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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS DO SERTÃO IVANY JOVINO DOS SANTOS IDENTIDADE TERRITORIAL E ENSINO DE GEOGRAFIA NO POVOADO JARDIM CORDEIRO, DELMIRO GOUVEIA-AL. DELMIRO GOUVEIA- AL 2015

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS DO … · IDENTIDADE TERRITORIAL E ENSINO DE GEOGRAFIA NO POVOADO JARDIM ... Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentada ao Curso de

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS DO SERTÃO

IVANY JOVINO DOS SANTOS

IDENTIDADE TERRITORIAL E ENSINO DE GEOGRAFIA NO POVOADO JARDIM

CORDEIRO, DELMIRO GOUVEIA-AL.

DELMIRO GOUVEIA- AL

2015

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IVANY JOVINO DOS SANTOS

IDENTIDADE TERRITORIAL E ENSINO DE GEOGRAFIA NO POVOADO JARDIM

CORDEIRO, DELMIRO GOUVEIA-AL.

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC

apresentada ao Curso de Geografia da Universidade

Federal de Alagoas, Campus do Sertão, como

requisito para a obtenção do título de Graduada em

Geografia - Licenciatura.

Orientador: Prof. Msc. Kleber Costa da Silva

DELMIRO GOUVEIA- AL

2015

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FOLHA DE APROVAÇÃO

IVANY JOVINO DOS SANTOS

Identidade Territorial e Ensino de Geografia no povoado Jardim Cordeiro, Delmiro Gouveia-

AL / Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Geografia Licenciatura, da

Universidade Federal de Alagoas – UFAL Campus do Sertão.

Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao

corpo docente do Curso de Geografia

Licenciatura da Universidade Federal de Alagoas,

Campus do Sertão. Aprovada em 28 de setembro

de 2015.

_________________________________________________________________

Mestre, Kleber Costa da Silva, Universidade Federal de Alagoas – UFAL Campus do Sertão

(orientador)

Banca Examinadora:

________________________________________________________________

Doutora, Ângela Fagna Gomes de Souza, Universidade Federal de Alagoas – UFAL Campus

do Sertão (Examinador Interno)

________________________________________________________________

Mestre, Vagner Gomes Bijagó, Universidade Federal de Alagoas – UFAL Campus do Sertão

(Examinadora externa)

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Ao meu pai José Jovino Filho e minha mãe Deuzelia Bispo dos

Santos; às minhas irmãs Adriana Jovino dos Santos, Ivanilde Jovino

dos Santos e irmãos Daniel Jovino dos Santos e Rafael Jovino dos

Santos, que sempre me apoiaram; e amigos que perto ou longe nunca

duvidaram de minha capacidade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, à luz maior que me guia.

Agradeço, antes de tudo, à minha família, em especial ao meu pai José Jovino Filho e minha

mãe Deuzelia Bispo dos Santos pelo exemplo de honestidade, determinação e

responsabilidade, sem o seu amor e seus conselhos eu não seria nada. Amo Vocês!

Agradeço, em especial, ao meu Orientador Kleber Costa da Silva, pelas oportunidades,

paciência e incentivos demonstrados durante toda essa jornada. Agradeço por me mostrar que

eu sempre posso melhorar e que dá para fazer melhor. Por acreditar em mim e por me mostrar

um mundo além daquilo que se pode ver. Meu sincero obrigado!

Às minhas irmãs pelo carinho, amor e ajuda, aos meus irmãos e cunhado pelas caronas, em

especial, por vir me salvar quando a moto dava o “prego”, valeu gente.

Ao meu querido Avô, José Bispo dos Santos por suas sábias palavras ao longo de toda uma

vida e seu exemplo de homem sério e minha avó pelo amor dado.

Aos meus tios e tias pelos incentivos.

Ao meu querido amigo e “filho” que começou trilhando comigo, mas tomou outros rumos.

Obrigado pelo amor dado e incentivar meus estudos!

Agradeço ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID) que durante

esses 2 anos contribuiu com minha formação e me mostrou um mundo completamente novo,

fascinante e desafiador. Obrigado CAPES!

Agradeço à Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. José Correa Filho por me acolher

tão bem e contribuir para as realizações das atividades, mostrando-se sempre prestativa e

servindo de exemplo de profissionalismo. Muito Obrigado!

Agradeço aos moradores do Povoado Jardim Cordeiro pela participação e contribuição nas

pesquisas de campo.

Agradeço à professora Elânia dos Santos Oliveira pelo carinho, atenção e dedicação durante

toda minha participação no PIBID, me mostrando que o ensino de qualidade é possível

quando se tem boa vontade e criatividade. Obrigada Professora!

Agradeço aos alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. José Correa Filho pela

paciência e por terem me acolhido tão bem e, acima de tudo, me ensinando muito. Valeu

Galera!

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Agradeço, em particular, aos meus colegas do coração e de equipe Edjane Vieira Domingos,

Fabio Pereira, Jose Sidney Gomes e Maria Aparecida Lima que foram minha equipe de

trabalho, pesquisa e brigas – Nossa, quantas brigas né? Mas enfim, conseguimos galera.

Obrigada Edjane pela paciência, amizade e sinceridade demonstrada e compartilhada, irmã te

amo!

Obrigado Fabio por ser companheiro e nem um pouco individualista comigo, só com quem

merece. Por ter me ajudado nas horas de sufoco, amei te conhecer e ter sua amizade.

Obrigado ao meu irmão na fé Edmar Correia, que simplesmente é demais!

Obrigada a Elder Leite, meu achocolatado que amo muito!

Obrigada Mayara Feitosa e Aline Alves pelas risadas e espontaneidade, com vocês aprendi a

ser forte e ao mesmo tempo ser a mais delicada das pessoas, vocês são especiais.

Obrigada Clara e Silvia pela amizade e paciência com esses pobres mortais, e pelas séries

compartilhadas.

A minha mais que amada turma que durante todo esse tempo me suportou e dividiu comigo

muitas emoções, alegrias, tristezas e conhecimentos. Por tornar essa caminhada menos pesada

e mais alegre. As viagens com vocês foram inesquecíveis e com certeza as melhores. Nunca

irei esquecer vocês. Obrigado pelos conhecimentos compartilhado!

A todos os Professores do Campus do Sertão que contribuíram ricamente para minha

formação e crescimento acadêmico. Em especial, ao Professor Msc. Leônidas Marques e Drª.

Ângela Fagna Gomes pela ajuda, carinho e dedicação ao ensinar. Agradeço por tudo, muito

obrigado!

Agradeço à Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Campus do Sertão, meu xodó, que tá

crescendo e só me dá orgulho de ter feito parte de sua história na Geografia.

Agradeço, a todos aqueles que de certa forma contribuíram direta ou indiretamente para a

realização e concretização deste sonho.

Sinceramente,

Muito Obrigado!

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“Que Deus nos dê forças para mudar as coisas que podem ser

mudadas; serenidade para aceitar as coisas que não podem mudar; e

sabedoria para perceber a diferença. Mas Deus nos dê, sobretudo,

coragem para não desistir daquilo que pensamos estar certo”.

Chester W Nimitz

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RESUMO

Este estudo é fruto de uma experiência de ensino de Geografia na Escola Municipal Dr. José

Correa Filho situada no Povoado Jardim Cordeiro, Delmiro Gouveia-AL, onde foram

realizadas atividades que tinham como intuito levar os alunos a refletirem sobre a importância

de se estudar o território e as dinâmicas ali existentes, bem como a relação dos alunos com o

espaço vivenciado por eles, buscando compreender a situação territorial daquela localidade

levando em conta as relações de poder ali existentes e o sentimento de pertencimento e

enraizamento com o lugar na construção da identidade local. O estudo objetivou debater a

temática de construção da identidade territorial no povoado Jardim Cordeiro, dando atenção

especial ao cotidiano dos alunos e buscando uma proposta de ensino de Geografia que

pudesse viabilizar a contextualização dos conteúdos com a realidade local. O trabalho se

justifica pela oportunidade de percepção das territorialidades ali existentes e os processos de

construção das novas identidades, bem como permitir o debater sobre a necessidade de se

contextualizar os conhecimentos geográficos com o cotidiano dos alunos no povoado Jardim

Cordeiro, em especial ao que se refere ao conceito de território e identidade territorial. O

trabalho foi dividido em quatro capítulos: introdução; a construção da identidade; o jardim

cordeiro: a construção de um território de “fronteira” e identidade territorial e ensino de

geografia. A metodologia foi dividida da seguinte forma: a) Embasamento teórico-conceitual

com base em autores como Castells (1999); Hall (2014); Haesbaert (2007); Penna (1992);

Perico (2009); Raffestin (1993); Saquet (2005, 2007, 2010); entre outros; b) Levantamento da

formação histórica e do cotidiano dos moradores, com a caracterização geográfica da

localização do povoado, bem como entrevistas com moradores antigos, aplicação de

questionário, registro fotográfico, etc.; c) Realização de atividade ligada ao ensino com a qual

fizemos um levantamento bibliográfico sobre ensino de Geografia, baseado em autores como

Becker (2001); Callai (2011), Cavalcanti (2010); Castrogiovanni (2009); Maceno (2005); etc.

– explicamos o passo a passo das atividades realizadas nas aulas junto a Escola Municipal Dr.

Jose Correia Filho, com a turma do 8º ano do ensino fundamental. Este trabalho possibilitou

vivenciar experiências no que diz respeito à formação acadêmica como futura docente,

ampliando os conhecimentos adquiridos à luz dos conceitos geográficos, contribuindo

também com o exercício de iniciação a docência e o conhecimento da realidade das escolas e

de seus alunos, bem como a reflexão crítica quanto a importância do exercício da pesquisa

científica, ou seja, do professor/pesquisador que estimula seus alunos na busca do

conhecimento, incentivando a irem sempre mais longe, mais do que eles sabem e do que eles

veem. De modo geral, foi um trabalho importantíssimo quanto à formação e amadurecimento

da questão, bem como oportunizou a constituição de novos saberes e reflexões referentes ao

papel do professor no processo de ensino e aprendizagem.

Palavras chaves: Território, Cotidiano e Identidade Territorial.

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ABSTRACT

This study is the result of an experiment with teaching Geography at the Municipal School

Dr. José Correa Son situated in the Village Lamb Garden, Delmiro Gouveia-AL, where

activities were carried out that had the intention to bring all involved to reflect on the

importance of studying the territory and the dynamics therein, and the relationship of students

with the space experienced by them, trying to understand the territorial situation that location

taking into account the their existing power relations and the feeling of belonging and

rootedness with the place in the construction of the local identity. The study aimed to discuss

the territorial identity construction theme in the village Lamb Garden, giving special attention

to the daily lives of students and seeking a geography teaching proposal that would enable the

contextualization of the content with the local reality. The work is justified by the perceived

opportunity of their existing territoriality and the processes of construction of new identities

and allows the debate on the need to contextualize the geographical knowledge with the daily

lives of students in the village Lamb Garden, in particular to what is refers to the concept of

territory and territorial identity. Our work was divided into four chapters that tell how the

steps were performed inside and outside the classroom: a) theoretical and conceptual

Basement based on authors such as CASTELLS (1999); HALL (2014); HAESBAERT

(2007); PENNA (1992); PERICO (2009); RAFFESTIN (1993); SAQUET (2005, 2007,

2010); among others; b) Survey of historical formation and daily life of the residents, with the

geographical characterization of village location, as well as interviews with former residents,

questionnaires, photographic record, etc .; c) carrying out activities related to teaching with

which we made a literature on teaching Geography, based on authors such as BECKER

(2001); CALLAI (2011), CAVALCANTI (2010); CASTROGIOVANNI (2009); MACENO

(2005); etc. - Explain step by step the activities carried out in class with the Municipal School

Dr. Jose Correia Son, with the class of the 8th year of elementary school. This work enabled a

maturing with regard to academic future as a teacher, expanding the knowledge acquired in

the light of geographical concepts, also contributing to the exercise of initiation teaching and

knowledge of the reality of schools and their students as well as the critical reflection about

the importance of scientific research exercise, ie, teacher researcher who encourages his

students in the pursuit of knowledge by encouraging always go further, what they know and

what they see. Overall, it was an extremely important job in the formation and maturation of

the issue and provided an opportunity to set up new sabers and reflections on the role of the

teacher in the process of teaching and learning.

