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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA
CONTEMPORÂNEA
ALIANA FRANÇA CAMARGO
Documentário e Cibercultura: conjunção contemporânea
CUIABÁ-MT 2012
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ALIANA FRANÇA CAMARGO
Documentário e Cibercultura: conjunção contemporânea
CUIABÁ-MT
2012
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ALIANA FRANÇA CAMARGO
Documentário e Cibercultura: conjunção contemporânea
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Comunicação e Mediações Culturais.
Orientadora: Prof ª Dra. Lúcia Helena Vendrúsculo Possari.
CUIABÁ-MT 2012
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Para os amores
Maria Júlia,
Cristiano e
Lucida.
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AGRADECIMENTOS
Na elaboração dessa dissertação, alguns obstáculos foram superados. Mas
esta superação não seria possível sem que ao meu redor estivessem pessoas que
me encorajaram e me deram força para continuar. Por isso, agradeço à minha
família, em especial, à minha mãe Lucida, que apesar das dificuldades sempre foi
um incentivo para os meus estudos. O meu amado companheiro Cristiano por
sempre estar ao meu lado quando tudo parece ficar muito difícil. Ao mais novo amor
da minha vida, minha princesa Maria Júlia, que chegou durante o percurso desta
dissertação para dar mais emoção à minha existência. Aos meus irmãos
Josémarcio, Márcio, Ítrio, Sandra e Lú, porque sempre estiveram comigo.
Agradeço imensamente à minha orientadora, Lúcia Helena Vendrúsculo
Possari, por acreditar em mim e aceitar, no meio do caminho, pesquisar o tema
documentário, sempre apaziguando, com sutileza e equilíbrio, os momentos mais
complicados na construção das ideias. Ao professor Yuji Gushiken, por contribuir
com sua refinada arguição no momento da qualificação deste trabalho. À professora
Maria Cristina de Aguiar Campos por aceitar o convite para compor a banca.
Aos amigos de jornada que fiz no ECCO, Marília Cortez, Karine Krewer, Alan
Mantilha, Albília Almeida, Daniel Guazina, Thais Castro, Jan Moura, Mayra
Jeannyse, Luzo Reis, Alexandro Romão, Fernando Birello e tantos outros.
Aos professores do programa, em especial, Ludmila Brandão e Maria Thereza
de Oliveira. Aos funcionários do ECCO, representados pelo sempre paciente Diego.
A Kleber Lima, que me possibilitou pesquisar e trabalhar ao mesmo tempo; sem o
incentivo, o caminho seria mais difícil. Aos companheiros do Hipernotícias.
Aos amigos que fazem parte da minha vida, Diego Baraldi, Fernando
Augusto, Gilvan Rodrigues e Camila Caetano. Esta foi apenas uma etapa, na qual
despertei a consciência para o ser/estar pesquisadora. Estou certa de que o
caminho teórico por onde passa a pesquisa sobre documentários será cada vez
mais aprofundado em minha vida, com o passar dos anos. E que venha a prática!
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“O cinema não vem apenas registrar a vida reclusa,
seus dramas e ameaças, mas também se somar ao
que ajuda a inventar o cotidiano, estabelecer uma
rotina de práticas variadas.”
Ismail Xavier
“Se a tecnocultura moderna foi o paraíso de Apolo,
a cibercultura pós-moderna é o teatro digital de
Dionísio.”
André Lemos
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RESUMO
Alguns aspectos da contemporaneidade ofereceram variações aos segmentos das
artes, e é pensando nestas transformações que este trabalho tem a pretensão de
construir um diálogo sobre o audiovisual, especificamente o documentário, em
relação à nova forma de cultura – chamada Cibercultura. Através da simulação,
existente em outros tempos, mas que tem sua particularidade na esfera virtual,
compreendem-se algumas questões sobre as linguagens expandidas do
documentário para a Web nesta segunda década do século XXI. A diversificação de
público, de formato e mudança na base cultural do documentário (produção,
distribuição e exibição) faz com que um novo olhar seja lançado para a criação do
gênero para a internet. A base teórica passa pela cultura, Cibercultura, pelos
conceitos de interação e de socialidade, e pelas concepções de documentário, a fim
de embasar minhas descrições. A metodologia é de abordagem qualitativa, pois
busco a construção de sentidos desses documentários: O Som do Tempo, Cidades
Visíveis, Restos e Webdoc Verdade. Assim, a descrição visa à constituição deles,
inseridos na Cibercultura.
Palavras-chave: Webdocumentário; Cibercultura; interação.
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ABSTRACT
Some aspects of contemporaneity have allowed art segments to vary. This work
intends to build a dialog on the audiovisual – especially the documentary – by
thinking of these transformations in relation to a new type of culture – which is called
Cyberculture. Through simulation, which exists in other times – though its particularity
is in the virtual sphere, we can understand some issues on the languages that
expanded from the documentary to the web (internet) in the second decade of the
21st century. The diversity of public and format as well as the change of the cultural
basis of the documentary (exhibition, distribution and production) caused us to have
a new perspective on the creation of the genre on the internet. The
theoretical basis ranges from culture, cyberculture, concepts of interaction and
sociality, to the conceptions of the documentary in order to support my
descriptions. The methodology is of a qualitative approach, because I am interested
in the sense production in the following documentaries: O som do tempo (The sound
of time), Cidades Visíveis (Visible Cities), Restos e Webdoc Verdade (Remains and
Webdoc Truth). Thus, the descriptions aim at their formation inserted in the
Cyberculture.
Key-words: webdocumentary; cyberculture; interaction.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Título: Dona Fátima em sua casa...............................................................66
Figura 2. Título: Casa de Dona Fátima......................................................................67
Figura 3. Título: Primeira imagem da obra Restos.....................................................69
Figura 4. Título: Garis em avenida de Belo Horizonte...............................................70
Figura 5. Título: Oficina sobre webdoc......................................................................73
Figura 6. Título: Imagem do vídeo Webdoc verdade................................................74
Figura 7. Título: webdocumentário Cidades Visíveis.................................................78
Figura 8. Título: webdocumentário Cidades Visíveis.................................................80
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1 – O Gênero, a representação e a realidade.................................... 17
1.1. O outro no documentário........................................................................... 26
1.2. Documentário no mundo............................................................................ 29
1.3. Documentário no Brasil.............................................................................. 33
1.4. O documentário na cultura contemporânea............................................... 37
CAPÍTULO 2 – Ambiente comunicacional na Cibercultura................................. 40
2.1. Rumos do gênero documental frente à dinâmica da cibercultura.............. 47
2.2. A representação através da mediação digital: mudanças evidentes......... 49
2.3. Documentário na rede: construção de conteúdo na internet..................... 51
CAPÍTULO 3 – Documentário e a condição da simulação na era cibernética... 54
3.1. Compreensão da obra digital na esfera virtual.......................................... 64
3.2. O Som do Tempo na Cibercultura............................................................. 65
3.3. Canais de compartilhamento e as indagações sobre o webdoc................ 68
3.4. Reflexão sobre Webdoc no festival é tudo verdade.................................. 72
3.5 Cidades Visíveis e a utilização de novas possibilidades através do sistema digital................................................................................................................. 77
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 83
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 87
ANEXO...................................................................................................................... 91
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INTRODUÇÃO
A partir da década de 2000, o fenômeno audiovisual ganhou projeção com a
internet, fazendo do cotidiano uma janela aberta de imagens que circulam em nível
mundial. Essa realidade é cada vez maior quando canais de exibição na rede
telemática são criados, possibilitando muitas trocas de informações por meio de
cabos de fibra ótica.
Este estudo inicia a partir do anseio em observar qual é o lugar do
documentário quando inserido na rede telemática. Estudar o gênero parte de uma
busca pessoal. Em meu percurso profissional, coloquei em prática o projeto
Cinemagora, fruto da conclusão de graduação em Comunicação Social pela
Universidade Federal de Mato Grosso. O projeto foi aplicado em algumas escolas da
periferia de Cuiabá, a partir de 2005, e no decorrer dos anos foi inserido também em
alguns eventos no Estado. O trabalho, direcionado para crianças e adolescentes,
tem como papel fundamental inserir a prática do audiovisual no universo de vários
estudantes.
O aprendizado através da prática pedagógica sempre esteve aliado ao meu
trabalho como documentarista, sendo alguns apresentados no Festival de Cinema e
Vídeo de Cuiabá.
A popularização de canais de exibição de vídeos, como o Youtube , o
crescimento de documentários apresentados na internet e a prática cada vez mais
aliada a novas tecnologias como celulares, câmeras fotográficas e Webcams, fez
com que a investigação teórica tivesse início neste Programa de Mestrado em
Estudos de Cultura Contemporânea.
Diante do exposto, esse trabalho tem a pretensão de fortalecer, através de
um aporte teórico, a prática adquirida ao longo dos anos. Quero propor a reflexão da
produção do documentário na era da informática e das novas tecnologias.
Apresento o recorte de algumas produções documentais inseridas na World
Wide Web para descrever as narrativas propostas pelos seus autores.
Produzir, exibir e distribuir fazem parte de outra esfera diferente das décadas
de 1980 e 1990. Agora, com a comunicação todos-todos, compartilhar, interagir e
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manipular imagens integram as rotinas de vários realizadores existentes na
cibercultura. Em linhas gerais, como é concebido o documentário quando
influenciado pelo digital? Como se apresentam e se caracterizam os documentários
na web?
Busco respostas a essas questões através da contribuição de pesquisadores
como André Lemos e Pierre Lévy: observo a cibercultura se desenhando na esfera
do social na forma da cibersocialidade, resultado da socialidade aliada à tecnologia
telemática. Essa paisagem sociocultural reverbera em vários campos do
conhecimento, e, neste trabalho, compartilho os conceitos dos autores citados, para
compreender a posição do documentário na esfera virtual. Bill Nichols, Jean-Louis
Weissberg, Arlindo Machado e outros teóricos também contribuem
significativamente.
Se, antes, eram feitas reflexões sobre se o que estava sendo exposto se
tratava de um documentário, na Cibercultura, observa-se que este tema está cada
vez mais em discussão, já que as linguagens estão cada vez mais em expansão.
O trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro, com o objetivo de dar a
ver inúmeros olhares sobre o gênero documentário, faço recuo histórico, a partir dos
anos 1960, em que as críticas e os estudos acadêmicos se voltaram intensamente
para o campo do cinema. As reflexões, a partir daquela época, apresentam pontos
importantes como representação, realidade, a voz do outro no documentário, assim
como o lugar do gênero na cultura da sociedade.
O segundo capítulo, alinhando-se à proposta do documentário e sua inserção
na Cibercultura, tem como objetivo abordar o gênero na contemporaneidade, em
que há um novo curso na produção, informação e trocas entre indivíduos comuns e
interessados pela área: a desterritorialização, traçando as informações em tempo
real; o vitalismo de André Lemos; a inteligência coletiva de Pierre Lévy
proporcionada pela Cibercultura.
Para além de uma visão positiva da tecnologia e sua contribuição para a
formação de um conhecimento comum entre os usuários, também considerei
interessante colocar outro lado da visão, incrementando o trabalho com as críticas
de Jean Braudrillard, Paul Virilio e Lorenzo Vilches, que vão traçar particularmente
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suas ideias de que a comunicação vive um grande colapso com o bombardeio de
informações existente na Web, causando, entre vários aspectos, uma dependência
do homem contemporâneo em relação ao pensar.
No terceiro e último capítulo, apresento quatro documentários inseridos na
Internet. As obras foram escolhidas dentre centenas de outros documentários
investigados que também poderiam contribuir para a descrição pretendida. A meu
ver esses quatro representam a reflexão teórico-metodológica objetivada.
Nas considerações finais, sob a forma de linhas de fuga – pois é impossível
concluir sobre o tema –, busco apontar a relação entre documentário, Cibercultura e
ciberespaço.
Dois documentários foram retirados do projeto Rumos Itaú Cultural que
lançou, em 2009, um edital com a temática Documentário para internet. Outros dois
foram retirados dos canais de compartilhamento e exibição Youtube e Vimeo.
Eles enfocam mundos particulares que só podem ser apresentados no
documentário, paisagens sociais que esboçam a representação do cotidiano,
personagens singulares e ao mesmo tempo comuns, que fazem com que a vida seja
vista de um ângulo muito diferente de outras lentes do mundo, mas que, agora, é
observada em escala mundial, em espaço e tempo comprimidos.
Considero importante a observação do pesquisador Arlindo Machado (2006),
que afirma que cada vez mais estamos vivendo uma escrita audiovisual, por causa
das inúmeras trocas e interações, onde a fala perde força, confrontado-se com a
tela.Todavia, o argumento continua inserido na questão de trocas e na expansão
cada vez maior das linguagens.
Já estamos na realidade em que as reservas de imagens, as questões de
simulações interativas fazem parte da construção da inteligência coletiva. O
documentário é, sem dúvida, uma importante ferramenta de exploração do
conhecimento.
A partir do momento em que a tecnologia reinstala um novo universo de
significações em conteúdos produzidos pela cultura social é importante ter
consciência sobre o seu processo.
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A metodologia do trabalho segue o aporte teórico da pesquisa qualitativa
sobre a imagem e som, organizado pelos autores Martin Bauer e George Gaskell
(2002) e da pesquisa na internet analisado professoras Raquel Recuero, Suely
Fragoso e Adriana Amaral (2011).
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CAPÍTULO 1
1.0. O gênero, a representação e a realidade
Este capítulo busca compreender o documentário e os inúmeros olhares
sobre gênero, entender as concepções de alguns pesquisadores e cineastas com a
finalidade de conhecê-las num espaço-tempo-tecnologia diferente do que será
apresentado nos próximos capítulos, sem que, para isso, eu opte por uma ou outra
concepção.
Busquei informações sobre as teorias que analisam o documentário e como o
gênero se estabeleceu tanto no mundo como no Brasil. Minha investigação
colaborou para tornar a visão muito mais nítida do meu trabalho como
documentarista.
Compreendi que, no Brasil, a maioria dos teóricos sobre o assunto se
posiciona vinculada aos pós-estruturalistas (Nichols, Renov), mas também temos
outras linhas de pensamento que abordam este campo de estudo.
De acordo com a corrente de pensamento pós-estruturalista, existe uma linha
tênue que separa a nãoficção da ficção e, em certos momentos, as duas vias se
unem. Por isso, nelas, o documentário é encarado como não tendo uma
especificidade, já que muitas obras tratam de estabelecer uma conexão própria com
o mundo, seja pelos movimentos da década de 1930, seja pelo cinema direto
americano, ou pelo cinema verdade da Kino Pravda de Dziga Vertov. Assim, o
cinema vem experimentando, especialmente no campo documental, vários métodos
para se utilizar a imagem-câmera como um instrumento para observar o mundo.
Na tentativa de entender o que é um documentário, refleti, juntamente com
Bill Nichols (2005), que se trata de um gênero que registra fatos e acontecimentos
de determinada época, com personagens que fazem parte da vida real. Na verdade,
o documentário tem a pretensão de tocar a realidade de alguma forma, mesmo que
para isso tenha que usar de artifícios ficcionais ou dispositivos de realização. Ao
mesmo tempo em que, como sugere Nichols, todo filme é um documentário.
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Partindo da ideia de que qualquer filme, mostra a cultura de uma época e os
indivíduos que fazem parte dela.
O documentário insinua a crença em algum fato e pede que aceitemos o
universo do filme como real.
João Moreira Salles1 (2004) diz que “o documentário não é o tema, o
documentário é a maneira de documentar o tema” e, a cada obra realizada, há
indagações do por quê se está narrando desta maneira e não de outra. Documentar
é experimentar linguagens.
Em sua teoria sobre a representação e realidade no documentário, Bill
Nichols (2005) observa e analisa a problemática, baseando-se especialmente nas
teorias de Michel Foucault. O autor trata da fronteira que separa nãoficção e ficção.
A primeira sugere tratar de questões sobre a representação social; em se tratando
da segunda, os desejos, as imaginações ganham proporções mais amplas e
também fazem parte das representações. A primeira se constitui na história do
mundo; a segunda, na história criada e criativa de um mundo imaginado.
O autor afirma que “os documentários não diferem das ficções por serem
textos construídos, mas pelas representações que fazem” (NICHOLS, 1997, p. 153).
No geral, tanto as obras de ficção como os documentários têm a pretensão de que
acreditemos em sua narrativa como parte integrante da realidade.
A partir da década de 1950, muitos teóricos acadêmicos se voltaram para
uma ampla descoberta do cinema. O tema sobre a representação da realidade foi e
ainda perdura como um dos grandes objetos desses estudos. Como já citei
anteriormente, existem posições argumentativas e conceituais contrárias.
O documentário procura traçar um retrato que anseia aproximar-se de alguma
realidade. Em suma, a ideia de realidade almejada pelo cinema e, principalmente,
pelo gênero documental foi amplamente criticada por pesquisadores franceses no
final da década de 1960 e início da década de 1970. A época, havia uma
efervescência de informações sobre o cinema e seus significados na França.
Pesquisadores da área publicavam nas revistas Cahiers Du Cinémà e Cinèthique, e
1 Entrevista concedida ao programa ‘Olhares’, da TV Câmara de Brasília, sob a direção de
Getsemane Silva, em 2004.
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outra que influenciou as duas, Tel Quel. O aporte teórico que estruturava as críticas
destes pesquisadores estava apoiada no Cinema (Eiseinstein e Dziga Vertov), na
Semiologia (Saussure e Metz); na Economia (Marx) e na Psicologia (Freud e Lacan).
Na análise do pesquisador Godoy de Souza (2001, p.68) as influências do
movimento representaram uma ruptura no pensar cinematográfico:
O cinema para os críticos de Cinèthique definitivamente não é
o espaço de uma possível descoberta ou revelação da
realidade. Esse ponto de vista desferiu contra o documentário
um golpe mortal, que o invalidou como instrumento de
investigação do mundo, apoiado por uma semiologia que se
ajustava a essa crítica (Metz). Isso é visível nas posições
sobre o Direct Cinema2; embora esse gênero de documentário,
típico dos anos 70, seja até certo ponto elogiado, o elogio dá
outro sentido.
As ideias das críticas produzidas na França (revistas Cinèthique e Cahiers)
acerca do universo cinematográfico influenciaram nas análises da função da
linguagem e na arte audiovisual de vanguarda. “Infelizmente em função disso o
documentário parece continuar a viver uma certa orfandade teórica, fato que não
seja justificado pelo próprio desenvolvimento histórico”3 (GODOY DE SOUZA, 2001,
p. 69).
Através da pesquisa de Godoy de Souza, observa-se que, em contraposição
a essa ideia, Jean Mitry, estudioso acadêmico francês da década de 50 e que
baseou seus estudos nas teorias de Sergei Eisenstein e André Bazin, afirma que é a
relação com a realidade que define a principal característica do cinema. A busca
pelo real é o objetivo do movimento chamado Cinema Veritè. O cinema verdade foi
desenvolvido entre os documentaristas e os objetos participantes, que eram pessoas
vivendo situações críticas que são coautores do produto final. O principal objetivo
desse movimento é não interferir na fotografia do filme. Para Mitry e Bazin, quando o
2 O Direct Cinema é um gênero de documentário que se contrapõe o movimento Veritè, que é mais
preocupado com uma narrativa desprendida de interferências do produtor. Manipula, através de cena de ficção, a narrativa do documentário. Este gênero ainda é muito utilizado, principalmente quando produzido para televisão.
3 O pesquisador americano Bill Nichols (2005) salienta que o documentário não se desenvolveu
paralelamente ao filme de ficção. Sua trajetória alcança reconhecimento apenas no fim da década de 1920 e no começo da década de 1930.
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estético predomina, há perda da principal especialidade do cinema – a busca pela
realidade.
Fernão Pessoa Ramos4 propõe a reflexão lógico-analítica que define o
significado no campo do documentário, abrindo o caminho para dois conceitos
centrais, que são a proposição assertiva e a indexação. O primeiro considera que o
discurso fílmico apresenta afirmações verdadeiras, afirma a existência da realidade
na obra. O documentário Estamira (2005), de Marcos Prado, apresenta asserções
sobre a vida de uma catadora de lixo. A pessoa é para o que nasce (1998), de
Roberto Berlinos, oferece asserções sobre irmãs cegas que cantam no nordeste do
país.
