universidade federal da paraÍba centro de …do meu irmão chaguinha aprendi a cultura popular, a...
TRANSCRIPT
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA PESQUISA: EDUCAÇÃO POPULAR
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO POPULAR: UMA ANÁLISE A PARTIR
DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA
JOÃO PESSOA/PB
2018
2
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO POPULAR: UMA ANÁLISE A PARTIR DO
CURSO DE LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO CAMPO
DA UFERSA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), como requisito para obtenção do título de
Doutor em Educação. Linha de Pesquisa: Educação
Popular. Sob orientação da Professora Drª. Maria do
Socorro Xavier Batista.
JOÃO PESSOA/PB
2018
3
4
5
AGRADECIMENTOS
No momento em que caminho para entregar este trabalho, cuja finalidade é concluir o
Doutorada, última etapa do processo de escolarização, quero aqui tecer alguns
agradecimentos com a certeza de que, optando por nominar, certamente cometerei
algumas injustiças, de toda forma apresentarei esses sujeitos enquanto representativos
de muitos outros.
Assim, quero agradecer ressaltando aquilo que aprendi de cada um/a, que, não por
acaso, teceram junto comigo, esse trabalho e essa existência.
Em Deus aprendi a renascer, entendi sua infinita inteligência, sua bondade eterna, sua
materialidade. Aprendi meu lugar no cosmo e minha função na vida. Do alto da minha
pequeneza, me aproximei de Deus e me tornei gigante. Por isso a ti ó Deus sou grato.
Da minha mãe aprendi a enfrentar a vida de frente, sem jamais murmurar e mesmo em
situações adversas acreditar, sem uma fresta de dúvida, que logo em breve haverá
fartura. Nunca ouvi da sua boca a frase “não tem”. Aprendi com a senhora, Dona Tê, a
ter fé no amanhã, na vida e em Deus. Por isso e por tanto mais, à senhora, neste e noutro
plano, serei grato.
Do meu pai aprendi a ter paciência e a não julgar, não ter preconceitos e escutar mais do
que falar, queria eu ter uma ínfima parte da sabedoria do meu pai, Seu Lucas. Aprendi
que dedicar-se ao outro é dedicar-se a si mesmo, o senhor abriu mão de muitos sonhos
para criar seis filhos. Por isso, aprendi também com o senhor que a realidade é dura,
mas que com trabalho a gente supera. Muito obrigado meu pai.
Da minha esposa, Linda Carter, aprendi que é preciso ter foco e responsabilidade na
vida, organização e compromisso com tudo que assumimos. Aprendi que as pessoas
sentem e agem diferentemente e que ninguém é padrão para as dores alheias. Por isso,
pela colaboração acadêmica, pelo companheirismo diário e por mais uma infinidade de
qualidades, sou grato a ti meu amor.
Aos meus irmãos, Aninha, Ary, Chaguinha, Milena e Nevinha!
De Aninha aprendi a leitura e a escrita, foi ela quem me alfabetizou. Aprendi a sonhar
com outros lugares e outras realidades, principalmente quando a visita em Currais
6
Novos/RN, lugar em que fora empregada nas casas dos outros. Sou eternamente grato a
você minha irmã querida pelo espírito de luz e amor que és.
De Ary aprendi a trabalhar, a gostar dos campos, roçados e construções. Fui seu
servente de pedreiro nas construções e lá aprendi as histórias e o folclore das astúcias do
povo mais simples, por essa marca que carrego até hoje, sou grato a ti meu irmão.
Em Milena aprendi a valentia e a rebeldia necessária frente a situações injustas. Ela tem
jeito de “braba” e na vida isso é necessário, a ti irmã, sou grato mana.
De minha irmã Nevinha aprendi a lutar pela vida diariamente, a encarar de frente as
dificuldades e adversidades. Aprendi a ter coragem de sair do ninho de casa e ir pra
longe, aprendi a me virar no mundo, mas também aprendi vendo em você que é possível
construir belos sonhos em qualquer lugar que estejamos, a você sou grato minha irmã...
Do meu irmão Chaguinha aprendi a cultura popular, a gostar da música e da poesia. Por
isso também sou grato.
Agradeço a minha Orientadora, professora Maria do Socorro Xavier Batista pela
confiança que depositou em meu trabalho e pela leveza com que conduziu esse processo
de doutoramento.
Agradeço as minhas colegas e amigas/os de doutorado com quem tive a graça de dividir
experiências, alegrias e cafés. Isso levarei para sempre.
À Banca de qualificação pelas contribuições e orientações precisas que me recolocaram
no caminho da pesquisa.
À Banca de defesa que aceitou o convite para, junto comigo, finalizar essa etapa tão
importante.
À Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) pela compreensão e
valorização da formação docente.
À Universidade Federal da Paraíba e ao Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE)
Muito obrigado!
7
DIDICATÓRIA
Ao meu pai e a minha mãe, esposa, irmãos e irmãs,
amigos e amigas, sempre comigo em pensamentos e
sentimentos. Aos alunos e alunas do curso de Licenciatura
em Educação do Campo da Universidade Federal Rural do
Semi-Árido e em especial aos “esfarrapados do mundo”,
aos camponeses que teimam em existir...
8
RESUMO
A pesquisa em Educação do Campo hoje no Brasil representa uma linha de trabalho
profícua e relevante frente ao cenário educacional contemporâneo. Essa ascensão está
diretamente relacionada às lutas empreendida historicamente pelos sujeitos do campo.
Desse modo, apresentar uma Tese cujo foco central reside na Educação do Campo é
uma conquista tanto do pesquisador como do objeto pesquisado. Essa pesquisa que
apresentamos, tem como objeto de estudo a Educação do Campo enquanto um
paradigma de Educação Popular. Como objetivo buscamos analisar se, e como, as
categorias diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia se materializam dentro do
Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC) da Universidade Federal
Rural do Semi-Árido (UFERSA) enquanto possibilidade para a construção de uma
Educação do Campo Popular. Para tal, buscamos na Análise Crítica do Discurso (ACD)
de Norman Fairclough o suporte teórico para tratar as entrevistas realizadas com
educandos do Curso em destaque. De acordo com Fairclough (2016) a linguagem
transforma e promove mudança social, não sendo apenas reflexo das determinações do
meio, pelo contrário, ela determina esse meio social. Desse modo, o cenário camponês
aqui apresentado configura-se de forma marcante no trabalho, as lutas, as conquistas e
os desafios aqui relatados representam mecanismo de geração e transformação de
conhecimento. Assim, o trabalho expõe a Educação do Campo a partir de uma base
epistemológica forjada na organização dos movimentos sociais do campo e da
coletividade do campesinato brasileiro. No plano Estatal, a pesquisa tratou de algumas
das principais referências da política nacional de Educação do Campo, com destaque
para o Programa Nacional de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação
do Campo (PROCAMPO), buscando compreender esse Programa dentro da seara da
inclusão social e dentro da perspectiva de fortalecimento da formação de professores
para atuação nas escolas do campo, uma vez que a história nos mostra que a chamada
Educação Rural não cumpriu com esse intuito. Desse modo, o trabalho apresenta-se
enquanto uma perspectiva de Educação do Campo Popular como uma superação do
paradigma autoritário da Educação Rural. Nesse sentido, apresentamos a
LEDOC/UFERSA como lócus do estudo, para tanto realizamos uma pesquisa detalhada
sobre seus aspectos gerais, o surgimento, a organização curricular e metodológica assim
como o perfil dos sujeitos que compõem o Curso. As categorias diálogo,
epistemologia/conhecimento e autonomia compõem de forma especial o marco teórico,
conceitual e também o horizonte da Educação Popular. Assim, nesse trabalho, elas
aparecem como condição ímpar à construção da Educação do Campo Popular.
Finalmente, destaque-se que a possibilidade de ouvir os sujeitos da Educação do Campo
possibilitou ao trabalho um “pé no chão” muito representativo. A partir das vozes
desses sujeitos sublinhamos como resultados, a necessidade de maior fomento ao
diálogo entre o Curso e os discentes; necessidade de uso dos conhecimentos da
realidade dos estudantes nos processos educativos em sala e fora dela; por outro lado,
essas mesmas vozes destacam um Curso que promove autonomia e projeta sujeitos
conscientes para contribuírem nas mudanças que o nosso tempo enseja.
Palavras-chaves: Educação do Campo Popular; LEDOC/UFERSA; Diálogo;
Epistemologia/conhecimento; Autonomia.
9
RESUMEN
La pesquisa en Educación del Campo hoy en Brasil representa una línea de trabajo útil y
relevante frente al escenario educacional contemporáneo. Esa ascensión está
directamente relacionada a las luchas emprendidas históricamente por los sujetos del
campo. De ese modo, presentar una Tesis cuyo enfoque central se encuentra en la
Educación del Campo es una conquista tanto del investigador como del objeto
investigado. Esa pesquisa que presentamos tiene como objeto de estudio la Educación
del Campo mientras un paradigma de Educación Popular. Como objetivo buscamos
analizar si y cómo las categorías diálogo, epistemología/conocimiento y autonomía se
materializan dentro del Curso de Licenciatura en Educación del Campo (LEDOC) de la
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) como posibilidad para la
construcción de una Educación del Campo Popular. Para tal, buscamos en el Análisis
Crítico del Discurso (ACD) de Norman Fairclough el soporte teórico para tratar las
entrevistas realizadas con educandos del Curso en destaque. Según Fairclough (2016),
el lenguaje transforma y promueve cambios sociales, no siendo solo reflejo de las
determinaciones del medio, pero sí, él determina ese medio social. De ese modo, el
escenario campesino aquí presentado se configura de manera destacada en el trabajo, las
luchas, las conquistas y los retos son evidenciados y diseñados mientras mecanismos de
generación y transformación del conocimiento. Así, el trabajo expone la Educación del
Campo a partir de una base epistemológica forjada en la organización de los
movimientos sociales del campo y de la colectividad del campesinado brasileño. En el
plan Estatal, la pesquisa se trató de algunas de las principales referencias de la política
nacional de Educación del Campo con destaque para el Programa Nacional de Apoio à
Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO), buscando
comprenderlo dentro del espacio de la inclusión social y dentro de la perspectiva de
fortalecimiento de la formación del profesorado para actuación en las escuelas del
campo, una vez que la historia nos muestra que la llamada Educación Rural no cumplió
con ese intuito. De ese modo, el trabajo se presenta mientras una perspectiva de
Educación del Campo Popular como una superación de paradigma autoritario de la
Educación Rural. En este sentido, presentamos a LEDOC/UFERSA como locus del
estudio, para eso realizamos una pesquisa detallada acerca de sus aspectos generales, el
surgimiento, la organización curricular y metodológica así como el perfil de los sujetos
que componen el Curso. Las categorías diálogo, epistemología/conocimiento y
autonomía componen de manera especial el contexto teórico, conceptual y también el
horizonte de la Educación Popular. Así, en ese trabajo, ellas aparecen como condición
impar a la construcción de la Educación del Campo Popular. Finalmente, destáquese
que la posibilidad de oír los sujetos de la Educación del Campo proporcionó al trabajo
un “pé no chão” muy representativo. A partir de las voces de esos sujetos subrayamos
como resultados la necesidad de mayor fomento al diálogo entre el Curso y los
educandos; necesidades del uso de los conocimientos de la realidad de los estudiantes
en los procesos educativos en clase y fuera de ella; por otro lado, esas mismas voces
destacan un Curso que promueve autonomía y proyecta sujetos conscientes que
contribuyan en los cambios que nuestro tiempo logra.
Palabras clave: Educación del Campo Popular; LEDOC/UFERSA; Diálogo;
Epistemología/conocimiento; Autonomía.
10
ABSTRACTS
The research in field education today in Brazil represents a fruitful and relevant line of
work in front of the contemporary educational scenario. This ascension is directly
related to the struggles historically undertaken by the subjects of the field. Thus, to
present a thesis whose central focus lies in the education of the field is an achievement
of both the researcher and the researched object. This research that we present, has as
object of study the education of the field as a paradigm of Popular Educabção. As an
objective we seek to analyze whether, and how, the categories dialogue,
epistemology/knowledge and autonomy materialize within the Undergraduate Course in
Field Education (LEDOC) of the Universidade Federal Rural do Semi-Árido
(UFERSA) as a possibility For the construction of a Popular field education. To this
end, we seek the Critical Discourse Analysis (ACD) of Norman Fairclough the
theoretical support to treat the interviews conducted with students of the course
highlighted. According to Fairclough (2016) the language transforms and promotes
social change, not only reflecting the determinations of the environment, on the
contrary, it determines this social environment. Thus, the peasant scenario presented
here is marked in a remarkable way in the work, the struggles, the achievements and the
challenges are evidenced and drawn as a mechanism of generation and transformation
of knowledge. Thus, the work exposes the field education from an epistemological basis
forged in the organization of the social movements of the field and the collectivity of
the Brazilian peasantry. At the state level, the research dealt with some of the main
references of the national policy of education of the field, highlighting the national
program of support for higher education in the field of education (PROCAMPO),
seeking to understand this Program within the Ceara of social inclusion and within the
perspective of strengthening the training of teachers to work in the schools of the field,
since history shows us that the so-called Rural education did not fulfill this purpose.
Thus, the work presents itself as a perspective of education of the Popular field as an
overcoming of the authoritarian paradigm of Rural Education. In this sense, we present
the Ledoc/Ufersa as the locus of the study, so we conducted a detailed research on its
general aspects, the emergence, the curricular and methodological organization as well
as the profile of the subjects that compose the course. The categories dialogue,
epistemology/knowledge and autonomy compose in a special way the theoretical
framework, conceptual and also the horizon of Popular education. Thus, in this work,
they appear as an odd condition the construction of the Education of the Popular field.
Finally, it is highlighted that the possibility of hearing the subjects of the field education
allowed the work a very representative "foot on the ground". From the voices of these
subjects we emphasize as results, the need for greater encouragement to the dialogue
between the course and the students; The need to use the knowledge of the students '
reality in the classroom and outside educational processes; On the other hand, these
same voices highlight a course that promotes autonomy and projects conscious subjects
to contribute to the changes that our time envisions.
11
Keywords: education of the Popular field; LEDOC/UFERSA; Dialog
Epistemology/knowledge; Autonomy.