Keywords: Territory, Everyday and Territorial Identity.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 01: Ponte Dom Pedro II...............................................................................................28

Foto 02: Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Jose Correia Filho.........................31

Foto 03: Posto de Saúde Familiar.........................................................................................32

Foto 04: Posto da Guarda Municipal....................................................................................32

Foto 05: Quadra de Esportes................................................................................................33

Foto 06: Igreja Evangélica....................................................................................................33

Foto 07: Igreja Católica........................................................................................................34

Foto 08: Clube de festas.......................................................................................................34

Foto 09: Mercadinho.............................................................................................................35

Foto 10: Churrascaria e Lanchonete.....................................................................................35

Foto 11: Posto de Gasolina...................................................................................................36

Foto 12: Ponto de ônibus......................................................................................................36

Foto 13: 1ª Aula expositiva com os alunos do 8º ano...........................................................42

Foto 14: 1ª Aula expositiva com os alunos do 8º ano...........................................................43

Imagens 01 Perguntas elaboradas pelos alunos do 8º ano....................................................44

Imagens 02, 03 e 04: Perguntas elaboradas pelos alunos do 8º ano.....................................45

Foto 15: 2ª Aula expositiva com os alunos do 8º ano...........................................................47

Foto 16: 2ª Aula expositiva com os alunos do 8º ano...........................................................47

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LISTA DE MAPAS E GRÁFICOS

Mapa 01: Localização geográfica do povoado Jardim Cordeiro no município de Delmiro

Gouveia – AL....................................................................................................................13 e 27

Imagem de satélite 02: Planta do Povoado Jardim Cordeiro....................................................30

Gráfico 01: Percentual de nascimentos por estado...................................................................48

Gráfico 02: Divisão estadual do território.................................................................................48

Gráfico 03: Divisão municipal do território..............................................................................49

Gráfico 04: Relação dos motivos que levara a morar no povoado...........................................49

Gráfico 05: Quantidade de viagens à cidade de Delmiro Gouveia semanalmente .................50

Gráfico 06: Quantidade de viagens à cidade de Paulo Afonso semanalmente........................50

Gráfico 07: Relação percentual das formas de lazer dos moradores........................................52

Gráfico 08: Relação percentual sobre as necessidades encontradas no povoado....................53

Gráfico 09: Relação percentual dos problemas enfrentados pelos moradores.........................53

Gráfico 10: Número de moradores que se consideraram Paul Afonsino.................................54

Gráfico 11: Percentual de opiniões quanto à divisão política do território..............................55

Gráfico 12: Relação percentual quanto ao sentimento dos moradores....................................56

Gráfico 13: Relação percentual das opiniões quanto a morar no povoado..............................57

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13

2. A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ......................................................................... 17

2.1 O conceito de território ..................................................................................................... 17

2.2 O conceito de identidade .................................................................................................... 21

3. O JARDIM CORDEIRO: A CONSTITUIÇÃO DE UM TERRITÓRIO DE

“FRONTEIRA”.......................................................................................................................27

3.1 Cotidiano ............................................................................................................................ 29

4. IDENTIDADE TERRITORIAL E ENSINO DE GEOGRAFIA .................................. 40

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 59

6. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 61

APÊNDICE ............................................................................................................................. 65

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho é fruto de uma experiência de ensino de Geografia no Programa

Institucional de Bolsas de iniciação à docência (PIBID) do qual faço parte desde 2012. O foco

deste trabalho, intitulado “Identidade Territorial e ensino de geografia no povoado Jardim

Cordeiro, Delmiro Gouveia – AL” é tratar de temáticas sobre as relações entre cotidiano,

território e identidade em suas diferentes dimensões, buscando compreender como os

significados territoriais influenciam no processo de construção das identidades e dos

significados territoriais.

O trabalho tem como recorte espacial o povoado Jardim Cordeiro, localizado ao

extremo oeste da cidade de Delmiro Gouveia-AL, às margens da BR-423, próximo a ponde

Dom Pedro II que faz a divisa entre os estados da Bahia e Alagoas.

MAPA DE DELMIRO GOUVEIA

Mapa 1. Localização geográfica do município de Delmiro Gouveia e seus povoados e distritos – AL. Fonte IBGE.

Nosso trabalho tem como objetivo geral estudar os conceitos de território e identidade

territorial, identificando, através do cotidiano dos alunos, os processos que levaram as

transformações do povoado. Nossos objetivos específicos estão pautados no levantamento de

pesquisas bibliográficas sobre os conceitos de território, territorialidade e identidade

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territorial; aula expositiva; realização de entrevistas com os moradores antigos; aplicação de

questionários; registros fotográficos; análise e organização de dados e informações.

O estudo se justifica pela oportunidade de percepção das territorialidades existentes no

povoado Jardim Cordeiro e os processos de construção das novas identidades, bem como

levantar alguns elementos norteadores através de uma abordagem teórica que explique como

ocorre a construção dos significados territoriais, identificando as possibilidades de

contextualizações dos conhecimentos geográficos ao cotidiano dos alunos no povoado Jardim

Cordeiro, Delmiro Gouveia-AL. Nesse sentido, procuramos compreender como contextualizar

o ensino de Geografia ao cotidiano dos alunos tratando questões de identidade e significados

territoriais e de relações com o território.

Este trabalho tem um percurso metodológico baseado em um estudo de caso do

povoado Jardim Cordeiro, no qual buscamos realizar a construção dos conhecimentos

referentes às temáticas debatidas de forma acessível ao nível de conhecimento dos alunos,

além da preocupação com uma aprendizagem.

A metodologia adotada conta com um referencial bibliográfico no qual optamos

trabalhar com os principais autores que tratam das temáticas pesquisadas. Trabalhamos

território a partir de Haesbaert (2007), Perico (2009), Raffestin (1993), Saquet (2005, 2007,

2010) e Santos (1988), que trazem o conceito desde sua origem de espaço delimitado por

relações de poder tendo o estado por referência, até o conceito atual de relações de poder a

partir do político, econômico, cultural, social e natural. Trabalhamos identidade tendo como

suporte teórico metodológico Castells (1999); Hall (2014); Haesbaert (2007), Penna (1992),

procurando entender a identidade como fruto de um processo que esta em constante

construção. Utilizamos as concepções de Andreis (2014), Callai (2009, 2011) e Carlos (2007),

para explanar a importância do uso do cotidiano nas aulas e nos estudos dos conceitos

geográficos, finalizando com as concepções sobre o ensino de Geografia através de autores

como Becker (2001), Callai (2009, 2011), Cavalcanti (2010) e Castrogiovanni (2009).

Realizamos entrevistas com moradores antigos, buscando conhecer a formação

histórica do povoado para entender as relações com o lugar; realizamos o registro fotográfico

dos principais pontos de convivência entre os moradores para entendermos melhor alguns

aspectos de sua configuração espacial, ou seja, os valores, o modo de vida, as tradições e os

hábitos do cotidiano das pessoas daquela comunidade.

Nosso trabalho é dividido em quatro capítulos que relatam como foram realizadas as

etapas da pesquisa.

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Em seu primeiro capítulo, temos a introdução do trabalho. No segundo capítulo, cujo

titulo é: a construção da identidade, apresentamos concepções em relação aos processos que

se apropriam e/ou modificam o território, servindo de base para a construção das identidades

em circunvizinhanças de fronteiras, optamos por um procedimento metodológico baseado em

revisões/pesquisas bibliográficas em torno dos conceitos de território, identidade territorial e

territorialidade, tendo como base referencial: (CASTELLS 1999); (HALL, 2014);

(HAESBAERT 2007); (PENNA 1992); (PERICO 2009); (RAFFESTIN 1993); (SAQUET

2005, 2007, 2010); (SANTOS 1988). Buscando elementos norteadores para explicações

plausíveis quanto à apropriação afetiva e simbólica do território estudado.

No terceiro capítulo, temos: Jardim Cordeiro: a constituição de um território de

“fronteira”, no qual discutimos a formação e transformações ocorridas no povoado ao longo

do tempo, através de entrevistas com os moradores antigos, fotografias dos principais pontos

de convivência daquela comunidade e aplicação de questionário, objetivando entender a

construção da identidade a partir do vivido, da afetividade, do enraizamento e territorialidades

construídas. Para uma melhor compreensão de nosso objeto de estudo foram realizadas

observações in loco, e levantamento histórico da formação do povoado através de conversas

abertas com os alunos, professores e moradores.

No quarto capítulo, intitulado: identidade territorial e ensino de geografia, relatamos o

percurso relativo ás atividades realizadas com os 16 alunos do 8º ano do ensino fundamental

durante nosso estudo. Partimos do levantamento das noções dos alunos em relação aos

conceitos trabalhados e os debates em sala através da contextualização dos conceitos e

conteúdos geográficos ao cotidiano dos alunos. Fizemos um levantamento bibliográfico sobre

ensino de Geografia, baseado em autores como: (BECKER 2001); (CALLAI 2009, 2011);

(CAVALCANTI 2010); (CASTROGIOVANNI 2009). Foram realizadas: aulas expositivas,

entrevistas quanto à formação do povoado, bem como uma pesquisa de amostra com a

aplicação de 22 questionários aos moradores do povoado com idades entre 16 e 73 anos,

objetivando conhecer os principais motivos que levaram os atuais moradores a residirem ali,

bem como seu cotidiano e opiniões a respeito do povoado. Nessa etapa, investigamos os

processos de apropriação e dominação do território através das relações de poder.

Em outro momento, realizamos a análise dos dados obtidos por meio de questionários

para a conclusão de nossas atividades onde se pretendeu aliar o saber geográfico ao cotidiano

de forma que a compreensão sobre as relações de poder dominante no território e a identidade

territorial fossem perceptíveis e que o ensino de Geografia fosse visto como uma disciplina

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que possibilita a formação de indivíduos críticos e capazes de compreenderem o mundo em

suas múltiplas escalas a partir dos conhecimentos geográficos.

Por isso, dentro desta proposta de estudo, buscamos primeiramente os conhecimentos

teóricos das categorias estudadas em seu espaço-temporal. Longo em seguida, começamos os

trabalhos em sala de aula com a explanação dos conceitos com levantamento prévio dos

alunos, conhecimento de seu cotidiano, sua história e suas opiniões. Posteriormente, foram

realizadas atividades intra e extraclasse com alunos e moradores com a intenção de descobrir

sua realidade, noções e conhecimentos que eles têm a respeito de sua experiência como

morador do povoado, a fim de, com essas informações e dados, compreender e explicar traços

de sua (s) identidade (s).

Por fim, concluímos nosso trabalho com as considerações finais a respeito dos

conceitos e do ensino de Geografia. Nessa discussão, busca-se uma articulação entre as áreas

do conhecimento geográfico e a contextualização dos conteúdos condizentes com a realidade

escolar dos alunos, bem como refletir sobre a prática docente frente às mudanças do mundo

contemporâneo.

Este trabalho possibilitou desenvolver o senso crítico e a reflexão em relação aos

conceitos pesquisados e serviu como palco de reflexões quanto ao ensino de geografia sendo

um elemento enriquecedor de atualização da formação do professor-pesquisador.

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2. A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

Os debates que permeiam o processo de construção da noção de identidade vêm

ganhando cada vez mais ênfase no âmbito acadêmico em diversas áreas, tais como;

Psicologia, sociologia, geografia etc. A identidade é fruto da experiência, da afetividade e da

apropriação de significados de um povo, sendo ela mesma construída ao longo de um

processo de reconhecimento.

Sendo assim, no decorrer do estudo se fez necessário um referencial teórico que possa

servir de base para explanar como é feita a construção desse conceito. Quem são os atores

envolvidos? Por que acontece essa construção? (CASTELLS apud PERICO, 2009. p. 38).

Neste sentido, o presente trabalho busca discutir categorias conceituais como: território, lugar

e identidade territorial, a partir de um referencial teórico e metodológico baseado em:

(CASTELLS 1999); (HAESBAERT 2007); (PERICO 2009); (RAFFESTIN 1993); (SAQUET

2005, 2007, 2010); (SANTOS 1988); (TUAN 1983). Posteriormente, optamos por tratar o

ensino como pesquisa e a pesquisa como ensino num processo que contextualizará o cotidiano

dos alunos do ensino fundamental, na disciplina de Geografia, para se chegar ao nosso

objetivo principal que é a Identidade Territorial do povoado Jardim Cordeiro, Delmiro

Gouveia-AL. Essa questão torna-se pertinente ao verificarmos o sentimento de pertencimento

e enraizamento que os morados têm com o estado vizinho (BA) e como o cotidiano contribui

para o fortalecimento das identidades. No decorrer da nossa pesquisa buscamos compreender

porque isso ocorre.

