universidade federal de pernambuco centro de … · 2019. 10. 25. · para o que eu quero. fernando...

464
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DAS ESCOLAS DO CAMPO: A ESCOLA NA VIDA E A VIDA COMO ESCOLA AUTORA: MARIA DO SOCORRO SILVA ORIENTADORA: PROFA DRA MARIA ELIETE SANTIAGO RECIFE, 2009.

Upload: others

Post on 26-Oct-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DAS ESCOLAS DO CAMPO: A

ESCOLA NA VIDA E A VIDA COMO ESCOLA

AUTORA: MARIA DO SOCORRO SILVA

ORIENTADORA: PROFA DRA MARIA ELIETE SANTIAGO

RECIFE, 2009.

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

2

MARIA DO SOCORRO SILVA

AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DAS ESCOLAS DO CAMPO: A ESCOLA NA VIDA

E A VIDA COMO ESCOLA

Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação na Linha de Pesquisa Formação de Professores e Prática Pedagógica sob a orientação da Profa Dra. Maria Eliete Santiago para obtenção do título de Doutora em Educação.

Recife, 2009.

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

3

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

4

A João Francisco de Souza estrela no firmamento desde

2008 que me fortaleceu a ideia de que a Educação se faz

no fluir da vida, exatamente por isto, os saberes científicos

devem dialogar com os saberes populares para contribuir na

nos diversos e diferentes quadrantes da pós-

Ao meu pai Delfino estrela no firmamento desde 2008

saudades, que transcende ao presencial da vida no plano em

que circunstancialmente estamos. E que me ensinou que a

vida é uma escola, mas que eu precisava buscar o mundo da

escola, para entender a vida e viver melhor.

Ás Educadoras e Educadores do Campo que, no cotidiano

da sala de aula materializam uma nova forma de fazer a

Escola, e que com suas práticas reinventam a escola na

perspectiva da emancipação humana.

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

5

AGRADECIMENTOS

Trago dentro do meu coração,

Como um cofre que não se pode fechar de cheio,

Todos os lugares onde estive,

Todos os pontos a que cheguei

Todas as paisagens que vi através de janelas

ou vigias ou de tombadilhos sonhando.

E tudo isso, que é tanto, é pouco

Para o que eu quero.

Fernando Pessoa

Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas que

colaboraram com a feitura deste trabalho, e mais uma vez me confirmaram que

chega à parte alguma só . Assim é que agradeço:

A essência divina, que possibilita a nossa existência enquanto seres capazes de amar e

intervir no mundo para torná-lo mais bonito e decente; e que me reanimou durante essa

itinerância nos momentos que o caminho se tornava mais difícil, me levando a conhecer algo

ou alguém que me animava a continuar caminhando.

Aos meus filhos, Raphael e Raquel, que não viam à hora desse doutorado terminar para

ter tempo de compartilhar mais da vida; e especialmente para meu neto Gabriel, que durante

essa itinerância sempre me conseguiu fazer sorrir, mesmo quando resolvia digitar no

computador para ajudar na minha escrita. No entanto, é eles mesmos a razão disso tudo, e a

eles que ofereço

Aos meus familiares: em especial a minha mãe Jeana, de quem sempre encontrei apoio

em todas as decisões que tomei na vida, estando sempre disponível para ajudar e colaborar para

concretizar essas opções.

A Manoel, companheiro querido, por partilhar comigo todos os momentos dessa

itinerância, as alegrias, as tristezas, as dúvidas, o cansaço e a satisfação de aprender.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

6

A Maria Eliete Santiago, orientadora e amiga, que num momento difícil dessa

itinerância, se dispôs a caminhar comigo, ouvir e dialogar com interesse sobre todas as

questões, dúvidas e problemas que surgiam durante o processo de elaboração do trabalho. Pela

alegria e o aprendizado de trabalharmos juntas.

Aos professores (as), técnicos administrativos, estudantes e famílias da Escola Família

Agrícola de Orizona, Escola Rural de Massaroca, Escola Francesco Mauro, Escola Catalunha e

Escola Henrique Gouveia, que me acolheram e partilharam comigo de suas práticas, suas vidas,

saberes e sabores para sistematização desse trabalho.

As organizações do campo, Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, Confederação

Nacional dos Trabalhadores (as) na Agricultura, a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro e

ao Serviço de Tecnologia Alternativa e a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas que

contribuíram para chegasse no chão das escolas, e sempre estiveram disponíveis para me apoiar

durante a caminhada.

As amigas e amigos da Secretaria de Desenvolvimento Territorial Tania, Berenice,

Graça, Humberto e Reinaldo, que me possibilitaram iniciar este trabalho e aos amigos do

Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido Marcio, Hugo, Estrela e Irelânio, que

chegaram aos 40 minutos do segundo tempo, mais que foram fundamentais para que pudesse

concluir minha itinerância.

Aos colegas do doutorado pela partilha de aprendizados e dúvidas, e pela contribuição

com suas sugestões para a feitura do trabalho, em especial, Ana, Edilamar, Henrique e

Cleidiane.

A Fabiana, Fernando e João que me ajudaram a dar boniteza às palavras, as ilustrações e

a formatação deste trabalho.

E a Professor João Francisco com carinho.

A todos (as) agradeço, profundamente, e dedico os resultados deste trabalho.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

7

Escola é

... O lugar que se faz amigos.

Não se trata só de prédios, salas, quadros,

Programas, horários, conceitos...

Escola é, sobretudo, gente

Gente que trabalha, que estuda

Que alegra, se conhece, se estima.

O Diretor é gente,

O coordenador é gente,

O professor é gente,

O aluno é gente,

Cada funcionário é gente.

E a escola será cada vez melhor

Na medida em que cada um se comporte

Como colega, amigo, irmão.

Nada de conviver com as pessoas e depois,

Descobrir que não tem amizade a ninguém.

Nada de ser como tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só.

Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,

É também criar laços de amizade. É criar ambiente de camaradagem,

Ora é lógico...

Numa escola assim vai ser fácil! Estudar, trabalhar, crescer,

Fazer amigos, educar-se, ser feliz.

E por aqui que podemos começar a melhorar o mundo.

(Paulo Freire)

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

8

RESUMO

No presente trabalho tratamos das práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Escolas do

Campo e que se filiam ao discurso político, pedagógico e epistemológico da Educação do

Campo, posto em circulação por diferentes organizações sociais, principalmente a partir dos

anos de 1990 no Brasil. Analisamos as semelhanças e as singularidades nas propostas e práticas

pedagógicas dessas escolas, identificando as contribuições para a organização do trabalho

pedagógico escolar no campo. Prática Pedagógica, como ação coletiva organizada e

institucional conformada pelas práticas docente, discente e epistemológica (Souza, 2001,

2009); Educação Popular, teoria e prática da educação que toma a realidade social como

conteúdo pedagógico e finalidade de emancipação humana e da transformação das relações

assimétricas existentes na sociedade Calado (2000); Freire (1978, 1996, 2008); Paludo (2001,

2009); Rosas (2008); Souza (1999, 2000); e a Educação do Campo enquanto concepção e

prática político-pedagógica, fundamentada na realidade social dos sujeitos do campo e na

produção de sua existência social na relação com o meio ambiente Arroyo (2004); Caldart

(2000); Gimonet (2007); Moura (2003); Reis (2004), foram as categorias analíticas centrais

dessa pesquisa. A abordagem dialética orientou o processo investigativo para três

procedimentos de coleta e produção de dados: o estudo exploratório, a pesquisa documental e o

estudo etnográfico. A heterogeneidade do Movimento da Educação do Campo definiu os

lugares institucionais, o tempo e o ritmo da pesquisa. Os resultados evidenciaram que o

Movimento da Educação do Campo se configura como uma rede plural, cuja dinâmica dá

visibilidade a um novo jeito de fazer a Escola do Campo. Além disso, que os traços de

semelhanças das propostas partem da matriz da Educação Popular e do Itinerário Pedagógico e

que as singularidades são tecidas nos contextos sociais e políticos, nas relações equipe

educativa-comunidade, conforme características das redes a que se vinculam. Apesar da

precariedade das condições materiais das escolas, o trabalho docente e a interação com a

comunidade redimensionam os espaços educativos, o tempo curricular e o trabalho docente,

extrapolando o espaço da sala de aula e reinventando a Escola do Campo.

Palavras Chaves: Prática Pedagógica, Prática Docente, Educação do Campo, Currículo da

Escola do Campo.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

9

RÉSUMÉ

Le travail présenté traite des pratiques pédagogiques mises dans les Écoles

primaires en milieu rural et qui sont liées au discours politique, pédagogique et

épistémologique de l'Éducation Rurale, développée par différentes organisations sociales,

principalement à partir des années 1990 au Brésil. Nous analysons les similitudes et les

spécificités des propositions et des pratiques pédagogiques dans ces écoles, en identifiant les

contributions apportées à l'organisation du travail pédagogique scolaire en milieu rural. La

Pratique Pédagogique, comme action collective organisée et institutionnelle conformée par

les pratiques de gestion et épistémologique des professeurs et des élèves (Souza, 2001, 2009) ;

Éducation Populaire, comme théorie et pratique de l'éducation qui prend la réalité sociale

comme contenu pédagogique au service de l'émancipation humaine et de la transformation

des relations asymétriques existantes dans la société (Calado, 2000; Freire, 1978, 1996.2008 ;

Paludo, 2001, 2009; Rosas, 2008 et Souza, 1999, les 2000) et Rurale en tant que

conception et pratique politico-pédagogique, basée sur la réalité sociale des sujets ruraux et

sur la construction de leur existence sociale en relation avec leur environnement (Arroyo,

2004; Caldart, 2000; Gimonet, 2007; Moura, 2003; Reis, 2004), ont été les bases théoriques

de cette recherche. L'abordage dialectique a guidé le processus de

trois procédures de collecte et de production de données : l'étude exploratoire, la recherche

documentaire et l'étude ethnographique. L'hétérogénéité du Mouvement de l'Éducation Rurale

a défini les lieux institutionnels, le temps et le rythme de la recherche. Les résultats ont

montré que le Mouvement lié à l'Éducation Rurale se configure comme un réseau pluriel, dont

la dynamique donne de la visibilité à une nouvelle manière de concevoir l'École Rurale. Les

similitudes dans les propositions se réfèrent au modèle de l'Éducation Populaire et à son

Itinéraire Pédagogique, les singularités sont, quant à elles, issues des contextes sociaux et

politiques, liées aux relations entre les équipes éducatives et les communautés,

caractéristiques des réseaux auxquels elles se rattachent. Malgré la précarité des conditions

matérielles des écoles, le travail des enseignants et l'interaction avec la communauté

redimensionnent les espaces éducatifs, le temps scolaire et le travail en

extrapolant l'espace pédagogique de la salle de cours et en réinventant l'École Rurale.

Mots Clés : Pratique Pédagogique, Pratique des professeurs, Éducation Rurale, Curriculum de

l'Éducation Rurale.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

10

ABSTRACT

This term paper is the result of a study a teaching practices that was developed in the field

high school and is connected to political, teaching, and epistemological

Discourse of Field Education that different social organizations put them in practice

xamines in the similarity and singularity in

the teaching practices and proposal those schools, identifying the contributions to teaching

field work organization. Teaching practices, as organized collective action and institutional

formed by teaching staff, pupil staff, head teacher and epistemological (Souza, 2001, 2009);

Popular Education; Education theory and practice that take the social reality as teaching

contents how to help the transformation of human emancipation in the asymmetric relations

that exist in the society (Calado, 2000; Freire, 1978, 1996, 2008; Paludo, 2001, 2009; Rosas

2008 e Souza, 1999, 2000) and the Field Education as political teaching conception and

practice, motivated in the social reality in the field people and in his/her environment social

life production (Arroyo, 2004; Caldart, 2000; Gimonet,2007; Gimonet, 2007; Moura, 2003;

Reis, 2004), we are based on that theoretical to this research. The dialectical approach has

directed investigative process in three procedures of writings and data production: the

exploring study; the documental research and the ethnographic study. The field Education

Movement heterogeneously determined the institutional places, the time and the research

rhythm. The results signed that: The Field Education Movement configures itself as a plural

network, whose dynamic gives us possibility a new way to do a Field School. The similarities

of the proposals stating from source of Popular Education and the teaching route and

singularities are entangled in the social and political context in the community-educative

relations team, according networks characteristic that links them. In spite of, the school

material failing condition, the teach staff, and interaction with the community increase the

educate spaces curriculums time, and the work of teach staff are going way, outside, and not

stay just into classroom. And all that renews the Field School so much.

Key words: Teaching Practice, Teach staff Practice, Field Education curriculum.

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

11

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

GRÁFICO 1 Mapeamento das Iniciativas da Educação do Campo 66

GRÁFICO 2 Representação dos pólos constituintes da prática pedagógica 73

GRÁFICO 3 Distribuição percentual de escolas do Ensino Fundamental localizadas no campo, segundo o tipo de organização Brasil 2006

83

GRÁFICO 4 Distribuição percentual de estabelecimentos e matrículas do Ensino Fundamental da zona rural, segundo o tipo de organização Brasil 2006

85

GRÁFICO 5 Recursos de apoio educacional nas escolas de Ensino Fundamental Brasil Rural - 2002/2005

92

GRÁFICO 6 Percentual de escolas que oferecem o Ensino Fundamental segundo o acesso aos serviços básicos pela escola - Brasil- Rural 2002/2005

92

GRÁFI CO 7 Rede do Movimento da Educação do Campo 145

GRÁFICO 8 Elementos que compõem o Sistema CEFFAS 161

GRAFICO 9 Pilares dos CEFFAS: finalidades e meios 164

GRÁFICO 10 Organização dos tempos-espaços da alternância 194

GRÁFICO 11 Itinerário da produção do conhecimento na EFA 198

GRÁFICO 12 Itinerário de produção do conhecimento no MST 207

GRAFICO 13 Itinerário de produção do conhecimento na PEADS 218

GRÁFICO 14 Itinerário Pedagógico das ECSA 232

GRÁFICO 15 Constituição da formação por alternância 243

GRÁFICO 16 Itinerário de Produção do Conhecimento na Escola PEADS 279

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

12

GRÁFICO 17 Equipes de trabalho das Escolas do MST com respectivas funções

296

GRÁFICO 18 Dinâmica de Planejamento das Escolas do MST 297

GRÁFICO 19 Itinerário de produção do conhecimento nas Escolas do MST 303

GRÁFICO 20 Organização Curricular ERUM 322

GRÁFICO 21 Itinerário Pedagógico da ERUM 324

GRÁFICO 22 Tempo de experiência dos educadores (as) na escola 359

GRÁFICO 23 Composição da Equipe Educativa das Escolas do MST 363

GRÁFICO 24 Faixa etária dos educadores (as) em exercício nas Escolas do Campo

365

GRÁFICO 25 Nível de Escolaridade dos Educadores(as) das Escolas do Campo

366

GRÁFICO 26 Dimensões dos conteúdos trabalhados nas Escolas do Campo 373

ILUSTRAÇÃO 1 Localização de Orizona no estado de Goiás 238

ILUSTRAÇÃO 2 Mapa do Estado da Paraíba com a localização do Município de Soledade

265

FIGURA 3 Localização do Município de Santa Maria da Boa Vista no Estado de Pernambuco

285

FIGURA 4 Localização do Distrito de Massaroca em Relação a Juazeiro 307

FOTO 1 Entrada da EFAORI 240

FOTO 2 Organização das mudas para viveiro 242

FOTO 3 Limpeza de alho para armazenamento 242

FOTO 4 Momento da reflexão 254

FOTO 5 Assembleia das Familias

255

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

13

FOTO 6 Assembleia Geral 255

FOTO 7 Pesquisa da temática avicultura 260

FOTO 8 Elaboração do projeto do galinheiro 260

FOTO 9 Dia de EFA na comunidade 262

FOTO 10 Prédio da Escola 268

FOTO 11 Espaço da leitura 269

FOTO 12 Socialização da pesquisa 277

FOTO 13 Divulgação da PEADS no rádio 277

FOTO 14 Agrupamento para sistematização da pesquisa 281

FOTO 15 Socialização das informações coletadas 281

FOTO 16 Cartazes com a sistematização dos conhecimentos da pesquisa 282

FOTO 17 Frente da Escola Francesco Mauro 288

FOTO 18 Antiga sede da escola num galpão da fazenda 292

FOTO 19 Prédio atual da Escola 293

FOTO 20 Espaço improvisado para a biblioteca 294

FOTO 21 Reunião de planejamento do coletivo de educadores (as) 294

FOTO 22 Mística de abertura do coletivo de educadores (as) 298

FOTO 23 Atividade política na sede do município 301

FOTO 24 Atividade político-cultural no assentamento 301

FOTO 25 Bandeira das Comunidades de Fundo de Pasto 308

FOTO 26 Mural do processo de construção da escola 310

FOTO 27 Frente do prédio da ERUM 312

FOTO 28 Horta Pedagógica 313

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

14

FOTO 29 Desenho do Itinerário Pedagógico feito por estudante 321

FOTO 30 Mural com a divisão das equipes 325

FOTO 31 Narrativa da história da comunidade por moradora 328

FOTO 32 Educando localizando os pontos cardeais da comunidade 329

FOTO 33 Mapa mental da comunidade Caldeirão do Tibério 330

FOTO 34 Entrevista com os moradores 330

FOTO 35 Entrevista com os moradores 330

FOTO 36 Painel de registro das lendas 334

FOTO 37 Painel de registro das danças da comunidade 334

FOTO 38 Devolução na comunidade 336

FOTO 39 Devolução na comunidade 336

FOTO 40 Espaço da biblioteca 350

FOTO 41 Espaço para atividade esportiva e recreação 350

FOTO 42 Mural de horários das aulas e aniversariantes do mês 353

FOTO 43 Mural com textos produzidos pelos estudantes 353

FOTO 44 Limpeza da escola para construção de jardim 361

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

15

LISTA DE TABELAS E QUADROS

TABELA 1 Matrícula na Educação Básica, distribuição por escola conforme númeo de educandos(as0 e por nível de ensino Rural - 2006

82

TABELA 2 Escolas de Ensino Fundamental por abrangência, localização e número de salas de aula 2005

86

TABELA 3 Distribuição das escolas de Ensino Fundamental e matrículas segundo localização -1997-2007

88

TABELA 4 Defasagem idade-série na Educação Fundamental por abrangência geográfica, localização, ano 2005

94

TABELA 5 Defasagem idade-série no Ensino Médio por abrangência geográfica, localização, ano 2005

95

TABELA 6 Número de Funções Docentes exercendo atividades em Sala de Aula, por localização e Dependência Administrativa, segundo a Região Geográfica e a Unidade da Federação - Rural - 2006

96

TABELA 7 Número de Funções Docentes na Educação Básica do Campo, por Nível de Formação, nos anos de 1997 e 2006

97

TABELA 8 Distribuição dos estudantes por ano e indicadores de resultado 2000-2008 - EFAORI.

247

TABELA 9 População residente no município por localização geográfica e faixa etária 2007

266

TABELA 10 População total e ponderada, área e densidade demográfica do Município de Santa Maria da Boa Vista PE- 2007.

284

TABELA 11 População por localização geográfica e faixa etária do Município de Santa Maria da Boa Vista PE 2005

284

TABELA 12 Número de estabelecimentos de acordo com o setor econômico 2002

286

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

16

QUADRO 1 Atividades de coleta e análise dos dados 59

QUADRO 2 Mapeamento das entidades que atuam com Educação do Campo Escolar e Não-Escolar

60

QUADRO 3 Distribuição das iniciativas de Educação do Campo por área de atuação, tipo de entidade, ação desenvolvida, característica, participantes.

61

QUADRO 4 Lugares Institucionais e iniciativas da Educação do Campo 65

QUADRO 5 Corpus documental da legislação: fontes e ementa 67

QUADRO 6 Mapeamento dos sentidos das Propostas Pedagógicas conforme os Lugares Institucionais

69

QUADRO 7 Composição do Campo investigação por Lugar Institucional, localização e critério de escolha

71

QUADRO 8 Mapeamento dos sentidos sobre os limites e possibilidades da prática

72

QUADRO 9 Categorias empíricas da prática pedagógica 74

QUADRO 10 Iniciativas Educativas que compõem a Rede CEFFAS no Brasil 160

QUADRO 11 Metodologia para elaboração do Plano de Formação EFAORI 2008

192

QUADRO 12 Instrumentos de pesquisa e planejamento na Pedagogia da Alternância: conceito

199

QUADRO 13 Instrumentos de socialização e comunicação do conhecimento da Pedagogia da Alternância: conceito

200

QUADRO 14 Instrumentos didáticos e de avaliação da Pedagogia da Alternância: conceito

201

QUADRO 15 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS com sua definição

e finalidade

219

QUADRO 16 Distribuição dos estudantes matriculados por série, sexo e faixa etária EFAORI - 2008.

221

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

17

QUADRO 17 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para socialização e comunicação dos conhecimentos

223

QUADRO 18 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para avaliação do processo de aprendizagem

224

QUADRO 19 Distribuição dos estudantes matriculados por série, sexo e faixa etária EFAORI 2008

245

QUADRO 20 Monitores(as) com escolaridade, carga horária, vínculo administrativo e respectivas disciplinas EFAORI - 2008

250

QUADRO 21 Pessoal técnico-administrativo com cargo, vínculo e escolaridade EFAORI, 2008

251

QUADRO 22 Número de educandos(as) matriculados por turma - 2008 274

QUADRO 23 Distritos do Município de Juazeiro, distância da sede e população 306

QUADRO 24 Distribuição das famílias por comunidades rurais Massaroca Juazeiro Bahia 2008

309

QUADRO 25 Distribuição dos alunos matriculados e evadidos da ERUM 2001-2008

314

QUADRO 26 Taxa de repetência por série 2004-2007 315

QUADRO 27 Pessoal docente por atuação, sexo, escolaridade, tempo na escola e local de moradia 2008

316

QUADRO 28 Pessoal Técnico-Administrativo da ERUM por sexo, tempo de atuação e local de moradia 2008

318

QUADRO 29 Bloco temático, tematização e disciplina coordenadora 323

QUADRO 30 Sistematização das informações a serem apresentadas a comunidade

332

QUADRO 31 Temáticas a serem trabalhadas em cada turma 333

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

18

LISTAS E SIGLAS E ABREVIATURAS

Acefarj Associação das Casas e Escolas Famílias Agrícolas do Rio de

Janeiro

Aecofaba Associação das Escolas Comunitárias e Famílias Agrícolas da Bahia

Aefacot Associação das Escolas Famílias Agrícolas do Centro-oeste

Aefapi Associação Regional das Escolas Famílias Agrícolas do Piauí

Aefaro Associação das Escolas Famílias Agrícolas de Rondônia

Amefa Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas

Arcafar Articulação das Casas Familiares Rurais

Assessoar Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural

CAA Centro de Agricultura Agroecológica da Bahia

CAANM Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas

CAAM Comitê Associações Agropastoril de Massaroca

Caatinga Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Organizações Não Governamentais

CAT Conhecer, Analisar, Transformar

CEAAL Conselho de Educação de Adultos da América Latina

CEB Câmara de Educação Básica

CEBS Comunidades Eclesiais de Base

CEE Conselhos Estaduais de Educação

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

19

CEFFAS Centro de Formação Familiar em Alternância

CFR Casa Familiar Rural

Cimi Conselho Indigenista Missionário

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNE Conselho Nacional de Educação

CONAE Conferência Nacional da Educação

Condraf Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural da Agricultura Familiar e da Reforma Agrária

Consed Conselho Nacional dos Secretários de Educação

Contag Confederação Nacional de Trabalhadores (as) na Agricultura

CPC Centro Popular de Cultura

CPT Comissão Pastoral da Terra

CTA Centro dos Trabalhadores da Amazônia

CUT Central Única dos Trabalhadores

DIP Departamento de Informação e Propaganda

DTIE Departamento de Tratamento das Informações Educacionais

ECORS Escola Comunitária Rural

Enera Encontro Nacional de Educação na Reforma Agrária

EFA Escola Família Agrícola

EFAORI Escola Família Agrícola de Orizona

EJA Educação de Jovens e Adultos

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

20

Erum Escola Rural de Massaroca

EP Educação Popular

FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

Fase Federação dos Órgãos Sociais e Educacionais

FNEP Fundo Nacional de Educação Primária

Fetraf Federação dos Trabalhadores (as) da Agricultura Família

Fundef Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

Geperuaz Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo da Amazônia

JAC Juventude Agrária Católica

JEC Juventude Estudantil Católica

JIC Juventude Independente Católica

JOC Juventude Operária Católica

JUC Juventude Universitária Católica

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Icores Instituto Coração de Estudante

IFAS Instituto de Formação e Assessoria Sindical Rural

IES Instituição de Ensino Superior

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

21

IRPAA Instituto Regional de Agropecuária Apropriada

LDB Lei de Diretrizes e Bases

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

MCP Movimentos de Cultura Popular

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEB Movimento de Educação de Base

MEC Ministério da Educação

Mepes Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo

MOC Movimento de Organização Comunitária

MPA Movimento dos Pequenos Agricultores

MST Movimento dos Trabalhadores (as) Rurais Sem Terra

ONU Organização das Nações Unidas

ONG Organização Não Governamental

PAER Programa de Educação Rural

PATAC Programa Alternativo de Tecnologia Adaptado as Comunidades

PEADS Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável

Pecemeal Programa de Educação Contextualizada do Município de Estrela de

Alagoas

PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola

Prece Programa de Educação em Células

Procampo Programa de Licenciatura em Educação do Campo

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

22

Promunicípio Projeto de Cooperação Técnica e Financeira dos Municípios

Pronera Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

Pro-rural Projeto Integrado de Apoio do Pequeno Produtor Rural

Raefap Rede das Associações das Escolas Famílias do Amapá

Refaisa Rede das Escolas Famílias Agrícolas integradas do Semi-Árido

RESAB Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro

SAB Semi-Árido Brasileiro

Secad Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.

SDT Secretaria do Desenvolvimento Territorial

SERTA Serviço de Tecnologia Alternativa

STR Sindicato de Trabalhadores (as) Rurais

Uaefama União das Associações das Escolas Família Agrícola do Maranhão

UFCG Universidade Federal de Campina Grande

UFPA Universidade Federal do Pará

UFPE Universidade Federal de Pernambuco

UnB Universidade de Brasília

Undime União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação

Unefab União das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil

UneB Universidade do Estado da Bahia

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

23

Unesco Organização das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a

Cultura.

Unicampo Universidade Camponesa

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

24

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA

AGRADECIMENTO

EPIGRAFE

RESUMO

RESUME

ABSTRACT

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

LISTA DE TABELAS E QUADROS

LISTA DE SIGLAS

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 31

1. Minha Itinerancia na Educação do Campo 32

2. A definição do problema e do objeto 37

I PARTE - CHÃO POLÍTICO PEDAGÓGICO EPISTEMOLÓGICO DA

PESQUISA: CONSTRUINDO CAMINHOS DE APROXIMAÇÃO COM O

OBJETO DA PESQUISA

46

Introdução 47

I CAPITULO - CAMINHOS E VEREDAS: OS FIOS TEÓRICOS E

METODOLÓGICOS QUE TECERAM A ITINERÂNCIA DA PESQUISA

49

1.1.Abordagem Metodológica da pesquisa 50

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

25

1.2. Procedimentos e instrumentos da pesquisa 52

- O estudo exploratório: mapear o campo de pesquisa 58

- Lugares Institucionais 64

- Pesquisa documental: compreendendo as propostas pedagógicas e as políticas educacionais específicas do campo

66

- Abordagem etnográfica: fincando o pé no chão da escola

70

II CAPITULO - PAISAGENS DAS ESCOLAS NO CAMPO E A EMERGÊNCIA

DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS ESPECÍFICAS: A LUTA PELO DIREITO A

TER DIREITOS

76

2.1 Na trilha da memória: a implantação da Escola no Campo 78

2.2. Paisagens das Escolas no Campo 82

2.3. A Emergência das Políticas Educacionais Específicas: a Educação do Campo como direito

98

III CAPITULO - EDUCAÇÃO POPULAR COMO TEORIA E PRÁTICA DA

EDUCAÇÃO DO CAMPO

109

3.1. Educação Popular: mudanças e continuidades 111

3.2 A Constituição do Campo Popular e da Educação Popular: o aprendizado da liberdade

116

- Os Movimentos Educativos Populares: a sementeira da Educação Popular 119

- As primeiras organizações camponesas: a semente da organização de classe

121

3.3 A interdição do Campo Popular e da Educação Popular: o aprendizado da perseverança

122

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

26

3.4. A ressignificação da Educação Popular: o aprendizado do direito e da autonomia

125

IV CAPÍTULO - A CONSTITUIÇÃO DO MOVIMENTO POLÍTICO

PEDAGÓGICO E EPISTEMOLÓGICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO:

PRINCÍPIOS E LUGARES INSTITUCIONAIS

135

4.1. Educação do Campo: concepção e prática político pedagógica 137

4.2. Uma rede constituída de várias redes 143

4.3. O Movimento da Educação do Campo e seus fundamentos político-pedagógicos e epistemológicos

146

4.4. Lugares Institucionais da Educação do Campo 159

- Centro de Formação Familiar por Alternância - CEFFAS 159

- Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo 166

- Rede de Educação do Semiárido Brasileiro RESAB/ECSA 172

- Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável SERTA/PEADS

176

- Considerações 180

II PARTE A REINVENÇÃO DA ESCOLA DO CAMPO: O ITINERÁRIO

PEDAGÓGICO COMO ORIENTADOR DA DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DO

TRABALHO PEDAGÓGICO

183

Introdução

184

V CAPÍTULO PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DO MOVIMENTO DA

EDUCAÇÃO DO CAMPO

187

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

27

5.1. Núcleos de Singularidades das Propostas Pedagógicas: a diferença dentro da diferença

189

5.2. Escola Família Agrícola: alternância, participação da família, formação integral e desenvolvimento do meio

191

- O itinerário pedagógico na alternância e seus dispositivos pedagógicos 191

- A participação das famílias: forma de ser e fazer a escola 202

- A formação do jovem e o desenvolvimento do meio

203

5.3. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: a mística da luta, terra, trabalho e organização coletiva

204

- A mística como motivação para a luta 206

- A luta pela terra como formação de militantes 210

- O trabalho coletivo e os tempos educativos

211

5.4. Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável: a pesquisa da realidade, a sistematização da prática e o desenvolvimento sustentável

213

- A pesquisa e a sistematização como principio educativo 216

- O desenvolvimento sustentável: o município como sala de aula 225

- Gestão participativa: participação das famílias e planejamento coletivo

227

5.5. Educação Contextualizada no Semiárido: pluralidade da rede, contextualização e convivência com o Semiárido

229

- A pluralidade de redes 229

- A contextualização do currículo 230

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

28

- A convivência como orientador do itinerário pedagógico

231

VI CAPÍTULO LUGARES INSTITUCIONAIS: CENÁRIOS E PRÁTICAS DAS

ESCOLAS DO CAMPO

235

6.1. Escola Família Agrícola de Orizona EFAORI 237

- A estrutura educativa como espaço de aprendizagem 239

- Organização do trabalho pedagógico: a alternância como organizadora do tempo

e espaço pedagógico

242

- Os Educandos (as): a autonomia e a convivência como aprendizado 245

- A equipe educativa: o trabalho coletivo como exercício da docência 248

- A prática gestora: o aprendizado da participação 253

- A dimensão epistemológica: o contexto como conteúdo educativo

258

6.2. Escola Municipal Henrique Gouveia\PEADS

264

- Estrutura educativa: uma proposta forte numa estrutura precarizada 268

- Organização do trabalho pedagógico: a reinvenção do fazer pedagógico 270

- Sujeitos cognoscentes e prática gestora da Escola: a participação e a inserção na comunidade

273

- Dimensão epistemológica: a pesquisa, o aprofundamento dos conteúdos e a sistematização como instrumentos de construção do conhecimento

277

6.3. Escola Municipal Francesco Mauro e Escola Municipal Catalunha\MST

283

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

29

- Ambiente Educativo da Escola Francesco Mauro (Assentamento Safra) 287

- Educandos (as) e Educadores 290

- Ambiente Educativo da Escola Municipal Catalunha 292

- Educandos (as) e Educadores (as): aprendendo e ensinando em interação 294

- Prática Gestora das Escolas Catalunha e Francesco Mauro 295

- Dimensão epistemológica: os temas da realidade como conteúdos pedagógicos

300

6.4. Escola Rural de Massaroca ERUM 306

- Ambiente Educativo: a participação da comunidade 311

- Os Educandos (as): aprendendo a viver e conviver com o semiárido 313

- Equipe Educativa: o trabalho coletivo 315

- Pratica gestora: participação na gestão 318

- Dimensão epistemológica: a concretização dos conteúdos da realidade no itinerário pedagógico

320

VII CAPÍTULO ESCOLAS DO CAMPO: CENÁRIOS PLURAIS DE REDE DE

RELAÇÕES DE SABERES, DE SUJEITOS E RITUAIS

338

7.1. O itinerário pedagógico das Escolas do Campo como tessitura de saberes, fazeres e sujeitos na mediação com o conhecimento

340

7.2. Prática Gestora da Escola: o aprendizado da participação e da autonomia 354

7.3. Prática Discente: o aprendizado da auto-organização 359

7.4. Prática Docente: múltiplos papeis e saberes plurais 363

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

30

7.5. Dimensão epistemológica: Contexto e prática social dos sujeitos como conteúdo educacional

371

Considerações

379

CONSIDERAÇÕES FINAIS OS FRUTOS COLHIDOS GERAM

NOVOS APRENDIZADOS E LANÇAM NOVAS SEMENTES

380

REFERENCIAS

390

APÊNDICE E ANEXOS

407

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

31

INTRODUÇÃO

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

32

1 Minha itinerância na Educação do Campo

A paixão com que conheço, falo ou escrevo não diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio. Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra desarticulada, imprecisa, querendo simplesmente bem ao mundo. Conheço com meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão também.

Paulo Freire

A presente pesquisa, desenvolvida no Núcleo de Pesquisa de Formação de Professores e

Prática Pedagógica do Programa de Pós Graduação do Centro de Educação da UFPE, tem

como objetivo compreender as práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Escolas Básicas

do Campo, que se filiam ao discurso político-pedagógico e epistemológico da Educação do

Campo, posto em circulação por diferentes organizações sociais, principalmente a partir dos

anos de 1990 no Brasil.

As motivações para o estudo foram tecidas por diferentes fios, nos diversos contextos

escolares e não escolares da nossa itinerância como professora da educação básica e superior e

como educadora popular junto aos movimentos sociais do campo.

Primeiramente, tínhamos o desejo de contribuir com subsídios para o aprofundamento

teórico e prático sobre a Educação do Campo, a partir da socialização e estudo sobre as

práticas pedagógicas que constituem o Movimento da Educação do Campo, foi um desses fios.

Evidencia-se, assim, como se processa o diálogo do Movimento da Educação do Campo a

partir de sua especificidade, com a teoria pedagógica e as questões gerais da Educação,

explicitando a contribuição que traz para formulação de um projeto de desenvolvimento

sustentável e solidário no país.

Foi também nossa motivação a necessidade de interactuar com o debate das Políticas

1/2002, do Conselho Nacional de Educação, e a criação dos Cursos de Licenciatura em

Educação do Campo, nas Universidades Públicas. Essas duas iniciativas são exemplos do

processo de proposição e reivindicação dos movimentos sociais do campo por uma política

pública para as Escolas do Campo.

Ademais, haverá a necessidade de novos conhecimentos sobre a Educação do Campo,

na formulação de pesquisas sobre os fenômenos educativos, estimulando a produção

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

33

acadêmica, que envolvam os sujeitos do campo e a formulação de uma teoria pedagógica que

subsidie as práticas educativas e a formação dos profissionais da Educação do Campo.

A pesquisa que realizamos no mestrado sobre os saberes do professorado rural, nos

possibilitou o conhecimento da prática pedagógica que começava a se concretizar nas escolas

da rede pública de municípios do Estado de Pernambuco. Essa pesquisa suscitou o

envolvimento com outras iniciativas de educação em diferentes Estados, o que despertou nosso

interesse para entender as mudanças decorrentes do Movimento da Educação do Campo, que

se opunha à escola rural que conhecíamos na nossa itinerância pessoal e profissional.

A aprendizagem que construímos na nossa itinerância possibilitou, por um lado, a

vivência do modelo de escola pública que chegou ao campo: descontextualizada da vida, do

trabalho e da cultura dos sujeitos sociais a quem se destinava pautada no conceito da

Educação Rural; e, por outro lado, a participação nas práticas pedagógicas que se instituíram

com as lutas das organizações sociais do campo, por uma escola contextualizada na realidade,

no trabalho e na cultura, como ponto de partida da produção de seus conhecimentos, práticas

essas que construíram o Movimento da Educação do Campo.

O paradigma da Educação Rural emerge na esfera das políticas governamentais a

partir da década de 1930, numa visão dicotômica (urbano/rural, indústria/agricultura,

científico/popular, atrasado/moderno), gerando o modelo urbanocêntrico1. Modelo que se

afirma com as políticas desenvolvimentistas a partir da década de 1950, na qual o campo é

encarado como lugar do atraso, residual e em processo de extinção na sociedade brasileira, a

partir do desenvolvimento da indústria e da urbanização do País.

Esse discurso tem omitido ao longo da história a existência dos camponeses (as) ou,

quando faz menção à sua existência, é para sinalizar a sua incapacidade, a sua ignorância, a

necessidade de serem adaptados ao processo de modernização, a sua - até - falta de higiene, e

escola contribuir para a superação desse déficit cultural da população do campo.

Esse preconceito sobre a imagem do ambiente rural, arraigado em nossa sociedade, e

sobre a relação dela com a Educação oferecida aos moradores do campo

[...] trata os valores, as crenças, os saberes do campo de maneira romântica ou de maneira depreciativa, como valores ultrapassados, como saberes tradicionais, pré-científicos, pré-modernos. Daí que o modelo de educação básica queira impor para o campo currículos da escola urbana, saberes e

1 O termo urbanocêntrico é aqui utilizado para se referir a uma visão na qual a concepção de educação e modelo

didático-pedagógico utilizado nas escolas da cidade é transferido para as escolas localizadas nas áreas classificadas pelos órgãos oficiais como rurais, cuja centralidade é a cidade e o processo de urbanização.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

34

valores urbanos, como se o campo e sua cultura pertencessem a um passado a ser esquecido e superado. (ARROYO, 2004, p. 79).

sociologia das

cuja lógica produz a não existência de uma dada realidade, entidade ou agentes, a

partir de sua desqualificação, que a torna invisível ou descartável. Essa visão epistemológica

fez com que a realidade do campo, seus sujeitos sociais e a escola que lhe foi destinada fossem

tratados pela racionalidade hegemônica, como

[...] o ignorante, o residual, o inferior, o local e o improdutivo. Trata-se de formas sociais de inexistência porque as realidades que elas conformam estão presentes apenas como obstáculos em relação às realidades científicas, avançadas, superiores, globais ou produtivas. São, pois, partes desqualificadas de totalidades homogêneas que, como tal, confirmam meramente o que existe e tal como existe. São o que existe sob formas irreversivelmente desqualificadas de existir. (SANTOS, 2005, p. 14-15).

a única forma de racionalidade e, por conseguinte, não se aplica a descobrir outros tipos de

racionalidade ou, se o faz, fá-lo apenas para torná-las em matéria- (SANTOS, 2005, p.

6). Pauta durante décadas a elaboração das políticas educacionais do país a partir de um

modelo globalizante e universalizante, na medida em que nega a diversidade dos sujeitos

sociais.

Para Boaventura Santos (2005, p. 5), neste modelo de racionalidade,

[...] não há compreensão nem acção que não seja referida a um todo e o todo tem absoluta primazia sobre cada uma das partes que o compõem. Por isso, há apenas uma lógica que governa tanto o comportamento do todo como o de cada uma das suas partes. Há, pois, uma homogeneidade entre o todo e as partes e estas não têm existência fora da relação com a totalidade. As possíveis variações do movimento das partes não afectam o todo e são vistas como particularidades. A forma mais acabada de totalidade para a razão metonímica é a dicotomia, porque combina do modo mais elegante, a simetria com a hierarquia. A simetria entre as partes é sempre uma relação horizontal que oculta uma relação vertical. Isto é assim porque, ao contrário do que é proclamado pela razão metonímica, o todo é menos e não mais do que o conjunto das partes. Na verdade, o todo é uma das partes transformada em termo de referência para as demais.

Nessa racionalidade, a distribuição do conhecimento, na escola, é marcada por critérios

restritos de seleção do que constitui a cultura de uma sociedade, na qual dimensões

importantes da vida e dos saberes gestados por grupos sociais específicos são negados. Essa é

seus programas e

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

35

seus cursos senão um espectro estreito de saberes, experiências, de formas de expressão, de

Essa perspectiva da prática pedagógica sob o ângulo da racionalidade instrumental ou

metonímica reforça a dimensão da dominação, da reprodução e do monoculturalismo presentes

na sociedade capitalista, o que gerou um modelo único de escola, descolada da realidade e da

diversidade existente no país.

Foi com esse modelo de escola que nos deparamos, ao começar a docência numa turma

multisseriada2 no final da década de 1970. A inquietação com essa realidade nos levou aos

primeiros ensaios de um fazer docente que estimulasse no grupo o trabalho coletivo, a troca de

experiências e saberes, na perspectiva de facilitar o processo de aprendizagem, o que se

aprendizes se ajudavam uns aos outros a aprender, trocar saberes, vivências, significados,

culturas. Trocando questionamentos seus, de seu tempo cultural, trocando incertezas,

a agir pela sua experiência3, conforme explicitamos em pesquisa anterior (SILVA, 2000).

Quando entramos na Universidade, os saberes da formação4, advindos das diferentes

disciplinas sobre desenvolvimento e aprendizagem humana, a relação entre sociedade e escola,

estratégias didáticas para atuação na Educação Básica, contribuíram significativamente para

uma maior eficácia na ação pedagógica que desenvolvemos. No entanto, não estudávamos a

diversidade dos sujeitos da ação pedagógica nem a relação entre o campo e cidade e a

organização do trabalho pedagógico nessa realidade.

Esse fazer docente se ressignificou à medida que tivemos contato com a Teologia da

Libertação e com a Educação Popular, pois, entre outras questões, percebemos que, embora

sem acesso à escolarização, as comunidades rurais vivenciavam processos educativos:

encontros de estudos, romarias, mutirões, celebrações, festas, lutas pela terra, práticas

2 Turma organizada com mais de uma série e um único professor. Forma de organização escolar predominante,

desde o início da escola no campo. Mesmo com a criação dos grupos escolares no final da década de 1920, período em que se instituiu o regime de organização escolar seriado, a orientação de trabalhar sob a estratégia multisseriada continuou adotada nos distritos e áreas rurais. Tal organização de ensino permanece até hoje como o modelo de escola predominante no campo brasileiro.

3 Tardif e Lessard (1991) enfatizam os saberes de experiência, como um conjunto de saberes apreendidos, construídos e atualizados na práxis educativa, transformam um conjunto de representações a partir das quais os docentes interpretam, compreendem e orientam sua profissão e prática cotidiana em todas as suas dimensões.

4 Saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica): conjunto de saberes transmitido pelas instituições de formação (escolas normais ou faculdades de ciências da educação). Apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de diferentes ciências da educação para serem incorporados ao fazer pedagógico do professorado. (TARDIF &LESSARD, 1991).

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

36

produtivas, que levavam ao entendimento da educação como processo de formação e

emancipação humana.

Essa percepção foi reafirmada a partir do trabalho que desenvolvemos junto aos

movimentos sociais do campo e a formação continuada do professorado rural, o que nos levou

à pesquisa do mestrado sobre a constituição dos saberes do professorado rural para o exercício

docente nas escolas do campo.

Os resultados dessa pesquisa (SILVA, 2000) mostraram, por um lado, a desarticulação

entre os saberes da formação e a realidade concreta na qual o professorado desenvolvia seu

trabalho pedagógico; e, por outro, o reconhecimento do professorado como um ser de práxis

que conduz sua ação educativa no contexto das Escolas do Campo constituído por uma

heterogeneidade de saberes construídos na interação com a realidade e com a prática social dos

sujeitos.

Esse trabalho contribuiu para identificar que a precarização da formação inicial constitui

um desafio à prática docente, nem sempre superada pela formação continuada, visto que o

professorado se vê instigado no cotidiano da sala de aula à improvisação, criação e à

aprendizagem de conhecimentos que o ajudem a enfrentar as situações da profissão, a partir da

interação com os colegas, com os estudantes, com as famílias, com a experiência em sala de

aula, constituindo, assim, os saberes de experiência que se tornam o fio condutor do seu

trabalho em sala de aula e na escola.

Essa itinerância em práticas educativas do campo, como educadora e pesquisadora,

tornou-me co-autora de muitas iniciativas de Educação do Campo, inquietando-me sobre

algumas questões: como o processo de mobilização do Movimento da Educação do Campo

tem influenciado as práticas pedagógicas das Escolas do Campo? A elaboração de um marco

jurídico específico trouxe modificações à organização da escola? Era o ponto de partida para

uma nova pesquisa.

2 A definição do problema e o objeto

O movimento político, pedagógico e epistemológico da educação do campo nasceu

como mobilização, proposição e pressão dos movimentos sociais por uma política educacional

que fortalecesse as práticas educativas existentes e a criação assim como a ampliação de

escolas públicas da Educação Básica nas comunidades e assentamentos.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

37

A origem desse movimento tem o seu lugar no processo, experimentado por

organizações sociais e suas lutas por mudanças no campo brasileiro, e no questionamento da

concepção e prática de Educação Rural implementada no Brasil. Assim, a concepção de

Educação do Campo emerge com a dinâmica das lutas dos movimentos sociais por um projeto

de desenvolvimento sustentável e solidário para a sociedade brasileira e como questionamento

ao modelo monocultural e descontextualizado da Educação Rural.

Com isso, o Movimento da Educação do Campo problematiza o paradigma hegemônico

de sociedade que concentra terras, águas, alimentos e riquezas e o modelo de educação -

que desconsidera a forma dos sujeitos produzirem sua vida, seus saberes e afetos. Emerge da

materialidade da prática política, social, cultural e educacional dos Povos do Campo5 em sua

diversidade na forma de produzir e reproduzir a vida no seu contexto sócio-ambiental.

Na dimensão política, o Movimento da Educação do Campo, coloca os Povos do Campo

como sujeitos de direitos, dentre os quais se evidencia a educação. A luta pelo direito ao

acesso e a permanência na Escola torna-se uma das reinvidicações centrais das diferentes

instituições e organizações sociais que constituem o Movimento da Educação do Campo. Mais

do que um direito dos sujeitos do campo, e de afirmação da cidadania, a Educação se constitui

enquanto processo de formação da humanidade do ser humano numa perspectiva

emancipadora, e de intervenção na realidade. Trata-se de um projeto educativo centrado no

diálogo-libertador, que valoriza o empoderamento dos sujeitos, o seu pertencimento a um

grupo e a um contexto social.

Trata-se, portanto, de educar as pessoas como sujeitos históricos e coletivos6, na

perspectiva de que se tornem autores sociais7, sujeitos da construção de uma nova

sociabilidade e de uma nova escola.

Sendo assim, surge a identidade da escola definida a partir dos sujeitos sociais a quem

se destina, e que tem a realidade como o conteúdo básico da sua organização curricular. A

5 O termo Povos do Campo é usado em diferentes documentos de movimentos sociais para se referir à

heterogeneidade dos sujeitos sociais do campo: agricultores (as) familiares, assentados (as) e acampados (as), reassentados, ribeirinhos, extrativistas, pescadores artesanais, comunidades quilombolas, caiçaras, comunidades de fundo de pasto, pantaneiros, vaqueiros, gerazeiros, faxinalenses que produzem e reproduzem sua vida numa relação direta com a terra, a floresta e as águas considerando suas diferentes modulações de gênero, geração, raça, etnia e orientação religiosa

6 Os sujeitos sociais lutam pelas transformações do cotidiano, das inter/subjetividades. Os sujeitos coletivos, históricos, absorvendo as lutas sociais se organizam pelas transformações das conjunturas e das estruturas em função de uma maior participação social e pessoal, pela afirmação da dignidade de todos, homens e mulheres das diferentes etnias, idades, condições sociais, opções sexuais, e culturais em novas relações de poder numa institucionalidade estatal ressignificada. (SOUZA, 2006).

7 Adotaremos a definição de João Francisco de Souza (2006) de autores sociais como gestores de seus processos sociais, participantes do processo social do conjunto da sociedade, fazedores da história e de sua própria história.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

38

diversidade dos Povos do Campo na sua forma de produção e reprodução social da vida marca

também a pluralidade das escolas e de suas práticas.

Com a finalidade de compreender as práticas das Escolas do Campo, orientamos a

pesquisa a partir de quatro pressupostos.

O primeiro é o de que o Movimento da Educação do Campo se constitui e abstrai das

iniciativas educativas para formulação de propostas pedagógicas, que trazem na sua gênese a

matriz da Educação Popular, ocorrida na América Latina nos anos de 1960, especialmente na

obra e prática de Paulo Freire. Seus princípios filosóficos, políticos, sociológicos e

pedagógicos orientam a compreensão da Educação como atividade cultural capaz de contribuir

no processo de emancipação humana e tran

capacidade humana de reinventar a si mesmo e a sociedade, de transcender a partir de sua

Essas práticas educativas se referenciam nas experiências da década de 1960 na

Educação Popular, que propunham a formação de sujeitos coletivos e populares, capazes de

constituírem-se em protagonistas das mudanças sociais e políticas contra a opressão e a

exploração, e que foram silenciadas com a repressão desencadeada pela ditadura militar.

Assim, a Educação Popular, enquanto uma teoria da educação teve uma contribuição

significativa na elaboração das Propostas Pedagógicas das entidades que compõem o

Movimento Político-Pedagógico e Epistemológico da Educação do Campo.

A relação com os movimentos sociais, como espaços educativos e constituintes da

formação do ser humano e como formuladores de um projeto de campo e de sociedade para o

país, é um princípio fundamental nas propostas das escolas. As práticas educativas gestadas no

campo trazem a concepção de campo como lugar de vida, de contextos plurais, articulador de

saberes e da relação do ser humano com a natureza, consigo mesmo e com os outros.

O segundo pressuposto é o de que há uma vinculação orgânica entre a cultura, a

educação e a Escola do Campo, visto que a prática pedagógica tem como conteúdo educativo

básico o contexto das comunidades articulado com o debate das questões mais gerais da

sociedade, o que gera as possibilidades de intervenção no mesmo.

A ação educativa contextualizada tem como propósito fundante a valorização dos

saberes da prática social constituídos no plano econômico, social político e cultural num

diálogo crítico com os conhecimentos científicos e tecnológicos, constituindo uma perspectiva

de educação intercultural que questiona

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

39

O formato universalista de ensino, que não tocava nas contradições do mundo, nem levava em consideração o chão onde pisava. Aliás, tanto a noção quanto as práticas que ela anima e inspira, advém da crítica feita a esta

educação escolar, de suas práticas e saberes. (MARTINS, 2004, p. 29).

(SILVA, 2000, p. 81) e questiona os

estereótipos sociais, sexuais, étnicos e culturais homogeneizadores, na perspectiva de construir

um diálogo intercultural permanente como ponto de partida e de chegada para construção de

uma política educacional e de uma sociedade multicultural que

[...] não se constitui na justaposição de culturas, muito menos no poder exarcebado de uma sobre as outras, mas na liberdade conquistada, no direito assegurado de mover-se a cada cultura no respeito uma da outra, correndo risco livremente de ser diferente, sem medo de ser diferente, de ser cada uma para si, somente como se faz possível crescerem juntas e não na experiência da tensão permanente provocada pelo todo-poderoso uma sobre as demais, proibidas de ser. (FREIRE, 1994, p. 156).

No final da década de 1970, a luta dos Povos Indígenas pela terra, desencadeou

iniciativas que favoreceram a articulação entre aldeias e povos nas assembléias indígenas,

como forma de solidariedade interétnica e fortalecimento dos movimentos e organizações

indígenas: a criação de entidades de apoio à causa indígena, que estimulou o processo de

reflexão crítica sobre o processo de exploração colonialista; e a construção de alianças com

diferentes entidades e organizações, que desembocaram na construção da educação escolar

indígena como direito, afirmando as identidades étnicas, o fortalecimento das memórias

históricas, a valorização das línguas e saberes dos Povos Indígenas.

A mobilização dos Povos Indígenas com o apoio de várias entidades nacionais8 e

internacionais garantiu, na Constituição Federal de 1988, o direito a uma educação

diferenciada, reforçado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9394/96, e a

Resolução CEB n° 3, de 10 de novembro de 1999, que fixou Diretrizes Nacionais para o

funcionamento das escolas indígenas com ordenamento jurídico próprio, ao assegurar que os

8

fundadores e coordenadores das mais significativas ONGs de caráter civil que se formaram nesse período, como é o caso da Comissão Pró-Índio de São Paulo, Comissão Pró-Índio do Rio de Janeiro e Comissão Pró Índio do Acre, do Centro de Trabalho Indigenista de São Paulo, da Associação Nacional de Apoio ao Índio da Bahia, e do Centro Magüta em Benjamim Constant, do Conselho Indigenista Missionário CIMI; e da Operação Anchieta OPAN para citar algumas delas.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

40

sistemas de ensino devem desenvolver programas específicos para atendimento escolar e

produção de material didático diferenciado aos Povos Indígenas.

A implementação dessa política teve como objetivo assegurar a oferta de uma educação

de qualidade aos Povos Indígenas, caracterizada como comunitária, específica, diferenciada,

intercultural e bilíngue/multilíngue, na qual a comunidade educativa9 indígena seja a principal

protagonista na formulação da política. Formar professores(as) indígenas, membros de suas

respectivas etnias, para que assumam a docência e a gestão das escolas em terras indígenas, é o

principal desafio para a consolidação dessa proposta de educação.

Como resposta a essa demanda, foi criado em 2005 o Programa de Apoio a Formação

Superior e Licenciaturas Indígenas PROLIND, que, segundo dados do MEC, tem

atualmente cerca de 1.044 professores indígenas inseridos em nove universidades públicas

federais e estaduais de estados das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste, e, a partir de 2008,

Universidades da Região Nordeste se incorporaram ao programa para a oferta destas ações de

formação, dentre as quais destacamos a Universidade Federal de Pernambuco e a

Universidade Federal de Campina Grande.

A luta dos Povos Indígenas pela Educação Intercultural também serviu de referência

para que outros Povos do Campo começassem, a partir do final da década de 1980, a inserir,

nas suas pautas de mobilizações pela democratização do país, a luta por direitos humanos,

Reforma Agrária, Políticas Agrícolas e Sociais para o Campo Brasileiro e pelo direito à

Educação.

Um terceiro pressuposto refere-se à construção dos projetos pedagógicos das Escolas do

Campo, para superar a dissociação entre a dimensão política e pedagógica, entre os

conhecimentos científicos e os populares, com uma teoria pedagógica que estimula o diálogo

entre os diferentes saberes, num movimento de contextualização do conhecimento, portanto,

É uma quque sequer dá o tempo suficiente para que os sujeitos possam organizar uma auto-definição e auto-qualificação. Antes, disso, porém, eles já estão nomeados, qualificados, representados numa caricatura na qual sequer podem se reconhecer. (...) Contextualizar, portanto, é esta operação mais complicada de descolonização. Será sempre tecer os movimentos de uma

9 A comunidade educativa é formada por todas as pessoas que trabalham e colaboram para a construção de uma

educação de qualidade na comunidade, como as lideranças, os sábios/velhos, os xamãs, curandeiros, pajés, os pais, as mães, os educandos (as), a equipe que trabalha na escola educadores (as), coordenador (a) pedagógico (a), merendeira, faxineira, vigia entre outros envolvidos com a educação, conforme a realidade de cada povo ou escola. (Conferência Nacional da Educação Indígena, 2009).

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

41

tantas questões silenci

historicamente. (MARTINS, 2004, p. 34).

A contextualização da ação educativa é uma forma de intervenção no mundo,

enquanto experiência humana, portanto, ideológica. O reconhecimento da dimensão política

da ação educativa repousa na sua dimensão humana relacional e possibilita o que Pedro Demo

(1996) denomina de homem político, enquanto ser que se insurge contra o ser apenas objeto.

Assim,

O homem político é aquele que tem consciência histórica, sabe dos problemas e busca soluções. Não aceita ser objeto. Quer comandar seu próprio destino. E amanhece o horizonte dos direitos, contra os dados e contra a imposição. Ator, não expectador. Criativo, não produto. Distinguimos nas civilizações e nas culturas a marca do que o homem foi e é capaz de fazer. (DEMO, 1996, p. 17).

Na sua dimensão política e epistemológica, a contextualização referencia as práticas

curriculares das escolas, possibilitando que novas informações e conhecimentos possam entrar

em relação com os conhecimentos que os sujeitos já possuem sobre sua realidade social.

Dessa forma, o processo de teorização da realidade amplia os conhecimentos existentes, dá

significação ao que se aprende e se vivencia, imprimindo sentido à prática pedagógica, para a

compreensão e intervenção na realidade.

O quarto pressuposto reconhece que o direito à educação se afirma como ação coletiva e

organizada dos movimentos sociais populares. O processo de redemocratização do país, a

partir do início dos anos de 1980, assumido pelo Campo Popular10, tem um papel protagonista

na proposição e formulação de práticas e políticas, que se contraponham ao modelo

hegemônico de sociedade.

A luta histórica por acesso e permanência com sucesso na escola ganha novos contornos

com a expectativa de democratização da gestão, redução das desigualdades sociais,

participação política da população na conquista de seus direitos, de justiça social e de

profissionalização dos educadores (as). Esse processo de organização e mobilização pelo

10 Segundo Conceição Paludo (2009, p. 46), os campos populares constituíram-se como movimentos contra-

hegemônicos (muitas vezes designado, nos textos, como esquerda) e se orientaram por utopias de transformação social, às quais foram atribuídas as mais diversas denominações, dentre elas: projeto histórico; projeto libertador; novo contrato social; nova sociedade; sociedade sem oprimidos e opressores; projeto alternativo de sociedade e sociedade socialista.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

42

direito à Educação tem como ponto de partida a resistência para não perder as escolas nas

comunidades e, ao mesmo tempo, questionar o modelo hegemônico de escola.

Essa mobilização por políticas públicas contribuiu para a construção de um marco legal

específico da Educação do Campo, gerando o desafio de tais políticas contemplarem a

universalidade e a diversidade posta pela complexa realidade do país. Neste sentido, o respeito

às diferenças e o pertencimento do ponto de vista educacional dá-se pela equidade e

diversidade nas políticas públicas.

A aprovação das Diretrizes Operacionais da Educação Básica11 das Escolas do Campo

(Resolução nº 01, de 03 de Abril de 2002/CNE/MEC) e, posteriormente, das normas

complementares para o atendimento da Educação Básica do Campo (Resolução CNE/CEB nº

2/2008) constituíram arcabouço legal de afirmação de uma política educacional específica do

campo. As diretrizes expressam o modo próprio de vida, de utilização e de pertencimento do

espaço/território como elementos essenciais para a constituição da identidade da população do

campo. Identidade que não é única, que contém contradições no seu interior, a partir das

condições sociais e materiais, que cada grupo está vinculado.

A inserção cidadã dessa população na definição dos rumos da sociedade brasileira e a

necessidade de definir procedimentos relativos para garantir a universalização do acesso à

Educação básica aos Povos do Campo foram assumidas na agenda pública dos Movimentos

Sociais do Campo e influenciaram diretamente a elaboração do marco legal do país.

A luta pelo direito dos Povos do Campo, por políticas públicas de saúde, moradia, infra-

estrutura, seguridade social, lazer, assessoria técnica e extensão rural, torna-se estratégia

fundamental para a construção, ampliação e fortalecimento das Escolas do Campo. Tais

políticas precisam ser efetivadas por mecanismos e recursos orçamentários claramente

definidos e publicamente transparentes, para sua efetivação, que, em resumo, são desafios

atuais.

Nessa perspectiva, no Brasil, foram os movimentos sociais que questionaram o modelo

urbanocêntrico de escola implantada no campo, o que evidencia a necessidade de que os

movimentos sociais sejam vistos como espaços educativos e interlocutores da escola na

formulação da prática e teoria educacionais.

Assim, na origem da formulação da Educação do Campo, há uma indissociabilidade

entre processos sociais e históricos desenvolvidos pelos Movimentos Sociais do Campo,

11 Educação Básica é entendida, conforme a Lei nº 9394/96, como constituída pela educação infantil, educação

fundamental, ensino médio e educação profissional.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

43

orientados por uma utopia transformadora, e a formulação de uma prática pedagógica escolar

do campo.

Esses pressupostos deram origem às seguintes indagações: como se estruturam e se

dinamizam as práticas pedagógicas nas escolas do campo? Quais as matrizes que

fundamentam as propostas pedagógicas dessas iniciativas? Como as propostas pedagógicas das

diferentes iniciativas se efetivam na prática? Quais os limites e possibilidades dessas práticas

pedagógicas?

Essas questões relevam três dimensões neste estudo: a primeira incide sobre a

pertinência da Educação do Campo à luz do contexto social, político e educativo atual, na

perspectiva de contribuir com uma prática pedagógica, para que as instituições educativas

possam construir um diálogo inter e multicultural como fundamental para a construção de uma

sociedade democrática; uma outra incide sobre a análise da concepção: suas origens

históricas, as fronteiras que a delimitam, as diferentes expressões que assumem o papel

institucional que representa e as concepções e práticas que lhe dão forma, implicando um

debate conceitual que tenta apreender um fenômeno em sua constituição histórica; e,

finalmente, a terceira, que diz respeito ao reconhecimento das singularidades dessas práticas,

que se constituem em exemplos concretos na nossa realidade educacional e que evidenciam a

escritas dos autores(as) das referidas propostas.

Assim, tomando como referência o Movimento da Educação do Campo e a prática

pedagógica das Escolas do Campo, elegemos como núcleo problemático a compreensão das

práticas pedagógicas desenvolvidas nas Escolas do Campo, tentando clarificar suas

vinculações com a matriz da Educação Popular.

A partir desse ponto, procedemos à condução analítica da pesquisa, objetivando

compreender as práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Escolas do Campo, procurando

sistematizar elementos que possam contribuir com novas possibilidades educativas para a

escolarização no campo. Especificamente, buscamos analisar os traços de semelhanças e

singularidades existentes nas propostas e práticas pedagógicas das Escolas do Campo e

identificar sua contribuição para a organização do trabalho pedagógico na escola.

Portanto, a escolha por determinadas iniciativas educativas neste trabalho não terá o

propósito de fazer comparações, nem tampouco compreender o sentido pleno de todo o

Movimento da Educação do Campo, mas reconhecer suas singularidades e possibilidades de

contribuir com os projetos pedagógicos das Escolas. Para isso, fizemos uma itinerância teórica

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

44

e metodológica para responder à problemática da pesquisa, explicitar os procedimentos e

instrumentos utilizados, a definição do campo de pesquisa, o tratamento e análise dos dados e,

por fim, a estruturação do trabalho.

A tese esta estruturada em duas partes. Na introdução, apresentamos o objeto a partir da

nossa itinerância profissional e pessoal, dialogando com os elementos do Movimento da

Educação do Campo, cujas práticas pedagógicas serão nosso objeto de estudo.

A primeira parte da tese é constituída de quatro capítulos, que fundamentam o chão

político, pedagógico e epistemológico da pesquisa, possibilitando a construção dos caminhos

que ajudaram na compreensão do objeto de pesquisa.

O primeiro capítulo trata da itinerância teórica e metodológica para compreender as

práticas pedagógicas das Escolas do Campo. Tomando como referência a abordagem dialética,

construímos três procedimentos de coleta e produções de dados: o estudo exploratório, a

pesquisa documental e o estudo etnográfico, que possibilitaram entender o proposto e o vivido

nas escolas campo de pesquisa.

O segundo mostra as paisagens das escolas localizadas no campo e a emergência de um

marco jurídico para as políticas educacionais específicas, evidenciando as condições materiais

das escolas, os limites e possibilidades da legislação na heterogeneidade dos municípios

brasileiros.

O terceiro capítulo delimita a concepção de Educação Popular adotada no trabalho

como uma teoria e prática da educação, e como matriz fundamental das práticas educativas

escolares do campo.

O quarto capítulo contextualiza a origem e os fundamentos do Movimento Político,

Pedagógico e Epistemológico da Educação do Campo, evidenciando os Lugares Institucionais,

cujas práticas pedagógicas constituíram o objeto da investigação.

A segunda parte da tese é composta de três capítulos, que tratam do Itinerário

Pedagógico como orientador da dinâmica e da organização do trabalho pedagógico, e que no

cotidiano reinventam a Escola do Campo.

O quinto capítulo trata das propostas pedagógicas dos Lugares Institucionais campo da

pesquisa, identificando seus fundamentos e princípios, bem como os traços de semelhanças

existentes em suas proposições.

O sexto capítulo analisa o ambiente educativo e a organização do trabalho pedagógico

nos Lugares Institucionais da Educação do Campo, buscando compreender como as propostas

pedagógicas se materializam nas práticas pedagógicas das Escolas a partir de suas

singularidades.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

45

E o sétimo capítulo aborda a dinâmica de funcionamento, a organização do trabalho

pedagógico e suas práticas curriculares que se concretiza no e com o Itinerário Pedagógico.

Por fim, procuramos tecer algumas considerações sobre os achados desta pesquisa,

destacando as contribuições que essas práticas trazem para a organização curricular das

Escolas do Campo.

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

46

I PARTE - CHÃO POLÍTICO PEDAGÓGICO EPISTEMOLÓGICO DA PESQUISA: CONSTRUINDO CAMINHOS DE APROXIMAÇÃO COM O OBJETO DA PESQUISA

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

47

INTRODUÇÃO

Meu papel no mundo não é só de quem constata o que ocorre, mas também de quem intervém como sujeitos de ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas sou sujeito igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar. Paulo Freire

A intenção desta primeira parte é contextualizar o chão político, pedagógico e

epistemológico da pesquisa. Para isto, começamos pelo delineamento do desenho

metodológico do referencial adotado com a finalidade de compreender as práticas

pedagógicas vivenciadas nas Escolas Básicas do Campo.

Para a construção metodológica, tivemos como referência os trabalhos de autores

(ANDRÉ, 1995; BARDIN, 1988; CHIZZOTTI, 2000; FAZENDA, 2002; KOSIK, 1986;

LUDKE, 1986; MINAYO, 1994) que fundamentaram os procedimentos adotados no estudo

exploratório, na análise documental e no estudo etnográfico; e que nos possibilitaram uma

aproximação epistemológica e metodológica com o objeto de pesquisa.

Nesse processo de aproximação e compreensão do objeto, as categorias analíticas

Prática Pedagógica, Educação Popular e Educação do Campo, orientaram o trabalho.

A categoria analítica Prática Pedagógica foi entendida conforme posto por João

Francisco de Sousa (2009, p. 28-29):

Enquanto ações coletivas institucionais, formalmente organizadas, num determinado contexto cultural, perseguido determinada finalidade e vários objetivos (intencionais). (...) conformada pelas interações de seus diferentes sujeitos (docentes, discentes e gestores) na construção de conhecimentos ou no trabalho dos/com conteúdos pedagógicos (prática epistemológica ou gnosiológica), contribuindo para a formação humana de sujeitos sociais, na qual se inclui também, mas nem sempre, a formação profissional.

Com isso, evidenciamos nossa filiação ao pensamento deste autor, ao considerar que a

prática pedagógica não equivale apenas à prática docente, embora o professor(a) tenha um

papel fundamental e específico dentro do trabalho pedagógico, enquanto um sujeito/autor da

mesma. Portanto, nosso olhar focou a práxis pedagógica constituída de quatro pólos: prática

docente, prática discente e prática gestora, que se inter-relacionam para garantir o quarto pólo,

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

48

que é o epistemológico ou dos conteúdos educativos, dentro do contexto socioeconômico e

cultural do campo brasileiro.

A explicitação da concepção que adotamos de Educação Popular, enquanto teoria e

prática da educação que toma a realidade social como conteúdo pedagógico a serviço da

emancipação humana e da transformação das relações assimétricas existentes na sociedade,

possibilitou identificar a influência dessa matriz pedagógica nos fundamentos e princípios das

Propostas Pedagógicas das iniciativas da Educação do Campo.

O diálogo entre a Educação Popular e as reflexões advindas dos estudos pós-

coloniais12 e os estudos culturais13, principalmente a partir da década de 1990, contribuiu para

o debate sobre a diversidade social nas práticas pedagógicas, conforme podemos ver em

diferentes autores (CARVALHO, 2004; FREIRE, 1974; MOREIRA, 1990, 1997; SILVA,

1999, 2004). Inclusive sobre as que foram constituindo o Movimento da Educação do

Campo, em seus fundamentos políticos, pedagógicos e epistemológicos.

A construção da concepção de Educação do Campo, como prática político-

pedagógica, fundamentada na realidade social dos sujeitos do campo e na produção de sua

existência social na relação com a terra, a água e as florestas, posto na perspectiva dos

direitos sociais ajudou a revisitar a paisagem das escolas localizadas no campo e analisar no

corpus documental os limites e possibilidades sinalizados pelas políticas educacionais na

concretização desse direito nas esferas dos estados e municípios.

Com essas finalidades, sistematizamos essa parte da tese apoiada nas informações do

estudo exploratório, da análise documental e da revisão bibliográfica sobre a história da

Educação (ALMEIDA, 2000; CARVALHO, 2004; PAIVA, 1987; ROMANELLI, 1982); na

fundamentação do conceito de Educação Popular e relações com o Campo Popular nos

baseamos em (CALADO, 2000; FREIRE, 1978, 1979, 1987; PALUDO, 2001, 2009; ROSAS,

2008; SOUZA, 1999, 2000, 2009); na contextualização e fundamentos do Movimento da

Educação do Campo apoiamo-nos em (ARROYO, 2004; CALDART, 2000; MOURA, 2003;

GIMONET, 2007; REIS, 2004) e nos documentos e publicações dos lugares institucionais

campo de pesquisa.

12 Segundo Tomaz Tadeu da Silva (2004, p. 125), a teoria pós-colonial tem como objetivo analisar o complexo

das relações de poder entre as diferentes nações que constroem o Outro colonial enquanto um objeto de conhecimento e como um sujeito subalterno. Essa perspectiva teórica conta com a participação de autores como Peter McLaren, Homi Bhabha e outros.

13 Ainda segundo Tomaz Tadeu da Silva (2004, p. 133), os estudos culturais concentram-se na análise da cultura como campo de luta em torno da significação social. A cultura é um campo de luta em torno da produção de significados pelos diferentes grupos sociais envolvidos por relações de poder, que lutam pela imposição de seus significados à sociedade como um todo.

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

49

I CAPÍTULO - CAMINHOS E VEREDAS: OS FIOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS QUE TECERAM A ITINERÂNCIA DA PESQUISA

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

50

Neste claro-escuro de lutas e consensos, mais do que verificar ou falsificar teorias, o nosso trabalho metodológico consiste em avaliar teorias. E nesta avaliação várias teorias divergentes são aprovadas, ainda que raramente com as mesmas classificações. E as classificações não são ferretes que imprimimos nelas a fogo. São olhares que lhes lançamos do ponto movente em que nos encontramos um ponto situado entre as teorias e as práticas

specífico, o do conhecimento cientifico na teia de relações entre teorias e práticas. (...) Melhores ou piores, as teorias somos nós a passar no espelho da nossa prática cientifica dentro do espelho maior da nossa prática de cidadãos. Boaventura de Souza Santos

1.1.Abordagem Metodológica da Pesquisa

O presente capítulo evidencia os fios teóricos e metodológicas que orientaram o olhar

das práticas pedagógicas nas Escolas do Campo, com a finalidade de compreender a vida das

escolas e das salas de aula, e em que medida o referencial da Educação do Campo influencia a

efetivação dessas práticas.

Como ponto de partida, assumimos a crítica feita por diferentes autores à

racionalidade científica instrumental, que nega o caráter racional das formas de conhecimento

que não se pautam pelos seus princípios epistemológicos.

Essa racionalidade instaura uma separação rígida entre sujeito e objeto, como se a

construção do conhecimento humano fosse uma realidade independente do contexto sócio-

histórico e da própria vida dos sujeitos que o elaboram, acarretando a ausência de um

processo que garanta a discussão do papel da ciência, da cultura e da sociedade.

A partir da constatação de que método e resultado, como também sujeito e objeto não

se separam, a opção por uma metodologia passa a configurar-se como uma decisão tão

importante quanto à escolha do objeto da pesquisa.

Pode-se mesmo dizer que, em ambos os casos, trata-se da mesma escolha, uma vez

que os resultados pretendidos não podem ser dissociados da metodologia escolhida. A escolha

de um referencial teórico e metodológico parte de um pressuposto inicial, com o qual

possuímos concordância, segundo a síntese afirmativa de Gaudêncio Frigotto (1998, p. 26):

Um pressuposto fundamental, quando nos propomos ao debate teórico, entendemos deva ser que as nossas escolhas teóricas não se justificam nelas mesmas. Por trás das disputas teóricas que se travam no espaço acadêmico, situa-se um embate mais fundamental, de caráter ético-político, que diz respeito ao papel da teoria na compreensão e transformação do modo social mediante o qual os seres humanos produzem sua existência, neste fim de século, ainda sob a égide de uma sociedade classista, vale dizer, estruturada na extração combinada de mais-valia absoluta, relativa e extra. As escolhas teóricas, neste sentido, não são nem neutras e nem arbitrárias - tenhamos ou

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

51

não consciência disto. Em nenhum plano, mormente o ético, se justifica teorizar por teorizar ou pesquisar por diletantismo.

Adotamos a metodologia dialética na qual a construção do conhecimento é entendida,

conforme Karol Kosik (1986, p. 27), como

ou explicitamente, sobre uma determinada teoria da realidade e pressupõe uma determinada

concepção da realidade mesma Nela as diversas partes do real organizam-se em um

processo de interdependência ativa, relacionam-se e condicionam-se reciprocamente,

constituindo numa totalidade.

duto social histórico e reconhece

a dinamicidade da realidade, como é possível acompanhar no trecho a seguir:

[...] Se a realidade é entendida como concreticidade, como um todo que possui sua própria estrutura (e que portanto, não é caótico), que se desenvolve (e, portanto, não é imutável nem dado uma vez por todas), que se vai criando (e que, portanto, não é um todo perfeito e acabado no seu conjunto e não é mutável apenas em suas partes isoladas, na maneira de ordená-las), de semelhante concepção da realidade concepção da realidade decorrem certas conclusões metodológicas que se convertem em orientação heurística e princípio epistemológico para estudo, descrição, compreensão, ilustração e avaliação de certas seções tematizadas da realidade [...] (KOSIK, 1986, p. 36).

Essa visão da realidade como processo é um devir permanente; supera a dissociação

sujeito-objeto e situa os dois elementos fundamentais da relação cognitiva nas condições

materiais históricas, mediadoras dessa relação. Assim, o sujeito estabelece uma relação

dinâmica com um objeto construído com base em um instrumental teórico-metodológico que

permeia a relação, ao mesmo tempo em que a construção do objeto afeta também e enriquece

o sujeito da relação.

É importante destacar que a dialética, no entendimento das relações sociais, partindo

de construção, não se fechando num único foco, num único ponto de vista. De acordo com

deverá apresentar-se ao leitor de tal forma que ele o apreenda em sua totalidade. Para isso são

necessárias aproxim

A opção por essa abordagem teve como finalidade possibilitar o contato direto do

pesquisador com os sujeitos do estudo, com seu contexto e prática, procurando entender os

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

52

fenômenos que aconteciam na escola a partir das perspectivas dos participantes para então,

interpretá-los. De acordo com Maria Cecília Minayo (1999, p. 21),

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes.

Desse modo, a contribuição da abordagem dialética para o entendimento da realidade

numa totalidade de fenômenos que se interelacionam a partir das ações humanas e dos

significados que os seres humanos atribuem a elas, institui um movimento de inacabamento e

de mudança, vir-a-ser permanente na vinculação teoria e prática.

1.2 Procedimentos e Instrumentos da Pesquisa

A definição teórica e metodológica orientou o processo investigativo para três

procedimentos de coleta e produção de informações: o estudo exploratório, a pesquisa

documental e o estudo etnográfico, que foram articulados e interdependentes durante a

pesquisa.

O estudo exploratório objetivou conhecer o fenômeno que queríamos investigar. Por

isso, partimos do mapeamento das práticas educativas escolares do campo, delimitamos os

lugares institucionais construtores da concepção e prática pedagógica da Educação do Campo,

construímos um marco teórico conceitual e selecionamos os lugares institucionais campo de

pesquisa.

Nesse sentido, o estudo exploratório possibilitou identificar enfoques, percepções e

terminologias novas, contribuindo para que, paulatinamente, o modo de pensar e entender o

objeto fossem se ampliando e/ou modificando.

O trabalho permitiu, portanto, aliar as vantagens de se obter os aspectos qualitativos

das informações à possibilidade de quantificá-los posteriormente. Esta associação realizou-se

em nível de complementaridade, possibilitando ampliar a compreensão das práticas

pedagógicas das Escolas do Campo. As informações coletadas e analisadas nesta fase da

pesquisa constituem o capítulo quatro da tese.

A Pesquisa Documental, segundo Oliveira (2007, p. 69), caracteriza-

informações em documentos que não receberam tratamento científico, como relatórios,

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

53

reportagens, revistas, cartas, fotografias, entre outros materiais de divulgação . É uma

técnica importante na pesquisa qualitativa, seja complementando informações obtidas por

outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema.

A pesquisa documental nesse trabalho teve como finalidade analisar as políticas

específicas da Educação do Campo e as propostas pedagógicas dos lugares institucionais

selecionados: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra-MST, Rede de Educação do

Semiárido Brasileiro-Resab, Centro de Formação Familiar em Alternância- Ceffas e a

Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável - Peads. Demandou,

portanto, a análise dos documentos produzidos por esses lugares institucionais: Revistas da

Formação da Alternância, Revistas da Resab, Dossiê do MST, publicações da sistematização

da Peads, como também textos pedagógicos das iniciativas e artigos produzidos por autores

que se vinculam organicamente a cada um dos lugares institucionais.

Realizamos os seguintes procedimentos: levantamento bibliográfico da produção dos

lugares institucionais e das escolas e levantamento das políticas educacionais específicas do

campo. Para a análise dos documentos, nos referenciamos na análise temática, conforme

que se liberta

naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à

A Pesquisa Etnográfica14, segundo Marli André (2005, p. 27), leva a aprofundar a

significação das práticas dos sujeitos e permite que se chegue bem perto da escola para tentar

-a-dia os mecanismos de dominação e resistência, de

opressão e de contestação ao mesmo tempo em que são veiculados e reelaborados

conhecimentos, atitudes, valores, crenças, modos de ver e

proximidade que foi vital para a compreensão do objeto da pesquisa.

descrição densa

do trabalho de campo, exige uma flexibilidade no processo de observação para se captar as

interações imprevistas e reveladoras dos valores e das contradições da prática a partir de tudo

que foi visto, escutado, registrado nos diferentes lugares, tempos e espaços de interação com

os sujeitos da pesquisa. A descrição e problematização do observado nos levou a conhecer a

14 Existe, pois, uma diferença de enfoque nessas duas áreas, o que faz com que certos requisitos da etnografia

não sejam cumpridos pelos investigadores das questões educacionais. Requisitos sugeridos como, por exemplo, uma longa permanência do pesquisador em campo, o contato com outras culturas e o uso de amplas categorias sociais na análise de dados são adequados para estudos antropológicos, mas não necessariamente para a área de educação.

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

54

heterogeneidade das situações com que nos deparamos durante a pesquisa (ANDRÉ, 1995;

TRIVINOS, 1987).

Seguindo as características da abordagem qualitativa que estamos adotando,

utilizamos procedimentos de diferentes naturezas que nos permitam uma triangulação das

informações. Utilizamos a triangulação (TRIVINOS, 1987) como um recurso sistemático que

dá um valor de consistência às conclusões da pesquisa, pela pluralidade de referências e

perspectivas representativas de uma dada realidade. O autor subdivide este procedimento em

três momentos: processos e produtos centrados no sujeito; elementos produzidos pelo meio do

sujeito; processos e produtos originados pela estrutura socioeconômica e cultural.

Assim, utilizamos a triangulação na seguinte perspectiva: a) a triangulação das

informações, realizando cruzamentos e relações entre os registros das observações, os

registros textuais existentes na escola e entrevistas; b) triangulação das bases teóricas que

amparavam as análises num diálogo permanente com as categorias analíticas Prática

Pedagógica, Educação Popular e com a categoria empírica Itinerário Pedagógico.

Para coletar as informações, usamos diferentes instrumentos: observação participante,

diário de campo e entrevista.

A observação participante designa o trabalho de campo, desde a chegada do

investigador ao campo de pesquisa, quando inicia as negociações que lhe darão acesso a ele,

até o momento em que termina a observação (MINAYO, 1999; THIOLLENT, 1977; VIANA,

2007). Colocar-se dentro do grupo e contribuir com seus interesses, experimentar,

pessoalmente e ao mesmo tempo, essas experiências em conjunto com os demais, torna a

observação mais próxima. Durante essa inserção, anotações cuidadosas e detalhadas no

sentido de descrever o observado, incluindo o maior número possível de aspectos que são

essenciais para responder às questões de pesquisa, tornaram-se fundamentais

Na observação participante, não trabalhamos com esquemas predeterminados que nos

dirigissem o olhar para pontos fixos, ao contrário buscamos observar as diferentes situações e

anotar o que parecesse relevante ou não no diário de campo. Embora tivéssemos algumas

provenientes da análise documental das Propostas Pedagógicas, dos

documentos das escolas, do material produzido pelos estudantes e dos registros no diário de

campo das conversas informais de corredor, no transporte escolar, no pátio, no refeitório, no

dormitório, muitas vezes nos deu a sensação de que o material era tanto e tão variado que não

conseguiríamos organizar e compreender todo ele, para se tornar viável a análise.

As informações, as pessoas, os gestos e os ritos são considerados importantes. Por

isso, nosso olhar estava sempre atento às relações entre os educadores (as) e educandos (as)

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

55

dentro e fora da sala de aula, à organização dos espaços, às normas do trabalho pedagógico,

ao envolvimento das crianças e adolescentes nas atividades, enfim, ao processo que se

evidenciava no cotidiano das escolas.

O diário de campo, no qual registramos as observações e as impressões percebidas

sobre o cotidiano das escolas, as dinâmicas, os fatos e depoimentos que nos chamavam a

atenção em espaços formais e informal foi um instrumento complementar de fundamental

importância para o registro da diversidade de processos vivenciados na escola.

Nesse processo, a conversa corrente e ordinária foi um elemento constitutivo de

hora do café

da manh

escola, uma importância fundamental na troca de experiências, de conhecimentos, de acordos

vidade,

refeições, uma vez que representam um momento significativo de troca de conhecimentos,

afetos e convivência.

Nessas situações de imprevisibilidade e de observação, os diálogos foram importantes

para a apreensão de sentidos e significados atribuídos à prática vivenciada dentro da escola, o

que nos evidenciou os espaços e tempos de convivência e interação nas escolas do campo,

como sendo de aprendizagem, produção de saberes, afetos e atitudes, em sua maioria com um

conteúdo da práxis intencional (VAZQUEZ, 1988), na qual se encontra a interferência da

esfera da consciência como um processo de realização de uma intenção.

As observações das práticas pedagógicas no contato com as crianças e jovens

possibilitaram o acesso a desenhos e produções escritas feitas por eles a respeito das

atividades desenvolvidas na escola. Portanto, coletamos informações provenientes dos

materiais produzidos pelos estudantes, tais como: relatórios de atividades, caderno da

realidade, caderno de acompanhamento, registros de pesquisa, projeto de estágio e mapas.

Nas transcrições de falas e depoimentos, foram deliberadamente retirados os nomes

dos sujeitos e outros elementos que poderiam identificá-los. Para isso, usamos codificação

de letras, de acordo com sua denominação em cada lugar institucional e de números para a

seqüência da codificação.

Na fase final do trabalho de campo, realizamos entrevistas com diferentes sujeitos das

práticas pedagógicas: educadores (as), gestoras, educandos (as) e técnicos administrativos15.

15 As falas dos pais foram coletadas e registradas no diário de campo nos momentos de reuniões e idas nas

comunidades.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

56

A realização das entrevistas considerou o que observamos no ambiente educativo como

fenômeno não isolado, porém como algo que, nas suas determinações e condicionamentos

imediatos, insere a escola em um movimento histórico mais amplo, mas como singularidade

desse mesmo movimento.

Dessa forma, esse procedimento teve como finalidade perceber como os sujeitos

sociais identificavam as mudanças existentes nessa prática pedagógica com relação a outras

escolas.

Para a organização e análise das informações, buscamos referência na Analise de

Conteúdo, de Laurence Bardin (1988, p. 42), que pode ser definida como

Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo as mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens.

Maria Cecília Minayo (1999, p. 74) também enfatiza que a Análise de Conteúdo visa

escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado e\ou simbolicamente explicitado sempre

será o ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto (seja ele explicito e\ou

No processo de análise do conteúdo dos materiais, adotamos as etapas fundamentais,

conforme apontada por Laurence Bardin (1988): (1) a pré-análise, (2) a exploração do

material e (3) o tratamento dos resultados e a interpretação. Metodologicamente, seguimos

essa proposta de trabalho, com as adaptações devidas. Para o tratamento das informações a

técnica da análise temática ou categorial foi utilizada e baseia- de

desmembramento do texto em unidades, ou seja, descobrir os diferentes núcleos de sentido

que constituem a comunicação, e posteriormente, realizar o seu reagrupamento em classes ou

Nessa fase da pesquisa, foi realizada uma primeira organização do material, quando se

tornou indispensável olhar para o conjunto de documentos de forma analítica, buscando

averiguar como poderíamos proceder para torná-lo inteligível, de acordo com o objetivo de

investigar as concepções políticas, pedagógicas e epistemológicas presentes nas propostas

pedagógicas dos lugares institucionais.

Organizar o material implicou processar a leitura segundo critérios da análise de

conteúdo, comportando algumas técnicas, tais como: fichamento, levantamento quantitativo e

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

57

qualitativo de termos e assuntos recorrentes, criação de códigos para facilitar o controle e

manuseio dos dados. Dessas ações, no estudo realizado, resultaram os quadros n° 5 e 6.

O primeiro deles sintetizou os principais documentos da legislação educacional da

Educação do Campo. Montamos um quadro com as fontes, do que tratam e o que normatizam,

considerando o período de 1980 a 2007. A análise desse material resultou no capítulo

segundo desta tese.

Realizamos uma leitura flutuante dos d

contacto com os documentos a analisar e conhecer o texto deixando-se invadir por impressões

pertinência e validade das respostas em análise e, por outro, começar a delinear as categorias

de análise, de acordo com a teoria que estava nos orientando no trabalho.

Para análise e compreensão das Propostas Pedagógicas dos lugares institucionais,

foram identificados e consultados dois tipos de documentação: o de pesquisadores (as)

vinculados aos lugares institucionais, que tratam de temáticas relacionadas às suas propostas

pedagógicas, e os documentos produzidos coletivamente, que expressam suas concepções e

práticas.

A Proposta Pedagógica entendida enquanto um documento que consolida os

posicionamentos pedagógicos que vão servir de base à elaboração do projeto pedagógico

categoria importante para a seleção dos documentos dos lugares institucionais. Esses

documentos expressam as opções teóricas, políticas, epistemológicas e metodológicas que

constituem orientações para as práticas pedagógicas nas escolas, que se vinculam a cada

Lugar Institucional.

Assim, a Proposta pedagógica tem como finalidade dar concretude à teoria

pedagógica no que se refere à: concepção de educação, concepção de sociedade, concepção de

ser humano, finalidades e objetivos dos processos educativos, conteúdos pedagógicos16 e

dispositivos de diferenciação pedagógica17.

Nesse caso, tomamos como referência para análise as dimensões de uma Proposta

Pedagógica, apontadas por João Francisco de Souza (2009), juntamente com outros

16Adotamos como referência para a análise do material o conceito de conteúdos pedagógicos conforme posto por

SOUZA (2007) constituído por: conteúdos educacionais, conteúdos instrumentais e conteúdos operativos. 17 Bernstein recorre a este conceito para analisar a estrutura da comunicação escolar. Segundo ele, o dispositivo

pedagógico desenvolve-se em três contextos: i) o da produção/reprodução da cultura; ii) o da transmissão dessa cultura; iii) o da sua aquisição e é regido pelas regras de distribuição (que distribui diferentes formas de consciência a diferentes grupos), de recontextualização (que regula a constituição de um discurso pedagógico específico) e de avaliação (que constitui a prática pedagógica e concentra em si todo o sistema).

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

58

elementos que emergiram da leitura. São elas: a) Concepção de sociedade (projeto de

sociedade; b) Concepção de homem e mulher (ser humano); c) Concepção de Educação; d)

Concepção de Escola (identidade e papel da Escola do Campo); d) Finalidades e objetivos

dos processos educativos; e) Conteúdos Pedagógicos (conhecimentos e saberes); f)

Metodologia (instrumentos, itinerário pedagógico); g) Formação de educadores (as) e h)

Gestão participativa

Com base nessas unidades de significação, fizemos a categorização do material,

organizando os elementos à medida que eram encontrados nos documentos o procedimento de 18 19, conforme Laurence Bardin (1988, p. 119). Para isso,

identificamos cada dimensão com cores diferenciadas, agrupando cada uma delas pelas

temáticas mais recorrentes.

A organização e a identificação dos temas mais frequentes, que foram transformando-

em unidades comparáveis de categorização para análise temática e de modalidades de

co . Essas temáticas evidenciaram as regularidades

existentes entre as diferentes Propostas Pedagógicas.

Para isso, seguimos as regras propostas na análise de conteúdo no que se refere a:

exaustividade (levantamento bibliográfico junto a cada lugar institucional que tratava sobre a

proposta pedagógica); pertinência (análise de material dos lugares institucionais que

atendessem à intencionalidade e aos pressupostos da pesquisa) e a expressividade (materiais

que são considerados por cada lugar institucional como expressivos de suas concepções). Esse

procedimento de organização das informações possibilitou uma codificação dos dados e uma

inferência de significados sobre os mesmos, viabilizando a sua interpretação, que constituiu o

capítulo quinto da tese.

O estudo exploratório: mapear o campo de pesquisa

O lugar de consultora e pesquisadora, no Grupo Temático de Educação do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Rural da Agricultura Familiar e Reforma Agrária

CONDRAF, do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, composto por representantes

18 dos fundamentos teóricos e de categorias

existentes. (BARDIN, 1988, p. 119). 19

(BARDIN, 1988, p. 119).

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

59

dos movimentos sociais e dos Ministérios que atuam com Educação Escolar e Não Escolar

dirigido a populações do campo e comunidades indígenas possibilitou a participação em

várias atividades desenvolvidas por essas instituições e organizações, bem como a formulação

dos instrumentos do estudo exploratório que foram construídos de forma coletiva com os

participantes do grupo.

Entre as atividades encontram-se a participação em seminários e o mapeamento das

entidades de educação do campo. O quadro a seguir mostra estas atividades, o procedimento

que adotamos de coleta de informações e o produto que obtivemos.

Atividades

Procedimento Período Produto

Atividade 1 Participação nos Seminários Estaduais da Educação do Campo

Levantamento dos principais temas tratados e avanços e limites das políticas educacionais - palestrante - análise dos relatórios

2006 -Síntese dos principais temas tratados; - avanços e limites das políticas educacionais nos estados

Atividade 2 Mapeamento das entidades que atuam com Educação do Campo

Questionário enviando por correio 2007 - Mapeamento das entidades que atuam com educação; - identificação dos lugares institucionais da pesquisa

Fonte: sistematizado pela autora Quadro 1 Atividades de coleta e análise dos dados

Os Seminários Estaduais de Educação do Campo20 foram promovidos pelo Ministério

da Educação, e as Oficinas Estaduais de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial,

realizadas pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial, em parceria com as Secretarias

Estaduais e Municipais de Educação, Conselhos Estaduais de Educação, Organizações Sociais

do Campo, a União dos Dirigentes Municipais de Educação e o Conselho Estadual de

Educação, durante os anos de 2005 e 2006.

Nesses seminários, também atuamos como palestrante, o que possibilitou uma

primeira escuta das principais dificuldades, avanços e desafios vivenciados nas práticas da

Educação do Campo. Realizamos também um levantamento das entidades de educação do

20 Apenas São Paulo e Distrito Federal não realizaram Seminários Estaduais. Participamos como palestrante em

15 desses seminários realizados em estados diferentes.

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

60

campo, a partir da listagem dos participantes, e as catalogamos por estado, nome da

instituição e finalidade, conforme exemplificamos no quadro n° 2

ESTADO NOME DA INSTITUIÇÃO FINALIDADE Paraíba UNICAMPO - UNIVERSIDADE

CAMPONESA Educação e formação para os agricultores familiares; trabalho de extensão e pesquisa

Paraná ASSESSOAR ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS, ORIENTAÇÃO E ASSISTENCIA RURAL

Educação Popular e formação de agricultores em agroecologia Educação do Campo

Bahia ADAC- ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO COMUNITÁRIA

Organização para o desenvolvimento sustentável e formação dos agricultores; educação contextualizada ao semi-árido brasileiro

Fonte: Levantamento das entidades participantes nos Seminários Estaduais de Educação. Quadro 2 Mapeamento das entidades que atuam com Educação do Campo Escolar e Não-Escolar

Nesse quadro, sistematizamos os dados de cerca de 300 instituições/organizações nos

diferentes estados brasileiros, cujas informações nos evidenciaram que: a diversidade das

práticas educativas com os sujeitos do campo e diferentes níveis e formatos de articulação e

diferentes tipos de ação: escolar e não escolar.

Com base nesse levantamento, elaboramos um questionário para o Mapeamento das

iniciativas de Educação do Campo, que teve como finalidade traçar um perfil das práticas

educativas escolares que se desenvolvem com Educação do Campo. O questionário foi

encaminhado por correio para as entidades constantes no levantamento que atuavam com

escolarização. Dos 90 enviados, foram devolvidos 50 questionários.

Os questionários permitiram a elaboração de um quadro que mostra as iniciativas em

forma de projetos/programas/redes21, as quais assumem em seu discurso a afiliação ao

Movimento Político Pedagógico da Educação do Campo, como podemos ver no quadro n° 3 a

seguir22.

21 No texto, optamos por utilizar os termos projetos/programas/redes pelo fato de muitas iniciativas assumirem

diferentes formas de organização e atuação. Podendo ser um projeto (ação educativa com estratégias específicas que se desenvolvem para resolver ou modificar uma determinada situação ou problema); programas (conjunto de ações educativas que envolvem um grau de planejamento, duração e coordenação institucional entre diferentes sujeitos sociais) ou rede (envolve um conjunto de iniciativas educativas, grupos e instituições públicas e privadas que se relacionam para atender às demandas, difundir determinadas orientações gerais, articular experiências, desenvolver ações de educação).

22 O mapeamento completo é objeto do APÊNDICE A.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

61

NO

ME

/ SI

GL

A

ÁR

EA

DE

A

TU

ÃO

TIPO

DE

E

NT

IDA

DE

DA

TA

DO

IN

ICIO

DO

T

RA

BAL

HO

ÃO

D

ESE

NV

OL

VID

A

CA

RA

CT

ER

ÍST

ICA

PAR

TIC

IPA

NT

ES

EN

VO

LV

IDO

S N

A

INIC

IAT

IVA

Centros Familiares de Formação em Alternância CEFFAS

Nacional - 23 Estados Brasileiros

Rede de Escolas com base comunitária - ensino público não estatal

1ª fase Implantação no município de Anchieta no Espírito Santo em 1969

2ª fase Adequação as normas educacionais brasileiras 1970-1980

3ª fase - Expansão a partir de 1980 para outros Estados e regiões do Brasil

Ensino fundamental

Ensino médio Ensino técnico profissionalizante

Plano de formação das famílias

Formação continuada para o professorado e monitores

Pedagogia da Alternância

Formação integral do educando(a)

Educação que valoriza a família, a cultura dos adolescente e jovens do campo

Integra teoria e prática trabalhando os conteúdos curriculares a partir de temas geradores do contexto social, e cultural dos educandos(as)

A participação das famílias na gestão e administração do projeto, responsabilizando se pela educação dos filhos numa perspectiva de desenvolvimento sustentável.

265 escolas

20.670 estudantes

850 professores(as)

Fonte: Sistematização dos questionários enviados para as entidades Quadro 3 Distribuição das iniciativas de Educação do Campo por área de atuação, tipo de entidade, ação desenvolvida, característica, participantes.

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

62

As iniciativas da Educação do Campo são plurais e ocorrem a partir de diversos

espaços, tendo sido analisadas a partir de sua abrangência de oferta, o tipo de ação e relação

com o poder público.

No que se refere à abrangência, as ações em diferentes níveis e modalidades de ensino

foram: educação infantil, ensino fundamental com crianças e adolescentes, alfabetização e

escolarização de jovens e adultos, ensino médio profissionalizante com jovens e adultos,

ensino superior, formação continuada do professorado, de educadoras (es) dos movimentos

sociais que atuam em programas governamentais de escolarização, de coordenadores (as)

pedagógicos e formação de gestores e lideranças. Além do desenvolvimento de ações

complementares à escola, como, por exemplo: jornada ampliada, formação de agentes de

leitura, formação em educação ambiental etc.

Há uma heterogeneidade de perfis das entidades: Movimentos Sociais e Sindicais,

Organizações Não Governamentais, Centros de Alternância, Pastorais Sociais, Universidades,

Prefeituras Municipais, Secretarias Estaduais de Educação, Ministérios e Organismos

Internacionais.

As entidades da sociedade civil caracterizam-se pela diversidade de ações escolares e

não escolares, que se desenvolvem com diferentes sujeitos do campo: crianças, adolescentes,

jovens e adultos. O papel das organizações não governamentais, geralmente, situa-se no

âmbito da assessoria político-pedagógica em convênio com as Secretarias Municipais e

Estaduais de Educação, participação na coordenação de programas governamentais de

Educação do Campo e assessoria aos movimentos sociais do campo. As práticas educativas

vinculadas à sociedade civil apresentam propostas específicas de formação continuada dos

profissionais da educação do campo: professores (as), educadores (as), coordenadores (as)

pedagógicos, auxiliares e gestores (as).

A prática gestora assume diferentes formatos: comunitária em convênio com o poder

público, pública em parceria com movimentos sociais e pública em parceria com organizações

não governamentais.

As ações do poder público, com ênfase nas Secretarias Municipais que vêm

assumindo nas suas políticas a concepção da Educação do Campo, em sua maioria, tiveram

como origem o trabalho desenvolvido na parceria com organizações não governamentais ou

com os movimentos sociais do campo. O foco dos programas governamentais é a Educação

de Jovens e Adultos. De modo geral, esses programas são desarticulados entre si, adotam

concepções e práticas pedagógicas heterogêneas e, às vezes, desenvolvem-se no mesmo

espaço geográfico sem estabelecerem nenhum tipo de comunicação e interação.

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

63

As articulações das iniciativas ocorrem nos fóruns, redes e associações regionais e

nacionais, superando, assim, o isolamento característico do momento inicial de suas

formulações. Essas articulações envolvem várias entidades que possuem dinâmica,

organização, focos de atuação e sujeitos diferenciados. No entanto, se filiam ao discurso

político-pedagogico da Educação do Campo, possuindo traços de semelhanças entre si.

A maioria das iniciativas constrói parcerias com as Universidades e mais

recentemente, por meio do Ensino e da Pesquisa, possui caráter institucional. Essas

Universidades vêm assumindo ações específicas para a Educação do Campo, com a criação

de núcleos/grupos de pesquisa, cursos de graduação e pós-graduação para os sujeitos do

campo, como, por exemplo, a criação da Unidade Acadêmica de Educação do Campo na

Universidade Federal de Campina Grande, com Cursos de graduação e pós-graduação

contextualizados na realidade do campo; e os Cursos de Especialização em Agricultura

Familiar e Camponesa e Educação do Campo, realizados por diferentes Universidades23

vinculadas ao Programa Residência Agrária24.

A repercussão das iniciativas tem influenciado a base jurídica do País, principalmente

a partir de 2001, na formulação de Políticas Educacionais específicas para os sujeitos do

campo, como também na formulação e proposição de programas governamentais como, por

exemplo, o Programa Saberes da Terra25 para escolarização de jovens e adultos do campo em

parceria com as Universidades Públicas e Secretarias de Educação.

As entidades que assumem um papel de articuladores do debate da Educação do

Campo em nível nacional, participando de forma ativa dos fóruns e espaços de proposição das

políticas públicas, possuem número significativo de escolas envolvidas no trabalho, assumem

papel de sujeito coletivo na interlocução, formulação e controle social das políticas públicas,

realizam divulgação e socialização de suas propostas em diferentes espaços.

23Na primeira fase do Programa, organizaram Cursos de Especialização as seguintes Universidades: Universidade

Federal do Pará; Universidade Federal do Acre; Universidade Federal do Ceará; Universidade Federal da Paraíba; Universidade Federal Rural de Pernambuco; Universidade Federal de Sergipe; Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade Federal de Goiás; Universidade Federal de Santa Maria; Universidade Federal do Paraná; Universidade Estadual do Mato Grosso- UNEMAT e Universidade Estadual de Campinas UNICAMP.

24 O Programa Residência Agrária foi criado em 2004, pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, com o objetivo de formar especialistas das Ciências Agrárias para atuação nas áreas de Reforma Agrária e Agricultura Familiar.

25 O Programa Saberes da Terra ProJovem Campo, foi criado em 2005 pelo Ministério da Educação, com a finalidade de escolarização de jovens do campo no ensino fundamental conjuntamente com a qualificação social e profissional. A experiência piloto do Programa foi vivenciada entre os anos de 2005 e 2007, em doze Estados de todas as regiões do país Rondônia, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina.

