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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LORIÉGE PESSOA BITENCOURT APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA DO PROFESSOR FORMADOR DE EDUCADORES MATEMÁTICOS CUIABÁ – MT, ABRIL DE 2006.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LORIÉGE PESSOA BITENCOURT

APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA DO PROFESSOR

FORMADOR DE EDUCADORES MATEMÁTICOS

CUIABÁ – MT, ABRIL DE 2006.

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LORIÉGE PESSOA BITENCOURT

APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA DO PROFESSOR

FORMADOR DE EDUCADORES MATEMÁTICOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na Área de Concentração: Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar, Linha de Pesquisa: Educação e Ciências, sob orientação da Profª. Dra. Marta Maria Pontin Darsie.

CUIABÁ – MT, ABRIL DE 2006.

FICHA CATALOGRÁFICA

Índice para Catálogo Sistemático 1. Professores Formadores. 2. Aprendizagem da Docência. 3. Saberes Docentes.

3624 a Bitencourt, Loriége Pessoa Aprendizagem da docência do professor formador de educadores matemáticos/ Loriége Pessoa Bitencourt. Cuiabá: UFMT/IE, 2006. 287 p :il. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação na Área de Concentração: Teorias e Práticas Pedagógicas para Educação Escolar, Linha de Pesquisa: Educação e Ciência, Sub-Linha: Educação Matemática, sob orientação da Profª Dra. Marta Maria Pontin Darsie. Bibliografia: p. 262-270. Anexos: p. 271-287. CDU – 378.124:51

DEDICATÓRIA

Ao meu companheiro e grande amor Laudemir, com quem, no encontro de nossos percursos de vida pessoal e profissional, aprendi a amar e a cultivar vários saberes necessários à vida.

Aos meus “companheirinhos” queridos e amados filhos Luan Felipe e Lucas Vinícius que, com o jeito de crianças que são, souberam me incentivar na construção deste trabalho, entendendo a ausência, mesmo presente, de sua mãe durante toda esta caminhada, acompanhando passo a passo o caminhar, vibrando a cada conquista e sendo “forças” a cada lágrima...

A minha querida mãe e amiga Loreci pela amizade de todas as horas, pelo exemplo de vida e determinação, pela presença mesmo fisicamente distante, pela coragem que me passa constantemente.

Ao meu querido “Vô Chico” - (in memorian) não porque se foi sem saber a notícia que sua neta “tinha passado”... Mas por saber e sentir o quanto o senhor torceu por mais essa NOSSA vitória... Gostaria de ter tido tempo para lhe dar esse presente. Mas sei que de onde estiver vibrará com mais essa NOSSA vitória e se orgulhará por isso como sempre fez.

Ao meu querido e amado “sobrinho e afilhado”, Juliano Bernardes Bitencourt (in memorian), que nos deixou no final de 2004 com muita dor e saudades. Agora que você se foi, meu amor, não podemos reverter essa partida, mas podemos levar essa experiência como forma de aprendizagens... Foram poucos os nossos encontros nesta vida, mas foram o suficiente para "AMAR", para ser "FELIZ" e sentir "SAUDADES".

AGRADECIMENTOS

Este é um trabalho de muitas mãos. Mãos que souberam ser força, ser apoio, ser amiga ou se

revelaram amigas. A todas “as mãos” visíveis e invisíveis que me acompanharam durante esse caminho

investigativo, eu agradeço de forma muito sincera, pois foram muitas as aprendizagens proporcionadas,

possibilitando que meus saberes continuassem a se bordar.

Neste percurso, diferentes fontes de saberes se interseccionaram, revelando muitas coisas e pessoas

que se mostraram importantes no meu andar. Algumas, porém, merecem um cuidado especial, por representarem a

origem, o presente e o futuro dos saberes que tenho construído ao longo desses anos. Agradeço, então, a elas de forma especial:

À Deus, pela vida, coragem, esperança e liberdade de escolhas e de pensamento.

A vocês, amigos e familiares, que se fizeram, mais uma vez, presentes em minha vida, dedicando

sua amizade em forma de atenções, alegrias, orações, confiança, incentivo, fazendo-me sentir importante e capaz

de caminhar. Cada um do seu jeito, cada um na sua hora, todos me ensinaram a lutar pela vida.

De forma muito especial ao Vô Francisco e Vó Neli que, com seus exemplos de sabedoria,

participaram ativamente de minha educação, mostrando-me como entender a “vida” – “ouvindo o coração”. Por

terem me acompanhado a vida inteira com a dedicação de sempre. Além de ter confiado na sua neta-filha, ajudando

e incentivando a estudar. Obrigada por terem me mostrado, com seus saberes, que “a vida é bela, basta saber vivê-

la”.

De forma especial aos meus pais Getúlio e Loreci; meus irmãos, Gerson, Magnus e Túlio; a minha madrasta (comadre e amiga) Rose; as cunhadas Adriana, Jaqueline, Janete e Rejane; aos cunhados, Ademir e Otamir; aos sobrinhos, Juliano (in memoriam), Mariza, Marcos, Fabio e Roger Gabriel pelas constantes

palavras de incentivo e amor. Especialmente a você mãe, que se mostrou, mais uma vez, amiga e companheira –

incentivando-me e acompanhando nas horas mais difíceis de mais uma etapa de minha vida.

Aos homens e amores de minha vida: Laudemir, Luan Felipe e Lucas Vinícius pelo compartilhar de

vidas, sentidos no meu viver.

À Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, primeiro por ser e ter sido locus do meu

fazer e do Ser Professora, proporcionando-me a constante (re)construção como pessoa e como profissional,

descobrindo-me “eterna aprendiz” e, em segundo, por ter possibilitado meu “afastamento” para qualificação

profissional.

À Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, nas professoras doutoras: Marta, Ana Arlinda,

Filomena, Lázara Nanci, e Jorcelina que me acompanharam no decorrer da construção deste trabalho, fazendo

belíssimas sugestões. Em especial á Profª Dra Marta Maria Pontin Darsie por ter sido mais que uma orientadora, acreditando e respeitando minhas idéias, dando-me liberdade ao construir, encaminhando-me na realização deste

trabalho acadêmico.

As professoras da Banca Avaliadora: Profª Dra. Filomena Arruda Monteiro (Examinadora Interna UFMT) e Profª Dra. Regina Maria S. Puccinelli Tancredi (Examinadora Externa - UFSCar) pelas valiosas

considerações a pesquisa, pelo desafio de proporem mais um passo importante e pelo incentivo/paciência para

finalização.

A todos os amigos, àqueles que, mesmo distantes, sempre me incentivaram nesta caminhada, e

àqueles que caminharam comigo, sendo presenças na “solidão do produzir”. Muito aprendi, nesta fase, sobre Amizade e levo todos no coração.

Á Família Bertani, Januária, Tauani, Tia Julieta e Tio Zé, que no decorrer do meu percurso de vida se

fizeram minha segunda família, compartilhando meus passos, dando-me abrigo em várias ocasiões de minha

caminhada, inclusive para realização desta pesquisa em Sinop-MT.

Á Família Sguareski, nas pessoas de Nilza e Fábia, a quem conheci no decorrer do mestrado e que

se fizeram meu porto seguro em Cuiabá, compartilhando uma grande amizade que ficará para todo o sempre.

Aos colegas de Grupo de Pesquisa: Ana Elias, Evanil, Guacira, Jacirene que compartilharam suas experiências, e aos colegas de Grupo de Pesquisa e de Turma: Milton, Márcia, Rebeca e Laura pela amizade e

companheirismo neste caminhar.

As funcionárias da Secretaria do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Educação da UFMT, Mariana e Luiza, que se fizeram presentes em minha vida se transformando em AMIGAS. Jamais as esquecerei!

Aos colegas de turma, Aline, Cleusa Bernadete (Bê), Marcelo, Márcia, Laura, Rebeca, Milton, pela

força nos momentos de ansiedade e pelo companheirismo demonstrado neste fazer.

Aos colegas de Universidade, professores formadores - sujeitos da pesquisa, que tornaram

possível a elaboração deste trabalho, disponibilizando-se e incentivando o fazer.

Ás amigas Heloísa, Judite e Maristela que incansavelmente se mostraram amigas, lendo, relendo e

discutindo todas as versões deste trabalho.

A todos e todas que torceram pela defesa deste trabalho...

MEU MUITO OBRIGADO!!!!!! Loriége

TOCANDO EM FRENTE

Ando devagar, porque já tive pressa,

Levo esse sorriso porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe.

Só levo a certeza que muito pouco eu sei. Eu nada sei...

Conhecer as manhas e as manhãs O sabor das massas e das maçãs... É preciso amor para poder pulsar É preciso paz para poder sorrir É preciso a chuva para florir.

Penso que cumprir a vida seja simplesmente, Compreender a marcha e ir tocando em frente. Como um velho boiadeiro, levando a boiada,

Eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou, estrada eu sou.

Conhecer as manhas e as manhãs O sabor das massas e das maçãs... É preciso amor para poder pulsar É preciso paz para poder sorrir É preciso a chuva para florir.

Todo mundo ama um dia.

Todo mundo chora, Um dia a gente chega e no outro vai embora.

Cada um de nós compõe a sua história, Cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz.

Conhecer as manhas e as manhãs

O sabor das massas e das maçãs... É preciso amor para poder pulsar É preciso paz para poder sorrir É preciso a chuva para florir.

Ando devagar porque já tive pressa,

Levo esse sorriso porque já chorei demais, Cada um de nós compõe a sua história,

Cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz.

(Almir Sater)

RESUMO

Essa pesquisa traz como tema a aprendizagem da docência do professor formador que atua no ensino superior, mais especificamente os professores formadores de educadores matemáticos, um tema que há muito pouco tempo começa a se fazer presente nas mesas de debate no âmbito da pesquisa educacional. Como professora formadora do curso de licenciatura plena em Matemática da UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso, chamou-nos a atenção o fato de 08 professores formadores, formados pela UNEMAT no curso de licenciatura em Matemática e que já atuavam na educação básica como educadores matemáticos, passaram também a atuar como professores formadores do curso do qual eram egressos. Nesse contexto, surge o nosso problema de pesquisa: Como os professores formadores para Educação Matemática aprendem a docência do ensino superior? Através dos percursos da (re)construção dos saberes docentes para a aprendizagem da docência do ensino superior desses sujeitos, procuramos investigar como as aprendizagens da docência vão se construindo e como estas se interseccionam nos locus formativos considerados, neste trabalho, a formação inicial, a experiência na educação básica e no ensino superior. Dentre os vários pesquisadores que nos ajudaram a fundamentar a mencionada investigação, destacamos os mais relevantes: Mizukami (1996; 2000; 2002), Pimenta e Anastasiou (2002); Marcelo Garcia (1999); Nóvoa (1991; 1992; 1995); Ponte et.al. (2003); Fiorentini (1999); Tardif, Lessard e Lahaye (1991); Tardif (2002); Masetto (1998; 2003); Anastasiou (2002); Tavares (2001); Sobrinho (1998); Fernandes (2003) e Altet, Paquay e Perrenoud (2003). Optamos nesta pesquisa por uma investigação de caráter qualitativo interpretativo. O processo de coleta de dados se deu em três momentos: o primeiro, por meio de uma coleta de dados documentais, o segundo através da aplicação de 05 questionários abertos e o terceiro e último com entrevistas reflexivas e de aprofundamento com roteiros individuais estruturados a partir de uma pré-análise dos dados coletados nos momentos anteriores da investigação. Por meio de uma pré-análise dos dados e por uma questão metodológica, antes de realizarmos o terceiro momento da investigação decidimos fazer um recorte e a limitar a continuidade da análise aos percursos de aprendizagens de apenas 03 professores formadores. A análise dos dados foi estruturada em três grandes blocos que procuraram evidenciar as intersecções dos locus formativos considerados, nos fornecendo reflexões sobre o percurso de aprendizagem dos três professores formadores, sujeitos da pesquisa em momentos distintos. Concluímos que cada professor formador tem um percurso singular e sua aprendizagem da docência do ensino superior se constrói e reconstrói, constantemente, conforme os saberes que vão significando ao longo de suas experiências de formação e como profissionais. Os professores formadores investigados significam seus saberes de maneira distinta conforme as oportunidades, opções e reflexões que fazem no decorrer de sua profissão de professor, seja na educação básica ou no ensino superior. Além disso, a análise nos fez compreender que as aprendizagens da docência do ensino superior variam conforme o modo como os professores formadores atribuem significado à formação inicial que cursaram e ao fato de a sua prática na educação básica e no ensino superior ser ou não reflexiva, o que o faz intersecionar, de maneiras diferenciadas, todos os locus formativos considerados na pesquisa. Palavras-Chaves: Professores Formadores; Aprendizagem da Docência; Saberes Docentes.

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ABSTRACT

This research brings as a theme teaching learning of the former teacher that works on the graduation, more specifically the former teachers of math educator, a theme that a few time ago starts to be present at debates on the educational research environment. As a math graduation former teacher at UNEMAT – State University of Mato Grosso, it took my attention the fact that 8 former teachers, graduated by UNEMAT through the math course and that has worked in basic education as Math teachers started acting also at the Math graduation course they have attended. In this context it arise our research problem: how does the former professors of Math education learn the teaching on graduation course? Through the ways of (re)construction of teaching knowledge for the learning of the graduation teaching of those subjects, we have tried to investigate how the learning of teaching goes on constituting themselves and how these interact together in the considered former locus, in this work, the kinder garden , the experience in high school and graduation. Among the various researchers who helped us to fundament this investigation in course, we detect the most relevant ones: Mizukami (1996; 2000; 2002), Pimenta & Anastasiou (2002); Marcelo Garcia (1999); Nóvoa (1991; 1992; 1995); Ponte et.al. (2003); Fiorentini (1999); Tardif, Lessard & Lahaye (1991); Tardif (2002); Masetto (1998; 2003); Anastasiou (2002); Tavares (2001); Sobrinho (1998); Fernandes (2003) and Altet, Paquay & Perrenoud (2003). We have opted in this research for a qualitative interpretative investigation. The process of collecting dates occurred in three moments: the first, through a documental date collecting; the second through the application of 5 open questionnaires, the third and last one with reflexive and deeper interviews with individual rotary structured through a pre analyses of the collected dates in the previous moments of the investigation. Though a pre analyses of the dates and because a methodological question, before we do the third moment of the investigation we have decided to make a shortening and to limit the continuity of the analyses to the ways of learning of only 3 former teachers. The analyses of the dates were structured in three big blocs which tried to show the intersection of the considered former locus, offering us reflection over the learning ways of the three former teachers, subjects of this research in distinct moments. We have concluded that each former teacher has his own singular way to learn and their graduation teaching build and rebuild itself constantly, according to the knowledge that means along their graduation experience and as professionals. The former teachers investigated mean their knowledge in distinct ways according to the opportunities, options and reflection they do during their duty, whether in basic education or in the graduation course. Besides the analyses made us understand that the learning of teaching in graduation curses vary according to the way the former teacher attributes meaning to the initial formation they have attended and to the fact of their practice in basic graduation education to be or not to be reflexive, what makes them intersectional, of different ways, all the former locus considered in this research. Key words: former teacher; learning of teaching; teacher knowledge.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO_______________________________________________________________12

1 DAS ORIGENS DA PROBLEMÁTICA AO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA ___________16 1.1. Caminhos e descaminhos de uma vida profissional e as origens da problemática __________________16 1.2. Da opção metodológica ao desenvolvimento da pesquisa_____________________________________20

1.2.1. Justificativa da opção metodológica _________________________________________________________ 20 1.2.2. O desenvolvimento da pesquisa: o caminho investigativo ________________________________________ 23

1.3. Os sujeitos e o cenário da Pesquisa. _____________________________________________________29 1.3.1. Os sujeitos da Pesquisa.__________________________________________________________________ 29 1.3.2 O cenário da Pesquisa: a UNEMAT e o Curso de Licenciatura Plena em Matemática. __________________ 33

2 A APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: saberes, experiências e reflexão. ___________________________________________________________40

2.1. As pesquisas sobre a formação de professores e o reflexo de uma construção teórica das pesquisas que enfocam saberes e aprendizagens da docência. _______________________________________________40 2.2. A formação de professores e a aprendizagem da docência ___________________________________50 2.3. Os saberes, as experiências e a reflexão na aprendizagem da docência._________________________61

2.3.1. O saber docente e a aprendizagem da docência _______________________________________________ 61 2.3.1.1. O Saber e suas diferentes facetas: a construção de um termo. ________________________________ 61 2.3.1.2. Os Saberes Docentes e a Aprendizagem da Docência ______________________________________ 65

2.3.2. As Experiências como fonte de Aprendizagem da Docência: um olhar sobre o “bordado” feito. ___________ 75 2.3.3. A Reflexão como possível elo entre a Formação, os Saberes e as Experiências docentes. ______________ 82

3 A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A DOCÊNCIA: o educador matemático da educação básica e da universidade __________________________________________________________________87

3.1. A educação matemática como movimento: a prática docente refletida ________________________87 3.2. A formação do educador matemático_____________________________________________________88

3.2.1. A formação do educador matemático para a educação básica ____________________________________ 89 3.2.2. Formação do formador de educadores matemáticos ___________________________________________ 105

3.2.2.1. Os Professores Formadores __________________________________________________________ 106 3.2.2.2. Locus de formação e/ou desenvolvimento profissional do professor formador ___________________ 111 3.2.2.3. A profissionalização do professor formador: uma construção de competências? _________________ 124 3.2.2.4. Competências específicas para o professor formador discutidas pela literatura __________________ 127

I - Competência em determinada área do conhecimento ________________________________________ 128 II - Domínio na área pedagógica___________________________________________________________ 129 III- O exercício da dimensão política é imprescindível no exercício da docência universitária____________ 129

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4 APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA DO PROF ESSOR F ORMADOR DE EDUCADORES MATEMÁT ICOS: o que revelam os dados da pesquisa_______________________________131

4.1. Os percursos de aprendizagem da docência do ensino superior: os bordados evidenciados_________133 4.1.1. Hortêncio e percurso de aprendizagem da docência no ensino superior ____________________________ 133

I – O profissional e aspectos gerais dos caminhos percorridos: “o risco do bordado”_____________________ 133 II - Os contextos formativos formais: o revelar do bordado por Hortêncio e os arremates da pesquisadora ___ 136 III - Um novo olhar nas revelações sobre a aprendizagem da docência: o processo de reflexão e aprofundamento de Hortêncio. ____________________________________________________________________________ 160

4.1.2. Lírio e o percurso de aprendizagem da docência do ensino superior. ______________________________ 177 I – O profissional e aspectos gerais dos caminhos percorridos: “o risco do bordado”. ____________________ 177 II – Os contextos formativos formais: o revelar do bordado por Lírio e os arremates das pesquisadoras _____ 178 III - Um novo olhar nas revelações sobre a aprendizagem da docência: o processo de reflexão e aprofundamento de Lírio _________________________________________________________________________________ 191

4.2.3. Rosa e o percurso de aprendizagem da docência no ensino superior ______________________________ 214 I – A profissional e aspectos gerais dos caminhos percorridos: “o risco do bordado” _____________________ 214 II – Os contextos formativos formais: o revelar do bordado por Rosa e os arremates da pesquisadora_______ 214 III - Um novo olhar nas revelações sobre a aprendizagem da docência: o processo de reflexão e aprofundamento de Rosa ________________________________________________________________________________ 236

CONSIDERAÇÕES FINAIS_______________________________________________________250

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO _________________________________________________263

ANEXOS _____________________________________________________________________272 ANEXO A - Questionários utilizados na Pesquisa _____________________________________________273 ANEXO B – Roteiros Individuais de Entrevista ________________________________________________277

APRESENTAÇÃO

O avanço constante da ciência e da tecnologia promove crescentes transformações nas necessidades sociais e, conseqüentemente, a sociedade passa a exigir, das escolas e das universidades, profissionais capacitados para atender a essas necessidades. Há poucas décadas, as profissões de modo geral eram bem definidas. Considerava-se que o profissional, ao sair da universidade, já possuía o básico, o suficiente para trabalhar anos e anos na profissão escolhida. Hoje, com a velocidade das descobertas, a sociedade e suas necessidades têm evoluído rapidamente e esse movimento se reflete profissionais que se vêem obrigados a buscar qualificação constante, para se estar atualizado em relação ao que vem acontecendo em sua área profissional. Aos cursos universitários cabe a preocupação de preparar o profissional para enfrentar, em seu trabalho, esse movimento intenso de grandes mudanças, capacitando ambos, universidade e professor, de acordo com as exigências atuais.

Os professores universitários como “seres condicionados, mas não determinados” (FREIRE, 1996, p.19) que são, surgem nesse cenário em movimento, como possíveis sujeitos dessas transformações e em processo de aprendizagens constantes, sabendo que devem ser capazes de ir além dos condicionantes (Ibidem, p. 25), buscando cada vez o seu desenvolvimento profissional.

O tema central do presente estudo consiste na aprendizagem da docência do professor formador que atua no ensino superior, mais especificamente, aborda a questão dos professores formadores de Educadores Matemáticos, tema que há muito pouco tempo começa a despontar nas mesas de debate no âmbito da pesquisa educacional.

Percebemos que, nas últimas décadas, com o crescimento do número de universidades brasileiras, houve o aumento do número de professores universitários e, conseqüentemente, cresceu a procura pela qualificação profissional desses professores nos cursos de pós-graduação. Com isso, cresceu também o número de pesquisas na área da educação, o que refletiu na melhoria da qualidade educacional e também no ser e agir do professor, seja na Educação Básica ou no Ensino Superior. No entanto, nesse processo investigativo, observa-se uma forte tendência em pesquisar o professor da

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educação básica, sendo poucas as investigações que focalizam o professor universitário e, muito menos, o professor formador de professores, ou seja, aquele que atua na a formação de outros professores nos cursos de Licenciatura. São, ainda, em menor quantidade as pesquisas que evidenciam a aprendizagem da docência no ensino superior.

Conforme a LDB - Lei de Diretrizes e Bases – de dezembro de 1996, a formação do professor universitário destina-se aos cursos de pós-graduações stricto sensu, ou seja, a missão de formar ou de ensinar o professor a ser professor universitário é dada nos mestrados e/ou doutorados, ofertados pelos programas de pós-graduações nas universidades. É sabido que, de um modo geral, somente as universidades do centro-sul do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, etc., conseguem contratar professores com a formação para atuar no ensino superior. No entanto, em regiões brasileiras como a que nos encontramos, a região centro-oeste, ainda há muita procura por essa qualificação profissional e pouca oferta de cursos de pós-graduações stricto sensu, sendo uma realidade diferente dos grandes centros, tendo a universidade a necessidade de contratar professores que não desenvolveram essas pós-graduações e tendo seus professores de aprender a ser professor universitário em outros locus formativos, diferente dos que a lei orienta. É exatamente essa situação que esta pesquisa se focalizou, o processo de aprender a ser professor do ensino superior.

Com a preocupação em reconstruir os fundamentos epistemológicos da profissão do professor universitário, Tardif (2000) afirma ser necessário e urgente acreditar que já é tempo de os professores começarem também a realizar pesquisas e reflexões críticas sobre suas próprias práticas, para diminuir o abismo enorme entre as “teorias professadas” e as “teorias praticadas”, pois

elaboramos teorias de ensino e da aprendizagem que só são boas para os outros, para nossos alunos e para os professores. Então, se elas só são boas para os outros e não para nós mesmos, talvez isso seja a prova de que essas teorias não valem nada do ponto de vista da ação profissional, a começar pela nossa (p. 21).

Dessa forma, cabe aos professores universitários voltar seus olhares para a respectiva prática docente, seja em sala de aula ou em outros ambientes de aprendizagens, dando-se a oportunidade de refletir como se aprende e como se ensina, pois “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23) e, ainda, segundo o mesmo autor, “ensinar inexiste sem aprender, e vice-versa, e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar” (Idem).

Sendo assim, o objetivo de nossa pesquisa é investigar o professor formador no processo de aprendizagem da docência no ensino superior, tendo como foco principal de investigação a busca de resposta à seguinte questão: como os professores formadores para Educação Matemática

aprendem a docência do ensino superior?

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Em busca de responder a essa questão, concebemos, com Mizukami (1996; 2000; 2002; 2003) a aprendizagem da docência como um continuum de formação que não tem tempo nem espaço, e se faz e se refaz constantemente. Entendemos que o saber docente “está relacionado com a pessoa dos professores e identidade deles, com sua experiência de vida e com sua história profissional” (TARDIF, 2002, p. 11). Em sua prática docente, o professor utiliza diferentes saberes em função de seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Assim, os saberes do docente devem ser compreendidos em íntima relação com o trabalho, com a escola ou com a universidade. Esses saberes são gerados pelas vivências que, significadas pelos professores, transformam-se em experiências. Concebemos, assim, a experiência como a reflexão e interpretação do vivido, no entanto, “a interpretação do passado só é experiência quando tomamos o passado como algo ao qual devemos atribuir um sentido em relação a nós mesmos” (LARROSA, 2003, p.135); somente nessas condições podem ocorrer aprendizagens.

Percebemos, neste trabalho de investigação que, no processo de aprender, o professor precisa se definir como aprendiz para significar seus saberes e experiências adquiridas durante o seu percurso de aprendizagem. Para isso, necessita da reflexão como “fio condutor” desse processo. Nesta pesquisa evidenciaremos os “saberes da experiência”, (LARROSA, 2003; TARDIF, 2002) ligados ao conhecimento da matéria e aos conhecimentos pedagógicos, próprios dos professores formadores.

Rumo à melhor compreensão do que indagávamos e, visando a organização e coerência das exposições, a dissertação foi estruturada em quatro capítulos:

No Capítulo 1 - Das origens da problemática ao desenvolvimento da pesquisa, propomo-nos a apresentar a pesquisa de modo geral, situar as origens da problemática da pesquisa, perpassar pela opção metodológica e o caminho percorrido para o seu desenvolvimento e fechar com a apresentação dos sujeitos e o cenário da Pesquisa.

O Capítulo 2 - A Aprendizagem da Docência e a Formação de Professores: saberes, experiências e reflexão - primeiro capítulo teórico propriamente dito, discutimos de forma geral a formação do professor, os saberes, as experiências e a reflexão, evidenciando como influenciam na aprendizagem da docência. Neste capítulo, através da teoria que nos deu suporte, esclarecemos em que concepção sobre formação de professores e aprendizagem da docência nos baseamos para este trabalho, além de justificar nossa escolha por saberes docentes. Concebemos a formação de

professores como um processo continuum que tem início na formação inicial do professor e que se prolonga por toda uma carreira profissional, dependendo do envolvimento do sujeito nesse processo de formação, ou seja, como um movimento contínuo de elaboração interior, que ocorre no âmago da experiencialidade de cada ser humano em sua interação com o mundo, com os programas oficiais, com

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os conhecimentos institucionalizados e com outros sujeitos (LARROSA, 2001, 2003). Baseadas em Mizukami (2002) e Lima e Reali (2002) entre outros, entendemos ser a Aprendizagem da Docência

uma formação plural, constituída pelo amálgama de saberes oriundos de vários contextos, circunstâncias e instituições, assim como da experiência pessoal e profissional, dos saberes das disciplinas e atividades práticas proporcionadas pelos cursos de formação, “o que significa considerar que os professores são sujeitos cuja atividade profissional os leva a implicarem-se em diversas situações formais e não formais de aprendizagem” (LIMA e REALI, 2002, p.232).

No Capítulo 3, A Educação Matemática e a Docência: o educador matemático da Educação Básica e da Universidade - voltamos nosso olhar para a Educação Matemática, localizando, primeiramente, a nossa pesquisa nesta área de investigação. Como evidenciamos a perspectiva da Educação Matemática como movimento de pesquisa e como espaço propício para reflexão da prática docente, apresentamos, neste capítulo, as discussões das perspectivas de formação do educador matemático da educação básica, mostrando as mudanças necessárias para que esta formação se aproxime, cada vez mais, daquilo que a Educação Matemática se propõe fazer. No entanto, salientamos que as necessárias alterações na concepção da formação de professores de Matemática desenvolvida nos cursos de licenciatura nos direcionam a refletir teoricamente sobre a formação do professor formador de Educadores Matemáticos: quem são, onde se formam, a sua profissionalização e quais as competências necessárias para este profissional.

Depois de construir as bases teóricas para a pesquisa, chegamos ao Capítulo 4, no qual apresentamos e analisamos os dados obtidos através de professores formadores e de seus percursos de aprendizagem da docência para o ensino superior. Para isso, configuramos o percurso da (re)construção dos saberes docentes para a aprendizagem da docência do ensino superior de três professores formadores do curso de licenciatura em Matemática, na UNEMAT/Sinop: Hortêncio, Lírio e Rosa1.

Para finalizar, apresentamos as considerações finais do trabalho, a fim de contribuir com esta área de pesquisa, que vem conquistando espaço, evidenciando os aspectos da significação dos locus formativos considerados neste trabalho, como fontes de aprendizagens, os saberes docentes que se (re)constroem nas experiências vividas pelos professores formadores e a reflexão como condutora de aprendizagens.

1 Os nomes atribuídos aos professores formadores que participaram desta pesquisa são fictícios.

1 DAS ORIGENS DA PROBLEMÁTICA AO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Este capítulo pode ser denominado como capítulo introdutório e de contextualização. Tem como objetivo tratar das origens da problemática e das motivações da pesquisa. Na seqüência, discutiremos como estabelecemos o desenvolvimento da investigação, além de apresentar o locus e os sujeitos da pesquisa.

1.1. Caminhos e descaminhos de uma vida profissional e as origens da problemática2

“o ‘objeto de ciência’ é constituído por alguém, e esse alguém não é neutro, não faz parte de um mecanismo de objetividade que fundaria seu conhecimento sem sua própria existência: o mundo investigado por mim passa pelo que sou e pelo que me tornei, e ao ser e me tornar crio o mundo segundo esse prisma, segundo o meu ponto de vista, máscara e espelho no labirinto do ser, segundo um lugar que não é somente meu ou eu, mas que se apresenta como singularidade. Nesse processo não perco de vista aquilo que crio: não tomo como natural não o fetichizo” (CALDAS, 2003, p.01- Grifo Nosso)

O objeto desta pesquisa surgiu de uma curiosidade investigativa gerada em um momento de reflexão sobre o meu percurso profissional que foi desenvolvido em um cenário específico. Desta forma, ao traça-lo a fim de mostrar como e por que o objeto de pesquisa surgiu, evidencia o que Caldas (2003) acima nos diz. Ao traçar meu percurso, desenho-o conforme observo e interpreto em mim, percebendo a influencia na minha vida do que está ao meu redor, fazendo-me e me refazendo a todo instante. Assim, a partir deste ponto, traço meu percurso profissional:

Ao ingressar no programa de Mestrado em Educação do I.E - Instituto de Educação – UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso, tinha interesse em pesquisar sobre “A Informática Educativa na Formação de Professores”. Esse tema me chamava a atenção pela experiência com a informática educativa que começou em minha formação inicial em Matemática e teve continuidade em um projeto desenvolvido na UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso, com professores da Educação Básica da rede pública e particular do município de Sinop e região. 2 Por se referir neste item ao percurso profissional da pesquisadora, o tratamento será realizado na 1ª Pessoa do Singular.

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Porém, ao refletir com os colegas, nas reuniões semanais do GRUEPEM/UFMT3 sob a coordenação de minha orientadora, sobre os percursos profissionais de cada membro do grupo e participar das disciplinas oferecidas pelo programa de pós-graduação, verifiquei que algo me inquietava4 muito mais do que a discussão sobre informática educativa, e despertava, naquele momento, minha atenção a respeito da formação de professores de Matemática.

Dessa reflexão começou a ser construído o objeto desta pesquisa, pois desde 1995, atuo na docência, como professora formadora de professores, ou seja, como professora que desenvolve suas atividades docentes na universidade, no Ensino Superior Universitário, em cursos de graduação, neste caso, professora formadora de professores no curso de graduação em Licenciatura Plena em Matemática na UNEMAT5 - Campus Universitário de Sinop. Por trabalhar em um curso que desenvolve a formação inicial6 de professores de Matemática, algumas temáticas sempre permearam as minhas preocupações, tais como: a formação de professores, tanto inicial quanto continuada, a construção dos saberes e práticas docentes e, conseqüentemente, a formação inicial desenvolvida nos cursos de licenciatura em Matemática. No entanto, essas preocupações tangenciavam minha vida profissional, e acabaram por aflorar como objeto de pesquisa no programa de pós-graduação. Dentre essas preocupações, o que mais me chama a atenção e traz inquietações é a aprendizagem da docência do professor formador, evidenciando a (re)construção dos saberes docentes para atuar nos cursos de licenciatura7.

Percebe-se que a formação inicial desenvolvida nos cursos de licenciatura plena em Matemática não favorece a formação para a atuação no ensino superior, pois se propõe a preparar o futuro professor para atuar na educação básica, ou seja, ensinar no ensino fundamental e/ou médio. Dessa forma, parece-me que o professor que obteve sua graduação em licenciatura plena em Matemática ou em outra graduação “aprende” a ser professor formador no ensino superior – atuando no dia-a-dia em que realiza a sua prática docente nesse nível de ensino, pois, durante minha atuação como formadora de professores no curso de Matemática, pude acompanhar a contratação de professores formados em licenciatura plena em Matemática e que, recém-egressos da universidade, foram diretamente lecionar como professores formadores, porém com uma particularidade, esses alunos foram e alguns ainda são professores da educação básica, ao contrário de minha experiência.

3 GRUEPEM/UFMT – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Matemática/Universidade Federal de Mato Grosso. 4 A palavra “inquietação” é usada, neste trabalho, no sentido da problematização da prática da pesquisadora ao se constituir como formadora. 5 UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso. 6 Entendemos por Formação Inicial a formação desenvolvida nos cursos de graduação. 7 O Curso de Licenciatura Plena em Matemática da UNEMAT/Sinop, por ter falta de professores formados nesta área na região onde é desenvolvido (Região Norte do Mato Grosso), contrata, também, profissionais recém-formados para atuar como Formadores de Professores, recebendo professores que atuam também na Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio).

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Assim, no decorrer de minha prática docente, principalmente na universidade, ao pensar no percurso de (re)construção dos saberes docentes do professor formador, ao longo dos anos foram surgindo as seguintes indagações: o que é ser professor formador de professores? Como os professores formadores aprendem? Será que todos os professores formadores de professores têm as mesmas dificuldades? Será que a experiência na educação básica diferencia a sua experiência desenvolvida no ensino superior?

Aos poucos, no decorrer da minha atuação no ensino superior, foram surgindo outras indagações e intensificando a curiosidade sobre a possível influência da formação inicial desenvolvida no curso no qual eu era formadora, e a matemática que estava realmente sendo ensinada nas escolas de educação básica do município de Sinop/MT pelos professores, dos quais eu também era formadora. Embora, entre eles, nem todos atuassem como professores, havia aqueles que traziam a sua prática docente para ser refletida em sala de aula na universidade, fazendo com que nós professores formadores nos aproximássemos, de uma maneira ou de outra, da escola de educação básica.

Portanto, para “ensinar a ensinar” os conteúdos de Matemática para a educação básica, necessitava compreender a escola e os alunos desse nível de ensino. Ou seja, necessitava compreender como aprendem e como se ensina matemática na escola de educação básica. Aos poucos, foi surgindo a vontade e a necessidade de experimentar o ensino de Matemática para crianças e adolescentes que, até então, eu não tinha vivenciado.

Para isso, do segundo semestre de 1995 ao início de 1998, trabalhei paralelamente na educação básica e no ensino superior. Aos poucos, comecei a indagar sobre o papel da formação inicial que obtive e aquela que desenvolvia na formação inicial dos alunos que realizam o curso de Licenciatura em Matemática e minha experiência como professora na educação básica e a experiência como professora do ensino superior.

Após esse período de atuação nos dois níveis de ensino, passei a ser parte do quadro de docentes efetivos da UNEMAT e a me dedicar exclusivamente ao ensino e ao projeto CIELL – Centro de Informática na Educação Linguagem Logo, o qual objetivava a formação continuada de professores da rede pública e particular na área de Informática na Educação. Além desse projeto, que era institucionalizado e do qual eu era coordenadora, atuei como colaboradora em outros, todos voltados à formação continuada de professores. Com o trabalho exclusivo na Universidade, passei a viver mais integralmente os problemas do/no curso, a acompanhar ativamente as discussões que iam surgindo sobre o ensino de Matemática na educação básica e a formação de professores e a participar de grupos de estudos e colegiados da Universidade.

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Em 2002, fui eleita para a Chefia do Departamento de Matemática. Oportunidade significativa para a formação de outros saberes, e que influenciaram decisivamente na definição, a

posteriori, do meu objeto de pesquisa. Nessa função, tive a oportunidade de ver acontecer, mais de perto, com outros professores, o que eu já havia vivenciado. pude observar que professores recém-formados, alunos egressos do curso de licenciatura plena em Matemática de Sinop, talvez pela afinidade e confiança depositada nos seus antigos professores, ao ingressarem na universidade como formadores de professores, buscavam, na Chefia de Departamento e nos demais colegas formadores, orientação para refletir sobre suas dificuldades iniciais e solicitar acompanhamento. Com essa experiência surgia, mais uma vez, em meu percurso profissional, indagações: deveria a Universidade ter um programa de acompanhamento desses professores em início de carreira no magistério superior? Onde nós, professores formadores, aprendemos a ser formadores? A formação inicial influencia para isso? Se influencia, caberia aos cursos de formação inicial “ensinar a ensinar” conteúdos que são trabalhados no ensino superior?

Em 2003, ingresso no Mestrado do Instituto de Educação da UFMT.

Dessa forma, partindo da experiência vivida por mim no decorrer de todos esses anos, das indagações que tangenciaram a narrativa do meu percurso profissional, expostas anteriormente, formulo a problemática da presente pesquisa para buscar caminhos possíveis de solução para meus anseios investigativos:

Como os professores formadores para Educação Matemática aprendem a docência do Ensino Superior?

E é o que agora passo a fazer: refletir sobre essa questão problema a fim de compreender como as aprendizagens da docência do ensino superior vão se construindo e como estas se interseccionam nos locus formativos considerados: formação inicial, a experiência na educação básica e no ensino superior.

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1.2. Da opção metodológica ao desenvolvimento da pesquisa

1.2.1. Justificativa da opção metodológica

Para obter resposta ao problema da investigação, optamos8 pela metodologia qualitativa com cunho interpretativo, acreditando que esta nos possibilita uma interpretação mais coerente dos dados coletados.

Neste trabalho, assumimos a concepção de investigação qualitativa definida por Bogdan e Biklen (1994, p.16), como “um termo genérico que agrupa estratégias de investigação que partilham de determinadas características: ricos em pormenores descritivos relativos a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico”.

Ao se referir sobre a investigação qualitativa, Saraiva (2001) complementa a concepção dada anteriormente, evidenciando que a real importância dessa abordagem é permitir o trabalho com seres humanos e possibilitar a captura, através dos instrumentos de coleta de dados adequados, as experiências destes. Pois para o autor,

a investigação qualitativa traz para o centro das atenções o estudo dos seres humanos como tal, formulando as questões para investigar em toda a sua complexidade e em todo o seu contexto. Trata-se de uma abordagem que rejeita encarar as pessoas como uma soma de medidas psicológicas e tem a pretensão de capturar as suas experiências, medos, emoções, ansiedades, crenças, esperanças, comportamentos e irracionalidades (p.70).

Ao se referirem ao que o autor trata acima, Bogdan e Biklen (1994) e Lüdke e André (1986) afirmam que a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados; estes são recolhidos em situações e complementados pela informação que se obtém através do contato direto com sua fonte.

Dessa forma, a opção pela metodologia qualitativa com cunho interpretativo se justifica, porque nos propusemos a realizar uma pesquisa que teve como público alvo professores formadores que trabalham em um ambiente natural de coleta de dados, que foi o curso de Licenciatura Plena em Matemática de Sinop e a educação básica.

Justificamos ainda a opção metodológica da pesquisa pela afirmação de que, na investigação qualitativa, os dados coletados não são expressos somente através de números, apesar

8 A partir desse ponto do trabalho, empregaremos a 1ª pessoa do Plural por não se tratar mais de algo apenas pessoal, mas sim de uma construção coletiva.

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de se poder até fazer um levantamento quantitativo. No entanto, o foco principal da pesquisa com a abordagem qualitativa - interpretativa são as falas e escritas dos sujeitos que podem ser expressas nas entrevistas, conversas informais e nos questionários (BOGDAN e BIKLEN, 1994; LÜDKE e ANDRÉ, 1986).

Na pesquisa qualitativa, os investigadores interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. Com isso, preocupam-se em coletar os dados através de vários instrumentos que permitem ao sujeito uma melhor expressão da sua linha de pensamento.

Os investigadores, na pesquisa qualitativa, tendem a analisar seus dados de forma indutiva. Não recolhem dados com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas previamente. Dessa forma, consideram todas as falas e informações para, em seguida, proceder à análise.

Assim, o procedimento de investigação, na pesquisa qualitativa, ao contrário da quantitativa, não se estabelece mediante a operacionalização de variáveis, ou com o objetivo de responder a questões prévias ou testar hipóteses. Mas sim, na pesquisa qualitativa formulam-se questões com a intenção de investigar o proposto, em toda sua complexidade e em contexto natural, possibilitando ao pesquisador compreender o significado que os outros dão aos seus próprios fazeres (BOGDAN e BIKLEN, 1994).

O “significado”, para Bogdan e Biklen (1994), é de vital importância na abordagem qualitativa. Os pesquisadores estão interessados no modo como diferentes pessoas dão sentido às suas vidas, as coisas por elas vivenciadas. No caso desta pesquisa, estamos interessados em saber como os sujeitos compreendem e significam a sua formação, seja ela inicial e/ou continuada e as experiências adquiridas no desenrolar de suas vidas profissionais; quais são os saberes docentes construídos nestas intersecções e como aprenderam a ser professor formador. Esses significados (re)construídos, segundo Trivinos (1987, p.127), podem se manifestar “através das produções verbais ou escritas das pessoas envolvidas em determinadas situações”.

Outro ponto importante quanto à metodologia escolhida diz respeito à ação interpretativa que vem do pesquisador, quase sempre carregada de teorias e pontos de vista muito pessoais em relação aos dados disponíveis, uma vez que qualquer leitura conduz a interpretações e inferências (OAIGEN, 1996, p.105). Segundo Gialdino (1993), o pesquisador pode procurar compreender a natureza da atividade em termos do significado que o indivíduo dá a sua ação, no caso desta pesquisa, a sua formação inicial, e as suas experiências profissionais. Assim, é possível captar a realidade do fenômeno-estudo e lhe dar um sentido convincente. Este “dar um sentido convincente” está vinculado

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às complexas interpretações dos dados mediante uma teoria, a necessidade de exame detalhado e intensivo para determinar a complexidade das relações entre eles. E esse “sentido”, no caso desta pesquisa, será gerado pela interpretação da pesquisadora dos dados coletados.

A pesquisa qualitativa utiliza técnicas de coleta de dados que informam as particularidades das situações, permitindo a descrição exaustiva e densa da realidade concreta do objeto de investigação. Nesse sentido, a pesquisa qualitativa não trabalha diretamente com realidades, mas sim com as representações e idéias de pessoas envolvidas nessa realidade a serem interpretadas pelo investigador.

Procuramos assim, nesta pesquisa, na complexidade da aprendizagem da docência, encontrar as intersecções dos locus formativos, entendendo estes, como momentos e espaços onde os sujeitos da pesquisa podem aprender a docência, sendo considerados para está pesquisa, somente, a formação inicial, as práticas docentes na educação básica e no ensino superior, buscando entender como se dão as (re)construções dos saberes docentes no processo de Aprendizagem da Docência do Ensino Superior em sujeitos selecionados pelos critérios da investigação. Cabe aqui ressaltar que, embora concebamos a aprendizagem da docência como um processo, para essa pesquisa nos limitamos a investigar os saberes e as experiências ligados aos conhecimentos gerados pela prática de sala de aula.

Os sujeitos da pesquisa estão contextualizados em tempos e espaços determinados. São egressos do curso de licenciatura plena em Matemática, vivem no contexto sócio-cultural e político da região de Sinop onde lecionam Matemática na educação básica nas escolas do município. Ao desenvolverem sua formação inicial neste curso de graduação, tiveram a oportunidade de desenvolver saberes docentes. Alguns antes, outros durante e outros após sua formação inicial começaram a atuar como professor na educação básica. Entretanto, para nós, a situação por si só não é o mais importante, interessa-nos, sobretudo, como a situação é percebida pelo professor, como ele interpreta e como atua (prática social) demonstrando seus saberes docentes.

Saraiva (2001) considera que o significado é o motor da ação humana intencional e que se trata de uma construção cultural, algo exterior à pessoa, na medida em que não é gerado por ela, mas antes por meio de um processo de modelação cultural estabelecida na interação entre ela e as outras pessoas. Esse autor defende que o significado depende da intencionalidade da pessoa, pois está associado às crenças, desejos e empenhamentos pessoais. Esse significado revela-se quer na ação, quer no discurso o que realça a necessidade de associá-los para uma melhor compreensão do significado. Além disso, o significado é situado em função das circunstâncias em que é produzido. O fato de os significados deverem ser procurados de forma transversal, por meio do pensamento do

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professor e do contexto onde ele atua, leva-nos a aceitar que os relatórios (orais e escritos) realizados pelos professores contenham sempre informações limitadas, pois são apenas um reflexo parcial do pensamento e dos componentes cognitivos e experienciais que realmente eles possuem.

Como enfocamos a construção/reconstrução da aprendizagem da docência do professor formador de educadores matemáticos de um universo limitado de sujeitos, traçamos um plano de investigação em conformidade com a opção metodológica que fizemos. Esse plano de investigação foi flexível, pois numa “investigação deste tipo, o pesquisador é um participante empenhado e um aprendiz do processo de investigação” (SARAIVA, 2001, p. 73).

1.2.2. O desenvolvimento da pesquisa: o caminho investigativo

Conforme expressamos anteriormente, a problemática da pesquisa surge em um cenário

caracterizado pelo curso onde a pesquisadora é professora formadora de educadores matemáticos. Curso este utilizado como um dos locus formativos do percurso profissional da pesquisadora.

Neste curso, encontramos professores formadores com características que nos chamou a atenção e nos levou a problematizar: alguns professores formadores realizaram sua formação inicial em Matemática na UNEMAT no curso que atualmente desenvolvem sua prática docente no ensino superior e possuem experiência como professor de Matemática na educação básica.

Neste cenário de pesquisa, visualizamos três locus formativos: a formação inicial desenvolvida pelos sujeitos da pesquisa, a prática docente desses na educação básica e a prática

docente desses no ensino superior; levando-nos a pensar quais são os saberes desses professores formadores. Quais eram as aprendizagens, os saberes da docência que foram construídos nas suas experiências profissionais? Como foi sendo o percurso da construção da aprendizagem da docência desses professores formadores? Como se foi dando esse percurso de aprendizagem da docência nos três locus formativos? Dentre os três locus formativos, como os professores formadores foram construindo seus saberes, que saberes são esses e o que eles atribuem como significativo na aprendizagem de ser professor do ensino superior?

Interessava-nos, portanto, as intersecções de aprendizagem nos três locus formativos, pois acreditávamos que surgiriam aí os saberes da docência do ensino superior, específico para o professor formador de educadores matemáticos, ou seja, para o grupo que possui aquelas

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experiências. Essas intersecções foram construídas por meio dos contextos formativos que mais tarde descreveremos.

Para desenvolvermos esta pesquisa foi necessário dividir seu caminho investigativo em três momentos, com instrumentos e estratégias diferenciados para cada um, que explicitaremos logo a seguir. Antes disso, cabe salientar que a pesquisa bibliográfica permeou todas as etapas desta investigação, de modo que a teoria deu suporte para discutir os dados. Porém, os dados, muitas vezes, ditaram a necessidade de realizar novas buscas teóricas. Refletindo sobre isso, organizamos o marco teórico desta pesquisa de modo que possibilitasse embasamento para relacionar os relatos escritos e orais dos sujeitos pesquisados, com as teorias e reflexões de pesquisadores renomados que apresentaremos nos Capítulos 2 e 3 deste trabalho.

Assim, os três momentos do caminho investigativo foram feitos como segue:

1º Momento – Pesquisa Exploratória

Chamamos este momento de pesquisa exploratória, pois precisávamos ter informações detalhadas sobre o cenário da pesquisa e seus componentes, isto é, tínhamos a necessidade de descobrir neste cenário os possíveis sujeitos da pesquisa. Para isso, coletamos na Secretaria Acadêmica e no Departamento de Recursos Humanos do Campus Universitário de Sinop, cópias de alguns documentos, tais como: Lotacionograma do quadro docente do Departamento de Matemática do Semestre Letivo 2004/01; Planos de Ensino dos Professores no Semestre Letivo 2004/01 e Pastas de Documentação Pessoais dos Professores. Por meio desses documentos, fizemos um levantamento de todo o contexto no qual a pesquisa se desenvolveria. Com o Lotacionograma do Quadro Docente do Departamento de Matemática do Semestre Letivo 2004/01, verificamos os docentes que compunham o Departamento nesse semestre letivo e descobrimos que, do total de 36 professores formadores, 09 eram egressos do curso de Licenciatura Plena em Matemática de Sinop-MT.

Após fazer esse recorte, pesquisamos junto ao setor de recursos humanos do Departamento de Matemática, por meio das pastas de documentação e Curriculum Vitae de cada professor formador, quais deles possuíam a experiência como professor de Matemática na educação básica. Verificamos que, dos 09 professores formadores, 08 possuíam as características desejadas para a pesquisa, conforme caracterizaremos posteriormente.

Nessa primeira parte de coleta de dados, após o descobrimento dos professores formadores que seriam sujeitos da pesquisa, solicitamos que eles respondessem, na presença da pesquisadora, um Questionário de Caracterização (Q.C. – Anexo A), o qual foi preenchido em março

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de 2004, para que pudéssemos fazer um novo recorte e com as informações coletadas elaborar os demais questionários. Cabe ainda registrar que utilizamos, como forma de registro do processo investigativo, um Diário de Pesquisa no qual registramos as observações, as descobertas através das conversas informais, as possibilidades, as dificuldades e os anseios da pesquisadora encontrados no processo.

Em suma, nesta primeira parte da pesquisa fizemos: um levantamento documental no Departamento de Matemática, registros do percurso investigativo no Diário de Pesquisa e aplicação do Questionário de Caracterização com os 08 possíveis sujeitos da pesquisa.

2ª Momento – Coleta de dados escritos e os percursos de aprendizagem da docência

Após ter realizado a caracterização dos sujeitos, elaboramos quatro questionários que foram aplicados em duas etapas distintas (Etapa A e B), durante o mês de julho de 2004. Esses questionários foram elaborados após análise das informações dadas pelos sujeitos ao Q.C.

ETAPA A – Composta por três questionários (Questionário 1, 2 e 3 – Anexo A). Em que cada um focalizou-se os locus formativos considerados nesta pesquisa, ou seja, a formação inicial, a prática na educação básica e a prática no ensino superior. Aplicados, na maioria das vezes, na presença da pesquisadora. Essa etapa teve a duração de três semanas e o processo investigativo foi registrado pela pesquisadora no Diário de Pesquisa.

ETAPA B – Composta pelo Questionário 4, o qual focalizou a intersecção dos três locus formativos focalizados, anteriormente, em separado. Essa etapa foi realizada na última semana do mês de julho de 2004 e também foi registrada no Diário de Pesquisa.

Cada questionário foi elaborado com objetivo próprio e com o cuidado de possibilitar à pesquisadora a elaboração dos processos de aprendizagem da docência do ensino superior dos sujeitos da pesquisa. Traçaremos esses percursos por meio da análise dos dados dos questionários em busca de configurar três grandes contextos formativos formais, expressando o conjunto de idéias de cada locus formativo e as intersecções entre eles. Os três contextos formativos formais foram:

1º CONTEXTO FORMATIVO FORMAL - A formação inicial e as intersecções com a prática na educação básica e no ensino superior.

2º CONTEXTO FORMATIVO FORMAL - A prática na educação básica e as intersecções com a formação inicial e a prática no ensino superior.

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3º CONTEXTO FORMATIVO FORMAL – A prática no ensino superior e as intersecções com a formação inicial e a prática na educação básica.

O questionário 4 foi utilizado para fazer as amarras entre os três locus formativos, possibilitando a construção dos percursos de cada sujeito da pesquisa e suas revelações estão integradas durante os três contextos formativos.

Entendemos como contextos formativos formais os “ambientes” onde há a possibilidade de o sujeito (re)construir suas aprendizagens da docência. Para a configuração desses contextos formativos formais, cada questionário teve um objetivo específico e desempenhou um papel importantíssimo, como descrito abaixo.

Questionário 1 - Experiências adquiridas na formação inicial

Através deste instrumento, focalizamos as experiências adquiridas na formação inicial e como se interseccionam com a prática como professor na educação básica e com a prática no ensino superior, refletindo como é o processo de Aprendizagem da Docência do Ensino Superior. Elaboramos 09 questões semi-abertas, que subdividimos em:

QUADRO I – Questionário 1 - Experiências adquiridas na formação inicial QUESTÕES ENFOQUES PRETENDIDOS Questão 1 Questão 2 Compreender a opção pelo curso de Matemática e por ser professor.

Questão 3 a) , b), c) e d)

Descobrir como se deu o processo de começar a trabalhar como professor e a sua formação inicial Identificar como, quando (antes, durante e depois da conclusão da formação inicial), quais disciplinas

trabalharam e por quanto tempo. Identificar quais sujeitos da pesquisa realizaram uma formação em serviço e suas implicações no processo da

aprendizagem da docência evidenciando os diferentes aspectos para cada sujeito.

Questão 4 Identificar as prioridades dos sujeitos da pesquisa durante o curso e o ser professor formador atualmente –

construção de concepções. Evidenciar a opinião dos sujeitos sobre SABER MATEMÁTICA ou/e SABER ENSINAR MATEMÁTICA.

Questão 5 Evidenciar a opinião dos sujeitos da pesquisa sobre a Aprendizagem da Docência (tanto da Educação Básica quanto do Ensino Superior) e a contribuição da formação inicial que realizaram.

Questão 6 a), b) – b.1) Questão 7

Compreender a opinião dos sujeitos sobre a sua formação inicial e continuada como Educador Matemático e a formação que desenvolve para seus alunos no curso de Licenciatura em Matemática.

Questão 8 Compreender a opinião dos sujeitos da pesquisa sobre a influência da formação inicial no professor formador e

no professor da educação básica. Evidenciar a formação inicial refletida na experiência como professor formador e professor da educação básica.

Questão 9 Refletir sobre os saberes construídos no dia-a-dia da sala de aula do professor da educação básica e do professor formador.

Fonte: Questionário 1 - Anexo A – Questionários utilizados na pesquisa.

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Questionário 2- Experiências adquiridas na educação básica

Através deste instrumento, buscamos direcionar as experiências adquiridas na atuação na educação básica e como se interseccionam com a formação inicial e as experiências adquiridas na atuação como professor formador e, ainda, como influenciam na aprendizagem da docência no ensino superior. Elaboramos 05 (cinco) questões semi-abertas, assim subdivididas:

QUADRO II – Questionário 2 - Experiências adquiridas na educação básica QUESTÕES ENFOQUES PRETENDIDOS

Questão 1 Questão 2 Questão 3

Compreender o significado para os sujeitos da pesquisa do ser professor de Matemática na educação básica e onde aprenderam a ser professor da educação básica.

Identificar as intersecções da formação inicial e experiência na educação básica. Compreender a construção de saberes na formação inicial e construção e reconstrução destes saberes na experiência de sala de aula.

Como, quando e onde aprenderam a ser professores da educação básica = Aprendizagem da Docência.

Questão 4 Identificar os saberes docentes mediante o reconhecimento do que eles sabem sobre o currículo de matemática da educação básica.

Questão 5 Evidenciar a influência da formação inicial no professor formador e do professor da educação básica. Fonte: Questionário 2 - Anexo A – Questionários utilizados na pesquisa.

Questionário 3 - Experiências adquiridas no ensino superior.

Por meio deste instrumento, focalizamos as experiências adquiridas no ensino superior e como estas se interseccionam com a formação inicial e a experiência como professor na educação básica, evidenciando como se constrói a aprendizagem da docência do ensino superior. Elaboramos 05 (cinco) questões semi-abertas, subdivididas da seguinte forma:

QUADRO III – Questionário 3 - Experiências adquiridas no ensino superior QUESTÕES ENFOQUES PRETENDIDOS

Obter informações gerais - referentes ao ensino superior. Questão 1 Identificar como surgiu o desejo de ser professor formador. Questão 2

Questão 3 (a e b) Identificar e compreender os saberes do professor formador.

Identificar a opinião sobre o perfil profissional do professor formador

Questão 4 Identificar e compreender os saberes docentes baseados na opinião dos sujeitos pesquisados sobre o curso no qual se formou e atualmente é formador.

Questão 5 Compreender a opinião dos sujeitos pesquisados sobre sua atuação como professor formador Fonte: Questionário 3 - Anexo A – Questionários utilizados na pesquisa.

Questionário 4 - As intersecções das experiências nos três locus formativos

Através deste instrumento, focalizamos as intersecções das experiências adquiridas durante a formação inicial, a atuação na educação básica e no ensino superior, com o fim de descobrir como e quais os saberes docentes que se constroem; como e onde aprendem a ser professores formadores. Elaboramos 05 (cinco) questões procurando resgatar as discussões feitas nos questionários aplicados anteriormente (Conforme Questionário 4 - Anexo A).

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A aplicação do Questionário 4 fecha a Etapa B de coleta de dados. A partir daí, fizemos a pré-análise dos dados coletados para que estes alimentassem a entrevista semi-estruturada, feita na etapa posterior. Cabe ressaltar que durante toda essa etapa o Diário de Pesquisa foi utilizado como forma de registro das observações feitas no processo.

3º Momento –Aprofundamento e reflexão sobre os percursos traçados

Após a sistematização e a análise do 1º e 2º momentos da pesquisa, traçamos os percursos de aprendizagem da docência dos professores formadores através dos três contextos formativos formais, por meio dos dados coletados através da pesquisa exploratória, Questionário de Caracterização e Questionário 1, 2, 3 e 4.

No entanto, tínhamos a necessidade de aprofundar e refletir sobre as revelações feitas pelos professores formadores nas etapas anteriores da pesquisa para perceber o processo de aprendizagem da docência do ensino superior, por meio do novo olhar de cada sujeito sob o que haviam respondido. Assim, voltamos, após um ano e dois meses (outubro de 2005) da realização do 2º Momento da pesquisa, para uma “entrevista reflexiva” que, para Szymanski et al (2004), é um “instrumento que tem sido empregado em pesquisas qualitativas como uma solução para os estudo de significados subjetivos e de tópicos complexos demais para serem investigados por instrumentos fechados num formato padronizado” (p.10). Pois os questionários nos deram pistas sobre os possíveis significados dados pelos sujeitos, porém tínhamos necessidades de compreender os “significados subjetivos” explicitado pelas as pesquisadoras, e estes, segundo elas, é construído na interação entre o sujeito da pesquisa e o pesquisador. Segundo elas,

há algo que o entrevistador está querendo conhecer, utilizando-se de um tipo de interação com quem é entrevistado, possuidor de um conhecimento, mas que irá dispô-lo de uma forma única, naquele momento, para aquele interlocutor. Muitas vezes, esse conhecimento nunca foi exposto numa narrativa, nunca foi tematizado. O movimento reflexivo que a narração exige acaba por colocar o entrevistado diante de um pensamento organizado de uma forma inédita até para ele mesmo (SZYMANSKI et al, 2004, p.14).

Para nossa pesquisa, a “reflexividade” tem o sentido de refletir sobre o que os sujeitos da pesquisa escreveram durante o 2º Momento da pesquisa, expressando e evidenciando a compreensão da pesquisadora e submeter tal compreensão ao próprio professor formador, sujeito da pesquisa. Esse procedimento é uma forma de aprimorar a fidedignidade da pesquisa. O sujeito da pesquisa, ao se deparar com as revelações feitas por ele no primeiro momento da pesquisa tem a possibilidade de um outro movimento reflexivo, que, segundo Szymanski et al (2004), “o entrevistado pode voltar para a

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questão discutida e articulá-la de uma outra maneira em uma nova narrativa, a partir da narrativa do pesquisador” (p.15). Essa “volta” ao entrevistado, garantindo-lhe o direito de ouvir e, “talvez, de discordar ou modificar suas proposições durante a entrevista, assim como os cuidados a ele dispensados cumpre também um compromisso ético presente em qualquer situação em que se utilize a entrevista” (p.15).

Como procedimento, utilizamos entrevistas semi-estruturadas realizadas em encontros individuais com os sujeitos da pesquisa com roteiros individuais (ver Anexo B), visando dar liberdade à manifestação dos professores formadores na tentativa de esclarecer questões levantadas e que necessitavam de uma investigação mais detalhada, no contato direto com eles, de modo a possibilitar uma reafirmação ou não do que fora explicitado nos questionários já aplicados, utilizando para isso suas próprias respostas. Essas entrevistas, realizadas em Outubro de 2005 e apresentadas após os percursos de aprendizagem dos sujeitos no capítulo de análise deste trabalho, serviram para aprofundar as informações coletadas a fim de enriquecer os Percursos Profissionais Individuais. Os roteiros individuais foram elaborados para cada sujeito baseado nas respostas dado por eles nos questionários aplicados na Etapa A e B do 2º Momento do desenvolvimento da pesquisa.

Após apresentar como desenvolvemos a pesquisa, vamos agora descrever os sujeitos e caracterizar o cenário da pesquisa.

1.3. Os sujeitos e o cenário da Pesquisa.

1.3.1. Os sujeitos da Pesquisa.

Após a pesquisa exploratória feita na primeira parte de coleta de dados, estipulamos

alguns critérios para a seleção dos sujeitos, que deveriam possuir as seguintes características:

1) ser egresso do curso de Licenciatura Plena em Matemática, oferecido pela UNEMAT – Campus Universitário de Sinop;

2) ser professor(a) formador(a) deste mesmo curso, com experiência no ensino superior na UNEMAT;

3) ter experiência como professor(a) na educação básica.

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Com as características acima, encontramos, no quadro de docentes do curso de Matemática de Sinop, 08 professores formadores. Dos 08 professores, todos seguem o regime de interinidade e possuem, devido ao critério de seleção, experiência na educação básica como educador matemático. No entanto, existem entre eles aqueles que atualmente lecionam na educação básica e na UNEMAT paralelamente, e outros não. Essas características são comuns ao grupo, facilitando a sua caracterização, conforme o exposto a seguir.

QUADRO IV – Quadro de Caracterização dos possíveis sujeitos da pesquisa

MODALIDADE DA FORMAÇÃO INICIAL E FORMAÇÃO CONTINUADA UNEMAT EDUCAÇÃO BÁSICA

SUJEITOS

Ano de Conclusão da

Formação Inicial

Modalidade e Local da Formação Mês e ano de ingresso como professor(a) formador(a) e disciplinas ministradas no

semestre letivo 2004/01

Ingresso Disciplinas

Situação Atual

PF1 2001

Formação Inicial: - Curso REGULAR Formação Continuada - Especialização em Tendências

Didático-Metodológicas em Educação Matemática – UNEMAT/Sinop – Iniciou em Abril/2004.

Fevereiro de 2003

Cálculo I, Cálculo II e Matemática Básica Não atua.

PF2 2002/02

Formação Inicial - P.I.Q.D (formação em serviço) Formação Continuada - Especialização em

Psicopedagogia – I.C.E –Instituto Cuiabano de Educação (Situação: - Não Concluída)

Fevereiro de 2003.

Matemática Elementar I e Matemática Elementar II

Sim atua na Rede Particular

PF3 2001

Formação Inicial: - Curso REGULAR Formação Continuada - Especialização em Educação

Matemática/UNEMAT – (Situação: Não Concluída) Especialização em Tendências Didático-Metodológicas em

Educação Matemática – UNEMAT/Sinop – Iniciou em Abril/2004.

2001 Prática de Ensino de Física I e Laboratório de Física I Não atua.

PF4 2000 Formação Inicial: - Curso REGULAR.

Formação Continuada - Especialização em Educação Matemática/UNEMAT – (Situação: Concluída)

2002 Seminários I, II e III;

Metodologia da Pesquisa e História da Matemática

Sim, atua na Rede Pública

Estadual.

PF5 1999

Formação Inicial: - Curso REGULAR Formação Continuada - Especialização em Educação

Matemática/UNEMAT – (Situação: Não Concluída) - Especialização em Tendências Didático-Metodológicas em Educação Matemática – UNEMAT/Sinop – Iniciou em

Abril/2004.

2000

Informática Aplicada a Matemática, Informática

Básica – Administração e Informática aplicada a

Administração.

Não atua.

PF6 2002/02 Formação Inicial: - Curso REGULAR Formação Continuada – não possui especialização

Fevereiro de 2004

Cálculo Numérico, Álgebra I e II Não atua.

PF7 2002/02 Formação Inicial: - Curso REGULAR

Formação Continuada - Especialização em Tendências Didático-Metodológicas em Educação Matemática –

UNEMAT/Sinop – Iniciou em Abril/2004

Fevereiro de 2003

Matemática Básica em Pedagogia, Cálculo IV,

Probabilidade e Estatística Não atua.

PF8 1996 Formação Inicial: - Curso REGULAR

Formação Continuada - Especialização em Educação Matemática/UNEMAT – (Situação: Concluída)

--Mestrado em Educação – UFMT (Situação: Concluído)

1996 Prática de Ensino I Sim atua na

Rede Pública Estadual.

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A partir do quadro acima e do Questionário de Caracterização aplicado no início da pesquisa, notamos que os professores formadores concluíram seus cursos entre os anos de 1996 e 2003, sendo que há uma predominância no ano de 2002. Dessa forma, desenvolveram sua formação em uma Matriz Curricular9 diferente daquela com a qual atualmente trabalham, o que nos leva a pensar que a formação inicial que tiveram, com outra matriz curricular, os impulsionou a ir em busca de novos conhecimentos e novas metodologias de ensino.

Observamos também que somente um deles não fez ou não faz pós-graduação lato sensu

(PF6) e somente um dos sujeitos fez pós-graduação Stricto Sensu (PF8); sendo que, destes 08 professores formadores: 01 estava concluindo (março de 2004) a sua Especialização em Psicopedagogia (PF2); 04 estavam cursando Especialização em Tendências Didático-Metodológicas da Educação Matemática, promovida pelo próprio Departamento de Matemática/Sinop (PF1; PF3; PF5; PF7), sendo que destes, 02 já haviam iniciado uma Especialização em Educação Matemática, porém não a concluíram (PF3; PF5); 01 professor formador possui Especialização em Educação Matemática (PF4); 01 possui Mestrado em Educação pela UFMT e 01 deles não faz nenhum curso de Formação Continuada.

Também podemos notar que todos têm um período muito curto entre a conclusão de seu curso de graduação e o ingresso na universidade como professor formador. Sendo esse período de no máximo 02 anos de conclusão de seu curso de graduação, sendo que 05 professores em média com um semestre (seis meses) após ter concluído sua formação, representando 55,5%. No entanto, verificamos que 50% dos professores formadores iniciaram sua experiência como professor da educação básica ANTES de iniciar sua formação inicial na UNEMAT, 25% DURANTE a formação inicial e 25% APÓS a conclusão da formação inicial. Quanto ao tempo de serviço na educação básica, 37,5% possuem até 05 anos de atuação e 62,5% tem mais de cinco anos. Dos oito, 25% trabalharam só com a disciplina de Matemática, o que nos faz refletir sobre a importância da experiência na educação básica para os professores formadores em início de carreira no ensino superior.

Quanto à educação básica, todos possuem experiência como professor de Matemática e/ou Física para o ensino fundamental e/ou médio. No entanto, somente 03 continuam atuando neste nível de ensino, totalizando 37,5%. Destes, 02 (dois) na rede de ensino pública – escolas estaduais e 01(um) na rede particular de ensino.

9 Matriz Curricular A – será apresentada no próximo item deste capítulo.

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Após concluir a primeira e a segunda partes da pesquisa, descritas no item anterior, e sistematizar todos os dados coletados dos 08 sujeitos descritos acima, pela grande quantidade de informações referentes a cada um deles, achamos por bem fazer um novo recorte baseado na análise preliminar dos dados. Para isso, observamos dentre os 08 professores formadores, aspectos mais específicos e significativos que nos despertavam interesse em evidenciar nos percursos de aprendizagem da docência do professor formador de educadores matemáticos, nos possibilitando com isso responder o problema à pesquisa. Os aspectos observados foram:

• aspectos do envolvimento do professor formador com a formação inicial desenvolvida no curso de Matemática de Sinop e a significação dada a formação inicial revelada pelo sujeito;

• a experiência na educação básica – aspectos relacionados a importância da prática em sala de aula paralela a formação profissional (o ser professor e pratica da profissão antes, durante e depois de concluir a formação inicial);

• a experiência no ensino superior – aspectos relacionados ao seu ingresso e seu desenvolvimento quanto professor formador e como aprendem a ser professor formador.

Restringimos, assim, a nossa pesquisa de mestrado à configuração dos Percursos da (re)construção da Aprendizagem da Docência do Ensino Superior de 03 sujeitos, que nos davam condições de compreender o que queríamos. Restringimos a PF1, PF2 e PF8 que, a partir de agora, chamaremos, respectivamente, de Lírio, Hortêncio e Rosa. Mostraremos no quadro a seguir as características que nos levaram a fazer a escolha pelos três sujeitos.

QUADRO V - Quadro das características gerais dos 03 sujeitos da pesquisa LÍRIO HORTÊNCIO ROSA

Periodização 1997-2001 1998-2002 1991-1995

Modalidade Curso regular Curso de extensão – P.I.Q.D. Formação em serviço. Curso regular

Opção Não queria ser professor de Matemática.

Já atuava como professor – busca de se profissionalizar.

Não queria ser professora, mas antecipar disciplinas para outro

curso. Preferência de

estudo Disciplinas específicas Todas as disciplinas. Todas as disciplinas – mas lhe era exigido as disciplinas específicas.

FORMAÇÃO INICIAL

Posicionamento Não atribui a aprendizagem da docência à sua formação inicial.

Atribuí um valor positivo à sua formação inicial – muito

aprendeu no curso para sua profissão.

Foi no curso que se identificou com a profissão de professor.

Formação Inicial +

Educação Básica

Início da atuação na educação

básica

DURANTE o curso de formação inicial – faltavam dois anos para

concluir o curso.

ANTES do curso de formação inicial – mais ou menos 3 anos

antes de iniciar o curso. DEPOIS do curso de formação

inicial – após a conclusão.

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Tempo (atuação) 5 anos Quase 9 anos Quase 9 anos Rede de ensino Particular Pública e Particular Pública

Situação atual Parou de atuar na educação

básica mais ou menos 1 após ingressa no ensino superior como

professor.

Atualmente atua na rede particular. Atualmente atua na rede pública.

Disciplinas Física e Matemática – predomina Física.

Ciência, Geometria e Física Matemática, Artes, Química,

Física.

Matemática só no ensino fundamental.

Educação básica

Posicionamento

Diz que aprendeu a ser professor atuando na educação básica –

apesar de não atribuir um significado positivo a experiência

que desenvolveu.

Acredita ser importantíssimo o professor atuar na educação

básica

Gosta muito de ser professora na educação básica – aprende muito

com essa experiência.

Educação básica +

ensino superior

Ao ingressar na como professor

(a) UNEMAT continuou na

educação básica

Não – por volta de 1 ano após parou de atuar na educação

básica. Sim. Sim.

Formação inicial +

Ensino superior

Tempo de conclusão da

formação inicial X inicio no

ensino superior

2 anos. 2 meses. 6 meses.

Ano do 1º contrato na

UNEMAT 2003 2003 1996 – primeira professora

formadora egressa do curso.

Tempo de serviço 1 ano 1 ano 8 anos

Disciplinas Predomina disciplinas da Área de Matemática – Cálculos

Predomina disciplinas da Área de Matemática - álgebra

Predomina disciplinas da Área de Pedagógica – Práticas de Ensino

Ensino superior

Envolvimento em atividades

Não orienta alunos, não participa dos colegiados, não participa de

Projetos etc.. Envolve-se somente com aulas.

Orienta alunos, Participa de Projetos, Grupo de Estudos

etc.

Orienta alunos, Participa de Projetos e órgãos colegiados,

grupos de Estudo etc.

Fonte: Questionário de Caracterização e Questionários 1, 2, 3 e 4 – Dados relativos a março de 2004.

Como todos os sujeitos da pesquisa fizeram sua formação inicial em Matemática e atuam como professor formador no mesmo curso em que foram acadêmicos, ou seja, no curso de licenciatura plena em Matemática do Campus Universitário de Sinop da UNEMAT, a partir de agora, descreveremos, brevemente, a UNEMAT e o curso que foram o cenário da pesquisa.

1.3.2 O cenário da Pesquisa: a UNEMAT e o Curso de Licenciatura Plena em Matemática.

O curso de licenciatura plena em Matemática representa para esta pesquisa um dos locus

formativos ao qual os professores formadores, sujeitos da pesquisa, realizaram a formação inicial e lecionam atualmente. Como já anunciamos, dois foram os momentos vivenciados pelos sujeitos neste curso é, por este motivo, que o curso será descrito a partir de agora.

O curso de licenciatura plena em Matemática que estamos analisando, desenvolve-se na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT. Esta Instituição, apesar de ter uma história

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recente, tem conquistado espaços no ensino, na pesquisa e na extensão desde 1978, oportunizando diversas formações profissionais em todas as regiões do estado de Mato Grosso.

Com apenas 12 anos como Universidade, a UNEMAT conta com um total de onze campi

universitários, desenvolvendo diversas modalidades de formação10: ao todo são onze campi funcionando, sendo que destes, 10 campi funcionam com cursos regulares11 (Cáceres, Sinop, Colíder, Alta Floresta, Alto Araguaia, Pontes e Lacerda, Nova Xavantina, Barra do Bugre, Tangará da Serra e Juara) e mais um campus que mantém cursos de Licenciaturas em modalidade Parcelada12 (Luciara). Ligados a esses campi, a UNEMAT possui ainda quatorze Núcleos Pedagógicos, e está conveniada com 106 municípios do estado de Mato Grosso (Fonte - Assessoria de Imprensa UNEMAT- 2004).

Quanto à formação de professores de Matemática, esta Universidade, através da Faculdade de Ciências Exatas – FACIEX, oferece três cursos regulares de licenciatura plena em Matemática, nos campi de Barra do Bugre, Cáceres e Sinop; além de cinco turmas especiais13 nos núcleos de Araputanga (Parceladas), Comodoro (Parceladas), Pontes e Lacerda (Extensão14 - Cáceres), Sorriso (Programa Interinstitucional de Qualificação Docente- P.I.Q.D15 – Sinop) e Vila Rica (Parceladas); totalizando oito cursos em funcionamento16.

A presente pesquisa foi realizada no curso de Matemática sediado no Campus Universitário de Sinop.

O Curso de Licenciatura em Matemática/Sinop: momentos de construção17

O curso de licenciatura em Matemática “vem oferecendo desde 1990 importantes

contribuições na formação de profissionais que atuam no ensino de Matemática na educação básica, através de sua constante busca de soluções aos desafios apresentados pela sociedade regional” (Processo de Renovação do Reconhecimento do Curso de Licenciatura Plena em Matemática –

10 Modalidades de formação significa a forma de oferta dos cursos, o que para UNEMAT significa cursos regulares, Projeto de Licenciaturas Parceladas, Cursos de extensão, Turmas Especiais etc. 11 Modalidade denominada Regular – aquela que acontece na sede de cada campus com calendário acadêmico semestral e diário, durante os meses de fevereiro a julho e agosto a dezembro de cada ano. 12 Modalidade denominada de Licenciaturas Parceladas – Modalidade diferenciada de realização por desenvolver uma formação em serviço aos profissionais da educação do estado de Mato Grosso e acontecer em período de férias escolares. 13 Modalidade denominada Turmas Especiais é outra forma de oferta de cursos da UNEMAT. Essas turmas são ligadas a determinados campus e, conseqüentemente, a responsabilidade de sua administração cabe aos departamentos dos cursos de origem. Caracterizam-se, também, por existir somente enquanto tiver demanda de profissionais a se formar. 14 Modalidade Extensão – os cursos que são denominados de “extensão” desenvolvem-se ligados completamente ao departamento de origem do curso - fora da sede. 15 Essa modalidade é muito semelhante à modalidade Licenciatura Parceladas e também oferece uma formação em serviço. 16 Dados de junho de 2004. 17 Referente a curso de licenciatura plena em matemática, fizemos uma profunda pesquisa e análise que será posteriormente publicada. Colocamos aqui apenas uma breve síntese caracterizando os dois momentos curriculares do curso.

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P.R.R.C.L.M, 2003). Já ofereceu formação a 290 professores de Matemática18, contribuindo para o fortalecimento da Educação Matemática nas escolas de educação básica de Sinop e região.

Nesses quase 15 anos, o curso teve dois momentos bastante definidos. O Momento I – do período de sua criação, em 1990/2 até 1999/2, quando o curso estava estruturado de acordo com o primeiro projeto político pedagógico e, o Momento II, período após reformulação curricular, culminando com a elaboração do segundo projeto político pedagógico19.

Os dois momentos possuem um significado importante para a pesquisa, pois os professores formadores desenvolveram sua formação inicial no Momento I e atualmente são formadores de professores no Momento II. Desta forma, vamos apresentá-los:

MOMENTO I – CURSO DE MATEMÁTICA SINOP-MT Primeiro Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura Plena em Matemática – Matriz20 A

A estrutura da matriz curricular no primeiro momento do curso (Matriz A) vigorou por 09 anos, contemplando as turmas entre os anos de 1990 a 1999, formando a última turma sob esta estrutura em 2002, totalizando a formação de 216 professores para Educação Matemática, dentre os quais, 43 professores são egressos da turma especial do P.I.Q.D. (Programa Interinstitucional de Qualificação Docente).

O projeto pedagógico (1990) deste curso, no Momento I, possuía uma carga horária total de 2.430 horas, nas quais eram destinadas 1.260 horas de disciplinas específicas; 360 horas de disciplinas pedagógicas; 120 horas de disciplinas de Legislação Específica; 510 horas de disciplinas Integradoras e 180 horas de disciplinas pedagógicas. Nessa distribuição de carga horária, podemos notar que há uma predominância de carga horária destinada ao estudo de conteúdos específicos da área da Matemática. Além disso, podemos citar que durante os oitos semestres necessários para integralizar a formação desenvolvida neste Momento I do curso, somente a partir do 5º semestre que o aluno começa a ter disciplinas pedagógicas ou Integradoras, disciplinas estas que discutem o “saber ensinar matemática”.

Essas características mostram que apesar de ser um curso de licenciatura em Matemática, a estrutura tem o aspecto de um curso de bacharelado em Matemática, além de demonstrar que a concepção de licenciatura em Matemática presente no Momento I era: “quem sabe

18Levantamento feito pela Faculdade de Ciências Exatas da UNEMAT, em junho de 2004. 19 Projeto Político Pedagógico será, a partir deste ponto do trabalho, denominado como Projeto Pedagógico. 20No projeto pedagógico que caracteriza este momento do curso é mencionado Grade Curricular ao invés de Matriz Curricular, no entanto por nossa opção teórica descreveremos aqui, como matriz curricular.

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matemática sabe ensinar”, ou ainda, “basta saber matemática para ensinar”. No entanto, essa não era uma realidade apenas deste curso, e sim de quase todos.

Com a efetivação da reforma das políticas educacionais, na segunda metade da década de 1990, por meio da promulgação da LDB21/96, ficou conferida às universidades a autonomia de fixar os currículos dos seus cursos e programas22 desde que respeitadas as Diretrizes Curriculares para os cursos de licenciatura plena em Matemática delineadas pelo MEC/SESu23 e CEEMAE24, que foram elaboradas com vistas a orientar as Instituições de Ensino Superior - IES para que pudessem proporcionar aos futuros professores uma formação profissional em conformidade com as exigências contemporâneas da sociedade.

Com essas propostas de mudanças no cenário educacional, e diante da formação pretendida, passa-se a requerer mais dos professores e são consideravelmente ampliadas as tarefas atribuídas à escola e às funções dos professores das escolas da educação básica e, conseqüentemente, as funções dos professores formadores também se alteram, pois, considerando que o curso de licenciatura plena em Matemática visa formar professores de Matemática para a educação básica, à medida que é redefinido o papel do aluno frente ao conhecimento torna-se necessário redimensionar a função do professor de Matemática e, conseqüentemente, as características dos cursos de formação de professores em nível superior (P.R.R.C.L.M, 2003). Assim, o curso passou a fomentar constantes debates e a objetivar uma reformulação curricular.

Essa reformulação curricular foi originada da identificação de diversos problemas que o curso apresentava no Momento I e também retratam a forma de conceber a formação de professores de Matemática presentes naquele momento. Os problemas elencados foram:

1. Existem dois fios que devem conduzir o curso de formação de Professores em Matemática (licenciatura): o conhecimento matemático e o conhecimento pedagógico. 2. As disciplinas pedagógicas encontram-se separadas no curso de Matemática, isto tem trazido grandes prejuízos, ainda mais quando se considera a grande carga horária destinada a essas disciplinas, nossos alunos têm disciplinas tais como Sociologia e Filosofia e, no entanto, desconhece o mínimo sobre História da Matemática. 3. [...] O curso muitas vezes acaba por esquecer e não se comprometer primordialmente com a formação do aluno como LICENCIADO em Matemática. 4. [...] Os alunos, ao entrarem no Curso, possuem uma formação do ensino médio, incompleta, muito aquém das exigências das disciplinas do curso que idealizamos. 5. Encontramos vários alunos durante o Curso e formandos que continuam com dificuldades iguais àquelas de quando iniciaram o Curso; 6. Os alunos se formam desconhecendo a linguagem Matemática e o método dedutivo axiomático, de Teoremas, Definições e Demonstrações, já que o Curso não tem conseguido aprofundar-se na Matemática do Terceiro Grau, ou seja, o Cálculo

21 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 22 Inciso II do Artigo 53. 23 Ministério da Educação e Cultura/Secretaria de Educação Superior. 24 Comissão de Especialistas de Ensino de Matemática e Estatística.

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incluindo os conceitos de Física e as Álgebras Abstrata e Linear (P.C.C.L.M , 1999).

O problema da fragmentação do conhecimento é destacado nos documentos e expresso na divisão entre as disciplinas específicas e pedagógicas como dois fios que, neste caso, estavam sendo desenvolvidos separadamente e compunham a formação dos professores de Matemática. Outro problema, anteriormente observado, refere-se ao objetivo principal do curso, neste Momento I, a “sólida formação em Matemática”, que é destacado aqui como preocupante mesmo no final do curso.

Após muitos debates, foi elaborado o novo projeto pedagógico do curso de licenciatura plena em Matemática, configurando o Momento II.

MOMENTO II – CURSO DE MATEMÁTICA DE SINOP-MT

Segundo Projeto Pedagógico do Curso de licenciatura plena em Matemática – Matriz B.

O Momento II do curso de licenciatura plena em Matemática passou a vigorar a partir de 2000/2, implantando um novo currículo para o desenvolvimento da formação de professores de Matemática, cujo eixo organizador são as competências e habilidades desejadas para os futuros professores que atuarão no ensino de Matemática, conforme preconizado pelas Diretrizes Curriculares para os cursos de licenciatura plena em Matemática. Assim, a nova matriz curricular foi organizada de “forma a proporcionar ao aluno uma sólida formação em Matemática, articulada com uma formação pedagógica orientada para a docência e suas múltiplas dimensões para a atuação profissional” (P.R.R.C.L.M, 2003). Além disso, essa matriz possui uma expressiva carga horária na área de física com disciplinas ligadas à área e essenciais para o licenciando em física.

O currículo pleno do curso de licenciatura plena em Matemática foi estruturado de forma a complementar a formação para a Educação Matemática. Desse modo, a preocupação com os conteúdos específicos de Matemática continua a existir, mas não se restringe a isso, busca-se, agora, uma formação mais abrangente, com a “Matemática voltada para a formação de um cidadão” (D’AMBROSIO, 1993), destacando-se, assim, o papel de todas as disciplinas no novo Projeto Pedagógico.

Quanto à carga horária do currículo pleno adotado no Momento II, foi alterada para 3.270 horas, das quais 3.090 horas correspondem às disciplinas obrigatórias e 180 horas a disciplinas optativas, assim distribuídas: Conteúdo Específico – 1.695 horas; Pedagógicas e Integradoras – 1.395 horas; Optativas - 180 horas.

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Destacamos que na P.C.C.L.M – Projeto Curricular do Curso de Licenciatura em Matemática (1999) aparece como objetivo geral: “a nova proposta pedagógica tem como objetivo oferecer subsídios para a elaboração dos planos de curso, que ocorre no início de cada semestre. Esses subsídios fundamentam-se na localização das deficiências do curso atual, a fim de melhorar a formação do licenciado em Matemática”. Para isso, recomenda:

1. A elaboração dos Planos de Curso deve seguir indicações gerais definidas conjuntamente entre os Professores do Departamento;

2. Para cada Disciplina deve-se primeiramente definir os Conhecimentos e/ou Habilidades Matemáticas essenciais a serem aprendidos (objetivos gerais) e posteriormente a ementa que fica vinculada a esses objetivos;

3. As disciplinas passam a se preocupar em primeiro lugar, com a garantia da aquisição destes Conhecimentos e Habilidades definidos previamente entre os Docentes, os quais não são exclusivamente tópicos de conteúdos (tipo ementas) e o cumprimento da ementa torna-se conseqüência deste processo;

4. Um importante objetivo Geral, que deve permear todas as disciplinas é o Desenvolvimento da “Linguagem Matemática” [...];

5. As disciplinas devem conter tópicos de História da Matemática, afim de que durante o curso o aluno possa adquirir uma percepção básica sobre linhas históricas do desenvolvimento Matemático [...] (P.C.C.L.M, 1999).

Como podemos notar, essa proposta curricular aponta para mudanças da prática de ensino do professor formador, ou seja, não basta o professor formador saber bem o conteúdo específico de sua disciplina. Deve, além disso, situá-la num contexto histórico, preocupando-se como foram pensados os conteúdos e o porquê das coisas, situados num contexto maior de formação.

Ao nosso ver, essas mudanças curriculares orientam para um “novo” ser Professor Formador, uma nova postura frente ao curso de formação de professores de Matemática, trazendo para a discussão as menções de Bertoni (1995) ao refletir sobre as Licenciaturas de modo geral, “uma concepção de licenciatura é função da concepção de Matemática e, concomitantemente, da concepção de ensino de Matemática – ou melhor, de Educação Matemática – presentes em seus planejadores e executores” (p.8). Assim, não basta um curso com uma roupagem “nova”, atualizado com as discussões nacionais, é necessário profissionais que almejem essas mudanças e que as incorporem em suas atividades como professores formadores, seja na pesquisa, no ensino, na extensão e possam realizar suas atividades almejando aprendizagem coletivas, sendo este um processo de construção.

Em 2002, houve a necessidade de adequar o projeto pedagógico do curso com o documento final das diretrizes preconizadas pelo Conselho Nacional de Educação à Resolução CNE/CP2/2002 que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura de graduação plena de formação de professores da educação básica, em nível superior (P.R.R.C.L.M, 2003).

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Com essa adequação, quase todas as disciplinas destinaram 10% de sua carga horária para a prática de ensino. Ao nosso ver, essa adequação influencia tanto na formação do professor para Educação Matemática, quanto na mudança de prática de ensino do professor formador e sua conseqüente formação desenvolvida nessa estância formativa, que é o curso de licenciatura em Matemática, espaço este onde o professor formador realiza suas atividades de docente.

Salientamos que, para todos os professores formadores desse curso, quer egressos do Momento I, quer os egressos de quaisquer outros cursos de licenciatura, essa adequação pode representar uma mudança profunda e gerar transformações em seus desenvolvimentos profissionais, quer incentivando a busca, quer desistindo e continuando a pensar e agir da maneira que estava acostumado.

Assim, baseados no que apontam os diversos documentos a que tivemos acesso, podemos afirmar que esses dois momentos do curso podem, em síntese, ser descritos da seguinte forma:

QUADRO VI - Síntese dos Momentos do Curso de Licenciatura em Matemática/Sinop.

MOMENTO I Apesar de ser um curso de Licenciatura em Matemática, é muito forte o caráter de bacharelado presente em seu currículo e nas concepções que o definem. Objetivava uma sólida formação em Matemática. O aspecto pedagógico era relevado para segundo plano. Praticamente inexistiam discussões sobre Educação Matemática.

MOMENTO II

A Educação Matemática, neste momento, passa a fazer parte das discussões de todas as disciplinas, redefinindo a formação de professores de Matemática. Há, ainda, uma carga horária bastante expressiva para disciplinas específicas da área de Matemática e Física. No entanto, as disciplinas pedagógicas foram redistribuídas, fazendo parte da configuração de todas as discussões sobre Educação Matemática do curso.

2 A APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: saberes, experiências e reflexão.

A aprendizagem da docência e a formação de professores são os temas que abordaremos neste capítulo. Entendemos que esses dois relevantes temas se complementam dialeticamente, e que devem ser discutidos tendo como base a teoria do desenvolvimento profissional na perspectiva de pesquisadores como Marcelo Garcia (1999) e Ponte (1999), para podermos alcançar o que se deseja com essa pesquisa.

Para isso, focalizaremos neste capítulo os saberes docentes, as experiências e a reflexão, que são conceitos que aliados à teoria da aprendizagem da docência nos permitirão compreender como o professor formador de educadores matemáticos aprende a docência do ensino superior.

No primeiro tópico apresentaremos a influência que as pesquisas sobre formação de professores tiveram na construção teórica das pesquisas que enfocam saberes e aprendizagens da docência com o intuito de situar a presente pesquisa evidenciando a sua importância. Em seguida, discutiremos a formação de professores e a aprendizagem da docência e, logo após, a influência dos saberes e da experiência na aprendizagem da docência, destacando as experiências e saberes que são (re)construídos no percurso de formação dos professores nos diversos locus formativos nos quais estes se fazem presentes na perspectiva do desenvolvimento profissional.

2.1. As pesquisas sobre a formação de professores e o reflexo de uma construção teórica das pesquisas que enfocam saberes e aprendizagens da docência.

A literatura nacional e internacional sobre pesquisas na educação demonstra que os

temas de pesquisas passam, ao longo do tempo, por um processo que se faz constantemente no

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coletivo, por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento e geram diferentes olhares sobre as áreas pesquisadas.

Podemos verificar por meio das pesquisas de Nóvoa (1995a; 1995b), Marcelo Garcia (1998; 1999), Therrien (1995; 2002), Fiorentini (1994) Fiorentini et al. (1998), Silva (1997), Pimenta (2000), Tardif e Borges (2001), entre outros, que não foi diferente com as temáticas de pesquisa sobre a formação de professores, saberes docentes e aprendizagens da docência que constituem, com a evolução das abordagens das investigações, um referencial teórico conforme a época e o enfoque pretendidos. Os referenciais teóricos constituídos têm influência de vários olhares ao longo de diversos anos e, ainda, pode-se notar, como estes temas sofrem importantes transformações e se intercruzam com o surgimento das pesquisas que consideram o “pensamento do professor” como norteador das investigações.

Segundo os autores acima citados, as pesquisas sobre formação e profissão docente apontam para uma revisão da compreensão da prática pedagógica do professor, considerado como mobilizador de saberes profissionais. Considera-se, assim, que os professores em seu percurso profissional e pessoal, constroem e (re)constroem seus saberes conforme a necessidade de sua utilização e de suas experiências nas estâncias formativas durante esse caminho trilhado.

As pesquisas sobre a formação de professores e os saberes docentes, em âmbito internacional, iniciam-se entre as décadas de 1980 e 1990. Um dos motivos que contribuiu para sua efervescência foi o movimento de profissionalização do ensino e suas conseqüências para a produção de um repertório de conhecimentos, visando garantir a legitimidade da profissão.

