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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DAYENNE KAROLINE CHIMITI PELEGRINI
EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA:
DISCIPLINA E PODER DISCIPLINAR NO ENSINO DE
PRIMEIRO GRAU MATO-GROSSENSE DA DÉCADA DE
1970
CUIABÁ - MT
2011
DAYENNE KAROLINE CHIMITI PELEGRINI
EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA:
DISCIPLINA E PODER DISCIPLINAR NO ENSINO DE
PRIMEIRO GRAU MATO-GROSSENSE DA DÉCADA DE 1970
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Educação na
Área de Concentração Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa Cultura, Memória e
Teorias em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Márcia dos Santos
Ferreira.
Cuiabá - MT
2011
DAYENNE KAROLINE CHIMITI PELEGRINI
Prof. Dr. Dimas Santana Souza Neves
Examinador Externo - Universidade Estadual de Mato Grosso
Profa. Dra. Elizabeth Figueiredo de Sá
Examinadora Interna - Universidade Federal de Mato Grosso
Profa. Dra. Márcia dos Santos Ferreira
Orientadora - Universidade Federal de Mato Grosso
Aprovado em 31/03/2011
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
A Thiago Pelegrini com todo o meu amor
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora professora Márcia dos Santos Ferreira, pela oportunidade, confiança
incentivo e autonomia a mim conferida, mesmo frente aos percalços encontrados durante a
pesquisa. Pela competência intelectual e exemplo profissional que proporcionaram suporte
essencial a materialização dessa pesquisa.
Aos professores Dimas Santana Souza Neves, Elizabeth Figueiredo de Sá e Nicanor
Palhares Sá, membros da banca avaliadora desta dissertação pela disponibilidade e
colaborações enriquecedoras.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
concessão da bolsa de Mestrado.
Aos amigos de Cuiabá, por tornarem minha estadia mais aconchegante com seu apoio e
solidariedade.
As escolas e professores que consultei em Cuiabá e Barra do Garças por permitirem e
contribuírem com a minha pesquisa.
Aos meus pais, Ana e Josenir, por minha existência, pelo amor incondicional que
demonstram todos os dias e pelo investimento em minha educação que foram essenciais
para que eu chegasse onde estou hoje.
A família Pelegrini, que me acolheu, me apoiou e comemorou comigo minhas vitórias e
meu ingresso no meio acadêmico, especialmente a Sandra de Cássia Araújo Pelegrini,
grande incentivadora de meu trabalho, exemplo de dedicação profissional.
Ao meu esposo, companheiro incansável, intelectual exemplar, modelo de dedicação a
pesquisa, pelo suporte emocional, compreensão e amor demonstrado ao longo da pesquisa
e pelas revisões e discussões infindáveis acerca dos pressupostos teóricos e filosóficos que
foram fundamentais para o amadurecimento e conclusão desse trabalho.
A todos minha sincera gratidão!
Não me pergunte quem sou e não me
diga para permanecer o mesmo.
Michel Foucault
EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA:
DISCIPLINA E PODER DISCIPLINAR NO ENSINO DE PRIMEIRO GRAU
MATO-GROSSENSE DA DÉCADA DE 1970
RESUMO
Este trabalho apresenta uma interpretação sobre as funções exercidas pela disciplina de
Educação Moral e Cívica, a partir da análise do conteúdo de livros didáticos para o ensino
de primeiro grau que foram utilizados no Estado de Mato Grosso, durante a década de
1970. A Educação Moral e Cívica é tomada tanto como disciplina escolar quanto como
mecanismo de disciplinarização, que manifesta o seu poder no ambiente escolar e na
sociedade envolvente como um todo. A delimitação do recorte temporal foi determinada
pela aprovação do Decreto-Lei 869, de 12 de setembro de 1969, que marcou a
obrigatoriedade da disciplina de Educação Moral e Cívica a partir dos anos letivos
subseqüentes à sua publicação, e concentra atenção nos conteúdos dos livros didáticos
desta disciplina publicados ao longo da década de 1970, momento que antecedeu o
processo de abertura política ocorrido, no Brasil, em meados da década de 1980. As
seguintes noções construídas por Michel Foucault (2000, 2008, 2009a e 2009b) foram
utilizadas como suporte teórico-metodológico: Estado, governamentabilidade, repressão,
poder disciplinar, mecanismos de controle e doutrina. Trabalhos publicados por André
Chervel (1990) e Circe Bittencourt (1990 e 2003) também foram utilizados para o
desenvolvimento da análise da Educação Moral e Cívica, sob a perspectiva da história das
disciplinas escolares. A documentação utilizada constituiu-se por decretos, decretos-lei,
leis e pareceres relacionados aos processos de instituição e consolidação da disciplina de
Educação Moral e Cívica no Brasil, além de livros didáticos que circularam no Estado de
Mato Grosso e entrevistas com professores do ensino de primeiro grau que trabalharam
neste Estado. Observou-se que a disciplina de Educação Moral e Cívica, durante a década
de 1970, atendeu a diversas finalidades, exercendo funções educacionais e disciplinares, e
apresentando, no Estado de Mato Grosso, particularidades relacionadas ao
desenvolvimento econômico e sócio-cultural local.
Palavras-chave: Educação Moral e Cívica. Poder disciplinar. História das disciplinas
escolares. Mato Grosso (Estado).
MORAL AND CIVIC EDUCATION:
DISCIPLINE AND DISCIPLINARY POWER IN THE PRIMARY SCHOOL FROM
MATO GROSSO IN 1970’S
ABSTRACT
This work presents an interpretation about the functions done by the discipline of Moral
and Civic Education from content analysis on didactic books to primary studies which
used to be taught in Mato Grosso during the 1970’s. The Moral and Civic Education is
taken as a school subject as a disciplinary mechanism, which reveal its power at school
atmosphere and at society completely. The delimitation of the temporal situation was
determined by the approval of the Decree-Law 869, 12th
September 1969, where the
obligatorily of such subject was agreed to the posterior school year from its publication,
and it tempts to the new didactic books from this subject published along the decade of
1970, anterior moment of the opening politic process occurred in Brazil in the midst of the
1980’s. The following notions made by Michel Foucault (2000, 2008, 2009a, 2009b) were
used as theory and methodology: State, government, repression, disciplinary power,
mechanism of control and doctrine. Works published by André Chervel (1990) and Circe
Bittencourt (1990, 2003) also were used to the development and analysis of Moral and
Civic Education under a historical perspective of the school disciplines. The
documentation used was constituted by decrees, decree-laws, laws and opinions related to
the process of institution and consolidation of the discipline of Moral and Civic Education
in Brazil, besides didactic books produced in that age and diffused in the state of Mato
Grosso. It was observed that the discipline of Moral and Civic Education, during the
decade of 1970, complied several finalities, holding educational and disciplinary
functions, and presented, in Mato Grosso State, specificities related to the local economic
and socio-cultural development.
Keywords: Moral and Civic Education. Disciplinary Power. School disciplines history.
Mato Grosso (State).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 10
1. DO GOLPE À DISCIPLINA: EMBATES PELA EDUCAÇÃO.............................. 21
1.1. A temática educacional no período que antecede o golpe de 1964......................
1.1.1. Algumas características do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961)....
1.1.2. O “rearmamento moral”..............................................................................
1.1.3. Educação Moral e Cívica, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e projeto de nação e de sujeitos....................................................
1.1.4. Jânio Quadros na presidência......................................................................
1.1.5. João Goulart e a articulação do Golpe de 1964...........................................
21
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26
1.2. A instauração da Educação Moral e Cívica durante a afirmação do golpe
militar...................................................................................................................... ...
1.2.1. Elementos dos mecanismos de controle político e social instituídos com
o Golpe de 1964: os Atos Institucionais e as reformas na educação.......................
1.2.2. A “repressão sutil” da censura e seu caráter “educativo”...........................
1.2.3. O exercício da “repressão direta”................................................................
1.2.4. A “reorganização” do campo educacional..................................................
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2. EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA: DISCIPLINA E PODER DISCIPLINAR........ 42
2.1. A disciplina de Educação Moral e Cívica: elementos de um percurso histórico
até 1964......................................................................................................................
42
2.2. A disciplina de Educação Moral e Cívica nos anos 1970....................................
2.3. A disciplina de Educação Moral e Cívica: alcances e limites..............................
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50
3. EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA EM MATO GROSSO: SABERES E
COMPORTAMENTOS PRESCRITOS....................................................................
3.1. Uma discussão sobre o livro didático......................................................................
3.2. O conteúdo dos livros didáticos..............................................................................
3.2.1. Aspectos da esfera pública..........................................................................
3.2.2. Aspectos da esfera privada..........................................................................
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66
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72
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 100
10
INTRODUÇÃO
As políticas educacionais instituídas no Brasil após o movimento político de 1964
abrangeram todos os níveis de ensino, alterando a fisionomia da educação brasileira e
provocando mudanças significativas, algumas das quais ainda são visivelmente presentes
no panorama educacional atual. A regulamentação da política desse período exigiu a
criação de dispositivos próprios que visavam fundamentar e legitimar o regime político que
então se instituía. Entre esses dispositivos encontram-se a implantação dos Atos
Institucionais que permearam o contexto político, econômico e social do país. Na área
educacional, foram realizadas duas reformas, abrangendo todos os níveis de ensino, além
de uma série de atos oficiais, como leis, decretos, decretos-lei e pareceres que delinearam a
forma como a escola funcionaria no Brasil.
Tendo em vista a compreensão de algumas destas transformações que ocorreram no
campo educacional brasileiro e mato-grossense, esta pesquisa apresenta uma interpretação
sobre as funções exercidas pela disciplina de Educação Moral e Cívica, a partir da análise
do conteúdo de livros didáticos para o ensino de primeiro grau que foram utilizados no
Estado de Mato Grosso, durante a década de 1970. A proposta é abordar a Educação Moral
e Cívica como disciplina escolar e como mecanismo de disciplinarização, que manifesta o
seu poder no ambiente escolar e na sociedade. A análise procura focalizar e discutir as
normas e comportamentos valorizados pelos livros didáticos em circulação no Estado de
Mato Grosso, no período em estudo, com o propósito de identificar a ocorrência – ou não –
de particularidades nos conteúdos divulgados em âmbito local, de acordo com as
especificidades culturais e econômicas então existentes nesta região do País.
Assim como em outros momentos de ruptura política ocorridos na história do
Brasil1, também no contexto da instauração da mudança de governo que irrompeu em 1964
e se aprofundou em 1968, a escola passou a ser vista como instituição privilegiada, criada
pela nação, para formar o cidadão. Para tanto, os conteúdos e métodos das disciplinas
ensinadas precisavam contemplar diferentes finalidades. Nesse sentido, Dominique Juliá
(2001, p.10), ao discorrer sobre o seu conceito de cultura escolar, auxilia a compreensão de
seu papel a partir de “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
1 Em momentos marcantes da história brasileira, como a Proclamação da República e a Revolução de 1930,
pode-se notar tanto a exaltação das funções da escola como a importância atribuída à introdução (ou
reintrodução) de estudos sobre Educação Moral e Cívica entre as disciplinas escolares.
11
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”.
Essas normas e práticas têm suas finalidades definidas de acordo com uma série de
questões, que podem variar segundo as épocas. Podem envolver questões religiosas,
sociopolíticas ou simplesmente de socialização. Vale ressaltar que na análise dessas
normas e práticas devem ser considerados os indivíduos envolvidos no processo de
produção de saberes escolares, as diferentes formas pelas quais estes indivíduos se
apropriam das prescrições e as interpretam.
Através da análise da história das disciplinas escolares, pode-se apreender um
movimento histórico na definição dos conteúdos disciplinares valorizados pela escola. Esse
movimento inclui conflitos, lutas pelo espaço de definição da forma e dos saberes que
constituem tal conteúdo disciplinar. De acordo com Martins (2000, p. 16).
ao se pensar as finalidades da educação escolar, passa-se a pensar
também os objetivos que devem ser atingidos com os conhecimentos previamente selecionados Tal diferenciação entre objetivos escolares e
finalidades educacionais são importantes quando se pensa cada disciplina
escolar separadamente.
Ao eleger uma disciplina como objeto, buscou-se em Michel Foucault uma
interpretação do objeto da pesquisa histórica. Para Foucault (2000), este objeto se faz
através das relações identificadas entre os documentos que constituem o corpus
documental trabalhado, que varia de relatórios a aparatos legais. Foucault (2000, p. 291)
entende que o trabalho do historiador “consiste em manipular e tratar uma série de
documentos homogêneos concernindo a um objeto particular e a uma época determinada, e
são as relações internas ou externas desses corpus de documentos que constituem o
resultado do trabalho do historiador.”
Em conformidade com essa perspectiva, André Chervel (1990, p.188-189) entende
que nas análises realizadas com o intuito de identificar os conteúdos que são elaborados e
transmitidos pelo sistema de ensino é preciso ter como corpus documental as produções
realizadas no período determinado. Portanto, é necessário buscar e identificar a “série de
textos oficiais programáticos, discursos ministeriais, leis, ordens, decretos, acordos,
instruções, circulares, fixando os planos de estudos, os programas, os métodos, os
exercícios etc.”, para se alcançar uma melhor compreensão da criação e fins dos conteúdos
reunidos que formam as disciplinas escolares.
12
Segundo Chervel (1990, p. 187-188), as finalidades do ensino escolar são de
diferentes ordens, que podem variar desde as finalidades religiosas, sócio-políticas,
psicológicas, entre outras, até finalidades consideradas “mais sutis”, como as “de
socialização do indivíduo no sentido amplo, da aprendizagem da disciplina social, da
ordem, do silêncio, da higiene, da polidez, dos comportamentos decentes etc.”.
A disciplina de Educação Moral e Cívica congregava estas diferentes ordens,
explicitando características como a restauração da ordem, o desenvolvimento do espírito
patriótico, assim com um comportamento individual preconizado como adequado ao
desenvolvimento social e econômico da nação.
Segundo Marcílio Souza Júnior e Ana Maria O. Galvão (2005) deve-se
compreender a busca por legitimidade de algumas disciplinas escolares, muitas vezes
desvalorizadas em seu valor pedagógico, e ainda indagar a composição do estatuto de tais
disciplinas, seu movimento de transformação da cultura e do conhecimento científico em
saber escolar, além de observar as modificações dos métodos e conteúdos de ensino ao
longo de seu tempo de existência.
Outro fator importante na análise de uma disciplina, conforme Chervel (1990, p.
190) é a distinção entre “finalidades reais” e “finalidades de objetivo”. Faz-se necessário
aprender a distingui-las, mesmo que os textos oficiais tendam a misturar umas e outras. É
preciso, sobretudo, tomar consciência de que uma estipulação oficial, apresentada por um
decreto ou uma circular, define apenas uma “finalidade de objetivo”, ou seja, visa mais
“corrigir um estado de coisas, modificar ou suprimir certas práticas, do que sancionar
oficialmente uma realidade” (CHERVEL, 1990, p. 190, sem grifos no original). Chervel
(1990, p. 190) enfatiza que “não podemos nos basear unicamente nos textos oficiais para
descobrir as finalidades do ensino”. Para o autor, “a definição das finalidades reais da
escola passa pela resposta à questão „por que a escola ensina o que ensina?‟”. Portanto,
ainda segundo o mesmo autor: “o estudo das finalidades não pode, pois, de forma alguma,
abstrair os ensinos reais. Deve ser conduzido simultaneamente sobre os dois planos, e
utilizar uma dupla documentação, a dos objetivos fixados e a da realidade pedagógica”
(CHERVEL, 1990, p. 191).
Para a realização desta pesquisa buscou-se a documentação que envolveu os
processos de instituição e consolidação da disciplina de Educação Moral e Cívica. Entre
estes documentos foram encontrados decretos, decretos-lei, leis e pareceres que regularam
e normatizaram a introdução e funcionamento da disciplina no ensino de primeiro grau, no
Brasil, a partir de 1970.
13
A seleção de livros didáticos, por sua vez, procurou uma aproximação em relação à
realidade pedagógica, a partir da qual foi elaborada uma interpretação que buscou
responder às perguntas centrais deste trabalho: Por que a escola de 1.º grau ensinou
Educação Moral e Cívica? Houve alguma particularidade no ensino de Educação Moral e
Cívica ministrado no Estado de Mato Grosso?
Foram selecionados três livros didáticos que circularam no Estado de Mato Grosso
no período em estudo. Especial atenção foi dada aos livros intitulados “Educação Moral e
Cívica: Ensino de Primeiro Grau - 4º volume”, de 1973, e “Educação Moral e Cívica:
Ensino de Primeiro Grau - 6ª série”, de 1976, ambos elaborados por Luiz de Almeida,
Graziela Campos da Silveira e Silva, Inalda Almeida Franco Lytton e Serys Marly
Slhessarenko, pessoas que adquiriram destaque nos cenários educacional e político mato-
grossense.2 O terceiro livro analisado foi “Estudos de Moral e Civismo: Ensino de
Primeiro Grau”, escrito por Oswaldo Coutinho e publicado em 1975. As capas dos livros
analisados são as seguintes:
[ALMEIDA, 1973] [SILVA, 1976] [COUTINHO, 1975]
Vale salientar que em levantamentos existentes sobre a produção de livros didáticos
para a disciplina de Educação Moral e Cívica, esses livros não são citados. Mesmo em
trabalhos como o de Juliana Miranda Filgueiras (2006) e André Luiz Onghero (2007), que
apontaram um levantamento de livros didáticos com circulação nacional significativa, 2 Entre os autores dos livros elaborados em Mato Grosso, destacaram-se na esfera pública: Inalda Lytton,
normalista e especialista em educação, trabalhou no Centro de Treinamento do Magistério de Cuiabá e
participou da organização da Associação Mato-Grossense de Professores Primários (AMPP), criada em 1965;
e, Serys Slhessarenko, advogada e pedagoga, foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores em Mato
Grosso, secretária municipal de educação (em Cuiabá) e secretária estadual de Educação (Mato Grosso). Em
2002, Serys Slhessarenko foi eleita a primeira mulher senadora pelo Estado de Mato Grosso.
14
esses títulos não foram mencionados. Partindo desta constatação, acredita-se que esses
livros foram de circulação local3 e por isso, se tornaram fonte privilegiada dessa análise.
Todos os três livros analisados foram encontrados em diversas bibliotecas de escolas
públicas do Estado de Mato Grosso, localizadas nas regiões metropolitanas de Cuiabá e na
cidade de Barra do Garças, apresentando sinais de manuseio que indicam intensa utilização
dos mesmos.
Os três livros selecionados foram publicados pela Editora do Brasil. O livro
Educação Moral e Cívica: Ensino de Primeiro Grau - 4º volume, pelo seu estado de
conservação, não apresentava o ano de publicação. No entanto, foi possível identificar este
dado através de um contato realizado com a Editora do Brasil. Destaca-se que essa editora,
criada em 1943, se tornou expoente no mercado editorial nacional, tendo como principais
focos os livros didáticos e os livros infantis. Segundo, Juliana Filqueiras (2006), a Editora
do Brasil foi uma das principais editoras que produziram livros de Educação Moral e
Cívica no país.
Também foram realizadas entrevistas com professores que lecionaram a disciplina
de Educação Moral e Cívica no Estado de Mato Grosso, com intuito de, “abrir outras
perspectivas de análise, estabelecer relações e articulações entre fatos” (LOURO, 1990, p.
23) e, com isso, trazer uma significativa contribuição para a compreensão da realidade
pedagógica em estudo.
As fontes orais por estarem inseridas na história do tempo presente têm no
historiador um contemporâneo de seu objeto e, isso favorece a “articulação entre a parte
voluntária e consciente da ação dos homens e os fatores ignorados que a circunscrevem e a
limitam” (CHARTIER, 2001). Desta forma, se torna um auxílio significativo ao
pesquisador, uma vez que, permite um melhor entendimento nas relações estabelecidas em
torno do objeto pesquisado, a partir “das percepções e das representações dos atores” e das
“determinações e interdependências que tecem os laços sociais” (AMADO; FERREIRA,
2001).
A identificação da fala de professores que se dedicaram à disciplina de Educação
Moral e Cívica no Estado de Mato Grosso contribuiu para a compreensão do
desenvolvimento histórico dessa disciplina. Os relatos subsidiaram a percepção das tensões
existentes entre as diferentes formas de poder envolvidas na implantação e nas práticas da
disciplina em estudo.
3 Sabe-se que o livro de Oswaldo Coutinho foi de circulação nacional, no entanto pretende-se enfatizar que
essa obra foi utiliza no Estado de Mato Grosso.
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A delimitação do recorte temporal foi determinada a partir da instauração do golpe
de 1964, contexto no qual foi aprovado o Decreto-Lei 869, de 12 de setembro de 1969, que
marcou a obrigatoriedade, a partir do ano letivo subseqüente à sua publicação, da
disciplina de Educação Moral e Cívica em todos os níveis de ensino. Concentra-se a
atenção nos conteúdos dos livros didáticos desta disciplina publicados ao longo da década
de 1970, momento que antecede o processo de abertura política ocorrido, no Brasil, em
meados dos anos 1980. Com a abertura política, houve a desvalorização da disciplina de
Educação Moral e Cívica, mas ressalta-se que a disciplina permaneceu no currículo até
1993. A partir da década de 1980, no entanto, ela já não tinha as mesmas características,
pois o combate à subversão e a disseminação e manutenção do ideário defendido pela
ditadura até então em vigor deixou de ser visto como necessário.
Nesta direção, este estudo voltou-se à compreensão de como os aspectos políticos,
econômicos e sócio-culturais do período contribuíram para a constituição de um corpo de
saberes afinado com o projeto societário do regime militar instaurado; à investigação dos
argumentos precípuos contidos no discurso oficial que fundamentou as políticas públicas
para instauração da disciplina de Educação Moral e Cívica; e, à investigação das distâncias
e proximidades estabelecidas entre a instauração da disciplina, a legislação que a
regulamentou e os conteúdos e comportamentos valorizados por seus livros didáticos.
Para tanto, adotou-se uma perspectiva teórico-metodológica assentada na
conjugação de noções que possibilitam a apreensão da interação entre relações dos poderes
estabelecidos mediante a necessária conexão com o contexto histórico, através da
utilização de algumas noções construídas por Michel Foucault (2000, 2008a, 2009a e
2009b), como as de Estado, governamentabilidade, repressão, poder disciplinar,
mecanismos de controle, normalização e doutrina.
Outros autores foram utilizados para auxiliar na análise da disciplina escolar de
Educação Moral e Cívica. A função da disciplina escolar consiste, de acordo com Chervel
(1990, p. 188), “em colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade
educativa”. O referencial teórico que contempla essa análise é baseado na história das
disciplinas escolares sugerida por Andre Chervel (1990) e Circe Bittencourt (1990 e 2003).
Foucault (2008a, p. 293) não toma o Estado essencialmente por sua territorialidade,
mas sim um Estado de governo “que tem essencialmente como alvo a população e utiliza a
instrumentalização do saber econômico, que corresponderia a uma sociedade controlada
pelos dispositivos de segurança”. Deste modo, o Estado, no período pesquisado, a partir de
seus objetivos explícitos e implícitos, utilizou, através dos mecanismos de controle por ele
16
disponibilizado, a instrumentalização desse saber econômico. O fez através dessa
“economia do poder”, ou seja, dos procedimentos que permitem fazer circular os efeitos de
poder em todo o corpo social a partir de técnicas mais eficazes e menos dispendiosas.
Foucault (2008a, p. 292) entende que o Estado não deve ser visto como uma
unidade soberana, mas sim “uma realidade compósita e uma abstração mistificada”, na
qual o mais importante é a forma como esse Estado é governado. Nesse sentido, a noção de
Estado e de governamentalidade estão relacionados.
Neste trabalho, governamentalidade será empregada na seguinte acepção, elaborada
por Foucault (2008a, p. 291-292):
um conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e
reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma
principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos
essenciais os dispositivos de segurança.
Observa-se que uma das características da ditadura no Brasil dos anos 1960 e 1970
foi essa forma de exercer seu poder, com instituições e táticas que tinham o intuito de gerir
a população de acordo com uma intencionalidade específica. Utilizou-se uma série de
mecanismos que colocavam a população em constante vigilância. Nesse sentido, a
disciplina de Educação Moral e Cívica desempenhou um papel significativo, pois “gerir a
população” significava geri-la “minuciosamente, no detalhe”. Para Foucault (2008a, p.
291), essa idéia de governo da população intensifica a necessidade de desenvolver a
disciplinarização, pois a população passa a ser seu alvo principal, e os dispositivos de
segurança, seus mecanismos essenciais.
Nessa perspectiva, a partir da documentação que regulamentou a disciplina de
Educação Moral e Cívica, percebeu-se a inserção de uma ação governamental que buscava
dirimir as contradições e, por meio da disciplinarização dos corpos, controlar possíveis
focos de resistência.
A repressão, para Foucault (2008a), deve ser entendida como sendo jurídico-
disciplinar, pois ao mesmo tempo em que exerce uma ação a partir de leis e normas oficiais
que a regulamentam, tem esta ação permeada pela disciplina instituída a partir das
normalizações e táticas de controle. Nesse sentido, acredita-se que a repressão instaurada
no campo educacional do período em estudo corroborava essa acepção. Ao mesmo tempo
em que a repressão mantinha características de doutrinação por meio da legislação que a
17
instituiu, mantinha uma vigilância constante sobre os alunos, sobremaneira, a partir da
disciplina de Educação Moral e Cívica.
Essa forma complexa de vigilância constante, a busca nos detalhes e na eficácia dos
gestos demonstrava a interpretação peculiar de uma forma de poder: o poder disciplinar.
Trata-se de um controle que envolve os indivíduos, a partir de um sistema disciplinar e
manipulador que permeia todo o corpo social. O faz através da captação do “poder em suas
extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde ele se torna capilar” (FOUCAULT,
2009a, p. 182). Este poder se alastra nas formas e instituições mais regionais e locais,
materializando-se em técnicas e instrumentos de intervenção. Assim, o que Foucault
(2009a, p. 133) caracteriza como disciplina são os “métodos que permitem o controle
minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes
impõem uma relação de docilidade-utilidade”.
