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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
LARISSA CHIULLI GUIDA
O AGRONEGÓCIO CAFEEIRO E A PLURIATIVIDADE
EM MUZAMBINHO/MG: A RELAÇÃO CAMPO-CIDADE E
O HIBRIDISMO ESPACIAL
ALFENAS – MG
2011
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LARISSA CHIULLI GUIDA
O AGRONEGÓCIO CAFEEIRO E A PLURIATIVIDADE
EM MUZAMBINHO/MG: A RELAÇÃO CAMPO-CIDADE E
O HIBRIDISMO ESPACIAL
Trabalho de conclusão de curso
apresentado à Universidade Federal
de Alfenas, para obtenção do título
de bacharel em Geografia.
Área de Concentração: Geografia
Humana
Orientador: Prof. Dr. Flamarion Dutra
Alves
ALFENAS - MG
2011
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À memória de Jovani
Guida, o altruísta; e de
Geralda dos Santos
Guida, exemplo de fé.
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AGRADECIMENTOS
Este trabalho finda um curso de graduação e uma fase de minha vida, para chegar neste momento final, houve a contribuição de muitas pessoas, que cotidianamente, através de palavras e atitudes, auxiliaram em minha construção acadêmica e pessoal. Não significa que estas palavras e atitudes tenham sido sempre boas e positivas, por isso, como católica que sou, agradeço primeiramente à Deus, por ter sido meu amigo mais íntimo e fiel, ter abençoado minhas escolhas, ter me orientado nos momentos de lhe dar com as palavras e atitudes que não foram boas, e acima de tudo, por ter sempre encaminhado para perto de mim pessoas que as quais, estas sim, tenho muito a agradecer. Agradeço ao apoio de toda minha família, acima de tudo, por ter me ensinando o que é ser e ter família, apoio e carinho mútuos porque sozinhos não conseguimos, principalmente à minha mãe POR TUDO, ao meu irmão Raphael, o responsável por eu ter entrado no curso de Geografia e hoje estar me formando, ao meu irmão Giovanni, meu eterno companheiro de molecagens (inclusive em sua curta estadia em Alfenas) e por ter assumido tão bem ser um adulto no momento necessário, me dando condições para prosseguir, ao tio Luiz por sempre querer participar de minha vida e à “sá Lurdinha” por ter sido durante minha vida a segunda mãe e hoje agradeço apenas pela sua presença, que pra mim é vital. Agradeço à Alfenas, que me acolheu e demonstrou que sempre há novos lugares, à Universidade Federal de Alfenas, pela graduação e o prazer de se estar em âmbito universitário, mesmo com todos os “perrengues”, aos professores, em particular meu agradecimento à professora Ana Rute, ao professor Clibson, ao professor Ronaldo, ao professor Samuel Frederico, à professora Marta, ao professor Evânio por terem sidos professores e amigos. E das amizades, agradeço em especial à Gabriela Luz Darcadia, Guilherme Otávio Gallo, Cassiano Gustavo, Mária Bruna, Alex Cristiano e Patrícia Cassetti. Agradeço às turmas da Geografia Licenciatura e Bacharelado 2008, um prazer ter estado em ambas. Agradeço profundamente às Meninas Gerais (Glau, Gabi, Bel, Rê, Laurinha, May e Bibi) pelo convívio e por fazê-lo dele tão grandioso, obrigada meninas pelo respeito e pela liberdade de encontrar na república um segundo lar. E de maneira geral, agradeço aos amigos, aos antigos, aos recentes, aos presentes, aos ausentes, sempre fizeram diferença em minha vida. Por reconhecer assim a importância de uma amizade, agradeço ao Flamarion Dutra Alves pela acolhida enquanto orientanda (não nos restava alternativas, mas incrível, parece ter sido uma escolha “a dedo”), pela orientação, conhecimento transmitido e paciência. Agradeço imensamente pelo convívio externo à sala dos professores, pela amizade e preocupação constantes, “pelos empurrões” enquanto amigo e enquanto professor. Muito obrigada “frama”, por motivos vários, sabemos que não fosse sua compreensão, este trabalho não se concluiria.
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RESUMO
A produção agrícola da mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais está relacionada historicamente ao desenvolvimento econômico desta região. Atualmente, a região é reconhecida pela produção especializada do café. Mediante a este fato, diversos municípios tiveram seu desenvolvimento condicionado à produção do campo, tanto à agricultura familiar quanto à produção cafeeira especializada. Nestes pressupostos, foi investigado a ocorrência da produção agrícola do município de Muzambinho, que possui a produção cafeeira como principal agente no mercado econômico da cidade, e tem apresentado grande expansão de atividades pluriativas. Nesse sentido, o trabalho apresenta as duas formas opostas da produção agrícola em Muzambinho, o agronegócio cafeeiro e as pluriatividades. Dessa forma, foram estudados os bairros rurais Palméia e Macaúbas a fim de entender a relação campo-cidade e as ruralidades e urbanidades no município de Muzambinho.
Palavras-chave: campo-cidade, agronegócio, pluriatividade, Muzambinho.
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LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Classificação dos grupos de cidades............................................ 16 Quadro 2 – Características básicas da agricultura familiar e agronegócio......17 Quadro 3 – Principais serviços vinculados à produção agrícola e cafeeira.... 24 Quadro 4 – Principais produtos agrícolas do município de 2004 – 2008....... 29 Quadro 5 – Distribuição populacional em Muzambinho/MG em 2010............ 29 Quadro 6 – Estrutura fundiária em Muzambinho/MG, 2006............................ 30 Quadro 7 – Distribuição espacial da área agropecuária em 2010.................. 31 Quadro 8 – Relação dos serviços intersetoriais ofertados por Muzambinho/MG para produção cafeeira..................................................................................... 34 Quadro 9 – Características dos elementos das ruralidades em Muzambinho/MG............................................................................................... 37
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Produção de café em Muzambinho/MG de 2004 a 2010............... 27 Tabela 2 - PIB municipal e valores agregados aos setores em Muzambinho/MG de 2004 2008.................................................................................................... 28 Tabela 3 – Participação dos produtos agrícolas no PIB agropecuário de 2008.................................................................................................................. 28
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1 – Antigo prédio da Estação Ferroviária Muzambinho/MG.................... 26 Foto 2 – Prédio do IFSULDEMINAS campus Muzambinho/MG...................... 35 Foto 3 - Filial da Stockler Comercial e Exportadora Ltda. em Muzambinho/MG............................................................................................... 35 Foto 4 – 9ª edição da AGROTUR em Muzambinho/MG................................. 38 Foto 5 – Estande da COOPLAMÉIA na AGROTUR....................................... 38 Foto 6 – Antiga Estação Ferroviária Palméia.................................................. 40 Fotos 7 e 8 – Instalação da fábrica da COOPALMÉIA no bairro rural Palméia em Muzambinho/MG......................................................................................... 41 Fotos 9 e 10 – Quiosque da COOPALMÉIA à margem da BR 491................. 41 Fotos 11, 12,13 e 14 – Instalação da Fábrica de Polvilho no bairro Macaúbas......................................................................................................... 42 Gráfico - Admissões e desligamentos de trabalhadores no período de colheita entre os anos de 2005 a 2008 em Muzambinho-MG........................................ 36 Mapa 1 – Localização do município de Muzambinho na mesorregião Sul/Sudoeste de MG......................................................................................... 13 Organograma 1 - Esquema metodológico da investigação...........................17
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SUMÁRIO:
1 - INTRODUÇÃO............................................................................................ 11
1.1 - Objetivo geral........................................................................................ 14
1.2 - Objetivos específicos........................................................................... 14
2 – ABORDAGEM METODOLÓGICA: a investigação do território
rural............................................................................................................... 15
3 – TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO RURAL: aportes conceituais da modernização-tecnificação, produção agrícola especializada e relação campo-cidade............................................................................................... 18
3.1 – Modernização do campo e Revolução Verde................................... 18
3.2 – O meio técnico-científico-informacional e a formação das regiões
agrícolas de produções especializadas...................................................... 19
3.3 – Breves considerações sobre as interpretações da relação campo-
cidade..............................................................................................................19
4 – A RELAÇÃO DA PRODUÇÃO CAFEEIRA E O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL SUL MINEIRO: aspectos da formação socioespacial em
Muzambinho ................................................................................................... 22
5 – CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE: indicativos da
produção do agronegócio cafeeiro e da produção familiar
........................................................................................................................ 33
5.1. Relação campo-cidade: indicativos do agronegócio cafeeiro
........................................................................................................................ 33
5.1.1 A nova relação campo-cidade ............................................................... 33
5.1.2 Mercado e trabalho agropecuário e dinâmica
populacional.................................................................................................... 35
5.2. Relação campo-cidade: indicativos da produção familiar
........................................................................................................................ 37
5.3. Pluriatividades: alternativas econômicas frente ao agronegócio
cafeeiro nos bairros rurais Palméia e
Macaúbas........................................................................................................ 38
5.4 O hibridismo espacial e a relação campo-
cidade.............................................................................................................. 43
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6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 44
7 – REFERÊNCIAS ....................................................................................... 46
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1. INTRODUÇÃO
Com a modernização do campo brasileiro, marcada principalmente a
partir da década 1970 no período conhecido como Revolução Verde1, as
diversidades existentes no uso do espaço agrário no país se intensificaram
ainda mais. O atual período técnico científico e informacional (SANTOS, 1996)
marcado de maneira geral, pela inserção maciça de capitais financeiros,
maquinários, altas tecnologias e grande conteúdo de pesquisas científicas,
evidencia essa modernização pelo qual o espaço agrário brasileiro vem
passando.