O documentário tomaria, então, sua singularidade da ficção, ao possuir uma forma específica de representação, composta por enunciados sobre o mundo, caracterizados como asserções. Estas asserções, por sua vez, podem ser analisadas como proposições, a partir de procedimentos que possuem a estrutura da lógica formal, no horizonte (RAMOS, 2001, p. 05)
As asserções que compõem o discurso do documentário designam, de forma
estreita, uma relação com a realidade considerada. A rigor, para os cognitivistas, a
análise deve ser definida e trabalhada por um olhar com proposições lógicas, “que
fecham o campo para definição de seu conteúdo de verdade” (RAMOS, 2001, p.6).
A indexação estabelece as dimensões pragmáticas e receptivas do
documentário. O princípio da indexação é a de que o sujeito assiste à obra com
conhecimento social prévio e está esclarecido que o que está vendo é ficção ou
documentário. Embora isso não se constitua como regra, as exceções são evidentes
quando à introdução da pragmática da indexação, mais se baseia na relação entre
quem está realizando o filme dentro do contexto social e para o destinatário do
discurso que reside nesta narrativa.
Outro estudioso que contribuiu com teorias acadêmicas na década de 1970
foi Christian Metz. Para ele, a possibilidade de acesso à realidade ou a impressão
dela é provocada pela interação que existe entre as atividades mentais
4 RAMOS, Fernão Pessoa. O que é documentário? Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/pessoa-fernao-ramos-
o-que-documentario.pdf. Acesso em: 12 de mar. 2011.
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desenvolvidas pelo espectador e as propriedades físicas da imagem
cinematográfica. A mente do espectador seria a matéria-prima do cinema.
Metz consagra a ideia de que se todo filme, seja ele documental ou ficcional,
está na ordem da representação, logo ele também está na esfera da ficção, da
imaginação. Toda obra fílmica tem um início e um fim, é a materialização da
irrealidade. Metz separa, descola a obra do mundo, para ele é uma representação
do social.
Alinhando a Andre Bazin, Rezende Filho (2005, p.21) afirma que o estudioso
apresenta em seu raciocínio a noção de que o cinema faz uma representação
privilegiada do mundo. Nas imagens em movimento, encontra-se a existência efetiva
das coisas, a forma como ela se apresenta é como uma “transferência da realidade
do objeto” para a tela como retrato fiel da realidade.
De acordo com Rezende Filho, há certa crítica ao realismo de Bazin, porque
ele não leva em consideração que a projeção do objeto filmado já está em
transformação com a presença da câmera, levando em consideração que há fatores
externos que podem modificar toda a mis-en-scène da narrativa, como as escolhas
do diretor, a modificação da própria imagem na montagem, a ideologia e a própria
noção de representação.
Bill Nichols, segundo a pesquisa de Rezende Filho (2005, p.24), ataca a
formatação realista quando afirma que os “documentários sempre foram formas de
representação, nunca janelas transparentes da realidade”. As concepções de
representação e realidade, entre vários teóricos, apontam para formas distintas de
se elaborar um material documental.
Bill Nichols (2005) divide a representação em três conceitos: o primeiro está
relacionado com a reprodução, a cópia, o modelo – no geral, a “representação em
si”, o termo mais usado nas críticas cinematográficas; O segundo conceito tem a ver
com o verbo “representar”; entende-se, neste caso, a representação de uma classe,
por exemplo, sou representada enquanto documentarista pela Associação dos
Produtores do Audiovisual – é a representação política de um grupo. O último
exemplo se refere à construção discursiva, “uma declaração ou narração que
procura transmitir uma ideia ou impressão de forma concreta [...] com o objetivo de
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influir na ação ou na opinião” (NICHOLS, 1997, p. 154). O autor sugere que o
documentário realiza representações ou cópias fotográficas do mundo, assim como
os sons captados.
Dizer que o gênero é uma representação significa corroborar que ele é uma
construção discursiva e subjetiva a partir de um modelo que está na composição do
real, como uma produção paralela da realidade.
No campo discursivo documental está a reflexividade. Ao supor o caráter
ideológico (discurso e representação) de uma obra, a reflexividade que compõe
formulações realizadas pelos sujeitos e por quem realiza a obra sugere que as
suposições e análises não podem ser feitas de forma inocente e totalizadora.
O documentário, enquanto representação do real, apresenta personagens
reais, mas que, diante de uma câmera, falam o que gostariam de ser ou o que
gostariam que os outros enxergassem nelas enquanto pessoa, fazendo uma
projeção do próprio perfil – transformando-se em uma representação, um modelo
ficcional do eu. Pode-se considerar que muitos personagens presentes em
documentários estão encenando um papel, como um modelo de suas próprias vidas,
atores de si mesmos. No livro de Consuelo Lins (2007), observa-se que esta é uma
consideração que Eduardo Coutinho apoia em suas obras. O cineasta não busca
exatamente as pessoas num formato real, avesso às imaginações, mas sujeitos que
estão à procura de uma dimensão ficcional. Quando há o encontro entre
personagem e câmera, tudo se transforma.
O cineasta João Moreira Salles (2004) segue nesta mesma direção e afirma:
“Eu não sei se nenhum personagem que é filmado existe em estado puro ou em
estado natural. Você sempre, numa câmera, apresenta alguma coisa que deseja
apresentar de si mesmo. A inconsciência (diante da câmera) quase não existe”.5
O documentário quer alcançar o mais fiel quadro da realidade, mas isso não
quer dizer que o objetivo é tangível.
Santiago - uma reflexão sobre o material bruto (2007) foi um projeto de Salles
desde 1992. O mordomo faleceu um pouco depois da captação das imagens e o
5 Entrevista de João Moreira Salles concedida ao programa ‘Olhares’, da TV Câmara de Brasília, sob
a direção de Getsemane Silva, em 2004.
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diretor deixou o material guardado até 2005, ano em que decidiu avaliar e retomar
as imagens que revelavam que, mais que contar a história do mordomo, a narrativa
também era sobre a história familiar do cineasta.
Ao fazer um filme sobre o mordomo Santiago, Salles mostrou claramente as
suas opções, fez escolhas, recortou, tirou imagens; no percurso, viu que outra
história poderia aparecer, mas, ao se deparar com ela, preferiu fazer as suas
próprias eleições dos objetos. O filme apresenta com um tom de raridade um
metadocumentário, no qual existe a exposição de segredos na elaboração do
trabalho, e que na maioria das vezes ficam escondidos ou perdidos no processo de
finalização.
O filme apresenta ao público a eleição dos seus caminhos, revela que a
relação entre o diretor e o personagem foi muito distante, jamais deixou de ser entre
patrão e empregado. Mesmo no momento de documentar um pouco história familiar
do cineasta, o filme nos faz refletir que o documentário não pode ser a realidade em
si, mas tão somente uma representação, o cineasta manipula e transfere para a sua
narrativa as suas preferências. Neste sentido, Luiz Augusto Rezende Filho (2005, p.
35) explica a manipulação no documentário:
À pergunta, totalmente retórica por sinal, “o cinema manipula a realidade?”, então, é praticamente impossível não responder “sim”, por, pelo menos, duas razões. Primeiro, porque, quando se faz tal pergunta, se supõe implicitamente que a “realidade” é o “objeto” do cinema. E como objeto, a realidade não pode ser “representada” sem que haja artifícios, arbitrariedades, manipulações. Segundo, porque não há como estabelecer “o que é a realidade” a partir de um critério de julgamento único e segundo o qual se ateste, definitivamente, a adequação ou a inadequação da sua “representação”. Assim, sempre haverá algum critério externo, um momento histórico, uma ideologia segundo os quais a representação é inadequada, manipulada, deixando como conclusão que toda representação empreende, de alguma forma, uma “manipulação da realidade”, uma manipulação de seu objeto.
Consuelo Lins (2007) observa que a realidade no cinema é construída a partir
da experiência entre assunto histórico, os personagens e o cineasta. A câmera não
está passiva, ela provoca alterações na realidade. Lins alinha-se ao pensamento de
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Eduardo Coutinho, o qual afirma que, se não houvesse essas alterações, não teria
como filmar o objeto. A grande experiência do documentário é saber negociar com o
real; esta negociação implica ter ambiguidades que o próprio mundo apresenta.
A sensação de realidade vem do conhecimento das leis que regem o universo
mágico produzido pelo cinema. São histórias reais de encontros e desencontros.
Como o pioneiro Ao Redor do Brasil (1932), de Thomaz Reis; da mulher que almeja
ter uma terra em Terra para Rose (1987), de Tetê Moraes; a biografia de um
presidente em Jango (1984), de Silvio Tendler ou a loucura de um centro psiquiátrico
em Imagens do Inconsciente (1984), de Leon Hirszman. Todos transportam o
espectador ao quadro real tal qual ele foi apresentado pelas imagens; isso que dizer
um modelo do real produzido pela câmera.
O cinema, como lembra Ismail Xavier (1984), além de reproduzir propriedades
do mundo visível, segue para essências da sua natureza, a propriedade de registrar
imagens em movimento. Então, a junção de vários planos e ângulos diferentes é o
que provoca a sensação de realidade na obra fílmica.
A sensação da realidade na imagem projeta a virtualidade do objeto. A
virtualidade não se opõe ao que é real. Isso quer dizer que a virtualidade de um
corpo na tela é de fato o corpo real na tela. Mas o pensamento é que o cinema em
todo o seu processo possibilita que o tal corpo possa ser distorcido, através do olhar
artístico, da subjetivação existente na interferência da câmera sobre o objeto – o
corpo. Por isso ser difícil designar o que é o documentário, pois ao mesmo tempo
em que ele quer tocar a realidade ele também interfere, muda, transforma o objeto,
mudanças que, se não existissem, deixariam de estar no plano da arte.
A tela do cinema é centrífuga, portanto nos projeta para a realidade que está
para além do quadro da tela, a nossa mente formula questões que estão além do
que é percebível. O cinema reforça a tendência à expansão.
A proximidade entre as imagens e o que se vê produz a sensação de ilusão
de estar no interior do filme, fazendo parte da narrativa. Os recursos consistem não
somente dos planos de gravação do cineasta, mas, sobretudo, da grande
25
expressividade que a câmera produz e também da montagem tão estudada por
Eisenstein6.
A justaposição das imagens, no momento da montagem, apresenta a
intervenção humana no que foi registrado. A partir daí, distanciamos-nos da ideia de
semelhança do mundo visível. Empresto a explicação de Ismail Xavier (1984, p.17)
quando diz que “a montagem será o lugar por excelência da perda de inocência”. É
na articulação enunciativa das imagens que os cineastas procuram sintetizar o
trabalho, dando destaque para a montagem.
Para Pudovkin a arte será realista mais pelo significado produzido do que pela
naturalidade de seus meios. Ao construir o olhar sobre a realidade, o documentário
apresenta todos os “elementos discursivos que tornam possível aquilo que não é
imediatamente visível na nossa experiência direta do mundo” (XAVIER, 1984, p. 44).
Bela Balazs vai mais a fundo em sua concepção sobre representação e
realidade. Para ele, há um antropomorfismo7 inerente ao ato de representação. Isso
quer dizer que a realidade tende à figura do homem. O contundente na ideia de
Balazs é que à medida que as formas humanas são apresentadas, redefine-se o
tempo todo, a interação entre realidade e representação.
Em geral, a arte de fazer cinema quer se aproximar constantemente da
realidade. Por isso, o cinema torna possível captar pequenos gestos, o silêncio de
um rosto, e subjetivamente a experiência interior sem que, necessariamente, precise
da mediação do falar. A objetividade visual é que produz a impressão da realidade,
que, por conseguinte, é uma representação cultural do outro dentro de uma
sociedade.
6 Sobre a montagem no cinema, ver a obra A forma do filme, de Sergei Eisenstein.
7 Antropomorfisar o objeto visado não significa, para Balazs, doar-lhe uma vida que se define nele e por ele
isoladamente, mas integrá-lo numa cadeia que o liga ao destino humano. Colocando-se contra o que chama de
“poesia das coisas”, Balazs dirá que o objeto pelo objeto é mero espetáculo, sem sentido.
26
1.1. O outro no documentário
A busca pela impressão da realidade, utilizando-se de realismos como
método, dá voz ao documentário. Bill Nichols esclarece que a voz do documentário
transmite qual é o ponto de vista social do cineasta e como se manifesta esse ponto
de vista no ato de criar o filme. Neste ponto, o autor permite entender que o estilo
assume uma dimensão ética:
A voz do documentário atesta seu engajamento numa ordem
social e sua avaliação dos valores subjacentes a essa ordem.
É a orientação para o mundo histórico que dá ao documentário
sua voz própria (NICHOLS, 2005, p. 92).
A voz do documentário apresenta, de maneira especial, as particularidades de
uma sociedade, através de um ponto de vista ou uma perspectiva do
comportamento social que começa a ser conhecido.
Consuelo Lins (2007) afirma que o documentário não pode fazer dos
entrevistados o objeto do filme, mas o sujeito que necessita ser ouvido. A obra se
torna um instrumento de propagação desse discurso, um meio de dar ouvidos a
quem precisa ser ouvido. Há uma tradição que caminha para o plano ético e estético
no qual dialogar com o outro é ter um discurso formulado a partir do outro.
O documentário é um ato no mínimo bilateral, em que a palavra é determinada por quem a emite, mas também por aquele a quem é destinada, ou seja, o cineasta, sua equipe, quem estiver em cena, é sempre um “território compartilhado” tanto pelo locutor quanto por seu destinatário. Falar e ouvir não são atividades independentes e integrais. Fazemos as duas coisas ao mesmo tempo, e isso não acontece apenas no cinema documental. Integra a vida, o mundo, as relações entre as pessoas segundo a bela visão da linguagem de Mikhail Bakhtin – e que Coutinho, por conta própria e a seu modo, no faz ver (LINS, 2007, p. 108).
A premissa de que o documentário não deixa de ser ficção consta nas obras
de Coutinho, principalmente em seus trabalhos realizados a partir do filme Boca de
lixo (1992). O cineasta participa do enredo, faz-se presente diante da câmera,
27
constrói junto com os catadores de lixo de São Gonçalo, em Niterói, Estado do Rio
de Janeiro, fazendo um jogo entre “filmar e ser filmado, a imagem de si e a imagem
do outro” (LINS, 2007, p. 89). A partir desse experimento, o cineasta produz uma
representação do tempo vivido.
Dar voz a esse “outro” desconhecido torna-se questão importante para os cineastas, e a entrevista – possibilitada pelo advento das técnicas de gravação do som direto – torna-se um procedimento privilegiado. A “voz do povo” faz-se portanto presente, mas ela não é ainda o elemento central, sendo mobilizada sobretudo na obtenção de informações que apóiam os documentaristas na estruturação de um argumento sobre a situação real focalizada (LINS, 2008, p. 21).
Em Prisioneiro da Grade de Ferro – Auto Retrato (2003), de Paulo
Sacramento, o cineasta deixa com os detentos uma câmera filmadora. Essa
experiência única faz com que os sujeitos não somente sejam ativos em seus
discursos, mas também ofereçam o retrato, o olhar do filme. Essa abertura de dar
voz e a câmera ao outro no Brasil teve seu inicio na década de 1960. Essa
perspectiva almeja estar mais intimamente ligada ao cotidiano dos que estão dentro
da realidade de uma cela. A liberdade de fazer planos com a câmera na mão e filmar
o que poderia ser deixado de lado transitam em todo o processo do filme. Nenhum
cineasta faria o mesmo, ou conseguiria o mesmo detalhe de uma parcela da
realidade. Quando um detento está dentro da cela filmando o lado de fora, ele fala
de seus desejos, o quanto gostaria de deixar a prisão e voltar novamente para o
mundo que eles observam através das grades. É um momento de abertura da fala,
exposição do traço psicológico. Há uma intimidade em relação à câmera, a
experiência de se abrir junto com outros detentos não seria a mesma com a
presença de uma equipe de filmagem.
Obras como Santo Forte (1999), de Eduardo Coutinho, e Janela da Alma
(2000), de João Jardim, dão ênfase à palavra falada, construção ativa da relação
entre diretor e personagem. O privilégio da entrevista, portanto do ouvir, observado
pela câmera, é uma grande fábrica de interpretações. O diretor, ao se dispor a ouvir
o outro, deve ter em mente que as contradições e ambiguidades surgirão no
28
processo, pois estão no patamar em que o filme, por si só, projeta seu próprio
conteúdo. De certa forma, o cineasta tem que estar aberto às fissuras e tensões que
surgem no processo do filme e não querer ir contra elas.
O cineasta deve estar imune a pré-concepções, evitar cortar algo que o
sujeito queria falar, que queria abrir para o mundo. Entender que filme não é
propriedade de um único sujeito que o produz, mas que o filme, tal qual ele é, ganha
corpo e está nascendo para o mundo, para outras milhares de interpretações.
Estamira (2005) celebra o ouvir o outro de maneira excelente. A história de
uma catadora de lixo (tema abordado principalmente no movimento da estética do
lixo) rompe com o convencional para mostrar a normalidade e, ao mesmo tempo, a
loucura cotidiana da personagem. Estamira representa o real que se aproxima de
uma loucura hipnotizante. É filósofa da vida, brinca com as palavras, a fotografia
enobrece o discurso da personagem. Ouvir as palavras, exaltar a fala são pontos-
chave do filme. Essa experiência de dar voz a sujeitos está presente desde o
Cinema Novo, mas ganha força em filmes, na década de 2000. Pro dia nascer feliz
(2007), de João Jardim, e Em trânsito (2006), de Henri Gervaisau reforça a presença
do ouvir o sujeito.
A opção em fazer um filme que dá voz ao outro é muito mais do que
apresentá-los como sujeitos da fala. É saber que esses sujeitos donos do discurso
podem conduzir a expressão cinematográfica com grande subjetividade e muita
identidade. O filme nasce dessa intervenção construída pela interferência da câmera
no universo dos personagens.
João Moreira Salles, um dos poucos cineastas que privilegia a câmera de
observação, não considera que os personagens têm que necessariamente ser bons
contadores. A visão do diretor é que o outro pode ser retratado de maneira diferente,
sem que a palavra esteja presente. Vias de regra, para se ter um bom personagem é
preciso ter um bom foco. Em Nelson Freire (2003), dirigido por Salles, a câmera está
sempre a observar pequenos gestos; no silêncio, estão presentes algumas sutilezas.
Em Santiago (2007), Salles evidencia que a observação é realmente a sua grande
influência, evidenciada no cinema direto americano. A forma com que o diretor
29
trabalha com as imagens, por certo, não privilegia com mais entusiasmo o som da
palavra, mas a ausência do som
Com a intensificação do uso das câmeras, o audiovisual se torna instrumento
de luta. Os grupos, associações e representantes de classe se elevam no debate da
identidade social e tornam o outro das produções uma forma de se
autorrepresentarem, são de fato os sujeitos do discurso e utilizam de suas próprias
visões e logística para difundir o pensamento. Experiências praticadas pelos
integrantes da Central Única das Favelas – (CUFA), pelo projeto Vídeo nas Aldeias,
e milhares de outros projetos de grupos minoritários espalhados pelo país, que
almejam expor sua visão de mundo.
A possibilidade de fazer o filme com o outro, dividir a coautoria, é chamada
pelo teórico Robert Stam de “autor híbrido”. O sujeito sociológico deixa de ser o
objeto do filme para dar as suas interpretações e se meter na criação. Ouvir o outro
é fazer com que o personagem dê um depoimento aberto. A entrevista pode ser
considerada mecânica, mas o depoimento tem fluxo. No momento do depoimento
aberto e fluido, a câmera abandona a sua autonomia para ouvir a voz de quem
testemunha um fato; é um instante de entrega e fascínio pela história que está
sendo contada. Em certo sentido, o cineasta se abdica de cortes para deixar que o
outro fale.
É claro que deixar o outro falar não significa se ausentar de conhecimentos
técnicos e linguísticos por parte do cineasta. Grandes obras são construídas e
permanecem como tal porque sabem aliar o conhecimento, a subjetividade e o saber
ouvir, ou melhor, dar voz ao sujeito.
1.2. Documentário no mundo
A história do documentário mundial passa por algumas tendências, mas o seu
desenvolvimento mais extraordinário se deu, sem dúvida, durante e pós a Segunda
Guerra Mundial.