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

64

O estudo exploratório evidenciou a diversidade dos Lugares Institucionais da

Educação do Campo, sua heterogeneidade no que se refere à natureza, abrangência, tipo de

ação, nível de intervenção no debate nacional da Educação do Campo, determinando que a

escolha do campo empírico da pesquisa não recai apenas numa iniciativa, mas busca

contemplar essa realidade, elencando critérios que contribuíram para a escolha desses lugares

representativos da diversidade política e organizativa do Movimento.

O conceito Lugar Institucional, nesta pesquisa, apóia-se nos trabalhos de Rosângela

Carvalho (2004), considerando-o enquanto instituidor e instituído de um discurso político-

pedagógico, construtor de uma nova base epistemológica e de uma materialidade de onde

emergem as concepções, as práticas pedagógicas e interagem os sujeitos docentes, discentes e

gestores mediados pelos conteúdos pedagógicos dentro do contexto do campo.

Lugares Institucionais

A seleção dos Lugares Institucionais que passaram a compor o campo empírico da

pesquisa tomou como referência as iniciativas de Educação do Campo que respondessem aos

seguintes critérios:

- atuassem com escolarização básica em diferentes etapas, uma vez que o foco da

pesquisa são as práticas pedagógicas escolares;

- tivessem uma participação no debate nacional26 da Educação do Campo e a

interlocução com os poderes local e nacional na proposição das políticas educacionais;

- atuassem há mais de 05 anos com escolarização junto à população do campo;

- refletissem diferentes tipos de práticas gestoras: pública estatal, pública comunitária

e estatal com gestão comunitária;

- atuassem em diferentes níveis de abrangência : nacional, regional e estadual;

- realizassem proposta específica de formação para os sujeitos envolvidos em suas

práticas educativas.

A partir desses critérios, compomos o mapa dos Lugares Institucionais, onde

buscamos e produzimos informações acerca das iniciativas de Educação do Campo, e que 26 Um dos subsídios para identificação desta participação foi o levantamento nos relatórios dos 25 (vinte e cinco)

Seminários Estaduais de Educação do Campo, realizados pelo MEC em parceria com Secretarias de Educação e organizações sociais, durante os anos de 2004 e 2005 (apenas São Paulo e Distrito Federal não realizaram Seminários Estaduais), como também no processo de participação nas audiências públicas para elaboração das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

65

apresentamos no quadro a seguir.

LUGAR INSTITUCIONAL INICIATIVA27 CRITÉRIO DE INCLUSÃO

COMO CAMPO EMPÍRICO Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST

-influência no discurso e na intervenção política da articulação nacional; -maior número de iniciativas escolares em diferentes níveis e modalidades - ter uma produção acadêmica sobre sua proposta pedagógica

Centro de Formação Familiar por Alternância CEFFAS

Escola Família Agrícola

- primeiro tipo de iniciativa do CEFFAS no Brasil - tem atuado com escolarização articulado com formação profissional - oferta de ensino médio

Rede de Educação do Semiárido Brasileiro RESAB

Escola da Rede Pública com gestão comunitária

- ser uma das precursoras da proposta de Educação contextualizada da rede -atuação localizada numa comunidade - vínculo com a Rede Pública e gestão comunitária

Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável PEADS/ SERTA

Escola da Rede Pública com organização multisseriada

-ser um tipo de organização de escolaridade muito presente no campo brasileiro -escola da Rede Pública Municipal - acompanhamento pela Secretaria Municipal de Educação - assessoria de uma organização governamental

Fonte: Sistematizado pela autora a partir do questionário de mapeamento das iniciativas. Quadro 4 Lugares Institucionais da Educação do Campo e critérios de sua seleção como campo empírico da pesquisa

27 Nesse momento as escolas ainda não estavam definidas, o que foi feito após essa seleção e a discussão com

cada Lugar Institucional.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

66

Essa seleção possibilitou um mapeamento da localização dessas iniciativas conforme

posto no gráfico abaixo:

Gráfico 1 Mapeamento das Iniciativas da Educação do Campo28

Essa etapa orientou o levantamento dos documentos base de cada lugar institucional:

documentos das propostas pedagógicas, publicações de educação, textos produzidos por

autores que atuam com as iniciativas, legislação específica da Educação do Campo, que foram

constituir o corpus documental da pesquisa.

A Pesquisa documental: compreendendo as propostas pedagógicas e as políticas

educacionais específicas do campo

A pesquisa documental, do ponto de vista da legislação educacional, realizou-se com a

seleção e análise das principais leis que tratam especificamente da Educação do Campo,

conforme apresentamos no quadro n° 5.

28 Elaborado a partir de informações fornecidas pelas coordenações do CEFFAS, MST, RESAB E SERTA.

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

67

FONTES EMENTA Lei nº 9.394, de dezembro de 1996 Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007

Lei de Diretrizes e Bases da Educação que define e regulariza o sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição. Artigo 28 que propõe adequações da escola ao campo. Lei do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica FUNDEB Distribuição diferenciada dos recursos para a manutenção e o desenvolvimento para as escolas de ensino fundamental e médio do campo

Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002

Diretrizes Operacionais da Educação Básica do Campo Aspectos normativos, tratando das questões específicas no que se refere ao atendimento da Educação Básica do Campo.

Parecer CNE/CEB nº 1/2006 Resolução CNE/CEB nº 2/2008

Dias letivos para aplicação da Pedagogia da Alternância Normatização do tempo pedagógico adotado pela Pedagogia da Alternância. Diretrizes complementares para o atendimento da Educação Básica no Campo Estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo- principalmente no que se refere ao processo de nucleação

Fonte: Sistematização realizada pela autora Quadro 5 Corpus documental da legislação: fontes e ementa

Esse processo de formulação de leis educacionais foi marcado pela descentralização

administrativa e orçamentária das políticas públicas, envolvendo processos de distribuições,

redistribuição ou reordenamento do poder na sociedade, que conferem autonomia aos Estados,

Municípios e Distrito Federal. Como também maiores responsabilidades para os movimentos

sociais e a sociedade civil na gestão das políticas, principalmente no que se refere à

contribuição na formulação dessas leis e no controle social para sua implementação.

A elaboração dessas leis e o trato específico da Educação do Campo constituíram-se

num processo de debate e participação de diferentes instituições e movimentos sociais do

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

68

campo. Esses movimentos tiveram papel determinante na afirmação da especificidade e do

direito dos sujeitos do campo a uma política pública de Educação vinculando sua prática à

realidade, à temporalidade, à ciência, à tecnologia e aos Movimentos Sociais.

A análise da legislação evidenciou um avanço significativo do marco jurídico do país,

no que se refere à normatização da Educação do Campo, para assegurar uma escola com

qualidade no campo, no que refere a:

- manutenção de uma escola de qualidade nas comunidades rurais, enquanto

responsabilidade do poder público;

- reconhecimento e respeito à diversidade da organização do trabalho escolar, ao

tempo e espaço pedagógico;

- necessidade de uma organização curricular que articule os conhecimentos da base

comum nacional à realidade social na qual se insere as escolas;

- instituição de uma política de formação inicial e continuada dos profissionais da

Educação do Campo;

- participação da comunidade escolar e dos movimentos sociais na construção do

Projeto Político Pedagógico das Escolas, valorizando a diversidade cultural, a gestão

democrática, o acesso ao avanço cientifico das diferentes áreas das ciências, os princípios

éticos da solidariedade e da colaboração;

- formulação de políticas de financiamento da Educação Básica, que regulamente a

especificidade do campo no atendimento às exigências de materiais didáticos, equipamentos,

laboratórios, condições de deslocamento e remuneração e condições de trabalho dignas para

seus profissionais;

- construção de um projeto institucional com a participação da comunidade escolar e

consolidação de parcerias entre os sistemas educacionais e as demandas provenientes dos

movimentos sociais.

- implementação das normas em cada Município e/ou Estado, conforme resultados dos

Seminários Estaduais de Educação, apresentam uma heterogeneidade de acordo com os

contextos políticos e sociais de cada lugar, cenário que trataremos no segundo capítulo da

tese.

Do ponto de vista das Propostas Pedagógicas dos lugares institucionais, buscamos

identificar quais os sentidos existentes nas mesmas, a partir de sua produção documental,

conforme quadro n° 6.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

69

Dimensões /categorias

RESAB/ERUM MST/EMFM/EMC PEADS/EM CEFFAS/EFAORI

Concepção de Educação

Educação como direito dos sujeitos do campo

Educação para intervenção social

Educação como formação humana

Educação como formação humana

Concepção de sociedade

Construção humana, multifacetada, com todas as suas contradições de classe, raça, cultura, religião, cor, ideais políticos e ideológicos

Projeto Político Popular centrado na Reforma Agrária e na Agricultura Camponesa

Projeto de Desenvolvimento Sustentável e solidário com base na Agricultura Familiar

Projeto de Desenvolvimento Sustentável e solidário com base na Agricultura Familiar

Concepção de homem e mulher (ser humano)

Ser biossocial, ser da natureza e da sociedade sujeitos da intervenção social

Seres históricos sujeitos da transformação social e da luta permanente por dignidade, justiça e felicidade

Seres históricos que através da interação e das inter-relações intersubjetivas com mundo e com as demais pessoas intervêm na realidade

Ser multidimensional, indivisível e omnilateral atuante em sua realidade.

Concepção de Escola (identidade e papel)

Espaço privilegiado de trocas de conhecimentos e saberes e de construção de novos referenciais.

Relacionada à identidade dos sujeitos a quem se destina e vinculada com a luta pela Reforma Agrária

Espaço privilegiado de trocas de conhecimentos e saberes e de construção de novos referenciais

Espaço privilegiado de trocas de conhecimentos e saberes e de construção de novos referenciais

Finalidades e objetivos dos processos educativos

Desenvolvimento sustentável e solidário

Intervenção social para transformação da realidade.

Desenvolvimento sustentável e solidário

Desenvolvimento sustentável e solidário

Conteúdos Pedagógicos (conhecimentos e saberes)

Contexto como conteúdo pedagógico

Seleção de conteúdos formativos socialmente úteis e eticamente preocupados com a formação humana integral

Contexto como conteúdo pedagógico

Contexto como conteúdo pedaggico

Metodologias (instrumentos e itinerário pedagógico)

Materiais didáticos específicos da iniciativa Relação prática-teoria-prática

Tempos e espaços pedagógicos múltiplos Relação prática-teoria-prática

Materiais didáticos específicos da iniciativa Relação prática-teoria-prática

Tempos e espaços pedagógicos múltiplos Relação prática-teoria-prática

Formação dos educadores (as)

Direito dos educadores/as Contextualizada na realidade

Direito dos/as educadores/as Organizada a partir dos coletivos de educadores, da organização social do movimento

Direito dos/as educadores/as deve também ser assumido como um compromisso por todos os agentes do processo educativo

Permanente, continua e contextualizada na realidade. Direito dos/as educadores/as

Gestão participativa

Relação efetiva com a comunidade e trabalho coletivo

Gestão democrática- auto-organização dos educandos e educadores nos coletivos

Relação efetiva com a comunidade e trabalho coletivo

Vinculação orgânica das escolas as famílias e as comunidades

Fonte: sistematização realizada pela autora Quadro 6 Mapeamento dos sentidos das Propostas Pedagógicas conforme os Lugares Institucionais

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

70

A análise das propostas pedagógicas indica que existem traços de semelhanças entre

elas, a partir de princípios e fundamentos que referenciam suas concepções de Educação, de

ser humano, das finalidades e objetivos dos processos educativos e dos conteúdos

pedagógicos, das quais trataremos no capítulo quinto deste trabalho.

Abordagem etnográfica: fincando o pé no chão da escola

A abordagem etnográfica, segundo Marli Andre (1995), suscita a observação direta do

que é realizado, como é estruturada, qual a dinâmica de cada Escola. Para isto, realizamos a

aproximação do campo de pesquisa, utilizando diferentes estratégias: contato com a

coordenação de cada lugar institucional, participação em reunião com professorado ou com a

secretaria municipal de Educação.

No processo de entrada de campo, apresentamos o projeto de pesquisa com sua

temática, objeto, objetivos e os critérios que utilizamos para compor o campo. Foram eles:

- Escola indicada pela própria organização, na perspectiva de auto-identificação de

afiliação ao discurso da Educação do Campo, a partir do lugar institucional dessa

organização;

- Existência de processo formativo específico da Educação do Campo para os

profissionais da Escola, realizado em parceria ou não com o poder público ou outras

entidades;

- Funcionamento regular na oferta da Educação Básica, uma vez que não era nossa

intenção observar programa governamental da Educação do Campo, mas a prática pedagógica

desenvolvida pela escola regular e com diferentes tipos de gestão e níveis de ensino.

A partir desses critérios, definimos as escolas cujas práticas pedagógicas seriam

campo da pesquisa. No quadro n° 7 apresentamos de forma panorâmica as escolas campo de

pesquisa, visto que trataremos delas de forma mais detalhada, no capítulo sexto e sétimo da

tese.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

71

LUGAR INSTITUCIONAL

ESCOLA LOCALIZAÇÃO CRITÉRIO DE ESCOLHA

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST

Escola Municipal Francesco Mauro Escola Municipal Catalunha

Assentamento Safra Santa Maria da Boa Vista PE Assentamento Catalunha Santa Maria da Boa Vista PE

As escolas localizam-se em duas áreas precursoras da luta pela Reforma Agrária no Estado. Assumem a proposta de Educação do MST Funcionam com Educação Infantil, Ensino Fundamental e EJA São da Rede Pública Municipal com acompanhamento pedagógico do MST

Rede de Educação do Semiárido Brasileiro RESAB

Escola Rural de Massaroca ERUM

Comunidade de Lagoinha Distrito de Massaroca Juazeiro

BA

Precursora na formulação da Educação Contextualizada Participou na criação da RESAB Atende às comunidades de Fundo de Pasto29 Gestão compartilhada entre poder público e Comitê das Associações de Fundo de Pasto Funciona com Educação Infantil, Educação Fundamental com salas seriadas e multisseriadas

Centro de Formação Familiar em Alternância CEFFAS

Escola Família Agrícola de Orizona

EFAORI

Município de Orizona GO

Escola pública comunitária Gestão da associação de agricultores Vinculada a União das Escolas Famílias Agrícolas Funciona com Ensino Médio e Técnico Profissionalizante Atende agricultores familiares de municípios do Cerrado Goiano.

Proposta de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável PEADS/SERTA

Escola Municipal Antonio Henrique de Gouveia

Comunidade de Santa Luzia Município de Soledade PB

Escola Pública Municipal com assessoria pedagógica do SERTA Funciona com turma multisseriada nos anos iniciais do ensino fundamental Atende 05 comunidades de agricultores familiares de região semiárida. Escola existe há mais de 20 anos com organização multisseriada

Fonte: Sistematização realizado pela autora Quadro 7 Composição do Campo investigação por Lugar Institucional, localização e critério de escolha

No contato com as escolas selecionadas, vivenciamos diferentes procedimentos de

acordo com a dinâmica de cada escola: reunião com gestora e professoras para apresentação

do projeto de pesquisa e apresentação do projeto numa reunião coletiva com toda a escola:

professorado, estudantes e funcionários.

29 As comunidades de Fundo de Pasto são comunidades rurais, alicerçadas em relações familiares antigas, com

propriedade coletiva, onde se realiza, predominantemente, o pastoreio comunitário extensivo de caprinovinocultura, associado à agricultura de subsistência e à vegetação nativa em propriedade coletiva.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

72

O trabalho junto às cinco escolas foi desenvolvido no ano de 2008. A especificidade de

cada uma e de seu projeto pedagógico definiu tempo e forma de permanência: semanas

integrais e dias alternados. Idas para a comunidade, assembleia de pais, encontro de formação

dos educadores/as etc.), possibilitaram uma interação com os sujeitos da prática pedagógica

em diferentes momentos e espaços: sala de aula, escola, comunidade, eventos formativos na

escola e na sede do município.

Uma postura fundamental esteve presente durante toda a pesquisa: o encontrar, o

registro e a escuta dos relatos cheios de emoção e de sabedoria, que, com confiança, foram

feitos. Isso nos tornou muito mais próxima e respeitosa à prática desenvolvida nas escolas e

suas possibilidades de materialização.

Uma das assertivas que a escuta traz para o campo da pesquisa: há sempre o que se

escutar, por mais que o tema esteja exaustivamente questionado e que alguém, em algum

lugar, afirme que não há mais o que saber. Por conseguinte, a prática humana e social é

percebida como portadora de uma multiplicidade de referências que ninguém, nem mesmo o

sujeito da prática, poderá esgotar numa análise.

A partir de uma entrevista aberta, com três eixos principais, buscamos mapear os

sentidos sobre as mudanças na prática, limites e possibilidades da escola. Realizamos a

conversa com os seguintes sujeitos: professores (as), representantes dos estudantes; gestoras

das escolas, cujos sentidos mapeamos no quadro n° 8:

PROBLEMÁTICA ENTREVISTA P1 ENTREVISTA G2 ENTREVISTA E1

Limites Falta de apoio do

poder público

Falta de apoio do poder

público

Infra-estrutura da

escola

Possibilidades Construção de

conhecimentos que

contribuem para o

desenvolvimento das

famílias e da

comunidade

Construção de uma

prática de gestão

compartilhada e

democrática

Educação voltada

para o campo, para o

desenvolvimento da

família

Mudanças na prática Autonomia do trabalho

docente e trabalho

coletivo

Participação da família

na escola e trabalho

coletivo na gestão

Relação entre

professores e

estudantes, baseado

no diálogo e

participação

Fonte: Sistematização feita pela autora a partir das entrevistas Quadro 8 Mapeamento dos sentidos sobre os limites e possibilidades da prática

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

73

No que diz respeito às entrevistas, realizamos codificação para manter o anonimato.

Para isso, adotamos a seguinte codificação: as professoras receberam a letra P, para a função

professor(a), e um numeral da sequência na entrevista. Assim, por exemplo, P1, é professora

numero um. Já os estudantes receberam a letra E e o numeral da sequência da entrevista. A

letra G e um numeral da sequência foram destinados também para as gestoras.

Tratamos o corpus de análise, fazendo associar cada uma das categorias identificadas

às contribuições das falas e das observações. Em João Francisco de Souza (2009), buscamos a

categoria analítica prática pedagógica entendida como uma ação coletiva institucional e

intencional, dentro de um fenômeno social mais amplo que é a educação, portanto, permeada

por uma teoria da educação pela interação entre os sujeitos e o conhecimento.

Para este autor, a prática pedagógica supõe uma teoria da educação que oriente suas

finalidades e objetivos para a formação humana na perspectiva da transformação da

sociedade. Portanto, uma ação coletiva e institucional é composta por quatro pólos: prática

docente, prática discente e prática gestora que se inter-relacionam para garantir o quarto pólo

que é o epistemológico ou dos conteúdos educativos, conforme representado no gráfico 2:

Fonte: Holmes, 200630. Gráfico 2 - Representação dos pólos constituintes da prática pedagógica

30 Este gráfico encontra-se na dissertação de Mestrado de Fátima Holmes (2006). A prática pedagógica mediada pela ludicidade na Educação de Jovens e Adultos. Recife: Mestrado em Educação. Centro de Educação\UFPE.

SUJEITO DISCENTE

CONHECIMENTO/ conteúdo

SUJEITO DOCENTE

INSTITUIÇÃO

PRÁTICA PEDAGÓGICA

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

74

Considerando esses pólos da prática pedagógica, identificamos as principais temáticas

em cada uma deles, conforme podemos visualizar no quadro n° 9:

PÓLOS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

TEMÁTICAS

OBSERVAÇÕES

ENTREVISTAS

Prática docente

Formação inicial e continuada Condições de trabalho Autonomia

Permanente, contínua e contextualizada Militância no fazer docente Trabalho coletivo

Direito e compromisso dos agentes públicos Múltiplos papéis Participação na gestão e decisão em sala de aula

Prática discente Participação Afetividade Autonomia Compromisso com a realidade

Assembleias, reuniões, atividades culturais Convivência com os professores e colegas Grupos de trabalho/coletivos Envolvimento nas atividades nas comunidades

Organização dos espaços e das atividades Interação e dialogo com os professores Diálogo na escola Participação na família e na comunidade

Prática gestora Planejamento coletivo Participação da comunidade Participação ativa da família Gestão participativa Organização do tempo e espaço Normas e rituais

Trabalho coletivo sistemático Assembleias/reuniões Visitas às famílias/aulas de campo Participação do coletivo

Trabalho coletivo Conselhos de classe Devolução dos estudos/formação com a família Diferentes tempos Infra-estrutura precária

Conteúdos pedagógicos Contexto como conteúdo educacional Itinerário pedagógico Rede de relações e sujeitos

Contextualização Articulação teoria e prática Envolvimento de diferentes sujeitos

Interdisciplinaridade Articulação teoria e prática Diálogo entre diferentes saberes

Quadro 9 Categorias empíricas da prática pedagógica

Dessa forma, a prática pedagógica enquanto prática social específica de formação do

sujeito humano assume sua dimensão social ao se situar historicamente dentro de um

determinado contexto cultural, organizar-se de maneira planejada e intencional, e ser

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

75

conformada pelos seus diferentes sujeitos para atingir objetivos e finalidades a partir dos

conteúdos pedagógicos, e permeada pela afetividade, autonomia, participação e organização

social, que nas Escolas do Campo se materializam no itinerário pedagógico.

O itinerário pedagógico é concebido como o processo vivencial do currículo nas

dimensões pedagógicas e metodológicas, envolvendo os sujeitos cognoscentes (educadores

(as), educandos (as) e gestores), mediando a articulação entre os saberes populares e os

conteúdos pedagógicos a serem transmitidos, ampliados e sistematizados em sala de aula num

diálogo permanente com os sujeitos sociais (família, grupos da comunidade, técnicos,

organizações e movimentos sociais).

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

76

II CAPÍTULO - PAISAGENS DAS ESCOLAS NO CAMPO E A EMERGÊNCIA DE

POLÍTICAS EDUCACIONAIS ESPECÍFICAS: A LUTA PELO DIREITO A TER

DIREITOS

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

77

O ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade de ambos.

Paulo Freire

A finalidade deste capítulo é contextualizar as condições materiais das escolas

localizadas no campo. Pretendemos evidenciar as características sociofísicas das escolas e

como podem potencializar ou dificultar a organização do trabalho escolar, na compreensão

que essas condições são resultados de diferentes processos pelos quais ela é modificada.

È nessa perspectiva que pretendemos trazer as mudanças postas pela legislação, no

dito, que foi escrito sob a forma de lei e que está sendo apresentado ou que está se dando a

conhecer ao povo, inclusive para ser lido e

A emergência de um conjunto de normas específicas para a Educação do Campo traz

mudanças no marco jurídico do país, numa perspectiva de reconhecimento do direito dos

Povos do Campo à Educação Básica com qualidade social e de uma educação contextualizada

a sua realidade.

Essa base jurídica tem sido divulgada entre os gestores (as) e educadores (as) do

campo, principalmente com a realização dos Seminários Estaduais de Educação do Campo31,

estratégia formulada pelos Movimentos Sociais do Campo e assumida pelo Ministério da

Educação e parceiros.

Os Seminários Estaduais de Educação do Campo tiveram como objetivo avaliar e

construir encaminhamentos das políticas de educação com base nas Diretrizes Operacionais

da Educação Básica das Escolas do Campo, estimular ações articuladas entre os setores

públicos e privados, os movimentos sociais e as organizações não-governamentais e constituir

os Comitês Estaduais de Educação do Campo vinculados às Secretarias Estaduais de

Educação.

31 O Ministério da Educação realizou os Seminários Estaduais de Educação do Campo em 25 estados deste País, nos quais o principal tema foi a busca de soluções para combater as desigualdades do cotidiano escolar. Os Seminários foram coordenados pela SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, que atua no desenvolvimento de políticas educacionais para o acesso e a permanência dos povos do campo em todos os níveis de educação, além de incentivar a construção de relações baseadas no respeito e na valorização dos milhões de brasileiros que tiram seu sustento da terra.

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

78

Recentemente foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação a Resolução nº 2, de

28 de Abril de 2008, que estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o

desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo.

2.1 Na trilha da memória: a implantação da Escola no Campo

Os estudos de Julieta Calazans (1993) demonstraram que, historicamente, a

implementação de projetos educacionais para o campo esteve sucessivamente conectado a

projetos econômicos de fortalecimento do capital, indicando que a escola faz parte de uma

totalidade e tende a incorporar a forma como se estruturam as relações de trabalho na

sociedade. O que resultou na organização de uma rede escolar voltada para a elite do país,

enquanto a maioria da população ficou marginalizada do acesso aos direitos políticos, civis e

sociais, dentre os quais o acesso à escolarização.

A concepção da Educação Rural surge na década de 1920, num jogo de interesses

entre a burguesia industrial emergente, a oligarquia agrária e o movimento dos pioneiros da

educação32, afirmando-

educar as populações rurais, povoar e sanear o interior, é a época do lema Instruir para

Essa concepção da Educação como redentora da miséria e da pobreza implantou no

patrocinado por organismos de "cooperação" norte-americana e difundido através do sistema

de assistência técnica e extensão rural33 (CALAZANS, 1993). Com a finalidade de adaptar a

população do campo ao projeto desenvolvimentista, que subordinou a agricultura à

industrialização, centrada na concepção de que o Brasil para se desenvolver precisaria se

industrializar e urbanizar.

32 Grupo de educadores e teóricos brasileiros que na década de 1920 elaboraram um manifesto em defesa da

escola pública, gratuita e laica, dentre estes podemos destacar: Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Carneiro Leão.

33 A extensão rural no Brasil surgiu na década de 1940, sob o comando do capital, com forte influência norte-

para que ele passasse a adquirir equipamentos e insumos industrializados necessários à modernização de sua que a

população fosse incluída de forma perversa na dinâmica da sociedade de mercado, aumentando sua produtividade nesse sentido, durante décadas a extensão volta-se para o trabalho com a agricultura patronal e de agroexportação.

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

79

Do ponto de vista educacional vamos ter dois discursos pedagógicos que vão

influenciar o modelo de escola rural no Brasil: o ruralismo pedagógico (décadas de 1920-

1940) e o urbanismo pedagógico (1950 aos dias atuais).

O Ruralismo Pedagógico foi um discurso que atribuiu a falta de desenvolvimento do

campo e a não fixação do homem à terra à inexistência de escolas rurais sendo uma situação

predominantemente cultural. Portanto, a escola teria o papel de realizar uma mudança no

campo, tirando-o do atraso e da ignorância, impedindo assim a migração de sua população

para a cidade.

Esse discurso trouxe pela primeira vez os problemas concretos das escolas na área

rural, mas, ao mesmo tempo, imprimiu a esta discussão uma postura política conservadora

que passa a acompanhar os movimentos oficiais de Educação Rural até décadas recentes.

A partir de 1950, o discurso baseado numa visão social e política urbanizante e

desenvolvimentista vem se contrapor ao discurso do ruralismo pedagógico. Para o discurso

urbanizador (ABRAÃO, 1986), as populações migrantes rurais têm uma mentalidade que não

se ajusta ao racionalismo da cidade, cabendo à escola preparar culturalmente aqueles que

residem no campo para o inevitável êxodo rural, portanto, para o processo de urbanização e

industrialização, que em décadas extinguiria o rural enquanto uma realidade socioeconômica

e cultural.

Por isso, a escola deveria se preocupar com a formação de uma cultura geral e

universal e não, com formação específica vinculada ao trabalho, visto que a agricultura

passaria por um processo de industrialização e modernização, tornando-se uma atividade

econômica do mundo urbano.

Assim, não se justificava uma escola diferenciada, mas um ensino comum, que

formasse uma mentalidade nacional a partir da referência da urbanização e da

industrialização. Nesse sentido, Roberto Moreira (1949), ressalta que

A educação das crianças e jovens das áreas rurais é fundamental para que possamos chegar como povo integrado numa sociedade nacional, à compreensão da estrutura e dos aspectos operacionais da economia nacional e do lugar que a agricultura, a pecuária, e a produção extrativa, aí devem ocupar. Por isso, todo programa da educação rural - da escola elementar aos demais níveis - deve procurar desenvolver nas populações do interior a noção mais exata e operacional possível dos caminhos a serem palmilhados pela evolução econômica, política e social das áreas rurais dentro do contexto das relações de toda a nossa sociedade, de modo a que possa participar inteligentemente para o levantamento do nível de vida dessa sociedade, o que significará o progresso e desenvolvimento do rurícola. (MOREIRA, 1949, p. 102).

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

80

dade dessas escolas é a de transformar o homem do campo num homem de

ação, ou seja, dar-

se preocupar com a formação do aluno para o exercício da cidadania.

A partir da década de 1950, o discurso sociológico de extinção do rural passa a ser

hegemônico dentro e fora da academia, numa perspectiva de que

ABRAÃO, 1986, p. 98).

De acordo com Maria Tereza Fonseca (1985), na história da educação da classe

trabalhadora rural, os anos 1940 representam dois problemas contra os quais ela luta até hoje:

a negação da escola para si e seus filhos, ou seja, a impossibilidade real e concreta de acesso

ao saber sistematizado e o predomínio de projetos e campanhas34 pela reprodução ampliada

do capital para qualificar mão de obra. Isto leva a autora a

[...] inferir que a negação da escola traz embutida em si a negação da cidadania, isto é, da participação social e política, enquanto os projetos especiais trazem a compulsoriedade de uma ação política pedagógica que acomode e adestre essa mão-de-obra de acordo com as necessidades da divisão social do trabalho e dentro dos estreitos limites de sua utilidade econômica. (FONSECA, 1985, p. 19).

Esse vínculo entre educação e crescimento econômico mostrou o aumento da riqueza

das nações e gerou o empobrecimento das populações, porque não veio articulado com

políticas redistributivas que possibilitassem melhores condições de vida para a população.

A questão social se agravou, atrelada ao processo de exclusão educacional, que, para

Miguel Arroyo (2000, p.12), é também identificado na organização e na estrutura do nosso

onceitos de raça,

A partir de 1960, as lutas contra a exclusão da população da escolarização, pela

Reforma Agrária e Reformas de Base vão contribuir para a redefinição da educação, a partir

das práticas da Educação Popular, das quais trataremos no capítulo terceiro.

Do ponto de vista das políticas governamentais e da legislação em vigor, pouco se

falou sobre a educação rural até o início dos anos de 1980. A Lei n° 4.024/61 deixou a cargo

dos municípios a organização da esc

34 No final da década de 1940, com recursos provenientes do Fundo Nacional da Educação Primária (FNEP),

foram financiadas as campanhas de alfabetização de adultos, estratégia que predominou a partir deste período para as ações de alfabetização da população adulta.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

81

35, ampliando cada vez mais o número de escolas com turmas

multisseriadas36 no campo, cuja localização geográfica atendia mais aos interesses políticos

eleitoreiros da oligarquia agrária do que às demandas das comunidades.

Essas turmas multisseriadas foram tratadas sistematicamente, pelas Secretarias de

deslegitimá-las como forma adequada de ensinar (...) as suas formas de organizar a sala, o

Dessa forma, sem apoio nos planos pedagógicos, administrativos e financeiros as

escolas rurais tornaram-se residuais ao sistema. Para elas, são enviados os móveis e

equipamentos usados, que são substituídos por novos na cidade, professores que não são

conteúdos descontextualizados ou na sequência estabelecida pelos livros didáticos. Por isso,

no meio rural, excetuando os movimentos de educação de base e de educação popular, o processo educativo sempre esteve atrelado à vontade dos grupos hegemônicos do poder, não conseguindo deslocar seus objetivos e a própria ação pedagógica para esferas de caráter sócio-cultural especificamente campesinas. (LEITE, 2002, p. 111-112).

Chegamos ao início do século XXI, encontrando em várias partes do Brasil esse

modelo de escola localizada no campo, improvisada, misturando doméstico com o público,

sem condições materiais, ausência de políticas permanentes e contextualizadas de formação

inicial para seus profissionais (professorado e técnicos administrativos), sem equipamentos de

apoio pedagógico. Situação agravada com a Lei n° 5.692/71 que municipalizou o ensino

rural, sem assegurar os mecanismos do regime de colaboração entre os entes federados, o que

levou a uma retração dos Estados e da União em assegurar a universalização da Educação

Básica no Campo em todos os níveis e modalidades.

O final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 foram marcados pela luta em favor

da democratização da sociedade e da educação, da defesa pela universalização da

escolarização para todos e da reinvidicação de uma maior participação da comunidade na

gestão escolar. Dentro desse processo de democratização, questiona-se a ausência de políticas 35 Essas escolas foram os primeiros prédios públicos construídos nas comunidades, geralmente compostas de 01

sala de aula, pátio coberto, banheiros e casa para a professora. 36 Constituída essencialmente por sala multisseriada e unidocente, essa escola se caracteriza por possuir uma sala

e ter um só professor que ministra aulas para as quatro séries iniciais do Ensino Fundamental, no mesmo local e ao mesmo tempo

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

82

educacionais específicas para as Escolas do Campo e ausência de dotação financeira que

superasse o cenário de precariedade das escolas (SILVA, 2000).

2.2 Paisagens das Escolas no Campo

Com uma taxa de atendimento de mais de 90% para a população de 7 a 14 anos, o que

demonstra avanços significativos, na perspectiva da universalização do acesso à

escolarização, essa taxa se redimensiona no campo, quando consideramos a oferta das escolas

próximas ao local de moradia em quantidade e qualidade adequadas.

Não pretendemos reduzir a relevância da conquista de uma escola pública para todos.

Apenas cuidamos de não ofuscar a ambivalência que atravessa a busca pela escola pública

como direito, por meio de uma histórica luta, principalmente dos profissionais da educação,

que vai se constituindo, no espaço da contradição entre a reprodução das desigualdades

sociais e a possibilidade de uma escola com qualidade social e democrática.

Ao tratar das Escolas do Campo, outras questões também necessitam ser consideradas,

como, por exemplo, a densidade demográfica da região na qual se localiza a escola.

Considerando esse aspecto, as escolas localizadas no campo apresentam número reduzido de

estudantes matriculados, conforme podemos ver na tabela n° 1.

Nível de Ensino Escolas com menos de 51 educandos

Escolas com 51 a 150 educandos

Escolas com 151 a 300 educandos

Escolas com mais de 300 educandos

Até a 4ª Série 1.510.105 1.599.976 552.670 258.182

5ª a 8ª Série 156.558 659.976 486.932 342.033

Ensino Médio 9.811 33.243 625 70.557 Fonte: MEC, 2006. TABELA 1- Matrícula na Educação Básica, distribuição por escola conforme número de educandos (as) e por nível de ensino Rural - 2006.

Pela tabela n° 1, percebemos que a maioria das escolas possui menos que 150

estudantes. Portanto, são de pequeno porte. Cerca de 70% das escolas que oferecem Ensino

Fundamental, de 1ª a 4ª37, atendem a até 50 estudantes, e nelas, estão matriculados 38% dos

37 No trabalho quando tratarmos de dados anteriores a 2000, usaremos a nomenclatura série, pois os mesmos

ainda não estavam organizados na perspectiva de anos iniciais e finais do Ensino Fundamental. No entanto,

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

83

estudantes do campo desse nível de ensino. No Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries, cerca de

50% dos estudantes estão matriculados em Escolas com mais de 151 estudantes.

Essa questão, ao invés de representar uma polêmica entre os gestores públicos,

necessitava ser entendida como uma especificidade deste contexto e, consequentemente,

formular-se estratégias de atendimento com qualidade, para assegurar o direito dos sujeitos de

estudarem próximo a sua moradia, o que necessariamente leva a uma reformulação da

estratégia de nucleação em curso no Brasil.

O gráfico n° 3 evidencia o processo de municipalização, pois 93,0% dos

estabelecimentos da área rural que ministram o ensino fundamental de 1ª a 4ª séries

pertencem à rede municipal. A mesma situação também está presente no ensino fundamental

de 5ª a 8ª séries, com 78% das escolas rurais sendo da Rede Pública Municipal, o que

significa que, para implementação das políticas educacionais, o município é um interlocutor

fundamental neste processo. Vejamos o gráfico 3:

Fonte: MEC/INEP, 2006.

GRÁFICO 3 - Distribuição percentual de escolas do Ensino Fundamental localizadas no campo, segundo o tipo de organização Brasil 2006

A oferta de educação básica no campo, pela esfera federal, é muito pequena, com

4,59% das escolas. O mesmo ocorre com a rede privada, cujo atendimento corresponde a 304

quando nos referirmos à organização das Escolas campo de pesquisa, usaremos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental.

E.F. 1ª a 4ª 1ª a 8ª Ensino Médio0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

110

93,00%

78,00%

26,61%

7,00%

21,00%

62,39%

1,00% 4,59%6,42%

ParticularFederalEstadualMunicipal

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

84

estabelecimentos que oferecem as séries iniciais do ensino fundamental e atendem a 24.611

estudantes; 142 escolas que oferecem as séries finais do ensino fundamental e atendem a

13.075 estudantes; e 74 escolas que atendem a 7.899 estudantes do ensino médio. No caso

deste nível, o maior número de escolas pertence à rede estadual de ensino, e a rede federal

atende a 12.187 alunos em 39 escolas.Esses dados evidenciam que a oferta dos anos finais do

Ensino Fundamental e Ensino Médio ocorre predominantemente na sede do município,

portanto, os adolescentes e jovens do campo são transportados diariamente para as escolas

localizadas nas sedes dos municípios, em transportes que nem sempre apresentam condições

de segurança conforme o previsto na legislação.

O predomínio do poder público municipal na oferta da Educação no Campo requisita

uma reflexão sobre a descentralização e o regime de colaboração38 entre os entes da

federação39. Alguns teóricos afirmam que no Brasil ocorreu na verdade um processo de

desconcentração das políticas que representam a distribuição das responsabilidades executivas

das políticas e programas, sem transferência da autoridade e autonomia decisória.

A descentralização ou transferência para estados e municípios de grande parte da

gestão das políticas sociais é segundo Janete Azevedo (2002, p. 55), colocada como

instrumento de modernização gerencial da gestão pública, numa visão que ela denomina de

-

cabe colocar em

necessariamente uma maior transparência, eficiência e participação na formulação e

implementação das políticas públicas.

A descentralização entendida na dimensão política de autonomia, participação da

comunidade e democracia, enfim, como possibilidade efetiva de redistribuição de poder,

como ato político, mais do que administrativo, se aplica também ao financiamento e à

manutenção dos diferentes níveis, etapas e modalidades da educação. A efetiva

descentralização torna-se um desafio para a consolidação da democratização do poder nas

estruturas organizacionais do Estado Brasileiro.

Na oferta da Educação do Campo, existe um número significativo de escolas, que, no

entanto, em sua maioria ofertam apenas os anos iniciais do Ensino Fundamental, com uma

localização geográfica que não considerou critérios populacionais e educacionais, o que 38 O Art 211 da Constituição trata do Regime de Colaboração como forma de evitar a fragmentação das ações

entre o poder público na área de educação. Embora cada nível de governo tenha autonomia e responsabilidades, precisam atuar em colaboração para garantir o direito à escolarização na divisão dos encargos, no estabelecimento de normas e no planejamento da educação.

39 Entende-se nesse texto por Federação o Estado Soberano constituído pela União, estados, Distrito Federal e municípios.

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

85

acarreta áreas extensas sem escola e outras com concentração de escolas atendendo ao mesmo

nível da educação básica. Sem considerar critérios geográficos, sociais e educacionais, e as

características específicas do campo, no que se refere a: densidade demográfica, formas de

deslocamento, biomas, condições climáticas, tem-se um quadro de 59% dessas escolas

organizadas de forma multisseriadas ou unidocentes.

As escolas multisseriadas atendem a 1.371.930 estudantes, equivalia, em 2006, a 24%

das matrículas do campo, somando um percentual de 26 estudantes por turma. Cerca de 20%

das escolas são seriadas e concentram pouco mais da metade das matrículas. As demais são

escolas mistas (com turmas multisseriadas e seriadas), que respondem por um quarto das

matrículas do campo, conforme mostra o gráfico n° 4.

Fonte: MEC/INEP, 2006

Gráfico 4 Distribuição percentual de estabelecimentos e matrículas do Ensino Fundamental da área rural, segundo o tipo de organização Brasil 2006

Algumas dessas escolas surgiram em decorrência da criação dos assentamentos rurais,

o que fez com que nos últimos anos as Secretarias de Educação estabelecessem um sistema de

classes anexas a escolas maiores, sob o argumento de que a criação de uma nova escola não é

um processo simples, mas exigiria encaminhamentos administrativos e financeiros, e uma

decisão política do município na perspectiva de assegurar uma escola de qualidade no campo.

A tabela n° 2 mostra essa realidade.

Exclusivamen -te Multiseria-da

Exclusivamen -te Seriada

Mista (Multi-seriada e Se-riada)

0

5

10

15

2025

30

35

4045

50

55

60 59

20 2024

51

25

Estabelecimen-toMatrícula

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

86

Fonte: INEP/MEC/DTIE, 2005. Tabela 2 Escolas de Ensino Fundamental por abrangência, localização e número de salas de aula 2005

Os dados do Censo Escolar 2006 mostram que 50% das escolas do país estão

localizadas no campo, aproximadamente a metade tem apenas uma sala de aula e oferecem

exclusivamente os anos iniciais do Ensino Fundamental. Além das dificuldades que enfrenta,

construiu-se uma imagem de que esse ensino é de segunda categoria e sem alternativa de

melhoria. Partindo desse ponto de vista, muitos educadores e gestores optaram por esquecê-lo,

econômico que expulsou para as cidades, nas últimas décadas, enorme contingente da

população do campo, ou pelo processo de nucleação.

Segundo Salomão Hage (2006), no caso da condução do processo pedagógico, o

professorado mostra dificuldade diversas, sobretudo, quando assume a visão da multisérie,

como junção de séries na mesma sala sob a orientação de um/uma professor/a, exigindo

planos e estratégias de ensino e avaliação diferentes. Portanto, não consegue identificar as

semelhanças que existem entre o grupo, nem implementar uma mediação coletiva de trabalho.

A ausência de uma proposta pedagógica específica para a realidade das multisseriadas

é fortalecida pelas Secretarias de Educação, quando definem encaminhamentos pedagógicos e

administrativos padronizados sem considerar a diversidade dessas escolas. Para esse autor,

As escolas multisseriadas devem sair do anonimato e ser incluídas na agenda das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, do Ministério da Educação, das universidades e centros de pesquisa e dos movimentos sociais do campo. Elas não podem continuar sendo tratadas como se não existissem, excluídas até das estatísticas do censo escolar oficial. Não há justificativa para tamanha desconsideração do poder público e da sociedade civil para com os graves problemas de infra-estrutura e de condições de trabalho e aprendizagem que enfrentam os professores e estudantes das escolas multisseriadas, que, em geral, se encontram abandonadas às situações contingentes próprias das comunidades em que se localizam; afinal, delas depende atualmente a iniciação escolar da maioria das crianças, adolescentes e jovens do campo. (p. 310).

Abrangência geográfica Total Escola de

01 Sala Escola de 2 a 5 salas

Escolas de 6 a 10 salas

Escolas com mais de 10 salas

Brasil 90.413 40.631 41.821 6.740 1.221 Norte 18.167 11.143 5.927 914 183 Nordeste 51.624 23.203 24.852 3.044 525 Sudeste 10.763 3.275 6.081 1.165 242 Sul 7.483 2.198 3.998 1.148 139 Centro-Oeste 2.376 812 963 469 132

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

87

Hoje, os percalços de ser professor/a nas escolas multisseriadas estão cada vez mais

visíveis, em decorrência dos processos de modificações propostas pela Lei nº 11.274, de 06 de

fevereiro de 2006, que amplia a obrigatoriedade do Ensino Fundamental para nove anos,

definindo, no artigo 5º, até 2010 o prazo, para que todos os sistemas se adaptem, inclusive as

salas multisseriadas. Essas mudanças são encaminhadas, sem melhores condições estruturais

do ponto de vista físico e pedagógico, nem repensar a organização curricular e propiciar

formação para que o professorado possa trabalhar com a diversidade de temporalidades

existentes nas Escolas do Campo, ou como coloca Miguel Arroyo (2006, p. 113-114):

Superar a reação tão freqüente contra as escolas multisseriadas. As escolas do campo não são multisseriadas. São multiidades. Que é diferente! Os educandos estão em múltiplas idades. Múltiplas temporalidades. Temporalidades éticas, cognitivas, culturais, identitárias. (...) Classificar a escola do campo como multisseriadas leva a uma visão sempre negativa e a tendência dos professores a organizar a escola por séries, apesar de terem

caos! A pergunta: vamos acertar com uma organização da escola do campo que não seja cópia da escola seriada da cidade que queremos já destruir? Eu sou um grande defensor que esta escola seriada seja desconstruída e que se organize a partir das temporalidades humanas.

Assim, não se trata de fechar as escolas multisseriadas para levar as crianças e

adolescentes do campo para uma sala seriada, trata-se de assegurar o direito à educação no

lugar que vive e trabalha os sujeitos do campo, numa escola organizada a partir de outros

referenciais que não a seriação, com elaboração de uma proposta pedagógica específica essa

realidade e com formação continuada para os educadores (as) que lhe possibilite ferramentas

para prática com essa heterogeneidade.

Para responder a realidade das turmas multisseriadas, o governo brasileiro, a partir de

1975, no âmbito do Promunícipio (Projeto de Cooperação Técnica e Financeira

Estado/Município), iniciou a estratégia política da nucleação40 das escolas multisseriadas,

garantindo o transporte dos estudantes para as sedes dos municípios, e estratégia do

Fundescola com a implantação do Projeto Escola Ativa41.

40 O modelo de nucleação de escolas norte americano, construído em meados do século XIX, foi implantado

neste mesmo período em diversos países, como Índia, Costa Rica, Líbano e Irã. 41 Essa estratégia metodológica, segundo o MEC (1999), foi iniciada na Colômbia, na década de 1980. A partir

de 1997, foi implementada no Brasil, tendo início com o Projeto Nordeste nos Estados do Piauí, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão, sendo que no ano de 1998, o Fundo de Fortalecimento da Escola deu continuidade à proposta e a estendeu para as regiões Norte e Centro Oeste. Atualmente, mais de 6.000 escolas multisseriadas participam deste projeto.

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

88

No Brasil, a nucleação consistiu prioritariamente em agrupar as escolas consideradas

isoladas (multisseriadas), para os distritos, povoados e sede do município. Esse processo foi

acentuado a partir das reformas promovidas no Ensino Fundamental, com a edição da Lei no

9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

que atribui ao município a responsabilidade pela oferta do Ensino Fundamental.

Em decorrência, os municípios, argumentando a redução de gastos com a economia de

recursos humanos e infra-estrutura, com política de municipalização do ensino básico,

optaram por desativar as escolas multisseriadas, reunindo os estudantes das unidades

desativadas em escolas maiores, geralmente nas sedes dos municípios. Segundo dados do

INEP (2003), o transporte escolar era utilizado por 3,9 milhões de estudantes residentes no

campo brasileiro, o que ocasionou um desmonte das escolas existentes no campo. Segundo

Antônio Munarim (2006, p. 24)

A política de transporte escolar (...) bem como a política de nucleação das escolas isoladas no campo brasileiro, acabou por gerar uma situação de estímulo ao fechamento de escolas do campo. Em consequência, crianças são submetidas a longas horas diárias de transporte cansativo e inadequado, ao mesmo tempo em que passam a receber escolarização totalmente descontextualizada.

Opera-se uma redução das escolas multisseriadas como mostra a tabela 3,

evidenciando-se assim, os resultados do processo de nucleação implementado no país.

ANO NÚMERO TOTAL DE ESCOLAS NÚMERO DE ESCOLAS EM ÁREAS RURAIS

1997 196.412 129.367 66% 1998 187.493 119.163 64% 1999 183.448 113.236 62% 2000 181.504 110.333 61% 2001 177.780 105.823 60% 2002 172.508 99.806 58% 2003 169.075 95.573 57% 2004 166.484 92.739 56% 2005 162.727 88.989 55% 2006 159.016 86.170 54% 2007 154.321 82.663 53% Fonte: Censo Escolar 1997-2007 Tabela 3 Distribuição das escolas de Ensino Fundamental e matrículas segundo localização -1997-2007

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

89

Conforme os dados, no período de dez anos, foram desativadas 46.704 escolas

localizadas no campo, evidenciando que a nucleação, foi a principal estratégia adotada pelos

governos para lidar com a situação das multisseriadas. Essa política contraria o defendido

pelo Movimento da Educação do Campo e o que propugna as Diretrizes Operacionais da

Educação do Campo, na defesa da permanência das escolas nas comunidades rurais, e no

direito dos Povos do Campo estudarem onde vivem e trabalham.

As experiências de nucleação no país têm ocorrido predominantemente sem um

diálogo com as comunidades rurais, e com a comunidade escolar42, indicando que nem

sempre se encontra subjacente à ação governamental a preocupação com os impactos dessa

medida sobre a vida das comunidades e sobre a construção de identidades das escolas e dos

sujeitos do campo, o que contraria as recomendações das Diretrizes Operacionais para a

Educação Básica da Escola do Campo, e as normas complementares de atendimento da

Educação Básica do Campo, que, em seu artigo 3°, coloca que a

anos iniciais do Ensino Fundamental serão sempre oferecidos nas próprias comunidades

rurais, evitando-se os proc

A nucleação foi implementada com a justificativa de garantir igualdade de

oportunidades educacionais para alunos do campo ao serem deslocados para uma escola com

uma infra-estrutura física e pedagógica, ao invés de se buscar constituir essas condições

materiais e pedagógicas no espaço do campo. Esse processo foi acentuado pela política de

transporte escolar adotada pelo MEC, a partir da década de 1980, cujas críticas destacavam:

as péssimas qualidades do transporte escolar, o tempo do trajeto de casa para escola e o

estímulo à saída das famílias de suas terras, pois a preocupação com a segurança dos filhos

(as) e a garantia de continuidade dos estudos suscita uma mudança para a sede dos municípios

e o desenraizamento das crianças de seu contexto cultural.

desagregadora da memória: sua causa é o predomínio das relações de dinheiro sobre outros

está diretamente ligado ao itinerário de vida, pessoal e

comunitário. O importante é perceber que a existência da escola pública na comunidade

interessa não apenas aos alunos, mas à coletividade, já que a educação escolar constitui um

meio de inserir as novas gerações no patrimônio cultural acumulado pela humanidade, dando-

lhe continuidade.

42 Neste trabalho entende-se por comunidade escolar o conjunto de docentes, especialistas, pessoal técnico

administrativo, pais ou responsáveis pelos educandos, matriculados na instituição. E por comunidade, entende-se a população que reside no entorno da escola, nas localidades circunvizinhas, a qual a escola procura servir.

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

90

A outra estratégia implementada pelo governo federal para as escolas multisseriadas é

o projeto Escola Ativa. A Escola Ativa é uma proposta metodológica voltada para classes

multisseriadas, que combina, na sala de aula, uma série de elementos e de instrumentos de

caráter pedagógico/administrativo, com a finalidade de aumentar a qualidade do ensino

oferecido naquelas classes.

Esse projeto tem como matriz orientadora a chamada Pedagogia Renovada, ligada ao

movimento da Escola Nova ou da Escola Ativa, ocorrido no Brasil na década de 1920, mais

acentuadamente na década de 1930, e retomada a partir dos anos de 1960, a partir da

epistemologia genética de Jean Piaget. O estudo sobre a Pedagogia da Escola Nova no Brasil

torna- se relevante no sentido de esclarecer o aporte teórico que fundamenta o Projeto Escola

Ativa, e suas perspectivas de abertura de um projeto educacional, hoje, no espaço rural.

As concepções que orientam a prática pedagógica nas classes multisseriadas a partir

da implantação do projeto não são inéditas, uma vez que tais discussões já ocorreram no

Brasil de maneira efervescente, sendo interrompidas pelo golpe de 1964. O que temos na

atualidade é a releitura da Pedagogia Renovada, agregando as contribuições da Psicologia

Genética de Jean Piaget, a Psicologia Histórico Cultural de Vygotsky e a Psicogênese da

Leitura e da Escrita de Emília Ferreiro dentre outros.

Dessa forma, o eixo central da proposta é a abordagem psicológica do

desenvolvimento e da aprendizagem do aluno e as mudanças nas estratégias didáticas na sala

de aula, a partir de diferentes instrumentos pedagógicos. Ao considerar que a questão das

turmas multisseriadas resume-se à dimensão pedagógica, o projeto descontextualiza os

sujeitos da materialidade de sua vida, das contradições existentes dentro da sociedade e do

campo brasileiro. Todavia, o processo de reprodução social dos sujeitos do campo e de suas

famílias, seu trabalho e cultura não podem ser restritos a uma visão de educação que se reduz

à escolarizar os saberes. Os conhecimentos que são construídos em sala de aula, não têm um

fim em si mesmo, por seu caráter político-pedagógico, tornam-se mediadores das

transformações sociais e dos sujeitos possibilitando sua intervenção na realidade.

As mudanças produzidas pela humanidade diversificaram e ampliaram o saber e a

cultura, por isso o diálogo entre o saber do educando (a), o saber construído na história das

comunidades e o conhecimento científico desafia a escola a repensar suas propostas

pedagógicas e sua organização dos tempos e espaços pedagógicos.

Portanto, as necessárias mudanças que precisam ocorrer nos processos pedagógicos

escolares tornam-se insuficientes, caso não superem a dicotomia entre o político e o

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

91

pedagógico, os saberes populares e os saberes científicos, a fragmentação das áreas do

conhecimento, e principalmente, possibilitem a reflexão na práxis da vida e da organização

social do campo.

Além disso, o poder público necessita reconhecer as diversas iniciativas que existem

no campo brasileiro, porque o fortalecimento das políticas públicas da escolarização do

campo passa pela diversidade dos sujeitos e das propostas pedagógicas existentes. O campo

não comporta um modelo único, e pretensamente universal, como também não se fecha em

visões focalistas da realidade. Mesmo tendo aspectos comuns, por serem predominantemente

municipais, multisseriadas, as escolas possuem características específicas que precisam ser

levadas em consideração na sua organização e na formulação e implementação das políticas

educacionais.

Desse modo, as políticas públicas precisam articular a universalidade do direito com

as especificidades exigidas pela heterogeneidade do nosso país (o espaço rural mantém

particularidades históricas, sociais, culturais e ambientais, que o recortam como uma realidade

própria, da qual fazem parte, inclusive, as próprias formas de inserção na sociedade que o

engloba); e abertas e integradas com o global (universo socialmente integrado ao conjunto da

sociedade brasileira e ao contexto atual das relações internacionais), o que implica o

reconhecimento e a valorização da diferença entre as pessoas e, ao mesmo tempo, a unidade

na diversidade no trato com as políticas econômicas, sociais, ambientais e culturais (SILVA,

2007).

O Brasil avançou muito nas últimas décadas em relação à garantia dos direitos

educacionais, contudo, a ausência histórica de uma política de financiamento público na

educação, no campo brasileiro, resultou numa dívida social significativa, sobretudo nas

condições materiais das escolas, conforme podemos ver no gráfico n° 5.

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

92

Fonte: Censo Escolar/MEC/INEP, 2002, 2005.

Gráfico 5 Recursos de apoio educacional nas escolas de Ensino Fundamental Brasil

Rural - 2002/2005

As condições materiais das escolas são caracterizadas por aquelas variáveis sobre as

quais os gestores da educação têm, ou deveriam ter algum controle: estrutura física, salário e

condições de trabalho, equipamentos de apoio pedagógico e assim por diante. É claro que, na

prática, restrições legais, financeiras e institucionais limitam o escopo de ação dos gestores de

escolas ou redes educacionais, mas, em princípio, são variáveis que se encontram sob o

controle do Estado, portanto, poderíamos ter as escolas com condições de trabalho dignas e

favoráveis ao processo de ensinar e aprender. No entanto, embora tenhamos mudanças na

melhoria da infra-estrutura das escolas, os serviços básicos ainda não foram universalizados,

conforme podemos ver no gráfico 6:

Fonte: Censo Escolar/MEC/INEP, 2002, 2005. Gráfico 6 - Percentual de escolas que oferecem o Ensino Fundamental segundo o acesso aos serviços básicos pela escola - Brasil- Rural 2002/2005

Biblioteca Laboratório de Informática

Laboratório de Ciências

Quadra de Esportes

0,51

1,52

2,53

3,54

4,55

5,56

6,5

5,2

0,5 0,5

4

6,1

1,4

0,7

5,6

20022005

Água Energia Elé-trica

Esgoto Sanitário0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100 96,4

58,3

78,3 79,2

98,9

71,5

84,5 87

20022005

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

93

Apesar do aumento da cobertura destes serviços básicos, a situação das escolas rurais

continua precária. Nas escolas a falta de energia elétrica é maior que a falta de abastecimento

de água. Quase uma em três escolas rurais (28,9%) encontra-se sem nenhum tipo de

abastecimento, seja pela rede pública, seja por gerador próprio ou energia solar/eólica.

No que se refere ao esgoto sanitário, a diferença percentual de atendimento entre

escolas rurais, de um lado, e escolas urbanas e metropolitanas, de outro, também é expressiva.

Em 2005, 99,69% das urbanas e 99,90% das metropolitanas contavam com esgotamento

sanitário, enquanto apenas 84,22% das escolas rurais possuíam essa infra-estrutura instalada

nas escolas. Esse quadro das escolas reflete a realidade do campo brasileiro, no qual a maioria

não possui nem sanitário nem esgoto sanitário instalados.

A pesquisa, realizada pelo Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada IPEA (2007)

evidenciou uma expressiva melhoria nas condições de infra-estrutura nas escolas estaduais,

nas escolas municipais esse processo é menos expressivo, principalmente nas multisseriadas,

expressando a fragilidade e a heterogeneidade na implementação das políticas educacionais

que assegurem condições de trabalho e qualidade nas escolas do campo.

O que o Movimento da Educação do Campo tem afirmado é a importância da infra-

estrutura básica43, para assegurar a qualidade da educação. Requisita as condições de trabalho

dos profissionais que atuam nas Escolas do Campo e o cumprimento do que estabelece o

Plano Nacional de Educação, Lei 10.172/2001, no que se refere ao padrão de qualidade das

construções dos prédios das escolas que exigem:

b) sala ambiente; c) banheiros; d) áreas de lazer; e) espaço apropriado para a prática de

Plano Nacional de Educação, 1999).

A qualidade do ensino no campo é outra questão crucial, devido às dificuldades

encontradas no desempenho escolar. Isso mostra que existem outras causas relacionadas a

permanência com sucesso na escola, tais como: a precariedade da infra-estrutura das escolas,

a descontextualização curricular, a concentração de terras, a ausência de políticas agrícolas a

marginalidade social em que vivem parcelas significativas da população brasileira,

concentrando-se em bolsões de pobreza nas periferias urbanas e nas áreas rurais.

43 Entende-se por infra-estrutura básica da escola o abastecimento de energia elétrica, de água e esgoto sanitário,

bem como a existência de sanitário na escola

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

94

Um dos indicadores que podemos analisar nessa qualidade de ensino é a taxa de

defasagem idade-série, que indica o nível de desempenho escolar e capacidade do sistema

educacional manter a frequência do aluno em sala de aula.

As taxas indicam as desigualdades existentes no sistema de ensino, tanto no que se

refere a diferenças regionais como a localização geográfica, visto que, o quadro no campo se

mostra ainda mais grave, enquanto na área urbana a taxa é de 36.7 na área rural atinge 45,6%.

Aparecendo também as diferenças regionais, pois a área rural da Região Norte atinge uma

taxa de 56,4% e da Região Nordeste de 49,8%, portanto, superiores aos índices nacionais,

conforme dados da tabela n°. 4

Abrangência geográfica Defasagem idade-série

Total Urbana Rural

Brasil 30.0 26.7 45.6

Norte 43.4 37.7 56.4

Nordeste 43.9 41.3 49.8

Sudeste 17.7 18.2 27.9

Sul 17.9 17.6 20.0

Centro-Oeste 28.0 27.1 37.9 Fonte: INEP/MEC, 2005. Tabela 4 Defasagem idade-série na Educação Fundamental por abrangência geográfica, localização, ano 2005

No Ensino Médio a inadequação idade-série se torna mais grave na área rural. A

média nacional chega a 59,1% dos estudantes matriculados. A distorção idade-série apresenta

grandes diferenças entre as regiões do País, com destaque para o Norte e Nordeste, que

chegam a atingir taxas de distorção de 73,1% % e 71,6%, respectivamente. Esses dados

revelam um cenário discrepante entre as regiões no que concerne a esses indicadores,

conforme podemos verificar na tabela 5.

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

95

Abrangência Geográfica

Defasagem idade-série

Total Urbana Rural

Brasil 46.3 46.0 59.1 Norte 65.8 65.6 73.1

Nordeste 64.6 64.4 71.6

Sudeste 35.0 34.9 43.6

Sul 29.8 29.7 31.5

Centro-Oeste 44.3 44.1 53.6 Fonte: MEC/INEP, 2005. Tabela 5 Defasagem idade-série no Ensino Médio por abrangência geográfica, localização, ano 2005

Os dados nos mostram que o direito à escolarização não se restringe ao acesso à

escola. É preciso que se apresentem condições de aprendizagem para os educandos (as),

condições dignas de trabalho para os profissionais, exercício democrático na gestão da escola,

o respeito aos saberes dos sujeitos sociais e uma organização curricular integrada e

contextualizada. Só assim poderemos falar de universalização da escolarização como direito

que se reflete na qualidade social e educacional.

A esse respeito, Jamil Cury (2005, p. 3) afirma que o direito à educação deve ser

garantido e, para isto, a primeira garantia é que ele esteja inscrito no coração de nossas

Uma questão importante para assegurar o direito à escola de qualidade no campo

refere-se ao professorado que atua nas Escolas no Campo. A literatura mostra a ausência de

políticas de profissionalização docente ao longo da história, o que evidencia uma baixa

qualificação desses profissionais. Enfrentam sobrecarga de trabalho, dificuldade de acesso à

escola pelas condições dos transportes e das estradas e rotatividade de profissionais nas

escolas. Segundo Miguel Arroyo (2006, p. 114), isso constitui um problema na composição

sócio-profissional destes profissionais:

Outra realidade que enfraquece a escola do campo são os fracos vínculos que têm o corpo de profissionais do campo com as escolas do campo. Não é um corpo nem do campo, nem para o campo, nem construído por profissionais do campo. É um corpo que está de passagem no campo e quando pode se liberar sai das escolas do campo. Por aí não haverá nunca um sistema de educação do Campo! Isso significa dar prioridade às políticas de formação de educadores.

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

96

Do ponto de vista do vínculo funcional, a maioria do professorado que atua no campo

vinculam-se à Rede Municipal, conforme tabela n° 6.

Unidade da

Federação

Funções docentes exercendo atividades em sala de aula

Total Federal Estadual Municipal Privado

Brasil 380.965 1.575 50.443 323.466 5.481

Norte 56.290 97 8.618 47.033 542

Nordeste 209.897 607 9.289 197.378 2.623

Sudeste 59.161 423 15.283 41.917 1.538

Sul 41.388 229 14.013 26.645 501

Centro-Oeste 14.229 219 3.240 10.493 277 Fonte: MEC/INEP/DTIE 2006. Tabela 6 Número de Funções Docentes exercendo atividades em Sala de Aula, por localização e Dependência Administrativa, segundo a Região Geográfica e a Unidade da Federação - Rural - 2006

Considerando esse perfil, a necessidade da formulação de plano de carreira específico

para todos os profissionais da educação que abranja piso salarial nacional, jornada de trabalho

em uma única instituição de ensino, com tempo destinado à formação e planejamento;

condições dignas de trabalho constituem a agenda de debate do Movimento da Educação do

Campo, inclusive nas Conferências Municipais e Estaduais da Educação, realizadas durante o

ano de 2009 em preparação para a Conferência Nacional de Educação44.

No que se refere à escolaridade do professorado, diferentes iniciativas45 foram

tomadas para diminuição do número de professores leigos no sistema de ensino. Embora

tenhamos um incremento na formação dos docentes do campo, conforme podemos verificar

na tabela 7, precisamos de uma avaliação sistematizada da qualidade desta formação.

44

Articulado de Educação: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e E 45

professorado leigo: aposentadoria compulsória, demissão por não serem concursados ou redefinição de função, muitas professoras passaram a trabalhar como merendeiras por falta da formação exigida na lei.

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

97

Ano Total Ensino Fundamental Ensino

Médio

Ensino Superior

1997

347.512 106.878 197.936 42.658

2006

380.965 8.570 238.223 151.585

Fonte: MEC/INEP/1997-2006. Tabela 7- Número de Funções Docentes na Educação Básica do Campo, por Nível de Formação, nos anos de 1997 e 2006

A necessidade da formação inicial em curso superior posta pela Lei n° 9354/96 é a

demanda atual, considerando que a maioria do professorado em serviço no campo possui

Ensino Médio. A formação inicial e continuada precisa considerar que o repertório de

conhecimentos para ensinar46 do professorado é constituído por saberes plurais, oriundos de

diferentes fontes, e que no cotidiano são constantemente mobilizados na condução de sua

ação em sala de aula (SILVA, 2000).

Por isso, as propostas formativas devem superar a dicotomia entre ensino, pesquisa e

extensão, entre formação acadêmica (teoria) e realidade prática, estabelecendo um diálogo

permanente entre os saberes pedagógicos47, curriculares48 e os saberes de experiência49 do

professorado.

È preciso, sobretudo, que o cotidiano do professorado do campo, a cada momento,

seja confrontado com situações muito diversas, devendo tomar decisões pedagógicas cujos

resultados são incertos, mais objetivamente intencionados, dentro de um contexto de densa

complexidade. Isso exige que os centros formativos reconheçam que os saberes transbordam

de muito dos muros da escola e das instituições de ensino.

O direito à formação desafia as Universidades públicas, visto que segundo dados do

INEP/2007, o setor privado responde por 74,1% das matriculas em cursos de graduação,

sobretudo em cursos noturnos ou à distância. Muitos professores (as) chegam a trabalhar em 46 Expressão utilizada por Gauthier et al (1996) para designar o conjunto de conhecimentos constituintes da

identidade profissional do professorado e dos saberes, das habilidades e das atitudes que são envolvidas no exercício do magistério.

47 Conjunto de saberes acerca da escola, advindos das ciências da educação e da tradição pedagógica, que constituiu um saber profissional específico que não está diretamente ligado à ação pedagógica, mas serve de pano de fundo para os procedimentos adotados em sala de aula. (TARDIF; LESSARD; LAHAYE; 1991)

48 Correspondem à seleção e organização dos saberes produzidos pelas ciências, que se transformam nos programas escolares, geralmente produzidos por outros agentes que não o professorado. (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991).

49 São construídos no interstício da práxis cotidiana do professorado em interação com outros sujeitos. Eles não se aplicam à prática para melhor conhecê-la, eles se integram a ela e são partes constituintes dela enquanto prática docente. Formam um conjunto de representações a partir dos quais o professorado interpreta, compreende e orienta sua profissão e sua prática cotidiana em todas as dimensões. (SILVA, 2000).

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

98

até três turnos por dia para receberem um salário razoável. Com essa rotina, dificilmente têm

tempo para se dedicarem aos estudos, à sua formação. Nesse caso, acabam, na maioria das

vezes, fazendo cursos de fim de semana ou mesmo cursos superiores à distância, nos quais o

acompanhamento docente se dá, na maioria dos casos, virtualmente.

O Movimento da Educação do Campo se coloca também na perspectiva de que se

modifique esse cenário da Escola no campo brasileiro, que se assegure o direito a uma

educação de qualidade, na construção de uma política educacional nacional, que garanta o

atendimento adequado das necessidades educativas dos sujeitos sociais que ali vivem e

trabalham, e é nesse sentido que vem formulando as suas propostas pedagógicas.

2.3 A Emergência das Políticas Educacionais Específicas: a Educação do Campo como

direito

As mobilizações para formulação da Constituição Federal de 1988, pela

democratização do país e afirmação de uma cultura de direitos, garantiram importantes

conquistas populares e espaços de participação na legislação, ao incorporar o princípio da

participação direta na administração pública, além da criação de conselhos gestores como

forma de intervenção popular nas políticas públicas do país.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988, preconizou o direito ao acesso universal a

serviços e bens coletivos. Para isso, foram criados os mecanismos institucionais para os

processos descentralizadores que se seguiriam e ampliaram-se as perspectivas da participação

cidadã na concepção e implementação das políticas públicas.

O Movimento da Educação do Campo, em seu processo de mobilização pela

afirmação e fortalecimento das práticas pedagógicas das Escolas do Campo, instiga as

políticas públicas, a compreenderem o campo como um espaço emancipatório, como um

território fecundo de construção da democracia e da solidariedade, e de lutas pelo direito à

terra, às águas, a floresta, à soberania alimentar, à saúde, à educação, ao meio-ambiente

sustentável, enfim, um lugar de direitos. Assim,

[...] trata-se um movimento que teve início antes no seio da sociedade civil organizada, mais propriamente, neste caso, no seio das organizações sociais do campo, em forma de experiências de educação popular na formação de seus quadros dirigentes e de suas bases e, mais recentemente, em forma de

síntese do conceito de política pública. Assim, seria mais apropriado dizer que o MEC abre espaço na máquina estatal para as vozes

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

99

desses sujeitos que já vinham sedimentando as bases de uma política pública de Educação do Campo. (MUNARIM, 2006, p. 8)

Esse movimento, construído a partir do vínculo orgânico que tem se estabelecido entre

a luta por educação e as lutas pela transformação das condições sociais de vida no campo, tem

influenciado a decisão do governo brasileiro em propor uma política nacional que contemple a

diversidade dos sujeitos sociais do país50.

Conforme Sergio Henrique Abranches (1998), o processo de formulação, implantação,

avaliação e controle das políticas públicas que visam ao atendimento de demandas sociais

específicas relaciona-se com as escolhas que, em determinadas conjunturas, os governos

fazem. A definição dos objetivos das políticas de cunho social, o seu caráter e extensão estão

vinculados a projetos e concepções de governo e de organização social. Esse autor observa

que:

se a política fosse apenas contrato, a política social seria a clausula inarredável do capítulo das obrigações coletivas, a cargo do Estado. Política, porém é conflito. Oposição e contradição de interesses. Conflito negociado, regulado por instituições políticas de natureza vária, condicionado por mediações que tornam possível reduzir os antagonismos e projetá-los em um movimento positivo. Política é, também, poder, transformando-se, freqüentemente, em um jogo desequilibrado, que exponencia os meios dos mais poderosos e reduz a chance dos mais fracos. Quem detém determinados instrumentos eficazes de pressão tem maior probabilidade de obter mais da ação do Estado do que aqueles que dependentes dessa própria ação para conseguir o mínimo indispensável à sua sobrevivência.

Essa estreita vinculação do movimento educativo com a sociedade coloca um

problema crucial dos limites e das possibilidades da educação como instrumento de

conservação e de mudança social. Essa limitação da educação precisa ser entendida dentro das

contradições do Estado na sociedade capitalista, do contexto social e da escola, ou seja, nos

50 Em 2007 foi criada a Comissão Nacional de Educação do Campo, junto ao Ministério da Educação (Portaria

1258, 19 de dezembro de 2007). Trata-se de um órgão colegiado, de caráter consultivo, com a atribuição de assessorar o Ministério da Educação na formulação de políticas públicas de educação do campo. A composição da Comissão tem dois grandes segmentos: 1) Representantes do governo federal, por meio das secretarias vinculadas ao Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); por representante da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (CONSED); 2) A sociedade civil representada por 8 entidades Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAS); Confederação Nacional dos Trabalhadores(as) da Agricultura(CONTAG); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF); - Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento das Mulheres Camponesas (MMC); Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e Rede da Educação do Semirido Brasileiro´(RESAB). Essas iniciativas instigam os pesquisadores a analisarem os desdobramentos oriundos da relação governo e sociedade civil na construção de políticas públicas.

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

100

encaminhamentos das lutas políticas e ações coletivas, da construção de novas sociabilidades,

das relações com a natureza e de uma formação humana emancipatória essa disputa ocorre

dentro da materialidade do capitalismo que busca frear todas as perspectivas de mudanças e

emancipação do ser humano. E é dentro desta abordagem que nos situamos na compreensão

do papel da escola permeada pelo movimento contraditório da sociedade e da prática interna

dos seus sujeitos

No campo educacional, a discussão e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB), lei nº 9.394 de dezembro de 1996, momento de inúmeros debates e

enfrentamentos, nos quais a tendência homogeneizadora do Ministério da Educação,

principalmente no que se refere ao controle, avaliação e formação dos profissionais da

educação, colocou-se frontalmente contrário aos anseios de democratização postos pelos

movimentos sociais.

Sendo assim, a versão final foi construída com a participação de diferentes sujeitos e

atores sociais. Isso fez com que ela assumisse um caráter "polifônico" - segundo expressão de

Carlos Jamil Cury - onde distintas vozes podem ser ouvidas a partir da leitura do seu texto.

Ao mesmo tempo, a LDB, recoloca a educação na perspectiva da formação e do

desenvolvimento humano, como finalidade social dos processos educativos formais, não

formais e informais51.

Nessa perspectiva, uma ampliação do conceito de Educação, que não se restringe mais

aos processos de aprendizagem no interior da escola, transpõe seus muros conforme posto no

A educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na

vida familiar, na convivência humana, no trabalho nas instituições de ensino e pesquisa, nos

movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais

O Movimento da Educação do Campo também compreende a educação nessa

concepção ampla, o que leva a buscar diferentes espaços formadores, faz com que a Escola do

Campo não seja fechada nos seus muros e tenha uma organização curricular permeada pelo

diálogo entre os sujeitos e diferentes saberes. A lei pelo artigo 3°, ao valorizar a experiência

extra-escolar, a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais reforça

essa concepção.

51 Ações formais: escolarização básica e superior desenvolvida pelo sistema de ensino nas esferas pública e

privada; ações não formais: formação política, sindical, técnica, produtiva, religiosa, cultural desenvolvida por instituições governamentais de extensão rural, assistência técnica, pesquisa e por órgãos não governamentais da sociedade civil; ações informais: as que se desenvolvem na família, na comunidade, nas manifestações culturais, nos meios de comunicação, no trabalho, muitas vezes espontâneas, vindas não só de organizações, mas, sobretudo de pessoas, que na vida cotidiana promovem ações educativas.

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

101

A LDB, no seu artigo 28, remete para a adequação dos sistemas de ensino a

especificidade da realidade do campo, ao colocar que:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I. Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III. Adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Respaldado por este artigo, o Conselho Nacional de Educação deliberou sobre a

realização de audiências públicas para ouvir as propostas dos representantes dos órgãos

normativos estaduais e municipais, dos movimentos sociais do campo, das Universidades,

Ong's e demais setores da sociedade que atuam na realidade do campo brasileiro. Foram

realizadas três audiências públicas nas quais as diversas organizações e instituições tiveram

oportunidade de apresentar suas propostas para as Diretrizes Operacionais para a Educação

Básica nas Escolas do Campo - DOEBEC52.

È possível conferir que as diretrizes inovam sobre a organização da escola,

responsabilidades do poder público, gestão e formação do professorado. A DOEBEC é um

documento que possibilita um suporte legal para a construção de uma política nacional da

Educação do Campo. Portanto, o que traça as diretrizes é uma necessidade de que os sistemas

de Ensino incorporem a Educação do Campo como parte de suas políticas educacionais.

Recentemente o Conselho Nacional de Educação aprovou a Resolução nº 2, de 28 de

Abril de 2008, para complementar as normas de atendimento a Educação Básica do Campo,

em seu artigo 1° define que

A Educação do Campo compreende a Educação Básica em suas etapas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida - agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros.

52 Diretrizes são normas e critérios políticos, pedagógicos, administrativos e financeiros que têm fundamentos

legais e servem para orientar a organização das escolas do campo e cujas regras devem ser regulamentadas pelos sistemas de ensino municipal, estadual e federal, na oferta da Educação Básica. Ou seja, todos os sistemas de ensino, na oferta desse nível de educação para a população do campo, deverão seguir o que está previsto nas diretrizes.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

102

Reafirma, assim, o que estava posto anteriormente pelas Diretrizes Operacionais da

Educação do Campo e explicita todas as etapas e modalidades da Educação Básica. As duas

resoluções começam definindo a identidade da escola do campo

modo próprio de vida social e de utilização do espaço do campo onde as pessoas se inscrevam

sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas 53.

resguardando- rtanto, não se trata de identidade circunscrita a um

espaço geográfico, mas sim, vinculada aos povos do campo, seja os que vivem no meio rural,

seja os que vivem nas sedes dos 4.485 municípios rurais do país54. O que requer um repensar

dos conceitos de rural e urbano que orientam as pesquisas e as políticas públicas em nosso

País.

No que se refere às propostas pedagógicas das escolas do campo, a articulação das

iniciativas educativas com estudos e pesquisas voltadas para o mundo do trabalho e o

desenvolvimento sustentável é imprescindível para um redimensionamento da organização

curricular da escola e para sua contribuição ao desenvolvimento sustentável.

No entanto, a realidade brasileira ainda mostra que a maioria dos municípios não

possui um processo democrático e participativo na elaboração dos seus planos municipais de

educação e dos projetos político-pedagógicos, que são elaborados em gabinetes sem a

participação efetiva da comunidade escolar.

A necessidade de elaboração de Planos Estaduais e Municipais de Educação,

baseados num diagnóstico da realidade e com a participação dos sujeitos sociais,

considerando o que prevê as DOEBC, e os objetivos e as metas estabelecidas no Plano

Nacional de Educação (Lei 10.172/2001), foi pautada por todos os Seminários Estaduais de

Educação do Campo, o que evidencia a não participação da população no processo de

formulação, gestão e controle social das políticas públicas no País.

A identidade da Escola do Campo é reconhecida pela heterogeneidade dos sujeitos

sociais e a necessidade de uma organização pedagógica que considere o instituído nos artigos

da LDB (Art. 23), que tratam da organização da escolaridade em diferentes formas, de uma

53 Artigo Art. 2°, § único da DOEBEC 54 Para aprofundar essa questão vide Cidades Imaginárias de José Eli da Veiga.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

103

organização curricular que considere a relação entre o universal e o particular (LDB, Art. 26),

e o respeito às diferenças e o direito à igualdade, conforme a LDB (Art. 28). 55

No movimento da Educação do Campo, entretanto, encontramos uma diversidade de

formas organizativas dos tempos e espaços de aprendizagem. Isso indica uma preocupação

específico e ao mesmo tempo integrado no conjunto da sociedade, exigindo da política

educacional a definição de diretrizes que contemplem a diversidade sociocultural no âmbito

Com respeito à organização do espaço pedagógico, enquanto espaço físico e de

aprendizagem, que extrapola o espaço da escola, o artigo 7°, §1, ressalta os espaços da

família, das comunidades, dos municípios, como espaços pedagógicos e da aprendizagem.

Vejamos:

As atividades constantes das propostas pedagógicas das escolas, preservadas as finalidades de cada etapa da educação básica e da modalidade de ensino prevista, poderão ser organizadas e desenvolvidas em diferentes espaços pedagógicos, sempre que o exercício do direito à educação escolar e o desenvolvimento da capacidade dos alunos de aprender e de continuar aprendendo assim o exigirem.

Em relação à organização do tempo pedagógico, a lei preconiza que seja assegurado

o tempo adequado para a formação, e que o mesmo possa se estruturar de diferentes formas,

no entanto, embora existam iniciativas na Educação do Campo de organização do tempo

escolar em regime de alternância ou jornada integral, não é assegurado aos profissionais que

atuam nestas escolas condições de trabalho adequadas ao tempo curricular existente nas

mesmas, além disto, a homogeneização do calendário escolar conforme o ano civil predomina

na maioria dos Estados e Municípios brasileiros56, mesmo que a lei no art. 7° § único reze

que: o ano letivo poderá ser estruturado independente do ano civil, salvaguardando o direito à

escola de qualidade para todos/as.

As diretrizes também tratam da responsabilidade do poder público, conforme os

princípios do regime de colaboração, para proporcionar a Educação Infantil e Fundamental

nas comunidades rurais, inclusive para os que não concluíram na idade prevista, assim como

dedicar especial atenção às condições necessárias para o acesso ao Ensino Médio e à

Educação Profissional de Nível Técnico, nos termos do Art.6º:

55 Artigo 5° das Diretrizes Operacionais da Educação Básica do Campo. 56 Com algumas exceções como, por exemplo, o Estado do Acre e do Mato Grosso do Sul,

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

104

O Poder Público, no cumprimento das suas responsabilidades com o atendimento escolar e à luz da diretriz legal do regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, proporcionará Educação Infantil e Ensino Fundamental nas comunidades rurais, inclusive para aqueles que não o concluíram na idade prevista, cabendo em especial aos Estados garantir as condições necessárias para o acesso ao Ensino Médio e à Educação Profissional de Nível Técnico.

O direito a estudar próximo ao local de moradia foi reforçado na Resolução CNE/CEB

nº 2/2008, que trata de normas complementares para o atendimento da Educação Básica do

Campo, inclusive do atendimento dos jovens

Educação de Jovens e Adultos também deve considerar que os deslocamentos necessários

sejam feitos nas menores distâncias possíveis, preservado o princípio intra-campo 57

Sobre a forma de gestão das escolas e a construção de parcerias58, as diretrizes

sintonizadas com a necessidade de democratização da escola59, a partir de mecanismos que

propugnam para um projeto de desenvolvimento que torne possível a população do campo

movimentos sociais têm o direito assegurado de participar na discussão do funcionamento da

escola, na proposta pedagógica e na discussão do uso dos recursos financeiros e sua

Dessa forma, as demandas provenientes dos movimentos sociais poderão subsidiar os

componentes estruturantes das políticas educacionais. Embora essa questão represente um

avanço significativo do ponto de vista da gestão e da compreensão do papel dos movimentos

sociais nas Escolas do Campo, na prática essa relação não se efetiva, por diferentes fatores,

dentre os quais podemos destacar: o conservadorismo de muitos gestores, a burocratização do

Estado que impossibilita a construção de parcerias mais sistemáticas com a sociedade civil, o

desconhecimento da legislação, o patrimonialismo que ainda persiste no Estado e a falta de

compromisso em assegurar uma escola de qualidade para os Povos do Campo.

Esse cenário político, dificulta sobremaneira a implementação, do que está previsto na

legislação, no que se refere à profissionalização do professorado rural, visto que o acúmulo

sobre formação inicial e continuada deste profissional encontra-se nos movimentos sociais e

57

atendimento do transporte escolar intra-campo, todavia, encontra dificuldade de operacionalização devido ao alto índice de inadimplência dos municípios brasileiros, o que restringe o acesso aos referidos recursos.

58 A gestão escolar é tratada nas Diretrizes nos artigos 8, 9, 10 e 11. 59 Artigo 10 das Diretrizes Operacionais

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

105

organizações não governamentais, e mais recentemente, em algumas Universidades Públicas,

que desenvolvem formação inicial e continuada específicas para o professorado,

coordenadores pedagógicos das Escolas do Campo.

O envolvimento dos sujeitos sociais torna-se pressuposto para o exercício da

trad

A gestão democrática torna-se o fundamento de toda a reorganização da instituição escolar

inserida nas políticas de autonomia da escola, que tem no engajamento dos seus profissionais

e da comunidade sua principal condição.

estabelecimento e se coloca como um desafio de novas relações (democráticas) de poder entre

o Estado, o sistema educacional e

que pressupõe um efetivo comprometimento das secretarias municipais e estaduais de

educação, num diálogo permanente com as equipes educativas existentes em cada escola, para

que possam realmente ser ouvidas e participem da elaboração das políticas e das tomadas de

decisão.

curso de licenciatura estabelecendo como qualificação mínima para a docência na Educação

Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o curso de formação de professores em

professores da Educação Básica60.

Além disso, precisamos lembrar que ainda temos a presença de docentes que não estão

titulados, pois dos 228.94661 que estão atuando de 1ª a 4ª série na área rural, 55.161 possuem

apenas o Ensino Fundamental. Daí a importância de se ter assegurado no art. 12, § único, a

responsabilidade dos sistemas de ensino

continuada, habilitando todos os professores leigos e promovendo o aperfeiçoamento

A preocupação levantada nos Seminários Estaduais de Educação do Campo era de que

as estratégias de formação para esse professorado tivessem como referência dois eixos que,

até hoje, têm influenciado sua existência, dentro do sistema de ensino: o eixo político ( a

participação efetiva na formulação, coordenação e avaliação dos processos formativos pelos

60 Artigos 12, 13, 61 e 62 da LDB e Resoluções n° 3/1997 e n° 2/1999, ambas do CNE. 61 Censo Escolar, 2002 - MEC

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

106

sujeitos envolvidos nas mesmas) e o eixo epistemológico (conhecimentos contextualizados na

realidade social, no trabalho e nas culturas dos povos do campo).

O eixo político significa institucionalizar políticas de formação continuada que

considere a organização dos profissionais da educação, condições de trabalho e salários

dignos, e que sejam permanentes, sistemáticas e contextualizadas na realidade.

No eixo epistemológico (que também é político), precisamos construir uma proposta

de formação que leve em conta os saberes de que esse professorado tem se apropriado na sua

experiência cotidiana dentro da sala de aula no campo, que considere não somente os saberes

pedagógicos e curriculares como formadores do docente, mas, sobretudo, que leve em conta

os saberes de experiência que o professorado foi elaborando durante sua práxis educativa,

conforme coloca Jacques Therrien (1994), ao considerar que

O docente domina uma pluralidade de saberes que o habilitam em situações complexas, não a utilizá-las diretamente de modo técnico, mas a deliberar, analisar, interpretar situações e a tomar decisões. (...) Trata-se de um saber profissional, plural, construído no cotidiano da prática que lhe dá um caráter de experiência, legitimando-o para tomada de decisões em situações de interação (...).

O que pressupõe uma mudança curricular nos cursos de formação de professores (as),

cujo referencial necessita articular a teoria à prática, enfocando a diversidade da forma de

produzir a vida no campo brasileiro, a diversidade dos sujeitos sociais e das relações sociais

que se efetivam a partir do diálogo com o mundo urbano. Assim, os Centros de Formação de

Professores (as) precisam considerar:

1. O respeito à diversidade cultural e aos processos de interação e

transformação existentes no campo brasileiro; 2. O efetivo protagonismo das

crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade

social de vida individual e coletiva; 3. O acesso ao conhecimento cientifico e

tecnológico, tendo por referência os princípios éticos e a democracia. Isso

supõe entre outras coisas, superar a cultura da reprovação, da retenção e da

seletividade, centrar a atenção nos níveis de desenvolvimento cognitivo,

afetivo, social, moral, ético, cultural, profissional. (DOEBC, artigo 13).

.No que se refere ao financiamento da Educação, no âmbito das políticas educacionais,

destacaram-se as modificações de ordem jurídico institucional, dentre os quais se destaca a

aprovação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica- FUNDEB (Lei nº 11.494, de

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

107

20 de junho de 2007), que ampliou o aporte para a Educação Básica, e não apenas para o

ensino fundamental. Estabelece entre seus numerosos dispositivos, no art. 10,

a distribuição proporcional de recursos dos Fundos levando (levará) em conta as diferentes etapas, modalidades e tipos de estabelecimento de ensino da Educação Básica, com destaque aos seguintes incisos: VI anos iniciais do Ensino Fundamental no campo; VIII anos finais do Ensino Fundamental no campo; XI Ensino Médio no campo.

Embora não tenha atendido a todas as reinvidicações dos trabalhadores em educação,

foi um avanço em relação ao antigo Fundef, que priorizava apenas o ensino fundamental,

desconsiderando as outras etapas e modalidades da Educação Básica. A fragilidade

identificada nos Seminários Estaduais de Educação do Campo refere-se ao controle social no

que tange a aplicação destes recursos para assegurar a qualidade da Educação e as

especificidades das Escolas do Campo, considerando o sucateamento material a que foi

submetida historicamente.

A discussão do financiamento da Educação nas Escolas do Campo, tratada na

DOEBC, nos seus artigos 14 e 15, inciso I, II e III, coloca que

O financiamento da educação nas escolas do campo, tendo em vista o que determina a Constituição Federal, no artigo 212 e no artigo 60 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, a LDB, nos seus artigos 68, 69, 70 e 71, e a regulamentação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério Lei 9424/1996, será assegurado mediante cumprimento da legislação a respeito do financiamento da educação escolar no Brasil.

Para que isso aconteça, além de uma decisão política do poder público, necessitamos

de uma reforma tributária pautada pela justiça social, o equilíbrio regional e a efetivação de

direitos sociais e distribuição de renda, de tal modo que as políticas fiscais não prejudiquem o

financiamento público da educação.

Por outro lado, não podemos desconsiderar que existe uma significativa diferença

entre direitos proclamados e direitos efetivamente assegurados. De acordo com Norberto

Bobbio (1992, p.10), quando diz que:

Uma coisa é proclamar esse direito e outra é desfrutá-lo efetivamente. A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma força particular às reinvidicaçoes dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

108

materiais e morais; mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecimento e protegido.

O exercício da democracia de um Estado que diz de direito proclamado em

documentos nacionais, que ao atender pela pressão as reinvidicações da população na

formulação de políticas públicas dificulta ao máximo sua efetivação na realidade das escolas e

do trabalho cotidiano dos professores (as).

Essa contradição na materialização dos direitos conquistados evidenciou-se na

avaliação realizada nos Seminários Estaduais de Educação do Campo, como também na

observação que realizamos nas Escolas, campo empírico da pesquisa, o que mostra a real

prioridade que elas conseguem ter no cenário educacional.

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

109

III CAPÍTULO - EDUCAÇÃO POPULAR COMO TEORIA E PRÁTICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

110

O movimento para a liberdade deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização.

Paulo Freire

Este capítulo tem como finalidade delimitar o conceito que adotamos de Educação

Popular-EP, considerando-a como uma teoria e prática da educação e como matriz fundamental

para a implementação das práticas educativas escolares e não escolares do campo.

A necessidade de uma fundamentação para a prática da Educação do Campo coloca a

importância de se pensar uma teoria da educação que torne cada vez mais consistentes e

contextualizadas as práticas educativas desenvolvidas.

Essa teoria da educação que tem a metodologia dialética como dimensão epistemológica

fundamental possibilita uma reinvenção permanente dessas práticas, além da ênfase no caráter

político que a escola assume na sociedade, principalmente no diálogo que estabelece com os

movimentos sociais populares. Entendemos que essa contribuição advém das práticas

educativas e dos educadores (as) latino-americanos (as) nos últimos 50 anos, especialmente da

obra de Paulo Freire.

Os movimentos sociais62 populares do Campo, enquanto práticas sociais, políticas e

culturais constitutivas de sujeitos coletivos têm uma dimensão educativa, à medida que

constroem um repertório de ações coletivas, que demarcam interesses, identidades sociais e

coletivas que visam à emancipação humana e à transformação da realidade assumidas na

formulação das políticas educacionais no campo brasileiro.

Não pretendemos fazer uma leitura histórica conceitual sobre Educação Popular,

conforme podemos encontrar em outros estudos (MELO NETO, 1999, 2003; ROSAS, 2008,

PALUDO, 2001), nos quais podemos compreender como a educação vai se institucionalizando

nas diferentes formações sociais, ao longo da nossa história, e como a escola vai assumindo um

caráter político, no qual se reproduzem ou se transformam as concepções de ser humano,

sociedade e mundo, mas desvendar a concepção de Educação Popular que referencia este

trabalho.

62 De acordo com SHERER-

práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (ideologia) e sob uma organização mais ou menos definida (a organização e sua direção).

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

111

Essa opção decorre da diversidade semântica que historicamente foi utilizada para este

conceito e de compreendermos o papel que os movimentos sociais populares, especialmente, do

campo brasileiro tiveram nesse processo. Para isso, algumas questões orientarão o itinerário de

construção teórica deste capítulo: Qual o conceito de Educação que estamos adotando? Como a

conformação do Campo Popular influencia na conceituação da Educação Popular? Quais

conceitos da Educação Popular são fundamentais para as práticas da Educação do Campo?

A construção conceitual da EP, seus princípios e fundamentos tornam-se fundamentais

considerando que não são homogêneos na América Latina, constituindo diferentes itinerâncias,

dependendo do contexto histórico e da instituição que desenvolve a prática educativa. Para isso,

apoiamo-nos na literatura em (CALADO, 2000; CARVALHO, 2004; FREIRE, 1978, 1979,

1987; PAIVA, 1987; PALUDO, 2001, 2009; ROSAS, 2008; SOUZA, 1999, 2000, 2001 e

2009; e ROMANELLI, 1982), tecendo os fios conceituais de Educação Popular para este

trabalho.

3.1 Educação Popular: mudanças e continuidades

A Educação é entendida como prática social que tem o objetivo de contribuir, direta e

intencionalmente, no processo de construção histórica das pessoas, na formação da humanidade

do ser humano que nasce em mundo humano. Para sobreviver, há de adaptar-se a esse mundo.

Essa adaptação só é possível porque outros seres humanos (os seus pais, os adultos) cuidam

dela e lhe mostram ou ensinam o que possibilita sobreviver nesse mundo. A socialização do ser

humano se dá através da linguagem e da ação do seu grupo social.

O processo de educar-se pode ser compreendido, tal como afirma Bernard Charlot

- -se membro de uma

- -se como um

ver-se submetido à obrigação de aprender, pois,

para esse autor,

Nascer é penetrar nessa condição humana. Entrar em uma história, a história singular de um sujeito, inscrita na história maior da espécie humana. Entrar em conjunto de relações e interações com outros homens. Entrar em um mundo onde ocupa um lugar (inclusive social) e onde será necessário exercer uma atividade. (p. 53)

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

112

O processo de inacabamento e inconclusão do ser humano faz com que as experiências

ao longo vida os tornem humanos ou desumanos. Essa visão de Paulo Freire (1978) sobre a

aprendizagem da humanidade como um fazer permanente é fundamental. A educação pode

ajudar a transformar o homem e a mulher em sujeitos da História. Não qualquer tipo de

educação, mas uma educação crítica e dirigida à tomada de decisões e à intervenção social e

política, assim manifesta uma concepção de Educação na qual:

Os homens são vistos como seres históricos e, portanto, inacabados: na verdade, diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a educação um que fazer permanente. (p.73)

A inconclusão do ser humano suscita que a prática educativa busque cotidianamente sua

própria mudança, considerando a diversidade dos processos de socialização do ser humano, a

partir da interação com a cultura, pela formas de organização do trabalho, pelas interações que

medida em que contribuir para a humanização do homem. Na medida em que se inscrever na

direção

Para João Francisco de Souza (2000), o processo de humanização requer uma

ressocialização dos seres humanos, implicando transformações de nossas formas de pensar, de

fazer, de sentir. Essa ressocialização se dá por dois processos. Primeiro, dá-se pela recognição,

que são as mudanças nas nossas formas de pensar, de compreender a nós mesmos, aos outros, a

natureza, a cultura, as instituições sociais, enfim, de ressignificar o mundo, possibilitando a

desconstrução de ideias anteriores e a construção de outra compreensão dos assuntos e

problemas. O outro processo pelo qual se dá a ressocialização é a reinvenção, ou seja, as

mudanças nas emoções, nas formas de agir, no gosto de viver e conviver.

Sendo assim, a aprendizagem acontece a partir do confronto entre as diferentes formas

de pensar, emocionar-se e agir, no diálogo, na escuta, na comparação entre as ideias, saberes e

valores, construindo novos saberes e sentires, que busquem contribuir para a humanidade do

ser humano.

Uma educação para a humanização, portanto, supõe a promoção de um processo

educativo que possibilita ao sujeito se constituir enquanto ser social responsável, autônomo e

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

113

criativo; capaz de refletir sobre sua atividade e seu mundo. Consequentemente, demanda uma

ação cultural, de construções pessoais, interativas e sociais de modo de ser, de viver, de pensar,

sentir e agir dentro dos limites e possibilidades da sociedade em que se encontra.Assim, A educação, neste caso, passa a ser compreendida como atividades culturais para o desenvolvimento da cultura, promovendo suas positividades e ajudando a superar suas negatividades na direção da construção da humanidade de todos os seres humanos em todos os quadrantes da Terra. (SOUZA, 2009, p. 121).

As pessoas se educam e se humanizam construindo processos identitários, pelo

reconhecimento e pelas interações entre suas diferenças. Cada pessoa se constitui,

propriamente, como ser humano na medida em que aprende as culturas que constituem e

atravessam o contexto social em que vivem, ou seja, um processo humanizador e histórico que

faz o entrecruzamento do conhecimento da vida com o conhecimento sistematizado, como

salienta Paulo Freire (1978, p. 78):

A educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar e

Educação problematizadora consiste de caráter autenticamente reflexivo, implica num constate ato de desvelamento da realidade.

Nesse sentido, a educação é um processo que permite ao ser humano a produção de si

mesmo, na medida em que está presente a mediação e a ajuda do outro, possibilitando a

construção da pessoa humana enquanto ser social e singular. Para Alder Júlio Calado (2000),

deve associar e articular a realidade social para além das leituras científicas do mundo,

dialogando com o que forma o ser humano, suas subjetividades, seus desejos e inteligências,

numa relação entre Para isso, conhecimentos e saberes são utilizados

como elementos construtores da humanidade, ao mesmo tempo em que são construídos por ela,

a partir de diferentes instituições, processos culturais, sociais e educativos escolares e não

escolares 63.

Assim, a EP se efetiva a partir das dimensões do processo educativo, como uma opção

que

63 A terminologia formal/não formal/informal, de origem anglo-saxônica, foi introduzida a partir dos anos de

1960, é popularizada, a partir da Conferência sobre a Crise Mundial da Educação (1967), organizada pela UNESCO sob a direção de P. H. Coombs. Esta partição do universo educativo, bem como a sua delimitação terminológica, assim configurada desde a referida Conferência, prolonga-se até aos dias de hoje não de forma exclusiva ou consensual, mas ainda assim abundantemente referenciada quer no âmbito acadêmico, quer nos domínios político ou especificamente educativo.

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

114

surge da conjunção dialética de vários fatores sociais (econômicos-ideologicos) e pedagógicos inserida na práxis cotidiana de sujeitos coletivos e da escolarização popular. A Educação Popular se compreende como dinamizadora do aspecto organizativo pelo potenciamento da dimensão educativa própria não só das ações sociais, mas também do processo didático escolar. (SOUZA, 2004, p.169)

A necessidade de uma coexistência entre essas dimensões da Educação é enfatizada no

integração e complementaridade das práticas educativas destas diversas áreas, considerando o

Embora historicamente, o termo educação não formal esteja sendo utilizado, para

nomear práticas fora do âmbito das escolas, essa nomeação pode constituir um importante

limitador para a análise das inúmeras iniciativas de educação do campo e sua relação com o

complexo contexto atual, visto que muitas dessas práticas ocorrem como complementares a

educação escolar. Portanto, neste trabalho utilizaremos os termos escolar e não escolar para

nos referirmos aos processos educativos desenvolvidos pela escola, e os que são realizados por

outras instituições.

Essa concepção ampla de Educação foi se constituindo na América Latina e no Brasil,

no final do século XIX, e se firmou no século XX, conjuntamente com a adjetivação de

popular. Ocorreu principalmente a partir dos anos de 1960 e se expandiu a partir dos anos de

1980, delimitando sua singularidade de história e princípios:

A conotação popular converge na direção que identifica a opção filosófica, política, econômica, cultural de estar em sociedade como opção conscientemente crítica. Emerge como educação popular pelo principio de emancipação e propaga-se como projeto social em defesa da libertação humana (ROSAS, 2008, p. 102).

Essa denominação de popular se constitui como resultante dos processos socioculturais

e políticos das lutas das organizações populares, como expressão da resistência às estruturas de

dominação e, principalmente, das diferentes práticas educativas desenvolvidas em diferentes

campesino e posteriormente urbano, da experiência com produção artesanal à industrial. Nasce

103).

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

115

Na constituição desse conceito nos deparamos segundo Alder Júlio Calado (2000, p.14),

stratégias de dominação de um

lado, e, do outro, as diferentes manifestações de protagonismo dos Movimentos Sociais

conceito tenha apresentado diferentes significados, a partir do projeto de modernidade, o

popular vem sempre vinculado ao termo povo, muitas vezes entendido genericamente como

cidadãos ou população. Contudo, dentro do debate do campo popular, esse conceito assume

outra compreensão.

Segundo Oscar Jara (2009), o termo Povo é compreendido dentro de duas perspectivas:

como os que sofrem na sociedade as assimetrias de qualquer tipo: opressão,

povo político

classe popular, no momento que se articulam, se organizam e se põem em movimento contra a

interdição, a opressão e a segregação, porque sabem ser segregados e possuem, como diz

Paulo Freire (1978), potencial de (re)fundação social.

A discussão sobre o popular e sua vinculação com a educação leva também a uma

reflexão sobre as classes populares64, os movimentos sociais e a constituição do Campo

Popular, que, para Conceição Paludo (2009), são forças políticas e culturais contra-

hegemônicas que se articulam, conformando campos sociais, que guardam relação com a esfera

suas ações numa perspectiva de transformação social.

João Francisco de Souza (1999, p. 75) vincula o popular aos movimentos sociais, que

expressam correntes de opiniões capazes de firmar interesses contrários aos dominantes. O

autor conceitua os movimentos sociais como

grupos de pessoas com posicionamentos políticos e cognitivos similares, que se sentem parte de um conjunto, além de se perceberem como força social capaz de formar interesses frente a posicionamentos contrários de outros grupos. Pessoas que agem, afirmam posições e se sentem vinculadas. Expressam-se como correntes de opiniões sobre diversos campos da existência individual e coletiva, sobretudo dos segmentos sociais explorados, oprimidos e subordinados que passam a competir no mercado das idéias e no sentimento de pertenças (...) são força social atuante que se manifesta através de organizações e grupos de diversas e divergentes naturezas, amplitude e vigor.

64 Na conceituação de Wanderley (1987), classes populares no plural, compreende o operariado industrial, os

trabalhadores em geral, os desempregados, os indígenas, o campesinato, os funcionários públicos.

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

116

Portanto, os movimentos sociais começam a ser entendidos também como práticas

sociopolíticas e culturais da sociedade civil que visam à realização de seus projetos por uma

vida melhor (SCHERRER-WARREN, 1998), por conseguinte, sujeitos coletivos que se

articulam a partir de identidades pessoais e coletivas, na luta pelo reconhecimento de seus

direitos e pela afirmação de sua cidadania.

