de adultos, já bem institucionalizada, raramente abrangia “a leitura e a

escrita” (PAIVA, ibid., p.66), que somadas ao cálculo se constituíam o conteúdo da

alfabetização dada pelos jesuítas. Daher (1998) destaca duas “formas textuais” relevantes no

que tange à “aplicação de uma lógica letrada e de práticas letradas com fins catequéticos a

sociedades ágrafas”, que são “as gramáticas da língua tupi e os catecismos ou doutrinas”

(p.34).

O conteúdo cultural ensinado pelos padres-educadores não levou em consideração o

que os colonizados conheciam, em termos de experiências e saberes, advindo da vivência em

sua própria cultura e sociedade, que passaram por um processo de aculturação, com a

3Essa relação entre alfabetização e religião é um fenômeno anterior à colonização no Brasil. Até porque a vinda

dos jesuítas às terras brasileiras está situada dentro do contexto maior das Reformas religiosas, Protestante e

Católica, no século XVI, no Ocidente, embora, Graff, ao tratar da tradição oral e escrita na cultura ocidental, diz

que “o impulso religioso para a leitura, tendo como objeto a propagação da fé antecede de muito” a essa época

(1995, p.42). A campanha de alfabetização católica no Brasil visava um ensino com fins explícitos, cuja relação

envolvia questões religiosas, com repercussões político-econômicas. A operacionalização desse ensino, durante

essa colonização portuguesa, no Brasil, não representava ainda um sistema escolar que, nesse momento, era uma

experiência européia até então em formação, como é o caso mesmo de Portugal, onde “o analfabetismo

dominava não somente as massas populares e a pequena burguesia, mas se estendia até a alta nobreza e à família

real” (KAPLAN apud PAIVA, op.cit., p.66 - 67).

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absorção impositiva da cultura ocidental do colonizador4, como declara Romanelli (op. cit.,

p.34). Da perspectiva da legislação, Paraíso (2010) diz que “há alguns pontos comuns a toda a

legislação criada a partir de 1548” e um deles é “o não reconhecimento” e a não "preservação

de suas peculiaridades socioculturais” (p.3).

A falta de prioridade em relação aos índios, no âmbito da educação escolar formal de

adultos, igualmente, se estendia aos adultos negros e às mulheres, no período de escravidão

no Brasil.

Apesar das poucas pesquisas e informações acerca desse período, é possível afirmar

que a catequização de homens e mulheres negras envolvia segundo Paiva, o combate do

“culto dos deuses africanos”, e a promoção das condições de apropriação do “catolicismo”

(op. cit., p.67). A educação dos adultos negros, em particular, “se fazia através de sermões

que os exortavam à prática da moral cristã e à fé católica” (LEITE apud PAIVA, idem).

Quanto às mulheres, os dados históricos sobre elas são escassos5, algo evidente

quando se pensa este gênero no âmbito educacional. As mulheres adultas sejam elas índias,

negras ou não, estavam excluídas do processo educativo, mesmo aquelas pertencentes à classe

dos donos de terra e senhores de engenho (ROMANELLI, op. cit., p.33). Pelo que se sabe

“poucas parecem ter sido as experiências educacionais realizadas” e um número

reduzidíssimo delas “sabiam, ao final do período colonial, ler e escrever” 6 (GALVÃO e

SOARES, op. cit., p.30).

4Mesmo assim, é preciso destacar que “ainda que adotando posições baseadas em visões contraditórias da cultura

indígena”, os jesuítas “vão sempre denunciar a violência do processo da conquista com o extermínio e a

exploração do índio” (MESGRAVIS, 2001, p.40). 5As pesquisas sobre uma historiografia das mulheres, na Europa e Estados Unidos da América, especialmente a

partir de 1970, feitas por feministas, esbarraram em dois problemas (que ocorrem também no Brasil): o primeiro

deles diz respeito à “falta de reflexão sobre a especificidade do objeto e a aplicação de categorias de pensamento

que não eram egressas da história das mulheres, mas da história ‘tradicional’” (PRIORE, 2001, p. 223). O outro

problema é a constatação “do silêncio a que se era confrontado ao fazer uma interpretação das fontes” (idem). 6Dadas às circunstâncias, não havia possibilidade de elas ingressarem na vida educacional. Das mulheres

indígenas, os jesuítas testemunham mesmo, desde o início da colonização, a exploração sexual delas dentro de

um processo de miscigenação (MESBRAVIS, 2001, 41). E da mulher negra, Rufino (1993) diz que ela era “um

instrumento de trabalho forçado, dentro das casas, na lavoura, nas minas, no comércio”, “sujeitas ao abuso

sexual do homem branco”, servindo “de ama – de - leite para os filhos dos senhores” e ainda destaca que “suas

habilidades culinárias criaram a figura da vendedora de quitutes, ainda nos tempos coloniais” (p. 77).

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Saber ler e escrever, nesse contexto, não era uma exigência sine qua non da sociedade.

Conforme Paiva,

ultrapassada a fase inicial de colonização, a educação dos indígenas adultos

perdeu sua importância; por outro lado, as atividades econômicas7 coloniais não

exigiam o estabelecimento de escolas para a população adulta composta de

portugueses e seus descendentes e ainda menos para a população escrava. O

domínio das técnicas de leitura e da escrita não se mostrava muito necessário

ao cumprimento das tarefas exigidas aos membros daquela sociedade colonial (ibid., p.193, grifo nosso).

Essa não exigência das técnicas de leitura e escrita para as camadas populares muito se

deve ao fato da sociedade colonial estar fundamentada numa “agricultura rudimentar e no

trabalho escravo” (ROMANELLI, op. cit., p.34), não havendo necessidade de uma mão de

obra instruída. A relevância da alfabetização tinha mais relação com o proselitismo religioso.

Independente, porém, do não uso do vocábulo analfabeto, o analfabetismo reinante em

terras brasileiras desde os tempos primevos da colonização só pode ser concebido do ponto de

vista dos colonizadores e não dos colonizados. E se, mesmo assim, o analfabetismo fosse

considerado, isso seria resultado da política econômico-social estabelecida em nosso país,

com repercussão na educação. Além disso, com a formação da elite, gradativamente foi sendo

demarcada a linha entre letrados e iletrados, o que já ocorria no contexto educacional dos

países dos colonizadores, mesmo que não houvesse uma exigência de se aprender a ler e

escrever para a população em geral.

No século XVIII, a escolarização de adultos foi atingida em cheio, como toda a

escolarização em geral no Brasil, com a atuação do marquês de Pombal, que buscava a

centralização da administração da colônia por parte de Portugal. Como consequência, o já

precário ensino regride (PAIVA, op. cit., p. 69).

No período pós-independência, a pessoa que não sabia ler e escrever podia exercer o

direito de votar ou ser votado. As mulheres, nesse período, que representavam 50% da

população livre (5.520.000 habitantes), apesar da lei de 1827, eram marginalizadas

do processo educativo escolar, sendo conhecida a ignorância [delas] durante o

período do Império. Muito poucas frequentavam escolas: as mulheres do povo não

recebiam instrução; as da elite eram educadas em suas casas, de modo mais ou

menos sistemático, em alguns casos (PAIVA, ibid., p.73).

7Apesar das questões econômicas nesse período não exigirem a fundação de estabelecimentos escolares e as

práticas de leitura e escrita não se apresentarem necessárias, o fator econômico será crucial na história da

alfabetização no Brasil e se tornará um parâmetro para se compreender as mudanças ocorridas na forma como se

conceberá a alfabetização.

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A concepção de “libertação” da mulher “por meio da instrução” e a “crença na

educação8 como chave para resolver os problemas fundamentais do país” eram ideias que

circulavam na Europa e gradativamente chegavam ao Brasil (CORRÊA, 2007, p.242).

Em 1870, marcando certo crescimento numérico da educação popular, escolas

noturnas para adultos surgiram nas diversas províncias, mas com aulas assistemáticas e em

situação precária. Conforme Paiva, “a criação de tais escolas, entretanto, estava (com algumas

exceções) ligada à valorização da educação em si mesma, sem considerar o seu aspecto

instrumental e sem a adequação às reais necessidades de ensino para a faixa da população à

qual eram destinadas” (ibid., p.85, grifo nosso).

Segundo Galvão e Soares (2004), em Pernambuco, no século XIX (1885), ocorriam

aulas para adultos, “que não tinham nenhuma instrução” (p.31). Além das instituições

escolares, essas aulas eram dadas em outros espaços sociais, como nas “escolas dominicais”,

na “Casa de detenção para presos”, na “aula dos cegos no ‘Asylo de mendicidade’ e por

professores, sem remuneração e com permissão legal, na casa e com os móveis da escola

diurna” (idem).

Quanto às mulheres adultas, em Pernambuco, dizem os mesmos autores que “quando

ocorria [a escolarização], deveria se pautar nas funções que deveriam desempenhar na

sociedade, até então predominantemente circunscritas ao espaço doméstico” (ibid., p.32), e

não para o desenvolvimento de práticas de leitura e escrita em outros espaços diferentes da

casa.

Galvão e Soares destacam também, tendo como base pesquisas recentes, que as

experiências de alfabetização no Brasil, especialmente no espaço urbano, não se limitavam ao

espaço escolar. Os escravos, por exemplo, tinham eles acesso a leitura e à escrita, e isto se

constituía “um elemento fundamental para a conquista dos direitos civis” (ibid., p.33). Mesmo

sem acesso à escola oficial e sendo os escravos associados tradicionalmente à oralidade, como

acontecia com os índios, práticas de leitura e escrita estavam ocorrendo entre eles em espaços

sociais distintos.

Em relação àqueles que viviam no contexto religioso “a alfabetização parecia fazer

parte das regalias que gozavam os cativos da Igreja, ao lado da instrução profissional e da

8Dados do início da segunda metade desse período mostram um quadro educacional alarmante no país, como é o

caso da província de Pernambuco. Em 1865 haviam matriculado no ensino público 3.807 homens e 918

mulheres, num total de 4.725 pessoas, e no ensino particular, 842 homens e 438 mulheres, num total de 1.280

pessoas, perfazendo um total geral no público e particular de 6.005 pessoas. Mas da população livre de

Pernambuco (1.040.000 pessoas), nesse mesmo ano, somente 148.571 eram considerados capazes e recebiam

instrução apenas 142.566. Logo se vê uma pequena parcela da população sendo atendida, e na sua maioria

mulheres (PAIVA, ibid., p.78).

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educação religiosa” (WISSENBACH apud GALVÃO e SOARES, 2004, p.33). Já em relação

“aos escravos urbanos, para o desempenho autônomo de seus ofícios especializados, era

importante saber ler e escrever para agenciar por conta própria seus serviços” (idem).

Galvão e Soares (idem) dizem, ainda, que quando os escravos se apropriavam das

técnicas de leitura e escrita, “formavam-se, em alguns casos, redes de aprendizagens

informais, em que, através da leitura oralizada e do reconhecimento de trechos previamente

memorizados, tornava-se possível à alfabetização”. Percebe-se, assim, que mesmo sem

conhecer as convenções necessárias para diferençar os distintos gêneros textuais, que

circulavam, especialmente na sociedade urbana, sabiam da existência deles, vivendo ou

trabalhando em espaços sociais diferentes e/ou participando de outras práticas de leitura e

escrita.

Na última década do século XIX, porém, a educação passou a merecer uma atenção

mais ampla, já que começou a ser percebida como uma condição essencial para o progresso

do país (aos poucos se industrializando) e outras discussões mais antigas vem à tona como a

questão da educação da população adulta analfabeta (GALVÃO e SOARES, ibid., p. 82-85).

Essa população analfabeta começou, contudo, a ser pensada paulatinamente como “criança”,

como população “inativa” e “ignorante” e que precisava ser redimida. E no censo de 1890 os

analfabetos já representavam 85% de uma população de 14.000.000 (OLIVEIRA, 2002, p.

94).

O quadro educacional do Império visto até agora, se arrastou pela República e nas suas

duas primeiras décadas a situação permaneceu praticamente a mesma. Moura (2004) destaca

que nesse período começaram “inúmeras campanhas, normalmente de duração curta,

descontínuas, sem grande sistematização e buscando apoio e a parceria das diferentes

instâncias da sociedade civil”. Para essa autora “isso mostra a falta de compromisso do poder

público em definir uma política de educação institucional” (p. 24).

Apesar da situação da educação no Brasil ser muito precária ao final do período

imperial, Paiva afirma que “até o final do Império não se havia colocado em dúvida a

capacidade do analfabeto: esta era uma situação usual da maioria da população e a instrução

não era condição para que o indivíduo participasse da classe dominante ou das principais

atividades do país” (op. cit., p.93). Dessa forma, “o não saber ler não afetava o bom senso, a

dignidade, o conhecimento, a perspicácia, a inteligência do indivíduo; não o impedia de

ganhar dinheiro, ser chefe de família, exercer pátrio poder, ser tutor” (RODRIGUES apud

PAIVA, idem). Mas por que isso ocorria? Paiva mesmo responde que “somente quando a

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instrução se converte em instrumento de identificação das classes dominantes (que a ela têm

acesso) e quando se torna preciso justificar a medida de seleção é que o analfabetismo passa a

ser associado à incompetência” (idem). Esse estereótipo contra o analfabeto o acompanhará

ao longo da história do Brasil.

A Constituição de 1891 aprofundou a dualidade9 do sistema educacional, que era um

legado do Império e incorpora a Lei Saraiva10

, durante o Império, que selecionava as pessoas

pela sua instrução, ou seja, os que sabiam e os que não sabiam ler e escrever e cresceu, assim,

gradativamente a ideia de que a instrução escolar era um caminho essencial para a ascensão

social11

. É nesse contexto que encontramos a semente que deu “origem ao preconceito contra

o analfabeto, identificado como indivíduo incapaz” (PAIVA, op. cit., p.93).

Os dados do analfabetismo no início do século XX em todo o Brasil causaram uma

repercussão dentro e fora do país. A partir da Primeira Grande Guerra (1914-1918) se

intensificou o movimento em favor da educação popular, que englobará a educação dos

adultos e “a ideia do analfabeto como incapaz encontra sua formulação mais radical”

(PAIVA, ibid., p.100), mas que receberá resistência. De qualquer forma, nas duas primeiras

décadas do século XX, da Primeira República, o analfabetismo continuava acentuado em todo

Brasil.

Apesar do gradativo crescimento industrial, nas primeiras décadas do século XX, o

Brasil permanecia com uma economia basicamente agrícola, num contexto de latifúndios e da

monocultura. Romanelli diz que “a educação realmente não era considerada como fator

necessário” (op. cit., p. 45). Até porque “se a população se concentrava na zona rural e as

técnicas de cultivo não exigiam nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetização, está claro

que, para essa população camponesa, a escola não tinha qualquer interesse” (idem).

De acordo com Souza (1990) “antes da década de 20, praticamente, a população

jovem e adulta era considerada para uma parcela dominante da sociedade brasileira, como

meros trabalhadores, sem relevância social e política” (p.73). E, ainda, segundo o autor, havia

a necessidade de se “legitimar o novo poder que procura instalar no país. E o voto é

9“Era também uma forma de oficialização da distância que se mostrava, na prática, entre educação da classe

dominante (...) e a educação do povo (...). Refletia essa situação uma dualidade que era o próprio retrato da

organização social brasileira” (ROMANELLI, op. cit., p. 41). Sociedade essa que ia se tornando cada vez mais

complexa. 10

Lei, de 1881, que defendia o tolhimento do direito das pessoas analfabetas de votar. Segundo Paiva, “a eleição

direta com restrição ao voto do analfabeto provocara a valorização daqueles que dominavam as técnicas da

leitura e da escrita” (ibid., p. 196). 11

Analisando essa relação no contexto europeu em geral, Cook-Gumperz (2008) diz que “desde o começo do

século XX, acredita-se inquestionavelmente que a alfabetização seja o propósito e o produto da escolarização

(...) e que o fato de ser alfabetizado melhora a qualidade de vida dos indivíduos, grupos sociais e até da

sociedade como um todo” (p. 29).

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instrumento apto para essa legitimação e apenas ao alfabetizado era permitido votar. Além da

necessidade de uma mão de obra um pouco mais qualificada” (idem).

Nesse momento, as ações com vistas à “redenção” do analfabeto encontraram

resistências e posições radicais12

. Miguel Couto, também via o analfabetismo como uma

doença a ser banida, e o analfabeto como um “indolente’ e ‘rebelde”. Para ele

o analfabetismo não é só um fator considerável na etiologia geral das doenças, senão

uma verdadeira doença, e da mais graves. Vencido na luta pela vida, nem

necessidades nem ambições, o analfabeto contrapõe o peso morto de sua indolência

ou o peso vivo de sua rebelião a toda ideia de progresso, entrevendo sempre, na

prosperidade dos que vencem pela inteligência cultivada, um roubo, uma extorsão,

uma injustiça. Tal a saúde da alma, assim a do corpo; sofre e faz sofrer; pela incúria

contrai doenças e pelo abandono as contagia e perpetua (apud PAIVA, ibid., p.109).

Essas posições não eram compartilhadas, pelo menos não explicitamente, por todos e

houve resistências quanto a essa obsessão em relação a se combater o analfabetismo, pois

os conhecimentos dos rudimentos da instrução primária não bastariam para

transformar o indivíduo num cidadão útil; era preciso fazer a campanha em favor da

difusão do ensino mudar de objetivo e de rumo, pois não poderíamos querer acabar

com os analfabetos criando uma legião de semianalfabetos (PAIVA, ibid., p.110).

Cria-se, nesse período, a Associação Brasileira de Educação (ABE). A finalidade da

ABE era

convencer a nossa gente de que, ao contrário do que habitualmente se afirma, não

cabe ao analfabetismo a culpa do atraso, do desgoverno, da anarquia e dos muitos

males que afligem nosso país, antes são mais nocivas, culpáveis e condenáveis as

elites mal preparadas que nos governam e as legiões sempre crescentes de

semianalfabetos que as sustentam (SODRÉ apud CARVALHO, 1988, p. 7).

A postura da ABE se alinhava com a opinião de outros setores, no sentido de erigir

uma concepção correta do adulto sem instrução convencional e corrigir a ideia de que eles

eram os responsáveis pelos males do Brasil, o que passava a ser uma ameaça para

determinados setores do poder.

12

Indício dessa preocupação pode ser vista nas palavras de Carneiro Leão, citado por Paiva, que afirma que com

a ampliação da educação “talvez aumentemos a anarquia social. Toda essa gente que, inculta e ignorante, se

sujeita a vegetar, se contenta em ocupações inferiores, sabendo ler e escrever aspirará outras coisas, quererá

outra situação e como não há profissões práticas nem temos capacidade para criá-las, desejará ela conseguir

emprego público” (op. cit., p.102).

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Com o crescimento dos programas voltados para a promoção da educação de adultos,

no período da Segunda República, tornará claro “o papel político de tais programas,

mostrando seu caráter ideológico e sua função potencial como instrumento de recomposição

do poder político e das estruturas sócio - econômicas” (PAIVA, op. cit., p. 187).

Na década de 30, a estruturação gradativa do Brasil, com perfil urbano-industrial

exigirá da força de trabalho formação, qualificação e diversificação. Dessa forma, no campo

particular do trabalho, Ventura (2011) diz que o “desafio enfrentado pela elite brasileira era o

de permitir patamares mínimos de educação a todos, sem, no entanto, colocar em risco o

controle ideológico e o nível de exploração exercido sobre a classe trabalhadora” (p.59). Na

verdade, era necessário “um trabalhador que, além do domínio dos mecanismos da leitura, de

escrita e do cálculo, apóie o novo poder que se instala no país” (SOUZA, op. cit. p.72).

Em matéria de educação de adultos, nesse sentido, a Constituição de 34 consagrou

como alguns dos seus princípios o reconhecimento da educação como “direito de todos”,

devendo ser o ensino “gratuito” e de “frequência obrigatória”, “extensivo aos adultos” e

garante às mulheres o direito de votar, menos as mulheres analfabetas 13

. Se antes a educação

era instrumento para recomposição do poder político, agora se constituía mais fortemente

instrumento ideológico desse poder (PAIVA, ibid., p. 141).

Na década de 40, com a educação de adultos se definindo no cenário educacional

brasileiro, em meio ao crescimento do número de analfabetos, aumentará a mobilização para

minimizar o analfabetismo, em busca do desenvolvimento de uma nação mais democrática.

Nesse período ia se tornando mais clara a distinção entre a educação popular e a educação de

adultos, que começava a ser vistas como instrumentos de redemocratização.

Ainda nessa década, surgiu, no cenário estrangeiro, ao lado do termo analfabeto o

termo funcional, isto é, analfabeto funcional, que difere de outra designação, a de analfabeto

absoluto.

Paiva considera que o uso dessa expressão ocorreu “em complementação ao conceito

de analfabetismo absoluto e em decorrência de muitos fracassos observados nas campanhas

de massa que atravessaram o planeta desde os anos 40/50” (ibid., p.409). Ao contrário do

analfabetismo absoluto, que indicava a ausência de determinados conhecimentos no domínio

da leitura, da escrita e de cálculo, o conceito de analfabetismo funcional dizia respeito “à falta

de domínio daqueles conhecimentos básicos necessários à realização de suas tarefas

13

“Em âmbito nacional, a educação de adultos, no Brasil, não se derivou diretamente de uma constituição em

face do princípio de descentralização, mas respondeu a imperativos humanitários e desenvolvimentistas” (DI

RICCO, op.cit., p. 44-45).

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profissionais...” (idem). Ainda a respeito do analfabetismo funcional, Ribeiro (2004) afirma

que

mais recentemente, o termo ‘analfabeto funcional’ passou a ser utilizado, estendendo

todos esses estigmas [‘ignorância’, ‘burrice’, ‘chaga’, ‘cegueira’ e

‘subdesenvolvimento’] não só aos chamados analfabetos absolutos (que vem

diminuindo em termos percentuais e absolutos no Brasil), mas também a todos

aqueles que tiveram acesso limitado à escolarização ou que têm domínio limitado

das habilidades de leitura e escrita (p.10).

Fica claro que a concepção do que era uma pessoa alfabetizada mudou paulatinamente.

Romanelli destaca que até 1950 e mesmo depois dessa data, uma pessoa alfabetizada era

entendida oficialmente como toda aquela “que simplesmente respondesse à pergunta: ‘Sabe

ler e escrever? ’”. Para resolver os casos duvidosos se pedia “que a pessoa inquirida apenas

traçasse o seu nome” (op. cit., p.63).

Com a complexidade crescente do trabalho, no âmbito da indústria, somado ao

aumento de práticas letradas na cidade, essa classificação se tornou incapaz de abarcar a

complexidade da realidade em constante transformação. Assim, depois dos anos 50, “foram

consideradas alfabetizadas”, conforme a mesma autora acima, “as pessoas capazes de ler e

escrever um bilhete simples, com o que se conferiu maior rigor aos dados” (idem). Mas não

só saber ler e escrever, mas também se “no seu dia-a-dia entende aquilo que leu e escreveu”

(MORTATTI, 2004, p.20).

No cenário nacional, ainda na mesma década de 40, se destacou a Campanha de

Educação de Adultos e Adolescentes (CEAA), que funcionou durante o período

compreendido entre 1947 e 1963. A ideia central era que “o adulto analfabeto é um ser

marginal ‘que não pode estar na corrente da vida nacional’ e a ela se associa a crença de que o

adulto analfabeto é incapaz ou menos capaz que o indivíduo alfabetizado” (LOURENÇO

FILHO apud PAIVA, ibid., p. 212). O analfabeto sofreria de “minoridade econômica, política

e jurídica”, era alguém que “produz pouco e mal”, também “não pode votar e ser votado” e

“não possui [...] sequer os elementos rudimentares da cultura de nosso tempo” (idem). A

alfabetização, assim, “deveria ser mais do que a simples alfabetização, sendo aquisição das

técnicas da leitura e da escrita apenas um meio para a ‘atuação positiva’; a pura alfabetização

levaria os recém-alfabetizados à reabsorção pela ‘incultura ambiente’” (idem).

Apesar de o analfabetismo continuar sendo visto como a causa dos problemas de

ordem econômica, social e cultural do país, a visão do analfabeto como marginal e incapaz

sofreu modificações no decorrer da Campanha, e o próprio analfabeto

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passa a ser valorizado como elemento que participa da produção e que embora

‘saiba-se inculto’ tem uma visão própria e muitas vezes amadurecida dos problemas,

que aprendeu a solucionar as questões que a vida lhe colocou e que devia ser

respeitado como alguém que raciocina e decide, sem que o domínio do alfabeto

fosse indispensável para isso (PAIVA, idem, p.214).

Na década de 50, uma iniciativa na dita luta contra o analfabetismo, e que tomara

fôlego na década anterior, foi a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo

(CNEA) criada em 1958, durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek.

Dentre os 12 (doze) aspectos apresentados no plano da CNEA, um deles, de acordo

com Di Ricco, era a concepção da educação “para o presente e para o futuro”, isto é, a

consideração da alfabetização não mais como “um fim em si mesma”, mas numa perspectiva

“funcional”. Dessa forma, “o movimento não deveria, somente, ensinar a ler e escrever”.

Essas técnicas culturais “seriam utilizadas de acordo com as necessidades do meio”. Essa

“alfabetização funcional”, assim, “começou a integrar as preocupações da direção das

campanhas nacionais” (op.cit., p.54). Um segundo aspecto, ressaltado por Di Ricco, é que o

“problema do analfabetismo da metade da população” era um “entrave ao desenvolvimento”,

sendo esse analfabetismo uma “vergonha nacional” (ibid., p. 54-55). Finalmente, nas palavras

desse autor, “exterminar o analfabetismo traria, como consequência, o desenvolvimento

socioeconômico do país”, se rejeitando, assim, a concepção de que esse desenvolvimento

criaria as condições para o desenvolvimento educacional. O analfabetismo era compreendido

como tendo raízes no passado e “é produto de uma série de situações”, isto é, “é sintoma de

doença, não a própria doença” (ibid., p.55).

Apesar de posicionamentos pessoais de expressão e de campanhas, conferências e

assim por diante, aqui e acolá, Moura (2004) avalia que de um ângulo teórico-metodológico,

em geral, “as experiências desse período não surgem nem provocam formulações teórico-

metodológicas que possibilitem mudanças nas formas de conceber e desenvolver a

alfabetização e muito menos nas formas de conceber os analfabetos e os alfabetizadores” (p.

26-27).

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No final dos anos 50 e início dos anos 60, porém, essas mudanças, aos poucos,

começam a ocorrer. No II Congresso Nacional de Educação de Adultos, Freire chamou a

atenção no sentido de se restabelecer as reais causas sociais do analfabetismo14

. Aquela

imagem construída socialmente do adulto inculto e “sem saber”, sofre oposições mais

contundentes. A luta que surgia no horizonte era pela “formação” de um adulto mais

consciente do seu papel sócio-político-econômico15

. Nesse contexto, começou a se esboçar

uma separação mais nítida entre a educação popular e a educação de adultos16

, que não

podem, contudo, ser vistas como duas coisas independentes.

Na década de 60, ainda, também houve várias mobilizações em torno da educação de

adultos, a exemplo do Movimento de Cultura Popular (MCP) 17

, que se multiplicou pelo país.

Este teve como berço de origem o MCP de Recife, criado em 1960 e ligado à Prefeitura de

Recife. O movimento tinha como propósito o combate ao analfabetismo e elevação do nível

cultural do povo, influenciado por ideias socialistas e cristãs.

Souza (1987) destaca que no MCP, e também no SEC, Freire “começa a consolidar a

sua proposta educacional iniciada nos quadros do SESI que fica conhecida como Sistema

Paulo Freire de alfabetização de adultos”, mas alerta que essa proposta não pode se restringir,

14

“Discute-se em Recife a indispensabilidade da consciência do processo de desenvolvimento por parte do povo

e da emersão desse povo na vida pública nacional como interferente em todo trabalho de colaboração,

participação e decisão responsáveis em todos os momentos da vida pública; sugeriam os pernambucanos a

revisão dos transplantes que agiram sobre o nosso sistema educativo, a organização de cursos que

correspondessem à realidade existencial dos alunos, o desenvolvimento de um trabalho educativo “com” o

homem e não “para” o homem, a criação de grupos de estudo e de ação dentro do espírito de autogoverno, o

desenvolvimento de uma mentalidade nova no educador, que deveria passar a sentir-se participante no trabalho

de soerguimento do país; propunham, finalmente, a renovação dos métodos e processos educativos com rejeição

daqueles exclusivamente auditivos, substituindo o discurso pela discussão e utilizando as modernas técnicas de

educação de grupos com a ajuda de recursos audiovisuais. Estavam aí esboçados, portanto, os princípios que

iriam servir de base ao sistema de ensino e à teorização educativa de Paulo Freire na década de 60” (PAIVA,

ibid., p. 238). 15

Segundo Moura, “Freire construiu nas décadas de 60 e 70 uma proposta teórico-metodológica para a

alfabetização de adultos que se constituiu no único referencial próprio para a área, a única formulação, no acervo

da literatura brasileira, que define explicitamente a conceitualização de alfabetização de adultos, reconhecida

inclusive, por educadores e pesquisadores (...)” (op. cit., p. 29). 16

Essa “identificação entre educação popular e educação de adultos deriva, de um lado, da expansão acelerada

do ensino primário (e, posteriormente, do ensino fundamental – ensino primário plus ginasial) na segunda

metade do século XX”. Também “resulta (...) da multiplicação dos movimentos de educação de adultos

destinados às camadas populares a partir do final dos anos 50 em conexão com a politização crescente da área

educacional”. Mas “essa identificação tende a ser revista, na medida em que se elevem as oportunidades de

educação para aquelas camadas e se ampliem as demandas de grupos populacionais mais educados e mais

idosos” (PAIVA, op. cit., p.165). 17

A versão norte-rio-grandense do MCP foi o movimento “De pé no Chão também se aprende a ler”. Surgida na

cidade de Natal, em 1961, também tinha como finalidade a minimização da questão do analfabetismo. Com a

promulgação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (1961), é criado o Movimento de Educação de

Base (MEB) e a Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo (MNCA).

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“absolutamente, a um projeto de alfabetização” (p.16), mas ao seu ambiente histórico –

cultural18

.

Na sua essência, portanto, o método de Freire tinha como ponto de partida a realidade

vivencial dos sujeitos e era marcado pela necessidade de diálogo entre os sujeitos envolvidos

com os processos de ensino e de aprendizagem. Nas palavras de Paiva,

a prática do método tinha base inicial o levantamento do universo vocabular dos

grupos com os quais a equipe pretendia trabalhar. Em seguida eram escolhidas as

palavras no universo vocabular pesquisado, devendo ser selecionadas pela sua

riqueza fonêmica, palas dificuldades fonéticas da língua e pelo engajamento da

palavra numa dada realidade social, cultural ou política. Tais palavras eram

relacionadas a situações existenciais típicas do grupo, que serviam como ponto de

partida da discussão, à qual se seguia a decomposição das famílias fonêmicas

correspondentes aos vocábulos geradores. Para esse trabalho era necessário uma

adequada preparação dos coordenadores e a confecção de material didático através

de slides e cartazes (ibid., p. 281).

Apesar dessas mudanças no campo teórico – metodológico e prático, o preconceito

contra o analfabeto continuou, como também as reações contrárias a tal atitude, por parte de

pessoas individualmente19

, como Freire, e/ou por Movimentos, como a CEAA. Em 1963

extinguiram-se oficialmente as campanhas nacionais de educação de adultos, mas floresceram

movimentos locais, públicos e privados, em todo país20

.

O cenário político a partir de 1964 mudará radicalmente. E o método de Freire não

merecerá a atenção devida. O que se fizera até o momento em termos da educação,

particularmente em relação à alfabetização das massas, passará a ser ameaçador. Dizer isso é

reforçar um fato que permeou esse percurso histórico, que a educação nunca esteve divorciada

da realidade política, econômica, social, cultural e ideológica. Com ênfase em questões

18

Além disso, “o método Paulo Freire para a educação dos adultos, sistematizado em 1962, representa

tecnicamente uma combinação original das conquistas da teoria da comunicação, da didática contemporânea e da

psicologia moderna. Entretanto, o método derivava diretamente de ideias pedagógicas e filosóficas mais amplas:

não era uma simples técnica neutra, mas todo um sistema coerente no qual a teoria informava a prática

pedagógica e os seus meios” (PAIVA, ibid., p. 279). 19

A partir de uma ótica marxista, houve aqueles que foram contrários à restrição ao voto do analfabeto “porque o

analfabeto é um indivíduo que, como qualquer outro, trabalha, produz, constitui família, paga impostos, educa os

filhos, enfim pratica todos os atos da vida civil e, muitas vezes, com maior eficiência que muitos letrados. Para

isso são obrigados, constantemente, a opinar, decidir, escolher, não nos parecendo que todos esses atos que

realiza como homem e cidadão sejam mais fáceis de executar do que a escolha consciente de representantes para

a administração ou para as assembléias legislativas” (PASCHOAL LEMME apud ibid., p. 467-468). 20

Paiva faz uma síntese desses Movimentos e os classifica em grandes grupos. O comparecimento de grande

número de movimentos, num total de 77, possibilitou não somente o seu cadastramento como sua classificação

em 3 grandes grupos, de acordo com suas atividades, analisadas a partir dos informes e relatórios apresentados.

Havia movimentos dedicados preferencialmente à alfabetização (como o MEB, “De Pé no Chão”), movimentos

dedicados preferencialmente à pesquisa e elaboração de manifestações artísticas de conteúdo e forma popular

(CPCs) e movimentos dedicados a atividades diversificadas (MCPs) e movimentos comunitários (como o de

Ijuí). No conjunto dos movimentos presentes a alfabetização era a atividade mais difundida, sendo desenvolvida

por 44 movimentos, em 38 dos quais havia adquirido caráter prioritário (ibid., p. 274).

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políticas, econômicas e ideológicas, surge a “necessidade de [se] ampliar, também os

objetivos da educação e, consequentemente, redirecionar a concepção de alfabetização”

(MOURA, op.cit., p.30). Como diz Souza, essa educação “ao mesmo tempo [em] que

possibilita o domínio dos mecanismos da leitura, da escrita e do cálculo”, o que é um aspecto

do conceito e da prática educativa, “contribui”, segundo esse mesmo autor, “para a

compreensão da realidade histórica da classe trabalhadora, permitindo-lhe o crescimento da

consciência de classe e de sua humanização” (op.cit., p.65).

Uma definição mais complexa e relacional em voga de alfabetização nos anos 60 é

aquela construída pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO) e que ecoará também no Brasil, que concebe a alfabetização como

um processo global e integrado, de formação técnica e profissional do adulto – em

sua forma inicial – feito em função da vida e das necessidades do trabalho; um

processo educativo diversificado, que tem por objetivo converter os alfabetizados

em elementos conscientes, ativos e eficazes na produção e no desenvolvimento em

geral. Do ponto de vista econômico, a alfabetização funcional tem a dar aos adultos

iletrados os recursos pessoais apropriados para trabalhar, produzir e consumir mais e

melhor. Do ponto de vista social, a facilitar-lhes sua passagem de uma cultura oral

para sua melhoria de grupo (BEISIEGEL, 1974, p.83).

Percebe-se aí uma nova concepção de alfabetização, que procurava formar uma mão –

de – obra qualificada diante da expansão e diversificação da economia e modernização dos

meios de produção. Além do MCP, outros dois movimentos surgirão na segunda metade da

década de 60, a Cruzada da Ação Básica Cristã (ABC, em 1966) e o Movimento Brasileiro de

Alfabetização (MOBRAL - criado em 1967 e lançado em 1970), que procurarão “extinguir” o

analfabetismo.

A Cruzada ABC tem seu nascedouro no Nordeste, particularmente em Recife - PE. E

se estenderá para outras regiões do Nordeste como Paraíba, Sergipe, Ceará, Alagoas e para

regiões no Sudeste, como Rio de Janeiro e Guanabara, com recursos do governo brasileiro. De

origem evangélica, sem ser confessional, mas sem abandonar o religioso, na Cruzada ABC,

segundo Paiva, a ideia de homem era como “parasita econômico”, o qual seria salvo pela

educação, pois ele “deveria começar a produzir e a participar da vida comunitária” (ibid., p.

296). Já o analfabeto “era visto como um potencial de trabalho marginalizado e como um

elemento que contribuía apenas para minar a sociedade em suas estruturas mais básicas”

(idem). Percebe-se aqui o resgate do analfabeto que não sabe e que para ser útil tem que

passar por um processo de escolarização. Os problemas com recursos se somaram a outras

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críticas (ingerência estrangeira, uma atitude meramente alfabetizadora inicial, dentre outras)

até se extinguir no início da década de 70.

Com o estabelecimento do Regime militar, este “reprimiu e destruiu os movimentos

sociais e de educação popular dos anos 50 e início dos anos 60” (FERRARO, op.cit. 117-

118). E a criação do MOBRAL, em 1967, se desenvolveu como movimento especialmente a

partir dos anos 70, cujo objetivo era também combater o analfabetismo, seguindo o mesmo

caminho de outras iniciativas ligadas à educação de adultos.

A ideologia do MOBRAL, porém, difere daquela dos movimentos de educação e

cultura popular. Os movimentos estavam associados “à problematização e conscientização da

população sobre a realidade vivida e o educando era considerado participante ativo no

processo de transformação dessa mesma realidade”, aquele, em relação à ideologia no livro

didático, “o conteúdo crítico e problematizador das propostas anteriores foi esvaziado”. Nesse

material padronizado, “as mensagens reforçavam a necessidade do esforço individual do

educando para que se integrasse no processo de modernização e desenvolvimento do País”.

Contrariando a proposta do próprio MOBRAL, de alfabetizar definitivamente o adulto, pela

não garantia de “continuidade dos estudos, muitos adultos que se alfabetizaram através dele

‘desaprenderam’ a ler e escrever” (GALVÃO e SOARES, op. cit., p.46). Ferraro, contudo,

adverte que

dizer simplesmente que o MOBRAL fracassou na realidade do objetivo de ‘eliminar

o analfabetismo de jovens e adultos’ seria insistir numa meia verdade. O MOBRAL

foi parte e foi posto a serviço de um determinado projeto educacional e social.

Seriam, pois, a política educacional e em seu todo e, com ela, o projeto social da

Ditadura que precisariam ser avaliados (op.cit. p.117-118).

Desde que ficou mais nítida a educação de adultos, no Brasil, percebeu-se que,

basicamente, pode ser identificadas, do ponto de vista teórico-metodológico, uma formulação

tradicional, que se condensa numa prática pedagógica, cuja “concepção de alfabetização” é

vista “como um processo de aquisição de uma técnica de decodificação oral (para escrever) e

de decodificação escrita (para ler)” 21

(MOURA, op. cit., p.32) e uma formulação elaborada

por Freire, que envolveu o pedagógico e dimensões como a política.

No final dos anos 80 e durante a década de 90, vale destacar a Constituição de 1988; o

surgimento do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), em 1989; a Lei de

21

Essa “conceituação de alfabetização de adultos e a definição de seus objetivos são fundamentados em

concepções filosóficas positivas de caráter pragmático – características dos modelos econômicos liberal e

neoliberal; concepções psicológicas empiristas – associacionistas que consideram o adulto analfabeto como um

ser inferior do ponto de vista das capacidades superiores de inteligência; e uma visão antropológica de um

indivíduo pobre culturalmente” (MOURA, op. cit., p.31).

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Diretrizes e Base da Educação (LDB), Lei no

9.394/96 e o Programa de Alfabetização

Solidária (PAS), criado em 1997. E no âmbito internacional, a Conferência Mundial de

Educação para Todos (CMET), em 1990 e a V Conferência Internacional de Educação de

Adultos (CONFINTEA) 22

, em 1997.

Com a Constituição de 1988 a EJA ficou sob a responsabilidade dos municípios, que

procuraram iniciar ou ampliar a oferta para essa modalidade de ensino e outras iniciativas

ocorreram em diferentes espaços, em movimentos sociais, em universidades e em

organizações não governamentais. Dessa maneira,

uma pluralidade de práticas e metodologias de ensino passaram a ser utilizadas,

algumas das quais influenciadas pelas descobertas recentes da Psicologia, da

Linguística e da Educação que, com os estudos de Emilia Ferreiro e com os

trabalhos sobre letramento, forneceram subsídios para a compreensão de como se

processa a construção das hipóteses acerca da leitura e da escrita pelos sujeitos não-

alfabetizados (GALVÃO e SOARES, ibid., p. 48-49).

Dentre esses movimentos de base popular, o Programa MOVA lançado no Estado de

São Paulo, quando Paulo Freire era Secretário Municipal de Educação, continuava

perseguindo o propósito de eliminar o analfabetismo, como outros movimentos antecedentes.

Tendo como proposta a vinculação Estado – sociedade, Galvão e Soares chamam a atenção

para os seguintes princípios do MOVA - SP: uma concepção distinta “das propostas sobre os

sujeitos da alfabetização”; “a elaboração das propostas a partir do contexto sociocultural dos

sujeitos”; e “a consideração dos sujeitos como co - partícipes do processo de formação” (ibid.,

p. 48).

O CMET e a V CONFINTEA também deram valiosas contribuições para o

entendimento da educação de adultos. O CMET realizado em Jomtien, Tailândia, partiu de

um conceito central: o atendimento das necessidades básicas de aprendizagem, ou seja, que vá

além de uma educação escolar inicial (alfabetização), por sinal, com muitos problemas. Souza

(2000) lembra que na Declaração desta Conferência, “a Educação é vista como direito e uma

responsabilidade social pelos quais os governos devem trabalhar” e cita um trecho da

Declaração, em que esta situa em bases mais amplas o processo educativo, nos seguintes

termos: “o otimismo atual em relação à educação básica não se fundamenta na premissa

ingênua de que a educação é o único determinante da mudança individual ou social”, pois,

22

A CONFINTEA vem sendo realizada desde 1949, acontecida na Dinamarca. A compreensão mais aprofundada

a respeito da concepção da educação de adultos vinha ocorrendo antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, mas

vai sofrer uma evolução bem mais rápida especialmente a partir da década de 60, cujas CONFINTEAs, no plano

internacional, serão significativas. Essa evolução não é consensual, ela apresenta, sim, desenvolvimentos,

divergências, aproximações e/ou aprofundamentos.

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segundo o Documento em questão “são necessários vários requisitos prévios e mudanças

concomitantes nas estruturas e processos políticos, sociais e econômicos gerais” (p.8 - 9).

Posição contrária à ideia (ideológica), construída historicamente, que o analfabeto era o

culpado pela situação econômica problemática do país e que, por sua vez, só a educação

poderia resolver.

Seis anos depois da Conferência acima, da qual o Brasil fora signatário, surgiu, em

nosso país, a LDB/96, embasada na última Constituição, que deu respaldo legal à educação

voltada para jovens e adultos, que por sua vez passou a ser uma modalidade da educação

básica.

A V CONFINTEA, realizada em Hamburgo, Alemanha, também teve o Brasil como

signatário. A Declaração produzida aqui “congrega, entre outros elementos, o resultado das

discussões realizadas por diferentes segmentos organizacionais” (BARBOSA, 2009, p.48).

O texto final da Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos concebeu a

educação de adultos como um “direito” e como “chave para o século XXI”. Entendeu que

essa educação era “consequência do exercício da cidadania” e “condição para uma

participação na sociedade”. Na verdade, a educação de adultos era “poderoso argumento”

para “o desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia [...]” e assim por diante. Essa

educação considerou “o processo de aprendizagem, formal e informal” como possibilidade

para o desenvolvimento das “habilidades” de “adultos”, de enriquecimento de seus

conhecimentos e aperfeiçoamento de “suas qualificações técnicas e profissionais,

direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as da sua sociedade” (apud SOUZA

e PORTO, 2000, p. 163).

Nesse sentido, a alfabetização foi compreendida “como o conhecimento básico,

necessário a todos num mundo em transformação em sentido amplo” e, portanto, “é um

direito humano fundamental”. A Declaração ainda afirmou que “em toda a sociedade, a

alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o

desenvolvimento de outras habilidades”. E reconheceu que “existem milhões de pessoas – a

maioria mulheres – que não têm a oportunidade de aprender ou que não têm acesso a esse

direito”. Finalmente, ressaltou que outro papel da alfabetização era o “de promover a

participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser um requisito

básico para a educação continuada durante a vida” (ibid., p.166).

A compreensão de alfabetização acima não ressalta o seu aspecto pedagógico, falando

apenas em um “conhecimento básico”, em um “direito”, em “uma habilidade primordial”,

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cujo objetivo é a participação ativa desses adultos, especialmente das mulheres e idosos. Em

relação às mulheres, lembrou a Declaração que “as políticas de educação voltadas para a

alfabetização de jovens e adultos” deveriam levar em consideração a “cultura própria de cada

sociedade” e priorizar a “expansão das oportunidades educacionais para todas as mulheres,

respeitando sua diversidade e eliminando os preconceitos e estereótipos que limitam o seu

acesso à educação e que restringem os seus benefícios”. E quanto aos idosos, a Declaração

reconheceu que eles “têm muito a oferecer ao desenvolvimento da sociedade”. Sendo assim,

“é importante que eles tenham a mesma oportunidade de aprender que os mais jovens”. E

finalizou ao explicitar que as “habilidades” desses idosos “devem ser reconhecidas,

respeitadas e utilizadas” (ibid., p.167, 169).

No mesmo ano da V CONFINTEA, em nível nacional foi lançado o PAS, como uma

iniciativa do governo federal, em parcerias com instituições superiores e privadas, visando o

combate ao analfabetismo. O Programa, no entanto, sofreu reações das mais diversas por

parte de pesquisadores, como reforçar a “imagem que se faz de quem não sabe ler e escrever

como uma pessoa incapaz, passível de adoção, de ajuda, de uma ação assistencialista [o

itálico é nosso]” (GALVÃO e SOARES, ibid., p.49) 23

.

No século XXI, noutra iniciativa de combate ao analfabetismo, o governo federal criou

o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), em 2003, mas que, como o PAS, se tornou alvo de

críticas. O PBA ocorreu em parcerias com estados, municípios, instituições privadas,

públicas e religiosas, Organizações Não – Governamentais e outros, convocando a todos

“para alfabetizar os jovens e os adultos que, por direito, deveriam ter acesso aos bens culturais

que a escrita nos proporciona”, em virtude “das desigualdades sociais presentes na nossa

sociedade” (SILVA et.al., 2004, p.11 – 12).

Mesmo apresentando um objetivo aceitável, críticas foram feitas ao PBA,

especialmente por professores e/ou pesquisadores. Destacaram-se pelo menos três dessas

críticas: a primeira teve relação com a “concepção básica de alfabetização, que limitava o

tempo para a construção de capacidades e conhecimentos complexos”; a segunda era “de que

‘qualquer’ cidadão deveria assumir a função de alfabetizador” e, por fim, a terceira teve

associação com “o processo de mobilização das turmas”, já que para esses (as) pesquisadores

(as) “a responsabilidade pela formação das turmas deveria ficar a cargo dos alfabetizadores, o

23

Já no século XXI, em 2009, aconteceu pela primeira vez no Hemisfério Sul, e mais precisamente no Brasil, em

Belém, Pará, a CONFINTEA VI. A Educação de Adultos constituiu-se como um dos eixos de estudo e como

ocorreu na CONFINTEA V, as mulheres receberam uma atenção de destaque.

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que reforça a ideia da alfabetização como salvação, do alfabetizador como missionário e do

programa como campanha” (ibid., p.13).

Como percebido, ao longo do processo educacional brasileiro, a alfabetização de JA

tornou-se paulatinamente alvo de debates políticos e ideológicos, por parte de políticos,

educadores, intelectuais, movimentos sociais e organismos internacionais. Mas muitos

problemas ainda persistem como o alto índice de analfabetismo. Weber (1992), fazendo um

levantamento panorâmico, mas consistente, da produção brasileira na área educacional, no

início da década de 90, destaca que “a persistência de elevadas taxas de analfabetismo tem, ao

longo dos anos, constituído argumento importante para o desencadeamento de iniciativas

experiências na área de educação de adultos, as quais têm conseguido, periodicamente,

aglutinar, com o apoio de governos, grupos e pessoas preocupadas com o futuro do país”

(p.28). Outro problema é que o analfabeto continua sendo visto como alguém que não sabe.

Mais grave ainda é a assimilação de tal ideologia por parte desse analfabeto. Mas quem são

esses jovens e adultos brasileiros designados de analfabetos? Qual a sua a realidade escolar? É

o que será apresentado a seguir.

1.1.2 Quem é o jovem e adulto analfabeto no Brasil e sua realidade escolar

Pensar as pessoas na idade jovem e adulta é tarefa por demais complexa. Alguns

aspectos dessa complexidade têm relação com as faixas etárias distintas desses dois grupos

humanos, com suas peculiaridades (por exemplo, de vida, de religião, de trabalho, de

conhecimentos prévios), também com os seus contextos (por exemplo, histórico, político,

econômico, social, cultural) e com as diversas perspectivas possíveis de análise desses jovens

e adultos (por exemplo, religiosa, filosófica, histórica, psicológica, sociológica,

antropológica). A essa altura, ao se falar de JA, tem-se em vista aquelas pessoas de cidades

brasileiras, que tiveram acesso à escola ou não vivenciaram, por diferentes motivos, essa

escolarização regular prevista na legislação, e ainda não dominam as práticas culturais de

leitura e escrita e continuam sendo designadas de analfabetas24

.

24

Entende-se que o conceito de jovens e adultos, no âmbito educacional, não se restringe à situação denominada

“adequação idade-série”, embora seja esse grupo o foco dessa pesquisa, pois há jovens e adultos, por exemplo,

no ensino médio, em cursos técnicos e no ensino superior.

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Apesar de tamanha complexidade, ao se destacar a condição de ser analfabeto, situa-se

os referidos JA num contexto bem específico, ou seja, o escolar, no qual se estabeleceu,

gradativamente, uma dicotomia entre quem é analfabeto e quem não o é. Provavelmente a

utilização generalizada dos termos ‘analfabetismo’ e ‘analfabeto’ teria sido exatamente o

“preconceito com o indivíduo que não soubesse [...] ler e escrever que, na Modernidade, era

visto como ‘incivilizado’, ‘bruto’, ‘bárbaro’. Com isso, teria se tornado necessário nomear

esse ‘fenômeno’ para que ele pudesse ser estigmatizado, repelido” (SILVEIRA apud

TRINDADE, 2004, p.126).

Nesse universo de analfabetos estão tanto os considerados analfabetos absolutos, pois

não sabem ler e escrever, quanto os que tiveram um acesso restrito à escolarização ou possui

uma habilidade restrita quanto ao uso de prática de leitura e escrita. De qualquer modo, são

todos eles enquadrados na designação mais ampla e preconceituosa de analfabetos.

Sendo assim estereotipados ao longo do tempo, no Brasil, passaram a ser vistos como

pessoas carentes de algo, que nada sabem e assim por diante25

. Na própria morfologia do

termo analfabeto, é possível já identificar a ideia de negação. De fato, em sua etimologia, o

prefixo grego “an-” (de “an - alfabeto”) já indica “negação”, “privação”.

Tal concepção de analfabeto pode ser encontrada, por exemplo, em dicionários da

língua portuguesa. Conforme o Dicionário Brasileiro Globo, por exemplo, analfabeta é a

pessoa “que não sabe ler nem escrever; que é muito ignorante” ou aquele “que desconhece o

alfabeto”, um “indivíduo ignorante”; e analfabetismo como uma “qualidade ou estado do que

é analfabeto” ou que não possui “instrução elementar” (1998).

Furter (1974) afirma que uma das negações em relação às pessoas designadas de

analfabetas diz respeito ao termo mesmo analfabeto, pois “a priori, no simples ato de

denominar uma pessoa, caracterizamos uma diferença radical entre sua inexistência,

totalmente negativa, e a nossa existência plena e radiosa”. E esse autor acentua que o

analfabeto é, portanto, “um homem que nos é totalmente estranho. Nada tem do próximo, mas

tem tudo do contaminado. Não causa espanto se, por associação, lhe são atribuídos todos os

caracteres negativos imagináveis”. E conclui Furter, afirmando que o analfabeto é alguém que

“só conta para nós pelo que não é. E, por isso, não o estudamos: o analfabeto não é um

homem – é apenas o suporte de uma negação. Basta classificá-lo” (p.33).

25

Um levantamento histórico do preconceito contra o analfabeto bem como a necessidade de revisão de tal

concepção são ressaltados em trabalhos como os de Furter (1974), Romanelli (1978), Viñao Frago (1993), Graff

(1995), Freire (2001), Almeida (2003), Galvão e Di Pierro (2007) e Galvão e Soares (2004).

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Ainda sobre essa questão, Galvão e Di Pierro afirmam que, atualmente, no Brasil, o

termo analfabeto é, “com poucas exceções, carregado de significados negativos”. Por

conseguinte, “podemos inferir, também, que a relação que as pessoas, de modo geral, têm

com o analfabeto é mediada por preconceito, por pré-julgamentos, por estigmas” (2007, p.10).

Freire (2001), por exemplo, elenca algumas concepções (ideológicas) ingênuas, associadas à

pessoa analfabeta, a saber: “erva daninha”, “enfermidade”, “chaga”, “incapacidade”, “pouca

inteligência”, “preguiça”, “famintos de letras” e “sedentos de palavras”, “vergonha” e de

“natural inferioridade” (p.15,53-55, 59).

Galvão e Soares (2004) chamam a atenção também para duas tendências comuns (que

serão desenvolvidas mais adiante): a de se infantilizar o adulto analfabeto, como alguém que

se assemelha “a uma criança que precisa de ajuda de alguém”, e a de considerá-lo num estado

de prisão, ou seja, como “alguém que precisa” de se libertar da “escravidão” (p.50). O que

agrava essa situação, ainda segundo os referidos autores, é a veiculação desse tipo de

representação na mídia e em outros discursos, que alimenta nesses sujeitos a “inferioridade a

eles atribuída” e, também, a presença do referido discurso na escola, quando alfabetizadores

veem os adultos não alfabetizados como “tábulas rasas”, os quais “precisam do saber do outro

para sobreviver” (ibid., p.50 - 51).

O ser analfabeto, no uso comum, no entanto, não se limitou ao fato só do sujeito não

saber ler e escrever. Abrangeu, também, o seu aspecto identitário.

Esse aspecto, segundo Furter, é mais sutil e perigoso. Ele diz que “uma vez que os

analfabetos só existem para nós, em função de alguma coisa que não são; não se fará distinção

entre eles. São todos reduzidos a um denominador comum: o analfabetismo26

”. Dessa

maneira, “substituem-se homens que vivem plenamente, em situações concretas, por uma

única qualidade ‘coisificada’ e negativa: o analfabetismo”. E mais, “substitui-se uma

qualidade diversa e múltipla por uma qualidade abstrata, pejorativa, que só tem sentido para

aquele que julga. Para o homem que tratamos de analfabeto, representa uma rejeição

definitiva”. E conclui, “o analfabetismo não pode, então, ser um fim em si mesmo, pois é

apenas o fim de um começo” (op. cit. p.34-35).

A questão se agrava ainda quando se tem em vista a mulher brasileira.

Quanto à educação das mulheres, Souza (1990) recorre à própria constituição da

sociedade brasileira e aponta que “as raízes do sombrio quadro atual [21 anos atrás] da

26

O termo analfabetismo é marcado pela dicotomia e exclusão, sem falar em ambiguidades, pois o próprio sufixo

“-ismo” aponta para um estado, uma condição, no caso, de ser analfabeto.

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educação das mulheres se localiza nas estruturas do patriarcado, que continuam a influenciar

as atitudes e comportamentos para com as meninas e as mulheres em muitas sociedades”

(p.13).

Ainda segundo o mesmo autor, durante séculos, as mulheres que foram excluídas “das

estruturas de poder, pela subjugação e discriminação”, deveriam elas mesmas ser “as figuras-

chave na campanha de alfabetização global” (ibid., p.12). Souza afirma, assim, sobre a

necessidade de se desvelar a falsidade do mito que afirma que “LUGAR DE MULHER É EM

CASA. MULHER – PIOR AINDA DEPOIS DA IDADE – NÃO TEM DE INVENTAR DE

ESTUDAR” (idem, grifo do autor). O referido desvelamento para esse mesmo autor se faz

preciso, pois esse mito

reforça uma dupla discriminação: ser mulher e ser analfabeta. Contraditoriamente, a

mesma sociedade que a discrimina, cobra-lhe responsabilidade pela sobrevivência e

bem-estar dos filhos, assim como um papel central na transmissão do patrimônio

cultural às novas gerações. Se é verdadeiro que ‘educar uma mãe é educar uma

família’, é igualmente verdadeiro que quando a educação da mãe é insuficiente, a

dos filhos também o será. Finalmente, a condição de ser mulher não pode afetar o

direito à cidadania (ibid., p.29).

O primeiro alerta de Souza, é que a mulher, então, se assemelha ao homem em relação

à condição de analfabeta, mas pesa sobre ela a questão de gênero, de ser mulher. E embora

tenham ocorrido mudanças evidentes no campo profissional, nos mais diversos espaços

sociais, para muitas delas a realidade é aquela que só situa a mulher unicamente no espaço do

lar. Outro alerta feito pelo autor é aquele que garante à mulher o direito à cidadania, que

certamente inclui o acesso irrestrito dela à educação.

Do ponto de vista da legislação, a Constituição do Brasil consagra a educação escolar

como um direito civil básico tornado explícito para mulheres e homens, quando afirma que a

educação é um direito social (Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo II,

Dos Direitos Sociais, Art. 6), que “o dever do Estado com a educação será efetivamente a

garantia de ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a este não

tiveram acesso na idade própria” (Artigo 208) e estabelece como uma de suas metas a

“erradicação do analfabetismo e da universalização do atendimento escolar” (Artigo 214).

Apesar dos direitos assegurados e metas estabelecidas, a EJA permanece, porém,

como um grave problema da educação escolarizada brasileira, e como visto acima, um

problema que atinge especialmente as mulheres.

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Souza (1990) elenca pelo menos três razões para justificar a permanência desse

problema: a primeira é que é um problema, antes de tudo, “econômico-político” e não

somente pedagógico; a segunda, que “depende da escolarização infantil que da forma como

está sendo realizada não nos permite grandes esperanças” e, por fim, “porque o próprio

trabalhador (empregado, desempregado, por conta própria) ainda hoje não percebe nem sente

tão claramente a necessidade de se alfabetizar” de forma, conclui o autor, “que justifique

acrescentar à dureza de sua vida o sacrifício de frequentar uma escola noturna, sem condição

física e mal equipada, com um professor despreparado para enfrentar os problemas da

aprendizagem de jovens e adultos” (p. 70).

Dados quantitativos27

no Brasil, que abrangem todo o século XX (1920 a 2000), os

quais vêm sendo usados integral ou parcialmente, especialmente na literatura educacional em

geral28

, mostram a situação do analfabetismo na população de 15 anos ou mais, conforme

apresenta a tabela abaixo (IBGE apud GALVÃO e DI PIERRO, 2007, p.59).

Tabela 1 - Brasil: Evolução do analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais–1920/2000.

Ano/Censo Total Analfabetos %

1920 17.557.282 11.401.715 64,9

1940 23.709.769 13.269.381 56,0

1950 30.249.423 15.272.632 50,5

1960 40.278.602 15.964.852 39,6

1970 54.008.604 18.146.977 33,6

1980 73.541.943 18.716.847 25.5

1991 95.837.043 19.233.758 20,0

2000 119.556.675 16.294.889 13,6

Fonte: IBGE. Censo Demográfico

A tabela 1 destaca uma relação estreita, para fins estatísticos, entre o crescimento da

população de 15 anos ou mais, ao longo dos anos, e os números de analfabetos dentre essa

população.

27

Ferraro faz uma separação entre “indicadores do estado educacional”, que se relacionam “à avaliação e

determinadas características da população, tais como saber ler e escrever”, realizados, por exemplo, pelo IBGE,

e “indicadores do movimento educacional”, que “são construídos com base nos dados extraídos dos registros de

determinados eventos escolares, como matrícula”, dentre outros (2009, p.19). Nessa pesquisa, destacou-se o

primeiro dos indicadores. Ainda segundo esse mesmo autor, os censos, apesar de fundamentais, têm limitações

metodológicas, como a dificuldade da verificação da informação dada; a impossibilidade de “certificar-se de que

‘saber ler e escrever’, tenha, para as pessoas entrevistadas, o mesmo significado que (...) para os formuladores do

censo (...) e/ou para os pesquisadores”; também “que a avaliação socialmente negativa ou estigmatização das

pessoas que têm a característica chamada analfabetismo pode produzir um viés tendente a esconder, em

dimensão ignorada, a condição de analfabeto ou analfabeta” (idem, p.20). 28

Por autores como Di Rocco (1979, p. 85); Siqueira (1989); Gatti, Silva e Espósito (1990); Paiva (2003);

Romanelli (2005) e Ferraro (2009).

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O crescimento desse conjunto populacional durante o século XX acompanhou o

crescimento da própria população brasileira, conforme os dados da tabela a seguir (apud

PAIVA, op. cit., p.408).

Tabela 2 – Brasil: Evolução da população em milhões.

ANO 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

População 30,6 41,2 51,9 70,9 94,5 121,1 146,8 169,4

Houve, sim, esses dois crescimentos ditos acima, e é preciso reconhecer que houve a

diminuição, no âmbito da educação, da população analfabeta, de acordo com a tabela 1,

especialmente entre os anos de 1940 a 1970 e o ano 2000.

Na avaliação de Romanelli, porém, “em números absolutos, cresceu o analfabetismo29

,

mas “em números relativos decresceu sensivelmente” (op.cit., p.75). Nesse sentido, Galvão e

Di Pierro dizem que esse recuo nos índices de analfabetismo no século XX ocorreu, “quando

se intensificou a migração do campo para as cidades e começou a se estruturar uma rede de

escolas públicas acessível à população mais pobre, ao mesmo tempo [em] que se

desenvolveram campanhas de alfabetização de adultos” (op.cit. p.58).

Dados do analfabetismo das mulheres no Brasil, em 2000, considerando faixas etárias

mais específicas, mas a partir dos 15 anos, em comparação aos homens, indicam que há mais

mulheres analfabetas do que homens, mas, igualmente aos homens, à proporção que a faixa

etária aumenta, também aumenta o número de analfabetos, não ocorrendo esse fenômeno,

para ambos os gêneros, a partir dos 39 anos, quando a quantidade de pessoas analfabetas é

muito grande, e mais uma vez o número de mulheres é superior ao dos homens, como indica a

tabela abaixo (apud, ibid., p.62).

29

Ferraro também constata isso e acrescenta que “somente os censos de 1991 e 2000 é que passaram a registrar

queda no número absoluto de pessoas não - alfabetizadas” (op. cit., p.102).

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Tabela 3 – Brasil: Pessoas de 15 anos ou mais, não - alfabetizadas, por sexo segundo os

grupos de idade – 2000.

Grupos de idade Total Homens % Mulheres %

Total 15.467.262 7.526.250 48,66 7.941.012 51,34

15 a 17 anos 432.005 287.005 66,44 145.000 33,56

18 a 24 anos 1.330.327 837.329 62,94 492.998 37,06

25 a 29 anos 1.040.647 618.652 59.45 421.994 40,55

30 a 34 anos 1.197.781 670.639 55,99 527.142 44,01

35 a 39 anos 1.252.178 668.772 53,41 583.406 46,59

Mais de 39 anos 10.214.324 4.443.853 43,51 5.770.472 56,49

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.

Diante desse cenário ainda persistente, Gatti, Silva e Espósito, a partir de fontes

estatísticas diferentes, dizem que um dos grandes desafios atuais [isso na década de 90], no

Brasil, se relaciona ao “contingente de adultos analfabetos”, os quais “a sociedade não se tem

mostrado capaz de incorporá-los à cultura escrita” 30

(op.cit., p. 7).