12
LISTA DE SIGLAS
ACD Análise Crítica do Discurso
AD Análise do Discurso
AP Ação Pedagógica
ASA Articulação do Semi-Árido
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEB Comunidades Eclesiais de Base
CCSAH Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educação
CNER Campanha Nacional de Educação Rural
CONSUNI Conselho Universitário/UFERSA
CPS Centros de Cultura Popular
DCE Diretório Central dos Estudantes
DCH Departamento de Ciências Humanas
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
EJA Educação de Jovens e Adultos
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FETARN Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do
Norte
FONEC Fórum Nacional de Educação do Campo
GEPPF Grupo de Estudos e Pesquisa da Pedagogia Paulo Freire
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IFRN Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte
IGC Índice Geral de Cursos
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
JUC Juventude Universitária Católica
LECampo Licenciatura em Educação do Campo/UFMG
LEdoC Licenciatura em Educação do Campo/UnB
LEDOC Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo/UFERSA
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MCP Movimento de Cultura Popular
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEB Movimento de Educação de Base
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
MST Movimento Sem Terra
ONG Organização Não Governamental
PROCAMPO Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação
do Campo
PRONAF Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar
13
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PPC Projeto Pedagógico de Curso
PPP Projeto Político Pedagógico
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação – UFPB
PROGRAD Pró-Reitoria de Graduação/UFERSA
REUNI Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
SECADI Secretaria de Educação Continuada Alfabetização Diversidade e Inclusão
SEEC Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte
STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi
TRAMSE Trabalho, Reforma Agrária, Movimentos Sociais e Educação
UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFERSA Universidade Federal Rural do Semi-Árido
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFS Universidade Federal de Sergipe
UFSCAR Universidade Federal de São Carlos
UFU Universidade Federal de Uberlândia
UnB Universidade de Brasília
UNESCO United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization
UNICEF United Nations Children's Fund
14
LISTA DE FIGURAS
Figura I Perspectiva tridimensional da Análise do Discurso…………………….50
Figura II Limites climatológicos para a definição das fronteiras do semiárido…..88
Figura III Ocorrência do semiárido no Rio Grande do Norte……………………..90
Figura IV Representação do município de Mossoró………………………………92
Figura V Disciplinas objeto do vestibular LEDOC/UFERSA……………………99
15
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico I Representação discente por sexo………………………………………118
Gráfico II Idade dos educandos/as da LEDOC/UFERSA……………………..…119
Gráfico III Renda familiar dos educandos/as da LEDOC/UFERSA……………...120
Gráfico IV Local de residência dos Educandos da LEDOC/UFERSA……………121
Gráfico V Atuação discente na Educação Básica………………………………...122
Gráfico VI Participação dos/as discentes do Curso em organizações sociais……..123
16
LISTA DE IMAGENS
Imagem I Visão panorâmica da Cidade de Mossoró – RN………………………..93
Imagem II UFERSA Campus Central – Mossoró………………………………….94
Imagem III Prédio do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas…………104
Imagem IV Prédio da LEDOC……………………………………………………..105
Imagem V Central de aulas IV…………………………………………………….105
Imagem VI Educandos/as e Professores/as da LEDOC……………………………117
17
LISTA DE QUADROS
Quadro I Composição das categorias da Análise Crítica do Discurso a partir da
Obra de Norman Fairclough…………………………………………….51
Quadro II: Resultado do Edital 02/2012 Curso de Educação do Campo por
instituição de Ensino Superior por ordem de classificação……………..80
Quadro III Relação dos cursos existentes na UFERSA…………………………….96
Quadro IV Relação entre ano e matrícula de estudantes na UFERSA…………….100
Quadro V Distribuição das Disciplinas que compõem a estrutura curricular da
LEDOC………………………………………………………………..104
Quadro VI Sujeitos da pesquisa/entrevista………………………………………...128
18
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..................................................................................................20
1. INTRODUÇÃO: TRAJETÓRIA DO PESQUISADOR E APROXIMAÇÃO
AOOBJETO DE ESTUDO....................................................................................25
2. OS CAMINHOS DA METODOLOGIA E OS DESAFIOS DA PESQUISA EM
EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL.............................................................35
2.1. NOTAS INICIAIS..........................................................................................35
2.2. OS CAMINHOS DA METODOLOGIA: ASPECTOS TEÓRICOS E
PRÁTICOS DA CONSTRUÇÃO DA PESQUISA........................................37
2.3. LINGUAGEM E MUDANÇA SOCIAL: ANÁLISE CRÍTICA DO
DISCURSO COMO POSSIBILIDADE EM NORMAN FAIRCLOUGH.....48
3. A LUTA HISTÓRICA DOS SUJEITOS DO CAMPO: PASSOS DE UMA
CAMINHADA.........................................................................................................52
3.1 NOTAS INICIAIS..........................................................................................52
3.2 SUJEITOS DO CAMPO E A LUTA HISTÓRICA POR EDUCAÇÃO:
PASSOS E DESCOMPASSOS......................................................................54
3.3 EDUCAÇÃO POPULAR NUMA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA:
CAMINHOS PARA PENSAR A EDUCAÇÃO DO CAMPO......................62
3.4 ASPECTOS GERAIS DA POLÍTICA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NO
BRASIL..........................................................................................................72
3.5 LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONTEXTO
GERAL...........................................................................................................82
4. CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DA PESQUISA: UFERSA, LEDOC E OS
SUJEITOS NO SEMIÁRIDO POTIGUAR.........................................................86
4.1 NOTAS INICIAIS..........................................................................................86
4.2 LÓCUS DA PESQUISA: O SEMIÁRIDO POTIGUAR E A UFERSA........87
4.3 LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA: UMA
HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO...................................................................97
4.4 DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NO
PPC DA LEDOC....................................... ...................................................106
19
4.5 CONHECENDO OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO DA
LEDOC/UFERSA: PERFIL DISCENTE………………………………….116
5. AS VOZES DOS SUJEITOS DO CAMPO: DIÁLOGO,
EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NA
LEDOC/UFERSA..................................................................................................125
5.1. NOTAS INICIAIS........................................................................................125
5.2. DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA:
CATEGORIAS ANALÍTICAS....................................................................126
5.3. CATEGORIA DIÁLOGO............................................................................128
a) Conceito de diálogo................................................................................130
b) Relação dialógica na LEDOC...............................................................134
c) Discurso participação na LEDOC.........................................................140
5.4. CATEGORIA EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO NA LEDOC........144
a) Conceito de epistemologia/conhecimento.............................................146
b) Uso dos conhecimentos da realidade na LEDOC.................................153
5.5. CATEGORIA AUTONOMIA......................................................................159
a) Conceito de autonomia..........................................................................159
b) A LEDOC como promoção da autonomia............................................164
c) Participação em organizações coletivas................................................168
5.6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE DIÁLOGO,
EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NA
LEDOC/UFERSA…………………………………………………………172
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................175
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................181
8. APÊNDICES.........................................................................................................194
20
APRESENTAÇÃO
Consola-me a certeza de que não participarei da
colheita, mas faço questão de morrer semente
Frei Betto.
O trabalho de escrita requer foco, concentração e um pouco de silencio e solidão.
Escrever é uma tarefa complexa que depende de uma série de fatores que implicam
diretamente no produto final da escrita. Digo isso, porque o tempo presente
definitivamente é oposto a tudo isso, é turbulento, dinâmico e barulhento. Nesse novo
contexto em que a história se redesenha é também o momento em que escrevemos essa
tese de doutoramento.
No campo político um novo presidente acaba de ser eleito, ele carrega consigo
um projeto totalmente oposto àquele que acreditamos ser o melhor para o Brasil, ainda
assim, foi eleito por ampla maioria, sendo assim, a fora uma análise histórica,
sociológica, psicológica e filosófica, somos levados a respeitar o direito de essa maioria
julgar-se acertada, pelo menos até o limite em que nosso direito também seja respeitado.
Ainda assim, não podemos deixar de destacar que o próprio processo
democrático pode fazer definhar a nossa jovem democracia. Uma democracia já
claudicante, apesar de sua jovialidade. A Constituição Federal de 1988, acaba de
completar 30 anos, é um período ainda muito incipiente no que se refere a conquista do
Estado democrático de direito que, diga-se de passagem, ainda não se solidificou e
apesar disso já se reconfigura a partir de perspectivas autoritárias e reacionárias.
Apenas para sumariar as turbulências desses tempos, assistimos pela televisão o
país “passado a limpo”, acompanhando a compra de votos sem nenhum escrúpulo no
executivo e legislativo, uma forma de garantir a manutenção de um presidente que
ascendeu ao poder sem voto popular, após e retirada da então Presidenta Dilma
Rousseff do Partido dos Trabalhadores. Logo em seguida, dando continuidade a esse
mesmo cenário de notório partidarismo judicial, o processo do pedido de prisão do ex
presidente Luiz Inácio Lula da Silva tramitou com rapidez nunca antes vista,
acarretando sua prisão. Um trâmite processual e uma prisão até hoje contestada por
juristas e organizações internacionais de Direitos Humanos que alegam não haver
materialidade e provas no processo que implique uma condenação.
21
A sociedade dos acontecimentos e escândalos de corrupção, das ilusões que
arrastam a opinião das massas, que Guy Deboard chamou “sociedade do espetáculo”,
envolvendo malas de dinheiro, convive, ao mesmo tempo, com o empobrecimento das
camadas populares do campo e da cidade, onde o desemprego alastra-se velozmente. No
momento em que escrevo esse estudo, é divulgado pesquisa com dados que mostram
que a pobreza absoluta voltou a crescer vertiginosamente.1 Não que em algum momento
da nossa história isso tenha deixado de existir por completo, porém, indubitavelmente
havia diminuído substancialmente, e que agora, no período pós “impeachment” – aspas
porque a palavras correta é golpe – retornaram com mais ênfase.
A partir desse cenário, inserimos esse trabalho como um convite à reflexão e à
auto-avaliação individual e coletiva. É um chamado a um exame escrutinado do nosso
passado e do nosso presente, sobre questões agrárias, mas certamente com agravantes
no meio urbano, sobre questões de trabalho, educação e modelos de vida, de autonomia
e dialogicidade. Nesse sentido, o veio condutor para intercalar todo esse cenário, será
Educação do Campo enquanto uma perspectiva de Educação Popular.
Destaque-se que a Educação Popular aparece nesse trabalho de forma muito
imiscuída à Educação do Campo, isso justifica-se por entendermos que compõem um
mesmo sentido e nuances de uma perspectiva educativa histórica, cuja realidade de cada
época lhe imprime diferentes formas de organização e comportamento.
O trabalho também é esclarecedor quanto aos motivos pelos quais negamos a
Educação Rural e suas bases, cujo assento é o latifúndio, o agronegócio predatório, o
trabalho explorado na monocultura, entre outras. Esse modelo educativo serviu à
manutenção de estruturas de dominação política, econômica e cultural. A escola do
campo, fincada no campo por força de lei, reproduziu fielmente o ideário da escola
urbana, fazendo um trabalho de aculturação muitas vezes perverso em que a criança, o
jovem e o adulto do campo, precisou negar sua identidade para melhor adequar-se a
essa escola.
Também por isso, a evasão na zona rural é sempre muito elevada, os índices de
analfabetismo, três vezes maior que na cidade, o tempo de escolarização também aquém
do ideal para uma sociedade cujo centro de gravidade é a educação, dão a tônica dos
desafios. Ao mesmo tempo, a formação de professores para as áreas campesinas foi
praticamente inexistente ao longo do tempo, em vez disso, campanhas e mais
1 Extrema pobreza volta a crescer no Brasil após seis anos, aponta IBGE. Informações do Jornal Correio
Brasiliense da Edição on-line de 02/12/2016.
22
campanhas de alfabetização, atividades pontuais que não dialogavam com as realidades
complexas das populações do campo. O resultado de muitas dessas ações nós
conhecemos; baixíssima eficácia, corrupção e decepção do alunado que, ano após ano
continuava analfabeto.
Esse cenário, que aplica-se em todo o país, agrava-se ainda mais quando falamos
da Região do Nordeste brasileiro, com incidência ainda maior no semiárido nordestino.
É assim que destacamos o local de fala dessa pesquisa. Nosso trabalho insere-se no
contexto do semiárido potiguar, na Universidade Federal Rural do Semi-Árido
(UFERSA) localizada na cidade de Mossoró no Rio Grande do Norte.
É sobre esse prisma que teceremos nossas reflexões, é sobre esse chão que
escrevemos e partilhamos experiências e angústias de conviver e conhecer o potencial
do povo e a natureza desse lugar cercado por ausência de oportunidade, desemprego e
ideologias fatalistas. Ao mesmo tempo, nos enchemos de esperança de poder pesquisar
uma realidade com potencial abundante para atenuar os déficits históricos referente à
educação do povo do sertão potiguar. Alegra-nos poder apresentar uma pesquisa sobre o
Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFERSA, a LEDOC. São sinais de
mudanças sociais e construção de novos horizontes de possibilidade e libertação através
da educação, especialmente a Educação do Campo.
Ainda que nosso foco não seja a formação de professores/as enquanto
perspectiva de trabalho pedagógico ou “qualificação”, uma vez que nosso interesse está
voltado à análise do Curso enquanto espaço e fator de materialização ou não de uma
Educação do Campo popular, é certo que a formação de professores/as, a escola do
campo, as perspectivas metodológicas, são fatores que se presenciaram de forma
singular nesse trabalho.
Desse modo, o trabalho está estruturado em 5 partes principais, inicialmente
destacamos uma Introdução, que também representa o Capítulo I, essa parte está
composta pela “trajetória do pesquisador” mais “aproximação ao objeto de estudo”, uma
seção que apresenta os motivos e os caminhos que nos conduziram ao trabalho com a
Educação do Campo. Também serve para mostrar que a neutralidade na pesquisa é
pouco mais que uma ilusão, pois nossas escolhas estão sempre condicionadas ou
atravessadas por muitas e diferentes determinações. Destaque-se que a não neutralidade
não significa parcialidade para com os resultados. O compromisso do pesquisador com
a verdade dos fatos necessariamente precisa está destacada.
23
Essa seção também objetiva imprimir ao texto, aspectos de tempos, espaços e
pessoas que marcaram a trajetória do pesquisador e que, de uma forma ou de outra,
foram/são importantes no nosso processo formativo. Não poderíamos concluir essa
trajetória acadêmica, sem apresentar esses aspectos, eles não são transversais, não são
secundários, pelo contrário, são pontos de uma caminhada formativa cuja relevância
ainda se presencia de forma abundante em nosso fazer pedagógico diário. Essa
educação informal, por assim dizer, não é um fragmento que pode ser utilizado pela
educação formal, a própria educação formal é um aspecto desse mundo, não o contrário.
No Capítulo II, destacamos os caminhos da metodologia e a pesquisa em
Educação do Campo no Brasil. Nessa seção, explicamos os meandros utilizados para o
desenvolvimento da pesquisa, também desenvolvemos uma análise das especificidades
da pesquisa em Educação do Campo e como ela pode ser instrumento de resistência e
valorização das múltiplas formas de conhecimento. Destacamos esse momento porque
defendemos que a pesquisa enquanto prática dialógica e preocupada com a realidade das
coisas e dos fenômenos não pode restringir-se a um que fazer formalista, cujo objetivo
maior restringe-se a satisfação pessoal do pesquisador.
A Educação do Campo, tal como descrevemos, requer compromisso e seriedade
no fazer pedagógico, de igual modo, requer um trabalho de pesquisa assentado no
mundo material cujas implicações se presenciam também no mundo material dos
sujeitos envolvidos. Por isso mesmo, tanto as contribuições da pesquisa, como as
ferramentas para o seu desenvolvimento precisam estar intrinsecamente atrelados aos
anseios históricos dos povos que vivem e convivem no cenário bucólico.