Outra acepção de Foucault (2008a), importante para a compreensão do período em
estudo, no Brasil, refere-se aos mecanismos de poder. A ditadura utilizou-se desses
mecanismos por considerá-los úteis e economicamente vantajosos. As técnicas de poder
foram largamente utilizadas na sociedade brasileira. A escola como instituição,
eminentemente disciplinar, se tornou campo fértil nesse conjunto de estratégias de
dominação. A partir da disciplinarização dos corpos em um sistema minucioso de coerções
materiais, buscou-se extrair a maior eficiência nos gestos e comportamentos.
Nesta perspectiva, pode-se considerar a disciplina de Educação Moral e Cívica, no
período em estudo, como um desses mecanismos de poder. Sua proposta de doutrinação
dos alunos, com o intuito de diminuir as resistências e possíveis formas de subversão,
visava à formação de cidadãos obedientes e produtivos.
Esse mecanismo era desenvolvido, sobretudo, a partir das normas instituídas com a
instauração da Educação Moral e Cívica. Para Foucault (2008b, p. 75) “a normalização
disciplinar consiste em primeiro colocar um modelo”, ou seja, um modelo construído que
deva ser seguido. Em segundo lugar, para o autor, essa operação de normalização
disciplinar ocorre quando se procura enquadrar “as pessoas, os gestos, os atas, conformes a
esse modelo” e considerando que o normal é aquele que é “capaz de se conformar a essa
norma e o anormal quem não é capaz” (FOUCAULT, 2008b, p. 75). Trata-se de ser guiado
por uma norma que foi prescrita e tida como correta, normal. A disciplina de Educação
Moral e Cívica, através de seus documentos e livros didáticos, prescreveu normas de
condutas em que os alunos deveriam se enquadrar para serem aceitos como cidadãos que
trabalhariam para o bem da Nação.
18
A noção de doutrina, discutida por Foucault (2009b), também auxiliou a
compreensão das funções exercidas pela disciplina de Educação Moral e Cívica. A
doutrina se difundiu no corpo social a partir do reconhecimento das mesmas verdades e da
aceitação que os indivíduos tinham dela. Refere-se a um instrumento de manifestação e de
pertença prévia. Desta maneira, “a doutrina realiza uma dupla sujeição: dos sujeitos que
falam os discursos e dos discursos ao grupo, ao menos virtual, dos indivíduos que falam”
(FOUCAULT, 2009b, p. 43). Entende-se que a disciplina de Educação Moral e Cívica
como doutrina difundiu-se e foi aceita pela sociedade como uma necessidade real de
valoração da Pátria. Mesmo com finalidades diversas, só foi possível mantê-la por um
longo período por ter um corpo social que a legitimasse.
Complementando essa noção, buscou-se em Foucault (2008a, p. 12) sua descrição
da verdade. O autor entende que a verdade é produzida a partir das múltiplas coerções
existentes e que ela produz efeitos regulamentados de poder. Essa verdade é produzida em
cada sociedade e só se mantém quando seus discursos são acolhidos como tal. Os discursos
produzidos e disseminados a partir da doutrina de Segurança Nacional, que fundamentaram
a disciplina de Educação Moral e Cívica, foram validados como verdades necessárias pela
sociedade.
Este trabalho pretende dialogar com algumas produções já existentes que tratam de
diversos aspectos relacionados à implantação e funcionamento da disciplina de Educação
Moral e Cívica na década de 1970. Destacam-se as dissertações de mestrado consultadas,
como a de Maria Aparecida de Freitas B. Oliveira (1982), A implantação da Educação
Moral e Cívica no ensino brasileiro em 1969; José Vaidergorn (1987), As moedas falsas:
educação, moral e cívica; Juliana Miranda Filgueiras (2006), A Educação Moral e Cívica e
a sua produção didática: 1969-1993; André Luiz Onghero (2007), Moral e civismo nos
currículos das escolas do oeste catarinense: memórias de professores; e, Vanessa Kern de
Abreu (2008), A Educação Moral e Cívica: disciplina escolar e doutrina disciplinar –
Minas Gerais (1969-1993).
Maria Aparecida de Freitas B. Oliveira (1982) realizou um trabalho a partir de
fontes documentais, principalmente de documentos produzidos pelo Conselho Federal de
Educação que tratavam da disciplina de Educação Moral e Cívica. Também levantou
documentos das organizações cívicas, da Escola Superior de Guerra (ESG), da Associação
dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG) e da Comissão Nacional de
Moral e Civismo (CNMC). Essa autora trouxe uma contribuição fundamental para este
19
trabalho, pois além de sua análise, proporcionou o contato com documentos que, até então,
eram de difícil acesso.
José Vaidergorn (1987) fez um trabalho centrado na idéias filosóficas, apontando
diferentes doutrinas que teriam influenciado de alguma maneira a disciplina de Educação
Moral e Cívica.
Juliana Miranda Filgueiras (2006) realizou um extenso levantamento dos livros
didáticos, classificando-os a partir de uma análise de seus conteúdos. Ressalte-se que essa
dissertação serviu como ponto de partida para esta pesquisa e foi de grande importância
para o levantamento das fontes a serem utilizadas.
André Luiz Onghero (2007) e Vanessa Kern de Abreu (2008) contribuíram,
principalmente, com a perspectiva da história oral com enfoque regional. Ambos
realizaram a pesquisa em seus respectivos estados, Santa Catarina e Mina Gerais. Essa
visão mais regionalizada favoreceu a presente pesquisa, uma vez que ela também apresenta
esta perspectiva em relação ao Estado de Mato Grosso.
A quantidade de estudos encontrados e utilizados que favoreceram a realização
deste trabalho sugerem que o tema ainda precisa ser mais explorado pela História da
Educação e que suas possibilidades de análise são inúmeras. Os trabalhos supracitados
apontaram, grosso modo, uma proximidade com visões marxistas, muito familiares a quem
trabalha com esse recorte temporal.
Acredita-se que a contribuição desta pesquisa se encontra, principalmente, na
interpretação da história da disciplina de Educação Moral e Cívica e sua utilização como
instrumento de disciplinarização, a partir de um enfoque foucaultiano, assim como nas
aproximações e distanciamentos entre a disciplina escolar e o poder disciplinar que ela
exerceu.
Este trabalho encontra-se dividido em três capítulos: 1) Contexto de idéias: do
golpe à disciplina; 2) Educação Moral e Cívica: disciplina e poder disciplinar; e 3)
Educação Moral e Cívica em Mato Grosso: saberes e comportamentos prescritos.
O primeiro capítulo abordou alguns elementos da história brasileira dos anos 1960
e 1970, período ao longo do qual a disciplina de Educação Moral e Cívica foi reintroduzida
no ensino de primeiro grau. Detalharam-se as relações estabelecidas entre os campos
político, sócio-econômico e educacional durante os governos instituídos entre 1964 e o
início da década de 1970, por meio da instauração desta disciplina.
No segundo capítulo, fez-se uma retomada da história da disciplina de Educação
Moral e Cívica na educação brasileira, visando ampliar a compreensão dos fins que
20
motivaram a reinserção da disciplina na escola de primeiro grau durante o período em
estudo. Realizou-se, a partir dos documentos que oficializaram e sustentaram sua prática,
uma análise interpretativa sob a ótica de Foucault e Chervel, objetivando destacar suas
funções como disciplina escolar e como manifestação do poder disciplinar.
No terceiro e último capítulo foram discutidos os conteúdos presentes em três livros
didáticos que foram utilizados nas escolas do Estado de Mato Grosso, identificando-se
conteúdos trabalhados e comportamentos prescritos como válidos.
21
CAPÍTULO 1 – DO GOLPE À DISCIPLINA: EMBATES PELA EDUCAÇÃO
O problema não é mudar a
“consciência” das pessoas, ou o que
elas têm na cabeça, mas o regime
político, econômico, institucional de
produção da verdade.
Michel Foucault (2008a)
1.1. A temática educacional no período que antecede o golpe de 1964
A seguir são destacados, sumariamente, alguns aspectos marcantes da política
brasileira, em geral, e de sua política educacional, em particular, que podem ser
relacionados aos processos que desencadearam o golpe de 1964 e, conseqüentemente, a
reinserção da disciplina de Educação Moral e Cívica nos currículos escolares em todos os
estados da federação.
1.1.1 Algumas características do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961)
O Programa de Metas do governo Juscelino Kubitschek procurava abranger, de
forma articulada, cinco setores considerados fundamentais ao desenvolvimento econômico
e social do País: Energia, Transporte, Alimentação, Indústria de Base e Educação. Tal
programa tratava de aproximar Estado, empresa privada e capital estrangeiro com o fim de
promover o desenvolvimento com ênfase na industrialização.
No âmbito educacional, houve a disseminação, a partir da doutrina nacional-
desenvolvimentista, da necessidade de preparo de mão-de-obra, através da educação
escolarizada, para atender às demandas da modernização da estrutura produtiva. Segundo
Demerval Saviani (2007), o governo Kubitschek contou com um colaborador
representativo para propagação do nacional desenvolvimentismo. Trata-se do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) que foi criado como um órgão do Ministério da
Educação e Cultura (MEC) em 1955. O ISEB foi um importante organismo que contribuiu
para a formulação, desenvolvimento, difusão e aplicação à realidade brasileira da ideologia
nacional-desenvolvimentista.
22
Divergências políticas, no entanto, geraram rupturas entre os setores ligados ao
governo, fato que indicou o fim do Programa de Metas. Esse rompimento gerou
insatisfações com o então presidente, com destaque especial a dois grupos de opositores: os
comunistas e a cúpula militar (FAUSTO, 2007), colocando o governo em uma situação
difícil em ambos os lados, sem possibilidade de conciliação tanto com a situação quanto
com a oposição. Esta instabilidade política, que caracterizou o final do governo
Kubitschek, agravada pela instabilidade gerada pela renúncia de seu sucessor, Jânio
Quadros, integram o conjunto de elementos políticos, econômicos e culturais envolvidos
na irrupção do golpe de 1964.
1.1.2. O “rearmamento moral”
No início da década de 1960, o contexto geopolítico mundial foi orientado pelo
conflito da Guerra Fria, ou seja, o constante confronto político e econômico das duas
maiores potências que emergiram após a Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos e
União Soviética. Tratava-se de uma busca incessante por aliados e conquistas territoriais
marcadas pela provocação e desgaste do adversário por meio de ameaças militares. Nesse
sentido, os organismos internacionais ligados à iniciativa estadunidense auxiliaram a
solidificação de um ideário favorável apoiado na perspectiva da modernização
desenvolvimentista, especialmente, na América Latina.
Segundo Rita de Cássia Ribeiro Barbosa (2006, p. 18), para o sucesso desse modelo
de desenvolvimento foi necessária a incorporação e a disseminação do “princípio da
interdependência sistêmica, que regulava as relações entre os países que compunham o
mundo ocidental democrático cristão em oposição ao comunismo ateu”. Esse conjunto de
idéias influenciou o campo político e econômico de diferentes países latino-americanos. A
questão da segurança nacional foi reformulada em função do combate ao “inimigo
interno”, representado por indivíduos que atuavam como agentes subversivos,
desestabilizadores da ordem.
Nesse sentido, ressalta-se um movimento que teve grande influência no meio
educacional, principalmente no que diz respeito à disciplina de Educação Moral e Cívica:
trata-se do Movimento de Rearmamento Moral. Organizado, em 1921, por Frank
Buchman, este Movimento sediou-se nos Estados Unidos e teve repercussão internacional
após a II Guerra Mundial, espalhando-se pela Europa, Ásia, África, América do Norte e
América do Sul, com destaque para sua inserção no Brasil, Peru, Bolívia e Chile.
23
O Movimento de Rearmamento Moral chegou ao Brasil por volta de 1961, ano que
corresponde ao final do governo de Juscelino Kubitschek. O Movimento alcançou grande
receptividade entre os civis e militares. Seu objetivo era criar uma democracia capaz de
restaurar a supremacia de todos os valores espirituais e, sobretudo, combater o comunismo
(OLIVEIRA, 1982, p. 13).
O movimento recrutava militares e formadores de opinião brasileiros para
participarem de um programa de treinamento ideológico nos Estados Unidos. Do mesmo
modo, fornecia ao Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) diferentes materiais de
divulgação destinados às diversas camadas sociais, tais como propagandas, filmes e
panfletos.4 Dreifuss (1981, p.162) destaca que entre os objetivos declarados do grupo
mencionado constavam: a promoção da educação cultural, moral e cívica; o
desenvolvimento de estudos e atividades de cunho social; a elaboração de recomendações
para o desenvolvimento e progresso econômico; a disseminação da preocupação com o
bem estar social; e, o fortalecimento do regime democrático do Brasil.
A influência do combate ao “inimigo interno” foi evidenciada no governo
Kubitschek. Para garantir o regime democrático, as Forças Armadas, sob o comando do
presidente, se incumbiram de preservar a ordem interna e combater o comunismo e assim
estabilizar também a ordem social.
Dreifuss (1981), em sua análise do golpe de 1964, destaca as divergências
significativas que existiam no interior das Forças Armadas. Por um lado, encontravam-se
os oficiais nacionalistas que se confrontavam com o imperialismo americano. De outro
lado, estavam os adeptos da “democracia” que acreditavam que só um golpe impediria o
avanço do comunismo no país.
O presidente Kubitschek tentava sustentar as duas perspectivas que poderiam
influenciar seu governo. Por um lado, procurava governar em acordo com um dos
objetivos gerais das Forças Armadas, que se baseava no desenvolvimento e na ordem. Por
outro lado, procurava manter, o quanto possível, o movimento sindical sob controle.
Dreifuss (1981) também realça uma tendência na indicação de militares para cargos
governamentais de significativa relevância.
4 O Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais foi criado em 29 de novembro de 1961. Contou com
colaboradores da Escola Superior de Guerra (ESG) e civis, que, posteriormente, participaram do movimento
de 1964.
24
1.1.3. Educação Moral e Cívica, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e
projeto de nação e de sujeitos
As discussões envolvidas no processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) iniciaram-se na Constituição Federal de 1946. O projeto se
iniciou com uma comissão nomeada pelo então ministro da educação Clemente Mariani,
composta por educadores de diferentes tendências pedagógicas. A comissão foi presidida
pelo educador Lourenço Filho e teve como objetivo basal construir um projeto de reforma
geral da educação nacional.
Notabiliza-se, na fase final da tramitação do projeto, transcorrida a partir de 1957, a
tendência que enfatizava o vínculo estreito da educação com desenvolvimento econômico
brasileiro. Essa tendência se alimentou do ideário da política nacional desenvolvimentista,
que vinha sendo difundida durante todo o governo Kubitschek.
A Igreja Católica participou ativamente nesta fase final de discussões, em defesa
dos interesses do ensino privado. Demerval Saviani (2002, p. 46) sintetiza o texto final da
LDB, Lei n. 4.024/1961, como uma “„solução de compromisso‟ entre as principais
correntes em disputa” prevalecendo, assim, a “estratégia de conciliação”.
A Igreja Católica utilizou como argumento o fato da escola pública não ter
condições de educar os alunos por não ter “uma filosofia integral da vida”. Para preparar os
alunos frente aos “problemas do homem, das suas origens e dos seus destinos” o único
recurso possível seria apelar para a “solução religiosa da existência humana”. Desta forma,
a escola confessional seria a única que teria “condições de desenvolver a inteligência e
formar o caráter, ou seja, de educar” (RIBEIRO, 1988, p. 145-146).
Esse discurso foi reproduzido, em parte, por ocasião da reinserção da disciplina de
Educação Moral e Cívica nos currículos escolares. Ressalta-se que a disciplina voltou a
tornar-se obrigatória no início da década de 1970, no período considerado mais crítico do
regime, no qual o combate ao comunismo era mais ferrenho. Apesar de não ser uma
disciplina propriamente de ensino religioso, a presença da concepção católica ficou muito
evidente, entre outros documentos, no texto da Lei 869, de 12 de setembro de 1969, que a
sancionou.
Na versão final da LDB, uma única menção à Educação Moral e Cívica foi incluída
entre as normas a serem observadas na organização do ensino de grau médio: a
recomendação de se levar em conta a “formação moral e cívica do educando, através de
processo educativo que a desenvolva” (BRASIL, 1961).
25
1.1.4. Jânio Quadros na presidência
Jânio Quadros se lançou na campanha à Presidência da República sem apoio
partidário, tecendo duras críticas à corrupção e à desordem financeira do governo
Kubitschek. Devido ao forte apelo popular presente no discurso de Jânio Quadros, a União
Democrática Nacional (UDN), partido que representava em grande medida o
conservadorismo político de direita, se interessou em amparar o candidato, ao invés de
lançar candidatura própria. Jânio atraiu apoio de diferentes grupos, interesses e parcerias,
das mais diversas concepções políticas.
Jânio Quadros venceu as eleições em outubro de 1960, tendo como vice-presidente
eleito João Goulart. Ressalta-se que na época era possível votar em chapas diferentes para
a eleição de presidente e vice. Jânio começou governar de forma desconcertante e tentou
combinar iniciativas próximas da esquerda com medidas simpáticas aos conservadores e,
com isso, conseguiu a antipatia de ambos (FAUSTO, 2007).
Um importante fato que teve grande repercussão mundial, sobretudo na América
Latina, foi a Revolução Cubana de 1959. A iminência comunista passou a ser vista como
uma ameaça para os governos democráticos. O posicionamento de Jânio e as propostas de
João Goulart contribuíram para que esse temor ao comunismo se instaurasse também no
Brasil.
A Educação Moral e Cívica retornou às discussões políticas e educacionais
brevemente por meio das proposições do presidente Jânio Quadros. Segundo Luiz Antônio
Cunha (2007, p. 295), o presidente resgatou e assentou dispositivos dispersos acerca da
disciplina, como o Decreto 50.505, de 26 de abril de 1961, que “reafirmou a
obrigatoriedade da Educação Moral e Cívica nos estabelecimentos de ensino de quaisquer
ramos e graus, públicos ou privados”. Reintroduzida sob a forma de atividade extra-escolar
e não sob a forma de uma disciplina curricular, a Educação Moral e Cívica não alcançou
repercussões efetivas nas práticas educacionais do período.
Após 1964, a disciplina foi utilizada como instrumento dessas finalidades de
combate ao comunismo, à subversão e a adoração da pátria para se legitimar no campo
educacional.
26
1.1.5. João Goulart e a articulação do Golpe de 1964
Em novembro de 1961, Jânio renunciou ao seu mandato na Presidência da
República sem muitos esclarecimentos. João Goulart como vice-presidente deveria assumir
o cargo, no entanto, por iniciativa de setores militares contrários ao seu governo, a posse
foi adiada. O temor declarado desses setores era a possibilidade de instauração de uma
república sindicalista que possibilitasse aos comunistas a tomada do poder. Após enfrentar
alguma resistência da oposição e com a alteração do sistema de governo de presidencialista
para parlamentarista, João Goulart tomou posse, no dia 7 de setembro de 1961. Tal
mudança de regime político serviu de subterfúgio para cercear os poderes do então
presidente.
Os grupos que impediram João Goulart de assumir a presidência, sob o regime
presidencialista, alegavam que, quando Goulart foi ministro do governo de Getúlio Vargas,
ele havia repassado cargos importantes nos sindicatos para pessoas consideradas como
“agentes do comunismo internacional”. Com isso, os ministros militares temiam que
Goulart na presidência pudesse promover a “infiltração das forças armadas,
transformando-as assim em „simples milícias comunistas‟” (SKIDMORE, 1982, p. 30).
No campo educacional, João Goulart incorporou o discurso que relacionava os
problemas educacionais às reformas de base. Com efeito, propôs a campanha para
erradicar o analfabetismo, a elevação dos investimentos em educação no total dos gastos
públicos, a ampliação da infra-estrutura, o aprimoramento do magistério, o aumento do
número de matrículas e a abertura de escolas ao ingresso dos jovens (VIEIRA, 1995,
p.166).
A primeira grande manifestação contra os atos do presidente Goulart foi a “Marcha
da Família com Deus pela Liberdade”, realizada no dia 19 de março de 1964. Esse
movimento tinha como ideal “a obediência aos valores tradicionais cristãos” (o terço e o
rosário, o matrimônio e a família) e as “liberdades individuais” (liberdade de expressão,
liberdade religiosa), ou seja, a moral religiosa e propriedade privada que estariam
supostamente ameaçadas. A marcha foi composta pelas associações cívicas femininas, por
setores católicos da classe média urbana, por políticos conservadores e pela elite
empresarial (CODATO; OLIVEIRA, 2004, p. 273).
As “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” foram atos públicos
organizados pelos setores católicos de classe média urbana, pela elite empresarial –
representada pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) – e pelos movimentos
27
femininos, que reuniram milhares de pessoas, às vésperas do golpe de 31 de março de
1964, nas principais cidades brasileiras.
Os manifestantes saíram às ruas mostrando resistência ao governo Goulart.
Acreditavam que sua política tinha um caráter comunista e que tendia para a destruição dos
valores religiosos, patrióticos e morais da sociedade. Estas manifestações corroboravam as
idéias defendidas por setores importantes das Forças Armadas e legitimavam a
possibilidade de salvação da democracia através de um golpe político (REIS FILHO,
1988).
As Forças Armadas começaram a se mobilizar para garantir a defesa daquilo que,
segundo seu ideário, representava a segurança e o desenvolvimento do país. Fortaleciam-se
as idéias vinculadas à doutrina da segurança nacional a partir da Escola Superior de Guerra
(ESG), cujas finalidades eram preparar pessoas para funções de direção e planejamento da
segurança nacional, bem como elaborar métodos que avaliassem as condições políticas,
econômicas e militares relacionando-as às estratégias de proteção.
A ESG foi criada no final da década de 1940, com o propósito de desenvolver
conhecimentos necessários ao planejamento da segurança nacional, com o foco na
“segurança interna”. Além disso, priorizava a formação das elites civis e militares que
conduziriam o País em tempos de paz. Vale ressaltar que, conforme Maria Aparecida
Brisolla de Oliveira (1982, p. 6), esse entrosamento entre civis e militares no
desenvolvimento de estratégias governamentais acabou por retirar o caráter puramente
militarista dos governos que se seguiram após o golpe de 1964.
Segundo Carlos Fico (2004, p.137), a partir da construção da doutrina de segurança
nacional, as elites nacionais passaram a ter “um nível de confiança relativamente elevado”
nas Forças Armadas e em sua capacidade de governar o País de forma eficiente e neutra.
O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação
Democrática (IBAD), juntamente a Escola Superior de Guerra (ESG), formaram, então, a
tríade de instituições de oposição ao governo (DREIFUSS, 1981). À medida que Goulart
disseminava e expandia suas propostas de características populares, essas instituições
passaram a se unir e a defender a idéia de que apenas um movimento armado conteria o
suposto avanço do comunismo e garantiria o desenvolvimento econômico.
O IBAD foi criado em fins da década de 1950 por um grupo da classe
conservadora, formado principalmente por intelectuais ligados a ESG e empresários
nacionais e internacionais, com a finalidade de “defender a democracia, as instituições
efetivas e o regime” (DREIFUSS, 1981, p. 102). Formado por integrantes da ESG, ficou
28
conhecido como uma organização de ação anticomunista que influenciou, sobremaneira,
através de ligações com diferentes elementos do meio social, o legislativo e os governos
estaduais, além de intervir em assuntos eleitorais de caráter nacional e regional.
Por sua ação perspicaz, o IBAD teve pouca visibilidade em seu princípio. Atuava
por meio de contatos firmados com variadas fontes e por ligações com empresários
militares e funcionários públicos de alto escalão, o que possibilitava sua influência em
diferentes instâncias na política. Ressalta-se sua conexão com outras organizações de
caráter eminentemente anticomunistas. Durante a presidência de João Goulart, sua
representatividade ganhou força, pois, de acordo com Dreifuss (1981, p.103), o IBAD
“serviu de conduto de fundos maciços para influenciar o processo eleitoral e coordenou a
ação política de indivíduos, associações e organizações ideologicamente compatíveis”.
Para Dreifuss (1981, p. 106), esses grupos disseminaram seu ideário formado por
valores e ideais modernizantes-conservadores em diferentes setores da sociedade civil
representadas por organismos mantidos pela classe dominante como “associações de
classe, grupos de ação política e vários escritórios técnicos privados”.
O IPES foi o outro grupo de grande representatividade, que formou o complexo
IPES-IBAD responsável por contribuir na constituição de um conjunto de idéias favoráveis
ao golpe civil-militar de 1964. Apesar dos diferentes posicionamentos ideológicos, os
elementos que formavam esse grupo se aproximavam por suas relações econômicas
multinacionais e associadas, pela aversão aos comunistas e pelo objetivo comum de
renovar a administração do Estado brasileiro. Para Dreifuss (1981, p. 163-164), essa
organização partilhava dois direcionamentos distintos. Por um lado, mantinha sua “face
pública”, apresentando-se como uma organização de “respeitáveis homens de negócio” e
intelectuais, pessoas que defendiam a “participação nos acontecimentos políticos e sociais
e apoiavam a reforma moderada das instituições políticas e econômicas existentes”. Por
outro lado, seus membros “coordenavam uma sofisticada e multifacética campanha
política, ideológica e militar”.
Dreifuss (1981, p. 164) ressalta, ainda, que o IPES se declarava como uma
“organização educacional, que fazia doações para reduzir o analfabetismo das crianças
pobres e como um centro de discussões acadêmicas”.
Tanto o IBAD como o IPES foram instituições que tiveram grande influência na
implantação e manutenção do regime ditatorial no Brasil. Ambos foram compostos por
intelectuais que defendiam interesses contrários ao governo nacional-reformista de João
Goulart e às forças sociais que apoiavam a sua administração.
29
Corroborando essa assertiva, Carlos Fico (2004, p. 145) entende que o “complexo
IPES/IBAD” serviu como um “Estado-Maior da burguesia” através de “uma ação medida,
planejada e calculada que a conduziu ao poder”. Inculcaram, ao longo dos anos de
existência, a premissa de que apenas um golpe de Estado seria capaz de tomar o poder e
reformar o país.