30
Destaque para o movimento neorealista que surgiu na Itália com os filmes
Roma Cidade Aberta (Roma, Città Aperta, 1945), sob a direção de Roberto
Rosselini, e Sciuscià (1946), de Vittorio de Sica’s. Estas duas produções foram a
grande escola, na qual documentaristas foram influenciados pela utilização de uma
linguagem mais despretensiosa e, ao mesmo tempo, compromissada em refletir a
realidade da época.
O neorealismo, que misturou imagens reais, ou que podemos chamar de
documentais com a ficção, apresentava a experiência da câmera compromissada
em denunciar os horrores da guerra e da devastação que o povo estava vivendo.
Neste movimento, tanto a ficção que entrava no documentário (imagens com
apelo da realidade) como o documental que se preenchia com a ficção se tornaram
uma referência para produções e experimentações de muitos outros cineastas para
a chamada poesia do documentário. Esta denominação, citada por Erick Barnouw,
em seu livro Documentary: a history of the non-fiction film (1993), denomina alguns
realizadores como poetas, por terem um papel importante na construção da história
do documentário e também por saberem utilizar com maestria a linguagem
documental durante e pós a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), fato histórico que
envolveu mais de 100 milhões de militares.
De acordo com Barnouw (1993), durante décadas, a máquina magnética de
gravação de som foi ignorada. O aparelho, inventado na Dinamarca de 1989 por
Valdemar Poulsen, trouxe evolução às gravações, proporcionando alto nível de
perfeição durante a guerra na Alemanha.
Para Barnouw, o trabalho dos poetas documentaristas foi construir uma linha
persistente de formas e montagens que atravessou décadas depois da guerra e
influenciou o modo de fazer documentários no mundo inteiro. Eles produziam com
percepção individual e com espírito de inovação, e deixavam transparecer que a
busca pela arte do fazer era superior ao simples fato de terem que realizar filmes
para o mercado, sejam eles instituições ou governos.
O desenvolvimento rápido da televisão depois da guerra foi um dos fatores
predominantes para o declínio dos chamados poetas documentaristas. A TV oferecia
espaços limitados para o que era considerado experimento de vanguarda. Alguns
31
tradicionais sofreram com a situação e começaram a viver à margem, outros
fecharam alguns centros de produção.
Por muito tempo, a guerra permaneceu como área principal de interesse,
especialmente, quando nas imagens não se encontrava um refúgio de luz sobre a
vida. Entretanto, alguns conseguiam enxergar além da guerra. Em Paris 1900
(1947), Nicole Védrès retratou a cultura e a vida parisiense anos antes da Primeira
Guerra Mundial.
Filmes feitos por antropólogos cresceram intensamente depois da guerra,
estimulados, em parte, pela experiência dos conflitos. A esse subgênero, foi
atribuído o nome de Etnoficção ou Documentários Etnográficos. Um dos destaques
desta corrente foi o cineasta Jean Rouch. Nascido em Paris, trabalhou como
engenheiro durante a guerra, em construções de pontes na Nigéria, na época,
colônia francesa.
Rouch se interessou rapidamente pelo estilo de vida africano, deixou a
construção civil e passou a se dedicar à direção de filmes etnográficos. Para
Barnouw (1993), Rouch expressa, em seus filmes, a vida do homem na África de
forma magistral, sem ser autoral, compartilhando o filme com os nativos.
Entre suas obras, estão: Hippopotamus Hunt (1946) e The Rain Makers
(1951). Seus filmes foram se tornando uma influência inovadora no campo do
documentário.
Na contramão do filmes de guerra, um jovem documentarista de apenas 24
anos de idade chamado Arne Sucksdorff começou a despontar e se tornar tendência
no cinema. Seus filmes de estréia, August Rhapsody (1940) e This Land is Full of
Life (1941) (este último uma adaptação do texto feito pelo poeta sueco Harry
Martinson), foram considerados produções que se deslocam dos temas produzidos
por outros filmes da época, por se tratarem de contextos neutros em relação à
guerra.
Com a sua experiência no desenvolvimento de uma câmera mais tranquila e
contemplativa, Arne Sucksdorf se tornou a maior figura do cinema sueco, inclusive
seus filmes se tornaram referência mundial.
32
Na infância, Sucksdorff passou períodos longos a explorar solitariamente o
mundo dos animais. Ganhou a simpatia das raposas, lontras e outros seres da vida
selvagem. Sua família vivia em um lugar rodeado de bosques e criou, em sua
propriedade, um pequeno zoológico no qual o pequeno Arne dedicava horas a
brincar com os amigos selvagens.
Considerado um estudioso nato das ciências naturais e seguindo na direção
da arte, uniu as duas paixões e começou a fazer filmes sobre a vida na floresta.
O documentário poético de Sucksdorff, lançado em tempos de guerra, provocou
ecos em outras nações, incluindo as terras ocupadas pelo Nazismo, e a excelência
de suas obras se tornou tendência entre os documentaristas.
Seu primeiro filme realizado para a Indústria Cinematográfica8 foi um enorme
sucesso popular. A narrativa de A Summer’s Tale (1941) seguia uma raposa em sua
aventura na selva. Sucksdorff apresentava suas produções com um raro senso de
ritmo e estética. Momentos de encantamentos em seus filmes eram comuns, assim
como a crueldade, retratada abertamente, sem comentários ou julgamentos. A
fotografia era preenchida pela textura das gramas, folhas, samambaias; seus planos
em close-up mostravam os olhos e os pêlos dos animais.
Curiosamente, Arne Sucksdorff foi acusado de crueldade e sadismo por
causa da performance apresentada pelos animais em seus filmes. Alguns
consideraram que o diretor havia utilizado o mesmo método de gravação de Robert
Flaherty em Nanook of the North, no qual a morsa sofre uma terrível truculência para
a sequência de gravação.
Sucksdorf se defendeu das acusações dizendo que as ações eram naturais e
que não havia controlado absolutamente nada em seu set de filmagem.
Anos mais tarde, já com fama em toda a Europa, o diretor ganhou o mundo.
Por um longo período, foi diretor de escola de cinema no Brasil, dando aula para
muitos jovens que se tornariam grandes documentaristas no país. Depois da
docência, Arne se encantou com o Pantanal mato-grossense e se instalou nessa
região por muitos anos.
8 Para Svensk Filmindustri.
33
1.3. Documentário no Brasil
Este tópico não tem a pretensão de fazer um panorama detalhado da história
do documentário no Brasil. Por certo, um relato histórico do documentário brasileiro
ainda está por ser escrito. Cabe aqui não uma compilação exaustiva do gênero, mas
fazer uma base para a construção teórica que será apresentada nas outras partes
deste trabalho.
Apresento algo particular de como o universo da nãoficção está delineado no
país, principalmente a partir da retomada do cinema após o desgoverno de
Fernando Collor de Mello que, ao tomar posse, encerrou as atividades da Empresa
Brasileira de Filmes (Embrafilme) e do Conselho nacional do cinema (Concine),
abrindo um vazio na produção de filmes tanto de ficção como de nãoficção no país.
Para se ter uma ideia dos problemas enfrentados por produtores e cineastas,
Amir Labaki (2006) apresenta, através de sua pesquisa, a evolução lenta do gênero
depois da crise provocada pelo governo de Fernando Collor. Em 1998, dois
documentários haviam estreado em salas de cinema no país; em 1999, foram
quatro; em 2000, foram seis; oito, em 2001; onze, em 2002; caiu para cinco, em
2003; em 2004, foram exibidas dezessete produções; e, em 2005, treze
documentários.
Anterior a essa crise a história do gênero no Brasil se cruza com a história de
Humberto Mauro, um grande incentivador do cinema a partir de 1932, no governo de
Getúlio Vargas. Mauro criou o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), em
que o lema era o cinema como o livro das imagens luminosas.
Consuelo Lins (2008) observa, com Jean-Claude Bernardet, que a produção
cinematográfica no Brasil está muito ancorada em leis de incentivo, o que acaba
enfraquecendo qualquer possibilidade de um movimento mais intenso, justamente
porque esbarra na burocracia. Não existe um mercado formado, um filme que
banque bilheteria do cinema brasileiro; em se tratando de produções documentais,
essa realidade é ainda mais cruel. Mecanismos de circulação e produção, que
34
poderiam mudar essa realidade, na qual se inclui a televisão, quase não têm
participação nas produções ou estímulo para produtores independentes.
O documentário no Brasil tem grande participação na formação de muitos
cineastas. A maioria deles teve, na experiência com o gênero, a base para a
realização de seus filmes ficcionais. Sendo assim, a nãoficção funciona, para muitos
cineastas, como laboratório. Eles experimentam um universo rico de linguagens e é
na montagem que o documentário ganha corpo, amplitude. Não existiria Tropa de
Elite (2007), de Eduardo Padilha sem Ônibus 174 (2002); assim como não existiria
Central do Brasil (1998), de Walter Salles sem que antes houvesse Socorro Nobre
(1995); Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, também veio de Notícias de
uma Guerra Particular (1999), de João Moreira Salles e Kátia Lund. São obras
ficcionais que tiveram grande projeção no cenário nacional e que beberam da fonte
da produção de um documentário, que se utiliza de linguagens mais flexíveis e está
totalmente aberto para o improviso.
Na década de 1990, João Moreira Salles e Marcelo Masagão despontam
como revelações na carreira nãoficcional no cenário nacional, o primeiro com
Notícias de uma Guerra Particular (1999) e Nós que aqui estamos por vós
esperamos (1999) de Masagão, respectivamente.
O crescimento da produção de documentários no Brasil, especialmente a
partir da década de 2000, não coloca o gênero no patamar de grande produtor de
narrativas. Consuelo Lins (2008, p. 31) destaca a posição de Jean-Claude
Bernardet, o qual adverte que “o crescimento da produção do gênero não se trata do
enriquecimento da dramaturgia e das estratégias narrativas”. As produções,
segundo ele, estariam contaminadas com a banalização do jornalismo praticado pela
televisão, algo como “eu pergunto, você responde”, num instinto robótico do fazer
documentário.
Cabra Marcado para Morrer9 (1964/1984), do diretor Eduardo Coutinho, é
considerado o grande divisor de águas na produção de documentários brasileiros,
revolucionando o modo de fazer audiovisual no Brasil. Jean-Claude Bernardet afirma
9 Entre muitos prêmios que recebeu, o filme foi destaque nos Festivais: Cinema Du Réel de Paris e
em Havana, Cuba, além de ter uma grande projeção no mundo do cinema, dentro e fora do país.
35
que a obra de Coutinho representa o modo de fazer documentários. Com grande
maestria ele, rompe com o cinema moderno dos anos 1960 e 1970 e influencia as
produções realizadas a partir dos anos 1980 e 1990.
Em Cabra Marcado, Coutinho está presente nas imagens, junto com a sua
equipe de gravação. Seu objetivo é contar a história do líder camponês João Pedro
Teixeira, assassinado por latifundiários. Na versão inacabada de 1964, o diretor
mistura ficção e cenas reais para estruturar a narrativa. A esposa do camponês,
Elizabeth Teixeira, desempenha o seu próprio papel. Mas o filme não pôde
prosseguir, por conta da ditadura militar. Passaram-se 17 anos até que o diretor
retomou o projeto do filme, e buscou reencontrar os personagens que encenavam a
história. Coutinho encontrou algumas resistências, mas, ao se deparar com
Elizabeth anos depois, entendeu que a busca naquele momento era contar a história
interrompida, mas que, agora, eram histórias individuais dos camponeses que
conseguiram sair daquele drama social.
Cabra Marcado, de 1984, gera um filme aberto para as reflexões do sujeito,
muitas vezes contraditórias, mas que queria apresentar as complexidades das
representações dos personagens. Coutinho inaugura, no Brasil, uma estética
singular porque faz com que pessoas reais estejam à vontade ao se deparar com a
câmera. O diretor, em muitos momentos, opta por não cortar as falas, expondo
abertamente a visão política daqueles camponeses anônimos. No livro de Consuelo
Lins (2007), Ismail Xavier diz que o filme encerra o período “estético e
intelectualmente mais denso do cinema brasileiro”.
O filme influenciou muitos documentaristas, foi considerado por uma
pesquisa10 realizada no ano 2000 como o melhor filme de nãoficção rodado no
Brasil, premiado em vários festivais no mundo.
No filme, Eduardo Coutinho filia-se ao cinema verdade francês ao colocar
sequências abertas entre os personagens e a equipe – o fotógrafo, o técnico de
som, o diretor. Disposto à improvisação, Coutinho alia a linguagem clássica com
experiência de televisão, imagens em movimento chegando ao local de gravação.
10
Essa pesquisa foi realizada pelo Festival É tudo verdade, dirigido por Amir Labaki.
36
Ele hibridiza os recursos de linguagem, obtendo um excelente resultado em seus
trabalhos.
Na década de 2000, há um esforço por parte de produtores independentes,
Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura e outras Instituições11 em busca
do desenvolvimento do gênero no país, principalmente quando é lançado o
programa DOCTV, que vai ao encontro do fomento da produção e teledifusão do
documentário brasileiro.
Lançado em 2003, o programa ofereceu maior visibilidade ao documentário
na televisão, representando um grande momento na relação entre produtores
independentes e a TV Aberta, feito inédito na história do cinema nacional. O DOCTV
é o maior programa do país em matéria de produção documentária. Antes de sua
criação, o Ministério da Cultura recebeu, em 2001, o total de 201 inscrições: nas três
primeiras edições do programa, foram totalizadas 2.310 inscrições12, um salto
significativo na busca da realização de filmes de não-ficção no país.
Atualmente, a projeção de imagens reais ganhou status na televisão, na
internet, nas exposições de arte, e circulam com maior frequência. Consuelo Lins
(2008) indaga se essa nova situação do documentário brasileiro, a popularização de
imagens reais (sejam violentas, banais, ou infinidade de outros temas encontrados
no cotidiano), será essa realidade o propósito para romper com a indiferença? Seja
qual for a resposta, o fato maior é que mais programas estão sendo lançados
apontando a expectativa da realização de obras no Brasil que se destinem à
autorrepresentação, identidade, produção de linguagens e à diversidade de trocas
culturais.
Diante da crescente produção de documentários almejados por cineastas e
jovens aspirantes pela busca do real ou de imagens que sugerem a realidade, o
documentário se torna um instrumento de variadas práticas culturais.
11
Junto com a Secretaria do Audiovisual estão a fundação Padre Anchieta/TV Cultura e a Associação Brasileira
das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec). 12
Fonte: A produção de documentários através do DOCTV, de Verena Carla Pereira. Disponível em: http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/rumores/article/viewFile/6542/5949
37
1.4. O documentário em terreno desterritorializado
A partir do momento em que as tecnologias passam a ser exploradas por um
grande números de pessoas cada vez mais interessadas na cultura da imagem, o
documentário ganha projeção na tela do computador, um terreno desterritorializado.
Essa cultura da imagem no contemporâneo será compreendida agora por um
recorte que considero muito interessante. A visão do antropólogo indiano Arjun
Appadurai (2002) vai priorizar, esquematicamente, as paisagens para dispor as
nuances no mundo global, suas relações de poder, a vida cotidiana e as paisagens
que interferem diretamente no Estado.
É através deste estudo da cultura que Appadurai apresenta algumas
particularidades para descrever a desterritorialização em que vivemos e revelar a
localidade nesta conjuntura.
Para antecipar o que virá nos próximos capítulos e sugerir uma visão do
quadro experienciado pelo documentário atual, apresento esse recorte da visão de
Appadurai. Embora seja uma contextualização breve e pontual, vai nortear as
dinâmicas sociais que serão observadas no Capítulo 2.
Para explicar sobre as paisagens do mundo atual, que são interativas,
Appadurai vai compor cinco dimensões de fluxos culturais globais, são elas:
etnopaisagem (etnoscape) mediapaisagem (midiascape), tecnopaisagem
(tecnoscape), financiopaisagem (financialscape) e ideopaisagem (ideoscape).
Apesar de todas as dimensões serem importantes, não teria condições, em
apenas uma parte deste capítulo, fazer um tratado sobre o relevante trabalho de
Appadurai. Desta forma, considero, para o tema sugerido, refletir sobre a
mediapaisagem de forma sucinta, sem deixar de lado a influência, por exemplo, da
tecnopaisagem e da etnopaisagem.
Agregam-se ao sufixo ‘paisagem’ as perspectivas moduladas pela localização
histórica, linguística e política de diferentes tipos de atores. Esses atores são
empresas multinacionais, comunidades da diáspora, grupos e movimentos
populares, aldeias, bairros, famílias e os Estados-nação.
38
O entendimento de mediapaisagem neste conjunto de atores revela a
produção e a disseminação de informação. Com os fluxos de informação dado de
forma todos-todos, proporcionada pela internet, há muitos interesses privados e
públicos em imagens do mundo, criados não somente pelos meios de comunicação,
mas por sujeitos ativos que agora se apropriam das ferramentas tecnológicas para
compartilhar ideias.
Para Appadurai, o aspecto mais importante da mediapaisagem é o vasto e
completo repertório de imagens, narrativas e etnopaisagens a espectadores de todo
o mundo.
Esse repertório, até bem pouco tempo atrás, era explorado por poucos
indivíduos pertencentes à classe média e média alta, que se permitiam “as fantasias
e imaginações em práticas restringidas a momentos e lugares especiais”.
Com a tecnologia e a mídia, isso vai se modificar radicalmente. O pesquisador
indiano vai contextualizar, através do papel da imaginação em uma sociedade, toda
a sua importância para a modificação do que conhecemos hoje por mundo global e
seus efeitos para esboçar a produção e distribuição da cultura do século XXI.
A imaginação, dentro da localidade (experiências vividas por bairros,
famílias, de forma micro), tem adquirido uma força nova e singular na vida social que
a projeta para este mundo globalizado e cada vez mais desterritorializado.
A imaginação – expressa em sonhos, canções, fantasias, mitos e
contos – sempre constou do repertório de qualquer sociedade que
esteja de algum modo organizada culturalmente. Mas na vida social
de hoje a imaginação tem uma força nova e singular. Mais pessoas
em mais partes do mundo consideram possível um conjunto de vidas
mais vasto do que nunca. Uma fonte importante para esta mudança
está na comunicação de massas, que apresenta um sortido rico e
sempre variado de vidas possíveis (APPADURAI, 2002, p. 77).
Esse terreno de desterritorialização cria novos mercados para agências de
viagens, empresários das artes e para as produtoras de filmes. A grande intenção
destes segmentos (finaciopaisagens) é proporcionar para as pessoas que estão
desterritorializadas com o país de origem que entrem em contato com a sua cultura,
39
em contrapartida, mostra para outras pessoas os costumes de uma localidade
diferente.
Exemplo desta potência para a mediapaisagem é o documentário Passaporte
Húngaro (2002), da cineasta brasileira Sandra Kogut, no qual ela vai buscar na
Hungria, local de suas raízes familiares, as respostas que precisava para entender,
entre outros fatos, o sentido de nacionalidade.
É na questão da tecnopaisagem que as mudanças são diretamente
observadas, quando esta estimula alterações da ordem cultural global,
impulsionando a produção do cinema, da televisão e do vídeo com o efeito do papel
da imaginação na vida pessoal.
Arjun Appadurai afirma ser impossível estudar novos cosmopolitismos sem
analisar fluxos culturais transnacionais em que, por excelência, estão imbricadas as
relações entre espaço, estabilidade e reprodução cultural.
Essa dinâmica cultural em forma de imagens na web encerram muitas
inflexões definidas pelo autor como complexas, já que estão pautados conforme o
seu gênero (documentário ou ficção), as suas ferramentas (eletrônicas ou pré-
eletrônicas), os seus públicos (local, nacional, transnacional) e os interesses
daqueles que os detêm e controlam. Até esta parte do trabalho, relatei o
desenvolvimento do gênero documentário. No próximo capítulo, abordo a
cibercultura como fato importante na vida social e como isso vai transformar e
influenciar o documentário.
40
CAPÍTULO 2
2.0. Ambiente comunicacional na Cibercultura
Neste capítulo, proponho a reflexão sobre a Cibercultura para compreender o
documentário na contemporaneidade. Para isso, o autor André Lemos tem papel
importante para fundamentar teoricamente o entendimento da sociedade em
constante busca pela imagem.