No Capítulo III, traçamos a luta histórica dos sujeitos do campo. Fizemos esse
destaque por entendermos que qualquer fenômeno que seja analisando na
contemporaneidade merece uma compreensão holística, sendo o processo histórico e
dialético uma forma satisfatória para tal análise. Por isso, frisamos alguns dos principais
momentos e a organização dos camponeses enquanto categoria no sentido de garantir
sua permanência no campo, seus direitos e em muitos casos sua vida.
Buscamos fazer esse apanhando histórico enquanto uma caminhada, um
continuum, ou seja, um percurso que desagua na contemporaneidade. Essa é uma forma
de evitar que o texto se torne enfadonho ou distante do objetivo, o percurso que
realizamos alimenta as seções que seguem, por isso, têm relevância significativa. Nesse
Capítulo ainda resguardamos um destaque à Educação Popular enquanto uma
perspectiva socio-histórica e um caminho que leva à Educação do Campo. Ademais,
24
após esses recortes históricos aprofundamos discussões acerca da atual política nacional
de Educação do Campo. Ou seja, o contexto histórico apresentado, serve de base, sobre
a qual assenta-se as seções seguintes e subsidia a discussão contemporânea.
No Capítulo IV, nosso trabalho esteve diretamente ligado a caracterização do
lócus da pesquisa, momento em que abordamos o contexto da Universidade, do Curso e
também do perfil discente. Essa é uma seção que nos permitiu formatar uma
compressão ampliada da realidade a qual estamos imersos, que apesar de próximo, por
vezes deixamos que sua amplitude nos escape. Desse modo, apresentamos a região do
semiário potiguar enquanto lugar de possibilidades, criação e recriação da vida e dos
processos de autonomia, assim como a UFERSA enquanto uma instituição presente
nesse território, com responsabilidades e compromisso para com a formação, produção
e difusão do conhecimento acadêmico.
Ainda nesse sentido, frisamos o Curso da LEDOC como espaço de acolhida dos
sujeitos do semiárido. Inserindo esse Curso dentro da relevância da política nacional de
Educação do Campo. Por conseguinte, construímos o perfil discente como uma
ferramenta para compreender a dinâmica social presente à LEDOC. Esse perfil, tem
relevância significativa, pois apresenta a diversidade e complexidade das
reconfigurações sociais, desmistificando algumas concepções enraizadas na narrativa da
própria Educação do Campo.
Finalmente destacamos o quinto e último Capítulo com as vozes dos sujeitos do
campo. Nessa parte, destaque-se a relevância das entrevistas e a análise desse material a
partir de uma abordagem da Análise Crítica do Discurso em Norman Fairclough. As
vozes dos sujeitos da Educação do Campo estão carregadas de sentido, cheias de
sonoridades e silêncios, onde o dito e o não dito carregam relevância simétrica.
Esperamos com esse trabalho contribuir de alguma forma com o paradigma
social da Educação do Campo. É desejo nosso avançar em aspectos fundamentais dessa
modalidade educativa, como a necessária permanência enquanto perspectiva de
Educação Popular, para tanto, destacamos o diálogo, a epistemologia/conhecimento e a
autonomia como meios de se fomentar tal permanência na LEDOC/UFERSA.
Finalmente destacamos esse trabalho enquanto resultado de um compromisso ético e
político assumido ainda na Graduação, é, portanto, não somente a defesa de uma tese de
doutorado, mas a defesa de uma tese de vida, de sociedade e concepção de mundo.
25
1. INTRODUÇÃO: TRAJETÓRIA DO PESQUISADOR E APROXIMAÇÃO
AO OBJETO DE ESTUDO
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar.
Desde o começo eu não disse, seu moço!
Ele disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
É o meu guri
(...)
Meu Guri – Chico Buarque
O trabalho que iniciamos é o resultado das aproximações e reflexões que têm
marcado nossa trajetória enquanto professor/pesquisador/sujeito. Esse trabalho também
é fruto do tempo histórico ao qual estamos imersos, cujas contradições têm atravessado
de forma significativa todos os sujeitos. Desse modo, o texto está atravessado da
realidade contemporânea com toda a sua complexidade, de tal modo que, luta,
resistência, perdas, conquistas e sonhos serão percebidos nessa impeleitada2 que agora
iniciamos.
Desse modo, o tema da Educação do Campo é o nosso objeto de estudo e nossa
base reflexiva para os delineamentos que seguem. Para analisar a perspectiva popular
dentro da LEDOC/UFERSA, elegemos três categorias chaves, que guiarão a reflexão,
são elas: diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia. Assim, essas palavras, que
são também categorias, têm centralidade nessa pesquisa, uma vez que compõem o cerne
da Educação Popular dos anos 1960, as bases da luta por Educação do Campo nos anos
1980 e 1990, assim como estão presente na atualidade das políticas públicas de
Educação do Campo. Desse modo, o trabalho que aqui buscamos desenvolver é fruto de
reflexões que têm nos acompanhado desde há um longo período, também está inscrito
nos interesses da Linha de Pesquisa Educação Popular do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal da Paraíba.
Assim, para apresentar nossa aproximação ao objeto de estudo, achamos
importante frisar a trajetória do pesquisador como um destaque, uma vez que sem ela,
2 A palavras está grifada do modo como muitos camponeses a utilizam, essa é uma forma de respeitar a
linguagem desses sujeitos, tendo em vista que para eles essa é a forma correta e única de usar a palavra.
26
negligenciaríamos uma parte importante para a compreensão das razões que nos
conduziram ao objeto de estudo em questão, por isso mesmo, para contar essa breve
caminhada, pedimos licença para usar a linguagem em primeira pessoa do singular, uma
forma de aproximar o leitor do autor do texto.
Estudante de origem popular, negro, de escola pública, de cidade pequena do
interior do Nordeste, o primeiro de uma família numerosa (6 filhos) a ingressar no
Ensino Superior. Esse é um cartão de apresentação que assinala desafios imanentes aos
sujeitos enquadrados nesse perfil que, de pronto, resume os processos que essas pessoas
perpassam em suas trajetórias. Dito assim, compreendo não ser necessário, não por falta
de vontade, mais por questões metodológicas, superar os exemplos de racismo, pobreza,
discriminação e violência que os jovens negros, como eu, estão inevitavelmente
obrigados a enfrentar.
Assim, é nessa condição que ingresso na universidade em um período de
expansão do Ensino Superior no Brasil, sobretudo no primeiro Governo Lula (2002-
2006) e início do segundo (2006 – 2010). Tal como eu, muitos com o perfil descrito
acima também ingressaram, muitos também estão concluindo doutoramento por este
período, outros tantos aprovados em concursos públicos, ou contratados em seus áreas
de conhecimento. Percebo de antemão a importância das políticas públicas voltadas às
classes populares. Porém, essas oportunidades, agarradas com vigor por negros e
negras, camponeses, indígenas, quilombolas, moradores das periferias e outros, também
incomodou profundamente a classe dominante do Brasil, que sempre se recusou à
convivência com os filhos e filhas da classe trabalhadora.
No ano de 2007 ingressei na graduação em Pedagogia na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN). Ainda deslumbrado com a cidade do Natal, cuja
dimensão dos edifícios nunca antes tinha visto e, faziam cair por terra meus referenciais
de grandeza e distância que, até então, giravam em torno dos cajueiros maiores e da
distância até o sítio. Comecei a perceber que mesmo com todas as limitações
tecnológicas e financeiras eu poderia amansar aquele novo mundo.
Já na Universidade, conheci e me encantei com as organizações coletivas. Acho
que diziam algo que eu sempre quis dizer, mas não sabia como fazer. Nunca tinha visto
discursos tão bonitos, pessoas vestidas tão à vontade, homens de saia, mulheres
namorando mulheres, homens namorando homens, fumando maconha livremente e
falando de mudança social. Tudo bem que hoje eu sei que isso é pouco mais que uma
27
bolha, cuja violência social não permite que vá muito além dos muros da universidade,
mas o fato é que para mim, foi muito importante vivenciar aquele choque cultural.
Assim, estive diretamente ligado aos movimentos populares tanto do campo
como da cidade, dentro da Universidade e fora dela. Durante a graduação fui morador
da Residência Universitária, local em que o movimento estudantil era pujante,
sobretudo pela necessidade de ser. Assumi a condição de Conselheiro3 da moradia
estudantil e logo me dediquei as pautas ligadas às condições de acesso e permanência de
estudantes de origem popular junto a Universidade. Naquele período, já havia ocorrido a
grande expansão da universidade pública brasileira, o debate então era principalmente
em função da permanência dos estudantes, correspondente às bolsas, aos Restaurantes
Universitários, Residências, auxílios entre outros.
No ano de 2010, o destaque alcançado junto ao movimento de casas de estudante
me levou a assumir a Coordenador Geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE
UFRN – José Silton Pinheiro), momento em que tive a oportunidade de conhecer, de
forma mais ampliada, a importância do Ensino Superior para estudantes de origem
popular. Do mesmo modo foi possível compreender a universidade em sua
integralidade, participando de conselhos, comissões e reuniões que externavam déficits
e limitações da universidade pública federal, mas também sua grandeza e seu papel
social.
Ao mesmo tempo em que participava do movimento estudantil na Universidade,
também estive imbuído dos movimentos sociais de luta pela terra, com destaque para o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Foi neste Movimento que
comecei a entender as grandes contradições que circunscrevem as questões da terra no
Brasil e no Rio Grande do Norte, Estado que, assim como muitos outros, caracteriza-se
pela concentração de terra e pelo latifúndio, bases do agronegócio. No MST tive contato
com a proposta educativa desenvolvida por Paulo Freire. De fato precisei sair da
universidade e da pedagogia para conhecer um dos educadores mais conhecidos e lidos
no mundo. Percebi as lacunas formativas que ainda se presenciam nos currículos e nas
metodologias oficiais e que muitas vezes estamos de costas para os grandes pensadores
e intelectuais regionais.
Ainda em 2010, ingressei como monitor do Curso de Pedagogia da Terra da
UFRN, proposta criada a partir do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
3 Conselheiro é o mesmo que o diretor, tem funções administrativas e estabelece diálogo entre o setor da
Universidade responsável pela assistência estudantil e os morados das residências universitárias.
28
(PRONERA), uma turma formada por estudantes advindos de áreas de Reforma
Agrária, numa parceria entre a Universidade, o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) e o MST. Mais adiante retomaremos à criação do
PRONERA, pois é um ponto importante nesse estudo. A monitoria no Curso de
Pedagogia da Terra integrava os trabalhos do Grupo de pesquisa intitulado TRAMSE –
Trabalho, Reforma Agrária, Movimentos Sociais e Educação. Aproveitando a monitoria
no Curso, escrevi o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), analisando a importância
desse Curso para alunos e alunas camponeses. O trabelho teve como título: “Nas
veredas do Pedagogia da Terra: análise reflexiva de um (per)curso”. Estava já, pois,
imerso no tema da Educação do Campo.
Concluindo a graduação em Pedagogia, busquei aprofundar meus conhecimentos
no mestrado, foi então que no ano de 2012, ingressei no Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). No Mestrado
continuei a trabalhar com a temática da Educação do Campo, agora inserindo-a no
diálogo com a Pedagogia Paulo Freire. Assim, apresentei uma dissertação cujo mote
central foi “Educação do Campo e Pedagogia Paulo Freire na atualidade: um olhar sobre
o currículo do Curso Pedagogia da Terra da UFRN”.
O Mestrado na UFPB foi um período particularmente especial, apesar das
limitações financeiras que insistiam, encontrei naquele lugar pessoas imensamente
humanas e comprometidas com as classes populares, principalmente minha orientadora
Rita de Cassia Cavalcanti Porto e demais colegas do Grupo de Estudos e Pesquisa da
Pedagogia Paulo Freire (GEPPF). Apesar de uma estrutura ainda muito aquém do que
merece, o PPGE/UFPB tem um corpo docente que me encantou e ainda encanta, tanto
pelo potencial enquanto docente como o compromisso enquanto gente.
No ano de 2013, quando estava concluindo o Mestrado, fui convocado a
trabalhar na Rede Municipal da Cidade de Parnamirim/RN, um concurso que havia
prestado tempos atrás. Assumi e ingressei em uma turma de 5º ano na Escola Municipal
Hélio Galvão. Era meu primeiro vínculo efetivo com a escola pública. Conheci a
realidade da educação destinada às camadas populares. Grandes déficits e lacunas que
somente uma reforma estrutural das prioridades do Estado brasileiro seria capaz de
atenuar. Por outro lado, conheci o contexto de crianças de comunidades socialmente
vulneráveis e entendi que a educação é uma das ferramentas mais importantes para a
mudança social. Por isso mesmo, assumo a tão importante tarefa de defender
intransigentemente educação de qualidade para todos.
29
Assim, enquanto docente da Educação Básica, busquei compreender o fenômeno
educativo em suas múltiplas facetas, buscando um entendimento que assentasse esse
fenômeno na universalidade das coisas. Em outras palavras, busquei tecer um conjunto
de reflexões que dissessem que a educação não está sozinha, nunca esteve e,
provavelmente, nunca estará. Porém, quase sempre é analisada e avaliada enquanto um
fenômeno endógeno de si mesma.
O resultado dessas análises superficiais e do isolamento do fenômeno educativo
são as “receitas infalíveis” para solucionar os gargalos da educação brasileira; exemplos
de como a educação antigamente era eficaz; como a escola privada funciona e a pública
não; como as greves são injustas e prejudiciais aos alunos; como a escola carece de
alguém que ponha autoridade nela – nesse caso o sentido de autoridade está quase
sempre inclinado ao autoritarismo, beirando inclusive o militarismo. Narrativas desta
natureza propagam-se de norte a sul do País. Porém, àqueles que estão imbuídos do
objetivo de compreender a educação enquanto um fenômeno histórico, social,
econômico, cultural e político, sabem que a análise requer mais profundidade, antes de
qualquer postulado.
Ao mesmo tempo em que eu trabalhava na rede pública de Educação Básica de
Parnamirim, dediquei-me a busca da aprovação em concurso público no magistério
superior. Esse objetivo acompanhava-me desde o início da graduação. No final do ano
de 2013, a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) abriu Edital para
concurso de provas e títulos para contratação de profissional na área de Pedagogia.
Dediquei-me ao certamente e logrei êxito, sendo aprovado em março e empossado em
maio do ano de 2014, para atuar no Campus da UFERSA em Mossoró.
Nessa Universidade tenho encontrado guarnição para meus estudos, sobretudo
no Curso em que leciono, o Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC) e
na Extensão Universitária, espaço que acaba por aglutinar a maioria dos trabalhos
voltados às questões sociais nas universidades. Como professor na UFERSA, coordenei
a primeira Especialização latu sensu Uniafro: política de promoção da igualdade racial
na escola, no ano de 2016-2016, que garantiu formação continuada a 43 professores e
professoras da Rede Estadual de Educação no tema da igualdade racial.
