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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS REGIONAL-JATAÍ CURSO DE HISTÓRIA JOÃO MARCOS SALGADO DE MORAES A LITERATURA FICCIONAL DE C. S. LEWIS EM AS CRÔNICAS DE NÁRNIA E O DIÁLOGO COM SUA BIOGRAFIA.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

REGIONAL-JATAÍ

CURSO DE HISTÓRIA

JOÃO MARCOS SALGADO DE MORAES

A LITERATURA FICCIONAL DE C. S. LEWIS EM AS CRÔNICAS DE NÁRNIA E O

DIÁLOGO COM SUA BIOGRAFIA.

JATAÍ-GO

AGOSTO 2018

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INTRODUÇÃO

Esse estudo tem como o objetivo analisar o percurso feito por Clive Staples Lewis, na

construção da obra As Crônicas de Nárnia buscando entender de que maneira o contexto histórico

que estava inserido esse sujeito o influenciou na sua escrita.

As Crônicas de Nárnia compõem uma coleção de livros, sete no total escritos em inglês

durante os anos de 1949 a 1954. Cada livro remete a uma história diferente conectadas em um

enredo coerente: O sobrinho do mago que narra as aventuras de Digory e Polly, dois adolescentes

que após colocarem anéis mágicos são transportados para um mundo vazio que depois se

transforma em Nárnia; O leão, a feiticeira e o guarda-roupa narra a história dos irmãos Pevensie:

Pedro, Susana, Lucia e Edmundo que, ao entrarem em um guarda roupa, são transportados para

Nárnia onde ajudam o leão Aslam a derrotar a Feiticeira Branca, tornando-se reis e rainhas nesse

mundo; O cavalo e seu menino narra a história do escravo Shasta e do seu cavalo falante, Bri. Ao

fugirem para Nárnia, no meio da jornada, descobrem o plano dos Calormanos para destruí-la,

contando aos reis tornam-se heróis; O príncipe Caspian narra a volta dos irmãos Pevensie a Nárnia.

Eles lutam ao lado de Caspian para recuperar seu trono que lhe foi usurpado pelo seu tio Miraz; A

viagem do Peregrino da Alvorada trata da busca do, agora, Rei Caspian pelos sete fidalgos que

foram exilados do reino de Nárnia por seu tio Miraz. Nessa trama os personagens principais são

Eustáquio, Lúcia e Edmundo que dessa vez são transportados para o mundo de Nárnia através de

um quadro; A Cadeira de Prata é o penúltimo livro de As Crônicas de Nárnia. Conta a história de

Eustáquio, Jill e Brejeiro que vão atrás do príncipe herdeiro de Nárnia que havia desaparecido há

muitos anos no Reino Profundo; por fim, em A última batalha a história se baseia na presença de

um falso Aslam que faz com que os animais mágicos de Nárnia sejam escravizados. Este livro

contém a presença de quase todos os protagonistas dos livros anteriores, e trata do fim dos heróis

da trama e do fim de Nárnia.

As Crônicas de Nárnia é um clássico da literatura, figurando entre as obras literárias mais

bem-sucedidas de todos os tempos com mais de 120 milhões de cópias vendidas em todo o mundo,

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e foi traduzida para 41 idiomas. É uma leitura prazerosa capaz de atingir um vasto público.

(BLESSS, 2016).

Na obra em análise é possível perceber a presença de vários elementos como o uso da fantasia,

da magia, além de abordagens que remetem a histórias nórdicas, à mitologia grega e temas

relacionados a história cristã. (DUARTE, 2015). O imaginário construído na literatura de Lewis

torna a sua obra muito atrativa para o público leitor infanto-juvenil.

Clive Staples Lewis foi um especialista em Língua e Literatura Inglesa e um notável professor

e crítico literário. Além de ter se tornado titular da cadeira de Literatura Medieval e Renascentista

da Universidade de Cambridge, ele também foi indicado para a Academia Britânica em 1955, que

consistia na marca suprema de distinção para qualquer membro das Ciências Humanas,

demonstrando a grande reputação intelectual que adquiriu entre os seus pares (MCGRATH, 2013).

Conhecedor da literatura medieval e renascentista ele conseguiu encontrar as palavras certas

para construir uma narrativa imaginativa que se tornou uma das obras mais lidas e conhecidas do

século XX. Mais de cinquenta anos após a sua morte Lewis continua sendo, um dos autores mais

influentes da literatura tendo sua obra alcançado também o mundo do cinema.

Entretanto, C. S. Lewis não ganhou apenas notoriedade por sua habilidade escrevendo livros

infanto-juvenis. Em sua fase adulta, abandona o ateísmo e se converte ao cristianismo tornando-se

um apologista cristão. Seu intuito, a partir daí, asso a ser o de mostrar sua visão do poder intelectual

e imaginativo da fé cristã, que ele considerava racional e irresistível. Muitas vezes, se utilizando

da ficção para que seus leitores contemplassem suas ideias filosóficas e teológicas. Sua obra

Cristianismo Puro e Simples foi, muitas vezes, colocada como a obra religiosa mais influente do

século XX (MGRATH, 2013).

No início da década de 1970, o interesse pela vida e literatura de Lewis voltou a florescer a

partir da compra dos direitos das obras do autor pela William Collins & Sons. E, assim, juntamente

com Walter Hooper que tinha sido secretário de Lewis, em 1963, publicaram vários ensaios de

Lewis que Hooper tinha acesso, trazendo uma nova perspectiva dos leitores sobre Clive Staples

Lewis (MCGRATH, 2013, p. 380).

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Por fim, Walter Hooper editou, entre 2000 e 2006, três mil e quinhentas de correspondências

de Lewis. Isso permitiu que o conhecimento sobre o autor crescesse bastante e que esses

documentos servissem de fontes para várias biografias que foram escritas sobre ele. Além disso,

várias organizações com o intuito de preservar a memória e o legado de Lewis foram abertas nos

Estados Unidos. (MCGRATH, 2013).

Deste modo, podemos perceber o quanto C. S. Lewis continua atual e influenciando cristãos,

amantes de literatura da fantasia e também daqueles que buscam obras de caráter mais acadêmico,

filosófico ou teológico.

Sabendo que todo sujeito histórico é recoberto por estereótipos, dogmas e verdades geradas

no seu tempo, buscaremos entender de que maneira o mundo que rodeava Lewis o influenciou na

escrita de As Crônicas de Nárnia e nas representações religiosas contidas nessa obra de ficção.

Esse trabalho baseia-se na perspectiva da História Cultural. A História Cultural ganhou força,

principalmente, a partir das últimas décadas do século XX. Diferente de uma história voltada para

heróis e documentos oficiais, a História Cultural privilegia temas como a cultura popular, a cultura

letrada e as representações, além das práticas discursivas que são partilhadas por diferentes grupos

sociais (BARROS, 2005).

Nesse sentido, busca-se uma explicação da sociedade voltada não apenas para as elites, mas

também para as massas, e traga uma “verdade” mais completa sobre determinado tempo histórico.

(BARROS,2005).

Essa soma de objetos culturais que vão além da cultura letrada, ou seja, das obras feitas pelas

elites, faz com que a História Cultural seja mais rica. Sua perspectiva sobre o popular acrescenta

elementos da vida cotidiana e aumenta a quantidade de sujeitos históricos participantes da

construção social.

Segundo José D’Assunção Barros, (2005, p. 6):

Para além dos sujeitos e agências que produzem a cultura, estudam-se os meios através

dos quais está se produz e se transmite: as práticas e processos. A “matéria-prima” cultural propriamente dita (os padrões que estão por trás dos objetos

culturais produzidos): as “visões de mundo”, os sistemas de valores, os sistemas

normativos que constrangem os indivíduos, os “modos de vida”, relacionados aos vários

grupos sociais as concepções relativas a estes vários grupos sociais, as ideias disseminadas

através de correntes e movimentos de diversos tipos.

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Assim, a atenção dos historiadores do final do século XX se voltaram para cinco eixos

fundamentais da História Cultural sendo eles: objetos culturais, sujeitos, práticas, processos e

padrões, tendo dentro de cada um desses inúmeros objeto de análise (BARROS p.6).

Nesse sentido, as biografias tornam-se aspectos culturais de grande relevância para os estudos

culturais, contudo, agora não são apenas as biografias dos grandes reis e líderes nacionais. A

abordagem biográfica será útil para nós neste estudo, para entendermos de que maneira o sujeito

C. S. Lewis se encontra com o escritor C. S. Lewis.

Até a metade do século XX a biografia era vista como um gênero ultrapassado e as

abordagens quantitativas e economicistas eram preferidas pelos historiadores. Voltemos um pouco

para entendermos a genealogia da biografia e como ela se tornou uma das ferramentas de análise

de uma cultura.

Primeiramente, a biografia era de caráter voltado a tornar a narrativa interessante e atrativa,

mesmo que isso demandasse discursos fictícios. Esse tipo de narrativa era muito utilizada nas

histórias gregas e, posteriormente, romanas. Na Idade Média, as hagiografias tinham como

característica principal tornar sacros determinados homens e construírem uma determinada moral

a partir desses modelos. Deriva daí a criação, no discurso teológico, de mártires, santos e

confessores. A biografia enquanto história exemplar também destacava as ações dos cavaleiros e

heróis como exemplos sociais de uma determinada moral. (PRIORE, 2009).

Com o Renascimento houve uma mudança de paradigma nas narrativas biográficas,

abandonando a ideia sacra e partindo para uma noção de indivíduo como sendo importante para o

mundo, legitimando a ideia de grandes feitos de heróis e monarcas, ajudando a forjar uma ideia de

nação (PRIORE, 2009).

Por influência da escola positivista de Leopold Von Ranke história e literatura se

divorciaram. A história passou a ser uma disciplina que se tornará monopólio de acadêmicos, e a

biografia foi deixada de lado, para dar lugar a uma história científica. Entretanto, isso durou muito

pouco graças à influência da Escola dos Annales, liderada por Lucien Febvre e Marc Bloch. A

partir dos anos de 1929 essa corrente historiográfica começou a tratar a biografia como objeto da

História, se debruçando sobre o indivíduo a fim de informar sobre a coletividade (PRIORE, 2009).

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Febvre argumenta sobre a importância do estudo do indivíduo para a História: os homens

únicos objetos da história […] sempre capturados no quadro da sociedade a que pertencem

(FEBVRE 1989, p.30). Ao fazer a biografia de Lutero e dar a importância ao sujeito histórico

incluso em uma época, estava lançada a chave para o crescimento exponencial desse estudo.

Dessa forma, entre os anos de 1970 e 1980 principalmente, por conta de um novo tipo de

pensamento em que as estruturas foram deixadas um pouco de lado e agora se pensavam as análises

das representações, paixões e constrangimentos dos indivíduos. De acordo com a historiadora Mary

Del Priore:

Enterrava-se a biografia positivista dos tempos de antanho descrita por Jaques Le Golf

como “tradicional, superficial, anedótica cronológica, sacrificada a uma psicologia

ultrapassada e incapaz”.

A reabilitação da biografia histórica integrou as aquisições da história social e cultural,

oferecendo aos diferentes atores históricos uma importância diferenciada, distinta e

individual. Mas não se tratava mais de fazer simplesmente, a história dos grandes nomes,

em formato hagiográfico – quase uma vida de santo -, sem problemas, nem máculas. Mas

de examinar os atores (ou o ator) célebres ou não, como testemunhas, como reflexos, como

reveladores de uma época. A biografia não era mais um indivíduo isolado, mas, a história

de uma época vista através de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. Ele ou eles

não eram mais apresentados como heróis, na encruzilhada de fatos, mas como uma espécie

de receptáculo de correntes de pensamento e de movimentos que a narrativa de suas vidas

torna mais palpáveis, deixando mais tangível a significação histórica geral de uma vida

individual. (PRIORE, 2009, p.9)

Dessa forma, as biografias acabam com a oposição entre sujeito e sociedade. O indivíduo,

imerso em vários emaranhados sociais, permite através da sua biografia ser reconhecido como

portador de representações e imaginários sociais frutos do contexto histórico em que está inserido.