As pesquisas internacionais dos autores Nóvoa, Ferrarotti, Dominicé, Huberman, Goodson, entre outros, “traz o desenvolvimento de estudos que utilizam uma abordagem teórico-metodológica que dá voz ao professor, a partir da análise de trajetórias, histórias de vida, etc” (NUNES, 2001, p. 28). “Esta nova abordagem veio em oposição aos estudos anteriores que acabavam por reduzir a profissão docente a um conjunto de competências e técnicas, gerando uma crise de identidade dos professores em decorrência de uma separação entre o eu profissional e o eu pessoal”

(NÓVOA, 1995b, p.15).

Segundo esse autor português, as pesquisas, até esse momento de virada, enfocavam três grandes fases no percurso evolutivo da investigação pedagógica:

a primeira distingue-se pela procura das características intrínsecas ao “bom” professor; a segunda define-se pela tentativa de encontrar o melhor método de ensino; a terceira caracteriza-se pela importância concedida à análise do ensino no contexto real da sala de aula, com base no chamado paradigma processo-produto (NÓVOA, 1995b, p.15).

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Podemos notar, conforme as fases das pesquisas elencadas por Nóvoa (1995b), que o enfoque internacional não era no professor, e sim o seu contexto de prática educativa, olhando para o professor como um técnico-especialista, não considerando seus saberes, suas crenças, suas atitudes etc.. Acrescenta o autor que, neste período, a literatura que dava sustentação às pesquisas considerava um progresso a possibilidade de estudar o ensino para além dos próprios professores; todavia as pesquisas desta época, realçavam na profissão docente, essencialmente, a dimensão técnica da ação pedagógica.

Conforme Nóvoa (1995b), essa evolução foi impondo cada vez mais uma separação entre o eu pessoal e o eu profissional gerando uma crise de identidade dos professores, reduzindo-os às competências técnicas e profissionais. Dessa forma, a crise de identidade profissional do professor gera inseguranças e este se sente ameaçado pela possibilidade de ser substituído por máquinas ou sistemas não humanos de educação, esvaziando-se, assim, uma afirmação própria da dimensão pessoal da sua profissão. Essa ameaça só possuía sentido por se sentirem técnicos e desumanizados, colocando-se a possibilidade de se comparar a máquinas.

No início da década de 1990, Nóvoa publica a primeira edição de sua obra Vidas de

Professores e procura chamar a atenção para esse tema que constituiu, durante muitos anos, uma espécie de “paradigma perdido” da investigação educacional. Segundo o autor, houve um tempo em que estudar o ensino para além da subjetividade do professor foi considerado um sucesso científico e um passo essencial em direção a uma ciência objetiva da educação. No entanto, “as utopias racionalistas não conseguiram pôr a especificidade irredutível da ação de cada professor, numa óbvia relação com suas características pessoais e com as suas vivências profissionais” (NÓVOA, 1995b).

Nóvoa (1995a) cita dois estudos que mostram a evolução das pesquisas internacionais, Ball e Goodson (1989) e Woods (1991), que evocam esse processo de forma distinta, mas com óbvias convergências, referindo-se aos anos 60 como um período em que os professores foram “ignorados”, parecendo não terem existência própria como fator determinante da dinâmica educativa; nos anos 70, os professores atravessam uma fase em que foram “esmagados”, sob o peso da acusação de contribuírem para a reprodução das desigualdades sociais; os anos 80 são lembrados como a década na qual se multiplicam as instâncias de controle dos professores, em paralelo com o desenvolvimento de práticas institucionais de avaliação.

Nesse mesmo processo de evolução das pesquisas internacionais, Nóvoa (1995b) cita que, em 1984, Adam Abraham publica o livro O professor é uma pessoa e, desde então, a literatura pedagógica foi invadida por obras e estudos sobre “a vida dos professores, as carreiras e os percursos profissionais, as biografias e autobiografias docentes ou o desenvolvimento pessoal dos professores.”

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Esses estudos tratam “de uma produção heterogênea, de qualidade desigual, mas que teve um mérito indiscutível: recolocar os professores no centro dos debates educativos e das problemáticas da investigação” (NÓVOA, 1995b).

Os pesquisadores demonstram que durante décadas, apesar de todo um investimento intelectual internacional, a pesquisa e a prática de formação de professores mantiveram-se pouco reconhecidas e se orientavam principalmente para a atualização do conhecimento específico do professor. “O foco continuava a manter-se nas conexões entre o desempenho do estudante e as características, os comportamentos e as decisões do professor” (FERREIRA, 2003, p.22). Contudo, internacionalmente

a pesquisa sobre o Pensamento do Professor começou a se desenvolver a partir da década de 1980 como uma tentativa de superar o modelo até então vigente, no qual o professor não era percebido como um profissional com uma história de vida, crenças, experiências, valores e saberes próprios, mas como um obstáculo à implantação de mudanças (FERREIRA, 2003, p. 23).

Com a superação gradativa do modelo vigente, por meio das pesquisas sobre o pensamento do professor, há uma transformação considerável em relação à visão de formação, de ensino e de aprendizagem (NUNES, 2001). Assim, ao perceber o professor como um agente cognoscente busca-se compreender “por que os professores se comportam como eles o fazem (em lugar de o que eles fazem), como eles dão sentido ao seu mundo e que significados eles atribuem às suas experiências em programas de formação de professores” (COONEY 1994, apud FERREIRA, 2003, p.23) e ainda consideram os professores como elementos importantes na elaboração de programas de formação e desenvolvimento profissional.

Desde então, as pesquisas abordam o pensamento do professor descrito de diversas formas (perspectiva, conhecimento prático, imagem, conhecimento pessoal etc). Contudo, o ponto comum às diferentes definições é que o que o professor faz e pensa dentro de sua vida profissional depende dos significados que ele mantém e interpreta dentro de sua vida pessoal, social e profissional. A idéia de conhecimento que se constrói a partir da experiência e que possui um lado pessoal, de construção individual, mas também um aspecto social (por se constituir a partir do contato com outros) é apresentada em praticamente todos os termos utilizados. Significativamente, essas tentativas parecem ter como ponto central a importância de considerar o que o professor sabe, conhece, espera e acredita sobre sua prática e sobre o seu trabalho (FERREIRA, 2003, p.24).

Dessa forma “enraizada no que se denominou o paradigma do ‘pensamento do professor’, a pesquisa internacional sobre aprender a ensinar evoluiu na direção da indagação sobre os processos

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pelos quais os professores geram conhecimento, além de incidir sobre quais tipos de conhecimento adquirem” (MARCELO GARCIA, 1998, p.51).

Baseado em pesquisas internacionais, Ferreira (2003) diz que

apesar da relevância de tais pesquisas, durante vários anos, mesmo em estudos sobre crenças/concepções dos professores e sua relação com a prática de ensino, o foco permanecia, em muitos casos, nas inconsistências e na inadequação do professor. A maioria deles, terminava por proporcionar uma visão descontextualizada do pensamento do professor (p.24).

Marcelo Garcia (1998) aponta que, a partir de meados da década de 1990, diversas pesquisas internacionais, centradas não somente no processo de aprender a ensinar dos professores, como também em suas crenças, suas concepções e seus valores, começaram a ser desenvolvidas. Partindo de uma perspectiva mais global e sistêmica, elas passaram a analisar os processos de mudanças e inovações com base em dimensões organizacionais, curriculares, didáticas e profissionais. Interessados em analisar e avaliar os modelos de desenvolvimento profissional e as diferentes fases desse processo, os pesquisadores começaram a perceber que os processos de mudanças devem atender necessariamente à dimensão pessoal da mudança, ou seja, devem considerar o impacto que as inovações possam ter sobre as crenças e os valores dos professores.

Nos últimos anos, a pesquisa sobre a formação de professores tem crescido tanto quantitativa quanto qualitativamente. A preocupação de conhecer melhor o processo de aprender a ensinar levou à mudança no paradigma da formação de professores. De uma “peça” ou até um “obstáculo” que deveria ser superado para a aplicação de técnicas, currículos e programas elaborados em diferentes instâncias, o professor passa a ser considerado como um elemento importante do processo ensino-aprendizagem. Considerado, a partir daí, como um profissional com capacidade para pensar, refletir e articular sua prática (deliberadamente ou não) a partir de seus valores, crenças e saberes (construídos ao longo de sua vida), ele passa a ser valorizado como um elemento nuclear no processo de formação e mudanças. De objeto passivo de estudo e formação, ele começa a ser considerado como sujeito do estudo com participação ativa e colaborativa em muitos casos (FERREIRA, 2003, p. 25).

Portanto, essas mudanças nas investigações passaram a ter o professor como foco central em estudos e debates, considerando o quanto o “modo de vida” pessoal acaba por interferir no profissional. “Passou-se a estudar a constituição do trabalho docente levando-se em conta os diferentes aspectos de sua história: individual, profissional etc” (NUNES, 2001, p. 29).

No contexto das pesquisas educacionais brasileiras, estas com forte influência internacional, a temática dos saberes docentes se destaca gradativamente entre os demais temas e

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vem demandando estudos sob diferentes enfoques. No Brasil, é a partir da década de 1990 que se buscam novos enfoques e paradigmas para compreender a prática pedagógica e os saberes pedagógicos e epistemológicos relativos ao conteúdo escolar a ser ensinado/aprendido. Tanto que,

neste período, inicia-se o desenvolvimento de pesquisas que considerando a complexidade da prática pedagógica e dos saberes docentes, buscam resgatar o papel do professor, destacando a importância de se pensar a formação numa abordagem que vá além da acadêmica, envolvendo o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente (NUNES, 2001, p.28).

Há, desta forma, na realidade das pesquisas brasileiras, o início do rompimento das abordagens que estavam no centro das análises nos anos de 1980, quando se enfatizava a questão técnica e política do trabalho pedagógico.

Como exemplo do panorama das pesquisas brasileiras da década de 1980, Nunes (2001, p.39) cita o trabalho de Mello (1983), destacando com este que uma das precariedades da prática docente estava na dificuldade de o professor se perceber como parte do problema do ponto de vista das deficiências da sua formação. Nesse sentido, era necessário resgatar o papel do professor, destacando a importância de sua formação.

Percebe-se, assim, tal como na pesquisa internacional, porém uma década depois, uma “virada” nos estudos brasileiros que passam a reconhecer e considerar os saberes construídos pelos professores, o que, anteriormente, não era considerado.

Na perspectiva de analisar a formação de professores a partir da sua valorização, “é que os estudos sobre os saberes docentes ganham impulsos e começam a aparecer na literatura, numa busca de se identificarem os diferentes saberes implícitos na prática docente”. Nesse espírito, tinha-se em vista que “é preciso investir positivamente nos saberes que o professor é portador, trabalhando-os de um ponto de vista teórico e conceitual” (NÓVOA, 1995b).

Um texto que mostra a tendência crescente das pesquisas brasileiras de valorizar o estudo dos saberes docentes na formação de professores é o de Fiorentini et al.(1998). Segundo ele, nas décadas de 60 e 70, há uma mudança gradativa na forma de conceber a formação e os saberes dos professores, pois

de uma valorização quase exclusiva do conhecimento (isto é, dos saberes específicos) que o professor deveria possuir acerca de sua disciplina, característica da década de 1960, passa-se, na década de 1970, à valorização dos aspectos didático-metodológicos relacionados às tecnologias de ensino, nomeadamente os métodos e técnicas especiais de ensino, planejamento, organização e controle/avaliação do processo ensino-aprendizagem (FIORENTINI et al., 1998, p.313).

Segundo os autores acima citados, embora o domínio, ainda que técnico-formal do conteúdo de ensino, continuasse a ser exigido, este perde o status que tinha no período anterior e

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aparece geralmente acrítico, neutro e dissociado das questões de cunho político-pedagógico. Dessa forma, passa para um segundo plano o domínio dos conteúdos pelo professor.

Nos anos de 1980, o discurso educacional brasileiro é dominado pela dimensão sociopolítica e ideológica da prática pedagógica. As pesquisas sobre ensino e formação de professores passaram a priorizar o estudo de aspectos políticos e pedagógicos amplos.

Os saberes escolares, os saberes docentes tácitos e implícitos e as crenças epistemológicas, [...], seriam muito pouco valorizados e raramente problematizados ou investigados tanto pela pesquisa acadêmica educacional como pelos programas de formação de professores. Embora, neste período, as práticas pedagógicas de sala de aula e os saberes docentes tenham começado a ser investigados, as pesquisas não tinham o intuito de explicitá-los e/ou valorizá-los como formas válidas ou legítimas de saber (FIORENTINI et al., 1998, p.314).

Ao contrário, segundo os mesmos autores, procurava-se destacar “a negatividade da prática pedagógica, isto é, procurava-se analisar a prática pedagógica e os saberes docentes pelas suas carências ou confirmações em relação a um modelo teórico que os idealizava” (Ibidem, p.314).

Já nos anos de 1990, as pesquisas brasileiras foram marcadas pela busca de novos enfoques e paradigmas para compreensão da prática docente e dos saberes dos professores, embora tais temáticas ainda fossem pouco valorizadas nas investigações e programas de formação de professores. Fiorentini et al (1998) evidenciam isso ao refletir que,

embora no início da década de 90 tenhamos passado a reconhecer a complexidade da prática pedagógica e, desde então se venham buscando novos enfoques e paradigmas para compreender a prática docente e os saberes pedagógicos e epistemológicos relativos ao conteúdo escolar a ser ensinado/aprendido, estes parecem continuar sendo, ao menos no Brasil, pouco valorizados pelas investigações e pelos programas de formação de professores (p.314).

Por outro lado, salientam os mesmos autores, ao refletirem sobre as pesquisas educacionais brasileiras investigadoras da prática escolar, que “estas parecem ainda priorizar dois dos três tipos de interesses constitutivos de saberes descritivos por Habermas citado por Carr e Kemmis (1988, p.147-150)”:

o interesse técnico-instrumental, que adota a forma de explicações científicas objetivas, isto é, explicações causais, e que segue o modelo da racionalidade técnica, oriunda das ciências empírico-analíticas, cujo interesse é produzir instrumentos racionais de intervenção no mundo vivido; e o interesse prático que, através de procedimentos interpretativos oriundos do modelo antropológico ou hermenêutico, busca identificar/interpretar os significados produzidos pelos praticantes no mundo-vida com o intuito de informar e subsidiar o juízo prático (FIORENTINI et al., 1998, p.314).

Segundo ele, ainda são raros os estudos que apresentam interesse emancipatório que visam a libertação e a autonomia racional dos sujeitos, no caso os professores, pois

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o interesse emancipador exige que se ultrapassem quaisquer interpretações estreitas e acríticas para com os significados subjetivos a fim de alcançar um conhecimento emancipador que permite avaliar as condições/determinações sociais, culturais e políticas em que se produzem a comunicação e a ação social (FIORENTINI et al., 1998, p.315).

Podemos notar, assim, que o professor, visto como sujeito que constrói seu conhecimento era pouco evidenciado nas pesquisas brasileiras. O professor era ainda visto como técnico, como alguém que tinha um conhecimento pronto e uma técnica para ensinar. O que pensava sobre aquilo que fazia, como aprendia a ser professor não era evidenciado nas pesquisas daquela época.

Com o passar do tempo e sob a influência das pesquisas internacionais sobre o repensar da formação de professores a partir da análise da prática pedagógica, podemos citar Pimenta (2000) que identifica o aparecimento da questão dos saberes como um dos aspectos considerados nos estudos sobre identidade da profissão do professor. Essa autora parte da premissa de que a identidade da profissão é construída a partir da

significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições. Mas também da reafirmação das práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias. Constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor (PIMENTA, 2000, p.19).

Dessa forma, resgata a importância de se considerar o professor em sua própria formação, num processo de autoformação, de reelaboração dos saberes iniciais em confronto com sua própria prática vivenciada. Assim, seus saberes vão se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a prática (SCHÖN, 1992). Essa tendência reflexiva começa a se apresentar como um novo paradigma na formação de professores, sedimentando uma política de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores e das instituições escolares.

Silva (1997) também identifica em sua pesquisa que os estudos educacionais trouxeram, a partir do final dos anos de 1980, novos conceitos para a compreensão do trabalho docente. Destaca ainda que as novas abordagens de pesquisa passaram a reconhecer o professor como um sujeito de um saber e de um fazer, fazendo surgir a necessidade de se investigarem os saberes de referência dos professores sobre suas próprias ações e pensamentos, já que

a análise dos valores e princípios de ação que norteiam o trabalho dos professores pode trazer novas luzes sobre nossa compreensão acerca dos fundamentos do trabalho docente, seja no sentido de desvendar atitudes e práticas presentes no dia-a-dia das escolas que historicamente foram ignoradas pela literatura educacional (e

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talvez possam trazer contribuições para o trabalho e a formação de professores) (Ibidem, p.3).

Em seus estudos, a autora revela que, a partir da década de 1990, as pesquisas apresentam a existência de um conhecimento profissional que vai sendo construído ao longo da carreira, apesar das características e trajetórias distintas, o qual precisa ser conhecido, já que o mesmo norteia a prática educativa. Ressalta, no entanto, que o fato de pensar/produzir uma teoria a partir da prática educativa, considerando a sabedoria e experiência dos professores, não significa a negação do papel da teoria na produção do conhecimento (SILVA, 1997).

Já Therrien (1995) salienta, ao se referir às pesquisas sobre a formação do professor da época, o quanto ainda persiste uma dissociação entre a formação e a prática cotidiana, não enfatizando a questão dos saberes que são mobilizados na prática, ou seja, os saberes da experiência. Para este pesquisador, esses saberes são transformados e passam a integrar a identidade do professor, constituindo-se em elemento fundamental nas práticas e decisões pedagógicas, sendo, assim, caracterizados como um saber original. Essa pluralidade de saberes que envolvem os saberes da experiência é tida como central na competência profissional e é oriunda do cotidiano e do meio vivenciado pelo professor. Segundo ele,

esses saberes da experiência que se caracterizam por serem originados na prática cotidiana da profissão, sendo validados pela mesma, podem refletir tanto a dimensão da razão instrumental que implica num saber–fazer ou saber-agir tais como habilidades e técnicas que orientam a postura do sujeito, como a dimensão da razão interativa que permite supor, julgar, decidir, modificar e adaptar de acordo com os condicionamentos de situações complexas (Ibidem, 1995, p.3).

Estudos como estes têm destacado a importância do desenvolvimento de pesquisas em nossa realidade que busquem identificar e analisar os saberes docentes numa perspectiva de contribuir para a ampliação do campo de abordagem e para a implementação de políticas que envolvem a questão da formação do professor, a partir da ótica dos próprios sujeitos envolvidos.

Tardif e Borges (2001) evidenciam que as políticas de formação de professores, no contexto geral das reformulações educacionais brasileiras, como é o caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de dezembro de 1996), os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Proposta de Formação (em nível superior) dos profissionais da Educação Básica (Decreto nº 3.276, de 6 de dezembro de 1999), definem, como é o caso da última, uma política de formação dos profissionais da Educação Infantil, dos professores das primeiras séries do Ensino Fundamental (realizada em cursos de pedagogia e em escolas de formação de professores no Ensino Médio até então), dos professores das séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio (realizada nos programas de licenciatura).

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Essas políticas introduzem no cenário brasileiro não somente um novo modo de compreensão da formação de professores e do próprio professor, como também criam novas instâncias formadoras como o Curso Normal Superior e os Institutos Superiores de Educação; estabelecem uma lógica de estreita articulação entre as agências formadoras e os sistemas de ensino; e balizam os conhecimentos considerados básicos para os professores da Educação Básica. Tais reformas conduzem diretamente à ênfase da questão dos saberes e das competências na formação dos futuros professores brasileiros (TARDIF e BORGES, 2001, p.14).

Os mesmos autores destacam que a questão dos saberes docentes vem sendo explorada tanto no campo da didática quanto no do currículo e citam diversas pesquisas que, apesar do enfoque diferenciado, discutem essa temática ao longo dos anos. Assim, segundo eles,

no tocante à produção acadêmica,[...], percebe-se que essa temática vem se tornando cada vez mais expressiva. E o estudo dos saberes docente vem aparecendo continuamente como um dos viesses de análise que tem iluminado o debate em pesquisas que investigam as representações e/ou concepções e/ou crenças que os docentes possuem de sua prática pedagógica e do ensino (DIAS-DA-SILVA, 1994; PENIN, 1995); em pesquisas que estudam as representações e/ou metáforas que os estudantes, professorandos, possuem e constroem do trabalho docente (LIMA, 1997); em estudos que buscam analisar a prática pedagógica e a formação dos e nos saberes de professores experientes e/ou iniciantes (CALDEIRA, 1995, 1993; BORGES, 1998, 1997; CANTO, 1998, e THERRIEN, 1998); em estudos que analisam as trajetórias (MIZUKAMI, 1996) e o desenvolvimento socioprofissional dos professores (LUDKE, 1998, 1996a, 1996b, 1995); em estudos que buscam compreender a formação do “capital pedagógico” (LELIS, 1995) e da identidade profissional docente (MORENO, 1996; SCHAFFER, 1999); em estudos que procuram captar os processos de formação de professores “artistas reflexivos” (QUEIROZ, 2000) e as implicações socioculturais e político-pedagógicas que determinam a identidade e a construção dos saberes de estudantes universitários trabalhadores, que se preparam para o magistério (MELO, 2000) ( p.17).

Enfim, como vimos, cada vez mais os estudos sobre os saberes docentes vêm se constituindo como uma possibilidade de análise dos processos de formação e profissionalização dos professores. No entanto, existem muitas pesquisas nacionais e internacionais sobre a formação, saberes e aprendizagens da docência dos professores da educação básica, sendo recente e quase inexistente a presença de pesquisas sobre formadores de professores nas discussões educacionais.

Todavia, as investigações que centralizam a figura do professor formador, seja enfatizando sua formação profissional, seus saberes e aprendizagens docentes, fazem-se necessárias em virtude de nos referirmos a um profissional que contribui para a formação de outros profissionais e que, acima de tudo, é um professor, com uma carreira profissional, aprendendo a ser professor formador, por meio de saberes e experiências adquiridas em locus formativos diversos, seja durante sua formação inicial, seja na atuação na educação básica e/ou no ensino superior.

Ao nosso ver, necessitamos saber como esses profissionais, (re)constroem sua aprendizagem da docência do ensino superior. Quais são os saberes que trazem de cada uma dessas

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estâncias formativas e como desenvolvem a seu percurso profissional, (re)significando as experiências e saberes para esse processo.

Buscando garimpar essa discussão sobre a aprendizagem e a formação de professores formadores, evidenciaremos esses temas no próximo item deste capítulo, discutindo-os de um modo geral, ou seja, não somente sob a óptica do professor formador, visto ser esta uma área que ainda necessitamos construir.

2.2. A formação de professores e a aprendizagem da docência

Parecem óbvias as possíveis respostas ao pensarmos sobre “como e onde aprendemos a

ensinar”. Muitos dizem que a Aprendizagem da Docência se inicia muito antes da universidade; e se formaliza nos cursos de formação inicial, posteriormente na formação continuada. Outros, ainda, defendem que aprendemos a ensinar na prática, no dia-a-dia da sala de aula, na escola e/ou na universidade, gerando assim saberes que, refletidos, passam a ser experiências que os professores levam para futuras práticas como docentes, possibilitando-lhes o desenvolvimento profissional.

Para Mizukami (2000), “aprender a ensinar pode ser considerado um processo complexo – pautado em diversas experiências e modos de conhecimento – que se prolonga por toda a vida profissional do professor, envolvendo, dentre outros, fatores afetivos, cognitivos, éticos e de desempenho” (p.140).

Além disso, as pesquisas sobre formação e profissão docente, conforme discutimos anteriormente, apontam para uma revisão da compreensão da prática pedagógica do professor, que é tomado como mobilizador de saberes profissionais. Considera-se, assim, que este, em seu percurso profissional e pessoal, constrói e reconstrói seus saberes conforme a necessidade de sua utilização. Desta forma, faz-se necessário a discussão sobre a formação de professores e a aprendizagem da docência.

Por longos anos, o modelo de formação de professores que predomina nos cursos de licenciatura tem sido aquele que se apóia na idéia de acúmulo de conhecimentos ditos teóricos para posterior aplicação ao domínio da prática. Tal visão é coerente com a lógica da racionalidade técnica, segundo a qual a atividade profissional consiste em resolução de problemas instrumentais tornados rigorosos por intermédio da aplicação da teoria da técnica científica (SCHÖN, 1992).

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Dentro dessa visão, a formação profissional dos professores é vista como, “[...] um processo de preparação técnica, que permita compreender o funcionamento das regras e das técnicas do mundo real da sala de aula e desenvolver as competências profissionais exigidas pela sua aplicação eficaz” (PÉREZ GÓMEZ, 1992, p.108).

Assim o conhecimento profissional, sob a perspectiva do modelo da racionalidade técnica, é “concebido como um conjunto de fatos, princípios, regras e procedimentos que se aplicam diretamente a problemas instrumentais” (MIZUKAMI, 2002a, p. 13), não levando em consideração o ambiente complexo da sala de aula onde o futuro professor irá atuar, sendo esse ambiente composto por inúmeros alunos com características e comportamentos diversos, que também são, assim como os professores, seres humanos com suas individualidades e necessidades específicas e diferenciadas uns dos outros. Pois se essa formação profissional considerasse o ambiente de atuação do professor, consideraria também que não existe um “receituário” a seguir para ser um professor, e não consideraria o professor como um “técnico-especialista que aplica com rigor as regras que derivam do conhecimento científico” (MIZUKAMI, 2002a, p. 14).

De acordo com Pérez Gómez (1992), a concepção de formação de professores na perspectiva da racionalidade técnica traz em si uma hierarquização, indo dos níveis mais básicos e aplicados para os mais abstratos na produção do conhecimento, e separando a investigação e a prática. Dessa forma, é compreensível dentro dessa concepção, “que esse conhecimento seja apropriado pelo professor em momentos determinados e posteriormente aplicado à prática profissional, já que o conjunto de teorias adquiridas naqueles momentos constituiria poderoso guia da prática futura” (Opus citatum, p.14).

No entanto, segundo Mizukami (2002a), no cotidiano da sala de aula, o professor defronta-se com múltiplas situações divergentes, com as quais não aprende a lidar durante o seu curso de formação inicial. Essas situações estão além dos referenciais teóricos e técnicos e, por isso, o professor não consegue apoio direto nos conhecimentos adquiridos no curso de formação para lidar com elas. Isso gera, de acordo com a autora, uma forma de reflexão na qual o professor, com seus valores globais (éticos, políticos, religiosos etc), constrói novas formas de agir na realidade da sala de aula, as quais ultrapassam o modelo da racionalidade técnica que falha ao desconsiderar a complexidade dos fenômenos educativos. “O limite desse modelo de formação se encontra no fato de não levar em conta os aspectos do contexto mais amplo em que as práticas educativas estão inseridas” (MIZUKAMI, 2002a, p.14). Pois complementa Pérez Gómez (1992), “na prática não existem problemas, mas sim situações problemáticas que se apresentam freqüentemente como casos únicos

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que não se enquadram nas categorias genéricas identificadas pela técnica e pela teoria existentes” (p.100).

Assim, essa racionalidade que “molda” esse tipo de formação de professores não representa soluções para os problemas educativos porque a realidade educacional e as situações de ensino comportam aspectos que se situam além dos problemas instrumentais, por ser o ensino uma atividade humana, desenvolvida por homens e mulheres que se (re)constroem constantemente, se (re)fazendo a cada nova situação de sala de aula.

Nesse sentido, a aprendizagem da docência não tem tempo, nem espaço e se faz e refaz constantemente, pois atualmente exige-se do professor que lide com um conhecimento em construção e que analise a educação como um compromisso político, carregado de valores éticos e morais, que considere o desenvolvimento da pessoa e a colaboração entre iguais e que seja capaz de conviver com a mudança e com a incerteza (MIZUKAMI, 2002a). Nesse sentido a aprendizagem da docência é singular para cada sujeito em seu percurso profissional.

Aprender a ser professor, dessa forma, é uma aprendizagem que deve se dar por meio de situações práticas que sejam efetivamente problemáticas, o que exige o desenvolvimento de uma prática reflexiva competente. Para Mizukami (2002a, p.12), “a idéia de formação como um continuum supera essa concepção de formação de professores no modelo da racionalidade técnica, amparando-se em outro paradigma – o da racionalidade prática”, em que

a formação docente é, então, vista segundo o modelo reflexivo e artístico, tendo por base a concepção construtivista da realidade com a qual o professor se defronta, entendendo que ele constrói seu conhecimento profissional de forma idiossincrática e processual, incorporando e transcendendo o conhecimento advindo da racionalidade técnica (Ibidem, p.15).

Dentro dessa compreensão, a formação inicial passa a ser vista como apenas um dos momentos do processo formativo, e o conhecimento dos docentes em relação ao ensino encontra-se fragmentado em diversos momentos:

1. a experiência como discente, cada vez maior, e que é partilhada com a maioria da população, uma experiência que supõe socialização (conhecimento comum) do ensino a partir das concepções e crenças [...]

2. a socialização (conhecimento) profissional mediante a formação inicial específica.

3. a vivência profissional imediatamente posterior no campo da prática educacional que leva à consolidação de um determinado conhecimento profissional (assumindo-se esquemas, pautas e rotinas da profissão). Trata-se do chamado período de iniciação a docência.

4. a formação permanente, que tem como uma de suas funções, questionar ou legitimar o conhecimento profissional posto em prática (IMBERNÓN, 2002, p. 58-59).

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Com base em Imbernón (2002), se considerarmos o conhecimento profissional dos professores formadores em relação ao ensino, podemos afirmar que eles se baseiam na experiência que tiveram como alunos, tanto na educação básica como na formação inicial. Ainda, podem levar em consideração a socialização profissional desenvolvida mediante a formação específica na área que atuam e a vivência profissional, ou seja, a iniciação à docência, tanto na educação básica como no ensino superior, podendo trazer de cada uma dessas estâncias formativas, um amálgama de saberes e experiências que consolidaram em um conhecimento profissional próprio e único. Temos, assim, um saber herdado da experiência como aluno na educação básica e no ensino superior e, ainda, a experiência como professor na educação básica para (re)constituição constantemente sua Aprendizagem da Docência do Ensino Superior. Nesse sentido, ao mesmo tempo

em que se atribui grande força às experiências do professor acumuladas ao longo de sua vida – que, em geral, constituem inspiração (ou anti-inspiração), na maioria das vezes inconsciente, à sua configuração como um profissional ao longo da carreira – entende-se que essa configuração deva ser acompanhada pelo processo de formação continuada (MIZUKAMI, 2002a, p.16).

Essa configuração do professor como um profissional que se desenvolve ao longo da carreira, proposta num processo de formação continuada pela autora acima citada, corrobora a idéia de docência defendida por Marcelo Garcia (1992), como sendo

[...] uma profissão em que a própria prática conduz necessariamente à criação de um conhecimento específico e ligado à ação, que só pode ser adquirido através do contato com a prática, pois se trata de um conhecimento tácito, pessoal e não-sistemático (MARCELO GARCIA, 1992, p.60).

Assim, na profissão de professor, em qualquer nível de ensino, há uma criação de um conhecimento específico que é ligado à ação, ou seja, a prática docente, tendo o professor “características e capacidades especificas da profissão”, que devem estar em constante evolução, visto que vive e ensina em uma sociedade em constantes mudanças.

Essas “características e capacidades específicas da profissão” são conceituadas por Imbernón (2002) como sendo a profissionalidade do professor que deve ser constituída durante o seu desenvolvimento profissional.

Entretanto, Marcelo Garcia (1999) defende que o desenvolvimento profissional de um professor deve superar a concepção individualista e fragmentada das práticas de formação permanente, bem como a dicotomia existente entre formação inicial e continuada. Pressupõe, assim, que o desenvolvimento profissional objetiva um crescimento contínuo de possibilidades na atuação docente durante toda uma carreira profissional.

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Para Ponte (1996), o conceito de desenvolvimento profissional é relativamente recente nos debates sobre a formação de docentes dos diversos níveis de ensino. Segundo ele, “os conhecimentos e competências adquiridos pelos professores, antes e durante a formação inicial, tornam-se insuficientes para o exercício das suas funções ao longo de toda sua carreira” (p.193).

Nesse sentido, podemos dizer através do que nos indicam Marcelo Garcia (1992; 1999) e Ponte (1996) que o professor se constitui no transcurso de seu percurso profissional, o qual consideramos como um único e contínuo percurso – composto por possíveis etapas formativas visando ao aprimoramento de sua performance como docente de uma forma contínua.

Tal processo formativo é expresso por Ponte (1996) como um percurso contínuo e pontuado por oportunidades de “formação formal” em que poderão ser oferecidas “atividades formativas estruturadas”. Para esse autor, a noção de desenvolvimento profissional é próxima da noção de formação, mas não são noções equivalentes. Segundo o autor, algumas diferenças podem ser observadas.

A formação está muita associada à idéia de “freqüentar” cursos, numa lógica mais ou menos “escolar”; o desenvolvimento profissional processa-se através de múltiplas formas e processos, que incluem a freqüência de cursos, mas também outras atividades, como projetos, troca de experiências, leituras, reflexões, [...]. Na formação, o movimento é essencialmente de fora para dentro, cabendo-lhe absorver os conhecimentos e a informação que lhe são transmitidas; com o desenvolvimento profissional está-se a pensar num movimento de dentro para fora, à medida que toma as decisões fundamentais relativamente às questões que quer considerar, aos projetos que quer empreender e ao modo como os quer executar, ou seja, o professor é objeto de formação, mas é sujeito no desenvolvimento profissional. Na formação, atende-se principalmente (se não exclusivamente) àquilo de que o professor é carente; no desenvolvimento profissional parte-se dos aspectos que o professor já possui, mas que podem ser desenvolvidos [...]. A formação tende a ser vista de modo compartimentado, por assuntos ou por disciplinas, [...] o desenvolvimento profissional, embora possa incidir em cada momento num ou noutro aspecto, tende sempre a implicar a pessoa do professor como um todo. A formação parte invariavelmente da teoria e muitas vezes (talvez na maior parte) não chega a sair da teoria; o desenvolvimento profissional tanto pode partir da teoria como da prática; e, em qualquer caso, tende a considerar a teoria e a prática interligadas (PONTE, 1996, p. 194).

Considerando o professor formador como sujeito no seu processo formativo, abordamos neste trabalho a perspectiva do desenvolvimento profissional como sustentação de nossa discussão, pois acreditamos que, quem vivencia a prática docente, sabe que ela é dinâmica, complexa e imprevisível, sendo atravessada pela subjetividade de quem a produz. Cada nova ação, cada nova experiência demanda o desenvolvimento de uma prática singular decorrente das circunstâncias e dos sujeitos que dela participam.

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Mizukami (1996), ao trabalhar com o conceito de desenvolvimento profissional, analisa o percurso profissional do professor como sendo o resultado da ação conjugada de três processos de desenvolvimento: o desenvolvimento pessoal, o da profissionalização e o da socialização profissional.

O desenvolvimento pessoal, segundo a autora, é concebido como resultado de um processo de crescimento individual, em termos de capacidades, personalidade, habilidade, interação com o meio. A profissionalização é concebida como desenvolvimento profissional, como sendo o resultado de um processo de aquisição de competências, tanto de eficácia no ensino como de organização do processo de ensino-aprendizagem. A socialização profissional, por sua vez, implica as aprendizagens do professor relativas às suas interações com seu meio profissional, tanto a adaptação ao grupo profissional ao qual pertence e à escola na qual trabalha, como as influências de mão dupla entre o professor e o seu meio.

A profissionalização apontada por Mizukami depende do “interior do professor”, ou seja, do seu modo de ser e da formação por ele recebida e, nesse aspecto, coincide com Ponte (1996, p.196), que analisa o desenvolvimento profissional ao longo da carreira do professor, relacionando-o à sua cultura, enfatizando que, infelizmente, a

cultura profissional dos professores é marcada pelo individualismo e pelo espírito defensivo. Há na atitude de muitos professores um grande desinvestimento (cumpre-se estritamente o mínimo e, por vezes, menos que o mínimo). A função do professor tende a ser marcada pela desresponsabilização (não tendo que prestar contas perante ninguém, não é difícil atribuir as responsabilidades de tudo o que ocorre ao Magistério) (PONTE, 1996, p.196).

Essa cultura profissional do professor que Ponte (1996) evidencia, é marcada pelo individualismo, pelo desinvestimento e pela desresponsabilização. Essa cultura profissional pode ser resultado da noção de formação adotada durante o percurso formativo do professor, ou seja, aquela distinção da noção de formação e de desenvolvimento profissional feita pelo mesmo autor, onde diz que a de formação é ligada mais a idéia de freqüentar cursos, e que estabelece um movimento de fora para dentro, isto é, o que o meio tem para acrescentar no conhecimento do professor, cabendo ao professor absorver os conhecimentos e a informação que lhe são transmitidas, fazendo do professor objeto da sua formação e não sujeito. Essa noção, quando utilizada, gera como conseqüência, a infeliz idéia da prática docente ser um espaço da competitividade, do individualismo, da improvisação etc, e não de crescimento coletivo dos sujeitos envolvidos que, ao gerar um desenvolvimento profissional individual, se complementa com o desenvolvimento profissional de um grupo de professores que se faz na interação das experiências vividas.

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É nesse sentido que Marcelo Garcia (1999) defende que o desenvolvimento profissional do professor está intimamente relacionado com o desenvolvimento da escola, da inovação curricular, do ensino e com o desenvolvimento da profissionalidade docente.

Quanto à relação do desenvolvimento da escola com o desenvolvimento profissional do professor, Marcelo Garcia (1999) enfatiza a visão da escola como unidade básica de mudança e formação e salienta alguns aspectos necessários ao desenvolvimento dessa formação, em que cita a necessidade de existência de liderança instrucional entre os professores; de existência de uma cultura de colaboração e, por fim, da existência de uma gestão democrática e participativa. Tal gestão requer autonomia por parte dos professores nas tomadas de decisões acerca do ensino, das questões organizacionais, profissionais etc, para que o desenvolvimento da escola possa ser revertido em saberes, significando-os através da reflexão e transformando-os em experiência. Essas experiências adquiridas na escola contribuem para o desenvolvimento profissional do professor e, conseqüentemente, na sua aprendizagem da docência.

Quanto às relações do desenvolvimento profissional com o desenvolvimento e inovação curricular, Marcelo Garcia (1999) aponta que estas vão ser determinadas pelas concepções e pelo papel que os professores assumem na prática cotidiana, ou seja, o desenvolvimento profissional tem relação com a imagem assumida pelo professor quanto à interpretação do conceito de inovação. O autor salienta que o “desenvolvimento curricular é desenvolvimento profissional quando contribui para melhorar o conhecimento e a profissionalidade dos professores, quando, através dele, os professores conseguem transformações e melhorias no âmbito do seu espaço de influências: as escolas, o currículo, o ensino” (MARCELO GARCIA, 1999, p.143).

Monteiro (2003), com base nas idéias de Marcelo Garcia (1999), enfatiza que o desenvolvimento e inovação curricular podem vir a acarretar o desenvolvimento profissional do professor quando “o currículo, como espaço formativo, pode proporcionar desenvolvimento profissional se este for construído/reconstruído pelos professores em confronto com a realidade de sala de aula e a da escola como um todo” (MONTEIRO, 2003, p.7).

Em se tratando do desenvolvimento do ensino, Marcelo Garcia (1999) indica o aparecimento de novas perspectivas como desencadeadoras da ampliação do foco de estudo que, conseqüentemente, implicam reelaboração da concepção do desenvolvimento profissional. A mudança mais significativa diz respeito “à concepção do ensino como atividade prática e deliberativa com uma componente ética” (p.144), ao invés da concepção do ensino adotada por muito tempo como ciência aplicada. Nesse sentido o desenvolvimento profissional é compreendido “[...] como um conjunto de processos e estratégias que facilitam a reflexão dos professores sobre a sua prática, que contribui para

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que os professores gerem conhecimento prático, estratégico e sejam capazes de aprender com a sua experiência” (MARCELO GARCIA, 1999, p.144).

Ampliando a concepção acima, Monteiro (2002, p.177), com base em Marcelo Garcia (1999), diz que o desenvolvimento profissional parece constituir-se de um conjunto de processos essencialmente formativos, possibilitando aos professores, por meio da reflexão, tanto a compreensão dos saberes presentes no fazer pedagógico quanto à compreensão dos aspectos estruturais do seu trabalho, o que gera, assim, a produção de novos conhecimentos profissionais. Dessa forma, a reflexão passa a ser entendida como a dimensão de construção do desenvolvimento profissional, bem como da necessidade de formar para a produção de conhecimento.

Abordando o desenvolvimento da profissionalidade25, Marcelo Garcia (1999) e outros (ZEICHNER, 1993; PÉREZ GÓMEZ, 1992 etc.) referem-se ao professor como profissional, como sujeito que aprende ou como prático autônomo que reflete para tomar decisões e reelaborar sua ação.

Segundo Monteiro (2002), “a reflexão sobre a profissionalidade docente requer uma discussão a respeito do desempenho e do conhecimento específico da prática pedagógica e dos diferentes contextos em que tais práticas se desenvolvem” (p.178). As investigações sobre desenvolvimento profissional, segundo a mesma autora, apontam para a necessidade de se explorar como os professores (re)elaboram suas formas de pensar o processo de ensino e aprendizagem, bem como as condições que facilitam tal aprendizagem.

Marcelo Garcia (1999) alerta que é necessário considerar que os professores são sujeitos cuja atividade profissional os leva a se implicar em situações formais e não formais de aprendizagem. E é importante ter esse aspecto em conta na medida em que, como afirma Tiezzi (1992 apud MARCELO GARCIA, 1999, p.50):

reconhecer que os professores são sujeitos que aprendem, em vez de meros executores ou obstáculos da/para mudança, requer que a investigação sobre o desenvolvimento profissional continue a explorar os modos segundo os quais os professores aprendem novas formas de pensar o ensino e aprendizagem dos conteúdos, assim como as condições que facilitam a aprendizagem dos professores.

Perez (2002) concordando com Marcelo Garcia (1999) salienta que é importante, para compreender a aprendizagem da docência, saber se o professor é alguém que vive sua atividade como uma profissão o tempo inteiro ou que se desdobra por várias ocupações e responsabilidades, pois, para Ponte (1996), há várias maneiras de estar em cada momento da profissão e as classifica em três grandes grupos:

25 Profissionalidade é tudo aquilo que é específico na ação docente (GIMENO, 1995).

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os investidos, que vivem a sua profissão com entusiasmo e sentido de responsabilidade, remando muitas vezes contra ventos e marés (e que não são poucos);

os acomodados, que não têm esperança de ver ocorrer qualquer mudança significativa no ensino e que encaram a sua profissão fundamentalmente como um meio de sobrevivência;

os transitórios, que estão na profissão apenas por passagem, à espera de mudar para outra atividade em que se sintam melhor (PEREZ, 2002, p. 64).

Essa forma de envolvimento com a profissão caracteriza a profissionalidade de cada professor, dessa forma é própria do professor e varia conforme o seu desenvolvimento profissional durante a prática docente desempenhada em cada nível de ensino em que atua, visto que cada contexto em que essa prática se realiza tem suas características singulares. Essa profissionalidade pode ser vista como um conhecimento prático do professor.

Clandinin (1985 apud CHAKUR, 2002) adjetiva esse conhecimento prático do professor como conhecimento prático pessoal, cuja origem é expressa na ação. O termo pessoal significa, nesse caso, que o conhecimento participa e está impregnado de tudo que uma pessoa é. O autor chama a atenção para o “fator local individual que ajuda a constituir o caráter, o passado e o futuro de qualquer individuo”. Assim, “o conhecimento pessoal é aquele que está impregnado com todas as experiências que conformam o ser de uma pessoa. Seu significado deriva-se e é compreendido em termos da história de experiências da pessoa, tanto profissional como pessoal” (p.153).

Esse conhecimento prático pessoal é de uma determinada pessoa, e é constituído de todas as experiências que vão formando as características e habilidades da profissão dessa pessoa, ou seja, a sua profissionalidade. Portanto, o docente se configura de inúmeras experiências que podem ser adquiridas em locus formativos diferentes, ou seja, nas experiências como educador na educação básica, como educador no ensino superior etc.

Essa profissionalidade se faz com a soma das características especiais desenvolvidas pelo professor em cada nível de ensino, tornando esse professor um profissional, ou seja, ele está preparado para “dominar uma série de capacidades e habilidades especializadas que nos fazem ser competentes em um determinado trabalho, além de nos ligar a um grupo profissional organizado e sujeito a controle” (SCHÖN, 1992; 2000).

Essas capacidades e habilidades são adquiridas, também, na prática do dia-a-dia docente, adquiridas conforme as necessidades específicas de cada contexto da prática docente na escola, em cada trabalho desempenhado pelo professor.

No caso, ao professor desenvolver sua prática no ensino da educação básica, ele é um profissional do ensino básico, ao ensinar na universidade, ele é um profissional do ensino superior.

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Mas, em muitas circunstâncias, esse profissional realiza ou realizou a sua prática nos dois níveis de ensino com contextos de práticas docentes diferentes, construindo um profissionalismo da docência com o conjunto das experiências vividas nesses dois níveis de ensino. Pois para Masetto (2003a, p.11) “a docência, assim como o exercício de qualquer profissão, exige capacitação própria e específica”, dependendo de cada nível de ensino onde o professor deve atuar. Podendo ou não as experiências se interseccionarem, dependendo da forma como este profissional as significou em suas vivências profissionais, constituindo sua aprendizagem da docência neste continuum da vida profissional através das experiências refletidas configurando os saberes específicos do professor da educação básica e do ensino superior.

Para Schön (1992; 2000), em termos gerais, o profissionalismo na docência implica uma referência à organização do trabalho dentro do sistema educativo e à dinâmica externa do mercado de trabalho. Sendo assim, esse profissionalismo da docência se faz como um mosaico de experiências desenvolvidas durante um percurso profissional. Esse mosaico se constitui e é influenciado de todas essas experiências vividas.

Consideramos, neste contexto, o professor como sujeito de sua formação que tem sua experiência profissional como balizadora para os novos saberes e fazeres, e concordamos com a idéia de que o percurso de formação profissional, além de contínuo, é único e acontece ao longo da vida, caracterizando um movimento de constituição profissional do professor formador como processual e permanente.

Neste sentido buscamos em Larrosa (2002a) o sentido de formação que ele desenvolve a partir do conceito de experiência e é esse um dos sentidos de formação que utilizaremos neste trabalho. O autor afirma que a idéia clássica de formação tem duas faces: “por um lado, formar significa dar forma e desenvolver um conjunto de disposições preexistentes. Por outro lado, significa, levar o homem à con-formidade em relação a um modelo ideal que foi fixado e assegurado de antemão” (p.139). Ao discutir tal afirmação, contrapõe-se aos modelos que pré-determinam comportamentos estandardizados, e sugere “pensar a formação sem ter uma idéia prescritiva de seu desenvolvimento nem um modelo normativo de sua realização” (LARROSA, 2002a, p.139).

Larrosa (2002a), ao trabalhar com um sentido de formação desenvolvido a partir do conceito de experiência, explora o conceito de “saber da experiência” e diz que este acontece pela “relação do sujeito com as circunstâncias vividas significativamente de modo a ir-lhe dando contornos do vir a ser como é”. Essa relação é um movimento que se dá num continuum de vida do sujeito. Nesse movimento que acontece, segundo Larrosa (2003), a experiência formativa,

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[...] uma viagem aberta em que pode acontecer qualquer coisa, e na qual não se sabe onde vai chegar, nem mesmo se vai chegar a algum lugar. [...] E a experiência formativa seria, então, o que acontece numa viagem e que tem a suficiente força como para que alguém se volte para si mesmo, para que a viagem seja uma viagem interior (p. 52 - 53).

Nesse movimento de formação composto por experiências formativas, Larrosa (2002; 2003) se aproxima ao que Ponte (1996; 1998) denomina como movimento interior (do sujeito) no percurso profissional, e que se dá em função das relações que o próprio sujeito estabelece entre o conhecimento e a própria prática. Se na perspectiva “ponteana”26 o professor, ao ser sujeito de sua formação, tem na promoção de sua individualidade o sentido para definição de seu caminho, então a perspectiva experiencial lhe possibilita a dinamização de seu conhecimento profissional que, para Ponte (1998), tem três vertentes: “a) dinâmica, associada à prática letiva; b) organizacional, associada à participação nas tarefas da vida da escola e da comunidade; c) pessoal, associada ao modo como encara e promove seu próprio desenvolvimento profissional”.

Ao associar o conceito de desenvolvimento profissional ao sentido de evolução, continuidade e movimento, tal associação, conforme Marcelo Garcia (1999, p.137) “parece superar a tradicional justaposição entre formação inicial e aperfeiçoamento”. Isso, de certa forma, reforça a idéia que concebemos de percurso único e contínuo.

Utilizando o que dizem os autores citados neste trabalho e o que pensamos acerca dos processos formativos, concebemos o termo formação para este estudo como o movimento contínuo de elaboração interior que ocorre no âmago da experiencialidade de cada ser humano em sua interação com o mundo, com os programas oficiais, com os conhecimentos institucionalizados e com outros sujeitos. Como decorrência, o conceito de desenvolvimento profissional aqui assumido é o de um movimento interior protagonizado pelo professor formador em sua experiencialidade no trabalho cotidiano, o qual resulta de um processo contínuo de busca permanente de aperfeiçoamento pessoal e profissional e de renovação de seu fazer pedagógico. Ou seja, é um movimento, que se dá em um continuum, em que não há rupturas nem recomeço.

Dessa forma, considerando o movimento interior do professor, que ocorre no âmago da experiencialidade de um professor, vamos abordar no próximo item os saberes, as experiências e a reflexão na aprendizagem da docência.

26 Para Ponte “formação” se refere a situações formais de aprendizagem marcadas pela externalidade e para Larrosa ao movimento interior num contexto experienciável que transforma o sujeito.

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2.3. Os saberes, as experiências e a reflexão na aprendizagem da docência.

A aprendizagem da docência não funciona como um mero sistema de adição ou substituição de alguns conhecimentos por outros. Essa aprendizagem é caracterizada por ser uma aprendizagem plural formada pelo amálgama de saberes oriundos de vários contextos, circunstâncias e instituições, assim como da experiência pessoal e profissional, dos saberes das disciplinas e atividades práticas proporcionadas pelos cursos de formação etc., “o que significa considerar que os professores são sujeitos cuja atividade profissional os leva a implicarem-se em diversas situações formais e não formais de aprendizagem” (LIMA e REALI, 2002, p.232).

Nesse item, discutiremos os Saberes Docentes, as experiências e a reflexão na construção e reconstrução da Aprendizagem da Docência.

2.3.1. O saber docente e a aprendizagem da docência

Para posteriormente discutirmos sobre os Saberes Docentes, propriamente dito, iremos primeiro mostrar a construção do termo “saber” neste trabalho e a opção por sua utilização.

2.3.1.1. O Saber e suas diferentes facetas: a construção de um termo.

“Onde está o conhecimento que nós perdemos na informação? Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?” (T.S. Eliot)

Entre os autores lidos para construir a concepção de saber para este trabalho, elegemos Britt-Mari Barth, Bernard Charlot, Luiz Carlos Pais, para sistematizar essa concepção. Cabe dizer, que a construção da concepção de saber para este trabalho não foi de forma linear. Foi cheia de idas e vindas, avanços e retrocessos, o que demandou tempo para sua construção, tanto que, ao iniciar a escrita do referencial teórico, não tínhamos, até então, clara essa definição. No entanto, esse tempo que se deu no decorrer da (re)construção foi um tempo de apropriação, de amadurecimento intelectual, de aprendizagens, resultando no que a seguir mostraremos de forma sintetizada.

Britt-Mari Barth foi uma das autoras que elegemos. Duas de suas obras foram traduzidas para o português e publicadas: Aprendizagem da Abstração descreve, com uma abordagem pedagógica, o “método para aprender” e em O Saber em Construção: para uma pedagogia da compreensão, ilustra seu próprio processo de abstração,

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feito por um lado de um constante vaivém entre as numerosas situações de ensino ou de formação, observadas ou vividas, e por outro lado da inferência dos atributos do processo de construção de sentido no jogo das interações entre educando, um educador e um ambiente espaço-temporal dado ou preparado (BARTH, 1993, p.12).

Para Barth (1993) o “mundo da educação está repleto de modelos estabelecidos” (p.11). Muitos deles construíram-se a partir de um processo de formalização do ato ensino aprendizagem, outros se baseiam em intuições; outros ainda, em resultados experimentais”. No entanto, na evolução desses modelos, cada indivíduo concebe o que é ensino, o que é aprender e o que é saber. Essas concepções são (re)construídas nas experiências do dia-a-dia em aprendizagens constantes. Para a autora, o desafio mais importante na formação de professores e de formadores é, sem dúvida, o de conseguir suscitar uma mudança conceitual na sua relação com o saber e sua elaboração e conseguir observar isso.

Dentro desse contexto, Barth (1993) questiona: Mas o que é saber? O que anima o processo ensino-aprendizagem? Para ela,

nossas teorias influenciam a nossa prática pedagógica. Em geral essas teorias são elaboradas durante nossa experiência com o educando. Essas teorias deixam de ser satisfatórias quando nos tornamos educadores ou formadores, porque precisamos de ferramentas de análise para modificar e alargar a sua percepção intuitiva. Trata-se de uma verdadeira transformação conceitual. Uma nova compreensão daquilo que realizamos quando aprendemos a ensinar (BARTH, 1993, p. 13).

Entendemos que as teorias discutidas pela autora podem ser os conhecimentos adquiridos durante nossas experiências como educando, tanto na educação básica como na formação inicial. No entanto, essas teorias, esses conhecimentos deixam de ser suficientemente satisfatórios ao nos tornarmos professores, seja na educação básica ou no ensino superior, pois, nesses momentos, precisamos ensinar o que aprendemos. E é justamente, essa construção, essa apropriação de conhecimentos que, transformados pelo professor, tornaram-se os saberes próprios para a prática docente em qualquer nível de ensino.

A autora, em sua obra O Saber em Construção: para uma pedagogia da compreensão

afirma que a “palavra ‘saber’ deve ser entendida no seu sentido lato: designa o que aprendemos e nomeadamente os conhecimentos específicos que fazem parte do programa escolar ou dos referenciais: saberes e saber-fazer” (BARTH, 1993, p.16).

Assim, entendemos que Barth (1993) concebe o saber como um conhecimento adquirido por alguém e tornado próprio a fim de ensinar conforme o aprendido. É o conhecimento que, compartilhado pela experiência, tornou-se um saber que se constrói continuamente, tornando-se cada vez mais lapidado para este alguém.

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Outro autor estudado foi Bernard Charlot, que evidencia em suas obras a relação com o saber, numa abordagem antropológica e sociológica. Em sua obra Da relação com o saber: elementos para uma teoria, Charlot (2000), baseado em J.M. Monteil (1985), dedica-se a distinguir a informação, o conhecimento e o saber.

A informação é um dado exterior ao sujeito, pode ser armazenada, estocada, inclusive em um banco de dados; está “sob a primazia da objetividade”. O conhecimento é o resultado de uma experiência pessoal ligada a atividade de um sujeito provido de qualidades afetivo-cognitivas; como tal é intransmissível, está “sob a primazia da subjetividade”. Assim como a informação, o saber está “sob a primazia da objetividade”; mas, é uma informação de que o sujeito se apropria. Desse ponto de vista, o saber é também conhecimento, porém desvinculado do “invólucro dogmático no qual a subjetividade tende a instalá-lo”. O saber é produzido pelo sujeito confrontado a outros sujeitos, é construído em “quadros metodológicos”. Pode, portanto, “entrar na ordem do objeto”; e tornar-se, então, “um produto comunicável”, uma “informação disponível para outrem” (p. 61).

Charlot (2000) concebe “saber” da mesma forma que Barth (1993), apesar de abordagens diferentes, como um conhecimento, como uma informação da qual o sujeito se apropria. Para Charlot, o saber é produzido pelo sujeito confrontado com outros sujeitos e a outros conhecimentos, diferenciando, dessa forma, conhecimento de informação.

Para Charlot, a idéia de “saber” implica a de “sujeito”, de “atividade do sujeito”, “de relação do sujeito com ele mesmo” (deve se desfazer do dogmatismo subjetivo), “de relação desse sujeito com os outros” (que co-constroem, controlam, validam, partilham esse saber). Para ele, este sujeito está confrontado com a necessidade de aprender e com a presença em seu mundo de conhecimentos de diversos tipos.

Nesse contexto, o sujeito é, para Charlot (2000), uma pessoa que possui uma história, constrói experiências e com elas interpreta o mundo, significando o que faz. Além disso, esse sujeito, “age no e sobre o mundo; encontra a questão do saber como necessidade de aprender e como presença no mundo de objetos, de pessoas e de lugares portadores de saber; se produz ele mesmo, e é produzido, através da educação” (CHARLOT, 2000, p.33).

Sendo assim, o sujeito, para Charlot, está à mercê de (em prontidão a) um saber, ou seja, ele vive em um mundo cheio de saberes; ele se constrói nesse mundo. Dessa forma, aprende os saberes desse mundo a seu modo. Antes mesmo de ir para escola, ele já possui uma relação com esses saberes. Assim, entendemos que, para Charlot (2000), “saber” é algo plural, social e particular de cada individuo (sujeito) que se constrói na relação com os outros.

Já em Pais (1999; 2001), sob uma abordagem da didática, encontramos, ao discutir a trajetória do saber e transposição didática, a sua opção pela utilização do termo “saber” e não do termo “conhecimento”, destacando que a noção de transposição estuda a seleção que ocorre através de uma

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extensa rede de influências e envolve diversos segmentos do sistema educacional. Seleção esta feita por um professor perante uma bagagem de conhecimentos e vivências. Essas idéias aparecem na definição abaixo, pois segundo o autor,

um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar entre o objeto de ensino. O trabalho que, de um objeto de saber ensinar faz um objeto de ensino, é chamado de transposição didática (CHEVALLARD apud PAIS, 2001, p.19).

Esse conteúdo do conhecimento quando sofre um conjunto de transformações adaptativas as sofre pela experiência e pela subjetividade do professor, por isso se torna um “saber a ensinar” e não um “conhecimento a ensinar”. O termo saber, para esse autor, expressa a presença do professor no processo educativo.

Em Pais (2001) encontramos também uma interessante distinção entre conhecimento e saber, evidenciando a dimensão da utilidade ao desenvolver sua análise, expressando que

onde o saber é considerado como um tipo amplo de conhecimento, cuja utilidade se faz com uma maior operacionalidade. A utilidade do saber permite ao sujeito um referencial capaz de gerar um olhar mais amplo e indagador. [...] Em suma, quando o sujeito passa a ter um domínio sobre um determinado saber é possível desencadear uma ação mais transformadora, geradora de novos saberes (PAIS, 2001, p. 38).

Com essa definição, entendemos que, para Pais (2001) o saber, ao ser considerado como um tipo amplo de conhecimento, torna-se próprio do indivíduo, e tem para ele um significado particular. E esse indivíduo, ao ter domínio sobre determinado saber, desencadeia uma ação transformadora, geradora de novos saberes.

O trabalho de Giordan e Del Vechi (1996) citado por Perdigão (2002), também nos fez refletir sobre o que é saber. Os autores fazem a distinção entre conhecer e saber:

“Conhecer” não é apenas reter temporariamente uma multidão de noções anedóticas ou enciclopédicas para “regurgita-las”, como pede o ensino atual. “Saber” significa, primeiro, ser capaz de utilizar o que se aprendeu, mobilizá-lo para resolver um problema ou aclarar e analisar uma situação. [...] Saber é poder construir modelos, combinar e integrar conceitos oriundos de disciplinas diferentes [...] Saber é ser ator de sua própria formação, poder colocar-se num processo de formação permanente que não se limita à escola [...] (GIORDAN e DEL VECHI, 1996, p. 11-12, apud PERDIGÃO, 2002).

Entendemos que, para eles, o saber é considerado um tipo amplo de conhecimento. O saber oferece ao professor a capacidade de utilizar o que aprende, fornecendo uma visão ampla sobre o seu próprio conhecimento e lhe dá a capacidade de ser autor de sua própria formação. Ou seja, a concepção de saber expressa por Giordan e Del Vechi (1996) também coloca o professor na frente de seu próprio processo de formação.

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Assim, após uma longa caminhada entre os teóricos apresentados e outros estudados, com diferentes perspectivas de abordagem, construímos a nossa concepção de saber.

O saber é concebido, neste trabalho, como um tipo amplo de conhecimento; o que aprendemos durante uma vida; um conhecimento adquirido pelo professor e tornado próprio dele; um conhecimento partilhado pela experiência e significado por ela, tornando-se um saber; um conhecimento em movimento, ou melhor, em mobilização; um conhecimento que se constrói constantemente, um conhecimento de que o professor se apropria, sendo plural, social e particular; um conhecimento que se constrói na relação com o outro, gerando uma ação transformadora e geradora de novos saberes. Em suma, saber é um conhecimento em mobilização e em reflexão que, através da experiência, torna-se significativo para o sujeito.

A escolha de utilizar o termo “saber” ao invés do termo “conhecimento” se justifica pelo fato de o “saber” nos dar a idéia de movimento, de se (re)construir, de se (re)fazer constantemente, sendo essa idéia importante, pois concebemos a formação como um continuum, dentro da perspectiva do desenvolvimento profissional, além disso, como um processo que se estende durante toda uma carreira profissional; e por entendermos a Aprendizagem da Docência como algo que se refaz constantemente.

2.3.1.2. Os Saberes Docentes e a Aprendizagem da Docência Ensinar é mobilizar uma ampla variedade de saberes, reutilizando-os no trabalho para

transpô-los e transformá-los pelo e para o trabalho. A experiência de trabalho, portanto, é apenas um espaço onde o professor aplica seus saberes (TARDIF, 2002, p.11). No entanto o que são saberes docentes?

Saber docente é um conceito inicialmente utilizado por Tardif, Lessard e Lahaye (1991), que o definiram como sendo um saber plural, constituído de vários saberes originários da formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e da experiência. Esses diferentes saberes a que os autores fazem referência podem servir de base ou fundamentar o trabalho do professor. Assim, para os autores e para este trabalho,

o(a) professor(a) [...] é alguém que deve conhecer a matéria, sua disciplina e seu programa, que deve possuir certos conhecimentos das Ciências da Educação e da Pedagogia, sem deixar de desenvolver um saber prático fundado em sua experiência cotidiana com os alunos (Ibidem, p. 221).

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O professor é, então, aquele que utiliza um compósito de saberes, proveniente de diversas fontes para realizar sua prática docente. Não bastando, para o professor, apenas saber bem a matéria que irá ministrar aos seus alunos. Ele necessita de um respaldo maior, além de um sólido entendimento de sua matéria tem de ter o entendimento do papel da sua disciplina em programa de formação; necessita também ter conhecimentos da ciência da educação e da pedagogia, não deixando de lado toda a experiência adquirida em outros contextos formativos para que, por meio dessas experiências, possa refletir sobre sua prática e transformá-la.

Tardif, Lessard e Lahaye (1991) partem da afirmação de que o saber docente é um saber “plural, estratégico e desvalorizado”, explicando que é Plural porque é constituído dos saberes das disciplinas, dos saberes curriculares, dos saberes profissionais e dos saberes da experiência. Estratégico porque, como grupo social e por suas funções, os professores ocupam uma posição especialmente significativa no interior das relações complexas que unem as sociedades contemporâneas aos saberes que eles produzem e mobilizam com diversos fins. Desvalorizado porque, mesmo ocupando uma posição estratégia no interior dos saberes sociais, o corpo docente não é valorizado frente aos saberes que possui e transmite.

Nesse contexto, o professor é um ser social, constituído e constituinte de seu meio. Como pessoa, age e sofre as ações de sua sociedade: ele constrói e é construído por ela. A sociedade é feita por ele e ele é feito por ela; portanto, o professor é um construtor de cultura e de saberes e, ao mesmo tempo, é construído pela cultura e saberes. Partindo desse contexto, Tardif (2002) conceitua saber docente como:

o saber dos professores, é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com sua história profissional, com suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. Por isso, é necessário estudá-lo relacionando-o com esses elementos constitutivos do trabalho docente (p.11).

Dessa forma, o professor é uma pessoa que vive em integração com seus pares, dentro de uma cotidianidade construída com todos os elementos humanos. Ele participa dela com todos os aspectos de sua personalidade e em todas as esferas da vida: trabalho, lazer, descanso, atividade social, intelectual etc., constituindo-se aí como pessoa e profissional.

Essa constituição como profissional é chamada por Tardif (2002) como um processo de profissionalização, definido por ele como: “um processo em construção ao longo de uma carreira profissional na qual o professor aprende progressivamente a dominar seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o interioriza por meio de regras de ação que se tornam parte integrante de sua consciência prática” (p.15). Nesse processo, o professor vai construindo e

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reconstruindo um conjunto de saberes docentes como sujeito do processo. É ele que possui, transmite e transforma esses saberes originários nos diversos locus formativos, seja na formação inicial, na experiência como professor na educação básica ou na experiência como professor formador no ensino superior universitário. Pois, o saber dos professores

deve ser compreendido em íntima relação com o trabalho deles na escola e na sala de aula. Noutras palavras, embora os professores utilizem diferentes saberes, essa utilização se dá em função do seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho (Ibidem, p.17).

O saber dos professores está, assim, a serviço do trabalho. Isso significa dizer que as relações dos professores com os saberes são mediadas pelo trabalho que fornece princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas.

Dessa forma, o saber docente é um saber social adquirido no contexto de uma socialização profissional, na qual é incorporado, modificado, adaptado em função dos momentos e das fases de uma carreira, ao longo de uma história profissional em que o professor aprende a ensinar fazendo seu trabalho.

Este processo de construção ao longo da carreira configura o que chamamos de trajetória profissional, definindo um percurso formativo próprio de quem a vive. Nessa trajetória profissional, o professor passa por mudanças de aspirações, de sentimentos, de sentido da vida e da profissão. Como já diziam Tardif, Lessard e Lahaye (1991), “todo saber, mesmo o ‘novo’, inscreve-se em uma duração que remete à história de sua formação e de sua aquisição. Todo saber implica um processo de aprendizagem e de formação [...]” (p. 218). Daí a importância de conhecer, por meio dos percursos profissionais, os saberes dos professores formadores, refletindo sobre suas Aprendizagens da Docência.

Neste sentido é que Tardif (2002) afirma que o saber dos professores além de ser “plural, também é temporal, uma vez que, como foi dito anteriormente, é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional”, acrescentando que, “dizer que o saber dos professores é temporal significa dizer, inicialmente, que ensinar supõe aprender a ensinar, ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes necessários para realização do trabalho docente” (p. 20), pois, antes mesmo de começarem a ensinar oficialmente, os professores já sabem, de muitas maneiras, o que é ensino por causa de toda sua história escolar anterior. Assim, “a idéia de temporalidade [...], não se limita à história escolar ou familiar dos professores. Ela também se aplica diretamente à sua carreira, carreira essa compreendida como um processo temporal marcado pela construção do saber profissional” (Opus citatum).

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No entanto, se admitirmos que o saber dos professores “não provém de uma fonte única, mas de várias fontes e de diferentes momentos da história de vida e da carreira profissional” (TARDIF, 2002, p.21) essa própria diversidade levanta o problema da unificação e da recomposição dos saberes no e pelo trabalho.

Todavia, a variedade de saberes que possui os professores para ensinar, e estes saberes são reutilizados no trabalho para adaptá-los e transformá-los pelo e para o trabalho. Essa variedade de saberes possui várias fontes, sejam formais, tais como a educação básica e formação inicial como aluno, e, posteriormente a estas, como professor, e informais, como a família, grupos culturais etc.

Segundo Tardif (2002), podemos dividir a experiência de trabalho em dois momentos: as experiências pré-profissionais e as profissionais. A primeira significa as experiências como professor antes de se tornar licenciado para exercer a profissão, ou seja, o professor leigo que trabalha como professor antes de ter sido formalizado profissional por uma instituição de Ensino Superior ou Escola Normal. A segunda, as experiências após ter adquirido o título de professor.

Essa distinção feita por Tardif (2002), parece-nos pertinente por sabermos que, em alguns estados brasileiros, temos vários professores que antes de obterem o diploma de licenciado para atuarem como professores já o fazem, primeiro atuam para depois de algum tempo buscarem a formação para continuar a lecionar. No caso, desenvolvem uma formação em serviço, hoje tão incentivada pelos governantes.

Como dissemos anteriormente, “ensinar é mobilizar uma ampla variedade de saberes”, sendo isso verdade, notamos que, no caso dos professores leigos, os saberes mobilizados não provêm ainda da universidade e sim dos contextos formativos formais e informais anteriores a ela, inclusive a família, a escola de Educação Básica e, assim, mobilizam os saberes adquiridos nesses espaços e transmitem o que “sabem”. Utilizam a experiência de trabalho para aplicar esses saberes adquiridos em algum contexto formativo.

Desta forma, a experiência de trabalho é apenas um espaço onde o professor aplica saberes, sendo ela mesma um saber do trabalho sobre saberes, em suma: reflexividade, retomada, reprodução, reiteração daquilo que se sabe naquilo que se sabe fazer, a fim de produzir sua própria prática profissional. Tardif (2002) afirma que na experiência de trabalho há uma produção da própria vida profissional do professor, constituindo, mesmo sem um curso formação inicial, a sua profissionalização27.

27 Entendida aqui como ação de se tornar profissional, desenvolver-se como profissional.

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Ao nos referir sobre a experiência de trabalho do professor, reportamo-nos à escola. Candau (1996) aponta a escola como locus de formação continuada dos professores28, no caso daqueles que possuem formação inicial. Para a autora, é na escola que acontecem as experiências pessoais e profissionais dos professores, onde eles passam a maior parte de seu tempo. No caso dos professores leigos, a escola também pode ser um momento de formação muito forte, pois “é no cotidiano escolar que o professor aprende, desaprende, reestrutura o aprendido, faz descobertas, estrutura formas de pensamento e constrói saberes. De uma forma ou de outra, a escola, com sua cultura, é lugar de construção coletiva dos saberes” (CANDAU, 1996, p.37).

Segundo o que nos diz a autora, na experiência dos professores, o dia-a-dia na escola é um locus de formação. Nesse cotidiano, ele aprende, desaprende, reestrutura o aprendido, faz descobertas e, portanto, é nesse locus que muitas vezes ele vai aprimorando seus saberes ou, no caso dos professores leigos, adquirindo-os para depois organizá-los e formalizá-los em uma instituição escolar, construindo e reconstruindo suas aprendizagens, (re)fazendo-se a cada momento formativo.

Nesse sentido, considerar a escola como locus de formação passa a ser uma afirmação fundamental na busca de superar o modelo clássico de formação e construir uma nova perspectiva na área de formação de professores. Contudo, não se alcança esse objetivo de uma maneira espontânea, não é simples fato de estar na escola e de desenvolver uma prática escolar concreta que garante a presença das condições mobilizadoras de um processo formativo (CANDAU, 1996, p.144).

Para a autora, uma prática docente repetitiva e mecânica não favorece esse processo. Para que isso aconteça é importante que essa prática seja capaz de identificar os problemas, de resolvê-los, e – as pesquisas são cada vez mais confluentes – que seja uma prática coletiva, construída conjuntamente por grupos de professores ou por todo corpo docente de uma determinada instituição escolar; afinal o saber docente é “plural, social, contextualizado e situado” (TARDIF, 2002, p.11), constituindo-se no fazer cotidiano do professor.

Neste sentido, Cunha (1989) diz que a escola é também “uma instituição contextualizada, isto é, sua realidade, seus valores, sua configuração variam segundo as condições histórico-sociais que a envolvem” (p. 24). Segundo a autora, há toda uma confluência de fatores que determinam seu perfil e suas manifestações. Nesse sentido, “o professor com relação à escola é ao mesmo tempo, determinante e determinado. Assim como seu modo de agir e de ser, recebe influências do ambiente escolar e também influencia este mesmo ambiente” (Opus citatum).

Vendo a escola dessa maneira, ela passa a ser um ambiente que proporciona a construção e a reconstrução dos saberes docentes, determinando esses saberes ao professor, ao

28 A autora se refere somente àqueles professores que já possuem formação inicial, no entanto para este trabalho, consideraremos a escola como locus de formação para todos os professores sejam com ou sem formação inicial.

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mesmo tempo em que o professor traz consigo outros saberes que determinam seu modo de desenvolver suas práticas docentes na escola. Nesse jogo de poder, o que vale é uma construção conjunta de saberes.

Esses saberes, construídos nas rotinas de trabalho “tomam caráter de validade psicológica à medida que resolvem problemas e vão dando sentidos a algumas das práticas docentes e determinando formas de pensar e agir especificas. São saberes cotidianos que se tornam sólidos e cristalizados na prática docente” (SILVA, 2000, p.27). Passam a fazer parte da rotina, cristalizam-se, muitas vezes deixam de ser conscientes. “Esses saberes vão se transformando em estruturas de pensar e agir. São saberes que se transformam em crenças, ou seja, adquirem uma base de confiança, e acabam por influenciar ou determinar as decisões e ações dos homens” (Ibidem, p.30).

Dessa forma, o saber do professor é construído no seu próprio cotidiano, mas ele não é só fruto da vida na escola. Provém, também de outros âmbitos e, muitas vezes, exclui de sua prática, elementos que pertencem ao domínio escolar.

Além da experiência de trabalho como uma das fontes de construção dos saberes docentes, temos os saberes construídos no processo de formação formal. Portanto, o professor não constrói seus saberes somente durante sua vida, e não só na escola em sua prática docente. Há também o momento de sua formação acadêmica que deve ter papel decisivo na construção do profissional professor. Essa formação é não somente a inicial, mas também a continuada.

A rigor, segundo Silva (2000), os cursos de formação, inicial ou continuada, deveriam proporcionar aos seus alunos uma crítica de suas posturas, de seus preconceitos e opiniões, dos saberes que construíram ao longo da vida. Deveriam partir dos saberes já construídos pelos alunos, pois é

na formação básica [inicial] que esses saberes deveriam ser colocados em xeque, pois é lá que eles [os alunos, futuros professores] vão estudar as teorias pedagógicas que lhe darão as bases do seu trabalho. O papel dos cursos de formação implica uma base teórica conceitual suficiente para que o professor questione o que já aprendeu e para que possa construir o seu próprio referencial teórico para trabalhar e superar o senso comum (p.40).

Diante das pesquisas sobre o pensamento do professor frente às aprendizagem da docência, parece claro, segundo Lourencetti e Mizukami (2002), que a formação de professores começa muito antes da entrada nos cursos de formação e, ao mesmo tempo, é um processo interminável já que se prolonga por toda a vida profissional.

Em torno de todas essa discussões, pesquisadores como Tardif, Lessard e Lahaye (1991) classificam os saberes docentes em: disciplinares, curriculares, profissional e da experiência. Afirmam

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que o conhecimento que o professor adquire durante sua formação profissional, nas disciplinas específicas e pedagógicas parece não ter nenhuma relação com sua prática. Esses conhecimentos “se incorporam efetivamente à prática docente sem serem, porém, produzidos ou legitimados por ela” (p.222). Visto dessa forma, o professor é simplesmente um “agente de transmissão”, transmitem os conteúdos de qualquer disciplina culturalmente impostos por grupos (os especialistas em determinada área do conhecimento) produtores de saberes sociais. Não é visto e não se sente como aquele que produz e controla o conhecimento em sua prática. É como se os conhecimentos adquiridos nos cursos de licenciatura fossem algo externo à sua prática. Esses conteúdos precedem e dominam sua prática, mas não são provenientes dela.

No entanto, a partir de experiências profissionais, os professores adquirem conhecimentos e crenças sobre a disciplina que lecionam e passam a dominar sua prática. Passam, então, a se distanciar dos conhecimentos e crenças adquiridos em sua formação.

Tardif (2002) denomina de saberes da formação profissional “o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores (escolas normais ou faculdades de ciências da educação)” (p.58-59). No plano institucional, essa transmissão acontece por meio da formação inicial e/ou continuada dos professores. São os saberes que são mobilizados e empregados na prática cotidiana, saberes estes que dela provêm de uma maneira ou de outra e servem para resolver os problemas dos professores em exercícios, dando sentido às situações de trabalho que lhes são próprias.

Nunes (2001) salienta que a prática pedagógica do professor é tomada como mobilizadora de saberes profissionais, porque em sua trajetória, o docente constrói e reconstrói seus conhecimentos conforme a necessidade. Os saberes construídos nessa trajetória profissional servem de “base de ensino”, sendo essa expressão originária dos pesquisadores anglo-saxões e, pode ser entendida de duas maneiras: num sentido restrito, ela designa os saberes mobilizados pelos “professores eficientes” durante a ação em sala de aula, [...] saberes que foram validados pela pesquisa e que deveriam ser incorporados aos programas de formação de professores (GAUTHIER et al., 1998); num sentido amplo, designa o conjunto dos saberes que fundamentam o ato de ensinar no ambiente escolar (TARDIF, 2000). Esses saberes provêm de fontes diversas: da formação inicial e continuada dos professores, do currículo e socialização escolar, do conhecimento das disciplinas a serem ensinadas, da experiência na profissão, da cultura pessoal e profissional, da aprendizagem com os pares etc.

Tardif (2002), ao expor os resultados das pesquisas que se referem aos saberes, conclui que

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os saberes que servem de base para o ensino, tais como são vistos pelos professores, não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependem de um conhecimento especializado. Eles abrangem uma grande diversidade de objetos, de questões, de problemas que estão todos relacionados com seu trabalho [...]. (p. 61)

Além disso, “não correspondem, ou pelo menos muito pouco, aos conhecimentos teóricos obtidos na universidade e produzidos pela pesquisa na área da educação: para os professores de profissão, a experiência de trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar” [...] (Idem.). Notemos também “a importância que atribuem a fatores cognitivos: sua personalidade, talento diversos, o entusiasmo, a vivacidade, o amor às crianças, etc” [...] (TARDIF, 2000, p. 61). Finalmente, os professores se referem também “a conhecimentos sociais partilhados, conhecimentos que possuem em comum com os alunos, enquanto membros de um mesmo mundo social, pelo menos no âmbito da sala de aula” (Ibidem).

Dessa forma, os saberes profissionais dos professores parecem ser, portanto, plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem à tona, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados e provenientes de fontes variadas, as quais podemos supor também que sejam de natureza diferente.

Segundo Tardif (2002) vários autores tentaram organizar essa diversidade, propondo classificações ou tipologias relativas ao saber dos professores: Bourdoncle (1994), Doyle (1977), Gage (1978), Gauthier et al. (1998), Martin (1993), Martineau (1997), Mellouki e Tardif (1995), Paquay (1993), Raymond (1993), Raymond, Butt e Yamagishi (1993), Shulman (1986). Todavia, alerta o autor, que a proliferação dessas tipologias simplesmente desloca o problema e torna impossível uma visão mais “compreensível” dos saberes dos professores como um todo por diversas razões, uma delas é que seu número e sua diversidade demonstram o mesmo desmembramento da noção de “saber”; e a outra, quando as comparamos, percebemos que se baseiam em elementos incomparáveis entre si.

Assim, há alguns anos, Tardif propôs uma primeira tentativa de solução para a questão do “pluralismo epistemológico” dos saberes docentes por meio de um modelo de análise baseado na origem social. Essa interpretação, segundo o autor, procurava associar a questão da natureza e da diversidade dos saberes do professor à de suas fontes, ou seja, de sua proveniência social. Para isso, Tardif (2002) propõe o quadro que será mostrado a seguir, no qual apresenta um modelo tipológico para identificar e classificar os saberes dos professores. O autor ressalta que,

ao invés de tentar propor critérios internos que permitam discriminar e compartimentar os saberes em categorias disciplinares ou cognitivas diferentes (por exemplo: conhecimentos pedagógicos e conhecimentos da matéria; saberes teóricos e procedimentais, etc.), ele tenta dar conta do pluralismo do saber profissional, relacionando-o com os lugares nos quais os próprios professores atuam, com as organizações que os formam e/ou nas quais trabalham, com seus

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instrumentos de trabalho e, enfim, com sua experiência de trabalho. Também coloca em evidência as fontes de aquisição desse saber e seus modos de integração no trabalho docente (TARDIF, 2002, p.62).

O quadro criado por Tardif (2002) coloca em evidência vários fenômenos importantes. Em primeiro lugar, todos os saberes nele identificados são realmente utilizados pelos professores no contexto de sua profissão em sala de aula. Além disso, o quadro registra a natureza social do saber profissional: pode-se constatar que os diversos saberes dos professores estão longe de serem todos produzidos diretamente por eles, que vários deles são de um certo modo “exteriores” ao ofício de ensinar, pois provém de lugares sociais, anteriores à carreira propriamente dita ou situados fora do trabalho cotidiano.

QUADRO VII- Quadro dos Saberes Docentes propostos por Tardif (2002).

Saberes dos professores Fontes Sociais de aquisição Modos de integração no trabalho docente

Saberes pessoais dos professores A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato etc.

Pela história de vida e pela socialização primária.

Saberes provenientes da formação escolar anterior

A escola primária e secundária, os estudos pós-secundários não especializados etc.

Pela formação e pela socialização pré-profissionais

Saberes provenientes da formação profissional para o magistério

Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de

reciclagem etc.

Pela formação e pela socialização profissional nas instituições de formação

de professores

Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho

A utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos,

cadernos de exercícios, fichas etc. Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua adaptação às tarefas.

Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula

e na escola A prática do ofício na escola e na sala de

aula, a experiência dos pares etc. Pela prática do trabalho e pela

socialização profissional.

Fonte: TARDIF (2002, p. 63).

O saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc (TARDIF, 2002).

Como se sabe a prática docente é uma atividade que mobiliza diversos saberes que podem ser chamados de pedagógicos. Segundo Tardif (2002),

Os saberes pedagógicos apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de orientação da atividade educativa (p. 37).

Além dos saberes produzidos pelas ciências da educação e dos saberes pedagógicos, “a prática docente incorpora saberes sociais definidos e selecionados pela instituição universitária” (TARDIF, 2002, p.38). Esses saberes integram-se igualmente à prática docente através da formação (inicial e contínua) dos professores nas diversas disciplinas oferecidas pela universidade. Os saberes disciplinares são

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saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas, no interior de faculdades e de cursos distintos. Os saberes disciplinares (por exemplo, matemática, história, literatura, etc.) são transmitidos nos cursos e departamentos universitários independentemente das faculdades de educação e dos cursos de formação de professores (Ibidem).

Ao longo de suas carreiras, os professores devem também se apropriar de saberes que podemos chamar de curriculares.

Esses saberes correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para cultura erudita. Apresentam-se concretamente sob a forma de programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores devem aprender a aplicar (TARDIF, 2002, p.38).

Segundo o mesmo autor, os próprios professores no exercício de suas funções e na prática de sua profissão, desenvolvem saberes específicos baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. “Esses saberes brotam da experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se à experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser” (Opus citatum). Podemos chamá-los de saber experienciais ou práticos.

Tardif, Lessard e Lahaye (1991) denominam de “saberes da experiência” o conjunto de conhecimentos que não são sistematizados por teorias”. Dizem eles: “são saberes práticos e não da prática: eles não se aplicam à prática para melhor conhecê-la, eles se integram a ela e são partes dela enquanto prática docente” (p. 228).

Zeichner (1998) crítica a falta de respeito ao saber dos professores e propõe o trabalho docente como um processo reflexivo, enfatizando a necessidade de um profissional que constrói em sua prática os saberes que irão conduzir, tendo, pois, uma atitude ativa tanto no planejamento de suas funções como na execução de suas ações em sala de aula. Destaca Zeichner, que esse professor precisa de reconhecimento, e como diz Nóvoa (1992, p.25): “estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional”.

Não basta que tenhamos conhecimento de como os professores constroem seus saberes ao longo de sua carreira; precisamos criar em nossos cursos uma metodologia que propicie ao professor estar em constante formação e que durante esse processo tenham a oportunidade de refletir sobre seus objetivos educacionais e sua prática de sala de aula.

Nessa formação, o professor deve ser o principal protagonista, assumindo a responsabilidade de seu próprio desenvolvimento profissional, da construção de seus “saberes

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práticos” (TARDIF, LESSARD e LAHAYE, 1991) e não saberes da prática ou saberes sobre a prática. “A esse conjunto de saberes produzidos pela ação reflexiva/investigativa dos professores sobre seu fazer pedagógico, Gauthier et al. (1998) tem chamado de saber da ação pedagógica” (FIORENTINI, 1995, p.3).

Os saberes da experiência são o núcleo vital do saber docente e a partir do qual o professor dialoga com os saberes disciplinares e os saberes curriculares. Esses saberes fundamentam-se no trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. É por meio deles que os professores julgam a formação que adquiriram, a pertinência ou o realismo dos planos e das reformas que lhes são propostas e concebem os modelos de excelência profissional, pois a experiência provoca,

[..].um efeito de retorno crítico (feedback) aos saberes adquiridos antes ou fora da prática profissional. Ela filtra e seleciona os outros saberes, e por isso mesmo ela permite aos (às) professores (as) retomar seus saberes, julgá-los e avalia-los, e, então, objetivar um saber formado de todos os saberes retraduzidos e submetido ao processo de validação constituído pela prática cotidiana (TARDIF, LESSARD e LAHAYE, 1991, p.231).

No entanto, para que os saberes da experiência possam dialogar com os demais saberes docentes, faz-se necessário que o professor encontre e estabeleça um elo entre sua prática e os saberes que nela usufrui. A reflexão pode desencadear o papel de elo entre as diversas fontes de saber para que os saberes da experiência possam também sustentar a Aprendizagem da Docência. Para entendermos melhor, é interessante estudarmos a experiência como fonte da Aprendizagem da Docência e o papel da reflexão para essa aprendizagem. Faremos isso nos próximos itens desse trabalho.

2.3.2. As Experiências como fonte de Aprendizagem da Docência: um olhar sobre o “bordado” feito.

“é no exercício da profissão que se constrói a experiência” (Marques, 2003, p. 13)

Os processos de aprender a ensinar e de aprender a profissão, ou seja, de aprender a ser

professor, de aprender o trabalho docente são processos de longa duração e sem um estágio final estabelecido a priori. Desta forma, aprende-se a ser professor por toda uma vida, constituindo, assim, um processo que perpassa toda um percurso profissional. Sendo assim, “o exercício da profissão pode ser tratado como tempo-espaço da construção da experiência” (MARQUES, 2003, p.14).

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Através da reflexão sobre o exercício de sua profissão, o professor tem a possibilidade de dar significado e transformar em experiência os saberes adquiridos nas circunstâncias vividas no exercício de sua profissão.

O Dicionário Barsa da Língua Portuguesa (2003), define experiência como sendo: “ato ou efeito de experimentar ou experimentar-se; [...]; Habilidade ou destreza adquirida com o exercício constante [...] de uma profissão; Prática da vida; [...]” (p.428). Entende-se, então, experiência como algo do próprio sujeito, que adquire mediante o exercício de uma dada atividade ou exercício de uma profissão, como circunstâncias experimentadas, refletidas e dadas um significado.

Larrosa (2003) propõe o significado de experiência baseado na reflexão e interpretação do vivido, dizendo que “a interpretação do passado só é experiência quando tomamos o passado como algo ao qual devemos atribuir um sentido em relação a nós mesmos” (p.135). Essa interpretação e atribuição de sentido a circunstâncias vividas (passadas) podem ser feitas através do processo de reflexão sobre o que se viveu para se transformar em experiência.

O sentido dado pelo sujeito, ao qual menciona Larrosa (2003), só tem significado com o olhar que o sujeito lança do presente em relação ao que fez e foi, a partir das inquietações que o próprio processo de formação vai calcando em sua vida, tornando-o, na medida em que avança em seu percurso profissional, sujeito da experiência que, segundo o mesmo autor,

deve ser um sujeito desconforme e inquieto. Esse sujeito é o que vai do presente ao passado, mas arrastando consigo sua desconformidade, ou seja, evitando toda relação de continuação. E é também, o que vem do passado ao presente, mas para interrompê-lo e colocá-lo em questão, para desestabilizá-lo e dividi-lo no interior de si mesmo (LARROSA, 2003, p.136).

Ao lançar seu olhar com a inquietude de um sujeito da experiência, ele propõe a questionar as circunstâncias vividas e as influências que elas ocasionaram em seu eu profissional naquele momento.

No entanto, é incapaz de experiência “aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre” (LARROSA, 2002b, p. 20). É incapaz de experiência, de dar significado ao vivido, aquele que não reflete sobre o que fez e passou, a aquele que não problematiza a sua prática.

Se é experiência aquilo que “nos passa”, ou que “nos toca”, ou que “nos acontece com sentido”, ao nos passar, segundo Larrosa (2002b), “nos ‘forma’ e nos ‘transforma’”. No entanto, somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação. Só pode transformar-se, realmente, aqueles que se colocam em situação de transformação e fazem a escolha

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em passar pelo estado de transformação por serem inquietos e desconformes com as situações vividas nos contextos de práticas docentes, no exercício de sua profissão. Estes passam nos primeiros momentos, “momentos de desespero que não representam nada mais do que o desestruturar, o desmontar e o desconstruir verdades, dogmas, certezas, afirmações e simplismos” (ZART, 2003, p. 99). Nesses momentos de transformação, de reflexão sobre o vivido, geram-se saberes e, estes, são chamados por Larrosa (2003) de saberes da experiência.

O “saber da experiência”29 segundo Larrosa (2003), acontece pela relação do sujeito com as circunstâncias vividas significativamente de modo a lhe dar os contornos do vir a ser como é (o sujeito ser como é) e que é externalizado pelo sujeito em função de um movimento que ocorre no seu interior. Tal movimento, na sua perspectiva, dá-se no continuum de vida do sujeito e não necessariamente no âmbito da prática profissional.

Nesse contexto, consideramos o percurso profissional dos sujeitos da experiência como um “bordado” que é constituído e é próprio de quem o constituiu. Esse “bordado”, segundo Soares (1991), é realizado sob um risco desconhecido. No entanto, vamos bordando a nossa vida pessoal e profissional sem conhecer por inteiro o risco e as cores que serão utilizadas. A autora salienta que “de vez em quando voltamos a olhar para o bordado já feito e sob ele desvendamos o risco desconhecido; [...]” (p. 28).

O saber profissional e o perfil do professor são aspectos que se constroem constantemente através da sua prática docente, sendo influenciados pelas estâncias nas quais o professor realiza suas práticas pedagógicas, conciliando, assim, a formação que desempenhou com a prática pedagógica que realiza na construção dessas características dentro de um percurso formativo.

No entanto, é através da reflexão que os futuros professores podem encontrar, direcionar e orientar a construção de si mesmo e gerar um momento de questionamento sobre si próprio que, segundo Moita (1995), “é um processo de formação”, pois

ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter em conta a singularidade da sua história e sobretudo o modo singular como age, reage, e interage com seus contextos (p. 115).

Segundo o autor, um percurso de vida é assim um percurso de formação, no sentido em que é um processo de formação. O processo de formação pode ser considerado a dinâmica em que se vai construindo a identidade de uma pessoa. “Processo em que cada pessoa, permanecendo ela 29 Larrosa (2002a, p.136-142) opõe o saber da experiência à sua concepção de conhecimento (separado do sujeito cognoscente) caracterizado-o como: a) saber particular, subjetivo, relativo, pessoal; b) saber finito, ligado ao amadurecimento de um indivíduo particular e que revela ao homem singular sua própria finitude; c) saber inseparável do indivíduo concreto que o encarna não estando, como o conhecimento científico, fora dele.

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própria e reconhecendo-se a mesma ao longo da sua história, se forma, se transforma, em interação” (MOITA, 1995, p.115).