2.1 O conceito de território

Os conceitos de território e de identidade surgiram na Alemanha por volta de 1870 e,

através das concepções de F. Ratzel, o conceito de território foi concebido como um recorte

do espaço delimitado por relações de poder. “Tendo o estado por referência, com suas

subdivisões ou contradições internas, o território constitui sua expressão legal e moral, o que

justifica sua defesa, assim como a conquista de novos territórios” (PERICO, 2009, p. 32).

Esse conceito de território esteve por muito tempo enraizado no pensamento social e

científico como um recorte espacial delimitado e limitado tanto em sua área de extensão

quanto de atuação, governado e controlado pelo Estado.

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Para Claude Raffestin (1993), o conceito de território é concebido a partir de relações

de poder. Segundo o autor, o território é resultado da ação do homem sobre o espaço e “ao se

apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator

territorializa o espaço” (RAFFESTIN, 1993, p. 143). Ou seja, o espaço só passaria a ser

território a partir do momento que existissem relações que permeassem a produção desse

espaço, transformando-o em território, pois “o território, nessa perspectiva, é um espaço onde

se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações

marcadas pelo poder. O espaço é a "prisão original", o território é a prisão que os homens

constroem para si” (RAFFESTIN, 1993, p. 143-144). O território nessa concepção é

entendido como posterior ao espaço e fruto das relações de produção que, por sua vez, está

atrelado a relações de poder, onde somos obrigados a permanecer no espaço, mas podemos

escolher e/ou construir nosso próprio território segundo a nossa vontade, necessidade ou

interesse.

Raffestin (1993) refere-se às relações e à distribuição dos indivíduos e/ou grupos em

diferentes localidades como “tessituras”, malhas, nós e redes. Segundo ele:

Esses sistemas de tessituras, de nós e de redes organizadas hierarquicamente

permitem assegurar o controle sobre aquilo que pode ser distribuído, alocado e/ou

possuído. Permitem ainda impor e manter uma ou várias ordens. Enfim, permitem

realizar a integração e a coesão dos territórios. Esses sistemas constituem o

invólucro no qual se originam as relações de poder. Tessituras, nós e redes podem

ser muito diferentes de uma sociedade para outra, mas estão sempre presentes. Quer

sejam formados a partir do princípio da propriedade privada ou coletiva, nós os

encontramos em todas as práticas espaciais. (RAFFESTIN, 1993, p. 152).

Para o autor, é a partir deste sistema que é possível organizar e controlar as interações

que estão sob o nosso poder, sejam eles de ordem política, econômica, social ou cultural.

Interações essas que surgem dos jogos de interesses e que acabam por produzir o território, ou

seja, as relações de poder que não se limitam apenas ao poder político ou do Estado, pois,

como afirma Rogério Haesbaert (2007, p.20), “desde a origem, o território nasce com uma

dupla conotação, material e simbólica”. Segundo ele, o território já nasce subentendido a

noção de dominação e de apropriação que o homem tem em relação ao espaço construído.

Ainda, segundo Haesbaert (2007):

Território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas ao

tradicional "poder político". Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais

explícito, de dominação, quanto ao poder no sentido mais implícito ou simbólico, de

apropriação. (HAESBAERT, 2007, p. 20-21).

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Nessa perspectiva, o primeiro seria o valor funcional atrelado ao valor de troca, o

poder delimitado e limitado, tendo uma conotação material e funcional. O segundo diz

respeito ao poder no sentido de apropriação, do vivido, do simbólico. Sendo o território palco

dessas duas dinâmicas de territorialização (dominação e apropriação), ele estende-se ao longo

do tempo-espaço por relações de poder objetivas e subjetivas. Para analisar determinado

território deve-se primeiramente observar quem exerce poder sob este mesmo território, pois

este é produzido e consumido através das relações sociais e, quando essas relações se

materializam e enraízam-se, criam-se as territorialidades.

A territorialidade, além de incorporar uma dimensão mais estritamente política, diz

respeito também às relações econômicas e culturais, pois está ‘’intimamente ligada

ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no

espaço e como elas dão significado ao lugar’’. (HAESBAERT, 2007, p. 22).

Segundo o autor, a territorialidade é a incorporação das diversas dimensões que

formam as relações sociais. A partir do momento que existe uma organização no espaço, cria-

se um território e quando esse passa a ter interações simbólicas ou concretas surgem às

territorialidades, que são criadas a partir dos significados que o individuo ou grupo dá ao

lugar de vivência. Ou, como afirma Saquet (2007, p.58), “os processos sociais e naturais, e

mesmo nosso pensamento, efetivam-se na e com a territorialidade cotidiana. É aí, neste nível,

que se dá o acontecer de nossa vida e é nesta que se concretiza a territorialidade”, pois ela é

construída através das relações sociais e de dominação. Para esse autor, é através das relações

do cotidiano que construímos nossas territorialidades e as reproduzimos em processos sociais,

naturais, e até mesmo, em nossos pensamentos.

Atualmente, pensar o conceito de território é pensar em relações de poder articuladas

através do tempo e do espaço, simultaneamente, com as esferas políticas, econômicas,

culturais e naturais (SAQUET, 2007). Essas esferas encontram-se entrelaçadas e a existência

de diferentes abordagens acerca do conceito de território é resultado das diversas formas com

que o território foi, e ainda é pesquisado, por diferentes ciências e teóricos, evidenciando a

necessidade de superação da dicotomia imposta pelo estudo de segmentos isolados – político,

econômico, cultural, social e natural, visto que esses segmentos são indissociáveis para o

entendimento do território como unidade (Saquet, 2007, p. 69).

Nesse sentido, Milton Santos (1998, p.17) salienta que “as mudanças que o território

vai conhecendo, nas formas de sua organização, acabam por invalidar os conceitos herdados

do passado e a obrigar a renovação das categorias de análise”. Para Santos (1998), o território

passou, e vem passando, por diversas transformações em sua organização, tornando-o palco

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de diversas manifestações naturais e sociais ao longo da história, sendo assim, surge a

necessidade de conceituá-lo segundo a realidade que se apresenta, pois os conceitos herdados

do passado podem não refletir mais a realidade atual.

Saquet (2010) define o conceito de território como uma área na qual existe um poder

centralizado que, embora seja limitado, pode ser expandido.

[...] o conceito de território não pode ser classificado como físico ou fenômeno

inanimado, mas como uma área onde há um elemento de centralidade, que pode ser

uma autoridade exercendo soberania sobre as pessoas ou sobre o uso de um lugar

[...] O território designa uma porção do espaço geográfico sod jurisdição de certos

povos, ou seja, significa distinção, separação e compartimentação, a partir de

comportamentos geopolíticos e psicológicos, [...] Mesmo limitado, o espaço pode

ser expandido. (SAQUET, 2010, P.68).

Nessa perspectiva, para conceituá-lo devemos, primeiramente, entender qual é o

elemento central de poder, visto que o território é concebido através de relações de poder de

origem política, econômica, cultural ou social. Assim, essa força central é quem orienta e

organizar determinado espaço conforme suas necessidades ou interesses. Um mesmo território

pode ter um recorte espacial limitado, mas dependendo da força central que organiza as

relações de poder, o mesmo pode expandir-se tanto em sua extensão quanto em sua atuação.

O território não pode ser visto de forma fragmentada, mas como um conjunto

indissociável de diferentes relações de poder, como afirma Haesbaert:

[...] o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de

poder, do poder mais material das relações econômico políticas ao poder mais

simbólico das relações de ordem mais estritamente cultural. (HAESBAERT, 2004a:

HAESBAERT, 2007, p.27).

Para Haesbaert, o território pode ser organizado através de diferentes relações de

poder. O autor entende o território a partir de duas dimensões de territorialização (dominação

e apropriação), indo do material ao imaterial, do funcional ao simbólico e vice-versa.

Imbricações essas que acabam por construir as relações espaciais de vínculo com determinado

território, que vai do real ao abstrato do qual um poder se sobressai aos demais.

Neste trabalho, compreende-se o território a partir do vivido, contemplando as

relações simbólicas e afetivas, que em seu cotidiano moldam e constituem o território, pois

entendemos que no povoado Jardim Cordeiro, Delmiro Gouveia-AL, além das relações de

poder do campo político, existe vínculos afetivos e simbólicos que configuram a criação de

identidades territoriais, ou seja, o território aqui estudado é percebido como fruto de uma

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apropriação simbólica, na qual produz sua territorialidade cotidianamente. Tendo como

suporte teórico as concepções de Haesbaert (2007); Saquet (2007, 2009, 2010).

2.2 O conceito de identidade

O debate acerca da construção da identidade perpassa os conceitos de território e

territorialidade. Segundo a concepção de Castells (1999), a identidade seria um:

[...] processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou

ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual (is)

prevalece(m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou

ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas (CASTELLS, 1999, p. 22).

Nessa perspectiva, a identidade em seu processo de construção, passa a se apropriar de

características culturais de diferentes atores do território, sejam eles históricos, religiosos,

biológicos, geográficos, etc. A identidade compreende relações de interesses econômicos,

políticos, sociais e culturais, pois se encontra fortemente atrelada às relações de poder em

diferentes esferas. Sendo assim, poderá haver múltiplas identidades em uma mesma

localidade por interesse de determinado grupo de apropriar-se e/ou construir significados de

forma a diferenciá-los dos demais. Ainda a esse respeito, Haesbaert (2007) afirma que:

Isto significa que nada impede este indivíduo ou este grupo de produzir e de

"habitar" mais de um território. [...] é raro que apenas um território seja suficiente

para assumir corretamente todas as dimensões de uma vida individual ou de um

grupo. O indivíduo, por exemplo, vive ao mesmo tempo ao seu "nível", ao nível de

sua família, de um grupo, de uma nação. Existe, portanto multipertencimento

territorial (BAREL, 1986, p.13 apud HAESBAERT, 2007, p.35).

A identidade territorial é algo construído por processos cotidianos em diferentes

escalas que acabam por moldar características específicas de um indivíduo ou de um grupo.

Essa territorialização não se limita às fronteiras dos territórios, visto que esse processo

acontece através de uma ação de apropriação simbólica e subjetiva. Desse modo, ao

tratarmos de identidade observamos as dimensões do indivíduo com o lugar, pois “no lugar

que se desenvolve a vida em todas as suas dimensões” (CARLOS, 2007, p.14); o sentido de

lugar nasce a partir da experiência e quando atribuímos a ele valor e significados. Sendo

assim, “a identidade refere-se ao espírito, ao sentido, ao gênio do lugar. Ela provém das

intenções e experiências intersubjetivas, que resultam da familiaridade” (RELPH, 1976 apud

HOLZER, 1999, p. 72). Esse sentimento de pertencimento foi e é construído pelo homem

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através de relações de poder de ordem material e simbólica que marcam o território segundo

características que os identificam.

Sendo assim, o papel do território seria fornecer os subsídios necessários para a

efetivação do sentimento de pertencimento.

(O território) contribui, em compensação, [...] para fortalecer o sentimento de

pertencimento, ajuda na cristalização de representações coletivas, dos símbolos que

se encarnam em lugares memoráveis (hauts lieux) (BRUNET et al. 1992: 436 apud

CLAVAL, 1996, p. 11).

O território adquire, nessa perspectiva, uma dimensão geográfica necessária para a

construção dos processos identitário, pois o território oferece os referenciais necessários para

a construção de múltiplas identidades, já que o mesmo é apropriado de formas diferentes pela

coletividade. Perico (2009) acrescenta que:

[...] toda e qualquer identidade é construída. A principal questão diz respeito a como,

a partir de que, por quem e para que isso ocorre. A construção de identidades se vale

da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas

e reprodutivas, pela memória coletiva e pelas fantasias pessoais, pelas pompas do

poder e por revelações de cunho religioso. Com certeza todos esses materiais são

processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades que reorganizam seu

significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados na

estrutura social, assim como em função da percepção que têm sobre o tempo/espaço

(CASTELLS, 1999, apud PERICO, 2009, p. 38).