De fato, continua muito alto o número de JA analfabetos, para um país de dimensões

continentais como o Brasil, que, segundo um levantamento estatístico, expõe uma das maiores

taxas de analfabetismo, entre pessoas com 15 anos ou mais (11,6%, em 2003), se comparado,

por exemplo, com outros países da América do Sul, pra quem o Brasil só fica atrás, de acordo

com esse mesmo levantamento, da Bolívia (13,5% em 2001) e do Peru (12,3% em 2004)

(UNESCO apud GALVÃO e DI PIERRO, op. cit., p.57). Realidade que Siqueira, no final da

década de 80, destaca que o Brasil naquele momento era “o país latino-americano”, que mais

apresentava “o maior número absoluto de analfabetos adultos” (op.cit., p. 10). Mas, afinal,

quem são esses JA? Como são vistos no Brasil?

Como dito até agora, a faixa etária do público destacado como analfabeto é aquele de

15 anos e acima. Nesse sentido, Di Rocco diz que “conceituar adulto através do aspecto

cronológico, apontando uma idade para separar a infância da maturidade, seria simplificar

demasiado uma realidade extremamente complexa” (op. cit., p.12). E a justificação para a

30

Do ponto de vista avaliativo, que não será aprofundado aqui, o que está sendo avaliado nesses critérios

censitários é a alfabetização. Sobre isso, Soares (2004) diz que “as medidas censitárias, no Brasil, têm avaliado

índices de alfabetização, isto é, têm buscado identificar a posse, ou não, da tecnologia da escrita, quer do ‘saber

ou não saber assinar o próprio nome’ (...), quer pelo critério do ‘saber ou não saber ler e escrever um bilhete

simples’ (...). Embora em ambos os critérios estejam pressupostas práticas sociais de escrita (assinar o nome e

fazer uso de bilhete), a avaliação da capacidade de ler e escrever um bilhete simples, prática sem dúvida um

pouco mais complexa que a assinatura, já representou um avanço em direção a medidas de letramento, avanço

incentivado pela UNESCO que, no final dos anos 1970, passou a sugerir, para as estatísticas educacionais, a

avaliação da alfabetização funcional” (p.96). Essa mesma autora, falando a respeito dessa avaliação proposta

nesses censos, diz que na verdade “não se trata de avaliação, mas de auto-avaliação, uma vez que os Censos se

baseiam na declaração do informante, sem qualquer verificação, o que traz consequências para a confiabilidade

dos dados” (idem).

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escolha dessa idade como referência tem associação, segundo ele, com “fins estatísticos”, pois

“o fato dos indivíduos atingirem 15 anos de idade, sem saber utilizar os recursos mínimos de

comunicação lida e escrita, equivale a classificá-los como analfabetos” (idem).

Apesar do estereótipo sobre as pessoas analfabetas, e talvez também por causa disso,

tem crescido o contingente de JA que estão voltando à escola depois de muito tempo ou que

estão iniciando os estudos pela primeira vez. O perfil geral desse público que tem procurado a

escola vem sendo destacado em algumas pesquisas, inclusive em documentos produzidos pelo

próprio Ministério da Educação (MEC, 2006; GALVÃO e DI PIERRO, 2007).

No âmbito pessoal, um primeiro aspecto que pode ser detectado é a baixa autoestima

desses sujeitos. O preconceito existente contra as pessoas analfabetas na sociedade brasileira

termina sendo internalizado pelos próprios JA e se reflete em seus relatos, quando, sobretudo,

falam sobre si. Nesse sentido, Larrosa (1984), de uma perspectiva foucaultiana, afirma que

o que somos ou, melhor ainda, o sentido de quem somos, depende das histórias que

contamos e das que contamos a nós mesmos. Em particular, das construções

narrativas nas quais cada um de nós é, ao mesmo tempo, o autor, o narrador e o

personagem principal. Por outro lado, essas histórias estão construídas em relação às

histórias que escutamos, que lemos e que, de alguma maneira, nos dizem respeito na

medida em que estamos compelidos a produzir nossa história em relação a elas. Por

último, essas histórias pessoais que nos constituem estão produzidas e mediadas no

interior de práticas sociais mais ou menos institucionalizadas (p.48).

Relatos de JA tem sido um material riquíssimo utilizado em diversas pesquisas.

Galvão e Di Pierro, de um ponto de vista histórico, e afirmando, como Larrosa, a construção

histórica desse preconceito e a não linearidade dessa construção, dizem que tal preconceito

foi sendo fabricado, em diferentes instâncias sociais, ao longo da história brasileira.

Esse processo não foi linear, na medida em que as visões sobre aquele que não sabe

ler nem escrever não caminharam em uma única direção. Hoje, assim como ocorreu

em outros momentos, discursos diferentes e muitas vezes antagônicos concorrem,

em diferentes esferas, na produção de um lugar simbólico para esse sujeito (op.cit.,

p.53).

Essa baixa autoestima é “muitas vezes reforçada pelas situações de fracasso escolar”,

até porque “a sua passagem pela escola, muitas vezes, foi marcada pela exclusão e/ou pelo

insucesso escolar”. Assim, quando esse jovem e/ou adulto retorna aos estudos ou começa pela

primeira vez a estudar, “com um desempenho pedagógico anterior comprometido", ele “volta

à sala de aula revelando uma autoimagem fragilizada, expressando sentimentos de

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insegurança e de desvalorização pessoal frente aos novos desafios que se impõem” (MEC, op.

cit., p.16).

Além disso, esses mesmos alunos, em sua maioria, tendem a se culpar pelo não

aprendizado em sala de aula, sem que façam uma avaliação mais ampla que inclua fatores

externos à escola (por exemplo, relações familiares, questões econômicas e políticas públicas)

e fatores internos (por exemplo, o relacionamento com os colegas e com os professores, as

condições físicas da escola, e, especialmente, a prática pedagógica vivenciada).

No âmbito sócio – econômico esse público é composto por “homens, mulheres,

jovens, adultos ou idosos”, pertencentes “todos a uma mesma classe social: são pessoas com

baixo poder aquisitivo, que consomem, de modo geral, apenas o básico à sua sobrevivência:

aluguel, água, luz, alimentação, remédios para os filhos (quando os têm)”. Dentro desse

quadro, “o lazer fica por conta dos encontros com as famílias ou dos festejos e eventos das

comunidades das quais participam, ligados, muitas vezes, às igrejas ou associações”. E ainda,

“a televisão é apontada como principal fonte de lazer e informação. Quase sempre seus pais

têm ou tiveram uma escolaridade inferior à sua” (MEC, ibid., p.15).

No âmbito do trabalho, esses JA, em sua maior parte, “são trabalhadores e, muitas

vezes, a experiência com o trabalho começou em suas vidas muito cedo” (MEC, ibid., p.19).

Na zona urbana, os pais desses JA “saíam para trabalhar e muitos deles já eram

responsáveis, ainda crianças, pelo cuidado da casa e dos irmãos mais novos. Outras vezes,

acompanhavam seus pais ao trabalho, realizando pequenas tarefas para auxiliá-los”. Também,

é comum que “estes alunos tenham realizado um sem-número de atividades cuja renda

completava os ganhos da família: [...] arrematar costuras, cuidar de crianças etc.” (idem).

Diante do perfil de jovens e adultos supracitado, por que, no entanto, eles procuram a

escola? Quais as suas expectativas de vida? Eles desenvolvem práticas de leitura e escrita em

espaços além da escola?

Em relação à primeira pergunta, é sabido que pessoas jovens e adultas procuram a

escola por diversos motivos. Numa dimensão individual, esses motivos se avolumam

bastante. Até porque, quando se considera alunos analfabetos da zona urbana em geral,

a cada realidade corresponde um tipo de aluno e não poderia ser de outra forma, são

pessoas que vivem no mundo adulto do trabalho, com responsabilidades sociais e

familiares, com valores éticos e morais formados a partir da experiência, do

ambiente e da realidade cultural em que estão inseridos (MEC, ibid., p.4).

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É possível, no entanto, reunir alguns motivos comuns destacados em algumas

pesquisas. Nessa dimensão pessoal, por exemplo, Gléria (2009) destaca que “os alunos da

EJA veem à volta aos estudos como uma possibilidade de recuperação da identidade humana

e cultural, restabelecendo dessa forma a autoestima que por muitas vezes permanece oculta

nos sujeitos de suas ações” (p.43).

A segunda pergunta (quais as suas expectativas de vida?), nos leva às mais variadas

expectativas de vida expressas por pessoas jovens e adultas. Numa de suas pesquisas, Garcia

(2006) destaca algumas dessas expectativas: “alfabetização como busca de emprego”;

“alfabetização como valorização da imagem social”; “alfabetização como prazer em

aprender”; “alfabetização como exercício da cidadania”; “alfabetização como uso da norma-

padrão da língua”; “alfabetização como busca de mais convivência social” (p.78-90).

Finalmente, a última pergunta (eles desenvolvem práticas de leitura e escrita em

espaços além da escola?) nos leva a perceber que de fato JA desenvolvem práticas de leitura e

escrita em espaços além da escola. No caso da pessoa adulta, esta possui uma cosmovisão

própria, uma experiência de vida, além de conhecimentos ou saberes adquiridos ao longo de

sua vida, mesmo aqueles que nunca estiveram na escola.

Dos vários tipos de saberes, dois deles podem ser percebidos mais claramente nesse

público adulto, quando este chega à escola: o saber sensível e o saber cotidiano. O saber

sensível é aquele presente no ser humano e que tem relação com o corpo, com os cinco

sentidos e suas expressões no contato com o mundo, e que leva à “percepção das coisas e do

mundo”. É uma espécie de saber pouco estimulado na “sala de aula” e que geralmente se

restringe à “exploração apenas às aulas de arte”. Mesmo sendo pouco valorizado, esse saber é

uma condição básica para o conhecimento dito formal e, “os alunos jovens e adultos, pela sua

experiência de vida, são plenos deste saber sensível” (MEC, op. cit., p.6-7).

O outro saber destacado nesse documento oficial do MEC é o do cotidiano. Como

acontece com o saber sensível, esse é o saber advindo da vida vivida pelos jovens e adultos no

dia-a-dia e durante anos. É um saber concreto, que exige reflexão. Apesar de estar fundado

frequentemente no “senso comum”, é elaborado, mesmo não sendo sistematizado ou dito

científico (ibid., p.7). Calháu (2010) resume essa discussão feita acima, ao dizer o seguinte:

ao longo de mais de cinco séculos a escola brasileira ainda não consegue identificar

com clareza quem é o seu aluno; ainda temos dificuldade de identificar quem é o

povo brasileiro, como ele pensa, como ele vive, que conhecimentos ele produz, que

conhecimentos lhe interessam. Talvez isso aconteça porque falamos em povo

brasileiro como uma entidade longe de nós, exótico qualquer um, que nem eu e

você. Nos colocamos como meros observadores, não nos vemos nesse conjunto.

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Precisamos fazer uma autoanálise e reconhecer através da história, [que] somos esse

brasileiro miscigenado, rico de uma oralidade que muitas vezes só faz sentido dentro

de nossos próprios grupos sociais, sejam eles quais forem (p.44)

Para referida autora, a escola ainda não conhece de fato o aluno que recebe, seja no

que diz respeito a sua origem, a sua subjetividade e ao seu próprio contexto histórico. Isso

também é verdade para JA analfabetos que têm expectativas, sabem coisas, produzem

conhecimentos, criam estratégias para superarem suas dificuldades em ler e escrever.

Pelo que foi dito até aqui, então, o jovem e o adulto no Brasil, consagrados ao longo

do tempo de analfabetos, continuam sendo vistos, pela sociedade letrada, como pessoas

necessitadas de algo por não exercitarem uma prática da leitura e da escrita convencional.

Esse contingente de pessoas é relativamente elevado e a situação da mulher, como já afirmado

anteriormente, é ainda mais delicada. E mesmo com a expectativa expressa na Constituição de

se erradicar o analfabetismo, o sistema educacional brasileiro, entretanto, tem historicamente

negligenciado a educação das camadas populares, desde a invasão estrangeira em nosso País.

Esses e outros desafios estão diante da escola, que pode contribuir com jovens e

adultos, desde o processo de alfabetização até a inserção dos mesmos de maneira efetiva no

mundo letrado. Sobre isso se falará logo adiante.

1.2 Alfabetização, letramento e EJA

O discurso (ideológico) do analfabetismo, abordado anteriormente, que via o sujeito

sobre uma ótica estereotipada e negativa, recebeu no século XX novos enfoques teóricos e

práticos advindos de pesquisas no exterior e no Brasil, formando, por exemplo, equações

entre a alfabetização e escolarização e alfabetização e o letramento. Esta última equação,

especialmente, é o nosso foco neste tópico. Para se tratar das especificidades e relações entre

alfabetização e letramento, no contexto da EJA, se recorrerá, especialmente, às referências

teóricas associadas a Freire (1967; 1987; 1988; 2011), Ferreiro (1985; 1988; 2003), Ferreiro e

Teberosky (1988), Graff (1995), Cook – Gumperz (2008), Soares (2000; 2004; 2010), Tfouni

(1995), Kleiman (1995 e 2001) e Street (2003).

Como visto no panorama histórico, no início deste capítulo, a compreensão teórica do

que era a alfabetização e de quem era uma pessoa alfabetizada e em “condições” de viver na

cidade modificou gradativamente ao longo do século XX, à medida que a vida urbana ia se

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tornando mais complexa, especialmente com as transformações ocorridas no mundo do

trabalho, das diversas ciências e da tecnologia. É nesse sentido que Di Pierro e Galvão e

(2007) salientam que a alfabetização tornou-se

um dos pilares da cultura contemporânea, pelo valor que a leitura e a escrita

adquiriram no modo de vida das sociedades urbano-industriais permeadas pela

ciência e tecnologia, e também por ser uma ferramenta que permite o

desenvolvimento de outras habilidades igualmente valorizadas nesse âmbito (p.13).

No início da primeira metade do século XX, especialmente no Ocidente, a exemplo do

Brasil, as relações entre a tríade alfabetização, industrialização e urbanização produzirão

princípios teóricos e práticos para o campo mais amplo da educação, que serão,

posteriormente, colocados sob suspeita e problematizado.

Concernente à questão da alfabetização nesse contexto, Graff (1995), de uma

perspectiva histórica, destaca que até a década de 60 “o lugar e o sentido do conceito e do fato

da alfabetização na compreensão acadêmica e popular eram simples e segura”, sendo vista

como “uma variável central”, que distinguia “indivíduos e sociedades”, julgando-as

desenvolvidas ou menos desenvolvidas, passando, assim, a ser concebida como uma “variável

independente” (p.11), sendo superestimada a sua importância. Para esse mesmo autor, só após

o final da década de 80, a alfabetização veio a ser conceitualizada como um “fator

dependente” e a “linearidade de suas contribuições” (ibid., p.12) questionada.

A tese que considerava a alfabetização como a responsável pelos efeitos e pelas

consequências do “desenvolvimento socioeconômico, na ordem social e no progresso

individual” dos sujeitos foi discutida por Graff, que a denominou de “mito da alfabetização”,

o qual não servia “mais como uma explicação satisfatória para o lugar da alfabetização na

sociedade, na política, na cultura ou na economia” (ibid., p.26 -27). O referido autor apontou

para a necessidade, de uma “desconstrução” ou uma “reconsideração” e “reconceitualização”

da alfabetização, para lançá-la em bases mais “significativas”, como mudança “mental” e

também “histórica” (ibid., p.17, 25).

Além da alfabetização, superestimada também foi a escolarização. Segundo Cook-

Gumperz (2008), “durante os dois últimos séculos, quando as taxas e os valores da

alfabetização mudaram e se expandiram nas sociedades ocidentais, a escolarização também se

desenvolveu como movimento social” (p.34). Essa autora, assim como Graff (1995), se

posiciona contrariamente à concepção de uma passagem linear do analfabetismo ao

alfabetismo, propondo, ao invés disso, trajetórias de “múltiplas alfabetizações” à alfabetização

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57

escolar31

, apontando para uma diversidade de práticas de leitura e escrita independentemente

daquelas práticas estabelecidas na instituição escolar. Esse posicionamento contraria e coloca

em novas bases “as equações entre alfabetização e escolarização, alfabetização e mudança

cognitiva, alfabetização e desenvolvimento econômico” que, segundo Trindade “incluíam a

escolarização da alfabetização – tendo por base o mito da alfabetização e do alfabetismo”

(ibid., p.127).

Cook-Gumperz, por meio de um enfoque histórico, faz uma revisão dessa relação

entre a alfabetização e escolarização, que tanto tem influenciado as atuais concepções de

alfabetização e da aprendizagem (op. cit., p.21). Ela realça que “ao longo de seu

desenvolvimento”, as escolas tiveram, pelo menos, duas preocupações: “o ensino de

habilidades de alfabetização” e “os usos dessas habilidades, que são principalmente sociais”32

.

Vista dessa forma ampla, é que a aprendizagem escolar não deve ser concebida somente como

aprendizagem cognitiva, até porque, segundo essa mesma autora,

se compararmos a situação atual com a história da alfabetização e da escolarização,

descobriremos que, antes do desenvolvimento de um sistema de educação universal

burocrático e complexo, era mais provável que a aquisição da alfabetização

ocorresse por meio da interação informal em grupos localizados (ibid., p.34).

Não se pode também fazer uma associação tão estreita entre alfabetização e

desenvolvimento econômico. A respeito da anterioridade da alfabetização à escolarização,

Cook-Gumperz afirma, tendo como base trabalhos de historiadores a respeito da cultura

popular, no Ocidente (Grã-Bretanha, Europa e Estados Unidos), nos séculos XVIII e XIX, que

a atividade econômica não foi a única razão para o desenvolvimento da

alfabetização, pois era bastante possível ganhar a vida sem habilidades letradas.

Inicialmente, a alfabetização tinha valor nas áreas sociais e recreativas da vida:

apenas gradualmente entrou na vida econômica das pessoas comuns, de maneira que

podiam determinar suas perspectivas de vida (ibid., p.37).

Em meio a essa discussão, a referida autora identifica basicamente duas correntes de

mudança social contraditórias, que moldaram a institucionalização da escolarização, a saber: a

primeira, que buscava a promoção da alfabetização popular, concebendo a “cultura popular e

letrada das pessoas comuns” como duas referências para uma definição de alfabetização e de

escolarização, que levariam tanto a “realizações individuais” como a um “radical 31

Trindade (2004) observa que “também podemos reconhecer a alfabetização escolar como múltipla pelas

interpretações discursivas que recebe na produção acadêmica e na prática didático – pedagógica” (p.139). 32

Os usos dessas habilidades são designados, em geral, no Brasil, de letramento, como se verá mais adiante.

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desenvolvimento pessoal”. E a segunda corrente que procura o controle dessa alfabetização da

cultura popular e era representada por “políticos e patrões capitalistas”, que “acreditavam que

a escolarização proporcionava uma força de trabalho cada vez mais industrializada, com o

sentido de disciplina [de controle] e aquilo que posteriormente seria chamado de

competências escolarizadas” (ibid., p.4, grifo do autor). Essa disciplina da qual a autora trata

é o tipo de alfabetização, cujos processos de ensino e aprendizagem enfatizavam

“características comportamentais e morais” (idem)33

, sem deixar de lado, mas não

priorizando, a habilidade de decodificar e codificar símbolos escritos.

Além da ideia de que a alfabetização estava essencialmente ligada ao desenvolvimento

pessoal, social e econômico, Cook-Gumperz realça que na construção da “ideologia da

alfabetização” (desde os séculos XVIII e XIX), ainda estiveram presentes os seguintes

princípios teóricos: a ideia de que “habilidades letradas para todas as pessoas resultariam em

igualdade e na possibilidade de uma nova ordem social e política”; a ideia de que a

alfabetização escolarizada deveria estratificar o “conhecimento” e a sua “transmissão”,

descontextualizando-os, bem como padronizá-la, o que a distinguiu dos “usos cotidianos da

alfabetização” das pessoas; e a ideia de que o indivíduo analfabeto seria responsável tanto

pelos seus avanços no aprendizado e usos da leitura e da escrita como pela sua pobreza e/ou

fracasso (ibid., p.43 - 44).

No século XX, novos princípios são incorporados à ideologia da alfabetização,

segundo a mesma autora, fruto dos “movimentos de educação em massa e o alcance de níveis

mais ou menos universais de alfabetização nas sociedades industriais avançadas”, a saber: a

“institucionalização” da alfabetização como um direito fundamental; a alfabetização como

“pré-condição para qualquer mudança ou progresso futuro” e que sem esta “não existe

escolarização ou educação” (ibid. p.45).

Mais dois princípios podem ser identificados: o surgimento da escolarização

profissional34

, que “proporcionou as condições organizacionais para que as escolas se

tornassem juízes dos padrões de alfabetização, tornando-a mensurável e avaliativa para outras

33

Não é demais se realçar que a oferta pública da educação e o crescimento da alfabetização, desde o começo

encontraram resistências pela “preocupação política crescente com o fracasso da escolarização” bem como “uma

noção recém - afinada do analfabetismo, que considerava aqueles que não tiveram escolarização e alfabetização

um perigo social” (ibid., p.42). 34

Para Cook – Gumperz esse termo “significa a escolarização pública, com apoio legal dentro da sociedade e

com um currículo coerente, que contenha um plano organizado de instrução para aprendizes e professores”

(ibid., p.46).

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habilidades”,35

por meio de testes; e o de que houve uma “transformação da alfabetização, de

uma virtude moral para uma habilidade cognitiva”, levando as escolas ao status de

transmissora “seletiva do conhecimento” e promotora dessa habilidade, em razão da

“crescente sofisticação tecnológica das técnicas de aprendizagem e ensino” (ibid., p.46,49).

Porém, na avaliação de Cook-Gumperz “se a alfabetização é vista como uma habilidade

cognitiva que pode ser aprendida e adquirida em cenários especializados por meio de esforços

individuais”, a mesma cria a ideia de que “os menos prósperos em realizações educacionais

também podem ser vistos como menos merecedores do ponto de vista social” (ibid., p.49).

Trindade, portanto, considera “problemáticos os discursos que desvalorizam as

habilidades dos não-escolarizados, ao mesmo tempo em que valorizam as dos escolarizados,

já que cada habilidade deve ser analisada no seu contexto de aprendizagem e uso” (op. cit.,

p.132). Ao invés disso, habilidades cognitivas ocorrem em espaços sociais distintos dos

escolares, apresentando contornos próprios, no que tange ao cultural, ao regional, ao histórico,

ao dialético e ao instrumental. Na verdade, Leal (1996) diz que “qualquer conhecimento a ser

construído, decorre de um processo histórico, onde não apenas os conceitos, como as próprias

formas de aquisição e operações cognitivas são provenientes das relações sociais que se

estabelecem nas sociedades” (p.21).

Nesse sentido, é que a escrita deve ser ela considerada um instrumento cultural e a

leitura, por conseguinte, não deve se limitar a uma simples decodificação. Até porque,

a escrita é um instrumento que favorece, na sociedade, mudanças ao nível da

organização desta; mudanças cuja natureza e direção dependem das mensagens

emitidas e interpretadas, bem como de quem as emite. Assim, aprender a ler não

implica apenas em saber decodifica textos, mas também analisar sua veracidade

lógica e suas próprias premissas, a fim de proceder à análise crítica deste (COOK –

GUMPERZ apud LEAL, 1996, p.21).

A alfabetização, no entanto, até 1960 era vista de fato, no seu aspecto pedagógico,

simplesmente como aprendizagem de um código, de uma tecnologia. Cook-Gumperz

relaciona a prática escolar de leitura com ênfase em métodos que destacam o processo de

35

Para Soares (2004) essa relação entre alfabetização e escolarização talvez se explique justamente “pelo fato de

que a aquisição da tecnologia da escrita – o processo de alfabetização – tem resultados visíveis e evidentes

(como, aliás, a aquisição de qualquer tecnologia): embora alfabetização seja um contínuo, e o nível de domínio

da tecnologia da escrita possa variar de indivíduo a indivíduo, é sempre possível determinar se (...) um jovem ou

adulto sabe ou não sabe ler e escrever – trata-se de ter ou não ter a posse de uma tecnologia” (p. 94-95). Para a

referida autora, do processo de alfabetização, então, “pode-se esperar que resulte, ao fim de determinado tempo

de aprendizagem, em geral pré-fixado, um ‘produto’ que se pode reconhecer, cuja aquisição, ou não, atesta ou

nega a eficiência do processo de escolarização” (p.95). Soares compreende alfabetização e escolarização como

dois fenômenos distintos, embora relacionados.

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decodificação, à expansão da escolarização, à população, com o objetivo de alfabetizá-la ou

de “controlar a alfabetização e não promovê-la, controlar ambas as formas de expressão e de

comportamento que acompanhava o avanço rumo à alfabetização” (op. cit., p.40). Como

abordado anteriormente, essa alfabetização escolar, relacionada a uma noção estratificada e

potencialmente padronizável de alfabetização, se diferenciava das práticas sociais de leitura e

de escrita vivenciadas fora e antes mesmo da escola.

Ao se enfatizar os métodos de alfabetização, o foco pretendido era na apropriação de

habilidades que ajudassem o (a) aluno (a) a codificar e decodificar, exigindo dele (a) a

memorização de letras, sílabas e/ou palavras e/ou frases soltas e a consequente associação de

sons, sem a devida atenção a uma construção reflexiva do SEA e à inserção em práticas de

leitura e escrita.

A partir da década de 60, no Brasil, Paulo Freire (1987) destacou a necessidade de se

ultrapassar a concepção de alfabetização voltada apenas para a decodificação da escrita,

enquanto uma ação neutra. Essa questão, segundo o referido autor, tem relação estreita com a

visão do educador como sujeito do processo de alfabetização, cujas implicações básicas são as

seguintes: a primeira é que “conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo

narrado”, para que se apossem de uma tecnologia; e a segunda implicação é que a “narração

os transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a serem ‘enchidos’ pelo educador”, ou seja, “a

educação se torna um ato de depositar” (p.58).

Já a educação que ele chama de “problematizadora” / “libertadora” (ou seja, o

desenvolvimento de uma “consciência crítica”) concebe a alfabetização como um “ato de

conhecimento” ou um “ato cognoscente” (isto é, percepção de si mesmo no mundo onde está),

baseada numa relação dialógico-dialética36

entre educador e educando (ibid., p. 68), afinal

ambos aprendem juntos. Nesse sentido, Freire (ibid.) propõe uma inversão conceitual

(ideológica) e prática, ou seja, a de que o educando adulto é um “agente” ou um “sujeito” do e

no processo de alfabetização. Por conseguinte, ele é um produtor de cultura, não uma “tábula

rasa” ou mero portador de conhecimentos prévios, e que se encontra imerso em práticas em

36

Segundo Zitkoski (2010) “no diálogo aberto, o exercício da argumentação dos sujeitos participantes dele

garante que as posições diferentes tenham iguais condições de serem ouvidas, debatidas e avaliadas com base no

processo de construção dialógica do mundo humano. Então, a construção dialética freiriana confere um sentido

inovador e uma fundamentação diferente, desde a construção lógico – racional da experiência humana no mundo

até a produção cultural das formas de organização da sociedade e sua recriação através da história, porque as

raízes profundas de seu processo efetivo visam à libertação da humanidade e não ao controle dela à semelhança

de uma visão histórica determinista, que, infelizmente, a tradição da dialética hegeliano – marxista reproduziu

nos últimos séculos” (p.116).

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distintos espaços sociais. Nessa perspectiva, Galvão e Soares (2004) afirmam que, para a

alfabetização se tornar significativa, é necessário considerar o adulto como

produtor de saber e de cultura e que, mesmo não sabendo ler e escrever, está inserido

– principalmente quando mora nos círculos urbanos – em práticas efetivas de

letramento, [tornando] o processo de alfabetização [...] mais significativo. O adulto

não é mero portador de ‘conhecimentos prévios’, que precisariam ser resgatados

pelo alfabetizador para ensinar aquilo que quer, mas um sujeito que construiu uma

história de vida, uma identidade e cotidianamente produz cultura (p.51).

Tal perspectiva é diametralmente oposta àquela que infantiliza o adulto a exemplo do

MOBRAL. Pinto (2010) chama a infantilização de adultos de “concepção ingênua” na EJA,

pois

considera o adulto analfabeto como uma criança que cessou de desenvolver – se

culturalmente. Por isso, procura aplicar – lhe os mesmos métodos de ensino e até

utiliza as mesmas cartilhas que servem para a infância. Supõe que a educação

(alfabetização de adultos) consiste na ‘retomada do crescimento’ mental de um ser

humano que, culturalmente, estacionou na fase infantil. O adulto é considerado,

assim, um ‘atrasado’ (p.91).

Freire (1985) ressalta que, no processo de alfabetização, o aspecto pedagógico é

indissociável do aspecto sociopolítico. Quando trata do ato de ler nesse processo, adverte que

[...] não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita,

mas [...] se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo

precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da

continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente.

A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção

das relações entre o texto e o contexto (p.11-12).

Para esse mesmo autor, é justamente essa “percepção das relações entre o texto e o

contexto” que faz da alfabetização um “ato político e um ato de conhecimento” e, por

conseguinte, “um ato criador” (ibid., p.12), inversa à educação bancária, que não conscientiza,

não humaniza e não dialoga.

Ao se considerar que o sujeito adulto analfabeto é um ser produtor de saber e de

cultura, é importante que ele, ao longo de sua vida, construiu conhecimentos diversos nas

relações sociais vivenciadas, incluindo aqueles relacionados à escrita. Nessa perspectiva,

desde a década de 1980, a alfabetização de crianças e adultos tem sido considerada, por meio

das pesquisas sobre a Psicogênese da Língua Escrita, como um processo de apropriação da

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escrita alfabética. Por outro lado, vem ganhando força os estudos que, principalmente a partir

da década de 1990, relacionam a alfabetização às práticas de letramento.

No início da década de 80, avanços ocorreram na compreensão da aquisição da escrita,

do ponto de vista cognitivo, com os estudos da psicogênese da escrita, cujo referencial teórico

advém, sobretudo, da Psicologia e Epistemologia Genética de Jean Piaget. Esses estudos

fazem um contraponto com a já mencionada concepção de alfabetização como um código

fragmentado e descontextualizado, mostrando a necessidade de vê-la como um sistema

socialmente construído, como um processo.

Ferreiro e Teberosky (1988) mostram que a criança e o adulto analfabeto possuem, por

exemplo, competências cognitivas e linguísticas relacionadas a conhecimentos sobre a escrita

e sobre o sistema alfabéticos. E afirmam que

as atividades de interpretação e de produção da escrita começam antes da

escolarização, como parte da atividade própria da idade pré – escolar; a

aprendizagem se insere (embora não se separe dele) em um sistema de concepções

previamente elaboradas, e não pode ser reduzido a um conjunto de técnicas

perceptivo – motoras (p.42 – 43).

As referidas autoras compreendem a “escrita não como um produto escolar, mas sim

um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade” (ibid., p.43). Sendo assim,

“a escrita cumpre diversas funções sociais e tem meios concretos de existências

(especialmente nas concentrações urbanas)” (idem). E destacam que para a criança, “o escrito

aparece [...] como objeto com propriedades específicas e como suporte de ações e

intercâmbios sociais”, já os adultos “fazem anotações, leem cartas, comentam os periódicos,

procuram o número de telefone, etc.” (idem). Ou seja, na sociedade circulam diversas fontes e

gêneros textuais37

, com os quais os adultos convivem com alguns desses gêneros. Dessa

forma, segundo Trindade essas autoras

apresentam [...] três princípios básicos que guiariam suas pesquisas: não identificar

leitura com [o] decifrado, não identificar escrita com cópia de um modelo e não

identificar progressos na conceitualização com avanços no decifrado ou na exatidão

da cópia (op. cit., p.130).

37

De acordo com Marcushi (2005), os gêneros textuais não são o produto de um trabalho individual, mas

coletivo, e que “contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia”, sendo

“entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”,

caracterizando-se “como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”, surgindo “emparelhados

a necessidades e atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas” (p.19).

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Albuquerque e Ferreira (2008), tendo essas duas autoras acima como referência, dizem

que:

os alunos, sejam crianças ou adultos, na interação com a escrita em práticas sociais

realizadas em diferentes contextos significativos, se apropriam do sistema alfabético

de escrita por meio de um processo construtivo que envolve a reflexão sobre alguns

dos princípios do sistema de escrita alfabética e a apropriação da linguagem própria

dos diferentes gêneros textuais escritos” ( p.427-428).

Nesse processo, de acordo com Ferreiro (1988), crianças e adultos passam por alguns

estágios sobre a escrita (não lineares), que são simplificados por ela em quatro sistemas

ordenados de escrita: pré-silábico, silábico (inicial quantitativo ou inicial de qualidade),

silábico – alfabético e o alfabético38

.

No estágio pré-silábico, a pessoa não estabelece uma relação entre escrita e pauta

sonora. Quando essa relação começa a ser estabelecida, a pessoa avançaria para outro estágio

de compreensão, que é chamado de silábico inicial. Quando os alunos “passam por um

período em que a preocupação é exclusivamente quantitativa, então colocam qualquer letra

para representar as sílabas”, considerando a quantidade delas nas palavras. O estágio silábico

de qualidade é quando os alunos “passam a demonstrar preocupação com as

correspondências, colocando letras que tenham relação com os sons representados”. Para eles,

cada sílaba deveria ser representada por uma letra, e a escolha dessa letra tem relação com o

som. Outros dois estágios são o silábico alfabético e o alfabético. O primeiro se apresenta

quando gradativamente “os aprendizes começam a perceber que ‘as sílabas podem ser

compostas de unidades menores (fonemas)’ e começam a colocar mais letras em cada sílaba”.

No estágio alfabético os alunos e alunas “começam a perceber que ‘as regras de

correspondência grafofônica são ortográficas e não fonéticas”, e aí, “as preocupações se

voltam para as normas ortográficas” (LEAL, 2004, p. 81-87).

Os alunos adultos, no processo de alfabetização, também passam por tais estágios

(hipóteses) de escrita, como revelou Ferreiro (1988), ao realizar pesquisas com adultos não

alfabetizados. No entanto, diferentemente das crianças, ela observou que os conhecimentos

que os adultos possuem são mais amplos e também mais específicos do que os das crianças.

Diante de suas experiências de vida, eles têm uma maior compreensão dos usos e funções

sociais da língua, ao mesmo tempo em que, mesmo com hipóteses iniciais de escrita, esses

38

Para uma discussão mais pormenorizada desses níveis, ver, por exemplo, FERREIRO, Emília; MUÑOZ,

Margarida Gomes Palacio. Analisis de lasperturbacionesenel processo de aprendizaje escolar de lalectura y

la escritura: evolución de la escritura durante el primer año escolar. México: SEP – OEA, 1982.

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adultos já conhecem alguns dos princípios do nosso sistema de escrita, como o de que para

escrever é preciso usar letras. Essa percepção é uma contribuição relevante para as pesquisas

sobre a escrita, mostrando como crianças e adultos constroem a escrita recorrendo a diferentes

hipóteses antes de ingressarem na escola.

A apropriação do SEA, porém, não ocorre, no geral, fácil e espontaneamente. Nesse

sentido, o (a) professor (a) deve ser um mediador das aprendizagens dos alunos e, para isso,

precisa considerar os conhecimentos que eles já possuem sobre o nosso sistema de escrita.

Antes mesmo de um estudo mais aprofundado do SEA com jovens e adultos, Rameh e Araújo

(2006) ressaltam que são necessárias algumas atitudes do (a) alfabetizador (a):

a) Reconhecer o conhecimento construído individualmente pelo/a aluno/a; b)

valorizar esse conhecimento já construído e tomá-lo como ponto de partida para a

construção de novos conhecimentos; c) avaliar o nível de conhecimento construído

pelo/a aluno/a em função do que se espera que ele/a aprenda e do que se pode fazer

para possibilitar/fortalecer esta aprendizagem; d) identificar os momentos em que

deve intervir mediando o saber e os momentos em que deve estimular o/a aluno/a

para que prossiga só, evitando dar respostas prontas para perguntas que ele/a

próprio/a pode responder (p.21).

As práticas de alfabetização devem considerar, portanto, a necessidade de os alunos

evoluírem em suas hipóteses de escrita e, para isso, é preciso que eles compreendam os

princípios que regem nosso sistema, tais como:

O sistema alfabético de escrita tem relação com a pauta sonora (correspondência

grafofônica) e não com as propriedades dos objetos ou conceitos apresentados

(tamanho, cor, formato).

São utilizados símbolos convencionais (...) para a escrita dos textos verbais.

Na escrita alfabética, a correspondência entre a escrita alfabética e a pauta sonora é

realizada predominantemente entre grafemas e fonemas e não entre grafemas e

sílabas, por exemplo.

Toda sílaba contém uma vogal.

As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes, vogais e

semivogais (CV, CCV, CVSv, CSvV, V, CCVCC...), mas a estrutura predominante

é a consoante – vogal.

As regras de correspondência grafofônica são ortográficas, dessa forma pode-se

representar um mesmo fonema através de letras diferentes ou uma mesma letra pode

representar fonemas diferentes, assim como um fonema pode ser representado por

uma ou mais letra. No entanto, predominam as motivações regulares diretas (uma

letra corresponde a um único fonema, como B, D, F, J, P, T).

A direção predominante da escrita é horizontal.

O sentido predominante da escrita é da esquerda para direita (LEAL, op. cit., p.79 -

80).

Os princípios referidos acima, uma vez compreendidos, devem reger “o processo de

construção da escrita alfabética”. Ou seja, determinam “as hipóteses e os conflitos que

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impulsionam a aprendizagem do sistema alfabético” (LEAL, ibid., p.80). No entanto, o

processo de alfabetização deve ainda proporcionar ao aluno expressar-se oralmente e

compreender e produzir textos, levando–o a participar efetivamente de eventos sociais

instrumentalizados pela escrita. Para isso, não basta alfabetizar. É preciso ampliar as

experiências de leitura e de escrita dos alunos ou, nas palavras de Soares (1988), é preciso

“alfabetizar letrando”. E aqui se chega à outra contribuição dos estudos da psicogênese da

escrita, a saber, o conhecimento sobre a natureza da própria escrita, que não pode ser visto

como um código de transcrição gráfica (e mecânica) da fala, mas um sistema, uma forma de

conhecer o mundo, como já alertava Paulo Freire. Na próxima seção, se discutirá as relações

entre alfabetização e letramento.

1.3 Alfabetização e letramento: relação e especificidades

Com as mudanças na concepção de alfabetização nas sociedades ocidentais vistas

anteriormente, surge a questão: como as pessoas que se apropriam das habilidades de leitura e

escrita conseguem se envolver em práticas sociais que envolvem essas habilidades? Mas mais

do que isso. O outro lado da questão é a percepção de que existe uma aquisição e uso plural

da leitura e escrita na sociedade. Dessa forma, um enfoque distinto a respeito do processo de

alfabetização começa a ser pensado, especialmente desde o final do século XX.

No Brasil, esse enfoque concerne aos estudos do que passou a ser designado de

letramento e/ou alfabetismo, situados na década de 8039

. Trindade (2004) lembra que “tais

estudos deixam de ocupar-se”, em termos de ênfase, “com o como se ensina’” (do período

anterior aos anos 60, com os métodos de alfabetização) “e com o ‘como se aprende’” (dos

estudos da psicogênese da língua escrita), “passando a discutir os mitos que se constroem em

torno do mito da alfabetização” (p.130).

O aparecimento dos termos letramento e também alfabetismo no cenário educacional

marcam uma diferença conceitual com os já citados e conhecidos termos analfabetismo e

alfabetização. Como discutido antes, autores tais como Graff (1995), Cook-Gumperz (2008) e

Ferreiro (2003), no estrangeiro, e Trindade (2004), no Brasil, traduzem o termo inglês literacy

39

O termo letramento, em particular, surgiu segundo Soares (2000), no vocabulário acadêmicobrasileiro (da

Educação e das ciências linguísticas), em meados da década de 1980, cujos usos iniciais estão associados a

nomes como o de Kato (1996), Tfouni (1988) e Kleiman (1995), nos seus respectivos textos: KATO, Mary. No

mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986; TFOUNI, Leda Verdiani. Adultos

não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas: Pontes, 1988 e, no caso de Kleiman, ver referências.

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66

como alfabetização (ou alfabetismo40

) e o compreendem como aquisição e, também, como

utilização efetiva das práticas de leitura e da escrita. No Brasil, literacy, geralmente, tem sido

traduzido por letramento e possui acepções diversas, originadas das complexas e dinâmicas

interações e relações sociais.

Trindade (2004) opta por diferenciar “alfabetismo de letramento”, pois considera que

este último termo “inclui e extrapola as práticas culturais, sociais e escolares do primeiro” e

afirma que “a opção pelo uso do termo alfabetismo ou letramento, exige uma discussão

cuidadosa [...]”, e “que o uso do termo alfabetismo remete diretamente a analfabetismo e

alfabetização, sem ficar encoberto em um novo termo” e a utilização do “termo letramento

exige a discussão de significado que recebe nos estudos acadêmicos” (p.139). Alguns autores,

porém, utilizam o termo alfabetismo como sinônimo de letramento (BRITTO, 2004), ou

substitui aquele por este, como é o caso de Soares (2010) 41

, que, já em textos anteriores

(desde o final da década de 90 em diante) explica que “só recentemente esse termo

[alfabetismo] tem sido necessário, porque só recentemente começamos a enfrentar uma

realidade social em que não basta simplesmente ‘saber ler e escrever’”, como se compreendia

antes, porém se requer dos “indivíduos [...] não apenas que dominem a tecnologia do ler e do

escrever, mas também que saibam fazer uso dela, incorporando-a a seu viver, transformando-

se assim seu ‘estado’ ou ‘condição’, como consequência do domínio dessa tecnologia”

(SOARES, 2004, p. 15, 29).

Dentre as questões relacionadas ao termo letramento, uma é particularmente útil para

esta pesquisa: a distinção que Soares (2000; 2010) faz entre letramento individual e

letramento social42

.

40

Pode-se dizer que o termo inglês literacy incluiu por extensão o referido termo alfabetismo. Trindade (2004)

considera que Graff (1995) também usa a palavra alfabetismo para literacy (p.139). 41

Soares (2010) diz que “é importante observar que, aqui [se referindo a esse texto de 2010], opta-se pelo termo

alfabetismo, preferido a letramento, na época da elaboração” de outro texto seu: SOARES, Magda. Letramento:

um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. 42

No penúltimo texto mais recente de Soares (2004) que se usou aqui, esta autora ainda utiliza as expressões

“letramento individual” e “letramento social”, mas no texto mais recente que se recorreu na presente pesquisa

(2010), a referida autora lança mão das expressões “alfabetismo individual” e “alfabetismo social”.

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Esses dois tipos de letramento são inferidos das discussões a respeito das definições,

não só distintas, mas antagônicas e contraditórias de letramento, a exemplo das definições

expressas por Graff (1995) e Scribner (apud SOARES, 2000) 43

.

Quando se tem em vista o letramento individual, a tarefa revela um nível de

complexidade grande, pois “é difícil definir letramento, devido à extensão e diversidade das

habilidades individuais que podem ser consideradas como constituintes do letramento”

(SOARES, 2000, p.67). De qualquer maneira, para a referida autora, o letramento individual

“focaliza a dimensão individual”, sendo o letramento “visto como um atributo pessoal,

referindo-se à posse individual de habilidades de leitura e escrita” (2010, p.30, grifo nosso).

Nessa dimensão individual, estas duas habilidades devem ser vistas como dois processos

radicalmente distintos, tanto no aspecto do conhecimento que os constitui como no aspecto da

aprendizagem dos mesmos, mas também complementares.

No que tange à tecnologia da leitura, Soares (2000) a concebe como “um conjunto de

habilidades” e conhecimentos “linguísticos e psicológicos, que se estende desde a habilidade

de decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos” (p.68).

Nesse conjunto figuram, portanto, desde habilidades de “traduzir em sons sílabas” isoladas, a

“habilidades [de pensamento] cognitivas e metacognitivas”. Mas, além disso, a referida autora

afirma que “há ainda o fato de que” essas habilidades “devem ser aplicadas diferenciadamente

a diversos tipos de materiais de leitura” (p.69).

Já a tecnologia da escrita, para Soares, é compreendida como “habilidades linguísticas

e psicológicas, mas habilidades [e conhecimentos] fundamentalmente diferentes daquelas

exigidas pela leitura” (idem). Nesse sentido, a tecnologia da escrita envolve desde “a

habilidade” de apenas transcrever sons “até a capacidade de transmitir significado de forma

adequada a um leitor potencial” (idem), isto é, abrange “desde a habilidade de transcrever a

fala, via ditado” [de fonemas em grafemas], “até habilidades cognitivas e metacognitivas”

43

Para o estudo e a interpretação da alfabetização (letramento no Brasil), Graff apresenta algumas questões

fundamentais, das quais destacamos duas: a primeira é a necessidade de se formular uma “definição consistente

que sirva comparativamente ao longo do tempo e através do espaço. Níveis básicos ou primários de leitura e

escrita constituem os únicos sinais ou indicações razoáveis que satisfazem este critério essencial” (op. cit., p.29)

e a segunda questão é que a alfabetização é “uma tecnologia ou conjunto de técnicas para a comunicação e a

decodificação e reprodução de materiais escritos ou impressos [itálicos do autor]; ela não pode ser tomada como

sendo nada mais nem nada menos” (ibid., p.33). Já Scribner, citado por Soares (2000), diz que “as tentativas de

definição (de letramento) estão quase sempre baseadas em uma concepção de letramento como um atributo dos

indivíduos; buscam descrever os constituintes do letramento em termos de habilidades individuais. Mas o fato

mais evidente a respeito do letramento é que ele é um fenômeno social [...]. O letramento é um produto da

transmissão cultural [...]. Uma definição de letramento [...] implica a avaliação do que conta como letramento na

época moderna em determinado contexto social... Compreender o que “é” o letramento envolve inevitavelmente

uma análise social...” (p.66, grifo do autor).

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(ibid., p.70). Mas, além disso, essas habilidades escritas “devem ser aplicadas

diferenciadamente à produção de uma variedade de materiais escritos” (idem).

Já o letramento social, para Soares (2010), é compreendido como “um fenômeno

cultural”, tendo como foco “um conjunto de atividades sociais, que envolvem a língua escrita,

e a um conjunto de demandas sociais de uso da língua escrita”, em diferentes contextos. Logo,

essa prática social “não se limita pura e simplesmente à posse individual de habilidades e

conhecimentos”, como enfatizado pelo letramento individual; “implica também, e talvez

principalmente, em um conjunto de práticas sociais associadas com a leitura e a escrita,

efetivamente exercidas pelas pessoas em um contexto social específico” (p.32).

A referida autora destaca dentro do letramento social, pelo menos duas tendências de

pensamento, que tornam ainda mais complexo o termo letramento. A primeira delas se

relaciona a uma tendência “progressista, ‘liberal’”, designada de “versão fraca”. Nesta

perspectiva, como acentua Soares (2000) o “letramento é definido como um conjunto de

habilidades necessárias para ‘funcionar’44

adequadamente em práticas sociais nas quais a

leitura e a escrita são exigidas” (p.74). Subjaz a essa concepção, o que Graff (op. cit.) chama

de “mito da alfabetização”, no qual o letramento promove o progresso individual e social, ou

seja, promove “desenvolvimento cognitivo e econômico, mobilidade social, progresso

profissional, cidadania” (SOARES, 2000, p.74).

A segunda tendência teórica é a chamada de “radical, ‘revolucionária’”, nominada de

“versão forte”. Nesta vertente, como mostra Soares (2000), o “letramento não pode ser

considerado um ‘instrumento’ neutro a ser usado nas práticas sociais quando exigido”, pelo

contrário “é essencialmente um conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem a

leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e responsáveis por reforçar ou

questionar valores, tradições e formas de distribuição de poder presentes nos contextos

sociais” (p. 74 - 75).

44

Soares (2010) lembra que daí “deriva [...] a expressão alfabetismo funcional (ou alfabetização funcional, como

se tem usado no Brasil)” (p.32), esta última expressão já mencionada desde o início deste capítulo.

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Soares associa Street (ibid., p. 75) como um dos autores da vertente “revolucionária”.

Contrapondo-se à construção teórica (e ideológica) em torno do “mito da alfabetização”,

Street (2003) propõe “duas perspectivas novas para o letramento e para o desenvolvimento”, a

saber: as “contribuições alternativas oferecidas pelos métodos etnográficos” 45

e o que ele

designa de “modelo ideológico do letramento” (p.1) 46

.

Na verdade, Street (idem) discute sobre dois modelos de letramento. O primeiro é o

chamado modelo autônomo47

, no qual “as pessoas precisam aprender uma forma de

decodificar as letras, e depois poderão fazer o que desejarem com o recém-adquirido

letramento” (p.4). Nesse modelo, se supõe que uma prática de letramento de maneira

autônoma terá “efeitos sobre outras práticas sociais e cognitivas”, mas na verdade se baseia

numa prática de pretensa neutralidade e de caráter universal, que simplesmente impõe

“conceitos ocidentais de letramento a outras culturas” (idem).

A proposta de Street (idem) é que se compreenda o letramento numa perspectiva

ideológica. Esse modelo, conforme o referido autor, “oferece uma visão com maior

sensibilidade cultural das práticas de letramento [no plural], na medida [em] que elas variam

de um contexto para outro” (p.4).

No modelo ideológico, assim, têm-se como referência algumas premissas, a saber: a

primeira é que o letramento “é uma prática social, e não uma habilidade técnica e neutra” ou

abstrata, ou seja, divorciada do ato comunicativo, dos seus interlocutores, do contexto social e

45

Na década de 1980, concomitantemente às perspectivas psicológicas e históricas sobre letramento, surgiu a

perspectiva social e etnográfica. Com o nome New Literacy Studies, essa perspectiva se consolida na década de

90, a qual segundo Soares (2004) trouxe, além de novos princípios e pressupostos teóricos, alguns instrumentais

para a análise do fenômeno do letramento, entre os quais se destacam dois pares de conceitos: de um lado, dois

‘modelos’ de letramento, o modelo autônomo em confronto com o modelo ideológico; de outro lado, dois

componentes básicos do fenômeno do letramento, os eventos e as práticas de letramento (p.104). 46

Stromquist (2001) diz que “nas últimas duas décadas [as de 80 e 90], vários acadêmicos, particularmente nos

campos da linguística e da antropologia [e em menor grau no campo da semiótica, da psicologia e da história],

têm desafiado a ideia de que existe uma divisão clara entre pessoas alfabetizadas e analfabetas e de que as

habilidades letradas podem ser adquiridas independente do contexto social no qual as pessoas vivem. Conhecida

como New Literacy Studies (NLS), essa escola de pensamento e pesquisa tem examinado as experiências

cotidianas das pessoas, procurando exemplos nos quais a comunicação e o uso da palavra escrita acontecem”

(p.308). 47

O termo autônomo pode causar confusão, pois não se refere a uma pretensa autonomia da instituição escolar

nem dos alunos e alunas, mas sim da perspectiva que se tem acerca da tecnologia da escrita. Na verdade, a

característica da ‘autonomia’ refere-se ao fato de que a escrita seria, nesse modelo, um produto completo em si

mesmo, que não estaria preso ao contexto de sua produção para ser interpretado; o processo de interpretação

estaria determinado pelo funcionamento lógico interno ao texto escrito não dependendo das (nem refletindo,

portanto) reformulações estratégicas que caracterizam a oralidade, pois, nela, em função do interlocutor, mudam-

se rumos, improvisa-se, enfim, utilizam-se outros princípios que os regidos pela lógica, a racionalidade, ou

consistência interna, que acabam influenciando a forma da mensagem. Assim, a escrita representaria uma ordem

diferente de comunicação, distinta da oral, pois a interpretação desta última estaria ligada à função interpessoal

da linguagem, às identidades e relações que interlocutores constroem, e reconstroem, durante a interação

(KLEIMAN, op. cit., p. 22).

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assim por diante; e a segunda é que o letramento “aparece sempre envolto em princípios

epistemológicos socialmente construídos” (idem), ou seja, é um aspecto das estruturas de

poder da sociedade48

.

Finalmente, para um aprofundamento dos significados e usos do letramento, na

perspectiva ideológica, dois conceitos são destacados: o de eventos é descrito como “qualquer

ocasião [concreta] em que um texto escrito faça parte da natureza das interações dos

participantes e de seus processos interpretativos [e suas estratégias]” (HEATH apud STREET,

2003, p.7). Dessa forma, essa interação se torna um aspecto fundamental nas relações

estabelecidas entre falantes partícipes num determinado evento. Um segundo conceito é o de

prática, formulado por Street, que amplia a noção de evento, no sentido em que este autor

compreende práticas de letramento como um “conceito cultural mais amplo das formas

específicas de pensar e de fazer a leitura e a escrita dentro dos contextos culturais” (p.8).

Em meados da década de 90, Kleiman (op. cit.) recorre a Street como uma referência e

afirma que o conceito de letramento começa a ser usado numa “tentativa de separar os estudos

sobre o ‘impacto social da escrita’ [...] dos estudos sobre a alfabetização, cujas conotações

escolares destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita” (p. 15-16, grifo

do autor). Segundo a mesma autora, os estudos sobre letramento posteriormente se alargam no

momento em que “os estudos já não mais pressupunham efeitos universais do letramento, mas

pressupunham que os efeitos estariam correlacionados às práticas sociais e culturais dos

diversos grupos que usavam a escrita” (p.16), seguindo as pressuposições do modelo

ideológico.

Kleiman propõe a utilização do termo letramento ao invés alfabetização49

. Não

identifica o fenômeno do letramento com métodos, com habilidades, com escolarização e/ou

com alfabetização (embora reconheça a existência desse processo como alvo do “letramento

escolar”). Compreende, sim, esse fenômeno “como um conjunto de práticas sociais que usam

a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para

objetivos específicos” (ibid., p.19, grifo nosso). Essa definição destaca a existência de uma

multiplicidade de práticas (admite o letramento social daquelas pessoas não alfabetizadas) e

48

Mesmo sem utilizar a terminologia de modelo ideológico, o sentido disso é algo já discutido por Freire, desde

as suas primeiras obras, nas quais ele mostra o papel político que a educação pode ter, e que esta poderia levar as

massas não somente a uma participação efetiva, mas à condução da própria construção de uma nova sociedade,

atribuindo, dessa maneira, à alfabetização e ao letramento (escolar) um caráter político e não apenas pedagógico. 49A autora justifica essa substituição mostrando as diversas facetas possíveis da temática da oralidade no campo

dos estudos sobre letramento e que “em certas classes sociais, as crianças são letradas, no sentido de possuírem

estratégias orais letradas, antes mesmos de serem alfabetizadas” (1995, p.17-18).

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resgata um pressuposto teórico de Street (2003) sobre o letramento, que concebe as práticas

de escrita como um aspecto social e da cultura e como tal,

os significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem dos

contextos e instituições em que ela foi adquirida. Não pressupõe, nesse modelo, uma

relação casual entre letramento e progresso ou civilização, ou modernidade, pois, ao

invés de conceber um grande divisor entre grupos orais e letrados, ele pressupõe a

existência, e investiga as características, de grandes áreas de interface entre práticas

orais e práticas letradas (KLEIMAN, op. cit., p.21).

Segundo Kleiman (ibid.), apesar de a escola ser “o parâmetro de prática social

segundo a qual o letramento era definido”, e, também “segundo a qual os sujeitos eram

classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado”, com o alargamento da

compreensão de letramento, essas práticas escolares “passam a ser, em função dessa

definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de

habilidades, mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a

escrita” (p.19). Ela chama a atenção para o equívoco de supervalorizar o processo de

escolarização e de se classificar os alunos e alunas, reproduzindo, portanto, o que

historicamente se fez, inclusive no Brasil, que quanto mais tornavam precisas essas práticas

(escolares), mais se hierarquizava os seus sujeitos aprendizes.

O modelo autônomo é normalmente associado ao processo formal de escolarização.

Ou seja, a instituição – alvo é a escola, na qual a escrita é encarada como neutra, além de ser

ela um fim em si mesmo. Segundo Kleiman, é um modelo que

pressupõe que há apenas uma maneira de o letramento ser desenvolvido, sendo que

essa forma está associada quase que casualmente com o progresso, a civilização, a

mobilidade social [...] esse é o modelo que hoje em dia [falando em meados da

década de 90] é prevalente na nossa sociedade e que se reproduz, sem grandes

alterações, desde o século passado [se referindo ao século XX], quando dos

primeiros movimentos de educação em massa (ibid., p. 21).

Esse modelo, ainda de acordo com essa mesma autora, “tem o agravante de atribuir o

fracasso e a responsabilidade por esse fracasso ao indivíduo que pertence ao grande grupo dos

pobres e marginalizados nas sociedades tecnológicas” 50

(ibid., p. 38). Ou seja, o aluno e

50

A discussão sobre o neoliberalismo, no âmbito do capitalismo, acentuou a tese na culpabilidade do indivíduo.

Cook-Gumperz (2008) diz que “o desenvolvimento social e os usos da literatura no Ocidente” terminaram por

distorcer “a ideia do que significa letrado”, pois “grande parte dessa discussão considerava a presença ou a

ausência de alfabetização [entendida como incluindo o letramento] como um atributo individual, que transforma

as chances da vida da pessoa ou existe como sinal de fracasso social e pessoal” (p.14). Na verdade, passa por

esse modelo uma questão bem mais ampla, que tem a ver com a própria concepção de educação, de escola, de

homem/mulher e de sociedade. Uma questão que foge ao propósito deste trabalho, mas que se constitui matéria

de discussão na teoria educacional e pedagógica, por exemplo.

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aluna são responsáveis pelo seu não aprendizado. Os estereótipos que são incorporados por

pessoas jovens e adultas são um exemplo disso e que vão se aprofundando negativamente,

pois o “analfabetismo”, conforme Galvão e Di Pierro “não é percebido como expressão de

processos de exclusão social ou como violação de direitos coletivos, e sim como experiência

individual de desvio ou fracasso, que provoca repetidas situações de discriminação e

humilhação, vividas com grande sofrimento e, por vezes, acompanhadas por sentimentos de

culpa e vergonha” (2007, p.15).

Ainda segundo Kleiman (op. cit., p.20), o letramento, dessa forma, extrapola o mundo

da escrita conforme ensinado na escola. Esta instituição é de fato “a mais importante das

agências de letramento”, cuja preocupação é com uma prática de letramento determinada, ou

seja, a alfabetização, “o processo de aquisição de códigos [alfabético, numérico], processos

geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e

promoção na escola”. A mesma autora completa “que outras agências de letramento, como a

família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram orientações de letramento muito

diferentes” (idem). Nessa lógica, de acordo com a agência em questão, teríamos tipos de

letramento distintos e, associar o letrar à agência escolar seria no mínimo questionável.

Nesse sentido, o letramento se inicia bem cedo, até mesmo antes de se aprender a ler e

a escrever e pode existir mesmo onde não haja escola (escolarização), tanto no tempo como

no espaço. Pessoas jovens e adultas analfabetas envolvem-se em práticas sociais de leitura e

escrita diariamente, em diferentes contextos com diferentes objetivos e interlocutores,

portanto; pode acontecer fora do espaço escolar de forma espontânea, independente, como

quando jovens e adultos leem um texto da Bíblia, leem o nome do ônibus, escrevem uma lista

de compras de supermercado e assim por diante. Nesse sentido é que não somente Kleiman,

mas outros autores têm problematizado o descompasso existente entre o letramento escolar e

os demais letramentos extraescolares, a exemplo de Rojo (2010) que diz:

as camadas populares tiveram finalmente acesso à educação pública (ou a ela

retornaram) e trouxeram para as salas de aula práticas de letramento que nem

sempre a escola valoriza e que dialogam com dificuldades com os

letramentos dominantes das esferas literárias, jornalística, da divulgação

científica e da própria escola. Por outro lado, os letramentos na sociedade

atual urbana (e mesmo no campo) sofisticaram-se muito nos últimos 20 anos,

exigindo novas competências e capacidades de tratamento dos textos e da

informação. Os letramentos escolares, no entanto, não acompanharam essas

mudanças e permanecem arraigados em práticas cristalizadas, criando

insuficiências. Há, pois, problemas sérios no letramento escolar das camadas

populares (p 79).

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A compreensão de Soares (2000; 2004; 2010) a respeito de letramento é distinta da de

Kleiman (1995). Ao invés de uma substituição de termos, ela distingue letramento de

alfabetização e, apesar de considerar esses dois fenômenos como distintos destaca que eles

são ao mesmo tempo indissociáveis.

Diferentemente de alfabetização, o vocábulo letramento tem segundo Soares (2004),

“um sentido ainda pouco claro e impreciso” e aponta duas razões para isso: a primeira porque

o termo foi “introduzido recentemente no léxico das ciências sociais, particularmente da

Pedagogia e da Sociologia da leitura e da escrita”. A segunda porque, como a alfabetização e

letramento “são conceitos frequentemente confundidos ou sobrepostos, é importante

distingui-los, ao mesmo tempo, que é importante também aproximá-los”. Por que distingui-

los e aproximá-los? Conforme essa autora “a distinção é necessária porque a introdução, no

campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade

do processo de alfabetização”. Por outro lado, a “aproximação é necessária porque não só o

processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro

do conceito de letramento, como também este é dependente daquele” (p.90).

Soares (2004) compreende a alfabetização “em seu sentido próprio, específico”, como

correspondente “ao processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e

escrita”. Processo, sim, até porque não se aprende a tecnologia da escrita da noite para o dia.

É preciso tempo, maturação, dentre outras coisas, como expressa a seguir, ao afirmar que

alfabetização é o processo

de aquisição da ‘tecnologia da escrita’, isto é, do conjunto de técnicas –

procedimentos, habilidades – necessárias para a prática da leitura e escrita: as

habilidades de codificação de fonemas em grafemas e decodificação de

grafemas em fonemas, isto é, o domínio do sistema de escrita (alfabético,

ortográfico); as habilidades motoras de manipulação de instrumentos e

equipamentos para que codificação e decodificação se realizem, isto é, a

aquisição de modos de escrever e de modos de ler – aprendizagem de uma

certa postura corporal adequada para escrever ou para ler, habilidades de uso

de instrumentos de escrita (lápis, caneta [...] computador...), habilidades de

escrever ou ler seguindo a direção correta da escrita da página (de cima para

baixo, da esquerda para a direita), habilidades de organização espacial do

texto da página, habilidades de manipulação correta e adequada dos suportes

em que se escreve e nos quais se lê –livro, revista, jornal, papel sob diferentes

apresentações e tamanhos [...]. Em síntese: a alfabetização é o processo pelo

qual se adquire o domínio e um código e das habilidades de utilizá-los para

ler e para escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de

técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita (op. cit., p.91).

Enquanto prática pedagógica, a concepção de alfabetização tem, de fato, como

explicitada nesta última definição, uma ligação estreita com a apropriação de um sistema

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complexo de representações e de normas de correspondências entre letras (grafemas) e sons

da fala (fonemas) ou correspondência grafofônica, histórica e socialmente construído, que

“possui convenções, muitas vezes arbitrárias, as quais precisam ser” ensinadas “por alguém a

quem se pretende alfabetizar” (RAMEH; ARAÚJO, 2006, p.16), o qual tem sido chamado

comumente de SEA.

Soares (2000) ao traduzir, no Brasil, literacy por letramento tem em vista um sentido

mais específico, isto é, de que letramento é “o resultado da ação de ensinar ou de aprender a

ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como

consequência de ter-se apropriado da escrita” (p.19).

Para ela, pessoas e/ou grupos sociais se encontram em vários níveis (complexos) de

letramento ou graus de domínio de língua escrita51

, pois “analfabetos podem ter [...] certo

nível de letramento: não tendo adquirido a tecnologia da escrita, utilizam-se de quem a tem

para fazer uso da leitura e da escrita” (SOARES, 2004, p.92); ou se possuem competências

relacionadas à leitura e escrita, atuam em espaços sociais organizados em função da escrita52

.