Essa identidade resulta de “relações complexas que se tecem entre a definição de si e a percepção interior, entre o objetivo e o subjetivo, entre o eu e o outro, entre o social e o pessoal” (MOITA, 1995). No interior da problemática da identidade situa-se a questão da identidade profissional. Para Moita (1995), à identidade profissional dos educadores e professores é uma “montagem compósita”, pois entende ser

uma construção que tem uma dimensão espácio-temporal, atravessa a vida profissional desde a fase da opção pela profissão até à reforma, passando pelo tempo concreto da formação inicial e pelos diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenrola. [...] É uma construção que tem a marca das experiências feitas, das opções tomadas, das práticas desenvolvidas, das continuidades e descontinuidades, quer ao nível das representações quer ao nível do trabalho concreto (MOITA, 1995, p.116).

Desse modo, os formadores encontram-se confrontados com a complexidade dos processos de formação que se entrecruzam em cada pessoa. A compreensão dessa complexidade, mesmo que feita por aproximações, é uma tarefa que se impõe, de modo paradoxal, na medida em que a formação é uma realidade que “escapa” de certa maneira aos formadores porque é fundamentalmente introdeterminada (MOITA, 1995). Pois, “o essencial é reconhecer que a todo instante, em qualquer ambiente, se está aprendendo” (D’AMBROSIO, 1993, p. 12).

Nesse movimento de constituição de si próprio, através do olhar que se lança sobre o bordado já feito, das circunstâncias vividas, os sujeitos têm a possibilidade de desencadear um processo de reflexões sobre os percursos formativos que escolheu, significando o que passou, transformando, assim, em experiências vividas por ele.

Ao (re)constituir o vivido e transformar em experiência, identifica saberes que fizeram parte do processo de construção dessas experiências, aos quais foram constituindo a Aprendizagem da docência.

Durante o bordado das vidas profissionais, isto é, durante o percurso profissional, vai-se atribuindo sentido ao vivido, transformando as circunstâncias vividas, através de reflexões, em experiências. E este atribuir sentido ao vivido, pode se dar por meio de um processo narrativo, através do qual nos constituímos como sujeitos de possibilidades e de saberes (CASTRO, 2002). Neste processo vamos atribuindo sentido às diversas experiências vividas por eles e por nós.

Sendo assim, visualizando a importância das experiências vividas pelo professor, tanto na Educação Básica como no Ensino Superior, buscamos em Marcelo Garcia (1999) a possível

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explicação, visto que entendemos a formação como um processo continuum que se inicia na graduação e perpassa toda a carreira do professor (NÓVOA, 1995a; MIZUKAMI, 2002a).

Ao desenvolver orientações conceituais na formação de professores, Marcelo Garcia (1999) classifica-as em: orientação acadêmica, orientação tecnológica, orientação personalista, orientação prática e orientação social-reconstrucionista. Todas possuem características fundamentais diferenciando-se uma das outras. Discorremos em relação à orientação prática por dar importância à experiência na formação de professores.

Segundo Marcelo Garcia (1999), a orientação prática, juntamente com a orientação acadêmica, “tem vindo a ser a abordagem mais aceita para se aprender a arte, a técnica e o ofício de ensino” (p. 33). O essencial desta perspectiva é o fato de conceber

O ensino como uma atividade complexa, que se desenvolve em cenários singulares, claramente determinadas pelo contexto, com resultados em grande parte sempre imprevisíveis e carregada de conflitos de valor que exigem opções éticas e políticas (PÉREZ GÓMEZ, 1992, p.112).

Nesta perspectiva, segundo Marcelo Garcia (1999), é dado um valor mítico à experiência como fonte de conhecimento sobre o ensino e sobre o aprender a ensinar. A palavra “mito” era utilizada por Zeichner (1993) para se referir à crença segundo a qual as experiências práticas em escolas contribuem necessariamente para formar melhores professores.

Segundo Marcelo Garcia (1999), o modelo de aprendizagem associado a esta orientação na formação de professores é a aprendizagem pela experiência e pela observação. O autor destaca que nenhuma posição conceitual sobre o valor da experiência no ensino e na formação de professores é possível sem nos referir a Dewey, que em 1938, já defendia a necessidade de se desenvolver uma Teoria da Experiência e já constatava que “a experiência não é sinônimo de educação”. Nesse sentido, alerta que “não é suficiente insistir na necessidade da experiência, nem mesmo da atividade na experiência. Tudo depende da qualidade da experiência que se tenha” (DEWEY 1938, apud MARCELO GARCIA, 1999, p.40).

Marcelo Garcia (1999), baseado em Dewey, afirma que valorizar a qualidade das experiências implica que sejam levados em conta dois aspectos: um imediato que diz respeito ao quanto de agradável ou desagradável é para o sujeito que a vive e o segundo é o efeito que tais experiências podem ter em experiências posteriores, ou seja, a transferência para aprendizagens posteriores.

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O mesmo autor afirma que as experiências não ocorrem no vazio. Ocorrem num mundo social, físico, psicológico - determinado. Desse modo, as experiências ocorrem em indivíduos ou grupos que possuem “estruturas cognitivas” através das quais dão sentidos a tais experiências.

Marcelo Garcia (1999, p.40) enfatiza ainda que “o que experienciamos é determinado pela linguagem teórica através da qual nos socializamos profissionalmente”. Adquiriremos essa linguagem teórica através do tempo-espaço em que nos tornamos profissionais nos contextos formativos ao qual fazem parte de nosso percurso profissional, no trajeto definido pelo sujeito. Ao falarmos sobre a linguagem teórica, reportamo-nos ao ensino reflexivo que, segundo Zeichner (1993), implica que os professores - em vez de refletir apenas sobre a aplicação em suas salas de aula das teorias geradas fora delas - critiquem e desenvolvam suas teorias práticas à medida que refletem sozinhos e/ou em conjunto na ação e sobre ela acerca de seu ensino e das condições sociais que modelam suas práticas pedagógicas, formando, assim, uma linguagem teórica própria e situada em cada espaço.

Marcelo Garcia (1999) afirma que “os indivíduos não aprendem a ensinar de forma mecânica, rotineira e previsível. O sujeito-professor traz consigo um conhecimento prévio quando se implica em qualquer atividade didática” (p. 40). Isso quer dizer que o professor formador poderá trazer as experiências vividas por ele na educação básica, as experiências passadas em outros momentos na própria prática docente no ensino superior para sua constante formação, sua Aprendizagem Docente como Professor Formador, desde que consiga utilizar a “reflexão como fio condutor da sua formação”, como propõe Mizukami (2002). Essa idéia pode ser sintetizada através da figura que segue:

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FIGURA 1 - A Reflexão do Professor como fio condutor para a aprendizagem da docência (criação própria).

A figura 1 mostra o movimento ocasionado pela reflexão, significando circunstâncias vividas e as transformando em experiências, sejam na educação básica e/ou no ensino superior, ou na formação inicial, ou na formação continuada. Demonstra, ainda, que a aprendizagem não tem tempo nem espaço definido, ela acontece durante um percurso formativo sendo sempre constante. Polettini (1999) alerta que “a experiência em si em nossa vida é importante, mas a análise dessa experiência é muito mais importante, é como a reflexão sobre as experiências passadas e presentes se realiza desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento profissional do professor” (p. 250).

Complementa Nóvoa (1995), a experiência não é nem formadora nem produtora. É a reflexão sobre a experiência que pode provocar a produção do saber e a formação.

Assumindo assim o conceito de formação “não só como uma atividade de aprendizagem situada em tempos e espaços limitados e precisos, mas também como a ação vital de construção de si próprio, onde a relação entre vários pólos de identificação é fundamental” (NÓVOA, 1995, p.114). Esses pólos de identificação para esta pesquisa são os locus formativos aos quais consideramos a atuação como educador(a) matemático(a) na educação básica, a atuação como professor(a)

EXPERIÊNCIA Educação Básica

EEXXPPEERRIIÊÊNNCCIIAA EEnnssiinnoo SSuuppeerriioorr

RR EE FF LL EE XX ÃÃ OO

FF OORR MM AA ÇÇ ÃÃ OO

II NN II CC II AA LL

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CC OONNTT II NNUU AA DD AA

AA PP RR EE NN DD II ZZ AA GG EE MM DD AA DD OO CC ÊÊ NN CC II AA DD OO PP RR OO FF EE SS SS OO RR FF OO RR MM AA DD OO RR ..

REFLEXÃO REFLEXÃO

CIRCUNSTÂNCIAS VIVIDAS

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formador(a) no ensino superior e a própria formação inicial desenvolvida pelos sujeitos. A figura acima mostrou o papel da experiência na formação e aprendizagem da docência do professor formador, significando todos os locus formativos.

Se o professor formador não conseguir refletir sobre suas experiências vividas ao longo de sua carreira profissional não dará significado a elas para sua formação, conseqüentemente não visualizará a importância dessas experiências para sua aprendizagem da docência no ensino superior e não aprenderá a partir da experiência.

Ocorre que a aprendizagem por experiência não é um processo claramente compreendido pelos pesquisadores. O genérico aprender pela experiência mascara questões que assumem especial importância à luz do trabalho de Schön, tais como: que elementos particulares da experiência possibilitam o professor aprenda a partir dela? Quais são as diferenças entre o ensino daqueles que aprenderam pela experiência e daqueles que não o fizeram? Estão alguns professores mais dispostos a aprender a partir de suas próprias experiências do que outros? É necessária tal disposição para aqueles cuja experiência de ensino é longa, lenta e confusa? É possível implementar programas de formação de professores de forma que a aprendizagem pela experiência seja encorajada?

As possíveis respostas a essas perguntas poderiam trazer-nos compreensões desejáveis à Aprendizagem da Docência do Professor Formador dos professores de Matemática e certamente contribuiriam para a formação do professor de Matemática. No entanto, para que o vivido passe a ser experiência, há a necessidade de haver um elo entre os locus formativos. A esse elo chamamos de reflexão.

2.3.3. A Reflexão como possível elo entre a Formação, os Saberes e as Experiências docentes.

Ao considerarmos a formação do professor como um processo continuum que perpassa

toda uma vida profissional, e também como parte integrante da aprendizagem da docência, esta permanente e contínua, temos necessidade de compreender como o professor vai adquirindo os saberes e experiências e os transforma em aprendizagens da docência.

Mizukami (2002a) propõe para isso o estabelecimento de um “fio condutor que vá produzindo os sentidos e explicitando os significados ao longo da vida do professor, garantindo, ao mesmo tempo, os nexos entre a formação inicial, a continuada e as experiências vividas” (p.16). Esse

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fio condutor é a reflexão vista neste trabalho como elemento capaz de promover as intersecções entre estâncias formativas, significando, assim, a aprendizagem da docência.

No entanto, segundo Marcelo Garcia (1992), o conceito de reflexão tem sido tão amplamente utilizado por investigadores, formadores de professores e educadores diversos, que é difícil encontrar trabalhos de investigação ou programas de formação de professores que não o incluam de uma ou de outra maneira como elemento estruturador. A ampla utilização do termo reflexão tem gerado uma grande confusão sobre o significado do termo.

Para Dewey (1933 apud DARSIE, 1998, p.64), a reflexão “é uma forma especializada de pensar”. Alarcão (1996b) afirma que a reflexão para Dewey, “implica uma perscrutação ativa, voluntária, persistente e rigorosa daquilo em que se julga acreditar ou daquilo que habitualmente se pratica, evidenciando os motivos que justificam as nossas ações ou convicções e iluminando as conseqüências a que elas conduzem” (p.175). Complementando as idéias de Dewey, Alarcão (1996b) diz ainda que “ser-se reflexivo é ter a capacidade de utilizar o pensamento como atributo de sentido” (p.175).

Todavia, Dewey (apud DARSIE, 1998, p.64) estabelece a diferença entre pensamento reflexivo e ato de rotina. Para Dewey, o ato de rotina, embora fundamental ao ser humano, é guiado por impulsos, hábitos, tradição ou submissão à autoridade. Pelo ato de rotina, os professores agem sem refletir e aceitam como natural a realidade cotidiana de suas escolas. Centram seus esforços à procura dos meios mais eficazes e eficientes para atingir os objetivos e encontrar soluções para os problemas que os outros definiram no seu lugar, tornando-se meros agentes de terceiros. Os professores não-reflexivos aceitam automaticamente o ponto de vista dominante numa dada situação.

Em contraposição ao ato de rotina, a ação reflexiva, para Dewey, implica convicção persistência e clareza com relação às causas e conseqüências. É uma maneira de encarar e responder aos problemas, é uma maneira de ser professor (DEWEY apud DARSIE, 1998, p.65). Para Zeichner (1993), Dewey compreende a ação reflexiva como: “um processo que implica mais do que a busca de soluções lógicas e racionais para os problemas. A reflexão implica intuição, emoção e paixão; não é, portanto, nenhum conjunto de técnicas que possa ser empacotado e ensinado aos professores” (p.18).

Alarcão (1996b), ao comentar a definição de ação reflexiva de Dewey, diz:

a reflexão baseia-se na vontade, no pensamento, em atitudes de questionamento e curiosidade, na busca da verdade e da justiça. Sendo um processo simultaneamente lógico e psicológico, combina a racionalidade da lógica investigativa com a irracionalidade inerente à intuição e à paixão do sujeito pensante; une cognição e afetividade num ato específico, próprio do ser humano (p.175).

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Complementando o que Alarcão afirma, Dewey (1989 apud DARSIE, 1998, p.66) diz que a reflexão “é um processo que começa quando o sujeito se surpreende por algo, ao ter desassossego pela ocorrência de um fenômeno e posteriormente a orientar as concepções particulares na consecução de uma meta”.

Entretanto, o conceito de reflexão na formação de professores, assim como a concepção do professor reflexivo, tem sua origem em Dewey. Mas foi, sem dúvida, Donald Schön um dos principais autores responsáveis por sua difusão na atualidade. Schön é responsável também pela revelação dos processos do pensamento constitutivos de uma epistemologia da ação do professor (DARSIE, 1998, p.67).

Schön (1992; 2000) popularizou as teorias sobre epistemologia da prática ou epistemologia da ação do professor, que é definida por Tardif, Lessard e Lahaye (1991) como o estudo do conjunto dos saberes que os profissionais utilizam no seu dia-a-dia de trabalho para desempenhar as demais tarefas e a partir dos quais interpretam e orientam sua profissão em todas as dimensões. Assim, neste trabalho, utilizamos o conceito de reflexão sob o paradigma do “pensamento do professor”, ou seja, levando em consideração o que os professores pensam. Nesse contexto temos o ensino reflexivo que

passa a aglutinar as preocupações com a experiência pessoal e com a prática na formação e no desenvolvimento profissional de professores. Trata-se de produção heterogênea (quer quanto a temáticas investigadas, quer quanto a ênfase e orientações teóricas e metodológicas adotadas), mas que coloca o professor como centro do debate educacional (MIZUKAMI, 1996, p.61).

Segundo Mizukami (Ibidem) torna-se pertinente perguntar: “como os professores atribuem significado e aprendem a partir de suas vivências em sala de aula e de suas experiências diárias?” A premissa básica do ensino reflexivo, segundo ela, “considera que as crenças, os valores, as suposições que os professores têm sobre ensino, matéria, conteúdo curricular, alunos, aprendizagem, etc estão na base de sua prática de sala de aula” (MIZUKAMI, 1996, p.61).

Assim, a reflexão oferece aos professores a oportunidade de se tornarem conscientes de suas crenças e suposições subjacentes a essa prática.[...]. Pela reflexão, eles aprendem a articular suas próprias compreensões e a reconhecê-las em seu desenvolvimento pessoal (MIZUKAMI, 1996).

No entanto, o conceito de reflexão desenvolvido por Schön (1992; 2000) envolve três outros: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação.

O conhecimento na ação envolve o conhecimento técnico ou de solução de problemas que orienta a atividade humana e se manifesta no saber fazer, “ainda que este conhecimento, fruto da

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experiência e da reflexão passadas, se tenha consolidado em esquemas semi-automáticos ou em rotinas” (PÉREZ GÓMEZ, 1992, p.104).

Mizukami (1996), interpretando as idéias de Schön, ressalta que ele propõe uma epistemologia da ação: o conhecimento em ação. Essa epistemologia explicita duas formas de como o conhecimento em ação é desenvolvido e adquirido. “Trata-se de conhecimento não proposicional e representado, mais do que colocado em palavras” (p.61).

A reflexão-sobre-a-ação se refere ao pensamento deliberado e sistemático, dirigido a ações, e é usualmente utilizada e entendida em programas de formação e em parte considerável da literatura sobre o ensino reflexivo. É semelhante ao processo que ocorre quando se faz uma pausa e se atenta para o que se acredita ter ocorrido numa dada situação. A reflexão-na-ação, por sua vez, ocorre nas interações com a experiência que resultam em formas freqüentemente repentinas e não antecipadas pelas quais se vê a experiência diferentemente (p. 61).

Uma das formas que a reflexão-na-ação pode ser percebida é quando o professor se esforça para se aproximar do aluno e entender o seu processo de conhecimento, ajudando-o a articular seu conhecimento-na-ação com o saber escolar (MIZUKAMI, 2002a). À medida que o professor se distancia da situação, é possível refletir sobre a reflexão-na-ação, que consiste na observação e na descrição do que já ocorreu e, para isso, há a exigência do uso de palavras.

A reflexão-na-ação é um processo que incorpora representações múltiplas, tanto nas relações que estabelecem maior proximidade com as experiências cotidianas, chamadas por Schön de figurativas, como as que implicam referências fixas, como o saber escolar, denominadas pelo autor de representações formais (MIZUKAMI, 2002a).

Outra dimensão que, segundo a mesma autora, ainda é pertinente à reflexão-na-ação, diz respeito às emoções cognitivas que se relacionam com a confusão e a incerteza. Um professor reflexivo tem o dever de dar valor à confusão cognitiva do aluno e a sua própria confusão. Ele deve ser capaz de aprender com seus próprios erros sem se constranger. “O sucesso do professor dependerá de sua capacidade de manejar essa complexidade e resolver problemas práticos, integrando com criatividade o conhecimento técnico” (MIZUKAMI, 2002a, p.17).

Ao refletir sobre sua ação, o professor dá significado às experiências vividas em sua prática docente e tem a oportunidade de (re)construir saberes. Se o professor não reflete sobre suas ações cotidianas não dá significado a elas e, conseqüentemente, não aprende com suas experiências. Assim, se o professor ensina mecanicamente seus alunos da escola de educação básica é porque não reflete sobre suas ações e não traz essa aprendizagem para o ensino superior. Segundo Mizukami (2002a) a reflexão-sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação realiza-se posteriormente à ação.

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Para Pérez Gómez (1992, p.105), “na reflexão-sobre-a-ação, o profissional prático, liberto dos condicionamentos da situação prática, pode aplicar os instrumentos conceptuais e as estratégias de análise da compreensão e da reconstrução da sua prática”, tornando essa prática cotidiana uma experiência.

A reflexão-sobre-a-ação se refere ao pensamento deliberado e sistemático dirigido a ações e é usualmente utilizada e entendida em programas de formação, tanto de formação inicial quanto continuada, e em parte considerável da literatura sobre o ensino reflexivo. É semelhante ao processo que ocorre quando se faz uma pausa e se atenta para o que se acredita ter ocorrido numa dada situação.

A reflexão-na-ação, por sua vez, “ocorre nas interações com a experiência que resultam em formas freqüentemente repentinas e não antecipadas pelas quais se vê a experiência diferentemente” (MIZUKAMI, 2002a, p.61). Para Darsie (1998),

reflexões sobre os processos e produtos da aprendizagem do que e do como ensinar não só levam à tomada de consciência destes, como desencadearam reflexões sobre as experiências, crenças e sentimentos que levaram a resgatar a história de vida escolar e reescreve-la, resgatando assim a auto-estima, sentindo-se os alunos [os professores] capazes de aprender, construindo assim a auto-confiança em ensinar (p.278).

Para a pesquisadora, “a reflexão acaba por fim promovendo não só o desenvolvimento do professor como profissional, mas dele como pessoa, que pode, através dela, auto-conhecer-se e por vezes reencontrar-se” (Ibidem, p.279).

Assim, visto que aprender a ensinar se constitui em um processo que perpassa por todo o percurso profissional dos professores, mesmo após a consolidação profissional, por meio da reflexão o professor tem a possibilidade de dar significado a sua profissão e aprender através da experiência.

No entanto, se o professor formador não conseguir refletir sobre suas experiências vividas ao longo de sua carreira profissional, não dará significado a elas para sua formação como formador, conseqüentemente, não visualizará a importância dessas experiências para sua aprendizagem da docência no Ensino Superior. A reflexão “aparece como parte desse processo de formação profissional, no qual os saberes docentes são mobilizados, problematizados e ressignificados pelos futuros professores” (CASTRO, 2003, p.127).

Desta forma, após discutirmos sobre a formação de professores, seus saberes e experiências, falando do profissional professor de uma forma geral, cabe discutir de uma forma mais específica à formação de educadores Matemáticos, seja, da escola de educação básica ou do ensino superior.

3 A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A DOCÊNCIA: o educador matemático da educação básica e da universidade

3.1. A educação matemática como movimento: a prática docente refletida

A Educação Matemática pode ser considerada “como um movimento que confere

relevância à prática, entendida como práxis, porque demanda reflexão que se alimenta daquela e visa a uma efetiva intervenção na ação pedagógica” (GARNICA, 1999, p.12). Nesse sentido, vem a ser um campo de conhecimento em estreita ligação com a formação de professores, em particular para com a formação inicial que ocorre nos cursos de licenciatura.

Dessa forma, assumir “Educação Matemática como ‘movimento’ implica aceitar que desde o primeiro instante em que se decidiu ensinar a alguém alguma coisa chamada ‘Matemática’, uma ação de Educação Matemática começou a se manifestar” (GARNICA, 1999, p.60). Considerar a Educação Matemática como movimento implica, ainda,

não desqualificar sua vertente prática e, até mesmo, radicalizando, sua vertente “meramente” prática. Pretende-se, porém, uma prática que demande necessariamente, reflexão (uma prática, como se tem afirmado). Não a mera reflexão teórica fundante supostamente “auto-suficiente”, mas uma reflexão que sugerida pela prática, visa a uma efetiva intervenção na ação pedagógica (Ibidem., p. 8).

Desse modo, Educadores Matemáticos “podem formar-se na própria atividade de pesquisa, vinculando prática e teoria, pesquisador e pesquisado, pesquisa e ensino, não dicotomizando sujeito e objeto” (GARNICA, 1999, p. 61), utilizando a sua prática de ensinar como contexto de pesquisa.

A reflexão, nesse contexto de Educação Matemática como movimento tem, assim, a “intenção de alimentar uma prática por ela alimentada” (Ibidem, p.61), ou seja, vincular o futuro professor ou o profissional professor a uma sala de aula, formando-o no contexto de seu trabalho.

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A Educação Matemática, como área de conhecimento e de investigação, deve ser vista também pela sua importância de visualizar a Educação Matemática desenvolvida em todos os contextos formais e informais, buscando transformar o saber matemático produzido nas escolas e universidades em um saber vivo e dinâmico. Nesse sentido, ao considerar a Educação Matemática como movimento que implica uma prática refletida, conseqüentemente, uma intervenção na ação pedagógica do Educador Matemático, é que concordamos com Fiorentini (2003) que considera a prática pedagógica em Matemática, “como complexa e multifacetada, a qual está continuamente mudando, porque é parte do movimento sócio-histórico mais amplo de constituição do homem contemporâneo no seio das relações sociais, políticas e culturais” (p. 8).

Nessa prática em movimento de construção contínua, vem a figura do professor de Matemática que, segundo o mesmo autor, deve ser considerado como, “sujeito capaz de produzir e ressignificar, a partir da prática, saberes da atividade profissional e seu próprio desenvolvimento profissional” (FIORENTINI, 2003, p.8).

Nesse sentido, ainda, consideramos, também baseados em Fiorentini (2003), a formação de professores de Matemática como “um processo contínuo e sempre inconcluso que tem início muito antes do ingresso na licenciatura e se prolonga por toda a vida, ganhando força principalmente nos processos partilhados de práticas reflexivas e investigativas” (p. 8). E é nesta linha que discutiremos a formação do Educador Matemático.

3.2. A formação do educador matemático

Consideramos o Educador Matemático como aquele professor que visa sua formação

contínua e a de seus alunos na área da Educação Matemática e considera sua prática pedagógica como um locus de formação e ainda se vê como sujeito de um processo contínuo de aprendizagens. Dessa forma, pensaremos o Educador Matemático neste capítulo como o professor de Matemática da educação básica e o professor formador de Educadores Matemáticos, discutindo, a princípio, a formação do primeiro e, na seqüência, a formação do professor formador.

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3.2.1. A formação do educador matemático para a educação básica

Ao pensar sobre formação do Educador Matemático no panorama atual da Educação

Matemática, voltamos a refletir sobre as competências necessárias para esse profissional desempenhar suas funções em seu ambiente de trabalho. Segundo Perrenoud (1999), competência se desenvolve no enfrentamento de situações complexas, sem solução evidente. O desenvolvimento de competências exige oportunidades para que o indivíduo explicite sua forma de pensar, conscientize-se de suas decisões para que possa inferir, hesitar, tentar, errar para depois, gradativamente, constituir-se como aquisição pessoal, como um repertório ao qual ele poderá recorrer sempre que desejar e que possa auxiliá-lo no enfrentamento de novas situações, ou para se articular com outras habilidades e compor competências mais complexas.

Neste sentido, Ponte (2002), ao discutir a vertente profissional da formação inicial de professores de Matemática dentro de uma realidade portuguesa - mas que se aproxima muito da brasileira - inicialmente afirma que “um curso de formação inicial de professores de Matemática deve ser necessariamente diferente de um curso de Matemática que visa formar matemáticos para se dedicarem prioritariamente à investigação” (p.3). Concordamos com o autor, e acrescentamos que formar Educadores Matemáticos subentende-se contribuir na formação de um profissional que seja muito mais que um simples “transmissor” dos conteúdos, e sim um cidadão que se veja inserido em uma sociedade em plena mudança, que faça a leitura de sua área de conhecimento inserida em um determinado contexto, e esteja preparado para sempre se refazer, aprendendo a cada nova situação. Mas onde e como desenvolver uma formação inicial para o Educador Matemático com essas competências, visto que “a formação inicial de professores visa também formar profissionais competentes para o exercício da profissão?” (PONTE, 2002, p.3).

Ponte (2002) chama a atenção dizendo que, por detrás da afirmação de que “a formação inicial visar formar profissionais competentes”, esconde-se uma imensidão de problemas: “o que é um professor competente? De que conhecimentos necessita o professor? Que capacidades deve ter – na esfera cognitiva, afetiva e social?” (p. 3). Segundo ele, várias são as formas que têm sido usadas para definir as competências (gerais e específicas) para o exercício da docência. Documentos, tais como NCATE30 (2001) e NCTM31 (2001) listam competências para o professor de matemática e servem de base para os processos de adequação dos cursos de formação inicial de professores. “Essas competências distribuem-se por diversas áreas fundamentais”, afirma Ponte (2002, p.3).

30 NCTE – National Councill for Accreditation of Teacher Education. 31 NCTM - National Councill of Teachers of Mathematics.

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O autor português destaca que nesses documentos surge, em primeiro lugar, a formação

pessoal, social e cultural dos futuros docentes. Para ele, essa formação é, muitas vezes, completamente ignorada. “Parte-se do princípio que todo o estudante universitário teve oportunidade, pela sua formação escolar e não escolar anterior, de se desenvolver como pessoa e como cidadão o suficiente para ser um bom professor, mas na verdade, isso nem sempre acontece” (PONTE,2002, p.3).

Para o autor, a formação nesses campos pode favorecer “desenvolvimento de capacidades de reflexão, autonomia, cooperação e participação, a interiorização de valores deontológicos, as capacidades de percepção de princípios, de relação interpessoal e de abertura às diversas formas da cultura contemporânea” (PONTE, 2002, p. 3-4). Concordamos com o documento e com o autor e achamos que todas essas capacidades e valores são essenciais ao exercício da profissão de Educador Matemático e podem se desenvolver também no decorrer da prática docente durante o desenvolvimento profissional do professor de Matemática.

Em segundo lugar, surge, nos documentos, segundo Ponte (2002), a formação científica,

tecnológica, técnica ou artística na respectiva especialidade. “Sem dominar, com elevado grau de competência, os conteúdos que é suposto ensinar, o professor não pode exercer de modo adequado sua função profissional” (p.4). Contudo, o autor alerta, que esse acordo falha “quando se preocupa em definir de modo específico quais são os conhecimentos e competências neste campo que o professor precisa ter” (p.4) e quando “se discute qual o melhor modo de os atingir nos cursos de formação inicial de professores” (p.4). Concordamos com Ponte (2002), visto que a formação inicial prepara o professor para começar a atuar na educação básica, não se pode definir a priori, todos os conteúdos e situações que o professor necessitará para desenvolver sua prática docente nesse nível de ensino e em qualquer outro. A formação inicial prepara o professor para iniciar a ensinar, todavia, a aprendizagem da docência acontecerá, na maioria das vezes, na prática do dia-a-dia, inclusive em relação aos conteúdos a serem ensinados e às necessidades reais de alunos concretos.

Em terceiro lugar, temos nos documentos, segundo Ponte (2002), a formação no domínio

educacional. Para ele, a herança da pedagogia, os contributos das ciências da educação, a reflexão sobre os problemas educacionais do mundo de hoje, as problemáticas e os contributos da investigação realizada pela didática e pelas outras áreas das ciências da educação são naturalmente elementos essenciais na constituição da profissionalidade docente. “Isso é tanto mais incontornável quando verificamos que, hoje em dia, um professor é cada vez mais um educador e cada vez menos um simples instrutor” (PONTE, 2002, p.4).

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Em quarto lugar, segundo Ponte (2002), surgem nos documentos, as competências de

ordem prática:

Não basta ao professor conhecer teorias, perspectivas e resultados de investigações. Tem de ser capaz de construir soluções adequadas para os diversos aspectos da sua ação profissional, o que quer não só a capacidade de mobilização e articulação de conhecimentos teóricos, mas também a capacidade de lidar com situações concretas, competências que se têm de desenvolver progressivamente ao longo de sua formação – durante a etapa de formação inicial e ao longo de sua carreira profissional (p. 4).

Nessa competência, o autor faz referência às situações de sala de aula, que não são totalmente visualizadas na formação inicial, pois são situações adversas e incertas que o professor deve estar preparado para passar no decorrer de sua carreira profissional.

E, finalmente, os documentos citam as capacidades e atitudes de análise critica, de

inovação e de investigação pedagógica. Segundo Ponte (2002), “o professor não é um mero técnico nem um simples transmissor de conhecimentos, mas um profissional que tem de ser capaz de identificar os problemas que surgem na sua atividade, procurando construir soluções adequadas” (Idem.). Para isso é necessário que o professor possua, “competências significativas no domínio da análise crítica de situações e da produção de novo conhecimento visando a sua transformação” (Idem.). Nesse sentido, o autor questiona a formação inicial dos professores de Matemática e indaga se esta visa, antes de qualquer coisa, “a integração no sistema educativo existente ou se visa, sobretudo, formar professores que possam contribuir ativamente para a mudança desse sistema” (Idem.). Ponte (2002) expõe um difícil dilema, pois, segundo ele,

se a formação não preparar o jovem professor para se inserir nas escolas que existem, com os seus alunos e as suas culturas profissionais, corre o sério risco de formar inadaptados, professores que, ao assumirem funções, se sentem completamente deslocados e inaptos para desempenhar o seu papel. Muitos deles podem mesmo abandonar o ensino. Se a formação não prepara os novos docentes para a mudança educativa e social, assume-se como mais uma força conservadora e, no fundo, complacente com os problemas existentes (p. 4).

Realmente trata-se de um difícil dilema. Porém, acreditamos ser necessário preparar o professor para aprender constantemente em cada situação vivida por ele, em cada contexto diferenciado, no sentido de se transformar constantemente e, conseqüentemente, transformar, através de sua prática, o ambiente onde desenvolve sua profissão.

No sentido das competências apresentadas nos documentos sobre a formação de professores, Ponte (2002) faz uma crítica à formação inicial de professores, alertando

que os professores universitários das áreas de especialidade consideram que os jovens professores não saem devidamente preparados nas matérias que irão ensinar. Os professores da área da educação lamentam que tudo o que ensinam acaba por ser “varrido” pelo conservadorismo da prática de ensino. Os novos

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professores lamentam que nada do que aprendem na formação inicial lhes serviu para alguma coisa e que só na prática profissional aprenderam o que é importante. Os professores já em serviço também acham, muitas vezes, que os jovens professores não vêm devidamente preparados no que seria necessário (PONTE, 2002, p.4).

Parece haver na sociedade em geral uma grande desconfiança em relação à qualidade da formação inicial de professores. Neste sentido, Fiorentini (2003) alerta também dizendo que

dentre os profissionais da educação, o professor de matemática talvez seja aquele que mais sofre críticas. Os formadores de professores de matemática têm sido acusados, com freqüência, de não atualizarem os cursos de licenciatura e de não viabilizarem uma efetiva formação contínua que rompa com a tradição pedagógica. Os professores de matemática da escola, por sua vez, são vistos como seguidores dessa tradição e, portanto, resistentes às inovações curriculares e à integração com outras disciplinas (p. 10).

Claro que não se trata de encontrar os vilões, e sim de procurar, através do trabalho de todos, uma prática que possa dar uma outra dinâmica à Educação Matemática desenvolvida nas escolas de educação básica e na própria universidade.

Bertoni (1995), ao discutir os estrangulamentos para a operacionalização de uma proposta adequada de licenciatura em Matemática, visualiza o possível problema, referindo-se aos cursos de licenciatura de Matemática:

o panorama dominante vigente nos mostra os cursos de licenciatura em Matemática bipartidos entre o Departamento de Matemática e a Faculdade de Educação, com peso maior para o primeiro. Eles são responsáveis, respectivamente, pela maioria das disciplinas ditas “de conteúdos específicos” e de “formação pedagógica”, deixando algumas sobras menores para os outros departamentos: Física, Estatística, Computação, Psicologia, etc (p. 13).

Essa mesma autora acrescenta em sua reflexão que as duas instâncias responsáveis pelos dois maiores componentes dos cursos de licenciatura em Matemática possuem concepções distintas a respeito dos cursos de licenciatura em Matemática: para a Faculdade de Educação, trata-se de formar o educador que dá aulas de Matemática; para a maioria dos departamentos de Matemática, trata-se de formar o matemático que dá aulas de Matemática. A formação do professor de Matemática, dessa forma acontece de maneira fragmentada, não conciliando a Educação com a Matemática e a Matemática com a Educação, e, por isso, está longe de visualizar, infelizmente, a formação de um Educador Matemático. Bertoni (1995, p.13) nos diz ainda que “a prática tem mostrado que não basta a justaposição de ambos para formar o educador matemático voltado para prática escolar”, e sim deve haver uma harmonia no desenvolvimento dessa formação, um trabalho em conjunto entre as faculdades e os departamentos, para haver, dessa forma, contribuições mútuas para a formação do Educador Matemático.

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Lampert e Ball (1999, apud PONTE, 2002, p.5) traçam um diagnóstico muito negativo da formação inicial de professores de Matemática. Segundo elas, os problemas na formação inicial resultam desde:

• não atender às crenças e conhecimentos que os professores trazem para o curso de formação inicial;

• dar a impressão que o que é preciso para ensinar é pouco mais do que o senso comum e pensamento vulgar, ou seja, não lhes mostrar a necessidade de um conhecimento profissional;

• não dar a devida atenção ao conhecimento didático;

• separar a teoria da prática, tanto fisicamente como conceitualmente, sendo a teoria raramente examinada na prática e a prática pouco interrogada pela teoria; e,

• dar reduzida importância à prática profissional.

Realmente é necessário rever a formação inicial dos professores de Matemática, principalmente se se pretende que os novos professores ensinem de acordo com as novas perspectivas curriculares, ou seja, de uma forma mais viva e desafiante.

Entretanto, Lampert e Ball (1999) indicam que “mais importante do que saber as competências que devem ter os novos professores, é saber como é que eles as devem adquirir” (p.5). Acreditam que, no ensino como em outros campos do conhecimento, os profissionais precisam saber como construir novo conhecimento. Desse modo, a formação de professores deve ser encarada como um processo de indução numa comunidade de prática e de discurso que tem as suas próprias ferramentas, recursos, idéias partilhadas e debates. Por isso, é muito importante desenvolver nos futuros professores de Matemática a capacidade para analisar a prática e desenvolver hipóteses sobre ela, em colaboração com os outros professores. Além disso, D’Ambrosio (2002, p. 29) alerta: “uma boa formação de professores, em todas as áreas, deve ter como resultado indivíduos que estejam alertas para os avanços científicos e tecnológicos”. Infelizmente, ele destaca que

em quase todos os currículos, em todos os graus de ensino, ignoram os avanços das últimas décadas. Com ao argumento falso que é necessário uma base clássica para se entender o que é novo, tem se insistido numa pedagogia propedêutica, na qual se está, permanentemente, preparando para estudos seguintes (p.30).

O autor alerta para o fato de

que o maior desafio é fazer uma matemática integrada no pensamento e no mundo moderno. A formação de professores deve focalizar essa prioridade e não ser um elenco de conteúdos na sua maioria desinteressantes, obsoletos e inúteis. De outra maneira, ela poderá encontrar seu fim nos currículos escolares (Ibidem, p.33).

Infelizmente, sabemos que a maioria dos cursos de formação de professores de Matemática estão calcados em um modelo tradicional de educação que trata o conhecimento como informação, coisas e fatos a serem transmitidos ao aluno.

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Neste modelo, todo processo ensino-aprendizagem está centrado no professor, que dirige a aprendizagem do aluno, sendo apenas um receptor de informações que as armazenam na memória. Esse modelo de ensino é fechado, acabado, livresco; e a noção de conhecimento consiste no acúmulo de fatos e informações isoladas, cuja ênfase é dada às respostas certas, que devem ser uma repetição perfeita e integral dos livros, onde há apenas uma resposta certa para cada questão ou problema (DARSIE, 1998, p.38).

Nesse modelo quem aprende é o aluno, cabe ao professor ensinar o que sabe, se é que sabe. Como o aluno é um receptor passivo, não questiona e muito menos problematiza o seu aprendizado. O professor reproduz o que “aprendeu” em algum lugar, de maneira mecânica, sem refletir sobre o que está fazendo. O ensino de Matemática, por exemplo, “num modelo tradicional de ensino, segue o exposto acima, acrescido da concepção de que esta ciência é pronta e acabada. Assim sendo, é necessário apenas decorá-la, ou seja, memorizar seus produtos finais” (DARSIE, 1998, p.38).

Infelizmente, é desse modo que a Matemática vem sendo ensinada tanto nas escolas de educação básica, como nos cursos de licenciatura em Matemática nas universidades, “sem que se leve em consideração seu processo de construção como ciência, sem nenhuma referência à história de sua construção, e numa total ausência de discursos sobre aquilo que ela é ou sobre o seu fazer” (Opus

citatum).

Mais grave ainda quanto ao ensino da Matemática, é o “caráter de bacharelado” dado aos cursos de licenciatura em Matemática nas universidades, ou seja, a ênfase quase exclusiva às disciplinas específicas da área, sem considerar a importância das disciplinas pedagógicas para a formação de professores, formando o professor dentro do modelo tradicional de educação, que não leva em consideração o fato de se estar formando professores que irão ensinar Matemática nas escolas de educação básica, desconsiderando os aspectos pedagógicos dessa formação.

O modelo tradicional, sob o olhar da crença empirista, concebe que todo conhecimento provém de fontes externas ao sujeito. Uma concepção de aprendizagem, na qual, segundo Kamii e Clarck (1986, apud DARSIE, 1998, p.39), “os indivíduos são como uma cera virgem sobre a qual se inscrevem experiências”.

Como as experiências são inscritas por alguém de fora e não pelos indivíduos, estas não se tornam, na maioria das vezes, significativas. “Sujeitos que ‘aprendem’ Matemática seguindo esse modelo são mais tarde incumbidos de ensiná-la, e a ensinam como aprenderam” (Ibidem,p.39). Segundo a mesma autora,

muitos professores reconhecem suas dificuldades no ensino da matemática, apontando como uma das principais causas o modelo de ensino hermético e rígido que lhes foi imposto. [...] Outros professores, acreditando que está pronta e

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acabada, para ser decorada, dizem não medir esforços para “ensinar bem”, mas que, como matemática não é para “qualquer um” (uma vez que é difícil e só aprendem os que são inteligentes), se existe fracasso, este não está no ensino, ou em quem ensina, mas em quem aprende (p. 39).

Este ensino hermético e rígido, ou seja, completamente fechado já foi imposto desde os bancos escolares em sua época de aluno na escola de Educação Básica. Depois, é reforçado durante a licenciatura, tornando este modelo, o “modelo” que seguirá durante toda sua vida profissional.

Esse modelo tradicional de educação desconsidera o ser humano, tanto o professor quanto o aluno, como “responsável pela construção de seu conhecimento, em interação com o ambiente, deixando de ser visto como nocional e imutável” (MIZUKAMI, 2002a, p.11). Dele origina-se o modelo de formação de professores que se apóia na idéia de acúmulo de conhecimentos ditos teóricos para posterior aplicação ao domínio da prática. Tal visão é coerente com a lógica da racionalidade técnica, segundo a qual a formação profissional deste professor é vista como “[...] um processo de preparação técnica, que permita compreender o funcionamento das regras e das técnicas do mundo real da sala de aula e desenvolver as competências profissionais exigidas pela sua aplicação eficaz” (PÉREZ GÓMEZ, 1992, p.108).

No entanto, no cotidiano da sala de aula, o professor defronta-se com múltiplas situações divergentes, com as quais não aprende a lidar durante o seu curso de formação inicial. Essas situações estão além dos referenciais teóricos e técnicos e, por isso, o professor não consegue apoio direto nos conhecimentos adquiridos no curso de formação para lidar com elas. Isso gera, de acordo com a autora, uma forma de reflexão na qual o professor, com seus valores globais (éticos, políticos, religiosos, etc.), constrói novas formas de agir na realidade da sala de aula, as quais ultrapassam o modelo da racionalidade técnica que falha ao desconsiderar a complexidade dos fenômenos educativos.

Assim, esse tipo de racionalidade não representa soluções para os problemas educativos porque a realidade educacional e as situações de ensino comportam aspectos que se situam além dos problemas instrumentais. No caso dos professores de Matemática, é importante que eles saibam os conteúdos dessa Ciência, ou seja, que tenham uma sólida formação em Matemática, mas também é importante que, além dessa formação sólida, saibam ensiná-la, considerando para sua formação os saberes pedagógicos envolvidos nesse processo, como elemento importantíssimo, não existindo receitas para a prática futura. Para Ponte et al. (2003a), o conhecimento profissional do professor de Matemática

pode ser visto como sendo composto de conhecimento declarativo, procedimental e estratégico, que é usado em situações de prática (Shulman, 1986). Esse conhecimento tem um caráter em muitos aspectos tácito, é fortemente pessoal, e

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desenvolve-se e consolida-se por meio da experiência da reflexão sobre a experiência (p.162).

Para esse autor, o conhecimento profissional diz respeito à prática letiva na sala de aula, mas também a outros papéis profissionais, tais como a tutoria de alunos, a participação nas atividades e nos projetos da escola, a interação com membros da comunidade e o trabalho em associações profissionais (PONTE, 2003a, p.162). E acrescenta, para desenvolver todos esses papéis, os professores de Matemática precisam: “a) conhecer teorias e questões educacionais; b) ter um bom conhecimento na sua área de ensino; c) ter uma forte preparação no campo especializado que diz respeito à sua atividade – a didática da matemática” (Ibidem, p.162).

Não basta, no entanto, aos futuros professores, tomar contato com a Matemática, as teorias educacionais e com as perspectivas da didática. Um contato estabelecido no nível puramente teórico, em termos de conhecimento declarativo, não garante uma efetiva aquisição do conhecimento profissional por parte dos futuros professores. Pois estamos falando da formação de um profissional, o professor, que é responsável por uma parte da formação do cidadão (PONTE et al, 2003a, p.162).

Nesse sentido, são vários os autores que consideram a figura do professor como central para que as transformações que se fazem necessárias na escola e na sociedade ocorram. Há um consenso com relação à relevância desse profissional no processo educativo e de seu papel como agente transformador da realidade, ou seja, o compromisso do professor deve ser o de dar a direção que aponte para a superação das desigualdades sociais. Assim, o professor precisa refletir sobre a concepção da escola como instituição que transmite o conhecimento e como local que ajuda o aluno a desenvolver seu potencial, que o ensina a pensar, que o ajuda a descobrir caminhos para transformar a sociedade em que vive (PEREZ, 1995, p.29). Sobre o novo papel do professor de Matemática, D’Ambrosio (1997a) comenta:

Não há dúvida quanto à importância do professor no processo educativo. Fala-se e propõe-se tanto educação a distância quanto outras utilizações de tecnologia na educação, mas nada substituirá o professor. Todos esses serão meios auxiliares para o professor. Mas o professor, incapaz de se utilizar desses meios, não terá espaço na educação. O professor que insistir no seu papel de fonte e transmissor de conhecimentos está fadado a ser dispensado pelos alunos, pela escola e pela sociedade em geral. O novo papel do professor será o de gerenciar, de facilitar o processo de aprendizagem e, naturalmente, de interagir com o aluno na produção e crítica de novos conhecimentos (p. 79-80).

Perez (1999) diz que as colocações de D’Ambrosio suscitam os seguintes questionamentos e geram discussão sobre a formação do professor de Matemática,

Quais as características essenciais de um professor de matemática? Qual a importância da formação para a aquisição dessas características? Como deve ser estruturada a formação inicial e continuada do professor para que possa contribuir no desenvolvimento de uma cultura profissional, onde estará presente a reflexão crítica, a investigação, o trabalho coletivo e a autonomia? (p.264)

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As possíveis respostas a essas questões perpassam pelo conceito de formação de professores, no sentido de ser essa considerada um processo continuum, significando que as características essenciais de um professor de Matemática, por exemplo, devem ser discutidas nos cursos de formação inicial a fim de desenvolver através da formação específica e pedagógica essas características. No entanto, o conhecimento profissional e o perfil do professor de Matemática são aspectos que se constroem constantemente através da sua prática docente, sendo influenciados pelos contextos no qual o professor realiza suas práticas pedagógicas, conciliando, assim, a formação que desempenhou com a prática pedagógica que realiza na construção dessas características dentro de um percurso formativo.

Segundo Perez (1999), atualmente são muitos os Educadores Matemáticos que vêem a importância de as agências formadoras de professores de Matemática estarem abertas às inovações para que dêem conta de formar profissionais que terão a missão de educar - em direção à conquista da cidadania - as crianças e os adolescentes das escolas públicas, e torná-los homens do século XXI. Haja vista, a grande quantidade de livros, artigos, congressos e seminários que tratam especificamente desse tema e da importância que esse profissional tenha formação apropriada,

que lhe possibilite compreender e responder crítica e competentemente aos desafios do mundo contemporâneo, desafios colocados pelo desenvolvimento científico e tecnológico, e também aqueles que se processam no domínio dos valores e das implicações políticas e éticas trazidas por esse desenvolvimento. O professor precisa, ainda, ter uma visão educacional e conjuntural, que lhe possibilite, junto com seus pares, enfrentar um mercado de trabalho totalmente desvalorizado e, assim, superar a degradação por que passa a Educação no país, principalmente no que se refere ao ensino fundamental e médio (FIORENTINI, NACARATO e PINTO, 1999, p. 14 -15).

Beatriz D’Ambrosio (1993, p. 35-40) acredita que o professor de Matemática deve apresentar quatro características: 1) visão do que vem a ser a Matemática; 2) visão do que constitui a atividade matemática; 3) visão do que constitui a aprendizagem matemática; e, 4) visão do que constitui um ambiente propício à atividade matemática. Ainda, segundo a pesquisadora, há uma grande necessidade de modificarmos nossos programas de formação de professores e discutir os tipos de experiências necessárias para que eles possam reconceituar sua visão do que vem a ser a Matemática e do que caracteriza a legítima Matemática. São elas

• Experiências matemáticas através das quais o futuro professor de Matemática deve aprender os conteúdos específicos por meio de metodologias alternativas, visando à investigação, à resolução de problemas, às aplicações, assim como uma análise histórica, sociológica e política do desenvolvimento da disciplina;

• Experiência com alunos, destacando-se as necessidades de os programas de formação de professores as incorporarem desde o início. Pois os futuros professores constroem seu conhecimento sobre ensino da Matemática através desse contato com os alunos (BEATRIZ D’AMBROSIO, 1993, p.266)

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Pode-se notar que as experiências propostas por Beatriz D’Ambrosio (1993) acrescentariam e modificariam o atual quadro das licenciaturas em Matemática. Como já dizia Nóvoa (1995b), “a experiência em si não é formadora” mas, como a desenvolvemos e os significados que vamos atribuindo a ela é que trará a formação. O sugerido por Beatriz D”Ambrosio (1993) para reconceituar o que vem a ser a Matemática nada mais é do que a prática de ensino como elemento alimentador da formação.

Segundo Souza (1995), o professor deve ser formado para ter o compromisso de intervir na realidade e para ter autonomia intelectual para a escolha de metodologias, procedimentos didáticos e paradigmas científicos. A formação inicial é considerada muito importante para a incorporação de uma cultura profissional, ou seja, para a aquisição de características essenciais do professor de Matemática, por ser um período em que as virtudes, os vícios e as rotinas, assumem-se como processos usuais da profissão, pois,

o conjunto de atitudes, valores e funções que os licenciandos conferem à profissão será submetida a uma série de mudanças e transformações em consonância com o processo socializador que tem lugar nessa formação inicial; se gerarão determinados hábitos que incidirão no exercício da profissão (IMBERNÓN, 1994, p.50).

Ou seja, o aluno, ao ingressar em um curso de licenciatura, traz consigo uma concepção do que vem a ser a profissão, e essas concepções, durante e após a formação inicial, são submetidas a uma série de mudanças e transformações de acordo com a vivência de uma prática de ensino, ou seja, do processo socializador no qual a formação inicial desenvolve no aluno, futuro professor. Dessa forma, o futuro professor, após iniciar sua formação inicial, está em constante aprendizagem, refazendo-se a todo o momento, sejam em atitudes, valores, conteúdos etc.

Para Perez (1999) “a formação inicial e permanente do professor de Matemática, deve ser reestruturada na perspectiva do desenvolvimento profissional para que se instaure uma nova cultura profissional” (p.266), reafirmando que, no percurso formativo, os professores (re)constroem saberes docentes.

Com o necessário movimento de mudança na formação inicial dos professores de Matemática para educação básica por meio da efetivação da reforma das políticas educacionais, na segunda metade da década de 1990, através da promulgação da LDBEN32/96, com conquista da autonomia conferida às universidades de fixar os currículos dos seus cursos e programas33 desde que respeitadas as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Licenciatura Plena em Matemática,

32 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 33 Inciso II do Artigo 53.

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visualizamos que os cursos de licenciatura em Matemática passam por um paradigma de transição entre o paradigma da racionalidade técnica e o paradigma da racionalidade prática.

O paradigma da racionalidade técnica - mais presente entre os cursos de licenciatura - concebe o professor como técnico-especialista e a prática pedagógica como intervenção tecnológica, caso em que o professor deve formar-se no domínio dos conteúdos específicos de que vai tratar (componente científico-cultural da formação) e em competências e habilidades de atuação prática (componente psicopedagógico) para que seja capaz de solucionar problemas práticos recorrendo a normas e técnicas derivadas do conhecimento científico. No modelo da racionalidade prática, são utilizadas expressões tais como prático reflexivo, investigador, profissional clínico para definir a figura do professor. A prática, nesse modelo, é concebida como processo de investigação na ação, núcleo da formação docente e lugar da produção do saber, enquanto a formação se torna desenvolvimento profissional. Pode-se notar a grande diferença na concepção de formação de professores presentes nos dois paradigmas.

Dizemos que os cursos passam por um paradigma de transição, por entendermos que a legislação contemporânea prevê o modelo da racionalidade prática, porém há necessidade desse novo olhar sob a formação de professores de Matemática, sendo que este novo olhar não se constrói só com a elaboração de documentos, e sim tem a necessidade de alterar a prática efetiva do professor a partir da sua formação inicial. Pois, pela formação pretendida pela política educacional, passa-se a requerer mais dos professores, são ampliadas consideravelmente as tarefas atribuídas à escola e às funções dos professores das escolas da educação básica e, conseqüentemente, dos professores formadores. Considerando que o curso de licenciatura plena em Matemática visa formar professores de Matemática para a educação básica, à medida que foi redefinido o papel do aluno frente ao conhecimento, torna-se necessário redimensionar a função do professor de Matemática e, conseqüentemente, as características dos cursos de formação de professores em nível superior.

O que leva as instituições formadoras a repensar os cursos de formação e passar a considerar a reflexão do professor sobre sua prática e seu desenvolvimento profissional como fatores de grande importância. Perez (2002) alerta que as instituições formadoras não devem encarar a formação inicial como fonte de “produtos acabados”, mas sim “deve ser encarada como a primeira fase de um longo processo de desenvolvimento profissional, em que a reflexão, a cooperação e a solidariedade sejam fatores presentes na vida do professor” (PEREZ, 2002, p.69).

As Diretrizes Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica - DCNFPEB, definiram uma política para a formação de professores de todos os níveis da educação básica, incluindo o que nos interessa neste trabalho: a formação de professores para as séries finais do ensino

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fundamental e ensino médio (realizada nos cursos de licenciatura). Na interpretação de Tardif e Borges (2001), “essas políticas introduzem no cenário brasileiro um novo modo de compreensão da formação de professores e do próprio professor” (p.14) passando, ao nosso ver, pela delimitação de um novo perfil do professor formador. Os cursos que seguem a proposta das DCNFPEB, devem prever

a direção da formação para três categorias de carreiras: Bacharelado acadêmico; Bacharelado Profissionalizante e Licenciatura. Dessa forma, a licenciatura ganhou, como determina a nova legislação, terminalidade e integridade própria em relação ao bacharelado, constituindo em um projeto específico. Isso exige a definição de currículos próprios da licenciatura que não se confundam com o bacharelado ou com a antiga formação de professores que ficou caracterizada como modelo “3+1” (DCNFPEB, 2001, p.5).

Há na DCNFPEB a distinção de Licenciatura e de Bacharelado, dando à licenciatura vida própria e importância devida, realçando a formação de professores como foco para discussão. O parecer destaca também que as aceleradas mudanças da sociedade impõem as reformas educacionais “que exigem das pessoas novas aprendizagens, não somente no período de formação, mas ao longo da vida”, ou seja, pressupõe “que a formação deva ser complementada ao longo da vida, o que exige formação continuada” (p.7).

As novas tarefas atribuídas à escola e a dinâmica por elas geradas impõem a revisão da formação de professores em vigor na perspectiva de fortalecer ou instaurar processos de mudanças no interior das instituições formadoras, respondendo às novas tarefas e aos desafios apontados, que incluem o desenvolvimento de disposição para atualização constante de modo a inteirar-se dos avanços do conhecimento nas diversas áreas, incorporando-os, bem como aprofundar a compreensão da complexidade do ato educativo em sua relação com a sociedade. Para isso, não bastam mudanças superficiais. Faz-se necessária uma revisão profunda de aspectos essenciais da formação de professores, tais como: a organização institucional, a definição e estruturação dos conteúdos para que respondam às necessidades da atuação do professor, os processos formativos que envolvem aprendizagens e desenvolvimento de competências do professor, a vinculação entre as escolas de formação e os sistemas de ensino, de modo a assegurar-lhes a indispensável preparação profissional (DCNFPEB, 2001, p.9).

Mostra-nos, assim, para revisão profunda de aspectos essenciais da formação de professores, a necessidade da inter-relação da escola da educação básica com a universidade, sendo uma das maneiras de o professor formador realmente auxiliar na elaboração dos cursos de licenciatura para amenizar os problemas da educação básica, ou, ainda, utilizar suas experiências vividas nesse meio, o seu conhecimento da escola, dos conteúdos a serem trabalhados na educação básica e suas dificuldades e trazer esses saberes para a formação de futuros professores, ou seja, para sua prática docente no ensino superior.

Nesse contexto, de uma forma geral, a reformulação de propostas orientadas pelas diretrizes para cursos de licenciatura em Matemática partiu de uma profunda análise do quadro atual do

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ensino de Matemática na educação básica, em especial nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio.

No entanto, Pires (2002), em seu artigo Reflexões sobre os cursos de Licenciatura em

Matemática, tomando como referência as orientações propostas nas Diretrizes Curriculares Nacionais

para a formação de professores da Educação Básica, publicado pela revista da SBEM, diz que a equipe de professores formadores deve partir, além das dificuldades contidas no ensino da Matemática na educação básica,

da análise das propostas contidas nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), e dados como do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e de outras avaliações, do processo de avaliação do livro didático e de outras políticas públicas relacionadas ao ensino fundamental e médio (Ibidem, p.44).

A DCNFPEB (2001) recomenda que é necessário mudar a situação dos cursos de formação de professores e o quadro da Educação Matemática nas escolas de educação básica, revisando os processos de formação de professores, enfrentando os problemas no campo institucional e no campo curricular que precisam estar claramente explicitados. Pires (2002) alerta que “evidentemente não se pode interpretar esses problemas como sendo comuns a todos os cursos existentes no Brasil” (p.45).

Entre os vários problemas apontados no campo institucional, conforme o documento da CNE –Conselho Nacional de Educação, destacaremos o “distanciamento entre as instituições de formação de professores e os sistemas de ensino da educação básica”, por ser, ao nosso ver, um dos grandes problemas da formação de professores; faz-se a preparação de profissionais para o trabalho nesse nível de ensino sem se conhecer, na maioria das vezes, as diretrizes para os diversos segmentos do sistema escolar brasileiro, definidas pelo CNE e os PCN propostos pelo MEC - Ministério de Educação e Cultura. Esse distanciamento se faz presente talvez até pelo fato de os próprios professores formadores não conhecerem esses documentos.

A DCNFPEB (2001) expõe os princípios orientadores para uma reforma da formação de professores, afirmando que é preciso enfrentar o desafio de fazer da formação de professores uma formação profissional de alto nível. Por formação profissional esclarece que se entende a preparação voltada para o atendimento das demandas de um exercício profissional específico que não seja uma formação genérica e nem apenas acadêmica. Relativamente aos princípios orientadores de um curso de formação de professores, três eixos foram selecionados e assim formulados:

a) a concepção de competência é nuclear na orientação do curso de formação inicial de professores;

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b) é imprescindível que haja coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor;

c) pesquisa é elemento essencial na formação profissional do professor.

Esses princípios orientadores de um curso de formação de professores são discutidos por Pires (2002), quanto às licenciaturas em Matemática, da maneira que segue:

a) Competência profissional de um professor de Matemática.

Com referência ao primeiro eixo, Pires (2002) diz que podemos traduzi-lo afirmando que a formulação de um curso de formação de professores

não pode ter como ponto de partida um conjunto de disciplinas a priori, como em geral fizemos até aqui, mas sim a definição de quais são as competências profissionais – gerais e específicas – que se pretende que o professor em formação construa ao longo de sua trajetória de formação (p.45).

Para definição dessas competências profissionais do futuro professor de Matemática é necessário que o professor formador conheça a realidade em que este futuro professor vai enfrentar na Educação Básica, diminuindo o distanciamento entre a escola e a universidade, pelo menos em linhas gerais, já que esse contexto é complexo e imprevisível.

Referindo-se às competências profissionais, Pires (2002) alerta que é necessário aprofundar duas questões: 1) em que sentido está sendo usada a expressão competência profissional? Que competência profissional deseja que um professor de Matemática construa ao longo de sua formação e de sua trajetória profissional? Ressalta ainda,

o fato de que competências profissionais tratam sempre de alguma forma de atuação, só existem “em situação” e, portanto, não podem ser apreendidas apenas pela comunicação de idéias. Para construí-las, as ações mentais não são suficientes – ainda que sejam essenciais. Não basta um profissional ter conhecimento sobre seu trabalho, é fundamental que saiba fazê-lo (p. 45).

Isso vale, a nosso ver, primeiramente para o professor formador. Para que ele contribua na formação de professores de Matemática é necessário que tenha vivenciado, como prática docente, o ensino de Matemática na Educação Básica, adquirindo saberes e compondo as competências profissionais para este nível de ensino, para se referir ao ensino de Matemática com “conhecimento de caso”, pois a viveu tendo a possibilidade de torná-la experiência.

Quanto às competências para o professor de Matemática, Pires (2002) expõe que, em primeiro lugar, existem aquelas competências profissionais que são comuns a todos os professores. No caso da formação de professores de Matemática, a discussão dessas competências é de especial relevância, tendo em vista muitas críticas sobre a atuação nas escolas, muitas vezes descomprometida

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ou distante de problemas que não aqueles, estritamente ligados aos conteúdos matemáticos. As competências a serem desenvolvidas nos cursos de formação de professores são, segundo Pires (2002):

• competências referentes ao comprometimento com os valores inspiradores da sociedade democrática;

• competências referentes à compreensão do papel social da escola;

• competências referentes ao domínio dos conteúdos a serem socializados, de seus significados em diferentes contextos e de sua articulação interdisciplinar;

• competências referentes ao domínio do conhecimento pedagógico;

• competências referentes ao conhecimento de processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica;

• competências referentes ao gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional.

Segundo a autora, as cinco primeiras competências são gerais à formação de professores, solicitando que o professor formador, um dos responsáveis pela formação do futuro professor, tenha uma visão ampla do contexto de trabalho de quem forma, sendo condizente com as competências do professor de Matemática discutido por Ponte (2002) baseado nos documentos NCATE (2001) e NCTM (2001), expostos anteriormente. A última competência apontada acima é desmembrada por Pires (2002) da seguinte forma:

• utilizar as diferentes fontes e veículos de informação, adotando uma atitude de disponibilidade e flexibilidade para mudanças, gosto pela leitura e empenho no uso da escrita como instrumento de desenvolvimento profissional;

• elaborar e desenvolver projetos pessoais de estudo e trabalho, empenhando-se em compartilhar a prática e produzir coletivamente (PIRES, 2002, p. 47).

Ao nosso ver, para desenvolver essas e outras competências no futuro professor, o professor formador tem a necessidade de acreditar que seu conhecimento não é acabado, que está em constante aprendizagem, sendo necessário ler e publicar artigos científicos. Enfim, faz-se necessário que o professor formador acredite que, por meio de suas práticas docentes na universidade, está produzindo conhecimentos. É necessário, ainda, que acredite na importância de que seu desenvolvimento profissional seja respaldado na realização de projetos de estudos, pesquisa e extensão, individuais ou coletivos, trazendo, de fato, o caráter de se refazer constantemente através das atividades desenvolvidas por ele.

b) A coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor.

Usando a metáfora de imagem invertida no espelho, as diretrizes discutem o conceito de simetria invertida. A preparação do professor tem uma peculiaridade muito especial: ele aprende a

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profissão no lugar similar àquele em que vai atuar, porém numa situação invertida. Isso implica que deve haver coerência absoluta entre o que se faz na formação e o que dele se espera como profissional. A primeira dimensão dessa simetria invertida refere-se ao fato de que a experiência como aluno, não apenas nos cursos de formação docente, mas ao longo de toda sua trajetória escolar é constitutiva do papel que exercerá futuramente como docente.

Pires (2002) afirma que a compreensão desse fato evidencia a necessidade de que o futuro professor experiencie, como aluno, durante todo o processo de formação, as atitudes, modelos didáticos, capacidades e modos de organização que se pretende que venha a ser desempenhado nas suas práticas pedagógicas. Para isso é necessário que o professor formador o faça:

Ninguém promove o desenvolvimento daquilo que não teve a oportunidade de desenvolver em si mesmo. Ninguém promove a aprendizagem de conteúdos que não domina nem a constituição de significados que não possui ou a autonomia que não teve oportunidade de constituir (p.48).

A mesma autora alerta que uma das implicações importantes dessa idéia é a de que todos os professores formadores do curso – sejam eles responsáveis pelas disciplinas e atividades pedagógicas, sejam pelas disciplinas ligadas aos conteúdos matemáticos, precisam estar atentos ao fato de que formam professores e que, portanto, estão fornecendo “modelos” do que é ser professor. “Vale dizer: a construção daquelas competências profissionais acima apresentadas é compromisso de todo o corpo docente” (Ibid.,loc.cit.).

c) A pesquisa é elemento essencial na formação profissional do professor.

Pires (2002) diz que diferentes autores têm apontado a grande distância que separa o desenvolvimento das pesquisas na área da Educação Matemática e a sua apropriação pelos professores que atuam na sala de aula. Outros estudos indicam a necessidade de desenvolvimento da postura investigativa como parte integrante da atuação profissional de professores, no sentido de olhar para sua prática, refletir sobre ela, avaliá-la, pensar e implementar intervenções inovadoras, voltar a olhar, a refletir.

Essas constatações deveriam nos levar também a olhar para a nossa prática de formadores de professores e a avaliar de que modo a “pesquisa” tem integrado de fato a formação que é oferecida por nós nos cursos de licenciaturas.

Nas Diretrizes do CNE, propõe-se que a pesquisa na formação de professores deve ser contemplada de modo a garantir diferentes dimensões. Em primeiro lugar, a aprendizagem dos procedimentos necessários para acompanhar o processo de desenvolvimento e de aprendizagem dos

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alunos e para a produção de conhecimento pedagógico. Em segundo lugar, a compreensão dos processos de produção de conhecimento nas ciências: aquelas com as quais interagem os conhecimentos escolares que ensina, no caso a Matemática, as que dão suporte a seus trabalhos de educador (Psicologia, Sociologia, Filosofia) e ainda aquelas que se dedicam a investigar os processos de aprendizagem dos diferentes objetos de conhecimento (Educação Matemática, Didática da Matemática, etc). Em terceiro lugar, o conhecimento atualizado dos resultados desses processos, isto é, as teorias e informações que as pessoas nas diferentes ciências produzem.

Mas para desenvolver tudo o que as Diretrizes para Formação de Professores propõem é

necessário pensar no professor formador, aquele responsável pela formação do Educador Matemático que irá atuar na Educação Matemática nas escolas de educação básica. É sobre a formação do professor formador que iremos discutir a partir de agora.

3.2.2. Formação do formador de educadores matemáticos

Voltamos ao estado da arte das pesquisas sobre formação de professores para destacar

dois aspectos das pesquisas sobre a formação de professores de matemática. O primeiro aspecto destacado, baseados em Ferreira (2003), é que somente a partir dos últimos anos da década de 1980 algumas pesquisas começam a perceber o professor (ou o futuro professor) de Matemática “como alguém que pensa, reflete sobre sua prática, alguém cujas concepções e percepções precisam ser conhecidas. Mais que uma ‘peça’ útil ao sistema, ele começa a ser visto como um elemento importante no processo de ensino-aprendizagem” (FERREIRA, 2003, p. 29). Nos últimos 25 anos, as pesquisas voltam-se para a cognição dos professores de Matemática acerca de sua própria formação.

O estudo de temas como representações, visões, percepções, crenças, concepções, reflexões dos professores [de Matemática] acerca de seu próprio processo de formação (o que envolve pensar sobre o conteúdo, didática de conteúdo, estudantes, sobre si mesmo como profissional entre outras coisas) representam uma tendência que se configura em nosso panorama nacional (e que possui seu correlato no exterior) na qual os pesquisadores passam a interessar-se pelo que os professores pensam sobre sua própria formação. Como eles [os professores de matemática] a avaliam a partir de sua prática atual e como percebem seu desenvolvimento profissional? (Ibid., loc. cit.).

O segundo aspecto é que, dentre as pesquisas evidenciadas por Ferreira (2003), é possível perceber também o “delineamento de uma nova tendência na formação de professores: o estudo do processo de formação dos professores universitários que são, muitas vezes, formadores de

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formadores” (Ibid., p. 30), observando que “todos os estudos localizados relativos a esse tema foram defendidos em 2000 e possuem como característica comum a metodologia voltada para o trabalho cooperativo entre professores e pesquisadores” (Ibid., loc.cit.). No entanto, essas discussões apresentam-se de forma tímida se comparadas com a quantidade de pesquisas que se voltam para a formação do professor da Educação Básica. Dessa forma, faz-se necessário a expansão do debate, pois ao nosso ver existe uma grande importância de as pesquisas olharem para os professores formadores como um profissional que possui, como os demais professores da Educação Básica, uma história de formação, de luta, de construção do seu ambiente de trabalho.

Entendemos, ainda, que há a necessidade de as pesquisas focalizarem a formação do professor formador levando em conta os dois aspectos destacados, evidenciando, assim, o professor formador como pessoa e profissional dentro da perspectiva do Desenvolvimento Profissional, entendido aqui “como um processo que se inicia muito antes da formação inicial e que se estende durante toda a trajetória do professor” (FERREIRA, 2003, p.35), e que

é preciso compreender que os professores mudam continuamente por meio de suas carreiras, e que, embora esse processo possa [...] parecer um crescimento uniformemente contínuo, na realidade tanto seu ritmo e seu sentido variam de professor para professor quanto existem diversas variáveis que o influenciam. Esse processo depende do tempo, das experiências vividas, das oportunidades e do apoio de outros, da forma pessoal de reagir e lidar com obstáculos etc (Ibid. loc.cit).

Segundo o autor, cada professor cresce profissionalmente a seu modo: avançando e recuando, arriscando-se em novas estratégias ou se deixando levar pelos modismos ou conveniências, refletindo conscientemente sobre sua prática pedagógica ou a desenvolvendo mecanicamente. Nesse crescimento, através da sua formação como professor, de suas experiências, (re)constrói-se continuamente, adquirindo saberes para a Aprendizagem da Docência.

Para dar continuidade à discussão sobre os professores formadores, vamos teoricamente abrir o debate, propondo verificar, na literatura existente, quem são esses professores.

3.2.2.1. Os Professores Formadores Angulo (1992), em um artigo intitulado: Conocimiento Profesional e incertidumbres de la

practica: el caso de um formador de maestros, define o professor formador como “o professor que trabalha em uma escola universitária de formação de professores” (p.18). Diz ainda que, em um contexto americano tem-se definido os formadores como

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aquelas pessoas que possuem uma titularidade em seu emprego ou numa posição “economicamente dura”, nos colégios, escolas universitárias e faculdades de educação, ensinam a alunos principiantes e avançados na educação profissional, e conduzem investigações ou se envolvem em estudos acadêmicos relativos à educação profissional (ANGULO, 1992, p. 18–tradução livre).

Os professores formadores de professores na comunidade investigada por Angulo (1992) têm diversas procedências e mantêm distinto status quo. No entanto, o autor chama nossa atenção para o fato de que esses professores formadores possuem uma base de conhecimento profissional diferenciada, sem que se tenha questionado, em sua pesquisa, qual deve ser a constituição do núcleo de preparação dos professores. Para o autor fica claro que,

Não existe um acordo para determinar qual é o conhecimento dos formadores, ou quais são as teorias ou princípios sobre a formação. Seus conhecimentos procedem da tradição acadêmica curricular e das experiências vividas anteriormente em outros níveis educativos. A visão de formação tem que estar guardada em suas mentes e crenças (Ibid., loc.cit – tradução livre).

Por essa constatação, podemos verificar que a base de conhecimento profissional34 do professor formador se (re)constrói nos contextos formativos, considerando as experiências desenvolvidas na Formação Inicial (este professor formador como aluno e professor), na Educação Básica e acrescentando a própria experiência vivida pelo professor formador ao atuar no Ensino Superior, pois entendemos, neste trabalho, ser a Aprendizagem da Docência uma busca constante.

Ainda em contextos internacionais, Altet, Paquay e Perrenoud (2003) organizaram estudos empíricos de onze pesquisadores ou especialistas originários dos países francófonos. Nesses estudos focalizam os formadores de professores na formação inicial ou formação contínua. Dizem os pesquisadores, referindo-se aos seus contextos, que “a formação contínua é um modo mais novo, mais instável, mais estreitamente ligado às reformas dos sistemas educacionais e, em princípio, mais próximo do que ocorre no campo” (ALTET, PAQUAY e PERRENOUD, 2003, p.16). Já a formação inicial está centrada, para esses pesquisadores, numa “preocupação crescente de preparar para o ofício nos dispositivos de alternância e uma aproximação com as ciências da educação” (loc.cit., p. 16). Para eles, esses dispositivos de alternância são os cursos desenvolvidos nas escolas de Ensino Fundamental para formar formadores e se alternam entre ações de campo (nas escolas e/ou em sala de aula) e análise dos retornos de experiência.

Dentre os estudos empíricos apresentados por esse autor, está o da pesquisadora Snoeckx (2003). Em seu artigo, a autora descreve uma realidade vivida no sistema educacional genebrino, mostrando como atualmente a formação inicial em seu país é compromisso assumido pela universidade desde 1998, convergindo para a formação de um prático reflexivo. Quanto à formação

34 Essa base de conhecimento foi discutida no capítulo anterior.

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contínua, a ela se atribui objetivos declarados de construção de competências. A presença de formadores no cenário educacional genebrino, “afirma-se como uma força constante, um fator de inovação” (SNOECKX, 2003, p.21). No entanto, a pesquisadora conta que a história dos formadores em seu país é composta por muitas reinvidicações, lutas, movimentos sucessivos “que constituíram uma identidade particular, principalmente nas tentativas de unificação dessa categoria de pessoas, e desenvolveram estratégias de reconhecimento de suas características fundamentais. Progressivamente, engajaram-se em um processo de profissionalização” (p.22), passando “necessariamente pela história das instituições de formação e, em particular, da formação inicial” (p.23).

Em Genebra, a formação inicial é assegurada por um corpo docente universitário e formadores de campo que atuam no Ensino Fundamental. A formação contínua é realizada essencialmente por uma categoria específica de pessoal originário do Ensino Fundamental. Os formadores, tanto da formação inicial quanto da contínua, têm algo em comum, “ao assumir o seu posto como formador de professores, ele deixa sua classe. Essa é uma condição necessária, quase fundamental, para ser escolhido” (Ibidem., p.30).

Segundo Snoeckx (2003), a formação inicial em Genebra, até 1995, por ter uma estrutura aplicacionista35, esboçou durante muito tempo o retrato ambíguo do formador como de um personagem modelo designado com poder importante, um personagem com uma especialização disciplinar e cuja legitimidade ancora-se na prática. Indiretamente, aparecem as fragilidades: uma especialização fundada em uma experiência adquirida, uma confusão quanto às relações com o público docente e uma ausência de estatuto administrativo. Atualmente, após muitos debates, Snoeckx (2003) afirma “que o professor formador não é mais visto como um modelo que possa dizer ‘Faça como eu’, mas como alguém com quem é possível compartilhar, refletir e analisar a partir da vivência direta ou relatada” (p.36).

Perrenoud (2003), um dos pesquisadores que compõem o livro de Altet, Paquay e Perrenoud (2003), diz que os formadores de professores não desempenham todos o mesmo papel, algumas linhas divisórias são encontradas em quase todos os países:

• entre formação inicial e formação contínua;

• entre os formadores que nunca ensinaram no nível de escola, colégio ou liceu; aqueles que já o fizeram, mas não fazem mais, e aqueles que ainda ensinam “alunos”;

• na formação inicial, entre formadores da instituição e formadores de campo, com algumas categorias intermediárias;

35 Segundo a pesquisadora, chama-se aplicacionista a estrutura elaborada com a separação nítida entre teoria e prática, ou seja, estuda-se teoria durante os cursos e, após, verifica-se se dá certo em sala de aula, aplicando o que se estudou.

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• entre os professores que fazem a formação a partir de uma especialização referente aos conteúdos de saberes e os formadores de adultos cuja especialização refere-se a dispositivos;

• entre aqueles que fizeram pesquisa (no sentido amplo), aqueles que não fizeram, mas são “passadores” de suas aquisições, e aqueles que se valem mais dos saberes profissionais (saberes da ação, saberes da experiência);

• entre os especialistas (seja qual for sua área) e a nebulosa daqueles que trabalham sobre a totalidade dos problemas profissionais (por exemplo, em análise de práticas, intervenção em estabelecimento de ensino, acompanhamento de projetos ou supervisão);

• finalmente, entre os diversos especialistas, conforme sua vinculação a um ou outro dos grandes grupos constituídos: formadores disciplinares, didatas das disciplinas, especialista de abordagens transversais (avaliação, gestão de classe, etc.), especialista em tecnologia da formação, filósofos e éticos. (PERRENOUD, 2003, p. 199)

A essas divisões, afirma Perrenoud (2003), acrescentam-se aquelas relacionadas à origem disciplinar e ao nível de formação acadêmica. Outra ainda, mais ligada a cada contexto nacional, refere-se aos estatutos, às carreiras, aos rendimentos, aos vínculos institucionais, às denominações e às nomeações. Uma diferença estatutária muito importante separa em quase toda parte:

• os formadores plenos, que é sua identidade profissional e sua principal fonte de rendimento; eles pertencem (mas nem sempre se dão conta disso) ao corpo heterogêneo dos “formadores de adultos”;

• Os formadores ocasionais, que são a título principal professores de escolas, colégio ou liceu, mas intervêm em tempo parcial na formação inicial ou contínua de seus (futuros) colegas (Ibid., p.200).

No entanto, os pesquisadores internacionais que compõem o livro de Altet, Paquay e Perrenoud (2003), ao refletirem sobre quem são os formadores de professores, são unânimes ao afirmarem que a “população de formadores apresenta uma heterogeneidade mais ou menos forte quanto às ancoragens profissionais e disciplinares”. Dizem ainda que nos países onde realizaram suas pesquisas “a esmagadora maioria dos que formam professores provêm do mundo dos professores. Ensinaram, ou ainda ensinam, em escolas, em colégios ou em liceus, dividindo-se entre seu estabelecimento de ensino e suas funções de formadores” (ALTET, PAQUAY E PERRENOUD, 2003, p.10).

Ao afirmarem a heterogeneidade na constituição da população de professores formadores, querem dizer que há uma parcela desses profissionais que provêm de contextos de formação diferenciados, ou seja, verificaram em suas pesquisas que alguns deles não realizaram cursos de graduações que os preparassem para ensinar uma profissão, e sim os preparam tecnicamente para a profissão de formação. No entanto, dizem que a maioria dos professores formadores provém do mundo dos professores, ou seja, realizaram cursos de licenciaturas que formam

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o profissional professor e, ainda, provém de ambientes educacionais, possuindo experiência com o ensino, pois ensinaram ou, ainda, ensinam nas escolas de educação básica, no caso do Brasil. Esse dado parece-nos animador, no sentido de termos nos cursos de formação inicial profissionais que conhecem o ambiente e vivem ou já viveram a prática docente nesse nível de ensino, sendo mais próximo da realidade a formação que desenvolverá como professor formador para os futuros professores, pois preparará um profissional dentro da realidade necessária das escolas.

No Brasil, Pimenta e Anastasiou (2002), ao discutirem as questões referentes à Docência do Ensino Superior, destacam a importância dos professores formadores e de seu trabalho docente nesse nível de escolaridade, importância relegada a planos inferiores tanto pelas instituições quanto pelos próprios docentes. Constroem a problemática e encaminham as propostas sobre docência no ensino superior em dois eixos: a construção da identidade do docente do ensino superior e seu espaço institucional de trabalho nas suas diversas configurações, como universidades, centros universitários ou instituições isoladas de ensino superior. Ao tratarem da construção da identidade do professor, problematizam-na em relação às diversas configurações das instituições universitárias que têm seu corpo docente composto por um conjunto de profissionais de diferentes áreas, em sua maioria não tiveram formação inicial ou continuada para o exercício da profissão. Tratam o professor formador como o docente universitário que realiza o seu trabalho nas universidades, centros universitários, instituições isoladas de ensino superior.

Dessa forma, entendendo a Universidade como um serviço de educação que se efetiva pela docência e investigação, as funções do professor formador podem ser sintetizadas nas seguintes:

criação, desenvolvimento, transmissão e crítica da ciência, da técnica e da cultura; preparação para o exercício de atividades profissionais que exijam a aplicação de conhecimento e métodos científicos e para a criação artística; apoio cientifico e técnico ao desenvolvimento cultural, social e econômico das sociedades (PIMENTA; ANASTASIOU e CAVALLET, 2002, p. 270).

Como conseqüência, Pimenta, Anastasiou e Cavallet (2002), evidenciam que na universidade, o ensino constitui um processo de busca e de construção científica e de crítica ao conhecimento produzido, ou seja, de seu papel na construção da sociedade. Nesse sentido, as pesquisadoras defendem a idéia de que o ensino na universidade tenha as seguintes características:

a) propiciar o domínio de um conjunto de conhecimento, métodos e técnicas científicos, que assegurem o domínio cientifico e profissional do campo especifico e que devem ser ensinados criticamente (isto é, em seus nexos com a produção social e histórica da sociedade), para isso, o desenvolvimento das habilidades de pesquisa é fundamental; b) conduzir a uma progressiva autonomia do aluno na busca de conhecimento; c) desenvolver capacidade de reflexão; d) considerar o processo de ensinar/aprender como atividade integrada à investigação; e) substituir o ensino que se limita a transmissão de conteúdos por um ensino que constitui processo de investigação do conhecimento; f) integrar, vertical e horizontalmente,

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a atividade de investigação à atividade de ensinar do professor, o que supõe trabalho em equipe; g) criar e recriar situações de aprendizagem; h) valorizar a avaliação diagnóstica e compreensiva da atividade mais do que a avaliação como controle; i) conhecer o universo de conhecimento e cultural dos alunos e desenvolver processos de ensino e aprendizagem interativos e participativos, a partir destes (Ibid., loc.cit.).

Essas características do ensinar na universidade exigem uma ação docente diferenciada da tradicionalmente praticada. Na docência, como profissional que realiza um serviço à sociedade, o professor universitário precisa atuar como profissional reflexivo, crítico e competente no âmbito de sua disciplina, além de capacitado a exercer a docência e realizar atividades de investigação.

Mas onde se forma esse profissional? Ou, ainda: existe um lugar específico para formar este profissional?

3.2.2.2. Locus de formação e/ou desenvolvimento profissional do professor

formador

Examinando o panorama internacional das pesquisas educacionais, constata-se, nos países mais avançados, um crescimento da preocupação com a formação e desenvolvimento profissional de professores universitários. Segundo Pimenta e Anastasiou (2002), um dos fatores explicativos dessa preocupação é, sem dúvida, a expansão quantitativa da educação superior e o conseqüente aumento do número de docentes.

Dados da UNESCO demonstram que o número de professores universitários, no período de 1950 a 1992, saltou de 25 mil para um milhão, isto é, aumentou 40 vezes. No entanto, em sua maioria, são professores improvisados, não preparados para desenvolver a função de pesquisadores e sem formação pedagógica (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p.37).

Em virtude dessa expansão, as pesquisadoras alertam para a preocupação com a qualidade dos resultados do ensino superior, sobretudo daqueles do ensino de graduação, apontando para a importância da preparação no campo específico e no campo pedagógico de seus docentes. Além disso, novas demandas são postas sob responsabilidade desses profissionais, muitas vezes, sobrecarregando-os, o que também tem impulsionado estudos e pesquisas na área.

O documento da Conferência Internacional sobre Ensino Superior – uma perspectiva

docente (Paris, 1997) promovida pela Organização Sindical Internacional da Educação, expressa preocupações com temas do campo educacional até então ausentes na docência universitária, como a qualidade da educação, a educação à distância e as novas tecnologias; a gestão e o controle do ensino superior; financiamento do ensino e da pesquisa; o mercado de trabalho e a sociedade; a autonomia e

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as responsabilidades das instituições; os direitos e liberdades dos professores do ensino superior; as condições de trabalho; entre outras. Podemos verificar através dos temas sugeridos no documento, que as discussões não centram somente no trabalho do professor, e sim nas relações estabelecidas por esse trabalho em relação aos seus pares (colegas e alunos), a instituição universitária e a sociedade. Ao nosso ver, o documento, dessa forma, sugere reconhecer o professor universitário como um profissional situado em um tempo e espaço numa sociedade em constantes mudanças, tanto que Pimenta e Anastasiou (2002) defendem que o domínio dessas questões tem se configurado como requisitos necessários ao exercício da docência no Ensino Superior,

uma vez que se espera o envolvimento desses professores na administração e gestão em seus departamentos, na universidade, tomando decisões sobre currículos, políticas de pesquisa, de financiamento, não apenas em seu âmbito, mas também no âmbito dos sistemas públicos estaduais, do sistema nacional da educação e das instituições científicas de fomento de políticas públicas de pesquisa, de ensino e de avaliação (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p.38).

Segundo elas, esses temas têm conduzido à preocupação com a formação dos professores universitários seja onde for, pois entendem que o grau de qualificação é um fator-chave no fomento da qualidade de qualquer profissão, especialmente na educação, que experimenta constante mudança.

No Brasil, a LDB nº 9.394/96, que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e o Decreto 2.207/97, que regulamenta o Sistema Federal de Ensino, estimulam a oferta dos cursos de ensino superior de graduação e de pós-graduação lato e stricto sensu, ao conferirem referência explícita à preparação pedagógica para o exercício da docência do ensino superior e ao exigirem que as instituições de ensino superior contem com uma parcela de seus professores titulados em nível de pós-graduação. Conforme a lei,

a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. Parágrafo único: O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico (LDB 1996- Art. 66).

Vejamos que a Lei destina a preparação para o magistério superior, prioritariamente a pós-graduação, mas não define o que seja essa preparação e também não exclui os demais, concebendo a “docência universitária não como um processo de formação, mas sim como preparação para o exercício do magistério superior, que será realizada prioritariamente (não exclusivamente) em pós-graduação Stricto Sensu” (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p.40), reportando-nos a pensar numa preparação técnica para realizar determinada ação em um contexto indeterminado.

Entretanto, no que se refere à titulação, o decreto 2.207/97 determina que, no segundo ano de sua vigência, as instituições de ensino superior deverão contar com 15% de seus docentes

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titulados na pós-graduação stricto sensu, dos quais 5% de doutores, pelo menos; no quinto ano de vigência, com 25%, dos quais 10% de doutores, pelo menos; e no oitavo ano de vigência, com um terço, dos quais 15% de doutores, pelo menos. Havendo, dessa forma, uma corrida institucional por títulos, não existindo, na maioria das vezes, a preocupação e acompanhamento nas universidades com os aspectos pedagógicos desses professores e o desenvolvimento de competências específicas para atuar no ensino superior. Segundo Pimenta e Anastasiou (2002), tal fato vem provocando um aumento significativo da demanda e da oferta de cursos de pós-graduações, especialmente na área da educação,

uma vez que se nota uma ausência da formação para a docência superior nos programas de pós-graduação das demais áreas. Por outro, lado, a não-exclusividade da formação nesse nível, expressa na lei, tem provocado um crescimento da oferta de pós-graduação Lato Sensu (especialização) ou mesmo a introdução neles da disciplina de Metodologia para Ensino Superior ou Didática do Ensino Superior, especificamente voltada à formação docente (Ibidem, p.40).

O fato que nos parece real é que os professores formadores não possuem um locus

específico de formação, ou seja, diferem dos professores da educação básica, por exemplo, que têm na licenciatura, além da formação específica, uma preparação pedagógica para atuarem nesse nível de ensino, com a compatibilidade das disciplinas pedagógicas que o preparam para lecionarem com crianças. Já, para atuar no ensino superior, é destinada a formação dos professores universitários, aos cursos de pós-graduação que segundo Masetto (2003a), preparam o pesquisador que, geralmente, aprofunda seus conhecimentos em uma área específica. No entanto, são poucos os cursos de pós-graduações stricto sensu que se dispõem a discutir aspectos pedagógicos da docência do ensino superior, como se faria necessário. Dessa forma, o professor universitário, apesar de a legislação destinar o seu locus de preparação aos cursos de pós-graduações, parece-nos não ser nesses cursos que isso, na realidade, acontece.

Infelizmente, as políticas de formação ou desenvolvimento profissional para os professores universitários são poucas, se comparadas com as para os professores da educação básica, havendo também poucas pesquisas que focalizam a docência no ensino superior, gerando, assim, um certo desconforto ao pensarmos na profissão do professor universitário e a qualidade dos cursos de graduação e, conseqüentemente, a qualidade do ensino desenvolvido nas escolas de educação básica, por serem, ao nosso ver, contextos interligados e dependentes.

Como conseqüência do aumento progressivo da oferta dos cursos de ensino superior e o aumento do número de docentes universitários, nas poucas pesquisas existentes na área da formação do professor universitário, há a predominância, nos aspectos ligados à formação pedagógica, desses

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docentes de modo geral, não sendo muitas as investigações que focalizam especificamente o formador de professores.

Pesquisas como a de Balzan (1996) mostram que uma grande parcela dos professores universitários apresentam dificuldade em ensinar nesse nível por não ter formação pedagógica específica para desempenhar a função de professor universitário, mesmo aqueles que realizaram sua graduação em uma licenciatura. As pesquisas têm apontado também para

valorização da preocupação dos professores do ensino superior com o exercício de suas atividades de ensinar; [...] têm se situado no contexto de experiências e de programas de formação contínua em universidades. Partindo de necessidades coletivamente detectadas, busca deixar os professores em condições de reelaborar seus saberes, adquiridos na experiência de professor e de aluno e por eles considerados inicialmente como verdades, em confronto com as práticas cotidianas (Ibidem. p. 59).

Os resultados das pesquisas já existentes na área geram reflexões em torno do professor universitário e direcionam para a compreensão de que o professor formador encontre em seus cursos de mestrado ou doutorado, ou nos programas de formação continuada desenvolvidos em suas universidades, uma ambiência para discutir a sua formação para atuar no ensino superior. É necessário, assim, que esses cursos ou programas, “se abram para propiciar essa formação pedagógica, com disciplinas que abordem os aspectos pedagógicos do ensino superior, suas especificidades, e, ou, estratégias em disciplinas que os façam refletirem sobre sua prática docente no ensino superior” (MASETTO, 2003b, p.15). Ao nosso ver, além dos aspectos elencados pelo pesquisador, acrescentamos a importância de discutir as teorias de aprendizagem de adultos, visto que, nos cursos universitários, os professores formadores exercem seu ofício com adultos e, ainda, de os professores universitários sentirem-se sujeitos de sua formação, assim como diria Dominicé (1983),

a formação não pode ser dada, nem transmitida, nem oferecida nos catálogos. Ela pertence exclusivamente àqueles que se forma. Qualquer que seja o grau de dependência em relação aos apoios externos, às vinculações institucionais ou às características econômicas, sociais e culturais, cada um forja sua biografia e dá-lhe forma.

Assim, além da ambiência de discussões e reflexões, o professor universitário deve sentir-se sujeito do processo de formação, tanto nos programas lato ou stricto sensu como nos cursos de formação continuada, desenvolvidos nas universidades, pois ela deve gerar significado à vida profissional desse professor.

Mizukami (2002b) confirma a realidade dos programas de pós-graduação dizendo que, no caso dos programas de mestrado e doutorado em educação, via de regra, recebem profissionais de diferentes áreas do conhecimento. “São usualmente professores do Ensino Superior e, muitas vezes, formadores de professores” (p.160), mas nem sempre há espaços nos cursos de pós-graduação para

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discutir a prática de ensino, não sendo aí, dessa forma, que o professor universitário encontrará ambiência para discutir a sua atuação no ensino superior. Isso nos leva a pensar que, se nos cursos de pós-graduação em Educação, não é oferecida essa oportunidade, imaginemos nos demais!

Masetto (1998) ao refletir sobre os caminhos percorridos pela pós-graduação brasileira, propõe uma forma de ela assumir a formação do profissional-professor para o ensino superior, afirmando ser importante um plano de formação continuada para esses profissionais, a fim de desenvolver competências em sua área específica de conhecimento por meio da formação do pesquisador e da produção cientifica e também o desenvolvimento da competência pedagógica e política. Para que essa proposta dê certo, Masetto (1998) propõe que, na proposta de desenvolvimento dos cursos com esse enfoque, seja respaldado aspectos relacionados às atividades, aos conteúdos e às metodologias a serem desenvolvidas nestes cursos.