Nessa perspectiva, Povo, nesse contexto, longe de significar uma homogeneização

social, significa a diversidade dos explorados e interditados dentro de uma formação social. Na

, para nos referirmos aos

que produzem e reproduzem sua vida numa relação direta com a terra, a floresta e as águas, e

sofrem algum tipo de assimetria no campo brasileiro.

Para Oscar Jara (2009), o popular faz referência a um processo que busca superar as

struir relações eqüitativas,

justas, respeitosas da diversidade e da igualdade de direitos na busca do desenvolvimento pleno

Dessa forma, a construção da Educação Popular no Brasil, inclusive conceitualmente,

será marcada pelas contradições dos processos sociais e históricos e, principalmente pela

ressiginificação que ocorre no denominado Campo Popular, no que se refere ao papel dos

movimentos sociais populares dentro da sociedade, na sua relação com o Estado e nas

finalidades da Educação para o fortalecimento do protagonismo das classes populares dentro de

cada contexto histórico.

realidade. Realmente instrumental, porque integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e

106). Assumindo, uma concepção epistemológica que compreende o ser humano como sujeito

epistêmico, interativo, singular, constituído e constitutivo das relações sociais e culturais.

3.2 A constituição do Campo Popular e da Educação Popular: o aprendizado da liberdade

Um significativo tempo de construção da teoria e prática da Educação Popular teve nos

movimentos de cultura popular e de educação de adultos instrumentos de transformação social

e conscientização dos trabalhadores enquanto classe social e em Paulo Freire, o seu principal

referencial. O processo de formulação da concepção da Educação Popular começa no início dos

anos de 1960, tecidos inicialmente fora dos muros escolares, como o Movimento de Educação e

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

117

Cultura Popular, que foi precursor da visão crítica da escola e da educação intercultural no

Brasil (CARVALHO, 2004).

O marco dessa redefinição é o II Congresso Nacional de Educação de Adultos realizado

em julho de 1958 no Rio de Janeiro, que tinha como uma das finalidades uma avaliação por

parte dos profissionais da educação do que estava acontecendo no país com relação à educação

de adultos, visando ao seu aperfeiçoamento.

A multiplicidade de posições ideológicas defendidas pelos participantes começa a se

expressar a partir dos Seminários Regionais Preparatórios, quando começam a surgir novas

ideias da educação de adultos como instrumento de transformação social, cuja proposta foi

configurada no Seminário Regional de Pernambuco.

Nesse seminário, um documento foi organizado por uma pequena equipe da qual

participava Paulo Freire, que apresentou um documento intitulado: A Educação de Adultos e as

Populações Marginais: mocambos, chamando a atenção para as causas sociais do

analfabetismo e a importância de sua eliminação. Observa que, para isso, se faz necessário

partir do contexto no qual se realiza o processo educativo, pois, conforme o documento:

ínseca ao processo educativo, que não o permite reduzir-se a um simples processo intelectual, exige dele uma concordância com o contorno histórico-social da sociedade a que se pretende aplicar. (...) Conhecida, tão criticamente quanto possível esta realidade, em mudança constante, passará o processo educativo a trabalhá-la. (...), é fator também de mudança enquanto pode criar novas disposições mentais no homem, capazes de inseri-lo melhor na contextura histórico-cultural. Novas disposições mentais que lhe dêem, sobretudo, a possibilidade de melhor compreender a sua situação neste contexto. (FREIRE, 1958, p. 2).

A educação de adultos é uma referência para a constituição dos movimentos

pedagógicos que vão se estruturar a partir de então. De acordo com Vanilda Paiva (1985, p.

210-211), esse Congresso marca

O início da transformação do pensamento pedagógico brasileiro, com o

elaboração das idéias pedagógicas. Além disso, ele serviu também como estímulo ao desenvolvimento de idéias e novos métodos educativos para adultos. (...) nele predominou a posição do grupo mais favorável à participação política, através das bases eleitorais e à aceitação de que os problemas brasileiros se resolveriam através do aceleramento do processo de desenvolvimento e da mudança social que deveria acompanhá-lo.

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

118

O documento da equipe de Pernambuco trazia novos conceitos antropológicos com

relação aos adultos, à necessidade de uma maior eficiência tecnológica e metodológica no

ensino e, principalmente, pela reflexão sobre o social no pensamento educacional. Assim, o

reduzir-se a um mero trabalho de alfabetização, ou de simples suplementação ou

seja, precisava preparar

desenvolvimento, por isso

Afasta ou invalida, de saída, qualquer trabalho educativo que se faça sobre ou para o homem. De fato, a consciência crítica de processo em que nos achamos, nos chegará na medida em que trabalharem conosco e não sobre nós. Conosco e com nossa realidade, mergulhados nela. E o trabalho educativo numa democracia, parece-nos, dever ser eminentemente um trabalho com Nunca um trabalho verticalmente sobre ou assistencialisticamente para o homem (FREIRE, 1958, p. 3 grifos do autor)

No interior desse Congresso, conforme Vanilda Paiva (1985, p. 209), é possível

identificar quatro posições diferentes, assumidas pelos educadores presentes:

a) a posição que entende a educação de adultos como instrumento que previne a

subversão (...);

b) a posição que vê a educação como um risco para evitar perturbações sociais, que

poderiam ocorrer com uma alfabetização em massa da população rural, sem as

medidas efetivas para sua fixação no campo;

c) a posição que vê a erradicação do analfabetismo, a fim de que houvesse uma

verdadeira democracia; e

d) a posição que vê a educação como instrumento de transformação social e construção

da sociedade futura, sob a influência do nacionalismo.

Segundo a autora, as disputas existentes dentro e fora do II Congresso não

possibilitaram que medidas governamentais concretas fossem tomadas na direção dessa

concepção. No entanto, mudanças significativas começam a acontecer no Campo Popular no

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

119

Os Movimentos Educativos Populares: a sementeira da Educação Popular

A contribuição dos movimentos educativos populares tecida inicialmente fora dos

muros escolares, como movimentos de Cultura Popular, nos Círculos de Cultura, como uma

ser compreendidas também como estratégias de luta para a sobrevivência e libertação das

camadas populares, que vão influenciar o surgimento de diversos movimentos de Educação

Popular (CPC65, MCP66, MEB67, De Pé no Chão também se aprende a ler68); e movimentos da

ação católica (JAC, JEC, JIC, JOC, JUC)69, na proposta da Pedagogia da Alternância70, que

se desenvolvia no país desde o final dos anos de 1960 e no surgimento das primeiras

organizações camponesas (Ligas Camponesas, ULTAB, MASTER).

Os movimentos ligados à Igreja Católica71 foram construídos sob a influência do

Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, baseados no pensamento teológico de

Jacques Maritain e no personalismo de Emmanuel Mounier e Teilhard de Chardin, com uma

forte participação de leigos engajados nos movimentos populares da Educação.

A partir da organização do laicato jovem para intervenção na realidade, esses

movimentos desenvolvem uma metodologia conhecida como Revisão de Vida, cujo método

VER-JULGAR-AGIR, desenvolve-se em três momentos: partir da realidade, da vida dos

jovens (ver), confrontar os desafios levantados pela realidade com a fé (julgar) e partir para

uma ação transformadora do meio (agir). Tal metodologia enfatiza a Formação na Ação, a

65 Os Centros Populares de Cultura, vinculados à União Nacional dos Estudantes, foram criados em abril de

1961. Cujo foco de ação era o trabalho com cultura e alfabetização. 66 O Movimento de Cultura Popular, criado em maio de 1960, era vinculado à prefeitura do Recife, com trabalho

na área de cultura, formação profissional, alfabetização, esportes e atividades para adolescentes e educação infantil.

67 O Movimento de Educação de Base, criada pela CNBB, em 1961, atuava com uma rede de escolas radiofônicas para alfabetização e escolarização.

68 A Campanha de Pé no Chão também se aprende a ler, criada em fevereiro de 1961, pela Secretaria Municipal de Educação de Natal, resultou da própria evolução da rede escolar municipal, por meio da ampliação da escolarização com as crianças, jovens e adultos.

69 Os grupos da Ação Católica Especializada - JAC (Juventude Agrária Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica), JIC (Juventude Independente Católica), JOC (Juventude Operária Católica) e a JUC (Juventude Universitária Católica).

70 A Pedagogia da Alternância é considerada por Claude Gimonet (2007) como a pedagogia da complexidade e cooperação porque busca articular a formação, integrando dois espaços: a escola e a família/comunidade e conta para isto com vários atores, não se restringindo à ação educativa apenas para alunos e professores(as) em sala, mas com pais, profissionais do meio, lideranças das comunidades, etc...

71 A Ação católica especializada deve muito ao Pe. Cardjin que, trabalhando com jovens operários na periferia de Bruxelas, formulou os alicerces para o trabalho, como, por exemplo, o laicato como elemento fundamental para a organização, uma formação na ação e não apenas teórica, uma fé vivida no engajamento social e pedagogias para despertar o espírito crítico.

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

120

organização de pequenos grupos em cada comunidade, escola ou local de trabalho, na seleção

dos conteúdos da formação a partir da realidade social dos jovens e afirmação de uma prática

transformadora.

Esse trabalho formativo contribuiu para abrir caminhos no engajamento da Igreja em

questões políticas e sociais e na formação das lideranças jovens que se inseriram nas lutas

estudantis, sindicais e políticas desse período e posterior a ele.

Essa experiência resultou em várias práticas educativas no campo que, hoje, com suas

devidas reformulações, utilizam metodologias similares no sentido de partir da realidade,

aprofundar o conhecimento e ter uma ação transformadora na realidade, tendo esta como

elemento central dos conteúdos a serem trabalhados na formação.

Outra iniciativa educativa vinculada à Igreja foi à desenvolvida pelo Movimento de

Educação de Base MEB, que desenvolveu uma metodologia através de uma rede radiofônica

descrita como

O sistema composto de professores, supervisores, locutores e pessoal de apoio que se encarregavam da preparação dos programas transmitidos pelas emissoras das dioceses e acompanhados pelos monitores da própria comunidade, formados pelo MEB para orientar os alunos sob as aulas transmitidas pelo rádio. (PAIVA, 1985, p.112).

O trabalho educativo tinha como finalidade a conscientização e mudança de atitudes.

Por isso, extrapolava a escola radiofônica, atuando nas comunidades rurais, principalmente com

a participação na sindicalização rural com trabalho nas escolas rurais e nas paróquias para

formação de lideranças rurais apoiadas pela Campanha Nacional de Educação Rural - CNER72.

Uma das formas mais ricas de trabalho pedagógico desenvolvido foi a Animação

Popular, baseada numa experiência do Senegal, que consistia em encontros das comunidades

para reflexão política, aprofundamento das discussões e ação para a transformação de situações

vividas pela comunidade.

Assim, fomentou-se uma base coletivo-associativa, a partir da realização de mutirões de

trabalho, festas, mobilizações por educação e saúde, teatros populares, produção artesanal,

fortalecimento dos grupos e manifestações folclóricas da comunidade etc., formando lideranças

que passavam a coordenar os trabalhos em cada comunidade. O MEB foi um dos programas

72 Campanha Nacional de Educação Rural, criada em 1952, com o objetivo de investigar e pesquisar as

condições econômicas, sociais e culturais do campo, preparar técnicos para realizar educação de base ou fundamental no campo, por meio dos centros de treinamento de lideres rurais, os centros sociais rurais, as missões rurais e as semanas educativas. Sua tônica era o desenvolvimento comunitário.

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

121

que não se extinguiu com o golpe militar em 1964, embora tenha sofrido diminuição em suas

atividades e alterações na sua coordenação e concepção político-pedagógica.

A concepção da educação como emancipação humana, de uma educação do povo e não

para o povo, o resgate dos valores culturais, a comunicação, a criatividade, o estímulo a

participação e criticidade foram princípios construídos com essas diferentes práticas educativas,

e que constituíram as sementes da concepção da Educação Popular.

As primeiras organizações camponesas: a semente da organização de classe

A aceleração do processo desenvolvimentista a partir da década de 1950 acarreta

mudanças econômicas e sociais, aprofundando a situação de miséria, em que vivia a população

do campo. O aumento dos trabalhadores (as) assalariados, sem direitos trabalhistas, a relação

tutelada dos moradores com os fazendeiros da cana de açúcar e do café, o aumento da migração

em busca de terras e a influência do pensamento socialista e cristão fizeram surgir as primeiras

organizações camponesas.

O Movimento dos Agricultores Sem Terra (Máster) foi a primeira organização a surgir

no campo, em 1950, no Rio Grande do Sul, a partir da resistência de 300 famílias de posseiros,

pela permanência na terra. Inovava com relação às formas de luta, pois executava a ocupação

de terras, formando acampamentos e organizando estratégias de defesa, dentro das terras dos

latifundiários, em áreas previamente escolhidas.

A União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB) foi criada sob

a influência dos comunistas no campo brasileiro. A entidade foi fundada na II Conferência

Nacional em São Paulo, em 1954, com o objetivo de criar as organizações locais nas

comunidades rurais e a sindicalização rural, assumindo como bandeiras de lutas: direitos civis e

políticos dos camponeses, direito dos assalariados rurais, luta pela reforma agrária e luta pela

soberania nacional.

As Ligas Camponesas têm sua referência de criação na luta empreendida por moradores

do Engenho Galileia em Pernambuco, em 1955, que se tornou uma das maiores referências da

luta camponesa na região Nordeste. Faziam um trabalho de denúncia, agitação, resistência na

terra e mobilizações, utilizando de diferentes estratégias para organizar e formar os

trabalhadores: conversas na feira, na missa, nos locais de trabalho, boletins, cordéis etc. e,

dentre as reivindicações das Ligas, a escola já aparecia como um direito importante para os

trabalhadores (as) do campo.

A existência das Ligas Camponesas, da ULTAB, do Master e a influência do PCB e da

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

122

Ação Popular- AP73 fizeram com que a organização dos trabalhadores (as) rurais nas ligas

camponesas e nos sindicatos fosse acelerada, as bandeiras de lutas atualizadas e ampliadas e

estabelecidas linhas de ação comum. O processo de articulação entre essas três organizações

em torno de lutas comuns, apesar das diferentes correntes de pensamento existentes em cada

uma delas, culminou como Congresso Nacional para criação da Confederação, o que ocorreu

em 22 de dezembro de 1963, com a participação de trabalhadores rurais de 18 estados. Nesse

torna-se a primeira entidade sindical camponesa de caráter nacional.

Ajustou em seu interior diversas concepções e correntes de pensamentos, setores da Igreja,

CONTAG).

Essas diferentes iniciativas políticas e educativas vão ser o celeiro para a formulação de

uma nova concepção de Educação Popular, reforçando a afirmação de João Francisco de

SOUZA (1999), no sentido de que os movimentos sociais populares que surgiram neste período

representam um encontro cultural entre intelectuais e populares, à medida que são resultados

dos processos de dominação existentes na sociedade e a organização de grupos de reflexão, da

ação cultural, de ajuda mútua, de reinvidicação, construindo, assim, uma concepção que é

política e pedagógica da Educação Popular, como uma prática educativa vinculada aos

movimentos sociais na perspectiva da transformação social.

Portanto, a Educação Popular se constrói na relação com os movimentos sociais,

realizados por setores mobilizados da sociedade civil, tendo como sujeitos mulheres e homens,

jovens e adultos, das classes populares, é impulsionadora e resultante da luta destes

movimentos por vida digna e justiça social.

3.3 A interdição do Campo Popular e da Educação Popular: o aprendizado da

perseverança

O golpe de 1964, que implantou o Estado da força e da repressão institucionalizada,

violentou a concepção de educação que vinha se desenhando no Brasil a partir das diferentes

iniciativas pedagógicas e políticas organizadas pela sociedade civil, com o fechamento dos

canais de participação e representação, impondo limites e controle ao acesso dos segmentos

73 Foi formada em Belo Horizonte (MG), em 1962, a partir de grupos de operários e estudantes ligados à Igreja

Católica: a Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude estudantil Católica (JEC). Deslocou militantes para a área rural do nordeste para realização de trabalho de formação política e alfabetização junto aos camponeses.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

123

populares aos bens educacionais e sociais. Educadores (as) comprometidos(as) e lideranças

foram perseguidos e exilados, as Universidades sofreram intervenções e os movimentos

populares foram desarticulados e extintos.

perigo para a estabilidade do regime, para a preservação da o

p. 259). Nesse sentido, desencadearam-se forte repressão sobre as organizações populares,

movimentos de Educação Popular, de intelectuais e estudantes, deixando-se de lado durante os

dois primeiros anos do governo militar qualquer iniciativa no campo da educação de adultos.

As ações de alfabetização começam a ser retomadas apenas em 1966, a partir da pressão

exercida pela UNESCO, com relação ao problema do analfabetismo e suas implicações para o

desenvolvimento do País.

O contexto político da ditadura militar, marcado pela forte repressão contra os

educadores (as) populares, as organizações políticas e, especificamente, as organizações

camponesas, aliadas à concepção tecnicista que se instala na educação e um pessimismo

pedagógico, resultado de certa leitura das teorias da reprodução74, fazem com que as iniciativas

de resistência à ditadura militar, com formação de grupos de educação de adultos, de formação

sindical e popular, ocorram principalmente a partir da Igreja e das organizações não

governamentais.

A Conferência dos bispos da Igreja Católica em Medellín, em 1968, formula a Teologia

da Libertação, expressão genuína da igreja na América Latina, que retoma nos seus

fundamentos e princípios pedagógicos a Educação Popular, iniciando em várias partes do País

um trabalho de formação de lideranças e organização de comunidades eclesiais de base que vão

ser a semente de muitas organizações operárias e camponesas, de resistência às ditaduras

implantadas na maioria dos países latinos americanos.

Desse processo, surgem as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs e as diversas

pastorais, sempre ligadas aos grupos sociais minoritários, a saber: Pastoral da Terra, do Menor,

da Mulher Marginalizada, da Criança, da Juventude, Migrantes, dentre as quais destacamos a

Comissão Pastoral da Terra- CPT, que iniciou seu trabalho pastoral em 1975, na organização

dos camponeses para resistir na terra e lutar pela Reforma Agrária. O trabalho comunitário e de

pequenos grupos foi a estratégia adotada durante muitos anos para resistir e formar novas

74 As teorias da reprodução em educação (Althusser, Bourdieu e Passeron) ganharam nos espaços educativos

uma leitura superficial e restrita a alguns conceitos, o que levou muitos educadores(as) a não apostarem na escola enquanto um espaço de construção de um sujeito crítico e transformador.

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

124

lideranças durante a fase da ditadura. Eram organizações quase clandestinas em grande parte

fomentadas ou apoiadas pela Igreja.

A Educação Popular buscou novos caminhos, atuando às margens das práticas oficiais

implementadas pelo governo militar e, com isso, desenvolveu também um sistema alternativo e

paralelo ao Estado, centrado principalmente na Educação de Adultos. E é dentro desse

contexto, inclusive, que se organizam as Escolas da Pedagogia da Alternância no final da

década de 1960. Trataremos dessa Pedagogia no capítulo quatro deste trabalho. Dessa ótica,

não pode ser realizada pelo

Estado, que, afinal, aparece como inimigo, na medida em que se dá por suposto uma perfeita

identidade entre ele e as classes dominantes, entre ele e o capital (PAIVA, 1985, p. 82).

No final da década de 1970, diferentes análises tornam visíveis e publicizam a falácia

desse modelo desenvolvimentista, que tem como consequência as desigualdades regionais, a

pobreza crescente, a negação de liberdades individuais e coletivas, a concentração da riqueza.

A sociedade começa a reagir aos tempos de autoritarismo e repressão. Os movimentos sociais

assumem um caráter de luta pela democratização da sociedade, de conscientização popular e

reinvidicação dos direitos, fazendo com que os diferentes trabalhos situados no campo da

educação popular (educação política, formação de lideranças, alfabetização de adultos)

comecem a ser pensados dentro de uma análise crítica de sua relação com a educação escolar e

da formação para o trabalho.

Nesse período, esses movimentos buscavam autonomia perante o Estado autoritário

(1964-1985) marcado fortemente pela centralização das decisões e dos recursos financeiros,

negando-se as relações clientelistas e de tutela.

A Educação Popular que, nas décadas de 1960 e 1970, era tida como a prática que se

desenvolvia na educação não formal, especialmente, com adultos, concepção aprofundada pela

leitura da obra de Althusser de que a escola seria espaço de reprodução da ideologia do sistema,

em função do controle que o Estado exercia sobre a mesma e seus agentes.

A década de 1980, marcada pelo processo de democratização da sociedade, coloca a

escola como espaço de confronto e de disputa de interesses. A visão da prática educativa,

contribuindo para a resistência e a transformação, suscita o debate da escola como espaço

fundamental de proposição e prática da Educação Popular.

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

125

3.4 A ressignificação da Educação Popular: o aprendizado do direito e da autonomia

O início da abertura política e da redemocratização do país na década de 1980 vai

encontrar uma sociedade civil ávida por sua autonomia em relação ao Estado, com necessidade

de organizações de base, de mobilizações de massa para encher as ruas, praças e campo do

país.

O contexto nacional e internacional de implementação do projeto neoliberal, a

submissão do Brasil ao mercado global, o crescimento da pobreza e a concentração da riqueza

dentre outros aspectos vão provocar mudanças nas estratégias de intervenção social dos

que se refere às formas de lutas, aos paradigmas que norteavam os movimentos e aos desafios

da globalização.

Na década de 1980, esses movimentos começam a mudar a estratégia em sua relação

com o Estado. O tema da participação da sociedade civil nos espaços públicos de decisão ganha

força durante o processo de transição do regime autoritário para o democrático. Nesse

momento, buscava-se o direito ao voto, à organização e a se manifestar livremente. As lutas dos

movimentos sociais se intensificam durante o processo Constituinte, demandando, entre outras

questões, o reconhecimento dos direitos educacionais da população.

A implementação do projeto neoliberal mais aceleradamente nos anos 1990 traz uma

redução do papel do Estado nas políticas públicas, com a chamada Reforma de Estado, o que

impacta sobremaneira a democratização em curso e as estratégias vivenciadas pelos

movimentos sociais populares. Enquanto o liberalismo político clássico colocou a educação

entre os direitos do homem e do cidadão, o neoliberalismo, segundo Tomás Tadeu da Silva

(1995, p.21), promoveu a regressão da esfera pública, na medida em que aborda a escola no

âmbito do mercado e das técnicas de gerenciamento, esvaziando, assim, o conteúdo político da

cidadania, substituindo-o pelos direitos do consumidor.

Pode mesmo dizer-se que a construção dos modernos Estados-nação não prescindiu da

educação escolar na medida em que esta se assumiu como lugar privilegiado de transmissão (e

legitimação) de um projeto societal integrador e homogeneizador, isto é, um projeto que

pretendeu sobrepor-se às múltiplas subjetividades e identidades culturais, raciais, linguísticas e

religiosas originárias. Boaventura Souza Santos (2001, p. 26), a esse propósito, afirma:

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

126

Os Estados-Nação têm tradicionalmente desempenhado um papel algo ambíguo. Enquanto, externamente, têm sido os arautos da diversidade cultural, da autenticidade da cultura nacional, internamente, têm promovido a homogeneização e a uniformidade, esmagando a rica variedade de culturas locais existentes no território nacional, através do poder da polícia, do direito, do sistema educacional ou dos meios de comunicação social, e na maior parte das vezes por todos eles em conjunto.

No Campo Popular, começamos a perceber que existem diferentes formas de opressão e

subordinação dos seres humanos, que a classe é uma delas e que, mesmo a classe trabalhadora

do campo, não possuía uma única fisionomia, era plural, heterogênea na forma de produzir e

essa idéia, ao demonstrar a possibilidade prática da pluralidade de sujeitos em lutas por

impactos da globalização neoliberal, a emergência de temáticas relacionadas ao meio ambiente,

à questão de gênero, geração, raça/etnia e o surgimento de novos movimentos sociais quebram

a homogeneidade de uma leitura política centrada num sujeito único da transformação social e

a percepção de que existem diferentes formas de opressão e subordinação dos seres humanos,

sendo a classe uma delas. Portanto, a classe trabalhadora tem uma identidade plural,

movimentos sociais, no Brasil e no Mundo, derrotou essa idéia, ao demonstrar a possibilidade

prática da pluralidade de sujeitos em lutas por transformações em campos diferenciados da vida

reinvidicação, mobilização e denúncia à proposição e participação no controle e gestão social

das políticas públicas.

Num processo de conflito, disputa e negociação permanentes, os movimentos sociais

perspectiva de pensar o projeto político de transformação.

Para Conceição Paludo (2001), a estratégia geral do campo popular foi a construção do

poder popular e, nesse sentido, o grande aprendizado da década de 1990 foi a compreensão de

que não é mais possível concentrar todos os esforços num único movimento (...) dada a pluralidade de sujeitos que compõem esse campo, com suas diversas práticas dos movimentos organizados verticalmente, aos pequenos grupos, as redes e outras formas (...) e, portanto o grande desafio é articular esta pluralidade de métodos, ou formas organizativas e opções de intervenção política que fizeram avançar na formulação de um projeto futuro que parece tomar a forma de um novo projeto para o Brasil, buscando ampliar ainda mais

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

127

esse campo a partir do estabelecimento de identificações em referenciais mais gerais, tanto teórico-político quanto de valores, capazes de nessa pluralidade, sedimentar um sentido comum de direção. (PALUDO, 2001, p. 204).

Nessa perspectiva, Paulo Freire (2008) é bastante enfático ao salientar a necessidade da

unidade na diversidade dos que possuem, entre si, diferenças não antagônicas. É preciso que os

diferentes ultrapassem o seu grupo e compreendam que a unidade é fundamental para a

transformação radical do sistema que causa e intensifica, por exemplo, o machismo e o

(FREIRE,

2008, p. 69).

A redemocratização da sociedade, a partir dos anos de 1980, coloca do ponto de vista

organizativo outro elemento que é o surgimento dos Centros de Educação Popular, ou entidades

de apoio, constituídos em sua maioria por militantes cristãos, estudantes, intelectuais, que

buscaram resgatar a concepção de Educação Popular gestada nos trabalhos da década anterior,

com a finalidade de assessorar o movimento sindical e popular que começava a se rearticular

no país.

A institucionalização das Organizações Não Governamentais

ser denominadas de terceiro setor, e se situam pretensamente entre o Estado (primeiro setor) e o

Mercado (segundo setor), será a principal instituição a partir da década de 1980 no trabalho da

Educação Popular.

Mesmo nas ONGs que tiveram uma origem vinculada aos movimentos sociais, nem

sempre a direção política vinculou-se às suas decisões, visto que, enquanto para os movimentos

sociais a essência de sua existência é a da militância, para as ONGs, o cerne de suas realizações

é o trabalho. No entanto, sempre tivemos organizações que assumiram a assessoria dos

movimentos sociais na formação dos trabalhadores (as) e no desenvolvimento de atividades

técnicas.

inclusive para implementar políticas governamentais, numa relação financeira e política direta

com o Estado, buscando construir convênios junto ao poder público e/ou privado e conseguindo

subsídios financeiros e/ou operacionais, a fim de implementar suas propostas de ações.

Em alguns casos são apoiadas por outras ONGs, gerando assim uma rede social que tem

como compromisso encontrar soluções para os problemas da sociedade. Como apresenta Glória

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

128

Gohn (2006, p. 315), as ONGs saíram da sombra, deixaram de ser meros suportes técnicos em

orientações tidas como pedagógicas e financeiras às lideranças.

Nesse sentido, há uma presença significativa das organizações não governamentais na

rede da Educação do Campo, no trabalho de assessoria ao poder público, na produção de

materiais didáticos, no acompanhamento e coordenação de programas governamentais de

escolarização e no desenvolvimento de ações complementares à escola.

Na EP os anos de 1980 trazem a perspectiva de atuação dentro do sistema educacional.

A escola pública torna-se um espaço importante para o desenvolvimento da teoria e prática da

educação popular. Essa questão foi objeto de debates intensos entre os teóricos da EP que se

posicionavam favoráveis ou contrários a essa área de atuação.

Uma primeira visão identificava a educação popular, prioritariamente, como o conjunto

das práticas educativas vinculadas aos movimentos sociais de base, que fortaleceriam as classes

populares como o sujeito do poder popular na luta pela hegemonia.

Dentro desta visão, identificamos a produção de Silva Manfredi (1987), que defende a

Educação Popular como aquela que se associa as lutas situadas na esfera da sociedade civil,

portanto, que não passe pela normatização do Estado e de seus signos ideológicos. Dessa

forma, a Educação Popular só poderia ser desenvolvida nos espaços dos movimentos sociais e

das organizações da sociedade civil

Por outro lado, o sistema escolar tem como sujeito precípuo o Estado, tradicionalmente

estruturado e controlado pelas classes dominantes:

Se aceitarmos as premissas gramscianas de que a maior parte dos organismos culturais, principalmente a escola, assegura a transmissão de uma concepção de mundo que permite a hegemonia da classe dominante sobre as demais classes, e que a concepção de mundo das classes subalternas é por essência heteróclita (pois constitui um amálgama de concepções de mundo da qual também, e, principalmente, fazem parte elementos da ideologia dominante), uma prática educativa que pretenda ser um veículo de contra ideologia deveria caracterizar-se por ser uma prática independente e autônoma do ponto de vista ideológico. (MANFREDI, 1987, p. 55).

Esse argumento é reforçado pelos teóricos vinculados à teoria crítico-social dos

conteúdos, ao colocar que a Educação Popular realçava excessivamente as metodologias em

sala de aula, as relações democráticas e o universo cultural dos educandos(as), não

considerando apropriadamente a importância do conteúdo curricular.

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

129

Portanto, não era adequada como teoria para a educação escolar, pois esvaziaria a escola

de sua finalidade, a de transmitir um saber sistematizado de qualidade, por enfatizar não a

aquisição do conhecimento, mas os métodos de sua aquisição.

A simplificação desses argumentos fez com que o embate teórico, político e

epistemológico, inicialmente, não avançasse na formulação de teorias pedagógicas para as

escolas destinadas às camadas populares do Campo, das cidades do interior e das periferias

urbanas. Tais argumentações apontam para uma desvalorização da escolarização universal e

gratuita como uma conquista dos trabalhadores e passa a ser vista apenas como espaço de

preparação da formação de trabalho para o capital e de reprodução ideológica das classes

dominantes.

Posicionamento diferente encontramos, dentre outros autores, em Vanilda Paiva (1987),

cuja análise desenha-se em torno de uma crítica a essa postura. Recolocando a problemática da

relação Estado e Educação Popular, compartilha não somente da dúvida sobre os pressupostos

que subjazem à rejeição do Estado como uma região possível de promoção da EP, como

também colabora para tecer teoricamente a produção de um deslocamento e de uma fissura na

centralidade mesma do significado da expressão Educação Popular. Vejamos essa questão nas

palavras da própria autora:

Tendemos hoje a considerar a educação popular, definida como aquela que atende aos interesses das classes populares, é uma educação que se passa fora do sistema formal de ensino, sendo portanto basicamente educação de adultos (seja aquela que visa à aprendizagem de conteúdos específicos diversos, vinculados aos anseios e iniciativas da população e à sua educação política, seja a que se realiza através de diferentes formas de luta social: luta pela terra, pelos terrenos urbanos para habitação, luta sindical, etc.). Acredito que boa parte dos presentes incluindo-me entre eles estaria de acordo em privilegiar esta forma de educação popular, ou seja, aquela que ocorre no bojo do movimento popular. Isto, porém, não nos deve impedir de ver que a educação popular não se restringe a ela, mas engloba toda a educação que se destina às classes populares: a que se vincula ao movimento popular de forma direta, mas também a que é organizada pelo Estado, incluindo-se aí o ensino através do sistema de educação formal destinadas aos jovens e adultos e também a população em idade escolar. (PAIVA, 1987, p.80).

Assim, dizer que a Educação Popular não cabe na escola é pouco. É preciso explicitar

em que escola de que sociedade ela não cabe. Dessa forma,

Admite-se e deseja-se, nestes novos tempos, que esta concepção de Educação popular não seja adequada exclusivamente para os espaços não-formais de educação. Aposta-se na sua capacidade de disputa na rede oficial de ensino, embora se admita que sua ressignificação e fecundidade sejam maiores nos

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

130

espaços não-formais, visto que muito mais liberta das amarras que prendem os espaços formais e porque exercida por indivíduos que possuem por ela uma opção clara, o que não significa estar, como tudo na vida, isenta de contradições. Considera-se que esta tarefa é mais fácil de ser levada a efeito quando existem governos democráticos e populares, mas também quando eles existem, admite-se a possibilidade, desde que os sujeitos educadores queiram orient

subalternas. (PALUDO, 2001, p. 206-207).

O ponto de partida deve ser exatamente a crítica ao projeto educativo imposto pelo

interesse ideológico dominante, a contraposição a esse projeto e a configuração de uma escola

com os princípios e fundamentos da Educação Popular, transformando sujeitos que poderão

fazer opções humanas fundadas na autonomia, na liberdade, na democracia, na construção de

conhecimentos que favoreçam o seu engajamento nas ações e organizações de emancipação da

sociedade. Ou como nos coloca Conceição Paludo (2001, p. 76):

Situar a escola perpassada pela luta de classe remete a Gramsci e para além das teorias sociológicas funcionalistas e crítico-reprodutivistas das relações entre escola-sociedade, fazendo compreender que a educação é uma prática social que está inserida num contexto global, mas construída cotidianamente por pessoas concretas, com as leis e apesar das leis. Isto é a educação como prática social instituída, é um espaço importante de disputa de hegemonia, de produção individual e coletiva de significados e práticas que podem indicar para além da promoção de oportunidades individuais de melhoria de vida para alguns, apontando na direção da articulação da construção do saber escolar

(trabalho formal, informal e autônomo) e com a política, concretizando no cotidiano a formação do homem omnilateral e de uma concepção de mundo.

Moacir Gadotti (1982), por exemplo, acentua o fato de que o Estado não é somente

contraditório, mas complexo e plural. Graças a isso, ele se configura como uma instância

demandatária de políticas públicas de todas as ordens. Desse modo, a sociedade precisa

demandar e exercer o controle social adequadamente das políticas públicas em função de seus

interesses concretos. Nessa perspectiva, coloca o autor que

A educação popular implica não só a formação consciente do cidadão sua função conscientizadora mas também o fortalecimento das organizações do controle público, popular e comunitário sobre o Estado sua função organizadora. Só o controle político da sociedade civil, altamente organizada, sobre o Estado, pode garantir as conquistas democráticas na sociedade. (p. 65).

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

131

Nesse cenário de democratização das estruturas políticas e espaços públicos,

precisamos pensar o alcance e os limites de uma prática educativa que contribua para a

cidadania:

Não dá para dizer que a educação crie a cidadania de quem quer seja. Mas, sem a educação, é difícil construir a cidadania. A cidadania se cria com uma presença ativa, crítica, decidida, de todos nós com relação à coisa pública. Isso é dificílimo, mas é possível. A Educação não é a chave para a transformação, mas é indispensável. A Educação sozinha não faz, mas sem ela também não é feita a cidadania. (FREIRE, 1995, p. 74).

É nessa perspectiva que as lutas dos movimentos sociais populares começam a

incorporar em sua agenda a escola pública como fundamental para a afirmação de sua

cidadania e de sua constituição, enquanto sujeito social e político. Numa perspectiva posta por

Eliete Santiago (1990, p. 27), a escola

não se restringe ao estritamente escolar. Não se limita à abordagem interna da educação, mas estando integrada à finalidade social mais ampla, a de servir como um dos instrumentos úteis á transformação estrutural da sociedade, ao permitir que os filhos dos trabalhadores elaborem, ampliem, se apropriem e usem o conhecimento que lhes permitirá o acesso e o trânsito na sociedade, compreendendo-a.

No entanto, a Educação Popular como teoria e prática da Educação é mais do que a luta

pela cidadania, incorpora necessariamente a emancipação humana como finalidade da prática

educativa, é um instrumento para a transformação de todas as formas de assimetrias e opressão

dentro da sociedade de classe.

Assim, precisa ultrapassar os avanços significativos postos pela luta pela cidadania

como parte integrante da emancipação política, por isso mesmo deve ser superada não, porém

(...) como um momento histórico para além do capital, é que representa o espaço

indefinidam

2005, p.241).

Desse modo, a Educação Popular retoma vigência e sentido, porque é necessário

recuperar seu papel de contribuir para a emancipação humana, no sentido de construção de

autonomia, de uma nova sociabilidade na qual os seres humanos sejam realmente livres, e

tenham acesso a todas as produções materiais e imateriais que constituem o patrimônio da

humanidade para além das limitações e alienação imposta pelo capitalismo.

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

132

A Educação torna-se mediadora para a construção desta sociabilidade plenamente

emancipada, portanto, atravessada pelos antagonismos sociais da sociedade de classes em que

vivemos. Pois,

o ente para acabar com as classes sociais e decretar a inexistência de interesses antagônicos entre elas, como não tem forças para acabar com os conflitos e a luta entre elas. (...) A luta não nega a possibilidade de acordos, de acertos entre partes antagônicas. Os acordos fazem parte da igualmente da luta. (FREIRE, 2008, p.93).

Nessa itinerância que fizemos pela Educação Popular, percebemos que ela é, ao mesmo

tempo, frágil e múltipla, aparece em diferentes cenários, envolve sujeitos diversos sempre na

perspectiva de atores/autores sociais, pessoas humanas, que sonham aprender e conhecer o

mundo, e agir nele. Revisita, sem cessar, uma ideia posta por Paulo Freire (2008, p. 70-71):

partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e não ficar, permanecer. superá-lo não é ficar nele.

O conhecimento do contexto histórico e social, em suas dimensões universais e

particulares, é requisito fundamental, pois o processo educativo se desenvolve em situações

concretas. A realidade e sua teorização se assentam, portanto na materialidade das formas de

produção e reprodução da vida, e a escola tem o papel de ajudar o sujeito a se apropriar,

sistematizar e ampliar estes conhecimentos.

O grande aprendizado da atualidade é de que o desafio histórico é construir algo novo, o

históricas,

-

construir as condições para que a essência da humanidade se materialize no cotidiano.

A Educação Popular fomentadora de uma práxis libertadora, oferece muitas reflexões

para repensar o mundo atual à luz do projeto de reconstrução da ação crítica libertadora. O

ponto de partida dessa tarefa reside no fato de que a exclusão e opressão social não

desapareceram. Muito pelo contrário, ampliaram seus quadros acrescentando a novos

contingentes populacionais as consequências de sua lógica perversa. Neste sentido,

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

133

não é a educação que forma para, mas são os diferentes sujeitos que vão criando uma nova educação, que se traduz em novas formas de relações sociais, na medida em que se inserem em processos, vivenciam e refletem sobre o realizado. O conhecimento dos próprios sujeitos, o conhecimento científico, os métodos de análise, a crítica e a auto-crítica, etc. são instrumentos através dos quais os educadores, os educandos, as lideranças, os dirigentes, enfim, os diferentes sujeitos estudam a realidade no seus múltiplos aspectos, buscando conhecê-la e transformá-la.(PALUDO, 2001, p. 189).

A Educação Popular, neste trabalho é vista como prática educativa e uma teoria da

educação, e vincula-se a uma multiplicidade de ações, que tem como princípios fundamentais:

A concepção do ser humano como sujeito construtor da história individual e coletiva;

A realidade tomada como conteúdo pedagógico básico da escola;

O papel das classes populares no processo de transformação da sua realidade;

A necessidade da organização, da articulação, construção de redes e fortalecimento do

protagonismo político;

A dimensão cultural como fundamental para uma leitura crítica da realidade;

A construção das identidades e a vivência da interculturalidade;

A dimensão ética como aporte para a vivência dos valores, do diálogo, da participação;

A dimensão psicoafetiva e a importância que tem o amor, a alegria, a afetividade e a

espiritualidade para a formação humana.

Portanto, a formação humana integral pressupõe necessariamente a emancipação

humana. Discutir a emancipação humana, como um dos constituintes da Educação Popular

(EP) requer explicitar as ideias em torno do projeto de libertação humana, que se inscreve na

perspectiva do materialismo histórico e dialético, sendo a liberdade uma luta pela humanização

e hominização e contra a coisificação por qualquer estrutura assimétrica de poder e saber.

A EP enquanto teoria e prática requer uma opção político-pedagógica dos sujeitos da

escola, por uma utopia orientadora do processo educativo, conforme MELO NETO (2004, p.

159):

Ser popular é tentar alternativas. É estar realizando o possível, mas que, ao se realizar, abre, contraditoriamente, novas possibilidades de utopias, cuja negação trata os elementos já efetivados e tentativas de novas realizações. (...) A utopia da democracia tem um valor permanente e deve ser vivida sem qualquer entrave. Precisamente, nos espaços da realização e da não realização, estas são suas contradições e dificuldades maiores. Entretanto, não podem transformar -se em agentes impeditivos da intransigente e radical busca por novas concretizações de sonhos de liberdade e de felicidade.

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

134

Emancipar-se só é possível, no contexto de sociedades democráticas, por exigir um

exercício anterior de noções como liberdade, igualdade, autonomia e desalienação, pois para

exercer a emancipação, é necessário viver em sociedade, usufruindo direitos civis, políticos e

sociais, nos âmbitos individual e coletivo, o que se desdobra em questões morais e éticas.

A partir destes princípios, adotamos o conceito de Educação Popular, conforme posta

por Paulo Freire (1995, p. 101-102) Como sendo aquela educação que:

a) substantivamente democrática não separa do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade; b) estimula a presença organizada das classes populares... no sentido da superação das injustiças sociais; c) respeita os educandos... e por isso mesmo leva em consideração seu saber de experiência feito, a partir do qual trabalha o conhecimento com o rigor de aproximação dos objetos; d) trabalha, incansavelmente, a boa qualidade do ensino; e) capacita suas professoras cientificamente à luz dos recentes achados em torno da aquisição da linguagem, do ensino da escrita e da leitura; f) em lugar de negar a importância da presença dos pais, da comunidade, dos movimentos populares na escola, se aproxima dessas forças com as quais aprende para a elas ensinar também; g)supera preconceitos de raça, de classe, de sexo e se radicaliza na defesa da substantividade democrática; ao realizar-se assim, como prática eminentemente política, tão política quanto a que oculta, nem por isso transforma a escola onde se processo em sindicato ou partido.

Portanto, enquanto Educação Popular organiza e vivencia o conteúdo na perspectiva da

formação humana, de apropriação e ampliação dos saberes, a serviço da transformação das

relações assimétricas existentes na sociedade e, para isso, reorganiza o trabalho escolar numa

perspectiva de construir sujeitos críticos, criativos e participativos dentro de fora do espaço

escolar.

Essa compreensão de Educação Popular orienta o diálogo que estabelecemos na escuta

das práticas pedagógicas e na análise de conteúdo que realizamos nas propostas pedagógicas do

campo empírico da pesquisa.

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

135

IV CAPÍTULO - A CONSTITUIÇÃO DO MOVIMENTO POLÍTICO PEDAGÓGICO E EPISTEMOLÓGICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: PRINCÍPIOS E LUGARES INSTITUCIONAIS

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

136

Não gostaria de ser mulher ou homem se a impossibilidade de mudar o mundo fosse verdade objetiva que puramente se constatasse e em torno de que nada se pudesse discutir. Gosto de ser gente, pelo contrário, porque mudar o mundo é tão difícil quanto possível. É a relação entre a dificuldade e a possibilidade de mudar o mundo que coloca a questão da importância do papel da consciência na história, a questão da decisão, da opção, a questão da ética e da educação e de seus limites. Paulo Freire

Este capítulo contextualiza o Movimento Político-Pedagógico e Epistemológico da

Educação do Campo no Brasil, no que se refere ao seu processo de constituição. Trata dos seus

fundamentos e princípios, que o caracterizam como uma coletividade educativa e política, que

se institucionaliza a partir da mobilização dos movimentos sociais do campo.

A intencionalidade é contribuir com o processo de formação de sujeitos sociais e

coletivos, fortalecer a reflexão e sistematização das práticas educativas existentes em todo o

país e fomentar a interlocução entre as lutas dos movimentos sociais pela produção da vida na

terra, na floresta e nas águas e a proposição e o controle social de políticas públicas sociais para

o campo.

A concepção da Educação do Movimento se referencia nos processos econômicos,

sociais, políticos e culturais empreendidos pelos sujeitos sociais e coletivos do campo, que se

constituem como formadores do ser humano, constituintes de um projeto de educação

emancipatória, pautado por uma postura político-pedagógica crítica, dialética e dialógica que

orienta as diferentes Propostas Pedagógicas do Movimento que evidenciam a materialidade de

sua origem.

A Educação do Campo nasceu tomando posição contra a lógica e o modelo de

desenvolvimento gerador de assimetrias sociais, políticas e econômicas construídas

historicamente no Brasil. O entendimento de que o campo comporta uma diversidade de

agroecossistemas, etnias, culturas, relações sociais, padrões tecnológicos, formas de

organização social e política, e da necessidade de fortalecer uma ruralidade pautada pela

agricultura familiar/camponesa se contrapõe ao discurso hegemônico da modernização pela

urbanização e pelo agronegocio75.

75 Agronegócio é uma palavra nova, da década de 1990. É também uma construção ideológica para tentar mudar a

imagem latifundista da agricultura capitalista. Procura representar a imagem da produtividade, da modernização, da geração de riquezas para o país a partir da exportação e geração de commodities.

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

137

A constatação de que o modelo desenvolvimentista, por meio da industrialização, não

foi capaz de tirar o país da velha condição de exportador de produtos primários (café, algodão,

minério de ferro, cacau, açúcar, laranja, soja, cana-de-açúcar), não alterou a estrutura fundiária

concentradora de terras, riquezas, devastadora do meio ambiente, fomentadora da

a-se

fundamento da crítica a esse modelo de desenvolvimento.

As práticas educativas construídas pelos movimentos camponeses e organizações

correlatas construíram a concepção de Educação do Campo, interagindo com as outras

dimensões da vida do campo. Esse processo aconteceu com a participação de diferentes

entidades, dentre as quais podemos destacar: Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST),

da Confederação Nacional dos Trabalhadores (as) na Agricultura (CONTAG), da União

Nacional das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil (UNEFAB), da Associação Regional das

Casas Familiares Rurais (ARCAFAR), da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro

(RESAB), principalmente com a articulação das práticas pedagógicas existentes no campo.

4.1 Educação do Campo: concepção e prática político pedagógica

O conceito de Educação do Campo, enquanto uma concepção e prática político-

pedagógica, encontra-se em construção na última década, no contexto histórico e das

contradições da sociedade brasileira, no que se refere à relação entre campo e cidade no projeto

de desenvolvimento e ao papel da escola neste processo.

A Educação do Campo é definida a partir de sujeitos: agricultores/as familiares,

assalariados/as, posseiros, assentados/as, ribeirinhos, caiçaras, extrativistas, pescadores,

artesanais, indígenas, remanescentes de quilombolas, comunidades de fundo de pasto

gerazeiros, enfim, todos os Povos do Campo brasileiro. Essa concepção está expressa no art.

2,º § único das diretrizes, quando diz que:

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

138

Tal concepção fortalece uma Educação centrada nos sujeitos sociais a quem se destina

e nos seus processos produtivos, culturais, ambientais dentro da materialidade de nossa

sociedade. O trabalho e a cultura definem a identidade dos sujeitos do campo e tornam-se os

elementos centrais na elaboração das propostas pedagógicas da Escola do Campo. Assim,

O novo, pois, não está na originalidade da proposta ou, na invenção de uma nova teoria pedagógica, mas sim, na prática concreta que está conseguindo talvez recuperar a essência do ato educativo: não é original dizer que a educação é importante nos processos de transformação social, mas é nova a valorização prática da educação nas lutas populares, no vínculo direto com as demais experiências educativas dos educandos e seus familiares, com a organização coletiva, consciente e militante pelas causas sociais. (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p. 27).

Quando falamos do papel exercido pela escola na PEADS, queremos falar do significado, da função pedagógica, social, política que a escola exerce. Outra maneira de colocar a questão é perguntar para que a escola e o porquê dela. A escola preocupa-se com o que acontece dentro e fora, porque a aprendizagem acontece, e os valores são construídos dentro e fora dos muros, em interação com a comunidade e a partir da vida da mesma. (PEADS, 1998, mimeo).

Essa concepção traz consigo um redimensionamento do rural, a partir do conceito de

ruralidade, pois não se restringe à atividade agrícola, engendrado e engendrando relações que

extrapolam (talvez como sempre extrapolaram) os limites geográficos do que se entende,

hegemonicamente, como rural. Nessa perspectiva, ruralidade

es una palabra polisémica y no específica que sugiere una considerable diversidad de imágenes cuando es mencionada [...] Ruralidad es una construcción social contextualizada...Como cualquier otra construcción social, la ruralidad tiene una naturaleza reflexiva; es decir,es el resultado de acciones (o está condicionada por ellas) de sujetos humanos que tienen La capacidad de interiorizar, debatir o reflexionar acerca de las circunstancias y requerimientos socioculturales que en cada situación espacio-temporal se les presentan. La naturaleza reflexiva de la ruralidad se manifesta en su capacidad para adoptar los influjos de las acciones socioeconómicas endógenas o exógenas que interfieren sobre ella y para adaptarse a los efectos de esas acciones. (DURÁN, 1998, p. 76-77).

Embora haja uma intensificação dos processos macrossociais de urbanização, o mundo

rural não se reduz à homogeneização da sociedade contemporânea, pois há particularidades de

modos de vida e na relação com a natureza que permitem que sejam observadas

permanências, reconstruções, emergências de processos sociais que dão especificidade a essa

forma socioespacial que é a ruralidade.

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

139

Na trilha dessa tendência, encontramos autoras como Nazaret Wanderley (2000) e

Maria José Carneiro (1998), que se voltam para o rural na contemporaneidade,

ressignificando os sentidos deste espaço, quer entendendo-o como singular e ator coletivo

(WANDERLEY, 2000), quer problematizando-o como novas identidades em construção,

produto das novas relações campo-cidade (CARNEIRO, 1998).

Assim, essas reflexões na atualidade exigem tanto um repensar do campo nas suas

relações com a cidade, como nas suas relações internas e específicas. A possibilidade dessa

análise, supõe, portanto,

a compreensão dos contornos, das especificidades e das representações deste espaço rural, entendido, ao mesmo tempo, como espaço físico (referência à ocupação do território e aos seus símbolos), lugar onde se vive (particularidades do modo de vida e referência identitária) e lugar de onde se vê e se vive o mundo (a cidadania do homem rural e sua inserção nas esferas mais amplas da sociedade. (WANDERLEY, 2000, p. 2).

território de identidades, lugar de moradia, de trabalho, de cultura, de vida, tendo a produção

familiar como referência das relações sociais, econômicas, culturais e ambientais. No entanto,

não dilui as contradições postas pela modernização capitalista geradora de assimetrias e

opressões em nossa sociedade. Traz uma articulação dentro do espaço rural e deste com o

urbano, que não resulta na sua diluição no urbano², pois

o sentimento de pertencimento a um lugar, a uma cultura significa conhecer e viver a sua própria historia sua própria cultura. Embora que viver em um lugar não signifique necessariamente estar fechado nele, mesmo porque, numa compreensão mais ampla somos formados pelo que é local como também pelo que é universal, global. (RESAB, 2005, p. 112)

Esse debate contribui para refletir sobre a configuração territorial brasileira. O estudo de

Jose Eli da Veiga76 é elucidativo, nesse sentido, ao mostrar que a maioria dos municípios

76 Veiga (2000) chama a atenção para demonstrar que o Brasil é menos urbano do que se calcula, se utilizarmos os

pensamento brasileiro sobre as tendências da urbanização e de suas implicações sobre as políticas de que têm implicação para a população rural e urbana

brasileira. Chama a atenção também para o fato de que o rural é necessariamente territorial e não setorial como os programas governamentais insistem em propor e executar. Porém, o corte rural-urbano de nossas políticas públicas, além de encontrar respaldo nos clássicos das Ciências Sociais do século XIX, que apontavam para o inexorável esvaziapensadores contemporâneos, formuladores e gestores de políticas públicas, além de lideranças representativas do setor patronal rural que defendem a maximização da competitividade do agronegócio, que passaria pela eliminação

portanto, um campo sem gente.

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

140

brasileiros são rurais,77 sendo assim, o espaço rural não significa apenas uma localização

geográfica, e sim, uma forma específica de organização social, de modo de vida de relação com

a natureza, de produção e reprodução social da vida.

A visão do processo de urbanização do Brasil é pautada por uma regra que considera

urbana toda sede de município (cidade) e de distrito, sejam quais forem suas características

estruturais ou funcionais. Essa conceituação do Decreto Lei 311/38 do Estado Novo definiu o

que era cidade e o que era campo, aprofundando-se com o modelo desenvolvimentista, pautado

na industrialização e na urbanização como lógicas predominantes para modernizar o Brasil.

Mesmo com modificações legais, essa discrepância da divisão territorial brasileira

permaneceu até os dias atuais, pois continua-se a computar como população urbana aqueles que

vivem em povoados, pequenos municípios, inseridos numa dinâmica econômica e social

pautada pelos referenciais do mundo rural (VEIGA, 2002, p. 2).

A superação dessa dicotomia é fundamental para construção de um projeto de

sociedade. Nessa direção, caminha a Educação do Campo, em consonância com Nazareth

Wanderley (2000), quando coloca que, nas sociedades modernas, a distância física e social

entre habitantes do urbano e do rural foi sendo progressivamente diminuída, por meio de

indicadores econômicos, sociais e de comunicação, no entanto, essas condições não

eliminaram modos de vida particulares em um ou outro espaço social.

Com isso, o Movimento da Educação do Campo afirma a territorialidade, como

construção de identidades num determinado tempo e espaço, composto por uma pluralidade

de gestos, linguagens, modos de vida, sujeitos, saberes, de crenças, costumes, e é a articulação

das práticas educativas as lutas desenvolvidas pelas classes subalternas pela produção e

reprodução de sua vida, que geram possibilidades de uma prática emancipatória. Isso significa

que precisamos pensar um projeto de desenvolvimento para o país que supere essas

desigualdades geográficas, regionais, sociais, e culturais.

Nesse sentido, a escola tem o papel de

ajudar no desenvolvimento do meio rural, promovê-lo, é um compromisso do CEFFA, pois este nasce a partir de trabalhos comunitários envolvendo famílias, lideranças e movimentos preocupados com a promoção e o desenvolvimento do campo. Quanto mais o CEFFA estiver inserido na realidade local e regional, mais responderá às necessidades das famílias.

77 Segundo Veiga (2002), de um total de 5.507 sedes de município existentes em 2000, havia 1.176 com menos de 2

mil habitantes, 3.887 com menos de 10 mil, e 4.642 com menos de 20 mil. Todas com estatuto legal de cidade idêntico ao que é atribuído aos inconfundíveis núcleos que formam as regiões metropolitanas. Em 2000, apenas 224 dos 5507 municípios 4% do total tinham população superior a 100 mil habitantes e densidade demográfica superior a 80 habitantes por Km.

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

141

Portanto, o CEFFA torna-se um dos meios importantes para contribuir com o desenvolvimento sócio-econômico, técnico e cultural da região. Pensar em desenvolvimento nos remete à necessidade de aliá-lo à sustentabilidade, à preocupação com as gerações futuras, o ecológico, a harmonia entre os seres, a defesa da vida. (REVISTA DA ALTERNANCIA, 2007, p. 6).

A construção de outro modelo de desenvolvimento em nosso País requisita uma

compreensão autônoma e criativa dos problemas e soluções possíveis para eles, e a escola pode

dar uma

parcela de contribuição aos esforços de implementação do desenvolvimento sustentável melhorar as condições de produção da existência dos grupos humanos condições relacionadas às potencias existentes nos próprios meios sócio-ambientais que estes grupos humanos estão inseridos (RESAB, 2005, p.37).

Uma das especificidades associadas à visão de rural é a sua associação com a natureza.

A compreensão de tal especificidade remete ao entendimento de como as sociedades elaboram

conhecimentos associados à dinâmica da natureza e da vida e de como realizam a distribuição

desse conhecimento dentro da sociedade.

O conhecimento assume um papel importante na construção das estratégias de

sustentabilidade, entendida como relação do indivíduo consigo mesmo, com os outros e com o

planeta; relações que implicam transformação, criação e, ao mesmo tempo, preservação e

cuidado; que se apresentam em oposição a uma lógica predatória. A noção de sustentabilidade

do meio se baseia sobre a leitura da realidade de vida. Trata-se primeiro de partir dos recursos

locais e de valorizá-los; não se trata de propor um modelo a ser reproduzido, mas de tomar

1999, p. 67).

A valorização dos recursos endógenos e o reconhecimento de que os agricultores/as

familiares constroem suas capacidades e maneiras de pensar e interpretar o mundo segundo

determinadas pautas culturais78 e sociais, torna-se o ponto de partida para o trabalho com os

conteúdos das Escolas do Campo.

Essa é uma das razões para a Educação do Campo alicerçar seu trabalho pedagógico no

diálogo com a Pedagogia do Oprimido (1978) e na tradição pedagógica decorrente das

78 Uma pauta cultural explica um padrão de comportamento típico de uma determinada sociedade. Assim, sem

trabalhar a cultura e o sentimento coletivo, não existe mudança sustentável. Os Povos do Campo possuem, portanto, um patrimônio material e sócio-cultural de reprodução de um modo de vida.

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

142

experiências da Educação Popular na América Latina, que incluem o diálogo com as matrizes

pedagógicas da opressão (a dimensão educativa da própria condição de oprimido); da cultura

(aprendizado de significar ou ressignificar suas ações, valores e comportamentos); do trabalho

(na produção de bens, na mudança das relações com a natureza); da práxis (prática e teoria

combinadas, conhecimento como compreensão da realidade para transformá-la); da

convivência (do convívio entre as pessoas e da interação efetiva entre elas e o contexto em que

vivem); e na construção de coletividades (as pessoas aprendem a ser humanas na partilha de

conhecimentos, de sentimentos e de ações com outros seres humanos).

O resgate desta matriz pedagógica se faz presente no processo de articulação do

Movimento da Educação do Campo, conforme Documento Base da II Conferência Nacional da

Educação do Campo, realizada em 2004, como indicamos em seguida: A nossa caminhada se enraíza nos anos 60, quando movimentos sociais, sindicais e algumas pastorais passaram a desempenhar papel determinante na formação política de lideranças do campo e na luta pela reivindicação de direitos no acesso a terra, crédito diferenciado, saúde, educação, moradia, entre outras. Fomos então, construindo novas práticas pedagógicas através da educação popular que motivou o surgimento de diferentes movimentos de educação no e do campo, nos diversos estados do país. Mas foi na década de 80 / 90 que estes movimentos ganharam mais força e visibilidade. (II Conferência Nacional da Educação do Campo, 2004).

É desse lugar que a Educação do Campo faz o diálogo com a teoria pedagógica,

considerando a especificidade e a diversidade dos contextos e práticas sociais dos Povos do

Campo, e a preocupação com a educação do conjunto da população.

O caráter processual de um Movimento que se constitui e institui a partir das práticas

educativas desenvolvidas com uma diversidade de sujeitos e de contextos produtivos, sociais e

culturais, práticas plurais, nos seus ritmos, ritos, organização e dinâmicas, assim como são

plurais os sujeitos do campo, no entanto, evidencia traços de semelhanças nos seus

fundamentos e princípios, que sinalizam para uma unidade na diversidade ou, como lemos em

68).

A especificidade exige a capacidade de reconhecer o diferente e o outro na condição de

sujeito, jamais como estranho e, dessa forma, estabelecer um modo de pertencimento das

pessoas, sem que as diferenças transformem-se em desigualdades. Faz parte de a humanidade

encontrar meios para realizar a mais ampla condição de igualdade e bem estar dos seres

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

143

humanos, entendendo-se que todos são protagonistas de uma história a partir da sua inserção na

luta coletiva por uma existência digna.

É nesse contexto que se insere a Educação do Campo, tendo como referência o projeto

de campo, políticas públicas necessárias à efetivação e consolidação de práticas pedagógicas

que contribuam para a construção desse sujeito emancipado e busca de uma nova sociabilidade

4.2 Uma rede constituída de várias redes

A emergência do debate da Educação do Campo na agenda pública contemporânea

ocorre a partir da década de 1990, com diferentes ações, dentre as quais destacamos: inserção

na agenda pública governamental do debate das políticas específicas, como uma questão de

interesse nacional e como direito desses povos; a expansão e articulação nacional dos Centros

de Formação Familiar em Alternância; o fortalecimento da articulação entre as organizações

não governamentais que trabalham com escolarização no campo; as experiências alternativas

de escolarização em acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária; a constituição de

Fóruns Estaduais de Educação do Campo79; e a instituição de programas governamentais

específicos do campo, como, por exemplo, o Pronera80.

Nesse quadro, o Pronera pode ser considerado como uma iniciativa importante, ainda

que específico às áreas da Reforma Agrária, inovou em diferentes aspectos, seja por construir e

empregar metodologias contextualizadas na realidade sociocultural dos assentamentos, seja por

exercitar um modelo de gestão colegiada tripartite entre governo federal, universidades e

movimentos sociais, proporcionar e suscitar uma produção de conhecimento sobre a realidade

educacional do campo e contribuir com sua prática e com pesquisas para a materialização de

uma proposta pedagógica específica para os sujeitos do campo.

Todavia, após dez anos de existência, o Pronera apresenta a descontinuidade dos

programas governamentais, que não conseguem se constituir enquanto uma política pública

estratégica para a população jovem e adulta dos acampamentos e assentamentos da Reforma

Agrária.

79 Espaços multidisciplinares e interinstitucionais compostos por movimentos sociais, universidades, secretarias

municipais e estaduais de educação, programas governamentais de educação, organizações não governamentais para formulação, sistematização, proposição de pesquisas e políticas públicas para a Educação do Campo.

80 O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária foi criado em abril de 1998, a partir da demanda e pressão dos movimentos sociais sobre o então Ministério Extraordinário da Reforma Agrária, posteriormente Ministério do Desenvolvimento Agrário, para desenvolver processo de escolarização de jovens e adultos nas áreas de acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária.

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

144

A heterogeneidade das práticas educativas do campo se expressa em diferentes

dimensões: a natureza das instituições (organizações não governamentais, movimentos sociais,

centros de alternância, secretarias municipais de educação, pastorais sociais, universidades); a

abrangência (ações nacionais, regionais, interestaduais ou municipais); a ação desenvolvida

(escolarização de crianças, adolescentes, jovens e adultos, formação de educadores, gestores,

equipes pedagógicas e conselhos escolares, elaboração de materiais didáticos e pedagógicos,

ações complementares à escola: jornada integral, leiturização etc).

Uma característica importante no processo de constituição do Movimento da Educação

do Campo é como as diferentes práticas educativas vão se articulando e constituindo diferentes

, constituindo uma base conceitual para a prática a partir

das experiências que se desenvolviam na educação escolar e não escolar. Portanto, não se trata

de ato isolado, mas de coletivo historicamente contextualizado e permeado por princípios e

fundamentos que tecem suas singularidades nos seus contextos.

Dessa forma, a dinâmica de um Movimento, constituído de redes plurais, dá visibilidade

às Propostas e Práticas Pedagógicas, entre as quais destacamos: a Articulação Nacional por

uma Educação do Campo (MST), Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), os

Centros

organizações não governamentais que atuam de forma mais localizada, dentre elas, o Serviço

de Tecnologia Alternativa (SERTA).

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

145

Gráfico 7 - Rede do Movimento da Educação do Campo

Essa configuração mostra o que Scherer-Warren (1999) concebe como redes e sua

finalidade no contexto atual. Constitui-se, portanto em,

formas horizontalizadas de articulação entre o local e o global, entre o particular e o universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades dos atores com o pluralismo. Enfim trata-se de buscar os significados dos movimentos sociais num mundo que se apresenta cada vez mais como interdependente, intercomunicativo. (p. 10).

As redes representam a capacidade dos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil explicitarem a sua riqueza intersubjetiva, organizacional e política de

concretizar acordos e compromissos de atuação coletiva.

Para Manuel Castells (1999), as redes são estruturas abertas com possibilidade de

expansão ilimitada, desde que os novos nós compartilhem os mesmos códigos de comunicação.

Essas possibilidades de trabalho em rede geralmente estão relacionadas a pressupostos de

flexibilidade, democratização, menor grau de hierarquização, indicando a ampliação de espaços

públicos de negociação.

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

146

Na medida em que um movimento social interage com outras organizações coletivas,

nasce uma nova solidariedade, expressa nas "redes de movimentos". Essas redes oportunizam

transformações mais abrangentes, que transcendem os limites locais, pois, através da

comunicação entre grupos organizados, disseminam-se os temas e as estratégias de luta que

envolvem a superação de problemas pertinentes às questões da cidadania. Dessa forma, as

ações coletivas tornam-se aptas para influir na elaboração de políticas gerais de melhoria do

contexto societal.

Assim, inscreve-se como expectativa a possibilidade de reinventar as experiências

existentes no campo, confrontando as experiências hegemônicas, que foram impostas

historicamente a esses povos. As práticas educativas construídas dentro desse paradigma se

constituem, ao mesmo tempo, como parte do sistema nacional de educação, na sua

universalidade e na especificidade sociocultural dos grupos sociais a quem se destina.

A heterogeneidade dos sujeitos sociais da Educação do Campo, dos seus contextos e

redes de relações constitui suas singularidades, das quais trataremos no capítulo sexto.

Contudo, a análise de suas propostas pedagógicas evidencia semelhanças, sobretudo, no que se

refere aos seus princípios e fundamentos dos quais trataremos neste capítulo.

4.3. O Movimento da Educação do Campo e seus fundamentos político-pedagógicos e

epistemológicos

A dimensão da Educação como um ato político, referenciada no processo de

emancipação humana e de transformação da realidade, é a finalidade primordial do processo

educativo nas diferentes propostas pedagógicas dos Lugares Institucionais. A humanização que

promove a emancipação rejeita as atuais formas de opressão existentes em nossa sociedade,

assim a educação deve buscar contribuir para a liberdade pessoal e coletiva do ser humano na

perspectiva de ruptura com os modelos hegemônicos de alienação do ser humano.

A concepção de Educação como processo de formação e humanização do ser humano

referenciada em Freire (1978, 1987) coloca a humanização e a desumanização, na história,

como possibilidade dos seres humanos enquanto inconcluso e consciente de sua inconclusão e

ainda sendo como multidimensional (dimensão cognitiva, emocional, intrapessoal e

interpessoal); indivisível (corpo, sentimento, psique, linguagem, pessoa distinta e completa em

si mesmo); social (componente integrado num contexto de relações sociais, culturais, políticas,

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

147

econômicas e cósmicas), envolvido numa ética eco-relacional de respeito às diferenças e ao

meio ambiente.

Nesse sentido, a educação é um processo que permite ao ser humano a produção de si

mesmo, na medida em que nela está presente a mediação e a ajuda do outro, possibilitando a

construção da pessoa humana enquanto ser social e singular. Tal processo de aprendizagem se

desenvolve nas próprias relações interpessoais e sociais: os seres humanos se educam em

relação, mediatizados pelo mundo, diz Paulo Freire.

A Educação como emancipação humana compreende que os sujeitos possuem história,

participam de lutas sociais, sonham, têm nomes, gêneros, etnias diferenciadas e que, ao lutar

pelo direito à terra, à floresta, à água, à soberania alimentar, a matrizes tecnológicas com

princípios agroecológicos, a estratégias de produção e comercialização solidárias, vão

recriando suas pertenças, reconstruindo a sua identidade na relação com a natureza, com o

trabalho e a cultura. Também vão superando as situações de assujeitamento e transformando a

realidade na qual estão inseridos (as), numa perspectiva de integralidade, pois

a realidade para nós é inteira, as distinções são criadas apenas para análise, para unir melhor; como dizia Jacques Maritain, distinguir para unir, jamais para separar as realidades. Todas as dimensões fazem parte do real, da vida, e os processos educativos são construídos levando em conta a interdimensionalidade, a integralidade (PEADS/MOURA 2003, p.86).

A formação humana integral tem como pressuposto na prática educativa a

onilateralidade do ser humano. Desse modo,

a práxis educativa revolucionária deveria dar conta de reintegrar as diversas esferas da vida humana que o modo de produção capitalista prima por separar, ou seja, uma educação onilateral, que trabalhe em suas práticas as várias dimensões da pessoa humana (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.163).

A onilateralidade pressupõe o usufruto dos direitos civis, políticos e sociais, nos

âmbitos individual e coletivo, o que se desdobra em questões morais e éticas,

como um processo sociocultural em que os sujeitos resgatam, constroem e ressignificam práticas, saberes e experiências numa perspectiva crítica e criativa de empowerament individual e coletivo e de construção e valorização integral dos seres humanos e do meio em que vivem (RESAB, 2007, p.44).

Assim, a Educação precisa ser entendida como maior que a escola, pois está presente

no trabalho, na família, na cultura, nas organizações sociais, etc. Embora a escola seja

importante, ela é apenas um dos tempos e espaços da formação humana. Assim,

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

148

Educação não é sinônimo de escola. Ela é muito mais ampla porque diz respeito à complexidade do processo de formação humana, que tem nas práticas sociais o principal ambiente dos aprendizados de ser humano. Mas a escolarização é um componente fundamental neste processo e um direito de todas as pessoas. (DOSSIÊ MST, 2005, p. 233).

A Educação, como uma ação cultural, constrói essa vinculação com as diferentes

dimensões do processo formativo do ser humano. A cultura é o que dá sentido à vida e à ação

entre as pessoas, e delas com a natureza. Por isso, a importância de confrontar no diálogo os

diferentes saberes sobre o contexto em que se dá a ação educativa na perspectiva de contribuir

para a autonomia do sujeito e o pensamento crítico, para a

construção e fundamentação de diversos saberes necessários à melhoria das relações sociais, do combate às injustiças, da constituição de uma sociedade mais humana e de um processo de convivência entre as diversidades e as singularidades constitutivas de cada grupo cultural. (RESAB, 2004, p.38).

A compreensão cultural que se afirma nas relações educativas deve ser sensível às

distintas maneiras de interpretação, de ação, isto é, de posicionar-se no contexto da sociedade,

na perspectiva de uma educação verdadeiramente intercultural, anti-racista e anti-sexista, como

espaço de busca, diálogo, confronto, que contribua

para realizar uma dinâmica de articulação multi/intercultural entre políticas de igualdade e de diferença que ratifique os direitos à igualdade quando as diferenças entre os que procuram dialogar os inferiorizem e ratifiquem os direitos à diferença sempre que políticas de igualdade possam aprofundar a descaracterização de pessoas ou grupos que intentam dialogar. (SANTOS, 1995, p. 41).

Uma educação que trabalhe pelo diálogo entre as culturas (interculturalidade) por meio

da realização dele na prática pedagógica. As possibilidades de convivência dos diferentes ou as

probabilidades da fragmentação entre eles caracterizam o clima cultural do momento atual, ou

constituem um tema e tarefas da época atual (SOUZA, 2007). Trata-se da possibilidade de

convivência humana em suas diferentes modulações e das trocas entre diferentes culturas, entre

as diferentes organizações e realidades dos Povos do Campo.

À medida que a escola possibilita a construção de conhecimentos e a problematização

de realidade, que se torna conteúdo pedagógico básico das escolas, numa perspectiva

epistemológica e metodológica de construção coletiva do conhecimento, a partir dos desafios

da prática. Entendida como,

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

149

Partir da prática é começar identificando os principais desafios e as necessidades da comunidade de que faz parte a escola. Vai refletindo sobre essa questão, e as crianças vão participando da busca de soluções para os seus mais diversos tipos de problemas. (DOSSIE MST, 2005, p.83).

Construção permanente de conhecimentos que contribuam para a organização e o desenvolvimento da comunidade. Hoje, temos uma escola que suscita nos seus atores sociais a construção de valores e princípios que os permitem sonhar com uma escola democrática e cidadã que contribui na formação de cidadãos autônomos, solidários e responsáveis. (PEADS, 2006, p.89).

Essa forma de conceber a educação se propõe a fortalecer as lutas individuais e

coletivas dos sujeitos, numa concepção de homem e mulher como sujeitos históricos

transformadores, que se formam nas relações com os outros e com o mundo. Portanto, tem

como finalidade a formação humana de sujeitos críticos e ativos, que,

através da interação e das inter-relações intersubjetivas com o mundo e com as demais pessoas, tornam-se seres sociais, culturais, políticos, e, portanto, carregados de significações e subjetividades, que modificam a natureza e por ela são levados a se modificarem. (RESAB, 2005, p. 67).

Nesse sentido, o processo de conhecer implica compromissos éticos e políticos, de

intervenção crítica no mundo, e efetiva-se na problematização de situações desafiadoras,

configurando-se como um ato cognoscente, no qual

quanto mais progride a problematização mais penetram os sujeitos na essência

conseqüentemente ler de forma crítica sua realidade e construir estratégias para intervir para modificá-la. (FREIRE, 1987, p.89).

A escola assume, assim, a função social de contribuir para a transformação das

realidades que se traduzem em assimetrias econômicas, sociais, políticas e culturais a que estão

submetidas os sujeitos sociais do campo, fato evidenciado quando:

Temos denunciado a grave situação vivida pelo povo brasileiro que vive no e do campo, e as conseqüências sociais e humanas de um modelo de desenvolvimento baseado na exclusão e na miséria da maioria. Temos denunciado os graves problemas da educação no campo e que continuam hoje. (II CONFERENCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2004).

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

150

As entidades participantes da Conferência colocam a necessidade de superar a

desigualdade social e a miséria, existentes no campo, e afirmam a importância de

fortalecimento da produção camponesa/familiar, que se constitui num projeto de

desenvolvimento sustentável e na superação da dicotomia e subordinação do campo pela

cidade.

Consequentemente, os princípios políticos que orientam as propostas pedagógicas da

Educação do Campo apostam na construção de relações de poder equitativas e justas nos

diferentes âmbitos da vida:

Lutamos por um projeto de sociedade que seja justo, democrático e igualitário; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se contraponha ao latifúndio e ao agronegócio e que garanta: a realização de uma ampla e massiva reforma agrária; demarcação das terras indígenas; o fortalecimento e expansão da agricultura familiar/camponesa; as relações/condições de trabalho, que respeitem os direitos trabalhistas e previdenciários x dos trabalhadoras e trabalhadores rurais; a erradicação do trabalho escravo e da exploração do trabalho infantil; o estímulo à construção de novas relações sociais e humanas, e combata todas as formas de discriminação e desigualdade fundadas no gênero, geração, raça e etnia; a articulação campo cidade, o local global (II CONFERENCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2004)

Com essa afirmação, o Movimento da Educação do Campo não está ratificando o

discurs

(CALDART, 2000, p.179).

No entanto, os valores, os princípios, os rituais, as relações e interações dos sujeitos

com os conhecimentos vivenciados na organização e dinâmica do trabalho educativo

possibilitam um novo modo de vida, ao cotidianizar e institucionalizar relações sociais,

pautadas na participação, autonomia, cooperação e equidade.

Por isso, os processos educativos necessitam ir além da escola, interagindo com o

contexto de vida dos sujeitos sociais, do seu trabalho e de suas organizações. Sendo assim,

Queremos uma escola em movimento, em ação. Onde todos estejam envolvidos em algum tipo de trabalho, criando, inovando, conhecendo e pesquisando. (...) precisamos que os nossos filhos queiram permanecer no campo e que saibam lutar para que esta permanência seja com dignidade e com muita alegria de viver. (...) Preparar as novas gerações para as mudanças sociais. Para lutar pela sociedade sem explorados nem exploradores. E para viver nesta nova sociedade (DOSSIÊ MST, 2005, p. 95)

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

151

Uma escola que contribua na construção e fundamentação de diversos saberes necessários à melhoria das relações sociais, do combate às injustiças, da constituição de uma sociedade mais humana e de um processo de convivência entre as diversidades e as singularidades constitutivas de cada grupo cultural (RESAB, 2005, p. 37).

A Educação, como direito dos sujeitos do campo, tem como ponto de partida a igualdade

e o reconhecimento dos direitos humanos, e o exercício da cidadania passa também pela busca

da equidade no acesso à educação, ao emprego, à saúde, ao meio ambiente saudável, a uma

reforma agrária ampla e massiva e ao combate a todas as formas de preconceito e

discriminação por motivo de raça/etnia, sexo, orientação religiosa, cultura, aparência ou

condição física, mas significa também o respeito às diferenças dos sujeitos e da sua realidade.

A democratização das políticas educacionais articula acesso à escola em todos os

níveis, a permanência com sucesso, a forma como a escola constrói e produz o conhecimento e

organiza sua gestão. Uma escola que busca contribuir para a construção da auto-estima

individual e institucional, estabelecer o diálogo permanente e o comprometimento dos

diferentes sujeitos sociais envolvidos em seu dia-a-dia, enfrentando o desafio de viver no

cotidiano a gestão democrática e participativa. Assim,

Considerar a democracia como um princípio pedagógico significa dizer que, segundo nossa proposta de educação não basta os educandos estudarem ou discutirem sobre ela; precisam também e principalmente, vivenciar um espaço de participação democrática, educando-se pela e para a democracia social (DOSSIE MST, 2005, p. 193).

A Escola do Campo é entendida como uma concepção político pedagógica definida a

partir dos sujeitos sociais a quem se destina: agricultores(as) familiares, assentados(as) e

acampandos (as), ribeirinhos, extrativistas, indígenas, remanescentes de quilombos, vaqueiros,

pantaneiros, bóias-frias, caiçaras, pescadores, reassentados, considerando a forma de produzir

e reproduzir a vida na sua vinculação com a terra, a floresta e as águas, portanto, apresenta uma

forte vinculação de classe, numa perspectiva de uma escola que se destina aos camponeses e

camponesas nas suas diversas fisionomias e vínculos com o meio ambiente

As propostas pedagógicas se embasam na reflexão sobre: O que os Povos do Campo

precisam aprender na escola? Para que? Por que? Como? Esse processo de indagação e reflexão

contribuiu para repensar a teoria do conhecimento que orientavam o trabalho em sala de aula.

Assim,

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

152

associada à idéia de construção, veio a idéia do conhecimento como meio, como recurso, como oportunidade, como instrumento e ferramenta de ação. As pessoas precisam estar munidas desse instrumento para viver e para agir. Como explicar uma Escola que passa dez, quinze anos numa comunidade e não oferece subsídios para as pessoas dessa comunidade responderem aos seus problemas?(...) Essa proposta implica conhecer para mudar, para intervir no meio, no ambiente, no entorno, nas propriedades, nos municípios. Para alcançar esse objetivo, foi necessário repensar as formas de construção, aquisição de conhecimento (PEADS/MOURA, 2003, p.61-81)

O conhecimento como uma construção social permanente dos sujeitos envolvidos na

prática pedagógica suscitou a necessidade de uma nova base epistemológica, que tratasse o

conhecimento humano como social e histórico e que atendesse a interesses e valores que se

alteram com o tempo, o contexto, a interação com as descobertas científicas, as mudanças de

valores, e as interações sociais entre os sujeitos.

O conhecimento como uma construção coletiva mediada dialogicamente deve articular

os saberes sociais com os conhecimentos socialmente construídos e sistematizados pelas áreas

de conhecimento.

Faz-se necessário propor aos sujeitos o desafio de cultivar uma postura dialógica e

crítica diante do mundo, que os faça ter compromisso em assumir-se enquanto seres

epistemologicamente curiosos diante dos fatos, realidades e fenômenos que constituem seu

próprio mundo. Assim,

a nossa preocupação enquanto rede é assegurar que os saberes não se restrinjam somente ao âmbito dos conhecimentos escolares, mas que esses se ampliem para os conhecimentos da natureza intelectual, afetiva, emocional, prática, estética, cultural, etc., transmitidos e construídos nas relações dos educandos e educandas com e nas diversas relações e instituições de suas vivências. Respeitando o lugar da escola, da família, do trabalho, dos amigos, dos amores, dos desejos, dos sonhos e da comunidade, entre outros. (RESAB/REIS, 2006, p.58)

Nessa perspectiva de interação entre os diferentes saberes, na relação permanente entre

teoria e prática, a categoria diálogo apresenta-se como fundamento constitutivo e

imprescindível nas propostas pedagógicas das escolas do campo.

Para o Movimento da Educação do Campo, partir da prática é começar identificando os

principais desafios e as necessidades da comunidade de que faz parte a escola, fazendo com que

a escola seja significativa e útil à vida dos estudantes e da comunidade. Nesse sentido,

A Escola é o lugar privilegiado para a escuta e reflexão dos problemas que o jovem vive em seu meio sócio-profissional. Por um lado, receptora dos problemas e, por outro, propulsora da ação refletida. O estudante é sujeito

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

153

ativo desse processo, numa dinâmica permitida por instrumentos metodológicos específicos. Capta as indagações e problematizações provindas do meio sócio-profissional, leva-as à escola, coloca-as em comum, compara-se com as dos demais colegas, analisa-as interpretando-as e as generaliza. Dessa forma considera que a pessoa se educa mais pelas situações em que vive do que apenas pelas tarefas que realiza na escola. (PROJETO PEDAGÓGICO DA EFAORI, 2005)

O que mais educa as pessoas é sua ação, a sua prática do dia-a-dia. A aproximação

significativa daquilo que se ensina com as experiências e aprendizagens acumuladas pelos

estudantes constroem novos significados, relacionando suas experiências a outras vivências e

ampliando seus saberes. Dessa forma,

(...) A Educação para a Convivência com o Semiárido privilegia e enfatiza a necessidade que as escolas do Semiárido, ao garantir o desenvolvimento das diferentes capacidades cognitivas, afetivas, físicas, estéticas, de inserção social e de relação interpessoal propiciem aos seus alunos os instrumentos sociais necessários para que possam intervir de forma consciente e propositiva no ambiente em que vivem. (NÉRI E REIS, 2004, p.136).81

Essa relação entre ação-reflexão-ação, pautada no diálogo, encontra-se em Paulo Freire,

ao colocar que:

[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de eum sujeito no outro, nem tão pouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes. (FREIRE, 1987, p.79).

O diálogo fortalece a curiosidade como um fundamento epistemológico das propostas

pedagógicas, pois move os educandos (as) a querer conhecer/desvendar, investigar os

fenômenos sociais. A inquietação indagadora (o ato de perguntar) é a condição primordial para

estimular o desejo de conhecer, o desejo de buscar esclarecimento dos acontecimentos,

compreenderem as relações existentes em cada localidade.

Outro ponto de convergência é que ter a realidade como princípio fundamental exige

optar por uma concepção problematizadora de educação, em que educador (a) e educandos (as)

são investigadores críticos da realidade:

81 A complexidade dos processos

ção resultante da I Conferência Estadual de Educação e Educação Contextualizada para a Convivência como o Semiárido no Ceará, realizada em maio de 2003.

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

154

Um dos princípios fundamentais da proposta pedagógica do MST é o de que nas escolas dos assentamentos toda a aprendizagem e todo o ensino devem PARTIR DA REALIDADE. (...) Realidade e o meio em que vivemos. E tudo aquilo que fazemos, pensamos, dizemos e sentimos de nossa vida pratica. E o nosso trabalho. E a nossa organização. E a natureza que nos cerca. São as pessoas e o que acontece com elas. São os nossos problemas do dia-a-dia e também os problemas da sociedade que se relacionam com nossa vida pessoal e coletiva (DOSSIE MST, 2005, p.51)

Nessa perspectiva se constroem ligações significativas entre o local e o global. O local

constrói uma teia de referências para os processos educativos, ao desvelar os saberes, as

possibilidades e as relações existentes em cada contexto:

o respeito, então, ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto cultural. A localidade dos educandos é o ponto de partida para o

análise é a primeira e inevitável face do mundo mesmo. (FREIRE, 2008, p.86).

Para esse autor, é o contexto, interpretado e argumentado, que indica as pautas do fazer

educativo, de seus conteúdos, possibilidades, impossibilidades, obstáculos e chances, dentro do

mundo-humano, que é histórico-cultural e que

(...) quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada. (FREIRE, 1978, p.80)

A problematização da realidade carrega a possibilidade da mudança, da utopia, da

viabilidade do inédito, apesar das dificuldades de transformação nas escolas e na sociedade. A

ideia da construção significativa posta pelo Movimento da Educação do Campo aposta no

coletivo como espaço privilegiado para formar uma teia de significados, que ao mesmo tempo

em que se constrói ocorre a desconstrução de contextos. O projeto político, pedagógico e

epistemológico, numa perspectiva de inacabamento e pluralidade, são refletidos nos diversos

lugares institucionais que constituem e instituem esse movimento.

Outra semelhança em todas as propostas pedagógicas dos lugares institucionais refere-se

a valorização e formação dos profissionais da Educação do Campo: educadoras (es), monitoras

(es), coordenadoras (es) pedagógicos, técnicos administrativo.

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

155

A formação inicial dos profissionais da educação do campo, entendida na perspectiva

social e posta no nível de política pública, há de ser tratada como direito, superando o estágio

das iniciativas individuais para aperfeiçoamento próprio. A formação inicial assumida enquanto

uma política permanente e sistemática deve vir articulada com políticas de trabalho docente

(concursos públicos, plano de carreira, salários dignos, condições de trabalho) que são

indispensáveis para uma política de profissionalização dos docentes e não docentes das Escolas

do Campo.

As políticas devem propiciar a profissionalização dos profissionais que atuam nas Escolas

do Campo com propostas de formação inicial e continuada, condições de trabalho e valorização

salarial, que considere o tempo curricular desenvolvido pelas diferentes práticas educativas do

campo. Nesse sentido, a organização dos coletivos de trabalho nas Escolas constitui espaços de

formação em serviço, conforme expressam os documentos abaixo:

O principio do trabalho de educação através de coletivos pedagógicos está ligado a outro princípio que é igualmente importante: quem educa também precisa se educar continuamente. Os coletivos é um espaço privilegiado de auto formação permanente, através da reflexão sobre a prática, do estudo, das discussões e da própria preparação de atividades de formação promovida pelo MST (DOSSIÊ MST, 2005, p.175)

ao iniciar suas atividades como educador(a) em um CEFFA, temos uma formação específica, independente do grau de formação acadêmica, para poder entender e garantir os princípios filosóficos, metodológicos, político e pedagógicos fundamentais do movimento educativo dos CEFFAS. (...) A formação pedagógica inicial deve seguir os princípios da Pedagogia da Alternância para que possa entender melhor os passos a serem dados na prática pedagógica (REVISTA DE FORMAÇÃO EM ALTERNÂNCIA, 2007, p. 26).

A formação continuada precisa considerar os saberes que esse professorado tem

constituído na sua experiência cotidiana dentro da sala de aula no campo, que considere não

somente os saberes pedagógicos e curriculares como formadores do docente, mas, sobretudo,

leve em conta os saberes de experiência que este foi elaborando durante sua práxis docente:

A formação continuada deve ter como principio os saberes práticos do professorado, tematização da prática docente (ação-reflexão) que são levados a problematizar a sua prática confrontando os seus conhecimentos prévios com os novos conhecimentos técnicos-pedagogicos para a construção de novos saberes (RESAB, 2004, p.85).

O conhecimento adquirido na formação acadêmica se reelabora no exercício da

atividade profissional para atender à mobilidade, à complexidade e à diversidade de situações

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

156

educativas, refletindo sobre os problemas e necessidades da realidade dos educandos /as e das

comunidades do campo:

Priorizar a formação continuada para além dos espaços escolares - o professorado precisa refletir que os espaços extra-escolares também são espaços formativos. A comunidade, a interação com a realidade e com o seu meio cultural, social, histórico, político são elementos determinantes na construção de um projeto político pedagógico. (RESAB, 2004, p.85).

A formação continuada do professorado é um elemento central para o desenvolvimento da PEADS. É um espaço de sensibilização, mobilização, discussão e aprofundamento sobre as bases teóricas da PEADS. É o momento de refletir sobre a prática que desenvolvem na escola. (PEADS, 2006, p.144).

Portanto, a formação faz parte dum processo permanente de desenvolvimento

profissional, vinculada à prática nos diferentes contextos educativos, e passa a ser

compreendida como momentos de construção de uma prática qualificada e de afirmação da

identidade e da profissionalização dos educadores e educadoras do campo.

A gestão democrática e compartilhada entre os diferentes sujeitos que compõe a

comunidade escolar, é outra característica presente nas propostas pedagógicas das Escolas do

Campo. Nesse sentido, democratizar a gestão da educação requer fundamentalmente, que,

a sociedade possa participar no processo de formulação, avaliação e na fiscalização da execução da política educacional por meio de conselhos, comissões, fóruns, etc. Esta presença da sociedade materializa-se através da incorporação de categorias e grupos sociais envolvidos direta ou indiretamente no processo educativo, e que, normalmente, estão excluídos das decisões (pais, alunos/as, funcionários/as, professores/as, movimentos sociais). Ou seja, significa retirar dos governantes e dos técnicos da área o monopólio de determinar os rumos e as diretrizes da educação no município, implica também em construir uma política educacional que tenha como referência os povos do campo enquanto sujeitos de direitos. É necessário que os mecanismos de democratização da gestão da educação alcancem todos os níveis do sistema de ensino. Em qualquer instância, os mecanismos institucionais criados devem garantir a participação do mais amplo leque de interessados possível. Quanto mais representatividade houver, maior será a capacidade de intervenção e fiscalização da sociedade civil (PEADS, 2006, p.97).

A gestão democrática se referencia no projeto político pedagógico da Escola e em

políticas sociais que melhorem a qualidade da vida no campo. A especificidade do campo

exige um conjunto de políticas específicas, que não se restringe apenas à educação, mas se

articula com um projeto de desenvolvimento e de nação que busca superar as desigualdades

sociais:

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

157

Fortalecer a gestão educacional como instrumento de melhoria da educação do nosso povo só será possível de verdade se nos desafiarmos a descentralizar o poder, a dividir a tomada de decisões, a embasar os nossos projetos sempre no ideário concreto da realidade (RESAB, 2004, p. 73).

A escola, como instituição social educativa, assume, assim, uma função de formação do

cidadão para participar da sociedade, da construção de um projeto político-pedagógico das

Escolas do Campo, desenvolvendo e estimulando as potencialidades do/a educando/a e de sua

família, que passa a assumir uma condição de partícipe do desenvolvimento da escola, de

diferentes formas: presença individual no acompanhamento dos/as filhos/as e presença coletiva,

envolvendo-se nas discussões da escola, de aulas de campo, de conselhos e comissões, etc.

Nesse sentido, os fragmentos que seguem são significativos:

A associação de pais no CÈFFAS representa uma estrutura indissociável da alternância. Ela se torna um meio de implicação na vida da Escola através de participação de diferentes formas. A associação ajuda os pais no aprimoramento de seus papeis educativos e de formação de seus filhos, dando-lhes a oportunidade de se encontrar, de se informar nas reuniões, de assumir diferentes tarefas na escola (GIMONET, 2007, p.85).

A comunidade assentada ou acampada pode contribuir: participando da Coordenação da Escola e das Plenárias de avaliação e de reorientação do processo pedagógico; indicando voluntários seja no acompanhamento dos Núcleos de Base, seja como monitores, seja em mutirões de melhoramento da escola; contribuindo para o aprendizado, e assumindo a escola como parte de uma Comunidade. (DOSSIÊ DO MST, 2005, p.210).

Evidentemente, a construção e consolidação da democracia na escola não são tarefas

muito fáceis, pois temos uma cultura política centralizadora, com práticas autoritárias e

clientelistas, que não possibilitam um empoderamento dos sujeitos escolares e uma plena

participação na construção de um projeto político pedagógico das escolas. Portanto, esse é um

processo permeado por tensões e contradições nas condições de participação da sociedade.

Nas Propostas Pedagógicas analisadas, a discussão da gestão democrática encontra-se

vinculada diretamente à organização curricular das Escolas. As propostas pedagógicas das

diferentes iniciativas sinalizam o currículo como sendo uma dimensão central na modificação

da prática pedagógica dentro das Escolas do Campo na perspectiva de desconstruir o currículo

monocultural e urbanocêntrico que foi implantado historicamente nas Escolas destinadas à

população do Campo.

A escola é um espaço que tem uma intencionalidade construída historicamente

refletida no currículo, visto como um conjunto de práticas que são desenvolvidas de forma

Page 158: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

158

planejada pelo coletivo da escola. Nele se definem os conhecimentos que devem ser

ensinados: como trabalhar temas que partam da realidade das crianças, adolescentes e jovens

do campo; o que deve ser ensinado e aprendido; porque ensinar este ou aquele conhecimento.

Nas iniciativas de educação do campo existem diferentes formas de seleção e

organização dos conteúdos como também a construção de variados dispositivos de

diferenciação pedagógica, todavia, todas assumem a perspectiva do currículo integrado como

opção para o desenvolvimento do trabalho, sejam, na estruturação de temas geradores, eixos

temáticos ou na metodologia de projetos.

Uma segunda semelhança na organização curricular das propostas é a valorização dos

saberes culturais dos grupos sociais a quem se destina a escola, as diferentes formas de

organização dos tempos e espaços pedagógicos e a adequação aos ritmos diferenciados de

aprendizagem de cada educando. O itinerário pedagógico de construção do conhecimento

parte da pesquisa da realidade e dos conhecimentos que os educandos (as) já possuem e/ou de

situações vivenciadas em suas comunidades. Essa aproximação das discussões com a vivência

dos sujeitos é o que propicia movimento ao currículo da escola, a partir do qual o

conhecimento vai ganhando uma dimensão de construção, participação, contextualização e

democracia. Incluir o educando (a) na análise e na decisão de questões que lhe dizem respeito

contribui para o desenvolvimento consciente de sua cidadania.

Uma terceira característica é o enfoque interdisciplinar e participativo. São várias as

modalidades de projetos educativos integrados, mas de um modo geral todas envolvem

atitudes interdisciplinares, planejamento conjunto, participação ativa e compartilhada entre

professores (as), educadores (as), coordenadores (as) e educandos (as), bem como aspectos da

realidade cotidiana de ambos.

Dessa forma, todos são co-responsáveis pelo desenvolvimento do trabalho e,

principalmente, vislumbram a possibilidade de cada sujeito expor sua singularidade e

encontrar um lugar para sua participação na aprendizagem.

Assim, na análise das diferentes propostas identificamos um itinerário pedagógico

semelhante nos seus elementos constitutivos (embora tenham ênfase e terminologias distintas

o centro é a relação prática-teoria-prática).

Page 159: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

159

4.4 Lugares Institucionais da Educação do Campo

Os Lugares Institucionais que se constituem em campo empírico da pesquisa levaram em

consideração: a abrangência da iniciativa, o tempo que atuam com processos de escolarização

do campo, a participação no debate nacional das políticas educacionais do Campo, a

interlocução com as organizações dos Povos do Campo e com o poder público federal,

estadual e municipal. Foram eles: a Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo,

o Centro de Formação Familiar em Alternância, a Rede de Educação do Semiárido e a Proposta

Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável, das quais trataremos a seguir como

representativos do Movimento da Educação do Campo.

Centro de Formação Familiar por Alternância - CEFFAS82

O CEFFAS é uma associação de caráter comunitário, constituída de famílias,

profissionais e entidades que buscam resolver os problemas de promoção e desenvolvimento do

campo, articulando educação e formação, com base em valores da participação, da cidadania,

da sustentabilidade e solidariedade.

O CEFFAS é um lugar institucional importante na construção do Movimento da

Educação do Campo. Tem origem na sociedade francesa, a partir das Maisons Familales

Rurales - MFR83, e sua expansão para vários países da Europa e diferentes continentes do

mundo organizadas em torno da Associação Internacional das Maisons Familiares Rurales

AIMFR. Objetiva representá-los junto aos organismos supranacionais como FAO, UNESCO,

ONU, assim como incentiva a Pedagogia da Alternância a partir das pesquisas junto às

universidades do mundo inteiro.

A criação do CEFFAS84 em 2001 teve um papel significativo na visibilidade e articulação

das iniciativas da Pedagogia da Alternância com outras práticas existentes no campo. O

CEFFAS é formado pela junção das redes, União Nacional das Escolas Familiares Agrícolas do

82 As referências históricas que compõem a seção foram extraídas do trabalho de LOURDES HELENA SILVA

(2000) e JOÃO BATISTA QUEIRÓZ (1997; 2004). 83 Segundo Gimonet (2007), os fundadores das primeiras MFR na França, em 1935, não tinham nenhuma

trajetória pedagógica. Eram agricultores e um padre, influenciados pela organização sindical e pelo movimento cristão de ação social Le Sillon de onde tiraram os primeiros ensinamentos para construir uma

relação entre experiência e educação e Celestin Freinet com o texto livre, biblioteca de trabalho e aulas passeios, e depois dos anos 1960 o contato com as ideias de Paulo Freire e Jean Piaget.

84 A terminologia CEFFA foi assumida num encontro em Puerto Iguaçu, Argentina. Este encontro aconteceu paralelamente ao Seminário Latino-Americano da Pedagogia da Alternância, realizado na mesma cidade nos dias 07 a 09 de abril de 2001.

Page 160: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

160

Brasil (UNEFAB)85, Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Sul do Brasil

(ARCAFAR SUL) e Associação Regional das Casas Familiares Rurais das Regiões Norte e

Nordeste do Brasil (ARCAFAr Norte-Nordeste)86, e das Escolas Comunitárias Rurais

(ECORs).

Nessa estrutura, constam as dimensões estaduais e regionais87, que se diferenciam a

partir de peculiaridades regionais. Além disso, encontramos diferentes tipos de iniciativas que

constituem os Centros de Formação Familiar em Alternância, conforme nos mostra o quadro n°

10.

Escolas Famílias AgrícolasEFAs

Casas Familiares Rurais CFR

Escolas Comunitárias Rurais

Enfatizam a formação escolar dos educandos/as, a partir do regime seriado e regularizado junto às Secretarias Estaduais de Educação (SEE), possuindo também a formação técnica, tanto no Ensino Fundamental, bem como, de forma mais específica, no Ensino Médio, onde se trabalha a Educação Profissional de Técnico em Agropecuária.

Estão localizadas nos diferentes estados do Brasil

As CFRs têm como prioridade a formação técnica do educando/a. Diferenciam-se das EFAs por adotar o regime de suplência. Existem casos de o jovem permanecer duas semanas na Escola e uma semana na família. Por isso, em grande parte, a denominação de Casa Familiar Rural.

Estão localizadas principalmente na Região Sul do Brasil

Possuem as mesmas características metodológicas das EFAs, no entanto, são grupos autônomos que estão ligados a movimentos sociais e eclesiais, que pressionam o poder local para realizar a implantação e a aprovação da Pedagogia da Alternância, para que a experiência possa ter validade. Por isso, muitas experiências surgem com o apoio das prefeituras locais e do Governo do Estado.

Estão localizadas no Norte do Espírito Santo (ES) e na Bahia

Fonte: Nascimento, 2005

Quadro 10 Iniciativas Educativas que compõem a Rede CEFFAS no Brasil

No Brasil, as primeiras experiências do CEFFAS surgiram em 1968, no município de

Anchieta, no Estado do Espírito Santo, com o nome de Escolas Famílias Agrícolas (EFAs),

85 União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil - UNEFAB foi criada em 1982, através de um

processo de discussão e estudo realizados pelas EFAs - Escolas Famílias Agrícolas, buscando ser uma instituição de representação e assessoria à estas escolas, auxiliando no fortalecimento e divulgação da proposta pedagógica da Alternância.

86 Atualmente o quadro das associações regionais que organizam as experiências de formação em alternância,vinculadas ao modelo das CFR no Brasil, é composto pela Arcafar Sul e a Arcafar Norte/Nordeste. Encontram-se em implantação a Arcafar Norte de Minas e a Arcafar Centro-Oeste.

87 A associação Regional agrupa um conjunto de Escolas Famílias por Estado, região ou mais de um Estado. Hoje são onze regionais legalmente constituída: Aecofaba, BA; Aefapi, PI, Aefaro, RO, Aefacot Centro Oeste e Tocantins; Amefa, MG; Acefarj, RJ; Fata, PA; Raceffaes, ES; Raefap, AP; Refaisa, BA e SE e Uaefama, MA.

Page 161: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

161

trazida pelo religioso Pe. Umberto Pietrogrande. Contaram com o apoio de lideranças de

agricultores familiares da região e do Movimento Educacional e Promocional do Espírito Santo

(MEPES).

Posteriormente, na década de 1980, surgiram as Casas Familiares Rurais (CFRs). A

despeito de suas especificidades e diferenças, ambos os movimentos têm a Pedagogia da

Alternância como a base da organização de seus projetos educativos. A partir de 1987, essas

iniciativas se expandiram para outros Estados Brasileiros e organizaram suas regionais para

coordenação das Escolas.

Na década de 1990, nasceram as Escolas Comunitárias Rurais (ECORs) e outros

Centros Educativos88, que também assumiram a Pedagogia da Alternância como estratégia

metodológica. A rede CEFFAS se organiza numa articulação permanente entre família, escola,

comunidade e espaço socioprofissional, tendo como referência o contexto social no qual a

escola está inserida, conforme podemos ver no gráfico n° 8

Fonte: Revista da Alternância

Gráfico 8 Elementos que compõem o Sistema Ceffas.

88 Queiroz (2007) denomina de Centros Educativos de Alternância (CEAS) outras experiências que adotam a

Pedagogia da alternância, como por exemplo, o Programa de Formação de Jovens Empresários Rurais de São Paulo (PROJOVEM), Escolas Técnicas Estaduais(ETE), Casas das Famílias Rurais(CDFR) e Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural(CEDEJOR), mas que não assumem necessariamente os quatro pilares da Pedagogia da Alternância que caracterizam os CEFFAS enquanto um movimento político e educativo.

Page 162: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

162

A Pedagogia da Alternância, ao articular diferentes espaços e tempos de aprendizagem,

constitui uma rede de relações entre diferentes atores sociais, que colaboram no processo

educativo. Nesse processo o professor/Monitor89 se torna um catalisador da formação, pois é

ele o articulador dessas parcerias. Por isso, uma de suas características básicas deve ser a

capacidade de liderança, animação e comunicação, tanto dentro da equipe, quanto fora da

escola.