Soares (idem) afirma que esse vínculo entre alfabetização e escolarização53

pode ser

problematizado e criticado por vários aspectos e destaca dois deles: “em primeiro lugar, se à

escola cabe, realmente, alfabetizar, cabe-lhe muito mais que isso, mesmo na etapa inicial de

escolarização”. Essa é uma afirmação consensual de um dos princípios básicos e precípuos da

escola. Ou seja, a escolarização não cessa com a apreensão das habilidades básicas de leitura e

escrita proporcionadas pela alfabetização. Ela se estende para o uso efetivo e competente das

técnicas de leitura e escrita concretizadas em práticas sociais.

51

Nesse sentido é que Soares (2004) destaca a abrangência do termo letramento quando diz que este envolve a

“capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou informar-se, para interagir

com outros, para imergir no imaginário, no estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para

divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse [...]; habilidades de interpretar e produzir

diferentes tipos de gêneros de textos; habilidade para orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto

ou de lançar mão desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse

e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos,

escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor” (p.91- 92). 52

Rameh e Araújo (op. cit.) lembram que, “fazer uma lista de compras, preencher um cheque não exige o

domínio de escrita que a análise de uma tese de doutorado exigiria. Assim, quanto maior a complexidade da

atividade utilizando a escrita maior o letramento exigido” (p. 24-25). 53

Semântica e sintaticamente o substantivo escolarização é derivado do verbo transitivo direto escolarizar. Dessa

maneira, é um verbo que por ser transitivo exige um complemento, sem auxílio de preposição, por ser direto.

Esse complemento, como diz Soares (2004), “pode ser de duas naturezas: ou pode designar um ser animado –

escolarizar alguém, escolarizar pessoas, ou pode designar um ser inanimado, uma ‘coisa’, um conteúdo –

escolarizar um conhecimento, uma prática social, um comportamento” (p.92-93). No âmbito educacional, o uso

do termo escolarização tem em geral como complemento, pessoas, que aprendem um determinado conteúdo e

são transformadas pessoalmente na instituição escolar. Mas como realça a autora acima, “também

conhecimentos e práticas sociais são escolarizadas, passam a objetos de aprendizagem na escola, sendo, também

eles, nesse e por esse processo, transformados” (ibid., p.93).

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Em segundo lugar, além da relação entre alfabetização e escolarização formal, existe

outra, nem sempre reconhecida e/ou explicitada na história da educação ocidental, inclusive

no Brasil, a relação entre alfabetização e instâncias formais não escolares. Para Soares, apenas

“vincular alfabetização e escolarização é ignorar que, como já comprovaram numerosas

pesquisas [...], que também se aprende a ler e a escrever em instâncias não escolares – na

comunidade, na família, no trabalho, na igreja” (ibid., p.94). Do que se deduz de imediato que

não pode haver uma identificação absoluta entre escolarização e educação, pois a educação

não – formal ou informal54

tem uma data muito mais antiga.

Ainda para Soares (ibid., p.94), a primeira dessas relações (alfabetização e

escolarização) “tem tido consequências negativas sobre” a segunda relação (alfabetização e

instâncias não escolares). Isso acontece, por exemplo, “com frequência em programas de

alfabetização de jovens e adultos”. Aqui, “não só os alfabetizandos em geral esperam, e até

solicitam, ser alfabetizados segundo o modelo escolar de alfabetização – inadequado, porque

se destina a crianças, não a jovens e adultos”, mas “os próprios programas e alfabetizadores

tendem a replicar esse modelo inadequado” (idem). De maneira que quando o adulto, por

exemplo, chega à escola, encontra práticas de escrita que ainda enfatizam a apreensão de um

código ou enfatizam a utilização da escrita em práticas sociais, porém, o que precisa ser

lembrado é que quando o sujeito vai à escola, ele quer, sim, é aprender a ler e escrever.

Enfim, para que os alunos efetivamente aprendam a ler e escrever concorda-se com

Soares que é preciso “alfabetizar letrando”, ou seja, garantir que os alunos se apropriem da

escrita alfabética imersos em práticas de leitura e escrita de diferentes textos.

54

Trilla (apud COOMBS, 2008) faz uma distinção entre educação formal, não – formal e informal. A primeira

abrangeria nas palavras de Coombs, “o ‘sistema educacional’ altamente institucionalizado, cronologicamente

graduado e hierarquicamente estruturado que vai dos primeiros anos da escola primária até os últimos da

universidade”; a educação não – formal segundo este autor é “toda atividade organizada, sistemática, educativa,

realizada fora do marco do sistema oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos

específicos da população, tanto adultos como infantis” e, finalmente, a educação informal é compreendida como

“um processo, que dura a vida inteira, em que as pessoas adquirem e acumulam conhecimentos, habilidades,

atitudes e modos de discernimento por meio das experiências diárias e de sua relação com o meio” (p. 32 - 33).

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CAPÍTULO 2: FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Tendo em vista o referencial teórico utilizado e os objetivos da pesquisa, neste

capítulo destaca-se 4 (quatro) aspectos distintos, mas relacionados entre si: o primeiro são as

caracterizações e apresentações dos sujeitos (das mulheres) da pesquisa, da professora da

escola e professores (as) da igreja, bem como a caracterização dos espaços da escola e da

igreja. O segundo são os fundamentos metodológicos adotados nessa pesquisa, e o terceiro

são os procedimentos e instrumentos metodológicos por nós usados para coleta dos dados.

Finalmente, o quarto aspecto revela a trajetória que lançamos mão para análise dos dados.

2.1 Caracterização e apresentação das mulheres da pesquisa, da professora da escola e

professores (as) da igreja

2.1.1 Caracterização e apresentação das mulheres da pesquisa

Como abordado anteriormente, esta pesquisa teve o objetivo de analisar as práticas de

leitura e escrita de mulheres analfabetas que moravam em Jaboatão dos Guararapes, na escola

e fora dela. Quais foram os critérios de escolha dos sujeitos da pesquisa? Buscaram-se sujeitos

residentes em uma comunidade popular do referido município, com os quais já o pesquisador

já convivia a certo tempo devido à experiência de pastorado na comunidade e que fossem

considerados analfabetos. Além disso, queriam-se sujeitos que estivesse participando de uma

turma de alfabetização do Programa Brasil Alfabetizado (PBA), iniciada em outubro de 2011,

em uma casa da comunidade, já que pretendíamos ver as experiências de leitura e escrita na

escola e fora dela. Por meio de dados de entrevista (APÊNDICE A), será apresentado a seguir

o perfil dos sujeitos participantes da pesquisa, considerando os seguintes aspectos:

naturalidade, idade, cor, estado civil, filho, período de frequência na escola, trabalho

desenvolvido no momento da pesquisa e religião.

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Participaram da pesquisa seis mulheres que em 2011 eram alunas de uma turma do

Brasil Alfabetizado e que frequentavam diferentes igrejas (Católica e Evangélica). Como na

nessa turma não havia alunos homens, os sujeitos escolhidos foram todos do sexo feminino.

Apesar das mulheres morarem em Jaboatão dos Guararapes, num bairro de camada

popular, cinco delas nasceram no interior de Pernambuco e uma no interior da Paraíba. A

média de idade do grupo era de 56 anos. Em conversas informais, sem gravação, as mulheres

afirmaram o seguinte quanto a sua cor: Eva, Raquel, Ana e Rute disseram que eram morenas e

Sara e Rebeca, que eram de cor branca. Com respeito ao estado civil, duas dessas mulheres

eram solteiras, duas eram casadas, mas não no civil, e duas eram viúvas e todas tinham pelo

menos um filho.

No ano de início da pesquisa, duas dessas mulheres desenvolviam atividades somente

como donas de casa, duas eram donas de casa e aposentadas, uma também era dona de casa e

empregada doméstica e uma, além de dona de casa, trabalhava em casa cuidando de crianças

de vizinhos e lavando e passando roupas de outras famílias. A renda dessas mulheres era

muito limitada.

Quanto à religião, cinco eram evangélicas (três de uma mesma Igreja Protestante

Histórica/de uma Igreja Congregacional e duas de Igrejas Pentecostais) e uma era da Igreja

Católica Apostólica Romana.

Finalmente, no que tange à educação escolar, uma delas nunca estudou e o Brasil

Alfabetizado era a sua primeira experiência escolar. Três frequentaram a escola por mais de

um ano na infância e duas tinham, no ano anterior, participado, por pouco tempo, de uma

turma de alfabetização de adultos do mesmo programa e com a mesma professora da turma

observada por nós. Elas tiveram que suspender os estudos por problemas pessoais (morte do

marido e questões de saúde). No próximo capítulo, essas experiências escolares dos sujeitos

serão detalhadas desde a infância.

O quadro a seguir retoma as informações gerais dadas acima e servirá de referência

para o detalhamento do perfil de cada uma das mulheres participantes da pesquisa.

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Quadro 1: Perfil dos sujeitos da pesquisa.

MULHERES

NATURALIDADE

IDADE

COR

ESTADO

CIVIL

FILHO

TRABLAHO

DESENVOLVIDO

ATUALMENTE

RELIGIÃO

EXPERIÊNCIA ESCOLAR

Estudou na

infância e/ou

na adolescência

Tempo de estudo na

escola pesquisada e

com a professora

Permanência na

escola até o final

da pesquisa

Eva

Macaparana

PE

65 anos

Morena

Separada

do marido

1

Dona de casa

e

Aposentada

Evangélica

Não

8 meses

Sim

Sara

Ribeirão

PE

40 anos

Branca

Casada

4

Dona de casa e

Empregada

doméstica

Evangélica

Sim

8 meses

Sim

Rebeca

Pedra D’água

PB

50 anos

Branca

Casada

2

Dona de casa

Evangélica

Sim

8 meses

Sim

Raquel

Independência

PE

61 anos

Morena

Viúva

5

Dona de casa

Evangélica

Não

1 ano e 2 meses

Sim

Ana

Sirinhaém

PE

50 anos

Morena

Solteira

3

Dona de casa,

Cuidadora de

crianças e

Lavadeira

Evangélica

Não

1 ano e 6 meses

Sim

Rute

Paudalho

PE

72 anos

Morena

Viúva

3

Dona de casa e

Aposentada

Católica

Não

8 meses

Sim

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2.1.2. Apresentação das mulheres sujeitos da pesquisa

A seguir, são apresentadas algumas informações da vida das mulheres participantes da

pesquisa, com ênfase em suas vivências na escola e na igreja. Os dados obviamente são

parciais e vieram da vivência do pesquisador com essas mulheres, também de observações e

de entrevistas (APÊNDICE A). Para preservar a identidade delas, os nomes escolhidos são

fictícios e se referem a nomes de mulheres do Antigo Testamento, como indicado abaixo.

Eva

Eva foi a primeira pessoa entrevistada durante a realização da primeira etapa do

projeto - piloto da pesquisa. Ela era separada de seu marido, morava com seu único filho e

residia no bairro há mais de 15 anos. Esporadicamente prestava serviços em casa de família.

Nos encontros na igreja sempre levava sua Bíblia e o seu ‘Salmos e Hinos’, hinário

utilizado pela sua igreja. Nesse espaço, Eva era uma pessoa que vivenciava intensamente os

encontros com as pessoas, com quem mantinha um relacionamento amigável.

Sara

Sara vivia com o seu marido e seus filhos e morava no bairro há mais de 15 anos.

Trabalhava o dia inteiro durante os seis dias da semana e cuidava da sua casa.

Nos encontros da igreja, não se esquecia de levar a Bíblia, mas não possuía o hinário.

Sara era, dentre as evangélicas, a que mais demonstrava dificuldades de participar dos

encontros da igreja, em razão do cansaço físico e da assistência aos seus dois filhos menores.

Rebeca

Rebeca vivia com o seu marido e neto e morava no bairro há alguns meses. Para

ajudar na renda familiar, possuía, dentro da sua casa, uma barraquinha, na qual vendia

confeitos, bombons e outros produtos, e vendia tapioca fora de casa.

Rebeca morava muito próxima da igreja que frequentava. Demonstrava uma alegria

muito grande em participar dos encontros eclesiásticos. Antes não levava a Bíblia, pois estava

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com dificuldade de comprar uma. Em meados de 2012 ela ganhou uma Bíblia, mas não tinha

o hinário.

Raquel

Raquel vivia com algumas pessoas da família e morava no bairro há mais de 8 anos.

No momento da pesquisa não desenvolvia nenhuma atividade fora de sua casa.

Ela participava ativamente dos encontros em sua igreja e sempre levava sua Bíblia e o

hinário adotado por sua igreja, a ‘Harpa Cristã’.

Ana

Ana morava com o seu marido e com o seu filho e encontrava-se no bairro há muitos

anos. Além de diarista, sua atividade principal era a de cuidar de crianças de família.

Ana mantinha uma boa frequência nos encontros da sua igreja e gostava muito de

cantar os hinos do hinário, que era o mesmo de Raquel, a ‘Harpa Cristã’. No momento da

pesquisa, ela não levava nem a Bíblia nem o hinário adotado por sua igreja, pois dizia não

saber ler como deveria.

Rute

Rute vivia com a filha e um neto e morava a uns trinta anos no bairro. Participava,

quase que diariamente, de diversas atividades (artísticas, de lazer e outras) em uma instituição

do governo, no bairro onde morava.

Rute não era muito frequente nos encontros da sua igreja (Católica) e não levava a

Bíblia nem qualquer outro material para os encontros eclesiásticos.

2.1.3 Caracterização e apresentação da professora do Brasil Alfabetizado

Com os dados advindos de entrevista, se elaborou um perfil geral da alfabetizadora

(que será chamada pelo nome de Priscila) e se identificou as categorias relacionadas à

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religião, idade, ao tempo em que morava no bairro, à formação profissional, às condições de

trabalho, a outras atividades desenvolvidas e ao tempo que ensinava na EJA (APÊNDICE E).

Priscila era Católica, tinha 40 anos no momento da pesquisa e morava no bairro há

nove anos. Sobre sua formação escolar, ela disse que fez, no Segundo Grau, o curso técnico

de Contabilidade e depois fez o Magistério. No momento da pesquisa, ela cursava o 5º

período do curso de Pedagogia, aos sábados, em uma faculdade privada em Recife.

Priscila conheceu o Programa do BA por meio de uma amiga e sobre ele fez o seguinte

comentário:

me interessou porque era com jovens e adultos. Nessa época eu tinha esse espaço,

procurei informações e fui atrás (Prof.a Priscila - Entrevista 1 – 02/01/2012).

Além de trabalhar como professora do PBA à noite, Priscila dava aulas particulares a

crianças (até quinto ano) pela manhã, em casa, e lecionava em uma turma de Educação

Infantil de uma escola da rede privada à tarde. Ela disse que trabalhava com jovens e adultos

há muito tempo, desde os quinze anos de idade:

Comecei em casa. Coloquei (...) duas crianças para ensinar, só que eu notei quem

sempre (...) se interessava eram jovens e adultos (...), que estavam precisando e que

tinham vergonha de procurar uma escola, devido a não serem alfabetizados (Prof.a

Priscila - Entrevista 1 – 02/01/2012).

2.1.4 Caracterização e apresentação dos professores da igreja

Nas observações das práticas de leitura e escrita das mulheres na igreja, acompanhou-

se a prática de duas professoras e de três professores (como são chamados/as), cujos nomes

são fictícios.

A primeira professora, que será chamada de Débora, é formada em teologia e nutrição

e tem curso técnico. Ela é membro da Igreja Evangélica Congregacional (IEC) e atua em

algumas das áreas da igreja, especialmente na área do ensino de adultos e idosos, há muitos

anos. A segunda professora, que nominada de Áfia, também é formada em teologia e

atualmente é responsável pelo acompanhamento dos jovens da IEC.

Os três professores acompanhados foram: Filipe, João e Silas. Filipe terminou o ensino

médio e figura como um dos líderes na IEC e, nesse espaço, também atua na área de ensino de

jovens e adultos há alguns anos. João é estudante de teologia e não é membro da IEC, mas

estava estagiando na IEC e vem se envolvendo com a educação de adultos e idosos há

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bastante tempo no âmbito da igreja. Finalmente, Silas é pastor e faz graduação em Pedagogia,

e estava visitando a IEC na ocasião.

2.2 Apresentação dos espaços da pesquisa e suas caracterizações

Como serão detalhados mais adiante, os espaços sociais se tornaram fatores essenciais

para se avaliar as experiências de leituras e escrita das mulheres acompanhadas. Assim, o

presente trabalho tem como espaços definidos para investigação a escola e a igreja.

A escolha desses espaços se justifica pelas seguintes razões: a primeira razão é que os

lugares escolhidos para a pesquisa são comuns a todos os sujeitos. Até outubro de 2011,

nenhum dos sujeitos estava na escola, embora no ano anterior duas das adultas participantes

da pesquisa, Ana e Raquel, tenham frequentando a escola, mas interromperam os estudos por

questões de trabalho e doença do marido, respectivamente. A partir de outubro, como já foi

dito, todos os sujeitos resolveram estudar e no mesmo lugar (uma turma do Brasil

Alfabetizado). Diferentemente da escola, apesar das mulheres serem de igrejas diferentes, a

maioria mantinha uma regularidade nos encontros da igreja.

Uma segunda razão é que os lugares escolhidos eram onde ocorriam com mais

intensidade as práticas de leitura e escrita com maior ou menor frequência entre os sujeitos.

Enfim, eram estes os lugares comuns vivenciais dos sujeitos (além, é claro, da casa, mas que

não foi alvo de pesquisa).

Uma última observação aqui é que, após esta pesquisa ter sido submetida à

qualificação, a banca examinadora recomendou que acompanhássemos as 6 (seis) mulheres

no espaço da escola, porém, somente 3 (três) no espaço da igreja (três pertencentes a uma só

igreja – Eva, Sara e Rebeca), em virtude do pouco tempo e pelo fato das demais mulheres

fazerem parte de igrejas diferentes, o que seria inviável diante do tempo disponível.

2.2.1 A escola

A aproximação do espaço escolar ocorreu com a ajuda de um dos sujeitos da pesquisa,

chamada de Eva.

No mês de março Eva, numa das entrevistas, expressou o seu desejo crescente de “ir à

escola”, no caso dela, pela primeira vez. O desejo de Eva em estudar começou a se concretizar

quando uma jovem senhora e professora, moradora do mesmo bairro de Eva, e que residia

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próxima à sua casa, a convidou para participar das aulas de alfabetização, no âmbito do PBA.

Enquanto as aulas não iniciaram, Eva conversou com mulheres conhecidas dela, do bairro,

algumas da IEC e outras não, para convencê-las de voltarem ou começarem seus estudos.

Embora as aulas tenham sido programadas para começar no início do ano, isso só

ocorreu em outubro de 2011.

No primeiro dia de atividades (10/11/11- segunda-feira) não estivemos presente, já que

a confirmação da aula se deu no final da tarde e não houve tempo hábil para se chegar ao

bairro. Isso só aconteceu no dia seguinte com a ajuda de Eva, que avisou a professora da

chegada do pesquisador. Ao chegar ao local das aulas, às 19h, fomos recebidos com alegria

pelas 4 (quatro) alunas presentes: Eva e Sara (da IEC), bem como Ana e Raquel (de outras

igrejas). A professora bem discreta e educadamente nos cumprimentou e pediu que nós

sentássemos e, após isso, as alunas passaram a conversar conosco.

A turma de Priscila, em termos numéricos, mudou bastante. Em outubro de 2011, no

início das aulas, havia somente quatro alunas. Depois foram chegando mais alunas e o número

de matriculados deve ter chegado a cerca de dez. No entanto, a média de frequência, ao longo

do curso, girava em torno de cinco ou seis pessoas. Durante esse período só se matriculou um

homem, que posteriormente desistiu, como outras alunas também, por motivos vários como

doença, trabalho e questões familiares. A faixa etária da turma era de 40 a 70 anos.

O PBA não provê espaço físico para realizar as aulas, isso ficou a cargo da professora,

que utilizou uma pequena sala em sua própria casa. A sala de aula encontra-se no térreo da

casa pertencente à professora e ficava localizada numa rua sem pavimentação. Na rua havia

uma canaleta, por onde corria um esgoto, era rodeada de mato em frente à sala e a uns seis

metros as pessoas da comunidade jogavam lixo. Esse lixo normalmente se espalhava pela rua

e caía na referida canaleta, pois as próprias pessoas jogavam os sacos plásticos de qualquer

forma e, além disso, animais (por exemplo, porco, cachorro, cavalo), rasgavam esses sacos.

De acordo com a primeira observação, no dia 11 de outubro de 2011, fez-se a seguinte

descrição interna da sala de aula: o espaço tinha uns 12 ou 15 m2. A sala era fechada por um

portão de ferro, mas que mesmo fechado, era possível visualizar a sala inteira e o que nela

havia quando se passava pela calçada ou pela rua. Havia uma lâmpada na sala, um quadro de

giz, um apagador, uma prancha com alguns objetos, uma estante de madeira com livros e

cadeiras, um móvel (raque de ferro) com um urso de pelúcia grande e livros. Havia também

onze cadeiras (oito de madeira e uma plástica, com encosto, e duas plástica, sem encosto).

Não havia no ambiente janela, ventilador, bebedouro (a professora fornecia a água de sua

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própria casa), mural e cartazes. Ao longo do tempo, a sala passou por algumas

transformações.

Um mês antes de concluir o curso com os sujeitos, a professora mudou o espaço das

aulas para a Associação de Moradores do Bairro. O motivo foi que na sua casa a docente

estava dando aula de reforço escolar, à tarde, para algumas crianças do bairro. Ela já vinha

realizando algumas mudanças na sala, adaptando-a para um público infantil (cadeiras, mesas,

cartazes, enfeites etc.). À noite, tinha que desfazer a arrumação da sala para os adultos, o que

se tornava difícil.

A Associação já era conhecida dos sujeitos da pesquisa. O espaço era uma espécie de

salão, que ficava no primeiro andar e onde, no seu centro ocorriam as aulas. A sala era três

vezes maior que a anterior, era bem iluminada e ventilada, mas as quatro janelas ainda não

haviam sido assentadas. Em frente às alunas encontrava-se uma lousa emprestada por alguém

e no lado esquerdo, onde sentavam as alunas, ficava um amontoado de cadeiras, e, do seu lado

direito, alguns materiais de som (uma bateria incompleta, caixas de som e fios). Esses

materiais estavam ali porque a Associação também era utilizada por jovens e adolescentes do

bairro para ensaios de conjuntos musicais e atividades artísticas relacionadas à dança.

Na opinião de três dos sujeitos da pesquisa, uma grande vantagem do salão era o fato

dele não ter lixo nas suas imediações, como ocorria com o espaço anterior.

2.2.2 A igreja

O segundo espaço da pesquisa foi numa Igreja Evangélica Congregacional (IEC)55

.

55

Historicamente, o uso do termo ‘congregacional’ para uma igreja local ocorreu no século XVII, na América do

Norte e depois na Inglaterra, onde surgiram as doutrinas desse sistema eclesiástico. O grupo que levou a

designação de ‘congregacional’ tem sua origem na Igreja Anglicana e começaram a ser chamados de

‘independentes’ ou ‘separatistas’. A chegada do ‘congregacionalismo’ no Brasil está associada ao casal Robert

Reid Kalley (escocês) e Sara Poult Kalley (inglesa), em 1855, no Rio de Janeiro. Segundo César (1983) “o

Evangelismo Nacional Brasileiro, em caráter definitivo, no nosso vernáculo, deve a sua gênese ao ministério

pioneiro dos irmãos Kalley [do casal Kalley]” (p.13). Considerando as semelhanças e diferenças com os

congregacionais estrangeiros, houve um crescimento das igrejas congregacionais no Brasil, que hoje se reúnem

em grupos distintos, sendo o maior e mais antigos deles aquele representado pela União de Igrejas Evangélicas

Congregacionais do Brasil (UIECB), fundada formalmente em 1913, da qual faz parte a igreja da pesquisa. Uma

última observação aqui é que não se fala em Igreja Congregacional, no singular, mas em Igrejas

Congregacionais, no plural. A razão disso tem relação com os princípios bíblico–teológicos e o sistema

congregacional/democrático de governo adotado por essas igrejas. Para outras informações ver, por exemplo,

CARREIRO, Vanderli Lima (compilador). Lições de história do congregacionalismo brasileiro. Rio de

Janeiro: UIECB, 1996. Também o livro de CÉSAR, Salustiano Pereira. O Congregacionalismo no Brasil: fatos

e feitos históricos. Rio de Janeiro: OMEB, 1983 e, por fim, PORTO FILHO, Manoel da Silveira.

Congregacionalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: UIECB, 1983.

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O primeiro contato com a IEC aconteceu há pelo menos quinze anos atrás, quando

éramos estudante de teologia. Nesse período, somente ocorreram visitas casuais. Após se

oficialmente o pastorado da igreja, em 1999, iniciou-se uma vivência com a igreja e com o

bairro, que se intensificou gradativamente.

A IEC era supervisionada por outra igreja localizada em Afogados, em Recife – PE.

Naquele momento, havia umas doze pessoas na igreja, que se reuniam num lugar de

dimensões bem pequenas, todas pertencentes à camada popular e, na sua maioria, composta

de mulheres. Por volta de 2002, Eva passou a participar do convívio da igreja, depois de uma

visita que fizemos em sua casa. Sara veio a seguir e mais recentemente Rebeca.

O templo estava localizado numa esquina, em uma rua principal do bairro e

encontrava-se em construção. O salão maior do templo era espaçoso (8,5 m x 16m) e possuía

quatro grandes janelas de cada lado das paredes. O templo possuía outras dependências: no

térreo, uma sala usada pelo pastor da igreja; dois banheiros; uma escada que dá acesso ao

primeiro pavimento, onde foram construídas três salas para crianças, um espaço usado como

bebedouro e um depósito. No primeiro pavimento, somente três salas para crianças. As

observações das mulheres da pesquisa se deram no salão principal e/ou na sala utilizada pelo

pastor, para evitar o barulho, já que as entrevistas ocorriam imediatamente após os encontros

da igreja.

Na Escola Bíblica Dominical, a partir da 8h, dois grupos permaneciam no salão

principal. As mulheres - alvos de observação - integravam um desses grupos. No culto

dominical, cujo início era às 18h 30 min., não havia divisões, senão das crianças menores (até

7 ou 8 anos), que recebiam um acompanhamento de professoras dessa faixa etária. Nos

estudos bíblicos, às quintas-feiras, a partir das 19h, ocorria a mesma coisa dos cultos

dominicais (mudando só a faixa etária, que incluía adolescentes). Finalmente, somente nos

encontros de oração e consagração, aos sábados pela manhã, a partir das 7h 30 min., é que não

havia divisões de grupos.

2.3 Fundamentos metodológicos

A pesquisa qualitativa

O presente trabalho se situa no campo das pesquisas qualitativas em educação, e tem

relação com os estudos do tipo etnográfico. Nessa abordagem qualitativa empregamos como

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aportes teóricos principalmente os estudos de Ludke & André (1986), André (1995), Minayo

(2002) e Moreira (2002).

Diante da crescente complexidade da educação escolar, novas abordagens

metodológicas foram se desenvolvendo, avançando para além do paradigma tradicional

empirista de ciência. E a pesquisa qualitativa (PQ) 56

, figurando dentre essas abordagens, vem

sendo de grande importância para o campo educacional.

Tanto em educação quanto nas ciências sociais, a PQ, segundo Minayo, “se preocupa

[...] com um nível de realidade que não pode ser quantificado” (2002, p.22), no sentido de

ênfase, mas não de achar que exista uma dicotomia entre as abordagens quantitativa e

qualitativa57

. Até porque se fez uso de dados quantitativos, ajudou na análise dos fenômenos

empíricos, que tiveram como região de inquérito, fenômenos humanos associados à própria

educação.

Autores como André (1995) e Bicudo & Esposito (1994) dizem que o suporte ou a

origem mesma dessa abordagem é a fenomenologia. Para André, “o mundo do sujeito, as suas

experiências cotidianas e os significados atribuídos às mesmas são [...] os núcleos de atenção

na fenomenologia” (op. cit., p.18). Além disso, a PQ tem como alvo fundamental a

compreensão do sentido “que os eventos têm para as pessoas que estão sendo estudadas”

(MOREIRA, op. cit., p. 237). Ou seja, “o foco da investigação é na essência do fenômeno e a

visão de mundo é função da percepção do indivíduo” (idem). No caso da presente pesquisa,

buscou-se analisar quais os sentidos que mulheres analfabetas dão às práticas de leitura e

escrita.

Para obtenção dos dados descritivos relacionados a esses significados ou percepções,

estabeleceu-se um contato direto com as mulheres da pesquisa, procurando enfatizar “[...]

mais o processo do que o produto [...]” (BOGDAN E BIKLEN apud LUDKE e ANDRÉ,

1986, p. 13). Ou seja, esse contato e essa ênfase permitiram experimentar outras

características da PQ.

56

As origens da PQ datam do século XIX, mas o seu desenvolvimento mais acentuado ocorreu na segunda

metade do século XX, em países como a Inglaterra, Austrália, Escandinávia e Estados Unidos.No Brasil,

segundo André (1995), a PQ começou a ser usada no campo educacional na década de 80, surgindo um número

grande de pesquisas (p.40).Moreira (2002) diz, no entanto, que “a perspectiva qualitativa nas décadas de 70 e 80

era ainda marginal na área da educação e só praticada por pesquisadores considerados mais heterodoxos” (p.

236). Isso porque, segundo esse mesmo autor, “havia de fato quase consenso de que este tipo de investigação

existia, mas, na verdade, este consenso era muito tímido e a pesquisa qualitativa não era muito bem aceita pelos

pesquisadores convencionais” (idem). 57

Para uma discussão sobre a abordagem qualitativa e sobre o debate entre essa abordagem e a abordagem

quantitativa, ver Thiollent (1984), Gibaja (1988), Moreira (2002).

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Uma dessas características é que esse contato se deu no espaço vivencial das mulheres

ou “no [seu] ambiente natural”, como afirma Moreira (op. cit., p. 237), que, no nosso caso,

correspondeu à casa de cada uma delas, à escola onde estudavam e à igreja que

participavam58

. A permanência nesses ambientes ocorreu durante os anos de 2011 e 2012.

Outra característica é que as mulheres puderam expressar suas perspectivas em

palavras, atitudes, gestos, crenças, valores, expectativas e assim por diante, “o que

corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos que não podem ser

reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, op. cit., p.22). A identificação desses

aspectos subjetivos explicitados pelas mulheres exigiu do pesquisador, dentre outras coisas,

experiências, conhecimentos, sensibilidade, percepção e assim por diante.

Enfim, outras características da PQ surgiram quando do tratamento dos dados em si,

como se verá pormenorizadamente no último tópico deste capítulo. Não se tinha, por

exemplo, “hipóteses pré-concebidas”, já que “as abstrações” foram “construídas à medida que

os dados particulares” iam sendo “coletados” e posteriormente agrupados (idem). Agrupados

os dados, passou-se para um processo de análise dos mesmos enfatizando muito mais a

“indução”, já que “a pesquisa convencional enfatiza em grande parte a dedução” (MOREIRA,

ibid., p. 237- 238)

Quanto ao caráter etnográfico da PQ, este encontra suas raízes na Antropologia. A

abordagem antropológica no campo educacional tem em vista o cotidiano e os contextos

vivenciais das pessoas partícipes da investigação.

Como se viu anteriormente, a PQ tem como uma das suas características a busca de

sentidos dada pelas pessoas às coisas, experiências e assim por diante. E é nesse sentido que

Spradley afirma que “a principal preocupação na etnografia é com o significado que têm as

ações e os eventos para as pessoas ou os grupos estudados” (apud ANDRÉ, 1995, p.19). Mas

essa concepção está estritamente relacionada à categoria “cultura”, ou seja, ao se buscar esse

sentido, a cultura está, em alguma medida, sendo descrita.

Essa preocupação com a cultura já indica uma diferença em relação à pesquisa

qualitativa em educação, pois esta se preocupa com o “processo educativo” (ANDRÉ, ibid.,

p.28). Mas segundo essa mesma autora, há “uma diferença de enfoque nessas duas áreas, o

que faz com que certos requisitos da etnografia não sejam – nem necessitam ser cumpridos

pelos investigadores das questões educacionais”. Alguns desses requisitos destacados por

58

Como dito no início deste capítulo, no espaço da igreja acompanhamos somente 3 (três) mulheres.

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Wolcott são “uma longa permanência do pesquisador em campo, o contato com outras

culturas e o uso de amplas categorias sociais na análise de dados” (apud ANDRÉ, idem).

Ainda para André, no estudo etnográfico, principalmente da escola, deve-se colocar

uma lente na dinâmica das relações interpessoais, “identificando as estruturas de poder e os

modos de organização escolar e compreendendo o papel e situação de cada sujeito nesse

contexto interacional onde ações, relações e conteúdos são construídos, negados,

reconstruídos e modificados” (ibid., p. 41).

No caso desta pesquisa, esse caráter etnográfico esteve mais relacionado ao espaço

escolar e não tanto ao espaço da igreja. Neste espaço, as três mulheres acompanhadas já eram

conhecidas e com quem convivíamos. Ao contrário do espaço da escola, porém, três das

mulheres eram desconhecidas, o que permitiu certo distanciamento. E mesmo conhecendo as

três mulheres da igreja, elas foram acompanhadas num espaço nunca dantes realizado.

A posição do observador

Como observador, procurou-se atender às exigências de uma pesquisa qualitativa,

como mencionado anteriormente.

Não houve nenhuma dificuldade de aproximação com mulheres sujeitos da pesquisa,

senão com Ana, cujo marido não era conhecido e ela tinha certo receio disso, mas essa

situação não impediu a realização do acompanhamento, das observações e entrevistas, que

serão tratadas com mais detalhes no tópico seguinte. Mesmo existindo uma convivência com

as mulheres (mais com as da igreja), durante as entrevistas sempre se contou com alguém por

perto, seja outra mulher da pesquisa, seja alguém da igreja e/ou da família da pessoa

entrevistada.

2.4 Procedimentos e instrumentos metodológicos

No espaço da escola, iniciou-se o acompanhamento das mulheres com um projeto

piloto, de maio até setembro de 2011 e deu-se continuidade à pesquisa com as aulas do PBA,

de outubro de 2011 até maio de 2012. No espaço da igreja, o acompanhamento também

começou antes das aulas, perpassou o período de aulas e se prorrogou até outubro de 2012.

Para a coleta dos dados, os seguintes procedimentos foram utilizados: observações;

entrevistas; diagnoses e análise de documentos.

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2.4.1 Observações

Realizou-se cinquenta e sete (57) observações. Destas, 31 (trinta e uma) foram feitas

na escola, distribuídas da seguinte maneira: 10 (dez) observações no início do período, 10

(dez) no meio e 11 (onze) no fim do período de aulas e vinte e seis (26) foram realizadas na

igreja.

A previsão de aulas pela professora para o curso do Brasil Alfabetizado era de 105

(cento e cinco) aulas, mas foram dadas somente 71 (setenta e uma aulas), 67,6 % do total,

como mostra o quadro.

Quadro 2: Quantitativo de aulas previstas e aulas dadas pela professora

AULAS QUANTIDADE

Total de aulas previstas 105

Total de aulas dadas 71

Durante esse período, estão fora da previsão os dias que corresponderam aos feriados

(cinco dias) e os que se referiam aos recessos (doze dias).

No universo das aulas dadas, observamos 31 delas (29,5% do total) e estivemos

ausentes em 40 dias de aulas (38% do total). A professora não deu aula em 34 dias (32,3% do

total previsto), conforme pode ser observado no quadro a seguir:

Quadro 3: Quantitativo de aulas observadas

OBSERVAÇÕES QUANTIDADE PORCENTAGEM DO TOTAL

Aulas dadas que fizemos observação 31 29,5%

Aulas dadas que não fizemos observação 40 38%

Aulas que não foram dadas por outros motivos 34 32,3%

Os motivos da ausência da professora no quantitativo de aulas acima foram os

seguintes: doença, formação de professores, reunião no bairro, falta de energia e razões

particulares.

As observações das aulas na escola tiveram como foco as aulas de Língua Portuguesa,

mas cada aula observada correspondeu a uma jornada noturna inteira de aulas. A cada dia de

observação buscou-se acompanhar a prática pedagógica da professora e os alunos no que

tange aos seus gestos, suas atitudes, reações, perguntas, respostas, brincadeiras, dentre outros

aspectos. As aulas duravam em média 2h por dia.

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A frequência das 6 alunas no universo das aulas observadas (31 aulas) variou bastante.

O quadro a seguir destaca a frequência, a ausência e os motivos de ausência delas:

Quadro 4: Frequência e motivos de ausência das alunas às aulas.

ALUNAS

PRESENÇA

AUSÊNCIA

MOTIVO

Atividade de casa Trabalho Doença Outros Total

Eva 27 04 --- --- 04 --- 31

Sara 14 17 03 10 03 01 31

Rebeca 09 22 06 --- 15 01 31

Raquel 20 11 05 --- 02 04 31

Ana 24 07 02 02 02 01 31

Rute 25 06 --- --- 02 04 31

TOTAL 16 12 28 11 ---

De acordo com os números do Quadro 4, Eva foi a aluna que mais frequentou as aulas,

seguida de Rute, Ana e Raquel, respectivamente; e Sara e Rebeca foram as que menos

frequentaram. As causas para as faltas das alunas às aulas foram principalmente as

relacionadas a doenças, seguido das atividades de casa, trabalho e outros (como fazer compras

no supermercado, visitar, levar ou acompanhar alguém ao hospital, e assim por diante).

As observações na igreja também incluíram aquelas realizadas antes das mulheres

ingressarem na escola, iniciadas em maio de 2011. Diferentemente do que se fez na escola,

não se avaliou a prática pedagógica dos professores da igreja, senão naquilo que foi relevante

para compreensão das práticas de leitura e escrita das mulheres, nosso verdadeiro foco. O

quadro a seguir detalha quantitativamente as observações na igreja:

Quadro 5: Quantitativo de observações feitas na igreja.

OBSERVAÇÕES QUANTIDADE ALUNA (S)

Escola Bíblica Dominical (manhã) 13 Eva e Rebeca

Cultos dominicais (noite) 08 Eva, Sara e Rebeca

Estudo bíblico (noite) 02 Eva e Rebeca

Encontros de oração e consagração (manhã) 03 Eva e Rebeca

TOTAL 26 ---

Como mostra o Quadro 5, as observações se concentraram na EBD e o número menor

nos estudos bíblicos. Eva e Rebeca estavam presentes em todas as observações e Sara esteve

presente apenas nos cultos à noite, pois trabalhava em casa de família de segunda a sábado e,

no domingo, por razões pessoais e familiares, participava somente dos cultos à noite.

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O acompanhamento das mulheres, na escola e na igreja, ocorreu com uma frequência

semanal. Fizeram-se várias anotações durante essas observações em relação às aulas, aos

eventos e às práticas nas quais elas se envolveram, além de “reconstrução de diálogos” e

apontamentos a respeito do próprio “comportamento do observador” (LUDKE &ANDRÉ, op.

cit., p. 30 - 31). O levantamento de dados das observações consistiu nos seguintes passos:

Registros por escrito em caderno de campo, principalmente dos eventos e

práticas das alunas da pesquisa; também das aulas, da prática da docente e de

descrições de lugares.

Registro, num caderno pequeno, da frequência das participantes da pesquisa às

aulas da escola (PBA), anotando os motivos da ausência.

Digitação dos dados registrados nos cadernos de campo.

Gravações de áudio de algumas conversas das mulheres participantes da

pesquisa e das aulas observadas.

Transcrição das conversas das alunas da pesquisa e de algumas aulas, para

posterior análise.

2.4.2 Entrevistas com os sujeitos

As entrevistas se constituíram como outro material empírico do trabalho, oferecendo

vantagens para a coleta de dados.

Uma dessas vantagens, que Ludke e André destacam, é que a entrevista pode “permitir

o tratamento de assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de

natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais” (ibid., p. 34). As mulheres, por

exemplo, trataram de experiências pessoais da infância, de questões familiares e de

expectativas relacionadas ao aprendizado da leitura e da escrita.

Outra vantagem é “atingir informantes que não poderiam ser atingidos por outros

meios de investigação, como é o caso de pessoas com pouca instrução formal, para as quais a

aplicação do questionário escrito seria inviável” (idem). Nesta pesquisa, as mulheres são

designadas de analfabetas, especialmente algumas delas, que ainda apresentavam limitações

no âmbito da leitura e da escrita.

Optou-se pela entrevista do tipo semiestruturada por possibilitar a interação, o diálogo

e influências mútuas entre entrevistador e entrevistados. Isso é percebido especialmente nas

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entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a imposição de uma ordem rígida de

questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele

detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista (LUDKE & ANDRÉ, ibid., p.33 -

34).

As entrevistas com as mulheres permitiram a investigação das suas subjetividades, no

sentido de se identificar, principalmente, os significados que elas dão as suas práticas de

leitura e escrita, além, dentre outras coisas, de traçar o perfil de cada uma, as suas trajetórias e

experiência de vida, os seus saberes prévios, de como se veem (APENDICE B) e das

expectativas relacionadas à leitura e escrita (APENDICE A).

Não se tinha um número exato de entrevistas a realizar, pois isso dependeria de alguns

fatores como a disponibilidade de tempo das mulheres, a presença delas nas aulas e/ou nos

encontros da igreja, dentre outros. O total de entrevista foi de 232 (duzentas e trinta e duas).

Na igreja foi realizado um número bem menor de entrevistas (vinte e oito). Na escola se

conseguiu realizar 204 (duzentos e quatro) entrevistas (a maioria minientrevistas realizadas

após ou durante as jornadas de aulas), distribuídas de acordo com as temáticas abaixo:

Quadro 6: Tópicos temáticos das entrevistas com cada aluna.

ENTREVISTA EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE TOTAL

Para elaboração geral de perfil. 3 2 2 2 2 2 13

As hipóteses em relação à escrita

explicitadas durante as diagnoses.

5

5

6

6

5

5

32

Como se viam (se analfabetas ou

não).

4

3

3

3

4

3

20

As práticas de leitura e escrita

realizadas no cotidiano.

12

6

8

5

4

5

40

O que aprenderam nas aulas. 15 6 8 6 2 5 42

Avaliação sobre o livro didático

adotado.

1

2

1

2

2

2

10

Opinião a respeito do espaço físico

da escola.

1

3

2

2

2

3

13

Informações gerais em relação ao

início das aulas e o que sabiam do

PBA.

2

2

1

2

1

2

10

Avaliação geral da prática da

professora.

---------------------------- 4 (x 6 = 24)--------------------------

24

TOTAL 47 33 35 32 26 31

204 TOTAL GERAL 204

A última das categorias no quadro acima, a avaliação geral da prática da professora

(APÊNDICES C e D), corresponde a 4 (quatro) entrevistas realizadas coletivamente, mas se

considerou como 4 (quatro) entrevistas para cada aluna (perfazendo, assim, 24/vinte e quatro),

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já que todas participaram desse momento dando a sua opinião. Quanto à duração, as

entrevistas variaram bastante, de modo que houve entrevista de poucos minutos (no geral,

durante ou após as aulas), como houve também algumas de mais de 1 (uma) hora.

As entrevistas na igreja incluíram aquelas realizadas antes da entrada das mulheres na

escola (maio de 2011) e não foi feita nenhuma entrevista com a professora e os professores da

igreja. Ao contrário das entrevistas na escola, as da igreja foram bem menores e distribuídas

da seguinte maneira:

Quadro 7: Quantitativo de entrevistas feitas na igreja.

EVENTOS

MULHERES

TOTAL EVA SARA REBECA

EBD 09 __ 04 13

Cultos dominicais 03 05 01 09

Estudos bíblicos 01 __ 02 03

Encontro de oração e consagração 02 __ 01 03

TOTAL 15 05 08 28

TOTAL GERAL 28

Na casa de Eva, realizou-se grande parte das entrevistas e os motivos para o

quantitativo maior de entrevistas com ela foram os seguintes: 1. Ela era partícipe da IEC (e

ainda o é); 2. Era a mulher da pesquisa com quem o pesquisador mantinha uma amizade de

mais de dez anos; 3. Era a casa mais próxima da escola; 4. E era a casa mais silenciosa,

oferecendo um maior aproveitamento das entrevistas. Na casa de Eva fizeram-se praticamente

todas as entrevistas com Raquel e Ana e algumas com Sara e Rebeca, mas nenhuma com

Rute.

Com Raquel e Ana ocorreu o seguinte: com Raquel não se fez nenhuma entrevista em

sua casa, por conta do número de pessoas que moravam lá, o que poderia dificultar a

qualidade das entrevistas. Sendo assim, praticamente todas as entrevistas com ela realizaram-

se na casa de Eva, somente uma, a primeira, é que aconteceu na casa de um irmão da IEC,

localizada em frete à casa de Raquel. Também com Raquel não se realizou nenhuma

entrevista na e sobre a igreja, já que a mesma não seria observada nesse espaço.

Diferentemente de Raquel, realizaram-se três entrevistas na casa de Ana. Mas

igualmente a Raquel, a maioria das entrevistas com Ana aconteceu na casa de Eva, pois

durante o dia Ana trabalhava e o horário mais conveniente para ela era no final do dia ou

mesmo após as aulas. Ela achou por bem, por questões pessoais, fazer na casa de Eva. Com

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94

ela também não se fez entrevista na igreja, pois as duas eram vizinhas de Eva. Assim como

Raquel, Ana não foi entrevistada na e sobre a igreja, porque não seria observada nesse espaço.

As entrevistas com Rute ocorreram em sua casa, por causa dos seus horários e por ela

ser uma pessoa que não gostava de andar na casa de outras pessoas com frequência, até

porque as outras mulheres da pesquisa se tornaram conhecidas dela após o início das aulas

(com exceção de Eva). Como Raquel e Ana, Rute também não foi entrevistada na e sobre a

igreja.

No caso de Eva, Sara e Rebeca as coisas foram um pouco diferentes. Eva foi a mais

entrevistada em todos os tópicos da pesquisa. As entrevistas com ela, em grande parte,

ocorreram em sua casa, como já afirmado, e as outras na igreja, já que a mesma foi

acompanhada nesse espaço. Ocorreram algumas poucas entrevistas na casa do pesquisador

(uma/1 somente), em casa de um irmão da IEC, vizinho a Eva, em casa de Sara e em casa de

Rute.

A situação de Sara e Rebeca, quanto às entrevistas, eram muito semelhantes. Sara foi

entrevistada, na maioria das vezes, na casa de Eva, mas algumas entrevistas foram feitas em

sua casa, como também aconteceu com Rebeca. Ambas, como ocorreu com Eva, foram

entrevistadas no espaço da igreja, já que também foram acompanhadas nesse espaço.

Fez-se também uma entrevista com a professora, cujos objetivos foram o de traçar seu

perfil acadêmico e profissional, assim como o de solicitar que falasse sobre suas concepções e

práticas de alfabetização.

O levantamento de dados relacionados às entrevistas consistiu nos seguintes passos:

Registros por escrito em caderno de campo, de informações anteriores às

entrevistas e outras informações relevantes para pesquisa.

Digitação dos dados registrados no caderno de campo.

Gravações de áudio de todas as entrevistas realizadas com as mulheres

participantes da pesquisa. Para o registro das falas dos sujeitos, utilizamos um

gravador.

Transcrição de todas as entrevistas.

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2.4.3 Diagnose

As atividades de diagnose aplicadas às alunas participantes da pesquisa serviram para

identificar os conhecimentos das mulheres sobre a escrita, de modo a identificar suas

hipóteses em relação à construção da escrita e acompanhar a evolução destas de acordo com

as fases da psicogênese da escrita (FERREIRO, 1987; FERREIRO & TEBEROSKY, 1988).

Elaborou-se e aplicou-se a diagnose no início (APÊNDICE F), meio e fim do período

(APÊNDICE G) que as mulheres estiveram na escola. Considerou-se, na análise dos dados, a

diagnose inicial e final, já que a segunda diagnose não apresentou avanços significativos em

relação à primeira.

Na atividade diagnóstica avaliou-se a escrita de palavras nos moldes das atividades

realizadas por Ferreiro e Teberosky (1988). Foram escolhidas 10 (dez) figuras coloridas (pão,

caju, sapoti, abacaxi, graviola, cenoura, chuchu, beterraba, jabuticaba e melancia), dentro

do campo semântico de alimentos, e as alunas deveriam escrever as palavras correspondentes

às figuras presentes nas atividades.

A seleção das figuras levou, basicamente, em consideração os seguintes critérios: 1. O

número de sílabas das palavras, como pão (monossílaba), caju (dissílaba), sapoti (trissílaba) e

abacaxi e melancia (polissílaba); 2. A presença de diferentes estruturas silábicas nas palavras

(CV, V, CCV, etc.); 3. A presença de sílabas cujos fonemas poderiam ser escritos por mais de

um grafema (Ex. CENOURA, CAJU).

As diagnoses foram digitadas e impressas em papel ofício. Seguiu-se uma só dinâmica

para as diagnoses:

1. Escolhia-se um lugar o mais adequado possível, que tivesse uma mesa, com boa

iluminação e o mais silencioso possível;

2. Verificou-se se as mulheres estavam de posse de lápis e borracha;

3. Distribuía-se a atividade para as alunas;

4. Explicava-se a questão,

5. Antes de fazer a atividade, solicitava-se que elas oralizassem as figuras, para

verificar se as haviam reconhecido;

6. Quando terminavam de escrever os nomes das figuras, pedia-se, individualmente,

que elas soletrassem cada letra e lessem a palavra.

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2.4.4 Análise de documentos

Na pesquisa, consideraram-se como documento para análise as atividades de classe

realizadas pelos alunos em seus cadernos e no livro didático. Cópias foram tiradas dos

cadernos e do livro didático, tendo como pressuposto a ideia de que a concepção subjacente

ao ensino da leitura e escrita se expressa, também, nas atividades propostas aos alunos.

Assim, na mais simples tarefa de preparar uma leitura, de escolher uma atividade de escrita,

está implícita uma maneira de entender o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita.

2.5 Análise dos dados

A análise dos dados é uma fase fundamental da pesquisa. Ela tem como objetivo

compreender, ratificar ou ampliar os pressupostos ou não da pesquisa, em relação ao que foi

coletado.

Para tratamento e análise (descrição e interpretação) dos dados, recorreu-se à

metodologia proposta pela técnica de investigação chamada de Análise de Conteúdo (AC), no

contexto de uma abordagem qualitativa. Para a compreensão da AC e da organização de suas

fases, destacamos como aporte principal desse tipo de metodologia, Bardin (1977) e outros

autores como Gil (1990), Marconi & Lakatos (1990), Gomes (2002) e Minayo (1998).

Segundo Minayo (1998), diferentes são os tipos de análises de conteúdo: de expressão,

das relações, de avaliação, de enunciação e categorial temática. Esta última, à qual se dará

destaque, se propõe a “descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja

presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”,

utilizando-a de forma mais interpretativa, em lugar de realizar inferências estatísticas. A

análise categorial temática funciona em etapas, por operações de desdobramento do texto em

unidades e categorias para reagrupamento analítico posterior, e comporta dois momentos: o

inventário ou isolamento dos elementos e a classificação ou organização das mensagens a

partir dos elementos repartidos.

Bardin considera a AC como “um conjunto de instrumentos metodológicos”, não

estanques ou inflexíveis, mas “cada vez mais subtis em constante aperfeiçoamento que se

aplicam a ‘discursos’ (...) extremamente diversificados” (op. cit., p.9).

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É pertinente, dessa forma, destacar que os domínios aplicativos dos instrumentos

fornecidos pela AC, não estão, por exemplo, restritos a conteúdo de textos (domínio

linguístico) ou presentes nos veículos midiáticos (nas suas manifestações escrita e oral), mas

eles se estendem aos mais variados discursos, apontando para a análise de uma diversidade de

comunicações. No caso desta pesquisa, os dados são provenientes tanto de mensagens escritas

quanto de mensagens transcritas, a saber, das diagnoses e dos cadernos das alunas, bem como

das falas advindas das entrevistas feitas com essas alunas e das entrevistas com a professora.

Nesse sentido, Berelson define AC como “uma técnica de investigação que através de

uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações,

tem por finalidade a interpretação destas mesmas comunicações” (apud BARDIN, ibid., p.36).

Ainda conforme Bardin, “o fator comum destas técnicas múltiplas e multiplicadas (...)

é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência” (idem). Essa inferência,

para a autora, tem relação com “conhecimentos relativos às condições de produção (ou,

eventualmente de recepção), inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não)”

(p.38). Podem essas inferências responder tanto às causas da mensagem, como a seus efeitos

(p.39). Também afirma a autora que, “enquanto esforço de interpretação”, a AC, “oscila

entre os dois pólos do rigor da objectividade e da fecundidade da subjectividade” (idem).

No processo de utilização da AC, serão seguidas nessa pesquisa as seguintes

etapas59

elencadas por Bardin (ibid., p.95): 1. Pré-análise; 2. A explicação do material; 3.O

tratamento do resultado, a inferência e a interpretação.

A propósito dessas etapas, essa autora diz que a primeira envolve todo o conjunto de

organização. Tem como propósitos principais três elementos, inter-relacionados, não

necessariamente em ordem cronológica e com seus respectivos desdobramentos: a “escolha

dos documentos”, os quais serão submetidos à análise; a “formulação de hipóteses e dos

objetivos” e a “elaboração de indicadores que fundamentam a interpretação final”. (idem,

p.95-96).

59

Essa é uma classificação seguida por autores como Gil (1990), que usa para alguma dessas etapas uma

terminologia distinta e Gomes (2002), que tendo como referência Bardin, apresenta a mesma metodologia

defendida por Gil, mas destaca mais duas funções que podem ser destacadas na aplicação dessa técnica: a

primeira delas “se refere à verificação de hipóteses e/ou questões”, o que nessa pesquisa não fizemos, pelas

razões dadas neste capítulo, no tópico Fundamentos metodológicos. Outra função relaciona-se à “descoberta do

que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado” (p. 74).

Gomes diz que ao analisar o conteúdo de uma mensagem é necessário optar por unidades. Uma delas é a unidade

de registro, a qual se refere aos elementos alcançados com “a decomposição do conjunto das mensagens”, que

pode ser, por exemplo, por ‘palavra’, ‘frase’ ou ‘oração’, o ‘acontecimento relatado’ e assim por diante. Outra

unidade é a de contexto, a qual se refere à atitude de precisar o contexto, ou seja, são as referências mais amplas

que estão presentes na mensagem (p.75).

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Na segunda etapa é feita, então, “a administração sistemática das decisões tomadas”.

A referida etapa “consiste essencialmente de operações de codificação, desconto ou

enumeração, em função de regras previamente formuladas”.

Na última etapa, “os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos

[...] e válidos. Operações estatísticas simples [...], ou mais complexas [...], permitem

estabelecer quadro de resultados, diagramas, figuras e modelos, os quais condensam e põem

em relevo as informações fornecidas pela análise”. A partir desses resultados, inferências e

interpretações são feitas pelo pesquisador, “que podem servir de base a outra análise disposta

em torno de novas dimensões teóricas, ou praticadas graças a técnicas diferentes” (idem,

p.101). Diante do exposto até aqui, nos próximos capítulos serão feitas as análises dos dados

da pesquisa.

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CAPÍTULO 3: MULHERES ADULTAS ANALFABETAS E/OU POUCO

ESCOLARIZADAS: QUEM SÃO? COMO SE VÊEM? O QUE SABEM E QUAIS AS

SUAS EXPECTATIVAS?

Dizer quem são essas mulheres de maneira mais detalhada é algo que foge ao alcance

desta pesquisa. No capítulo anterior da metodologia, teve-se a oportunidade de apresentar as

mulheres da pesquisa, destacando alguns aspectos relacionados às suas vidas, como o familiar

e o religioso. Neste capítulo, o olhar se voltou, especialmente, para o aspecto educacional,

tendo como referência a escola. Para tanto, lançou-se mão das seguintes categorias: Quem

elas são? Como se veem? O que sabiam ler e escrever antes de ingressarem na escola e quais

algumas de suas expectativas?(o que querem ler e escrever? E por que (re) iniciaram os

estudos?).

3.1 Quem eram as mulheres participantes da pesquisa?

No caso da presente pesquisa, as mulheres vieram de regiões interioranas, situadas em

sítio (Raquel e Ana), em engenhos (Eva e Sara) e em cidade (Rute), cujas famílias eram de

camada popular, constituídas por um grande número de pessoas, que variavam entre 15

(quinze/Raquel), 12 (doze/Eva e Sara), 11 (onze/Rute), 8 (oito/Rebeca) e 5 (cinco/Ana)

pessoas.

A profissão dos pais estava mais relacionada à agricultura: vendia o que plantava (pai

de Eva), trabalhava em engenho (pai de Sara) ou em sítios (os pais de Raquel e Rute). O pai

de Rebeca, porém, abandonou a família e Ana não conheceu o seu pai, nem sabia o que ele

fazia. As mães das mulheres eram donas de casa e ajudavam seus maridos em suas atividades.

A mãe de Rebeca e de Ana, além de cuidarem da casa, trabalhavam também em engenhos e

na roça, respectivamente.

A situação financeira de cada uma dessas famílias era muito precária ou como elas

mesmas disseram: não “tinham condições” (Eva) ou a condição financeira era “humilde”

(Sara).

Somada às limitações econômicas, o perfil educacional dos pais não se diferenciava

em muito das mulheres da pesquisa, ou seja, os seus progenitores não sabiam ler nem

escrever, embora Sara lembrasse que sua mãe lia “soletrando algumas palavras, como

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‘hospital’ e nome de ‘ônibus’”e Raquel destacasse que seu pai dizia que não precisava ser

alfabetizado, pois sempre viveu “sem estudo”.

Esse contexto descrito até aqui influenciou na criação familiar das mulheres. Eva,

Sara e Raquel foram criadas por padrinhos, Rebeca pelo tio e depois por uma prima de sua

mãe, Ana por sua avó e Rute pela madrasta, situação que provocou a separação entre as

mulheres e seus irmãos e suas irmãs, como pode ser verificado a seguir, em três relatos

particularmente dramáticos.

O primeiro relato é o de Eva, que se separou de sua família aos sete anos e morou

vinte e nove anos com a família que a criou. Seus irmãos e irmãs terminaram por ser

“distribuídos” para familiares e pessoas conhecidas (padrinhos). Sobre isso Eva diz:

nesse tempo foi um desgosto muito grande que nós passamos, porque foi como levar

um bicho para o matadouro. Foi muito choro, muito desgosto. A gente sofremo

muito [começa a chorar]. Eu não gosto nem de pensar, sabe? Chorava tanto a gente,

que não tinha nem como ter consolo [continua chorando] (Eva - Entrevista 2 –

18/09/2011).

Rebeca também se separou da sua família muito cedo, aos onze anos e saiu do seu

Estado, por decisão dos seus pais, para morar em Recife, para trabalhar, como ela relatou:

morava muito longe deles, separado [...] eu não sei da vida deles, assim, [na]

infância(Rebeca- Entrevista 1 – 09/10/2011).

Finalmente, Rute declarou que sua mãe morreu quando ela ainda era muito pequena e

nem ao menos chegou a conhecê-la.

A gente se criou- se sofrida, pela casa dos outros, com madrasta. Quer dizer que a

vida da gente não foi tão muito boa, né? [...] A gente não teve oportunidade de nada

(Rute - Entrevista 1 – 08/11/2011).

No que tange à escolarização das mulheres, Ana e Rute não sofreram nenhuma

resistência por parte dos pais em estudarem quando criança, mas também ninguém as motivou

para isso. Rebeca e Sara estudaram quando criança, porém, daí para frente, não de maneira

sistemática. Ambas não se lembravam de praticamente nada do que aprenderam durante esse

período na escola, o que não as diferenciava, no que tange às limitações em ler e escrever, das

demais mulheres desta pesquisa, Eva, Raquel, Ana e Rute, que praticamente nunca estiveram

numa instituição escolar.

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101

Rebeca começou os seus estudos aos nove ou dez anos, ocasião em que já morava com

o seu tio, que a encaminhou à escola. A interrupção dos seus estudos aconteceu porque ela

passou a trabalhar em casa de família aos onze anos, quando já estava morando em casa de

uma parenta, em Recife, como ela mesma diz:

desde pequena que eu estudei. Depois de adulta já estudei, depois de até os quarenta

eu já estudei, mas não desandei [no sentido de avançar] nada, assim, de leitura

mesmo, pra chegar ler à vontade [...] como os outros lê não (Rebeca- Entrevista 1 –

09/10/2011).

Rebeca ingressou na escola, na adolescência, mas afirmou que não queria estudar e

não aproveitou bem esse período, voltando a estudar de maneira sistemática quando adulta.

No caso de Sara, as interrupções no período escolar ocorreram por dois motivos: a família se

mudava frequentemente de engenho em engenho e ela começou a trabalhar cedo em casa de

família, para contribuir no pagamento das despesas de casa, como relatou:

pois eu comecei a trabalhar muito cedo em casa, assim, de família [...], minha mãe

não tinha condição, meu pai, eu tinha que trabalhar pra [...] arrumar o alimento da

[...] gente mesmo de [...] dentro casa (Sara - Entrevista 1 – 14/06/2011).

Quando adulta, ela retomou os seus estudos de maneira mais sistemática, como

ocorreu com Rebeca. Já Ana e Rute só estudariam quando adultas. A dificuldade de estudar

na infância teve relação com a distância geográfica da escola pública e da falta de condições

financeiras para pagar uma escola particular.

Não tinha onde a gente morava [...] não tinha escola. Escola era para quem podia

pagar, né? Não tinha [...] condições de pagar escola pra mim (Ana - Entrevista 1 –

16/10/2011).

Rute afirmou que na infância não havia nenhuma instituição escolar perto de onde ela

morava e fala da sua impossibilidade de estudar desde cedo:

se eu não sei ler é porque eu não tive condições de ler. Onde eu morava era muito

distante da rua, não tinha [...] escola. [...] Eu morava no interior [...] aí lá não tinha

[...] professora, não tinha escola, não tinha nada. Aí eu me cresci assim, sem saber

de nada (Rute - Entrevista 1 – 08/11/2011).

Quando adulta Rute interrompeu os seus estudos uma vez, por questões familiares.

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102

Estava com o meu marido doente [...]. Aí teve uma piora, aí eu tive que parar pra

cuidar dele, ter mais tempo, porque à noite era muito ruim para eu estudar e tomar

conta dele. Eu saí e eu não voltei mais. Depois ele faleceu e eu não voltei mais (Rute

- Entrevista 1 – 08/11/2011).

Eva e Raquel, porém, diferentemente das outras mulheres, foram impedidas de irem à

escola quando criança pelas pessoas que as criaram. A experiência escolar para as duas só

ocorreria quando adultas. Ao invés de estudar, Eva trabalhou durante a infância até ao início

de sua fase adulta, fazendo serviços domésticos em casa da família que a criara, conforme

mostraram os seus relatos:

sim havia por perto escola. Antigamente era aquela história MOBRAL. Aí, através

disso, eles não quiseram que eu fosse, que eu fosse pra escola (Eva -Entrevista 1 –

12/05/2011).

quem nos criou, nos fez de escravo mesmo [...]. Eu acordava de 4h da manhã, para

passar roupa direto [...] com ferro de calvão [...]. Aquilo ali se sujasse um pouquinho

já era para apanhar [...]e voltava a fazer tudo de novo [...]. Foi sofrimento até o dia

que Deus me tirou de lá. [...] Não tinha direito de brincar não (Eva -Entrevista 2 –

18/09/2011).

O motivo de Raquel não estudar desde cedo se diferenciava do de Eva e se relacionava

a um “temor” particular de seu pai.

[...] Estudei não. [...] Quando eu era novinha meu pai não me deixou estudar. Minha

mãe quis me botar na escola, mas meu pai não me deixou estudar, porque meu pai

dizia que [...] só quem podia estudar era os meninos e [as meninas não, pois] as

meninas ia fazer bilhetinho pra namorado [...]. Ai depois que eu cresci e me casei

também não dediquei mais, botei isso na minha cabeça e só fui cuidar de menino e

acabou. E agora que eu quero estudar (Raquel- Entrevista 1 – 16/10/2011).

