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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DAYENNE KAROLINE CHIMITI PELEGRINI EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA: DISCIPLINA E PODER DISCIPLINAR NO ENSINO DE PRIMEIRO GRAU MATO-GROSSENSE DA DÉCADA DE 1970 CUIABÁ - MT 2011

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE … · Mato Grosso, no período em estudo, com o propósito de identificar a ocorrência – ou não – de particularidades nos conteúdos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DAYENNE KAROLINE CHIMITI PELEGRINI

EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA:

DISCIPLINA E PODER DISCIPLINAR NO ENSINO DE

PRIMEIRO GRAU MATO-GROSSENSE DA DÉCADA DE

1970

CUIABÁ - MT

2011

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DAYENNE KAROLINE CHIMITI PELEGRINI

EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA:

DISCIPLINA E PODER DISCIPLINAR NO ENSINO DE

PRIMEIRO GRAU MATO-GROSSENSE DA DÉCADA DE 1970

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Educação na

Área de Concentração Educação, Cultura e

Sociedade, Linha de Pesquisa Cultura, Memória e

Teorias em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia dos Santos

Ferreira.

Cuiabá - MT

2011

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DAYENNE KAROLINE CHIMITI PELEGRINI

Prof. Dr. Dimas Santana Souza Neves

Examinador Externo - Universidade Estadual de Mato Grosso

Profa. Dra. Elizabeth Figueiredo de Sá

Examinadora Interna - Universidade Federal de Mato Grosso

Profa. Dra. Márcia dos Santos Ferreira

Orientadora - Universidade Federal de Mato Grosso

Aprovado em 31/03/2011

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-

GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT

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A Thiago Pelegrini com todo o meu amor

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AGRADECIMENTOS

A minha orientadora professora Márcia dos Santos Ferreira, pela oportunidade, confiança

incentivo e autonomia a mim conferida, mesmo frente aos percalços encontrados durante a

pesquisa. Pela competência intelectual e exemplo profissional que proporcionaram suporte

essencial a materialização dessa pesquisa.

Aos professores Dimas Santana Souza Neves, Elizabeth Figueiredo de Sá e Nicanor

Palhares Sá, membros da banca avaliadora desta dissertação pela disponibilidade e

colaborações enriquecedoras.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela

concessão da bolsa de Mestrado.

Aos amigos de Cuiabá, por tornarem minha estadia mais aconchegante com seu apoio e

solidariedade.

As escolas e professores que consultei em Cuiabá e Barra do Garças por permitirem e

contribuírem com a minha pesquisa.

Aos meus pais, Ana e Josenir, por minha existência, pelo amor incondicional que

demonstram todos os dias e pelo investimento em minha educação que foram essenciais

para que eu chegasse onde estou hoje.

A família Pelegrini, que me acolheu, me apoiou e comemorou comigo minhas vitórias e

meu ingresso no meio acadêmico, especialmente a Sandra de Cássia Araújo Pelegrini,

grande incentivadora de meu trabalho, exemplo de dedicação profissional.

Ao meu esposo, companheiro incansável, intelectual exemplar, modelo de dedicação a

pesquisa, pelo suporte emocional, compreensão e amor demonstrado ao longo da pesquisa

e pelas revisões e discussões infindáveis acerca dos pressupostos teóricos e filosóficos que

foram fundamentais para o amadurecimento e conclusão desse trabalho.

A todos minha sincera gratidão!

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Não me pergunte quem sou e não me

diga para permanecer o mesmo.

Michel Foucault

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EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA:

DISCIPLINA E PODER DISCIPLINAR NO ENSINO DE PRIMEIRO GRAU

MATO-GROSSENSE DA DÉCADA DE 1970

RESUMO

Este trabalho apresenta uma interpretação sobre as funções exercidas pela disciplina de

Educação Moral e Cívica, a partir da análise do conteúdo de livros didáticos para o ensino

de primeiro grau que foram utilizados no Estado de Mato Grosso, durante a década de

1970. A Educação Moral e Cívica é tomada tanto como disciplina escolar quanto como

mecanismo de disciplinarização, que manifesta o seu poder no ambiente escolar e na

sociedade envolvente como um todo. A delimitação do recorte temporal foi determinada

pela aprovação do Decreto-Lei 869, de 12 de setembro de 1969, que marcou a

obrigatoriedade da disciplina de Educação Moral e Cívica a partir dos anos letivos

subseqüentes à sua publicação, e concentra atenção nos conteúdos dos livros didáticos

desta disciplina publicados ao longo da década de 1970, momento que antecedeu o

processo de abertura política ocorrido, no Brasil, em meados da década de 1980. As

seguintes noções construídas por Michel Foucault (2000, 2008, 2009a e 2009b) foram

utilizadas como suporte teórico-metodológico: Estado, governamentabilidade, repressão,

poder disciplinar, mecanismos de controle e doutrina. Trabalhos publicados por André

Chervel (1990) e Circe Bittencourt (1990 e 2003) também foram utilizados para o

desenvolvimento da análise da Educação Moral e Cívica, sob a perspectiva da história das

disciplinas escolares. A documentação utilizada constituiu-se por decretos, decretos-lei,

leis e pareceres relacionados aos processos de instituição e consolidação da disciplina de

Educação Moral e Cívica no Brasil, além de livros didáticos que circularam no Estado de

Mato Grosso e entrevistas com professores do ensino de primeiro grau que trabalharam

neste Estado. Observou-se que a disciplina de Educação Moral e Cívica, durante a década

de 1970, atendeu a diversas finalidades, exercendo funções educacionais e disciplinares, e

apresentando, no Estado de Mato Grosso, particularidades relacionadas ao

desenvolvimento econômico e sócio-cultural local.

Palavras-chave: Educação Moral e Cívica. Poder disciplinar. História das disciplinas

escolares. Mato Grosso (Estado).

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MORAL AND CIVIC EDUCATION:

DISCIPLINE AND DISCIPLINARY POWER IN THE PRIMARY SCHOOL FROM

MATO GROSSO IN 1970’S

ABSTRACT

This work presents an interpretation about the functions done by the discipline of Moral

and Civic Education from content analysis on didactic books to primary studies which

used to be taught in Mato Grosso during the 1970’s. The Moral and Civic Education is

taken as a school subject as a disciplinary mechanism, which reveal its power at school

atmosphere and at society completely. The delimitation of the temporal situation was

determined by the approval of the Decree-Law 869, 12th

September 1969, where the

obligatorily of such subject was agreed to the posterior school year from its publication,

and it tempts to the new didactic books from this subject published along the decade of

1970, anterior moment of the opening politic process occurred in Brazil in the midst of the

1980’s. The following notions made by Michel Foucault (2000, 2008, 2009a, 2009b) were

used as theory and methodology: State, government, repression, disciplinary power,

mechanism of control and doctrine. Works published by André Chervel (1990) and Circe

Bittencourt (1990, 2003) also were used to the development and analysis of Moral and

Civic Education under a historical perspective of the school disciplines. The

documentation used was constituted by decrees, decree-laws, laws and opinions related to

the process of institution and consolidation of the discipline of Moral and Civic Education

in Brazil, besides didactic books produced in that age and diffused in the state of Mato

Grosso. It was observed that the discipline of Moral and Civic Education, during the

decade of 1970, complied several finalities, holding educational and disciplinary

functions, and presented, in Mato Grosso State, specificities related to the local economic

and socio-cultural development.

Keywords: Moral and Civic Education. Disciplinary Power. School disciplines history.

Mato Grosso (State).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 10

1. DO GOLPE À DISCIPLINA: EMBATES PELA EDUCAÇÃO.............................. 21

1.1. A temática educacional no período que antecede o golpe de 1964......................

1.1.1. Algumas características do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961)....

1.1.2. O “rearmamento moral”..............................................................................

1.1.3. Educação Moral e Cívica, Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional e projeto de nação e de sujeitos....................................................

1.1.4. Jânio Quadros na presidência......................................................................

1.1.5. João Goulart e a articulação do Golpe de 1964...........................................

21

21

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1.2. A instauração da Educação Moral e Cívica durante a afirmação do golpe

militar...................................................................................................................... ...

1.2.1. Elementos dos mecanismos de controle político e social instituídos com

o Golpe de 1964: os Atos Institucionais e as reformas na educação.......................

1.2.2. A “repressão sutil” da censura e seu caráter “educativo”...........................

1.2.3. O exercício da “repressão direta”................................................................

1.2.4. A “reorganização” do campo educacional..................................................

29

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2. EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA: DISCIPLINA E PODER DISCIPLINAR........ 42

2.1. A disciplina de Educação Moral e Cívica: elementos de um percurso histórico

até 1964......................................................................................................................

42

2.2. A disciplina de Educação Moral e Cívica nos anos 1970....................................

2.3. A disciplina de Educação Moral e Cívica: alcances e limites..............................

46

50

3. EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA EM MATO GROSSO: SABERES E

COMPORTAMENTOS PRESCRITOS....................................................................

3.1. Uma discussão sobre o livro didático......................................................................

3.2. O conteúdo dos livros didáticos..............................................................................

3.2.1. Aspectos da esfera pública..........................................................................

3.2.2. Aspectos da esfera privada..........................................................................

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66

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CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................

97

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 100

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INTRODUÇÃO

As políticas educacionais instituídas no Brasil após o movimento político de 1964

abrangeram todos os níveis de ensino, alterando a fisionomia da educação brasileira e

provocando mudanças significativas, algumas das quais ainda são visivelmente presentes

no panorama educacional atual. A regulamentação da política desse período exigiu a

criação de dispositivos próprios que visavam fundamentar e legitimar o regime político que

então se instituía. Entre esses dispositivos encontram-se a implantação dos Atos

Institucionais que permearam o contexto político, econômico e social do país. Na área

educacional, foram realizadas duas reformas, abrangendo todos os níveis de ensino, além

de uma série de atos oficiais, como leis, decretos, decretos-lei e pareceres que delinearam a

forma como a escola funcionaria no Brasil.

Tendo em vista a compreensão de algumas destas transformações que ocorreram no

campo educacional brasileiro e mato-grossense, esta pesquisa apresenta uma interpretação

sobre as funções exercidas pela disciplina de Educação Moral e Cívica, a partir da análise

do conteúdo de livros didáticos para o ensino de primeiro grau que foram utilizados no

Estado de Mato Grosso, durante a década de 1970. A proposta é abordar a Educação Moral

e Cívica como disciplina escolar e como mecanismo de disciplinarização, que manifesta o

seu poder no ambiente escolar e na sociedade. A análise procura focalizar e discutir as

normas e comportamentos valorizados pelos livros didáticos em circulação no Estado de

Mato Grosso, no período em estudo, com o propósito de identificar a ocorrência – ou não –

de particularidades nos conteúdos divulgados em âmbito local, de acordo com as

especificidades culturais e econômicas então existentes nesta região do País.

Assim como em outros momentos de ruptura política ocorridos na história do

Brasil1, também no contexto da instauração da mudança de governo que irrompeu em 1964

e se aprofundou em 1968, a escola passou a ser vista como instituição privilegiada, criada

pela nação, para formar o cidadão. Para tanto, os conteúdos e métodos das disciplinas

ensinadas precisavam contemplar diferentes finalidades. Nesse sentido, Dominique Juliá

(2001, p.10), ao discorrer sobre o seu conceito de cultura escolar, auxilia a compreensão de

seu papel a partir de “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e

1 Em momentos marcantes da história brasileira, como a Proclamação da República e a Revolução de 1930,

pode-se notar tanto a exaltação das funções da escola como a importância atribuída à introdução (ou

reintrodução) de estudos sobre Educação Moral e Cívica entre as disciplinas escolares.

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condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses

conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”.

Essas normas e práticas têm suas finalidades definidas de acordo com uma série de

questões, que podem variar segundo as épocas. Podem envolver questões religiosas,

sociopolíticas ou simplesmente de socialização. Vale ressaltar que na análise dessas

normas e práticas devem ser considerados os indivíduos envolvidos no processo de

produção de saberes escolares, as diferentes formas pelas quais estes indivíduos se

apropriam das prescrições e as interpretam.

Através da análise da história das disciplinas escolares, pode-se apreender um

movimento histórico na definição dos conteúdos disciplinares valorizados pela escola. Esse

movimento inclui conflitos, lutas pelo espaço de definição da forma e dos saberes que

constituem tal conteúdo disciplinar. De acordo com Martins (2000, p. 16).

ao se pensar as finalidades da educação escolar, passa-se a pensar

também os objetivos que devem ser atingidos com os conhecimentos previamente selecionados Tal diferenciação entre objetivos escolares e

finalidades educacionais são importantes quando se pensa cada disciplina

escolar separadamente.

Ao eleger uma disciplina como objeto, buscou-se em Michel Foucault uma

interpretação do objeto da pesquisa histórica. Para Foucault (2000), este objeto se faz

através das relações identificadas entre os documentos que constituem o corpus

documental trabalhado, que varia de relatórios a aparatos legais. Foucault (2000, p. 291)

entende que o trabalho do historiador “consiste em manipular e tratar uma série de

documentos homogêneos concernindo a um objeto particular e a uma época determinada, e

são as relações internas ou externas desses corpus de documentos que constituem o

resultado do trabalho do historiador.”

Em conformidade com essa perspectiva, André Chervel (1990, p.188-189) entende

que nas análises realizadas com o intuito de identificar os conteúdos que são elaborados e

transmitidos pelo sistema de ensino é preciso ter como corpus documental as produções

realizadas no período determinado. Portanto, é necessário buscar e identificar a “série de

textos oficiais programáticos, discursos ministeriais, leis, ordens, decretos, acordos,

instruções, circulares, fixando os planos de estudos, os programas, os métodos, os

exercícios etc.”, para se alcançar uma melhor compreensão da criação e fins dos conteúdos

reunidos que formam as disciplinas escolares.

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Segundo Chervel (1990, p. 187-188), as finalidades do ensino escolar são de

diferentes ordens, que podem variar desde as finalidades religiosas, sócio-políticas,

psicológicas, entre outras, até finalidades consideradas “mais sutis”, como as “de

socialização do indivíduo no sentido amplo, da aprendizagem da disciplina social, da

ordem, do silêncio, da higiene, da polidez, dos comportamentos decentes etc.”.

A disciplina de Educação Moral e Cívica congregava estas diferentes ordens,

explicitando características como a restauração da ordem, o desenvolvimento do espírito

patriótico, assim com um comportamento individual preconizado como adequado ao

desenvolvimento social e econômico da nação.

Segundo Marcílio Souza Júnior e Ana Maria O. Galvão (2005) deve-se

compreender a busca por legitimidade de algumas disciplinas escolares, muitas vezes

desvalorizadas em seu valor pedagógico, e ainda indagar a composição do estatuto de tais

disciplinas, seu movimento de transformação da cultura e do conhecimento científico em

saber escolar, além de observar as modificações dos métodos e conteúdos de ensino ao

longo de seu tempo de existência.

Outro fator importante na análise de uma disciplina, conforme Chervel (1990, p.

190) é a distinção entre “finalidades reais” e “finalidades de objetivo”. Faz-se necessário

aprender a distingui-las, mesmo que os textos oficiais tendam a misturar umas e outras. É

preciso, sobretudo, tomar consciência de que uma estipulação oficial, apresentada por um

decreto ou uma circular, define apenas uma “finalidade de objetivo”, ou seja, visa mais

“corrigir um estado de coisas, modificar ou suprimir certas práticas, do que sancionar

oficialmente uma realidade” (CHERVEL, 1990, p. 190, sem grifos no original). Chervel

(1990, p. 190) enfatiza que “não podemos nos basear unicamente nos textos oficiais para

descobrir as finalidades do ensino”. Para o autor, “a definição das finalidades reais da

escola passa pela resposta à questão „por que a escola ensina o que ensina?‟”. Portanto,

ainda segundo o mesmo autor: “o estudo das finalidades não pode, pois, de forma alguma,

abstrair os ensinos reais. Deve ser conduzido simultaneamente sobre os dois planos, e

utilizar uma dupla documentação, a dos objetivos fixados e a da realidade pedagógica”

(CHERVEL, 1990, p. 191).

Para a realização desta pesquisa buscou-se a documentação que envolveu os

processos de instituição e consolidação da disciplina de Educação Moral e Cívica. Entre

estes documentos foram encontrados decretos, decretos-lei, leis e pareceres que regularam

e normatizaram a introdução e funcionamento da disciplina no ensino de primeiro grau, no

Brasil, a partir de 1970.

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A seleção de livros didáticos, por sua vez, procurou uma aproximação em relação à

realidade pedagógica, a partir da qual foi elaborada uma interpretação que buscou

responder às perguntas centrais deste trabalho: Por que a escola de 1.º grau ensinou

Educação Moral e Cívica? Houve alguma particularidade no ensino de Educação Moral e

Cívica ministrado no Estado de Mato Grosso?

Foram selecionados três livros didáticos que circularam no Estado de Mato Grosso

no período em estudo. Especial atenção foi dada aos livros intitulados “Educação Moral e

Cívica: Ensino de Primeiro Grau - 4º volume”, de 1973, e “Educação Moral e Cívica:

Ensino de Primeiro Grau - 6ª série”, de 1976, ambos elaborados por Luiz de Almeida,

Graziela Campos da Silveira e Silva, Inalda Almeida Franco Lytton e Serys Marly

Slhessarenko, pessoas que adquiriram destaque nos cenários educacional e político mato-

grossense.2 O terceiro livro analisado foi “Estudos de Moral e Civismo: Ensino de

Primeiro Grau”, escrito por Oswaldo Coutinho e publicado em 1975. As capas dos livros

analisados são as seguintes:

[ALMEIDA, 1973] [SILVA, 1976] [COUTINHO, 1975]

Vale salientar que em levantamentos existentes sobre a produção de livros didáticos

para a disciplina de Educação Moral e Cívica, esses livros não são citados. Mesmo em

trabalhos como o de Juliana Miranda Filgueiras (2006) e André Luiz Onghero (2007), que

apontaram um levantamento de livros didáticos com circulação nacional significativa, 2 Entre os autores dos livros elaborados em Mato Grosso, destacaram-se na esfera pública: Inalda Lytton,

normalista e especialista em educação, trabalhou no Centro de Treinamento do Magistério de Cuiabá e

participou da organização da Associação Mato-Grossense de Professores Primários (AMPP), criada em 1965;

e, Serys Slhessarenko, advogada e pedagoga, foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores em Mato

Grosso, secretária municipal de educação (em Cuiabá) e secretária estadual de Educação (Mato Grosso). Em

2002, Serys Slhessarenko foi eleita a primeira mulher senadora pelo Estado de Mato Grosso.

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esses títulos não foram mencionados. Partindo desta constatação, acredita-se que esses

livros foram de circulação local3 e por isso, se tornaram fonte privilegiada dessa análise.

Todos os três livros analisados foram encontrados em diversas bibliotecas de escolas

públicas do Estado de Mato Grosso, localizadas nas regiões metropolitanas de Cuiabá e na

cidade de Barra do Garças, apresentando sinais de manuseio que indicam intensa utilização

dos mesmos.

Os três livros selecionados foram publicados pela Editora do Brasil. O livro

Educação Moral e Cívica: Ensino de Primeiro Grau - 4º volume, pelo seu estado de

conservação, não apresentava o ano de publicação. No entanto, foi possível identificar este

dado através de um contato realizado com a Editora do Brasil. Destaca-se que essa editora,

criada em 1943, se tornou expoente no mercado editorial nacional, tendo como principais

focos os livros didáticos e os livros infantis. Segundo, Juliana Filqueiras (2006), a Editora

do Brasil foi uma das principais editoras que produziram livros de Educação Moral e

Cívica no país.

Também foram realizadas entrevistas com professores que lecionaram a disciplina

de Educação Moral e Cívica no Estado de Mato Grosso, com intuito de, “abrir outras

perspectivas de análise, estabelecer relações e articulações entre fatos” (LOURO, 1990, p.

23) e, com isso, trazer uma significativa contribuição para a compreensão da realidade

pedagógica em estudo.

As fontes orais por estarem inseridas na história do tempo presente têm no

historiador um contemporâneo de seu objeto e, isso favorece a “articulação entre a parte

voluntária e consciente da ação dos homens e os fatores ignorados que a circunscrevem e a

limitam” (CHARTIER, 2001). Desta forma, se torna um auxílio significativo ao

pesquisador, uma vez que, permite um melhor entendimento nas relações estabelecidas em

torno do objeto pesquisado, a partir “das percepções e das representações dos atores” e das

“determinações e interdependências que tecem os laços sociais” (AMADO; FERREIRA,

2001).

A identificação da fala de professores que se dedicaram à disciplina de Educação

Moral e Cívica no Estado de Mato Grosso contribuiu para a compreensão do

desenvolvimento histórico dessa disciplina. Os relatos subsidiaram a percepção das tensões

existentes entre as diferentes formas de poder envolvidas na implantação e nas práticas da

disciplina em estudo.

3 Sabe-se que o livro de Oswaldo Coutinho foi de circulação nacional, no entanto pretende-se enfatizar que

essa obra foi utiliza no Estado de Mato Grosso.

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A delimitação do recorte temporal foi determinada a partir da instauração do golpe

de 1964, contexto no qual foi aprovado o Decreto-Lei 869, de 12 de setembro de 1969, que

marcou a obrigatoriedade, a partir do ano letivo subseqüente à sua publicação, da

disciplina de Educação Moral e Cívica em todos os níveis de ensino. Concentra-se a

atenção nos conteúdos dos livros didáticos desta disciplina publicados ao longo da década

de 1970, momento que antecede o processo de abertura política ocorrido, no Brasil, em

meados dos anos 1980. Com a abertura política, houve a desvalorização da disciplina de

Educação Moral e Cívica, mas ressalta-se que a disciplina permaneceu no currículo até

1993. A partir da década de 1980, no entanto, ela já não tinha as mesmas características,

pois o combate à subversão e a disseminação e manutenção do ideário defendido pela

ditadura até então em vigor deixou de ser visto como necessário.

Nesta direção, este estudo voltou-se à compreensão de como os aspectos políticos,

econômicos e sócio-culturais do período contribuíram para a constituição de um corpo de

saberes afinado com o projeto societário do regime militar instaurado; à investigação dos

argumentos precípuos contidos no discurso oficial que fundamentou as políticas públicas

para instauração da disciplina de Educação Moral e Cívica; e, à investigação das distâncias

e proximidades estabelecidas entre a instauração da disciplina, a legislação que a

regulamentou e os conteúdos e comportamentos valorizados por seus livros didáticos.

Para tanto, adotou-se uma perspectiva teórico-metodológica assentada na

conjugação de noções que possibilitam a apreensão da interação entre relações dos poderes

estabelecidos mediante a necessária conexão com o contexto histórico, através da

utilização de algumas noções construídas por Michel Foucault (2000, 2008a, 2009a e

2009b), como as de Estado, governamentabilidade, repressão, poder disciplinar,

mecanismos de controle, normalização e doutrina.

Outros autores foram utilizados para auxiliar na análise da disciplina escolar de

Educação Moral e Cívica. A função da disciplina escolar consiste, de acordo com Chervel

(1990, p. 188), “em colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade

educativa”. O referencial teórico que contempla essa análise é baseado na história das

disciplinas escolares sugerida por Andre Chervel (1990) e Circe Bittencourt (1990 e 2003).

Foucault (2008a, p. 293) não toma o Estado essencialmente por sua territorialidade,

mas sim um Estado de governo “que tem essencialmente como alvo a população e utiliza a

instrumentalização do saber econômico, que corresponderia a uma sociedade controlada

pelos dispositivos de segurança”. Deste modo, o Estado, no período pesquisado, a partir de

seus objetivos explícitos e implícitos, utilizou, através dos mecanismos de controle por ele

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disponibilizado, a instrumentalização desse saber econômico. O fez através dessa

“economia do poder”, ou seja, dos procedimentos que permitem fazer circular os efeitos de

poder em todo o corpo social a partir de técnicas mais eficazes e menos dispendiosas.

Foucault (2008a, p. 292) entende que o Estado não deve ser visto como uma

unidade soberana, mas sim “uma realidade compósita e uma abstração mistificada”, na

qual o mais importante é a forma como esse Estado é governado. Nesse sentido, a noção de

Estado e de governamentalidade estão relacionados.

Neste trabalho, governamentalidade será empregada na seguinte acepção, elaborada

por Foucault (2008a, p. 291-292):

um conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e

reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma

principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos

essenciais os dispositivos de segurança.

Observa-se que uma das características da ditadura no Brasil dos anos 1960 e 1970

foi essa forma de exercer seu poder, com instituições e táticas que tinham o intuito de gerir

a população de acordo com uma intencionalidade específica. Utilizou-se uma série de

mecanismos que colocavam a população em constante vigilância. Nesse sentido, a

disciplina de Educação Moral e Cívica desempenhou um papel significativo, pois “gerir a

população” significava geri-la “minuciosamente, no detalhe”. Para Foucault (2008a, p.

291), essa idéia de governo da população intensifica a necessidade de desenvolver a

disciplinarização, pois a população passa a ser seu alvo principal, e os dispositivos de

segurança, seus mecanismos essenciais.

Nessa perspectiva, a partir da documentação que regulamentou a disciplina de

Educação Moral e Cívica, percebeu-se a inserção de uma ação governamental que buscava

dirimir as contradições e, por meio da disciplinarização dos corpos, controlar possíveis

focos de resistência.

A repressão, para Foucault (2008a), deve ser entendida como sendo jurídico-

disciplinar, pois ao mesmo tempo em que exerce uma ação a partir de leis e normas oficiais

que a regulamentam, tem esta ação permeada pela disciplina instituída a partir das

normalizações e táticas de controle. Nesse sentido, acredita-se que a repressão instaurada

no campo educacional do período em estudo corroborava essa acepção. Ao mesmo tempo

em que a repressão mantinha características de doutrinação por meio da legislação que a

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instituiu, mantinha uma vigilância constante sobre os alunos, sobremaneira, a partir da

disciplina de Educação Moral e Cívica.

Essa forma complexa de vigilância constante, a busca nos detalhes e na eficácia dos

gestos demonstrava a interpretação peculiar de uma forma de poder: o poder disciplinar.