Para Masetto (1998), as atividades nos programas de mestrados e doutorados devem proporcionar momentos que evidenciem a importância da coletividade das discussões, sugerindo explorar uma diversidade de atividades, tais como: workshops, seminários, serviço de apoio, formação em ação com equipes de professores que troquem suas experiências e se ajudem mutuamente etc.

Já aos conteúdos a serem abordados, o mesmo pesquisador defende que devem assumir, de fato, a formação do professor universitário. Menciona ser importante discutir o desenvolvimento do sentido do profissionalismo na ação docente no ensino superior, discutindo as conseqüências dessa atitude; valorizar, pesquisar e discutir a dimensão pedagógica da ação docente, valorizando, dessa forma, a prática pedagógica como fonte de reflexões, de pesquisa e de conhecimento.

Quanto à metodologia dos cursos de pós-graduação, Masetto (1998) propõe que seja levado em consideração que, no caso dos professores universitários, é uma formação que se desenvolve em serviço, sendo importante abrir espaços para que eles possam debater seus problemas, suas questões, suas inquietações e curiosidades, além de desenvolver atividades sempre em equipe, valorizando a troca, a aprendizagem com todos os membros do grupo e não só com o professor. Afirma também ser muito importante superar a aula ministrada pelo professor na qual são oferecidos os conhecimentos já prontos e organizados para serem absorvidos pelos participantes. Antes, é necessário desenvolver a reflexão crítica e a elaboração de pensamento autônomo. Ressalta que deve ser evidenciado a importância da troca de experiências com seus pares, permitindo a reflexão crítica e a produção de novo conhecimento, bem como o compartilhar desses saberes com todo o grupo, além da produção de sentido sobre as vivências e experiências de vida do professor universitário.

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Acreditamos que essas sugestões dadas por Masetto (1998) poderiam também se tornar iniciativas das instituições que abrigam esse profissional, criando uma ambiência que mantenha a discussão constante sobre a docência do ensino superior, desmanchando, assim, a solidão existencial presente no trabalho do professor formador.

Nesse sentido, Pimenta, Anastasiou e Cavallet (2003) identificam três aspectos que impulsionam o desenvolvimento profissional do professor universitário, “a transformação da sociedade, seus valores e suas formas de organização e de trabalho; o avanço exponencial da ciência nas últimas décadas; a consolidação progressiva de uma ciência da educação possibilitando a todos o acesso aos saberes elaborados no campo da pedagogia” (p.271).

Dessa forma, o aperfeiçoamento da docência universitária exige, pois, uma integração de saberes complementares. Diante dos novos desafios para a docência, o domínio restrito de uma área científica do conhecimento não é suficiente. O professor deve desenvolver também um saber pedagógico e um saber político que possibilite ao docente, pela ação educativa, a construção de consciência, numa sociedade globalizada, complexa e contraditória. Conscientes, docentes e discentes, fazem-se sujeitos da educação. O saber-fazer pedagógico, por sua vez, possibilita ao educando a apreensão e a contextualização do conhecimento cientifico elaborado.

Nos processos de formação de professores, é preciso considerar a importância dos saberes das áreas de conhecimento (ninguém ensina o que não sabe), dos saberes pedagógicos (pois ensinar é uma prática educativa que tem diferentes e diversas direções de sentido na formação do humano), dos saberes didáticos (que tratam da articulação da teoria da educação e da teoria de ensino para ensinar nas situações contextualizadas), dos saberes da experiência do sujeito professor (que dizem do modo como nos apropriamos do ser professor em nossa vida) (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 71).

Segundo elas, esses saberes se dirigem às situações de ensinar e com elas dialogam, revendo-se, redirecionando-se, ampliando-se e criando. No entanto, também contribuem para revê-las, redirecioná-las, transformá-las, fazendo parte da formação do professor universitário. Já que os professores, quando chegam à docência na universidade, trazem consigo inúmeras e variadas experiências do que é ser professor, adquiridas como alunos de diferentes professores ao longo de sua vida escolar e que lhes possibilitam dizer quais eram bons professores, quais eram bons em conteúdos, mas não tinham didática, isto é, não sabiam ensinar.

Formaram modelos “positivos” e “negativos”, nos quais se espelham para reproduzir ou negar. Quais professores foram significativos em suas vidas, isto é, que contribuíram para sua formação pessoal e profissional. Também sabem sobre o ser professor por intermédio da experiência de outros, colegas, pessoas da família. Têm experiência socialmente acumulada sobre as amarguras da profissão, sua não-valorização social e financeira, o desgaste emocional que acarreta, as dificuldades de estar diante de turmas de crianças e jovens turbulentos, em instituições precárias; sabem, pelos meios de comunicação, um pouco que

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representações e estereótipos a sociedade tem dos professores. Sabem, mas na maioria das vezes não se identificam como professores, uma vez que olham o ser professor e a universidade do ponto de vista do ser aluno (Ibidem, p. 79).

O desafio que se impõe é o de colaborar no processo de passagem de professores que se percebem como ex-alunos da universidade para se verem como professores universitários. Isto é, “o desafio de construir a sua identidade de professor universitário, para os que os saberes da experiência não bastam” (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 71).

Ser professor universitário supõe o domínio de seu campo específico de conhecimentos. Mas ter o domínio do conhecimento para ensinar supõe mais do que uma apropriação enciclopédica. Segundo Pimenta e Anastasiou (2002),

os especialistas para serem, precisam indagar sobre o significado que esses conhecimentos têm para si próprios, o significado desses conhecimentos na sociedade contemporânea, a diferença entre conhecimentos e informações, conhecimento e poder, qual o papel do conhecimento no mundo do trabalho, qual a relação entre ciência e produção material, entre ciência e produção existencial, entre ciência e sociedade informática: como se inserem aí os conhecimentos históricos, matemáticos, biológicos, das artes cênicas, plásticas, musicais, das ciências sociais e geográficas, da educação física. Qual a relação entre esses conhecimentos. Para que ensiná-los e que significados têm na vida dos jovens alunos dos quais serão professores. Como as instituições trabalham o conhecimento? Que resultados conseguem? Que condições existem nelas para o trabalho com o conhecimento na sociedade atual? Essas questões põem em evidência a dimensão de educabilidade do conhecimento: como trabalhar o conhecimento na formação dos jovens? Qual o significado do trabalho do professor nisso? (p. 80).

Nesse sentido, as pesquisadoras entendem a educação como um processo de humanização, que ocorre na sociedade humana com a finalidade explícita de tornar os indivíduos participantes do processo civilizatório e responsáveis por levá-lo adiante. Como prática social, é realizada por todas as instituições da sociedade. Como processo sistemático e intencional, ocorre em algumas, dentre as quais se destaca a escola.

A Educação Escolar, por sua vez, está assentada fundamentalmente no trabalho dos professores e dos alunos. A finalidade desse trabalho – de caráter coletivo e interdisciplinar – e que tem como objeto o conhecimento – é contribuir com o processo de humanização de ambos, numa perspectiva de inserção social crítica e transformadora (Ibidem, p. 80).

Ou seja, segundo elas, a sociedade civilizada, fruto e obra do trabalho humano, cujo elevado progresso evidencia as riquezas que a condição humana pode desfrutar, revela-se também uma sociedade contraditória, desigual, em que grande parte dos seres humanos está à margem dessas grandes conquistas, dos benefícios do processo civilizatório.

Assim, educar na universidade significa ao mesmo tempo preparar os jovens para se elevarem ao nível da civilização atual, de sua riqueza e de seus problemas, a fim de que aí atuem. Isso requer preparação cientifica, técnica e social. Por isso, a

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finalidade da educação escolar na sociedade tecnológica, multimídia e globalizada, é possibilitar que os alunos trabalhem os conhecimentos científicos e tecnológicos, desenvolvendo habilidades para operá-los, revê-los e reconstruí-los com sabedoria. O que implica analisá-los, confrontá-los, contextualizá-los. Para isso, há que articulá-los em totalidades, que permitam aos alunos ir construindo a noção de “cidadania mundial” (Ibidem, p. 81).

Tarefa complexa, pois, a da universidade e de seus professores! Discutir a questão dos conhecimentos nos quais são especialistas (história, matemática etc.), no contexto da contemporaneidade, constitui um passo no processo de construção da identidade dos professores (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002). E isso não acontece da “noite para o dia”, há todo um processo de aprendizagens, de formação, de desenvolvimento do professor universitário, visto que os saberes que significou, durante sua formação inicial e formação escolar anterior, não o preparam para essa forma de trabalhar.

Por isso que, segundo essas autoras, “a docência na universidade configura-se como um processo contínuo de construção da identidade docente e tem por base os saberes da experiência, construídos no exercício profissional mediante o ensino dos saberes específicos das áreas de conhecimento” (p. 88). No entanto, para que a identidade de professor se configure

há o desafio de pôr-se, enquanto docente, em condições de proceder à análise crítica desses saberes da experiência construídos nas práticas, confrontando-os e ampliando-os com base no campo teóricos da educação, da pedagogia e do ensino, o que permitiria configurar uma identidade epistemológica decorrente de seus saberes científicos e os de ensinar” (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 88).

Mas sua identidade é profissional, ou seja, a docência constitui um campo especifico de intervenção profissional na prática social.

Assim, conforme explicitam elas, o conceito de desenvolvimento profissional dos professores do ensino superior nos parece mais adequado do que o de formação, uma vez que envolve ações e programas quer de formação inicial, quer de formação em serviço.

O desenvolvimento profissional dos professores tem constituído um objetivo de propostas educacionais que valorizam a formação docente não mais baseada na racionalidade técnica, que considera meros executores de decisões alheias, mas numa perspectiva que reconhece sua capacidade de decidir. Ao confrontar suas ações cotidianas com as produções teóricas, impõe-se a revisão de suas práticas e das teorias que as informam, pesquisando a prática e produzindo novos conhecimentos para a teoria e a prática de ensinar. Assim, as transformações das práticas docentes só se efetivam à medida que o professor amplia sua consciência sobre sua prática, a de sala de aula, a da universidade como um todo, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 90).

Nesta perspectiva de desenvolvimento profissional e a reflexão sobre a prática docente como meio de formação, Fernandes (2003), ao discutir a Formação do Professor Universitário: tarefa

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de quem?, diz que o tema é complexo e tem sido pouco abordado em pesquisas, em seminários e, ainda, pouco discutido no interior das instituições universitárias.

O próprio critério de ingresso na universidade revela que não há preocupação com a formação pedagógica do professor universitário. A exigência legal é cumprida, ressaltando-se, porém, que ela se restringe à formação no nível de graduação ou pós-graduação na área específica profissional em que o docente vai atuar, conforme a categoria funcional em que se dá seu ingresso. O encaminhamento desses profissionais para o magistério tem sido, na maioria das vezes uma atuação circunstancial (FERNANDES, 2003, p.95).

Fernandes (2003) alerta para o fato de que não se pode reduzir a formação do professor universitário a pendores naturais, ou seja, a questão de vocação, ou ao domínio do conteúdo específico de seu campo específico.

No cotidiano da vida universitária, tem sido possível verificar que há preocupação institucional com a competência do profissional na área de sua formação, sem situá-la historicamente na perspectiva de ser professor. Preocupação manifesta no espaço da educação formal, quando o professor realiza, com o aval de seu departamento, cursos de pós-graduação com ênfase na pesquisa de seu campo e origem, ficando seu desempenho como professor sem uma reflexão sistematizada, que traga sua prática pedagógica como foco de análise, como sujeito dessa mesma prática (Ibidem, p.97).

Ressalta a autora que não se trata de negar a importância de aprofundamento de seu campo científico, mas, sim,

de construir pontes que permitam travessias em outros campos de sua prática cotidiana, numa perspectiva dialética entre a dimensão epistemológica (a questão do conhecimento), a dimensão pedagógica (a questão de ensinar e aprender) e a dimensão política (a questão da escola do projeto de sociedade e universidade que se pretende) (Opus citatum).

Nesse sentido a autora encaminha algumas reflexões e alternativas construídas a partir do território desafiante da prática pedagógica universitária, chamando a atenção para essa prática pedagógica que deve ser compreendida como

prática intencional de ensino e aprendizagem, não reduzida à questão didática ou às metodologias de estudar, mas articulada à educação como prática social e ao conhecimento como produção histórica, datada e situada, numa relação dialética entre prática-teoria, conteúdo-forma (FERNANDES, 2003, p. 97).

Em relação a isso, as pesquisas do autor citado demonstram que a leitura da prática pedagógica universitária tem evidenciado uma prática na perspectiva da concepção positivista da ciência, do conhecimento e do mundo, marcada pela certeza, pela prescrição, pela precisão, pelo conhecimento oriundo da tradição, verdade pronta. Segundo ele, cotidianamente, defrontamo-nos

com o conhecimento concebido a-historicamente e a competência profissional reduzida a uma competência técnica universal e neutra. Essas competências fundamentam a atuação do professor, excluindo a dimensão política do ato pedagógico, como se as relações educação-sociedade-conhecimento ocorressem

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numa linearidade tempo-espaço-relações, sem conflitos e sem contradições (Ibidem, p. 98).

Propõe que, para mudar esse quadro, há o grande desafio da universidade de realmente colocar em prática o princípio da indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão, principalmente no que se refere à prática do ensino de graduação. Segundo Fernandes (2003),

Há a necessidade de reforçar a compreensão de que esse princípio – indissociabilidade – não se faz espontaneamente pela natureza de ações intrínsecas nos seus processos históricos e epistemológicos, mas, sim pela intencionalidade de compreender o conhecimento, a ciência e o mundo numa relação dialética de sujeitos históricos – professor e alunos - que interagem construindo o ‘novo de novo’, muitas vezes, também o ‘inédito’ (Gramsci, 1982) (p.98).

Como decorrência dessa compreensão, uma outra prática pedagógica precisa ser construída por professores e alunos, através da construção da idéia da indissociabilidade como uma síntese dialética no interior do ato pedagógico. Segundo Fernandes (2003), isso implica conceber um paradigma de ensinar e aprender ancorado num

outro paradigma de ciência, conhecimento e mundo, diferenciado desse que tem marcado nossa prática universitária. Portanto, não se trata de pensa-la como uma questão metodológica, ou mesmo de uma integração das atividades de ensino, pesquisa e extensão, trata-se, sim, de pensa-la como uma questão epistemológica situada numa dimensão cultural36 (p. 99).

É necessário, segundo a autora, que se pense a prática pedagógica na perspectiva

de uma outra episteme, que provoque um ensinar e um aprender indissociado da marca da pesquisa – da dúvida – e da marca da extensão – da leitura da realidade. Essas marcas configuram compreensões de conhecimento, ciência e mundo num outro paradigma – paradigma emergente (Santos, 1995) - que gesta diferentes formas de ensinar e aprender, invertendo a lógica de primeiro a teoria, depois a prática, retirando o conhecimento do seu isolamento histórico e da sua forma cristalizada de apresentação do pronto, para recriá-lo na prática da sala de aula e em seu contexto histórico (FERNANDES, 2003, p. 100).

Evidente que outras relações pedagógicas precisam ser criadas; o professor passa, então, a ser mediador entre a cultura oficial e a cultura dos alunos, ele já não é a fonte básica do conhecimento, mas, sim responsável pela qualificação e pela interpretação do conhecimento existente e da produção do conhecimento novo; o aluno deixa de ser elemento passivo que recebe o conhecimento pronto para se tornar parceiro do professor no processo de ensinar e aprender, intervindo nesse processo com suas dúvidas construídas no enfrentamento da leitura da realidade com o conhecimento posto. Nessas relações, professor e aluno aprendem e se desenvolvem numa perspectiva diferenciada daquelas que comumente encontramos.

36 Cultura, aqui entendida como produção da vida cotidiana. (Fernandes, 2003, p. 99)

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Assim, a prática não fica reduzida à comprovação da teoria ou à sua execução normativa, a prática faz a sustentação e a possibilidade de recriação da teoria. Esse trânsito prática/teoria/prática, no território do ensino universitário requer a pesquisa como princípio educativo – a dúvida – para questionar o conhecimento sistematizado – oficialmente institucionalizado – no enfrentamento com a leitura da realidade, na superação da extensão como afetividade assistencial e locus isolado do ensino e da pesquisa. A extensão deixa de ser, assim, meramente uma atividade para se tornar um campo sociocultural onde a universidade se insere e nele intervém para aprender e para ensinar, “recriando teorias, criando novas teorias, e, sobretudo, fazendo das salas de aulas, aulas vivas, (MASETTO, 1998), num ensino indissociado da pesquisa e da extensão, ou seja, um ensino na perspectiva da produção do conhecimento” (FERNANDES, 2003, p.100-101) por todos os envolvidos, não fazendo da universidade um locus de ensino e aprendizagem só para o aluno, mas fazendo da prática docente, na universidade, momento de constantes construções, gerando assim o desenvolvimento profissional para àqueles que lá estão.

Essa rápida incursão teórico-prática na prática pedagógica universitária possibilita constatar a emergência do aprofundamento dos estudos nessa direção, principalmente ao examinar a lógica que preside à organização dos currículos. Lógica que fundamenta a teoria precedendo a prática; os estágios como práticas no final dos cursos, como apontamento para aplicação de conhecimentos; a quantidade de disciplinas numa carga horária excessiva que revela a quantidade como sinônimo de qualidade; a organização de disciplinas baseadas apenas em pré-requisitos seqüenciais de exatidão, tradicionalmente postos sem questionamento epistemológico e histórico, originado de uma reflexão sistematizada na concepção de curso como uma unidade pedagógica. Enfim, tantas outras questões, entre as quais incluo, a formação pedagógica dos professores (FERNANDES, 2003).

Fernandes (2003) tem a tendência a considerar que a formação continuada de professores tem possibilidades de maior significação para os envolvidos do que aquela que se faz anterior à prática profissional. Segundo ela, “o elemento que se interpõe entre essas duas situações é a prática que o professor desenvolve e que precisa ser considerada e recuperada valorativamente para análise” (p.109).

Pimenta e Anastasiou (2002) destacam a relevância e a intencionalidade presentes no pesquisar a própria prática como espaço de apropriação de uma diferenciada competência profissional, que se apóia em conhecimentos construídos processualmente. Ressaltando, assim, “a importância da flexibilidade, abertura, maturidade na construção da profissão docente, necessária a profissionais de outras áreas que assumem o magistério superior como nova profissão” (p. 28).

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Segundo Fernandes (2003), esse pressuposto tem sustentado as tentativas de trabalhar com a formação pedagógica do professor universitário, buscando sua inserção para além da dimensão meramente pedagógica.

Como sujeito da produção de saberes. Sujeito que produz sobre o que e como ensina. Essa possibilidade tem favorecido a articulação entre o epistemológico e o político, que sinalizam para a perspectiva de transformação de suas relações com o conhecimento e com outras formas de ensinar e aprender, numa relação diferenciada com seus alunos e com a universidade (p. 109).

Outro aspecto importante, salientado por Fernandes (2003) e que já foi apontado por Nóvoa (1992) é sobre a organização do trabalho. Defende ele que a práticas de formação contínuas organizadas em torno dos professores individuais

podem ser úteis para aquisição de conhecimentos e de técnicas, mas favorecem o isolamento, reforçam uma imagem dos professores como transmissores de um saber produzido no exterior da profissão. Já as práticas que tomam como referência as dimensões coletivas contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação de uma profissão que é autônoma na produção dos seus saberes e dos seus valores (NÓVOA, 1992, p. 24).

Fernandes (2003) responsabiliza a instituição pela formação pedagógica de seus professores universitários, através de programas de formação continuada. No entanto, no tocante à formação do professor universitário, os estudos têm mostrado que

[...] o professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autoditada ou [...] seguindo a rotina dos “outros”. Isso se explica, sem dúvida, devido à inexistência de uma formação específica como professor universitário. Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência como aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as reações de seus alunos, embora não há que se descartar a capacidade autoditada do professorado. Mas ela é insuficiente (BENEDITO, 1995, p. 131 apud FERNANDES, 2003).

Essa constatação tem favorecido iniciativas que valorizam a formação contínua ou em serviço, mediante cursos, seminários, disciplinas de pós-graduação lato sensu, palestras, estágios etc. No entanto, essas iniciativas não constituem regra geral, pois há certo consenso de que a docência no ensino superior não requer formação no campo do ensinar. Para ela seria o suficiente o domínio de conhecimentos específicos, pois o que identifica é a pesquisa e/ou exercício profissional no campo. Mesmo porque, diz o dito popular, “quem sabe faz” e “quem não sabe ensina”. Nesse conceito, o professor é aquele que ensina, isto é, dispõe os conhecimentos aos alunos. Segundo Pimenta e Anastasiou (2002),

na maioria das universidades, embora seus professores possuam experiência significativa e mesmo anos de estudos em suas áreas específicas, predomina o despreparo e até um desconhecimento científico do que seja o processo de ensino e de aprendizagem, pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em que ingressam na sala de aula (p. 37).

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Geralmente, os professores ingressam em departamentos que atuam com cursos aprovados em que já estão estabelecidas as disciplinas que ministrarão. Aí recebem ementas prontas, planejamento individual e solitariamente e é nessa condição – individual e solitariamente – que devem se responsabilizar pela docência exercida. Infelizmente, os resultados obtidos não são objeto de estudo ou análise individual nos cursos ou departamentos.

Os professores “não recebem qualquer orientação sobre processos de planejamento, metodológicos ou avaliatórios, não têm de prestar contas, fazer relatórios, como acontece normalmente nos processos de pesquisa - estes, sim , objeto de preocupação e controle institucional” (Ibid. loc.cit). Como se percebe, a questão da docência na universidade ultrapassa os processos de sala de aula, pondo em discussão as finalidades do ensino de graduação, o que tem sido reconhecido em diferentes países.

As autoras, ao discutir a profissionalização continuada e a construção da identidade profissional, evidenciam que as pesquisas nacionais e internacionais mostram que ações mais efetivas para a formação docente ocorrem em processos de profissionalização continuada que contemplam diversos elementos, “entrelaçando os vários saberes da docência: os saberes da experiência , os saberes do conhecimento e os saberes pedagógicos, na busca da construção da identidade profissional, vista como processo de construção do profissional contextualizado e historicamente situado (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 108). Segundo elas, “a docência universitária é profissão que tem por natureza constituir um processo mediador entre sujeitos essencialmente diferentes, professor e alunos, no confronto e na conquista do conhecimento” (p. 109).

É preciso considerar, como princípio norteador, que o profissional que atua como docente já possui uma experiência em sala de aula, em vários anos como aluno, para além do tempo que atua como professor. Por isso, como sujeito de seu processo, sua voz é essencial na definição da caminhada a ser construída (Opus citatum).

Segundo Nóvoa (1992), na construção da identidade docente três processos são essenciais: o desenvolvimento pessoal, referindo-se aos processos de produção da vida do professor; o desenvolvimento profissional, aos aspectos da profissionalização docente; e o desenvolvimento institucional, que se refere aos investimentos da instituição para a consecução de seus objetivos educacionais. Os processos de profissionalização continuada bem-sucedida se assentam nesse tríplice investimento.

Pimenta e Anastasiou (2002) concordam e ampliam a idéia, considerando que a identidade “não é um processo imutável nem externo que possa ser adquirido. É um processo de construção do sujeito historicamente situado” (p.113). Para as autoras, na construção da identidade do

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docente, busca-se reelaborar os saberes inicialmente tomados como verdades, em confronto com as descrições das práticas cotidianas que se tornam auxiliares nesse processo e em relação à teoria didática. Esse método de descrever as práticas cotidianas configura um processo essencialmente reflexivo:

refletir coletivamente sobre o que se faz é pôr-se na roda, é deixar-se conhecer, é expor-se – o que fazemos com muita dificuldade, uma vez que, como docentes do ensino superior, estamos acostumados a processos de planejamento, execução e avaliação das atividades de forma individual, individualista e solitária. (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 113)

Na construção dessa identidade é essencial considerar a importância da criatividade na solução de cada nova situação vivenciada. É por essa exigência de criação na resolução das questões da prática que uma lógica de previsibilidade positivista não é suficiente na ação docente. Contreras (1997, apud PIMENTA e ANASTASIOU, 2002) alerta para essa complexidade das práticas profissionais, como o caso da docência, que enfrenta situações incertas, conflitos, efeitos ambíguos e que por essa natureza não se resolve com as transposições de regras de decisões e modelos.

São essas características da profissão docente – a imprevisibilidade, a singularidade, a incerteza, a novidade, o dilema, o conflito e a instabilidade – que nos levam a um necessário enfrentamento da racionalidade técnica, principalmente por parte de professores que, tendo se formado em diferentes áreas em que predomina essa racionalidade, podem estar utilizando-a como modelo básico de sua ação docente, sem considerar as características da docência. (Ibidem, p.114)

É necessário refletir sobre o que deve ser mantido e alterado, sendo, portanto, fundamental a clareza dos fins e valores. As raízes, crenças, hábitos e formas de ação podem significar resistências às práticas transformadoras. Daí a importância da clareza e compreensão do eu-professor existente em cada um de nós. Por isso, esse aspecto tem sido abordado nos processos de profissionalização não só da área de educação, mas também em diversas áreas.

3.2.2.3. A profissionalização do professor formador: uma construção de competências?

Verificamos pelas discussões anteriores que o professor formador não tem um locus

exclusivo de formação. Ele se forma com a experiência vivida por ele durante um processo contínuo de aprendizagens em ambientes diversos, sejam eles, a formação inicial, as escolas de educação básica, a universidade e a formação continuada que vêm realizando durante o seu desenvolvimento profissional. No entanto, essa formação depende muito dos significados que atribui às suas

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experiências através da reflexão que faz sobre sua prática docente. Como diria Lamy (2003), ao se referir ao formador de professores da formação continuada na França,

o formador de professores é um autodidata em potencial e em aceleração. Beneficia-se da experiência dos membros da equipe, uma experiência geralmente transmitida sob o signo da modelização e da atividade em situação real. Ele se especializa, faz leituras, pesquisas, experiências nas classes. Constrói sua prática de formador simultaneamente às suas atividades no âmbito do serviço, que pode ser mais ou menos pródigo em tempo e possibilidades de formação (p. 31).

Assim, segundo o pesquisador francês, o formador em geral constrói suas competências na situação, em ambiente de trabalho, pois trabalham com um público de adultos e não foram, na maioria das vezes, preparados para o trabalho com este público. No entanto, ao atuarem nas licenciaturas, ao mesmo tempo que ensinam aos adultos, os conteúdos, os sentidos, os procedimentos são destinados ao público infantil. Sendo esta a grande diferença entre o professor formador e o professor da educação básica. Dessa forma, não se trata de um ofício construído nem de uma função bem identificada e homogênea.

O próprio título de “formador de professor” é ambíguo. Nem sempre corresponde àquilo que está inscrito nos documentos administrativos, que falam de professor, metodologistas, encarregado de curso, psicopedagogo, didata. Ainda que os professores em formação sejam adultos, os formadores de professores não se consideram nem são considerados como formadores de adultos (ALTET, PAQUAY E PERRENOUD, 2003, p. 11).

De acordo com o crescimento do número de pesquisas e o despertar dos temas sob a profissão do professor formador, verifica-se que este profissional está em processo de profissionalização, no sentido, de “transformação de seu ofício constituído em profissão” (ALTET, PAQUAY E PERRENOUD, 2003, p. 11).

Esse processo de profissionalização pode ser identificado por meio das mudanças que a docência universitária vem marcando pela formação de profissionais de diversas áreas, sendo que essas mudanças devem acompanhar as mudanças na universidade e da sociedade. Masetto (2003b) faz um panorama das mudanças no ensino superior no século XX e o reflexo dessas mudanças nas competências necessárias para atuar no ensino superior. Destacando-as em quatro pontos:

O primeiro diz respeito ao processo de ensino que, segundo Masetto (2003b), de uma preocupação total e exclusivamente voltada para a transmissão de informações e experiências iniciou-se um processo de buscar o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos; de aperfeiçoar sua capacidade de pensar; de dar um significado para aquilo que era estudado, de perceber a relação entre o que o professor tratava em aula e sua atividade profissional; de desenvolver a capacidade de construir seu próprio conhecimento, desde coletar informações até a produção de um texto que revele esse conhecimento.

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O segundo ponto de mudança na docência universitária, segundo Masetto (2003b), relaciona-se ao incentivo à pesquisa, pois com a criação e o desenvolvimento de programas de pós-graduação, no país, houve um marco no desenvolvimento das atividades de pesquisa no ensino superior. O incentivo à pesquisa também, pelas agências financiadoras (Capes, CNPq, entre outras) resultou em um número significativo de mestres e doutores em várias universidades brasileiras. Esse incentivo à pesquisa fez-se sentir na graduação e na prática dos professores formadores.

Como terceiro ponto, o mesmo autor destaca mudanças na parceria e co-participação

entre professor e aluno no processo de aprendizagem de forma tímida, pois ainda encontramos o professor no papel de transmissor de informações e, mesmo atuando só com aulas expositivas, há, no entanto, um razoável número de docentes que têm se preocupado em chamar o aluno para se envolver com a matéria que está sendo estudada. Essa atitude, segundo Masetto (2003b), tem a ver com a compreensão mais abrangente do processo de aprendizagem e com sua valorização no ensino superior, “com ênfase dada ao aprendiz como sujeito do processo, com o incentivo à pesquisa na graduação e com as mudanças na forma de comunicação. A docência existe para que o aluno aprenda” (p. 23). No entanto, nesse envolvimento de co-participação de parceria cabe ressaltar que aprendemos em momentos diversos e essa aprendizagem se estende ao professor.

O quarto ponto de mudança que Masetto identifica é no Perfil do Professor. O pesquisador diz que o conjunto de mudanças citadas anteriormente fez com que o perfil do professor se alterasse significamente de especialistas para mediador de aprendizagem. A mudança está na transformação do cenário do ensino, em que o professor está em foco para um cenário de aprendizagem, em que o aprendiz (professor e aluno) ocupa o centro e em que professor e aluno se tornam parceiros e co-participantes do mesmo processo.

A atitude do professor está mudando: de um especialista que ensina para o profissional da aprendizagem que incentiva e motiva o aprendiz, que se apresenta com a disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e sua aprendizagem – não uma ponte estática, mas uma ponte “rolante”, que ativamente colabora para que o aprendiz chegue a seus objetivos.(MASETTO, 2003b, p. 24).

Tal atitude leva o professor formador a explorar com seus alunos, novos ambientes de aprendizagem, tanto ambientes profissionais como virtuais (através da internet), a dominar o uso das tecnologias de informação e comunicação, a valorizar o processo coletivo de aprendizagem (o aluno aprende não apenas com o professor e por intermédio dele, mas com os colegas, com outros professores e especialistas, com profissionais não acadêmicos) e a repensar e reorganizar o processo de avaliação, agora voltado para a aprendizagem, como elemento motivador, com feedback contínuo, oferecendo informações para que o aluno supere suas dificuldades e aprenda ainda durante o tempo

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em que freqüenta nossa matéria. “Essas mudanças no ensino superior puseram a descoberto as competências básicas e necessárias para realizar a docência” (Ibid. p. 25).

Ainda, segundo Masetto (2003b), a docência do ensino superior exigia competências próprias que, desenvolvidas, trariam àquela atividade uma conotação de profissionalismo e superaria a situação, até então muito contraditória, de se ensinar “por boa vontade”, buscando apenas certa consideração pelo título de “professor de universidade”, ou apenas para “complementação salarial”, ou ainda, somente para se “fazer alguma coisa” no tempo que restasse do exercício da outra profissão (p. 25). Dessa forma, quais são as competências específicas do professor universitário, ou do professor formador?

3.2.2.4. Competências específicas para o professor formador discutidas pela literatura

Como já anunciamos anteriormente, a formação do professor formador é um tema que recente tem sido abordado nas pesquisas educacionais, sendo ainda poucos os pesquisadores que tratam do assunto. Dentre os que discutem as competências específicas para o professor formador, destacamos Perrenoud e Thuller (2002), Masetto (2003b) e Pimenta (2002) e estes compreendem competência como:

1) “a aptidão para enfrentar um conjunto de situações análogas, mobilizando de uma forma correta, rápida, pertinente e criativa, múltiplos recursos cognitivos: saberes, capacidades, microcompetências, informações, valores, atitudes, esquemas de percepção, de avaliação e de raciocínio” (PERRENOUD E THULLER, 2002, p.19).

2) “uma série de aspectos que se apresentam e se desenvolvem conjuntamente: saberes, conhecimentos, valores, atitudes, habilidades” (MASETTO, 2003b, p. 25).

3) “fruto de uma síntese possível e desejável, entre os saberes científicos e os pedagógicos” (ANASTASIOU e PIMENTA, 2002, p. 73).

Entendemos que todos os autores acima citados visualizam competência com um conjunto de saberes próprios do professor para desempenhar suas atividades docentes. Ao se tratar do professor universitário podemos supor que estas competências podem ser construídas no decorrer de sua carreira profissional, inclusive na sua prática docente na universidade. Para isso é necessário que este profissional do ensino superior reflita sobre suas ações, significando-as a fim de tornar um

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saber dele. Ao se tratar do professor formador de professores da educação básica, assim como os demais profissionais que trazem de uma profissão aspectos para ensinar a ser este profissional, o professor formador poderá trazer um conjunto de saberes, de atitudes, de habilidades desenvolvidas em suas práticas docentes na educação básica a fim de transforma-las em ações e práticas para formar um professor para este nível de ensino.

Masetto (2003b) distingue algumas competências básicas para o ensino superior, entendendo o profissional do ensino superior, o profissional que desenvolve suas atividades na universidade, principalmente as atividades de ensino. Este pesquisador destaca três grandes competências para o professor universitário.

I - Competência em determinada área do conhecimento

Masetto (2003b) afirma que a docência no ensino superior exige, antes de mais nada, que

o professor seja competente em determinada área do conhecimento. “Essa competência significa, em primeiro lugar, um domínio dos conhecimentos básicos em determinada área, bem como experiência profissional de campo” (p. 24). Domínio que se adquire, no caso dos professores formadores, nos cursos de licenciatura ou bacharelado, que se realizam nas universidades e/ou faculdades e em alguns anos de experiências vividas na escola de educação básica, seu campo de trabalho e para onde estará formando profissionais para atuar.

No entanto, segundo Masetto (2003b), esse domínio cognitivo é muito pouco. Exige-se, de quem pretende lecionar na universidade, que seus conhecimentos e suas práticas profissionais sejam atualizados constantemente por intermédio de participações em cursos de aperfeiçoamento, especializações; em congressos e simpósios; em intercâmbios com especialistas etc. Exige-se, ainda, que domine uma área de conhecimento especifico mediante pesquisa. É importante nos darmos conta de que o termo pesquisa abrange diversos níveis.

Dizemos tratar-se de pesquisa aquela atividade que o professor realiza mediante estudos e reflexões críticas sobre temas teóricos ou experiências pessoais reorganizando seus conhecimentos, reconstruindo-os, dando-lhes novo significado, produzindo textos e “papers” que representem sua contribuição ao assunto e que possam ser lidos e discutidos por seus alunos e seus pares (MASETTO, 2003b, p. 26).

Masetto afirma ainda, em relação à pesquisa que, “docente em fase de mestrado ou doutorado também realizam pesquisas, que certamente serão incorporadas à sua docência” (Ibidem, p.26). Sem dúvida, ainda temos o nível de pesquisa que envolve projetos menores ou maiores, por vezes gigantescos, mas que estão voltados para a produção de conhecimentos científicos novos,

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inéditos, ou produção de tecnologia de ponta que envolve recursos e apoio de agências financiadoras nacionais e/ou estrangeiras. Essa produção científica também enriquecerá o domínio de conhecimento que se espera de um docente de ensino superior (p. 27).

II - Domínio na área pedagógica

A docência em nível superior exige um professor com domínio da área pedagógica; em geral, conforme Masetto (2003b), esse é o ponto mais carente de nossos professores universitários, quando vamos falar em profissionalismo na docência, seja porque nunca tiveram oportunidade de entrar em contato com essa área, no caso dos profissionais que realizaram cursos bacharelados ou profissionalizantes, seja nos que realizaram licenciatura e não deram a devida importância a área pedagógica, imaginando ser algo supérfluo ou desnecessário para sua atividade de ensino.

No caso dos cursos de licenciatura em Matemática, pesquisas demonstram que há uma desvalorização das disciplinas pedagógicas em virtude da ênfase dada às disciplinas específicas, ocasionando assim, um despreparo pedagógico ao futuro professor de Matemática.

III- O exercício da dimensão política é imprescindível no exercício da docência universitária

Segundo Masetto (2003b), “o professor ao entrar na sala de aula para ensinar uma disciplina não deixa de ser um cidadão, alguém que faz parte de um povo, de uma nação, que se encontra em um processo histórico e dialético, participando da construção da vida e da história de seu povo” (p. 31).

Ele tem visão de homem, de mundo, de sociedade, de cultura, de educação que dirige suas opções e suas ações mais ou menos conscientemente. Ele é um cidadão, um “político”, alguém compromissado com seu tempo, sua civilização e sua comunidade e isso não se desapega de sua pele no instante em que entra em sala de aula.

Como cidadão, o professor estará aberto para o que se passa na sociedade, fora da universidade ou faculdade, suas transformações, evoluções, mudanças; atento para as novas formas de participação, as novas conquistas, os novos valores emergentes, as novas descobertas, novas proposições visando inclusive abrir espaço par discussão e debate com seus alunos sobre tais aspectos na medida em que afetem a formação e o exercício profissional (MASETTO, 2003b, p. 31-32).

Nesse contexto, o autor sugere que a reflexão crítica e sua adaptação ao novo de forma criteriosa são fundamentais para o professor compreender como se pratica e como se vive a cidadania nos tempos atuais, buscando formas de inserir esses aspectos em suas aulas, tratando dos diversos

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temas, selecionando textos de leitura, escolhendo estratégias que, ao mesmo tempo, permitam ao aluno adquirir informações, reconstruir seu conhecimento, debater aspectos cidadãos que envolvam o assunto, e manifestar suas opiniões a respeito disso. Conciliar o técnico com o ético, na vida profissional, é fundamental, tanto para o professor quanto para o aluno.

Dessa forma, essas competências do professor formador, tratadas pelos autores, são conjuntos de saberes significados por estes professores durante sua aprendizagem da docência, oriundos de diversos momentos do seu percurso profissional. Cabendo a nós descobrir como que os professores formadores para a Educação matemática aprendem a ser professor do ensino superior e é exatamente isso que buscamos descobrir no próximo capítulo de nosso trabalho.

4 APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA DO PROFESSOR FORMADOR DE EDUCADORES MATEMÁTICOS: o que revelam os dados da pesquisa

O processo de análise de dados qualitativos supõe um “trabalho” com todo o material obtido durante a pesquisa e está presente em vários estágios da investigação, tornando-se mais sistemático e mais formal após o encerramento da coleta de dados (LUDKE e ANDRÉ, 1986). Foi dessa forma que esse processo se constituiu, em momentos da investigação se interrelacionando, gerando a complementação e a compreensão do que buscávamos.

Durante este percurso de investigação construímos e reconstruímos as aprendizagens dos professores formadores e das pesquisadoras, que também são professoras formadoras, fortalecendo nossas identidades profissionais.

Ao analisarmos o que os sujeitos pensavam a respeito das indagações que fizemos em vários momentos da investigação, interpretamos com o olhar construído durante o nosso próprio processo formativo constante, seja na nossa formação inicial, nas experiências que desenvolvemos como Educadora Matemática na educação básica e como professora formadora no ensino superior e, sobretudo, nesta pesquisa, com isso aos poucos visualizamos as interações que foram formando redes de significados em nossas vidas.

Como resultado do processo investigativo, apresentamos, neste capítulo, a análise dos percursos individuais de 03 professores formadores do curso de licenciatura em Matemática de Sinop/MT que obtivemos através da análise, interpretação e compreensão dos dados coletados em três momentos de pesquisa e do referencial teórico escolhido. Os dois primeiros momentos a que nos referimos foram em 2004, quando fizemos a coleta documental e aplicamos os 05 questionários e os analisamos, e o terceiro momento em 2005 quando realizamos a entrevista reflexiva e de aprofundamento do que tínhamos compreendido.

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Na configuração dos percursos individuais de aprendizagem da docência do ensino superior, preocupamo-nos com o que pensavam os professores formadores sobre o processo de aprendizagem docência do ensino superior. Assim, estes percursos foram constituídos por meio do que nos revelam os sujeitos através dos instrumentos de coletas de dados, apresentando-se de modo diferenciado por partirem de saberes e experiências que adquiriram no decorrer de um caminho profissional próprio.

Para traçarmos esses percursos individuais respeitamos três grandes blocos de análise:

I – O profissional e aspectos gerais dos caminhos percorridos: “o risco do bordado” - neste bloco objetivamos apresentar o profissional professor formador descrevendo, em linhas gerais, as opções que nos relatou fazer durante seu percurso profissional.

II – Os contextos formativos formais: o revelar do bordado “do sujeito” e os arremates das pesquisadoras – dividido em três sub-blocos, neste tivemos como objetivo traçar os percurso de aprendizagem analisando as intersecções que os professores formadores evidenciaram nos questionários respondidos durante os 1º e 2º momentos de coleta e na análise dos dados da pesquisa.

Por meio destes dois blocos foi possível nos aproximarmos de dados que nos forneceram parte de elementos com os quais poderíamos iniciar a configuração de uma possível resposta ao nosso problema. No entanto essa primeira aproximação não nos deu elementos suficientes para responder ao problema que a pesquisa se propôs, deixando-nos várias indagações; assim estruturamos um terceiro bloco de análise.

III - Um novo olhar sobre a aprendizagem da docência: o processo de reflexão e aprofundamento – neste bloco apresentamos a análise do que os sujeitos nos falaram durante a entrevista reflexiva e de aprofundamento feita em 2005 a partir de um diálogo estabelecido entre a pesquisadora e cada sujeito, tendo por base os resultados obtidos nos momentos anteriores.

Analisando e interpretando os bordados, dando a eles os “arremates” através de nossas teorizações, pudemos traçar os percursos individuais de aprendizagem da docência ao qual apresentaremos a seguir:

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4.1. Os percursos de aprendizagem da docência do ensino superior: os bordados evidenciados

4.1.1. Hortêncio e percurso de aprendizagem da docência no ensino superior

I – O profissional e aspectos gerais dos caminhos percorridos: “o risco do bordado”

Hortêncio é do sexo masculino e em março de 2004, momento inicial da pesquisa, tinha 36 anos de idade.

Sua graduação foi em licenciatura plena em Matemática, na UNEMAT/Sinop, em uma turma especial do departamento de Matemática promovida pelo Programa Institucional de Qualificação Docente – P.I.Q.D. - cuja prioridade era realizar a formação em serviço para 150 professores leigos de 12 municípios do Estado de Mato Grosso, conveniados com a UNEMAT. Como pré-requisito para prestar o vestibular para participar desse programa era exigido que todos os candidatos estivessem atuando como professor na educação básica e que escolhessem Matemática, Letras ou Pedagogia37 para cursar. O professor formador Hortêncio atendia os pré-requisitos, era professor de Matemática no município M - MT38.

Por se tratar de uma formação em serviço, ao nos referir a este curso de licenciatura em Matemática, não vamos considerá-lo como uma formação inicial, pois se tratou de uma formação formal desenvolvida pela universidade, por isso preferimos chamar simplesmente de graduação no caso do curso desenvolvido por Hortêncio.

No início de sua graduação, Hortêncio já era professor de Matemática da educação básica, há 9 anos (Q.C) contando, portanto, com experiências pré-profissionais39 de quase três anos, no magistério. No momento inicial desta pesquisa, sentindo-se numa situação de “eterna

aprendizagem, doação, amor-próprio e ao próximo” (Q.C). Identificou-se como um “eterno aprendiz”, declarou-se “professor por amor” (Q.C), realizando-se com a possibilidade de contribuir com a

aprendizagem de uma criança, citando exemplos de fatos ocorridos em sala de aula com seus alunos (Conversas Informais – Diário de Pesquisa – julho de 2004).

Hortêncio concluiu sua graduação em dezembro de 2002. Antes de concluí-la, iniciou uma pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia, desenvolvida pelo I.C.E – Instituto Cuiabano de

37 Eram destinadas 50 vagas para cada curso, sendo estas distribuídas por cotas entre os municípios conveniados. 38 Para garantir o anonimato do sujeito – excluímos o nome do município. 39 Tardif (2002)

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Educação. No entanto, até o momento de coleta de dados não a havia terminado, pois lhe faltava a monografia, cujo tema era: “As dificuldades de Aprendizagem da Matemática”. Em conversa informal registrada no Diário de Pesquisa, expôs que pretendia logo apresentá-la para concluir mais essa etapa

de sua formação e que o fato de orientar cinco acadêmicos do curso de Matemática em seus Trabalhos

de Conclusão de Curso estava lhe ajudando para concluir sua especialização. (Conversas Informais – Diário de Pesquisa – julho de 2004).

Naquele momento, março de 2004, atuava no curso de licenciatura plena em Matemática como professor formador, desde fevereiro de 2003, tendo, portanto, como tempo de carreira no ensino superior a experiência de um ano. No primeiro ano de atuação no ensino superior seu regime de trabalho foi de 20 horas semanais, alterado, para 30 horas no Semestre Letivo 2004/01 pelo seu ingresso do GEENCE – Grupo de Extensão para o Ensino de Ciências Exatas. Seu teste seletivo foi para área da Matemática, direcionado para o ensino de Álgebra. Durante o tempo de atuação no Departamento de Matemática como professor formador, até o segundo momento da pesquisa (julho de 2004), ministrou as disciplinas de Introdução à Álgebra Linear; Álgebra Linear; Álgebra Abstrata I, Álgebra Abstrata II, Matemática Elementar I; Matemática Elementar II; Cálculo III, Matemática Aplicada às Ciências Biológicas, Físicas e Químicas no Ensino Médio (disciplina optativa). Durante o Semestre Letivo 2004/01 atuou nas disciplinas de Matemática Elementar I e Matemática Elementar II, no primeiro e segundo semestres do curso, respectivamente.

No inicio da pesquisa acreditava que Ser Professor “é uma profissão e ao mesmo tempo

uma vocação” (Q.C). Escreveu que, através “da educação, podemos ter um futuro diferente, bem

melhor é claro” (Q.C). Acrescenta, evidenciando em sua escrita: “Eu acredito na Educação” (Q.C.).

Podemos interpretar que, neste primeiro momento de pesquisa, ao olhar o risco de seu bordado e nos “expressar o que vê até o momento”, demonstrou estar deslumbrado com a profissão de professor de Matemática, referindo-se a ela com muito otimismo e orgulho.

Durante o primeiro ano como professor formador na UNEMAT, Hortêncio viajava 300 quilômetros para ministrar aulas no noturno, tendo-se mudado, depois, com sua família para o município de Sinop, facilitando a sua dedicação ao trabalho. Mudou de município em busca de acréscimo de carga horária e experiência. Desta forma, no ano de 2004, além de ser professor formador também foi professor em uma escola da rede particular de ensino de Sinop, ministrando as disciplinas de Física e Geometria na educação básica, com carga horária de 28 horas/aulas de dedicação semanal, totalizando com a carga horária do ensino superior quase 60 horas de trabalho semanais.

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Durante todos os encontros de coleta de dados, Hortêncio apresentou-se comunicativo e descontraído. Sem a pesquisadora ter necessidade de perguntar, descontraidamente relembrava fatos de sua vida como aluno, como professor antes da graduação, sobre sua formação no curso de Matemática e sobre o que alterou em sua prática docente depois de ter concluído o curso de Matemática. Como nesses momentos de encontro não estávamos fazendo uma entrevista, nossas conversas não foram gravadas, mas dentro do possível foram registradas quase imediatamente no Diário de Pesquisa, enquanto Hortêncio respondia aos questionários.

Registramos as conversas informais por ter gerado muitas reflexões, talvez por serem descontraídas, sem a necessidade da escrita. Apresentamos logo em seguida um episódio40 que registramos no Diário de Campo em um dos momentos em que Hortêncio estava respondendo um dos questionários:

Após termos conversado bastante sobre a sua profissão de professor e a graduação que realizou no P.I.Q.D, Hortêncio começou a responder o questionário 2. A cada pergunta que Hortêncio lê, faz um breve comentário sobre o que lhe foi solicitado. Penso: (Sinto-me uma “idiota” de não ter trazido um gravador, mas com os outros sujeitos não foi assim! [...] Estou aprendendo a ser uma pesquisadora) – [...] Continuo a pensar: (engraçado é que ele sempre me ensinou tanta coisa e continua a fazer isso [...].) Para ele se concentrar, comecei a registrar as lembranças que vieram enquanto conversávamos, procurando reparar a falta do gravador. [...])

Lembramos antes de momentos de sua formação! – Penso: (Legal que se lembra de mim como sua professora). Perguntou-me se ele, quando aluno, perturbava com suas indagações freqüentes sobre o ensino de determinado conteúdo matemático na educação básica. Confessei a ele - pela primeira vez – que sim [rimos muito] - Mas concluímos que nenhuma indagação ficou no acaso e sem resposta, mesmo que quase todas me levaram a longas e profundas reflexões por ter pouca experiência como professora na educação básica. Lembro-me dele [Hortêncio], como um bom aluno que questionava o tempo todo, por não se contentar com algumas respostas dadas por mim, pois em quase todas tinha um argumento baseado em sua experiência, mostrando outras possibilidades e nos fazendo refletir [a turma e eu] a todo o momento. Naquela época, para mim, representava algo muito “ vergonhoso” não saber responder o que o aluno perguntava, apesar de ele ter muito mais experiência na educação básica do que eu, sua professora formadora. Mesmo assim, eu era a professora e ele se mostrava muito mais seguro em relação ao ensinar os conteúdos matemáticos do ensino fundamental e médio do que eu.

Por muitas vezes, disse a ele que não sabia como ensinar, sabia o conteúdo matemático, mas nunca tinha parado para refletir sobre como ensinar e sobre como o aluno aprendia – confesso hoje que isso me incomodava muito.

Desde o início de seu curso buscava “receitas” de como ensinar. Afirmava a todos os seus professores formadores – e isso fazia parte das conversas entre nós professores formadores- que “estava ali, cursando Matemática, em busca de receitas de como ensinar para fazer os alunos aprenderem”, como processo-produto, interessando a ele mais o produto do que o processo, e hoje posso dizer que, para mim na época, professora formadora, nunca tinha parado para pensar também no processo.

Uma das disciplinas que trabalhei com sua turma foi Álgebra para o Ensino41 (Momento I). Essa disciplina tinha como objetivo “revisar os conteúdos de Matemática do ensino fundamental e médio para alicerçar discussões Matemáticas posteriores”.

40 Chamamos de episódio o que registramos no Diário de Pesquisa. Esses registros foram feitos sob o que sentíamos no momento da coleta de dados, o que observarmos sobre os sujeitos, sob as conversas informais que tivemos antes, durante ou depois de responderem os questionários. Foram feitos diariamente, enquanto respondiam os questionários ou após a conclusão do dia de pesquisa. 41 No Momento II do curso, foi dividida em duas disciplinas, aumentando a carga horária de 90 para 150 horas. As disciplinas são Matemática Elementar I (90 horas ) e Matemática Elementar II (60 horas).

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Diferentemente dos demais, não tinha dificuldade, aprendia tudo rapidinho – com freqüência interrompia uma explicação dizendo: “pois é professora – mas como ensino isso para meu aluno?”. A imagem que tenho do aluno-professor, hoje, para minha alegria, Professor Formador Hortêncio, é marcante, pois fez com que eu “professora formadora” começasse a perceber o quanto somos responsáveis pelo ensino de Matemática da educação básica e somos e podemos ser eternos aprendizes.

Outra oportunidade que tive como professora formadora com sua turma, foi como uma das Supervisoras de Estágio Curricular Supervisionado. Como uma das professoras que compunha a equipe de professores formadores do Estágio e que fazia a orientação da prática docente dos alunos-professores em formação. Em momentos de encontro em sala de aula, onde freqüentemente refletíamos sobre o curso e suas práticas de ensino na educação básica, em um depoimento, ele confessa: “descobri, só agora, que a receita que vim buscar não existe. Por serem resultantes de uma prática como docente, que não são iguais e, por isso, não existe receita.” Lembro-me feito hoje desse dia, quando pensei – valeu a oportunidade de participar dessa formação, aprendemos muito. (Diário de Pesquisa – julho de 2004)

Hoje, ao lermos o registro feito naquele momento de pesquisa, percebemos que ele reflete o processo de formação do professor Hortêncio e como esse processo significou e significa para nossa própria formação como professora formadora e pesquisadora. Percebemos com ele, que Hortêncio em todo o seu processo de formação, que parece ser constante, durante a sua aprendizagem da docência, assume a postura de “sujeito da experiência”, fazendo-se presente e responsável por esse processo.

A seguir apresentamos o 2º bloco de análise.

II - Os contextos formativos formais: o revelar do bordado por Hortêncio e os arremates da pesquisadora

1º Contexto Formativo: a graduação (formação inicial) e as intersecções com a experiência na educação básica e no

ensino superior.

Assim como os demais sujeitos da pesquisa, encontramos as intersecções da graduação com as experiências na educação básica e no ensino superior de Hortêncio nos seguintes instrumentos de coleta de dados: Questionário de Caracterização (Q.C) aplicado em março de 2004, durante a 1ª Parte de coleta de dados da pesquisa, Questionário 1 (Q.1), Questionário 2 (Q.2) e Questionário 4 (Q.4) aplicados, respectivamente, na primeira, segunda e quarta semana do mês de julho do mesmo ano, durante a 2ª Parte de coleta de dados. As respostas serão enumeradas e disponibilizadas no quadro síntese abaixo, evidenciando os enfoques pretendidos pela pesquisa e o que Hortêncio expressou:

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QUADRO X – Quadro Síntese do 1ºContexto Formativo de Hortêncio: a graduação (formação inicial) e as

intersecções com a experiência na educação básica e no ensino superior. ENFOQUES PRETENDIDOS PELA PESQUISA Respostas dadas aos Questionários

Primeira opinião sobre a formação inicial42 que realizou 1

“Muito boa, pois é notória a diferença entre minha prática pedagógica antes, durante e depois do curso de Licenciatura Plena em Matemática pela

UNEMAT. Meus orientadores (professores (as)), durante o curso, não me ensinaram tudo o queria saber (ou necessitava), mas me mostraram os caminhos que eu poderia seguir para atingir meus objetivos enquanto

educador, passo a passo, uma coisa de cada vez” (Q.C ) Opção pela sua formação inicial em licenciatura em

Matemática:

Ao optar pelo curso de Matemática você tinha claro que estaria cursando uma licenciatura?

2 “Quando tive a oportunidade de fazer o PIQD, já atuava em sala de aula como professor de Matemática e Física e tinha a certeza de que “sou”

educador e escolhi as disciplinas das áreas de exatas para cumprir minha tarefa”(Q.1 - Questão 2)

Prioridades como aluno na formação inicial 3

“Priorizava todas as disciplinas, pois, todas as disciplinas são importantes, afinal, não se trata de um curso de Pedagogia para dispensar as áreas

específicas (um professor primário – 1ª a 4ª Séries - não precisa estudar Cálculo e álgebra Abstrata, por exemplo) nem de Bacharelado para

dispensar as disciplinas de Educação Matemática” (Q.1 - Questão 4)

Ao iniciar a sua formação inicial já atuava como professor na educação básica? 4 “Sim, há 3 anos com as disciplinas de Matemática, Física, Ciências e Artes,

nas redes pública e particular”(Q.1 - Questão 3)”

Algumas disciplinas da sua formação inicial proporcionaram-lhe experiência de ensinar

conteúdos matemáticos na educação básica? 5

“Sim, [as Disciplinas que me proporcionaram essa experiência foram]: Filosofia da Educação, Psicologia da Educação, Didática da Matemática; Estrutura do Ensino, Introdução ao Método Científico, Prática de Ensino”

(Q.2 – Questão 3)

Opinião sobre a matriz curricular da formação inicial que realizou - se contribuiu para sua formação

como educador matemático. 6

“Penso que a Matriz Curricular do Curso estava bem estruturada, e melhorou mais depois da última reforma. O que faltou foi tempo para

aprofundar nas discussões sobre Educação Matemática e para estudo das disciplinas específicas.” (Q.1 – Questão 6a)

Opinião sobre a matriz curricular do curso de Matemática que é professor formador atualmente e que foi aluno – comparar momento I com Momento

II Na sua opinião, qual contribui mais para a formação

do professor de Matemática?

7

“A atual. Porque o 1º e 2º semestre possui mais disciplinas que estruturam o Ensino Médio como Matemática Elementar I e II, mas acho que devemos

promover estudos e discussões para estruturar os conteúdos dentro das disciplinas e as disciplinas dentro do curso”

(Q.1 – Questão 6b)

No curso atual incluiria Curso de Férias abordando conteúdos do Ensino Fundamental e Médio e Grupos de estudos com acadêmicos por áreas de

conhecimento” (Q.1 – Questão 6b1)

Dificuldade em atuar como professor formador no mesmo curso onde realizou sua formação inicial e

que agora possui uma outra matriz curricular. 8

“Sim, preciso estudar muito para lecionar, mas fora as dificuldades encontradas nos conceitos matemáticos me sinto muito a vontade no meu

ambiente de trabalho”(Q.1– Questão 7)

A sua formação inicial influenciou no professor que é hoje (de modo geral -tanto da educação básica

como no ensino superior)? 9

“Sim, sem dúvida alguma. Se acredito que o meu trabalho hoje é melhor que ontem (antes da formação inicial) o Curso de Licenciatura Plena em

Matemática contribuiu” (Q.1 - Questão 8)

Formação inicial e prática docente na educação básica

De que forma as disciplinas da área pedagógica da sua formação inicial lhe auxiliam nas aulas de

Matemática que desenvolve na educação básica?

10 “Sim. Seria contraditório de minha parte dizer que não pois se sou ciente da

importância dessas disciplinas no curso e do curso na minha formação profissional” (Q.1 – Questão 9b)

Aprendeu a ser professor na formação inicial? 11 “Não, acredito que na formação continuada. Penso que durante a graduação

aprendemos os caminhos, agora na sala de aula precisamos aprender a caminhar” (Q.1 - Questão 5)

Onde aprendeu a ser professor da educação básica 12

“Na minha opinião, há uma combinação entre a Formação Inicial e a experiência em sala de aula neste nível de ensino. Na Formação Inicial,

através das disciplinas que estudamos (discutimos, debatemos, pesquisamos e refletimos) construímos conceitos que são verificados sua

aplicabilidade em sala de aula. Nem toda teoria que acreditamos dar certo é viável em todos os momentos e com qualquer turma e muitas vezes as que criticamos é a que dá resultados mais satisfatórios em algumas situações.; É

preciso estar atento” (Q.2 - Questão 2) 42 Onde aparece formação inicial, no caso de Hortêncio, entenda-se graduação.

138

criticamos é a que dá resultados mais satisfatórios em algumas situações.; É preciso estar atento” (Q.2 - Questão 2)

Você utiliza em sua prática docente na educação básica conhecimentos adquiridos na formação

inicial? 13

“Sim, procuro trabalhar uma proposta diferenciada, embora muitas vezes adoto uma postura tradicional. Gosto da metodologia da “Resolução de

Problemas” porque foi o tema do meu T.C.C.43 , mas conheço suas limitações em sala de aula” (Q.2 – Questão 3 b)

[Existindo mais facilidade em utilizar esses recursos na], na Educação

básica os alunos são mais acessíveis a mudanças, mas não tem maturidade, então eu não diria “facilidade”, mas sim as “dificuldades”

aparecem tanto na Educação básica quanto no Ensino Superior” (Q.2 – Questão 3 d)

O que da sua formação inicial contribuiu para sua prática docente na educação básica e no ensino

superior? 14

“Para ensinar algo para alguém não basta conhecer apenas o conteúdo a ser ensinado, mas também quem estará sendo ensinado, ou seja, sobre o

ensino aprendizagem é importante saber: “o que ensinar”, “para quem ensinar”; “como ensinar” e “porque ensinar”. Foi na faculdade, no curso de Licenciatura Plena em Matemática que comecei a refletir sobre os saberes,

e ensino e a aprendizagem da Matemática” (Q.4 – Questão 4)

Ao lançarmos o olhar sobre o quadro síntese acima percebemos que Hortêncio, ao dar sua primeira opinião sobre a graduação que fez (Resposta 1), a declara como “muito boa”, estabelecendo uma reflexão sobre a sua atuação como professor antes, durante e depois da conclusão da mesma. Atribuiu ao curso e aos professores as razões das “notórias” diferenças. A identificou com um dos locus de formação em que aprendeu a ser o professor que é, não excluindo os demais.

Expressa o entendimento da sua prática pedagógica como um processo de construção, de amadurecimento profissional e de aprendizagem, ao dizer “é notória a diferença entre minha prática

pedagógica antes, durante e depois do curso“. Todavia, afirma que nem tudo que buscou no curso adquiriu, enfatizando que foi no curso que aprendeu a procurar, a buscar os caminhos necessários para a construção do conhecimento e para sua aprendizagem da docência.

Quando indagado sobre a opção pelo curso de Matemática (Resposta 2), Hortêncio declarou que a oportunidade de realizar uma formação inicial em serviço lhe foi muito proveitosa, pois antes de iniciar esse curso já atuava há 3 anos como professor de Matemática na educação básica. Possuía uma experiência “pré-profissional”, trazendo assim, saberes profissionais considerados pelo mesmo autor “como saberes de ação, ou ainda, saberes do trabalho, saberes no trabalho” (Tardif, 2002, p. 11). Interpretamos que, para Hortêncio, a sua formação em serviço significou uma oportunidade de refletir suas ações da sala de aula, como professor, com seus colegas e professores na Universidade e ainda a possibilidade de experienciar os conhecimentos construídos na universidade em suas práticas docentes na educação básica inter-relacionando teoria-pratica-teoria.

Como Hortêncio tinha o diferencial de atuar como professor de Matemática antes de iniciar

43 Trabalho de Conclusão de Curso.

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sua formação formal, como professor de Matemática44, é necessário analisarmos o seu percurso de (re)construção dos saberes docentes da aprendizagem da docência no ensino superior, a partir das suas experiências pré-profissionais, isto é, dos saberes profissionais adquiridos no momento anterior à sua graduação, que significaram uma forte influência no profissional que é, pois, segundo Tardif e Lessard (2000)

Uma boa parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre os papéis do professor e sobre como ensinar provém de sua própria história de vida e, sobretudo, de sua história de vida escolar [...]. Os professores são trabalhadores que foram mergulhados em seu espaço de trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15 mil horas), antes mesmo de começar a trabalhar. Essa imersão se manifesta através de toda sua bagagem de conhecimentos anteriores, de crenças, de representações e de certezas sobre a prática docente (p. 18).

A afirmação dos autores, acima, pode ser comprovada nas colocações de Hortêncio, cuja formação se fez conjuntamente na história de sua vida escolar, nas suas experiências pré-profissionais, na graduação e como professor de Matemática, tanto na educação básica como no ensino superior.

O seu ingresso na Universidade como aluno-professor foi visto por ele como uma grande oportunidade para aprender “a cumprir melhor sua tarefa” (Trecho - Resposta 2) de professor. Interpretamos que por já vir para a Universidade com o objetivo de melhorar sua “tarefa como

professor”, durante o desenvolvimento de sua graduação revelou ter priorizado estudar tanto as disciplinas específicas quanto às disciplinas pedagógicas, justificando-se na Resposta 3 que agiu assim por acreditar que “todas as disciplinas são importantes, afinal, não se trata de um curso de Pedagogia

para dispensar as áreas específicas [...] nem de Bacharelado para dispensar as disciplinas de

Educação Matemática”.

Hortêncio percebe os conhecimentos necessários para um professor de Matemática45 e, conseqüentemente, tem uma boa visão do curso (BERTONI, 1995; BEATRIZ D’AMBROSIO, 1993). Esses dados fazem com que acreditemos que se refere ao curso dessa maneira por ter construído seus saberes profissionais pela experiência na educação básica, colocando-os à prova e (re)fazendo-os durante a sua graduação e, principalmente, por saber o que queria do curso, além de ter o diferencial de desenvolver uma formação em serviço e trazer para o momento de sala de aula, na universidade, uma bagagem significativa de experiências já vividas, pois diz Marcelo Garcia (1999), “a prática é um fator importantíssimo para o adulto aprender”.

Portanto, ao realizar uma graduação paralela à experiência pedagógica na educação básica, Hortêncio teve a oportunidade de aprender significativamente, podendo ter uma prática

44 Como já foi dito antes, consideraremos, no caso de Hortêncio a formação inicial como formação formal que o curso de graduação em Matemática lhe possibilitou, pois no caso dele – temos claro que o curso não lhe representou o inicio de sua formação. 45 Ponte(2002).

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reflexiva, experimentando durante sua prática docente o que aprendia no curso de Matemática. Tanto que, na opinião de Hortêncio, não foi especificamente no curso de Matemática que aprendeu a Ser Professor dessa disciplina, mas na “formação continuada. Penso que durante a graduação aprendemos

os caminhos, na sala de aula precisamos aprender a caminhar” (Resposta 11). Para ele a formação continuada é o próprio contexto de prática docente na escola; e, talvez, por ter desenvolvido sua formação em serviço, o espaço da sala de aula teve muito significado no seu (re)fazer-se como professor, pois começa a ensinar sem essa formação formal, tendo sido para ele um desafio constante, a cada dia de atuação.

Tardif e Lessard (2000) explicam que os saberes profissionais dos professores são também situados, isto é, “construídos e utilizados em função de uma situação particular, e é em relação a essa situação particular que eles ganham sentido” (p. 13). Sendo assim, as situações particulares vividas no contexto da sala de aula pelo professor Hortêncio ganham sentido durante todos os momentos de seu percurso de formação, desenvolvendo uma aprendizagem autônoma, pois “os processos de aprendizagem dos adultos ocorrem em situações e tempos variados, envolvendo contextos diversos; parece ser por meio da aprendizagem autônoma que os adultos têm conseguido uma aprendizagem mais significativa” (MONTEIRO, 2002, p. 181), é dessa forma que podemos perceber, através das respostas dadas à pesquisa, que Hortêncio vai aprendendo a ser professor.

Nesse processo de aprendizagens, o professor Hortêncio refere-se à Matriz Curricular do curso que realizou, como suficiente para sua formação como Educador Matemático, conforme a Resposta 6, onde visualizou a estrutura curricular do curso que fez por meio da reflexão sobre as disciplinas e o tempo para aprofundar as discussões sobre Educação Matemática. Compara as matrizes dessa forma, porque ao cursar a graduação não havia especificamente disciplinas que enfocavam a Educação Matemática como há na atual matriz curricular. Porém durante o seu curso o Departamento de Matemática estava em um período de transição entre a “velha” e a “nova” matriz curricular, o que possibilitou que a turma de Hortêncio como fruto das discussões entre os professores formadores, pudesse experimentar as “novas” discussões que estruturavam a próxima matriz curricular, em processo de implantação. Dessa forma, no seu curso, apesar de ter sido realizado no Momento I, foram inseridas discussões sobre Educação Matemática e a Formação de Professores46 nas próprias disciplinas específicas, trazendo boas reflexões para o grupo de professores e, conseqüentemente, para a formação desenvolvida. Para ele, a nova matriz curricular implantada no curso contribui mais para a formação do professor de Matemática (Resposta 7).

46 Podemos citar o relato de experiência: “A formação de professores de Matemática no Programa de Qualificação Docente da Unemat – Campus Universitário de Sinop”, apresentado por Evangelista; Lando; Bertani; Bitencourt; Troian e Koga (2002) no Seminário de Educação 2002 da UFMT, como fonte de pesquisa.

141

Nesta resposta justifica seu posicionamento por entender que as disciplinas de Matemática Elementar I e II estruturam o ensino médio. Parece-nos que acha isso importante pois possibilita o aluno aprender os conteúdos que vai ensinar na educação básica. Talvez faça essa referência por ter desenvolvido seu curso, atuando na educação básica como professor de Matemática no ensino fundamental e médio, sentindo as reais necessidades destes níveis de ensino. Por essa possibilidade, nos revelou que buscava sempre aprender a Matemática de que necessitava para ensinar nesses níveis de ensino e sabia, por vivenciar isso, as necessidades que tinha para ensinar esses conteúdos. No entanto, vivenciou uma estrutura curricular no curso de Matemática, em que havia somente uma disciplina, denominada Álgebra para o Ensino, com 90 horas/aulas de carga horária, a qual deveria revisar o conteúdo supostamente aprendido no ensino fundamental e médio. Entretanto, mostrou que percebeu, no seu processo de formação, tanto como acadêmico do curso de Matemática, quanto como professor formador que, na maioria das vezes, o professor formador dessa disciplina tem a necessidade de ensinar os conteúdos matemáticos do ensino fundamental e médio, por falta de embasamento teórico em Matemática dos acadêmicos que chegam à universidade; para minimizar essa dificuldade, foram acrescentadas, na atual Matriz Curricular (Momento II), duas disciplinas introdutórias, cujo objetivo é alicerçar, revisar, ensinar os conteúdos matemáticos. Porém, essas disciplinas continuam a ser insuficientes pela carência de conhecimentos matemáticos com que os acadêmicos chegam à Universidade, tanto que, baseado na sua experiência como professor formador nestas disciplinas, Hortêncio propôs: “promover estudos e discussões para estruturar os conteúdos

dentro das disciplinas e as disciplinas dentro do curso” (Resposta 7).

Por ter vivenciado o curso em dois momentos e em duas posições, uma no lugar de aluno-professor e, atualmente, no lugar de professor formador e professor da educação básica, Hortêncio tem clareza para refletir e propor possíveis saídas para melhorar a formação dos futuros professores. Expõe com clareza sua opinião sobre o Projeto Pedagógico do curso de Matemática, salientando a importância de o professor formador conhecer o objetivo de sua disciplina para a formação dos futuros professores que irão atuar na educação básica. Mostrou a importância de entender o papel dos conteúdos nas disciplinas, das disciplinas dentro do curso, ou seja, dentro de um Projeto Pedagógico, demonstrando possuir os saberes curriculares e disciplinares necessários para uma boa atuação em qualquer nível de ensino.

Como Hortêncio acreditava durante essas primeiras etapas de coleta de dados da pesquisa, que a formação inicial de um professor “deve mostrar os caminhos”47, afirmou, ao ser questionado, que incluiria em seus trabalhos, como professor formador, assuntos para tornar a

47 Questionário de Caracterização – março de 2004.

142

formação inicial no curso de Matemática mais adequada às necessidades atuais do ensino da Matemática na educação básica, propondo, além da formação já desenvolvida: “curso de férias

abordando conteúdos do ensino fundamental e médio e grupos de estudos com acadêmicos, por áreas

de conhecimento”(Resposta 8).

Com essa última colocação e com todas as outras, Hortêncio demonstrou estar envolvido no que fazia, participando de vários grupos de estudo com outros colegas formadores, além de estar naquele momento participando de um Projeto de Extensão - GEENCE”, que desenvolve atividades para o ensino de Física, Matemática e Química, para alunos da educação básica e do próprio curso de Matemática. Dessa forma, no relato de suas ações e opiniões, Hortêncio reitera o que Marcelo Garcia (1999) diz sobre os professores: “sujeitos, cuja atividade profissional os leva a implicar-se em situações formais e não formais de aprendizagem” (p. 50), fazendo-nos reconhecer e estender aos professores formadores, que os professores,

são sujeitos que aprendem, em vez de meros executores ou obstáculos da/para mudança, requer que a investigação sobre o desenvolvimento profissional continue a explorar os modos segundo os quais os professores aprendem novas formas de pensar o ensino e aprendizagem dos conteúdos, assim como as condições que facilitam a aprendizagem dos professores (TIEZZI 1992, apud MARCELO GARCIA, 1999, p. 50),

Ao ser considerado e ao se considerar como “eterno aprendiz”, em conversas informais registradas no Diário de Pesquisa, Hortêncio expôs que, ao desenvolver as atividades do projeto de extensão, com a participação de outros professores formadores mais experientes, tem a oportunidade de aprender mais a Física, a Química e a Matemática. Aprende essas disciplinas experimentando-as, fazendo a intersecção desses aprendizados com o ensino de Física que desempenha com seus alunos na educação básica. Interpretamos, com isso, que Hortêncio aprende a ser professor formador através das intersecções que vai estabelecendo entre a extensão-ensino, no ensino superior, refletidas nas práticas docentes na educação básica e no ensino superior.

Ao ser questionado sobre as dificuldades que encontra para atuar como professor formador no mesmo curso que realizou sua graduação, escreveu: “preciso estudar muito para lecionar,

mas fora as dificuldades encontradas nos conceitos matemáticos, me sinto muito à vontade (em casa)

no meu ambiente de trabalho” (Resposta 8). Para ele as dificuldades que encontrou, até aquele momento, para atuar no ensino superior, foram em relação aos conteúdos de Matemática para o ensino superior. Demonstrou acreditar ser necessário um aprendizado mais aprofundado para o professor poder ensinar esses conteúdos. Parece-nos compreender que uma coisa é aprender na posição de aluno, outra, como professor formador.

No Q.C., Hortêncio mostra que o curso de graduação que desenvolveu influenciou no

143

professor que era naquele momento, tanto na educação básica, como no ensino superior. Reforçou esse posicionamento em outro momento da pesquisa, declarando: “sem dúvida alguma a minha

formação inicial influenciou no professor que sou hoje. Se acredito que o meu trabalho hoje é melhor

que ontem (antes da formação inicial) o curso de licenciatura plena em Matemática contribuiu”

(Resposta 9).

Ao se ver “ontem” - refletir sobre o que foi, como foi – trazendo os saberes e as experiências que resultaram em aprendizagens, significando-as para suas práticas docentes atuais, Hortêncio fez e faz parte do seu desenvolvimento profissional, reforçando o que Marcelo Garcia (1999) entende como desenvolvimento profissional, “[...] um conjunto de processos e estratégias que facilitam a reflexão dos professores sobre a sua prática, que contribui para que os professores gerem conhecimento prático, estratégico e sejam capazes de aprender com a sua experiência” (p. 144).

O reconhecimento que Hortêncio tem pelo seu curso de graduação, em serviço, o torna feliz com a oportunidade que teve de melhorar o que faz, de realmente construir um saber profissional plural e heterogêneo, conforme afirmam Tardif e Lessard (2000), referindo-se a esse saber como proveniente de diversas fontes, pois

em seu trabalho, um professor se serve de sua cultura pessoal, que provém de sua história de vida e de sua cultura escolar anterior; ele também se apóia em certos conhecimentos disciplinares adquiridos na universidade, assim como em certos conhecimentos didáticos e pedagógicos oriundos de sua formação profissional; ele se apóia também naquilo que podemos chamar de conhecimento curricular veiculados pelo programa, guias e manuais escolares; ele se baseia em seu próprio saber ligado à experiência de trabalho, na experiência de certos professores e em tradições peculiares ao ofício de professor (TARDIF e LESSARD, 2000, p. 13) .

Para Tardif (2002), o desenvolvimento do saber profissional é “associado tanto às suas fontes e lugares de aquisição quanto aos seus momentos e fases de construção” (p. 68). Assim esse saber profissional é um saber que deve se refazer constantemente, sendo influenciado pelas experiências adquiridas em todos os locus formativos.

Na opinião de Hortêncio, talvez por sua experiência de trabalho e de formação, pelos saberes profissionais construídos nesses locus formativos, as disciplinas da área pedagógica do seu curso de Matemática o auxiliaram, até aquele momento, nas aulas no ensino superior, da seguinte forma: “essas disciplinas buscam através de leituras e debates uma reflexão sobre o fazer docente. Em

vários momentos das aulas a discussão voltava-se para a pergunta: Qual a relação entre este conceito

(ou conteúdo) com a prática docente?” (Resposta 12).

É muito interessante a relação e a importância atribuídas por Hortêncio às disciplinas pedagógicas e específicas na sua formação formal e na formação do professor de Matemática. Prova

144

que, para ele, não importou a estrutura fragmentada do curso que realizou que, na nossa opinião, separava as disciplinas pedagógicas das específicas e valorizava mais o aprender a Matemática pela Matemática (Momento I do curso) do que a Educação Matemática, como um contexto de aprendizagens Matemáticas significativas.

Assim sendo, os dados e a teoria, que deram suporte a esta pesquisa, mostram que o professor Hortêncio trouxe um saber da experiência da educação básica que influenciou e influencia no saber da experiência no ensino superior, pois, segundo Tardif (2002), o saber da experiência de um professor, “é um saber aberto, poroso, permeável, pois integra experiências novas, conhecimentos adquiridos ao longo do caminho e um saber-fazer que se remodela em função das mudanças na prática, nas situações de trabalho” (p. 109).

Hortêncio mostrou, ainda, que as disciplinas pedagógicas também o auxiliaram na prática docente na educação básica, pois: “seria contraditório de minha parte dizer que não se sou ciente da

importância dessas disciplinas no curso e do curso na minha formação profissional” (Resposta 10). Interpretamos que o professor formador Hortêncio, por ter realizado uma formação em serviço e ter certeza, ao iniciar a sua graduação que queria esse curso, conseguiu como aluno-professor, construir uma visão dos necessários saberes profissionais que deveriam ser desenvolvidos em sua graduação e colocado em prática na sua prática docente diária, trazendo para sua aprendizagem da docência um equilíbrio nas prioridades durante o curso.

Com as respostas que configuraram o 1º contexto formativo, podemos interpretar que Hortêncio aprende a ser professor por meio da intersecção que demonstra fazer entre a sua formação profissional, o curso de formação formal (a graduação) que realizou e as suas experiências, tanto na educação básica como no ensino superior. Ao fazer a ligação da sua graduação com a sua experiência como professor na educação básica, entende que, tanto a primeira quanto a segunda, constroem a sua aprendizagem da docência. Os dados demonstram também que Hortêncio, no decorrer de sua profissão, seja antes, durante ou depois da sua formação formal, reflete sobre sua prática docente e é isso que faz dele um “eterno aprendiz”. Demonstrou que a reflexão sobre a prática lhe possibilitou construir novas formas de agir na realidade da sala de aula na educação básica ou no ensino superior. Por essa razão, confirma que, realmente, “a aprendizagem da docência não tem tempo, nem espaço e ela se faz e se refaz constantemente” (MIZUKAMI, 2002a, p. 12), e que a aprendizagem da docência se dá por meio de situações práticas que sejam efetivamente problemáticas, o que exige o desenvolvimento de uma prática reflexiva competente. Porém, acreditamos que seria importante compreender como e quando de fato realiza essas reflexões.

145

Neste sentido, podemos compreender, baseados nos dados obtidos aqui pela pesquisa, que o trabalho do professor formador para a Educação Matemática da educação básica torna-se mais próximo das necessidades da educação básica se o professor vivenciar este nível de ensino. É através dos saberes profissionais construídos no contexto do dia a dia de trabalho na educação básica que o professor formador tem a possibilidade de transformar seus saberes e adequá-los para possibilitar a reflexão sobre a prática, na atuação no ensino superior, provando, assim, que esses saberes, situados e contextualizados, podem sofrer uma evolução, tornando-se saberes da docência do ensino superior.

Com esses dados organizados e analisados, vamos, a seguir, verificar o que Hortêncio escreve sobre as intersecções da sua experiência na educação básica com a graduação que realizou e a sua experiência como professor formador, no ensino superior, no 2º contexto formativo, que configuraremos a seguir.

2º Contexto Formativo: a experiência na educação básica e as intersecções com a graduação (formação inicial) e o

ensino superior.

Os dados que apresentaremos no quadro síntese abaixo foram retirados dos Q.2 e Q.4 que foram aplicados, respectivamente, na segunda e quarta semana do mês de julho de 2004. Vejamos:

QUADRO XII – Quadro Síntese do 2ºContexto Formativo de Hortêncio: a experiência na educação básica e as intersecções com a graduação (formação inicial) e o ensino superior.

ENFOQUES PRETENDIDOS Respostas dadas aos Questionários

Significado de ser professor na educação básica 15

“Um grande desafio por ser uma disciplina “difícil” para a “maioria” dos alunos e por isso é motivadora a tarefa de ensinar e gratificante ver o “crescimento” dos alunos”

(Q.2 –Questão 1) Algumas disciplinas da sua

formação inicial proporcionaram-lhe experiência de ensinar conteúdos matemáticos na

educação básica ?

16 Sim, [as Disciplinas que me proporcionaram essa experiência foram]: Filosofia da Educação, Psicologia da Educação, Didática da Matemática; Estrutura do Ensino,

Introdução ao Método Científico, Prática de Ensino” (Q.2 – Questão 3)

Você utiliza em sua prática docente na educação básica conhecimentos adquiridos na

formação inicial? 17

“Sim, procuro trabalhar uma proposta diferenciada, embora muitas vezes adoto uma postura tradicional. Gosto da metodologia da “Resolução de Problemas” porque foi o tema

do meu TCC., mas conheço suas limitações em sala de aula” (Q.2 – Questão 3 b)

[Existindo mais facilidade em utilizar esses recursos na], na Educação básica os alunos são mais acessíveis a mudanças, mas não tem maturidade, então eu não diria “facilidade”, mas sim as “dificuldades” aparecem tanto na Educação básica quanto no Ensino Superior”

(Q.2 – Questão 3 d)

Opinião sobre o currículo de Matemática na educação básica 18

“Sim, trabalho em uma realidade um pouco diferente. Leciono na rede particular onde o Ensino Médio tem carga horária semanal de 30 horas (25 horas/aula manhã e 5

horas/aulas a tarde). São 5 aulas de Matemática e 4 aulas de Física, tempo suficiente para trabalhar toda a proposta (de conteúdo) para o bimestre” (Q.2 – Questão 4)

Experiência na educação básica influencia na sua prática como professor no ensino superior?

19 “Sim- no ensino superior formamos professores de Matemática que atuarão,

principalmente na Educação básica, portanto a experiência vivida em sala de aula no Ensino Fundamental e Ensino Médio, enriquecem o trabalho universitário. Acho que

devemos cuidar para não querer influenciar os acadêmicos a serem nossas cópias pois nós erramos, podemos apenas relatar experiências bem sucedidas e outras não tão bem

sucedidas e eles irão refletir sobre essas experiências, de que maneira e em que proporção elas podem ajudar na sua formação” (Q.2. – Questão 5)

146

nós erramos, podemos apenas relatar experiências bem sucedidas e outras não tão bem sucedidas e eles irão refletir sobre essas experiências, de que maneira e em que

proporção elas podem ajudar na sua formação” (Q.2. – Questão 5)

Como descreve (ou descreveria) sua prática docente na educação

básica? 20

“Tenho consciência da importância da minha profissão, por esse motivo exerço minha função de educador com responsabilidade e dedicação. Trabalho no Colégio “CAD” –

Rede Particular – lecionando Física para o Ensino Médio (1º, 2º e 3º ano) e Ensino Fundamental (8ª Série), numa jornada de 25 h/a em sala e 3 aulas de Laboratório por

semana. Dedico 1h por semana aos estudos da Física Matemática sob orientação dos Professores Drs. Ricardo e Fabiano e 1 h de estudo sobre avaliação no Ensino Médio. Utilizo como recurso didático atividades e textos da apostila Positivo – e experimentos

laboratoriais. Sobre avaliação registro 5 notas, graduadas de 1 a 10; utilizando as seguintes ferramentas: prova; trabalho de pesquisa; bibliografias; seminários; atividades

(classe e extra-classe e relatórios de experimentos) e conselho de classe. Na sala sou um professor tradicionalista (aulas expositivas seguidas de exercícios de aprendizagem e

problemas de aplicação de conteúdos estudados, proponho mais atividades individuais do que em grupo), mas procuro recursos e ferramentas que possam aproximar minha prática

docente às práticas recomendadas pelos PCN´s, como a utilização da Resolução de Problemas como recurso metodológico para ensinar Física” (Q.4 – Questão 1)

Onde aprendeu a ser professor da educação básica 21

“Na minha opinião, há uma combinação entre a Formação Inicial e a experiência em sala de aula neste nível de ensino, na Formação Inicial, através das disciplinas que estudamos

(discutimos, debatemos, pesquisamos e refletimos) construímos conceitos que são verificados sua aplicabilidade em sala de aula. Nem toda teoria que acreditamos dar certo é viável em todos os momentos e com qualquer turma e muitas vezes as que criticamos é

a que dá resultados mais satisfatórios em algumas situações; É preciso estar atento” (Q.2 – Questão 2)

Que relação estabelece entre a sua prática na educação básica e

no ensino superior? 22

“Acho muito importante poder estar atuando simultaneamente na Educação básica e no Ensino Superior. Uma serve de escola para outra. No curso de licenciatura Plena em

Matemática tenho que formar professores que, em sua maioria, estarão atuando na Educação básica, portanto a experiência no Ensino Fundamental e Médio é fundamental

para fomentar as discussões sobre Educação Matemática com os acadêmicos. Nas discussões promovidas pelo Departamento estamos refletindo sobre nossa prática docente

e planejando mudanças, que possam contribuir para a aprendizagem da Matemática ( tanto por alunos da Educação básica quanto do Ensino Superior)” (Q.4 – Questão 3)

O que sua formação inicial contribuiu para sua prática

docente na educação básica e no ensino superior?

23

“Para ensinar algo para alguém não basta conhecer apenas o conteúdo a ser ensinado, mas também quem estará sendo ensinado, ou seja, sobre o ensino aprendizagem é

importante saber: “o que ensinar”, “para quem ensinar”; “como ensinar” e “porque ensinar”. Foi na faculdade, no curso de Licenciatura Plena em Matemática que comecei a refletir

sobre os saberes, e ensino e a aprendizagem da Matemática” (Q.4 – Questão 4)

Hortêncio iniciou suas atividades docentes na educação básica, há nove anos, em duas escolas estaduais em município M do interior de MT, como professor interino. Em 2000, passou a trabalhar em escolas municipais e particulares do mesmo município, somente com o ensino fundamental. Em 2003, continuou trabalhando em uma escola municipal, durante o dia e, à noite, iniciou suas atividades na UNEMAT, como professor formador em Sinop/MT. Ao mudar-se para o município de Sinop/MT, no início do ano de 2004, assumiu atividades como docente na educação básica em uma escola particular e na UNEMAT.

Hortêncio, desde o primeiro questionário, referiu-se ao ensinar na educação básica com muito carinho, responsabilidade e reconhecimento por seu aprendizado da docência, revelando que Ser Professor de Matemática neste nível de ensino significa para ele “um grande desafio [...]”

(Resposta 15). Se sente motivado pela tarefa de ensinar e gratificado com o aprendizado dos alunos.

147

Hortêncio demonstra ter o domínio da situação no plano pedagógico, e com isso tem a sensação de libertação ou um sentimento geral de segurança e de descontração, sendo essas características evidenciadas nas pesquisas de Huberman (1995) quanto aos ciclos vitais dos professores da educação básica.

Dessa forma, Hortêncio reconheceu, em suas respostas, ter aprendido a Ser Professor da educação básica na combinação entre os conhecimentos que adquiriu ao cursar a sua graduação e a experiência em sala de aula nesse nível de ensino (Resposta 21).

Podemos observar os avanços que surgiram nas respostas e que se entrecruzaram com as lembranças retratadas no Diário de Pesquisa expostas anteriormente. Atualmente, “diz não haver

receitas”. Hortêncio chegou a essa conclusão, talvez, por não ter encontrado receitas em sua graduação e ter tido a experiência como professor na educação básica e a própria experiência na formação de professores que desenvolvia. Além disso, afirmou que na graduação foram construídos os conceitos que foram aplicados na sala de aula. No entanto, reconheceu que nem toda teoria lá ensinada pode ser utilizada no ensino na educação básica, dependendo da escola, dos alunos e outros tantos fatores.

Interpretamos que Hortêncio demonstrou com essa resposta um amadurecimento intelectual e profissional e que realmente Tardif (2000; 2002) tem razão ao afirmar que os saberes profissionais são temporais, plurais, heterogêneos, personalizados e situados e carregam as marcas dos seres humanos.

Talvez para Hortêncio, o curso de graduação, por ter sido desenvolvido em serviço, proporcionou a crítica de suas posturas, de seus preconceitos e opiniões, dos saberes que construiu ao longo da vida, ao longo de um percurso pré-profissional, evidenciando a importância de se colocar os saberes em “prova” durante esse momento de formação, pois é, principalmente, durante o curso de licenciatura que os alunos (futuros professores) vão estudar as teorias pedagógicas que lhe darão as bases do seu trabalho. “O papel dos cursos de formação implica uma base teórica conceitual suficiente para que o professor questione o que já aprendeu e para que possa construir o se próprio referencial teórico para trabalhar e superar o senso comum” (SILVA, 2000, p. 40). Parece-nos que foi exatamente isso o que a graduação em licenciatura Matemática representou para Hortêncio e para sua atuação na educação básica.

Segundo Hortêncio, durante a sua graduação em Matemática, algumas disciplinas introduziram métodos e técnicas para ensinar os conteúdos matemáticos (Resposta 16). Podemos perceber, ao analisar e interpretar essa resposta que, ao se referir às disciplinas da licenciatura,

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Hortêncio nomeou somente disciplinas ligadas à área pedagógica, não identificando nenhuma ligada à área específica da Matemática. No entanto, em resposta anterior, escreve que costuma discutir o ensino da Matemática com seus alunos da graduação, ao ensinar a Matemática nas disciplinas específicas que atua. Vimos que, ao se referir ao curso que fez, lembrou-se somente de disciplinas pedagógicas, hoje ao se referir a sua prática como professor formador, nas disciplinas específicas da área da Matemática, introduz essa discussão por achar importante, não esclarecendo porquê.

Interpretamos que essas duas respostas expõem a intersecção que Hortêncio faz da sua experiência na educação básica com a graduação que cursou, e a sua experiência no ensino superior, como professor formador, mencionando construir a sua prática docente no ensino superior baseado nas necessidades encontradas por ele, como aluno na graduação e com o ensino de Matemática ou de Física na educação básica. Talvez afirmou isso, por não ter encontrado durante o seu curso a oportunidade de fazer a discussão do ensino da Matemática nas disciplinas específicas, fazendo isso somente nas disciplinas pedagógicas (evidenciado na resposta anterior), pois nas disciplinas específicas afirma ter aprendido conteúdos matemáticos. Contudo, com as experiências e saberes adquiridos na experiência na educação básica e no ensino superior reconstrói seus saberes e os transforma em aprendizagem da docência do ensino superior. Os saberes que transforma em aprendizagens, nesse caso de Hortêncio, são os saberes da experiência, sendo eles o núcleo vital do saber docente; é a partir deles que o professor dialoga com os saberes disciplinares e os saberes curriculares.

Segundo Tardif (2002), os saberes da experiência fundamentam-se no trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. É por meio desses saberes que os professores julgam a formação que adquiriram, a pertinência ou o realismo dos planos e das reformas que lhes são propostas e concebem os modelos de excelência profissional. Eles constituem hoje a cultura docente em ação e é muito importante que sejamos capazes de perceber essa cultura, que não pode ser reduzida ao nível cognitivo.

Interpretamos que essa cultura docente em ação, para o professor Hortêncio, pode ser identificada nas respostas que se referem a sua prática docente na educação básica, pois afirmou ter o costume de desenvolver ou experimentar o que aprendeu na sua graduação em Matemática, e diz fazer isso da seguinte maneira: “procuro trabalhar uma proposta diferenciada, embora muitas vezes

adoto uma postura tradicional. Gosto da metodologia da ‘Resolução de Problemas’ porque foi o tema

do meu TCC, mas conheço suas limitações em sala de aula” (Resposta 17).