O engajamento social torna-se uma matriz pedagógica fundamental, uma vez que não

se concebe aprender fora da realidade. É importante discutir a realidade, refletir sobre ela,

experimentá-la, vivê-la existencialmente e coletivamente. Por isso, torna-se importante o

engajamento do jovem na unidade produtiva da família, nas associações e grupos existentes na

comunidade, nos trabalhos coletivos comunitários, como processo de formação.

O compromisso com a mudança e a transformação de sua realidade individual, familiar

e coletiva origina-se e explicita-se na construção de uma ética do compromisso. A necessidade

de aprender para a organização e a auto-gestão é fundamental para a existência e fortalecimento

da agricultura familiar e para o desenvolvimento pessoal e comunitário dos educandos (as) e

suas famílias.

A pertinência, a originalidade e a heterogeneidade da Rede CEFFAS constrói-se numa

perspectiva de unidade na diversidade, assegurada por alguns traços fundamentais: associação

das famílias, formação integral dos jovens, alternância e desenvolvimento sustentável e

solidário.

A Associação de famílias compartilha o poder educativo. Constitui um espaço de gestão

administrativa, política, jurídica das escolas e de aprendizagem dos princípios cooperativistas e

associativistas. A associação e participação das famílias constituem, assim, componentes

indissociáveis e fundamentais na expressão das realidades, necessidades e desafios presentes no

contexto sócioeconômico, cultural e político da escola, formalizando a justificativa de

existência desse espaço escolar, pressupondo-se que é possível mantê-lo como patrimônio

comunitário rural.

O nível de inserção e participação dos pais e da comunidade na dinâmica da gestão

escolar é talvez seja um dos grandes desafios para a operacionalização de um bom trabalho nos

estabelecimentos de alternância. E os processos de construção, implantação e manutenção

89 Na Pedagogia da Alternância o professor é denominado de Monitor devido a esse termo tem sido usado na

origem da experiência na França para se contrapor ao papel do professor tradicional. No entanto, esse profissional se caracteriza em sua formação e nos papéis que desenvolvem nas Escolas como um docente.

Page 163: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

163

dessa proposta nas comunidades são, na sua gênese, indicadores de avaliação da qualidade da

gestão participativa da EFA.

A Formação integral dos jovens rurais visa à aprendizagem de valores, tais como:

criatividade, responsabilidade, solidariedade, espírito de iniciativa, vida comunitária, trabalho

de grupo. Isso pressupõe a organização de uma instituição educativa contextualizada na

realidade dos educandos (as), dando sentido à sua permanência no espaço rural e criando

condições para que vivam, trabalhem neste espaço com qualidade de vida.

Esse processo educativo parte, segundo Pedro Pui

formação profissional, formação social, educação, cidadania, projeto de vida, economia,

família, todos os meios que se referem ou que interferem de uma maneira ou de outra na

-se, com isso, o envolvimento dos jovens com seus espaços de

forma sintonizada com o processo de formação escolar e profissional, na tentativa de criar

possibilidades de interação/intervenção no desenvolvimento de sua realidade.

Outro sujeito fundamental na Pedagogia da Alternância é o professor denominado de

monitor-educador90, cujo perfil deve incorporar conhecimentos dos ambientes sócio-

profissionais do campo, uma formação específica do domínio de conteúdos da sua área e das

tecnologias do conhecimento e capacidade de animar as alternâncias junto ao grupo de

estudantes e demais atores envolvidos na alternância.

A Alternância enquanto princípio e método pedagógico, mais que característica de

sucessões repetidas de sequencias, visa desenvolver, na formação dos jovens, situações em que

o mundo escolar se posiciona em interação com o mundo que o rodeia. O projeto educativo

define o itinerário da formação, no qual a experiência de cada alternante é ponto de partida e de

chegada do processo.

Os dispositivos pedagógicos usados, o papel da escola e da família na construção do

conhecimento e a estrutura educativa e psico-afetiva asseguram a organização e aprendizagem

dos estudantes e da equipe educativa que tem na figura dos monitores um papel fundamental

na mediação do conhecimento, pois

uma das complexidades da alternância está na diversidade de relações com pessoas que colaboram com o processo de formação, com entidades parceiras, com espaços e tempos diferentes (tempo escola e tempo comunidade), com as diversidades culturais do campo, com os diversos campos de saberes: práticos, populares, teóricos, científicos (REVISTA DA FORMAÇÃO DA ALTERNÂNCIA, 2006,p.33).

90 Todas as vezes que no trabalho aparecer o termo monitor (a) estamos nos referindo ao professor (a) na EFA. No

entanto, esse profissional possui formação para o exercício docente.

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

164

O Desenvolvimento sustentável e solidário tem sua base é no fortalecimento da

agricultura familiar e inserção profissional dos jovens no campo. Os projetos de

desenvolvimento devem estar permeados de valores educativos: da justiça social, da economia

solidária, do respeito à natureza, da equidade de gênero, geração e etnia, da democracia

participativa, com a criação de novos contextos educativos de integração criativa, cooperativa,

solidária, emancipadora e humanizadora, entre os diferentes sujeitos, grupos de pessoas e

comunidades.

È possível acompanhar a configuração dos quatro pilares que fundamentam as práticas

educativas da Pedagogia da Alternância, conforme o gráfico n° 9.

Fonte: PUIG, 2005

Gráfico 9 - Pilares dos CEFFAS: finalidades e meios

Segundo Jean-Claude Gimonet (2007), os pilares do CEFFAS constituem movimento

mundial. No Brasil, contudo, as suas nuances são ressignificadas em função de cada contexto

local e, principalmente, de uma Pedagogia centrada na realidade ou pedagogia da

complexidade,

como cadinho de formação e de

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

165

Portanto, a realidade é o ponto de partida e de chegada da formação. A articulação entre

a teoria e a prática torna-

gerir os diferentes meios de vida dos adolescentes como fontes de saber, de aprendizagens e

como espaços educativos aglutinadores, sem reduzir os campos de saberes da vida e os campos

Constitui os CEFFAS uma educação específica e enraizada na vida do povo do campo,

que valoriza as experiências vivenciadas na família, na comunidade e no trabalho como

espaços articulados de aprendizagem. Vejamos:

Uma escola e uma educação específica e diferenciada que, enraizada na cultura do campo, contemple no processo de formação os valores, as concepções, os modos de vida dos grupos sociais que vivem no campo. Uma escola que seja, também, instrumento de melhoria nas condições de vida e de trabalho dos agricultores e do meio rural. (SILVA, 2006, p.16).

A Rede CEFFAS está presente em 20 estados brasileiros, ultrapassando o total de 265

estabelecimentos em funcionamento, atendendo a cerca de 20.670 adolescentes e jovens, com

mais de 850 educadores (as)/monitores(as). Esses centros já formaram mais de 30.000 jovens,

dos quais, hoje, 87% permanecem no meio rural, desenvolvendo seu próprio empreendimento

junto às suas famílias ou exercendo vários tipos de profissões e lideranças no campo.

(QUEIROZ, 1997)

Dentre as iniciativas que se afiliam ao discurso do CEFFAs, destacamos a Escola

Família Agrícola EFA, experiência que tem uma maior capilaridade nos Estados Brasileiros e

que, desde sua criação, associa escolarização e qualificação profissional, o que possibilitou

uma alternativa de escolarização para o meio rural, que possibilita ao aluno ter acesso à escola e, ao mesmo tempo, permanecer junto à família, à sua cultura e às atividades produtivas. Na construção dessa lógica explicativa das seqüências dos alunos no meio familiar, no meio escolar e no meio profissional, os argumentos desenvolvidos enfatizam a adequação dessa dinâmica educativa às condições de vida e de trabalho da população rural, sobretudo à necessidade de permanência do jovem na unidade familiar produtiva (REVISTA DA ALTERNÂNCIA, 2006, p.14).

Dessa forma, a Escola Família Agrícola se implementa no Brasil como uma alternativa

para a escolarização dos adolescentes e jovens do meio rural, numa articulação permanente

entre escola, cultura e trabalho.

Page 166: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

166

Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo

A Articulação Nacional por uma Educação do Campo é um lugar institucional

importante na construção do Movimento da Educação do Campo no Brasil. A prática

pedagógica e a formulação teórica com origem no MST, o qual desenvolvia processos

educativos nos assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária, foi afirmando-se com a

construção do Setor de Educação do Movimento em 1988, mas também por meio de outros

grupos como organização dos Movimentos de Atingidos por Barragens (MAB); Movimento

dos Pequenos Agricultores (MPA); e experiência das Pastorais Sociais: Conselho Indigenista

Missionário (CIMI); Comissão Pastoral da Terra (CPT); e Movimento de Educação de Base

(MEB).

Posteriormente, outros movimentos sociais, organizações não-governamentais e

Universidades foram se afiliando a Articulação Nacional por uma Educação do Campo e

ampliando os seus referenciais político-pedagógicos, evidenciando a diversidade de sujeitos

coletivos que desenvolviam trabalhos educativos com os sujeitos do campo.

A Articulação Nacional se organiza a partir da realização dos Encontros Nacionais dos

Educadores/as da Reforma Agrária (ENERAs), que começaram a acontecer a partir de julho de

199791. Estes foram inicialmente realizados pelo MST, a Universidade de Brasília (UnB) e a

Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que trabalhavam com educação por meio

de diversos organismos, como Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral

da Terra ( CPT), o Movimento de Educação de Base (MEB), bem como por organismos

ligados à Organização das Nações Unidas (ONU), como é o caso da Organização das Nações

Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a

Infância- UNICEF.

Os encontros contaram com apresentação e debates de experiências dos diferentes

estados e culminaram com o lançamento do Manifesto das Educadoras e Educadores da

Reforma Agrária ao Povo Brasileiro.

Esses encontros foram a base para a realização da I Conferência Nacional de Educação

do Campo realizada em 1998, em Luziania-Goias92, organizada numa parceria entre MST,

91 Antes existiam espalhadas por todo o país, iniciativas isoladas, no entanto, não se articulavam em redes nem

espaços nacionais. O Encontro reuniu cerca de 700 participantes de 19 estados e do Distrito Federal, entre professores de escolas de acampamentos e assentamentos, alfabetizadores de jovens e adultos, educadores infantis e convidados.

92 A Conferência Nacional reuniu cerca de mil participantes, entidades e educadores que trabalhavam com educação básica no meio rural para intercâmbio de experiências e discussão sobre políticas públicas e projeto

Page 167: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

167

CNBB, UNESCO, UNICEF e UnB, que assumiram a continuidade da mobilização que deu

origem à Articulação Nacional por uma Educação do Campo. Dois objetivos moveram o seu

surgimento: Mobilizar o povo que vive no campo, com suas diferentes identidades, e suas organizações para conquista/construção de políticas públicas na área de educação e, prioritariamente, da escolarização em todos os níveis. Contribuir na reflexão político-pedagógica da Educação do Campo, partindo das práticas já existentes e projetando novas ações educativas que ajudem na formação dos sujeitos do campo (I CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO, 1998).

A realização do Seminário Nacional por uma Educação do Campo, em Brasília, em

2002, fez ampliar essa articulação, incluindo outros movimentos sociais e Ong`s, entre eles, a

CONTAG, CEFFAS e RESAB, que organizaram a II Conferência Nacional da Educação do

Campo93, em 2004, também em Luziania - Goiás. Conforme o Documento da Conferência esse

momento teve um

Papel significativo no processo de rearticulação da questão da educação da população do campo para a agenda da sociedade e dos governos, e inaugurou uma nova referência para o debate e a mobilização popular: a Educação do Campo que é contraponto tanto ao silêncio do Estado como também às propostas da chamada educação rural ou educação para o meio rural no Brasil. Um projeto que se enraíza na trajetória da Educação Popular (Paulo Freire) e nas lutas sociais da classe trabalhadora do campo (II CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO BÁSICA DO CAMPO, 2004).

A II Conferência, na sua declaração final, afirma seu projeto e o papel estratégico da

Educação. Vejamos:

Lutamos por um projeto de sociedade que seja justo, democrático e igualitário; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se contraponha ao latifúndio e ao Agronegócio. (...) Lutamos por um projeto de desenvolvimento do campo onde a educação desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e implementação (II CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO BÁSICA DO CAMPO, 2004).

pedagógico que possam garantir a implementação de uma educação básica do campo. (CALDART, 2000, p.176)

93 Assinam a Declaração Final da II Conferência Nacional de Educação do Campo os seguintes Movimentos Sociais e Organizações, a saber: CNBB, MST, UNICEF, UNESCO, UnB, CONTAG, UNEFAB, UNDIME, MPA, MAB, MMC, MDA/INCRA/PRONERA, MEC, FEAB, CNTE, SINASEFE, ANDES, Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Frente Parlamentar das CEFFAs, SEAP/PR, MTE, MMA, MinC, CONSED, FETRAF, CPT, CIMI, MEB, PJR, Cáritas, CERIS, MOC, RESAB, SERTA, IRPAA, Caatinga, ARCAFAR SUL/NORTE.

Page 168: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

168

O documento explicita a relação que se estabelece entre o projeto de campo e o papel da

Educação, na formulação dos princípios da Articulação Nacional. Segundo o documento da I

Conferência Nacional, os princípios são os seguintes:

a) transformação no papel da escola e na afirmação da educação como direito: implica

o compromisso ético/moral com cada sujeito das práticas educacionais como pessoas humanas,

singulares e sociais; compromisso com a intervenção social na construção de projeto de

desenvolvimento e formação para o trabalho no campo; compromisso com a cultura do povo do

campo (resgate, conservação, recriação) na educação dos valores, na educação da memória

histórica, na educação para a autonomia cultural. Por isso, a luta dos Povos do Campo por

políticas públicas que garantam o direito à educação que seja no e do campo é determinante

para o debate geral da educação e de um projeto popular de desenvolvimento do país.

b) transformação nos processos de gestão da escola: a reinvidicação pela ampliação

quantitativa e qualitativa das escolas no campo passa por construção de um processo político e

pedagógico de democratização dos espaços escolares, na criação de coletivos pedagógicos de

estudantes e educadores, da participação da família, do diálogo com a comunidade.

c) transformação e construção de um projeto educativo: a educação do campo surge a

partir das práticas educativas desenvolvidas pelos sujeitos do campo. Assim, reafirma e dialoga

com a Pedagogia do Oprimido, ao colocar os oprimidos como sujeitos de sua educação e

libertação e, em ênfase, a cultura como matriz de formação do ser humano; com a Pedagogia

do Movimento, reconhecendo a dimensão educativa da participação das pessoas nos

movimentos sociais e dos ensinamentos pedagógicos das lutas sociais; e reafirma ainda como

especificidade a Pedagogia da Terra94, pela dimensão educativa da relação do ser humano com

o cultivo da terra, a luta da terra, o cuidado com a Terra, com o Planeta.

d) (trans) formação dos educadores/educadoras da escola do campo: pressupõe a

formação permanente, sistemática e específica para atuar nas Escolas do Campo. Assim, são

necessárias a criação de coletivos pedagógicos como espaços de crítica e autocrítica das

práticas pedagógicas. A realização de eventos de intercâmbio para troca de experiências e

aprofundamento das práticas pedagógicas; a reinvidicação de formação inicial com cursos

específicos para os educadores (as) do campo, organizados pelas Universidades Públicas;

criação de programas sistemáticos e permanentes de formação continuada; e eventos

organizados pelas comunidades, assentamentos e movimentos sociais. Tais iniciativas são o

94 O termo Pedagogia da Terra está presente em diversos movimentos que têm em sua pauta de luta questões

ambientais, ligadas a uma conjuntura que vai além da perspectiva do meio ambiente. A expressão Pedagogia da Terra é também o nome dado pelo MST ao seu curso de formação de educadores.

Page 169: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

169

estimulo permanente para que os educadores (as) possam refletir, escrever e sistematizar sobre

suas práticas pedagógicas.

A Articulação Nacional assume esses objetivos como orientadores do processo de

organização curricular, entendendo a escola como centro de formação humana. Por isto, as

Escolas do Campo precisam ter um ambiente educativo que combine múltiplas atividades

contemplando a relação com o trabalho na terra, a cultura, a memória e as lutas sociais.

No conjunto das organizações que deram origem à Articulação Nacional, destacamos

como campo de pesquisa o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a partir dos

critérios: o papel que desempenhou na constituição da Articulação e a influência de seu projeto

educativo na sua formulação. O MST coordena escolas em quase todos os Estados Brasileiros

com níveis e modalidades da Educação Básica, colocando-se como formulador de uma prática

e de uma teoria da educação, que denominam de Pedagogia do Movimento.

Roseli Caldart (2004) afirma que essa Pedagogia representa para o Movimento um

reencontro do camponês com a terra e, por conseguinte, consigo mesmo, já que ela representa

sua raiz. É justamente dessa relação entre o camponês e a terra que são criados os processos

pedagógicos que originam os aprendizados do trabalhador no ato da produção e do cuidado

com a mesma.

Para o MST, é na coletividade da organização e da luta pela terra que os Sem Terra

Dossiê MST, 2005, p. 244). Embora a Pedagogia do Movimento extrapole a escola, ela se

torna fundamental para o processo de formação humana dos Sem Terra. Por isso,

Pensar na escola como uma oficina de formação humana quer dizer pensá-la como um lugar onde o processo educativo ou o processo de desenvolvimento humano acontece de modo intencionalmente planejado, conduzido e refletido para isso; processo que se orienta por um projeto de sociedade e de ser humano, e se sustenta pela presença de pessoas com saberes próprios do oficio de educar (DOSSIÊ MST, 2005, p.244).

O MST está organizado em praticamente todo o território nacional e, nesses mais de

vinte anos de luta pela terra, possibilitou o assentamento de cerca de 300 mil famílias em mais

de 16 milhões de hectares. Surgiu a partir do reaparecimento da luta pela terra no Brasil, nos

Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul,

através de ocupações que ocorreram nos anos de 1978 e 1979.

Constituiu- Ocupar,

resistir, produzir omo lema para orientar as lutas do Movimento. A partir de 1995, esse lema

Reforma agrária, uma luta de todos

Page 170: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

170

entendimento do Movimento da integração de outros setores sociais na luta contra os processos

de desigualdade e exclusão social, como também da incorporação de sujeitos marginalizados

nas periferias urbanas para a luta da terra.

Em sua trajetória, o MST conseguiu consolidar-se como movimento fortemente

organizado, conquistando importante espaço político na sociedade brasileira. Esta organicidade

permitiu ao Movimento constituir uma dinâmica própria no que se refere à vida das famílias

assentadas e acampadas, propiciando a formulação e a concretização de políticas que dizem

respeito à produção, à educação, à saúde, entre outras áreas.

É nesse sentido que a educação aparece no MST como uma porta de entrada ao

conhecimento teoricamente elaborado, que contribua para a formação e transformação do ser

humano enquanto ser social, membro de uma coletividade, que também produz conhecimento

através de suas vivências nesse coletivo.

Como lembra Roseli Caldart (2000), o ato de ocupar a escola representa, para além de

ter acesso, um ato de reivindicar uma educação que dê conta de atender à realidade das crianças

vinculadas ao Movimento. Assim, para ela,

ocupar a escola quer dizer, em primeiro e básico sentido, produzir a

consciência da necessidade de aprender ou de saber mais do que já se sabe. De

modo geral, quando os sem-terra falam da importância do estudo, podem até

estar se referindo à escola, mas não no sentido restrito de escolaridade, que

remete ao significado historicamente construído de escola como um lugar

onde se deve ir para conseguir um diploma, para então conseguir um emprego

melhor, e de onde se é excluído quando a cabeça não dá prá isso...

(CALDART, 2000, p.215).

Essa autora apresenta três significados para a origem da Escola no MST. O primeiro é a

mobilização das famílias sem-terra pelo direito a uma escola diferente e significativa para os

educandos(as). Essa mobilização, que começou com as mães e professoras, suscitou a

participação dos pais e lideranças do Movimento, seguidos dos próprios educandos (as).

O segundo é a luta para assegurar o direito das crianças à escolarização dentro dos

acampamentos e assentamentos, inicialmente na Fazenda Anoni, no Rio Grande do Sul, por

iniciativa de pais e professores. E, por fim, a luta para garantir escolas públicas na terra

conquistada pela pressão e mobilização de lideranças para constituição de uma escola

específica para as áreas de Reforma Agrária,

A experiência avança para a criação do Setor de Educação do Movimento e dos

coletivos de educação nos municípios, com a função de conduzir o trabalho de mobilização e

Page 171: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

171

reflexão sobre a escola no âmbito dos assentamentos e acampamentos. Esses coletivos são

compostos por educadores (as) do Movimento e outras pessoas dos acampamentos e

assentamentos com afinidade ou sensibilidade para com a questão da educação.

O Setor de Educação elaborou a Proposta Pedagógica do Movimento, cujos princípios

filosóficos foram explicitados no Caderno de Formação95: Educação para a Transformação

Social; Educação para o trabalho e a cooperação; Educação voltada para as várias dimensões da

pessoa humana; Educação com/para valores humanistas e socialistas, e Educação como

processo permanente de formação/transformação humana.

O MST tem como finalidades e objetivos da educação: Educação para a

transformação social como educação de classe, na perspectiva de contribuir para a hegemonia

da classe trabalhadora. Por isso, precisa ser organicamente vinculada à luta e organicidade do

MST, como uma educação massiva; a educação para o trabalho e a cooperação,

possibilitando aprendizagens de experiências de cooperação, que preparem as pessoas para

viabilizar a produção coletiva; educação onilateral que trabalhe de forma integrada à formação

político-ideológica, formação organizativa, formação técnico-profissional, formação cultural e

estética, formação religiosa e moral, como um processo permanente de formação e

transformação humana e a Educação com/para valores humanistas e socialistas, para

construção do novo homem e da nova mulher, com valores necessários a uma nova ordem

mundial, que colocam no centro dos processos de transformação a pessoa humana e sua

liberdade, como um ser de relações sociais que visem à produção e à apropriação coletiva dos

bens materiais e espirituais da humanidade, e a justiça na distribuição desses bens (DOSSIÊ

MST, 2005, p.164).

Atualmente o MST acompanha a prática educativa de aproximadamente 950 escolas

públicas, em todo o país. Atinge cerca de 40 mil alunos e 1800 professores. Em alguns Estados

também se desenvolvem experiências de alfabetização de adultos e de educação infantil. O

MST vem, ainda, criando escolas alternativas em nível de Ensino Médio para jovens e adultos

dos assentamentos que querem e precisam aprofundar sua qualificação técnica, especialmente

nas áreas do Magistério, Produção e Administração.

A formação acontece também em nível técnico, por exemplo, no curso de Magistério

para professores de assentamentos, no curso superior de Pedagogia da Terra e no curso técnico

em Administração de Cooperativas, que se desenvolvem no Instituto Técnico de Ensino e

95 Segundo Caldart (2000), trata-se do Caderno de Formação n° 18 do MST, considerado o primeiro material

produzido de forma coletiva pelo Movimento para orientar o trabalho de educação. Depois disso, foi criada uma coleção específica chamada Cadernos de Educação que, a cada número, vai socializando as elaborações da proposta pedagógica do Movimento.

Page 172: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

172

Pesquisa em Reforma Agrária (ITERRA), centro de formação vinculado ao MST. Os alunos

desses cursos participam da gestão das escolas e realizam trabalhos práticos nos assentamentos,

com a metodologia da alternância. Além de escolas, cursos e programas, o MST mantém a

Escola Nacional Florestan Fernandes, que oferece aos acampados e assentados o Curso Básico

de Formação de Militantes e Cursos de Formação de Formadores.

Dentre essas iniciativas, destaca-se a Escola Itinerante96, como uma experiência

específica dessa organização, que nasceu das necessidades e da luta dos acampados,

especialmente das crianças.

Rede de Educação do Semiárido Brasileiro RESAB/ECSA

Outro lugar institucional de mobilização da Educação do Campo se constitui a partir de

1998, quando entidades não governamentais, pastorais sociais, Sindicatos de Trabalhadores (as)

Rurais, que atuavam com Povos do Campo no Semiárido Brasileiro, desenvolvendo ações

formativas de convivência com esse ecossistema, a partir dos fundamentos da Educação

Popular e da Agroecologia, iniciam trabalho pedagógico com as escolas da região semiárida.

Esse trabalho pedagógico desenvolvido inicialmente pelo Instituto Regional da Pequena

Agropecuária Apropriada (IRPAA), numa parceria com a Universidade Estadual da Bahia

(UNEB) e a UNICEF na rede pública municipal de Canudos, Uauá e Curaçá; pela Associação

de Desenvolvimento Comunitário (ADAC), em parceria com o CIRAD, em Massaroca-

Juazeiro; pelo Movimento de Organização Comunitária (MOC), na região sisaleira da Bahia;

e pelo Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais

Alternativas (CAATINGA), em Ouricuri Pernambuco, foi posteriormente envolvendo outras

entidades que desenvolviam a Educação Contextualizada do Semiárido (ECSA).

A articulação entre as diferentes entidades culminou com o I Seminário de Educação no

Contexto do Semiárido, em Juazeiro, na Bahia, em 2000, surgindo, assim, a Rede de Educação

do Semiárido Brasileiro (RESAB), como um espaço de articulação política regional da

sociedade organizada, congregando educadores(as) e instituições governamentais e não

governamentais que atuam na área de Educação no Semiárido Brasileiro, defendendo que:

96 A Escola Itinerante nos acampamentos está organizada em etapas, que correspondem ao ensino fundamental

de 1º ao 6º ano, com objetivos e conteúdos próprios a cada etapa. As etapas previstas na Proposta Pedagógica da Escola Itinerante caracterizam-se por flexibilização pela integração. A organização curricular prevista a cada etapa possibilita a apreensão e a sistematização de conhecimentos conforme o processo de cada aluno(a). No momento em que a criança construir as referências correspondentes a cada etapa, ela passará para a seguinte, ficando claro que o ingresso ou a passagem das etapas poderá acontecer em qualquer época do ano letivo, a partir de avaliação realizada pelos professores (as) (CAMINI, 1996).

Page 173: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

173

A função primordial da RESAB é fazer dialogar os diversos sujeitos individuais e coletivos e suas experiências, ela deveria também cuidar de

de um lado para outro no processo de sua constituição, e ainda assim, colocar outras questões que ainda não foram colocadas, bem como apontar um lugar mais específico para si própria. [...] Não obstante, sugerir uma proposta de Educação para a Convivência com o Semiárido é um desafio, pois, enquanto rede, não pode correr o risco de sermos reducionistas a ponto de, ao propor uma proposta, tentar uniformizar a rica diversidade de experiências já em curso nas diversas regiões do SAB, cada qual com suas opções metodológicas (RESAB, 2004, p.37).

Na verdade, a RESAB é uma rede que reúne instituições que já contam com suas

próprias propostas político-pedagógicas e metodológicas, de acordo com a natureza do trabalho

educacional que realizam. É assim que o IRPAA97, MOC98, ERUM/ADAC99, na Bahia, o

Caatinga100, em Pernambuco, o Instituto Sertão no Ceará, a Cáritas, em vários Estados, o

CAAM, no norte de Minas Gerais e a CPT, no Sertão na Paraíba, tendo em comum o contexto

e a convivência com o Semiárido, desenvolvem suas próprias propostas de trabalho. Podemos

dizer que:

Assim, a RESAB não se confunde com nenhuma destas instituições: ela não é nenhuma e nem outra; é uma ligação que se tece entre todas elas; é uma rede tecida entre todas. Daí que, se a função primordial da RESAB é fazer dialogar os diversos sujeitos individuais e coletivos e suas experiências, ela deveria também cuidar de estabelecer uma espécie de síntese que têm pululado de um lado para outro no processo de sua constituição, e ainda assim, colocar outras questões ainda não foram colocadas, bem como apontar um lugar mais específico para si própria (RESAB, 2004, p.12 ).

Nesse sentido, duas categorias são fundamentais nas diferentes entidades que se

articulam na Rede: a contextualização e a convivência. Para a ECSA, o contexto extrapola o

espaço físico e o local, pois o

contexto é o conjunto de elementos ou de entidades, sejam elas coisas ou eventos, que condicionam, de um modo qualquer, o significado de um enunciado. O contexto, então, não é apenas físico e objetivo, ele compreende regimes de signos, materiais, móveis, componentes de subjetividades. Sendo

97 O Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, localizada na Bahia que desenvolveu a proposta

educacional denominada Educação para Convivência no Semiárido. Implementada em vários municípios do Estado da Bahia e Piauí.

98 Movimento de Organização Comunitária, atua na região sisaleira da Bahia em Educação do Campo junto a Rede Pública Municipal.

99 Associação do Desenvolvimento Comunitário, atua no Estado da Bahia junto a Rede Pública Municipal, é uma das organizações que presta assessoria a ERUM.

100 Centro de Assessoria e apoio aos trabalhadores e Instituições não governamentais alternativa, localiza-se em Ouricuri, Pernambuco, fortalecendo o processo de formação de professores/as do campo.

Page 174: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

174

assim, contextos não se fixam apenas ao local, à sala de aula, à comunidade local, a um território determinado. Ele se estende até um sistema de valores, que extrapolam qualquer fronteira geofísica descuidadamente traçada uma vez que se traçam em redes de conteúdos que fundem o passado e o futuro, o local e o global, o pessoal e o coletivo (RESAB, 2005, p.35).

Conforme Ivânia Souza (2005), a proposta da ECSA aponta para uma visão de currículo

que considera a historicidade dos sujeitos sociais, os processos históricos em que estão

inseridos, no entanto, sem reduzir o ensino/aprendizagem àquilo que o educando (a) já sabe. A

contextualização é a possibilidade de criar significados para aquilo que se vivencia na escola.

ção de sentido ao que se aprende,

Do ponto de vista escolar o currículo torna-se a forma pela qual os saberes na sociedade

são enfatizados ou omitidos dentro do processo ensino aprendizagem. Presenças e ausências

nos currículos expressam uma posição político pedagógica, resultado de disputas de projetos

de sociedade, de embates e conflitos em torno dos conhecimentos, das habilidades e dos valores

que devem ser aprendidos e, portanto, contribuem para a produção de identidades sociais,

sexuais e culturais, dimensão também destacada pela crítica de Paulo Freire à neutralidade com

que são tratados os contextos.

Para a ECSA, o currículo tem uma posição estratégica nas mudanças das escolas,

porque é o espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes

significados sobre o social e o político.

A Convivência com o Semiárido é um fundamento dessas práticas educativas. O

processo educativo, enquanto formação humana, busca construir uma convivência101

referenciada na interação ética entre as diferentes identidades, as múltiplas sociabilidades, no

compartilhar, na contestação, na qual se fundamentam os conteúdos e os dispositivos

pedagógicos a serem trabalhados na escola.

Para Oscar Braga (2004), a educação como dimensão convivial supõe três dimensões

importantes:

compartilhar a vida; 2) a do viver comum, que é mais do que estar junto, pois implica aceitar o outro ser vivo (humano e natureza) como legitimo outro, na sua identidade e subjetividade e 3) a da contestação e da luta, da dialética da existência e da afirmação da diferença, onde buscamos o equilíbrio entre as

101 Segundo os documentos da Resab, a concepção de convivência está pautada pelas ideias de Michel Maffesoli

no livro no Fundo das Aparências (2000), de Humberto Maturama, no livro Emoções e Linguagem na Política e na Educação (1998), e de Félix Guattari, no livro As Três Ecologias (1990).

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

175

forças opostas da vida. Educar para a convivência é trabalhar essas dimensões

Nessa perspectiva, o ser humano é concebido como um ser biossocial, como um ser da

natureza e da sociedade ao mesmo tempo. Por isso, educar para a convivência é desenvolver

uma prática educativa pautada na convivência sustentável e solidária. É também

Possibilitar nos sujeitos a formação de um olhar diferenciado sobre sua realidade, contribuindo para a construção de uma ética na relação das pessoas entre si e destas com o ambiente natural e social, visando contribuir ao desenvolvimento humano e sustentável (BRAGA, 2004, p.40)

Uma das finalidades da ECSA é de educar para que os sujeitos sociais se tornem

sujeitos de intervenção social. A escola como espaço de construção de conhecimentos, valores

e diálogo entre os saberes possibilita uma nova forma de relacionamento com a realidade

ambiental e social, numa perspectiva de ressignificar a sua experiência, dialogar e refletir sobre

a realidade que os envolve e, assim, intervir de forma mais responsável, crítica e comprometida

e que possam desenhar de forma coletiva uma sociedade que supere a desigualdade.

Um espaço em que os sujeitos têm a oportunidade de pensarem sobre si e sobre o

mundo. A escola assume dentro da perspectiva da ECSA um papel im

espaço de diálogo entre vivências, onde as diferenças são respeitadas e as desigualdades

Segundo os documentos da RESAB, a Educação deve contribuir para a construção de

um sujeito social e político que reflete e problematiza a sua história e a história de sua região,

que toma a cultura e o fazer dos sujeitos como um instrumento de mobilização e de

transformação da realidade, focado nos princípios da solidariedade, da cooperação e da justiça

social.

Nesse sentido, os princípios que unem as diferentes iniciativas que compõem essa Rede,

e que são inalienáveis para a prática pedagógica no Semiárido são:

a) Integridade dos atores e atrizes processo educacional; b) equidade na distribuição de rendas e no acesso ao conhecimento cultural,

científico, moral ético e tecnológico, em todos os níveis da educação; c) intersetorialidade na definição das políticas educacionais; d) interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na construção do

conhecimento; e) sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural como elementos

de sustentação dos processos e projetos educacionais;

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

176

f) respeito à pluralidade e à diversidade de culturas, credos, raças, ideias e de opções metodológicas no processo de ensino aprendizagem;

g) descentralização, transparência e gestão compartilhada; h) autonomia financeira e pedagógica dos sistemas educacionais e unidades

escolares; e i) valorização do magistério e favorecimento das condições de

aperfeiçoamento e de formação continuada e permanente dos/as educadores/as.

j) respeito aos princípios e direitos constitucionais, aos direitos humanos e ao meio ambiente;

k) aplicabilidade dos instrumentos legais que visam a construção de uma educação pública de qualidade;

l) defesa incondicional da escola pública, gratuita e de qualidade no Semiárido e no Brasil; e

m) respeito e promoção dos direitos das crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. (RESAB, 2005, p.15)

A proposta da Educação contextualizada está presente em 215 municípios do Semiárido,

envolvendo diferentes entidades em sua coordenação. Dentre as iniciativas que participam da

Resab, destacamos a Escola Rural de Massaroca ERUM, localizada na comunidade de

Lagoinha, Distrito de Massaroca em Juazeiro da Bahia.

Os critérios utilizados para sua escolha foram: ser uma das precursoras na

implementação da Proposta de Educação Contextualizada, se desenvolver-se numa Escola da

Rede Pública com gestão compartilhada; ter uma organização escolar da Educação Infantil aos

anos finais do Ensino Fundamental; possuir turmas multisseriadas e unisseriadas; e por ser

uma escola destinada às Comunidades de Fundo de Pasto102, uma das populações tradicionais

do Campo Brasileiro.

Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável SERTA/PEADS.

O SERTA - Serviço de Tecnologia Alternativa, é uma entidade não governamental, que

foi criada em 1989, fundamentada nos princípios e metodologia da Educação Popular e da

Agricultura Orgânica, começando sua atuação no Agreste Pernambucano, mais precisamente

nos municípios de Tacaimbó, Gravatá, Chã Grande, João Alfredo, Surubim, Bom Jardim e

102 Embora na maioria do Sertão, por lei, obrigou-se os criadores a cercar os animais, no Nordeste da Bahia, essa

prática do criatório em área coletiva foi mantida. No caso de Massaroca, as comunidades conseguiram os títulos de posse da terra, tanto nas propriedades particulares, como nos fundos de Pasto, numa parceria realizada pelo Instituto de Terras da Bahia INTER-BA.

Page 177: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

177

Familiares, Comunidades Eclesiais de Base (CEBS), e na articulação com outras entidades na

área de tecnologias alternativas para a agricultura familiar.

A experiência da entidade com agricultores era centrada nos adultos da família pai,

mãe, avós, etc. e não conseguia envolver as diferentes gerações nas atividades, o que começou

a suscitar a preocupação de seus educadores, no que se referia à sucessão familiar na

agricultura. Além disso, a juventude cada vez mais deixava a área rural, ou se preparava

constantemente para mudar para a cidade, e a escola era a porta de entrada para atingir esse

objetivo. Esse esvaziamento e envelhecimento do campo era um fator de preocupação para uma

política de desenvolvimento sustentável.

A partir de 1992, o SERTA foi ampliando e diversificando seu público, passando a

trabalhar com jovens rurais, com professoras e supervisoras municipais de educação, buscando

investigar mais as relações da Escola com a agricultura, o trabalho e a família, os resultados

A troca de experiências com outras entidades, o conhecimento das experiências

desenvolvidas pelas Escolas Famílias Agrícolas, especialmente o Programa de Apoio à

Educação Rural - PAER103, na Paraíba, e os encontros que começaram a realizar com jovens,

professoras e lid

queríamos uma escola alternativa, diferente, queríamos intervir na escola pública municipal,

nas que existiam de fato, fossem quais fossem as suas condições, pois eram nessas que

estuda

Essa partilha com a juventude, com as professoras, com outras entidades que atuavam

na Educação Popular, possibilitou a elaboração da Proposta de Educação Rural, que,

posteriormente, passou a ser denominada de Proposta Educacional de Apoio ao

Desenvolvimento Sustentável PEADS104,

que não foi resultado de um ou mais autores teóricos, nasceu do esforço de responder aos desafios para melhorar a vida dos camponeses, da juventude, de sua organização e articulação com outros sujeitos sociais. (...) nasceu fora dos muros da Escola, e dentro do mundo do trabalho, dos problemas e das

103 Programa de Apoio à Educação Rural, organização não-governamental de caráter educativo, formada por

agricultores, professores e técnicos do meio rural, situada no Estado da Paraíba, que tem como as duas frentes prioritárias de trabalho as Escolas Roçados e o Programa de Difusão e Capacitação em Tecnologia Alternativa.

104 A PEADS serviu de referência para a elaboração de outras propostas pedagógicas desenvolvidas por outras entidades nas redes públicas municipais como, por exemplo, o MOC na Bahia, que, desde 1994, atua na região sisaleira com a proposta CAT ( Conhecer, analisar, transformar); o município de Ariquemes em Rondônia, desde 1997, usa a PEADS; e o município de Estrela de Alagoas que implantou a proposta na rede com a denominação de PECEMEAL.

Page 178: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

178

Embora a entidade já possuísse experiência no campo da educação popular, sua

especialização era com a área da agricultura, com a tecnologia, o que constituiu uma primeira

tensão para a equipe coordenadora da proposta:

O receio era de que as professoras entendessem essa mudança como se fossem ensinar coisas de agricultura, bastava acrescentar algo ao currículo e substituir os livros didáticos. (...) precisávamos discutir o papel do conhecimento, o papel social e político da educação como os camponeses, quais os valores que a escola reproduzia com relação ao campo. (...) não podíamos mudar apenas os instrumentos pedagógicos. Era o risco de uma mistificação pedagógica, da discussão das finalidades e objetivos da Educação serem trocados pelos meios (PEADS/MOURA, 2003, p.46-47)

Os princípios da identidade, diversidade e autonomia redefinem a relação a ser mantida

entre os sistemas de ensino e as escolas. A identidade e a autonomia das escolas são exercidas

no contexto constituído por diretrizes gerais de ação e assessoramento à implantação das

políticas educacionais, o que exige dos sistemas educacionais (federal, estaduais ou

municipais), assumir a política e a estruturação de mecanismos de supervisão/ assessoramento,

acompanhamento e avaliação dos resultados do trabalho desenvolvido nas escolas. Alguns

aspectos se tornaram centrais na elaboração na proposta de trabalho:

a) ter como princípio político a intervenção na realidade, a partir da pesquisa da

realidade, seu aprofundamento em sala de aula, na perspectiva de construção de

novos conhecimentos que contribuam para o desenvolvimento sustentável das

comunidades e dos municípios;

b) ter como princípio metodológico a pesquisa e a interdisciplinaridade como estratégia

para construção do conhecimento e integração entre os diferentes sujeitos da prática

pedagógica, e a família; como uma postura diante da realidade. Educando (a) e

educador (a) precisam assumir essa postura com senso crítico, curiosidade e

" e, ao mesmo tempo, cultivar essa ferramenta como

metodologia de ensino; e

c) ter como principio pedagógico que a Educação do Campo tenha uma dimensão

profissionalizante no sentido crítico e criativo, "sabendo ganhar a vida... [...] no

campo ou então em condições de aprender a ganhar a vida na cidade".

Page 179: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

179

Essa matriz orientou o processo de elaboração de uma Proposta Pedagógica, que tivesse

como intencionalidade a produção e a contextualização de conhecimentos, a intervenção na

realidade. Assim, a Escola do Campo deveria contribuir para:

a) Formação de um ser humano integral, com capacidades a serem desenvolvidas em

diversas dimensões (pessoal, social, cultural, política, emocional, profissional,

etc..), e como produtor de conhecimentos sobre sua realidade, como protagonista

capaz de modificar o seu entorno e as circunstâncias em que vive;

b) construção do desenvolvimento sustentável e solidário, numa perspectiva de que a

relação do ser humano com a natureza seja de colaboração e facilitação para que

desenvolva as suas leis, numa perspectiva de preservação do meio ambiente e de

construção de políticas econômicas, ambientais e sociais que possibilitem o

fortalecimento da agricultura familiar e da sustentabilidade no campo;

c) construção de valores e conhecimentos para a vida e o trabalho: o papel da escola

do campo é contribuir na construção de valores e conhecimentos das pessoas para a

vida e para o trabalho, na perspectiva de que todos aprendem e ensinam:

professores/as, familiares, educandos (as), lideranças das comunidades, dos

movimentos sociais, técnicos e especialistas, articulando, através da pesquisa e do

diálogo permanente com a comunidade, os saberes populares e os sistematizados

pelas diferentes áreas do conhecimento na fundamentação das ações e intervenções

socioeconômicas e culturais da comunidade.

d) gestão democrática e compartilhada: todos devem participar do planejamento,

acompanhamento e avaliação do processo pedagógico-administrativo, nos seus

variados aspectos, visando à melhoria do ensino e da aprendizagem. Os pais

participam efetivamente, impelidos pela necessidade de aprofundamento da

participação direta na escola de seus filhos, e em muitos casos na sua própria

escola105, chegando até a se auto-organizarem para a escolha de seu representante

nas deliberações do Conselho Escolar. Dessa forma, não é a direção sozinha que

toma decisões, mas sim, o coletivo da escola.

e) formação inicial e continuada especifica e permanente dos profissionais da

educação: professorado, gestores, coordenadores/as, técnicos-administrativos, que

tivesse como fio condutor da formação a pesquisa e os conhecimentos construídos

na prática da sala de aula.

105 Muitos pais voltaram a estudar mediante sua participação na escola sendo ofertadas,no turno noturno, salas de

educação de jovens e adultos.

Page 180: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

180

Atualmente a PEADS, é implementada em cerca de 1.105 escolas nos Estados de

Pernambuco, Paraíba e Alagoas, atingindo uma média de 62 mil estudantes. Para a presente

pesquisa, destacamos a Escola Municipal Antonio Henrique de Gouveia, localizada na

Comunidade de Santa Luzia, no Município de Soledade- Paraíba. A escolha dessa escola se

justifica por ser ela da Rede Pública Municipal, multisseriada e unidocente (característica de

quase 50% das escolas localizadas no campo brasileiro).

Considerações

Os traços de semelhanças dos Lugares Institucionais se materializam a partir de

fundamentos e princípios, que constituem as concepções de sociedade, educação e ser

humano, que contribuem para uma crítica ao modelo hegemônico capitalista que avilta os

sujeitos do campo brasileiro, a pensar o papel da educação na construção de um projeto

político na sociedade e a reinventar a organização do trabalho pedagógico nas Escolas do

Campo.

A crítica ao modelo de escola centra-se em todas as propostas no seu caráter

monocultural, descontextualizado da vida dos sujeitos do campo e da precariedade de suas

condições materiais, que não possibilitou o acesso à escolarização em todos os níveis e

modalidades pelas populações do campo, tampouco a permanência com sucesso aos que nela

conseguiram ingressar.

O período depois de 1990 é significativo para a organização do Movimento da

Educação do Campo em todo o País, na sua articulação e constituição, expressa numa rede

constituída por diferentes organizações, que constroem uma agenda de conteúdos comuns

para contribuir com a formulação de políticas educacionais do campo.

A Educação, como política social, se implementa a partir da orientação do Estado

capitalista brasileiro, e das relações que estabelece no cenário internacional, portanto, as lutas

dos movimentos sociais do campo por políticas públicas de Educação se constituem a partir

da pressão, das contradições e fissuras que permeiam o Estado brasileiro.

A luta por um novo marco jurídico no país foi incorporada por todas as organizações,

que constituem o Movimento da Educação do Campo, como forma de resgatar a dívida social

existente com a exclusão da população do campo da escola, como afirmação da Educação

Page 181: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

181

como direito dos Povos do Campo e, principalmente, como fortalecimento dos projetos

político pedagógicos que garantam a autonomia e a especificidade das Escolas do Campo.

Além da legislação específica temos também uma série de programas e ações como o

Programa de Apoio a Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo

PROCAMPO; Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária PRONERA; Projovem

Campo Saberes da Terra, Observatório da Educação do Campo , que embora se constituam

em políticas afirmativas, são pontuais, insuficientes para atender a demanda existente e

permeada pelas contradições e tensões entre o Estado e as diferentes instituições que atuam

nestas parcerias Universidades, Movimentos Sociais do Campo e Secretarias de Educação,

no entanto, possibilitam o acesso das populações e educadores(as) do campo acessar uma

política pública que historicamente foram excluídos.

Esse momento apresenta uma riqueza na formulação de políticas e propostas

pedagógicas do campo brasileiro, e ao mesmo tempo torna-se desafiador para que os

movimentos sociais do campo mantenham sua autonomia, e não se misture na gestão do

Estado, perdendo sua mobilidade e papel de pressão e organização da luta e ocupação da

arena política de disputa de projeto de desenvolvimento.

O Movimento da Educação do Campo possibilita o debate acerca da prática

pedagógica nas escolas do campo, envolvendo diferentes sujeitos: professores(as), gestores,

pais, estudantes numa indagação sobre o modelo de escola existente em sua comunidade, em

seu município, com a elaboração de propostas e práticas pedagógicas que valorizam na

organização da escolaridade, diversidade dos sujeitos existentes no campo, a cultura da

comunidade, os processos de transformação do campo, a gestão democrática das escolas e a

produção e sistematização de conhecimentos contextualizados a realidade.

O Movimento da Educação do Campo revigora com suas Propostas Pedagógicas a

contribuição da educação para um projeto político emancipador, não como um modelo

fechado e predeterminado, mas como caminhos, fundamentos, princípios, visões de mundo e

de escola, o que expressa à heterogeneidade das redes que compõe este Movimento.

Segundo Paolo Tomasin (1994), os movimentos em redes pressupõem uma ideia de

horizontalidade (descentralização, desconcentração de poder), de diversidade interna de

organizações, flexibilidade e agilidade para lidar com novas situações e, ao mesmo tempo,

vivenciar um processo de articulações que possibilitem sua interlocução com o externo.

Isso significa que não existe um único sujeito do processo de formulação das políticas

educacionais, das propostas pedagógicas e das práticas educativas, mas vários sujeitos

Page 182: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

182

políticos coletivos, que vão se configurando através de suas experiências e que vão exigindo

do Estado o trato, em termos de questões públicas, e o atendimento às demandas da oferta de

uma educação com qualidade social no campo, o que dialoga com Paulo Freire quando diz

estar convencido

de que nunca necessitamos tanto de posições radicais, no sentido em que entendo radicalidade na Pedagogia do Oprimido, quanto hoje. Para superamos, de um lado, os sectarismos fundados nas verdades

como se eles tivessem virado imutáveis, tão ao gosto de posições modernas, os primeiros, e pós-modernistas, as segundas, temos de ser pós - modernamente radicais e utópicos. Progressistas. (Freire, 2008, p. 52)

A organização do trabalho escolar passa pela articulação da sala de aula com outros

espaços e tempos de aprendizagem. Os conteúdos buscam a apropriação e apreensão de

categorias e conceitos que dêem condições para leituras, interpretações e intervenções na

realidade, estimulando a participação dos sujeitos no pensar e na realização do planejamento

do processo educativo.

Embora tenhamos um crescimento do Movimento da Educação do Campo, as escolas

ainda enfrentam muitos desafios no que se refere à infra-estrutura, o apoio das secretarias para

o desenvolvimento do trabalho, a formação dos educadores (as) para docência na realidade do

campo, a ausência de bibliotecas, laboratório e outros instrumentos de apoio didático, além da

política de nucleação implementada pelos Estados e Municípios, com o fechamento de escolas

nas comunidades rurais, e o transporte de crianças, adolescentes e jovens para as sedes do

município que continua crescendo em todo o País.

Em resumo, as políticas educacionais formuladas com a participação dos movimentos

sociais do campo e as propostas pedagógicas dos Lugares Institucionais evidenciam a Escola

concebida como uma totalidade imersa numa rede de relações de saberes, sujeitos e

instituições.

Page 183: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

183

II PARTE A REINVENÇÃO DA ESCOLA DO CAMPO: O ITINERÁRIO PEDAGÓGICO COMO ORIENTADOR DA DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO

Page 184: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

184

Introdução

Enquanto objeto de minha curiosidade, que opera agora

de que toda prática educativa implica sempre a existência de sujeitos, aquele ou aquela que ensina e aprende e aquele ou aquela que, em situação de aprendiz, ensina também, a existência do objeto a ser ensinado e aprendido a ser re-conhecido e conhecido o conteúdo afinal. Paulo Freire

Essa parte do trabalho trata da análise das Propostas Pedagógicas dos Lugares

Institucionais, evidenciando as semelhanças e suas singularidades, a partir da

contextualização de seus ambientes educativos e do registro e reflexão de suas práticas

pedagógicas.

As paisagens das Escolas foram construídas a partir da triangulação entre documentos

produzidos pela escola (atas, proposta pedagógica, material dos estudantes, cadernos de

planejamento); observação participante (dos espaços de sala de aula e das atividades

desenvolvidas em toda a escola); entrevistas e registro das falas e impressos nos caderno de

campo.

Para análise das Propostas Pedagógicas, apoiamo-nos nas informações dos documentos

dos lugares institucionais, nas produções e num diálogo com autores e pesquisadores

vinculados a estas práticas, dentre os quais destacamos (CALDART, 2000, 2003; GIMONET,

1985; 2007; MOURA, 2003; SOUZA E REIS, 2003).

Os sentidos presentes nas propostas pedagógicas indicam que as instituições são

movidas por concepções que orientam suas práticas. A concepção de ser humano presente nas

propostas é a de humanização e emancipação do ser humano, a partir de um processo de

intervenção na realidade na perspectiva de modificar as relações assimétricas existentes na

mesma.

O olhar, a escuta e os registros das práticas pedagógicas das escolas nos forneceram

informações sobre a dinâmica de organização de seus tempos, espaços, relações entre os

sujeitos e o trato com o conhecimento. Buscamos apoiar nossa análise em (FREITAS, 1995,

2004; FREIRE, 1978, 1987, 1996, 2008; SOUZA, 2001, 2004, 2009).

Page 185: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

185

A análise das informações evidenciou um processo de reinvenção das Escolas, que a

torna um espaço privilegiado de produção de saberes e fazeres, que instituem uma nova

cultura escolar. Conforme nos coloca João Francisco de Souza (1994),

Reinventar é tomar algo pré-existente e configurá-lo, imprimir-lhe uma outra dinâmica, proporcionar-lhe uma nova práxis (teoria + prática), e um novo gerenciamento. É constituí-lo de uma maneira diferente da que vinha predominando, até então, a partir de indícios inovadores já contidos na prática anterior. É garantir-lhe um novo impulso. É uma refundação. Surge uma nova criatura. (p. 53).

Nas Escolas do Campo, a seleção, organização e circulação desses conteúdos ocorrem

a partir de itinerário pedagógico, que (re) desenha contornos institucionais da escola,

rompendo com a rigidez organizativa de tempos, espaços, campos de conhecimento e com o

isolamento da realidade dos sujeitos do campo que a tem caracterizado desde sua gênese.

Assim, a escola é reconstruída na perspectiva da Educação Popular: como um espaço de

debates, de tomada coletiva de decisões, de produção e sistematização de conhecimento, de

mo

As Propostas Pedagógicas se materializam nos projetos político-pedagógicos de cada

escola, refletindo os contextos em que estão inseridas, as condições sociais, políticas e

culturais de sua comunidade, do seu município e das contradições postas pelas políticas

educacionais do País.

O processo de elaboração das propostas pedagógicas dos diferentes lugares

institucionais é realizado a partir de um processo de reflexão, decisão e elaboração coletiva, a

partir da prática desenvolvida pelos sujeitos, correspondendo, ao que afirma Sánchez Vásquez

(1980), como uma atividade prática material do ser humano que transforma o mundo natural e

social para fazer dele um mundo humano, por

Para Sanchez Vasquez (1988), a práxis é o fundamento do mundo em que hoje nos

desenvolvemos, e por ser justamente o fundamento do mundo real que hoje existe, a práxis

proporciona à ciência, ao conhecimento, não só a sua finalidade como o seu objeto. O que ele

nega realmente é que o conhecimento seja mera contemplação, à margem da prática;

consequentemente, o conhecimento só existe na unidade entre teoria e prática.

A prática pedagógica das escolas analisadas a partir da organização do trabalho

pedagógico, das relações entre os educadores (as), educandos (as) e gestores reinventa na sala

de aula o trato com o conhecimento e, na escola, a vivência de uma gestão participativa,

Page 186: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

186

democrática e coletiva. Portanto, redimensiona-se no itinerário pedagógico de cada escola,

permeado pela afetividade, organização, autonomia e participação.

A materialidade da prática pedagógica acontece na sua especificidade a partir da relação

entre os sujeitos envolvidos; docentes, discente e gestores que de forma articulada se

aproximam de conhecimentos e saberes essenciais para desenvolvimento. Portanto, o

itinerário pedagógico torna-se articulador de todas essas dimensões da prática pedagógica

numa determinada realidade social a partir de uma visão de mundo e ser humano.

O diálogo com as famílias, as comunidades, o movimento social do campo

redimensiona a vida na escola, e a vida das comunidades com os saberes produzidos pela

escola, ao tomar como referência os conhecimentos construídos fora da escola, para

questioná-los, ampliá-los e transformá-los numa perspectiva de projeto político pedagógico

emancipador.

Page 187: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

187

V CAPITULO - PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DO MOVIMENTO DA EDUCAÇÃO

DO CAMPO

Page 188: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

188

A única maneira que alguém tem de aplicar no seu contexto, alguma das proposições que fiz é exatamente refazer-me, quer dizer, não seguir-me. Para seguir-me o fundamental é não me seguir.

Paulo Freire

Este capítulo trata das propostas pedagógicas dos lugares institucionais campo da

pesquisa. As propostas pedagógicas, consistem em um conjunto de documentos que abordam

as ideias coletivas dos lugares institucionais a respeito da concepção de ser humano,

sociedade, educação, currículo, aprendizagem, etc., que, de forma consentânea, são definidas

pelos sujeitos sociais envolvidos nas suas práticas educativas.

Essas propostas são embasadas numa teoria pedagógica e subsidiam a formulação dos

projetos político-pedagógicos das escolas, a partir de um projeto histórico106, que referencia a

concepção de Educação, de ser humano e de organização do trabalho pedagógico.

Portanto, as propostas pedagógicas se apóiam segundo Luis Carlos de Freitas (1987),

numa teoria pedagógica que fundamenta suas concepções e finalidades no processo educativo,

que subsidia a elaboração dos projetos políticos pedagógicos das escolas.

Neste caso, a teoria é ent forma de pensamento que tem suas

peculiaridades e ocupa certo lugar no movimento do conhecimento, isto é, deve compreender

não só a descrição de certo conjunto de fatos, mas, também, sua explicação, o descobrimento

de leis a que eles estão (FREITAS, 1987, p.136).

A existência de projeto pedagógico nas instituições educativas não é novidade, embora

tenha sido instituído pela LDB (Lei 9394/96), uma vez que a ideia de projeto antecede às

ações dos homens, mesmo que seja de forma assistemática. Como nos diz Moacir Gadotti

-se para frente, dando sempre a noção

marca a realidade dos homens e das instituições sociais criadas por ele.

Nos Lugares Institucionais da Educação do Campo, o projeto político pedagógico

assume um papel fundamental de sistematização da prática desenvolvida nas Escolas, na qual

o coletivo e a participação são eixos estruturadores. Por isso,

106 Projeto Histórico, segundo Luiz Carlos de Freitas (1987) enuncia o tipo de sociedade ou organização social na qual pretendemos transformar a atual sociedade e os meios que deveremos colocar em prática para a sua consecução. Implica uma

Diferentes análises das condições presentes, diferentes fins e meios geram projetos históricos diversos (p. 123).

Page 189: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

189

O projeto pedagógico não é uma peça burocrática e sim um instrumento de gestão e de compromisso político-pedagógico coletivo. Não é feito para ser mandado a alguém ou algum setor, mas sim para ser usado como referência para as lutas da escola. É um resumo das condições e funcionamento da escola e ao mesmo tempo, um diagnóstico seguido de compromissos aceitos e firmados pela escola consigo mesma sob o olhar atento do poder político. (FREITAS, 2004, p. 69)

Para o autor, é o Projeto Político-Pedagógico que define a identidade da instituição. Por

ser um instrumento teórico metodológico, possibilita o pensar sobre a realidade, a interação

dos sujeitos neste pensar e a transformação da mesma. Dizendo de outro modo, é amplo,

global e capaz de integrar a unidade na diversidade. É orgânico e processual, movido pelas

opções de ver, num primeiro momento, de forma individual e, em seguida, julgar e agir, de

forma conjunta, mediante acompanhamento (diagnóstico) permanente.

5.1 Núcleos de Singularidades107 das Propostas Pedagógicas: a diferença dentro da

diferença

-se de um conjunto de

elementos fatos, pessoas, ideias, significados, relações, espaços, tempos, instrumentos

que, ao se combinarem em um dado tempo e espaço, produzem certas configurações que

tornam esta mesma prática distinta de outras, inclusive daquelas com as quais compartilha um

mesmo ambiente ou campo de manifestação (lugar), um mesmo momento de expressão

(tempo) e temática (FALKEMBACH, 1995).

No entanto, a pluralidade das práticas educativas que compõem o Movimento da

Educação do Campo se expressa também na diversidade de teorias pedagógicas, que se

cruzam e entrecruzam em diferentes dimensões nas suas propostas pedagógicas108: o

pensamento pedagógico socialista, principalmente nas contribuições de Anton Makarenko

(1982), Pistrak (1981) e Vygotsky (1987), que trazem a dimensão pedagógica do trabalho e

da organização coletiva, da cultura e do processo histórico no processo de aprendizagem; os

estudos culturais, no que se refere à relação entre currículo e poder, a partir das contribuições

de Michel Apple (1982) e Henry Giroux (1982); os estudos pós-coloniais, no questionamento

de narrativas que constroem o Outro colonial enquanto objeto de conhecimento e como

107 Adotamos o termo núcleos de singularidade, conforme Elza Maria Fonseca Falkembach (2003). 108 A citação de alguns autores não significa que o diálogo ocorre apenas com eles, mas que são representativos

de uma concepção de pensamento, ou porque aparecem com mais frequência nos documentos das iniciativas.

Page 190: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

190

sujeito subalterno, com Felix Guattari (1990) e Peter Mc Laren, (1997); a abordagem

ecossistêmica no que diz respeito à religação entre os saberes e o sentir na convivência do ser

humano consigo, com os outros e com o planeta, nas contribuições de Humberto Maturama

(1998) e Leonardo Boff (1999).

A perspectiva dialogal e de releitura dessas contribuições é assumida pelas práticas

educativas como uma postura política e pedagógica de que as mesmas precisam ser refeitas a

partir das lutas e organizações do campo, da realidade na qual as escolas se materializam,

estabelecendo uma interação permanente entre a teoria pedagógica, expressa nas propostas

pedagógicas e a prática pedagógica de cada escola. Como fala Miguel Arroyo vão

, e construindo pedagogias: a Pedagogia da Alternância, a

Pedagogia do Movimento, a Educação para a Convivência com o Semiárido, a Proposta de

Apoio ao Desenvolvimento Sustentável.

Do ponto de vista político, essas Pedagogias se constituíram a partir da organização

dos sujeitos do campo, na crítica ao projeto de campo do agronegócio, a realidade da

Educação Brasileira e, especificamente, na contraposição à concepção e à prática de Educação

Rural que foram implantadas no Brasil. Portanto, a Educação do Campo afirma uma educação

emancipatória vinculada a um projeto histórico de sociedade e de ser humano.

Do ponto de vista da teoria pedagógica, o questionamento sistemático sobre quais

conhecimentos deveriam compor o currículo das Escolas, para que e por que ensinar esses

conhecimentos, como esses conhecimentos deveriam ser produzidos, sistematizados e

socializados e quem deveria ser envolvido neste processo de produção do conhecimento,

fundamentou a organização curricular de cada uma das propostas pedagógicas, que possuem

traços de semelhanças, ao afirmarem a construção coletiva do conhecimento, a pesquisa como

princípio educativo e o diálogo entre os saberes populares e científicos como princípios

organizadores da produção do conhecimento nas Escolas.

Esses traços de semelhanças entre as propostas não existem independentes de suas

singularidades, pois os núcleos de singularidade numa proposta atuam como motivação

interna, para que os integrantes da experiência reflitam sobre o criado, vivido e representado

na e pela prática social e pedagógica, possibilitando sua reflexão e reinvenção no cotidiano da

prática pedagógica em sala de aula.

Page 191: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

191

5.2 Escola Família Agrícola: alternância, participação da família, formação integral e

desenvolvimento do meio

A Proposta Pedagógica dos Centros de Formação em Alternância, segundo Jean

Claude Gimonet (2007), é formulada a partir da prática nas comunidades rurais da França e,

progressivamente, em outros continentes, como um processo em que prevaleceu a

experiência. A teorização ocorre inicialmente tomando como referencia as ideias de: Decroly 109; Cousinet, no trabalho livre em grupo; John

Dewey, na relação entre a experiência e a educação; e Jean Piaget, no praticar e compreender

a realidade.

Ao chegar ao Brasil, no final da década de 1960, a proposta estabeleceu um diálogo

mais efetivo com as ideias da Educação Popular originadas na Teologia da Libertação, da

Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, e na perspectiva de organização do trabalho

pedagógico, de Celéstin Freinet.

A rede CEFFAS no Brasil possui um projeto educativo que imprime uma identidade

às escolas que a compõem, todavia, o contexto no qual se insere cada instituição, bem como a

prática social de cada comunidade constroem núcleos de singularidades a cara de cada

escola.

O Itinerário Pedagógico na alternância e seus dispositivos pedagógicos

O Itinerário Pedagógico das Escolas da Alternância torna-se o fio condutor

estruturante das práticas educativas desenvolvidas em cada Escola, numa perspectiva da

alternância como uma pedagogia da complexidade, pois articula uma diversidade de sujeitos,

relações e saberes, numa articulação entre prática-teoria-prática e escola-comunidade.

Esse Itinerário Pedagógico materializa uma organização curricular, constituída de

diferentes dispositivos pedagógicos que envolvem os sujeitos cognoscentes (monitores,

educandos, gestores e técnicos) com os sujeitos sociais (pais, grupos da comunidade, grupos

profissionais, organizações sociais etc); os saberes populares com os conteúdos pedagógicos;

o espaço da escola com o espaço da comunidade; e tem como finalidade a formação integral

do jovem e o desenvolvimento do seu meio. Podemos dizer que

109 Os Centros de Interesse é uma metodologia que se desenvolve em três momentos: a observação (experiência

do aluno), associação (conhecimento adquirido seja entendido no tempo e espaço) e expressão (externalização da aprendizagem por meio da linguagem).

Page 192: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

192

Esse ritmo alternado rege toda a estrutura da escola, buscando conciliação entre a escola e o fazer, permitindo ao jovem não se desligar da família. A Escola é o lugar privilegiado para a escuta e a reflexão dos problemas que o jovem vive em seu meio sócio-profissional. Por um lado, receptora de problemas e, por outro, propulsora da ação refletida. O estudante é sujeito ativo desse processo, numa dinâmica mediada por instrumentos metodológicos específicos. Capta as indagações e problematizações provindas do meio sócio-profissional, leva-as à escola, coloca-as em comum, compara-se com as dos demais colegas, analisa-as interpretando-as e as generaliza (EFAORI, 2002, p.7)

Essa é uma escola que busca integrar o pensar, o fazer e o sentir. Nesse sentido, Jean

Claude Gimonet (2007) destaca a alternância como uma situação educativa que possibilita

uma forte interação individual, relacional, didática e institucional, cuja unidade é assegurada

pelo Plano de Formação e o Plano de Estudo-PE.

O Plano de Formação é articulador dos tempos, espaços, conteúdos, dispositivos

pedagógicos específicos da alternância, com a finalidade de adequar as diretrizes curriculares

de cada etapa da educação à realidade dos educandos (as), assegurar a continuidade da

formação na descontinuidade dos tempos e espaços formativos e definir os temas de estudos a

serem aprofundados em cada ano letivo (ANEXO A).

O Plano de Formação contém: a) finalidades e objetivos discutidos e definidos pela

Associação das Famílias com base no contexto

realidade apontada por diagnósticos participativos; c) conteúdos curriculares formais do

ensino da base nacional comum e da educação profissional trabalhados a partir dos temas da

realidade e de forma interdisciplinar. (BEGNANI, 2006, p.36).

A metodologia de sua elaboração se dá conforme o quadro a seguir:

Atividades Atores Quando

1º) Diagnóstico da realidade local e regional

Alunos, pais, monitores e profissionais do meio

Final do ano

2º) Definição dos objetivos da formação para cada grupo.

Alunos, pais, monitores e profissionais do meio.

Final do ano

3º) Levantamento de temas geradores e Planos de Estudo

Alunos, pais, monitores e profissionais do meio

Final do ano

4º) Sistematização do Plano de Formação

Monitores Reunião de planejamento pedagógico no início de cada ano

5°) Apresentação da Sistematização Plano de Formação

Assembleia das Famílias Primeira sessão Escola

Fonte: Coordenação Pedagógica - EFAORI Quadro 11 Metodologia para elaboração do Plano de Formação EFAORI 2008.

Page 193: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

193

As ações a serem planejadas e desenvolvidas nos diferentes tempos-espaços de

aprendizagem se constituem a partir do Plano de Estudo. O PE é o instrumento que permite

articular os saberes dos educandos (as), de sua família e do seu meio socioprofissional

mediante a estruturação dos temas geradores, organizados por bimestre e por turma. Os

temas são aprovados em assembleia geral das famílias, estudantes e equipe pedagógica da

escola, portanto, podem ser modificados a cada ano, mediante avaliação deste coletivo.

O PE se constitui num instrumento de organização e planejamento curricular,

organizado num roteiro de pesquisa, observação e reflexão que

possibilite analisar os vários aspectos da realidade do estudante e da sua família. O planto de estudo faz com que a realidade se torne o central na aprendizagem, no entanto, sem se restringir a ele. Pois achamos importante que os estudantes do campo tenham acesso aos conhecimentos universais, agora numa postura crítica. Por isso, que a princípio o Plano desenvolve temas mais próximos da realidade do estudante e de sua família, depois vai caminhando para temas mais complexos de caráter sócio econômico e político mais amplo (Educadora 1) 110

A fundamentação do trabalho com os temas geradores se dá a partir das contribuições

natureza de sua compreensão como a ação por eles provocada, contêm em si a possibilidade

de desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas tarefas que devem

A alternância é um princípio pedagógico e uma ferramenta de articulação desses

saberes, tempos, espaços e sujeitos e tem como ponto de partida o processo de construção do

conhecimento, a realidade do jovem e de sua família, a experiência sócio-profissional

desenvolvida na família e na comunidade, e como ponto de chegada sua formação integral e

sua intervenção para o desenvolvimento de sua realidade.

A organização do ensino na alternância conjuga um itinerário com momentos

articulados que podem ser representados com o seguinte gráfico:

110 As falas foram transcritas conforme as normas da escrita

Page 194: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

194

Fonte: sistematizado pela autora a partir das informações da proposta pedagógica

Gráfico 10 Organização dos tempos-espaços da alternância

Esse itinerário articula o tempo-espaço escola (sessão escola) e o tempo-espaço

comunidade (sessão família e meio sócio profissional), que são discutidos e aprovados pela

assembléia geral da EFA (composta por estudantes, família, monitores e técnicos

administrativos), estruturando o calendário anual da escola (ANEXO B).

Vejamos então como cada tempo-espaço do itinerário se organiza e dinamiza a escola

e sua prática pedagógica.

O tempo-espaço da escola (sessão escola) é o espaço privilegiado de socialização, do

aprender a ser, a conviver, a trabalhar em equipe. Contempla atividades formais teóricas e

práticas. As primeiras correspondem ao desenvolvimento dos conteúdos curriculares da

formação básica e profissional, estudos e reflexões orientadas para a pesquisa e intervenção

na comunidade e no meio socioprofissional, de análise e síntese dos conhecimentos, da auto-

organização de estudantes e monitores para participar da gestão escolar, do planejamento e

execução das atividades a serem desenvolvidas na sessão escola e na sessão comunidade. As

segundas estruturam-se como atividades informais complementares: culturais, esportivas,

sociais, organizativas e de convivência comunitária, que estimulam a auto-estima, a

criatividade, a autonomia, a cooperação e o diálogo.

Os depoimentos dos estudantes a seguir evidenciam como esse tempo-espaço de

aprendizagem contribui para o processo de formação do jovem:

convivênciaexperiência comunitáriarealização da pesquisa

Família

colocação em comumlevantamento dos conteúdos a partir dos temas e dos resultados da pesquisa aprofundamento dos conteúdos pedagógicos a partir de cada área do conhecimento

Escolaexperimentação\intervenção na realidade formação profissional demandas para novas pesquisas

Família\meio socio profissional

Page 195: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

195

Eu considero a pesquisa muito importante para a aprendizagem e para conhecer a realidade de minha propriedade e da comunidade. Hoje eu sei administrar melhor minha propriedade junto com minha família. Porque eu trago esses conhecimentos que temos lá, e aqui eu vejo como aprofundar mais, como tem coisas que a gente fazia que pode ser feito diferente. Meu projeto profissional é na área de avicultura, então as aulas de zootecnia tem me ajudado muito a estruturar o projeto, e ver na prática como já posso ir modificando coisas. (Estudante 1)

A participação nas atividades gerais tem me ensinado muito, pois quando cheguei aqui não fazia nada dessas coisas de limpeza, cozinha, arrumação de dormitório. Hoje quando chego em casa, ajudo minha mãe em todas essas coisas. No início, as pessoas ficavam olhando, achando estranho porque eu sou homem. Depois eu fui dizendo que homem também precisa fazer estas coisas, porque todo mundo vive na casa, então tem que ser responsável pela organização, mais isso eu aprendi aqui na EFA, porque antes eu pensava diferente. (Estudante 2)

Eu gosto muito dos serões porque temos atividades culturais, lazer, e também porque as colaborações externas ensinam muito a gente. Porque cada pessoa convidada tem uma formação e uma experiência diferente, e isso, é importante para a gente aprofundar o nosso conhecimento. (Estudante 3)

Percebemos pelos registros acima como os dispositivos pedagógicos, dentre os quais,

se destacam a pesquisa, as atividades gerais e os serões, constituem-se em espaços-tempos de

vivência curricular, pois, além de possibilitarem a interação entre escola e família, também

propiciam a aprendizagem em diferentes dimensões: cognitiva, social, política, afetiva, o que

contribui para a formação integral dos educandos (as).

O tempo escola é vivenciado em regime de internato, que possibilita a organização de

tempo educativo integral, de período contínuo de interação, convivência e aprendizagem

comunitária, na qual o trabalho coletivo torna-se estratégia fundamental para o processo de

formação integral do jovem. Nesse sentido,

o internato possibilita a valorização dos princípios humanos, além da consolidação de hábitos sociais, superação do individualismo por meio do trabalho e vivência em grupo, bem como a garantia da formação integral pelas reflexões e análises conjuntas da realidade. A presença da equipe de educadores/as que acompanham de forma personalizada, estabelecendo um clima de amizade e respeito mútuo. (EFAORI, 2002, p.11).

O tempo-espaço da comunidade (sessão família e meio sócio profissional) assume

diferentes dimensões: vivência na família: convivência com o cotidiano da família, com seu

Page 196: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

196

trabalho e sua cultura; vivencia na comunidade: realização das pesquisas, ampliação dos

conhecimentos estudados na escola, participação em atividades comunitárias e sociais; e de

inserção no meio sócio profissional: experimentação dos conhecimentos aprendidos na escola

num diálogo com os saberes da prática, inserção em práticas que favoreçam a construção de

competências profissionais, contato com as matérias primas, instrumentos de trabalho e

relações entre as pessoas dentro da profissão, além da construção de uma dimensão cultural e

profissional.

No tempo-comunidade alguns dispositivos tornam-se fundantes: o estágio, a

elaboração do projeto profissional do jovem e o caderno de acompanhamento.

O estágio ocorre no primeiro e segundo anos do curso e consiste na vivência dos

conhecimentos adquiridos e sistematizados pelo estudante na escola, realizados em

propriedades agropecuárias, agroindústrias, cooperativas, na própria instituição de ensino e demais escolas do regional (...) o estudante deve familiarizar-se com o meio social, as técnicas, o manejo, a organização, o planejamento, sendo assim um espaço de aprendizagem e concretização das atividades do meio sócio-profissional. (EFAORI, 2007, p.01).

As atividades do estágio são sistematizadas em relatório, acompanhadas pelo

orientador de estágio e pelo mestre de estágio, que são pessoas da comunidade que

apresentam condições de contribuir com a orientação e formação do estagiário, recebendo-o

em sua propriedade ou empresa, ajudando na orientação das atividades a serem executadas,

apresentando ao final, ao Conselho de Estágio, parecer sobre o desempenho do estagiário.

O Conselho de Estágio111 considera, além das competências e habilidades

evidenciadas e pertinentes à formação profissional, o ajustamento e a responsabilidade no

local de estágio. Essa vivência no meio sócio-profissional orienta a formulação do projeto

profissional do jovem, que deverá ser sistematizado e apresentado em defesa pública ao final

do curso. O projeto profissional consiste,

num estudo minucioso da realidade do campo e da conjuntura que envolve, da definição de um objeto de pesquisa-ação dentro de sua formação profissional, que deverá ao longo do curso pesquisar, aprofundar e propor uma estratégia de intervenção. (...) o trabalho deve ser apresentado e defendido ao término do curso, sendo este requisito obrigatório para certificação (EFAORI, 2002, p.12).

111 O Conselho de Estágio é constituído pelo coordenador do curso profissionalizante e diretor da escola, professores que

integram as disciplinas profissionalizantes e profissionais convidados vinculados a EFAORI.

Page 197: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

197

O tempo de vivência e a aprendizagem no tempo-espaço da comunidade é

sistematizado. Para tanto, utiliza-se o caderno de acompanhamento, que é uma agenda na

qual o estudante registra todas as atividades desenvolvidas durante a sessão escolar e a sessão

comunidade. O que possibilita às famílias e à equipe pedagógica um elo no acompanhamento

do seu desempenho. Podemos observar um desses registros:

Levantei as 07h30min horas, tratei das galinhas, lavei a ordenha, limpei a casa, fiz o almoço. Fiz as atividades de matemática, o relatório sobre a horta

- s 16 horas fui para o curral montei a ordenha, ajudei a ordenhá-las e lavei a ordenha. E a noite fui à festa na comunidade (Caderno de acompanhamento relato de um dia na sessão família de uma estudante do 2ª ano). Levantei as 06h00min horas, ajudei a ordenha das vacas, lavei a ordenha e limpei a casinha de ração. Fui para a horta limpei e organizei os canteiros, e registrei o procedimento adotado. Após o almoço, ajudei a organizar a cozinha e fui para a reunião da associação da comunidade. À noite fiz tarefa de português (...) (caderno de acompanhamento relato de um dia na sessão família de um estudante do 3° ano)

Os registros acima evidenciam uma concepção presente nas Propostas Pedagógicas das

EFAs, ao tratar a formação do educando, numa perspectiva de equidade de gênero. Enfatizam

a necessidade de que, no processo educativo na família e na escola, os jovens possam realizar

as mesmas atividades na casa, na escola e na propriedade.

Esse processo de aprendizagem possibilita um diálogo permanente entre escola e

família e uma inserção ativa do jovem na sua comunidade, à medida que

realizam atividades de pesquisa da sua realidade, de registro dessa experiência, de práticas que permitem a troca de conhecimento nos vários aspectos. (...) o jovem busca perspectivas, avalia o seu fazer cotidiano, estimulando a tomada de decisões pessoais. Esse itinerário de vai e volta sucessivamente torna o estudante o ator principal do projeto educativo e os demais agentes envolvidos famílias, meio sócio-profissional participantes ativos de seu processo de formação, fazendo valer o princípio de que a vida é o eixo central da aprendizagem, o ponto de partida e chegada da formação ( EFAORI, 2002, p.7-8).

O itinerário da produção do conhecimento se estrutura a partir da relação prática-

teoria- prática, conforme o gráfico n° 11, a seguir.

Page 198: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

198

Fonte: sistematizado pela autora a partir da Proposta Pedagógica

Gráfico 11 Itinerário da produção do conhecimento na EFA

Os dispositivos pedagógicos usados na alternância assumem uma dimensão

significativa e diferentes finalidades: pesquisa e planejamento, de socialização e comunicação

do conhecimento e de instrumentos didáticos e de avaliação, conforme podemos ver em cada

passo do itinerário.

No itinerário pedagógico, o primeiro passo é a preparação da pesquisa, motivação dos

estudantes para a pesquisa do tema e elaboração do roteiro de pesquisa ou folha de

observação. Este roteiro é previamente avaliado e levado para a sessão família para sua

aplicação. Na família o jovem realiza a pesquisa, faz uma síntese pessoal das informações

pesquisadas para socializar com a turma em sala. Vejamos no quadro 12 uma síntese dos

instrumentos utilizados.

experiência do

alternante e da familia

1

Plano de estudo

preparação da pesquisa

2

Pesquisa

convivência com a familia

3

Colocação em comum

aprofundamento dos conteúdos

4

ação

intervenção

formação profissional

Page 199: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

199

INSTRUMENTO O QUE É

Plano de Formação PF É a organização curricular do Ceffa que articula os conteúdos das diretrizes curriculares nacionais para cada nível de ensino, a parte diversificada e os conteúdos vivenciais da experiência familiar e sócio profissional do alternante.

Plano de Estudo PE O plano de Estudo é um dos instrumentos fundamentais na Pedagogia da Alternância, ligando o saber ao fazer. O P.E. leva o aluno a descobrir práticas, experiências etc. utilizadas pelos seus pais, avós, órgãos e comunidades. Na EFA, são elaboradas perguntas conjuntamente entre monitores e alunos.

Folha de Observação FO

Roteiro de observação ou entrevista construído a partir do Plano de Estudo para orientar a pesquisa no tempo comunidade dos estudantes. Este questionário será trabalhado e pesquisado durante uma sessão no meio sócio-profissional. Quando retornar para as respostas do questionário, será colocado em comum, elaborada uma síntese, cujo texto servirá para estudo nas diversas disciplinas.

Fonte: Sistematizado pela autora a partir dos documentos da Pedagogia da Alternância

Quadro 12 Instrumentos de pesquisa e planejamento na Pedagogia da Alternância:

conceito

No segundo passo tem-se um momento de socialização das produções individuais e

discussão para construção de um texto comum. Esse momento é de problematização mediado

pelo professor, no sentido da participação e da identificação dos pontos que necessitam ser

aprofundados pelas diferentes áreas de conhecimento.

Após a colocação em comum, a equipe de monitores realiza a reunião pedagógica de

planejamento para identificar os conteúdos a serem aprofundados em cada disciplina. Nesse

momento, existe um esforço do coletivo para um planejamento integrado e interdisciplinar.

Vejamos no quadro 13 a sistematização dos instrumentos que contribuem para a organização

do trabalho pedagógico.

Page 200: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

200

INSTRUMENTO O QUE É

Colocação em Comum CC Consiste na socialização do que foi vivenciado no tempo comunidade no sentido dos estudos realizados, os conteúdos aprofundados, considerando o que estava previsto no Plano de Estudo. Tem a função de articulação dos dois tempos-espaços da alternância, e para sua problematização a partir das descobertas e da confrontação das ideias

Tutoria Acompanhamento personalizado para motivar os estudos, incentivar as pesquisas, o engajamento social, a integração e vida de grupo, o projeto de vida profissional. Na chegada dos jovens no CEFFA, cada monitor se torna responsável por acompanhar um grupo de alunos, onde cada estudante tem a oportunidade de um momento a sós para tirar dúvidas sobre o processo educativo da Pedagogia da Alternância

Caderno de Acompanhamento CA É um meio de comunicação entre a escola e a família. A família se informa sobre o que ocorreu no CEFFA e traz informações sobre a vida em casa e implica os jovens na realização de suas tarefas e atividades

Visitas às famílias e a comunidade O conhecimento da realidade do aluno e estreitamento da relação escola/família; Realização de processos formativos com a família, estudantes e comunidade; Acompanhamento do Estágio Supervisionado dos estudantes

Serão de Estudo O Serão é um complemento das matérias dadas. Acontece à noite e, geralmente, é dado por um convidado em função de sua ligação com o tema do Plano de Estudo. Quando não se encontra a pessoa adequada ou que as circunstâncias não o permitem, o próprio monitor responsável do dia se encarregará de trabalhar determinado tema com os jovens.

Atividade de Retorno Consistem na fase conclusiva de um tema do Plano de estudo. É o momento da aplicação/ação. O CEFFA, planeja com os jovens a forma como retornar a pesquisa à família/comunidade ou entidades sociais e produtivas, onde o plano de estudo foi realizado.

Fonte: Sistematizado pela autora a partir dos documentos da Pedagogia da Alternância

Quadro 13 - Instrumentos de socialização e comunicação do conhecimento da Pedagogia

da Alternância: conceito

Page 201: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

201

O terceiro passo é o de retorno dos estudos para a família, comunidade ou grupos

sociais nos quais a pesquisa foi realizada. Nesse momento, diferentes tipos de ação poderão

ser desenvolvidas: produtivas, organizativas da comunidade e dos produtores, reinvidicação

ao poder público de políticas agrícolas e sociais para comunidade. Vejamos os instrumentos

didáticos e de avaliação usados para aprofundamento do conteúdo e avaliação:

INSTRUMENTO O QUE É

Colaboração externa São palestras, testemunhos ou cursos complementares ao tema pesquisado pelo Plano de Estudo. São convidados agricultores (as), técnicos, lideranças, que tenham experiência com a temática. Os alunos são preparados pelos professores com questões a serem aprofundadas e depois sistematizadas em relatórios que anexam ao caderno de realidade.

Caderno da Realidade CR É um instrumento de registro, síntese e sistematizações das aprendizagens. a partir das pesquisas, debates, colocações em comum. Representa um instrumento de aprofundamento das diferentes atividades vivenciadas na sessão escola e na sessão família.

Projeto Profissional

Ao iniciar seus estudos no CEFFA, o jovem será orientado a construir seu projeto de vida. Será um meio de concretizar as pesquisas do Plano do Estudo, buscando conhecer melhor a realidade socioeconômica, cultural política profissional e regional. Começa a pensar no futuro como profissional montando um projeto que dê um norte a sua vida, sendo aplicado na sua comunidade ou fora dela.

Serão de Auto-avaliação Destinado à auto-avaliação dos estudantes considerando os critérios construídos em cada escola. Neste momento, geralmente são avaliadas as atitudes do cotidiano, o comportamento e as habilidades construídas em cada espaço-tempo de aprendizagem

Fonte: Sistematizado pela autora a partir dos documentos da Pedagogia da Alternância

Quadro 14 - Instrumentos didáticos e de avaliação da Pedagogia da Alternância:

conceito

Page 202: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

202

O itinerário de produção do conhecimento retrata o que Paulo Fre5re (1978) propõe a

partir da realidade de vida dos educandos (as) e dos temas que a impregnam, entendendo que

esta realidade reflete e produz a prática social. Assim, o tema se torna o articulador da relação

ser humano-realidade, visto que

(...) o tema não se encontra nos homens isolados da realidade, nem tampouco na realidade separadas dos homens. Só pode ser compreendido nas relações homem-mundo. Desta forma estudar o tema gerador é investigar (...) o pensar dos homens referido à realidade, é investigar sobre sua realidade, que é sua práxis (...)(p.115).

A diversidade dos instrumentos pedagógicos que constam na Proposta Pedagógica da

EFA, com diferentes finalidades, não só dinamiza sua operacionalização, como também

garante uma interação permanente entre família-escola-estudantes.

A participação das famílias: forma de ser e fazer a escola

A participação das famílias na gestão da escola e do conhecimento é uma dimensão

caracterizadora da Escola Família Agrícola. Nesse sentido, as Propostas Pedagógicas das

EFAS colocam a organização da Associação de Agricultores como o marco inicial para

construção e formalização de uma EFA, numa comunidade. É um componente político

fundamental da gestão administrativa, financeira e pedagógica da Escola, responsável por sua

manutenção financeira, construção de parcerias com o poder público, com movimentos e

organizações da sociedade civil, definição de suas normas de funcionamento, construção do

projeto político-pedagógico e manutenção da escola como um espaço comunitário do campo.

Essa participação se expressa de diferentes formas: a assembleia das famílias, a participação

das famílias no dia a dia da escola e nas atividades de visita e formação com a família. .

A assembleia das famílias constitui um espaço de discussão e organização do

cotidiano da escola, de deliberação sobre a gestão administrativa e pedagógica, ocorrendo

sempre que convocadas pela Associação da EFA ou por um grupo de pais.

O fortalecimento desses espaços se expressa pela

dia da escola: na administração e no trabalho pedagógico, em forma de visitas durante a

sessão escola, acompanhando os filhos (as) em suas atividades na sessão família, participando

das assembleias, recebendo outros estudantes nas suas propriedades para estágios,

Page 203: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

203

participando de cursos de formação promovidos pela EFA e contribuindo financeiramente

com a escola.

A visita às famílias consiste numa atividade desenvolvida pelos monitores no meio

familiar do estudante com a finalidade de aproximar a escola da família e da comunidade e

discutir questões de acompanhamento dos filhos, questões técnicas e pedagógicas da escola.

A formação do jovem e o desenvolvimento do meio

A Proposta Pedagógica da EFA apresenta a preocupação com a formação integral do

jovem para atuar de forma crítica e criativa na sua realidade. A EFA compreende a formação

integral como

Uma formação em todos os seus aspectos: pessoais, profissionais, culturais, político, ético, etc.. que perpassa todas as nossas ações, nos proporcionando inúmeros aprendizados e experiências. Essa formação ocorre à medida que lhe é agregada de forma dialética e articulada suas várias dimensões: cognitivas, afetiva, relacional, emocional, corporal, estética, ética e espiritual. (REVISTA DA ALTERNÂNCIA, 2007, p.15).

Nesse processo educativo, o sujeito é considerado como um todo: multidimensional

(cognitivo, emocional, afetivo, relacional, ético), indivisível (corpo, sentimento, psique,

pessoa distinta e completa em si mesmo), social (componente integrado num contexto de

relações sociais, culturais, políticas, econômicas e cósmicas), envolvido numa ética eco-

relacional de respeito às diferenças e ao meio ambiente. O que leva necessariamente a se

resgatar o conceito de omnilateralidade presente no pensamento pedagógico socialista. Assim,

A omnilatalidade é, pois, o chegar histórico do homem a uma totalidade de capacidades e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidade de consumo e gozo, em que se deve considerar, sobretudo, o usufruir dos bens espirituais, além dos materiais de que o trabalhador tem estado excluído em conseqüência da divisão do trabalho (MANACORDA apud GADOTTI, 1995, p.58)

A formação integral é a síntese entre a formação geral, a formação profissional e a

formação política, na qual a relação entre trabalho e educação se faz permanente no processo

educativo. O trabalho material e coletivo vivenciado dentro e fora da escola possibilita a

Page 204: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

204

construção de novas relações sociais de trabalho, fundamentadas no desenvolvimento

sustentável e solidário cuja base é a agricultura familiar.

Assim, o trabalho educa produzindo conhecimentos e criando habilidades para

incorporar ações, comportamentos e saberes: cuidar da família, da comida, da terra, dos

animais, da floresta, dos assuntos administrativos da produção, da cooperativa, da escola, da

preparação de reuniões, da organização nos movimentos e sindicatos, da aprendizagem para a

convivência com os ecossistemas, da aprendizagem para a cooperação e a solidariedade.

Nessa perspectiva, o estudante é considerado um sujeito de direitos e deveres, do

pensar e do fazer, construtor de sua história e ontologicamente chamado a desenvolver nos

limites e vicissitudes de seu contexto histórico suas potencialidades. Com essa concepção de

formação a Pedagogia da Alternância possibilita um diálogo entre o mundo da escola e o

mundo da vida, entre o trabalho e a educação, entre a teoria e a prática, nas vivências do ser

humano enraizado na sua cultura e articulado com o mundo e que tenha a missão de contribuir

com a formação do sujeito crítico e reflexivo para atuar na sociedade.

5.3 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: a mística da luta, terra,

trabalho e organização coletiva

A Proposta Pedagógica do MST nasce junto com a organização e luta das famílias e

professores (as) dos acampamentos e assentamentos pela Terra e pelo direito à Educação.

Com uma dinâmica própria, caracterizadora do jeito de ser do Movimento, que constitui a

Pedagogia do MST112,

formando o sujeito social de nome Sem Terra, e que no dia a dia educa as pessoas que dele

fazem parte é a Pedagogia do M

No MST a proposta pedagógica vai buscar sua inspiração na Pedagogia do Oprimido,

de Paulo Freire, mais dialoga também com a Pedagogia Socialista a partir das contribuições

do Educador soviético Pistrak113, do educador ucraniano Makarenko114 e do psicólogo

112 Neste sentido o MST cria sua pedagogia, sistematizada nos cadernos pedagógicos do setor de educação do

Movimento, e nos trabalhos de Roseli Salete Caldart, assessora pedagógica do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária ITERRA, entidade responsável pela formação das lideranças e educadores (as) do Movimento.

113 Os documentos fazem referê

entendendo- -se o ensino e o trabalho na escola.

Page 205: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

205

soviético Vygotsky115, centrando a organização do trabalho pedagógico no mundo do

trabalho e da produção, na organização de coletivos como um princípio educativo

fundamental para o fortalecimento dos espaços de gestão a partir da auto-organização dos

educandos (as)116.

A

MST, atuam na formação dos Sem-Terra: a Pedagogia da luta social, a Pedagogia da

organização coletiva, a Pedagogia da Terra, do Trabalho e da Produção, a Pedagogia da

Cultura e a Pedagogia da História, como sendo constituidoras da Pedagogia do Movimento.

No livro - Roseli Caldart (2000) analisa o

processo educativo que ocorre no MST e que se confunde com a sua própria história de

formação enquanto movimento

de produção histórica de um conjunto articulado de significados que se relacionam com a formação do sem-terra brasileiro como um novo sujeito social, que se constitui também, como um novo sujeito sóciocultural, estando nesta condição u

Para a autora, o MST se constitui como um sujeito educativo, através das ações e lutas

cotidianas (reuniões, ocupações, marchas), a formar as pessoas que dele participam, num

amplo processo de formação humana. Essa pedagogia se encarna no processo histórico,

porque os educadores (as) e os educandos (as) dele fazem parte e se faz movimento -

estimulando

o olhar para o MST como sujeito pedagógico da formação dos sem-terra pode produzir é exatamente sobre como a pedagogia entra em movimento em uma realidade que mistura formação humana, produção de sujeitos

sujeito pedagógico o MST atua intencionalmente no processo de formação das pessoas que o constituem (CALDART, 2000, p.199).

114 Anton Makararenko (1888-1939), pedagogo e escritor ucraniano, traz como reflexão para a prática

constituição dialética da coletividade em seus diferentes aspectos educação, instrução e trabalho produtivo. O que significa planejar, racionalmente os passos para o funcionamento da auto-gestão na qual o trabalho como princípio educativo torna-se elemento fundante.

115 Lev Semionovitch Vigotski (1896-1934), psicólogo russo, cuja contribuição no campo da psicologia do desenvolvimento foi estabelecer uma relação entre pensamento e linguagem numa abordagem materialista histórica, coloca a escola como um lugar privilegiado para a garantia do desenvolvimento cognitivo do ser humano, a partir da interação entre adultos e crianças, na qual a mediação pedagógica do professor é fundamental para esse pleno desenvolvimento.

116 Para Pistrak, a auto-organização é um trabalho sério para as crianças e adolescentes, compreendendo obrigações e responsabilidades inclusive na gestão democrática da escola.

Page 206: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

206

A mística como motivação para a luta

A mística é a

trabalho, o sentimento de pertença à comunidade Sem Terra e à classe trabalhadora do campo.

A mística se expressa através da poesia, da expressão corporal, de palavras de ordem, da

música, do canto, dos símbolos do MST, das ferramentas de trabalho, do resgate da memória

das lutas e dos grandes lutadores e lutadoras da humanidade. Pode se manifestar em diferentes

momentos do cotidiano, mas de forma mais forte em momentos especiais e datas

significativas dos trabalhadores (as) do Brasil e do Mundo (CALDART, 2000).

A mística funciona como motivação para fortalecer a organização das pessoas na escola

e no assentamento. A educação do MST tem buscado incorporar os valores humanistas e

socialistas no cotidiano pedagógico de seus educandos (as), que precisam ser vivenciados e

refletidos no exercício da crítica e auto-crítica. Isto porque os valores orientam nossa vida e

Precisam estar presentes em nosso jeito de pensar e agir. Precisam fazer parte de nosso sentir

e lutar. Por isto, tal qual uma roça, os valores precisam ser cul

Segundo documentos do MST (2005), a educação dos sujeitos do campo se organiza

do jeito do MST. Educa principalmente através de novas relações sociais, que trazem o

trabalho e luta do campo como referência, problematizando e propondo valores, alterando

comportamentos, desconstituindo e construindo concepções, costumes, ideias. Dessa maneira,

ajuda a enraizar a identidade Sem Terra e forma um determinado jeito de ser humano.

A mística contemplada no planejamento como um rito diário, estruturador da formação

humana dos sujeitos é fundamental, na organização do trabalho escolar, e faz parte do

planejamento diário de todas as escolas vinculadas ao Movimento

Dessa maneira, o planejamento assume um papel fundamental na proposta pedagógica

como forma de explicitar os objetivos a curto, médio e longo prazo da escola, na perspectiva

de preparação das futuras lideranças e militantes do MST, construindo conhecimentos que

contribuam para as pessoas entenderem e intervirem em sua realidade.

Para atingir esses objetivos, o Setor de Educação orienta a atividade educativa pela

dialética entre teoria e prática, perspectiva epistemológica que subjaz a um currículo

desenvolvido através de complexos temáticos. Os complexos temáticos, que favorecem a

abordagem interdisciplinar, podem receber o tratamento metodológico de temas ou objetos

geradores (dos quais trataremos mais adiante) respectivamente adequados aos objetivos de

formação e capacitação. Para isso, a produção do conhecimento segue o seguinte itinerário.

Page 207: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

207

Gráfico 12 - Itinerário de produção do conhecimento no MST

O primeiro passo é o levantamento temático pelo coletivo de educadores, com um

diagnóstico da realidade concreta do assentamento, no qual se localiza a escola. Assim, a

realidade é entendida

Como o meio em que vivemos. É tudo aquilo que fazemos, pensamos, dizemos e sentimos na nossa vida prática. É jeito de trabalhar e de se organizar. É a nossa organização. É a natureza que nos cerca. São as pessoas e o que acontece com elas. Mas, é também, a realidade mais ampla que a local, e a relação que existe entre elas. São os nossos problemas do dia a dia, também os problemas da sociedade que se relaciona com a nossa vida pessoal e coletiva (DOSSIE MST ESCOLA, 2005, p.51)

O conhecimento da realidade local e sua relação com a global, torna-se fundamental

no aprofundamento dos conteúdos em sala de aula e para a intervenção dos educandos (as)

nas situações problemas de seu contexto. Qualifica a ação dos sujeitos e desperta a sua

curiosidade e criatividade para superação das dificuldades existentes no seu contexto. O

diagnóstico da realidade é um dispositivo pedagógico fundamental para o levantamento das

temáticas a serem estudadas, e para estabelecer uma relação entre a teoria e a prática. Assim,

refere-se o documento:

0rganização coletiva

terra

luta social

1

levantamento do universo temático

temas da realidade

2

estudos

diagnostico

3

conteudos disciplinas em

sala de aula

4

atividades politico-culturais

Page 208: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

208

(...) em nossas escolas, a prática da pesquisa está relacionada com o próprio princípio de relacionar teoria e prática e precisa ser constituído como uma metodologia da educação, adequando-se às diferentes idades, aos diferentes interesses, e às exigências específicas do contexto onde acontece cada processo pedagógico. (DOSSIE MST ESCOLA, 2005, p.175).

A pesquisa, como um método de analisar a realidade, torna-se fundamental para

realizar um esforço sistemático e rigoroso para entender a realidade e relacionar teoria e

prática. A reflexão não ocorre no vazio. E ela é reflexão da ação realizada e em conjunto com

o outro, é uma construção coletiva. Nesse sentido, a articulação teoria-prática se dá no fazer e

refazer da prática escolar, pois como afirma Paulo FREIRE (1987),

[...] se os homens são seres do que fazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma em que o que fazer é práxis, todo fazer do que fazer tem de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. O que fazer é teoria e prática. É reflexão e ação (p. 121).

Esse passo do itinerário é vivenciado a partir do desenvolvimento dos temas da

atualidade, que são problemáticas que emergem da realidade dos educandos(as) e do

assentamento para serem trabalhados em sala de aula. Os temas referem-se aos fenômenos

sociais, políticos e econômicos, que estão se dando no momento presente a partir do passado,

e o que a ação dos seres humanos pode projetar para o futuro desta questão. (PISTRAK,

1982).

Na proposta pedagógica do MST, a articulação entre os conteúdos pedagógicos e a

ação a ser desenvolvida no assentamento, se evidenciam a partir dos temas geradores e

objetos geradores que são trabalhados em sala de aula.

Os Temas geradores: são definidos como assuntos/problemas da realidade do

assentamento e geram diferentes subtemáticas. O diagnóstico da temática e seu

desenvolvimento geram conhecimentos, e contribuem para a seleção dos conteúdos a serem

aprofundados e ampliados em sala de aula.

Os Objetos geradores: são definidos como as ações dos educandos (as) sobre um

determinado objeto da realidade (ações na comunidade), e as respostas deste objeto diante de

cada passo da ação vão conduzindo o processo de aprendizagem das crianças. Devem surgir

sempre que haja necessidades reais (de preferência, sociais) que justifiquem uma prática dos

educandos (as). (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.85).

O terceiro passo é o aprofundamento dos conteúdos que deve considerar uma seleção

dos que sejam socialmente úteis e eticamente preocupados com a formação humana integral.

Page 209: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

209

Isso significa que os conteúdos precisam ser escolhidos adequadamente. Pode-se dizer que os

conteúdos são sínteses de conhecimentos, objetivos educacionais e sociais mais amplos. Não

se pode esquecer que o conhecimento é produzido socialmente. Por isso, os conteúdos têm

incorporados os interesses sociais e posições políticas.

Os temas e objetos geradores produzem os conhecimentos e saberes a serem

trabalhados em sala de aula num diálogo com as orientações dos Conselhos Estaduais de

Educação. Por isso, na seleção dos conteúdos, o princípio da justiça social precisa ser

adotado para aqueles conteúdos que, de um lado, estejam na perspectiva de distribuição

igualitária dos conhecimentos produzidos pela humanidade; e, de outro lado, tenham a

potencialidade pedagógica necessária para educar os cidadãos (ãs) da transformação social

(DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.169).

Essa perspectiva sinaliza para outro momento que é o da culminância com atividades

político-culturais, que trabalhem o conjunto da comunidade a partir de atividades políticas

relacionadas à temática e ao cultivo da arte em suas mais variadas formas de expressão.

Geralmente esses momentos contam

(...) com a presença sistemática de dirigentes do MST e de outros Movimentos Populares, para participar de algumas aulas e atividades político-culturais, socializando seus conhecimentos sobre a luta, a conjuntura nacional, internacional, a produção (DOSSIE MST ESCOLA, 2005, p. 141).

O ciclo do itinerário pedagógico se finaliza com a prática da avaliação, que ocorre

durante o processo, considerando: se os objetivos do trabalho foram alcançados, se ocorreu

uma produção do conhecimento sobre a temática trabalhada, como se dá o desenvolvimento

das pessoas, o seu relacionamento, o cumprimento das responsabilidades e a disponibilidade

assim, todos os integrantes da escola devem avaliar e serem avaliados. Mas é preciso

combinar, coletivamente, quais serão as instâncias de participação e que avaliação cabe a cada

No entanto, coletivamente, devem-se combinar quais serão as instâncias de avaliação,

quais os critérios e instrumentos previamente definidos no que se refere a: avaliação dos

educandos (as), a partir de critérios e instrumentos comuns (fichas de observação, relatórios,

conselhos de classe, etc); avaliação dos educadores (as) e demais trabalhadores da escola

definindo como e com quem será feita a avaliação, considerando os momentos de formação e

planejamento do coletivo de educadores, os cadernos das equipes de trabalho, as reuniões com

Page 210: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

210

os pais, etc,; e avaliação do planejamento e funcionamento da equipe de educação do

movimento (qual o papel desenvolvido, como foi a execução das atividades planejadas e em

que medida os objetivos foram alcançados).

Esse processo avaliativo redireciona o planejamento no que se refere aos seus

objetivos, conteúdos trabalhados, estratégias adotadas, responsabilidades dos diferentes

sujeitos no processo e aponta as temáticas que necessitam de aprofundamento na continuidade

dos estudos.