Salienta-se a relevância da participação desses grupos no movimento de 1964, uma
vez que, passaram a constituir uma organização de classe com uma ação política
sofisticada. O “complexo IPES/IBAD” participou ativamente do estágio inicial de
articulação do golpe de Estado de 1964. Segundo Dreifuss (1981, p. 162),
a elite orgânica modelaria as forças sociais burguesas em uma classe,
processo este que culminaria com a transposição do poder privado dos interesses multinacionais e associados para o governo público do Brasil.
A conjunção dos fatores mencionados foi fundamental para a composição de forças
responsáveis pelo golpe de 1964. A análise realizada permitiu contrapor as posições
contrárias ao governo de Goulart e as articulações realizadas para mantê-lo no poder. Com
efeito, o pretexto que daria continuidade aos planos dos militares e civis opositores surgiu
com um discurso de Goulart, no qual foi exaltada a necessidade de execução das reformas
de base pretendidas pelo governo.
1.2. A instauração da Educação Moral e Cívica durante a afirmação do golpe militar
O processo político que desencadeou o golpe político de 1964 começou a se
intensificar a partir do “Comício da Central”, realizado em 13 de março daquele ano. Neste
evento, João Goulart apresentou os planos para a efetivação das reformas de base em seu
governo.
Outros eventos que merecem destaque, por suas relações com o final do governo
Goulart, foram as manifestações promovidas por organizações religiosas que discursavam
sobre o perigo comunista. Estas organizações alegavam que o presidente compartilhava do
ideário comunista e que poderia implantar no País os princípios que regem essa ideologia.
Pelo contexto externo, no qual imperava a Guerra Fria, os militares se alinhavam
com as proposições do governo dos Estados Unidos, favoráveis ao combate ao comunismo
e às organizações de esquerda. De acordo com Boris Fausto (2007, p. 461), a maioria dos
militares tinha “a manutenção da ordem social, o respeito à hierarquia e o controle do
30
comunismo” como princípios absolutos a serem seguidos. Enfraquecidos tais princípios,
seus defensores acreditavam que “a ordem se transformava em desordem, e a desordem
justificava a intervenção”.
Ao mesmo tempo, a direita se articulava em torno da vontade de conquistar o poder
e aliados aos conservadores moderados passaram a defender a máxima de que “só uma
revolução purificaria a democracia, pondo fim à luta de classes, ao poder dos sindicatos e
aos perigos do comunismo” (FAUSTO, 2007, p. 458). Sob essas prerrogativas, em 31 de
março de 1964, foi deflagrado o golpe que destituiu Goulart.
Carlos Fico (2004, p. 52) entende que a preparação do golpe pode ser considerada
“civil-militar”, mas, no golpe, propriamente, “sobressaiu o papel dos militares”. O autor
acredita que “desde o início do regime foi indiscutível a preponderância dos militares, em
detrimento das lideranças golpistas civis”.
Tornou-se uma justificativa ao golpe lembrar aos cidadãos que “as forças armadas
levantaram-se para salvaguardar as tradições, restaurar a autoridade, manter a ordem e
preservar as instituições” (SAVIANI, 2007, 362). Segundo Toledo (2004, p. 24), a tomada
de poder teve como objetivo “por fim ao debate político vigente e por fim nas propostas de
reformas sociais e políticas, principalmente a reforma agrária”.
Corroborando essa assertiva, José Murilo de Carvalho (2005), interpreta que a
atitude radical dos golpistas justificou-se, primeiramente, pela ameaça que a divisão
ideológica causaria na sustentação da organização militar. Outro fato que deve ser
ressaltado se refere à atuação dos antivarguistas, que, no bojo da ESG, elaboraram a
doutrina de segurança nacional. Em conjunto com outras instituições, como o complexo
IPES/IBAD, integrantes da cúpula militar encamparam a luta contra o comunismo pela
preservação da sociedade capitalista, desenvolvendo um ideário favorável à efetivação do
golpe, que seria aproveitado, posteriormente, pelo primeiro governo militar. Para
concretizar as propostas enunciadas seria necessário realizar o expurgo dos inimigos para
controlar o poder (CARVALHO, 2005, p. 159).
A doutrina elaborada e ensinada pela ESG continha a teoria da “guerra interna”
introduzida e difundida pelos militares no Brasil, por temor aos possíveis efeitos que a
repercussão da Revolução Cubana poderia causar em território nacional. Em consonância
com os estudos de Thomas E. Skidmore (1988, p. 22), pode-se afirmar que, segundo essa
teoria, a “principal ameaça vinha não da invasão externa, mas dos sindicatos trabalhistas de
esquerda, dos intelectuais, das organizações de trabalhadores rurais, do clero e dos
estudantes e professores universitários”.
31
Ressalta-se que a ruptura ocorrida com a instauração do regime civil-militar
ocorreu “no nível político e não no âmbito socioeconômico”, justamente para a
preservação dessa ordem. Segundo Saviani (2007, p. 362), os opositores acreditavam e
temiam que, se não houvesse essa ruptura, “a persistência dos grupos que então
controlavam o poder político formal viesse a provocar uma ruptura no plano
socioeconômico”.
Após o golpe, os direitos civis e políticos foram solapados pelas medidas de
repressão instauradas. Toledo (2004, p. 24) afirma que a partir da destruição das
organizações políticas, da repressão dos movimentos sociais de esquerda e das associações
progressistas, o “golpe foi saudado pelas classes dominantes e seus ideólogos, civis e
militares, como uma autêntica Revolução”.
1.2.1 Elementos dos mecanismos de controle político e social instituídos com o Golpe
de 1964: os Atos Institucionais e as reformas na educação
Uma representação importante do controle dos cidadãos que seria exercido pelo
governo ocorreu em junho de 1964, quando o regime criou o Serviço Nacional de
Informações (SNI). Entre os idealizadores destacou-se o general Golbery do Couto e Silva.
Essencialmente, o objetivo expresso do SNI era “coletar e analisar informações pertinentes
à segurança nacional, à contra-informação e à informação sobre questões de subversão
interna”. Contudo, este órgão se transformou em um “centro de poder quase tão importante
quanto o Executivo”, atuando por conta própria na guerra travada contra o inimigo interno
(FAUSTO, 2007, p.468).
Para melhor compreensão do significado do golpe, Maria Luísa Ribeiro (1988, p.
156) recomenda a busca dos “resultados das medidas implantadas concretamente pelos
governos que se seguiram a ele”. Para tanto, o novo regime começou a intervir nas
instituições do País através de decretos, chamados Atos Institucionais (AI), que tinham
como justificativa a urgência do exercício do Poder Constituinte, posicionamento que
segundo os responsáveis pelos governos militares fazia parte de todas as revoluções.
O primeiro Ato Institucional (AI-1) foi decretado pelos comandantes do Exército,
Marinha e da Aeronáutica no dia 09 de abril de 1964. Interferiu no funcionamento do
Congresso e seu conteúdo principal foi o direito de cassação de mandatos pelo governo, a
suspensão sem necessidade de explicação, julgamento ou direito de defesa dos direitos
políticos.
32
Uma característica importante e contraditória do regime foi destacada por Boris
Fausto (2007, p. 465) quando o autor afirma que “embora o poder real se deslocasse para
outras esferas e os princípios básicos da democracia fossem violados, o regime quase
nunca assumiu expressamente sua feição autoritária”.
Essa assertiva é ratificada pela análise dos livros didáticos da disciplina de
Educação Moral e Cívica e da composição da Comissão Nacional de Moral e Civismo
(CNMC) realizada nesse texto que será tratada adequadamente terceiro capítulo. Adianta-
se que o conteúdo tanto dos livros didáticos quanto dos documentos elaborados pela
CNMC não explicitam o autoritarismo que caracterizou os governos militares, pois a
realidade da organização política nacional era apresentada nestes documentos e livros
didáticos como democrática e constitucional.
Com a instauração do AI-1, muitas medidas visaram fortalecer o Poder Executivo.
Com efeito, a aprovação de projetos do Executivo por “decurso de prazo” se tornou
corriqueira. Outro feito instituído pelo primeiro ato constitucional foi a instalação dos
Inquéritos Policial-Militares (IPMs). Seu objetivo era investigar os responsáveis “pela
prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou por atos
de guerra revolucionária” (FAUSTO, 2007, p. 467). Esse foi um marco importante, pois a
partir dessa autoridade dada aos Inquéritos Policial-Militares que se iniciaram as
perseguições a alguns dos grupos contrários ao regime (incluindo nestes procedimentos as
prisões e torturas).
As comissões especiais de inquérito foram instaladas pelo Ministro da Educação,
Flávio Suplicy de Lacerda, e levaram às universidades os IPMs. As autoridades militares
justificavam a necessidade dos IPMs no meio universitário, pela suposta crença de que
agentes comunistas utilizariam os meios de ensino para dominar as mentes dos sujeitos.
Foram montadas comissões especiais compostas por alunos, funcionários e professores,
indicados pelas autoridades militares, para levar a efeito os expurgos (ALVES, 1989).
A partir do AI-1, foi eleito, com votação indireta do Congresso Nacional, em 15 de
abril de 1964, o general Humberto de Alencar Castelo Branco. O término de seu mandato
foi previsto para dia 31 de janeiro de 1966. Deve-se salientar que os generais presidentes
que assumiram o Poder Executivo, em sua maioria, mantinham fortes ligações com a ESG.
O grupo formado pelo governo, denominado castelista, tinha como objetivo político
instituir uma “democracia restringida”, enquanto planejavam, no plano econômico,
reformar o sistema capitalista, “modernizando-o como um fim em si mesmo e como forma
de conter a ameaça comunista” (FAUSTO, 2007, p. 470).
33
Em 17 de outubro de 1965, foi instaurado o segundo ato institucional que
determinou o fim das eleições diretas para presidente e governador e a extinção dos
partidos políticos existentes, impondo o bipartidarismo. Permanece o partido de apoio ao
governo, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), e o de oposição, o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB). Fausto (2007) destaca que a maioria dos políticos
comprometidos com a Arena havia pertencido a UDN e ao PSD, enquanto o MDB se
formou com filiados do PTB e também do PSD.5
Deve-se enfatizar que a implantação do AI-2 potencializou os poderes do
presidente que, posteriormente, permitiriam a imposição do Decreto-Lei 869/1969, que
instituiu a disciplina de Educação Moral e Cívica. Tal como previsto, o Decreto alertava
sobre os perigos de disseminação subversiva no meio educacional, sendo tratado, portanto,
como assunto de segurança nacional.
Segundo Barbara Freitag (2005), logo após o golpe de 1964, o ensino superior
passara a ser alvo de reformulações. No discurso do então Ministro da Educação, Suplicy
de Lacerda, emergiu a urgência da necessidade de disciplinar os estudantes. Nesse sentido,
retoma-se a discussão da ação disciplinar como forma de coibir a subversão e que será
potencializada e legitimada com a promulgação do Decreto-Lei 869/1969, que instituiu a
disciplina de Educação Moral e Cívica.
Não deve ser negligenciada a interpretação de Luiz Antônio Cunha (1988, p.22)
acerca da gênese da idéia de reformulação da universidade brasileira fundamentada no
modelo norte-americano. Para o autor, essa questão foi defendida, sobretudo, por
“administradores educacionais, professores e estudantes, principalmente aqueles, como um
imperativo da modernização e, até mesmo, da democratização do ensino superior em nosso
país”.
Em fevereiro de 1966, o AI-3 foi estabelecido e fixou o princípio da eleição indireta
dos governadores dos Estados, através das respectivas Assembléias Estaduais. O AI-4 foi
instituído em dezembro do mesmo ano e estipulou as condições em que seria votado pelo
Congresso Nacional o projeto de Constituição elaborado pelo Executivo (RIBEIRO, 1988).
A nova Constituição foi promulgada em janeiro de 1967.
O período da sucessão presidencial foi marcado por um endurecimento do regime
militar. Nesse sentido, enfatiza-se que a sucessão presidencial ocorreu no interior da
corporação militar, sendo a decisão final ditada pelo alto comando das forças armadas.
5 Deve-se considerar os limites de um partido de oposição decretado por um poder executivo ditatorial
(Ribeiro, 1988).
34
Desta maneira, foi indicado para presidente o general Artur da Costa e Silva e o civil Pedro
Aleixo foi nomeado vice-presidente.
Com a ascensão do Marechal Costa e Silva, escolhido pelo Colégio Eleitoral para
ocupar o cargo de Presidente da República, empossado no dia 15 de março de 1967, o
poder Executivo prometeu, mais uma vez, “restabelecer os processos políticos
representativos normais e as regras democráticas” (ALVES, 1989, p. 112).
De acordo com Fico (2004), o grupo denominado “linha dura” se autonomeavam os
preceptores dos princípios da “revolução”, mantinham o um poder significativo sobre as
decisões e viabilizaram, paulatinamente, a conquista do Poder Executivo. Carlos Fico
(2004, p. 33) ressalta, ainda, que “o projeto repressivo baseado numa „operação limpeza‟
violenta e longeva estava presente desde os primeiros momentos do golpe”.
Frente às mudanças políticas, econômicas e sociais realizadas após 1967, o governo
tomou algumas iniciativas de criação e aprovação de estratégias de reforma no que se
refere às atividades educacionais em seus diferentes níveis, com o intuito de legitimar-se
em todas as esferas (RIBEIRO, 1988). Com efeito, foram implementadas as reformas
educacionais de 1968, que reformou a universidade, e a de 1971, que estabeleceu o sistema
nacional de 1.º e 2.º graus.
Dreifuss (1981, p.442) entende que a política educacional do regime militar
“tornou-se a expressão da „reordenação das formas de controle social e político‟”
necessária aos interesses econômicos vigentes. Nesse sentido, as reformas que seriam
propostas em 1968 e 1971 tinham, “como escopo estabelecer uma ligação orgânica entre o
aumento da eficiência produtiva do trabalho e a modernização autoritária das relações
capitalistas de produção” (FERREIRA; BITTAR, 2008, p. 335).
Na esteira do pensamento de Barbosa (2006) assevera-se que os planos elaborados
à época ressaltaram a “Revolução pela Educação” e firmaram os objetivos a serem
atingidos na busca pelo desenvolvimento econômico. O processo de industrialização impôs
uma elevada concentração de renda, na qual, a educação atuou a serviço de uma ideologia
que justificava o desemprego pela insuficiência de qualificação.
Portanto, o ideário educacional suscitado pelas reformas educativas serviu aos
governos militares como elemento reforçador da ideologia do desenvolvimento. Difundiu-
se a idéia de que através da educação “ocorreria à redistribuição de renda, a mobilidade
social, o desenvolvimento do espírito comunitário, a adesão aos princípios da democracia
cristã” (BARBOSA, 2006, p. 22-23).
35
As mudanças ocorridas a partir da Lei 5.540/1968, que reformou o ensino superior,
foram mais significativas no aspecto da estrutura interna, pois o intuito era acelerar o
desenvolvimento do sistema universitário com o mínimo de custos. Entre as modificações
destaca-se a departamentalização, a matrícula por disciplina, o curso básico e a
institucionalização da pós-graduação.
O texto da Lei 5.540/1968 apresentava características peculiares que reafirmavam
os atos do regime militar. Deve-se enfatizar o intento, no art. 16.º, § 4.º, de promover “a
manutenção da ordem e disciplina”, demonstrando uma preocupação saneadora, ainda
pouco sistematizada, pelo oferecimento de formação cívica aos estudantes, atividade que,
posteriormente, catalisaram os impulsos doutrinários do regime militar.
Retomando as questões políticas, no governo de Costa e Silva, o grupo da linha-
dura e dos nacionalistas autoritários das Forças Armadas tinha grande representatividade.
Com isso, o número de militares cresceu nos postos importantes dentro do governo. Com a
rearticulação da oposição e o início da luta armada, o governo sentiu a necessidade de
reforçar seu poder e para isso foi preciso “criar novos instrumentos para acabar com os
subversivos” (FAUSTO, 2007, p. 479).
Para tanto, em 13 de dezembro de 1968, Costa e Silva baixou o AI-5. O presidente
da República voltou a ter poderes para fechar o Congresso, interferir nos Estado e
municípios, poderia cassar mandatos e suspender direitos políticos, bem como demitir ou
aposentar funcionários públicos.
Para Carlos Fico (2004, p. 33-34), o AI-5 foi o desfecho de um processo que havia
sido iniciado muito antes e com características distintas das fases anteriores. O autor
entende que essa fase pode ser caracterizada como “utopia autoritária”, pois sua
intencionalidade era de que “seria possível eliminar quaisquer formas de dissenso
(comunismo, „subversão‟, „corrupção‟) tendo em vista a inserção do Brasil no campo da
„democracia ocidental e cristã‟”.
Diferentemente dos outros atos institucionais, o AI-5 não tinha prazo determinado e
não se tratou de uma medida provisória. Perdurou até o início de 1979. Deve-se destacar
que, a partir desse ato, foi suspenso o habeas corpus dos acusados de crimes e infrações
contra a ordem econômica e social e foi autorizada a perda de direitos políticos e a
exoneração no funcionalismo público.
Freitag (2005) entende que a educação assumiu um papel importante neste contexto
e que, por isso, as políticas educacionais deveriam alcançar todas as instâncias da
sociedade. A autora acredita que a instauração do regime militar introduziu uma dimensão
36
tecnocrática no exercício do poder e a exigência de eficácia na administração em diversos
segmentos, entre eles o da escola.
Nesse contexto, priorizou-se na administração do Estado uma conjunção entre
tecnocracia e doutrina da segurança nacional. Segundo Barbosa (2006, p. 68) os governos
militares a fim de alcançar esse objetivo implantaram uma série de “medidas restritivas à
liberdade de expressão e da montagem de um sistema de informações para identificar
eventuais riscos à ordem estabelecida”. Destarte, justificava-se, a “construção gradual de
um grande aparato repressivo destinado a controlar a população” (BARBOSA, 2006, p.
68).
A partir de um governo de técnicos tentou-se justificar a supressão das liberdades
democráticas e a repressão política, utilizando o projeto “Brasil Grande Potência” como
um invólucro mistificador dos governos dos generais-presidentes (FERREIRA; BITTAR,
2008). Esse lema é utilizado inclusive nos livros didáticos da disciplina de Educação Moral
e Cívica.
Com os problemas de saúde que acometeram Costa e Silva os ministros militares
decidiram escolher um novo presidente da República, uma vez que, o vice-presidente era
um civil que tinha se oposto ao AI-5. Por meio de mais um ato constitucional, o AI-12,
uma junta militar composta por ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica tomou o
controle do poder executivo. A junta militar que assumiu manteve e acirrou o combate do
que consideravam como subversão. Para isso, elaboraram os atos constitucionais, AI-13 e
AI-14, nos quais baniram do território nacional os brasileiros considerados nocivos à
segurança nacional e instituiu a pena de morte para os casos de guerra externa, psicologia
adversa, e revolucionária ou subversiva (FAUSTO, 2007).
Logo em seguida, em 12 de setembro de 1969, a disciplina Educação Moral e
Cívica e a Comissão Nacional de Moral e Civismo foram criadas através do Decreto-Lei n.
869. Para Maria Aparecida de Freitas Oliveira (1982, p. 114), o Conselho Federal de
Educação (CFE) tornou-se favorável à implantação da disciplina de Educação Moral e
Cívica, em parte, pela decretação do AI-5 e pela ascensão da Junta Militar.
Segundo Luiz Antônio Cunha (2005), o Decreto-Lei n. 869 foi o resultado das
reuniões do grupo de trabalho da Associação dos Diplomados da Escola Superior de
Guerra (ADESG), as quais determinaram que a disciplina Educação Moral e Cívica
integrasse obrigatoriamente os currículos escolares de todos os graus e modalidades do
sistema de ensino do país. A partir do conteúdo desse decreto-lei, que será discutido no
próximo capítulo, é possível notar a repercussão na educação de uma grande carga de
37
combate à subversão, ao comunismo e aos inimigos internos que poderiam ameaçar a
ordem e aos militares no poder.
1.2.2. A “repressão sutil” da censura e seu caráter “educativo”
Um dos mecanismos de controle utilizados maciçamente no período em estudo foi a
censura à imprensa. Conforme Carlos Fico (2004, p. 37), essa questão se distinguia por não
ter regulamentação e por visar, mormente, os temas políticos. O autor ainda destaca que
sua prática era realizada de maneira velada, através de “bilhetinhos ou telefonemas que as
redações recebiam”.
Outra forma de censura, que também se fazia presente, era a censura às diversões
públicas. Ressalta-se essa forma de censura, sobretudo, por ser ela a responsável por
disseminar o discurso da defesa da moral e dos bons costumes e que, de certa maneira, o
propagava em diversos setores da sociedade brasileira, repercutindo, inclusive, no meio
educacional. Fico (1996), avulta essa forma de censura, especialmente por ela ser
legalizada e mantida por pessoas especializadas e pertencentes ao funcionalismo público:
os censores.
Segundo o autor, devem-se considerar algumas contradições entre as duas formas
de censura ocorridas nesse período. O autor destaca, primordialmente, “a penetração da
dimensão estritamente política na censura de costumes”, o que dava a entender, muitas
vezes, que a censura às diversões públicas se sobressaíra durante o período. No entanto,
Fico (2004, p. 37-38) faz uma separação entre as fases punitivas de ambas:
A censura da imprensa acompanhou o auge da repressão (quando se
pensa em cassações de mandatos parlamentares, suspensões de direitos políticos, prisões, torturas e assassinatos políticos) que se verificou entre
finais dos anos 60 e início dos anos 70. A censura de diversões públicas,
porém, teve seu auge no final dos anos 70, já durante a “abertura”.
Do mesmo modo que a instituição do controle dos meios de comunicação de massa,
foi intuito dos assessores militares a criação de uma agência de propaganda política.
Conseguiram criar a Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP) em 1968. O
objetivo dessa agência era promover, através de filmes romanceados, a participação cidadã,
a crença no “Brasil Potência”, entre outras divulgações.
No entanto, Carlos Fico (2004, p. 38) entende que, para a linha-dura, a mensagem
que deveria ser levada à população deveria ser mais radical, apresentando:
38
os discursos de arrependimento de militantes da luta armada feitos prisioneiros, transmitidos pela TV, ou o famoso slogan „Brasil: ame-o ou
deixe-o‟, iniciativas da polícia política que preferia afirmar-se pela força
de uma “guerra psicológica” e não pela propaganda edulcorada da Aerp.
Para Fico (2004), o sistema repressivo cumpriu sua função a partir de duas ações
principais inter-relacionados: a primeira efetivou-se por meio da força de ação no combate
ao comunismo, com noções saneadoras, e a outra através da base pedagógica, com a
finalidade de suprir as deficiências da sociedade pelo uso da educação. Conforme explica
o autor (2004, p. 39):
Enquanto a polícia política, a espionagem, a censura da imprensa e o
julgamento sumário de supostos corruptos estavam fortemente imbuídos da dimensão saneadora da “utopia autoritária”, a Aerp e a Divisão de
Censura de Diversões Públicas (DCDP) primavam pela tópica
pedagógica. Enquanto os primeiros eliminavam, mesmo fisicamente,
comunistas, “subversivos” e “corruptos”, as duas últimas buscavam “educar o povo brasileiro” ou defendê-lo dos ataques à “moral e aos bons
costumes”.
Portanto, utilizavam-se da força e das concepções da doutrina de segurança
nacional para impor o ideário governamental. Para o autor supracitado, essa doutrina
continha um conjunto de considerações geopolíticas baseadas em certas premissas – como
o tamanho do país e da sua população e a vulnerabilidade à convulsão social – com o fim
de atingir o lema “Brasil Potência” a partir do combate interno ao comunismo.
1.2.3. O exercício da “repressão direta”
Em meados de outubro de 1969, a Junta Militar definiu o mandato do futuro
presidente. O alto comando das Forças Armadas escolheu o general Emílio Garrastazu
Médici para assumir a Presidência da República e o ministro da Marinha, Augusto
Rademaker, como vice. Para Paulo Evarismo Arns (1991, p. 63), o governo de Médici,
com o lema “Segurança e Desenvolvimento”, representou “o período de maior repressão,
violência e supressão das liberdades civis do regime militar”.
Daniel Aarão Reis Filho (1988) destaca que a eficiência da repressão por parte do
governo, bem como o afastamento dos grupos armados da massa, gerou uma significativa
queda e quase extinção nos grupos armados urbanos.
39
Através dos artifícios minuciosos da propaganda televisiva governamental o ideário
do regime “entrou” na casa dos brasileiros, encontrando fraca resistência. No entanto,
evidencia-se a contradição imposta nessa tática de governo. Mesmo o governo Médici
sendo considerado o pior e mais repressor dos governos instalados no período do regime
militar, foi o que se mais se apoiou nas sutilezas das campanhas publicitárias para
conseguir o apoio da população. São deste governo os slogans “Ninguém segura este país”
e a marchinha “Prá frente Brasil”, que impulsionou as comemorações da vitória da Copa
do Mundo de Futebol, de 1970.
1.2.4. A “reorganização” do campo educacional
Na área da educação, articulada com a Reforma Universitária, foi aprovada, em 11
de agosto de 1971, a Lei n. 5.692, que reestruturou a organização do ensino, implantando o
1.º e 2.º graus. Maria Luísa Santos Ribeiro (1988, p. 170) interpreta que a base liberal do
texto legal da lei foi sua marca e inspiração. Desse modo, utilizou-se de fundamentos que
são “em última instância de base tecnicista, quando do exame dos objetivos reais,
orientados por uma compreensão sobre o contexto no bojo do qual a lei foi projetada e
aprovada” (RIBEIRO, 1988, p. 170).
Alguns pontos que marcam as inovações em relação à legislação anterior devem ser
ressaltados. Esses pontos foram sintetizados por Barbara Freitag (2005, p. 161):
extensão definitiva do ensino primário obrigatório de 4 a 8 anos, gratuito em escolas públicas e conseqüente redução do ensino médio de 7 para 3 a
4 anos. O 1.º ciclo ginasial fica, portanto, absorvido pelo ensino primário,
tornando-se obrigatório para todos; profissionalização do ensino médio (antigo 2.º ciclo do ensino médio) garantindo ao mesmo tempo
continuidade e terminalidade dos estudos; reestruturação do
funcionamento do ensino no modelo da escola integrada, definindo-se um núcleo comum de matérias obrigatórias e uma multiplicidade de matérias
optativas de escolha do aluno.