Como é possível acompanhar na obra O queijo e os vermes, de Carlo Ginzburg, um sujeito

comum pode se tornar objeto de estudo também. Essa é uma das características da Micro História

que, como parte da História Cultural, leva em consideração que, assim como havia um discurso

feito por aquele considerado ilustre, também havia um discurso produzido por sujeitos

desconhecidos ou vinculado às camadas populares.

Entretanto, por conta da biografia se assemelhar a escrita narrativa ficcional, buscou-se novas

maneiras de mostrar que ela não tratava apenas de fabulação, mas continha em si a confiabilidade

de um discurso como outro qualquer. Para PRIORE (2009 apud CHARTIER 1988), é preciso

lembrar a intencionalidade histórica e o uso de técnicas por parte do historiador na construção,

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tratamentos de dados, critérios de verificação de resultados, e a validação da adequação entre o

discurso do saber e seu objeto. Já para Paul Ricoeur o historiador não é um simples narrador: ele

dá razões para explicar sua escolha de tal e qual fator, em detrimento de outro, quando se trata

de um fato histórico (1994, p. 266).

Para a História Cultural, como já foi explicado acima, não há problemas em usar a narrativa

biográfica para a compreensão de aspectos históricos. Entretanto, outro fato importante é a forma

como se fará a construção de uma narrativa histórica, que consiga filtrar aspectos da realidade

mesmo que a partir de uma obra de ficção em determinado tempo, fazendo, assim, uma separação

entre história e ficção. Para tanto, são necessários alguns cuidados em relação aos métodos

utilizados. Somente assim, entenderemos de que forma chegamos a legitimação desse tipo de fonte

usada pela História Cultural.

É importante, primeiramente, entender que todas as narrativas sendo elas históricas ou

literárias, têm inerentes a elas uma representação sobre a realidade que a cerca. Alguns

historiadores procuram analisar a produção literária a partir da recepção desses textos (BORGES,

2010). Dessa forma, existe uma tríade a considerar na elaboração do conhecimento histórico, sendo

a composição dela: a escrita, o texto e a leitura. Em relação a escrita a atenção do historiador se

volta para sobre quem fala, de onde fala e a linguagem usada. Sobre o texto se busca destrinchar o

que se fala e como se fala. E a leitura se analisa a partir de que tipo de reação seus receptores têm

da obra, seja ela de contemplação ou resistência. (PESAVENTO, 2004).

Nesse sentido, salientamos que não analisaremos neste estudo os aspectos da recepção da

obra de Lewis, nem mesmo a adaptação da sua obra para o cinema1, que reacendeu a fama de seus

escritos no início do século XXI nos ateremos apenas aos aspectos da obra em suas relações com

a biografia do autor e com as representações cristãs.

Jaques Le Goff (1990) em sua discussão sobre o documento nos auxilia na compreensão

desta obra a partir de suas condições de produção. Segundo ele, o documento consiste em um

monumento que é criado a partir de relações de força. Dessa forma, é necessária uma análise

1 Três adaptações da obra para o cinema O leão, a feiticeira e o guarda-roupa: faturamento de 745 Milhões de dólares feito em 2005; O príncipe Caspian faturamento de 419 milhões de dólares feito em 2008: A viagem do Peregrino da Alvorada: faturamento de 418 milhões de dólares feito em 2010.

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reflexiva sobre as condições históricas que cercam essa produção, em busca de respostas sobre

quem a produziu, porque produziu, o lugar social de que produziu e as relações de poder que cercam

tanto o produtor quanto seu produto.

O documento, independentemente do tipo que seja, pode ser entendido como uma

representação do real. Para Roger Chartier (1990, p. 62-3) todo texto tem sua linguagem específica,

própria do seu processo particular de criação, sendo importante para entendê-lo saber o meio

intelectual em que ele emerge, o veículo em que ele foi veiculado e o público a quem ele é

destinado.

As representações do mundo social, sendo elas ficcionais ou literárias, são marcadas por

múltiplos e complexos interesses sociais, sobretudo, pelos grupos que os forjam, que tentam,

através desses discursos, impor uma autoridade, uma hierarquia um projeto, uma escolha.

(CHARTIER, 1990). De maneira geral, as noções de leitura, linguagem, representação, prática,

apropriação, intertextualidade, dialogismo, dentre outras são importantes para esse campo do

conhecimento histórico voltado para a análise literária, isso segundo Valdeci Rezende Borges:

No universo amplo dos bens culturais, a expressão literária pode ser tomada como uma

representação social e histórica, sendo testemunha excepcional de uma época, pois um

produto sociocultural, um fato estético e histórico, que representa as experiências

humanas, os hábitos, as atitudes, os sentimentos, as criações, os pensamentos, as práticas,

as inquietações, as expectativas, as esperanças, os sonhos e as questões que movimentam

e circulam em cada sociedade e tempo histórico. (BORGES, 2010, p. 98).

A distinção entre história e ficção para Chartier se dá de maneira clara e bem resolvida, já

que para ele a primeira tem uma preocupação em buscar uma representação adequada do real,

enquanto a segunda contém elementos de um real, mas sem uma preocupação com ele. Entretanto,

a literatura utiliza de técnicas da disciplina histórica para dar a sua ficção um peso de realidade, ou

de verossimilhança (CHARTIER, 2009).

Isso é o que podemos perceber quando Lewis usa aspectos da história em sua literatura,

colocando seus personagens fantásticos a dialogar com crianças inglesas durante a Segunda Guerra

Mundial. Portanto, usar a literatura para a produção do conhecimento histórico pressupõe refletir

sobre ela, problematizá-la e historiciza-lá. Para Chalhoub e Pereira (1998, p.7).

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A proposta é historicizar a obra literária – seja ela conto, crônica, poesia ou romance -,

inseri-la no movimento da sociedade, investigar as suas redes de interlocução social,

destrinchar não a sua suposta autonomia em relação à sociedade, mas sim a forma como

constrói ou representa a sua relação com a realidade social – algo que faz o mesmo ao

negar fazê-lo.

Por fim, retomando Borges a literatura seja ela expressa como crônica, conto ou romance,

apresenta-se como uma configuração poética do real, que agrega o imaginado, impondo-se como

uma categoria de fonte especial para a história cultural de uma sociedade. (2010, p.108).

O conceito principal da nossa pesquisa é o conceito de representação entendido tal como na

perspectiva do historiador Roger Chartier.

A representação segundo Chartier possuem duas famílias de sentidos aparentemente

contraditórias: por um lado possui um caráter de se ver um ausente, o que deixa explicitado a

diferença do que representa e do que é representado; e por outro lado é a apresentação de uma

presença, a apresentação pública de algo ou alguém. (CHARTIER, 1991). Para Pesavento:

Representar é, pois, fundamentalmente estar no lugar de um ausente, é um apresentar de novo que

dá a ver uma ausência. (PESAVENTO, 2004).

Uma outra característica do conceito de representação é a sua capacidade de produzir

reconhecimento. De acordo com Pesavento:

A força da representação se dá pela sua capacidade de mobilização e de produzir

reconhecimento e legitimidade social. As representações se inserem em regimes de

verossimilhança e de credibilidade, e não de veracidade. Decorre daí, portanto, a assertiva

de Pierre Bourdieu, ao definir o real como um campo de forças para definir o que é o real.

As representações apresentam múltiplas configurações, e pode-se dizer que o mundo é

construído de forma contraditória e variada, pelos diferentes grupos do social.

(PESAVENTO, 2004, p. 41).

Esse conceito nos será importante para fazer a ligação entre a história descrita na coleção As

Crônicas de Nárnia e a narrativa cristã descrita na Bíblia. Dessa forma, poderemos analisar o papel

dos personagens Aslam, da feiticeira, entre outros tentando desvendar se realmente Lewis se utiliza

de uma alegoria cristã dentro das Crônicas, ou seja, colocando uma história dentro de outra sem

que isso fique evidente a todos.

Nossa analise será qualitativa, sendo ela descritiva, analítica e interpretativa, estamos

preocupados com o processo de construção da obra e os significados simbólicos presentes,

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buscando nos apoiar em uma fundamentação teórica e em uma análise aprofundada da literatura

em torno do que será discutido. Através da leitura e fichamento dos textos já mencionados

estabelecemos o alicerce da escrita dessa monografia.

No capítulo um reconstruímos o contexto histórico de Lewis desde de sua infância, até a fase

adulta. Nosso objetivo foi conectar a sua história de vida à sua obra. Nesse sentido, cruzamos uma

vasta bibliografia produzida sobre o autor com referenciais da historiografia, propriamente dita,

buscando entender de que maneira as experiências de C. S. Lewis o influenciaram na sua escrita.

No capítulo dois, a partir de uma análise comparativa entre a coleção As Crônicas de Nárnia

e o texto bíblico, buscamos identificar as analogias presentes na obra em questão que dialogam

diretamente com o texto sacro, além de outros aspectos defendidos pela visão teológica de Lewis.

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CAPÍTULO 1 - C. S. LEWIS: AS MULTIFACES DE UM ESCRITOR

Esse capítulo tem como objetivo discutir de que maneira as experiências vividas por C. S.

Lewis, podem, ou não, estar implícitas no universo fantasioso descrito em As Crônicas de Nárnia,

para isso, usaremos quatro obras que servirão como aportes bibliográficos. Destacamos os livros:

C. S. Lewis: do ateísmo As Crônicas de Nárnia, do autor Alister Mcgrath; C. S. Lewis: além do

universo Mágico de Nárnia, organizado por Robert MacSwain e Michael Ward; Surpreendido pela

Alegria escrito pelo próprio Lewis e, por fim, O leão, a feiticeira e o guarda-roupa e a Bíblia de

Gabriele Greggersen.

O primeiro livro, C. S. Lewis: do ateísmo As Crônicas de Nárnia, descreve a vida Clive

Staples Lewis desde do seu nascimento, em 29 de novembro de 1898, até sua morte, em 22 de

novembro de 1963, e repercute o impacto da recepção das suas obras no mundo. O segundo livro,

sob o título: C. S. Lewis: além do universo Mágico de Nárnia, é uma coletânea composta por 21

especialistas de renomadas faculdades inglesas como: Oxford, Cambridge, Princeton e Wheaton,

que se debruçaram sobre as obras de Lewis. Dentro desta coletânea daremos destaque,

principalmente, ao capítulo de Alan Jacobs sobre a construção de As Crônicas de Nárnia e o

capítulo de David Jasper, sobre o processo de construção de O regresso do peregrino e

Surpreendido pela alegria. C. S. Lewis foi considerado por estes especialistas um autor eclético

que soube manejar temas da história da literatura, da teologia popular e da ficção.

O terceiro livro, Surpreendido pela Alegria é uma autobiografia que narra o processo de

conversão de Lewis ao cristianismo. Entretanto, até chegar a esse ponto, o autor narra suas

experiências de infância e adolescência, sendo essa parte a que mais nos interessa. A partir disso

Lewis deixa os aspectos de uma autobiografia comum, focando objetivamente na experiência da

sua mudança de crença religiosa como o próprio Lewis afirma: […] o leque de informações tem

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que se abrir bastante para que quando a chegada da crise explicitamente espiritual, o leitor possa

entender que tipo de pessoa foi moldada pela adolescência e infância que vivi. (1998, p.10). Lewis

escreve sua biografia em 1955, aos 57 anos. Segundo ele por ter sido encorajado a demonstrar suas

sensações mais pessoais, sendo a mais importante delas chamada de alegria. (LEWIS, 1998).

Por fim, O leão, a feiticeira e o guarda-roupa e a Bíblia, é o quarto livro com que

dialogamos. Esta referência é uma compilação de outros dois livros de Gabriele Greggersen, a

versão ampliada de A pedagogia Cristã na Obra de C. S. Lewis (2006) e uma síntese da

Antropologia Filosófica de C. S. Lewis (2001), resultado de sua defesa de doutorado em 1998, na

Faculdade de Educação da Universidade São Paulo.