Nessas condições, se tornou difícil o acesso e/ou permanência das mulheres à escola e

as consequentes dificuldades de leitura e de escrita influenciaram a maneira como as mulheres

se viam. Elas terminaram por internalizar a construção histórica – ideológica, por sinal,

negativa e estereotipada, da identidade das pessoas designadas de analfabetas, na sociedade

brasileira, em geral (já mencionada anteriormente, no capítulo 1, e que esteve especialmente

circunscrita à falta de escolarização de jovens e adultos/JA na história ocidental, não só

brasileira). Contudo, diferentemente dos seus pais, eles não queriam a repetição dessa história

de resistência à escola na vida de seus filhos, pois entendiam que a escola podia, sim, ajudá-

los na concretização de suas expectativas.

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As mulheres partícipes da pesquisa tendiam, assim, a repetir esse mesmo estereótipo,

se referindo ao analfabeto como uma pessoa cega, alguém que não sabe nada e, também,

ignorante. Eva, por exemplo, afirmou que a pessoa analfabeta era uma “pessoa cega”.

Às vezes, pastor, eu fico pensando assim: meu Deus se eu soubesse ler não pediria

nada a ninguém, eu mesmo fazia minhas coisas, eu mesmo. Porque a gente que sabe

ler é muito bom [...] Pra mim quem não sabe ler não tem visão, é como se a pessoa

não enxerga, porque não vê aquelas letras assim, digamos assim, não enxerga, então

a pessoa é cega, não saber ler, não saber ler, meu Deus! (Eva – Entrevista 01 –

12/05/2011).

Para Eva, a pessoa “analfabeta” era alguém sem autonomia. A leitura, para ela, daria

isso e, assim, não “pediria nada a ninguém” e poderia “fazer” as suas “coisas”. Essa pessoa,

portanto, sem autonomia, por “não saber ler”, era chamada por ela de alguém que “não tem

visão”, “que não enxerga” e “é cega”, pois não “vê” as “letras” (entendidas como palavras,

por Eva). Era como se o “cego”, na verdade, dependesse dos outros para tudo. Rute entendia,

além disso, que o analfabeto era alguém que “não sabe nada”.

[...] Que a gente não sabendo ler não sabe nada. É que nem cego, né? Não conhecer

as paradas dos ônibus, onde desce, onde [...] fica, como qual o ônibus que vai

apanhar na rua (Rute – Entrevista 01 – 08/11/2011).

Ainda segundo Eva, esse “não saber” do analfabeto, que ela designava de “cego”, era

da leitura, mas para Rute esse não saber da pessoa também designada de “cego”, era mais

abrangente, ou seja, ela “não sabe nada”, nem mesmo coisas do cotidiano como “conhecer

paradas” de ônibus e de conhecer os próprios “ônibus”. Para esse analfabeto, Ana utilizava o

estereótipo de “ignorante”, por não sabe ler, e, por conseguinte, ela não queria isso para si.

Se chama de ignorante as pessoas que não sabem ler. Por isso estou querendo dar a

volta por cima, para não ser ignorante (Ana – Aula 11 – 29/11/2011).

Todas as mulheres concebiam, portanto, o analfabeto sob uma ótica negativa de “quem

não sabe e não faz”; e consideravam que a leitura (elas não destacam a escrita) podia reverter

essa situação.

Como vimos no capítulo 1, já no início do século XX, no Brasil, o analfabeto era visto

sob um ponto de vista extremamente negativo. E as mulheres desta pesquisa demonstraram

que esse ponto de vista continua presente entre nós.

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Miguel Couto diz que o analfabeto, na verdade, “é um microcéfalo: a sua visão física

estreitada, porque embora veja claro, a enorme massa de noções escritas lhe escapa” (apud

PAIVA, 2003, p.109). E como dizem Galvão e Soares (2004), o analfabeto vem sendo

concebido, e não é de agora, como um “ignorante, incapaz, cego, imbecil, dependente,

portador de uma doença grave, que precisa ser extirpada [o negrito é nosso]” (p.50).

Pesquisas apontam a internalização dessa construção pelos JA (Freire, 1987; Pinto,

2010; Albuquerque e Ferreira, 2008). Tal internalização, no entanto, foi levada às últimas

consequências por esses JA, a ponto de alcançar a totalidade de sua identidade, indo, portanto,

além da simples designação de serem analfabetos no sentido de não saberem ler e escrever,

mas, sim, de serem, dentre outras coisas, cognitivamente limitados, de não possuírem saberes,

incapazes de exercerem sua cidadania e até mesmo serem culpados pelo atraso econômico de

toda uma nação. Apesar dessa concepção internalizada pelas mulheres quanto à pessoa

“analfabeta”, Eva acreditava ser possível uma pessoa superar essa situação.

Aí a pessoa tem que pedir força ao Senhor pra Ele ajudar. Com a ajuda de Deus eu

vou aprender. Pra ler logo, a primeira letra que eu venho correndo ler é a Bíblia.

Quando a primeira, quando eu aprender meu Deus, eu tenho fé no Senhor, o Senhor

vai me ensinar (Eva – Entrevista 01 – 12/05/2011).

Eva, na verdade, tinha “fé”, que essa situação podia mudar. Por isso, ela “pede” a

Deus “ajuda”, pois no final das contas é o “Senhor” quem a ensinará. Ainda assim, as

mulheres não deixaram de expor como se sentiam não sabendo ler nem escrever: os

sentimentos são de “tristeza” (Eva), por se achar uma pessoa “cega”, “inútil, que não serve

para nada”; de que não saber ler é a “pior coisa” (Sara) e de se sentirem “mal” (Rebeca e

Ana). Apesar da tristeza, Eva destacou (chorando) que mesmo não sabendo ler tinha um dom,

o da oração, e que essa prática ela fazia melhor do que uma pessoa que sabia ler.

[...] Deus me deu um dom. Por exemplo, de orar eu sei um pouco, o senhor sabe que

eu sei. Eu já sei graças a Deus. Deus já me deu esse dom. E eu oro. Às vezes eu oro,

que eu chego fico pensando assim: meu Deus, brigado Senhor. Fico só aqui, às

vezes, aqui sozinha orando aqui a Deus, eu e Deus. Eu oro que nem toda gente que

sabe ler. Pela fé, pela minha fé em Jesus. Pela graça Dele. Ele é nossa graça. Ele está

nos ouvindo aqui agora. Esse Pai maravilhoso (suspira) (Eva – Entrevista 1 –

12/05/2011).

Essa declaração é particularmente interessante, pois a oração era compreendida como

algo intimamente associada à Palavra (registrada na Bíblia), ou seja, à leitura da Palavra

forneceria o conteúdo para oração. No caso de Eva, como ela tinha dificuldade de ler,

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105

procurava ouvir a Palavra e fazia isso com muita atenção, quando participava dos eventos na

igreja.

Duas delas, porém, não expressavam sentimentos negativos por não saberem ler e

escrever. Mesmo elas querendo aprender a ler, se sentiam felizes por outros motivos ou

compreendiam que não tiveram oportunidade de ler, quando crianças: “tô lutando pra

aprender a ler, eu sou feliz” (Raquel) e “eu me sinto bem como sou, sem saber ler [...], se eu

não sei ler é porque eu não tive condição de ler” (Rute).

Finalmente, ao avaliarem a responsabilidade por essa situação de não saberem ler e

escrever, duas delas disseram que elas mesmas não eram as culpadas (Eva e Raquel); outra

culpou o pai, a mãe e a si mesma (Sara), Rebeca e Ana responsabilizaram a si mesmas e Rute

não culpou “ninguém”. Nenhuma delas, porém, culpou a instituição escolar ou a professora.

As que não se culpavam (Eva e Raquel) responsabilizaram ou a família que a criou

(Eva) ou o pai (Raquel). O relato de Eva é particularmente dramático, sobre isso:

o povo que me criaram, né. O povo que me criaram, que me criaram como escrava.

Ali eu não era gente, não, era escrava. Apanhava, não comia direito. Era uma solidão

minha vida, pastor, naquele tempo. Digo a todo mundo. Minha vida era uma solidão,

viu (fica emocionada). Eu não tinha vida naquele tempo. Era uma prisão, como se

fosse o povo de antigamente, do outro tempo, que era escravo, uns era escravo.

Naquele tempo do escravo. Não era do povo de Deus, não. Era do tempo do escravo,

não tinha o escravo? Aqueles povo? Judiavam, fazia deles. A minha vida era essa. E

apanhava até de palmatória, doze bolos em cada mão, porque eu não fazia as coisas

direito. Apanhava de macaca de coro cru. A minha vida foi essa. E um dia eu falei

com Deus: Deus, eu fui criada pelos outros, mas eu tenho fé no Senhor que nunca eu

vou abandonar meus filho. Até o fim eu crio eles. Criei meus filhos sozinha, eu e

Deus. De pequenininho, quando eu fui separada [...] (Eva – Entrevista 1 –

12/05/2011).

Rebeca demonstrou certa decepção com o pai, embora o fizesse com muito respeito e

cuidado.

Assim, eu agora não quero fazer isso com meu pai, não, Papai do céu levou ele, mas

se meu pai tivesse dado oportunidade a mim, nera, irmão? Feito deu a meus irmãos

[...] hoje eu sabia ler, feito meus irmãos sabe [...] (Rebeca – Entrevista 1 –

16/10/2011).

Sara é do grupo que culpava, além de si mesma, a família e assim se justificou:

porque a gente naquele tempo era muito menor [...], muito pequeno, assim, era

criança e meu pai e minha mãe ficava se mudando, se mudando, se mudando, dum

lado, mudando pra outro [...] eles moravam muito em engenho. Pronto, terminou não

conseguindo ler nada, nem escrever, pronto (Sara – Entrevista 1 – 14/06/2011).

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Enfim, duas delas se culpavam ao reconhecer que não aproveitaram a oportunidade

que tiveram de estudar, seja na infância (Rebeca) ou quando mais adulta (Ana):

[...] A culpada foi eu mesmo, né? Que [...] se o pai, a mãe, seja lá que for da família

botou a criança pra estudar, se é um menino que tá ali, que foi para estudar, é pra

estudar, mas quando vai [...] pra escola, que não quer nada, vai para brincar [...], vai

mexer com os outros, aí ele não tá querendo nada mesmo [...]. Tem pessoa que bota

culpa na mãe, no pai, nos professor, não tem nada a ver não. [...] Eu não vou julgar

ninguém não, é eu mesmo [...]. [...] Não consigo, por causa do cansaço, do dia-a-dia

(Rebeca – Entrevista 1 – 09/10/2011).

[...] Depois que eu me entendi de gente, se eu tivesse pensado antes, se eu tivesse me

interessado, eu hoje sabia alguma coisa, mas a culpada foi eu mesmo, porque

quando me entendi de gente não me interessei. Não vou culpar ninguém, entendeu?

Não vou culpar meu pai, nem minha mãe. Meu pai eu não conheci, minha mãe não

me criou. Minha avó já foi um favor que ela me fez, de me criar e eu não me culpar

isso dela [...] (Ana – Entrevista 1 – 25/10/2011).

A respeito dessa tendência a se culparem Garcia diz que

suas falas estão impregnadas por uma concepção autônoma de letramento [tratado

no referencial teórico], ou seja, é natural para eles se sentirem inferiorizados, pois se

o discurso do poder dominante, das classes privilegiadas afirma que analfabetismo é

‘mancha’ [...] ‘erva daninha’ etc. com que autoridade os alfabetizandos poderão

questionar ou discordar desses pressupostos? (2006, p.74).

Como vimos até aqui, metade das mulheres se culpava por não ter aprendido a ler e a

escrever.

3.2 Como as mulheres se viam em relação à leitura e à escrita?

Neste tópico tivemos em vista as opiniões das mulheres sobre como elas se viam, ou

seja, se elas se consideravam analfabetas ou não e o porquê disso, durante o período em que

as mesmas foram acompanhadas no Programa Brasil Alfabetizado (PBA). Pelas entrevistas

feitas, no início, no final do período de escolarização e alguns meses após esse término isso se

tornou possível. O quadro a seguir apresenta as respostas que elas deram nas três entrevistas

realizadas:

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Quadro 8: Como as mulheres se viram durante o PBA?

MULHERES ENTREVISTA 1 ENTREVISTA 2 ENTREVISTA 3

Eva

“Analfabeta”

(“[não sabia] ler e

escrever”)

“Analfabeta”

(Não havia aprendido

nada ainda)

“Analfabeta”

(Não escrevia tudo e não

lia direito)

Ana

“Analfabeta”

(“[não sabia] nada ainda”

e “[não sabia ler]

palavras grandes”)

“Não sou analfabeta”

(Sabia algumas coisas e

lia palavras grandes)

“Não sou analfabeta”

(Lia alguma coisa)

Raquel

“Não sou analfabeta”

(Escrevia o seu nome)

“Não sou analfabeta”

(Escrevia o seu nome)

“Não sou analfabeta”

(Escrevia o seu nome)

Rebeca

“Não sou analfabeta”

(Conhecia as letras do

alfabeto)

“Não sou analfabeta”

(Sabia escrever o nome e

conhecia e lia letras)

“Não sou analfabeta”

(Escrevia o nome,

entendendo e aprendendo

alguma coisa)

Sara

“Não sou analfabeta”

(Escrevia o seu nome)

“Mais ou menos

[analfabeta]”

(Fazia tarefa, conta e

soletrava palavras)

“Analfabeta”

(Não sabia ler completo

nem tudo)

Rute

“Não sou analfabeta”

(Escrevia o seu nome)

“Analfabeta”

(Não lia nem escrevia

uma palavra correta)

“Analfabeta”

(Não sabia ler tudo, nem

lia corretamente)

De acordo com o Quadro 8, duas alunas, Eva e Ana, iniciaram as aulas se

considerando analfabetas e uma delas (Eva) não mudou essa visão no final e mesmo depois do

PBA, porque, segundo ela, não havia aprendido nada (não sabia ler nem escrever). Já Ana,

por ter aprendido a ler palavras grandes, não mais se considerava “analfabeta”. Duas alunas

não mudaram a visão que tinham ao longo do Programa, uma vez que desde o início não se

consideravam analfabetas, uma porque sabia escrever o nome, conhecia e lia as letras e,

também, por estar aprendendo e entendendo algumas coisas (Rebeca) e a outra porque

escrevia o nome (Raquel). Como Rebeca e Raquel; Sara e Rute iniciaram o Brasil

Alfabetizado não se considerando analfabetas, mas terminaram mudando de concepção.Para

uma maior clareza e um detalhamento do Quadro 8, analisou -se as mulheres por pares, tendo

como critério alguns pontos de contato nas respostas delas.

No período inicial das aulas, quando perguntadas se elas se achavam analfabetas,

somente Eva e Ana iniciaram as aulas afirmando que sim. A razão dada por Eva era que ela

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“[não sabia] ler e escrever” e Ana era a de que ela “[não sabia] nada ainda” e também “[não

sabia ler] palavras grandes”. É importante destacar que Ana era a aluna mais avançada60

em

relação à leitura e à escrita dentre as mulheres pesquisadas, e Eva era uma das menos

avançadas.

No final do período de aulas Eva continuava afirmando, como no primeiro momento,

que era “analfabeta”. O motivo de Eva era que não havia aprendido “quase nada ainda não”,

que para ela representa especialmente o não saber ler: “Eu só não digo que sou analfabeta

quando eu já tiver lendo (...), eu acho assim”. O não saber ler já tinha sido citado por ela num

primeiro momento como um motivo fundamental dela se compreender como “analfabeta”

(dessa vez ela não citou o escrever, como na primeira entrevista). Diferentemente de Eva,

Ana, nesse momento já não se considerava “analfabeta”, pois já sabia “algumas besteirinhas”,

já sabia ler palavras grandes.

Finalmente, no período após o término das aulas (cinco meses depois), Eva ainda se

achava analfabeta, porque não sabia “escrever tudo ainda. Não sei ler direito, nem escrever”.

Já Ana, nessa última entrevista, reafirmou que não se considerava mais “analfabeta”, pois já

sabia “ler alguma coisa”.

Outra dupla de mulheres é Raquel e Rebeca, que não se viam como analfabetas. Elas

justificaram essa afirmação de forma diferente. No período inicial, final e após o término das

aulas, Raquel, a menos avançada das duas em termos de leitura e escrita, justificou sua

resposta de uma só maneira: “já aprendi a fazer o meu próprio nome”. Raquel continuou

insistindo em dizer que não era “analfabeta”, porque aprendeu a “fazer” o nome dela. Rebeca

também afirmou que não era “analfabeta” do início ao final das aulas, porém, apresentou

justificativas distintas da de Raquel e mais diversificadas. Inicialmente ela afirmou que não

era analfabeta, porque já conhecia as letras do alfabeto, além da letra “o”. Ela disse:

mesmo eu não sabendo ler, né, assim, diretamente as palavras certas, como deve,

mas pra mim eu já tô, já tô feliz de estar aprendendo, né. Eu não sou a analfabeta

assim. Quando diz assim: eu não conheço nem um “o” como seja uma xícara de

café. Então, eu já tô conhecendo mais de um “o”, né (...). Mas, assim, tem que

aprender mais (Rebeca - Entrevista 5 – 22/12/2011).

No final das aulas, Rebeca apresentou o mesmo motivo de antes, isto é, que o

“analfabeto é aquele que não sabe nem o que é um ‘o’ [...], que se diz que é uma xícara”. Ou

que o “analfabeto mesmo, tapado, é aquele que não sabe nem do nome”. Ela afirmou que

60

A questão desses níveis de avanço em relação à leitura e à escrita será vista mais adiante.

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conhecia as letras. Após as aulas, sendo ela uma das mulheres menos avançada em termos de

leitura e escrita, disse que o motivo dela não ser “analfabeta” era que ela estava “aprendendo

aos pouquinhos”, pois anteriormente “não sabia fazer nada”. Ou seja, “não conhecia a letra,

nem nada”. Além disso, também disse que já fazia o seu “nome” e já estava entendendo

“algumas coisinhas”.

Os outros dois pares de mulheres (Sara e Rute) iniciaram as aulas afirmando que não

eram analfabetas, justificando, como Raquel, que já sabiam “fazer” os seus próprios nomes.

No final do período de aulas, Rute mudou de opinião e disse, nesse segundo momento,

que se considerava “analfabeta” e apresentou como motivo o fato de não saber “ler uma

palavra correta” e não saber “escrever uma coisa” que alguém venha a pedir para ela escrever.

Sara, que havia dito categoricamente que não era “analfabeta”, no final do período de

aulas afirmou que era “analfabeta” só que “mais ou menos”. Ela disse, de um lado, que já

sabia “algumas coisas”, como “fazer tarefas, conta, [soletrar] [e ler] algumas coisinhas”. Por

outro lado, ela disse que não sabia “ler completo assim, totalmente ler, não sei ainda não”. Ou

seja, tinha dificuldade com “alguma letra” e com “alguns nomes”, e com “nome grande”.

No período após o término das aulas, Sara, uma das mais avançadas, continuou

afirmando, agora com mais convicção, que ainda era “analfabeta”, pois não sabia “ler, assim,

completo e tudo, tudo”. Quando foi feita informalmente essa pergunta, ela disse que ficara

pensando a semana todinha. Digo, meu Deus do céu, me ajuda, porque, porque eu

fiquei pensando: não sei ler, ler completamente, assim, tudo. Se eu soubesse, mas

não sei completamente, assim. De algumas coisas eu sei ler. Tem hora que dá um

branco (Sara – Entrevista 30 – 03/10/2012).

Rute, como Sara, afirmou que era “analfabeta”, pois ainda não sabia “ler [tudo]” ou

“ler corretamente”. Interessante é que, diferentemente de Rebeca e Raquel (que disseram não

ser analfabetas pelo fato de escreverem o seu próprio nome), ela disse que uma pessoa que só

escreve o seu nome continua sendo analfabeta.

Uma pessoa que escreve o nome, não pode dizer que não é analfabeta (Rute -

Entrevista 27 – 04/10/2012).

Acho que sou analfabeta. (pausa, olhando para mim). Acho que uma pessoa

escrevendo só seu nome não pode dizer que, que não é analfabeta. É sim (Rute -

Entrevista 27 – 04/10/2012).

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O caso das alunas Sara e Rute é particularmente interessante, pois o processo de

escolarização se encarregou de convencê-las de que elas eram de fato analfabetas, já que não

aprenderam efetivamente a ler e escrever.

É preciso ficar atento, porém, às concepções das mulheres acerca do que é uma pessoa

“analfabeta”, que indica diferenças das concepções da literatura educacional em geral, revela

também diferenças nas próprias concepções das mulheres entre si e, além disso, expressa algo

da identidade delas, ou seja, de como se veem.

3.3 O que as mulheres liam e escreviam antes de entrar na escola?

Como dito em outros momentos desta pesquisa, a maioria das mulheres só foi à escola

quando adultas e somente duas delas estudaram na infância ou na adolescência de maneira

não sistemática. Para conhecermos o que as mulheres liam e escreviam antes de ingressarem

no PBA, foram feitas duas entrevistas com cada uma delas. O quadro abaixo mostra os

resultados em relação à leitura:

Quadro 9: O que as mulheres liam antes do PBA?

SABERES ANTERIORES EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE TOTAL

Todas as letras do alfabeto - - - 3

Algumas letras do alfabeto - - - 3

O próprio nome - - - 3

Algumas poucas palavras - - - 3

Várias palavras - - - - 2

Quanto à leitura, quatro delas (Eva, Rebeca, Raquel e Rute) disseram que sabiam ler

todas as letras do alfabeto (Rebeca) ou a maioria das letras do alfabeto (Eva e Rute) ou as

vogais e outras poucas letras (Raquel), o seu próprio nome (Eva) e algumas poucas palavras

(Eva, Rebeca e Rute).

No caso das letras do alfabeto, elas chamavam de “palavras” (Rebeca e Raquel) ou

“palavrinhas” (Eva). Numa entrevista feita cinco meses antes das aulas iniciarem, Eva disse:

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Rebeca falou que o material usado por ela para aprender as letras do alfabeto foi o

“ABC do analfabeto” ou a “cartilhazinha do analfabeto”, conforme ela relatou:

antes de entrar na escola eu sabia, assim, o a, e, i, o, u (ri), que é o ABC, né? Que a

gente vai aprendendo primeiro, com aquela cartilhazinha do analfabeto, né? Que as

pessoas dizem. O ABC, né? A, b, c, d, e, f, g, h, i, j, i. Aí eu comecei aprender assim,

as letras (...) antes de estudar mesmo (...) (Rebeca – Entrevista 36 – 03/10/2012).

Quanto ao nome delas, somente Eva e Rute disseram que sabiam ler, até porque já o

havia memorizado. Mas mesmo assim não era uma leitura fluente, mas “soletrando” devagar

(Eva). Rute testemunhou que

(...) sabia. Antes de entrar na escola eu já escrevia meu nome (...). Isso eu nunca

esqueci, não (...) (Rute – Entrevista 21 – 27/09/2012).

As palavras que Eva e Rebeca afirmavam ler eram aquelas já memorizadas e

presentes nos eventos do dia a dia. Eva falou, por exemplo, que sabia ler o nome de ônibus:

Extrato da 1a entrevista com a aluna Eva: o que lia e escrevia antes de ir à escola- 12/05/2011.

Pesquisador: O que hoje a senhora consegue ler?

Aluna: Assoletrando as palavrinha.

Pesquisador: Soletrando como?

Aluna: É soletrando, assim, se eu pego um, se eu pego uma revista, pego uma revista e fico assim

assoletrando a letrinha e aí assim eu vou conseguindo formar a palavra, as palavrinha.

Pesquisador: Tem alguma palavra que a senhora conhece que se aparecer numa revista, num jornal

ou qualquer outro lugar a senhora leria?

Aluna: Sim. Conhecia. O nome assim.

Pesquisador: Qual?

Aluna: “A”, “b”, né, “c”.

Pesquisador: As letras?

Aluna: As letras, assim. E dá pra soletrar assim, né.

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Já Rebeca falou que sempre tentava ler as palavras “soletrando”, “letrinha por

letrinha”:

antes de eu estudar aqui, já havia treinado em outras escolas. Então, eu sempre eu

tentei assim, soletrando, de letrinha por letrinha, não é, quer dizer assim que é uma

pessoa que sabe tudo, que tá diretamente na palavra (...) do livro, né (Rebeca –

Entrevista 16 – 16/05/2012).

Ela afirmou que conhecia o nome ‘Jesus’. Mas ao ler essa e outras poucas palavras,

tinha dúvidas se estava lendo corretamente. Um dia antes do início das aulas ela disse:

Extrato da 1a entrevista com a aluna Eva: o que lia e escrevia antes de ir à escola- 12/05/2011.

Pesquisador: O que hoje a senhora consegue ler?

Aluna: Assoletrando as palavrinha.

[...] Pesquisador: A senhora vê a palavra e aí vai soletrando?

Aluna: Vou soletrando e vou lendo. Feito assim, quando eu vou saio, e aí pra acertar o nome dos ôrnibu eu

olho assim o Cajueiro Seco né?E o Afogados. Aí o Cajueiro Seco eu sei pelo o número.

Pesquisador: E como é que a senhora aprendeu o nome Cajueiro Seco?

Aluna: Cajueiro Seco que tem, que tem um “j”? Como é? O “g”?

[...] Pesquisador: Um “g”?

Aluna: Um “g”, um “j”. Ca-jueiro, “G”. Ca-jueiro.

[...] Pesquisador: É o “g” ou “j”?

Aluna: “J”. Num tem? (...) Ca- ju- ei- ro?

Pesquisador: No nome Cajueiro Seco tem um “j”?

Aluna: Tem “j”.

Pesquisador: E é por causa do “j” que a senhora conhece?

Aluna: É, que eu conheço. E aí tem Cajueiro Seco.

Pesquisador: Mas como é que a senhora acha que começam as palavras “Cajueiro” e “Seco”?

Começam com quais letras?

Aluna: A primeira letra?

Pesquisador: Sim, da palavra Cajueiro.

Aluna: Cajueiro começa com “K”, né?

Pesquisador: E Seco começa com o quê?

Aluna: “C”, “c”. Se-co, co, co. Cajueiro Seco.

Pesquisador: E no nome Cajueiro tem um “j”?

Aluna: Um “j”, é.

Pesquisador: Mas é por causa do “j”?

Aluna: É (...). E tem cidade também, né? Cajueiro Seco que já é cidade, cidade. C-da-d-a-di.

Pesquisador: E como é que a senhora consegue ler “cidade”?

Aluna: Cidade eu começo com “c”.

Pesquisador: Começa com “c”.

Aluna: “C”.

Pesquisador: Começa com “c” cidade?

Aluna: “C” cidade é.

Pesquisador: E Cajueiro começa com o quê?

Aluna: Começa com “k”.

Pesquisador: E o que mais faz a senhora reconhecer o ônibus?

Aluna: Com o número. Aí eu digo esse. É aí é, ou, é 163, Cajueiro Seco. Aí eu digo Cajueiro, quando ele

vem já, já tô vendo o ônibus já vindo, Cajueiro Seco.

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leio. Quando eu tento, leio. Eu aprendi a ler, assim, por exemplo, a primeira letra

que eu comecei a ler na Bíblia, Jesus. Aí eu lia e ficava ali martelando em cima da

palavra, eu não sei se está certo. Porque se eu pego esse livro aqui eu soletro uma

letra e posso até falar pro senhor: Olhe pastor, eu li. Agora, o senhor vai dizer pra

mim pra eu ter (...) certeza, se eu li mesmo. Aí pronto, eu me engancho é aí, sabe?

Aquela dúvida que (...), eu já inté orei pra Deus tirar essa dúvida de mim (Rebeca –

Entrevista 36 – 09/10/2011).

E Rute dizia que lia algumas palavras, que ela chamava de “besteiras” (por ser

numericamente pequenas) e as via em “cartilha” e “livros”, mas sem lê-las de forma

“correta”. Essas palavras eram conhecidas dela, mas mesmo assim não deu nenhum exemplo.

Rute também destacou que não houve uma prática contínua de leitura, o que trouxe

dificuldades para ela:

eu pegava o livro e lia muitas palavrinhas dele, mas depois eu deixei pra lá e fui

esquecendo [...] (Rute – Entrevista 21 – 27/09/2012).

Na verdade, Rute destacou que ler para ela era ‘ruim’, e isso mesmo após o período do

PBA:

Sara e Ana demonstraram um conhecimento mais avançado em termos de leitura e

escrita em relação às outras mulheres. Elas liam, além das letras do alfabeto, do seu nome e de

algumas palavras conhecidas, como as demais, também outras palavras que viam. Sobre as

palavras que as duas mulheres acima liam, Sara fez uma classificação entre “palavra fácil” e

“palavra difícil”. Palavras fáceis para ela eram as que tinham duas ou quatro letras:

(pausa, enquanto pensa) Assim, se for quatro letras, assim, ainda sei ler, porque,

assim, vou assoletrando eu leio. Mas se for, assim, palavra difícil eu não leio não

(Sara – Entrevista 01 – 14/06/2012).

nome fácil pra mim é nome, assim, que tem duas letras, quatro letra, assoletrando,

eu digo (Sara – Entrevista 31 – 03/10/2012).

Sara descreveu as palavras difíceis da seguinte maneira:

Extrato da 23a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘chave’ - 04/10/2012.

Pesquisador: A senhora consegue ler [a palavra ‘chave’]?

Aluna: Deixe eu ver.Pra ler é meio ruim [após ele tentar ler a palavra ‘chave’].

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palavra difícil, pastor,é, assim, palavra difícil é essas palavras (...) esses nomes que

eu não sei ler, que são, assim, muito junto, assim, que tem as letras, assim, que eu

conheço, mas que realmente eu não sei assoletrar, pra dizer o nome completo (Sara –

Entrevista 01 – 14/06/2012).

Sara lia as palavras (fáceis ou difíceis) por meio do processo de soletração. Nesse

sentido, ela lia as letras e as juntava em sílabas. Quando as palavras possuíam sílabas

diferentes da estrutura consoante-vogal, ela apresentava dificuldades na leitura por soletração.

Já Ana tinha uma prática de leitura mais avançada dentre todas as mulheres, mesmo

começando seus estudos na fase adulta. Antes de começar os seus estudos ela sabia ler as

“letras” do alfabeto, ler o seu “nome” e algumas palavras. O seu filho, segundo ela, a ajudou

muito nesse processo de leitura:

olhe, eu sabia ler, eu sabia assim: sabia das letras que meu menino ensinava, eu

sabia das letras que meu menino ensinava, eu sabia meu nome que meu menino

ensinou e, assim, ajuntava as letras [...] (Ana – Entrevista 01 – 25/10/2011).

Sobre as palavras que ela lia, Ana usava uma terminologia diferente de Sara para sua

classificação: ela falava de “palavra pequena” e “palavra grande”. Ela definiu e exemplificou

o que eram palavras pequenas, que conseguia ler.

Agora, se disser, assim, “dado”, “Pedro”, “quadro”, essas coisas, assim, mais

pequenas eu sei rápido, logo, eu entendo logo o que é aquilo ali, tá entendendo?

(Ana – Entrevista 01 – 25/10/2011).

Sobre as palavras grandes, Ana afirmou:

depois que eu entendo o que é aquilo ali, faz feito ‘mocotolombó’. Aí eu fico o

tempo todo, ‘liquidificador’, tá entendendo, esses nomes, assim, mais difícil, aí fica

mais difícil; ‘professora’, sabe, aí fica mais difícil (Ana – Entrevista 01 –

25/10/2011).

Mesmo lendo as palavras que denominou de pequenas, ainda assim Ana disse que as

lia “gaguejando”.

O quadro a seguir apresenta os resultados do que as mulheres escreviam antes de

ingressarem no PBA.

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Quadro 10: O que as mulheres escreviam antes do PBA?

SABERES ANTERIORES EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE TOTAL

Letras v v V 6

O próprio nome completo v v - v 5

O próprio nome incompleto - - - - - 1

Palavras que sabiam de cor - - - V - 2

Quanto ao que as mulheres escreviam; quase todas as mulheres (cinco delas)

afirmaram que, antes de iniciarem seus estudos no PBA, só sabiam fazer o seu nome

completo. Fora desse grupo, Raquel não escrevia seu sobrenome, mas somente ela escrevia o

seu nome, embora faltando letras, como ela mesma falou:

antes de entrar na escola eu fazia o primeiro nome, às vezes eu acertava e às vezes

eu errava (Raquel – Entrevista 25 – 04/10/2012).

As mulheres usaram estratégias distintas para aprender a escrever o nome. Eva

aprendeu a escrever o seu nome com um dos seus filhos, em casa. Enquanto ele oralizava as

letras do nome dela, a mesma escrevia várias vezes. Ela contou como esse processo ocorria:

assim, me ensinando, Alcides começou me ensinado, meu filho que faleceu. Aí ele

começou me ensinar, a dizer o nome [as letras] [...] e aí eu comecei a fazer [as letras]

[...] (Eva – Entrevista 01 – 12/05/2011).

Já Rebeca passou a escrever o seu nome olhando para a “carteira de identidade”.

[...] Aí eu boto a carteira [de identidade] na frente e aí meu marido diz: “para com

isso, vai tu (...) começa aí sozinha mesmo, pra tu fazer só”. Aí eu, de vez em

quando, eu faço só, sabe, tento (Rebeca – Entrevista 01 – 09/10/2011).

Ana disse claramente que não sabia escrever nada antes de entrar na escola, com

exceção do seu nome, que não escrevia corretamente:

eu sabia assim, porque eu marcava as letras que pegava o meu nome (Ana –

Entrevista 23 – 04/10/2012).

E Rute também sabia “assinar” o seu nome e aprendeu em casa sozinha.

Já sabia assinar, que eu aprendi em casa mesmo (Aluna Rute – Entrevista 01 –

25/10/2011).

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Dentre as mulheres, só Sara falou que, apesar de escrever “muito pouco”, conseguia

escrever o seu “nome completo, sem olhar”. Sara também escrevia algumas palavras, como

Ana também.

Escrevia muito pouco, só se for um nome assim: “casa” (pausa), “papai”, que é um

nome, assim, fácil. Essas coisas, nomes fácil, aí eu escrevia (Sara – Entrevista 31 –

03/10/2012).

Sara entendia que era “muito pouco” o que ela escrevia. As palavras escritas por Sara

ela designava de palavras “fáceis”, ou seja, palavras de uma ou duas sílabas.

3.4 As expectativas das mulheres

As mulheres alimentaram determinadas expectativas durante a sua vida. E à medida

que se envolveram com práticas de letramento em diferentes agências de letramento, novas

expectativas foram surgindo.

3.4.1 O que gostariam de ler e escrever

As mulheres expressaram seus desejos e sonhos, que tinham relação estreita com

eventos e práticas com as quais elas se envolviam, embora não plenamente, em agências de

letramento distintas. A seguir, veremos o que elas desejavam ler e escrever, respectivamente.

3.4.1.1 O que gostariam de ler

O quadro abaixo expõe os textos ou gêneros textuais que as mulheres gostariam de ler:

Quadro 11: O que as mulheres gostariam de ler

MULHERES CATEGORIA

Eva, Rebeca, e Rute A Bíblia

Raquel A Bíblia e uma “lista de supermercado”

Sara Tudo, especialmente a Bíblia

Ana A Bíblia e cantar Hinos

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O que se percebeu foi a presença da Bíblia como texto fundamental a ser lido por

todas elas. Pelo fato de serem cinco delas evangélicas e uma católica, revelaram um profundo

apego ao texto bíblico e estarem envolvidas em eventos diversos no espaço da igreja, com

menos frequência Rute. Raquel e Ana sempre expressaram, além da Bíblia, o desejo de ler a

“lista de supermercado” e o Hinário da sua igreja, respectivamente. Se utilizarmos, no

entanto, como referência a frequência, com que elas mencionaram os materiais alvos de suas

leituras tem-se o seguinte:

Quadro 12: Material que cada uma das mulheres gostaria de ler

ALUNA MATERIAL

Eva Bíblia

Sara Tudo

Rebeca Folhetos evangelísticos

Raquel Lista de compra de supermercado

Ana Hinário

Rute Livro

A leitura da Bíblia: sentimentos, crenças, sentido de vida e participação em

eventos

No caso das mulheres da pesquisa, a leitura da Bíblia nem sempre foi uma expectativa

da maioria delas, como o era agora. Isso ocorreu após elas se tornarem evangélicas61

. Ana

disse que

achava que nunca ia precisar [ir à escola], entendeu? Eu achava que nunca ia

precisar [...], mas chega um tempo, que depois que eu fui crente, aí foi aonde eu

achei a necessidade de saber ler, entendeu? Foi aonde eu achei, depois que eu fui

crente. Aí eu ia [...] pra igreja e quando chego lá na igreja, eu escuto o culto todinho.

Eu vejo as crianças, eu vejo aquelas mulheres, as senhoras lá [...]. Se eu quero ir pro

meio daquelas senhoras, o que eu vou fazer ali, se eu não sei [ler]? Tá entendendo?

(Ana – Entrevista 1 – 25/10/2011).

Em uma das aulas, Ana incentivou as demais alunas da sala a aproveitar os oito meses

que elas teriam [fazendo o PBA] para “aprender”. Ela afirmou: “vamos logo, temos que

aprender em oito meses. Não é possível que a gente não aprenda!”. Ana considerou

61

No “mundo evangélico” a Bíblia é o texto fundamental ou, como se diz, a ‘regra de fé e prática’ da vida das

pessoas. Ela é levada para os encontros da igreja, é lida, é interpretada, discutida e aplicada, cujo objetivo, dentre

outros, é a prática diária de suas orientações.

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inconcebível ela e as suas colegas não aprenderem em oito meses. Na mesma aula Eva

acrescenta que o aprendizado é essencialmente “pra ler a Bíblia” (Aula 2 – 18/10/2011).

Não saber ler para Ana era algo tão expressivo que a privava não só de ler a Bíblia,

mas a desestimulava a levar a própria Bíblia para os encontros da igreja, pois, segundo ela,

não fazia sentido levá-la, sem saber lê-la:

eu não levo nem a Bíblia [...] para a igreja. Se não sei ler, para que levar? (Ana –

Aula 1 – 11/10/2011).

De qualquer maneira elas expressavam sentimentos e crenças pela Bíblia, tinham

expectativas quanto ao seu envolvimento em práticas de letramento na igreja e, mais do que

isso, a leitura do texto bíblico era algo que dá sentido à própria vida delas.

Os sentimentos e crenças pela Bíblia vão desde expressões de “amor” (Eva), de que

era algo “bonito e interessante” (Sara), de que era “a Palavra do Senhor” (Rebeca), de que ela

era “linda”, tornava alguém “bem-aventurado” e dava “alegria” (Raquel), de que eram

“palavras [...] que Deus deixou” (Ana) e de que era a “verdade” (Rute).

Eva, que exprimia mais clara e intensamente esses sentimentos e crenças, dizia que

amava a Bíblia, que

é uma Palavra. Eu tenho um amor muito grande por essa Palavra, de Deus (Eva –

Entrevista 1 – 12/05/2011).

É possível perceber que as mulheres viam a busca da leitura da Bíblia como algo que

alcançariam com ‘fé’: “[...] Eu quero aprender é ler a Bíblia. [...] Tem que ter fé, mulher [se

dirigindo a Sara, que havia dito que Ana era “firme”]!”, e com a ajuda de “Jesus”: “Tenho que

aprender [a ler e escrever] em nome de Jesus”, é o que afirmavam respectivamente Ana e Sara

na mesma aula (Aula 5 – 25/10/2011).

As mulheres também afirmaram que a leitura da Bíblia tinha uma relação estreita com

o sentido de suas vidas, como dissemos acima. Eva e Raquel diziam o seguinte:

É a Palavra mais importante da minha vida, é a Palavra de Deus, Jesus. [...] Essa é a

importância de eu querer saber ler: é pra ler a Bíblia. Se eu aprender a Bíblia pra

mim, eu aprender essa Palavra e morrer pra mim oi [gesticula, mostrando que tudo

mais não tem importância] (Eva – Entrevista 1 – 12/05/2011).

Ah, meu Deus! Eu abrir a Bíblia [em casa e na igreja] e ler versículos todinho que

tem na Bíblia sozinha [dá risadas]! É o mais importante que eu acho na minha vida

(Raquel – Entrevista 1 – 16/10/2011).

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Além dos sentimentos e crenças e o que a Bíblia representava para elas, a prática da

leitura do texto bíblico, para elas, proporcionaria a participação de eventos no espaço da

igreja e fora dele.

As mulheres acreditavam que a prática da leitura da Bíblia ajudaria na leitura pública

da própria Bíblia (Eva), na evangelização (Rebeca), ajudaria a fazer leitura pessoal em casa e

na igreja (Raquel), “conhecer mais” ou “conhecer [...] a verdade do Livro” (Rute), a “ver as

Palavras [...] que Deus deixou escrita ali, que eu não entendo” e “cantar hino” (Ana) e

simplesmente “abrir” e “ler” a Bíblia (Sara).

Pelo menos quatro das mulheres (Eva, Rebeca Raquel e Ana) destacaram

explicitamente essas expectativas [de se envolverem mais plenamente em eventos na e fora da

igreja].

Rebeca era frequente nos encontros da igreja e a que mais se envolvia com as

atividades evangelísticas fora do espaço da igreja (nas ruas, em conjuntos habitacionais e em

residências do bairro e assim por diante).

Quando eu fosse evangelizar, já estava ali [...] eu quero falar do meu jeito [...] o que

o Senhor manda, me dê sabedoria, que eu vou embora pra rua [...] a gente se dá com

o público assim, pra falar a Palavra de Deus, tem que ser Jesus na frente [...]. Pra

aquele que sabe ler vai ler diretamente e tal. [...] Tem gente que tem aquela

sabedoria, sabe ler o livro [da Bíblia] e fica com aquela coisa [...], aquela coisa lenta,

com aquela preguiça [...]. Comigo ia ser diferente, porque eu tenho vontade [de ler a

Bíblia]. [...] Tem pessoa que sabe ler e nem tá aí e outro já não sabe [...] fica assim

como mudo ou surdo, quer falar e não pode, não consegue só o gesto [dá risada], a

mesma coisa sou eu [...]. Eu queria tá lendo, assim, a Palavra pra passar mesmo,

assim, [...] o amor de Deus (Rebeca – Entrevista 1 – 09/10/2011).

Algo que Rebeca mencionava também é que, mesmo reconhecendo suas limitações em

relação à leitura e escrita, pessoas da vizinhança reconheciam que ela fala da Bíblia como

alguém que sabe ler. Ela explicou que isso era um cumprimento das promessas de Deus em

sua vida, que lhe dava condições de ouvir, aprender e falar da Palavra dele [de Deus].

Às vezes a menina [vizinha dela] diz assim, tu disse aí, falasse alguma coisa aí que

tá na Bíblia e tu não ler, por que tu fala assim? Porque Deus, Ele é fiel Ele é

tremendo. E Ele é um homem, que um homem [...] pra mentir, não é homem que vai

prometer a promessa e não vai cumprir, Ele vai cumprir sim (Rebeca – Entrevista 1

– 09/10/2011).

Eva e Raquel expressavam o mesmo desejo de realizar leituras pessoais e públicas da

Bíblia. Raquel, porém, não se envolvia nos encontros da igreja como Eva e nem fora da igreja

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como Rebeca, em virtudes das suas responsabilidades em casa. Sobre a sua expectativa, ela

disse:

Ah, meu Deus! Eu abrir a Bíblia [em casa e na igreja] e ler versículos todinho que

tem na Bíblia sozinha [dá risadas] (Raquel – Entrevista 1 – 16/10/2011).

Já Ana sempre revelou o desejo de ler a Bíblia e, também, enfatizou o desejo de ler e

cantar hinos do Hinário, especialmente na igreja.

Porque eu estou estudando pra isso: pra aprender [no sentido de também

compreender] ler a Bíblia, pra aprender ler [...], cantar hino, tá entendendo? (Ana –

Entrevista 1 – 25/10/2011).

Outros tipos de leituras desejadas

Como dito anteriormente, Raquel expressou continuamente o seu desejo de ler ‘lista

de supermercado’, como o fez até ao final do PBA.

Eu quero aprender [a ler] só para ir ao supermercado e ler lista de supermercado e

ler a Bíblia, minha fia [falando com Maria José] (Raquel - Aula 31 – 23/05/12).

Raquel é a única das mulheres que realizava compras para o mês inteiro, juntamente

com o seu filho. Ela ditava os produtos para alguém que os escrevia, mas Raquel não

conseguia ler a lista no supermercado, precisando sempre da ajuda de alguém.

Ana expressou enfaticamente o desejo de ler, além da Bíblia, também o Hinário

utilizado em sua igreja. Desde o início das aulas Ana demonstrou o seu interesse em cantar.

Eu vou aprender, sim, a ler, para cantar hino na igreja (Ana – Aula 1 – 11/10/2011).

Apesar de tanta expectativa, Ana, além da dificuldade de ler e cantar os hinos cantados

pela sua igreja, não levava o seu hinário para os encontros da sua igreja, pois não via sentido

nisto, o que sempre a fazia chorar.

Eu não levo [...] o hinário para igreja. Se não sei ler, para que levar[ameaça chorar,

mas se segura] (Aluna Ana – Aula 1 – 11/10/2011).

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Para Ana, cantar hinos era tão crucial, que havia um sentimento de urgência em

“aprender” que a levava, inclusive, a incentivar a sala, algumas vezes.

Vamos logo, temos que aprender em 8 meses. Não é possível que a gente não

aprenda! [...] Quero na nossa despedida cantar um hino da harpa (Ana - Aula 2 –

18/10/2011).

Esse desejo não será concretizado, pois na despedida ela ainda não se sentia segura e,

além disso, se sentia um pouco constrangida, e terminou não cantando.

Em voz alta e para toda a classe, Ana disse que a sua igreja não sabia que ela estava

estudando, pois queria fazer uma surpresa à mesma. E a surpresa incluía ela cantar um hino

nos cultos, diante de todos:

ninguém na igreja sabe que estou estudando. Vou fazer uma surpresa. Eu vou

aprender a ler para cantar hino na igreja. Mas enquanto não sei ler eu vou levar a

harpa para quê? Já tenho dois anos [na igreja] estudando e não aprendi o que queria.

Tem gente que decora, mas eu não [...] (Ana - Aula 1 – 11/10/2011).

Sara, além da leitura da Bíblia, gostaria de ler tudo com que ela tivesse contato:

Eu gostaria de ler [pausa] queria ler tudo. O que tava assim na minha frente eu

queria ler. E como eu já falei, a Bíblia também. (Sara – Entrevista 1 – 14/06/2011).

Esse também era um desejo que estava implícito no desejo das outras mulheres, mas

não com tanta ênfase como em Sara.

3.4.1.2 O que gostariam de escrever

Sobre o que gostariam de escrever, o quadro abaixo resume as expectativas das

mulheres.

Quadro 13: O que as mulheres gostariam de escrever

MULHERES CATEGORIA

Rebeca e Rute Carta

Eva Carta e cartão (de Natal)

Sara Carta, ensinar as tarefas dos meninos, tudo.

Raquel Tudo, como um cartão (de Natal)

Ana O que der vontade de fazer, especialmente um bilhete

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Em relação ao que mais queriam escrever, as mulheres, conforme quadro acima, em

sua maioria, destacou o gênero “carta”, e dentre esse grupo, uma delas queria também

escrever um cartão de Natal e outra queria, além de escrever carta, ajudar os seus filhos em

suas tarefas escolares, naquilo que exigisse a escrita. Essa última também disse que desejava

escrever tudo, como o faziam outras duas. Nos demais grupos, uma delas mencionou só o

gênero “cartão de Natal” e a outra um “bilhete”.

A escrita de carta

Nos relatos das mulheres perceberam-se os motivos principais porque queriam praticar

a escrita, os quais tinham relação com sentimentos pessoais e práticas relacionadas à sua

atividade profissional.

Três das mulheres ao quererem escrever carta, expressavam sentimentos associados a

pessoas amigas ou da própria família. Como é o caso de Eva, Rebeca e Rute.

Porque eu gostaria de escrever pra mandar carta assim pra pessoas que amo, feito

Dete mesmo [...] e Everaldo [casal da igreja que se mudou para outro Estado] (Eva –

Entrevista 1 – 12/05/2011).

Escreve carta mesmo assim [...], pra família, né? [...]. Muita coisa, né?(Rebeca –

Entrevista 1 – 09/10/2011).

Porque às vezes a gente quer se comunicar com a família, aí pra tá pedindo os outros

eu acho chato. Então, já que eu não, não, sei fazer, também eu vou pedir a ninguém

pra fazer (Rute – Entrevista 1 – 08/11/2011).

Queriam mesmo uma autonomia na escrita. Quando isso não era possível preferiam às

vazes ficar sem se comunicar com aquela pessoa da família.

Outros tipos de escrita

Além de escrever cartas, Raquel e Ana destacaram outro gênero, a escrita de cartões,

com os de Natal:

quando eu quiser fazer assim, na semana de Natal, fazer um cartãozinho, mandar um

cartãozinho, assim, pá irmã, assim. Vou mandar um cartãozinho de Natal pra minha

irmã, aí eu mesmo escrever, assim, as palavras, não era? Do jeito que eu queria, não

era? E não pedir a ninguém, né, irmão? Aí como não sei ler, aí eu não compro o

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cartão [...] quando eu ver ela, aí eu dou um abraço de amor, né irmão? [mais risadas]

(Raquel – Entrevista 1 – 16/10/2011).

cartão, assim, quando é Natal. A gente quer mandar um cartão pra pessoa que a

gente ama tanto. Aí a gente bota uma mensagem, no cartão (Ana – Entrevista 1 –

12/05/2011).

Essas expressões de sentimentos estavam associadas à escrita de alguns gêneros

literários que elas desejavam dominar, para se envolverem em práticas relacionadas a

atividades domésticas, como afirmou Sara, que desejava ajudar seus filhos nas tarefas de casa,

e Ana, que gostaria de escrever um bilhete para quem ela lavava roupa, solicitando aumento

do valor da lavagem de roupa:

[pausa] Que eu gostaria de escrever era [...] sair escrevendo, escrever carta, sair

escrevendo, ensinar as tarefas dos meninos [...] e escrever tudo (Sara – Entrevista 1

– 14/06/2011).

às vezes a gente, veja, eu sou uma pessoa, assim, tímida de outro jeito. Às vezes eu

lavo uma roupa de ganho, eu lavo. Aí eu vou lavando aquela roupa, tô vendo que tô

tendo prejuízo. Eu não quero chegar e cobrar aquela pessoa. Eu queria fazer um

bilhete, dizendo que a roupa não estava dando certo, porque eu queria que me

aumentasse que eu não queria receber aquele ordenado, queria que aumentasse,

queria que pagasse tanto, tá entendendo? Eu queria fazer isso e botar ele dentro da

trouxinha, entendeu? (Ana – Entrevista 1 – 25/10/2011).

3.4.2. Por que as mulheres voltaram à escola?

Finalmente, as mulheres disseram o porquê de terem iniciado ou retornado à escola, o

que se confunde com as expectativas do tópico anterior, quanto ao desejo de ler e escrever.

Ler era o motivo principal enfatizado por todas as mulheres. Seja “ler tudo” (Sara) ou

“ler bem muito” (Raquel) ou “ler mais coisa também” (Rebeca), indicando que alguma coisa

ela já consegue ler ou “só [...] mesmo aprender a ler” (Rute), como motivo exclusivo de voltar

a estudar.

Essa ênfase de Rute na exclusividade da leitura tinha relação com a sua idade e,

portanto, com aspirações mais essenciais, que, para ela, era tudo:

ele [se referindo a juventude em geral] vai querer estudar, ter um estudo melhor,

fazer uma faculdade, né? E eu, que já estou com idade avançada, só quero mesmo

aprender a ler [...]. Tudo isso, só que eu quero. (Rute – Entrevista 16 – 08/11/2011).

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O desejo de ler das mulheres, no entanto, estava estritamente associado a “ler a Bíblia”

ou “ler [...] as Palavras de Deus” (Raquel) ou “aprender a ler versículo na Bíblia” (Ana), sem

o qual tudo o mais é secundário. Eva, mesmo após o término do PBA, relembrou o motivo

principal que a havia feito retornar à escola, que ainda não se concretizou:

foi pra ler [dá uma risada], tudo o que eu quero é ler a Bíblia. Tudo, sempre no

começo eu só queria aprender pra ler a Bíblia. A primeira coisa que eu queria fazer é

ler a Bíblia (Eva – Entrevista 33 – 05/06/2012).

Eva acreditava que, iniciando seus estudos e aprendendo a ler a Bíblia, ela alcançaria

“sabedoria” e “inteligência”, que se concretizaria com o ato de ler. É o que Eva reafirmou

após a conclusão do PBA:

Esse ato de ler, almejado pelas mulheres, ao ingressarem na escola, apontava, na

verdade, para a ampliação de outras práticas em espaços diversos. Uma prática destacada por

uma delas era simplesmente a leitura de “algumas palavras”, por exemplo, num “livro”

(Rute). Outra era “cantar o hino” (Raquel) ou, além de cantar um hino, “cantar na frente como

os outros canta [m] [na igreja], que eu não sei” (Ana), ou, ainda, como falou Raquel que

queria ler para “quando for fazer compra não perguntar a ninguém” e, por fim, porque “quer

viajar, quer saber o endereço”, ou seja, fazer isso sozinha (Ana).

Outro motivo, de caráter secundário, que motivou o retorno ou início dos estudos foi o

“escrever”, seja carta ou o nome, conforme já mencionado no tópico anterior desse mesmo

capítulo.

Sara enfatizou que já tinha uma prática em relação à escrita, que era a de escrever

“palavras fácil”, mas ela queria avançar nessa prática.

É. Meu sonho [...] É ler, escrever, que também, escrever também eu não sei essas

coisas todas não, só se for as palavrinhas fácil (Sara – Entrevista 31 – 03/10/2012).

Extrato da 47a entrevista com a aluna Eva: por que voltou a estudar? - 01/10/2012.

Pesquisador: A senhora acha que a leitura da Bíblia vai trazer o quê para a senhora?

Aluna: Oxente! Tudo de bom: sabedoria, inteligência (risada). Fazer com que eu entenda o que (...) significa

a Bíblia cada dia mais.

Pesquisador: Mas sabedoria e inteligência a senhora (...) tem.

Aluna: Eu tenho, mas, tenho, mas eu não tenho tanto como eu, não sei saber ler. (...) Se eu soubesse ler era,

era outra coisa.

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Pelo que foi dito até aqui, as mulheres vieram de famílias do interior, de pais ligados à

agricultura e analfabetos. Elas tiveram uma vida escolar fora da relação idade - série e

assistemática e começaram os estudos, propriamente dito, na idade adulta ou idosa. Quanto ao

fato de serem analfabetas ou não, após o término das aulas, as mulheres figuraram em dois

grupos: as que não se achavam analfabetas e as que ainda se consideravam analfabetas.

Três das mulheres, Rebeca, Raquel e Ana (as duas primeiras menos avançadas e a

última a mais avançada), em termos de leitura e escrita, permaneceram com a opinião de que

não eram analfabetas e os motivos que usaram têm relação com o fato delas escreverem o seu

nome, conhecerem e lerem as letras do alfabeto e/ou saberem ler alguma coisa.

As outras três mulheres, Eva, Rute e Sara, concluíram o ano escolar se considerando

analfabetas, por motivos que se relacionavam ao fato de não saberem ler (ler tudo, como

nomes grandes, e corretamente) e, também, escrever.

As mulheres, em sua maioria, apresentavam uma prática semelhante a respeito da

leitura, antes de ingressarem na escola. Essa prática envolvia a leitura de letras do alfabeto, do

seu nome e palavras já conhecidas por elas, que estavam ligadas a eventos nos quais elas se

envolviam em espaços como a igreja e no uso de transporte público. Somente duas delas, Sara

e Ana, liam palavras novas, pequenas ou fáceis como diziam, que surgiam nos eventos nos

quais participavam ou em casa mesmo.

Quanto ao que elas escreviam, a maioria delas só sabia “fazer” o nome e mesmo assim

sem segurança, faltando letras ou incompleto. Elas conseguiram escrever o próprio nome

utilizando estratégias no espaço da própria casa. Uma delas (Sara) escrevia, além do nome,

palavras consideradas por elas fáceis, ou seja, as que possuíam duas sílabas.

Antes de entrar na escola, as mulheres tinham como expectativa o ato de ler. Mas a

motivação principal era a leitura da Bíblia. Quanto ao escrever, a escrita de carta figura como

a principal expectativa das mulheres. Elas mostraram, dessa forma, consciência quanto as suas

necessidades de aprender a ler e a escrever, para atender às necessidades do cotidiano delas.

O retorno à escola surgiu para concretizar esses desejos de leitura e escrita, mas no

centro das suas expectativas estava mesmo a leitura da Bíblia, como algo que dava sentido à

própria vida delas.

Esse ingresso na escola era algo tão significativo que se tornou um lugar prazeroso e

Eva chegou a orar a Deus para nela estar:

[...] eu tô gostando de ir pá escola [...], assim [...], todo dia, assim, que eu tô indo pra

a escola eu gosto [...] chega fico pedindo a Deus a hora que chegue, da hora do

colégio pra mim ir (Aluna Eva – Entrevista 5 – 15/12/2011).

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Era pela instituição escolar que as mulheres pretendiam concretizar as suas

expectativas de leitura e escrita, mais do que isso, as expectativas que davam sentido as suas

próprias vidas. Mas, como se verá no próximo capítulo, essas expectativas não foram

atendidas.

Garcia (2006), em sua pesquisa sobre expectativas que levam jovens e adultos em

processo de alfabetização e escolarização a iniciarem seus estudos ou retornarem à escola,

afirma que “o adulto não retorna à escola com a intenção de recuperar um tempo perdido ou

para aprender algo que não aprendeu quando criança. O que ele busca é um aprendizado para

as suas necessidades atuais” (ibid., p.69). Ela conclui baseada nas expectativas colhidas em

sua pesquisa, que “as expectativas dos alunos [...] em relação ao processo de alfabetização

vêm, algumas vezes, desmitificar aquilo que muitas vezes julgávamos ser o mais relevante

para eles” (ibid., p.90-91).

Já no referencial teórico, teve-se a oportunidade de apresentar algumas expectativas de

jovens e adultos ao iniciarem o processo de alfabetização ou voltarem a este processo,

elencadas pela própria Garcia, autora mencionada acima. Mas, no caso desta pesquisa, não

houve nenhuma correspondência com os resultados de Garcia, pois as mulheres expressaram

desejos muito pessoais e ligados a práticas e eventos nos quais já se envolviam antes do

egresso na escola.

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CAPÍTULO 4: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES

ANALFABETAS NO ESPAÇO ESCOLAR: O QUE ELAS SABIAM? O QUE

APRENDERAM?

Neste capítulo procurou-se mostrar e analisar algumas das práticas de leitura e escrita

vivenciadas pelas alunas na escola. Antes, porém, se apresentará o perfil de entrada dessas

alunas quanto aos conhecimentos que tinham sobre a leitura e escrita no início da experiência

escolar (embora não percebessem e/ou reconhecessem isso). Para tanto, recorreu-se aos

protocolos de escrita e às falas dessas mulheres no momento em que tentavam escrever ou ler

as palavras escritas. Depois disso, se destacará as práticas pedagógicas da professora, para se

perceber com mais clareza as atividades de leitura e escrita vivenciadas pelas alunas no

ambiente escolar. Por fim, se analisará também o perfil de saída dessas mulheres em relação à

escrita e à leitura, ou seja, o que elas efetivamente aprenderam no período escolar. Feito isso,

se discutirá, utilizando as falas das alunas, se suas expectativas foram ou não atendidas.

4.1 O perfil de entrada das mulheres em relação à escrita alfabética

De acordo com as fases da escrita propostas por Ferreiro e Teberosky (1988), pode-se

dizer que todas as mulheres da pesquisa estavam na fase alfabética ou silábico-alfabética,

antes de entrarem na escola, apresentando, no entanto, diferenças nas escritas. A seguir, se

comentará as atividades de cada uma delas e, para isso, se mostrará, inicialmente, a atividade

de escrita de palavras realizadas por elas.

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4.1.1 Eva

Figura 1 - Diagnose inicial da aluna Eva (nível

silábico - alfabético)

Eva, ao escrever as palavras, conseguia escrever algumas correspondências silábicas

convencionais, mas fazia muitas trocas, omissão e/ou acréscimo de letras. Pode-se dizer que

ela se encontrava na hipótese silábico-alfabética de escrita.

Ao escrever a palavra PÃO, por exemplo, ela colocou o ‘P’ inicial e o ‘O’ final, mas

não conseguiu grafar corretamente o som do ‘A’ nasalisado. Na palavra SAPOTI, ela trocou o

‘S’ inicial pelo ‘C’ e escreveu a segunda sílaba transcrevendo a forma como ela é falada na

palavra (com som de ‘U’). Ao escrever a palavra CAJU, Eva disse que tinha um ‘C’ e um ‘K’,

e por isso não escreveu o ‘A’ da primeira sílaba. Vejamos o que ela comentou ao escrever

essa palavra:

Extrato da 3a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita da palavra ‘caju’-13/10/2011.

Pesquisador: Qual é essa próxima [palavra]?

Aluna: ‘Caju’ [dá uma risada de leve]. Um ‘c’ e um ‘k’. Fazer um ‘k’? [começa a rir]. Meu ‘k’ é muito

[pausa]. ‘Cá’, ‘gê’, ‘u’, ‘gê’ e um ‘u’, ‘ca-ju’.

Pesquisador: Terminou?

Aluna: ‘C’, ‘k’, ‘g’, ‘u’, ‘caju’.

Pesquisador: Caju?

Aluna: Caju.

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Em BETERRABA, nas duas primeiras sílabas ela também omitiu as vogais, o que

pode estar relacionado com o fato do nome das letras apresentarem o som da vogal das

referidas sílabas (B e T) e acrescentou o ‘R’ no meio da última sílaba, porque foi assim que

ela leu. Na palavra CHUCHU, ela só escreveu duas letras e fez os seguintes comentários:

Percebe-se, nesse caso, que, como a palavra é formada por duas sílabas iguais, a aluna

achou desnecessário repetir a sílaba que já tinha escrito. Já ao tentar escrever GRAVIOLA,

ela comentou que essa palavra tinha a letra ‘H’, provavelmente por perceber que o som da

primeira sílaba (GRA) se parecia com o nome da referida letra. Seguem os comentários que

EVA fez quando estava escrevendo essa palavra:

Eva talvez tenha omitido o ‘A’ da primeira sílaba da palavra GRAVIOLA, por

considerar que o nome da letra ‘H’ já continha o som da vogal da referida sílaba (‘H’), como

ela também fez em ‘beterraba’.

Enfim, destaca-se que Eva, ao iniciar o Programa BA, apresentava hipótese silábico-

alfabética de escrita uma vez que, por um lado, escrevia algumas correspondências silábicas

corretamente (as mais simples), e por outro, omitia, trocava ou acrescentava letras ao escrever

partes de algumas palavras, correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente

da consoante–vogal (CV) e também apresentou ausência de nasalização. Por saber o nome das

Extrato da 3a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita da palavra ‘graviola’-13/10/2011.

Pesquisador: E a próxima [palavra]?

Aluna: ‘Jaboticaba’[...].

Pesquisador: Novamente?

Aluna: [...] Não [...] é ‘jaboticaba’, não. [...] Essa daqui é ‘graviola’, com ‘h’, né, também? ‘H’[...] deixe eu

ver, ‘h’ [...] ‘gá’[...]. Tô esquecida ‘h’ como é que faz, mas vou lembrar. ‘H’ [...] ‘graviola’ [...].