A autora destaca a contradição expressa na lei, pois, no texto explícito, a percepção
é de que se tratava de uma lei democratizante, no entanto, sua ação era autoritária. Foram
ampliados os anos no ensino de 1.º grau para que se tivesse mão-de-obra especializada e
treinada a baixos custos, sobretudo, com a profissionalização a partir do 2.º grau.
Conseqüentemente, formavam-se mais profissionais capacitados para o mercado de
40
trabalho e diminuía-se a demanda para o ensino superior, favorecendo a restrição à
continuidade dos estudos no 3.º grau, que permanecia destinado a uma minoria elitizada.
Reforça-se, portanto, a idéia de que elementos autoritários e democráticos
“confundem-se” neste instrumento legal. Segundo Barbara Freitag (2005, p.152):
à medida que o elemento democrático significa efetivamente aceitar a chance oferecida, são necessárias novas medidas autoritárias de restrição
para manter o controle. Sob o enfoque da contenção – liberalização –,
podemos dizer que, para praticar a verdadeira contenção, foi necessária uma aparente liberalização de vagas.
A lei da reforma do ensino menciona a disciplina de Educação Moral e Cívica, que
já havia sido instituída pelo Decreto-Lei 869/1969. A Lei 5.692 determinava em seu artigo
7.º que era “obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica nos currículos plenos dos
estabelecimentos de 1.º e 2.º graus” (BRASIL, 1971).
Barbara Freitag (2005, p. 155-6) entende que a execução do Decreto-Lei 869 foi
tratada como “prioridade das medidas disciplinares para o corpo estudantil brasileiro, face
às de treinamento profissional eficaz”, atingindo os três níveis de ensino. Segundo a autora,
este Decreto, mais do que qualquer outro texto de lei, torna bem explícita a função da
escola à serviço da manutenção e disseminação dos preceitos propostos pelo regime
militar.
O contexto político, econômico e social fez com que os governantes passassem a
transmitir à sociedade, por meio de mecanismos, como a disciplina de Educação Moral e
Cívica, comportamentos, mensagens e a expressão de um ideário que buscava “justificar a
nova situação do País em nome do desenvolvimento nacional e da preservação dos valores
cívicos e éticos do povo brasileiro” (OLIVEIRA, 1982, p. 11).
A partir dessa “nova” organização do sistema educacional, a Educação Moral e
Cívica apareceu como “um dos elementos essenciais dessa ditadura”, uma vez que, através
dela, formou-se um “expansivo sistema de difusão da doutrina e do imaginário militar”,
além de “formas institucionais de fazer política” (MARTINS, 2003a, p. 20). Maria do
Carmo Martins acredita que as reformas educacionais embasaram “a capacidade de
mudança do papel do Estado na oferta e regulação do ensino público” e circunscreveram a
nova adequação de poder na definição dos conteúdos escolares e na formação docente.
Nessa perspectiva, a escola também sofreu alterações e foi reestruturada e
redefinida para funcionar em toda a sua eficácia como divulgadora de idéias favoráveis ao
regime militar, passando a ser referenciada como uma reprodução em miniatura da
41
sociedade, a serviço do governo como forma de auxiliar sua sustentação. Nem todas essas
funções foram abertamente declaradas. As intenções, implícitas e explícitas, precisam ser
deduzidas da própria estrutura e o funcionamento da escola e confrontadas com o texto da
própria reforma e das diferentes leis, decretos e pareceres que a complementaram.
Como já foi explanado, o momento do governo de Médici não poderia ser mais
apropriado. Dessa maneira, a escola foi utilizada como instrumento de propagação e
inserção das noções utilizadas pelos governos militares. A disciplina de Educação Moral e
Cívica pode ser entendida como um dos instrumentos empregados para a realização dos
objetivos de disciplinarização dos corpos e de contenção de possíveis focos de subversão.
*
* *
Todos os mecanismos de controle e disciplinarização descritos neste capítulo
referem-se à situação política e educacional brasileira como um todo, sem a preocupação
de enfatizar particularidades regionais ou locais que, sem sombra de dúvida, ocorreram nos
diversos pontos do País. Tais particularidades, no que se refere às funções exercidas pela
disciplina de Educação Moral e Cívica, especificamente no Estado de Mato Grosso,
encontram-se identificadas e comentadas no terceiro capítulo deste trabalho, no qual os
conteúdos e comportamentos valorizados por livros didáticos desta disciplina, destinados
ao 1.º grau, que foram produzidos por autores locais ou que circularam amplamente neste
Estado, foram analisados.
42
CAPÍTULO 2 - EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA: DISCIPLINA E PODER
DISCIPLINAR
O poder não está localizado no
aparelho de Estado e nada mudará
na sociedade se os mecanismos de
poder que funcionam fora, abaixo, ao
lado dos aparelhos de Estado a um
nível muito mais elementar,
quotidiano, não forem modificados.
Michel Foucault (2008a)
2.1 A disciplina de Educação Moral e Cívica: elementos de um percurso histórico até
1964
Os ensinos de moral e de civismo, separadamente, tiveram diversos momentos na
história da educação brasileira e mato-grossense. Conforme afirma Circe Bittencourt
(2003), o retorno à história da inserção de disciplinas no sistema de ensino brasileiro, em
diferentes períodos de sua existência, como constituição de saberes escolares, se faz
necessário para melhor apreensão do seu processo de construção e significados para a
escolarização.
Em algumas das inserções dos estudos relativos à moral e ao civismo nos
programas escolares ao longo da história da educação brasileira é possível notar a
proximidade desses dois conteúdos, moral e civismo, ora complementando-se, ora
substituindo-se. Contudo, na Primeira República (1889-1930) os dois apareceram lado a
lado. Entre os fatores que levaram à inclusão da Educação Moral e da Educação Cívica
nesse período destacaram-se “o problema das escolas estrangeiras e a necessidade de
controlar os movimentos populares de descontentamento” (OLIVEIRA, 1982, p. 40).
Dessa maneira, a moral e o civismo foram incluídos como conteúdos nos programas das
escolas elementares, secundárias e normais e objetivavam estabelecer os fundamentos da
nacionalidade.
Outro fator que permeou o desenvolvimento do ensino de Educação Moral e Cívica
na educação brasileira foi o estabelecimento de um vínculo estreito com a disciplina de
História. Os objetivos e conteúdos de ambos, por vezes, se aproximaram. Segundo Thais
Nívia de Lima e Fonseca (2006, p. 24), a História como disciplina se firmou a partir da
necessidade de comprovar as identidades nacionais e a legitimação dos poderes políticos
43
fundamentados no enaltecimento dos grandes feitos da nação e dos vultos da pátria. Da
mesma forma que o ensino da moral e do civismo, os objetivos da disciplina de História
mostraram-se comprometidas com o Estado, difundindo seu ideário por meio dos
“programas oficiais e dos livros didáticos, elaborados sob o estreito controle dos detentores
do poder”.
Esse vínculo também foi percebido em Mato Grosso por Sá (2007, p. 168), que ao
analisar os programas das disciplinas de Moral e Cívica e História, constatou proximidades
no que tange a formação dos cidadãos.
Fonseca (2006) destaca ainda a repercussão do pensamento liberal para a educação,
no sentido da formação de um cidadão produtivo e obediente às leis. Com efeito, o sistema
educacional, controlado pelo Estado, aderiu a essa conformação do indivíduo à vida civil.
Corroborando essa assertiva, José Vaidergorn (1987, p. 24) interpreta que “as formulações
liberais”, baseadas na “manutenção dos valores individualistas, formalizados
juridicamente, passaram a constituir uma das formas de controle e abafamento das lutas de
classe” e que, associadas “a práticas conservadoras”, formaram os pressupostos de um dos
papéis que a Educação Moral e Cívica cumpriria. Os vínculos entre cidadania e educação
se mantiveram afinados e serviram como fonte de elementos constitutivos para o que viria
a ser a disciplina de Educação Moral e Cívica.
Esses conteúdos e a organização dos saberes escolares marcam, conforme
interpretou Jean Claude Forquin (1992, p. 43-44, sem grifos no original), por um lado, a
existência “de imperativos funcionais específicos (conflitos de interesses corporativos,
disputas de fronteiras entre as disciplinas, lutas pela conquista da autonomia ou da
hegemonia no que concerne ao controle do currículo)” e, por outro, a disposição de um
campo social assinalado por grupos sociais com diferentes interesses e “postulações
ideológicas e culturais heterogêneas, para os quais a escolarização constitui um trunfo
social, político e simbólico”.
O exame dos saberes escolares e sua organização constituem um campo de pesquisa
que abarca a “seleção cultural” que a escola faz a partir dos conteúdos que são delimitados
para serem ensinados. A investigação da busca pela legitimidade de uma disciplina, através
de um trajeto marcado por embates de diferentes ordens, mostra a conquista de um
estatuto, a briga por recursos e as delimitações territoriais no interior dos programas
escolares.
Nesse sentido, a disciplina escolar se compõe como importante ferramenta de
legitimação dos conhecimentos difundidos e ensinados no campo escolar. A “Instrução
44
Moral e Cívica” estabelecida a partir da Reforma Rocha Vaz, no ano de 1925, foi
articulada com o ensino de História e visava reforçar os sentimentos patrióticos da
população. Isto ocorreu, segundo João Ribeiro, citado por Thais Nívia de Lima e Fonseca
(2006, p. 51-52), como único “recurso verdadeiramente eficaz que [pôde] inocular na
escola a conduta cívica e patriótica”. João Ribeiro deu continuidade à sua argumentação
com o seguinte comentário sobre o estudo dos grandes vultos da nação: “É o exemplo dos
grandes cidadãos, a história dos que fizeram a ela própria, sobressaindo sobre a atividade
anônima das massas, dirigindo-as aos seus destinos e aos seus ideais”.
Esta passagem de João Ribeiro foi muito importante no desenvolver da história da
disciplina de Educação Moral e Cívica, sobretudo, porque apareceu em um prefácio de
livro didático da época. O mesmo posicionamento foi utilizado em diversos momentos
históricos em que a disciplina foi incluída nos programas escolares. Essa ênfase dada aos
“vultos nacionais” foi um dos conteúdos privilegiados nos livros didáticos no período em
que a disciplina foi reinserida na década de 1970, recorte temporal desta dissertação.
Luiz Antônio Cunha (2007) ressalta, ainda, que a inclusão da Instrução Moral e
Cívica no início da República teve o intuito de substituir o Ensino Religioso, mas seus
objetivos formadores não foram alcançados. O embate político sobre qual dessas
disciplinas deveria ser adotada foi recorrente na história da disciplina de Educação Moral e
Cívica. As repercussões da intrincada relação entre o Ensino Religioso e a Educação Moral
e Cívica ficaram explícitas tanto na legislação como nas produções didáticas da disciplina
em seu ressurgimento na década de 1970. A representatividade que a Igreja Católica
possuía fez valer o favorecimento do Ensino Religioso nos programas escolares em
diferentes ocasiões e permeou, posteriormente, a construção da disciplina Educação Moral
e Cívica.
O Plano Nacional de Educação, que havia sido previsto pela Constituição de 1934 e
que acabou sendo elaborado pelo ministro Gustavo Capanema em 1935, em meio às
controvérsias políticas geradas no final daquele ano,6 mencionava a inclusão da disciplina
de Educação Moral e Cívica. Para o Ministério da Educação, segundo José Silvério Baia
Horta (1994), a educação deveria ser utilizada como instrumento de preservação da ordem.
6 Conforme interpretação de Horta (1994, p. 150-151) "O plano nacional de educação, previsto na
Constituição de 1934, viu-se desta forma transformado em instrumento privilegiado de ação política, por
Vargas e Capanema. Assim, em 7 de dezembro de 1935, convocada por Vargas para o exame da situação
política e das medidas a serem adotadas em função do movimento armado de novembro, Gustavo Capanema
apresenta o plano nacional de educação como a solução para a falta de orientação e de disciplina existentes
na educação brasileira".
45
Isso poderia ser concretizado a partir da presença da Educação Moral e Cívica em todas as
escolas do país.
A Constituição de 1937 estabeleceu a obrigatoriedade do ensino cívico, juntamente
com a educação física e trabalhos manuais, em todas as escolas primárias, normais e
secundárias, públicas e privadas. Desta vez, no contexto do Estado Novo, manifestou-se
um sentido menos religioso do que no projeto do Plano Nacional de Educação. Entre suas
indicações, conforme interpreta Luiz Antônio Cunha (2007), destacam-se as preocupações
com a formação das individualidades condutoras, das concepções e atitudes espirituais
tidas como habituais entre a população, o fervor patriótico, a continuidade histórica do
povo brasileiro, seus problemas e desígnios, sua missão em meio a outros povos.
Outro dilema que fez parte dos embates na instituição da disciplina de Educação
Moral e Cívica referiu-se à sua ação como disciplina ou como prática pedagógica. É
possível perceber que, durante o Estado Novo, ela foi tratada como um fundamento do
ensino, como prática pedagógica que se expressaria através das atividades de outras
disciplinas e nas atividades educativas de maneira geral. Note-se que esta discussão
reapareceu no final da década de 1960, por meio dos embates travados entre o Conselho
Federal de Educação e a Comissão Nacional de Moral e Civismo.
Depois da Constituição de 1937, as reformas educacionais promovidas pelo Estado
Novo, demonstram, mais uma vez, a proximidade entre a disciplina de Educação Moral e
Cívica e a disciplina de História. A Educação Moral e Cívica não foi concebida como
disciplina específica, surgiu articulada à História e também à Geografia. De acordo com
Luiz Antônio Cunha (2007, p. 291), a legislação preconizava que a consciência patriótica
seria formada, principalmente, pela “execução do serviço cívico próprio da Juventude
Brasileira, uma organização de inspiração fascista, com a qual se pretendeu mobilizar, sem
sucesso, os alunos do ensino médio”.
Após o fim do Estado Novo, a disciplina de Educação Moral e Cívica foi retomada
através da promulgação do Decreto-Lei n. 8.347, de 1945. Na Lei Orgânica do ensino
normal, através do Decreto-Lei n. 8.530, de 1946, a Educação Moral e Cívica foi tratada
como componente “do espírito e da execução de todo ensino” (BRASIL, 1946). Para o
ensino primário, o art. 1º da Lei Orgânica mencionava as ações de moral e civismo de
forma exígua, como uma das finalidades do ensino capaz de “proporcionar a iniciação
cultural que a todos conduza ao conhecimento da vida nacional, e ao exercício das virtudes
morais e cívicas que a mantenham e a engrandeçam, dentro de elevado espírito de
Naturalidade humana” (BRASIL, 1946, sem grifos no original).
46
Merece ser elencado também, o intento do Presidente Jânio Quadros que, por meio
do Decreto n. 50.505, de 26 de abril de 1961, consolidou as disposições relativas à
Educação Moral e Cívica nos estabelecimentos de ensino, restabelecendo a obrigatoriedade
da prática de atividades extracurriculares em todos os graus e estabelecimentos de ensino.
Programaram-se as seguintes atividades:
I - hasteamento do Pavilhão Nacional, com a presença do corpo discente
e antes do início dos trabalhos escolares semanais; II - execução do Hino
Nacional, do Hino à Bandeira e de outros que sejam expressão coletiva das tradições do país e das conquistas de seu progresso; III -
comemoração de datas cívicas; IV - estudo e divulgação da biografia e
da importância história das personalidades de marcada influência na formação da nacionalidade brasileira; V - ensino do desenho da Bandeira
Nacional e do canto do Hino Nacional; VI - divulgação de dados básicos
relativos à realidade econômica e social do país; VII - divulgação dos princípios essenciais de uma educação para o desenvolvimento nacional;
VIII - difusão de conhecimentos básicos concernentes da posição
internacional do país e ao seu progresso comparado; IX - divulgação dos
princípios fundamentais da Constituição Federal, dos valores que a informa, e dos direitos e garantias individuais (BRASIL, 1961, sem
grifos no original).
Um elemento que distinguiu este decreto em relação aos que o precederam
historicamente foi a ausência das marcas, comuns na história da disciplina de Educação
Moral e Cívica, da religião católica. Outro ponto que merece destaque é que, mesmo com o
enaltecimento da história e das tradições do país, as colorações patrióticas foram menos
significativas do que em outros períodos. Além disso, foi atribuída maior ênfase aos
princípios dos direitos do cidadão, sem ferir as diferenças de credo, etnia ou quaisquer
outras formas de diferenciação. Elementos que também estariam presentes, posteriormente,
na legislação educacional referente à disciplina durante a década de 1970.
2.2. A disciplina de Educação Moral e Cívica nos anos 1970
Antes do Decreto-Lei 869/1969, que efetivou a disciplina de Educação Moral e
Cívica nos programas de todos os níveis de ensino, houve algumas discussões acerca de
sua implantação que devem ser consideradas.
Em 1965, foi aprovada, pelo Conselho Federal de Educação, a criação da cadeira de
Problemas Brasileiros nos cursos superiores. Através da Exposição de Motivos R.P.-180,
realizada pelo então Ministro da Guerra Costa e Silva, a necessidade de fortalecimento da
Educação Moral e Cívica foi enfatizada (OLIVEIRA, 1982). O ministro entendia que era
47
necessário que a escola cuidasse da educação moral das crianças e jovens, porque, na sua
visão, as famílias não poderiam fazê-lo, uma vez que se encontravam desagregadas devido
aos problemas econômicos conjunturais.
De acordo com Maria Aparecida de Freitas Oliveira (1982), no final de 1965, o
tema da Educação Moral e Cívica passou a ser entendido sob a perspectiva da Segurança
Nacional. Sua intenção era promover a prevenção, através da educação das crianças, de
uma possível influência negativa da propaganda subversiva e do apelo à guerra
revolucionária.
Acolhendo as considerações propostas pelo ministro Costa e Silva, o presidente
Castello Branco publicou o Decreto nº 58.023, de 21 de março de 1966, que dispôs sobre
as funções da educação cívica:
formar nos educandos e no povo em geral o sentimento de apreço à
Pátria, de respeito às instituições, de fortalecimento da família, de
obediência à Lei, de fidelidade no trabalho e de integração na comunidade, de tal forma que todos se tornem, em clima de liberdade e
responsabilidade, de cooperação e solidariedade humanas, cidadãos
sinceros, convictos e fiéis no cumprimento de seus deveres. (BRASIL,
1966).
A proposta era para que a educação cívica fosse praticada em todos os graus de
ensino e que fosse alvo de preocupação dos professores em geral. Diversos elementos
presentes no conteúdo deste Decreto foram posteriormente utilizados e potencializados,
devido ao acirramento do regime.
Em 1967, foi lançada a Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo organizada pelo
Padre Fernando Bastos de Ávila. Para Juliana Miranda Filgueiras (2006, p. 42) “a
publicação desta obra mostrava a tendência para a disciplinarização dos conhecimentos
que viriam a ser utilizados no ensino da moral e cívica”.
Na esteira desse pensamento, Maria de Fátima Josgrilbert, citada por Juliana
Miranda Filgueiras (2006, p. 52), ao analisar palestras promovidas por um grupo de
militares e civis sobre moral e civismo na sociedade, que foram realizadas entre 1966 e
1970, afirma que essa era uma das formas de divulgar o pensamento dos militares. Entre os
palestrantes, destacou-se o General Moacyr Araújo Lopes, que foi presidente e membro da
Comissão Nacional de Moral e Civismo durante todos os governos militares. Segundo a
autora, estas palestras constituíram intensas campanhas de bases morais e cívicas nas quais
48
o general procurava mostrar que o golpe militar foi “a grande opção” para tirar a sociedade
brasileira do “caos” em que se encontrava no governo de João Goulart.
Essa forma de difundir o ideário do regime demonstra as múltiplas relações de
poder, tal como apresenta Foucault (2008a, p. 179), que penetram, caracterizam e
constituem o corpo social mediante “uma produção, uma acumulação, uma circulação e um
funcionamento do discurso” vigente.
Antes da constituição como disciplina obrigatória, travou-se uma batalha dentro do
Conselho Federal de Educação entre aqueles que queriam sua implantação como disciplina
e aqueles que a desejavam como uma prática educativa7. Muitos projetos e anteprojetos
foram discutidos até que, percorrido esse longo caminho de idas e vindas, a Educação
Moral e Cívica voltou a carregar características que marcavam o regime autoritário. Nesses
termos, Maria Aparecida de Freitas Oliveira (1982, p. 62) assevera que os grupos
interessados em tornar a Educação Moral e Cívica uma disciplina obrigatória
argumentavam que se “a sociedade não perfilhasse ou não vivenciasse os verdadeiros
valores democráticos seria necessário transmiti-los através da escola”.
Ratificando esse contexto de disputas, Marcílio Souza Junior e Ana Maria O.
Galvão (2005, p. 396) destacam que as disciplinas não se estabelecem no currículo escolar
de maneira pacífica, apenas conformando-se às orientações oficiais, elas guardam relações
“conflituosas com as teorizações acadêmicas e as recomendações oficiais, ora acatando-as,
ora resistindo a elas, ora reformando-as ou deformando-as”.
A expedição do Decreto-Lei n. 869, no dia 12 de setembro de 1969, assentou “a
inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória e, também, como prática
educativa, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País”
(BRASIL, 1969b), encerrando as discussões.
A implantação desse Decreto-Lei pode ser interpretada, recorrendo-se a Foucault
(2008a, p. 189), como a consolidação de “um discurso e uma organização do direito
público articulados em torno do princípio do corpo social e da delegação de poder”, além
de representar “um sistema minucioso de coerções disciplinares”, que garantia
efetivamente a coesão deste mesmo corpo social.
O Decreto-Lei 869 foi estabelecido no período em que uma Junta Militar ocupava a
Presidência da República e resultou do trabalho da Associação dos Diplomados da Escola
Superior de Guerra (ADESG). Essa relação com os participantes da ESG fundamentou as
7 Para maiores informações ver Filgueiras (2006).
49
motivações político-ideológicas presentes na legislação citada. Para Maria Aparecida de
Freitas Oliveira (1982, p. 11) a situação política, econômica e social existente fez com que
os governos militares vissem na disciplina de Educação Moral e Cívica um mecanismo que
buscava “justificar a nova situação do País em nome do desenvolvimento nacional e da
preservação dos valores cívicos e éticos do povo brasileiro”.
Vale salientar que o Conselho Federal de Educação, desde o início do regime
militar, foi pressionado para que se manifestasse a favor da implantação da disciplina de
Educação Moral e Cívica, resistindo o quanto pôde. Entretanto, a mudança na constituição
do Conselho e o acirramento dos mecanismos de controle acionados pelo AI-5 superaram
suas resistências e favoreceram a implantação da disciplina. Considera-se, portanto, que o
Ato Institucional n. 5 foi determinante nesse processo de aprovação, uma vez que
expressava a amplitude do poder concentrado no Executivo pelos governos militares.
Para compreender esta situação, é interessante lembrar que, segundo Foucault
(2008a, p. 8), o poder circula por todo o corpo social, ou seja, “ele permeia, produz coisas,
induz ao prazer, forma saber, produz discurso”. Neste sentido, é possível afirmar que a
disciplina de Educação Moral e Cívica passou a ser um instrumento de poder que circulava
na sociedade.
As formas assumidas por esta “circulação” podem ser caracterizadas pela escolha
dos conteúdos transmitidos através da ritualização da palavra, através da qual os discursos
são dirigidos a certas categorias de sujeitos. No sistema de ensino, esses procedimentos de
sujeição dos discursos ocorreram de forma singular no ensino de Educação Moral e Cívica.
Isso se tornou possível pela ação de um grupo doutrinário que promoveu a distribuição e
apropriação do discurso com os poderes e saberes que lhe foram convenientes.
Conjugam-se às afirmações acima as teorizações de Andre Chervel (1990) sobre as
finalidades das disciplinas escolares. Dentre as finalidades de constituição de uma
disciplina encontram-se a de ordem sócio-política. Essas finalidades marcam os objetivos
da sociedade dentro de um contexto histórico específico. Pode explicitar características
como a restauração da ordem, desenvolvimento do espírito patriótico, determinando
conteúdos tanto quanto as grandes orientações estruturais. Este parece o caso da disciplina
de Educação Moral e Cívica implantada na década de 1970.
Partindo desses pressupostos, Juliana Filgueiras (2006, p. 38) confirma que, com o
golpe de 1964, os posicionamentos referentes ao ensino moral e cívico foram revistos e
transformados, pois “disciplinar os estudantes e, principalmente, conter o movimento
estudantil passava a ser um dos objetivos da política educacional do Regime Militar”.
50
Nessa linha, Luiz Antônio Cunha (2007. p. 295) interpreta que a finalidade da
disciplina “representava uma sólida fusão do pensamento reacionário, do catolicismo
conservador e da doutrina de segurança nacional, conforme era concebida pela Escola
Superior de Guerra”.
2.3. A disciplina de Educação Moral e Cívica: alcances e limites
No texto do Decreto-Lei 869/1969 surgiram questões como “a defesa do princípio
democrático, através da preservação do espírito religioso”, “amor à liberdade com
responsabilidade, sob a inspiração de Deus”, “preservação, o fortalecimento e a projeção
dos valores espirituais e éticos”, “culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e
aos grandes vultos de sua história”, “aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na
dedicação à família e à comunidade, o preparo do cidadão para o exercício das atividades
cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao bem
comum” e o “culto da obediência à Lei” como algumas das principais finalidades do
ensino da disciplina (BRASIL, 1969b). Essas passagens apontam o direcionamento que foi
dado à disciplina e os propósitos aos quais ela serviu.
A partir do instrumental de Foucault (2008a, p. 188), observa-se que esses termos
podem ter sido utilizados como uma forma de representar uma economia do poder, na qual
se busca chamar os indivíduos para colaborarem com um projeto societário embasado no
patriotismo, apoiado em tradições e heróis nacionais, com o intuito de propiciar “o
crescimento das forças dominadas e o aumento da força e da eficácia de quem as domina”.