1.1. As experiências de vida na construção de As Crônicas de Nárnia.

Clive Staples Lewis nasceu na Irlanda do Norte, na cidade de Belfast, em 29 de novembro

de 1898, seus pais eram Albert James Lewis e Florence Augusta Lewis e seu irmão Warren

Hamilton Lewis. Ele próprio descrevia a sua família como inteligente e letrada. Sua mãe era

bacharel em matemática e uma leitora voraz de romances como Meredith2 e Tolstói, e seu pai um

leitor de poemas, admirador da retórica e de autores como Dickens. Para ele, nenhum deles possuía

o gosto literário que lhe seria preferido durante toda sua vida (LEWIS, 1998, p.12,13).

Desde muito novo, por volta dos seis anos de idade, Lewis já trilhava um caminho que mais

tarde o levaria a construção de As Crônicas de Nárnia. Em suas primeiras experiências com

desenho, gostava de fazer bichos antropomórficos por ele chamado de animais vestidos. Além

disso, quando seus desenhos começaram a se tornar estórias textuais, Lewis recorda que enquanto

a Índia consistia no cenário preferido das estórias imaginarias do seu irmão, a “terra dos bichos”

compunha o cenário das suas. (LEWIS, 1998, p.14).

Quando Lewis fez sete anos de idade a sua família mudou de residência. A condição

financeira próspera de seu pai permitira a construção de uma casa maior. Lewis cita a casa nova

2 Romances de George Meredith, um poeta e escritor inglês.

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como marcante na construção do seu imaginário. Foi lá que ele teve acesso irrestrito a uma

infinidade de livros que eram adquiridos por seus pais (LEWIS, 1998, p. 17, 18). Devido à ida do

seu irmão para um internato na Inglaterra, Lewis começou a viver com um sentimento de solidão

que, somado a um problema genético no polegar herdado do seu pai, limitava sua destreza para

habilidades manuais. Portanto, encontrou na literatura um caminho para um mundo de felicidade

(LEWIS, 1998, p. 19, 20).

Nessa idade, após tomar um dos sótãos da casa como seu escritório, Lewis dá início as suas

primeiras histórias:

Ali escrevi - e ilustrei - minhas primeiras histórias com enorme satisfação. Havia uma

tentativa de combinar meus dois principais prazeres literários-- “animais vestidos” e

“cavaleiros em armaduras. ” Como consequência, escrevi sobre ratos cavalheiros e

coelhos que cavalgavam em cota de malhar para matar não gigantes, mas gatos. A Terra dos bichos que entrava em ação nos feriados em que meu irmão estava em casa

era uma terra dos bichos moderna; precisava ter trens e navios a vapor para ser um país

que eu pudesse compartilhar com ele. Como consequência lógica, a Terra dos Bichos

medieval no qual eu desenvolvia minhas histórias tinha de ser o mesmo país num período

anterior; e é claro, os dois períodos deveriam estar ligados apropriadamente. […] - a terra dos bichos e a Índia - eram cada vez mais habitadas de personagens

consistentes (LEWIS, 1998, p. 20, 21).

Podemos perceber, no relato acima, que a ideia da construção entre dois mundos, floresce

na mente de Lewis precocemente, desde a infância tem fascínio por animais antropomórficos e

cavaleiros. Evidencia-se, dessa forma, a semelhança do mundo construído por Lewis em A Terra

dos Bichos e o mundo que mais tarde ele construiria em As Crônicas de Nárnia. É possível fazer

uma analogia em que a Índia descrita em A Terra dos bichos fosse a Londres de Crônicas de

Nárnia, e a terra dos bichos medievais como sendo a própria Nárnia. Além disso, assim como nesse

seu livro de infância, a ideia de ratos cavalheiros foi descrita em Príncipe Caspian, livro que

compõe as Crônicas de Nárnia, na figura de Ripchip e seus seguidores (LEWIS, 2009, p. 391).

Entre os diversos livros que Lewis leu durante sua infância, a trilogia de E. Nesbit3: Cinco

crianças e um segredo (1902), A Fênix e o tapete(1904) e A história do amuleto(1906), foram os

3 Edith Nesbit, escritora e poetisa inglesa, autora de mais de sessenta livros infantis, publicou suas obras. De acordo com J.K Rowling, consagrada autora da coleção Harry Potter, Nesbit foi a autora com a qual ela mais se identificou. Inclusive, a plataforma 9 ¾ descrita nas histórias de Harry Potter, denota a inspiração da autora sobre as obras de Nesbit.

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mais marcantes. Segundo ele próprio, em suas memórias, a história do amuleto poderia ainda ser

relida com prazer mesmo estando adulto (LEWIS, 1998, p.22).

A narrativa descrita na trilogia de Nesbit refere-se a cinco crianças que deixaram suas casas

e acabaram encontrando criaturas estranhas e fantásticas em sua aventura. Deparando-se com

novos e misteriosos mundos e ideias. Este é justamente o tema desenvolvido por Lewis em As

Crônicas de Nárnia.

De acordo com o historiador Alister McGrath (2013), um dos principais temas de Nesbit

era a transição entre os mundos através de uma ligação, ou ponte, que conectaria o mundo

quotidiano a um reino encantado, tal como descrito na obra O castelo encantado. Ao que parece,

Lewis foi influenciado por essas descrições, tal como podemos notar pela semelhança entre a

história A tia e Amabel, presente na coleção O mundo mágico de Nesbit, e o conto narniano:

Na história “The Aunt and Amabel” [a tia e Amabel], lemos sobre Amabel, uma menina

que, sem querer, destroça o canteiro de flores de sua tia e é mandada para um quarto do

sótão, onde deve ficar de castigo. Lá ela encontra uma cama, um enorme guarda-roupa e

uma tabela do horário de trens. O guarda-roupa contém na verdade uma secreta estação

ferroviária, de onde ela pode partir para outros mundos (MCGRATH, 2013, p.286.)

A influência de E. Nesbit sobre a obra de Lewis é reforçada por Alan Jacobs. Segundo ele:

o próprio Lewis dissera para Chad Walsh no verão de 1948 que estava concluindo um livro infantil

que havia começado a escrever no estilo de E. Nesbit (JACOBS, 2015, p. 335). Alister McGrath

acredita que há uma dívida de Lewis para com Nesbit. Para esse autor, mais do que um conceito,

ou um estilo, Lewis importou também a ideia de sua história, já que, o objeto de transporte entre

os mundos reais e narnianos é justamente um guarda-roupa (LEWIS, 2009, p. 105).

Entre seis e oito anos de idade, Lewis viveu, basicamente, dentro da sua imaginação. Em

suas palavras: a experiência imaginativa daqueles anos hoje me parece mais importante que

qualquer coisa (LEWIS, 1998, p. 22). A sua obra Terra dos Bichos teria sido, assim, um

treinamento para a formação do romancista (LEWIS, 1998, p.23).

Ao completar dez anos, após a morte de sua mãe, Flora, vítima de um câncer abdominal,

seu pai Albert decide enviar Lewis para estudar na Inglaterra. Sua primeira experiência foi na

Escola Wynyard School em Watford, um internato particular criado por Robert Capron que

continha aproximadamente nove alunos, não possuía biblioteca, e obrigava seus alunos a

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alimentações forçadas. Após um laudo médico que diagnosticou Robert Capron como louco, a

instituição acabou indo à decadência em 1910 e fechando suas portas. Lewis odiou sua experiência

na Wynyard e a apelidou de Belsen, referindo-se ao campo nazista alemão (MCGRATH, 2013, p.

47).

O fechamento de Wynyard obrigou seu pai a mudar Lewis de escola. Matriculou-o na escola

de Cherbourg, na cidade de Malvern. No período de dois anos que Lewis estudou ali a escola

possuía cerca de vinte meninos, entre oito e doze anos. Segundo McGrath (2013) as consequências

mais importantes ocorridas na sua vida, nesse período, foi o descobrimento da nordicidade que

seria a transformação de um panorama gelado e estéril de um ártico que se transforma em algo

cheio de vida, com pomares, cantos de pássaros e águas correntes, semelhante ao que acontece em

O leão, a feiticeira e o guarda-roupa a partir da volta de Aslam ou ao aparecimento da primavera.

Outro aspecto que merece destaque é a total perda da fé de Lewis nesse período. Podemos

salientar que Lewis já continha em si um conceito de fé bastante frágil, tendo desde de muito novo

segundo ele uma ideia de Deus como um realizador de desejos o que não gerava nele nenhuma

religiosidade. E após suas orações referentes a cura da sua mãe Flora enferma de um câncer não

serem ouvidas, menos significância ainda ganhou a religiosidade no seu modo de entender o

mundo, como ele mesmo pondera:

Eu havia abordado a Deus, ou minha ideia de Deus, sem amor, sem espanto, até sem temor.

Ele deveria, na imagem mental que eu fazia desse milagre, aparecer não como Salvador

ou Juiz, mas meramente como mágico; e quando já tivesse feito o que dele se exigia, eu

supunha que ele iria simplesmente ... ora, ir embora (LEWIS, 1998, p. 28.)

Somado a influência dos seus professores que diziam que as ideias religiosas eram meras

ilusões, Lewis questionava porque apenas o cristianismo seria o detentor da verdade e as outras

religiões seriam mentiras, começando assim seu processo rumo ao ateísmo (MCGRATH, 2013, p.

49-50).

Em 1913, Lewis mais uma vez muda de instituição escolar. Foi estudar no College Malvern,

na cidade de Great Malvern. Esta era uma escola fortemente influenciada pela filosofia do

atletismo. A estada de Lewis na instituição se tornou um pesadelo para ele. Por conta do seu

problema nas mãos, Lewis não conseguia ser habilidoso em nenhum tipo de modalidade esportiva,

logo se tornou um aluno perseguido e ridicularizado pelos colegas. De positivo, havia as idas

17

frequentes de Lewis a biblioteca, buscando consolo nos livros e em sua amizade com seu professor

de letras clássicas Harry Wakelyn Smith, que o ajudou a desenvolver o latim e o grego, além de

orienta-lo no estudo de análise de poemas. Em março de 1914, Lewis escreve para seu pai

implorando para tira-lo de Malvern. Albert Lewis atendendo ao pedido do filho o manda para

estudar com um tutor, William Thompson Kirkpatrick, seu amigo e que já tinha sido tutor do irmão

de Lewis, Warnie Hamilton Lewis assim, em setembro de 1914 Lewis chegava a cidade de Great

Bookham, para suas aulas. (MCGRATH, 2013, p. 55).

William Thompson Kirkpatrick era um senhor que tivera uma carreira brilhante no Queen´s

College de Belfast, graduado com honras em Inglês, História e Metafísica. Segundo Lewis, o seu

processo de aprendizado de construção de argumentos e uso de como empregar as palavras de

maneira correta foi formulado a partir da influência de Kirkpatrick.

Entretanto, para além disso, Kirkpatrick construiu em Lewis um compromisso com o

ateísmo. Além da sua precoce admiração ao intelecto e brilhantismo de Kirkpatrick, o mesmo

conseguiu apresentar para Lewis um ateísmo convincente e que se mostrava consistente em suas

ideologias. Podemos ver a crença de Lewis no ateísmo em uma carta escrita por ele ao seu amigo

Arthur Greeves, em outubro de 1916:

Eu não acredito em nenhuma religião. Todas as religiões são simplesmente mitologias

inventadas por seres humanos, geralmente em resposta a acontecimentos naturais ou

carências emocionais. Esta é reconhecidamente a explicação cientifica do crescimento das

religiões (THE COLLECTED LETTERS, vol 1, 2004, p. 275 apud MCGRATH, 2013, p.

61).

Não podemos deixar de ponderar que Lewis viveu a experiência da Primeira Guerra

Mundial. Em 1915, diante da elevada quantidade de baixas do exército britânico, imbuído de

patriotismo, Lewis se preocupava que a guerra não terminasse antes que ele completasse seus

dezoito anos, em 29 de novembro de 1916.