Extrato da 3a entrevista com a aluna Eva: demonstrando que faltava letra na palavra ‘chuchu’, mas não sabia

qual - 13/10/2011.

Pesquisador: Sentiu dificuldade?

Aluna: Senti [ri] dificuldade [...] pra escrever o ‘chuchu’.

Pesquisador: Por quê?

Aluna: Porque [...] só lembrei do ‘cê’ e ‘u’, ‘chuchu’.

Pesquisador: E a senhora acha que tem mais [letras]?

Aluna: Eu tô achando a palavra grande [ri].

Pesquisador: Tá achando a palavra grande?

Aluna: Sim, ‘chuchu’.

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letras, em algumas sílabas ela apenas escreveu uma letra cujo nome correspondia ao som da

sílaba, o que indica que ela ainda não percebeu o princípio de que, no nosso sistema de

escrita, toda sílaba tem vogal.

4.1.2 Sara

Figura 2 - Diagnose inicial da aluna Sara (nível

silábico - alfabético)

Sara, na escrita das palavras, escreveu bem mais correspondências silábicas

convencionais e fez menos trocas, omissão e/ou acréscimo de letras se comparada com Eva.

Mas pode-se dizer que ela também se encontrava na hipótese silábico-alfabética de escrita.

Apesar de mostrar dúvida quanto à escrita da palavra PÃO, Eva conseguiu escrevê-la

corretamente, até porque é uma palavra estabilizada para ela, pois a decorou quando às vezes

ajudava o filho em suas “tarefas” escolares, em casa, e, também, por associar a nasalização de

‘pão’ ao próprio nome do filho. Vejamos o que ela disse sobre isso:

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Sara grafou a palavra CHUCHU da mesma maneira que Eva, escrevendo apenas duas

letras (‘CU’), e não soube explicar o porquê disso. Possivelmente ela, como Eva, pensava

que,como a palavra era formada por duas sílabas exatamente iguais, era desnecessário repetir

na escrita a mesma sílaba. Na palavra JABUTICABA, ela trocou o ‘J’ inicial pelo ‘G’,

escrevendo a primeira sílaba da palavra com ‘GE’, talvez por notar que essa letra também

representa o som do ‘J’.

Na palavra MELANCIA, Sara escreveu a última sílaba como se a palavra fosse

nasalisada (‘ÃO’), como em ‘pão’, talvez pensando na segunda sílaba nasalisada (‘LAN’). Ela

omitiu o ‘L’, mas escreveu o ‘N’. Interessante é perceber que em GRAVIOLA ela escreveu a

letra ‘H’, como Eva o fez, provavelmente também por achar que o som da primeira sílaba

(‘GRA’) é semelhante ao nome da referida letra. Sara e Eva escreveram GRAVIOLA,

respectivamente, quase que iguais: (‘HAVIOLA’ e ‘HVIOL’), só omitindo, no caso de Eva, o

‘A’ da primeira sílaba e o ‘A’ final.

Identificou-se, assim, que Sara se encontrava na hipótese silábico-alfabética de escrita,

já que, como Eva, escrevia algumas correspondências silábicas corretamente (as mais

simples) e omitia, trocava ou acrescentava letras ao escrever partes de algumas palavras,

correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente da CV. Por saber o nome

das letras, em algumas sílabas ela apenas escreveu uma letra cujo nome correspondia ao som

da sílaba por não perceber, ainda, o princípio de que toda sílaba tem vogal.

Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre a escrita da palavra ‘pão’ - 05/10/2011.

Pesquisador: Essa primeira figura, qual é o nome? Aluna: Pão.

Pesquisador: E você escreveu aqui um [o quê?]? Aluna: Um ‘pê’, um ‘a’ e um ‘o’. E um tracinho.

Pesquisador: Que tracinho é esse? Aluna: Sei não.

Pesquisador: Sabe não?

Aluna: Sei não.

Pesquisador: [Sara já havia escrito a palavra ‘pão’] você já tinha visto essa palavra escrita em algum

outro lugar?

Aluna: Já.

Pesquisador: Já?

Aluna: Já.

Pesquisador: E aí você decorou a [...] palavra?

Aluna: Decorei.

Pesquisador: [...] Onde é que você vê normalmente essa palavra?

Aluna: Ah, pastor! Em alguma coisa. Nas tarefas dos meninos.

Pesquisador: [...] E esse som ‘ão’ de ‘pão’, você lembra-se de outras palavras, que tenham esse som

[...]?

Aluna: ‘Pão’, tem ‘João’, que é mais fácil e que é o nome de meu filho, que eu olho na tarefa dele e vejo,

né? Que o nome dele é ‘João’.

Pesquisador: Tem alguma coisa a ver você saber o nome de seu filho ‘João’ e [...] assim escrever ‘pão’?

Aluna: [...] As letras, assim, são parecidas e eu já vou [...] fico lembrando [...] [de] ‘pão’, ‘João’.

Pesquisador: [...] Então você se lembrou de ‘João’?

Aluna: É, de ‘João’.

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4.1.3 Rebeca

Figura 3 - Diagnose inicial da aluna Rebeca

(nível silábico - alfabético)

Rebeca fez correspondências silábicas convencionais muito mais que Eva e Sara, mas,

como estas, também ela fez muitas trocas, omissão e/ou acréscimo de letras. Ela, de igual

modo, como Eva e Sara, se encontrava na hipótese silábico-alfabética de escrita.

Rebeca começou a diagnose fazendo a sua primeira troca na palavra PÃO, no

momento em que trocou o ‘P’ inicial pelo ‘D’, mas não fez isso em SAPOTI. O trecho a

seguir mostra a sua dúvida quanto à nasalização da palavra ‘pão’, que marcou corretamente,

mas ela não se conformava:

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Eva também trocou a letra ‘B’ pelo ‘D’ ao escrever as palavras BETERRABA,

ABACAXI E JABUTICABA. Os comentários que Rebeca fez ao escrever a palavra

‘jabuticaba’ foram os seguintes:

Extrato da 2a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita da palavra ‘jabuticaba’-05/11/2011.

Pesquisador: [...] Que figura é essa? [...]

Aluna: ‘Jabuticaba’ [começa a rir]. Tô pegada com azeitona viu? [pesquisador também ri]. ‘Jabuticaba’.

‘Já’ um ‘gê’, ‘gê’. [pausa] Deixa ver, meu Deus! Olhe, um ‘gê’ [...]. [soletrando algumas letrinhas baixinho]

Deixe eu ver se eu me lembro viu, pastor? [pausa silenciosa] Um ‘gê’, ‘ja', um ‘gê’ ‘ja', um ‘ja' [...] ‘S’ ‘a’

[pausa silenciosa] ‘s’ ‘ja’ ‘ja’ ‘ja’ ‘ja’ ‘gê’ Não, não é ‘s’, é com ‘gê’, né? Eita meu Deus! Eita, pastor, pere

aí!

[...].

Pesquisador: Isso é o quê [apontando para a letra ‘j’]?

Aluna: ‘Jota’? ‘Jota não pode ser. ‘Ja’ ‘gê’ ‘a’.

Pesquisador: Por que não pode ser? Por que a senhora acha que não pode ser o ‘j’? No início a

senhora disse que era um ‘gê’, agora a senhora escreveu ‘jota’ e disse que não pode ser um ‘jota’. Por

quê?

Aluna: ‘Jabuticaba’, eu acho que pode.

Pesquisador: Pode?

Aluna: Um ‘gê’ com ‘a’ ‘ja’, um ‘gê’, acho que é ‘gê’ [começa a rir]. Pere aí, pastor, tem que dá certo,

porque senão não sai né? [soletra baixinho as letras] ‘ja’ ‘bu’, um ‘b’ com ‘u’, ‘ja’ ‘bu’ ‘ti’ ‘ti’ ‘ca’ ‘bra’.

Jesus!

Pesquisador: [...] Vamos ver como é que ficou então? A primeira letrinha?

Aluna: Um ‘gê’.

Pesquisador: A segunda?

Aluna: ‘A’.

Pesquisador: A terceira?

Aluna: ‘D’.

Pesquisador: ‘Dê’ ou ‘bê’?

Aluna: ‘Bê’ [mas escreve ‘d’].

[...].

Pesquisador: E essa?

Aluna: ‘B’ com ‘u’, ‘t’, ‘i’ ‘t’ ‘i’, ah, meu Deus amado, me ajude! [suspirando]. Um ‘g’ com ‘a’ ‘ja’ ‘b ‘u’

‘jabu’, ‘bê’ ‘u’[volta a escrever o ‘u depois do ‘d’, que ela chama de ‘b’] ‘cá’.

Pesquisador: [Termina escrevendo ‘jadutica’].

Extrato da 2a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita da palavra ‘pão’ - 05/11/2011.

[Após escrever outras palavras, retorna à escrita da palavra pão].

Pesquisador: A senhora, então, está preocupada com o pão [...]?

Aluna:Esse negócio do pão tem alguma coisa aí [começa a rir juntamente com o pesquisador].

Pesquisador: [...] Tem letra de mais ou está faltando letra [...] ou as letras não estão corretas?

Aluna:[...] O pão tem [...] um som [...]. Eu creio assim que ele tem um [...] pra ser pão tem um [...] tem

algum [...] traço, assim, alguma coisa que eu já percebi, né?

Pesquisador: Ah! A senhora acha que tem algum traço faltando?

Aluna:É, pra fazer ‘pão’, ‘pão’. É como a professora ensinou à gente, ela diz uma coisa à gente, que a gente

pensa que está falando certo e ela vai bem no som, bem longe, assim, vai arrastando, não é? [...] E aí a gente

se perde. Por isso que eu não aprendi ainda, por causa do som. Tem um som que ela leva [nesse momento a

aluna eleva as mãos para cima e faz um som] e a gente fica enganchando, feito um ralo na cenoura.

Pesquisador: Então a senhora acha que é o som?

Aluna:É.

[Termina escrevendo ‘dão’].

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Algo que ficou claro na fala da aluna, mas imperceptível na escrita, é que ela, apesar

de escrever ‘jabuticaba’ com ‘J’, diz que a primeira letra dessa palavra é mesmo o ‘G’. Na

segunda sílaba, ela diz que é ‘B’ e ‘U’, mas grafa a letra ‘D’. Assim, percebe-se que ela

realmente confunde algumas letras que possuem sons iguais ou parecidos. Ela também trocou,

por exemplo, o ‘C’ pelo ‘S’ na primeira sílaba da palavra CENOURA, o que é comum nessa

fase em que ela se encontrava.

As palavras CHUCHU e GRAVIOLA merecem destaque, especialmente porque são

escritas diferentemente da escrita de Eva e Sara. Enquanto estas duas alunas escreveram

‘chuchu’ somente com uma sílaba, Rebeca escreveu com duas sílabas iguais (‘CUCU’),

escritas na estrutura CV, omitindo o ‘H’. Ela parece desconhecer estruturas silábicas

diferentes das formadas por consoante e vogal (CV) ou só por vogal (V). Na escrita da palavra

GRAVIOLA, ela omitiu, por exemplo, o ‘G’, escrevendo, para a primeira sílaba, as letras ‘R’

e ‘A’.

Enfim, pode-se relacionar Rebeca também com a hipótese silábico-alfabética de

escrita, uma vez que, por um lado, escrevia algumas correspondências silábicas corretamente

(as mais simples), e, por outro, omitia e trocava letras ao escrever partes de algumas palavras,

correspondentes principalmente a sílabas com estruturas diferentes da CV.

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4.1.4 Raquel

Figura 4 - Diagnose inicial da aluna Raquel (nível

silábico - alfabético)

Raquel, na escrita das palavras, fez poucas correspondências silábicas convencionais,

realizando omissões, trocas e algumas inversões de letras ao marcar as sílabas das palavras.

Pode-se dizer que ela se encontra na hipótese silábico-alfabética de escrita, marcando,

diferentemente das outras alunas, muito mais sílabas com apenas uma letra.

Ao escrever a palavra PÃO, ela grafou o ‘P’ inicial de forma espelhada. Ela, como

pode ser visto no extrato a seguir, teve dificuldades de marcar essa letra, pois não se lembrava

como ela era:

Extrato da 3a entrevista com a aluna Raquel: que não conhecia a letra ‘p’ na palavra ‘pão’-20/10/2011.

Pesquisador: Como é que a senhora escreveria?

Aluna: E eu sei? Mostre um ‘p’ aqui a mim [olhando para o cabeçalho da diagnose]. Ah, meu filho, é muita

dificuldade pra minha cabeça, sei não. Um ‘p’, como é que faz um ‘p’? Um ‘p’, cadê? Sei não. Mostre um

‘p’ a mim, me ajude, porque não sei fazer não [o pesquisador ri com a maneira de Raquel falar]. Pensa que

eu estou brincando é [brincando e quase rindo]

Pesquisador: [Espera Raquel começar].

Aluna: Esse aqui é um ‘p’, não é? [apontando com o lápis para a palavra ‘PROJETO’, no cabeçalho da

diagnose].

Pesquisador: Esse aqui é um ‘p’?

Aluna: Meu Deus! Deveria me dizer [...]. [...] Que ‘p’ bonito!

Pesquisador: Na palavra pão...

Aluna: Aqui tá errado, irmão [se referindo à escrita da letra ‘p’, que estava escrito ao contrário].

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Raquel, ao tentar escrever as palavras, as pronunciava oralmente e ia dizendo algumas

letras que percebia que elas tinham. Ao escrever CENOURA, por exemplo, ela identificou

que essa palavra começava com ‘C’ e disse que tinha um ‘N’ e o ‘A’, como pode ser

observado no extrato a seguir:

Nas palavras CAJU e JABUTICABA, Raquel realizou a mesma troca de letras, a

saber, o ‘J’ pelo ‘G’, provavelmente por conta da similaridade do som dessas duas letras.

Apesar de escrever a letra ‘C’ no início da palavra CAJU, quando a estava escrevendo disse

que caju começava com ‘Q’, como pode ser visto a seguir:

Extrato da 3a entrevista com a aluna Raquel: sobre a escrita da palavra ‘cenoura’-20/10/2011.

Pesquisador: E essa segunda figura?

Aluna: ‘Cenoura’[...].

[...] Pesquisador: Quais letrinhas a senhora acha que tem?

Aluna: Um ‘c’ [...].

[...] Pesquisador: Não posso dizer [rindo].

Aluna: Tá vendo que ele não quer dizer [pesquisador ri]. Pesquisador: A senhora acha que tem ‘c’?

Aluna: Não sei, sei não, irmão. Pesquisador: Vá colocando o que a senhora realmente acha [...].

Aluna: Meu Deus! [pausa silenciosa]. É um ‘c’ é, pastor?[...]. [...] Pesquisador: A senhora disse que acha que cenoura começa com ‘c’ [...].

Aluna: Mas não é. Pesquisador: Mesmo assim...

Aluna: Misericórdia. [...] Deveria me ajudar, né? Porque eu sei que não é um ‘c’, ‘cenoura’. Pesquisador: O que mais a senhora acha que tem?

Aluna: Sei não. Minha mente está muito apagada [...]. [...] Pesquisador: Como assim apagada?

Aluna: [...] Sei não, não consigo não. Pesquisador: [...] Que outra letrinha a senhora acha que tem cenoura?

Aluna: Um ‘n’, tem um ‘n’ e ‘n’? Pesquisador: Vá anotando!

Aluna: O irmão está me enganando [brincando]. Pesquisador: [...] Que mais [rindo]?

Aluna: Será que tem um ‘a’, meu Deus! Pesquisador: Vá ‘botando’.

Aluna: Depois eu vou apagar tudinho [rindo]!

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Em SAPOTI, escreveu as duas primeiras sílabas marcando apenas uma letra, como o

fez também em outras palavras, o que a aproxima da escrita silábica. Na palavra CHUCHU,

ela só escreveu duas letras, como Eva e Sara, provavelmente também por achar desnecessário

repetir a mesma sílaba. Diferentemente das duas alunas mencionadas, não escreveu o ‘C’, mas

um ‘X’, e mesmo assim, após o ‘U’ e em forma de uma cruz, fazendo o seguinte comentário:

Na palavra GRAVIOLA ela substitui a primeira sílaba (‘GRA’) por ‘H’, como o

fizeram Eva e Sara, provavelmente por perceber, como as outras, que o som da primeira

sílaba se parece com o nome da referida letra.

Enfim, pode-se dizer que Raquel, então, apresentava a hipótese silábico-alfabética de

escrita, uma vez que escrevia poucas correspondências silábicas corretamente (as mais

simples), e omitia, trocava ou invertia letras ao escrever partes de algumas palavras,

correspondentes principalmente a sílabas com estruturas diferentes da CV. Por saber o nome

das letras, em algumas sílabas ela apenas escreveu uma letra cujo nome correspondia ao som

da sílaba por não perceber ainda o princípio de que toda sílaba tem vogal.

Extrato da 3a entrevista com a aluna Raquel: sobre a escrita da palavra ‘caju’-20/10/2011.

Pesquisador: Essa próxima [figura]?

Aluna: ‘Caju’.

Pesquisador: [...] Como se escreve [...]?

Aluna: ‘Caju’ é um ‘q’, cadê o ‘q’? O ‘q’ é isso aqui, é?

Pesquisador: A senhora se lembra do ‘q’?

Aluna: Não sei se é esse não!

[...].

Pesquisador: [...] A senhora colocando, eu sei a letrinha. Então a senhora acha que começa com o ‘q’

[...]?

Aluna: ‘Caju’? ‘ca - ju’ [soletrando], ‘ca - ju’ [começa a rir].

[...]

Extrato da 3a entrevista com a aluna Raquel: sobre o formato da letra ‘x’ - 20/10/2011.

Pesquisador: E a quarta figura?

Aluna: ‘Chuchu’ [...].

Pesquisador: A senhora imagina o quê [...]?

Aluna: Um ‘x’.

Pesquisador: Vá fazendo, não tem problema [...]!

Aluna: Mas tá errado [...]. Eu fiz foi uma cruz.

Pesquisador: Tem problema não, eu entendo [rindo].

Aluna: [...] Eu fiz a cruz da Igreja Católica [rindo com o pesquisador].

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4.1.5 Rute

Figura 5 - Diagnose inicial da aluna Rute (nível

silábico - alfabético)

Rute começou a sua diagnose escrevendo a palavra PÃO. Na primeira tentativa ela

escreveu as letras ‘P’, ‘A’ e ‘U’, mas demonstrava dúvidas por causa da nasalização. Então,

ao retomar a palavra, ela apagou tudo, pois não sabia como marcar o som nasal, e escreveu

‘N’, ‘A’ e ‘U’. Esse procedimento pode ser observado no extrato a seguir, que mostra os

comentários que Rute fez ao tentar escrever essa palavra:

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Na escrita da palavra SAPOTI, ela trocou o ‘S’ inicial pelo ‘C’, escreveu o ‘O’ para a

sílaba ‘PO’ e, na última sílaba, inverteu as letras, escrevendo ‘IT’. Eis abaixo os comentários

que ela fez ao escrever essa palavra:

Extrato da 3a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘pão’ - 10/11/2011.

Pesquisador: [Inicia a escrita da palavra ‘pão’].

Aluna: ‘Pão’

Pesquisador: A senhora está em dúvida?

Aluna: Tô em dúvida com as letras. Começa com ‘t’? ‘T’, não é ‘t’, ‘a’, é um ‘p’, né? ‘Pã’ ‘u’.

Pesquisador: [...] A senhora está em dúvida?

Aluna: Tô em dúvida.

Pesquisador: Entre o ‘p’ e o ‘t’ [...]?

Aluna: ‘Pã’ ‘u’ [pausa silenciosa]. [...] Vou deixar para depois [...].

[...].

Pesquisador: [Risadas]. A senhora [não] sabe escrever pão?

Aluna: [...] ‘Pã’ ‘o’ [pausa silenciosa]. Ah, meu Pai! [Pausa mais longa e silenciosa], ‘a’, é um ‘p’ ou ‘a’ sei

lá. ‘Pã’ ‘u’ [pausa rápida e falando baixo]. Tô sem memória hoje.

[...].

Pesquisador: [Ri] A senhora sabia escrever pão [...]?

Aluna: Eu fiz tanto ditado com tanta coisa, agora não sei mais de nada, deixei pra lá, esqueci foi tudo. Pão

não é uma palavra muito grande, não é? [...] ‘Pã’ ‘u’, tem um ‘u’ [pausa rápida e silenciosa] ‘pã’ ‘u’, esse

‘pã’ é que me encabula [pausa rápida e silenciosa] vê se dá certo assim ‘pê’ ‘a’, ‘pa’ ‘u’ [pausa rápida e

silenciosa].

Pesquisador: [...] Que letrinha é essa de pão, essa primeira letra?

Aluna: ‘T’.

Pesquisador: É um ‘t’?

Aluna: É.

Pesquisador: A segunda?

Aluna: ‘A’ ‘u’ [...].

Pesquisador: [...] A senhora acha [...] que está faltando mais letra [...]?

Aluna: [...] Eu acho que sim [pausa rápida silenciosa] ‘pã’ ‘u’, não sei se começa com ‘t’ ou com ‘c’, eu não

sei.

[Após escrever algumas palavras, Rute volta à palavra ‘pão’].

Aluna: ‘Pão’ está errado, ‘pã’ ‘o’.

Pesquisador: [...] Acha que está errado pão?

Aluna: ‘Pã’, pão é com ‘p’, termina a noite e eu não terminei.

Pesquisador: Que é isso!

Aluna: ‘Pão’ não é com ‘p’, ‘pã’ é o ‘n’ não é? [Falando bem baixinho].

Pesquisador: Então a senhora está apagando tudo, não é? [Começa a apagar as letras que ela escreveu

da palavra ‘pão’].

Aluna: Apagando tudinho [pausa rápida e falando bem baixinho]. ‘Pã’ ‘u’, ‘pão’, tá tudo errado, ‘pã’ ‘u’[...],

sei não.

Pesquisador: [...] Que letrinha é essa [para a primeira letra que Rute escreveu para a palavra ‘pão’]?

Aluna: ‘N’ ‘a’ ‘u’

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Em CHUCHU, Rute expressa, na escrita, muitas dúvidas e dificuldades, “muito difícil

de fazer”, que a deixava “encabulada” e “atrapalhada” e a chama de “ruim”, “nome chato”,

apesar de ser um “nome pequenininho”. Como Rebeca, escreveu duas sílabas repetidas, mas

as grafou com as letras ‘X’ e ‘U’, o que é normal considerando que o primeiro fonema das

sílabas pode também ser representado por essa letra. Rute escreveu a palavra marcando a

sequência de sons dela e comentou que tinha dificuldades com “letras do mesmo jeito”:

Extrato da 3a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’-10/11/2011.

[Depois de algum tempo, Rute volta para ‘chuchu’].

Pesquisador: E faltou ‘chuchu’!

Aluna: ‘Chuchu’, fica ruim esse ‘chuchu’. Eu não sei nem qual é primeira letra de ‘chuchu’. É ‘chu’

[escrevendo ‘x’], ‘chuchu’ é com ‘x’, né?

[...]

Pesquisador: [...] Então escreva [ri].

Aluna: [Ri] Eu não sei nem qual é a primeira letra. ‘Chu’ é um ‘c’, ‘chu’ ‘chuchu’, que nome chato

[pesquisador ri]! ‘Chuchu’, ‘chu’ [fala baixinho algo], ‘chu’, nome pequenininho, mas chatinho, viu?

‘Chuchu’, é nas letras que eu me atrapalho [falando baixo] ‘chuchu’, sei lá!

[Antes de terminar a entrevista, Rute volta para ‘chuchu’].

Pesquisador: [Risadas] O que a senhora achou da tarefa?

Aluna: Quase não sai. Eu achei um pouco, muito pesada. Agora essa ficou em branco.

Pesquisador: ‘Chuchu’ não é?

Aluna: ‘Chuchu’ é muito difícil de fazer, eu não sei as letras dela direito não.

Pesquisador: Não sabe nenhuma?

Aluna: Eu sei que começa com ‘chu’, essa letra é que me encabula, ‘chu’ ‘chu’, duas letras do mesmo jeito.

Pesquisador: Ah, entendi!

Aluna: ‘Chu’ ‘chu’ [pausa rápida], é dois ‘u’ ‘chuchu’.

Pesquisador: Não posso dizer [risadas].

Aluna: ‘Chu’, com ‘x’ ‘u’, ‘x’, ‘chu’ [mas pensando em ‘xu’], ‘chuchu’ deve ter um ‘x’, né? Se tiver errado

[pausa rápida] ‘chu’ ‘chu’ [pausa rápida].

Pesquisador: É [...] para acompanharmos o desenvolvimento da senhora.

Aluna: ‘Chu’ ‘chu’, eu vou botar assim, se tiver errado, lá que me perdoe.Vai ficar assim mesmo. ‘Chuchu’

deve ter dois ‘x’ e dois ‘u’, ‘xu’ ‘xu’ [...].

Extrato da 3a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘sapoti’-10/11/2011.

[...]

Pesquisador: [...] Nesse momento ele vai para ‘sapoti’.

Aluna: ‘Sa', ‘sa' ‘po’, ‘sa' ‘po’ ‘ti’, será que é assim mesmo? Se tá errado vai ficar assim mesmo.

Pesquisador: [...] Qual é essa primeira letrinha de ‘sapoti’ [...]?

Aluna: ‘Sa’ é um ‘c’.

Pesquisador: É um ‘c’?

Aluna: É.

Pesquisador: Essa aqui é um ‘c’ [apontando para a primeira letra, que Rute escreveu, da palavra

‘sapoti’].

Aluna:‘C’, é [pausa rápida e silenciosa], eu digo um ‘c’, é a mesma coisa [em termos de SOM].

Pesquisador: A segunda?

Aluna:‘A’ ‘o’ ‘i’ ‘t’, ‘sa' ‘po’ ‘ti’.

[...]

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Já ao tentar escrever GRAVIOLA, ela destacou o som ‘GRA’ e o associou com o ‘H’

e “acha muito ruim” esse som ‘GRA’. Como Rebeca, mostrou essa dificuldade por perceber

que o som da primeira sílaba (‘GRA’) se parece com o nome da referida letra.

Rute, então, apresentava hipótese silábico-alfabética de escrita. Pelos comentários que

ela fez ao escrever e ler as palavras percebe-se que ela já identificava os sons das mesmas,

mas apresentava dificuldades em grafá-los corretamente. Ela, para avançar em sua hipótese de

escrita, precisava consolidar as correspondências grafofônicas.

Extrato da 3a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘graviola’-10/11/2011.

Pesquisador: [Parte direto para ‘graviola’].

Aluna: ‘Graviola’, e eu sei lá escrever ‘graviola’.Começa com ‘h’, é? ‘A’ ‘gra’. [Pausa rápida e silenciosa],

será que é com ‘h’, meu Deus! ‘Ga’ ‘vi’ ‘o’ [pausa rápida e silenciosa]. Essas palavras assim eu acho muito

ruim [apontando com o lápis para as duas primeiras letras da palavra ‘gr’].

[...] Pesquisador: Que é [...].

Aluna: [...] ‘Ga’ [Rute volta para ‘graviola’, tentando escrever a palavra]. [Pausa] ‘Ga’ ‘vi’ [soletrando as

letrinhas da palavra ‘graviola’]. ‘Ga’ ‘gra’ ‘vi’ ‘o’ ‘la’, será que tem ‘ele’, meu Deus? [Pausa silenciosa].

Pesquisador: [...] Vamos ver, então, as letras que a senhora colocou em ‘graviola’? A primeira delas?

Aluna: ‘A’.

Pesquisador: A segunda?

Aluna: ‘H’ ‘i’ ‘o’ ‘la’, ‘ele’ ‘a’.

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4.1.6 Ana

Ana, mais do que todas as outras mulheres, conseguiu escrever várias

correspondências silábicas convencionais, mas fez algumas trocas, omissões e pouco

acréscimo de letras. Pode-se dizer que ela se encontrava, diferentemente das demais, na

hipótese alfabética de escrita.

Ao escrever a palavra PÃO, por exemplo, ela coloca o ‘P’ inicial, mas não conseguiu

grafar corretamente o som do ‘A’ nasalisado e ao invés do ‘O’ final escreveu o ‘U’,

transcrevendo a forma como falamos a palavra. Apesar de escrever a palavra CAJU

corretamente, ela nos disse que a primeira letra da palavra era ‘K’, provavelmente se referindo

ao som que é igual ao nome dessa letra.

Figura 6 - Diagnose inicial da aluna Ana (nível

alfabético)

Extrato da 3a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘caju’-10/11/2011.

Pesquisador: [...] Parte para [...] ‘caju’.

Aluna: ‘Caju’, ‘ca’ ‘ju’ [pausa silenciosa] ‘ju’, deixe eu ver [pausa silenciosa] ‘ca’ ‘ju’ [...]

Pesquisador: Estás em dúvida?

Aluna: [...] É muito difícil [...]. [pausa silenciosa mais longa] será que está certo? [pesquisador ri]. Tá

faltando nada, alguma coisa. ‘Ca’ ‘ju’ [pausa silenciosa].

Pesquisador: A senhora terminou [...] [A escrita da palavra ‘caju’]?

Aluna: [Risos] Terminei. Não sei se está certo.

Pesquisador: [...] A primeira [letra da palavra ‘caju’] qual é?

Aluna: ‘K’

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Ana fez, basicamente, duas trocas de letras. Na palavra CENOURA, trocou, na

primeira sílaba, o ‘C’ pelo ‘S’ e omitiu o ‘U’ na segunda sílaba e fez o mesmo em

MELANCIA, na segunda sílaba, omitindo também a letra ‘N’. Ela fez isso porque transcreveu

a forma como a letra é falada (com som de ‘S’). Um exemplo disso é a palavra CENOURA

que, mesmo ela dizendo que começa com a letra ‘C’, ainda assim, escreveu com ‘S’. Ao

terminar de escrever essa palavra, ela comentou que “pulou letras”, o que pode indicar que ela

percebe outros sons, mas não sabe grafar sílabas diferentes da estrutura CV.

Na escrita da palavra BETERRABA, Ana trocou o ‘B’ pelo ‘D’ (e omitiu um ‘R’) e

em JABUTICABA o ‘J’ pelo ‘G’. No caso da palavra ‘jabuticaba’, ela sentiu dificuldades de

escrever a palavra chamando-a de ‘esquisita’, ‘ruim’ e ‘grande’, como está claro na sua fala a

seguir:

Extrato da 2a entrevista com a aluna Ana: sobre a troca da letra ‘c’ por ‘s’ na palavra ‘cenoura’-01/12/2011.

Pesquisador: Vamos para a segunda então [no caso ‘cenoura’].

Aluna: [ofegante, pois estava se recuperando de uma crise asmática] ‘C’, ‘c’, ‘ce’ [pausa silenciosa]. Tem que

botar como eu entendi né? [o pesquisador afirma que sim] ‘C’ ‘e’ ‘ce’ [pausa silenciosa]. [...] Botei assim.

Pesquisador: [...] A primeira letrinha qual é?

Aluna: ‘S’.

Pesquisador: A segunda?

Aluna: ‘E’.

Pesquisador: A terceira?

Aluna: ‘N’ ‘o’.

Pesquisador: [...] Essa aqui?

Aluna: ‘R’ ‘a’.

Pesquisador: Vamos ler então?

Aluna: Eu botei assim ‘cenoura’.

Pesquisador: Ok!

Aluna: [risadas].

Pesquisador: Por que a senhora está rindo [ri]?

Aluna: Tá tudo errado, porque eu pulo letra.

Pesquisador: [...] Como é que a senhora sabe que está errado?

Aluna: Porque eu pulo letra.

Pesquisador: Por que a senhora pula letra?

Aluna: Sei lá, porque eu não sei. Eu botei isso assim, um ‘s’ mesmo.

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144

Ana, como Rebeca e Rute, escreveu a palavra CHUCHU com duas sílabas e omitiu o

‘H’ em ambas as sílabas, provavelmente pela razão apontada anteriormente, relacionada com

a falta de conhecimento de outras estruturas silábicas. Como aconteceu com JABUTICABA,

teve muita dificuldade com a palavra ‘chuchu’ e a chamou também de ‘esquisita’, não por ser

grande, mas por outros motivos:

Extrato da 2a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘jabuticaba’-01/12/2011.

Pesquisador: A outra aqui é [se referindo à figura representando a ‘jabuticaba’]? [...].

Aluna: ‘Jabuticaba’, que nome esquisito é esse, em?

Pesquisador: Esquisito por quê?

Aluna: Porque é ruim de fazer.

Pesquisador: É ruim?

Aluna: É.

[...].

Pesquisador: Por que está rindo? [...] Como é que a senhora fez aqui? Essa aqui é o [aponta para a letra

‘g’]?

Aluna: ‘J’ ‘a’.

Pesquisador: Que letra é essa?

Aluna: ‘Jabuticaba’, ‘já’ ‘b’ ‘u’.

Pesquisador: [...] Reescreve a palavra.

Aluna: [...] ‘J’ ‘a’, ‘b’ ‘u’ ‘bu’, ‘t’ ‘i’ ‘ti’, é muito ruim esse nome, viu?

Pesquisador: ‘J’.

Aluna: ‘A’. ‘J’ ‘a’, ‘b’ ‘o’ ‘bo’. Que nome grande é esse? [pausa mais demorada].

Pesquisador: Como é que ficou?

Aluna: ‘Jabuticabra’. ‘J’ ‘já’, ‘b’ ‘o’ ‘bo’, ‘t’ ‘i’ ‘ti’, ‘c’ ‘a’ ‘ca’, ‘b’ ‘a’ ‘bra’.

Extrato da 2a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’-01/12/2011.

Pesquisador: E a próxima é chuchu.

Aluna: É com ‘c’, né? ‘Chuchu’ [risadas] ‘c’.

Pesquisador: [O lápis de Ana quebra a ponta]

Aluna: ‘Chuchu’ ‘c’ ‘u’ ‘c’ ‘u’, sei lá [falando bem baixinho]. ‘Chuchu” ‘chu’ [apagando o que ela havia

escrito]. Eu não vou saber fazer ‘chuchu’ não [...].

Pesquisador: Mas tente fazer [...]!

Aluna: [Pausa silenciosa]. ‘Chu’ ‘chuchu’ ‘chu’‘chu’ [nova pausa]. Esse nome é muito ruim, ‘chu’, é ‘c’ ‘u’.

É com ‘s’, ‘s’ ‘u’ [outra pausa], sei lá! ‘chu’‘chu’‘chu’. Eu não vou fazer esse nome não.

Pesquisador: Consegue não?

Aluna: Eu já não sei fazer [é] esquisito.

Pesquisador: [...] Mas tente! A senhora [...] escreveu o quê primeiro? Qual foi a letrinha?

Aluna: É ‘c’ ‘u’ é? Pesquisador: Não posso dizer. Mas assim, a senhora colocou ‘cu’, e a senhora está achando estranho?

Aluna: Eu acho ‘chuchu’ ‘chu’.

Pesquisador: O que a senhora está achando estranho? É o som [...]?

Aluna: Esse ‘chuchu’ é. É muito esquisito essa letra ‘chu’.

Pesquisador: Mas a senhora escreveu ‘cu’, não foi?

Aluna: Foi. [...] Nenhuma das duas [risadas].

[Terminou escrevendo ‘cu cu’].

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145

Quanto à escrita da palavra GRAVIOLA, Ana e Rebeca foram às únicas alunas que

não a grafaram com ‘H’. Ana grafou a primeira sílaba da palavra com três letras, colocando o

‘R’ depois do ‘GA’. Ela, ao escrever essa palavra, comentou que a primeira sílaba tinha o ‘R’

depois do ‘G’, mas escreveu essa letra no final da sílaba, provavelmente pelo costume de

escrever na estrutura CV.

Enfim, destaca-se que Ana apresentava hipótese alfabética de escrita, uma vez que

conseguia estabelecer corretamente muitas correspondências grafofônicas nas sílabas, até nas

mais difíceis, mas ainda omitia, trocava e acrescentava letras ao escrever partes de algumas

palavras, correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente da CV.

4.2 Como as mulheres escreviam o seu próprio nome?

Das seis mulheres, metade delas – Sara, Raquel e Ana - começou os estudos sabendo

escrever o nome completo e corretamente. Sara, que fez a diagnose em 05/10/2011, conseguiu

escrever o seu nome sem maiores dificuldades, embora ela tenha escrito o seu sobrenome com

a primeira letra minúscula. De igual modo, Ana, que fez a diagnose no mês de outubro,

escreveu o seu primeiro nome com letra minúscula e se esqueceu de acentuar o segundo

sobrenome. Raquel, que fez a diagnose em 20/10/11, também escreveu o seu segundo

sobrenome sem acentuá-lo, mas, diferentemente das outras duas, escreveu o seu nome sem

nenhuma separação (segmentação entre nome e sobrenome).

Uma observação, porém, precisa ser feita. Se usarmos como referência, além da

diagnose inicial, os cadernos das mulheres, Raquel e Ana sempre escreviam o próprio nome

nas últimas linhas do caderno. Raquel, que escreveu o seu nome corretamente na diagnose,

antes disso, e mesmo depois da diagnose, escrevia, às vezes, no seu caderno, o seu nome

completo e corretamente, e outras vezes incompleto ou faltando letras. No caso de Ana, que

Extrato da 2a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘graviola’- 01/12/2011.

Pesquisador: A última [...], como é que se escreve?

Aluna: Meu Deus do céu, por que botou essa fruta esquisita?

Pesquisador: [Risadas]

Aluna: ‘Gê’ ‘a’ [pausa silenciosa] ‘gê’ ‘rê’ ‘a’ ‘gra’, ‘g’ ‘r’ ‘a’ [escreve as letras ‘i’ ‘v’ ‘i’] ‘o’ ‘lê’ ‘a’

‘graviola’ [...].

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também escreveu o seu nome corretamente na diagnose, antes disso, e mesmo depois da

diagnose, escrevia normalmente o seu nome completo e corretamente, no seu caderno, mas

sempre sem o acento no primeiro sobrenome e mais raramente faltando letras.

A outra metade das mulheres – Eva, Rute e Rebeca - não escrevia o nome completo e

corretamente. Eva ao escrever o primeiro nome e sobrenome acrescentou uma letra em cada e

omitiu uma letra no sobrenome. Além disso, ela não segmentava as duas palavras (nome e

sobrenome), escrevendo tudo junto. Nas observações de aula, Eva demonstrou, no início do

Programa BA, na aula 11, dúvidas quanto à escrita do seu nome: “Vê se está certo o meu

nome!” [Perguntando à professora]. Mas no final, na aula 29, ela reconheceu que houve

avanços na escrita do seu nome: “Olhem como o meu nome melhorou!” [Dirigindo-se à

professora e demais colegas em voz alta].

Rute omitiu uma letra no seu primeiro nome, dando espaço entre nome e sobrenomes.

Já Rebeca, diferentemente de todas as mulheres, foi a única que não escreveu o seu nome

completo. Igualmente a Eva e a Rute, Rebeca omitiu uma letra no seu primeiro nome e uma

no seu primeiro sobrenome. Ela afirmou que só conseguia escrever o seu nome completo e

corretamente se olhasse para o seu RG.

Em síntese, pode-se dizer que os (as) alunos (as) jovens e adultos (as), quando entram

ou retornam à escola para aprender a ler ou escrever, possuem conhecimentos sobre a escrita

que revelam que não são ignorantes ou pessoas sem conhecimento algum (“tábulas rasas”),

como já observado pelo próprio Freire, ao considerar os chamados analfabetos como sujeitos

Extrato da 2a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita do seu nome - 05/11/2011.

Aluna: [inicia a escrita do seu nome]

Pesquisador: Está sentindo alguma dificuldade de escrever o seu [...] nome?

Aluna: ‘N’ ‘u’’d’ ‘a’ ‘da’ ‘da’ ‘Si’[...], um ‘d’.

Pesquisador: [...] A senhora está sentindo dificuldade em escrever o quê?

Aluna: [...] Olhe, pastor, eu sinto dificuldade em muita coisa.

Pesquisador: [ela continua tentando escrever o seu nome]

Aluna: Ninguém nasceu aprendiz, né?

Pesquisador: Com certeza.

Aluna: Eu sei que [quando] eu vou escrever meu nome em qualquer canto,eu boto a carteira na frente. Aí

meu marido diz: tu tem que tirar esse costume, tem que fazer só, pra assinar sozinha.

Pesquisador: Então quando a senhora [...] vai escrever o [seu] nome [...] utilizas o quê?

Aluna: Sempre boto a carteira de identidade na frente, pra chegar a fazer todo olhando [...].

Pesquisador: Quando a senhora olha, acerta direitinho?

Aluna: É, já me acostumei, eu tô olhando e tôbutando, aí quando eu vou sozinha, eu me perdo. [...] Às

vezes eu consigo treinar em casa, eu consigo fazer, às vezes eu não consigo fazer nada.

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de cultura, e por outros pesquisadores como Soares, 1998; Graff, 1995, Morais e

Albuquerque, 2004, para citar alguns. Nessa perspectiva, se retornam à escola é porque

querem, e têm o direito de avançar em seus conhecimentos, e o professor deve garantir que

realmente avancem e aprendam. A seguir, se apresentará e se discutirá sobre as práticas de

ensino da leitura e da escrita vivenciadas pelas mulheres no âmbito do PBA.

4.3 As práticas de ensino da leitura e da escrita vivenciadas pelas mulheres no Programa

Brasil Alfabetizado

Para se avaliar a prática da professora Priscila se recorreu às observações feitas em sala

de aula, num total de trinta e uma (31).

4.3.1 Relacionamento com a turma, frequência e horário de início das aulas

O relacionamento da professora Priscila é anterior com pelo menos duas das mulheres,

Raquel e Ana, pois as mesmas já haviam estudado com ela, por alguns meses, em 2010. Eva

conhecia Priscila, pois praticamente elas moravam na mesma rua, mas não tinham a

aproximação que passaram a ter no momento da pesquisa. As outras três mulheres, Sara, Rute e

Rebeca, conheceram a professora na escola mesmo.

Em sala de aula, Priscila mantinha um bom relacionamento com as alunas.

O horário de chegada da professora era, em média, às 19h 15 min., ou seja, alguns

minutos após o horário estabelecido para início das aulas. Algumas alunas reclamavam, às

vezes, do atraso da professora, como é o caso de Ana:

que hora é essa, em gente? [Já era 19h 20 min.] Vai ter aula não? [olhando para duas

das colegas presentes e balançando a cabeça, reprovando o fato da aula não ter

começado] (Observação 13 – 05/12/11).

Normalmente, quando a professora chegava à classe, já havia uma ou duas alunas. As

alunas que primeiro chegavam eram, respectivamente, Rute, Eva e Raquel. Ana geralmente

chegava após o início da aula, pois estava envolvida com atividades domésticas, e Rebeca e

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Sara, respectivamente, chegavam à metade ou um pouco depois da metade da aula, pois esta,

após sair do trabalho, ainda passava em casa para pegar os dois filhos para levá-los à escola

com ela (eles ficavam na sala durante as aulas), e aquela precisa terminar suas atividades

domésticas.

4.3.2 A rotina de atividades vivenciadas pelas alunas no PBA

Neste tópico, se destacará a organização e os tipos de atividades que faziam parte da

rotina das alunas na turma da professora Priscila (ver Apêndice H). O Quadro 28, aqui,

apresenta os tipos de atividades propostas aos alunos e a frequência delas nas trinta e uma

observações que realizamos.

De acordo com o Quadro mencionado acima, é possível estabelecer um perfil da prática

pedagógica da professora alfabetizadora.

A primeira atividade da noite correspondeu, em todas as aulas observadas, a um

momento em que a professora acolhia as alunas, cumprimentando-as e estabelecendo uma

conversa rápida com elas; já a atividade final constou de uma despedida, também com uma

rápida conversa entre professora e alunas e entre as próprias alunas, o que correu normalmente

como sexta atividade da noite. Subtraindo-se esses dois momentos, inicial e final, mais a

distribuição de lanche, que era realizada diariamente, a professora realizou, em média, quatro

atividades por dia.

As atividades mais comuns realizadas pela professora foram, em ordem de incidência,

as seguintes: atividade de classe, correção do exercício de classe e tarefa de casa. A

atividade de classe aconteceu quase sempre como segunda (esta em maior número) ou terceira

atividade; a correção de exercício de classe como terceira; quarta (esta em maior número) ou

quinta atividade e, por fim, a tarefa de casa como quarta ou quinta (esta em maior número).

Somente em 3 (três) aulas se aplicou a diagnose, que apenas na aula 29 (A29) levou a aula

inteira.

As atividades de menor incidência foram leitura de texto, explicação de atividade de

classe e correção de exercício de classe, respectivamente. As leituras de textos praticamente

aconteceram como segunda (esta em maior número) e como terceira atividade. A explicação do

assunto do dia ocorreu como terceira (esta em maior número) e como quarta atividade.

Finalmente, a correção de atividade em aula anterior se deu, em sua maioria como segunda

atividade.

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Duas aulas em particular destacaram-se como forma de discutir a rotina da professora.

Na Aula 11 (A11) ocorreu o maior número de atividades (oito), e na aula 25 (A25) o menor

número de atividades (três). Na A11, a professora corrigiu a atividade anterior (completar

palavras com as sílabas ‘ma’, ‘me’, ‘mi’, ‘mo’, ‘mu’). Após a aplicação da diagnose da

Secretaria de Educação de Jaboatão dos Guararapes, ela leu um texto relacionado à disciplina

de Ciências, que serviu de base para as alunas oralizar em palavras correspondentes a ervas

medicinais, as quais foram escritas no quadro pela professora e copiadas pelas alunas. Elas

também oralizaram palavras vindas das sílabas de ARRUDA, a saber: ARROZ, ÁRVORE,

ARTISTA, RUA, RÚSSSIA, RUGA, DADO, DALUA, DAVI. Para finalizar a aula, a

professora distribui o lanche, deu uma breve explicação sobre dígrafos e se despediu de todos.

Já na aula 25, após a professora cumprimentar as alunas, passou uma atividade de casa sobre a

Páscoa e as alunas passaram a maior parte do tempo copiando a atividade no caderno. O lanche

foi distribuído e todas se despediram.

Feita a análise da rotina da prática da alfabetizadora, se passará, agora, ao estudo mais

detalhados da natureza das atividades realizadas durante as observações de aulas.

Acolhida dos alunos: cumprimentos e conversas entre professora e alunas

Priscila iniciava a aula cumprimentando a turma e às vezes mantinha uma conversa

informal com as alunas por alguns instantes a respeito de algum assunto ou apresentava algum

(a) aluno (a) que foram chegando ao longo de outubro e novembro de 2011, antes de iniciar a

aula propriamente dita. Um exemplo dessa prática está exemplificado a seguir:

Extrato da 2a observação: sobre apresentação de uma das alunas pela professora - 18/10/2011.

Professora: Temos uma nova aluna.

Alunas: [Todas olham para a nova aluna].

Professora: Qual o seu nome? [Olhando para nova aluna].

Aluna: Rute.

Professora: Vocês conhecem dona Rute? [Se dirigindo às demais alunas].

Alunas: Já.

Aluna (Eva): Já, ela visita a nossa igreja.

Professora: A senhora já estudou? [Volta a olhar para nova aluna].

Aluna (Rute): Já, várias vezes, mas não sei ler.

Professora: [Ela vai a sua casa para pegar um livro didático para nova aluna].

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Atividades de classe

Em nenhuma das aulas a professora apresentou e/ou debateu o tema da noite ou os

objetivos didáticos específicos da aula, o que não era questionado pelas alunas.

Após cumprimentar as alunas, em praticamente todas as aulas (menos na A25 e A29), a

atividade de classe se constituiu na atividade prevalente da noite. Dividiu-se, portanto, as

atividades de classe em 3 três blocos: aquelas feitas somente no quadro (dezoito vezes) que

eram copiadas pelas alunas no caderno, escritas normalmente com letra de imprensa; aquelas

feitas somente no livro (sete vezes), e as feitas no livro, no quadro ou no caderno (quatro

vezes). Em duas das aulas (Aulas 25 e 29) não houve atividade de classe. O Quadro 15

apresenta as atividades de classe mais comuns, considerando a frequência com que foram

desenvolvidas ao longo das observações:

Quadro 14: Proposta de prática de escrita pela professora

CATEGORIA ALUNAS AULAS TOTAL

CÓPIA

Todas

Aulas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,

10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17,

18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28,

30, 31.

27

FORMAÇÃO DE PALAVRAS Eva, Sara, Rebeca, Raquel, Ana Aulas 1, 7, 11, 14, 26, 27 6

FORMAÇÃO DE FRASES Eva, Sara, Raquel, Ana e Rute Aulas 1, 13 e 27 3

DESENHO Eva, Sara, Raquel, Ana e Rute Aulas 3, 8, 17 e 22 4

ANÁLISE LINGÜÍSTICA

(Alfabeto, ortografia/escrita

correta das palavras, separação de

sílabas e contagem de sílaba de

palavras).

Todas

Aulas 2, 3, 4, 8, 11, 14, 15,

16, 18, 19, 20, 23, 24, 31.

14

DITADO Eva, Ana e Rute Aulas 19 e 30 2

A CÓPIA se constituiu na atividade mais comum proposta pela professora e esteve

presente em vinte e sete aulas (menos nas Aulas 25, 26, 27 e 29). A atividade de cópia mais

corriqueira foi a de copiar palavras escritas pela professora no quadro. Os alunos também

realizaram cópia de letras (aulas 1 e 2), sílabas (Aula 1), frases (em oito aulas), texto coletivo

escrito pela professora no quadro (Aulas 3 e 5), respostas correspondentes a significados de

palavras (aulas 7 e 20) e respostas de operações matemáticas (em três aulas).

No primeiro dia de aula (10/10/2011), a professora fez atividades diferenciadas com as

alunas, e a cópia esteve presente em todas, como podemos ver nas atividades apresentadas a

seguir:

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Atividade 1: Cópia do alfabeto

Atividade 2: Leitura e cópia de palavras

As atividades 1 e 2, das alunas Raquel e Sara, respectivamente (realizadas também por

Eva), envolveram a cópia do alfabeto, de sílabas e de palavras. A cópia do alfabeto, em todas

as aulas observadas, sempre contemplou as letras minúsculas escritas na forma cursiva. A

escolha das sílabas para cópia foi aleatória e estas sílabas serviram de base para a seleção de

mais da metade das palavras, que também deveriam ser copiadas. Nesse dia, as atividades

realizadas por Ana envolveram a formação de palavras iniciadas com as letras ‘B’, ‘C’, ‘T’ e

‘A’, a formação de frases com estas palavras e a resolução de operações de adição, esta última

feita por Sara também.

Na A2 a cópia mais uma vez predominou, a exemplo da atividade de Raquel, abaixo:

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Atividade 3: Cópia de palavras

Raquel, como Eva (na 1a

aula), copiou sílabas e palavras selecionadas casualmente pela

professora e, dessa vez, as sílabas DA, DE, DI, DO, DU é que serviram de base para a seleção

de palavras alvos de cópia.

Outra atividade de cópia esteve ligada à produção coletiva de um texto (A3). E como

surgiu esse texto? Primeiro, a alfabetizadora destacou a palavra FAMÍLIA, chamada por ela de

“palavra geradora”, tirada do texto lido em aula anterior do livro didático (p.8). Em seguida, a

professora destacou as mesmas palavras oralizadas pelas alunas, na aula antecedente, vindas

das sílabas da palavra geradora (FAZENDA, FAVELA, FARINHA, MIAU, MINGAU,

MILHO, LIMÃO, LIMA, LILI, ABACAXI, ÁGUA). Finalmente, as alunas, destas palavras,

produziram frases para a construção de um texto coletivo, como pode ser observado no

exemplo a seguir, extraído do caderno de Eva:

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Atividade 4: Cópia de texto coletivo construído oralmente

Eva levou mais de 1h escrevendo o texto acima e essa dificuldade de copiar textos ou

até mesmo frases pode ser percebida também na maioria das alunas. A versão final do texto

escrita no quadro pela professora foi a seguinte:

Enquanto copiava o texto, Rute fez um comentário, que se repetiu em outras aulas, a

saber: “As letras ficam muito juntas”. Rute, na verdade, chama a atenção para o cuidado com

algumas questões, nem sempre levada a sério, como o espaçamento entre as letras/palavras. Na

A5 também houve a construção de um texto coletivo, no livro didático (p.97), ditado pelas

alunas e depois copiado por elas, e em mais três aulas a atividade de classe também recorreu,

como na A3 supracitada, ao trabalho com base em ‘palavras geradoras’ (na A7, a palavra

TRABALHO; na A13, a palavra NATAL e na A22 a palavra CARNARVAL).

Nessas aulas, as alunas fizeram muitas atividades de cópia. A frequência das cópias se

tornou tão intensa que chegava a incomodar a professora, pois enquanto ela explicava e/ou

perguntava algo ou dava algum aviso, as alunas estavam sempre copiando e ficavam caladas,

sem prestar a atenção, o que levou a mesma a dizer o seguinte:

Extrato da 3a observação: sobre o texto coletivo oralizado pelas alunas - 19/10/2011.

LILI MORAVA NA FAZENDA. TINHA UM RIO COM ÁGUA. A FAMÍLIA CULTIVA MILHO,

ABACAXI E LIMÃO. NA FAZENDA DA FAVELA FAZIAM MINGAU DE FARINHA.

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154

o processo de alfabetização pensa que é copiar, mas é prestar atenção, é ouvir [...].

Podem copiar agora, mas o maior aprendizado é prestar atenção (Professora – Aula

23 – 15/02/2012).

As atividades de cópia realmente levavam um bom tempo das aulas, sem que houvesse

uma reflexão a respeito delas. Mas em geral, as alunas não reclamavam, pois a cópia era

compreendida por elas como se já estivessem escrevendo.

Na A1, supramencionada, também foram realizadas duas outras atividades, além da

cópia: a FORMAÇÃO DE PALAVRAS e a FORMAÇÃO DE FRASES, que a professora só

pediu para Sara, pois sabia dos seus avanços na leitura e escrita.

AFORMAÇÃO DE PALAVRAS se constituiu na terceira atividade mais comum e

abarcou seis aulas (1, 7, 11, 14, 26, 27). Partindo de uma “palavra geradora”, como

TRABALHO, extraída no geral de um texto lido em classe, a docente propunha, como

aconteceu na A7, por exemplo, a formação de outras palavras usando as sílabas da palavra

geradora. Enquanto as alunas ditavam para a professora palavras com as sílabas da palavra

geradora que estava sendo trabalhada, a professora as copiava no quadro e as alunas no

caderno. Para exemplificar essa dinâmica, tem-se o extrato da aula adiante:

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Nesta mesma aula, a professora propôs ainda a escrita de palavras, no caderno (pelas

próprias alunas), das sílabas da mesma palavra geradora TRABALHO, conforme pode ser

observado na página de caderno a seguir:

Extrato da 7a observação: sobre a formação de palavras vindas das sílabas da palavra ‘trabalho’-

01/11/2011.

Depois da atividade realizada no livro, a professora inicia outra atividade no quadro (ver abaixo):

Atividade na classe 01-11-11

X

Trabalho

Professora: Escreva tudo, gente, para ficar documentadozinho. Quando a coordenadora passar e vir, no dia que

eu esquecer me lembre, viu gente? Vamos gente! TRA – BA – LHO [falando e batendo palmas

três vezes, correspondendo às sílabas da palavra em questão]. Veja que daqui vem TRA – TRE –

TRI – TRO – TRU!

Ana: TRATOR.

Professora: Bom [e escreve a palavra no quadro].

[Alunas começam a copiar].

Eva: TRILHO.

Professora: É bom [e escreve a palavra no quadro]. Temos uma palavra que fazemos bolo e começa

com?

Sara: TRIGO.

Professora: Veja que da palavra geradora surgiram várias!

Raquel: BACIA.

Rute: BABÁ.

Professora: BATOM. [Agora] um que tenha LHO, não necessariamente que comece com ‘lho’. Pode

estar no meio da palavra.

Sara: Lua.

Eva: Lei.

Filho de Sara (9 anos): COLHER.

Raquel: O menino sabe mais que a gente mulher [começa a rir]!

Professora: Só elas viu amor! [Se dirigindo ao filho de Sara]. Fazemos ‘pamonha’, que palavra é?

Sara: MILHO.

Eva: OLHO.

Professora: Foi boa essa dúvida, pois dizemos OLHO, mas é ÓLEO [e escreve esta última palavra no quadro].

Enxergamos com o que mesmo?

Eva: OLHO [com o ‘O’ com som fechado].

Professora: Podem copiar essas palavras agora [mas as alunas já estavam copiando desde o início].

No quadro a professora havia escrito todas as palavras ditadas pelas alunas (com letra cursiva):

TRATOR – TRILHO, TRIGO – BACIA, BABÁ – BATOM, COLHER – MILHO, OLHO.

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156

Atividade 5: Oralização e escrita de palavras pelas alunas

Na A26, distintamente da A7, as alunas Eva, Sara e Raquel não ditaram palavras para

serem escritas pela professora no quadro e copiadas por elas no caderno. Nesse dia, foi

solicitado que elas mesmas formassem palavras recorrendo às sílabas dadas pela professora,

como pode ser observado a seguir:

Atividade 6: Formação de palavras a partir de sílabas

Para a formação das frases, em uma determinada atividade, apresentada abaixo, Sara

teria que lançar mão das palavras DADO, DIA, BOCA:

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Atividade 7: Formação de frases

Sara resistiu em formar as frases, em duas delas não utilizou as palavras dadas e

escreveu incorretamente algumas das palavras na construção das frases. Mesmo a professora

não passando as mesmas atividades para o restante das mulheres, elas reagiram negativamente,

a exemplo de Raquel que disse: “Tá bonzinho assim” [querendo só copiar]; e Ana, que afirmou:

“Acho mais difícil escrever”, não obstante ter feito somente uma atividade de Matemática,

porque chegou atrasada. Outras duas aulas também envolveram a formação de frases. Na A27,

as alunas Eva e Raquel, as únicas da pesquisa que estavam presentes nesse dia, tinham que

formar frases com as palavras CAMA, BOLA, TATU, COPO. Na aula A13 também houve

solicitação para formação de frase (para Eva, Sara, Ana e Rute), mas diferentemente das Aulas

1 e 27, as alunas não formaram frases sozinhas, elas ditaram frases para a professora, que as

escrevia no quadro e as alunas as copiavam no caderno.

Além da cópia e da formação de palavras e de frases, o DESENHO figurou como a

quarta atividade proposta pela professora mais frequente, e esteve presente nas Aulas 3, 8, 17 e

22. Na A8, por exemplo, a tarefa de classe escrita pela professora no quadro envolveu a escrita

de palavras com base em algumas figuras. A professora escreveu a tarefa no quadro e as alunas

deveriam copiá-la nos cadernos. Para isso, teriam que desenhar as figuras da tarefa. Nesse

momento, duas alunas reagiram à atividade. Ana afirmou: “Que coisa difícil” e Sara disse:

“Graças a Deus [só] tem oito meses”.

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Atividade 8: Desenho e escrita de nomes de figuras

Na mesma aula, a tarefa de casa também envolveu a escrita de palavras com apoio de

figuras cujos nomes deveriam iniciar com as letras ‘B’ e ‘C’ (BOLA, BOMBOM, BODE,

BALDE, BONECA, BARCO, BOLO, BOTÃO, BAÚ, BONÉ, CASA, CARRO, CAJU,

CORAÇÃO).Na A22 a atividade também envolveu desenhos, que deveriam ser feitos tendo

como base palavras advindas das sílabas da palavra CARNAVAL. Nessa aula, em particular, as

alunas resistiram muito mais em fazer desenhos, como expressaram Rebeca e Ana

respectivamente: “Eu não sei desenhar nada” e “Desenhar?” [Desanimada em fazer a atividade,

pois disse não saber desenhar]. Em todas as aulas que compreenderam desenhos, estes foram

escolhidos aleatoriamente e sempre encontrou resistência das alunas.

Outras atividades que envolviam o eixo de ANÁLISE LINGUÍSTICA (apropriação da

escrita alfabética, questões de ortografia ou mesmo de análise linguística) foram elas muito

frequentes e consistiram em atividades com o alfabeto (Aulas 2, 4 e 20), com a escrita correta

de algumas palavras (Aulas 8, 18, 19, 23 e 24); a separação de sílabas (Aulas 2, 3, 4, 8, 11, 16,

18, 23, 31) e a contagem de sílabas em palavras (Aulas 14, 15 e 16).

A atividade ligada ao alfabeto ocorreu em três aulas. Na A2, por exemplo, a professora

pediu para três das alunas “copiarem” (Eva e Raquel) ou “fazerem” (Rute) o alfabeto, mas não

pediu para Ana, por entender que esta aluna já conhecia, sem dificuldades, as letras do alfabeto.

A dificuldade de reconhecimento de algumas letras continuou e três meses depois do início das

aulas, na A20, a alfabetizadora pediu para elas escreverem as letras do alfabeto no caderno.

As atividades que envolviam a escrita correta de palavras ditadas pelas alunas foram

elas muito frequentes. Na A24a professora passou praticamente a noite inteira procurando

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trabalhar com as alunas a escrita correta das palavras. Ela iniciou utilizando o livro didático

(p.238). O assunto da aula antecedente foi retomado, cuja temática versava sobre as Diferentes

formas de organização do trabalho. A terceira questão do livro foi à única trabalhada nesse dia

e pedia para se escrever na tabela o nome da seção, o nome do produto e o preço de cada

produto, a partir de embalagens trazidas pelas alunas. Antes de começar a resolução

propriamente dita do exercício, a professora leu o enunciado e as alunas ouviram. A primeira

participação das alunas ocorreu com a oralização dos nomes das figuras e/ou as palavras das

embalagens, como pode ser visto abaixo:

À medida que as alunas falavam as palavras, a professora as escrevia no quadro com a

ajuda das alunas, que diziam as letras que compunham as palavras. Após esse momento, as

alunas copiaram no livro as respostas, como está exposto a seguir:

Extrato da 24a observação: sobre 3

a questão do livro didático (p.238) - 02/04/2012.

Professora: Falamos na aula passada das diferentes formas de organização do trabalho. Hoje, baseadas

no livro, veremos as embalagens que vocês trouxeram para dizermos a seção, o nome do produto e o

valor do produto.

Professora: De acordo com o livro, qual a seção onde fica essa embalagem? [Com a embalagem em mãos

de BISCOITO] Como se escreve?

Aluna (não da pesquisa): “Bê” com “i”.

Professora: Para falar “bis” como faz?

Aluna (não da pesquisa): “Bê”, “erre” “i”.

Professora: Não. Aí fica “bri”.

Eva: “Bis”, “co”, “to”.

Professora: [Escreve no quadro a palavra, conforme Eva disse]. É assim mesmo? [Pergunta a professora].

Aluna (não da pesquisa): Não.

Professora: [Escreve no quadro a palavra corretamente]. “De acordo com o livro”, diz ela, “qual o nome

do produto?”.

Aluna (não da pesquisa): Biscoito.

Professora: Qual o preço?

[Todas em silêncio].

Professora: [Ela mesma diz e escreve R$ 1,15]

[Alunas escrevem em silêncio, o que se encontra no quadro].

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Atividade 9: Oralização e cópia de palavras

Nessas atividades relacionadas à escrita correta das palavras, a professora escrevia as

palavras no quadro com a ajuda das alunas que ditavam as letras e ela ia corrigindo, caso

alguma letra inadequada fosse mencionada.

A separação de sílabas se constituiu, realmente, na atividade de classe mais comum, no

eixo da análise linguística. É o caso da A4, em que a professora escreveu no caderno das alunas

algumas palavras para que elas fizessem a separação das sílabas que as compunham. Enquanto

copiava as palavras, aconteceu um breve diálogo entre elas, como se destacou adiante:

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Quando o diálogo terminou, a professora já havia escrito a 2a

questão no quadro, e as

alunas a copiaram no caderno:

Atividade 10: Separação de palavras em sílabas

As palavras usadas para separação foram as mesmas da primeira questão, as quais, por

sua vez, foram tiradas de um livro que se encontrava na prateleira da sala62

.