O que se pondera é que o intuito dos reformadores, ao definirem comportamentos e
condutas aos indivíduos através da legislação educacional, foi o de modificar as relações
estabelecidas tanto no comportamento social quanto nas estruturas familiares, ou seja,
tanto na esfera pública quanto privada. Com essas propostas de homogeneização da
população, o regime visou fortalecer o papel do Estado, diminuindo as resistências a partir
da constituição de alunos comprometidos com o papel social determinado pelos interesses
dos governantes.
Não se deve perder de vista que as transformações ocorridas ao longo da trajetória
histórica da Educação Moral e da Educação Cívica dizem respeito às próprias finalidades
atribuídas à escola pela sociedade. Conforme Chervel (1990, p. 219):
51
Se é verdade que a sociedade impõe à escola suas finalidades, estando a
cargo dessa última buscar naquela apoio para criar suas próprias
disciplinas, há toda razão em se pensar que é ao redor dessas finalidades
que se elaboram as políticas educacionais, os programas e os planos de estudo, e que se realizam a construção e a transformação históricas da
escola.
Nesse sentido, a disciplina de Educação Moral e Cívica serviu às finalidades do
modelo societário proposto naquele momento histórico específico. Dessa forma, utilizou as
concepções que foram baseadas na doutrina de Segurança Nacional e buscavam difundir
um papel moralizador e ideológico a partir da escola. A educação passou a ser vista como
uma instituição privilegiada para formar o cidadão ajustado e disciplinado, adequado aos
preceitos dos governos militares. Para realizar esta disciplinarização, as disciplinas e os
conteúdos escolares foram utilizados como instrumentos de disseminação desse ideário.
Notadamente, a disciplina de Educação Moral e Cívica serviu a esses propósitos.
Para o aprofundamento da análise empreendida, buscou-se em André Chervel
(1990, p.184) o entendimento de que “uma disciplina escolar comporta não somente as
práticas docentes da aula, mas também as grandes finalidades que presidiram sua
constituição e o fenômeno de aculturação de massa que ela determina”. Sua função
consiste em colocar “um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade educativa”
(CHERVEL, 1990, p. 188).
Deve-se observar que a disciplina de Educação Moral e Cívica atendeu a
finalidades de diferentes ordens, com grande ênfase aos interesses sócio-políticos definidos
pelos governos militares, que resultaram na utilização da disciplina como mecanismo de
controle e adestramento do corpo estudantil.
Destacaram-se, também, características marcantes da presença religiosa. Nos textos
legais, conteúdos e materiais escolares encontram-se indícios religiosos próximos dos
pressupostos defendidos pela religião Católica. Apesar da disciplina de Educação Moral e
Cívica ser declarada “aconfessional”, seus organizadores ocupavam cargos de destaque na
Igreja Católica e entendiam que a base da moral a ser ensinada fundamentava-se nessa
religião. Para exemplificar o exposto, Luiz Antônio Cunha (2007, p. 296) expõe a
argumentação do relator da Comissão Especial do Conselho Federal de Educação,
Arcebispo-Conselheiro Luciano José Cabral Duarte: o arcebispo “lançou mão do conceito
de „religião natural‟, isto é, aquela que leva ao conhecimento de Deus pela luz da razão, o
que subentendia a racionalização teológica da tradição judaico-cristã”. A utilização deste
argumento, no entanto, pode ser entendida como uma estratégia utilizada por um membro
52
da Igreja Católica para exaltar os princípios de sua fé, através da disciplina de Educação
Moral e Cívica.
Outra característica que serviu aos pressupostos delimitados pelo Decreto-Lei
869/1969 pode ser identificada pelo que Michel Foucault (2009a, p. 133) conceitua como
poder disciplinar. Trata-se de métodos que permitem o “controle minucioso” das ações do
corpo através da “sujeição constante de suas forças” que faz com que esse corpo atue de
acordo com uma relação de “docilidade-utilidade”. A escola, nesse período, serviu como
instituição privilegiada para realizar essa forma de poder. Os governos militares a
utilizaram como instrumento de difusão de sua doutrina e de manutenção do poder,
tentando acabar com possíveis focos de resistência. A disciplina de Educação Moral e
Cívica serviu como importante aliada a esse controle dos corpos.
Foucault (2009a, p. 136) interpreta que a escola, como uma instituição disciplinar,
consegue realizar a “minúcia dos regulamentos, as formas de inspeções, o controle das
mínimas parcelas da vida e do corpo”, a partir de conteúdos que busquem “uma
racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo místico do ínfimo e do infinito”. A
partir dessa compreensão, entende-se que a rigidez dos governos militares, sobretudo na
implantação da disciplina, foi repassada, ao menos nos documentos legais, à escola para
que, de maneira sutil e capilarizada, esse ideário fosse transmitido, resultando na
disciplinarização do corpo estudantil.
Essa forma de disseminação pode ser comprovada no seguinte trecho do Decreto-
Lei 869 (BRASIL, 1969b, sem grifos no original):
a prática educativa da moral e do civismo nos estabelecimentos de ensino, através de todas as atividades escolares, inclusive quanto ao
desenvolvimento de hábitos democráticos, movimentos de juventude,
estudos de problemas brasileiros, atos cívicos, promoções extra-classe e
orientação dos pais.
A partir desses pressupostos, buscava-se abarcar diferentes momentos e
perspectivas da vida pública e privada do estudante, inclusive dando orientações, de como
fazê-lo, aos pais desses alunos. Segundo Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 38), essas
atividades cívicas extraclasse foram “instituídas legalmente dentro das escolas com o
objetivo de garantir uma maior „eficiência‟ da prática educativa”. Essa foi uma forma de
expandir e manter, através de redes de difusão, o ideário que se desejava inculcar. A autora
ainda defende que, através da difusão de conceitos-chave como “a nação, a pátria, a
integração nacional, a tradição, a lei, o trabalho, os heróis”, a disciplina de Educação Moral
53
e Cívica envolveu grande parte das pessoas vinculadas ao processo de ensino-
aprendizagem (FONSECA, 1995, pp. 37-38). Por meio dessas atividades monitoradas, os
professores e as famílias passam a atender aos mesmos ideais e responsabilidades cívicas
nas quais os alunos eram submetidos.
As disciplinas, sob a ótica foucaultiana, têm um discurso próprio. Trata-se do
discurso da regra, ou seja, das normas. Segundo Foucault (2008a, p. 189) elas definem o
código da normalização. Neste sentido, utilizou-se de uma disciplina de ensino, como a
Educação Moral e Cívica, para reforçar o poder disciplinar mediante suas regras e
normalizações.
Para auxiliar nesse processo de imposição e manutenção, pelo mesmo Decreto-Lei,
art. 5.º, foi criada a Comissão Nacional de Moral e Civismo. Este, sem dúvida, foi um
ponto importante de distinção, em relação às experiências anteriores, na reinserção da
Educação Moral e Cívica no sistema de ensino brasileiro. Foi a primeira vez na história da
disciplina em que se criou um órgão no Ministério da Educação e Cultura, diretamente
subordinado ao Ministro de Estado, para regulamentar e manter um controle estreito das
ações da disciplina atrelada aos interesses do Estado. Fato esse que corrobora a afirmativa
de Lucíola Santos (1990, p. 21-22), segundo a qual é possível estabelecer relações entre
conjuntura econômica, política e social e o processo de emergência e evolução das
diferentes disciplinas escolares.
A Comissão Nacional de Moral e Civismo possuía autonomia para “articular-se
com as autoridades civis e militares, de todos os níveis de governo”, com o objetivo de
implantar e manter os propósitos da “doutrina” de Educação Moral e Cívica (BRASIL,
1969b). Este órgão, portanto, apareceu como um dos mecanismos de poder dos governos
militares, que entrava nas escolas e auxiliava esse processo de doutrinação disciplinar.
Entre suas funções estavam as de colaborar com o Conselho Federal de Educação e,
também, a de “colaborar com as organizações sindicais de todos os graus, para o
desenvolvimento e intensificação de suas atividades relacionadas com a Educação Moral e
Cívica” (BRASIL, 1969b). Mais uma vez, o que se observa é o poder sendo espalhado,
espraiado a partir da legislação e de mecanismos capazes de alcançar uma significativa
abrangência.
Recorrendo-se a Foucault (2009a), este movimento pode ser entendido como uma
estratégia para o poder alcançar as extremidades, penetrando nas instituições e difundindo
os saberes necessários nessa empreitada do poder. Nesse sentido, a Comissão Nacional de
Moral e Civismo valeu-se também de seu poder de aprovação dos livros didáticos da
54
disciplina,8 para garantir que seus conteúdos fossem adequados ao cumprimento de suas
finalidades.
Em 14 de janeiro de 1971, foi sancionado o Decreto n. 68.065, que regulamentou o
Decreto-Lei 869/1969, modificando e acrescentando alguns elementos. A análise deste
documento auxilia a compreensão da utilização da disciplina de Educação Moral e Cívica
como instrumento do poder disciplinar.
O primeiro destaque que se faz necessário refere-se ao fato da legislação
responsabilizar a todos do meio escolar pela tarefa de manter atentamente as atividades
relacionadas à disciplina e suas práticas educativas. Dessa forma, observa-se no documento
que:
A Educação Moral e Cívica deverá constituir preocupação geral da
escola, merecendo o cuidado dos professores em geral e, especialmente, daqueles cujas áreas de ensino tenham com ela conexão, como: Religião,
Filosofia, Português e Literatura, Geografia, Música, Educação Física e
Desportos, Artes Plásticas, Artes Industriais, Teatro Escolar, Recreação e
Jornalismo (BRASIL, 1971, sem grifos no original).
Note-se que a proposta era a de funcionamento de uma articulação generalizada,
que se aproximava do que Foucault entende como os mecanismos de observação do
Panóptico (2009a, p. 194-195). O que se pretendia com essa vigilância constante era o
ganho na eficácia e na capacidade de penetração no comportamento dos estudantes.
A área de ensino que mais estava relacionada à disciplina de Educação Moral e
Cívica era a de Ciências Humanas. No embate entre duas linhas heterogêneas, que
Foucault (2008a, p. 189-90) descreve como “a organização do direito em torno da
soberania e o mecanismo das coerções exercidas pelas disciplinas”, as Ciências Humanas
se tornaram campo fértil para a viabilização desses discursos. Os saberes próprios dessas
disciplinas poderiam tornar-se problemáticos para a formação dos estudantes, tendo em
vista os anseios doutrinários do regime militar. Assim, a disciplina de Educação Moral e
Cívica, ao se “infiltrar” em todas as outras disciplinas, teria uma eficácia maior no alcance
de seus propósitos.
Comprova-se ainda, pela leitura do Decreto-Lei n.º 68.065/1971, a contradição
discutida por Barbara Freitag (2005) quanto à imposição de uma lei, de forma autoritária,
mas que se pretende democratizante. No referido Decreto foi estabelecido que, como
8 Os livros didáticos da disciplina de Educação Moral e Cívica serão analisados posteriormente, no terceiro
capítulo dessa dissertação.
55
prática educativa, a Educação Moral e Cívica deveria, a partir da criação de instituições
extraclasse, “atender às finalidades de natureza cultural, jurídica, disciplinar, comunitária,
manualista, artística, assistencial, de recreação, e outras”, através das quais a escola se
aproximasse ao máximo de “uma sociedade democrática em miniatura” (BRASIL, 1971).
Assim, por meio de um dispositivo aparentemente democratizante, corroboravam-se os
propósitos de um governo de características autoritárias.
A partir da amplitude pretendida pela legislação, pode-se confirmar a utilização de
uma forma de funcionamento do poder distribuído em “redes sociais”. Como expõe
Foucault (2008a, p. 183), são nas malhas dessas redes que “os indivíduos não só circulam,
mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação”.
Outra questão que deve ser colocada em foco remete-se à composição da Comissão
Nacional de Moral e Civismo. A Comissão deveria ser integrada por “nove membros,
brasileiros, nomeados pelo Presidente da República, por seis anos, dentre pessoas
dedicadas à causa da educação Moral e Cívica, possuidores de ilibado caráter e valor
cultural e acordes com a orientação dos dispositivos do Decreto-Lei n. 869/1969”
(BRASIL, 1971, sem grifos no original). Entre os primeiros membros da Comissão
Nacional de Moral e Civismo, encontravam-se generais que se articulavam com a Censura
Federal, civis e militares de direita e sacerdotes da Igreja Católica. As escolhas tendiam
para aqueles que apoiavam e se dedicavam ao regime. Além disso, Luiz Antônio Cunha
(2007, p. 297) descreve que, na prática, a disciplina de Educação Moral e Cívica “foi lugar
de emprego preferencial para padres, freiras e militares”.
Entre as funções da Comissão Nacional de Moral e Civismo estava a divulgação do
próprio Decreto-Lei 869/1969, utilizando, para tanto, “publicações e impressos, notícias e
artigos em jornais, rádio e televisão, e por palestras” (BRASIL, 1971). Tais quais os
programas do governo Médici, que promoviam propagandas favoráveis à situação do país,
os formuladores deste decreto queriam expandir e difundir as concepções da legislação
através de mídias diversificadas, com o intuito de tornar capilar o poder governamental.
Nesse trecho do documento, pode-se notar o poder em suas práticas reais e efetivas.
Instaurado o Decreto-Lei n. 869/1969 e, posteriormente, complementado pelo Decreto n.
68.065/1971, o regime tentou articular e implantar, a partir de outros meios de controle e
dominação, seu ideário, aproveitando-se dos efeitos produzidos por essa forma de poder.
De acordo com Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 37), os poderes atribuídos à
Comissão Nacional de Moral e Civismo “evidenciam o papel moralizador e ideológico
sendo estendido às diversas instituições sociais”, pois suas ações passam a ser articuladas
56
com os ideais dessa Comissão que mantinha ligações com outros órgãos de censura no
País. Nesse sentido, o “Estado utiliza-se destas instituições como meios educativos, leia-se
„doutrinadores‟, através dos quais noções de moral e civilidade são introjetados na
sociedade brasileira”.
Corroborando esta assertiva, Maria do Carmo Martins (2003a, p. 20) percebe que a
Educação Moral e Cívica apareceu como “um dos elementos essenciais dessa ditadura”,
uma vez que, por meio dela, formou-se um “expansivo sistema de difusão da doutrina e do
imaginário militar”, além de “formas institucionais de fazer política”. A autora acredita que
as reformas educacionais, a implantação da disciplina dentre elas, embasaram “a
capacidade de mudança do papel do Estado na oferta e regulação do ensino público” e
pautaram a nova adequação de poder na definição dos conteúdos escolares e na formação
docente.
Reafirmando esse projeto doutrinário, o Parecer n. 94/1971 do Conselho Federal de
Educação teve uma importância significativa. O documento descrevia a Educação Moral
como “o ponto mais grave, mais alto e mais importante de todo o trabalho educacional”,
afirmava que os objetivos da Educação Moral eram os da “decantação do instinto moral de
um ser livre, a sua formação consciente e crítica, o seu aperfeiçoamento no convívio com
os outros, através do crescimento humano progressivo da criança, do adolescente e do
jovem, até a idade adulta” (CFE, 1971, p. 109, sem grifos no original).
A partir desse trecho, apontam-se algumas incoerências significativas em seu
conteúdo, acerca da disciplina de Educação Moral e Cívica. É contraditória a exaltação à
liberdade individual em um contexto político, marcado pelo AI-5, permeado por limitações
e proibições da livre expressão. Como falar em consciência crítica, se os governos
militares não poderiam ser alvo de discussão política ou oposição? Como ser crítico no
âmbito escolar, com a vigência de um decreto que considerava “infração disciplinar” a
mobilização política?
Conforme Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 39), o Estado buscava controlar,
utilizando-se desses mecanismos de controle, o movimento estudantil e enquadrá-lo na
doutrina de Moral e Civismo, “liquidando sua autonomia em consonância com outro
conjunto de medidas”. Da mesma maneira, os Centros Cívicos criados no auge da
repressão9 e controlados pelo Decreto-Lei 477/1969,
10 agiram em conformidade com a
9 Os especialistas na história dos governos militares afirmam consensualmente que o governo Médici (1969 –
1974) foi o período mais repressivo dos governos militares (FAUSTO, 2007).
57
coibição de qualquer forma de manifestação política e serviram aos interesses
normalizadores do Estado.
O que se observa é que o poder designado ao campo educacional pelo uso de leis e
artifícios de controle, como diz Foucault (2009a, p. 141- 42), “fez funcionar o espaço
escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de
recompensar”, através da qual, no contexto em estudo neste trabalho, só eram permitidas
manifestações que legitimassem, de alguma maneira, o regime militar.
Pela análise de ambos os documentos, a saber, o Parecer n. 94/1971 e o Decreto-Lei
477/1969, ficam claras a extensão e o caráter do projeto disciplinador ao qual foram
submetidas as atividades escolares. Tudo o que subvertesse “a moral e a ordem pública”
era duramente reprimido. Os valores desta moral e desta ordem eram apresentados como
universais e indiscutíveis pelos documentos fornecidos pelo Estado e, portanto, qualquer
ação contra esses princípios se tornava ilegal e era tida como um crime.
Sobre a Educação Cívica, o parecer supracitado fez proposições de exaltação à
Pátria e aos deveres do cidadão, tratando a nação como uma “família amplificada” a quem
se deveria dedicar “seu amor, sua lealdade, sua vida” (CFE, 1971, p. 110). Apresentava
uma descrição na qual “a pátria é a construção quotidiana de uma nação, de uma
fraternidade de homens fundamentalmente iguais, vivendo em concórdia e liberdade”
(CFE, 1971, p. 110, sem grifos no original). Novamente, encontra-se um paradoxo, uma
vez que, por um lado, a desigualdade foi cada vez mais acentuada pelas questões
econômicas (concentração de renda e depressão salarial) e, por outro lado, só poderia
existir “concórdia e liberdade” para aqueles que partilhassem dos princípios norteadores da
Segurança Nacional e, conseqüentemente, fossem favoráveis ao regime.
A Educação Cívica, então, deveria tratar de uma “sociedade donde sejam banidas a
violência e a injustiça e onde estruturas sociais desumanas e peremptas cedam lugar a
novas formas de organização e de convivência baseadas na igualdade democrática” (CFE,
1971, p. 110, sem grifos no original). Sabe-se que com o advento do AI-5, intensificaram-
se os atos de tortura e repressão contra a população com ideais supostamente subversivos,
incluindo os possíveis adversários do regime envolvidos com o meio acadêmico. Assim, a
incongruência se fez presente na legislação educacional, ao propor a exclusão da violência,
10 O Decreto 477, de 1969, definia como “infração disciplinar” o envolvimento de professores, alunos ou
empregados de estabelecimentos de ensino na “organização dos movimentos subversivos, passeatas, desfiles
ou comícios não autorizados”, na confecção ou distribuição de material considerado subversivo ou na
utilização do espaço escolar para fins subversivos ou para praticar atos contra a moral ou a ordem pública
(BRASIL, 1969a).
58
da injustiça e das estruturas sociais desumanas em um regime pautado por uma
organização autoritária e repressora. Nesse conjunto, a igualdade democrática aparece na
legislação como algo abstrato e idealizado, mesmo que no discurso governamental se
apresentasse como uma realidade.
Reafirmando esse discurso, mais à frente no documento, aparece uma justificativa
que tenta articular esses princípios democráticos ideais com a realidade brasileira do
suposto “milagre econômico”. Nessa esfera, o documento versou que “o civismo brasileiro,
no momento, deveria comprometer-se com a fase histórica do desenvolvimento do País e
trabalhar na construção de uma pátria engrandecida”. Uma pátria que representasse cada
dia mais uma “democracia de homens livres, responsáveis e solidários (CFE, 1971, p. 110,
sem grifos no original).
A ênfase dada pelo documento à “fase histórica do desenvolvimento nacional” não
atentou às ações repressivas do regime autoritário, que visavam legitimar seu projeto
societário, utilizando para isso, além de outras instâncias, o campo educacional.
Insistentemente, o documento busca reafirmar essa noção idealizada de “democracia” e
“homem livre”, que não correspondia à realidade brasileira.
Para clarificar sua proposição, o parecer do CFE recorreu a uma diferenciação entre
o homem livre e o homem independente. Segundo o documento, o homem era,
essencialmente, “dependente para com Deus, para com a pátria, para com os outros
homens, para com os valores morais que o solicitam e que se lhe impõem como um
imperativo” (CFE, 1971, p. 111, sem grifos no original). Esse tipo de exposição surgiu em
diferentes momentos e em variados documentos, bem como nos livros didáticos da
disciplina de Educação Moral e Cívica. Para Luiz Antônio Cunha (2007, p. 301), “a base
religiosa católica da Educação Moral e Cívica foi explicitamente evocada, assim como a
participação ativa do clero no ensino e na elaboração de material didático e coordenada por
destacado padre jesuíta e editada pelo MEC”.
O documento prosseguia afirmando que a liberdade era “a aceitação consciente
desta dependência e a submissão voluntária a ela” (CFE, 1971, p. 111, sem grifos no
original). Este trecho explicita a necessidade da utilização de uma disciplinarização e
controle dos estudantes, seja por mecanismos de controle viabilizados em decretos,
decretos-lei e pareceres ou pela obrigatoriedade de uma disciplina doutrinária como a
Educação Moral e Cívica. Por vezes substituindo, por vezes complementando o recurso à
força física, foi inculcada uma sujeição real por uma disciplina escolar.
59
Com efeito, a síntese das proposições da Educação Moral e da Educação Cívica
auxiliou a constituição da disciplina de Educação Moral e Cívica no Brasil, também
inspirada, segundo seus idealizadores, pelas grandes linhas da Constituição Nacional de
1967. O parecer reafirmou os objetivos de “formação de cidadãos conscientes, solidários,
responsáveis e livres”, que deveriam participar no processo de construção de uma
“sociedade democrática” (CFE, 1971, p. 111, sem grifos no original).
Nas palavras de Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 39), essa ordem e moral que
eram propaladas pelos documentos educacionais visavam “eliminar as divergências e
tornar hegemônico o poder dos grupos dominantes no país representados pelos militares”
e, para isso, utilizaram a disciplina de Educação Moral e Cívica como ferramenta para
implantar esse mecanismo de controle. Assim, o ensino de Moral e Cívica cumpriria a
tarefa de “reduzir os conceitos de moral, liberdade e democracia aos de civismo,
subserviência e patriotismo” e ainda tendiam a “redução da formação moral à mera
doutrinação ideológica, à repressão do pensamento no livre debate de idéias e ao culto de
heróis e datas nacionais” (FONSECA, 1995, p. 39).
Parte fundamental do parecer do CFE dedica-se a diferenciar disciplina e prática
educativa. Designaram-se como disciplinas “as atividades escolares destinadas à
assimilação de conhecimentos sistematizados e progressivos, dosados conforme certos
endereços”, com possibilidade de mensuração. Essa mensuração reporta-se ao que pode ser
definido como “exame”. Para Foucault (2009a, p. 184), o exame está no centro dos
processos que constituem o indivíduo, “combinando vigilância hierárquica e sanção
normalizadora”, além disso, “realiza as grandes funções disciplinares de repartição e
classificação, de extração máxima das forças e do tempo, de acumulação genética
contínua, de composição ótima das aptidões”.
Por outro lado, no parecer do CFE, as práticas educativas abrangiam as atividades
que deviam atender às necessidades do estudante, “de ordem física, artística, cívica, moral
e religiosa, colocam o acento principal na maturação da personalidade, com a formação de
hábitos correspondentes, embora necessitem também da assimilação de certos
conhecimentos”.
Como já foi comentado, o Decreto-Lei 869/1969 estabeleceu a Educação Moral e
Cívica como uma disciplina obrigatória e uma prática educativa. Nessa linha, o Parecer n.
94/1971 entendia que, na prática, seria necessário utilizar “a prática educativa como força
plasmadora de comportamentos e inspira atitudes, e a disciplina Educação Moral e Cívica
como fonte de enriquecimento intelectual nacional” (CFE, 1971, p. 114, sem grifos no
60
original). Formou-se então, aquilo que Foucault (2009a) assegura como uma política de
coerções a partir do trabalho sobre o corpo, de uma manipulação calculada de seus
elementos, da eficácia de gestos e do esmiuçar de seus comportamentos.
Quanto à questão da formação dos professores que ministrariam a disciplina nos
diversos níveis de ensino, o Decreto-Lei 869/69 estabeleceu que:
§3.º - Enquanto não houver, em número bastante, professores e orientadores de Educação Moral e Cívica, a habilitação de candidatos
será feita por meio de exame de suficiência, na forma da legislação em
vigor. § 4.º - No ensino primário, a disciplina "Educação Moral e Cívica"
será ministrada pelos professores, cumulativamente com as funções próprias. § 6.º - Até que o estabelecimento de ensino disponha de
professor ou orientador, regularmente formado ou habilitado em exame
de suficiência, o seu diretor avocará o ensino da Educação Moral e Cívica, a qual, sob nenhum pretexto, poderá deixar de ser ministrada na
forma prevista (BRASIL, 1969b).
Além desta forma “improvisada” de adequação do corpo docente, fixou-se uma
habilitação específica e uma habilitação de emergência para o exercício do magistério da
disciplina de Educação Moral e Cívica. Os professores para esta disciplina eram formados
nos cursos superiores de Estudos Sociais sob o modelo da licenciatura curta. Conforme
Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 26),
ao admitir e autorizar habilitações intermediárias em nível superior para
atender às „carências do mercado‟, o Estado revela ser desnecessária uma
formação longa e sólida em determinadas áreas profissionais, quais
sejam, as licenciaturas encarregadas de formar mão-de-obra para a educação.