Trata-se de um controle que envolve os indivíduos, a partir de um sistema disciplinar e

manipulador que permeia todo o corpo social. O faz através da captação do “poder em suas

extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde ele se torna capilar” (FOUCAULT,

2009a, p. 182). Este poder se alastra nas formas e instituições mais regionais e locais,

materializando-se em técnicas e instrumentos de intervenção. Assim, o que Foucault

(2009a, p. 133) caracteriza como disciplina são os “métodos que permitem o controle

minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes

impõem uma relação de docilidade-utilidade”.

Outra acepção de Foucault (2008a), importante para a compreensão do período em

estudo, no Brasil, refere-se aos mecanismos de poder. A ditadura utilizou-se desses

mecanismos por considerá-los úteis e economicamente vantajosos. As técnicas de poder

foram largamente utilizadas na sociedade brasileira. A escola como instituição,

eminentemente disciplinar, se tornou campo fértil nesse conjunto de estratégias de

dominação. A partir da disciplinarização dos corpos em um sistema minucioso de coerções

materiais, buscou-se extrair a maior eficiência nos gestos e comportamentos.

Nesta perspectiva, pode-se considerar a disciplina de Educação Moral e Cívica, no

período em estudo, como um desses mecanismos de poder. Sua proposta de doutrinação

dos alunos, com o intuito de diminuir as resistências e possíveis formas de subversão,

visava à formação de cidadãos obedientes e produtivos.

Esse mecanismo era desenvolvido, sobretudo, a partir das normas instituídas com a

instauração da Educação Moral e Cívica. Para Foucault (2008b, p. 75) “a normalização

disciplinar consiste em primeiro colocar um modelo”, ou seja, um modelo construído que

deva ser seguido. Em segundo lugar, para o autor, essa operação de normalização

disciplinar ocorre quando se procura enquadrar “as pessoas, os gestos, os atas, conformes a

esse modelo” e considerando que o normal é aquele que é “capaz de se conformar a essa

norma e o anormal quem não é capaz” (FOUCAULT, 2008b, p. 75). Trata-se de ser guiado

por uma norma que foi prescrita e tida como correta, normal. A disciplina de Educação

Moral e Cívica, através de seus documentos e livros didáticos, prescreveu normas de

condutas em que os alunos deveriam se enquadrar para serem aceitos como cidadãos que

trabalhariam para o bem da Nação.

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A noção de doutrina, discutida por Foucault (2009b), também auxiliou a

compreensão das funções exercidas pela disciplina de Educação Moral e Cívica. A

doutrina se difundiu no corpo social a partir do reconhecimento das mesmas verdades e da

aceitação que os indivíduos tinham dela. Refere-se a um instrumento de manifestação e de

pertença prévia. Desta maneira, “a doutrina realiza uma dupla sujeição: dos sujeitos que

falam os discursos e dos discursos ao grupo, ao menos virtual, dos indivíduos que falam”

(FOUCAULT, 2009b, p. 43). Entende-se que a disciplina de Educação Moral e Cívica

como doutrina difundiu-se e foi aceita pela sociedade como uma necessidade real de

valoração da Pátria. Mesmo com finalidades diversas, só foi possível mantê-la por um

longo período por ter um corpo social que a legitimasse.

Complementando essa noção, buscou-se em Foucault (2008a, p. 12) sua descrição

da verdade. O autor entende que a verdade é produzida a partir das múltiplas coerções

existentes e que ela produz efeitos regulamentados de poder. Essa verdade é produzida em

cada sociedade e só se mantém quando seus discursos são acolhidos como tal. Os discursos

produzidos e disseminados a partir da doutrina de Segurança Nacional, que fundamentaram

a disciplina de Educação Moral e Cívica, foram validados como verdades necessárias pela

sociedade.

Este trabalho pretende dialogar com algumas produções já existentes que tratam de

diversos aspectos relacionados à implantação e funcionamento da disciplina de Educação

Moral e Cívica na década de 1970. Destacam-se as dissertações de mestrado consultadas,

como a de Maria Aparecida de Freitas B. Oliveira (1982), A implantação da Educação

Moral e Cívica no ensino brasileiro em 1969; José Vaidergorn (1987), As moedas falsas:

educação, moral e cívica; Juliana Miranda Filgueiras (2006), A Educação Moral e Cívica e

a sua produção didática: 1969-1993; André Luiz Onghero (2007), Moral e civismo nos

currículos das escolas do oeste catarinense: memórias de professores; e, Vanessa Kern de

Abreu (2008), A Educação Moral e Cívica: disciplina escolar e doutrina disciplinar –

Minas Gerais (1969-1993).

Maria Aparecida de Freitas B. Oliveira (1982) realizou um trabalho a partir de

fontes documentais, principalmente de documentos produzidos pelo Conselho Federal de

Educação que tratavam da disciplina de Educação Moral e Cívica. Também levantou

documentos das organizações cívicas, da Escola Superior de Guerra (ESG), da Associação

dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG) e da Comissão Nacional de

Moral e Civismo (CNMC). Essa autora trouxe uma contribuição fundamental para este

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trabalho, pois além de sua análise, proporcionou o contato com documentos que, até então,

eram de difícil acesso.

José Vaidergorn (1987) fez um trabalho centrado na idéias filosóficas, apontando

diferentes doutrinas que teriam influenciado de alguma maneira a disciplina de Educação

Moral e Cívica.

Juliana Miranda Filgueiras (2006) realizou um extenso levantamento dos livros

didáticos, classificando-os a partir de uma análise de seus conteúdos. Ressalte-se que essa

dissertação serviu como ponto de partida para esta pesquisa e foi de grande importância

para o levantamento das fontes a serem utilizadas.

André Luiz Onghero (2007) e Vanessa Kern de Abreu (2008) contribuíram,

principalmente, com a perspectiva da história oral com enfoque regional. Ambos

realizaram a pesquisa em seus respectivos estados, Santa Catarina e Mina Gerais. Essa

visão mais regionalizada favoreceu a presente pesquisa, uma vez que ela também apresenta

esta perspectiva em relação ao Estado de Mato Grosso.

A quantidade de estudos encontrados e utilizados que favoreceram a realização

deste trabalho sugerem que o tema ainda precisa ser mais explorado pela História da

Educação e que suas possibilidades de análise são inúmeras. Os trabalhos supracitados

apontaram, grosso modo, uma proximidade com visões marxistas, muito familiares a quem

trabalha com esse recorte temporal.

Acredita-se que a contribuição desta pesquisa se encontra, principalmente, na

interpretação da história da disciplina de Educação Moral e Cívica e sua utilização como

instrumento de disciplinarização, a partir de um enfoque foucaultiano, assim como nas

aproximações e distanciamentos entre a disciplina escolar e o poder disciplinar que ela

exerceu.

Este trabalho encontra-se dividido em três capítulos: 1) Contexto de idéias: do

golpe à disciplina; 2) Educação Moral e Cívica: disciplina e poder disciplinar; e 3)

Educação Moral e Cívica em Mato Grosso: saberes e comportamentos prescritos.

O primeiro capítulo abordou alguns elementos da história brasileira dos anos 1960

e 1970, período ao longo do qual a disciplina de Educação Moral e Cívica foi reintroduzida

no ensino de primeiro grau. Detalharam-se as relações estabelecidas entre os campos

político, sócio-econômico e educacional durante os governos instituídos entre 1964 e o

início da década de 1970, por meio da instauração desta disciplina.

No segundo capítulo, fez-se uma retomada da história da disciplina de Educação

Moral e Cívica na educação brasileira, visando ampliar a compreensão dos fins que

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motivaram a reinserção da disciplina na escola de primeiro grau durante o período em

estudo. Realizou-se, a partir dos documentos que oficializaram e sustentaram sua prática,

uma análise interpretativa sob a ótica de Foucault e Chervel, objetivando destacar suas

funções como disciplina escolar e como manifestação do poder disciplinar.

No terceiro e último capítulo foram discutidos os conteúdos presentes em três livros

didáticos que foram utilizados nas escolas do Estado de Mato Grosso, identificando-se

conteúdos trabalhados e comportamentos prescritos como válidos.

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CAPÍTULO 1 – DO GOLPE À DISCIPLINA: EMBATES PELA EDUCAÇÃO

O problema não é mudar a

“consciência” das pessoas, ou o que

elas têm na cabeça, mas o regime

político, econômico, institucional de

produção da verdade.

Michel Foucault (2008a)

1.1. A temática educacional no período que antecede o golpe de 1964

A seguir são destacados, sumariamente, alguns aspectos marcantes da política

brasileira, em geral, e de sua política educacional, em particular, que podem ser

relacionados aos processos que desencadearam o golpe de 1964 e, conseqüentemente, a

reinserção da disciplina de Educação Moral e Cívica nos currículos escolares em todos os

estados da federação.

1.1.1 Algumas características do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961)

O Programa de Metas do governo Juscelino Kubitschek procurava abranger, de

forma articulada, cinco setores considerados fundamentais ao desenvolvimento econômico

e social do País: Energia, Transporte, Alimentação, Indústria de Base e Educação. Tal

programa tratava de aproximar Estado, empresa privada e capital estrangeiro com o fim de

promover o desenvolvimento com ênfase na industrialização.

No âmbito educacional, houve a disseminação, a partir da doutrina nacional-

desenvolvimentista, da necessidade de preparo de mão-de-obra, através da educação

escolarizada, para atender às demandas da modernização da estrutura produtiva. Segundo

Demerval Saviani (2007), o governo Kubitschek contou com um colaborador

representativo para propagação do nacional desenvolvimentismo. Trata-se do Instituto

Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) que foi criado como um órgão do Ministério da

Educação e Cultura (MEC) em 1955. O ISEB foi um importante organismo que contribuiu

para a formulação, desenvolvimento, difusão e aplicação à realidade brasileira da ideologia

nacional-desenvolvimentista.

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Divergências políticas, no entanto, geraram rupturas entre os setores ligados ao

governo, fato que indicou o fim do Programa de Metas. Esse rompimento gerou

insatisfações com o então presidente, com destaque especial a dois grupos de opositores: os

comunistas e a cúpula militar (FAUSTO, 2007), colocando o governo em uma situação

difícil em ambos os lados, sem possibilidade de conciliação tanto com a situação quanto

com a oposição. Esta instabilidade política, que caracterizou o final do governo

Kubitschek, agravada pela instabilidade gerada pela renúncia de seu sucessor, Jânio

Quadros, integram o conjunto de elementos políticos, econômicos e culturais envolvidos

na irrupção do golpe de 1964.

1.1.2. O “rearmamento moral”

No início da década de 1960, o contexto geopolítico mundial foi orientado pelo

conflito da Guerra Fria, ou seja, o constante confronto político e econômico das duas

maiores potências que emergiram após a Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos e

União Soviética. Tratava-se de uma busca incessante por aliados e conquistas territoriais

marcadas pela provocação e desgaste do adversário por meio de ameaças militares. Nesse

sentido, os organismos internacionais ligados à iniciativa estadunidense auxiliaram a

solidificação de um ideário favorável apoiado na perspectiva da modernização

desenvolvimentista, especialmente, na América Latina.

Segundo Rita de Cássia Ribeiro Barbosa (2006, p. 18), para o sucesso desse modelo

de desenvolvimento foi necessária a incorporação e a disseminação do “princípio da

interdependência sistêmica, que regulava as relações entre os países que compunham o

mundo ocidental democrático cristão em oposição ao comunismo ateu”. Esse conjunto de

idéias influenciou o campo político e econômico de diferentes países latino-americanos. A

questão da segurança nacional foi reformulada em função do combate ao “inimigo

interno”, representado por indivíduos que atuavam como agentes subversivos,

desestabilizadores da ordem.

Nesse sentido, ressalta-se um movimento que teve grande influência no meio

educacional, principalmente no que diz respeito à disciplina de Educação Moral e Cívica:

trata-se do Movimento de Rearmamento Moral. Organizado, em 1921, por Frank

Buchman, este Movimento sediou-se nos Estados Unidos e teve repercussão internacional

após a II Guerra Mundial, espalhando-se pela Europa, Ásia, África, América do Norte e

América do Sul, com destaque para sua inserção no Brasil, Peru, Bolívia e Chile.

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O Movimento de Rearmamento Moral chegou ao Brasil por volta de 1961, ano que

corresponde ao final do governo de Juscelino Kubitschek. O Movimento alcançou grande

receptividade entre os civis e militares. Seu objetivo era criar uma democracia capaz de

restaurar a supremacia de todos os valores espirituais e, sobretudo, combater o comunismo

(OLIVEIRA, 1982, p. 13).

O movimento recrutava militares e formadores de opinião brasileiros para

participarem de um programa de treinamento ideológico nos Estados Unidos. Do mesmo

modo, fornecia ao Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) diferentes materiais de

divulgação destinados às diversas camadas sociais, tais como propagandas, filmes e

panfletos.4 Dreifuss (1981, p.162) destaca que entre os objetivos declarados do grupo

mencionado constavam: a promoção da educação cultural, moral e cívica; o

desenvolvimento de estudos e atividades de cunho social; a elaboração de recomendações

para o desenvolvimento e progresso econômico; a disseminação da preocupação com o

bem estar social; e, o fortalecimento do regime democrático do Brasil.

A influência do combate ao “inimigo interno” foi evidenciada no governo

Kubitschek. Para garantir o regime democrático, as Forças Armadas, sob o comando do

presidente, se incumbiram de preservar a ordem interna e combater o comunismo e assim

estabilizar também a ordem social.

Dreifuss (1981), em sua análise do golpe de 1964, destaca as divergências

significativas que existiam no interior das Forças Armadas. Por um lado, encontravam-se

os oficiais nacionalistas que se confrontavam com o imperialismo americano. De outro

lado, estavam os adeptos da “democracia” que acreditavam que só um golpe impediria o

avanço do comunismo no país.

O presidente Kubitschek tentava sustentar as duas perspectivas que poderiam

influenciar seu governo. Por um lado, procurava governar em acordo com um dos

objetivos gerais das Forças Armadas, que se baseava no desenvolvimento e na ordem. Por

outro lado, procurava manter, o quanto possível, o movimento sindical sob controle.

Dreifuss (1981) também realça uma tendência na indicação de militares para cargos

governamentais de significativa relevância.

4 O Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais foi criado em 29 de novembro de 1961. Contou com

colaboradores da Escola Superior de Guerra (ESG) e civis, que, posteriormente, participaram do movimento

de 1964.

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1.1.3. Educação Moral e Cívica, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e

projeto de nação e de sujeitos

As discussões envolvidas no processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB) iniciaram-se na Constituição Federal de 1946. O projeto se

iniciou com uma comissão nomeada pelo então ministro da educação Clemente Mariani,

composta por educadores de diferentes tendências pedagógicas. A comissão foi presidida

pelo educador Lourenço Filho e teve como objetivo basal construir um projeto de reforma

geral da educação nacional.

Notabiliza-se, na fase final da tramitação do projeto, transcorrida a partir de 1957, a

tendência que enfatizava o vínculo estreito da educação com desenvolvimento econômico

brasileiro. Essa tendência se alimentou do ideário da política nacional desenvolvimentista,

que vinha sendo difundida durante todo o governo Kubitschek.

A Igreja Católica participou ativamente nesta fase final de discussões, em defesa

dos interesses do ensino privado. Demerval Saviani (2002, p. 46) sintetiza o texto final da

LDB, Lei n. 4.024/1961, como uma “„solução de compromisso‟ entre as principais

correntes em disputa” prevalecendo, assim, a “estratégia de conciliação”.

A Igreja Católica utilizou como argumento o fato da escola pública não ter

condições de educar os alunos por não ter “uma filosofia integral da vida”. Para preparar os

alunos frente aos “problemas do homem, das suas origens e dos seus destinos” o único

recurso possível seria apelar para a “solução religiosa da existência humana”. Desta forma,

a escola confessional seria a única que teria “condições de desenvolver a inteligência e

formar o caráter, ou seja, de educar” (RIBEIRO, 1988, p. 145-146).

Esse discurso foi reproduzido, em parte, por ocasião da reinserção da disciplina de

Educação Moral e Cívica nos currículos escolares. Ressalta-se que a disciplina voltou a

tornar-se obrigatória no início da década de 1970, no período considerado mais crítico do

regime, no qual o combate ao comunismo era mais ferrenho. Apesar de não ser uma

disciplina propriamente de ensino religioso, a presença da concepção católica ficou muito

evidente, entre outros documentos, no texto da Lei 869, de 12 de setembro de 1969, que a

sancionou.

Na versão final da LDB, uma única menção à Educação Moral e Cívica foi incluída

entre as normas a serem observadas na organização do ensino de grau médio: a

recomendação de se levar em conta a “formação moral e cívica do educando, através de

processo educativo que a desenvolva” (BRASIL, 1961).

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1.1.4. Jânio Quadros na presidência

Jânio Quadros se lançou na campanha à Presidência da República sem apoio

partidário, tecendo duras críticas à corrupção e à desordem financeira do governo

Kubitschek. Devido ao forte apelo popular presente no discurso de Jânio Quadros, a União

Democrática Nacional (UDN), partido que representava em grande medida o

conservadorismo político de direita, se interessou em amparar o candidato, ao invés de

lançar candidatura própria. Jânio atraiu apoio de diferentes grupos, interesses e parcerias,

das mais diversas concepções políticas.

Jânio Quadros venceu as eleições em outubro de 1960, tendo como vice-presidente

eleito João Goulart. Ressalta-se que na época era possível votar em chapas diferentes para

a eleição de presidente e vice. Jânio começou governar de forma desconcertante e tentou

combinar iniciativas próximas da esquerda com medidas simpáticas aos conservadores e,

com isso, conseguiu a antipatia de ambos (FAUSTO, 2007).

Um importante fato que teve grande repercussão mundial, sobretudo na América

Latina, foi a Revolução Cubana de 1959. A iminência comunista passou a ser vista como

uma ameaça para os governos democráticos. O posicionamento de Jânio e as propostas de

João Goulart contribuíram para que esse temor ao comunismo se instaurasse também no

Brasil.

A Educação Moral e Cívica retornou às discussões políticas e educacionais

brevemente por meio das proposições do presidente Jânio Quadros. Segundo Luiz Antônio

Cunha (2007, p. 295), o presidente resgatou e assentou dispositivos dispersos acerca da

disciplina, como o Decreto 50.505, de 26 de abril de 1961, que “reafirmou a

obrigatoriedade da Educação Moral e Cívica nos estabelecimentos de ensino de quaisquer

ramos e graus, públicos ou privados”. Reintroduzida sob a forma de atividade extra-escolar

e não sob a forma de uma disciplina curricular, a Educação Moral e Cívica não alcançou

repercussões efetivas nas práticas educacionais do período.

Após 1964, a disciplina foi utilizada como instrumento dessas finalidades de

combate ao comunismo, à subversão e a adoração da pátria para se legitimar no campo

educacional.

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1.1.5. João Goulart e a articulação do Golpe de 1964

Em novembro de 1961, Jânio renunciou ao seu mandato na Presidência da

República sem muitos esclarecimentos. João Goulart como vice-presidente deveria assumir

o cargo, no entanto, por iniciativa de setores militares contrários ao seu governo, a posse

foi adiada. O temor declarado desses setores era a possibilidade de instauração de uma

república sindicalista que possibilitasse aos comunistas a tomada do poder. Após enfrentar

alguma resistência da oposição e com a alteração do sistema de governo de presidencialista

para parlamentarista, João Goulart tomou posse, no dia 7 de setembro de 1961. Tal

mudança de regime político serviu de subterfúgio para cercear os poderes do então

presidente.

Os grupos que impediram João Goulart de assumir a presidência, sob o regime

presidencialista, alegavam que, quando Goulart foi ministro do governo de Getúlio Vargas,

ele havia repassado cargos importantes nos sindicatos para pessoas consideradas como

“agentes do comunismo internacional”. Com isso, os ministros militares temiam que

Goulart na presidência pudesse promover a “infiltração das forças armadas,

transformando-as assim em „simples milícias comunistas‟” (SKIDMORE, 1982, p. 30).

No campo educacional, João Goulart incorporou o discurso que relacionava os

problemas educacionais às reformas de base. Com efeito, propôs a campanha para

erradicar o analfabetismo, a elevação dos investimentos em educação no total dos gastos

públicos, a ampliação da infra-estrutura, o aprimoramento do magistério, o aumento do

número de matrículas e a abertura de escolas ao ingresso dos jovens (VIEIRA, 1995,

p.166).

A primeira grande manifestação contra os atos do presidente Goulart foi a “Marcha

da Família com Deus pela Liberdade”, realizada no dia 19 de março de 1964. Esse

movimento tinha como ideal “a obediência aos valores tradicionais cristãos” (o terço e o

rosário, o matrimônio e a família) e as “liberdades individuais” (liberdade de expressão,

liberdade religiosa), ou seja, a moral religiosa e propriedade privada que estariam

supostamente ameaçadas. A marcha foi composta pelas associações cívicas femininas, por

setores católicos da classe média urbana, por políticos conservadores e pela elite

empresarial (CODATO; OLIVEIRA, 2004, p. 273).

As “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” foram atos públicos

organizados pelos setores católicos de classe média urbana, pela elite empresarial –

representada pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) – e pelos movimentos

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femininos, que reuniram milhares de pessoas, às vésperas do golpe de 31 de março de

1964, nas principais cidades brasileiras.

Os manifestantes saíram às ruas mostrando resistência ao governo Goulart.

Acreditavam que sua política tinha um caráter comunista e que tendia para a destruição dos

valores religiosos, patrióticos e morais da sociedade. Estas manifestações corroboravam as

idéias defendidas por setores importantes das Forças Armadas e legitimavam a

possibilidade de salvação da democracia através de um golpe político (REIS FILHO,

1988).

As Forças Armadas começaram a se mobilizar para garantir a defesa daquilo que,

segundo seu ideário, representava a segurança e o desenvolvimento do país. Fortaleciam-se

as idéias vinculadas à doutrina da segurança nacional a partir da Escola Superior de Guerra

(ESG), cujas finalidades eram preparar pessoas para funções de direção e planejamento da

segurança nacional, bem como elaborar métodos que avaliassem as condições políticas,

econômicas e militares relacionando-as às estratégias de proteção.

A ESG foi criada no final da década de 1940, com o propósito de desenvolver

conhecimentos necessários ao planejamento da segurança nacional, com o foco na

“segurança interna”. Além disso, priorizava a formação das elites civis e militares que

conduziriam o País em tempos de paz. Vale ressaltar que, conforme Maria Aparecida

Brisolla de Oliveira (1982, p. 6), esse entrosamento entre civis e militares no

desenvolvimento de estratégias governamentais acabou por retirar o caráter puramente

militarista dos governos que se seguiram após o golpe de 1964.

Segundo Carlos Fico (2004, p.137), a partir da construção da doutrina de segurança

nacional, as elites nacionais passaram a ter “um nível de confiança relativamente elevado”

nas Forças Armadas e em sua capacidade de governar o País de forma eficiente e neutra.

O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação

Democrática (IBAD), juntamente a Escola Superior de Guerra (ESG), formaram, então, a

tríade de instituições de oposição ao governo (DREIFUSS, 1981). À medida que Goulart

disseminava e expandia suas propostas de características populares, essas instituições

passaram a se unir e a defender a idéia de que apenas um movimento armado conteria o

suposto avanço do comunismo e garantiria o desenvolvimento econômico.

O IBAD foi criado em fins da década de 1950 por um grupo da classe

conservadora, formado principalmente por intelectuais ligados a ESG e empresários

nacionais e internacionais, com a finalidade de “defender a democracia, as instituições

efetivas e o regime” (DREIFUSS, 1981, p. 102). Formado por integrantes da ESG, ficou

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conhecido como uma organização de ação anticomunista que influenciou, sobremaneira,

através de ligações com diferentes elementos do meio social, o legislativo e os governos

estaduais, além de intervir em assuntos eleitorais de caráter nacional e regional.

Por sua ação perspicaz, o IBAD teve pouca visibilidade em seu princípio. Atuava

por meio de contatos firmados com variadas fontes e por ligações com empresários

militares e funcionários públicos de alto escalão, o que possibilitava sua influência em

diferentes instâncias na política. Ressalta-se sua conexão com outras organizações de

caráter eminentemente anticomunistas. Durante a presidência de João Goulart, sua

representatividade ganhou força, pois, de acordo com Dreifuss (1981, p.103), o IBAD

“serviu de conduto de fundos maciços para influenciar o processo eleitoral e coordenou a

ação política de indivíduos, associações e organizações ideologicamente compatíveis”.

Para Dreifuss (1981, p. 106), esses grupos disseminaram seu ideário formado por

valores e ideais modernizantes-conservadores em diferentes setores da sociedade civil

representadas por organismos mantidos pela classe dominante como “associações de

classe, grupos de ação política e vários escritórios técnicos privados”.

O IPES foi o outro grupo de grande representatividade, que formou o complexo

IPES-IBAD responsável por contribuir na constituição de um conjunto de idéias favoráveis

ao golpe civil-militar de 1964. Apesar dos diferentes posicionamentos ideológicos, os

elementos que formavam esse grupo se aproximavam por suas relações econômicas

multinacionais e associadas, pela aversão aos comunistas e pelo objetivo comum de

renovar a administração do Estado brasileiro. Para Dreifuss (1981, p. 163-164), essa

organização partilhava dois direcionamentos distintos. Por um lado, mantinha sua “face

pública”, apresentando-se como uma organização de “respeitáveis homens de negócio” e

intelectuais, pessoas que defendiam a “participação nos acontecimentos políticos e sociais

e apoiavam a reforma moderada das instituições políticas e econômicas existentes”. Por

outro lado, seus membros “coordenavam uma sofisticada e multifacética campanha

política, ideológica e militar”.

Dreifuss (1981, p. 164) ressalta, ainda, que o IPES se declarava como uma

“organização educacional, que fazia doações para reduzir o analfabetismo das crianças

pobres e como um centro de discussões acadêmicas”.

Tanto o IBAD como o IPES foram instituições que tiveram grande influência na

implantação e manutenção do regime ditatorial no Brasil. Ambos foram compostos por

intelectuais que defendiam interesses contrários ao governo nacional-reformista de João

Goulart e às forças sociais que apoiavam a sua administração.