A especialização no modo de produção é resultante desta tecnicização
(SANTOS, 1996) da agropecuária brasileira, por este motivo encontramos no
Brasil diversas regiões agrícolas que se especializaram em uma única
produção, são regiões produtoras das commodities, produção do setor primário
voltado para exportação aliado, também, às transformações da matéria-prima
em um sistema agroindustrial integrando os setores da economia.
Nesse sentido, o território brasileiro apresenta uma estrutura fundiária
concentrada tendo a produção de commodities no centro das atenções das
políticas agrícolas2. Embora tenha um número expressivo de produtores
familiares envolvidos na policultura e agricultura de subsistência.
Muitas regiões no Brasil têm como característica a especialização
produtiva, com todos os elementos materiais e imateriais direcionados à
produção, sendo o caso das commodities agrícolas. Estas regiões se tornam
vulneráveis à medida que dependem exclusivamente de um produto, podendo
sofrer impactos negativos na economia em períodos de crises e oscilações do
mercado.
A mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais é um caso emblemático
destas regiões agrícolas que passaram a atender a uma produção
1 Revolução Verde foi um programa que tinha como objetivo explícito contribuir para o aumento
da produção e da produtividade agrícola no mundo, através do desenvolvimento de experiências no campo da genética vegetal para a criação e multiplicação de sementes adequadas às condições dos diferentes solos e climas e resistentes às doenças e pragas, bem como da descoberta e aplicação de técnicas agrícolas ou tratos culturais mais modernos e eficientes. (Brum, 1987, p.44) 2 Vale ressaltar a existência de dois Ministérios que tratam da questão agrária, o Ministério de
Agricultura Pecuária e Abastecimento e o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
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especializada. Encontramos nesta região diversos serviços funcionais à
cafeicultura.
Os serviços inerentes à cafeicultura são encontrados nas cidades, que
desta forma passam a exercer papéis importantes na dinâmica econômica local
e regional, seguindo a conceituação de Elias (2007), estas são as cidades do
agronegócio cujo atendimento à cafeicultura é predominante aos demais
serviços ofertados pela cidade.
Embora seja verificada a forte presença dos arranjos territoriais
produtivos (SANTOS e SILVEIRA, 2001) nas cidades assim como na própria
região cafeicultora, a mesorregião do Sul/Sudoeste de Minas Gerais, possui
historicamente, no contexto do seu desenvolvimento, fortes laços com a
produção agropecuária. Por este motivo, uma forte característica desta região
também é a diversificação na produção agrícola.
Além do café, verificamos grande produção de feijão, milho, cana-de-
açúcar, além da bacia leiteira (IBGE, 2006). Diferentemente da produção do
café, estas produções agrícolas são voltadas para consumo do mercado local e
regional, e são realizadas em grande maioria por produtores familiares, por
este motivo não necessitam de serviços altamente especializados.
Dessa maneira, um traço comum aos municípios desta região é a
ambiguidade em serem territórios produtores tanto da commodity café como da
diversificação agrícola. No município de Muzambinho encontramos ambas as
produções no espaço agrícola.
Portanto, demonstraremos neste trabalho de conclusão de curso os
fatores produtivos presentes em Muzambinho que atendem à cafeicultura,
podendo ser considerado desta maneira uma cidade do agronegócio (ELIAS,
2007), como também a diversificação agrícola e as pluriatividades,
evidenciando a presença de ruralidades no município.
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Mapa 1- Localização do município de Muzambinho na mesorregião Sul/Sudoeste de MG.
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1.1 . Objetivo Geral
A mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais possui historicamente um
forte laço com a produção agrícola, segundo Saes, Cosentino, Silva e Gambi
(2010) o desenvolvimento econômico, social e espacial, assim como o
crescimento populacional desta região da metade do século XIX ao final do
século XX esteve pautada, sobretudo, na produção de alimentos para
abastecimento interno (diversificação produtiva), e após a implantação da
ferrovia a região se consolidou na principal região produtora de café do Brasil
(especialização produtiva).
Portanto, o desenvolvimento da maioria dos municípios desta região
está intrinsicamente ligado à produção agrícola, e mantêm ainda traços fortes
de ruralidades.
O município de Muzambinho está inserido neste contexto, onde
encontramos vários fatores produtivos que estão condicionados à produção
cafeeira, o que permitiria qualifica-la como uma cidade funcional à cafeicultura
moderna. Porém, averiguamos forte presença da diversidade produtiva, o que
significa que a agricultura familiar também é uma produção que está em
evidência e que tem apresentado significativo crescimento, principalmente nos
bairros rurais, através da implantação de atividades pluriativas.
Dessa maneira, demonstraremos neste trabalho de conclusão de curso
o hibridismo que ocorre na produção agrícola do espaço rural no município de
Muzambinho, objetivando evidenciar a presença ambígua da produção
especializada da commodity café, bem como a diversificação produtiva das
atividades familiares nos bairros rurais da Palméia e Macaúbas.
1.2 . Objetivos específicos
- Analisar a produção agrícola do campo em Muzambinho: destacar a produção
de café e demais culturas de produção familiar;
- Identificar, classificar e analisar os sistemas técnicos existentes na cidade
vinculados à produção cafeeira: serviços especializados e infraestruturas de
transporte, beneficiamento e armazenagem dos grãos;
- Identificar, classificar e analisar as atividades pluriativas que estão sendo
desenvolvidas nos bairros rurais Palméia e Macaúbas.
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2. ABORDAGEM METODOLÓGICA: a investigação do território rural
A realização deste trabalho teve como base de investigação a hipótese
de as cidades localizadas na mesorregião do Sul/Sudoeste de Minas Gerais
atenderem fundamentalmente à produção especializada do café. Verificado
que a região é a principal produtora de café do país (Anuário Estatístico do
Café, 2008) partimos do pressuposto de que esta região concentra os
principais serviços funcionais à produção cafeeira.
Nas primeiras pesquisas bibliográficas e de levantamento de dados
secundários averiguamos que embora a produção cafeeira seja significativa, há
por toda a região uma forte produção de agricultura familiar, logo, esta situação
de dúbia produção agrícola no campo repercutiria também nos espaços rurais
dos municípios. Dessa forma, norteamos a investigação para averiguar a
produção agrícola de algum município que incorporasse a produção de café,
bem como tivesse destacada produção familiar.
Um fator relevante para a escolha da região e do município corresponde
ao conhecimento prévio que detemos da área, fator que facilita o levantamento
de dados primários e implica mais confiança nos futuros resultados. Embora o
recorte espacial tenha sido realizado minuciosamente.
Dentro da mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais selecionou-se as
microrregiões de Alfenas, Varginha e São Sebastião do Paraíso, pois
constatamos com levantamento de dados secundários do site do IBGE Cidades
(Sinopse Censo 2010) que estas três microrregiões concentram a maior
produção cafeeira da mesorregião. Foram pesquisados quarenta e dois
municípios (cômputo das três microrregiões) levantando dados sobre
população (urbana e rural), PIB municipal (segmentos da agropecuária,
indústria e serviços), e produção cafeeira (valor da produção, quantidade
produzida e área plantada e colhida). A partir dos resultados qualificamos as
cidades em três grupos (quadro 1).
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Quadro 1- Classificação dos grupos de cidades.
CLASSIFICAÇÃO
GRUPO 1
GRUPO 2
GRUPO 3
Características
Cidades produtoras de café
Cidades de transformação do grão (contém serviços especializados)
Cidades produtoras e que contém serviços especializados
PIB
Setor agropecuário maior que setor de indústria
PIB municipal elevado. Setor de serviços maior que setor de indústria, setor de indústria maior que setor agropecuário
Setor de serviços e setor de indústria maiores que setor agropecuário
Produção cafeeira
Quantidade produzida acima de 10 mil toneladas
Baixa produtividade (inferior a 5 mil toneladas)
Quantidade produzida acima de 10 mil toneladas
Organização: Larissa Chiulli Guida.