Além disso, as licenciaturas curtas expressavam o enfoque econômico da educação
e assumiam o papel de “legitimar o controle técnico e as novas relações de dominação no
interior das escolas” (FONSECA, 1995, p. 27). Segundo a autora, os profissionais
provenientes dessas licenciaturas tendiam a cumprir os objetivos do Estado. Neste período,
a formação de professores dessas licenciaturas era permeada pelos ideais da Segurança
Nacional, de forma mais intensa que a formação dos profissionais oriundos de uma
licenciatura plena. Essa formação aligeirada acabava, de fato, não preparando
suficientemente o professor. Por sua vez, esse professor pouco preparado, conforme Selva
Guimarães Fonseca (1995, p. 28), apoiava-se no manual didático, “reproduzindo-o de uma
forma quase absoluta, reforçando um processo de ensino onde não há espaço para a crítica
e a criatividade”.
61
Em relação a esta “precariedade” na habilitação docente, Amarílio Ferreira e
Marisa Bittar (2008) afirmam que a formação dos professores nos cursos de licenciaturas
curtas ocorria, em sua maioria, em faculdades privadas, através de cursos noturnos,
gerando um aceleramento do processo formativo e contribuindo para incrementar, ao invés
de sanar, as dificuldades enfrentadas pela expansão do ensino ocorrida no período.
Com a intenção de contribuir para o exame dessas questões, recorre-se a Chervel
(1990, p. 217) e suas teorizações sobre as dificuldades na solidificação do estatuto
disciplinar. Para o autor, quando ocorre um “desequilíbrio interno da disciplina”, este
desequilíbrio não permite a produção dos efeitos buscados, de modo que a disciplina se
beneficie de uma motivação suficiente por parte dos alunos, seja pelo fato das
circunstâncias históricas, seja pelo fato das “qualidades pedagógicas” do mestre. É possível
identificar este desequilíbrio na disciplina de Educação Moral e Cívica, pois a formação
precarizada, as motivações político-ideológicas e o contexto de repressão dos professores e
alunos acabaram por fragilizar a sua estrutura disciplinar.
Nesse sentido, Lucíola Santos (1990) afirma que é fundamental reconhecer as
relações entre os fatores internos e externos no desenvolvimento de uma disciplina, por
conseguinte, o nível e o tipo de desenvolvimento de um país, principalmente de seu regime
político, podem ter grande peso nesse processo, podendo tornar uma disciplina mais
vulnerável aos fatores externos.
Outro documento que merece destaque é o Parecer n. 1.292/1973 do Conselho
Federal de Educação, que atualizou as determinações da disciplina Educação Moral e
Cívica em face da Lei n. 5.692/1971. O que se nota nesse documento é o temor do
Presidente da Comissão Nacional de Moral e Civismo em relação à possibilidade de
redução da importância que o regime atribuiria à disciplina. Seu objetivo era “evitar que se
diluíssem, dentro da sistemática introduzida pela nova lei, preceitos de tamanha
importância, inclusive para os fins de segurança nacional, que mereceram o
enquadramento num diploma legislativo específico” (CFE, 1973, p. 129).
O Parecer n. 2.068/1976 do Conselho Federal de Educação também se refere à
disciplina de Educação Moral e Cívica, estabelecendo as normas para sua aplicação. Este
documento admite que a obrigatoriedade da disciplina foi instituída por “força dos riscos
institucionais e políticos que o País correu em 1963, com a maré montante das revoltas
estudantis, que se alastravam pelo mundo e ecoaram fortemente entre nós” (CFE, 1976, p.
131).
62
Este reconhecimento do vínculo existente entre o ressurgimento da disciplina e o
contexto político da época reforça a interpretação de que a disciplina de Educação Moral e
Cívica tinha como principal característica utilizar o poder disciplinar como forma de
mecanismo de controle dos estudantes.
No que se referiu às Diretrizes Didático-Pedagógicas faz-se necessário citar o
excerto que diz:
Ao exporem as doutrinas sociais, políticas e econômicas, relacionadas
com a problemática nacional e os objetivos ideais de suas soluções, os
professores orientarão os seus alunos no sentido de compreenderem também as exigências dos fatores circunstanciais e conjunturais, de
caráter interno e externo, que muitas vezes limitam, momentaneamente,
o inteiro alcance desses valores essenciais, como condição, porém, de sua progressiva realização (CFE, 1976, p. 145, sem grifos no original).
O que se pode inferir a partir dessa citação é que houve uma tentativa de justificar
as incoerências que poderiam surgir a partir das discussões dos problemas sociais, políticos
e econômicos e suas possíveis soluções em uma realidade na qual o governo era autoritário
e mantinha um alto controle de possíveis focos de subversão.
Outro documento significativo para a compreensão das repercussões concretas da
disciplina foi o Parecer n. 540/1977 do Conselho Federal de Educação. A preocupação
presente no documento era a de que a Educação Moral e Cívica, assim como as disciplinas
de Educação Artística, Educação Física, Educação Religiosa e de Saúde “não receberem o
realce que convém na educação das crianças e adolescentes” (CFE, 1977, p. 194, sem
grifos no original). Esta necessidade de reafirmar a necessidade da devida atenção a estas
disciplinas demonstra que se identificavam problemas no cumprimento das funções a elas
atribuídas no corpo da lei.
Deve-se enfatizar, também, que a pouca carga horária que havia sido destinada ao
ensino de Educação Moral e Cívica, Saúde e Educação Artística deixava clara “a
incompreensão do papel desses componentes no contexto curricular e revelavam ao mais
arguto a inviabilidade de serem alcançados, por tais meios, os objetivos que se desejam”
(CFE, 1977, p. 194). Nas palavras do Conselho, essas disciplinas assumiram apenas o
“cumprimento de um dever, de certo modo burocrático, a ser cumprido o mais depressa
possível, a fim de que se destinem cargas horárias mais substanciais e outros estudos talvez
tidos como mais importantes” (CFE/CE, 1977, p. 194).
63
O que se observou foi que o Conselho Federal de Educação, ao relatar sua
insatisfação, passou a responsabilizar as escolas e os professores pelo não cumprimento
adequado dos propósitos que desejavam para a disciplina de Educação Moral e Cívica.
Chegando até mesmo a apontar a falta de compreensão dos objetivos educacionais como
um dos sérios problemas para a implantação da nova ordem educacional.
Contudo, deve-se ter em conta os efeitos, muitas vezes duradouros, que são gerados
pelo ensino de uma disciplina. Chervel (1990, p. 208) entende que sua assimilação efetiva
e a aculturação resultante “constituem, de fato, uma garantia de que a palavra do professor
foi entendida, e de que a disciplina realmente funcionou”. Nesse sentido, a forma de
ensinar os conteúdos é de grande significância e deve ser orientada e elaborada de acordo
com seus respectivos públicos e com suas finalidades educativas. Ora, se para os
professores essas finalidades educativas não estavam bem postas, ficaria difícil realizar um
ensino que pudesse garantir a durabilidade dos preceitos que uma disciplina deveria
proporcionar.
Destarte, a implantação da Educação Moral e Cívica validava a maneira como o
Estado e os grupos dirigentes entendiam a educação, ou seja, a finalidade do ensino era
vista como a “formação genérica de um cidadão, amante da pátria e defensor de princípios
moralizadores” (MARTINS, 2003b, p. 159-160). Seus objetivos e funções seriam o de
“adequar o estudante à sociedade em que se inseria, amar a pátria e respeitar a ordem
política e social estabelecida” (MARTINS, 2003b, p. 159-160).
Para o Conselho Federal de Educação essas disciplinas foram tidas como basilares
da educação comum e assim sendo deveriam assumir “uma abrangência necessariamente
maior e um espírito diferente, e não poderiam permanecer episódicas ou marginais”
(CFE/CE, 1977, p. 195). Por isso, também, aconselhou-se que essas disciplinas, devido à
sua importância para a formação do ser humano, não poderiam ficar restritas “à pequenez
de um determinado horário em determinada série”. Elas seriam, nessa medida,
“„preocupações‟ essenciais, que foram do legislador e devem ser dos educadores” (CFE,
1977, p. 195).
Para os responsáveis por este documento o fato de limitar a ação da Educação
Moral e Cívica a uma disciplina e em determinada série era “reduzi-la a dimensões que os
educadores e a própria sociedade não poderiam ou não deveriam tolerar” (CFE, 1977, p.
200). Percebe-se que, mesmo com o avanço do regime, já vislumbrando a abertura política
do país, alguns de seus membros ainda mantinham essa perspectiva de doutrinação. Esses
anseios deveriam ser cumpridos, em parte, pela disciplina de Educação Moral e Cívica.
64
Outro realce feito no Parecer n. 540/1977 alude à passagem na qual se aponta a
necessidade de uma espécie de tratamento diferenciado a disciplina de Educação Moral e
Cívica, calcado em uma “„impregnação‟ indispensável de toda a ação da escola” visando
“conduzir à especificidade o ensino-aprendizagem” independente da abordagem utilizada.
Ressalta, igualmente, que seria mais recomendável que a transmissão de conteúdos se
realizasse sob a forma de atividades, possibilitando ao aluno a “vivência do civismo e dos
valores morais, posto que o tempo de escola já não deve ser encarado como de preparação
para a vida, porque ele é, evidentemente, para os alunos e para os professores, um tempo
de vida” (CFE, 1977, p. 202).
A elevação da importância da formação adequada aos responsáveis pela disciplina
da Educação Moral e Cívica é algo que foi destacado neste e em muitos documentos
referentes à composição da disciplina. Assim, o Parecer n. 540/1977 aponta que a
disciplina, por sua complexidade exigiria do “educador uma filosofia de vida, uma cultura
humanística satisfatória e uma visão clara do mundo e da hierarquia de valores culturais”
(CFE, 1977, p. 203).
Contudo, deve-se enfatizar que mesmo com todos os esforços voltados à
disciplinarização dos corpos, existiram formas de resistência contra a Educação Moral e
Cívica que devem ser consideradas. Esta afirmação apóia-se no relato de Werneck da Silva
citado por Selva Guimarães Fonseca (1995, p. 40), que, ao analisar a implantação da
disciplina no Rio de Janeiro, afirma que muitas vezes os professores substituíram os
conteúdos da Educação Moral e Cívica e de Organização Social e Política Brasileira pelo
ensino de História do Brasil:
grande parte dos poucos professores que conscientemente se
especializaram em EMC e particularmente em OSPB as utilizava muito mais para fornecer ao alunado um transitável instrumental de crítica ao
regime autoritário do que para justificá-lo. Lutavam contra ele dentro
dele.
Confirma-se, portanto, que apesar da grande pressão e repressão imposta pelo
regime militar. o controle e a dominação não foram realizados de forma absoluta. Selva
Guimarães Fonseca (1995) afirma que assim como no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e
São Paulo o espaço das aulas de Educação Moral e Cívica foram utilizados de outras
formas, nem sempre legitimando a ideologia de dominação da ditadura.
Tal como Foucault, citado por Gore (1994, p. 18), expõe, a “análise, a elaboração e
o questionamento das relações de poder” se fazem necessários em toda a existência social e
65
de forma permanente. Nesse sentido, no campo educacional e mais especificamente, as
ações dos educadores e de seus alunos podem servir, como foi visto, como espaço de
resistência a essas forças de poder que se intensificam e se ramificam dentro da escola.
Acredita-se que partir do esforço de cotejamento das noções relatadas na legislação
que abordava essa disciplina, objetivo central desse capítulo, contribuiu-se para o
desvelamento das finalidades “político-ideológicas” da disciplina e para o reavivamento
desses possíveis focos de resistência.
Com a transição para a democracia, a disciplina de Educação Moral e Cívica foi
esvaziada dos projetos para a qual foi criada, em um longo processo de tramitação
(FONSECA, 1995). Sua extinção só ocorreu pela ação do presidente José Sarney que, em
1986, enviou um projeto de lei propondo a extinção da disciplina. Esse projeto só foi
acatado em 14 de junho de 1993, pela promulgação da Lei n. 8.663, no qual havia a
orientação para que “seu objetivo formador de cidadania e de conhecimentos da realidade
brasileira fossem incorporados às disciplinas da área de Ciências Humanas e Sociais, a
critério de cada instituição educacional”.
66
CAPÍTULO 3 - EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA EM MATO GROSSO: SABERES
E COMPORTAMENTOS PRESCRITOS
O discurso não é simplesmente aquilo
que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas aquilo por que, pelo
que se luta, o poder do qual nos
queremos apoderar.
Michel Foucault (2009b)
Este capítulo apresenta uma análise de três livros didáticos da disciplina de
Educação Moral e Cívica, para o ensino de 1º grau, que circularam e foram empregados no
Estado de Mato Grosso, durante a década de 1970. Os livros didáticos foram importantes
instrumentos que auxiliaram na legitimação da disciplina de Educação Moral e Cívica,
sobretudo, por difundirem “verdades” dirigidas aos estudantes e suas famílias, a partir do
lugar institucional encontrado na escola.
3.1. Uma discussão sobre o livro didático
Depois de ter sido preterido por educadores e intelectuais de vários setores, tomado
como produção menor enquanto produto cultural, o livro didático começou a ser analisado
sob várias perspectivas. Foi retomado como fonte de pesquisa, destacando-se sua
importância na configuração da escola contemporânea. De acordo com Circe Bittencourt
(2004a), o livro didático é um objeto cultural que mobiliza discussões e debates intensos,
sendo muitas vezes alvo de críticas. Contudo, tais livros têm sido considerados como
instrumentos essenciais no processo de escolarização.
Na constituição da forma e da cultura escolar, o livro didático é um dispositivo
fundamental. O livro didático é um recurso que viabiliza o ensino simultâneo a partir da
sistematização dos saberes que ele contém. Além disso, auxilia o professor na organização
de sua prática de ensino. Em sua produção, envolve uma série de determinantes que
influenciam sua utilização e distribuição no meio escolar. Neste envolvimento se
encontram os mercados editoriais, as políticas públicas e a Educação.
A partir destes determinantes, o livro didático pode assumir diferentes funções que
variam nas condições e no momento em que é produzido e na sua forma de utilização no
67
ensino. Por exibir tantos condicionantes, de acordo com Circe Bittencourt (2004a, s/p.), o
livro didático passou a ser pesquisado como “produto cultural; como mercadoria ligada ao
mundo editorial, dentro da lógica de mercado capitalista; como suporte de conhecimentos e
de métodos de ensino das diversas disciplinas e matérias escolares; e, ainda, como veículo
de valores, ideológicos ou culturais”.
Segundo Roger Chartier (1999, p. 8), “o livro sempre visou instaurar uma ordem;
fosse a ordem de sua decifração, a ordem no interior da qual ele deve ser compreendido ou,
ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu sua publicação”.
Desta forma, ao tomar-se do livro como objeto de pesquisa, é preciso considerar essas
múltiplas finalidades que ele cumpre.
Ainda segundo Chartier (1990), o livro escolar, por se tratar de um objeto de
circulação, pode ser entendido como veículo de circulação de idéias imbuídas de valores e
comportamentos que se deseja ensinar. Além disso, os livros escolares são uma fonte
valiosa da pesquisa em História da Educação, pois permitem identificar, através das idéias
veiculadas, a concepção educativa que, em um determinado momento, esteve presente na
formação dos sujeitos escolares.
Conforme Rosa Lídia Corrêa (2000, p. 17), a contribuição do livro didático se faz
ainda maior, uma vez que, os elementos veiculados através de seu conteúdo “dão vida e, ao
mesmo tempo, significado às práticas escolares”. De acordo com esta autora, o livro
didático, como fonte de pesquisa, serve como indicador do processo de formação social
desenvolvido na escola. Sua análise deve ser feita a partir de interrogações referentes ao
conteúdo, considerando aspectos da temporalidade e do espaço.
Por essa via, chegam-se às indagações sobre “a que e a quem serviu como um dos
instrumentos da prática institucional escolar. Nesse aspecto, em particular, vincula-se à
história das instituições escolares e, amplamente, à das políticas educacionais” (CORRÊA,
2000, p. 13).
Fato que auxilia a confirmação do uso do livro didático como fonte de pesquisa é
que, segundo Antonio Augusto Gomes Batista (2002), esse material é o principal recurso
de informação impressa utilizada por grande parte de professores e estudantes brasileiros.
O autor enfatiza que, quanto menor o acesso a bens econômicos e culturais, maior o
emprego desses livros no meio escolar. Dessa maneira, “os livros didáticos parecem ser,
assim, para parte significativa da população brasileira, o principal impresso em torno do
qual sua escolarização e letramento são organizados e constituídos” (BATISTA, 2002, p.
531).
68
Corroborando essa assertiva, Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1999) entendem
que o livro didático é um importante recurso para o conhecimento da história de uma
nação. É possível, segundo as autoras, a partir da análise de sua trajetória de publicações e
leituras, apreender os posicionamentos oficiais que os governantes escolheram para o
ensino. Segundo Thais Nívia de Lima Fonseca (1999, p. 204), pode-se dizer que o livro
didático “é portador de uma memória nacional” e, dessa maneira, passa a ser formador de
identidades, ratificando saberes consolidados, “aceitos socialmente como „versos
autorizados‟ da história da nação e reconhecidos como representativos de uma origem
comum”.
Outro ponto importante, destacado por Rosa Lídia Corrêa (2000), é a política do
livro didático. A autora entende que a política de publicação dos livros didáticos mantém o
controle sobre os conteúdos escolares a serem ensinados e sua conseqüente repercussão
sobre as práticas escolares, além de sua produção, com o intuito de formar as massas
populares.
Complementado essa assertiva, Thais Fonseca (1999, p. 204) expõe sua concepção
da abrangência do livro didático:
o livro didático e a educação formal não estão deslocados do contexto
político e cultural e das relações de dominação, sendo, muitas vezes, instrumentos utilizados na legitimação de sistemas de poder, além de
representativos de universos culturais específicos. (...) Atuam, na
verdade, como mediadores entre concepções e práticas políticas e
culturais, tornando-se parte importante da engrenagem de manutenção de determinadas visões de mundo.
A partir da legislação educacional, são selecionados os conteúdos a serem
ensinados nas escolas. Nesse sentido, os livros didáticos, de maneira geral, seguem os
ditames presentes na política educacional de determinado período. Desta maneira, Rosa
Lídia Corrêa (2000, p. 18) afirma que são incutidos nos livros, “normalizações sociais
válidas numa época e contexto histórico, considerando condutas e comportamentos
socialmente válidos e aceitáveis do ponto de vista moral e ético”. A legislação acaba por
legitimar, assim como o livro, “as expectativas valorativas que a sociedade quis ou quer
ver disseminadas por meio da escola” (CORRÊA, 2000, p.18).
Como parte da cultura escolar, o livro didático é organizado, difundido e utilizado
com intencionalidades diversas. Trata-se de um instrumento carregado de idéias que
contemplam diferentes objetivos. De acordo com Circe Bittencourt (2004a, s/p.),
“paralelamente às análises sobre os conteúdos, foram sendo acrescidas outras temáticas,
69
notadamente as relações entre as políticas públicas e a produção didática, evidenciando o
papel do Estado nas normatizações e controle da produção”.
Para além das normalizações, a cultura escolar traz consigo mentalidades que
definiram diferentes elementos em épocas históricas específicas. Através dos livros
escolares, é possível apreender concepções e abordagens das disciplinas escolares como
integrantes de um conjunto de saberes considerados válidos.
Outro fator relevante que deve ser considerado é a importância econômica e seus
desdobramentos envolvidos na produção de livros didáticos, ou seja, o mercado editorial
nacional. Segundo Circe Bittencourt (1993, p. 3) o livro “é uma mercadoria, um produto do
mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização
pertencente aos interesses do mercado”. Além disso, também mantém um arcabouço dos
diversos conteúdos educacionais, que serve como instrumento privilegiado para “se
recuperar os conhecimentos e técnicas consideradas fundamentais por uma sociedade em
uma determinada época” (BITTENCOURT, 1993, p. 3).
Acerca do mercado editorial brasileiro, deve-se enfatizar que ocorreram mudanças
nas concepções do livro didático. Nas décadas de 1960 e 1970, surgiram novas formas de
vendagem dos livros, que passou a ser feita através da figura de representantes das
editoras. Não obstante, segundo Antonio Augusto Gomes Batista (2002), os livros
passaram a ser distribuídos gratuitamente para os responsáveis nas escolas e a sua vida útil
foi reduzida. Essas mudanças afetaram a forma de utilização dos livros nas escolas.
Com as reformas na Educação, iniciadas com a LDB/1961 e, posteriormente, com a
promulgação da Lei n. 5.692/1971, as editoras brasileiras elevaram suas vendas de livros
didáticos significativamente. Nesse período de efervescência, havia mais de sessenta
editoras que publicavam livros didáticos no país.
A produção de livros didáticos também estava vinculada ao papel do Estado, que
funcionava como agente de controle e como principal consumidor. Isso fez com que
surgissem programas governamentais que direcionavam a produção e distribuição dos
livros didáticos no país, considerando os três níveis de ensino.
Entre os anos 1960 e 1970, a interferência do Estado na produção dos livros
didáticos tornou-se cada vez mais efetiva. Algumas dessas formas de intervenção, a partir
de instituições governamentais, merecem destaque. Entre elas, a criação, em 1967, da
Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME), cuja função era produzir e distribuir
materiais didáticos para as escolas. Em 1970, segundo Célia Cristina Cassiano (2003), por
70
falta de orçamento, a FENAME se uniu a empresas privadas para produzir livros em co-
edição.
Outro acordo que merece destaque nas produções de livros didáticos é a Comissão
do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED), criada com o apoio do acordo
MEC/USAID de cooperação para publicações técnicas, científicas e educacionais, em
1966. Entre outras prescrições, a COLTED fez um relato dos aspectos que deveriam estar
presentes em um bom livro didático, tais como: capa de papel durável, para resistir ao
manuseio; ilustrações atraentes, para despertar a curiosidade do aluno; e, imagens
relacionadas com o texto, para estimular a reflexão sobre a realidade, o esclarecimento de
idéias e o reforço de informações.
Os livros didáticos passaram a ser financiados pelo governo e distribuídos
gratuitamente pelo MEC. Já em 1971, a COLTED foi incorporada ao Instituto Nacional do
Livro (INL). Esse instituto ficou responsável pelo Programa do Livro Didático para os
ensinos de 1.º e 2.º graus, novamente com co-edições com as editoras privadas.
A partir do Decreto-Lei n. 77.107, de 1976, o Programa do Livro Didático foi
transferido para a FENAME. Com a redemocratização do País, o Programa do Livro
Didático foi transformado no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
(FILGUEIRAS, 2006). De acordo com Circe Bittencourt (2004a, s/p), o PNLD, a partir
dos investimentos realizados pelas políticas públicas, viria a se tornar o maior programa de
livro didático do mundo.
No período estudado, a intervenção do Estado na produção dos livros didáticos foi
realizada a partir da COLTED e da FENAME, através de seus acordos de co-edição com
editoras privadas. A análise da ação desses órgãos possibilita compreender a rápida
resposta à demanda de livros didáticos para a disciplina de Educação Moral e Cívica.
Antes mesmo da implantação do Decreto Lei n. 869/1969, a FENAME lançou a Pequena
Enciclopédia de Moral e Civismo, de autoria do Padre Fernando Bastos de Ávila. Vale
observar que em todas as bibliotecas escolares mato-grossenses, em que foram pesquisados
os livros para este trabalho, havia uma cópia da referida obra.
Outro dado importante referente à produção dos livros didáticos é que em 1970, já
existiam dez livros no mercado e, em 1971, foram publicados mais treze livros para a
disciplina. Com esses indicativos, Juliana Filgueiras (2006) acredita que as editoras já
estavam preparadas para produzir livros de Educação Moral e Cívica e, por isso, atenderam
prontamente à demanda do mercado.
71
No processo de produção de livros didáticos, os seus autores são personagens
importantes. Roger Chartier (1997), apoiado em Foucault, contribui sobremaneira para a
compreensão desta perspectiva. Segundo Chartier, Foucault reforça a responsabilidade do
autor ao produzir uma obra, estando ele sujeito até mesmo às sanções penais frente à sua
produção. A “função-autor” estabelece vínculos variados com a obra e cria identidades.
Para compreendê-la, é necessário considerar aspectos como o valor comercial da obra, os
direitos autorais, os conflitos entre autor e editor e possíveis sanções jurídicas que podem
ser impostas aos autores.
Segundo Circe Bittencourt (2004b), a compreensão da função-autor nas obras
didáticas exige uma ampliação da visão analítica, respeitado os limites do contexto e a sua
relação com o conteúdo. Ou seja, por conta dos “conflitos, tensões, acordos,
discriminações, satisfações” que interferem na produção de livros didáticos, “há
necessidade de inclusão de outras fontes documentais” (BITTENCOURT, 2004b, p. 479).
Os autores de livros didáticos encontram-se sujeitos a variadas formas de
dominações que limitam, grosso modo, a obra proposta. Entre esses preceitos, estão os
programas oficiais propostos pela política educacional, os editores e o fabricante dos
livros. Esse cerceamento, segundo Bittencourt (2004b), ocorre desde a aceitação da obra,
permanece no decorrer de todo processo de transformação da obra em objeto de leitura,
mantendo-se até a obra chegar ao mercado.
O que se pode observar é que o livro didático tem sido um importante instrumento
que favorece professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem ao longo dos anos.
Existem diversos aspectos de diferentes ordens que interferem em sua produção,
distribuição e utilização. Essa complexidade na construção desses materiais didáticos é que
os torna valorosa fonte de pesquisa documental. Através da análise dos livros didáticos,
pode-se compreender a concepção de ensino, a política educacional, valores e
comportamentos que se desejam ensinar em determinado período histórico.
3.2. O conteúdo dos livros didáticos
As apresentações dos três livros analisados são bem próximas, eles contêm capa,
folha de rosto e índice. Diferenciam-se, contudo, nos temas trabalhados em cada capítulo,
inclusive os livros que foram elaborados pelos mesmos autores. Apesar de serem todos
livros para o 1.º grau, percebe-se uma diferenciação quanto à profundidade de abordagem
dos temas trabalhados e ao vocabulário empregado. Além disso, entre os dois livros
72
elaborados por autores que atuavam em Mato Grosso (ALMEIDA et al., 1973 e SILVA et
al., 1976),11
o livro de 1976, destinado à 4.ª série, apresenta ilustrações, enquanto o outro
não as emprega em momento algum. A partir destas constatações, acredita-se que os livros
destinavam-se a estudantes de faixas etárias diferentes. O livro de Oswaldo Coutinho
(1975) também é bastante ilustrado.