Ainda em 1915 foi fundada na Universidade de Oxford uma escola de treinamento para

alunos que poderiam se tornar oficiais. Em Oxford funcionava duas unidades militares, o Batalhão

de Cadetes Número Quatro e o Batalhão de Cadetes Número Cinco, cada uma dessas unidades

composta de 750 homens, que se alojavam nos prédios da faculdade. (MCGRATH, 2013, p. 74).

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Como pondera o historiador Eric Hobsbawm, nem a classe de gentlemen ingleses foi poupada da

guerra:

Os britânicos perderam uma geração – meio milhão de homens com menos de trinta anos

(Winter, 1986, p. 83) – notadamente entre suas classes altas, cujos rapazes, destinados

como gentlemen a ser oficiais que davam o exemplo, marchavam para a batalha à frente

de seus homens e em consequencia eram ceifados primeiro. Um quarto dos alunos de

Oxford e Cambridge com menos de 25 anos que serviam no exército britanico em 1914

(Winter, 1986, p. 98) foi morto. (WINTER, 1986, p, 83, 98 apud HOBSBAWM, 1994, p

33-34).

Deixando a questão do alistamento de lado, em 4 de dezembro de 1916, Lewis focou na sua

carreira acadêmica se inscrevendo para a faculdade New College em Oxford. Contudo, não

conseguiu passar nas provas. Mas, nem tudo foram derrotas, Reginald Macan diretor da University

College gostou muito da sua escrita lhe concedeu uma bolsa para estudar ali, o que deixou Lewis

bastante eufórico. Entretanto, Macan também deixou claro que esperava que qualquer aluno da

instituição com dezoito anos ou mais se alistasse nas forças armadas como voluntário.

(MCGRATH, p. 64).

Lewis ingressou na Universidade de Oxford em abril de 1917. Uma semana após sua

chegada no alojamento alistou-se no Corpo de Treinamento de Oficiais. Como era um residente

irlandês, poderia ter evitado o serviço militar britânico. Entretanto, a Inglaterra era como sua

pátria adotiva, somado ao sentimento de cumprimento de dever e honra, Lewis decidiu servir.

Entrou no corpo de aspirantes do Batalhão de Cadetes, Número Quatro. (DOWNING, 2002, p. 92).

Lewis caminhava ao lado de outros jovens cheios de ideias e ambições, muitos dos quais

viam o serviço militar obrigatório em tempo de guerra como “sua parcela de contribuição”

para o país, esperando retomar a vida e recomeçar tudo assim que a guerra terminasse.

(MCGRATH, 2013, p. 73).

Designado para a infantaria, Lewis lutou nas trincheiras francesas (DOWNING, 2002, p.

93). Poucos escritos de Lewis são relacionados à guerra, o mais relevante dele está em sua

autobiografia Surpreendido pela Alegria:

Mas quanto ao resto, a guerra – os sustos, o frio, o cheiro dos explosivos, os homens

horrendamente mutilados se movendo como besouros meio esmagados, os cadáveres

sentados ou de pé, a paisagem de terra arrasada, sem uma folha sequer de capim, as botas

calçadas dia e noite até parecem andar sozinhas – tudo isso me surge em imagens raras e

desbotadas na lembrança (LEWIS, 1998, p. 200-201.)

19

O terror relatado por Lewis foi documentado com rigor pelo historiador Eric Hobsbawm

em sua narrativa sobre trincheiras da Frente Ocidental:

[...] se tornou uma máquina de massacre provavelmente sem precedentes na história da

guerra. Milhões de homens ficavam uns diante dos outros nos parapeitos de trincheiras

barricadas com sacos de areia, sob as quais viviam como – e com – ratos e piolhos. De

vez em quando os generais procuravam romper o impasse. Dias e mesmo semanas de

incessante bombardeio de artilharia – que um escritor alemão chamou depois de “furacões

de aço” (Ernst Junger, 1921) – “amaciavam” o inimigo e o mandavam para baixo da terra,

até que no momento certo levas de homens saíam por cima do parapeito, geralmente

protegido por rolos e teias de arame farpado, para a “terra de ninguém”, um caos de caretas

de granadas inundadas de água, tocos e árvores calcinadas, lama, e cadáveres abandonados

e avançavam sobre as metralhadoras, que os ceifavam, como eles sabiam que aconteceria.

(HOBSBAWM. 1994, p. 33.)

A Primeira Guerra Mundial rompeu com os paradigmas históricos relacionados à Guerra.

Nenhuma delas implicava um caráter mundial. A Primeira Guerra mobilizou todas as grandes

potências e quase todos os Estados europeus. (HOBSBAWM, 1994, p. 31).

Como analisa René Rémond (1974, p. 16) as causas do surgimento da Primeira Guerra

Mundial foram várias, possuindo um caráter voltado para a economia, para a política e para a

corrida imperialista. Todavia, cronologicamente, se demarca o assassinato do arquiduque

Francisco-Ferdinando em Sarajevo, em 28 de junho de 1914, como o estopim para a declaração da

guerra.

A Primeira Guerra Mundial possuiu um caráter singular em vários sentidos: o primeiro

deles, como já mencionamos, foi o fato de ser uma guerra mundial, e que por mais que tenha

ocorrido predominantemente na Europa, afetou a política e a economia do mundo todo; o segundo

aspecto está na sua duração. Em princípio acreditava-se que a guerra duraria algumas semanas,

entre os mais pessimistas se pensavam em meses. Entretanto, nenhum dos lados conseguiu

vantagem significativa nos primeiros meses a ponto de encerrar os conflitos que, por fim, acabaram

por durar quatro anos; um terceiro aspecto, diz respeito a mobilização de um efetivo esmagador de

tropas, levado a construção de uma indústria de guerra voltada a abastecer os milhões de soldados:

Em primeiro lugar, observe-se a mobilização dos efetivos levada a um grau até então

desconhecido. As guerras tradicionais jogavam com efetivos que não ultrapassavam

algumas centenas de milhares de homens. A opinião pública ficara estupefata, 1812 com

o Grande Exército empregado na Rússia e que se compunha, mais ou menos, de 600.000

20

homens. A cifra parece irrisória diante dos milhões, e até das dezenas de milhões, de

homens mobilizados nesses quatro anos. Na França – o país que levou mais longe a

mobilização dos efetivos – arregimentaram-se cerca de 8,5 milhões, numa população que

não chegava então a 40 milhões, ou seja, mais de um quinto dos habitantes, para 14

milhões de alemães. Em 1916, a Grã-Bretanha introduz a conscrição. A Rússia mobiliza

tanta gente que lhe falta material. Ora, urge abastecer esses milhões de homens, dar-lhes munições. O grande temor dos

estados-maiores e dos ministros da guerra no outono de 1914 é menos a ruptura do front

ou a falta de homens do que com a possibilidade de se esgotarem os estoques de munições:

ninguém contara com uma guerra comprida, e no princípio do outono, as reservas estão

exauridas. Foi preciso, portanto, forjar completamente, a partir do nada, uma indústria de

guerra, criar fábricas de armamentos, recrutar uma mão-de-obra substituta, em grande

parte feminina, que rendesse os homens mandados para frente de batalha. Também se

chamaram de volta os especialistas, objeto designações especiais (RÉMOND, 1974, p. 25-

26).

Para o Reino Unido a guerra teve um efeito devastador, além das mais de 700 mil mortes,

fora os mutilados, ainda teve os efeitos retardados do combate relacionado a diminuição da

natalidade por conta do grande número de baixas entre as classes de vinte a quarenta anos

(RÉMOND, 1974, p. 35). Além disso, financeiramente, a Grã-Bretanha arruinara sua economia

por lutar uma guerra que ia muito além dos seus recursos (HOBSBAWM, 1994, p. 38).

A Primeira Guerra chegou ao fim em 11 de novembro de 1918 e Lewis foi transferido para

um posto de oficiais comandantes. Retornou a Oxford somente no dia 13 de janeiro de 1919, para

retomar seus estudos. Lewis permaneceria ali pelos próximos 45 anos. (MCGRATH, 2013. p. 95).

Após sua volta a Oxford, Lewis era um jovem com 20 anos que já tinha presenciado os

horrores da guerra e, assim como muitos da sua geração, carregava o ressentimento e o desânimo

em relação ao mundo (DOWNING, 2002, p. 91). Um sentimento compartilhado por muitos jovens

daquela geração. Como pondera Rene Rémond, as esperanças em uma sociedade mais justa foram

abaladas:

A guerra abalou o respeito aos valores tradicionais. A Europa liberal, a Europa

democrática, repousava num pequeno número de postulados fundamentais, admitidos

universalmente, que foram, de repente, reexaminados. O espetáculo da matança

prolongada e generalizada projeta uma sombra sobre o otimismo do século XIX, sobre a

confiança das gerações precedentes na próxima instauração de uma sociedade melhor,

mais livre e mais justa (REMOND, 1974, p. 42.)

Os jovens daquela geração tinham viam o mundo de modo confiante, dado como certo, que

fora espedaçado por uma Guerra que destruiu parte do otimismo da época. Os anos pós Primeira

21

Guerra para Lewis, foram voltados exatamente para uma busca de um novo sentido de ver o mundo,

um sentido que satisfazer a sua mente inquieta (MCGRATH, 2013, p. 69).

Lewis encontra na leitura um controle maior sobre o seu mundo, permitindo que as palavras

e os pensamentos de outros o protegessem das imagens chocantes da guerra. Seguiu sua vida como

se a guerra tivesse ocorrido com outra pessoa, como ele mesmo pondera em Surpreendido Pela

Alegria:

É tudo alheio demais ao restante do meu passado, e muitas vezes me parece

ter acontecido a outra pessoa, não a mim. De certa forma, é até irrelevante.

Um instante de imaginação parece hoje importar mais que as realidades

subsequentes. Foi a primeira bala que ouvi – de mim tão distante que “gania”

como a bala de um jornalista ou de um poeta dos tempos de paz. Naquele

momento havia algo não exatamente como o medo, menos ainda como a

indiferença: um sinalzinho tremulante que dizia - “Isso é guerra. Foi sobre

isso que Homero escreveu” (LEWIS, 1998, p. 201).

Lewis experimentou uma mudança profunda de pensamento no pós Primeira Guerra. Vale

ressaltar sua mudança do ateísmo para o cristianismo, demonstrada por ele passo à passo na sua

autobiografia, Surpreendido pela Alegria.

O que podemos considerar, historicamente, é que as experiências de Primeira Guerra

fizeram com que os sujeitos por ela atingida buscassem um novo modo de ver o mundo, ou distante

das ideias teológicas ou próximas a elas, como pondera Remond:

No tocante à religião, a provação despertou com frequência o sentimento religioso, ou a

inquietação metafísica sobre o sentido do destino humano; a guerra provocou inúmeros

retornos à prática, foi causa de uma onda de conversões. Ao mesmo tempo, porém pelo

escândalo que representa, pelo desmentido permanente da fraternidade do Evangelho e

por se haverem deixado as Igrejas, em todos os países envolver no esforço da guerra está

divorciou da fé um sem-número de espíritos (REMOND, 1974, p. 42).

O período entre guerras (1919-1939) representou uma época relativamente tranquila da

vida de C. S. Lewis. Ele assume um cargo de docência na faculdade Magdalen College em primeiro

de outubro de 1925, faculdade na época conhecida como a mais rica de Oxford. Entretanto, sua

vida acadêmica é destacada pelo o ensino orientado e por palestras na Universidade de Oxford. Em

1924 fez sua primeira palestra sendo, em 1930, considerado um dos melhores palestrantes da

Universidade de Oxford. (MCGRATH, 2013).

22

Após 1930 Lewis da mais um passo em direção ao seu reconhecimento internacional

através da publicação de livros. Na maioria de suas publicações ele vai tratar de temas relacionados

a sua mudança do ateísmo para o cristianismo ou da caminhada diária do cristão. Contudo, escreve

também livros de caráter acadêmico como por exemplo Alegoria do Amor.