Nesse mesmo período, coordenei o Projeto de “Extensão Mulheres da Lama”,
um trabalho assentado na Educação Popular realizado com marisqueiras da cidade de
Porto do Mangue/RN, cujo resultado foi a produção de um Documentário que entrou
para o Circuito Nacional de TV (Canal Futura). Esse trabalho abriu caminho para
30
fortalecer a temática de gênero e igualdade racial na universidade, uma vez que a partir
dele, desenvolvi palestras, debates e seminários temáticos junto à comunidade
acadêmica e sociedade civil organizada.
Finalizando essa caminhada, destaco a Coordenação da LEDOC no ano de 2016,
como mais um desafio. Esse foi um trabalho que me proporcionou conhecer a
universidade e o Curso de uma forma significativa, a burocracia, os desafios, mas
também as alegrias da Gestão. Em virtude da aprovação no Doutorado da UFPB nesse
mesmo ano, não terminei a gestão na LEDOC, deixei a Coordenação com oito meses de
trabalho. Porém, o doutorado era naquele momento um objetivo e uma prioridade. Com
essas palavras e com o Doutorado como último destaque dessa caminhada até o
momento, encerro esse percurso descritivo cujo objetivo foi apresentar as minhas
aproximações enquanto pesquisador ao objeto de estudo, mostrando que essa relação
não é e nem poderia ser neutra. Com isso, fecho o parêntese da escrita em primeira
pessoa.
A partir dessa aproximação, buscar compreender a educação como um fenômeno
complexo e global é uma tarefa desafiadora, bem como conectar as interligações que há
entre as diversas nuances da educação e suas relações com o tecido social que a
amálgama, essa é sem dúvida, uma tarefa hercúlea. Porém, é nossa tarefa. Nós que
estamos na área da educação temos um compromisso não somente com as respostas,
mas também com as perguntas. Precisamos esmerar nossas opiniões para que com elas
consigamos apontar caminhos e possibilidades tanto dentro da educação quanto no meio
social ao qual ela se inscreve.
Hoje, a educação tem sido o centro de gravidade da sociedade, se não em
investimentos, pelo menos em narrativas. Mas o fato é que esse é um tema central no
cenário global, ora pela sua relevância social, ora pelos desmandos que atravessam, ou
ainda pela capacidade de emancipação ou poder de alienação e reprodução das
desigualdades sociais. Pensando assim, é que nos colocamos no centro desta foz, que é
o encontro da educação (rio) com a sociedade (mar), para assim falar de dentro, falar
enquanto discente que teve uma vida escolar completa, enquanto docente na Educação
Básica e como docente da Educação Superior, mas, sobretudo como gente que vive em
sociedade e ver a importância da educação para a benevolência coletiva.
Dentro do fenômeno educativo, nos inclinamos a pesquisar sobre a Educação do
Campo, especialmente enquanto um novo paradigma educacional antagônico à
Educação Rural. Como é sabido, há uma diferenciação entre ambos, não somente de
31
cunho conceitual, mas principalmente no que concerne à concepção de educação
destinada aos povos das áreas rurais. Em um momento oportuno iremos desenvolver
essa discussão que alimenta a principal contradição entre modelos epistemológicos da
Educação do Campo e da Educação Rural.
Assim, este trabalho configura-se fortemente enquanto teoria, por isso mesmo,
está intimamente ligado a uma prática, enquanto prática social e cultural. Isso por que
estamos convencidos de que não há, nenhuma dicotomia nem separatividade, pelo
contrário, há uma práxis educativa, que nas palavras de Freire (1983) é a base para
interpretação e transformação do mundo.
Por conseguinte, outro aspecto que nos move nesse estudo é o de conviver com o
déficit da Educação no Estado do Rio Grande do Norte, que, segundo dados da própria
Secretaria Estadual de Educação fornecidos no ano de 2017, fechou aproximadamente
700 escolas localizadas no campo no período de 2011 a 2016. Esse é um número que,
apesar de desatualizado, certamente continuou crescendo nos últimos anos. Assim,
nossa pesquisa almeja contribuir não somente enquanto trabalho acadêmico, mas
também buscando apresentar lacunas que continuam distanciando o povo do campo, da
escola, e essa, da vida.
O Estado do Rio Grande do Norte, em que pese os altos índices de analfabetismo
(13,7% entre pessoas com 15 anos ou mais, segundo IBGE, (2017)) e o alarmante
número de escolas fechadas na zona rural, como destacado, tem sua história marcada
por experiências desenvolvidas com foco na Educação Popular e em resultados
expressivos de combate ao analfabetismo. Por exemplo, foi aqui que se desenvolveu a
experiência de Angicos, o trabalho que projetou Paulo Freire no cenário nacional,
denominada “40 horas de Angicos”, no ano de 1963, que apresentou para o Brasil o
“método” de alfabetização de adultos. Em Natal, foi empreendido a “Campanha de Pé
no Chão Também se Aprende a Ler”, desenvolvida na periferia da Cidade no ano de
1961, pelo então Prefeito Djalma Maranhão. Isso implica dizer que estamos falando de
um terreno contraditório, palco de projetos educacionais significativos e ao mesmo
tempo, um Estado que atualmente definha nas últimas posições no ranking da educação
brasileiro.
Desse modo a nossa trajetória busca contribuir com o campo educativo de forma
geral, mais com especial ênfase à Educação do Campo enquanto perspectiva de
Educação Popular. Para respaldar essa pesquisa, buscamos nos atualizar quanto ao
estágio atual desse debate, nos deparamos com diversas pesquisas no campo da
32
Educação do Campo e da Educação Popular, porém o nosso trabalho consiste em
mostrar que a Educação do Campo de hoje representa a Educação Popular, pelo menos
quando a primeira assume postura dialógica, epistêmica e de geração de autonomia.
Para finalizar, destacamos pesquisa realizada junto ao Banco de Teses da Capes,
buscando verificar a produção de trabalhos científicos (teses) em que o foco central
dialoga com o tema da nossa pesquisa. Para tanto, realizamos a busca a partir de três
palavras chaves, ou descritores: “Educação do Campo”, “Educação Popular” e
“Licenciatura em Educação do Campo”. Como recorte temporal definimos os anos de
2016, 2015 e 2014, sendo este o período de implementação e desenvolvimento da
maioria dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo no Brasil. A seguir
apresentamos o resultado dessa busca, procurando a partir dessas teses referências e
aproximações ao nosso trabalho.
a) Representações sociais de educandos do curso de licenciatura em Educação do
Campo sobre a violência, de Luiz Paulo Ribeiro (2016) da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Nessa Tese o autor destaca o olhar dos educandos da
Licenciatura em Educação do Campo (LECampo) da UFMG para o tema da violência
no campo. A partir da teoria da representação social, questiona como esses educandos
reconhecem processos de violência seja ela individual ou coletiva. A Tese ainda aborda
a inserção dos educandos em movimentos sociais do campo como forma de resistência à
violência.
b) Performance, discurso e educação: (re)construindo sentidos de escola com
professores em formação na licenciatura em educação do campo – ciências da
natureza, de autoria de Michelle Bocchi (2016) da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). A autora buscou, a partir de uma metodologia lúdica, reconstruir os sentido
atribuídos à escola. Os resultados alcançados pela autora apontam para sentidos
relacionados à memória discursiva escolar e à formações imaginárias a partir de uma
escola hierarquizada e permeada por relações de poder, no mesmo sentido evidencia-se
nos sujeitos educandos do Curso o desejo em transformar essas estruturas.
c) Educação do Campo no Ensino Superior: diálogo entre o popular e o científico
na produção do conhecimento no Curso de Licenciatura em Pedagogia do
Pronera/UFPB, de autoria de Deyse Morgana das Neves Correia (2016), da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Nesse trabalho a autora dedica-se a análise
dos TCCs dos educandos do Curso em destaque. A partir daí busca mudanças e
33
contradições geradas na produção do conhecimento a partir da relação entre
camponeses/movimentos sociais e professores universitários/pesquisadores.
d) Licenciatura em Educação do Campo: contradições, limites e possibilidades
para emancipação na formação de professores, do autor Issac Alexandre da Silva
(2016), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), nesse trabalho o autor buscar
analisar os limites e as possibilidades de emancipação a partir do Curso de Licenciatura
em Educação do Campo da Universidade Federal de Campina Grande, tendo como
pressuposto a hipótese de que essa formação inicial representa um caminho para a
emancipação no meio rural.
e) Educação Popular e Educação do Campo: análise a partir do programa
nacional de educação da reforma agrária no curso "pedagogia da terra" em são
Carlos, de autoria de Rafael Rossi (2015), da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCAR), nessa Tese o autor busca elaborar uma reflexão a respeito da Educação do
Campo entremeada à luta de classe presente na questão agrária brasileira, isso em dois
aspectos centrais, as disputas territoriais entre classes com interesses opostos.
f) Docência na Escola do Campo e Formação de Educadores: Qual o lugar do
trabalho coletivo? De autoria de Maria Jucilene Lima Ferreira (2015) da Universidade
Federal de Brasília (UnB), nesse trabalho a autora busca analisar a relação entre o
trabalho docente na escola do campo e os aspectos teórico-metodológicos
desenvolvidos na formação de professores no Curso de Licenciatura em Educação do
Campo (LEdoC) da UnB.
g) Por uma pedagogia com foco no sujeito: um estudo na licenciatura em
Educação do Campo, Ana Maria Orofino Teles (2015) da Universidade Federal de
Brasília (UnB), essa pesquisa buscou como objetivo geral refletir como a Pedagogia da
Alternância no Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UnB possibilita, ou
não, a unidade de conhecimento entre sujeitos e objetos.
h) Questão agrária, educação do campo e formação de professores: territórios em
disputa, de autoria de Janeide Bispo dos Santos (2015) da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), nessa Tese a autora faz uma síntese do processo de luta pela Reforma
Agrária em consonância com o projeto piloto do Curso de Licenciatura em Educação do
Campo da Universidade Federal da Bahia, para tanto a autora desenvolve uma análise
do PPP do Curso, buscando princípios assentados na dialogicidade.
i) Comunicação e tecnologias da informação na formação de educadores para
ampliação das perspectivas críticas dos sujeitos na licenciatura em educação do
34
campo, de autoria de Marcio Ferreira (2014), da Universidade de Brasília (UnB), nesse
trabalho o autor buscou analisar se as relações pedagógicas vivenciadas na Área de
Conhecimento Comunicação e Tecnologia da Informação do Curso de Licenciatura em
Educação do Campo (LEdoC – UnB), instrumentalizam os educandos para ampliarem
sua compreensões críticas sobre o mundo.
j) As atuais configurações do Estado e os processos de regulação das políticas de
formação de professores da educação do campo - EDUCAMPO/PRONERA, de autoria
de Ursula Adelaide de Lelis (2014). Nesta tese a autora problematiza as relações entre o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e o Estado. No estudo, aponta as
contradições que permeiam essa relação, sobretudo apresentando o Estado enquanto
instrumento inclinado aos interesses das classes dominantes e que ao mesmo tempo
precisa dialogar com os sujeitos do PRONERA enquanto pertencentes à classe popular.
Essa pesquisa junto ao Banco de Teses da Capes mostra que dentro do contexto
da Educação do Campo aqueles trabalhos que fazem interface com os cursos de
Licenciatura em Educação do Campo ainda são poucos, mas que é uma temática de
crescimento exponencial. Esse levantamento mostrou ainda que nosso trabalho insere-se
dentro de um campo de estudo que tem buscado compreender a educação superior no
campo enquanto uma política pública, mas também enquanto relação contraditória entre
Estado e sociedade civil organizada.
35
2. OS CAMINHOS DA METODOLOGIA E OS DESAFIOS DA PESQUISA
EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL
Quando me lembro dos meninos do sertão
Olho pro céu e vejo eu entre os pardais
Catando estrelas, desenhando a solidão
Ouvindo histórias de fuzis e generais
Lembrando rezas que aprendi no Juazeiro
Que um violeiro me ensinou numa canção
Bebendo sonhos, era assim o meu destino
Mais um menino na poeira do sertão.
Zé Ramalho (Meninos do sertão)
2.1 NOTAS INICIAIS
Destacamos esse momento para refletir sobre os caminhos da metodologia, ou
seja, o processo empreendido para buscar os resultados e a atualidade da pesquisa em
Educação do Campo no Brasil. Buscamos compreender como a pesquisa se articula e se
implica da realidade socialmente apresentada. Desse modo, a pesquisa é, para nós, o
momento inicial da construção do conhecimento, é também, de acordo com Fairclough
(2016) um processo de construção da mudança social. Tudo isso depende, em muito, do
trabalho intelectual impresso no desejo coletivo pela transformação das estruturas
injustas da sociedade, e nesse aspecto, indubitavelmente a Educação do Campo se
apresenta como lócus profícuo para ensejar essas transformações.
A metodologia da pesquisa não é somente o conjunto de técnicas e ferramentas
utilizadas para coletar dados e analisá-los a partir de uma concepção teórica, ela é uma
implicação do pesquisador em busca do melhor caminho para suas perguntas e
respostas, por isso mesmo existe uma série de mecanismos implícitos ao processo de
pesquisa que contribuem para a chegada, ou não, ao objetivo desejado. Orientações,
leituras, dúvidas, diálogo com colegas de Curso, grupos de pesquisa, amigos/as, tudo
isso compõe o processo de produção do conhecimento que, mesmo não aparecendo, têm
relevância nos resultados finais.
O tema da Educação do Campo tem se destacado em meio ao cenário da
pesquisa social no Brasil e no Rio Grande do Norte, tem a cada dia aglutinado mais
36
pesquisadores/as interessados em refletir sobre o tema. Durante muito tempo a educação
destinada às populações do campo foi pensada a partir do paradigma educacional da
cidade, o chamado paradigma urbanocêntrico, desse modo, a lógica que impregnou-se
nas escolas rurais foi a mesma das escolas urbanas, com isso, as populações do campo
tiveram seus conhecimentos, suas práticas e costumes, relativizados ao plano da
inferioridade, uma vez que a referência de saber era o da cidade, naturalmente diferente
do meio campesino.
Porém, os processos de luta e participação social, caracterizado, sobretudo, pelos
movimentos sociais do campo, acabaram por trazer à tona denúncias de negligências
históricas para com a educação das pessoas do campo. A partir da luta e da resistência
desses sujeitos históricos4, foi possível avançar em aspectos importantes da Educação
do Campo, sobretudo, no tocante à linguagem. Desse modo, é possível dizer que há uma
construção consolidada no que diz respeito ao discurso da necessidade de uma educação
específica para essa população. A inserção da narrativa da Educação do Campo no
cenário das políticas públicas foi possível devido a um conjunto de fatores, porém a
pesquisa nessa área certamente teve papel de destaque.