O autor afirma que as identidades são construídas. Com isso, a questão central é a de

como esse processo ocorre. No caso do Povoado Jardim Cordeiro, a identidade é construída

através do cotidiano a partir de relações sociais, econômicas e culturais praticadas pela

comunidade, com a finalidade de obtenção das necessidades e interesses individuais e

coletivos, não deixando de lado as características geográficas, biológicas, históricas e

religiosas da comunidade. Pois, como afirma Hall (2014, p. 108), “as identidades estão

sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e

transformação”. Assim, elas não poderiam ser singulares e unificadas, mas fragmentadas e

múltiplas, pois o processo de construção é constante.

Desse modo, torna-se necessário tomar como referência o contexto histórico, a

realidade do grupo social e suas particularidades que levaram aos processos de construção das

identidades no decorrer do tempo e do espaço, pois, como ressalta Penna (1992):

O tratamento da identidade social [...] implica necessariamente em considerar os

processos que constroem, social e culturalmente, os esquemas de classificação

dominantes e determinadas representações compartilhadas, e onde e sem duvida

relevante a atuação de especialistas da produção simbólica, assim como de

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mecanismos institucionais de definição da "realidade": enfim, não permite esquecer

a função política dos sistemas simbólicos (PENNA, 1992, p. 71).

Para a autora, a identidade deve ser tratada e concebida através das relações com todos

os elementos, visto que ela é culturalmente formada por diferentes sistemas e processos.

Nesse processo de construção da identidade deve-se compreender a interação entre o

poder de dominação política atuante no território e suas relações com as dinâmicas locais,

evidenciando a necessidade de observação das relações materiais e imaterias, de dominação e

de apropriação. Nesse sentido, podemos entender as leis a partir de um conjunto de normas

instituídas pelo Estado para a organização da sociedade. Freitas (2007) cita que:

As leis definem os limites de um direito ou de uma reserva. Os objetivos legais de

um território são normalmente descritos pelos limitem que demarcam onde um

direito ou uma restrição termina e onde um próximo direito ou uma próxima

restrição começa assim como os conteúdos desse direito. (KAUFMANN, 1998 apud

FREITAS, 2007, p. 19).

A dominação e a apropriação do “território concreto” organizam as informações e as

relações no território, sejam nas dimensões política, econômica, cultural ou social. Nesse

sentido, a identidade é fruto das relações de poder atuantes no território.

Segundo Castells (1999, p. 24) a construção da identidade ocorre sob “três formas e

origem” que são: legitimadora, de resistência e de projeto. Para uma melhor compreensão

elaboramos um organograma.

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM ESCALA NACIONAL.

A identidade legitimadora; tratada como raiz da sociedade civil, aquela que se originam

das instituições dominantes e reproduzem suas formas de dominação, como por exemplo, a

identidade nacional que garante os direitos e deveres aos cidadãos; a Identidade de

resistência; que nasce a partir de atores marginalizados e em situação de “desvalorização e/ou

estigmatizados” como forma contra-hegemônica e como forma de resistência e sobrevivência

e é daí que nascem as comunidades, essas por sua vez são dotadas de “essências”, como por

LEGITIMADORA

IDENTIDADE

DE RESISTÊNCIA DE PROJETO

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exemplo, a identidade quilombola e/ou indígena que lutam pelo seu território e pela

continuação de suas tradições, costumes e cultura e; a Identidade de projeto – identidade

construída culturalmente capaz de reformular sua posição social através de uma mudança

estrutural da sociedade, com uma perspectiva construtivista, como por exemplo, a

comunidade GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) que vem ganhando o direito à união

homoafetiva.

Essas são concepções sugeridas por Castells (1999) sobre como se dá a construção da

identidade a nível nacional. Já Penna (1992, p. 50-51) expõe suas concepções acerca da

identidade a nível regional. Segundo a autora, a identidade pode ser formulada a partir de

quatro, que são: naturalidade, vivência, cultura e autoatribuição. Para uma melhor

compreensão elaboramos um organograma.

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM ESCALA REGIONAL

Nessas denominações, a autora propõe que a identidade seja pontuada a partir da: 1ª)

Naturalidade: o local de nascimento do indivíduo é decisivo para determinar e classificar a

naturalidade no documento de identidade, a esse respeito podemos citar o caso dos moradores

que nasceram na cidade de Paulo Afonso e se consideram pauloafonsino; 2ª) Vivência: que

está relacionada às experiências dos indivíduos dentro de determinado território, e que em seu

cotidiano, seria capaz de produzi a identidade, aqui evidenciamos o caso dos moradores do

povoado que não nasceram em Paulo Afonso, mas que através do cotidiano possuem uma

vivência maior com o território vizinho do qual estão sempre vivenciando em seu dia a dia; 3

ª) Cultura: referente às práticas originária de alguma cultura que identifica a origem de

determinado grupo ou indivíduo, a exemplo da apropriação material e simbólica da cultura

baiana que é utilizada continuamente pelos moradores do povoado e; 4ª) Autoatribuição:

indicação do próprio indivíduo quanto ao seu pertencimento a determinado território ou

região, a exemplo de alguns moradores que por necessidade ou interesse específico, se

NATURALIDADE VIVÊNCIA CULTURA AUTOATRIBUIÇÃO

IDENTIDADE

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autoatribui pauloafonsino/baiano. No caso do povoado essas modalidades estão agregadas,

pois os moradores vivenciam de forma diferente e variadas os múltiplos processos que

constroem as identidades.

Nessas concepções de Penna (1992) a identidade é vista, com exceção da

autoatribuição, como algo dado através de características que identificam o indíviduo como

pertencente a um grupo ou diferente deste. Estas concepções são pertinentes, pois produz

reflexões sobre até que ponto a identidade é produzida/construída é até que ponto ela é

dada/atribuída? É preciso analisar as diferentes escalas de construção das identidades

territoriais e/ou das territorialidades, bem como de que forma essas são representadas em seus

territórios.

A partir destes diferentes cortes territoriais é possível construir diversas identidades,

dentro de uma hierarquia onde uma identidade mais ampla (por ex. regional) e capaz

de englobar outras mais exclusivas (por ex. relativas ao estado ou município) que,

em outro nível, se oporiam entre si. A referência última e a identidade nacional, a

mais abrangente. Sendo assim, sua capacidade de unificar, de estabelecer, sob a

nacionalidade, uma coesão por sobre tantas possíveis fontes de diferenciação exige

um maior grau de abstração em relação as particularidades da experiência mais

imediata do indivíduo (PENNA, 1992, p. 52).

Nessa perspectiva, as diferentes escalas possibilitam a interpretação de múltiplas

identidades, que compreende a nacional, regional, local, etc. E, através da nacionalidade seria

possível a unificação dessa pluralidade identitária, sem que a escala menor perca suas

particularidades frente à escala maior. Nesse aspecto, Perico (2009) acrescenta que:

A forma como os grupos se organizam para fazer a gestão, defender ou integrar seu

território constitui expressão política da identidade no território. Consiste na

expressão da territorialidade que se manifesta nos valores, como o patriotismo, o

amor à terra, a diferenciação, a afirmação e a competência em relação a outros

grupos ou territórios. (PERICO, 2009, p. 39).

Cada território organiza-se segundo uma hierarquização advinda de dimensões

política/jurídicas, mas também de relações econômicas, culturais e simbólicas como crenças,

valores, tradições, etc. A identidade territorial que aparentemente é “dada” por meio da

naturalidade não se limita a essa expressão, pois é através das experiências do vivido, do

sentimento de pertencimento e enraizamento, da apropriação e da afetividade com o lugar que

a mesma é construída, e sucessivamente, reconstruída por práticas diárias que na maioria das

vezes fazem parte de uma dimensão mais simbólica e de apropriação do que de dominação e

imposição, mas que não deixam de fazer parte de uma rede de relações sociais que estão em

um campo de poder. Como afirma Woodward (2014):

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Todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações de

poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluindo. A cultura

molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre

várias identidades possíveis, por um modo específico de subjetividade

(WOODWARD, 2014, p.19).

A cultura que molda a identidade permite a escolha entre o que “eu sou” e “o que eu

quero ser”, como o “eu” se diferencia e assimila-se ao “outro”. Dessa forma, ao moldar às

identidades a cultura inclui ou exclui os indivíduos através das relações cotidianas de

subordinação e dominação, na qual se opta por pertencer ou não a determinada cultura.

Sendo assim, neste trabalho optamos pela construção das identidades territoriais

através da “tríade” Território - Territorialidade - Identidade, por entendermos que esses

conceitos são indissociáveis, quando tratarmos de questões de ligação dos humanos com

lugares geográficos, visto que é através do sentimento de afetividade, enraizamento e

pertencimento ao lugar que surgem as territorialidades, as relações em suas múltiplas formas e

escalas, que por sua vez, conduz as relações de poder concreta e simbólica, constituindo-se

assim um conjunto de significados compartilhados que moldam o território e dá origem as

identidades.

Para entendermos como permeiam essas questões do/no território, temos que conhecer

melhor o território trabalhado e para isso buscamos conhecer o contexto histórico local e os

processos que levaram o povoado a ser o que ele é hoje. Para isso, no próximo capítulo iremos

fazer uma leitura sobre a localização, formação e o cotidiano dos moradores do povoado

Jardim Cordeiro.

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3. O JARDIM CORDEIRO: A CONSTITUIÇÃO DE UM TERRITÓRIO DE

“FRONTEIRA”

O território estudado foi escolhido a partir de sua localização geográfica e por conter

relações dinâmicas, tanto com a cidade de Delmiro Gouveia-AL quanto com Paulo Afonso-

BA. As relações de poder que permeiam a construção das identidades territoriais ali existentes

estão ligadas aos processos de territorialização pelas quais passam os moradores ao longo da

história do Povoado. Relações essas que se tornaram objeto de apreciação nesta proposta de

trabalho.

O Povoado Jardim Cordeiro está localizado na Zona Rural do município de Delmiro

Gouveia-AL (Figura 1), numa área de fronteira interestadual – Alagoas e Bahia. Divisão essa

que consta na Lei Orgânica Municipal de Delmiro Gouveia, Seção II, Art. 5º,§ 2° “Município

de Delmiro Gouveia para fins administrativos será dividido em Zona Urbana e Zona Rural, a

Zona Urbana compreende a sede do Município e a Zona Rural os distritos e povoados”.

(BRASIL, 1990, p. 02).

MAPA DE DELMIRO GOUVEIA

Mapa 1. Localização geográfica do município de Delmiro Gouveia e seus povoados e distritos – AL. Fonte IBGE.

A formação do povoado, segundo moradores antigos, começou na “cabeça” da ponte

Dom Pedro II (Foto 1), que liga os estados de Alagoas e Bahia. O nome do povoado a

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princípio era Cangambá, mas tinha quem o chama-se pelo apelido de “Beija Bode”, nessa

época só existiam algumas casas de taipa e vegetação na área ocupada na “cabeça” da ponte.

PONTE DOM PEDRO II

Foto 1. Ponte Dom Pedro II. FONTE: kalangodosertao.webnode.com.br. Acessado em: 05/12/2014.

Um dos moradores antigos conta que chegou ao povoado no período de construção da

ponte Dom Pedro II (meados de 1957) e que a CHESF (Companhia Hidrelétrica do São

Francisco) necessitou da área para passar mais linhas de transmissão, “então ela indenizou os

moradores, que saíram da “cabeça” da ponte e construíram suas casas a alguns metros mais

afastados da ponte onde só existia uma casa no local. Nesse mesmo período surgiu a venda

de lotes através dos promotores “Bastos e Elias” e os moradores que foram indenizados

compraram esses lotes e construíram suas casas no povoado”. Relata o morador I.

“O nome Jardim Cordeiro surge a partir da Fazenda Cordeiro, de propriedade da

família Cordeiro, que ficava próxima à cidade de Delmiro Gouveia e que deu origem ao

nome dos lotes Jardim Cordeiro”1, Acrescenta a moradora II.