Em janeiro de 1933, Lewis escreveu a Guy Pocock, funcionário da editora de J.M Dent,

questionando se eles estariam interessados em publicar um livro que seria um Bunyan

modernizado, fazendo referência ao livro O peregrino (1678 – 1684) de John Bunyan4. Depois de

três semanas veio a resposta, Pocock decidiu publicar O regresso do peregrino MCGRATH, 2013,

p. 187).

O regresso do peregrino foi o primeiro romance escrito por Lewis após sua conversão ao

cristianismo em meados de agosto de 1932. O livro aborda a trama de um jovem chamado John

que deixa sua cidade natal em busca de uma ilha que ele viu em uma visão. Durante sua saga até a

ilha John encontra com muitos personagens e obstáculos e as experiências vividas na sua jornada

faz com que ele desacredite muito das coisas intelectuais e culturais da qual cria. No fim da saga

John volta para sua cidade natal, entretanto, bastante mudado do jeito que saíra. (JASPER, 2015,

p. 281).

Segundo McGrath, (2013) O regresso do peregrino pode ser lido de várias maneiras.

Contudo, a leitura mais coerente se baseia na tentativa de Lewis de expressar com palavras e

imagens os processos intelectuais que ao longo de três anos o levaram a mudar sua perspectiva

religiosa e a sua consequente conversão ao cristianismo.

Considerada por seus leitores como uma obra complexa, O regresso do peregrino é,

atualmente, uma das obras menos lidas de C. S. Lewis e, aparentemente, parece ter como alvo uma

elite intelectualizada que conseguiria entender as várias referências teológicas, filosóficas e

culturais presentes na obra. Entretanto, na sua terceira edição Lewis acrescenta cabeçalhos

explicativos em cada página com o intuito de ajudar o público mais amplo a entender sua obra

(JASPER, 2015, p. 284).

4 Escritor e pregador cristão nascido em Harrowden Elston, Inglaterra, foi autor de O peregrino, que é provavelmente a alegoria cristã mais conhecida da história.

23

Em 1935 Lewis já aparece nas publicações da Universidade de Oxford como professor

palestrante da faculdade em Língua e Literatura Inglesa, e, em 1936, como palestrante de Literatura

Inglesa. Lewis nunca chegou a ser um catedrático em Oxford, mas isso não fez com que seu

prestígio fosse menor que o restante dos professores. (MCGRATH, 2013).

No ano de 1936 Lewis escreve outra obra importante que vale ser apontada. Seu estudo

medievalista sobre o amor cortês descrito na obra Alegoria do amor. Um livro que, segundo ele,

era de caráter acadêmico e foi publicado pela editora Clarendon Press de Oxford.

A ideia do amor cortês para Lewis é definida a partir da mudança de paradigma da atitude

em relação às mulheres do século XI para o século XII, criando uma ideia de adoração à mulher,

que é incorporado na relação com a donzela amada, e o cavalheirismo. Dessa forma, o amor cortês

afirmava o potencial enobrecedor do amor humano elevando a amada acima daquele que a ama,

um amor que jamais poderia ser saciado e que sempre aumentava (MCGRATH, 2013, p. 202).

Entretanto, a obra de Lewis ganhou repercussão por dois aspectos negativo e positivo. Para

muitos dos estudiosos dos anos de 1970, o conceito de amor cortês era uma invenção criada a partir

do século XIX. Foram as aspirações daqueles tempos que foram atribuídos à textos da Idade Média,

em um processo de anacronismo. Positivamente, a crítica feita a Lewis pelo capitulo do seu livro

no qual ele faz uma análise sobre o poema The Faerie Queene de Edmund Spencer, indica que

Lewis mais observações sobre as fontes, prosódia, filosofia e estrutura do poema de Spencer do

que toda crítica escrita sobre Spencer no século XIX (MCGRATH, 2013).

Alegoria do amor rendeu a Lewis o prêmio Sir Israel Gollancz Memorial, em 1937. Um

prêmio concedido pela Academia Britânica a obras consideradas extraordinárias que tratavam de

temas relacionados com o anglo-saxão, as origens da língua e literatura inglesa ou obras de autores

ingleses (MCGRATH, 2013, p. 203).

1.2 Lewis: o apologista cristão da Segunda Guerra Mundial.

O projeto de paz construído pela Grã-Bretanha e França no pós Primeira Guerra era falho

e representava a chance de em pouco tempo desembocar em uma Segunda Guerra Mundial.

24

Segundo Hobsbawm (1994) é de fácil compreensão que o calcanhar de Aquiles da paz mundial se

situava nas regras do Tratado de Versalhes. Com a Alemanha e a Rússia temporariamente excluídas

das questões internacionais, assim que ambas recuperassem o seu poderio econômico e militar, um

acordo de paz que se baseasse apenas na Grã-Bretanha e na França, pois a Itália também continuava

insatisfeita, seria impossível de se sustentar. E, foi, exatamente, isso o que aconteceu.

Após a volta da força de influência dessas duas potências, juntando o sentimento de

ressentimento alemão como um Estado derrotado e a insatisfação pelo Tratado de Versalhes, que

era tido como injusto e inaceitável, tanto pela esquerda alemã quanto pela sua extrema direita, o

cenário para a Segunda Guerra Mundial estava montado. A Segunda Guerra Mundial é tida como

um movimento que partiu daqueles que se sentiram penalizados com as normas estabelecidas pelo

fim da Primeira Guerra Mundial contra os outros Estados vencedores que ao verem seus interesses

e territórios ameaçados, adentravam na guerra em busca de defende-los (HOBSBAWM, 1994).

Desse modo, as iniciativas de guerra que vão avançando de ambas as partes, cada vez mais

aumentando o alcance geográfico e colocando mais potências envolvidas no conflito. Até ganhar

caráter de Guerra Mundial. Quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu os bombardeios deixaram

as trincheiras. Cidades como Londres, Paris, Berlim, entre tantas outas, foram atacadas, ameaçando

a vida de cidadãos não estavam envolvidos diretamente nos conflitos. Como ponderam os

historiadores Eric Hobsbawn e René Rémond:

[…] Lá embaixo dos bombardeios aéreos estavam, não as pessoas que iam ser queimadas

e evisceradas, mas somente alvos. Rapazes delicados, que certamente não teriam desejado

enfiar uma baioneta na barriga de uma jovem aldeã grávida, podiam com muito mais

facilidade jogar altos-explosivos sobre Londres ou Berlim ou bombas nucleares em

Nagasaki (HOBSBAWN, 1994, p. 57).

[…] A própria Alemanha abriu o caminho, inaugurando o bombardeio das cidades abertas,

com a finalidade de provocar um efeito terror. Esse método fora experimentado pelos

aviadores nazistas na guerra civil da Espanha sobre as populações de Barcelona, Bilbau

ou Madri. A aviação alemã aplica a mesma estratégia na Polônia em setembro de 1939.

Depois a cidade holandesa de Roterdã sobre os efeitos dos bombardeios em massa, em

maio de 1940. No verão do mesmo ano é a vez das cidades britânicas: Coventry, a

primeira, tem grande parte de sua área urbana arrasada numa noite, logo seguida de

Londres. (RÉMOND, 1974, p. 126).

À medida que a Guerra avança por sobre as cidades, atingiam também os cidadãos civis,

crianças, mulheres e idosos, que permaneciam em suas casas, impossibilitados de participar dela.

25

Nesse contexto, era comum que os mais vulneráveis, como as crianças, fossem enviados para as

casas de campo, onde estariam mais seguras que em suas casas, mesmo porque muitos dos pais

haviam sido enviados para os combates e mães atendiam como voluntárias nos serviços da guerra.

Durante a Guerra Lewis continuou sua carreira como escritor. Em 1940 pública seu

primeiro livro de caráter apologético intitulado O problema do sofrimento. O foco desse livro foi,

como o próprio título já deixa claro, a questão do sofrimento da humanidade em relação ao criador,

Deus. Lewis aborda o pressuposto que se Deus fosse bom ele faria as suas criaturas felizes e se Ele

tem todo o poder Ele poderia fazer o que deseja. Mas, se as criaturas são infelizes, então Deus não

tem todo poder e nem é bom. A partir dessa premissa Lewis constrói sua argumentação,

demonstrando como ela é falaciosa e como o sofrimento é utilizado por Deus como uma das suas

ferramentas para despertar o mundo dos seus problemas. Essa conclusão tornou-se a frase mais

importante e celebre do seu livro Deus sussurra em nossos prazeres, fala em nossa consciência,

mas grita em nossas horas de sofrimento: esse é seu megafone para despertar um mundo surdo (O

PROBLEMA DO SOFRIMENTO, p. 91 apud MCGRATH, 2013, p. 218).

Lewis deixa claro que o seu livro deveria ser entendido em uma perspectiva cristã e, que,

só é possível entender o problema do sofrimento no momento que se entende a natureza caída e

rebelde do homem. Desse modo, o sofrimento serve como uma maneira de demonstrar ao homem

como ele é frágil e permitindo que Deus plante sua verdade dentro de uma alma rebelde. O

problema do sofrimento ainda é considerado uma boa linha de argumentação em relação ao seu

tema proposto se tornando uma obra clássica de caráter apologético.

Dois anos depois, Lewis escreveria Cartas de um diabo a seu aprendiz. O livro conta a

história de um diabo velho chamado Screwtape que orienta seu aprendiz Wormwood a como

manter seus pacientes (as pessoas que ele era responsável) a crer que o cristianismo não poderia

ser verdadeiro (MCGRATH, 2013).

Sua obra o consolidou como um teólogo cristão popular, que soube como transmitir a fé

cristã de maneira diferente dos pregadores das congregações cristãs, agregando vários leitores que

ficaram entusiasmados com seus escritos, levando a se tornar um dos livros mais vendidos durante

a Segunda Guerra. Um ano depois, quando publicado nos EUA, o sucesso se repetiu e logo Lewis

26

possuía fama internacional. Não apenas Cartas de um diabo ao seu aprendiz, mas, o restante de

suas obras escritas foram publicadas por editores norte-americanas (MCGRATH, 2013, p. 234).

A repercussão da sua popularidade também lhe rendeu prestígio na academia. Em Julho de

1943 Oliver Chase Quick o teólogo mais graduado de Oxford, escreveu para o arcebispo de Wiliam

Temple, da Cantuária, o clérigo com mais prestígio da Igreja Inglesa, expressando sua opinião de

que Lewis merecia título de Doutor em teologia, a honraria mais alta que Oxford poderia oferecer,

por ser um dos únicos autores que conseguiam expressar um cristianismo para pessoas comuns de

maneira ortodoxa (MCGRATH, 2013).

Durante a Segunda Guerra as rádios desempenharam um papel fundamental na

disseminação de mensagens e notícias por todo o globo

Quanto aos campos de batalha, os nomes de ilhas melanésias e assentamentos nos desertos norte-

africanos, na Birmânia e nas Filipinas, tornaram-se tão conhecidos dos leitores dos jornais e radio-

ouvintes – e essa foi essencialmente a guerra dos noticiários radiofônicos […] (HOBSBAWM,

1994, p. 32).

Assim, a BBC (British Broadcasting Corporation) se via no dever de oferecer inspiração e

instrução religiosa nos momentos tenebrosos da guerra e, além disso, fornecer a manutenção da

moral nacional (MCGRATH, 2013, p. 222- 223). Em consequência disso, várias vozes se tornaram

populares nas rádios inglesas durante o período de 1939 a 1945. Entre as vozes que se tornaram

famosas ao tratar de assuntos referentes a jardinagem, medicina entre outros, a BBC ainda buscava

a voz da fé que pudesse falar sobre as ansiedades e preocupações espirituais dos britânicos nos

duros tempos da guerra.

Com as tensões relacionadas aos interesses de várias Igrejas, a BBC, na figura do doutor

James Welch, procurava uma voz que não defendesse nenhuma denominação específica, fazendo,

assim, que essa voz abrangesse a totalidade da nação (MCGRATH, 2013, p. 223).