A pesquisa em Educação do Campo vem desvelando uma riqueza cultural e
epistemológica de dimensões extraordinária. O tempo de exclusão social e
esquecimento quanto aos saberes dos povos do campo não significa que eles não
estavam produzindo conhecimento, pelo contrário, as populações tradicionais
desenvolveram suas próprias formas de educação, carregadas de sentidos objetivos e
mesclada à realidade, portanto uma educação significativa para eles, daí a negação e a
dificuldade de adaptação dessas pessoas aos processos tardios de educação formal,
quase sempre descolada da realidade.
Assim a pesquisa em Educação do Campo não inaugura o arcabouço teórico e
prático da epistemologia dos povos do campo, com grande humildade ela tão somente
desvela essa produção à academia. A partir dessa perspectiva, destacamos que a
pesquisa em Educação do Campo também carrega suas especificidades, sobretudo, no
que diz respeito a relação entre pesquisador e o fenômeno pesquisado. As relações são
tênues e contraditórias, é isso que buscamos desenvolver a partir de agora.
4 Segundo Ribeiro (2010) o sujeito histórico são aqueles grupos despojados de bens e direitos e por isso
mesmo lutam ao longo da história, nesse caso quando nos referimos ao sujeito histórico estamos tratando
dos camponeses enquanto um movimento histórico por direitos.
37
2.2 OS CAMINHOS DA METODOLOGIA: ASPECTOS TEÓRICOS E
PRÁTICOS DA CONSTRUÇÃO DA PESQUISA
Como já apresentado no Capítulo anterior, nossa aproximação ao objeto de
estudo está permeado por um vasto e complexo campo de relações. Desse modo, o
interesse pelo tema, emerge a partir do cenário apresentado, de tal modo que
formulamos a questão inicial mesmo antes de pensar na pesquisa. Durante certo tempo
essa questão compôs a curiosidade epistemológica do pesquisador. A partir do trabalho
docente perguntávamos: A LEDOC/UFERSA apresenta diálogo,
epistemologia/conhecimento e autonomia como princípios para uma Educação do
Campo Popular?
Nesse sentido, destaque-se que Educação do Campo Popular representa a
Educação do Campo mais a Educação Popular. No nosso entendimento ela é a
condensação de processos históricos de organização social, lutas e resistência pela
defesa de uma educação inclusiva, sobretudo do ponto de vista social. Por isso, subjaz
ao seu referencial teórico o incessante desejo de contribuir com processos de mudança
social e autonomia dos sujeitos envolvidos.
O nosso pressuposto para formular a questão era de que as categorias
apresentadas (diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia) são fundamentais para
a construção dessa Educação do Campo Popular, de tal modo que, sem elas, o Curso
cairia num processo de normatização que o deslocaria à condição de mais um curso de
licenciatura, e como sabemos, essa não é a perspectiva educativa defendida pela
Educação do Campo.
Desse modo, Para buscar responder a esse questionamento destacamos como
objetivo principal:
• Analisar se e como as categorias diálogo, epistemologia/conhecimento e
autonomia se materializam dentro da LEDOC/UFERSA enquanto
possibilidade para a construção da Educação do Campo Popular.
Esse objetivo geral reflete o interesse em compreender como o Curso tem
tratado com essas três categorias caras à Educação Popular. Enquanto objetivos
específicos, buscamos:
• Analisar a ocorrência, ou não, das categorias diálogo,
epistemologia/conhecimento e autonomia no PPC da LEDOC/UFERSA.
38
• Perceber, a partir dos discursos dos e das discentes, como percebem o
diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia na LEDOC.
• Produzir referencial teórico a partir da análise da LEDOC/UFERSA,
acerca da Educação do Campo no semiárido potiguar.
• Compreender relações de poder e linguagem na interface entre sujeitos
do campo e universidade.
Desse modo, a questões norteadora, mais os objetivos da pesquisa, buscam
fortalecer a tese de que quanto mais diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia
no Curso de Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo da UFERSA, mais
próxima estará de uma Educação do Campo Popular, ou seja, aquela educação imbuído
do sentido crítico, democrático e libertador, capaz de transformar realidade e gerar
cidadania.
Como sabemos, o campo científico, tal qual o campo econômico, político,
religioso, é atravessado por disputas que, tanto aproximam, como afastam
pesquisadores, grupos de trabalhos e até mesmo universidades. Desse modo, a pesquisa
científica está intimamente permeada por conflitos e contradições que reverberam o
próprio contexto social, também conflitante. Desse modo:
Entendemos por pesquisa a atividade básica da ciência na sua
indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a
atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo. Portanto,
embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e
ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema se não
tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. As
questões da investigação estão, portanto, relacionadas aos interesses e
circunstância socialmente condicionadas. São frutos de determinada
inserção na vida real, nela encontrando suas razões e seus objetivos
(DESLANDES et al. 2015, p. 16).
Assim, fica evidente o papel que a pesquisa científica representa à sociedade, ela
funda-se na necessidade de conhecer, compreender e mudar uma determinada realidade.
Ou seja, está imbricada do sentido de desvelar, refletir e propor saídas a um
determinado problema social. Há portanto um compromisso ético com o avanço do
conhecimento enquanto ferramenta para melhorar a vida de todos, sobretudo porque é
custeada através de contribuições tributárias advindas, principalmente da sociedade
civil, sendo portando obrigação da pesquisa restituir a população em forma de novos
conhecimentos e novas interpretações dos fenômenos sociais.
39
No contexto da Educação do Campo a pesquisa insere-se como ferramenta
educativa para a construção e defesa de outro paradigma para as pessoas que vivem no
campo. Dito de outra forma, a pesquisa em Educação do Campo, identifica na
perspectiva da Educação Rural uma forma de manutenção do poder das classes
dominantes, em seguida, propõe como meio para a superação da dominação uma
educação construída pelos próprios sujeitos do campo.
Desse modo, os desafios aqui apresentados consistem no ideal de superação dos
modelos educativos que negam a centralidade da realidade enquanto geradora de
conteúdo nos processos educativos. O desafio teórico-metodológico, portanto, consiste
em aproximar os sentidos concernentes às experiências e a realidade concreta de volta
ao seu lugar de origem, ou seja, os processos de ensino e aprendizagem.
A pesquisa em Educação do Campo ainda é recente, antes dela, podemos dizer
que estávamos ancorados, em boa medida, nos estudos da Sociologia Rural, porém, essa
Área do conhecimento, tem seu próprio interesse e metodologia para desenvolver. A
pesquisa em Educação do Campo requer seus próprios instrumentos e tem construído
um arcabouço significativo, ou seja, tem acumulado, a partir das experiências e práticas
de intelectuais, movimentos sociais, sindicatos rurais entre outros espaços, um
conhecimento autêntico, capaz de fazer o contraponto às formas de produção e pesquisa
ancoradas nos interesses do capital.
Observa-se que a pesquisa na Educação do Campo não está inventando o
conhecimento dos povos do campo, está buscando formas e instrumentos de
compreender a produção histórica desses conhecimentos produzidos por essas
populações ao longo do tempo. O papel da pesquisa nessa área, portanto, é de
interpretar e divulgar esses conhecimentos, prezando principalmente pela sua
autenticidade.
Desse modo, a Educação do Campo se caracteriza para além de uma proposta
pedagógica, ela representa uma quebra de paradigma de tipo de projeto, é a própria
revisão das bases que sustentam a sociedade, cuja história tem mostrado que essas bases
fundam-se a partir da desigualdade social entre quem produz e quem detém os meios de
produção. Por isso mesmo é que neste tipo de pesquisa não há espaço para supostas
neutralidades, assim como também não há em nenhuma outra, inclusive naquelas que
pregam a neutralidade científica. Assim:
A neutralidade é uma postura farsante, por ingenuidade ou por
esperteza. O engajado comete – logicamente – suas barbaridades, mas
40
é pior ainda cometê-las ingenuamente ou espertamente. O serviço
instrumental subserviente da ciência é seu pior engajamento,
sobretudo para uma atividade que se apregoa superior ao senso
comum, capaz de avaliar tudo, sempre crítica e impiedosa contra
percalços da lógica e da forma (DEMO, 1995, p. 83).
Desse modo, tal qual a Educação do Campo, a pesquisa em educação do campo
está imersa nas contradições que caracterizam o modelo de educação capitalista.
Portanto, está imbuída do sentido de resistência, de contra hegemonia e da necessidade
de transformação social. Outro aspecto inerente a essa pesquisa diz respeito à
necessidade criativa imanente, em outras palavras, é preciso que o pesquisador além de
conhecer as experiências, além de está imbuído dessas experiências, precisa criar, a
partir delas, sua própria formulação daquilo que entende por Educação do Campo, tendo
em vista que essa é uma educação em construção.
Assim, pactuamos com Gatti (2007, p. 11) quando afirma que: “A pesquisa não
é, de modo algum, na prática, uma reprodução fria das regras que vemos em alguns
manuais. O próprio comportamento do pesquisador em seu trabalho é-lhe peculiar e
característico”. Mais uma vez, se evidencia a incapacidade de sustentação da
neutralidade, a própria “escolha” do tema é uma opção, sendo assim, é política, e como
sabemos, na política não há neutralidade. Uma demonstração dessa assertiva pode ser
evidenciada na Seção da “Trajetória do pesquisador”, em que o meio social e as
implicações dele, são fatores significativos à “escolha” do tema. Sendo assim, como
afirma Freire (2014a, p. 16) “Uma das tarefas do educador ou da educadora
progressista, através da análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não
importam os obstáculos, para a esperança”.
Desse modo, na Educação do Campo esse ponto destacado por Freire é crucial,
isso porque a ideologia foi peça fundamental, como ainda é, para que as classes
dominantes inculcassem no camponês a visão mítica e por vezes determinista da
realidade. Então, a pesquisa em Educação do Campo tem a finalidade de desvelar a
negação histórica que as populações do campo enfrentaram e ainda enfrentam em
relação a educação escolar. Apresentar a voracidade dos detentores das terras em
relação àqueles e aquelas que nela trabalham, desvelar a distância astronômica que há
entre ambos é, sem dúvida, uma das suas principais tarefas nos dias de hoje.
Pensando a partir dessa perspectiva, cada vez mais a Educação do Campo
configura-se como instrumento teórico-prático de pesquisa capaz de construir a história
41
da educação dos povos do campo de uma forma mais representativa, sustentada nas
construções históricas destas mesmas populações. Assim, os intelectuais orgânicos5 e
todos aqueles comprometidos com os desafios da educação, têm sido chamados a
contribuir com os desvelamentos desse fenômeno social complexo que é a Educação do
Campo. Desse modo, a pesquisa em Educação do Campo requer compromisso e uma
inclinação ético-política às classes oprimidas. Há que ter sempre o horizonte da
mudança social e a emancipação das camadas populares como utopia e essa tarefa não
está passiva de relativismos teóricos.
Por isso, pensando numa perspectiva epistemológica que abranja a realidade em
sua máxima complexidade, entendendo realidade não somente como atualidade, mas
como resultado de muitos condicionantes e determinações, optamos nessa pesquisa pelo
materialismo histórico-dialético enquanto fundamentação epistemológica. Essa
perspectiva alinha-se aos princípios da Educação do Campo e congrega em si a
prerrogativa de compreender a contemporaneidade dentro do contexto histórico,
dialético e cultural que a engendra. Daí que o materialismo histórico-dialético tenha se
configurado em um importante aporte teórico para a pesquisa em Educação do Campo.
O materialismo dialético compõe, junto com o materialismo histórico e com a
economia política, as bases fundamentais da filosofia marxista, que por sua vez
congrega uma tendência dentro do materialismo filosófico. O materialismo filosófico
considera que a matéria é o princípio primordial e o espírito o aspecto secundário. A
consciência, que é um produto da matéria, permite que o mundo se reflita nela, o que
assegura a possibilidade que tem o homem de conhecer o universo. Por outro lado o
materialista dialético reconhece que a realidade existe independentemente da
consciência. Ele assim chama-se porque faz uso da dialética enquanto base
epistemológica.
A dialética, a ciência mais integral, multifacética e profunda do
desenvolvimento, constitui a essência do marxismo-leninismo, é a
base teórica fundamental. As leis universais da dialética revelam os
traços substanciais de qualquer fenômeno em desenvolvimento, não
importa a esfera a que esse fenômeno pertença. A concepção científica
do universo se fundamenta no princípio do movimento, da mudança e
do desenvolvimento. Este princípio se opõe à metafísica e ao
idealismo. A dialética materialista surgiu das conquistas da ciência e
5 Gramsci (1988) trabalha o conceito de intelectuais orgânicos enquanto sujeito histórico ligado direta e
intimamente a uma classe.
42
de seus avanços assim como da experiência histórica da humanidade
(CAMPOS, 1988, p. 60 – 61).
Desse modo, a dialética é a busca por entender o movimento de transformação
do mundo e das coisas, ou o próprio mundo das coisas. Essa reflexão parte sempre das
contradições, por exemplo, vida-morte, dia-noite, bem-mal etc. tais contradições
representam a própria origem da dialética (GADOTTI, 1983). Segundo Gil (2008, p.
13):
O conceito de dialética é bastante antigo. Platão utilizou-o no sentido
de arte do diálogo. Na Antigüidade e na Idade Média o termo era
utilizado para significar simplesmente lógica. A concepção moderna
de dialética, no entanto, fundamenta-se em Hegel. Para esse filósofo, a
lógica e a história da humanidade seguem uma trajetória dialética, nas
quais as contradições se transcendem, mas dão origem a novas
contradições que passam a requerer solução.
A concepção dialética de Hegel, no entanto, é duramente criticada por Karl
Marx e Friedrich Engels, pois as bases hegeliana atribuem a centralidade das ideias em
relação ao mundo material. O pensamento marxista, por sua vez, parte do princípio
exatamente oposto, afirmando que as ideias nada mais são do que reflexo do mundo
material e suas condições objetivas de produção e reprodução da vida.
Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independente da sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de
desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas
relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a
base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e
política, e à qual correspondem determinadas formas de consciência
social. O modo de produção da vida material condiciona o
desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é
a consciência dos homens que determina o seu ser, é o seu ser social
que, inversamente, determina a sua consciência. (MARX, 1973, p. 28-
28).
A citação acima destaca de forma sintetizada o pensamento materialista
desenvolvido por Marx. Daí que costume-se afirmar que o materialismo marxista
“virou” a dialética hegeliana de “cabeça para baixo”.
O materialismo dialético estuda as formas gerais do ser, os aspectos e
os laços gerais da realidade, as leis do reflexo desta última na
consciência dos homens. As formas essenciais da interpretação
filosófica, do reflexo das propriedades e das conexões universais da
realidade e das leis do funcionamento e do desenvolvimento dos
conhecimentos são as categorias e as leis da dialética. Como
43
elementos necessários da teoria filosófica, elas têm uma função
ideológica, gnosiológica e metodológica. (CHEPTULIN, 1982, p. 01)
Acrescenta-se ao materialismo dialético a concepção histórica da sociedade, pois
todas as contradições ocorrem necessariamente no plano da história, ou seja, na vida
social. Tem-se assim, o materialismo histórico-dialético, agora já convertido em
instrumento de pesquisa. Compreende-se melhor a sua composição e o seu poder de
análise quando aplicado aos fenômenos sociais, no caso em destaque, à Educação do
Campo em suas múltiplas contradições e condicionantes sociais.