Através desta classificação pode-se aproximar de uma análise
superficial sobre a função de cada núcleo urbano dentro da rede que se
estabelece a partir da produção do café. Para atender ao objetivo da
investigação, identificar um município cuja produção agrícola seja ambígua
(produção familiar e produção especializada), selecionamos os componentes
do grupo 1, pois denota que há forte relação com o campo, assim como a
existência de serviços que atendem à esta produção.
O município de Muzambinho, localizado na microrregião de São
Sebastião do Paraíso foi escolhido para ser investigado devido ao fato de já
termos verificado em outra pesquisa a sua produção cafeeira, e termos
concluído que os pequenos cafeicultores procuravam alternativas econômicas
em outras atividades que não fosse a cafeicultura, devido à vulnerabilidade
econômica que esta produção especializada proporciona.
Neste sentido, nos propusemos a verificar quais as alternativas
econômicas que estavam sendo realizadas em Muzambinho como forma de
suprir a deficiência da economia cafeeira. Portanto, passou-se a averiguar duas
categorias da produção agrícola, a produção familiar e a produção do
agronegócio café. Como forma de nortear a investigação sobre estas
categorias, elaboramos uma breve caracterização delas (quadro 2).
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Quadro 2 – Características básicas da agricultura familiar e agronegócio.
Produção Familiar Agronegócio
Pluriatividades Commodities
Produção em pequena escala Produção em grande escala
Abastecimento mercado interno, local Integrada na rede global, exportação
Gênese do lugar – histórico rural Símbolos do capitalismo - multinacionais
Pequenas cooperativas e associações Inserção de capital, tecnologia e ciência Organização: Larissa Chiulli Guida.
Dessa forma, procurou-se entender como se realizam as diferentes
formas de produção agrícola no município de Muzambinho demonstrando a
importância dessas duas categorias e como elas se manifestam tanto no
campo quanto na cidade alterando as relações entre esses dois espaços e
formando uma nova relação socioespacial.
Organograma 1 – Esquema metodológico da investigação.
Organização: Larissa Chiulli Guida.
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3. TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO RURAL: aportes conceituais da
modernização-tecnificação, produção agrícola especializada e
relação campo-cidade
Para realização deste trabalho, utilizamos da literatura da Geografia
Agrária como forma de nos embasarmos e nortearmos a investigação que nos
propomos fazer. De maneira breve, discorreremos sobre as questões da
modernização do campo brasileiro, a consequente formação de regiões com
produção especializada e as alterações na relação campo-cidade.
3.1. Modernização do campo e Revolução Verde
Sobre a modernização do campo brasileiro, podemos discorrer, de
maneira sucinta, que devido a este processo e à grande inserção de
investimentos capitalizados que o acompanhou, as estruturas fundiárias no
Brasil sofreram significativas mudanças, agravando ainda mais a situação
socioeconômica desigual já existente no país.
[...] o padrão agrícola brasileiro, começa a mudar através de
políticas de financiamento para compras de insumos e
máquinas, além de uma integração entre os setores primário e
secundário. Essas mudanças causaram alguns impactos
socioeconômicos para a sociedade brasileira, principalmente
para os pequenos agricultores. (ALVES, 2006, p. 68)
Compreendemos que o processo de modernização do campo, ocorreu
concomitante ao processo conhecido como Revolução Verde, de maneira
geral, sugeria a implementação de recursos tecnológicos e biológicos visando
aumento da produtividade das propriedades no campo.
Entre as diversas consequências ocorridas pela modernização do campo
e da Revolução Verde, entendemos que a formação de regiões altamente
especializadas na produção de commodities colaborou para o aumento das
desigualdades socioeconômicas através da fragmentação do território agrícola,
pois a concentração de terras para produção em grande escala determina que
apenas latifundiários se inserem neste modelo de produção, concentrando
ainda mais terras, e excluindo os produtores de pequena escala do campo.
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3.2. O meio técnico-científico-informacional e a formação das regiões
agrícolas de produções especializadas
A partir da internacionalização do capital (CHESNAIS, 1996), foi
necessária uma nova conceituação da antiga noção de região. Atualmente, a
especialização regional produtiva, caracteriza um tipo de região funcional aos
mercados internacionais (SANTOS,1997).
Esta especialização regional está entre as consequências da
modernização do campo, que corresponde ao modelo de produção agrícola
capitalista.
trata-se de um compartimento produtivo do espaço geográfico, cujas forças de coesão se estabelecem, via de regra e teoricamente, a partir de uma combinação de competências técnicas locais com interesses políticos distantes, cuja melhor designação parece ser a de região competitiva. (CASTILLO, 2008, p. 6).
Nas regiões de especialização, onde o meio técnico, científico e
informacional se faz presente, tanto as ações quanto os objetos possuem um
grande conteúdo em ciência e informação, o que conduz, segundo Santos
(1996, p.54), “à proliferação de serviços com múltiplas especializações”. Este
fato é o principal responsável pela alteração nas relações campo-cidade.
3.3 Breves considerações sobre as interpretações da relação campo-
cidade
Sobre a temática da relação existente entre campo e cidade é possível
considerar atualmente, diante do período da globalização, que há um consenso
de que o espaço físico do campo não seja necessariamente agrícola, assim
como o espaço físico da cidade não é predominantemente urbano. Portanto as
trocas e a inter-relação existente entre estes espaços se tornam nítidas,
permitindo a compreensão das modificações ocorridas nestes espaços que
alteraram as relações campo-cidade.
Embora sejam notórias as relações estabelecidas entre campo e cidade,
esta temática envolve muitos fatores que já foram questionados em alguns
estudos. Acerca desta discussão sobre a relação campo-cidade, talvez o
principal questionamento preocupou-se em estabelecer a diferenciação entre o
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que pode ser considerado rural e urbano. Sobre a diferenciação destes
espaços, consideramos a existência de uma visão dicotômica e uma visão de
complementariedade sobre o rural e o urbano.
De maneira sucinta, na visão dicotômica esses dois espaços são
considerados extremos, conforme demonstra o trabalho de Sorokin,
Zimmerman e Galpin (1981), onde são enumeradas nove diferenças
fundamentais entre rural e urbano. A diferenciação entre esses espaços nessa
visão clássica e antagônica, não permite analisar a relação que estes espaços
estabelecem entre si, então o campo é qualificado ao espaço da paisagem
natural, da produção agrícola, do modo de vida lento; em contrapartida, a
cidade é a representante da paisagem artificial, do desenvolvimento industrial,
do modo de vida acelerado.
A modernização nos modos de produção do setor agropecuário foi
fundamental para evidenciar a continuidade existente entre campo-cidade,
esclarecendo que a clássica separação que considera o campo como lugar
atrasado e a cidade como lugar de progresso tratava de uma visão
ultrapassada, não correspondente à realidade desse novo sistema de produção
do campo.
Desse modo, a visão de continuidade entre campo-cidade passa a estar
mais evidente, onde a relação entre esses espaços é retratada como forma de
complementariedade entre si. Segundo Wanderley (2001) este continuum rural-
urbano não exclui as particularidades existentes em cada espaço, portanto não
permite considerar que seja o fim do rural, refere-se a uma relação que
aproxima e integra esses dois polos.
Portanto, foi a partir da modernização do campo, consequência do atual
período da globalização, que ocorreu uma reestruturação na organização do
espaço agrário culminando em mudanças profundas nas relações entre o
campo e a cidade.
A agricultura moderna exige suportes técnicos e especializados que se
fazem presentes nas cidades, estabelecendo-se desta maneira uma nova
relação campo-cidade (ELIAS, 2007). Com intuito de atender às exigências da
agricultura moderna, as cidades desenvolvem diversos sistemas técnicos e
normativos, que as tornam funcionais às exigências produtivas do campo
moderno.
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A cidade torna-se o lócus da regulação do que se faz no
campo. É ela que assegura a nova cooperação imposta pela
nova divisão do trabalho agrícola, porque obriga a afeiçoar-se
às exigências do campo, respondendo às suas demandas cada
vez mais prementes e dando-lhe respostas cada vez mais
imediatas (...), tudo isso faz com que a cidade local deixe de
ser a cidade no campo e transforme-se na cidade do campo.
(SANTOS, 1996, p.57)
Nesse sentido, Denise Elias (2007) denominou de cidades do
agronegócio as cidades que se tornaram funcionais à produção agropecuária
moderna.