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Corroborando essa assertiva, Carlos Fico (2004, p. 145) entende que o “complexo

IPES/IBAD” serviu como um “Estado-Maior da burguesia” através de “uma ação medida,

planejada e calculada que a conduziu ao poder”. Inculcaram, ao longo dos anos de

existência, a premissa de que apenas um golpe de Estado seria capaz de tomar o poder e

reformar o país.

Salienta-se a relevância da participação desses grupos no movimento de 1964, uma

vez que, passaram a constituir uma organização de classe com uma ação política

sofisticada. O “complexo IPES/IBAD” participou ativamente do estágio inicial de

articulação do golpe de Estado de 1964. Segundo Dreifuss (1981, p. 162),

a elite orgânica modelaria as forças sociais burguesas em uma classe,

processo este que culminaria com a transposição do poder privado dos interesses multinacionais e associados para o governo público do Brasil.

A conjunção dos fatores mencionados foi fundamental para a composição de forças

responsáveis pelo golpe de 1964. A análise realizada permitiu contrapor as posições

contrárias ao governo de Goulart e as articulações realizadas para mantê-lo no poder. Com

efeito, o pretexto que daria continuidade aos planos dos militares e civis opositores surgiu

com um discurso de Goulart, no qual foi exaltada a necessidade de execução das reformas

de base pretendidas pelo governo.

1.2. A instauração da Educação Moral e Cívica durante a afirmação do golpe militar

O processo político que desencadeou o golpe político de 1964 começou a se

intensificar a partir do “Comício da Central”, realizado em 13 de março daquele ano. Neste

evento, João Goulart apresentou os planos para a efetivação das reformas de base em seu

governo.

Outros eventos que merecem destaque, por suas relações com o final do governo

Goulart, foram as manifestações promovidas por organizações religiosas que discursavam

sobre o perigo comunista. Estas organizações alegavam que o presidente compartilhava do

ideário comunista e que poderia implantar no País os princípios que regem essa ideologia.

Pelo contexto externo, no qual imperava a Guerra Fria, os militares se alinhavam

com as proposições do governo dos Estados Unidos, favoráveis ao combate ao comunismo

e às organizações de esquerda. De acordo com Boris Fausto (2007, p. 461), a maioria dos

militares tinha “a manutenção da ordem social, o respeito à hierarquia e o controle do

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30

comunismo” como princípios absolutos a serem seguidos. Enfraquecidos tais princípios,

seus defensores acreditavam que “a ordem se transformava em desordem, e a desordem

justificava a intervenção”.

Ao mesmo tempo, a direita se articulava em torno da vontade de conquistar o poder

e aliados aos conservadores moderados passaram a defender a máxima de que “só uma

revolução purificaria a democracia, pondo fim à luta de classes, ao poder dos sindicatos e

aos perigos do comunismo” (FAUSTO, 2007, p. 458). Sob essas prerrogativas, em 31 de

março de 1964, foi deflagrado o golpe que destituiu Goulart.

Carlos Fico (2004, p. 52) entende que a preparação do golpe pode ser considerada

“civil-militar”, mas, no golpe, propriamente, “sobressaiu o papel dos militares”. O autor

acredita que “desde o início do regime foi indiscutível a preponderância dos militares, em

detrimento das lideranças golpistas civis”.

Tornou-se uma justificativa ao golpe lembrar aos cidadãos que “as forças armadas

levantaram-se para salvaguardar as tradições, restaurar a autoridade, manter a ordem e

preservar as instituições” (SAVIANI, 2007, 362). Segundo Toledo (2004, p. 24), a tomada

de poder teve como objetivo “por fim ao debate político vigente e por fim nas propostas de

reformas sociais e políticas, principalmente a reforma agrária”.

Corroborando essa assertiva, José Murilo de Carvalho (2005), interpreta que a

atitude radical dos golpistas justificou-se, primeiramente, pela ameaça que a divisão

ideológica causaria na sustentação da organização militar. Outro fato que deve ser

ressaltado se refere à atuação dos antivarguistas, que, no bojo da ESG, elaboraram a

doutrina de segurança nacional. Em conjunto com outras instituições, como o complexo

IPES/IBAD, integrantes da cúpula militar encamparam a luta contra o comunismo pela

preservação da sociedade capitalista, desenvolvendo um ideário favorável à efetivação do

golpe, que seria aproveitado, posteriormente, pelo primeiro governo militar. Para

concretizar as propostas enunciadas seria necessário realizar o expurgo dos inimigos para

controlar o poder (CARVALHO, 2005, p. 159).

A doutrina elaborada e ensinada pela ESG continha a teoria da “guerra interna”

introduzida e difundida pelos militares no Brasil, por temor aos possíveis efeitos que a

repercussão da Revolução Cubana poderia causar em território nacional. Em consonância

com os estudos de Thomas E. Skidmore (1988, p. 22), pode-se afirmar que, segundo essa

teoria, a “principal ameaça vinha não da invasão externa, mas dos sindicatos trabalhistas de

esquerda, dos intelectuais, das organizações de trabalhadores rurais, do clero e dos

estudantes e professores universitários”.

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31

Ressalta-se que a ruptura ocorrida com a instauração do regime civil-militar

ocorreu “no nível político e não no âmbito socioeconômico”, justamente para a

preservação dessa ordem. Segundo Saviani (2007, p. 362), os opositores acreditavam e

temiam que, se não houvesse essa ruptura, “a persistência dos grupos que então

controlavam o poder político formal viesse a provocar uma ruptura no plano

socioeconômico”.

Após o golpe, os direitos civis e políticos foram solapados pelas medidas de

repressão instauradas. Toledo (2004, p. 24) afirma que a partir da destruição das

organizações políticas, da repressão dos movimentos sociais de esquerda e das associações

progressistas, o “golpe foi saudado pelas classes dominantes e seus ideólogos, civis e

militares, como uma autêntica Revolução”.

1.2.1 Elementos dos mecanismos de controle político e social instituídos com o Golpe

de 1964: os Atos Institucionais e as reformas na educação

Uma representação importante do controle dos cidadãos que seria exercido pelo

governo ocorreu em junho de 1964, quando o regime criou o Serviço Nacional de

Informações (SNI). Entre os idealizadores destacou-se o general Golbery do Couto e Silva.

Essencialmente, o objetivo expresso do SNI era “coletar e analisar informações pertinentes

à segurança nacional, à contra-informação e à informação sobre questões de subversão

interna”. Contudo, este órgão se transformou em um “centro de poder quase tão importante

quanto o Executivo”, atuando por conta própria na guerra travada contra o inimigo interno

(FAUSTO, 2007, p.468).

Para melhor compreensão do significado do golpe, Maria Luísa Ribeiro (1988, p.

156) recomenda a busca dos “resultados das medidas implantadas concretamente pelos

governos que se seguiram a ele”. Para tanto, o novo regime começou a intervir nas

instituições do País através de decretos, chamados Atos Institucionais (AI), que tinham

como justificativa a urgência do exercício do Poder Constituinte, posicionamento que

segundo os responsáveis pelos governos militares fazia parte de todas as revoluções.

O primeiro Ato Institucional (AI-1) foi decretado pelos comandantes do Exército,

Marinha e da Aeronáutica no dia 09 de abril de 1964. Interferiu no funcionamento do

Congresso e seu conteúdo principal foi o direito de cassação de mandatos pelo governo, a

suspensão sem necessidade de explicação, julgamento ou direito de defesa dos direitos

políticos.

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Uma característica importante e contraditória do regime foi destacada por Boris

Fausto (2007, p. 465) quando o autor afirma que “embora o poder real se deslocasse para

outras esferas e os princípios básicos da democracia fossem violados, o regime quase

nunca assumiu expressamente sua feição autoritária”.

Essa assertiva é ratificada pela análise dos livros didáticos da disciplina de

Educação Moral e Cívica e da composição da Comissão Nacional de Moral e Civismo

(CNMC) realizada nesse texto que será tratada adequadamente terceiro capítulo. Adianta-

se que o conteúdo tanto dos livros didáticos quanto dos documentos elaborados pela

CNMC não explicitam o autoritarismo que caracterizou os governos militares, pois a

realidade da organização política nacional era apresentada nestes documentos e livros

didáticos como democrática e constitucional.

Com a instauração do AI-1, muitas medidas visaram fortalecer o Poder Executivo.

Com efeito, a aprovação de projetos do Executivo por “decurso de prazo” se tornou

corriqueira. Outro feito instituído pelo primeiro ato constitucional foi a instalação dos

Inquéritos Policial-Militares (IPMs). Seu objetivo era investigar os responsáveis “pela

prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou por atos

de guerra revolucionária” (FAUSTO, 2007, p. 467). Esse foi um marco importante, pois a

partir dessa autoridade dada aos Inquéritos Policial-Militares que se iniciaram as

perseguições a alguns dos grupos contrários ao regime (incluindo nestes procedimentos as

prisões e torturas).

As comissões especiais de inquérito foram instaladas pelo Ministro da Educação,

Flávio Suplicy de Lacerda, e levaram às universidades os IPMs. As autoridades militares

justificavam a necessidade dos IPMs no meio universitário, pela suposta crença de que

agentes comunistas utilizariam os meios de ensino para dominar as mentes dos sujeitos.

Foram montadas comissões especiais compostas por alunos, funcionários e professores,

indicados pelas autoridades militares, para levar a efeito os expurgos (ALVES, 1989).

A partir do AI-1, foi eleito, com votação indireta do Congresso Nacional, em 15 de

abril de 1964, o general Humberto de Alencar Castelo Branco. O término de seu mandato

foi previsto para dia 31 de janeiro de 1966. Deve-se salientar que os generais presidentes

que assumiram o Poder Executivo, em sua maioria, mantinham fortes ligações com a ESG.

O grupo formado pelo governo, denominado castelista, tinha como objetivo político

instituir uma “democracia restringida”, enquanto planejavam, no plano econômico,

reformar o sistema capitalista, “modernizando-o como um fim em si mesmo e como forma

de conter a ameaça comunista” (FAUSTO, 2007, p. 470).

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33

Em 17 de outubro de 1965, foi instaurado o segundo ato institucional que

determinou o fim das eleições diretas para presidente e governador e a extinção dos

partidos políticos existentes, impondo o bipartidarismo. Permanece o partido de apoio ao

governo, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), e o de oposição, o Movimento

Democrático Brasileiro (MDB). Fausto (2007) destaca que a maioria dos políticos

comprometidos com a Arena havia pertencido a UDN e ao PSD, enquanto o MDB se

formou com filiados do PTB e também do PSD.5

Deve-se enfatizar que a implantação do AI-2 potencializou os poderes do

presidente que, posteriormente, permitiriam a imposição do Decreto-Lei 869/1969, que

instituiu a disciplina de Educação Moral e Cívica. Tal como previsto, o Decreto alertava

sobre os perigos de disseminação subversiva no meio educacional, sendo tratado, portanto,

como assunto de segurança nacional.

Segundo Barbara Freitag (2005), logo após o golpe de 1964, o ensino superior

passara a ser alvo de reformulações. No discurso do então Ministro da Educação, Suplicy

de Lacerda, emergiu a urgência da necessidade de disciplinar os estudantes. Nesse sentido,

retoma-se a discussão da ação disciplinar como forma de coibir a subversão e que será

potencializada e legitimada com a promulgação do Decreto-Lei 869/1969, que instituiu a

disciplina de Educação Moral e Cívica.

Não deve ser negligenciada a interpretação de Luiz Antônio Cunha (1988, p.22)

acerca da gênese da idéia de reformulação da universidade brasileira fundamentada no

modelo norte-americano. Para o autor, essa questão foi defendida, sobretudo, por

“administradores educacionais, professores e estudantes, principalmente aqueles, como um

imperativo da modernização e, até mesmo, da democratização do ensino superior em nosso

país”.

Em fevereiro de 1966, o AI-3 foi estabelecido e fixou o princípio da eleição indireta

dos governadores dos Estados, através das respectivas Assembléias Estaduais. O AI-4 foi

instituído em dezembro do mesmo ano e estipulou as condições em que seria votado pelo

Congresso Nacional o projeto de Constituição elaborado pelo Executivo (RIBEIRO, 1988).

A nova Constituição foi promulgada em janeiro de 1967.

O período da sucessão presidencial foi marcado por um endurecimento do regime

militar. Nesse sentido, enfatiza-se que a sucessão presidencial ocorreu no interior da

corporação militar, sendo a decisão final ditada pelo alto comando das forças armadas.

5 Deve-se considerar os limites de um partido de oposição decretado por um poder executivo ditatorial

(Ribeiro, 1988).

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Desta maneira, foi indicado para presidente o general Artur da Costa e Silva e o civil Pedro

Aleixo foi nomeado vice-presidente.

Com a ascensão do Marechal Costa e Silva, escolhido pelo Colégio Eleitoral para

ocupar o cargo de Presidente da República, empossado no dia 15 de março de 1967, o

poder Executivo prometeu, mais uma vez, “restabelecer os processos políticos

representativos normais e as regras democráticas” (ALVES, 1989, p. 112).

De acordo com Fico (2004), o grupo denominado “linha dura” se autonomeavam os

preceptores dos princípios da “revolução”, mantinham o um poder significativo sobre as

decisões e viabilizaram, paulatinamente, a conquista do Poder Executivo. Carlos Fico

(2004, p. 33) ressalta, ainda, que “o projeto repressivo baseado numa „operação limpeza‟

violenta e longeva estava presente desde os primeiros momentos do golpe”.

Frente às mudanças políticas, econômicas e sociais realizadas após 1967, o governo

tomou algumas iniciativas de criação e aprovação de estratégias de reforma no que se

refere às atividades educacionais em seus diferentes níveis, com o intuito de legitimar-se

em todas as esferas (RIBEIRO, 1988). Com efeito, foram implementadas as reformas

educacionais de 1968, que reformou a universidade, e a de 1971, que estabeleceu o sistema

nacional de 1.º e 2.º graus.

Dreifuss (1981, p.442) entende que a política educacional do regime militar

“tornou-se a expressão da „reordenação das formas de controle social e político‟”

necessária aos interesses econômicos vigentes. Nesse sentido, as reformas que seriam

propostas em 1968 e 1971 tinham, “como escopo estabelecer uma ligação orgânica entre o

aumento da eficiência produtiva do trabalho e a modernização autoritária das relações

capitalistas de produção” (FERREIRA; BITTAR, 2008, p. 335).

Na esteira do pensamento de Barbosa (2006) assevera-se que os planos elaborados

à época ressaltaram a “Revolução pela Educação” e firmaram os objetivos a serem

atingidos na busca pelo desenvolvimento econômico. O processo de industrialização impôs

uma elevada concentração de renda, na qual, a educação atuou a serviço de uma ideologia

que justificava o desemprego pela insuficiência de qualificação.

Portanto, o ideário educacional suscitado pelas reformas educativas serviu aos

governos militares como elemento reforçador da ideologia do desenvolvimento. Difundiu-

se a idéia de que através da educação “ocorreria à redistribuição de renda, a mobilidade

social, o desenvolvimento do espírito comunitário, a adesão aos princípios da democracia

cristã” (BARBOSA, 2006, p. 22-23).

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As mudanças ocorridas a partir da Lei 5.540/1968, que reformou o ensino superior,

foram mais significativas no aspecto da estrutura interna, pois o intuito era acelerar o

desenvolvimento do sistema universitário com o mínimo de custos. Entre as modificações

destaca-se a departamentalização, a matrícula por disciplina, o curso básico e a

institucionalização da pós-graduação.

O texto da Lei 5.540/1968 apresentava características peculiares que reafirmavam

os atos do regime militar. Deve-se enfatizar o intento, no art. 16.º, § 4.º, de promover “a

manutenção da ordem e disciplina”, demonstrando uma preocupação saneadora, ainda

pouco sistematizada, pelo oferecimento de formação cívica aos estudantes, atividade que,

posteriormente, catalisaram os impulsos doutrinários do regime militar.

Retomando as questões políticas, no governo de Costa e Silva, o grupo da linha-

dura e dos nacionalistas autoritários das Forças Armadas tinha grande representatividade.

Com isso, o número de militares cresceu nos postos importantes dentro do governo. Com a

rearticulação da oposição e o início da luta armada, o governo sentiu a necessidade de

reforçar seu poder e para isso foi preciso “criar novos instrumentos para acabar com os

subversivos” (FAUSTO, 2007, p. 479).

Para tanto, em 13 de dezembro de 1968, Costa e Silva baixou o AI-5. O presidente

da República voltou a ter poderes para fechar o Congresso, interferir nos Estado e

municípios, poderia cassar mandatos e suspender direitos políticos, bem como demitir ou

aposentar funcionários públicos.

Para Carlos Fico (2004, p. 33-34), o AI-5 foi o desfecho de um processo que havia

sido iniciado muito antes e com características distintas das fases anteriores. O autor

entende que essa fase pode ser caracterizada como “utopia autoritária”, pois sua

intencionalidade era de que “seria possível eliminar quaisquer formas de dissenso

(comunismo, „subversão‟, „corrupção‟) tendo em vista a inserção do Brasil no campo da

„democracia ocidental e cristã‟”.

Diferentemente dos outros atos institucionais, o AI-5 não tinha prazo determinado e

não se tratou de uma medida provisória. Perdurou até o início de 1979. Deve-se destacar

que, a partir desse ato, foi suspenso o habeas corpus dos acusados de crimes e infrações

contra a ordem econômica e social e foi autorizada a perda de direitos políticos e a

exoneração no funcionalismo público.

Freitag (2005) entende que a educação assumiu um papel importante neste contexto

e que, por isso, as políticas educacionais deveriam alcançar todas as instâncias da

sociedade. A autora acredita que a instauração do regime militar introduziu uma dimensão

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tecnocrática no exercício do poder e a exigência de eficácia na administração em diversos

segmentos, entre eles o da escola.

Nesse contexto, priorizou-se na administração do Estado uma conjunção entre

tecnocracia e doutrina da segurança nacional. Segundo Barbosa (2006, p. 68) os governos

militares a fim de alcançar esse objetivo implantaram uma série de “medidas restritivas à

liberdade de expressão e da montagem de um sistema de informações para identificar

eventuais riscos à ordem estabelecida”. Destarte, justificava-se, a “construção gradual de

um grande aparato repressivo destinado a controlar a população” (BARBOSA, 2006, p.

68).

A partir de um governo de técnicos tentou-se justificar a supressão das liberdades

democráticas e a repressão política, utilizando o projeto “Brasil Grande Potência” como

um invólucro mistificador dos governos dos generais-presidentes (FERREIRA; BITTAR,

2008). Esse lema é utilizado inclusive nos livros didáticos da disciplina de Educação Moral

e Cívica.

Com os problemas de saúde que acometeram Costa e Silva os ministros militares

decidiram escolher um novo presidente da República, uma vez que, o vice-presidente era

um civil que tinha se oposto ao AI-5. Por meio de mais um ato constitucional, o AI-12,

uma junta militar composta por ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica tomou o

controle do poder executivo. A junta militar que assumiu manteve e acirrou o combate do

que consideravam como subversão. Para isso, elaboraram os atos constitucionais, AI-13 e

AI-14, nos quais baniram do território nacional os brasileiros considerados nocivos à

segurança nacional e instituiu a pena de morte para os casos de guerra externa, psicologia

adversa, e revolucionária ou subversiva (FAUSTO, 2007).

Logo em seguida, em 12 de setembro de 1969, a disciplina Educação Moral e

Cívica e a Comissão Nacional de Moral e Civismo foram criadas através do Decreto-Lei n.

869. Para Maria Aparecida de Freitas Oliveira (1982, p. 114), o Conselho Federal de

Educação (CFE) tornou-se favorável à implantação da disciplina de Educação Moral e

Cívica, em parte, pela decretação do AI-5 e pela ascensão da Junta Militar.

Segundo Luiz Antônio Cunha (2005), o Decreto-Lei n. 869 foi o resultado das

reuniões do grupo de trabalho da Associação dos Diplomados da Escola Superior de

Guerra (ADESG), as quais determinaram que a disciplina Educação Moral e Cívica

integrasse obrigatoriamente os currículos escolares de todos os graus e modalidades do

sistema de ensino do país. A partir do conteúdo desse decreto-lei, que será discutido no

próximo capítulo, é possível notar a repercussão na educação de uma grande carga de

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combate à subversão, ao comunismo e aos inimigos internos que poderiam ameaçar a

ordem e aos militares no poder.

1.2.2. A “repressão sutil” da censura e seu caráter “educativo”

Um dos mecanismos de controle utilizados maciçamente no período em estudo foi a

censura à imprensa. Conforme Carlos Fico (2004, p. 37), essa questão se distinguia por não

ter regulamentação e por visar, mormente, os temas políticos. O autor ainda destaca que

sua prática era realizada de maneira velada, através de “bilhetinhos ou telefonemas que as

redações recebiam”.

Outra forma de censura, que também se fazia presente, era a censura às diversões

públicas. Ressalta-se essa forma de censura, sobretudo, por ser ela a responsável por

disseminar o discurso da defesa da moral e dos bons costumes e que, de certa maneira, o

propagava em diversos setores da sociedade brasileira, repercutindo, inclusive, no meio

educacional. Fico (1996), avulta essa forma de censura, especialmente por ela ser

legalizada e mantida por pessoas especializadas e pertencentes ao funcionalismo público:

os censores.

Segundo o autor, devem-se considerar algumas contradições entre as duas formas

de censura ocorridas nesse período. O autor destaca, primordialmente, “a penetração da

dimensão estritamente política na censura de costumes”, o que dava a entender, muitas

vezes, que a censura às diversões públicas se sobressaíra durante o período. No entanto,

Fico (2004, p. 37-38) faz uma separação entre as fases punitivas de ambas:

A censura da imprensa acompanhou o auge da repressão (quando se

pensa em cassações de mandatos parlamentares, suspensões de direitos políticos, prisões, torturas e assassinatos políticos) que se verificou entre

finais dos anos 60 e início dos anos 70. A censura de diversões públicas,

porém, teve seu auge no final dos anos 70, já durante a “abertura”.

Do mesmo modo que a instituição do controle dos meios de comunicação de massa,

foi intuito dos assessores militares a criação de uma agência de propaganda política.

Conseguiram criar a Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP) em 1968. O

objetivo dessa agência era promover, através de filmes romanceados, a participação cidadã,

a crença no “Brasil Potência”, entre outras divulgações.

No entanto, Carlos Fico (2004, p. 38) entende que, para a linha-dura, a mensagem

que deveria ser levada à população deveria ser mais radical, apresentando:

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os discursos de arrependimento de militantes da luta armada feitos prisioneiros, transmitidos pela TV, ou o famoso slogan „Brasil: ame-o ou

deixe-o‟, iniciativas da polícia política que preferia afirmar-se pela força

de uma “guerra psicológica” e não pela propaganda edulcorada da Aerp.

Para Fico (2004), o sistema repressivo cumpriu sua função a partir de duas ações

principais inter-relacionados: a primeira efetivou-se por meio da força de ação no combate

ao comunismo, com noções saneadoras, e a outra através da base pedagógica, com a

finalidade de suprir as deficiências da sociedade pelo uso da educação. Conforme explica

o autor (2004, p. 39):

Enquanto a polícia política, a espionagem, a censura da imprensa e o

julgamento sumário de supostos corruptos estavam fortemente imbuídos da dimensão saneadora da “utopia autoritária”, a Aerp e a Divisão de

Censura de Diversões Públicas (DCDP) primavam pela tópica

pedagógica. Enquanto os primeiros eliminavam, mesmo fisicamente,

comunistas, “subversivos” e “corruptos”, as duas últimas buscavam “educar o povo brasileiro” ou defendê-lo dos ataques à “moral e aos bons

costumes”.

Portanto, utilizavam-se da força e das concepções da doutrina de segurança

nacional para impor o ideário governamental. Para o autor supracitado, essa doutrina

continha um conjunto de considerações geopolíticas baseadas em certas premissas – como

o tamanho do país e da sua população e a vulnerabilidade à convulsão social – com o fim

de atingir o lema “Brasil Potência” a partir do combate interno ao comunismo.

1.2.3. O exercício da “repressão direta”

Em meados de outubro de 1969, a Junta Militar definiu o mandato do futuro

presidente. O alto comando das Forças Armadas escolheu o general Emílio Garrastazu

Médici para assumir a Presidência da República e o ministro da Marinha, Augusto

Rademaker, como vice. Para Paulo Evarismo Arns (1991, p. 63), o governo de Médici,

com o lema “Segurança e Desenvolvimento”, representou “o período de maior repressão,

violência e supressão das liberdades civis do regime militar”.

Daniel Aarão Reis Filho (1988) destaca que a eficiência da repressão por parte do

governo, bem como o afastamento dos grupos armados da massa, gerou uma significativa

queda e quase extinção nos grupos armados urbanos.

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Através dos artifícios minuciosos da propaganda televisiva governamental o ideário

do regime “entrou” na casa dos brasileiros, encontrando fraca resistência. No entanto,

evidencia-se a contradição imposta nessa tática de governo. Mesmo o governo Médici

sendo considerado o pior e mais repressor dos governos instalados no período do regime

militar, foi o que se mais se apoiou nas sutilezas das campanhas publicitárias para

conseguir o apoio da população. São deste governo os slogans “Ninguém segura este país”

e a marchinha “Prá frente Brasil”, que impulsionou as comemorações da vitória da Copa

do Mundo de Futebol, de 1970.

1.2.4. A “reorganização” do campo educacional

Na área da educação, articulada com a Reforma Universitária, foi aprovada, em 11

de agosto de 1971, a Lei n. 5.692, que reestruturou a organização do ensino, implantando o

1.º e 2.º graus. Maria Luísa Santos Ribeiro (1988, p. 170) interpreta que a base liberal do

texto legal da lei foi sua marca e inspiração. Desse modo, utilizou-se de fundamentos que

são “em última instância de base tecnicista, quando do exame dos objetivos reais,

orientados por uma compreensão sobre o contexto no bojo do qual a lei foi projetada e

aprovada” (RIBEIRO, 1988, p. 170).