Os moradores foram chegando aos poucos na época da formação do povoado e, “as

famílias sobreviviam do trabalho prestado à CHESF ou à Fábrica da Pedra, bem como da

agricultura, pecuária e pescaria” nos conta o morador I. A população foi aumentando

gradativamente através do casamento dos filhos dos primeiros moradores que não quiseram

1 Entrevista concedida pelos moradores. Entrevistador: alunos da E.M.E.F. Dr. José Correia, Jardim Cordeiro:

14/10/14.

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ou não puderam sair do povoado, bem como com a chegada de pessoas que iriam trabalharam

na CHESF2, na Fábrica da pedra

3 ou que possuíam familiares que morassem no povoado.

3.1 Cotidiano

Os moradores do povoado Jardim Cordeiro, ao longo de sua história, vem passando

por um processo de apropriação e valorização de signos e símbolos da cultura baiana que aos

poucos vão sendo incorporadas ao território e a identidade local. Nesse sentido, segundo

Saquet (2007):

O processo de produção do território é construído pelo movimento histórico e por

simultaneidade. Há movimento constante que se materializa na vida cotidiana e no

território, centrado na intersecção entre os tempos histórico e coexistente

(multiescalar). No território há uma conjugação entre aspectos da economia, da

política, da cultura e da natureza exterior ao homem (E-P-C-N) (SAQUET, 2007, p.

56).

Para o autor, a observação desse processo de construção do território é de suma

importância para entendermos como a atual noção de identidade foi moldada ao longo da sua

história, visto que essa construção foi realizada cotidianamente através das múltiplas relações

entre os diferentes indivíduos e territórios.

Nessa perspectiva, pensamos no cotidiano dos moradores – onde trabalham, estudam,

passeiam, fazem a feira, pagam seus impostos, vão ao médico, etc. - e desenvolvemos uma

análise sobre o significado de sua identidade territorial, pois são as práticas do cotidiano que

moldam a identidade local. Essas questões são pertinentes ao nosso estudo para compreender

as relações existentes no território. Salientamos que é preciso conhecer os atores e as ações

envolvidas nessa dinâmica, visto que nessas relações existe uma dependência entre o lugar

estudado e os outros lugares que transpõe os limites físicos.

O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por

relações sociais que se realizam no plano do vivido o que garante a construção de

uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura

civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que o homem se reconhece

porque é o lugar da vida (CARLOS, 2007, p. 22).

A forma como os moradores interagem com o lugar de origem e os lugares vizinhos

vão ao longo do tempo produzindo uma rede de relações de conexões com o estado vizinho e

2 Companhia Hidrelétrica do São Francisco, usina hidrelétrica localizada na cidade de Paulo Afonso, nos

Cânions do Rio São Francisco, na divisa entre os estados da Bahia e Alagoas. 3 Em 1912 Delmiro Augusto da Cruz Gouveia registra a Companhia Agro-Fabril Mercantil (Fábrica da Pedra) e

em 1914 ela é inaugurada produzindo linhas com a marca Estrela.

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essas conexões vão gerando uma apropriação da cultura e uma dependência econômica e de

serviços que produz um processo de construção da identidade local.

Atualmente, o povoado possui cerca de 1072 morados segundo dados do Censo 2010

do IBGE. A população está distribuída nas 16 quadras (mapa 2) que formam o povoado.

PLANTA DO POVOADO JARDIM CORDEIRO

Mapa 2. Planta do Povoado Jardim Cordeiro. Acessado em: 23/01/2015.

No povoado apenas as 4 principais ruas possuem nomes: Rua Ana Neri; Av. Jardim

Cordeiro; Rua Paulo XI e Rua Pilar. Em sua estrutura territorial urbana. Existe uma escola de

ensino fundamental I e II, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Jose Correia Filho

(Foto 2), um posto de saúde (Foto 3), um posto da guarda municipal (Foto 4), uma quadra de

esportes (Foto 5), uma igreja evangélica (Foto 6), uma igreja católica (Foto 7), um clube de

festas (Foto 8), um posto de gasolina, (Foto 9) e dois pequenos mercadinhos (Foto 10).

Nos estabelecimentos públicos os funcionários são contratados e concursados, e são

moradores da cidade de Delmiro Gouveia e de Paulo Afonso e dos povoados vizinhos. A

maioria das ruas do povoado são pavimentadas e os moradores contam com serviços de

iluminação pública, água encanada (embora exista uma falta constante no fornecimento de

água) e rede de esgoto, porém precária.

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Em seu cotidiano os moradores vivenciam os objetos e executam ações que servem de

“condições” para a construção de sua identidade- representados pelas fotos abaixo.

E. M. E. F. DR. JOSE CORREIA FILHO

Foto 2. Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Jose Correia Filho. Autor: Ivany Jovino. Data: 07/10/2014.

A escola Municipal Dr. José Correia Filho está localizada na Rua Paulo VI s/n,

funciona no período matutino com turmas do fundamental I e no período vespertino com

turmas do fundamental II. As crianças do povoado frequentam a escola do ensino

fundamental I e II, depois a grande maioria opta por estudar o ensino médio na cidade de

Paulo Afonso, visto que é mais próximo e a prefeitura de Delmiro Gouveia disponibiliza

ônibus que leva e trás os alunos diariamente. Essa opção possibilita aos alunos um convívio

diário com a cidade baiana e com sua cultura, pois os alunos tem que adaptar-se ao calendário

escolar do estado da Bahia.

O Posto de Saúde da Família (PSF) possui uma ambulância e deveria funcionar de

segunda a sexta, porém existem reclamações por parte dos moradores do não atendimento ou

atendimento precário, por falta de material ou profissional, os moradores recorem sempre à

Paulo Afonso para consultas ou exames médicos.

POSTO DE SAÚDE DA FAMILIAR

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Foto 3. Posto de Saúde da Familiar. Autor: Ivany Jovino. Data: 07/10/2014.

POSTO DA GUARDA MUNICIPAL

Foto 4. Posto da Guarda Municipal. Autor: Ivany Jovino. Data: 07/10/2014.

O posto da guarda municipal conta com uma viatura de patrulhamento que faz ronda

no povoado, porém nem sempre ela está no povoado, quando acontece uma ocorrência os

moradores reclamam da demora dos policiais em chegar ao local, o que possibilita a funga

dos criminosos. Moradores relatam o aumento da criminalidade no povoado que, segundo

eles, não são moradores e sim pessoas que vêm principalmente da cidade vizinha fazer

pequenos furtos e até assassinatos.

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QUADRA DE ESPORTES

Foto 5. Quadra de Esportes. Autor: Ivany Jovino. Data: 07/10/2014.

A quadra de esporte localiza-se em frente à escola, para alguns, é a única área de lazer do

povoado. Ela é utilizada em alguns eventos realizados pela escola para apresentações culturais e

esportivas. Moradores relatam que a mesma precisa de uma reforma e de uma cobertura para a

realização das atividades, pois devido às altas temperaturas registradas no povoado muitas vezes a

utilização da quadra fica inviável.

IGREJA EVANGÉLICA

Foto 6. Igreja Evangélica. Autor: Ivany Jovino. Data: 07/10/2014.

A igreja evangélica mostra um pouco da religiosidade dos moradores, bem como uma

moderna construção.

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IGREJA CATÓLICA

Foto 7. Igreja Católica. Autor: Ivany Jovino. Data: 10/12/2014.

A igreja católica funciona normalmente aos Domingos, mantendo as tradições

religiosas do povo sertanejo.

CLUBE DE FESTA

Foto 8. Clube de Festa. Autor: Ivany Jovino. Data: 07/10/2014.

No Clube são realizadas festas que vão desde pequenos shows a locação para a

realização festas particulares, confraternizações, etc.

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MERCADINHO

Foto 9. Mercadinho. Autor: Ivany Jovino. Data: 10/12/2014.

O povoado conta com dois mercadinhos para atender as necessidades dos moradores,

porém eles não têm serviços como farmácia e padaria. Quando não se encontram

medicamentos simples ou pão os moradores precisam se deslocar até Paulo Afonso para

comprar (existe uma pessoa que leva o pão pra vender, porém alguns moradores reclamam da

qualidade do produto).

CHURRASCARIA E LANCHONETE

Foto 10. Churrascaria e Lanchonete. Autor: Ivany Jovino. Data: 10/12/2014.

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No povoado existe uma Churrascaria/Lanchonete localizada as margens da BR 423,

utilizada pelos moradores e, principalmente, pelos caminhoneiros e viajantes que param para

descansar durantes à noite.

POSTO DE GASOLINA

Foto 11. Posto de gasolina. Autor: Ivany Jovino. Data: 10/12/2014.

No povoado, a margem da BR 423, existe um posto de gasolina que possui serviços

como conveniência, banheiros e lavanderia.

PONTO DE ÔNIBUS

Foto 12. Ponto de ônibus. Autor: Ivany Jovino. Data: 10/12/2014.

Ao lado do posto de gasolina e as margens da BR - 423 existem dois pontos de ônibus-

um de cada lado.

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Nas observações das relações do povoado com as cidades de Delmiro Gouveia-AL e

Paulo Afonso-BA, notou-se que a maior “dependência socioeconômica” diz respeito à cidade

baiana, onde moradores recorrem em caso da saúde, trabalho, estudo, serviços e lazer. Outro

aspecto importante é a existência de uma alta taxa de natalidade dos moradores referentes à

cidade baiana devido à distância, pois, o hospital mais próximo encontra-se à cerca de 50mim,

na cidade de Paulo Afonso.

Nesse contexto, devido às vivências cotidianas dos moradores, optamos dentro das

concepções aqui propostas, a compreensão de uma “territorialidade sem território” do ponto

de vista político/jurídico - entendemos que o fato do território baiano existir e os moradores

utilizarem e sentirem-se pertencentes e dependentes dele, não torna o território baiano

propriamente deles, mas sim, eles pertencentes ao território baiano através das dimensões

econômicas, culturais e sociais. Paulo Afonso-BA exerce um controle simbólico muito forte

na vida cotidiana dos moradores, porém o povoado não deixa de pertencer ao município de

Delmiro Gouveia-AL e de estar dentro dos limites territoriais do estado de Alagoas. Podemos

notar esse “não pertencimento” a partir dos serviços públicos prestados em Paulo Afonso-BA,

os moradores relatam que encontram muitas dificuldades, a exemplo, na obtenção de

atendimento médico nos postos de saúde da família (PSF) no estado da Bahia devido ao

comprovante de residência ser da cidade de Alagoas. Porém, nas dimensões econômica,

cultural e social, eles reconhecerem os moradores do povoado como pertencentes aquele

território, visto que, devido às idas à feira, aos mercados e farmácias, aos espaços de lazer, os

moradores do povoado acabam conhecendo e fazendo amizades com os moradores de Paulo

Afonso-BA, criando-se uma rotina na vida de ambos, que acabam compartilhando os mesmos

espaços e experiências. Em alguns casos é comum a confusão referente à que município

pertence o povoado Jardim Cordeiro, tanto com moradores de Delmiro Gouveia-AL quanto

aos moradores de Paulo Afonso-BA.

Esses são alguns dos elementos que servem de base para as nossas indagações. Nesse

sentido, Haesbaert (2007), resalta que a:

Territorialidade como concepção mais ampla que território, que o engloba (a todo

território corresponderia uma territorialidade, mas nem toda territorialidade teria,

necessariamente, um território), territorialidade tanto como uma propriedade de

territórios efetivamente construídos quanto como "condição" (teórica) para a sua

existência [...] (HAESBAERT, 2007, p. 26).

Segundo o autor, a territorialidade é vista como uma concepção mais ampla e

compreender as dimensões material e imaterial. A territorialidade pode ser a “condição” para

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a existência de um território ou ela pode existir sem ter a existência de um território concreto,

ou seja, pode existir uma territorialidade sem um território concreto.

Nesse sentido, vale resaltar que, não é só da vontade da população local ir à cidade de

Paulo Afonso, em muitos casos é necessário ir resolver seus problemas, suas necessidades,

visto que existe um déficit do poder público na prestação de serviços, além disso, é mais

cômodo ir a Paulo Afonso devido a sua dinâmica econômica (no que se refere a serviços,

empregos, lazer, etc.), além da proximidade geográfica que facilita a gestão do tempo entre ir

e vir, além do baixo valor da passagem. Esses são apenas alguns exemplos das dinâmicas

encontradas nesse povoado, cujas relações apresentam em seu território especificidades que

caracteriza essa comunidade e os diferenciam dos demais povoados do mesmo município.