Diante desta atual dinâmica socioespacial e econômica que revela a
interdependência entre os espaços do campo e da cidade, consideramos que a
visão do continuum rural-urbano ressalta as mudanças nas relações entre
esses dois espaços, sendo, portanto, a análise interpretativa que melhor
representa as questões acerca da temática da relação campo-cidade.
Embasados na ótica de um continuum rural-urbano, que melhor qualifica
a atual relação campo-cidade, demonstraremos neste trabalho como se
estabelece esta relação no município de Muzambinho/MG.
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4. A RELAÇÃO DA PRODUÇÃO CAFEEIRA E O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL SUL MINEIRO: aspectos da formação socioespacial em
Muzambinho
O Brasil é o maior produtor e exportador de café, sua produção
corresponde em média a 30% da produção mundial, produzindo anualmente
pouco mais de 30 milhões de sacas de 60kg (safra 2007/2008 - IBGE). Minas
Gerais é o principal estado produtor, produzindo em média, nas últimas safras,
50% da produção nacional. O Sul de Minas é a principal região produtora do
estado, na safra 2006, foram produzidas pouco mais de 10 milhões de sacas,
correspondente a metade da produção do estado e 25% da produção nacional
(Anuário Estatístico do Café, 2008).
Foi durante o século XX que a região sul-mineira se consolidou como a
principal região cafeeira do país. Porém, diferentemente do ocorrido ao Estado
de São Paulo, onde foram instaladas ferrovias com a finalidade de escoar a
produção cafeeira até o Porto de Santos para exportação, no Sul de Minas
quando a expansão cafeeira se tornou significativa, as ferrovias já haviam sido
instaladas para transportarem produtos alimentícios para São Paulo e Rio de
Janeiro. As ferrovias “servir-lhes-á sobretudo o Sul de Minas Gerais, onde se
desenvolve uma economia agrária que embora não contando com gêneros
exportáveis de alto valor comercial – como se dera com as regiões açucareiras
do litoral -, alcançará um nível de relativa prosperidade” (PRADO JR, 2008, p.
65. Grifo nosso).
Sendo assim, analisando um breve histórico do desenvolvimento desta
região verificamos que a implantação de ferrovias no século XIX na região do
Sul de Minas está intrinsicamente ligada ao seu desenvolvimento econômico
enquanto uma região produtora de produtos para abastecimento interestadual,
que posteriormente favoreceu a expansão da cafeicultura,
“[...] as ferrovias no Sul de Minas Gerais começaram a se
instalar para atender uma região voltada para um comércio de
abastecimento do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas que era
dinâmica e promissora. Com o passar dos anos, a região
também passou a se ocupar do plantio e exportação de café
[...] Embora nessa época, o café ainda fosse predominante na
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Mata e dinamizasse essa região, registrando inclusive a maior
quantidade de ramais ferroviários” (SAES, COSENTINO, SILVA
e GAMBI, 2010, p. 10. Grifo nosso).
Sobre este fato do contexto histórico-econômico da região é importante
salientar que tanto a diversidade produtiva (alimentos para abastecimento),
quanto à expansão da produção cafeeira caracterizavam a produção agrícola
desta região.
Portanto, mesmo que atualmente a região seja a principal produtora de
café, a produção agrícola familiar sempre se fez presente devido ao elevado
número de pequenas propriedades rurais.
A respeito do atual arranjo territorial produtivo (SANTOS e SILVEIRA,
2001) representado nos sistemas técnicos e normativos e nas infraestruturas
que viabilizam a produção do café (armazéns, cooperativas, torrefadoras,
escritórios de exportação e comercialização, institutos de educação e pesquisa,
comércio de insumos e fertilizantes, maquinários, entre outros), importante
relatar que esta rede de serviços também se solidificou com a implantação da
ferrovia, anterior à expansão cafeeira, contudo, os atuais serviços altamente
especializados que a região detém são frutos do processo de modernização do
campo, correspondente ao período técnico-científico-informacional (SANTOS,
1996).
“Todavia, há que se considerar que, embora desenvolvida em
torno dos eixos cafeeiros, as ferrovias do Sudeste favoreceram
a criação de toda uma rede de comércio, de serviços e de
indústrias” (PAULA, 2000, p. 67; apud SAES, COSENTINO,
SILVA e GAMBI, 2010, p. 10).
Atualmente na região mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais, em
particular nas microrregiões de Alfenas, Varginha e São Sebastião do Paraíso,
entre os principais serviços inerentes à produção agrícola e à cafeeira,
consideramos que os de armazenagem, as cooperativas e de comercialização,
exportação e indústria são fundamentais para entendermos a inter-relação
destes serviços com a ambígua produção do campo, por serem serviços
imprescindíveis à mesma.
Na região cafeicultora encontram-se a presença de grupos nacionais e
estrangeiros que se destacam na prestação destes serviços (quadro 3).
24
Quadro 3 - Principais serviços vinculados à produção agrícola e cafeeira.
Organização: Larissa Chiulli Guida.
Nos serviços de armazenagem há empresas especializadas na
estocagem de grãos de café, utilizando de sacos Big Bag próprio para
exportação com capacidade de até 1.200kg, as maiorias destes armazéns são
de empresas multinacionais. Embora também existam grandes grupos de
armazenagem que estocam tanto a produção cafeeira quanto os demais
produtos agrícolas, atendendo à produção de vários municípios, como no caso
da Armazéns Gerais Carapina Ltda. de Elói Mendes/MG (CARAPINA, 2011)
As cooperativas Minasul - Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de
Varginha Ltda. (MINASUL, 2011) e COCATREL - Cooperativa dos
Cafeicultores da Zona de Três Pontas Ltda. (COCATREL, 2011) oferecem
serviços de armazenagem, financiamento, assistência técnica e produtos
agroindustriais (laticínios, queijos, doces). Vale ressaltar que assim como
estas, existem inúmeras cooperativas menores que atendem à demanda da
ARMAZÉNS
Casa Nobre Comércio e Armazenagem de Grãos Ltda.
CASEMG – Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais
CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento
Armazéns Gerais Leste de Minas Ltda.
Grão de Ouro Armazéns Gerais Ltda.
Ipanema Agrícola S/A
Moinho Sul Mineiro S/A
Total Alimentos S/A
Corn Food Armazéns Gerais Ltda.
Olam Armazéns Gerais Ltda.
Louis Dreyfus Commodities Armazéns Gerais Ltda.
Armazéns Gerais Carapina Ltda.
Cafeco Armazéns Gerais Ltda.
COPAG – Companhia Capital de Armazéns Gerais
COOPERATIVAS
Minasul - Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Varginha Ltda.
COCATREL – Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Três Pontas Ltda.
COOXUPÉ – Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé Ltda.
COOPARAÍSO – Cooperativa Regional de Cafeicultores em São Sebastião do Paraíso Ltda.
COMERCIALIZAÇÃO, EXPORTAÇÃO E INDÚSTRIAS
Matsuda Minas Comércio e Indústria Ltda.
Ipanema Comercial e Exportadora S/A
MC Coffee do Brasil Ltda.
Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda.
Stockler Comercial e Exportadora Ltda.
REDEX – Recintos Exportadores em Guaxupé e Poços de Caldas
EADI – Porto Seco Sul de Minas em Varginha
25
produção especializada em café e a produção diversificada. Entretanto,
encontramos também cooperativas que se especializaram em serviços para
produção cafeeira, a COOXUPÉ está presente em mais de 200 municípios,
com aproximadamente 12 mil cooperados e 2 mil colaboradores (COOXUPÉ,
2011); outra grande cooperativa da região é a COOPARAISO contendo 5.600
cooperados, presente em 58 municípios nos Estados de Minas Gerais, São
Paulo e Espirito Santo (COOPARAÍSO, 2011). Ambas mantêm convênios com
grupos multinacionais vinculados ao agronegócio café.
Outros serviços inerentes à cafeicultura especializada são os escritórios
de comercialização e exportação, os escritórios dos principais grupos estão
presentes nas cidades das microrregiões de Alfenas, Varginha e São Sebastião
do Paraíso em Minas Gerais, em conjunto com os serviços prestados pelos
REDEX (Recintos Exportadores) de Guaxupé/MG e Poços de Caldas/MG
através da EADI (Estação Aduaneira de Interior – Porto Seco) em
Varginha/MG, estes estabelecimentos facilitam o desembaraço fiscal,
agilizando o processo de exportação da commodity café produzido na região.
Contudo, mesmo que encontremos atualmente na região diversos
serviços especializados que viabilizem a produção cafeeira, como
demonstrado, importante relatar que vários destes serviços também atendem à
produção familiar, principalmente as empresas e cooperativas locais.