A contagem de sílabas constou como uma atividade de apropriação da escrita

alfabética e esteve presente em três aulas: A14, A15 e A16, das quais só participaram Eva,

62

MENDONÇA, Walderene Dias. Alfabetização silábica: uma proposta introdutória para o letramento.

Uberlândia: Claranto, 2008.

Extrato da 4a observação: diálogo entre a professora e as alunas quanto à separação de sílabas -

24/10/2011.

Professora: Vou passar à segunda questão. Vamos separar as sílabas de algumas palavras.

Ana: Eu?

Professora: Para todas.

[Todas começam a copiar].

Ana: Essa JANELA [se referindo à primeira palavra escrita pela professora] pode separar em 3 (três) vezes,

não é Priscila [a professora]?

Professora: Isso. Tem algumas colegas espertinhas que não escrevem as palavras e vai logo separando

[começa a rir]. Tem alunas que com frequência fazem isso [ainda rindo]. Não vou dizer [brincando com

as alunas].

Ana: Como é isso?

Professora: Vou dá um exemplo. JANELA [eu] abri a boca quantas vezes?

Sara: Três.

[A professora bate palmas 3 (três) vezes].

Professora? Quantas vezes [eu] bati as mãos?

Sara: Três.

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Rebeca, Ana e Rute. Na A15 a professora passou a contagem de sílabas só para Eva e Ana,

pois elas já haviam concluído a cópia da atividade anterior, como pode ser visto no caderno de

Eva:

Atividade 11: Contagem de sílabas de palavras

Para realização dessa atividade, Eva lançou mão de palavras da primeira questão,

selecionadas aleatoriamente. Como a professora auxiliou essas alunas, escrevendo algumas das

palavras no quadro, Rute, enquanto copiava, disse mais uma vez à docente: “Escreve mais

separado, pois tenho dificuldades de entender” [dizendo em voz alta].

Seguindo ainda em busca das atividades propostas pela professora, em duas Aulas (19 e

30) ela propôs como atividade o DITADO. A A30, por exemplo, foi a única em que as alunas

escreveram palavras ditadas pela professora e escritas por elas mesmas (o que levou a aula

inteira). Como normalmente sucediam, as palavras foram escolhidas sem nenhum critério (o

que ficou claro pelas expressões faciais da professora, como o franzir de testa e expressões

como: “deixe eu pensar na próxima”). O diálogo adiante nos ajuda a perceber isso:

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163

Nesse dia, não foi possível corrigir o caderno de todas as alunas, somente os de Eva e

Rute, como se observa a seguir:

Atividade 12: Escrita de palavras ditadas

Antes de concluir este tópico, é necessário dizer duas coisas: a primeira é que não

obstante as análises terem como foco as atividades de língua portuguesa, as atividades de

matemática aconteceram em sete aulas (1, 6, 8, 16, 20, 22 e 28), nas quais se envolveram todas

Extrato da 30a observação: sobre palavras oralizadas pela professora no ditado mudo - 21/05/2012.

Professora: [...] Escrevam a palavra ‘ditado’!

[Passados alguns instantes Priscila inicia a atividade].

Professora: [A primeira palavra] é BONECA.

[O ditado é interrompido com a chegada de algumas alunas. A professora espera um pouco para que elas

também possam acompanhar a atividade].

Professora: Agora a segunda palavra é CAMISA.

[Alunas escreveram em silêncio].

Professora: A terceira palavra é PALITO.

[Alunas escreveram em silêncio].

Professora: Coloquem agora MESA.

Raquel: Está todo mundo cansado!

Professora: Agora escrevam TIJOLO.

[Alunas escreveram em silêncio].

Professora: A palavra seguinte é CAMA.

[Alunas escreveram em silêncio].

Professora: Escrevam agora MULA.

[Alunas escreveram em silêncio].

Professora: A próxima é PENA.

[Alunas escreveram em silêncio].

Professora: E a última é VASO.

[Alunas escreveram em silêncio].

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164

as alunas, umas atividades mais do que as outras, e a atividade mais explorada envolveu a

operação de adição. A segunda coisa é que a alfabetizadora deu assistência às alunas nas

atividades de classe em (dezesseis) das aulas (1-5, 7, 9, 12, 15-18, 27 – 29 e 31), em um

universo de 31 observadas. Essa assistência se deu em nível individual, por iniciativa dela (indo

até às alunas) e outras por solicitação das alunas.

Considerando as aulas analisadas, se destacará mais a frente algumas

explicações/observações dadas pela professora sobre o Sistema de Escrita Alfabética (SEA) no

momento de correção das atividades.

Correção das atividades de classe

Os momentos de correção das atividades aconteciam tanto durante a realização das

mesmas, quanto no final. A A8e a A4, analisadas anteriormente, destacaram a separação de

sílabas e a A19 o ditado. Enquanto eram realizadas essas atividades, a professora fez algumas

correções/observações relacionadas à escrita das palavras pelas alunas, destacando a omissão,

troca ou acréscimo de letras. No entanto, em certos momentos, a professora chamou a atenção

das alunas para elas não terem medo de errar. Na A19, por exemplo, ela disse:

Vocês estão aqui para aprender [pausa]. Se errar, vão aprender com o erro (Professora

– A19 – 12/01/2012).

A observação foi feita porque as alunas, em geral, tinham receio de falar e errar,

permanecendo caladas quando inquiridas. A seguir, serão destacadas às correções/observações

propriamente ditas.

Como dito, na A8 pedia para separar as sílabas tendo como referência figuras

desenhadas no quadro. À medida que as alunas copiavam, a professora olhava a escrita delas e

fazia comentários acerca das omissões de letras:

Vamos [...] gente? É comum vocês engolirem letras demais (Professora – A8 –

08/11/2011).

A professora voltou a fazer essa mesma observação na A19 (quanto à escrita da palavra

CARRO), ao que uma das alunas (Ana) comentou:

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só vou dizer que sei escrever se eu souber escrever tudo, pois existem palavras grandes

que não consigo fazer, pois a gente engole letra (Ana – A8 – 12/01/2012).

A professora percebeu a dificuldade das alunas ao omitirem letras, mas duas

observações distintas, pelo menos, devem ser feitas: a primeira é que não houve da parte dela

uma explicação do por que disso. Ela não buscava entender os motivos da omissão ou troca de

letras, não levando as alunas a refletirem sobre alguns princípios básicos do nosso sistema de

escrita, tais como: a escrita não é a transcrição da fala; “as regras de correspondência

grafofônicas são ortográficas”; “um fonema pode ser representado por grafemas diferentes e um

grafema pode representar mais de um fonema” (LEAL, 2004, p. 79). Exemplo disso é a palavra

CARRO, que Ana escreveu sem um dos ‘erres’ na A19, que ora analisamos, e, também, as

palavras da diagnose inicial no tópico anterior, em que as mulheres omitiram algumas letras. A

segunda observação é que ela não propunha atividades que levassem as mulheres a superarem

essas dificuldades, a avançarem em suas hipóteses de escrita. Para tanto,

é necessário que os docentes percebam que a progressiva compreensão dos princípios

[do SEA] torna o aluno um usuário da escrita. Só compreendendo tais princípios é

possível registrar qualquer palavra, ou seja, não é possível escrever sem entender qual

é a lógica de funcionamento da escrita (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2010, p.

36-37).

Ainda sobre a correção da escrita de algumas palavras pelas alunas, a docente fez

comentários quanto à escrita das palavras LÁPIS, JARRO e OVO, respectivamente. Ana, ao

tentar escrever a primeira palavra, perguntou se a palavra era LÁPI, e a professora disse:

“Vamos para o LÁPIS! O ‘S’ no final é para dar o som de ‘S’. Não falamos LÁPI”.

Na segunda palavra, após um aluno (não da pesquisa) perguntar sobre a escrita de

JARRO, ela comentou: “Realmente o ‘J’ tem às vezes um som de ‘G’”. E em seguida deu um

exemplo, “é como JANEIRO” [e aponta para o cabeçalho da atividade, no quadro, onde

estava escrita a palavra ‘janeiro’]. Nesse caso, ela não deu a explicação adequada que poderia

levar os alunos a refletirem sobre o uso do ‘G’ e ‘J’. Ao contrário do que ela falou (“de que o

‘J’ às vezes tem o som do ‘G’), era preciso explicar que a letra G pode representar mais de um

fonema uma vez que antes das vogais ‘E’ e ‘I’ possui o mesmo som da letra ‘J’. Nesse caso, a

palavra JARRO só poderia ser escrita com ‘J’, diferentemente da palavra GELO. Essa troca

do ‘J’ pelo ‘G’, em termos de som e de escrita, também pôde ser verificado nas diagnoses

aplicadas por nós com as alunas, em palavras como JABUTICABA. Mais uma vez não se

recorreu aos princípios do SEA, que destacam que as letras “têm valores sonoros fixos, apesar

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de muitas terem mais de um valor sonoro” (LEAL, op.cit., p.36) e que, em muitas situações,

não há regras ortográficas para nortear a escrita das palavras.

Na aula 15, a professora pediu para que fossem lidas palavras com ‘J’,

independentemente da posição dessa letra (CAJU, JANELA, JACA, JILÓ, JOTA, JOCA,

CAJÁ, CANJA, JONAS, CAJUADA). Novamente ela não possibilitou uma reflexão sobre o

uso do J e do G na escrita de algumas palavras.

Outra explicação da professora é sobre a palavra OVO, desencadeada pela escrita

errada dessa palavra por uma das alunas, que escreveu na forma como se fala comumente:

A professora chamou a atenção para um fenômeno regional de alguns lugares no

Nordeste, como em Pernambuco, de as pessoas trocarem o som de letras, quando falam, a

exemplo da troca do ‘O’ pelo ‘U’, na palavra OVO. Ao dizer isso, ela relacionou o erro a um

“modo de falar errado”, dando a entender que a escrita é a transcrição da fala e que para

escrevermos corretamente é preciso falar corretamente. O erro das alunas estaria relacionado,

então, ao seu modo de falar, que não eram corretos. Nesse caso, ela novamente não levou os

alunos a refletir sobre os princípios destacados no parágrafo anterior.

Como visto no Quadro 14 (ver APÊNDICE - H), a leitura também figurou como uma

das atividades desenvolvidas nas aulas, as quais serão analisadas mais adiante.

Leitura de textos e de palavras

A atividade de leitura se constituiu na quarta atividade mais comum da professora

(sem contar o cumprimento, a despedida e o lanche). Das 31(trinta e uma) aulas observadas,

em 12 (doze) delas houve LEITURA DE TEXTO, sendo que em 2 (duas) o texto foi o

mesmo. As leituras em sala se deram, em geral, utilizando o livro didático, menos os das aulas

11 e 23, mas houve, também, 2 (duas) atividades de LEITURA DE PALAVRAS com cada

uma das alunas.

Extrato da 19a observação: diálogo entre a professora e as alunas quanto à ortografia da palavra OVO -

12/01/2012.

Professora: Dona Rute, qual foi a primeira palavra que eu ditei?

Rute: OVO, mas escreve OVU.

Professora: Êpa!

[Após alguns instantes, Rute tenta apagar para corrigir a escrita da palavra].

Professora: Não apague o errado. Na linha seguinte escreva o certo. Realmente temos o hábito de falar a

palavra com som de ‘U’. O culpado disso é que somos criados falando OVO com som de ‘U’.

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Os textos e os enunciados dos exercícios de classe (no livro didático) eram lidos em

sala unicamente pela professora. As alunas ouviam, às vezes olhando para ela e/ou tentando

ler, sempre mostrando dificuldade em acompanhar a leitura dos textos. Em relação a essas

leituras, se responderá às seguintes perguntas: quando se leu? O que se leu em sala de aula?

Quem lia? Por que lia? Para que lia? Como lia? É o que o Quadro 15 descreve:

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Quadro 15: Leituras feitas pela professora em sala de aula.

AULA (A)

TEXTO

QUEM LÊ?

POR QUE LÊ?

PARA QUE LÊ?

COMO LÊ?

A2

(18/10/2011)

Quem sou eu?

(Autoria desconhecida)

Professora

Por conta da entrega

do livro naquela noite

Para que as alunas

escrevessem no livro

seus dados pessoais.

Em pé, com livro didático em

mãos e em voz alta e fazendo

perguntas à turma.

A5

(25/10/2011)

O direito de ter direito

(Gilberto Dimenstein)

Professora

Escolha livre da

professora.

Sem objetivo

apresentado.

Sentada, com livro em mãos e em

voz alta e fazendo perguntas à

turma.

A7

(01/11/2011)

O Trabalho

(sem autor)

Professora

Escolha livre da

professora.

Sem objetivo

apresentado.

Em pé, com livro em mãos e em

voz alta, explicando e fazendo

perguntas à turma.

A9

(09/11/2011)

Nome das coisas

(André Abujamra)

Professora

Escolha livre da

professora.

Sem objetivo

apresentado.

Em pé, com livro em mãos e em

voz alta, explicando e fazendo

perguntas à turma.

A11

(29/11/2011)

Alimentação alternativa

(SESI)

Professora

Para introdução das

aulas de ciências.

Para que as alunas

apresentassem ervas

para fazer chá.

Em pé e em voz alta, explicando

e fazendo perguntas à turma.

A12

(30/11/2011)

Gente tem sobrenome

(Elifas Andreato e Toquinho).

Professora

Para retomar o que na

A2 fez com o nome.

Agora com o

sobrenome

Especialmente

mostrar a importância

do sobrenome.

Sentada numa cadeira, em voz

alta e bem pausada e fazendo

perguntas à turma.

A16

(21/12/2011)

Sobre o Natal

(sem autor)

Professora

Em virtude das

festividades

de Natal.

Sem objetivo

apresentado.

Sentada numa cadeira, em voz

alta e bem pausada e fazendo

perguntas à turma.

A18 e A19

(11e

12/01/2012)

O Brasil e suas etnias

(Roque de Barros Laraia)

Raça humana

(Gilberto Gil)

Professora

Escolha livre da

professora.

Sem objetivo

apresentado.

Sentada, lendo em voz alta e

dando pausa entre os parágrafos,

explicando e fazendo perguntas à

turma.

A21

(13/02/12) Como é a família indígena

(sem autor)

Professora Escolha livre da

professora.

Sem objetivo

apresentado.

Em pé, no livro didático e

fazendo perguntas à turma.

A21

(13/02/12) Cidadezinha qualquer

(Carlos Drummond de Andrade)

Professora Escolha livre da

professora.

Sem objetivo

apresentado.

Em pé, no livro didático e

fazendo perguntas à turma.

A23

(15/02/2012)

A jardineira

(Benedito Lacerda)

Professora

Para trabalhar com as

alunas nomes de

flores.

Sem objetivo

apresentado.

Em pé, lendo o texto que ela

mesma escrevera no quadro e

fazendo perguntas à turma.

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Antes da leitura dos textos, não havia uma apresentação explícita do por que nem para

que a escolha do texto. Ao ler, a alfabetizadora apresentava as seguintes características: 1. Lia

normalmente em pé; 2. Lia o texto uma só vez; 3. Lia em voz alta e pausadamente; 4. Enquanto

lia, comumente dava explicações de expressões e palavras do texto; 5. Após a leitura, sempre

fazia perguntas a respeito do conteúdo do texto.

Os textos utilizados pela professora não tinham muita variação de gênero e não

incluíam textos significativos para as alunas. Mesmos os textos das aulas 12, 18(texto este

lido novamente na aula 19) e 23, que eram originalmente letras de músicas, e o segundo texto

lido na A21, que era um poema, não foram apresentados nem trabalhados nessas duas

perspectivas, ou seja, musical e poética. O texto da A21 encontra-se a seguir:

Nessa aula, a alfabetizadora não disse o motivo da escolha do texto, nem as atividades

que faria com ele. Também não se apresentou o nome do autor do poema, nem se lançou mão

de nenhuma estratégia no início, no meio ou no fim da leitura do texto. A mesma postura ela

teve na A23, no qual se trabalhou um texto/música bem conhecido de todos os alunos,

apresentado a seguir:

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A jardineira

Ó jardineira porque estás tão triste?

Mas o que foi que te aconteceu?

Foi a camélia que caiu do galho

Deu dois suspiros e depois morreu

Vem jardineira vem meu amor

Não fiques triste que este mundo é todo seu

Tu és muito mais bonita

Que a camélia que morreu

A música acima é originalmente uma marchinha de carnaval e foi o único texto que a

alfabetizadora utilizou para uma eventual atividade que envolveu a apropriação do SEA, mas

sem interpretação e explicações sobre esse sistema. Os outros textos serviram para resolução

de atividades do livro didático e oralização de palavras e/ou frases pelas alunas, tendo como

referência palavras-geradoras escolhidas pela professora. O da aula 11, que era uma receita,

só foi utilizado para informar às alunas sobre alimentação alternativa, cujo destaque, na

atividade de classe, foi enumerar ervas, para preparação de chás.

Nas aulas 4, 13, 15, 17 e 31 a professora fez uma atividade de leitura individual com

as alunas.

Já se destacou no capítulo 3 o desejo intenso das alunas, aqui e acolá, expressos, em voz

alta, de “aprender a ler”, como falou a aluna Ana no começo do curso:

eu vou aprender, sim, a ler, para cantar hino na igreja. Eu vou levar a harpa para quê,

se não sei ler? Já tenho dois anos [na igreja]. Tem gente que decora, mas eu não [em

voz alta se dirigindo a toda às colegas] (Aluna Ana – A1 – 11/10/2011).

Ana sempre demonstrou a vontade, como as demais mulheres, de se inserir efetivamente

nas práticas de leitura, cujo propósito era de fato ler “hinos” e não decorar as letras, nos eventos

da igreja. A aluna também fez o comentário abertamente, em sala de aula, não sendo ouvida,

porém, no sentido da professora perceber não somente as suas expectativas, mas conhecer

melhor as alunas, suas práticas, os eventos nos quais se envolvem e propor a leitura de textos

relacionados à vivência das alunas.

As atividades de leitura individual de palavras principiaram como tarefa de classe, já

na A4, na qual a professora pediu para as alunas Eva, Sara, Raquel, Rute e Ana copiarem e

lerem doze palavras (que ela tirou de um livro mencionado anteriormente quando da análise

da A4). Ela chamou a atenção de todas para o fato de que essas palavras continham as sílabas

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com ‘ja’, ‘je’, ‘ji’, ‘jo’, ‘ju’ e escreveu no quadro as seguintes palavras: JANELA – JAULA –

TIJOLO – JUDEU –JIPE – JÓIA – JIBÓIA – JUCA – JUBA – LAJE –JABUTI – BEIJO (ver

tarefa já citada nesse tópico quando da análise da A4). Após as alunas copiarem a questão no

caderno, a professora se dirigiu a cada uma em particular, a fim de que a leitura das palavras

fosse feitas, como exemplificado abaixo:

Ana é de fato uma das alunas mais avançadas em termos de leitura e escrita e, em

geral, não encontrou muita dificuldade na leitura das palavras acima, ao contrário de Raquel,

que antes de iniciar a leitura disse: “O problema é ler!”. A professora ouviu e pediu para ela

ler, como mostra o diálogo a seguir:

No momento em que a professora interrompeu a leitura com a aluna e se levantou;

Raquel comentou: “Jesus vai voltar e eu não aprendo a ler [...]”. Raquel tinha uma certeza

subjetiva, fruto da sua espiritualidade, a respeito da segunda vinda física de Jesus à terra, mas,

ao mesmo tempo, tinha uma incerteza desanimadora quanto ao aprendizado da leitura,

provavelmente por não perceber que avançava em seus conhecimentos.Apesar de a professora

ouvir o comentário que ela fez, permaneceu em silêncio.

Extrato da 4a observação: leitura de palavras feitas por Ana na presença da professora - 24/10/2011.

Professora: Vamos Ana [para iniciar a leitura]?

[A aluna Ana começa a leitura bem baixinho].

Ana: Que palavra é essa [apontando para JUBA]?

[A professora permaneceu calada].

Professora: O que o leão tem?

Ana: JUBA.

Professora: E essa [apontando para a palavra TIJOLO]?

Ana: ‘Tê’ o ‘ti’, ‘jê’ o ‘jo’, ‘lê’ o ‘lo’, TI – JO – LO. [Pausa breve] É assim mesmo. Ler assim ‘Tê’ o ‘ti’, ‘jê’ o

‘jo’, ‘lê’ o ‘lo’, TIJOLO. Como a professora diz, como hoje diz os meninos [da escola], que tem que assim

TIJOLO, PANELA [de uma vez só], é coisa de cafona. Só sei ajuntar assim.

Extrato da 4a observação: leitura de palavras feitas por Raquel na presença da professora - 24/10/2011.

Professora: Vamos agora Raquel [para iniciar a leitura]?

[A aluna resiste muito, mas começa a leitura].

Raquel: ‘Gê’, ‘a’ [pausa mais longa] ‘gê’, ‘a’, não consigo não [se referindo a palavra JANELA].

Professora: Passe para outra?

Socorro: ‘Gê’, ‘a’ [pausa mais longa], dá não [se referindo a palavra JAULA].

Professora: Ok! [A professora interrompe a leitura e passa para outra aluna]

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Na A13, as palavras que deveriam ser lidas não tiveram relação com a atividade

anterior, que era para dizerem frases a respeito do Natal. As palavras utilizadas para leitura

foram aleatórias e continham sílabas com ‘AL’, ‘EL’ ou ‘OL’: SAL, PALCO, TAL, SALTO,

CAL, FALTA, MEL, FEL, MENTOL, CANAL. Dessa leitura participaram Eva, Sara, Ana e

Rute. Em mais três outras Aulas (15, 17 e 31) a dinâmica seguiu a da A13. Na A15, as

palavras tinham em sua formação as sílabas ‘JÁ’, ‘JI’, ‘JO’, ‘JU’ (CAJU, JANELA, JACA,

JILÓ, JOTA, JOCA, CAJÁ, CANJA, JONAS, CAJUADA) e só se envolveram na leitura as

alunas Eva, Rebeca e Ana. Na A17, as sílabas foram ‘PA’, ‘PE’, ‘PI’, ‘PO’, ‘PU’ e serviram

para formar as palavras POTE, PULA, PELE, PICO, PAPAI, LUPA, PANO, CAPA, COPO,

lidas por Ana e Rute e, finalmente, na A31 as palavras teriam que conter a letra ‘B’, a

exemplo de BOTA, BOCA, BICO, BULA, CABO, CUBO, BELO, lidas por Eva, Raquel e

Rute. No caso da A17, as alunas não conseguiram completar a atividade e deixaram para fazer

isso em casa, ao que Raquel, já inquieta, declarou:

Quando eu aprender, não vou mais à escola. A gente faz tanta coisa mais difícil e

não sei ler, que coisa! (Raquel – Aula 17 – 09/01/2012).

Para Raquel, então, a escola deixaria de ser importante no instante em que ela

efetivamente aprendesse a ler, pois, como vimos no capítulo 3, as suas expectativas estavam em

estreita associação com os eventos do seu dia-a-dia, como a leitura da Bíblia e de lista de

supermercado. Além disso, apesar de reconhecer que sabia outras coisas, até difíceis, como

cuidar de pessoas e cozinhar, ficava ela admirada com o fato de não saber ler.

O acompanhamento da professora nas atividades de leitura de palavras ocorria muito

rapidamente, as alunas não conseguiam ler todas as palavras e nem todas liam, como é o caso

de Rebeca, que não participou de nenhuma das leituras.

Correção do exercício da aula anterior

Uma das atividades de menor incidência foi a correção de exercício de aula anterior (no

caderno ou no livro), que tinham relação com a aula anterior ou de classe. A dinâmica era a

seguinte: a alfabetizadora solicitava o caderno e/ou livro das alunas e corrigia a atividade de

casa. A presença das alunas não era solicitada para nenhum esclarecimento. Outro detalhe

interessante é que, mesmo as tarefas apresentando escritas não convencionais, as correções às

vezes não eram feitas, como na atividade a seguir:

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Atividade 13: Não correção de “erros” ortográficos

Na atividade acima temos casos de omissão e acréscimo de letras como em NATÁLIA e

DOENÇAS, respectivamente; inversão de letras como em DEUSES. Em momento algum a

professora levava os alunos a refletir sobre suas escritas de modo a trabalhar alguns princípios

do SEA. Ao término das correções de classe, especialmente, a professora passava a tarefa para

casa, que será comentada a seguir.

Tarefa para casa

Faltando alguns minutos para o término das aulas, geralmente a professora passava a

tarefa de casa, que consistia nas atividades apresentadas no Quadro 16:

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Quadro 16: Atividades comuns nas tarefas de casa

TAREFA PARA CASA ALUNA (S) MATERIAL AULA TOTAL

Cópia de uma receita, no caderno. Todas Caderno Aula 1 1

Atividade de colagem Todas Caderno Aulas 1, 9, 13, 19 4

Formação de palavras tendo como referência

sílabas ou a primeira letra do próprio nome.

Todas Caderno Aulas 4, 14, 22, 26,

31

5

Separação de sílaba. Ana Caderno Aula 2 1

Contagem de sílabas de palavras. Todas Caderno Aula 15 1

Formação de frases. Todas Caderno Aulas 23, 27 2

Desenho de símbolos da Páscoa. Todas Caderno Aula 25 1

Escrita de nome completo da própria aluna,

do seu pai e de sua mãe.

Todas Caderno Aulas 12, 19, 31 3

Escrita de bilhete Todas Caderno Aula 29 1

Resolução de operações matemáticas Todas/Rute Caderno Aulas 8, 20, 28, 10 4

A professora passou tarefa de casa em vinte, das trinta e uma aulas observadas. Na

maioria das vezes a professora mesma escrevia a tarefa de casa, sempre no caderno das alunas.

Das atividades para casa, somente duas não contemplaram todas as alunas, mas apenas

uma das alunas: na A2, Ana, e na A10, Rute. Na aula 2, a alfabetizadora passou a tarefa para

casa somente para Ana, pois nesse dia ela havia concluído a atividade de classe e precisava sair

mais cedo e as demais alunas estavam cansadas. A atividade para Ana fazer em casa envolvia

separação de sílabas das palavras FAVELA – FA – VE – LA, MILHO, FAZENDA, LIMA,

ABACAXI, FARINHA, MENINO, CAVALO, que vieram da “palavra geradora” FAMÍLIA. E

na A10, a atividade de casa só contemplou Rute, pois ela pediu e envolveu operações

matemáticas, de adição e subtração, que não estiveram relacionadas com a atividade de classe,

que envolveu basicamente a escrita de palavras no livro.

A maioria das atividades desenvolvidas não tinha relação com aquilo que fora estudado

na atividade de classe, nem nas aulas anterior e posterior, como é o caso da solicitação da

escrita de uma receita na A1, para duas alunas (Sara e Ana).

Ao contrário das atividades de classe, nas quais a cópia prevaleceu, nas atividades para

casa predominou aquelas de análise linguística (em sete aulas) e envolveram: a formação de

palavras, a mais comum, a separação de sílabas e a contagem de sílabas. Nas atividades de

classe, para a formação de palavras, a professora sempre dava determinadas sílabas, mas na

A31, as palavras que deveriam ser formadas teriam que ter como letra inicial as letras do

próprio nome, conforme a atividade abaixo de Rute:

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Atividade 14: Formação de palavras com as letras do próprio nome

As atividades que abrangeram colagem figuraram como uma das mais costumeiras.

Retomando a A1, já mencionada anteriormente, a professora pediu somente para duas das

alunas (Eva e Raquel) a colagem de uma receita no caderno. Eva colou uma receita de ‘Farofa

caseira’ e Raquel terminou colando uma receita de ‘Filé de pescada à dorê’, como mostramos

abaixo:

Atividade 15: Cópia de receita

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A professora não pediu para Sara e Ana colarem, mas escreverem a receita, porque

considerava essas alunas mais avançadas em termos de leitura e escrita. Contudo, o pedido de

escrita da receita, era na verdade, uma cópia, como nós aludimos acima. Ao final, somente Ana

escreveu os ingredientes da receita, sem dizer que tipo de comida era, e Sara nada fez. A

alfabetizadora não explicou o objetivo da atividade e durante as duas primeiras aulas, não

indicou o porquê do pedido da receita. Ela simplesmente deu um visto e não utilizou as receitas

em nenhuma outra atividade.

Mais cinco atividades foram propostas para casa: formação de frases, desenho de

símbolos da Páscoa, escrita de nome completo da própria aluna, do seu pai e de sua mãe,

escrita de bilhete e resolução de operações matemáticas. Destas, destacamos duas: a escrita do

próprio nome foi a segunda mais costumeira, a exemplo da A12, na qual a professora solicitou

a escrita do nome e sobrenome do pai e mãe das alunas, isso porque o texto lido no dia tratava

da importância do sobrenome e porque as alunas persistiam com a dificuldade em escrever

corretamente o próprio nome. O segundo destaque tem relação com a escrita de um bilhete

(A29), a única atividade não solicitada nas atividades de classe, e que sofreu muita resistência

das alunas como Raquel, que afirmou: “Eu sei fazer bilhete nada”. Não se recuperou a escrita

dos referidos bilhetes, pois foram eles entregues à coordenadora do Programa Brasil

Alfabetizado (PBA).

Outras atividades

A professora utilizou três aulas (11, 29 e A30) para a aplicação de DIAGNOSE da

Secretaria de Educação, de Jaboatão dos Guararapes. Para realização da diagnose inicial (A11)

ela usou maior parte da aula. Ao começar a diagnose, Ana comentou sobre a sua incompreensão

dos adultos “juntarem as letras” do alfabeto, diferentemente das crianças:

uma coisa dessa simples e se torna algo difícil, pois a criança aprende ali na escola,

o alfabeto, nasce e não sabe as letras. Os adultos, não. Já velhos e experientes, sabe

as letras e tem dificuldade de juntar. Devia quando vai para escola ser mais fácil, não

é? Está me entendendo? [após entregar a folha e olhando para mim] (Observação 11

– Aluna Ana – 29/11/2011).

O comentário de Ana revelou provavelmente o desânimo que sentia por perceber que

mesmo já possuindo conhecimentos sobre a escrita, não apresentou avanços significativos ao

longo do PBA. Ela tinha razão ao se referir à diferença na alfabetização de adultos e crianças,

quando mencionou que a dos adultos deveria ser mais fácil diante dos conhecimentos que eles

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já possuem (os adultos são “velhos e experientes”). Ao dizer que os adultos conheciam as

letras e “têm dificuldade de juntar”, ela se referiu exatamente ao fato deles não entenderem o

funcionamento da escrita alfabética. E, pelo que observamos das aulas da professora Priscila,

ela parecia não perceber o que de fato as alunas precisavam aprender para poderem ler e

escrever textos diferentes que faziam parte das suas vidas.

Nessa mesma aula, Ana também questionou o fato da diagnose ser usada na maior

parte da noite, ao dizer: “A aula da gente vai ser só essa folhinha? Pois se fosse é muito

pouco. Tem que escrever uma coisinha a mais” (olhando para a professora).

Na aula 29, a professora fez a aplicação da diagnose final, no entanto, nem todas as

alunas compareceram. As reações negativas das alunas foram mais fortes do que quando da

aplicação da diagnose inicial. Três alunas expressaram isso. A primeira delas foi Raquel, que

declarou: “Eu não sei não”. Depois de alguns instantes, disse: “Eu não vou fazer é nunca. Eu

não sei não”. A segunda foi Rute que repetiu duas vezes o seguinte: “Não entendi nada” e

concluiu: “Estou toda atrapalhada”. Finalmente, Sara disse: “Tô entendendo nada”.

Na A30, a professora voltou a aplicar a diagnose final com o restante das alunas. Após

isso, outras atividades foram realizadas.

As atividades finais, em geral, envolveram a distribuição de lanche e a despedida entre

professora e alunas.

Ao término das aulas, em geral, a professora distribuía o lanche às alunas. Isso, porém,

só começou a partir da aula 11 (29/11/11), ou seja, na 6a

semana de aula, sem que houvesse

uma justificativa para esse atraso. O lanche era distribuído faltando 40 a 50 min., em média,

para a conclusão da aula. A alfabetizadora sempre avisava às alunas, antes de sair da sala, que

iria buscar o lanche em sua casa (suco ou iogurte mais biscoito ou bolinho ou bolacha, em

geral). Ao chegar, ela mesma distribuía o lanche, indo de cadeira em cadeira, servindo a

todas, inclusive o pesquisador. Esse período durava em média de 8 a 10 min. e também era

um momento de conversas e brincadeiras entre as alunas. Apesar do início da distribuição do

lanche, nem sempre isso ocorreu em todas as aulas (como as de número 14, 16-17, 19-23, 27-

28).

Feitas as análises da prática da alfabetizadora, percebemos agora com mais clareza as

práticas de leitura e escritas realizadas pelas alunas no âmbito escolar.

Como visto, as práticas de leitura foram desenvolvidas em grande parte pela

professora, com a leitura de texto. As alunas não leram textos, mas unicamente palavras,

como descrito no quadro a seguir:

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Quadro 17: Proposta de prática de leitura pela professora

PRÀTICA AULAS ALUNAS TOTAL

LEITURA DE

PALAVRAS

A4 Eva, Sara, Raquel, Rute e Ana

5 A13 Eva, Sara, Ana e Rute

A15 Eva, Rebeca e Ana

A17 Ana e Rute

A31 Eva, Raquel e Rute

4.3.3 Avaliação das práticas de leitura e escrita propostas pela professora do ponto de vista

das mulheres

Nas entrevistas feitas, as mulheres também avaliaram a prática pedagógica da

professora Priscila, e suas respostas foram distribuídas em algumas categorias descritas no

Quadro 18. A pergunta básica era a seguinte: O que a senhora tem achado das aulas da

professora até o momento?

Quadro 18: O que as mulheres disseram sobre a prática pedagógica da professora

CATEGORIA ALUNAS

Gosta das aulas. Todas

Ensina bem. Rebeca, Raquel

Não dá tempo para o aprendizado quando ensina. Eva, Raquel, Ana

Desconsideração do nível de escolaridade das alunas. Eva

Passava atividades difíceis. Eva

Não dá tempo para copiar as atividades no caderno. Eva, Raquel, Rute

Não explica direito. Eva

Faltava muito às aulas Eva, Raquel, Ana, Rute

Logo que eram perguntadas, todas as mulheres da pesquisa fizeram uma avaliação

positiva da prática da professora, como é o caso de Eva:

Eu tô, eu gosto [das] das aulas que ela dá, as aulas de Priscila, que a gente tá

aprendendo [...] (Aluna Eva – Entrevista 5 - 15/12/2011).

Rebeca, um pouco mais específica, disse que a professora ensinava bem:

[...] agora tá melhorando com a Priscila ensinando, que ela ensina muito bem (Aluna

Rebeca – Entrevista 4 - 21/12/2011).

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A avaliação geral positiva da prática da professora não impediu que as mulheres

destacassem alguns pontos problemáticos dessa prática. Uma primeira coisa se relaciona ao

fato da alfabetizadora não dar tempo para o aprendizado quando ensina como mostra o

extrato a seguir:

Eva chamou os assuntos dados em sala de “lição”. Lições que a professora queria que

as alunas “aprenda [m] rápido”. Ensinar (ou “fazer”), dessa maneira, para essa aluna “às vezes

fica um pouco complicado”. A própria aluna chegou a comentar, num segundo diálogo, que

essa tinha sido também uma preocupação de outros alunos.

Mesmo elas achando que as aulas são boas, às vezes mostram hesitação.

Uma segunda categoria que pode ser percebida na fala de Eva tem ligação com a

desconsideração do nível de escolaridade das alunas, por parte da alfabetizadora. O que

designamos de nível a aluna chamou de “adiantado”, ao destacar “como que se a gente já [...]

tá adiantado na [...] escola”.

Um exemplo dessa desconsideração levou ao estabelecimento de uma terceira

categoria, a de que a alfabetizadora passava atividades difíceis, ou seja, “passa às vezes as

letras que a gente não sabe direito” (o que Eva chamou de “letras” não são apenas as letras do

alfabeto, mas também sílabas, palavras e/ou frases, isto é, as atividades em si). No entanto, a

própria Eva apontou uma solução dizendo que a professora deveria passar “coisas mais fácil”.

Essa situação a deixava angustiada, pois de um lado era a correria do dia-a-dia e os problemas

físicos, como a “cabeça”, que ficava “meio perturbada”, e de outro era aquilo que ela estava

Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação das aulas - 15/12/2011.

Pesquisador: O que a senhora tem achado das aulas da professora até o momento?

Aluna: Eu tô, eu gosto [das] das aulas que ela dá, as aulas de Priscila, que a gente tá aprendendo, mas só que

às vezes ela faz assim, umas lição que quer que a gente aprenda rápido e aí aquilo às vezes fica um pouco

complicado, pra gente saber como que se a gente já [...] tá adiantado na [...] escola. Porque era para ela fazer

assim, coisas mais fácil [...] e passa às vezes as letras [palavras] que a gente não sabe direito. [...] Ela ensina e

quer que a gente aprenda, mas [...] não é assim que se faz, né?

Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação de aula - 15/12/2011.

Pesquisador: Como assim?

Aluna: Eu e seu Dito. Ela fala, assim: “[...] Ela quer que a gente aprenda rápido, mas não é assim. Ela tem que

ensinar direitinho as palavras [...], pra poder gente aprender [...]”. [Pausa] Aí gente fica muitas vezes [...] sei

lá, dá, assim, uma [...]. É feita a irmã [se referindo a Raquel, também da pesquisa] [...] fica dizendo: “[...] Oh,

meu Deus! Às vezes eu tô tão perturbadinho, que nem sei ler direito, ela faz”, assim sou também [...] sobre

essas palavras também, assim, que Priscila quer que a gente aprenda rápido [...].

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estudando na escola que são “umas letras muito difícil”. Como o seu desejo de aprender era

grande, ela orava pedindo a Deus “paciência” para, então, “aprender”.

Finalmente, a fala de Eva permitiu a identificação de mais duas categorias: a de que a

professora não [dava] tempo para copiar as atividades no caderno e, além disso, não explica

[va] direito. A penúltima dessas categorias teve relação com um dos aspectos do ensino da

alfabetizadora, o pouco tempo [que dava] para copiar as atividades:

rápido, coloca [...] no quadro e quer que a gente ali já olhe [...] e já [...] quer daqui a

pouco já quer que a palavra, por isso a gente não terminou, a gente tá olhando ali e

decorando o que tem ali pra gente fazer no caderno, né? [...] (Aluna Eva – Extrato da

Entrevista 5 – 15/12/2011).

Para Eva, a cópia envolvia o exercício de decorar e escrever aquilo que se encontrava

no quadro. É preciso lembrar que a cópia se constituiu como já visto, na atividade mais

corriqueira na prática das alunas. Finalmente, a última categoria, citada acima, era a de que a

professora não explicava direito. Isso se depreendeu da solução apontada pela própria Eva.

[...] Era o quê? Pra fazer e demorar um pouco, pra explicar também um pouco, assim

também fica um pouco difícil, né? (Aluna Eva – Extrato da Entrevista 5 –

15/12/2011).

A necessidade de uma explicação “um pouco” maior e “direita” dos assuntos, já havia

sido mostrada por Eva, no segundo diálogo acima, quando esta lembrou a fala de outro aluno:

Mesmo elas achando que as aulas são boas, às vezes mostram hesitação.

Para Eva e para Luiz (o único aluno homem da turma), sem uma explicação

contundente dos assuntos, ficava “difícil” a concretização do desejo deles de “aprender”, o

que lhes foi tolhido, pois não frequentaram a escola, como lembra abaixo:

Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação das aulas - 15/12/2011.

Aluna: Só que às vezes passa o correr do dia e a gente fica assim naquele corre-corre, às vezes de noite,

assim, com a cabeça meio perturbada, com dor de cabeça, aí eu digo: meu Deus! Me dá paciência, meu Deus,

pra mim aprender, que eu quero aprender, sabe pastor. Só que às vezes é umas letras muito difícil.

Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação de aula - 15/12/2011.

Pesquisador: Como assim?

Aluna: Eu e seu Luiz. Ela fala, assim: “[...] Ela quer que a gente aprenda rápido, mas não é assim. Ela tem

que ensinar direitinho as palavras [...], pra poder gente aprender [...]

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Porque assim pra aprender rápido [...] pra gente fica um pouco difícil, pra gente que

[...] nunca foi pra uma escola, que nunca teve [...] quem incentivasse e aquilo tem

que a pessoa explicar direitinho (Aluna Eva – Extrato da Entrevista 5 – 15/12/2011).

Eva e Luiz não somente nunca foram à escola, como não tiveram nenhum incentivo

para estudarem e aprenderem.

Enfim, algo que também incomodou bastante as alunas foi às faltas da professora.

Como visto no capítulo 2, a porcentagem de falta correspondeu a 32,3% do total. Essas

ausências, segundo as alunas, trouxeram algumas consequências negativas para o aprendizado

delas, como disse Eva:

Para Eva, essas ausências não ajudaram no aprendizado, pois as alunas, inclusive ela,

esqueciam e tinham dificuldade com os conteúdos ensinados em sala de aula pela professora.

4.4 O que as alunas efetivamente aprenderam?

No início deste capítulo se apresentou o perfil inicial das mulheres da pesquisa. Agora,

se mostrará o perfil final delas em comparação com o inicial. Para tanto, lançou-se mão da

mesma diagnose, para saber os avanços em termos da escrita de palavras e verificar em que

nível de escrita cada aluna chegou ao final do PBA, e de entrevistas, para verificar o que elas

aprenderam.

Extrato da 56a entrevista com a aluna Eva: sobre a avaliação de aula - 06/10/201.

Pesquisador: A senhora falava das dificuldades [...] por não ter havido muitas aulas.

Aluna: É, porque [...] a gente fica meia, assim, [...] às vezes de estar aprendendo a gente fica desaprendendo,

né? Porque na hora, assim, digamos [...] ler uma coisa todo dia, uma palavra todo dia e aí passa e aí passa

mais de 15 dias [...] e você já fica esquecida [...] sem saber o que está fazendo, né? Quando a gente vai, já fica

[...] a dificuldade, quando a gente volta.

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4.4.1 EVA

Figura 1 - Diagnose inicial da aluna Eva (nível

silábico - alfabético) Figura 7 - Diagnose final da aluna Eva (nível

silábico - alfabético)

Eva, ao escrever as palavras na Diagnose Final (DF), continuava escrevendo algumas

correspondências silábicas convencionais, invertendo e omitindo letras como ela fez na

Diagnose Inicial (DI). Pode-se dizer que ela permaneceu na hipótese silábico-alfabética de

escrita.

Uma observação inicial é que embora Eva tenha escrito a palavra JABUTICABA com

o ‘J’ inicial, ela ainda permaneceu trocando o ‘j’ com o ‘g’, em termos de som, como mostra a

declaração que fez:

Extrato da 34a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita da palavra ‘jabuticaba’ - 13/06/2012.

Pesquisador: A senhora escreve os nomes das figuras, ‘jabuticaba’.

Aluna: [...] É um ‘g’. ‘Ja' é aqui na linha [...]? Jesus!

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Eva não alterou a escrita da palavra CHUCHU, grafando-a com duas letras, achando

desnecessário repetir a sílaba, já que a palavra tem duas sílabas iguais. O comentário dela a

respeito da igualdade das duas sílabas da palavra está exposto abaixo:

Eva também continuou escrevendo GRAVIOLA com a letra ‘H’, provavelmente por

perceber que o som da primeira sílaba (‘GRA’) se parecia com o nome da referida letra, mas

acrescentou o ‘A’ no final da palavra, o que não havia feito na DI.

Nas palavras BETERRABA, CAJU e CENOURA ela omitiu a segunda letra da

primeira sílaba (as vogais ‘E’, ‘A’ e ‘E’ respectivamente), o que pode estar relacionado com o

fato do nome das letras apresentarem o som da vogal das referidas sílabas. Ela não tinha feito

isso com a palavra ‘cenoura’, na DI. No entanto, é de se destacar, que em ABACAXI ela

também omitiu o ‘A’, na segunda sílaba (como o fez na DI) e, no caso, isso não tem relação

com o nome da letra, mas talvez ela não achasse necessário repetir o ‘A’ tantas vezes, já que

ele aparece três vezes na palavra.

Em relação a palavra PÃO, Eva avançou desde a aplicação da DI, não escrevendo a

letra ‘U’ (influenciada pela maneira como ela lia a última letra, ou seja, o ‘O’ com som de

‘U’), mas escrevendo, sim, a vogal ‘O’, embora esta letra estivesse na posição invertida. Além

disso, ela não marcou a nasalização da palavra com o til. Finalmente, na palavra SAPOTI, ela

trocou o ‘O’ da segunda sílaba, pelo ‘U’ transcrevendo, dessa maneira, a forma como essa

palavra é falada.

Enfim, se destaca que Eva, ao terminar o Programa BA, não avançou em suas

hipóteses de escrita, uma vez que, por um lado, escrevia algumas correspondências silábicas

corretamente (as mais simples), e por outro, omitia e trocava letras ao escrever partes de

algumas palavras, correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente da

Extrato da 34a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’ - 13/06 /2012.

Aluna: E esse ‘chuchu’, como é essa palavra de ‘chuchu’? ‘Chuchu’, é o ‘c’, um ‘u’ e um ‘x’.

Pesquisador: A senhora acha que está faltando [letra]?

Aluna: Não sei. Eu acho que tá. E o ‘chuchu’ só é duas palavrinhas? ‘Chu’ ‘chu’, só? Só é duas palavrinhas?

[...]. Diga aí [se dirigindo ao seu filho que estava sentado no sofá].

Pesquisador: Não pode dizer [risos].

Aluna: [Risadas] não quer dizer não [que seu filho não queria dizer]?

Pesquisador: Pode não.

Aluna: ‘Chuchu’, ‘chuchu’, ‘c’ e ‘u’, ‘chuchu’. Li duas vezes ou é uma vez? ‘Chuchu’, ‘chuchu’, não sei,

meu Deus.

Pesquisador: Não tem segurança não [...]?

Aluna: Não, não tenho se está certo ou se está errado. Duas palavrinhas a gente fala feito Priscila [a

professora] fala, tá vendo? Eu falei quantas vezes? [Risadas].

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consoante – vogal (CV) e também apresentou ausência de nasalização. Por saber o nome das

letras, em algumas sílabas ela apenas escreveu uma letra cujo nome correspondia ao som da

sílaba por não perceber ainda o princípio de que toda sílaba tem vogal.

4.4.2 Sara

Figura 2 - Diagnose inicial da aluna Sara (nível

silábico – alfabético) Figura 8 - Diagnose final da aluna Sara (nível

alfabético)

Na DF, Sara escreveu bem mais correspondências silábicas convencionais e realizou

menos omissões e nenhum acréscimo, contudo continuava realizando algumas trocas de

letras. Pode-se dizer que ela concluiu o ano na hipótese alfabética de escrita, embora tenha

escrito algumas palavras com omissão de sílabas. No entanto, na maioria das palavras, ela

grafou as sílabas de acordo com a estrutura CV ou só V.

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Na palavra JABUTICABA, ela trocou o ‘J’ inicial pelo ‘G’ novamente, em virtude da

similaridade do som entre essas duas letras, mas ao contrário da DI, ela escreveu corretamente

agora a vogal da primeira sílaba.

A hesitação em escrever melancia (palavra que não escreveu toda) provavelmente se

deve a sua dificuldade de grafar a nasalização, sem til, da segunda sílaba. Como mostra o

depoimento a seguir:

Houve também avanço na escrita da palavra CHUCHU, escrevendo-a agora com duas

sílabas, embora tenha confundido o som do dígrafo ‘CH’ com a letra ‘X’. Não houve avanço,

porém, na escrita de GRAVIOLA, que Sara escreveu exatamente da mesma maneira que o fez

na DI, com a letra ‘H’. Como se viu anteriormente, Eva, de igual modo, preservou, na escrita,

o ‘H’. Finalmente, em CENOURA, Sara só escreveu o ‘C’ (diferentemente da DI), por haver

esquecido mesmo.

Extrato da 22a entrevista com a aluna Sara: sobre a escrita da palavra ‘melancia’ - 11/06 /2012.

Pesquisador: A próxima figura você disse que é ‘melancia’.

Aluna: ‘Melancia’ [longa pausa silenciosa].

Pesquisador: Está com dificuldade [...]?

Aluna: É, ‘melancia’ eu não sei não, pastor.

Pesquisador: [...] Quais são as letras aqui?

Aluna: [...] ‘M’ ‘e’.

Pesquisador: E essa última?

Aluna: [...] Sei não. Eu agora fiquei perdida [...].

[Ela interrompeu a escrita de ‘melancia’]

Pesquisador: ‘Melancia’ a dificuldade qual é [...]?

Aluna: Depois do.

Pesquisador: De quê?

Aluna: Depois do ‘e’, ‘lan’, ‘m’ ‘m’, sei lá.

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186

4.4.3 Rebeca

Figura 3 - Diagnose inicial da aluna Rebeca

(nível silábico - alfabético) Figura 9 - Diagnose final da aluna Rebeca (nível

silábico - alfabético)

Na DF, Rebeca fez menos correspondências silábicas convencionais, em relação à DI.

Continuou fazendo trocas, omissões e acréscimos de letras. Ela permaneceu na hipótese

silábico-alfabética de escrita.

Na palavra JABUTICABA permaneceu fazendo a troca entre as letras ‘B’ e ‘D’, na

segunda sílaba, como na DI. Ela fez isso em virtude da proximidade de som, como fez nas

palavras BETERRABA, na primeira sílaba, ABACAXI, na segunda sílaba. Também efetuou

troca de letras em CAJU (que não havia feito na DI), entre o ‘J’ e o ‘G’.

As palavras CHUCHU e GRAVIOLA continuaram sendo uma dificuldade para

Rebeca. Na DI, ela grafou a primeira destas palavras com duas sílabas e omitiu o ‘H’, pela

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dificuldade de não perceber que um fonema pode também ser representado por mais de uma

letra. Mas na DF, ela acrescentou mais letras na sílaba CHU: um ‘P’ e um ‘I’.

Já na palavra ‘GRAVIOLA’, Rebeca omitiu o ‘G’, por não conhecer esse tipo de

sílaba, consoante – consoante – vogal (CCV), mas não escreveu com ‘h’, como o fizeram Eva

e Sara.

Na palavra PÃO, Rebeca escreveu um ‘L’ no lugar do ‘P’, esquecendo como escrevia

o ‘P’, mas marcou corretamente a nasalização com o til.

Enfim, Rebeca avançou muito pouco e continuou na hipótese silábico-alfabética de

escrita uma vez que, por um lado, escrevia algumas correspondências silábicas corretamente

(as mais simples), e por outro, omitia, trocava ou acrescentava letras ao escrever partes de

algumas palavras, correspondentes principalmente a sílabas com estrutura diferente da CV.

Extrato da 21a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’ - 12/06 /2012.

[...]

Aluna: O som é muito forte [...] pra mim, né? ‘Chu - chu’.

Pesquisador: É um som muito forte [...] por quê?

Aluna: Essa [...] palavra assim ‘chu-chu’.

Pesquisador: Por que ela é?

Aluna: Um ‘c’ com ‘u’ [começa a rir].

Pesquisador: A senhora acha que tem dificuldade por quê [...]?

Aluna: Porque pra mim está faltando alguma letra, pra chegar ao [...] ‘chu’ [...] ‘chu - chu’ [...].

Extrato da 21a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a escrita da palavra ‘pão’ - 12/06/2012.

Pesquisador: Agora o pão.

Aluna: Eita, Jesus! O ‘pão’ é deste tamanhinho veja só.

Pesquisador: E é?

Aluna: O ‘pão’, a letrinha do ‘pão’ é mais menor que essa daqui [apontando para ‘melancia’].

Pesquisador: [Risadas].

Aluna: Se eu não estiver enganada, né? O ‘pão’ é meio complicado.

Pesquisador: A senhora acha complicado o ‘pão’?

Aluna: É. ‘Pão’ ‘p’ ‘o’. Vamos ver, né? ‘P’ ‘o’. ‘Ti’, ‘p’, não um ‘t’. ‘P’, ‘o’. Isso aqui está parecendo um ‘l’,

viu? [...]

Pesquisador: A primeira letra é o quê? Aluna: Um ‘p’ [...].

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4.4.4 Raquel

Raquel também não avançou em suas hipóteses de escrita ao longo do PBA, como

pode ser observado nas atividades de escrita de palavras que foi solicitado que ela fizesse:

Figura 4 - Diagnose inicial da aluna Raquel

(nível silábico - alfabético) Figura 10- Diagnose final da aluna Raquel (nível

silábico - alfabético)

Pode-se observar que houve avanço na escrita de algumas palavras, como PÃO e

CAJU. Na escrita de outras palavras não houve qualquer mudança, como em ABACAXI e

GRAVIOLA. Nesta última, Raquel continuou insistindo com o ‘H’ como letra inicial da

palavra. As dificuldades que enfrentava no início do PBA permaneceram, como é o caso de

JABUTICABA, na qual ela ainda trocou o ‘J’ pelo ‘G’, e não se lembrava de como se

escrevia a letra ‘G’, como ilustra o extrato a seguir:

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Na palavra CHUCHU, ela escreveu o ‘X’ e ‘C’, pois provavelmente procurou

diferenciar as sílabas. Raquel, como dito anteriormente, permaneceu na hipótese silábico-

alfabética de escrita uma vez que ainda escrevia poucas correspondências silábicas

corretamente, omitindo, trocando, invertendo e acrescentando letras ao escrever partes de

algumas palavras.

4.4.5 Rute

Rute, como Raquel e Eva, também permaneceu na hipótese silábico-alfabética ao

longo dos oito meses do PBA, como pode ser observado nas atividades de diagnoses (DI e

DF) apresentadas a seguir:

Extrato da 22a entrevista com a aluna Raquel: sobre a escrita da palavra ‘jabuticaba’ - 12/06/2012.

Pesquisador: Vamos escrever a palavra ‘jabuticaba’.

Aluna: Meu Deus do céu!

Pesquisador: Como é que a senhora acha que se escreve ‘jabuticaba’?

Aluna: [Pausa silenciosa mais longa], ‘G’, não sei nem como faz um ‘g’. Mostre um ‘g’ aqui, irmão

[Apontando para o cabeçalho da diagnose, especificamente da palavra ‘figura’]. É esse aqui o ‘g’, é?

Pesquisador: [Aguarda a escrita da palavra ‘jabuticaba’].

Aluna: Um ‘g’ parece um oito [risadas]. [...] Sei lá se eu sei fazer esse ‘g’. [Pausa silenciosa] Ficou um ‘g’?

Ficou um 2 [risadas].

[Passou um período atendendo ao telefone].

Aluna: Vai dar meia noite e eu não faço essa palavra.

Pesquisador: [...] Qual o ‘g’ da senhora?

Aluna: [...] Um ‘g’ [...] eu sei fazer um ‘g’ assim, olhe! Parecido com um ‘s’ [...].

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Figura 5 - Diagnose inicial da aluna Rute (nível

silábico – alfabético) Figura 11 - Diagnose final da aluna Rute (nível

silábico - alfabético)

A escrita de Rute demonstra que ela avançou nas correspondências silábicas

convencionais, mas continuou fazendo trocas, omissão, inversões e acréscimos de letras. Ela

realizou trocas relacionadas às palavras JABUTICABA e SAPOTI e CENOURA, trocando,

respectivamente, o ‘J’ pelo ‘G’, na primeira palavra e o ‘S’ pelo ‘C’ na segunda. Já no caso de

‘cenoura’, mais uma troca foi feita, do ‘R’ pelo ‘L’, talvez porque leu a última sílaba da

palavra com ‘LA’ e não ‘RA’, conforme está expresso abaixo:

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191

Finalmente, ao tentar escrever GRAVIOLA, cometeu o mesmo erro que fez na

primeira diagnose, usando na primeira sílaba a letra ‘H’. Embora fizesse uma distinção entre

as letras ‘H’ e ‘R’, Rute confundiu o uso delas, como nos falou:

4.4.6 Ana

Ana, no início do Programa, apresentava hipótese alfabética de escrita e no final do

ano conseguiu escrever uma quantidade maior de palavras com correspondências sonoras

adequadas, como pode ser visto em relação às palavras PÃO, CHUCHU e ABACAXI.

Extrato da 23a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘graviola’ - 04/10/2012.

Pesquisador: E a ‘graviola’?

Aluna: ‘Ga’ ‘vi’, um ‘h’ e um ‘i’, né?

Pesquisador: [...] Veja aí. Essa é uma palavra que a senhora considera difícil, é?

Aluna: É. ‘Ga’, ‘vi’, às vezes eu me confundo com o ‘h’ e o ‘r’, mas o ‘r’ é um e o ‘h’ é outro.

Pesquisador: [...] Se confunde na escrita, é?

Aluna: É. Sou medonha pra me confundir no ‘h’ [...].

[...].

Extrato da 23a entrevista com a aluna Rute: sobre a escrita da palavra ‘cenoura’ - 04/10/2012.

Aluna: ‘Cenoura’, ‘cenoura’. “Xô” ver se eu sei fazer ‘cenoura’.

Pesquisador: [...] A borracha?

Aluna: Vou escrever no canto, pra ver se sei fazer. Eu não sei fazer nada, sai todo da minha cabeça [no

sentido de ‘esquecer’]. “Xô” ver se eu sei fazer ‘cenoura’.

[Ela escreveu no caderno primeiro e depois passava para a folha de ofício].

Aluna: [Pausa silenciosa] ‘Cenoura’ [mais pausa]. Saiu certo [...]?

Pesquisador: [...] Quais são as letras?

Aluna: ‘C’, ‘e’, ‘n’, ‘o’, ‘a’.

Pesquisador: A senhora acha que está faltando alguma coisa?

Aluna: Tô achando.

Pesquisador: O que é que está faltando [...]?

Aluna: ‘Ce – nou – ra’, ‘ce – nou – la’ [pausa]. É um ‘l’, não é?

Pesquisador: E onde fica esse ‘l’?

Aluna: Fica junto do ‘o’.

Pesquisador: Antes ou depois do ‘o’?

Aluna: Depois. [Pausa] Será que eu acertei.

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Figura 6 - Diagnose inicial da aluna Ana (nível

alfabético) Figura 12 - Diagnose final da aluna Ana (nível

alfabético)

As duas palavras que Ana mais demonstrou dificuldades em escrever foram

GRAVIOLA e CHUCHU. Na primeira palavra, continuou usando o ‘H’ na primeira sílaba e

na segunda, ao contrário da diagnose inicial, escreveu corretamente, mas fez um comentário,

no mínimo engraçado:

A única troca realizada ocorreu na palavra CENOURA, entre as letras ‘C’ e ‘S’, em

virtude da semelhança entre os sons, como mostra o comentário da aluna:

Extrato da 15a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘chuchu’ - 20/06 /2012.

Pesquisador: Vamos ver a segunda.

Aluna: Esse tal desse ‘chuchu’, viu?

Pesquisador: [...] Esse ‘chuchu’ é de Ana.

Aluna: Olhe o tal do ‘chuchu’ é ruim para comer, é um bicho ruim, um bicho feio e ruim de escrever [muitas

risadas].

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193

Enfim, Ana continuou na hipótese alfabética de escrita uma vez que conseguia

estabelecer corretamente muitas correspondências grafofônicas nas sílabas, até mesmo em

algumas mais difíceis, mas ainda omitiu letras.

Diante do exposto, constatou-se que a maioria das mulheres não avançou no processo

de apropriação da escrita alfabética, permanecendo na hipótese silábico - alfabético. Somente

Sara avançou para o nível alfabético e Ana, que iniciou o ano nesse nível, conseguiu

consolidar algumas correspondências grafofônicas.

4.5 O que as mulheres escreviam ou não do seu próprio nome

Das três mulheres (Sara, Raquel e Ana) que iniciaram os estudos sem dificuldades na

escrita do nome, somente Raquel terminou apresentando dificuldades. E Rute, que havia

iniciado escrevendo o seu nome com dificuldades, avançou na escrita.

Sara escreveu o seu nome sem maiores dificuldades, embora o tenha escrito sem

espaçamento em relação ao seu primeiro sobrenome. Ana também escreveu seu nome sem

maiores dificuldades, mas continuou esquecendo-se de acentuar o segundo sobrenome. E

Rute, que na primeira diagnose apresentou dificuldades de escrever o seu nome, na última o

escreveu corretamente, mas grafou a primeira letra do seu último sobrenome em minúsculas e

de forma não muito legível.

A outra metade das mulheres revelou dificuldade em escrever corretamente o próprio

nome, a exemplo de Eva e Rebeca, embora Rebeca já estivesse escrevendo o seu nome

completo. Como dito anteriormente, Raquel regrediu na escrita do seu nome.

A escrita correta do próprio nome continuou, dessa maneira, sendo uma dificuldade

pelo menos para a metade das mulheres.

A seguir, se concluirá este capítulo destacando o depoimento das mulheres sobre as

expectativas reveladas por elas no início do Programa do BA.

Extrato da 15a entrevista com a aluna Ana: sobre a escrita da palavra ‘cenoura’ - 12/06/2012.

Pesquisador: E a última: ‘cenoura’.

Aluna: ‘S’, ‘e’, ‘sse’, ‘sse’ [pausa silenciosa rápida] ‘ne’, ‘o’, ‘no’ [risadas], ‘cenoura’, sei lá dois ‘erres’ ou

é um.

Pesquisador: Dois o quê?

Aluna: Dois ‘erres’ ou é um ‘r’. [...] ‘C’, ‘e’, ‘ce’ [...], ‘n’, ‘o’, ‘rê’, ‘a’, ‘ra’. Tá certo?

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4.6 As expectativas das mulheres foram atendidas?

No início deste capítulo se mostrou as expectativas das mulheres em relação à leitura e

à escrita. No que tange à leitura, a Bíblia foi o texto que as mulheres mais queriam ler. Outros

textos alvos de leitura foram o hinário, usado por suas igrejas, lista de supermercado e/ou de

uma forma genérica, tudo. No que tange à escrita, o gênero carta mereceu destaque. Além de

carta, as mulheres expressaram o desejo de escrever cartão (especialmente de Natal), um

bilhete, ensinar os filhos a escrever e, de forma abrangente, tudo.

Após se analisar as práticas dessas alunas propostas pela professora ao longo do

processo de escolarização, as mulheres, em alguns depoimentos, deram a sua opinião se essas

expectativas foram ou não atendidas. O primeiro quadro apresenta alguns dos AVANÇOS em

termo de leitura:

Quadro 19: Avanços das mulheres na leitura e na escrita

CATEGORIA EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE N

o

Soletrando letras do alfabeto. 6

Ajuntando mais as letras. -- -- 4

Leitura de algumas palavras da

Bíblia. -- -- 4

Leitura de pequenos trechos de

versículos bíblicos. -- -- 4

Leitura de palavras de folhetos para

a evangelização. -- -- -- -- 2

Leitura de trechos do Hinário. -- -- -- -- -- 1

Escrita de palavras pequenas. -- -- -- -- 2

A maioria das mulheres reconheceu que houve, sim, um avanço na leitura e na escrita.

Em relação à LEITURA, todas afirmaram que haviam aprendido ou intensificado a

capacidade de soletrar as letras do alfabeto, a exemplo de Eva que destacou esse avanço,

ainda no início do PBA:

Sara, como Eva, admitiu estar soletrando mais e chegou a alistar algumas coisas nas

quais tinha progredido:

Extrato da 11a entrevista com a aluna Eva: sobre os avanços na leitura - 19/12/2011.

Pesquisador: Você tem lido mais depois que começou a estudar? Aluna: Tenho. Antigamente eu não sabia nem assoletrar as letrinhas direito, mas agora, graças a Deus eu já

to assoletrando já. Pouquinho, assim, mas eu sei.

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sei fazer tarefa, conta, assoletrando (...) lendo algumas coisinhas., assoletrando, né.

E outras eu não sei não (Sara – Entrevista 15 - 16/05/2012).