A luta pela terra como formação de militantes

Para o MST a escola precisa ser organicamente vinculada ao movimento social, as suas

lutas, e contribuir para a formação de militantes que participem no dia-a-dia das atividades e

ações desenvolvidas no assentamento, como podemos observar na citação seguinte:

A organização é uma das chaves da existência do MST até hoje. É uma das pedagogias que integra a Pedagogia do Movimento. É através da sua participação na organização do MST, e da vivência na materialidade das relações sociais que constituem uma coletividade forte, que os Sem Terra voltam a ter raiz, ou seja, memória e projeto. (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.258).

A prática educativa se referencia na organização, disciplina, na divisão e cumprimento

das tarefas, pelo respeito às decisões coletivas e pela organização por parte dos educadores

(as) e dos educandos (as) do seu próprio trabalho. Nesse sentido, é importante também uma

formação dos educadores (as), comprometida com a luta da comunidade e dos seus educandos

(as), pois

O MST espera de suas escolas uma intencionalidade pedagógica específica nesta dimensão; que ajude nos aprendizados que permitem à pessoa ir mais além da constatação dos problemas e da postura crítica a uma determinada situação, chegando à proposição de soluções e à organização necessária para implementá-las. Para ajudar neste tipo de aprendizado a escola precisa proporcionar aos seus educandos e educadores o envolvimento em ações organizadas (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.259).

Page 211: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

211

Com essa intencionalidade a escola precisa encontrar alternativas metodológicas e

didáticas que facilitem a construção dos conhecimentos significativos e que possibilitem um

maior entendimento de sua realidade.

O trabalho coletivo e os tempos educativos

A concepção do trabalho como uma potencialidade pedagógica se efetiva no trabalho

coletivo como um espaço de humanização e formação das pessoas. Para isso, a escola precisa

construir um novo sentido de produção e de apropriação dos resultados do trabalho, que

assume uma dimensão educativa e coletiva, intencionalmente voltada para a cultura da

cooperação e para a incorporação criativa de lições de história da organização coletiva do

Além disso, os educadores (as) da Escola devem constituir o coletivo de educadores

como uma instância de estudo, de planejamento global da escola, de avaliação das aulas e da

da reflexão sobre a prática, do estudo, das discussões e da própria preparação para outras

atividades de

(p.175). Esse coletivo deverá participar do Setor de Educação do Movimento em nível

municipal e de Estado, para que as decisões tomadas na escola estejam em sintonia com as

linhas políticas e a proposta pedagógica que vem sendo construída pelo MST, em nível

nacional.

E, quando a escola funciona como uma cooperativa de aprendizagem, onde o coletivo

assume a responsabilidade de educar o coletivo, torna-se um espaço de aprendizagem não

apenas de formas de cooperação, mas principalmente de uma visão de mundo, ou de uma

prática. É também estudar sobre o trabalho coletivo, mas a partir da prática. O princípio é que

as crianças devem aprender a viver no coletivo experimentando na própria Escola o que é

Portanto, a prática educativa precisa considerar a contribuição de cada pessoa, com

suas potencialidades, com o seu jeito de aprender, pois

Page 212: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

212

O verdadeiro COLETIVO é aquele que consegue trabalhar as diferenças pessoais na perspectiva dos objetivos do conjunto. Que estimula e desafia o conhecimento e a auto-superação de cada pessoa para que ajude ainda mais o avanço do coletivo. (...) E nesta questão o papel do professor é insubstituível (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p. 45)

Essa perspectiva necessariamente leva a redimensionar a organização dos tempos

educativos117. A nova concepção é de que escola não é só lugar de sala de aula, é lugar de

formação humana e, por isso, as várias dimensões da vida devem ter lugar nela, sendo

trabalhadas pedagogicamente. Para isso, sugerem alguns tempos educativos que consideram

importantes, dentre os quais destacamos alguns a seguir.

O tempo aula é o tempo reservado para o aprofundamento dos conteúdos das

disciplinas ou temas de estudo. Pode ser dentro da sala de aula ou em outro espaço do

assentamento e precisa ser planejado numa relação com os outros tempos.

O tempo trabalho: a organização do trabalho nas unidades de produção pode ser uma

área existente na escola ou numa área negociada com o assentamento. Diz respeito também a

realização de tarefas na administração e funcionamento da escola, como, por exemplo,

limpeza, auxílio na cozinha, cuidar da biblioteca, organizar murais, entre outras.

O tempo lazer/esporte: integração dos educandos (as) para a prática de esportes, jogos

coletivos, passeios, brincadeiras que venham a desenvolver valores como a cooperação e a

socialização.

O tempo estudo: visa garantir um tempo com monitoria, para o auto-estudo e leituras

dos educandos (as), principalmente estimular a leitura dos livros de literatura.

O tempo mutirão: objetiva contribuir com o cuidado da escola, com a valorização das

pequenas tarefas, com o embelezamento do espaço público.

O tempo coletivo pedagógico: destinado às educadoras para avaliação, planejamento

do processo educacional e para aprofundamento da pedagogia do MST.

A organização desses diferentes tempos deve ocorrer conforme a realidade de cada

escola, no entanto, é fundamental que as diferentes dimensões da vida sejam desenvolvidas na

escola e, para isso, a diversidade dos tempos educativos é fundamental.

117 Não é preciso existir todos estes tempos. Eles podem ser trocados ou aglutinados, devem ser planejados de

acordo com a realidade de cada assentamento.

Page 213: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

213

5.4 Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável: a pesquisa da

realidade, a sistematização da prática e o desenvolvimento sustentável

A Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável PEADS - é

desenvolvida nas Escolas da Rede Pública do Campo em municípios do Estado de

Pernambuco e da Paraíba, pelo Serviço de Tecnologia Alternativa SERTA. A PEADS se

origina na prática educativa desenvolvida pela entidade com agricultores familiares na

organização da produção e no uso de tecnologias alternativas.

O trabalho educativo nas comunidades rurais com vistas ao desenvolvimento

sustentável levou a um conhecimento e questionamento sobre a escola existente em cada

comunidade, o papel que exerciam na negação da realidade e da vida do campo, na

preparação que realizavam para que os jovens abandonassem o campo, incutindo a ideia de

que este não constituía lugar de viver, trabalhar e ser feliz.

A PEADS se estrutura a partir do questionamento deste modelo de escola e da sua

função social na comunidade como podemos verificar no trecho abaixo:

Nossa questão era: haveria como reinventar o papel da escola? Uma escola que trabalhasse a auto-estima e autoconfiança dos Povos do Campo, que estudasse as mudanças que estavam acontecendo no campo e o papel da agricultura camponesa neste processo, que estudasse as raízes da formação e da constituição de cada comunidade para participarem e contribuírem para que os\as agricultores\são matutos, ignorantes, pobrezinhos, coitadinhos, incapazes de fazer as mudanças, dependentes dos governantes. Para que deixassem de perceber as ações governamentais sempre como presente, e não como direitos. Haveria chance de explicitar quais os valores estavam implícitos no currículo, de deixar de se oculto, de revelar a que veio (se para acomodar os pobres na sua pobreza, ou para contribuir com sua mudança de vida? (PEADS, 2007, p.16)

Essas indagações iniciaram um processo de discussão entre técnicos da entidade,

estudantes, professoras e organizações no sentido de construir uma proposta para ser

implementada na rede pública dos municípios. A reflexão junto ao professorado e estudantes

da rede pública da região evidenciou alguns desafios para a elaboração da PEADS.

Um primeiro desafio era o fortalecimento da agricultura familiar, considerando o

avanço do neoliberalismo e do agronegócio, e a proposição de estratégias organizativas e

educativas como contraposição. Além disso, era necessário estabelecer quais os

conhecimentos fundamentais a serem trabalhados com as comunidades rurais, como

estabelecer esse vínculo entre a escola e a comunidade, na perspectiva de que sua vida fosse

Page 214: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

214

estudada na escola, se transformasse em conteúdos pedagógicos a serem aprofundados,

interpretados e sistematizados na prática pedagógica. Em síntese, o desafio estava em que

currículo propor para a formação dos sujeitos do campo.

O segundo desafio era como o conhecimento construído na Educação Não-Escolar

junto aos camponeses poderia contribuir para se pensar uma prática pedagógica das escolas do

campo. Na verdade, estava presente a preocupação com o conhecimento e o seu trato na

perspectiva da escolarização.

O terceiro desafio era como articular os sujeitos sociais com quem trabalhavam

sindicatos de trabalhadores rurais, comunidades eclesiais de base, cooperativas de agricultura

familiar, para inserir, na agenda política e no processo de mobilização por políticas públicas, a

educação como estratégia para o desenvolvimento.

O quarto desafio era como construir uma escola diferente no campo, com uma

proposta pedagógica contextualizada na realidade, a partir das escolas existentes nas redes

públicas municipais, uma vez que são elas as responsáveis pela escolarização dos filhos e

filhas dos agricultores, mas, não como uma escola alternativa, e sim, como a escola

reinventada a partir daquela existente no campo.

Não restam dúvidas que a teoria da Educação Popular, fundamentou a produção do

currículo a ser trabalhado nas escolas do campo, como pode ser visto no registro a seguir:

Diante de tudo isso, fizemos uma aposta. Se houver interação entre os fundamentos da Educação Popular e a escola que temos, construiremos a escola que queremos. Acreditamos nessa aposta. Fizemos essa interação. Passamos a fazer dessa tarefa nosso campo de atuação. Desenvolvemos princípios filosóficos, construímos embasados nestes, uma metodologia para a prática pedagógica, desenvolvemos um sistema de formação, com conteúdos de ensino e aprendizagem, buscamos dinâmicas e técnicas que favorecem o ensino e aprendizagem dos conteúdos em sala de aula e fora da escola (PEADS, 2006, p.17)

A Proposta Pedagógica busca referências numa abordagem sobre o ser humano e sua

relação com a natureza e a concepção de ciência dela decorrente, como podemos verificar no

depoimento seguinte:

Nossas perguntas eram para saber se com essa cultura e mentalidade seria possível fazer outro tipo de agricultura, de desenvolvimento (...) outras formas de relação e abordagem com a natureza. Essa pergunta estendia-se também para novas relações entre as pessoas, as etnias, o gênero, as gerações. (...) Capra nos ajudou com a leitura de Ponto de mutação, a Teia da vida a ver outros pontos de vista com os olhares de diferentes ciências, Leonardo Boff com o livro Saber cuidar nos ajudou a ter uma visão amorosa com o universo, consigo e com os outros. Armartya Sen a pensar outras

Page 215: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

215

formas de organizar a economia, pensar a produção de forma solidária, Vandana Shiva a perceber como o conhecimento cientifico do ocidente foi dominador e machista na sua relação com a natureza, tudo isso foi dialogando com nossa prática, com a Educação Popular, e foi surgindo a PEADS . (PEADS/MOURA, 2003, p. 91- grifos do autor)

Esses fios teóricos e práticos foram tecendo o itinerário pedagógico da PEADS para

construção e produção do conhecimento de mundo, de entrelaçamento de saberes e vivências,

requisitando uma formação permanente e continuada da equipe pedagógica, para

desempenharem o trabalho de acompanhamento às práticas educativas desenvolvidas nas

escolas:

Para vivenciar essa nova prática pedagógica, o professorado teve que reformular suas práticas e refazer suas concepções de ensino, de aprendizagem, de avaliação, pois, de fato, era necessário que houvesse mudança de postura, saindo de uma educação bancária e descontextualizada da vida do campo e dos seus sujeitos. (PEADS, 2006, p.33)

A pesquisa da realidade tornou-se fundamental nesse processo de formação do

professorado e de toda a equipe pedagógica da escola, e o ensino com pesquisa a base para

superar a reprodução do conhecimento para a produção, a partir do trabalho dos educadores

(as) nessa metodologia. É o que mostra a proposta no que se refere à produção do

conhecimento. Vejamos:

O princípio de qualquer abordagem pedagógica só tem sentido para a construção de conhecimento na escola se tiver como referência a realidade, o mundo real com uma estratégia que permite aos educadores e educadoras conhecer, observar, aproximar-se da realidade e produzir um conhecimento inicial com as informações pesquisadas, coletadas pelos estudantes, professorado e familiares. Envolver pais e mães na produção do conhecimento, que vai ser construído na escola resulta no resgate do conhecimento que estes já possuem para interagir com os conhecimentos sistematizados pelas diferentes áreas de conhecimentos. (PEADS, 2006, p.4).

Essa organização curricular articula pessoas, entrelaça saberes, contextos e

instrumentos pedagógicos, que ressignificam a sala de aula para além dos espaços físicos.

Nesse sentido, a pesquisa da realidade assume um papel significativo enquanto um princípio e

uma ferramenta de construção do conhecimento nas escolas do campo.

Page 216: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

216

A pesquisa e a sistematização como princípio educativo

A pesquisa como princípio educativo, conforme posto por Paulo Freire e Pedro

Demo118, faz-se presente em todo o processo de formação do sujeito, construindo uma prática

educativa na escola e como ponto de partida para a produção do conhecimento, desde a

Educação Básica:

A PEADS trabalha simultaneamente o ensino, a pesquisa e a extensão como instrumentos de inovação, transformação e inclusão social. O processo educativo consiste em investigar as atividades econômicas e as variáveis governamentais que inibem o desenvolvimento dos territórios onde os jovens e os educadores atuam e vivem. Portanto, é uma metodologia que promove o desenvolvimento de diversas competências através de ações de sensibilização, pesquisa, problematização, desdobramentos e intervenções capazes de transformar a realidade existente estimulando a autonomia e o protagonismo dos sujeitos sociais da comunidade. (PEADS, 2006, p.2)

A necessidade de estimular o questionamento sistemático, de forma crítica e criativa,

na escola como processos de produção do conhecimento, que se origina na pergunta, na

indagação da realidade, problematizando-a de modo a despertar a curiosidade dos educandos

(as), para refletirem sobre sua realidade, de sua família, de sua comunidade e de seu

município, é aprofundada na PEADS, como observamos no recorte documental a seguir:

Todo conhecimento se produz a partir de uma curiosidade ou de uma pergunta. Na sua base, está sempre à resposta a uma curiosidade. Isso acontece desde o conhecimento cientifico desenvolvido nas teses de mestrado e doutorado, até ao conhecimento mais espontâneo das crianças. A curiosidade provoca perguntas. Pode-se dizer que uma criança se desenvolve na medida em que satisfaz as suas curiosidades e passa a fazer perguntas. (...) Se as pessoas, as comunidades, as escolas, os municípios não fazem perguntas sobre sua história, sobre as causas da sua pobreza, sobre as alternativas que podem construir se não apresentam curiosidade sobre estas coisas, é porque estão muito mal! Por isso, nós estamos querendo que os estudantes e professores aprendam a fazer perguntas. Por isso que a atitude de fazer pesquisa e aprofundá-la vai ser uma constante no processo de formação. (PEADS, textos didáticos n° 2, 2000 - grifo dos autores).

Essa proposta encontra ressonância nas ideias de Paulo Freire (1996), como podemos

ver em Pedagogia da Autonomia:

118 Nos documentos que tratam da origem da PEADS, destaca-se a contribuição de Pedro Demo, em: Pesquisa,

Princípio Cientifico e Educativo. Cortez, 1990 e Educar pela Pesquisa. Autores Associados, 1996, como fundamental nesta reflexão.

Page 217: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

217

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (p.32)

Para a PEADS, o questionamento reconstrutivo119 encontra-se na base da

aprendizagem e da pesquisa nas escolas. É uma atitude necessária para a construção do

Por isso, o

conhecimento proveniente da pesquisa da realidade precisa ser aprofundado a partir da

interação com as áreas de conhecimento, com a conceitualização, a análise e a síntese de um

novo conhecimento, a partir da mediação dos educadores(as).

O educando (a), nessa abordagem, é um participante da ação educativa, que necessita

educar-se permanentemente, é um sujeito da práxis. O professor estabelece uma relação

horizontal com seus alunos, possibilita a vivência grupal, empenha-se na luta em favor da

democratização da sociedade (FREIRE, 1996).

A pesquisa tem um papel de fundamental importância, sendo instrumento para o

desenvolvimento das ações pedagógicas possibilitando aos professores/as a descobrir,

explorar, envolver seus (as) educandos (as) em situações problemas do seu contexto, para

que sejam instigados a realizar a pesquisa como um instrumento de investigação e busca e

sistematização do conhecimento. Portanto, para a PEADS, envolver os (as) educandos (as)

em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento, é uma competência a ser

desenvolvida em sala de aula.

Para isso, possuem um instrumento denominado de ficha pedagógica, que tem como

finalidade orientar o processo de planejamento do trabalho pedagógico. As fichas detalham as

quatro etapas do itinerário pedagógico: a pesquisa da realidade, a análise e o desdobramento

dos conteúdos, a devolução para a ação e a avaliação. Essas etapas são visualizadas no

gráfico nº 13:

119 Adotam esse conceito a partir de Pedro Demo no sentido do sujeito ser capaz de, tomando consciência

crítica, formular e executar projeto próprio de vida no contexto histórico. E reconstrução como a instrumentação mais competente da cidadania, que é o conhecimento inovador e sempre renovado, o que inclui interpretação própria, formulação pessoal, elaboração trabalhada, saber pensar, aprender a aprender (DEMO, 2000, p.10).

Page 218: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

218

Gráfico 13 Itinerário de produção do conhecimento na PEADS

A primeira etapa da metodologia, a pesquisa, tem como finalidade diagnosticar a

realidade, levantar informações, identificar os conhecimentos prévios que os estudantes,

professores(as), família e comunidade possuem sobre as temáticas a serem estudadas. Essa

etapa possibilita um entrelaçamento entre os saberes sociais dos sujeitos envolvidos na

aprendizagem e os conhecimentos científicos das áreas de conhecimento, buscando-se

mapear e conhecer os costumes, espaços, situações, potencialidades, demandas e ambientes.

Dessa forma,

Na perspectiva da PEADS, a escola precisa começar resgatando os conhecimentos que os/as alunos/as têm, para aprofundá-los, buscando através da aprendizagem dos fatos e conceitos, mudanças de atitude. Isso permitirá, por exemplo, que as professoras adotem na prática cotidiana atividades que gerem estudos e reflexões. Por sua vez, a criança poderá a partir do próprio meio em que vive relacionando o que está vendo na teoria com a realidade ambiental, social, econômica, política, cultural do município. A PEADS vê os sujeitos como co-autores do processo de desenvolvimento. A PEADS tem seus princípios, porém está aberta ao diálogo com outras metodologias centradas no protagonismo juvenil e na mobilização social (PEADS, 2006, p.3)

Nesta fase o processo de pesquisa do contexto, alguns instrumentos pedagógicos são

utilizados para orientar o diagnóstico da realidade, o levantamento das informações, conforme

podemos ver no quadro 15

Desenvolvimento Sustentável e

Solidário

1

realidade como ponto de partida

pesquisa

2

socialização e integração dos conhecimentos

confronto entre os saberes

3

Intervenção na realidade

socialização dos conhecimentos

4

avaliação

auto-avaliação

hetero-avaliação

Page 219: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

219

Finalidade Instrumento O que é

Instrumentos de pesquisa e planejamento

Ficha Pedagógica Instrumento orientador do planejamento e da ação pedagógica nas escolas organizadas a partir de unidades temáticas ou temas geradores.

Reuniões de Sensibilização e mobilização das famílias

Reuniões e seminários com as famílias para conhecimento da proposta pedagógica ou para discutir as temáticas das fichas pedagógicas.

Roteiro de entrevista Roteiro de observação ou entrevista

orientar a pesquisa no tempo comunidade dos estudantes.

Aulas Passeios Observação e diagnóstico do entorno, de espaços vinculados às temáticas estudadas

Fonte: sistematização feita pela autora a partir dos documentos da proposta

Quadro 15 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para pesquisa e planejamento da prática pedagógica

A segunda etapa da metodologia, a análise e o aprofundamento dos conteúdos, tem

como finalidade analisar, desenvolver, aprofundar e integrar os dados da pesquisa com as

diferentes áreas do conhecimento: linguagem, matemática, ciências humanas, sociais e

biológicas. O material produzido pela pesquisa passa a ser conteúdo e o meio de

aprendizagem, a partir dos argumentos, de novas sínteses resultantes das reflexões e

sistematizações do conhecimento.

Segundo a Proposta Pedagógica, a socialização e aprofundamento dos saberes é a

forma da metodologia de ensino expressar os princípios e os valores do currículo integrado,

que tem a valorização do estudante, da família e da sua participação e conhecimentos como

elementos fundamentais da aprendizagem. Não se trata apenas de trabalhar as áreas de

conhecimento, mas também estimular valores, atitudes solidárias, alimentar a auto-estima,

construir a confiança e a identidade, as emoções e os sentimentos, os valores éticos e

culturais, o meio ambiente, o mundo do trabalho, o ecossistema no qual a escola e a

comunidade estão inseridas. (PEADS, 2006).

O processo de aprofundamento das informações a partir do diálogo entre os saberes

sociais e os conhecimentos científicos das áreas de conhecimento se pauta por dois processos

em sala de aula: a sistematização e a interdisciplinaridade.

Page 220: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

220

enquanto uma prática educativa da Educação

Popular apresenta-se como uma iniciativa desafiadora e necessária para revalorizar os

processos de construção do conhecimento e da investigação social, política e pedagógica das

informações. Nessa perspectiva é incorporada a proposta pedagógica da PEADS.

A PEADS tem investido na sala de aula e no trabalho escolar na sistematização das

práticas, que consistem num trabalho de recuperar, ordenar, precisar, classificar, refletir e

construir conhecimentos e aprendizagens sobre as formas de agir e os saberes envolvidos

durante a pesquisa, constituindo um instrumental para reconhecer e problematizar a realidade

e o lugar ocupado pelos sujeitos individuais e coletivos da escola nessa realidade.

De acordo com os documentos da PEADS, a sistematização contribui para a

continuidade e o repensar das experiências nos municípios, constituindo as singularidades da

proposta em cada escola, e o fortalecimento da autoria dos sujeitos sociais envolvidos em

cada lugar. Para a entidade, a co-autoria dos educadores (as), estudantes e pais neste

processo foi fundamental para a internalização da proposta nas práticas das escolas, e para o

desafio de que a mesma fosse sistematizada:

No entanto, a necessidade de resgate da autoria coletiva dos sujeitos envolvidos no processo, os olhares que tiveram sobre nossa proposta, a forma como aconteceu em cada município, em cada escola, em cada educando e educador/a, continuava nos instigando a registrar a experiência, avaliar nossa caminhada, além disso, éramos questionados pelos parceiros de várias partes e pessoas que conheciam nosso trabalho, por que não escrever a respeito, afinal muitas questões poderiam ser replicadas e conhecidas em outros lugares, por outras entidades e instituições. (...) (PEADS, 2006, p.15)

A sistematização ganha uma importância para a PEADS, a partir da necessidade de

registro e avaliação do itinerário percorrido para sua implementação nos municípios,

identificando os avanços e desafios da proposta.

A interdisciplinaridade, enquanto uma postura epistemológica no trato com o

conhecimento é assumida como forma de planejamento do trabalho pedagógico, de superação

da fragmentação dos conteúdos e das formas de sua abordagem. A prática da pesquisa da

realidade, a sistematização dos saberes, a utilização de diversos dispositivos pedagógicos, a

articulação entre teoria e prática apresentam-se como estratégias metodológicas fundamentais

para sua vivência em sala de aula. Conforme podemos ver no quadro 16.

Page 221: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

221

Finalidade Instrumento O que é

Instrumentos de socialização e comunicação do conhecimento

Colocação em Comum Consiste na socialização do que foi vivenciado no tempo comunidade no sentido dos estudos realizados. Pode ser realizado com todo o grupo ou em pequenos grupos para sua problematização a partir das descobertas e da confrontação das ideias.

Aulas de Campo São atividades produtivas realizadas por familiares ou especialistas na área: hortas comunitárias/escolares, roçado coletivo, viveiro de mudas, construção de mandalas, experiências tecnológicas, etc.

Visitas às famílias e a comunidade

O conhecimento da realidade do aluno e estreitamento da relação escola/família; Realização de processos formativos com a família, estudantes e comunidade.

Visitas e viagens de Estudos

A Visita e Viagens de Estudo são atividades constantes organizadas a partir de cada tema das fichas pedagógicas, com a finalidade de conhecer outras realidades e estabelecer reflexões e sínteses

Sistematização do conhecimento

Organização do material coletado durante a pesquisa com base em diferentes formas de linguagem: textos coletivos com as informações, gráficos, planilhas, tabelas, cartazes, exposições, maquetes, mapas, Usar recursos artístico-culturais para ilustrar os resultados da pesquisa.

Fonte: sistematização feita pela autora a partir dos documentos da proposta

Quadro 16 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para socialização e comunicação dos conhecimentos

Na Terceira etapa da metodologia, transformar em ação o conhecimento aprofundado

e intervir na comunidade, a partir do conhecimento novo, devolver o conhecimento produzido

para a comunidade que ajudou a construí-lo é o objetivo fundamental do itinerário pedagógico

da PEADS. Para isso, a ficha pedagógica sugere a elaboração de diferentes produtos que

contribuam para socializar e comunicar esses conhecimentos para a comunidade, como, por

exemplo, a construção de tabelas, gráficos, textos coletivos, peça de teatro, exposição de

fotos, etc..

A devolução acontece com a realização de reuniões, seminários, mutirões, visitas às

comunidades, intercâmbios com outras escolas e comunidades, divulgação nas rádios, com a

finalidade de suscitar uma ação da comunidade ou organizações a partir da sistematização dos

conhecimentos realizados pela escola.

Page 222: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

222

A socialização dos conhecimentos é feita de forma reflexiva, provocando a criticidade e

o planejamento de ações pela comunidade como forma de colocar em prática os

conhecimentos, informações e demandas trazidas pelo material trabalhado. Esse momento

tem duas dimensões:

de partilhar o conhecimento com pessoas e a outra é abordá-lo de forma mais

estética, de uma forma mais artística. (TS 1)

a intenção da escola contribuir com conhecimentos que ajudem as pessoas a

entenderem de forma crítica a sua realidade, e de buscarem estratégias para

intervir na mesma. (TS 2)

Neste momento do itinerário dois instrumentos pedagógicos são utilizados pelas

escolas para socialização dos conhecimentos que possam subsidiar uma ação e uma

intervenção no contexto, conforme explicitados no quadro 17.

Finalidade Instrumento O que

Instrumentos para subsidiar a ação e a intervenção no contexto

Reuniões e seminários de devolução para as famílias dos conhecimentos produzidos e mobilização da comunidade para algumas ações concretas

Organizar os produtos com os resultados da pesquisa e do desdobramento, para apresentar em reunião com as famílias. Mobilizar as famílias para ações coletivas: mutirões, festas, estimular a organização de grupos de trabalho, de mobilização por políticas públicas, Campanhas de conscientização sobre tratamento do lixo, questões ambientais, manejo das águas, manejo do solo, saúde reprodutiva, documentação, etc.

Articulação com outras instituições da comunidade e do município

Socializar e discutir com outras instituições e organizações existentes no município as ações a serem desenvolvidas a partir das problemáticas sistematizadas pelo estudo

Fonte: sistematização feita pela autora a partir dos documentos da proposta

Quadro 17 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para socialização e comunicação dos conhecimentos

Page 223: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

223

Assim, os princípios da proposta são orientados para não restringir a prática educativa

à prática docente, embora tenham um papel específico na mediação do conhecimento, que

deverá envolver (estudantes, familiares, técnicos, gestores, organizações sociais). Por

conseguinte, a importância da participação reside, em primeiro lugar, na gestão política do

conhecimento e do trabalho pedagógico. A emancipação constitui-se numa atitude reflexiva e

ativa, referenciada numa prática coletiva orientada para a transformação social.

A quarta etapa da metodologia consiste em auto-avaliar e hetero-avaliar os

processos, os conteúdos, os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem e das ações

educativas, possibilitando o re-planejamento e a continuidade do itinerário pedagógico.

A proposta, além de avaliar os conteúdos, também avalia o processo de ensino

vivenciado com a família e a escola: a motivação e sensibilização da comunidade para

envolvimento com as etapas do itinerário, o envolvimento nas aulas de campo, a devolução

das informações na comunidade, a organização e desempenho das equipes de trabalho. Dessa

forma, a avaliação

acontece assim, quando o conhecimento é tratado como construção ou produção, pois, os pais, os estudantes, os professores, participam dessa construção cada um de seu modo e a partir do seu lugar. Dizemos que cada participante avalia os demais: é o que chamamos hetero-avaliação. Também dizemos que, além dessa forma de avaliar os demais, há uma de cada uma avaliar a si próprio. É o que chamamos de auto avaliação. Cada participante observa a sua própria aprendizagem, suas próprias falhas. Faz auto crítica prática que todas as pessoas precisam desenvolver na vida, assim como a escrita e a leitura (PEADS/MOURA, 2005, p.56-57grifos do autor).

A avaliação abrange todos os momentos e recursos que o professor utiliza no processo

de ensino-aprendizagem, tendo como objetivo principal o acompanhamento do processo

formativo dos educandos (as), verificando como a proposta pedagógica vai sendo

desenvolvida ou se processando, na tentativa da sua melhoria, ao longo do próprio percurso.

Nesse sentido, ocorre como parte do processo de construção do conhecimento, e, portanto,

deve ser considerada diferentes dimensões da aprendizagem: a avaliação dos conteúdos, a

avaliação da participação dos sujeitos no processo ensino-aprendizagem, a avaliação das

metodologias e dinâmicas utilizadas durante o trabalho.

A avaliação dos conteúdos tem como finalidade identificar as competências e

aprendizagens construídas em cada área de conhecimento, utilizando-se de diferentes

instrumentos: produções escritas individuais e coletivas, fichas de observação, exposições

orais, produção de material e participação nas diferentes etapas do Itinerário Pedagógico.

Page 224: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

224

A avaliação da participação dos envolvidos no processo ensino-aprendizagem tem

como finalidade verificar os níveis de motivação, interesse, iniciativa, criatividade do grupo, o

envolvimento nas atividades, as atitudes com relação aos compromissos e as tarefas

individuais e coletivas. Para isso, utilizam como estratégias a auto-avaliação, a reunião do

coletivo de educadores (as) nas assembleias entre pais, educandos (as) e educadores (as).

A avaliação das metodologias e dinâmicas utilizadas durante o trabalho tem como

finalidade refletir sobre as formas de organização do trabalho escolar, as técnicas e

instrumentos utilizados durantes o processo, as dificuldades e facilidades sentidas pelos

sujeitos no seu desenvolvimento, e as sugestões para superação dessas dificuldades.

Na avaliação alguns instrumentos são utilizados conforme sistematizados no quadro

18.

Finalidade Instrumento O que é

Instrumentos didáticos e de avaliação

Colaboração externa São palestras, testemunhos ou cursos complementares ao tema pesquisado pela Ficha Pedagógica. Geralmente são realizadas por especialistas em determinadas temáticas, lideranças rurais, familiares, gestores, etc.

Fichas de Avaliação Roteiros para avaliação dos diferentes sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem.

Acompanhamento e monitoramento da proposta nos municípios

Equipe de acompanhamento e monitoramento para a implantação e implementação da proposta em cada município e em cada escola. Visitas permanentes às escolas para acompanhamento em serviço e orientação do planejamento Realização de aulas-atividades para estudos, socialização conceitual e planejamento coletivo

Fonte: sistematização feita pela autora a partir dos documentos da proposta

Quadro 18 Instrumentos Pedagógicos utilizados na PEADS para avaliação do processo

de aprendizagem

A avaliação é algo inerente ao trabalho pedagógico e deve permear todo o processo de

ensino e de aprendizagem. Tem como função primordial a identificação e análise do que foi

Page 225: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

225

aprendido e o que ainda é necessário aprender, como subsídios para a reorganização do

trabalho pedagógico, assim,

as formas de avaliar são variadas e procura-se garantir que, sobre as ações, haverá sempre uma reflexão teórica, que levam as novas ações cada vez mais qualificadas. Cada ciclo dessa metodologia gera um aprimoramento e reconstrução do acervo de conhecimentos com os sujeitos sociais vivenciando uma comunidade de aprendizagem. (PEADS, 2006, p.5)

Esse fragmento expressa a diversidade de processos e instrumentos vivenciados dentro

da sala de aula para a avaliação da aprendizagem e do trabalho pedagógico.

O desenvolvimento sustentável: o município como sala de aula

A PEADS, enquanto proposta que busca contribuir para a construção do

desenvolvimento sustentável coloca o município como local privilegiado para se planejar e

organizar a qualidade do ensino, pela proximidade que a comunidade tem de sua escola e

porque a escola pode contar, diariamente, com a presença dos sujeitos do campo, num espaço

coletivo de construção e transmissão de conhecimentos, que podem contribuir para pensar o

seu desenvolvimento.

Assim, a Escola tem um papel na produção e apropriação de conhecimentos que

contribuem para a construção do desenvolvimento sustentável, visando a induzir dinâmicas

sociais, econômicas e culturais, de início na comunidade local e, posteriormente, em redes

mais amplas de solidariedade, promovendo a abordagem solidária e crítica das realidades

socioambientais e uma compreensão autônoma e criativa dos problemas que se apresentam e

das soluções possíveis para eles, a escola como um dos espaços de construção de

conhecimentos- que vai sendo refeito, reconstruído, ampliado, questionado, contribui com a

p.80).

A organização do trabalho pedagógico na perspectiva de contribuir com o

desenvolvimento do município centra-se na pesquisa da realidade, na sistematização dos

Page 226: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

226

conhecimentos e na intervenção da realidade. Para orientar o planejamento deste Itinerário

Pedagógico em sala de aula, utilizam-se das fichas pedagógicas dos Censos120.

O Censo é um instrumento organizado por temáticas macroestruturais da realidade e

tem como finalidade apresentar sugestões para coletar e sistematizar as informações em sala

de aula para serem socializadas e comunicadas na comunidade e no município. A ficha torna-

se uma operacionalização metodológica constituindo um guia orientador para o planejamento

e o desenvolvimento da prática pedagógica em sala de aula, tendo entre seus objetivos:

- criar condições de valorização do campo, da realidade dos educandos (as) e da sua

comunidade numa articulação e diálogo entre os conhecimentos prévios existentes no grupo e

os advindos das áreas de conhecimento;

- possibilitar um apoio didático ao professorado na realização do seu planejamento e na

efetivação da prática pedagógica na escola numa perspectiva inter e transdisciplinar; e

- construir estratégias e aprofundar os conhecimentos do grupo a partir da discussão e

elaboração coletiva das fichas pedagógicas, contribuindo para que o professorado se aproprie

do processo pedagógico em sua totalidade.

No início da proposta, todas as escolas do município realizam os censos, sistematizam

seus resultados e os socializam nas comunidades e a nível municipal com entidades da

sociedade civil, gestores públicos e comunidade escolar, estimulando a busca de ações

coletivas e organizadas para responder aos principais desafios apresentados pela

temáticas das próximas fichas a partir de suas realidades e necessidades:

a organização do planejamento a partir das fichas pedagógicas, onde cada censo trabalha uma temática, foi dando o fio condutor para integração das áreas de conhecimento. O planejamento escolar está cada vez mais flexível e coletivamente construído. As demandas e as perguntas do grupo têm se transformado em conteúdos significativos para investigar e compreender o entorno escolar e articular esses conhecimentos específicos com as questões mais gerais do país e das áreas de conhecimentos. (TS 1)

As primeiras fichas são: o censo agropecuário ou econômico, o censo populacional e o

censo ambiental.

O Censo agropecuário visa construir um diagnóstico da dimensão produtiva e

econômica do município, destacando as atividades agropecuárias. Procura saber sobre a

distribuição e o uso das terras e dos recursos naturais, quais as principais cadeias produtivas 120 O termo censo para nomear essas fichas pedagógicas é proveniente do trabalho que realizavam com os

agricultores (as), pois desenvolviam diagnósticos com temáticas macro-estruturais para planejar a intervenção na propriedade que denominavam de censo.

Page 227: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

227

existentes em cada comunidade, os processos e estratégias de geração de renda, as matérias

primas existentes em cada comunidade, o processo de apropriação e uso destas matérias

primas, os processos de beneficiamento e comercialização da produção, as tecnologias

utilizadas para produzir, as políticas governamentais existentes para a produção, circulação e

distribuição das riquezas.

O Censo populacional visa construir um perfil demográfico, geográfico e da

ocupação do espaço no município, os fluxos populacionais e migratórios, os diferentes grupos

sociais existentes e suas identidades, as comunicações e os transportes do município, a

dimensão geracional em cada comunidade, etc.

O Censo ambiental visa elaborar um diagnóstico sobre os recursos naturais existentes

no município, seu uso e manejo, suas potencialidades e limites, as políticas existentes nesta

área, as práticas sociais desenvolvidas pela comunidade na relação com o ambiente, as

tecnologias sustentáveis, o ecossistema do município, etc.

Segundo a Proposta Pedagógica, a criatividade da equipe educativa da escola será

estimulada para criação de novos instrumentos, ampliação e redimensionamento dos

existentes, para uso em sala de aula, como também de seleção de novas temáticas para

elaboração das fichas pedagógicas, que possibilitem a construção, sistematização e ampliação

do conhecimento, além disso, enfatizam a importância da literatura, do teatro e das artes

plásticas como ferramentas para a aprendizagem.

Gestão participativa: participação das famílias e planejamento coletivo

A vivência da PEADS enquanto uma concepção de pensar e fazer a escola tem como

um dos fundamentos a gestão participativa, destacando a participação das famílias e das

comunidades e o planejamento coletivo dos sujeitos da escola.

A discussão, sensibilização e mobilização das famílias é uma estratégia permanente

para a implementação da proposta nas escolas. Ao iniciar o trabalho, a escola realiza reuniões

com as famílias para discussão da PEADS, sobre o processo de pesquisa e sobre o

envolvimento da família em cada etapa da metodologia. A participação efetiva da família e da

comunidade na realização da pesquisa espera uma mobilização nas comunidades e um

envolvimento direto com os acontecimentos da escola. È o proposto, conforme

Page 228: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

228

A comunidade pode participar mais da vida escolar, porque pode conhecê-la, e, por conseqüência, aprender a dialogar mais diretamente. Há construção do sentimento de inclusão na escola, ou seja, agora a comunidade é ao mesmo tempo, o nascedouro do conhecimento e o cenário de experimentação de saberes, com vistas ao desenvolvimento sustentável. Portanto, tornou-se elemento fundamental para o fortalecimento da proposta nas redes municipais. (PEADS, 2006, p.35)

Os usos dos espaços da escola pela comunidade são redimensionados, na participação

na sala de aula, nas reuniões, nas festas, na organização das hortas pedagógicas, nos

momentos de devolução dos conhecimentos, na avaliação do trabalho da escola, e na

participação dos encaminhamentos pedagógicos e administrativos.

A organização de conselhos de gestão da escola a ação de adesão das famílias as

atividades desenvolvidas na escola, os voluntariados na participação dos mutirões para

melhoria da qualidade do ambiente educativo, a necessidade de participação direta na escola

dos filhos (as). Assim, os conselhos escolares tornam-se espaços dinâmicos e ativos de

definição e controle das políticas educacionais.

As aulas de campo por membros da família podem vir a acontecer tanto na escola

como na própria comunidade. Assim, a interação estimula no individuo a possibilidade do

conhecer continuado e dinâmico da sua própria realidade, como uma condição para o

fortalecimento da nova forma de interação social, tornando-se ator de sua própria história,

contrapondo-se à diminuta participação e entendimento das aceleradas mudanças culturais e

tecnológicas, e, ao mesmo tempo, a comunidade pode participar mais da vida escolar, porque

pode conhecê-la e, por consequência, aprender a dialogar mais diretamente.

O planejamento coletivo do trabalho pedagógico na sala de aula e na escola é

articulado coletivamente a partir dos projetos político-pedagógicos de cada escola, com

espaços coletivos de planejamento, avaliação e organização das atividades realizadas nas

escolas, tendo como requisito fundamental o processo de acompanhamento e monitoramento

por técnicos das secretarias de educação do trabalho realizado em cada escola.

Page 229: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

229

5.5 Educação Contextualizada no Semiárido: pluralidade da rede, contextualização e convivência com o

Semiárido

A Educação para a Convivência com o Semiárido - ECSA121 é desenvolvida por

diferentes entidades e atores que atuam no Semiárido Brasileiro, com a finalidade de elaborar

propostas de políticas públicas no campo educacional e desenvolver práticas pedagógicas nas

escolas da rede pública dos municípios da região.

A pluralidade de redes

A pluralidade de redes que constituem a RESAB caracteriza-se por diferentes níveis,

tipos de ação e abrangência, e buscam referências em diferentes matrizes pedagógicas. Dentre

elas: Paulo Freire no que se refere à compreensão dos processos históricos e culturais e no

papel da educação na emancipação humana; Peter Mc Laren e Michael Apple, no que se

refere às contribuições sobre o multiculturalismo crítico; Celestin Freinet, nas ideias que

embasam o pressuposto da realidade como o ponto de partida para a construção do

conhecimento e com suas diferentes estratégias de estudo e Felix Guattari, no sentido de

desenvolvimento de novas práticas sociais, estéticas e com o outro, incluindo a ecosofia e a

dimensão subjetiva na discussão ecológica e, portanto, os fundamentos da Convivência com o

ecossistema do Semiárido. Dessa maneira, A Rede é um espaço plural e diverso, por isso, não buscamos a referencia de uma única matriz pedagógica, filosófica ou sociológica da educação, mas partimos do pressuposto de que as escolhas pedagógicas e os referenciais constituem as bases sobre as quais se desenvolverão as práticas pedagógicas. Com isso não nos furtamos enquanto rede, a definir que sobre as idéias e práticas presentes no Semiárido, nos embasamos e sentaremos os nossos fundamentos (RESAB, 2006, p.54).

A Proposta Pedagógica da RESAB configura- tessitura de redes em

permanente construção

única matriz pedagógica, todavia, possui um traço identitário comum: Educar para a

121 Tentamos resgatar a diversidade de visões existentes dentro da RESAB, por sua característica de rede plural.

Portanto, a análise documental pautou-se nos cadernos multidisciplinares da RESAB, como também em

que tem sido co-autores desta Proposta Pedagógica, a partir da inserção nas práticas educativas vinculadas a RESAB. Nesse sentido, a maioria das referências tem o nome desses autores.

Page 230: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

230

convivência com o Semiárido, instituindo o eixo articulador do itinerário pedagógico dessa

Rede:

Apesar de não ter uma definição única esta concepção do entendimento que a educação deve possibilitar nos sujeitos a formação de um olhar diferenciado sobre sua realidade, contribuindo para a construção de uma ética na relação das pessoas entre si e destas com o ambiente natural e social, visando contribuir no desenvolvimento humano e sustentável do Semiárido. (RESAB, 2004, p.88)

A contextualização do currículo

A contextualização do currículo é a possibilidade de construir significados para o que

se vivencia na escola. Esse significado, por sua vez, só é constituído quando os sujeitos do

processo são envolvidos pela informação que lhes é apresentada, relacionando-a a algo já

vivido ou intencionado, atribuindo sentido ao que se aprende e se conhece.

O contexto do Semiárido em sua sociobiodiversidade é tomado como espaço

educativo, no sentido de estabelecimento de um novo tipo de relação com a natureza, com

suas particularidades e complexidades, na compreensão da sociedade como uma

Construção humana, multifacetada, com todas as suas contradições de classe, raça, cultura, religião, ideais políticos e ideológicos, entre outros elementos que complementam a pluralidade e a diversidade social. (...) A escola, nesse contexto, não poderá assumir um discurso de distanciamento da sociedade, com se as mesmas fossem vertentes diferenciadas. É preciso uma concepção de que a sociedade e escola são partes de um mesmo conjunto. (...) a escola é um espaço de construção e fundamentação de diversos saberes necessários às mudanças nas relações sociais, do combate às injustiças, da constituição de uma sociedade mais humana e de um processo de convivência entre as diversidades e as singularidades constitutivas de cada grupo cultural. (RESAB, 2006, p.56)

Portanto, para a ECSA, a contextualização não é reduzir ensino-aprendizagem àquilo

que já se sabe, mas na relação de novas informações e conhecimentos com aquilo que a

pessoa já sabe. Isso pressupõe um processo de teorização da prática e a construção de novos

significados para o contexto em que se insere e sua relação com o global. Entende-se que

os contextos não se fixam apenas ao local, a sala de aula, a comunidade local, a um território determinado. Ele se estende até um sistema de valores, que extrapolam qualquer fronteira geofísica descuidadamente traçada, uma vez que tecem em redes de conteúdos que fundem o passado e o futuro; o local e o global; o pessoal e o coletivo; as objetividades e as subjetividades (RESAB, 2004, p.34)

Page 231: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

231

Essa perspectiva de contextualização se expressa nas diferentes instituições que

compõem a Rede numa dinâmica de ensino-aprendizagem através de eixos temáticos ou

blocos temáticos, que segundo SOUZA e REIS (2003, p.09),

A opção por eixos possibilita a formação holística de pessoas para conhecerem melhor o meio ambiente (social, natural, local e global) em que se inserem e desenvolverem atitudes e procedimentos que gerem melhor relacionamento com esse meio, estabelecendo formas de convivência mais sadias e sustentáveis para, enfim, tornarem-se mais autônomas, reflexivas e propositoras de uma nova ordem social.

A organização curricular se dá a partir dos eixos temáticos, que articulam e integram

os conteúdos de cada área de conhecimento, como também, de temáticas transversais às

diferentes áreas, como por exemplo, manejo dos recursos hídricos, equidade de gênero,

aquecimento global, desertificação, agroecologia etc.

A convivência como aspecto orientador do Itinerário Pedagógico

Essa perspectiva evidencia a singularidade dessa proposta pedagógica ao colocar o

princípio da convivência com o Semiárido como aspecto orientador da organização do

itinerário pedagógico das práticas educativas da REDE,

preparando os sujeitos da ação educativa para a compreensão do meio e dos fenômenos naturais do ambiente, com vistas ao aproveitamento das potencialidades e da construção das novas possibilidades diante das problemáticas encontradas. (...) um paradigma de educação que compreende que o conhecimento trabalhado na escola assume uma dimensão de socialização e emancipação do homem e da mulher do SAB, extrapolando as dimensões da escola e dos saberes nela trabalhados como algo suficiente em si para a construção da cidadania e de um novo projeto social para o Semi-árido, onde a convivência passa a ser o elemento fundante de toda ação educativa. (RESAB, 2006, p.59-60)

Os conteúdos trabalhados na escola assumem uma vinculação com a realidade dos

educandos (as) e do bioma no qual estão inseridos, na perspectiva de construção de

conhecimentos, que contribuam para uma intervenção na realidade, que possibilite uma

convivência com sustentabilidade com o Semiárido. Dessa forma,

Page 232: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

232

(...) A Educação para a Convivência com o Sem-Árido privilegia e enfatiza a necessidade de que as escolas do Semi-Árido, ao garantir o desenvolvimento das diferentes capacidades cognitivas, afetivas, físicas, estéticas, de inserção social e de relação interpessoal propiciem aos seus alunos os instrumentos sociais necessários para que possam intervir de forma consciente e propositiva no ambiente em que vivem. (NÉRI e REIS, 2004, p.136).

A necessidade de a escola contribuir com a implementação do desenvolvimento

sustentável na perspectiva de fortalecimento e melhoria das condições de produção da

existência dos grupos humanos, na constituição de relações mais solidárias e coletivas que

envolvem não somente as pessoas, mas abrangem toda a sociobiodiversidade do Semiárido, é

fundamento central na proposta pedagógica da RESAB.

Embora exista uma diversidade de experiências ligadas à Rede, estas normalmente

seguem o mesmo percurso no processo de produção do conhecimento a partir do princípio da

ação-reflexão-ação, e tendo como eixo articulador a convivência com o semiárido, que se

expressa em três momentos distintos, mas complementares, conforme podemos visualizar no

gráfico abaixo:

Fonte: Sistematizado pela autora a partir dos documentos da Rede

Gráfico 14 - Itinerário Pedagógico da ECSA

A Realidade como ponto de partida RPP- tem como pressuposto que a organização

Adotando a pesquisa e o questionamento sistemático, como estratégia para o trabalho, os

Convivência com o

Semiárido

1

A realidade como ponto de partida -

RPP

2

A comunicação dos saberes -

CS

3

A reiinvenão da realidade -

RR

4

O processo de avaliação

Page 233: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

233

educandos (as) podem (re) conhecer outras possibilidades existentes no seu contexto, para

nele atuar. Os espaços de conversação e aprendizagens, entre os diferentes saberes e sujeitos

existentes na escola e na comunidade, são requisitos para estimular uma postura investigativa

para formulação de novas problematizações e aprofundamentos em sala de aula.

A comunicação dos saberes CS - é o momento de integração das diversas áreas de

conhecimento e dos saberes locais. Nesse sentido, o eixo integrador dos conteúdos articula os

conhecimentos das diferentes áreas do conhecimento, a partir das exigências colocadas pelo

contexto e as propostas curriculares adotadas pelas redes de ensino, a fim de que sejam

melhor compreendidas na intencionalidade de possibilitar o desenvolvimento de habilidades,

capacidades e atitudes, valores éticos, estéticos e afetivos a partir da

comunicação dos diversos saberes e conhecimentos para aprofundarmos e extrapolarmos as dimensões do localismo, fazendo com que os/as alunos/as compreendam a rede complexa em que se inserem o próprio local e o mundo em que se vive, e que a todo momento este espaço está interferindo no outro. (RESAB, 2006, p.62).

O tratamento contextualizado permite que o conteúdo de ensino tome a realidade dos

educandos (as) como conteúdo curricular, construindo uma comunicação entre seus

conhecimentos prévios e os científicos, portanto, requisita a construção de dispositivos

pedagógicos que contribuam para esta contextualização, dentre os quais, os materiais

didáticos que contemplem a realidade local. Nesse sentido,

Os materiais produzidos nas escolas, por meio dos projetos didáticos desenvolvidos com base em temas discutidos nas formações, permitem o desenvolvimento de ações, como o recontar da história local pela comunidade, a reflexão sobre as adversidades de cada lugar, o que tem contribuído para o desenvolvimento dos alunos na comunidade e desta nos conteúdos propostos pela escola, dando sentido ao que se ensina, aprende e faz (SOUZA e REIS, 2003, p.15).

Portanto, é um material didático específico, inclusive a elaboração de livro didático

que é utilizado nas escolas, por algumas das entidades da rede, pois

a intenção da construção de um livro didático é poder termos a possibilidade de trabalhar com um material que ofereça uma visão mais ampla do Semi-Árido (nos aspectos ambientais, sociais, culturais, econômicos e políticos). É importante então propor um livro que possibilite discutir melhor as peculiaridades da região e das relações desta com o mundo, contribuindo para descobrirmos formas apropriadas de convivência, dando uma dimensão motivadora e concreta da própria da realidade em movimento, onde as situações de vida possam ser elementos que

Page 234: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

234

possibilitem um espaço/tempo de estudo e aprendizagem (RESAB, 2004,p.95).

O livro está organizado em torno de um eixo central: Convivência com o Semiárido,

abordado em sua complexidade e diversidade, considerando os diferentes contextos que o

compõem e com o qual se relacionam. Os eixos que organizam o livro são: Sociedade e

poder, Arte, cultura e lazer, trabalho e criação, Meio ambiente, História e Identidade,

articulando os conteúdos de diferentes áreas de conhecimento.

A Reinvenção da Realidade RR - é o momento dos educandos (as) reinterpretarem

sua realidade, a partir dos conhecimentos que foram construídos, e socializá-los com a

comunidade a partir de diferentes instrumentos e linguagens, explicitando as problemáticas

existentes com suas potencialidades e motivando os sujeitos a intervir na sua realidade. A

intervenção na realidade é a finalidade fundamental da produção do conhecimento nas

Escolas, numa perspectiva de contribuir para a convivência sustentável com o Semiárido.

Durante todo o itinerário o processo de avaliação ocorre a partir de diferentes

procedimentos e instrumentos, numa perspectiva de envolver todos os sujeitos sociais da

prática educativa e retroalimentar o itinerário pedagógico com o levantamento de novos

problemas e questões a serem aprofundadas.

Em resumo, todas as propostas pedagógicas tomam como ideia de que o educando se

forma em sua experiência de vida, no seu contexto social, ambiental e cultural, e não somente

na escola. Por isto, na especificidade do ato educativo no currículo das Escolas, tomam a vida

como conteúdo de aprendizagem, o que implica não simplesmente alterar metodologias de

ensino, mas alterar a organização do trabalho escolar, seus tempos, espaços e relações entre os

saberes e sujeitos da escola e da comunidade.

Page 235: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

235

VI CAPÍTULO - LUGARES INSTITUCIONAIS: CENÁRIOS E PRÁTICAS DAS ESCOLAS DO

CAMPO

Page 236: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

236

Não centra a prática educativa, por exemplo, nem no educando, nem no educador, nem no conteúdo, nem nos métodos, mas a compreende nas relações de seus vários componentes, no uso corrente por parte do educador ou da educadora dos materiais, dos métodos, das técnicas. Paulo Freire.

Este capítulo tem como finalidade analisar o ambiente educativo e a organização do

trabalho pedagógico nos lugares institucionais da Educação do Campo, buscando

compreender como as propostas pedagógicas se materializam nas práticas pedagógicas das

Escolas.

Adotamos o conceito de ambiente educativo, na sua dimensão material e como espaço

de aprendizagem da escola, constituída pelas interações entre educandos (as), educadores(as)

técnicos administrativos, família e comunidade. Interação que se evidencia na organização e

dinâmica de funcionamento de cada escola, numa perspectiva de democratizar a

aprendizagem, como coloca Freire:

O espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito. Neste sentido, quanto mais solidariedade exista entre o educador e educandos no trato deste espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola. (FREIRE, 1987, p. 97).

A organização do trabalho pedagógico é entendida como unidade de análise para

compreender a relação entre a teoria e a prática pedagógica. Para isso, referenciamos-nos em

Luiz Carlos de Freitas (1995), quando enfatiza que a organização do trabalho pedagógico,

enquanto parte da teoria pedagógica, desenvolve-se no trabalho pedagógico da sala de aula e

na organização do trabalho da escola em geral, envolvendo relações entre os sujeitos da

escola, os pais, a comunidade e o trato com o conhecimento.

Esse itinerário de organização do trabalho pedagógico e da produção do conhecimento

constitui a prática pedagógica das escolas, envolvendo os sujeitos cognoscentes (educandos

(as) e educadores (as), a prática gestora da escola e a dimensão epistemológica (conteúdos

educativos). A relação e a interação são mediadas pela autonomia, participação, organização

e a afetividade entre os sujeitos dentro do contexto histórico e social do campo.

A instituição escolar inserida na sociedade capitalista reflete, no seu interior, as

contradições e determinações dessa sociedade. Assim, pode contribuir tanto para manutenção

Page 237: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

237

como para transformação deste contexto, visto que a finalidade da escola, conforme

FREITAS (1995),

[...] deve ser a produção do conhecimento (não necessariamente original),

artificial); a prática refletindo-se na teoria que é devolvida a prática, num circuito indissociável e interminável de aprimoramento. (p.100)

A prática pedagógica enquanto prática social especifica de formação do sujeito

humano assume sua dimensão social ao se situar historicamente dentro de um determinado

contexto cultural, se organizar de maneira planejada e intencional pelos seus diferentes

sujeitos para atingir objetivos e finalidades no processo de humanização do ser humano.

Na perspectiva de entender os ambientes educativos e a organização do trabalho

pedagógico, trazemos as escolas que compõem os lugares institucionais estudados: Escola

Família Agrícola( EFAORI); Escolas Francesco Mauro e Escola Catalunha( MST); Escola

Henrique Gouveia (PEADS); e Escola Rural de Massaroca (ERUM).

6.1. Escola Família Agrícola de Orizona EFAORI

A EFAORI localiza-se no município de Orizona (GO), que se encontra localizado na

região Centro-Oeste do Brasil e na região Sudeste do Estado de Goiás. Este possui uma área

de 1.972,865km², representando 0,34% da área total do Estado. Apresenta uma altitude média

122. Orizona localiza-se na microrregião de Pires do Rio, fazendo divisa com os

municípios de Luziânia (Nordeste), Silvânia (Norte), Vianópolis (Noroeste), Pires do Rio

(Sudoeste), Ipameri (Sudeste) e Urutaí (Sul), conforme visualizamos no mapa a seguir:

122 Dados da Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento SEPLAN, Goiás, 2007.

Page 238: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

238

Ilustração 1 Localização de Orizona no Estado de Goiás

A população de Orizona, no ano de 2007, era de 13.508 habitantes. Destes, 6.696

habitantes referem-se à população urbana e 6.812 habitantes à rural, o que proporciona uma

densidade demográfica de 6 hab/ km2, enquanto a média do estado é de 14 hab/ km2. É um

dos poucos municípios de Goiás que possui população rural maior que a urbana. É um

município com uma propulação jovem, visto que 2/3 de seus habitantes tem menos de 40 anos

de idade.

O município é caracterizado pela presença marcante da agricultura familiar, cuja

principal atividade é a bovinocultura leiteira e as lavouras de subsistência e, por outro lado,

pelo processo de expansão da soja e da pecuária extensiva, que vem ocasionando uma

degradação do cerrado, como também o uso intensivo de agrotóxicos e aumentado o êxodo

rural por causa da compra das pequenas propriedades, que se veem pressionadas pelo avanço

do agronegócio e ausência de políticas agrícolas permanentes para a agricultura familiar,

dentre as quais, a assessoria técnica e extensão rural.

Esse cenário marcado pela expansão dos sojicultores no território causa uma pressão

significativa no fortalecimento da agricultura familiar, como também no estabelecimento de

uma escola voltada para formar filhos (as) de agricultores familiares dentro de um modelo

tecnológico pautado pela perspectiva orgânica e agroecológica.

A organização da agricultura familiar por meio de associações, Sindicato dos

trabalhadores (as) Rurais, Cooperativas de produção e de crédito e do Centro Social Rural de

Page 239: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

239

Orizona, suscitou a necessidade de criação de um curso para jovens do campo, que

possibilitasse uma formação coerente com a sua realidade e com conhecimentos para o

desenvolvimento de projetos que assegurassem sua permanecia no meio rural, contribuindo

com a melhoria da qualidade de vida familiar.

Esta demanda ganhou visibilidade com as discussões realizadas pela Comissão

Pastoral da Terra (CPT) e com o Centro Social Rural de Orizona (CSRO), que, em 1995,

constituiu uma comissão representativa de várias organizações do município para coordenar a

criação e a implantação da EFA.

Em 1999, em um prédio cedido pela Prefeitura, começou a funcionar a primeira turma

da EFAORI, com 21 alunos. No ano de 2000, com a efetivação de parcerias123, o Centro

Social Rural de Orizona (CSRO), adquiriu uma antiga chácara com uma área de 4 hectares e

meio, na Fazenda Santa Bárbara, localizada a 2 km da Sede do Município, para onde foi

transferida a escola e que funciona até os dias atuais124.

A EFAORI conta com as seguintes fontes para a sua manutenção financeira:

colaboração das famílias e da comunidade; contribuição dos estudantes; venda de produtos da

escola; doações diversas; convênios com organizações não governamentais e convênios

específicos firmados com instituições públicas e particulares.

No caso da EFAORI, o governo municipal oferece alguns auxílios no que tange às

questões físicas e estruturais, muito embora estas sejam precárias. Não se tem, portanto, o

apoio integral até mesmo quanto às questões de estímulo para ensino rural dentro da área do

próprio município. O governo municipal paga parte do transporte de aproximadamente 60

alunos para o Instituto Federal de Educação Tecnológica de Urutaí (IFET), para que realize o

Ensino Médio voltado às questões do campo, quando poderiam ser dadas condições

estruturais para a EFAORI receber a demanda que o município possui dos (os) filhos(as) de

agricultores(as) familiares de fazerem o Ensino Médio integrado ao curso profissionalizante

A estrutura educativa como espaço de aprendizagem

A construção da escola se adequou ao meio ambiente, aproveitando as fruteiras e

vegetações nativas existentes. Alguns espaços que faziam parte da antiga chácara foram

reformados, no entanto, constata-se a necessidade de construções ou reformas para oferecer

123 A parceria se deu entre o Centro Social, a prefeitura municipal e o SIMFER Solidariedad Internacional das

Mesons Familiares Rurales- Ong Belga. 124 Conforme Resolução 51/2006, do Conselho Estadual de Educação de Goiás.

Page 240: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

240

melhor comodidade e condições de trabalho aos docentes e discentes, como, por exemplo:

ampliação da biblioteca, da cozinha, do laboratório de informática e da sala de vídeo. Na foto

abaixo visualizamos a entrada da Escola:

Entrada da EFAORI Foto 1: Silva, 2008

Atualmente, a EFAORI dispõe para organização do trabalho escolar de: pavilhão

pedagógico, laboratórios didáticos, salas da equipe pedagógica, espaços de apoio ao regime

de internato, área de esporte e lazer e laboratórios didáticos de produção.

O Pavilhão Pedagógico é composto por três salas de aula, ocupadas por turmas do

ensino médio, em jornada de alternância semanal.

Os Laboratórios didáticos: atualmente existem dois espaços didáticos importantes

para o desenvolvimento das atividades: laboratório de biologia e a biblioteca. O Laboratório

de biologia é dotado de microscópio binocular, lupas de aumento manual e kits para pequenas

cirurgias em animais.

A biblioteca, embora esteja num espaço improvisado, possui mais de 1.000 títulos de

livros no acervo. Tem uma boa frequência dos estudantes para realizarem leituras, pesquisas

sobre temáticas tratadas na sala de aula, trabalho de grupo, como também para empréstimos

para serem usados no tempo comunidade. Esse acervo foi ampliado com a inserção da escola

no Programa Arca das Letras do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

As salas da equipe pedagógica: abrigam administração, monitores e coordenação

pedagógica, funcionando no prédio da antiga fazenda, é um espaço adaptado, não

possibilitando uma maior comodidade para o desenvolvimento dos trabalhos da equipe.

Espaços complementares de apoio ao regime de internato: a) dormitório masculino e

feminino para uso dos estudantes no período de internato; b) refeitório para uso nas refeições

Page 241: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

241

e lanches; c) cozinha industrial para preparo das refeições e lanches durante a sessão escola. O

café da manhã, almoço e dois lanches são preparados por duas merendeiras com auxílio das

equipes de trabalho compostas pelos estudantes. O jantar e a limpeza do refeitório são

assumidos em cada sessão escola pelos estudantes organizados em equipes de trabalho.

A Área de esporte e lazer é composta por um campo de futebol gramado, com uma

área com 960 metros quadrados, na qual são desenvolvidas as atividades de educação física,

as atividades de recreação e jogos livres entre os estudantes. Recentemente foi construído um

Centro de Convivência em convênio com o Ministério do Desenvolvimento Agrário para a

prática de esportes, atividades recreativas e formativas, tanto para a escola como para as

organizações e famílias de agricultores do território Estrada de Ferro125.

Os Laboratórios didáticos de produção são destinados para os projetos agrícolas e

zootécnicos, com unidades de: a) criação de animais de pequeno porte: aves caipiras; b)

Unidades de criação de animais de médio porte: suínos; c) criação de animais de grande porte:

bovinos; d) olericolas e jardinagem: viveiros de mudas, sistemas de irrigação convencional; e)

cultivo: plantio de milho e arroz; f) fruticultura; e g) área de compostagem.

As atividades produtivas desenvolvidas nos laboratórios didáticos têm a finalidade de

propiciar a aprendizagem dos estudantes e de ajudar a complementar a alimentação durante o

internato. Nos laboratórios são ministradas as aulas da formação técnica, e sua manutenção é

realizada durante as atividades gerais, que são organizadas por grupos de trabalhos e

coordenadas por um monitor.

As atividades gerais são realizadas durante a sessão escola, ao final de cada dia, no

horário das 17h00min às 18h00mim, e têm como finalidade realizar tarefas de: manutenção

do espaço físico da escola, organização dos laboratórios didáticos e armazenamento de

produtos para venda ou alimentação do grupo. Podemos ver exemplos destas atividades nas

fotos abaixo:

125 O agrupamento dos municípios brasileiros por territórios é parte da estratégia de implementação das políticas

públicas pela Secretaria do Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário- SDT/MDA. O município de Orizona faz parte do denominado Território Estrada de Ferro.

Page 242: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

242

Organização das mudas para viveiro Limpeza de alho para armazenamento

Foto 2: Silva, 2008 Foto 3: Silva, 2008.

Organização do trabalho pedagógico: a alternância como organizadora do tempo e espaço

pedagógico

Na Pedagogia da Alternância a organização do trabalho pedagógico se dá a partir do

trabalho em sala de aula, da escola como um todo e da relação com as famílias. Para isso,

considera diversos elementos em suas interações: os educandos (alternantes), o projeto

educativo (ações de formação), conteúdos pedagógicos (saberes populares e científicos), rede

de parceiros e co-formadores (mestres de estágio, famílias, lideranças comunitárias, técnicos e

especialistas), dispositivos pedagógicos (instrumentos pedagógicos), a estrutura educativa

(condições materiais da escola) e a equipe educativa (monitores, gestores, coordenadores,

pessoal de apoio). Essa constituição encontra-se representada no gráfico seguinte:

Page 243: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

243

Fonte: Jean- Claude Gimonet, 2007.

Gráfico 15 - Constituição da formação por alternância

Esses elementos constituem o projeto educativo de cada escola da alternância e,

segundo Jean-Claude Gimonet (1985), têm como uma das características marcantes a criação

de rupturas entre os lugares, os momentos e os conteúdos da formação de forma integrada e

articulada, a partir da construção de relações entre diferentes sujeitos e dispositivos

pedagógicos, o que caracteriza a alternância como uma perspectiva relacional que envolve

família-monitores-estudantes-comunidade, na integração entre teoria e prática, estudo e

trabalho, escola e realidade social.

Essa perspectiva relacional e integrativa de sujeitos, tempos e espaços tem como

finalidade contribuir para o desenvolvimento das pessoas, do contexto em que elas vivem e

para uma formação integral a partir da inserção no mundo do trabalho.

A EFAORI, a pedido das famílias dos estudantes, trabalha com a alternância semanal.

Os estudantes permanecem em regime de internato, na escola, durante uma semana, e depois

retornam para o meio sócioprofissional e familiar, por igual período, onde têm a oportunidade

de vivenciar os conhecimentos. Há uma inter-relação entre escola e família denominada como

alternância integrativa, articulada pelos dispositivos pedagógicos que compõem a alternância.

Assim, no início do ano, em Assembleia Geral, é discutido e aprovado o calendário

escolar constituído de 42 sessões de estudos organizadas na sessão escola e na sessão família.

Os parceiros Co-formadores

O projeto educativo

O dispositivo pedagógico

A estrutura educativa

Os monitores

A equipe educativa

O alternante e sua família Experiência

Projeto Profissional e de vida

Page 244: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

244

A sessão escola consiste numa jornada integral de uma semana em regime de

internato, com uma carga horária total de 4.394 horas aulas e 105 dias letivos; e a sessão

comunidade consiste na semana que o estudante permanece na família, totalizando uma carga

horária de 2.321 horas aulas, e 105 dias letivos. Desse total de horas, 343 são dedicadas ao

estágio supervisionado, cujo acompanhamento é feito por um orientador de estágio e pelo

mestre de estágio, culminando com a sistematização do Projeto Profissional do estudante a ser

desenvolvido na sua propriedade.

A alternância, enquanto princípio pedagógico, mais que característica de sucessões

repetidas de sequências de tempo e espaço escola e família, visa desenvolver na formação dos

jovens situações em que o mundo escolar interage com o contexto social, cultural e

profissional da família do educando (a).

Durante as observações das sessões escolares, ter permanecido no internato com os

estudantes foi de fundamental importância para identificarmos como o tempo educativo, que

se inicia as 07h00min e termina as 21:40 horas, transforma-se em aprendizagem da vida em

grupo, das normas elementares de convivência, dos conteúdos educativos, do trabalho em

equipe, do aprendizado da solidariedade e da cooperação e do desenvolvimento da

responsabilidade e da autonomia.

Na organização do trabalho pedagógico, as mediações comportam práticas docentes,

discentes e da família que se articulam em tempos educativos alternados e cujos conteúdos

são mediados principalmente pelo monitor-educador, numa interlocução permanente com

outros formadores, cingida por diferentes instrumentos pedagógicos específicos da Pedagogia

da Alternância.

Assim, a prática pedagógica se institui e constitui dentro de um itinerário de ensino-

aprendizagem que articula diferentes espaços e tempos educativos, alternando momentos de

atividades no meio sócioprofissional do educando e momentos de atividades escolares

propriamente ditas na EFA, nos quais o diálogo permanente entre as experiências sociais,

familiares e culturais dos educandos (as) com o conhecimento das diferentes disciplinas

tornam-se os conteúdos educativos a serem aprofundados dentro da sala de aula

É por esta razão que Jean Claude Gimonet (2007) considera que a alternância não

sobrevive sem uma abertura da escola para o mundo exterior, orientada pela busca

permamente de incorporar e reconstruir no processo de formação dos alunos os

conhecimentos historicamente criados e recriados nas lutas e vivências das famílias, de suas

organizações e seus movimentos. É nessa articulação entre escola, famílias e contexto sócio-

político que encontramos a essência de uma alternância integrativa.

Page 245: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

245

Os Educandos (as): a autonomia e a convivência como aprendizado

Os/as educandos/as (ou alternante) são filhos (as) de agricultores familiares residentes

nos municípios do entorno de Orizona, predominando a faixa etária de 14 a17 anos, a maioria

do sexo masculino.

A EFAORI adota os seguintes critérios para seleção dos educandos (as): ter concluído

o ensino fundamental, entrevista com os pais para discussão das normas de funcionamento da

escola e o seu itinerário pedagógico, ser vinculado à agricultura familiar e obter bom

desempenho no diagnóstico inicial, que contempla: redação, noções básicas de matemática e

ciências.

O número máximo de estudantes por turma é de 35 estudantes, com a finalidade de

assegurar o processo de acompanhamento dos estudantes: na produção em sala de aula, no

trabalho de grupo e na tutoria. No ano de 2008, a escola apresentou um efetivo de oitenta e

dois (82) estudantes no Curso Profissionalizante Técnico em Agropecuária de Nível Médio,

assim distribuídos: vinte e nove (29), na primeira série, vinte e dois (22), na segunda série e

vinte e nove (29, ) na terceira série.

ANO

MULHERES

HOMENS

FAIXA ETARIA

1ª 09 20 13 A 20

2ª 05 17 14 A 30

3ª 05 24 16 A 28

Fonte: Secretaria da EFAORI, 2008.

Quadro 19 Distribuição dos estudantes matriculados por série, sexo e faixa etária EFAORI - 2008.

Conforme podemos ver no quadro n° 19, o número de estudantes do sexo feminino é

inferior ao masculino, isso ocorre, conforme o depoimento da estudante, porque

primeiro existe uma idéia que um curso de técnico em agropecuária é mais adequado para os homens, e depois não são todas as famílias, que entendem que as meninas fiquem numa escola de internato junto com os meninos, isso é muito difícil na área rural (Estudante 1).

Page 246: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

246

A prática da escola é tratar a questão de gênero com equidade, pois os educandos (as)

participam das atividades previstas na sessão escola e sessão família sem diferenciação de

sexo, como mostram os seguintes depoimentos:

Aqui na escola todo mundo participa de todas as atividades. Não tem essa de divisão de trabalho de menino e menina. Na sala de aula, no trabalho de campo, na divisão das tarefas de limpeza e organização da escola, tem a participação de todo mundo. (Estudante 3)

Até eu aprendi sobre essas questões de divisão de tarefas entre homem e mulher, porque antes de trabalhar aqui, os meninos não faziam nada em casa. Depois que vi aqui os meninos lavam, varrem, limpam as coisas, cozinham, fui mudando também. Eu não preciso estar cobrando nada. Na hora de servir a refeição, já vem aquele grupo, arruma tudo, outros lavam os pratos, outros limpam o refeitório. E a noite que eles fazem o jantar, no outro dia encontro tudo limpinho na cozinha. Isso motiva o nosso trabalho, mais também ajuda a pensar sobre a importância que cada um tem na escola. (TA 2) 126

Na sala de aula, as questões sociais referentes à dimensão de gênero, etnia,

sexualidade e família são discutidas em todas as disciplinas, e, especialmente, na de formação

humana e religiosa, a partir de diferentes estratégias didáticas como, por exemplo, leitura de

artigos em revistas e jornais, livros de literatura, debates em sala de aula, intervenção externa

de especialistas e vídeos.

No que se refere à permanência dos estudantes na escola, os dados evidenciam uma

reduzida evasão escolar, o que se atribui ao trabalho de orientação, seleção e

acompanhamento das atividades pela tutoria e família. Essa mesma questão se observa no que

se refere à repetência, pois o acompanhamento sistemático e individualizado da tutoria, na

verificação das dificuldades, na construção de suportes junto aos outros monitores para

auxiliar nas dificuldades e na troca de ideias com as famílias, tem conseguido superar essas

dificuldades, conforme podemos ver na tabela n° 8:

126 As letras TA refere-se às falas dos técnico-administrativos e o numeral a seqüência no registro das falas.

Page 247: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

247

Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Matricula 42 71 77 87 83 89 96

Evasão 01 01 01 01 01 04 04

Transferência - 06 02 05 05 02 12

Reprovação 02 02 03 07 04 06 -

Aprovação 39 62 71 68 73 77 80

Fonte: Secretaria da EFAORI- 2008. Tabela 8 - Distribuição dos estudantes por ano e indicadores de resultado 2000-2008 - EFAORI

O baixo índice de evasão e reprovação na escola, como observamos na tabela 8, é

atribuído pela equipe pedagógica ao acompanhamento realizado pela família e escola, através

de reuniões sistemáticas entre pais e escolas, tutoria, reforço aos estudantes com dificuldades,

avaliação contínua e participativa das vivências e aprendizagens. O maior número de

transferência ocorre devido a mudanças da família para outros municípios ou porque o

educando (a) não se adapta à escola.

Quanto ao perfil dos egressos da EFAORI, o projeto pedagógico coloca que o mesmo

estará apto para

analisar as características econômico-sócio-ambientais da propriedade onde irá atuar, identificando as atividades peculiares da área a serem implementadas; implantar e gerenciar sistemas de controle de qualidade na produção agropecuária; identificar e aplicar técnicas mercadológicas para distribuição e comercialização de produtos; projetar e aplicar inovações nos processos de montagem, monitoramento e gestão de empreendimentos; elaborar relatórios de impacto ambiental; elaborar laudos, perícias, pareceres, relatórios e projetos, inclusive de incorporação de novas tecnologias. (EFAORI, 2005)

Segundo dados da Secretaria da Escola sobre os 155 egressos até 2007, 40% estão

dando continuidade aos estudos em cursos superiores em Universidades localizadas em Goiás

e no Distrito Federal; 50% permanecem no campo desenvolvendo diferentes atividades, tais

como: assessoria técnica aos agricultores da região, participação em organizações e

movimentos sociais do campo, desenvolvimento de projetos em sua propriedade, e 10% se

deslocaram para a sede do município, para desenvolver outras atividades, principalmente no

comércio.

Page 248: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

248

A equipe educativa: o trabalho coletivo como exercício da docência

A equipe educativa na EFAORI é constituída por diferentes sujeitos: os monitores

(as), os técnicos administrativos e outros formadores (colaboradores externos, mestres de

estágio, etc). Os monitores-educadores assumem um papel fundamental dentro da equipe

educativa, na mediação do processo de aprendizagem, pela característica da proposta da

alternância, que exige múltiplas funções. É o que identificamos nas falas abaixo:

Nosso trabalho da sala de aula é fundamental. A participação é base, mais nos temos o papel de coordenar o processo de ensino-aprendizagem. Mas na alternância nós temos outras funções: acompanhamos os estudantes com a tutoria, monitoramos o tempo do internato, a convivência, as relações entre os estudantes, realizamos visitas às famílias, participamos da gestão da escola. E tudo isso vai fazendo a gente aprender muita coisa, a lidar com muita situação, a conhecer mais a realidade das famílias. (M3) 127

Aqui eu tive que aprender de tudo... A troca de experiências com os colegas que já trabalhavam e tinham a prática da alternância foi fundamental. Além disso, quando comecei a fazer o curso de formação em alternância foi me ajudando muito, outra coisa importante são as conversas com colegas que atuam em outras EFAs. Na prática, nós vamos aprendendo muito também com os jovens, com as famílias, com as intervenções externas, as visitas de estudos. (M 2)

O trabalho pedagógico na escola redimensiona o repertório de conhecimentos dos

monitores, pois ressaltando os saberes construídos na

saberes

que constituem sua prática docente são provenientes de diferentes fontes.

A formação continuada específica para o exercício docente na EFA é ressaltada pelos

docentes como importante para seu trabalho:

e Embora exista uma política de formação continuada

na EFAORI, uma dificuldade para sua implementação é a carga horária dos monitores, pois

como são vinculados às Secretarias Estadual e Municipal de Educação, nem todos possuem

carga horária de 60 horas-aulas necessárias para as múltiplas funções que desempenham na

127 A letra M indica a fala dos monitores-educadores e o numeral se refere a cada uma das falas registradas.

Page 249: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

249

EFA, inclusive o tempo para sua formação e participação em atividades da sessão família,

como podemos ver na fala do Monitor 3:

O fato das secretarias de educação não entenderem a dinâmica de funcionamento da escola na alternância dificulta, porque temos que lutar bastante para que os professores cedidos para a escola possam ter uma carga horária compatível com o trabalho que desenvolvem aqui. Alguns não possuem essa carga horária e têm que trabalhar noutra escola, e ficam com dificuldades de participar de algumas atividades que são importantes para a organização do nosso trabalho como, por exemplo, visitas às famílias.

Além do processo de formação continuada desenvolvido pela EFAORI, 03 monitores

estão realizando o curso de especialização em Pedagogia da Alternância128, existindo, no

projeto pedagógico da escola, a meta de que todos possam passar por essa formação. Vejamos

o depoimento do Monitor 6:

A parceria com a Universidade para a realização do curso de especialização foi muito importante, porque pudemos aprofundar o referencial teórico da alternância, refletir sobre os instrumentos que usamos, como trabalhamos os conhecimentos, a relação com as famílias. Enfim, uma série de questões de nosso cotidiano. Depois, quando junta educadores vindos de outras EFAs, isso é uma troca muito rica. Por isso, achamos fundamental a continuidade do curso para que outros colegas também possam fazer.

O curso de especialização tem duração de dois anos e meio, organizado em onze

módulos temáticos realizados em seis encontros presenciais na associação regional, sendo três

no primeiro ano e três no segundo, com um encontro nacional conclusivo no primeiro

semestre do terceiro ano. Os encontros ou sessões de formação são realizados com um ou dois

módulos temáticos, dentro de uma carga horária de quarenta horas somadas ao projeto de

pesquisa e experimentação pedagógica, perfazendo um total de quinhentas horas.

Do ponto de vista da formação inicial, todos possuem curso superior dentro de uma

área específica do conhecimento, embora, na sala de aula, o exercício profissional ocorra em

mais de uma disciplina, pela carência que existe de professores para determinadas áreas do

conhecimento nas Escolas do Ensino Médio no campo, como mostra o quadro n° 20:

128 O Curso de Pós-Graduação Latu-Sensu em Pedagogia da Alternância está sendo realizado pela Associação

das Escolas Famílias Agrícolas do Centro Oeste e Tocantins (AEFACOT), e será certificado pela Universidade Católica de Brasília por intermédio de uma parceria iniciada desde 2002.

Page 250: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

250

FUNÇÃO MODULAÇÃO/DISCIPLINAS

ESCOLARIDADE C.H VÍNCULO

Professor efetivo Estágio/Topografia/Mecanização Agrícola/ Irrigação e Drenagem/ Agroindústria Jardinagem e Paisagismo/tutoria

Tecnólogo em Irrigação e Drenagem

40

SEE/GO SME/Orizona

Professor contrato Gestão Ambiental e Silvicultura/Culturas Anuais/Agricultura Geral /Fruticultura

Tecnólogo em Irrigação e Drenagem, Licenciado em Geografia e Mestre em Agronomia.

20

SEE/GO

Professor efetivo Geografia/Introdução Planejamento e Projetos /Gestão Planejamento e Projetos/Estudos Regionais/Estágio Experimental/Tutoria

Licenciado em Geografia

40 SEE/GO SME/Orizona

Professor contrato Física/ Informática

Licenciado em Matemática

30 SEE/GO

Professor Efetivo Matemática/Química/tutoria

Licenciado em Matemática e Pós-Graduado em Ensino de Matemática.

40 SME/Orizona.

Professora efetiva Filosofia/Sociologia/Biologia/Tutoria

Licenciada em História 40 20

SEE/GO

SME/Orizona Professor efetivo Educação Física/Coordenação de

esportes

Licenciada em História

30 SME/Orizona.

Professor efetivo Cooperativismo/Orientação de Estágio/tutoria

Licenciado em Geografia e Especialista em Pedagogia da Alternância

40 SEE/GO SME/Orizona.

Professora efetiva Espanhol/Inglês Licenciatura em Letras 30

SEE/GO

Professora efetiva Coordenadora Pedagógica, Monitora e Professora de Disciplinas da Área Diversificada

Licenciada em Ciências Sociais, Pós Graduada em Metodologia de Ensino Superior e Especialista em Pedagogia da Alternância.

40 20

SEE/GOSME/Orizona.

Professor contrato Zootecnia Geral/Zootecnia/ Estágio/tutoria

Bacharel em Zootecnia 40

SEE/GO

Professora efetiva Português/Artes/Estudos Regionais

Licenciada em Letras e Pós Graduada em Formação Social Econômica do Brasil

40 20

SEE/GO SME/Orizona

Professora efetiva História/-Formação Humana e Religiosa/Tutoria

Licenciada em História e Pós Graduada em Psicopedagogia e Pedagogia da Alternância

60 SEE/GO

Fonte: Secretaria da EFAORI, 2008.

Quadro 20 Monitores (as) com escolaridade, carga horária, vínculo administrativo e respectivas disciplinas EFAORI 2008

Page 251: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

251

Na relação com os educandos (as), o monitor (a) é um mediador da aprendizagem com

atenção personalizada a cada jovem. Ele acompanha, guia, orienta, em direção às fontes do

conhecimento e da formação integral do jovem. Tal mediação suscita uma aprendizagem

permanente e uma inserção no processo de gestão escolar, conforme nos mostra a fala:

Ser monitor da EFA é muito desafiador, pois não basta a gente ter conhecimento da nossa disciplina, ou achar que basta chegar dar aula e ir embora. Alguns que chegam aqui com essa visão logo vão embora. Na EFA nós temos que ter o conhecimento técnico, pedagógico, mas tem também o cuidado com os estudantes, as famílias, a comunidade, as relações de bem viver, responsabilidade com tudo que esta acontecendo no ambiente educativo, viver em grupo, campo, por isso, é tão importante o trabalho coletivo, a auto-avaliação, a troca de conhecimentos com os colegas, os estudos. (M 1)

No que se refere à equipe técnico-administrativa da Escola, nos últimos anos passou

por um processo de qualificação e aperfeiçoamento através de cursos oferecidos pela

Associação das Escolas Famílias Agrícolas do Centro Oeste e Tocantins (AEFACOT),

oferecidos pela Secretaria de Estado da Educação, o Pró-Gestão e formação para trabalho na

biblioteca e salas de leitura. Vejamos o quadro que demonstra o pessoal técnico-

administrativo da EFAORI.

CARGO VÍNCULO ESCOLARIDADE C.H. VÍNCULO

Assistente Técnico em Educação

Efetivo Ensino Médio 40 Secretaria Municipal de Educação

Secretária Cargo Comissionado

Ensino Médio Completo, Técnica em Agropecuária Cursando Graduação: Administração de Empresas

40 Secretaria Estadual de Educação

Auxiliar de Serviços Gerais

Contrato Ensino Fundamental Incompleto 40 Secretaria Estadual de Educação

Dinamizadora da biblioteca

Efetiva Licenciatura em Letras pela UEG-GO 40 Secretaria Estadual de Educação

Vigia Efetivo Ensino Médio Completo 40 Secretaria Estadual de Educação

Merendeira Efetiva 1º Grau Incompleto 30 Secretaria Municipal de Educação

Merendeira Efetiva 1º Grau Incompleto 30 Secretaria Municipal de Educação

Merendeira Efetiva Ensino Médio completo 40 Secretaria Municipal de Educação

Auxiliar de Secretaria

Efetiva 2º Grau Completo (Magistério), Cursando Tecnólogo Irrigação e Drenagem

60 Secretaria Municipal de Educação

Fonte: Secretaria da EFAORI, 2008.

Quadro 21 - Pessoal técnico-administrativo com cargo, vínculo e escolaridade- EFAORI, 2008

Page 252: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

252

Na escola, existe um clima organizacional de estímulo para que os técnicos possam

estudar e ter uma maior qualificação para o trabalho, visto que a Pedagogia da Alternância

exige uma atuação mais sistemática e ativa dos técnicos administrativos na dinâmica da

escola. Nesse sentido, vejamos os depoimentos:

Eu voltei a estudar depois que comecei a trabalhar na escola, porque é importante a gente ter uma maior escolarização, aprender mais, para buscar se qualificar no trabalho aumenta nossas possibilidades. (TA 1)

Os estudantes aqui são muito curiosos, tudo eles perguntam, participam de tudo. É muito bom porque eles participam do nosso trabalho, ajudam, cooperam muito. Além disso, a família está sempre presente na escola, a gente acaba conhecendo todo mundo. (TA 2)

Eu tenho que sempre me atualizar na organização da biblioteca, nas dinâmicas de leitura, nas temáticas que estão sendo trabalhadas. A biblioteca está sempre com jovens fazendo pesquisa, trabalho de grupo, procurando algo para ler. Pena que nosso espaço é pequeno, senão seria mais usado pelas turmas. Recentemente ampliamos nosso acervo com a Arca das Letras. Isso foi muito bom. Mas estamos sempre fazendo campanhas para ampliar o acervo, pois os alunos procuram muitos livros para leitura, inclusive quando vão para a sessão família. Nossos alunos inclusive têm se saído muito bem nas provas de avaliação do ensino médio em Língua Portuguesa. Eu acho que é porque eles lêem muito. (TA 3)

Na organização do trabalho pedagógico, destaca-se o trabalho coletivo como um

articulador dos diversos segmentos da comunidade escolar, fundamental para sustentar a ação

da escola em torno de um projeto. Ele é condição indispensável para que as atividades da

sessão escola e sessão família sejam planejadas e avaliadas, tendo em vista a direção comum

que se pretende imprimir ao processo ensino-aprendizagem.

É nesse contexto de trabalho coletivo que se integram outros formadores no processo

educativo, por meio das intervenções externas e do trabalho dos mestres de estágio.

O processo de intervenção externa consiste na participação de diferentes formadores

no processo educativo, não se restringindo à ação educativa apenas aos educandos (as) e

monitor(a) em sala. São eles: pais, representantes de associações de produtores, lideranças das

comunidades, orientadores de estágios, técnicos e especialistas das temáticas que estão sendo

trabalhadas em sala de aula.

A participação desses diferentes sujeitos tem como finalidade ampliar as temáticas

trabalhadas em sala de aula, integrar as diferentes áreas de conhecimento e articular os

conteúdos do plano de estudo. Conforme o Monitor 5,

Page 253: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

253

A importância das intervenções externas é para assegurar o aprofundamento das temáticas dos Planos de Estudo, articular diferentes visões sobre os temas, a partir das áreas de conhecimento dos colaboradores e especialistas. No entanto, embora tenha outros formadores que participam do processo em sala de aula, não desconsidera o papel imprescindível professores/monitores dentro da escola, na difusão e construção de conhecimentos. Continuam sendo os mediadores essenciais do processo, por isso a capacidade de liderança, animação e comunicação tanto dentro da equipe, quanto fora da escola destes profissionais, é uma competência importante dentro deste lugar institucional.

Os Mestres de Estágio são pessoas da comunidade que se dispõem a receber os

estagiários na sua propriedade, para aprenderem com o desenvolvimento das atividades

produtivas. Participam e vivenciam da dinâmica do trabalho, orientam as atividades,

observam o desempenho e o compromisso do educando (a), registram e socializam com o

orientador de estágio sua avaliação do desempenho do educando (a) no estágio.

O Estágio, portanto, se constitui numa articulação entre teoria e prática. Os saberes

científicos trabalhados na escola e os saberes da experiência desenvolvida pelos agricultores

(as) em suas propriedades e na vivência do trabalho são de fundamental importância para a

formação do jovem.

A prática gestora: o aprendizado da participação

A prática gestora da escola se organiza a partir de diferentes normas e rituais que têm

como finalidade precípua a formação integral do educando. Nesse pressuposto, estrutura-se a

gestão da escola.

A necessidade de processos de participação e decisão dos sujeitos de forma

democrática e dialógica tornam-se requisitos fundantes na formulação, planejamento e

acompanhamento do trabalho na escola. Essa participação ativa na gestão escolar está

assegurada no regimento geral da EFAORI, quando, no seu Artigo 8º, parágrafo único, prevê

a administração da escola composta por toda a comunidade escolar:

A Escola Família Agrícola de Orizona é constituída pelos membros da Entidade Mantenedora, Conselho Comunitário, Direção, Corpo docente, técnico-pedagógico, administrativo e os alunos regularmente matriculados na Unidade Escolar, bem como seus pais ou responsáveis.

Page 254: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

254

Todas as normas aprovadas na assembleia são escritas e encaminhadas às famílias e

aos estudantes, para serem lidas, assinadas e arquivadas no caderno de acompanhamento dos

estudantes (ANEXO C)

Um ritual importante na dinâmica do grupo é o momento de reflexão, que ocorre todos

os dias pela manhã, antes do horário do lanche. Esse momento envolve todos os monitores,

estudantes e demais pessoas que estiverem na escola na ocasião. É coordenado a cada dia por

uma dupla de estudantes, responsáveis pelo conteúdo e metodologia. A foto a seguir mostra

um desses momentos.

Momento da reflexão Foto 4: Silva, 2008.

A gestão da escola tem no coletivo o responsável pela tomada de decisão no

planejamento, execução, acompanhamento e avaliações das questões pedagógicas e

administrativas da escola. Alguns espaços de gestão democrática estão assegurados no projeto

pedagógico da escola, dentre os quais, destacamos: a associação das famílias, a assembleia

geral, o coletivo de educadores e a assembleia dos estudantes.

A Associação das Famílias é constituída pelos pais, representantes de organizações,

parceiras e mestres de estágio, sendo responsável pela escola na sua dimensão jurídica,

administrativa e financeira. A associação possui um conselho de administração responsável

por convocar as reuniões dos pais, gerenciar os recursos financeiros da escola, encaminhar as

deliberações da Associação e Assembleia geral da Escola.

Page 255: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

255

Na primeira sessão-escola do ano, a Assembleia das famílias estrutura os grupos de

trabalho: limpeza e manutenção dos espaços externos da escola, limpeza dos dormitórios,

preparação do jantar, infra-estrutura, reflexão e oração, manutenção dos laboratórios,

organização de biblioteca, dos quais a partir de revezamento todos os estudantes participam

durante o ano letivo. A seguir, temos uma foto de uma assembléia de famílias:

Assembleia das Famílias. Foto 5: cedida pela EFAORI

A Assembleia Geral da Escola, que reúne pais, equipe pedagógica e estudantes, é

responsável pela definição das normas de funcionamento, organização pedagógica e

administrativa da escola, dentre as quais: aprovação do calendário escolar, do plano de

formação, organização dos grupos de trabalho e apreciação dos critérios de avaliação.

Abaixo, temos uma foto de uma assembleia geral:

Assembleia Geral Foto 6: Silva, 2008.

Page 256: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

256

A foto 6 permite visualizar os diferentes sujeitos que participam das assembleias

gerais da Escola: pais, estudantes, professores(as), funcionários. Esses momentos possibilitam

uma avaliação processual do trabalho desenvolvido na escola e uma divisão das

responsabilidades nos encaminhamentos para superação.

A Assembleia dos Estudantes sempre ocorre no turno noturno e, antes de sua

realização, os representantes de turma fazem um levantamento em sala dos pontos de pauta

que deverão ser tratados na mesma. Os resultados da Assembleia são encaminhados para a

Direção da Escola e para a Associação das Famílias para buscarem formas de responder às

necessidades e demandas dos estudantes.

Os estudantes representantes de turma (dois) são escolhidos diretamente pelos seus

pares, e participam de todo o processo de gestão da escola: conselhos de classe, assembleia da

associação, representação externa da escola e coordenação das reuniões e as assembleias

estudantis.

Na perspectiva da gestão democrática, o coletivo dos monitores-educadores participa

do cotidiano da escola da gestão administrativa e pedagógica da mesma, além de

desenvolverem diferentes funções: docência, coordenação de reuniões, acompanhamento

individual dos educandos (as) e planejamento das atividades.

Como na formação e no exercício docente em outras escolas nem sempre os

educadores (as) constroem conhecimentos para o desenvolvimento dessas múltiplas funções,

o processo de inserção na EFA representa um processo de aprendizagem para o trabalho

docente, conforme a fala de Monitor 4:

Assim que o pessoal chega aqui, tem que passar por uma aprendizagem, geralmente não vêm acostumados a trabalhar em grupo, alguns chegam com a ideia que é dar sua aula, e ir embora. Então, por isso, não é fácil ser monitor da alternância, pois temos uma carga de trabalho muito intensa. Isso também é uma dificuldade, porque somos vinculados às secretarias municipais e estaduais, mas temos um regime de trabalho completamente diferente dos professores que trabalham nas escolas convencionais.

Na fala dos monitores, aparece um tempo de trabalho superior ao que é assegurado

pelo vínculo com as secretarias de Educação, o que leva a uma disponibilidade pessoal para

assumir as propostas pedagógicas das escolas, caracterizadas por uma militância docente, sem

assegurar um processo de profissionalização, com condições salariais e de trabalho adequadas

ao desempenho docente.

Page 257: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

257

Na prática gestora da escola, a avaliação emerge como dimensão fundamental do

trabalho pedagógico, pois se processa de forma permanente, continuada e formativa. A

formulação coletiva da proposta de avaliação, os diferentes instrumentos utilizados e o

envolvimento dos sujeitos da escola em sua implementação parecem assegurar na prática

pedagógica um acompanhamento sistemático dos processos educativos vivenciados no tempo

escola e no tempo família.

Nesse sentido, verificamos na escola diferentes estratégias avaliativas, no que se refere

aos processos vivenciados, aos conteúdos ensinados e aprendidos e às metodologias

utilizadas, balizadas por critérios de avaliação construídos coletivamente em Assembleia

Geral (ANEXO D).

Merece destaque o serão de auto-avaliação, realizado no final de cada bimestre, no

qual os estudantes realizam a auto-avaliação, considerando sua participação e compromisso

nas diferentes atividades desenvolvidas no tempo escola e no tempo família. A tranquilidade

e seriedade com que realizam a auto-avaliação expressam claramente a construção da

autonomia no coletivo de estudantes. A partir da auto-avaliação, as notas de cada um são

registradas pelos representantes de classe e encaminhadas para o Conselho de Classe e

Coordenação Pedagógica para seu devido registro no Caderno de Acompanhamento e nos

diários de classe pelos monitores (as).

O conselho de classe funciona como um colegiado de natureza deliberativa e

consultiva, no trato de questões didático-pedagógicos, com atuação restrita a cada classe da

Unidade Escolar. É composto por direção, coordenação pedagógica, representantes dos

estudantes, representantes das famílias, representantes dos servidores e professores.

O Conselho de Classe, segundo regimento da EFAORI, tem como finalidade: estudar e

interpretar os resultados da avaliação no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem,

analisar os resultados de ensino-aprendizagem correlacionando o conteúdo proposto na

organização curricular; sugerir procedimentos para a melhoria do ensino; analisar as

informações sobre conteúdos curriculares ministrados, procedimentos metodológicos e de

avaliação do ensino-aprendizagem adotados; propor medidas que possibilitem um melhor

aproveitamento escolar; avaliar o relacionamento educador/educando e a integração do

estudante na comunidade escolar; opinar sobre os casos de cancelamento de matrículas;

possibilitar a troca de experiências entre os participantes; e analisar e propor soluções sobre a

vida escolar do estudante, bem como o engajamento social, visando à transformação do meio

sócioprofissional no qual estão inseridos os estudantes.

Page 258: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

258

Com essas finalidades, o Conselho de Classe assume na prática um papel fundamental

na gestão curricular da escola e no seu redirecionamento para atender às necessidades do

educando(a) e das famílias, o que possibilita uma reformulação permanente do trabalho

pedagógico, no que se refere à seleção e trato com o conhecimento para atender às

necessidades de aprendizagem dos educandos(as).

Uma dificuldade na gestão das EFAS, sinalizada nos seus documentos e evidenciada

na prática, refere-se à auto-sustentação financeira da Escola. Por ser uma escola pública

comunitária, isso dificulta o apoio institucional e financeiro dos órgãos públicos da educação (

Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, Ministério Educação e outros órgãos

públicos). Vejamos o que diz o Monitor 6:

Uma das dificuldades que nós temos é a questão financeira, porque como somos uma escola pública comunitária e no Brasil, o público é entendido somente como o estatal, temos dificuldades de receber apoio. Aqui no município, temos o convênio para contratação dos professores, ajuda no transporte para deslocar os alunos. Então temos que contar com as famílias e parceiros para a auto-sustentação da escola. Isso limita o trabalho, pois gostaríamos de ter mais condições para desenvolver a proposta. Acabamos usando muito nossa criatividade, você ver que nossos espaços aqui a maioria são improvisados, sem contar com a necessidade que temos de equipamentos, para as aulas de formação profissional, e tudo isso só podemos contar com as famílias. Até para conseguir um projeto do governo federal, como foi esse do Centro de Convivência temos que ter a intermediação da prefeitura, senão não conseguimos.

A fala evidencia a dificuldade da relação entre poder público e escolas comunitárias,

no que se refere ao financiamento destas iniciativas e à autonomia de sua gestão escolar e do

conhecimento. Além disso, como assegurar as condições materiais da escola e a

profissionalização dos seus educadores (as), sem a parceria com o poder público? Essa

questão da política de financiamento das EFAS e a profissionalização dos seus profissionais

parece ser uma questão emergente a ser enfrentada no debate atual da Educação do Campo,

no que se refere à situação dos CEFFAS e seu fortalecimento no Brasil.

A dimensão epistemológica: o contexto como conteúdo educativo

Na EFAORI todos os espaços se constituem em sala de aula, uma vez que contribuem

para formação integral do educando (a). Logo, não se limita às situações e interações que

ocorrem no interior da sala de aula, nem tampouco a uma visão restrita do processo de

aprendizagem dos conteúdos definidos pela estrutura curricular do Ensino Médio.

Page 259: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

259

A organização curricular da escola se imbrica no itinerário pedagógico como o grande

articulador do tempo curricular, dos espaços de aprendizagem e dos dispositivos pedagógicos.

Um desses dispositivos é o Plano de Formação, que articula os conteúdos da formação técnico

profissional em agropecuária com os conhecimentos provenientes do contexto dos educandos

(as) e de sua família, a partir dos temas geradores de cada Plano de Estudo.

O PE é o instrumento orientador do planejamento do trabalho pedagógico a ser

desenvolvimento no tempo escola e tempo família, como mostra a fala abaixo:

O PF contribui e muito para o ato de ensinar, pois são através dos instrumentos pedagógicos que meu planejamento se diversificou e se tornou mais rico em termos de conteúdos e contextualização. Isso exige que possa planejar minha aula considerando o que está no plano de curso da disciplina, e o que vai vir nas pesquisas e sínteses dos planos de estudos, e que precisam ser aprofundados em sala de aula. (M3)

Na prática, o PE possibilita a integração curricular entre o núcleo comum do ensino

médio e suas disciplinas como, por exemplo, português, sociologia, biologia e as disciplinas

técnicas profissionalizantes como, por exemplo, zootecnia, olericultura e topografia. Vejamos

o registro no caderno de acompanhamento de um dia da sessão escola, cuja temática do PE

era Estrutura Fundiária:

Levantei as 06h20min organizei meu material para as aulas de hoje. Passei no refeitório tomei café e fui para sala de aula. Tivemos 03 aulas de olericultura na qual socializamos os croquis que fizemos das hortas, em seguida começamos a debater as planilhas de custo e da produção da horta, comparando as despesas e as receitas. Ainda pela manhã tivemos 03 aulas de geografia onde discutimos sobre a questão agrária no Brasil a partir dos dados apresentados pelo professor, fizemos um debate comparando a situação com as propriedades de cada um da gente. Fizemos anotações para elaboração do relatório sobre o tema do Plano de Estudo. Depois do almoço fui para o dormitório descansar um pouco. A tarde tive 02 aulas de introdução ao planejamento de projeto IPP, onde socializamos os primeiros resultados da pesquisa que fizemos com a família sobre nossa propriedade, fazendo um levantamento dos pontos forte, pontos fracos e o que precisa melhorar, para começar a problematização do plano de estudo. Tivemos 01 aula de Sociologia onde aprofundamos a dimensão política da sociedade. No lanche lavei os copos e limpei o refeitório. Nas atividades gerais ajudei a colher acerola. À noite tivemos assembléia dos estudantes para avaliação dos pontos positivos e negativos da escola até o momento (caderno de acompanhamento de estudante da série)

Page 260: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

260

O registro revela a busca sistemática da prática de interdisciplinaridade e

contextualização dos conteúdos na sala de aula. A contextualização dos diferentes conteúdos

das disciplinas torna-se uma estratégia fundamental para a articulação desses conhecimentos

numa perspectiva de articulação da prática com a teoria e da formação geral com a

profissionalizante.

As aulas das disciplinas técnicas profissionalizantes são ministradas em aula teóricas

na sala de aula e aulas práticas nos laboratórios didáticos. A organização desse espaço

curricular tem como ponto de partida as problematizações que os educandos (as) trazem da

sessão família, a partir de sua vivência na propriedade familiar e no estágio. Na sala de aula,

realiza-se um aprofundamento teórico das questões, mediante pesquisas, leituras, aulas

expositivas do monitor, observação nas unidades demonstrativas existentes nas escolas e a

elaboração do projeto de intervenção para implementação da tecnologia aprendida em sua

propriedade, na escola ou na comunidade. Nesse sentido, as fotos a seguir são ilustrativas:

Pesquisa da temática avicultura Elaboração do projeto do galinheiro Foto 7: Silva, 2008. Foto 8: Silva, 2008.