A pós-modernidade é o terreno fértil para o desenvolvimento da Cibercultura,
fruto da simbiose entre tecnicidade e socialidade.
As várias formas de produção de conteúdo produzido para a internet se
moldam conforme o terreno o possibilita. Consequentemente, os webdocumentários
são apresentados para diferentes olhares, diferentes leitores, o que demonstra a
diferença de muitos trabalhos na Cibercultura com a origem no gênero
documentário.
A técnica aplicada à rede, em tempo real, permite uma comunicação
individual, personalizada e bidirecional. Isso causa mudanças na produção e
distribuição do conteúdo, afetando diretamente no modo de se fazer documentário,
televisão, jornal, revistas e rádios. De acordo com André Lemos (2008, p. 79), “a
tecnologia digital proporciona, assim, uma dupla ruptura: no modo de difundir as
informações (modelo Todos-Todos). Alguns autores chegam mesmo a falar de um
domínio dos meios de produção pelo público”.
André Lemos vai buscar na sociologia de Michel Maffesoli a explicação para a
atual paisagem social diante das novas tecnologias e sua influência no cotidiano da
sociedade. Para Maffesoli, a pós-modernidade é formada por várias tribos13, o que
se opõe à ideia do individualismo marcado na modernidade. Entendo como pós-
13 A utilização do termo tribo está ancorada na explicação de Michel Maffesoli no qual “O trabalismo refere-se, (...), à vontade de estar-junto (être-ensemble), onde o que importa é o compartilhamento de emoções em comum. (LEMOS, 2008, p.85)
41
modernismo uma ruptura cultural, iniciada no modernismo, e que rompe com as
tradições. Apesar de haver uma tensão sobre o termo pós-moderno entre vários
autores, neste trabalho, utilizo a compreensão de Jean-Francois Lyotard (1979), na
qual as comunicações linguísticas farão com que a conexão entre sociedades seja
instaurada e não mais como um campo de conflito. Contribui também para o
entendimento do termo as mudanças de fluxos, observadas através das dimensões
de Arjun Appadurai (1996), como principais pontos de ruptura do mundo pós-
moderno, sendo os meios de comunicação eletrônicos e a migração a principal
interferência na imaginação e na subjetividade do homem contemporâneo.
A Cibercultura é resultado da fusão das novas tecnologias de base
microeletrônica e da socialidade contemporânea, onde está presente o tribalismo,
presenteísmo, erotismo e a violência.
De forma vitalista, Lemos (2008) interpreta que este desenvolvimento
tecnológico vivido atualmente não pode ser apenas um agente de separação,
esgotamento de vínculos sociais e alienação, mas também pode ser uma força
capaz de formar relações de cooperação e de solidariedade entre os indivíduos.
A Cibercultura, como proposta de uma nova forma de viver a cultura, é uma
janela aberta, onde o documentário está inserido. Entendê-la em uma visão social é
importante pelo seu atual estágio de total conexão entre as pessoas.
Na pós-modernidade, existe uma desterritorialização da cultura proporcionado
pelo tempo real imediato (que esculpe o espaço) e pelas redes telemáticas, que
também suprimem o espaço. Essa desespacialização atinge diretamente as
estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais.
A dinâmica social vivida atualmente traduz o desejo de as pessoas se
conectarem através do ciberespaço, comunicando-se de uma maneira direta, eficaz
e imediata.
De acordo com Pierre Lévy (1999), essa comunicação através do ciberespaço
se dá de forma universal sem ser totalitária, porque incide sobre trocas de
informação bidirecionais sem que haja uma homogeneização de sentidos, havendo
multiplicação de muitas vozes e pensamentos diferentes.
42
Enquanto Lemos (2008) fala de tribalização dos meios, Jean Baudrillard
(1993) e Paul Virilio (1993) entendem que o ciberespaço permite apenas uma
simulação de interação e não verdadeiras interações entre os internautas.
Para Baudrillard (1993) o excesso de informações faz com que haja um
distanciamento cada vez maior de uma comunicação de fato. Seria uma imersão em
um espaço altamente destrutivo, no qual o internauta se torna passivo e responde
apenas a alguns estímulos imediatos.
Como define Lemos, “a cibercultura é uma configuração sociotécnica de
produção de pequenas catástrofes que se alimentam das fusões, impulsões e
simbioses contemporâneas: o usuário interativo da Cibercultura nasce do
desaparecimento do social (Baudrillard) e da implosão do individualismo moderno”.
Lemos usa a referência de Baudrillard, que projeta de forma pessimista os
sentidos da atual utilização dos meios tecnológicos, mas, ao mesmo tempo, vê uma
luz de equilíbrio, no qual todos poderão se expressar e caminhar para um
conhecimento em comum, o que Pierre Lévy vai chamar de inteligência coletiva. “A
ideia de uma comunicação racional, instituindo uma sociedade iluminada e sem
ambiguidades é, no fundo, um sonho totalitário” (LEMOS, 2008, p. 76).
A nova conjuntura sociocultural é denominada por Gilles Deleuze e Félix
Guatarri como um modo esquizofrênico do capitalismo, herança do homem
consumidor da modernidade e que se emoldurou ainda mais na vida pós-moderna.
Diante deste fato cada vez mais crescente do consumismo, a técnica ganha força
simbólica e, ao mesmo tempo, mítica na sociedade.
A máquina (técnica) se enquadra no cotidiano pós-moderno como um objeto
de extrema importância para as relações pessoais, e claramente nas paisagens
econômica, política e midiática.
Lemos (2008) apresenta as ideias do filósofo Gilbert Simondon, que oferece
uma contribuição importante do papel da máquina e sua relação com o indivíduo,
que ainda estabelece uma distância de seu objeto principal.
Para Simondon, ainda não nos conectamos de forma equilibrada com a
técnica; há sempre um momento de tensão e ruptura, como ao considerar que a
43
máquina não faz parte da cultura em seu aspecto mais natural do desenvolvimento
de um trabalho.
A técnica, que sempre esteve presente na vida social do homem, agora se
torna um personagem principal incompreendido, como apresentado pelo filósofo.
Lemos (2008, p.30) cita um pensamento de Simondon para tratar da relação
com a máquina: “A mais forte causa de alienação no mundo contemporâneo reside
nesse desconhecimento da máquina, que não é uma alienação causada pela
máquina, mais pelo não conhecimento de sua natureza e de sua essência, pela sua
ausência do mundo das significações, e pela sua omissão na tabela de valores e
dos conceitos que fazem parte da cultura.”
Para o autor, a sociedade vive um momento sui generis, já que é neste
começo de século XXI que a humanidade reconhece o valor da técnica e esta se
impõe como força simbólica e mítica. A máquina se torna um grande símbolo.
A propósito dessa relação homem e máquina no universo das artes,
especificamente o documentário passa a ter os movimentos de metamorfoses,
mudanças que envolvem estímulos para a informação e a comunicação imediatas.
Em toda a sua explicação, Lemos instiga a fazer uma leitura do objeto técnico
na sua história e trazê-la para a sociedade contemporânea. Das atualizações14 nos
vaudevilles15 aos documentários didáticos, de Grierson16; dos documentários de
conversa, de Eduardo Coutinho17 exibidos em salas espalhadas pelo Brasil aos
documentários hospedados na internet, a circulação toma projeção antes
inimaginável, tornando o cotidiano social suporte de experiências estéticas, tanto no
sentido da arte, e do belo, como no sentido de comunhão, e de emoções
14
Entre 1895 a 1906, os simples registros eram chamados de atualizações, porque apenas apresentavam o quotidiano social sem nenhum tipo de montagem.
15 Os vaudevilles eram lugares na França (presentes na época dos irmãos Augusto e Louis Lumière),
onde se passava os filmes em vários atos, às vezes durando de 10 a 20 minutos. Junto com os filmes, havia atrações como comédia pastelão, declamação de poesia, apresentação musical, entre outros.
16 John Grierson é um cineasta escocês, que, a partir de 1933, lidera um movimento em favor do
documentário de cunho didático na Inglaterra.
17 No livro Introdução ao documentário brasileiro de Amir Labaki, Eduardo Coutinho figura como um
dos mais importantes documentaristas brasileiros.
44
compartilhadas. Agora, “trata-se de uma sociedade que aproxima a técnica (o saber
fazer) do prazer estético e comunitário” (LEMOS, 2008, p. 17).
Em um artigo publicado pela Universidade Federal Fluminense, a
pesquisadora Andréa França18 (2004) discorre, de forma pertinente, sobre o cinema
contemporâneo, a partir do pensamento de Foucault.
Na ótica da desterritorialização proporcionada pelas redes telemáticas,
Andréa França observa que as “imagens do mundo inteiro que estão ali para
informar, explicar, integrar tudo e todos numa espécie de consensualismo”.
Esse consensualismo vem imbuído de uma carga de interrogações, visto que
a sociedade, segundo Jean Baudrillard, é fruto de sua própria ignorância e ao
mesmo tempo de suas ações. Nessa comunicação consensual transborda questões
sobre o que produzimos, veiculamos e consumimos como arte, e como analisar as
imagens de um documentário em um mundo que é constituído por vários tipos de
imagens.
Se, antes, a vida social era limitada a algumas aventuras através de técnicas
que estivessem ao alcance de alguns poucos letrados pertencentes a uma camada
que tinha condições de adquiri-las, com a civilização contemporânea, imersa na
modernidade líquida de que trata Zygmund Baumman (2001), temos um universo
técnico que é independente da vida social.
O panorama social no qual se insere a sociedade de hoje, baseado na
energia nuclear, na engenharia genética, na informática como pano de fundo da
cibercultura, apreende, cada vez mais, uma dimensão intangível, já que lhe permite
escapar do tempo linear e do espaço geográfico, o que a direciona para
questionamentos sobre os rumos dessa civilização. Não diferente, o documentário,
inserido neste sistema técnico tem seu papel como formulador de propósitos
subjetivados pelas tribos.
E é nessa realidade social, fruto da desmaterialização de muitos processos e
de simulação do mundo potencializados pelos computadores que, enquanto
18
O artigo “Foucault e o cinema contemporâneo” foi originalmente apresentado sob a forma de comunicação no evento Foucault Hoje?, realizado de 23 a 26 de novembro de 2004, na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
45
pesquisadora, me esforço para compreender o documentário quando inserido em
um ambiente comunicacional rizomático.
Este cenário de nova ordem cultural, com a junção das novas tecnologias do
ciberespaço e a socialidade contemporânea, é o que Lemos vai propor em seu livro
como a cibersocialidade, que vai mostrar o extrato das práticas sociais no cotidiano
da sociedade ocidental como uma ressacralização, um reencantamento do mundo
através de cabos de fibra ótica, que cria um elo entre o eu e o mundo.
Na cibersocialidade, as dimensões lúdica, erótica, hedonista e espiritual são
potencializadas. No movimento diacrônico, os atores sociais atualizam essas
dimensões através da tela do computador, que é a fronteira entre o individual e o
coletivo, produzindo a construção cultural na contemporaneidade.
A cibercultura é resultado dessa força que corrobora com a realidade
aumentada proporcionada pelo ciberespaço.
A tela é a fronteira entre o individuo e o coletivo, entre o orgânico e o artificial, entre o corpo e o espírito. O ciberespaço é o espaço simbólico onde se realizam, todos os dias, ritos de passagem do espaço físico e analógico ao espaço digital sem fronteiras (LEMOS, 2008, p.132).
Para Lemos (2008), a cibercultura é uma verdadeira infognose, que seria a
comunicação na qual as pessoas podem chegar a um conhecimento superior, um
saber epistemológico. É como um rito de passagem em direção à desmaterialização
da sociedade pós-industrial. Sendo o documentário uma forma de comunicação,
observar como esta linguagem está inserida no universo da internet se torna
importante para a leitura do objeto comunicacional.
Lemos vai colocar que, no instante em que o sujeito se conecta com este
outro mundo, abre-se para uma realidade aumentada, que rompe com o sagrado em
plena luz do dia, um lugar de hierofania, onde é revelada a experiência de outro
mundo e está diretamente ligada ao tempo Kairós, quando o internauta perde a
noção do tempo por estar muito envolvido em determinada ação, passando para o
tempo das conexões.
Este mundo mágico possibilita que o tempo (junto com o espaço) não seja
mais o mesmo tempo progressivo da história. A projeção agora é do tempo
46
presente, o presenteísmo, que envolve a socialidade contemporânea e as máquinas
do ciberespaço.
A socialidade se converte em uma multiplicidade de experiências coletivas,
que se ancora no universo imaginário, passional, erótico e violento do dia a dia.
Lemos pensa, junto com Maffesoli, que “todos os micro-rituais parecem ter esse
papel de desvio da técnica de sua função meramente utilitária, de agrupamento de
indivíduos em torno de uma atividade comum, de uma paixão compartilhada.
Poderíamos então falar que o destino da técnica moderna reside também na sua
apropriação dionisíaca e, assim, numa ressacralização, um reencantamento do
mundo”. Desta forma, Lemos une a socialidade de que trata Maffesoli com a
virtualidade do ciberespaço, demonstrando que a realidade virtual proporciona a
entrada para uma nova era, na qual todos estão inseridos. Novas práticas culturais
surgem a todo momento.
É na manifestação contemporânea da cibercultura que o documentário vai
ganhar nova projeção, se a circulação é crescente, logo podemos dizer que o vídeo
de representação social não está tão distante como antes, como nos tempos em que
o gênero tinha pouco espaço para exibição, distribuição e produção.
Com a telemática, qualquer lugar pode ser um espaço para se exibir, assistir
e interpretar um documentário.
Na tribalização dos costumes, em que as comunidades se agregam, e na
ênfase no tempo vivido como do agora, do tempo sempre presente, o documentário
se torna um poderoso instrumento da cibercultura em direção a convivência,
potencializando um dos modos de fazer cultura na cibersocialidade.
De acordo com A Galáxia Internet (2001) de Manuel Castells, o novo espaço
urbano criado é um grande ambiente de mobilidade ilimitada, um espaço feito de
intensos fluxos de informação e comunicação, o que podemos chamar de
hipermobilidade.
A hipermobilidade a qual Castells se refere é a possibilidade de configuração
múltipla dos espaços de trabalho, permitindo espaços de mobilidade ilimitada. Como
exemplo, podemos ver nos cibercafés, no carro, no aeroporto, no sítio, nas férias,
47
nos hotéis, no lar, todos potencialmente se convertem em espaços de trabalho,
tornando-se ambientes inteligentes, nos transportando para uma televida.
Esta hipermobilidade se converte numa força produtiva, onde as grandes
cidades tendem a aproveitar o momento em que a criatividade cultural se torna
vantagem competitiva e fonte de riqueza.
2.1. Rumos do gênero documental frente a dinâmica da cibercultura
Se, durante a Segunda Guerra Mundial, o gênero documental alcançou um
número fantástico em produções, com a internet esse esgarçamento de obras é
impressionante. É por essa dinâmica crescente que envolve o documentário diante
da plataforma telemática que algumas indagações surgem no que se refere: qual é a
direção do documentário na era digital? Qual o futuro do gênero como meio
particular de comunicação? Quais os novos tipos de produção do documentário com
a internet? Terá algum modelo com a utilização da web? Como fica a questão da
representação tão estudada em documentários tradicionais?
Um ponto levantado por David Hogarth (2006), pesquisador de estudos de
comunicação da Universidade de Toronto, no Canadá, insere a seguinte questão: a
existência dos documentários em novas plataformas de distribuição passa a permitir
formas mais ou menos imediatas de comunicação global?
O pesquisador lança três perspectivas que fizeram o documentário mudar ao
longo dos anos. Nos primeiros tempos, o gênero documental era basicamente feito
por estados-nação, como visto na parte anterior; os patrocinadores eram
compromissados em apresentar para a população o que estava acontecendo na
guerra, em uma perspectiva muito particular de nação, até mesmo como uma forma
de moldar, de maneira expressiva, a opinião pública.
Para Hogarth (2006, p.122), essa já não é a realidade no século XXI, assim
como as representações e o sentido de verdade em filmes documentários:
O documentário não é mais uma forma cinematográfica nacional, produzido em primeiro lugar pelo estado-nação e suas instituições
48
culturais. Segundo, o documentário não é mais um gênero a serviço público dedicado à representação de lugares e assuntos públicos, para públicos mais ou menos cativos. E finalmente, o documentário não é mais um projeto epistemologicamente seguro, no qual a verdade e o significado dependem de um índice determinado para o mundo.
Pensando nessa posição de Hogarth, observo que a representação do mundo
através das imagens documentais é alterada, quando pensamos na sua lógica
espacial/virtual da internet, traduzida por uma máquina binária. Há um deslocamento
do mundo nessa perspectiva. Por outro lado, fica a questão se realmente os
documentários realizados a partir da década de 1920 tinham um compromisso com
a verdade, ou com situações que expunham o real. Basta pensarmos no primeiro
longa-metragem do gênero realizado por Robert Flahert em Nanok of the North
(1922). Já sabemos que Flahert manipulou várias cenas, fazendo com que os
personagens encenassem o que estava sendo apresentado.
As imagens projetadas pela máquina são expressas por algoritmos, que é um
procedimento lógico. Essa lógica conduz à solução dos problemas através de uma
lógica de cálculo. Somente esta explicação da forma como as máquinas traduzem
as imagens já condiciona uma mudança das formas tradicionais com as quais eram
feitos os documentários, com a utilização de película, com grandes câmeras ou em
processos analógicos, através de fitas eletromagnéticas.
Lemos (2008) observa com relação às imagens, que passam pelo processo
numérico ou digital, “não se trata mais de representar o mundo, mas de simulá-lo”.
Dominique Wolton (2003) classifica como “doces utopias” o espaço transparente na
internet; com o documentário na web, a questão é sempre essa, de realidade
produzida e simulação latente.
Lemos (2008) defende que o modelo de uma realidade é simulado pela
imagem na contemporaneidade porque a potência de ter a realidade da natureza é
deixada de lado por conta da digitalização do mundo, no qual o mais importante é a
construção do conhecimento.
49
A partir da última fase da cibercultura, o tecnorealismo19 que tem início em
1998, a utilização da internet propõe ações imaginativas que se ligam diretamente
ao realismo. Nesta esfera, a sociedade da informação se torna berço da cibercultura,
uma cultura muito mais propícia ao simulacro, a uma representação falsificada da
realidade.
Esta ordem comunicacional possibilitada pelo advento da internet não traz
tanto entusiasmo para muitos teóricos. Lorenzo Vilches (2003) faz uma análise
crítica em relação ao pensamento vitalista da internet.
Com o documentário se multiplicando na rede, o autor diz que o internauta
tem mais liberdade para interpretar mensagens, mas tem menor autonomia em
relação aos valores dominantes.
Os usuários da nova comunicação são menos dependentes da
cultura tradicional, mas mais dependentes das relações
interpessoais geradas na rede. [...] Mudança de conduta dos
usuários, ou se trata de uma ruptura cultural do conhecimento?
(VILCHES, 2003, p. 20).
2.2. A representação através da mediação digital: mudanças evidentes
Esse estar conectado com os mais diferentes dispositivos que nos ligam em
rede em qualquer circunstância, hora ou local do mundo faz com que a imagem
esteja presente no cotidiano.
19
De acordo com a pesquisa de André Lemos (2008), a cibercultura se divide em quatro fases. A primeira está vinculada ao chamado “nerdismo puro” e compreende os anos de 1976 a 1988. Esta fase é a subcultura da informática, os chamados hippies da informática que acreditam que o ciberespaço é de todos e querem que os computadores sejam um aparelho acessível e de fácil utilização. A segunda fase é chamada de tecnoanarquismo (entre 1989 e 1992), no qual há o amadurecimento da informática e as características rizomáticas e posturas anárquicas da rede são evidentes. O tecnoliberalismo (1992 a 1998) constitui a terceira fase, no qual a internet se expande para o comércio (e-commerce, e-business, e-money). A última fase tem início em 1998, e é denominada tecnorealismo, no qual o escritor R. U. Sirius diz que o realismo sem imaginação é mero reducionismo (nasce e logo morre).
50
Esta é a era em que a tecnologia, ou a téchnè de que tratou Aristóteles,
condiciona a produção de muitas cópias de produções esta existentes há décadas,
mas que agora ganham projeção imensurável com o fenômeno técnico.
Há sempre uma imagem para revelar, uma determinada realidade a observar,
uma atualização do mundo que se apresenta.