O referido avanço de Sara, porém, diz respeito especialmente ao soletrar letras, pois

existem “coisas” que não sabia ler. Rebeca falou sobre o avanço ao soletrar letras e, também,

no “ajuntar” essas letras:

E hoje em dia eu já conheço, assim, letras, já leio, já leio [...]. Antes de estudar com

a Priscila eu já sabia de letras, ajuntar, soletrar letra. (...) Já que eu tô com essa

escola, com esse projeto com a professora, tá melhorando mais, só que eu demoro

assim, quando eu tô sentindo doente aí eu venho demoro, passei 2 (duas) semanas

sem vim. Mas mesmo assim, em casa eu tento ler algumas coisas (Rebeca –

Entrevista 16 - 16/05/2012).

Houve segundo Sara, uma intensificação do que já sabia e justifica a “demora” no

aprendizado, com sua ausência nas aulas, em virtude de constantes doenças, mas destacou que

esteve se esforçando para ler em casa.

Algumas mulheres destacaram avanços na leitura da Bíblia, sua expectativa mais

proeminente. Eva, por exemplo, compreendeu esse avanço de duas maneiras. A primeira

como a leitura de algumas palavras da Bíblia:

As palavras que Eva afirmou estar lendo, na verdade, não eram todas as palavras e não

estavam sendo lidas com autonomia, porém sendo “decoradas” por ela. A despeito disso,

pessoas da família de igual modo perceberam melhoras na leitura, conforme Eva comentou

acerca do seu filho:

Extrato da 24a entrevista com a aluna Eva: sobre a leitura de palavras da Bíblia - 02/04/2012.

Pesquisador: E a Bíblia, como está a leitura? Aluna: A Bíblia também to decoran..., lendo umas palavrinhas.

Pesquisador: Mas todos os dias a senhora faz isso? Aluna: É, pego.

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196

A segunda coisa citada por Eva em que ela avançou foi a leitura de versículos da

Bíblia:

A leitura a qual ela se referiu, na verdade, são pequenos trechos do versículo, pois até

aquele instante não havia lido um verso inteiro da Bíblia. Já Rebeca, por conta do seu desejo

de evangelizar pessoas, sempre teve como foco, além da Bíblia, a leitura de palavras de

folhetos para a evangelização, a qual ela disse que aumentou:

Rebeca, contudo, não lia o texto do folheto, mas apenas algumas palavras conhecidas

como JESUS. Apesar dessa dificuldade, sempre mostrou muita facilidade na comunicação

com as pessoas durante as atividades evangelísticas da igreja.

Finalmente, Ana foi a única a mencionar progressos na leitura, associado à leitura do

Hinário da sua igreja.

Extrato da 15a entrevista com a aluna Eva: sobre a leitura de versículos da Bíblia - 11/01/2012.

Pesquisador: Leu [...] a Bíblia? Aluna: A Bíblia eu peguei, mas li um versículo, não sei nem qual foi o versículo [...].

Extrato da 19a entrevista com a aluna Eva: a respeito da leitura de algumas palavras - 15/02/2012.

Pesquisador: [...] A senhora leu alguma coisa durante o dia? Aluna: Só isso aqui que eu fiz?

Pesquisador: Mas leu? Aluna: Li. A palavra que eu fiz foi a palavra São Paulo, Deus, Jesus e meu nome [escreveu no próprio

caderno dela].

Pesquisador: Esses nomes a senhora olhou ou escreveu sozinha? Aluna: Eu escrevi sozinha. Que eu já sei fazer Deus, Jesus e São Paulo foi que eu vim passar [começa a

tossir]

Pesquisador: São Paulo foi [...] aonde? Aluna: Passou na televisão. Eu li, não eu li, passou eu li São Paulo e aí eu escrevi aqui [...]. [...] Aí meu

filho disse: ela sabe ler, não ler que, quando não quer. Eu vi São Paulo aí eu fui logo botando aqui, corri e

peguei a caneta e fui fazer o nome aqui São Paulo [...].

Extrato da 10a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a leitura de folhetos para a evangelização - 14/02/2012.

Pesquisador: E antes a senhora fazia isso [...]? Aluna: Fazia [...]. Isso é que eu gostei é [...] palavra, assim, de folheto da igreja que eu pego, aí fico lendo.

Pesquisador: [...] Depois que senhora começou a estudar aumentou esse desejo de ler?

Aluna: Aumentou.

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197

As “coisinhas” as quais ela se referiu são trechos do Hinário. Os hinos que Ana

conhecia por inteiro tinham sido memorizados.

A dificuldade com a ESCRITA sempre foi grande para todas elas e poucos avanços

aconteceram. Quase todas as mulheres continuavam concebendo a escrita como cópia, apesar

de afirmarem que estavam avançando nessa tecnologia, a exemplo de Rebeca e Raquel.

Eu tento escrever sozinha. Quando vou assinar o nome, o nome de meu marido que

é Marcos, nome de pessoas Maria, fico tentando fazer. Eu fico fazendo e fico

confusa, se estar certo ou se estar errado. Eu fico fazendo e fico apagando [...] aí

alguém eu mando ler. Que eu fico achando que não está nada certo, aí quando eu

mando um vizinho olhar, as meninas lá, “ela tá certo, você escreveu”, mas eu não

confio em mim mesmo. Tá lá a palavra e estou dizendo o senhor que não está dando

certo, num tá certo. Aí eu tenho de confiar em mim mesmo, né? Eu tenho que

confiar. Eu tenho que fazer, que eu vou fazer e vai da certo. Eu creio, em nome de

Deus, que vai da certo (Rebeca – Entrevista 4 - 21/12/2011).

Escrevo bastante (Raquel – Entrevista 7 - 19/12/2011).

Rebeca tentou escrever o nome do marido e de outra pessoa da família olhando para

um caderno, no qual estava escrito o nome das referidas pessoas. Mas como ela comentou

acima, sempre duvidava se tinha escrito corretamente. Já Raquel quase não escreveu em casa

e quando disse que tinha escrito muito, se referia às atividades de cópia na escola.

Ana e Sara foram as únicas mulheres que reconheceram explicitamente algum avanço,

mencionando a escrita de palavras pequenas, como é o caso de Ana:

Os avanços supramencionados, no entanto, foram insatisfatórios. Na verdade, elas

admitiram que algumas das suas expectativas fundamentais ainda não haviam sido atendidas.

O Quadro 20 destaca o NÃO AVANÇO das alunas.

Extrato da 09a entrevista com a aluna Ana: avaliação das aulas - 09/01/2012.

Pesquisador: Você tem escrito mais depois que começou a estudar?

Aluna: É, essas palavrinhas pequenininha eu sei escrever, né?

Pesquisador: [...] Que palavrinhas a senhora se lembra? [...].

Aluna: [...] ‘bola’, ‘tatu’ [...] ‘sapo’.

Extrato da 14a entrevista com a aluna Ana: avaliação das aulas - 11/04/2012.

Pesquisador: E o Hinário?

Aluna: Ah! Eu já tô aprendendo umas as coisinhas

Pesquisador: A senhora está me devendo cantar um hino?

Aluna: Ah! Eu não sei cantar sem Harpa não? [...].

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Quadro 20: O não avanço das mulheres na leitura e na escrita

CATEGORIA EVA SARA REBECA RAQUEL ANA RUTE No

Não consegue ler palavras acima de

três sílabas. 6

Não lê tudo que deseja. 6

Não lê todos os textos diferentes da

Bíblia. 6

Não lê versículos inteiramente. -- -- -- -- 2

Não entende o que lê da Bíblia. -- -- -- -- 2

Não consegue ler o Hinário. 6

Não consegue evangelizar com a

Bíblia e/ou folhetos evangelísticos. -- -- -- -- 2

Não escreviam o que queriam 6

Fé na aprendizagem da leitura e da

escrita. 6

Em termos de LEITURA, uma expectativa normalmente explicitada por todas, mas

especialmente por Ana era ler palavras designadas por ela de “grandes” (acima de três

sílabas):

No capítulo 3, inclusive, Ana afirmara que a não leitura de palavras “grandes” era a

razão principal dela se ver como analfabeta. O propósito delas, no final, era ler tudo, como

costumeiramente Sara chamava atenção, mas que não se concretizou, deixando-a muito

preocupada:

Aí eu fiquei pensando a semana todinha. Digo: meu Deus do céu, me ajuda! Porque

[...] eu fiquei pensando: não sei ler, ler completamente, assim, tudo (Sara –

Entrevista 15 - 16/05/2012).

A preocupação de Sara era tão grande que orava a Deus pedindo ajuda para ler.

No que tange à Bíblia, não conseguiam as mulheres ler textos diferentes. Rebeca

afirmou isso pelo menos em dois momentos depois do término do PBA:

Extrato da 9a entrevista com a aluna Ana: avaliação das aulas - 09/01/2012.

Pesquisador: Mas, outras palavras que a senhora tem dificuldade? Aluna: Só as palavras grande.

Pesquisador: A senhora se lembra de alguma?

Aluna: ‘Rio’.

Pesquisador: Rio?

Aluna: Rio é pouquinho, né? Qual a grande, meu Deus? ‘Armário’ ‘geladeira’.

Pesquisador: A senhora tem dificuldade?

Aluna: É.

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O desejo recorrente dela era mesmo ler mais, “meditar mais” e não ficar restrita à

leitura de palavras isoladas. Mas enquanto isso não ocorria, às vezes, as mulheres

demonstravam uma aparente atitude evasiva, conforme os depoimentos abaixo:

[...] Tenho lido algum textozinho [da Bíblia], porque eu não tenho leitura [...]

(Rebeca – Entrevista 33 - 23/09/2012).

A Bíblia eu dou uma olhadinha (Ana – Entrevista 14 - 11/04/2012).

Permaneceu, porém, o desejo intenso de ler a Bíblia, apesar das limitações, como

demonstrado por Eva:

Mesmo não conseguindo ler os versos pretendidos, Eva contemplava os textos diante

de si com alegria, “prazer” “achando bonito” cada versículo, pois compreendia que estava

diante da ‘Palavra de Deus’. Enquanto Eva contemplava, Sara recorria a pessoas da família

para que fizessem a leitura dos textos bíblicos para ela, especialmente ao seu filho de 10 (dez)

anos para fazê-lo:

Extrato da 24a entrevista com a aluna Eva: acerca da dificuldade de ler textos da Bíblia - 02/04/2012.

Pesquisador: Quantas vezes ao dia? Aluna: Assim, quase, uma, umas duas vezes. Ai quando eu tô [...] corro pra pegar a minha Bíblia. Ao menos

eu sinto um prazer de tá com ela, sabe? Fico com ela às vezes aberta, olhando um salmozinho, Mateus [...].

Acho bonito aquele versículo: viver [murmúrios], não é Mateus não [pausa], parece que é, ou é Mateus ou

Atos.

Extrato da 23a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a dificuldade de leitura da Bíblia - 12/06/2012.

.

Pesquisador: Os desejos da senhora, no caso, primeiramente ler a Bíblia [...] foram alcançados, após

esses 8 meses de estudo?

Aluna: Pouquinho [...].

Aluna: [...] Assim, do meu desejo tá pouco [de ler outras coisas]. Pesquisador: Como é que a senhora se sente?

Aluna: Muita dificuldade [...] ainda. Assim, eu me acho com muita dificuldade [...].

Extrato da 33a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a dificuldade de leitura da Bíblia - 23/09/2012.

.

Pesquisador: [...] A leitura da Bíblia a senhora tem feito? [Pausa da parte dela] A senhora tem lido a

Bíblia?

Aluna: [...] Não me considero “analfabeta”, né? Porque já aprendi a fazer o nome e já tô lendo alguma

coisa, mas só muito pouco mesmo. E todos os dias eu tô lendo um pouquinho da Bíblia [...] sempre eu leio

uma palavra [...] e orando e pedindo a Deus que aprenda mesmo ler, pra meditar mais a Palavra do Senhor.

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200

Outra prática de Sara era “orar a Bíblia”, ou seja, aprendeu um princípio importante

nos ensinamentos da sua igreja: que toda a vida cristã, a exemplo da prática constante da

oração, tinha a Bíblia (a ‘Palavra de Deus’) como a sua referência fundamental. As

dificuldades de leitura permaneciam inclusive para o filho de Sara, e a grande expectativa

dela, de ler a Bíblia, ficaria para uma posterior concretização.

Uma última observação a respeito da Bíblia apontou para a necessidade de

compreendê-la e não só lê-la, como enfatizou Ana:

Ela não se contentava em ler somente. Sabia que tinha pela frente outro desafio:

compreender o texto, que no mundo evangélico passa pelo caminho da interpretação ou, mais

tecnicamente, pelos princípios da hermenêutica do texto lido. Enquanto demonstrava

dificuldades na leitura, Ana não ia à Escola Bíblica Dominical, mas pensava em frequentá-la,

pois acreditava que ali superaria a sua dificuldade de entendimento do texto bíblico.

Extrato da 12a entrevista com a aluna Sara: sobre as dificuldades de leitura de textos da Bíblia - 08/05/2012.

Pesquisador: Tem pegado a Bíblia para ler diariamente? Aluna: Quando eu estou em casa eu fico lendo umas palavrinhas da Bíblia, à noite eu oro com a Bíblia. Todo

o dia eu pego na Bíblia de noite para orar.

Pesquisador: Você pega o versículo e tenta ler [...]? Aluna: É, tento ler.

Pesquisador: Tá conseguindo ler o versículo? Aluna: Tô, vou aos pouquinhos, vou lendo, vou lendo, também mando Luiz também ler.

Pesquisador: Manda quem ler? Aluna: Luiz. É meu filho

Pesquisador: A idade de Luiz é? Aluna: Dez/10 anos.

Pesquisador: Ele já sabe ler? Aluna: Mais ou menos.

Pesquisador: [...] Mas consegue ler o versículo direitinho?

Aluna: [...] Consegue.

Extrato da 14a entrevista com a aluna Ana: avaliação das aulas - 11/04/2012.

Pesquisador: E a Bíblia, como está [a leitura] [...]? Aluna: [...] A Bíblia eu dou uma olhadinha, assim, mas eu não entendo bem não, viu?

Pesquisador: Você disse que pra ler está sendo fácil.

Aluna: Eu estou lendo, mas não estou entendendo o que eu tô lendo, tá entendendo?

Pesquisador: Na Bíblia?

Aluna: É.

Pesquisador: Mas consegue ler o versículo?

Aluna: É. Agora eu tenho que ir para a Escola Bíblica Dominical. Pra eu aprender lá.

Pesquisador: A senhora acha que indo, a senhora vai entender? [...].

Aluna: Ler a pessoa lê, agora a pessoa não tem que entender o que está lendo, não é?

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Outras duas mulheres, todavia, ainda demonstraram mais fortemente um pessimismo

em relação à leitura em geral: Raquel, que quando perguntada sobre como andavam as suas

leituras, respondeu que estava “uma negação” e chegou a perguntar ao pesquisador: “o que eu

faço pra poder, ler irmão?”, para depois completar: “meu Cristo amado!”. Já Rute, disse que

lia o seu nome, mas ao mesmo tempo afirmou: “[...] Eu não sei ler [...] ler uma palavra

correta”.

Outra expectativa não atendida e destacada por Sara e Eva esteve associada à leitura

do Hinário, conforme diálogos abaixo:

Pelo fato de não ler, as mulheres, a exemplo de Sara, continuavam praticamente

aprendendo os hinos e músicas por meio de uma atitude de escuta ou, como disse Eva,

guardando as letras “no coração”. Esta última aluna mais uma vez revelou, depois de três

meses do término do Programa, o seu profundo desejo de cantar, de “aprender para cantar”,

pois até aquele momento não havia concretizado sua “vontade”.

Eva e Rebeca revelaram algumas vezes um forte desejo de ler folhetos evangelísticos,

como bem expressou Rebeca:

[...] Eu não vou inventar [...]. Eu não tenho como dizer tô lendo, porque como eu

disse, né? Eu tenho dificuldade pra ler corretamente, mas eu vejo, assim, que a

Bíblia está no nosso coração, né? A Bíblia está no nosso coração, na nossa mente.

Os outros lê, medita, fala pra nós, o senhor [o pastor] passa a Palavra, e a gente

recebe, guarda, medita, então, minha Bíblia é o meu coração, porque guardo a

Palavra de Deus no meu coração. Não sei ler corretamente, mas não eu vou deixar

de trabalhar para o Senhor. Onde eu andar, é no ônibus, é na estrada, é de serviço,

onde eu tiver, é falando de Jesus. Deus traz aquela Palavra eu vou [e] dou para

aquela pessoa. E eu acho, me sinto muito feliz. Não me sinto vergonhosa,

envergonhada, né? Por causa de, porque não sei ler a Bíblia [...]. Eu não sou muito

de me incomodar, porque eu não sei ler, mas pretendo ler, em nome de Jesus, porque

muitos que lê, que tem leitura, não se incomoda de ler a Bíblia. Aí eu vejo, assim,

meu Deus, fico olhando, assim, que coisa [...]! Eu queria tanto ler corretamente,

assim, chegar na Palavra e tá, tá, tá [ler rápido], mas ao mesmo tempo, como eu tô

Extrato da 28a entrevista com a aluna Sara: sobre a dificuldade de ler e ouvir hinos no culto dominical à noite

- 12/08/2012.

Pesquisador: Você não consegue cantar [os hinos]?

Aluna: Não, só sei escutar. [...]

Extrato da 41

a entrevista com a aluna Eva: sobre o que se cantou da coletânea [e do hinário] no encontro de

oração e consagração - 18/08/2012.

Pesquisador: [...] A senhora ouve e guarda [as músicas e os hinos]?

Aluna: É, no coração, aquele, uma vontade de cantar, tenho uma vontade de aprender para cantar [...].

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202

dizendo, já que eu guardo tanto no coração, o meu coração eu vejo que é a Bíblia.

Que o senhor [o pastor] passa uma Palavra para mim, aquela Palavra eu vou guardar,

vou meditar e lá na frente eu já pego uma pessoa, né? Que não é cristão e eu passo,

eu não sei como, Deus passou pra mim aquela Palavra e eu guardei, meditei, então,

eu não fico triste, né? Não me revolto, né? Eu não sei ler, e agora? De repente eu tô

na rua, assim, dou uma Palavra, dou um folhetozinho, Deus vai explica ali. Ainda eu

explico aquela Palavra e o povo fica, assim, meu Deus eu falei coisa mesmo e as

pessoa, chegar, assim, obedecer a Palavra que Deus, que Deus manda na minha

boca, que sai da minha boca! É Ele, não sou eu. Amém? [começa a rir e o

pesquisador a chorar] (Rebeca – Entrevista 25 - 10/07/2012).

A fala de Rebeca acima se alinhava com a das outras mulheres no que tange às

dificuldades na leitura da Bíblia. Mas como Rebeca participava e ouvia frequentemente os

estudos e mensagens nos eventos da igreja, tinha uma atitude no ouvir e guardava a Palavra

no seu “coração” e na sua “mente”, como costumeiramente dizia. Portanto, não se

envergonhava de não saber ler e não via em suas dificuldades um motivo para “deixar de

trabalhar” para Deus, isto é, de evangelizar ou anunciar a mensagem do Evangelho a todas as

pessoas e em todos os lugares por onde andasse, embora acreditasse que ainda conseguiria ler

com a ajuda de Deus, para poder usá-la em sua vida pessoal, nos encontros da igreja e em

suas ações evangelísticas.

A resistência em ESCREVER continuava bastante acentuada entre as mulheres.

Após alguns meses depois do término do BA, Eva ainda afirmava que em relação à

escrita, ela não sabia “escrever direito” e que só deixaria de ser analfabeta no momento em

que ela tivesse condições de “pegar um lápis e fazer uma carta”. Sara entendeu que a sua

expectativa de escrever “tudo”, como cartas e ajudar os seus filhos a fazer as suas tarefas, não

se concretizou e que só deixaria de ser analfabeta quando isso ocorresse. Apesar de Rebeca

falar dos seus avanços na escrita do seu nome, permaneceu com algumas dificuldades nessa

escrita. Raquel, que sempre hesitou em escrever qualquer coisa, reconheceu que a única coisa

que aprendeu de verdade foi “fazer” o seu “nome”, não concretizando um dos seus desejos, a

escrita da lista de compras do mês. Ana apresentou certos avanços na escrita, mas continuava

achando a escrita algo difícil. Finalmente, Rute disse que não houve avanços na escrita, senão

na escrita do nome, pois segundo essa aluna, “mal sabia escrever o [seu] nome” e apontou 2

(duas) questões sobre o seu não avanço: a primeira delas era que “não” sabia “escrever uma

coisa”. A segunda questão era que ela achava “que uma pessoa escrevendo só o nome não

pode dizer que (...) não é analfabeta. É sim”, discordando de Raquel, que achava a escrita do

nome a razão de alguém não ser analfabeta.

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Mesmo com todas as suas limitações históricas e atuais no campo da leitura e da

escrita, todas as mulheres tinham fé na aprendizagem dessas tecnologias, como sintetizou

Eva:

Essa confiança na aprendizagem se manifestou da seguinte forma: o primeiro aspecto

é que havia a convicção de que Deus concretizaria as suas expectativas em relação à leitura e

à escrita. Isso fica claro nas expressões “Deus vai (...) abrir minha mente”, “que Deus me

ensine direitinho”, “Deus me ensina, me diga, meu Deus (...)!”, “vou encontrar com o Criador

me ensinando”, “Encontrei, (...) lembrei, Deus me lembrou” e “já, já eu encontro, com a graça

de Deus”. Esse otimismo das mulheres estava relacionado, mui provavelmente, com a fé e

esperança demonstradas por elas em todos os aspectos de sua vida, inclusive quanto ao

aprendizado da leitura e da escrita. Um segundo aspecto era que orações eram feitas

constantes e perseverantemente pedindo a Deus que suas expectativas fossem atendidas. Um

penúltimo aspecto dizia respeito ao desejo de Eva querer sabedoria, pois não a possuía “como

[...] queria”. Sabedoria aqui entendida como a capacidade de ler. Finalmente, o propósito final

de aprender a ler [e escrever] era “fazer tudo de melhor para Deus!”.

Enquanto os seus desejos não se concretizavam, a maioria das mulheres demonstrava

muita tristeza, como Eva chegou a expressar:

Extrato da 36a entrevista com a aluna Eva: sobre a fé que alcançará sabedoria –10/07/2012.

Aluna: [...] O povo pensa que eu não sei ler, meu Deus! Eu não sei ler, mas eu fico prestando atenção [...],

imagine se eu não tivesse esse problema de cabeça [...] eu acho que eu tinha muita sabedoria, viu? Às vezes eu

fico assim...

Pesquisador: E a senhora acha que não tem sabedoria [...]?

Aluna: Eu tenho sabedoria, o senhor acredita? Eu tenho sabedoria, mas não como eu queria.

Pesquisador: E a senhora acha que vai conseguir como [...]?

Aluna: Eu acho que Deus vai [...] abrir minha mente. Jesus vai abrir minha mente e me dar sabedoria, que eu

peço a Ele, tenho pedido.

Pesquisador: Para quê? Abrir a mente para quê?

Aluna: Pra ler. Ler a Bíblia [...], que Deus me ensine direitinho como é que eu vou ler, como é que eu vou ter

que aprender. Eu pergunto a Deus o que ele quer [...] que eu faça pra Ele. Eu falo com Deus. Deus me ensina,

me diga meu Deus [...]! Eu quero fazer tudo de melhor para Deus!

Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o assunto do estudo bíblico - 18/08/2012.

Pesquisador: [[...] Eva está no Novo Testamento, folheando, procurando o livro, que foi utilizado pela manhã

[...]].

Aluna: [Pausa longa] Deus, Pai todo poderoso!

Pesquisador: Não está encontrando não [...]?

Aluna: Criador, vou encontrar com o Criador me ensinando, vou abrir aqui, já, já eu encontro, com a graça de

Deus [pausa mais longa]. [...].

Pesquisador: Como foi que a senhora encontrou?

Aluna: Encontrei, [...] lembrei, Deus me lembrou, mas eu estou procurando, [...] encontrei Efésios.

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Eva, então, se sentia “triste” e chorava quando pedia a ajuda de seu filho na leitura de

um versículo da Bíblia e ele, inicialmente, não a ajudava no que ela se abateu profundamente.

Nesse momento, expressou mais uma vez o desejo de ler a Bíblia e disse:

meu Jesus! Eu queria saber ler, abrir essa Bíblia e ler todinha. Aí eu acho que a

minha vida era só [pausa], eu acho que eu louca de tanto ler a Bíblia se eu soubesse

ler [dá várias gargalhadas] (Eva – Entrevista 39 - 22/07/2012).

Dois meses depois da entrevista acima, Eva continuou fazendo planos em relação à

leitura da Bíblia e não queria morrer sendo analfabeta:

[...] Se eu soubesse ler de verdade, se eu soubesse ler, tivesse [barulho de fogos], eu

não parava de ler, de ler a Bíblia não. Eu de quando em quando dou um pulinho

quando eu levanto de manhã, eu pego ela, essa Bíblia e medito, fico orando e

soletrando as letrinhas, meu Deus! [...] Saber ler pra aprender alguma coisa [...]

ANTES DE EU MORRER, EU NÃO QUERO MORRER ANALFABETA NÃO.

NÃO É NÃO? (Eva – Entrevista 46 - 23/09/2012).

Apesar desses avanços ela reconhecia a sua falta de autonomia na leitura, já que não

conseguia ler “sozinha”:

Extrato da 39a entrevista com a aluna Eva: sobre sua tristeza em não saber ler –22/07/2012.

Pesquisador: [...] O seminarista [na EBD] perguntou [...] se a senhora sabia ler? O que [...] a senhora

disse?

Aluna: Eu disse que não [começa a rir].

Pesquisador: Como?

Aluna: [Ainda rindo] Eu disse que não, porque era pra mim ler, Jesus. Aí eu disse que não, Jesus.

Pesquisador: Como a senhora se sentiu?

Aluna: Eu senti triste [começa a chorar].

Pesquisador: É.

Aluna: Triste, é, porque eu queria ler. É tão bom, Deus [...] eu chorei, assim, tava com a Bíblia, que eu só

vivo com a Bíblia na mão, agora, direto. Minha vida até quando eu vou pra fora eu vivo com a Bíblia debaixo

[...], na mão, aí aquilo eu me sinto tão triste [...]. Aí eu pedi [a seu filho] [...] aí [ele] não quis ensinar, aí eu

disse, assim, tá bom, meu filho, [...] eu disse: tá bom, meu filho, Deus lhe abençoe! [...] Aí depois ele se

arrependeu, aí eu digo: peça perdão do que eu peço pra você fazer pra mim, que você não faz. Ai ele disse:

“venha, venha” [...] como se ele ficou arrependido, ele disse: “venha, venha que eu vou lhe ensinar agora eu

não vou dizer mais nada não” [...]. Aí Deus tocou na mente dele e que ele disse: “eu não vou falar mais nada,

vou lhe ensinar direitinho com paciência, venha!”. Aí eu fiquei chorando, eu disse, tá bom [...], depois meu

filho. Quando Deus me consolar eu quero que você me volte a me ensinar, mas agora eu não vou querer não,

porque ele me magoou, sabe? [...] Da pessoa chamar a pessoa sabendo que a pessoa não sabe, aí eu me sinto

triste [chorou rapidamente]. Mas depois ele me ensinou [...] pediu perdão a mim [...]. Eu sei que meu filho é

nervoso [...] Aí eu disse a Deus: dá paciência a meu filho e a mim. Aí naquilo eu não disse nada a ele não, eu

só chorei [continua chorando]. [...] Tenha paciência com sua mãe, sua mãe tá ficando numa idade avançada

[continua chorando] [...]. [...] Era a Palavra [...]. Eu tava lendo aonde meu Deus, na Bíblia, Jesus? [Não se

lembra].

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então, ainda, enquanto eu não desvendar mais e não souber ler uma [...] palavra

sozinha, só, sem ajuda de ninguém, toda, ainda me sinto [“analfabeta”] (Rebeca –

Entrevista 16 - 16/05/2012).

No capítulo seguinte, se focalizará as experiências de leitura e escrita de apenas três

das mulheres, no espaço da igreja, destacando suas especificidades e relações com as práticas

de leitura e escrita na escola.

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CAPÍTULO 5: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE MULHERES FORA DA

ESCOLA: O ESPAÇO DA IGREJA

No capítulo 4 se considerou as práticas de leitura e escrita das 6 (seis) mulheres

envolvidas na pesquisa, no espaço da escola. Como as mulheres sempre demonstraram

interesse em ler a Bíblia, bem como outros textos relacionados aos eventos na igreja, neste

capítulo o foco é analisar práticas de leitura e indícios de usos da escrita nesse espaço e,

também, em que medida essas práticas foram influenciadas pelo processo de escolarização.

Para tanto, se destacará apenas três das mulheres - Eva, Sara e Rebeca - que se reuniam na

mesma igreja, conforme anunciamos na metodologia.

5.1 Práticas de leitura e escrita na igreja ANTES de entrar na escola

Antes do ingresso das mulheres na escola, elas já se envolviam em experiências de

leitura e escrita na igreja e desenvolviam estratégias no uso de materiais como a Bíblia, o

Hinário, folhetos evangelísticos e coletânea de cânticos.

5.1.1 Práticas de leitura

Ao contrário da escola, na qual as mulheres se envolveram mais com a escrita, na

igreja a proeminência recaiu na leitura, como de fato ocorre no protestantismo em geral, no

qual o ato de ler é algo essencial. O quadro abaixo destaca as principais leituras feitas pelas

mulheres antes de iniciarem seus estudos:

Quadro 21: Leituras realizadas na igreja ANTES do ingresso na escola

LEITURAS ALUNAS ESPAÇOS

CASA IGREJA

Leitura de versículos específicos da Bíblia Eva e Sara

Leitura do Hinário Eva e Sara --

Lições na Escola Bíblica Dominical Eva e Rebeca --

Leitura de folhetos evangelísticos Rebeca --

Leitura de coletânea de cânticos. Todas --

De acordo com as informações do Quadro, todas as mulheres se envolveram com pelo

menos um material de leitura na igreja. Eva se envolveu com a maioria dos materiais, Rebeca

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e Sara com um pouco mais da metade. É de se ressaltar que Sara havia perdido o Hinário e

Rebeca, recém-chegada à igreja, não possuía ainda a Bíblia nem o Hinário. O (a) professor (a)

ou a liderança, em geral, sempre solicitava que lessem a Bíblia (alguns textos), em razão das

lições da Escola Bíblica Dominical (EBD) e dos estudos bíblicos, o que Eva e Sara

procuravam atender. Outra solicitação era que lessem os folhetos evangelísticos, antes de

entregá-los a alguém, mas só Rebeca fazia isso.

5.1.1.1 A leitura da Bíblia

Como se disse mais de uma vez, as mulheres consideravam a Bíblia como o principal

texto alvo de leitura ou até mesmo o único motivo de estarem na escola. O quadro a seguir

identifica alguns elementos relacionados à leitura da Bíblia:

Quadro 22: Relação com a Bíblia e sua leitura ANTES do ingresso na escola

CATEGORIA EVA SARA REBECA TOTAL

Possuía a Bíblia. --- 2

Levava a Bíblia para a igreja. --- 2

Conhecia a maioria dos livros da Bíblia. -- -- 1

Conseguia encontrar vários livros da Bíblia. -- 2

Lia palavras já conhecidas da Bíblia. 3

Eva e Sara adquiriram a Bíblia desde que se tornaram evangélicas. Rebeca, como já

anunciado, não possuía a Bíblia, nem mesmo em casa. Sara, apesar de trabalhar durante o dia,

mantinha uma frequência de leitura da Bíblia quase que diária em sua casa e fazia isso

geralmente à noite. Já Eva fazia as suas leituras numa frequência de três a 4 quatro dias e

normalmente fazia isso no início da tarde e eventualmente pela manhã.

Eva e Sara sempre levavam a Bíblia para a igreja (Eva sempre a leva em sua bolsa,

enquanto Sara a conduz em sua mão). Eva declarou no segundo dia de aula, inclusive, que

sempre levou a Bíblia para a igreja:

eu levo, mesmo sem saber ler. Sei abrir a Bíblia [...] (Aluna Eva - Aula 1 –

11/10/2011).

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Ela admitiu não “saber” ler, mas afirmou que sabia abrir a Bíblia, ou seja, conseguia

encontrar a maioria dos livros das Escrituras quando estava presente nos eventos da igreja.

É muito importante, quando as meninas manda. Na igreja mesmo, quando o pastor

manda ler: leia aí esse versículo aqui, eu li. De Jonas, eu li; qualquer um, li;

Deuteronômio, li; Isaías, li; I Coríntias, eu li [...] (Eva – Entrevista 1 – 12/05/2011).

Duas observações aqui são necessárias: a primeira é que Eva mostrava familiaridade

com praticamente a maioria dos livros da Bíblia, quando afirmava: “qualquer um li”; e,

também, quando citava livros tanto do Antigo como do Novo Testamento. A segunda

observação é que ela dizia que lia, mas na verdade fazia tentativas de leitura de algumas

palavras e não o versículo inteiro. Por isso, para Eva era insuficiente somente identificar os

livros da Bíblia, já que ela desejava ler a “Palavra” (o conteúdo da Bíblia), conforme exprime

adiante:

E aí aquilo eu fico assim: meu Deus, eu queria saber ler, pra ler essa Palavra! (Eva –

Entrevista 1 – 12/05/2011).

Finalmente, as mulheres afirmavam que já conheciam algumas palavras da Bíblia. Na

leitura de palavras e nas tentativas de leitura de versículos da Bíblia, as mulheres recorreram a

algumas ESTRATÉGIAS nos eventos da igreja e, também, no espaço da casa, conforme o

quadro abaixo:

Quadro 23: Estratégias usadas na leitura da Bíblia ANTES do ingresso na escola.

ESTRATÉGIA ALUNA (S)

Olhar o nome do livro bíblico no lado esquerdo e/ou direito na parte superior da folha.

Eva e Sara

Identificação do nome dos livros bíblicos pelas suas letras.

Olhar o índice para encontrar os livros bíblicos.

Olhar para a Bíblia de outra pessoa para encontrar o livro bíblico desejado. Todas

Pedir ajuda de alguém para abrir no livro bíblico desejado.

Uma primeira estratégia de duas das mulheres era olhar acima da folha o nome do

livro bíblico. Praticamente em todas as Bíblias impressas o nome do livro bíblico

correspondente está escrito no alto de cada folha (acompanhado do(s) seu(s) capítulo(s)), seja

à direita, numa parte da folha, seja à esquerda, na parte de trás da mesma folha. Essa

estratégia facilitava a identificação do livro mais rapidamente, uma vez que uma pessoa com

dificuldade de ler, ao folhear o seu Texto, pode vê-lo escrito várias vezes e não somente uma

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vez, na folha inicial de apresentação desse mesmo livro. É o caso de Sara, que encontrou um

texto do Evangelho de João, embora com alguma dificuldade:

A dificuldade de Sara se relacionava ao fato dela só encontrar livros bíblicos cujos

nomes estivessem na categoria chamada por ela de “palavra fácil”:

os versículos, assim, eu não sei, não. Mas se for só assim no nome, assim, no livro

da Bíblia eu sei. Se não for muito difícil, né? Se for, assim, João, Pedro, Mateus,

Lucas, Marcos, esses aí, eu já sei (Sara - Extrato da entrevista 2 - 05/10/2011).

Sara citou alguns dos livros bíblicos e só do Novo Testamento (NT), pois suas leituras

da Bíblia eram inconstantes, frequentava bem menos os eventos da igreja e tinha mais

familiaridade com os livros do NT, ao contrário de Eva, que encontrou um livro do Antigo

Testamento (AT), incomum para Sara:

Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre uma atividade com a Bíblia - 05/10/2011.

[...] Pesquisador: [...] Se eu pedir para você abrir [...] no livro de João, você abriria?

Aluna: [Aluna procurando].

Pesquisador: Você encontrou?

Aluna: Encontrei [após algum tempo passando o dedo acima da folha]

Pesquisador: [...] No início você tentou abrir [...] logo na [...] parte [...] primeira da Bíblia [no Antigo

Testamento]. Por quê?

Aluna: [pausa] Não sei, porque eu tava procurando. [...]

Pesquisador: Então, você não sabia bem onde ficava?

Aluna: É, realmente. [...].

Extrato da 2a entrevista com a aluna Eva antes do ingresso na escola: sobre informações gerais - 18/09/2011.

Pesquisador: [...] Certa vez nós estávamos lá no templo, no estudo bíblico, [e foi aberta] a Bíblia no

livro de JEREMIAS, e eu percebi que a senhora abriu rapidamente e a senhora me disse que abriu

rapidamente, porque o nome JEREMIAS começa com G, certo? Agora a senhora está com a sua

Bíblia em mãos [...], a senhora conseguiria abrir em JEREMIAS? Aluna: Vou procurar agorinha, viu? [Abre a Bíblia e procura o livro, como ela fez na igreja, olhando para

parte superior da folha o nome de Jeremias]. Pesquisador: [...] Ela já conseguiu rapidamente, não é Eva [...]? Aluna: Jeremias 49. Pesquisador: Jeremias, 49. Aluna: E o verso deixe eu ver, o verso! [Pausa] 36, 37, 38 [todos rindo], 39, 40, 41, 42,43, 44, 45, 46, 47

[...], 49, cadê 48?[...] Pesquisador: Jeremias começa com G [...]? A senhora disse que começava com G. Aluna: É, ‘gê’ ‘e’. [...] ‘jota’[...]. Pesquisador: Começa com ‘g’ ou começa com ‘jota’? Aluna: [...] Jota [pausa]. ‘J’ ‘e’ ‘r’ ‘e’ ‘m’ ‘i’, ‘Jeremias’[...].

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Eva, como Sara, lançava mão de um segundo caminho já sinalizado nesse último

diálogo: decorava letras chave para encontrar os nomes dos livros bíblicos e abria com

rapidez, como se observa em um dos eventos da igreja, conhecido de Estudo Bíblico:

Às vezes elas conheciam pela letra inicial, outras, por todas as letras do livro, mesmo

que ainda realizassem trocas de letras que possuíam um mesmo som, como no caso do

diálogo acima, no qual ela trocou o ‘J’ pelo ‘G’, o que também fez durante o período do

Brasil Alfabetizado.

Uma última estratégia utilizada apenas por Eva e Sara era a de olhar o índice da

Bíblia. Essa estratégia tinha a vantagem ter todos os livros da Bíblia em uma página somente,

como fez Sara:

Sara, diferentemente de Eva, pela dificuldade que tinha de manejar a Bíblia, quase

sempre procurava os livros no índice, no entanto, ainda assim demorava na identificação dos

mesmos, até aqueles livros mais conhecidos dela.

As duas últimas estratégias usadas por todas as mulheres tinham relação com o olhar

para a Bíblia de outra pessoa e/ou pedir ajuda de alguém para encontrar os livros bíblicos,

como Sara declarou:

Extrato da 1a entrevista com a aluna Eva antes do ingresso na escola: sobre informações gerais - 12/05/2011.

Pesquisador: Na terça-feira, quando foi solicitado que a igreja abrisse no livro de Jeremias (do profeta

Jeremias) no texto que seria a base para a reflexão da noite, eu percebi que a senhora abriu sem a ajuda de

ninguém. Como é que a senhora conseguiu abrir o livro de Jeremias?

Aluna: Por causa do “g”, “g”.

Pesquisador: Por causa do “g”?

Aluna: Do “g”, Jeremias, tem o nome, e eu conheço as letrinhas tudinha do nome.

Pesquisador: É assim que a senhora faz pra encontrar os livros da Bíblia?

Aluna: É.

Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre uma atividade com a Bíblia - 05/10/2011.

Numa das entrevistas solicitamos que Sara abrisse no Evangelho de João, pois,quando chegamos a sua casa,

ela estava tentando ler um verso desse Evangelho. [...].

Pesquisador: [...] Se eu pedir para você abrir [...] no livro de João, você abriria [novamente]?

Aluna: [Começa a procurar no AT, depois passa para o índice].

Pesquisador: Você encontrou?

Aluna: Encontrei [após algum tempo].

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É. Então eu fico olhando na Bíblia de outra pessoa, da irmã [Eva], assim os nomes.

A irmã Eva também abre muito pra mim, quando eu vou pra igreja. Quando eu não

sei ela [ajuda] (Sara – Extrato da entrevista 2 –05/10/2011).

Essa declaração é interessante, pois Sara abraçou o cristianismo evangélico no mesmo

período que Eva e apresentava mais dificuldade que esta última, na identificação dos livros e

na leitura da Bíblia. A busca por essas estratégias era facilitada, pois nos encontros da igreja

as mulheres não tinham nenhum constrangimento em pedir ajuda a alguém próximo, durante

os cultos.

Antes e durante a pesquisa, elas apresentaram, contudo, algumas DIFICULDADES

na leitura e na procura de livros da Bíblia, explicitadas no quadro abaixo:

Quadro 24: Dificuldades na leitura da Bíblia na igreja ANTES do ingresso na escola

DIFICULDADES ALUNAS

A identificação de capítulos e versículos. Sara e Rebeca

O tamanho das letras. Eva e Sara

A leitura de palavras difíceis.

Todas A leitura do versículo inteiro.

De saber em qual das duas partes se encontra o livro.

Encontrar livros bíblicos que não seja na sua Bíblia.

Uma dificuldade apresentada por Sara e Rebeca foi a de identificar os capítulos e

versículos, no texto bíblico, a exemplo de Sara:

Apesar de conhecer os números, Sara não compreendia o sistema de capítulos e

versículos, o que era fundamental para a localização do texto pretendido.

Eva e Sara sempre mencionaram o tamanho das letras como uma das suas

dificuldades na leitura da Bíblia. Vejamos o que Eva disse:

Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre os usos da Bíblia - 05/10/2011.

.

Pesquisador: Quando na igreja [...] [se] pede pra abrir a Bíblia em um dos livros, você [...] consegue

abrir?

Aluna: Consigo, assim, se for, assim, os nomes, assim, que eu sei eu consigo, mas, assim, é porque tem,

como é que diz? Tem, assim, capítulo e versículo [...] eu não sei, não.

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212

Além de Eva e Sara, o tamanho das letras também se constituiu numa de suas

dificuldades, como o era também para as demais mulheres antes e durante o Programa BA,

especialmente quando a professora escrevia no quadro e/ou no caderno delas.

Todas as 3 (três) mulheres apresentaram em comum mais cinco dificuldades: uma

delas era a leitura de palavras “difíceis”, como afirmado por Sara:

Essa classificação entre palavras “fáceis” e “difíceis” ela já fez antes e quando de suas

aulas na escola (ver capítulo 3). Nessa entrevista, Sara chamou de “palavras fáceis”,

especificamente alguns nomes bíblicos:

se for, assim, João, Pedro, Mateus, Lucas, Marcos, esses aí, eu já sei (Sara - Extrato

da entrevista 2 - 05/10/2011).

Nesse momento, Sara estava com a Bíblia aberta no índice e apontou para o livro de

Deuteronômio, no AT, como uma das palavras “difíceis”, que possui mais de quatro sílabas.

As dificuldades das mulheres não se limitavam à leitura de letras e palavras, mas à

leitura de versículos, o que de fato desejavam ler. Dessa forma, foi solicitado para Sara ler um

versículo do Evangelho de João (capítulo três, verso dezesseis), muito conhecido no meio

evangélico, em geral, já que antes de o pesquisador chegar à sua casa, ela estava lendo esse

Evangelho, usado como referência na mensagem do domingo anterior:

Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre os usos da Bíblia - 05/10/2011.

Pesquisador: Você [...] lê em casa a Bíblia? Aluna: Tento ler.

Pesquisador: E consegue?

Aluna: Não, se for uma palavra, assim, fácil, né? Mas não é toda vez que tem palavra fácil, é difícil, assim,

eu não [leio].

Extrato da 29a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade de leitura da Bíblia - 24/05/2012.

Pesquisador: [...] O que a senhora leu foi algo referente à escola? Aluna: É. A Bíblia eu peguei [...] na pequena eu não estava conseguindo não.

Pesquisador: Por quê? Aluna: Porque tá muito pequenininha a letra.

Pesquisador: A letra da Bíblia.

Aluna: Tá muito pequenininha [...]. Pesquisador: Não conseguiu ler nada ainda nessa nova Bíblia?

Aluna: Não, não consegui não, porque [...] minha cabeça fica doendo, que ela é muito miudinha aí eu tava

lendo, soletrando [...].

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213

Imagem 1: Texto do Evangelho de João 3:16

Sara mais uma vez apresentou a dificuldade de encontrar o texto pelo seu capítulo e

versículo, mas, mais ainda, em ler o texto solicitado, chegando a dizer que não conseguiria lê-

lo. Continuou fazendo a troca de letras, no caso entre o ‘P’ e o ‘G’ e trocou o ‘Q’ pelo ‘G’ e

pelo ‘F’, na palavra ‘PORQUE’, que terminou não lendo. Apesar de não terem explicitado

isso, uma dificuldade de leitura percebida foi com a Tradução da Bíblia63

cuja linguagem é

bem rebuscada.

Finalmente, se percebeu mais duas dificuldades: a penúltima era a de saber em qual

das partes da Bíblia estava o livro (se no NT ou no AT), demonstrada com maior frequência

por Rebeca e por Sara:

63

A tradução da Bíblia usada por Sara é a Edição Revista e Atualizada no Brasil, traduzida em português por

João Ferreira de Almeida.

Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre uma atividade com a Bíblia - 05/10/2011.

Pesquisador: [...] Em ‘João’ há um versículo muito conhecido, João capítulo 3, verso 16. Você

consegue abri-lo?

Aluna: [pausa, falando em voz alta, repetindo ‘João 3’] Acho que achei três.

Pesquisador: E o verso 16?

Aluna: E o verso 16 [Dezesseis, meu Deus]. Dezesseis.

Pesquisador: Você consegue ler [o verso]?

Aluna: [pausa] Consigo não, pastor. ‘Por...’ [ri] ‘Por-gu-e’ [...].

Pesquisador: ‘Porgué’?

Aluna:‘Por-gué’. É pastor, acho que é, ‘por-gu-ré’, ‘e’. É, sei lá, uma coisa assim.

Pesquisador: [...] E a palavra seguinte?

Aluna: ‘Dê’, ‘u’, ‘cê’ [...], ‘ssá’, ‘Dê’, ‘u’[...], ‘Dê’, ‘u’, ‘ssé’, ‘Deus’, né? [suspira de alívio].

Pesquisador: [...] E a terceira palavra [sobre a palavra ‘amou’]?

Aluna: [...] ‘Deus’ ‘a’, ‘Deus’ ‘a’ ‘mo’ [pausa], ‘do’, ‘u’ [ah, pastor!].

Pesquisador: Não sabe essa [...]?

Aluna: Sei não. “A’ ‘do’ ‘ro’, ‘adoro’, né?

Pesquisador: Não.

Aluna: Sei não.

Pesquisador: [...] E essa?

Aluna: Essa daqui o ‘o’? O ‘eme’? Pesquisador: Você está conseguindo enxergar?

Aluna: Tô.

[Não consegue ler].

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214

Não é demais ressaltar que essa era uma dificuldade também percebida em pessoas

alfabetizadas que não tem familiaridade com o texto bíblico.

A última dificuldade revelada era a de encontrar livros bíblicos numa Bíblia que não

fosse a sua, como Eva bem demonstrou:

Eva tinha familiaridade com a sua Bíblia e não conseguiu encontrar ‘Jeremias’. No

caso dela, inclusive, pode ter colaborado, para isso, o fato das folhas da Bíblia do irmão elas

estarem bem juntinhas, dando um aspecto de nova, ao contrário da sua, cujas folhas eram bem

separadas, em razão do uso, e, também, por estarem elas gastas dando a impressão de um

grande volume, o que facilitava a abertura do texto. Outra coisa são as dimensões físicas da

Bíblia do irmão Manoel, duas vezes menor do que a de Eva.

Extrato da 2a entrevista com a aluna Eva antes do ingresso na escola: sobre informações gerais - 18/09/2011.

Numa das entrevistas com Eva, conversamos sobre a sua rapidez em encontrar os livros da Bíblia como ela

fez com o livro de JEREMIAS, num dos estudos bíblicos na igreja. Nesta mesma entrevista pedi que Eva

abrisse novamente nesse mesmo livro, mas usando a Bíblia de outra pessoa, como indica o diálogo a seguir:

Pesquisador: Eu vou pedir à senhora para abrir em ‘Jeremias’ nessa outra Bíblia aqui [de um irmão

de fé da igreja, pois estávamos realizando a entrevista em sua casa]. [Pausa] Essa é a Bíblia do nosso

irmão Esdras.

Aluna: [Eva nesse momento começa a abrir a Bíblia do nosso irmão Esdras, irmão lá da igreja].

Pesquisador: A senhora demorou um pouquinho mais, por quê?

Aluna: [...] Estou acostumada abrir na minha [Bíblia].[Terminou não abrindo em Jeremias].

Extrato da 2a entrevista com a aluna Sara: sobre uma atividade com a Bíblia - 05/10/2011.

Em uma das entrevistas, solicitamos que Sara abrisse no Evangelho de João, pois quando chegamos a sua

casa ela estava tentando ler um verso desse Evangelho.[...].

Pesquisador: [...] No início você tentou abrir [o Evangelho de João] logo na [...] parte [...] primeira da

Bíblia [no Antigo Testamento]. Por quê?

Aluna: [pausa] Não sei, porque eu tava procurando. [...].

Pesquisador: Então, você não sabia bem onde ficava?

Aluna: É, realmente. [...]

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215

5.1.1.2 A leitura do Hinário e da coletânea de cânticos

O Hinário também fez parte dos textos alvos de leitura das mulheres, embora lido bem

menos que a Bíblia. Até porque, nesse período da investigação, somente Eva possuía o

Hinário, mas o seu uso por ela, em casa, era raro. Como havia memorizado a letra de alguns

hinos, ela cantava em casa, como também fazia Sara, mesmo sem possuir o Hinário. Como

Rebeca chegara recentemente à igreja, ainda não havia aprendido os hinos. Apesar de Eva

apresentar dificuldade na leitura, sempre levava, em sua bolsa, o Hinário para a igreja, mesmo

sem saber ler, como declarou em uma das entrevistas:

eu levo [o Hinário], mesmo sem saber ler. [Eu] conheço os hinos dos Salmos e

Hinos [Hinário oficial de sua igreja] (Aluna Eva - Aula 1 – 11/10/2011).

Ana pensava diferente, pois, por não saber ler, não se sentia motivada para levar a

Bíblia e o Hinário para os eventos da sua igreja. A atitude de Eva, na verdade, revelou uma

prática comum das igrejas evangélicas, nas quais os seus partícipes são exortados a levarem

esses textos aos encontros da igreja.

Além do Hinário, a coletânea de cânticos figurou entre os textos que circulou na

igreja, especialmente nos cultos de domingo à noite, dos quais todas as mulheres participavam

com frequência. Na coletânea encontravam–se músicas de vários cantores (as) e conjuntos e

continha várias temáticas (missionária, social e assim por diante) voltadas para a temática

principal: Deus. A coletânea era usada pela igreja, geralmente, no início e no meio dos cultos.

Eva abria quase sempre esse texto para acompanhar as músicas, ao contrário de Sara e

Rebeca, que não o faziam. Assim como os hinos do hinário, elas só catavam as músicas que

memorizavam.

5.1.1.3 A leitura de outros textos

Outros dois textos utilizados pelas mulheres na igreja, quando da aplicação do projeto

– piloto, foram: o uso de lições na EBD e o uso de folhetos para a evangelização.

As lições na EBD estavam impressas em folhas de ofício numa pasta. Participavam

desse evento Eva e Rebeca. Sara não ia à EBD com frequência, por motivos familiares.

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Antes do início do Estudo Bíblico propriamente dito, o (a) professor (a) tinha cinco

atitudes básicas: 1. Cumprimentava todas as pessoas presentes; 2. Arrumava as cadeiras em

círculo, juntamente com os presentes; 3. Apresentava pessoas visitantes, quando tinha; 4.

Pedia para cada pessoa falar brevemente de como foi sua semana; 5. E orava ou pedia alguém

para orar. Passado esse momento inicial, o assunto da aula anterior era revisado rapidamente

e o assunto do dia era apresentado. Nesse período, na classe das mulheres, a temática da EBD

tratava de doutrinas fundamentais da Bíblia. Em cada folha de ofício entregue havia uma

dessas doutrinas, que após alguns instantes era lida pelo (a) professor (a), no que era

acompanhado (a) por Eva e Rebeca. Após isso, começava o debate. Apesar das limitações em

termos de escrita e leitura, as referidas mulheres participavam ativamente do estudo.

Já os folhetos estão associados à evangelização, que constituía uma das ações

fundamentais da igreja, pois representava o anúncio do Evangelho no bairro e eram

distribuídos em dois momentos: as quartas, à noite, e aos domingos, depois da EBD. Eva e

Rebeca participavam ativamente dos dois encontros, mas Sara não, pois na quarta estava

trabalhando e no domingo, pela manhã, se ausentava por razões familiares, como dissemos

anteriormente.

Como se ensinava e era vivenciado pela sua igreja, Eva e Rebeca compreendiam essa

ação evangelística como um estilo de vida, que se dava no cotidiano e nos espaços sociais por

onde andavam. Na verdade, para que a referida ação acontecesse, uma simples conversa com

alguém bastava para que a mensagem do Evangelho fosse apresentada, o que cada uma fazia

quase que diariamente sozinhas.

Comumente, no entanto, Eva e Rebeca, e os (as) demais irmãos (ãs) da igreja levavam

a Bíblia e quase sempre alguns folhetos evangelísticos quando saíam juntos (as), os quais

serviam de textos referências não só para falarem com as pessoas, mas, também, para

responderem eventuais perguntas de quem viessem a abordar. Eva e Rebeca não conseguiam

ler os folhetos como as demais pessoas da igreja, antes de entregá-los, mas conseguiam

evangelizar sem dificuldades as pessoas abordadas por elas.

5.1.2 Práticas de escrita

Nos eventos da igreja, as mulheres pouco se envolveram em práticas de escrita. Na

EBD, na segunda metade de 2011, os assuntos eram dados pelo professor em folhas de ofício,

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sem que houvesse qualquer atividade escrita, pois como a classe era nova, a liderança da EBD

ainda estava definindo qual revista usar.

5.2 Práticas de leitura e escrita na igreja APÓS entrar na escola

O tópico anterior mostrou que antes de começarem os estudos escolares, as mulheres

tinham conhecimentos bíblicos – teológico, desenvolveram práticas de leitura e escrita nos

eventos da igreja, usaram estratégias para lidar com alguns gêneros textuais que circulavam

nesse ambiente e, também, apresentaram dificuldades ao vivenciarem as práticas de leitura.

No presente tópico se mostrará as práticas dessas mesmas mulheres no mesmo espaço,

destacando algumas estratégias e dificuldade relatadas por elas e buscando ver em que medida

o processo de escolarização influenciou no avanço da leitura e da escrita enquanto

participavam dos encontros na igreja, que sempre foram avaliados positivamente, a exemplo

de Rebeca:

5.2.1 Práticas de leitura

Tanto na escola como na igreja persistia, entre as mulheres, muita dificuldade na

leitura. Eva, por exemplo, afirmou que ainda estava lendo “devagarinho”.

Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade para ler- 15/12/2011.

Pesquisador: A senhora continua tendo alguma dificuldade para ler?

Aluna: Um pouco ainda.

Pesquisador: Por quê?

Aluna: [Pausa silenciosa] Não sei. Nem, eu ainda tô, tô meia, um pouquinho mais [...] devagarinho ainda.

Extrato da 31a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a avaliação dos encontros na igreja - 18/08/2012.

.

Pesquisador: O que a senhora não gostou?

Aluna: Pastor, aqui não tem com que a gente dizer [...] não tem palavra que não gostou. [...] Aqui a gente

aprende só amar uns os outros, orar pro uns outros, em nome de Jesus. Foi tubo bom, foi tudo ótimo,

maravilhoso.

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Elas permaneceram sem saber o porquê de não lerem ou pelo menos não deixaram isso

claro.

Apesar das dificuldades de leitura, ao ingressarem na escola, houve, de certa forma,

um aumento das práticas de leitura das mulheres, as quais se envolveram com os mesmos

textos no ambiente da igreja: leitura de versículos específicos da Bíblia; do Hinário; das

lições da EBD; da coletânea de cânticos e de folhetos evangelísticos.

5.2.1.1 A leitura da Bíblia

Após o ingresso das mulheres na escola, o uso da Bíblia cresceu significativamente na

igreja (e também em casa). Eva manteve sua frequência de leitura da Bíblia quase que diária e

passava mais tempo tentando ler os textos bíblicos que escolhia, em casa. A sua facilidade

para abrir os livros da Bíblia e tentar ler os versículos era reconhecida por mulheres como

Rebeca:

Eva é mais esperta para procurar Salmos, versículos [...], porque [...] tá mais curiosa

na Bíblia do que eu [...], eu creio que ela vai mais fundo. [...] Ela traz a Bíblia [...],

ela já vai em cima [do livro da Bíblia solicitado] [...] (Aluna Rebeca – Entrevista 34

– 23/09/2012).

Sara continuava com a dificuldade de ler a Bíblia em razão do seu trabalho, mas

procurava lê-la todos os dias. Rebeca, após ganhar uma Bíblia, passou a lê-la de duas a três

vezes por semana, especialmente à tarde. Também ambas continuavam levando a Bíblia para

igreja.

Em todos os encontros da igreja havia, em geral, pelo menos dois momentos de leitura

da Bíblia: um no início do encontro e outra no meio. Esta última servia de base para a

mensagem ou estudo bíblico. Quando entrevistadas, as mulheres quase sempre se lembravam

do livro usado para a reflexão, mas elas nem sempre diziam qual tinha sido o texto e/ou o

assunto tratado, como é o caso de Eva e Rebeca:

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Em vários momentos Eva só conseguiu lembrar-se do livro lido quando olhava na

Bíblia. O diálogo acima mostrou, mais uma vez, a mesma aluna recorrendo à estratégia de

encontrar o livro bíblico pelas suas letras, mas sem sucesso. Segundo ela, só encontrou a

epístola de Efésios, pela ‘graça de Deus’ e porque o próprio Deus foi quem a “ensinou a

abrir”, naquele momento. Em determinadas ocasiões, todavia, as mulheres não se lembravam

do texto, nem da ordem litúrgica, como é o caso de Eva:

Apesar da dificuldade de lembrar o assunto, sempre demonstraram um conhecimento

notável dos ensinos bíblicos, como realça Rebeca:

Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o assunto do estudo bíblico - 18/08/2012.

Pesquisador: O que foi [...] ensinado na Palavra hoje?

Aluna: Ensinado?

Pesquisador: [...] O que a senhora entendeu da palavra hoje?

Aluna: Num foi [pensou durante algum tempo, mas não respondeu].

Pesquisador: Qual foi o texto?

Aluna: Foi [pausa rápida] Esdras.

Pesquisador: Esdras?

Aluna: Esdras, Esdras não, foi Esdras?

Pesquisador: Foi Esdras?

Aluna: [[...] Eva agora vai pegar a [...] Bíblia dela pra mostrar [...] o texto]. Me ajuda, Deus?

Pesquisador: O [...] livro de hoje é [...] conhecido da senhora, muito conhecido?

Aluna: É [pausa rápida], graças a Deus.

Pesquisador: [...] Esse de hoje é conhecido?

Aluna: É porque a gente já estudou essa palavra, aqui já [...] o senhor [o pastor] já ensinou [pausa rápida].

Vou procurar, viu? [...]

Pesquisador: [Eva continua procurando, folheando o Novo Testamento [...]].

Aluna: [Após algum tempo] Efésios, Efésios [dizendo bem alegre].

Pesquisador: Ah! Ela lembra agora [...].

Aluna: Efésios, Efésios [ela continua procurando]. [...]

Pesquisador: Consegue ler [...]?

Aluna: Foi Efésios, deixe eu ver qual foi!

Pesquisador: Mas consegue ler o nome Efésios?

Aluna: Consegue, olhe aqui o nome Efésios! É um ‘e’ ‘e’ ‘fe’ ‘fe’ ‘fi’ ‘o’ ‘s’, Efésios, graças a Deus foi

aqui [pausa rápida] 2 (dois) 1 (um) [...] 4 (quatro), mas eu encontrei com a graça de Deus, tá vendo como é a

graça de Deus! Deus me ensina a abrir [...].

Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a primeira leitura nos cultos dominicais à noite - 10/07/2012.

Pesquisador: [...] A senhora lembra como ela [a dirigente] começou o culto [...]?

Aluna: [...] Deixa ver se eu me lembro [começa a pensar].

Pesquisador: Se ela começou cantando, se começou orando [...].

Aluna: Foi lendo, foi lendo, que ela começou lendo [mas não consegue dizer o que se seguiu a isso].

Pesquisador: Exatamente. [...] A senhora lembra qual foi texto que ela leu?

Aluna: [...] Agora esqueci, lembro não [...].

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220

E que mesmo com a intervenção de alguém, ensinando ou pregando o evangelho,

elas entendiam que era Deus quem as ensinava. Ao expor o assunto da EBD, a fala de Rebeca

refletiu um conhecimento de doutrinas cristãs essenciais como adoção, nascimento espiritual,

predestinação, adoração, serviço, testemunho, relacionamento com Deus e a convicção da

possibilidade de todas essas coisas unicamente pela mediação de Jesus Cristo. As mulheres

mencionavam essas doutrinas também quando oravam, falavam, ensinavam ou evangelizavam

alguém.

Mesmo que muitas vezes se esquecessem do assunto principal debatido, gostavam

das meditações e das mensagens, como expressaram Eva e Sara, avaliando-as como

‘bênçãos’, ‘bonitas’ e assim por diante:

Durante os eventos da igreja, percebemos mais três ESTRATÉGIAS utilizadas por

elas na leitura da Bíblia, tanto no ambiente da igreja como no ambiente da casa.

Quadro 25: Estratégias usadas na leitura da Bíblia APÓS ingresso na escola.

ESTRATÉGIAS ALUNA (S)

Marcava o texto bíblico com algum material para lê-lo em casa.

Rebeca Simplesmente ouvir os ensinos e as mensagens.

Encontrava facilmente os livros bíblicos que são lidos com mais frequência na igreja. Eva e Sara

Encontrava o livro pela sua posição na Bíblia. Eva

Extrato da 31a entrevista com a aluna Rebeca: sobre o assunto tratado na EBD - 18/08/2012.

.

Pesquisador: O que a senhora mais gostou?

Aluna: Da palavra que Deus trouxe pra nós hoje de manhã, foi Deus quem [...] Deus adotou nós através da

gente nascer já [...], a gente não sabia que nós fomos escolhidos por Ele. A Palavra foi isso hoje: que nós

fomos escolhido por Ele, né? Que quando a gente veio ao mundo, a gente não sabia, mas Deus já tava

escolhido já, Deus já tinha escolhido nós, pra Ele, pra ser filho Dele, adorar o nome Dele e servir a Ele,

buscar o poder Dele [inclusive para evangelizar], em nome de Jesus.

Extrato da 24a entrevista com a aluna Sara: sobre a dificuldade de lembrar o assunto da mensagem do culto

dominical, à noite - 24/06/2012.

Pesquisador: O que você achou da mensagem do evangelho anunciada pelo pastor?

Aluna: Foi uma bênção, uma bênção de Deus.

Pesquisador: [...] E qual foi o assunto da mensagem [...]?

Aluna: [...] [Começa a olhar e gesticular dizendo que não sabia] O que ele pregou? Muitas coisas. Pregou as

palavras da Bíblia [...].

Pesquisador: Lembra?

Aluna: Não lembro.

Pesquisador: O que exatamente ele falou?

Aluna: Não, mas eu sei que falou umas palavras bonitas da Bíblia. Foi bom demais, eu adorei.

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Duas dessas estratégias estavam associadas à Rebeca.