Alguns pontos que marcam as inovações em relação à legislação anterior devem ser

ressaltados. Esses pontos foram sintetizados por Barbara Freitag (2005, p. 161):

extensão definitiva do ensino primário obrigatório de 4 a 8 anos, gratuito em escolas públicas e conseqüente redução do ensino médio de 7 para 3 a

4 anos. O 1.º ciclo ginasial fica, portanto, absorvido pelo ensino primário,

tornando-se obrigatório para todos; profissionalização do ensino médio (antigo 2.º ciclo do ensino médio) garantindo ao mesmo tempo

continuidade e terminalidade dos estudos; reestruturação do

funcionamento do ensino no modelo da escola integrada, definindo-se um núcleo comum de matérias obrigatórias e uma multiplicidade de matérias

optativas de escolha do aluno.

A autora destaca a contradição expressa na lei, pois, no texto explícito, a percepção

é de que se tratava de uma lei democratizante, no entanto, sua ação era autoritária. Foram

ampliados os anos no ensino de 1.º grau para que se tivesse mão-de-obra especializada e

treinada a baixos custos, sobretudo, com a profissionalização a partir do 2.º grau.

Conseqüentemente, formavam-se mais profissionais capacitados para o mercado de

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trabalho e diminuía-se a demanda para o ensino superior, favorecendo a restrição à

continuidade dos estudos no 3.º grau, que permanecia destinado a uma minoria elitizada.

Reforça-se, portanto, a idéia de que elementos autoritários e democráticos

“confundem-se” neste instrumento legal. Segundo Barbara Freitag (2005, p.152):

à medida que o elemento democrático significa efetivamente aceitar a chance oferecida, são necessárias novas medidas autoritárias de restrição

para manter o controle. Sob o enfoque da contenção – liberalização –,

podemos dizer que, para praticar a verdadeira contenção, foi necessária uma aparente liberalização de vagas.

A lei da reforma do ensino menciona a disciplina de Educação Moral e Cívica, que

já havia sido instituída pelo Decreto-Lei 869/1969. A Lei 5.692 determinava em seu artigo

7.º que era “obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica nos currículos plenos dos

estabelecimentos de 1.º e 2.º graus” (BRASIL, 1971).

Barbara Freitag (2005, p. 155-6) entende que a execução do Decreto-Lei 869 foi

tratada como “prioridade das medidas disciplinares para o corpo estudantil brasileiro, face

às de treinamento profissional eficaz”, atingindo os três níveis de ensino. Segundo a autora,

este Decreto, mais do que qualquer outro texto de lei, torna bem explícita a função da

escola à serviço da manutenção e disseminação dos preceitos propostos pelo regime

militar.

O contexto político, econômico e social fez com que os governantes passassem a

transmitir à sociedade, por meio de mecanismos, como a disciplina de Educação Moral e

Cívica, comportamentos, mensagens e a expressão de um ideário que buscava “justificar a

nova situação do País em nome do desenvolvimento nacional e da preservação dos valores

cívicos e éticos do povo brasileiro” (OLIVEIRA, 1982, p. 11).

A partir dessa “nova” organização do sistema educacional, a Educação Moral e

Cívica apareceu como “um dos elementos essenciais dessa ditadura”, uma vez que, através

dela, formou-se um “expansivo sistema de difusão da doutrina e do imaginário militar”,

além de “formas institucionais de fazer política” (MARTINS, 2003a, p. 20). Maria do

Carmo Martins acredita que as reformas educacionais embasaram “a capacidade de

mudança do papel do Estado na oferta e regulação do ensino público” e circunscreveram a

nova adequação de poder na definição dos conteúdos escolares e na formação docente.

Nessa perspectiva, a escola também sofreu alterações e foi reestruturada e

redefinida para funcionar em toda a sua eficácia como divulgadora de idéias favoráveis ao

regime militar, passando a ser referenciada como uma reprodução em miniatura da

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sociedade, a serviço do governo como forma de auxiliar sua sustentação. Nem todas essas

funções foram abertamente declaradas. As intenções, implícitas e explícitas, precisam ser

deduzidas da própria estrutura e o funcionamento da escola e confrontadas com o texto da

própria reforma e das diferentes leis, decretos e pareceres que a complementaram.

Como já foi explanado, o momento do governo de Médici não poderia ser mais

apropriado. Dessa maneira, a escola foi utilizada como instrumento de propagação e

inserção das noções utilizadas pelos governos militares. A disciplina de Educação Moral e

Cívica pode ser entendida como um dos instrumentos empregados para a realização dos

objetivos de disciplinarização dos corpos e de contenção de possíveis focos de subversão.

*

* *

Todos os mecanismos de controle e disciplinarização descritos neste capítulo

referem-se à situação política e educacional brasileira como um todo, sem a preocupação

de enfatizar particularidades regionais ou locais que, sem sombra de dúvida, ocorreram nos

diversos pontos do País. Tais particularidades, no que se refere às funções exercidas pela

disciplina de Educação Moral e Cívica, especificamente no Estado de Mato Grosso,

encontram-se identificadas e comentadas no terceiro capítulo deste trabalho, no qual os

conteúdos e comportamentos valorizados por livros didáticos desta disciplina, destinados

ao 1.º grau, que foram produzidos por autores locais ou que circularam amplamente neste

Estado, foram analisados.

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42

CAPÍTULO 2 - EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA: DISCIPLINA E PODER

DISCIPLINAR

O poder não está localizado no

aparelho de Estado e nada mudará

na sociedade se os mecanismos de

poder que funcionam fora, abaixo, ao

lado dos aparelhos de Estado a um

nível muito mais elementar,

quotidiano, não forem modificados.

Michel Foucault (2008a)

2.1 A disciplina de Educação Moral e Cívica: elementos de um percurso histórico até

1964

Os ensinos de moral e de civismo, separadamente, tiveram diversos momentos na

história da educação brasileira e mato-grossense. Conforme afirma Circe Bittencourt

(2003), o retorno à história da inserção de disciplinas no sistema de ensino brasileiro, em

diferentes períodos de sua existência, como constituição de saberes escolares, se faz

necessário para melhor apreensão do seu processo de construção e significados para a

escolarização.

Em algumas das inserções dos estudos relativos à moral e ao civismo nos

programas escolares ao longo da história da educação brasileira é possível notar a

proximidade desses dois conteúdos, moral e civismo, ora complementando-se, ora

substituindo-se. Contudo, na Primeira República (1889-1930) os dois apareceram lado a

lado. Entre os fatores que levaram à inclusão da Educação Moral e da Educação Cívica

nesse período destacaram-se “o problema das escolas estrangeiras e a necessidade de

controlar os movimentos populares de descontentamento” (OLIVEIRA, 1982, p. 40).

Dessa maneira, a moral e o civismo foram incluídos como conteúdos nos programas das

escolas elementares, secundárias e normais e objetivavam estabelecer os fundamentos da

nacionalidade.

Outro fator que permeou o desenvolvimento do ensino de Educação Moral e Cívica

na educação brasileira foi o estabelecimento de um vínculo estreito com a disciplina de

História. Os objetivos e conteúdos de ambos, por vezes, se aproximaram. Segundo Thais

Nívia de Lima e Fonseca (2006, p. 24), a História como disciplina se firmou a partir da

necessidade de comprovar as identidades nacionais e a legitimação dos poderes políticos

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fundamentados no enaltecimento dos grandes feitos da nação e dos vultos da pátria. Da

mesma forma que o ensino da moral e do civismo, os objetivos da disciplina de História

mostraram-se comprometidas com o Estado, difundindo seu ideário por meio dos

“programas oficiais e dos livros didáticos, elaborados sob o estreito controle dos detentores

do poder”.

Esse vínculo também foi percebido em Mato Grosso por Sá (2007, p. 168), que ao

analisar os programas das disciplinas de Moral e Cívica e História, constatou proximidades

no que tange a formação dos cidadãos.

Fonseca (2006) destaca ainda a repercussão do pensamento liberal para a educação,

no sentido da formação de um cidadão produtivo e obediente às leis. Com efeito, o sistema

educacional, controlado pelo Estado, aderiu a essa conformação do indivíduo à vida civil.

Corroborando essa assertiva, José Vaidergorn (1987, p. 24) interpreta que “as formulações

liberais”, baseadas na “manutenção dos valores individualistas, formalizados

juridicamente, passaram a constituir uma das formas de controle e abafamento das lutas de

classe” e que, associadas “a práticas conservadoras”, formaram os pressupostos de um dos

papéis que a Educação Moral e Cívica cumpriria. Os vínculos entre cidadania e educação

se mantiveram afinados e serviram como fonte de elementos constitutivos para o que viria

a ser a disciplina de Educação Moral e Cívica.

Esses conteúdos e a organização dos saberes escolares marcam, conforme

interpretou Jean Claude Forquin (1992, p. 43-44, sem grifos no original), por um lado, a

existência “de imperativos funcionais específicos (conflitos de interesses corporativos,

disputas de fronteiras entre as disciplinas, lutas pela conquista da autonomia ou da

hegemonia no que concerne ao controle do currículo)” e, por outro, a disposição de um

campo social assinalado por grupos sociais com diferentes interesses e “postulações

ideológicas e culturais heterogêneas, para os quais a escolarização constitui um trunfo

social, político e simbólico”.

O exame dos saberes escolares e sua organização constituem um campo de pesquisa

que abarca a “seleção cultural” que a escola faz a partir dos conteúdos que são delimitados

para serem ensinados. A investigação da busca pela legitimidade de uma disciplina, através

de um trajeto marcado por embates de diferentes ordens, mostra a conquista de um

estatuto, a briga por recursos e as delimitações territoriais no interior dos programas

escolares.

Nesse sentido, a disciplina escolar se compõe como importante ferramenta de

legitimação dos conhecimentos difundidos e ensinados no campo escolar. A “Instrução

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Moral e Cívica” estabelecida a partir da Reforma Rocha Vaz, no ano de 1925, foi

articulada com o ensino de História e visava reforçar os sentimentos patrióticos da

população. Isto ocorreu, segundo João Ribeiro, citado por Thais Nívia de Lima e Fonseca

(2006, p. 51-52), como único “recurso verdadeiramente eficaz que [pôde] inocular na

escola a conduta cívica e patriótica”. João Ribeiro deu continuidade à sua argumentação

com o seguinte comentário sobre o estudo dos grandes vultos da nação: “É o exemplo dos

grandes cidadãos, a história dos que fizeram a ela própria, sobressaindo sobre a atividade

anônima das massas, dirigindo-as aos seus destinos e aos seus ideais”.

Esta passagem de João Ribeiro foi muito importante no desenvolver da história da

disciplina de Educação Moral e Cívica, sobretudo, porque apareceu em um prefácio de

livro didático da época. O mesmo posicionamento foi utilizado em diversos momentos

históricos em que a disciplina foi incluída nos programas escolares. Essa ênfase dada aos

“vultos nacionais” foi um dos conteúdos privilegiados nos livros didáticos no período em

que a disciplina foi reinserida na década de 1970, recorte temporal desta dissertação.

Luiz Antônio Cunha (2007) ressalta, ainda, que a inclusão da Instrução Moral e

Cívica no início da República teve o intuito de substituir o Ensino Religioso, mas seus

objetivos formadores não foram alcançados. O embate político sobre qual dessas

disciplinas deveria ser adotada foi recorrente na história da disciplina de Educação Moral e

Cívica. As repercussões da intrincada relação entre o Ensino Religioso e a Educação Moral

e Cívica ficaram explícitas tanto na legislação como nas produções didáticas da disciplina

em seu ressurgimento na década de 1970. A representatividade que a Igreja Católica

possuía fez valer o favorecimento do Ensino Religioso nos programas escolares em

diferentes ocasiões e permeou, posteriormente, a construção da disciplina Educação Moral

e Cívica.

O Plano Nacional de Educação, que havia sido previsto pela Constituição de 1934 e

que acabou sendo elaborado pelo ministro Gustavo Capanema em 1935, em meio às

controvérsias políticas geradas no final daquele ano,6 mencionava a inclusão da disciplina

de Educação Moral e Cívica. Para o Ministério da Educação, segundo José Silvério Baia

Horta (1994), a educação deveria ser utilizada como instrumento de preservação da ordem.

6 Conforme interpretação de Horta (1994, p. 150-151) "O plano nacional de educação, previsto na

Constituição de 1934, viu-se desta forma transformado em instrumento privilegiado de ação política, por

Vargas e Capanema. Assim, em 7 de dezembro de 1935, convocada por Vargas para o exame da situação

política e das medidas a serem adotadas em função do movimento armado de novembro, Gustavo Capanema

apresenta o plano nacional de educação como a solução para a falta de orientação e de disciplina existentes

na educação brasileira".

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Isso poderia ser concretizado a partir da presença da Educação Moral e Cívica em todas as

escolas do país.

A Constituição de 1937 estabeleceu a obrigatoriedade do ensino cívico, juntamente

com a educação física e trabalhos manuais, em todas as escolas primárias, normais e

secundárias, públicas e privadas. Desta vez, no contexto do Estado Novo, manifestou-se

um sentido menos religioso do que no projeto do Plano Nacional de Educação. Entre suas

indicações, conforme interpreta Luiz Antônio Cunha (2007), destacam-se as preocupações

com a formação das individualidades condutoras, das concepções e atitudes espirituais

tidas como habituais entre a população, o fervor patriótico, a continuidade histórica do

povo brasileiro, seus problemas e desígnios, sua missão em meio a outros povos.

Outro dilema que fez parte dos embates na instituição da disciplina de Educação

Moral e Cívica referiu-se à sua ação como disciplina ou como prática pedagógica. É

possível perceber que, durante o Estado Novo, ela foi tratada como um fundamento do

ensino, como prática pedagógica que se expressaria através das atividades de outras

disciplinas e nas atividades educativas de maneira geral. Note-se que esta discussão

reapareceu no final da década de 1960, por meio dos embates travados entre o Conselho

Federal de Educação e a Comissão Nacional de Moral e Civismo.

Depois da Constituição de 1937, as reformas educacionais promovidas pelo Estado

Novo, demonstram, mais uma vez, a proximidade entre a disciplina de Educação Moral e

Cívica e a disciplina de História. A Educação Moral e Cívica não foi concebida como

disciplina específica, surgiu articulada à História e também à Geografia. De acordo com

Luiz Antônio Cunha (2007, p. 291), a legislação preconizava que a consciência patriótica

seria formada, principalmente, pela “execução do serviço cívico próprio da Juventude

Brasileira, uma organização de inspiração fascista, com a qual se pretendeu mobilizar, sem

sucesso, os alunos do ensino médio”.

Após o fim do Estado Novo, a disciplina de Educação Moral e Cívica foi retomada

através da promulgação do Decreto-Lei n. 8.347, de 1945. Na Lei Orgânica do ensino

normal, através do Decreto-Lei n. 8.530, de 1946, a Educação Moral e Cívica foi tratada

como componente “do espírito e da execução de todo ensino” (BRASIL, 1946). Para o

ensino primário, o art. 1º da Lei Orgânica mencionava as ações de moral e civismo de

forma exígua, como uma das finalidades do ensino capaz de “proporcionar a iniciação

cultural que a todos conduza ao conhecimento da vida nacional, e ao exercício das virtudes

morais e cívicas que a mantenham e a engrandeçam, dentro de elevado espírito de

Naturalidade humana” (BRASIL, 1946, sem grifos no original).

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Merece ser elencado também, o intento do Presidente Jânio Quadros que, por meio

do Decreto n. 50.505, de 26 de abril de 1961, consolidou as disposições relativas à

Educação Moral e Cívica nos estabelecimentos de ensino, restabelecendo a obrigatoriedade

da prática de atividades extracurriculares em todos os graus e estabelecimentos de ensino.

Programaram-se as seguintes atividades:

I - hasteamento do Pavilhão Nacional, com a presença do corpo discente

e antes do início dos trabalhos escolares semanais; II - execução do Hino

Nacional, do Hino à Bandeira e de outros que sejam expressão coletiva das tradições do país e das conquistas de seu progresso; III -

comemoração de datas cívicas; IV - estudo e divulgação da biografia e

da importância história das personalidades de marcada influência na formação da nacionalidade brasileira; V - ensino do desenho da Bandeira

Nacional e do canto do Hino Nacional; VI - divulgação de dados básicos

relativos à realidade econômica e social do país; VII - divulgação dos princípios essenciais de uma educação para o desenvolvimento nacional;

VIII - difusão de conhecimentos básicos concernentes da posição

internacional do país e ao seu progresso comparado; IX - divulgação dos

princípios fundamentais da Constituição Federal, dos valores que a informa, e dos direitos e garantias individuais (BRASIL, 1961, sem

grifos no original).

Um elemento que distinguiu este decreto em relação aos que o precederam

historicamente foi a ausência das marcas, comuns na história da disciplina de Educação

Moral e Cívica, da religião católica. Outro ponto que merece destaque é que, mesmo com o

enaltecimento da história e das tradições do país, as colorações patrióticas foram menos

significativas do que em outros períodos. Além disso, foi atribuída maior ênfase aos

princípios dos direitos do cidadão, sem ferir as diferenças de credo, etnia ou quaisquer

outras formas de diferenciação. Elementos que também estariam presentes, posteriormente,

na legislação educacional referente à disciplina durante a década de 1970.

2.2. A disciplina de Educação Moral e Cívica nos anos 1970

Antes do Decreto-Lei 869/1969, que efetivou a disciplina de Educação Moral e

Cívica nos programas de todos os níveis de ensino, houve algumas discussões acerca de

sua implantação que devem ser consideradas.

Em 1965, foi aprovada, pelo Conselho Federal de Educação, a criação da cadeira de

Problemas Brasileiros nos cursos superiores. Através da Exposição de Motivos R.P.-180,

realizada pelo então Ministro da Guerra Costa e Silva, a necessidade de fortalecimento da

Educação Moral e Cívica foi enfatizada (OLIVEIRA, 1982). O ministro entendia que era

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necessário que a escola cuidasse da educação moral das crianças e jovens, porque, na sua

visão, as famílias não poderiam fazê-lo, uma vez que se encontravam desagregadas devido

aos problemas econômicos conjunturais.

De acordo com Maria Aparecida de Freitas Oliveira (1982), no final de 1965, o

tema da Educação Moral e Cívica passou a ser entendido sob a perspectiva da Segurança

Nacional. Sua intenção era promover a prevenção, através da educação das crianças, de

uma possível influência negativa da propaganda subversiva e do apelo à guerra

revolucionária.

Acolhendo as considerações propostas pelo ministro Costa e Silva, o presidente

Castello Branco publicou o Decreto nº 58.023, de 21 de março de 1966, que dispôs sobre

as funções da educação cívica:

formar nos educandos e no povo em geral o sentimento de apreço à

Pátria, de respeito às instituições, de fortalecimento da família, de

obediência à Lei, de fidelidade no trabalho e de integração na comunidade, de tal forma que todos se tornem, em clima de liberdade e

responsabilidade, de cooperação e solidariedade humanas, cidadãos

sinceros, convictos e fiéis no cumprimento de seus deveres. (BRASIL,

1966).

A proposta era para que a educação cívica fosse praticada em todos os graus de

ensino e que fosse alvo de preocupação dos professores em geral. Diversos elementos

presentes no conteúdo deste Decreto foram posteriormente utilizados e potencializados,

devido ao acirramento do regime.

Em 1967, foi lançada a Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo organizada pelo

Padre Fernando Bastos de Ávila. Para Juliana Miranda Filgueiras (2006, p. 42) “a

publicação desta obra mostrava a tendência para a disciplinarização dos conhecimentos

que viriam a ser utilizados no ensino da moral e cívica”.

Na esteira desse pensamento, Maria de Fátima Josgrilbert, citada por Juliana

Miranda Filgueiras (2006, p. 52), ao analisar palestras promovidas por um grupo de

militares e civis sobre moral e civismo na sociedade, que foram realizadas entre 1966 e

1970, afirma que essa era uma das formas de divulgar o pensamento dos militares. Entre os

palestrantes, destacou-se o General Moacyr Araújo Lopes, que foi presidente e membro da

Comissão Nacional de Moral e Civismo durante todos os governos militares. Segundo a

autora, estas palestras constituíram intensas campanhas de bases morais e cívicas nas quais

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o general procurava mostrar que o golpe militar foi “a grande opção” para tirar a sociedade

brasileira do “caos” em que se encontrava no governo de João Goulart.

Essa forma de difundir o ideário do regime demonstra as múltiplas relações de

poder, tal como apresenta Foucault (2008a, p. 179), que penetram, caracterizam e

constituem o corpo social mediante “uma produção, uma acumulação, uma circulação e um

funcionamento do discurso” vigente.

Antes da constituição como disciplina obrigatória, travou-se uma batalha dentro do

Conselho Federal de Educação entre aqueles que queriam sua implantação como disciplina

e aqueles que a desejavam como uma prática educativa7. Muitos projetos e anteprojetos

foram discutidos até que, percorrido esse longo caminho de idas e vindas, a Educação

Moral e Cívica voltou a carregar características que marcavam o regime autoritário. Nesses

termos, Maria Aparecida de Freitas Oliveira (1982, p. 62) assevera que os grupos

interessados em tornar a Educação Moral e Cívica uma disciplina obrigatória

argumentavam que se “a sociedade não perfilhasse ou não vivenciasse os verdadeiros

valores democráticos seria necessário transmiti-los através da escola”.

Ratificando esse contexto de disputas, Marcílio Souza Junior e Ana Maria O.

Galvão (2005, p. 396) destacam que as disciplinas não se estabelecem no currículo escolar

de maneira pacífica, apenas conformando-se às orientações oficiais, elas guardam relações

“conflituosas com as teorizações acadêmicas e as recomendações oficiais, ora acatando-as,

ora resistindo a elas, ora reformando-as ou deformando-as”.

A expedição do Decreto-Lei n. 869, no dia 12 de setembro de 1969, assentou “a

inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória e, também, como prática

educativa, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País”

(BRASIL, 1969b), encerrando as discussões.

A implantação desse Decreto-Lei pode ser interpretada, recorrendo-se a Foucault

(2008a, p. 189), como a consolidação de “um discurso e uma organização do direito

público articulados em torno do princípio do corpo social e da delegação de poder”, além

de representar “um sistema minucioso de coerções disciplinares”, que garantia

efetivamente a coesão deste mesmo corpo social.

O Decreto-Lei 869 foi estabelecido no período em que uma Junta Militar ocupava a

Presidência da República e resultou do trabalho da Associação dos Diplomados da Escola

Superior de Guerra (ADESG). Essa relação com os participantes da ESG fundamentou as

7 Para maiores informações ver Filgueiras (2006).

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motivações político-ideológicas presentes na legislação citada. Para Maria Aparecida de

Freitas Oliveira (1982, p. 11) a situação política, econômica e social existente fez com que

os governos militares vissem na disciplina de Educação Moral e Cívica um mecanismo que

buscava “justificar a nova situação do País em nome do desenvolvimento nacional e da

preservação dos valores cívicos e éticos do povo brasileiro”.

Vale salientar que o Conselho Federal de Educação, desde o início do regime

militar, foi pressionado para que se manifestasse a favor da implantação da disciplina de

Educação Moral e Cívica, resistindo o quanto pôde. Entretanto, a mudança na constituição

do Conselho e o acirramento dos mecanismos de controle acionados pelo AI-5 superaram

suas resistências e favoreceram a implantação da disciplina. Considera-se, portanto, que o

Ato Institucional n. 5 foi determinante nesse processo de aprovação, uma vez que

expressava a amplitude do poder concentrado no Executivo pelos governos militares.

Para compreender esta situação, é interessante lembrar que, segundo Foucault

(2008a, p. 8), o poder circula por todo o corpo social, ou seja, “ele permeia, produz coisas,

induz ao prazer, forma saber, produz discurso”. Neste sentido, é possível afirmar que a

disciplina de Educação Moral e Cívica passou a ser um instrumento de poder que circulava

na sociedade.

As formas assumidas por esta “circulação” podem ser caracterizadas pela escolha

dos conteúdos transmitidos através da ritualização da palavra, através da qual os discursos

são dirigidos a certas categorias de sujeitos. No sistema de ensino, esses procedimentos de

sujeição dos discursos ocorreram de forma singular no ensino de Educação Moral e Cívica.

Isso se tornou possível pela ação de um grupo doutrinário que promoveu a distribuição e

apropriação do discurso com os poderes e saberes que lhe foram convenientes.

Conjugam-se às afirmações acima as teorizações de Andre Chervel (1990) sobre as

finalidades das disciplinas escolares. Dentre as finalidades de constituição de uma

disciplina encontram-se a de ordem sócio-política. Essas finalidades marcam os objetivos

da sociedade dentro de um contexto histórico específico. Pode explicitar características

como a restauração da ordem, desenvolvimento do espírito patriótico, determinando

conteúdos tanto quanto as grandes orientações estruturais. Este parece o caso da disciplina

de Educação Moral e Cívica implantada na década de 1970.

Partindo desses pressupostos, Juliana Filgueiras (2006, p. 38) confirma que, com o

golpe de 1964, os posicionamentos referentes ao ensino moral e cívico foram revistos e

transformados, pois “disciplinar os estudantes e, principalmente, conter o movimento

estudantil passava a ser um dos objetivos da política educacional do Regime Militar”.

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Nessa linha, Luiz Antônio Cunha (2007. p. 295) interpreta que a finalidade da

disciplina “representava uma sólida fusão do pensamento reacionário, do catolicismo

conservador e da doutrina de segurança nacional, conforme era concebida pela Escola

Superior de Guerra”.

2.3. A disciplina de Educação Moral e Cívica: alcances e limites

No texto do Decreto-Lei 869/1969 surgiram questões como “a defesa do princípio

democrático, através da preservação do espírito religioso”, “amor à liberdade com

responsabilidade, sob a inspiração de Deus”, “preservação, o fortalecimento e a projeção

dos valores espirituais e éticos”, “culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e

aos grandes vultos de sua história”, “aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na

dedicação à família e à comunidade, o preparo do cidadão para o exercício das atividades

cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao bem

comum” e o “culto da obediência à Lei” como algumas das principais finalidades do

ensino da disciplina (BRASIL, 1969b). Essas passagens apontam o direcionamento que foi

dado à disciplina e os propósitos aos quais ela serviu.