O materialismo histórico possui como objeto de sua investigação as
leis e as forças motrizes mais gerais do desenvolvimento da sociedade
humana. É uma teoria sociológica geral. E é também uma filosofia da
história. [...] o materialismo histórico analisa e procura compreender
os diversos fatos sociais que ocorrem nas sociedades humanas e busca
uma sólida base científica para explicar esses fenômenos. Como
filosofia da história, tenta avaliar os fatos históricos, sociais e
econômicos que ocorreram e ocorrem nas sociedades humanas num
enfoque materialista (CAMPOS, 1988, p. 78).
Assim, compreende-se que esta perspectiva se coaduna satisfatoriamente para a
análise da Educação do Campo enquanto Educação Popular, em sua relação com o
Estado enquanto instituição hegemônica. A partir desta análise contraditória, é possível
desenvolver leituras mais ampliadas tanto da sociedade, como da educação e das
relações engendradas desta com o meio rural. Essa dualidade entre subjetividade e
objetividade é, pela sua própria natureza, o campo da dialética. Nesse sentido, Freire
(2014a, p. 139-140) apresenta uma concepção esmerada sobre a dialética.
Na verdade, só numa perspectiva dialética podemos entender o papel
da consciência na história desvencilhada de qualquer distorção que ora
exacerba sua importância, ora a anula ou a nega. Nesse sentido, a
visão dialética nos indica a necessidade de recusar, como falsa, por
exemplo, a compreensão da consciência como puro reflexo da
objetividade material, mas, ao mesmo tempo, a necessidade de rejeitar
também o entendimento da consciência que lhe confere um poder
determinante sobre a realidade concreta.
Nesse sentido, a relação entre a Educação do Campo e o Estado é desde o seu
surgimento, uma relação permeada por tensões e conflitos. Porém, como uma autêntica
relação dialética, divide o mesmo terreno social, convive relaciona-se a partir de
44
interesses diversos e contraditórios. Mais uma vez, Paulo Freire, em entrevista a Carlos
Alberto Torres, expõe seu entendimento sobre a relevância da dialética:
Em nossa análise, o movimento dialético coloca-se como uma
necessidade fundamental diante de qualquer tentativa de opressão da
realidade. Este movimento supõe, por um lado, que o sujeito da ação
tenha as ferramentas teóricas para manejar o conhecimento da
realidade e, por outro que o sujeito reconheça a necessidade de
readaptá-las depois de ter alcançado resultados com sua aplicação
(TORRES, 2003, p. 69).
Assim, o materialismo histórico dialético converteu-se num importante
instrumento de pesquisa, principalmente àquelas de caráter social, histórico, econômico,
político e cultural. Pela inclinação marxista, está intimamente imbricado do sentido de
mudança social, revolucionária e problematizadora, daí que seja largamente utilizada
por linhas de pensamentos guarnecidas das bases progressistas. Além disso, a história
mostra que a produção social do conhecimento esteve, em boa medida, a serviço dos
interesses da classe dominante, constituindo formas de manutenção do poder destas em
relação às classes subalternas, de tal modo que o materialismo histórico dialético acabou
por cumprir além do papel de fundamentação teórica, também uma opção ideológica
aos estudos assentados na transformação social.
A ciência moderna desterrou às camadas populares, a marca da ignorância, da
incapacidade e do fracasso, distanciando em demasia os saberes populares dos saberes
científicos. Assim, o desafio posto, sobretudo da pesquisa em Educação do Campo
consiste em dar sentido à produção do conhecimento, transformá-lo em ação, fazê-lo
ferramenta nos espaços acadêmicos, mas também fazer chegar aos espaços populares,
lócus de criação e recriação de saberes autênticos.
Por isso o materialismo histórico dialético permite recuperarmos a história não
como um dado estático trazido direto do passado, mas pelo contrário, permite que ela
seja revisitada enquanto uma expressão da construção do pensamento humano de um
determinado tempo, cujas implicações não se encerram naquele tempo histórico, mas
reverberam-se em implicações que influenciam o nosso tempo presente, sendo,
portanto, um lugar de aprendizagens e reinvenções de saberes, não somente de consulta.
Desse modo, conforme Triviños (1987, p. 37):
Este conhecimento como objeto de dado, alheio a qualquer traço de
subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca
científica a serviço das necessidades humanas, para resolver
problemas práticos. O investigador estuda os fatos, pela própria
45
ciência, pelo propósito superior da alma humana de saber. Não está
interessando em conhecer as consequências de seus achados. Este
propósito de espírito positivo engendrou uma dimensão que foi
defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns meios, se
levanta como bandeira verdadeira: a da neutralidade da ciência.
Assim, é importante destacar que no contexto brasileiro, a pesquisa em educação
do campo, não pode dissociar-se da realidade concreta que o País vivencia. Os conflitos
no campo, a violência, as tensões geradas em torno da questão agrária e todos os
desdobramentos dela, são pontos que não devem esmaecer. Pelo contrário, são os
aspectos fundantes sobre os quais as análises científicas devem se apoiar, sob pena de
ocultação de fatos e fenômenos sociais relevantes para a compreensão da atualidade e
das perspectivas de futuro.
A par disso, a pesquisa aqui empreendida configura-se enquanto pesquisa
exploratória. Nesse modelo de pesquisa, busca-se refletir e modificar conceitos e ideias,
tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para
estudos posteriores. Habitualmente essa pesquisa envolve o levantamento bibliográfico
e documental, entrevistas não tão padronizadas e ou estudo de caso (GIL, 2008).
Portanto, esse modelo de pesquisa cimentou de forma significativa aquilo que buscamos
compreender acerca da Educação do Campo enquanto Educação Popular, com destaque
para a LEDOC/UFERSA.
Outro aspecto relevante é que a pesquisa apresenta-se com viés qualitativo do
objeto em destaque. Segundo Triviños (1987), este modelo de pesquisa começou a
ganhar corpo na década de 1970. A crítica ensejada pela perspectiva da pesquisa
qualitativa refere-se à fórmula positivista de aplicar ao estudo das ciências humanas e
sociais os mesmos princípios e métodos das ciências naturais, assim, iniciou-se o
movimento de elaboração de programas de tendências qualitativas.
Para Chizzotti (2008), o termo qualitativo implica uma partilha densa com
pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio
os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível.
O fato de estarmos intimamente ligado aos sujeitos da pesquisa, para nós, muito antes
de ser um problema, é, na verdade, uma prerrogativa aferida em virtude da nossa
trajetória enquanto pesquisador ligado a Educação do Campo. Segundo Deslandes, (et
al, 2015), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, dos motivos,
das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes dos sujeitos envolvidos.
46
Os sujeitos que fazem a Educação do Campo carregam consigo as marcas
históricas das lutas individuais e coletivas, em ambos os casos são marcas profundas
que determinam a vida dessas pessoas, portanto, não é possível tratá-las tão somente
como “objeto de estudo”, é importante compreender que são sujeitos históricos
carregados de sentidos, significados e significantes que em última instância, compõem
suas identidades. Nesses termos, esse é um dado delimitador que distingue a pesquisa
em educação do campo, da pesquisa sobre educação do campo.
Seguindo a mesma linha metodológica trabalhamos com o Estudo de Caso, que
pactua, em boa medida, com os princípios da pesquisa qualitativa. O Estudo de Caso
tem sido escolhido, de forma recorrente, como alternativa para pesquisas sobre o
fenômeno educativo (YIN, 2001). Este método remete a escolha de um “caso”, que deve
ser tratado como importante estratégia metodológica para a pesquisa em Ciências
Humanas, pois permite ao investigador um aprofundamento em relação ao fenômeno
estudado, revelando nuances difíceis de serem enxergadas “a olho nu”. O nosso Estudo
de Caso está representado na LEDOC/UFERSA.
Assim, a partir da análise documental/bibliográfico realizamos uma revisão da
literatura existente nas produções do campo da Educação do Campo com a finalidade de
acompanhar o estado atual da produção do conhecimento desta área. Esse procedimento
também é importante nessa pesquisa, uma vez que na bibliografia existente há um
grande alinhamento da Educação do Campo enquanto promotora das categorias
destacadas, ou seja, diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia. Assim,
verificamos a ocorrência das categorias nos documentos oficiais com destaque para o
PPC da LEDOC. Sobre as possibilidades da pesquisa bibliográfica, Lakatos; Marcone
(2003, p. 44), afirmam que:
[...] a pesquisa bibliográfica permite compreender que, se de um
lado a resolução de um problema pode ser obtida através dela,
por outro, tanto a pesquisa de laboratório quanto à de campo
(documental direta) exigem, como premissa, o levantamento do
estudo da questão que se propõe a analisar e solucionar. A
pesquisa bibliográfica pode, portanto, ser considerada também
como o primeiro passo de toda a pesquisa científica.
Outro instrumento utilizado na coleta de dados foi a entrevista semiestruturada,
ela construiu a base dos dados da pesquisa. Segundo Lakatos; Marcone (2003, p. 197),
na entrevista semiestruturada, “o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada
situação em qualquer direção que considere adequada. É uma forma de poder explorar
47
mais amplamente uma questão. Em geral, as perguntas são abertas e podem ser
respondidas dentro de uma conversação informal”. Esse modelo de pesquisa permite-nos
dialogar de forma aberta com os educandos envolvidos no processo, do mesmo modo
possibilita que se expressarem abertamente sobre questões e temas tanto da pesquisa
como outros que venham a surgir.
Para registrar os dados obtidos a partir das entrevistas, utilizamos um gravador,
computador, pen drive, e o roteiro de entrevista. As entrevistas foram realizadas uma
parte nas comunidades dos educandos e outra parte na Universidade. A escolha dos/as
educandos/as se deu a partir de quatro critérios básicos. O primeiro critério foi: ser
morador da zona rural. Pode-se perguntar o porquê desse critério em Curso para formar
professores e professoras para atuação nas escolas do campo. Ocorre que o Curso não é
exclusivo para pessoas que vivem no campo. Mais a frente, na seção referente ao “perfil
discente” escrutinaremos essa relação.
O segundo critério estabelecido foi: o educando estar vinculado a Área de
Conhecimento de Ciências Humanas e Sociais. Como apresentaremos, o Curso é
formado por área de conhecimento – Ciência Humanos e Sociais e Ciências da Natureza.
Entendemos que a natureza da pesquisa e da formação do pesquisador justifica essa
aproximação. Os dois últimos critérios foram, estar concluindo o Curso, isso se deve ao
fato desses educandos já deterem uma visão mais abrangente em relação ao Curso e por
último, o critério de ter interesse em participar das entrevistas. Desse modo,
selecionamos dez (10) educandas interessadas em participar da pesquisa, foram nove
(09) mulheres e um (01) homem.
Ainda como aspecto metodológico aplicamos questionário com 130 alunos (de
um total de 260) com o objetivo de construir o perfil discente da LEDOC. Isso porque
quando iniciamos a pesquisa esbarramos em muitas informações desencontradas e
ausência de um dado categórico quando ao perfil do alunado, assim construir esse perfil
foi uma parte importante para melhor apresentarmos esse Curso aos leitores.
48
2.3. LINGUAGEM E MUDANÇA SOCIAL: ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
COMO POSSIBILIDADE EM NORMAN FAIRCLOUGH
Para analisar os dados obtidos a partir das entrevistas, buscamos os princípios
metodológicos da Análise Crítica do Discurso (ACD) a partir de Norman Fairclough
(2016), uma vez que essa perspectiva vincula de forma satisfatória as questões abordadas
nesse estudo à dinâmica da realidade material dos sujeitos envolvidos e reflete a
construção histórica dos fenômenos, com destaque para as transformações sociais que
essa construção enseja.
A Análise Crítica do Discurso está situada dentro da teoria geral da Análise do
Discurso. Segundo Maingueneau (1998) a Análise do Discurso pode ser compreendida
de formas variadas e nem sempre segue uma mesma inclinação, por isso:
Julgamos preferível especificar a análise do discurso como a
disciplina que, em vez de proceder a uma análise linguística do texto
em si ou a uma análise sociológica ou psicológica de seu “contexto”,
visa a articular sua enunciação sobre um certo lugar social. Ela está,
portanto, em relação com os gêneros do discurso trabalhados nos
setores do espaço social (um café, uma escola, uma loja...) ou nos
campos discursivos (político, científico...) (MAINGUENEAU, 1998,
p. 13 – 14).
Dentro da perspectiva da Análise do Discurso, alinhamo-nos a compreensão do
discurso como uso da linguagem enquanto prática social. Segundo Fairclough, (2016, p.
94 – 95) “Isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o discurso um modo de
ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os
outros, como também um modo de representação”. Nesse sentido, a linguagem
apresenta-se como instrumento mediador e transformador das relações e estruturas
sociais, não é, portanto, um mecanismo neutro de interação social, mas determina os
tipos e funcionalidades dessa interação. Nesse sentido, compreender a linguagem em
suas muitas nuances é uma atribuição que requer conhecer os sujeitos dessa linguagem.
Como afirma Freire; Shor (2011a, p. 44):
As pessoas dos grupos dominados falam diversos idiomas,
dependendo da situação em que se encontram. Quando as autoridades
estão por perto, empregam uma linguagem defensiva, cheia de
maneirismos e construções artificiais para “safar-se”. Essas formas de
discurso são os aspectos linguísticos da luta mais ampla pelo poder na
sociedade.
49
Assim, a ACD trabalha com a linguagem enquanto ferramenta coletiva e não
individual, o discurso está ligado a todas as dimensões da vida, organiza-se como
estrutura social, devendo ser entendido como um modo de ação e como uma prática
capaz de alterar a posição dos outros indivíduos no mundo. Para Fairclough (2016) um
texto significa sempre algo determinado por condições sócio-históricas.
A análise do discurso em Fairclough pauta-se em aspectos como: prática
discursiva (macroanálise) – interpretação; texto (microanálise) – descrição; prática social
– interpretação. Fairclough (2016, p. 92) explica que “É importante que a relação entre
discurso e estrutura social seja considerada como dialética para evitar os erros de ênfase
indevida; de um lado, na determinação social do discurso e, de outro na construção
social do discurso”. Isso significa dizer que o discurso ao mesmo tempo em que é
determinado socialmente ele também determina o meio social, ou seja, não é somente
fruto de múltiplas determinações, mas é, em certa medida, as próprias determinações.