Para esta análise, os conteúdos trabalhados foram divididos por temas, com o
intuito de identificar os aspectos em comum e as possíveis divergências existentes entre os
livros. Nesse sentido, realizou-se uma divisão entre os conteúdos que trataram de questões
da “esfera pública”, como Estado, democracia, cidadania, liberdade, forças armadas, Pátria
e território, por um lado, e, por outro, elementos que trataram da “esfera privada”, como
prescrições acerca de comportamento pessoal na família, religião, com destaques aos
“vícios e virtudes” morais.
Constatou-se que a disciplina e seus conteúdos procuravam alcançar as
particularidades mínimas da vida e do corpo dos estudantes e o fazia visando aumentar sua
eficiência em disciplinar esses corpos e transformar suas práticas. Dessa maneira, a
disciplina de Educação Moral e Cívica permeava todo o corpo social, formando uma rede
que incluía os indivíduos envolvidos direta e indiretamente no processo de ensino-
aprendizagem.
3.2.1. Aspectos da esfera pública
Tema 1: Estado
Os livros trabalhavam com uma acepção de Estado segundo a qual sua função era a
de coordenar e disciplinar “as múltiplas manifestações de atividade, de convivência de
indivíduos e grupos que integram a estrutura da vida social” (ALMEIDA et al, 1973, p.
28). Segundo Coutinho (1975, p. 121) o Estado “é quem dita o Direito, a Lei, as Normas e
Regras de Conduta dos indivíduos na Sociedade”. Tratava-se de uma instituição que
segundo o autor, atendia às necessidades que “todos nós sentimos, de haver uma entidade
superior, que discipline toda a nossa vida, regule todas as nossas ações, diga o que nós
11 Observe-se que os dois livros elaborados por pessoas que viviam em Mato Grosso são de mesma autoria,
somente a ordem de apresentação dos nomes nos livros que se altera: o livro de 1973 apresenta autoria de
Luiz de Almeida, Graziela Campos da Silveira e Silva, Serys Marly Slhessarenko e Inalda Franco Lytton;
enquanto o livro de 1976 apresenta a seguinte ordem de apresentação de autores: Graziela Campos da
Silveira e Silva, Inalda Franco Lytton, Luiz de Almeida e Serys Marly Slhessarenko.
73
podemos e o que nós não podemos fazer” (COUTINHO, 1975, p. 121, sem grifo no
original).
Observa-se que essas afirmações buscavam justificar, de certa maneira, a ação do
Estado de maneira incontestável nos diferentes aspectos da vida dos indivíduos. A partir
dessa premissa, entendia-se que o Estado tinha autoridade para regular a ação dos
indivíduos, pois tinha, dentre seus objetivos, o de discipliná-los. Apesar dessas definições
em que o Estado cumpria um papel significativo na vida de seus cidadãos, Silva et al.
(1976) o tratava como “um meio, gerador do bem de todos, e não um fim em si mesmo,
com poderes de limitar a liberdade do homem” (SILVA et al, 1976, p. 16).
Pode-se verificar nessa assertiva, o estabelecimento de uma contradição, pois, como
meio gerador do bem de todos, o Estado tinha uma função de destaque, na qual
apresentava amplo poder de ação. Entretanto, continuava-se afirmando que o Estado não
tinha poderes de limitar a liberdade do homem. Ora, como seria possível afirmar que o
Estado não tinha poderes de limitar a liberdade do homem após o período de enrijecimento
da ditadura, no qual leis, decretos e pareceres foram criados justamente com o intuito de
cercear a ação daqueles grupos contrários ao regime? As sutilezas, os detalhes presentes no
discurso encontrado nos livros didáticos, afinados com o discurso dos governantes,
fizeram-no passar como verdade, discurso autorizado. Não se pode esquecer que os livros
didáticos de Educação Moral e Cívica, antes de serem editados e publicados, precisavam,
necessariamente, receber aprovação da Comissão Nacional de Moral e Civismo.
Foucault (2008, p. 13), ao relatar as características históricas da economia política
da verdade, corrobora essa análise:
a „verdade‟ é centrada na forma do discurso científico e nas instituições
que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica e
política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica,
quanto para o poder político); é objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou
de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não
obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos
políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de
comunicação); enfim, é objeto de debate político e de confronto social (as lutas „ideológicas‟).
O livro didático, como instrumento oficial da disciplina de Educação Moral e
Cívica, carregava esse discurso científico, que acabava sendo difundido por todo o corpo
social através de uma instituição dotada de alto grau de legitimidade: a escola.
74
Este discurso, no entanto, por vezes não correspondia à realidade vigente na política
nacional. Ao trabalharem o conteúdo de Estado, por exemplo, os livros didáticos também
explicavam que, no Brasil, existia a divisão em três poderes: o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, como pode ser constatado na seguinte ilustração:
Fonte: COUTINHO, 1975, p. 135.
Os autores comentavam as funções desses órgãos: “O Poder Legislativo faz as leis,
o Poder Executivo as executa e administra o Estado e o Poder Judiciário julga as questões,
aplicando as leis aos casos concretos, que são submetidos à sua apreciação” (COUTINHO,
1975, p. 133). Como já foi discutido, com o advento do AI-5, o Congresso Nacional ficou
fechado e os Poderes Legislativo e Judiciário ficaram subordinados ao Poder Executivo.
No entanto, nos livros didáticos ficaram registradas as funções das três instâncias, sem,
contudo, fazer-se menção alguma a essa situação que marcou a história política do país.
Seu conteúdo, no que se refere a este tema, distanciava-se da realidade, aproximando-se do
que poderia ser considerado como uma “abstração” idealizada.
Tema 2: Democracia
Nos capítulos que tratam sobre a sociedade política em cada um dos livros, os
autores abordavam as formas de governo, os regimes políticos, o sistema de governo, o
conceito de constituição, a classificação das constituições e os traços característicos da
Constituição de 1969, promulgada por Médici. Os autores afirmavam que o sistema de
governo democrático era definido pelo fato de que “o povo escolhe seus governantes
75
através de eleições”, sem distinção entre os indivíduos, respeitando “os direitos
individuais” e oferecendo a todos oportunidades de realização (SILVA et al, 1976, p. 73).
Como ilustra a figura abaixo:
Fonte: SILVA, 1976, p. 77.
Coutinho (1975, p. 129) define a democracia como um “governo do Povo” e
continua:
Não seria razoável que o poder de dirigir os interesses e os negócios do
Povo tivesse outra origem, como a força, a imposição. É o caso da
Ditadura, da Tirania, que não se justificam. O poder de dirigir e administrar os negócios do povo vem, nesses casos, da força, das armas,
da imposição.
Este trecho merece destaque, sobretudo, pela clareza das afirmações expostas. O
discurso de verdade disseminado com anuência do governo, legitimado como democrático,
não assumia suas características autoritárias.
O autor explicitava que a democracia existente no Brasil era representativa. As
eleições serviam para escolher os representantes do povo. Empregava-se a máxima “a
Democracia é o Governo do Povo, pelo Povo, para o Povo” (COUTINHO, 1975, p. 132).
Ao inserir essa definição, no momento histórico pelo qual o País passava, fica
difícil entender como um livro didático expressava tão abertamente o conceito e as funções
da democracia, uma vez que, a contradição entre discurso e realidade se sobressaia. Os
livros didáticos, mais uma vez, em relação ao trato do tema da democracia, divulgavam
uma realidade política que “deveria” existir em um regime verdadeiramente democrático,
no entanto, esta “realidade imaginada” era apresentada como vigente, sem haver uma
problematização da divergência existente entre o discurso e a realidade.
76
Essa distância chega a tal ponto que, Coutinho (1975, p. 37) sustenta que os alunos
na idade de 18 anos “terão o direito de escolher o Presidente da República, o Governador
de seu Estado, os Deputados, os Senadores, os Vereadores de seu Município e, até mesmo,
de se candidatarem a esses cargos”. Essa contradição entre discurso e realidade
ultrapassava os limites, inclusive, temporais, pois mesmo sendo lançado após anos de
ditadura, sem previsões de abertura política, era ensinado nos livros aquilo que não se
vivia. A criança crescia aprendendo algo que não correspondia à realidade do momento
histórico em que se encontrava. Como mostra o exemplo a seguir:
Fonte: COUTINHO, 1975, p. 144.
O controle e poder sobre os corpos através da disciplinarização eram reforçados a
todo o momento e em diversas passagens. Mesmo trabalhando um conceito como a
democracia, a ênfase na conduta de cada cidadão era enaltecida, pois “antes de ser um
regime político de um Povo, deve ser uma norma de vida e de conduta de cada cidadão,
isto é, deve ser uma filosofia e um estilo de vida de cada um de nós” (COUTINHO, 1975,
p. 133).
77
Silva et al. (1976, p. 73) discorreram, também, sobre o sistema totalitário que se
manifestava, para os autores,
quando o povo não é consultado para a escolha de seus governantes. É o sistema do arbítrio, da força e da opressão e onde os direitos dos
cidadãos são restringidos pela vontade prepotente do Estado, que cerceia
a liberdade de crença e de opinião. São os governos de exceção e onde o cidadão perde os seus direitos em favor do Estado.
Os direitos dos cidadãos brasileiros foram revogados e restringidos pela força do
Estado, a liberdade de crença e opinião foi vetada àqueles contrários ao regime, entretanto,
deve-se ressaltar que os governos militares não se reconheciam como governos ditatoriais.
Isso ficou evidente nos livros, pois em muitos momentos foram reforçados e retomados os
preceitos democráticos que, segundo os autores, eram respeitados no Brasil. A forma direta
pela qual os conceitos foram apresentados não destacava a distância entre escrito e
realidade. Tanto que foi afirmado e reiterado que na democracia representativa brasileira,
baseada na Constituição, “o povo brasileiro participa da vida política da Nação através do
direito de voto escolhendo, por meio de eleição, os cidadãos que exercerão os cargos de:
Presidente e Vice-Presidente da República, Senadores, Deputados Federais, Estaduais,
Prefeitos e Vereadores” (SILVA et al., 1976, p. 78). Como foi visto em ambos livros fazem
alusão ao eleitores votando como é expresso nas figuras abaixo:
Fonte: COUTINHO, 1975, p. 45. Fonte: COUTINHO, 1975, p. 131.
78
Tema 3: Liberdade
Foi constatado, a partir da análise dos livros, que o conceito de democracia aparecia
bastante vinculado ao de liberdade. O que se nota é que havia uma rede de idéias que se
entrelaçavam com intuito de melhorar a argumentação presente nos discursos. Assim,
vinculava-se a democracia à liberdade e esta, por sua vez, à responsabilidade. Não se
tratava de qualquer responsabilidade, mas sim uma “responsabilidade desenvolvida à luz
dos valores espirituais e calcada nas idéias cristãs” (ALMEIDA et al, 1973, p. 11).
Para que essa engrenagem funcionasse, os autores argumentavam que ultrapassar o
limite dessa liberdade era fácil, e que, portanto, ela precisava ser contida dentro de seus
limites. Segundo os autores isso só poderia ser feito a partir de “uma boa formação cívica
fundamentada na educação e manifestada: no conhecimento, na prática dos deveres do
cidadão perante a coletividade e o Estado; na obediência consciente da lei” (ALMEIDA et
al., 1973, p. 98). Esse excerto explicita a importância da função disciplinadora da
Educação Moral e Cívica e serve para justificar sua inserção no ensino de 1.º grau.
Outro recurso utilizado pelos autores dos livros, que ajudava a viabilizar e legitimar
seus discursos, eram as associações entre conceitos. Um exemplo disso pode ser
encontrado na afirmação de que “a liberdade é sempre consciente e inteligente”
(COUTINHO, 1975, p. 70). Através desta associação, responsabilizava-se o indivíduo pelo
“uso” da liberdade. O indivíduo deveria desenvolver sua consciência de forma inteligente,
isto é, atenta às limitações e potencialidades da liberdade.
No livro de Coutinho (1975, p. 71) há o seguinte trecho: “Somos responsáveis pelos
nossos atos, isto é, pagamos pelos nossos erros e somos premiados pelos nossos méritos”.
Em Almeida et al. (1973, p. 62), lê-se: “aquele que abusar dos direitos individuais e dos
direitos políticos para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção,
incorrerá na suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 2 a 10 anos”. Através da leitura
destes trechos percebe-se que as noções transmitidas pela Educação Moral e Cívica eram
tomadas como aquelas que orientariam os cidadãos na forma como lidar com a liberdade
dentro de uma situação conjuntural específica. No caso, marcada pela repressão e
cerceamento de direitos políticos. Através da figura seguinte pode-se compreender essa
característica:
79
Fonte: COUTINHO, 1975, p. 150.
Almeida et al. (1973, p. 10) empregaram concepções religiosas, juntamente com a
noção de consciência, para auxiliar no fundamento de sua argumentação:
Daí o uso da liberdade ser determinado pela consciência. Assume aspecto
verdadeiramente positivo, quando é o próprio Deus o fiel da balança. Quando assim não acontece diz-se que a pessoa não tem consciência,
porque a consciência é o ribombar da voz de Deus dentro do coração
humano (ALMEIDA et al, 1973, p. 10).
Segundo Luiz Antônio Cunha (2005), essa associação a princípios religiosos
auxiliavam no controle sobre os estudantes, mesmo que de uma forma velada, pois trazia
consigo um dogmatismo subjacente. Esses preceitos estavam diluídos ao longo dos livros,
mas ganhavam destaque no tema de religião, que será discutido mais à frente.
Tema 4: Cidadania
A importância deste tema reside no fato de que o cidadão era definido como um
“membro da sociedade em pleno exercício de seus direitos”, ou seja, aquele que
participava “da vida do Estado, de um país, tanto civil como político, gozando dos direitos
e responsável pelos deveres de cidadania‟” (ALMEIDA et al., 1973, p. 20). Cidadania se
referia ao conjunto e ao uso dos direitos e deveres, inclusive dos direitos políticos.
Naquele contexto pelo qual o Brasil passava, a partir dessas definições, seria
possível dizer que todos poderiam ser considerados cidadãos? Parece que o livro se referia
àqueles que eram favoráveis ao regime. Aparentemente, somente era considerado o
comportamento daqueles que estavam de acordo com a situação política do país, afinal os
grupos discordantes que se expressassem abertamente eram reprimidos.
80
Seguindo esse raciocínio, os autores afirmavam que “civismo não são somente os
deveres frios para com a Pátria”, mas deveria também representar um “amor
desinteressado, amor que se realiza através da anulação do „eu‟; amor que é tanto maior
quanto maior acentuada é a renúncia”, tratava-se, portanto, de “caráter, com base moral; é
amor à Pátria com capacidade de renúncia; é ação constante e permanente em benefício do
Brasil” (ALMEIDA et al, 1973, p. 51).
Não foi apenas em um dos livros que os autores se valeram dos sentimentos para
definir o cidadão. Destarte, Coutinho (1975, p. 22) entende que o cidadão era o indivíduo
que amava sua Pátria, que cumpria seus deveres, que obedecia às leis, que trabalhava,
estudava, produzia e seria útil à coletividade. Essa passagem aponta os métodos que
caracterizavam o poder disciplinar. Ora, ao transmitir as noções de necessidade de
cumprimento de deveres e obediência às leis, pressupunha-se que esse indivíduo se
tornasse dócil, que fosse fácil de lidar. Ao cumprir as instruções que diziam: “trabalhe,
produza, seja útil”, sugeria-se que esse indivíduo tivesse uma utilidade em seu meio. Nesse
sentido, o conteúdo do livro visava disseminar esse ideário de controle sobre os corpos.
Tema 5: Forças Armadas
Nos livros de Coutinho (1975) e Almeida et al. (1973), as Forças Armadas tiveram
grande destaque. Para Almeida et al. (1973, p. 29-30) essa instituição era uma das mais
importantes da Pátria, pois as Forças Armadas eram “organizadas com base na hierarquia e
na disciplina, às quais competem defender a Pátria contra agressões externas e garantir os
poderes constituídos, a lei e a ordem interna” (ALMEIDA et al., 1973, p. 29-30). Desta
maneira, acreditava-se que a notoriedade atribuída às Forças Armadas nos livros didáticos
serviria, de certo modo, para justificar suas ações. Afinal, “a guerra, legitimamente não
pode ser o extermínio, nem a ambição; é simplesmente a defesa” (ALMEIDA et al, 1973,
p. 31).
Os autores enfatizavam, ainda, que a Nação segura era aquela que, além de
defender seu território, deveria “defender a constelação de valores materiais e espirituais, a
cultura e o bem estar, a tranqüilidade e os ideais que constituem o valioso patrimônio, cuja
preservação é tão grata à criatura humana quanto à soberania nacional”. No parágrafo
seguinte, atribuía-se à Escola Superior de Guerra a responsabilidade de divulgar esse
conceito de segurança, entendendo que ele “ultrapassa a área das forças armadas e se
espraia por todos os elementos políticos, econômicos e sociológicos, que constituem o
81
intricado entrelaçamento de forças atuantes nos quadros de um país” (ALMEIDA et al,
1973, p. 53).
Tal como o exposto, as idéias relativas à segurança nacional deveriam ser
disseminadas para todo o corpo social e isso era feito através da escola e, também, do livro
didático. Os objetivos nacionais relacionados à segurança nacional eram expostos como: a
integridade territorial, a integração nacional, a soberania, o prestígio internacional, a
democracia representativa, a paz, o bem estar e o desenvolvimento social e econômico.
Estes objetivos, por serem fundamentais e permanentes, deveriam ser alcançados, com o
emprego de todos os meios de que dispunha a nação, e preservados até pela guerra, se
fosse necessário.
Tais objetivos foram tratados como um “mecanismo de preservação contra
obstáculos, antagonismos, pressões, tensões e oposições, com a ampla aplicação de
recursos de natureza político-econômica, social e militar, constitui o sistema de Segurança
Nacional” (ALMEIDA et al., 1973, p. 54). O que se entendia com a apresentação de
objetivos nacionais e a ênfase atribuída às Forças Armadas e sua função de primar pela
segurança nacional pode ser interpretado como argumentos que legitimavam as ações
governamentais e auxiliavam na sustentação das práticas dos militares.
O livro de Coutinho (1975, p. 178) apresentava a idéia de que as Forças Armadas,
constituídas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, recebiam uma “colaboração estreita
com o elemento civil em todos os campos, na educação, na indústria, no comércio, na
lavoura, nos escritórios, na tecnologia, sempre visando à segurança nacional, ao progresso
e ao desenvolvimento do país” (COUTINHO, 1975, p. 178). Observa-se que essa inserção
visava atenuar a ação das Forças Armadas nos diversos campos da esfera civil em que ela
se fez presente durante os anos 1970.
O autor se dirigia diretamente aos alunos e afirmava como eles teriam a
participação nesse processo, buscando novamente um maior envolvimento e aceitação:
“vocês, meus amigos, na Escola, estudando, sendo aplicados, fazendo as lições, prestando
atenção nas aulas, estão contribuindo, também, para a manutenção da Segurança Nacional
e estão realizando, dentro das suas atribuições, a Defesa Civil” (COUTINHO, 1975, p.
179). Ainda é possível notar que o autor retomava as normas e a boa conduta que os alunos
deveriam seguir.
Entre os objetivos nacionais apresentados, destaca-se a questão da Integração
Nacional, que visava à formação de um povo homogêneo, sem grandes diferenças entre os
cidadãos.
82
Sobre a Paz Social, o autor a define como aquela que:
se opõe ao ódio, à vingança, aos movimentos de revolta, ao terrorismo, à
subversão e que conduz à harmonia e ao entendimento entre todos os
cidadãos, entre todas as classes sociais, dentro do espírito cristão, que sempre impregnou a alma brasileira, desde os primeiros tempos de sua
existência (COUTINHO, 1975, p. 189).
Como exemplos, Coutinho (1975) sugeria que os empregados não brigassem com
os patrões, mas trabalhassem de comum acordo, visando o bem da comunidade.
Transmitia-se, desta maneira, a idéia de sujeição do indivíduo, que deveria se controlar em
prol do bem comum. Para que os objetivos nacionais se cumprissem, o autor propunha em
seu livro que se “deve lutar denodada e instransigentemente e, se necessário, com o
sacrifício da própria vida” (COUTINHO, 1975, p. 194).
Tema 6: Território Nacional e Pátria
Nos capítulos sobre o território brasileiro eram oferecidas informações bem
próximas das que se encontravam em livros das disciplinas de história e de geografia. Ao
referirem-se à pátria, no entanto, idéias relativas ao civismo reapareciam. Afirmava-se: “O
Brasil é o País do Futuro. Tem tudo para ocupar um dos primeiros lugares do Mundo,
sobretudo porque possui uma Mocidade estudiosa, inteligente e desejosa de contribuir,
decididamente, para esse objetivo. Construamos juntos o Brasil de amanhã” (COUTINHO,
1975, p. 104). Nesta passagem, observa-se que foi apresentada a necessidade de disciplinar
os alunos para que se tornassem úteis, a partir de suas práticas, ao bem comum. Os lemas
que embalaram o País nesse período, como já foram expostos nos capítulos anteriores era
expresso em ilustrações como a que segue:
83
Fonte: COUTINHO, 1975, p. 44.
Destaque deve ser dado para o livro de Almeida et al. (1973), na parte em que os
autores tratam das datas e dos vultos nacionais. Primeiramente, os autores fazem um
extenso trecho sobre os vultos nacionais e em um segundo momento para a apresentação
dos símbolos nacionais foi reproduzida integralmente a Lei n. 5.700, de 1.º de setembro de
1971. O livro dos mesmos autores, de 1976, trata do mesmo tema, foi ilustrado com as
seguintes imagens:
Fonte: SILVA,1976, p. 30. Fonte: SILVA, 1976, p. 49.
Sobre os principais problemas brasileiros, Almeida et al. (1973, p. 68), tecem uma
crítica quanto à situação de pouco investimento no interior do país referindo-se ao Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. Ao tratar da educação, foi dada ênfase na educação técnica e nos
investimentos nessa área. O que dá a entender que se trata de uma justificativa aos acordos
internacionais que o governo estabeleceu para o ensino profissionalizante. A figura a
84
seguir trás uma imagem significativa do ênfase dada ao Centro-Oeste, o poder sendo
emanado dessa região para todo o país:
Fonte: SILVA, 1976, p. 44.
Vale ressaltar que no capítulo dos principais problemas brasileiros foram
exacerbados os apontamentos de investimentos em diversas áreas por parte do governo.
Também foi frisada “a grande tarefa nacional”, que se referia ao sentido positivo e
autêntico da “Revolução de 1964”. Seu sentido positivo seria referente ao que os autores
chamaram de combate exaustivo “à corrupção e a subversão, dando a esse combate o
caráter de preparação dos pré-requisitos para o desenvolvimento”. A autenticidade seria
pelo fato de que ela se destinaria “a criar no Brasil as condições básicas para o verdadeiro
desenvolvimento, democracia e soberania” (ALMEIDA et al, 1973, p. 81). Esse foi o único
livro que falou da “Revolução de 1964”, e o fez realçando suas qualidades. Os autores
fizeram críticas ao governo anterior, de João Goulart, e frisaram que a revolução “veio para
dotar o país das estruturas política, administrativa, jurídica, social e econômica” para
elevar o Brasil à condição de grande potência (ALMEIDA et al, 1973, p. 82). Parece uma
forma de justificar o que foi feito a partir dos pontos considerados “positivos”.
Outro aspecto que se distingue nos livros de circulação local foi o destaque dado ao
Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste, chamado de PRODOESTE. Trata-se de
um item importante, uma vez que, apenas nos livros elaborados por autores que viviam em
Mato Grosso, há menção pormenorizada de informações referente a essa área. O programa
foi expresso nos livros a partir do Decreto n. 1.192 que o implantou em 1971. O Decreto
foi reproduzido integralmente no livro de Almeida et al (1973). Na ilustração seguinte foi
exemplificado um trecho desse decreto:
85
Fonte: ALMEIDA, 1973, p. 85.
Para explicar o programa, foi citado um discurso do então presidente Médici. Entre
os objetivos desse programa estavam o de expansão das fronteiras econômicas e sociais
com intuito de acelerar o crescimento do país. Para tanto, propunha a construção de uma
rede rodoviária conjugada a um sistema de estradas, uma rede silos, armazéns, usinas de
beneficiamento e frigoríficos, além de obras de saneamento e recuperação de terras.
Ao final do discurso, o presidente conclui que esses investimentos na área do
Centro-Oeste foram “mais uma decisão de grande alcance no sentido de proporcionar às
regiões menos desenvolvidas a oportunidade de crescer rapidamente e de integrar-se no
mercado nacional” (ALMEIDA et al, 1973, p. 85). Como ilustrado abaixo:
Fonte: ALMEIDA, 1973, p. 83.
3.2.2. Aspectos da esfera privada
Para iniciar a análise no que se refere à “esfera privada” dos conteúdos veiculados
pelos livros didáticos, recorreu-se ao instrumental de Foucault (2008a) e sua concepção do
papel das instituições no corpo social. O autor afirma:
86
fazer sobressair o fato da dominação no seu íntimo e em sua brutalidade e
a partir daí mostrar que não só como o direito é, mas também como, até
que ponto e sob que forma o direito (e quando digo direito não penso
simplesmente na lei, mas no conjunto de aparelhos, instituições e regulamentos que aplicam o direito) põe em prática, veicula relações que
não são relações de soberania e sim de dominação (FOUCAULT, 2008a,
p. 181).
A partir dessa concepção de como as instituições e regulamentos veiculam formas
de dominação, pode-se compreender a importância e ênfase dada ao papel das instituições
nos livros didáticos analisados. Segundo Almeida et al. (1973, p. 27) as instituições tinham
significativa influência, a partir de suas normas reguladoras que regiam a vida social, de
forma ampla, profunda e contínua na vida do indivíduo. Por isso elas representavam “os
elementos basilares, da vida em sociedade”, pois seriam elas que inspirariam “as normas
de ação e os padrões de comportamento dos indivíduos em grupo” (ALMEIDA et al.,
1973, p. 27).