Um aspecto que observamos na sala de aula e que podemos identificar nas fotos 7 e 8

é o clima de cooperação, discussão coletiva e alegria que permeia o ambiente da sala de aula e

que fundamenta as relações entre os educandos(as) e destes com os monitores(as).

Esse itinerário de produção do conhecimento, que articula as problematizações da

realidade, o aprofundamento em sala de aula e as estratégias para intervenção na realidade

pode-se ver nos depoimentos abaixo:

Aqui na EFA estou conseguindo os conhecimentos necessários para produzir, na nossa propriedade. Além disso, os conhecimentos que adquiro

Page 261: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

261

vou socializando na comunidade. Assim todo mundo vai aprendendo. É difícil, porque o pessoal aprendeu a lidar com o agrotóxico. Então vou mostrando outras técnicas alternativas, e o que cada uma traz para a saúde e a natureza. Aos poucos a gente vê o resultado. (Estudante 4)

Eu nasci na roça, mas antes de vir para a EFA, nunca tinha entrado nem no curral. Meu pai achava que não daria para formação técnica, porque sou mulher. Hoje! Faço tudo na propriedade: participo da ordenha, organizo a horta, vou para as reuniões da associação da comunidade, dou minha opinião sobre os pontos discutidos. As pessoas me escutam, e isso é importante para minha vida. Eu mudei minha trajetória de vida depois que eu entrei aqui. (Estudante 5)

Eu cheguei aqui muito tímida. Eu me desenvolvi aqui. Descobri que tenho talentos... Hoje falo em público, participo das atividades apresentando a escola, mas o importante é que aprendi a me conhecer, conhecer minha família, nossa propriedade. Hoje eu tento ser uma cidadã cada vez melhor e atuante no mundo. (Estudante 6).

Esses depoimentos evidenciam que a formação extrapola a apropriação de conteúdos

instrumentais das áreas de conhecimento, propiciando informações, valores e estimulando

atitudes de participação ativa dos estudantes na sua vida familiar e comunitária. Além disso,

parece indicar que a vivência do diálogo que se faz presente na sala de aula é transposta pelos

estudantes para outros espaços de sua convivência e atuação pessoal e profissional.

Certamente, contribui para isso o clima de camaradagem e diálogo existente entre

monitores e estudantes em sala de aula. A curiosidade, o questionamento e o confronto de

ideias se fazem presentes, não somente nos momentos da colocação em comum das pesquisas,

da apresentação do projeto profissional ou dos relatórios de estágio, mas durante o

desenvolvimento das aulas das diferentes disciplinas.

O processo de integração curricular parece também ocorrer na sessão família. A partir

dos registros do caderno de acompanhamento e do caderno da realidade, podemos identificar

essas práticas nesse tempo-espaço de aprendizagem, que evidenciam os diferentes

dispositivos pedagógicos utilizados na sessão família. Conforme poderemos identificar nos

registros a seguir:

Levantei as 07h00min horas, tratei das galinhas, tomei café e fui à reunião da comunidade. Cheguei as 11h00min horas. Almocei. Lavei as vasilhas. Recebemos a visita do monitor para o acompanhamento do meu trabalho junto à família. À noite fiz a entrevista da pesquisa do Plano de Estudo sobre o desenvolvimento da propriedade com meu pai e minha mãe. (registro do caderno de acompanhamento de estudante do 1° ano)

Page 262: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

262

Levantei as 05h30min horas, ajudei a ordenhar as vacas. Lavei a ordenhadeira, tomei café. Fui participar do dia de EFA na Comunidade, que aconteceu na propriedade do senhor Dorismar e de Marlene, na Fazenda Cuiabanos. Era uma atividade de formação com as famílias sobre a importância do cultivo da horta nas propriedades, as tecnologias que precisam ser usadas para isso, lá todo mundo aprendeu a fazer a calda bordalesa para se aplicar nas fruteiras e hortaliças. (registro de caderno de acompanhamento de estudante do 3° ano de um dia na sessão família)

As visitas às famílias são realizadas bimestralmente pelos monitores (as) e têm por

objetivo observar e discutir com a família como os conhecimentos que seus filhos (as) estão

adquirindo na escola têm contribuído para o desenvolvimento do meio familiar. Os registros

dessas visitas são socializados entre a equipe de monitores (as) e coordenação pedagógica, e

subsidiam as discussões e aprofundamentos a serem realizados em sala de aula com os

estudantes. Observemos, nesse sentido, o registro seguinte:

Saímos as 07h00min horas para fazer visita na propriedade do Senhor Luiz Foguesatto na região do Taquaral. Nosso objetivo era conhecer as técnicas de mecanização e irrigação que ele adota em sua propriedade, foi à turma de 2ª e 3ª série com os professores. Quando voltamos fizemos um debate em sala sobre as impressões que tivemos na visita. A visita deverá ser sistematizada no relatório a ser apresentado em sala na próxima sessão escola. Na aula de geografia à tarde fizemos um aprofundamento sobre agricultura familiar e agricultura de exportação. (Caderno de acompanhamento de estudante do 3° ano).

Na foto 9 podemos também visualizar outro tipo de atividade realizada na sessão

família, que é destacada por monitores (as) e estudantes, como importante para o processo de

aprofundamento dos conteúdos estudados na escola e para aprofundar a relação com a

comunidade.

Page 263: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

263

Dia de EFA na comunidade

Foto 9: cedida pela EFAORI

A foto 9 retrata um Dia de EFA na comunidade, que tem como finalidade desenvolver

atividades formativas envolvendo a família, educandos (as) e comunidade. O processo

educativo na comunidade é coordenado pelos monitores (as), às vezes com a colaboração

externa de especialistas e de agricultores(as) para contribuir com a discussão das temáticas.

Outro dispositivo pedagógico de articulação entre teoria e prática, escola, família e

trabalho é o estágio supervisionado, que se desenvolve desde o primeiro ano de curso e

envolve os monitores, os pais e os mestres de estágios, conforme podemos ver nos relatos

abaixo:

Levantei as 05h00min horas, fiz o café e depois meu pai me levou na casa do Senhor Chico Xavier na região dos Cuiabanos, para iniciar minha primeira semana de estágio. Cheguei à propriedade as 10h300min horas, fomos conhecer a propriedade (curral, pomar e horta). Almoçamos. Ajudei a limpar o curral, depois fomos colher e bater amendoim. (registro de caderno de acompanhamento de estudante do 2° ano)

Após o estágio na Embrapa em Goiânia, vi que podemos aproveitar a área destinada à bovinocultura leiteira, fazendo um manejo de piquetes rotacionados por controle de altura e não por rotação... (...) pretendo também fazer um programa de melhoramento genético, devido ao apuramento de gado que temos na propriedade. Um gado produtivo, fértil, rústico ao nosso clima e que produza com qualidade e por isso que o tema do meu projeto profissional é melhoramento genético e manejo de piquetes por controle de altura. (justificativa de estágio estudante do 3°ano)

A vivência do estágio possibilita que o estudante identifique a problemática a ser

aprofundada em seu projeto profissional, que consiste num projeto de intervenção na sua

Page 264: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

264

propriedade, elaborada no terceiro ano de curso, com defesa pública no final do ano, com

requisito para conclusão do curso de técnico em agropecuária.

A integração da vivência na família e na comunidade é destacada pelos estudantes

como uma característica da escola que faz ser diferente das outras. Ao manter o vínculo

afetivo e social com sua família, amigos, comunidade, o jovem mantém o vínculo com o

campo enquanto espaço de reprodução social da vida camponesa, espaço de produção

econômica e espaço de relação com a natureza. Vejamos o registro abaixo:

Levantei as 07h30min horas, tratei das galinhas, lavei a ordenha, limpei a casa, fiz o almoço. Fiz as atividades de matemática, o relatório sobre a horta na minha propriedade, o que estamos plantando, quais as técnicas que temos

-e como fui me desenvolvendo como pessoa até a fase atual. Ás 16 horas fui para o curral montei a ordenha e depois lavei a ordenha. À noite fui para a festa na comunidade. (relato de um dia na sessão família de uma estudante do 1° ano)

O depoimento evidencia como o tempo curricular extrapola o tempo cronológico e

como o trato com o conhecimento assume uma perspectiva ampla de ressocialização do

atividades envolvem uma diversidade de espaços educativos que contemplem a diversidade

do ser humano, nos seus afetos e visões de mundo. Tal fato estabelece um vínculo afetivo

significativo entre educando (a)-educador (a) e família no processo de produção do

conhecimento e desenvolvimento do jovem, implementando na prática a visão do educando

(a) como um sujeito multidimensional, indivisível, social e envolvido numa ética eco-

relacional, conforme consta na proposta pedagógica dos CEFFAS.

6.2. Escola Municipal Henrique Gouveia- PEADS

A Escola Municipal Henrique Gouveia localiza-se no município de Soledade, na

região do Curimataú Ocidental do Estado da Paraíba (Brasil). De acordo com o IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no ano 2007, sua população era estimada em

13.128 habitantes. Sua área territorial é de 560 km², e densidade demográfica de 22,7

hab./km². Tem como coordenadas geográficas 7º 03' 30" de latitude Sul e 36º 21' 47" de

longitude Oeste. Limita ao Norte com o Município de São Vicente do Seridó, ao Leste, com

Page 265: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

265

os Municípios de Olivedos e Pocinhos, ao Oeste com o Município de Juazeirinho e, ao Sul,

com os Municípios de Gurjão e Boa Vista, apresentando uma extensão territorial de

631,96 km. Por se localizar às margens da BR 230, tem uma ligação direta com o Cariri

Paraibano e com o Sertão do Estado, conforme podemos visualizar no mapa a seguir.

Ilustração 2 Mapa do Estado da Paraíba com a localização do Município de Soledade

Por situar-se no semiárido, possui um clima seco com chuvas esparsas, caracterizando-

se o município pela presença marcante da agricultura familiar, com produção de subsistência,

feijão, milho e mandioca, consorciadas com a caprinocultura, dinamizando a economia do

município com a produção e comercialização de alimentos e derivados de leite e carnes.

Do ponto de vista educacional, a Rede Municipal possui 22 escolas de Ensino

Fundamental. Dessas, 18 são localizadas no campo e se organizam de forma multisseriada.

As escolas multisseriadas atendem às crianças da Educação Infantil e dos anos iniciais do

Ensino Fundamental, na maioria, das comunidades, pois o município possui duas escolas que

se constituem em núcleos de atendimento à Educação Infantil no campo.

Na sede do município existem 05 escolas públicas que oferecem o Ensino

Fundamental e o Ensino Médio, e para onde se deslocam os adolescentes do campo, para

cursar os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Do ponto de vista das

matrículas, as escolas localizadas no campo, segundo Censo Escolar 2007, atendem a 278

alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que representa uma média de 12 alunos

por escola, enquanto que as escolas da sede do município atendem a um total de 2.338 alunos

no Ensino Fundamental, o que representa uma média de 200 alunos por escola.

Page 266: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

266

A inexistência de escolas dos anos finais do Ensino Fundamental e Médio no campo, a

priorização do transporte escolar para deslocamento dos adolescentes e jovens para a sede do

município, o número reduzido de crianças nas comunidades rurais do município e a

possibilidade de ofertar uma escola com maior qualidade de infra-estrutura são os argumentos

utilizados pela maioria dos municípios para justificar o fechamento das escolas multisseriadas

nas comunidades e a nucleação nas sedes dos municípios.

As dificuldades do trabalho com classes multisseriadas têm sido objeto de vários

estudos (BARBOSA, 2002; HAGE, 2006; RIBEIRO, 2004). Com as mudanças ocorridas na

prática pedagógica das Escolas do Campo no município, o que evidencia uma militância na

proposta por parte das professoras e das coordenadoras pedagógicas do município, as escolas

não conseguiram superar sérias dificuldades no que se refere às condições materiais e

pedagógicas: material didático insuficiente, merenda de baixa qualidade, estrutura física

inadequada à prática de ensino, mobiliário precário, ausência de serviços como o de água

encanada, esgoto e sanitários adequados para professoras e estudantes, inexistência de oferta

do ensino infantil e de salas de aulas.

A baixa densidade demográfica, devido ao processo de migração para as sedes do

município, as grandes e médias cidades e a diminuição da natalidade no campo resultam no

número pequeno de crianças na idade da Educação Infantil. Vejamos os dados da tabela:

População

(Localização

/Faixa

Etária)

0 a 3

anos

4 a 5

anos

6 a 14

anos

15 a 17

anos

18 a 24

anos

25 a 35

anos

Mais de 35

anos

Total

Urbana 698 380 1.661 528 1.311 1.730 3.199

9.507

Rural 169 112 601 221 475 554 1.444

3.576

Total 867 492 2.262 749 1.786 2.284 4.643

13.128

FONTE: (1) IBGE - CONTAGEM 2007.

Tabela 9 - População residente no município por localização geográfica e faixa etária 2007

Page 267: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

267

No que se refere à faixa etária da população rural residente, o menor número aparece

nas crianças de 0 a 5 anos de idade e entre os jovens de 15 a 17 anos de idade. Isso evidencia

a redução do número de crianças e jovens residentes no campo na região.

A localização das escolas na sede do município, associada à falta de trabalho e renda,

terra para atender à necessidade de toda a família, deficiência nos serviços de assistência

técnica para os agricultores e a carência de lazer têm contribuído para que jovens da região

migrem para a sede do município ou para centros urbanos em busca de alternativa de vida,

estudo e trabalho.

No que se refere à distorção idade-série um dado diferencia o município no quadro

nacional, pois no Ensino Fundamental a distorção idade-série no campo tem diminuído.

Segundo dados do censo de 2007, o percentual é de 32,4%, enquanto que na sede do

município esse percentual é de 50,9%. Algumas professoras atribuem essa diminuição à

melhoria da qualidade de ensino nas Escolas do Campo:

Depois que estamos trabalhando com essa proposta o desempenho dos alunos tem melhorado em todas as escolas. Nós escutamos as colegas comentando, e também quando a gente realiza atividade coletiva de socialização da produção das escolas do campo, a gente percebe a mudança nos alunos, na produção escrita, na forma de falar em público, os gráficos, tabelas, dramatizações. Depois a gente percebe que eles sabem o conteúdo que foi trabalhado. Tem uma mudança significativa no processo de aprendizagem das crianças das escolas do campo, após o trabalho com essa proposta. (Coordenadora Pedagógica das Escolas do Campo)

Além da mudança na aprendizagem dos educandos (as) e na produção coletiva das

Escolas do Campo, existe uma resistência das comunidades contra o fechamento das escolas.

Isso tem levado a um processo de nucleação intra-campo, no agrupamento de duas ou mais

escolas, noutra maior em outra comunidade, e uma proposta específica de trabalho com as

multisseriadas.

A partir de 2005, foi construída uma parceria com o SERTA e o Projeto Dom Helder

Câmara, por meio do projeto Aprendendo a vida no Semiárido, para implementação da

Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável PEADS, nas escolas do

Município. Dentre elas, está a Escola Municipal Henrique Gouveia, campo empírico desta

pesquisa.

Page 268: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

268

Estrutura educativa: uma proposta forte numa estrutura precarizada

A Escola Henrique Gouveia fica a 06 km da sede do município, na comunidade de

Santa Luzia. A sua composição é de agricultores familiares, cujas propriedades variam de 02

a 20 hectares de terra, com a posse mantida de geração em geração e que, economicamente,

vivem da agricultura de subsistência. Possui uma vida comunitária forte pelos vínculos de

parentesco existente entre muitos moradores, como também de vizinhança devido ao tempo

que residem no local. Essa dimensão é fortalecida em torno da organização comunitária da

associação de moradores e da pastoral da igreja católica no culto a Santa Luzia, padroeira da

comunidade.

A Escola129, assim como outras que funcionavam no rural brasileiro, não era uma

escola registrada, não exigia nem emitia nenhum documento para os estudantes ingressarem,

ler,

escrever e contar.

A Escola atualmente funciona com uma estrutura física correspondente ao modelo de

Escola Típica Rural130, resultado da mobilização da comunidade, que construiu um prédio na

década de 1970, no qual funciona a escola até os dias atuais. Conforme podemos ver na foto

10:

Prédio da Escola Foto 10: Silva, 2008.

129 A primeira escola da comunidade funcionava num armazém cedido por um proprietário, com uma classe

multisseriada e teve como primeira professora Maria do Céu Mendonça, que morava na comunidade, era professora leiga e atuou na mesma até se aposentar no final da década de 1970. Com sua aposentadoria, foi escolhida uma nova professora que atua na escola até os dias atuais

130 Foi denominado de Escola Típica Rural, o tipo de construção que consistia numa sala de aula, banheiro, pátio e cozinha.

Page 269: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

269

O prédio tem 01(uma) sala de aula, 01(um) pátio coberto, 02(dois) sanitários e 01

(uma) cozinha pequena, que possui apenas o fogão a gás. A cozinha, além de não possuir

geladeira nem depósito para armazenamento da merenda escolar, restringe o cardápio da

alimentação escolar (suco, leite, biscoito e algumas vezes macarrão, charque ou sopa), o que

contraria o posto pela legislação atual131 sobre essa questão que prevê um cardápio

balanceado para suprir no mínimo de 30% das necessidades nutricionais das crianças e

adolescentes.

As condições de funcionamento são precárias. O prédio necessita de reparos nas

portas, janelas e na pintura. Tem energia elétrica, mas não possui água encanada, para uso na

cozinha, no banheiro e na limpeza da escola, nem espaço destinado à organização de outros

espaços escolares, tais como: secretaria, sala de leitura, depósito para merenda e área de

recreação.

O mobiliário é antigo e desgastado. Não existem equipamentos de apoio pedagógico e

os recursos didáticos, jogos, calendários, cartazes, alfabeto, cartaz de chamada, foram todos

produzidos pela professora e a turma, além de existir uma improvisação de espaço para

leitura, conforme podemos ver na foto a seguir:

Espaço da leitura Foto 11: Silva, 2008.

A foto 11 nos mostra o improviso da escola para assegurar um espaço em sala de aula

destinado à leitura. Os educandos (as) têm uma prática frequente de leitura na sala, como

131 Trata-se da medida provisória n° 2.178, de 28/6/2001, que coloca a obrigatoriedade de que 70% dos recursos

transferidos pelo governo federal sejam aplicados exclusivamente em produtos básicos, respeitando-se os hábitos alimentares regionais e a produção agrícola do município. E, mais recentemente, com a sanção da Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009, ao definir que 30% dos repasses devem ser investidos na aquisição de produtos da Agricultura Familiar, o que fortalece a organização produtiva dos agricultores familiares.

Page 270: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

270

também com empréstimos para casa. A educadora elabora um calendário de socialização de

leituras realizadas pelas crianças em casa.

Um ritual importante na sala de aula consiste na dinâmica e oração de início de aula e,

em seguida, a socialização da leitura pelas crianças, adotando-se diferentes estratégias: leitura

em duplas como um jogral, relato síntese da leitura, dramatização por um grupo de crianças.

Organização do trabalho pedagógico: a reinvenção do fazer pedagógico

A Escola atualmente é registrada na Secretaria Municipal de Educação e funciona com

uma turma multisseriada atendendo a crianças da Educação Infantil ao 5° ano132. Conta com

o acompanhamento pedagógico das coordenadoras da Secretaria de Educação e da assessoria

do SERTA para planejamento e monitoramento do trabalho realizado com a PEADS.

A professora organiza seu trabalho pedagógico a partir da metodologia da PEADS e

utiliza como instrumento para seu planejamento as fichas pedagógicas, conforme

detalharemos adiante.

Existe uma preocupação com a organização da sala de aula, usando durante as aulas

diferentes agrupamentos: cadeiras em semicírculo, pequenos grupos, formação de duplas. Não

se adota as cadeiras enfileiradas nem separadas por série: Eu agrupo as crianças por outros critérios. Isso eu fui aprendendo com a PEADS e com os cursos do Pró-letramento. Então quando quero dar uma explicação geral sobre qualquer tema, ou as crianças vão socializar um trabalho, a pesquisa, fazer a leitura, uso o semicírculo. Quando quero uma produção escrita, agrupo aqueles que estão num nível de escrita mais próxima. Às vezes junto em duplas para um num nível mais avançado ajudar o outro. Então vou variando. (Professora 1)

Essa fala explicita como, na prática, a professora organiza o seu fazer pedagógico e o

tempo curricular em sala de aula. As diferentes estratégias são utilizadas no trato com o

conhecimento em sala de aula, agrupando os educandos (as) por outros critérios que não estão

vinculados diretamente à visão seriada de organização da escolaridade

Dessa maneira, a troca de conhecimentos e experiências entre as crianças e a

valorização do indivíduo são consideradas como fundamentais na prática pedagógica,

132 O município adotou no ano de 2008, a organização do Ensino Fundamental em 09 anos.

Page 271: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

271

aprendendo com a PEADS e com os cursos do Pró-letramento133.

A concepção sócio-construtivista da leitura e da escrita adotada pelo Pró-letramento

exerce uma influência no trabalho desenvolvido pelas professoras, fato que identificamos na

sala de aula, na observação de diferentes trabalhos e jogos didáticos realizados pela

professora, na perspectiva de contribuir para o letramento da turma, nos exercícios de

avaliação do nível de escrita que aplicava com as crianças, como também nos debates que

realizavam nos encontros de planejamento coletivo.

No que se refere ao funcionamento da escola, as aulas ocorrem no turno vespertino no

horário das 13h00min as 17h00mim. Após 02 horas de aula, 20 minutos de intervalo são

dados para merenda e recreio. Toda a equipe chega pontualmente à escola e inicia as

atividades dentro do horário previsto:

Eu sou muito preocupada com essa questão de horário, pois acho falta de responsabilidade não começar as aulas no horário certo, ou ficar faltando na escola. Eu só falto, se tiver muito doente, ou no dia que vamos para o planejamento coletivo, mais isso já é previsto no calendário escolar e discutido com os pais. (Professora 1)

A professora demonstra sua preocupação com a organização e o uso do tempo em sala

de aula. Para ela, a organização do trabalho escolar, precisa ser planejada, considerando a

importância que o tempo curricular assume no processo de aprendizagem dos educandos (as).

Essa preocupação da professora se evidenciava no planejamento das atividades em sala de

aula, mas também quando o transporte escolar chegava mais cedo para pegar as crianças que

moram numa comunidade vizinha134. Isso porque o transporte escolar, tanto contribui com o

deslocamento das crianças dentro das comunidades, como algumas vezes causa contratempo,

para a dinâmica da sala de aula, quando chega mais cedo do que o previsto e, assim, pretende-

se antecipar a saída de algumas crianças. Essa questão também é conhecida pelos pais, como

pode ser vista nas narrativas docentes:

133Pró-Letramento é um programa de formação continuada de professores das séries iniciais do ensino

fundamental, para melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática. O programa é realizado pelo MEC, em parceria com universidades que integram a Rede Nacional de Formação Continuada e com adesão dos estados e municípios. Podem participar todos os professores que estão em exercício, nas séries iniciais do ensino fundamental das escolas públicas.

134 Por causa do número reduzido de crianças (05), a escola foi fechada e as crianças transportadas para a comunidade de Santa Luzia, na qual funciona a Escola.

Page 272: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

272

Já reclamei com o motorista a esse respeito, e essa semana avisei na Secretaria de Educação, porque eu não quero dar aula pela metade. As crianças já são poucas, e se metade vai embora mais cedo, atrapalha elas e o grupo também que perde toda a concentração. É bom que os pais já começaram a falar também, quero ver se não vai resolver. (professora 1)

A reinvidicação por um transporte exclusivo e intra-campo é pautada pelo Movimento

da Educação do Campo, no sentido de que o tempo curricular não seja subordinado ao tempo

do transporte, principalmente, quando o atendimento estende-se também para a sede do

município.

A escola tem uma significação social, não só para os alunos e profissionais da escola,

como para os pais e a comunidade como um todo. Primeiro, porque ela foi ao longo dos anos

o espaço de letramento de diferentes gerações na comunidade. Além disso, ressaltam as

mudanças que identificam nos filhos (as) depois que a escola começou a trabalhar com a

metodologia da PEADS. Vejamos

Meus filhos têm mudado muito depois que vieram para essa escola, sempre chegam em casa perguntando as coisas, querendo saber da produção da família, o que planta, o que cria. Eu não me lembro da escola ficar pesquisando as escolas na comunidade, fazendo entrevistas com as famílias, convidando a gente para ver na escola conversar com os alunos. Depois disso a gente tem mais reunião e atividade aqui na escola. Eu sempre venho participar de reuniões aqui na escola, festas, comemorações, então isso, é muito bom para toda a comunidade. (Pai de aluno)

O trabalho de pesquisa que a escola realiza na comunidade parece contribuir para

mudar o conceito que a família possuía sobre a escola. Primeiro, pelas mudanças que ocorrem

A escola assume um papel social de investigar e produzir conhecimento sobre a realidade dos

sujeitos e de sua família, o que fomenta a participação da família na comunidade: Depois

inclusive na dimensão pedagógica

da escola: convidando a gente para vim na escola dar aulas para as turmas, apresentar nossas

Essa participação é algo decidido coletivamente, cuja importância é ressaltada pelas

famílias, que se sentem contribuindo com a produção de conhecimento dentro da escola. O

que percebemos é um movimento de mão dupla na produção do conhecimento, a realidade

social torna-se contexto pedagógico da escola e seu aprofundamento no diálogo com os

conteúdos das áreas de conhecimento retorna para contribuir com o desenvolvimento da

Page 273: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

273

comunidade, redimensionando, assim, a organização curricular da escola e sua finalidade

social, como espaço de socialização e ampliação dos conhecimentos a partir do diálogo entre

os saberes populares e os saberes das diferentes ciências.

Sujeitos cognoscentes e prática gestora da Escola: a participação e a inserção na

comunidade

Nessa escola, a prática gestora e os sujeitos cognoscentes são dois pólos da prática

pedagógica intensamente relacionados. Por ser uma escola unidocente, a professora acumula

a função de responsável pela escola, e o trabalho administrativo, que seria da secretaria,

funciona na Secretaria Municipal de Educação, o que estabelece um vínculo permanente na

definição das questões gerais de funcionamento da Escola, a partir da Coordenação

Pedagógica das Escolas do Campo.

A equipe da escola: professora, merendeira, servente e crianças residem na

comunidade ou comunidades vizinhas, o que possibilita um conhecimento do itinerário de

vida familiar de cada um dos educandos (as) e uma comunicação permanente entre família e

escola. Todas as questões administrativas da escola são resolvidas em conjunto pela equipe e

pais dos educandos (as), o que extrapola suas responsabilidades. Resolvem diretamente com a

coordenação pedagógica das Escolas do Campo e da Secretaria de Educação do Município.

A professora, residente na comunidade, trabalha na escola há 20 anos. Iniciou sua

docência como professora leiga e, atualmente, está concluindo o curso de Pedagogia. É muito

conhecida e respeitada por todos da comunidade por ter sido professora de muitos e pelo

trabalho que realiza na comunidade pela pastoral da Igreja Católica. A sua fala expressa o

gosto que tem pela profissão e a busca permanente pela superação das dificuldades,

principalmente as mudanças que identifica na sua prática docente. Vejamos:

Para mim sempre foi um desafio trabalhar numa turma multisseriada, pois nunca tivemos muito apoio. Antes ninguém nem aparecia por aqui, a gente resolvia tudo sozinha. Agora mudou muito, pois temos acompanhamento pedagógico, fazemos curso de formação, todas as professoras do campo. Mudou a forma de trabalhar em sala de aula. Mas eu sempre achei que meus alunos podiam aprender, nunca me resignei, sempre busquei maneiras de superar as dificuldades. Hoje mudou muito, porque, depois que comecei a trabalhar com a PEADS, aprendi muita coisa, a entender a diversidade de minha turma, mas eles têm muita coisa semelhante também, que dá para a gente trabalhar junto. Hoje eu tenho certeza que todos podem aprender. (Professora 1)

Page 274: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

274

A fala da professora revela também a solidão que antes sentia na realização do

trabalho pedagógico numa sala multisseriada. Esse isolamento foi superado à medida que se

constituiu a Coordenação da Educação do Campo na Secretaria de Educação, que passou a

coordenar o trabalho de todas as Escolas e construiu um coletivo que discute, avalia, planeja

as atividades a serem desenvolvidas nas Escolas.

A prática docente desenvolvida na sala de aula expressa uma organização da sala não

pelo critério seriado, mas pela temporalidade dos estudantes e pelas competências que

possuem em cada área de conhecimento. O que leva a uma permanente reorganização dos

agrupamentos em sala de acordo com a atividade a ser desenvolvida.

O reconhecimento da diversidade dentro da sala, das diferenças e semelhanças

existentes no cotidiano da prática pedagógica passou a ser um facilitador de sua prática

docente, pois a necessidade de oportunizar trabalhos em grupos diferenciados potencializou

seu fazer pedagógico.

O planejamento e a efetivação da prática pedagógica parte da coletividade da sala de

aula, da expressão criativa das crianças, de uma dinâmica de sistematização de conhecimentos

que reconhece a diversidade de elaboração e expressão de cada criança, na qual a interação

entre as diferenças possibilita uma cooperação dentro de sala de aula e aprendizagens

significativas.

Os Educandos (as) são provenientes da própria comunidade e de duas comunidades

circunvizinhas, filhos (as) de agricultores(as) familiares, que desenvolvem uma produção

baseada na agricultura de subsistência e na caprinocultura, constituindo uma turma

heterogênea no que se refere à idade e ao tempo de escolaridade, conforme podemos no

quadro n° 22.

TURMA NÚMERO DE ALUNOS

EDUCAÇÃO INFANTIL 04

1 ANO 03

2 ANO 04

3 ANO 03

4 ANO 03

5 ANO 04

21

Fonte: dados fornecidos pela professora

Quadro 22 Número de educandos(as) matriculados por turma- 2008

Page 275: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

275

A maior dificuldade da professora no trato a essa diversidade foi a inserção, neste ano,

devido ao fechamento de uma escola noutra comunidade vizinha, de 04 (quatro) crianças da

Educação Infantil, conforme o depoimento da professora:

Porque eu trabalho com a turma em grupo, duplas, eles discutem junto, tiram dúvidas. Os que já têm mais domínio da leitura e da escrita ajudam os colegas. Agora as crianças da Educação Infantil têm que formar um grupo à parte. Porque eles necessitam de outros tipos de interação. Você vê que tem horas que coloco eles no grupo. Quando é para contar uma história, fazer um desenho, uma pintura, um jogo. Agora na hora que estou aprofundando os conteúdos que vieram das pesquisas, nem sempre tenho como envolver eles.

As estratégias para o trabalho com as crianças da Educação Infantil se apresentam

como um desafio dentro das escolas do campo, principalmente numa situação na qual tem

que se inserir dentro de uma turma de ensino fundamental multisiseriada.

Como é uma comunidade de agricultura familiar, as crianças maiores ajudam aos pais

no trabalho, no contra turno da escola. No entanto, durante o período de observação, isto não

causou nenhuma ausência dos mesmos da sala de aula. Além disso, realizam as atividades de

casa e trazem as contribuições das pesquisas que são realizadas com a família e a

comunidade.

Dois espaços coletivos são destacados pela professora como importantes para o

trabalho que desenvolve na escola e para as mudanças em sua prática pedagógica: o

planejamento coletivo das Escolas do Campo e a Assembleia da comunidade.

O Planejamento Coletivo das Escolas do Campo assume um significado para a

formação da professora. É realizado mensalmente na sede do município, reunindo todas as

professoras das escolas do campo com a coordenação pedagógica da Secretaria. Geralmente,

há um ritual inicial de entrosamento, informações gerais da Secretaria e das escolas, em

seguida, discutem-se os eixos orientadores para o planejamento mensal, agrupando as escolas

que estão trabalhando as mesmas fichas pedagógicas (existia uma diversidade no grupo, pois

algumas estavam iniciando o trabalho), para juntas pensarem estratégias didáticas para o

desenvolvimento de cada itinerário da PEADS. A importância desse momento é revelada na

fala a seguir:

Esse momento do planejamento lá na secretaria é muito importante para todas nós. Porque a gente não se sente sozinha, troca muita idéia, sugestão, ver como a outra está fazendo com as atividades. No início do trabalho com a PEADS, foi mais difícil, porque teve algumas que não quiseram fazer,

Page 276: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

276

então ficavam caladas, mas aí as coordenadoras e o pessoal do SERTA com jeito foram conversando, depois elas foram vendo os resultados que foi dando nas escolas que estavam trabalhando com a PEADS. Então, aos poucos foram começando. Mas tem umas que diz que usa as duas coisas... Já viu? Mas é assim mesmo, aos poucos a gente vai mudando a mentalidade e acreditando. Depois tem que mudar todo o currículo, porque antes a gente trabalhava seguindo o livro, agora a gente parte das pesquisas da realidade. (Depoimento da professora)

O planejamento coletivo representa para a professora um momento de afirmação

sócioprofissional, de construção do seu fazer pedagógico, à medida em que a troca de

informações e o diálogo com as colegas se constitui em espaço de formação.

Além disso, a formação continuada desenvolvida pela PEADS parece possibilitar uma

mudança na prática profissional da professora, constituindo assim uma identidade

sócioprofissional positiva e em permanente construção.

A fala expressa o processo de adesão das professoras do campo à proposta da PEADS

e como vão construindo esses novos conhecimentos, que implicam formas de fazer e se

relacionar com os educandos (as) e suas famílias, com os conteúdos que ensinam, com o

planejamento, com a avaliação, enfim com tudo que constitui o ato educativo.

É possível compreender a complexidade do processo de formação, particularmente da

formação de professores, pois envolve diferentes aspectos: sociais, políticos, filosóficos e

culturais, principalmente na implementação de uma Proposta Pedagógica, que possui uma

concepção de Escola diferente da que ele construiu durante seu itinerário como estudante e na

sua formação inicial.

Outro momento coletivo é a Assembleia da comunidade, que reúne as famílias das

crianças que estudam na escola. Mas, toda a comunidade é convidada para participar do

momento de socialização dos temas pesquisados, aprofundados e sistematizados pela escola.

Esse momento se transforma num espaço de socialização de conhecimentos produzidos pela

comunidade, de confraternização e atividade cultural.

Ocorre sempre como momento de fechamento do ciclo de trabalho com uma ficha

pedagógica, e o ponto culminante é a apresentação da produção realizada pelas crianças.

Nesse sentido, as fotos a seguir são reveladoras:

Page 277: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

277

Socialização da pesquisa Divulgação da PEADS na rádio Foto 12: Silva, 2008. Foto 13: Silva, 2008.

As fotos expressam o momento de socialização e comunicação do trabalho

desenvolvido pelas escolas, com a sistematização dos conhecimentos trabalhados na ficha

pedagógica, e a divulgação dos trabalhos na rádio local.

A socialização da produção de cada ficha pedagógica é feita com diferentes

estratégias: exposição de trabalho das escolas do campo, feira de ciências, divulgação na rádio

e assembleias com os pais. Numa das assembleias de que participamos, a escola organizou

uma exposição sobre a produção agropecuária e econômica da comunidade, na qual, além dos

materiais produzidos pela turma: cartazes, mapas, gráficos, tabelas, maquetes, poesias,

desenhos, pinturas, fotografias, foi também exposta a produção da comunidade em

agricultura, pecuária e artesanato.

Dimensão epistemológica: a pesquisa, o aprofundamento dos conteúdos e a sistematização

como instrumentos de construção do conhecimento

A ficha pedagógica é o instrumento fundamental para seleção, organização e

sistematização dos conteúdos em sala de aula, conforme a fala da professora:

Quando a gente começa com a pesquisa, partindo do conhecimento das crianças e das famílias, muda tudo, porque antes era pegando o livro de cada série, e lendo e respondendo. Não tinha uma participação ativa, alguns conteúdos, nem eram estudados. A gente vai aprendendo muita coisa da realidade e aprofundamento coletivo em sala de aula. As fichas do censo ajudam muito a gente a planejar o trabalho. Hoje eu sei o que é trabalhar

Page 278: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

278

dentro da sala. Até voltei a estudar, estou perto de concluir Pedagogia. É assim, temos que aprender sempre. E esse trabalho que a gente tem com as comunidades é muito motivador para todo mundo.

em como estratégias para trabalhar os conteúdos e que têm contribuído para a

de ser o principal instrumento dentro de sala de aula, até porque ele continua insuficiente e

descontextualizado da realidade das escolas multisseriadas do campo.

Durante o período de observação, a professora começou o trabalho com o Censo

Agropecuário, que já tinha sido trabalhado no ano que iniciou a proposta na escola. Vejamos

na sua fala o porquê dessa decisão:

Este ano minha turma é nova. Juntaram as crianças de duas comunidades, então decidi começar com o Censo Agropecuário, depois vou trabalhar o ambiental, pois acho que depois desse tempo, é importante a gente fazer um novo diagnostico da comunidade para comparar com o anterior. Além disso, as crianças e as famílias que são novas no processo vão construindo a lógica direitinho do trabalho. (Professora 1)

Essa fala expressa a autonomia que a professora possui na definição e seleção

curricular, a partir da realidade e do contexto da turma, inclusive definindo a sequencia dos

censos a serem trabalhados em sala de aula, de acordo com a composição e necessidade da

turma. Após essa definição de qual temática será trabalhada, o ciclo de produção do

conhecimento em sala de aula se orienta a partir da metodologia da PEADS, cujo itinerário na

escola, pode ser assim representado:

Page 279: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

279

Gráfico 16 - Itinerário de Produção do Conhecimento na Escola PEADS

O primeiro ciclo do itinerário é o Diagnostico da vida das famílias e das comunidades

através da pesquisa. No primeiro momento, a professora organizou a turma em três grupos

para realização da pesquisa na comunidade. Usou como critério o local de moradia, pois

facilitava o encontro fora da escola para visitar as casas. Incluiu também, no planejamento

das visitas, a merendeira e a servente, pois cada uma iria acompanhar um grupo. Chamou-as

na sala, orientando-as sobre o desenvolvimento dos trabalhos, como explica a seguir o relato

da professora:

Nós não vamos fazer a reunião com a comunidade, porque o pessoal já conhece a pesquisa da PEADS, mas para os pais novos eu já expliquei na reunião do início do ano, e vocês duas precisam acompanhar a explicação, porque já fizeram antes, mas é bom sempre a gente retomar, pode ter dúvidas. Só quem não faz a pesquisa são da Educação Infantil, pois são muito pequenos. Na sala eles participam com a gente e pode perguntar alguma coisa em casa também e trazer para a gente.

Embora a ficha pedagógica do Censo Agropecuário (ANEXO F) trate de diferentes

aspectos da atividade produtiva e econômica no campo, o grupo decidiu começar a pesquisa

sobre a pecuária. O processo de preparação consiste na realização de diferentes

procedimentos: levantamento e mapeamento do local onde será desenvolvida, questões a

serem discutidas e respondidas, conhecimentos que as crianças já possuem sobre a temática,

1

Diagnóstico na comunidade

pesquisa

2

Colocação em comum e

aprofundamento dos conteúdos

3

Devolução dos conhecimentos para

a comunidade

4

Avaliação do processo

Page 280: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

280

gerando diversas atividades: leitura, escrita, desenho, elaboração de mapas e elaboração de

questionários.

Em seguida, as crianças organizadas em grupo, acompanhadas da professora,

merendeira e servente, visitam as casas que ficaram responsáveis por realizar o trabalho. Esse

levantamento poderá ser feito no contra turno da aula ou num final de semana, durante o

período definido pelo grupo.

À medida que o grupo vai trazendo as questões, a professora começa o trabalho de

sistematização em sala de aula e, paralelo a isso, começa a enviar outras tarefas como

sobre plantio, tipos de plantação, cuidados, etc. Com essa estratégia, vai trabalhando

a segunda fase da metodologia.

O segundo ciclo do itinerário é a colocação em comum e aprofundamento dos

conteúdos. Neste momento, identificamos uma mudança significativa na organização do

trabalho pedagógico e no trato com o conhecimento em sala de aula, pois a professora não se

referencia na organização seriada para abordar os conhecimentos com o grupo.

A socialização dos conteúdos pesquisados é discutida com toda a turma. Em seguida,

a professora organiza grupos de acordo com os níveis de desenvolvimento de leitura e escrita

ou faixa etária dos estudantes, e distribui diferentes tarefas para serem realizadas: uns

constroem textos sobre o assunto discutido, outros desenham, outros constroem gráficos e

tabelas, contando com sua mediação.

A professora na maior parte do tempo, usa os critérios das diferenças e das

semelhanças entre as crianças para organização da sala de aula e o trabalho com os conteúdos

pedagógicos, pois trabalha com toda a turma para assuntos que considera gerais: leitura de

história, de notícias, socializar as informações trazidas nas pesquisas, realizar uma

brincadeira, dramatizações, etc. Ela as distribui em grupos, por faixa etária ou nível de

alfabetização, quando se trata de atividades específicas que exigem competências

diferenciadas para seu cumprimento.

As fotos 14 e 15 ilustram o agrupamento para sistematização da pesquisa e o momento

de socialização das informações:

Page 281: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

281

Agrupamento para sistematização da pesquisa Socialização das informações coletadas Foto 14: Silva, 2008. Foto 15: Silva, 2008.

Os diferentes agrupamentos utilizados em sala de aula pela professora para aprofundar

os conteúdos, evidenciam o seu reconhecimento de que as crianças não possuem apenas

diferenças, mas também semelhanças. Essas características orientam o trabalho pedagógico

em sala de aula.

O procedimento de acompanhar os níveis de escrita das crianças evidenciou a

influência da formação que recebem da Secretaria, sobre letramento, baseada na

sociolinguística e no sociointeracionismo. Fazem um acompanhamento sistemático, com

exercícios específicos do nível de letramento dos alunos em sala e se guiam por estes

resultados para agrupá-los nos momentos dos trabalhos específicos de produção de

conhecimento.

Os conteúdos que são aprofundados em sala de aula se originam do material de

pesquisa: registro e escrita de numerais, situações problemas com os dados provenientes do

censo, construção de cartazes com a alimentação de cada tipo de animal, construção de

gráficos com a soma dos animais existentes, textos coletivos sobre cada animal pesquisado,

ciclo de vida dos animais, teia alimentar etc.. A foto 16 mostra a sistematização realizada em

sala de aula:

Page 282: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

282

Cartazes com a sistematização dos conhecimentos da pesquisa Foto 16: Silva, 2008.

Nessa fase de aprofundamento, a professora costuma usar muitos jogos educativos,

jogos ortográficos, jogos para desenvolvimento da oralidade, jogos para construção textual,

que são manuseados e trabalhados por todas as crianças independente de sua faixa etária e

nível de escolarização. As crianças demonstram motivação e envolvimento durante o trabalho

com os jogos, interagindo com os colegas e os maiores ajudando na resolução das atividades.

Esses jogos eram preparados pelo professor nas oficinas de formação e usados sempre que

necessários para fixação dos conteúdos como também para enriquecimento da aprendizagem

O ciclo do itinerário é concluído com a devolução dos conhecimentos produzidos na

escola, que se transformam em diferentes produções a serem socializadas com as famílias na

assembleia da comunidade, conforme relatado anteriormente. Vejamos um registro do diário

de campo:

Nesta primeira assembleia de devolução, após visita à exposição, foi realizado o momento de reflexão com a fala do Secretario de Educação, do vice-prefeito, da professora e dos pais135, tecendo comentários sobre o trabalho realizado pela escola e o que isso trazia de desafios para a realidade da comunidade. Após as reflexões, realizaram uma parte cultural com apresentação de dança (como era época dos festejos juninos foi realizada uma quadrilha pelos alunos), dramatizações e músicas por ex-alunos da escola e pessoas da comunidade. (registro de diário de campo)

135 Foi solicitado pela professora que apresentasse para a assembleia o que era a pesquisa e os objetivos. Os pais demonstraram satisfação da escola ter sido uma das escolhidas para o trabalho.

Page 283: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

283

A prática avaliativa da escola decorre durante todo o trabalho e a professora utiliza

diferentes estratégias para realizá-la. Além disso, tem fichas de avaliação em processo

enviadas pela Secretaria de Educação, que são usadas para avaliação em cada bimestre, e

discutidas com a coordenação pedagógica na perspectiva de um acompanhamento dos

educandos (as).

A organização curricular desencadeada por este itinerário de produção do

conhecimento diferencia- se em quatro pontos básicos:

1) A sala de aula deixa de ser o centro do processo de ensino e aprendizagem

aprende-se e se ensina também com a família, a comunidade, a partir dos dados

coletados no diagnóstico, das aulas passeios;

2) Os conteúdos (matemática, português, história, geografia, ciências, etc.) passam a

ser selecionados e trabalhados em sala em função das questões e necessidades

provenientes dos dados da pesquisa;

3) A organização do currículo passa pela discussão coletiva entre o grupo de

professoras das escolas do campo, coordenadoras pedagógicas e assessoria do

SERTA;

4) Os conhecimentos produzidos são socializados com a comunidade na perspectiva

de subsidiar seus processos de intervenção na vida e gerar novos conhecimentos.

Esse ciclo de produção do conhecimento redimensiona a prática pedagógica dentro da

escola multisseriada, que deixa de ser apenas o lugar de ler, escrever e contar, mas vai além

quando desenvolve outras competências do pensar, falar, sistematizar, participar, relacionar-se

uns com os outros e com a comunidade, tomando a vida como conteúdo básico da

aprendizagem.

6.3. Escola Municipal Francesco Mauro e Escola Municipal Catalunha\MST

O território do São Francisco abrange uma área de 14.682,20 Km² e é composto por

sete municípios: Afrânio, Cabrobó, Dormentes, Lagoa Grande, Orocó, Petrolina e Santa

Maria da Boa Vista, tendo no Rio São Francisco a principal potencialidade e a marca de

identidade do seu espaço geográfico, de sua população e de sua economia.

Nas margens do Rio São Francisco foi se constituindo os municípios, a economia, a

ocupação do espaço, as pessoas, a cultura. O Rio influenciou e ainda influencia muito a vida

Page 284: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

284

das pessoas que ocuparam essa região (os povos indígenas da nação cariris, que se dividiram

em vários povos, permanecendo até os dias de hoje os Truká) e que a ocupam (agricultores

familiares, assentados, ribeirinhos, comunidades quilombolas, grandes fazendeiros).

A tabela n° 10 apresenta dados sobre a população, área e densidade demográfica do

Município de Santa Maria da Boa Vista, onde se localiza as escolas campo de pesquisa:

Município População

Total

Rural Urbana Área(Km2) Densidade

Demográfica Número

absoluto

Número

absoluto

Santa Maria

da Boa Vista

36.914

22.910 2,06

14.004 7,94

2.977,8

12,40

Total

Território

341.580

125.484 6,74

216.096 3,26

14.682,2

23,26

Fonte: IBGE, 2007.

Tabela 10 - População total e ponderada, área e densidade demográfica do Município de Santa Maria da Boa Vista PE- 2007

Os dados mostram que o município possui uma população rural superior à urbana e

uma densidade demográfica de 12.40, caracterizando-se como um município rural. Segundo

os representantes dos movimentos sociais, a luta pela Reforma Agrária e pelo fortalecimento

da Agricultura Familiar trouxe uma mudança no perfil populacional, no município que

apresenta uma população rural em crescimento.

Além disso, tem uma identidade definida pelo Rio São Francisco e pelo bioma

caatinga, caracterizando a ocupação do espaço, o modo de vida e de produção, numa relação

permanente entre áreas irrigadas e ribeirinhas com região de sequeiro da caatinga.

É também marcada por uma estrutura fundiária de concentração de terras por parte dos

fazendeiros, de projetos de irrigação de fruticultura para exportação, construção de

hidrelétricas, da pecuária extensiva e a presença do narcotráfico nas últimas décadas, o que

gera um clima de conflito e tensão permanente na região.

Por outro lado, gerou-se também um cenário de lutas e mobilizações permanentes pela

Reforma Agrária, em defesa do Rio e de políticas agrícolas para convivência com o

semiárido, envolvendo diversos sujeitos sociais: indígenas, quilombolas, comunidades de

fundo de pasto, ribeirinhos, atingidos por barragens, assentados da Reforma Agrária e

assalariados rurais.

Page 285: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

285

O Município de Santa Maria da Boa Vista localiza-se a 611 km de Recife, na zona

fisiográfica do sertão pernambucano, às margens do Rio São Francisco. Limita-se ao norte

pelo município de Parnamirim e Santa Cruz. Ao sul, com o estado da Bahia, a leste, com

Orocó, e a oeste, com Lagoa Grande, conforme podemos visualizar no mapa abaixo

Fonte: Secretaria de Planejamento- PE.

Figura 3 Localização do Município de Santa Maria da Boa Vista no Estado de

Pernambuco

O abandono das fazendas de fruticultura, pelas grandes empresas, na primeira metade

da década de 1990, coincidiu com a luta dos agricultores familiares pela convivência com o

semiárido, o aumento do número de trabalhadores rurais desempregados das fazendas, a

renovação dos sindicatos rurais e o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

MST, pautou a luta pela terra, uma das principiais reinvidicações do território, fazendo com

que até a metade dos anos de 2000 aproximadamente 14.000 pessoas fossem assentadas,

Corredor da

O crescimento populacional do município aconteceu, a partir da implantação dos

assentamentos da Reforma Agrária. O número significativo de crianças na faixa etária de 0 a

5 anos, destoa das regiões nas quais se localizam as outras escolas pesquisadas, que

Page 286: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

286

apresentam um número baixo de crianças nesta faixa etária. Vejamos então na tabela n° 11 a

população do município conforme sua localização geográfica e faixa etária:

(Localização /

Faixa Etária)

0 a 3

anos

4 a 5

anos

6 a 14

anos

15 a 17

anos

18 a 24

anos

25 a 35

anos

Mais de

35 anos

Total

Urbana

1.180

624

2.800

932

2.097

2.546

3.918

14.097

Rural

2.316

1.142

5.492

1.697

3.743

4.085

6.561

25.036

Total

3.496

1.766

8.292

2.629

5.840

6.631

10.479

39.626

FONTE: IBGE - CONTAGEM 2007.

Tabela 11 - População por localização geográfica e faixa etária do Município de Santa Maria da Boa Vista PE 2005

A tabela 11 mostra que, em todas as faixas etárias, a população residente é superior na

área rural, sem considerar que a população considerada como urbana, conforme critérios do

IBGE, que reside na sede do município e povoados, mantém uma relação econômica, cultural

e social estreita com o mundo rural, o que leva alguns autores a afirmar que poderíamos

considerar todo o município como rural (VEIGA, 2000).

Essa característica rural dos municípios também se expressa na dinâmica econômica

que é predominante de atividades rurais, seja as da agricultura de exportação, seja da

agricultura familiar, conforme podemos verificar na tabela a seguir, que mostra os

indicadores econômicos do município:

Fonte: Sistema Nacional de Indicadores Urbanos 2002.

Tabela 12 - Número de estabelecimentos de acordo com o setor econômico 2002

Município Agências

Bancárias

Indústria Construção

Civil

Comércio Serviços Rurais

Santa Maria da

Boa Vista

2 3 1 53 18 1.551

Page 287: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

287

Os dados evidenciam que a dinâmica econômica do município se dá a partir dos

estabelecimentos rurais, que agregam setores da agropecuária, extrativismo e pesca.

Na área de educação, o município possui 77 estabelecimentos de Ensino Fundamental

com 12.664 alunos matriculados e 04 de Ensino Médio com 1.410 alunos matriculados. A

rede de ensino totaliza 295 salas de aula, sendo 31 da rede estadual, 226 da municipal e 38 da

rede particular. Do total de escolas de Ensino Fundamental, 56 localizam-se no campo, dentre

as quais, 24 em assentamentos da Reforma Agrária, sendo que 17 são coordenadas pelo

MST136.

Dentro desse contexto, situam-se a Escola Municipal Francesco Mauro

(Assentamento Safra) e a Escola Municipal Catalunha (assentamento do mesmo nome),

campos de nossa pesquisa.

Ambiente Educativo da Escola Francesco Mauro (Assentamento Safra)

O assentamento Safra fica a 33 Km da Sede do Município na região ribeirinha do São

Francisco. Antes, era uma fazenda com fruticultura irrigada, administrada por uma grande

empresa, que possuía vários moradores e trabalhadores assalariados. Com a falência do

projeto, a área foi se tornando improdutiva até ser ocupada em 1995 pelo Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra MST. No início do acampamento, chegou a ter mais de

2.000 famílias, que foram distribuídas para outros assentamentos com o processo de

demarcação das terras, ficando assentadas 220 famílias137.

A primeira escola foi organizada antes da existência do assentamento, por moradores

da antiga Fazenda, em 1977. Funcionava na casa da professora com turma multisseriada e

foi registrada, em 1981, pela Prefeitura Municipal, recebendo o nome de dois filhos do antigo

proprietário: Escola Municipal Francesco Mauro138.

Após a ocupação, nos dois primeiros anos, a escola foi improvisada, embaixo de uma

árvore e, em seguida, começou a funcionar na antiga sede da fazenda, que não conseguia

atender a todas as crianças. Com o processo de assentamento, a necessidade de um prédio

136 Dados fornecidos pela Coordenação Regional do MST. 137 surgiram outros inclusive o

Assentamento Catalunha. 138 Esse nome é mantido até os dias atuais, embora o movimento tenha proposto uma mudança, o que não foi

aceita pela Prefeitura Municipal de Santa Maria da Boa Vista.

Page 288: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

288

próprio para o funcionamento da escola deu origem a um convênio entre Incra e a Prefeitura,

resultando no fornecimento do material para a comunidade construir a escola em mutirão.

Inicialmente, foram construídas quatro (4) salas de aula, cozinha, secretaria, depósito e

dois (2) banheiros. Com o aumento do número de alunos em 1999, foi ampliada com a

construção de 2 (duas) salas, uma para eventos, que foi transformada em sala de aula em

2001, inclusive para assegurar o funcionamento do Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil PETI.

Uma sala foi improvisada para funcionar a biblioteca e sala de leitura. Embora

possuam a Arca das Letras139, não tem outros mobiliários para organizar de forma adequada

os livros e o espaço para a leitura das crianças. Como a escola foi construída por partes, não

apresenta uma estrutura física harmoniosa e adequada ao trabalho escolar: o prédio fica

próximo à via de acesso ao assentamento, o que impossibilitou durante muito tempo a

arborização do espaço, fato agravado pela arquitetura inadequada para uma região semiárida,

sem ventilação e iluminação adequada, como podemos ver na foto 17:

Frente da Escola Francesco Mauro

Foto 17: Silva, 2008.

A escola não possui área coberta para recreação. Assim, as crianças e adolescentes, ao

saírem da sala, ficam sem espaço para desenvolver as atividades de recreação e educação

física, tendo que se deslocar para um campo nas proximidades da escola.

139 O Programa Arca das Letras é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e tem como

finalidade implantar bibliotecas rurais nas comunidades e assentamentos.

Page 289: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

289

Além disso, o mobiliário não foi renovado desde a construção da escola, encontrando-

se desgastado e insuficiente para o número de crianças, que improvisam bancos para sentarem

durante as aulas. Essa situação agrava-se com a turma de Educação Infantil, que precisaria de

outro espaço que não o da sala de aula para as atividades recreativas e corporais.

A precariedade das condições materiais da escola gerou no grupo de educadoras e

educandos um desânimo para a realização dos trabalhos, pois, segundo a fala de uma delas:

um poder público não assegura uma escola de qualidade para as crianças

e adolescentes do assentamento, pois, conforme a Educadora 4:

Tudo que conseguimos é a escola com a comunidade brigando, indo na secretaria... Para você ver faz duas semanas que o banheiro das professoras quebrou, já cansamos de comunicar na secretaria e até agora nada... Como trabalhar assim... só com a nossa militância?

Embora na Escola do Campo o compromisso da comunidade escolar seja fundamental

para a materialização de sua proposta pedagógica, isso não é suficiente, dentro da perspectiva

de construção de uma política pública de educação como direito dos Povos do Campo, nem

tampouco, deve se transferir para a comunidade a responsabilidade e o dever do Estado em

assegurar uma escola de qualidade, com condições de trabalho dignas.

A precariedade das condições de trabalho reflete-se também nos equipamentos de

apoio pedagógico existente na escola. A escola dispõe de uma televisão, um aparelho de

DVD, videocassete, um computador (usado para os serviços de secretaria) e um mimeógrafo a

álcool bastante utilizado por todas as professoras para elaborar atividades para as crianças, em

sua maioria adquiridos com os recursos proveniente do Programa Dinheiro Direto na Escola

(PDDE) 140. Os recursos provenientes do PDDE, que são depositados direto na conta bancária

da escola, pelo FNDE, são administrados pela Unidade Executora (UEx) da própria escola.

O dinheiro do programa, embora seja pouco, é muito esperado por toda a escola, pois com ele sempre compramos algum equipamento e material de

140 O Programa repassa anualmente recursos às escolas, determinados com base no número de alunos

matriculados no Ensino Fundamental ou na Educação Especial, estabelecido no Censo Escolar do ano anterior ao do atendimento, devendo sua utilização ser definido pelos órgãos colegiados existentes nas escolas. Vale ressaltar que as normas do PDDE são definidas por resoluções anuais, o que significa que podem mudar anualmente.

Page 290: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

290

consumo para a escola. Então cada ano já tem definido o que vamos comprar.

Essa fala evidencia a contribuição que este programa traz para as escolas, diante da

precariedade de estrutura em que vivem, além de resultar numa melhoria dos recursos,

constitui-se num canal de participação de todos no uso dos recursos na escola.

A merenda é enviada pela Secretaria de Educação, via transporte escolar, e

armazenada no depósito de merenda. A cozinha da Escola é pequena e possui uma geladeira,

fogão a gás (cujo botijão é enviado pela secretaria via transporte escolar), um freezer, panelas

e um liquidificador. Serve também de espaço para refeição das professoras que moram na

cidade e ficam durante todo o expediente na escola. Como não possuem espaço para

refeitório, as crianças, depois de servidas, alimentam-se na própria sala de aula.

No final de 2008, a comunidade realizou uma mobilização pressionando a Prefeitura

para reforma do prédio da escola, o que ocorreu no início de 2009, com a construção de sala

para os professores, ampliação da secretaria, construção de muro da escola, reformas dos

banheiros e ampliação da cozinha e despensa para merenda. 141 O que percebemos é que a

melhoria da infra-estrutura da escola, das condições de trabalho da equipe educativa e dos

educandos (as) gerou um clima de animação e satisfação no grupo, mostrando a importância

para o trabalho pedagógico de condições materiais adequadas nas escolas.

Os educandos (as) da Escola residem no assentamento. São crianças e adolescentes na

faixa etária de 04 a 15 anos, que frequentam a escola durante o turno diurno, compondo as

turmas da Educação Infantil ao Ensino Fundamental Completo. No noturno, funcionam

turmas de Educação de Jovens e Adultos, com a oferta do 1° ciclo do Ensino Fundamental.

Do total de 372 educandos (as), 204 são do sexo feminino, sendo que a maior

diferença se expressa nos anos finais do Ensino Fundamental, o que demonstra uma maior

participação das mulheres no processo de escolarização neste assentamento. A Escola, em

141 Foi com essa estrutura que observamos a prática pedagógica da escola. A reforma foi realizada no início de

2009. Embora já tivéssemos concluído a pesquisa de campo, como retornamos ao assentamento, evidenciamos claramente essa mudança do clima organizacional da escola.

Page 291: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

291

2008, apresentou o seguinte efetivo de matrículas: 42 na Educação Infantil; 201 nos anos

iniciais do Ensino Fundamental e 79 nos anos finais; e 49 na EJA, Ensino Fundamental.

Não identificamos formas institucionalizadas de participação dos/as educandos/as

nos órgãos de gestão das escolas como, por exemplo, o coletivo de educandos(as) ou mesmo

grêmios estudantis organizados. Esse fato pode ser explicado, em parte, pela diversidade de

faixa etária das crianças, pela organização da jornada escolar em turnos intermediários que

não possibilita uma permanência integral na escola, pela infra-estrutura precária ou

insuficiente das escolas, o que certamente tem dificultado a auto-organização142, em grupos de

atividades ou brigadas de trabalho de forma permanente, conforme posto nos documentos do

MST.

No que se refere às educadoras, são 15, das quais 06 residem na sede do município e

09 no assentamento. Em relação ao tempo de serviço, 08 delas trabalham na escola há mais

de 09 anos, portanto, já tem um nível de conhecimento com a comunidade assentada e com a

dinâmica de trabalho do MST.

Do ponto de vista da formação, 11 possuem curso superior e 04 magistério de nível

médio. Embora a maioria não seja militante do MST, as professoras assumem o projeto do

Movimento e se auto-definem como

específicas realizadas pelo MST, na região e no estado, especialmente as de formação.

Vejamos o depoimento:

se não fosse os cursos que a gente faz do movimento, não teria nenhuma formação específica para o trabalho nas escolas do assentamento. Por isto, sempre participamos de todas as formações, isto foi muito importante para que pudesse entender a proposta de educação do Movimento. (Educadora 3)

Em síntese, a formação continuada específica realizada pelo Movimento contribui para

o exercício docente dessas profissionais nas escolas do assentamento, considerando que a

formação inicial a que tiveram acesso não possibilitou conhecimentos específicos para o

trabalho com essa realidade. Todavia, enfrentam dificuldades na realização desse processo

formativo, por não contar com apoio financeiro sistemático do poder público para uma

continuidade das atividades.

142 Na proposta do MST, a auto-organização é um direito dos educandos (as) se organizarem em coletivos com

tempos e espaços próprios para discutir as suas questões.

Page 292: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

292

Ambiente Educativo da Escola Municipal Catalunha

O assentamento Catalunha é o maior do Sertão Pernambucano. Foi criado em agosto

de 1997 e beneficiou 604 famílias de trabalhadores rurais em uma área de 7.286 hectares,

situada no Vale do São Francisco, distribuidos no município de Santa Maria da Boa Vista e

Lagoa Grande.

A área foi ocupada em 1996, por cerca de 800 familias, que depois foram

redistribuidas para outros assentamentos, passaram dois anos acampadas sem

acompanhamento técnico e estratégia de produção, o que levou ao uso desenfreado dos

recursos naturais existentes na fazenda, com consequencias sérias para o assentamento até o

momento atual.

Cada família recebeu um lote para construir uma casa e outros três hectares para

plantar. No entanto, a falta de infra-estrutura para produção, inclusive de água, tem levado

muitos a deixarem seus lotes para buscar sustento para a família na sede do município ou

municípios vizinhos. Alguns voltam somente a cada quinze dias. Enquanto isso,

permanecem as mulheres, idosos e crianças no assentamento, situação que tem levado a

escola a desenvolver atividades específicas com esses grupos.

A Escola começou a funcionar em 1998, utilizando um galpão que era usado para

estocar produção na antiga fazenda, distante 4 Km da agrovila.

Antiga sede da escola num galpão da fazenda Foto 18: cedida pela Escola Catalunha - 2006

Page 293: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

293

O galpão foi transformado pela comunidade em escola, improvisando os espaços em

07 salas de aula, 01 secretaria, 01 sala para os professores, 04 banheiros, 01 cozinha, 01

biblioteca e 01 refeitório. Funcionou nesse espaço improvisado com cerca de 700 alunos,

durante 08 anos. No entanto, o compromisso com o trabalho pedagógico de qualidade sempre

esteve presente no grupo, segundo o depoimento abaixo:

mas nós nunca nos deixamos abater, fizemos umas paredes separando as salas, tinha hora que eu dava aula e ouvia tudo da outra sala, mas a gente organizava tudo: biblioteca, horta, espaço de estudo, e todo mundo fazia de tudo um pouco. (Educadora 5)

Em 2007, foi inaugurado o prédio novo da escola na agrovila, que encontra-se

inacabado, possui apenas 04 salas de aula, uma secretaria, dois banheiros e cozinha com

dispensa para merenda. Tal fato, juntamente com a saída de grande número de famílias do

assentamento, gerou uma redução do número de educandos (as) e a implantação do turno

intermediário (11h00min-14h30min). No ano de 2008, a escola tinha o seguinte número de

matriculados: 80 na Educação Infantil, 282 nos anos iniciais do Ensino Fundamental e 75 na

EJA Fundamental. A turma de Educação Infantil funciona numa casa da comunidade em

frente ao prédio da escola. Vejamos o prédio atual da escola:

Prédio atual da Escola Foto 19: Silva, 2008

Do projeto inicial da escola, ainda falta a construção de mais salas de aula, banheiros

para educandos (as), sala para informática, sala dos professores, pátio coberto e biblioteca.

Page 294: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

294

Assim, mais uma vez, a equipe teve que improvisar alguns espaços, a exemplo da biblioteca,

conforme podemos ver na foto a seguir:

Espaço improvisado para a biblioteca Foto 20: Silva, 2008.

O uso da biblioteca por educadores (as) e educandos(as) é frequente durante as aulas,

existindo um revezamento entre os educadores(as) para atendimento na biblioteca,

acompanhamento à leitura, indicação de material de pesquisa e organização da mesma. A

escola, inclusive, recebeu prêmios pelo trabalho que realiza com leitura.

Educandos(as) e Educadores(as): aprendendo e ensinando em interação

Os/as educandos (as) são organizados em grupos de atividades ou brigadas de

trabalho, para participar da organização da escola e da sala de aula, na organização das

atividades político-culturais e nos trabalhos de manutenção do prédio escola:

Todas as atividades da escola nós participamos. Para isso, nos organizamos em grupo, cada grupo tem um coordenador que acompanha o trabalho. Vai revezando durante o ano. Assim, todos nós vamos passando por diferentes grupos de trabalho, e vamos aprendendo e ajudando nossa escola a se organizar. (Educando 1)

Page 295: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

295

No final do ano, teve início o processo de auto-organização dos estudantes,

principalmente dos anos finais do Ensino Fundamental, que começaram a realizar reuniões

para discutir a organização do coletivo de educandos (as) na escola, o número de estudantes e

a heterogeneidade na faixa etária que se constitui numa dificuldade, conforme relato do

educandos(as), não é fácil, porque tem muito estudante, e as idades são muito diferentes.

Então cada um que en

Na escola, entende-se que todo o grupo compõe a equipe educativa e que são

educadores (as). Porém, em exercício docente em sala de aula, conta-se com 19 professores,

sendo seis (6) com licenciatura plena em pedagogia, quatro (4) com licenciatura plena em:

Letras, História, Matemática e Geografia e oito (8) com Magistério de nível médio. Uma parte

dessas educadoras desloca-se todos os dias da sede do município, em transporte escolar da

prefeitura municipal143.

As Educadoras (es) se organizam no coletivo de educadores, do qual trataremos

adiante e são responsáveis pela gestão partilhada na escola. Além disso, existe uma prática

sistemática de formação continuada, que ocorre nos encontros mensais de planejamento, na

participação nos eventos do movimento organizados no município e no estado e em

formações desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Educação.

Prática Gestora das Escolas Catalunha e Francesco Mauro

As Escolas possuem uma dinâmica marcada por ritos e rituais que buscam expressar

identidade e vinculação com o MST, dentre os quais podemos destacar: os ritos coletivos da

mística, o planejamento coletivo da equipe educativa e a organização do coletivo de

educadores (as)

A mística144 pode ser compreendida como ritual, constituindo-se num complexo de

ações simbólicas que aparecem como um dos elementos responsáveis pela formação da

143 Uma professora se desloca da Vila II que faz parte do município de Lagoa Grande. 144 O Bole mística do MST

orientações para o planejamento desta atividade nas escolas.

Page 296: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

296

identidade política dos sem-terra, enquanto sujeitos políticos. Esses referenciais, bem como o

uso das camisas com o símbolo do movimento, bonés e utilização de bandeiras do MST e as

palavras de ordem se objetivam em representações e demonstram a reafirmação e o

fortalecimento da identidade de sem-terra.

A gestão da escola é organizada por meio do coletivo de educadores, que é composto

por toda a equipe pedagógica (educadores (as), gestora e funcionários). Embora conste na

estrutura orgânica da escola a existência do coletivo de gestores (conselho escolar), unidade

executora, coletivo de pais/mães, coletivo de educadores e auto-organização dos estudantes, o

que podemos observar é que no cotidiano das duas escolas o espaço mais atuante é o do

coletivo de educadores.

Nas duas escolas o coletivo de educadores se organiza por equipes de trabalho, assim

constituídas:

Fonte: elaborado pela autora a partir das informações coletadas

Gráfico 17 - Equipes de trabalho com respectivas funções

As equipes funcionam de maneira integrada na organização do trabalho escolar. Cada

equipe tem um diário de campo que registra as atividades desenvolvidas durante o ano. O

diário é lido e avaliado periodicamente pelos coordenadores pedagógicos do MST. A cada

ano se faz um revezamento dos componentes das equipes de trabalho para que os educadores

(as) possam ter experiência de organização do trabalho pedagógico nas diferentes dimensões.

As dificuldades que surgem na organização das equipes ou no processo de registro são

discutidas e avaliadas pelo grupo, e trabalhadas pela coordenação pedagógica do movimento

nos encontros mensais de planejamento.

Equi

pe p

edag

ogic

a coordenação pedagógica

realização de estudos e formação em serviço

Equi

pe d

e or

nam

enta

ção organização e

ornamentação do ambiente da escola

organização dos eventos e atividades coletivas Eq

uipe

de

Saúd

e acompanhamento às questões de saude na escola

cultivo de plantas medicinais e materiais de primeiros socorros

Equi

pe d

e in

fra-

estr

utur

a infra-estrutura da escola

organização dos materiais

Equi

pe d

e m

emór

ia

registrar todos os eventos ocorridos na escola de forma escrita e com fotoggrafias

Page 297: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

297

O processo de planejamento coletivo do tema a ser trabalhado em cada escola durante

o ano adota a seguinte dinâmica.

Fonte: elaborado pela autora a partir da coleta de informações

Gráfico 18 - Dinâmica de Planejamento das Escolas do MST

O coletivo de gestores é composto pelas diretoras das escolas dos assentamentos e têm

como finalidade coordenar, acompanhar e avaliar, juntamente com a coordenação do

movimento, o trabalho das escolas do MST no município. O Coletivo de Gestores é

responsável pelo levantamento dos problemas existentes em cada assentamento, a partir dos

quais se escolhem os temas da atualidade que serão trabalhados em cada escola durante o

ano.

O coletivo de educadores é composto por todos os educadores (as) e técnicos

administrativos da escola e é responsável pela organização do trabalho escolar e do espaço

escolar: docência, planejamento, manutenção da escola, acompanhamento dos estudantes,

relação com a família, enfim, múltiplas funções que são assumidas no cotidiano da escola.

A participação e o trabalho coletivo são vistos pelo grupo como a forma de enfrentar

os diversos problemas que atingem as escolas. Entre eles, as dificuldades de produzir no

assentamento, a saída das famílias dos assentamentos, as condições materiais das escolas, os

problemas pedagógicos e as dificuldades pessoais enfrentadas pelos educadores (as) e

técnicos administrativos.

O MST regional acompanha o desenvolvimento do processo educativo das escolas,

através de dois coordenadores, que mensalmente se reúnem com o coletivo de gestores (todos

Coletivo de gestores

problematização da realidade de cada assentamentodefinição das temáticas

Coletivo de Educadores e coordenação do Movimento

definição das linhas gerais do planejamento mensal

Coletivo de educadores da escola e equipe pedagógica da escola

planejamento quinzenal

Page 298: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

298

os diretores das escolas do movimento), para avaliar os trabalhos, definir o calendário de

atividades em cada escola e encaminhamentos de questões organizativas e pedagógicas de

cada uma delas; e com o coletivo de educadores para a formação em serviço, avaliação do

trabalho e planejamento pedagógico, que se dá mensalmente em cada escola.

O planejamento mensal do coletivo de educadoras com a coordenação pedagógica do

MST é organizado pelas diferentes equipes de trabalho existentes nas escolas e coordenado

pela equipe pedagógica. O rito da reunião consiste na mística de abertura, informações gerais

do movimento no estado e nacional, avaliação do período, encaminhamentos gerais dos

trabalhos a serem desenvolvidos na escola e levantamento de pontos para o planejamento.

Abaixo temos um registro de uma reunião de planejamento:

Reunião de planejamento do coletivo de educadores (as) Foto 21: Silva, 2008.

No encontro do coletivo de educadores (as) sempre tem uma equipe responsável pela

organização da mística. Além dos ritos convencionais (cânticos e palavras de ordem), solicita-

se a criatividade dos proponentes da mística e o envolvimento de todos os presentes, como

podemos vislumbrar na foto a seguir:

Page 299: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

299

Mística de abertura do coletivo de educadores (as) Foto 22: Silva, 2008.

Numa das escolas, as informações gerais do movimento e os encaminhamentos

administrativos ocupam a maior parte do tempo, e o planejamento da aula é realizado

individualmente por cada educadora, gerando uma maior heterogeneidade do trabalho

pedagógico em sala de aula, principalmente no que se refere à vivência do itinerário

pedagógico, articulando o tema gerador e os conteúdos encaminhados pela Secretaria de

Educação para cada turma.

Noutra escola, após o planejamento com os coordenadores pedagógicos do MST, o

coletivo tem um momento semanal, no qual elaboram uma diretriz geral para o planejamento

de cada turma, e as atividades a serem assumidas por todo o grupo em cada sala de aula. Isso

que possibilita uma maior articulação entre as diferentes áreas de conhecimento,

principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental.

A relação com a Secretaria Municipal de Educação se dá através dos coordenadores do

movimento e da gestora da escola, que periodicamente se desloca para a sede do município

para reuniões, solicitações de materiais ou outras demandas. Portanto, não existe uma

presença direta da Secretaria dentro das escolas, o que representa certa autonomia para que a

mesma possa definir a sua organização curricular.

As escolas possuem Projeto Pedagógico e Regimento Escolar construído com a

participação das educadoras, educandos (as), técnicos e famílias. Também têm unidade

executora que administra os recursos provenientes do PDDE (FNDE/MEC), cujos recursos

Page 300: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

300

têm possibilitado a compra de equipamentos de apoio pedagógico, material pedagógico e

livros para a biblioteca.

A comunidade participa da dinâmica da escola, geralmente quando é convocada para

assembleias, atividades político-culturais e reuniões do conselho. No entanto, as escolas

ressentem-se de uma mudança nesta participação, conforme nos mostra a educadora 4:

No início os pais e a associação participavam mais da escola, principalmente na fase de acampamento, todo mundo ficava reinvidicando melhoria para a escola, acompanhavam todo o trabalho. Agora eles vem, participam, mas somente quando a gente convoca.

A diminuição da participação é atribuída por alguns a certa desmobilização na

organização do assentamento e pelas dificuldades que os assentados têm enfrentado com

relação à infra-estrutura para atividade produtiva. Em uma das escolas, mesmo vivenciando

todas essas dificuldades, observamos um processo mais atuante de mobilização da

comunidade, inclusive, com oficinas para as mães, realizando campanhas educativas com

relação à saúde reprodutiva, vacinação, documentação das mulheres como uma atividade

coordenada pela escola e não somente como uso de espaço físico para realização das ações.

O fortalecimento da participação da comunidade é um desafio enfrentado atualmente

pelas escolas, considerando que o projeto educativo das escolas de assentamento não acontece

descolado da organização interna da comunidade assentada. Este é um dos sustentáculos desse

projeto, que não se esgota na escola e nas questões didáticas, mas exige um envolvimento,

participação e desejo de efetivar a escola por parte da comunidade.

Embora haja diferentes graus de compreensão dos princípios e fundamentos do projeto

de escola do MST, há um consenso entre os educadores, em torno da importância da escola

para todos os assentados e para a continuidade do projeto político, bem como ensaios práticos

que caminham na direção pela forma que participam da gestão da escola e da organização do

trabalho pedagógico em sala de aula.

Dimensão epistemológica: os temas da realidade como conteúdos pedagógicos

No que se refere ao trato com os conteúdos pedagógicos nas escolas, identificamos

algumas características comuns, no que se refere à vinculação dos conhecimentos a outros

Page 301: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

301

processos, dentre os quais, destacamos: a vinculação entre os processos educativos e

processos políticos e o vínculo orgânico entre educação e cultura.

A vinculação entre os processos educativos e processos políticos se expressa

principalmente com a realização de atividades político-culturais, ao final de cada temática,

nas celebrações em homenagem à memória de lideranças que tombaram na luta contra a

opressão, a exemplo, de Che Guevara, Margarida Alves, Zumbi, Doroth Stang. A

participação em atividades realizadas pelo MST, como Marcha da Terra, Encontro dos Sem-

Terrinha, e na abordagem política da luta da terra, que fazem nas ações que a escola organiza

no assentamento ou participa na sede do município. As fotos abaixo são reveladoras dessa

vinculação:

Atividade política na sede do município Atividade político-cultural no assentamento

Foto 23: cedida pela Escola Foto 24: cedida pela Escola

O vínculo orgânico entre educação e cultura acontece com o desenvolvimento de

atividades político-culturais envolvendo as famílias e a comunidade. O cultivo da mística que

contempla os ideais e objetivos do MST perpassa todas essas atividades culturais. Nesse

sentido, as escolas realizam periodicamente atividades culturais, com danças, músicas, teatro,

artesanato que expressem a cultura popular e a memória das lutas camponesas.

No cotidiano da sala de aula, a vivência do planejamento com os temas da atualidade,

e seu desdobramento em projetos didáticos apresenta uma tensão, devido à dificuldade das

educadoras conciliar as ações de pesquisa e preparação das atividades político-culturais, com

o aprofundamento contextualizado dos conteúdos em sala de aula, a partir da matriz

encaminhada pela Secretaria de Educação para cada etapa da educação básica.

Page 302: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

302

Elas atribuem essa dificuldade aos seguintes fatores: pessoas novas no grupo, não

dispor de tempo integral na escola e a escassez de recursos para organização das atividades.

Podemos identificar estes elementos nos depoimentos abaixo:

A dificuldade para realizar o planejamento é porque temos algumas pessoas novas, que ainda estão conhecendo a proposta, o trabalho com o tema e com os projetos didáticos. Então isso dificulta. Principalmente quando a educadora não pode ficar tempo integral aqui na escola, tem que dar aula noutro local, então fica sem tempo para pesquisar os assuntos, discutir com as colegas que trabalham na mesma turma como integrar mais os conteúdos. (Educadora 2)

As atividades de culminância dos projetos didáticos exigem uma preparação muito intensa, porque pela proposta do movimento, é para envolver a comunidade, então nós temos dificuldade... O tempo é pouco, e os recursos que temos para organizar tanta coisa também. Então, alguns levam coisas para fazer em casa. (Educadora 3)

Esses depoimentos nos mostram que o tempo docente nas Escolas do Campo extrapola

o tempo cronológico definido pelo sistema de ensino, que não assegura tempo integral para a

maioria dos educadores (as), o que leva a um exercício profissional em mais de uma escola,

fazendo com que muitas atividades sejam desenvolvidas em casa.

No que se refere ao itinerário de produção do conhecimento, existe uma diversidade

nas duas escolas, a partir do planejamento realizado por cada professora. No momento que

existe um planejamento coletivo também semanal, se assegura uma maior unidade no

itinerário abaixo:

Page 303: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

303

Fonte: sistematizado pela autora a partir das informações coletadas nas escolas

Gráfico 19 - Itinerário de produção do conhecimento nas Escolas do MST

Na primeira fase do itinerário é realizado o levantamento dos temas da realidade nas

comunidades, pelo coletivo de gestores, mediante a avaliação da realidade do assentamento

com as famílias e o coletivo de educadores (as). Para escolher os temas, adotam-se as

seguintes perguntas:

Quais são atualmente os maiores problemas do nosso assentamento?(...) Quais destes problemas podem/devem ser incluídos como temas geradores no currículo da escola, de modo que os alunos e professores possam ajudar a encontrar soluções?(...) Qual será o ponto de partida do nosso trabalho neste ano? Qual a maior necessidade? O que traria resultados mais significativos para a comunidade? O que causaria maior interesse e entusiasmo nas crianças?(DOSSIÊ MST, 2005, p. 56)

Com base nessas questões, as escolas escolheram suas temáticas para o ano de 2008. A

Escola Francesco Mauro escolheu o tema

problemas diagnosticados no assentamento com relação ao lixo e à poluição das terras e

à preocupação com a homogeneização cultural realizada pela mídia e consumida no

assentamento.

Organização social

terra e trabalho

1

Levantamento do universo temático

coletivo de

educadores

2

Estudos pesquisa

diagnostico

3

aprofundamento pedagógico

conteúdos disciplinas

4

Atividades político-culturais

socialização do

conhecimento

Page 304: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

304

São esses temas que determinaram a escolha dos conteúdos, a metodologia de trabalho

em sala de aula e o tipo de avaliação. Após a escolha, foi discutido e planejado com o

coletivo de educadores (as), detalhando seus objetivos e principais estratégias didáticas para

abordar a temática em sala de aula. O planejamento é flexível e novos temas podem surgir da

própria realidade da escola ou do assentamento. Por exemplo, uma das escolas trabalhou

Na segunda fase, são realizados estudos e pesquisas pelo coletivo de educadores (as)

para selecionar os conteúdos a serem trabalhados em sala. Esse momento é planejado

mensalmente no encontro de coletivos de educadores (as) com a coordenação pedagógica do

MST. A partir daí, organizam-se os projetos didáticos, os diagnósticos e estudos dos temas

dos projetos.

Na terceira fase se faz aprofundamento dos conteúdos em sala de aula. Esse momento

é planejado semanalmente pelos educadores(as), em grupo ou individualmente. Segundo os

educadores (as), a dificuldade de superar a fragmentação dos conteúdos ou se prender ao

apresentado no livro didático, sem contextualizar o conhecimento, ainda é o grande desafio do

coletivo, segundo depoimento da Educadora 3:

Nós não aprendemos na escola a trabalhar de forma integrada. Aqui na escola é que começamos a planejar pelos temas e organizar os projetos didáticos. Na prática começamos a fazer e aprender. Então muitas vezes nossa tentação é abrir o livro e sair fazendo do jeito que está lá, é mais fácil. Trabalhar com os projetos exige que a gente discuta com os colegas e conheça mais sobre outras áreas e, para isso, é preciso tempo e formação.

É preciso ampliar o domínio sobre cada área ou especialidade para ter condições de

experimentar com mais segurança a interdisciplinaridade, competência que deveria ser

aprofundada pelo processo de formação continuada. Vejamos:

O que dificulta também é que nem todo mundo teve a mesma formação, além disso, a formação do município é muito geral, por exemplo, faz encontro de educação infantil, de educação física. Aí vai todo mundo que trabalha com essa área, vem professor de fora, mas acabam não discutindo como a gente fazer isso, concretamente com as crianças aqui no assentamento, o que ajuda é os encontros do Movimento, mas não tem recursos para fazer mais de um durante o ano para todo mundo. (Educadora 4)

As falas expressam a insuficiência da formação continuada contextualizada para o

trabalho que desenvolvem nas escolas no assentamento. Embora a formação realizada pelo

Page 305: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

305

movimento contemple essa especificidade, não recebem apoio para uma formação sistemática

e permanente dos seus educadores (as).

Uma contribuição importante para o desenvolvimento das temáticas é dada pelos

educandos (as). Vejamos:

As crianças ajudam muito para desenvolver o tema, pois são muito participativas. A dificuldade é tempo para a gente organizar tudo isso, e também material para fazer as atividades previstas. O que dificulta a articulação entre o que é estudado na sala, com o que ocorre no dia-a-dia do assentamento. (Educadora 6)

Contudo, a fala evidencia a dificuldade de tempo dos docentes e recursos materiais e

pedagógicos para organização das atividades, que possibilitem os educandos (as) a

compreenderem que os assuntos que estudam na sala de aula têm relação com a realidade do

assentamento e do país

A quarta fase de realização das atividades político-culturais tem como finalidade o

envolvimento das famílias assentadas no conhecimento do tema e também para multiplicar os

conhecimentos que vão produzindo na escola para o conjunto do assentamento.

Entretanto, esse momento também apresenta algumas dificuldades para a equipe

docente, conforme podemos ver no depoimento da Educadora 5:

Nós estamos achando difícil trabalhar com os projetos, principalmente para realizar as atividades de culminância, porque tem que preparar muita coisa, envolver toda a comunidade, e às vezes tem que gastar muito, para realizar a atividade e a gente não tem muito apoio, então fica difícil. Até a comunidade já participou mais... Na época do acampamento tinha muita participação. Eles contribuíam com muita coisa, estavam sempre discutindo a realidade da escola. Depois do assentamento, isso esfriou mais. Eles participam só que precisamos ficar convidando. Não é como no inicio do acampamento, que todo mundo participava.

Isso mostra claramente como a realidade de cada lugar, o grupo de educadoras de cada

escola, o tempo de inserção que possuem na proposta, os espaços de formação existentes, as

condições de trabalho, o processo de mobilização das organizações sociais em cada realidade

e a gestão da política em cada município influenciam sobremaneira na efetivação das

propostas pedagógicas, questões que se evidenciaram também em outras escolas.

Page 306: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

306

6.4. Escola Rural de Massaroca ERUM

O Território do Sertão do São Francisco - BA abrange uma área de 61.750,70 Km² e

é composto por 10 municípios: Campo Alegre de Lourdes, Canudos, Casa Nova, Curaçá,

Juazeiro, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé, Sobradinho e Uauá.

A cidade de Juazeiro está localizada à margem direita do Rio São Francisco, no

extremo norte da Bahia, na zona do médio e baixo São Francisco. Divisa com o Estado de

Pernambuco, a cidade de Juazeiro está ligada à de Petrolina pela Ponte Presidente Dutra e

distante 500 Km de Salvador.

A região compreendida pelas cidades de Juazeiro e Petrolina tornou-se o maior centro

produtor de frutas tropicais do país, tendo destaque para os cultivos de manga, uva, melancia,

melão, coco, banana, dentre outros. Esse desempenho é responsável pela crescente

exportação de frutas além da produção de vegetais. A região é conhecida nacional e

internacionalmente pela produção e qualidade dos vinhos, que tiveram grande crescimento

com a implantação de mecanismos de irrigação, tornando-se a única região do país a colher

duas safras de uvas por ano e a maior exportadora e produtora de frutas do Brasil, mesmo se

localizando no centro do polígono das secas.

O Município de Juazeiro tem uma população de 230.538 mil habitantes, distribuída

entre a sede do município e seus 07 distritos, conforme o quadro n° 23:

Distritos do Município Distância da Sede População (hab)

Abóbora 100 Km 2.254

Carnaíba 20 Km 3.386

Itamotinga 72 Km 20.995

Junco 20 Km 7.253

Juremal 45 Km 1.751

Massaroca 65 Km 2.677

Pinhões 72 Km 2.274

Fonte: Secretaria da Escola.

Quadro 23 - Distritos do Município de Juazeiro, distância da sede e população

Page 307: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

307

A Escola Rural de Massaroca está localizada na comunidade de Lagoinha, no Distrito

de Massaroca, localizado a 65 km da sede municipal de Juazeiro - BA, às margens da rodovia

BR 407, no sentido de Juazeiro-Salvador. Vejamos sua localização na figura a seguir:

Figura 4- Localização do Distrito de Massaroca em Relação a Juazeiro

Uma característica dessa região é a existência de comunidades rurais alicerçadas em

relações familiares antigas, possuindo um espaço fundiário coletivo denominado fundo de

pasto (vegetação nativa em propriedade coletiva). Esse é um espaço aberto, acessível a todos

os membros da comunidade para o uso com a pecuária principalmente a caprinovinocultura,

associada à agricultura de subsistência (milho, feijão de corda, andu), extrativismo vegetal

(madeira, umbu e maxixe).

Essas comunidades se organizaram na região para manter sua forma de vida e de

organização da produção. Cada comunidade possui uma associação, que se articula com

outras associações, constituindo o Comitê de Associações de Fundo de Pasto. É nesta

perspectiva que se organiza o Comitê das Associações Agropastoris de Massaroca CAAM.

Abaixo, temos a bandeira das Comunidades de Fundo de Pasto, que expressa a produção de

suas condições de existência a partir da articulação do bioma caatinga e da caprinocultura:

Page 308: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

308

Bandeira das Comunidades de Fundo de Pasto Foto 25: Silva, 2008.

Uma das primeiras associações de Fundo de Pasto ocorre a partir de 1986, quando a

EMBRAPA/CPATASA e a EMATER/BA145, em parceria com técnicos da cooperação

francesa do Centro Internacional de Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (CIRAD),

iniciaram um trabalho conjunto no distrito de Massaroca como uma área piloto para

implementar uma nova metodologia de ação (experimentação e validação de métodos e

instrumentos de intervenção em apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar).

Os agricultores já contavam com um processo de organização, pois, desde 1982,

existia a associação comunitária de Lagoinha, criada a partir do trabalho realizado pela Igreja,

sob influência da Teologia da Libertação. Em seguida, com o apoio da assistência técnica,

foram criadas mais 08 (oito) associações, cuja preocupação inicial era centrada na produção

agropecuária e na organização dos produtores para proteção dos Fundos de Pastos e para

acessar financiamentos nos diversos projetos destinados a região nordeste.

Em 1989, segundo Edmerson Reis (2004), a partir da Cooperação Brasil-França, foi

realizado um primeiro intercâmbio com os produtores franceses da região de Hautes

Garrigues (sul da França), que se uniram através de suas associações e fundaram o Comitê de

Associações Agropastoris de Massaroca (CAAM), congregando um total de 236 famílias, que

receberam os títulos de posse da terra. O fundo de pasto é uma área coletiva da comunidade e

cada família possui uma área particular de moradia, a qual varia de 03 a 300 hectares146.

145 Essa entidade hoje se denomina Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) 146 Hectare: porção de terra equivalente a 10.000 metros quadrados, ou seja, 100m x 100 m.

Page 309: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

309

Comunidades Quantidade de famílias

Lagoinha 27

Lagoa do Angico 18

Lagoa do Meio/Barauna 20

Canoa/Oliveira 29

Cachoeirinha 15

Caldeirão do Tibério 13

Cipó 10

Curral Novo/Jacaré 30

Juá/Saquinho 22

09 comunidades 184

Fonte: Dados coletados junto à secretaria da ERUM

Quadro 24 - Distribuição das famílias por comunidades rurais - Massaroca Juazeiro - Bahia 2008

Segundo Edmerson Reis (2004), com a continuidade da cooperação internacional

Brasil-França, através da Associação Serra Serrane147, em 1990, promoveu-se um segundo

intercâmbio que levou ao sul da França um técnico da Associação de Desenvolvimento e

Ação Comunitária (ADAC), um técnico da EMBRAPA/CPATSA, dois agricultores de

Massaroca e uma professora rural148, com a finalidade de conhecer os sistemas produtivos da

região e o funcionamento do sistema educacional rural da França.

A professora que participou deste intercâmbio, em seu regresso a Massaroca, priorizou

a educação como uma estratégia fundamental para a construção do desenvolvimento

sustentável das comunidades. A partir da reinvidicação do CAAM foi instituída uma

comissão composta por diferentes instituições que atuavam com desenvolvimento rural na

região e por entidades francesas para a constituição do Centro de Formação Rural de

Massaroca, para desenvolver os programas: de apoio à organização rural, de capacitação em

unidades produtivas, de educação permanente e o programa escolar149.

O programa escolar visou à criação da Escola Rural de Massaroca ERUM,

inicialmente de 5ª a 8ª séries, que deveria funcionar como uma experimentação pedagógica, 147 Associação criada por agricultores, técnicos e professores do sul da França, com o intuito de promoverem

intercâmbios de experiência e atividades para promover o desenvolvimento do rural dos dois países. 148 Trata-se da Professora Valdete Gama (já falecida) que na época era responsável pela coordenação das

existentes nas comunidades, e uma das lideranças do Comitê de Fundo de Pastos. 149 Esse programa seria o responsável pela escolarização das comunidades, proposta que dar origem a ERUM.

Page 310: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

310

usando métodos de integração entre a realidade das comunidades e os conhecimentos

científicos150.

Pensar uma proposta de escola, tendo como ponto de partida a realidade onde se insere

Massaroca, era pensar um projeto global de desenvolvimento, no qual as realidades do campo e

das comunidades de fundo de pasto estivessem asseguradas com sustentabilidade, pois tratava-

se de

Viabilizar um processo educativo que tem como princípio filosófico a construção do conhecimento fundado no cotidiano da própria comunidade, leva em conta uma reflexão acerca da direção tomada pela escola, seu processamento, sua gestão. Leva em conta também, a viabilização de tal projeto global onde se articula tais questões (Proposta Pedagógica da ERUM, p.9)

Numa parceria com a Prefeitura Municipal, o CAAM deu início à construção do

prédio para funcionar a escola, localizado na comunidade de Lagoinha 151, com a

participação das 09 (nove) comunidades que formam o CAAM. Esse processo de construção

foi retratado, conforme foto n° 26.

Mural do processo de construção da escola Foto 26: Silva, 2008.

Foi formalizada a parceria com a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de

Juazeiro, hoje, Universidade Estadual da Bahia UNEB, para seleção de estagiários para

150 Durante este período, a iniciativa contou com as contribuições teóricas e acompanhamento do pedagogo

brasileiro, Luiz de Sena, com uma vasta experiência educacional em países da África, Ásia e Europa na área de formação e educação para o desenvolvimento local.

151 O CAAM foi criado em 08 de julho de 1989 e abrange as Associações de Lagoinha, Cipó, Cachoeirinha, Caldeirão do Tibério, Curral Novo/Jacaré, Canoa, Juá/Saquinho, Serra da Boa Vista e Lagoa do Meio. A sua sede administrativa está localizada na Comunidade Lagoinha

Page 311: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

311

atuar no Programa em Massaroca e elaboração de uma proposta de formação para os

professores (as) que iriam trabalhar na escola.

Os estagiários juntamente com os técnicos das entidades francesas realizaram, durante

08 meses, pesquisa em todas as comunidades para entender a realidade: a vida, a economia, a

cultura e a organização social. As informações foram analisadas, restituídas e

complementadas pelos agricultores (as) e sistematizadas como uma proposta pedagógica da

escola. Vivenciaram, na prática de elaboração da proposta pedagógica, o itinerário

pedagógico adotado posteriormente pela escola para organização do trabalho escolar.

Durante esse período, segundo depoimento dos envolvidos no processo, pela escassez

de material escrito produzido sobre a Educação do Campo, buscaram conhecer outras

iniciativas que já trabalhavam com a educação contextualizada como, por exemplo, o Projeto

Caatinga em Ouricuri-PE.

Os estudantes-estagiários que realizaram o processo de pesquisa tornaram-se os

primeiros professores da escola. Desses, apenas dois encontram-se atualmente em sala de

aula na ERUM, em decorrência do redimensionamento profissional do grupo para outras

instituições, inclusive a docência em Universidades do Estado.

Ambiente Educativo: a participação da comunidade

A ERUM foi fundada em 22 de maio de 1995, como uma escola dotada de

procedimentos educacionais específicos e diferenciada, que permaneceu até 2001 sob a gestão

administrativa do Comitê de Associação Agropastoril de Massaroca (CAAM). O CAAM

construiu o prédio escolar e também se responsabilizava pelo pagamento dos professores. 152 do Distrito de Massaroca foram desativadas

e os estudantes encaminhados para a ERUM, que passou a ser mantida pela Prefeitura

Municipal de Juazeiro, embora mantenha na sua gestão a participação do CAAM.

Sob a manutenção da Prefeitura Municipal, um ônibus passou a transportar os (as)

estudantes das outras comunidades rurais para Lagoinha, comunidade em que se localiza a

ERUM. O veículo, atualmente, encontra-se em péssimo estado de conservação e com o

serviço reduzido. Em decorrência, as crianças e adolescentes são transportados em apenas

dois ônibus, exigindo mais tempo para o deslocamento em acomodações inadequadas.

152 Eram denominadas de Escolas Isoladas as salas multisseriadas localizadas nas comunidades rurais, muitas

funcionando na casa da professora, ou numa sala anexa a sua casa.

Page 312: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

312

Nas turmas iniciais, até os anos de 1997, predominavam estudantes na faixa etária de

17 a 30 anos, matriculados em turmas de 5ª a 8ª séries, devido à baixa escolarização existente

nas comunidades rurais atendidas pela escola. A ação de escolarização desenvolvida pela

ERUM foi modificando o cenário da escolarização nas comunidades, e a faixa etária dos

deslocadas para a ERUM. Hoje, observamos o predomínio da faixa etária, de 05 a 17 anos, e

a ampliação do atendimento escolar com Educação Infantil, anos iniciais e finais do Ensino

Fundamental153.

O prédio que foi construído pelo CAAM para funcionamento do Centro de Formação

foi sendo ocupado pelas salas de aula da Escola, existindo hoje uma reinvidicação permanente

do grupo, para que a Prefeitura assuma a reforma e a ampliação do espaço. Desse modo, as

salas são improvisadas em espaços que estavam reservados para outro tipo de atividade, a

exemplo das salas de professores, sala de reunião da comunidade e almoxarifado.

Frente do prédio da ERUM

Foto 27: Silva, 2008.

Atualmente, a Escola tem sete espaços funcionando como sala de aula, uma cozinha,

secretaria e dois banheiros154. A equipe educativa, estudantes e pais foram organizando

outros espaços para servirem de laboratórios didáticos e área de recreação como, por

exemplo, a casa de farinha que serve como unidade demonstrativa de um espaço produtivo da

comunidade e para realização de experimentos, assim como a horta comunitária, o viveiro de

153 O CAAM e os educadores (as) reinvidicam a implantação do Ensino Médio na Escola, o que possibilitaria

que os jovens das comunidades pudessem frequentar a ERUM e não se deslocar para a sede do Distrito de Massaroca ou para Juazeiro.

154 Durante a observação, técnicos da prefeitura estiveram na escola realizando medições para construção de uma biblioteca, quadra e duas salas de aula. No entanto, passou-se todo o ano letivo e a construção não foi iniciada.

Page 313: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

313

mudas e um parque de recreação para a turma da Educação Infantil. Aqui temos o registro de

horta pedagógica da escola.

Horta Pedagógica Foto 28: Silva, 2008.

A horta pedagógica é utilizada como espaço de aprendizagem pelas turmas no que se

refere ao manejo do solo, ao plantio, o acompanhamento da produção e a colheita dos

produtos.

Os Educandos (as): aprendendo a viver e conviver com o semiárido

Os Educandos (as) são provenientes das comunidades que compõem o CAAM. No

ano de 2008, a escola apresentou um efetivo de matrículas de 30 alunos na Educação Infantil;

57, nos anos iniciais do Ensino Fundamental; e 51, nos anos finais do Ensino Fundamental.

As turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental funcionam como multisseriadas, devido à

inexistência de salas de aulas específicas para cada ano.

As aulas funcionam no turno matutino, embora a escola solicite jornada integral ou

ampliação das turmas para outras etapas da educação básica. Apesar de a comunidade ter

apresentado demanda tanto para a EJA funcionar no noturno, como a possibilidade dos

estudantes continuarem o Ensino Médio na Escola, inclusive porque alguns professores

também são vinculados ao Estado e atuam no Ensino Médio em outras escolas, a proposta não

foi implementada pela Secretaria de Educação. A respeito, vejamos o seguinte depoimento:

Page 314: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

314

Muitos de nós temos que trabalhar noutra escola, para sobreviver. A maioria dá aula em escola de ensino médio em Juazeiro ou no distrito, quando podia ficar tempo integral aqui. Não é por falta de reinvidicação nossa e da comunidade. Os estudantes preferiam ficar aqui e fazer ensino médio, só era funcionar a tarde, mais isso exige alimentação, mais espaço, então os gestores fazem que não escutam. E todo mundo fica insatisfeito com a qualidade da escola que os filhos estão tendo no distrito, fora os que se mudam daqui para os filhos continuarem estudando. (Educadora 6)

Dentre os fatores que dificultam essa implementação, encontram-se a

indisponibilidade de transporte escolar para assegurar esse funcionamento e a ampliação da

carga horária do professorado.

A permanência com sucesso na escola dos educandos (as) pode ser exemplificada com

os quadros n° 19 e 20, nos quais aparecem os índices de evasão e repetência escolar. No que

se refere aos índices de evasão, de 2001 a 2008, percebemos diminuição dos evadidos.

Inclusive, nos últimos anos, não há registro de evasão, como podemos constatar no quadro n°

25.

Ano Alunos matriculados Número evasão

2001 210 6

2002 200 4

2003 190 6

2004 180 3

2005 170 2

2006 145 -

2007 155 -

2008 138 -

Fonte: Dados do Registro Escolar, 2008.

Quadro 25 Distribuição dos alunos matriculados e evadidos da ERUM- 2001-2008.

O quadro n° 26 mostra que houve um declínio da repetência, principalmente a partir

de 2006. Nesse período adotou-se uma estratégia de atendimento individual no contraturno

dos estudantes que apresentavam dificuldades de aprendizagem, com repercussão na

permanência com sucesso.

Page 315: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

315

2004 2005 2006 2007

Série Repetentes Série Repetentes Série Repetentes Série Repetentes

1ª 6 1ª 2 1ª 2 1ª -

2 ª 6 2 ª 2 2 ª 1 2 ª -

3 ª 3 3 ª 4 3 ª - 3 ª -

4 ª 1 4 ª 2 4 ª - 4 ª -

5 ª 10 5 ª 12 5 ª 2 5 ª 1

6 ª 16 6 ª 2 6 ª 2 6 ª -

7 ª 3 7 ª 3 7 ª 2 7 ª 1

8 ª 5 8 ª - 8 ª - 8 ª -

Fonte: Dados do Registro Escolar, 2008.

Quadro 26 - Taxa de repetência por série 2004-2007.

Esse dado torna-se significativo considerando os índices de repetência que temos nas

escolas públicas em nosso país.