Em suma, ao pensarmos no conceito de território como sendo uma porção do espaço

delimitado por relações de poder, estamos falando de informações que organizam esse

território, seja política, econômico, cultural ou natural, no qual as relações que a comunidade

tem com esses espaços podem ser observados através de suas ações, seu cotidiano, símbolos

que acabam delimitando e ampliando seu limite de extensão ou de ação, ficando visível ou

não esses limites. O território em questão não pode ser visto sem seu povo, visto que é através

das relações sociais e de poder que os indivíduos mantiveram e mantém até hoje, que se

constroem as identidades existentes.

No estudo das categorias de análise da Geografia procuramos aliar ao estudo do

território e da identidade o conceito de cotidiano para elucidar noções de espacialidade, bem

como servir de ferramenta pedagógica auxiliar nas aulas dessa disciplina, pois, concordando

com Andreis (2014):

O cotidiano não é apenas o dia a dia tecnicamente vivido em espaços-tempo, como

relação com lugares e coisas mais ou menos comuns aos sujeitos. O cotidiano na

sala de aula não diz respeito apenas à estruturação dos locais e dos tempos semanais

de disciplinas e cargas horárias. O cotidiano é composto pela visão de mundo que

cada sujeito constrói e que, em cada aula, é colocada em questão. O cotidiano é o

processo de acontecência de cada sujeito e em relações com os outros (ANDREIS,

2014, p. 119-120).

Nesse sentido, o cotidiano vai muito além do dia a dia de cada indivíduo, trata-se das

noções construídas individualmente a partir das experiências e vivências compartilhadas entre

o “eu” e o “outro” que dá origem as concepções espaciais de significados e que estão em

permanente atualização. Sendo assim, buscamos um diálogo entre os conceitos trabalhados e

a observação do cotidiano de alunos e moradores do povoado Jardim Cordeiro.

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No próximo capítulo daremos início à prática de ensino de nossa pesquisa/ensino, pois

ela é parte fundamental de nosso estudo visto que serão aliados os conceitos teóricos com os

práticos no que tange ao curso de Licenciatura em Geografia- UFAL Campus Sertão.

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4. IDENTIDADE TERRITORIAL E ENSINO DE GEOGRAFIA

A pesquisa foi desenvolvida junto à Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. José

Correa Filho, situada no Povoado Jardim Cordeiro, Delmiro Gouveia-AL, com os 16 alunos

do 8º ano, na qual daríamos continuação a nossa pesquisa iniciada no PIBID.

O caminho metodológico escolhido para este trabalho foi o estudo de caso, visto que o

TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) é fruto de discussões do PIBID (Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência). Como já tínhamos começado a trabalhar

questões referentes à identidade territorial, preferíamos acompanhar o desenvolvimento da

aprendizagem dos alunos, com atenção especial ao nosso objeto de estudo sob uma

perspectiva construtivista.

O construtivismo foi um percurso pedagógico adotado para esse estudo pela

oportunidade de propor aos alunos a reflexão sobre a importância de se compreender os

conceitos geográficos e os processos que ocorreram e que vem ocorrendo no território,

apresentando os conceitos trabalhados não como algo dado, mas como um conhecimento

construído ao longo do tempo, através das relações sociais e como esses processos têm

influenciado em suas vidas cotidiana e estão envolvidas na construção das identidades

territoriais.

No desenvolvimento deste projeto, preferimos tratar o ensino como pesquisa e a

pesquisa como ensino por entendermos que as inquietações à cerca do tema tratado requerem

alguns aprofundamentos, pois a questão da Identidade Territorial vem sendo trabalhada em

sala de aula e faz parte do cotidiano dos alunos/moradores, mas para que essas vivências

possam servir para a elaboração de noções sobre o território e sobre a identidade de forma

pertinente à realidade é preciso que os envolvidos compreendam os processos econômicos,

políticos, culturais, sociais e naturais locais. E, para isso, o ensino de Geografia serviria como

base para a organização dos conteúdos e dos conhecimentos geográficos. A esse respeito,

Callai (2011) diz que:

O ensino da Geografia pode servir então para situar os sujeitos nesse mundo, de

modo que compreendam a espacialidade dos fenômenos e que os espaços resultam

da história dos homens que vivem nos lugares, sendo assim um espaço construído a

partir dos interesses dos que ali vivem. E nesse contexto, há um jogo de forças a

partir de relações de poder, entre os que vivem no lugar. Há também, que se

reconhecer o jogo de forças decorrentes do entorno e do contexto em que se insere

cada lugar, sendo sempre necessário considerar nas análises e escala social.

Aprender a olhar para o local entendendo que o que está singularizado no lugar

possui, sim, elementos que fazem a distinção, mas olhando também para o contexto

mais amplo e global. Pode ser a resposta a para quê se ensina Geografia na escola.

(CALLAI, 2011, p. 25)

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Para a autora, o ensino da Geografia serve para situar o sujeito, ou seja, ajudá-los a

assimilarem a realidade, os processos e as relações de poder por traz da construção, da

dominação ou da subordinação dos lugares não só na escala local, mas também na escala

global. Foi pensando nisso que planejamos as atividades a serem realizadas não só em sala de

aula, mas com a comunidade, os moradores do povoado.

Buscou-se a participação dos alunos em sala de aula, com o intuito de propor uma

reflexão sobre a importância de se compreender os conceitos de território e identidade

territorial, levantando questões fundamentais à afirmação da identidade territorial do povoado

e exercitando a reflexão sobre o ensino de Geografia e sobre seus conceitos que são caros à

produção do saber geográfico e que contribui para a compreensão da identidade territorial

daquela comunidade. Procurando levar em consideração as relações daquela comunidade com

o Lugar de vivência, ou seja, suas experiências como pertencente aquele lugar e a nossa visão

como “turistas”, (TUAN, 1983 apud FERREIRA, 2000, p.03).

Para o planejamento e confecção dos planos de aula foi realizada uma fundamentação

teórica e metodológica, com bases em estudiosos que fizeram e fazem um rico debate em

relação aos conceitos de território, territorialidade e identidade, e também ao ensino de

Geografia, entre os quais nos baseamos: (BECKER, 2001); (CALLAI, 2009, 2011);

(CAVALCANTI, 2010); (CASTROGIOVANNI, 2009); (MACENO, 2005). Segundo

Cavalcanti (2010) a didática de Geografia é:

[...] um campo do conhecimento que se ocupa da reflexão sobre o processo de

ensino, entendido como uma prática social, dinâmica e subjetiva, não limitada a uma

correta aplicação de regras gerais e procedimentos. Nessa perspectiva, a didática da

Geografia busca analisar a dinâmica do ensino dessa matéria: elementos

constitutivos, condições de realização, contextos e sujeitos, limites e demandas. Sua

contribuição é produzir conhecimento amplo do ensino e dos fundamentos teóricos e

metodológicos da Geografia escolar, seus princípios epistemológicos, subsidiando

assim a atuação docente consciente e autônoma. (CAVALCANTI, 2010, p. 03).

Nesse sentido, o trabalho buscou nas metodologias aplicadas no ensino de Geografia e

no cotidiano dos alunos, as explicações e as relações existentes entre a dependência política,

econômica ou cultural que possam existir naquela comunidade e que pode acabar por

influenciar sua identidade. Levamos em consideração a vivência do indivíduo, a cultura da

sociedade que ali se encontra, bem com as relações sociais e econômicas, e os recursos

financeiros e humanos que a escola dispõe para a realização de suas atividades.

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O trabalho foi divido em três etapas: 1ª) Realização da aula para a explanação dos

conteúdos teóricos e confecção de algumas perguntas do questionário por parte dos alunos; 2ª)

Entrevistas com os moradores mais antigos para o levantamento de informações a respeito da

formação do povoado e aplicação dos questionários aos demais moradores e; 3ª) Organização

dos dados, reflexão dos resultados e conclusão da pesquisa.

Iniciamos no dia 07 de outubro de 2014, ao realizarmos o primeiro momento da aula

explicando a importância da pesquisa/ensino (Foto 12), pois como já citamos, os dados

obtidos seriam entregues a escola e que serviriam para as futuras pesquisas a respeito da

formação do povoado, assim como os estudos acerca de questões territoriais e identitária.

1º AULA EXPOSITIVA

Foto 13. 1ª Aula expositiva com os alunos do 8º ano. Autor: Elânia Oliveira. Data: 07/10/2014.

Começamos a aula com o levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos a

respeito do conteúdo que seria tratado, explanando o que seria território e identidade nas

concepções deles, onde esses se mostraram bem tímidos nas respostas apesar de já termos

trabalhado sobre o tema no PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência,

no ano de 2013, aos poucos foram se soltando e participaram ativamente da aula.

Em seguida, utilizamos Slides para discutir o tema e o contexto histórico de formação

dos conceitos de território e identidade através das concepções de autores como: Castells

(1999); Hall (2014); Haesbaert (2007); Perico (2009); Penna (1992); Raffestin (1993); Saquet

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(2007); etc. Procuramos adaptar os conceitos de forma a uma melhor assimilação do conteúdo

pelos alunos. Na apresentação expomos imagens ilustrativas a respeito do assunto de forma a

atrair à atenção dos alunos para o tema debatido (Foto 13). Utilizamos também o livro

didático utilizado nas aulas de Geografia. Debatemos sobre a Fronteira4 México - EUA para

elucidar as semelhanças vivenciadas em outros territórios de fronteiras no intuito de

contextualizar o ensino com a realidade do povoado e compreender os processos e as relações

de poder em escala local/global.

1º AULA EXPOSITIVA

Foto 14. 1ª Aula expositiva com os alunos do 8º ano. Autor: Roberta Lima. Data: 07/10/2014.

Durante todo o trabalho realizado na escola houve uma preocupação com o processo

de aprendizagem dos alunos, tanto referentes aos conceitos, quanto a importância do ensino

de geografia para a vida deles. Isto tornou-se o ponto central de nossa pesquisa/ensino, bem

como a contextualização dos conteúdos didáticos e conceitos geográficos ligados ao cotidiano

dos alunos, pois como cita Cavalcanti (2011):

É preciso investir no processo de reflexão sobre a contribuição da Geografia em sua

vida, em sua realidade imediata, em sua diversidade. É também necessário não

perder de vista a importância desse conteúdo para uma análise crítica da realidade

social e natural mais ampla, daí contemplando a diversidade da experiência dos

4Nesse estudo, utilizamos o termo fronteiras como demarcação dos limites territoriais entre os estados da Bahia e

Alagoas. No livro didático o termo é utilizado de forma literal.

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homens na produção do espaço global e dos espaços locais (CAVALCANTI, 2011,

p. 37).

Nesse sentido, não basta apenas ensinar um conteúdo para o aluno fazer uma prova ou

passar de ano, é preciso conscientizá-los da importância de se aprender determinados

conceitos para compreensão da realidade que está a sua volta, bem como para entender os

processos de transformação do espaço globalizado.

No estudo, abordamos à necessidade de se contextualizar os conhecimentos

geográficos ao cotidiano dos alunos, em especial, ao que se refere aos conceitos de território e

identidade territorial, pois o território é base de representação das ações e dos atores

envolvidos em dinâmicas políticas, econômicas, culturais e sociais. Essas dinâmicas tem um

papel importante na transformação do espaço/território e as suas ações vêm ao longo do

tempo modificando a estrutura cultural e social do povoado em questão.

Durante a aula, foram mostradas fotos tanto de Delmiro Gouveia-AL quanto de Paulo

Afonso-BA; os alunos reconheceram imediatamente locais como; a feira, o hospital, a

rodoviária, a praça, etc., da cidade baiana, mas mostraram dificuldades e/ou dúvidas com

relação à cidade alagoana.

Ao final da aula foi sugerido aos alunos que formassem duplas e elaborassem

perguntas para a confecção de um questionário, pois assim eles iriam interagir e debater sobre

as perguntas que pudessem esclarecer qual a identidade territorial que os moradores possuem,

baseando-se no tema estudado, bem como seu cotidiano. Vejamos algumas das perguntas

elaboradas pelos alunos (Imagens 01, 02, 03, 04).