Dessa forma, o desenvolvimento econômico, populacional, social e
cultural das cidades sul-mineiras tiveram como base substancial a produção do
campo, mediante a este fato a ruralidade é um traço forte nas cidades desta
região o que intensifica as relações campo-cidade.
Neste sentido, tanto a especialização produtiva da cafeicultura, quanto à
produção familiar historicamente praticada, fez com que várias de suas cidades
se tornassem funcionais à demanda do campo, estabelecendo uma nova
divisão territorial do trabalho, onde os serviços ofertados pelas cidades são
cada vez mais especializados para a produção agrícola, alterando as relações
campo-cidade, pois os serviços oferecidos são funcionais para a produção do
campo. Encontramos nesta região diversos municípios cuja base do
desenvolvimento econômico é inerente à produção do campo, em especial a
cafeicultura, entre os quais analisamos o município de Muzambinho/MG.
26
Como já foi relatado, diferentemente do ocorrido ao Estado de São
Paulo, onde as ferrovias surgiram em regiões cafeeiras para escoar produção
de café, as ferrovias que se instalaram na região do Sul de Minas tinham o
propósito de escoar os produtos alimentícios para abastecimento dos Estados
de São Paulo e Rio de Janeiro. Neste contexto, semelhante ao
desenvolvimento da região e aos demais municípios, Muzambinho teve seu
desenvolvimento tendo como base substancial a produção do campo,
principalmente após a implantação das estradas de ferro, que passou a
interliga-la aos demais municípios da região, fortalecendo assim seu comércio
e mercado econômico.
[...] na década de 1880, surgiu a “Viação Férrea Sapucahy” e
logo depois a Estrada de Ferro Muzambinho. Ambas corriam
quase que paralelamente, ligando várias cidades sul mineiras.
A leste elas se ligavam a Minas e Rio. A oeste se encontravam
com a “Companhia Mogyana de Estradas de Ferro”, originária
da província de São Paulo, servindo a uma grande região
cafeeira (SAES, COSENTINO, SILVA e GAMBI, 2010, p. 8).
Foto 1 – Antigo prédio da Estação Ferroviária Muzambinho.
Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/mmg/muzambinho
Em Muzambinho haviam três estações, a Estação Muzambinho (figura
1), a estação Montalverne (no bairro rural Montalverne) e a estação Palméia
(no bairro rural Palméia). Isso demonstra que a formação socioespacial do
município se relaciona com a implantação da ferrovia.
27
A produção cafeeira do município iniciou-se na circunstância da sua
expansão por toda a região do Sul de Minas, com relevo semelhante ao de
alguns municípios, Muzambinho possui características naturais propícias para
a produção do café tipo Arábica, com montanhas que variam de 700 a 1.300
metros de altitude, temperatura média de 22° C e boa distribuição pluviométrica
(IBGE, 2011) Estes fatores contribuíram para a bem sucedida expansão da
cafeicultura na cidade, como em toda região (tabela 1).
Tabela 1- Produção de café em Muzambinho/MG, 2004 – 2010.
Fonte: IBGE, 2011. Organização: Larissa Chiulli Guida.
Embora seja verificado uma oscilação nos valores3, constata-se a
importância da produção cafeeira na economia de Muzambinho, se
agregarmos o valor da produção cafeeira ao valor do PIB agropecuário (tabela
2), temos a seguinte participação: ano de 2004: 81, 27%; ano de 2005: 65,29%;
ano de 2006: 80,64%; ano de 2007: 56,41%; ano de 2008: 79,26%.
Averiguamos que mesmo nos anos em que ocorre baixa produtividade do café,
a produção ainda é responsável por cinquenta por cento do total do PIB
agropecuário. Portanto a cafeicultura é a principal produção agrícola de maior
movimento na economia de Muzambinho/MG.
3 O café é uma planta bianual intercalando anos de grande e pequena produção.
ANO Quantidade Produzida (toneladas)
Valor da produção (milhões reais)
Área plantada e colhida (hectare)
2004 6.732 21.610 6.600 2005 5.850 28.080 6.500 2006 8.580 41.184 6.500 2007 4.802 23.050 7.000 2008 12.780 61.344 7.100 2009 4.026 19.325 6.100 2010 10.427 50.050 6.842
28
Tabela 2 - PIB municipal e valores agregados aos setores em Muzambinho/MG.
ANO SERVIÇOS AGROPECUÁRIO INDÚSTRIA TOTAL
2004 61.319 26.589 19.198 104.486 2005 102.387 43.006 13.727 169.098 2006 112.905 51.069 16.821 190.849 2007 121.569 40.855 18.005 190.993 2008 122.588 77.390 22.112 233.763
Fonte: IBGE, 2011. Organização: Larissa Chiulli Guida.
Para investigarmos a dinâmica do campo de Muzambinho, uma variável
importante de se analisar é o valor do PIB municipal, através desta análise é
possível identificarmos a função exercida pelo núcleo urbano.
Observamos que no período de cinco anos (de 2004 a 2008) os valores
adicionados ao PIB municipal mantiveram uma hierarquia, sendo o valor mais
alto agregado ao setor de serviços, em seguida o setor agropecuário e o menor
valor adicionado à indústria. Isto nos revela o perfil de um núcleo urbano
dependente do campo e com pouco desenvolvimento industrial, ou seja, denota
que a base econômica da cidade está ligada à produção do campo.
Comparando os valores das seis principais produções agrícolas do
município (tabela 3, quadro 4) ao PIB agropecuário, entendemos o crescimento
significativo que este teve, no ano de 2004 o valor agregado à agropecuária
equivalia à 25,44% do total do PIB de 104.486.000,00; no ano de 2008 o setor
da agropecuária correspondia à 33,1% do total de 233.763.000,00.
Tabela 3- Participação dos produtos agrícolas no PIB agropecuário de 2008.
Produto Participação no PIB agropecuário em 2008
Ranking
Arroz 0,21% 4º Cana 0,06% 6º Café 79,26% 1º
Feijão 4,75% 3º Mandioca 0,09% 5º
Milho 13,75% 2º Outros 1,88% 7º Total 100% -
Fonte: IBGE, 2011. Organização: Larissa Chiulli Guida.
29
Quadro 4 – Principais produtos agrícolas do município de Muzambinho/MG. Fonte: IBGE, 2011.
Organização: Larissa Chiulli Guida.
Como verificado, o maior valor do produto agregado ao PIB
agropecuário é o da cafeicultura, evidenciando a importância desta produção
na dinâmica econômica de Muzambinho. Contudo é importante analisar que
não se trata da produção de uma monocultura, embora a produção cafeeira
seja a mais representativa, a própria diversificação dos demais produtos reflete
uma produção familiar. Isso nos demonstra o fato de que a produção do campo
em Muzambinho não se faz apenas do agronegócio cafeeiro.
Constatada a importância da produção de café no setor econômico,
outra variável relevante de ser analisada na investigação da formação
sociespacial do município é sobre a população. Como relatado, parte do
crescimento populacional e desenvolvimento municipal de Muzambinho
ocorreu a partir devido à implantação da ferrovia, consequentemente com a
expansão da produção cafeeira houve expressiva chegada de imigrantes para
trabalharem nas lavouras. Segundo a sinopse do Censo Demográfico de 2010
(IBGE, 2011) a população da cidade se divide em:
Quadro 5 – Distribuição populacional em Muzambinho/MG em 2010.
Total Urbana Rural
20.430 15.729 4.701
Fonte: IBGE, 2011.
PRINCIPAIS PRODUTOS AGRÍCOLAS
Arroz Cana-de-açúcar Café Feijão Mandioca Milho
Área (ha)
Valor (mil R$)
Área (ha)
Valor (mil R$)
Área (ha)
Valor (mil R$)
Área (ha)
Valor (mil R$)
Área (ha)
Valor (mil R$)
Área (ha)
Valor (mil R$)
AN
O D
A P
RO
DU
ÇÃ
O
2004
259 348 30 44 6.600 21.610 2.000 2.145 10 75 5.550 6.787
2005
280 397 30 49 6.500 28.080 2.000 2.139 10 75 6.050 7.277
2006
280 397 30 49 6.500 41.184 2.000 2.139 10 75 6.050 7.277
2007
280 397 30 49 7.000 23.050 2.000 2.139 10 75 6.050 9.876
2008
130 169 30 50 7.100 61.344 2.200 3.680 10 75 7.050 10.644
30
Confere-se que 77% da população é urbana. A alta taxa de urbanização
do município revela que este possui mais ligações com a cidade que com o
campo. José Eli da Veiga discute no livro Cidades Imaginárias (2002) sobre o
índice de urbanização apresentado pelo Brasil, lembrando que este índice
mascara a realidade de diversos municípios brasileiros denominados urbanos,
porém apresentam na realidade pouco desenvolvimento, tendo como principais
atividades econômicas o setor primário, ou seja, embora possua alto índice de
urbanização, a base substancial do desenvolvimento do município é inerente
ao campo. Isso denota a forte ruralidade que o município de Muzambinho
apresenta.