Equipe Educativa: o trabalho coletivo

A equipe educativa da ERUM apresenta uma heterogeneidade referente ao tempo de

trabalho na escola, revelando mudanças no perfil dos docentes que iniciaram a proposta de

trabalho, conforme podemos verificar no quadro a seguir:

Page 316: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

316

Turma de atuação Sexo Escolaridade Tempo de ERUM

Local de Moradia

Professora de pré - escola

F Magistério 02 Juazeiro

Professora de 1° e 2° ano

F Cursando Pedagogia

08 Massaroca

Professora de 3° e 4° ano

F Magistério 04 Poções

Português/Inglês F

M

Letras/Especialização em Língua

Portuguesa Pedagogia

10

05

Juazeiro

Juazeiro Ciências F Biologia

Especialização em Educação e Meio Ambiente

10 Juazeiro

Geografia/História Educação Artística

M Geografia Especialização

em Gestão Pública

15 Juazeiro

Matemática

F Matemática 09 Juazeiro

Técnicas Agrícolas e Empreendedorismo

M Pedagogia Especialização

em EJA

15 Juazeiro

Educação Física

M Educação Física 01 Juazeiro

Fonte: Secretaria da ERUM 2008.

Quadro 27 Pessoal docente por atuação, sexo, escolaridade, tempo na escola e local de moradia- 2008

Os dados mostram que, devido ao número de professores (as) e à quantidade de salas,

alguns assumem mais de uma turma ou disciplina na escola. Isso não se apresenta como sendo

de grande dificuldade, visto realizarem planejamento integrado dos conteúdos e trabalharem

os temas com uma organização de escolaridade que não se restringe à perspectiva seriada.

No que se refere à escolaridade, 02 professoras tem apenas o magistério de nível

médio, o restante possui curso superior, dos quais, 04 com curso de especialização.

A maioria do professorado reside na sede do município, em Juazeiro, e se desloca todo

dia no transporte escolar até Lagoinha, onde se localiza a ERUM. Durante o período de

chuvas, a estrada fica interditada, implicando todos os anos no redimensionamento do

calendário escolar e, consequentemente, na reposição de aulas.

A Equipe da Escola e o CAAM apresentam como proposição para essa situação a

organização de um calendário específico para a ERUM, considerando a especificidade da

proposta e do contexto geográfico e ambiental e a pavimentação da estrada que liga a

comunidade ao distrito de Massaroca.

Page 317: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

317

Os professores que trabalham na ERUM têm vínculo profissional com a Secretaria

Municipal de Educação de Juazeiro. Uma reinvidicação do grupo é uma carga horária de

funcionamento da escola em tempo integral, para assegurar tempo de planejamento,

acompanhamento pedagógico e trabalho nas comunidades. Mas, tal proposta não foi aceita

pela prefeitura. Todo esse trabalho é realizado em outros expedientes, o que acontece como

fim. Tal fato fica evidente na fala a seguir:

A falta de apoio dos gestores públicos com a escola é grande, Sai governo e entra governo no município, e continua a mesma coisa. A gente trabalha com nosso compromisso e porque acreditamos na proposta, Toda a discussão que tem no Brasil sobre Educação do Campo, parece que o pessoal nos municípios nem toma conhecimento para efetivar essas políticas. Fica só a luta nossa! Dos professores para continuar com esse trabalho. (Educadora 1)

No início a Escola possuía coordenadores pedagógicos para acompanhamento do

trabalho na escola, contato com as famílias, orientação aos alunos. Isso não foi assegurado

pelo poder público e, atualmente, um professor dentro de sua carga horária desenvolve

também o trabalho de coordenação pedagógica do grupo, porém, não tem essa função nem

carga horária específica por parte da Secretaria de Educação.

Do ponto de vista do pessoal técnico-administrativo, a escola conta com um número

pequeno de profissionais, que se revesam para manter a escola organizada, como podemos

observar no quadro a seguir.

Page 318: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

318

Função Sexo Escolaridade Tempo de

ERUM

Local de Moradia

Secretaria F Magistério 10 Saquinho

Apoio Limpeza F Ensino Médio 05 Poções

Apoio Merenda F Ensino Médio 10 Lagoinha

Fonte: Secretaria da ERUM 2008.

Quadro 28 - Pessoal Técnico-Administrativo da ERUM por sexo, tempo de atuação e local de moradia 2008

Os dados nos mostram que o pessoal técnico é do sexo feminino, possui escolaridade

de nível médio e já atua na ERUM há mais de 05 anos. Todos moram em comunidades de

Massaroca.

A formação da equipe também ocorre em serviço, pela troca com os colegas mais

antigos e nos momentos do planejamento coletivo, conforme podemos ver nos relatos:

Quando eu cheguei, vi que aqui o trabalho era muito diferente do que eu fazia noutras escolas, tive que ir aprendendo na experiência com os colegas, no planejamento do itinerário na escola, no trabalho com os estudantes em sala de aula. É tanto que eu podia ficar numa escola lá em Juazeiro, mas eu prefiro vir todo dia pra cá, porque a gente tem autonomia, sente que os estudantes querem aprender e como a escola trata do contexto do campo: da vida das pessoas que vivem aqui. A gente acaba se envolvendo com as questões da comunidade, com as pessoas, cria vínculos. (Educadora 2)

A autonomia no trabalho docente é sinalizada pelos educadores (as) como um

diferencial da escola em relação a outros, o que motiva a sua permanência e envolvimento

com a dinâmica escolar e comunitária.

Prática gestora: participação na gestão

A prática gestora da Escola assume um movimento institucional de participação do

coletivo na formulação, definição e implementação das estratégias e atividades

administrativas e pedagógicas. Essa participação na gestão é traduzida nas formas de trabalho

na escola, ritos e normas como, por exemplo, o calendário escolar que é discutido com toda a

equipe da escola, para definir as datas definidas pela Secretaria Municipal de Educação e as

Page 319: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

319

atividades específicas da Escola. Após esse procedimento, o calendário é encaminhando para

a Secretaria de Educação e para o CAAM (ANEXO F).

O Comitê tem uma participação na escola, principalmente no que se refere às decisões

mais gerais de funcionamento administrativo e pedagógico. No cotidiano, isso é feito com o

coletivo da equipe pedagógica da escola.

Nos últimos anos, segundo os depoimentos, a participação do CAAM e dos parceiros

tem diminuído, o que acarreta dificuldades para o fortalecimento e ampliação da proposta da

Erum, conforme podemos ver nos depoimentos:

O CAAM já teve uma participação mais ativa nas questões administrativas e pedagógicas da escola. Não sei o que anda acontecendo com o CAAM, se são as mudanças externas ou internas que estão afetando o trabalho. Depois antes existia muita parceria CIRAD, EMBRAPA, EBDA, Universidade. Estas parcerias se afastaram mais, e isso impactou também a escola, pois, antes, além dos espaços de formação que tínhamos, eles davam suporte para os projetos desenvolvidos pela comunidade. Parece que todo mundo está sentido esse afastamento dos parceiros. (Educador 3) Antes tinha muita parceria, mas depois os parceiros foram se afastando, porque achavam que já podíamos caminhar sozinhos. É verdade em parte. Temos muita coisa que podemos fazer. Agora sem apoio nem do poder público fica difícil, porque muita coisa acaba saindo até do nosso bolso para que as coisas possam acontecer. E eu acho isso errado, mais vamos fazer o que? (Gestora da escola).

As parcerias, portanto, têm um papel a desempenhar na proposta pedagógica da

ERUM. Embora com uma equipe educativa atuante, e que assume as responsabilidades de

forma coletiva e compartilhada, algumas questões necessitam de apoio de parceiros e do

poder público para atingir um resultado significativo interna e externamente à escola.

O projeto pedagógico da escola inscrito num processo de democratização requer

necessariamente um planejamento coletivo do cotidiano da escola, no desenvolvimento do

itinerário pedagógico e na divisão das responsabilidades no grupo:

Aqui é um colegiado, todo mundo faz tudo, ninguém faz distinção se é professora, servente... Quando temos que organizar as atividades todo mundo participa. A gente vem no sábado para ir para as comunidades fazer pesquisa, tem semana que 08 horas da noite nós estamos reunidos lá em Juazeiro, fazendo planejamento. É importante esse compromisso do grupo numa proposta como essa, mas precisamos que isto também seja reconhecido institucionalmente. (Educadora 1)

Page 320: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

320

O esforço docente para concretizar as intenções geradas, discutidas pelo projeto

pedagógico da escola é o que assegura que elas se efetivem como ações na prática em sala de

aula.

No que se refere aos estudantes, existe uma intensa participação dos mesmos nas

atividades de sala de aula: na elaboração dos roteiros de pesquisa na comunidade, na

realização das entrevistas com a comunidade, na sistematização dos dados pesquisados e na

devolução das informações para a comunidade.

No entanto, embora conste no regime interno da escola a constituição do grêmio

estudantil, atualmente os alunos não possuem nenhuma forma de organização coletiva

enquanto discentes, como atesta o depoimento seguinte:

Anteriormente tinha uma organização dos estudantes, talvez porque tivessem mais idade. Nós tínhamos alunos com 20 anos, que participavam do comitê, mães de família. Isso dava uma clareza da importância de se organizar coletivamente. Agora eles, estão chegando muito novos aqui na escola, temos da educação infantil, e temos alunos terminando o ensino fundamental com 14 anos. Então, quando começam a amadurecer mais, chega a hora de ir para outra escola, que não trabalha nada do que fazemos aqui. Embora a gente levante a questão, eles ainda não conseguiram se organizar num grêmio ou algo equivalente. (Educador 3)

Tal fato evidencia que a organização estudantil na escola precisa ser pensada,

considerando a faixa etária dos estudantes, seu contexto, portanto, não ter um modelo único

predefinido.

Dimensão epistemológica: a concretização dos conteúdos da realidade no itinerário

pedagógico

A proposta filosófica e pedagógica da ERUM tem como referencial a realidade social,

política, econômica, ambiental e geográfica das comunidades rurais que compõem o CAAM.

No entanto, esse referencial é visto como um ponto de partida para uma abordagem global da

realidade do Semiárido e a convivência dos Seres Humanos dentro dessa realidade.

O processo de estruturação do Itinerário Pedagógico consiste em três momentos

fundamentais, conforme detalharemos a seguir:

Page 321: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

321

Desenho do Itinerário Pedagógico feito por estudante Foto 29: Silva, 2008.

Legenda: IR Ida à realidade (a observação) também chamado de estudo do meio; TC Tratamento Científico (a busca da compreensão) ou aprofundamento

das informações; VR Volta à Realidade (a busca da transformação) ou intervenção

A organização de cada etapa do itinerário pedagógico se orienta pelas fichas

pedagógicas, organizadas por unidades, a partir de cada bloco temático. No ano de 2008,

como não contavam na escola com uma coordenação pedagógica, não foram estruturadas

fichas específicas para o trabalho com a comunidade Caldeirão do Tibério (comunidade a ser

estudada durante o ano de 2008).

A experiência do grupo com o planejamento do itinerário pedagógico e os objetivos de

cada bloco temático a ser trabalhado orientaram, na prática, o planejamento, conforme as

possibilidades e o saber que já possuíam, como explica o educador 4:

Esse ano a gente não conseguiu montar uma ficha pedagógica específica para o estudo desta comunidade. No planejamento quinzenal, a gente vai discutindo e elaborando cada momento, e as responsabilidades de cada

Page 322: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

322

professor na formulação, aprofundamento e sistematização em sala de aula. É claro que a ficha dá mais segurança, principalmente, para o pessoal que é mais novo na proposta. Mas precisa que alguém dedique tempo, organizando, estruturando, discutindo com o grupo, reformulando, e no momento, não temos essa pessoa com essa dedicação. (P4)

A organização curricular se dá a partir de blocos temáticos, que selecionam e

estruturam os conteúdos a serem distribuídos e sistematizados em sala de aula155.

Atualmente os blocos temáticos são:

Gráfico 20 Organização Curricular ERUM

Cada bloco temático é um agrupamento de temas geradores que fazem parte do

de todas as

disciplinas. Cada bloco temático tem uma disciplina que coordena seu processo de pesquisa e

sistematização e que possibilita a articulação e integração dos conteúdos com as demais áreas

de conhecimento.

155 Nos primeiros anos os temas escolhidos foram: agropecuária, cultura e civilização, atividades de

transformação e serviços e saúde de nutrição. Com a vivência da metodologia, esses temas foram readequados para os temas atuais.

Page 323: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

323

BLOCO TEMÁTICO TEMATIZAÇAO DISCIPLINA COORDENADORA

ESPAÇO

Origens e evoluções dos espaços do mundo rural e urbano e do planeta

Geografia

ORGANIZAÇÃO SOCIAL Processo de organização social dos homens e das mulheres rurais na família, na comunidade e na sociedade.

História e Português

PROCESSO PRODUTIVO Processos produtivos e tecnológicos no rural nordestino e no semiárido. Processos de beneficiamento da produção, comercialização,

Empreendedorismo e Matemática

NECESSIDADES DE VIDA

Problemas sociais, ambientais, saúde, sanitários do Semiárido.

Ciências e Educação Física

CONVIVIO SOCIAL Relação escola e comunida, animação cultural, convivência dentro e fora da escola, estudos dos aspectos sociais, políticos e culturais das comunidades que compõem a escola.

Transversal a todas as disciplinas

Fonte: Organizado pela autora a partir de documentos da escola.

Quadro 29 Bloco temático, tematização e disciplina coordenadora

Esses blocos temáticos foram definidos pela equipe educativa e parceiros, com a

finalidade de integração do currículo e organização do tempo curricular. Cada tema determina

uma sequência ou unidade de ensino, condicionando o tempo de sua duração. Assim, não

existe uma predeterminação de tempo para cada tema, que é trabalhado conforme o itinerário

pedagógico que pode ser assim representado:

Page 324: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

324

Gráfico 21 - Itinerário Pedagógico da ERUM

trilhar o caminho

comunidade que será estudada durante o ano. Em seguida, a escola se mobiliza para organizar

o primeiro passo do itinerário que é o estudo da realidade, definindo diferentes instrumentos

para sua realização. No ano de 2008, foram definidos os seguintes instrumentos: construção

da história da comunidade, o estudo da paisagem, a construção do mapa mental da

comunidade e a pesquisa de campo.

O planejamento do primeiro passo transforma a escola num processo de produção de

conhecimento, com diferentes atividades, realizadas por todas as turmas. Por exemplo, a

organização do roteiro de entrevista com a moradora mais antiga para resgate da história,

organização dos itens de entrevista de cada bloco temático, divisão dos grupos para o estudo

da paisagem, aprofundamento e estudo em sala de aula dos instrumentos a serem utilizados:

mapas, entrevistas, observação etc.

A organização dos grupos para pesquisa é registrada e socializada com toda a escola,

bem como os professores responsáveis por cada grupo. O mural da escola é um instrumento

de comunicação e socialização das definições coletivas, como pode ser visto na foto n° 30:

convivência com o

semiárido

Conhecimentos prévios sobre a

comundiade

organização da pesquisa - inqueridto -

blocos temáticos

ida à comunidade sistematização dos

dados

aprofundamento dos conteudos

socialização

devolução a comunidade

Page 325: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

325

Mural com a divisão das equipes Foto 30: Silva, 2008

cheio de implicações mútuas e interdependências. Daí partir para compreender cada elemento

e depois deste trabalho analítico, reconstituir

(SENA, apud Reis, 2006, p. 46)

Cada bloco temático tem como objetivo o aprofundamento de um determinado aspecto

da realidade social, econômica, produtiva e geográfica da comunidade. A divisão das

temáticas considerou a faixa etária do grupo, no ano de 2008, ficando organizadas de forma

que descrevemos a seguir.

Da Educação Infantil até o 5° ano objetivou-se o resgate, a vivência e o

aprofundamento da dimensão cultural da comunidade. Para isso, realizou-se levantamento das

brincadeiras da comunidade de antigamente e de hoje; lendas e ditados populares existentes

na comunidade; e danças e músicas da comunidade. Na sala de aula, a dimensão lúdica,

corporal e afetiva predominou durante todo o trabalho de resgate da memória cultural da

comunidade, com atividades de artes plásticas, cênicas e educação musical.

O 6° ano coordenou o processo de pesquisa e sistematização do bloco temático

espaço, com a finalidade de compreender a rede de relações dentro do espaço, no que se

refere à geografia, à ocupação do espaço, à relação com a natureza, à relação entre as pessoas

e como ela interfere na produção da existência na comunidade. Na sala de aula, a produção

Page 326: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

326

escrita, a leitura, o mapa mental e o estudo da paisagem foram atividades que envolveram o

grupo.

O 7° ano coordenou o processo de pesquisa e sistematização do bloco temático

processo produtivo, enfatizando inicialmente as condições de vida. Buscou identificar as

condições de vida das famílias nos aspectos de renda, vida educacional, moradia, trabalho e

lazer. Na sala de aula, a construção de gráficos, tabelas, quadros, debates sobre orçamento

familiar, geração de renda, beneficiamento e comercialização da produção contribuíram para a

sistematização das informações coletadas durante a pesquisa.

O 8° ano coordenou o bloco temático necessidades da vida, enfatizando inicialmente

as condições de saúde na comunidade, com a finalidade de aprofundar a compreensão da vida

comunitária em todos os aspectos relacionados à saúde coletiva e individual. Na sala de aula,

o estudo sobre alimentos, nutrição, doenças existentes na comunidade, remédios

homeopáticos, ervas medicinais e saúde pública no Brasil foram conteúdos trabalhados e

sistematizados.

O 9° ano coordenou o bloco temático organização social e desenvolvimento da

comunidade, com a finalidade de identificar as relações comunitárias, os atores sociais

presentes na comunidade, os processos organizativos e as estratégias de desenvolvimento

sustentável existente. Na sala de aula, o grupo se empenhou na elaboração de projetos de

intervenção nos principais problemas identificados na comunidade.

Nesta primeira fase, a construção de três instrumentos articula o aprofundamento dos

conteúdos pedagógicos e as atividades que são desenvolvidas em sala de aula: o estudo da

paisagem, o mapa mental e a elaboração dos instrumentos de pesquisa de campo, cujos

objetivos são estabelecidos nos textos abaixo:

Estudo de paisagem é o retrato da comunidade, onde se observa a natureza, o solo, os recursos hídricos, as casas, as roças, as plantações, os animais e as pessoas. Para realizar esse estudo, precisamos aprender a nos localizar e nos orientar no espaço. Conhecendo os pontos cardeais e assim perceber a localização da comunidade a ser pesquisada, e com quem ela se limita ao norte, ao sul, ao leste e ao oeste. O Estudo da Paisagem é importante porque representa o espaço da comunidade com seus elementos, através do desenho que nós chamamos de mapa. (texto coletivo do 6° ano) O mapa mental é um instrumento que ajuda o estudo da realidade. Primeiro, os colegas que são da comunidade falam sobre ela, faz um desenho inicial, depois no dia de ida à comunidade, as pessoas do lugar juntamente com os professores e os alunos fazem o mapa da comunidade. Para isso, a gente se orienta pelos pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste), e as pessoas da comunidade vão dizendo tudo que tem em cada local, e os colegas vão

Page 327: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

327

desenhando, ele serve para orientar o estudo da paisagem. Depois na escola a gente faz um mapa mental final da comunidade. (texto coletivo do 6° ano) Os instrumentos da pesquisa de campo são os questionários e roteiros de entrevistas que a gente organiza dentro de cada tema, para ser feito com as pessoas da comunidade, para saber: características geográficas da comunidade; condições de vida; a saúde do lugar, a história da comunidade. (texto da turma do 7° ano)

A elaboração desses instrumentos suscita o aprofundamento de vários conteúdos

pedagógicos em sala de aula como, por exemplo: o que é espaço, orientação espacial,

construção de escalas métricas, o que é uma entrevista, o que é um questionário, mapas, o

que é comunidade, como se formam as comunidades, fontes de renda, tipos de trabalho, saúde

individual e coletiva etc. Isso se faz a partir de diferentes atividades: desenhos, registros

escritos, debates em sala de aula, pesquisa sobre a temática nos livros, elaboração de

questionários, elaboração de convites, construção de textos coletivos, realização de cálculos

matemáticos etc.

Ida à comunidade: processo de aproximação e conhecimento da realidade social

O sábado foi o dia melhor para a comunidade receber a escola, para possibilitar a

participação de todos os professores, funcionários e estudantes. O trabalho de campo teve

início numa área escolhida pela comunidade, o leito de um rio que naquele período estava

seco, o que permitiu a acomodação de todas as pessoas em círculo para acompanhar o relato

da história da comunidade, narrada pela moradora mais antiga.

A entrevista foi conduzida e gravada pelos professores, para ser transcrita e,

posteriormente, trabalhada em sala de aula pelas turmas.

Page 328: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

328

Narrativa da história da comunidade por moradora Foto 31: Silva, 2008.

O momento de narrativa da história da comunidade por uma moradora mais antiga

representa o encontro de gerações idosos, crianças e adolescentes - e dos saberes

acumulados por geração, o que assume um papel fundamental no itinerário pedagógico,

conforme podemos verificar no depoimento a seguir:

A história da comunidade é muito importante, pois a gente resgata os conhecimentos dos mais velhos da comunidade, valoriza o seu saber, resgata a importância da memória. Eles ficam muito satisfeitos em contribuir com a escola, e principalmente de poder ensinar alguma coisa para a escola. (Educadora 2)

O processo de coleta das informações começa pela entrevista com os moradores mais

antigos, que ajuda os educandos (as) a construírem o mapa mental da comunidade. Para isso,

o processo vai sendo materializado a partir da localização dos pontos cardeais pelos

estudantes e debate com os moradores do que fica localizado em cada lugar:

Page 329: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

329

Educando localizando os pontos cardeais da comunidade Foto 32: Silva, 2008.

Após a localização e discussão com os moradores, numa folha de papel madeira

grande, começaram a desenhar o mapa. Nesse momento, alguns pontos são destacados pelos

moradores no desenho: a estrada foi o primeiro a ser desenhado e serviu de referência para

localização das moradias. Houve o destaque para a energia elétrica que foi colocada

recentemente na comunidade; a construção das cisternas para armazenamento de água; a

localização do cemitério na comunidade; o fundo de pasto; e a existência na comunidade de

algumas casas que estão fechadas porque as pessoas mudaram para a cidade para trabalhar ou

porque os filhos precisavam continuar os estudos. Isso pode ser visto no mapa produzido

pelas crianças:

Page 330: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

330

Mapa mental da comunidade Caldeirão do Tibério Foto 33: Silva, 2008.

Com o mapa mental, os alunos foram distribuídos em grupos para o levantamento das

informações de cada bloco temático. Cada grupo de dois estudantes e dois professores

coordenadores realizaram as visitas às casas.

Entrevista com os moradores Fotos 34 e 35: Silva, 2008.

Esse momento de levantamento das informações junto a cada família residente na

comunidade tem um significado para os envolvidos no trabalho, como destaca o estudante:

Page 331: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

331

Para mim é fundamental para a gente aprender. Fazer o estudo da realidade, pesquisar com as comunidades, conhecer o que eles fazem para a gente ajudar. Por isso que eu gosto muito da minha escola porque é diferente das outras. Ensina coisas novas sobre nossas comunidades (Estudante 1)

Para nós é um orgulho a escola vir na nossa comunidade, escutar a gente, procurar ver o que a gente tem aqui, como é nossa vida. Eu fico muito satisfeito de conversar com as crianças. De ver que eu posso ensinar alguma coisa, principalmente eu que não tive estudo. (Morador 1)

Após todas as equipes concluírem o levantamento das informações, o grupo retornou

para a escola para uma avaliação do trabalho, na qual foram destacados os pontos positivos e

os limites do trabalho, como foi o desempenho dos educandos (as), a coordenação do trabalho

pelos educadores (as), o envolvimento da comunidade e as questões que chamaram a atenção

do grupo. Discutiu-se os encaminhamentos e as responsabilidades de cada turma, na

continuidade do itinerário pedagógico.

O processo de sistematização e aprofundamento dos conteúdos: tratamento científico das

informações.

Esse momento do itinerário pedagógico ocupa um tempo cronológico significativo na

organização escolar e tem como finalidade o aprofundamento dos conteúdos identificados na

pesquisa da comunidade.

Um primeiro passo é a sistematização das informações coletadas, que são distribuídas

por turma para sua organização e análise, como podemos ver no quadro n° 30, para serem

apresentadas à comunidade posteriormente.

Page 332: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

332

6° ANO 7° ANO 8° ANO 9° ANO Organização do mapa mental Registro da história da comunidade Organização dos dados gerais da comunidade: população, faixa etária, escolaridade, etc. Relatório das atividades que foram desenvolvidas na comunidade

Orçamento familiar Atividades produtivas desenvolvidas na comunidade Fontes de renda da comunidade Renda per capita individual, familiar e comunitária. Construção dos gráficos com os dados de condições de vida

Levantamento da situação de saúde na comunidade Fontes de água e seu uso Estatística dos principais problemas encontrados no que se refere à saúde individual e coletiva

Tabulação das entrevistas sobre organização da comunidade

Levantamento dos pontos positivos e negativos existentes na comunidade Sugestões que apareceram para o desenvolvimento da comunidade

Fonte: organizado pela autora a partir das definições do grupo

Quadro 30 Sistematização das informações a serem apresentadas a comunidade

O coletivo define que a primeira informação a ser trabalhada com a comunidade é

sobre o itinerário pedagógico da escola e os instrumentos utilizados para o levantamento das

informações durante o trabalho de campo. Em seguida, cada turma apresenta a sistematização

das informações coletadas dentro do bloco temático que estava responsável.

Durante e após a sistematização em sala de aula, as informação advindas da pesquisa

orientam os conteúdos a serem trabalhados em cada turma, conforme podemos ver no

exemplo de um planejamento quinzenal:

Page 333: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

333

6° ano 7° ano 8° ano 9° ano Discutindo o estudo da realidade: estudo da paisagem Sistematização da pesquisa

Introdução ao estudo dos solos (conceito, importância, tipos, composição, perfil).

Impactos ambientais/problemas ambientais

Sistemas de produção: Calendário agrícola

Estudo sobre Fundos de Pasto

Discutindo o estudo da realidade: Inquérito de condições de vida

Rendimentos e despesas na família - renda per capita

Os programas do governo de geração de renda

Alimentação e a energia dos alimentos

SUS- Sistema Único de Saúde

A previdência social e aposentadoria rural

Discutindo o estudo da realidade: Inquérito organização da produção

Produção de bens na sociedade e atividades econômicas: agricultura, comercio e indústria

Atividades econômicas locais: caprinovincultura e agricultura

Comercialização

Técnicas de Marketing no empreedeorismo rural

Discutindo o estudo da realidade: Organização social

Sociedade: modos de produção

Grupos sociais liderança

A economia mundial e local

Organizações sociais

Cooperativismo

Fonte: organizado pela autora a partir de informações do planejamento

Quadro 31 Temáticas a serem trabalhadas em cada turma.

Alguns professores (as) demonstram mais facilidade em fazer a contextualização e

integrar os conteúdos às informações do que foi levantado na pesquisa, e inclusive enfatizam

a importância disso:

Nós trabalhamos 60% dos conteúdos a partir do estudo da realidade. As informações coletadas na pesquisa orientam o trabalho dos conteúdos em sala de aula. Para mim, isso é um diferencial desta proposta para outras escolas. Quer um exemplo? A maioria dos estudantes por ai passa a vida estudando geografia, e não sabem ler um mapa. Aqui nos construímos os mapas, legendas, escalas, fazemos a leitura de diferentes tipos de mapas, explicamos, entendemos o que significa cada tipo de mapa. Para mim, isso faz uma diferença danada na organização da escola, do currículo, de tudo. (Educador 1)

Outros já sentem mais dificuldades em fazer essa contextualização, principalmente,

este ano que não teve a elaboração das fichas pedagógicas, que ajudavam no planejamento

nunca fiz nem na Faculdade quando estudei, nem noutra escola, por isso, quando tinha as

Page 334: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

334

No processo de aprofundamento dos conteúdos é adotada uma diversidade de

estratégias didáticas na sala de aula: desenhos, pinturas, tabelas, gráficos, textos coletivos,

quadros comparativos, músicas, dramatizações, experimentos na horta, debates, vídeos, com

momentos coletivos de socialização entre as turmas, para definição da forma de apresentar na

comunidade, o tipo de informação a ser destacada, a postura durante a apresentação, e quais

os pontos para debate com a comunidade após a apresentação.

As turmas da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental também

realizavam uma sistematização da temática da cultura, cuja estratégia consistia em:

levantamento oral das informações coletadas, registro no quadro pela professora das

informações, escrita de texto coletivo sobre o tema, trabalho de interpretação e análise do

texto, discussão sobre regras gramaticais e escrita das palavras, transformação do texto escrito

em outras formas de linguagem: desenho, pintura, recorte e colagem, dramatização, vivência

das brincadeiras, cantigas de roda e danças na sala de aula. Vejamos duas ilustrações do

trabalho abaixo:

Painel de registro das lendas Painel de registro das danças da comunidade Foto 36: Silva, 2008. Foto 37: Silva, 2008.

No que se refere à organização curricular da escola, existe a necessidade de um

aprofundamento da vivência do itinerário pedagógico, nas turmas de Educação Infantil e dos

anos iniciais do Ensino Fundamental, que não estruturam seu trabalho a partir dos blocos

temáticos.

Todavia, mesmo com essas dificuldades no aprofundamento do conteúdo a partir das

informações da pesquisa, a articulação com as diretrizes curriculares para cada etapa da

Educação Básica e as orientações advindas da Secretaria de Educação, todas as turmas

Page 335: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

335

possuem algo em comum: a participação dos estudantes no debate dos conteúdos em sala de

aula, o clima de camaradagem entre educadores (as) e educandos(as), a preocupação de que

o contexto das crianças seja o ponto de partida e uma preocupação ativa pela aprendizagem

dos estudantes.

Essas questões se expressam nos depoimentos abaixo:

Eu gosto muito de minha escola, porque é diferente das outras. Aqui todo mundo se conhece. Ensina coisas novas sobre nossa comunidade. É uma escola muito família. A gente se sente bem. (Estudante 1)

Aqui a gente não só estuda, a gente trabalha, a gente brinca. Aprende também fora da sala de aula. Eu gosto muito da horta pedagógica... E também ir para o estudo da realidade. (Estudante 2)

Aqui os professores são muito amigos. Conversam com a gente, orientam quando vê algo errado, explicam quando temos dificuldade, e ainda são engraçados, dizem brincadeira. A gente se sente a vontade na escola. (Estudante 3)

O que a escola tem me ajudado mais foi a estudar a realidade, a falar em público, antes eu tinha vergonha, ninguém nem ouvia a voz. E a pesquisa ajuda muito a comunidade. Quando a gente mostra os resultados mexe muito com a comunidade. (Estudante 4)

A dificuldade que eu vejo na escola é... as dificuldades financeiras. Eu não entendo... Porque os professores batalham muito. Era muito bom que a gente tivesse uma biblioteca, laboratório de informática, quadra de esporte.... A senhora viu?! A gente faz voleibol ali no campo de areia... (Estudante 1)

O gostar da escola, a pesquisa da realidade, o relacionamento como os professores (as)

e as mudanças que trazem para sua vida, aparecem nas falas dos estudantes, como sendo a

diferença entre a sua escola e as outras. Entretanto, parece que ela tem algo em comum com

outras localizadas no campo brasileiro: as dificuldades no seu financiamento e na sua infra-

estrutura.

Page 336: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

336

Devolução na comunidade: fechando ciclo

O espaço escolhido para a socialização foi um pátio grande de uma casa,

possibilitando que os moradores e professores formassem um grande círculo, ficando as

crianças sentadas ao centro.

Foi feito uma dinâmica de entrosamento com uma cantiga de roda, que tinha sido

ensinada às crianças por uma moradora da comunidade durante a pesquisa, e em seguida a

apresentação de todos os presentes156.

Um dos professores falou sobre o objetivo da devolução, e a importância da

comunidade interagir com o que foi sistematizado para fazer acréscimos, correções,

sugestões, pois isso daria subsídios para a definição dos projetos individuais ou coletivos a

serem elaborados pelos estudantes, considerando as problemáticas identificadas e os

conhecimentos construídos.

Os grupos começaram a apresentação de cada bloco temático a partir do planejamento

elaborado na escola e, em seguida, circulava a palavra para complementações dos presentes,

que geralmente sinalizavam com algumas questões que eram registradas para o caderno de

relatório final com os inquéritos sistematizados por todas as turmas.

Devolução na comunidade Foto 38 e 39: Silva, 2008.

156 Nesse momento foi solicitado que nos falássemos dos objetivos da nossa pesquisa e o que estávamos fazendo

na escola.

Page 337: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

337

Após essa devolução, os meses de final de ano foram dedicados à elaboração do

caderno de sistematização de cada bloco temático e à elaboração do Projeto de Intervenção

pela turma do 9° ano, que consistia num projeto coletivo de horta comunitária, que ficou de

ser apresentado à comunidade no início do próximo ano, para discussão de sua viabilidade.

Nesse momento se dá a ligação entre teoria-prática, escola-trabalho-comunidade com

a realização de uma proposta que ofereça algum produto para a comunidade, a

experimentação de técnicas, produção de conhecimentos que ajudem a comunidade a buscar

alternativas para suas problemáticas.

Uma novidade na escola neste período foi a aquisição de uma rádio com os recursos

provenientes do Programa Dinheiro Direto na Escola. A rádio estava instalada em todas as

salas de aula, e no pátio da escola, e durante o horário de entrada, recreio e saída realizavam

apresentações: músicas, poesias, avisos, leitura de notícias. Em alguns momentos toda a

escola se reunia para ouvir noticiários da rádio local ou então para ouvir música e dançar.

No que se refere à prática avaliativa, ela é parte integrante do itinerário pedagógico,

dimensões quantitativas e qualitativas, utilizando-se de diferentes instrumentos, conforme a

natureza do que está sendo avaliado: relatório de visita de campo, fichas de observação,

produção de texto, exposições orais, testes escritos, etc..

Podemos perceber que a escola, através dos conhecimentos trabalhados, tem gerado

uma rede de relações entre a família, a escola e a comunidade, existindo no grupo o desejo e o

compromisso de fazer o novo, de buscar mudanças e, principalmente, de contribuir com a

comunidade para que ela possa refletir e intervir em sua realidade de forma organizada e

coletiva.

Page 338: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

338

VII CAPÍTULO - ESCOLAS DO CAMPO: CENÁRIOS PLURAIS DE REDE DE RELAÇÕES DE SABERES, SUJEITOS E RITUAIS

Page 339: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

339

O que vincula escola, trabalho, cidadania, mercado não é apenas o conteúdo de cada matéria, mas, sobretudo a escola mesma, seus valores, lógicas, significados, símbolos, relações sociais nem sempre explicitadas e assumidas, porque cotidianizadas, institucionalizadas e rotinizadas. A escola, seus valores, sua cultura, suas relações sociais são decisivas para o aprendizado das relações de produção.

Miguel Arroyo

As práticas pedagógicas das Escolas do Campo, sua dinâmica de funcionamento, a

organização do trabalho pedagógico e suas práticas curriculares constituem o objeto deste

capítulo.

Entrar no cotidiano das escolas do campo foi fundamental para a análise e

entendimento das suas práticas pedagógicas e para percebê-la como um espaço-tempo

privilegiado de materialização das contradições existentes na sociedade e das políticas

educacionais, mas também, de aprendizagem de suas singularidades cotidianizadas numa

organização curricular.

São muitas as possibilidades do ensinar - aprender na direção da formação humana,

nas interações entre os sujeitos educador-educando, na interlocução entre saberes populares e

científicos, num ciclo do conhecimento que tem origem na pergunta e que, portanto, reinventa

a Escola no Campo.

Entender a vida da Escola exigia, assim, a convivência com sua dinâmica. Essa

postura é fundamental, segundo Marli André (1995, p. 42), para o estudo da prática escolar,

que não deve se restringir a um mero retrato do que se passa no seu cotidiano, mas envolver

um processo de reconstrução dessa prática, desvelando suas múltiplas dimensões, refazendo

seu movimento, apontando suas contradições, recuperando a força viva que nela está presente.

Portanto, nos interessou a dinâmica da sala de aula, mas logo percebemos que a prática

pedagógica não se esgotava nela, pois gerava processos que antecediam e decorriam do

trabalho que desenvolvia.

Com base nos estudos sobre a prática pedagógica (FREIRE, 1978, 1996, 2008;

FREITAS, 1987; SOUZA, 2001, 2006, 2009), a entendemos como ação coletiva desenvolvida

na instituição escolar e fundada numa concepção de mundo-ser humano-educação, organizada

no contexto cultural do campo, conformada pelas interações entre diferentes sujeitos

(docentes, discentes, gestores, técnicos administrativos), na apropriação e ampliação dos

conteúdos pedagógicos que os ajudem a compreender e atuar nesta realidade.

Page 340: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

340

Nesse sentido, a categoria analítica prática pedagógica, enquanto movimento

permanente entre ação-reflexão-ação perpassa o trabalho pedagógico de todos os lugares

institucionais, gerando a necessidade de uma intervenção consciente no contexto, referenciada

nos conhecimentos científicos e vinculada à realidade social dos sujeitos da escola. Dessa

forma, a elaboração de finalidades e a produção de conhecimento, na indissolúvel unidade

pensamento/ação, são resultantes da atividade da consciência, o que permite ao ser humano

conhecer para agir e se conhecer agindo.

A organização do trabalho escolar é o responsável pela instituição daquilo que Jean-

Claude Forquin (1993) chama de mundo social da escola, ou sej

de vida próprias, seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de

167).

7.1 O itinerário pedagógico das Escolas do Campo como tessitura de saberes, fazeres e

sujeitos na mediação com o conhecimento

A maneira de olhar, escutar e observar o itinerário pedagógico de cada escola nos

possibilitou compreender a forma como organizavam o trabalho escolar, o trato com o

conhecimento, o envolvimento dos sujeitos na produção do conhecimento, a dinâmica

instaurada na gestão escolar e o desenvolvimento da prática docente.

A tessitura de fios que teciam os caminhos nos quais cada escola materializava sua

prática pedagógica se evidenciava num instrumento articulador de uma rede de saberes,

fazeres e sujeitos no processo de produção do conhecimento. Esse entrelaçamento de relações

denominado por algumas propostas como itinerário pedagógico constitui e institui as relações

entre os educadores (as) e educandos (as), organiza o trabalho pedagógico, seleciona e

organiza os conteúdos pedagógicos trabalhados em cada escola.

O movimento contraditório de cada contexto sócio-cultural e educacional das

comunidades e municípios, nos quais se inserem as escolas, imprimem traços de singularidade

em cada uma delas, e faz com que o Itinerário Pedagógico cada vez mais ganhe uma

dimensão de itinerância pedagógica.

itinerância representa o percurso estrutural de uma existência concreta e inacabada, seja de

Page 341: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

341

uma multiplicidade de itinerários contraditórios e aprendizados que se mesclam numa trama

de transformações e permanências.

Esse movimento de transformações e permanências de aprendizado reflete-se na fala a

seguir:

quando a gente começou foi quebrando a cara... não tinha muita coisa escrita a respeito. A gente vai fazendo uma série de ensaios e erros. Refletindo sobre o que a gente tava fazendo e percebendo os melhores caminhos. Então não é assim, um rumo certinho. A prática vai ensinando a todo mundo. As pessoas vão mudando: estudantes, professores, a comunidade. As concepções, as ideologias que as pessoas chegam aqui, às vezes geram dificuldades para vivencia da proposta, então vamos estudando, fazendo, refletindo, e vamos reorientando os rumos (Gestora de Escola 1 )

A itinerância pedagógica se organiza num movimento, no qual

ensinando a todo mundo

A participação dos

sujeitos da escola se redimensiona na interação com o conhecimento construído a partir da

pesquisa da realidade, sua sistematização e aprofundamento em sala de aula e na interação

com a comunidade.

A escola torna-se um centro de produção do conhecimento no qual a realidade social

torna-se conteúdo pedagógico básico, conforme podemos ver nos depoimentos abaixo:

Como professora, o que tenho aprendido mais é com a convivência com os estudantes. Eu aprendo muito da realidade do campo com eles na sala de aula. Esse tempo que eles ficam na escola, a gente tem que ser um pouco de tudo: professora, orientadora, amiga, e isso leva a conhecer mais a realidade das comunidades que eles vivem. Para mim que sempre vivi na cidade, isso é um aprendizado, o valor do trabalho, a articulação entre teoria e a prática. (Educadora 1)

Depois que eu entrei aqui aprendi a dar valor a minha terra, a minha família, a comunidade onde vivo. A importância que tem a prática para a gente aprender... Eu nunca tinha pesquisado coisas sobre a realidade, esses diferentes assuntos. Aprender não somente as matérias, mais a convivência com as pessoas. Aqui os professores são mais interligados com a gente. Os professores te conhecem em qualquer lugar que te encontra, te ajudam, dialogam com a gente. A gente percebe que eles se preocupam que a gente aprenda. (Estudante 3).

Eu tenho aprendido muito com a escola. Aprendemos mais trabalhar com o solo não fazendo queimadas, não cortando as árvores e sim fazendo cobertura de folhas secas, outros mais que servem para subsistência do solo.

Page 342: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

342

Aprendemos como fazer nosso plantio de uma forma mais estruturada, como obter semente de boa qualidade para colhermos boa alimentação para nossa família. (Pai de estudante 2)

Depois que eu vim trabalhar aqui eu me transformei. Eu comecei a notar inclusive a diferença das escolas que minhas filhas freqüentam, pois é uma

não estudam nada do campo, ficam distante do trabalho que a gente na família, vai realizando. Eu comecei a olhar minha propriedade de forma diferente. Além disso, os estudantes ajudam muito nosso trabalho, são interessados, participativos, cooperam muito com os trabalhos, eu me admirei muito com o trabalho, principalmente dos meninos. Eles fazem tudo: lavam, limpam, organizam as coisas, não tem essa história porque são homens (Técnico-administrativo 2)

A valorização do trabalho no campo, a realidade social tomada como conteúdo da

escola, a apropriação, interpretação, sistematização e ampliação dos conhecimentos para

intervir na realidade do campo aparecem nas falas como mudanças trazidas pela prática das

escolas.

Os saberes dos sujeitos se tornam conteúdos em sala de aula:

e o aprendizado extrapola o espaço da sala de

aprendemos mais trabalhar o solo, não fazendo queimadas, não cortando as árvores, e

Assim, nas Escolas do Campo, a aprendizagem é

para a vida, mas a vida também torna-se uma escola, à medida que se constrói um movimento

de aprendizado entre a escola e a comunidade.

Essas práticas modificam a dinâmica no interior da sala de aula e da escola, bem como

nos espaços familiares e de trabalho, nos quais a convivência entre os pares e a participação

torna-se fundamento de organização do trabalho escolar e, consequentemente, condiciona e

explica as relações com os espaços que estão ao seu redor.

A organização do espaço da escola, enquanto interação entre as pessoas e os recursos

para atingir os objetivos propostos para o ensino aprendizagem, explicita-se na organização

do espaço físico e do espaço pedagógico.

Na organização do espaço físico, predomina na maioria das salas de aula a organização

em semicírculos, pequenos grupos, duplas. As aulas se alternam em exposições, debates,

seminários, leituras, pesquisas em sala e em campo, e, por meio da criatividade dos

educadores (as) e educandos (as) na construção de jogos didáticos, mapas, gráficos,

desenhos, pinturas e textos coletivos, reinventam-se os materiais pedagógicos em sala de aula.

Page 343: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

343

A organização do espaço físico não se dá de forma aleatória, mas a partir de uma

reflexão e definição coletiva. Por exemplo, o agrupamento dos educandos (as) em sala de

aula: por faixa etária, convivência, disciplina, interação na aprendizagem, competências e

conteúdos a serem construídos. Esses critérios podem ser definidos no planejamento do

período ou no decorrer das aulas por cada educador (a) como, por exemplo, a ajuda mútua e a

cooperação entre os educandos (as), conforme podemos verificar no depoimento seguinte:

durante essa semana vamos trabalhar com a turma organizada em duplas. É que, no planejamento, avaliamos cada um deles e percebemos quem poderia ajudar mais o outro neste período, porque uns têm mais dificuldade num conteúdo e o outro ajuda, outros têm mais dificuldade de se concentrar, então podemos junto com alguém que é mais centrado, o que facilita muito o trabalho. (Educadora 3)

A ênfase no trabalho em grupo, na maioria das salas observadas, não aboliu a

produção individual dos educandos (as). Segundo as educadoras, a produção individual dos

educandos (as) é importante para que possam analisar suas dúvidas, dificuldades,

potencialidades, possibilitando informações para o acompanhamento da aprendizagem e

avaliação no processo:

E importante fazer as atividades individualmente, porque a gente fica com mais elemento para verificar as dificuldades de cada um. Então, a gente organiza quem precisa de reforço, em que conteúdo. Isso foi ajudando muito a diminuir o número de repetência na escola. (Educadora 4)

A gestão da sala de aula é entendida como mediação das ações e interações entre

educandos (as) e educadores(as) em sala de aula, no manejo do conteúdo, na resolução de

conflitos, na responsabilidade pela disciplina, predominando uma postura democrática em

sala de aula. A maioria dos educadores (as) assume a responsabilidade pela organização da

sala e pela mediação pedagógica dos conteúdos, estimulando um clima de participação, de

valorização dos saberes e experiências dos educandos (as), de diálogo na perspectiva de

construção do conhecimento e de afetividade na forma de tratar com carinho e atenção a

turma.

É comum observar as educadoras (es) durante as aulas circular pela sala para

acompanhar o trabalho individual e coletivo dos educandos (as), tirar dúvidas, dar sugestões,

levantar questionamentos, utilizando diferentes estratégias para facilitar o processo de

ensino-aprendizagem, como é possível destacarmos no trabalho em sala de aula:

Page 344: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

344

(...) a professora vai anotando no quadro em forma de uma listagem as informações que as crianças lêem sobre a temática. As crianças sentadas em círculo vão falando e passando a palavra adiante (parece uma regra já construída na turma). A professora termina de escrever a listagem e pede para alguém ler em voz alta. A criança pergunta se no quadro ou na cadeira

com o dedo faz a leitura das palavras. A professora chama a atenção para o tipo de texto que está escrito no quadro: listagem. Explica qual sua finalidade e como deve ser organizado. Em seguida, pede para as crianças se organizarem em pequenos grupos, e construírem um texto sobre dança, usando as informações que foram anotadas. As crianças se organizam em pequenos grupos e começam a discutir como fazer o texto; enquanto isso, a professora vai circulando entre os grupos, esclarecendo as dúvidas e dando sugestões para organização do texto (...) (registro de aula no diário de campo)

A explicação sobre o trabalho em grupo, a ideia de responsabilidade e solidariedade,

avaliar e discutir os problemas e o agir, de acordo com suas capacidades e experiências,

também faz parte do acompanhamento das educadoras (es):

(...)

P157 E (nome do educando) vai ficar neste grupo. Porque ele vai ter o papel de ajudar aos colegas a registrar o que eles pesquisaram sobre a alimentação dos animais. Então, primeiro tem que discutir o tema, ouvir todo mundo, e depois ele vai ajudando o grupo a escrever. Entendido?

C Mas ele vai fazer?

P Não ele vai ajudar. O grupo todo vai fazer. Cada um fala o que pesquisou, outro desenha, e ele escreve o texto. (...) (registro de trecho de aula no diário de campo)

A interação entre educador-educando e educando-educando de forma participativa,

estimulando a aprendizagem, a partir de diferentes estratégias individuais e coletivas, é

predominante nas salas de aula, como mostra o trecho de uma aula na Educação Infantil.

(...) P - Gente eu vou contar uma historinha! Sabe como é o nome dela? C Não (em coro) P A Lenda do Minhocão! Alguém conhece essa história? Uma criança levanta a mão. P Fala pra gente então? A criança relata alguns trechos da história P - Muito bem! F. Então vamos ouvir a história como está escrito aqui no texto? Vamos fazer o seguinte: Fiquem na posição que acharem mais confortável e fechem os olhos. Eu vou contando e vocês vão imaginando a história. (a maioria das crianças se deita no chão da sala. E ela começa a circular entre eles contando a história com entonação diferenciada para cada trecho)

157 A letra P nos registros de aula indica a fala das professoras e a letra C das crianças.

Page 345: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

345

P Pronto gente, pode abrir os olhos!. E agora quem quer contar o que viu? As crianças começaram a contar vários detalhes da história. P E o que essa história tem a ver com nosso município? C Por que foi a santa que protegeu C A santa ficou nas grutas, e foram os índios quem encontrou C- Ai fez a igrejinha para santa, e foi construindo as casas, até ficar a cidade grandona P Isso! Então agora vocês vão passar a história para o papel. (...) (registro do diário de campo)158

O resgate dos conhecimentos prévios das crianças sobre as temáticas estudadas para um

aprofundamento em sala de aula é uma atitude constante. Todavia, a interação dos educadores

(as) e os (as) educandos (as) com os conteúdos não se limita à sala de aula, abrange a escola

como um todo e as atividades planejadas para acontecer em outros espaços: na comunidade,

nas visitas a espaços públicos, nas aulas de campo, atividades esportivas e recreativas na sede

do município ou em outras comunidades, nas manifestações político-culturais, participação em

debates e seminários. São essas diversas atividades que acontecem fora da sala de aula que

parecem dar corpo à outra face do projeto da escola formar para a cidadania, preparando o

cidadão e a cidadã para atuarem no mundo em que vivem e serem sujeitos de sua

transformação.

Nesse sentido, nas Escolas do Campo, o espaço pedagógico ultrapassa a sala de aula,

pois acontece também na comunidade, na participação de atividades formativas desenvolvidas

por outras instituições, dos quais os educandos (as) são orientados a participar. Nesse sentido,

vejamos os registros abaixo:

Levantei as 06h00min horas fui para estrada arranjar carona para ir a Orizona participar do curso sobre homeopatia na agropecuária orgânica. Foram realizadas palestras e uma oficina. O curso começou as 08h00min horas e terminou as 18h00min horas. (...) (registro de caderno de acompanhamento estudante do2° ano da EFAORI).

Foi muito bom a gente participar dos jogos, porque a gente aqui sem ter campo para treinamento, material suficiente, mais chegamos lá e fizemos bonito. Também, é bom participar porque a gente conhece o pessoal de outras escolas (Estudante do 9° ano da ERUM).

158 A professora estava trabalhando as lendas existentes na comunidade. Uma delas é a lenda da origem da

csalvou os moradores do lugar de um monstro existente nas águas do São Francisco. Até os dias atuais Nossa Senhora das Grotas é a padroeira de Juazeiro e é venerada numa capela construída nas grutas, na qual, segundo a narrativa, foi encontrada pelos índios que habitavam a região.

Page 346: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

346

Quando tem a feira de ciências na cidade, é bom porque a gente leva o que produzimos na escola, vai muita gente ver nossos trabalhos, conhecer o resultado das pesquisas que a gente faz nas comunidades. (Estudante da Escola multisseriada).

Os estudantes sentem-se motivados a participarem das atividades que ocorrem fora do

espaço escolar, que se apresentam como ampliação dos conhecimentos, convivência e amizade

com outras pessoas e divulgação do trabalho realizado na escola.

Essa participação nos espaços comunitários apresenta-se como uma motivação pessoal

que envolve afetividade, aprendizagem com o outro, com outros contextos e situações fora da

escola, existindo um estímulo para que os estudantes possam participar de atividades

desenvolvidas em outros espaços como compartilhamento da multiplicidade de interesses que

se expressa também na organização do tempo pedagógico.

Ainda no que diz respeito à organização do espaço, apenas duas professoras têm

preferências de trabalhar com as cadeiras enfileiradas (nas aulas que observamos dessas

professoras a organização da sala permanec

gera uma inquietude na turma. As educadoras procuram resolver essa situação chamando a

atenção dos educandos (as) e propondo mudar as crianças de lugar.

Já a organização do tempo pedagógico159 se estrutura e se organiza a partir da vivência

de diferentes tempos escolares: tempos de aula, tempos de trabalho, tempos de comunidade,

tempos de educadores (as), tempos de estudantes, tempos de lazer, portanto, constituem-se em

diferentes interações entre os sujeitos e a produção do conhecimento. As práticas escolares se

estruturam como tempo pedagógico, em que o educador (a) atua diretamente com o educando

(a), em que realiza atividades na comunidade e executa ações relativas ao processo de

desenvolvimento educativo dos educandos (as), incluindo o próprio processo de formação

profissional docente.

Nas Escolas do Campo, a organização desse tempo pedagógico ultrapassa o que

legalmente é definido pelas Secretarias como a carga horária do professorado, gestores e

técnico-administrativos. Vejamos dois trechos de aula que explicitam esse posicionamento:

(...) P Então turma, agora vamos combinar como vamos fazer para ensaiar essa apresentação?

159 O tempo como um elemento decisivo na organização do trabalho pedagógico aparece também nos trabalhos

de Santiago (1990) e Penin (1995).

Page 347: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

347

C Pró160 a gente vem à tarde. C É o melhor, porque assim dá tempo de todo mundo ver a parte do outro. P Deixa ver...eu venho amanhã e fico para almoçar aqui na escola. E a tarde a gente se encontra, mas temos que pensar um espaço, porque as salas estão ocupadas à tarde. C A gente vai lá para o salão comunitário. C É boa ideia! G. pega a chave com o pessoal da associação, e a gente vai todo mundo para lá. P Podemos nos encontrar uma e meia na escola, porque dá tempo todo mundo ir em casa, almoçar e voltar. Então a gente vai junto. (registro do diário de campo)

(....) P Pessoal tudo acertado para o sábado. Nós temos que sair da escola as 07: 30 horas para chegar cedo à comunidade. C T (chama pelo nome do professor), vocês já vão dormir aqui? P - Somente A(nome da professora) o restante não! C T. e porque vai ser no sábado? P É porque o dia melhor para a comunidade receber a escola. Eles disseram que na semana todo mundo está trabalhando, então não ia ter ninguém em casa para receber a gente, e fazer as entrevistas. C E vai ser o dia todinho? P Depende do desenvolvimento do trabalho na comunidade. Agora nós vamos almoçar juntos... Então a gente avalia se é necessário. (...) (registro do diário de campo)

Quanto ao tempo pedagógico nas escolas do campo, diferentemente do normatizado

pelas Secretarias de Educação, os educadores (as) assumem uma carga horária que ultrapassa

sua jornada de trabalho e dificulta o projeto da escola do campo.

Nesse sentido, a discussão sobre as condições de trabalho do professorado do campo,

sua permanência nas escolas, a jornada de trabalho, a formação continuada e as condições

salariais são apontadas como dificuldades para o exercício profissional:

Não é fácil a gente fazer um trabalho em equipe como esse, e lidar com a rotatividade dos professores, de não terem carga horária exclusiva para a escola, muitos terminam o turno aqui, e tem que pegar o transporte correndo para dar aula noutro canto, alguns não conseguem acompanhar uma visita a família, um dia de campo, pois tem que estar noutra escola. Se tivéssemos condições salariais melhores, podíamos trabalhar numa única escola, e termos o tempo para desenvolver todas essas funções, que uma proposta como essa exige de cada um de nós. (Coordenação Pedagógica).

Assim que o pessoal chega aqui, tem que passar por uma aprendizagem. Geralmente não vêm acostumados a trabalhar em grupo, alguns chegam com a ideia que é dar sua aula e ir embora. Por isso é importante o processo de formação continuada, e para isso, precisamos de tempo Então, por isso, não é

160 Forma abreviada de chamar a professora em algumas regiões, principalmente da Região Nordeste.

Page 348: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

348

fácil ser monitor da alternância, pois temos uma carga de trabalho muito intensa. Isso também é uma dificuldade, porque somos vinculados às secretarias municipais e estaduais, mas temos um regime de trabalho completamente diferente dos professores que trabalham nas escolas convencionais (Educador 1)

O tempo na escola, como estruturador das práticas e do processo de aprendizagem, por

ser diferenciado na Escola do Campo, é uma preocupação e recebe um tratamento político. Por

exemplo, em nenhuma das escolas, presenciamos a liberação dos educandos (as), por falta

eventual da professora. A estratégia comumente adotada é a troca de horário com outro

educador ou atividade dirigida na biblioteca, reforços nas atividades,

(...) aqui não tem isso não, quando um colega não vem, já avisa logo para alguém, e a gente se reorganiza. Trabalha com a turma, muda o horário, depois um compensa o dia do outro. (Educadora 6)

A exceção de uma escola, onde percebemos a dificuldade de alguns professores para

lidar com o tempo em sala de aula, a demora para iniciar a aula e saídas permanentes da sala

para resolver outros assuntos, as demais garantem o tempo de aula.

A preocupação com a permanência com sucesso na escola é um traço das práticas

pedagógicas de todas as escolas. Para isso, adotam o acompanhamento individual ou tutoria,

aulas de reforço no contraturno, realização de atividades e exercícios extras.

As escolas também utilizam diferentes recursos didáticos em sala de aula, em sua maioria

confeccionados pelos educadores (as) e educandos (as) como, por exemplo, jogos didáticos

confeccionados com sucata, horta pedagógica, como também recursos existentes nas

comunidades: viveiros de mudas, sistemas de irrigação alternativos, casas de farinha, prédios

antigos etc..

A organização dos espaços de aprendizagem nas Escolas do Campo convive com os

limites de sua estrutura material, apresentada pelos sujeitos como uma das maiores dificuldades

que enfrentam no cotidiano escolar. Essas limitações das condições materiais das Escolas do

Campo evidenciam a contradição entre o discurso do direito, marco jurídico, e a política

educacional específica. Na maioria dos municípios, inexiste uma ação governamental efetiva e

permanente de melhoria da infra-estrutura das Escolas do Campo, assim como uma estratégia

de acompanhamento político-pedagógico às práticas educativas em curso.

Diante dessa precariedade das condições materiais das escolas, os sujeitos da escola e a

Page 349: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

349

comunidade encontram diferentes formas de enfrentar as dificuldades: participação dos pais e

da comunidade, reivindicação e luta pelo direito a uma escola de qualidade e o improviso e

criatividade das escolas.

A participação dos pais e da comunidade na melhoria da infra-estrutura das escolas

ocorre de forma frequente, com uma participação direta (manutenção dos espaços escolares,

pequenos consertos, mutirões de limpeza, construção de espaços etc.) e a participação indireta

(contribuição em dinheiro para melhorar a alimentação, organização de atividades nas

comunidades, contribuição para as atividades político-culturais etc.). Essa realidade, muitas

vezes, expressa uma contradição entre um voluntariado, complementando o papel do Estado, e

a participação cooperativa na dinâmica da escola. Entretanto, essa contradição é sentida pelo

grupo, o que revela a fala a seguir:

A escola não pode continuar dependendo apenas da gente: estudante, professores e família. E o poder público? Há tempos a gente está dependendo que o governo libere um projeto que conseguimos para fazer a ampliação da cozinha para uma industrial e construir a biblioteca. Então o governo federal exige que tenha o município envolvido, mais o município não consegue agilizar nada com relação a isso. Toda reunião do conselho a gente conversa, e nada até agora. Vamos acabar perdendo esse dinheiro. Eu não entendo o que acontece (Estudante 1).

Como reivindicação e luta pelo direito, o processo de pressão continua junto às

Secretarias Municipais de Educação, com a apresentação das demandas da escola, e a

articulação com outras instituições e com os movimentos sociais para melhoria das condições

de trabalho nas escolas:

Após várias pressões do movimento, a prefeitura sinalizou este ano com a possibilidade de uma reforma a ampliação do prédio, que é insuficiente e inadequado para o funcionamento da secretaria, cozinha, depósito de merenda, e principalmente para as turmas da Educação Infantil. Tudo aqui é assim, tenho que dar várias viagens na secretaria, para conseguir algo, parece até que a gente pede favor (Gestora da Escola 2).

Existe o improviso e a criatividade das escolas, na superação das limitações das

condições materiais, ampliando os espaços de aprendizagem para além da escola, improvisando

espaços para leitura, esporte, lazer. Isso pode ser exemplificado com as fotos e os depoimentos

a seguir:

Nós nunca deixamos nos abater por causa de infra-estrutura. Vamos desenvolvendo nosso trabalho. Por que se a gente só fizesse com estrutura, as escolas dos assentamentos nem existiam. Nós começamos embaixo de árvore.

Page 350: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

350

Agora a gente também não se acomoda, não! Toda semana eu levo solicitação para a secretaria. Enquanto isso, a gente organiza a biblioteca num canto, faz aulas de reforço com os estudantes na mesa no corredor, vai observar a produção no lote de alguém. É assim... (Gestora 3)

Há tempos que a gente precisava de uma área para educação física, e nada... Então juntou os pais, professores e estudantes, fizemos aquele campo, e todo mundo sempre usou até chegar o Centro de Convivência, que foi uma luta, e a gente só conseguiu porque o território solicitou, porque se fosse só a escola não tinha saído ainda (Educadora 2).

Espaço da biblioteca. Espaço para atividade esportiva e recreação Foto 40: Silva, 2008 Foto 41: Silva, 2008.

Em duas escolas existem espaços denominados de laboratórios didáticos de

produção161, que visam ao aprendizado através do trabalho, o desenvolvimento de processos

produtivos para subsidiar a alimentação da escola, para experimentação de tecnologias

alternativas e agroecológicas (horta, viveiro de mudas, criatório de animais, lavoura, etc.).

As condições materiais dos ambientes educativos são consideradas, por todos os

educadores (as) e educandos (as), como uma das maiores dificuldades que enfrentam nas

Escolas do Campo e que interfere na organização do trabalho pedagógico.

Na organização do trabalho escolar, tornam-se fundantes a vivência dos rituais e as

normas para sua organização. Em todas as escolas, os rituais162 constituem-se como dimensão

161 No Projeto Político Pedagógico em todas as escolas consta a necessidade de um terreno para constituição

desses laboratórios. No entanto, apenas duas escolas possuem área específica para isso. Uma delas é cedida por uma família. As outras se deslocam para áreas produtivas da própria comunidade.

162 Ritos e rituais são determinados costumes carregados de uma simbologia, de significado e importância para aqueles que os praticam. Normalmente, as palavras rito e ritual são utilizadas para se fazer referência a práticas religiosas, mas elas se referem às práticas presentes em outras situações sociais (MC LAREN, 1991).

Page 351: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

351

organizadora do trabalho escolar, na construção de um sistema cultural de significados, atitudes

e normas (MC LAREN, 1991).

como semente assumindo uma

dinâmica na escola e discutidos coletivamente em sala de aula, com a finalidade de propiciar

um ambiente de aprendizado da cooperação, autonomia, diálogo entre os diferentes sujeitos:

equipe educativa, educandos (as), família e comunidade. Esses rituais apresentam diferentes

finalidades:

a) Integração e vivência das dimensões da subjetividade (mística, momento da

reflexão, dinâmica de chegada, dinâmicas de entrosamento do grupo, recepção

aos visitantes etc.);

b) Organização do espaço escolar (grupos de trabalho, coletivos de trabalho,

mutirões, atividades gerais etc.);

c) Estimulo à participação (assembléias, reuniões, culminâncias de temas

geradores, atividades político-culturais etc.);

d) Interação e formação da comunidade (visita à comunidade, feiras de ciências e

cultura, pesquisas, dia de estudo, dia de campo, estágios, devolução de pesquisas

etc.).

A vivência desses diferentes rituais de integração, de participação e de organização do

espaço constrói um ambiente educativo de acolhimento e alegria na maioria das escolas

observadas. Os depoimentos a seguir são ilustrativos desse cenário:

Quando eu chego à escola, que já vejo a turma toda no pátio em círculo, de mãos dadas fazendo a reflexão, já me sinto bem. Já começa daí a diferença. Depois todo mundo entra, te cumprimenta, cria outro clima na escola e na sala de aula. Eu me sinto bem dando aula aqui. Tem um clima de camaradagem, amizade e respeito pelo professor, que ajuda para que a gente se anime, vá enfrentando as dificuldades. (Educadora 2)

O outro meu filho já saiu daqui. Foi para o ensino médio. Lá só chamam a gente para receber o boletim no final do bimestre. Aqui eu venho quase toda semana, ver como andam as coisas, converso com os professores, procuro saber como ele está na sala de aula. E todo mundo recebe a gente tão bem. A gente sente a escola como nossa. (Mãe de estudante)

Eu gosto da minha escola, porque a gente participa de tudo. Os professores são amigos e ensinam bem (Estudante 3)

Page 352: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

352

O clima de diálogo, respeito e amizade presente na interação entre educadores (as) e

educandos (as) possibilita um bem-estar no ambiente educativo. A prática das Escolas se

efetiva pela produção do conhecimento, mas também pela afetividade entre os sujeitos

(Souza, 2009), pela participação efetiva dos sujeitos e da comunidade e pela organização para

superar as dificuldades e os desafios postos pela realidade.

As normas de organização das escolas têm como finalidade organizar o trabalho na

escola, estimular a interação e a capacidade de convivência das pessoas, os papéis e as

funções a serem desempenhadas no espaço escolar. Elas são elaboradas coletivamente pelo

coletivo dos educadores (as), pelas assembleias dos estudantes e com os pais, grupo de

professoras e coordenadoras pedagógicas, assim como são sistematizadas, socializadas e

avaliadas por todos os sujeitos da prática pedagógica. Nesse sentido, o registro abaixo é

significativo:

(...) No inicio da tarde tivemos aula de Sociologia. A professora discutiu com a turma o material sobre a avaliação formativa e a tabela com a pontuação de cada item, em seguida fizemos uma conversa sobre o termo de compromisso assinado pelas famílias, todas as responsabilidades e direitos de cada um (...) (registro em caderno de acompanhamento de estudante do 2° ano)

O cotidiano escolar é organizado em espaços pedagógicos como conjunto de relações

entre os diferentes sujeitos e o conhecimento. O relato retrata as diferentes relações que os

sujeitos estabelecem no cotidiano com o espaço escolar, com o conhecimento e entre si:

Levantei as 06h20m, organizei meu material para as aulas de hoje. Passei no refeitório tomei café e fui para sala de aula. Tivemos 03 aulas de olericultura na qual socializamos os croquis que fizemos das hortas, foi interessante discutir como cada colega organiza a sua, em seguida começamos a debater as planilhas de custo e da produção da horta, comparando as despesas e as receitas. Ainda pela manhã tivemos 03 aulas de geografia onde discutimos sobre a questão agrária no Brasil a partir dos dados apresentados pelo professor, fizemos uma comparação com as propriedades de cada um da gente. Fizemos anotações para elaboração do relatório sobre o tema do Plano de Estudo. Depois do almoço fui para o dormitório descansar um pouco. À tarde tive 02 aulas de introdução ao planejamento de projeto IPP, onde socializamos os primeiros resultados da pesquisa que fizemos com a família sobre nossa propriedade, fazendo um levantamento dos pontos forte, pontos fracos e o que precisa melhorar, para começar a problematização do plano de estudo. Tivemos 01 aula de Sociologia onde aprofundamos a dimensão política da sociedade. No lanche lavei os copos e limpei o refeitório. Meu grupo nas atividades gerais ficou responsável pela colheita de acerola. À noite tivemos assembléia dos estudantes para avaliação dos pontos positivos e negativos da escola até o

Page 353: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

353

momento. (registro de caderno de acompanhamento de estudante do 2° ano).

As diferentes atividades que se desenvolvem dentro e fora da sala de aula se

concretizam em processos: organização do material, aulas práticas, socialização de

conhecimentos, organização do espaço etc; conteúdos: aulas de olericultura, despesas e

receitas para montagem de um horta, questão agrária, dimensão política da sociedade etc.; e

metodologias: elaboração de croquis, planilhas de custo, anotações de aula, relatórios,

assembleias etc.

A singularidade de cada escola se expressa nas diferentes dinâmicas que são

utilizadas para comunicação e socialização do trabalho, na preocupação com o registro da

história institucional das escolas (caderno das equipes de trabalho, atas de reuniões e eventos,

murais, cartazes em sala de aula etc.), da socialização das definições coletivas (calendário

escolar, avisos, roteiros de pesquisa, gráficos etc.) e de instrumentos organizadores do

cotidiano escolar, dentre os quais destacamos o uso de murais na escolas (pode ser um

simples cartaz ou um espaço mais destacado no pátio e nas salas de aula), com a finalidade de

divulgar o que faz a escola, veicular conteúdos, práticas, normas, princípios, reflexões, rituais

que organizam o trabalho escolar. Podemos visualizar nas fotos os murais existentes nas

escolas:

Mural de horários das aulas e aniversariantes do mês Mural com textos produzidos pelos estudantes Foto 42: Silva, 2008. Foto 43: Silva, 2008.

Page 354: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

354

O mural é um veículo de comunicação e socialização das informações do grupo,

organizador da dinâmica cotidiana da escola, de reflexão sobre temáticas que estão sendo

trabalhadas, de articulação dos temas geradores com questões mais gerais do país. É também

fonte de consulta para estudantes, professores(as) e outros sujeitos que circulam na escola. As

informações contidas no mural são renovadas permanentemente, pelos gestores, professores

(as) ou estudantes.

7.2 Prática Gestora da Escola: o aprendizado da participação e da autonomia

O aprendizado da participação também se efetiva no itinerário pedagógico, como um

exercício permanente nas escolas, pois

palavra, no trabalho, na ação- A discussão e a reflexão crítica levam o grupo a

s no mundo e com o mundo, como seres de

(FREIRE, 1987, p. 92)

A escola pode ser um espaço de legitimação da dominação, mas pode também ainda

que não de forma tranquila ser um local de resistência e luta. A democratização da gestão

escolar é uma dimensão significativa da prática das Escolas (à qual estão relacionados todas

as demais), na perspectiva da escola contribuir para a emancipação dos sujeitos da escola.

Apesar dos limites impostos pela sociedade capitalista no que se refere à experiência

democrática, há um aprendizado da vivência política, da procura consciente de soluções para

compromisso e responsabilidade coletiva em busca da autonomia das escolas.

Nas Escolas existem diversas formas organizativas, como associação de pais,

conselhos escolares, conselho de classe, unidades executoras, coletivos de educadores (as),

equipes de trabalho e coletivo de gestores, na perspectiva de ampliar e articular os espaços de

participação e de diálogo interno e externo à escola. Na tentativa de construir uma relação

democrática com as famílias e as comunidades, as escolas implementam diferentes formas

organizativas: reuniões, assembleias, curso de formação com as famílias, visitas às famílias,

aulas de campo, mutirões, festas, atividades político-culturais, socialização e devolução dos

conhecimentos na comunidade, o que tem possibilitado um aprendizado dos sujeitos sobre o

sentido e a importância da participação.

O fortalecimento da gestão participativa implica ações e relações educacionais que

possibilitam uma prática educacional democrática, que se expressa nos processos

administrativos e pedagógicos da escola.

Page 355: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

355

Essa participação favorece uma rica troca de experiências e serve como ponto de partida

para uma ação conjunta entre escola e família, que não se restringe apenas à dimensão

administrativa, mas também pedagógica, como podemos constatar por meio da fala a seguir:

Aqui na escola de tudo participamos: reuniões administrativas, escolhas de gestores, discussão sobre o projeto pedagógico da escola. Já dei aula também para a meninada. Isso é muito importante para todos nós. Pois, percebemos que a escola precisa da família, e a família da escola. Além disso, fiquei satisfeito de saber que tem coisas que posso ensinar na escola (Fala Pai)

A participação dos pais na dinâmica das escolas tem estimulado para que muitos voltem

a estudar163, alfabetizando-se ou continuando sua escolarização fundamental.

A atuação da família e da comunidade nesses diferentes espaços de gestão escolar varia

de uma escola para outra. Naquelas onde há uma melhor organização da comunidade ou mais

estímulo das escolas para participação, esse processo é mais ativo, contínuo e em diferentes

áreas: financeira, administrativa e pedagógica. Noutras, esta atuação direciona-se para

resolução de problemas do dia a dia da escola.

No que se refere à escolha dos gestores ocorre com um processo de escuta do grupo,

por discussão com a associação das famílias ou consulta às organizações da comunidade. A

gestora164 escolar passa a ser a grande articuladora das ações coletivas, coordenando o projeto

da escola e priorizando as questões pedagógicas e, quando isso não acontece, identificamos

claramente o movimento dentro da escola para mudança da situação, que implica mudança do

gestor(a), redimensionamento de funções:

Tudo tem que ser resolvido discutindo, de forma democrática. Se tem dificuldade, vamos sugerir melhora. Se não muda, então a gente precisa mudar as pessoas (membro do conselho da escola)

Na gestão dos recursos materiais e financeiros provenientes dos órgãos públicos, a

atuação dos conselhos deliberativos das escolas tem um papel democrático e participativo.

Embora o repasse financeiro esteja vinculado a orçamentos pré-estabelecidos: aquisição de

material de consumo; material permanente e custeio de manutenção e conservação do prédio

escolar, o grupo discute o recurso recebido e as prioridades de sua aplicação. Do conjunto,

duas Escolas não recebem diretamente esses recursos. Uma por ser uma escola pública

comunitária e outra por ser uma escola com número reduzido de alunos

163 Muitos pais voltaram a estudar mediante sua participação na escola, sendo ofertadas no noturno salas de

educação de jovens e adultos. 164 Em todas as escolas da pesquisa esse cargo era exercido por professoras que já atuavam na escola e foram

indicadas para assumir a gestão.

Page 356: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

356

A discussão da escola como um espaço de prática pedagógica democrática, de

interação entre diferentes sujeitos e saberes, coloca a necessidade de um aprofundamento

sobre o Projeto Político Pedagógico- PPP, que orienta o processo educativo desenvolvido pelo

conjunto da escola165. Nessa direção, exige uma reflexão coletiva permanente no sentido de

avaliar e reavaliar suas finalidades e ações, conforme ressaltado na fala abaixo:

O PPP foi construído com a participação de todo mundo: pais, estudantes, professores. Assim, a gente sabe o que ele diz, quais seus objetivos, e fica muito mais fácil avaliar se no dia a dia da escola, estamos conseguindo implementar. E também mudar quando achamos que é necessário, porque entram novas pessoas, mudam os tempos, a gente vai redefinindo coisas. (fala de gestora 2)

A gestão da escola e do conhecimento nessa perspectiva coletiva exige também um

planejamento coletivo do trabalho escolar e do trabalho pedagógico, que pressupõe uma

postura de abertura e debate, troca de experiência e trabalho coletivo por parte da equipe

educativa. Certamente, também exige uma postura teórica- metodológica flexível e

interdisciplinar.

O envolvimento no dia-a-dia da escola, nas decisões sobre os seus rumos, coloca o

planejamento como um instrumento de organização do trabalho escolar e como forma de

intervenção na realidade, contemplando os diferentes "olhares" e a criação de vínculos entre

pais, educandos(as), educadores(as) e outros formadores.

O trabalho coletivo e o processo de fala-escuta na tomada de decisão constituem-se

numa postura estimulada como definição política dentro das escolas, conforme expressa a fala

abaixo:

Eu só consigo trabalhar com tudo na roda de conversa, circulando a fala, as opiniões, as tarefas, os direitos, e isso, a gente teve que ir aprendendo, cada dia tem que aprender, porque tem uma cultura muito autoritária, então é muito difícil lidar com a dimensão da participação, da co-responsabilidade, cada um tendo seu papel. Tem horas que você sente que alguns preferiam que alguém decidisse por eles, então a gente traz para a roda de conversa, questiona, reflete, resgata nosso PPP, qual nossa finalidade, senão cada um adota rumos que não coincide mais com o projeto, e o trabalho torna-se inviável. Agora vou dizer a você que é fácil?! É difícil... (Gestora da escola 2)

A concretização no cotidiano da escola de relações e ações democráticas não é fácil,

conforme identificamos na fala. O individualismo e a resistência à discussão coletiva são

165 Na Escola multisseriada foi feita uma discussão geral com todas as escolas, e depois a escrita de um texto

bastante inicial sobre a questão.

Page 357: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

357

dificuldades enfrentadas em todas as escolas, cuja superação é buscada com o diálogo e o

O debate democrático possibilita a eleição de critérios coletivos na orientação do

planejamento que, por sua vez, incorpora significados comuns aos diferentes sujeitos

educacionais, colaborando com a identificação desses com o trabalho desenvolvido na escola.

Também favorece a execução de ações através de compromissos construídos entre aqueles

diretamente envolvidos pelo planejamento do trabalho escolar.

A participação das comunidades e de suas organizações assegurou a existência e

permanência dessas escolas no campo, dentro de uma política educacional, que não

considerava a especificidade do campo e que assumia a nucleação como estratégia central

para a oferta da escolarização dos sujeitos do campo.

As parcerias com organizações da sociedade civil, Universidades e a articulação de

redes também tiveram um papel importante para o fortalecimento dessas iniciativas. Vejamos

os depoimentos nesse sentido:

A escola sozinha não pode tudo, por isso tem que buscar parcerias, seja para aprofundamento dos conhecimentos, seja para lutar pelas políticas públicas, não somente da educação, porque temos que ter estrada para chegar à escola, temos que ter água potável na comunidade, luz, políticas para a agricultura, senão o povo começa a ir embora para a cidade, e a gente vai ficando sem gente para estudar (fala de gestora)

Quando a escola estava começando tinha muito parceiros. Depois foi saindo, isso tem um lado positivo, que é ver como andamos com nossas próprias pernas, mais tem um lado negativo, que achar que podemos hoje resolver tudo sozinhos, sem apoio. As parcerias precisam ser pensadas para cada momento, dentro de cada necessidade. Tem coisas que a gente suscita com nossos estudos nas comunidades, que se não tiver uma organização social forte, se não tiver parcerias que efetivam com a comunidade determinadas ações, pense estratégias de continuidade a partir do que a escola suscitou, pode ficar ali. Porque é a escola sozinha que vai fazer tudo? (Educador 1 ).

O reconhecimento do papel da escola dentro da materialidade de nossa sociedade,

portanto, dos seus limites e necessidade de interlocução com outros parceiros, é um traço de

semelhança entre as Escolas. A autonomia escolar é situada dentro de um quadro de relações

institucionais e da necessidade de políticas públicas sociais no campo, que assegurem vida

com dignidade para sua população, como requisito importante para a qualidade social da

escolarização.

A interlocução com outras instituições e especialistas de formação permanente desafia

a gestão da escola a situar-se num vínculo necessário entre a organização do trabalho escolar

Page 358: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

358

e a organização social. Nesse sentido, a interação com os movimentos sociais do campo

constitui-se numa estratégia necessária para assegurar o projeto político pedagógico das

Escolas do Campo e para enfrentamento das dificuldades e encaminhamentos de ações

identificadas a partir das pesquisas nas comunidades e sistematização na escola.

A gestão assume um papel mediador das ações e objetivos que se encontram na

prática pedagógica, na perspectiva de construir dinâmicas e estratégias que procurem

responder aos desafios postos no cotidiano da prática pedagógica.

Assim, a parceria torna-se fundamental para a articulação de outras políticas do

município, para aprofundamento de temáticas relacionadas à saúde, direitos humanos e

sociais, história da comunidade e do município, questões ambientais e assuntos relacionados à

arte, cultura e agropecuária. No entanto, as escolas destacam a necessidade de terem

autonomia e condições de auto-sustentação para implementação de seu projeto político

pedagógico.

A participação nas escolas é favorecida porque existe um grupo de educadores (as)

estável em termos de tempo de permanência na escola, como podemos verificar na fala a

seguir:

Primeiro porque a gente gosta de trabalhar aqui, segundo, porque a secretaria não vai tirar a gente daqui assim, porque quem já tem tempo, tem um vínculo com a comunidade, à autonomia que temos no trabalho. Quando alguém sai é por uma razão pessoal, ou temos ampliação de turma, e precisa mais professor, então chega gente nova. Sempre tem uma rotatividade, porque nem todo mundo que chega se adapta a essa Proposta que a gente trabalha, essa rotatividade atrapalha, porque tem que começar todo um processo de formação para que essa professora vá aprendendo o jeito da gente trabalhar. (Educadora 3 )

O gostar de trabalhar na escola, o vínculo com a comunidade e a autonomia no

trabalho docente são as principais razões para os/as educadores(as) permanecerem na escola.

O gráfico n° 21 mostra que 67% do professorado tem mais de 05 anos de trabalho na Escola,

o que possibilita um conhecimento com os educandos (as) e suas famílias, como também da

Page 359: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

359

Fonte: questionário aplicado pela autora

Gráfico 22 Tempo de experiência dos educadores (as) na escola

Em resumo, a participação na gestão da escola com a organização da sala de aula, a

partilha com os colegas, a ação na comunidade, o planejamento coletivo e a interlocução com

os gestores públicos para assegurar os direitos à educação de qualidade para as escolas são

vivências e espaços de aprendizagem significativos para a constituição da identidade dos

estudantes, docentes e técnico-administrativos dessas escolas.

7.3 Prática Discente: o aprendizado da auto-organização

As práticas das Escolas evidenciam uma preocupação com a participação dos

educandos (as) nos mecanismos de gestão, nas relações sociais mais amplas e naquelas

especificamente propriamente pedagógicas. Estabelecer relações democráticas nessas escolas

diz respeito ao estabelecimento de formas participativas, dentro e fora das salas de aula, e na

convivência pessoal e social.

A participação em sala de aula dos educandos(as) ocorre de forma ativa, colaborativa

e crítica. Existe um clima de diálogo entre os mesmos e com os educadores(as). De maneira

geral, realizam as atividades, que são realizadas em casa, e, quando apresentam dúvidas,

colocam-nas em sala de aula. Opinam sobre as temáticas tratadas e se prontificam a participar

do que é proposto pelos educadores (as), o que parece ser uma prática construída ao longo do

34%

33%

30%

3%

Tempo de experiência na Escola

2.6 - Tempo na Escola

0 a 5 anos

6 a 10 anos

11 a 15 anos

16 a 20 anos

Page 360: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

360

dificuldade para esse processo de interação.

A participação nos processos pedagógicos da escola, ou nas atividades na

comunidade acontecem de forma ativa e participativa. Inclusive, demonstram satisfação em

ter aulas que extrapolam os muros da escola. Vejamos:

Gosto muito de fazer estudo da realidade. De ir à comunidade conhecer mais de perto, cada uma. Tem coisas que a gente só descobre com a pesquisa. Mas o melhor é quando a gente vai fazer a devolução, e apresenta para o pessoal o resultado do nosso trabalho. Eles também ficam surpresos com os resultados do que a gente apresenta. (Estudante 2)

A pesquisa apresenta-se como um dispositivo pedagógico fundamental para o

conhecimento da realidade, para seu aprofundamento e interação com a comunidade. A

produção do conhecimento se efetiva também a partir da convivência com os colegas e

professores (as), na troca de experiências, no trabalho coletivo, na diversidade do grupo, o

que nos evidencia a fala a seguir:

A convivência com os colegas e com os professores é muito rica, afinal vem gente de todo lugar, e a gente discute, trabalha junto, aprende as coisas. Agora é um desafio. Porque conviver com o jeito de cada um, é desafiador (Estudante 3 )

A participação dos estudantes em cada escola se dá de acordo com a realidade em que

eles/elas se encontram nas diferentes fases da vida: crianças, adolescentes, jovens e adultos,

com suas experiências, necessidades e expectativas diferenciadas constroem padrões de

relacionamentos diversos. Essa diversidade suscita da equipe educativa de cada escola um

repensar permanente da organização do trabalho na escola, na perspectiva de adequar as suas

ações às intenções de fomento à participação e a autonomia estudantil.

Uma formação referenciada na autonomia e na cooperação é um traço de semelhança

nas escolas observadas. Os educandos (as) se tornam co-responsáveis pela organização das

atividades desenvolvidas dentro e fora da sala de aula. Na foto abaixo, é possível constatar tal

fato:

Page 361: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

361

Limpeza da escola para construção de jardim Foto 44: Silva, 2008.

Compartilhar o poder na escola parece também constituir um significado como

aprendizagem da cooperação, seja a cooperação como uma dimensão educativa da

aprendizagem, em que todos são co-responsáveis pela vida da escola; seja a cooperação para

suprir dificuldades no próprio sistema de ensino, como suprir pessoal de serviço insuficiente

para atender a demandas. Nas escolas, é estimulado o espírito da co-responsabilidade, o

cuidado para não substituir o papel do poder público na manutenção e conservação da infra-

estrutura escolar, mas contribuir para preservação e a valorização do espaço escolar como

lugar de produção de conhecimentos e de futuro. Conforme nos mostra a fala a seguir:

Eu gosto de contribuir com a escola. Quando precisa de algum conserto, de conseguir adubo para as plantações. Faço isso para cooperar, e porque acho que melhora a qualidade da escola dos meus filhos. Agora, eu sei que tem coisas que é responsabilidade do governo, e que precisamos cobrar deles para fazer, porque nossos filhos têm direito a uma boa escola (fala de pai)

A demora do Estado para atender às reivindicações da comunidade escolar é sentida

pelo coletivo, pressionando o governo, mas também contribuindo para solucionar problemas

cotidianos que interferem nas condições materiais e de ensino da escola.

A importância da afetividade na dinâmica da sala de aula, em forma de elogios, e o

afeto são recursos presentes no trabalho pedagógico, fundamentado numa relação de carinho e

respeito entre educandos(as) e educadores(as):

Page 362: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

362

Uma coisa que acho diferente aqui de outras escolas é a relação com os professores. A gente tem amizade, conversa com os professores, troca ideias. Eles se preocupam para a gente aprender, para fazer as coisas certas. (Estudante 5)

A auto-organização dos estudantes é estimulada nas proposições e nas vivências das

escolas. A perspectiva dos educandos (as), como protagonistas das propostas pedagógicas, do

diálogo com a comunidade, na divulgação da escola em outros espaços, é frequente no

cotidiano escolar. Todavia, em algumas escolas, os educandos (as) sentem que podiam ter

maior organicidade, pois ainda não possuem espaços como grêmios estudantis, coletivos de

educandos (as) etc, embora todas as turmas escolham representantes para representá-los nos

espaços internos e externos da escola. A propósito, vejamos os depoimentos a seguir:

A participação nossa é muito grande dentro de sala de aula, mas eu sinto falta de uma organização maior, pois precisamos pensar a escola de uma forma mais ampla. E sempre tem aqueles que estão aqui mais não entenderam ainda que a escola tem um significado maior. Acho que isso dificulta da gente ter uma organização, mais forte dos estudantes, por exemplo, organizar o grêmio estudantil. (Estudante 1)

Nós aqui participamos de tudo que tem na escola. Eu acho importante, porque a gente fala da metodologia da escola, para as visitas que chegam aqui, nas reuniões com a comunidade, a gente apresenta os resultados dos estudos, discute com a comunidade. (Estudante 2)

Depois que eu entrei nessa escola eu tento ser uma cidadã cada vez melhor, dialogar com minha família e produzir na minha propriedade (Estudante 3 )

Os educandos (as) percebem as mudanças que a escola traz para sua vida na família,

na comunidade e no trabalho. Os conhecimentos construídos são reconhecidos como

importantes para seu cotidiano familiar e comunitário:

Eu cheguei aqui não tinha noção do campo. E olha que eu nasci onde vivo até hoje. Não entrava num curral. Porque as escolas que fui antes ninguém falavam do campo. Depois que a gente escuta em todo canto, na mídia, tem que consumir, que o campo não serve para viver. E tanto que meu pai achava que eu não dava para estudar aqui. (...) Eu mudei minha trajetória de vida depois que eu entrei nessa escola, hoje eu participo de tudo na minha propriedade, eu tenho orgulho de dizer que eu sou uma jovem do campo, eu quero aprender mais, para mostrar que é possível viver bem no campo, e por isso, que eu não entendo porque essa escola não tem apoio. Meu pai ficou admirado como eu me modifiquei, participo das decisões na propriedade, participo na comunidade, levo mudanças nas tecnologias... (Estudante 5)

Page 363: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

363

Os pais percebem que os filhos/as têm aprendendo mais e que o trabalho contribui

para sua formação. Eles veem a escola como sensibilizadora e motivadora da organização da

comunidade, que está mais interessada, mais participativa, mais consciente, sabendo como

agir, reivindicar e colaborar com o seu desenvolvimento:

Meu filho traz muitas perguntas para casa. Hoje a escola participa da vida da gente, que saber o que a gente planta, o que a gente cria, a gente vai na escola explicar assuntos da lida, isso é muito importante para a comunidade ( fala de pai )

7.4 Prática Docente: múltiplos papéis e saberes plurais

A prática docente das Escolas do Campo se desenvolve numa interlocução com os

diferentes sujeitos sociais da escola e da comunidade. Embora a dimensão educador-educando

mantenha a especificidade da mediação do conhecimento no exercício docente na sala de aula

e na escola, existem outros formadores envolvidos no processo educativo: pais,

representantes de associações de produtores, lideranças das comunidades, orientadores de

estágios, técnicos e especialistas das temáticas que estão sendo trabalhadas em sala de aula,

constituindo o que denominamos de equipe educativa da escola, visualizada no gráfico a

seguir:

Gráfico 23 Composição da Equipe Educativa das Escolas

EQUIPE EDUCATIVA

PROFESSORES (AS)

COORDENADORES (AS) PEDAGÓGICOS E GESTORAS

FUNCIONÁRIOS DA ESCOLA

PARCEIROS CO-FORMADORES (PAIS,

LIDERANÇAS, ESPECIALISTAS, MESTRES DE

ESTÁGIS, ETC...)

Page 364: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

364

O gráfico evidencia a diversidade de sujeitos que compõem a Equipe Educativa nas

Escolas, cuja atuação tem como pressuposto fundamental o trabalho coletivo, num processo

de interação e colaboração com delimitações e negociações dos respectivos papéis de cada um

dentro da escola. Essa coletividade comporta aspectos formais (encontros, reuniões,

planejamento, comissões, grupos de trabalho, supervisão de estagiários, etc.) e informais (ida

no transporte, horário do café da manhã, conversas no recreio, troca de materiais, divisão de

tarefas pedagógicas, etc.), que se inter-relacionam entre si.

Embora esses sujeitos assumam atividades na prática pedagógica das Escolas, o

professorado tem um papel fundamental e específico no processo de mediação, que marca e

define sua identidade profissional e pessoal. Segundo Eliete Santiago (1997), o trabalho do

professorado expressa sua visão de mundo e de ser humano na sociedade, a partir das relações

construídas consigo e com os outros sujeitos, mediadas pelos conteúdos dentro de um

determinado contexto.

Há muitos fatores que influenciam o modo de pensar, de sentir, de agir do

professorado, ao longo do processo de ensino: o que são como pessoas, os seus diferentes

contextos e experiências, os papéis sociais construídos pela sociedade e instituições, os

contextos em que crescem, aprendem e ensinam. A origem sociocultural é um elemento

importante na dinâmica da prática profissional dos professores, pois o estilo de vida dentro e

fora da escola, as suas identidades e cultura têm impacto sobre a prática educativa.

As colocações de Gimeno Sacristán (1999, p. 31) são elucidativas na definição de uma

prática intencionalizada:

as ações não só expressam a singularidade do eu (...), mas por meio delas cada um constrói a própria diferença em relação aos demais e se torna singular ator de sua própria vida. (...) O professor age como pessoa e suas ações profissionais o constituem. Esta é uma linha definidora para pensar as ações como produtos e processos que correspondem a pessoas singulares. Atrás da ação está o corpo, a inteligência, os sentimentos, as aspirações, as maneiras de compreender o mundo, etc

A identidade pessoal é um sistema de múltiplas identidades, constituído a partir da

percepção subjetiva do sujeito de sua individualidade, do conjunto de características de

pertencimento, a um grupo social e a um contexto, e a representação de papéis sociais

construídos pela sociedade e pelas instituições.

Alguns aspectos da identidade pessoal dos docentes que atuam nas Escolas do Campo

caracterizam sua prática em sala de aula. Temos um grupo jovem atuando nas escolas, visto

que a faixa etária predominante é de 19 a 30 anos, conforme nos mostra o gráfico abaixo:

Page 365: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

365

Fonte: Dados dos questionários aplicados com o professorado

Gráfico 24 - Faixa etária dos educadores (as) em exercício nas Escolas do Campo

Considerando que a maioria tem mais de 05 anos de exercício docente, muitos foram

realizando sua formação superior concomitante com o exercício profissional no campo, o que

propiciou um maior questionamento do tipo de formação oferecida pelos Centros de

Formação e do descompromisso dos governantes em assumir a formação como um direito dos

profissionais da educação. Assim, a formação inicial torna-se algo da responsabilidade

pessoal dos educadores (as), já que

até uns três anos atrás, fora o Pronera, ninguém escutava falar de nenhum curso específico para os professores do campo, a gente tinha que ralar para fazer um curso superior. A maioria para ter acesso ao curso superior teve que cursar faculdades particulares, porque as públicas não chegavam por aqui. Agora, está mudando, já está chegando a federal por aqui. Inclusive muitas com o curso de Licenciatura em Educação do Campo que foi uma luta de todos nós durante anos. (Educadora 7)

Muitos têm curso superior porque investiram, estudaram em faculdades particulares à noite, pagando do seu salário. Somente recentemente que as federais começaram a chegar ao interior. O trabalho na escola exige muito conhecimento, reflexão. E aqui na escola, nós somos muito estimulados a estudar, então corremos atrás. (Educadora 5)

19%

28%

22%

14%

14%

3%

Faixa Etária

1.7 - Faixa etária:

19-25 anos

25 a 30 anos

31 a 40 anos

32 a 45 anos

46 a 50 anos

51 a 55 anos

Page 366: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

366

Podemos comprovar este investimento na formação inicial, no gráfico abaixo, no qual

verificamos que 65% do professorado que atua nas Escolas do Campo pesquisadas já possuem

curso superior completo.

Fonte: dados do questionário aplicado com o professorado.

Gráfico 25 - Nível de Escolaridade dos Educadores(as) das Escolas do Campo

No que se refere ao local de moradia, temos duas situações dos profissionais: aqueles que

moram na comunidade e aqueles que só exercem suas atividades no campo, como é o caso de dois

depoimentos que se seguem:

Eu moro na sede do município. É muito cansativo vir todo dia no transporte, mas prefiro trabalhar aqui, porque os estudantes são mais interessados, participam mais, discutem os assuntos com a gente, não temos os problemas de disciplina que têm na cidade. Além disso, a gente tem autonomia no trabalho. Tudo a gente discute e faz coletivamente. (Educadora 5)

Não tenho a menor intenção de sair aqui da comunidade. Gosto de viver no campo, de trabalhar aqui na escola. Já morei na cidade, e voltei. Depois a escola faz parte da nossa vida, lutamos por ela. Eu acho que cada vez mais precisamos formar as pessoas do campo para terem condições de viver no campo, e trabalhar no campo. Agora não vejo diferença da educadora mora na sede. Tem professoras que moram na sede que tem mais compromisso com a escola do que muita gente, que vive aqui. (Educadora 7 )

13% 5%

65%

14%

3%

Escolaridade 2. formação

magisterio

superior incompleto

superior completo

pós graduação -especialização

Page 367: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

367

A autonomia do trabalho torna-se caracterizadora da prática docente nas Escolas do

Campo e dimensão motivadora para o desenvolvimento do trabalho e a permanência na

escola. Além disso, as educadoras não associam o local de moradia, como determinante para

um exercício docente comprometido com a proposta pedagógica do campo. A identidade

profissional de Educadora do Campo se constitui a partir de outros fatores, como: construção

de competências profissionais e pedagógicas para o trabalho na escola, comprometimento

político com a realidade da escola e o contexto em que se insere, participação no cotidiano da

prática curricular e o investimento na própria formação. Nesse sentido, vejamos as falas a

seguir:

Nós somos uma equipe, um coletivo. Nos envolvemos com a comunidade, pois a pesquisa, nos leva a conhecer os problemas, as potencialidades, as pessoas. Assim, temos que nos comprometer. Quando alguém chega que não tem esse compromisso, não consegue ficar muito tempo aqui na escola. (Educadora 9)

Todas as normas da escola são discutidas com todo mundo. Então, seu eu ajudei a construir as normas, como não vou cumpri-las. Depois a gente sempre reavalia a cada ano, podemos modificar de acordo com nosso projeto pedagógico. (Educadora 8)

A maioria dos docentes das Escolas do Campo demonstra gostar de ensinar nas mesmas,

tem orgulho de se constituir em educador (a) do campo e exerce um papel importante junto

aos educandos (as) e seus familiares enquanto mediadores de conhecimento e co-autores de

uma nova forma de ser da escola, o que vai delineando sua identidade de profissional do

campo.

Conforme coloca Carlos Libâneo (2004), a identidade profissional diz respeito ao

conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que definem e orientam a natureza

e especificidade do trabalho de professor. Nessa perspectiva, identificamos nos Educadores

(as) das Escolas pesquisadas elementos que evidenciam uma profissionalidade docente que

precisa ser reconhecida numa política de profissionalização, enquanto prerrogativa do direito

ao exercício profissional. Os depoimentos a seguir são ilustrativos desse processo:

Primeiro, a gente tem que gostar, depois se preparar para desempenhar nosso trabalho direito, preparar as aulas. Por exemplo, hoje vou levando caixas, latas, para trabalhar medidas de formas geométricas, porque a gente mede tudo, fica mais fácil para eles entender a medição. Outro dia, saio da sala vou medir os terrenos, a horta, a caixa água. Isso vai gerando uma participação

Page 368: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

368

diferenciada em sala de aula, e na relação com os conteúdos, porque eles tem significado para os estudantes (Educadora 8)

O que nós já conseguimos realizar aqui na comunidade a partir do trabalho da escola, por isto que as famílias reconhecem a importância da escola, valorizam o nosso trabalho. A Escola trata do contexto do campo. Da vida das pessoas que vivem no campo, se envolve nas questões da comunidade. Se envolve na vida, traz a vida para a escola e leva a escola para a vida. Que maior diferença! (Educadora 9 )

Nosso trabalho é permanente para contribuir com alguma mudança. Agora sabemos que tem muitos desafios. Temos que lidar com os mitos de que o campo não tem jeito, com uma ideologia que está muito forte na mentalidade das pessoas nas comunidades, e que se reflete na forma como as políticas foram se dando no País. É remar contra a maré, eu digo na sala, vamos rever essas posições, vamos refletir, vamos desconstruir isso. Esse é nosso papel não fazer que as pessoas aceitem tudo, de forma passiva, conformada. (Educadora 5)

Os Educadores (as) se percebem como sujeitos importantes no processo de intervenção

da realidade local e que, através do seu trabalho, poderão fazer a diferença, procurando

desenvolver uma prática docente competente com atitudes de: domínio dos conteúdos e

métodos de ensino, dedicação ao trabalho, respeito aos educandos (as) e à diversidade cultural

e social dos mesmos. Essas características compõem o profissionalismo do grupo.

A questão da profissionalização docente é um dos maiores desafios enfrentados pelos

Educadores (as) do Campo: formação inicial e continuada, na qual aprendam a desenvolver os

requisitos e atitudes essenciais a sua prática, remunerações compatíveis com a natureza e

exigência do trabalho docente no campo, condições satisfatórias de trabalho, no que se refere

às condições materiais das escolas e carga horária compatível com o tempo curricular das

escolas do campo, que envolve múltiplas funções: coordenação, docência, acompanhamento

aos educandos(as), planejamento etc.

O planejamento proporciona ao professorado uma reflexão sobre a sua prática docente,

à medida em que a sua ação vai delineando caminhos para o aperfeiçoamento da sua prática,

permitindo ao educador obedecer a uma sequência lógica dentro de uma objetividade que não

só alcance as possibilidades da escola, como também do educando(a), o que é possível a

partir do conhecimento da realidade para intervir nas condições existentes. O planejamento

acontece coletivamente:

Page 369: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

369

Nosso planejamento é coletivo, onde todos sabemos o que o colega está fazendo em suas aulas. Há, de fato, uma interdisciplinaridade onde um tema trabalhado envolve todos os professores. Cada um dá sua colaboração, dependendo de sua disciplina, para um mesmo tema. (Educador 1 )

No que se refere à atividade de planejamento, a organização coletiva e partilhada da

estratégia para o estudo da realidade da comunidade, pode ser exemplificada, no registro a

seguir:

1. Cada turma organiza com o professor coordenador do bloco temático o roteiro para entrevista com os moradores, apresentam este roteiro para as outras turmas, discutem e fecham o roteiro final;

2. Ida à comunidade para o dia de campo onde começarão todos juntos ouvindo a história da comunidade, contada pelo morador ou moradora de mais idade. As crianças que moram na comunidade ficarão de discutir com a mesma quem seria a pessoa e trazer seu nome para a escola antes da visita;

3. Em seguida os grupos serão formados com alunos das diferentes turmas e se dividirão pelas casas para entrevistar os moradores sobre os temas de cada bloco temático. Os grupos são divididos de acordo com o mapa mental que será construído após o contar da historia da comunidade;

4. Cada turma fará a leitura de suas entrevistas em sala e num trabalho de grupo deverão agrupar as questões da entrevista para sistematizar o tema pesquisado;

5. Cada grupo deverá apresentar sua sistematização na turma, discutir os materiais de apresentação da sistematização e divisão das tarefas e responsabilidades de cada componente da turma;

6. Apresentação de cada tema para toda a escola para uma sistematização geral da pesquisa feita na comunidade;

7. Organização do dia da devolução na comunidade, elaboração dos materiais para apresentação, divisão das tarefas. (registro no diário de campo)

A pesquisa, importante para o estudo da realidade e a formação dos educadores (as) e

educandos(as), é inerente à produção do saber na escola, desde a Educação Básica, enquanto

uma construção coletiva de conhecimento, segundo nos coloca Paulo Freire (1996, p.26),

cesso educativo considere a diversidade de práticas

socioculturais e a participação dos sujeitos educativos. Isso indica que o trabalho do educador

(a) não é transmitir conteúdos acabados, mas sim, oportunizar ao discente que este possa

construir e também se apropriar de instrumentos necessários para se situar no mundo como

sujeito plural dotado de valores e crenças.

Page 370: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

370

Mais do que um dispositivo pedagógico nas práticas das Escolas do Campo, a pesquisa

se constitui num principio educativo de indissociabilidade entre teoria e prática, na interação

escola-família e no estimulo à curiosidade e à pergunta como pontos de partida para a

construção do conhecimento.