PERGUNTA CONFECCIONADA PELOS ALUNOS

Imagem 01. Pergunta elaborada pelos alunos do 8º ano. Data: 07/10/2014.

01

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PERGUNTA CONFECCIONADA PELOS ALUNOS

Imagem 02. Pergunta elaborada pelos alunos do 8º ano. Data: 07/10/2014.

PERGUNTA CONFECCIONADA PELOS ALUNOS

Imagem 03. Pergunta elaborada pelos alunos do 8º ano. Data: 07/10/2014.

PERGUNTA CONFECCIONADA PELOS ALUNOS

Imagem 04. Pergunta elaborada pelos alunos do 8º ano. Data: 07/10/2014.

02

03

04

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As perguntas foram adaptadas para melhor compreensão dos entrevistados na hora da

aplicação dos questionários, mas conservou-se a essência das perguntas elaboradas pelos

alunos, no total de 20 perguntas.

No dia 14 de outubro de 2014, no segundo momento, foram realizadas as entrevistas

com os moradores mais antigos para o levantamento de informações a respeito da formação

do povoado e aplicação dos questionários aos demais moradores. Nesse momento, os alunos

formaram duplas para facilitar a participação dos mais tímidos. Dos 16 alunos do 8º ano

apenas 11 compareceu a aula. A cada aluno foi entregue 2 questionário que deveria ser

aplicado a uma pessoa jovem e um adulto, por isso analisamos os dados dos 22 questionários.

A realização das entrevistas foi somente com os moradores mais antigos e os alunos deveriam

registrar através de fotos ou vídeos (com a permissão dos moradores).

O intuito da atividade foi fazer o registro da história de formação do povoado a partir

dos primeiros moradores, visto que ainda não há registros sobre esse processo e o mesmo é

solicitado em diferentes momentos pelos diferentes professores da escola. A aplicação dos

questionários teve o intuito de analisar o conhecimento dos moradores tanto no que diz

respeito ao conceito de território quanto ao cotidiano e identidade. Foi pedido que cada aluno

entrevistasse duas pessoas, um (a) jovem e um adulto para analisa se existem diferenças nos

sentimentos de pertencimento e enraizamento entre os moradores mais antigos e os novos,

visto que a territorialidade é construída em práticas diárias poderia o morador mais antigo ter

mais sentimento ou se apropriado mais do território do que o morador mais novo?

No terceiro e último momento, foi realizado a última etapa de nossas atividades na

escola do povoado Jardim Cordeiro (Foto 16, 17).

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2º AULA EXPOSITIVA (AULA RETORNO)

Foto 16. 2ª Aula expositiva com os alunos do 8º ano. Autor: Roberta Lima. Data: 10/12/2014.

2º AULA EXPOSITIVA (AULA RETORNO)

Foto 17. 2ª Aula expositiva com os alunos do 8º ano. Autor: Roberta Lima. Data: 10/12/2014.

No dia 10 de dezembro de 2014, foi realizada uma aula na qual através da organização

dos dados e reflexão dos resultados, podemos junto com os alunos, analisar as respostas dos

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moradores bem como analisar os gráficos obtidos com o resultado dos 22 questionários

aplicados a pessoas com idades entre 16 a 73 anos. Seguindo a ordem das perguntas do

questionário cujos resultados foram os seguintes:

Gráfico 1. Percentual de nascimentos por estado.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

Quanto à naturalidade ou origem geográfica dos residentes, obteve-se um número

superior de nascidos no estado da Bahia, o que poderia justificar uma possível identidade

baiana apoiada na naturalidade ou local de origem, pois “a identidade nordestina é dada

objetivamente pelo local de nascimento, ou seja, se este pertence à região Nordeste,

automaticamente o indivíduo é nordestino” (PENNA, 1992, p. 50).

No que diz respeito ao conhecimento dos moradores no quesito de delimitação

territorial eles mostraram-se ciente dos limites interestadual; não todos, mas a grande maioria.

Vejamos nos gráficos 02 e 03.

Gráfico 2. Divisão estadual do território.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

9%

59%

32%

Onde Nasceu?

Delmiro Gouveia

Paulo Afonso

outro

86%

14%

O Povoado Pertence a qual Estado?

Alagoas

Bahia

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Gráfico 3. Divisão municipal do território.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

Os dados nos mostram que os moradores tem conhecimento quanto ao pertencimento

político/administrativo que do povoado, compreendendo que todos os gastos jurídicos estão

atrelados ao município de Delmiro Gouveia.

Em seu cotidiano os moradores deparam com as mais diversas situações, problemas e

obrigações. Perguntados sobre o porquê de mora no povoado eles revelaram que:

Gráfico 4. Relação dos motivos que levara a morar no povoado.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

Como já foi dito, os primeiros moradores chegaram para trabalhar na construção da

ponte Dom Pedro II, na CHESF e na Fábrica da Pedra. Com o passar dos anos, as famílias

77%

18%

5%

O Povoado pertece a qual Cidade?

Delmiro Gouveia

Paulo Afonso

Os Dois

77%

9%

14%

O que motivou morar aqui?

Família

Trabalho

Família e Trabalho

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foram crescendo, os filhos casaram e tiveram filhos, e continuaram morando ao lado dos pais

e mesmo indo trabalhar fora eles possuem sua casa no povoado. Cerca de 91% dos

entrevistados possuem familiares que moram no povoado, ou seja, mantém-se os vínculos

com o território. Podemos notar que em seu cotidiano os moradores possuem uma rotina de

viagens tanto para Delmiro Gouveia-AL quanto a Paulo Afonso-BA.

Gráfico 5. Quantidade de viagens à cidade de Delmiro Gouveia semanalmente.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

Gráfico 6. Quantidade de viagens à cidade de Paulo Afonso semanalmente.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

10

0

12

0

2

4

6

8

10

12

14

1 a 3 Vezes 4 a 7 Vezes Nenhuma

Quantas vezes vai para Delmiro

Gouveia na semana?

13

8

1

0

2

4

6

8

10

12

14

1 a 3 Vezes 4 a 7 Vezes Nenhuma

Quantas vezes vai para Paulo Afonso

na semana?

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Nota-se que existe uma discrepância entre as “idas” à cidade de Delmiro Gouveia e à

cidade de Paulo Afonso, onde apenas 45% dizem que vão a Delmiro Gouveia de 1 a 3 vezes

na semana enquanto 55% não vão nenhuma vez. Quando se tratar das “idas” a Paulo Afonso,

apenas 5% relatam que não vão nenhuma vez na semana, 59% vão de 1 a 3 vezes e 36% vão

de 4 a 7 vezes na semana. Isso se deve, na maioria das respostas, a proximidade com a cidade

vizinha bem como devido aos moradores estudarem ou irem resolver algum problema em

Paulo Afonso.

Quando perguntados se trabalham as respostas surpreenderam a todos os alunos, pois

82% afirmaram não estarem trabalhando e os 18% que disseram está trabalhando; o seu

emprego é no próprio povoado – posto de saúde. Porém, em conversas com os alunos

descobriu-se que muitos moradores são aposentados, trabalham com agricultura e criação de

animais, possui membros da família que trabalham em outras cidades – inclusive em Paulo

Afonso e Delmiro Gouveia.

Quando perguntados onde fazem à feira, as compras de supermercado, vestuário e

todos os produtos necessários no dia a dia e na execução de serviços básicos a resposta foi

unânime, todos fazem a feira em Paulo Afonso-BA.

Isso se deve mais uma vez a proximidade com a cidade vizinha, pois no custo

beneficio tempo-passagem-variedade, Paulo Afonso-BA oferece mais opções devido à

facilidade de acesso e por já se tornar um hábito e/ou costume a ida a essa cidade, para essa

finalidade. Da mesma forma, ir estudar o ensino médio na cidade baiana vem se tornando

parte do cotidiano dos estudantes, pois 95% confirmaram a escolha da cidade vizinha para a

continuação dos estudos.

Quanto ao transporte ofertado a estudantes e moradores os dados devem ser pensados,

pois analisando também a gestão política/administrativa, notamos que a mesma tem uma

relevância muito grande na vida dos moradores do povoado, pois, todos afirmaram que o

transporte é ofertado pela prefeitura de Delmiro Gouveia-AL.

Nesse sentido, as relações políticas referentes ao povoado Jardim Cordeiro, exercem

uma importante influência no cotidiano dos moradores, sendo facilitadores do processo de (re)

construção das identidades locais.

Ao mesmo tempo em que a gestão política exerce seu poder dentro de seus limites

territoriais, legislando a serviço da sociedade que representa, vão sendo criados redes e fluxos

com outros territórios, que pode ser bom quando sem tem o poder de dominação ou ruim

quando se é subordinado e este. No caso do povoado, nota-se uma continua perda de poder de

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dominação e um processo de subordinação à cidade de Paulo Afonso, que vai sendo criado a

partir das relações de poder econômicas e culturais e que vão muito além dos limites da

gestão, ação e atuação municipal. O poder público age em alguns casos como facilitador, mas

é através do cotidiano dos moradores que as relações de poder vão sendo criadas e sustentadas

ao longo do tempo e que consequentemente acaba por moldar as multiterritorialidades no

sentido mais estrito, ligando-se as experiências efetivas de múltiplos territórios em diferentes

escalas ou dimensões.

A ida à cidade de Paulo Afonso-BA, em busca de atendimento médico deve-se não

somente a proximidade, mas à qualidade no atendimento nos serviços públicos, à variedade de

serviços como consultas e exames, preços acessíveis, etc. Porém, existem algumas

dificuldades no acesso ao atendimento nas redes públicas. Mas mesmo assim, Paulo Afonso-

Ba é sempre a primeira opção no quesito saúde devido a maior deficiência nas condições do

atendimento público em Delmiro Gouveia-AL, bem como a relativa proximidade geográfica.

Em seu cotidiano, os momentos de lazer são baseados nas seguintes opções:

Gráfico 07. Relação percentual das formas de lazer dos moradores.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

Nota-se que por ser um povoado pequeno as opções de lazer são escassas, porém os

moradores criam estratégias pra se divertir nos finais de semana e feriados, a ida ao rio é a

opção mais escolhida pelos moradores, afinal eles moram as margens do Rio São Francisco e

a temperatura é muito elevada no povoado. Porém, programas como visitar parentes e amigos

e ir a outras cidades vizinhas também são formas de lazer praticadas pelos moradores. Sobre o

que eles sentem falta no povoado eles dizem que:

45%

24%

24%

7%

O que os moradores fazem para se

divertir nos mometos de lazer?

Vão ao Rio

Casa de familiares e

amigos

Outras cidades

Outros

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Gráfico 08. Relação percentual sobre as necessidades encontradas no povoado.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

As poucas opções de lazer, a falta de uma farmácia, uma padaria, uma praça,

policiamento, comércio com mais variedades, etc., formam um leque de opções que os

moradores relatam que sentem falta no povoado. Problemas esses enfrentados diariamente e

que emergem em meio a discursos políticos de melhorias - que nunca chegam.

Gráfico 09. Relação percentual dos problemas enfrentados pelos moradores.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

A falta constante de água, de transporte à noite, a falta de pessoal ou

equipamentos/materiais no posto de saúde, falta de policiamento e de oportunidades de

21%

4%

29% 13%

8%

25%

O que os moradores sentem falta aqui no

Povoado?

Comércio melhor

Transporte

Praça

Policiamento

se desenvolver

nada

12%

13%

8%

17% 21%

25%

4%

Que problemas sua família enfreta por

morar no povoado?

Saúde

Transporte

Água

Emprego/Oportunidades

Coisa básicas do dia a dia

Nenhum

Lazer

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empregos são apontadas como os principais problemas enfrentados diariamente por aquela

comunidade.

As questões de territorialidade ou identidade territoriais pertinentes ao nosso estudo e

aqui trabalhadas a partir da premissa de "território de dominância simbólica", cuja finalidade

é a compreensão, por parte dos alunos, das relações de poder em suas diferentes esferas e sua

produção e ligações afetivas com o território compartilhado e de vivência. Nesse sentido,

perguntamos aos moradores qual seria a sua identidade como morador do povoado,

independentemente do local de nascimento, pois o objetivo era conhecer a identidade de

“autoatribuição” desse morador, ou seja, como ele se reconhece.