Diante da possibilidade de fazer vídeos com qualquer aparelho de gravação,
seja ele um celular, webcam ou câmera de qualquer qualidade, é necessário traçar
um cenário do gênero documentário.
Para Lorenzo Vilches (2003), os computadores podem representar a
realidade, mas ao mesmo tempo podem alterá-la, direcionando-nos para um plano
real alternativo. O autor se ancora no legado de Marshal McLuhan que, em suas
teorias sobre as tecnologias, afirmava que a maior preocupação é o discurso sobre a
realidade.
Para McLuhan, o critério epistemológico do real é irrelevante. A
constituição da realidade não passa pelos pares binários:
linguagem/meios e realidade/imagem; e a constituição social da
realidade tampouco passa pelos meios (ibid., p. 67).
A perspectiva de que trata esse teórico ressalta que não é preciso julgar o
que é mais real ou menos real, já que as tecnologias de base eletrônica nos
reinstalam em um novo universo de significações.
Na linha de raciocínio de Lorenzo Vilches, o que tem de importante na
questão do documentário quando se trata das mudanças da representação da
realidade em seu valor teórico e, por conseguinte, as imagens realizadas através de
uma lógica é que as mudanças no mundo estão acontecendo e que o relevante são
os conteúdos culturais produzidos na migração simbólica entre espaço e tempo.
A representação da realidade é repensada com as tecnologias da imagem
porque esta é fundamental para a formação da percepção e da compreensão da
realidade no contemporâneo. Como se percebe, a imagem está em toda parte e
supõe um dos objetos para a tecnologia do conhecimento. Com o desenvolvimento
das tecnologias digitais da imagem, Vilches (2003, p. 201) identifica uma percepção
diferente das relações com os objetos, o tempo e o espaço: “A internet e as
51
teletecnologias levam os sujeitos a desenvolver uma compreensão técnica da
realidade”.
Sendo a realidade uma mediação de processos, Lorenzo Vilches (op. cit., p.
254) observa, com Gilles Deleuze, que “o que se decompõe e recompõe é o próprio
movimento, não a realidade”.
A partir das ideias apresentadas, não há dúvida de que a informática alterou
os conceitos tradicionais de representação visual. Existe, no documentário feito para
a internet ou que está na internet, uma relação de hiper-realidade, que é
caracterizada por permitir a visualização de objetos inexistentes na natureza, mas
que podem alcançar níveis de simulação altíssimos, muitas vezes, maior do que a
semelhança, nos casos de reprodução dos objetos reais. Isso se deve ao poder que
o computador permite, através de suas fórmulas digitais. Com isso, documentários
foram realizados por meio de técnicas que implicam necessariamente na utilização
da informática.
A criação de imagens por meio da informática e das aplicações
virtuais da Inteligência Virtual a todas as formas de produção
humana conhecidas até agora não afeta só os objetos do mundo,
mas afeta também nossa própria situação espaço-temporal
(VILCHES, 2003, p. 201).
A noção de espaço passa a ser estreitada, proporcionando relações
interculturais mais expressivas, enquanto que a noção de tempo na pós-
modernidade é fundamental e passa a ser vivenciada como uma experiência do
próprio eu.
2.3. Documentário na rede: construção de conteúdo na internet
Os sujeitos que fazem seu cotidiano ser algo explorado pela câmera, seja do
celular, da máquina fotográfica ou de vídeo pensando em jogar essas cenas para a
rede, compartilha-o com qualquer indivíduo que não conhece, mas que pode, em
52
algum lugar do globo, estar descolado do tempo e espaço real proporcionado pela
tecnologia.
Com câmeras baratas e dispositivos acessíveis, cineastas e pessoas comuns
produzem uma infinidade de vídeos que não constituem obras de arte, pois não
acompanham um rigor estético almejado pelos amantes da arte, mas não deixam de
ser documentos realizados por pessoas no cotidiano.
O documentário na web coloca grandes diretores e produtores anônimos em
um plano horizontal de divulgação. A voz do outro surge como estado de
contemplação. Você assiste, enxerga a posição do outro, esse atravessamento
cultural preenche-lhe em certa medida. Não há julgamento melhor que o público,
fora dos pequenos ou grandes circuitos. A internet se torna a grande expositora da
voz do outro.
O sociólogo francês Domique Wolton (2003), que tece uma teoria crítica das
novas mídias, explica, primeiramente, para amputar os que entendem que internet é
mídia, de que para a web ser classificada desta forma, deveria ter em sua
comunicação uma única direção. Por não ter essa característica, a informação
dentro da internet está em várias direções, com muitas interações, sendo dominada
por vários tipos de expressões. Por isso, não há mídia sem uma representação, o
que permite entender porque um grande número de atividades da internet não
depende de uma lógica das mídias.
A construção de conteúdos na internet é classificada pelo autor em:
informação-serviço, informação-lazer, informação-notícia ou imprensa e informação-
conhecimento.
Superando a questão da internet como mídia, Wolton dispõe de três pontos
para o sucesso das novas tecnologias e isso implica em sua existência nas
chamadas redes tribais.
Três palavras são essenciais para compreender o sucesso das
novas tecnologias: autonomia, domínio e velocidade. Cada um pode
agir, sem intermediário, quando bem quiser, sem filtro nem hierarquia
e, ainda mais, em tempo real. Eu não espero, eu ajo, e o resultado é
imediato. Isto gera um sentimento de liberdade absoluta, até mesmo
53
de poder, de onde se justifica muito bem a expressão ‘surfar na
Internet’ (WOLTON, 2003. p. 85).
Demonstrando o sucesso das novas tecnologias, Wolton (op. cit.) traz à luz a
questão de Hogarth quando questiona sobre formas imediatas na comunicação
global proporcionadas pelas novas plataformas.
O autor enfatiza que as novas tecnologias encorajam a capacidade de
criação. Contudo, o desafio maior não consiste na comunicação a qualquer preço,
mas na gestão da maioria e na coesão das comunidades em um contexto aberto e
democrático.
De acordo com a nova forma de pensar a cultura, as possibilidades são
grandes e, agora, fazer um pequeno documentário para a internet é se lançar para o
mundo da rede.
O documentário se adaptou de forma dinâmica às possibilidades oferecidas
pelas novas tecnologias. Uma nova geração de documentaristas, assim como um
público antenado na prática audiovisual, utiliza câmeras portáteis e de fácil
manuseio para capturar o mundo histórico-social através de abordagens inovadoras.
Isso está transformando aspectos da cultura do documentário, a ponto de se
indagar: o que pode ser classificado como filme documentário? Essa reflexão será
feita a partir do próximo capítulo.
54
CAPÍTULO 3
3.0. Documentário e a condição da simulação na era cibernética
A realidade condicionada pela era da informática aplica ao universo
documental várias nuances próprias de um espaço-tempo que já não é o mesmo
vivido, por exemplo, por produtores e cineastas das décadas de 1980 e 1990.
Pensando nesta mudança da base do documentário procuro, neste capítulo,
descrever quatro obras inseridas na internet. A pesquisa elencou centenas de
documentários, que certamente enriqueceriam o trabalho. Mas, para a reflexão
teórico-metodológica as escolhas se deram através do edital do Rumos Itaú Cultural
e pelos canais Youtube e Vimeo.
O Rumos Itaú Cultural, um importante canal de fomento de trabalhos de
artistas de vários segmentos, lançou, em 2009, um edital para que realizadores do
Brasil enviassem documentários realizados exclusivamente para a web. Com a
proposta de pensar o documentário na era da cibercultura, centenas de realizadores
foram estimulados a refletirem sobre a proposta. Foram escolhidas 12 produções,
dentre as quais duas foram selecionadas para este trabalho.
O primeiro documentário, O som do tempo20 (2010), do cineasta cearense
Petrus Cariry, propõe esta obra pensando na internet, dentro do edital do Rumos
Itaú Cultural. A obra narra a vida de uma senhora simples do nordeste. O segundo
trabalho, intitulado Restos21 (2003), escolhido através do canal Vimeo, é uma obra
do grupo Teia, coletivo de Belo Horizonte-MG que trabalha com documentários e
tem reconhecimento no país pelas obras que desenvolve no campo do audiovisual.
O documentário, dirigido por Cristina Maure e Pablo Lobato, trata sobre a questão
20
O documentário pode ser encontrado no site Youtube (extrato de 2 minutos) e na página do Rumos
Itaú Cultural, sessão documentários para web.
Youtube:http://www.youtube.com/watch?v=0n7SKRp9YcA. Rumos:
http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2787&id=001768&titulo=O%20Som%20do%20Te
mpo&auto=undefined
21 Disponível em:http://vimeo.com/12005874. Acesso em: março 2012.
55
do lixo em várias partes do mundo. A escolha consiste em observar como os
realizadores articulam um trabalho na web.
Webdoc Verdade22 (2011), o terceiro trabalho, através da metalinguagem, é
um documentário feito para pensar o gênero na internet. Foi extraído do Youtube e é
resultado de uma oficina do cineasta Jorge Bodansky realizada durante o Festival É
tudo Verdade, do ano de 2011. O evento promove a exibição de documentários
realizados no país e no mundo. Webdoc Verdade apresenta várias opiniões de
pessoas ligadas à oficina sobre o que seria um documentário para a web e se
realmente existe alguma diferença com relação ao tradicional.
O quarto e último trabalho é Cidades Visíveis23 (2011), realizado pelo grupo
Lat23. Os pesquisadores/realizadores propõem, com diversas câmeras de
segurança instaladas em várias partes do mundo, um documentário que não tem
definida uma única montagem. O espectador vê um vídeo a cada clique no link
Iniciar.
O que pretendo é caracterizar os documentários eleitos para descrevê-los.
Cada obra tem sua peculiaridade, ocupando um espaço único, no qual estão sendo
diferenciados não só pela forma, mas pela atual facilidade de acesso num universo
configurado como cibercultura, lugar onde o webdocumentário ganha projeção.
Em seu livro sobre o gênero, Bill Nichols (2005) insere o documentário em
três possibilidades: a que envolve uma comunidade com um determinado contexto
institucional, formas de representação da realidade e um conjunto de fatores e de
suposições por parte do público que fazem crer que o que se vê seja um
documentário. Essas três definições do teórico americano, quando permeadas pela
força do fenômeno digital, sugerem uma mudança radical na base da cultura do
documentário.
A noção da comunidade, através dos estudos de André Lemos (2008), leva a
entender que existe uma nova forma de se comunicar através da rede. O gregarismo
proveniente das tecnologias mais portáteis permite um alto grau de
22
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Bu7gIxBQD2I. Encontra-se também a
videorreportagem sobre a oficina: http://www.youtube.com/watch?v=5eA8nDwCv1k&feature=related
23 Ver Cidades Visíveis em: http://lat-23.net/cidades_visiveis/ ou http://vimeo.com/16435792
56
comunicabilidade, na qual as leituras de linguagens na contemporaneidade
perpassam, num maior grau, pela questão audiovisual. Na cibercultura, as pessoas
querem se olhar e transmitir pensamentos, por um viés político ou pelo
entretenimento.
A segunda classificação feita por Nichols coloca em questão como fica a
representação da realidade, quando, na verdade, com a alta tecnologia, as imagens
podem ser facilmente trabalhadas, até mesmo pela questão da reprodução e pelo
hibridismo nelas inseridos.
A terceira e última questão é do observador – o que é e o que não é
documentário? A categorização ou mesmo o gênero na web deve ser redefinido?
Pontuar as definições de Bill Nichols é se lançar ao desafio de conceituar e
esclarecer vários pontos que se apresentam com a tecnologia. Neste desafio,
encontramos a própria definição do termo “documentário” nesta era real/virtual,
como pontuou Arlindo Machado em entrevista ao justo.aqui24. Para o pesquisador,
quando a ideia de um documentário é feita para a web, a produção ganha uma nova
nomenclatura que ainda está para ser definida.
A produção se realoca porque novos processos se instauram para elaborar e
instalar um documentário na rede. Deve-se pensar na forma dinâmica com que o
filme deve ser feito, observar continuidades nos discursos culturais para não se
restringir apenas a tecnologia e divergências entre plataformas, considerando que
este último termo se refere à maneira como é assistida a obra.
Para utilizar o documentário como forma de se comunicar, as pessoas se
apoderam da linguagem para representar o mundo. Este universo hiper-real da
virtualidade é, por assim dizer, duas faces de uma mesma questão (real/virtual).
Essa forma de representar o mundo abastece o conhecimento e o
autoconhecimento da maioria das pessoas que se interessam pelo gênero.
Utilizando a experiência da internet, cadastrei-me em um dispositivo do
Google que envia para o meu correio eletrônico vários e-mails sobre a tag
“documentário”. Nos primeiros dias, interessava-me muito pelo que estava sendo
24
Revista eletrônica – www.justoaqui.com.br
57
enviado e me interava dos documentários que estavam sendo produzidos no Brasil,
na América Latina e em menor número, de outros países.
A finalidade de acumular tantas mensagens com o tema pretendido era
organizar um material de pesquisa que pudesse ser explorado futuramente. O
exemplo do que foi exposto delineia o mundo de agora, cada vez mais influenciado
pelos meios de comunicação, e mais intensamente por elementos visuais, que
desempenham um papel de suma importância na vida social, política e econômica.
O trabalho com a imagem se torna um fator social potente que não pode ser
ignorado.
Craig Hight (2008), pesquisador da Universidade de Waikato, na Nova
Zelândia, diz ser visível que o documentário, quando foi atravessado pela
digitalização, sofreu mudanças radicais na base de sua cultura, no modo de sua
distribuição, exibição e principalmente de sua produção.
Um dos pontos da cibercultura, diante dessa digitalização do mundo, é a
simulação como um dos fatores dessa mudança na base da realização do
documentário quando atravessado pelas redes telemáticas.
Para Jean-Loius Weissberg (1993), o que se ganha com a simulação
informática não é exatamente a substituição da realidade pela simulação. Para ele,
isso é possível e numerosos projetos científicos têm esse alcance. “Essa situação é,
ela própria, portadora de subversões, em particular no campo do saber. Mas então,
podemos dizer, em terreno conhecido: de um lado o referente e de outro o seu
substituto”. (ibid., p. 118)
De uma maneira geral, a simulação informática liga-se a esse estado de
nãoseparação entre imagem e objeto. Retomo à questão de que o virtual e o real
são duas faces de uma mesma moeda, na qual o real não é substituído pelo virtual,
mas este ajuda a dar sentido ao real. Através de Weissberg, compreende-se que o
virtual propõe essa simulação latente que muda as noções de utilização das
imagens.
Pierre Lévy (1999, p. 165) traz à luz a discussão sobre a simulação que ocupa
um lugar central nos novos modos de conhecimento oferecidos pela Cibercultura.
58
A simulação, para o pesquisador, é uma tecnologia intelectual que amplifica a
imaginação individual (aumento de inteligência) e permite aos grupos que
compartilhem, negociem e refinem modelos mentais comuns, qualquer que seja a
complexidade deles (aumento da inteligência coletiva).
Com a simulação, segundo o autor, a capacidade de imaginação e de
pensamentos se prolonga. Para Levy (1999, p. 150), “Na cibercultura qualquer
imagem é potencialmente matéria-prima de outra imagem, todo texto pode constituir
o fragmento de um texto ainda maior, composto por agente de software durante uma
determinada pesquisa”.
A simulação, como se percebe, é uma forma de conhecimento, muito própria
da Cibercultura e não somente está ligada à interferência da imagem, mas também
reflete nas operações cognitivas de contar, medir e comparar experiências no
espaço-tempo.
A interação e a imersão, características da realidade virtual, fazem com que
cada vez mais o receptor participe, transforme, e quem sabe faça parte da autoria de
um trabalho, como a autoria híbrida proposta por Robert Stam25, mas agora em
plataformas digitais.
A dinâmica da Cibercultura pode ser observada com o fenômeno Kony 2012
(2012), um documentário realizado por Jason Russel, e também membro da Invisible
Children, uma organização nãogovernamental norte-americana que atua pelas
causas de crianças em situação de risco. O ativista propõe, com o vídeo
documentário, a procura de Joseph Kony, que alicia e maltrata crianças na
República do Congo, um país da África Central.
O documentário postado no dia 5 de março de 2012 tinha, em seis dias, mais
de 10 milhões de visualizações. No dia 02 de abril do mesmo ano, quase um mês
depois de sua postagem, tinha exatamente 86.617.926 (oitenta e seis milhões,
seiscentos e dezessete mil e novecentos e vinte e seis) visualizações, um número
impressionante mesmo para exibição na rede e que, neste momento em que
escrevo estas linhas, tende a subir.
25
Fala de Robert Stam em aula inaugural no Programa em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO/UFMT), em 2010.
59
Tanto sucesso é devido ao atrelamento de várias celebridades internacionais,
principalmente do cinema, com a proposta do vídeo, que era dar publicidade a um
ditador que já tinha aliciado mais de 30 mil crianças em 26 anos. O objetivo do vídeo
era que forças militares pegassem Kony e o prendessem.
Mas outro rumo começou a ser desenhado sobre Kony 2012. Informações
apontam que o conteúdo do documentário não conta inteiramente com a verdade, e
passou a ser contestado pela sua representação, que não era tão real assim. Russel
quis demonstrar que a realidade apresentada no vídeo de quase meia hora de
duração era atual, mas especialistas que estudam a realidade política do Congo
afirmam que Kony já não tem tanto poder como apresentado pelo documentário e já
deixou o país. Outra versão aponta que a realidade apresentada no vídeo era de
mais de 10 anos atrás.
Com tantas especulações e um processo de imaginação evidente, fica a
dúvida se o argumento apresentado no vídeo trata ou não de uma história
verdadeira, já que, no final do vídeo, um dos propósitos é angariar dinheiro para a
Invisible Children. A ONG está sendo investigada nos Estados Unidos após a
projeção mundial do documentário. Nem Titanic - sucesso de público e bilheteria há
15 anos, quando foi lançado, teve tantas visualizações em tão pouco tempo.
Pensando na repercussão de Kony 2012, voltamos à pesquisa de Craig Hight
(2008) que diz que o fenômeno técnico, a revolução digital que se apresenta, produz
um colapso na produção dos documentários de representação. Contudo, a
abordagem vitalista de uma expressiva cadeia de produção mundial é que, na
mesma medida que não se pode deixar de considerar o impacto digital e as formas
tradicionais de produção, também se devem observar as possibilidades agregadas
pelo novo.
Ao introduzir o pensamento filosófico da nova polis, de uma nova sociedade
que se associa cada vez mais com a técnica, o sujeito que se lança para a arte do
fazer, de produzir, “é para Platão um demiurgo, um imitador, produtor de cópias e de
simulacros” (LEMOS, 2008, p. 27).
Cada era ressurge de seus simulacros. Neste tempo, a dinâmica
comunicacional dada pelas imagens em movimento envolve a transformação da
60
materialidade dos textos, com elementos constitutivos, hiperlinks, dados que são
transportados para o computador capazes de serem facilmente acessados,
distribuídos, combinados com vários arquivos e manipulados para muitos fins.
De acordo com Craig Hight (2008), os documentários que eram intitulados
como convencionais, são agora obras abertas para o experimentalismo, indícios do
filme-ensaio de Arlindo Machado, possibilitado pelos meios digitais, baseados em
uma nova paleta, na captura de imagens, em uma pós-produção com muitos
recursos técnicos, resultando em outra direção para o documentário.
Para o estudioso, a partir do momento em que as formas convencionais ou
tradicionais são atravessadas pela alta tecnologia, deve-se pensar numa mudança
na teoria do documentário, ainda a ser construída, ou até mesmo difícil em ter um
desfecho certo, dada a efemeridade da tecnologia.
O fato é que não dá para traduzir no documentário para a web os mesmos
cânones do cinema de 40 anos atrás. Até mesmo as formas de se comunicar em
rede interpelam os modos de se fazer o documentário. Pela ótica da cibercultura de
André Lemos, há uma forma muito mais gregária e grupal que conduz a
comunicação atual,
Hight (2008, p. 4) aponta, com muita pertinência, ser necessário conceituar
velhos e novos meios de comunicação, observar que há a tendência de dois
padrões, onde um não anula o outro, mas complementam-se.