Na resposta anterior, Hortêncio demonstra, mais uma vez, a procura do fazer o melhor e do ir-se (re)construindo. Evidenciou em seu posicionamento sobre os saberes profissionais que são

149

temporais “no sentido de que os primeiros anos de prática profissional (após a conclusão do curso, após terminar o TCC) são decisivos na aquisição do sentimento de competência e no estabelecimento das rotinas de trabalho, ou seja, na estruturação da prática profissional” (TARDIF e LESSARD, 2000, p. 13).

Já, ao se referir à prática docente no ensino superior, Hortêncio mostrou também que costuma desenvolver o que aprendeu na sua graduação em Matemática: “no ensino superior procuro

mostrar aos acadêmicos que existem várias propostas para se trabalhar a Matemática em sala de aula

e em vários momentos procuro diversificar, mas verificando algumas metodologias viáveis mesmo com

suas limitações” (Resposta 17). Interpretamos que, ao se referir a “várias propostas para trabalhar a

Matemática”, demonstrou que não acredita mais que existem “receitas” prontas, acabadas e eficazes para o ensino da Matemática, mostrando ter aprendido, no decorrer de seu percurso profissional, a reverter esse aprendizado para a formação de futuros professores de Matemática. Significando que o professor Hortêncio, por sua atuação, consegue construir uma cultura profissional, na qual estruturou saberes próprios, interseccionando todos os locus formativos, que resultam em alimento da sua aprendizagem da docência do ensino superior.

Essa postura se faz presente também na opinião de Hortêncio quando afirma que: “na

educação básica os alunos são mais acessíveis a mudanças, mas não tem maturidade, então eu não

diria “facilidade” mas sim as “dificuldades” aparecem tanto na educação básica quanto no ensino

superior”(Resposta17). Interpretamos que, para Hortêncio, cada nível de ensino possui suas particularidades, não existindo mais facilidade em utilizar recursos diversificados na educação básica do que no ensino superior. Essa resposta parece refletir a maturidade do professor Hortêncio em relação à profissão de professor. Hortêncio sabe que, no contexto da sala de aula, tanto na educação básica como no ensino superior, cada momento é incerto, complexo e que apresenta dificuldades ou facilidades de todos os tipos.

Ao ser questionado sobre o currículo de Matemática vigente nas escolas de educação básica e se este é o suficiente para trabalhar a construção de um educando crítico, criativo e consciente da importância de saber Matemática, opinou: “trabalho em uma realidade um pouco

diferente [...] “(Resposta 18), escola particular. No entanto, possui a experiência de trabalhar na rede pública com o ensino de Matemática, conseguindo se referir à atual experiência como sendo um pouco diferente. Hortêncio afirmou que, na rede particular, talvez pelo número de aulas destinadas às disciplinas que trabalha ser maior que na rede pública, entre outros fatores, a proposta de ensino bimestral é cumprida por ele.

150

Nesse sentido, com os saberes que foi construindo durante o percurso profissional, Hortêncio, ao ser questionado se sua experiência na educação básica influencia na sua prática como professor no ensino superior, afirmou: “no ensino superior formamos professores de Matemática que

atuarão, principalmente na educação básica, portanto, a experiência vivida em sala de aula no ensino

fundamental e médio enriquecem o trabalho universitário. Acho que devemos cuidar para não querer

influenciar os acadêmicos a serem nossas cópias pois nós erramos, podemos apenas relatar

experiências bem sucedidas e outras não tão bem sucedidas e eles irão refletir sobre essas

experiências, de que maneira e em que proporção elas podem ajudar na sua formação” (Resposta 19).

Podemos observar que ele faz a intersecção de sua atuação na educação básica com o ensino superior, revelando que traz a experiência de sua prática docente como exemplo para a formação de futuros professores.

Dessa forma, neste segundo momento da pesquisa, verificamos que Hortêncio concebia a experiência na educação básica e no ensino superior como algo que lhe proporciona a construção e a reconstrução dos seus saberes docentes; admite que erra e que, através da reflexão sobre o seu erro, junto aos seus alunos, pode enriquecer as aulas no ensino superior e, conseqüentemente, a prática do futuro professor nesse nível de ensino.

Com todas as respostas dadas por Hortêncio no 2º contexto formativo, podemos compreender que esse professor formador aprende a cada nova situação vivida por ele na atuação na educação básica, significando a sua vivência e a transformando em experiência; significando erros e/ou acertos e os transformando em exemplos que acarretarão, se significados, em aprendizagens para os futuros professores de Matemática. Dessa forma, Hortêncio revelou conceber a sua experiência na educação básica como uma das fontes de sua aprendizagem para a docência do ensino superior.

Demonstrou, ainda, neste segundo momento de coleta de dados, que seu percurso de aprendizagem foi construído até esse momento da pesquisa, simultaneamente, ao desenvolvimento de sua graduação e à experiência como professor na educação básica, complementando-se, através dos saberes oriundos desses dois locus formativos um percurso rico em saberes e em experiências que são o embasamento para a sua profissão no ensino superior, trazendo suas vivências, bem sucedidas ou não, para contribuir na formação de futuros professores de Matemática.

Mas como evidencia isso no ensino superior? E é o que veremos no 3º Contexto Formativo.

151

3º Contexto Formativo: a experiência no ensino superior e as intersecções com a formação inicial e a experiência na

educação básica.

Neste 3º Contexto Formativo iremos fazer as intersecções que faltam, ou seja, vamos agora evidenciar a atuação do ensino superior com os demais locus formativos. Abaixo, segue a síntese das revelações feitas por Hortêncio por meio dos instrumentos de coleta de dados.

QUADRO XIII – Quadro Síntese do 3º Contexto Formativo de Hortêncio: a experiência no ensino superior e as intersecções com a formação inicial e a experiência na educação básica.

ENFOQUES PRETENDIDOS Revelações de Hortêncio: respostas dadas aos Questionários

1ª opinião: O que é ser professor no ensino

superior? 24

“Uma grande oportunidade de crescimento intelectual e profissional (possibilidade de continuar os estudos e participar de grupos de estudo e projetos de pesquisa e

extensão). E por acreditar na força da Educação básica que penso ser importante a formação de professores” (Q.C)

Quando surgiu o desejo de ser professor na universidade? 25

“No momento em que iniciei o curso de Licenciatura Plena em Matemática na UNEMAT pelo PIQD (Programa Interinstitucional de Qualificação Docente) em 1999/01. Esse

programa, para mim, foi uma grande oportunidade na minha vida. Aos 32 (trinta e dois) anos de idade já não via a possibilidade de cursar uma faculdade, mas depois do

vestibular senti que podia e que aproveitaria ao máximo a chance de ser um educador através da profissão “professor de Matemática” e que como professor universitário

poderia estar contribuindo para a educação de crianças e adolescentes muito mais do que se estivesse atuando em sala de aula no Ensino Fundamental e Médio (talvez tenha sido o Professor “C”, enquanto professor e orientador, quem mais contribuiu para que eu tivesse essa visão e a Professora “D” por confiar no meu trabalho quando me convidou

para fazer o teste seletivo que permitiu o meu ingresso na UNEMAT como professor formador)” (Q.3 – Questão 1)

O que o professor formador precisa saber para trabalhar na

formação inicial? 26

“Conhecer os conteúdos da ementa das disciplinas que vai ministrar é o mínimo, pois o professor deve ter uma proposta metodológica clara com relação ao material didático, como apostila ou livro didático; os recursos áudio visuais, como quadro-giz, projetor de

imagens, data show e vídeos; bibliografias recomendadas, atividades propostas em sala de aula que possam orientar para aprendizagem e trabalhos extra-classe, que sejam

possíveis de ser realizadas no tempo estabelecido com os recursos disponíveis e também o sistema de avaliação que permita avaliar os alunos sobre vários aspectos

como, por exemplo: o conhecimento matemático construído durante o semestre através de provas testes, a oralidade do (a) acadêmico (a) nos seminários de apresentação de

trabalhos, a maneira como planejam e organizam suas atividades e outros aspectos que o professor julgue importante no processo de formação de professores”

(Q.3 – Questão 2)

Perfil do professor formador na opinião de hortêncio.

Considera ter esse perfil?

27

“Organizado e responsável com relação aos planos de ensino, diários de classe, avaliações, atividades de extensão e orientações de Projetos e TCCs e demais

atividades do Departamento como reuniões e grupo de estudo” (Q.3 – Questão 3 a)

“Sim. Procuro trabalhar em função daquilo que acredito ser importante e verdadeiro.” (Q3 – Questão 3b)

Como deve ser um curso de graduação que forma Professores

de Matemática? 28

“Comprometido com a Educação Matemática em suas atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão, embora eu ainda não tenha clareza sobre como conduzir essas atividades de

maneira a contribuir para a formação de professores de Matemática” (Q.3 – Questão 4)

Você está satisfeito com sua atuação no Ensino Superior? Por

que? 29

“Se eu dizer que sim, poderei estar admitindo que já não preciso melhorar em nada o meu trabalho. Se disser que não estarei assumindo que não estou produzindo como deveria. Entendo que estou satisfeito com a minha maneira de proceder em busca

daquilo que acredito ser importante para minha formação profissional e com os avanços que tenho conseguido, junto ao departamento, ao projeto GEENCE, às orientações de

projetos e TCCs, às participações em bancas como avaliador, aos grupos de estudo e às práticas pedagógicas em sala de aula, graças ao apoio e incentivo que recebo dos

“Amigos da Universidade”(Q.3 –Questão 5)

Como descreve sua prática docente no ensino superior? (Q.4) 30

“Nesse semestre trabalho com as disciplinas de Matemática Elementar I e II, mas já trabalhei: Introdução à Álgebra Linear; Álgebra abstrata I e II e Cálculo III. Não tenho

material apostilado próprio, trabalhamos com textos e atividades de algumas bibliografias encontradas em nossa biblioteca. Utilizo como recurso didático, atividades desenvolvidas

individualmente ou em grupos (com menos freqüência) corrigidas no quadro e comentadas os resultados e as estratégias utilizadas. Como avaliação utilizo 4

ferramentas (graduadas de 1 a 10): prova; lista de atividades (classe e extra-classe); trabalho de pesquisa bibliográfica e seminários, avaliando quem apresenta o trabalho e quem assiste através de relatórios e lista de exercícios sobre o tema. Preparo minhas aulas estudando os conteúdos das disciplinas em livros disponíveis na biblioteca e na

Internet. Sinto falta do grupo de estudo que tínhamos sobre “Seqüência e Séries”, acho importante o estudo, principalmente aquele voltado para às áreas de atuação docente.

Sinto necessidade de um maior aprofundamento dos conhecimentos matemáticos de um

152

comentadas os resultados e as estratégias utilizadas. Como avaliação utilizo 4 ferramentas (graduadas de 1 a 10): prova; lista de atividades (classe e extra-classe);

trabalho de pesquisa bibliográfica e seminários, avaliando quem apresenta o trabalho e quem assiste através de relatórios e lista de exercícios sobre o tema. Preparo minhas aulas estudando os conteúdos das disciplinas em livros disponíveis na biblioteca e na

Internet. Sinto falta do grupo de estudo que tínhamos sobre “Seqüência e Séries”, acho importante o estudo, principalmente aquele voltado para às áreas de atuação docente.

Sinto necessidade de um maior aprofundamento dos conhecimentos matemáticos de um modo geral. Participo de bancas como avaliador de projetos e T.C.C’s sempre que sou

convidado e sou orientador de 3 projetos (5 acadêmicos.)” (Q.4 – Questão 2)”

Como você analisa sua prática docente como Formador de

Professores? 31

PONTOS POSITIVOS: “Procuro ter clareza na proposta de trabalho com os acadêmicos (trabalhos, atividades e avaliações de um modo geral) e proporciono momentos de discussão sobre Educação Matemática deixando claro que o nosso curso forma professores de Matemática e não

Matemáticos.”

PONTOS NEGATIVOS: “Preciso preparar melhor os materiais didáticos utilizados nas aulas, ser mais objetivo com relação aos conteúdos para trabalhar toda a proposta com tranqüilidade e estudar

mais sobre a disciplina para ter mais segurança quanto ao conteúdo e buscar novidades no campo das aplicações Matemáticas.”(Q.4 – Questão 5)

Em março de 2004, a primeira opinião dada por Hortêncio sobre o que é Ser Professor no ensino superior, foi: “Uma grande oportunidade de crescimento intelectual e profissional (possibilidade

de continuar os estudos e participar de grupos de estudo e projetos de pesquisa e extensão.” (Resposta 24). Compreendemos que Hortêncio referiu-se ao ser professor formador no ensino superior como oportunidade de crescimento intelectual próprio, mas também como contribuição para uma futura classe de professores que atuam na educação básica.

Na terceira semana de julho de 2004, indagamos Hortêncio sobre quando surgiu o desejo de ser professor formador no ensino superior, ele explicou que foi: “no momento em que iniciei o curso

de licenciatura plena em Matemática na UNEMAT pelo PIQD [...]” (Resposta 25). Nesta resposta, mais uma vez, Hortêncio evidenciou a grande satisfação de ter desenvolvido a graduação no P.I.Q.D., significando-a como a grande chance de sua vida. Além disso, mostrou que o desejo de ser professor universitário surge da preocupação com a qualidade do ensino de Matemática na educação básica, mostrando-se disposto a contribuir para a necessária mudança na formação dos profissionais que irão atuar neste nível de ensino.

Esse posicionamento também pode ser observado nas respostas do questionário 4, quando, solicitado para descrever sua prática docente na educação básica (Resposta 20). Nesta resposta, Hortêncio faz uma reflexão sobre a sua profissão de professor, mostrando sua dedicação ao trabalho, a sua busca constante em estudar e aprender com os colegas mais experientes. Demonstrou, talvez pela importância e responsabilidade que atribui para sua profissão de educador, dedicar-se horas de suas atividades como docente para estudar com colegas de trabalho, tanto na educação básica quanto no ensino superior (GEENCE). Mencionou que, por meio desses estudos no projeto de

153

extensão com os professores Dr. A e B, faz a ”ponte” entre as atividades que exerce na educação básica e a sua prática docente no ensino superior.

No entanto, ao descrever sua prática docente na educação básica, Hortêncio não se refere aos saberes mobilizados na prática, ou seja, seus saberes da experiência. Parece-nos que, ao afirmar que ele tem consciência da importância de sua profissão, reconhece a necessidade de estudar constantemente, (re)fazendo-se a cada aprendizado. Essa resposta, ao nosso ver, evidenciou também a complexa rede de significados que Hortêncio vai criando para sua profissão, amarrando todos os locus formativos como espaços de (re)construção de aprendizagens através da sua dedicação como professor e eterno aprendiz, retratando também o seu desenvolvimento profissional como sendo o resultado conjunto de três processos de desenvolvimento: o desenvolvimento pessoal, o da profissionalização e o da socialização profissional (MIZUKAMI, 1996). O desenvolvimento pessoal do professor Hortêncio é demonstrado através da busca do crescimento individual, em termos de capacidades, personalidade, habilidade, interação com o meio (MIZUKAMI, 1996). A profissionalização é demonstrada por Hortêncio como resultado de um processo de aquisição de competências (MIZUKAMI, 1996), de amadurecimento intelectual, de descoberta. E, por último, a socialização profissional do professor Hortêncio pode ser concebida como desenvolvimento profissional quando ele retrata as experiências que teve e tem com a interação na sala de aula, tanto da educação básica, como no ensino superior, como no projeto de extensão que participa, pois a socialização profissional, segundo Mizukami (1996), implica as aprendizagens do professor relativas às suas interações com seu meio profissional.

Na resposta 26, Hortêncio descreve algumas características necessárias para um professor atuar num curso de licenciatura em Matemática. Compreendemos, por meio de sua resposta, que Hortêncio evidencia a preocupação com o conteúdo e com seu ensino, mostrando ter a preocupação, além da formação específica, com a formação pedagógica dos futuros professores que estão sob sua responsabilidade. Mostra-se preocupado com a formação dos futuros professores de Matemática, pressupondo existir neles um conjunto de saberes que os diferencia dos demais (GAUTHIER, 1998; TARDIF e LESSARD, 2000). Esse conjunto de saberes têm-se constituído, tradicionalmente, a partir da co-existência de campos de conhecimento com naturezas diferenciadas: o específico da matéria de ensino, isto é, o conteúdo do ensino e da aprendizagem , que diz respeito a uma área de conhecimento estabelecida (no caso do professor formador de Educadores Matemáticos – álgebra, cálculo, geometria, história da Matemática etc); e o específico pedagógico, composto pelo conjunto dos conhecimentos relativos às dimensões que envolvem o ensino, considerando-se os

154

saberes da ação docente, os quais definem o estatuto profissional do professor (LLINARES, 1996; IMBERNÓN, 1994, 2002; GAUTHIER, 1998).

Marcelo Garcia (1999) afirma que, na profissão de professor de modo geral, ou seja, em qualquer nível de ensino “há uma criação de um conhecimento específico que é ligado a ação” (p. 60), tendo o docente “características e capacidades específicas da profissão” (Idem.). No caso do professor formador, entendemos ser essas características formadas na intersecção das ações que estabelecem em todos os locus formativos por onde passou. Podemos perceber também que os saberes que são descritos por Hortêncio no decorrer de suas respostas têm significado para ele e que foram construídas nas experiências vivenciadas.

Para Hortêncio, o professor formador deve ter um perfil com as seguintes características: “organizado e responsável com relação aos planos de ensino, diários de classe, avaliações, atividades

de extensão e orientações de Projetos e TCCs e demais atividades do Departamento como reuniões e

grupo de estudo” (Resposta 27). As características que Hortêncio entende serem importantes para um professor formador dizem respeito ao conjunto de saberes que esse profissional deve possuir. Atribui características voltadas para as competências técnicas e organizacionais para atuar em nível universitário. Preocupa-se em desempenhar as funções e atividades designadas pelo Departamento. Não se mostra preocupado com os conteúdos, nem com as metodologias de trabalho. Talvez isso aconteça porque, neste momento da pesquisa, o professor possui extensa carga horária, quase 60 horas, divididas entre a escola em que trabalha e a Universidade. Estando, assim, com acúmulo de tarefas para apresentar nas duas instituições.

Beatriz D’Ambrosio (1993) traça quatro características importantes para o Educador Matemático da educação básica: “1) visão do que vem a ser a Matemática; 2) visão do que constitui a atividade Matemática; 3) visão do que constitui a aprendizagem Matemática e, 4) visão do que constitui um ambiente propício à atividade Matemática” (p. 35-40).

Concordamos com a pesquisadora que essas são características essenciais para o Educador Matemático, seja ele da educação básica e/ou do ensino superior, ainda mais quando nos referimos ao professor formador que forma professores para atuar nesse nível de ensino, sendo as características citadas por Hortêncio necessárias a sua atuação como professor.

Ao ser indagado se considera contemplar esse Perfil, ou seja, ter as características que elencou como importantes, responde que: “sim, procuro trabalhar em função daquilo que acredito ser

importante e verdadeiro” (Resposta 27). Segundo Pimenta e Anastasiou (2002), para ensinar na

155

universidade em cursos que formam professores, é preciso que os professores formadores tenham claro que,

nos processos de formação de professores, é preciso considerar a importância dos saberes das áreas de conhecimento (ninguém ensina o que não sabe), dos saberes pedagógicos (pois ensinar é uma prática educativa que tem diferentes e diversas direções de sentido na formação do humano), dos saberes didáticos (que tratam da articulação da teoria da educação e da teoria de ensino para ensinar nas situações contextualizadas), dos saberes da experiência do sujeito professor (que dizem do modo como nos apropriamos do ser professor em nossa vida) (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 71).

É nesse sentido que as mesmas pesquisadoras afirmam: “a docência na universidade configura-se como um processo contínuo de construção da identidade docente e tem por base os saberes da experiência, construídos no exercício profissional mediante o ensino dos saberes específicos das áreas de conhecimento” (p. 88). Já verificamos, pelas respostas anteriores, que Hortêncio possui esses saberes da experiência em relação ao ensino da Matemática e o Ser Professor, construídos e reconstruídos em ambientes formais e informais de aprendizagens. Por essas razões e pelos dados expostos por Hortêncio é que acreditamos que ele se reportou às tarefas que o preocupavam.

Para Masetto (2003b), as competências do professor universitário são: ser competente em determinada área do conhecimento; ser um professor com o domínio na área pedagógica e exercitar a dimensão política. Essas competências são construídas na prática cotidiana na vida do professor universitário. Para Fernandes (2003), não se pode reduzir a formação do professor universitário a pendores naturais, ou seja, à questão de vocação, ou ao domínio do conteúdo específico de seu campo específico. Precisamos de mais. Nós professores universitários precisamos

construir pontes que permitam travessias em outros campos de sua prática cotidiana, numa perspectiva dialética entre a dimensão epistemológica (a questão do conhecimento), a dimensão pedagógica (a questão de ensinar e aprender) e a dimensão política (a questão da escola do projeto de sociedade e universidade que se pretende) (FERNANDES, 2003, p. 97).

E acreditamos, pelas respostas dadas por Hortêncio em todos os contextos formativos, inclusive neste que estamos analisando, que ele consegue fazer estas pontes julgadas importantes na pesquisa de Fernandes (2003). Restando-nos, então, saber como.

Hortêncio demonstra na resposta abaixo as competências destacadas por Masetto (2003b), Beatriz D”Ambrosio (1993) e Fernandes (2003), ao refletir sobre o curso de graduação que forma professores de Matemática. Para Hortêncio o curso deve ser “comprometido com a Educação

Matemática em suas atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão, embora eu ainda não tenha clareza

sobre como conduzir essas atividades de maneira a contribuir para a formação de professores de

156

Matemática” (Resposta 28I). Nessa resposta, Hortêncio adentra, ao nosso ver, “no território desafiante da prática pedagógica universitária” (FERNANDES, 2003, p. 97), chamando a atenção para o fato de que essa prática pedagógica deve ser compreendida como uma

prática intencional de ensino e aprendizagem, não reduzida à questão didática ou às metodologias de estudar, mas articulada à educação como prática social e ao conhecimento como produção histórica, datada e situada, numa relação dialética entre prática-teoria, conteúdo-forma (Ibid,loc.cit).

Hortêncio ressalta também que o curso deve ser compreendido com a Educação Matemática, ou seja, remete a considerar o ensino da Matemática em outros níveis de ensino, além de propor que essa preocupação possa ser diluída através das atividades (do professor) de Ensino, Pesquisa e Extensão, levando-nos à alternativa discutida por Fernandes (2003) sobre o principio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Na mesma resposta, Hortêncio afirma não saber como fazer isso. Todavia, segundo Fernandes (2003), esse é o grande desafio da universidade e de seus professores, propondo, que para isso

há a necessidade de reforçar a compreensão de que esse princípio – indissociabilidade – não se faz espontaneamente pela natureza de ações intrínsecas nos seus processos históricos e epistemológicos, mas, sim pela intencionalidade de compreender o conhecimento, a ciência e o mundo numa relação dialética de sujeitos históricos – professor e alunos - que interagem construindo o ‘novo de novo’, muitas vezes, também o ‘inédito’ (Gramsci, 1982) (FERNANDES, 2003, p. 98).

Assim, a intencionalidade de fazer, apesar de não saber como, remete-nos a admitir novamente que Hortêncio se coloca sempre em situação de aprendizagens, demonstrando sempre que muito tem a aprender, não se colocando nunca pronto, sempre se refazendo.

A questão da aprendizagem da docência do professor Hortêncio também pode ser evidenciada ao responder sobre sua atuação no ensino superior, como professor formador em um curso de licenciatura em Matemática: “se eu disser que sim [estar satisfeito], poderei estar admitindo

que já não preciso melhorar em nada o meu trabalho. Se disser que não, estarei assumindo que não

estou produzindo como deveria. Entendo que estou satisfeito com a minha maneira de proceder em

busca daquilo que acredito ser importante para minha formação profissional e com os avanços que

tenho conseguido, junto ao departamento, ao projeto GEENCE, às orientações de projetos e TCCs, às

participações em bancas como avaliador, aos grupos de estudo e às práticas pedagógicas em sala de

aula, graças ao apoio e incentivo que recebo dos ‘Amigos da Universidade.” (Resposta 29). Mais uma vez, Hortêncio evidencia ser um eterno aprendiz, o que lhe dá a possibilidade de aprender a todo o

157

momento e com todas as atividades que desempenha. Mostra-se satisfeito em estar envolvido em várias atividades docentes de um professor universitário e que aprende com isso.

No último questionário respondido por ele para esta pesquisa, ao descrever suas atividades de ensino na educação básica, expôs: “utilizo como recurso didático, atividades e textos da

apostila [...] – e experimentos laboratoriais. Sobre avaliação registro 5 notas, graduadas de 1 a 10;

utilizando as seguintes ferramentas: prova; trabalho de pesquisa; bibliografias; seminários; atividades

(classe e extra-classe e relatórios de experimentos) e conselho de classe. Na sala sou um professor

tradicionalista (aulas expositivas seguidas de exercícios de aprendizagem e problemas de aplicação de

conteúdos estudados, proponho mais atividades individuais do que em grupo), mas procuro recursos e

ferramentas que possam aproximar minha prática docente às práticas recomendadas pelos PCN´s,

como a utilização da Resolução de Problemas como recurso metodológico para ensinar Física”

(Resposta 30).

Compreendemos que reconhece o seu apego ao tradicional, procurando aproximar-se com as propostas dos PCN´s (Parâmetros Curriculares Nacionais). Todavia como confirma Marcelo Garcia (1999) ao se referir à profissão de professor: “[...] uma profissão em que a própria prática conduz necessariamente à criação de um conhecimento específico e ligado à ação, que só pode ser adquirido através do contato com a prática, pois se trata de um conhecimento tácito, pessoal e não-sistemático” (p. 60). Entendemos, assim, que a criação desse conhecimento específico ligado à ação vem com o tempo e com a intensidade das experiências vividas pelo professor e a forma como este as significa.

Já, quanto a sua prática docente no ensino superior, na resposta 30 descreve-a, voltando-se para a metodologia de ensino, os instrumentos, materiais, etc, que utiliza ou utilizou para desenvolver suas aulas, além de ter enfatizado a forma como avalia seus alunos. Deu importância ao estudo em grupo, principalmente aqueles voltados para a prática docente.

Interpretamos que Hortêncio descreveu sua prática, avaliando-se. Nessa resposta Hortêncio descreveu como vê as “características e capacidades específicas da profissão”, ou seja, segundo Imbernón (2002), trata-se da profissionalidade do professor e essa deve ser construída durante o seu desenvolvimento profissional, pressupondo, conforme Marcelo Garcia (1999), um crescimento contínuo de possibilidades na atuação docente durante toda carreira profissional.

Assim, nessas últimas respostas, Hortêncio demonstrou resquícios da graduação que cursou que foi, na nossa opinião, com base nos dados coletados e analisados, pautada no modelo da racionalidade técnica, no qual a atividade profissional consiste em resolução de problemas

158

instrumentais tornados rigorosos por intermédio da aplicação da teoria da técnica científica (SCHÖN, 1983).

Compreendemos que Hortêncio demonstrou perceber o quanto é forte a influência de um paradigma. Mesmo que os professores formadores da época procurassem superar aquelas concepções, não é algo que acontece na “noite para o dia”, pois, por mais que se deseje inovar, fazer diferente, além de estar impregnado com o que sempre fez, os alunos-professores também trazem suas concepções de ensino, de aprendizagem, de ser professor, etc, muito forte para o curso de formação inicial e este curso não dá conta de transformá-los completamente.

Ao estabelecer, no Q.4, relações da sua prática na educação básica e no ensino superior, as fez da seguinte forma: “acho muito importante poder estar atuando simultaneamente na educação

básica e no ensino superior. Uma serve de escola para outra. No curso de licenciatura plena em

Matemática tenho que formar professores que, em sua maioria, estarão atuando na educação básica,

portanto a experiência no ensino fundamental e médio é fundamental para fomentar as discussões

sobre Educação Matemática com os acadêmicos. Nas discussões promovidas pelo Departamento

estamos refletindo sobre nossa prática docente e planejando mudanças, que possam contribuir para a

aprendizagem da Matemática (tanto por alunos da Educação básica quanto do Ensino Superior.”

(Resposta 23).

Ao dizer “uma serve de escola para outra”, compreendemos que Hortêncio nos chamou a atenção referindo-se, justamente, ao que estamos procuramos responder. Quando respondeu assim, Hortêncio nos forneceu elementos para entender como ele (re)constrói a sua aprendizagem da docência do ensino superior. Deixou-nos claro que é fazendo a intersecção entre sua ação na educação básica com a ação no ensino superior. Evidenciou que na licenciatura ele forma professores para atuar na educação básica, por isso entende ser importante conhecer o que se passa nesse nível de ensino para melhor discutir a Educação Matemática com seus alunos.

Interpretamos que Hortêncio referiu-se, assim, pois a sua profissionalidade se fez e se faz com a soma das características especiais desenvolvidas por ele, em cada nível de ensino, tornando-se um profissional, ou seja, ele está preparado para dominar uma série de capacidades e habilidades especializadas, que nos fazem ser competentes em um determinado trabalho (SCHÖN, 1992; 1998).

Além de se preocupar com a sua profissionalidade, Hortêncio, ao fazer a “ponte” entre a sua prática docente na educação básica com a do ensino superior, demonstrou se preocupar em influenciar na profissionalidade do professor formado no curso de Matemática. Demonstrou, também,

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saber que essas capacidades e habilidades são adquiridas também na prática do dia a dia conforme a necessidades específicas de cada contexto, em cada trabalho desempenhado como professor.

Na sua opinião, a sua graduação contribuiu para sua prática docente na educação básica e no ensino superior da seguinte forma: “para ensinar algo para alguém não basta conhecer apenas o

conteúdo a ser ensinado, mas também quem estará sendo ensinado, ou seja, sobre o ensino

aprendizagem é importante saber: “o que ensinar”, “para quem ensinar”; “como ensinar” e “porque

ensinar”. Foi na faculdade, no curso de licenciatura plena em Matemática que comecei a refletir sobre

os saberes, e ensino e a aprendizagem da Matemática” (Resposta 23). Interpretamos que revelou que, para ele, a aprendizagem da docência “não tem tempo, nem espaço e se faz e refaz constantemente” (MIZUKAMI, 2002a, p.12).

Ao avaliar sua prática docente como professor formador, mostra que a experiência como professor, seja na educação básica ou no ensino superior, é um dos aspectos importantes para a construção da aprendizagem da docência, apontando como pontos positivos da sua prática docente no ensino superior: “procuro ter clareza na proposta de trabalho com os acadêmicos (trabalhos, atividades

e avaliações de um modo geral) e proporciono momentos de discussão sobre Educação Matemática

deixando claro que o nosso curso forma professores de Matemática e não Matemáticos” (Resposta 31).

E pontos negativos: “preciso preparar melhor os materiais didáticos utilizados nas aulas, ser mais

objetivo com relação aos conteúdos para trabalhar toda a proposta com tranqüilidade e estudar mais

sobre a disciplina para ter mais segurança quanto ao conteúdo e buscar novidades no campo das

aplicações Matemáticas” (Resposta 31).

Vimos que os pontos positivos elencados por Hortêncio, dizem a respeito à forma de trabalhar, de avaliar de discutir a Educação Matemática e a formação de professores, e os negativos dizem respeito, em sua opinião, a conteúdos, à escolha de materiais a serem utilizados, colocando ser necessário conhecer melhor a disciplina para ter segurança na hora de ministrar suas aulas.

Nessas respostas, Hortêncio, mais uma vez, demonstrou ter os saberes docentes necessários para atuar no ensino superior em um curso de licenciatura, sejam eles: os saberes da experiência, os disciplinares, os curriculares, os profissionais e, estes, amalgamados formam a sua aprendizagem da docência para o ensino superior e estão se configurando desde suas atividades pré-profissionais até os dias de hoje, ao formar professores para atuar na educação básica e ensinar Matemática.

Para concluir o segundo bloco de análise dos dados revelados por Hortêncio, podemos, resumidamente, interpretar que esse professor formador teve um diferencial importantíssimo e que o

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distingue dos demais professores formadores, que é ter realizado uma formação em serviço e já vir para a Universidade com uma experiência pré-profissional. Compreendemos que, talvez por esta razão, Hortêncio significa a graduação que realizou como uma grande oportunidade de aprendizagens da docência e um locus de reflexão na ação e sobre a ação, identificando-se com as propostas do curso e gradativamente descobrindo no processo de aprendizagens que não existe um caminho a seguir, e sim vários. Quanto à educação básica, Hortêncio se refere a suas experiências neste nível de ensino como uma prática docente refletida no antes, no durante e no depois da conclusão de sua graduação, nos deixando sem saber como que esse processo foi sendo refletido por ele, transformando-se em aprendizagens da docência. Ao se referir sobre o ser professor no ensino superior, neste primeiro momento da pesquisa, estava confiante e deslumbrado com as oportunidades que lhe estavam aparecendo, interseccionando as experiências vividas por ele nos três locus formativos considerados nesta pesquisa.

No entanto, os dados não foram suficientes e nos deixaram indagações. Para aprofundar e compreender como o professor Hortêncio aprende a ser professor formador do ensino superior e buscar respostas a indagações surgidas é que realizamos com ele uma entrevista reflexiva de aprofundamento, que será analisada no próximo bloco de análise.

III - Um novo olhar nas revelações sobre a aprendizagem da docência: o processo de reflexão e aprofundamento de Hortêncio.

Em uma tarde de sábado de outubro de 2005, na sala de estar da casa de Hortêncio, realizamos uma entrevista que foi gravada em fita cassete e transcrita posteriormente. A entrevista foi realizada por meio de um diálogo tranqüilo entre a pesquisadora e Hortêncio e durou aproximadamente quatro horas.

Fomos muito bem recebidas pelo professor formador Hortêncio, que prontamente reservou a sua tarde de sábado para conversarmos sobre a pesquisa e que, descontraidamente, foi relembrando fatos de sua vida pessoal e profissional, o que resultou em aprofundamento e reflexão sobre o que já havia respondido em 2004.

Iniciamos a entrevista, explicando o significado deste terceiro momento da pesquisa, uma vez que já havia respondido a vários outros instrumentos de coleta de dados. Inteirado do motivo, Hortêncio solicitou o texto de análise dos questionários anteriores e o foi lendo rapidamente. Enquanto lia, começou a fazer algumas observações, que foram gravadas e registradas no Diário de Pesquisa. Dos seus comentários, registro as seguintes falas:

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[...] um dos momentos que mais refleti sobre a formação inicial que realizei e que me fez “quase” [ressaltou com um gesto com os dedos como se estivesse colocando aspas na palavra] cair na real foi durante a minha banca de TCC quando você [apontou para a pesquisadora] me perguntou – E ai “Hortêncio” você encontrou a receita que tanto procurou no seu curso? – Eu tive que responder depois de algum tempo procurando dentro de mim uma resposta que não – e respondi que descobri no curso que nunca vou encontrar a receita que eu queria tanto - após essa pergunta [...] fiz a questão de colocar na introdução do trabalho que não tinha nenhuma intenção de trazer uma receita de como ensinar conteúdos matemáticos até porque descobri [...] que elas [as receitas] não existem.

Agora estava bastante claro para o professor que a sua ansiedade inicial de melhorar sua prática docente por meio de “receitas”48 de como ensinar já não existia; durante a graduação e refletindo sobre a prática, havia entendido, finalmente, que a prática docente se dá em um contexto bastante complexo e diversificado, e que nenhuma receita, como as que desejou no início da carreira, no ensino básico, tiraria o desconforto de lidar com o desconhecido, com o imprevisível. Enquanto lia, comentou que percebe a mesma ansiedade nos seus alunos que estão em formação:

eu tinha um desespero para saber como ensinar naquele momento inicial de atuação como professor na escola de Educação Básica. [...] Aquela ansiedade que o desconhecido gerava em mim e que hoje percebo neles (nos meus alunos) [...] Antes da graduação a gente vê a Matemática como um procedimento a seguir – quando chegamos na licenciatura queremos saber as eficientes receitas – o caminho certo para repassar para nosso aluno o como ensinar. Talvez por esse motivo a ansiedade.

Hortêncio considera o tempo de experiência docente importante para aprofundar e refletir o processo de aprender a ser professor, que existem sim vários métodos de ensinar e aprender, tanto na educação básica como no ensino superior. Mostra que aprendeu e aprende a ser professor em vários momentos de sua vida profissional, envolvendo-se com várias atividades que o levam a refletir sobre sua prática em sala de aula. E insiste:

[...] o fato é que se descobre que não existe uma única metodologia – uma única “receita” [...] e acabamos compondo uma metodologia própria.

Hortêncio percebe a construção de seus saberes profissionais no processo de envolvimento com a prática que, no seu caso, iniciou muito antes da sua graduação, e que hoje acontece, simultaneamente, na educação básica e no ensino superior. Considera que o professor constrói uma metodologia própria composta por muitos experimentos no decorrer da pratica do dia a dia, e refletidas, para resultarem em saberes docentes, frutos dessa experiência.

Continuou a ler e se referiu a metodologia de resolução de problemas, tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso:

48 Interpretamos que as “receitas” que Hortêncio menciona, significam metodologias de ensino.

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O único lugar que tenho observado que tenho conseguido trabalhar ainda a resolução de problema e que está dando resultados, talvez não tão positivos mais agradáveis a principio, é no CAOPA - Centro de Acolhimento, Orientação e Proteção a Adolescentes [...] a princípio a proposta era de dar aulas de reforço de Matemática para elas – [...] então montamos um grupo de estudo de matemática que para nós representa algo diferente – nunca falei em aula de reforço para aquelas crianças, nunca trabalhei conteúdos que eles trouxessem diretamente da escola.

Neste trecho, reconhece que não consegue desenvolver uma proposta de trabalho que contemple a proposta elaborada durante sua graduação, a não ser ali, em circunstâncias especiais; as escolas em que trabalha, particulares ou públicas, em todos os níveis, não dão espaço para o diferente. Isso talvez explique professores formadores entristecidos com sua prática em sala de aula e descontentes com o que visualizam, através dos alunos que estão estagiando, ou até mesmo atuando na educação básica, porque nas escolas, como primeira preocupação, existe um programa curricular a seguir. Mas neste projeto de cooperação voluntária, Hortêncio consegue levar a diante o seu método de resolução de problemas, contando histórias para os alunos, uma idéia que surgiu através das lembranças sobre a pratica pedagógica de uma professora de Língua Portuguesa na graduação:

A Profª C para fazer que a turma lesse, escolheu o livro de Júlio César: “Malba Tahan: o homem que calculava” e pediu que cada pequeno grupo de alunos da sala lê-se um capítulo e que depois contasse a história.[...] Cada capítulo tinha um desafio matemático, tinha uma historinha – e lendo a gente [...] e percebemos que cada capítulo tratava de um assunto da matemática básica, de uma maneira muito engraçada, atraente com riquezas de dados históricos da Arábia etc, assim estudamos matemática e lemos o livro como a professora sugeriu. [...] Lembrei-me da Profª C por ter me apaixonado pelo jeito dessa professora, ela trabalhava muita interpretação e produção de texto, que eu achava que não era importante para o professor de matemática – até isso eu achava [riu] – Afinal, na época eu procurava uma receita e uma receita que quantificasse de preferência – que não tivesse muito texto muita interpretação [continuou rindo].

Essas lembranças da sua graduação mostram esse outro aspecto da formação docente, a influência de outros professores formadores, nos quais os formandos se espelham, criando a sua própria maneira de ensinar; e nem sempre isso se dá com os que ministraram as disciplinas específicas no curso de matemática, como neste caso.

Hortêncio relata, emocionado, que durante sua vida escolar, encontrou muitos professores que foram importantes para a sua formação nesta profissão e que o ajudaram a entender o seu papel. E, por isso, desabafa:

Mas o meu sonho é trabalhar numa escola pública – com crianças carentes – poder financeiramente me dedicar a escola pública, me desvincular da particular e poder fazer um trabalho com as comunidades mais carentes como o que faço no CAOPA, como voluntário. [...] Na minha história de vida, identifico a escola como minha casa e os professores como parte da família [...] eu e meus três irmãos, por incrível que pareça, nós quatro somos professores.

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Hortêncio busca as lembranças de sua família e as traz ressaltando ser um desejo fazer o diferente, conquistando a liberdade em sua prática docente. O trecho acima e a análise do processo investigativo desta pesquisa como um todo, nos leva a perceber que ele compreende o Ser professor formador como uma possibilidade de contribuir com a qualidade de ensino da educação básica.

Depois dessa agradável conversa inicial, voltamos ao roteiro inicial, com o objetivo de aprofundar e refletir sobre o que havia nos respondido em 2004. Já na Resposta 1, nos chamou a atenção quando disse: “é notória a diferença entre minha prática pedagógica antes, durante e depois

da graduação” – solicitamos então que nos explicasse melhor sua resposta. Hortêncio viera de São Paulo, para o Mato Grosso, procurando melhorar de vida e começou a ser professor substituto em uma escola de ensino básico, por absoluta falta de opção. Sem nenhuma experiência anterior, percebeu que ser professor era mais difícil do que pensara:

Eu achava que para entrar na sala de aula como professor era estudar um texto, saber um determinado conteúdo e repassar aquilo para os alunos. [...]: pegava o livro de matemática, lia e estudava porque muitos conteúdos eu nem tinha estudado, pois eu fiz Técnico em Agropecuária – e achava que isso bastava para dar aulas e ser professor. Quando comecei a ter contato com outros professores com mais experiência no ambiente de trabalho percebi que saber o conteúdo era um requisito básico mais não era tudo. [...] Hoje reconheço que a maneira que eu trabalhava, me comportava como um típico “papagaio”.

Na época, Hortêncio acreditava que qualquer um poderia dar aula de matemática tendo um bom livro, reproduzia o que ali estava escrito, como um “papagaio”, que repete sem analisar e isso seria tudo. Não tinha a preocupação de construir um saber próprio sobre o conteúdo matemático, levando em conta o contexto. Interpretamos a importância dessa fala no sentido de Hortêncio ter resgatado um momento inicial de sua vida profissional, antes da graduação, sob uma perspectiva negativa de ensinar, que não é a mesma de hoje. Seu percurso como professor se desenvolve conciliando uma prática docente, antes, durante e depois de concluir a graduação. E ele comenta sobre como lhe surgiu a oportunidade de fazer o curso e graduação em Matemática. Foi em um seminário de estudos sobre os PCNs em ação, do qual ele participou por causa do certificado (“era como eu via os

cursos na época” [riu]), que ele ouviu falar do PIQD – Programa Interinstitucional de Qualificação Docente:

Foi aí que eu me interessei e foi a primeira fez na minha vida que eu pensei num curso superior, na possibilidade de fazer um curso superior, apesar de quando jovem ter pensado em fazer um curso na área de agronomia ou de veterinária, mas desanimei pelas dificuldades financeiras da família. Para minha família era impossível.

Hortêncio, ao se referir ao curso de Matemática como a grande oportunidade de sua vida, chamou a atenção pela sinceridade com que refere à pontuação certificada dos cursos que buscava

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antes da graduação. Aquela era a única garantia da sua continuidade como professor. Naquele momento, a formação, a capacitação não lhe era o importante. Por isso, a possibilidade de ingressar na universidade, para realizar uma graduação, era como realizar um sonho adormecido, demonstrando isso também na fala seguinte:

[...] Achava, até aquele momento, que não precisava de nenhum curso superior, eu pensava que conseguiria sobreviver sem curso superior. Até que surgiu em minha vida o momento de crise.

As experiências de trabalho, vividas anteriormente, como vendedor, não apontavam para a necessidade de realizar um curso superior. O desemprego criou essa oportunidade de ser professor, acreditando até esse momento que qualquer pessoa possuía condições para ensinar, afinal pensava que era só reproduzir o que estava num livro e pronto. Logo o dia a dia de sala de aula começou a fazê-lo perceber que não era bem assim: ele não sabia os conteúdos de matemática e nem como ensinar esses conteúdos. Surgiram novas necessidades: precisava estudar e apreender a ser professor:

Fiz o vestibular [...] fui muito bem classificado e isso me fez muito bem.

[...] Aquilo para mim era o máximo, pois eu já tinha mais de 30 anos [...] já tinha um filho, já trabalhava como professor, tinha que conciliar o trabalho com a universidade – isso foi o que menos pensei – trabalhava na escola pública e particular como professor de Matemática, Física, Filosofia, Artes (desenho geométrico) e trabalhava também sociologia, eram várias disciplinas. [...] Trabalhei na rede particular, municipal e estadual, transitei por tudo, só não cheguei a fazer nenhum concurso...

[...] Quando comecei a fazer o curso de Matemática um dos coordenadores do programa, fez uma entrevista filmada com todos os alunos para saber o que estávamos fazendo ali - eu fui bem objetivo em minha resposta – “eu vim aqui para aprender a ser professor – quero aprender matemática e aprender a dar aula” – “eu decidi que a partir de hoje eu vou aprender a ser professor – não quero outra profissão”.

A vida tinha dado a Hortêncio a clareza de, a cada momento, saber o que queria. Assim, ao começar o curso de Matemática, sabia exatamente o que buscava. Essa sua determinação aliada a um curso pensado para qualificar professores que já estavam em sala de aula, parece fazer uma diferença importante frente aos cursos de licenciatura que realizam uma formação inicial e nos quais os acadêmicos muitas vezes ingressam por falta de opção, sem ter claro que serão professores e passam os quatro anos de sua vida acadêmica dizendo que não era isso que queriam fazer. As circunstâncias que rodearam o ingresso de Hortêncio na Universidade também contribuíram para que pudesse aproveitar o curso de Matemática, não como uma formação inicial, e sim como uma formação continuada e contínua, fazendo a relação entre a teoria-prática-teoria, tendo a possibilidade de refletir sobre a ação e na ação:

Até então eu não tinha caído na real – apesar de não ter formação – eu já estava em sala de aula e já era professor.

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Após essa fala, pedimos que ele se reportasse um pouco a uma resposta sua, quando mencionou a “notória diferenças no antes, durante e depois do curso de graduação”. Assim ele se explicou:

o antes – a sala de aula a princípio era uma necessidade, era um provento para mim – mantinha a minha família e estava bom [...]. Não tinha sequer envolvimento com a matemática, era aquilo que estava no livro didático e estava bom assim e acabou, reproduzia aquilo sem pensar sobre o que estava fazendo. Antes do curso eu achava que não precisava de nada diferente – era só repassar conteúdo. Julgo hoje que antes de começar o curso eu era um professor relapso...

O durante – fui um sonhador – eu achei que iria resolver o problema do mundo, nem era do Brasil nem do Mato Grosso [...] Eu iria pegar a tal “receita”, a tal da metodologia, a tal da resolução de problemas e iria salvar o ensino da matemática. Durante o curso eu já estava testando algo diferente, achando que iria dar certo, que não teria problema nenhum, pois eu havia estudado os autores na faculdade, Eu achava que a faculdade iria me dar o poder, que eu iria terminar a faculdade e iria voltar para sala uma outra pessoa. De fato houve mudança, mas aí houve primeiro um processo de decepção porque eu não encontrei o que procurava.

Está aí parte do seu processo de identificação com a profissão de professor: No antes, e olhando com olhar de hoje, se julga relapso, desinteressado em melhorar o que fazia. Na segunda parte, Hortêncio se descreve como um sonhador que, identificando-se com algumas metodologias, acreditava com elas resolver o problema de ensinar Matemática. Na entrevista, fomos aprofundar, com Hortêncio, como esses saberes profissionais, o repertório de saberes que compõem a prática diária do professor foram se construindo para ele.

A reflexão sobre a sua prática docente durante o curso de graduação fez com que buscasse aplicar na educação básica o que aprendia na universidade, transformando a sua sala de aula em um pequeno laboratório de experimentação da prática pedagógica discutida na universidade.

Com a segurança que a Universidade lhe dá, julga-se diferente do momento anterior em que não tinha a menor intenção de criar algo com suas turmas. A reflexão que sempre acompanha as ações de Hortêncio interferrem claramente em seu processo de ser professor, visualizando suas limitações e avaliando as mudanças que foram acontecendo nesse percurso. Continuou a refletir:

[...] mais para a metade do curso começo a cair na real. Começo a aplicar a resolução de problemas em sala de aula na educação básica e perceber que [...] nem tudo dava certinho como eu esperava.[...] não percebia que existia a relação com outras disciplinas, com outros conteúdos, com outros professores, com a própria escola, com a família etc, que o negócio era muito mais complicado que eu pensava.

Esta segunda metade do curso corresponde ao período em que Hortêncio se propôs a começar discutir a prática de ensino com uma supervisão mais sistemática, através da orientação de projetos de pesquisa e da supervisão de estágio; a própria universidade procurava estabelecer para

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esse curso, especificamente, a relação entre teoria-prática-teoria, no Estágio Supervisionado I e II, trabalhando com metodologias diferenciadas em sala de aula, com o objetivo de preparar os professores/cursistas49 para a pesquisa, que resultaria em um Trabalho de Conclusão de Curso.

Para Hortêncio, foi esse o momento em que ele começa a cair na real – de sonhador que queria resolver tudo com “fórmulas” – começa a perceber que existiam limites em cada metodologia discutida na universidade e que todas dependiam de outros fatores, inclusive de se estabelecer relações com outras disciplinas, com outros conteúdos, dos contextos, etc. É o processo de amadurecimento intelectual que vai acontecendo, é conquista gradativa da autonomia intelectual do professor Hortêncio, que se percebe como sujeito de sua formação, ao visualizar a necessidade de criar saberes profissionais próprios e indeterminados e que se refazem constantemente.

Pensando hoje sobre o durante meu curso: chego no estágio e me rebelo – [...] tudo aquilo que me falaram, me ensinaram – [...] – agora chego em sala de aula, aplico e não dava nada certo. Eu cobrava na posição de aluno. Acho que ali eu não me percebia ainda como professor. No momento do estágio, [...], na construção do TCC foi um conflito muito grande para mim – até hoje olho para aquele TCC e não entendo porque tanta dificuldade. No TCC não conseguia relatar o que havia acontecido ao aplicar a pesquisa – talvez eu queria que fosse de uma forma e encontrei outra e não aceitava isso.

Chegou o momento do inevitável (e necessário) conflito para quem pensa. Refletindo sobre o seu processo de formação, na graduação, Hortêncio mencionou a relação entre as discussões na universidade e o real da prática vivida em um contexto escolar. Na verdade, nem a formação em serviço e os anos de experiências pré-profissionais facilitaram a Hortêncio esse doloroso processo da aprendizagem da docência matemática na educação básica e a construção do TCC. Interpretamos então que talvez isso tenha se configurado assim porque, como ele mesmo reconheceu, antes do curso se contentava em fazer o mínimo necessário para ensinar, não se importando em fazer melhor e buscar melhores resultados. Durante o curso percebeu que o limite, o ponto de chegada não era o livro didático e que era possível fazer diferente e propõe-se a fazer; porém ao experimentar o que propunha, percebe que nem tudo estava perfeito e a receita para dar certo com todo mundo e com todos os conteúdos era uma ilusão:

Vinha com aquela expectativa, eu quero tudo isso, quero saber tudo, poder saber ensinar tudo – no final eu descubro que não tinha como eu aprender tudo na faculdade – mas meus professores formadores apontaram os caminhos discutindo várias metodologias durante o curso mostrando alguns prós e contras que hoje faço e que tem dado certo. Então durante o curso – poderia dizer que me achava o salvador da pátria.

49 Lembrando que o curso de licenciatura de Matemática em questão era parte do PQD/Unemat (projeto de qualificação docente), para professores em exercício do magistério.

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Interessante esse processo de amadurecimento intelectual e profissional de Hortêncio que, no final da graduação, o fez concluir que, na faculdade, não era possível aprender tudo. Interpretamos que essa trajetória se tornou possível porque o professor já vinha para a graduação com uma pequena desconfiança de que a sala de aula é um ambiente complexo, cheio de contradições e incertezas. No curso de Matemática pode refletir sobre isso, descobrindo que não existe uma única metodologia para ensinar, o que o fez prestar atenção à diversidade de atitudes e maneiras de fazer em sala de aula, por parte de seus professores, desde a educação básica:

[...] Antes de ser professor e ingressar na faculdade não percebia isso, não dava valor aos meus professores da educação básica. Eu comecei a ver eles com outros olhos na formação inicial, pois foi na formação que eu comecei a pensar sobre as ações dos meus professores da educação básica, refletir sobre elas e entender porque eles faziam assim.

Lembrou, então, de seus professores da educação básica, referindo-se a eles com muita emoção, ao perceber o quanto foram importantes em sua formação; porém isso só ocorreu quando ingressou na graduação. Acreditamos que o processo de aprender a ser professor se compõe de diversos fatos e experiências de vida, sejam elas em ambientes escolares ou não. Elas se fundamentam através de sujeitos que fizeram parte dessas experiências.

Na investigação vamos observando que, ao compor seus saberes profissionais, o professor estabelece a união de todos os fatos, positivos ou não de sua vida, soma também lembranças das pessoas, lembranças positivas ou nem tanto, e as interseciona, criando assim seu próprio saber docente. Mas essa composição de saberes é estabelecida através da reflexão e, no caso de Hortêncio, fica evidente a reflexão, através de suas falas:

[...] ai eu começo a criar uma reflexão sobre minhas ações em sala de aula. Acho que foi ai que eu comecei a aprender a ser professor, refletindo sobre minhas ações em sala de aula. Não sei se consegui explicar – mas foi através da reflexão sobre minhas ações é que aprendo a ser professor – não foi os livros que me ensinaram e nem as “receitas” porque não existem, mas foi em cima do que eu fazia.

Ao identificar que, através da reflexão sobre suas ações e de seus professores, percebe-se sujeito de sua formação, revela então que foi assim que foi aprendendo a ser professor. Interpretamos que sua resposta atual possui influência do que já viveu, das suas experiências como professor da educação básica, sem formação formal, para e após concluir o curso, e também com as experiências desenvolvidas como professor formador em um curso de licenciatura que prepara professores para atuar na educação básica, ensinando Matemática.

Para compreendermos como realmente se aprende a ser professor formador, perguntamos a Hortêncio o que poderia acrescentar ainda sobre o curso de graduação que realizou no

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PIQD, comparando com a formação que ele, como professor formador, desenvolve com seus alunos atualmente. Pensou um pouco e começou a considerar:

Tem dois lados, pois fiz o PIQD em uma turma especial – o lado interessante é que a gente aliava a prática à teoria – tivemos esta oportunidade que não vemos no curso regular. Eu tenho um bom número de alunos, principalmente no 1º semestre do curso, que não sabem que serão professores de matemática. Eles estão no curso de licenciatura em Matemática, mas ainda não sabem ou não querem saber. Comigo foi diferente, eu já entrei sabendo. Para mim foi uma busca constante.

Hortêncio identifica justamente o que tínhamos antes evidenciado ser o grande diferencial de seu processo de formação e de aprendizagem da docência, a questão da importância de saber o que queria com o curso e buscar nesse curso a formação, comportando-se como sujeito da formação desejada. Sem vontade e desejo de serem professores, um bom número de alunos da licenciatura não se identificam com o processo de formação e nem com a profissão, não tendo, portanto, comprometimento com a sua formação como professores, não sendo assim sujeitos dessa, o que produz resultados completamente diferentes, sobretudo se a Universidade ignorar isso e tratar a todos “como se” fossem candidatos a professor, como não foi o caso de Hortêncio que sempre teve bem claro o querer.

Se, por um lado, a licenciatura feita no PIQD tem muitas vantagens sobre os cursos regulares, apresenta também sérias limitações as quais não passam despercebidas ao professor Hortêncio, como a questão do tempo de formação:

Eles [alunos do curso regular] têm um tempo maior de estudo. Nós do PIQD trabalhávamos por módulo nas férias da escola da educação básica, então, a questão de conteúdo mesmo, de aprofundamento na questão da investigação matemática, o tempo foi pouco, foi insuficiente, pois querendo ou não, quando voltávamos para nosso município, para sala de aula, a impressão que dava era daquele aluno que quando chega em casa joga seus livros num canto e não pega nem se quer para fazer tarefa. A gente lembrava das tarefas, do que tinha para fazer da faculdade, quando estava na hora de ir para interposta [etapa intermediária] que era quando a gente apresentava os trabalhos em seminários. Então quer dizer, eu poderia ter tido uma formação melhor se tivéssemos mais tempo de contato com os professores, mais tempo de aprofundamento, mas tempo para estudo. [...] As disciplinas do ensino superior como cálculo, álgebra abstrata, álgebra linear, análise, etc, que tinha que ter tido um estudo mais aprofundado, mais tempo, mais discussão; esse tempo a gente não tinha – o próprio professor tinha que correr para cumprir aquele programa e não tínhamos orientação posterior do professor, nós sentíamos desamparado, por que nós íamos embora para nossos municípios.

Esta é, certamente, uma reflexão importante e que deve ser levada em consideração nos cursos de formação em serviço que são desenvolvidos pelas universidades. Se acreditarmos que o saber docente é composto por diversos conhecimentos significados pelos sujeitos, ao longo de um processo de formação formal ou informal, através da reflexão destes, esses saberes necessitam de tempo para serem vividos pelos sujeitos, contestados, confirmados, afim de poderem se transformar

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em saberes autônomos e próprios de cada um que os significou. É preciso tempo e debate para que, o que se objetiva com a formação em serviço de professores, se realize. Uma das formas é que o aluno consiga fazer a intersecção dos saberes desenvolvidos em momento formal de formação com os saberes da experiência vivida diariamente em sala de aula, pelos sujeitos que realizam esse tipo de formação.

Mesmo apontando esses limites da formação em serviço, Hortêncio não esquece as vantagens de ter tido a possibilidade de estabelecer contato com saberes significados na relação entre a teoria e a prática, como parte de sua aprendizagem da docência. Mas isso é, em grande parte, o papel do próprio formando. Hortêncio evidencia isso:

Em contrapartida, nós tivemos essa vantagem de estar praticando – ver aqui (na universidade) na teoria e tentar colocar em prática (na escola de educação básica.

Solicitamos para Hortêncio, então, aprofundar a sua resposta do momento anterior de coleta e análise dos dados, quando respondeu que na graduação priorizava não somente as disciplinas na área específica e sim todas (Resposta 3). E ele nos respondeu após (re)ler sua resposta:

Há colegas no departamento de matemática que desvalorizam o curso de pedagogia. Para mim é um afronto, pois para mim é a mesma coisa que desvalorizar a nossa própria profissão de educador e de formadores de educadores. Eu me sinto um professor, eu sou importante por ser um professor; então quando desvalorizam o curso de pedagogia para mim estão desvalorizando a minha profissão – estão desvalorizam a mim e o que eu acredito. [...] Na minha formação como professor de matemática, no curso de graduação, as disciplinas da área pedagógica, foram talvez as disciplinas que mais me chamaram a atenção, que foram mais difíceis para mim, as que mais contribuíram na minha formação – eu não achei difícil aprender cálculo, álgebra abstrata, mas achei muito difíceis as discussões feitas pela disciplina de Didática da Matemática. Achei muito difícil escrever o TCC.

Interpretamos que Hortêncio se identifica com tanta ênfase com o educador matemático que, para ele, aprender a ser professor, não basta saber matemática para ensinar essa ciência, precisa-se também de toda uma complementação ao conhecimento específico de matemática para se construir saberes docentes pautados em como ensinar Matemática em contextos diversos. Ele não ignora as dificuldades para assumir essa postura de se aprofundar nas questões teóricas e práticas do fazer pedagógico, mesmo sendo aquele professor, deslumbrado, do início do curso, à espera encontrar as “receitas” infalíveis do ensinar. E como ele mesmo relata, estas disciplinas desencadearam nele um conflito muito grande, pois lhe mostravam inúmeros caminhos do ensinar (quase sempre muito trabalhosos) e ele acreditava haver somente um, que era o do livro didático, até então conhecido e utilizado em suas aulas.

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Ele ainda relata com simplicidade as transformações pelas quais foi passando, na medida em que ia diminuindo as ilusões iniciais, dando lugar às primeiras inquietações; assume os equívocos como parte de sua formação, configurando as mudanças como imprescindíveis nesse processo de aprender a ser professor. Retomamos com ele as suas colocações dos dois primeiros momentos da pesquisa, uma a uma, e ele foi lendo, gostando, explicando seu momento atual e os “desmanches” que teve que realizar nos próprios conceitos e na prática, sobretudo, agora, na posição que ocupa de professor formador, na Unemat/Sinop:

Porque a princípio eu supervalorizava as disciplinas especificas. Eu achava que para ser professor de matemática bastava saber matemática - o conteúdo – isso bastava para mim. [...] e o que foi abrir isso em mim foram as disciplinas de pedagogia.

Pela literatura e pelos dados coletados com esta pesquisa, percebemos que a tendência nos cursos de licenciatura que formam professores de Matemática, é supervalorizar as disciplinas específicas, como revelou Hortêncio, explicando que, para ele, isso foi se alterando. Hortêncio atribui essas alterações às disciplinas pedagógicas, opinando sobre o departamento ao qual atualmente trabalha como professor formador:

Acho que tem muita coisa a melhorar no departamento de matemática – só que acho que tem que começar a mudar pela concepção dos professores sobre a matemática e a formação de professores.

Concordamos com Hortêncio, por mais que se altere uma proposta curricular de um determinado curso, não adianta fazer isso sem discutir, no caso dos cursos de licenciatura em Matemática, que concepção temos sobre essa ciência e sobre a formação de professores para Educação Matemática. Há necessidade de se assumir papeis nessa formação, tanto do professor formador quanto do sujeito ao qual se forma e deve ser o sujeito da sua própria formação.

Perguntamos a ele o que tem feito aos alunos do curso de licenciatura em Matemática para evidenciar que serão professores já que julga isso importante, como respondeu anteriormente. Ele nos explicou:

Desde o primeiro dia – minha primeira aula já é contrato didático – trago um planejamento, [...] uma idéia do quê e do como faremos durante o semestre - querendo que eles (alunos) concordem com ela (a idéia) – nessa idéia

[...] Eu oriento eles desde o primeiro dia. O próprio material apostilado do semestre - juntamos o plano de ensino, o contrato didático, os conteúdos, etc. para eles acompanharem o que estão fazendo e ir avaliando o nosso trabalho - Inclusive eu trabalho o conteúdo e eles fazem a revisão da prova. Eles (os alunos) têm que fazer com que seus colegas saiam bem na prova, ou seja, eles têm que se preocupar com o aprendizado dos colegas, o fazer aprender.

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Como se pode ver, Hortêncio estabelece um diálogo com os acadêmicos permitindo suas opiniões sobre o processo de ensino aprendizagem evidenciando que elas fazem parte do re-planejamento de suas atividades, fazendo o esforço de se responsabilizar não só por si mesmos, mas ainda pelo êxito dos seus colegas. Hortêncio trabalha uma disciplina específica do curso de Matemática que revisa os conteúdos do ensino básico e sustenta as discussões posteriores de outras disciplinas. Porém, nos explicou que, ao ensinar os conteúdos, propõe que os alunos também os ensinem permitindo ao aluno aprender os conteúdos matemáticos e também a ensiná-los.

As primeiras dificuldades de ser professor foram sentidas pro Hortêncio no momento em que, já exercendo o magistério em nível básico, entrou para o curso de Matemática, na educação formal. Foi se dando conta de que ensinar não era tão simples como pensava:

Foi naquele momento que eu comecei a sentir as dificuldades de ser professor. Eu queria abraçar o mundo. A minha primeira dificuldade era a carga horária que era muito elevada. [...] trabalhar várias áreas do conhecimento. [...] o planejar praticamente não existia, o refletir também não existia, então era o professor de sala de aula, eu seguia o apostilado de cada disciplina – o programa que estava determinado no apostilado – era algo mecânico.[...] O que teve de positivo foi perceber que o que eu fazia não era legal.

Pois antes de entrar no curso de Matemática eu ia para sala de aula sem conhecer o conteúdo que ia trabalhar. [...]Eu me sentia enganando os alunos porque eles achavam que eu sabia – e na verdade eu não sabia. Então, na formação em relação ao conteúdo matemático a faculdade contribuiu e muito para minha vida profissional.

A graduação foi o seu despertar e também pela questão dos conteúdos que ele começou a encarar de forma diferente, demonstrando o processo de transformação dos saberes existentes até aquele momento de ingresso do curso, o processo de perceber que deveria mudar sua prática durante o curso e a busca de saberes docentes.

A troca de experiências e o refletir sobre a prática docente com seus colegas, já que todos estavam realizando uma formação em serviço, foi outro grande diferencial na formação de Hortêncio que, além de aprender conteúdos, aprendia a dialogar e a valorizar as observações, fosse dos colegas (todos com experiência de magistério), ou dos professores do curso:

É, essa troca de experiência por estarmos em uma formação em serviço. Ainda me ensinaram uma coisa que ainda não consegui praticar muito bem – saber ouvir – estou aprendendo. Esses professores deixavam a gente se expressar. Acho que isso ainda esta me faltando – eu quase não deixo meus alunos se expressarem por pressa de cumprir o programa e quase não ouço meus alunos. Esses professores foram os que mais me fizeram entender isso.

Destacamos a importância do falar sobre a prática porque ela favorece o processo de reflexão consciente ou inconsciente. A reflexão coletiva é muito importante e faz a diferença na formação de professores. Na formação em serviço, mesmo que não tenha momentos formais no curso

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para isso, há um grupo de professores trabalhando juntos, discutindo, comentando, avaliando o seu fazer, proporcionam uma formação reflexiva, de forma diferente do que,de modo geral, ocorre nos cursos regulares.

Hortêncio tem claro, hoje, de que a sua formação não se deu em um ou outro lócus formativo, mas num conjunto de ações, não em um único espaço, mas

Quando a gente começa a ficar maduro a gente vê educação em tudo, em todas as ações a gente vê educação. [...] Eu não aprendi – eu continuo aprendendo a ser professor. É uma caminhada, sem dúvida, uma caminhada de significações. [...] É na sala de aula, no dia a dia que a gente vai aprendendo a caminhar. Os professores da graduação me mostraram alguns caminhos – agora eu aprendo a caminhar com os alunos a cada novo dia de sala de aula seja na educação básica ou no ensino superior.

Aprender no processo de se fazer professor, na interação com os alunos, refletindo sobre sua prática, eis o que Hortêncio identifica na graduação: a descoberta de caminhos e de um fio condutor que, no seu caso, foi a reflexão sobre a prática vivida significando-a, tornando assim, saberes da experiência que, em conjunto, transformam-se em aprendizagem da docência que se faz e refaz a cada situação vivida pelo sujeito da experiência.

Hortêncio relaciona facilmente sua profissão de professor formador com a de professor da educação básica

[...] você traz para sala de aula no ensino superior as experiências, as decepções, as alegrias. Com muito cuidado as decepções ... Mas as experiências são sempre importantes. [...]nada melhor que ter a experiência de atuação na educação básica para trazer para os alunos no ensino superior. Tenho percebido que os alunos na universidade valorizam muito essas experiências, respeitam-nas e gostam de ouvir [...]Depois acho que eles vão perceber, assim como eu, que são caminhos, que são propostas, que é um processo. E que é tudo passo a passo, é uma questão de maturidade. Mas acho que posso ajudar a construir essa compreensão por ter a experiência na educação básica,

Compreendemos que Hortêncio relaciona as experiências na educação básica com o ensino superior, através dos próprios exemplos vividos por ele – sejam eles positivos ou não – e que ele foi colocando espontaneamente na entrevista. Percebemos também que, através desses exemplos, ele vai refletindo sobre uma prática, novamente no coletivo, evidenciando mais uma vez a importância da interação, em vários níveis, na sua formação. O exemplo abaixo mostra que, em sua prática no ensino superior, ele reflete constantemente com seus alunos as atividades docentes realizadas e nos planejamentos futuros as sugestões, as críticas, enfim, as propostas dos alunos serão consideradas:

Acho que é o terceiro semestre que atuo com a Matemática Elementar e no final de cada semestre faço uma mesa redonda de avaliação e eles fazem também essa avaliações por escrito e ai eles vão sugerindo as mudanças. Percebi a importância

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de ouvir os alunos. Ouvindo-os vou fazendo as devidas alterações na minha prática.

Interessante que ele trabalha com uma mesma disciplina há três semestres, mas muda a cada novo recomeçar. Antes, ele simplesmente reproduzia o “apostilado”...

A partir desse momento da entrevista começamos a evidenciar o Ensino Superior, solicitando que escutasse o que tinha respondido no Q.C em março de 2004 onde emitiu sua primeira opinião sobre o Ser Professor no ensino superior, dizendo entre outras coisas, que foi uma grande oportunidade intelectual e profissional. Comentamos que naquele momento interpretamos que o intelectual seria em relação a ter oportunidade e a necessidade de continuar estudando, tanto para ensinar no ensino superior como também realizando uma pós-graduação lato e/ou stricto sensu. Perguntamos então: Com o tempo de experiência que você tem hoje como professor univeristário, qual a sua opinião atual sobre Ser Professor Formador?

Responderia um pouco diferente, pois hoje percebo com esta resposta que neste momento estava achando que iria salvar a pátria, abraçar o mundo como no meu início da faculdade e na atuação anterior a concluir o curso na educação básica. Até porque eu ainda não tenho claro algumas coisas. Eu sei o que é fazer o ensino, mas o que é pesquisar e o que é fazer extensão ainda fica assim, a gente sabe teoricamente o que é, mas o fazer é difícil. Eu trabalho em projeto de extensão o GEENCE, mais ainda eu não aprendi a trabalhar no projeto, a gente tem várias ações interessantes, estou gostando muito de atuar nele, mas só que essa oportunidade de estudar, que eu ainda vejo, mas não mais como este sonhador – porque a gente sabe que não é fácil – o simples fato de estar trabalhando em uma universidade não vai abrir as portas para continuar a estudar como eu pensava anteriormente, de continuar estudos como especialização e mestrado.

Neste trecho Hortêncio mostra que se percebe como professor universitário de uma maneira menos entusiasmada que no momento anterior. Reconhece melhor o papel da universidade em relação ao ensino, à pesquisa e à extensão. Descobriu as reais funções de uma universidade e suas exigências com os profissionais, que nela trabalham, para que se mantenha com o status de universidade. Dando continuidade a este assunto, perguntamos a ele se tinha percebido isso na ação de ser professor formador? E Hortêncio respondeu:

Sim na ação. Eu tinha uma visão do que era e percebo que é outra agora. [...] Não me decepcionei e sim coloquei o pé no chão. Com a vivência coletiva na universidade, através do contato com os colegas que estão estudando, que estão indo ou retornando dos estudos, descobre-se que não é bem assim. Não é simplesmente ser professor universitário que lhe faz ir para a pós-graduação, por exemplo. Percebi que é um processo e é importante dar passo a passo. Talvez daqui a alguns anos eu responda até mais cauteloso ainda.

Novamente demonstra perceber que o ser professor e o torna-se professor universitário é um processo de conquista e luta constante por aprender, pois não há conhecimentos prontos, acabados e isolados para transmitir ao aluno, como se houvesse um pacote pronto disponibilizado para

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sua prática pedagógica futura. Ou seja, do momento inicial da coleta de dados, de março de 2004, para o atual, Hortêncio demonstra estar vivendo um processo de aprendizado constante na ação, dessa forma descobre que não existe “receitas” infalíveis de como ensinar, nem como ir para uma pós-graduação...

Na seqüência, dissemos a ele que, no Q.3 havíamos perguntado a sua opinião sobre o que professor formador precisava saber para trabalhar na formação inicial. Conforme a Resposta 26 – Contexto III, dava importância em saber o conteúdo; conhecer o Projeto Pedagógico; ter proposta metodológica clara e citou também alguns instrumentos ou estratégias metodológicas, etc. Assim lhe perguntamos, na entrevista, onde tinha aprendido que esses saberes, que elencou, para o professor formador eram importante. E então, ele falou:

Creio que na própria universidade. Estudando nas disciplinas e observando os alunos a atuação de outros professores e a minha própria. [...] Acredito que tudo que citei é importantes. No início, antes de iniciar a graduação eu não tinha essa visão. Essa visão firma ainda mais quando entro na universidade como professor. Eu tenho dois momentos na UNEMAT, como aluno e como professor. Se eu olhar para o meu percurso percebo que tenho coisas bem diferentes, primeiro começo uma faculdade, já atuando como professor, depois tive a oportunidade de trabalhar na mesma faculdade que me formei. Acho que é uma coisa bem diferente.

Interpretamos que ao viver a complexidade de um curso de licenciatura em Matemática, na posição de professor formador, responsável pela formação de outros professores que irão atuar na educação básica, o professor formador força-se em relacionar os níveis de ensino e compor assim um repertório de saberes oriundos de suas experiências, percebendo que, para o processo de aprendizado da docência não existe um fim e sim vários recomeços.

Quanto ao perfil do professor formador, em julho de 2004 (Resposta 27) elencou algumas características que julgava importante o professor formador possuir. Lemos a ele também o que respondeu quando lhe e perguntamos se ele julgava ter o perfil descrito (Resposta 27). Após as leituras comentamos que havíamos percebido que tinha elencado tudo que julgava importante para ser um professor responsável, organizado, que leva tudo em dia, e que não havia descrito a questão do conteúdo, do saber ensinar matemática, como apareceu em respostas anteriores. Perguntamos a Hortêncio, então, por que teria evidenciado, naquele momento, mais questões burocráticas e organizacionais da vida de um professor. E ele respondeu, após levar algum tempo pensando:

Acho que naquele momento caracterizei daquela forma porque tinha a necessidade de estar organizado para cumprir a carga horária que eu tinha. No último semestre também tinha muitas orientações de TCC [...]Acho que naquele momento dei mais importância ao que citei, mas acho importante também ter o conhecimento, etc. Citei esses saberes pelo momento que eu vivia e ainda estou vivendo. Estou conseguindo melhorar isso agora, quando estou deixando algumas

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coisas que não acredito ou que de fato não posso. Acho que a gente tem que aprender a dizer não também.

Na seqüência, perguntamos, se acrescentaria outras características ao perfil do professor formador descrito. E ele:

Acrescentaria a participação política, que ainda não consegui ser e não sei se um dia vou conseguir. Ter uma participação política no departamento, com a participação em colegiados de curso, posicionar politicamente.

Acreditamos, baseados no que Hortêncio evidenciou nos trechos acima, que o perfil do professor almejado oscila de acordo com o momento que o professor formador vem passando, pois as dificuldades ou as facilidades, a complexidade da disciplina que ministra, as relações pessoais com alunos e colegas professores formadores, etc, traçam um perfil transitório composto por aquele momento da vida do professor.

No momento anterior de coleta e analise dos dados Hortêncio mostrou-se estar muito satisfeito com sua atuação no ensino superior, dizia buscar constantemente melhorar aquilo que acredita para sua formação profissional. Assim lhe perguntamos, na entrevista, se continuava com essa posição. Respondeu:

Continuo com o mesmo pensamento, só que agora tenho uma visão mais precavida da realidade, mais precavido nas situações – talvez perdi um pouco de gás. Acho que hoje não estou tão satisfeito como relato aí, acho que diante de tantas avaliações onde os acadêmicos já fizeram em relação ao meu trabalho, acarretando que eu reflita sobre o que estou fazendo. No entanto nem sempre há alteração devido à resistência de minha parte[...], mas sempre geram indagações. Agora – é complicado eu dizer no momento que estou satisfeito, porque percebo que tem muito a melhorar. Acho que estou num momento de conflito comigo mesmo, com o meu ser professor.

Compreendemos que o tempo de experiência foi um fator determinante para a aprendizagem da docência do professor formador Hortêncio, pois mostrou que, no processo foi percebendo que as coisas não são tão fáceis, como imaginava, e que sendo professor universitário pode contribuir com a qualidade do ensino na educação básica, mas não da forma tão perfeita e direta como relatou em momentos anteriores. Neste sentido, ao perceber isso, avalia que perdeu um “pouco de gás”, mas ao nosso ver, apenas percebeu o peso da realidade de ser parte responsável do seu processo de formação. Resultado esperado de quem reflete, uma vez que a reflexão ajuda a admitir o conflito, que pode provocar mudanças significativas, embora nem sempre fáceis.

Na seqüência da entrevista, mostramos-lhe como havia descrito a sua prática docente no ensino superior e na educação básica sob um ponto de vista demasiadamente organizacional e metodológico. No entanto quando reflete sobre o perfil do professor formador descreve várias características que não se restringem só a esses aspectos (organizacional e metodológica) e ainda

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afirmou que possui o perfil desejado. Assim nos parece que faltou uma certa intersecção entre as informações. Após termos terminado de falar sobre o que tínhamos observado, lhe perguntamos porque será que tinha respondido assim e ele após ter pensado em silencio, respondeu:

Não sei, porque foi na mesma época. Acho que era justamente pelo momento de querer fazer tudo e aquela dificuldade, por achar que poderia não dar conta. Mas hoje me aproximo mais do que descrevi sobre a prática docente no ensino superior, quando descrevo sobre a necessidade de buscar, de estudar, de participar; do que a própria questão burocrática de documentação escolar. A questão que ainda não estou contente é que eu tenho estudado pouco e sozinho e sem uma freqüência e acredito que o estudo tem que ser um hábito e deve ser em grupo, um ajuda o outro. Penso em estudar sozinho e quando dá tempo, para mim não é estudo, é como pegar um livro. Só tenho estudado em grupo na área de Física.

Justificou-se lembrando que naquele momento havia iniciado sua carreira profissional no ensino superior, gerando acúmulo de carga horária e funções que o sobrecarregaram de trabalho na universidade e na escola particular. No entanto evidenciou a sua necessidade de estudar com os demais colegas, afirmando ser importante o grupo, porque um ajuda ao outro.

Sobre os pontos positivos e negativos da sua prática docente no ensino superior, listadas em Julho de 2004 (Resposta 31 – Contexto III), ele leu e após terminar, perguntamos se permanecia a mesma análise. Ele respondeu:

Os positivos sim. Os negativos já superei muita coisa. Embora a explanação dos conteúdos da ementa ainda ser de forma tradicional, mas eu consigo ser mais objetivo, pois aprendi a me policiar e não seguir tanto os livros didáticos. [...] Eu construí uma forma de trabalhar de uma maneira minha através da reflexão do que vou fazendo. Hoje estou mais seguro com que estou trabalhando. Consegui sintetizar e ser mais objetivo, acabei aprendendo isso com a experiência em sala de aula, pois isso trazia uma preocupação e um prejuízo para o aluno. Aprendi a fazer um planejamento. Ainda acho que falo demais, conto muita história, tento ilustrar demais, mas em relação aos conteúdos aprendi a trabalhar de uma forma melhor ao meu ver.

Hortêncio demonstra entender a prática docente no ensino superior como um processo de aprendizagem constante, que é construído através da própria reflexão desta prática e da reflexão coletiva sobre ela gerada pelos acadêmicos. Percebemos que Hortêncio foi construído uma maneira própria de trabalhar, estabelecendo funções diferenciadas para ele e para o aluno no sentido de perceber que não precisamos das as coisas esmiuçadas para aluno e que ele precisa ira atrás se tornando autônomo.

Para finalizar, baseados em tudo que havíamos conversado até este momento de entrevista, pedi a sua opinião sobre como os professores formadores para Educação Matemática aprendem a ser professores do Ensino Superior. Respondeu:

Vou dar uma resposta tão de senso comum – Começando a trabalhar na faculdade. Se ele não começar não tem noção do que seja. Se ele não atuar não

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vai aprender. Infelizmente é uma oportunidade para poucos...[...] Se for para começar a trabalhar no ensino superior como eu comecei na educação básica, é meio perigoso! lá eu tive o assessoramento e oportunidade de estudar, mas aqui nem todos tem essa oportunidade de refletir sobre o que está fazendo, como foi o meu caso em inicio de carreira na Educação Básica.... Agora quem entra não quer sair mais, se apaixona.

Disse que só se aprende a se professor formador, sendo professor formador, pois sem a prática não se tem a dimensão da complexidade da profissão. Ao nosso ver, Hortêncio tem razão e isso é verdade também para a educação básica.

Percebemos que, neste momento da entrevista, Hortêncio teve a oportunidade de refletir sobre o que tinha respondido em 2004 e que, segundo ele, representava um momento particular de sua vida, estava começando a atuar no ensino superior logo após ter terminado a sua graduação. Na entrevista se mostrou mais realista com a situação e com a realidade vivida na universidade, pois antes ainda estava com o olhar de acadêmico deslumbrado com a oportunidade de ser professor, agora olha na posição de alguém que é responsável por esse fazer na universidade, o que vai refletir lá escola de educação básica.

Resumindo, e tomando a própria palavra do professor Hortêncio, podemos afirmar que a sua aprendizagem de docência do ensino superior tem representado“mudança e reflexão”.

4.1.2. Lírio e o percurso de aprendizagem da docência do ensino superior.

I – O profissional e aspectos gerais dos caminhos percorridos: “o risco do bordado”.

Lírio é do sexo masculino. Em março de 2004, momento inicial da pesquisa, tinha 35 anos de idade. Atuava há 1 ano como professor formador no curso de licenciatura plena em Matemática.

Sua formação inicial foi em licenciatura plena em Matemática na UNEMAT/Sinop, no curso regular (1997/1 – 2001/1) com experiência pré-profissional50 de dois anos de trabalho como professor na educação básica. Sua formação inicial foi desenvolvida integralmente no Momento I do curso51.

A sua experiência pré-profissional na educação básica teve início aos seus 29 anos de idade, dois anos depois de iniciar a sua graduação em Matemática, ou seja, antes de concluir o curso de licenciatura. Durante 5 anos atuou na mesma escola no ensino fundamental e médio. Depois de concluir seu curso, acrescentou às aulas de Física que já ministrava, aulas de Matemática no ensino

50 Utilizamos o conceito de “experiências pré-profisionais” baseados em Tardif (2002). 51 O Momento I do curso de licenciatura plena em Matemática foi descrito no capítulo 1 deste trabalho.

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fundamental, predominando em sua experiência na educação básica o trabalho com a Física do ensino médio.

Lírio ingressou na UNEMAT como professor do departamento de Matemática em Julho/2002, através de teste seletivo para professor substituto com regime de 20 horas. Desde seu ingresso como professor na UNEMAT, ministrou aulas de Cálculo I e II no próprio departamento e a disciplina de Matemática Aplicada à Economia, no departamento de Economia, concentrando suas atividades na área de cálculo. Assim como os demais professores formadores, poderia optar em ingressar em um Projeto de Extensão e alterar o seu regime de trabalho, no entanto, em conversas informais, expôs que não havia optado por isso pois seria “cobrado” por atividades nesses projetos e, no momento, gostaria de estudar conteúdos “matemáticos” para fortalecer sua prática em sala de aula (Diário de Pesquisa - março de 2004).

Além de não participar de Projetos de Pesquisa ou Extensão propostos pelo departamento de Matemática, não fazia orientação de Trabalho de Conclusão de Curso e também não participava de órgãos colegiados da Instituição, restringindo seu envolvimento com a Universidade ao ensino.

Em Abril de 2004 começou a cursar uma especialização lato sensu em Tendências Didático-Metodológicas em Educação Matemática promovida pelo departamento de Matemática da UNEMAT - Campus Universitário de Sinop.

Mas como Lírio aprende a docência do ensino superior? É isso que buscamos compreender no bloco de análise a seguir.

II – Os contextos formativos formais: o revelar do bordado por Lírio e os arremates das pesquisadoras

1º Contexto Formativo: a formação inicial e as intersecções com a educação básica e o ensino superior.

As possíveis intersecções da formação inicial com a educação básica e o ensino superior foram encontradas nas respostas dadas aos seguintes questionários: Questionário de Caracterização (Q.C) aplicado em Março de 2004 durante a 1ª Parte de coleta de dados da pesquisa e Questionário 1 (Q.1), Questionário 2 (Q.2) e Questionário 4 (Q.4) aplicados, respectivamente, na primeira, segunda e quarta semana do mês de Julho do mesmo ano durante a 2ª Parte de coleta de dados. Estas

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respostas, ou seja, as revelações serão enumeradas e disponibilizadas no quadro síntese abaixo evidenciando os enfoques pretendidos pela pesquisa e o que Lírio nos revelou.

QUADRO VIII – Quadro Síntese do 1ºContexto Formativo de Lírio: a formação inicial e as intersecções com a educação básica e o ensino superior.

ENFOQUES PRETENDIDOS PELA PESQUISA Respostas dadas aos Questionários

Primeira opinião sobre a formação inicial que realizou 1 “Não deu todos os requisitos necessários, deficiente em algumas disciplinas.” (Q.C )

Opção pela formação inicial em licenciatura em Matemática:

Ao optar pelo curso tinha claro que estaria cursando uma licenciatura?

2 “Gostar de cálculo e querer desenvolver isso. Não sabia que era

licenciatura” (Q.1 - Questão 1)

“Não, [pois] não havia informações adequadas” (Q.1–Questão 2)

Prioridades como aluno na formação inicial. 3 “Disciplinas específicas de Matemática e Física que faziam parte

do curso”, [pois] priorizava estudar as disciplinas especÍficas porque gostava das ciências exatas e dos mecanismos

matemáticos para os cálculos” (Q.1 – Questão 4)

Ao iniciar a sua formação inicial já atuava como professor na educação básica? 4

“Não, comecei a atuar como professor durante o Curso” (Q.1 -Questão 3)

“[na disciplina] de Física com carga horária de 12 horas semanais”

(Q.1 – Questão 3c)”

Algumas disciplinas da sua formação inicial proporcionaram-lhe a experiência de ensinar conteúdos matemáticos na

educação básica? Quais? 5

“Sim, [as disciplina(s) que me proporcionaram essa experiência, foram]: Didática da Matemática; Metodologia da Pesquisa,

Seminários, Álgebra. [Proporcionando-me a] aprendizagem de como trabalhar e dos conceitos matemáticos”(Q.2 -Questão 3)

Opinião sobre a matriz curricular da formação inicial que realizou:

Se contribuiu para sua formação como educador matemático?

6 “Em partes, faltou carga horária adequada em algumas disciplinas para nos aprofundar”(Q.1 – Questão 6a)

Opinião sobre a matriz curricular do curso de Matemática do qual ele é professor formador atualmente (Momento II)

comparando com a matriz curricular na qual ele foi aluno (Momento I)

Na sua opinião, qual contribui mais para a formação do

educador Matemático?

7 A atual [momento II], devido ao aumento de carga horária e a

experiência dos professores que atuam em sala.” (Q.1–Questão 6b)

Dificuldade em atuar como professor formador no mesmo curso onde realizou sua formação inicial e que agora possui

outra matriz curricular. 8

“Não [encontro dificuldade], pois constantemente estudo individualmente ou em grupo as disciplinas trabalhadas”

(Q.1 – Questão 7)

A sua formação inicial influenciou no professor que é hoje (de modo geral -tanto da educação básica como no ensino

superior)? 9 “Não, devido aos professores que tive e a [minha] busca de

conhecimento durante o curso” (Q.1 -Questão 8)

Formação inicial e prática docente na educação básica:

De que forma as disciplinas da área pedagógica da sua formação inicial lhe auxiliam nas aulas de Matemática que

desenvolve na educação básica?

10 “[Elas contribuíram] nos dando ferramentas para o trabalho

docente” (Q.1 – Questão 9b)

Aprendeu a ser professor na formação inicial? 11 “Não, na graduação aprendi os conceitos matemáticos, porém

passei a compreender o que é ser professor na sala de aula, nas experiências vividas” (Q.1 -Questão 5)

Onde aprendeu a ser professor da educação básica 12 “Na minha opinião, há uma combinação entre a formação inicial e a

experiência em sala de aula neste nível de ensino. Algumas orientações didáticas e o conhecimento dos conceitos foram na

formação, porém a prática docente somente na sala de aula, que alertaram para o que é verdadeiramente ministrar aula”

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formação, porém a prática docente somente na sala de aula, que alertaram para o que é verdadeiramente ministrar aula”

(Q.2 - Questão 2)

Você utiliza em sua prática docente no ensino superior conhecimentos adquiridos na formação inicial? 13 “Às vezes, como busco verificar o requisito que os acadêmicos

trazem, adapto o que pode ser utilizado” (Q.2- Questão 3c)

De que forma as disciplinas da área pedagógica da sua formação inicial lhe auxiliam nas aulas de Matemática que

desenvolve no ensino superior? 14 “Na metodologia de trabalho e na forma de avaliar”

(Q.1– Questão 9a)

O que da sua formação inicial contribuiu para sua prática docente na educação básica e no ensino superior? 15

“No modo de perceber que ensinar não é só passar conteúdos de forma analógica, mas que deve haver o entendimento das relações entre eles, e com as situações do dia a dia do aluno. Além disso, percebi também a necessidade de desenvolver o raciocínio lógico,

pois isso auxilia a resolução de problemas.” (Q.4 – Questão 4)

No quadro acima, verificando que Lírio, ao emitir sua primeira opinião sobre sua formação inicial (R1-QC), refere-se aos conhecimentos que esperava ter adquirido durante o curso, mostrando-se insatisfeito com os resultados alcançados por ele como acadêmico. Afirma em sua resposta que o curso não lhe deu as condições necessárias para atuar como professor, não deixando claro, se na educação básica ou no ensino superior. Como se a formação fosse algo externo que deveria ter sido dado a ele sem sua responsabilidade. Além disso, evidencia em sua resposta que o curso foi deficiente em algumas disciplinas, não expondo neste momento os aspectos dessa deficiência. Nesta primeira opinião, parece-nos que Lírio entende que a sua formação inicial não lhe deu os requisitos necessários para desempenhar a profissão. Neste primeiro momento, restringe-se a formação como o desenvolvimento de disciplinas e um conhecimento acadêmico científico de conteúdo matemático, contrariando em parte a idéia de formação inicial defendida por Imbernón (2000).

Meses depois, no Q.1, ao ser indagado sobre sua opção pelo curso de licenciatura plena em Matemática, também revela que ao optar por fazer o curso de Matemática, não optou pela profissão de professor de Matemática, e sim buscava aprendê-la para se aprofundar no que gostava de fazer, estudar cálculos, coisas que ele tinha aprendido a gostar desde sua formação básica, isso explica a sua concepção de Matemática como uma disciplina restrita a cálculos.

Lírio demonstrou forte preocupação em saber os conteúdos matemáticos desde da sua opção pelo curso de Matemática até as prioridades de estudo na formação inicial (Respostas 1, 2 e 3).

Apesar de não ter escolhido a licenciatura em Matemática com o objetivo de ser professor desta disciplina, durante o desenvolvimento do seu curso, Lírio assumiu aulas de Física na educação básica, em uma escola particular do município de Sinop (Resposta 4). Essa opção pela profissão durante o curso comprova o que Soares (1991) afirma: “do bordado não conhecemos o traçado”, ou seja, apesar de não ter escolhido fazer um curso de licenciatura com a convicção de que seria professor, a possibilidade de ser professor surgiu-lhe mesmo antes de concluir o seu curso.

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No entanto, ao viver a complexidade da sala de aula durante suas experiências pré-profissionais, Lírio demonstrou não ter percebido que ser professor de Matemática é um processo complexo e que não basta somente saber a Matemática, sendo também necessário saber ensiná-la, dando, assim, a devida importância às disciplinas pedagógicas. Acreditamos que a oportunidade de atuar como professor e estar se formando para a profissão pode ser um momento interessante da aprendizagem da docência, pois existe aí a possibilidade de interseccionar a formação inicial - em processo de desenvolvimento - com a prática docente vivida naquele momento. Porém, essa oportunidade só poderá trazer benefício à formação deste professor, se o aluno-docente refletir sobre sua prática em sala de aula e trouxer suas experiências pré-profissionais para o espaço do curso de licenciatura para que refletidas coletivamente tenham a possibilidade de gerar significado principalmente para quem a viveu, pois “a reflexão sobre a prática emerge como uma estratégia possível para a aquisição do saber profissional” (DARSIE, 1998, p. 71).

Entretanto cabe lembrarmos que Lírio ao responder às questões sobre a relação que ele estabelece entre a sua formação inicial e a sua experiência na educação básica, o faz na posição de professor formador de educadores matemáticos, com o olhar que tinha naquele momento.