A partir do instrumental de Foucault (2008a, p. 188), observa-se que esses termos

podem ter sido utilizados como uma forma de representar uma economia do poder, na qual

se busca chamar os indivíduos para colaborarem com um projeto societário embasado no

patriotismo, apoiado em tradições e heróis nacionais, com o intuito de propiciar “o

crescimento das forças dominadas e o aumento da força e da eficácia de quem as domina”.

O que se pondera é que o intuito dos reformadores, ao definirem comportamentos e

condutas aos indivíduos através da legislação educacional, foi o de modificar as relações

estabelecidas tanto no comportamento social quanto nas estruturas familiares, ou seja,

tanto na esfera pública quanto privada. Com essas propostas de homogeneização da

população, o regime visou fortalecer o papel do Estado, diminuindo as resistências a partir

da constituição de alunos comprometidos com o papel social determinado pelos interesses

dos governantes.

Não se deve perder de vista que as transformações ocorridas ao longo da trajetória

histórica da Educação Moral e da Educação Cívica dizem respeito às próprias finalidades

atribuídas à escola pela sociedade. Conforme Chervel (1990, p. 219):

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Se é verdade que a sociedade impõe à escola suas finalidades, estando a

cargo dessa última buscar naquela apoio para criar suas próprias

disciplinas, há toda razão em se pensar que é ao redor dessas finalidades

que se elaboram as políticas educacionais, os programas e os planos de estudo, e que se realizam a construção e a transformação históricas da

escola.

Nesse sentido, a disciplina de Educação Moral e Cívica serviu às finalidades do

modelo societário proposto naquele momento histórico específico. Dessa forma, utilizou as

concepções que foram baseadas na doutrina de Segurança Nacional e buscavam difundir

um papel moralizador e ideológico a partir da escola. A educação passou a ser vista como

uma instituição privilegiada para formar o cidadão ajustado e disciplinado, adequado aos

preceitos dos governos militares. Para realizar esta disciplinarização, as disciplinas e os

conteúdos escolares foram utilizados como instrumentos de disseminação desse ideário.

Notadamente, a disciplina de Educação Moral e Cívica serviu a esses propósitos.

Para o aprofundamento da análise empreendida, buscou-se em André Chervel

(1990, p.184) o entendimento de que “uma disciplina escolar comporta não somente as

práticas docentes da aula, mas também as grandes finalidades que presidiram sua

constituição e o fenômeno de aculturação de massa que ela determina”. Sua função

consiste em colocar “um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade educativa”

(CHERVEL, 1990, p. 188).

Deve-se observar que a disciplina de Educação Moral e Cívica atendeu a

finalidades de diferentes ordens, com grande ênfase aos interesses sócio-políticos definidos

pelos governos militares, que resultaram na utilização da disciplina como mecanismo de

controle e adestramento do corpo estudantil.

Destacaram-se, também, características marcantes da presença religiosa. Nos textos

legais, conteúdos e materiais escolares encontram-se indícios religiosos próximos dos

pressupostos defendidos pela religião Católica. Apesar da disciplina de Educação Moral e

Cívica ser declarada “aconfessional”, seus organizadores ocupavam cargos de destaque na

Igreja Católica e entendiam que a base da moral a ser ensinada fundamentava-se nessa

religião. Para exemplificar o exposto, Luiz Antônio Cunha (2007, p. 296) expõe a

argumentação do relator da Comissão Especial do Conselho Federal de Educação,

Arcebispo-Conselheiro Luciano José Cabral Duarte: o arcebispo “lançou mão do conceito

de „religião natural‟, isto é, aquela que leva ao conhecimento de Deus pela luz da razão, o

que subentendia a racionalização teológica da tradição judaico-cristã”. A utilização deste

argumento, no entanto, pode ser entendida como uma estratégia utilizada por um membro

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da Igreja Católica para exaltar os princípios de sua fé, através da disciplina de Educação

Moral e Cívica.

Outra característica que serviu aos pressupostos delimitados pelo Decreto-Lei

869/1969 pode ser identificada pelo que Michel Foucault (2009a, p. 133) conceitua como

poder disciplinar. Trata-se de métodos que permitem o “controle minucioso” das ações do

corpo através da “sujeição constante de suas forças” que faz com que esse corpo atue de

acordo com uma relação de “docilidade-utilidade”. A escola, nesse período, serviu como

instituição privilegiada para realizar essa forma de poder. Os governos militares a

utilizaram como instrumento de difusão de sua doutrina e de manutenção do poder,

tentando acabar com possíveis focos de resistência. A disciplina de Educação Moral e

Cívica serviu como importante aliada a esse controle dos corpos.

Foucault (2009a, p. 136) interpreta que a escola, como uma instituição disciplinar,

consegue realizar a “minúcia dos regulamentos, as formas de inspeções, o controle das

mínimas parcelas da vida e do corpo”, a partir de conteúdos que busquem “uma

racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo místico do ínfimo e do infinito”. A

partir dessa compreensão, entende-se que a rigidez dos governos militares, sobretudo na

implantação da disciplina, foi repassada, ao menos nos documentos legais, à escola para

que, de maneira sutil e capilarizada, esse ideário fosse transmitido, resultando na

disciplinarização do corpo estudantil.

Essa forma de disseminação pode ser comprovada no seguinte trecho do Decreto-

Lei 869 (BRASIL, 1969b, sem grifos no original):

a prática educativa da moral e do civismo nos estabelecimentos de ensino, através de todas as atividades escolares, inclusive quanto ao

desenvolvimento de hábitos democráticos, movimentos de juventude,

estudos de problemas brasileiros, atos cívicos, promoções extra-classe e

orientação dos pais.

A partir desses pressupostos, buscava-se abarcar diferentes momentos e

perspectivas da vida pública e privada do estudante, inclusive dando orientações, de como

fazê-lo, aos pais desses alunos. Segundo Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 38), essas

atividades cívicas extraclasse foram “instituídas legalmente dentro das escolas com o

objetivo de garantir uma maior „eficiência‟ da prática educativa”. Essa foi uma forma de

expandir e manter, através de redes de difusão, o ideário que se desejava inculcar. A autora

ainda defende que, através da difusão de conceitos-chave como “a nação, a pátria, a

integração nacional, a tradição, a lei, o trabalho, os heróis”, a disciplina de Educação Moral

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e Cívica envolveu grande parte das pessoas vinculadas ao processo de ensino-

aprendizagem (FONSECA, 1995, pp. 37-38). Por meio dessas atividades monitoradas, os

professores e as famílias passam a atender aos mesmos ideais e responsabilidades cívicas

nas quais os alunos eram submetidos.

As disciplinas, sob a ótica foucaultiana, têm um discurso próprio. Trata-se do

discurso da regra, ou seja, das normas. Segundo Foucault (2008a, p. 189) elas definem o

código da normalização. Neste sentido, utilizou-se de uma disciplina de ensino, como a

Educação Moral e Cívica, para reforçar o poder disciplinar mediante suas regras e

normalizações.

Para auxiliar nesse processo de imposição e manutenção, pelo mesmo Decreto-Lei,

art. 5.º, foi criada a Comissão Nacional de Moral e Civismo. Este, sem dúvida, foi um

ponto importante de distinção, em relação às experiências anteriores, na reinserção da

Educação Moral e Cívica no sistema de ensino brasileiro. Foi a primeira vez na história da

disciplina em que se criou um órgão no Ministério da Educação e Cultura, diretamente

subordinado ao Ministro de Estado, para regulamentar e manter um controle estreito das

ações da disciplina atrelada aos interesses do Estado. Fato esse que corrobora a afirmativa

de Lucíola Santos (1990, p. 21-22), segundo a qual é possível estabelecer relações entre

conjuntura econômica, política e social e o processo de emergência e evolução das

diferentes disciplinas escolares.

A Comissão Nacional de Moral e Civismo possuía autonomia para “articular-se

com as autoridades civis e militares, de todos os níveis de governo”, com o objetivo de

implantar e manter os propósitos da “doutrina” de Educação Moral e Cívica (BRASIL,

1969b). Este órgão, portanto, apareceu como um dos mecanismos de poder dos governos

militares, que entrava nas escolas e auxiliava esse processo de doutrinação disciplinar.

Entre suas funções estavam as de colaborar com o Conselho Federal de Educação e,

também, a de “colaborar com as organizações sindicais de todos os graus, para o

desenvolvimento e intensificação de suas atividades relacionadas com a Educação Moral e

Cívica” (BRASIL, 1969b). Mais uma vez, o que se observa é o poder sendo espalhado,

espraiado a partir da legislação e de mecanismos capazes de alcançar uma significativa

abrangência.

Recorrendo-se a Foucault (2009a), este movimento pode ser entendido como uma

estratégia para o poder alcançar as extremidades, penetrando nas instituições e difundindo

os saberes necessários nessa empreitada do poder. Nesse sentido, a Comissão Nacional de

Moral e Civismo valeu-se também de seu poder de aprovação dos livros didáticos da

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disciplina,8 para garantir que seus conteúdos fossem adequados ao cumprimento de suas

finalidades.

Em 14 de janeiro de 1971, foi sancionado o Decreto n. 68.065, que regulamentou o

Decreto-Lei 869/1969, modificando e acrescentando alguns elementos. A análise deste

documento auxilia a compreensão da utilização da disciplina de Educação Moral e Cívica

como instrumento do poder disciplinar.

O primeiro destaque que se faz necessário refere-se ao fato da legislação

responsabilizar a todos do meio escolar pela tarefa de manter atentamente as atividades

relacionadas à disciplina e suas práticas educativas. Dessa forma, observa-se no documento

que:

A Educação Moral e Cívica deverá constituir preocupação geral da

escola, merecendo o cuidado dos professores em geral e, especialmente, daqueles cujas áreas de ensino tenham com ela conexão, como: Religião,

Filosofia, Português e Literatura, Geografia, Música, Educação Física e

Desportos, Artes Plásticas, Artes Industriais, Teatro Escolar, Recreação e

Jornalismo (BRASIL, 1971, sem grifos no original).

Note-se que a proposta era a de funcionamento de uma articulação generalizada,

que se aproximava do que Foucault entende como os mecanismos de observação do

Panóptico (2009a, p. 194-195). O que se pretendia com essa vigilância constante era o

ganho na eficácia e na capacidade de penetração no comportamento dos estudantes.

A área de ensino que mais estava relacionada à disciplina de Educação Moral e

Cívica era a de Ciências Humanas. No embate entre duas linhas heterogêneas, que

Foucault (2008a, p. 189-90) descreve como “a organização do direito em torno da

soberania e o mecanismo das coerções exercidas pelas disciplinas”, as Ciências Humanas

se tornaram campo fértil para a viabilização desses discursos. Os saberes próprios dessas

disciplinas poderiam tornar-se problemáticos para a formação dos estudantes, tendo em

vista os anseios doutrinários do regime militar. Assim, a disciplina de Educação Moral e

Cívica, ao se “infiltrar” em todas as outras disciplinas, teria uma eficácia maior no alcance

de seus propósitos.

Comprova-se ainda, pela leitura do Decreto-Lei n.º 68.065/1971, a contradição

discutida por Barbara Freitag (2005) quanto à imposição de uma lei, de forma autoritária,

mas que se pretende democratizante. No referido Decreto foi estabelecido que, como

8 Os livros didáticos da disciplina de Educação Moral e Cívica serão analisados posteriormente, no terceiro

capítulo dessa dissertação.

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prática educativa, a Educação Moral e Cívica deveria, a partir da criação de instituições

extraclasse, “atender às finalidades de natureza cultural, jurídica, disciplinar, comunitária,

manualista, artística, assistencial, de recreação, e outras”, através das quais a escola se

aproximasse ao máximo de “uma sociedade democrática em miniatura” (BRASIL, 1971).

Assim, por meio de um dispositivo aparentemente democratizante, corroboravam-se os

propósitos de um governo de características autoritárias.

A partir da amplitude pretendida pela legislação, pode-se confirmar a utilização de

uma forma de funcionamento do poder distribuído em “redes sociais”. Como expõe

Foucault (2008a, p. 183), são nas malhas dessas redes que “os indivíduos não só circulam,

mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação”.

Outra questão que deve ser colocada em foco remete-se à composição da Comissão

Nacional de Moral e Civismo. A Comissão deveria ser integrada por “nove membros,

brasileiros, nomeados pelo Presidente da República, por seis anos, dentre pessoas

dedicadas à causa da educação Moral e Cívica, possuidores de ilibado caráter e valor

cultural e acordes com a orientação dos dispositivos do Decreto-Lei n. 869/1969”

(BRASIL, 1971, sem grifos no original). Entre os primeiros membros da Comissão

Nacional de Moral e Civismo, encontravam-se generais que se articulavam com a Censura

Federal, civis e militares de direita e sacerdotes da Igreja Católica. As escolhas tendiam

para aqueles que apoiavam e se dedicavam ao regime. Além disso, Luiz Antônio Cunha

(2007, p. 297) descreve que, na prática, a disciplina de Educação Moral e Cívica “foi lugar

de emprego preferencial para padres, freiras e militares”.

Entre as funções da Comissão Nacional de Moral e Civismo estava a divulgação do

próprio Decreto-Lei 869/1969, utilizando, para tanto, “publicações e impressos, notícias e

artigos em jornais, rádio e televisão, e por palestras” (BRASIL, 1971). Tais quais os

programas do governo Médici, que promoviam propagandas favoráveis à situação do país,

os formuladores deste decreto queriam expandir e difundir as concepções da legislação

através de mídias diversificadas, com o intuito de tornar capilar o poder governamental.

Nesse trecho do documento, pode-se notar o poder em suas práticas reais e efetivas.

Instaurado o Decreto-Lei n. 869/1969 e, posteriormente, complementado pelo Decreto n.

68.065/1971, o regime tentou articular e implantar, a partir de outros meios de controle e

dominação, seu ideário, aproveitando-se dos efeitos produzidos por essa forma de poder.

De acordo com Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 37), os poderes atribuídos à

Comissão Nacional de Moral e Civismo “evidenciam o papel moralizador e ideológico

sendo estendido às diversas instituições sociais”, pois suas ações passam a ser articuladas

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com os ideais dessa Comissão que mantinha ligações com outros órgãos de censura no

País. Nesse sentido, o “Estado utiliza-se destas instituições como meios educativos, leia-se

„doutrinadores‟, através dos quais noções de moral e civilidade são introjetados na

sociedade brasileira”.

Corroborando esta assertiva, Maria do Carmo Martins (2003a, p. 20) percebe que a

Educação Moral e Cívica apareceu como “um dos elementos essenciais dessa ditadura”,

uma vez que, por meio dela, formou-se um “expansivo sistema de difusão da doutrina e do

imaginário militar”, além de “formas institucionais de fazer política”. A autora acredita que

as reformas educacionais, a implantação da disciplina dentre elas, embasaram “a

capacidade de mudança do papel do Estado na oferta e regulação do ensino público” e

pautaram a nova adequação de poder na definição dos conteúdos escolares e na formação

docente.

Reafirmando esse projeto doutrinário, o Parecer n. 94/1971 do Conselho Federal de

Educação teve uma importância significativa. O documento descrevia a Educação Moral

como “o ponto mais grave, mais alto e mais importante de todo o trabalho educacional”,

afirmava que os objetivos da Educação Moral eram os da “decantação do instinto moral de

um ser livre, a sua formação consciente e crítica, o seu aperfeiçoamento no convívio com

os outros, através do crescimento humano progressivo da criança, do adolescente e do

jovem, até a idade adulta” (CFE, 1971, p. 109, sem grifos no original).

A partir desse trecho, apontam-se algumas incoerências significativas em seu

conteúdo, acerca da disciplina de Educação Moral e Cívica. É contraditória a exaltação à

liberdade individual em um contexto político, marcado pelo AI-5, permeado por limitações

e proibições da livre expressão. Como falar em consciência crítica, se os governos

militares não poderiam ser alvo de discussão política ou oposição? Como ser crítico no

âmbito escolar, com a vigência de um decreto que considerava “infração disciplinar” a

mobilização política?

Conforme Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 39), o Estado buscava controlar,

utilizando-se desses mecanismos de controle, o movimento estudantil e enquadrá-lo na

doutrina de Moral e Civismo, “liquidando sua autonomia em consonância com outro

conjunto de medidas”. Da mesma maneira, os Centros Cívicos criados no auge da

repressão9 e controlados pelo Decreto-Lei 477/1969,

10 agiram em conformidade com a

9 Os especialistas na história dos governos militares afirmam consensualmente que o governo Médici (1969 –

1974) foi o período mais repressivo dos governos militares (FAUSTO, 2007).

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coibição de qualquer forma de manifestação política e serviram aos interesses

normalizadores do Estado.

O que se observa é que o poder designado ao campo educacional pelo uso de leis e

artifícios de controle, como diz Foucault (2009a, p. 141- 42), “fez funcionar o espaço

escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de

recompensar”, através da qual, no contexto em estudo neste trabalho, só eram permitidas

manifestações que legitimassem, de alguma maneira, o regime militar.

Pela análise de ambos os documentos, a saber, o Parecer n. 94/1971 e o Decreto-Lei

477/1969, ficam claras a extensão e o caráter do projeto disciplinador ao qual foram

submetidas as atividades escolares. Tudo o que subvertesse “a moral e a ordem pública”

era duramente reprimido. Os valores desta moral e desta ordem eram apresentados como

universais e indiscutíveis pelos documentos fornecidos pelo Estado e, portanto, qualquer

ação contra esses princípios se tornava ilegal e era tida como um crime.

Sobre a Educação Cívica, o parecer supracitado fez proposições de exaltação à

Pátria e aos deveres do cidadão, tratando a nação como uma “família amplificada” a quem

se deveria dedicar “seu amor, sua lealdade, sua vida” (CFE, 1971, p. 110). Apresentava

uma descrição na qual “a pátria é a construção quotidiana de uma nação, de uma

fraternidade de homens fundamentalmente iguais, vivendo em concórdia e liberdade”

(CFE, 1971, p. 110, sem grifos no original). Novamente, encontra-se um paradoxo, uma

vez que, por um lado, a desigualdade foi cada vez mais acentuada pelas questões

econômicas (concentração de renda e depressão salarial) e, por outro lado, só poderia

existir “concórdia e liberdade” para aqueles que partilhassem dos princípios norteadores da

Segurança Nacional e, conseqüentemente, fossem favoráveis ao regime.

A Educação Cívica, então, deveria tratar de uma “sociedade donde sejam banidas a

violência e a injustiça e onde estruturas sociais desumanas e peremptas cedam lugar a

novas formas de organização e de convivência baseadas na igualdade democrática” (CFE,

1971, p. 110, sem grifos no original). Sabe-se que com o advento do AI-5, intensificaram-

se os atos de tortura e repressão contra a população com ideais supostamente subversivos,

incluindo os possíveis adversários do regime envolvidos com o meio acadêmico. Assim, a

incongruência se fez presente na legislação educacional, ao propor a exclusão da violência,

10 O Decreto 477, de 1969, definia como “infração disciplinar” o envolvimento de professores, alunos ou

empregados de estabelecimentos de ensino na “organização dos movimentos subversivos, passeatas, desfiles

ou comícios não autorizados”, na confecção ou distribuição de material considerado subversivo ou na

utilização do espaço escolar para fins subversivos ou para praticar atos contra a moral ou a ordem pública

(BRASIL, 1969a).

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da injustiça e das estruturas sociais desumanas em um regime pautado por uma

organização autoritária e repressora. Nesse conjunto, a igualdade democrática aparece na

legislação como algo abstrato e idealizado, mesmo que no discurso governamental se

apresentasse como uma realidade.

Reafirmando esse discurso, mais à frente no documento, aparece uma justificativa

que tenta articular esses princípios democráticos ideais com a realidade brasileira do

suposto “milagre econômico”. Nessa esfera, o documento versou que “o civismo brasileiro,

no momento, deveria comprometer-se com a fase histórica do desenvolvimento do País e

trabalhar na construção de uma pátria engrandecida”. Uma pátria que representasse cada

dia mais uma “democracia de homens livres, responsáveis e solidários (CFE, 1971, p. 110,

sem grifos no original).

A ênfase dada pelo documento à “fase histórica do desenvolvimento nacional” não

atentou às ações repressivas do regime autoritário, que visavam legitimar seu projeto

societário, utilizando para isso, além de outras instâncias, o campo educacional.

Insistentemente, o documento busca reafirmar essa noção idealizada de “democracia” e

“homem livre”, que não correspondia à realidade brasileira.

Para clarificar sua proposição, o parecer do CFE recorreu a uma diferenciação entre

o homem livre e o homem independente. Segundo o documento, o homem era,

essencialmente, “dependente para com Deus, para com a pátria, para com os outros

homens, para com os valores morais que o solicitam e que se lhe impõem como um

imperativo” (CFE, 1971, p. 111, sem grifos no original). Esse tipo de exposição surgiu em

diferentes momentos e em variados documentos, bem como nos livros didáticos da

disciplina de Educação Moral e Cívica. Para Luiz Antônio Cunha (2007, p. 301), “a base

religiosa católica da Educação Moral e Cívica foi explicitamente evocada, assim como a

participação ativa do clero no ensino e na elaboração de material didático e coordenada por

destacado padre jesuíta e editada pelo MEC”.

O documento prosseguia afirmando que a liberdade era “a aceitação consciente

desta dependência e a submissão voluntária a ela” (CFE, 1971, p. 111, sem grifos no

original). Este trecho explicita a necessidade da utilização de uma disciplinarização e

controle dos estudantes, seja por mecanismos de controle viabilizados em decretos,

decretos-lei e pareceres ou pela obrigatoriedade de uma disciplina doutrinária como a

Educação Moral e Cívica. Por vezes substituindo, por vezes complementando o recurso à

força física, foi inculcada uma sujeição real por uma disciplina escolar.

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Com efeito, a síntese das proposições da Educação Moral e da Educação Cívica

auxiliou a constituição da disciplina de Educação Moral e Cívica no Brasil, também

inspirada, segundo seus idealizadores, pelas grandes linhas da Constituição Nacional de

1967. O parecer reafirmou os objetivos de “formação de cidadãos conscientes, solidários,

responsáveis e livres”, que deveriam participar no processo de construção de uma

“sociedade democrática” (CFE, 1971, p. 111, sem grifos no original).

Nas palavras de Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 39), essa ordem e moral que

eram propaladas pelos documentos educacionais visavam “eliminar as divergências e

tornar hegemônico o poder dos grupos dominantes no país representados pelos militares”

e, para isso, utilizaram a disciplina de Educação Moral e Cívica como ferramenta para

implantar esse mecanismo de controle. Assim, o ensino de Moral e Cívica cumpriria a

tarefa de “reduzir os conceitos de moral, liberdade e democracia aos de civismo,

subserviência e patriotismo” e ainda tendiam a “redução da formação moral à mera

doutrinação ideológica, à repressão do pensamento no livre debate de idéias e ao culto de

heróis e datas nacionais” (FONSECA, 1995, p. 39).

Parte fundamental do parecer do CFE dedica-se a diferenciar disciplina e prática

educativa. Designaram-se como disciplinas “as atividades escolares destinadas à

assimilação de conhecimentos sistematizados e progressivos, dosados conforme certos

endereços”, com possibilidade de mensuração. Essa mensuração reporta-se ao que pode ser

definido como “exame”. Para Foucault (2009a, p. 184), o exame está no centro dos

processos que constituem o indivíduo, “combinando vigilância hierárquica e sanção

normalizadora”, além disso, “realiza as grandes funções disciplinares de repartição e

classificação, de extração máxima das forças e do tempo, de acumulação genética

contínua, de composição ótima das aptidões”.

Por outro lado, no parecer do CFE, as práticas educativas abrangiam as atividades

que deviam atender às necessidades do estudante, “de ordem física, artística, cívica, moral

e religiosa, colocam o acento principal na maturação da personalidade, com a formação de

hábitos correspondentes, embora necessitem também da assimilação de certos

conhecimentos”.

Como já foi comentado, o Decreto-Lei 869/1969 estabeleceu a Educação Moral e

Cívica como uma disciplina obrigatória e uma prática educativa. Nessa linha, o Parecer n.

94/1971 entendia que, na prática, seria necessário utilizar “a prática educativa como força

plasmadora de comportamentos e inspira atitudes, e a disciplina Educação Moral e Cívica

como fonte de enriquecimento intelectual nacional” (CFE, 1971, p. 114, sem grifos no

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original). Formou-se então, aquilo que Foucault (2009a) assegura como uma política de

coerções a partir do trabalho sobre o corpo, de uma manipulação calculada de seus

elementos, da eficácia de gestos e do esmiuçar de seus comportamentos.

Quanto à questão da formação dos professores que ministrariam a disciplina nos

diversos níveis de ensino, o Decreto-Lei 869/69 estabeleceu que:

§3.º - Enquanto não houver, em número bastante, professores e orientadores de Educação Moral e Cívica, a habilitação de candidatos

será feita por meio de exame de suficiência, na forma da legislação em

vigor. § 4.º - No ensino primário, a disciplina "Educação Moral e Cívica"

será ministrada pelos professores, cumulativamente com as funções próprias. § 6.º - Até que o estabelecimento de ensino disponha de

professor ou orientador, regularmente formado ou habilitado em exame

de suficiência, o seu diretor avocará o ensino da Educação Moral e Cívica, a qual, sob nenhum pretexto, poderá deixar de ser ministrada na

forma prevista (BRASIL, 1969b).

Além desta forma “improvisada” de adequação do corpo docente, fixou-se uma

habilitação específica e uma habilitação de emergência para o exercício do magistério da

disciplina de Educação Moral e Cívica. Os professores para esta disciplina eram formados

nos cursos superiores de Estudos Sociais sob o modelo da licenciatura curta. Conforme

Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 26),

ao admitir e autorizar habilitações intermediárias em nível superior para

atender às „carências do mercado‟, o Estado revela ser desnecessária uma

formação longa e sólida em determinadas áreas profissionais, quais

sejam, as licenciaturas encarregadas de formar mão-de-obra para a educação.