Deste modo, ao descobrir por acaso um livro de C. S. Lewis, intitulado O problema do

sofrimento, Welch encontra nas suas palavras exatamente o que precisava, e não sendo Lewis

pertencente a nenhuma denominação cristã, ele o considerava fora dessas estruturas de poder

(MCGRATH, 2013). Nesse sentido, C. S. Lewis aparece como uma voz importante para os

cidadãos britânicos que ouviam suas palestras nas rádios por onde o público acompanhava o

andamento da guerra.

27

Lewis já fazia algo parecido em suas palestras transmitidas nas estações da Royal Air Force.

Entretanto, possuía uma dificuldade em sua comunicação com as massas, pois ainda usava uma

linguagem acadêmica durante suas transmissões. Não conseguia achar o modo certo de se

comunicar com seus ouvintes, como ele mesmo pondera: “Devemos aprender a linguagem da

nossa plateia. E permitam me dizer desde já que não adianta nada estabelecer a priori o que o

‘homem comum’ entende ou não entende. A gente tem que descobrir pela experiência” (ESSAY

COLLECTION, 2000 p. 153 apud MCGRATH, 2013, p. 225).

Suas palestras na Royal Air Force serviriam de aprendizado para as palestras na BBC.

Estas, sim, alcançariam milhões de ouvintes. Lewis começaria suas palestras em agosto de 1941 e

logo conseguiria encontrar nos ouvintes a receptividade que dele se esperava. Ao todo Lewis fez

quatro séries de sete palestras sendo a última em 4 de abril de 1944 (MCGRATH, 2013).

Em setembro de 1947 Lewis chega ao auge da sua fama se tornando capa da revista Time.

Definido como um autor campeão de vendas e como o mais popular conferencista da Universidade

de Oxford, tornando-se uma das vozes mais influentes do cristianismo em língua inglesa

(MCGRATH, 2013, p. 255).

Em 1952 ele publica Cristianismo puro e simples, considerada um dos seus mais

significativos escritos cristãos. Sua obra consistiu na junção de quatro das suas palestras feitas na

BBC durante a Segunda Guerra.

Com o título Cristianismo puro e simples Lewis se baseava em um cristianismo que vinha

antes das denominações, ou brigas doutrinarias sobre a Bíblia ou o batismo. Para ele esses tipos de

discussões não podiam ultrapassar a visão cristã da realidade que vai além de diferenças

denominacionais. Dessa forma, Cristianismo puro e simples consegue alcançar tanto católicos

como protestantes, por não adentrar em questões doutrinarias que causam choque entre as

denominações cristãs, mostrando um cristianismo que vai além e é mais importante que isso.

(MCGRATH, 2013, p. 237).

O livro trata de questões relacionadas a moralidade, existência de um Deus, leis universais

entre outros conceitos de caráter filosóficos e teológicos, Lewis utiliza a mesma estratégia de suas

palestras radiofónicas para a escrita do livro, trazendo seu leitor a assistir um debate entre duas

28

pessoas que estão discutindo sobre algum tema, e a partir disso constrói seus argumentos e os

apresenta ao leitor (MCGRATH, 2013).

Por fim, entre 1950 e 1956, Lewis publica a obra que será a mais conhecida do grande

público As Crônicas de Nárnia.

1.3 O nascimento de As Crônicas de Nárnia

Vou escrever um livro para crianças. Esse anúncio foi dado por Lewis à senhora Moore5 e

a senhorita Maureen6, durante o café da manhã por volta de Setembro de 1939, justamente, quando

eclodia a Segunda Guerra Mundial. Esse anúncio foi recebido com risadas pelas damas que o

ouviam. Entretanto, conforme o passar dos anos Nárnia ia se consolidando em sua cabeça

(MCGRATH, 2013, p.282).

O fato de C. S. Lewis, não ter tido filhos, possuir apenas contatos esporádicos com crianças,

passar a maioria da sua vida solteiro, surpreendeu as pessoas ao seu redor ao saberem do seu

interesse em escrever obras infanto-juvenis. Entretanto, Lewis justifica sua vontade de escrever

para crianças para satisfazer uma necessidade própria sua. Talvez, nem ele mesmo soubesse

explicar: não tenho muita certeza sobre o que me terá levado, em determinado ano de minha vida,

a sentir que não apenas um conto de fadas, mas um conto de fadas voltado para crianças, era

exatamente o que eu devia escrever – ou explodir (ON THREE WAYS OF WRITING FOR

CHILDREN, p 510 apud JACOBS, 2015, p.333-334).

Lewis já possuía um arsenal teórico que o possibilitava ter começado a escrita de As

Crônicas de Nárnia antes de 1948 por ser ele um conhecedor e incansável leitor de contos de fadas.

Entretanto, admite que sentia-se envergonhado por ser atraído por esse tipo de literatura. Entre os

5 Mulher do qual Lewis, teve um relacionamento complicado de se definir até para os seus biógrafos, sendo essa mãe do seu melhor amigo. 6 Filha da senhora Moore, e irmã de Paady Moore, um dos melhores amigos de C. S. Lewis morto na Primeira Guerra Mundial.

29

seus autores favoritos estão: George MacDonald7, Keneth Grahame8. Beatrix Potter9 e, a já

mencionada, E. Nesbit. Tal como pondera Lewis em sua fala:

Quando eu tinha dez anos, lia muitos contos de fadas em segredo e teria me sentido

envergonhado se alguém me pegasse fazendo isso. Hoje aos cinquenta anos, leio-os

abertamente. Quando cheguei à meia idade, abri mão de coisas infantis como, por exemplo,

o medo de parecer infantil e o desejo de ser adulto (MACSAIW, HARD, 2015, p. 333).

Lewis também reforça esse sentimento de vergonha em relação aos contos de fadas presente

nos adultos na dedicatória à sua afilhada Luci Barfield, no início do livro, O leão a feiticeira e o

guarda-roupa.

“Minha querida Lucy, comecei a escrever essa história para você, sem lembrar-me de que

as meninas crescem mais depressa do que os livros. Resultado: agora você está muito

grande para ler contos de fadas; quando o livro estiver impresso e encadernado, mais

crescida estará. Mas um dia virá em que, muito mais velha você voltara a ler histórias de

fada. Irá buscar este livro em alguma prateleira distante e sacudir-lhe o pó. (LEWIS, 2009,

p. 102).

Acreditamos ser esse sentimento uma das razões para que ele só retomasse a escrita das

obras infantis depois dos 50 anos de idade. As Crônicas de Nárnia, por exemplo, foram escritas

por ele quando já possuía 50 anos, somente em 1948. (MCGRATH, 2013, p. 282).

O nascimento de Nárnia se baseou em uma imagem que o acompanhara desde a sua

juventude:

Todo o Leão começou com uma imagem de um fauno carregando um guarda-chuva e

pacotes em uma floresta coberta de neve. Essa imagem esteve em minha cabeça desde que

eu tinha 16 anos. Um dia, então, já quase entrando nos quarenta, eu disse a mim mesmo:

Vamos tentar criar uma história sobre isso (IT ALL BEGAN WITH A PICTURE p. 529

apud JACOBS, 2015, p.334).

Dentre as experiências de Lewis durante a Segunda Guerra Mundial, ele próprio recebeu

em sua residência quatro crianças fugindo dos bombardeios que assolavam Londres. Neste período

7 Foi escritor, poeta e ministro cristão escocês, considerado uma das inspirações para C. S. Lewis. 8 Foi um escritor britânico voltado principalmente para obras de ficção e fantasia escritas para crianças, sua principal obra The Wind in the Willows é considerada um dos maiores clássicos da literatura infantil. 9 Helen Beatrix Potter, foi uma escritora inglesa que ganhou destaque por seus livros infantis de grande originalidade e valor intemporal, tais como: A história do Pedro Coelho.

30

ele escreveu um texto que se assemelha muito ao início da saga As Crônicas de Nárnia, deixando

perceber como o contexto histórico que Lewis estava imerso é presente no trecho:

Este livro é sobre quatro crianças cujos nomes eram Ann, Martin, Rose e Peter. Acima de

tudo, porém, o livro diz respeito a Peter que era o mais jovem. Todas essas crianças

tiveram de abandonar Londres de repente, devido aos ataques aéreos e porque o Pai que

estava no Exército, havia partido para a guerra, e a Mãe vinha fazendo algum tipo de

trabalho associado à guerra. Elas foram mandadas para ficar com um conhecido de sua

Mãe, um Professor muito velho que vivia sozinho no campo (GREEN E HOOPER, 2002,

p. 303 apud JACOBS, 2015, p. 334).

Vejamos agora como essa passagem está descrita em As Crônicas de Nárnia, mesmo que

de uma perceptiva diferente do fragmento escrito por ele durante a Segunda Guerra. A semelhança

ocupa a maior parte do texto, nos dando uma convicção de que este escrito, somado ao insight

relacionado ao fauno e ao guarda-chuva, se tornou o sustentáculo do início da primeira obra O leão

a feiticeira e o guarda-roupa.

Era uma vez duas meninas e dois meninos: Susana, Lucia, Pedro e Edmundo. Esta história

nos conta algo que lhes aconteceu durante a guerra, quando tiveram de sair de Londres,

por causa de ataques aéreos. Foram os quatro levados para a casa de um velho professor,

em pleno campo, a quinze quilômetros de distância da estrada de ferro, e a mais de três

quilômetros da agência de correios mais próxima (LEWIS, 2009, p. 103).

O nome fictício Nárnia, surgiu enquanto Lewis estudava os clássicos com seu professor

Kirkpatrick. Ele sublinhou o nome de uma antiga cidade italiana em seu exemplar de atlas do

mundo clássico, a razão foi ter gostado do som da palavra quando falada. A cidade sublinhada por

Lewis consiste hoje na atual cidade italiana de Narni, na região da Úmbria (MCGRATH, 2013, p.

282).

Já em relação ao leão Aslam, Lewis nunca pontuou alguma inspiração privilegiada que

possa ter formado a imagem dele na sua mente: Não sei de onde surgiu o leão, ou porque ele

surgiu. Mas depois que apareceu, ele amarrou toda a história. (IT ALL BEGAN WITH A

PICTURE, p. 529 apud MCGRATH, 2013, p. 301).

Entretanto, McGrath sugere várias explicações de como foi construído o personagem do

leão na mente de Lewis. A primeira delas refere-se ao conto escrito pelo seu amigo íntimo

Charles Williams, intitulado The Place of the Lion (1931) que Lewis lera demonstrando bastante

31

interesse, salientando que a imagem do leão poderia ter uma possibilidade de ser melhor

desenvolvida (MCGRATH, 2013, p. 301.)

A segunda explicação para McGrath remete o leão em seu sentido teológico, por ser ele, na

narrativa cristã, uma das imagens de Cristo no Novo Testamento: Todavia, um dos anciões me

disse: Não choreis; eis que o Leão da tribo da Judá; a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e

os seus sete selos (APOCALIPSE 5:5). Além disso, o leão é um dos símbolos da paróquia anglicana

de São Marcos a qual Lewis frequentava regularmente quando criança.

Por fim, de acordo com McGrath, devido à própria influência do nome Aslam na literatura

e na história de que Lewis era conhecedor:

Lewis descobriu o nome Aslam nas notas de Edward Lane à sua tradução de As mil e uma

noites (1838). O nome Aslam é particularmente mais significativo na história colonial

otomana. Até o fim da Primeira Guerra Mundial, a Turquia era um poder imperial,

influenciando consideravelmente a política e a economia de muitas regiões do Oriente

Médio. Embora Lewis ligue sua descoberta do termo As mil e uma noites, é perfeitamente

possível que ele também o tenha conhecido por meio do clássico estudo de Richard

Davenport de 1838: The life of Ali Pasha, Vizier of Epirus: Surnamed Aslan, or the Lion

[Biografia de Ali Pasha, vizir de Épiro: apelidado de Aslam, ou seja o Leão]. Davenport

havia publicado antes uma importante biografia de Edmund Spenser (1822), que Lewis

teria conhecido ao pesquisar sobre o poeta. Essa linhagem otomana explica como Lewis

passou a usar o nome turco “Aslam” para seu grande leão. (MCGRATH, 2013. p. 301).