Falando ainda na posição de professor formador, Lírio cita algumas disciplinas pedagógicas como sendo importantes para a formação inicial dos professores de Matemática (Resposta 5), fato que ele tinha negado quando falou na posição de aluno. Essa mudança de percepção que levou Lírio a afirmar que as disciplinas pedagógicas proporcionaram também aprendizagem de alguns conteúdos matemáticos, é confirmada nas idéias de alguns pesquisadores que consideram os conhecimentos dos professores de Matemática como sendo de caráter tácito que se desenvolvem e se consolidam por meio da reflexão sobre a experiência. (PONTE et al., 2003a, p.162).

Ao ser indagado sobre a matriz curricular do curso que fez, Lírio manifesta que contribuiu parcialmente para formar um Educador Matemático para educação básica, pois faltou carga horária adequada em algumas disciplinas para aprofundamento (Resposta 6). Pela literatura que pesquisamos na área e pelos conhecimentos empíricos que fomos concentrando ao longo dos anos como professora formadora, acreditamos que a carga horária total de um curso de graduação não dá conta e nem tem a obrigação de ensinar tudo o que o professor necessita para atuar, nem tem condições para isso por ser, a prática docente, realizada em um contexto bastante complexo e cheio de surpresas.

Lírio parece não conhecer o Projeto Pedagógico do curso que fez nem dos cursos em que atua. Apesar disso, afirma não ter dificuldade em ser professor formador do mesmo curso onde realizou sua formação inicial em Matemática; (Resposta 8). Supomos não sentir essa dificuldade por trabalhar

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em suas disciplinas de forma isolada, não se preocupando com os objetivos coletivos de formação e nem particularmente os dos alunos.

Ao indagarmos sobre a influência da formação inicial na prática docente da educação básica, Lírio responde que está não teve influência sobre ele, justificando através dos professores que teve e a sua busca individual de conhecimento durante o curso (Resposta 9).

Dessa forma, Lírio continua a negar a influência da sua formação inicial. Entretanto, em respostas anteriores ao mesmo questionário, atribuía a não influência somente ao curso, principalmente, no que diz respeito à carga horária prevista em cada matriz curricular; e agora continua a negar, mas justificando de modo diferente essa negação, começa a trazer a influência dos seus professores formadores e a de sua pessoa como aluno, que antes não havia aparecido explicitamente.

Buscando compreender a construção dos saberes disciplinares, dos saberes profissionais e dos saberes experienciais, procurando neste momento de pesquisa evidenciar a intersecção da formação inicial desenvolvida por Lírio e sua prática docente na educação básica, perguntamos: de que forma as disciplinas da área pedagógica do curso de Matemática que desenvolveu o auxiliam nas aulas de Matemática como formador de professor? Lírio respondeu que essas disciplinas lhe deram ferramentas para o seu trabalho docente na educação básica (Resposta 10). No entanto, não explicita em que ou como esse ajuda se dá.

Analisando todas as respostas de Lírio, podemos observar que somente no final do Q.1 ele começa a afirma que a sua formação inicial contribuiu para a sua atuação na educação básica; somente a partir daí começa a atribuir à sua formação inicial um valor significativo e a admitir que ela influenciou sim no professor que ele é hoje.

Atribuímos essa pequena alteração na forma de pensar de Lírio à reflexão que o próprio instrumento de coleta de dados vai propondo, na medida em que proporciona ao professor pensar sobre o assunto, cedendo aos poucos e atribuindo significado àquele contexto de formação.

Lírio também admite a influência da formação inicial na atuação na educação básica, quando ao ser questionado sobre onde aprendeu a ser professor. Atribui a sua aprendizagem da docência às experiências vividas em sala de aula, cabendo ao curso de graduação em Matemática o aprendizado da Matemática como disciplina fechada e acabada em si (Resposta 11).

No entanto ao ser indagado, pouco tempo depois, sobre onde aprendeu a ser professor da educação básica, agora especificando o nível de ensino, conseqüentemente, propondo fazer a reflexão sobre o professor que é na educação básica (Resposta 12). Lírio consegue reunir informações que anteriormente tinha dado de forma segmentada. Talvez pela estrutura do próprio instrumento de coleta

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de dados. Nesse segundo momento da pesquisa, ele passa a atribuir um significado diferente ao locus formativo. Agora consegue distinguir que existe um processo de formação inicial e que existem outros processos de aprendizado na prática e que ambos se complementam.

Já ao ser indagado sobre se no ensino superior costuma desenvolver ou experimentar o que aprendeu na sua formação inicial. A resposta dada por Lírio não nos parece clara (Resposta 13). Entendemos que Lírio diz que ao verificar o que o aluno do curso de licenciatura em Matemática já sabe, ele busca, em seus conhecimentos como professor formador, adaptar o que é necessário para dar continuidade ao processo de formação do futuro professor.

Essa última questão tinha como objetivo indagar a intersecção da formação inicial com a atuação como professor no ensino superior: Lírio direciona sua resposta para a sua experiência no ensino superior, tanto como aluno (se coloca na situação de aluno) e como professor formador. Admite a possibilidade e a necessidade de se verificar o que o aluno traz das suas experiências pré-profissionais ou das suas experiências como alunos. Concordamos com Tardif (2002) ao afirmar que à aprendizagem do ofício de professor da educação básica se constrói pela importância das experiências familiares e escolares anteriores à formação inicial na aquisição do saber ensinar, pois “antes mesmo de começarem a ensinar oficialmente, os professores já sabem, de muitas maneiras, o que é o ensino por causa de toda a sua história escolar anterior” (p.20).

No entanto, Lírio atribui à sua prática docente na educação básica a fonte de sua aprendizagem da docência do como ensinar (Resposta 11 e 12) e a formação inicial como um locus para aprender o conteúdo matemático. Apesar de ter respondido ser uma combinação entre a formação inicial e as experiências de sala de aula (o instrumento dava esta opção), parece-nos que ele identifica as fontes de sua aprendizagem com momentos estanques e determinados de sua formação.

Interpretamos que Lírio se exclui, constantemente, no primeiro momento de coleta de dados (Q.1) do seu processo de formação. Ao negar a sua aprendizagem do ser professor à formação inicial, ou melhor, ao dizer que não foi na formação inicial que aprendeu o que sabe, não relaciona o curso com suas experiências na educação básica e nem no ensino superior. Todavia, podemos verificar que esse posicionamento vai se alterando e passa a ser aos poucos evidenciado nas respostas dadas por ele.

Compreendemos que Lírio ao não conseguir relacionar a formação inicial as suas experiências como professor, não explicita como (re)constrói sua aprendizagem da docência em nenhum nível de ensino. Talvez isso aconteça, por não ter “problematizado as situações práticas” (MIZUKAMI, 2002a), por não ter refletido sobre sua prática, por não desenvolver uma “prática reflexiva”

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(Ibidem). Dessa forma, não remete, explicitamente, a formação inicial a sua aprendizagem da docência nem da educação básica nem do ensino superior.

No entanto ao pensar sobre sua formação inicial, Lírio vai significando-a progressivamente, reconstruindo-a em sua mente através da reflexão que faz com o olhar que tem hoje como professor formador, olhando para aquele passado como aluno. Isso é demonstrado pela resposta, no último questionário ao ser indagado: O que da sua formação inicial contribuiu para sua prática docente na educação básica e no ensino superior? Lírio responde que no modo de perceber que ensinar não é só passar conteúdos de forma analógica, mas que deve haver o entendimento das relações entre eles e com as situações do dia a dia do aluno. Além disso, afirma que percebeu também a necessidade de desenvolver o raciocínio lógico, pois ele auxilia a resolução de problemas (Resposta 15).

No sentido, das experiências adquiridas no e para o trabalho, que configuraremos o segundo contexto formativo.

2º Contexto Formativo:

a experiência na educação básica e as intersecções com a formação inicial e o ensino superior.

As possíveis intersecções da experiência na educação básica com a formação inicial e a experiência desenvolvida no ensino superior foram encontradas nas respostas dadas aos seguintes questionários: Q.1, Q.2 e Q.4, aplicados, respectivamente, na primeira, segunda e quarta semana do mês de julho de 2004, durante o 2º momento de coleta de dados e também em anotações feitas no diário de pesquisa durante a coleta de dados. Estas respostas também estão disponibilizadas no quadro síntese abaixo:

QUADRO IX – Quadro Síntese do 2º Contexto Formativo de Lírio: a experiência na educação básica e as

intersecções com a formação inicial e o ensino superior. ENFOQUES PRETENDIDOS Respostas dadas aos Questionários

“estou estressado, não agüentou mais aquelas crianças sem saber o que querem, não tenho mais paciência para isso [...].” (Diário de Pesquisa).

Significado de ser professor na educação básica 16 “Serve para adquirir experiência profissional como atuar em sala. Não acrescenta grandes conhecimentos ou desafios uma vez que nossos

estudantes são desinteressados” (Q.2 – Questão 1)

Algumas disciplinas da sua formação inicial proporcionaram-lhe experiência de ensinar

conteúdos matemáticos na educação básica por meio de métodos e técnicas? Quais? Você utiliza

em sua prática docente na educação básica?

17 “Sim, [as disciplina(s) que me proporcionaram essa experiência, foram]: Didática da Matemática; Metodologia da Pesquisa, Seminários, Álgebra. [Proporcionando-me a] aprendizagem de como trabalhar e dos conceitos

matemáticos” (Q.2 -Questão 3)

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Você utiliza em sua prática docente na educação básica conhecimentos adquiridos na formação

inicial? 18

“Às Vezes - Dependia da turma e da exigência da escola particular.” (Q.2–Questão 3b)

[Existindo mais facilidade em utilizar esses recursos na E.B] pois os estudantes não questionam tanto as metodologias que experimentamos”

(Q.2 –Questão 3d)

Opinião sobre o currículo de Matemática na educação básica 19

Considero o Currículo de Matemática da Educação básica suficiente para trabalhar a construção de um educando crítico, criativo e consciente da

importância de conhecer Matemática, mas as condições estruturais, carga horária e pouco empenho dos estudantes não proporciona isso”

(Q.2 - Questão 4)

Experiência na educação básica influencia na sua prática como professor no ensino superior? 20

“Em partes [pois] são realidades diferentes, e há interesses diferentes envolvidos. Lá [na Educação básica] estuda-se porque se é obrigado;

aqui [na universidade] há um interesse maior para aprender” (Q.2. – Questão 5)

Como descreve (ou descreveria) sua prática docente na educação básica? 21

“Procuro desempenhar o papel de orientador na aprendizagem, incentivando a leitura e a interpretação dos conceitos matemáticos. Além disso, busco mostrar a relação dos conceitos matemáticos com situações relacionadas à atividade social, e a interdisciplinaridade. Constantemente

desafiamos os alunos para que busquem situações que envolvam os conceitos trabalhados” (Q.4 – Questão 1)

Que relação estabelece entre a sua prática na educação básica e no ensino superior? 22

“A necessidade de ler e entender o que se leu, em relação aos conceitos. A ênfase no desenvolvimento do raciocínio lógico-formal, como maneira

de saber resolver as situações problemas” (Q.4 – Questão 3)

No contato que tivemos com Lírio durante o tempo de investigação, pudemos notar que se apresentava decepcionado com o seu trabalho na educação básica tanto que, ao ser questionado sobre o significado de ser professor de Matemática na educação básica, expôs que lhe serviu para adquirir experiência profissional de como atuar em sala de aula, porém não acrescentou grandes conhecimentos ou desafios, “uma vez que nossos estudantes são desinteressados” (Resposta 16).

Talvez por se mostrar decepcionado com o ensino da Matemática ou da Física na educação básica na rede particular52, não dá a esse contexto de formação um significado de acréscimo ao seu aprender a ser professor, talvez faça isso por estar se referindo aos conhecimentos científicos matemáticos sob os quais ele estava neste momento da pesquisa sendo cobrado, tanto que se refere à sua atuação neste nível de ensino como uma perda de tempo quanto ao acrescentar conteúdos matemáticos que parece ser o mais importante para ele, tendo explicitado essa prioridade desde o seu curso de formação inicial.

A partir do Q.2, Lírio começa a fazer as intersecções da sua atuação como professor, seja na educação básica ou no ensino superior, com o seu curso de formação inicial, diferentemente, do que fazia anteriormente.

Na resposta 18 admite utilizar o que aprendeu na formação inicial em sua atuação na educação básica entendendo ser a escola um contexto complexo onde há uma constante necessidade

52A rede particular de ensino é o único contexto de ensino no qual Lírio tem como referência.

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de adequação às exigências da escola e as especificidades das turmas e até dos indivíduos. Esse saber é um saber pedagógico, pois são mobilizados pela prática docente e se apresentam “como doutrinas ou concepções provenientes de reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de orientação das atividades educativa” (TARDIF, 2002, p. 37).

Procuramos entender os saberes curriculares e disciplinares desse professor referentes à Matemática a ser ensinada na educação básica (Resposta 19). Ele responde considerando que o currículo de Matemática da educação básica é o suficiente para trabalhar a construção de um educando crítico, criativo e consciente da importância de conhecer Matemática, no entanto, afirma que as condições estruturais, carga horária, e, pouco empenho dos estudantes não proporciona isso. Percebemos que Lírio em relação à educação básica parece estar numa fase realista e desanimadora, desacreditado com o ensino de Matemática nesse nível de ensino. Quanto aos saberes disciplinares e curriculares, não tivemos, na resposta 19, parâmetros para avaliar se conhece ou não todo o currículo de Matemática do ensino fundamental e médio.

Ao relacionar a experiência que tem na educação básica com a prática docente no ensino superior, Lírio menciona ainda que, lá [na educação básica] estuda-se porque se é obrigado; aqui [no ensino superior] há um interesse maior para aprender (Resposta 20), confirmando pela escolha dos advérbios o seu distanciamento (desinteresse) cada vez maior da educação básica em escola particular (lá) e a sua aproximação (interesse) cada vez mais pelo ensino superior de uma universidade pública.

Por outro lado Lírio demonstra, na resposta 21, uma certa segurança ao se referir ao ensino na educação básica, buscando, como menciona Bertoni (1993), D’Ambrosio (1986) e outros uma “Matemática viva”, ligando os conteúdos matemáticos à realidade social do aluno. Antes, mostrava-se preocupado somente com os conteúdos matemáticos, agora já faz reflexões sobre o papel do professor formador na formação de outros professores de Matemática, refletindo a importância de saber ensinar, orientar, incentivar etc.

Na resposta 22 mostra que a relação estabelecida por Lírio entre a sua prática na educação básica e no ensino superior refere-se apenas a conteúdos e a forma de desenvolvê-los. Não faz as intersecções nos locus formativos que sugerimos na pergunta, mostrando-nos como aprendeu e quais os saberes da educação básica que (re)construiu para sua aprendizagem da docência do ensino superior.

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Interpretamos em todas as respostas dadas por Lírio neste segundo contexto formativo que os saberes e experiências que adquiriu durante sua formação inicial e as atuações na educação básica e ensino superior restringe-se aos conteúdos matemáticos e na forma de ensinar, trazendo - apesar de se esquivar de reconhecer em suas respostas - os saberes de todos os locus de formação considerados, pois segundo Mizukami (2002) a formação inicial deve preparar o professor para começar a ensinar e a aprendizagem da docência deve ser constante a cada experiência vivida.

Por entendermos, a partir do referencial teórico desta pesquisa, os saberes como um tipo amplo de conhecimento que se aprende por toda a vida; um conhecimento adquirido pelo professor e tornado próprio dele; um conhecimento partilhado pela experiência e significado por ela. Por entendermos tudo isso é que nos interessa compreender como Lírio significa essas experiências e esses saberes para a (re)construção da aprendizagem da docência do ensino superior.

No entanto, para que Lírio faça isso e signifique a formação inicial e a educação básica como experiência deverá por meio da interpretação do passado atribuir um sentido em relação a si mesmo (LARROSA, 2003, p. 135). Se, por meio da reflexão do que viveu, não atribuiu sentido ao que viveu é porque não foi uma experiência e não fará parte de sua aprendizagem da docência, pois não terá sentido para ele e nos parece que é isso que ocorre com o professor formador Lírio em relação a sua atuação na educação básica.

No próximo tópico evidenciaremos as revelações feitas por Lírio ao interseccionar a atuação no ensino superior com a sua formação inicial e sua atuação na educação básica.

3º Contexto Formativo: o ensino superior e as intersecções com a formação inicial e a educação básica.

Encontramos as possíveis intersecções da experiência no ensino superior com a formação inicial e experiência na educação básica nas respostas dadas aos questionários: Q.C, Q.3, e Q.4 aplicados, respectivamente, em março de 2004 e na terceira e quarta semana do mês de julho do mesmo ano, durante o 2º momento de coleta de dados. Estas respostas também estão disponibilizadas no quadro síntese que segue:

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QUADRO X – Quadro Síntese do 3º Contexto Formativo de Lírio: o ensino superior e as intersecções com a formação inicial e a educação básica.

ENFOQUES PRETENDIDOS Respostas dadas aos Questionários

1ª opinião: o que é ser professor no ensino superior? 23 “Desafiador, busca contínua de melhora e de experiência. Busca de conhecimento e troca de informações – Realização Profissional” (Q.C.)

Quando surgiu o desejo de ser professor na universidade? 24 “Ao final do curso de graduação, pois me identifiquei com o ensino em

vista de já estar atuando no Ensino Médio”(Q.3 – Questão 1) O que o professor formador precisa saber para

trabalhar na formação inicial? 25 “O conteúdo e as ramificações com outras disciplinas a fim de se concretizar o significado no aprendizado”(Q.3 – Questão 2)

Perfil do professor formador na opinião de Lírio.

Considera ter esse perfil? 26

“Dinâmico, capacitado, atualizado e capaz de suscitar o interesse pelo conhecimento na maior parte dos alunos”(Q.3 – Questão 3 a)

“Não totalmente, o tempo e a prática e a capacitação, colaborarão para

que isso aconteça.” (Q.3– Questão 3 b)

Como deve ser um curso de graduação que forma professores de Matemática? 27

“Deve buscar desenvolver no graduando capacidades cognitivas, raciocínio lógico e abstrato e didaticamente possibilitar e dar

ferramentas para que o mesmo possa atuar em sala” (Q.3–Quest. 4)

Você está satisfeito com sua atuação no ensino superior? Por que? 28

“Não totalmente, falta um conhecimento mais abrangente de conteúdos e de como criar situações para que os mesmos tenham significado”

(Q.3 – Questão 5)

Como descreve sua prática docente no ensino superior? 29

“Preocupado com o que os acadêmicos deverão aprender de conhecimentos básicos ao fundar (???) o curso, incentivo a leitura e a

interpretação dos conceitos trabalhados, bem como, sua representação geométrica. Desenvolvimento do raciocínio lógico e formal é um dos objetivos. Minha atuação é de forma a levar o acadêmico a sentir a necessidade e interesse pelo que está estudando, incentivando e

perguntando qual sua compreensão de que se estudou. Questiono o que ele faz e se contribui para sua aprendizagem” (Q.4 – Questão 2)

Como você analisa sua prática docente como formador de professores? 30

PONTOS POSITIVOS: - Empenho em prepara as aulas;

- Levantar questionamentos; - Avaliar todo o processo e não só os resultados.

PONTOS NEGATIVOS:

- Excesso de cobrança dos alunos para que raciocinar sobre os conceitos;

- A ansiedade de que os alunos captem rapidamente aquilo que estamos trabalhando.

No primeiro momento da pesquisa, no QC em março de 2004, Lírio expõe que ser professor no ensino superior é desafiador e visualiza a importância da busca de conhecimento. Evidencia, também, sua realização profissional por estar atuando como professor no ensino superior (Resposta 23).

Segundo ele seu desejo em ser professor do ensino superior surgiu ao final do curso de graduação, em vista de já estar atuando no ensino médio (Resposta 24). Apesar de anteriormente ter afirmado não existir para ele influência na prática de docente nos dois níveis de ensino por serem “mundos” completamente diferentes, diz que o seu interesse por atuar no ensino superior surgiu por atuar no ensino médio, por isso se identificou com a profissão.

Anastasiou (2002) menciona que a escolha das profissões de formação universitária acontece muito antes de ingressar na universidade. No caso de Lírio, ele diz não ter escolhido o curso de Matemática por ser um curso que formava professor, pois não pretendia ser professor (Q1). No

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entanto, começa a trabalhar como professor na educação básica e surge a vontade e o interesse de atuar no ensino superior, como professor formador, demonstrando que as escolhas podem ser feitas também durante o percurso de formação, de acordo com as experiências vividas.

Lírio, ao ser questionado sobre as características necessárias para um professor formador (Resposta 25), insiste com a palavra “conteúdo” em suas respostas, parecendo acreditar que o importante mesmo é saber o conteúdo matemático. No entanto, já aqui menciona a necessidade desse professor relacionar sua disciplina com as demais. Parece aqui ter uma visão menos fragmentada da formação do professor de Matemática, ou seja, mostra-se preocupado com os saberes curriculares e disciplinares. Também menciona na mesma resposta que o professor formador deve saber o conteúdo, deve saber fazer as ramificações com as demais disciplinas a fim de concretizar o significado no aprendizado; não expõe, contudo, se esse aprendizado é do aluno ou do próprio professor.

Quanto ao perfil do professor formador, acredita que este deve ser: “dinâmico, capacitado,

atualizado e capaz de suscitar o interesse pelo conhecimento na maior parte dos alunos” (Resposta 26). As características elencadas por Lírio dizem respeito ao processo de ensino, incluindo a questão de conteúdo (capacitado e atualizado) e as estratégias (dinâmico e suscitar o interesse do aluno). Elenca a preocupação de estar capacitado e de ser capaz de despertar o interesse pelo conhecimento por parte do aluno. Mostra-se, conforme Masetto (2003b), preocupado com o “processo de aprendizado do aluno” e com o seu próprio processo de aprendizado da profissão.

Percebemos que, nessa resposta, Lírio relativizou um pouco, pois, além de falar em conteúdo, agora se refere também ao ensinar esses conteúdos, antes quase ausente em suas respostas.

Lírio sugere um perfil para o professor formador, mas afirma não possuir totalmente esse perfil, expondo que: “o tempo e a prática e a capacitação colaborarão para que isso aconteça”

(Resposta 26). Observamos, com seu sincero posicionamento, que se considera um professor formador em desenvolvimento e que a experiência, o tempo e a capacitação devem colaborar para que alcance o perfil almejado por ele em relação ao professor formador. Pela primeira vez, Lírio admite ser a formação de professor um processo continuum e não dado pelo curso.

Na opinião de Lírio, um curso de graduação que forma professores de Matemática para atuar na educação básica deve “buscar desenvolver no graduando capacidades cognitivas, raciocínio

lógico e abstrato e didaticamente possibilitar e dar ferramentas para que o mesmo possa atuar em sala”

(Resposta 27). Por mais que demonstre ter uma concepção de licenciatura e de ensino como algo técnico, começa a perceber a importância dos saberes pedagógicos. Lírio acredita ser através da

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figura do professor formador que o curso conseguirá desenvolver uma boa formação. Demonstra as mesmas preocupações expressas por Masetto (2003b) que, além da preocupação com o processo de aprendizado dos alunos, menciona ser importante buscar o aperfeiçoamento das capacidades de pensar, de dar um significado para aquilo que é estudado.

Lírio diz não estar totalmente satisfeito em relação a sua atuação no ensino superior, pois lhe falta: “um conhecimento mais abrangente de conteúdos e de como criar situações para que os

mesmos tenham significado” (Resposta 28). Podemos notar que a preocupação com o conteúdo permeou todas as suas opiniões referentes à formação inicial, à educação básica e ao ensino superior. Acreditamos que isso aconteceu com Lírio por ele estar em início de carreira no ensino superior, por estar durante este período passando pelo choque da realidade, no qual descobre que todas suas experiências, todos os seus saberes não são suficientes para atuar seja na educação básica ou no ensino superior. Além disso, demonstra acreditar que tem muito a aprender, mesmo que esse aprender signifique, para ele, quase, predominantemente, conteúdo.

Acreditamos que não cabe ao professor criar situações para o conteúdo ter significado e sim oferecer conteúdos que respondam a problemas com sentido, é o aluno que dá sentido não o professor. A concepção de ensino, expressada por Lírio nessa resposta, é a idéia da escola como laboratório, o que você faz na escola não é o real, ela apenas cria situações que lhe permitem sair da escola e ir para o real.

Conforme os dados que coletamos, realizou sua formação inicial preocupando-se com “aprender Matemática”, ou melhor, saber Matemática. Demonstrou, inicialmente, evidenciar essa preocupação tanto como professor da educação básica como no ensino superior. Marcas que acreditamos trazer de seu curso de formação inicial que estava calcado na perspectiva da “racionalidade técnica”.

Mesmo que Lírio traga concepções de Matemática, de ensino e de ser professor, alimentadas por paradigmas “racionalidade técnica”, o próprio dinamismo dado à Educação Matemática o provoca a alterar gradativamente a sua prática e incluir em seus fazeres a reflexão sobre ela.

Ao se referir à prática docente no ensino superior, Lírio a descreve conforme resposta 29. No ensino superior descreve sua prática docente centrada no ensino de conteúdos, mesmo que se mostre preocupado em levar o aluno a sentir necessidade de aprender. Não demonstrando aqui ter interesse de saber os conhecimentos prévios dos alunos, o que trazem esses alunos de sua vida, seja profissional ou pessoal como mencionou anteriormente.

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Quanto à contribuição da formação inicial para a prática docente na educação básica e no ensino superior (Resposta 15), Lírio faz a relação entre elas, mostrando-se preocupado em atingir o aluno de maneira diferenciada da que vinha defendendo. Nessa resposta, Lírio percebe “que ensinar

não só é passar conteúdos de forma analógica” (Resposta 15), percebe que é importante aprender a ensinar, o que vinha negando em respostas anteriores.

Na resposta 30, avalia sua prática docente como professor formador em pontos positivos e em pontos negativos. Sendo que os pontos positivos elencados por ele se referem quase predominantemente aos conteúdos e à metodologia de ensino e os negativos demonstra insegurança em relação a sua prática no ensino superior.

A partir das questões respondidas pelo professor Lírio nesse terceiro contexto formativo, verificamos que ele faz a intersecção dos três locus formativos pois admite ser uma responsabilidade muito grande ser professor formador de um curso que forma professores para atuar na educação básica.

Sintetizando esse segundo bloco de análise dos dados da pesquisa em relação ao professor formador Lírio, podemos interpretar que ele entende a sua formação inicial é o locus onde aprendeu os conteúdos matemáticos; nas experiências na educação básica o locus onde aprendeu a ensinar os conteúdos e a ser professor; e no ensino superior o locus está na relação entre as necessidades de um professor da educação básica e o que a formação inicial deve desenvolver para formar esses professores. No entanto, não ficou evidenciado essas relações desde o início. Essas relações foram sendo formuladas no decorrer da pesquisa não estando claramente evidenciadas desde seu início.

Apesar disso, nos faltou compreender como que o professor formador Lírio aprende a docência do ensino superior nas intersecções dos locus formativos considerados e foi atrás dessas respostas que realizamos a entrevista reflexiva de aprofundamento e que analisaremos no bloco a seguir.

III - Um novo olhar nas revelações sobre a aprendizagem da docência: o processo de reflexão e aprofundamento de Lírio

Em uma tarde de domingo de outubro de 2005, na varanda da casa de Lírio, realizamos uma entrevista, que acabou sendo uma tranqüila conversa de três horas, gravada em fita cassete. Diferentemente dos momentos anteriores de coleta de dados, fomos muito bem recebidas pelo professor. Estava tranqüilo, seguro e confiante em relação a sua vida profissional. Ao responder às

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perguntas da entrevista, demonstrou não ter pressa e estar atento a cada indagação feita, respondendo a todas com muita atenção.

O roteiro de entrevista foi elaborado com base nos dados obtidos e analisados no momento anterior da pesquisa. Passado um ano entre um momento e outro, o professor por várias vezes se surpreendeu com a forma com que havia respondido e nem sempre soube se explicar, embora se mostrasse bastante reflexivo sobre seus próprios enunciados de algum tempo atrás. Algumas vezes, Lírio respondia objetivamente, com um sim ou com um não. Porém, a entrevista com perguntas sucessivas permitiu um aprofundamento e uma reflexão sobre os dados que faltavam.

Durante a entrevista Lírio confirmou que, em Julho de 2006, estará completando quatro anos como professor formador na UNEMAT/Sinop. Informou, também, que continua a atuar somente na UNEMAT/Sinop, nos departamentos de Matemática e de Economia, nas áreas de cálculo e álgebra, agora, com regime contratual de 30 horas, pois ingressou em um Projeto de Pesquisa interdepartamental, envolvendo os dois departamentos em que atua. Não voltou a atuar na educação básica, justificando sua decisão:

cansei porque estava perdendo muito tempo buscando disciplina dentro da sala de aula e resolvendo problemas particulares de alunos e eu não sou professor para isso.

Analisando os dados anteriores e os atuais, fica bastante claro que considera como “perda de tempo” a busca por disciplina em escolas de nível médio, preferindo hoje se aprofundar no ensino e no estudo da Matemática no nível superior. Confirmou o que já havia demonstrado de se afastar do ensino na educação básica porque estaria deslumbrado pelo ensino superior.

Com a entrevista compreendemos como Lírio decidiu ser professor de Matemática, já que no momento anterior havia respondido que, ao ingressar no curso não sabia que se tratava de uma licenciatura e o que queria era aprofundar seus conhecimentos em Matemática (Resposta 2):

Posso dizer que a partir do segundo ano do meu curso na UNEMAT tive a convicção de que queria fazer aquilo [...], pois a questão de ser professor não era uma coisa fechada, mas tinha a certeza que eu queria fazer o curso de Matemática. Eu tinha comigo que realmente era o curso que eu queria fazer. No processo foi amadurecendo as idéias, comecei a dar aula de Física na educação básica e me empenhar naquilo que fazia. Decidi ser professor e estava numa universidade que me proporcionava alguns subsídios para trabalhar nisso. Então acho que foi o empenho. A decisão – o rumo.

A identificação de Lírio com a profissão de professor começou durante a sua graduação, ensinando Física na educação básica, em escola particular. E foi a partir desse momento que decidiu pela profissão. Começou aí o seu empenho e interesse de investir na aprendizagem da docência. Isso nos faz pensar sobre a importância da prática de ensino como componente curricular norteador de todo o processo de formação do futuro professor, como preconizam as diretrizes curriculares nacionais. No

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caso de Lírio, a prática do ensino durante a sua formação inicial, auxiliou na decisão do tornar-se professor, o que o fez transformar-se em sujeito de sua formação, comprometendo-se com a busca do aprender a ser professor, mesmo sem perceber isso claramente.

Este processo de realizar uma formação inicial e, paralelamente, atuar em uma escola particular foi para ele um grande desafio, pois necessitava aprender a ser professor e a se manter como professor numa escola particular, conciliando os conhecimentos adquiridos na universidade com os saberes dessa experiência profissional. Lírio afirma na entrevista que:

[...] a partir do momento que comecei a me encaminhar para a profissão de professor, [...] comecei a me preocupar mais ainda. Só que eu não conseguia fazer a ponte entre o que eu aprendia na faculdade com o que eu ensinava na educação básica. Minha dificuldade estava exatamente neste ponto, porque a gente na escola particular tem um programa a cumprir e ficamos amarrados em uma apostila. Embora, muitas vezes tenha tentado fazer um trabalho diferenciado, recebia muita pressão, [...].

Percebemos que o processo de decisão de ser professor, a atuação na educação básica, a formação inicial vão se intersecionando, gerando assim a aprendizagem da docência do professor formador Lírio. Uma aprendizagem tensa e mesmo dolorosa de alguém que não conseguia, quando ainda aluno da graduação, fazer a “ponte entre o que aprendia na faculdade com o que ensinava na

educação básica”, evidenciando as amarras no fazer pedagógico de um professor de uma escola particular e o “diferente” preconizado na universidade e que não conseguia colocar em prática na escola onde trabalhava.

Sob este mesmo aspecto, indagado se utilizava os conhecimentos adquiridos na formação inicial para ensinar na educação básica, e que problemas reais ele encontrava para fazer essa ponte, respondeu:

[utilizo] Pouco, muito pouco [...] Porque eu não queria [...] [irritado respondeu] Não queria porque estava muito preocupado com a minha formação, naquele momento, com o que a formação inicial estava me oferecendo. Eu tinha que me empenhar muito para trabalhar na educação básica porque a escola não estava sendo aquilo que se pregava na universidade. É neste sentido que faço a minha critica as matérias educacionais, pois há muitos debates em sala de aula, e a realidade encontrada por mim na escola foi muito diferente daquela pintada pelos professores na universidade. A gente pode até ter muitos projetos, mas em cada sala, em cada lugar tem que ser analisado primeiro a possibilidade de se aplicar estes projetos. E na universidade a maioria dos professores não levava em consideração isso. Daí veio a minha frustração em relação às disciplinas pedagógicas por estarem muito aquém da realidade encontrada na sala de aula, as discussões estavam muito aquém do que acontecia realmente na sala de aula.

Após algumas insistências, Lírio desabafou suas dificuldades e frustrações no processo do aprender a ser professor, marcado pela distância entre o que se dizia e fazia na universidade e a realidade encontrada por ele, na escola, naquele momento. Ao se referir a ele como aluno-professor, se diz preocupado porque a sua formação não lhe oferecia tudo o que ele necessitava para atuar na

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educação básica. Na época se revoltou com o curso que fazia, atribuindo somente ao curso a responsabilidade da sua formação. Colocando a “culpa” do problema nas disciplinas pedagógicas da sua formação inicial, por terem anunciado uma realidade ilusória.

No momento anterior de coleta e análise de dados, primeiro nos pareceu que Lírio entendia a formação de professores como um momento fechado, e que seria realizada durante um determinado período; que a formação inicial deveria ter lhe mostrado tudo o que poderia vir a acontecer na escola de educação básica. Agora, na Entrevista, Lírio esclarece que a universidade, realmente, não tem a capacidade para fazer isso, por ser isso muito complexo e inimaginável.

Analisando o processo todo, compreendemos que por ter atuado na educação básica por quatro anos, dois antes de formar-se e dois anos depois, Lírio estabeleceu uma expectativa muito grande em relação ao curso que realizava. Os dois anos antes de concluir a formação inicial foram muito importantes para o seu aprender a ser professor, coincidindo com o desenvolvido das disciplinas pedagógicas de seu curso na matriz curricular do Momento I. Como tinha dificuldade para ensinar o conteúdo, porque até então o curso e nem ele tinham se preocupado com isso, acreditava que justamente nessas disciplinas teria as respostas aos seus anseios, assim depositou nelas muita expectativa por suas dificuldades iniciais. Porém, não obteve respostas aos seus anseios devido a vários aspectos. Esses aspectos foram revelados quando solicitamos se não havia estabelecido um relacionamento negativo com as disciplinas pedagógicas e se, em algum momento da sua experiência pré-profissional, tinha experimentado o que os professores ensinavam na universidade, para observar se dava certo com aquela realidade vivida por ele. Respondeu, mostrando-se, no entanto, muito incomodado com a nossa insistência:

Não sei se era implicância. Eu não aceitava um discurso teórico que não retrava a realidade da sala de aula. [...] Ah! [mostrou-se muito contrariado com a discussão] - Não porque não era e não é a realidade, eu ainda acho que a gente aprende aquilo que a gente gosta e ninguém é obrigado a fazer um curso ou seguir aquilo que não gosta.

Podemos perceber que Lírio realmente acredita e afirma que aprendeu a ser professor na educação básica, atuando como professor na sala de aula e, segundo ele, naquele momento, diz não ter aproveitado nada da sua formação inicial para atuar na educação básica, como havia nos respondido no bloco anterior de análise, referindo-se à formação como algo externo a ele e que pode ser lhe “dado”. Também nos dá a entender que esperava aprender a ser professor durante as disciplinas pedagógicas e, isso, na sua opinião, não aconteceu.

Porém no conflituoso processo de aprender a ser professor foi percebendo que a aprendizagem dependia muito de seu envolvimento e determinação sobre aquilo que queria, ou seja,

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percebeu que a formação era algo interior a ele, no sentido de ter que decidir a aprender e buscar essa aprendizagem, pondo-se como sujeito dessa formação e, conseqüentemente, da sua aprendizagem da docência. No entanto, esse conflito vivido no início de seu processo de aprender a docência vai se amenizando através da reflexão sobre sua prática docente:

Naquele momento, principalmente, na primeira semana de aula [na educação básica] eu vinha para casa e me questionava se eu tinha sido muito detalhista com coisas que não precisava. Será que estou passando a essência do conteúdo? Ou eu estou me detalhando em situações que não são necessárias? Percebi depois de um tempo, quando no outro ano voltei a ministrar a mesma disciplina que eu já tinha uma abordagem diferente. No terceiro ano já tinha outra abordagem. No quarto ano já não tinha uma abordagem baseada na apostila. Já tinha uma abordagem montada em um esquema mental, apostila era usada, mas era usada como um recurso afim. Fui criando um processo lógico, que entendia ser correto, embora nem todos os alunos entendessem assim.

Além do processo de aprender a ensinar, aparece também a reflexão sobre a ação que alimenta a sua prática pedagógica, gerando assim, para ele, a aprendizagem da docência, que inclui também a decisão e o movimento de transformação do que se faz em sala de aula.

Diferentemente do desgosto com que se referia ao seu trabalho na educação básica, se refere à UNEMAT com muito orgulho e determinação. Ao falar da educação básica não demonstra tanto otimismo e entusiasmo:

Para ser sincero, eu não gostava do que fazia. No começo até me empolguei, mas quando senti que não estava me realizando no que estava fazendo, acho que foi até isso que mais me incentivou a mudar - ai eu comecei a pensar: se eu não estou me realizando como professor na educação básica, porque eu tenho pouco para desenvolver ali, então eu preciso ir além. - Então busquei a universidade e como gosto de me dedicar a uma coisa bem, não dava para fazer as duas coisas ao mesmo tempo, então optei pela universidade.

Há contradições nas formas de Lírio se perceber nesse processo de formação e de analisar as responsabilidades do processo: por um lado, ele critica a universidade que, na sua formação inicial, não apresentou aos formandos, uma avaliação realista das condições de trabalho, nem propostas adequadas ao ensino básico. O que ele aprendia nas disciplinas pedagógicas não se aplicavam na sala de aula, não pelo menos em sala de aula da rede particular, onde ele mesmo trabalhava.

Por outro lado, em outro momento, ele analisa essa defasagem entre o que a universidade ensina e o que se aplica na educação básica, mas, assumindo agora, a posição de professor formador, a sua visão se inverte: os projetos da UNEMAT são bons! O que não está funcionando bem é o ensino básico:

É tristeza porque a educação básica de hoje, [...] virou apenas um fantochismo para colocar alunos com índices positivos para o nosso país. Você não consegue fazer um trabalho diferenciado na sala de aula da educação básica e a gente

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percebe isso com nossos alunos que vão estagiar lá [na educação básica] através dos projetos de estágios que são muito bons, mas os alunos nos procuram para conversar e explicam: “não posso aplicar isso lá [Educação básica], lá não tem jeito para fazer isso, não dá”

As críticas de Lírio, agora que ele é professor formador, não recaem mais sobre a universidade, mas sobre o próprio ensino básico, que ele decide abandonar. E explica:

[...] Cheguei a um momento que eu tentei trabalhar na educação básica, mas depois eu desisti, talvez eu tenha desistido porque achava que um dia fora daquele lugar eu poderia fazer diferente.

Interpretamos que Lírio ao tomar a decisão de se dedicar somente à universidade, se conscientizou do que queria da sua carreira profissional. Em busca de seus objetivos, dedica-se a atuar na universidade em disciplinas específicas da área de Matemática por gostar muito de cálculo.

Na medida que ele se firma como professor formador e se entusiasma pela profissão no ensino superior, mais e mais se firma a sua posição e seu gosto pela chamada “Matemática pura e aplicada”. Em 2004 começou um curso de pós-graduação lato sensu em Tendências Didático-Metodológicas em Educação Matemática, que logo abandonou:

[...] não me despertou interesse. Uma boa parte daquilo eu já tinha visto na graduação, principalmente, as duas primeiras disciplinas, não tinha nada de novo. E era um momento que eu não queria discutir nada.

Esse posicionamento, provavelmente, originado na formação inicial pela frustração da falta de apoio para o trabalho que fazia na educação básica, esse posicionamento também vai se firmando radicalmente:

se me disserem para atuar no departamento de Matemática na área da Educação Matemática, eu digo obrigada e tchau. O dia que sobrar só uma disciplina dessas, eu vou embora!

Retomando o Contexto I, do bloco de análise anterior, na entrevista, e relembrando algumas disciplinas às quais ele se refere afirmando terem lhe proporcionado experiências (disciplinas pedagógicas e álgebra) ele explica:

porque são as matérias que eu considero que mostram as técnicas e os mecanismos de como ensinar na educação básica. A álgebra porque é o conteúdo que você esta trabalhando na educação básica. De certa forma toda relação da física existe um método algébrico. Agora o como trabalhar isso em sala de aula é que entrava a questão de despertar nos alunos o porque daquele mecanismo, o porque daquele fato, daquela situação da física - ocorrer daquele jeito.

Pareceu aqui, diferentemente do que havíamos concluído anteriormente, que Lírio fazia sim a inter-relação da sua formação inicial e sua atuação na educação básica, refletindo sobre o que precisa saber de conteúdos matemáticos para ensinar a física e sobre o como ensinar. Explica, ainda, ter citado estas disciplinas, em 2004, no sentido de explicar como atuava:

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Elas [as disciplinas pedagógicas] proporcionaram uma discussão coletiva, o ouvir o outro sobre sua experiência em sala de aula. Só que isso acabou gerando em mim, um certo individualismo, porque ouvia muitas experiências, as pessoas falando, os colegas contando suas experiências. E para mim isso não era verdade, na realidade onde trabalhava, não era verdade isso. Então falei assim: “eu tenho que fazer o meu método” - Embora a gente nunca faz nada da gente mesmo.

Por aí vimos claramente que, num primeiro momento, ao viver a complexidade da sala de aula durante suas experiências pré-profissionais, ele não havia percebido que ser professor de Matemática é um processo complexo e que não basta somente saber Matemática, sendo necessário também saber ensiná-la. Já neste momento da entrevista se nota que ele percebeu isso sim, e que o trabalho da educação básica e a reflexão que ele constantemente nega, mas que está ocorrendo dentro dele (“mas eu tenho que fazer o meu método”), estão claramente interferindo no seu aprendizado da docência, gerado através da experiência e da reflexão.

tentava utilizar de cada coisa um pouco. Mas só que sempre faço o aluno entender os mecanismos lógicos. Não adianta ele ser bom em conteúdo, discutir tudo de alguma coisa e não saber qual mecanismo ocorre, saber como o raciocínio funciona. Por isso que sempre fiz muitos desafios orais com os alunos, mesmo dentro da física.

O processo de formação de Lírio e a sua aprendizagem da docência é bastante conflituoso, aliás como todo processo real de aprendizagem; atuando no ensino superior, auxiliando na formação de professores de Matemática para a educação básica, ele realiza intersecções, o que fica claro quando ele explica o método que ele construiu para ensinar, ao dizer que “não adianta ser bom

em conteúdo... é preciso saber como o raciocínio funciona”. Essa experiência mostra que o processo da formação não se dá de forma estanque, com disciplinas fragmentadas. Apesar de se posicionar a favor de um grupo determinado de disciplinas (específicas) ele é atravessado pela necessidade de transitar também pelas outras áreas.

Ao se referir ao seu método menciona que muita coisa herdou de seu orientador de Trabalho de Conclusão de Curso durante a sua formação inicial e que, ao ser professor na educação básica, fazia com seus alunos o que este professor fazia no ensino superior com sua turma:

De repente eu perguntava para os alunos: “aluno porque que isso acontece, explica para mim! Quero que você conte a história! Que mecanismos? Que forma? Que lógica existe atrás disso?” Ai eles diziam que eu era um professor muito chato por fazer perguntas de mais. Sempre gostei desse tipo de trabalho herdado de meu orientador, de perguntar porque isso acontece, porque tem essa forma e encontrei outra forma, embora às vezes me irritasse isso, mas é um método interessante.

O professor orientador de Lírio foi seu professor formador na área de cálculo, uma disciplina específica, que utilizava como método de ensino a resolução de problemas. Lírio assume a metodologia de trabalho de um de seus professores formadores do curso, declarando-se espelhar nele para desenvolver o seu trabalho como professor, criando seus métodos próprios, como disse. Também

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menciona que essas perguntas, às vezes, lhe irritavam como aluno durante a formação inicial, mas que com a experiência de ser professor, começou a achar que era um método interessante.

Como aluno me irritava. Mas como percebi no processo eu sempre aprendi através do questionamento através do conflito, por isso faço isso com meus alunos. Um conflito que gera um aprendizado, ou seja, você não expõe para ele que ele estava errado. Vai chegar uma hora que ele vai descobrir os mecanismos.

Interessante que Lírio diz que, como aluno, não gostava desse método, porém o incorpora como professor, por ter percebido que, no processo de ensinar e de aprender, era um método interessante. Nessa fala menciona algo muito importante para esta pesquisa, que é a questão de dizer que ele aprende “através do questionamento – através do conflito”. Talvez aqui nos dê mais uma pista de como se aprende a ser professor, pois na análise anterior, quando questionamos onde aprendeu a ser professor da educação básica, ele respondeu que foi uma combinação entre a formação inicial e a experiência em sala de aula na educação básica (Resposta 12), dando a entender que aprendeu a ser professor de Matemática nesta inter-relação. Já verificamos, com as falas evidenciadas anteriormente, que Lírio se disse desafiado ao iniciar a sua atuação como professor, na educação básica, ao perceber que a universidade discutia uma outra realidade para a escola. Isso lhe trouxe um conflito muito grande a ponto de até negar a sua formação inicial como um dos locus formativo de sua aprendizagem da docência, como analisamos anteriormente. Porém hoje, ao olhar para essa prática na educação básica reconhece sua importância e dá a ela o seu devido sentido e importância.

No momento anterior de coleta de dados nos revelou ter priorizado, durante o seu curso, as disciplinas específicas em relação às pedagógicas (Resposta 3), explicando, ao ser solicitado durante a entrevista, o porquê dessa priorização:

Eu vejo que as disciplina específicas (as elementares na área de Matemática, o cálculo, etc.) são mais individuais [...] do que as disciplinas pedagógicas. Por exemplo, uma disciplina que envolve discussões pedagógicas acaba se tornando algo muito vago [...] não se debate algo de concreto, nem resultados maiores, embora, estes debates sirvam para gente como ações em sala de aula. [...] – nunca consegui sentir muita atração por isso [parou pensou e continuou] - então de certa forma sempre dei muito mais prioridade as disciplinas específicas, talvez porque no começo de meu trabalho com a física do ensino médio eu era um desastre, pois tive um ano de física no ensino médio porque fiz magistério e eu queria saber física, então foi um desafio muito grande aprender o conteúdo de física para ensinar e ainda estudar na faculdade.

Percebemos aqui que refletiu com olhar que possui atualmente, como professor formador, sobre a formação do professor de Matemática e não com o que havia respondido anteriormente, concluindo neste trecho de fala que os saberes desenvolvidos nas disciplinas pedagógicas servem para alguma coisa na prática pedagógica do professor, apesar de afirmar que as discussões não são concretas, ou seja, baseadas em fatos reais na sala de aula.

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Demonstra, mais uma vez, que seu aprendizado como professor foi um processo de construções constantes tecidas na prática de sala de aula e refletidas ao defrontar com a realidade encontrada por ele como professor na educação básica e como aluno na universidade, aprendendo o que lhe era necessário e imediato para atuar. Tanto que disse:

O interessante é que depois de mais ou menos um ano e meio de faculdade eu fui trabalhar exatamente com a física do ensino médio e isso se tornou um desafio maior porque sabia que tinha necessidade de aprender e que iria aprender. E essa busca por aprender era uma motivação muito forte para mim.

Ao se referir aqui, ao desafio de ser professor de física na educação básica, se coloca como sujeito de sua formação e aprendizado, mostrando-se desafiado em aprender o que iria ensinar e confiante que conseguiria.

Assim [...] hoje dentro da universidade. eu assumo disciplinas que eu considerei na minha faculdade muito fracas, por exemplo, a própria Álgebra Linear, E.D.0. [Equações Diferenciais Ordinárias], Cálculo, embora o Cálculo I e II tenham sido bons, o Cálculo III na época foi muito fraco. Então procurei [como professor formador] disciplinas que tive dificuldade porque eu quero aprender por mim mesmo, porque sei que vou chegar e explicar para o meu aluno com segurança.

Demonstra também que aprende os conteúdos do ensino superior, para atuar neste nível de ensino, por desafios, ou seja, assume disciplinas que considera que não tem muita segurança de conteúdo para ensinar, sabendo que, estudando, ele aprende os conteúdos, mesmo que não tenha visto no seu curso:

segurança para mim é saber o conteúdo, sabendo o conteúdo vou pensar como ensinar este conteúdo para eles.

Na seqüência da fala mostrou que a possibilidade de não saber alguma coisa, de se mostrar para seus alunos numa situação de insegurança lhe gera um constrangimento muito grande:

Uma coisa que me deixa muito mal, [...] é quando chego em sala de aula e tento resolver um exercício [...] e chego no meio do exercício e começo a ficar com dúvida - Isso me deixa magoado.

Demonstrou, assim, pensar que o professor tem que “saber tudo” e que não pode se colocar numa situação de aprendiz frente a seus alunos. Esse trecho da entrevista também mostra suas prioridades desde da formação inicial, o saber o conteúdo, e seus reflexos na atuação no ensino superior.

Percebemos, com as últimas falas de Lírio sobre o aprender a ser professor formador de Educadores Matemáticos, no movimento de reflexões sucessivas que vai estabelecendo, mesmo inconscientemente, ao lembrar e refletir sobre sua formação inicial – seu comportamento, seu comprometimento e envolvimento como aluno - sua atuação na educação básica – o seu fazer pedagógico no início de sua atuação como professor neste nível de ensino nos dois anos que

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coincidiram com a formação inicial que fazia e sua atuação durante e o depois de concluir sua formação , e o ser professor do ensino superior – as dificuldades encontradas, onde buscou ajuda – as decisões tomadas, os exemplos trazidos tanto da atuação na educação básica assim como os exemplos dele como aluno da universidade. Em suas falas foi-nos mostrando como fez a “composição das cores” de seu bordado (SOARES, 1991) de sua vida profissional, evidenciando-nos a “harmonia” estabelecida e talvez não percebida ao viver a complexidade da profissão, mas ao relembrar, ao refletir – a “arte” do aprender a ser professor formador, essa harmonia foi se constituindo para o sujeito que a bordou, mesmo sem a perceber o que vinha acontecendo com ele, e que ele relata neste momento de pesquisa.

Para entendermos melhor sobre a relação que Lírio faz da sua formação inicial e da sua experiência na educação básica, questionamos sobre o início da sua atuação como professor na educação básica e como foi o processo de conciliação ou envolvimento dele com o curso que realizava e a sua atuação como professor:

Comecei a trabalhar por uma substituição e deu certo e continuei porque gostaram do meu trabalho em termos de responsabilidade. Então o primeiro e o segundo ano foi bom. A partir do terceiro ano os alunos começaram a criticar muito, talvez eu mudei um pouco mais a postura, comecei a ser um pouco mais enérgico, criticando e contestando, de certa forma, o tipo de procedimento que existia naquela escola em relação aos alunos.

No terceiro ano de atuação na educação básica, Lírio já havia concluído o curso de Matemática. Questionamos se essa cobrança maior a partir do terceiro ano, que mencionou acima, se deu por conta de ter concluído a formação na universidade, e ele respondeu firmemente que sim:

Com certeza, a graduação,[...] foi gerando uma segurança. A segurança que a universidade estava me dando enquanto formação, mesmo até nas áreas pedagógicas me dava condições de discutir [...]. Porque a gente estava discutindo situações no curso. Só que ao mesmo tempo, eu via lá e me irritava com isso, porque a escola que eu trabalhava não era aquilo que tava sendo falado na universidade. Assim como depois no estágio faço criticas as mesmas situações, só que no estágio percebi que os problemas não eram nos alunos, pois percebi que na escola pública os problemas não são os alunos, é a direção e o corpo docente da escola.

Neste trecho da entrevista também demonstra a importância que a formação inicial teve em sua formação profissional trazendo, neste processo de se tornar professor, segurança para discutir assuntos ligados à educação. Nesta fala reconhece que as disciplinas pedagógicas também foram importantes neste processo. Mas o contato com a escola publica, através do estágio, o leva a refazer uma conclusão tirada anteriormente sobre a educação básica. Antes, a culpa estava na Universidade; depois passou para a escola básica, as particulares, que faziam pressão e cujos alunos eram desinteressados; agora, analisando o ensino básico na escola pública, a culpa fica deslocada e se

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situa, segundo o seu ponto de vista deste momento, na direção e no corpo docente.

Ao fazer o teste seletivo para entrar na Unemat, como professor, Lírio critica a universidade, por causa das dificuldades que teve ao ingressar. Mas uma vez dentro, muda um pouco o seu posicionamento:

então na época eu reclamei disso que me fez muita falta porque quando precisei realmente, tive que ir atrás. Mas hoje, estando lá dentro [sendo professor formador] verifico que não há possibilidade de contemplar, durante o curso, todos os campos da Matemática.

Aqui, ao viver a experiência como professor formador, na própria universidade em que havia estudado, modifica a forma de olhar o curso e avaliar as suas limitações na formação do educador matemático. E então já reconhece que o curso o preparou para atuar na educação básica, apesar das dificuldades comuns de início de carreira:

o curso me forneceu os requisitos. Tanto que fui para o estágio em sala de aula muito tranqüilo, embora, já estivesse atuando como professor. Mesmo na primeira vez que entrei como professor em sala de aula, dando aula de física, que precisava muito dos conteúdos de Matemática, me senti perdido, apesar de ter muita facilidade em compreender os conteúdos do ensino médio, mas me baseava naquilo que tinha aprendido no curso de Matemática com certeza.

Ele se reportou aos conhecimentos adquiridos no curso para trabalhar na educação básica, reconhecendo a influência do curso no seu torna-se professor, ou seja, na aprendizagem da docência. Mas se o curso o preparou para atuar na educação básica, o mesmo não aconteceu com relação ao ensino superior:

então o que eu esperava para ser professor de Matemática na educação básica eu encontrei no curso, mas para ser professor do ensino superior não.

Na verdade, o curso de graduação em Matemática não tinha e não tem o objetivo de formar professores para atuar no ensino superior e sim para a educação básica53.

Ao responder os questionários em 2004, Lírio estava somente há um ano atuando como professor formador e havia iniciado um curso de aperfeiçoamento na área da Matemática promovido pela UNEMAT/UNICAMP para qualificar o corpo docente dos departamentos de Matemática para o ensino nestes cursos. Lírio refere-se a esse aperfeiçoamento como a oportunidade que lhe possibilitou descobrir que tinha muito a aprender, dizendo:

o aperfeiçoamento me trouxe mais segurança para trabalhar porque eu sabia muito pouco.

53 O locus específico de formação do professor universitário são os cursos de pós-graduações strictu sensu. No campus universitário de Sinop, que serviu de cenário para nossa pesquisa, poucos são os professores que realizaram pós-graduação strictu sensu, o que despertou ainda mais o desejo de compreender como o professor formador para educação Matemática aprende a ser professor do ensino superior.

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Interpretamos que no primeiro momento de análise, Lírio estava no auge da sua “carência” de conteúdo e, como a maioria dos professores, neste aperfeiçoamento descobriu que não sabia tudo, ou seja, que não sabia toda a Matemática, ou pelo menos descobriu que tinha muito a aprender e que todos necessitavam estudar muito para serem professores formadores.

apareceu esse aperfeiçoamento eu nem estava muito interessado em fazê-lo, mas fui e acabei gostando. Foi muito difícil e complicado. Hoje tenho na cabeça que tenho que fazer mestrado [...] na área de Matemática aplicada porque me identifiquei com essa área. Atualmente estou trabalhando num Projeto de Pesquisa na Economia muito bom e descobri que é por ai.

Esse curso de aperfeiçoamento lhe desencadeou um processo de busca incansável por conhecimento. Um processo de desafio e principalmente de se perceber como responsável pela sua formação como professor universitário, sendo necessário a constante procura por aprender cada vez mais. A partir deste curso, Lírio teve também a segurança para lecionar disciplinas que até então não tinha lecionado, pois nesse aperfeiçoamento aprofundou seus conhecimentos em perspectivas diferentes das que foram trabalhadas durante sua formação inicia; exemplificando:

Não gosto de geometria, sempre odiei geometria na graduação. Hoje [após curso de aperfeiçoamento] percebo que dentro do cálculo a geometria é necessária. Eu já estou mudando. Atualmente já estou interessado na álgebra linear, coisa que eu não gostava também. Já estou até ministrando a disciplina de álgebra linear e pretendo continuar a ministra-la porque descobri outro aspecto interessante na álgebra, a álgebra vetorial e que é muito interessante - é uma outra forma de ver o mundo e as coisas. Descobri isso de uns tempos para cá porque sempre aprendi e trabalhei dentro de um espaço de coordenadas e hoje noto que você pode literalmente determinar espaços. E isso. Aprendi estudando sozinho e durante o curso de aperfeiçoamento.

Lírio vai se descobrindo sujeito desse aprender, tanto que se percebe em movimento de mutação quando disse – “hoje já estou mudando”. Mudanças desencadeadas pelas necessidades vividas por ele na prática de sala de aula e pela responsabilidade que tem o professor formador de formar outros professores que irão lecionar na Educação Matemática.

Na posição de professor formador entende que não há possibilidade de contemplar tudo no curso e isso não era percebido por ele conforme os dados do primeiro momento da análise. Na resposta 6 (Contexto I) deu sua opinião sobre a matriz curricular do curso que fez, afirmando que “faltou carga horária adequada em algumas disciplinas para nos aprofundar”. Na entrevista solicitamos que nos explicasse o que lhe fez responder assim. Ele explicou e deu exemplos:

porque é uma realidade. Aquela grade curricular [momento I do curso] foi uma cópia de outra universidade que não tinha nada a ver com licenciatura, havendo uma adaptação para o curso de Matemática de Sinop. Eu digo que faltou carga horária muito no saber matemático do que no ensinar Matemática. Cálculo, por exemplo, nós tínhamos três cálculos - um com 90 horas de carga horária e dois com 60 horas e hoje nós temos quatro cálculos e mais uma

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disciplina de EDO [Equação Diferencial Ordinária] que eu não tive e mais uma disciplina de análise.

Percebemos que Lírio se refere ao aprofundamento no saber conteúdo matemático através do aumento de carga horária e na oportunidade atual de o aluno ter mais contato com os conteúdos. Ele já não tem tanta certeza de que somente a carga horária vai resolver os problemas na deficiência da formação

talvez não para aprender profundamente, mas para entrar em contato. Porque considero uma ilusão achar que o meu aluno vai aprender cálculo, mas pelo menos, ele tem que entrar em contato com todas as variedades e situações.

Afirma ser importante a formação inicial para dar oportunidade de o aluno entrar em contato com os conteúdos, pelo menos mostrando de tudo um pouco, para que ele saiba onde procurar; ele chega à conclusão de que não é exatamente a Universidade que vai fazer esse papel, mesmo reconhecendo as deficiências sentidas no momento de fazer o teste seletivo para ingressar nela como professor, quando teve que ir atrás dos conteúdos porque o curso não havia lhe dado esses conhecimentos:

[...] eu considero que o aprendizado não acontece na faculdade.- [Parou pensou e continuou] - Na faculdade acontece o estímulo para aprender. Você vai aprendendo na pratica no dia a dia algo que você vai sendo desafiado. E isso aconteceu comigo. O modo que eu vi [na formação inicial] e acho que isso fica impregnado em mim e acho que isso que é o correto. Pode ser que eu esteja errado, não é a questão da carga horária, mas é obvio que hoje a gente aborda muito mais conteúdos que naquela época.

No momento anterior de análise Lírio negava sua formação inicial como um dos importantes locus formativos para a sua aprendizagem da docência. Agora, na entrevista, deixou claro que se isso ocorreu naquele momento, foi porque a licenciatura não lhe havia dado os requisitos necessários para começar a atuar na educação básica.

Lírio explica na entrevista que, ao se referir ao curso de licenciatura, ele não nega a contribuição da formação inicial no seu aprender a ser professor, ao contrário, faz críticas pontuais, quase sempre relacionadas ao conteúdo que, como já vimos, ele considera um dos pontos mais importantes na formação do professor de Matemática:

Quando menciono que foi deficiente em algumas disciplinas, falo isso por falta de conteúdos, inclusive para a educação básica, vou citar um exemplo: estatística e probabilidade. Eu precisei trabalhar com esses conteúdos no meu estágio, no final do curso. Neste momento tive que correr atrás, porque a nossa disciplina durante o curso foi “calamitosa”- muito fraca. Praticamente foi pouco tempo e dado somente conceitos básicos e não houve uma aplicação e uma demonstração disso. Então quando entrei para sala de aula, eu precisei trabalhar com meu projeto de estágio que usava a probabilidade e estatística e não encontrei suporte naquilo que eu tinha estudado na formação inicial.[...] Por isso que menciono que a deficiência foi em algumas disciplinas.

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Imediatamente, porém, Lírio passa a enumerar outras disciplinas, cujo desenvolvimento proporcionou melhor aproveitamento por parte dos formandos:

Nas disciplinas como Cálculo, Geometria e álgebra, percebíamos nos professores um empenho muito grande e uma exigência de um grau cada vez maior de abstração. [...] e isso, querendo ou não, influencia muito na formação e no modo de a gente agir depois em sala de aula como professor.

Há sempre uma referência a alguns professores que marcaram tanto a sua formação inicial quanto a sua própria carreira de professor; quando ele expressa a vontade de ser o melhor, imediatamente refere-se àqueles em quem se espelhava e buscava apoio:

[...] eu pensava em me empenhar melhor para ser o melhor possível. [...] [quando] descobri que o “mundo” pintado pela universidade não era o mesmo que eu estava vivendo na escola, comecei a conversar com alguns professores que atuavam já alguns anos, e eu me espelhei, de dentro da universidade, em um ou dois professores que de certa forma tinham uma postura que eu gostava, a postura da seriedade de assumir as conseqüências daquilo que você estivesse fazendo ali, mesmo que isso, muitas vezes, desagrade em algumas situações.

O desejo de “fazer melhor” como professor, o faz procurar em suas lembranças como aluno ou como já professor, outros professores, trazendo a convivência, no coletivo, como ponto de apoio para suas ações, mesmo que em suas falas isso não fique diretamente explicitado, pois aparece muito o seu individualismo.

Perguntamos o que ele pensa da sua formação inicial atualmente, depois de um ano e meio da primeira opinião sobre ela e depois de ter tido mais tempo como professor formador.

A formação inicial representa o meu modo de agir, porque este está condicionado ao tipo de educação que eu tive. Em você ouvir e procurar aproveitar o máximo daquilo.Então para mim essa é a bagagem que a formação inicial me deu, [...]. Vejo hoje que o curso influenciou justamente pelo nosso empenho como aluno, e a gente quer buscar isso nos nossos alunos.

Ele refaz as considerações do momento anterior de análise, no entanto, agora com outro nível de compreensão, coloca-se como sujeito da sua formação.

Perguntamos sobre a estrutura de seu curso na formação inicial, em relação ao saber matemático, para verificar de onde vinha a ênfase dada ao saber matemático em detrimento do saber

ensinar Matemática, lembrando-lhe que, na análise anterior, os seus posicionamentos, de modo geral, tinham evidenciado muito o saber matemático. Ele se explicou:

Eu tive essa impressão. Mas hoje vejo que era dado prioridade no saber o conteúdo, principalmente, nos três primeiros semestres. Depois houve mais uma miscelânea. Hoje como professor no curso tenho muito mais preocupação em saber a Matemática porque para ensinar é necessário saber o conteúdo.

Lírio aprende a ser professor formador no ensino superior, referindo-se à necessidade de estudar muito o conteúdo matemático para ensinar seus alunos da graduação, esclarecendo que é

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necessário saber muito bem o conteúdo para poder ensinar.

Durante a entrevista disse incentivar grupos de estudos entre os alunos por acreditar que aprenderão a Matemática com mais facilidade se estudarem juntos e fora do ambiente da sala de aula. Perguntamos se ele como aluno participava de grupos de estudos e se havia aprendido Matemática através dessa forma de estudar:

Tinha um grupo de estudos desde do segundo ou terceiro semestre. [...] Sim, porque é até engraçado, eu explicando para os colegas aprendia mais do que eu fazendo sozinho - por incrível que pareça.

Aparece aqui uma idéia que se repete com freqüência – é sempre ele que ensina –dificilmente ele se refere ao que aprende no coletivo, mesmo quando incentiva o trabalho de grupo (eu

explicando para os colegas, aprendia). Na seqüência da reflexão, perguntamos se ele, como professor formador, aprende explicando para seus alunos em sala de aula. E ele nos falou:

Sim. Por isso que gosto de estudar antes, para ir para sala de aula falar de determinado assunto tento certeza do que estou falando. Eu não invento. Se eu não souber, não ensino. Se eu tiver dúvida não ensino.

Apesar de ter respondido que sim, a sua fala evidencia a sua necessidade de estudar para ensinar a seus alunos, não se referindo ao que foi perguntado mais diretamente, isto é, se também aprende com seus alunos.

Na entrevista destacou o que a sua formação inicial contribuiu para a sua atuação na educação básica, quando ainda estava estudando:

Pensava que o diploma de graduado iria me reforçar dentro dos aspectos pedagógicos. Essa oportunidade [de atuar na educação básica] apareceu para mim como poderia ter aparecido para qualquer um. [...] acreditava que tinha certa capacidade para me empenhar mais para fazer o melhor possível no meu trabalho.

[...] Sempre parei para pensar na minha prática como professor com o objetivo de sempre fazer melhor. [...] eu estava muito revoltado pela prática sugerida pela UNEMAT, pelo que a universidade ensinava como educação e o que eu estava vivendo e sentindo em sala de aula na educação básica.

Lírio compõe sua aprendizagem da docência de diversos momentos de sua vida, significando-os também de maneira diferentes. Compreendemos que a distância encontrada por ele no que estudava e discutia na universidade sobre o ensino na educação básica e o que encontrou em uma escola particular, lhe possibilitou entrar em conflito interno e procurar dentro de si mesmo uma forma de aprender a ser professor.

Perguntamos a Lírio se, como aluno do curso de graduação, havia tido curiosidade de conhecer o Projeto Pedagógico do curso que realizava, e ele nos respondeu que não. Continuamos a

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indagar se como professor formador se conhecia o atual Projeto Pedagógico do curso e ele respondeu:

Eu só dei uma lida logo quando entrei na universidade. Li, peguei as ementas, dei uma olhada geral.

Perguntamos então como elabora seus planos de ensino para atuar no ensino superior, já que ele mal conhecia o Projeto Pedagógico do curso. Nos explicou:

Da disciplina anterior. [...] Pego alguns aspectos. A bibliografia, coloco as minhas. As formas de avaliação, coloco as minhas, algumas coisas permanecem. Faço uma abordagem diferente dos conteúdos, não gosto muito de me privar num único livro. Mudo até as bibliografias muitas vezes.

A forma de apresentar a aula não [...] o básico permanece, procuro manter [..] de repente, inverto a ordem de alguma coisa [...] de repente uma abordagem mostrando uma situação da realidade [...] Hoje penso em fazer uma abordagem diferente porque agora vejo como possível, mas isso só é possível quando se tem mais conhecimento.

Se, por um lado, as mudanças que ele diz fazer são apenas repetições do que ele já fez, não vinculando as disciplinas em que atua com a formação do educador matemático, por outro, já aparece uma conclusão interessante: só é possível mudar quando se sabe, quando se tem o conhecimento.

Questionamos como que essas mudanças a que se refere são construídas e, então, ele reafirma o papel da reflexão na sua aprendizagem da docência do ensino superior:

Refletindo sobre a minha prática. Às vezes venho para casa pensando que não ficou muito legal, e penso: “acho que não gostaria de ter aprendido desse jeito”. [...] eu me questiono muito nas coisas que faço, sobre minhas atitudes em sala de aula com os alunos, sobre o meu desempenho em relação ao ensino dos conteúdos.

Lírio aprende a ser professor formador do ensino superior através da reflexão sobre sua prática, a influência de alguns professores, deslocando-se, inclusive, para a posição de aluno, intersecionando os diversos locus formativos, as diversas posições que ocupa e vai tecendo, assim, não sem conflitos e contradições, seu aprendizado como professor.

Com a prática na universidade e com orientação do meu professor orientador. Tenho que reconhecer que devo muito a ele. Essa forma de ensinar queira ou não, eu me espelhei em alguns professores que tive. Tem vários professores, o próprio professor A [outro professor além do orientador], ele tinha uma postura interessante. Ele conseguia perceber quando estava muito difícil, então ele mudava a abordagem das coisas, ele ilustrava alguma situação levando a gente a pensar, refletir e aprender.

Lírio menciona que os alunos cobram mais deles que são egressos do curso de Matemática, manifestando um certo descrédito no curso que fazem por causa do número de egressos que trabalham. Aproveitamos para questionar se ele acredita no curso que fez e ele nos respondeu:

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Acredito. Acho que ele não foi tudo aquilo que eu esperava, mas ele me deu o que era necessário para eu desenvolver. Só sou o que sou hoje porque tive uma base lá na graduação, sem dúvida. Aquela base foi suficiente para que eu pudesse me desenvolver. Crítico que podia ter tido mais carga horária, mas isso faz parte do ser humano. [...] Hoje vejo que é essencial ensinar o necessário, os mecanismos para desenvolverem os processos [...].

Lírio foi mudando sua forma de avaliar o curso que realizou, conforme se pode ver a partir da primeira coleta e análise de dados. Aqui já não destina a responsabilidade da formação dos alunos só ao curso (conteúdos, carga horária, formação pedagógica) e aos professores, como fazia no início, e reconhece ser necessário ensinar uma base para os alunos começarem a se desenvolver e atuar na educação básica com esforço e maior participação pessoal; valoriza a decisão dos próprios alunos de querer estudar mais e alcançar seus objetivos. Reconhece também que só é hoje o professor que é porque teve uma base na graduação. Naturalmente essa nova forma de ver o curso decorre, por um lado, da sua atual situação de professor universitário e, por outro, do próprio processo de formação, que, no caso de Lírio vai claramente provocando mudanças. Ao ouvir a leitura que fizemos para ele do seu posicionamento anterior, em relação à influência da formação inicial no professor que é hoje, se surpreende que tenha negado essa influência e tenta explicar o porquê:

Eu não sei agora porque respondi desse jeito em 2004. Acho que me referi ao momento que entrei em sala de aula antes de terminar a graduação,[...]. Fui para sala de aula, preparado para uma coisa que não era igual ou ao menos semelhante ao que discutia aqui [universidade]. [...] Para aquele momento, atuar em sala de aula, não tinha para mim influência, não tão grande [...] Mas como postura só mudei durante o curso, baseado justamente nos professores.

Nesse processo de mudança evidencia-se, mais uma vez, contradições e conflitos:

com o tempo verifiquei que em muitos casos era verdade, tanto que, quando comecei a sentir dificuldade em ensinar no ensino básico eu comecei a levar mais a sério as disciplinas pedagógica, [...] Depois sim, começou a influenciar. Os próprios professores influenciaram por um lado positivo como postura em sala de aula. [...]

Na seqüência da entrevista, lembramos Lírio que o momento que respondeu os questionários foi em uma época que recentemente havia ingressado na universidade, como professor formador, além de ser na mesma época que tinha tomado a decisão de deixar a educação básica.

É foi nesses dias que deixei a educação básica. [...] Ah ! Agora já estou lembrando. Eu sei porque respondi assim. Foi porque o que vi na universidade não era realidade na sala de aula da educação básica. Era essa a critica - eu estava revoltado com isso. [...] Talvez também pela formação inicial não ter me subsidiado o suficiente para ingressar na universidade como professor. Hoje analisando, vejo que não tinha que ser mesmo. A universidade não é feita para resolver os teus problemas. É feita para você aprender a pensar, para você questionar. Ela não tem que dar a solução para você. Talvez seja porque eu estou atuando. Pode ser...

O desencadear das lembranças que ficaram na memória do professor formador Lírio

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aparece neste trecho da entrevista. Colocou-se na posição de professor formador que atualmente pensa diferente, e vai justificando as alterações que sofreu ao longo do tempo e do trabalho, as coisas em que acreditava e acredita hoje sobre a importância da formação inicial para a carreira profissional de um professor.

desde do ano passado que venho pensando assim [parou - pensou e continuou]. - Na verdade é desde que entrei na universidade [como professor] que comecei a notar isso. Ela [a graduação] não tem o papel de resolver o problema da gente, ela tem o papel de questionar e fazer refletir, apresentando subsídios para você refletir e analisar.

Ao ampliar o ângulo de análise, ou melhor, ao ampliar seus conhecimentos em relação aos conteúdos do ensino médio e os da própria universidade, Lírio percebe a relação e a função dos dois níveis de ensino e constrói um saber curricular calcado na experiência de atuar nesses dois níveis.

No Contexto I (Resposta 11), indagado se aprendeu a ser professor na formação inicial, mantém o que já havia dito, pois continua achando que, na graduação, aprendeu os conceitos matemáticos e, na prática, compreendeu o que é ser professor, acrescentando, agora, com mais clareza, que o papel da Universidade é o de subsidiar o professor para começar a ensinar:

A universidade não ensina a ser professor e não vai ensinar nunca a ser professor. Ela vai lhe dar subsídios para começar a aprender a ser professor. Você assume a sua postura de professor, o seu jeito de ser professor é na sala de aula, você vai lidando com situações consecutivas - tenta lidar com elas de uma maneira - percebe que bateu de frente – volta - vai assim – “enrosco” – volta - ai posso desviar. [...]. Então você aprende a ser professor.[...] A aprendizagem da docência é um processo e esse processo não vai acabar nunca

Demonstra entender o tornar-se professor como um processo contínuo, cheio de idas e vindas, de escolhas, de dúvidas, de acertos e erros. Um caminho com início talvez na formação inicial e sem um ponto final.

Tentamos perguntar como que ele havia chegado à conclusão de que discutir a educação Matemática era importante no curso de licenciatura, contrariando a sua posição inicial (contextos I, II e III) sobre o assunto. Ele respondeu:

Ouvindo e praticando. Não somente o que eu ouvia, pois sempre tentei fazer do meu jeito. Embora, eu não faça nada sozinho, porque tenho sempre a influência de outros professores. A minha postura dentro da sala de aula, por exemplo, tem influência de dois ou três professores meus.

Na ação e na reflexão, nas tentativas de achar os próprios caminhos, mesmo contando com a inevitável influência dos seus professores, tudo isso vai constituindo o professor Lírio.

Em busca de entender as mudanças de concepções que Lírio demonstrou com suas falas, perguntamos-lhe se achava importante o professor universitário ter a experiência de atuar na educação

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básica e ele nos deu a sua opinião:

Nossa - Com certeza. Para não cometer os erros que a gente comete muitas vezes. E para gente saber que ali, na verdade, são todos seres humanos, a gente foi igual e eles também; vieram aprendendo desde lá, percebendo que cada aluno tem uma história.

No Contexto II, Resposta 16, questionado sobre a importância de o professor ter ou não experiência da educação básica para atuar no ensino superior, Lírio referia-se à educação básica como perda de tempo, não considerando a sua contribuição para a formação do professor formador. Já, neste momento, a reflexão sobre a sua própria experiência nos dois níveis de ensino o fez perceber que os saberes profissionais são compostos pelas práticas docentes que se fazem e se refazem, em diferentes contextos de formação. Porém, em certos momentos, ele fica indeciso, não querendo admitir isso na sua própria conturbada experiência de ensino básico, que ele vinha, sistematicamente, negando:

Eu acho assim .... tão distante. [...] . Outra realidade. [...]

Indagamos o porquê dessa dúvida, dessa indecisão, visto ser ele um professor formador de professores que irão atuar na educação básica:

Mas o nível de quem esta ali [alunos da educação básica e da universidade] é diferente. O interesse [...] é diferente. [...] Então a tua postura em sala de aula [...] é para lidar com adulto, de adultos para adultos. Lá [educação básica] você tem que criar mecanismos para ativar, para incentivar cada aluninho daqueles. [...] Aqui na universidade não. O interesse faz parte dali. Você esta colocando a situação e pode ser questionado.[...] Na graduação, uso muitos exemplos.

Lírio desta forma demonstra a dificuldade de lidar com a complexidade deste processo de construção de seus saberes profissionais em ambos os níveis de ensino e a relação existente dele com cada um deles, ora trazendo exemplos da educação básica, ora desconsiderando a sua importância. Ocorre que um outro problema está atravessando a reflexão de Lírio, que não será discutido aqui, mas que não pode ser ignorado, que é exatamente a sua concepção das relações aluno-professor, expressa nesta fala:

Mas vocês têm que saber que quem está em sala de aula, espera que você seja um pouco mais do que ele. Porque ele quer adquirir conhecimento... então você em que sair daqui [graduação] com, no mínimo, algo a mais do que os alunos lá da educação básica.

Ao ser perguntado sobre o quê da sua experiência na educação básica trouxe para sua prática como professor no ensino superior (Contexto II), ele pensou sobre a resposta que havia dado (“na educação básica se estuda porque se é obrigado, aqui, na Universidade (...) para aprender”) e disse:

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[...] serve como experiência para você verificar que é necessário ter uma postura como professor, cuidar da parte didática, procedimentos, até o seu jeito de lidar com os alunos você acaba pegando mais experiência. Não tenha dúvida, enquanto que um aluno do ensino superior você pode chegar com ele e conversar mesmo que seja uma conversa rude e tal, mas é uma conversa que ele pode responder, você pode responder, há um entendimento. O aluno da educação básica não, se você chama a atenção ele “debocha” [...] aí você chega na universidade você não quer mais vê isso dentro em sala de aula, porque teu objetivo não é isso, por isso na universidade você não chama atenção, [...], então você tem uma outra postura, há um entendimento.

Apesar de ter evidenciado anteriormente que eram realidades e interesses diferentes, deriva, agora, do foco da pergunta, limitando-se a descrever as características de cada grupo em questão.

Na seqüência da entrevista, a questão foi: na sua opinião, como se aprende a ser professor?

Em cima da tua dificuldade é o teu aprendizado.[...] Eu aprendi tanto, tanto em como ser professor, com essas dificuldades mais do que qualquer professor tenha me ensinado aqui na universidade. Essa é a verdade. [...] o aprendizado de professor foi no couro mesmo. Senti no couro mesmo as dificuldades [...] tentando bolar maneiras. As pessoas dando sugestões. [...] eu aprendi muito na pratica e talvez falte um pouquinho a parte cientifica, a metodologia do ensino [...].

Lírio explica que aprendeu a ser professor, evidenciando suas práticas docentes, suas tentativas e dificuldades de ensinar, de alguma forma minimizando o que, em outros momentos parecia ser a sua ênfase, os conhecimentos matemáticos.

Pela estrutura do curso, na Unemat/Sinop, somente a partir do 3º semestre é que começavam as disciplinas pedagógicas. Isto talvez explique o que Lírio responde ao ser perguntado se o fato de ter iniciado a trabalhar como professor durante o 4º semestre do curso também não havia influenciado a sua prática no ensino básico. No primeiro ano foi um professor “tradicional”, mas logo começa a se tornar inquieto com as novas propostas metodológicas do curso. É quando começam também a surgir os conflitos diante da enorme distância que ele via entre as propostas e as possibilidades reais de executá-las:

Não. Considero que no primeiro ano de escola fui puramente um professor antigo, tradicional. [...] Comecei a presenciar metodologias diferentes.[...] principalmente depois do 3º semestre. [...] Quando comecei a trabalhar esses aspectos pedagógicos, as metodologias, etc. Ai a gente começou a ver que existem outras maneiras embora a gente tenha conhecido só daquele tipo. [...] [...] Daí vem a minha frustração em relação às disciplinas pedagógicas, por estarem muito aquém da realidade encontrada na sala de aula [...[. Você não consegue fazer um trabalho diferenciado na sala de aula da educação básica...

Percebemos que ele vai expondo os vários aspectos que teceram a construção de seus saberes docentes, que sua formação inicial desenvolvida em paralelo com a sua prática docente na

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educação básica ajudou muito a acelerar o processo de perceber a importância dos saberes pedagógicos no tornar-se professor.

A partir desse ponto da entrevista começamos a focalizar mais explicitamente o ensino superior. Ouvindo a leitura das suas primeiras colocações (“ser professor de ensino superior é um desafio” - Resposta 23) ele confirma:

É isso mesmo. Por ser a todo o momento desafiado e isso é o que me incentiva, experiência profissional [...]. Mais formação, conhecimento, troca de informação [...] E vou nos lugares e converso com as pessoas que têm muito mais experiências que eu e tenho condições de chegar lá e trocar informações, não chego lá vazio e não saiu de lá vazio. Isso é bom, enriquece a gente.

Para ele, ser professor formador representa uma oportunidade a mais de formação, de conhecimentos ampliados através das experiências que vem vivendo, da troca de informações e de conhecimentos entre seus pares, sejam colegas do próprio campus universitário, como também de outros campi da universidade e até mesmo outras universidades. O fato de ter podido ampliar o seu leque de contatos, de buscas de informações e conhecimentos, podendo circular a vários lugares sem constrangimento em relação ao saber, são motivos de orgulho e satisfação.

Lírio lutou muito para ingressar na universidade como professor formador e em todos os momentos de pesquisa demonstrou ter decidido ser professor universitário, embora reconheça aspectos frustrantes dessa conquista, o que certamente influencia/atrapalha também em sua aprendizagem da docência:

Me decepcionei um pouco. Não com a universidade e sim com as pessoas. [...] Mas é um lugar que de certa forma você tem liberdade de ser o que você é. É um lugar que ao mesmo tempo que trabalha você estuda e isso é muito importante, tenho a possibilidade de estar sempre adquirindo conhecimento, desafiando continuamente, porque a gente não sabe o que vem pela frente.

Sua determinação em ser professor universitário caminha junto com sua abertura para o trabalho em grupo, a participação em projetos de pesquisa, orientação de trabalhos de conclusão de curso, discussão do projeto pedagógico do Curso de Matemática, etc.

Vê o projeto: é uma coisa que, para ser sincero, eu nunca acreditei nessas coisas, aqui na UNEMAT, [...], mas eu agora estou com muita expectativa nesse projeto porque foi uma coisa que encaixou comigo, que eu quero para mim. É um projeto de pesquisa. E eu consegui, estou dando aula na área de Matemática aplicada e trabalhando com ela no projeto de pesquisa [...], e mais, no projeto nós visamos formar os professores do departamento também - nós estamos formando professores porque nós vamos dar curso para os professores do departamento de economia.

Lírio começou a se abrir para o trabalho em grupo, percebendo que o trabalho coletivo pode ser interessante para sua formação, fato que antes não cogitava como possibilidade. Neste projeto Lírio está em colaboração com um grupo de pesquisadores do departamento de economia:

212

Esse é o projeto que eu queria estar todos esses anos. Supre tudo aquilo que eu quero, que é a consciência de adquirir conhecimento, ao mesmo tempo é meu trabalho, estou ganhando para isso, e ao mesmo tempo estou satisfeito.

Através deste projeto, Lírio se abre para admitir as ramificações da sua área com outras disciplinas e até mesmo com outros cursos, percebendo, com isso, que o professor formador, além dos conhecimentos matemáticos, precisa de

vários aspectos metodológicos. Hoje eu acrescentaria isso, porque metodologia, por mais que se critique, é necessária. O professor que não sabe a forma de atuar está perdido. E essa metodologia eu encontrei na experiência de atuar em sala, que foi aí que eu comecei a entender porque que na graduação se discutia sobre isso.

Comprovamos mais uma vez que o aprender a ser professor formador é uma questão de tempo e de significado das experiências refletidas.

Foi também no trabalho coletivo que ele começou a reconhecer a fragilidade de um trabalho solitário e a admitir que não é necessário “saber tudo de tudo”, como expressou em outros momentos, questionando-se ainda sobre a natural tendência de

individualizar tudo... A minha disciplina, os meus alunos, etc. Estou cada vez mais preocupado com isto. Ninguém vem opinar aqui nada no que fazemos, ninguém sabe o que fazemos. Não conversamos! Não nos conhecemos! [..] É por isso que neste ponto solidário e de colaboração entre os membros do projeto de pesquisa é muito bom.

No início da pesquisa, Lírio se mostrava auto-suficiente, no sentido de estudar sozinho, de saber conteúdo para ele ensinar, inclusive falava que gostava mais das disciplinas especificas por serem disciplinas mais individuais que as pedagógicas, etc. No entanto, agora, talvez por ter se percebido em um grupo de professores pesquisadores mais experientes na profissão, com titulações de doutores e que valorizam seus conhecimentos e o seu trabalho como professor, tem-se sentido mais seguro e colaborando com outros profissionais.

Um outro aspecto que marcou esse momento de transição do professor Lírio, como formador, foi o curso de aperfeiçoamento (UNEMAT/UNICAMP) que realizou e que descobriu que não sabia tudo e que existiam outros colegas que também tinham as mesmas dificuldades apresentadas por ele. Neste mesmo período começou a se desafiar, assumindo novas disciplinas que exigiam dele mais estudo.

Na seqüência da entrevista com o objetivo de verificar se Lírio mudou a sua forma de estabelecer ou visualizar um perfil para o professor formador, lemos para ele o que em 2004 havia respondido quando lhe solicitamos que traçasse um Perfil para o Professor Formador: “Dinâmico,

capacitado, atualizado e capaz de suscitar o interesse pelo conhecimento na maior parte dos alunos.”

(Resposta 26 – Contexto III). Ele nos escutou de cabeça baixa e não fez nenhuma interrupção.

213

Continuamos a ler o que respondeu sobre se considerava ter esse Perfil: “Não totalmente, o tempo e a

prática e a capacitação, colaborarão para que isso aconteça” (Resposta 26). Após perguntamos se ele atualmente acrescentaria alguma característica que descobriu ser importante e porquê, respondeu que sim, expondo:

A característica humana [...] Aceitar as dificuldades dos outros. Eu tenho uma dificuldade grande em aceitar isso, porque? [...] humano no sentido de ser capaz, de ser sensível ao ponto de saber o momento de segurar e o momento de cobrar.

Continuou a explicar a sua necessidade de buscar essa característica, pois se acha, às vezes, irredutível em suas ações em sala de aula com seus alunos. Diz sentir-se muito sozinho e estar descobrindo que não sabe tudo, como julga ser necessário. Cobra-se ter que ser o exemplo para seus alunos, assim como teve exemplos de alguns de seus professores em sua vida escolar, como citou anteriormente. Explica que começou a verificar essas carências quando ingressou no grupo de pesquisa interdepartamental.

Como vimos, o processo de construção dos saberes que configuram a aprendizagem da docência de Lírio vão sendo evidenciados ao refletir sobre o seu percurso profissional. No seu momento inicial de carreira como professor, quando ainda estava desenvolvendo sua graduação, Lírio negava o curso por não ter encontrado nele o respaldo necessário para lecionar. Depois de algum tempo, como professor e como aluno do curso de Matemática, começou a perceber que algumas disciplinas amenizavam suas dificuldades. Ao concluir o curso, decidiu ser professor universitário e começou a tentar ingressar através de testes seletivos para professores. No segundo teste seletivo foi aprovado e iniciou a atuar como professor, tendo que estudar alguns conteúdos porque descobriu que o curso não lhe tinha preparado para trabalhar naquele nível de ensino; é quando deixa definitivamente o ensino básico, decidindo dedicar-se somente para ensino superior. Assim, negou o curso novamente e nos disse naquele momento de revolta que o curso não serviu para nada e que aprendeu a ser professor com as dificuldades encontradas na prática, tanto na educação básica como no ensino superior. Após um ano como professor formador e após ter vivido inúmeras experiências, no momento da entrevista, mostra ter percebido o quanto de todas essas experiências configuram o seu saber como professor formador, para a sua aprendizagem docente, reconhecendo o papel de seus colegas de graduação, da escola onde teve a experiência com a educação básica e dos colegas professores formadores e dos próprios alunos do ensino superior.

214

4.2.3. Rosa e o percurso de aprendizagem da docência no ensino superior

I – A profissional e aspectos gerais dos caminhos percorridos: “o risco do bordado” Rosa é do sexo feminino, única mulher do grupo pesquisado. Com 33 anos de idade, foi a

primeira egressa a ser contratada, em 1996, como professora formadora do curso de licenciatura em Matemática; desta forma, no primeiro momento da investigação tinha 9 anos de atuação como professora na UNEMAT/Campus Universitário de Sinop.

Iniciou seu curso de Matemática com 19 anos, em 1991, e o concluiu no segundo semestre de 1995. Cursou sua licenciatura integralmente no Momento I, pertencendo, à segunda turma a se formar como Educadores Matemáticos pela UNEMAT/Departamento de Matemática/ Sinop-MT.

Além da graduação em Matemática, realizou também pela UNEMAT/Sinop, pós-graduação Lato Sensu em Educação Matemática. Após a conclusão, iniciou seu Mestrado em Educação na UFMT, concluído em 2003.

Finalizou sua licenciatura em Matemática no semestre de 1995/2 e, em 1996, se efetiva como professora no magistério estadual para atuar no ensino fundamental e médio. Concomitantemente, fez teste seletivo para integrar o corpo docente da UNEMAT, passando a lecionar tanto na educação básica como também no ensino superior.

Rosa foi a única, entre o grupo pesquisado, que acompanhou, como professora, a reestruturação do curso de Matemática de Sinop-MT e a elaboração do segundo Projeto Pedagógico (Momento II) e participou ativamente de toda a discussão da implantação e, posteriormente, da execução do Projeto, pois nunca se distanciou do curso desde o seu ingresso.

Apresentamos a seguir o segundo bloco de análise.

II – Os contextos formativos formais: o revelar do bordado por Rosa e os arremates da pesquisadora

1º Contexto Formativo:

a formação inicial e as intersecções com a experiência na educação básica e no ensino superior

Assim como os demais professores formadores, sujeitos da pesquisa, teceremos neste 1º contexto formativo as possíveis intersecções relatadas por Rosa ao refletir sobre os locus formativos

215

considerados. Para isso, utilizamos, para análise, os dados obtidos nos QC, Q1 e Q4, aplicados em momentos diferentes do ano de 2004.

QUADRO XI – Quadro Síntese do 1ºContexto Formativo de Rosa: a formação inicial e as intersecções com a experiência na educação básica e no ensino superior

ENFOQUES PRETENDIDOS Respostas dadas aos Questionários Primeira opinião sobre a formação

inicial que realizou. 1 Não respondeu (QC)

Opção pela sua formação inicial em licenciatura em Matemática:

Ao optar pelo curso de Matemática

você tinha claro que estaria cursando uma licenciatura?

2

“Minha intenção inicial era cursar Engenharia Civil, contudo não passei para Engenharia, mas passei para Matemática e assim pensei em fazer um semestre enquanto esperava por outro vestibular, entretanto, logo me identifiquei com o curso e decide por continuar cursando

o mesmo até o seu término” (Q1-Questão 1)

“Ao escolher o curso de Matemática - Não tinha claro que estaria desenvolvendo uma graduação que me proporcionaria o título de “professora de Matemática” se considerarmos o

momento que iniciei o curso, mas sim se levarmos em consideração o instante em que decidi por continuar o curso; esta foi uma decisão consciente uma vez que já conhecia o

curso” (Q1 - Questão 2)

Prioridades como aluna na formação inicial 3

“Eu pessoalmente não priorizava nem as específicas nem as pedagógicas, contudo acabava me dedicando mais às específicas pois os professores destas disciplinas exigiam mais dos alunos do que as pedagógicas, que na maioria dos casos considero que foram trabalhadas

de forma superficial” (Q1 - Questão 4) Ao iniciar a sua formação inicial já

atuava como professor na educação básica?