Além disso, as licenciaturas curtas expressavam o enfoque econômico da educação

e assumiam o papel de “legitimar o controle técnico e as novas relações de dominação no

interior das escolas” (FONSECA, 1995, p. 27). Segundo a autora, os profissionais

provenientes dessas licenciaturas tendiam a cumprir os objetivos do Estado. Neste período,

a formação de professores dessas licenciaturas era permeada pelos ideais da Segurança

Nacional, de forma mais intensa que a formação dos profissionais oriundos de uma

licenciatura plena. Essa formação aligeirada acabava, de fato, não preparando

suficientemente o professor. Por sua vez, esse professor pouco preparado, conforme Selva

Guimarães Fonseca (1995, p. 28), apoiava-se no manual didático, “reproduzindo-o de uma

forma quase absoluta, reforçando um processo de ensino onde não há espaço para a crítica

e a criatividade”.

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Em relação a esta “precariedade” na habilitação docente, Amarílio Ferreira e

Marisa Bittar (2008) afirmam que a formação dos professores nos cursos de licenciaturas

curtas ocorria, em sua maioria, em faculdades privadas, através de cursos noturnos,

gerando um aceleramento do processo formativo e contribuindo para incrementar, ao invés

de sanar, as dificuldades enfrentadas pela expansão do ensino ocorrida no período.

Com a intenção de contribuir para o exame dessas questões, recorre-se a Chervel

(1990, p. 217) e suas teorizações sobre as dificuldades na solidificação do estatuto

disciplinar. Para o autor, quando ocorre um “desequilíbrio interno da disciplina”, este

desequilíbrio não permite a produção dos efeitos buscados, de modo que a disciplina se

beneficie de uma motivação suficiente por parte dos alunos, seja pelo fato das

circunstâncias históricas, seja pelo fato das “qualidades pedagógicas” do mestre. É possível

identificar este desequilíbrio na disciplina de Educação Moral e Cívica, pois a formação

precarizada, as motivações político-ideológicas e o contexto de repressão dos professores e

alunos acabaram por fragilizar a sua estrutura disciplinar.

Nesse sentido, Lucíola Santos (1990) afirma que é fundamental reconhecer as

relações entre os fatores internos e externos no desenvolvimento de uma disciplina, por

conseguinte, o nível e o tipo de desenvolvimento de um país, principalmente de seu regime

político, podem ter grande peso nesse processo, podendo tornar uma disciplina mais

vulnerável aos fatores externos.

Outro documento que merece destaque é o Parecer n. 1.292/1973 do Conselho

Federal de Educação, que atualizou as determinações da disciplina Educação Moral e

Cívica em face da Lei n. 5.692/1971. O que se nota nesse documento é o temor do

Presidente da Comissão Nacional de Moral e Civismo em relação à possibilidade de

redução da importância que o regime atribuiria à disciplina. Seu objetivo era “evitar que se

diluíssem, dentro da sistemática introduzida pela nova lei, preceitos de tamanha

importância, inclusive para os fins de segurança nacional, que mereceram o

enquadramento num diploma legislativo específico” (CFE, 1973, p. 129).

O Parecer n. 2.068/1976 do Conselho Federal de Educação também se refere à

disciplina de Educação Moral e Cívica, estabelecendo as normas para sua aplicação. Este

documento admite que a obrigatoriedade da disciplina foi instituída por “força dos riscos

institucionais e políticos que o País correu em 1963, com a maré montante das revoltas

estudantis, que se alastravam pelo mundo e ecoaram fortemente entre nós” (CFE, 1976, p.

131).

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Este reconhecimento do vínculo existente entre o ressurgimento da disciplina e o

contexto político da época reforça a interpretação de que a disciplina de Educação Moral e

Cívica tinha como principal característica utilizar o poder disciplinar como forma de

mecanismo de controle dos estudantes.

No que se referiu às Diretrizes Didático-Pedagógicas faz-se necessário citar o

excerto que diz:

Ao exporem as doutrinas sociais, políticas e econômicas, relacionadas

com a problemática nacional e os objetivos ideais de suas soluções, os

professores orientarão os seus alunos no sentido de compreenderem também as exigências dos fatores circunstanciais e conjunturais, de

caráter interno e externo, que muitas vezes limitam, momentaneamente,

o inteiro alcance desses valores essenciais, como condição, porém, de sua progressiva realização (CFE, 1976, p. 145, sem grifos no original).

O que se pode inferir a partir dessa citação é que houve uma tentativa de justificar

as incoerências que poderiam surgir a partir das discussões dos problemas sociais, políticos

e econômicos e suas possíveis soluções em uma realidade na qual o governo era autoritário

e mantinha um alto controle de possíveis focos de subversão.

Outro documento significativo para a compreensão das repercussões concretas da

disciplina foi o Parecer n. 540/1977 do Conselho Federal de Educação. A preocupação

presente no documento era a de que a Educação Moral e Cívica, assim como as disciplinas

de Educação Artística, Educação Física, Educação Religiosa e de Saúde “não receberem o

realce que convém na educação das crianças e adolescentes” (CFE, 1977, p. 194, sem

grifos no original). Esta necessidade de reafirmar a necessidade da devida atenção a estas

disciplinas demonstra que se identificavam problemas no cumprimento das funções a elas

atribuídas no corpo da lei.

Deve-se enfatizar, também, que a pouca carga horária que havia sido destinada ao

ensino de Educação Moral e Cívica, Saúde e Educação Artística deixava clara “a

incompreensão do papel desses componentes no contexto curricular e revelavam ao mais

arguto a inviabilidade de serem alcançados, por tais meios, os objetivos que se desejam”

(CFE, 1977, p. 194). Nas palavras do Conselho, essas disciplinas assumiram apenas o

“cumprimento de um dever, de certo modo burocrático, a ser cumprido o mais depressa

possível, a fim de que se destinem cargas horárias mais substanciais e outros estudos talvez

tidos como mais importantes” (CFE/CE, 1977, p. 194).

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63

O que se observou foi que o Conselho Federal de Educação, ao relatar sua

insatisfação, passou a responsabilizar as escolas e os professores pelo não cumprimento

adequado dos propósitos que desejavam para a disciplina de Educação Moral e Cívica.

Chegando até mesmo a apontar a falta de compreensão dos objetivos educacionais como

um dos sérios problemas para a implantação da nova ordem educacional.

Contudo, deve-se ter em conta os efeitos, muitas vezes duradouros, que são gerados

pelo ensino de uma disciplina. Chervel (1990, p. 208) entende que sua assimilação efetiva

e a aculturação resultante “constituem, de fato, uma garantia de que a palavra do professor

foi entendida, e de que a disciplina realmente funcionou”. Nesse sentido, a forma de

ensinar os conteúdos é de grande significância e deve ser orientada e elaborada de acordo

com seus respectivos públicos e com suas finalidades educativas. Ora, se para os

professores essas finalidades educativas não estavam bem postas, ficaria difícil realizar um

ensino que pudesse garantir a durabilidade dos preceitos que uma disciplina deveria

proporcionar.

Destarte, a implantação da Educação Moral e Cívica validava a maneira como o

Estado e os grupos dirigentes entendiam a educação, ou seja, a finalidade do ensino era

vista como a “formação genérica de um cidadão, amante da pátria e defensor de princípios

moralizadores” (MARTINS, 2003b, p. 159-160). Seus objetivos e funções seriam o de

“adequar o estudante à sociedade em que se inseria, amar a pátria e respeitar a ordem

política e social estabelecida” (MARTINS, 2003b, p. 159-160).

Para o Conselho Federal de Educação essas disciplinas foram tidas como basilares

da educação comum e assim sendo deveriam assumir “uma abrangência necessariamente

maior e um espírito diferente, e não poderiam permanecer episódicas ou marginais”

(CFE/CE, 1977, p. 195). Por isso, também, aconselhou-se que essas disciplinas, devido à

sua importância para a formação do ser humano, não poderiam ficar restritas “à pequenez

de um determinado horário em determinada série”. Elas seriam, nessa medida,

“„preocupações‟ essenciais, que foram do legislador e devem ser dos educadores” (CFE,

1977, p. 195).

Para os responsáveis por este documento o fato de limitar a ação da Educação

Moral e Cívica a uma disciplina e em determinada série era “reduzi-la a dimensões que os

educadores e a própria sociedade não poderiam ou não deveriam tolerar” (CFE, 1977, p.

200). Percebe-se que, mesmo com o avanço do regime, já vislumbrando a abertura política

do país, alguns de seus membros ainda mantinham essa perspectiva de doutrinação. Esses

anseios deveriam ser cumpridos, em parte, pela disciplina de Educação Moral e Cívica.

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Outro realce feito no Parecer n. 540/1977 alude à passagem na qual se aponta a

necessidade de uma espécie de tratamento diferenciado a disciplina de Educação Moral e

Cívica, calcado em uma “„impregnação‟ indispensável de toda a ação da escola” visando

“conduzir à especificidade o ensino-aprendizagem” independente da abordagem utilizada.

Ressalta, igualmente, que seria mais recomendável que a transmissão de conteúdos se

realizasse sob a forma de atividades, possibilitando ao aluno a “vivência do civismo e dos

valores morais, posto que o tempo de escola já não deve ser encarado como de preparação

para a vida, porque ele é, evidentemente, para os alunos e para os professores, um tempo

de vida” (CFE, 1977, p. 202).

A elevação da importância da formação adequada aos responsáveis pela disciplina

da Educação Moral e Cívica é algo que foi destacado neste e em muitos documentos

referentes à composição da disciplina. Assim, o Parecer n. 540/1977 aponta que a

disciplina, por sua complexidade exigiria do “educador uma filosofia de vida, uma cultura

humanística satisfatória e uma visão clara do mundo e da hierarquia de valores culturais”

(CFE, 1977, p. 203).

Contudo, deve-se enfatizar que mesmo com todos os esforços voltados à

disciplinarização dos corpos, existiram formas de resistência contra a Educação Moral e

Cívica que devem ser consideradas. Esta afirmação apóia-se no relato de Werneck da Silva

citado por Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 40), que, ao analisar a implantação da

disciplina no Rio de Janeiro, afirma que muitas vezes os professores substituíram os

conteúdos da Educação Moral e Cívica e de Organização Social e Política Brasileira pelo

ensino de História do Brasil:

grande parte dos poucos professores que conscientemente se

especializaram em EMC e particularmente em OSPB as utilizava muito mais para fornecer ao alunado um transitável instrumental de crítica ao

regime autoritário do que para justificá-lo. Lutavam contra ele dentro

dele.

Confirma-se, portanto, que apesar da grande pressão e repressão imposta pelo

regime militar. o controle e a dominação não foram realizados de forma absoluta. Selva

Guimarães Fonseca (1995) afirma que assim como no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e

São Paulo o espaço das aulas de Educação Moral e Cívica foram utilizados de outras

formas, nem sempre legitimando a ideologia de dominação da ditadura.

Tal como Foucault, citado por Gore (1994, p. 18), expõe, a “análise, a elaboração e

o questionamento das relações de poder” se fazem necessários em toda a existência social e

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de forma permanente. Nesse sentido, no campo educacional e mais especificamente, as

ações dos educadores e de seus alunos podem servir, como foi visto, como espaço de

resistência a essas forças de poder que se intensificam e se ramificam dentro da escola.

Acredita-se que partir do esforço de cotejamento das noções relatadas na legislação

que abordava essa disciplina, objetivo central desse capítulo, contribuiu-se para o

desvelamento das finalidades “político-ideológicas” da disciplina e para o reavivamento

desses possíveis focos de resistência.

Com a transição para a democracia, a disciplina de Educação Moral e Cívica foi

esvaziada dos projetos para a qual foi criada, em um longo processo de tramitação

(FONSECA, 1995). Sua extinção só ocorreu pela ação do presidente José Sarney que, em

1986, enviou um projeto de lei propondo a extinção da disciplina. Esse projeto só foi

acatado em 14 de junho de 1993, pela promulgação da Lei n. 8.663, no qual havia a

orientação para que “seu objetivo formador de cidadania e de conhecimentos da realidade

brasileira fossem incorporados às disciplinas da área de Ciências Humanas e Sociais, a

critério de cada instituição educacional”.

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CAPÍTULO 3 - EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA EM MATO GROSSO: SABERES

E COMPORTAMENTOS PRESCRITOS

O discurso não é simplesmente aquilo

que traduz as lutas ou os sistemas de

dominação, mas aquilo por que, pelo

que se luta, o poder do qual nos

queremos apoderar.

Michel Foucault (2009b)

Este capítulo apresenta uma análise de três livros didáticos da disciplina de

Educação Moral e Cívica, para o ensino de 1º grau, que circularam e foram empregados no

Estado de Mato Grosso, durante a década de 1970. Os livros didáticos foram importantes

instrumentos que auxiliaram na legitimação da disciplina de Educação Moral e Cívica,

sobretudo, por difundirem “verdades” dirigidas aos estudantes e suas famílias, a partir do

lugar institucional encontrado na escola.

3.1. Uma discussão sobre o livro didático

Depois de ter sido preterido por educadores e intelectuais de vários setores, tomado

como produção menor enquanto produto cultural, o livro didático começou a ser analisado

sob várias perspectivas. Foi retomado como fonte de pesquisa, destacando-se sua

importância na configuração da escola contemporânea. De acordo com Circe Bittencourt

(2004a), o livro didático é um objeto cultural que mobiliza discussões e debates intensos,

sendo muitas vezes alvo de críticas. Contudo, tais livros têm sido considerados como

instrumentos essenciais no processo de escolarização.

Na constituição da forma e da cultura escolar, o livro didático é um dispositivo

fundamental. O livro didático é um recurso que viabiliza o ensino simultâneo a partir da

sistematização dos saberes que ele contém. Além disso, auxilia o professor na organização

de sua prática de ensino. Em sua produção, envolve uma série de determinantes que

influenciam sua utilização e distribuição no meio escolar. Neste envolvimento se

encontram os mercados editoriais, as políticas públicas e a Educação.

A partir destes determinantes, o livro didático pode assumir diferentes funções que

variam nas condições e no momento em que é produzido e na sua forma de utilização no

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ensino. Por exibir tantos condicionantes, de acordo com Circe Bittencourt (2004a, s/p.), o

livro didático passou a ser pesquisado como “produto cultural; como mercadoria ligada ao

mundo editorial, dentro da lógica de mercado capitalista; como suporte de conhecimentos e

de métodos de ensino das diversas disciplinas e matérias escolares; e, ainda, como veículo

de valores, ideológicos ou culturais”.

Segundo Roger Chartier (1999, p. 8), “o livro sempre visou instaurar uma ordem;

fosse a ordem de sua decifração, a ordem no interior da qual ele deve ser compreendido ou,

ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu sua publicação”.

Desta forma, ao tomar-se do livro como objeto de pesquisa, é preciso considerar essas

múltiplas finalidades que ele cumpre.

Ainda segundo Chartier (1990), o livro escolar, por se tratar de um objeto de

circulação, pode ser entendido como veículo de circulação de idéias imbuídas de valores e

comportamentos que se deseja ensinar. Além disso, os livros escolares são uma fonte

valiosa da pesquisa em História da Educação, pois permitem identificar, através das idéias

veiculadas, a concepção educativa que, em um determinado momento, esteve presente na

formação dos sujeitos escolares.

Conforme Rosa Lídia Corrêa (2000, p. 17), a contribuição do livro didático se faz

ainda maior, uma vez que, os elementos veiculados através de seu conteúdo “dão vida e, ao

mesmo tempo, significado às práticas escolares”. De acordo com esta autora, o livro

didático, como fonte de pesquisa, serve como indicador do processo de formação social

desenvolvido na escola. Sua análise deve ser feita a partir de interrogações referentes ao

conteúdo, considerando aspectos da temporalidade e do espaço.

Por essa via, chegam-se às indagações sobre “a que e a quem serviu como um dos

instrumentos da prática institucional escolar. Nesse aspecto, em particular, vincula-se à

história das instituições escolares e, amplamente, à das políticas educacionais” (CORRÊA,

2000, p. 13).

Fato que auxilia a confirmação do uso do livro didático como fonte de pesquisa é

que, segundo Antonio Augusto Gomes Batista (2002), esse material é o principal recurso

de informação impressa utilizada por grande parte de professores e estudantes brasileiros.

O autor enfatiza que, quanto menor o acesso a bens econômicos e culturais, maior o

emprego desses livros no meio escolar. Dessa maneira, “os livros didáticos parecem ser,

assim, para parte significativa da população brasileira, o principal impresso em torno do

qual sua escolarização e letramento são organizados e constituídos” (BATISTA, 2002, p.

531).

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Corroborando essa assertiva, Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1999) entendem

que o livro didático é um importante recurso para o conhecimento da história de uma

nação. É possível, segundo as autoras, a partir da análise de sua trajetória de publicações e

leituras, apreender os posicionamentos oficiais que os governantes escolheram para o

ensino. Segundo Thais Nívia de Lima Fonseca (1999, p. 204), pode-se dizer que o livro

didático “é portador de uma memória nacional” e, dessa maneira, passa a ser formador de

identidades, ratificando saberes consolidados, “aceitos socialmente como „versos

autorizados‟ da história da nação e reconhecidos como representativos de uma origem

comum”.

Outro ponto importante, destacado por Rosa Lídia Corrêa (2000), é a política do

livro didático. A autora entende que a política de publicação dos livros didáticos mantém o

controle sobre os conteúdos escolares a serem ensinados e sua conseqüente repercussão

sobre as práticas escolares, além de sua produção, com o intuito de formar as massas

populares.

Complementado essa assertiva, Thais Fonseca (1999, p. 204) expõe sua concepção

da abrangência do livro didático:

o livro didático e a educação formal não estão deslocados do contexto

político e cultural e das relações de dominação, sendo, muitas vezes, instrumentos utilizados na legitimação de sistemas de poder, além de

representativos de universos culturais específicos. (...) Atuam, na

verdade, como mediadores entre concepções e práticas políticas e

culturais, tornando-se parte importante da engrenagem de manutenção de determinadas visões de mundo.

A partir da legislação educacional, são selecionados os conteúdos a serem

ensinados nas escolas. Nesse sentido, os livros didáticos, de maneira geral, seguem os

ditames presentes na política educacional de determinado período. Desta maneira, Rosa

Lídia Corrêa (2000, p. 18) afirma que são incutidos nos livros, “normalizações sociais

válidas numa época e contexto histórico, considerando condutas e comportamentos

socialmente válidos e aceitáveis do ponto de vista moral e ético”. A legislação acaba por

legitimar, assim como o livro, “as expectativas valorativas que a sociedade quis ou quer

ver disseminadas por meio da escola” (CORRÊA, 2000, p.18).

Como parte da cultura escolar, o livro didático é organizado, difundido e utilizado

com intencionalidades diversas. Trata-se de um instrumento carregado de idéias que

contemplam diferentes objetivos. De acordo com Circe Bittencourt (2004a, s/p.),

“paralelamente às análises sobre os conteúdos, foram sendo acrescidas outras temáticas,

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notadamente as relações entre as políticas públicas e a produção didática, evidenciando o

papel do Estado nas normatizações e controle da produção”.

Para além das normalizações, a cultura escolar traz consigo mentalidades que

definiram diferentes elementos em épocas históricas específicas. Através dos livros

escolares, é possível apreender concepções e abordagens das disciplinas escolares como

integrantes de um conjunto de saberes considerados válidos.

Outro fator relevante que deve ser considerado é a importância econômica e seus

desdobramentos envolvidos na produção de livros didáticos, ou seja, o mercado editorial

nacional. Segundo Circe Bittencourt (1993, p. 3) o livro “é uma mercadoria, um produto do

mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização

pertencente aos interesses do mercado”. Além disso, também mantém um arcabouço dos

diversos conteúdos educacionais, que serve como instrumento privilegiado para “se

recuperar os conhecimentos e técnicas consideradas fundamentais por uma sociedade em

uma determinada época” (BITTENCOURT, 1993, p. 3).

Acerca do mercado editorial brasileiro, deve-se enfatizar que ocorreram mudanças

nas concepções do livro didático. Nas décadas de 1960 e 1970, surgiram novas formas de

vendagem dos livros, que passou a ser feita através da figura de representantes das

editoras. Não obstante, segundo Antonio Augusto Gomes Batista (2002), os livros

passaram a ser distribuídos gratuitamente para os responsáveis nas escolas e a sua vida útil

foi reduzida. Essas mudanças afetaram a forma de utilização dos livros nas escolas.

Com as reformas na Educação, iniciadas com a LDB/1961 e, posteriormente, com a

promulgação da Lei n. 5.692/1971, as editoras brasileiras elevaram suas vendas de livros

didáticos significativamente. Nesse período de efervescência, havia mais de sessenta

editoras que publicavam livros didáticos no país.

A produção de livros didáticos também estava vinculada ao papel do Estado, que

funcionava como agente de controle e como principal consumidor. Isso fez com que

surgissem programas governamentais que direcionavam a produção e distribuição dos

livros didáticos no país, considerando os três níveis de ensino.

Entre os anos 1960 e 1970, a interferência do Estado na produção dos livros

didáticos tornou-se cada vez mais efetiva. Algumas dessas formas de intervenção, a partir

de instituições governamentais, merecem destaque. Entre elas, a criação, em 1967, da

Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME), cuja função era produzir e distribuir

materiais didáticos para as escolas. Em 1970, segundo Célia Cristina Cassiano (2003), por

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falta de orçamento, a FENAME se uniu a empresas privadas para produzir livros em co-

edição.

Outro acordo que merece destaque nas produções de livros didáticos é a Comissão

do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED), criada com o apoio do acordo

MEC/USAID de cooperação para publicações técnicas, científicas e educacionais, em

1966. Entre outras prescrições, a COLTED fez um relato dos aspectos que deveriam estar

presentes em um bom livro didático, tais como: capa de papel durável, para resistir ao

manuseio; ilustrações atraentes, para despertar a curiosidade do aluno; e, imagens

relacionadas com o texto, para estimular a reflexão sobre a realidade, o esclarecimento de

idéias e o reforço de informações.

Os livros didáticos passaram a ser financiados pelo governo e distribuídos

gratuitamente pelo MEC. Já em 1971, a COLTED foi incorporada ao Instituto Nacional do

Livro (INL). Esse instituto ficou responsável pelo Programa do Livro Didático para os

ensinos de 1.º e 2.º graus, novamente com co-edições com as editoras privadas.

A partir do Decreto-Lei n. 77.107, de 1976, o Programa do Livro Didático foi

transferido para a FENAME. Com a redemocratização do País, o Programa do Livro

Didático foi transformado no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

(FILGUEIRAS, 2006). De acordo com Circe Bittencourt (2004a, s/p), o PNLD, a partir

dos investimentos realizados pelas políticas públicas, viria a se tornar o maior programa de

livro didático do mundo.

No período estudado, a intervenção do Estado na produção dos livros didáticos foi

realizada a partir da COLTED e da FENAME, através de seus acordos de co-edição com

editoras privadas. A análise da ação desses órgãos possibilita compreender a rápida

resposta à demanda de livros didáticos para a disciplina de Educação Moral e Cívica.

Antes mesmo da implantação do Decreto Lei n. 869/1969, a FENAME lançou a Pequena

Enciclopédia de Moral e Civismo, de autoria do Padre Fernando Bastos de Ávila. Vale

observar que em todas as bibliotecas escolares mato-grossenses, em que foram pesquisados

os livros para este trabalho, havia uma cópia da referida obra.

Outro dado importante referente à produção dos livros didáticos é que em 1970, já

existiam dez livros no mercado e, em 1971, foram publicados mais treze livros para a

disciplina. Com esses indicativos, Juliana Filgueiras (2006) acredita que as editoras já

estavam preparadas para produzir livros de Educação Moral e Cívica e, por isso, atenderam

prontamente à demanda do mercado.

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71

No processo de produção de livros didáticos, os seus autores são personagens

importantes. Roger Chartier (1997), apoiado em Foucault, contribui sobremaneira para a

compreensão desta perspectiva. Segundo Chartier, Foucault reforça a responsabilidade do

autor ao produzir uma obra, estando ele sujeito até mesmo às sanções penais frente à sua

produção. A “função-autor” estabelece vínculos variados com a obra e cria identidades.

Para compreendê-la, é necessário considerar aspectos como o valor comercial da obra, os

direitos autorais, os conflitos entre autor e editor e possíveis sanções jurídicas que podem

ser impostas aos autores.

Segundo Circe Bittencourt (2004b), a compreensão da função-autor nas obras

didáticas exige uma ampliação da visão analítica, respeitado os limites do contexto e a sua

relação com o conteúdo. Ou seja, por conta dos “conflitos, tensões, acordos,

discriminações, satisfações” que interferem na produção de livros didáticos, “há

necessidade de inclusão de outras fontes documentais” (BITTENCOURT, 2004b, p. 479).

Os autores de livros didáticos encontram-se sujeitos a variadas formas de

dominações que limitam, grosso modo, a obra proposta. Entre esses preceitos, estão os

programas oficiais propostos pela política educacional, os editores e o fabricante dos

livros. Esse cerceamento, segundo Bittencourt (2004b), ocorre desde a aceitação da obra,

permanece no decorrer de todo processo de transformação da obra em objeto de leitura,

mantendo-se até a obra chegar ao mercado.

O que se pode observar é que o livro didático tem sido um importante instrumento

que favorece professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem ao longo dos anos.

Existem diversos aspectos de diferentes ordens que interferem em sua produção,

distribuição e utilização. Essa complexidade na construção desses materiais didáticos é que

os torna valorosa fonte de pesquisa documental. Através da análise dos livros didáticos,

pode-se compreender a concepção de ensino, a política educacional, valores e

comportamentos que se desejam ensinar em determinado período histórico.

3.2. O conteúdo dos livros didáticos

As apresentações dos três livros analisados são bem próximas, eles contêm capa,

folha de rosto e índice. Diferenciam-se, contudo, nos temas trabalhados em cada capítulo,

inclusive os livros que foram elaborados pelos mesmos autores. Apesar de serem todos

livros para o 1.º grau, percebe-se uma diferenciação quanto à profundidade de abordagem

dos temas trabalhados e ao vocabulário empregado. Além disso, entre os dois livros

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elaborados por autores que atuavam em Mato Grosso (ALMEIDA et al., 1973 e SILVA et

al., 1976),11

o livro de 1976, destinado à 4.ª série, apresenta ilustrações, enquanto o outro

não as emprega em momento algum. A partir destas constatações, acredita-se que os livros

destinavam-se a estudantes de faixas etárias diferentes. O livro de Oswaldo Coutinho

(1975) também é bastante ilustrado.