Nos encontros da igreja, quando era solicitada a abertura do texto bíblico a todos, ela

tinha muita dificuldade de encontrar o livro, pois não possuía nem havia se familiarizado com

a Bíblia até aquele instante, desenvolvendo, por conseguinte, uma atitude mais de escuta do

que de leitura. Superada a dificuldade da abertura do livro pedido, sempre com a ajuda de

uma pessoa da igreja, ela fechava a Bíblia e marcava o texto lido, com um folheto

evangelístico ou com uma caneta, por exemplo. Após isso, Rebeca tinha uma postura muito

firme de escuta das mensagens e estudos. Quando chegava a sua casa, voltava ao texto

marcado para tentar lê-lo. Caso não conseguisse pedia ajuda a alguém, para verificar se o que

ela ouvira no encontro da igreja correspondia ao que estava no texto:

Rebeca não marcava os textos mais longos, pois para ela eram difíceis de serem lidos,

e concebia a leitura e o estudo da Bíblia como uma “batalha”.

Mesmo não lendo e tendo uma atitude de mais escuta, durante os Estudos bíblicos (as

quintas e aos domingos) Rebeca participava ativamente dos debates. Não havia qualquer

timidez, constrangimento e/ou complexo de inferioridade da parte dela, como bem destacou:

Extrato da 34a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a estratégia de marcar os textos bíblicos para serem

lidos em casa -23/09/2012.

Pesquisador: [...] A pessoa que sabe ler e escrever abre rápido [a Bíblia] e a senhora não consegue?

Aluna: [...] Eu já tô, assim, curiosa pra mim, assim [...]. Por isso que quando eu pego, assim, a Bíblia [...]

isso aqui tudo foi passado [mostrando a Bíblia dela e os textos marcados], que o senhor [o pastor] já pregou,

sábado, no domingo [...]. O que o senhor [o pastor] vai passando ali [...] eu recebo em nome de Jesus [...].

AÍ EU JÁ MARCO, TUDO AQUI É MARCADO COM ESSE PAPELZINHO [...].

Pesquisador: Então, cada mensagem, cada estudo a senhora marca? [...] A senhora marca com o quê

[...]?

Aluna: [...] Eu passo, assim, UM FOLHETOZINHO.

Pesquisador: Nos textos que [a senhora está ouvindo]?

Aluna: [...] Às vezes quando é muito [o texto] ninguém nem consegue ta, marcando [...]. Pesquisador: [...] Esses textos [...] a senhora marca para quê?

Aluna: [...] Pra conseguir ler em casa, estudar a Bíblia, a Palavra, que o Senhor passou no domingo, no

sábado. Pesquisador: Aquilo que alguém pregou?

Aluna: Que alguém pregou. Aí [...], por exemplo, eu nunca li Bíblia [não conhece o texto] e pegar, assim,

pra tá lendo, aí pego e vou [...]. Eu tava aqui batalhando aqui, esse aqui que é pequenininho e fico

batalhando a semana todinha só no textozinho, pra ver se eu estou lendo de verdade, a Bíblia [...].

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222

Em alguns momentos, porém, Rebeca tinha receios de participar das discussões para

não falar “qualquer coisa”, já que não sabia o que estava escrito no texto básico para o estudo.

A participação das mulheres nos estudos ocorria muito devido ao ambiente de acolhida

proporcionado pela igreja, às boas relações interpessoais entre elas e a igreja, a uma atitude de

escuta e ao grande desejo de alcançar as suas expectativas, como evangelizar, expresso várias

vezes por Rebeca.

De qualquer forma, essa participação ativa das mulheres nos estudos da Bíblia se

revelou muito interessante, pois, também incluía interpretações delas mesmas acerca da Bíblia

e/ou testemunhos pessoais, o que contribuía para ampliação da compreensão e/ou

esclarecimento do assunto tratado. Isso se tornou possível, não porque liam a Bíblia e/ou os

textos entregues na igreja e sim por conta da escuta atenta e perseverante. Assim, ouvir os

ensinos e as mensagens se constituiu uma estratégia bastante cultivada por todas elas.

Extrato da 25a entrevista com a aluna Rebeca: sobre simplesmente ouvir o texto bíblico - 10/07/2012.

Pesquisador: [A senhora tem lido] a Bíblia todos os dias?

Aluna: Não. Pesquisador: Por quê?

Aluna: Porque uma é que eu não sei, assim, diretamente ler a Bíblia, né? Eu sou mais de ouvir a Palavra,

meditar, guardar no coração, na mente, na alma [...], que eu não tenho leitura correta pra ler a Bíblia [...].

Mesmo a gente andando, ela é uma poderosa na nossa mão né? E eu tô tentando ler aqui, uma coisinha ali

[...] vai saindo uma palavrazinha [...].

Extrato da 25a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a participação nas conversas e debates a respeito do

texto bíblico - 10/07/2012.

Pesquisador: Eu [...] notei que a senhora participa muito [...] do estudo, traz exemplos, [...]

experiências [...].

Aluna: É, eu acho que participo muito, porque, assim, é de Deus mesmo, né? É Deus que toca no meu

coração, que quando falo dá vontade de chorar, porque não sei nem [...] explicar as coisas que vem de Deus,

né? As coisas de Deus é tão gostosa que acontece as coisas, assim, que eu digo: Jesus, tenha misericórdia

[...]! De primeiro eu tinha medo de falar [...], porque que eu achava fosse eu que estava falando, vindo coisa

de mim mesmo, mas tem momento que eu vejo que é de Deus, é de Deus, a gente não pode falar as coisas

que não seja de Deus, né? Pesquisador: A senhora não tem receio de falar na sala?

Aluna: Não. Pesquisador: Mesmo sabendo que aquelas pessoas sabem ler e escrever [...]?

Aluna: Não. Às vezes muitas coisas eu sou mais de ouvir, do que falar, porque eu digo: Senhor, só deixe eu

abrir essa boca se for Tu mesmo que tá mandando [...], pra eu falar, jogar palavra fora, que não vem de Deus

é melhor se calar, tem coisa que fico ouvindo [...]. Eu não quero falar qualquer coisa, né? Porque aquele que

sabe ler a Bíblia ele tá falando porque está escrito ali, que tem na Bíblia, então eu não tenho que falar por

falar [...] eu peço a Ele [Deus] sabedoria pra falar.

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223

As mulheres eram ouvintes muito exigentes, porém, não desenvolveram essa atitude

simplesmente porque não sabiam ler e/ou por não terem outra saída e, sim, porque a questão

do ouvir é crucial no mundo evangélico, pois, uma vez acompanhado de obediência ou de um

“guardar”, de acordo com as palavras de Rebeca, promoveria o crescimento espiritual da

pessoa em todas as dimensões e permitiria o aprendizado dos ensinos bíblicos, como Eva

descreveu abaixo:

De fato, os estudos bíblicos (que ocorriam às quintas-feiras) e a EBD, que aconteciam,

principalmente, no espaço do templo, eram os eventos que as mulheres mais participavam.

Como ressalta Garcia (1990), a pessoa considerada analfabeta

sabe o tempo e o lugar onde a leitura deve ser absolutamente fiel ao texto escrito a

que se refere; por isso, não pode ser realizada por qualquer letrado, restringindo-a,

então, àqueles que pertencem a seu espaço pessoal consequentemente reconhecidos

como seus aliados. O analfabeto recorre a este grupo de interesse, sempre que

necessário, ouvindo atentamente (p.18).

Uma última estratégia, desenvolvida por Eva e Sara, esteve associada ao fato delas

encontrarem com mais facilidade os livros bíblicos que normalmente eram lidos na igreja,

como demonstrado por Eva:

Extrato da 36a entrevista com a aluna Eva: sobre o que fazer para aprender os ensinos dados nos encontros

da igreja - 10/07/2012.

.

Pesquisador: [...] Uma pessoa [...] para aprender os ensinos da sua igreja, ela precisa fazer o quê?

Aluna: Praticar [...], prestar atenção [ouvir], aprender, ir pra igreja, para as Escolas [Dominicais] [...].

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224

Os livros de Deuteronômio e dos Salmos citados por Eva são dois dos livros bíblicos

lidos com certa frequência nos eventos da igreja, especialmente os Salmos.

Além das dificuldades apontadas no quadro 26, no manejo da Bíblia, outras três foram

identificadas:

Quadro 26: Dificuldades na leitura da Bíblia na igreja APÓS o ingresso na escola.

DIFICULDADES ALUNAS

De encontrar livros menos lidos na igreja.

Todas

Acompanhar as leituras realizadas nos cultos.

A leitura de muitos textos pelo dirigente e/ou o (a) pregador (a).

Nesse período, uma primeira dificuldade percebida teve relação com o não encontrar

os livros bíblicos menos lidos e estudados nos eventos da igreja, como mostrou Eva:

Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a procura de livros bíblicos nos cultos dominicais à noite -

10/07/2012.

Pesquisador: Como é que a senhora faz [para encontrar Deuteronômio]?

Aluna: Eu sei o ‘D’. [...].

Pesquisador: [...] Por que a senhora abriu logo [abriu tão rápido] em Deuteronômio [...]?

Aluna: [...] É porque eu já sei [...]. [...]

Pesquisador: Então [...] o que faz com que a senhora abra rápido é o lugar também [a posição em que

o livro se encontra]

Aluna: É [...] também é, viu?

Extrato da 24

a entrevista com a aluna Sara: sobre a abertura rápida da Bíblia no culto dominical à noite -

24/06/2012.

Pesquisador: [...] Quando o pastor pediu para abrir no Salmo 122:1, você abriu com rapidez, por

quê?

Aluna: Salmos?

Pesquisador: Salmo 122:1 [...].

Aluna: [Rindo] Porque eu já sei de cor.

Pesquisador: [...] E os outros textos que ele pediu [...]?

Aluna: Não [se referindo a textos como o livro de Tiago].

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225

Um dos livros pouco conhecido por Eva, cuja leitura ela disse que era menos frequente

nos encontros da Igreja foi o de Daniel, no AT. É necessário dizer, porém, que outras pessoas

alfabetizadas na igreja também tinham dificuldade de encontrar esse livro e alguns outros.

Outras duas dificuldades apresentadas são mais práticas: o acompanhamento das

leituras realizadas nos encontros da igreja e a leitura de textos propostos por professores (as),

dirigentes e mensageiros (as):

Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade da leitura dos textos que circulam na igreja -

10/07/2012.

Pesquisador: A senhora acha que as leituras são muito rápidas [...]?

Aluna: [...]Às vezes dá, se a pessoa souber ler mesmo.

Pesquisador: E a senhora que às vezes [...] eles [mensageiros (as) e dirigentes] pedem para ler vários

textos?

Aluna: Se eles pedem?

Pesquisador: Sim. Eles pedem para ler vários textos [...], muito rápidos [...]? Aluna: Não [...] dá tempo para a pessoa que sabe ler [...]. Quem sabe ler dá tempo [...]. [...]

Pesquisador: No caso da senhora?

Aluna: Dá não, Jesus!

Pesquisador: A senhora acha que [eles] poderiam ler [...] os versículos mais devagar?

Aluna: É.

Pesquisador: Poderia?

Aluna: Poderia, porque a pessoa que não sabe ler, às vezes [...] ou, então, assim, falar antes de, de ler, né?

Porque a pessoa vai...

Pesquisador: Por quê? Aí daria o quê?

Aluna: Tempo, né? De abrir, porque tem gente que vai [...] abrir, mas já sabe logo lá, já tem aberto e a

pessoa vai procurar, assim, falar antes [...] um pouquinho antes.

Pesquisador: Primeiro citar o texto?

Aluna: Primeiro citar [...] o texto, o verso pra [fazer a leitura].

Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a procura de livros bíblicos nos cultos dominicais à noite -

10/07/2012.

Pesquisador: [...] Eva, no Antigo Testamento tem [...] outro [...] texto começado com ‘D’ [além de

Deuteronômio], que é o livro de Daniel [...]. Sabes onde fica [o livro de] Daniel?

Aluna:[...] Deixe eu ver se eu encontro Daniel, viu? [...].

Pesquisador: E Daniel?

Aluna: Daniel? Vou procurar Daniel [...].

[...]. [Eva continua manuseando [a Bíblia] para encontrar Daniel].

Pesquisador: [Na igreja] [...] o que é que se lê mais na Bíblia, Daniel ou Deuteronômio?

Aluna: Deuteronômio. Daniel se lê é muito difícil quase né? Lê mas não tanto não, eu não vejo quase ler

Daniel, não [...].

Pesquisador: A senhora acha que é por isso que [...] tens dificuldade de encontrar?

Aluna: [...] Deve ser [...].

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226

Quando a igreja era solicitada para abrir o texto básico de reflexão, as mulheres, em

quase todas as ocasiões, não encontravam nem liam os textos. Quando todos terminavam a

leitura, geralmente, tentavam ler sozinhas, mas, nesse instante, a mensagem ou o estudo já

havia iniciado e as mulheres interrompiam a leitura para ouvir a Palavra.

5.2.1.2 A leitura do Hinário e da coletânea de cânticos

Nos encontros da Igreja todas as três mulheres cantavam os hinos que haviam

memorizado. Mas nem sempre conseguiam assim fazê-lo e aí elas só escutavam como

expressou Sara:

Eva, a única que possuía o Hinário, sempre o levava para a igreja e recorria a duas

estratégias, para encontrá-los e lê-los:

Quadro 27: Estratégias usadas na leitura do Hinário APÓS do ingresso na escola

ESTRATÉGIAS ALUNAS

Identificação do nome do hino pelo número.

Eva e Sara Memorização dos hinos na igreja.

Na igreja, Eva e Sara utilizavam o Hinário abrindo-o todas as vezes que o (a) dirigente

do encontro solicitava. No caso de Sara, que não possuía o Hinário, ás vezes ela pegava algum

Hinário deixado à disposição pela Igreja sobre as cadeiras. Ambas encontravam o hino pelo

número:

Extrato da 28a entrevista com a aluna Sara: sobre a leitura das letras de hinos no culto dominical à noite -

12/08/2012.

.

Pesquisador: [...] Os dois hinos que foram cantados você conhece?

Aluna:Conheço.

Pesquisador: [...] Sabe cantar os dois?

Aluna:[...] Sei, só não sei cantar só, mas se tiver um som eu [...] canto.

Pesquisador: [...] E como é que você aprendeu?

Aluna: Eu aprendi, cada dia eu vou escutando, assim, aqui na igreja, em casa, eu tenho um rádio e fico

ouvindo os hinos.

Pesquisador: Você não lembra os hinos, então?

Aluna: Não lembro não.

Pesquisador: Você não consegue cantar?

Aluna: Não, só sei escutar.[...]

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227

Do hino mencionado, que é apresentado a seguir, Eva conhecia praticamente a letra

inteira, pois o havia memorizado, e cantou parte do mesmo na entrevista:

Imagem 2:Letra do Hino 333

Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre a estratégia utilizada para cantar hinos no encontro de

oração e jejum - 18/08/2012.

.

Pesquisador: Quando a senhora vai procurar no hinário esse hino, como é que a senhora faz?

Aluna: [[...] Eva vai pegar agora o [pausa rápida] hinário]. Olhe que pastor lindo [rindo todos], filho

abençoado, que Deus nos deu, agradeço amor [...] da minha vida [...]]. [...] Encontro já, já, em nome

de Jesus [pausa rápida]. 333.

Pesquisador: Como é que a senhora encontrou?

Aluna: Porque eu já encontro aqui.

Pesquisador: A senhora encontra como?

Aluna: [...] Assim, sei que é 333 aqui.

Pesquisador: A senhora encontra pelo...

Aluna: Pelo número [...].

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228

O hino 333 era conhecido de Eva, pois comumente era cantado na igreja,

especialmente nos encontros de sábado (de oração e jejum). Tanto memorizou o hino, que ao

se pedir para que fosse feita a leitura do título do hino ela não conseguiu. No entanto, leu sim,

com o apoio da memória, as duas últimas palavras da primeira linha, da primeira estrofe: ‘seja

consagrada’, realizando a soletrações dessa última palavra, letra por letra. Memorização

exercida também com respeito à coletânea:

Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o assunto da reflexão bíblica no encontro de oração e jejum -

18/08/2012.

Pesquisador: A senhora lembra quais os hinos [...] cantados hoje pela manhã? Aluna: 333[começa a cantar um trecho do hino]. “A ti seja consagrada [ri] minha vida, ó meu Senhor!”

[continua rindo].

Pesquisador: [...] E quais foram os outros [...]?

Aluna: Esqueci [...], ó Deus [lamentando]!

Pesquisador: Os outros que foram cantados a senhora [...] conhecia [...]?

Aluna: Muito não, pastor.

Pesquisador: [...] Esse [333] já conhece?

Aluna: Já.

Pesquisador: Esse já conhece, por quê?

Aluna: Porque [pausa rápida] sempre a gente canta.

Pesquisador: Sempre canta?

Aluna: No sábado, sempre a gente canta esse hino. [...]

Pesquisador: [...] E o que está escrito aqui [pausa rápida] o título do hino?

Aluna: Aqui? [...]

Pesquisador: [...] Esse título mais escurinho.

Aluna: Esse?

Pesquisador: Sim.

Aluna: ‘Seje’, ‘seja consagrada’.

Pesquisador: Quais são as letras?

Aluna: É um ‘c’, um ‘o’ ‘n’ ‘s’ ‘a’ ‘g’ ‘r’ ‘a’, ‘seja’.

Pesquisador: Qual o [...] é essa [apontando para a palavra ‘seja’]

Aluna: Aqui, né? [...] ‘seja’, aqui ‘ a ti seja’, não, é não [olhando para o título]. É não ‘a ti seja’ é aqui

[apontado corretamente para a palavra ‘seja’ e começa a cantar], ‘A ti seja consagrada, minha vida [...]’. [Ela

não consegue ler o título CONSAGRAÇÃO].

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229

Imagem 3:Letra da música Diante da cruz

A música acima sempre provocava choro em Eva e a expectativa de ler era tamanha

que ela queria cantar essa música na “frente” da igreja, seja sozinha, seja em grupo.

A relevância dos hinos na vida das mulheres era muito grande, as quais procuravam

compreender as letras e exprimia profundos sentimentos e declarações de amor.

Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o que se cantou da Coletânea no encontro de oração e

consagração - 18/08/2012.

Aluna: [...] Tens uns também aquele também, como é da cruz? [Começa a cantar] “vejo o sangue de Jesus” Pesquisador: [...] Esse é da Coletânea [...]?

Aluna: Da Coletânea é. É muito bonito. Tem muito hino bonito, menino [...] eu não aguento, não é pra

chorar, é pra chorar [...]. Pesquisador: [...] A senhora ouve e guarda?

Aluna: É, no coração, aquele [...]. Uma vontade tão grande que eu tenho de cantar lá na frente. Eu tenho,

mas queria tocar [...]. Pesquisador: Mas por que a senhora não canta?

Aluna: Eu queria tocar e queria sabe o quê? Eu queria cantar, tocar um negócio que eu tenho muita vontade

de cantar [...] violão.

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230

O uso da coletânea de cânticos nos cultos de domingo à noite não mudou durante o

período em que as três mulheres estiveram fora da escola e as estratégias não foram diferentes

das usadas para os hinos. A única estratégia não mencionada anteriormente correspondia

àquela de pedir ajuda a alguém, quando não encontrava a música pelo número, na coletânea, a

exemplo de Sara:

De fato, a coletânea apresentava mais dificuldade para se encontrar as músicas do que

os hinos. Na coletânea, diferentemente do Hinário, o número não identificava o hino, mas a

página, e não havia índice.

Em relação às dificuldades na leitura e na identificação do Hinário e da coletânea, pelo

menos três foram percebidas: uma primeira era a de ler as letras dos hinos e das músicas. As

mulheres até tentavam ler, mas sempre nos eventos da igreja e quase nunca em casa.

Extrato da 41a entrevista com a aluna Eva: sobre o que se cantou do Hinário no encontro de oração e

consagração - 18/08/2012.

.

Pesquisador: [...] Quais são aqueles hinos que a senhora mais gosta no Hinário?

Aluna: Ah, eu gosto [...] é o 102 [...]. Pesquisador: Como é o [hino] 102?

Aluna: [Começa a cantar] “Mestre, chegou a bonançia”, né [...]? [Continua cantando baixinho]. Pesquisador: [...] E por que a senhora gosta do [hino] 102?

Aluna: Porque me emociona muito. É uma dor tão grande que eu sinto, uma dor de paixão. [...] Um hino

que choca lá dentro, o amor de Deus é grande, aí fala, como se fosse aquele outro [hino] que eu também

amo muito, é o [...], eu queria muito que eu cantasse ele é [pausa rápida], 409, 49. Pesquisador: 409?

Aluna: 409. [...] Também, agora [numa atitude pensativa, começa a cantar] “Alvo mais que a neve” e

também é, sabe qual é o outro que eu amo muito? É o [pausa rápida]. Pesquisador: Sim.

Aluna: É o[pausa rápida] “Castelo Forte” [E começa a cantar], [...] é lindo demais [e começa a cantar]:

“Castelo forte é nosso Deus, espada e bom escudo, com seu poder defende os seus [começa a rir] Pesquisador: Olhe aí! [...] A senhora conhece [Eva interrompe e continua cantando].

Aluna: [Continua cantando] “Sabei quem é Jesus, o que venceu na cruz, Senhor dos altos céus, sendo o

próprio Deus” [...]. Pesquisador: Como é que a senhora conheceu todos eles?

Aluna: É cantando. Pesquisador: Cantando?

Aluna: Cantando, o povo cantando, aí aquilo, esses hinos é tudo, eu choro com esses hinos menino [...].

Extrato da 28a entrevista com a aluna Sara: sobre as estratégias para cantar hinos da coletânea - 12/08/2012.

Pesquisador: Como você faz para encontrar os hinos da Coletânea?

Aluna: Eu peço ajuda para o pessoal, mas às vezes também tem as páginas, assim, número 1, número 2,

número 3, né?

Page 232: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A meu Deus, pois nele encontro o sentido da minha existência e vida e somente em quem nos tornamos verdadeiramente humanos. À

231

A não leitura e a falta de compreensão das letras, por exemplo, desestimulavam Eva a

pegar a coletânea. Não que ela não entendesse as letras de todas as músicas, pois as

memorizava e falava a respeito do que ensinava. Ela só não entendia o que não lia sozinha.

Uma segunda dificuldade tinha relação direta com o tempo de leitura, como Sara bem

destaca:

A dificuldade de leitura impossibilitava Sara de ler a letra das músicas que não

conhecia. Ela não conseguia sincronizar o seu tempo com o dos demais participantes do culto

e, assim, desistia de continuar a leitura do texto.

Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade da leitura da Coletânea - 18/08/2012.

Pesquisador: [...] Eu percebi que a senhora não pegou a coletânea [...]. A senhora acha que não pegou

por quê? Porque ainda tem dificuldade na leitura? [...].

Aluna: [...] É [...] da leitura, eu acho que sim, mas se eu prestar atenção eu sei, viu? [...].

Pesquisador: [...] O fato da senhora [...] ter dificuldade ainda na leitura, isso desestimula a senhora ou

não a pegar a Coletânea?

Aluna: É. Pesquisador: [...] Desestimula por quê?

Aluna: Porque às vezes eu, pra mim, assim, cantar, assim, sem ler eu não; tem que ler [...]. A pessoa tem

que ler, assim, pegar e saber o que está cantando, aí por isso, aí às vezes eu não pego por isso. [...] Não

adianta eu estar olhando, assim, sem saber o que está cantando. Tem que ler e saber o que está cantando. Só

pra pegar pra dizer que sabe.

Extrato da 37a entrevista com a aluna Eva: sobre a dificuldade da leitura da Coletânea - 10/07/2012.

Aluna: [...] Você vai para uma igreja, você tem que prestar atenção o que, o estudo, preste atenção, [...]

mesmo não sabendo ler, você tem que prestar atenção o que estar acontecendo ali [...]. Você vai a uma

igreja para prestar atenção aos ensino, [...] o que tá lendo ali, o que tá ensinando [...] pratique aquela Palavra

[...]. Se você não souber ler, mas você pergunte depois [...]. Feito essa a, você preste atenção quando tem um

cântico ali [...] quando [...] vai cantar ali, você não tem que prestar atenção a [...] caligrafia da música não?

Tem que prestar atenção. [...] Tudo isso que tem ali escrito é caligrafia, então você tem que prestar atenção,

escute [...] como é bonito ali, aquela música ali [...] seu coração fica cheio de amor pra dar a Jesus, porque

Jesus é quem merece toda honra e toda glória e todo amor, porque você chora. Eu mesmo fico ali me

derretendo com cada música que eu escuto, cada palavra ali [...].

Extrato da 29a entrevista com a aluna Sara: sobre a dificuldade da leitura da Coletânea no culto dominical à

noite - 23/09/2012.

Pesquisador: Você consegue acompanhar [a leitura da coletânea]?

Aluna: Consigo, vou olhando e vou [pausa longa].

Pesquisador: Mas consegue acompanhar lendo tudo?

Aluna: Lendo não, às vezes só se for algum, se for fácil, assim.

Pesquisador: Por quê?

Aluna: Porque eu tenho dificuldade de ler corretamente, assim.

Pesquisador: Aí não consegue acompanhar?

Aluna: É.

Pesquisador: Consegue acompanhar ou não?

Aluna: Não. Só se for cantando, se for lendo não.

Page 233: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A meu Deus, pois nele encontro o sentido da minha existência e vida e somente em quem nos tornamos verdadeiramente humanos. À

232

Além da dificuldade de leitura e do tempo insuficiente para ler, um último obstáculo

foi realçado por Rebeca, em particular, a saber: as letras das músicas das coletâneas são

“grandes”, cuja média de tamanho pode ser exemplificada pela música apresentada a seguir:

Imagem 4: Letra das músicas Rio de vida e Bendito serei

Geralmente cada página da coletânea continha quatro músicas, dispostas duas à

esquerda e duas à direita, com seus respectivos títulos e com indicação de quem as cantava.

Para quem não dominava a leitura, se tornava difícil acompanhar os textos, como afirmou

Rebeca:

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233

Para mostrar a grande extensão dos textos da coletânea, Rebeca os compara com as

informações dadas no frasco de um lambedor que ela estava lendo. O tamanho dos textos era

mais um desestímulo para ela pegar a coletânea, pois não dava “conta” de acompanhar a

música.

5.2.1.3 A leitura de outros textos

As lições na EBD e os folhetos para a evangelização continuavam sendo os mesmos

textos com os quais duas das mulheres (Eva e Rebeca) mais se envolviam.

Durante o período em que elas estavam na escola, lições na EBD ainda versavam

sobre as doutrinas essenciais da Bíblia, que estavam impressas em folhas de ofício, numa

pasta. A dinâmica desse encontro foi esboçada em tópico anterior (5.1.1.3). Uma diferença

relevante percebida aqui é que, quando o estudo iniciava, Eva e Rebeca não apenas fixavam o

olhar no (a) dirigente do estudo, mas no conteúdo da folha, procurando ler e manter uma

participação ativa nas discussões do assunto do dia. Em um dos domingos, Eva escolheu um

dos versículos na folha usado para a lição e procurou lê-lo ou “decorando”, como ela disse:

Extrato da 28a entrevista com a aluna Rebeca: sobre a dificuldade de leitura de textos grandes da coletânea -

15/07/2012.

.

Pesquisador: Eu percebi que a senhora estava sem coletânea, por quê?

Aluna: Porque não pego a coletânea, porque eu, assim, como eu tenho falado, né? Ler corretamente [pausa

rápida], tô aprendendo aos poucos. Eu hoje [...] pela manhã, eu, eu tava lendo em casa, assim, uma receita

de um remédio, um lambedor que eu tô tomando. Aí comecei a ler uma receita do remédio, né? Então, eu

vejo, assim, eu não pego a coletânea, porque é muita coisa, né? Principalmente a música [...]. Coisas

pequenas eu tento ler, ainda vai, mas a coletânea é muita coisa. Pesquisador: Muita coisa como?

Aluna: Assim, durante do louvor, se eu pego ela pra ler a gente vai acompanhando o louvor pela coletânea

eu não vou [...] sei que eu não vou dar conta. Pesquisador: Não dá conta de...

Aluna: De ler, que é muita coisa, né? Mesmo se eu botar o óculos e eu começar a ler vai... Pesquisador: A senhora acha também que é uma questão de tempo?

Aluna: É, o tempo não dá pra mim, que é muita coisa [...] aí eu vou ficar pra trás, muito, muito. Tô

alcançando pouquinho. Pela graça de Deus estou alcançando de pouquinho [...]. Não adianta eu pegar e não

dá conta, né?

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234

Uma coisa comum em Eva e nas outras duas mulheres apontadas acima, é que elas

esqueciam muito rapidamente o que liam e/ou escreviam na/da Bíblia.

Já os folhetos para a evangelização eram distribuídos por Eva e Rebeca às pessoas que

elas abordavam nos lugares por onde andavam, aos domingos, pois nas quartas estavam na

escola. Sara continuava sem participar desses encontros evangelísticos, por motivo familiar.

Antes da entrega dos folhetos, somente Rebeca procurava lê-los, algo que não fazia antes do

ingresso na escola. Ela procurava fazer leitura desse texto em casa, mas às vezes solicitava

alguém para lê-lo. De qualquer maneira, Eva e Rebeca, especialmente esta última, abordavam

e conversavam com as pessoas e demonstravam uma facilidade tanto na comunicação como

no conteúdo da mensagem apresentada, com o objetivo de ampliar a fé em Jesus Cristo para

outros lugares e outras pessoas, inclusive para aquelas alfabetizadas.

5.2.2 Práticas de escrita

Como dito anteriormente, as práticas de escrita foram poucas na igreja, mas dois

exemplos podem ser dados:

O primeiro deles é que a escrita do próprio nome das mulheres melhorou bastante,

como se percebeu quando Eva assinou o seu nome no livro de frequência nas reuniões

regulares mensais da Igreja. Ela, por sinal, expressou grande alegria por sua letra estar

melhor:

Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre o que tem lido após entrar na escola - 15/12/2011.

Pesquisador: A senhora aprendeu a ler alguma coisa que não sabia durante esses três meses de aula?

Aluna: Aprendi. Eu li um domingo mesmo [...].

Pesquisador: O que a senhora aprendeu a ler?

Aluna: Eu [...], assim, tô decorando uns versiculozinhos, assim, mas eu domingo um versiculozinho da

Bíblia.

Pesquisador: Qual foi o versículo?

Aluna: [...] Eu tô esquecida agora [...].

Pesquisador: Quando foi?

Aluna: Domingo, na [...] hora da Escola [...].

Pesquisador: Da Escola Bíblica Dominical?

Aluna: Sim, na hora da Escola Bíblica Dominical.

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235

Antes do ingresso na escola, Eva tinha dificuldades na escrita do seu nome, omitindo

ou trocando letras, às vezes sem espaçamento entre o nome e sobrenomes. Agora, ela

manifesta muita alegria com o fato de escrever o seu nome “parecendo letra de professora” ou

“direitinho” e está um nome “bonito”. A sua satisfação é ainda maior quando as pessoas da

igreja reconhecem esse avanço. Além do nome, um segundo exemplo está associado à escrita

de determinadas palavras.

No período anterior ao início dos seus estudos, Eva lia os nomes ‘Deus’ e ‘Jesus’, mas

não os escrevia. Após começar seus estudos passou a escrever esses nomes sempre que podia

em diversos materiais, como na capa de um livro, em fevereiro de 2012:

Extrato da 50a entrevista com a aluna Eva: sobre a escrita do seu nome na ata - 01/10/2012.

Pesquisador: [...] Na reunião que a senhora participou [a senhora] mencionou sobre a sua assinatura

[...] na ata [...]. [...] Fale mais sobre isso.

Aluna: Ah, de [...] escrever meu nome, né? Ah! Eu não sabia escrever, era feio e ficava todo, assim, errado,

às vezes escrevia meu nome meio, assim, nervoso e não sabia [...], fazia errado [...], mas agora escrevi a ata da

igreja, ficou muito bonito, ficou parecendo letra de professora [risadas]. As meninas [da igreja] acharam

bonito [...], todo mundo se admirou meu nome, ficou bonito. Aí eu fiquei muito feliz com isso, né? De ver,

como eu escrevi errado, agora eu não tô escrevendo mais meu nome errado, escrevo direitinho.

Pesquisador: Foi no caderno de presença [...]?

Aluna: [...] Foi, na ata da presença de Deus, que a ata é de Deus [...], aquela ata da igreja é de Jesus [...]. Foi

por causa disso que o meu nome ficou bem bonito [...]. Menino, eu tô muito chique na letra [...].

Extrato da 5a entrevista com a aluna Eva: sobre o que tem escrito após entrar na escola - 15/12/2011.

Pesquisador: A senhora aprendeu a escrever alguma coisa que não sabia durante esses três meses de

aula?

Aluna: Se eu aprendi? Eu agora tô fazendo melhor, assim, o ‘p’ [...] ‘a’, ‘r’ [...] e o ‘l’.

Pesquisador: A senhora tem conseguido escrever alguma palavra sem olhar [...]?

Aluna: Só meu nome. O meu nome e eu nem sei a letra [...] que eu escrevo [...] às vezes eu me esqueço. A

não ser “Deus” [...], a palavra “Deus” e “Jesus”, [...] que eu já escrevo sem olhar.

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236

Imagem 5: Escrita de palavras soltas e de frases

O nome dela e os nomes ‘Deus’ e ‘Jesus’ Eva escrevia sem “olhar”. Os demais nomes

acima ela copiou de uma pequena revista infantil, que tinha em casa.

As experiências de leitura e escrita dessas mulheres, na igreja, revelaram

especificidades próprias, especialmente no que tange aos usos e estratégias de textos como a

Bíblia, o Hinário, a coletânea de músicas e os folhetos para evangelização. Contudo, mesmo

após o curso do Programa do BA, não houve avanços que possibilitassem às mulheres

atenderem as suas expectativas, as quais estavam relacionadas, sobretudo, à utilização desses

materiais e aos eventos e práticas de letramento nesse espaço social.

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237

CONCLUSÕES

“Uma coisa dessa simples e se torna algo difícil, pois a criança aprende ali na escola,

o alfabeto, nasce e não sabe as letras. Os adultos, não. Já velhos e experientes, sabe

as letras e tem dificuldade de juntar. Devia quando vai para escola ser mais fácil, não

é? Está me entendendo?” (Ana).

“É a Palavra mais importante da minha vida, é a Palavra de Deus, Jesus. [...] Essa é

a importância de eu querer saber ler: é pra ler a Bíblia. Se eu aprender a Bíblia pra

mim, eu aprender essa Palavra e morrer pra mim, oi”[gesticula, mostrando que tudo

mais não tem importância] (Eva).

“Então, ainda, enquanto eu não desvendar mais e não souber ler uma [...] palavra

sozinha, só, sem ajuda de ninguém, toda, ainda me sinto [analfabeta]” (Rebeca).

“Jesus vai voltar e eu não aprendo a ler [...]” (Raquel).

Os extratos acima sintetizam o conteúdo do que foi este trabalho e servem, de maneira

geral, de roteiro para a construção das conclusões.

Como destacado na introdução desta pesquisa, o eixo–temático focalizou as práticas

de leitura e escritas de mulheres analfabetas e teve como problemática o seguinte: Quais as

práticas de leitura e escrita de mulheres analfabetas em Jaboatão dos Guararapes – PE, na

escola e na igreja?

Ao longo da pesquisa percebeu-se que as mulheres, antes mesmo do ingresso na

escola, participavam ativa e sistematicamente de eventos que envolviam a leitura e a escrita

em diferentes espaços sociais, como a igreja, e já demonstravam conhecimentos das letras do

alfabeto, liam palavras de cor, letras de músicas e hinos e escreviam o nome completo, e

assim por diante. Conhecimentos foram revelados não só nas falas das mulheres, quando

entrevistadas, mas também em suas práticas, algumas delas por nós observados.

As referidas mulheres revelaram também expectativas, as quais estão estritamente

relacionadas com os eventos e práticas na igreja e que representavam para elas o sentido de

vida e elemento essencial na construção de sua identidade. Uma das expectativas mais

apontadas por elas foi a leitura da Bíblia, pois além do prazer em lê-la, perpassava a confiança

que esta lhes daria, por exemplo, mais conhecimento e sabedoria. E elas viam, em Deus, o

mediador principal que as ensinaria a alcançar os seus desejos.

Assim, os depoimentos revelam um desejo forte que elas têm em aprender a ler e

escrever e também a consciência de que é preciso aprender algumas coisas para que de fato

elas deixem de ser analfabetas. O conhecimento das letras e do alfabeto, que muitos adultos

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analfabetos possuem, não é suficiente. É preciso aprender, como bem falou Ana, o “mistério

das letras”, da junção das letras para poder ler e escrever palavras. É preciso, como disse

Rebeca, “desvendar mais, ler palavras sozinhas, sem a ajuda do outro”.

Oito meses de participação em um Programa de alfabetização não foram suficientes

para que as mulheres desta pesquisa avançassem em seus conhecimentos sobre a escrita e

consolidassem as práticas de leitura e produção de textos. Raquel, ao perceber o pouco avanço

nesse período, comentou que Jesus viria e ela não aprenderia a ler.

Por que é tão difícil para essas mulheres o aprendizado da leitura e da escrita? Por que

as crianças, como Ana falou, que, no geral, possuem menos conhecimentos e são menos

experientes que os adultos, aprendem mais rápido? Vários professores que trabalham com a

alfabetização de adultos afirmam ser mais difícil ensinar pessoas adultas do que a crianças,

por várias razões: baixa autoestima dos adultos, problemas de visão que eles possuem, falta de

motivação, cansaço por causa das jornadas de trabalho, dificuldades de raciocínio, etc.

No caso das mulheres da presente pesquisa, embora o cansaço estivesse presente, não

lhes faltava motivação para que quisessem aprender a ler e escrever, como já mencionado.

Conhecimentos prévios elas também possuíam. Mas de fato elas aprenderam muito pouco, e

avançaram pouco em seus conhecimentos. Suas expectativas não foram atendidas e, para elas,

como para as pessoas no geral, o problema não está nas práticas escolares vivenciadas por

esses alunos, mas nas suas próprias limitações. Ao não se perceberem aprendendo, os alunos

analfabetos se culpam e é comum ouvirmos, deles mesmos, afirmações de que não têm “a

cabeça boa para aprender”.

Nessa última parte do trabalho, se discutirá a relação das práticas de alfabetização da

professora da pesquisa com a aprendizagem dos alunos, à luz das discussões sobre

alfabetização e letramento. Para isso, se discorrerá sobre duas pesquisas que analisaram

práticas diferenciadas de alfabetização de adultos.

A primeira pesquisa corresponde à dissertação de Fabiana da Silva Correia Souza

(2012), intitulada Desvendando as práticas de alfabetização da EJA: o que pensam e propõe

as professoras? O que aprendem e dizem os alunos?Possui alguns pontos de convergência

com o nosso estudo. Neste trabalho, Souza investigou práticas de alfabetização de professores

da EJA e em que medida essas práticas contribuíram para as aprendizagens dos alunos no que

tange à apropriação do SEA. Para isso, a referida autora buscou perceber, nos processos de

ensino e aprendizagem, as próprias concepções, por assim dizer, avaliativas, das

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alfabetizadoras e dos alfabetizandos em relação às práticas pedagógicas das docentes e das

aprendizagens dos alunos.

Tendo como referência os princípios da pesquisa qualitativa, o referido estudo teve

como sujeitos duas professoras, em suas respectivas salas de aula, de escolas públicas do

município de Camaragibe-PE e lançou mão dos seguintes procedimentos metodológicos: as

observações das aulas das professoras mencionadas, as entrevistas e minientrevistas

semiestruturadas e a aplicação de atividades de escrita e leitura de palavras com os alunos.

Os dados da pesquisa revelaram que uma das professoras trabalhou de forma

sistemática, mais do que a outra, a escrita alfabética em sala de aula. Segundo Souza, nas duas

práticas docentes, especialmente em uma delas, observou-se “a presença ainda marcante dos

‘antigos’ métodos de alfabetização e, por outro”, constatou-se “as dificuldades e a angústia

das docentes para incluir as ‘novas’ práticas em seus modos de fazer, o que se tornava mais

evidente nos momentos dedicados à realização de atividades de produção textual com os

alunos” (p.8). De qualquer forma, apesar de alguns avanços na prática de uma das

professoras, para Souza “os progressos dos alunos foram abaixo daqueles esperados” e que,

portanto, “as práticas investigadas” por ela “parecem ter contribuído pouco para os alunos

tornarem-se pessoas alfabetizadas”.

A principal contribuição da pesquisa de Souza para a presente dissertação é perceber a

dificuldade de uma prática docente que conheça, reflita e aprofunde as especificidades da

alfabetização, no que concerne, por exemplo, ao estudo reflexivo e sistemático, não de um

código, mas de um sistema. Outro ponto de contato com esta pesquisa foi a não concretização

das expectativas dos alunos, já que não avançaram em suas experiências de leitura e escrita.

Albuquerque e Ferreira (2008) desenvolveram uma pesquisa com o objetivo de

analisar a construção/fabricação de práticas de alfabetização em turmas de educação de jovens

e adultos. A pesquisa envolveu duas professoras que lecionavam no Programa Brasil

Alfabetizado, oferecido pela Secretaria de Educação da cidade do Recife. Como

procedimentos metodológicos, foram realizadas entrevistas com as professoras e observações

de suas aulas, como também dos encontros de formação continuada dos quais participavam,

ligados ao referido Programa. Os resultados apontaram para o desenvolvimento de práticas

distintas desenvolvidas pelas professoras. A professora Maria centrava suas aulas na

discussão de alguma temática e na leitura e escrita de palavras relacionadas a ela. Os alunos

participavam da discussão, mas os que não sabiam ler se recusavam a ler as palavras

solicitadas. Em relação às atividades de apropriação do sistema de escrita alfabética, além da

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leitura de palavras, em alguns dias a professora realizou, coletivamente, a separação silábica

de algumas palavras lidas. Já a professora Marlene construiu uma rotina que envolvia,

diariamente, leitura de textos e atividades de apropriação do SEA, e de forma menos

frequente, atividades de produção de textos. Com isso, ela buscava desenvolver uma prática

na perspectiva do alfabetizar letrando, seguindo as orientações do Programa, discutidas nos

encontros de formação. Ao longo do ano, alguns alunos da professora Maria abandonaram o

Programa por perceberem que não estavam aprendendo. Já os alunos da professora Marlene

avançaram em seus conhecimentos sobre a escrita alfabética. Apresentaremos, a seguir, como

era a rotina dessa professora, da forma como foi descrita pelas pesquisadoras.

A professora Marlene sempre iniciava a aula com o que ela chamava de “hora da

novidade”. Nesse momento, os alunos contavam alguma coisa que lhes tinha

acontecido. Segundo a professora, esse momento foi instituído porque os alunos, no

início do Programa, eram muito tímidos e tinham vergonha de falar. Depois dessa

atividade inicial, a docente fazia a leitura deleite, que envolvia diferentes gêneros:

crônicas, parábola e poema. Durante a leitura desses textos, a professora utilizava

importantes estratégias de leitura para manter a atenção do grupo. Os alunos

participavam atentamente da leitura, sendo estimulados a criar hipóteses para

posteriormente confirmá-las ou não. A docente sempre ressaltava o título do texto e

seu autor. Em seguida, a professora dava início a um conjunto de atividades que

levavam os alunos a refletir sobre os princípios do sistema de escrita alfabética.

Essas atividades envolviam a exploração de palavras do texto lido, e eram realizadas

tanto oralmente, como por meio de exercícios impressos (mimeografados) ou

escritos no caderno. Assim, em todas as observações, a professora contemplou

atividades de leitura de palavras, seguida da partição oral das palavras em sílabas, e

de outras atividades, tais como: identificação de letras presentes em diferentes

palavras, comparação de palavras quanto à presença de letras ou sílabas iguais,

contagem de sílabas e letras das palavras, além da escrita de palavras. Ainda para

trabalhar com as características do SEA, a professora realizava muitas atividades de

jogos. A partir das observações feitas e do depoimento dos alunos, eles eram sempre

bem-vindos. A participação da turma nesses momentos era intensa. Esses jogos

eram realizados tanto coletivamente, como no caso do jogo da forca, como em

pequenos grupos. A professora falou, em conversa informal, que planejava sua aula

tentando contemplar aquilo que os alunos mais gostam de realizar, como os jogos

(p. 433).

Enfim, como apontado por Albuquerque e Ferreira, a professora Marlene estava

construindo uma prática de alfabetização na perspectiva do “alfabetizar letrando”, que

possibilitava que os alunos, ao mesmo tempo em que estavam aprendendo sobre a escrita

alfabética, ampliassem suas experiências de letramento.

Com base nos dados dessas pesquisas, gostaríamos de analisar alguns aspectos da

prática de alfabetização da professora da pesquisa. Apesar do bom relacionamento entre a

alfabetizadora e as suas alunas, a sua prática pedagógica apresentou algumas dificuldades,

que ora elencamos.

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A primeira delas diz respeito ao desconhecimento das mulheres, dos seus

conhecimentos e expectativas. Durante o Programa do BA, a professora aplicou duas

diagnoses enviadas pela Secretaria de Educação de Jaboatão dos Guararapes, no início e no

final do PBA. As diagnoses, porém, não foram usadas para identificar o que as alunas já

sabiam sobre a escrita de modo a nortear o planejamento das atividades a serem realizadas. O

mais surpreendente é que não havia, no grupo acompanhado, nenhuma mulher que estivesse

na hipótese pré-silábica de escrita, o que indica que todas já entendiam uma questão

fundamental para o processo de apropriação da escrita: a de que as letras representam a pauta

sonora das palavras. Elas também conheciam o alfabeto e conseguiam marcar algumas

correspondências sonoras.

Elas precisavam, no entanto, compreender alguns princípios do SEA, como o de que

toda sílaba tem vogal, e de que as sílabas possuem diferentes estruturas. Para isso, era

essencial o desenvolvimento de atividades que as levassem a perceber as relações som-grafia

e a consolidar as correspondências sonoras, atividades como as desenvolvidas pela professora

Marlene, relatadas anteriormente.

A professora Priscila, no entanto, parecia não ter conhecimentos sobre a natureza do

nosso sistema de escrita e sobre a necessidade de identificar os conhecimentos que os alunos

já desenvolveram para fazê-los avançar. Ela também não considerava as experiências das

alunas com a leitura e com a escrita, realizadas fora da escola. Mesmo desconhecendo, por

exemplo, as expectativas das mulheres, estas, várias vezes, em sala de aula, disseram para a

professora e as demais pessoas os seus desejos mais profundos, quando conseguissem ler e

escrever, o que as levou a chorar algumas vezes. Apesar disso, elas não foram ouvidas pela

alfabetizadora. Em que sentido? Ela “ouvia”, mas não no sentido de mudar sua prática

pedagógica. Ela não trazia, para a sala de aula, textos que interessavam às alunas, incluindo os

da Bíblia e Hinários, com os quais a maioria convivia quase que diariamente, o que tornaria as

aulas mais próximas e significativas para todos.

Não se está falando em ensinar religião ou privilegiar alguma delas. Sabe-se que a

escola é laica, mas não podemos desconsiderar o fato de praticamente todas as alunas

conviverem frequentemente em suas igrejas, com diferentes textos e o desejo delas em poder

lê-los. É sobre essa necessidade de escutar que Paulo Freire (1996) afirma que “somente quem

escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise

[...] falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder falar com é falar

impositivamente” (p.113. Os itálicos são do autor). E continuam, ao lembrar que “quem tem o

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que dizer tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo. É preciso, porém, que quem tem o que

dizer saiba, sem sombra de dúvida, não ser o único ou a única a ter o que dizer” (idem).

Em relação a Paulo Freire, a professora Priscila, por várias vezes, nos disse que em

suas atividades em sala lançava mão do método de alfabetização proposto por esse autor, ao

contemplar o trabalho por meio das chamadas “palavras geradoras”, vindas de livros ou não.

E realmente, se pudermos caracterizar a prática dessa professora, a ênfase era no trabalho com

uma palavra que era usada para a escrita/cópia de outras palavras que começavam com a

mesma letra e/ou para a realização de atividades de separação das sílabas das palavras. Não

havia, portanto, atividades que levassem os alunos a refletir sobre os princípios do SEA que

eles ainda não entendiam.

Práticas como a da professora Priscila, assim como da professora Maria (da pesquisa

de Albuquerque e Ferreira), que priorizam a oralidade e o trabalho com palavras geradoras é

muito presente na EJA. E o mais sério é que essas práticas são desenvolvidas tendo-se em

mente o tão famoso “Método de Paulo Freire”.

Como abordado por Soares (2003), as contribuições de Paulo Freire para a educação

vão muito mais além do que foi difundido no Brasil como método de alfabetização de Paulo

Freire, até porque, para alfabetizar os adultos, Freire lançou mão do que naquela época

(década de 1960) era o mais comum no ensino da leitura e da escrita: o método silábico.

Assim, ao mesmo tempo em que realizava atividades próprias desse método, como o trabalho

com palavras chaves e padrões silábicos, ele, como abordado por Albuquerque e Ferreira

(2010), rompeu com muitos aspectos constitutivos desse método, tais como: trabalho com

palavras não significativas para os alunos; necessidade de partir de sílabas mais simples para

as mais complexas; uso de textos cartilhados (construídos pelos autores do livro com o uso de

palavras já trabalhadas em lições anteriores); concepção de aluno como tábula rasa, cujo

conhecimento sobre a língua teria que ser transmitido pelo professor, e assim por diante. Para

Freire, os adultos analfabetos eram produtores de cultura e de conhecimento e o processo de

alfabetização deveria partir de suas experiências.

A prática da professora Priscila, como a de tantas outras alfabetizadoras, demonstra,

portanto, uma incompreensão das contribuições de Paulo Freire para a Educação, assim como

apontam para a falta de conhecimento das discussões teóricas sobre alfabetização

desenvolvidas nas últimas décadas, principalmente as que se relacionam com a teoria da

Psicogênese da língua escrita e com os estudos sobre letramento.

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Faltava, à referida professora, conhecimentos básicos da alfabetização e seu papel

como mediadora das aprendizagens dos alunos terminou por não acontecer, no sentido de não

ter proporcionado às alunas o avanço em seus conhecimentos. Em relação à apropriação da

escrita alfabética, por exemplo, somente uma aluna avançou do nível silábico alfabético para

o nível alfabético. A maioria permaneceu no nível em que iniciou o Programa - o silábico

alfabético - e uma das mulheres não conseguiu avançar para além do alfabético. As

constatações desta pesquisa realizada não deixam de ser um desafio para as formações de

professores.

Diante do que vimos até aqui, é preciso uma discussão cada vez mais aprofundada a

respeito da alfabetização e do letramento. Apesar das propostas em substituir a palavra

alfabetização por letramento, o que necessitamos mesmo, como bem assevera Soares (2000;

2004; 2010) é pensarmos sobre as especificidades do processo de alfabetização de modo a

garantir que os alunos consigam, de fato, que suas expectativas ao retornarem à escola sejam

atendidas: de ler e escrever textos com autonomia, sem precisar depender de outras pessoas.

Assim é preciso, sim, em nosso contexto, tratar esses dois fenômenos – a alfabetização e o

letramento – como dois processos distintos, mas indissociáveis, de modo a se garantir o

desenvolvimento de práticas de alfabetização na perspectiva do alfabetizar letrando.

É importante pensar que se está lidando com pessoas com uma identidade e

subjetividade própria, além de experiências, saberes e expectativas. Para tanto é preciso que

os professores reflitam sobre as suas práticas sabendo que esta influencia o aprendizado e a

prática de seus alunos. Que compreenda, por exemplo, o SEA, seus usos e funções, para

utilizá-lo de maneira crítica e criativa.

Reconhecem-se as dificuldades que a escola, como instituição, vem mostrando em sua

história e as muitas críticas em torno dela. Muito disso não por culpa do professor e/ou do

aluno, mas por uma indisposição política intencional, que nunca priorizou, no Brasil, a

educação e o desenvolvimento da educação escolar. Concorda-se também com as críticas à

escola no âmbito pedagógico, ao conceber a alfabetização como apenas uma apropriação da

tecnologia da leitura e da escrita ou de um código, de forma neutra e para atender, por

exemplo, a alguma demanda econômica.

Apesar das referidas críticas, nem a escola e nem qualquer política pública não podem

fugir à responsabilidade de garantir o direito às pessoas que o discurso, ideológico e

preconceituoso, vem chamando erroneamente de analfabetos. Pessoas, como as mulheres

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desta pesquisa, que buscam uma oportunidade que não tiveram e querem experimentar

concretamente os seus desejos mais significativos.

Para finalizar, destaca-se a importância do desenvolvimento de trabalhos de formação

continuada centradas na construção coletiva de práticas de alfabetização que garantam que os

alunos, de fato, se apropriem da escrita alfabética e, ao mesmo tempo, ampliem suas

experiências de letramento de modo a garantir que consigam ler e escrever em diferentes

situações sociais. Por fim, destaca-se também a necessidade de que novas pesquisas sejam

desenvolvidas, de modo a contribuir não só para o avanço na área de alfabetização, mas

também para a melhoria das práticas de ensino no nosso país.

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260

Apêndice A – Roteiro de entrevista 1 sobre o perfil geral dos sujeitos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO

ENTREVISTA COM JOVENS E ADULTOS EM ALFABETIZAÇÃO

Entrevistador: Josemar G. Ferreira

Entrevistado nome completo:

Naturalidade:

Idade:

Estado Civil: Filhos:

Profissão:

Religião:

Local:

Data:

Horário:

1. Você já estudou antes?

2. (Caso tenha estudado) Em que momento de sua vida você estudou?

3. (Caso tenha estudado) Por que parou de estudar?

4. (Caso tenha estudado) Pensa em retornar a estudar?

5. Pensa em começar seus estudos? 6. Quais as razões porque voltou a estudar?

7. Em sua opinião, para que serve a escola?

8. Tem alguma dificuldade para começar os seus estudos? Qual (ou quais)?

9. (Caso tenha estudado) Como eram suas aulas de alfabetização quando você estudou

anteriormente? O que você acha que aprendeu nessas aulas?

10. (Caso tenha estudado) Você aprendeu a ler quando esteve na escola? O quê aprendeu a

ler?

11. (Caso tenha estudado) Você aprendeu a escrever quando esteve na escola? O quê

aprendeu a escrever?

12. O que você lê hoje?

13. O que você escreve hoje?

14. Como você faz para ler e escrever algo quando quer e precisa?

15. O que você gostaria de ler?

16. O que você mais gostaria de escrever?

17. Como se sente não sabendo ainda ler e escrever?

18. Quem você acha que é o culpado por essa situação?

19. Você acha mais difícil ler ou escrever? Por quê?

20. Qual a sua dificuldade ao ler?

21. Qual a sua dificuldade ao escrever?

22. (Caso queira ainda estudar) O que deseja alcançar, como objetivo de vida, ao aprender a

ler e escrever?

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261

Apêndice B – Roteiro de entrevista 2 sobre como os sujeitos se veem (no início, no meio e

fim de cada período de mais ou menos três (3) meses).

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO

ENTREVISTA SOBRE COMO OS ALUNOS SE VEEM

Entrevistador: Josemar G. Ferreira

Entrevistado:

Local da entrevista:

Data da entrevista:

Horário:

1. Você se acha uma pessoa analfabeta? Por quê?

2. Pra você, quando uma pessoa deixa de ser analfabeta?

3. Mesmo lendo e escrevendo alguma coisa, ainda assim você se considera uma pessoa

analfabeta?

4. O que você acha que as pessoas dizem sobre os analfabetos?

5. Você já ouviu alguma coisa de alguém – boa e/ou ruim – pelo fato dela considerar você

analfabeta?

6. Como você se sente sendo considerada uma pessoa analfabeta?

7. Quais as limitações de uma pessoa considerada analfabeta?

8. Uma pessoa considerada analfabeta é alguém útil pra sociedade? Por quê?

9. Você se considera uma pessoa útil? Por quê?

10. O que você mais fez na vida em termos de atividade profissional? O que está fazendo

atualmente?

11. Uma pessoa considerada analfabeta é alguém que sabe alguma coisa? (Se não) Por quê?

12. Como você faz para realizar suas atividades no cotidiano sem fazer uso da leitura e da

escrita?

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Apêndice C – Roteiro de entrevista 3 sobre a avaliação das aulas pelos sujeitos (no início,

no meio e no fim de cada período de mais ou menos três (3) meses).

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO

ENTREVISTA COM OS ALUNOS SOBRE AS AVALIAÇÕES DAS AULAS

Entrevistador: Josemar G. Ferreira

Entrevistado:

Local da entrevista:

Data da entrevista:

Horário:

Perguntas feitas aos alunos no início, no meio e no fim do período de aulas.

1. O que você tem achado das aulas da professora até o momento?

2. Você aprendeu a ler alguma coisa que não sabia, durante esses três (3) meses de aulas

(seis/6 meses, no meio do período, e oito/8 meses, no fim do período)? (Se sim). O que

você aprendeu a ler? (Se não) Por quê?

3. Você aprendeu a escrever alguma coisa que não sabia, durante esses três (3) meses de aulas

(seis/6 meses, no meio do período, e oito/8 meses, no fim do período)? (Se sim). O que

você aprendeu a escrever? (Se não) Por quê?

4. Você continua tendo alguma dificuldade para ler? (Se sim) Por quê? (Se não) Ao que e/ou a

quem você atribui isso?

5. Você continua tendo alguma dificuldade para escrever? (Se sim) Por quê? (Se não) Ao que

e/ou a quem você atribui isso?

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Apêndice D – Roteiro de entrevista 4 sobre a avaliação das aulas diárias dos sujeitos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO

ENTREVISTA COM OS ALUNOS SOBRE AS AVALIAÇÕES DAS AULAS DIÁRIAS

Entrevistador: Josemar G. Ferreira

Entrevistado:

Local da entrevista:

Data da entrevista:

Horário:

Perguntas feitas aos alunos ao término de cada aula

1. O que a professora ensinou na aula de hoje/ontem?

2. O que você achou da aula hoje/ontem?O que você gostou? E o que você não gostou?

3. O que você aprendeu na aula de hoje/ontem, que não sabia?

4. Você teve alguma dificuldade em aprender alguma coisa ensinada pela professora? (Se

sim) Pra você, o que a professora poderia fazer para resolver essa situação?

5. Algum aluno comentou com você sobre o que ele achou da aula hoje/ontem?

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Apêndice E – Roteiro de entrevista 5 sobre o perfil da professora

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO

ENTREVISTA COM A PROFESSORA

Entrevistador: Josemar G. Ferreira

Entrevistado:

Idade:

Naturalidade:

Estado Civil:

Filhos:

Religião:

Profissão:

Quanto tempo no bairro:

Local da entrevista:

Data da entrevista:

Horário:

1. Fale um pouco sobre sua formação escolar.

2. Como ocorreu o seu envolvimento com o PBA?

3. Você realiza outra atividade, além de ensinar no PBA? (Se sim) Quais?

4. Há quanto tempo ensina jovem e adulto?

5. Como você se vê enquanto alfabetizadora de jovens e adultos?

6. Quais têm sido os maiores desafios encontrados por você no ensino de jovens e adultos?

7. Como você define o alfabetizando jovem e adulto?

8. Pra você e no contexto de sua experiência, como os alfabetizandos se vêem durante o

processo de ensino e aprendizagem da leitura? E da escrita?

9. Quais os desafios que encontras para alfabetizar?

10. O que você faz para alfabetizar?

11. Qual o perfil de aluno dessa turma do PBA, que você ensina?

12. Quais os maiores desafios encontrados por você no ensino dessa atual turma do PBA?

13. Quais as disciplinas que você está ensinado a essa atual turma do PBA? Você tem dado

ênfase a alguma delas? Qual? Por quê?

14. Pra você, o livro didático é importante ou não no processo de alfabetização? Por quê?

15. Qual o livro que você está usando? Por que está usando esse livro?

16. O que os alunos dizem acerca desse livro didático, que eles estão usando?

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17. Como é a sua relação com os alunos dessa turma do PBA, que você ensina?

18. Pra você, o que é alfabetização?

19. Pra você, o que é letramento?

20. Qual a sua concepção de leitura?

21. Qual a sua concepção de escrita?

22. A senhora tem tido as formações? Qual a sua avaliação dessas formações?

23. Quais os temas que gostarias que fossem tratados na formação?

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Apêndice F – Diagnose 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO

Jovens e adultos na escola. Nome: ____________________________________________________

Pesquisador: _______________________________________________

Data: ____/____/_____

DIAGNOSE N° 01

1) Escreva os nomes das figuras abaixo:

____________________________ ____________________________

__________________________ ______________________________

___________________________ _____________________________

_________________________ ___________________________

_________________________ __________________________

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2. Ligue as palavras às figuras:

TELEVISÃO

CALCULADORA

PRATO

SAPATO

MÃO

CHAVE

JARRO

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Apêndice G – Diagnose 3

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROJETO DE PESQUISA – MESTRADO

Jovens e adultos na escola. Nome: ____________________________________________________

Pesquisador: _______________________________________________

Data: ____/____/_____

DIAGNOSE N° 03

1) Escreva os nomes das figuras abaixo:

___________________________ _____________________________

__________________________ ____________________________

___________________________ ____________________________

_________________________ ___________________________

_________________________ __________________________

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Apêndice H - Quadro 28: Atividades realizadas pela professora em sala de aula

ATIVIDADE ATIV. 1 ATIV. 2 ATIV. 3 ATIV. 4 ATIV. 5 ATIV. 6 ATIV. 7 ATIV. 8 TOTAL

Cumprimenta e conversa

com as alunas.

31 AULAS __ __ __ __ __ __ __

31

Correção de exercício de aula

anterior no caderno.

__ 6 AULAS

(8,11, 13, 21, 26, 27) 2 AULAS

(5, 20)

__

__

___

8

Leitura de texto.

__ 7 AULAS

(2, 5, 7, 12, 18, 19,23). 3 AULAS

(9, 16, 21- 1o texto

do dia)

1 AULA

(11) 1 AULA

(21 – 2o texto

do dia)

__

__

__

12

Atividade de classe

__ 15 AULAS

(1, 3, 4, 6, 9, 10, 14,15,

16, 17, 20, 22, 24, 28, 31).

11 AULAS

(2, 7, 8, 12, 13, 18,

19, 23, 26, 27, 30)

2 AULAS

(5, 21)

1 AULA

(11)

__

__

__

29

Aplicação de diagnose em

folha de ofício.

__ 2 AULAS

(29, 30) 1 AULA

(11)

__ __ __ __ __ 3

Explicação de atividade de

classe.

__

__

4 AULAS

(1, 4, 22, 31) 3 AULAS

(6, 8, 23) 2 AULAS

(7, 27)

__

1 AULA

(11)

__

10

Correção de exercício de

classe

__

__ 5 AULAS

(3, 6, 14, 17, 28) 8 AULAS

(1, 4, 7, 19, 22,

24, 27, 31)

6 AULAS

(2, 5, 8, 18,

23, 30)

3 AULAS

(12, 21, 26)

__

__

22

Tarefa de casa.

__ 1 AULA

(25)

3 AULAS

(10, 15, 29) 5 AULAS

(2, 9, 14, 20, 28) 8 AULAS

(1, 4, 12, 13,

19, 22, 26, 31)

3 AULAS

(8, 23, 27)

__

__

20

Distribuição de lanche

__

__ 2 AULAS

(24, 25) 6 AULAS

(12, 13, 15, 18,

26, 30)

1 AULA

(28) 2 AULAS

(11, 31)

__

__

11

Professora e aluna se

despedem

__

__

__ 6 AULAS

(3,10, 16, 17,

25, 29)

6 AULAS

(6, 9, 14, 15,

20, 24)

11AULAS

(1, 2, 4, 5, 7,

13, 18, 19, 22,

28, 30)

7 AULAS

(8, 12, 21,

23, 26, 27,

31)

1 AULA

(11)

31

TOTAL 31 31 31 31 25 19 8 1 ---