Pode-se concluir, a partir das análises de McGrath, que C. S. Lewis utilizava amplamente

as referências e símbolos que gravitavam a sua volta para a elaboração de sua ficção.

Aspectos conceituas também devem ser considerados na análise sobre a criação de As

Crônicas de Nárnia. Abordaremos alguns que consideramos mais relevantes: o primeiro diz

respeito à diferença entre imaginativo e imaginário. De acordo com Lewis, Nárnia seria um mundo

imaginativo e não imaginário, a distinção que ele apresenta entre os dois é que enquanto:

“o imaginário é algo que foi imaginado falsamente sem ter uma contrapartida na realidade

[…], o imaginativo é algo produzido pela mente humana em sua tentativa de responder

algo maior do que ela mesma, lutando para descobrir imagens adequadas da realidade.”

(MCGRATH, 2013, p. 279)

32

Dessa forma, sabendo Lewis que os contos de fada proporcionavam uma maneira de

explorar questões filosóficas e teológicas – como a origem do mal, a natureza da fé, e o desejo

humano de Deus – se apropria disso para, através da imaginação, abrir uma porta para reflexões

mais profundas (MCGRATH, 2013, p. 279, 280).

No aspecto citado acima, não podemos deixar de mencionar a importância que Charles

Williams10 exerceu na maneira de Lewis pensar à moralidade nas histórias:

[...] a chave do progresso moral é, portanto, cativar a imaginação por meio da narração de

arrebatadoras histórias de valentes cavaleiros de coragem heroica. Essas histórias inspiram

e enobrecem, levando-nos a almejar fazer a mesma coisa em nosso mundo particular

(MCGRATH, 2013, p. 284).

Lewis concordava com isso, e definiu dois aspectos de si mesmo que, segundo ele, estavam

operantes quando escreveu As Crônicas de Nárnia. O primeiro era o Autor, que respondia a

sugestões da sua mente criativa apoderando-se das imagens ali criadas – faunos com pacotes, leões

poderosos -, e as combina de modo a formar uma narrativa. O segundo era o Homem que

examinando o desenvolvimento dessa história a partir de fora, por assim dizer, vê seus

acontecimentos como possíveis lições práticas. (JACOBS, 2015, p. 336).

Dessa forma, Lewis tenta se resguardar da sua fama de apologista cristão, ao tentar

demonstrar que a história de Nárnia é apenas Nárnia, e não uma maneira de teologia ou polêmica

disfarçada. Entretanto, é utopia pensar que o lado criativo de Lewis seria tão forte a ponto de

reprimir suas convicções, isso é o que pensa alguns de seus críticos e o que poderá ser visto em

nossa análise. (JACOBS 2015, p.336, 337).

Outro aspecto conceitual que destacamos diz respeito ao conceito de numinoso em Lewis,

cuja influência vem da clássica obra religiosa de Rudolf Otto, intitulada O sagrado (1923), lida por

Lewis em 1936 e citada por ele como uma das que mais o influenciou. Foi a partir dessa obra que

Lewis passou a entender a importância do numinoso – qualidade misteriosa e assombrosa de certas

coisas e seres reais ou imaginados: O relato de Otto sobre suas experiências com o numinoso

possuía dois tipos de tema: um “mysterium tremendum”, ou seja uma sensação de mistério que

10 Charles Walter Stansby Williams foi um poeta, escritor, crítico literário e teólogo britânico, membro da Ordem Hermética da Aurora Dourada.

33

evoca temor e tremor e um “mysterium fascinans” ou seja um mistério que fascina e atrai

(MCGRATH, 2009. p. 302-303).

Vejamos como Lewis se apropria desse tipo de conceito em As Crônicas de Nárnia, na

figura do leão Aslam:

- Dizem que Aslam está a caminho; talvez até tenha chegado. E aí aconteceu uma coisa muito engraçada. As crianças ainda não tinham ouvido falar de

Aslam, mas no momento em que o castor pronunciou esse nome, todos se sentiram

diferentes. Talvez isso já tenha acontecido a você em sonho, quando alguém lhe diz

qualquer coisa que você não entende, mas que, no sonho, parece ter um profundo

significado – o qual pode transformar o sonho em pesadelo ou em algo maravilhoso, tão

maravilhoso que você gostaria de sonhar para sempre o mesmo sonho. Fo o que aconteceu. Ao ouvirem o nome de Aslam, os meninos sentiram que dentro deles

algo vibrava intensamente. Para Edmundo, foi uma sensação de horror e mistério. Pedro

sentiu-se de repente cheio de coragem. Para Susana foi como se um aroma delicioso ou

uma linda ária musical pairasse no ar. Lucia sentiu-se como quem acorda na primeira

manhã de férias ou no princípio da primavera. (LEWIS, 2009, p. 133).

Podemos perceber, no trecho acima, como Edmundo é afetado pela experiência numinosa

misterium tremendum, ao mesmo tempo que Lúcia, Susana e Pedro são afetados pela experiência

numinosa misterium fascinans. O que demonstra o uso desses conceitos importados de Otto por

Lewis.

C. S. Lewis, juntamente com John Ronald Reuel Tolkien11, Edward Morgan Foster e

Herbert Read fazem parte do conjunto de escritores literários, da primeira metade do século XX,

que usam a fantasia como gênero literário e como processo mental na construção das suas escritas.

(JEHA, 2001.)

Para Herbert Read a distinção entre o processo mental e o produto literário seria a fantasia

que se distinguia da imaginação. Tolkien observa a fantasia como uma capacidade voltada para a

criação de um mundo e uma crença secundárias que provocam uma sensação de encantamento ao

leitor. A fantasia era uma ferramenta aliada ao homem na busca de entender o que é real e o que

não é. O ser humano, sendo o único que consegue jogar com essas diferenças entre real e

imaginário, criando novos mundos imaginários possíveis. Já para C. S. Lewis a fantasia consiste

em tudo aquilo que lida com o impossível ou que vai além do natural. Seguindo a mesma linha de

11 John Ronald Reuel Tolkien, escritor, poeta, filósofo, e professor universitário britânico. O senhor dos anéis é considerada sua obra mais conhecida.

34

pensamento de Tolkien, relacionava literatura de fantasia a uma construção humana no campo do

intelecto que o permita conectar o real com o imaginário. (JEHA, 2001).

Alguns autores defendem a fantasia como uma característica que denota não só a uma

literatura específica, mas todo tipo de literatura, não sendo ela um gênero comum, mas um

supergênero. Poul Anderson, um dos defensores dessa corrente, pondera que toda a fantasia é

realista já que em algum momento ela nos diz algo sobre o mundo real. De maneira parecida, David

Pringle considera a fantasia a fonte e a origem que serve de reprodutor para outros gêneros. A

fantasia seria tudo aquilo que denota relação com o mágico, maravilhoso ou ideia de outro mundo

(JEHA, 2001.)

Estes autores definem tanto o fantástico quanto o conto maravilhoso e a ficção científica

em termos epistemológicos. Julio Jeha conclui que:

As manifestações literárias da fantasia são tidas, em geral, como maneiras de conhecer o

mundo, mas talvez seja mais exato falar delas como representações de mundos que

parecem possíveis para os autores (...), a tendência à fantasia caracterizar-se-ia como uma

tentativa de apresentar ao leitor um mundo diferente daquele que ele está acostumado a

experimentar todos os dias. Embora criado com elementos naturais, esse outro mundo

possui também elementos sobrenaturais ou irreais, estranhos à economia do real do leitor.

Essa mistura provocaria um estranhamento que, por sua vez, despertaria o leitor para a

possibilidade de cada indivíduo experimentar o mundo de maneira singular. (JEHA, 2001,

p. 124.)

Sendo assim, na literatura, a fantasia se manifesta tantos nos textos que são fantasiosos

como nos textos de cunho realista, sendo toda a ficção fruto de alguma fantasia e toda fantasia fruto

de algo real para existir (JEHA, 2001).

O método de escrita que Lewis optou ao escrever As Crônicas de Nárnia era bastante

flexível, escolhendo um modelo ficcional que o permitia manejar um mundo imaginativo e

fantástico e um mundo “real”, relacionando-os sem que isso causasse uma ruptura na história. Isso

permitia a Lewis a facilidade de ligar elementos de um mundo que coexistem Papai Noel e Aslam,

o que também permitia que ele pudesse criar alegorias cristãs e lições de moral cristã na sua obra.

Essa maneira de escrita desenvolvida por Lewis incomodava seu amigo Jonh Ronald Reuel

Tolkien, que buscava uma coerência na escrita, em que o mundo que fantasioso que criara não se

confundia com a realidade. Deste modo, acusava Lewis de não possuir uma história consistente,

35

que seus recortes mitológicos eram desprovidos de coerência, por exemplo, ao inserir o Papai Noel

no meio da narrativa de As Crônicas de Nárnia. (MCGRATH, 2013, p.282). Entretanto, esse modo

de escrita não agradava a Lewis que preferia fazer uso de quaisquer ferramentas literárias que caísse

em sua mão, mostrando, assim, uma habilidade peculiar em amarrar a trama (JACOBS, 2015. p.

344).

Outra crítica de Tolkien a Lewis se referia a velocidade da escrita de As Crônicas de

Nárnia. Lewis conseguiu escrever cinco dos sete romances entre meados de 1948 e o primeiro

semestre de 1951, sendo eles O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, Príncipe Caspian, A viagem

do Peregrino da Alvorada, O cavalo e seu menino e A cadeira de prata, A última batalha seria

concluída no fim de 1952 e, por fim, O sobrinho do mago em 1954. Para Tolkien, essa velocidade

seria um sinal de superficialidade da obra. Mas, o mais grave, Tolkien acusava Lewis de se

apropriar de algumas das suas ideias sem lhe dar o devido reconhecimento por isso (MCGRATH.

2013. p.282).

Lewis era membro da Faculdade de Língua e Literatura de Oxford e em uma das reuniões

docentes conheceu John Ronald Reuel Tolkien, em maio de 1926. Tolkien era um professor de

anglo-saxão, e nessa reunião logo se envolveu em uma discussão com Lewis sobre qual seria a

melhor maneira de se ensinar literatura inglesa (MCGRATH, 2013, p. 148).

O relacionamento de Lewis com Tolkien foi considerado um dos mais importantes da sua

vida, tanto pessoal quanto profissional. Houve ocasiões em que ficavam conversando toda a

madrugada sobre mitologia. Mas, os encontros mais significativos entre os dois eram na segunda

feira pela manhã, quando Tolkien ia visitar Lewis para beber, conversar e trocar ideias sobre suas

construções literárias (MCGRATH, 2013, p. 192).

Essas trocas de ideias literárias ajudavam tanto Lewis na construção da sua escrita, quanto

ajudavam a Tolkien, que credita a Lewis a motivação e o encorajamento necessário para concluir

a principal obra da sua carreira O senhor dos anéis, como podemos observar no trecho a seguir:

A dívida impagável que tenho para com Lewis não foi uma “influência” no sentido comum

desse termo, mas o puro e simples encorajamento. Ele foi por muito tempo minha plateia.

Somente por meio dele eu concebi a ideia de que minhas “coisas” poderiam ir além de um

hobby pessoal. Se eu não contasse com o interesse dele e com sua incessante avidez por

mais história, nunca teria concluído O senhor dos anéis (THE LETTERS OF J. R. R.

TOLKIEN, 1981 p. 83 apud MCGATH, 2013, p. 216).

36

Da mesma forma, não se pode negar a influência de Tolkien na construção da obra de C.