Outra variável importante para a caracterização do rural em Muzambinho
corresponde à sua estrutura fundiária. O município possui uma área total de
409,948 km² equivalente à 40.995 hectares, onde segundo o Sidra – IBGE,
26.648 hectares pertencem à zona rural, ou seja, 65% do território de
Muzambinho é de agropecuária (como pode ser visualizado no mapa 1). A
respeito da espacialidade do território de Muzambinho, o IBGE divide 33
setores, sendo 11 rurais e 22 urbanos. A prefeitura municipal considera a
existência de 41 comunidades rurais. Ou seja, o território de Muzambinho é
significativamente rural conforme quadro 6 sobre a estrutura fundiária.
Quadro 6 – Estrutura fundiária em Muzambinho/MG, 2006.
Estratos de área
Nº de estabelecimentos
agropecuário (unidades)
Área dos estabelecimentos
agropecuários (hectares)
Mais de 0 a 0,1 8 0
De 0,1 a 0,2 10 1
De 0,2 a 0,5 5 2
De 0,5 a 1 39 25
De 1 a 2 89 123
De 2 a 3 121 289
De 3 a 4 112 385
De 4 a 5 87 408
De 5 a 10 258 1.911
De 10 a 20 296 4.301
De 20 a 50 186 5.672
De 50 a 100 48 3.228
De 100 a 200 17 2.423
De 200 a 500 17 4.755
Total 1.322 26.648
Fonte: IBGE - SIDRA, 2006.
31
É comum aos municípios da mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais
possuir número elevado de minifúndios e pequenas propriedades, sendo um
dos fatores pra esta ocupação o relevo acidentado. Segundo o módulo do
INCRA , toda propriedade com até 100 hectares é caracterizada como
minifúndio, neste sentido, constatamos que 95,3% das propriedades rurais em
Muzambinho são pequenas propriedades. Este fato tem suma importância para
a pesquisa desenvolvida neste trabalho, pois está diretamente relacionado à
estrutura do campo em Muzambinho, que é o que nos propomos analisar.
Sobre isto, concluímos que embora a produção cafeeira seja predominante, e
esteja inserida na rede do agronegócio cafeeiro para exportação, a produção
do café em Muzambinho é realizada em grande maioria por pequenos
cafeicultores, sendo então, uma commodity produzida pela agricultura familiar.
A representação da produção agrícola dentro dos 26.648 hectares da
agropecuária pode ser averiguada a seguir:
Quadro 7 – Distribuição espacial da área agropecuária em 2010.
Produto Área (hectare) Percentual
Café 6.842 25,67%
Milho 7.050 26,45%
Feijão 2.200 8,25%
Cana-de-açúcar 30 0,11%
Arroz 130 0,49%
Mandioca 10 0,03%
Outros usos 10.386 38,97%
Total 26.648 100%
Fonte: IBGE, 2011.
É possível constatar que dentre os usos da produção agrícola no ano de
2010, a área produtiva da cafeicultura esteve inferior à do milho, ou seja, a
produção de milho também se mostra mais significativa quanto à área de
produção do café. Foi confirmada pela distribuição espacial da produção
agrícola em Muzambinho, que a produção cafeeira é realizada nas pequenas
propriedades, ou seja, há diversificação produtiva nas propriedades,
característica da produção familiar, neste sentido a cafeicultura em
Muzambinho, não se realiza como uma monocultura em latifúndios, semelhante
aos demais produtos de commodities que o Brasil exporta.
32
Contudo, foi possível identificar a relação da produção cafeeira no
desenvolvimento do Sul de Minas, e de como esta produção especializada se
tornou predominante nesta região. Bem como analisar a representação desta
produção com a formação sociespacial do município de Muzambinho,
constatando que embora seja base substancial para a economia, a cafeicultura
é desenvolvida pela produção familiar, caracterizando a ambiguidade existente
na produção agrícola do município.
A relação campo-cidade que a cidade estabelece com o campo, também
é componente crucial para identificação da formação socioespacial e da
dependência da produção do campo, como veremos em seguida.
33
5. CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE: indicativos da
produção do agronegócio cafeeiro e da produção familiar
A relação campo-cidade permite compreender a recíproca troca que
estes espaços estabelecem entre si.
Muzambinho possui uma relação intrínseca com a produção do campo,
como relatado, onde a produção cafeeira é a principal produção agrícola
significativa para o desenvolvimento econômico da cidade. Neste sentido,
acreditamos que a caracterização da relação campo-cidade em Muzambinho
seja fundamental para investigarmos a produção do agronegócio cafeeiro e a
produção familiar.
Para esta análise, utilizamos os temas das novas relações campo-
cidade, e Mercado e trabalho agropecuário e dinâmica populacional, propostos
por Denise Elias (2007) para averiguarmos a relação campo-cidade de
Muzambinho através da produção cafeeira, correspondente à produção do
agronegócio; para identificação da relação campo-cidade a partir da produção
familiar, utilizamos os conceitos de urbanidade e ruralidade nas ideias de
Wanderley (2001) e Candiotto e Corrêa (2008).
5.1. Relação campo-cidade: indicativos do agronegócio cafeeiro
Para identificarmos a relação da produção cafeeira em Muzambinho,
utilizamos os temas e processos propostos por Denise Elias (2007) novas
relações campo-cidade, este tema permite analisar a especialização dos
diversos serviços vinculados ao agronegócio globalizado e as trocas
intersetoriais que vão tecendo novas relações entre a cidade e o campo;
mercado e trabalho agropecuário e dinâmica populacional, este eixo procura
analisar as migrações feitas por profissionais qualificados ou não que migram
para a cidade do agronegócio oferecendo seus serviços; e as desigualdades
socioespaciais, que trabalha com as diferenças geradas pela agricultura
moderna inserida no modo de produção capitalista.
5.1.1. Novas relações campo-cidade
Conforme relatado, a cafeicultura em Muzambinho tem sido fundamental
no setor econômico, neste sentido, identificamos no município quais os
34
serviços imprescindíveis que atendem à produção especializada de café
(quadro 8), segundo Denise Elias (2007) a presença destes serviços evidencia
a nova relação campo-cidade.
Quadro 8 - Relação dos serviços intersetoriais ofertados por Muzambinho/MG para produção cafeeira.
Tipos de estabelecimentos ou
atividades Empresas (indústria e comércio)
Insumos e implementos agrícolas
Estabelecimentos de revendas de insumos e fertilizantes.
Minasfértil Comércio e Representação de Fertilizantes Ltda., ACR Agropecuária, Casa do Produtor, Agroliveira, Agrovecal e Rodrigues Agropecuária.
Equipamentos agrícolas Mobicar’s Peças, Serviços Equipamentos.
Manutenção de maquinários e equipamentos agrícolas
Mecânica de Tratores; Serralheria Teixeira, Serralheria Barbieri e Serralheria Agrifer credenciada para maquinários Pinhalense.
Assistência técnica, administrativa e Especialização da mão-de-obra
Institutos de pesquisa e educação
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, campus Muzambinho (cursos técnicos em Agricultura, Agroindústria, Agropecuária, Administração e Contabilidade; cursos superiores em Agronomia, Informática e Tecnologia em Cafeicultura; pós-graduação Cafeicultura Sustentável).
Escritórios de contabilidade 08 escritórios
Cooperativas e Sindicatos Cooperativa dos Cafeicultores de Guaxupé Ltda. (Cooxupé); Cooperativa SICOOB Agrocredi (Sistemas de Cooperativas de Crédito do Brasil); Sindicato dos Trabalhadores, Assalariados e Agricultores Familiares do Município de Muzambinho; Sindicato dos Produtores Rurais de Muzambinho.
Exportadores de café Stockler Comercial e Exportadora Ltda.
Escritórios de corretagem e comercialização
Indústria e Comércio de Café Ouro Verde Ltda., RV Comércio Atacadista de Café Ltda., Verde Grão Escritório de Corretagem de Café e Central do Café.
Armazéns cadastrados à Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
Central do Café Armazéns Gerais, Armazéns Gerais Novo Horizonte, Muzambinho Armazéns Gerais Ltda., Verde Grão Armazéns Gerais, AGP Armazém Geral do Produto, Cafeeira de Armazéns Gerais Ltda.