Nesta fase inicial, é possível delinear duas dinâmicas que estão em jogo, dentro deste campo emergente do documentário digital. Estas sobreposições transformam mútua e coletivamente a base tecnológica das práticas documentais ao mesmo tempo em que reforçam e ampliam o significado do documentário como uma forma cultural.
Os primeiros passos dessa dinâmica foram dados no fim da década de 1990,
quando a integração digital começava a ser inserida nas produtoras com poder
aquisitivo no Brasil. Após a facilitação de se comprar um computador, as formas
digitais ganharam um caminho sem volta. De certa maneira, foram impulsionadas
61
por produtores independentes, como forma de resistência em um meio voltado para
a ficção.
A digitalização alavancou produções de documentários no país. Existe uma
diversidade muito grande de equipamentos que captam e armazenam imagens
digitais, mas inúmeros fatores contribuíram para que essa realidade fosse possível.
A necessidade de registrar e guardar imagens sempre acompanhou a
sociedade moderna. Com a popularização do cinema através da Indústria Cultural, a
tecnologia evoluiu e surgiram novas formas de interagir com imagens em movimento
e novas mídias audiovisuais, como a televisão, que surgiu nos anos 1930. Anos
mais tarde, foi desenvolvido o sistema digital, que proporcionou um impulso em
velocidade, aumento de qualidade, de capacidade de armazenamento, além de
iniciar uma verdadeira batalha entre os fabricantes para desenvolver novas
tecnologias e conquistar o mercado. A tecnologia sempre esteve aliada ao mundo do
vídeo e das imagens, principalmente no universo contemporâneo/moderno, em que
a chegada do computador, em 1946, foi revolucionária (outro marco foi o lançamento
do Apple I em 1976, que é considerado o primeiro computador pessoal) e as
possibilidades aumentaram ainda mais com todo o potencial da internet, que permite
uma expansão surpreendente para o compartilhamento e a divulgação das
imagens/vídeos em todo o globo.
Com o avanço e desenvolvimento de novas tecnologias, os equipamentos
digitais estão mais acessíveis, popularizaram-se e nem sempre exigem pessoas
qualificadas para manuseá-las, tamanha a facilidade operacional. Como exemplo,
podemos citar os telefones móveis (aparelhos com acesso à internet, câmera de
vídeo e foto, entre outras funções); os aparelhos reprodutores de DVD (criados em
1995) e Blu-ray Disc (BD, para vídeo e áudio de alta definição e armazenamento de
dados de alta densidade); câmeras dos computadores chamadas de webcam; e até
as máquinas fotográficas profissionais incorporaram o vídeo, como o exemplo do
modelo EOS 5D Mark II da Canon, que grava imagens em 1.080 linhas de resolução
máxima (HD – Alta Definição). Tanto o segmento profissional quanto as linhas
amadoras, todos investem na tecnologia 3D (televisor, cinema, computador,
câmeras de vídeo, etc.). E com a concorrência entre as empresas de tecnologia da
62
imagem sempre haverá a evolução de equipamentos, o que permitirá novas formas
de se trabalhar com o audiovisual.
A técnica digital invadiu todos os procedimentos na realização de um
documentário. Criou-se um processo para remodelar a produção, pós-produção dos
documentários convencionais e, mais à frente, a maneira como se passou a
distribuir os trabalhos. A partir de então, a prática encontra mecanismos de
realização bem mais acessíveis que antes. Os dispositivos tecnológicos (câmeras de
vídeo amador, filmadoras profissionais, webcams, celulares, sistema de edição não
linear portátil e vários outros meios móveis) desenham o documentário
contemporâneo.
Atualmente, existem vários editais do governo e da iniciativa privada
destinados aos projetos feitos exclusivamente para a internet, como o concurso do
site Terra, que em 2006, lançou o concurso “Vc Diretor”; o canal Vimeo de exibição
também lançou, em 2011, o Vimeo Festival +Awards, no qual foram escolhidos
vídeos criativos e originais para a web. Outros editais lançados, por exemplo pela
operadora de telefonia móvel TIM são para vídeo realizado por meio de um celular.
Existem outros concursos que estão cada vez mais se adequando aos novos
aspectos da realidade tecnológica audiovisual.
A apropriação por plataformas digitais gerou uma grande participação online
na constituição de trabalhos feitos de forma caseira e profissional.
Até mesmo a convergência da TV (meio analógico) para a web (digital) deve
considerar a plataforma e se adequar à sua linguagem em expansão.
No contexto do discurso e da estética, as direções são diversas, já que na
pós-modernidade tudo é possível e pertinente, remodelando mais uma vez a cultura
na web, cabe a cada um julgar o gosto. Segundo Patrícia Moran26 “ainda não
podemos afirmar onde chegaremos em termos poéticos. Enquanto isso, a rede
matemática é visível e exige seu tempo”.
A Cibercultura, cada vez mais presente no cotidiano, faz com que o pensador
de agora deixe a escrivaninha para uma relação direta com a máquina para dar
26
CRUZ, Roberto (org.). Rumos cinema e vídeo: linguagens expandidas. São Paulo: Itaú Cultural, 2011.
63
forma ao seu pensamento. Arlindo Machado acredita que a construção das ideias
através de instrumentos como câmeras portáteis, ilhas de edição, e uma infinidade
de aparatos tecnológicos trará uma realidade para onde todos caminham: a escrita
audiovisual.
Mas a compreensão deste trabalho perpassa pelas seguintes questões – no
que a realidade virtual influenciou os documentários e em que sentido? Qual o ponto
central para a comunicação quando se pretende fazer um documentário para a
internet?
Para essas questões, lanço a hipotética afirmação de que o documentário
contemporâneo possui novidades na enunciação, através da tecnologia digital, e de
linguagens variadas fruto do experimentalismo de seus realizadores. Essas são as
diferenças da comunicação através do documentário: muitas pessoas se lançando
ao que Fernão Pessoa Ramos (2008, p. 70) vai denominar “experimentalismo formal
distendido”.
Muito do texto audiovisual foi atravessado por esta nova realidade
tecnológica, que impulsiona para a hiper-realidade projetada na tela do computador
e é compartilhada por milhares de pessoas do mundo inteiro. No geral, os
internautas precisam de um referencial que é a conexão e a dinâmica que isso
proporciona para as relações interpessoais.
O trabalho não é exatamente sobre técnica documental, mas quer entender
aspectos sociológicos e observar, nos elementos da informática, os caminhos que o
gênero está agregando.
Ao ler sobre a análise argumentativa, o autor Miltos Liakopoulos (2010)
ofereceu significativa contribuição para o entendimento da importância da cultura da
imagem neste século.
O fato de grande quantidade de pessoas estarem tomando parte dos debates sociais possui uma consequência importante: a forma preferida de fala está se tornando menos formal, isso porque dizer que com a era da informação, o advento da cibercultura, as pessoas deixam a fala (forma), mas não abrem mão do argumento.
Uma dessas formas de poder argumentativo utilizado na contemporaneidade
é o audiovisual, que intensifica as trocas e relações pessoais.
64
3.1. Compreensão da obra digital na esfera virtual
A proposta deste item é fazer a descrição de quatro documentários que estão
na internet e que, por assim dizer, se propõem obras realizadas pensando na
internet. O esforço é compreender a obra digital na esfera virtual, aliando-a às
abordagens teórico-metodológicas e buscando respostas a partir de vários
documentários hospedados na web.
Para definição de conteúdo, pensei em categorias que pudessem me fornecer
uma amostragem e assim que contemplassem o que o trabalho propõe. Durante
mais de seis meses, foram vistos muitos documentários, primeiramente no Festival
de Cinema na internet chamado Fluxus, patrocinado pela Estatal Petrobrás, mas me
deparei com a falta de diálogo dos realizadores, que nunca responderam a qualquer
mensagem enviada. O projeto Fluxus existe há mais de 10 anos e abre uma janela
para produções do mundo inteiro.
Depois de algumas pesquisas, cheguei à proposta do Rumos Itaú Cultural,
que foi mencionado anteriormente, o qual lançou, em 2009, um edital intitulado
Linguagens Expandidas, com a proposta para que realizadores enviassem
documentários pensados para a web.
A classificação do material escolhido para a descrição é uma tarefa de
construção, portanto é um recorte teórico e demonstra a pesquisa pretendida.
Cada amostra que incorpora o objetivo da pesquisa, para ser escolhida,
deveria ser enquadrada em um dos seguintes códigos formulados previamente: ser
um documentário, ter entre 5 e 15 minutos de duração, com proposta de linguagens
variadas, o tema não ser restrito e ter como proposta a exibição na internet para a
ampliação de comunicação da obra.
65
3.2. O Som do Tempo na Cibercultura
O som do tempo é um documentário de 8 minutos, que retrata um dia na vida
de uma senhora chamada Fátima, mulher do sertão que mora em meio a muitos
prédios da cidade grande.
A ideia central é a abordagem baseada nos temas ruído e velocidade. Estes
temas foram incluídos no Projeto Rumos Itaú Cultural, o qual contempla projetos
direcionados para questões da realidade contemporânea brasileira e invoca o que
pode ser discutido como linguagem audiovisual produzida para a web.
Ao longo da estrutura narrativa do documentário existe a relação de silêncio
da personagem principal em sua simples casa contrastando com os ruídos de
cidade predominantemente vertical e movimentada.
A forma como as imagens estão organizadas na obra demonstra o cinema de
observação. O cineasta aborda a questão social pelo viés poético, deixando a
câmera olhar para a vida simples de Fátima, buscando ressaltar o som e o espaço.
O primeiro plano, a imagem do sertão como moldura-retrato, já induz uma
atuação autorreflexiva, como uma realidade a observar. A ressonância pessoal da
personagem contrapõe a forma de viver numa cidade tecnológica. Vidas do sertão e
da metrópole se cruzam.
Na sequência, o diretor apresenta a sua personagem principal através da
simplicidade dos pés, das mãos, sempre com planos longos e o som ambiente com
uma música instrumental de fundo.
Gestos, olhares, a face cansada da personagem, a maneira de viver o dia, a
casa pequena e a existência de uma mise-en-scène tecem o trajeto narrativo que
busca a simplicidade em paralelo a uma complexa existência no meio urbano.
Esta obra aponta para uma questão apresentada pelo estudioso Arlindo
Machado (2011), no qual a internet permite, em decorrência das dimensões por ela
possibilitadas, proporcionar a utilização do documentário como uma manifestação de
práticas antropológicas através de ensaios visuais ou audiovisuais.
Pensar no que a pragmática da comunicação fílmica propõe nesta obra é
entender que um filme não tem sentido em si. É nessa perspectiva que o artigo do
66
americano Sal Worth, citado por Roger Odin (2005, p. 29), em The Development of a
Semiotic of film irá pontuar – que o filme apenas adquire sentido na relação
intrínseca com o sujeito que assiste à obra.
Figura 1. Título: Dona Fátima em sua casa.
Fonte: Petrus Cariry, 2010.
A forma privilegiada através da observação direta produzida pelo
documentário ao mostrar dona Fátima realizando suas tarefas do cotidiano como
lavar a roupa e comer no silêncio de seu lar apresenta uma formação social e um
hiato na questão lingüística da personagem que, em momento algum, oferece um
depoimento.
O tema de reflexão é o mundo caótico urbano sob a égide de um contraste
entre o capitalismo e a vida singular. As imagens servem de fundo para uma
interpretação sobre o que se passa com as cidades modernas e suas diversidades.
A voz, de certa forma não convencional, discorre o que, para Arlindo Machado seria
a voz sussurrada, “em tom baixíssimo, como que falando para dentro, uma imagem
sonora admirável da linguagem interior: o pensamento”.
O que ganha destaque em O som do tempo é essa ausência da voz presente,
indo na contramão de vários documentários tradicionais. A contraposição entre cena
e som, ora buscada pela exaltação de sons caóticos da cidade ao mesmo tempo em
67
que leva para o silêncio da vida singela de uma senhora do sertão, mostra o mapa
da iconografia cultural.
Muitas obras audiovisuais inseridas na web estão cada vez mais direcionadas
a um curto tempo, o qual permite maior fluxo de hipertextos. A duração de cada obra
audiovisual é que estabelece a dinâmica e assim multiplica a possibilidade de
assistir a vários trabalhos e fazer diversas leituras sobre a forma de representação
de cada documentário, conforme já observado.
É na reflexão de Bill Nichols (2005, p. 63) que o vídeo se apresenta como um
simulacro, um traço externo da produção de significado a que nos propomos a cada
dia, a cada momento.
Figura 2. Título: Casa de Dona Fátima.
Fonte: Petrus Cariry, 2010.
O Som do tempo não apresenta nada de novo por estar sendo exibido na tela
de um computador, mas a obra, quando num espaço de desterritorialização como a
internet, se abre para o campo do possível, no qual o filme documentário, como
apresenta André Lemos (2008), “se expandiu para incluir estratégias de reflexividade
que podem posteriormente servir como objetos políticos e científicos”.
68
Traduzindo aspectos da teatralidade social de O som do tempo até mesmo
com nuances de ficção, entende-se a transferência da interface audiovisual à vida
cotidiana, como simbiose paradoxal entre tecnicidade e socialidade.
A obra em sua forma primitiva, quando apresenta dona Fátima e seus signos
de vivência, é o próprio mundo, estabelece uma relação direta entre o homem e o
mundo, e entre várias esferas culturais.
Ao utilizar o elemento técnico em forma de câmera gravadora e registrar essa
determinada realidade, quando projetada para a web, as dimensões imaginativas na
cibercultura se esgarçam, ampliando-se para múltiplas interpretações da teatralidade
dramática do social.
3.3. Canais de compartilhamento e as indagações sobre o webdoc
O terreno internet é tão vasto que angular o trabalho foi tarefa árdua, e em
busca de uma variante para ele busquei, no canal Vimeo, um vídeo que tivesse
várias conexões para além da internet, como a atribuição de ter sido produzido em
vários lugares. Esse perfil foi encontrado na obra Restos, produzida pelo grupo
Teia27 de Minas Gerais e dirigido por Cristina Maure e Pablo Lobato.
O trabalho versa sobre o lixo em vários países do mundo – Brasil, França,
Cuba, Estados Unidos e Inglaterra. É feito em imagem de 35 milímetros, película
para cinema, produzido em 2003 e postado no Vimeo em 2010. A produção
brasileira participou de, pelo menos, 20 festivais e mostras, algumas em nível
internacional.
Embora o tempo do trabalho seja de 11 minutos, o internauta poderá ver
apenas um extrato de 2 minutos disponível no canal. Somente a parte do Brasil
aparece no extrato. Quando o internauta/espectador espera ver o trabalho dos garis
em outras cidades, o vídeo é cortado.
27
Disponível em: http://teia.art.br/
69
Entre os sons da madrugada e a agilidade dos garis, os restos de lixo
produzidos por uma cidade como Belo Horizonte vai ganhando os seus contornos.
Cinco câmeras mostram o que é descartado em Havana, Londres, Nova Iorque,
Paris e Belo Horizonte.
Figura 3. Título: Primeira imagem da obra Restos.
Fonte: Cristiane Maure e Pablo Lobato, 2003.
A primeira imagem revela a mão de um trabalhador recolhendo o lixo. No
outro plano, imagens de uma cidade movimentada com a inscrição – Belo
Horizonte/Brasil – demonstra a agitação dos seus moradores e a produção de muito
material, agora descartado.
Na tela, são meia-noite e quarenta e sete da madrugada e o serviço está a
todo vapor. O caminhão de coleta de lixo se movimenta, para em vários pontos. A
câmera está no alto de uma passarela de pedestres, como a observar a coleta do
que foi jogado fora pelos seus habitantes.
Outro plano evidencia que o serviço é denso; garis levantam as pesadas
sacolas de lixo. Os personagens do vídeo não têm tempo de encarar a câmera; ele é
escasso, é preciso prestar atenção no serviço para se coletar muito material pela
cidade de Belo Horizonte.
70
A câmera segue os trabalhadores, observa o tamanho do esforço desses
profissionais da madrugada, que estão sempre se movimentando. Os diretores
captam um plano interessante: no reflexo no espelho do retrovisor do veículo, dois
garis se arriscam em subir e descer do caminhão. A agilidade impera no trabalho
dos personagens como um traço a esboçar a complexa vida na metrópole.
A trinta segundos de acabar o vídeo, o caminhão vai para uma espécie de
local que recicla os materiais; entram duas imagens, uma ao lado da outra: enquanto
a cidade está acordada, movimentando-se em bicicletas e carros velozes, a
inscrição aparece – “e os restos continuam” - e o vídeo termina.
Figura 4. Título: Garis em avenida de Belo Horizonte.
Fonte: Cristiane Maure e Pablo Lobato, 2003.
Por ser um extrato de apenas dois minutos (o vídeo tem o total de 11
minutos), entrei em contato com os produtores para saber como poderia ver o vídeo
completo. Dias depois, um e-mail retornava com a resposta da diretora Cristina
Maure dizendo que, a princípio, todos os trabalhos publicados são em forma de
extrato dos filmes realizados. O interesse por parte do internauta/espectador em ver
todo o filme é realizado através do envio de um DVD com os custos da cópia e mais
o correio incluídos no valor de R$ 50,00. Essa é uma prática do grupo com o público
71
que se interessa pelas suas produções. De acordo com a diretora, essa dinâmica
ajuda a pagar os custos com a produção dos trabalhos realizados pelo coletivo.
Percebi que esta era uma das vias da descrição do meu trabalho. No
momento em que entro em contato com a diretora e vejo que a obra tem um custo
para ser liberada para quem quer vê-la completa, percebo que a internet também faz
com que os produtores independentes encontrem uma maneira de viabilizar o
investimento do trabalho através de um canal como o Vimeo.
O Vimeo, diferente do Youtube, pode ser considerado um canal onde se
encontram trabalhos mais elaborados, com imagens bem mais definidas, e por isso
é utilizado por muitos profissionais que vivem e compreendem o audiovisual, como o
coletivo Teia, de Belo Horizonte.
Por ser um site de compartilhamento de vídeo, os usuários do Vimeo, criado
em 2004, podem fazer upload dos trabalhos realizados. Há restrições para vídeos
comerciais ou com temas pornográficos. O canal não tem a mesma quantidade de
acesso que o Youtube, considerado mais popular.
A forma como os produtores de Restos compartilham os trabalhos é uma
maneira de se reinventar e nos leva a entender algumas questões vinculadas ao
comportamento dentro da web. A criatividade e a inventividade são ingredientes das
trocas estabelecidas no cenário atual.
Penso, com Manuel Castells (2003), que enxergar a internet como uma
ferramenta importante e estabelecer a criatividade como norte é um dos grandes
destaques para as grandes metrópoles, para as cidades conectadas, para tribos que
se organizam para pulverizar o trabalho e receber reconhecimento sem que, para
isso, seja preciso recorrer às grandes empresas de comunicação.
A era da internet chegou para que a arte possa construir grandes narrativas
ao mesmo tempo em que se recolhe aos temas locais. Expandir visões e políticas
através do que podemos chamar de Antropologia Visual.
72
3.4. Reflexão sobre Webdoc no Festival É Tudo Verdade
Outro trabalho que chamou a atenção está no Youtube, Webdoc Verdade,
que considero ser um metawebdocumentário, resultado de uma oficina ministrada
pelo cineasta Jorge Bodanzky no 16º Festival de Documentário É Tudo Verdade,
em 2011, no qual se discute o que é documentário para a internet. O vídeo
demonstra que ainda há muitas reflexões e nenhum apontamento para o que de fato
se enquadra como um documentário produzido para a web.
A proposta surgiu do coordenador do festival, Amir Labaki, que, a partir de
vários trabalhos apresentados para serem exibidos durante o evento com a temática
Novas Mídias e Tecnologia, convidou o cineasta Bodanzky para realizar a oficina.
Da oficina ministrada em abril de 2011, pelo menos 15 vídeos foram feitos
pelos participantes e todos estão inseridos no canal Youtube28, para dialogar sobre –
o que é webdoc? E se existe um formato de filmes documentários para a internet.
O vídeo Webdoc Verdade busca metalinguagem com a proposta de ir para a
rua, a fim de captar depoimentos que ajudem a refletir sobre o conceito de webdoc.
Em alguns planos, a edição do documentário é apresentada por duas telas
paralelas, mostrando cenas da oficina e dos alunos. Em uma das imagens,
Bodanzky diz que a oficina será de um diálogo aberto entre os participantes, já que
ainda não sabe se realmente existe um formato de vídeo feito para a web.