Pensando nessa amplitude atribuída às instituições, é possível notar que a escola
cumpriu seu papel e a disciplina de Educação Moral e Cívica, através das informações
transmitidas por seus livros, contribuiu para estabelecer essas relações de dominação. Isto
fica constatado a partir dos conteúdos instituídos nos livros didáticos que serviram,
sobremaneira, como um guia de normas de conduta. Além da escola, os autores
apresentaram como instituições basilares: o estado, a família, a igreja, as forças armadas e
as instituições de fins culturais.
Tema 1: Família
Da mesma forma, Coutinho (1975, p. 115), no capítulo intitulado “Instituições:
família, nação, estado”, definiu instituição como algo “permanente, que atende às
necessidades, interesses e exigências da coletividade, constituído de hábitos, usos e
costumes e que serve de base à vida em sociedade”. Discutiu as instituições família, nação
e Estado. Sobre a família, o autor destacou a importância do casamento e enfatizou a
questão na monogamia e seu caráter indissolúvel. Também afirmou que se trata de uma
união estável entre um homem e uma mulher, “não se admitindo outra forma, que não seria
moral”. Novamente são apresentadas normas de condutas que as crianças deveriam seguir
para que não incorressem em atos considerados imorais.
87
Ainda sobre o tema família, Almeida et al. (1973, p. 13) afirmou que “a família é o
centro de irradiação das normas de conduta da sociedade. É a célula básica da sociedade”.
Fato interessante que merece destaque, é que nos livros consultados que apresentaram
imagens existe uma quantidade significativa de figuras referentes a um mesmo modelo de
família ideal. Nesses livros os pais que são sempre cuidadosos, atenciosos, cheios de amor
e respeito pelos filhos. Já os filhos deveriam corresponder à altura toda essa dedicação,
amor e carinho. Como pode ser observado nas seguintes imagens:
Fonte: COUTINHO, 1973, p. 29. Fonte: SILVA et al., 1976, p. 24.
Esses modelos ideais apontam o conjunto de normas que estavam presentes nos
livros didáticos e que buscavam atingir as crianças com intento de orientar suas práticas
individuais e sociais, ou seja, normalizá-las.
Tema 2: Religião
O capítulo de Silva et al. (1976, p. 12) intitulado “O Ser Humano e Deus”
apresentou temas significativos que foram expressos em frases como “O seu amor” e “A
união faz a força”. De acordo com o título e essas frases, pode-se observar a relação que já
é traçada com aspectos religiosos. A idéia de criatura e criador fica presente nesses em
outros momentos do texto.
Ao diferenciar o ser humano dos animais, os autores apresentaram uma série de
distinções características de cada um. Nesse sentido, o conceito de inteligência foi
apresentado como característica própria dos seres humanos, manifestado “pela linguagem,
pela ciência, pela técnica, pela arte, pela moral, pela religião e pelo progresso” (SILVA et
al., 1976, p. 114).
88
Coutinho (1975) também realizou essa distinção, sugeriu que os homens são
superiores aos animais porque tem espírito e alma. Citou o exemplo da ida do homem à
lua, por conta de sua inteligência, esforço e cultura. A partir desse exemplo enfatizou “é
por isso que você deve estudar e muito...” (COUTINHO, 1975, p. 9). O autor traçou um
paralelo do corpo humano com uma máquina perfeita, tal como um relógio.
A religião também foi conteúdo explorado pelos livros. Nos livros de Almeida et al.
(1973) e Coutinho (1975), o tema foi destacado com um capítulo específico, enquanto no
livro de Silva et al. (1976), os preceitos religiosos foram trabalhados ao longo do livro.
Ressalta-se que nos três livros, como já foi exposto anteriormente, a temática religiosa
surge, algumas vezes, de forma clara, e outras, indiretamente, de forma mais sutil.
Coutinho (1975), ao associar santos e anjos ao conteúdo religioso, demonstrou em
seu livro, preceitos característicos do catolicismo. Como exemplo utilizou uma imagem em
que mostra um padre em frente a uma cruz, com índios atentos a sua volta, bem típico da
missão dos jesuítas ao catequizar os índios, como mostra a figura abaixo:
Fonte: COUTINHO, 1973, p. 80.
Tratou, também, sobre ritos e, como exemplos, apresentou cerimônias típicas da
Igreja Católica, como a missa, comemorações da semana santa e quaresma. Insinuou que a
família de cada aluno deveria ter adoração a Deus, a partir dos símbolos da Cruz e da Santa
Ceia.
Mesmo afirmando que se deveriam respeitar as religiões, são consideradas apenas
as religiões cristãs. Além disso, ficou clara a influência católica em diversas passagens
como foi demonstrado. Essa “predileção” alcançava os alunos de maneira sutil, nos
89
entremeios entre um discurso e outro. As referências ao cristianismo foram constantes, isso
pode ser notado quanto o autor afirmou que “o Cristianismo transformou o mundo
materialista e pagão num mundo espiritualista e religioso” (COUTINHO, 1975, p. 81).
A figura abaixo mostra a figura de um padre tipicamente católico. A batina e a cruz
no pescoço confirmam isso. Em diferentes momentos, quando o livro menciona Deus ou
religião, as ilustrações geralmente mostravam padres, igrejas que aparentavam ser católicas
ou símbolos característicos do catolicismo, como anjos.
Fonte: COUTINHO, 1975, p. 15. Fonte: COUTINHO, 1975, p. 54.
Para Almeida et al. (1973, p. 28), a “igreja é uma reunião de pessoas ligadas
espiritualmente. A Igreja foi apresentada como o elo de aproximação do homem com seu
Criador através da oração”. Outro ponto observado é que o discurso religioso também foi
muito vinculado à moral. Coutinho (1975, p. 79 e 67) entendia que a religião e a Moral
estavam sempre ligadas e que “a religião estabelece as regras da Moral” e que a “Moral é a
ciência que ensina o Homem a praticar o bem e a evitar o mal”.
Os autores sugeriram no livro que todos precisariam ser membros ativos de uma
comunidade religiosa, justificando que a Igreja aproximaria o homem de Deus. Concluíram
o capítulo com seguinte frase “o Brasil é por inteiro cristão. O brasileiro ama sua Pátria,
ama o seu povo, ama a Deus” (SILVA et al., 1976, p. 16). Novamente associava o amor à
Deus e à Pátria, entrelaçando conceitos e saberes para que ficassem mais facilmente
assimiláveis. Acredita-se que essa é mais uma tentativa de fazer com que, as crianças nesse
caso, dessem valor a Pátria e a aceitassem como ela era.
Corroborando esta assertiva, Cunha (2005, p. 356-57) sustenta que “os livros
didáticos estão recheados de interpretações simpáticas à religião, a começar com a imagem
de Deus criando o homem, os jesuítas vindo ao Brasil para convencer os índios à „religião
verdadeira‟ etc”.
90
Sobre o sentido cívico dos feriados, Silva et al., (1976, p. 51-52) expôs que de
maneira geral “os feriados nacionais do Brasil atendem a três ordens de sentimento: os de
ordem nacionalista, nas festividades de nossas mais importantes datas históricas; os de
ordem universalista, nas festividades relativas à confraternização humana; os de ordem
espiritual, na festividade em memória do nascimento de Cristo”. No entanto, o que se
observa é que existem vários feriados em dias santos do culto católico, o que faz revelar,
conforme Luiz Antônio Cunha (2005) certa hegemonia da instituição religiosa que
patrocinou por muito tempo esse culto.
Tema 3: Vícios e virtudes
Os autores discorreram acerca da existência e acreditavam que para cuidar dessa
existência era necessária “a afirmação moral e religiosa, sem a qual perderíamos todos os
esforços empregados” (SILVA et al., 1976, p. 15). Davam continuidade ao tema falando da
importância do corpo para alcançar esse êxito:
O corpo desenvolvido produz o animal sadio; a musculatura e o vigor físico produzirão o lutador; a inteligência, sem a moralidade, produzirá o
velhaco, o criminoso, que fugira à justiça, terá recursos suficientes para
engendrar os crimes mais horríveis (SILVA, 1976, p. 15).
Esse trecho expressava bem a idéia de como a escola, como instituição
disciplinadora, e a disciplina de Educação Moral e Cívica, através de seus livros didáticos,
visavam transmitir valores e normas de disciplinarização dos corpos. Referente a essa
forma de controle de corpos, pode-se traçar um paralelo com o que Foucault (2009a, p.
166) argumenta: “adestrar corpos vigorosos, imperativo de saúde; obter oficiais
competentes, imperativo de qualificação; formar militares obedientes, imperativo político;
prevenir a devassidão e a homossexualidade, imperativo de moralidade”.
O livro de Coutinho (1975, p. 15) apresentou a seguinte sugestão aos estudantes:
Pratiquem esportes, amigos, para terem o corpo são, crescerem,
fisicamente saudáveis; alimente-se bem. Cuidem de seu asseio corporal,
todos os dias. Mas, não descuidem de seu espírito. Estudem, apliquem-se em classe, para progredirem, evoluírem, ser gente, amanhã. A sua alma
deve conservar-se sempre pura, voltada para os bons princípios e as boas
ações.
91
Da mesma maneira, fazia referência às normas que deveriam reger as ações
relacionadas com o corpo e bons princípios. Dessa maneira, o que se percebe é que o autor
supracitado enfatizava os comportamentos que seriam adequados em diversos momentos.
Ao falar da vida em família, ao falar da vida na escola, na sociedade e no Estado, em suas
orientações utilizava os sentimentos que deveriam ser cultivados aos comportamentos,
palavras e gestos adequados.
Isso fica evidente também, quando o autor falava de valores. Coutinho (1975, p. 50)
apontava uma escala de valores que deveria ser seguida. Ou seja, para ele era preciso
“praticar o bem evitar o mal; cultivar o espírito, não descuidando do corpo; amar a Deus e
à Pátria, servindo-os em todas as nossas ações”. Essa relação com Deus, como já foi visto,
é retomada em diversos momentos e em todos os livros analisados, algumas vezes de
forma explícita e, outras, nem tanto.
“Vícios e virtudes” foi tema recorrente nos três livros pesquisados. O que se
observou através da discussão desses conceitos são as formas de inserir e reforçar condutas
consideradas como adequadas e inibir as consideradas inadequadas. Pôde-se constatar essa
característica quando Almeida et al. (1973, p. 18) afirmavam que as virtudes são adquiridas
somente com “a prática constante” e que, assim, se formava o hábito.
Almeida et al. (1973) citavam algumas das virtudes morais que considerava mais
importantes, tais como: “paciência, benevolência, ausência de inveja, humildade, ausência
de ambição, calma, confiança, espírito de justiça, honestidade, tolerância, amor à verdade,
alegria, generosidade, amor ao trabalho, pontualidade e fraqueza” (ALMEIDA et al., 1973,
p. 18). Sugeriam ainda que o aluno deveria sempre adotar o melhor comportamento, e
guiar-se pela lei moral expressas nas “normas de condutas. O reto caminho, ou seja, o bom
caráter requer firmes convicções e força de vontade” (ALMEIDA et al., 1973, p. 15).
Ao trabalhar o conceito de caráter e personalidade, os autores afirmaram que “a
vontade disciplinada e a ação devem fazer parte de nossa personalidade” e que a união
desses elementos seriam decisiva para que o indivíduo reagisse “conscientemente, com
bom senso, ao encontro de um futuro correto e brilhante” (SILVA et al., 1976, p. 26). A
partir deste trecho, resgata-se a noção do poder disciplinar em sua esfera de vigilância
constante. Tratava-se de veicular um discurso que reforçava a consciência do ato de cada
indivíduo para que aprimorasse a eficácia de seus gestos.
Silva et al. (1976, p. 26) sugeriram, ainda, que para se tornar uma pessoa bem
sucedida, o indivíduo deveria “cultivar cuidadosamente sua personalidade, cuidando da
formação de bons hábitos e adquirindo um bom comportamento. Como conseqüência, a
92
personalidade será poderosa, dinâmica e produtiva”. Essas prescrições de comportamento
são próprias de uma instituição disciplinar, trata-se de um discurso que sugere regras e
normas tidas como “naturais”. Tentavam passar um código de normalização que deveria
servir de guia para o aluno. Idéia semelhante aparece na afirmação: “os hábitos são
determinadas formas de conduta que se originam por meio da repetição de atos” (SILVA et
al., 1976, p. 26). A figura abaixo trata-se de um exemplo dado pelo autor sobre alguns
hábitos:
Fonte: SILVA et al., 1976, p. 26.
Coutinho (1975, p. 17), ao apresentar o conceito de virtude, entende que ela deve
“representar sempre a nossa maneira de agir; devem ser a base de nossa conduta, em todos
os campos e em todos os setores de nossa vida. As virtudes são: prudência, justiça,
fortaleza e temperança”. O autor sugere que as crianças aprendam o significado das
virtudes para que, ao final da lição, façam um exame de consciência para identificar se as
virtudes realmente fazem parte de sua pessoa, de sua maneira de agir e de proceder na vida
(COUTINHO, 1975, p. 18). A figura abaixo relaciona a idéia de ser bom e disciplinado
com a de sucesso e respeito:
Fonte: COUTINHO, 1975, p. 21.
93
O autor transmitia o conteúdo e sugeria que as crianças o identifiquem em si
mesmas, para que a fixação da norma prescrita fosse “garantida”. Os bons hábitos são
considerados no livro de Coutinho (1975) como requisitos da pessoa humana de maneira
individual. São apresentados os hábitos de higiene que são as “coisas que vocês se
acostumam a fazer todos os dias e que nunca mais deixarão de fazer e de que nunca mais
se esquecerão” (COUTINHO, 1975, p. 17). Classificou os hábitos bons como “virtudes” e
os maus hábitos como “vícios”. O autor também apresentou os vícios que são o oposto às
virtudes, tais como: soberba, inveja, avareza, luxúria, ira e preguiça, em clara referência
aos sete pecados capitais.
Almeida et al. (1973, p. 19) apresentaram diversos vícios que consideravam
danosos à sociedade, tais como: “orgulho, mentira, avareza, ira, gula, inveja, egoísmo,
desonestidade, maldade, preguiça, covardia, falta de controle, injustiça, ambição
desmedida, ciúme, intolerância, irritação, desconfiança, fraqueza de ânimo e precipitação”.
Tal lista, por sua extensão, contribuía para sugerir a necessidade de aumento da vigilância
sobre pensamentos e corpos. Na figura abaixo, pode-se verificar como foi simbolizado,
com quadrados decrescentes, o pensamento do indivíduo, fato que sugere uma forma de
restrição ou cerceamento:
Fonte: SILVA et al., p. 25.
Acredita-se que ao inserir, em um livro didático, tantas normas e prescrições de
condutas, o intuito seria não outro senão o de cumprir uma função disciplinar
Da mesma forma, Coutinho (1975, p. 58) afirmava “o menino que possui mais
qualidades do que defeitos é de bom caráter. O que possui mais defeitos do que qualidades
94
é de mau caráter” (COUTINHO, 1975, p. 58). Para ser qualificado como “bom caráter”, o
autor apresentava a “receita”:
agir sempre com carinho, bondade, caridade cristã, não criticar apenas, mas procurar encontrar, no mundo e nos outros, as coisas boas, que
existem e não imaginar que neles só existem maldades, vícios, defeitos. É
preferível corrigir nossos defeitos a apontar os de nosso vizinho.
De forma aparentemente maniqueísta, os livros diferenciavam o bem e o mal,
preconizando as condutas consideras adequadas para um cidadão. Algumas vezes,
inclusive, demonstravam que os maus comportamentos eram punidos. A criança devia
aprender a ser disciplinada para saber se comportar em diferentes circunstâncias e para que
se tornassem adultos bons, honrados e produtivos. Assim, define Coutinho (1975, p. 67-
68), o “bem é tudo o que é certo, correto, tudo o que a nossa consciência diz que nós
devemos fazer, porque é honesto, decente. Mal é o que vai contra os bons princípios e a
nossa consciência nos diz que não devemos fazer, porque é desonesto, indecente”. As
figuras a seguir mostram esses exemplos:
Fonte: COUTINHO, 1975, p. 63. Fonte: COUTINHO, 1975, p. 62.
Ainda nessa linha de pensamento sobre o adulto que os estudantes viriam a ser,
Coutinho (1975) discorreu de maneira enfática sobre a importância do trabalho. O autor
deixou claro que o Brasil exigiria que todos os cidadãos trabalhassem e produzissem para
que contribuíssem para o progresso e o desenvolvimento da coletividade. Desta maneira,
concluiu que “o trabalho é, ao mesmo tempo, um direito e um dever de todos os cidadãos”.
O autor afirmou categoricamente que ninguém tinha “o direito de ser preguiçoso,
vagabundo, de ficar inerte, parado, sem trabalhar” (COUTINHO, 1975, p. 164). Nesse
excerto, observa-se novamente o intento de utilizar a educação como meio de prevenção.
95
Incentivar de diferentes maneiras que o estudante se torne um adulto produtivo, eficaz e
doutrinado. A figura abaixo exemplifica essas idéias:
Fonte: COUTINHO, 1975, p. 70.
Os livros dos autores mato-grossenses apresentavam em suas partes finais temas
diversificados. Almeida et al. (1973) construíram um capítulo sobre uso e males das
drogas. O que reforça a idéia de que esse livro fora feito para estudantes de faixas etárias
mais avançadas, enquanto Silva et al. (1976) trabalharam com o tema de direitos e deveres
no trânsito, um conteúdo, sem dúvida, mais ameno.
Ao falar do uso de drogas, Almeida et al. (1973, p. 100) utilizaram a seguinte frase
“é mais fácil seduzir ao mal os espíritos inexperientes, imaturos, do que os adultos,
experientes e cautelosos. Além do que um jovem ganha, representa um futuro, em oposição
ao simples presente de um adulto”. Pode-se observar nesse trecho a forma como o poder se
espalha nas sutilezas das formas e conteúdos nos livros. Ao inserir os efeitos negativos do
uso de drogas, está sendo exposto o que não deve ser feito, que deve ser entendido como
uma forma de disciplinarização. Percebe-se que mesmo em conteúdos que ultrapassam o
sentido político e doutrinário recorrente nos livros analisados, utilizam-se de mecanismos
de controle disciplinar.
Com intuito de fazer a prevenção ao uso de drogas, alguns motivos são descritos
como combate à toxicomania. Destaca-se o excerto em que se afirmou: “o tóxico conduz o
homem ao homossexualismo, a mulher à prostituição e ambos finalmente à loucura”
(ALMEIDA et al., 1973, p. 103). O que se observa é a formação de um vínculo que
96
procura, ao realizar essa associação do uso de drogas, homossexualismo, prostituição e
loucura, incutir nos alunos que além das drogas os outros comportamentos também seriam
vícios, danosos e prejudiciais.
Silva et al. (1976) inseriram, no final do livro, um conteúdo distinto dos aspectos
políticos já apresentados. Apareceram como apêndice, os direitos e deveres do trânsito,
inclusive com todas as placas e formas de sinalização de trânsito (SILVA et al., 1976, p.
83). Novamente observa-se a inserção de conteúdos com a finalidade de modificar práticas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise dos documentos utilizados nesta pesquisa pode-se concluir que a
disciplina de Educação Moral e Cívica ao ser reintroduzida no ensino de primeiro grau,
durante a década de 1970, serviu a propósitos peculiares, que contribuíram para diferenciá-
las das demais disciplinas escolares. Este “distanciamento” pôde ser percebido desde o
momento de sua reintrodução, que se deu através de uma série de documentos legais,
como: decretos-lei, decretos e pareceres, que foram lançados em um momento de
acirramento de posições do período militar.
Entre os documentos que a estabeleciam e a regulamentavam estavam, também, os
programas governamentais de regimento e organização da disciplina, que tinham
características próprias, cujo propósito principal era a manutenção da ordem do regime, a
partir do cerceamento dos saberes que circulavam no campo educacional. Nesse sentido, os
livros didáticos da disciplina de Educação Moral e Cívica eram submetidos à análise prévia
de um desses órgãos do governo – a Comissão Nacional de Moral e Civismo – para, então,
serem utilizados pelas escolas.
Desta forma, os livros didáticos analisados nesse trabalho apresentaram as tensões
existentes entre os conteúdos que poderiam ou não, a partir dos programas oficiais, serem
divulgados dentro da realidade na qual se encontravam os autores desses livros. Deve-se
ressaltar que os livros selecionados apresentaram conteúdos próximos, mas dotados de
colorações distintas. O livro de Almeida et al. (1973), mesmo se tratando de um livro para
primeiro grau, foi escrito para estudantes de uma faixa etária mais avançada em relação ao
livro, dos mesmos autores, publicado em 1976. Isso se confirma a partir do vocabulário
mais complexo, da inexistência de imagens e dos conteúdos organizados de forma mais
elaborada.
Este livro, talvez por ser o mais antigo, demonstrou, ao longo de seu texto, um
enaltecimento significativo dos governos militares. Apresentou, inclusive, discursos do
presidente da República em exercício. Outra peculiaridade deste título, que também foi
encontrada no livro 1976, foram as referências significativas feitas aos programas de
desenvolvimento econômico da região Centro-Oeste, o PRODOESTE.
Acredita-se que isso se deve por serem os autores professores que exerciam suas
atividades no cenário mato-grossense. Portanto, essas fontes foram de grande importância
para este trabalho, uma vez que, a pesquisa dos livros didáticos foi circunscrita àqueles
livros que circularam no Estado de Mato Grosso e por não serem tais livros citados nos
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trabalhos acadêmicos mais relevantes sobre livros didáticos da disciplina de Educação
Moral e Cívica. No entanto, por serem de circulação regional, esses livros não levaram
esses conhecimentos a nível nacional, ficando restrito ao próprio Estado do qual fazem
referência.
Em relação aos conteúdos, de maneira geral, pode-se notar que os livros
mantiveram, entre si, uma linha de construção argumentativa bastante coerente e
semelhante. Os conceitos de Estado e Democracia são trabalhados de forma bastante
idealizada. Suas definições são muito distantes da realidade em que o País se encontrava
naquele momento. No entanto, a realidade passa a ser acionada no momento em que os
autores começam a discutir a atuação concreta do cidadão dentro do Estado e da
Democracia. Ao trabalhar com o conceito de liberdade, os livros apresentam uma série de
restrições que possibilitariam ao cidadão viver dentro do Estado e da Democracia reais do
Brasil. Até que concretizam a realidade ao falar das funções das Forças Armadas. Funções
que são descritas e que correspondem, em uma avaliação positiva, aos fatos. Trata-se de
sutilezas, de mecanismos argumentativos sofisticados, que fazem com que os leitores não
percebam a contradição entre um governo autoritário que se intitula como democrático.
O instrumento que permitiu o funcionamento desta lógica foi justamente a
disciplina de Educação Moral e Cívica. Residiu aí seu caráter disciplinador e sua principal
finalidade. Foi através desta disciplina que o governo conseguiu transmitir seu ideário de
maneira minuciosa e pormenorizada. Criando um cidadão disciplinado que seria o único
responsável por sua liberdade. Ou seja, dependeria do cidadão ser uma pessoa livre,
bastava que ele seguisse as regras e leis que estavam sendo impostas naquele momento
político. A disciplina de Educação Moral e Cívica foi um dos instrumentos importantes na
formação deste cidadão disciplinado.
O que se nota é que a finalidade educativa da disciplina de Educação Moral e
Cívica ficou secundarizada. Sua finalidade real, ou seja, aparentemente real era a de
ensinar a cidadania para a construção de um país melhor. No entanto, sua finalidade de
objetivo era de formar um cidadão que, dotado de direitos e deveres, aceitasse como justo e
“verdadeiro” o contexto político em que o País se encontrava naquele momento.
Para conseguir alcançar esse objetivo era preciso disciplinar os sujeitos através de
normas de condutas que, transcritas nos livros, contribuíssem para a formação de
estudantes dóceis e úteis ao contexto sócio-político vigente. Assim, foram transmitidos
conteúdos com regras de comportamento, de adequação e com uma concepção claramente
definida do “ser bom”. Foram trabalhados conhecimentos que auxiliaram na
99
disciplinarização e que aumentaram o esquadrinhamento de corpos já realizado pelo
espaço escolar.
Os estudantes do ensino primário tiveram contato com conteúdos que enfatizavam e
reforçavam a individualidade. Cada indivíduo seria um ser livre e responsável por seus atos
e por aquilo que seria no presente e pelo que se tornaria no futuro. Tratava-se de criar
singularidades justapostas, dotadas de pouca possibilidade de articulação coletiva.
Individualizar os corpos espacialmente faz parte das instituições disciplinares e, no caso da
Educação Moral e Cívica, mais que espacialmente, através dos discursos e saberes de
verdade. Tratava-se de um discurso concatenado com os discursos veiculados pelos
governantes, fato que legitimava o que estava sendo ensinado.
Deve-se, contudo, fazer uma ressalva. Todos os espaços onde existem relações de
poder, de disciplinarização, são, também, espaços de lutas e resistências. Como tal, na
disciplina de Educação Moral e Cívica, apesar de todos os esforços na tentativa de
contenção e cerceamento, houve margem para que essas relações de poder fossem
questionadas ou, até mesmo, “subvertidas”. Muitos professores utilizaram o espaço desta
disciplina escolar para fornecer aos estudantes condições de entender e questionar o regime
que havia sido imposto.
Longe da pretensão de esgotar o tema, identificou-se a existência, em Mato Grosso,
de peculiaridades regionais assumidas pela disciplina de Educação Moral e Cívica. Os
livros produzidos por autores que conheciam mais de perto a realidade deste estado, ao
discutirem aspectos do desenvolvimento regional, enfatizavam elementos das políticas
públicas voltadas para a região Centro-Oeste. Provavelmente, livros produzidos por autores
pertencentes a outras realidades regionais, também apresentaram particularidades análogas
a esta, mas isto somente poderá ser desvelado através da realização de pesquisas futuras.
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