Beneficiamento e processamento agroindustrial
Indústrias de torrefação e moagem de café e agroindústrias
Café e Cachaça Muzambinho Indústria e Comércio Ltda., Artezanalle Café Expresso e o Café da Escola; Indústria e Comércio de Café Ouro Verde Ltda; Laticínios Aprim Ltda., Laticínios Múúúsa; Agroindústria da Escola.
Sistema financeiro
Cooperativas de crédito Cooperativa SICOOB Agrocredi ; Cooxupé.
Financeiras específicas Banco BMG; Intermedium Financiadora
Bancos Banco Bradesco; Banco do Brasil; Banco Itaú; Caixa Econômica Federal.
Fonte: Larissa Chiulli Guida, 2011. Pesquisa de campo.
35
Dentre os serviços oferecidos pelo município, aqueles que detêm maior
nível de especialização permitem qualificar, segundo Denise Elias (2007) como
uma cidade do agronegócio, conforme as fotos 2 e 3.
Foto 2 – Prédio do IFSULDEMINAS campus Muzambinho.
Foto 3 - Filial da Stockler Comercial e Exportadora Ltda., em Muzambinho.
Fonte: Larissa Chiulli Guida, 2011. Pesquisa de campo.
Dentre os serviços oferecidos em Muzambinho destacam-se a presença
da filial da multinacional Stockler Comercial e Exportadora Ltda. (foto 3), uma
das maiores do agronegócio do café, estando presente na região cafeicultora
nas cidades de Muzambinho e Varginha. Institutos de ensino e pesquisa
também são característicos de cidades que possuem dependência com o
campo, o Instituto Federal do Sul de Minas (IFSULDEMINAS) campus
Muzambinho oferece cursos técnicos e superiores voltados para especialização
do campo, como os técnicos em Agroindústria, Agropecuária, Agricultura; os
cursos superiores de Agronomia e Tecnologia em Cafeicultura, pós-graduação
em Cafeicultura Sustentável (foto 2).
5.1.2. Mercado e trabalho agropecuário e dinâmica populacional
A cafeicultura, dentre as principais commodities agrícolas brasileiras, é a
que exige o maior emprego de mão-de-obra, principalmente, durante a colheita.
Este fato atrai migrantes ascendentes de diversas regiões para as cidades
cafeeiras. Em Muzambinho, os trabalhadores sazonais não qualificados são
FOTO 2 FOTO 3
36
provenientes principalmente do Paraná, Norte de Minas Gerais e Sul da Bahia,
respectivamente (estes migrantes são de origem rural, reproduzindo em
Muzambinho sua ruralidade neste novo espaço). O gráfico 1 mostra as
admissões e desligamentos de trabalhadores nos meses de maio a agosto,
período da colheita do café.
Gráfico 1- Admissões e desligamentos de trabalhadores no período de colheita entre os anos de 2005 a 2008 em Muzambinho-MG.
Fonte: RAIS CAGED, 2005, 2006, 2007, 2008. Organização: Larissa Chiulli Guida.
Conforme demonstrado no gráfico 1, a principal oscilação de admissões
e desligamentos de trabalhadores em Muzambinho ocorre justamente no
período da safra de café, fato que reafirma portanto, a interdependência
existente entre campo e cidade.
Contudo, foi averiguada a relação campo-cidade que se manifesta a
partir de serviços especializados para cafeicultura.
0
250
500
750
1000
1250
1500
A D A D A D A D A D
Maio Junho Julho Agosto Total de
cada ano
Admissões e desligamentos por mês
va
ria
ção
em
pre
ga
tíci
a
2005 2006 2007 2008 Total mensal dos quatro anos
37
5.2. Relação campo-cidade: indicativos da produção familiar
Os indicadores que marcam a presença das ruralidades na cidade
podem ser classificados dentro de várias esferas (quadro 9). Entre as variáveis
que se ressaltam concordamos com Candiotto e Corrêa (2008) quando
afirmam que: “os conceitos de ruralidades e urbanidades vem sendo
trabalhados como referências a territorialidades de indivíduos e grupos sociais,
sejam elas socioculturais, econômicas e/ou políticas, assim como a objetos e a
ações característicos do espaço rural ou urbano.”
Quadro 9 – Características dos elementos das ruralidades em Muzambinho/MG.
Organização: Larissa Chiulli Guida.
Entendemos que ruralidades e urbanidades são territorialidades que se
manifestam por meio das ações e práticas de cada agente na sociedade.
Portanto, consideramos que as categorias de ruralidades e urbanidades são
necessárias e fundamentais para explicar a relação campo-cidade.
Os eventos e festas são indicadores que denotam as particularidades de
sua população, economia, ou seja, da formação socioespacial do município.
Assim as festividades da cidade também indicam a ruralidade (foto 4, foto 5).
Características Ruralidade
Cultural Festa de Santa Cruz e Festa do Doce
Cultural Folia de Reis
Cultural Festa de São José
Espacial 41 bairros rurais
Espacial Predomínio de pequenas propriedades
Econômico Feiras na cidade
Econômico Diversidades produtivas (laticínios, milho, feijão, cana-de-açúcar)
Pluriatividade Artesanatos, agroindústrias, pequenas fábricas
Social População urbana oriunda do campo
38
Foto 4 – 9ª edição da AGROTUR em Muzambinho. Foto 5 – Estande da COOPLAMÉIA na AGROTUR. Fonte: Muzambinho.com
A AGROTUR – Feira de Artesanato, Agroindústria e Turismo Rural de
Muzambinho, é uma parceria do IFSULDEMINAS campus Muzambinho com a
prefeitura, há nove anos (9ª edição em 2011), realiza a feira com exposições
de produtos, artesanatos e maquinários agropecuários. Abaixo verificamos na
foto 4 a disposição dos estandes dentro da quadra do Colégio Estadual Prof.
Salatiel de Almeida na AGROTUR de 2011, e na foto 5 o estande com os
produtos derivados da cana-de-açúcar) produzidos pela COOPALMÉIA
(Cooperativa dos Pequenos Produtores Rurais Familiares da Palméia).
5.3. Pluriatividades: alternativas econômicas frente ao agronegócio cafeeiro nos bairros rurais Palméia e Macaúbas
Como já relatado, a produção cafeeira é a principal atividade econômica
manifestada por diferentes agentes no espaço físico da cidade e do campo em
Muzambinho. Este tipo de produção agrícola especializada acaba excluindo os
demais tipos de produção, pois demanda serviços e mão-de-obra específicos
para atenderem ao mercado externo. Em consequência deste modelo de
produção ocorre uma fragmentação do território agrícola, agravando as
desigualdades socioeconômicas e deixando os pequenos produtores
vulneráveis neste mercado.
Devido a esta falta de estabilidade econômica, os pequenos
cafeicultores da cidade buscam alternativas econômicas para renda familiar.
Por este motivo tem sido comum a procura pela diversificação de atividades
econômicas pelos produtores familiares nos bairros rurais de Muzambinho.
FOTO 4 FOTO 5
39
Sobre esta diversificação produtiva que está ocorrendo nos bairros
rurais, pode-se notar que em grande maioria são atividades que não estão
vinculadas à produção agrícola. Segundo coloca Ana Rute do Vale (2005, p. 2)
“a existência concomitante de atividades agrícolas e não-agrícolas no espaço
rural é um fenômeno que muitos autores denominam de pluriatividade [...]”.
Desse modo, identificamos em alguns bairros rurais de Muzambinho a
procura por alternativas econômicas não-agrícolas como no bairro Macaúbas a
fábrica de polvilho; no bairro Palméia a fábrica de derivados de cana-de-
açúcar, e na Barra Bonita a construção do galpão para fabricação de lingerie.
Por esse motivo consideramos que estes bairros estão desenvolvendo
pluriatividades:
[...] refere-se a situações sociais em que os indivíduos que compõem uma família em domicílio rural passam a se dedicar ao exercício de um conjunto de atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligadas à agricultura e ao cultivo da terra, e cada vez menos executadas dentro da unidade de produção (SCHNEIDER, 2001, p. 3 apud VALE, 2005, p. 2)
Neste sentido, demonstra-se a existência de pluriatividades nos bairros
rurais Palméia e Macaúbas como forma de alternativas de renda e/ou não
dependência exclusiva da produção cafeeira.
A maioria dos bairros rurais em Muzambinho são antigos, que se
desenvolveram concomitante à cidade. Semelhante ao desenvolvimento da
cidade perante a região por causa da ferrovia, os bairros rurais de
Muzambinho, com estações ferroviárias também tiveram maior
desenvolvimento
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Foto 6 – Antiga Estação Ferroviária Palméia.
Fonte: Larissa Chiulli Guida, 2011. Pesquisa de campo.