Apesar de ter vários entrevistados, não há no vídeo legenda com nomes de
quem oferece o depoimento. Após as observações do palestrante, uma das alunas
da oficina diz que as mudanças de tecnologias são muito rápidas, fator
preponderante para iniciar o diálogo sobre o documentário e a web. Logo em
seguida, outro depoente diz que não havia pensado em fazer um vídeo
especificamente para a internet. Na sequência, outro aluno diz que o “futuro a gente
está buscando, tem que tentar entender o que está acontecendo e o que vai
acontecer”.
28
Vídeos disponíveis em: www.youtube.com/webdocverdade.
73
Planos abertos da oficina e a legenda “Depois de uma tarde cheia de conceitos, o
grande desafio: pegar uma câmera e sair por aí...objetivo: captar depoimentos que
ajudem a refletir o conceito de Webdoc”. No pano de fundo desta legenda, estão os
participantes utilizando câmeras portáteis como fotográficas e de celulares,
computadores e a legenda “Veja o resultado...”.
Figura 5. Título: Oficina sobre webdoc.
Fonte: Antenor Thomé, 2011.
Aos dois minutos de vídeo, aparece: “Webdoc é”. Na sequencia o primeiro
entrevistado diz: “Acho que não existe webdoc, acho que não existe documentário
para internet, feito para internet”. Para esse entrevistado, o documentário na web se
diferencia, por exemplo, da televisão, pela vivência do internauta em poder buscar
informações mais detalhadas sobre uma obra ou até mesmo construir o próprio
documentário.
Em seguida, aparece o primeiro plano de pessoas falando várias palavras
entre elas informação, cultura, internet, conhecimento, e encerra com “é tudo
mentira”. Outras imagens surgem, sem muita conexão com o tema.
74
Vários dispositivos tecnológicos como celulares, câmeras fotográficas e vídeo
surgem na tela com a voz off: “com um custo muito baixo, eu consigo produzir meu
conteúdo”.
O documentário tem três minutos e quarenta e oito segundos. Mostra vários
planos da oficina, e observa-se que muitos deles foram realizados com a tecnologia
de celular, adaptados, inclusive com microfone para melhor captação de áudio dos
entrevistados.
Figura 6. Título: Imagem do vídeo Webdoc verdade
Fonte: Antenor Thomé, 2011.
Webdoc Verdade não conclui o tema. Muitos entrevistados ainda estão em
dúvida sobre o que realmente é webdoc, outros afirmam que a internet é apenas um
terreno fértil no qual a possibilidade se expande muito mais do que em festivais ou
mostras.
O entendimento é que o gênero incorpora a tecnologia e isso transforma a
edição, a captação, a produção e amplia o campo de experimentação.
Para Jorge Bodanzky cada participante que realizou um vídeo na oficina
enxergou “o documentário de forma pertinente, de forma particular”, cada um
utilizando as suas ferramentas para captar asserções sobre o mundo. Através de um
celular ou de uma câmera fotográfica, a tecnologia portátil e de fácil manuseio
75
permitiu alto grau de comunicabilidade e interação na web através de cada
documentário. O vídeo encerra com imagens de todos os participantes da oficina.
É interessante pontuar através deste documentário descrito que o
crescimento de trabalhos documentais na web pode ser traduzido pela pesquisa
realizada pela Interactive Advertising Bureau29, a IAB Brasil. O resultado demonstra
que, no primeiro trimestre de 2012, a internet se consolidou como a segunda fonte
de informação buscada pelos brasileiros, perdendo apenas para a TV aberta. Com a
convergência e o acesso da população, em pouco tempo, esse cenário vai se
modificar, tornando a internet o grande terreno da busca de informação e
compartilhamento do saber.
A internet corresponde a 11,98% do mercado. Sua penetração no Brasil, no
primeiro trimestre de 2012, é de 82,4 milhões de usuários, segundo a empresa que
realizou a pesquisa. A internet é o grande espaço de faturamento. Somente nos
primeiros meses do ano, foram R$ 840 milhões, entre sites de busca e publicidades
através de banners.
Essa consolidação da internet faz com que o Youtube cresça em
popularidade no mundo inteiro. O canal YouTube é um site em formato Adobe
Flash30, um software de gráfico vetorial – apesar de suportar imagens bitmap e
vídeos, utilizado geralmente para a criação de animações interativas que funcionam
embutidas num navegador web. Fundado em fevereiro de 2005, por Chad Hurley,
Steve Chen e Jawed Karim, o Youtube alcançou expressivo reconhecimento em
apenas um ano após o seu lançamento, sendo considerado um fenômeno e se
tornando popular em mais de 50% do mercado mundial com mais de 100 milhões de
vídeos postados por dia31. Tamanha popularidade é dada à facilidade de hospedar
qualquer vídeo, basta o usuário ter um mínimo de conhecimento de internet para
manusear o site e hospedar filmes, videoclipes e vídeos caseiros. Através do
29
Disponível em: http://www.iabbrasil.org.br/indicadores/Indicadores-de-Mercado-IAB-Brasil.pdf.
30 Com a inovação tecnológica, o Adobe Flash vai sendo desenvolvido, possibilitando que vídeos com
maior definição sejam hospedados no site.
31 Fonte: 7 THINGS YOU SHOULD KNOW ABOUT YOUTUBE.
Disponível em: http://net.educause.edu/ir/library/pdf/ELI7018.pdf acesso em: 21 de Jun. 2010.
76
sistema de Interface de Programação de Aplicativos (APIs), o usuário pode
disponibilizar seu vídeo em blogs e sites pessoais.
O canal foi eleito em 2006 pela revista Time como uma das melhores
invenções dos últimos tempos; o Youtube mudou o conceito de participação de
cidadãos com o audiovisual.
O canal se tornou popular e estimula o jargão “faça você mesmo”, quando o
usuário pode utilizar as ferramentas muito acessíveis e compartilhar as ideias ou
puramente entreter.
Até mesmo a televisão aberta, para não ficar fora da experiência vivida por
milhares de pessoas todos os dias, também utiliza vídeos de internautas para se
pautar no dia a dia. A internet fez com que imagens e, principalmente, as que estão
em movimento sejam observadas e vivenciadas no cotidiano das pessoas.
No mundo contemporâneo, a grande força de trabalho não depende somente
do esforço físico, mas da força de invenção, o centro do valor agora é imaterial. O
Youtube é prova disso: quanto mais acesso uma obra de arte tem, quanto mais
compartilhamento entre os usuários, mais valor ela produz.
Outro ponto é que a questão da autoria é sempre levantada como uma
incógnita. O internauta/espectador pode ser o produtor e controla seu próprio texto
a partir das imagens disponíveis na web. A diversidade do público, em termos
étnicos, sexuais, geográficos, culturais e sociais, enfim, pode manipular a
informação, explorando de forma ativa páginas de hiperlink e executando outros
atos, como se apropriar do que o ‘outro’ realizou para transformar em proposta
diferente da anterior.
A atuação da World Wide Web na contemporaneidade é de criar
oportunidades para a produção, distribuição e exibição de documentários
independentes. Pressuponho que a noção de webdoc justamente fomenta novas
formas criativas digitais que incorporam e transformam elementos da estética do
documentário.
77
3.5. Cidades Visíveis e a utilização de novas possibilidades através do
sistema digital
Antes de optar pelo trabalho Cidades Visíveis, houve o questionamento se
realmente a escolha se tratava de um documentário. O interessante é que o projeto
foi inserido no Programa Rumos Itaú Cultural e qualificado por três examinadores,
Consuelo Lins, Joel Pizzini e Beto Magalhães, que compunham a banca de
avaliação e julgavam se as produções enviadas pelos realizadores se tratavam de
uma obra documental para a internet.
Cidades Visíveis tem uma proposta tão diferente que me fez enviar vários e-
mails para todos os examinadores do projeto, a fim de que eles pudessem me
fornecer dados e perspectivas do porquê entraram em consenso de que a obra se
tratava de um documentário e não de uma instalação na web ou um videoarte.
Porém não obtive sucesso, já que os examinadores não abriram o diálogo sobre o
documentário realizado para a web.
A espera de meses por uma resposta e a falta de uma posição mais
conceituada por parte dos examinadores sobre o que estava sendo questionado me
fez entender que a estrutura da base do documentário, quando se alia à internet,
está ainda sendo desenhada, com suas nuances e formas que talvez jamais se
esgotem pelas novas possibilidades digitais que sempre surgem.
Outro meio de buscar informações sobre o trabalho foi entrar em contato com
os realizadores da obra, a fim de obter respostas de como foi pensado o trabalho.
Quem é responsável pelo resultado da obra é o grupo Lat-23, formado pelos
brasileiros Cláudio Bueno, mestre em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo
(Usp); Denise Agasse, doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP;
Marcus Bastos, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, e pelo espanhol
Nacho Durán, que desenvolve projetos em várias linguagens digitais, como o
conceito de microcinema. Porém não houve retorno por parte de um dos integrantes
do qual foi localizado o e-mail.
78
Mesmo sem informações por parte dos realizadores, a análise do trabalho
pareceu pertinente, já que há que considerar que tem uma linha diferente do que foi
observado nos trabalhos anteriores.
Figura 7. Título: webdocumentário Cidades Visíveis
Fonte: Grupo Lat23, 2010.
Cidades Visíveis tem duas vias de ser observada: a primeira pelo seu site32
que, até o final de 2011, mostrava as imagens. Porém, desde o início de 2012, o site
com a proposta do documentário não apresenta mais o projeto. Mesmo tendo o
contato do grupo e enviado o questionamento da razão de não aparecerem as
imagens, não obtive resposta em seis meses de tentativa.
O entendimento é que o projeto foi apresentado apenas para o Rumos Itaú
Cultural, no qual o webdocumentário se apresenta como obra efêmera. Há também
uma instalação como desdobramento do trabalho realizado pelo grupo Lat-23. Existe
um vídeo no canal Vimeo33 sobre o webdocumentário e a instalação Cidades
Visíveis.
32
Disponível em: http://lat-23.net/cidades_visiveis/.
33 Disponível em: http://vimeo.com/16435792
79
Descrever a obra é, sem dúvida, um desafio, já que a edição é via tags e cada
vez que começa o documentário, outra lógica de imagens aparece, desfazendo a
sequência anterior.
O que pode ser observado são imagens de vários lugares do mundo inteiro.
Ora podemos ver um grupo tomando banho em uma piscina. Depois, surgem
imagens de carros em uma avenida movimentada. Um céu nublado. Barcos em um
porto. Imagens de uma praia. Uma rua sem movimento, com grandes casas. Uma
oficina mecânica. Câmeras em muitos lugares e o internauta observa tudo através
de uma tela.
O documentário explora procedimentos possíveis apenas quando inserido na
internet, porque são utilizados dispositivos, como tags e cruzamento de dados para
deixar em sequências as imagens.
O trabalho procura subverter a lógica da filmagem e edição do cinema
convencional. Quando o internauta entra para ver Cidades Visíveis, é possível ver
várias sequências do mesmo filme a cada 8 minutos, tempo de duração da obra.
Cada vez que o espectador/internauta clica no play, uma nova lógica da formação
de imagens aparece. Pelo que se pode perceber, há tantas combinações de tags e
cruzamentos de dados que permitem a formação de centenas de combinações
possíveis de um mesmo trabalho audiovisual.
O webdocumentário é formado por várias imagens de webcams ou câmeras
de segurança espalhadas pelo mundo inteiro. Em alguns momentos, mosaicos de
imagens de vários lugares aparecem em tempos diferentes do dia, contrariando a
lógica da edição temporal.
A explicação prévia sobre o trabalho indica que as imagens de webcams que
formam vários vídeos foram distribuídas em categorias e mapeadas por palavras-
chave ou tags.
Quando o internauta aciona o play, o sistema do site escolhe os vídeos de
forma aleatória. Isso é permitido porque a tecnologia digital oferece esse dispositivo
de reformular o que vai ser assistido.
80
As combinações feitas por múltiplos tags e várias palavras-chave, que não
são visíveis para o usuário, faz com que se criem diferentes sentidos para a obra
que está sendo exibida.
Para o pesquisador Phillippe Quéau (1999), do Instituto Nacional do
Audiovisual na França, “a imagem digital graças à sua natureza numérica e
simbólica (no sentido matemático do termo) torna possível todos os tipos de
mediação entre linguagens formais e representações sensíveis”.
Figura 8. Título: webdocumentário Cidades Visíveis
Fonte: Grupo Lat23, 2010.
O estudioso indica que, ao entrarmos para a lógico do 0 e 1 dos computadores,
amplia-se o leque de imaginações utilizáveis no ciberespaço. As representações
começam a fazer parte de um texto completamente dirigível, como uma hiper-
realidade do mundo.
O computador como importante ferramenta para explorar esses universos de
imagens “não é uma simples ferramenta, mas uma metamáquina, que representa
mundos virtuais em direção da perspectiva da interação dramática” (LEMOS, 2008,
p. 112). Nesse ponto, Cidades Visíveis apresenta as perspectivas de vários mundos
inseridos na virtualidade da imagem.
81
A importância cultural da imagem como forma funcional e sua relação com a
representação no campo da virtualidade ganha destaque com o estudioso Jean-
Louis Weissberg (1999, p. 118)
Falta-nos palavras para designar essa situação em que a imagem não é mais representação, mas presentação, simplesmente, em que a imagem não é mais figurativa, mas também funcional, em que ela tem como lastro um coeficiente de realidade reencontrando por novos caminhos sua eficácia primeira.
Ainda sobre a representação, os realizadores sugerem que o documentário
Cidades Visíveis evidencia um campo interessante da internet: “a incapacidade de
enxergar as coisas de modo completo”. Para os produtores, a web se caracteriza por
ser um lugar de presença remota, de várias fraturas e interrupções.
De acordo com Edmund Couchot (1999), ao utilizar a codificação numérica,
como é o caso de projetos documentais realizados para a internet, elas controlam
todas as imagens de forma automática porque, ao se transformarem em operação
numérica, as possibilidades de serem tratadas, difundidas, conservadas,
manipuladas e registradas são grandes.
Ao utilizar vários mecanismos para montar o documentário, o grupo Lat-23 faz
a hibridação e insere instalação, documentário, e imagens de webcams para chegar
ao resultado pretendido. Além disso, redefine a edição, já que o internauta sempre
tem uma nova perspectiva sobre as imagens que estão sendo expostas.
Sobre como os produtores-artistas introduzem o trabalho na hibridação do
universo simbólico do audiovisual, utilizo uma observação de Edmund Couchot
(1999, p. 47):
Hibridação enfim entre o pensamento tecnocientífico, formalizável, e o pensamento figurativo criador, cujo imaginário nutre-se num universo simbólico da natureza diversa, que os modelos nunca poderão anexar. Desta forma, a ordem numérica torna possível uma hibridação quase orgânica das formas visuais e sonoras, do texto e da imagem, das artes, das linguagens, dos saberes instrumentais, dos modos de pensamento e de percepção. Esse possível não forçosamente provável: tudo depende da maneira pela qual especialmente os artistas farão com que as tais tecnologias se curvem a seus sonhos.
82
Os simulacros estão presentes em várias épocas e gerações, mas para Jean-
Louis Weissberg (1999) o tempo de agora é caracterizado pelo efeito particular de
entidades híbridas nascerem, situadas entre o que é real (segundo o modo do
objeto) e o que não é (segundo o modo de representação).
Por esta razão, Cidades Visíveis levanta o fato de como encarar o fenômeno
de novas linguagens derivadas do uso da informática no campo da arte.
A aparição de um espaço ficcional autônomo com o surgimento do cinema e de seus derivados óticos eletrônicos certamente reforçou esse movimento (de naturalização tecnológica da imagem) constituindo, com a tela, um universo independente no qual se encarna o imaginário visual (WEISSBERG, 1999, p. 117).
Com o documentário inserido nesse mecanismo, a informática apodera-se de
funções de visualização que subverte as regras mais comuns. Segundo Weissberg
(1999), isso acontece porque a tecnologia telemática consegue trabalhar “o elo que
liga a imagem ao objeto pelos dois lados”.
Confirma-se mais uma vez que, a tecnologia e as ferramentas da internet no
documentário propõem a redefinição, por meio da engenharia informática da
simulação, das noções de imagens, objeto e espaço perceptivo.
Cidades Visíveis mostra a trama organizada via dispositivos digitais em que
várias possibilidades estão surgindo; quando a Cibercultura apresenta essas várias
formas de se comunicar e fazer a comunicação impulsionar nos cabos de fibra ótica.
André Lemos (2008) observa que a cultura e o saber vão passar por um
processo de negociação e distorção que impulsiona para outras apropriações de
ideias e posições, de reformulação da informação planetária.
O trabalho do grupo Lat-23 demonstra que o documentário se adaptou de
forma dinâmica às possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias. Uma nova
geração de documentaristas, assim como um público antenado na prática
audiovisual, utilizam câmeras portáteis e de fácil manuseio para capturar o mundo
histórico-social através de abordagens inovadoras. Isso está transformando
aspectos da cultura do documentário, evidenciado não apenas por Cidades Visíveis,
mas por milhares de documentários que estão inseridos na internet.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelas observações realizadas através da pesquisa sobre o documentário na
contemporaneidade, é importante reconhecer que se torna impossível tecer
conclusões sobre o objeto estudado. Todavia, pensar o documentário e suas
particularidades, mesmo que ainda seja um estudo incipiente, faz-me refletir que o
gênero possibilita, a partir da disseminação das novas tecnologias, que as
linguagens sejam um campo em expansão.
A incompletude do trabalho reforça o entendimento que ainda há
transformações ocorrendo e que essas não irão cessar. Nesta perspectiva, concordo
com o pesquisador Arlindo Machado (2011) quando afirma que, no momento em que
o documentário tradicional incorpora a alta tecnologia, deve-se pensar numa
mudança da teoria do gênero que ainda está sendo construída. Dada a efemeridade
dessa tecnologia, dificilmente haverá desfecho para esse aporte teórico do
documentário na internet.
Como o campo ainda está aberto, traço algumas linhas de fuga sobre as
observações através dos conceitos apresentados e das descrições dos trabalhos.
Como observado no documentário Webdoc Verdade, existe muitas dúvidas
sobre o documentário na web e seu conceito. Alguns afirmam que a internet é
apenas um terreno fértil no qual a possibilidade se expande muito mais do que em
festivais ou mostras, mas que não há diferenças a ser apontadas do documentário
tradicional; outros vão tratar o documentário contemporâneo como um campo aberto
de experimentalismo distendido.
A proliferação de aparelhos de tecnologia que permitiram um alto grau de
trocas de imagens e exposições produzidas através de celulares, câmeras
fotográficas, webcams e o acesso a equipamentos profissionais foram fatores
primordiais para a mudança na base cultural do documentário. A produção passou a
ter níveis altíssimos de trocas e interações através da web.
Outro fator é a expansão das linguagens no gênero documentário. O
experimentalismo sempre esteve presente na produção de documentários, mas,
84
com as novas tecnologias, percebo que as interconexões se fazem com muito mais
facilidade, como é o caso do vídeo Cidade Visíveis.
Cidades Visíveis mostra a trama organizada via dispositivos digitais em que
várias possibilidades estão surgindo, quando a Cibercultura apresenta essas várias
formas de se comunicar e fazer a comunicação impulsionar nos cabos de fibra ótica.
Neste sentido, é importante a posição de Phillippe Quéau (1999) do Instituto
Nacional do Audiovisual na França, quando diz que “a imagem digital graças à sua
natureza numérica e simbólica (no sentido matemático do termo), torna possível
todos os tipos de mediação entre linguagens formais e representações sensíveis”.
A nova base dessa cultura, proporcionada pela Cibercultura, é ampliar as
plataformas digitais que promovam a participação, colaboração, interação textual e,
de certa forma, rever o conceito da democracia quando se tem acesso às redes, e
está diretamente ligada à organização de grupos que saem da passividade para a
produção de conteúdos expressivos e que pretendem atingir uma finalidade.
Entre todos os documentários apresentados, certamente Cidades Visíveis se
descola do tradicionalismo dos três primeiros documentários. É um trabalho que
utiliza o viés plástico-imagético das artes, e o construtivismo na forma da sua edição.