S. Lewis e no seu processo de passagem do teísmo ao cristianismo, sendo Tolkien considerado por

Lewis o criador do argumento racional que o levou a isso. Em um diálogo entre os dois, Tolkien

demonstra que a estrutura narrativa dos mitos remete também a trajetória bíblica de Cristo:

-Você vê a semelhança entre a narrativa dos mitos e das Escrituras, particularmente na

história da paixão? - perguntou Tolkien para Lewis certa noite. -Vejo – respondeu Lewis. Elas têm a mesma estrutura: a história de um mal acometido à

humanidade, de um Deus que se sacrifica para salvar a mesma e que ascende de volta aos

céus, levando-a consigo. -Pois é, mas há uma grande diferença – observou Tolkien – Em Cristo, o mito se tornou

fato! (GREGGERSEN, 2016, p. 22.)

Dessa forma, podemos deduzir que Lewis apropria da estrutura dos mitos cristãos para

construir, seu conto de fadas, como é possível ver em O leão, a feiticeira, e o guarda-roupa.

Contudo, Lewis não enxerga As Crônicas de Nárnia como uma alegoria, já que na alegoria a ação

dos personagens é evidentemente ficcional. Lewis trabalha com a suposição de que realmente

poderia haver outro mundo criado por Deus e um inimigo como a Feiticeira Branca. Vejamos como

Lewis argumenta sobre esse assunto:

De fato, não estou representando a história real em símbolos. O que proponho é mais ou

menos o seguinte: “Suponha que haja um mundo como o de Nárnia, que esse mundo

precisasse de um resgate e que o Filho de Deus (ou o Grande Imperador de Além-Mar)

viesse redimi-lo, da mesma maneira que veio redimir o nosso. Então no que daria isso

tudo naquele mundo? ” (HOOPER12, 1993, p. 475 apud GREGGERSEN, 2015, p. 26).

No começo da escrita da sua obra, Lewis não imaginava que ela teria caráter cristão e nem

que Aslam se tornaria seu protagonista, segundo ele: quase não fazia ideia de como a história

prosseguiria. De alguma maneira o Leão entrou na narrativa por razões que o próprio Lewis não

compreendia […], logo ele já dispunha de material para as outras seis histórias de Nárnia que se

seguiram(JACOBS, 2015, p. 335).

12 Walter McGehee Hooper é um administrador e conselheiro literário do espólio de C. S. Lewis. Em 1963 serviu brevemente como secretario de Lewis, depois de sua morte Hooper se dedicou a memória de Lewis e acabou fixando residência em Oxford, onde vive até hoje.

37

Em relação ao caráter cristão da história ele sempre insistiu em afirmar que nunca lhe

passou pela cabeça acrescentar uma doutrina cristã na saga, por não conseguir escrever algo desse

tipo e que o elemento cristão se introduziu na história.

Não é claro que não foi inconsciente. Mas até onde eu consigo me recordar, nem mesmo

foi, a princípio intencional. Isto é, quando comecei O leão, a feiticeira, e o guarda-roupa,

não creio que tenha previsto o que Aslam faria ou sofreria. Acredito que ele apenas

insistiu em comportar-se de seu próprio jeito. É claro que compreendi isso e toda a

série de crônicas tornou-se cristã (HOOPER, 1993, p.486 apud GREGGERSEN, 2016, p.

26). (Destaque do autor).

Lewis, nos leva a entender que em seu processo de escrita, de certa forma, ficava tomado

por algum tipo de inspiração divina, levando-o a escrever intuitivamente, sem que tivesse o

controle do processo.

De fato, o que podemos perceber é que C. S. Lewis tomou emprestado fragmentos de

diferentes narrativas para criar As Crônicas de Nárnia, histórias que já conhecia e que

considerava confiável, inclusive, a cristã destacando a criação, queda, redenção e consumação.

Sendo As Crônicas um recorte imaginativo dessas narrativas. Lewis usa de todo seu

conhecimento teórico como escritor para tratar das problemáticas citadas acima, além dos temas

do dia a dia da fé cristã, abordados também em outros dois livros seus de caráter teológico:

Cristianismo Puro e Simples (1952) e Cartas de um diabo a seu aprendiz (1942). Para McGrath:

[…] as histórias de Nárnia nos permitem entrar na história cristã e experimentá-la, julga-

lá por sua capacidade de dar sentido à realidade e de “sintonizar-se” como nossas mais

profundas intuições acerca da verdade, da beleza e da bondade. Se a série for lida na ordem

de sua publicação o leitor entra na narrativa O leão, a feiticeira, e o guarda-roupa, que

diz respeito à vinda – tecnicamente ao “advento” - do Redentor. O sobrinho do mago trata

da narrativa da criação e da queda, enquanto A última batalha se refere ao fim da velha

ordem e a chegada da nova criação. Os outros quatro contos (O Príncipe Caspian, A viagem do Peregrino da Alvorada, O

cavalo e o seu menino e A cadeira de prata) tratam do período entre esses dois eventos.

Lewis explora aqui a vida de fé, vivida na tensão entre as vindas de Aslam: a passada e a

futura. Aslam é agora simultaneamente objeto de memória e de esperança. Lewis fala de

um intenso anseio por Aslam, quando ele não pode ser visto claramente; de uma robusta,

mas graciosa fé, capaz de suportar o cinismo e o ceticismo; de pessoas de caráter que

caminham confiantes através da terra das sombras, vendo apenas “um reflexo obscuro,

como em espelho” e aprendendo a lidar com um mundo no qual elas são assaltadas pelo

mal e pela dúvida (MCGRATH, 2013, p. 297).

A escolha de Lewis de produzir exatamente sete histórias para compor a coleção As

Crônicas de Nárnia sempre foi algo que inquietou seus críticos, alguns acreditavam que a escolha

38

derivava do seu apreço pelo poema The Faerie Queene (1590-1596), do poeta renascentista

Edmund Spencer, do qual Lewis importara o conceito de Terra das Fadas, que consiste na

capacidade de criar um mundo vasto, sujeito a vários tipos de aventuras, mas garantindo que o

ambiente da história evitasse que sua unidade fosse perdida. Este poema também possui sete

histórias (MCGRATH, 2013. p.310).

Em um relato de Lewis a um amigo, ele teria dito que, caso fosse escrever mais de um livro

das Crônicas, escreveria três, sete ou nove, porque são esses os números mágicos (WRONG, 2005,

p. 202 apud JACOBS, 2015, p. 346). Entretanto, de todas essas possibilidades a de Michael Ward,

é a que encontra mais aceitação ente os estudiosos do autor.

Segundo Michael Ward, Lewis incorpora a cada história de Nárnia os traços

característicos de um dos sete planetas da cosmologia medieval justificando sua afirmação da

seguinte forma:

O fato de Lewis ter um profundo interesse por essa cosmologia fica evidente em seu

poema Os Planetas, em sua A Trilogia de Ransom e em seu estudo do pensamento

medieval intitulado A imagem descartada. Em O leão, a feiticeira e o guarda-roupa incorpora o espírito festivo e majestoso de

Júpiter, O Príncipe Caspian a natureza bélica de Marte; A viagem do peregrino da

alvorada avança o tempo todo em direção ao brilho fulgurante do Sol; A cadeira de prata,

com seu tema da mudança e sua Feiticeira que se esconde do Sol, é dominado pela Lua,

associada ao metal prata; a separação e a reformulação do metal mercúrio condizem com

os acontecimentos de O cavalo e o seu menino, regido pelo planeta de mesmo nome; O

sobrinho do mago é totalmente sobre o amor criativo, que convém a livro regido por

Vênus; e o fim da antiga Nárnia em A ultima batalha é presidido pelo longevo Saturno,

que aparece no livro como o Gigante do Tempo (WARD, 2008 apud JACOBS, 2015, p.

347).

Ward demonstra a estrutura profunda que As Crônicas de Nárnia possui ligada à

cosmologia medieval. Deste modo, se Ward estiver certo Lewis extraiu temas do campo da

especialidade – literatura medieval e renascentista – para conferir coerência às Crônicas de

Nárnia como um todo, conferindo a cada romance sua identidade distinta (MCGRATH, 2013, p.

312).

Nas crônicas, partindo do que apresentamos acima, pressupõe-se que é necessário ter um

pouco do conhecimento sobre a vida de Lewis e sobre a filosofia cristã para entender a saga a partir

da perspectiva lewisiana (GREGGERNSEN, 2016, p.27). Entretanto, vale ressaltar também que

nada impede que um leitor que não conhece nada sobre Lewis, ou sobre o cristianismo se aventure

39

no universo encantado de Nárnia, é evidente que a mensagem da história perderia seu caráter sacro

e se vincula a outros sentidos, ligado ao mundo da fantasia e da imaginaçao. Nesse sentido, As

Crônicas de Nárnia não deve ser considerada uma obra de interpretação apenas cristã, ela, como

toda obra literária, é polissêmica, carregada de diferentes tipos de sentidos para cada um que a lê.

Sua mensagem pode alcançar públicos diferentes, por fim, fica a ponderação feita por Alister

McGrath:

Lewis sempre reconheceu que a mesma história pode ser um “mito” para um leitor e não

o ser para outro. As histórias de Nárnia parecem tolices infantis para alguns. Para outros,

todavia, elas são completamente transformadoras. Para estes, essas histórias evocativas

afirmam que é possível que os fracos e os loucos tenham, num mundo de trevas, uma

vocação nobre; o que nossas mais profundas intuições apontam para o verdadeiro

significado das coisas; que existe de fato algo belo e maravilhoso no âmago do universo;

e que isso pode ser descoberto, abraçado e adorado. (MCGRATH, 2013, p. 295.)

Por todos os pressupostos apresentados acima concluímos que não há possibilidades de

negar que a vida do autor, influenciou diretamente na sua obra e nas escolhas na construção de As

Crônicas de Nárnia, e que os aspectos políticos, religiosos, e literários por ele conhecidos e

legitimados, serviram de moldura para a construção da sua obra infantil literária.

Lewis continuou dando aula e se transferiu para o Magdalene College de Cambridge,

assumindo a cátedra Rei Eduardo VII de Língua e Literatura Inglesa em Janeiro de 1955, parando

assim de lecionar, no Magdalen College em Oxford.. No período que Lewis esteve em Cambridge

sua construção literária foi imensa, escreveu treze e quarenta e quatro artigos, sem mencionar

poemas e resenhas. Entretanto, em outubro de 1963, por motivos de saúde, Lewis pediu demissão

da sua cátedra (MCGRATH, 2013, p. 322).

Após várias complicações referentes ao aumento da sua próstata, falha dos seus rins e a

diminuição do funcionamento do seu coração, Lewis foi a óbito no dia 22 de novembro de 1963,

aos 65 anos de idade (MCGRATH, 2013).

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Considerações Finais

O desenvolvimento do presente estudo permitiu que entendêssemos melhor dos parâmetros

históricos que envolvem a escrita de um texto e de que maneira um sujeito pode usar do exercício

da escrita para expressar suas ideias e convicções, mesmo que de maneira cifrada.

O nosso trabalho teve como objetivo refletir sobre como o contexto histórico, o meio social

em que estava inserido e as convicções religiosas de C. S. Lewis o levaram a construção da obra

As Crônicas de Nárnia.

Clive Staples Lewis, mais conhecido como C. S. Lewis, utilizou-se de todo o emaranhado

de informações, memórias e acontecimentos que suas experiências infantis, durante a adolescência

e na sua vida adulta lhe permitiram para criar As Crônicas de Nárnia. Destacando o seu

conhecimento acadêmico e sua atuação nas duas guerras mundiais.

O conhecimento acadêmico de Lewis no campo da literatura lhe proporcionou a bagagem

teórica necessária para a construção de um universo fantasioso, formado por figuras mitológicas

que fossem coerentes com as regras de escrita que só um especialista em Língua Inglesa possuiria.

O seu conhecimento histórico lhe proporcionou a criação de um mundo com as problemáticas e

conflitos próprios de um mundo “real.”.

Nesse sentido, ao construir a biografia de C. S. Lewis pudemos confirmar, a partir de uma

vasta bibliografia, nossa hipótese inicial: de que As Crônicas de Nárnia carregam muito da vivência

de Lewis, imagens que foram sendo construídas ao longo de sua vida inteira.

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