O bairro rural Palméia em Muzambinho teve seu desenvolvimento a
partir da implantação da estação, no ano de 1914. Desde então, podemos
considerar que a manifestação de urbanidades se fez presente neste bairro
rural, através dos modos de vida e surgimento de empregos que não fossem
agrícolas.
Atualmente, a Cooperativa dos Pequenos Produtores Rurais Familiares
da Palméia (COOPALMÉIA) é um exemplo emblemático de alternativa
econômica buscada pelos moradores do bairro rural. Através da cooperativa,
os cooperados fundaram uma fábrica de produtos derivados da cana-de-
açúcar. Todo o processo produtivo (da produção da cana ao empacotamento
dos produtos derivados) ocorre na fábrica que é Instalada no bairro Palméia.
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Fotos 7 e 8 – Instalação da fábrica da COOPALMÉIA no bairro rural Palméia em Muzambinho Fotos 9 e 10 – Quiosque da COOPALMÉIA à margem da BR 491. Fonte: Larissa Chiulli Guida, 2011. Pesquisa de campo.
A COOPALMÉIA foi inaugurada em 2009 e se encontra em franca
expansão com 19 cooperados, todos moradores do bairro e todos
trabalhadores da fábrica. As fotos 7 e 8 são fotografias da fábrica de derivados
da cana-de-açúcar, as fotos 9 e 10 são do quiosque à margem da BR 491 que
os cooperados ergueram a fim de facilitar a comercialização dos produtos da
fábrica.
No bairro rural Macaúbas os moradores através de uma associação local
e financiamentos provindos dos governos municipal, estadual e federal,
ergueram a Fábrica de Polvilho de Macaúbas. De acordo com a associação as
famílias sempre desenvolveram a produção de polvilho de maneira manual e
artesanal. A Fábrica foi inaugurada em 2009 onde foram raladas 250 toneladas
de mandioca, com perspectiva de um rendimento de 70 toneladas do polvilho
azedo.
FOTO 7 FOTO 8
FOTO 9 FOTO 10
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Fotos 11, 12,13 e 14 – Instalação da Fábrica de Polvilho no bairro Macaúbas. Fonte: Larissa Chiulli Guida, 2011. Pesquisa de campo.
Acima visualizamos as fotos das instalações da Fábrica de Polvilho de
Macaúbas, a foto 11 é a vista da fábrica no bairro rural; a foto 12 corresponde
ao galpão da fábrica; a foto 13 mostra parte da plantação de mandioca; a foto
14 corresponde à área onde é realizado o processo de secagem da massa
para preparo do polvilho. Portanto, averiguamos que todo processo produtivo
do polvilho é realizado na fábrica, que emprega cerca de sete trabalhadores,
além das famílias que estão envolvidas na produção de mandioca.
Contudo, demonstra-se que embora a produção cafeeira angarie grande
contribuição no desenvolvimento econômico de Muzambinho, os pequenos
cafeicultores dos bairros rurais estão desenvolvendo pluriatividades no intuito
de garantir a renda da família e diversificar a produção.
FOTO 11 FOTO 12
FOTO 13 FOTO 14
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5.4 O hibridismo espacial e a relação campo-cidade
Foi identificado no município de Muzambinho a presença de serviços
que atendem à produção do agronegócio cafeeiro, concomitante a esta
estrutura há uma forte ruralidade, manifestada através da agricultura familiar.
Este cenário não permite definir Muzambinho como uma cidade do
agronegócio conforme as pesquisas de Denise Elias em outros municípios
brasileiros (região centro-oeste, oeste da Bahia, entre outros). Pois,
semelhante aos demais municípios da mesorregião Sul/Sudoeste de Minas
Gerais, a cafeicultura está inserida no processo histórico de seu
desenvolvimento, que possui como característica da estrutura fundiária a
pequena propriedade que além do café produz alimentos para abastecimento e
subsistência.
Sob uma ótica, essencialmente econômica, Muzambinho pode ser
definido como uma cidade do agronegócio (ELIAS, 2007) devido a grande
participação do café no PIB municipal. Entretanto, sob uma visão espacial que
contempla não apenas dados econômicos, Muzambinho apresenta um híbrido
espacial fortemente associado à agricultura familiar e à produção da commodity
do café, mas estes não são antagônicos, e sim, complementares.
Dessa forma, apoiamos na ideia de Oliveira (1999) quando demonstra
as duas formas da territorialização do capital no campo:
- territorialização do capital: a presença das grandes empresas,
fazendas, grupos agroindustriais, ou seja, o agronegócio territorializado em
propriedades rurais onde há posse da terra, como é o caso das cidades do
agronegócio;
- monopolização do território pelo capital: a presença de minifúndios
e pequenas propriedades servindo ao agronegócio, ou seja, a base do trabalho
é familiar vinculada a contratos ou cooperativas que determinam a dinâmica da
produção. Essa situação é a que melhor se apresenta na produção cafeeira do
Sul de Minas.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Historicamente no Brasil a questão do acesso a terra é palco de várias
discussões e debates, pois o país possui profundas e enormes desigualdades
quanta a distribuição e posse de terras. Portanto, o campo brasileiro é marcado
por espaços agrícolas desiguais, com grandes concentrações fundiárias e
espaços fragmentados.
O processo de modernização do campo, entre outras consequências, foi
um agravante para esta situação, pois com a difusão do modelo capitalista de
produção, as desigualdades já existentes se tornaram ainda mais relevantes.
Outra consequência da modernização do campo se refere à formação de
regiões agrícolas especializadas em uma única produção, sendo esta uma
commodity (produto agrícola para a exportação). Dentre as regiões brasileiras
produtoras de commodities agrícolas, a mesorregião Sul/Sudoeste de Minas
Gerais se insere como a principal região cafeicultora do país.
Conforme relatado, para análise da produção cafeeira na região, é
necessário considerar os processos históricos pelo qual a região passou,
abordando as mudanças sociais, políticas e econômicas.
Concluímos que a expansão da cafeicultura foi consequência de um
mercado econômico que já estava se consolidando como mercado
abastecedor, a implantação da ferrovia no século XIX objetivava escoar a
produção de alimentos para os outros Estados, o que fortaleceu a economia e
gerou desenvolvimento do comércio, serviços e indústrias das cidades por
onde a ferrovia passava. Nesse sentido, quando iniciou a expansão da
produção cafeeira, a região já detinha suportes produtivos que a viabilizasse,
além dos fatores naturais, que efetivou a produção de café.
Dessa forma a produção do campo, possui como característica a
produção híbrida, ou seja, encontramos na região cafeicultora, tanto a
produção especializada, portada de alta tecnologia e produção de escala global
(agronegócio), como a produção familiar, caracterizada pela produção de
pequena escala.
Neste sentido, resolveu-se averiguar a ocorrência destes dois tipos
extremos de produção no campo que formam um hibridismo espacial: produção
do agronegócio e produção familiar.
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As cidades da região também se desenvolveram devida à produção do
campo, e mantêm ainda traços de ruralidades muito fortes. Sobre este fato
analisamos a dinâmica da produção agrícola no município de Muzambinho,
investigando de que maneira ela ocorre, tendo a cafeicultura como produção
especializada (crescida dos aportes técnicos, normativos necessários para
exportação da produção) e as demais produções familiares.
Conforme demonstrado, embora a produção cafeeira no município de
Muzambinho tenha todos os elementos que compõe a rede produtiva de um
produto do agronegócio, semelhante às demais produções especializadas no
país, verificamos que em Muzambinho, sua produção é nas propriedades
familiares. Devido à fragmentação da estrutura fundiária do município, a
produção cafeeira, ocorre em grande maioria nas pequenas propriedades, ou
seja, embora seja uma commodity agrícola, o café é produzido em propriedade
familiar.
Embora a cafeicultura ocorra em propriedades familiares, é muito difícil
para o produtor de pequeno porte se manter neste mercado. Devido às
exigências do mercado internacional, que demanda uma produção altamente
capitalizada. Neste sentido, estes pequenos cafeicultores estão desenvolvendo
atividades pluriativas como alternativa econômica para a produção do café.
Encontramos nos bairros rurais Palméia e Macaúbas pequenas fábricas
e cooperativas que são atividades pluriativas familiares desenvolvidas pelos
moradores.
Contudo, caracterizou-se a produção agrícola de Muzambinho como
uma produção híbrida, onde em um mesmo espaço é desenvolvido produções
do agronegócio e produções familiares. Mesmo que na esfera econômica a
produção do café seja ainda mais significativa para o município, a produção
familiar também se encontra expressiva, fato que denota que a cidade de
Muzambinho, embora uma forte produtora de café, não se qualifica como uma
cidade do agronegócio cafeeiro, pois detém fortes características da pequena
produção familiar.
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7. REFERÊNCIAS
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