Já os outros documentários são mais tradicionais. O Som do Tempo tem a
tonalidade lírica dos documentários poéticos, há uma sensibilidade do sujeito-da-
câmera que provoca um despertar para as mudanças da relação entre o homem e
seu o habitat. O documentário Restos também está na mesma tradição dos
observados anteriormente. O que vai mudar é a interação na distribuição da obra
que é apresentada apenas como um extrato para o internauta assistir.
A tecnologia condiciona a produção de muitas cópias, produção esta existente
há décadas, mas que agora ganha projeção imensurável através do fenômeno
técnico. Há sempre uma imagem para revelar uma determinada visão sobre o
mundo, uma determinada atualização que se apresenta.
A tecnologia digital, por assim dizer, permite que a teatralidade social, os
dramas do cotidiano, seja amplamente explorada. Com a utilização vertiginosa dos
aparatos tecnológicos, o alto grau de comunicação, sem dúvida, passa pelo
audiovisual. As possibilidades de denominação do documentário é revista com o
85
meio digital. Arlindo machado (2011) sugere a mudança da nomenclatura, já que
uma nova maneira de se produzir, distribuir e exibir está posto.
Com o esgarçamento das produções, a base da cultura do documentário se
renova. Contudo, esse cenário está sendo construído a partir de antigos conceitos
que ainda direcionam o fazer documental, um fazer cada vez mais presente no
cotidiano, na socialidade humana.
Na cidade polifônica, a criatividade cultural é o grande produtor do imaginário;
os documentários estão inseridos nesta grande fábrica de produção. Para Pierre
Lévy (1996), as mídias audiovisuais do século XX (rádio, TV, filmes) participaram da
emergência de uma sociedade do espetáculo que subverteu as regras do jogo tanto
na vida política quanto no mercado, economia da informação e da comunicação.
Agora, passamos para a sociedade da simulação.
De acordo com a pesquisadora portuguesa Manuela Penafria (1999) a
evolução digital trouxe aos documentaristas um esforço para compreender e
acompanhar as capacidades técnicas disponíveis. Isso os obriga a ficar atentos com
novos suportes para sempre recriar o gênero documentário.
O que estamos vivendo com a digitalização e novos formatos do
documentário, como bem avalia o pesquisador Arlindo Machado em recente artigo
publicado no final de 2011, é que, atualmente, existe uma expansão do conceito de
documentário.
Para Machado (2011), o cenário é complexo: “levantamos alguns dos mais
proeminentes desvios que esse formato audiovisual experimentou nos últimos anos:
o documentário híbrido, o falso documentário, o metadocumentário, o documentário
sonoro, a animação documental e o documentário machinima”.
Com tantas influências, hibridismo e interconexões de mídias, o gênero
amplia a sua função em retratar uma determinada história do mundo. Não há pureza
em nenhum documentário, muito pelo contrário, há sempre um meio termo entre o
que é um documento e o que faz parte de uma imaginação.
Na verdade, o documentário puro nem é desejável, pois seria algo insípido, incolor e inodoro, além de inútil, e [...], a própria noção de documento depende de um engajamento da parte de quem lida com ele. (MACHADO, 2011, p. 10).
86
Na esteira da cibercultura, onde o pós-moderno se desenvolve cada vez mais,
os documentários estão cada vez mais se intitulando como experimentais. Não por
acaso, o tema ‘linguagens expandidas’ do Rumos Itaú Cultural propõe a criação de
documentários sem amarras.
Mas, para Arlindo Machado, a questão dos “documentários experimentais”
requer pensar uma dupla negação: a negação do próprio documentário e a negação
da ficção, para dizer que no conceito do documentário atual, existe uma ampliação
do olhar, talvez ocasionado por uma desordem da interconexão mundial, onde a
comunicação todos-todos causa outro efeito na dinâmica do documentário e
principalmente no saber.
Porém, na veia da pós-modernidade, concordo com Fernão Pessoa Ramos
(2008) ao afirmar que muitos documentários contemporâneos são obras “limítrofes
em sua órbita”, nas quais todas as possibilidades devem ser acolhidas e olhadas
com atenção, sempre observando o gênero como um campo em expansão.
Realizadores se lançam para o fazer documental e transformam a realidade
do que antes era considerado um gênero marginal. Agora, o documentário ganha
um espaço maior dentro do cotidiano dos internautas. Além disso, fazer uma obra é
ter exposto um pensamento; é também utilizar o espaço da web para trocas; é
informar através da escrita audiovisual.
87
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90
http://vnweb.hwwilsonweb.com.ez52.periodicos.capes.gov.br/hww/results/external_li
nk_maincontentframe.jhtml?_DARGS=/hww/results/results_common.jhtml.44.
Acesso em: 29 de abr. de 2011
MACHADO, Arlindo. Filme-Ensaio. Revista Intermídias, ano 2, n. 5, 2006.
Disponível em: http://www.intermidias.com/txt/ed56/Cinema_O%20filme-
ensaio_Arlindo%20Machado2.pdf. Acesso em: 03 de jun. 2011
PENAFRIA, Manuela; MADAÍL, Gonçalo. O Filme documentário em suporte digital.
Universidade da Beira Interior, 1999. Disponível em:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/madail-penafria-digital.pdf. Acesso em: 16 de mar. 2012.
REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS
O Som do tempo. Direção: Petrus Cariri. Ceará: Rumos Itaú Cultural, 2010. (8min.),
Digital, son., color. Disponível em:
http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2787&id=001768&titulo=O%20S
om%20do%20Tempo&auto=undefined
Restos (Remains). Direção: Cristina Maure e Pablo Lobato. Brasil, Cuba, EUA,
Inglaterra e França. 2003. (11min.), Dolby Digital 5.1, 35mm, son., color. Disponível
em: http://vimeo.com/12005874?ab
Webdoc Verdade. Direção: Paulo Castilho. São Paulo: Festival É Tudo Verdade,
2011. (aprox. 4min), Digital, son., color. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=Bu7gIxBQD2I
Cidades Visíveis. Direção: Cláudio Bueno, Denise Agassi, Marcus Bastos e Nacho
Durán. São Paulo, 2010. (4min), Digital, son., color. Disponível em:
http://vimeo.com/16435792
91
ANEXO
Destaques da pesquisa webdoc realizada em 2011/2012 – Vimeo | Youtube |
Rumos Itaú Cultural
http://vimeo.com/20288667 - Negra Jhô
http://vimeo.com/22052448 - Dança Burlesca // Burlesque Dance
http://vimeo.com/22920228 - Barbearia 9 de Julho
http://vimeo.com/22927400 - Haters and skills
http://vimeo.com/22783584 - Loja Amores
http://vimeo.com/2544740 - Feature Doc - Caminhoneiros
Documentário Seleção Oficial da 31ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Co-Direção de Patrícia Oriollo, Juarez Malavazzi e Rodrigo Meirelles.
http://vimeo.com/6613278 - FEATURE DOCUMENTARY
by juarez malavazzi jr.
sao paulo - brazil
juarezmalavazzi.com
photographer, filmaker, storyteller
http://vimeo.com/13681132 - Webdoc Das Kapital Parte 1
Captação e montagem no primeiro episódio do webdoc Das Kapital, onde a banda Capital
Inicial conta detalhes do processo de produção do disco homônimo, entremeados por cenas
de turnê e estúdio dos últimos 6 meses.
http://vimeo.com/11001192 - CUCETA - A Cultura Queer de Solange Tô Aberta
Um documentário de Cláudio Manoel
sinopse:
Webdocumentário focando os bastidores do show, idéias e a filosofia queer do duo Solange
tô Aberta. Seriedade, sarcasmo, ironia, anarquia e cultura gay. A defesa do corpo livre, sem
formato social. O webdoc intercala entrevistas com trechos do shows.
ficha técnica:
Depoimentos de Paulo Belzebitchy e Pedro Costa; Direção e Fotografia de Cláudio Manoel
92
Participações dos djs Môpa (estúdio) e Adriana Prates (live); Montagem de Wallace
Nogueira; Finalização da Vogal Imagem; Apoio de Necas Produções; Gravado com
handycam.
Duração: 13 minutos
claudiomanoel.wordpress.com
http://vimeo.com/11001015 - Johnny Star, performer
Miniwebdoc com o performer Johnny Star. Camera, edicao de Claudio Manoel. Gravado em
handycam.
http://vimeo.com/11295664 - Carlos Moliterno (depoimentos) - poeta alagoano
As idéias de um dos mais consagrados poetas alagoanos Carlos Moliterno (em memória)
sobre arte, amor, poesia...Vídeo produzido por Arla Coqueiro e Cláudio Manoel, em Maceió -
Alagoas, gravado em dezembro de 1996 (editado 1999). Autor da letra do Hino de Maceió,
foi o criador da grande obra A Ilha, composto de 59 sonetos em versos brancos. Alem de
poeta, era jornalista, crítico literário e foi, por seis mandatos, presidente da Academia
Alagoana de Letras.
http://vimeo.com/13257824 - Caretas de Saubara
Manifestação popular nos domingos de julho na cidade de Saubara, no Reconcâvo Baiano,
Bahia, Brasil. Garotos usam máscaras, roupas em trapos e folha de bananeira, como saia.
Saem nas ruas em grupos em algazarra. Essa manisfetação tem inspiração nas Caretas do
Mingau, que reune nas ruas (na madrugada do 1º para o dia 2 de julho) mulheres , "vestidas
de branco e com os rostos cobertos, se reúnem para percorrer as ruas da cidade
distribuindo mingau, bebendo licores e fazendo a maior algazarra do mundo. Dona Maria da
Cruz Santos, de 84 anos, lidera a brincadeira que relembra o papel importante das mulheres
do então distrito da Freguesia de São Domingos de Saubar".
(fonte: reconcavo.wordpress.com/2010/06/13/3-caretas-do-mingau/)
http://vimeo.com/12005874?ab - extrato do filme 'restos' doc 35mm
Vaca Amarela - sitiodavaca.com
A Vaca Amarela é uma produtora multimídia que realiza e produz projetos independentes e
autorais e presta serviços na realização de filmes e vídeos documentários, experimentais,
ficções e institucionais, música, animação, ilustração, website, design gráfico, autoração de
DVD e fotografia.
93
composta por: bruno crepaldi _ designer gráfico e DJ nas horas vagas, desenvolve projetos
de webdesign e gráfico há 11 anos e faz alguns experimentos na área audiovisual. Formado
pela Escola de Design - UEMG, em Belo Horizonte.
cristina maure _ Artista plástica e realizadora. Estudou na Escola Guignard_UEMG, onde se
especializou em fotografia. Há 11 anos pesquisa e realiza trabalhos audiovisuais.Seus
trabalhos já foram exibidos em festivais e mostras, nacionais e internacionais.
robert frank _ Cantor e guitarrista da banda Pelos de Cachorro, ilustrador, animador e
finalizador. Realiza e contribui com trabalhos audiovisuais há 7 anos. Mora em Belo
Horizonte mas é apaixonado pelo mar.
http://www.sitiodavaca.com/documentario.php
outros documentários do sitio da vaca
Rio de Mulheres 20'47" | 35mm| cor | 2009 | Brasil
Direção | Produção: Cristina Maure e Joana Oliveira
Produtora: Vaca Amarela
Sinopse: Em uma região muito seca, onde a água é escassa, mulheres vivem somente entre
crianças e outras mulheres.
Restos
11'| 35mm| cor | 2003 | Brasil Direção | Produção: Cristina Maure e Pablo Lobato Produtora: TEIA Sinopse: Cinco câmeras, cinco cidades, uma noite e seus restos.
Testemunhos Sobre o Silêncio
Direção | Produção: Cristina Maure, Henrique Rocha e Inácio Neves Produtora: Cinear Sinopse: Depoimentos de comerciantes do Mercado em Turmalina no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, sobre o silêncio.
94
http://vimeo.com/19489427 - São Roque de Minas_Serra da Canastra / by Vaca Amarela
Video realizado para o Projeto Cinema no Rio em 2009. O Cinema no Rio é um projeto que
exibe filmes nacionais em comunidades ribeirinhas do rio São Francisco, desde 2004.
Nesses quatro anos de existência, já levou o cinema a municipios dos estados de Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Projeto idealizado e com a coordenação de
Inácio Neves.
http://vimeo.com/17095404?ab - DOC. AVA Marandu / by pontãodeculturabrasilplural
ste documentário vai muito além do registro do projeto Ava Marandu-Os Guarani Convidam,
realizado de Janeiro de 2010 em Mato Grosso do Sul, traz os Guaranis falando da realidade
em que vivem e expressando sentimentos diante do contato com as possibilidades do
audiovisual e da fotografia no contexto da memória, da luta e da resistência à tentativa de
entinção. 4MIN.
10 maio de 2011
http://www.fluxusonline.com/2010/film.php?cod=37
Paulo Menten – Wagner Munhê – pelo Vimeo, mas não está disponível
http://vimeo.com/7554529 - Imagens Inscritas - Bruno Jorge
http://vimeo.com/9337908 - Vidas Amostras - documentary – Bruno Jorge
2012
http://vimeo.com/2545922 - institucional com características de doc na web
http://vimeo.com/25166875 - webdoc gentediferenciada : webdoc
http://vimeo.com/38664536 - o que é webdoc? vídeo feito entre o 1o e o 2o dia da
oficina de Web Doc realizada com Jorge Bodanzky, dentro do 16o Festival É Tudo
Verdade - Festival Internacional de Documentários de São Paulo (abril / 2011).
direção e montagem: Cristina Müller
http://vimeo.com/25687916 - La commune de Paris: bilan d'un webdoc
http://vimeo.com/8550542 - L'essor du Webdocumentaire (France 24)
95
http://vimeo.com/35763309 - Will Ryman WebDoc Ch6 - Final Night and a Look
Forward
http://vimeo.com/35891149 - Will Ryman WebDoc Ch2 - Martin and Past Works
http://vimeo.com/14212375 - la cité de verre
http://vimeo.com/38720032 - Mostra Ecofalante - Ativismo
http://vimeo.com/13915927 - Afonso Luz - Ativismo / Participante fala durante o
encontro Cultura e Pensamento: Juventude e Ativismo realizado em Belo Horizonte
entre os dias 1° e 7 de Agosto de 2010.
http://vimeo.com/13914199 - Poética
http://vimeo.com/36315174 - Teatro de Operações / O Coletivo Teatro de
Operações surge em 2009, a partir do interesse de jovens artistas recém desligados
do programa de extensão Teatro na Prisão (vinculado à UNIRIO), em investigar
formas de conjugar arte e ativismo micropolítico, usando o corpo como campo da
manifestação e a rua como território de intervenção. [email protected]
Metalinguagem – sobre documentário
http://vimeo.com/10636530 - Como fazer um argumento?
http://www.youtube.com/watch?v=Bu7gIxBQD2I - WEBDOC VERDADE YouTube
Oficina no Festival É tudo Verdade com Jorge Bodanzky
Youtube
http://www.youtube.com/watch?v=2lppbvRh_-Y - Tudo o que você sempre quis
saber sobre a Web 3 0 documentário ViuIsso Por Michel Lent (inglês)
http://www.youtube.com/watch?v=ImhK1QhmiOw&feature=fvsr - O Céu Nos
Observa / De: DanielLimaBR1 | Criado em: 07/12/2010
A proposta do documentário para web O CÉU NOS OBSERVA foi criar interferências
numa imagem da cidade de São Paulo captada por satélite. Através de ações
criadas por pessoas mobilizadas por uma chamada pública, o documentário propõs
uma discussão sobre a capacidade de interferir coletivamente nas estruturas de
96
controle e vigilância de escala global. Um processo poético de criação de "ruídos" na
representação da metrópole. Daniel Lima é bacharel em Artes Plásticas pela Escola
de Comunicação e Artes da SP (ECA/USP); desde 2001, desenvolve intervenções
e interferências no espaço urbano. Próximo de trabalhos coletivos, desenvolve
também pesquisas relacionadas a mídia, questões raciais e processos educacionais
em dois diferentes grupos: Frente 3 de Fevereiro (www.frente3defevereiro.com.br)
e olítica do mpossível (www.politicadoimpossivel.org).
http://www.youtube.com/watch?v=0n7SKRp9YcA – Petrus Cariry – Documentário
para Web.
Somente uma parte. Documentário sobre um dia na vida de dona Fátima, mulher do
sertão, e sua relação com os ruídos da cidade e de sua casa. Sua humilde
residência fica no meio da cidade grande, cercada de avenidas e grandes prédios. O
som e o espaço são os objetos temáticos deste filme que aborda uma questão social
pelo aspecto poético. Petrus Cariry é cineasta, nascido em Fortaleza. Dirigiu, entre
outros, os curtas A Velha e o Mar, Dos Restos e das Solidões e A Montanha Mágica,
premiados em festivais nacionais e internacionais. Em 2007, lançou seu primeiro
longa, O Grão. O filme recebeu 28 prêmios, aqui e no exterior. Atualmente, prepara
o longaClarisse ou alguma coisa sobre nós dois
Rumos Itaú cultural
http://lat23.net/cidades_visiveis/
Explorando procedimentos possíveis apenas na internet, esse webdocumentário procura subverter a lógica de filmagem e edição típicas do cinema mainstream. Cidades Visíveis propõe filmes potenciais, montados cada vez que o usuário clica no play. As imagens de webcams ao vivo e as de um conjunto de vídeos gravados são exibidas ao mesmo tempo. Esses vídeos são distribuídos em categorias, mapeados por palavras-chave, ou tags. No momento de exibição, o sistema do site escolhe os vídeos aleatoriamente. As combinações criam diferentes sentidos e aproximam lugares remotos. Os critérios de reunião permanecem invisíveis para o usuário. Segundo os produtores, "a web é um lugar de presença remota, espaços outros, fratura, interrupções. Não faz sentido um webdocumentário manter a lógica de embate direto com os objetos filmados. No nosso projeto, as sequências disparadas não se repetem nem podem ser previstas. É tudo um comentário sobre algo que a internet torna evidente: a incapacidade de enxergar as coisas de modo completo".O grupo LAT-23 desvela as camadas de vivência que ficam escondidas no cotidiano das cidades. Com o retrabalho de mapas, por exemplo, demonstra histórias, curiosidades e personalidades que transitam pelas
97
ruas sem deixar vestígio. Fazendo uso de mídias gráficas ou digitais, o LAT-23 fala da impossibilidade de se apreender a vida que nos circula em sua totalidade.
- visite o site oficial do coletivo Integrantes: Cláudio Bueno (site) é mestrando em Artes Visuais na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Seu trabalho investiga as questões do espaço no mundo contemporâneo, trabalhando com mídias móveis e locativas, net art, vídeo, entre outros materiais. Denise Agassi (blog / site) atua no campo da fotografia, videoarte e net art. É doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e mestre em Artes Visuais pela Faculdade Santa Marcelina (FASM) (2007-2009). Em 2010, foi selecionada como artista residente do Museu de Imagem e do Som (MIS). Marcus Bastos é doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e atua como professor nesta faculdade. Produziu de curtas-metragens a vídeos interativos, individual ou colaborativamente. Trabalhou como curador e tem textos críticos publicados em revistas e livros. Nacho Durán (site / oficinas) é espanhol e reside em São Paulo desde 2001. Desenvolveu projetos em várias linguagens, como VJing, design, programação, microcinema, net.art, entre outros. É fundador da empresa de produção multimídia Feitoamouse, e ministra oficinas e palestras no Brasil e exterior.
http://www.youtube.com/watch?v=veDZfejpbs8 – Satélite Bolinha
Bruno Vianna é mestre pelo ITP, programa de graduação da Tisch School, em Nova
York. Trabalha com cinema, instalações e meios portáteis. Dirigiu quatro curtas,
entre 1994 e 2003, e lançou seu primeiro longa, Cafuné, em 2006. Para suportes
portáteis, produziuPalm Poetry e Invisíveis. Satélite bolinha é o nome dado a um
grupo de satélites militares norte-americanos que, por ter acesso simplificado, foram
usados durante anos, ilegalmente, por brasileiros. Em março de 2009, o exagero na
comemoração de um gol de Ronaldo provocou um pedido americano à polícia
federal brasileira, que terminou na prisão temporária de 20 desses usuários [saiba
mais]. Com base no fato, o documentário cria uma estética audiovisual do ruído para
discutir tecnologia e liberdade de comunicação.