Para esta análise, os conteúdos trabalhados foram divididos por temas, com o

intuito de identificar os aspectos em comum e as possíveis divergências existentes entre os

livros. Nesse sentido, realizou-se uma divisão entre os conteúdos que trataram de questões

da “esfera pública”, como Estado, democracia, cidadania, liberdade, forças armadas, Pátria

e território, por um lado, e, por outro, elementos que trataram da “esfera privada”, como

prescrições acerca de comportamento pessoal na família, religião, com destaques aos

“vícios e virtudes” morais.

Constatou-se que a disciplina e seus conteúdos procuravam alcançar as

particularidades mínimas da vida e do corpo dos estudantes e o fazia visando aumentar sua

eficiência em disciplinar esses corpos e transformar suas práticas. Dessa maneira, a

disciplina de Educação Moral e Cívica permeava todo o corpo social, formando uma rede

que incluía os indivíduos envolvidos direta e indiretamente no processo de ensino-

aprendizagem.

3.2.1. Aspectos da esfera pública

Tema 1: Estado

Os livros trabalhavam com uma acepção de Estado segundo a qual sua função era a

de coordenar e disciplinar “as múltiplas manifestações de atividade, de convivência de

indivíduos e grupos que integram a estrutura da vida social” (ALMEIDA et al, 1973, p.

28). Segundo Coutinho (1975, p. 121) o Estado “é quem dita o Direito, a Lei, as Normas e

Regras de Conduta dos indivíduos na Sociedade”. Tratava-se de uma instituição que

segundo o autor, atendia às necessidades que “todos nós sentimos, de haver uma entidade

superior, que discipline toda a nossa vida, regule todas as nossas ações, diga o que nós

11 Observe-se que os dois livros elaborados por pessoas que viviam em Mato Grosso são de mesma autoria,

somente a ordem de apresentação dos nomes nos livros que se altera: o livro de 1973 apresenta autoria de

Luiz de Almeida, Graziela Campos da Silveira e Silva, Serys Marly Slhessarenko e Inalda Franco Lytton;

enquanto o livro de 1976 apresenta a seguinte ordem de apresentação de autores: Graziela Campos da

Silveira e Silva, Inalda Franco Lytton, Luiz de Almeida e Serys Marly Slhessarenko.

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podemos e o que nós não podemos fazer” (COUTINHO, 1975, p. 121, sem grifo no

original).

Observa-se que essas afirmações buscavam justificar, de certa maneira, a ação do

Estado de maneira incontestável nos diferentes aspectos da vida dos indivíduos. A partir

dessa premissa, entendia-se que o Estado tinha autoridade para regular a ação dos

indivíduos, pois tinha, dentre seus objetivos, o de discipliná-los. Apesar dessas definições

em que o Estado cumpria um papel significativo na vida de seus cidadãos, Silva et al.

(1976) o tratava como “um meio, gerador do bem de todos, e não um fim em si mesmo,

com poderes de limitar a liberdade do homem” (SILVA et al, 1976, p. 16).

Pode-se verificar nessa assertiva, o estabelecimento de uma contradição, pois, como

meio gerador do bem de todos, o Estado tinha uma função de destaque, na qual

apresentava amplo poder de ação. Entretanto, continuava-se afirmando que o Estado não

tinha poderes de limitar a liberdade do homem. Ora, como seria possível afirmar que o

Estado não tinha poderes de limitar a liberdade do homem após o período de enrijecimento

da ditadura, no qual leis, decretos e pareceres foram criados justamente com o intuito de

cercear a ação daqueles grupos contrários ao regime? As sutilezas, os detalhes presentes no

discurso encontrado nos livros didáticos, afinados com o discurso dos governantes,

fizeram-no passar como verdade, discurso autorizado. Não se pode esquecer que os livros

didáticos de Educação Moral e Cívica, antes de serem editados e publicados, precisavam,

necessariamente, receber aprovação da Comissão Nacional de Moral e Civismo.

Foucault (2008, p. 13), ao relatar as características históricas da economia política

da verdade, corrobora essa análise:

a „verdade‟ é centrada na forma do discurso científico e nas instituições

que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica e

política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica,

quanto para o poder político); é objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou

de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não

obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos

políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de

comunicação); enfim, é objeto de debate político e de confronto social (as lutas „ideológicas‟).

O livro didático, como instrumento oficial da disciplina de Educação Moral e

Cívica, carregava esse discurso científico, que acabava sendo difundido por todo o corpo

social através de uma instituição dotada de alto grau de legitimidade: a escola.

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Este discurso, no entanto, por vezes não correspondia à realidade vigente na política

nacional. Ao trabalharem o conteúdo de Estado, por exemplo, os livros didáticos também

explicavam que, no Brasil, existia a divisão em três poderes: o Legislativo, o Executivo e o

Judiciário, como pode ser constatado na seguinte ilustração:

Fonte: COUTINHO, 1975, p. 135.

Os autores comentavam as funções desses órgãos: “O Poder Legislativo faz as leis,

o Poder Executivo as executa e administra o Estado e o Poder Judiciário julga as questões,

aplicando as leis aos casos concretos, que são submetidos à sua apreciação” (COUTINHO,

1975, p. 133). Como já foi discutido, com o advento do AI-5, o Congresso Nacional ficou

fechado e os Poderes Legislativo e Judiciário ficaram subordinados ao Poder Executivo.

No entanto, nos livros didáticos ficaram registradas as funções das três instâncias, sem,

contudo, fazer-se menção alguma a essa situação que marcou a história política do país.

Seu conteúdo, no que se refere a este tema, distanciava-se da realidade, aproximando-se do

que poderia ser considerado como uma “abstração” idealizada.

Tema 2: Democracia

Nos capítulos que tratam sobre a sociedade política em cada um dos livros, os

autores abordavam as formas de governo, os regimes políticos, o sistema de governo, o

conceito de constituição, a classificação das constituições e os traços característicos da

Constituição de 1969, promulgada por Médici. Os autores afirmavam que o sistema de

governo democrático era definido pelo fato de que “o povo escolhe seus governantes

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através de eleições”, sem distinção entre os indivíduos, respeitando “os direitos

individuais” e oferecendo a todos oportunidades de realização (SILVA et al, 1976, p. 73).

Como ilustra a figura abaixo:

Fonte: SILVA, 1976, p. 77.

Coutinho (1975, p. 129) define a democracia como um “governo do Povo” e

continua:

Não seria razoável que o poder de dirigir os interesses e os negócios do

Povo tivesse outra origem, como a força, a imposição. É o caso da

Ditadura, da Tirania, que não se justificam. O poder de dirigir e administrar os negócios do povo vem, nesses casos, da força, das armas,

da imposição.

Este trecho merece destaque, sobretudo, pela clareza das afirmações expostas. O

discurso de verdade disseminado com anuência do governo, legitimado como democrático,

não assumia suas características autoritárias.

O autor explicitava que a democracia existente no Brasil era representativa. As

eleições serviam para escolher os representantes do povo. Empregava-se a máxima “a

Democracia é o Governo do Povo, pelo Povo, para o Povo” (COUTINHO, 1975, p. 132).

Ao inserir essa definição, no momento histórico pelo qual o País passava, fica

difícil entender como um livro didático expressava tão abertamente o conceito e as funções

da democracia, uma vez que, a contradição entre discurso e realidade se sobressaia. Os

livros didáticos, mais uma vez, em relação ao trato do tema da democracia, divulgavam

uma realidade política que “deveria” existir em um regime verdadeiramente democrático,

no entanto, esta “realidade imaginada” era apresentada como vigente, sem haver uma

problematização da divergência existente entre o discurso e a realidade.

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Essa distância chega a tal ponto que, Coutinho (1975, p. 37) sustenta que os alunos

na idade de 18 anos “terão o direito de escolher o Presidente da República, o Governador

de seu Estado, os Deputados, os Senadores, os Vereadores de seu Município e, até mesmo,

de se candidatarem a esses cargos”. Essa contradição entre discurso e realidade

ultrapassava os limites, inclusive, temporais, pois mesmo sendo lançado após anos de

ditadura, sem previsões de abertura política, era ensinado nos livros aquilo que não se

vivia. A criança crescia aprendendo algo que não correspondia à realidade do momento

histórico em que se encontrava. Como mostra o exemplo a seguir:

Fonte: COUTINHO, 1975, p. 144.

O controle e poder sobre os corpos através da disciplinarização eram reforçados a

todo o momento e em diversas passagens. Mesmo trabalhando um conceito como a

democracia, a ênfase na conduta de cada cidadão era enaltecida, pois “antes de ser um

regime político de um Povo, deve ser uma norma de vida e de conduta de cada cidadão,

isto é, deve ser uma filosofia e um estilo de vida de cada um de nós” (COUTINHO, 1975,

p. 133).

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Silva et al. (1976, p. 73) discorreram, também, sobre o sistema totalitário que se

manifestava, para os autores,

quando o povo não é consultado para a escolha de seus governantes. É o sistema do arbítrio, da força e da opressão e onde os direitos dos

cidadãos são restringidos pela vontade prepotente do Estado, que cerceia

a liberdade de crença e de opinião. São os governos de exceção e onde o cidadão perde os seus direitos em favor do Estado.

Os direitos dos cidadãos brasileiros foram revogados e restringidos pela força do

Estado, a liberdade de crença e opinião foi vetada àqueles contrários ao regime, entretanto,

deve-se ressaltar que os governos militares não se reconheciam como governos ditatoriais.

Isso ficou evidente nos livros, pois em muitos momentos foram reforçados e retomados os

preceitos democráticos que, segundo os autores, eram respeitados no Brasil. A forma direta

pela qual os conceitos foram apresentados não destacava a distância entre escrito e

realidade. Tanto que foi afirmado e reiterado que na democracia representativa brasileira,

baseada na Constituição, “o povo brasileiro participa da vida política da Nação através do

direito de voto escolhendo, por meio de eleição, os cidadãos que exercerão os cargos de:

Presidente e Vice-Presidente da República, Senadores, Deputados Federais, Estaduais,

Prefeitos e Vereadores” (SILVA et al., 1976, p. 78). Como foi visto em ambos livros fazem

alusão ao eleitores votando como é expresso nas figuras abaixo:

Fonte: COUTINHO, 1975, p. 45. Fonte: COUTINHO, 1975, p. 131.

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Tema 3: Liberdade

Foi constatado, a partir da análise dos livros, que o conceito de democracia aparecia

bastante vinculado ao de liberdade. O que se nota é que havia uma rede de idéias que se

entrelaçavam com intuito de melhorar a argumentação presente nos discursos. Assim,

vinculava-se a democracia à liberdade e esta, por sua vez, à responsabilidade. Não se

tratava de qualquer responsabilidade, mas sim uma “responsabilidade desenvolvida à luz

dos valores espirituais e calcada nas idéias cristãs” (ALMEIDA et al, 1973, p. 11).

Para que essa engrenagem funcionasse, os autores argumentavam que ultrapassar o

limite dessa liberdade era fácil, e que, portanto, ela precisava ser contida dentro de seus

limites. Segundo os autores isso só poderia ser feito a partir de “uma boa formação cívica

fundamentada na educação e manifestada: no conhecimento, na prática dos deveres do

cidadão perante a coletividade e o Estado; na obediência consciente da lei” (ALMEIDA et

al., 1973, p. 98). Esse excerto explicita a importância da função disciplinadora da

Educação Moral e Cívica e serve para justificar sua inserção no ensino de 1.º grau.

Outro recurso utilizado pelos autores dos livros, que ajudava a viabilizar e legitimar

seus discursos, eram as associações entre conceitos. Um exemplo disso pode ser

encontrado na afirmação de que “a liberdade é sempre consciente e inteligente”

(COUTINHO, 1975, p. 70). Através desta associação, responsabilizava-se o indivíduo pelo

“uso” da liberdade. O indivíduo deveria desenvolver sua consciência de forma inteligente,

isto é, atenta às limitações e potencialidades da liberdade.

No livro de Coutinho (1975, p. 71) há o seguinte trecho: “Somos responsáveis pelos

nossos atos, isto é, pagamos pelos nossos erros e somos premiados pelos nossos méritos”.

Em Almeida et al. (1973, p. 62), lê-se: “aquele que abusar dos direitos individuais e dos

direitos políticos para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção,

incorrerá na suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 2 a 10 anos”. Através da leitura

destes trechos percebe-se que as noções transmitidas pela Educação Moral e Cívica eram

tomadas como aquelas que orientariam os cidadãos na forma como lidar com a liberdade

dentro de uma situação conjuntural específica. No caso, marcada pela repressão e

cerceamento de direitos políticos. Através da figura seguinte pode-se compreender essa

característica:

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Fonte: COUTINHO, 1975, p. 150.

Almeida et al. (1973, p. 10) empregaram concepções religiosas, juntamente com a

noção de consciência, para auxiliar no fundamento de sua argumentação:

Daí o uso da liberdade ser determinado pela consciência. Assume aspecto

verdadeiramente positivo, quando é o próprio Deus o fiel da balança. Quando assim não acontece diz-se que a pessoa não tem consciência,

porque a consciência é o ribombar da voz de Deus dentro do coração

humano (ALMEIDA et al, 1973, p. 10).

Segundo Luiz Antônio Cunha (2005), essa associação a princípios religiosos

auxiliavam no controle sobre os estudantes, mesmo que de uma forma velada, pois trazia

consigo um dogmatismo subjacente. Esses preceitos estavam diluídos ao longo dos livros,

mas ganhavam destaque no tema de religião, que será discutido mais à frente.

Tema 4: Cidadania

A importância deste tema reside no fato de que o cidadão era definido como um

“membro da sociedade em pleno exercício de seus direitos”, ou seja, aquele que

participava “da vida do Estado, de um país, tanto civil como político, gozando dos direitos

e responsável pelos deveres de cidadania‟” (ALMEIDA et al., 1973, p. 20). Cidadania se

referia ao conjunto e ao uso dos direitos e deveres, inclusive dos direitos políticos.

Naquele contexto pelo qual o Brasil passava, a partir dessas definições, seria

possível dizer que todos poderiam ser considerados cidadãos? Parece que o livro se referia

àqueles que eram favoráveis ao regime. Aparentemente, somente era considerado o

comportamento daqueles que estavam de acordo com a situação política do país, afinal os

grupos discordantes que se expressassem abertamente eram reprimidos.

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Seguindo esse raciocínio, os autores afirmavam que “civismo não são somente os

deveres frios para com a Pátria”, mas deveria também representar um “amor

desinteressado, amor que se realiza através da anulação do „eu‟; amor que é tanto maior

quanto maior acentuada é a renúncia”, tratava-se, portanto, de “caráter, com base moral; é

amor à Pátria com capacidade de renúncia; é ação constante e permanente em benefício do

Brasil” (ALMEIDA et al, 1973, p. 51).

Não foi apenas em um dos livros que os autores se valeram dos sentimentos para

definir o cidadão. Destarte, Coutinho (1975, p. 22) entende que o cidadão era o indivíduo

que amava sua Pátria, que cumpria seus deveres, que obedecia às leis, que trabalhava,

estudava, produzia e seria útil à coletividade. Essa passagem aponta os métodos que

caracterizavam o poder disciplinar. Ora, ao transmitir as noções de necessidade de

cumprimento de deveres e obediência às leis, pressupunha-se que esse indivíduo se

tornasse dócil, que fosse fácil de lidar. Ao cumprir as instruções que diziam: “trabalhe,

produza, seja útil”, sugeria-se que esse indivíduo tivesse uma utilidade em seu meio. Nesse

sentido, o conteúdo do livro visava disseminar esse ideário de controle sobre os corpos.

Tema 5: Forças Armadas

Nos livros de Coutinho (1975) e Almeida et al. (1973), as Forças Armadas tiveram

grande destaque. Para Almeida et al. (1973, p. 29-30) essa instituição era uma das mais

importantes da Pátria, pois as Forças Armadas eram “organizadas com base na hierarquia e

na disciplina, às quais competem defender a Pátria contra agressões externas e garantir os

poderes constituídos, a lei e a ordem interna” (ALMEIDA et al., 1973, p. 29-30). Desta

maneira, acreditava-se que a notoriedade atribuída às Forças Armadas nos livros didáticos

serviria, de certo modo, para justificar suas ações. Afinal, “a guerra, legitimamente não

pode ser o extermínio, nem a ambição; é simplesmente a defesa” (ALMEIDA et al, 1973,

p. 31).

Os autores enfatizavam, ainda, que a Nação segura era aquela que, além de

defender seu território, deveria “defender a constelação de valores materiais e espirituais, a

cultura e o bem estar, a tranqüilidade e os ideais que constituem o valioso patrimônio, cuja

preservação é tão grata à criatura humana quanto à soberania nacional”. No parágrafo

seguinte, atribuía-se à Escola Superior de Guerra a responsabilidade de divulgar esse

conceito de segurança, entendendo que ele “ultrapassa a área das forças armadas e se

espraia por todos os elementos políticos, econômicos e sociológicos, que constituem o

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intricado entrelaçamento de forças atuantes nos quadros de um país” (ALMEIDA et al,

1973, p. 53).

Tal como o exposto, as idéias relativas à segurança nacional deveriam ser

disseminadas para todo o corpo social e isso era feito através da escola e, também, do livro

didático. Os objetivos nacionais relacionados à segurança nacional eram expostos como: a

integridade territorial, a integração nacional, a soberania, o prestígio internacional, a

democracia representativa, a paz, o bem estar e o desenvolvimento social e econômico.

Estes objetivos, por serem fundamentais e permanentes, deveriam ser alcançados, com o

emprego de todos os meios de que dispunha a nação, e preservados até pela guerra, se

fosse necessário.

Tais objetivos foram tratados como um “mecanismo de preservação contra

obstáculos, antagonismos, pressões, tensões e oposições, com a ampla aplicação de

recursos de natureza político-econômica, social e militar, constitui o sistema de Segurança

Nacional” (ALMEIDA et al., 1973, p. 54). O que se entendia com a apresentação de

objetivos nacionais e a ênfase atribuída às Forças Armadas e sua função de primar pela

segurança nacional pode ser interpretado como argumentos que legitimavam as ações

governamentais e auxiliavam na sustentação das práticas dos militares.

O livro de Coutinho (1975, p. 178) apresentava a idéia de que as Forças Armadas,

constituídas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, recebiam uma “colaboração estreita

com o elemento civil em todos os campos, na educação, na indústria, no comércio, na

lavoura, nos escritórios, na tecnologia, sempre visando à segurança nacional, ao progresso

e ao desenvolvimento do país” (COUTINHO, 1975, p. 178). Observa-se que essa inserção

visava atenuar a ação das Forças Armadas nos diversos campos da esfera civil em que ela

se fez presente durante os anos 1970.

O autor se dirigia diretamente aos alunos e afirmava como eles teriam a

participação nesse processo, buscando novamente um maior envolvimento e aceitação:

“vocês, meus amigos, na Escola, estudando, sendo aplicados, fazendo as lições, prestando

atenção nas aulas, estão contribuindo, também, para a manutenção da Segurança Nacional

e estão realizando, dentro das suas atribuições, a Defesa Civil” (COUTINHO, 1975, p.

179). Ainda é possível notar que o autor retomava as normas e a boa conduta que os alunos

deveriam seguir.

Entre os objetivos nacionais apresentados, destaca-se a questão da Integração

Nacional, que visava à formação de um povo homogêneo, sem grandes diferenças entre os

cidadãos.

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Sobre a Paz Social, o autor a define como aquela que:

se opõe ao ódio, à vingança, aos movimentos de revolta, ao terrorismo, à

subversão e que conduz à harmonia e ao entendimento entre todos os

cidadãos, entre todas as classes sociais, dentro do espírito cristão, que sempre impregnou a alma brasileira, desde os primeiros tempos de sua

existência (COUTINHO, 1975, p. 189).

Como exemplos, Coutinho (1975) sugeria que os empregados não brigassem com

os patrões, mas trabalhassem de comum acordo, visando o bem da comunidade.

Transmitia-se, desta maneira, a idéia de sujeição do indivíduo, que deveria se controlar em

prol do bem comum. Para que os objetivos nacionais se cumprissem, o autor propunha em

seu livro que se “deve lutar denodada e instransigentemente e, se necessário, com o

sacrifício da própria vida” (COUTINHO, 1975, p. 194).

Tema 6: Território Nacional e Pátria

Nos capítulos sobre o território brasileiro eram oferecidas informações bem

próximas das que se encontravam em livros das disciplinas de história e de geografia. Ao

referirem-se à pátria, no entanto, idéias relativas ao civismo reapareciam. Afirmava-se: “O

Brasil é o País do Futuro. Tem tudo para ocupar um dos primeiros lugares do Mundo,

sobretudo porque possui uma Mocidade estudiosa, inteligente e desejosa de contribuir,

decididamente, para esse objetivo. Construamos juntos o Brasil de amanhã” (COUTINHO,

1975, p. 104). Nesta passagem, observa-se que foi apresentada a necessidade de disciplinar

os alunos para que se tornassem úteis, a partir de suas práticas, ao bem comum. Os lemas

que embalaram o País nesse período, como já foram expostos nos capítulos anteriores era

expresso em ilustrações como a que segue:

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Fonte: COUTINHO, 1975, p. 44.

Destaque deve ser dado para o livro de Almeida et al. (1973), na parte em que os

autores tratam das datas e dos vultos nacionais. Primeiramente, os autores fazem um

extenso trecho sobre os vultos nacionais e em um segundo momento para a apresentação

dos símbolos nacionais foi reproduzida integralmente a Lei n. 5.700, de 1.º de setembro de

1971. O livro dos mesmos autores, de 1976, trata do mesmo tema, foi ilustrado com as

seguintes imagens:

Fonte: SILVA,1976, p. 30. Fonte: SILVA, 1976, p. 49.

Sobre os principais problemas brasileiros, Almeida et al. (1973, p. 68), tecem uma

crítica quanto à situação de pouco investimento no interior do país referindo-se ao Norte,

Nordeste e Centro-Oeste. Ao tratar da educação, foi dada ênfase na educação técnica e nos

investimentos nessa área. O que dá a entender que se trata de uma justificativa aos acordos

internacionais que o governo estabeleceu para o ensino profissionalizante. A figura a

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seguir trás uma imagem significativa do ênfase dada ao Centro-Oeste, o poder sendo

emanado dessa região para todo o país:

Fonte: SILVA, 1976, p. 44.

Vale ressaltar que no capítulo dos principais problemas brasileiros foram

exacerbados os apontamentos de investimentos em diversas áreas por parte do governo.

Também foi frisada “a grande tarefa nacional”, que se referia ao sentido positivo e

autêntico da “Revolução de 1964”. Seu sentido positivo seria referente ao que os autores

chamaram de combate exaustivo “à corrupção e a subversão, dando a esse combate o

caráter de preparação dos pré-requisitos para o desenvolvimento”. A autenticidade seria

pelo fato de que ela se destinaria “a criar no Brasil as condições básicas para o verdadeiro

desenvolvimento, democracia e soberania” (ALMEIDA et al, 1973, p. 81). Esse foi o único

livro que falou da “Revolução de 1964”, e o fez realçando suas qualidades. Os autores

fizeram críticas ao governo anterior, de João Goulart, e frisaram que a revolução “veio para

dotar o país das estruturas política, administrativa, jurídica, social e econômica” para

elevar o Brasil à condição de grande potência (ALMEIDA et al, 1973, p. 82). Parece uma

forma de justificar o que foi feito a partir dos pontos considerados “positivos”.

Outro aspecto que se distingue nos livros de circulação local foi o destaque dado ao

Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste, chamado de PRODOESTE. Trata-se de

um item importante, uma vez que, apenas nos livros elaborados por autores que viviam em

Mato Grosso, há menção pormenorizada de informações referente a essa área. O programa

foi expresso nos livros a partir do Decreto n. 1.192 que o implantou em 1971. O Decreto

foi reproduzido integralmente no livro de Almeida et al (1973). Na ilustração seguinte foi

exemplificado um trecho desse decreto:

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Fonte: ALMEIDA, 1973, p. 85.

Para explicar o programa, foi citado um discurso do então presidente Médici. Entre

os objetivos desse programa estavam o de expansão das fronteiras econômicas e sociais

com intuito de acelerar o crescimento do país. Para tanto, propunha a construção de uma

rede rodoviária conjugada a um sistema de estradas, uma rede silos, armazéns, usinas de

beneficiamento e frigoríficos, além de obras de saneamento e recuperação de terras.

Ao final do discurso, o presidente conclui que esses investimentos na área do

Centro-Oeste foram “mais uma decisão de grande alcance no sentido de proporcionar às

regiões menos desenvolvidas a oportunidade de crescer rapidamente e de integrar-se no

mercado nacional” (ALMEIDA et al, 1973, p. 85). Como ilustrado abaixo:

Fonte: ALMEIDA, 1973, p. 83.

3.2.2. Aspectos da esfera privada

Para iniciar a análise no que se refere à “esfera privada” dos conteúdos veiculados

pelos livros didáticos, recorreu-se ao instrumental de Foucault (2008a) e sua concepção do

papel das instituições no corpo social. O autor afirma:

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fazer sobressair o fato da dominação no seu íntimo e em sua brutalidade e

a partir daí mostrar que não só como o direito é, mas também como, até

que ponto e sob que forma o direito (e quando digo direito não penso

simplesmente na lei, mas no conjunto de aparelhos, instituições e regulamentos que aplicam o direito) põe em prática, veicula relações que

não são relações de soberania e sim de dominação (FOUCAULT, 2008a,

p. 181).

A partir dessa concepção de como as instituições e regulamentos veiculam formas

de dominação, pode-se compreender a importância e ênfase dada ao papel das instituições

nos livros didáticos analisados. Segundo Almeida et al. (1973, p. 27) as instituições tinham

significativa influência, a partir de suas normas reguladoras que regiam a vida social, de

forma ampla, profunda e contínua na vida do indivíduo. Por isso elas representavam “os

elementos basilares, da vida em sociedade”, pois seriam elas que inspirariam “as normas

de ação e os padrões de comportamento dos indivíduos em grupo” (ALMEIDA et al.,

1973, p. 27).