4 “Não”

[só iniciou a atuar como professora após conclusão de seu curso] (Q1 - Questão 3)

Você aprendeu a ser professora na formação inicial? 5

“Considero que continuo aprendendo a ser professora a cada dia que entro em sala de aula, a cada situação nova que surge no dia a dia de um professor e a cada aluno com o qual

entro em contato através do meu trabalho, contudo vejo que a formação inicial foi de fundamental importância para que pudesse entrar em sala de aula com o mínimo de

conhecimento necessário para tentar solucionar os problemas que surgem no decorrer do processo ensino-aprendizagem” (Q1 - Questão 5)

Opinião sobre a matriz curricular da sua formação inicial - se contribuiu

para a sua formação enquanto educadora matemática.

6 “Em partes - Possibilitou-me conhecer um pouco sobre Matemática e sobre educação,

contudo de forma nenhuma foi o suficiente para a formação de um Educador Matemático, ainda mais se considerarmos a Educação Matemática como um movimento de pesquisa e o

Educador Matemático como um pesquisador nesta área” (Q1 – Questão 6a)

Opinião sobre a matriz curricular do curso de formação inicial que é

professor formador atualmente – comparar momento I com

momento II

7

“A atual [Matriz B] contribui mais para a formação do professor de Matemática uma vez que ela foi estruturada em consonância com as discussões e resultados das pesquisas

realizadas na área da Educação Matemática nos últimos anos, enquanto que a primeira foi copiada de uma outra universidade, cuja realidade e objetivos relativos ao perfil do aluno

egresso eram totalmente distintos do curso de Matemática da UNEMAT/ Sinop” (Q1 – Questão 6b)

Dificuldade em atuar como professor formador no mesmo

curso onde realizou sua formação inicial e que agora possui uma outra

matriz curricular.

8 “Não, sempre encarei estas diferenças como desafio para que eu me aprimorasse e desse conta desta nova realidade” (Q1 – Questão 7)

A sua formação inicial influenciou no professor que é hoje? 9

“Sim, acredito que não seja possível você cursar quatro anos um curso superior e considerar que o mesmo não te influenciou, contudo penso que esta formação inicial não é

determinante; o professor se constrói no dia a dia, de forma progressiva, tanto com a experiência do cotidiano escolar, quanto através de leituras e cursos de aperfeiçoamento e

qualificação” (Q1 - Questão 8) Formação inicial e prática docente

no ensino superior

De que forma as disciplinas da área pedagógica da sua formação inicial

lhe auxiliam nas aulas de matemática que desenvolve no

ensino superior?

10 “Auxiliam parcialmente, penso que de fato foi nos estudos posteriores à graduação que

encontrei auxílio para as aulas que desenvolvo como Formadora de Professor” (Q1 – Questão 9a)

216

Formação inicial e prática docente na educação básica:

De que forma as disciplinas da área pedagógica da sua formação inicial

lhe auxiliam nas aulas de Matemática que desenvolve na

educação básica?

11 “Também acredito que parcialmente estas disciplinas me auxiliam nas aulas de Matemática que desenvolvo na Educação básica, [pois] as disciplinas pedagógicas que cursei durante a graduação foram somente duas ou três e as mesmas foram trabalhadas de forma superficial”

(Q1 – Questão 9b)

Você utiliza em sua prática docente na educação básica conhecimentos adquiridos na formação inicial? (b)

Você utiliza em sua prática docente no ensino superior conhecimentos adquiridos na formação inicial? (c)

Na sua opinião, existe mais

facilidade em utilizar recursos diversificados na educação básica

ou no ensino superior? ou não existe diferença? (d)

12

“Às vezes, no início de meu trabalho como professora, constantemente experimentava em minha prática docente os conhecimentos construídos na formação inicial, depois com o

passar do tempo, com as leituras e cursos realizados já não consigo definir o que foi obtido através da formação inicial ou posteriormente” (Q2 –Questão 3b)

“Idem a anterior no Ensino Superior” (Q2.- Questão 3c)

“[Em relação a facilidade nos dois níveis de ensino] trabalho com disciplinas bastante

diferentes na Educação básica e no Ensino Superior, por isso fica difícil fazer uma comparação. Procuro diversificar a utilização de recursos em todos os níveis de ensino no

qual desenvolvo meu trabalho como professor” (Q2. –Questão 3d)

o que da sua formação inicial contribuiu para sua prática docente

na educação básica e no ensino superior?

13

“Mesmo estando ciente que minha formação inicial teve falhas, acredito que me proporcionou uma boa base Matemática e alguma fundamentação pedagógica que me

possibilitou iniciar um trabalho como professora tanto na Educação básica quanto no Ensino Superior. Mas a principal contribuição da formação inicial, ao meu ver, foi o fato de ter me ensinado a buscar por mim mesma, a pesquisar (pesquisas bibliográficas), a perceber os

problemas e buscar soluções para os mesmos” (Q.4 – Questão 4)

Rosa ao ser indagada sobre sua opção em fazer o curso de licenciatura em Matemática, respondeu que, inicialmente, não tinha a intenção de Ser Professora de Matemática. Optou por este curso por ser o que mais se afinava com aquele curso que realmente desejava fazer (Resposta 2).

Percebemos que, para Rosa, no momento inicial do curso, era indiferente o fato de cursar uma graduação que lhe proporcionasse o título de “professora de Matemática”, pois naquele momento de sua vida tinha outros planos para sua vida profissional. No entanto, afirma que, após iniciar o curso e a cada novo semestre desenvolvido, pela inserção gradativa de novas discussões e pelo aprofundamento de outros aspectos relacionados à Educação Matemática e à formação de professores, foi se identificando com o curso e, conseqüentemente, decidiu terminá-lo e Ser Professora de Matemática (Resposta 2).

No mesmo questionário, Rosa escreveu que, durante o seu curso de graduação, valorizou tanto as disciplinas específicas como as disciplinas pedagógicas, colocando-se na sua resposta como parte do processo de formação: “eu pessoalmente não priorizava [...]” (Resposta 3). Ao analisarmos esta resposta, pareceu-nos que Rosa retratou o Momento I do curso de graduação de Matemática/Sinop e também as práticas dos professores formadores da época que, por conseqüência, podem ser refletidas na formação dos acadêmicos, pois dentre as características que o curso possuía, neste Momento I, a que nos chamou mais atenção quando estudamos o Projeto Pedagógico do curso e que foi também mencionada na resposta de Rosa, é a forte preocupação daqueles professores

217

formadores com as disciplinas da área específica da Matemática e que eram refletidas nas ações deles, ou melhor, na “exigência dos professores” (Resposta 3). Porém essa característica não é uma evidencia somente deste curso. Infelizmente a preocupação em fortalecer o conhecimento específico de Matemática, deixando de lado o conhecimento pedagógico dos cursos de licenciatura em Matemática, tem sido tema de várias discussões e pesquisas, por ser um assunto muito preocupante entre os Educadores Matemáticos pelo que se tem encontrado na qualidade do ensino de Matemática desenvolvido por professores formados nestas licenciaturas.

Compreendemos que, talvez Rosa tenha percebido essa característica em seu curso, justamente por trabalhar e conviver na escola de educação básica ensinando Matemática. Ou também, por supervisionar estágios dos alunos que estão concluindo o curso de Matemática, onde teve a oportunidade de visualizar a carência com que os alunos da graduação chegavam nas escolas para realizar seus estágios, justamente por não terem visualizado a necessidade e a importância das disciplinas pedagógicas na sua formação. Rosa está se referindo ao curso que fez, porém temos que levar em consideração que atualmente, ao responder sobre a formação inicial, suas percepções são baseadas em experiências de formações diversas.

Rosa teve sua “primeira experiência como professora durante os estágios curriculares

supervisionados do ensino fundamental e médio” (Resposta 4), enquanto aluna, pois antes e durante a sua graduação trabalhava em um escritório de contabilidade do município de Sinop-MT. Acreditamos que esse fato é um importante aspecto a ser levado em consideração, pois sua primeira experiência em sala de aula aconteceu durante o curso, com a supervisão de professores da universidade, sendo este um importante momento de sua formação.

Ao ser questionada se atribuía a aprendizagem da docência ao curso que fez, não se referiu à formação inicial como um lugar específico de aprendizagem, e sim como um importante e fundamental locus formativo, que lhe forneceu o básico para começar a ensinar (Resposta 5), colocando-se, mais uma vez, como sujeito da sua formação ao considerar que aprende a ser professora “a cada dia que entro em sala de aula, a cada situação nova que surge no dia-a-dia [...] e

cada aluno com o qual entro em contato através do meu trabalho” (Resposta 5). Percebemos, pelo que respondeu, que entende ser o contexto de trabalho do professor incerto e complexo, admitindo que aprende constantemente, considerando, assim, que o professor aprende com seus alunos.

Dessa forma, demonstra entender a aprendizagem da docência, conforme Mizukami (1996), “um processo complexo – pautado em diversas experiências e modos de conhecimento – que se prolonga por toda a vida profissional do professor, envolvendo, dentre outros, fatores afetivos, cognitivos, éticos e de desempenho” (p. 140).

218

Por entender a aprendizagem da docência com um continuum (MIZUKAMI, 1996; 2002), Rosa, em sua resposta 6, considerou que a Matriz Curricular do curso de licenciatura Matemática que cursou foi “em partes” o suficiente para sua formação como Educadora Matemática, pois afirma: “possibilitou-me conhecer um pouco sobre Matemática e sobre Educação, contudo, de forma nenhuma

foi suficiente para a formação de um Educador Matemático, ainda mais se considerarmos a Educação

Matemática como um movimento de pesquisa e o Educador Matemático como um pesquisador nesta

área” (Resposta 6).

Analisamos que Rosa atribuiu ao seu curso a oportunidade de conhecer um pouco sobre Matemática (conteúdo matemático) e Educação, mas afirma “de forma nenhuma foi o suficiente”. Interpretamos que afirma não ter sido o suficiente, justamente por considerar a formação e a aprendizagem da docência como um continuum e dessa forma, sempre o professor tem o que aprender. Esse posicionamento de Rosa pode ser encontrado em suas ações, em sua busca de conhecimento, dando continuidade aos estudos e buscando novas fontes de aprendizagem, através de cursos de pós-graduações (especialização e mestrado), diferentemente dos demais sujeitos da pesquisa.

Compreendemos que Rosa entende que está aprendendo a cada experiência vivida como Educadora Matemática, por meio de sua afirmação de perceber a Educação Matemática como um movimento de pesquisa; e o Educador Matemático como pesquisador, não esgotando, na sua opinião, as aprendizagens por mais que se pesquise na área.

Ao se referir à Educação Matemática como movimento de pesquisa e ao professor como pesquisador nessa área, leva-nos a Garnica (1999) que se refere à Educação Matemática dessa mesma forma, reportando-se a ela como “um movimento que confere a relevância à prática, entendida como práxis, porque demanda reflexão, que se alimenta daquela, e visa a uma efetiva intervenção na ação pedagógica” (GARNICA, 1999, p. 12). Entendemos, assim, que Rosa destina a sua própria prática refletida a um dos locus de sua aprendizagem da docência.

Nesse sentido, da forma como Rosa vai “bordando” seu percurso de aprendizagens, colocando-se como sujeito desse aprender, nos faz interpretar que constrói e reconstrói seus saberes docentes, através da reflexão sobre sua própria prática pedagógica, conciliando as experiências que possui na educação básica e no ensino superior, confirmando que “os indivíduos não aprendem a ensinar de forma mecânica, rotineira e previsível. O sujeito-professor traz consigo um conhecimento prévio quando se implica em qualquer atividade didática” (MARCELO GARCIA, 1999, p. 40).

219

Compreendemos, a partir das revelações de Rosa, que o professor formador pode trazer as experiências vividas por ele na educação básica, às experiências passadas em outros momentos na própria prática docente no ensino superior, para sua formação constante, suas aprendizagens docentes como professor formador, desde que consiga utilizar a “reflexão como fio condutor da sua formação” (MIZUKAMI, 2002).

Pelos dados que Rosa expôs, demonstrou ter construído, durante esses anos de experiência na educação básica e no ensino superior e, após a conclusão de suas pós-graduações (Lato Sensu e Stricto Sensu), um saber docente caracterizado pela sua experiência pessoal e profissional, aproximando-se do que Tardif (2002) defende sobre o saber docente, com esse saber construído e reconstruído no decorrer de sua carreira profissional.

Rosa é professora formadora de um curso que sofreu uma reestruturação curricular. Somente ela, do grupo pesquisado, ajudou a elaborar, como professora, a segunda matriz curricular do curso de Matemática de Sinop; enquanto aluna formou-se na primeira Matriz Curricular (Matriz A). Com isso, ao ser questionada sobre os dois momentos do curso e sobre qual das duas matrizes melhor contribui, na sua opinião, para a formação do professor de Matemática, Rosa demonstrou conhecer muito bem as duas estruturas curriculares, além de estar a par das discussões que permeavam os debates sobre a Educação Matemática e a formação do professor de Matemática na época da reestruturação. Ao afirmar que na sua opinião a Matriz B “contribui mais para formação do professor

de Matemática uma vez que foi estruturada em consonância com as discussões realizadas na área da

Educação Matemática” (Resposta 7), demonstrou acreditar na importância de a formação em Matemática ser compartilhada e complementada com a formação pedagógica e de ser conhecedora de que a atual matriz curricular possui esse diferencial. Como é professora de Matemática na educação básica, consideramos também que, ao expor sobre a “realidade na qual o curso está inserido”, faz isso com conhecimento de causa, pois vivencia o dia-a-dia da educação Matemática desenvolvida na educação básica, por professores que podem ter sido formados pela UNEMAT e no curso de Matemática.

Percebemos que, como Rosa é professora formadora e professora da educação básica, e sua carreira profissional traça-se, paralelamente, nos dois níveis de ensino, nos dois locus formativos, educação básica e ensino superior; tem acompanhado as últimas reformas educacionais e, ainda, acompanhou as discussões para a reestruturação do último Projeto Pedagógico do curso de Matemática. Assim, parece-nos que seu desenvolvimento profissional também é fruto do desenvolvimento curricular de todos esses locus, pois, segundo Marcelo Garcia (1999), o “desenvolvimento curricular é desenvolvimento profissional quando contribui para melhorar o

220

conhecimento e a profissionalidade dos professores, quando, através dele, os professores conseguem transformações e melhorias no âmbito do seu espaço de influências: as escolas, o currículo, o ensino” (p. 143). Dessa forma, podemos dizer que o desenvolvimento profissional de Rosa é influenciado pelo desenvolvimento curricular, tanto da educação básica, como do ensino superior, pois demonstra em suas respostas participar ativamente dos dois.

Na Resposta 8, Rosa mostra que encara as dificuldades em atuar no mesmo curso com Matrizes Curriculares distintas, como desafios para busca de novos conhecimentos, demonstrando fazer isso no seu percurso profissional, quando buscou suas pós-graduações, uma na área da Educação Matemática (lato sensu) e outra na área da Educação (stricto sensu). Além disso, percebemos que Rosa sente-se sempre desafiada a buscar cada vez mais qualificação, descobrindo e experimentando os saberes até construir um repertório de saberes docentes próprios.

Quando questionada se sua formação inicial em Matemática influencia na professora que é hoje, tanto para atuar na educação básica como no ensino superior, interpretamos que, na Resposta 9, Rosa afirmou existir a influência da sua formação inicial em sua atuação profissional, tanto na educação básica como no ensino superior. Contudo, acredita que o professor se constrói no dia a dia, confirmando o entendimento de Mizukami (2002) quanto à aprendizagem da docência não ter tempo nem espaço e se fazer e refazer constantemente. Porém, Rosa ressalta que a “Formação Inicial não é

determinante”, ou seja, depende de uma decisão pessoal do professor de buscar, cotidianamente, a aprendizagem da docência. Essa decisão pessoal pode ser referir à reflexão da prática pedagógica.

Podemos observar nas respostas dadas por Rosa, até este momento analisadas, que esta professora demonstrou concordar com Mizukami (2002) que “aprender a ser professor é uma aprendizagem que deve se dar por meio de situações práticas que sejam efetivamente problemáticas, o que exige o desenvolvimento de uma prática reflexiva competente” (p. 12), trazendo a idéia da formação como um continuum.

Na maior parte do tempo de sua carreira profissional no ensino superior, Rosa ministrou disciplinas pedagógicas. Ao ser indagada sobre de que forma as disciplinas da área pedagógica do curso de Matemática que cursou lhe auxiliaram nas aulas de Matemática, que desenvolve como formadora de professores, afirmou que “auxiliam parcialmente, penso que de fato foi nos estudos

posteriores a graduação que encontrei auxílio para as aulas que desenvolvo como formadora de

professor” (Resposta 10). Ou seja, não nega a influência do que estudou na graduação em Matemática, mas afirma ter sido necessário buscar mais conhecimentos para atuar nas disciplinas pedagógicas no ensino superior, confirmando que a formação inicial, para ela, representou o início e que, a partir daí, foi-lhe necessário buscar.

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Quanto à influência das disciplinas pedagógicas da sua formação inicial na prática docente na educação básica (Resposta 11), talvez atribuiu a estas disciplinas o auxílio parcial em suas aulas de Matemática, neste nível de ensino, por ter feito um curso de formação inicial moldado na perspectiva da racionalidade técnica, cuja ênfase estava na formação específica em Matemática, e após ter desenvolvido uma pós-graduação Lato Sensu em Educação Matemática e uma Stricto Sensu

em Educação (Mestrado), teria dado um significado maior aos conhecimentos adquiridos nesses momentos posteriores de formação para sua prática pedagógica, principalmente no ensino superior, como revelou anteriormente.

Buscando compreender melhor as intersecções da formação inicial com a educação básica e vice-versa, solicitamos que Rosa nos respondesse se utilizava, em sua prática docente na educação básica e no ensino superior, conhecimentos adquiridos na formação inicial e onde sentia mais facilidade. Demonstrou refletir sobre seu percurso profissional, buscando construir saberes que lhe proporcionassem a consolidação de sua profissão, tanto em um nível de ensino como em outro, trazendo momentos significativos de sua caminhada como professora para consolidar sua profissão (Resposta 12).

No último questionário, ao ser indagada sobre se sua formação inicial contribuiu com sua prática docente na educação básica e no ensino superior, agora direcionando para a prática docente nos dois locus formativos, Rosa em sua resposta 13, escreve: “mesmo estando ciente que minha

formação inicial teve falhas, acredito que me proporcionou uma boa base Matemática e alguma

fundamentação pedagógica que me possibilitou iniciar um trabalho como professora tanto na educação

básica quanto no ensino superior. Mas a principal contribuição da formação inicial, ao meu ver, foi o

fato de ter me ensinado a buscar por mim mesma, a pesquisar (pesquisas bibliográficas), a perceber os

problemas e buscar soluções para os mesmos”. Percebemos que Rosa avalia que houve falhas em sua formação inicial. Entretanto, reconhece que esta formação lhe proporcionou uma boa base em conteúdos matemáticos e fundamentação pedagógica. No entanto, chamou-nos a atenção a afirmação, assim como em Hortêncio, de que a sua formação inicial teria “ensinado a buscar, a pesquisar, a

perceber os problemas e buscar soluções para os mesmos”, colocando-se como sujeito da formação, não buscando, como Lírio, terceiros culpados para as possíveis falhas.

Essa afirmação gera a indagação: Será que isso acontece com Hortêncio e Rosa por eles se sentirem e se assumirem através das respostas sobre suas ações, sujeitos da experiência, por eles significarem o que lhes passa, transformando o vivido em experiência?

Nessa transformação do vivido no cotidiano, significado que passa a ser experiência, faz-se necessário refletir constantemente, construindo, assim, a aprendizagem da docência como uma

222

rede de significados. Talvez isso aconteça com Rosa pelo fato de sua experiência na educação básica ter acontecido simultaneamente à experiência no ensino superior. Avaliamos que ela teve necessidade de significar rapidamente todos os conhecimentos adquiridos durante a formação inicial, para transmiti-los, significativamente, aos alunos da educação básica e também para os alunos da graduação. Como isso aconteceu ao mesmo tempo, Rosa necessitou aprender, principalmente, através de sua prática docente, arriscando-se e se desafiando constantemente, por meio da reflexão-na-ação e sobre a ação (SCHON, 1983), necessitou criar um conhecimento próprio pessoal (CLANDININ, 1995) para lidar com a complexidade do dia-a-dia docente, mostrando que “o sucesso do professor dependerá de sua capacidade de manejar essa complexidade e resolver problemas práticos, integrando com criatividade o conhecimento técnico” (MIZUKAMI, 2002, p. 17), o saber-fazer para resolver os problemas inesperados e que não foram tratados durante o curso. Neste contexto, para Darsie (1998) a

reflexões sobre os processos e produtos da aprendizagem do que e do como ensinar não só levam à tomada de consciência destes, como desencadearam reflexões sobre as experiências, crenças e sentimentos que levaram a resgatar a história de vida escolar e reescrevê-la, resgatando assim a auto-estima, sentindo-se os alunos [os professores] capazes de aprender, construindo assim a auto-confiança em ensinar (DARSIE, 1998, p. 278).

O que a pesquisadora acima citada afirma, a respeito da reflexão sobre os processos e produtos da aprendizagem do que e como ensinar, pode ser percebido nas respostas dadas por Rosa, pois compreendemos que buscou constantemente refletir sobre o que e como ensinar fazendo a intersecção entre os três locus formativos enfocados nesta pesquisa, por isso significou sua formação inicial da forma como o faz.

Interpretamos, baseadas em todas as respostas que configuram o 1º contexto formativo, que Rosa referiu-se àquele momento da formação inicial vivido por ela como aluna, com o olhar impregnado de saberes já construídos durante seu percurso profissional. Talvez isso aconteça porque ela experimentou Ser Professor na educação básica e no ensino superior, imediatamente após a conclusão da formação inicial.

Dizemos isso porque compreendemos que, para Rosa, o aprender a ser professora foi se dando através de situações práticas que foram sendo problematizadas pela própria professora, demonstrando ter constituído a sua identidade profissional no decorrer da sua formação e, posteriormente, no desenvolvimento profissional. Com isso podemos perceber porque, para Moita (1995), a identidade profissional dos educadores é uma “montagem compósita”, pois para ele é

uma construção que tem uma dimensão espaço-temporal, atravessa a vida profissional desde a fase da opção pela profissão até à reforma, passando pelo tempo concreto da formação inicial e pelos diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenrola. [...] É uma construção que tem a marca das experiências feitas, das opções tomadas, das práticas desenvolvidas, das continuidades e

223

descontinuidades, quer ao nível das representações quer ao nível do trabalho concreto (MOITA, 1995, p. 116).

Rosa reconhece em suas colocações que, a todo instante, em qualquer ambiente, está-se aprendendo, afinal como afirma Moita (1995)

ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter em conta a singularidade da sua história e sobretudo o modo singular como age, reage, e interage com seus contextos (p. 115).

Assim, conforme o que nos diz Rosa e o que Moita (1995) afirma, na citação acima, aprender a ensinar constitui-se em um processo que perpassa todo o percurso profissional dos professores. Porém é só através da reflexão que o professor tem a possibilidade de dar significado a sua profissão e aprender por meio da experiência.

Nesse sentido, no próximo contexto formativo vamos nos referir à experiência na educação básica e à intersecção com os demais locus formativos considerados neste trabalho.

2º Contexto Formativo: a experiência na educação básica e as intersecções com a formação inicial e o ensino superior

A fim de analisar e interpretar o 2º contexto formativo que evidencia a experiência da

educação básica intersecionada com o significado atribuído por Rosa a sua formação inicial e à experiência como professora no ensino superior, damos seqüência na configuração do percurso da aprendizagem da docência do ensino superior. Para isso os dados que apresentaremos no quadro síntese abaixo foram retirados dos questionários 2 e 4 que foram aplicados, respectivamente, na segunda e quarta semana do mês de Julho de 2004.

QUADRO XII – Quadro Síntese do 2ºContexto Formativo de Rosa: a experiência na educação básica e as intersecções com a formação inicial e o ensino superior

ENFOQUES PRETENDIDOS Respostas dadas aos Questionários

Significado de ser professora na educação básica 14

“Ser professor de Matemática na Educação básica, de forma sintetizada, para mim é ser um mediador entre o conhecimento matemático e os alunos, é ser um organizador de

seqüências didáticas que visem a formação do aluno no que se refere ao desenvolvimento de habilidades e competências, não somente daquelas vinculadas a Matemática, mas sim de uma forma geral. E ainda, é conhecer os conceitos matemáticos e também pedagógicos”

(Q.2 -Questão 1). Algumas disciplinas da sua

formação inicial proporcionaram-lhe experiência de ensinar conteúdos matemáticos na

educação básica?

15 “Sim [as Disciplina(s) que me proporcionaram essa experiência foram] Didática da

Matemática - Foi trabalhado de forma superficial e métodos que eram gerais a todas as disciplinas e não específicos a Matemática” (Q.2 -Questão 3)

Opinião sobre o currículo de Matemática na educação básica 16

“Não [não considera o currículo de Matemática em vigor nas escolas de educação básica suficiente para trabalhar a construção de um educando crítico, criativo e consciente da importância de conhecer Matemática]. Penso que o problema não reside somente no

currículo de Matemática em vigor nas escolas, mas principalmente na resistência que a maioria dos professores apresentam em relação as mudanças. Existem exemplos de escolas que reestruturaram seus currículos, adequando-os as diretrizes do MEC, que

possuem livros didáticos que também estão de acordo com estas diretrizes e mesmo assim preferem continuar com sua antiga forma de trabalho sem procurar se adequar as

mudanças” (Q.2 – Questão 4)

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maioria dos professores apresentam em relação as mudanças. Existem exemplos de escolas que reestruturaram seus currículos, adequando-os as diretrizes do MEC, que

possuem livros didáticos que também estão de acordo com estas diretrizes e mesmo assim preferem continuar com sua antiga forma de trabalho sem procurar se adequar as

mudanças” (Q.2 – Questão 4)

Experiência na educação básica influencia na sua prática como professora no ensino superior?

17 “Sim, acredito que esta experiência é muito importante, pois como trabalho com as

disciplinas pedagógicas isso me permite construir um discurso a partir de uma junção da teoria com a experiência em sala de aula, o que com certeza enriquece minha prática como

professora tanto no ensino superior como na educação básica” (Q.2 – Questão 5)

Como descreve (ou descreveria) sua prática docente na educação

básica? 18

“Na educação básica, sempre trabalhei com a disciplina de Matemática. Procuro diversificar o máximo que possível a metodologia de ensino, as estratégias e os recursos de ensino, pois as turmas são muito “heterogêneas”, tanto em relação ao conhecimento quanto em

relação ao interesse pelos estudos. Na educação básica em especial no ensino fundamental, penso que é onde mais sinto a responsabilidade da função do professor. Parece-me que na maioria dos casos, os alunos ainda não perceberam o porquê de

estarem estudando e muitas vezes se sentem desestimulados, cabendo ao professor trabalhar sua disciplina de forma que estes alunos compreendam não só o conteúdo

específico mas também sua contextualização e a importância do mesmo na sua formação” (Q.4 – Questão 1)“

Onde aprendeu a ser professora da educação básica 19

“Na minha opinião, há uma combinação entre a formação inicial e a experiência em sala de aula neste nível de ensino” - "Acredito que o professor continua aprendendo durante toda sua vida profissional, por isso penso que é através de uma combinação entre a formação

inicial e a experiência em sala de aula neste nível de ensino que define a aprendizagem do professor” (Q.2 -Questão 2)

Na resposta 14, Rosa afirmou que, para ela, ser professora de Matemática na educação básica é: “ser um mediador entre o conhecimento matemático e os alunos, é ser um organizador de

seqüências didáticas que visem a formação do aluno no que se refere ao desenvolvimento de

habilidades e competências, não somente daquelas vinculadas a Matemática, mas sim de uma forma

geral. E ainda, é conhecer os conceitos matemáticos e também os pedagógicos”. Remete-nos à definição dada por Tardif, Lessard e Lahaye (1991) sobre o saber docente e o ser professor na educação básica, pois os pesquisadores afirmam que o professor é “alguém que deve conhecer a matéria, sua disciplina e seu programa, que deve possuir certos conhecimentos das ciências da educação e da pedagogia, sem deixar de desenvolver um saber prático fundado em sua experiência cotidiana com os alunos” (p. 221). Além disso, Tardif (2002) defende que o saber do professor é um

saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com sua história profissional, com suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. Por isso, é necessário estudá-lo relacionando-o com esses elementos constitutivos do trabalho docente (p. 11).

Vimos, baseadas no que Rosa afirmou e no que os pesquisadores definem como o saber do professor, que realmente o docente está ligado à construção do Ser Professor, constituindo-se em uma identidade produzida em diferentes contextos formativos, em locus diversos, seja na experiência na educação básica, seja no ensino superior, na formação inicial ou na formação continuada, pois o professor é uma pessoa que vive em interação com seus pares, dentro de uma cotidianidade construída com todos os elementos humanos; ele participa dela com todos os aspectos de sua

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personalidade e em todas as esferas da vida: trabalho, lazer, descanso, atividade social, intelectual etc., constituindo-se aí como pessoa e como profissional.

No caso de Rosa, durante todo o tempo em que atuou na educação básica, também atuou no ensino superior e buscou a formação continuada intensamente, aliando cursos de qualificação profissional com o desenvolvimento de pós-graduações Lato Sensu e Stricto Sensu.

Rosa se referiu ao Ser Professora de Matemática e faz isso com muita propriedade, até porque durante sua experiência na educação básica atuou no curso de Matemática com disciplinas pedagógicas com as quais pôde refletir sobre os saberes necessários para o professor de Matemática ensinar na educação básica, afirmando ser necessário as competências que Ponte (2002) defende, ou seja, “a formação pessoal, social e cultura dos docentes; a formação científica, tecnológica, técnica ou artística na respectiva especialidade; a formação no domínio educacional e as competências de ordem prática” (p. 3-4). Tardif (2002) afirma que os professores utilizam diferentes saberes e essa utilização se dá em “função do seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho” (p. 17).

Quando questionada sobre sua formação inicial em Matemática, se algumas disciplinas introduziram métodos e técnicas para ensinar os conteúdos matemáticos na educação básica, responde que, a disciplina de Didática da Matemática foi trabalhada de forma superficial e métodos que

eram gerais a todas as disciplinas e não específicos à Matemática” (Resposta 15).

Afirma que utiliza conhecimentos que estudou na formação inicial em sua prática docente na educação básica, e diz que foi a didática da Matemática, como a disciplina, que lhe trouxe tal discussão. Porém, explica que foi de forma superficial e geral, ou seja, não específico para o ensino da Matemática. Podemos dizer que esta resposta também pode demonstrar o estrangulamento do curso de Matemática (no Momento I) entre os saberes específicos e os pedagógicos, entre os professores formadores do Departamento de Matemática com suas restrições às disciplinas específicas e os professores formadores da Faculdade de Educação, generalizando todos os conhecimentos pedagógicos.

Com a profissionalidade construída por Rosa em seu percurso profissional, ao ser questionada se não considera o currículo de Matemática em vigor nas escolas de educação básica suficiente para trabalhar a construção de um educando crítico, criativo e consciente da importância de conhecer Matemática, afirmou: “penso que o problema não reside somente no currículo de Matemática

em vigor nas escolas, mas principalmente na resistência que a maioria dos professores apresentam em

relação as mudanças. Existem exemplos de escolas que reestruturaram seus currículos, adequando-

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os as diretrizes do MEC, que possuem livros didáticos que também estão de acordo com estas

diretrizes e mesmo assim preferem continuar com sua antiga forma de trabalho sem procurar se

adequar as mudanças” (Resposta 16).

Talvez por sua experiência como professora na educação básica e como formadora de professores em um curso que forma professores para atuar neste nível de ensino e, ainda, como professora supervisora de estágio que acompanha seus alunos no contato com a sala de aula com suas múltiplas deficiências – tanto da ordem de conteúdo quanto de ordem pedagógica – Rosa percebe a necessidade de aumentar o debate sobre a profissão professor, sugerindo mudanças de posturas dos professores frente às inovações, passando de meros expectadores para sujeitos das ações.

Com este mesmo enfoque dado ao 2º contexto formativo, perguntamos para Rosa se sua experiência na educação básica influencia na sua prática como professor no ensino superior. Ela nos respondeu: “acredito que esta experiência é muito importante, pois como trabalho com as disciplinas

pedagógicas isso me permite construir um discurso a partir de uma junção da teoria com a experiência

em sala de aula, o que com certeza enriquece minha prática como professora tanto no ensino superior

como na educação básica” (Resposta 17).

Podemos perceber que realmente a professora Rosa constrói o seu o “conhecimento em ação” (MIZUKAMI, 1996). No entanto, interpretamos que ela consegue fazer isso por ter demonstrado refletir constantemente sobre suas práticas pedagógicas, tanto após como durante a ação, pois

a reflexão-sobre-a-ação se refere ao pensamento deliberado e sistemático, dirigido a ações, e é usualmente utilizada e entendida em programas de formação e em parte considerável da literatura sobre o ensino reflexivo. É semelhante ao processo que ocorre quando se faz uma pausa e se atenta para o que se acredita ter ocorrido numa dada situação. A reflexão-na-ação, por sua vez, ocorre nas interações com a experiência que resultam em formas freqüentemente repentinas e não antecipadas pelas quais se vê a experiência diferentemente (MIZUKAMI, 1996, p. 61).

Para a pesquisadora acima citada, a reflexão-na-ação é um processo que incorpora representações múltiplas, tanto nas relações que estabelecem maior proximidade com as experiências cotidianas, chamadas por Schön de figurativas, como as que implicam referências fixas, como o saber escolar, denominadas pelo autor de representações formais. Quando Rosa, na questão acima, responde que a experiência de trabalhar nos dois locus formativos é muito importante, uma vez que trabalha no ensino superior com as disciplinas pedagógicas, permitindo-lhe construir um discurso a partir da junção entre teoria com a experiência em sala de aula (prática), vemos que tem a possibilidade de refletir sobre a prática e significar os saberes construídos na educação básica para discuti-los com os alunos que cursam a licenciatura em Matemática, podendo acarretar, através da reflexão-na-ação, emoções cognitivas que, segundo Mizukami (1996), relacionam-se à confusão e à

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incerteza. Um professor reflexivo dá valor à confusão cognitiva do aluno e a sua própria confusão. Ele deve ser capaz de aprender com seus próprios erros sem se constranger.

Consideramos que, quando o professor se coloca como um aprendiz, ele já reflete sobre a possibilidade de não saber tudo e aceita isso sem se constranger, colocando-se em uma situação de novas aprendizagens. Além disso, ao afirmar que aprende na prática docente, admite aprender com o contexto no qual está inserido, com todos os que interagem, sejam alunos ou colegas professores. Reflete na ação levando em consideração as situações vividas por ele com seus pares. É por esta razão que Tardif (2002) diz que o saber dos professores é um saber social adquirido no contexto de uma socialização profissional, onde é incorporado, modificado, adaptado em função dos momentos e das fases de uma carreira, ao longo de uma história profissional onde o professor aprende a ensinar fazendo seu trabalho.

Dessa forma, refletindo na ação, durante o seu trabalho, o professor dá significado às experiências vividas em sua prática docente e tem a oportunidade de (re)construir seus saberes e sua aprendizagem. A teoria e os dados de nossa pesquisa evidenciam que, se o professor não reflete em suas ações cotidianas, não terá a possibilidade de dar significado e, conseqüentemente, não aprende com suas experiências. Assim, se o professor ensina mecanicamente seus alunos da escola de educação básica, não reflete sobre suas ações, não traz essa aprendizagem para o ensino superior, ou se traz, não tem a oportunidade de debatê-las, essa prática não se torna uma experiência. Para Pérez Gomes (1992), “na reflexão-sobre-a-ação, o profissional prático, liberto dos condicionamentos da situação prática, pode aplicar os instrumentos conceptuais e as estratégias de análise da compreensão e da reconstrução da sua prática” (p. 105), tornando essa prática cotidiana uma experiência.

Nesse contexto, estabelecendo a oportunidade de aprender, na prática, na educação básica, refletindo sobre as situações vividas na realidade de sala de aula, o professor formador pode trazer essas experiências para orientar o futuro professor. Segundo Tardif (2002), a experiência de trabalho é apenas um espaço onde o professor aplica saberes, sendo ela mesma, um saber do trabalho sobre saberes, em suma: reflexividade, retomada, reprodução, reiteração daquilo que se sabe naquilo que se sabe fazer, a fim de produzir sua própria prática profissional. O pesquisador afirma ainda que, na experiência de trabalho, há uma produção da própria vida profissional do professor.

Para que o professor aprenda no ambiente de trabalho é necessário que ele tenha uma prática reflexiva, uma prática que seja capaz de identificar problemas e resolvê-los e que essa prática seja coletiva (TARDIF, 2002).

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Para a pesquisadora Darsie (1998) “a reflexão acaba por fim promovendo não só o desenvolvimento do professor como profissional, mas dele como pessoa, que pode, através dela, auto-conhecer-se e por vezes reencontrar-se” (p. 279), retratando esse conhecer-se em suas ações profissionais e pessoais.

Solicitamos para Rosa descrever sua prática docente na educação básica. Rosa descreveu: “Na educação básica, sempre trabalhei com a disciplina de Matemática. Procuro diversificar

o máximo que possível a metodologia de ensino, as estratégias e os recursos de ensino, pois as

turmas são muito “heterogêneas”, tanto em relação ao conhecimento quanto em relação ao interesse

pelos estudos. Na educação básica em especial no ensino fundamental, penso que é onde mais sinto

a responsabilidade da função do professor. Parece-me que na maioria dos casos, os alunos ainda não

perceberam o porquê de estarem estudando e muitas vezes se sentem desestimulados, cabendo ao

professor trabalhar sua disciplina de forma que estes alunos compreendam não só o conteúdo

específico mas também sua contextualização e a importância do mesmo na sua formação” (Resposta 18).

Percebemos que Rosa reflete sobre sua prática docente na educação básica mostrando a necessidade da diversidade metodológica que o professor constrói no decorrer de seu percurso profissional, observando que vem contribuindo na formação de uma pessoa e/ou um profissional para a sociedade e/ou mercado de trabalho. Evidencia aí também a necessidade de cativar o aluno para a aprendizagem, através da contextualização do que está ensinando.

Nesse mesmo contexto, perguntamos para Rosa onde aprendeu a “Ser Professora” da educação básica ao que ela respondeu afirmando que foi uma combinação entre a formação inicial e a experiência em sala de aula neste nível de ensino”, justificando: "acredito que o professor continua

aprendendo durante toda sua vida profissional, por isso penso que é através de uma combinação entre

a formação inicial e a experiência em sala de aula neste nível de ensino que define a aprendizagem do

professor” (Resposta 19).

Rosa reforça novamente a idéia de Mizukami (2000) sobre o aprender a ensinar como processo complexo, que se prolonga por toda uma vida profissional. Além disso, demonstra fazer as intersecções e trazer os saberes construídos na sua prática docente na educação básica para alimentar sua atuação como professora formadora de outros professores, no ensino superior.

Percebemos, por meio das respostas que configuraram este contexto formativo que, Rosa pode ser considerada sujeito de sua formação, ou seja, envolve-se com sua atividade profissional o tempo todo, refletindo a suas ações docentes, implicando-se em atividades formais e não formais de

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aprendizagem (MARCELO GARCIA, 1999), fazendo-nos concordar com Marcelo Garcia (1999) quando ele diz que é importante “reconhecer que os professores são sujeitos que aprendem, em vez de meros executores ou obstáculos da/para mudança” (p. 50).

Além disso, Rosa é uma pessoa que vive sua atividade como quem abraça sua profissão, o tempo inteiro, demonstrando ser uma professora formadora do grupo classificado por Ponte (1996) de “investidos”, ou seja, aqueles “que vivem a sua profissão com entusiasmo e sentido de responsabilidade, remando muitas vezes contra ventos e marés” (p. 64), caracterizando, assim, a sua profissionalidade.

Para Tardif, Lessard & Lahaye (1991) “todo saber, mesmo o ‘novo’, inscreve-se em uma duração que remete à história de sua formação e de sua aquisição. Todo saber implica um processo de aprendizagem e de formação [...]” (p. 218). É justamente o que Rosa mostra com suas respostas, gerando a confirmação da importância de se conhecer através dos percursos profissionais, os saberes dos professores formadores, refletindo sobre suas próprias aprendizagens da docência.

Podemos perceber, assim, que Rosa atribui um valor significativo aos saberes construídos na educação básica durante sua prática docente para a sua aprendizagem da docência para o ensino superior e diz fazer isso através de reflexões constantes sobre sua prática, por meio da participação de discussões sobre a Educação Matemática e com muita leitura e, acrescentamos, por ser sujeito da experiência e sujeito da sua própria formação.

Agora vamos ver como faz isso no próximo contexto formativo.

3º CONTEXTO FORMATIVO a experiência no ensino superior e as intersecções com a formação inicial e a educação básica.

A fim de analisar e interpretar o 3º contexto formativo que objetivou evidenciar a experiência no ensino superior intersecionada com o significado atribuído por Rosa a sua formação inicial e à experiência como professora na educação básica, damos seqüência à configuração do percurso de aprendizagem da docência do ensino superior. Para isso apresentamos os dados no quadro síntese, abaixo:

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QUADRO XIII – Quadro Síntese do 3ºContexto Formativo de Rosa: a experiência no ensino superior e as intersecções com a formação inicial e a educação básica.

ENFOQUES PRETENDIDOS Respostas dadas aos Questionários 1ª opinião:

O que é ser professora no ensino superior?

20 “Considero muito importante, pois exige mais de mim do que a Educação básica e também

como pretendo continuar me qualificando a experiência com o ensino superior é de fundamental importância” (Q.C.- Março de 2004)

Quando surgiu o desejo de ser professora na universidade? 21

“O desejo de ser professora no ensino superior surgiu nos semestres finais do curso de graduação, contudo naquela época acreditava ser apenas um sonho; quando alguns dias após o término do curso, realizaram um teste seletivo no departamento de Matemática, foi

necessário um certo convencimento por parte de alguns amigos para que eu participasse do mesmo, pois tinha consciência de minha inexperiência, porém também estava ciente de

minha capacidade de aprender e assim decidi fazer o teste e desta forma ser avaliada por outras pessoas; foi assim que pela primeira vez participei de um teste seletivo e fui

aprovada”(Q.3 – Questão 1)

Na sua opinião o que o professor formador precisa saber para

trabalhar na formação inicial? 22

“Considero que um professor formador num curso de licenciatura em Matemática deve conhecer os conteúdos específicos desta área e também conteúdos pedagógicos e

educacionais de uma forma geral. Penso desta forma porque acredito que é necessário que todos estes aspectos sejam considerados por todos os professores, pois quando isto não

ocorre o que se percebe é uma discordância entre o que é apresentado por estas áreas. Um exemplo disso pode ser percebido quando nas disciplinas pedagógicas do curso se propõe metodologias de ensino diferenciadas os alunos comentam que se é tão importante buscar utilizar metodologias diferentes porque no decorrer do curso os professores das disciplinas

específicas se restringiram a aula expositiva. Da mesma forma, o inverso também é verdadeiro, por exemplo quando um professor com outra formação trabalha a disciplina de

Didática da Matemática, normalmente os temas abordados carecem de exemplos relacionados a área da Matemática” (Q.3 – Questão 2)

Perfil do professor formador na opinião de Rosa.

Considera ter esse Perfil?

23

“Um profissional que detenha conhecimentos específicos de sua área mas também conhecimentos em outras áreas , como por exemplo, de Educação Matemática e Educação.

(Q..3 – Questão 3 a)

“Para trabalhar as disciplinas pedagógicas do curso acredito que sim, entretanto com relação as disciplinas específicas penso que pelo fato de fazer vários anos que não atuo nas mesmas precisaria haver um grande investimento de minha parte para que desenvolvesse

um bom.” trabalho”(Q.3 – Questão 3 b) Como deve ser um curso de

graduação que forma professores de Matemática?

24 “Este curso deve contemplar as disciplinas específicas de sua área e também disciplinas de educação Matemática e de educação em geral, e é muito importante que estas áreas sejam

consideradas com igualdade dentro do curso”(Q.3 – Questão 4)

Você está satisfeito com sua atuação no ensino superior?

Por que? 25

“Acredito que sim, desde o início procurei qualificar-me, mesmo que para isso sempre tive que financiar pessoalmente a realização desta qualificação. Sempre empenhei-me em

continuar buscando novos conhecimentos para tornar minha prática pedagógica o melhor possível. Procuro a cada semestre propor uma prática diferenciada, buscando aperfeiçoar-

me constantemente”(Q.3 – Questão 5)

Como descreve sua prática docente no ensino superior? 26

“No ensino superior, exceto por uma ou outra disciplina especifica da Matemática, sempre trabalhei com disciplinas pedagógicas do curso de Matemática. São estas disciplinas

responsável pela formação pedagógica do futuro professor, e no caso específico do nosso curso, a maioria dos alunos dizem não querer ser professor de Matemática, diante deste fato

percebo como muito importante na formação destes alunos a prática docente de todos os professores do curso, pois acredito que muitos vão conduzir suas próprias práticas docentes

“espelhados” nos professores que tiveram durante sua formação. Por tudo isso é que sempre senti responsabilidade que minha atuação como professora teria para estes alunos.

Trabalhei sempre procurando ressaltar a importância e a responsabilidade da função do professor” (Q.4 – Questão 2)

Como você analisa sua prática docente como formadora de

professores? 27

PONTOS POSITIVOS: A experiência na Educação básica;

Comprometimento com a formação de futuros professores; A responsabilidade;

A diversidade de metodologias utilizadas.

PONTOS NEGATIVOS: “Atualmente tenho estado muito desestimulada com a minha vida profissional. Minha

preocupação é que isso não transpareça para os alunos. Que meu discurso sobre a vida profissional não se apresente vazio, por não corresponder totalmente com o que estou sentindo neste momento. Mas este é um sentimento provisório, que logo vai passar, o

importante é que não afete a formação dos alunos” Q.4 – Questão 4)

231

Rosa ingressou como professora formadora na UNEMAT, em 1996, através de Teste Seletivo na área de Geometria, tendo realizado, após cada finalização de contrato, mais três Testes Seletivos.

Durante sua atuação no ensino superior54, ministrou as disciplinas de Geometria para o Ensino, Geometria Descritiva, Instrumentação para o Ensino de Matemática I e II, Prática de Ensino de Matemática I e II, Didática da Matemática, Didática Geral, Seminário I e II e Metodologia de Pesquisa, predominando em sua atuação as disciplinas da área pedagógica e de Educação Matemática.

Durante o primeiro semestre letivo de 2004, ministrava a disciplina de Prática de Ensino da Matemática I, no VII semestre do curso de Matemática, com carga horária de 120 horas/aulas. Nesse período também orientava 7 alunos em seus Trabalhos de Conclusão de Curso.

No Q.C, Rosa emitiu sua primeira opinião sobre o Ser Professora no ensino superior, explicando que considera muito importante ser professora na universidade, pois atuar neste nível de ensino exige bem mais dela que a educação básica e ainda acrescenta que, por ter o desejo de continuar se qualificando como professora, a atuação no ensino superior é um fator determinante para realização de seu desejo.

Rosa demonstra considerar-se sujeito de sua formação ao mencionar, já nessa primeira opinião, a importância da busca de conhecimento por parte do próprio professor para trabalhar no ensino superior, considerando a sua aprendizagem uma constante. Interpretamos que considera a sua atuação no ensino superior uma realização profissional para ela.

Rosa, ao ser questionada sobre quando e como surgiu o desejo de “Ser Professora” no ensino superior, respondeu: “nos semestres finais do curso de graduação, contudo naquela época

acreditava ser apenas um sonho; quando alguns dias após o término do curso abriram um teste

seletivo no departamento de Matemática, foi necessário um certo convencimento por parte de alguns

amigos para que eu participasse do mesmo, pois tinha consciência de minha inexperiência, porém

também estava ciente de minha capacidade de aprender e assim decidi fazer o teste e desta forma ser

avaliada por outras pessoas; foi assim que pela primeira vez participei de um teste seletivo e fui

aprovada” (Resposta 16).

Rosa mostrou que o desejo de ser professora surgiu pela confiança depositada por seus professores em sua capacidade de aprender, mostrando-se mais uma vez ser sujeito de sua formação mesmo não tendo ainda experiência como professora. A partir do desejo e da opção, vai-se constituindo como docente num processo de profissionalização que, segundo Tardif (2002), “é um 54Algumas informações foram registradas no diário de pesquisa e não fazem parte das respostas dadas aos questionários.

232

processo em construção ao longo de uma carreira profissional na qual o professor aprende progressivamente a dominar seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o interioriza por meio de regras de ação que se tornam parte integrante de sua consciência prática” (p. 11).

Nesse processo, o professor vai construindo e reconstruindo um conjunto de saberes docentes como sujeito do processo. É ele que possui, transmite e transforma esses saberes originários de diversos locus formativos, seja, a formação inicial, a experiência como professor na educação básica ou a experiência como professor formador no ensino superior, ou mesmo, a família, o sindicato, o clube, etc.

Questionada sobre o que considera que um professor formador precisa saber para atuar num curso de licenciatura em Matemática, Rosa respondeu: “conhecer os conteúdos específicos desta

área e também conteúdos pedagógicos e educacionais de uma forma geral. Penso desta forma porque

acredito que é necessário que todos estes aspectos sejam considerados por todos os professores, pois

quando isto não ocorre o que se percebe é uma discordância entre o que é apresentado por estas

áreas. Um exemplo disso pode ser percebido quando nas disciplinas pedagógicas do curso se propõe

metodologias de ensino diferenciadas, os alunos comentam que se é tão importante buscar utilizar

metodologias diferentes porque no decorrer do curso os professores das disciplinas específicas se

restringiram a aula expositiva. Da mesma forma, o inverso também é verdadeiro, por exemplo quando

um professor com outra formação trabalha a disciplina de Didática da Matemática, normalmente os

temas abordados carecem de exemplos relacionados a área da Matemática” (Resposta 22).

Rosa afirma a necessidade de um professor formador ter um curso de licenciatura, ter conhecimento dos conteúdos específicos da área que trabalha e também dos conteúdos pedagógicos e educacionais, para não haver a discordância entre o que é discutido entre as áreas, reafirmando ainda ser necessário um saber do professor formador composto de um saber conteúdo (da área específica) e um saber ensinar esse conteúdo, não havendo predominância de nenhuma das partes. Rosa exemplifica, pela sua experiência que é fundamentada pelo seu percurso profissional, a importância dos saberes do professor universitário, confirmando o que Pimenta e Anastasiou (2002) dizem sobre a docência universitária: “a docência na universidade configura-se como um processo contínuo de construção da identidade docente e tem por base os saberes da experiência, construídos no exercício profissional mediante o ensino dos saberes específicos das áreas de conhecimento” (p. 88).

Complementa essa idéia ao ser indagada sobre como deve ser o perfil do professor formador, revelando que o professor formador deve ser: “profissional que detenha conhecimentos

233

específicos de sua área, mas também conhecimentos em outras áreas, como por exemplo, de

Educação Matemática e Educação” (Resposta 23).

Percebemos, mais uma vez, a importância de o percurso da construção de aprendizagens da docência estar consolidado na busca de qualificação profissional. No caso de Rosa, ela além de seu curso de graduação ter sido na área de licenciatura em Matemática, procurou aprofundar seus conhecimentos na área da Educação Matemática em sua especialização e, após, ampliou seu enfoque buscando fazer seu mestrado na área da Educação. Talvez tenha feito esse percurso por ser professora em um curso que forma Educadores Matemáticos para atuar nas escolas de educação básica, ou ainda, por estar atuando neste nível de ensino como Educadora Matemática, paralelamente à universidade, percebendo as necessidades deste nível de ensino.

Ao ser questionada se considera contemplar esse perfil que descreveu, respondeu: “para

trabalhar as disciplinas pedagógicas do curso acredito que sim, entretanto, com relação às disciplinas

específicas, penso que pelo fato de fazer vários anos que não atuo nas mesmas precisaria haver um

grande investimento de minha parte para que desenvolvesse um bom trabalho” (Resposta 23).

Percebemos que reflete sobre sua prática docente, sendo sincera ao mencionar que nas disciplinas pedagógicas, que é sua área de atuação e de formação nas pós-graduações, acredita que sim. Porém nas demais áreas, necessitaria de um investimento pessoal, no entanto, não se retira da possibilidade de procurar (re)construir, se caso for necessário, esses conhecimentos para as disciplinas específicas.

Ao ser solicitada que avaliasse sua atuação no ensino superior, respondeu: “Acredito que

sim, desde o início procurei qualificar-me, mesmo que para isso sempre tive que financiar

pessoalmente a realização desta qualificação. Sempre me empenhei em continuar buscando novos

conhecimentos para tornar minha prática pedagógica o melhor possível. Procuro a cada semestre

propor uma prática diferenciada, buscando aperfeiçoar-me constantemente” (Resposta 25).

Percebemos que Rosa faz um balanço de seu percurso profissional refletindo sobre suas buscas por aperfeiçoar o que fazia e seu investimento pessoal em suas ações. Demonstrou também em sua resposta refazer sua prática a cada novo semestre.

Rosa refletiu, nas últimas questões sobre o perfil do professor formador, afirmando ser necessário uma junção de saberes que fazem um profissional qualificado, evidenciando ser necessário conciliar a formação especifica, ou seja, os saberes curriculares e disciplinares da área de atuação, com os saberes profissionais, pedagógicos e os da experiência. Ao refletir se possui esses saberes que julga importantes para ser professora formadora, reflete que, se for na área na qual atuou, ou seja, que

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construiu um saber da experiência que se consolidou sob os demais saberes, sim, mostrando achar importante a experiência como fonte de sabedoria. Dessa forma, percebemos que Rosa configura sua aprendizagem da docência do ensino superior, valorizando os saberes e experiências adquiridos em todas os locus formativos durante um percurso profissional de aprendizagens constantes.

Para entendermos melhor a construção dos saberes docentes e as intersecções nos locus formativos definidos na pesquisa, solicitamos que Rosa descrevesse a sua prática docente na educação básica. Mostra-se segura em relação a sua prática de ensino na educação básica, sabendo do que está falando (Resposta 18). Reporta-se ao ensino de Matemática na educação básica com a propriedade de quem construiu um saber docente baseado, sobretudo, na experiência, isto é, um saber da experiência. Além desse saber da experiência, Rosa evidência também um saber profissional que, segundo Tardif (2002), é um saber que parece ser plural, compósito, heterogêneo, pois traz à tona, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser, bastante diversificados e provenientes de fontes variadas, as quais podemos supor também que sejam de natureza diferente. É o saber profissional que Rosa mostra ao se referir às turmas heterogêneas, ao desinteresse dos alunos. Além disso, ao sentir muita responsabilidade em fazer com que os alunos percebam o porquê do que estão estudando.

Já ao descrever a sua prática docente no ensino superior, Rosa salienta que: “no ensino

superior, exceto por uma ou outra disciplina específica da Matemática, sempre trabalhei com disciplinas

pedagógicas do curso de Matemática. São estas disciplinas responsáveis pela formação pedagógica

do futuro professor, e no caso específico do nosso curso, a maioria dos alunos dizem não querer ser

professor de Matemática, diante deste fato, percebo como muito importante na formação destes alunos

a prática docente de todos os professores do curso, pois acredito que muitos vão conduzir suas

próprias práticas docentes “espelhados” nos professores que tiveram durante sua formação. Por tudo

isso é que sempre senti responsabilidade que minha atuação como professora teria para estes alunos.

Trabalhei sempre procurando ressaltar a importância e a responsabilidade da função do professo”

(Resposta 26).

Rosa, em sua descrição, salienta que, na sua prática docente no ensino superior, predominou a atuação nas disciplinas pedagógicas do curso. São essas disciplinas responsáveis pela formação pedagógica do futuro professor e importantes para a profissão do professor de Matemática. Dessa forma, sente-se no compromisso de agir da melhor maneira possível, retratando isso ao dizer: “acredito que muitos vão conduzir suas próprias práticas docentes “espelhados” nos professores que

tiveram durante sua formação”. Ao dizer isso, Rosa mostra-se na responsabilidade de transmitir aos

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alunos as suas experiências e saberes para que eles possam experimentá-los na prática como professores, criando, a partir daí, um saber deles.

Interpretamos, com as duas últimas respostas, que Nunes (2001) tem razão ao salientar que a prática pedagógica do professor é tomada como mobilizadora de saberes profissionais, porque em sua trajetória, o docente constrói e reconstrói seus conhecimentos conforme a necessidade.

Ao estabelecer a relação entre a prática na educação básica e no ensino superior, Rosa respondeu: “como trabalho com as disciplinas pedagógicas do curso, acredito que o fato de

concomitantemente estar desenvolvendo atividades com a educação básica me permitiu um discurso

que envolva tanto a teoria quanto a prática docente, no ensino superior” (Q. 4 –Questão 3).

Rosa demonstra a parceria que estabelece entre os locus formativos, isto é, entre o ser professora na educação básica e no ensino superior, entre os saberes adquiridos nesses espaços de formação, e como são significados para gerar a aprendizagem da docência do ensino superior.

Tardif, Lessard e Lahaye (1991) denominam de “saberes da experiência o conjunto de conhecimentos que não são sistematizados por teorias” (p. 228), mas podem dar sustentação a teorias que são provenientes da prática de trabalho. Dizem os mesmos pesquisadores: “são saberes práticos e não da prática: eles não se aplicam à prática para melhor conhecê-la, eles se integram a ela e são partes dela enquanto prática docente” (p. 228).

Interpretamos, assim, que Rosa, ao estabelecer a relação entre a educação básica e o ensino superior, mostra como (re)constrói sua aprendizagem da docência do ensino superior, realimentando os locus formativos, através dos saberes e experiências desenvolvidas com significado para ela, pois segundo Tardif (2002), os próprios professores, no exercício de suas funções e na prática de sua profissão, desenvolvem saberes específicos, baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. “Esses saberes brotam da experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se à experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser” (p. 39).

Em todas suas respostas Rosa interseciona, significativamente, suas experiências profissionais, demonstrando dar um grande valor à possibilidade de atuar na educação básica como Educadora Matemática e ser professora formadora de professores que irão atuar também na educação básica. Mostra também refletir constantemente sobre sua prática pedagógica, tanto na educação básica como no ensino superior, fazendo a ligação entre os diversos locus formativos, acarretando saberes docentes que resultam, após refletidos por ela, em aprendizagens da docência do ensino superior.

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Ou seja, percebemos, até aqui, que Rosa aprende a ser professora refletindo sobre sua prática docente em seus locus de atuação, trazendo saberes refletidos e significados que geram a sua experiência, compartilhada nesses locus formativos.

III - Um novo olhar nas revelações sobre a aprendizagem da docência: o processo de reflexão e aprofundamento de Rosa

No momento da pesquisa em que realizamos a entrevista reflexiva e de aprofundamento, Rosa tinha assumido um concurso público em uma Universidade no Estado da Bahia. Dessa forma foi necessário encontrar um meio de realizar essa entrevista a distância. Decidimos, então, utilizar o messenger como instrumento/meio de interação para dialogar a respeito do que desejávamos.

Para facilitar e organizar nosso encontro pela internet, momentos antes, enviamos por e-mail um roteiro individual elaborado a partir das respostas dadas por ela aos questionários. Esse roteiro serviria para a pesquisa com orientação, principalmente, nos momentos onde nos referimos a respostas dadas aos questionários anteriores, no entanto, este não nos limitaria a perguntar só o que ali se constasse, dependeria muito do rumo que as respostas dariam.

No horário combinado, começamos tranqüilamente a “dialogar pela internet”, realizando assim, nossa entrevista. Solicitamos a ela que seguisse o roteiro quando necessário.

Começamos referindo-nos a sua opção pelo curso de Matemática (resposta 2-contexto I); ela explicou que sua intenção não era fazer uma licenciatura em Matemática e sim Engenharia Civil. No entanto, na mesma resposta, revelou que, no processo de formação, identificou-se com o curso de Matemática. Pedimos então que explicasse o que a levou a identificar-se no curso e com o curso. Explicou:

creio que inicialmente queria cursar Engenharia Civil em virtude do contexto no qual vivi grande parte de minha vida. [...] tive vários professores no ensino médio que eram engenheiros. [...]. Hoje refletindo sobre está opção acredito que de fato eu gostava e tinha facilidade para aprender Matemática e Física e dentre as profissões eu poderia escolher estava a engenharia, contudo ao iniciar o curso de Matemática, e começar as discussões sobre Educação e as dificuldades que existiam em relação ao processo ensino-aprendizagem da Matemática, senti-me desafiada e fui percebendo que era isto que de fato gostaria de fazer. Para mim sempre foi muito fácil aprender Matemática, entretanto, sabia que nem todos conseguiam compreendê-la, foi em função disto que decidi continuar cursando licenciatura em Matemática.

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Interpretamos que, apesar de não ter escolhido inicialmente o curso de licenciatura em Matemática Rosa, ao perceber, através de discussões durante sua formação inicial, o desafio de ensinar a Matemática na escola de educação básica, sentiu-se desafiada a aprender a ensinar, além de aprender o conteúdo matemático e a buscar meios para tornar a aprendizagem desta ciência acessível a todos, identificando-se no processo por essa razão e desejando, a partir daí, ser professora de Matemática. Para nós esse é um dado importante, pois ao se identificar com o curso, percebeu-se como responsável por sua formação, ou seja, sujeito de sua aprendizagem da docência, estabelecendo, neste momento, a diferença na sua carreira.

Em relação à formação inicial ainda, sugerirmos que lesse no roteiro a resposta 3 do contexto I. Destacamos, então, um trecho: “contudo acabava me dedicando mais as [disciplinas]

específicas, pois os professores destas disciplinas exigiam mais dos alunos do que as pedagógicas”.

Perguntamos, partindo desse trecho destacado, se na sua opinião, a exigência dos professores, daquela época, das disciplinas específicas refletia o momento vivido pelo curso. Explicou:

No meu curso de graduação as disciplinas específicas exigiam mais dedicação por parte dos alunos e acredito que isso ocorreu devido a vários fatores, mas considero que dois foram mais importantes que os demais. Um dos fatores que levaram-me a uma dedicação maior as disciplinas especificas foi devido ao projeto pedagógico do curso estar marcadamente voltado para a formação de professores sob uma perspectiva de formação do técnico-especialista. Hoje posso considerar que isso podia ser constatado tanto na estrutura curricular do curso (modelo 3+1), bem como na concepção da maioria dos professores do curso, que concebiam que para uma pessoa constituir-se num professor de Matemática era suficiente ter domínio do conteúdo matemático. Outro fator que considero importante foi o fato de que na época que fiz o curso todos os professores das disciplinas pedagógicas eram de outras áreas e os mesmos não conseguiam estabelecer uma relação destas áreas com a Matemática, desta forma não conseguíamos perceber sua importância para nossa formação enquanto professores de Matemática. Portanto, penso que nesse sentido tive uma formação fragmentada, na qual as disciplinas pedagógicas não faziam referência a Matemática, bem como os professores das específicas em momento algum comentavam sobre o processo ensino-aprendizagem da Matemática.

No momento anterior de análise de dados dessa pesquisa, referimo-nos ao curso de licenciatura em Matemática de Sinop-MT como um curso moldado numa perspectiva de formação técnico-especialista. Rosa, com a afirmação acima, acaba confirmando nossa percepção, atribuindo os fatores dessa sua compreensão às prioridades de aprendizagens na sua formação inicial, justificando-se através da exigência dos professores. Complementa sua reflexão sobre o momento I deste curso, evidenciando novamente o aprender a ser professora na formação inicial, se referindo ao seu ingresso como professora formadora:

[...] Com relação ao ingresso no ensino superior logo após o término do curso também reflete um pouco a concepção dos professores do curso sobre o que era importante para ser um professor no curso de licenciatura em Matemática. Fui

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selecionada, pois tinha um bom conhecimento em relação aos conteúdos específicos de Geometria, área em que fiz o teste seletivo [...].

Aqui também evidencia o momento I do curso, fazendo-nos perceber o que nele era importante. Os professores que participaram da sua seleção a conheciam como aluna e sabiam das suas competências relacionadas aos conhecimentos específicos de uma determinada área da Matemática. Recém-formada, sem experiência de sala de aula, é aprovada para o ensino superior, começa a dar aulas neste nível de ensino, tornando-se responsável pela formação de outros professores. Concordamos com Rosa quando diz que o que importava, naquele momento, era saber Matemática, o ensinar a Matemática ficava relegado a um segundo plano e era refletido esse posicionamento nas ações dos professores formadores, tanto em sala de aula, como descreveu anteriormente, como na hora de selecionar outros professores para atuar no curso. No entanto, isso nos remete a pensar que nesta concepção do aprender a ser professor, era realmente entendido como algo que viria com a prática de ensino e com o tempo de experiência, não sendo desta forma na nossa opinião, totalmente condenável, porém o que criticamos é a estrutura, o processo de reflexão sobre a formação de professores que não permite com que as reflexões sobre as práticas de ensino façam parte desta formação.

Como existia uma estrutura de um curso baseado no modelo acima citado, e isso nos instigava em relação à influência dessa estrutura e das ações dos professores formadores na formação inicial de Rosa e como sabíamos que ela tinha começado a atuar como professora, tanto na educação básica como no ensino superior, logo após ter concluído o seu curso de licenciatura, queríamos compreender como que Rosa aprendeu a ser professora. Sugerimos que ela se reportasse à época de sua formação inicial, mais especificamente, do seu estágio curricular supervisionado, para relembrar como foi essa experiência, já que este foi o seu primeiro contato com a sala de aula na posição de professora, e o quê dessa experiência lhe ajudou como professora após o término do curso. Rosa respondeu:

O meu estágio curricular supervisionado foi muito importante uma vez que, até aquele momento, não atuava como professora, então esta foi minha primeira experiência como docente. Contudo, hoje considero que o estágio foi uma atividade que considerei como burocrática, ou seja, uma atividade que teria que cumprir para poder concluir o curso. Planejei as aulas e fui a uma escola desenvolver este planejamento. Não me recordo da supervisora do estágio ter analisado meus planos e de ter ido avaliar-me em sala de aula. Como a professora regente da turma não participou das aulas, fiquei sozinha aquele período tentando dar conta daquela nova experiência. Considero que foi válida está experiência, entretanto se houvesse uma participação maior da supervisora eu poderia ter realizado um estágio muito melhor.

Compreender melhor o momento do curso de Matemática ao qual Rosa realizou a sua formação inicial e a sua aprendizagem da docência, nos forneceu mais uma vez elementos que

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caracterizam este momento, como é o caso da concepção de estágio supervisionado e o papel dele num curso que forma professores. O estágio, conforme descreve, era visto numa perspectiva de aplicação dos conhecimentos adquiridos anteriormente e verificação se o professor estava “pronto” para desenvolver a profissão. Esses aspectos nos remetem também a caracterizar o momento I do curso de Matemática, embasado na perspectiva da racionalidade técnico-especialista, onde ao nosso ver não passa de uma atividade burocrática ,como disse a professora formadora Rosa.

Desta forma, interpretamos que Rosa não se remete ao estágio como momento de aprender a docência e nem de refletir com o auxílio da universidade sobre a prática do ensino que, por ora desenvolvia, justificando-se pelas dificuldades que encontrou talvez pela ausência da supervisora de estágio, referindo-se também à solidão deste momento em que teve que “dar conta” do que necessitava.

Neste sentido, perguntamos-lhe o que, deste processo de formação inicial, tinha lhe auxiliado no aprender a docência, tanto da educação básica como do ensino superior. Respondeu:

considero que o fato de ter começado a atuar como professora num curso superior logo após o término de meu curso de graduação foi de fundamental importância para minha formação e vida profissional. Pois a medida que comecei a trabalhar no curso fui percebendo que precisava aprender muita coisa, a cada dia sentia a necessidade de estudar mais, de me aprofundar naquelas disciplinas que havia cursado e que considerava que não tinha conhecimento suficiente; conscientizava-me a cada momento que tinha que “correr atrás” do que não tinha dado importância na graduação. Hoje refletindo sobre isso penso que de fato isto foi determinante para minha vida profissional. Será que se eu tivesse começado a atuar na educação básica não teria me acomodado e achado que o que eu havia aprendido na graduação era suficiente? Não sei a resposta a este questionamento. O que sei é que grande parte dos professores depois de certo tempo acabam por se acomodar, por não darem importância pela constante atualização, tão necessária para a formação do professor.

Percebemos que Rosa, na reflexão acima, expõe seu processo de formação como professora, indagando-se das possibilidades e refletindo sobre o que observava acontecer com os professores da educação básica, no sentido de acomodação e acharem que, o que sabem, é o suficiente para ensinar. Porém, refletiu que, no seu caso, o fato de ter começado a trabalhar, tanto na educação básica como no ensino superior, logo após a conclusão de seu curso, possibilitou-lhe o aprender a ser professora de forma que percebeu que deveria ser sujeito de sua formação e que esta não se restringia ao espaço do curso de Matemática, decidindo, por isso, ir atrás do que necessitava para ensinar Matemática e ainda as disciplinas pedagógicas do curso de Matemática.

Interpretamos que esse aprender a ser professor se pautou na reflexão de suas ações como professora na educação básica, concomitante às ações como professora formadora de outros professores no ensino superior, percebendo suas dificuldades por ter realizado uma formação inicial da

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forma que desenvolveu, e ter chegado à escola do jeito que chegou, com todas as dificuldades do início de uma carreira. Sobre aprender a ser professora na ação, como sujeito de sua formação constante, afirmou que procurou aprender no processo, se responsabilizando pela sua própria formação.

Para compreender melhor o processo de formação de Rosa e o que dele mudou em suas concepções, solicitamos para se referir ao fato de ter iniciado a atuar como professora logo após a conclusão do seu curso de Matemática, perguntando a ela se tivesse a oportunidade de reviver esta experiência novamente, se faria algo diferente? O quê e por quê? Rosa respondeu:

ao olhar para traz e analisar meu ingresso no ensino superior como professora, não mudaria a maneira que agi, somente não sei se novamente teria coragem para fazer o que fiz. Isto porque hoje tenho consciência do pouco que conhecia na ocasião.

Interpretamos que, ao olhar para trás, ao olhar o “bordado” feito com as “linhas” (argumentos) que tem hoje, com todas as experiências refletidas, percebe, na sua história profissional, os momentos que lá viveu, e, atualmente, de uma forma diferente que vive, compreende a influência e a importância da formação continuada na vida profissional dos professores e a importância que a reflexão em seu processo de formação, seja a inicial como continuada.

Dando continuidade, sugerimos que lesse a resposta dada ao Q.1. Quando questionada se aprendeu a ser professora na formação inicial, ela comentou sobre a percepção de considerar que “aprende a ser professora a cada dia que entra na sala de aula [...]”;Indagada como essa formação foi construída e se sempre pensou assim, ela respondeu:

Percebi no decorrer de minha trajetória profissional, que se aprende a ser professora a cada dia que se entra em sala de aula. Acredito que o formado em licenciatura pensa que ao iniciar a sua vida profissional necessita saber tudo sobre a docência, isto pode ser constatado pela angústia que muitos têm de não saber “tudo”, neste aspecto considero que os cursos de licenciatura têm um papel muito importante, ou seja, de mostrar que o curso de graduação não vai conseguir ensinar tudo que o professor vai necessitar saber para exercer sua função para sempre, o que o curso faz é proporcionar uma base para que o futuro professor possa por ele mesmo buscar a solução para os problemas que forem surgindo em sua trajetória profissional.

Parte da sua trajetória profissional para refletir sobre o processo de aprender a docência e o papel da formação inicial nisso. Destaca a preocupação do recém formado em saber tudo até pelo fato de que se preparou durante quatro anos para ser professor e ter construído durante uma vida inteira a concepção de que o professor deve saber tudo. Conclui sua resposta, demonstrando, com o olhar construído em sua trajetória profissional, o que pensa sobre o papel da formação inicial em Matemática na aprendizagem da docência.

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Interpretamos que, pelo fato de aparecer, na sua trajetória profissional, no mesmo percurso, a experiência na educação básica e no ensino superior, Rosa percebeu talvez com mais facilidade, e em menos tempo de atuação do que outros professores, que nunca saberemos tudo e que é necessário buscar sempre mais para ensinar, pois a própria sociedade exige isso do professor, por isso que a formação inicial não tem o papel de ensinar tudo, pois é impossível.

Na resposta a que nos referimos anteriormente, destacamos para Rosa o trecho: “[...] vejo

que a formação inicial foi de fundamental importância para que pudesse entrar em sala de aula com o

mínimo de conhecimento necessário para tentar solucionar os problemas que surgem no decorrer do

processo ensino-aprendizagem”. Pedimos-lhe que explicasse o que é esse mínimo de conhecimento necessário e como a sua formação inicial contribuiu para a sua aprendizagem da docência. E o que ela, como professora formadora, faz para que seus alunos da graduação percebam que “aprender a ser professor é um processo”. Ela respondeu:

Penso que o mínimo de conhecimento necessário diz respeito às disciplinas básicas do curso, tanto as de cunho pedagógico como as de conteúdos específicos. Sendo que é muito importante estas disciplinas trabalharem de forma que possam propiciar uma formação na qual estas áreas sejam trabalhadas de forma interligadas, e que todas possibilitem discussões que almejem uma formação em que não haja uma dicotomia entre pedagógicas e específicas.

Interpretamos que compreende ser importante a interligação das disciplinas do curso, enfatizando a necessidade de relacionar as disciplinas específicas com as pedagógicas, dando à formação um mesmo corpo de conhecimentos, construindo assim, na formação inicial, pelo menos os saberes docentes necessários para que o formando se inicie na profissão de professor.

Comentamos com Rosa, durante a entrevista, que ela foi a única professora formadora que participa desta pesquisa, que viveu como aluna o primeiro momento do curso de licenciatura em Matemática; e que, já como professora, participou da reestruturação curricular do curso e que, após a implantação da nova matriz curricular continuou a atuar no curso. Por isso, gostaríamos que ela falasse sobre as duas matrizes curriculares (momento I e II do curso) visto que nos questionários afirmou que a atual matriz contribui mais para a formação do Educador Matemático. Rosa respondeu:

O fato de ter participado da reestruturação curricular do curso foi de fundamental importância para minha formação uma vez que essa reestruturação realizou-se mediante a participação de todos os professores do curso em reuniões semanais que aconteceram no decorrer de um ano letivo. Nestas reuniões eram debatidos documentos oficiais, bem como resultados de pesquisas em Educação Matemática, visando à estruturação de um curso que estivesse condizente com o que se estabelecia para os cursos de licenciatura em Matemática. Esta reestruturação iniciou-se com um estudo do 1° Projeto Pedagógico, bem como com um levantamento dos principais problemas enfrentados pelo curso. Posteriormente foi traçado o perfil desejado do formado em licenciatura em Matemática e com base nestas informações estruturou-se o 2° Projeto Pedagógico do Curso.

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Ressalta a importância dos estudos coletivos entre os professores e o crescimento do individual no coletivo que disso resulta, ao considerar que esse fato foi importante para sua vida profissional. Além disso, evidenciou a metodologia estudada na época da reestruturação, onde se partiu dos problemas encontrados pelos professores e alunos no 1º Projeto Pedagógico, então houve a necessidade de conhecer o primeiro e não desconsiderá-lo por inteiro, para se chegar à reestruturação de fato, não resultando somente em uma nova matriz curricular e sim em reflexões coletivas que geraram novas concepções e ações para muitos professores.

Perguntamos ainda se o fato de ter vivido estes dois momentos do curso tinha representado alguma coisa no seu percurso de aprendizagem da docência do ensino superior. Ela respondeu:

Considero muito importante que o professor universitário conheça o Projeto Pedagógico do curso no qual atua, uma vez que ali está exposto quais são os objetivos do curso, o perfil do licenciado, e também se há alguma indicação de metodologia de ensino a ser utilizada por todos os professores do curso. O que acontece muitas vezes é o curso ter um Projeto Pedagógico muito bom, contudo o mesmo não é desenvolvido na prática pedagógica dos professores, em alguns casos por não terem lido ou ainda por não concordarem com o que está estabelecido neste documento.

Rosa evidencia a importância dos saberes curriculares, disciplinares e profissionais dos professores formadores, refletidos na importância do entendimento do projeto pedagógico do curso, pelo coletivo de professores, para que a formação inicial não se caracterize de uma forma fragmentada. Interpretamos que Rosa percebe a importância, em seu percurso, da construção da aprendizagem da docência, justamente, por ter vivido esses dois momentos importantes e que retratam a história de formação de Educadores Matemáticos no município de Sinop-MT e região.

Em virtude disso, na seqüência da entrevista, lemos, do roteiro individual, a pergunta que direcionava a reflexão sobre se Rosa sentia dificuldade em atuar como professora formadora no mesmo curso onde realizou sua formação inicial e que agora possui uma outra matriz curricular, visto que ,no momento anterior de coleta de dados, havia respondido que não, justificando isso na resposta 8. Então perguntamos que diferenças são aquelas a que se refere? Rosa explicou:

A principal diferença que percebi está relacionada à tentativa de que não haja uma dicotomia entre as disciplinas “pedagógicas” e “específicas”. Com isso ao trabalhar as disciplinas buscava sempre relacionar a discussão teórica com exemplos práticos do dia a dia da sala de aula. Buscava mostrar, por exemplo, a didática relacionada aos conteúdos matemáticos, e assim por diante.

Como sujeito de sua formação, Rosa talvez por ter feito um curso de licenciatura em Matemática e suas pós-graduações na área da educação, no grupo de professores formadores sempre buscou evidenciar a importância de haver um equilíbrio entre as áreas de formação, em virtude de ser

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o curso de Matemática de Sinop-MT, uma licenciatura. Afirma que, pelo menos nas suas ações como professora formadora de outros professores, buscava garantir esse equilíbrio almejado. Assim perguntamos o que estes desafios ocasionados pelas diferenças das duas matrizes curriculares resultaram e como resultaram? Ela respondeu:

Estes desafios resultaram em mais estudos na busca de estar preparada para as mudanças que se fizeram necessárias.

Ao responder assim, Rosa nos faz compreender que, como se vê como responsável por sua formação contínua, os desafios a levaram a buscar aperfeiçoamento para trabalhar no ensino superior, se superando gradativamente em seu percurso profissional. Diferente de muitos professores formadores, para quem os desafios servem de justificativa para seus fracassos.

Na seqüência, solicitamos que Rosa acompanhasse, no roteiro individual, lendo a pergunta que fizemos em julho de 2004, e a sua resposta, sobre se as disciplinas pedagógicas do curso que realizou auxiliam em sua prática docente no ensino superior. Ela havia nos respondido então que: “Auxiliam parcialmente, penso que de fato foi nos estudos posteriores a graduação que encontrei

auxílio para as aulas que desenvolvo como Formadora de Professor” (Q.1 – Questão 9a). Assim lhe perguntamos se antes de fazer os “estudos posteriores” que mencionou em sua resposta, as disciplinas pedagógicas do seu curso de formação inicial lhe auxiliavam. Em que e como? Ela respondeu:

Sim as disciplinas pedagógicas do curso me auxiliaram logo que iniciei meu trabalho no ensino superior, contudo imediatamente após ter começado, senti necessidade de um aprofundamento. Comecei estes estudos posteriores por meio de leitura de livros e depois através de cursos de aperfeiçoamento até os cursos de pós-graduação. Estes estudos foram importantes, pois me deram segurança para realizar meu trabalho.

As disciplinas pedagógicas lhe auxiliaram no início da sua carreira como professora, mas não foram o suficiente, buscando no processo de aprender a docência ajuda para realizar cada vez melhor o seu trabalho.

Sendo assim pedimos que, a partir do que havia respondido no Q.4, sobre se sua formação inicial tinha contribuído para sua prática docente na educação básica e no ensino superior, cuja resposta constava no roteiro individual remetido, pedimos para refletir sobre a resposta dada com mais detalhes. Ela refletiu expondo:

Logo que iniciei o meu trabalho como professora no ensino superior fui percebendo que não sabia de fato trabalhar em sala de aula, por exemplo, em meu curso de graduação não foram discutidas outras formas de trabalho além da aula expositiva. Não sabia como realizar a avaliação: o que deveria ser avaliado? Como poderia ser avaliado? Como agir com aquele aluno que se recusa a participar da aula? Estes são apenas alguns exemplos do que eu não sabia fazer quando iniciei meu trabalho como professora. Contudo sabia onde procurar as respostas à estas questões, então comecei a estudar. Atualmente, após nove anos

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trabalhando com a formação de professores, sempre que possível converso com os alunos a este respeito, principalmente quando eles dizem que o curso não os está preparando para exercerem adequadamente a profissão.

Rosa declara que, quando começa a trabalhar no ensino superior não sabia de fato atuar em sala de aula, a não ser desenvolver aulas expositivas. Declara, também, que não sabia agir para tratar com situações básicas, que o curso deveria ter lhe ajudado a refletir, como avaliação e postura frente ao inesperado. No entanto, coloca que a formação inicial lhe mostrou os caminhos de como procurar resolver os problemas inesperados da prática docente e apontou que o caminho para ela seria estudar. Disse que fala sobre isso com seus alunos, que isso não representou um obstáculo intransponível, tanto que usa isso como exemplo para que eles busquem também.

Interpretamos, assim, o que já havíamos compreendido na análise anterior, que para Rosa a formação inicial representou um momento de descoberta de uma profissão, de identificação com essa e, posteriormente, a possibilidade de buscar,, a partir do que já conhecia, novos caminhos para aprender a ser professora.

Comentamos com Rosa que ela era a única professora formadora do grupo de professores pesquisados que havia feito mestrado. Desta forma, perguntamos se atribuía ao seu mestrado o locus de formação para ser professora do ensino superior, conforme prevê a legislação vigente. Ela respondeu:

Acredito que sim, penso que a pós-graduação stricto sensu é mais acessível para os que atuam no ensino superior.

A partir de sua resposta, perguntamos: No seu curso de mestrado você realizou alguma disciplina que refletisse ou discutisse a prática pedagógica do ensino superior? Ela respondeu:

Não. E considero que seria muito importante para a formação de todos a realização de uma disciplina que discutisse a prática pedagógica do ensino superior, especialmente porque a maioria dos alunos do mestrado atuam no magistério superior.

Na primeira resposta afirma que o seu curso de mestrado representou um dos locus de formação para ser professora no ensino superior e, na outra, diz que não teve nenhuma disciplina que discutisse a prática pedagógica neste nível de ensino. Interpretamos que se posicionou desta forma por compreender que o mestrado fez a diferença na sua vida profissional, auxiliando-a a refletir sobre as práticas que vinha desenvolvendo no ensino superior, então, para ela, representou um momento importante de sua formação em específico.

Pelo seu percurso profissional ter sido desenvolvido com a atuação em paralelo na educação básica e no ensino superior, lhe perguntamos se achava importante o professor universitário ser ou ter sido professor da educação básica, pedindo que ela justificasse sua resposta:

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Considero que é importante o professor universitário ser ou ter sido professor da educação básica, em especial se este professor trabalhar com as disciplinas de cunho pedagógico, pois uma vez que o curso visa formar professores para atuar na educação básica, isto permite ao professor mais propriedade ao falar sobre o processo ensino aprendizagem da Matemática neste nível de ensino.

No seu posicionamento, deixa clara a importância que atribuiu na sua própria aprendizagem da docência do ensino superior, o fato de atuar também na educação básica, pois na maior parte do seu tempo profissional, no ensino superior, atuou em disciplinas pedagógicas.

Desta forma lhe perguntamos se traz suas experiências como professora da educação básica para sua prática docente no ensino superior. Como e por que faz isso? Ela respondeu:

Sim, pois como trabalho com as disciplinas pedagógicas, isto me permite falar aos alunos de situações vivenciadas por mim mesma e não somente de exemplos apresentados em livros.

Pedimos que, a partir do roteiro individual, verificasse o que tinha respondido quando indagada sobre se as experiências da educação básica influenciavam na sua prática como professora no ensino superior. E que, a partir da resposta 17 do Contexto II, explicasse, refletindo com mais detalhes sobre o que escreveu naquela época. Ela respondeu:

Acredito que ao poder relacionar a teoria da qual estou falando com a minha experiência em sala de aula consigo muitas vezes mostrar mais credibilidade ao que estou falando. Por exemplo, se estou discutindo com os alunos sobre a resolução de problemas enquanto uma tendência didático-metodológica para o ensino da Matemática, o fato de desenvolvê-la nas aulas da educação básica, me permite exemplificar e apresentar aspectos positivos e negativos com muito mais clareza do que se todo meu conhecimento a respeito desta tendência viesse apenas dos textos de outras pessoas. Isso não significa que eu acredite que é somente pela experiência que podemos adquirir conhecimento, mas sim que a junção da teoria com a experiência nos possibilita dar maior riqueza de detalhes e desta forma realizar um trabalho que possibilite aos alunos uma situação de aprendizagem mais completa.

Ela diz que a oportunidade de relacionar o que a teoria apresenta e o que a prática revela é muito importante, pois quem viveu a experiência tem melhores condições de refletir, no coletivo, as possibilidades e limitações de uma determinada teoria. Interpretamos que explica dessa forma por ter construído, concomitantemente, seus percurso profissional com as experiências desenvolvidas na educação básica e no ensino superior, buscando, como disse anteriormente, estudar muito para aprofundar no que sentia dificuldade em sua prática.

Ao descrever a prática docente na educação básica, afirmou, conforme Resposta 18: “diversificar o máximo que possível a metodologia de ensino, as estratégias e os recursos de ensino [...]”. Perguntamos, a partir disso, se julga ter chegado a esta conclusão por ter construído uma aprendizagem da docência da educação básica. Como a construiu? Ou como que aprendeu a agir assim?

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Acredito que busco diversificar o máximo possível a metodologia de ensino, as estratégias e os recursos de ensino na educação básica, pois foi mediante minha experiência como professora que fui percebendo a necessidade de mudar, de buscar atingir o interesse de todos os alunos. Na minha trajetória como professora da educação básica fui percebendo que as turmas são muito heterogêneas e que se o professor ficar “preso” a uma única metodologia de ensino ele vai ter problemas com boa parte dos alunos. Isto eu fui aprendendo no dia-a-dia da sala de aula, nem sempre foi assim, logo que iniciei meu trabalho acreditava que uma aula expositiva “bem dada” era suficiente para que aqueles que tivessem interesse aprendessem. Com o tempo fui percebendo que não é assim, não é só uma questão de domínio de conteúdo e de uma boa explicação, o ensino aprendizagem é um processo multi-fatorial. São tantos os fatores que influenciam neste processo que não é possível afirmar que esta ou aquela metodologia vai funcionar, ou que esta ou aquela estratégia é melhor, na verdade aprendi que deve-se ir diversificando, para que desta forma possamos atingir a maioria dos alunos da turma.

Rosa explica o processo de construção dos saberes docentes baseados nas experiências vividas por ela na educação básica, declarando que foi no processo que foi descobrindo e significando o vivido e transformando-o em experiência, tanto que incorpora aos seus saberes docentes para que estes sirvam de exemplos para seus alunos no ensino superior. Constrói, assim, sua aprendizagem da docência baseada no processo de significação do que viveu, inter-relacionando, no caso dela, todos os locus formativos, a todo o momento.

Dissemos que, na Resposta 19, refletiu seu aprendizado da docência da educação básica, conforme roteiro individual, a qual poderia ler. Perguntamos, então, se quando começou a atuar na educação básica como professora já pensava assim. O que a fez alterar essa forma de pensar?

Ao iniciar minha atuação na educação básica não pensava desta forma o que me permitiu mudar minha forma de pensar foi ver que a cada dia eu aprendia alguma coisa nova neste processo.

Então, na sua opinião, o professor continua aprendendo a cada novo contexto, remetendo a prática docente um locus de formação permanente do professor. Ela continua a responder:

O professor continua aprendendo, pois não somos seres acabados, a cada instante se apresenta ao professor uma situação que lhe possibilita uma reflexão que o leva a aprender alguma coisa nova.

Neste último trecho coloca a possibilidade de refletir sobre uma situação vivida no contexto da prática docente, possibilitando aprender constantemente. Enfatiza, ai, a reflexão como fio condutor para a aprendizagem da docência e, no seu caso, parece que a tomada de consciência acontece, justamente, por relacionar os contextos de prática de ensino onde atuou, refletindo sobre eles e construindo seus saberes profissionais baseados em suas reflexões não sendo estes acabados e prontos, bem pelo contrário, sempre se refazendo, se reconstruindo a cada nova situação vivida, a cada novo livro lido, a cada orientação acabada, etc.

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Quanto ao ensino superior lembramos que, no Q.C, havia emitido sua primeira opinião sobre o ser professor no ensino superior (Resposta 20) que poderia ler roteiro individual. Então perguntamos porque havia considerado, naquela época, que o ensino superior exigia mais dela do que a educação básica. Em que sentido?

Penso que exigia mais no sentido de que a responsabilidade é muito maior pois ao formar um professor você torna-se responsável também pelos alunos que este professor vai ter acesso no decorrer de sua trajetória profissional. Neste caso se você fez um bom trabalho, se a tua disciplina permitiu uma reflexão que possibilitou uma formação adequada você pode ficar tranqüila em relação a realização de seu trabalho bem como de ter a certeza que os futuros alunos deste professor poderão se beneficiar desta tua influência, contudo se o teu trabalho não resultar em uma aprendizagem significativa então isto pode resultar em um profissional que poderá vir a realizar um trabalho que pode prejudicar uma infinidade de alunos.

Explicou que foi no sentido de responsabilidade pela formação de outros professores que irão desenvolver a Educação Matemática nas escolas de educação básica, sendo estes responsáveis pela aprendizagem da Matemática de inúmeras crianças e adolescentes. Interpretamos que se refere assim, porque compreende que a formação inicial é um dos locus importante na formação dos futuros professores de Matemática e que, dependendo da forma que esta for realizada, influenciará na aprendizagem, desta disciplina, na educação básica. Desta forma podemos compreender que Rosa, a partir da formação inicial, começa a aprender a ser professora.

Na seqüência da entrevista, perguntamos se, na sua opinião, tinha sido importante ter construído sua carreira profissional atuando paralelamente na educação básica e no ensino superior. Por quê? Respondeu:

Foi importante para mim ter construído minha carreira profissional atuando paralelamente na educação básica e no ensino superior, pois isto me permitiu sempre ter uma visão do todo.

Compreendemos que, a visão do todo que menciona, refere-se ao fato de perceber, ao atuar na educação básica, as dificuldades encontradas no ensino da Matemática no contexto de sala de aula e, por isso, tem a possibilidade de agir a partir das necessidades evidenciadas na formação dos professores de Matemática que irão atuar na educação básica. Desta forma, também dá a entender que aprende a ser professora no ensino superior inter-relacionando esses contextos de atuação e experiência.

No contexto da possibilidade da “visão do todo”, comentamos que, no Q.3, havíamos perguntado sobre o que um professor formador precisava saber para atuar no ensino superior, conforme roteiro de entrevista (Resposta 22). A partir desta resposta, solicitamos o porque considerou importante as características que elencou e se, atualmente, responderia da mesma forma. Explicou:

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Considero que é imprescindível que o professor formador tenha uma visão ampla do que seja a Matemática, dos conteúdos matemáticos, bem como do processo ensino-aprendizagem desta disciplina. Somente assim ele pode fazer referência e integrar estes três aspectos que fazem parte da função do professor de Matemática. Hoje manteria a mesma resposta.