A pesquisa como princípio educativo requisita um processo de formação como

fundamental para a afirmação da organização do trabalho pedagógico que extrapola a sala de

aula. Por isso, é importante que, no processo de formação continuada, os educadores (as)

ou de o

A prática nas Escolas suscita a reflexão sobre e na ação do professor, para repensar e

perceber a importância que ela desenvolve para seu crescimento profissional, intelectual e

humano. Portanto, a formação inicial e continuada nesse processo foi um elemento decisivo

para a concretização e o sucesso da experiência e, nesse sentido, existe uma reivindicação de

que a formação tenha uma adequação à realidade das Escolas do Campo, que considerem as

iniciativas que se desenvolvem nas mesmas, e que seja assumida pelo poder público e pelas

Universidades enquanto agentes responsáveis por assegurar este direito:

Nós achamos que a Universidade Pública que tem que fazer nossa formação. Agora se adequando a nossa realidade e considerando a experiência que já existe de formação feita por muitas entidades, ao longo desses anos, quando ninguém tava nem aí para a formação dos educadores(as) do Campo. Agora precisa contribuir para refletirmos sobre a prática que temos nas escolas, os desafios que temos enfrentado com o desenvolvimento dessa nossa experiência. Isso significa que tem que articular bem a teoria com a prática, senão pode se transformar em mais um curso. (Educadora 5 )

Na sala de aula, as fontes de informação também se ampliaram à medida que o trabalho

com pesquisa despertou nos professores o desejo de ir em busca de outras fontes de

informações, além dos livros didáticos. Nessa direção, vejamos os depoimentos abaixo:

Os livros didáticos são muito restritos, pois não dialogam com a realidade dos estudantes. Nós buscamos outras fontes de informação: depoimentos de pessoas da comunidade, técnicos e especialistas dentro das temáticas, visitas a áreas produtivas. Isso contribui para enriquecer as aulas ( Educadora 6 )

Nós usamos os livros enviados pelo MEC apenas como consulta, porque ele nem é suficiente para toda a turma, nem aborda todos os conteúdos que precisamos trabalhar em sala de aula. Quando tem algum conteúdo que nós trabalhamos na pesquisa, então pedimos para os alunos consultarem ver o que eles tratam sobre o assunto (Educador 2)

Page 371: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

371

Essas falas evidenciam a autonomia que os educadores (as) assumem no processo de

gestão do conhecimento em sala de aula e a importância da existência de outros dispositivos

pedagógicos nas práticas educativas, que possibilitam outras estratégias didáticas dentro e

fora da sala de aula.

7.5. Dimensão epistemológica: Contexto e prática social dos sujeitos como conteúdo

educacional

O itinerário pedagógico é concebido como o processo vivencial do currículo das

Escolas do Campo, nas dimensões pedagógicas e metodológicas, na perspectiva de

possibilitar a produção do conhecimento numa articulação que combina os saberes científicos

com os saberes populares, num movimento de mão dupla em que se trabalha com a pesquisa

da realidade e com a produção de novos conhecimentos que permitem a transformação desta

realidade.

A finalidade do itinerário pedagógico é de articular o processo de produção do

conhecimento, subsidiando o planejamento e a organização do trabalho pedagógico, a partir

de diferentes dispositivos, dentre os quais podemos exemplificar:

O Plano de Estudo é um instrumento de pesquisa participativa, organizado pelos estudantes e professores ao final da sessão escolar, a partir de cada tema a ser estudado pela turma. Possibilita analisar os vários aspectos da realidade do estudante e da sua família, que o contexto se torne eixo central da aprendizagem do estudante. A princípio o estudante desenvolve temas mais simples ligados ao cotidiano familiar, depois vai caminhando a temas mais complexos de caráter socioeconômico e político mais amplo. (Coordenadora Pedagógica da EFAORI).

proposta, quando eu ainda não tinha muita prática em planejar a partir da pesquisa e de forma integrada os conteúdos. Ela traz sugestões de quais conteúdos podemos integrar com aquele tema, como trabalhar em cada etapa da metodologia. Assim, fica fácil a gente organizar cada momento individual e coletivo com a turma (Professora 1 )

A prática curricular considera o contexto e a prática social dos sujeitos como conteúdo

básico da aprendizagem a ser desdobrado em sala de aula nos conteúdos educacionais,

instrumentais e operativos (Souza, 2009). Portanto, inclui novos saberes e novas práticas, na

Page 372: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

372

tentativa de que a escola se coloque como um espaço de sistematização e de diálogo com

saberes que se aproximem mais do cotidiano dos sujeitos:

Fazer estudo da realidade, pesquisar para a gente ajudar a comunidade é fundamental. Quando a gente mostra os resultados mexe muito com a comunidade (Estudante 3 ) A realidade da comunidade é o ponto de partida para nosso trabalho. Então nós temos as informações coletadas nas pesquisas, e vamos aprofundando com os conteúdos de cada área. Vamos escrevendo, lendo, organizando gráficos, tabelas, mapas, fazendo leituras para trazer mais informações. A gente aprende muito também nessa forma de trabalhar. A pesquisa sempre traz muitas novidades. (Educadora 2)

A maioria das escolas identifica os temas geradores a partir do processo de pesquisa.

Eles são definidos numa discussão envolvendo os estudantes, professores, famílias e, a partir

destes, são selecionados os conteúdos programáticos a serem aprofundados pelas turmas.

A construção coletiva do conhecimento, a pergunta, a apropriação e sistematização dos

conhecimentos, a partir do processo de contextualização possibilitam a construção de novos

significados e a articulação entre o local e o global, resultando numa compreensão mais

integrada da realidade.

A produção do conhecimento na escola se expressa na prática pedagógica sob a forma

de seleção do conteúdo, organização, sistematização e formação dos conceitos, realizada de

forma coletiva pela equipe pedagógica num diálogo permanente entre o contexto e as

definições curriculares existentes em cada município e no País. Poderíamos mostrar este

caminho de produção do conhecimento nas Escolas do Campo com o seguinte gráfico:

Page 373: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

373

Gráfico 25 Dimensões dos conteúdos trabalhados nas Escolas do Campo

A prática evidencia um processo de produção do conhecimento definido a partir do

itinerário pedagógico construído em cada Escola, no qual o "ponto de partida" se constitui

na tomada da realidade como conteúdo pedagógico, na sistematização desses conhecimentos a

construção do conhecimento. Sendo assim,

A percepção que os estudantes constroem depois da pesquisa na comunidade é um processo muito rico. Eles começam a perceber questões que antes não notavam, começam a descobrir possibilidades e recursos para viverem com sustentabilidade na sua comunidade, ajudar a buscar estratégias de melhoria de sua vida (Educadora 7)

Esse ciclo de produção do conhecimento estimula a prática do professor-pesquisador

defendida por Freire e Shor (1987, p.19). Ao desvelarem a separação do

, recuperam a ação do professor-sujeito

histórico, capaz de criar e recriar a realidade com seus alunos sujeitos históricos, na dialética

eu/outro, uma relação afetiva, ética e exigente de pesquisar a própria realidade para articulá-la

conteúdos operativos

intervenção na

realidade

conteúdos instrumentais

áreas de conhecimento

conteúdos educacionais

(diagnóstico da realidade

contexto

realidade

Page 374: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

374

com o conhecimento existente, fazendo também a produção do conhecimento novo,

exercitando a produção de sínteses como produção coletiva, interdisciplinar e contextualizada

da realidade.

Na prática pedagógica, a interdisciplinaridade e a contextualização alimentam-se

mutuamente, pois o tratamento das questões trazidas pelos temas sociais expõe as inter-

relações entre os objetos de conhecimento, de forma que não é possível fazer um trabalho

contextualizado tomando-se uma perspectiva disciplinar rígida. Em outras palavras, a busca

de temas que propiciem um ensino contextualizado, no qual o aluno possa vivenciar e

aprender com a integração de diferentes disciplinas, pode possibilitar ao educando (a) a

compreensão tanto da sua realidade como do contexto mais global. Verificamos uma

preocupação nesse sentido na seguinte fala:

No momento do aprofundamento dos conteúdos, o planejamento fica atento para relacionar os conteúdos das áreas que os alunos precisam construir em cada momento que estão. Mas a gente se preocupa que estes conhecimentos ajudem a realidade deles, a continuidade dos seus estudos, a vida na comunidade, e a ler sua realidade de uma forma mais ampla. Para isso, é preciso integrar os diferentes conhecimentos, por isso, a gente planeja junto, discute como cada professor pode aprofundar seus conteúdos e dialogar com outras áreas, como podemos articular esses diferentes conhecimentos. (Educadora 7 )

A interdisciplinaridade assume, assim, outro tipo de organização curricular, que

propicia novas relações entre os sujeitos e os conhecimentos. Podemos identificar em várias

práticas uma perspectiva de interdisciplinaridade, conforme posta por Pedro Demo (1998,

horizontalizar a verticalização, para que a

visão complexa seja também profunda, e verticalizar a horizontalização, para que a visão

Esse autor define a interdisciplinaridade

sentido de abrangência, para dar conta, ao mesmo tempo, da particularidade e da

(pp. 88-89). Ele sugere a prática de pesquisa em grupo como

metodologia mais indicada, pela possibilidade da cooperação qualitativa entre especialistas.

Essa prática será viabilizada através das equipes de profissionais ou pesquisadores

especialistas, mediados pela linguagem, pelo diálogo e pelos métodos acessíveis a todos.

A questão metodológica aparece na discussão em função do processo de conhecimento

incorporar mediações que se dão nas relações professor/alunos e conhecimento, produzidas

em contextos de trabalho coletivos. A prática pedagógica exige meios através dos quais se

Page 375: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

375

materialize envolvendo os objetivos, a relação entre os sujeitos educador-educando e as

técnicas de organização do trabalho pedagógico.

Configura-se necessária a busca de informações em fontes e meios diferenciados

trabalhando-as cientificamente para buscar resolver problemas que surgem na realidade

através da articulação dialética da teoria e prática, na perspectiva da práxis. Essa relação

teoria e prática ficou bem evidenciada numa aula que observamos:

(...) A temática discutida na sala era Avicultura. Primeiro, o professor fez uma roda de socialização sobre quem criava galinha na sala, como era o criatório, como estava organizado o galinheiro, como tinha sido construído, qual a localização, quais os cuidados que tomavam com o galinheiro, quais as principais dificuldades. Em seguida, formou grupos para pesquisar tudo sobre criatório de galinhas que assim se subdividiram para realizar a tarefa: um grupo foi para biblioteca, outros fizeram leituras de textos na sala, outros pesquisaram na internet. No final da primeira aula da disciplina, todos retornaram e levantaram algumas questões do que tinham lido em seguida o professor foi com o grupo para a área da escola onde deveria ser construído o novo galinheiro, e começaram a discutir como seria o novo galinheiro: localização, tamanho, estrutura, materiais. Na aula seguinte, a turma realizou os cálculos no papel milimetrado, cada grupo sendo responsável pelo projeto de uma parte do galinheiro para formatar o projeto geral. (registro do diário de campo)

Portanto, a aquisição de conteúdos instrumentais (das linguagens, das ciências

humanas e sociais, das agrárias etc.) torna-se fundamental a partir da leitura, interpretação e

compreensão, bem como da problematização da realidade. Esses conteúdos tornam-se

elementos essenciais para a confrontação crítica desse conhecimento com os conhecimentos

científicos e tecnológicos, que são apreendidos e construídos individual e coletivamente, a

partir de uma metodologia participante e dialogal.

Nesse sentido, encontramos em todas as práticas diferentes instrumentos para atender

a diferentes finalidades e

para além do previsto, potencializando aprendizagens de conteúdos, valores e comportamento,

bem como a dimensão cultural da aprendizagem e sua integração na vida cotidiana. Para isso,

utilizam diferentes dispositivos pedagógicos.

Para Basil Bernstein(1996), os dispositivos pedagógicos se organizam a partir das

regras de distribuição (expressas nos saberes da prática social e do cotidiano dos

educandos(as) que são trabalhadas nas escolas, considerando a diversidade de seus contextos

Page 376: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

376

e que asseguram a formação integral e a articulação dos diferentes saberes); das regras de

recontextualização (constituição de um discurso pedagógico que valoriza os saberes do

educandos ); e das regras de avaliação (instrumentos que possibilitam sistematizar a

avaliação do processo de construção do conhecimento).

No dia a dia da prática pedagógica, a recontextualização ocorre a partir da valorização

dos conhecimentos dos educandos(as), sua família e comunidade; e da valorização do diálogo

entre os diferentes saberes presentes no espaço escolar. A confrontação entre as

singularidades dos contextos e os conhecimentos científicos e técnicos irá conformar os

saberes construídos na prática pedagógica e evitará a dicotomia entre o saber particular e

universal.

Os diferentes instrumentos usados nas práticas não significam apenas instrumentos

metodológicos, mas sim uma forma de organizar o trabalho pedagógico na perspectiva de

assegurar a distribuição e socialização do conhecimento, a recontextualização e avaliação dos

processos vivenciados. Sua utilização nos processos educativos permite estimular no grupo

um autoconhecimento reflexivo, uma valorização de suas raízes, a autonomia no processo de

produção e gestão do conhecimento, como também a capacidade de agir com propósito, de

poder avaliar suas ações na escola e na comunidade. Isso possibilita o desenvolvimento de um

sentido de pertença, de não se desenraizar de sua cultura de referência e, ao mesmo tempo,

conhecer e refletir sobre outras realidades e cultura.

Por isso, consideram que o processo de interação com a comunidade se constitui num

momento privilegiado dessa produção de conhecimento, que traz contribuições significativas

para a aprendizagem propiciada pelo ato de participar, pois esta gesta um tipo de saber que,

ao se coletivizar, passa a ser fundamental para outros grupos, realizando uma vinculação

orgânica entre a cultura, a educação e a escola, tendo em vista que a intenção e ação

pedagógica têm como conteúdo a própria cultura.

Sendo assim, o uso dos dispositivos pedagógicos nas diferentes práticas se amplia e

adquire a possibilidade de ser mais do que uma ferramenta didática, principalmente para

(Cortesão, 2000, p.78 apud Souza, 2001, p. 156).

A finalidade da prática pedagógica em ampliar os conhecimentos e desenvolver uma

reflexão crítica sobre a realidade dos educandos(as), requisita uma avaliação permanente do

trabalho pedagógico. A avaliação vista como processo diagnóstico, investigativo, formativo,

sistemático e contínuo, coerente com os fundamentos e instrumentos de uma avaliação

Page 377: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

377

emancipatória. Não é apenas a aprendizagem em si que é avaliada, mas também e, sobretudo,

toda a proposta educativa. A avaliação é um processo, contínuo, integrado por todos. É nessa

se querem como atores na organização e avaliação das próprias atividades . (coordenadora

pedagógica 1)

A avaliação tem como objetivo contribuir para a formação integral do educando (a),

vivenciada durante o processo desenvolvido em sala de aula e na escola como um todo, não

só do produto final, dos conteúdos da aprendizagem, mas também das atitudes, das ações

desenvolvidas em grupo e individualmente, da participação nas atividades, do compromisso

no cumprimento das tarefas que lhe são atribuídas:

Aqui a gente avalia sempre. Mas a gente também é avaliada sempre. Isso é um aprendizado, primeiro de não pensar esse processo por partes, segundo de ter clareza de que todo mundo precisa ser avaliado, que não é um poder na mão de alguns, terceiro, pensar formas de fazer isso, para não ficar uma coisa solta, como se a dimensão quantitativa não tivesse importância nenhuma (Educadora 5)

O que eu acho mais interessante é, se o professor avaliar que eu não aprendi aquele conteúdo, ele conversar, explicar, e principalmente posso rever os conteúdos, para não continuar com dificuldade. Aí, eu fico vindo noutro horário para reforçar aquele conteúdo (Estudante 2 )

A avaliação dos sujeitos da prática pedagógica também é posta por Anton Zabala

(1998), ao colocar que a avaliação escolar correta não deve se cingir apenas à relação entre

esses dois protagonistas diretamente envolvidos no processo educativo o aluno e o professor

- pois na realidade o processo de ensino/aprendizagem em sala de aula inclui processos e

relações pedagógicas grupais e a classe como um todo. Mas, essa visão de avaliação pode ser

ampliada ainda mais se não nos prendermos somente ao que acontece em sala de aula,

possibilitando que tenhamos uma fotografia mais abrangente do processo de

ensino/aprendizagem, ao focalizar este como reflexo do todo, ou seja, a aprendizagem do

aluno pode ser avaliada como resultante das condições gerais propiciadas pela instituição

escolar e do esforço do próprio aluno para efetivá-la.

Para efetivar uma avaliação nessa dimensão, as práticas desenvolvem instrumentos e

reflexões com sua equipe, que possibilitem a vivência desse processo nas dimensões:

diagnóstica, formativa e emancipadora.

Page 378: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

378

A dimensão diagnóstica permite a tomada de decisão mais adequada, tendo em vista o

autodesenvolvimento e o auxílio externo para esse processo, conforme nos coloca Cipriano

Luckesi (2000, p.43): para não ser autoritária e conservadora, a avaliação tem a tarefa de ser

diagnóstica, ou seja, deverá ser o instrumento dialético do avanço, terá de ser o instrumento

A dimensão formativa é a forma de avaliação na qual a preocupação central reside em

coletar dados para reorientação do processo de ensino-aprendizagem.

Já a dimensão emancipadora utiliza-se do senso de autocrítica e autodesenvolvimento

do aluno, através de instrumentos, para realizar a auto-avaliação e a hetero-avaliação, na

qual todos os sujeitos do processo se colocam em permanente processo de aprendizagem.

Existe um esforço coletivo na perspectiva de desconstruir a visão da avaliação na

perspectiva meramente somativa, contudo, sem deixar de considerar a importância que têm os

resultados finais como indicadores de construção de conhecimentos. Assim, tem-se uma visão

formativa e emancipadora da avaliação, na qual todos aprendem e ensinam, portanto, avaliam

e são avaliados. Nesse sentido, vejamos as falas a seguir:

Eu antes de vim para cá estudei noutra escola, e avaliação não era assim não. Era só nota. Conseguiu, bem, senão recuperação ou reprovação. Por isso, que aqui tem outra visão. A visão de trabalho em grupo, o respeito dos professores nas decisões das atividades, se eu consegui cumprir ou não, me auto-avaliar, é o que eu vou levar como mais positivo, que vou carregar no decorrer da minha aprendizagem como estudante.(Estudante 2 )

A filosofia daqui me impactou porque eu tinha estudado numa escola que avaliava de outro jeito. Depois eu fui ensinar numa escola que avaliava do jeito que eu aprendi. Então, quando eu comecei a ensinar aqui, tive que aprender tudo de novo sobre avaliação. Desde o porquê até o como, eu senti dificuldades. Aos poucos eu fui aprendendo com o grupo, conversando nos planejamentos, fazendo umas leituras. Acho que hoje eu já entendo mais porque a gente precisa avaliar de forma diferente, durante todo o processo, considerando várias dimensões... Agora não é fácil assim que a gente chega aqui, trabalhar dessa forma (Educadora 7)

Essa perspectiva leva necessariamente a repensar as ações em sala de aula, auto-

avaliando as práticas de todos os sujeitos envolvidos nesse processo, porque a reflexão é o

primeiro passo para buscarem alternativas mais ajustadas e coerentes. Assim, a avaliação

diagnóstica não deve ser vivida somente no momento inicial do trabalho, mas de forma

contínua no sentido de identificar onde houve rupturas ou falhas no processo de

aprendizagem, a fim de traçar soluções palpáveis para solucionar problemas reais, que sejam

geradores de novas práticas e aprendizagens.

Page 379: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

379

Considerações

Perceber a realidade para nela atuar, evidenciando a intencionalidade da ação

educativa e dos conteúdos trabalhados, é fundamental em todas as práticas pedagógicas. É a

manifestação da nova atitude prática do educando em relação ao conteúdo aprendido, bem

como do compromisso em pôr em execução o novo conhecimento. É a fase das intenções e

propostas de ações dos alunos. Com isso, coloca-se a escola num lugar de destaque dentro da

comunidade, e sua importância social, enquanto instituição, na perspectiva de que os

conhecimentos gerados pela escola podem fazer significativas mudanças nas vidas dos

estudantes e de suas famílias.

Para alicerçar uma prática pedagógica com as mudanças ocorridas nas Escolas do

Campo, deve-se constituir uma aliança formando uma teia com a visão sistêmica que supera

a fragmentação do conhecimento. Nas salas de aula, ela se expressa na abordagem

contextualizada e no ensino por meio da pesquisa que instiga o diálogo e a discussão coletiva

como forças propulsoras de uma aprendizagem significativa e contempla os trabalhos

coletivos, as parcerias e a participação crítica e reflexiva dos educandos(as) e do professorado

No entanto, conforme nos coloca Paulo Freire (2003), isso não elimina as tensões que

atravessam todas as relações dentro e fora das Escolas. Assim, o ponto de partida da prática

pedagógica, nessa perspectiva, é sempre a realidade com todas as suas ambiguidades,

contradições e possibilidades. Como pensar numa escola do campo isolada das lutas sociais

mais gerais? Se o contexto de vida dos sujeitos é o ponto de partida do itinerário pedagógico

das escolas, a interpretação, problematização e intervenção possibilitam não somente a

reinvenção da escola, dos sujeitos que a compõem, mas abrem possibilidades para sua

mudança.

Page 380: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

380

CONSIDERAÇÕES FINAIS - OS FRUTOS COLHIDOS GERAM NOVOS

APRENDIZADOS E LANÇAM NOVAS SEMENTES

Page 381: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

381

O presente trabalho tratou das práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Escolas

Básicas do Campo, que se filiam ao discurso político, pedagógico e epistemológico da

Educação do Campo, posto em circulação por diferentes organizações sociais, principalmente

a partir dos anos de 1990, no Brasil. Procuramos analisar as semelhanças e singularidades nas

propostas e práticas pedagógicas dessas Escolas, identificando as contribuições para a

organização do trabalho pedagógico escolar.

O movimento político, pedagógico e epistemológico da educação do campo tem

origem na mobilização dos movimentos sociais para definição de uma política educacional

que fortalecesse as práticas educativas existentes no campo, assim como a ampliação das

escolas públicas da Educação Básica nas comunidades e assentamentos onde não existiam.

O Movimento da Educação se constitui como uma rede, agregando a diversidade de

práticas educativas existentes no país. Não é uma instituição, não possui uma coordenação,

mas sim a organização de diferentes redes com formatos, abrangência, composição e ações

plurais. Está em constante construção e reconstrução, e se mantém mais articulada, mediante

uma demanda local ou nacional. Seu crescimento ou diminuição depende de novas conexões,

de objetivos a serem atingidos, de ações a serem desencadeadas como, por exemplo, a

articulação para o momento de elaboração das Diretrizes Operacionais da Educação do

Campo ou para a II Conferência Nacional de Educação do Campo.

A Educação do Campo, como expressão da heterogeneidade das instituições,

organizações e sujeitos que a compõem, não é fechada em uma única perspectiva ou

referencial de relação com o mundo. Na sua constituição, há traços de semelhanças e

singularidades que se articulam, o que orienta os fundamentos e princípios a serem

socializados e fortalecidos nas diferentes práticas pedagógicas no que se refere à organização

do trabalho escolar, às relações da escola com a comunidade e ao trato com o conhecimento.

A Educação do Campo tem na sua materialidade de origem a necessidade de

superação de um modelo de desenvolvimento gerador de assimetrias sociais, políticas e

econômicas, e de um campo sem gente. A concepção de Educação tem na sua tessitura um

território com gente, que produz suas existências, culturas, saberes e afetos, numa ruralidade

caracterizada pela agricultura familiar/camponesa, numa perspectiva da sustentabilidade da

vida, do ambiente e das comunidades.

Essa sustentabilidade passa necessariamente pela afirmação da diversidade de um

sistema complexo que constitui o campo brasileiro. Enquanto o projeto dominante de

Page 382: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

382

sociedade e de escola é caracterizado pela homogeneização e pelo monocultural, o projeto de

sociedade que nutre a Educação do Campo produz espaços e tempos para a pluralidade de

agroecossistemas, etnias, sujeitos, culturas, relações sociais, padrões tecnológicos, formas de

organização social e política, que instituem modos de vida específicos, que negam a

antinomia e a visão hierárquica entre campo e cidade.

Nesse sentido, o campo é um território de produção de identidades e de relações

sociais. A identidade socioterritorial, enquanto espaço e tempo de produção da existência

concreta dos Povos do Campo, assume uma dimensão fundamental nas propostas

pedagógicas, ao tomar a territorialização na luta pela terra, na convivência com o semiárido,

na produção no cerrado como lugar de construção da vida e de relações sociais que entram

como parâmetros para a construção da teoria pedagógica.

O protagonismo dos movimentos sociais do campo na proposição e vivência de

práticas sociais e educativas coloca-os como sujeitos construtores de projetos de sociedade e

de educação, ao construírem referenciais éticos, estéticos, epistemológicos, políticos, que vão

influenciar, sobremaneira, no Brasil, o desenvolvimento das práticas pedagógicas nas escolas

do campo e a formulação de um marco jurídico específico para esta Educação.

A Educação do Campo concretiza as diferentes racionalidades, que problematizam e

apreendem as existências concretas dos sujeitos do campo brasileiro, na sua relação com a

terra, as águas, a floresta e os diversos biomas que conformam a maneira de produzir e

reproduzir a vida. Portanto, as diferenças de ordem diversas entre os Povos do Campo refutam

a ideia de uma proposta educacional idêntica para todas essas realidades e Povos.

Dessa maneira, o debate sobre o projeto de sociedade e de campo precede e perpassa a

discussão sobre a organização curricular e a metodologia. Entretanto, é fundamental se

planejar a organização do trabalho escolar, o trato com o conhecimento, a organização do

tempo e do espaço, as relações entre os diferentes sujeitos da escola, o conjunto de saberes

que são necessários para o sujeito docente e gestor realizarem o seu trabalho e como, nas

atividades de ensino e aprendizagem, articulam-se os diferentes dispositivos para atingir os

objetivos e finalidades da educação.

Com relação à Teoria da Educação que orienta essas práticas educativas, a Educação

do Campo pode ser considerada uma das realizações da Pedagogia do Oprimido e

pertencente à tradição pedagógica decorrente das experiências da Educação Popular na

América Latina, à medida que afirma os Povos do Campo como sujeitos legítimos de um

projeto emancipatório e, por isso mesmo, educativo, por ter sua origem na formação de

sujeitos coletivos atuantes e críticos de sua realidade.

Page 383: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

383

A proposta pedagógica nas escolas, em sua diversidade, realiza a mediação da teoria e

da prática no cotidiano das escolas, explicitando suas escolhas teóricas, políticas e

metodológicas, que possuem traços de semelhanças em seus fundamentos e princípios, dentre

os quais, destacamos os que explicitamos a seguir.

A concepção de Educação: é vista como processo de formação da humanidade do ser

humano, no qual o indivíduo, ao se apropriar do patrimônio material e imaterial acumulado

pela humanidade em cada momento histórico, torna-se membro singular de toda a espécie do

gênero humano.

As finalidades dos processos educativos: o processo de apropriação do patrimônio

material e imaterial, por meio da escolarização, implicam necessariamente um

questionamento sistemático das raízes das assimetrias sociais e a construção de uma nova

sociabilidade, que se referencia na emancipação humana, na responsabilidade coletiva, na

capacidade de projetar intervenções sociais nos âmbitos pessoais, escolar e social, o que tem

gerado mudanças na organização do trabalho escolar e na organização curricular no campo.

A heterogeneidade das propostas e práticas pedagógicas que constituem o Movimento

da Educação do Campo suscita a configuração de uma rede política e de aprendizagem,

composta por outras redes, que constituem os Lugares Institucionais. Na verdade, constroem

respeito à cultura dos sujeitos, num diálogo com a cultura científica e com a

cultura midiática, trabalhadas nas escolas como conteúdos educativos. O

conhecimento passa a ser entendido como proveniente de diferentes fontes e

sujeitos, o que faz da escola um espaço de diálogo e de múltiplas conexões, já

que ele não está em um único lugar, nem em um único sujeito;

construção de um movimento de mão dupla na produção do conhecimento,

pois, ao mesmo tempo em que parte da prática a ela retorna para modificá-la,

uma vez que a escola se modifica com os conhecimentos provenientes da

realidade, as comunidades se modificam por meio dos novos conhecimentos

ampliados e sistematizados pela escola;

indissociabilidade da pesquisa e do ensino na construção e apropriação do

conhecimento em sala de aula. Os conteúdos precisam ganhar sentido ao

possibilitar a reflexão e a intervenção na realidade;

indissociabilidade das áreas de conhecimento no trato com os conteúdos em

sala de aula. A realidade em sua totalidade requisita uma abordagem curricular

Page 384: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

384

integrada, na qual o diálogo e o confronto entre as diferentes áreas do

conhecimento são fundamentais para uma nova forma de interagir com o

conhecimento e com a realidade; e

a dimensão humana da formação de hábitos, valores, atitudes, afetos, ética e

estética dos sujeitos, enxergando o ser humano na sua omnilateralidade.

Desse modo, a dinâmica de um Movimento, constituído de redes plurais, dá

visibilidade a um novo jeito de fazer a Escola, a partir das singularidades dos diferentes

lugares institucionais que a compõem, entre os quais destacamos: Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro

(RESAB), os Centros Familiares de Formação em Alternância (CEFFAS) e a Proposta

Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável (PEADS).

Nos Lugares Institucionais, as Propostas Pedagógicas assumem singularidades

organizadas pelo contexto histórico, como a composição da equipe educativa e as

características das redes a que se vinculam as relações sociais nos municípios, produzindo

configurações que tornam essa prática distinta de outras, expressando também a releitura das

teorias pedagógicas, que se cruzam e entrecruzam em diferentes dimensões nos proposto e no

vivido.

O itinerário pedagógico é um elemento regulador e estruturador das práticas

pedagógicas das Escolas do Campo, ao articular o planejamento, o tempo pedagógico e uma

rede de relações entre os sujeitos da aprendizagem, que tomam como conteúdo pedagógico

básico a realidade social.

Dessa forma, no itinerário pedagógico, os conteúdos são construídos, ampliados e

apropriados na sala de aula, a partir da interação entre os diversos sujeitos. O itinerário ganha

configurações a partir dos conteúdos pedagógicos que consideram:

o trabalho com os eixos temáticos como integrador dos conteúdos, facilitando sua

organização de forma ampla e abrangente, a problematização e o encadeamento lógico

dos conteúdos e a contextualização na análise dos temas;

o aprofundamento do conteúdo a partir do diálogo com as diferentes áreas de

conhecimento e no manejo desses conteúdos em sala de aula pelo educador(a), a partir

dos diferentes dispositivos pedagógicos;

Page 385: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

385

a sistematização do conhecimento como registro, ordenação e classificação dos fazeres

pedagógicos, quer como ferramenta de reflexão, aprendizagem ou construção de

conhecimentos; e

a socialização e comunicação dos conhecimentos cujo objetivo é não só o

compartilhamento de conhecimento produzido na escola, mas também aprofundar a

compreensão sobre ações envolvidas nesse processo, de (in)formação e mediações, e

sobre os meios necessários para que informações geradas em tais comunidades se

transformem em conhecimento pessoal dos sujeitos coletivos, através da construção de

significados relevantes à formação da cidadania.

Esse ciclo de produção do conhecimento concretizado no Itinerário Pedagógico de

cada escola ganha nuances de singularidades, a partir das relações que se estabelecem entre os

diferentes sujeitos. Assim, o foco deixa de ser no educando(a), no educador(a) ou no

conteúdo e passa a ser na relação tecida entre esses pólos da prática pedagógica.

A valorização dos saberes populares num diálogo com os conhecimentos científicos

produziram muitos frutos, desencadeando mudanças significativas nos processos

administrativos e pedagógicos das escolas, nas quais a participação da família e da

comunidade passa pela organização coletiva de educandos (as), educadores(as), técnicos

administrativos, comunidade e pelo envolvimento efetivo de outros sujeitos do processo de

ensinar-aprender vivenciado na escola e na comunidade.

Assim, os caminhos construídos pelas escolas são múltiplos, no entanto, carregam o

potencial de gerar um conhecimento e uma itinerância que sinalizam para práticas que buscam

responder a realidades dos sujeitos sociais a quem se destinam e que se constituem como um

processo situado em um tempo e em um espaço específicos, com diferentes formas

organizativas do trabalho escolar.

A escola mostra-se como um local de debates, de formulação de ideias, resolução de

problemas que emergem da realidade dos sujeitos, de múltiplas contradições e da

possibilidade do diálogo fundamentado na reflexão coletiva. Não é difícil afirmar que o

projeto político pedagógico orienta a organização do trabalho pedagógico na sua globalidade

e que a dinâmica interna da sala de aula oferece alternativas de ação ao professorado numa

perspectiva emancipatória.

Os dispositivos pedagógicos são elementos mediadores do processo educativo, que

possibilitam a produção, comunicação e transmissão dos conhecimentos e se encontram em

todas as práticas pedagógicas, principalmente para fortalecer a vinculação da escola com a

Page 386: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

386

família e a comunidade, e como uma ferramenta para conhecer a realidade e aprofundar os

conhecimentos em sala de aula, enquanto que a gestão considera o processo de

democratização sob dois aspectos:

a) interno, que contempla os processos administrativos e a participação da

comunidade escolar nos projetos pedagógicos; e

b) externo, ligado à função social da escola, na forma como produz, divulga e

socializa o conhecimento.

A participação e o trabalho coletivo constituem-se no principal meio de assegurar a

gestão democrática da escola, possibilitando o envolvimento de profissionais, família e

comunidade no processo de tomada de decisões e no funcionamento da organização escolar.

A gestão do conhecimento nas Escolas do Campo, de forma compartilhada, em

nenhum momento tira a importância e o papel do professorado, na organização do trabalho

pedagógico. A prática docente é redimensionada, quando planeja a partir da realidade dos

educandos(as) e sua intervenção na realidade exige um pensar sobre os conhecimentos a

serem selecionados e os dispositivos pedagógicos que contribuem para esse processo de

apropriação e ampliação dos conhecimentos.

Assim, os/as educadores (as) constroem os conhecimentos no diálogo com os/as

educandos/as. Isso implica numa elaboração de situações de aprendizagem nas quais são

indispensáveis as interações e as múltiplas linguagens na realização dos estudos e na

significação do conhecimento.

É inegável a pluralidade de saberes que conformam a prática dos docentes das escolas.

São saberes adquiridos ao longo dos tempos, advindos não somente da formação profissional

escolar, mas também de sua própria história de vida, da convivência com as famílias, com os

estudantes, da formação continuada desenvolvida pelos movimentos sociais e organizações às

quais se encontram vinculada as Escolas.

Outra dimensão importante é a prática avaliativa nas escolas que apresentam

estratégias diferenciadas para vivenciar uma avaliação diagnóstica, processual, formativa e

que tenha significado para o educando, o que pressupõe um acompanhamento individual do

desempenho dos estudantes. Em uma das escolas identificamos estratégias específicas de

avaliação de outros aspectos, como atitudes, formas de relação etc, existindo um esforço de

planejar o processo avaliativo nos diferentes espaços de aprendizagem, além da sala de aula.

No que se refere à prática discente, a convivência e a participação nos espaços da

escola, inclusive com o direito de compartilhar o poder na escola, possuem um significado

Page 387: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

387

importante para a formação dos estudantes, gerando um clima de confiança e amizade no

grupo e um sentimento de acolhimento e alegria no ambiente escolar. Identificamos nas

escolas pesquisadas uma diminuição da evasão e repetência escolar, (algumas não apresentam

no último ano) atribuída pelos educadores (as) ao processo de acompanhamento individual

aos educandos(as).

A ação educativa implicada na responsabilidade com os sujeitos e com seu contexto,

na ampliação de suas capacidades comunicativas e de intervenção no mundo como forma de

reinvenção das pessoas, da escola e da realidade, faz-se presente nas intenções e ações das

salas de aula. Portanto, são frutos que colocam desafios que se constituem em sementes para

novos estudos e reflexões.

Na prática pedagógica os desafios são os de assegurar o espaço democrático de

diversidade e pluralidade, em que, pelo diálogo entre as diferenças, constrói-se um ambiente

de produção coletiva de respeito à singularidade de cada um, de desenvolvimento da

autonomia e, sobretudo, como espaço em que os sujeitos criam seus próprios significados, ao

invés de obtê-los formatados e predeterminados por outrem.

Para alicerçar a prática desenvolvida nas escolas, a construção de uma teia de

parceiros, que instiguem o trabalho coletivo, o aprofundamento dos conteúdos, a articulação

para encaminhamento das ações escolares e comunitárias, é reconhecida por todas as escolas:

organizações sociais, especialistas etc., evidenciando um currículo que investiga não sobre a

comunidade, mas com a comunidade, o que amplia os desafios do aprofundamento dos

conteúdos e de estratégias de gestão para articulação do conhecimento.

É no cotidiano que as escolas enfrentam as dificuldades a que estão sujeitas, a partir de

processos contínuos repletos de conflitos, tensões e acertos, que se processam por um

conjunto de práticas históricas e dominantes e por novas práticas que se articulam em

princípios. De modo geral, as ações desenvolvidas pelas escolas e comunidades apontam para

a possibilidade de implementação concreta de uma política pública da escola do campo

contextualizada e socialmente referenciada na vida, no trabalho e na cultura dos sujeitos do

campo.

Os frutos da mobilização do Movimento da Educação do Campo, por uma formação

inicial em Licenciatura de Educação do Campo, estão sendo colhidos, considerando que vinte

e quatro universidades públicas realizam a oferta desse curso a partir de 2009. No entanto, o

desafio é de repensar as formas de acesso e permanência na universidade pública dos/das

educadores(as) que estão em serviço na Escola do Campo, bem como de uma organização

Page 388: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

388

curricular que assegure uma formação pedagógica sólida e contextualizada com a diversidade

do campo.

Ainda é preciso avançar, com o apoio do poder público, para as práticas de formação

continuada que são desenvolvidas de forma permanente, sistemática e contextualizada, para

contribuir com a construção de um repertório de conhecimentos específicos para o

professorado que se encontra no exercício docente das Escolas do Campo.

Com relação às políticas educacionais, os documentos e a percepção dos sujeitos das

Escolas do Campo dão sinais de avanços da luta pela escolarização básica dos Povos do

Campo, no entanto, tais políticas apresentam uma fragilidade em sua implementação,

principalmente nos municípios, decorrente de diferentes fatores:

desconhecimento dos gestores públicos municipais da legislação específica da

Educação do Campo e de outras políticas específicas da diversidade;

rotatividade dos gestores responsáveis pela política de educação nos

dentro de um mesmo mandato, ocorre sucessivas mudanças dos responsáveis

por esta pasta;

descompromisso político e social com a universalização da Educação Básica,

com qualidade social e contextualizada na realidade do campo;

burocratização dos processos de financiamento público e alta inadimplência

dos municípios, o que inviabiliza o acesso aos recursos públicos federais para

melhoria das condições materiais das escolas do campo; e

desvalorização das práticas pedagógicas existentes nos municípios, enquanto

formuladoras de uma proposta pedagógica das Escolas do Campo.

Outra questão diz respeito às escolas multisseriadas, que constituem metade das

Escolas do Campo e que solicitam políticas sistemáticas na melhoria das suas condições

materiais, na formação inicial e continuada dos profissionais para atuarem nessa realidade

educacional e na valorização das diferentes propostas pedagógicas que buscam organizar o

trabalho pedagógico nestas escolas.

Para os movimentos sociais, coloca-se o desafio de fortalecimento das ações em rede e

construção da unidade na diversidade de concepções e práticas existentes entre os mesmos.

E, principalmente, de sistematização das diferentes práticas educativas que coordenam ou

Page 389: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

389

acompanham na perspectiva de uma avaliação crítica e de uma maior aproximação entre a

teoria pedagógica e a prática desenvolvida nas escolas.

Na produção acadêmica, temos o desafio do ensino, da pesquisa e da extensão,

refletindo sobre as práticas pedagógicas existentes no campo, em sua diversidade e

heterogeneidade, e contribuindo para tirar da invisibilidade o pensar e o fazer pedagógico das

Escolas do Campo. Esperamos que as contribuições provenientes das Escolas do Campo

possam repensar a formação inicial de educadores (as) realizada pelas Universidades.

Um limite é não haver formação continuada específica para os profissionais da

Educação do Campo, vinculada às necessidades da prática nas Escolas do Campo. Para isso,

são importantes as parcerias entre poder público, universidades e organizações sociais do

campo.

A itinerância da pesquisa representou um esforço pessoal e profissional pela dimensão

nacional do Movimento da Educação do Campo. No entanto, a heterogeneidade das propostas

e práticas pedagógicas das Escolas do Campo exigiu que este fosse o caminho teórico e

metodológico a ser feito, o que nos possibilitou a aprendizagem da singularidade de cada

prática e a clareza de que não há um só modelo para a Educação do Campo. Existem práticas

diversas que corporificam os princípios e fundamentos da Educação do Campo, a partir do

contexto e do itinerário que constroem em cada escola.

A vida e a dinâmica do Movimento da Educação do Campo mostram-se na

diversidade de estruturação das redes que o compõem. Materializam-se e se reinventam na

sala de aula, na curiosidade dos educandos (as), no comprometimento dos docentes e na

participação das famílias.

O aprendizado da multiculturalidade na prática educativa é um ensinamento que a

pesquisa nos traz, por diferentes abordagens e estratégias que os educadores (as) trabalham

em sala de aula nas questões ligadas a gênero, raça, religiosidade, geração etc. Por isso,

pensamos que precisam continuar e ser ampliadas para contribuir nos processos de formação

dos docentes e na elaboração dos projetos político-pedagógicos de outras escolas.

Estes são os elementos apreendidos e trazidos por esta pesquisa, que podem ser

ampliados ou revistos com a continuidade de outras pesquisas. Pensamos, também, que a

pesquisa traz indicativos para se repensar a formação dos educadores(as) nos Centros de

Formação, que contemple a diversidade dos sujeitos sociais do campo, a organização do

trabalho pedagógico e a relação entre a escola e a comunidade.

Page 390: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

390

REFERÊNCIAS

Page 391: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

391

ABRAÃO, José Carlos. O Educador a caminho da roça: notas introdutórias para uma conceituação de educação rural. Mato Grosso do Sul: Editora UFMT, 1986.

ABRANCHES, Sergio Henrique. Política Social e combate à pobreza: a teoria da prática. In: SANTOS, Wanderley Guilherme dos; COIMBRA, Marcos e ABRANCHES, Sergio H. (Org.). Política Social e combate a pobreza. 4 ed. p. 9-31. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

ALMEIDA, José Ricardo Pires de. Instrução Pública no Brasil (1500-1889): Tradução Antonio Chizzotti; Ed. Crítica Maria do Carmo Guedes. 2 ed. ver. São Paulo: EDUC, 2000.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazio Afonso de. Cotidiano Escolar e práticas sócio pedagógicas. Em Aberto, Brasília, ano 11, n. 53, p. 28 - 38, jan/mar. 1992.

____. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.

____. O Papel da Pesquisa na Formação e na Prática dos Professores. Campinas, SP. Papirus, 2005.

APPOLINÁRIO, F. Dicionário de metodologia científica: um guia para a produção do conhecimento científico. São Paulo, Atlas, 2009.

APPLE, Michael. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.

ARROYO, Miguel. O Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis. Vozes, 2000.

____. Pedagogias em Movimento O que temos a aprender dos Movimentos Sociais? In: Currículo sem Fronteiras. v. 3, n. 1. jan/jun. p. 28-49. Minas Gerais, 2003.

____. A escola do campo e a pesquisa do campo: metas. In: MOLINA, Mônica (org). Educação do campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília, MDA, 2006, p. 103-116.

____. Miguel e FERNANDES, Bernardo. Educação Básica e o Movimento Social do Campo. V. 2. Brasília. Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo, 1999.

AZEVEDO, Janete. Educação como Política Pública. São Paulo. Autores Associados. Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, 1997.

BARBIER, René. Pesquisa-Ação na Instituição Educativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

Page 392: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

392

BARBOSA, Jaqueline. As representações sociais dos professores em classes multisseriadas sobre a formação continuada. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2002.

BARDIN, Laurence. Análise do Conteúdo. Tradução de Luiz Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa, Edições 70, 1988.

BATISTA, Maria do Socorro Xavier. Os movimentos sociais cultivando uma educação popular. In: Anais da 29ª Reunião Anual da ANPED. Rio de Janeiro: Associação Nacional de Pós-Graduação, v. 1. p. 1-15. Caxambu, 2006.

BAPTISTA, Francisca Maria Carneiro. BAPTISTA, Naidison de Quintella. Educação Rural: sustentabilidade do campo Feira de Santana, BA/MOC/UEFS/PE/SERTA, 2003.

BEGNANI, João Batista. Pedagogia da Alternância como sistema educativo. In: Revista da Formação da Alternância. União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 1- n° 2, p. 13-26. Brasília. Julho, 2006.

BERNSTEIN, Basil. A Estrutura do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996.

BHABHA, Homi. K. O local da Cultura. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2003.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

BRAGA, Osmar Rufino. Educação e convivência com o Semi-Árido: introdução aos fundamentos do trabalho político-pedagógico no Semi-Árido brasileiro. In: KUSTER, Angela, MATTOS, Beatriz Helena. Educação no contexto do Semi-Árido brasileiro. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2004. p. 25-44.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação como Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986.

Page 393: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

393

CALADO, Alder Julio. Movimentos Sociais e Cidadania: Um enfoque multifacetado. 1ª ed. João Pessoa. Editora Ideal, 2000.

____. Educação popular nos Movimentos Sociais no Campo: Potencializando a relação macro-micro no cotidiano como espaço de exercício da cidadania. In Antonio Flávio Brayner e João Francisco de Souza (orgs). A Dúvida e a Promessa. Educação Popular em Tempos Difíceis. Recife: Edições Bagaço: NUPEP, 1999. p. 17-37.

CALAZANS, Maria Julieta Costa. Para compreender a Educação do Estado no Meio Rural: traços de uma trajetória. In: THERRIEN, Jacques; DAMASCENO, Maria Nobre (Coords). Educação e Escola no Campo, Campinas: Papirus, 1993. p. 15-40.

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais que escola. Petrópolis: Vozes, 2000.

____. Por Uma Educação do Campo: traços de uma identidade em construção. In: Por Uma Educação do Campo: Identidade e Políticas Públicas. V. 4. Brasília, 2002. p. 25-36.

CAMINI, Isabela. O cotidiano pedagógico de professores e professoras em uma escola de assentamento do MST: limites e desafios. Dissertação (Mestrado em Educação) - Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 1996.

CANDAU, Vera Maria (org.). Reinventar a escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

CARNEIRO, Maria José. Ruralidades: novas identidades em construção. En publicacion: Estudos. Sociedade e Agricultura n. 11. CPDA, Curso de Pós Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, out., 1998.

____. Apresentação. In: MOREIRA, Roberto José (org.). Identidades sociais: ruralidades no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

CARVALHO, José Murilo de. A formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CARVALHO, Rosângela Tenório. Discursos pela Interculturalidade no Campo Curricular da Educação de Jovens e Adultos no Brasil nos anos 1990. Recife: NUPEP/UFPE; Edições Bagaço. 2004. Coleção Teses & Dissertações. Nº 3.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

Page 394: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

394

CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes, 2008. p. 13-24.

CHARLOT, Bernard. A relação com o saber: elementos para uma teoria. Tradução de Bruno Magno.Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez, 2000.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e Contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo. São Paulo: Cortez/Autores Associados. Coleção Educação Contemporânea, 2000.

____. Direito à Educação: direito à igualdade, direito a diferença. Cadernos de Pesquisa. (Fundação Carlos Chagas). São Paulo, v.1, p. 245-262, 2002.

____. Políticas inclusivas e compensatórias na educação básica. Cadernos de Pesquisa. (Fundação Carlos Chagas), v.35, p. 11-32, 2005.

____. A Educação Escolar, a exclusão e seus destinatários. Educação em Revista. Belo Horizonte. N. 48, p 205-222. Dez., 2008.

DAMASCENO, Maria Nobre. Pedagogia do Engajamento: trabalho, prática educativa e consciência do campesinato. Fortaleza: Ed. UFC/Stylus Comunicações, 1990.

____. Tecendo a democracia na Escola: outro olhar sobre a participação popular na prática pedagógica. Educação em Debate, Fortaleza: v. 20, n. 36, p.120-130, jul/dez.,1998.

DAYRELL, Juarez. Múltiplos Olhares sobre Educação e Cultura/Juarez Dayrell, organizador. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.

DEMO, Pedro. Pobreza Política: Autores Associados, 1996.

____. Educar pela Pesquisa. 6.ed. Campinas, SP:Autores Associados, 2003.

Estudos. Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro: UFRRJ/CPDA, n. 11, out. p. 76-98, 1998.

EQUIP. Movimentos Sociais e educacionais no Nordeste. Escola de Formação Quilombo dos Palmares Recife: EQUIP. 2004.

Page 395: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

395

FALKEMBACH, Elza Maria Fonseca. Sistematização...juntando cacos, construindo vitrais. Ijuí: Ed. Unijuí, 1995.

____.Socialização e Individuação: sujeitos em movimento. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais. Florianópolis, SC, 2003.

FARIA FILHO, Luciano Mendes de Faria. Conhecimento e cultura na escola: uma abordagem histórica. In: DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996. p. 127-193.

FAZENDA, Ivani. (org). Práticas Interdisciplinares na Escola. São Paulo: Cortez, 1993.

____. (Org). Metodologia da Pesquisa Educacional. 8.ed. São Paulo:Cortez, 2002.

FERNANDES, Bernardo M. MST formação e territorialização. São Paulo: Hucitec, 1996.

FLEURI, Reinaldo Matias. Desafios à educação intercultural no Brasil, In: Educação, Sociedade & Culturas, n. 16. p.45-62, 2001.

FONSECA, Maria Teresa Lousa. A Extensão Rural no Brasil: um projeto educativo para o capital. São Paulo: Loyola, 1989.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Artes Médicas, 1993.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

____. A educação de adultos e as populações marginais: mocambos. (Maio de 1958). 1958. Policopiado.

____. A sombra desta mangueira

____. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987.

____. Poder local, participação popular e construção da cidadania. In: Fórum de Participação Popular nas Administrações Municipais, 1995. Policopiado.

Page 396: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

396

____. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

____. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.

____. Política e Educação. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.

____. Pedagogia da Esperança. Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 15 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.

FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREITAS, L. C. de. Projeto Histórico, Ciência Pedagógica e Didática. Revista Educação e Sociedade, setembro, n. 27. p. 122-140. Cortez, São Paulo, 1987.

FREITAS, Luiz Carlos de. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. Campinas/SP, Papirus, 1995.

____. Dialética da inclusão e da exclusão: por uma qualidade negociada e emancipatória nas escolas. In. GERALDI, C.M.G.; RIOLFI, C.R; GARCIA, M.F. Escola Viva: elementos para a construção de uma educação de qualidade social. Campinas: Mercado de Letras, 2004. p. 13-30.

FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: Fazenda, Ivani (org). Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez, 1989. p. 5-15.

____. Educação e Crise no Trabalho: perspectivas do final de século. Petrópolis: Vozes, 1998.

GADOTTI, Moacir. Escola Cidadã. São Paulo: Cortez, 1986.

____. Pedagogia da Terra. São Paulo: Editora Petrópolis, 2000.

GADOTTI, Moacir e TORRES, Carlos Alberto (Orgs). Educação Popular: utopia latino-americana. - São Paulo: Cortez: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.

Page 397: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

397

GAUTHIER, Clermont ett all. Por uma Teoria da Pedagogia: pesquisas contemporâneas do saber docente. Iju: EditoraUnijuí, 1996.

GEERTZ , Clifford. A Interpretação das Culturas LTC: Rio de Janeiro, 1989.

GENTILI, Pablo. Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais. In: LOMBARDI, J.C., SAVIANI, D. e SANFELICE, J.L. (Orgs.), Capitalismo, trabalho e educação. Campinas, Autores Associados, p. 45-59, 2002.

GIMONET, Jean-Claude. Praticar e compreender a Pedagogia da Alternância dos CEFFAS. Tradução Thierry de Burghgrave. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

GIROUX, Henri. Teoria critica e resistência em educação. Petrópolis, Vozes, 1986.

____. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

GOHN, Maria da Glória. Teoria dos Movimentos sociais: paradigmas Clássicos e contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 1997.

____. Mídia, Terceiro Setor e MST: impactos sobre o futuro das cidades e do campo. Petrópolis: Vozes, 2006.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 4. Ed.(v.48). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.

GUATTARI, Felix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990.

HAGE, Salomão. Movimentos sociais do campo e a afirmação do direito à educação: pautando o debate sobre as escolas multisseriadas na Amazônia paraense. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos., Brasília, v. 87, n. 217, p. 302-312, set./dez., 2006.

HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed,1998.

____. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.

IRPAA. Referencial Curricular de Educação para Convivência com o SemiÁrido. Bahia: Juazeiro, 2003. Policopiado.

Page 398: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

398

JARA, Oscar. Ressignifiquemos as Propostas e Práticas de Educação Popular perante os Desafios Históricos Contemporâneos. In: Educação Popular na América Latina: diálogos e perspectivas/Pedro Pontual, Timothy Ireland (orgs.). Brasília: Ministério da Educação: UNESCO, 2009.

KOSIK, Karol. Dialética do Concreto. 2° Ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1986.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

____. Minha convivência com Dermeval Saviani. In: Dermeval Saviani e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo: Cortez, 1994. p. 22-31.

LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. São Paulo: Cortez 2002.

LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. 5. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

LUCKESI, C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 2000.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, EPU, 1986.

MAKARENKO, Anton. Problemas da Educação Escolar. Moscou: Progresso, 1982.

MANFREDI, Silvia. As Categorias Gramscianas e a análise da Educação Popular. In: Brandão, C. (org) A questão política da Educação Popular. São Paulo: Livraria Brasiliense Editora, 1987. p. 15-25.

MARTINS, Josemar da Silva. Anotações em torno do conceito de Educação para a Convivência com o Semi-Árido. In: RESAB. Secretaria Executiva. Educação para a Convivência com o Semi-Árido: Reflexões teórico-práticas. Juazeiro: Secretaria Executiva da Rede de Educação do Semi-Árido brasileiro, 2004. p.53-64.

MATTOS, C. L. G. A abordagem etnográfica na investigação científica. In: Revista INES-ESPAÇO, n.º 6, jul./dez., p. 42-59, 2001.

Page 399: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

399

MATURMA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte, MG: UFMG, 1998.

MELO NETO, José Francisco. Dialética: uma visão marxista. In: Dialética. Melo Neto, José Francisco. (org). João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2002.

____. Extensão Universitária, Autogestão e Educação Popular. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2004.

MC LAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez Editora: Instituto Paulo Freire, 1997.

MINAYO, M. C. S. Pesquisa Social teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994.

____. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 6 ed. São Paulo: Hucitec, 1999. (Coleção Saúde em Debate, 46).

MOREIRA, J. Roberto. Educação para o Brasil Rural. Revista Brasileira dos Municípios. Rio de Janeiro, 2(8): out./dez.,1949.

MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. Currículos e programas no Brasil. Campinas, SP: Papirus, 1990.

____. (org) Currículo: questões atuais. Campinas, São Paulo: Papirus, 1997.

____. Educação Escolar e Cultura(s): construindo caminhos. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro: n. 23, maio/ago., p. 3-6, 2003.

MOURA, Abdalaziz de. Princípios e Fundamentos da Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável - PEADS: uma proposta que revoluciona o papel escola diante das pessoas, da sociedade e do mundo. Glória de Goitá-PE: SERTA, 2003.

MUNARIM, Antônio. Elementos para uma política pública de Educação do Campo. In: MOLINA, Mônica (Org.) Educação do Campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília, MDA, 2006.

NASCIMENTO, C. G. A Educação Camponesa como espaço de resistência e recriação da cultura: um estudo sobre as concepções e práticas educativas da Escola Família Agrícola de Goiás EFAGO. Dissertação (Mestrado em Educação). Campinas: FE/Unicamp, 2005.

Page 400: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

400

NERI A. C. & REIS, Edmerson. Educação para a Convivência com o Semi-Árido a complexidade dos processos educativos de um fazer coletivo. In: Educação no contexto do Semi-Árido brasileiro. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2004.

OLIVEIRA, M. M. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis, Vozes, 2007.

PAIVA, Marilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. 3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1987.

PALUDO, Conceição. Educação Popular em busca de alternativas: uma leitura desde o Campo Democrático e Popular. Porto Alegre: Tomo Editorial & Camp, 2001.

____. Educação Popular Dialogando com Redes Latino-Americanas (2002-2003). In: Educação Popular na América Latina: diálogos e perspectivas/Pedro Pontual, Timothy Ireland (orgs.) Brasília: Ministério da Educação: UNESCO, 2009.

PISTRAK. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1981.

PUIG, Pedro Calvo. Que orientação profissional é possível promover no ensino fundamental. In. Revista da Formação da Alternância. União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 1- n° 1, p. 3-7 Brasília. Setembro, 2005.

REIS, Edmerson dos Santos. Educação do campo e desenvolvimento rural sustentável: avaliação de uma prática educativa. Bahia: Juazeiro: Editora e Gráfica Franciscana, 2004.

QUEIROZ, João Batista. O processo de implantação da Escola Família Agrícola de Goiás. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Goiás, 1997.

____. Construção das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil. Ensino Médio e Educação Profissional. Tese (Doutorado em Educação) Universidade de Brasília: UnB. Brasília, 2004.

RIBEIRO, Marlene. Educação Básica do Campo: um desafio aos trabalhadores rurais da terra. Educação básica do campo, Local, 2008. Disponível em: <http:www.bnaf.org.Br/palest 08.htm>. Acesso em: 26 set. 2008.

ROMANELLI, Otaíza. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1982.

Page 401: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

401

ROSAS, Agostinho da Silva. Paulo Freire: A Criatividade em Educação Popular. Tese. (Doutorado em Educação). João Pessoa: UFPB, 2008.

SACRISTAN, GIMENO. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre :Artmed Editora, 1999.

SANTIAGO, Eliete. Escolas Públicas de 1° grau :da compreensão à intervenção/Maria Eliete Santiago. Rio de Janeior : Paz e Terra, 1990.

____. Projeto Pedagógico da Escola : Uma contribuição ao planejamento escolar. Revista de Administração Educacional, Recife , V.1, p-69-73. Recife, 1997.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: Currículo Integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998.

____. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Alienígenas em sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

SANTOS, Boaventura de Sousa. O social e o político na transição pós-moderna. São Paulo: CEDEC, 1993. p. 181-207.

____. A Construção Social da Igualdade e da diferença. (Texto de Palestra proferida no VII Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1995.

____. Os processos de globalização. B. S. Santos (org). Globalização, Fatalidade ou Utopia? Porto. Afrontamento, 2001. p. 31-106.

____. Um discurso sobre as Ciências. 4 ed. São Paulo:Cortez, 2005.

SAVIANI, Demerval. As teorias da educação e o problema da marginalidade na América Latina. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 42, p.8-18, ago. 1982.

____. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez, 1985.

____. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

SHERER-WARREN, Ilse. Movimentos Sociais: um ensaio de interpretação sociológica. Florianópolis: UFSC, 1998.

Page 402: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

402

____. Redes de Movimentos Sociais. Ed. Loyola. Centro João XXIII. São Paulo: SP, 1993.

____. Cidadania Sem Fronteiras: ações coletivas na era da globalização. Ed. HUCITEC. São Paulo. SP, 1999.

SILVA, Maria do Socorro. Os saberes do professorado rural: construídos na vida, na lida e na formação. Dissertação (Mestrado em Educação). UFPE, Recife, 2000.

____. Da raiz à flor: produção pedagógica dos movimentos sociais e a escola do campo. In: MOLINA, Mônica (org). Educação do Campo e Pesquisa: questões para reflexão: Brasília: MDA, 2006.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Descolonizar o currículo: estratégias para uma pedagogia crítica. Dois ou três comentários sobre o texto de Michel Apple. In: COSTA, Marisa V. (Org.) Escola básica na virada do século: cultura e currículo. São Paulo, 1996. p. 61-72.

____. (orgs). Alienígenas em sala de aula. Petrópolis. Rio de Janeiro:Vozes, 1999.

____. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais/Tomaz Tadeu da Silva (org.) Stuart Hall, Kathryn Woodward. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

____. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo/Tomaz Tadeu da Silva. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

SILVA, Lourdes Helena. As relações escola-família no universo das experiências brasileiras de formação em alternância. 2000. Tese (Doutorado em Educação) PUC-SP, São Paulo, 2000.

____. Modalidades representações e práticas da alternância na formação de jovens agricultores. In: Revista da Formação por Alternância. Ano 1 n. 2, Julho. Brasília, 2006.

SOUZA, João Francisco. Reinventar a Educação de Jovens e Adultos. In: Subsídios para organização da prática pedagógica nas escolas: Recife. Secretaria de Educação, Cultura e Esportes, 1994 (Coleção Prof. Carlos Maciel).

____. A Democracia dos Movimentos Sociais Populares: uma comparação entre Brasil e México. Recife: NUPEP/UFPE. Edições Bagaço, 1999.

Page 403: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

403

____. A educação escolar, nosso fazer maior, des(A)fia nosso saber. Recife: NUPEP/UFPE, Edições Bagaço, 2000.

____. Atualidade de Paulo Freire: contribuição ao debate sobre a educação na pós-modernidade. Recife: NUPEP/UFPE; Edições Bagaço, 2001

____. E a educação que?? A educação na sociedade e/ou a sociedade na educação. Recife: Bagaço, 2004

____. Investigación-acción Participativa: ¿¿Qué??: Recife: NUPEP/UFPE; Edições Bagaço, 2006.

____. E a educação popular: ¿¿ quê?? Uma pedagogia para fundamentar a educação, inclusive escolar, necessária ao povo brasileiro. Recife: NUPEP/UFPE, Edições Bagaço, 2007.

____. Prática Pedagógica e formação de professores. (org) José Batista Neto e Eliete Santiago. Editora Universitária da UFPE. Recife, 2009.

SOUZA, Ivania P.F. & REIS, Edmerson. Educação para a convivência com o Semi-Árido: reencantando a educação a partir das experiências de Canudos, Uauá e Curaçá. São Paulo: Peirópolis, 2003.

SOUZA, Ivânia Paula. A gestão do currículo escolar para o desenvolvimento humano sustentável do semi-árido brasileiro/Ivânia Paula Freitas de Souza -São Paulo: Peiropolis, 2005.

TARDIF, M., LESSARD, C. e LAHAYE, L. Os professores face ao saber. Esboço de uma problemática do saber docente. Teoria e Educação nº 4, Porto Alegre: Pannônica, 1991.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

THERRIEN, Jacques. A Experiência Profissional e Saber Docente: a formação docente em questão. In: O Saber Social da Prática Docente. Faculdade de Educação - UFCE. Julho. 1996. Policopiado.

THERRIEN, Jacques & Damasceno, Maria Nobre. Educação e Escola no Campo. Campinas, Papirus, 1993.

THIOLLENT, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquête operária. São Paulo: Polis, 1977.

Page 404: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

404

TOMASIN, Paolo. Redes: Introdução Conceitual. In: Gaveta Aberta n° 2 jan.-dez. p.3-10- Recife. EQUIP, 1994.

TONET, Ivo. Educação, Cidadania e Emancipação Humana. Ijuí: Editora UNIJUÍ. Coleção Fronteiras da Educação, 2005.

VAZQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1988.

VEIGA, José Eli da. Cidades Imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula-Campinas. SP: Autores Associados, 2002.

VIANA, Heraldo Marelim. Pesquisa em Educação: a observação. Brasília: Líber Livro Editora, 2007.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1997.

WANDERLEY, Maria Nazareth Baudel. A Ruralidade no Brasil moderno- por um pacto social pelo desenvolvimento rural. 2004. policopiado.

____. A Emergência de uma Nova Ruralidade nas Sociedades Avançadas o rural como espaço singular e ator coletivo. Estudos. Sociedade e Agricultura, n. 15, p. 87-146, out., 2000.

WHITAKER, Dulce C. A.; ANTUNIASSI, H. R. Escola pública localizada na zona rural: contribuições para sua estruturação. Cadernos Cedes. Campinas: Papirus, n. 33, p.9-42, 1993.

ZABALA, Anton. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Editora Artmed, 1998.

_____________. Enfoque Globalizador e Pensamento Complexo. Uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.

ZAMBERLAN, S. A Pedagogia da Alternância. Vitoria, 1995.

Page 405: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

405

DOCUMENTOS OFICIAIS BRASIL. Plano Nacional de Educação. MEC. Brasília, 1999.

BRASIL. Lei de 15 de Outubro de 1827. Cria as Escolas de Primeiras Letras nas cidades e lugares populosos. 1827.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. CNE/CEB. Brasília, 2002.

MINISTERIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Complementares para o atendimento da Educação Básica do Campo. CNE/CEB. Brasília, 2008.

DOCUMENTOS DOS LUGARES INSTITUCIONAIS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

I CONFERÊNCIA NACIONAL DA EDUCAÇÃO DO CAMPO. Documento Base. Luziânia-Goias, 1998.

IICONFERÊNCIA NACIONAL DA EDUCAÇÃO DO CAMPO. Documento Base. Luziânia-Goiás, 2004.

CONTAG. Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Anais do IV Fórum Contag de Cooperação Técnica. Recife, 2000.

DOSSIÊ MST ESCOLA. Documentos e Estudos 1990-2001. Caderno de Educação n° 13. Edição Especial. ITERRA/MST. Rio Grande do Sul, 2005.

EDUCAÇÃO DO CAMPO. Por uma Educação Básica do Campo/Edgar Jorge Kolling, Ir. Nery FSC e Mônica Castagna Molina (organizadores). Brasília, DF. Coleção por uma Educação do Campo, n° 01, 1999.

Page 406: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

406

EDUCAÇAO DO CAMPO. Identidade e políticas públicas/Edgar Jorge Kolling, Paulo Ricardo Cerioli e Roseli Salete Caldart (organizadores). Brasília, DF. Coleção por uma Educação do Campo, n° 4, 2002.

MST. Nossos Valores. Pra Soletrar a Liberdade n° 01. São Paulo: MST, 2000.

PEADS. Múltiplos olhares de uma caminhada pedagógica: a proposta educacional de apoio ao Desenvolvimento Sustentável-Peads / Abdalaziz de Moura; Maria do Socorro Silva; Ilza André Vicente. Glória de Goitá-PE. SERTA, 2006.

REVISTA DA FORMAÇÃO POR ALTERNÂNCIA. União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 1- n° 1, Brasília. Setembro, 2005.

____. União das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 1- n° 2., Brasília, Julho, 2006.

____. União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2 - n° 4, Brasília. Julho. 2007.

RESAB. Educação para a Convivência com o Semi-Árido: reflexões teórico-prática. Juazeiro. Secretaria Executiva da Rede de Educação do Semi-árido Brasileiro, 2004.

RESAB. Educação para a convivência com o semiárido: Juazeiro: Secretaria Executiva da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro, 2005.

RESAB. Educação para a convivência com o semiárido: ousando e fazendo a diferença. . Juazeiro: Secretaria Executiva da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro, 2006.

RESAB. Educação para a convivência com o semiárido: analisando saídas e propondo direções. Juazeiro: Secretaria Executiva da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro. Dezembro, 2006.

EFAORI. PROJETO PEDAGÓGICO EFAORI, 2005. Policopiado.

EFAORI. MANUAL DE ESTÁGIO,

UNEFAB. Pedagogia da Alternância: alternância e desenvolvimento. Brasília, 2000.

Page 407: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

407

ANEXOS E APÊNDICES

Page 408: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

408

APÊNDICE A MAPEAMENTO DAS INICIATIVAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Page 409: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

Apê

ndic

e 01

Q

uadr

o sín

tese

das

ent

idad

es q

ue se

afil

iam

ao

disc

urso

pol

ítico

ped

agóg

ico

da E

duca

ção

do C

ampo

166

Nom

e/Si

gla

Á

rea

de

atua

ção

T

ipo

de e

ntid

ade/

or

gani

zaçã

o D

ata

de

iníc

io d

o

trab

alho

co

m e

scol

a

Açã

o de

senv

olvi

da

Car

acte

ríst

icas

Part

icip

ante

s en

volv

idos

di

reta

men

te

na a

ção

de

educ

ação

2

006

Ass

ocia

ção

de

Est

udos

, O

rien

taçã

o e

Ass

istê

ncia

R

ural

A

SSE

SSO

AR

Sudo

este

Pa

rana

ense

O

rgan

izaç

ão n

ão

gove

rnam

enta

l C

riaçã

o da

en

tidad

e

1966

In

icio

do

tra

balh

o co

m

educ

ação

e

scol

ar

1996

Proj

eto

Vid

a na

Roç

a

prop

osta

ped

agóg

ica

dese

nvol

vida

s nas

Esc

olas

R

urai

s Mun

icip

ais e

or

gani

zaçõ

es d

e tra

balh

ador

es

(as)

rura

is

s-M

édio

em

D

esen

volv

imen

to e

A

groe

colo

gia

com

M

etod

olog

ia d

a A

ltern

ânci

a em

par

ceria

com

a U

FPR

Peda

gogi

a da

Ter

ra

cur

so

supe

rior e

m p

arce

ria c

om o

s m

ovim

ento

s soc

iais

e a

U

NIO

ESTE

Arti

cula

ção

entre

pod

er

públ

ico

e um

con

junt

o de

en

tidad

es d

a so

cied

ade

civi

l

Arti

cula

ção

das a

ções

de

esco

lariz

ação

com

or

gani

zaçã

o da

pro

duçã

o,

saúd

e, la

zer e

cul

tura

Org

aniz

ação

cur

ricul

ar

por e

ixos

de

conh

ecim

ento

Util

izaç

ão d

e di

agnó

stic

os e

pes

quis

as

para

con

heci

men

to d

a re

alid

ade

Prod

ução

de

mat

eria

is

escr

itos e

áud

io-v

isua

is

Proj

eto

vida

na

roç

a

Estu

dant

es

700

3

7 ed

ucad

ores

(as)

da

Red

e M

unic

ipal

40

edu

cado

res(

as)

da R

ede

Esta

dual

Pós-

méd

io

Estu

dant

es

Prof

esso

res

Peda

gogi

a da

te

rra

Es

tuda

ntes

37

na

prim

eira

tu

rma

e 70

166 C

onsi

dera

ndo

os fo

rmul

ário

s que

me

fora

m d

evol

vido

s até

junh

o de

200

7.

Page 410: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

IV

sobr

e a

inic

iativ

a

Fo

rmaç

ão d

e m

ultip

licad

ores

par

a de

senv

olve

r a in

icia

tiva

da se

gund

a tu

rma

Pr

ofes

sore

s

25

C

árita

s B

rasi

leir

a

Reg

iona

l N

orde

ste

II

RIT

AS

NE

II

Piau

í A

lago

as

Cea

Para

íba

Org

aniz

ação

de

Ig

reja

20

01

Form

ação

con

tinua

da d

e pr

ofes

sore

s (as

) e e

quip

es d

e co

orde

naçã

o pe

dagó

gica

em

Ed

ucaç

ão c

onte

xtua

lizad

a em

pa

rcer

ia c

om o

IRPA

A,

GEA

VS,

Pre

feitu

ras

Mun

icip

ais.

A q

uebr

a de

par

adig

ma

do c

omba

te à

sec

a pa

ra a

C

onvi

vênc

ia c

om o

Sem

i-ár

ido.

G

estã

o pa

rtici

pativ

a -

Elab

oraç

ão

parti

cipa

tiva

do

Plan

o M

unic

ipal

de

Ed

ucaç

ão c

om b

ase

nos

prin

cípi

os

da

Educ

ação

C

onte

xtua

lizad

a pa

ra

a C

onvi

vênc

ia c

om o

Sem

i- Á

rido.

R

esga

te

da

auto

-est

ima

dos

adol

esce

ntes

e

educ

ador

es (

as)

do s

emi-

árid

o.

Elab

oraç

ão

de

mat

eria

l es

pecí

fico

para

o

sem

i-ár

ido

D

imen

são

cultu

ral

1.20

0 pr

ofes

sore

s e

prof

esso

ras,

gest

ores

e g

esto

ras

da re

de p

úblic

a

Page 411: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

V

Cen

tros

Fa

mili

ares

de

Form

ação

em

A

ltern

ânci

a

CE

FFA

S

Nac

iona

l -

23

Esta

dos

bra

sile

iros

Red

e de

Esc

olas

c

om b

ase

com

unitá

ria -

ensi

no p

úblic

o nã

o es

tata

l

1ª fa

se

im

plan

taçã

o no

m

unic

ípio

de

Anc

hiet

a no

Esp

írito

Sa

nto

em

196

9

fase

Ade

quaç

ão

as n

orm

as

educ

acio

nai

s bra

sile

iras

1970

-198

0

3ª fa

se -

Ex

pans

ão

a

parti

r de

1980

para

out

ros

est

ados

e

regi

ões d

o

Bra

sil

Ensi

no fu

ndam

enta

l

Ensi

no m

édio

En

sino

técn

ico

prof

issi

onal

izan

te

Pl

ano

de fo

rmaç

ão d

as

fam

ílias

Fo

rmaç

ão c

ontin

uada

par

a o

prof

esso

rado

e m

onito

res

Peda

gogi

a da

Alte

rnân

cia

Form

ação

inte

gral

do

edu

cand

o(a)

Educ

ação

que

val

oriz

a a

fam

ília,

a c

ultu

ra d

os

adol

esce

nte

e jo

vens

do

cam

po

Inte

gra

teor

ia e

prá

tica

tra

balh

ando

os c

onte

údos

cu

rric

ular

es a

par

tir d

e te

mas

ger

ador

es d

o co

ntex

to so

cial

, ec

onôm

ico

e cu

ltura

l dos

ed

ucan

dos(

as)

A

par

ticip

ação

das

fa

míli

as n

a ge

stão

e

adm

inis

traçã

o do

pr

ojet

o,

resp

onsa

biliz

ando

-se

pela

ed

ucaç

ão d

os fi

lhos

num

a pe

rspe

ctiv

a de

de

senv

olvi

men

to

sust

entá

vel.

26

5 es

cola

s

20.6

70 e

stud

ante

s

850

Pr

ofes

sore

s(as

)

Page 412: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

VI

Cen

tro

de

Ass

esso

ria

e A

poio

ao

s T

raba

lhad

ores

e

Inst

ituiç

ões

Não

G

over

nam

enta

is A

ltern

ativ

as

C

AA

TIN

GA

11

mun

icíp

ios

do S

ertã

o do

A

rarip

e em

Pe

rnam

buco

Org

aniz

ação

não

go

vern

amen

tal

1988

Ed

ucaç

ão p

ara

conv

ivên

cia

com

o S

emi-á

rido

A

sses

soria

à re

de e

scol

ar;

apo

io m

etod

ológ

ico

para

form

ação

da

equi

pe e

out

ros

difu

sore

s em

ped

agog

ia e

m

etod

olog

ias

de c

apac

itaçã

o;

Parti

cipa

ção

em re

des e

es

paço

s de

disc

ussõ

es e

pr

opos

içõe

s de

polít

icas

blic

as p

ara

Educ

ação

do

Sem

i-árid

o B

rasi

leiro

.

Prod

ução

de

m

ater

iais

de

ap

oio

didá

tico

Util

izaç

ão d

e m

etod

olog

ias

parti

cipa

tivas

env

olve

ndo

as

fam

ílias

, agr

icul

tore

s co

m o

traba

lho

da e

scol

a.

Difu

são

e es

tudo

da

agro

ecol

ogia

na

esco

la

Con

text

ualiz

ação

e p

rátic

as

de c

onvi

vênc

ia c

om o

sem

i-

árid

o

Inco

rpor

a co

nteú

dos

e m

etod

olog

ias

que

cont

empl

em

a di

vers

idad

e cu

ltura

l, pr

odut

iva,

de

nero

, ra

ça,

gera

ção

e et

nia.

Prof

esso

res/

as

60

C

rianç

as e

jov

ens

1.52

0

Fam

ílias

ag

ricul

tora

s 1

.400

Cen

tro

dos

Tra

balh

ador

es

da A

maz

ônia

C

TA

07

Mun

icíp

ios

do

Val

e do

s R

ios A

cre

e P

urus

Org

aniz

ação

Não

go

vern

amen

tal

1981

Fo

rmaç

ão c

ontin

uada

do

prof

esso

rado

par

a at

uar n

as

esco

las d

a flo

rest

a e

rese

rvas

ex

trativ

ista

s

Aco

mpa

nham

ento

as E

scol

as

de E

duca

ção

bási

ca d

as

rese

rvas

ext

rativ

ista

s

Prod

ução

re

gion

aliz

ada

de li

vros

did

átic

os e

par

a-di

dátic

os

que

são

utili

zado

s na

s es

cola

s da

flo

rest

a D

esen

volv

imen

to d

e um

a m

etod

olog

ia

para

tra

balh

ar

com

Ed

ucaç

ão

500

pr

ofes

sore

s d

de re

serv

as

extra

tivis

tas

Page 413: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

VII

Proj

eto

Mal

a de

Lei

tura

ac

esso

a li

tera

tura

e p

rodu

ção

de li

vros

did

átic

os e

par

a-di

dátic

os p

ara

as re

serv

as

extra

tivis

tas

Ed

ucaç

ão d

e Jo

vens

e

Adu

ltos S

erin

guei

ros

de a

dulto

s

Con

stru

ção

do c

urríc

ulo

a p

artir

de

gera

dore

s de

nat

urez

a et

nogr

áfic

a da

s co

mun

idad

es

extra

tivis

tas,

seu

sist

ema

de s

igni

ficad

os c

ultu

rais

, si

tuaç

ões

do

di

a-a-

dia,

si

stem

atiz

ados

a

parti

r do

s re

lató

rios

dos

curs

os

de

form

ação

e

acom

panh

amen

tos

peda

gógi

cos.

Fede

raçã

o do

s T

raba

lhad

ores

(a

s) n

a A

gric

ultu

ra

Fam

iliar

FE

TR

AF

- SU

L

Reg

ião

Sul

Org

aniz

ação

S

indi

cal

1999

Pr

ojet

o Te

rra

Solid

ária

Educ

ação

de

jove

ns e

ad

ulto

s com

qu

alifi

caçã

o pr

ofis

sion

al

C

urso

cnic

o em

ag

roec

olog

ia e

ped

agog

ia d

e ní

vel

supe

rior

em c

onvê

nio

com

a U

ERG

S

RS.

Cur

so

pós-

méd

io

em

agro

ecol

ogia

em

par

ceria

com

a

asso

ciaç

ão

da

agric

ultu

ra

orgâ

nica

do

Par

aná

- A

OPA

e a

esc

ola

Com

bina

ção

entre

es

cola

rizaç

ão,

orga

niza

ção

e pr

oduç

ão

Pr

opos

ta c

urric

ular

or

gani

zada

em

e

ixos

tem

átic

os .

Arti

cula

ção

da

esc

olar

izaç

ão c

om

qua

lific

ação

pro

fissi

onal

Proj

eto

terr

a so

lidár

ia -

cerc

a de

700

ed

ucan

dos(

as)

15

0 e

duca

dore

s

Page 414: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

VII

I

técn

ica

fede

ral d

o PR

Cur

so d

e en

sino

méd

io e

m

parc

eria

com

a se

cret

aria

de

Edu

caçã

o

In

stitu

to

Ter

ram

ar

Zona

co

stei

ra

cea

rens

e

Org

aniz

ação

não

go

vern

amen

tal

1993

Pr

ogra

ma

Educ

ação

e

Cid

adan

ia -

mel

horia

da

Educ

ação

nas

esc

olas

blic

as li

torâ

neas

, bem

co

mo

a va

loriz

ação

do

sabe

r po

pula

r e a

cul

tura

dos

pov

os

do m

ar

apoi

o e

asse

ssor

ia p

edag

ógic

a co

ntrib

uind

o pa

ra a

el

abor

ação

/ges

tão

de P

roje

to

Polít

ico-

Peda

gógi

co d

as

esco

las e

a re

flexã

o/aç

ão d

e de

senh

os c

urric

ular

es;

sist

emat

izaç

ão e

pub

licaç

ão

do P

roje

to E

scol

a do

s Pov

os

do M

ar;

sem

inár

io E

duca

ção

dos

Povo

s do

Mar

do

Cea

rá;

inte

rcâm

bios

e tr

ocas

de

expe

riênc

ias;

artic

ulaç

ão c

om o

s M

ovim

ento

s Soc

iais

e

parti

cipa

ção

nos m

ovim

ento

s

Vin

cula

ção

entre

e

scol

ariz

ação

, tra

balh

o e

cul

tura

dos

pov

os d

o m

ar.

U

so d

e di

fere

ntes

lin

guag

ens e

esp

aços

par

a o

proc

esso

de

apre

ndiz

agem

Con

stru

ção

de c

urríc

ulo

Es

peci

fico

para

os

povo

s do

mar

A c

onst

ruçã

o e

a so

cial

izaç

ão d

os sa

bere

s co

nstit

uído

s em

arte

, at

ravé

s de

vária

s lin

guag

ens,

cent

rada

no

regi

stro

his

tóric

o da

co

mun

idad

e.

Prof

esso

res 4

0

Page 415: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

IX

polít

icos

e in

stitu

cion

ais

ligad

os a

Edu

caçã

o do

ca

mpo

; of

icin

as d

e fo

rmaç

ão d

e ed

ucad

ores

/as e

con

stru

ção

de

linha

s de

ação

par

a o

Cur

rícul

o da

s Esc

olas

dos

P

ovos

do

Mar

alfa

betiz

ação

e E

duca

ção

e Jo

vens

e A

dulto

s E

JA,.

Inst

ituto

C

oraç

ão d

e E

stud

ante

-

Prog

ram

a de

E

duca

ção

em

Cél

ulas

C

oope

rativ

as

ICO

RE

S/

PRE

CE

Mun

icíp

ios

do

Ser

tão

de

Inha

mus

no

C

eará

Org

aniz

ação

não

go

vern

amen

tal

1994

Fo

rmaç

ão d

e Es

cola

s Po

pula

res C

oope

rativ

as

fo

rmaç

ão d

e cé

lula

s de

es

tudo

s e o

rient

ação

de

m

onito

res e

duca

cion

ais

Pr

ojet

o de

Edu

caçã

o de

Jo

vens

e A

dulto

s-es

cola

iti

nera

nte

Proj

eto

Pré-

vest

ibul

ar

coo

pera

tivo

si

stem

a de

mon

itoria

Met

odol

ogia

de

Ed

ucaç

ão

em

célu

las

coop

erat

ivas

M

etod

olog

ia d

a m

útua

e

duca

ção

jove

ns

e ad

ulto

s es

tuda

m ju

ntos

e

se a

juda

m m

utua

men

te

Form

ação

de

Cap

ital

Soci

al p

ara

atua

ção

em

dife

rent

es

área

s Ed

ucaç

ão;

100

0

Estu

dant

es

jove

ns e

ad

ulto

s

Page 416: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

X

Proj

eto

Form

ação

do

Estu

dant

e A

tivo

junt

o a

estu

dant

es

do E

nsin

o M

édio

par

a ap

rofu

ndam

ento

e

cont

extu

aliz

ação

das

áre

as

de

conh

ecim

ento

e

pre

para

ção

de fu

turo

s m

onito

res

Proj

eto

Incu

bado

ra d

e C

élul

as E

duca

cion

ais

ca

paci

taçã

o de

est

udan

tes

para

org

aniz

ação

de

Esco

las

Popu

lare

s Coo

pera

tivas

Des

envo

lvim

ento

P

rodu

tivo

e C

ontro

le

Soci

al

das

polít

icas

blic

as.

Trab

alho

com

ju

vent

ude

em

pode

ram

ento

da

ju

vent

ude

para

pa

rtici

paçã

o na

co

mun

idad

e e

na

s pol

ítica

s púb

licas

Inst

ituto

R

egio

nal d

a Pe

quen

a

Agr

opec

uári

a A

prop

riad

a

IRPA

A

Sertã

o do

o Fr

anci

sco

Bah

ia

Org

aniz

ação

não

go

vern

amen

tal

1997

Fo

rmaç

ão c

ontin

uada

de

prof

esso

res (

as) d

a R

ede

blic

a

Prod

ução

de

mat

eria

is

Did

átic

os c

onte

xtua

lizad

os

no

Sem

i-Árid

o Fo

rmaç

ão d

e m

onito

res e

ed

ucad

ores

- le

itore

s (B

aú d

e Le

itura

) Fo

rmaç

ão d

e Ed

ucad

ores

(as)

do

EJA

Con

stru

ção

de u

ma

nova

te

rrito

rialid

ade

e de

um

no

vo

para

digm

a:a

conv

ivên

cia

com

o S

emi-Á

rido

Pr

oduç

ão

de

mat

eria

l di

dátic

o co

ntex

tual

izad

o

Con

stru

ção

de p

ropo

stas

pe

dagó

gica

s no

s m

unic

ípio

s na

per

spec

tiva

da

Educ

ação

co

ntex

tual

izad

a

800

pr

ofes

sore

s

Page 417: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XI

M

ovim

ento

de

Org

aniz

ação

C

omun

itári

a

MO

C

19

mun

icíp

ios

do

Terr

itório

do

Sis

al

Org

aniz

ação

não

go

vern

amen

tal

Proj

eto

CA

T 19

94

parc

eria

co

m a

U

EFS

e pr

efei

tura

s d

os

mun

icíp

ios

Pr

ogra

ma

PE

TI 2

000

Pr

ojet

o B

aú d

e L

eitu

ra

2001

Form

ação

de

prof

esso

res(

as) m

unic

ipai

s

Pro

jeto

CA

T

c

onhe

cer,

anal

isar

, tra

nsfo

rmar

a re

alid

ade

do

cam

po

Form

ação

de

Mon

itore

s/as

e

Coo

rden

ador

es/a

s da

Jor

nada

Am

plia

da

(Edu

caçã

o In

tegr

al)

do

PETI

Prog

ram

a de

Er

radi

caçã

o do

Tr

abal

ho

Infa

ntil

Form

ação

de

E

duca

dore

s/as

L

eito

res/

as e

C

oord

enad

ores

/as p

ara

o Pr

ojet

o B

aú d

e L

eitu

ra

(p

roje

to d

e le

itura

pra

zero

sa,

lúdi

ca, c

rític

a e

cida

dã)

Parti

r da

re

alid

ade

do

cam

po

com

o ob

jeto

de

pe

squi

sa e

con

stru

ção

do

conh

ecim

ento

pel

o

alun

o X

pro

fess

or X

fa

míli

a X

co

mun

idad

e (to

dos/

as sã

o su

jeito

s da

ap

rend

izag

em e

da

co

nstru

ção

cole

tiva

do

conh

ecim

ento

).

Val

oriz

ação

do

hom

em e

da

mul

her d

o ca

mpo

, sua

cu

ltura

, se

u tra

balh

o,

traze

ndo

este

s el

emen

tos

com

o ba

se

da

prát

ica

peda

gógi

ca

dos

prof

esso

res

em

sala

de

au

la

e pr

oduz

co

nhec

imen

tos

que

cont

ribue

m

para

tra

nsfo

rmaç

ão

da

real

idad

e do

cam

po.

Form

ação

co

ntín

ua,

proc

essu

al

em

exer

cíci

o te

ndo

com

o

Proj

eto

CA

T

520

prof

esso

res(

as) d

e Es

cola

s do

Cam

po

mun

icip

ais

13

0 co

orde

nado

res

mun

icip

ais

21

00

mon

itore

s/ed

ucad

ores

da

jorn

ada

ampl

iada

Page 418: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XII

fund

amen

to a

pe

squi

sa e

o

dese

nvol

vim

ento

su

sten

táve

l.

Mov

imen

to d

os

Tra

balh

ador

es

Sem

Ter

ra -

MST

Nac

iona

l M

ovim

ento

so

cial

Es

tado

s ond

e as

Esc

olas

o re

conh

ecid

as:

Rio

Gra

nde

do S

ul

19

96

Para

20

03

Sant

a C

atar

ina

20

04

Ala

goas

20

05

Goi

ás -

2005

Esc

olas

itin

eran

tes (

esc

olas

de

aca

mpa

men

to q

ue a

tend

em

Educ

ação

Infa

ntil,

Ens

ino

Fund

amen

tal,

Méd

io e

EJA

)

As E

scol

as It

iner

ante

s são

co

nstru

ídas

de

lona

ou

mad

eira

e a

com

panh

am o

al

uno

e al

una

onde

ele

s es

tiver

em.

Cir

anda

Infa

ntil

esc

olas

de

Ed

ucaç

ão in

fant

il

Cur

sos s

uper

iore

s em

Pa

rcer

ia c

om o

Pro

nera

E

scol

as d

e as

sent

amen

to d

e E

duca

ção

Bás

ica

Itine

rânc

ia (a

esc

ola

acom

panh

a a

traje

tória

da

luta

pel

a te

rra)

Esco

la c

onte

xtua

lizad

a na

re

alid

ade

do

asse

ntam

ento

e n

a Pe

dago

gia

do M

ovim

ento

Flex

ibili

zaçã

o e

inte

graç

ão c

urric

ular

Esco

la o

rgan

izad

a em

te

mpo

inte

gral

- au

las e

of

icin

as p

edag

ógic

as

Dife

rent

es te

mpo

s ed

ucat

ivos

Núm

ero

dos

05 e

stad

os:

45

esc

olas

35

0

educ

ador

es(a

s)

3 m

il ed

ucan

dos

(as)

ent

re c

rianç

as

e ad

ulto

s

Red

e de

E

duca

ção

do

Sem

i-Ári

do

Bra

sile

iro

RE

SAB

Reg

ião

Sem

i- A

rida

Red

e de

ed

ucad

ores

/as e

in

stitu

içõe

s G

over

nam

enta

is e

N

ão-

Gov

erna

men

tais

,

2000

D

ivul

ga

e de

bate

os

a C

onvi

vênc

ia c

om o

Sem

i-ár

ido

Bra

sile

iro

- at

ravé

s de

se

min

ário

s, co

nfer

ênci

as,

publ

icaç

ões

espe

cífic

as,

cons

truçã

o e

soci

aliz

ação

de

um

fu

ndam

ento

te

óric

o-pr

átic

o

Prop

osta

Ped

agóg

ica

da

Educ

ação

con

text

ualiz

ada

Cur

rícul

o co

ntex

tual

izad

o M

ater

iais

did

átic

os

peda

gógi

cos r

e-si

gnifi

cand

o os

dis

curs

os

e im

agen

s atri

buíd

as a

o no

rdes

te e

ao

sem

i-árid

o

Page 419: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XII

I

dess

a pr

opos

ta,

e a

man

uten

ção

perm

anen

te

da

artic

ulaç

ão

com

os

ór

gãos

de

finid

ores

da

po

lític

a ed

ucac

iona

l na

cion

al

com

vi

stas

a c

onsi

dera

r na

s su

as

dire

trize

s e

açõe

s os

pr

incí

pios

da

ed

ucaç

ão

cont

extu

aliz

ada

no

Sem

i-ár

ido

Bra

sile

iro

SA

B.

Sust

enta

bilid

ade

ambi

enta

l, so

cial

, ec

onôm

ica

e cu

ltura

l co

mo

pila

res d

os p

roje

tos

educ

acio

nais

Form

ação

con

text

ualiz

ada

e in

tegr

al d

e ed

ucad

ores

e

educ

ador

as a

bran

gend

o os

asp

ecto

s so

cioc

ultu

rais

, pol

ítico

e

ambi

enta

is d

o se

mi-á

rido

Se

rviç

o de

T

ecno

logi

a A

ltern

ativ

a

SER

TA

Sertã

o do

Pa

jeú

e C

ariri

- P

E,

Mic

rorr

egiã

o da

B

acia

do

G

oitá

- PE

, A

gres

te

Mer

idio

nal

- PE

, Se

rtão

do

Mox

otó

PE

.

Org

aniz

ação

não

go

vern

amen

tal

1996

Pr

ojet

o Im

plan

taçã

o da

PE

AD

S - P

ropo

sta

Ed

ucac

iona

l de

A

poio

ao

D

esen

volv

imen

to S

uste

ntáv

el

Prop

osta

de

educ

ação

que

te

m c

omo

refe

rênc

ia a

pe

squi

sa p

ara

cons

truçã

o do

Con

heci

men

to

A

pes

soa

com

o su

jeito

em

po

tenc

ial,

com

ca

paci

dade

de

se

dese

nvol

ver e

m d

iver

sas

dim

ensõ

es (p

esso

al,

soci

al, p

edag

ógic

a,

cultu

ral,

polít

ica,

em

ocio

nal,

inte

lect

ual,

prof

issi

onal

etc

.).

Inte

graç

ão fa

míli

a,

com

unid

ade

e es

cola

43 m

unic

ípio

s d

o Es

tado

de

Pern

ambu

co

1.

326

esco

las

2.66

4 pr

ofes

sora

s(es

)

360

Coo

rde

nado

res

peda

gógi

cos

62.0

00

estu

dant

es

Page 420: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XIV

PA

ER

- PR

OG

RA

MA

D

E A

POIO

A

ED

UC

ÃO

R

UR

AL

Mic

rore

gião

do

A

gres

te

da P

araí

ba

Org

aniz

ação

não

go

vern

amen

tal

vinc

ulad

a a

Past

oral

Soc

ial n

a Pa

raíb

a

1987

Pr

ojet

o Es

cola

s Roç

ados

Fo

rmaç

ão d

e pr

ofes

sora

s da

s Esc

olas

Rur

ais

Fo

rmaç

ão d

os p

ais e

m

agro

ecol

ogia

e e

m

tecn

olog

ias a

ltern

ativ

as

Prog

ram

a N

acio

nal d

e E

duca

ção

na

Ref

orm

a A

grár

ia

PRO

NE

RA

Nac

iona

l

Prog

ram

a go

vern

amen

tal

1997

A

lfabe

tizaç

ão

Esco

lariz

ação

ens

ino

fund

amen

tal

Ensi

no té

cnic

o pr

ofis

sion

aliz

ante

Ed

ucaç

ão S

uper

ior

Prog

ram

a N

acio

nal d

e E

duca

ção

de

Jov

ens e

A

dulto

s In

tegr

ada

com

qu

alifi

caçã

o pa

ra

agri

culto

res

fam

iliar

es

SAB

ER

ES

DA

T

ER

RA

Nac

iona

l Pr

ogra

ma

gov

erna

men

tal

2006

El

evaç

ão

de

esco

larid

ade,

te

ndo

em v

ista

a c

oncl

usão

do

ensi

no

fund

amen

tal;

Qua

lific

ação

so

cial

e

prof

issi

onal

(fo

rmaç

ão i

nici

al

e co

ntin

uada

) pa

ra j

oven

s e

adul

tos

agric

ulto

res

fam

iliar

es.

Cur

rícul

o in

tegr

ado

A

rticu

laçã

o na

EJA

da

esco

lariz

ação

com

qu

alifi

caçã

o so

cial

e

prof

issi

onal

Qua

lific

ação

soci

al e

pr

ofis

sion

al c

om

abor

dage

m d

o ar

co

ocup

acio

nal

5 m

il

Agr

icul

tore

s jo

vens

e

adul

tos

331

pr

ofes

sore

s(as

)

190

educ

ador

es(a

s)

soci

ais

PRO

JET

O

UN

IVE

RSI

DA

DE

Reg

ião

Nor

dest

e co

m

Uni

vers

idad

e Fe

dera

l de

Cam

pina

Gra

nde-

2003

C

urso

de

Ex

tens

ão

em

Des

envo

lvim

ento

Lo

cal

Sust

entá

vel

Parti

cipa

ção

cole

tiva

(edu

cand

os

e ed

ucad

ores

) em

to

do

300

educ

ando

s, té

cnic

os,

lide

ranç

as,

Page 421: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XV

C

AM

PON

ESA

U

NIC

AM

PO

prio

ridad

e pa

ra o

Car

iri

Para

iban

o

PB

C

entro

de

Doc

umen

taçã

o e

Míd

ia

em

Educ

ação

e

Des

envo

lvim

ento

Cur

so d

e Es

peci

aliz

ação

em

D

esen

volv

imen

to R

ural

proc

esso

, da

de

finiç

ão à

ges

tão

das

ativ

idad

es

Pr

omoç

ão

do

diál

ogo

entre

os

sabe

res

e fa

zere

s lo

cal e

uni

vers

itário

Fom

ento

à

orga

niza

ção

cole

tiva

verif

icad

a at

ravé

s da

Ass

ocia

ção

dos A

luno

s da

Uni

cam

po

agric

ulto

res

fam

iliar

es e

as

sent

ados

da

Ref

orm

a

Agr

ária

PRO

GR

AM

A

ED

UC

ÃO

C

IDA

Esta

do d

o Pa

Uni

vers

idad

e F

eder

al d

o Pa

2002

A

lfabe

tizaç

ão e

es

cola

rizaç

ão

de

jove

ns

e ad

ulto

s agr

icul

tore

s fam

iliar

es

e as

sent

ados

Form

ação

de

pr

ofes

sore

s e

agen

tes d

e sa

úde

do c

ampo

Form

ação

co

ntín

ua

dos

educ

ador

es/fo

rmad

ores

, be

m

com

o do

s es

tuda

ntes

un

iver

sitá

rios,

cnic

os/a

s, C

oord

enad

ores

Lo

cais

qu

e at

uam

no

Prog

ram

a

A

artic

ulaç

ão

que

se

esta

bele

ce

entre

a

pesq

uisa

, do

cênc

ia,

mili

tânc

ia e

int

erve

nção

so

cial

no

pr

oces

so

educ

ativ

o de

senc

adea

do

pelo

Pro

gram

a.

Enga

jam

ento

na

ar

ticul

ação

, fo

rtale

cim

ento

e

cons

olid

ação

do

rum

Pa

raen

se d

e Ed

ucaç

ão d

o C

ampo

.

450

Edu

cand

os/a

s no

C

urso

de

M

agis

tério

da

Te

rra

For

maç

ão

de

Prof

esso

res

(Ens

ino

Méd

io

N

orm

al)

80

Edu

cand

os/a

s

Técn

ico

A

grop

ecuá

rio

com

ênf

ase

em

Des

envo

lvim

ento

Su

sten

táve

l 90

E

duca

ndos

/as

cnic

o em

A

gent

e

Page 422: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XV

I

Com

unitá

rio d

e

Saúd

e

Proj

eto

SEM

EA

R

Es

tado

da

Bah

ia

Proj

eto

cria

do a

pa

rtir d

e um

a ar

ticul

ação

ent

re a

C

UT,

FA

SE e

FE

TRA

F

1998

. En

sino

fun

dam

enta

l e

méd

io

com

fo

rmaç

ão

prof

issi

onal

pa

ra a

gric

ulto

res f

amili

ares

Aco

mpa

nham

ento

à

elab

oraç

ão

dos

proj

etos

po

lític

os

peda

gógi

cos

da

Red

e Pú

blic

a M

unic

ipal

Form

ação

co

ntin

uada

de

ag

ricul

tore

s fam

iliar

es

A

met

odol

ogia

pr

oble

mat

izad

ora

ao

cont

exto

e

real

idad

e so

cial

e p

olíti

ca d

o al

uno

com

ativ

idad

es p

rese

ncia

s e

não

pres

enci

as

em

regi

me

de a

ltern

ânci

a nã

o se

riada

(te

mpo

esc

ola

e te

mpo

com

unid

ade)

Pr

opos

ta

curr

icul

ar

orga

niza

do

por

rede

s e

ei

xos t

emát

icos

H

oriz

onta

lidad

e (d

ialó

gica

) co

m

resp

eito

ao

te

mpo

hi

stór

ico

e pe

dagó

gico

de

ca

da

educ

ando

Form

ação

cio-

polít

ica

inte

grad

a a

educ

ação

sica

D

esen

volv

imen

to d

e um

a pr

átic

a pe

dagó

gica

qu

e re

spei

ta o

s co

nhec

imen

tos

e as

cul

tura

s da

popu

laçã

o e

estim

ula

a ap

rend

er

O

cont

role

so

cial

fo

rtale

cido

at

ravé

s da

120

educ

ando

s (a

s).

06

se

cret

aria

s de

ed

ucaç

ão

Page 423: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XV

II

gest

ão

do

proj

eto

por

orga

niza

ções

soci

ais.

A

utili

zaçã

o de

fo

ntes

va

riada

s de

inf

orm

ação

e

a bu

sca

de c

onhe

cim

ento

s ne

cess

ário

s à

com

pree

nsão

da

real

idad

e e

à ar

ticul

ação

de

açõe

s co

letiv

as.

Page 424: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

ANEXO A PLANO DE FORMAÇÃO DA EFAORI 2008

Page 425: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

IV

Page 426: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

V

Page 427: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

VI

Page 428: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

VII

Page 429: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

VIII

Page 430: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

IX

ANEXO B CALENDÁRIO ESCOLAR DA EFAORI 2008

Page 431: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

X

Page 432: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XI

Page 433: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XII

ANEXO C- NORMAS DE FUNCIONAMENTO DA EFAORI 2008

Page 434: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XIII

Page 435: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XIV

Page 436: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XV

Page 437: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XVI

Page 438: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XVII

ANEXO D CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DA EFAORI

Page 439: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XVIII

Page 440: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XIX

ANEXO E FICHA DO CENSO AGROPECUÁRIO PEADS

Page 441: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XX

Page 442: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXI

Page 443: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXII

Page 444: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXIII

Page 445: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXIV

Page 446: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXV

Page 447: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXVI

Page 448: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXVII

Page 449: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXVIII

Page 450: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXIX

Page 451: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXX

Page 452: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXXI

Page 453: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXXII

Page 454: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXXIII

Page 455: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXXIV

Page 456: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXXV

Page 457: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXXVI

Page 458: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXXVII

Page 459: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXXVIII

Page 460: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XXXIX

Page 461: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XL

Page 462: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XLI

ANEXO F - CALENDÁRIO DA ERUM

Page 463: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XLII

Page 464: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2019. 10. 25. · Para o que eu quero. Fernando Pessoa Esse espaço é pouco para o que tenho que agradecer a tantos amigos e amigas

XLIII

Silva, Maria do Socorro

As práticas pedagógicas das escolas do campo: a escola navida e a vida como escola / Maria do Socorro Silva. Recife: OAutor, 2009.

436 f. : il. ; 31 cm.

Tese (Doutorado) Universidade Federal de Pernambuco, CE, Pós-Graduação em Educação, 2010.

Orientadora: Maria Eliete Santiago

1. Professores - Formação. 2. Educação do Campo. 3. Prática docente. I. Santiago, Maria Eliete. II. Universidade Federal de Pernambuco, CE, Pós-Graduação em Educação. III. Título.

37 CDU (2.ed.) UFPE

370.71 CDD (22.ed.) CE2010-48