A partir dessa interpretação é possível compreender o discurso enquanto ação
ativa na sociedade, enquanto força criadora e não somente como narrativa que emerge a
partir de efeitos externos. Segundo Fairclough (2016 p. 31-32):
As abordagens investigativas podem ser divididas em dois grupos,
segundo a natureza de sua orientação social para o discurso,
distinguindo-se abordagens ‘não-críticas’ e ‘críticas’. Tal divisão não
é absoluta. As abordagens críticas diferem das abordagens não-críticas
não apenas na descrição das práticas discursivas, mas também ao
mostrarem como o discurso é moldado por relações de poder e
ideologias e os efeitos construtivos que o discurso exerce sobre as
identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento
e crença, nenhum dos quais é normalmente aparente para os
participantes do discurso.
Assim, a ACD em Fairclough configura-se como um suporte teórico importante
para a análise dos textos obtidos a partir das entrevistas. Essa ferramenta alinha-se de
forma satisfatória ao paradigma da Educação do Campo uma vez que aborda o discurso
como possibilidade de prática e mudança social.
Importante se faz destacar que a análise do discurso para Fairclough (2016, p.
287) “não deve ser considerada como um esquema, pois não há procedimento fixo para
fazer análise de discurso, as pessoas abordam-na de diferentes maneiras de acordo com
a natureza específica do projeto e conforme suas respectivas visões do discurso”. Desta
forma não haverá aqui, nenhum esquema pré-estabelecido no qual os textos sejam
transplantados para serem analisados, como fazem e sugerem alguns analistas do
50
discurso, isso se dá porque entendermos que os discursos “não apenas refletem ou
representam entidades e relações sociais, eles as constroem ou as ‘constituem’”.
(FAIRCLOUGH, 2016, p. 22).
Um ponto que merece destaque para a análise de discurso é a concepção
tridimensional de análise do discurso estabelecida por Fairclough (2016). A seguir
reproduzimos a perspectiva tridimensional:
Figura I: Perspectiva tridimensional da Análise do Discurso de Norman Fairclough
Fonte: Fairclough (2016)
Como se pode observar, Fairclough (2016) apresenta o discurso nos seus três
aspectos. Para ele, o texto está contido na prática discursiva que, por sua vez está dentro
da prática social. O texto representa a linguagem falada ou escrita, a prática discursiva
manifesta-se em forma linguística e a prática social é uma dimensão do evento
discursivo (ideologia, política) (FAIRCLOUGH, 2016).
Dentro de cada dimensão da linguagem (texto, prática discursiva e prática
social), Fairclough detalha em pormenores o comportamento de tais categorias. Essas
são as principais ferramentas para a análise do discurso e que aparecerão implícitas ou
explicitamente nas análises das entrevistas realizadas com os/as discentes.
51
Quadro I: Composição das categorias da Análise do discurso a partir da obra Discurso e Mudança Social
de Norman Fairclough.
TEXTO PRÁTICA DISCURSIVA PRÁTICA SOCIAL
Vocabulário
Gramática
Coesão
Estrutura textual
Produção
Distribuição
Consumo
Contexto
Força
Coerência
Intertextualidade
Ideologia
Sentidos
Pressuposições
Metáforas
Hegemonia
Orientações econômicas,
políticas, culturais,
ideológicas
Fonte: Fairclough (2016)
Desse modo, a análise discursiva apresentou-se como UM IMPORTANTE
instrumento de pesquisa para o desvelamento das relações sociais, simbólicas ou de
poder que permeiam os sujeitos e as instituições a qual estão desenvolvidas nos
Capítulos seguintes. Destaque-se por fim, que nossa formação não nos capacita
enquanto analista do discurso, de tal sorte que, apesar do esforço empreendido, alguns
aspectos mais específicos inevitavelmente nos escaparão, ainda assim, nos esforçamos
para atenuar eventuais arestas.
A abordagem da análise das relações de poder, das instituições, dos sujeitos e
das contradições, que também são análises discursivas, aparecem no Capítulo seguinte
de forma mais trabalhada. Desse modo, buscamos não perder os aspectos centrais que
compõem a linguagem em detrimento de um esforço teórico de encaixar-se no método
proposto por Fairclough, essa seria uma ação de caráter despropósito e descolada dos
nossos objetivos. Assim, seguindo as próprias recomendações da Análise Crítica do
Discurso, os textos aqui apresentados são tratados com a vivacidade que a linguagem
encerra quando desenvolvida em meio social complexo e contraditório, como é o nosso
contexto atual.
52
3. A LUTA HISTÓRICA DOS SUJEITOS DO CAMPO: PASSOS DE UMA
CAMINHADA
Esta cova em que estás, com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho, nem largo, nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
[...]
Morte e Vida Severina – João Cabral de Melo Neto
3.1 NOTAS INICIAIS
Neste capítulo vamos refletir sobre a luta histórica dos sujeitos do campo e a
defesa da educação como instrumento de permanência e identidade no território
camponês. Buscamos compreender processos históricos que conduziram a atualidade da
Educação do Campo e como esse viés pode representar um instrumento educativo a
partir dos princípios da Educação Popular para suprir déficits históricos referentes à
formação escolar das populações campesinas.
Condenados ao desaparecimento por muitos teóricos ao longo da história, os
camponeses permanecem fortemente ligados às suas tradições culturais. Apesar de toda
a inserção de muitas ideologias que desvalorizam o modo de vida campesino, que os
colocam em posição de atraso em relação, sobretudo, à vida na cidade, suas estratégias
de permanência tem construído um verdadeiro legado, de riqueza já reconhecida
enquanto saberes autênticos e organização da vida social, e é exatamente sobre essa
construção epistemológica que desenvolveremos essa trajetória histórica.
A entrada do capitalismo no campo, a industrialização, o desemprego, que são
fenômenos marcantes no cenário campesino do século XX, não foram capazes de
desterrar os vínculos camponeses com a terra e com o trabalho. Pelo contrário, em face
aos atentados do capital nas suas mais variadas nuances e facetas, os camponeses mais
uma vez se organizaram para lutar e defender sua permanência. Defender seu modo de
vida, seus costumes, suas famílias numerosas e congregadas, sua forma de produção
baseado, sobretudo, na pequena propriedade e outros fatores que compõem a simbiose
entre o camponês e a terra.
53
O número de pessoas que vivem no campo hoje no Brasil é da casa de 30
milhões, o que representa cerca de 15% da população brasileira (IBGE, 2010). Esse
número tem crescido em virtude da crise do modo de vida urbano, ou seja, há uma
tendência global, cada vez mais em evidência, de muitas pessoas retornarem a uma vida
no campo, reconhecidamente, permeada por padrões de vida menos agressivos.
No Brasil, e no Rio Grande do Norte, podemos dizer que o campesinato foi
tratado de forma secundária, a ele foi negado, saúde, escola, lazer, ou seja, direitos
humanos fundamentais ao exercício da cidadania em sua integralidade. Essa negação
aprofundou lacunas já abissais entre campo e cidade, não somente do ponto de vista
geográfica, mas principalmente no sentido de oportunidades e de valorização. Até hoje
esse gargalo persiste, porém, as políticas públicas das últimas décadas, ainda que
sabidamente insuficientes, tiveram um papel importante para os camponeses, com
destaque para a juventude.
É dentro desta perspectiva que destacamos a Educação do Campo como um
paradigma emergente na contemporaneidade, que se pretende a lutar por uma educação
contextualizada a partir da realidade dos sujeitos do campo. A Educação do Campo é
um projeto de educação, de escola, de campo e de sociedade, é um território de
conhecimento. Ela tem suas bases teóricas e epistemológicas assentadas na perspectiva
da Educação Popular, que por sua vez, é um paradigma educativo assentada no diálogo,
cujo instrumento é o conhecimento e a finalidade a autonomia e emancipação dos
sujeitos.
Essa breve apresentação expõe aspectos diversos que estão diretamente ligados à
questão educativa, na importância das políticas públicas e na garantia de direitos sociais
a essa população. Desse modo, entrar nessa ceara é levar em consideração os muitos
fatores que estão imbricados nas relações sociais e subjetivas dos sujeitos do campo,
como afirma Wolf (1976, p. 31): “um pedaço de terra, uma casa, não são meramente de
produção; eles também estão carregados de valores simbólicos”. Por isso, para
compreender o fenômeno educativo em sua integralidade, iniciamos por trazer aspectos
históricos que ajudam nessa compreensão expandida.
54
3.2 SUJEITOS DO CAMPO E A LUTA HISTÓRICA POR EDUCAÇÃO:
PASSOS E DESCOMPASSOS
Buscamos nesta seção, apresentar elementos que fundamentam nossos
pressupostos acerca da negação histórica que os povos do campo enfrentaram no que
diz respeito ao acesso à educação formal. Do mesmo modo, sublinhamos os prejuízos
inerentes a essa negação. O fato de não ter acesso à escola, implicou, tanto na
manutenção, quanto no aprofundamento de padrões de vida pauperizado para os
camponeses. Assim, nesse percurso, a ênfase recairá sobre o camponês enquanto sujeito
histórico, os avanços, retrocessos e, sobretudo, as lutas que precisou/a empreender para
garantir sua sustentabilidade.
Os primeiros passos da humanidade são marcados essencialmente pela busca da
sobrevivência, sendo os meios para tal, paulatinamente transformados em processos
educativos. Ou seja, a caça, a pesca, a coleta, as construções, que inicialmente tinham
como objetivo a manutenção da sobrevivência, tornaram-se, pouco a pouco, a partir
daquilo que Marx (1973) chama “Trabalho”, um saber dominado por um determinado
grupo. Esse saber foi transmitido às novas gerações a partir do exemplo prático, ou seja
para ensinar a arte da caça, inseria-se a “criança” entre caçadores. Assim, desde muito
cedo, desenvolveram técnicas para ensinar e aprender. Desse modo, foi necessário um
sofisticado sistema de troca de saberes adquiridos por gerações anteriores.
Importante se faz dizer que, esses conhecimentos, não eram apenas repassados,
se assim fosse, não haveria mudanças substanciais, os conhecimentos eram
transformados, melhorados e repassados às próximas gerações, cujo objetivo também
consistia em fazê-lo aprimorar. Desse modo, percebe-se que a mais tenra noção de
processo educativo, continha o cerne da necessidade de diálogo entre as formas mais
simples de saber e aquelas mais avançadas, uma forma de construir um novo
conhecimento a partir daquele já existente. Por mais contraditório que pareça, esse tem
sido o desafio, do mundo moderno.
Os camponeses contemporâneos resguardam aspectos significativos referente
aos seus ancestrais, costumes e tradições, passadas de geração em geração, convertem-
se em saberes de uso prático de grande valor entre esses sujeitos. As próprias condições
naturais e geográficas contribuíram para o desenvolvimento de saberes e práticas a
partir das necessidades dos sujeitos (THOMPSON, 1998). Como pode se observar, a
interação entre o sujeito e o meio natural é, historicamente, fator de construção e
55
transformação do conhecimento, desse modo, a relação homem-natureza, caracteriza-se
essencialmente enquanto aspecto central nos processos de ensino/aprendizagem, ao
mesmo tempo, converteu-se no grande desafio da escola de hoje.
O uso do conhecimento passou a expressar uma das mais importantes formas de
poder e controle já na antiguidade. Inicialmente, as habilidades variadas eram pontos
positivos numa sociedade muito homogênea, no entanto, os detentores de
conhecimentos específicos e mais importantes socialmente, como a irrigação, pecuária e
outros, acabaram por utilizar esse conhecimento como distinção entre os demais, esse
processo é entendido por Ponce (2010) como sendo um dos momentos iniciais da
formação e divisão das classes sociais.
Assim, a historiografia nos explica que por volta do ano 5000 a.c. grupos
nômades se fixaram na terra fértil das pradaria da região conhecida como Mesopotâmia
– hoje correspondente ao Iraque, Síria e Turquia –, esses povos superaram o nomadismo
e passaram à condição de agricultores (MARRIOTT, 2016). Outro grande império da
antiguidade é o Egito. Essa civilização teve início nas terras férteis do Rio Nilo, local
onde se desenvolveu uma agricultura pujante e uma economia agrícola comercial que
constituía a riqueza dessa Civilização (CAMBI, 1999). A grande maioria da população
egípcia era camponesa, pagava tributos ao faraó em forma de produção agrícola, parte
dos rebanhos, ou pescados.
Na Grécia antiga, os camponeses também estavam deslocados ao posto de
cultivo da terra, estavam longe, portanto, da democracia grega e dos banquetes
filosóficos. Segundo Cambi (1999, p. 51) “Aqui também vigora uma educação que
mostra a imagem de uma sociedade nitidamente separada entre dominantes e
dominados”.
Portando, é salutar destacar a posição social que o camponês ocupou desde a
antiguidade clássica, uma posição subalterna e objetificada que, ao longo da história,
sofreu variações, porém manteve-se relativamente centrada no estágio de mão-de-obra
para a produção de alimentos para a cidade. Nesse sentido, percebe-se o porquê da
necessidade de uma revisão profunda do olhar que se tem sobre esse sujeito. A história
mostra processos de exploração desde muito cedo, de tal modo que a caminhada
histórica mostrou a sofisticação desses processos de exploração, mas jamais sua
superação. Percebe-se ainda, que a negação do direito aos bens sociais e culturais, como
a educação formal, acarretou prejuízos que ainda hoje são evidenciados quando
analisamos os povos do campo.
56
Na Roma antiga, o camponês também tem papel de destaque, porém, mais uma
vez ligado a produção de alimentos e ao trabalho manual. Era possível encontrar
relações sociais mais amenas entre o dono da propriedade – em geral pequenas
propriedades de terra – e os escravos ou camponeses6 (CAMBI, 1999). Essa relação foi
perdendo força a medida que o Império romano se expandia em território e poder
político.
Importante refletir sobre este fenômeno, pois a pequena propriedade da terra
estabelece laços de amizade e fraternidade entre os camponeses que a grande extensão
de terra não é capaz de firmar. As relações estabelecidas a partir do trabalho na terra
cria uma dinâmica entre os camponeses circunvizinhos que lhes permite ajuda mútua e
uma economia moral7 assentada na solidariedade. Daí que um dos princípios da
Reforma Agrária dos dias de hoje é exatamente a defesa da pequena propriedade da
terra.
Nesse aspecto, é notório perceber que os camponeses, historicamente
pertencentes às classes dominadas, estavam impedidos de acessar a educação formal
(escola), consequentemente mantinham-se à margem dos espaços de poder. Assim,
desde o momento do surgimento da escola, já é possível identificar que ela se destinou a
uma determinada classe, já tinha uma função e um objetivo, o que nos convida a pensar
que o modus operandi dessa instituição, alinhada ao poder econômico, atravessa a
história da formação social desde sua mais tenra idade. Nesse sentido, segundo Gadotti
(1999, p. 52):
A escola que temos hoje nasceu com a hierarquização e a
desigualdade econômica gerada por aqueles que se apoderaram do
excedente produzido pela comunidade primitiva, a história da
educação, desde então, constitui-se num prolongamento da história
das desigualdades econômicas.