Nas características evidenciadas em 2004 e mantidas neste momento da investigação, Rosa demonstra acreditar na necessidade do equilíbrio entre os saberes específicos, pedagógicos, profissionais na formação de um professor de Matemática, possibilitando ao professor compor saberes docentes próprios e contextualizados, seja para ensinar no ensino superior ou na educação básica. Complementa essa interpretação ao acrescentar também:

Considero importante que o curso contemple tanto as disciplinas específicas de sua área de formação, como também as disciplinas de Educação Matemática e Educação de modo geral, pois percebo que são necessários aos futuros professores vários tipos de saberes docentes. Saberes estes que só poderão ser construídos mediante a abordagem das disciplinas específicas da área, de Educação Matemática e Educação. Nem sempre pensei assim, durante meu curso de graduação e logo que terminei o mesmo acreditava que saber o conteúdo matemático era suficiente para ensiná-lo adequadamente.

Revela mais uma vez o seu processo de aprender a ser professor relacionando os locus considerados nessa investigação, compondo saberes construídos no processo e em contextos diversos.

Comentamos que havíamos percebido em todas suas respostas a sua responsabilidade pela sua própria formação, fazendo do seu caminhar, das vivências passadas no seu percurso, a identificação das experiências que, significadas, compuseram a sua aprendizagem da docência. Perguntamos se concorda conosco e pedimos que nos explique o porquê desse posicionamento.

Concordo. A partir do momento que optei por ser professora de Matemática, tomei a decisão de que me esforçaria ao máximo para ser uma profissional competente e neste sentido entendia por competência do professor de Matemática, conseguir propiciar a todos os alunos a aprendizagem desta disciplina, o que eu não sabia naquele momento é que para isso eu não pararia mais de estudar na busca de fazer com que isto acontecesse. Hoje, mais madura profissionalmente, percebo que dificilmente um professor, por mais competente que ele seja, vai conseguir ensinar Matemática a 100% de seus alunos, mas agora mesmo pensando assim tenho a convicção de que cada aluno a mais que eu puder possibilitar a aprendizagem será muito importante, e para isso preciso continuar aperfeiçoando-me.

Nesta resposta também demonstra o processo de aprender a ser professora no ensino superior como a tomada de consciência do que é ensinar através da reflexão do que seja a docência. Acreditamos que Rosa, a todo momento, refletiu sobre sua profissão e seu fazer-se professora e que foi justamente isso o que lhe possibilitou ser sujeito de sua formação, significando as experiências diversas e transformando-as em saberes docentes.

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Para finalizar, perguntamos para Rosa como, na sua opinião, os professores formadores para Educação Matemática aprendem a ser professores do ensino superior?

Uma vez que a maioria dos cursos de licenciatura não possuem uma disciplina que discuta sobre a prática pedagógica do ensino superior, acredito que os professores aprendem a ser professores do ensino superior ao atuar neste nível de ensino, ou seja, por meio da experiência.

Nesta resposta resumiu tudo que vinha refletindo em todo o processo de investigação, e interpretamos que, no seu caso, por ter começado a trabalhar na educação básica e no ensino superior, paralelamente, aprendeu a ser professora formadora sendo professora formadora, ou seja, na prática diária, refletida constantemente, inter-relacionando com as experiências vividas nos três locus formativos considerados na pesquisa.

Como no caso de Rosa não estávamos ao vivo dialogando, não pudemos observar suas reações, seus gestos e emoções, como conseguimos visualizar com os demais sujeitos da pesquisa, e que nos tinha possibilitado perceber o significado daquele momento para eles. Assim perguntamos se esta entrevista tinha gerado reflexões novas e se teve algum significado para ela. Respondeu:

Foram muito importantes estas reflexões, pois me levaram à algumas constatações que nem eu mesma tinha me dado conta até este momento. Dificilmente paramos para refletir porque tomamos determinadas decisões, ou porque fizemos uma determinada coisa daquele jeito. Quando paramos para pensar sobre elas podemos perceber que determinadas situações que estavam muito claras para nós, não refletem de fato o que nos mobilizou para a tomada daquela decisão... é muito importante pensar sobre isto, até para nos conhecermos melhor.

Evidenciou o que presumíamos, inclusive referente aos demais sujeitos da pesquisa, que a entrevista como instrumento de diálogo possibilita a reflexão e a tomada de consciência de alguns aspectos da vida profissional sobre os quais nem sempre paramos para refletir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao momento de concluir o processo investigativo proposto. Para isso necessitamos acenar com algumas possíveis respostas ao problema da pesquisa: “Como os

professores formadores de educadores matemáticos aprendem a docência do ensino superior?”

Consideramos, durante o processo investigativo, três contextos formativos formais, os quais delimitamos à formação inicial, à experiência da educação básica e à experiência do ensino superior dos professores formadores, sujeitos da pesquisa, objetivando interseccionar esses três contextos para traçar e compreender os percursos de aprendizagem da docência do ensino superior. Cabe considerar que, apesar de termos delimitados os contextos, entendemos a aprendizagem da docência como um continuum que se constrói e se reconstrói em inúmeros outros contextos, sejam eles, formais ou informais, e que também influenciam na vida profissional do professor formador. Esse entendimento está em consonância com os escritos de Mizukami (1996; 2000; 2002) e dos pesquisadores que compõem o grupo de pesquisa por ela coordenado.

Fizemos algumas leituras com o fim de nos apropriar de algumas teorias da aprendizagem da docência da educação básica para, a partir daí, compreendermos como se dá a aprendizagem da docência do ensino superior, sendo esta uma das primeiras dificuldades encontradas na pesquisa, pela pouca literatura que focaliza este tema, tendo como sujeitos os professores formadores.

A análise dos dados de nossa pesquisa mostrou que a aprendizagem da docência do ensino superior é um processo de construção e reconstrução de um profissional que se faz e refaz, constantemente, através da reflexão sobre suas ações e da significação destas, com o auxílio de uma teoria que se torna significativa para ele, na formação inicial ou continuada e nas experiências vividas como professor. Compreendemos, então, que o professor formador constrói a sua aprendizagem da docência sob esse “vai e vêm” de significados atribuídos no caminhar significativo da teoria-prática-teoria; sendo assim, nossa pesquisa corrobora com outras ao nos revelar que é no continuum de aprendizagens que se estabelece a construção e reconstrução dos saberes docentes,

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uma aprendizagem que nunca está pronta, nem acabada e que nem sempre é percebida pelo professor formador.

Neste “vai e vêm” de formação é que se constitui o percurso de aprendizagens da docência do professor formador, uma analogia feita, nesta pesquisa, com um “bordado” (SOARES, 1991) de vida e de formação. Percebemos, na configuração destes bordados, que os sujeitos reagem de formas diferentes frente às suas vivências, tanto que, às vezes, as transformam em experiências, outras vezes não, dependendo de como as significam. Neste processo de significação do professor formador ele traz, consciente ou inconscientemente, saberes adquiridos nas práticas docentes passadas, para as práticas docentes futuras. No entanto, não são todos que percebem a relação existente entre os locus formativos formais de aprendizagem considerados na pesquisa e a sua própria história de vida e de formação.

Assim, a análise dos dados proporcionou concluir que os três sujeitos da pesquisa agem de forma distinta ao constituir-se professor formador e intersecionam, de maneiras também distintas, os locus formativos considerados, dependendo da forma como se sentem frente às suas práticas docentes, deixando claro que as significações dos saberes docentes dos professores formadores se alteravam, conforme as oportunidades encontradas na profissão, as opções feitas no decorrer do seu percurso profissional, a tomada de consciência sobre essas oportunidades e opções que possibilitaram, em alguns casos, a reflexão sobre elas, ao serem provocados a pensar sobre sua profissão de professor, seja na educação básica ou no ensino superior. Em alguns momentos, apesar de descreverem as experiências, não explicitaram nelas, diretamente, os saberes que foram construindo, cabendo à pesquisadora fazer a identificação destes saberes arquitetados nas experiências.

A análise dos dados também nos possibilitou verificar a alteração na forma de se posicionar durante o próprio processo investigativo, no espaço de tempo decorrido entre responder os questionários até o momento da entrevista, quase um ano depois, notando-se alterações de um para o outro, na forma de se manifestar frente ao perguntado. Isso nos possibilitou crer que o tempo e a metodologia de pesquisa foram fatores importantes para a reflexão sobre as experiências desenvolvidas por esses sujeitos, pois o refletir sobre o que pensou, em um determinado momento de sua carreira profissional, fez esses sujeitos se perceberem parte importante do seu próprio processo formativo.

Sendo assim, a análise dos dados coletados no processo investigativo nos permite inferir que as aprendizagens da docência do ensino superior variam sob vários aspectos, inclusive, sob o modo como os professores formadores atribuem significado à formação inicial que cursaram e

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ao fato de a sua prática, na educação básica e no ensino superior, ser ou não uma prática reflexiva, o que o faz intersecionar os locus formativos de maneiras diferenciadas.

Por exemplo, na configuração do percurso de aprendizagem da docência de Hortêncio, compreendemos que, pelo fato de antes de iniciar a graduação já ter sido professor de Matemática da educação básica e por ter tido, durante essas experiências pré-profissionais, muita dificuldade para conceber a Educação Matemática, iniciou o curso de Matemática convicto do que queria (“aprender a ser professor”- Entrevista), o que permitiu significar de uma forma forte o curso de Matemática, em seu percurso profissional, diferenciando-se dos demais professores pesquisados, tanto no momento II (questionários) da pesquisa, como no último (entrevista). Observamos isso nas intersecções dos três contextos formativos durante o processo investigativo, quando o professor Hortêncio manifesta sua opinião sobre a sua formação inicial como a possibilitadora da diferença entre sua prática pedagógica antes, durante e depois de seu curso, como oportunidade de estudar

para continuar a ser professor e como decisão por uma profissão aliada ao querer aprender a ser professor.

Isso quer dizer que Hortêncio sabia o queria desde o começo de seu curso, os motivos que teve para essa opção e o que esse curso significou para ele. Os dados evidenciam que, por realizar uma formação em serviço, buscou, na graduação, o que precisava para atuar como professor de Matemática, permitindo priorizar, na construção dos conhecimentos de um professor de Matemática, o que percebia ser necessário em sua prática docente, pois todas as disciplinas foram

importantes para ele.

Frente a este diferencial, é que entendemos a importância da formação em serviço, se comparada com os cursos regulares, pois possibilita a continuidade e a complementaridade das discussões do fazer diário do professor, possibilitando uma formação baseada na prática reflexiva, oportunizando ser a sala de aula um contexto formativo. O fato de já saber com certeza o que queria buscar no curso de graduação, em serviço, possibilitou à Universidade desenvolver uma formação contextualizada.

Essa formação em serviço, para Hortêncio, determinou o viés de seu percurso de aprendizagem da docência, tanto da educação básica como do ensino superior, pois possibilitou o desencadeamento do processo de identificação com a profissão, tornando a formação e as experiências vividas, mais significativas para ele, estabelecendo, por essa razão, a intersecção entre os contextos formativos considerados. Percebemos também, no caso de Hortêncio, que esse processo foi movido pela reflexão que gerou, mais rapidamente do que para os demais, a tomada de consciência sobre a formação de professores e suas necessidades, tanto que Hortêncio explicou

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que, o fato de ter feito uma formação em serviço, lhe permitiu perceber que já era professor, fazendo-nos compreender que, apesar de ter começado a graduação, declarando que queria aprender a ser professor – percebeu que também estava aprendendo em sala de aula, provocando nele “reflexão e mudança” (Entrevista), expressão que sintetiza o significado do curso de Matemática na sua vida profissional.

Hortêncio, nos dois momentos de pesquisa, intersecionou a formação inicial e as suas experiências, na educação básica e no ensino superior, mostrando ser um professor que reflete sobre sua prática e aprende a cada momento de sua vida profissional, significando e aprendendo com os fatos de suas experiências, sejam positivos ou negativos, e com as pessoas que viveram esses fatos com ele. Concluímos assim que, o que levou o professor formador Hortêncio a interseccionar a sua graduação com as experiências na educação básica e no ensino superior, nos dois momentos de pesquisa, foi o fato de poder relacionar a prática e a teoria estudada na Universidade, desfragmentando, mais facilmente, a formação desenvolvida por ele, possibilitando perceber no processo de reflexão constante, o que necessitava para atuar como educador matemático.

Hortêncio interseciona, também, as experiências da educação básica e do ensino superior com a formação inicial, ao perceber que foi no curso, como aluno, que começou a refletir

sobre os saberes, o ensino e a aprendizagem da Matemática, isso, talvez, por estar, no momento de formação, também em sala de aula, como professor na educação básica. Como professor do ensino superior se reporta ao fato de ali estar formando professores que atuarão na educação básica, acreditando que a experiência vivida em sala de aula neste nível de ensino enriquece o trabalho de quem o desenvolve, dizendo inclusive, que uma serve de escola para a outra.

Com isso mostra o processo de reflexão e a evidência do que buscava na Universidade. Percebemos que, nas intersecções, Hortêncio expõe como aprende a ser professor formador, fazendo compreender que seu bordado de vida pessoal e profissional se tece de uma forma significativa, pelas dificuldades que vai encontrando, no percurso, e pelos conflitos estabelecidos entre o que pretendia fazer e o que realmente conseguia fazer, em sua prática docente. No entanto, o interessante no percurso de Hortêncio é que, ao olhar o “bordado”, percebe e reflete sobre os saberes, configurando, a partir destes, novos saberes, sendo mais um aspecto em destaque em seu percurso de aprendizagem da docência do ensino superior.

Outro aspecto que destacamos em seu percurso é a reflexão estabelecida constantemente em todo o seu processo de formação. Expõe que, o fato de ter se percebido como sujeito da experiência, permitiu identificar, através da reflexão, saberes dessas experiências que

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proporcionaram a ele compor seus próprios saberes da docência do ensino superior, permitindo-se, inclusive, aprender na sala de aula, no próprio ensino superior, através da avaliação constante de sua prática.

Já o percurso de aprendizagem da docência do ensino superior de Lírio é tecido de maneira distinta da de Hortêncio. Lírio começa a atuar na educação básica durante a sua formação inicial. Por conta das dificuldades iniciais para ensinar na educação básica sem formação formal, Lírio, nos questionários, não admite a importância de seu curso de Matemática na aprendizagem da docência, negando-o fortemente. No entanto, sem perceber, a partir de um determinado momento, começa a responder algumas perguntas, admitindo a importância da sua formação em sua prática em sala de aula, atribuindo, a partir daí, à formação inicial o locus onde aprendeu os conceitos matemáticos, admitindo que aprendeu a docência também na formação inicial; entendendo que os saberes docentes são um compósito de saberes curriculares, disciplinares, pedagógicos, experiencias dentre os quais está a importância de se saber os conteúdos para ensinar, concluímos que Lírio conceitua a aprendizagem da docência como algo ligado ao fazer em sala de aula, o “como” dar aula, dividindo o saber conteúdo e o saber ensinar esse conteúdo, podendo ser isso, o reflexo de uma formação inicial fragmentada em disciplinas específicas e pedagógicas, não tendo havido, nesta formação, a relação entre as áreas, priorizando, no seu caso, sempre o conteúdo em detrimento do como ensinar.

Os dados de Lírio também revelaram que, na posição de aluno, nega a formação inicial em função do distanciamento entre o que Universidade desenvolvia e a realidade que encontrou no momento do seu começar a ensinar; ele nos explica isso na entrevista, atribuindo, claramente, a sua negação às disciplinas pedagógicas. Porém, quando se coloca na posição de professor formador, ao olhar a formação inicial, percebe a importância das disciplinas pedagógicas na formação dos professores de Matemática, apesar de, em alguns momentos, achar que, na Universidade, há um determinado discurso e na realidade o que dá para se fazer é muito distante do que ali se debatia e se propunha. Consideramos, assim que, em vários momentos do processo investigativo, se posicionou de forma diferente, de acordo com o ângulo que determinava o seu olhar e o próprio processo de construção de conhecimento o levou à reelaboração do que pensava sobre a formação inicial.

No entanto, mesmo negando a contribuição da formação inicial na sua aprendizagem da docência e na de seus alunos da graduação, inconscientemente, Lírio faz intersecção entre os três locus formativos considerados, pois diz que a “Universidade não trata sobre o que é a escola”, para isso se reporta à formação inicial que desenvolveu para chegar a esta conclusão, sendo

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necessário, então, refletir sobre a sua formação inicial, a Educação Matemática na educação básica e no ensino superior e, a partir destas reflexões, elaborar a sua posição perante os fatos. Assim, mesmo sendo negativas as suas posições frente à formação inicial que realizou, e que desenvolve como professor formador, concluímos que Lírio interseciona os locus formativos considerados e neles há aprendizagem da docência do ensino superior, pois é justamente nestas intersecções que aprende a ser professor formador.

Nas respostas dadas aos questionários, não significa as dificuldades que disse ter vivido, como importantes para sua formação, não admitindo sequer a possibilidade de ter dificuldades, uma vez que estava se formando professor. Já na entrevista, diz que, como professor formador, procura para atuar, justamente, as disciplinas do ensino superior em que tem maior dificuldade, porque assim se desafia a aprender para ensinar, admitindo, assim, aprender pelas dificuldades e desafios, tomando consciência, mesmo sem perceber que, da aprendizagem fazem parte o conflito e as dificuldades.

Concluímos, a partir da análise, que Lírio é contraditório o tempo todo de pesquisa, não nos deixando claro como aprende a ser professor formador. Entretanto, percebemos, na configuração do percurso de aprendizagem de Lírio, que ele primeiramente apaga a experiência na educação básica ao iniciar a atuar no ensino superior, dizendo ser uma perda de tempo atuar como professor na educação básica. No entanto, na entrevista, diz que “sempre se aprende alguma coisa”. Ao negar sua experiência na educação básica, inconscientemente, nega os significados estabelecidos, pois se atualmente é professor formador de educadores matemáticos para a educação básica, era necessário dar a importância à prática neste nível de ensino, pois mais uma vez estabelecerá um discurso na Universidade que, na prática, é outro, reproduzindo como professor formador o mesmo criticado por ele na posição de aluno.

Outra coisa que percebemos, nos dados que ajudaram a compreender o percurso de aprendizagem da docência do ensino superior de Lírio, é que a prática docente, tanto da educação básica como no ensino superior, desencadeou a intersecção com a sua formação inicial, mesmo que ele não admita diretamente. Pois, ao observar as suas deficiências no início do magistério, tanto na educação básica como no ensino superior, desencadeia uma grande crise, por perceber que necessitava estudar e saber mais sobre matemática para ensinar. É possível crer, então, que o conflito gerado nos dois momentos iniciais de atuação despertou, primeiramente, uma negação da formação inicial e após uma reelaboração do significado atribuído, já na posição de professor formador, afirmou que aprendeu a partir das dificuldades e desafios vividos neste início de carreira.

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Concluímos que o professor formador Lírio, ao olhar, na posição de aluno, a formação inicial que desenvolveu, a olha sem conseguir interseccionar com as experiências que desenvolveu como professor, tanto na educação básica como no ensino superior, não a significando para sua aprendizagem da docência do ensino superior. No entanto, ao olhar como professor formador, percebe as intersecções, significando a formação inicial juntamente com as experiências desenvolvidas, percebendo, nesta posição, a composição de saberes docentes próprios do ensino superior e esses, como resultante do processo de aprendizagem da docência na formação inicial e de todas as experiências vividas como professor. Percebemos, assim, na rede de significados atribuídos durante um percurso de vida profissional de Lírio, indícios de como se construiu, para ele, a aprendizagem da docência do ensino superior.

Quanto à professora formadora Rosa, o seu percurso de aprendizagem da docência do ensino superior se constitui diferentemente dos demais professores formadores, sujeitos desta pesquisa, pelos seguintes aspectos: é a primeira professora formadora do curso de Matemática Sinop-MT egressa deste mesmo curso; dentre os três sujeitos da pesquisa é quem possui a maior experiência profissional no ensino superior; tendo começado a atuar na educação básica logo após concluir sua formação inicial; desenvolveu e concluiu duas pós-graduações, uma lato e outra stricto

sensu, na área da Educação Matemática e Educação, respectivamente.

A análise dos dados revelou o quanto estes aspectos fazem a diferença e essa fica evidenciada nas respostas dadas nos dois últimos momentos da pesquisa.

Nas respostas dadas por Rosa, percebemos que ela conhece muito bem o curso em que atua, discutindo-o com argumentos fortes e importantes sobre a formação de professores de Matemática e a Educação Matemática. Acreditamos que, o que lhe possibilita essa visão é o fato de ter vivido os dois momentos do curso (um na posição de aluna e o outro na posição de professora formadora), de ter, ainda, discutido a reestruturação da atual matriz curricular e, o mais importante, ter tido a oportunidade de agir como professora formadora nesta matriz curricular, entendendo-a melhor do que os demais sujeitos desta pesquisa, pois ajudou a pensá-la, concebendo o Projeto Pedagógico como um todo e não de forma fragmentada como os demais.

Apesar de também ter desenvolvido sua formação inicial no momento I do curso de Matemática, os dados de Rosa demonstram que ela percebeu, ainda durante a formação inicial, a necessidade de relacionar as disciplinas pedagógicas com as específicas, apesar de os professores

formadores da época priorizarem mais as disciplinas especificas, fazendo com que ela também estudasse mais essas disciplinas.

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Afirma, desde o primeiro momento, que a sua formação inicial foi muito importante no processo de sua formação, pois lhe possibilitou começar a ensinar, acreditando ser este o papel do curso de formação inicial e do sujeito em formação, a busca por conhecimento para desenvolver uma determinada profissão.

A configuração do percurso de aprendizagem da docência de Rosa nos possibilitou perceber o significado de sua formação inicial e como essa formação vai lhe permitindo formar-se como professora, mantendo sua posição em todos os momentos do processo investigativo. Da mesma forma que Hortêncio, Rosa atribui à sua formação inicial o papel de ter “lhe ensinado a

buscar” por si mesma, não lhe dando nada pronto com verdades absolutas, até porque elas não existem e nunca vão existir quando se trata de Educação Matemática. No seu caso, concluímos que, o fato de ter começado a ensinar nos dois níveis de ensino no mesmo momento, fez-lhe perceber que a formação lhe tinha preparado para começar a ser professora, sendo assim sujeito da sua experiência, aprendendo a cada instante através da reflexão sobre sua prática, sendo estas intersecionadas sempre em suas respostas, mesmo no momento dos questionários, quando propusemos separadamente as reflexões.

O fato de Rosa ter começado a atuar, ao mesmo tempo, na educação básica e no ensino superior, possibilitou a ela ter uma prática reflexiva nos dois níveis de ensino, e isso contribuiu muito para sua aprendizagem da docência do ensino superior, demonstrando, em todo processo investigativo da pesquisa, ser uma professora que sempre aprendeu através da reflexão sobre sua prática, buscando se superar a cada novo instante do seu percurso de aprendizagem da docência, estando sempre em movimento, não justificando suas derrotas por falhas de terceiros e sim fazendo delas o trampolim para aprender mais sobre a profissão de professor.

Concluímos com os três percursos de aprendizagem da docência do ensino superior que, cada professor formador tem um percurso singular e sua aprendizagem da docência do ensino superior se constrói e reconstrói, constantemente, conforme os saberes que eles vão significando e interseccionando, ao longo de suas experiências de formação pré-profissionais ou profissionais.

Percebemos que, cada percurso de aprendizagem da docência do ensino superior comportou-se como um “bordado”, cujo “risco desconhecido” (SOARES, 1991), foi se configurando para a pesquisa, pelas opções que os sujeitos nos revelaram fazer, ao longo dos seus processos formativos. Percebemos um caminho formativo próprio, apesar de evidenciarmos os mesmos locus formativos, os professores formadores foram dando os seus diferenciais, os “retoques” do bordado, nos fazendo inclusive, como pesquisadora, olhar junto com eles os bordados feitos e significá-los de maneiras diferentes após um determinado tempo de análise.

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No entanto, não são todos os professores formadores que se percebem e se assumem como aprendizes. No universo da pesquisa, percebemos que, os que se assumem como aprendizes, fazem isso de maneiras distintas, em momentos distintos de sua vida pessoal e profissional, dependendo das “linhas” que vão escolhendo para “bordar” a sua profissão e como “trabalham” com elas. Por exemplo, Hortêncio e Rosa se colocaram em todo processo investigativo como aprendizes, enquanto Lírio custou a assumir a posição de aprendiz, parecendo acreditar que não se dava o direito de aprender, visto ser ele um professor universitário. Desta forma, consideramos que o professor formador de professores de Matemática deve se permitir aprender, inclusive revendo o modo de aprender a aprender, pois se significar em seu processo formativo as experiências desenvolvidas, refletindo sobre elas, poderá perceber-se como aprendiz, sendo esse, um fator importante para a sua aprendizagem da docência do ensino superior.

Afirmamos isso pois, sendo a Educação Matemática uma área de pesquisa e de construção de identidades profissionais, propõe-se a todos aqueles envolvidos com o ensino da Matemática, uma “reviravolta”. Propõe-se que o educador matemático se construa constantemente através da reflexão sobre sua prática, situada numa sociedade também em constantes mudanças. Assim, o perfil do professor de Matemática se altera pressionado por esse movimento de se fazer professor a cada nova ação, de aprender, de aprender a aprender, principalmente, quando falamos em professores formadores de professores de Matemática.

A análise dos dados também nos permitiu perceber outro aspecto importante na aprendizagem da docência do ensino superior, o fato de os professores formadores se perceberem e se assumirem sujeitos num coletivo de aprendizagens, ou seja, de afirmarem que aprendem com os colegas formadores, com seus alunos, etc. Concluímos então que o fato de viver na coletividade influencia na aprendizagem da docência do ensino superior acarretando, inclusive, o amadurecimento intelectual e, conseqüentemente, a tomada de consciência sob alguns aspectos do ensinar no ensino superior. Para nós, o fato de aprender no coletivo e em colaboração é reflexo da concepção de Matemática, de ensino e de professor e o significado disso tudo atribuído pelo sujeito em sua formação contínua como professor e não só na formação inicial.

Percebemos, assim que, no “bordar de aprendizagens”, a “harmonia” vai se dando, a partir da opção pela formação inicial, como aluno, e será determinada pelo envolvimento dele com a formação escolhida. Essa opção continua a fazer diferença quando prioriza, em sua licenciatura, a construção de alguns conhecimentos em detrimento de outros e continua a ser percebida no desenvolvimento de sua experiência na educação básica, como professor de Matemática, e também na sua prática como professor formador.

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Entendemos que, por melhor que seja o curso de formação inicial, por melhor que o sujeito o tenha desenvolvido, participando ativamente das atividades propostas por seus professores formadores, buscando dar importância, por igual, às disciplinas específicas e pedagógicas, por mais que tenha sido “sujeito da experiência” (LARROSA, 2002), a formação nunca estará acabada e não é “destinada a momentos prescritos do seu desenvolvimento”. O professor precisa ser preparado para agir em situações instáveis e indeterminadas, e ter muita flexibilidade e um “saber inteligente” (SCHÖN, 2000) para lidar com o indeterminado dos contextos das práticas pedagógicas. Precisa, ainda, perceber que “a experiência não é aquilo que nos passa e sim o modo como atribuímos sentidos a ela, senão como o modo pelo qual o mundo nos mostra sua face inteligível, a série de regularidades, a partir das quais podemos conhecer a verdade das coisas e dominá-las” (LARROSA, 2002, p. 142).

Para isso, é preciso pensar no se que faz, se comprometer com a profissão, construindo uma autonomia para tomar decisões e ter opiniões, ou melhor, ser um professor reflexivo, capaz de atender aos contextos em que trabalha, interpretando-os e construindo sua própria atuação a partir deles. Enfim tendo uma prática docente problematizadora, significando-a e reelaborando-a a cada nova situação vivida.

Tardif (2002) afirma que a prática docente integra diferentes saberes com os quais o corpo de professores mantém diferentes relações. Entretanto, todos esses saberes implicam um processo de aprendizagem e de formação; e, quanto mais desenvolvido, formalizado e sistematizado é um saber, mais longo e complexo se torna o processo de aprendizagem.

Ao refletir sobre as análises dos dados que configuraram os percursos de aprendizagens dos três professores formadores e sobre as teorias das quais nos apropriamos, concordamos com Dominicé (1983), quando diz que “a formação não pode ser dada, nem transmitida, nem oferecida nos catálogos. Ela pertence exclusivamente àqueles que se formam [...], cada um forja sua biografia e dá-lhe forma”. O constante movimento de construção e reconstrução do sujeito, mostra o processo de constituição profissional que é influenciado pelos locus formativos em que acontecem as intersecções de formação, geradas justamente por esse movimento continuum de formação.

No entanto, segundo Mizukami (2002a), a idéia de processo – de continuum – necessita o estabelecimento de “um fio condutor que vá produzindo os sentidos e explicitando os significados, ao longo de toda a vida do professor, garantindo, ao mesmo tempo, nexos entre a formação inicial, a continuada e as experiências vividas”, o que pode gerar as intersecções de formação. Esse fio condutor proposto pela pesquisadora é a reflexão. Porém, segundo Mizukami

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(1996), depende do “interior do professor”, do seu modo de ser e da formação por ele recebida, reafirmando as palavras de Dominicé (1983), tendo sido exatamente isso o que pudemos perceber nos percursos de aprendizagem dos professores formadores.

Os dados também nos levaram a refletir sobre a formação inicial e a concordar com Ponte (2002), quando diz que a formação inicial prepara o professor para atuar na educação básica, no entanto, alerta que os cursos não podem definir a priori todos os conteúdos e situações que o professor necessitará para desenvolver sua prática docente, neste nível de ensino e em qualquer outro. Isso nos faz supor que o papel da formação inicial é preparar o aluno para começar a ensinar, e que a aprendizagem da docência acontece, na maioria das vezes, na prática. No entanto, essa formação inicial, estruturada e desenvolvida de forma fragmentada, não tem feito o aluno se perceber como sujeito de sua formação e, muito menos, ao começar a atuar como professor, se perceber como aprendiz, através de uma prática docente reflexiva. Isso nos leva a crer que esse fato acontece por ser a formação inicial concebida por aqueles que a desenvolvem, tanto professores formadores como alunos, como pronta, definitiva e, conseqüentemente, acabada.

Neste sentido, entendemos que a formação continuada de professores também não tem dado conta de levar os professores a refletirem sobre suas práticas docentes e a significá-las, buscando alterar uma prática repetitiva e não problematizadora por uma prática reflexiva, como locus de desenvolvimento profissional, através da aprendizagem constante de uma profissão.

A análise dos dados da pesquisa também nos levou a concluir que o professor formador Lírio concebe um professor que saiba conteúdos Matemáticos, sem se preocupar com o ensinar esses conteúdos (aparece uma pequena reflexão sobre isso na Entrevista). Já Rosa e Hortêncio, permaneceram com a opinião de que deve haver um equilíbrio em saber os conteúdos matemáticos e os aspectos pedagógicos e educacionais da formação de professores.

Esse processo de investigação representou, além da produção de um conhecimento na área da aprendizagem da docência do professor formador de educadores matemáticos, um processo de amadurecimento intelectual e pessoal nosso, que foi gerado pela reflexão de um percurso profissional trilhado, que foi aparecendo nos percurso de aprendizagem da docência do ensino superior dos sujeitos da pesquisa. Fazer uma pesquisa sobre a aprendizagem da docência não foi uma tarefa fácil, pois ao iniciá-la, acreditávamos que deveríamos dar todas as respostas a todos os problemas; e que tínhamos contribuído na formação de professores de Matemática de Sinop de forma definitiva. Deparamo-nos, então, com três professores formadores que foram nossos alunos e percebemos neles, com surpresa, o reflexo do nosso fazer e do nosso pensar, entrando, muitas vezes, em conflito, por perceber o quanto isso representou para o percurso profissional deles e para

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o nosso, observando a nossa aprendizagem da docência refletir-se em alguns momentos na aprendizagem da docência deles. Essa pesquisa não foi uma pesquisa autobiográfica, no entanto, mesmo que não evidenciada, nossa pessoa de professora formadora foi aparecendo nas falas de alguns sujeitos, de forma ora positiva ora negativa, e isso nos fez refletir e nos trouxe novas aprendizagens. Além disso, os obstáculos que tivemos que transpor para que os sujeitos nos vissem como pesquisadora e não como professora deles e nem chefe de departamento foram grandes, pois, no começo da pesquisa, se negavam a participar, por medo de serem avaliados, tendo sido, para nós, uma conquista, cada novo questionário respondido pelos sujeitos.

Nestas aprendizagens, em alguns momentos, ao configurar os percursos individuais de aprendizagem dos sujeitos da pesquisa, lá nos víamos e relembrávamos fatos vividos na formação dos sujeitos e da nossa própria formação, levando-nos a fazer, com isso, um balancete da nossa profissão. Esses fatos eram retratados por eles naquele momento, e isso despertou uma série de outras lembranças, que no momento eram significadas por nós, fazendo parte também da aprendizagem da docência que o processo investigativo despertava em nós. Podemos afirmar que essa pesquisa gerou outra forma de conceber o ensino universitário e a própria Universidade, concluindo que a instituição deve se abrir para pensar contextos de aprendizagens para o ensino superior, começando por rever a formação inicial desenvolvida nos seus cursos.

Por último, mas não menos importante, gostaríamos de refletir sobre a metodologia de pesquisa utilizada e sobre as aprendizagens que fomos construindo pela necessidade de ter que voltar a campo, ao perceber que o questionário, instrumento escolhido para coletar dados, não nos dava fôlego para responder o problema de pesquisa. Ao percebermos isso, escolhemos a entrevista, e essa se mostrou melhor que o questionário para entender o pensamento do professor, penetrar na sua memória e provocar sua reflexão sobre as práticas cotidianas.

A entrevista, nesta pesquisa, foi possibilitadora da superação de algumas coisas que os professores formadores disseram, pois ela permitiu aos sujeitos fazerem algumas outras intersecções que antes, ao responder os questionários, não haviam feito. Acreditamos que os professores formadores conseguiram, com a entrevista, fazer mais intersecções e perceberem isso, por dois motivos: o primeiro pelo instrumento em si – pela metodologia da pesquisa – mais adequada para pesquisas dessa natureza; e o segundo, pelo fato de a própria entrevista ser possibilitadora de reflexões, mostrando-se muito melhor que o questionário, pois possibilitou um diálogo sobre a formação de professores e uma tomada de consciência através das reflexões que foram geradas. A entrevista permitiu um processo de construção de conhecimento novo, a partir do

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que haviam respondido nos questionários, possibilitando, assim, a reelaboração das concepções dos professores formadores sob vários aspectos já evidenciados anteriormente.

No entanto, o tipo de entrevista que escolhemos, de aprofundamento e reflexão (SZYMANSKI et al. 2004), não poderia ter sido feita sem os dados que os questionários haviam fornecido, pois a metodologia de aprofundar e refletir é o que foi o interessante no processo investigativo.

Para finalizar, cabe ainda salientar que, no decorrer da pesquisa, percebemos que aprender, realmente, é um processo que tem continuidade a cada nova situação vivida pelo sujeito, seja individual ou coletivamente. Porém, essas situações vividas devem ser significadas através da reflexão e tomada de consciência para, então, se transformarem em experiências significadas, gerando assim aprendizagens da docência. Dessa forma, visualizamos que esta pesquisa não termina aqui, ela deve remeter a novas pesquisas que indaguem o papel da Universidade frente à formação dos profissionais que nela atuam, desenvolvendo o ensino, a pesquisa e a extensão. E ainda, como a pesquisa e a extensão refletem no ensino e como este tripé, ensino-pesquisa-extensão, influência na aprendizagem da docência do ensino superior? De que forma o tempo de experiência influência nas aprendizagens da docência do ensino superior? Em que medida as próprias pesquisas são desencadeadoras do processo reflexivo, da tomada de consciência do percurso de construção da profissionalidade dos professores formadores?

Essas indagações, ainda presentes, nos fazem perceber que o tema, aprendizagem da docência do ensino superior, não se conclui aqui, cabendo a nós a partir daqui, como professoras formadoras, problematizar nossas práticas docentes individuais e/ou coletivas, abrindo portas novas e possíveis pesquisas e novas aprendizagens. Estes são, para nós, os atuais desafios.

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO – Proposta Curricular para o Curso de Licenciatura Plena em Matemática– Campus Universitário de Sinop. Março de 1999. UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO - Processo de Renovação do Reconhecimento do Curso de Licenciatura Plena em Matemática – Campus Universitário de Sinop. Julho de 2003.

ZART, L. L. Planejamento e sistemas de informações: esquema de inter-relações da gestão político-científica da Universidade. In: Revista da Faculdade de Educação - Universidade do Estado de Mato Grosso. Política Educacional: Ano 1, n.1, Jul../dez.2003. Faculdade de Educação. Cáceres MT: Unemat Editora, 2003. ZEICHNER, K.M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa, 1993. __________. Para além da divisão entre o professor-pesquisador e pesquisador acadêmico. In: GERALDI C. M. G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA, E. M. (Orgs.). Cartografia do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas: Mercado das Letras, ALB, 1998. p. 207 - 236. __________. Formação de professores: contato direto com a realidade escolar. In: Presença Pedagógica. Vol.VI, n.34, Jul./Ago. 2000.

ANEXOS

ANEXO A - Questionários utilizados na Pesquisa

Questionário de Caracterização BLOCO I - DADOS PESSOAIS: Nome Completo: Idade:................ anos. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Estado Civil:

FORMAÇÃO: BLOCO II Questões referentes ao curso superior – Formação inicial. Instituição em que se formou Curso realizado Modalidade: ( ) Regular ( ) P.I.Q.D ( ) Extensão- Colíder Ano de Ingresso: ................ Ano de Conclusão:............ Título Trabalho de Conclusão de Curso (T.C.C.) Orientador(a): Prof(a): . BLOCO III Questões referentes a Formação Continuada Após sua formação inicial fez algum curso de qualificação referente a área de formação. ( )Sim ( ) Não Quantos? Cite alguns?.......................................... Fez ou faz algum curso de pós-graduação? ( ) Sim ( ) Não ( ) Especialização - Lato Sensu - Em que?.Instituição Promotora:...( ) Concluído ( ) Inconcluído ( ) Mestrado/Doutorado Em que?.Instituição Promotora:..( ) Concluído ( ) Inconcluído Costuma ler livros sobre Educação Matemática? ( ) Sim ( ) Não - Qtos p/mês? BLOCO IV -Questões Complementares a Formação Possui outra profissão? ( ) Sim ( ) Não Qual? BLOCO V - Experiência na Educação Básica 3.1. Atua ou atuou na Educação Básica? ( ) Sim ( ) Não Em qual nível de ensino? ( ) Ensino Fundamental ( )Ensino Médio ( ) nos dois 3.2. Atualmente atua na Educação Básica? ( ) Sim ( ) Não 3.3. Se atua, em qual nível de ensino? ( ) Ens. Fundamental ( )Ens. Médio ( ) nos dois Atua como professor(a) de Matemática? ( ) Sim ( ) Não ( )Outra(s) disciplina(s)- Quais?.. 3.5. Se atua na Educação Básica, por favor preencha o quadro abaixo. Nome da Escola Nível de Ensino Séries Disciplina(s) Turno ( ) Ens. Fund. ( ) Ens. Méd. ( ) Ens. Fund. ( ) Ens. Méd.

A quanto tempo atua na Educação Básica?.................................................................. Situação Funcional na Educação Básica: ( ) Rede Particular ( ) Rede Municipal → ( ) Efetivo ( ) Interino ( ) Outros ( ) Rede Estadual → ( ) Efetivo ( ) Interino ( ) Outros Se já atuou na Educação Básica e no momento não atua, por favor preencha o quadro abaixo. Nome da Escola Nível de Ensino Séries Disciplina(s) ( ) Ens. Fund. ( ) Ens. Méd. ( ) Ens. Fund. ( ) Ens. Méd.

A quanto tempo deixou de atuar na Educação Básica? Motivo de deixar de atua Antes de terminar a sua Formação Inicial já exercia o magistério?( ) Sim ( ) Não A quanto tempo?.. BLOCO VI - Experiência no Ensino Superior. Situação Funcional no Ensino Superior - ( ) Efetivo ( ) Interino Regime de Contração ( ) 20 horas ( ) 30 horas A quanto tempo você é professor(a) do Departamento de Matemática da UNEMAT/Sinop? Quais disciplinas trabalha atualmente? Quais disciplinas já trabalhou? Participa de algum Projeto de pesquisa ou extensão da UNEMAT?( ) Sim ( ) Não Participa das reuniões de professores promovidas pelo departamento? ( ) Sim ( ) Não Orienta trabalhos de alunos? ( ) Sim ( ) Não - Quantos? No Ensino Superior, trabalha só na UNEMAT? ( ) Sim ( ) Não O que é para você ser Professor no Ensino Superior?

Questionário 1 – Q.1 – Saberes e Experiências adquiridos na Formação Inicial

QUESTÃO 1 - Por que optou cursar a graduação em Licenciatura Plena em Matemática? QUESTÃO 2 – Ao escolher o curso de Matemática você tinha claro que estaria desenvolvendo uma graduação que lhe proporcionaria o título de “Professor de Matemática”? ( ) SIM ( ) NÃO Comente sua resposta: QUESTÃO 3 - a)- Ao iniciar o Curso de Matemática você já trabalhava como Professor ( ) SIM. - Há quanto Tempo? Cite algumas disciplinas que costumava trabalhar: ( ) NÃO b)Se trabalhava como professor. Continuou a trabalhar durante o seu curso? ( ) SIM ( ) NÃO c) Durante sua graduação em Matemática você começou a dar aula? ( ) SIM - Quais disciplinas? Em média, que carga horária tinha em sala de aula? ( ) NÃO d) Ou, a sua primeira experiência como Professor foi durante os Estágios Curriculares Supervisionados do Ensino Fundamental e Médio que fizeram parte de sua Formação inicial? ( ) SIM ( ) NÃO QUESTÃO 4 - Durante o desenvolvimento de sua graduação em matemática você priorizava estudar: ( ) Disciplinas Específicas de Matemática e Física que faziam parte do Curso; ( ) Disciplinas Pedagógicas que o curso oferecia; ( ) tanto as disciplinas específicas quanto as disciplinas pedagógicas. Comente sua resposta, seja ela qual for, nos explicitando o porquê: QUESTÃO 5 - Na sua opinião, você aprendeu a ser Professor de Matemática durante a sua graduação em Matemática? ( ) SIM ( ) NÃO Comente sua resposta, seja ela qual for, nos explicitando o porquê. QUESTÃO 6 - a) Na sua opinião, a Matriz Curricular do Curso de Licenciatura Plena em Matemática que cursou foi o suficiente para sua formação como Educador Matemático? ( ) SIM ( ) NÃO ( ) em partes Comente sua resposta: b) Atualmente você é Professor Formador do mesmo Curso de Licenciatura Plena em Matemática que realizou sua graduação, porém com outra Matriz Curricular. Comparando a “velha” estrutura curricular com a atual, na sua opinião, qual contribui mais para a formação do professor de Matemática? Por quê? b.1.) Você incluiria assuntos e subtrairia outros para tornar essa formação mais adequada as necessidades? INCLUIRIA: ( ) O que (ou quais) e Por quê? SUBTRAIRIA: ( ) O que (ou quais) e Por quê? QUESTÃO 7 - Sente dificuldade em atuar como Professor Formador do mesmo curso onde realizou sua Formação Inicial em Matemática e que possui uma Matriz Curricular diferente da desenvolvida por você? ( ) SIM ( ) NÃO Comente sua resposta QUESTÃO 8 - Na usa opinião a sua Formação Inicial em Matemática que realizou influenciou no Professor que é HOJE, tanto para atuar na Educação Básica como no Ensino Superior? ( ) SIM ( ) NÃO Comente a sua resposta.. QUESTÃO 9 – De que forma as disciplinas da área pedagógica do curso de matemática que desenvolveu lhe auxiliam nas aulas de matemática que desenvolve como Formador de Professor? Essas disciplinas pedagógicas auxiliam na prática docente na Educação Básica?

Questionário 2 – Saberes e Experiência adquiridos na Educação Básica

QUESTÃO 1 - O que significa para você ser professor de matemática na Educação Básica? QUESTÃO 2 - Onde aprendeu a ser professor da Educação Básica? ( ) Na experiência em sala de aula na Educação Básica – no dia a dia de sala de aula. ( ) Na Formação Inicial. ( ) Na minha opinião, há uma combinação entre a Formação Inicial e a experiência em sala de aula neste nível de ensino. Comente sua resposta QUESTÃO 3 – a) Durante a sua graduação em matemática algumas disciplinas introduziram métodos e técnicas para ensinar os conteúdos matemáticos? ( )SIM – Qual(is) Disciplina(s) que lhe proporcionaram essa experiência, como foi, e o que aprendeu? ( ) NÃO b) Na sua prática docente na Educação Básica, você costuma (ou costumava) desenvolver ou experimentar o que aprendeu na sua Formação Inicial em Matemática? ( ) SIM ( ) NÃO ( ) às vezes. Comente sua resposta: c) E no Ensino Superior? ( ) SIM ( ) NÃO ( ) as vezes. Comente sua resposta: d) Na sua opinião, existe mais facilidade em utilizar recursos diversificados na Educação Básica ou no Ensino Superior? Comente sua resposta: . QUESTÃO 4 - Você considera o currículo de Matemática em vigor nas escolas de Educação Básica suficiente para trabalhar a construção de um educando crítico, criativo e consciente da importância de conhecer matemática? ( ) SIM ( ) NÃO ( ) Em parte Comente sua resposta QUESTÃO 5 - Sua experiência na Educação Básica influencia na sua prática como professor no Ensino Superior? ( ) SIM ( ) NÃO ( ) Em parte Comente sua resposta:

Questionário 3 – Q.3 – Saberes e Experiências adquiridos no Ensino Superior INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A ATUAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: Carga Horária de Contratação na Unemat (no Semestre Letivo 2004/01): Ano e semestre da primeira Contratação na UNEMAT: Área do Teste Seletivo da primeira contratação: Se realizou mais de um Teste Seletivo na UNEMAT para professor formador, cite quais as áreas deste teste e o ano de realização: Disciplinas que ministrou no Semestre Letivo 2004/01: DISCIPLINA Semestre Carga Horária CURSO

Nº de alunos sob sua Orientação no Semestre Letivo 2004/01: PARTICIPA DE PROJETOS DE EXTENSÃO: ( ) SIM ( ) NÃO Se a resposta foi SIM, qual? PARTICIPA DE ALGUM ÓRGÃO COLEGIADO: ( ) SIM ( ) NÃO Se a resposta foi SIM, qual? Cite as disciplinas que já ministrou em toda sua experiência como Professor Formador: QUESTÃO 1 Quando surgiu o desejo de ser professor no Ensino Superior? Comente sua resposta QUESTÃO 2 – Na sua opinião o que um Professor Formador precisa saber para atuar num Curso de Licenciatura Plena em Matemática? Por que? QUESTÃO 3 – a) Na sua opinião, qual deve ser o Perfil do Professor Formador?. b) Você considera contemplar esse Perfil ? Por que? QUESTÃO 4 - Na sua opinião como deve ser um curso de graduação que forma Professores de matemática?. QUESTÃO 5 – Você está satisfeito com sua atuação no Ensino Superior? Por que?

Questionário 4 -

QUESTÃO 1 - Como descreve (ou descreveria) sua prática docente na Educação Básica? QUESTÃO 2 - Como descreve sua prática docente no Ensino Superior?

QUESTÃO 3 - Que relações estabelece entre a sua prática na Educação Básica e no Ensino Superior? QUESTÃO 4 – O que sua Formação inicial contribuiu para sua prática docente na Educação Básica e no Ensino Superior?. QUESTÃO 5 - Como você analisa sua prática docente como Formador de Professores? PONTOS POSITIVOS: PONTOS NEGATIVOS:

ANEXO B – Roteiros Individuais de Entrevista

ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL DE HORTÊNCIO

Data de realização: ______/______/_____. Local: _____________________ Horário de Início:________ Horário de Término:________

FORMAÇÃO INICIAL. I - No questionário de Caracterização, em Março de 2004, lhe solicitamos a opinião sobre seu curso de Matemática e você nos respondeu:

“Muito boa, pois é notória a diferença entre minha prática pedagógica antes, durante e depois do curso de Licenciatura Plena em Matemática pela UNEMAT. Meus orientadores (professores (as)), durante o curso, não me ensinaram tudo o queria saber (ou necessitava), mas me mostraram os

caminhos que eu poderia seguir para atingir meus objetivos enquanto educador, passo a passo, uma coisa de cada vez “ (Q.C ) Você poderia falar mais sobre está resposta.

• Como que seus professores “mostravam o caminho”? Você julgou isso importante, por que? Você faz isso com seus alunos?

• O que nos diria hoje sobre o curso que desenvolveu? (Observar se responde diferente e perguntar sobre as alterações)

II - Quando lhe perguntamos, no questionário 1 (em Julho de 2004), pela sua opção pelo curso de Matemática, você nos respondeu: “Quando tive a oportunidade de fazer o PIQD, já atuava em sala de aula como professor de matemática e Física e tinha a certeza de que “sou” educador e

escolhi as disciplinas das áreas de exatas para cumprir minha tarefa.”(Q.1 - Questão 2)

• Você se refere a possibilidade de cursar Matemática como uma grande oportunidade - poderia falar mais sobre isso.

• Afirmou ainda que tinha certeza que queria ser educador – de onde vem essa certeza pela profissão? Como surgiu?

III - Nos respondeu também no questionário 1 que na sua graduação deu prioridade a todas as disciplinas do curso. Por quê?

• Como você orienta seus alunos da graduação quanto a isso hoje em dia?Por que? IV - Ao iniciar a graduação você já era professor na Educação Básica. Conte-nos um pouco sobre essa experiência de ser professor “de tudo um pouco” sem formação.

• Como você vê essa experiência hoje. • As dificuldades – as vantagens – O que aprendeu com aquele momento. • O que faria igual? E diferente?

• Você veio para o Mato Grosso para ser professor. Por que se tornou professor? • Sua formação inicial contribuiu para esse momento da sua vida profissional?

V - No questionário 2 ao ser indagado se algumas disciplinas da sua formação inicial proporcionaram-lhe experiência de ensinar conteúdos matemáticos na Educação Básica por meio de métodos e técnicas? Quais? Se você utiliza em sua prática docente na E.B.? Você respondeu: “Sim, [as Disciplinas que me proporcionaram essa experiência foram]: Filosofia da Educação, Psicologia da Educação, Didática da Matemática; Estrutura

do Ensino, Introdução ao Método Científico, Prática de Ensino” (Q.2 – Questão 3) • Como que as disciplinas que citou lhe proporcionaram esta experiência? • Você procurava praticar o que aprendia na Formação inicial na sua prática docente na Educação Básica?

Como? Por que/ • E o contrário – trazia experiências que tinha vivido na Educação Básica para discutir na Formação Inicial?

E o que isso resultava? VI - No questionário 1, quando solicitamos sua opinião sobre a matriz curricular do curso que fez se contribuiu para sua formação como Educador Matemático, opinou: “Penso que a Matriz Curricular do Curso estava bem estruturada, e melhorou mais depois da última reforma. O que faltou foi tempo para aprofundar nas

discussões sobre Educação matemática e para estudo das disciplinas específicas.” (Q.1 – Questão 6a) Você respondeu que estava bem estruturada – mas que faltou tempo para aprofundar nas discussões.

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• Nos explique melhor sua opinião. • O que pensa sobre isso hoje?

VII - Ao solicitarmos para comparar as duas matrizes curriculares pedimos a sua opinião sobre qual contribui mais com a formação do professor de matemática, você respondeu:

“A atual. Porque o 1º e 2º semestre possui mais disciplinas que estruturam o Ensino Médio como Matemática Elementar I e II, mas acho que devemos promover estudos e discussões para estruturar os conteúdos dentro das disciplinas e as disciplinas dentro do curso.” (Q.1 – Questão 6b)

No curso atual INCLUIRIA Curso de Férias abordando conteúdos do Ensino Fundamental e Médio e Grupos de estudos com acadêmicos por áreas de conhecimento.” (Q.1 – Questão 6b1)

• Você poderia refletir sobre sua resposta? Você continua a pensar assim? • Você conhece o Projeto Pedagógico do Curso que atua? • Durante esse tempo de atuação no Ensino Superior você participou de algum momento de discussão do

Projeto Pedagógico do Curso? Acha isso importante? Explique por que? VIII - Quando questionamos se sua Formação Inicial influenciou no professor que é hoje, você respondeu:

“Sim, sem dúvida alguma. Se acredito que o meu trabalho hoje é melhor que ontem (antes da formação inicial) o Curso de Licenciatura Plena em Matemática contribuiu.” (Q.1 - Questão 8)

• Explique-nos melhor essa resposta? • Você continua a pensar assim? • Mas como você aprendeu a ser o professor que é hoje? Se você fosse atribuir a lugares específicos de

formação – atribuiria a quais? IX – Ao ser questionado sobre se aprendeu a ser professor na formação inicial, você respondeu:

“Não, acredito que na formação continuada. Penso que durante a graduação aprendemos os caminhos, agora na sala de aula precisamos aprender a caminhar.” (Q.1 - Questão 5)

• Poderia me explicar melhor? • Hoje – pensa assim – o que trouxe das experiências passadas por você para o professor que é hoje no

Ensino Superior? Como trouxe? • Você julga que vem mudando a forma de ensinar e aprender? Como?

X - Em poucas palavras diga-nos o que representou a sua formação inicial na sua aprendizagem da docência.? Você aprendeu a ser professor na sua Formação Inicial?

FORMAÇÃO CONTINUADA I - Em Março de 2004 você nos informou que estava fazendo uma especialização em Psicopedagogia que iniciou antes de terminar sua graduação em Matemática.

• Por que da atitude de iniciar uma pós-graduação antes de terminar a graduação? • Por que escolheu este curso? • Você a concluiu? Quando? • O que este curso acrescentou em sua prática docente? • O que entende por Educação Matemática? • Você orientaria um aluno seu da graduação a fazer o que fez? Por que

EDUCAÇÃO BÁSICA I - Atualmente leciona na Educação Básica? II - Você acha importante o professor universitário ser ou ter sido professor da Educação Básica? Por que?

• O que isso lhe traz de positivo? • Há algum ponto que julga prejudicar a sua atuação na Educação Básica ou no Ensino Superior?

III - Como e o quê você trouxe ou traz da sua experiência como professor da Educação Básica para sua prática docente no Ensino Superior? IV – No questionário 2, ao ser indagado sobre se a Experiência na Educação Básica influencia na sua prática como professor no Ensino Superior ? Você respondeu: “Sim no Ensino Superior formamos professores de Matemática que atuarão, principalmente na Educação Básica, portanto a experiência vivida em sala de aula no Ensino Fundamental e Ensino Médio, enriquecem o trabalho universitário. Acho que devemos cuidar para não querer influenciar os acadêmicos a

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serem nossas cópias pois nós erramos, podemos apenas relatar experiências bem sucedidas e outras não tão bem sucedidas e eles irão refletir sobre essas experiências, de que maneira e em que proporção elas podem ajudar na sua formação.” (Q.2. – Questão 5)

• Nos explique melhor esta resposta. • Como faz isso em sala de aula no Ensino Superior essa relação da experiência que traz da Educação

Básica para esse nível de ensino? Quando? Por que? V - No questionário 4, no final do mês de Julho de 2004, você descreveu sua prática docente na Educação Básica na seguinte maneira: “Tenho consciência da importância da minha profissão, por esse motivo exerço minha função de educador com responsabilidade e dedicação. Trabalho no

Colégio “CAD” – Rede Particular – lecionando Física para o Ensino Médio (1º, 2º e 3º ano) e Ensino Fundamental (8ª Série), numa jornada de 25 h/a em sala e 3 aulas de Laboratório por semana. Dedico 1h por semana aos estudos da Física Matemática sob orientação dos Professores Drs. Ricardo e Fabiano e 1 h de estudo sobre avaliação no Ensino Médio. Utilizo como recurso didático atividades e textos da apostila Positivo – e experimentos

laboratoriais. Sobre avaliação registro 5 notas, graduadas de 1 a 10; utilizando as seguintes ferramentas: prova; trabalho de pesquisa; bibliografias; seminários; atividades (classe e extra-classe e relatórios de experimentos) e conselho de classe. Na sala sou um professor tradicionalista (aulas

expositivas seguidas de exercícios de aprendizagem e problemas de aplicação de conteúdos estudados, proponho mais atividades individuais do que em grupo), mas procuro recursos e ferramentas que possam aproximar minha prática docente às práticas recomendadas pelos PCN´s, como a utilização da

Resolução de Problemas como recurso metodológico para ensinar Física.” (Q.4 – Questão 1)

• Você descreveu sua prática sob um aspecto metodológico? Por que? • Como que aprendeu agir assim? • Você sempre foi e pensou assim? Onde aprendeu? • Atualmente descreveria essa prática docente na Educação Básica de outra forma? Como?

VI - Ao ser solicitado, também no questionário 4, para relacionar a sua prática docente na Educação Básica e no Ensino Superior você responde:

“Acho muito importante poder estar atuando simultaneamente na Educação Básica e no Ensino Superior. Uma serve de escola para outra. No curso de licenciatura Plena em Matemática tenho que formar professores que, em sua maioria, estarão atuando na Educação Básica, portanto a experiência no

Ensino Fundamental e Médio é fundamental para fomentar as discussões sobre Educação Matemática com os acadêmicos. Nas discussões promovidas pelo Departamento estamos refletindo sobre nossa prática docente e planejando mudanças, que possam contribuir para a aprendizagem da matemática (

tanto por alunos da Educação Básica quanto do Ensino Superior)” (Q.4 – Questão 3)

• Explique sua resposta, com o olhar que tem hoje?

ENSINO SUPERIOR I – No questionário de caracterização você emitiu sua primeira opinião sobre Ser Professor do Ensino Superior:

“Uma grande oportunidade de crescimento intelectual e profissional (possibilidade de continuar os estudos e participar de grupos de estudo e projetos de pesquisa e extensão). E por acreditar na força da Educação Básica que penso ser importante a formação de professores.” (Q.C)

• Poderia nos explicar sua resposta naquele momento. • Hoje você já tem mais experiência como professor formador do que na época que respondeu esse

questionário. Se hoje perguntássemos novamente o que responderia? II - No questionário 3, você respondeu que o desejo de ser professor da universidade surgiu:

“No momento em que iniciei o curso de Licenciatura Plena em Matemática na UNEMAT pelo PIQD (Programa Interinstitucional de Qualificação Docente) em 1999/01. Esse programa, para mim, foi uma grande oportunidade na minha vida. Aos 32 (trinta e dois) anos de idade já não via a possibilidade de

cursar uma faculdade, mas depois do vestibular senti que podia e que aproveitaria ao máximo a chance de ser um educador através da profissão “professor de matemática” e que como professor universitário poderia estar contribuindo para a educação de crianças e adolescentes muito mais do que se

estivesse atuando em sala de aula no Ensino Fundamental e Médio (talvez tenha sido o Professor “C”, enquanto professor e orientador, quem mais contribuiu para que eu tivesse essa visão e a Professora “D” por confiar no meu trabalho quando me convidou para fazer o teste seletivo que permitiu o

meu ingresso na UNEMAT como professor formador).”(Q.3 – Questão 1)

• Nos explique melhor como surgiu esse desejo? III – No questionário 3 perguntamos o que Professor Formador precisa saber para trabalhar na Formação Inicial? E você respondeu: “Conhecer os conteúdos da ementa das disciplinas que vai ministrar é o mínimo, pois o professor deve ter uma proposta metodológica clara com relação ao material didático, como apostila ou livro didático; os recursos áudio visuais, como quadro-giz, projetor de imagens, data show e vídeos; bibliografias

recomendadas, atividades propostas em sala de aula que possam orientar para aprendizagem e trabalhos extra-classe, que sejam possíveis de ser realizadas no tempo estabelecido com os recursos disponíveis e também o sistema de avaliação que permita avaliar os alunos sobre vários aspectos

como, por exemplo: o conhecimento matemático construído durante o semestre através de provas testes, a oralidade do (a) acadêmico (a) nos seminários de apresentação de trabalhos, a maneira como planejam e organizam suas atividades e outros aspectos que o professor julgue importante no processo de

formação de professores.”(Q.3 – Questão 2 • Você elencou em sua resposta a importância de saber o conteúdo; conhecer o Projeto Pedagógico (no

mínimo da disciplina que vai ministrar); ter proposta metodológica clara e aí cita alguns instrumentos ou estratégias metodológicas, etc.

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• Onde aprendeu que ios saberes que elencou para o professor formador são importantes? • Hoje você responderia o mesmo? Por que?

IV – Também no questionário 3, solicitamos que traçasse um Perfil para o Professor Formador e você listou:

“Organizado e responsável com relação aos planos de ensino, diários de classe, avaliações, atividades de extensão e orientações de Projetos e TCCs e demais atividades do Departamento como reuniões e grupo de estudo.” (Q.3 – Questão 3 a)

Na mesma questão, perguntamos se considera ter esse Perfil, e você respondeu: “Sim. Procuro trabalhar em função daquilo que acredito ser importante e verdadeiro.”(Q3 – Questão 3b)

• Por que evidenciou naquele momento mais questões burocráticas e organizacionais da vida de um professor?

• Atualmente acrescentaria alguma característica que descobriu ser importante? Por que? • Como descobriu essas outras características? • Considera hoje ter esse perfil? • Quais são teus objetivos como professor formador? O que tem feito para alcança-los?

V - No questionário 3, perguntamos: Como deve ser um curso de graduação que forma Professores de Matemática? E você respondeu:

“Comprometido com a Educação Matemática em suas atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão, embora eu ainda não tenha clareza sobre como conduzir essas atividades de maneira a contribuir para a formação de professores de matemática.” (Q.3 – Questão 4)

• Você descobriu como fazer essa relação entre ensino-pesquisa-extensão? Como aprendeu? • Você concorda que o principal protagonista para desenvolver tudo isso no curso é o professor formador?

Por que? VI – Perguntamos, no questionário 3, se você estava satisfeito com sua atuação no Ensino Superior e por que, respondeu:

“Se eu dizer que sim, poderei estar admitindo que já não preciso melhorar em nada o meu trabalho. Se disser que não estarei assumindo que não estou produzindo como deveria. Entendo que estou satisfeito com a minha maneira de proceder em busca daquilo que acredito ser importante para minha formação profissional e com os avanços que tenho conseguido, junto ao departamento, ao projeto GEENCE, às orientações de projetos e TCCs, às

participações em bancas como avaliador, aos grupos de estudo e às práticas pedagógicas em sala de aula, graças ao apoio e incentivo que recebo dos “Amigos da Universidade”(Q.3 –Questão 5)

• E atualmente? • O que mudou? Como aprendeu?

VII – No questionário 4, solicitamos que descrevesse sua prática docente no Ensino Superior, e você descreveu-a assim: “Nesse semestre trabalho com as disciplinas de Matemática Elementar I e II, mas já trabalhei: Introdução à Álgebra Linear; Álgebra abstrata I e II e Cálculo

III. Não tenho material apostilado próprio, trabalhamos com textos e atividades de algumas bibliografias encontradas em nossa biblioteca. Utilizo como recurso didático, atividades desenvolvidas individualmente ou em grupos (com menos freqüência) corrigidas no quadro e comentadas os resultados e as

estratégias utilizadas. Como avaliação utilizo 4 ferramentas (graduadas de 1 a 10): prova; lista de atividades (classe e extra-classe); trabalho de pesquisa bibliográfica e seminários, avaliando quem apresenta o trabalho e quem assiste através de relatórios e lista de exercícios sobre o tema. Preparo minhas

aulas estudando os conteúdos das disciplinas em livros disponíveis na biblioteca e na Internet. Sinto falta do grupo de estudo que tínhamos sobre “Seqüência e Séries”, acho importante o estudo, principalmente aquele voltado para às áreas de atuação docente. Sinto necessidade de um maior

aprofundamento dos conhecimentos matemáticos de um modo geral. Participo de bancas como avaliador de projetos e T.C.C’s sempre que sou convidado e sou orientador de 3 projetos (5 acadêmicos.).(Q.4 – Questão 2)”

• Por que descreveu sua prática docente no Ensino Superior assim? • Hoje descreveria da mesma maneira? O que modificaria?

VIII - Pedimos no questionário 4 que analisasse em pontos positivos e negativos sua prática docente no Ensino Superior e você analisou assim:

PONTOS POSITIVOS: “Procuro ter clareza na proposta de trabalho com os acadêmicos (trabalhos, atividades e avaliações de um modo geral) e proporciono momentos de

discussão sobre Educação Matemática deixando claro que o nosso curso forma professores de matemática e não Matemáticos.”

PONTOS NEGATIVOS: “Preciso preparar melhor os materiais didáticos utilizados nas aulas, ser mais objetivo com relação aos conteúdos para trabalhar toda a proposta com

tranqüilidade e estudar mais sobre a disciplina para ter mais segurança quanto ao conteúdo e buscar novidades no campo das aplicações matemáticas.”(Q.4 – Questão 5)

• Atualmente analisaria da mesma forma?

IX - Para finalizar: - baseado em tudo que falou para nós nesta entrevista:

• Na sua opinião como os professores formadores para Educação Matemática aprendem a ser professor do ensino Superior?

ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL DE LÍRIO Data de realização: ______/______/_____. Local: _____________________ Horário de Início:________ Horário de Término:________

FORMAÇÃO INICIAL. I - No questionário de Caracterização, em Março de 2004, você foi questionado sobre sua primeira opinião sobre o seu Curso de Matemática. Você respondeu:

“Não deu todos os requisitos necessários, deficiente em algumas disciplinas.” (Q.C ) • Você poderia falar mais sobre está resposta. • O que você esperava do seu curso? • Que requisitos que você esperava ter? • Porque julga ter sido deficiente em algumas disciplinas? O que teve nas outras que foi diferente? • Hoje – um ano e meio após ter dado esta resposta, depois de ter mais tempo como professor formador –

Você continua pensando assim?

II- Você nos respondeu no questionário 1 (em Julho de 2004) que sua opção pelo curso de Matemática foi “Gostar de cálculo e querer desenvolver isso. Não sabia que era licenciatura” (Q.1 - Questão 1)”.

• Você poderia falar mais sobre está resposta. • De onde veio este seu gosto pela matemática? • Esclareça o que você gostaria de desenvolver? Julgava importante desenvolver isso por que? Para quê já

que não queria ser professor de matemática? III - Nos respondeu no questionário 1 (em Julho de 2004) que na sua graduação deu prioridade: Disciplinas específicas de Matemática e Física que faziam parte do curso”, [pois] priorizava estudar as disciplinas especÍficas porque gostava das ciências

exatas e dos mecanismos matemáticos para os cálculos.”(Q.1 - Questão 4) • Nos explique melhor sua resposta. • Preocupava-se em ensinar o que aprendia, ou seja, neste momento como aluno visualizava a

possibilidade de ter que ensinar a alguém o que estava aprendendo ali? • Quanto a estrutura do curso – na sua opinião, naquele tempo havia mais ênfase a importância do saber

matemática do que o saber ensinar matemática? IV- No questionário 1 (em Julho de 2004) ao ser indagado sobre quando iniciou a atuar como professor , você nos respondeu:

“Não, comecei a atuar como professor durante o Curso.” (Q.1. - Questão 3) [na disciplina] de Física com carga horária de 12 horas semanais” (Q.1 – Questão 3c)”

• Poderia nos dizer como essa oportunidade apareceu para você? Como que se posicionou na época, ou seja, em algum momento você se perguntou se deveria atuar como professor antes de concluir o seu curso?

• Como foi o seu inicio? Quais eram as dificuldades? As facilidades? Sua formação inicial contribuiu para alguma coisa nesse momento?

• Hoje como olha para esta experiência inicial como professor? Você faria alguma coisa diferente? • Você trazia algum relato ou experiência que passou na escola como professor para as aulas na

universidade? • Você procurava fazer com que a sua formação inicial contribui-se com você como professor na escola?

V - No questionário 2 ao ser indagado se algumas disciplinas da sua formação inicial proporcionaram-lhe experiência de ensinar conteúdos matemáticos na Educação Básica por meio de métodos e técnicas? Quais? Você utiliza em sua prática docente na E.B.? Você respondeu:

“Algumas disciplinas da minha Formação Inicial proporcionaram-me experiência de ensinar conteúdos matemáticos na Educação Básica por meio de métodos e técnicas, citando as disciplinas de: Didática da Matemática; Metodologia da Pesquisa, Seminários, Álgebra.” (Q.2 – Questão 3)

• Você poderia nos explicar porque estas disciplinas e como elas proporcionaram esta experiência? • Porque citou somente uma disciplina específica?

VI - No questionário 1, quando solicitamos sua opinião sobre a matriz curricular do curso que fez se contribuiu para sua formação como Educador Matemático, respondeu:

“Em partes, faltou carga horária adequada em algumas disciplinas para nos aprofundar” (Q.1 – Questão 6a) • Por que pensa assim? • O que seria esse aprofundamento que menciona?

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• Você como aluno – costumava estudar fora da sala de aula? Procurava ajuda a suas dificuldades? Se procurava ajuda - em quem ou em quê?

VII - Ao comparar a matriz curricular que fez seu curso de graduação com a atual matriz do curso onde trabalha como professor formador, você escreveu:

A atual [momento II], devido ao aumento de carga horária e a experiência dos professores que atuam em sala.” (Q.1 – Questão 6b) • Você acha que a atual matriz é melhor somente pelo aumento da carga horária? • Você leu o Projeto Pedagógico do curso da graduação que desenvolveu? E o atual você conhece? • Quando menciona a experiência dos professores que atuam em sala de aula – o que quer dizer com isso?

VIII- Quando questionamos se sua Formação Inicial influenciou no professor que é hoje , você respondeu:

Não, devido aos professores que tive e a [minha] busca de conhecimento durante o curso.” (Q.1 -Questão 8) • Explique-me melhor essa resposta? • Você continua a pensar assim?

IX – Ao ser questionado sobre se aprendeu a ser professor na formação inicial, você respondeu: “Não, na graduação aprendi os conceitos matemáticos, porém passei a compreender o que é ser professor na sala de aula, nas experiências vividas.” (Q.1

-Questão 5) • Poderia me explicar melhor? • Hoje – pensa assim – o que trouxe das experiências passadas por você para o professor que é hoje no

Ensino Superior? Como trouxe? • Você julga que vem mudando a forma de ensinar e aprender? Como?

X - Em poucas palavras diga-nos o que representou a sua formação inicial na sua aprendizagem da docência.?

• Você aprendeu a ser professor na sua Formação Inicial? X - No questionário 1 você não reconhece que para ser professor é necessário muito mais do que saber matemática. Pode me explicar isso?

• O que precisa? • Essa opinião mudou nos últimos meses ou sempre foi a sua? • Se mudou - porque mudou?

FORMAÇÃO CONTINUADA I - Em Abril de 2004 iniciou uma especialização em Tendências Didático-Metodológicas em Educação Matemática.

• Você a concluiu? Quando? • Ao realizar essa especialização você mudou a forma de pensar sobre a Educação Matemática? Como?

Por que? • O que entende por Educação Matemática?

EDUCAÇÃO BÁSICA

I - Atualmente leciona na Educação Básica?

• O que te fez parar de atuar na Educação Básica? • Antes de você atuar na UNEMAT você gostava do que fazia – por que ao ingressar na UNEMAT resolveu

sair da escola de Educação Básica? II - Você acha importante o professor universitário ter sido professor na Educação Básica? Por que? III - Como e o quê você trouxe na sua experiência como professor da Educação Básica para sua prática docente no Ensino Superior? IV – No questionário 2, ao ser indagado sobre se a Experiência na Educação Básica influencia na sua prática como professor no Ensino Superior ? Você respondeu:

“Em partes [pois] são realidades diferentes, e há interesses diferentes envolvidos. Lá [na Educação Básica] estuda-se porque se é obrigado; aqui [na universidade] há um interesse maior para aprender.” (Q.2. – Questão 5

• Nos explique melhor esta resposta. • Considera que não traz nada das experiências na Educação Básica para o Ensino Superior?

283

V - No questionário 4, no final do mês de Julho de 2004, você descreveu sua prática docente na Educação Básica na seguinte maneira:

“Procuro desempenhar o papel de orientador na aprendizagem, incentivando a leitura e a interpretação dos conceitos matemáticos. Além disso, busco mostrar a relação dos conceitos matemáticos com situações relacionadas à atividade social, e a interdisciplinaridade. Constantemente desafiamos os

alunos para que busquem situações que envolvam os conceitos trabalhados.”(Q.4 – Questão 1) • Como que aprendeu agir assim? • Você sempre foi e pensou assim?

VI - Ao ser solicitado, também no questionário 4, para relacionar a sua prática docente na Educação Básica e no Ensino Superior você responde:

“A necessidade de ler e entender o que se leu, em relação aos conceitos. A ênfase no desenvolvimento do raciocínio lógico-formal, como maneira de saber resolver as situações problemas.” (Q.4 – Questão 3)

• Hoje você responderia de maneira diferente? Por que? • Explique sua resposta, com o olhar que tem hoje?

ENSINO SUPERIOR I – No questionário 1 você emitiu sua primeira opinião sobre Ser Professor do Ensino Superior:

“Desafiador, busca contínua de melhora e de experiência. Busca de conhecimento e troca de informações – Realização Profissional.” (Q.C.)

• Poderia nos explicar melhor sua resposta. • Hoje você já tem mais experiência como professor formador do que na época que respondeu esse questionário.

Se hoje perguntássemos novamente o que responderia? II- No questionário 3, você respondeu que o desejo de ser professor da universidade surgiu:

“Ao final do curso de graduação, pois me identifiquei com o ensino em vista de já estar atuando no Ensino Médio.” (Q.3 – Questão 1)

• Nos explique melhor como surgiu esse desejo? • O que tem a ver o Ensino Médio com o Ensino Superior, até porque em outro momento você respondeu que são

contextos diferenciados? III – No questionário 3 perguntamos o que Professor Formador precisa saber para trabalhar na Formação Inicial? E você respondeu:

“O conteúdo e as ramificações com outras disciplinas a fim de se concretizar o significado no aprendizado.” (Q.3 – Questão 2)

• Nos explique melhor sua resposta. • Por que insiste tanto no “saber matemática”, no saber conteúdo? • Hoje você responderia o mesmo? Por que?

IV – Também no questionário 3, solicitamos que traçasse um Perfil para o Professor Formador e você listou:

“Dinâmico, capacitado, atualizado e capaz de suscitar o interesse pelo conhecimento na maior parte dos alunos.” (Q.3 – Questão 3 a)

na mesma questão, perguntamos se considera ter esse Perfil, e você respondeu: “Não totalmente, o tempo e a prática e a capacitação, colaborarão para que isso aconteça.”(Q.3 – Questão 3 b)

• Atualmente acrescentaria alguma característica que descobriu ser importante? Por que? • Considera hoje ter esse perfil? • Quais são teus objetivos como professor formador? O que tem feito para alcança-los?

V - No questionário 3, perguntamos: Como deve ser um curso de graduação que forma Professores de Matemática? E você respondeu: “Deve buscar desenvolver no graduando capacidades cognitivas, raciocínio lógico e abstrato e didaticamente possibilitar e

dar ferramentas para que o mesmo possa atuar em sala.” (Q.3 – Questão 4) • Você concorda que o principal protagonista para desenvolver tudo isso no curso é o professor formador? Então

como que o professor formador aprende tudo isso que citou ser importante? VI – Perguntamos, no questionário 3, se você estava satisfeito com sua atuação no Ensino Superior e por que, respondeu:

284

“Não totalmente, falta um conhecimento mais abrangente de conteúdos e de como criar situações para que os mesmos tenham significado.” (Q.3 – Questão 5)

• E atualmente? • O que mudou? Como aprendeu?

VII – No questionário 4, solicitamos que descrevesse sua prática docente no Ensino Superior, e você descreveu-a assim:

“Preocupado com o que os acadêmicos deverão aprender de conhecimentos básicos ao fundar (???) o curso, incentivo a leitura e a interpretação dos conceitos trabalhados, bem como, sua representação geométrica. Desenvolvimento do

raciocínio lógico e formal é um dos objetivos. Minha atuação é de forma a levar o acadêmico a sentir a necessidade e interesse pelo que está estudando, incentivando e perguntando qual sua compreensão de que se estudou. Questiono o que

ele faz e se contribui para sua aprendizagem.” (Q.4 – Questão 2) • -Por que essa preocupação? Qual a origem dessa preocupação? • Como e onde aprendeu que isso que descreveu é importante?

VIII- Pedimos no questionário 4 que analisasse em pontos positivos e negativos sua prática docente no Ensino Superior e você analisou assim:

PONTOS POSITIVOS: - Empenho em prepara as aulas;

- Levantar questionamentos; - Avaliar todo o processo e não só os resultados.

PONTOS NEGATIVOS:

- Excesso de cobrança dos alunos para que raciocinar sobre os conceitos; - A ansiedade de que os alunos captem rapidamente aquilo que estamos trabalhando.

Atualmente analisaria da mesma forma? O que e por que mudaria?

IX - Para finalizar: Como você professor Formador aprende a ser professor do Ensino Superior?

ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL DE ROSA

Data de realização: ______/______/_____. Local: _____________________ Horário de Início:________ Horário de Término:________

FORMAÇÃO INICIAL. I - No questionário 1(em Julho de 2004) ao responder sobre a sua OPÇÃO pelo curso de Licenciatura em Matemática, escreveu:

“Minha intenção inicial era cursar Engenharia Civil, contudo não passei para Engenharia, mas passei para Matemática e assim pensei em fazer um semestre enquanto esperava por outro vestibular, entretanto, logo me identifiquei com o curso e

decide por continuar cursando o mesmo até o seu término.” (Q.1-Questão 1) Destacamos: logo me identifiquei com o curso e decide por continuar cursando o mesmo até o seu término.” (Q.1-Questão 1)

• Identificou-se com o que do curso? Como foi esse processo de identificação com o curso de Licenciatura? II – Respondeu, também no questionário 1 que na sua graduação deu prioridade a todas as disciplinas do curso:

“Eu pessoalmente não priorizava nem as específicas nem as pedagógicas, contudo acabava me dedicando mais as específicas pois os professores destas disciplinas exigiam mais dos alunos do que as pedagógicas, que na maioria dos

casos considero que foram trabalhadas de forma superficial.” (Q.1 - Questão 4) Destacamos: contudo acabava me dedicando mais as específicas, pois os professores destas disciplinas exigiam mais dos alunos do que as pedagógicas,

• Na sua opinião, a exigência dos professores das disciplinas específicas daquela época pode configurar o momento vivido pelo curso, orientado por um projeto Pedagógico calcado na formação de professores sob uma perspectiva de formação do técnico-especialista (modelo da racionalidade técnica)? Por que?

• Por que considera que as disciplinas pedagógicas do seu curso foram trabalhadas de forma superficial? III - Você iniciou a trabalhar como professora após a conclusão do seu curso de Licenciatura em Matemática. Gostaríamos que se reportasse a época para relembrar como foi a experiência do seu estágio curricular supervisionado, já que foi o seu primeiro contato com a sala de aula na posição de professora, e o quê dessa experiência lhe ajudou como professora após o término do curso.

• Na sua opinião, a experiência de ter começado a atuar como professora após a conclusão de seu curso de licenciatura representou o quê?

• Ao olhar para o fato de iniciado a atuar como professora após a conclusão do curso – Se tivesse a oportunidade de reviver a experiência - você faria algo diferente? O quê e por que?

IV – Ao ser questionada sobre se aprendeu a ser professora na formação inicial, respondeu:

“Considero que continuo aprendendo a ser professora a cada dia que entro em sala de aula, a cada situação nova que surge no dia a dia de um professor e a cada aluno com o qual entro em contato através do meu trabalho, contudo vejo que

a formação inicial foi de fundamental importância para que pudesse entrar em sala de aula com o mínimo de conhecimento necessário para tentar solucionar os problemas que surgem no decorrer do processo ensino-aprendizagem.”

(Q.1 - Questão 5) • Essa percepção de considerar que aprende a ser professora a cada dia que entra na sala de aula [...] – na

sua opinião foi construída como? (Sempre pensou assim?) • Na sua opinião o formado em licenciatura matemática pensa assim ao iniciar a atuar como professor ou

vai perceber isso com o tempo? O que é necessário para perceber? Destacamos ainda “[...] vejo que a formação inicial foi de fundamental importância para que pudesse entrar em sala de aula com o mínimo de conhecimento necessário para tentar solucionar os problemas que surgem no decorrer do processo ensino-aprendizagem.” (Q.1 - Questão 5)

• Nos explique melhor essa parte da sua resposta. O que é esse mínimo de conhecimento necessário? Como que a sua formação desenvolveu isso em você?

• O que faz para que seus alunos de graduação percebam que “aprender a ser professor é um processo”? V – No questionário 1, solicitamos sua opinião sobre a matriz curricular do curso que fez – se a sua formação Inicial contribuiu para a formação da Educadora Matemática que era na época da investigação (Julho de 2004), respondeu:

“Em partes - Possibilitou-me conhecer um pouco sobre matemática e sobre educação, contudo, de forma nenhuma foi suficiente para a formação de um Educador Matemático, ainda mais se considerarmos a Educação Matemática como um

movimento de pesquisa e o Educador Matemático como um pesquisador nesta área.” (Q.1 – Questão 6a)

286

• Nos explique melhor sua resposta. O que lhe fez pensar assim? Onde construiu essa concepção “da Educação Matemática como um movimento de pesquisa e o educador matemático como um pesquisador nesta área?”

• Você sempre pensou assim? VI - Ao solicitarmos que você comparasse as duas matrizes curriculares do curso de matemática pedimos a sua opinião sobre qual contribui mais com a formação do professor de matemática, você respondeu:

“A atual [Matriz B] contribui mais para a formação do professor de Matemática uma vez que ela foi estruturada em consonância com as discussões e resultados das pesquisas realizadas na área da Educação Matemática nos últimos anos,

enquanto que a primeira foi copiada de uma outra universidade, cuja realidade e objetivos relativos ao perfil do aluno egresso eram totalmente distintos do curso de matemática da UNEMAT- Campus de Sinop.”(Q.1 – Questão 6b)

Comentário - Você é a única professora formadora que participa desta pesquisa, que viveu como aluna o primeiro momento do curso de licenciatura em matemática; que já como professora participou da reestruturação curricular do curso e que após a implantação da nova matriz curricular continuou a atuar no curso.

• O que representou no seu percurso de aprendizagem da docência do Ensino Superior esse fato? • (Não precisaria nem perguntar – mas!!!) Conhecia o 1º Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em

Matemática? Como? E o 2º Projeto Pedagógico? Discuti-os com colegas do departamento? Por que? • Na sua opinião, é importante o professor universitário conhecer o Projeto Pedagógico do curso onde

atua? Por que? VII – Perguntamos se sentia dificuldade em atuar como professora formadora no mesmo curso onde realizou sua formação inicial e que agora possui uma outra matriz curricular. Você respondeu:

“Não, sempre encarei estas diferenças como desafio para que eu me aprimorasse e desse conta desta nova realidade.” (Q.1 – Questão 7)

• Que diferenças são essa? • O que estes desafios resultaram? Como resultaram?

VIII – No questionário 1 lhe perguntamos: Se as disciplinas pedagógicas do curso que realizou lhe auxiliam em sua prática docente no Ensino Superior? De que forma essas disciplinas lhe auxiliam nas aulas de matemática que desenvolve no Ensino Superior? Você respondeu: “Auxiliam parcialmente, penso que de fato foi nos estudos posteriores a graduação que encontrei auxílio para as aulas que

desenvolvo como Formadora de Professor.” (Q.1 – Questão 9a) • Antes de fazer os “estudos posteriores” que mencionou em sua resposta, as disciplinas pedagógicas do

seu curso de formação inicial lhe auxiliavam? Em que e como? • Como que foi incorporando em sua prática docente no Ensino Superior esses “estudos posteriores”? O

que isso representou para você? IX – Perguntamos, no questionário 4, o que da sua Formação Inicial contribuiu para sua prática docente na Educação Básica e no Ensino Superior? Você respondeu: “Mesmo estando ciente que minha formação inicial teve falhas, acredito que me proporcionou uma boa base matemática e

alguma fundamentação pedagógica que me possibilitou iniciar um trabalho como professora tanto na Educação Básica quanto no Ensino Superior. Mas a principal contribuição da formação inicial, ao meu ver, foi o fato de ter me ensinado a

buscar por mim mesma, a pesquisar (pesquisas bibliográficas), a perceber os problemas e buscar soluções para os mesmos.” (Q.4 – Questão 4)

• Poderia refletir sobre a resposta dada com mais detalhes. • Você como professora formadora em um curso de formação inicial procura desenvolver isso com os

alunos desse curso? Como? Por que?

FORMAÇÃO CONTINUADA I – Você é a única professora formadora que participa desta pesquisa que fez mestrado. Você atribui ao seu mestrado o locus de formação para ser professora do ensino superior conforme prevê a legislação vigente? Justifique. II – No seu curso de mestrado você realizou alguma disciplina que refletisse ou discutisse a prática pedagógica do Ensino Superior?O que acha disso?

287

EDUCAÇÃO BÁSICA I - Você acha importante o professor universitário ser ou ter sido professor da Educação Básica? Por que? II - Você trouxe ou traz a sua experiência como professora da Educação Básica para sua prática docente no Ensino Superior? Como e por que? III – No questionário 2, ao ser indagado sobre se a Experiência na Educação Básica influencia na sua prática como professor no Ensino Superior ? Você respondeu: “Sim, acredito que esta experiência é muito importante, pois como trabalho com as disciplinas pedagógicas isso me permite

construir um discurso a partir de uma junção da teoria com a experiência em sala de aula, o que com certeza enriquece minha prática como professora tanto no Ensino Superior como na Educação Básica.” (Q.2. – Questão 5)

• Nos explique a sua resposta, refletindo com mais detalhes sobre o que escreveu naquela época. IV - No questionário 4, no final do mês de Julho de 2004, você descreveu sua prática docente na Educação Básica na seguinte maneira:

“Na Educação Básica, sempre trabalhei com a disciplina de matemática. Procuro diversificar o máximo que possível a metodologia de ensino, as estratégias e os recursos de ensino, pois as turmas são muito “heterogêneas”, tanto em relação ao conhecimento quanto em relação ao interesse pelos estudos. Na Educação Básica em especial no Ensino Fundamental, penso que é onde mais sinto a responsabilidade da função do professor. Parece-me que na maioria dos casos, os alunos ainda não perceberam o porquê de estarem estudando e muitas vezes se sentem desestimulados, cabendo ao professor

trabalhar sua disciplina de forma que estes alunos compreendam não só o conteúdo específico mas também sua contextualização e a importância do mesmo na sua formação” (Q.4 – Questão 1)“

• Você escreveu que costuma diversificar o máximo que possível a metodologia de ensino, as estratégias e

os recursos de ensino [...] ? Julga ter chegado a esta conclusão por ter construído uma aprendizagem da docência da Educação Básica? Como construiu?

• Como que aprendeu agir assim? • Você sempre pensou assim? Onde aprendeu? • Atualmente descreveria essa prática docente na Educação Básica de outra forma? Como?

V -: No questionário 2 lhe perguntamos: Onde aprendeu a ser professora da Educação Básica? Você respondeu:

"Acredito que o professor continua aprendendo durante toda sua vida profissional, por isso penso que é através de uma combinação entre a formação inicial e a experiência em sala de aula neste nível de ensino que define a aprendizagem do professor.”(Q.2 -Questão 2)

• Ao iniciar a atuar na Educação Básica como professora você já pensava assim? O que lhe fez alterar essa forma de pensar?

• Na sua opinião como que o professor continua aprendendo?

ENSINO SUPERIOR I – No questionário de caracterização você emitiu sua primeira opinião sobre Ser Professor do Ensino Superior: “Considero muito importante pois exige mais de mim do que a Educação Básica e também como pretendo continuar me qualificando a experiência

com o ensino superior é de fundamental importância.” (Q.C.- Março de 2004) • Por que considerava na época que o Ensino Superior exigia mais de você do que a Educação Básica? Em

que sentido? • Na sua opinião, foi importante para você ter construído sua carreira profissional atuando paralelamente na

Educação Básica e no Ensino Superior? Por que? II – No questionário 3 perguntamos o que Professor Formador precisa saber para trabalhar na Formação Inicial? Você respondeu:

“Considero que um professor formador num curso de Licenciatura em Matemática deve conhecer os conteúdos específicos desta área e também conteúdos pedagógicos e educacionais de uma forma geral. Penso desta forma porque acredito que é necessário que todos estes aspectos sejam

considerados por todos os professores, pois quando isto não ocorre o que se percebe é uma discordância entre o que é apresentado por estas áreas. Um exemplo disso pode ser percebido quando nas disciplinas pedagógicas do curso se propõe metodologias de ensino diferenciadas os alunos comentam que se é tão importante buscar utilizar metodologias diferentes porque no decorrer do curso os professores das disciplinas específicas se restringiram a aula expositiva. Da mesma forma, o inverso também é verdadeiro, por exemplo quando um professor com outra formação trabalha a disciplina de Didática da

Matemática, normalmente os temas abordados carecem de exemplos relacionados a área da matemática.” (Q.3 – Questão 2) • Pode nos explicar melhor sua resposta. Por que julgou importante essas qualidades do Professor

Formador?

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• Hoje você responderia o mesmo? Acrescentaria alguma característica, excluiria outras? Por que? III – Também no questionário 3, solicitamos que traçasse um Perfil para o Professor Formador e você respondeu:

“Um profissional que detenha conhecimentos específicos de sua área mas também conhecimentos em outras áreas , como por exemplo, de Educação Matemática e Educação. (Q..3 – Questão 3 a)

• Por que? Explique melhor sua resposta. IV - No questionário 3, perguntamos: Como deve ser um curso de graduação que forma Professores de Matemática? E você respondeu:

“Este curso deve contemplar as disciplinas específicas de sua área e também disciplinas de educação matemática e de educação em geral, e é muito importante que estas áreas sejam consideradas com igualdade dentro do curso”(Q.3 – Questão 4)

• Por que julga importante que o curso contemple as disciplinas específicas de sua área e também as

disciplinas de educação matemática e educação de modo geral? • Você sempre pensou assim? Por que? Como construiu essa concepção?

V – Lhe perguntamos, no questionário 3, se você estava satisfeito com sua atuação no Ensino Superior e por que, respondeu:

“Acredito que sim, desde o início procurei qualificar-me, mesmo que para isso sempre tive que financiar pessoalmente a realização desta qualificação. Sempre empenhei-me em continuar buscando novos conhecimentos para tornar minha prática pedagógica o melhor possível. Procuro a cada semestre

propor uma prática diferenciada, buscando aperfeiçoar-me constantemente”.(Q.3 – Questão 5) • Nesta e em outras respostas, percebemos você sempre muito presente. Compreendemos você como

“sujeito de sua formação”, ou seja, como responsável por ela e fazendo do seu caminhar, das vivências passadas neste percurso, experiências que significadas compuseram a sua aprendizagem da docência. Você concorda conosco? Explique-me por que.

VI – No questionário 4, solicitamos que descrevesse sua prática docente no Ensino Superior, e você descreveu-a assim: “No Ensino Superior, exceto por uma ou outra disciplina especifica da matemática, sempre trabalhei com disciplinas pedagógicas do curso de matemática.

São estas disciplinas responsável pela formação pedagógica do futuro professor, e no caso específico do nosso curso, a maioria dos alunos dizem não querer ser professor de matemática, diante deste fato percebo como muito importante na formação destes alunos a prática docente de todos os

professores do curso, pois acredito que muitos vão conduzir suas próprias práticas docentes “espelhados” nos professores que tiveram durante sua formação. Por tudo isso é que sempre senti responsabilidade que minha atuação como professora teria para estes alunos. Trabalhei sempre procurando

ressaltar a importância e a responsabilidade da função do professor.” (Q.4 – Questão 2)

• Em todo seu percurso profissional no Ensino Superior tentou fazer isso que refletiu? Sempre pensou assim? Como chegou a essas conclusões?

VII - Baseado em tudo que nos falou, na sua opinião, como os professores formadores para Educação Matemática aprendem a ser professor do Ensino Superior? VIII - E para finalizar, essa entrevista lhe gerou reflexões? Teve algum significado para você? Qual (is)?Por que?

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