Pensando nessa amplitude atribuída às instituições, é possível notar que a escola

cumpriu seu papel e a disciplina de Educação Moral e Cívica, através das informações

transmitidas por seus livros, contribuiu para estabelecer essas relações de dominação. Isto

fica constatado a partir dos conteúdos instituídos nos livros didáticos que serviram,

sobremaneira, como um guia de normas de conduta. Além da escola, os autores

apresentaram como instituições basilares: o estado, a família, a igreja, as forças armadas e

as instituições de fins culturais.

Tema 1: Família

Da mesma forma, Coutinho (1975, p. 115), no capítulo intitulado “Instituições:

família, nação, estado”, definiu instituição como algo “permanente, que atende às

necessidades, interesses e exigências da coletividade, constituído de hábitos, usos e

costumes e que serve de base à vida em sociedade”. Discutiu as instituições família, nação

e Estado. Sobre a família, o autor destacou a importância do casamento e enfatizou a

questão na monogamia e seu caráter indissolúvel. Também afirmou que se trata de uma

união estável entre um homem e uma mulher, “não se admitindo outra forma, que não seria

moral”. Novamente são apresentadas normas de condutas que as crianças deveriam seguir

para que não incorressem em atos considerados imorais.

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Ainda sobre o tema família, Almeida et al. (1973, p. 13) afirmou que “a família é o

centro de irradiação das normas de conduta da sociedade. É a célula básica da sociedade”.

Fato interessante que merece destaque, é que nos livros consultados que apresentaram

imagens existe uma quantidade significativa de figuras referentes a um mesmo modelo de

família ideal. Nesses livros os pais que são sempre cuidadosos, atenciosos, cheios de amor

e respeito pelos filhos. Já os filhos deveriam corresponder à altura toda essa dedicação,

amor e carinho. Como pode ser observado nas seguintes imagens:

Fonte: COUTINHO, 1973, p. 29. Fonte: SILVA et al., 1976, p. 24.

Esses modelos ideais apontam o conjunto de normas que estavam presentes nos

livros didáticos e que buscavam atingir as crianças com intento de orientar suas práticas

individuais e sociais, ou seja, normalizá-las.

Tema 2: Religião

O capítulo de Silva et al. (1976, p. 12) intitulado “O Ser Humano e Deus”

apresentou temas significativos que foram expressos em frases como “O seu amor” e “A

união faz a força”. De acordo com o título e essas frases, pode-se observar a relação que já

é traçada com aspectos religiosos. A idéia de criatura e criador fica presente nesses em

outros momentos do texto.

Ao diferenciar o ser humano dos animais, os autores apresentaram uma série de

distinções características de cada um. Nesse sentido, o conceito de inteligência foi

apresentado como característica própria dos seres humanos, manifestado “pela linguagem,

pela ciência, pela técnica, pela arte, pela moral, pela religião e pelo progresso” (SILVA et

al., 1976, p. 114).

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Coutinho (1975) também realizou essa distinção, sugeriu que os homens são

superiores aos animais porque tem espírito e alma. Citou o exemplo da ida do homem à

lua, por conta de sua inteligência, esforço e cultura. A partir desse exemplo enfatizou “é

por isso que você deve estudar e muito...” (COUTINHO, 1975, p. 9). O autor traçou um

paralelo do corpo humano com uma máquina perfeita, tal como um relógio.

A religião também foi conteúdo explorado pelos livros. Nos livros de Almeida et al.

(1973) e Coutinho (1975), o tema foi destacado com um capítulo específico, enquanto no

livro de Silva et al. (1976), os preceitos religiosos foram trabalhados ao longo do livro.

Ressalta-se que nos três livros, como já foi exposto anteriormente, a temática religiosa

surge, algumas vezes, de forma clara, e outras, indiretamente, de forma mais sutil.

Coutinho (1975), ao associar santos e anjos ao conteúdo religioso, demonstrou em

seu livro, preceitos característicos do catolicismo. Como exemplo utilizou uma imagem em

que mostra um padre em frente a uma cruz, com índios atentos a sua volta, bem típico da

missão dos jesuítas ao catequizar os índios, como mostra a figura abaixo:

Fonte: COUTINHO, 1973, p. 80.

Tratou, também, sobre ritos e, como exemplos, apresentou cerimônias típicas da

Igreja Católica, como a missa, comemorações da semana santa e quaresma. Insinuou que a

família de cada aluno deveria ter adoração a Deus, a partir dos símbolos da Cruz e da Santa

Ceia.

Mesmo afirmando que se deveriam respeitar as religiões, são consideradas apenas

as religiões cristãs. Além disso, ficou clara a influência católica em diversas passagens

como foi demonstrado. Essa “predileção” alcançava os alunos de maneira sutil, nos

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entremeios entre um discurso e outro. As referências ao cristianismo foram constantes, isso

pode ser notado quanto o autor afirmou que “o Cristianismo transformou o mundo

materialista e pagão num mundo espiritualista e religioso” (COUTINHO, 1975, p. 81).

A figura abaixo mostra a figura de um padre tipicamente católico. A batina e a cruz

no pescoço confirmam isso. Em diferentes momentos, quando o livro menciona Deus ou

religião, as ilustrações geralmente mostravam padres, igrejas que aparentavam ser católicas

ou símbolos característicos do catolicismo, como anjos.

Fonte: COUTINHO, 1975, p. 15. Fonte: COUTINHO, 1975, p. 54.

Para Almeida et al. (1973, p. 28), a “igreja é uma reunião de pessoas ligadas

espiritualmente. A Igreja foi apresentada como o elo de aproximação do homem com seu

Criador através da oração”. Outro ponto observado é que o discurso religioso também foi

muito vinculado à moral. Coutinho (1975, p. 79 e 67) entendia que a religião e a Moral

estavam sempre ligadas e que “a religião estabelece as regras da Moral” e que a “Moral é a

ciência que ensina o Homem a praticar o bem e a evitar o mal”.

Os autores sugeriram no livro que todos precisariam ser membros ativos de uma

comunidade religiosa, justificando que a Igreja aproximaria o homem de Deus. Concluíram

o capítulo com seguinte frase “o Brasil é por inteiro cristão. O brasileiro ama sua Pátria,

ama o seu povo, ama a Deus” (SILVA et al., 1976, p. 16). Novamente associava o amor à

Deus e à Pátria, entrelaçando conceitos e saberes para que ficassem mais facilmente

assimiláveis. Acredita-se que essa é mais uma tentativa de fazer com que, as crianças nesse

caso, dessem valor a Pátria e a aceitassem como ela era.

Corroborando esta assertiva, Cunha (2005, p. 356-57) sustenta que “os livros

didáticos estão recheados de interpretações simpáticas à religião, a começar com a imagem

de Deus criando o homem, os jesuítas vindo ao Brasil para convencer os índios à „religião

verdadeira‟ etc”.

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Sobre o sentido cívico dos feriados, Silva et al., (1976, p. 51-52) expôs que de

maneira geral “os feriados nacionais do Brasil atendem a três ordens de sentimento: os de

ordem nacionalista, nas festividades de nossas mais importantes datas históricas; os de

ordem universalista, nas festividades relativas à confraternização humana; os de ordem

espiritual, na festividade em memória do nascimento de Cristo”. No entanto, o que se

observa é que existem vários feriados em dias santos do culto católico, o que faz revelar,

conforme Luiz Antônio Cunha (2005) certa hegemonia da instituição religiosa que

patrocinou por muito tempo esse culto.

Tema 3: Vícios e virtudes

Os autores discorreram acerca da existência e acreditavam que para cuidar dessa

existência era necessária “a afirmação moral e religiosa, sem a qual perderíamos todos os

esforços empregados” (SILVA et al., 1976, p. 15). Davam continuidade ao tema falando da

importância do corpo para alcançar esse êxito:

O corpo desenvolvido produz o animal sadio; a musculatura e o vigor físico produzirão o lutador; a inteligência, sem a moralidade, produzirá o

velhaco, o criminoso, que fugira à justiça, terá recursos suficientes para

engendrar os crimes mais horríveis (SILVA, 1976, p. 15).

Esse trecho expressava bem a idéia de como a escola, como instituição

disciplinadora, e a disciplina de Educação Moral e Cívica, através de seus livros didáticos,

visavam transmitir valores e normas de disciplinarização dos corpos. Referente a essa

forma de controle de corpos, pode-se traçar um paralelo com o que Foucault (2009a, p.

166) argumenta: “adestrar corpos vigorosos, imperativo de saúde; obter oficiais

competentes, imperativo de qualificação; formar militares obedientes, imperativo político;

prevenir a devassidão e a homossexualidade, imperativo de moralidade”.

O livro de Coutinho (1975, p. 15) apresentou a seguinte sugestão aos estudantes:

Pratiquem esportes, amigos, para terem o corpo são, crescerem,

fisicamente saudáveis; alimente-se bem. Cuidem de seu asseio corporal,

todos os dias. Mas, não descuidem de seu espírito. Estudem, apliquem-se em classe, para progredirem, evoluírem, ser gente, amanhã. A sua alma

deve conservar-se sempre pura, voltada para os bons princípios e as boas

ações.

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Da mesma maneira, fazia referência às normas que deveriam reger as ações

relacionadas com o corpo e bons princípios. Dessa maneira, o que se percebe é que o autor

supracitado enfatizava os comportamentos que seriam adequados em diversos momentos.

Ao falar da vida em família, ao falar da vida na escola, na sociedade e no Estado, em suas

orientações utilizava os sentimentos que deveriam ser cultivados aos comportamentos,

palavras e gestos adequados.

Isso fica evidente também, quando o autor falava de valores. Coutinho (1975, p. 50)

apontava uma escala de valores que deveria ser seguida. Ou seja, para ele era preciso

“praticar o bem evitar o mal; cultivar o espírito, não descuidando do corpo; amar a Deus e

à Pátria, servindo-os em todas as nossas ações”. Essa relação com Deus, como já foi visto,

é retomada em diversos momentos e em todos os livros analisados, algumas vezes de

forma explícita e, outras, nem tanto.

“Vícios e virtudes” foi tema recorrente nos três livros pesquisados. O que se

observou através da discussão desses conceitos são as formas de inserir e reforçar condutas

consideradas como adequadas e inibir as consideradas inadequadas. Pôde-se constatar essa

característica quando Almeida et al. (1973, p. 18) afirmavam que as virtudes são adquiridas

somente com “a prática constante” e que, assim, se formava o hábito.

Almeida et al. (1973) citavam algumas das virtudes morais que considerava mais

importantes, tais como: “paciência, benevolência, ausência de inveja, humildade, ausência

de ambição, calma, confiança, espírito de justiça, honestidade, tolerância, amor à verdade,

alegria, generosidade, amor ao trabalho, pontualidade e fraqueza” (ALMEIDA et al., 1973,

p. 18). Sugeriam ainda que o aluno deveria sempre adotar o melhor comportamento, e

guiar-se pela lei moral expressas nas “normas de condutas. O reto caminho, ou seja, o bom

caráter requer firmes convicções e força de vontade” (ALMEIDA et al., 1973, p. 15).

Ao trabalhar o conceito de caráter e personalidade, os autores afirmaram que “a

vontade disciplinada e a ação devem fazer parte de nossa personalidade” e que a união

desses elementos seriam decisiva para que o indivíduo reagisse “conscientemente, com

bom senso, ao encontro de um futuro correto e brilhante” (SILVA et al., 1976, p. 26). A

partir deste trecho, resgata-se a noção do poder disciplinar em sua esfera de vigilância

constante. Tratava-se de veicular um discurso que reforçava a consciência do ato de cada

indivíduo para que aprimorasse a eficácia de seus gestos.

Silva et al. (1976, p. 26) sugeriram, ainda, que para se tornar uma pessoa bem

sucedida, o indivíduo deveria “cultivar cuidadosamente sua personalidade, cuidando da

formação de bons hábitos e adquirindo um bom comportamento. Como conseqüência, a

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personalidade será poderosa, dinâmica e produtiva”. Essas prescrições de comportamento

são próprias de uma instituição disciplinar, trata-se de um discurso que sugere regras e

normas tidas como “naturais”. Tentavam passar um código de normalização que deveria

servir de guia para o aluno. Idéia semelhante aparece na afirmação: “os hábitos são

determinadas formas de conduta que se originam por meio da repetição de atos” (SILVA et

al., 1976, p. 26). A figura abaixo trata-se de um exemplo dado pelo autor sobre alguns

hábitos:

Fonte: SILVA et al., 1976, p. 26.

Coutinho (1975, p. 17), ao apresentar o conceito de virtude, entende que ela deve

“representar sempre a nossa maneira de agir; devem ser a base de nossa conduta, em todos

os campos e em todos os setores de nossa vida. As virtudes são: prudência, justiça,

fortaleza e temperança”. O autor sugere que as crianças aprendam o significado das

virtudes para que, ao final da lição, façam um exame de consciência para identificar se as

virtudes realmente fazem parte de sua pessoa, de sua maneira de agir e de proceder na vida

(COUTINHO, 1975, p. 18). A figura abaixo relaciona a idéia de ser bom e disciplinado

com a de sucesso e respeito:

Fonte: COUTINHO, 1975, p. 21.

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O autor transmitia o conteúdo e sugeria que as crianças o identifiquem em si

mesmas, para que a fixação da norma prescrita fosse “garantida”. Os bons hábitos são

considerados no livro de Coutinho (1975) como requisitos da pessoa humana de maneira

individual. São apresentados os hábitos de higiene que são as “coisas que vocês se

acostumam a fazer todos os dias e que nunca mais deixarão de fazer e de que nunca mais

se esquecerão” (COUTINHO, 1975, p. 17). Classificou os hábitos bons como “virtudes” e

os maus hábitos como “vícios”. O autor também apresentou os vícios que são o oposto às

virtudes, tais como: soberba, inveja, avareza, luxúria, ira e preguiça, em clara referência

aos sete pecados capitais.

Almeida et al. (1973, p. 19) apresentaram diversos vícios que consideravam

danosos à sociedade, tais como: “orgulho, mentira, avareza, ira, gula, inveja, egoísmo,

desonestidade, maldade, preguiça, covardia, falta de controle, injustiça, ambição

desmedida, ciúme, intolerância, irritação, desconfiança, fraqueza de ânimo e precipitação”.

Tal lista, por sua extensão, contribuía para sugerir a necessidade de aumento da vigilância

sobre pensamentos e corpos. Na figura abaixo, pode-se verificar como foi simbolizado,

com quadrados decrescentes, o pensamento do indivíduo, fato que sugere uma forma de

restrição ou cerceamento:

Fonte: SILVA et al., p. 25.

Acredita-se que ao inserir, em um livro didático, tantas normas e prescrições de

condutas, o intuito seria não outro senão o de cumprir uma função disciplinar

Da mesma forma, Coutinho (1975, p. 58) afirmava “o menino que possui mais

qualidades do que defeitos é de bom caráter. O que possui mais defeitos do que qualidades

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é de mau caráter” (COUTINHO, 1975, p. 58). Para ser qualificado como “bom caráter”, o

autor apresentava a “receita”:

agir sempre com carinho, bondade, caridade cristã, não criticar apenas, mas procurar encontrar, no mundo e nos outros, as coisas boas, que

existem e não imaginar que neles só existem maldades, vícios, defeitos. É

preferível corrigir nossos defeitos a apontar os de nosso vizinho.

De forma aparentemente maniqueísta, os livros diferenciavam o bem e o mal,

preconizando as condutas consideras adequadas para um cidadão. Algumas vezes,

inclusive, demonstravam que os maus comportamentos eram punidos. A criança devia

aprender a ser disciplinada para saber se comportar em diferentes circunstâncias e para que

se tornassem adultos bons, honrados e produtivos. Assim, define Coutinho (1975, p. 67-

68), o “bem é tudo o que é certo, correto, tudo o que a nossa consciência diz que nós

devemos fazer, porque é honesto, decente. Mal é o que vai contra os bons princípios e a

nossa consciência nos diz que não devemos fazer, porque é desonesto, indecente”. As

figuras a seguir mostram esses exemplos:

Fonte: COUTINHO, 1975, p. 63. Fonte: COUTINHO, 1975, p. 62.

Ainda nessa linha de pensamento sobre o adulto que os estudantes viriam a ser,

Coutinho (1975) discorreu de maneira enfática sobre a importância do trabalho. O autor

deixou claro que o Brasil exigiria que todos os cidadãos trabalhassem e produzissem para

que contribuíssem para o progresso e o desenvolvimento da coletividade. Desta maneira,

concluiu que “o trabalho é, ao mesmo tempo, um direito e um dever de todos os cidadãos”.

O autor afirmou categoricamente que ninguém tinha “o direito de ser preguiçoso,

vagabundo, de ficar inerte, parado, sem trabalhar” (COUTINHO, 1975, p. 164). Nesse

excerto, observa-se novamente o intento de utilizar a educação como meio de prevenção.

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Incentivar de diferentes maneiras que o estudante se torne um adulto produtivo, eficaz e

doutrinado. A figura abaixo exemplifica essas idéias:

Fonte: COUTINHO, 1975, p. 70.

Os livros dos autores mato-grossenses apresentavam em suas partes finais temas

diversificados. Almeida et al. (1973) construíram um capítulo sobre uso e males das

drogas. O que reforça a idéia de que esse livro fora feito para estudantes de faixas etárias

mais avançadas, enquanto Silva et al. (1976) trabalharam com o tema de direitos e deveres

no trânsito, um conteúdo, sem dúvida, mais ameno.

Ao falar do uso de drogas, Almeida et al. (1973, p. 100) utilizaram a seguinte frase

“é mais fácil seduzir ao mal os espíritos inexperientes, imaturos, do que os adultos,

experientes e cautelosos. Além do que um jovem ganha, representa um futuro, em oposição

ao simples presente de um adulto”. Pode-se observar nesse trecho a forma como o poder se

espalha nas sutilezas das formas e conteúdos nos livros. Ao inserir os efeitos negativos do

uso de drogas, está sendo exposto o que não deve ser feito, que deve ser entendido como

uma forma de disciplinarização. Percebe-se que mesmo em conteúdos que ultrapassam o

sentido político e doutrinário recorrente nos livros analisados, utilizam-se de mecanismos

de controle disciplinar.

Com intuito de fazer a prevenção ao uso de drogas, alguns motivos são descritos

como combate à toxicomania. Destaca-se o excerto em que se afirmou: “o tóxico conduz o

homem ao homossexualismo, a mulher à prostituição e ambos finalmente à loucura”

(ALMEIDA et al., 1973, p. 103). O que se observa é a formação de um vínculo que

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procura, ao realizar essa associação do uso de drogas, homossexualismo, prostituição e

loucura, incutir nos alunos que além das drogas os outros comportamentos também seriam

vícios, danosos e prejudiciais.

Silva et al. (1976) inseriram, no final do livro, um conteúdo distinto dos aspectos

políticos já apresentados. Apareceram como apêndice, os direitos e deveres do trânsito,

inclusive com todas as placas e formas de sinalização de trânsito (SILVA et al., 1976, p.

83). Novamente observa-se a inserção de conteúdos com a finalidade de modificar práticas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise dos documentos utilizados nesta pesquisa pode-se concluir que a

disciplina de Educação Moral e Cívica ao ser reintroduzida no ensino de primeiro grau,

durante a década de 1970, serviu a propósitos peculiares, que contribuíram para diferenciá-

las das demais disciplinas escolares. Este “distanciamento” pôde ser percebido desde o

momento de sua reintrodução, que se deu através de uma série de documentos legais,

como: decretos-lei, decretos e pareceres, que foram lançados em um momento de

acirramento de posições do período militar.

Entre os documentos que a estabeleciam e a regulamentavam estavam, também, os

programas governamentais de regimento e organização da disciplina, que tinham

características próprias, cujo propósito principal era a manutenção da ordem do regime, a

partir do cerceamento dos saberes que circulavam no campo educacional. Nesse sentido, os

livros didáticos da disciplina de Educação Moral e Cívica eram submetidos à análise prévia

de um desses órgãos do governo – a Comissão Nacional de Moral e Civismo – para, então,

serem utilizados pelas escolas.

Desta forma, os livros didáticos analisados nesse trabalho apresentaram as tensões

existentes entre os conteúdos que poderiam ou não, a partir dos programas oficiais, serem

divulgados dentro da realidade na qual se encontravam os autores desses livros. Deve-se

ressaltar que os livros selecionados apresentaram conteúdos próximos, mas dotados de

colorações distintas. O livro de Almeida et al. (1973), mesmo se tratando de um livro para

primeiro grau, foi escrito para estudantes de uma faixa etária mais avançada em relação ao

livro, dos mesmos autores, publicado em 1976. Isso se confirma a partir do vocabulário

mais complexo, da inexistência de imagens e dos conteúdos organizados de forma mais

elaborada.

Este livro, talvez por ser o mais antigo, demonstrou, ao longo de seu texto, um

enaltecimento significativo dos governos militares. Apresentou, inclusive, discursos do

presidente da República em exercício. Outra peculiaridade deste título, que também foi

encontrada no livro 1976, foram as referências significativas feitas aos programas de

desenvolvimento econômico da região Centro-Oeste, o PRODOESTE.

Acredita-se que isso se deve por serem os autores professores que exerciam suas

atividades no cenário mato-grossense. Portanto, essas fontes foram de grande importância

para este trabalho, uma vez que, a pesquisa dos livros didáticos foi circunscrita àqueles

livros que circularam no Estado de Mato Grosso e por não serem tais livros citados nos

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trabalhos acadêmicos mais relevantes sobre livros didáticos da disciplina de Educação

Moral e Cívica. No entanto, por serem de circulação regional, esses livros não levaram

esses conhecimentos a nível nacional, ficando restrito ao próprio Estado do qual fazem

referência.

Em relação aos conteúdos, de maneira geral, pode-se notar que os livros

mantiveram, entre si, uma linha de construção argumentativa bastante coerente e

semelhante. Os conceitos de Estado e Democracia são trabalhados de forma bastante

idealizada. Suas definições são muito distantes da realidade em que o País se encontrava

naquele momento. No entanto, a realidade passa a ser acionada no momento em que os

autores começam a discutir a atuação concreta do cidadão dentro do Estado e da

Democracia. Ao trabalhar com o conceito de liberdade, os livros apresentam uma série de

restrições que possibilitariam ao cidadão viver dentro do Estado e da Democracia reais do

Brasil. Até que concretizam a realidade ao falar das funções das Forças Armadas. Funções

que são descritas e que correspondem, em uma avaliação positiva, aos fatos. Trata-se de

sutilezas, de mecanismos argumentativos sofisticados, que fazem com que os leitores não

percebam a contradição entre um governo autoritário que se intitula como democrático.

O instrumento que permitiu o funcionamento desta lógica foi justamente a

disciplina de Educação Moral e Cívica. Residiu aí seu caráter disciplinador e sua principal

finalidade. Foi através desta disciplina que o governo conseguiu transmitir seu ideário de

maneira minuciosa e pormenorizada. Criando um cidadão disciplinado que seria o único

responsável por sua liberdade. Ou seja, dependeria do cidadão ser uma pessoa livre,

bastava que ele seguisse as regras e leis que estavam sendo impostas naquele momento

político. A disciplina de Educação Moral e Cívica foi um dos instrumentos importantes na

formação deste cidadão disciplinado.

O que se nota é que a finalidade educativa da disciplina de Educação Moral e

Cívica ficou secundarizada. Sua finalidade real, ou seja, aparentemente real era a de

ensinar a cidadania para a construção de um país melhor. No entanto, sua finalidade de

objetivo era de formar um cidadão que, dotado de direitos e deveres, aceitasse como justo e

“verdadeiro” o contexto político em que o País se encontrava naquele momento.

Para conseguir alcançar esse objetivo era preciso disciplinar os sujeitos através de

normas de condutas que, transcritas nos livros, contribuíssem para a formação de

estudantes dóceis e úteis ao contexto sócio-político vigente. Assim, foram transmitidos

conteúdos com regras de comportamento, de adequação e com uma concepção claramente

definida do “ser bom”. Foram trabalhados conhecimentos que auxiliaram na

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disciplinarização e que aumentaram o esquadrinhamento de corpos já realizado pelo

espaço escolar.

Os estudantes do ensino primário tiveram contato com conteúdos que enfatizavam e

reforçavam a individualidade. Cada indivíduo seria um ser livre e responsável por seus atos

e por aquilo que seria no presente e pelo que se tornaria no futuro. Tratava-se de criar

singularidades justapostas, dotadas de pouca possibilidade de articulação coletiva.

Individualizar os corpos espacialmente faz parte das instituições disciplinares e, no caso da

Educação Moral e Cívica, mais que espacialmente, através dos discursos e saberes de

verdade. Tratava-se de um discurso concatenado com os discursos veiculados pelos

governantes, fato que legitimava o que estava sendo ensinado.

Deve-se, contudo, fazer uma ressalva. Todos os espaços onde existem relações de

poder, de disciplinarização, são, também, espaços de lutas e resistências. Como tal, na

disciplina de Educação Moral e Cívica, apesar de todos os esforços na tentativa de

contenção e cerceamento, houve margem para que essas relações de poder fossem

questionadas ou, até mesmo, “subvertidas”. Muitos professores utilizaram o espaço desta

disciplina escolar para fornecer aos estudantes condições de entender e questionar o regime

que havia sido imposto.

Longe da pretensão de esgotar o tema, identificou-se a existência, em Mato Grosso,

de peculiaridades regionais assumidas pela disciplina de Educação Moral e Cívica. Os

livros produzidos por autores que conheciam mais de perto a realidade deste estado, ao

discutirem aspectos do desenvolvimento regional, enfatizavam elementos das políticas

públicas voltadas para a região Centro-Oeste. Provavelmente, livros produzidos por autores

pertencentes a outras realidades regionais, também apresentaram particularidades análogas

a esta, mas isto somente poderá ser desvelado através da realização de pesquisas futuras.

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