Gráfico 10. Número de moradores que se consideraram pauloafonsino.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

Quando perguntados o porquê da escolha de tal identidade eles responderam que se

sentem pertencentes e dependentes, bem como necessitam ir mais a Paulo Afonso que fica

mais próximo. Como mencionamos anteriormente, há uma alta taxa de natalidade referente ao

estado da Bahia, mas muitos dos que responderam não nasceram em Paulo Afonso ou na

Bahia devemos deixar claro. Isso se deve não somente a influência que a cidade de Paulo

Afonso exerce sobre o povoado, mas a influência que os próprios moradores e/ou amigos e

familiares exercem entre si. No que diz Saquet (2007):

[...] entender a territorialidade como a tentativa de um indivíduo ou grupo social de

influenciar, controlar pessoas, recursos, fenômenos e relações, delimitando e

efetivando o controle sobre uma área. A territorialidade, [...] é uma expressão

3

19

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

Delmirense Pauloafonsino

Você se considera?

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geográfica do exercício do poder em uma certa área. Esta área é o território.

(SAQUET, 2007, p.65-66).

Segundo o autor, a partir do sentimento de pertencimento, a territorialidade serve de

“estratégia de dominação”, pois sua influência poderia, mesmo fora de sua área de atuação,

controlar tanto atividades quanto indivíduos. Essa influência é percebida nas respostas

referentes à possível escolha quanto à demarcação política do povoado.

Gráfico 11. Percentual de opiniões quanto à divisão política do território.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

Devemos destacar que existe um entendimento quanto aos limites e direitos políticos,

jurídicos e administrativos do povoado Jardim Cordeiro, os moradores sabem que o povoado

pertence à cidade de Delmiro Gouveia-AL, mas se fosse possível 77% mudar-se-iam de

estado sem se mudar do povoado, ou seja, se possível, o povoado Jardim Cordeiro faria parte

dos limites administrativos de Paulo Afonso-BA e não de Delmiro Gouveia-AL. Existe uma

necessidade e um interesse, por parte dos moradores, desta mudança administrativamente,

visto que as suas necessidades são supridas de imediato pela cidade de Paulo Afonso. Consta

na Lei Orgânica Municipal de Delmiro Gouveia, Seção II, Art. 5º,§ 4° que “- Qualquer

alteração territorial do Município só pode ser feita, na forma da lei Complementar Estadual

preservando a continuidade e a unidade histórico - cultural do ambiente urbano, dependendo

de consulta prévia às populações diretamente interessadas, mediante plebiscito” (BRASIL,

1990, p. 02). Sendo assim, administrativamente poderia acontecer esse desligamento de

23%

77%

O Povoado deveria pertencer a qual

cidade?

Delmiro Gouveia

Paulo Afonso

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Alagoas, porém na atual conjuntura de nossas políticas públicas esse desligamento torna-se

inviável, mesmo existindo um interesse por parte dos moradores.

Pertenceria ao estado da Bahia visto que há uma afetividade e um enraizamento muito

forte com o lugar de vivência cotidiana. Segundo Leite (1998):

Trata-se na realidade de referenciais afetivos os quais desenvolvemos ao longo de

nossas vidas a partir da convivência com o lugar e com o outro. Eles são carregados

de sensações emotivas principalmente porque nos sentimos seguros e protegidos [...]

ele tanto nos transmite boas lembranças quanto a sensação de lar [...] (LEITE, 1998,

p. 10).

Para a autora, essa relação de afetividade com o lugar decorre de interesses ou

intencionalidades que os indivíduos possuem em relação a determinado espaço/território que

venha a suprir seus interesses e/ou necessidades. Podemos notar isso na seguinte resposta de

um entrevistado que diz que “as pessoas pertencem a essa cidade” - referindo-se a Paulo

Afonso.

Gostam de morar lá? Apesar dos problemas as respostas foram afirmativas.

Gráfico 12. Relação percentual quanto ao sentimento dos moradores.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

Mesmo com os problemas relatados observa-se que a grande maioria gosta de morar

no povoado, isso se deve aos sentimentos criados com o lugar e com a identidade construída

por aquela comunidade.

A construção da identidade territorial tem origem justamente nos sentimentos criados

cotidianamente pelos moradores do povoado com as cidades de Delmiro Gouveia-AL e Paulo

86%

14%

Gosta de morar no Povoado?

SIM

NÃO

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Afonso-BA. A esse respeito, Leite (1998) coloca que “os lugares só adquirem identidade e

significado através da intenção humana e da relação existente entre aquelas intenções e os

atributos objetivos do lugar, ou seja, o cenário físico e as atividades ali desenvolvidas”

(LEITE, 1998, p. 10), ou seja, a identidade do povoado é adquirida através das relações de

poder existentes entre o povoado e à cidade de Paulo Afonso-BA, pois as necessidades e os

interesses daquela comunidade são supridos de imediato em práticas que vão sendo

incorporadas as atividades do cotidiano com a cidade geograficamente mais próxima e não

com sua cidade sede. Por isso, quando perguntados se eles mudariam do povoado as

respostam foram:

Gráfico 13. Relação percentual das opiniões quanto a morar no povoado.

Fonte: Dados da pesquisa da autora, 2014.

Mesmo gostando de morar no povoado houve um empate quanto ao quesito mudar-se

ou não de lá. Os motivos para mudar-se são os relatados acima: falta de empregos e

oportunidades, estudo, produtos e serviços do dia a dia, transporte, área de lazer para as

crianças, etc. Já para os que não se mudariam; o sossego de poder conversar na porta de casa,

dormir com a porta destrancada ou por simplesmente gostarem de morar no povoado é o que

os motivam a permanecerem lá.

Nesse trabalho, procuramos durante as aulas, instigar os alunos a participarem o tempo

todo, pois não se tratavam apenas de conceitos geográficos sem utilidade nenhuma para a sua

vida, mas de conteúdos que fazem parte de sua vida cotidiana e conceitos que explicariam a

realidade local. A partir daí eles poderiam compreender os conceitos em escala global –

como foi mostrado em aula.

50% 50%

Mudar-se-ia do Povoado?

SIM

NÃO

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Nesse sentido, entendemos o território como uma relação de poder que está em

constante movimento e articulação em todas as suas vertentes, exercendo uma influência e/ou

dominação material ou imaterial, concreta ou simbólica que vai muitas vezes além dos limites

visíveis de ação e atuação e que tornar os indivíduos, grupos ou sociedades subordinados,

sejam por questões políticas, econômicas, culturais, sociais ou naturais. A identidade

territorial é entendida como algo (re) construído cotidianamente ao longo do tempo pelos

indivíduos e que não depende da naturalidade – lugar de origem - ou do território concreto

para existir. Ela está articulada aos valores simbólicos e ao sentimento de pertencimento e

enraizamento com o território e a cultura escolhida ou vivenciada, podendo existir múltiplas

identidades em um mesmo campo de forças.

O território, fruto da apropriação concreta ou simbólica está no topo do nosso campo

de forças, pois as relações de poder que moldam o território acabam entrando em conflitos

com as identidades que também moldam esse território, conflitos esses, que estão no

cotidiano dos indivíduos. As identidades passam por um processo constante de construção de

seus significados e valores, estando eles condicionados ao cotidiano e as experiências de vidas

dos indivíduos.

Em suma, pensar a prática docente e ensino, é pensar a educação como ferramenta de

formação para a cidadania, para a vida, para a leitura da realidade e sua interação com as mais

diferentes escalas.

O estudo desenvolvido junto à Escola de Ensino Fundamental Dr. Jose Correia Filho

possibilitou não somente o exercício da prática docente e reflexão quanto ao ensino, mas

mostrou a importância do professor-pesquisador e dos conceitos geográficos para a

compreensão das transformações do mundo contemporâneo e dos lugares.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou compreender a identidade territorial dos moradores do povoado

Jardim Cordeiro a partir do seu cotidiano identificando quais as relações de poder que

exercem maior influência sobre a citada comunidade.

Neste sentido, buscou-se fazer uma reflexão acerca das relações entre o povoado e as

cidades de Delmiro Gouveia-AL e Paulo Afonso-BA, enfatizando aspectos do seu dia a dia

que servissem de base para a explicação da identidade dos moradores, bem como para

elucidar as noções de território, territorialidade e identidade.

As discussões referentes à identidade territorial vão desde identidade concebida como

instrumento de dominação até as concepções referentes à sua construção simbólica e/ou

cultural, construídas a partir do vivido e das concepções de pertencimento e territorialidade.

Esta foi a linha adotada neste estudo para elucidar as questões sobre a identidade territorial no

povoado Jardim Cordeiro.

Sendo assim, optamos por uma abordagem voltada à constituição do território a partir

das relações de poder exercidas e estabelecidas pelo ser humano ao longo da história e que se

concretiza no espaço criando a identidade territorial de seu povo.

As contribuições referentes a esse estudo decorrem da oportunidade que o Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID) nos proporcionou de pensar o ensino

da geografia, nos oferecendo a chance de tratarmos de forma mais aprofundada os conceitos

em sala de aula, oferecendo aos alunos da escola a possibilidade de pensar de forma crítica

sua identidade e o porquê do território em questão esta envolvido em diferentes processos que

mexem com as identidades referentes ao território do cotidiano.

O ensino de geografia aliou-se as reflexões sobre os conceitos de forma a compara-lo

com a realidade local de forma simples e acessível, levando sempre em consideração a

importância que tem a experiência e o cotidiano dos alunos e a metodologia utilizada pelo (a)

professor (a) em sala de aula, o comprometimento com o trabalho interdisciplinar, visando à

amplitude do conhecimento e as melhorias que uma dinâmica escolar pode trazer para a

qualidade do ensino dessa disciplina.

Em fim, concluímos as nossas atividades com análises e debates das informações

obtidas em campo, na qual constatamos que a identidade territorial dos moradores do povoado

Jardim Cordeiro é baiana, eles são Pauloafonsino, pois com as práticas do cotidiano criaram-

se as territorialidades que moldam e constroem a identidade dos moradores, que se apropriam

dos símbolos e valores da cultura pauloafonsino e baiana.

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Trabalhar esses conceitos nas aulas de geografia permitiu trazer a realidade dos

estudantes para dentro da sala de aula, pois o ensino de Geografia em sala de aula deve ser

visto como um diálogo construtivo dos conteúdos, procurando sempre o envolvimento de

todos na busca do conhecimento, pois esta participação na formação de conceitos possibilitará

a fixação e o entendimento de forma mais simples, descartando a necessidade de se gravá os

conteúdos e as idéias prontas apenas para a prova. Isso possibilitará a produção de explicações

plausíveis sobre a realidade dos lugares, onde o aluno terá a oportunidade de aprender e

utilizar esses conhecimentos dentro e fora da escola, em seu dia a dia.

As experiências nos estágios supervisionados e no Programa Institucional de Bolsas de

Iniciação a Docência (PIBID) possibilitou pensar a educação e o ensino da universidade junto

com a comunidade escolar em geral, e desse povoado especificamente, na tentativa de trazer

sugestões que fosse auxiliar o processo de ensino e aprendizagem, procurando solucionar os

problemas referentes à falta de interesse dos alunos pela disciplina geográfica, problema esse

encontrado no âmbito escolar e na prática de ensino de diferentes disciplinas nas escolas em

geral.

De modo geral, avaliamos que este trabalho possibilitou um amadurecimento no que

diz respeito à formação acadêmica como futura docente, ampliando os conhecimentos

adquiridos à luz dos conceitos geográficos, contribuindo também para o exercício da iniciação

a docência e o conhecimento da realidade das escolas e de seus alunos, bem como a reflexão

crítica quanto a importância do exercício da pesquisa científica, ou seja, do professor-

pesquisador que estimula seus alunos na busca do conhecimento, incentivando a irem sempre

mais longe, mais do que eles sabem e do que eles veem.

Por fim, em nossa proposta de pesquisa-ensino, este trabalho não se limita ou tem a

intenção de parar por aqui, pretende-se por meio deste instigar novas pesquisas, bem como o

aprofundamento das questões aqui levantadas e que precisem de outras fontes para o seu

desenvolvimento, pois dentro de nossas limitações, existirão lacunas e falhas que poderão ser

corrigidas futuramente de forma a sanar e enriquecer ainda mais os processos de ensino e

aprendizagem.

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APÊNDICE