Desse modo, percebe-se que muitos grupos sociais não tiveram acesso à escola
ao longo da história, os camponeses, sem dúvida, representam um dos mais expressivos,
tanto no que tange à exclusão quando no que diz respeito à luta por acesso. Por outro
lado, isso significa que esses grupos criaram suas próprias formas de ensinar e aprender,
ou seja, a maioria da humanidade ensinou e aprendeu principalmente fora da instituição
6 Na Roma Antiga não há diferença substancial entre escravos e camponeses. 7 Economia moral é conceito utilizado por Thompson (1979) cuja base não é o lucro ou o capital. Ela
baseia-se nos princípios morais tradicionais dos grupos camponeses, exemplo desta forma de economia é
mutirão, em que diversos camponeses trabalham a terra de um determinado sujeito, em troca, este deverá
trabalhar também nas terras dos que lhe auxiliaram.
57
escolar, contraditoriamente essa instituição se apropriou de conhecimentos construídos,
em boa medida, a partir do trabalho de grupos excluídos.
Nesses termos, a luta histórica dos camponeses comprova a tese de que não há
sociedade alguma em que o povo tenha se “adaptado” à pobreza, à escravidão ou à
miséria, seja ela material ou espiritual. Como sublinhou Paulo Freire (2011) cedo ou
tarde a condição de ser menos leva os oprimidos a se levantarem e lutarem contra quem
os fez menos. Está no bojo deste pensamento a reação dos camponeses aos modelos
educativos excludentes, ao analfabetismo que teima em se presenciar em números
sempre elevados.
Seguindo essa linha histórica, com a dissolução das grandes civilizações antigas,
inicia-se a chamada Idade Média, marcada, sobretudo, pelo modelo de organização
econômica conhecida como feudalismo e essencialmente pelo advento do cristianismo.
O modo de produção feudal estende-se de 476 d. C., e vai até 1492, um período de
praticamente mil anos de organização social assentado majoritariamente na terra e na
agricultura. A Idade Média também se caracteriza pelo movimento de retorno da vida
no campo em detrimento da vida nas cidades antigas.
Huberman (2008) afirma que a maioria das terras agrícolas da Europa Ocidental
e Central estavam divididas em “feudos”. Um feudo consistia em uma aldeia e várias
centenas de acres8. Cada feudo, internamente desenvolvia uma economia de consumo
praticamente auto-suficiente . Essa forma de organização acabava por isolar ainda mais
o camponês aos limites do seu próprio feudo, deixando-o aquém do mundo exterior.
Nesse modelo, os valores que no mundo antigo foram desprezados, como a
fraqueza, a tolerância e a compaixão, voltam a compor o ideal formativo do homem
medieval, porém, agora reconfigurado a partir do Cristianismo nascente, pelo menos no
plano pedagógico esse deslocamento será central para a acomodação/estagnação do
camponês:
O povo, durante a Idade Média – e durante muito tempo na Idade
Moderna –, é analfabeto. Seus conhecimentos estão ligados a crenças e
tradições ou observações de senso comum: o seu horizonte cultural é
muito limitado, mas bem firme na centralidade atribuída à fé cristã e a
sua visão de mundo, que chega a ele por meio de muitas vias
alternativas à escrita: sobretudo através da palavra oral e da imagem,
que são as duas vias de acesso à cultura por parte do povo (CAMBI,
1999, p. 178-179).
8 1 Acre de terra corresponde a 0,4 hectares. Isso significa, por exemplo, que um feudo de 400 Acres
(apesar de não ser possível estimar o tamanho dos feudos, calcula-se que esse era o tamanho daqueles
menores) equivale a algo em torno de uma propriedade de 160 hectares.
58
Esse perfil social do camponês feudal, atrelado a estratificação social, à
naturalização da pobreza, apresenta grande semelhança com as formas contemporâneas
de produção agrícola. No Brasil, por exemplo, conservou-se uma relação entre
camponeses e proprietários de terras, muito próxima àquelas estabelecidas no período
do feudalismo. Foi muito comum, e ainda existe em diversas partes do Braisl,
trabalhadores rurais que cultivam a terra de grandes proprietários em troca de uma
metade da produção, chamado “de meia” ou de um terço “de terça” de tudo aquilo que
é produzido.
Esse camponês, por vezes, estabelece residência dentro das terras do
proprietário, é o chamado morador. Ele tem a função de fiscalizar outros camponeses e
garantir que os tributos (congas) sejam rigorosamente honrados. Assim, ele estabelece
relações com o patrão, muito idênticas àquelas desenvolvidas no período feudal, entre
vassalos e senhores.
Na Idade Moderna, com o florescimento do comércio, os sujeitos que
dominavam essa arte começavam a enriquecer, os camponeses também lograram êxito
na corrida pela ascensão social. A partir dessa nova visão de mundo, surgiu a
necessidade de uma ideologia que se alinhasse à permissão do enriquecimento, uma vez
que o lucro e a luxúria eram sistematicamente condenados pela Igreja Medieval
(CAMBI, 1999). Com isso, a Reforma Protestante, que desenhara-se sob a insígnia do
combate a corrupção na igreja católica, torna-se o vislumbre da classe emergente,
construindo aquilo que Max Weber (2011) intitulará a “ética protestante”.
Dentre esse cenário a mentalidade do sujeito desse período passa por profundas
mudanças, a flexibilização da concepção de Deus é notório, um deslocamento de um
Deus punitivo e violento à uma ideia dessa divindade assentada no livre arbítrio e no
perdão. Assim, “A era moderna se caracterizará, por desenvolver uma concepção na
qual a natureza física e o homem ocuparão o centro” (SEVERINO, 2007, p. 60). Isso
significa dizer que aos poucos os sujeitos vão se tornando senhores de suas próprias
vidas. Paulatinamente, essa concepção de mundo vai permeando o cenário bucólico,
permitindo aos camponeses, empreender e livrarem-se de alguns padrões e amarras
sociais até então visto como pecado.
A partir desse individualismo crescente, Lutero propõe a leitura da bíblia como
salvação individual, desse modo, ventila o germe da escola popular. Por outro lado, as
ordens religiosas criada a partir da contrarreforma católica, buscaram nos camponeses
expandir suas fileiras de fiéis, para tanto, esse processo passava obrigatoriamente pela
59
alfabetização. Percebe-se nesse cenário que tanto a Reforma Protestante quando a
Contrarreforma católica, estavam imbuídas do sentimento utilitarista para com a
alfabetização das camadas populares, não com processos de autonomia e libertação
desses sujeitos.
Nesse contexto, a defesa da escola para todos e a inscrição da pedagogia
moderna coube ao pastor João Amos Comênio (1592-1671) cuja proposta alinhava-se
aos fundamentos do novo modelo de produção do capitalismo ascendente. Não por
acaso racionaliza o trabalho pedagógico e, apesar de inclinado a salvação da alma, sua
obra, Didactica Magna¸ enfatiza a importância e apresenta as bases para rapidez do
ensino, com economia de tempo e de fadiga (COMENIUS, 1985), numa clara
inclinação à máxima criado nesse mesmo período “tempo é dinheiro”, que amalgama
todos os princípios do capitalismo e posteriormente da escola.
Assim, podemos dizer que esse é o momento da entrada dos filhos dos
camponeses na escola, até então, como vimos, a imensa maioria desses sujeitos eram
analfabetos. A escola assume, pouco a pouco, um papel disciplinador das massas e
principalmente sobre os camponeses, essa instituição apresenta o desejo de domesticá-
lo, civilizá-los de sua “selvageria” inerente. Buscar-se-á imprimir sobre esses sujeitos as
boas maneiras; um desejo de ensiná-los a se comportar e uma forma de manter a suposta
ordem natural das coisas, ou seja, o domínio político e econômico nas mãos da classe
dominante (VARELA; ALVAREZ-URIA, 1992).
A busca pela obediência das classes populares, com especial destaque para os
camponeses, ganhará nas novas e emergentes instituições todo um escopo, um
arcabouço metodológico próprio para alcançar essa finalidade, como afirma Foucault
(2013, p.133):
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do
corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem
uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as
“disciplinas”. [...] O momento histórico das disciplinas é o momento em
que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o
aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição,
mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto
mais obediente quanto é mais útil.
Esse nos parece ser um fenômeno emblemático que atravessa a organização dos
camponeses também na Contemporaneidade. Há uma educação instrumentalizada que,
ao mesmo tempo que ensina rudimentos para o trabalho, opera como Ação Pedagógica
60
(AP), como violência simbólica, (BOURDIEU, 2012) no sentido de manutenção e
reprodução das estruturas sociais. Esse desejo de enquadrar os camponeses em certos
modelos e padrões esteve no cerne de muitas políticas desenvolvidas ao longo do século
XX no Brasil.
Na Idade Contemporânea, cujo marco é a Revolução Francesa (1789), a classe
trabalhadora foi protagonista de grandes revoltas e organizações pelo direito à educação.
Observar-se-á, portanto que, embora tenha desempenhado papel de destaque na
Revolução Francesa, os camponeses não colheram os louros desta Revolução. Ao
assumir o poder, a burguesia operou uma série de mecanismo que excluiu
sistematicamente os camponeses da participação no poder.
Na Revolução Industrial, que ocorreu entre 1760 e 1840, muitos camponeses
empobrecidos e agora sem terra, uma vez que a burguesia havia lhes comprado, se veem
obrigados a submeterem-se às jornadas de trabalho de até 18 horas diárias das fábricas.
Isso levou, logo adiante, ao acirramento da luta de classes que caracteriza a
Contemporaneidade. Porém, a massa de necessitados leva, obrigatoriamente, os
trabalhadores a continuarem vendendo sua força de trabalho por preços lastimáveis
(PONCE, 2010).
Nesse sentido, quem melhor canaliza os fenômenos econômicos e suas
implicações nesse período é o filósofo alemão Karl Marx e seu amigo Friedrich Engels.
Ao publicaram o Manifesto Comunistas em 1848, sintetizaram a influência do poder
econômico sobre a sociedade e sobre a história. Apontam ainda o Estado enquanto ente
de uma classe. Para Marx e Engels (1986) o Estado estava a serviço da burguesia, sendo
necessário, para a superação desse Estado burguês, a abolição da propriedade privada
dos meios de produção.
Aos poucos, a burguesia industrial conquistou hegemonia no terreno social,
político e econômico, fazendo prevalecer suas ideias. Como consequência, essas ideias
entram na escola que se oferecia aos filhos dos operários e dos camponeses e acabou
por compor o corpus dos conteúdos oficiais. O filósofo marxista Louis Althusser dirá
que a escola funcionou enquanto um “aparelho ideológico de estado”, reproduzindo as
ideias da classe burguesa como sendo ideias universais, esse também é o conceito de
hegemonia em Althusser (1971). Essa educação instrumentalizada, para o uso prático e
para a conformação, tão similar àquela destinada as populações do campo no Brasil
conhecida como Educação Rural, tem uma razão de ser, vejamos:
61
Mas a burguesia não podia recusar instrução ao povo, na medida em
que o fizeram a Antiguidade e o Feudalismo. As máquinas
complicadas que a indústria criava não podiam ser eficazmente
dirigidas pelo saber miserável de um servo ou de um escravo. “para
manejar certas ferramentas é necessário aprender a ler” dizia
Sarmiento (1811-1888) a Alberdi, numa polêmica notória. Em
Capiacó se paga 14 pesos ao operário rude, e 50 ao operário inglês
que, pelo fato de saber ler, recebe as encomendas mais delicadas e
todo o trabalho que requeira o uso da inteligência. Para manejar o
arado é necessário saber ler (PONCE, 2010, p. 148).
Podemos perceber que o saber valorizado que compõe o currículo da escola,
tanto o “oculto” como o explícito, é o saber que interessa à classe dominante e que
reflete suas ideias e interesses. Nesse sentido, os saberes populares, hábitos e costumes
dos povos do campo serão rechaçados e relegados ao erro, sendo, portanto, necessário
corrigir tanto comportamentos como conhecimentos. É nesse sentido que a burguesia
industrial passa a operar na educação, os meandros necessários à distinção de classe,
determinando uma educação primária para as massas e uma educação superior para seus
filhos.
Assim, podemos dizer que a luta histórico dos camponeses pelo acesso à
educação formal, cujo início remete aos períodos longínquos da antiguidade, ainda não
se efetivou e embora reconheçamos os avanços do nosso tempo em relação a
escolarização das populações do campo, o que se busca agora, é uma educação
construída à base dessa história que acabamos de apresentar, ou seja, história de luta, de
negação e de construção de conhecimentos próprios. Uma educação que reconheça essa
historicidade enquanto pressuposta educativo capaz de imprimir sentido aos processos
pedagógicos destinados as populações do campo.
O objetivo do conhecimento é capacitá-lo à mudança social e a melhoria da vida
das pessoas, desse modo, conhecer e não agir subsidiado nesse conhecimento é
ingerência, é pouco mais que não saber. Assim, quando trazemos essa breve e resumida
caminhada dos povos do campo ao longo dos séculos, estamos revivendo e
reivindicando que um novo olhar seja impresso a esses sujeitos, sobretudo no aspecto
educativo. Um olhar que compreenda as dimensões históricas, econômicas e culturais
que permeia esse grupo. Um olhar que finalmente consiga enxergar no homem e na
mulher do campo mais do que alguém que produz alimentos, mas alguém que produz
cultura.
62
3.3 EDUCAÇÃO POPULAR NUMA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA:
CAMINHOS PARA PENSAR A EDUCAÇÃO DO CAMPO
Apresentado o contexto histórico do campesinato a partir de uma ótica
educacional, destacamos a seguir aspectos referentes aos processos de criação e
recriação de uma educação na qual os sujeitos do campo sejam partícipes diretos desse
processo. Assim, iniciamos perguntando: como pensar uma educação que valorize os
saberes dos povos do campo em contexto de disputas e de interesses em relação às
comunidades campesinas? Como superar o imaginário hegemônico de que só há uma
forma de ensinar e aprender? Como os conhecimentos que as populações tradicionais já
desenvolveram ao longo dos anos podem contribuir com o currículo oficial da escola?
Essas questões nos ajudam a iniciar a discussão sobre a Educação Popular e a Educação
do Campo numa perspectiva sócio histórica.
Primeiramente é importante destacar a ambivalência que o conceito de Educação
Popular carrega e as diversas formas de uso a depender do momento histórico, dos
grupos sociais que o empregam, ou ainda dos interesses que se almejam. Por exemplo,
esse termo pode ser empregada no sentido de educação para as massas, em um
determinado tempo histórico significou educação de adultos, e ainda, em outro
contexto, educação para a conscientização. Nesse sentido, Carrillo (2013, p. 17) justifica
o porquê da necessidade de definir Educação Popular:
[...] porque, se reconhecermos seu caráter histórico, contextual e
político, sabemos que quando estas duas palavras aparecerem juntas
na história das ideias e experiências educativas, ou nas políticas e
ações de diferentes organizações e instituições, elas adquirem
significados e, inclusive, sentidos diferentes.
Nesse sentido, antes de tudo, salientamos que nossa inclinação de Educação
Popular erige-se a partir da proposta pedagógica dos anos 1960, cuja contribuição mais
destacada é de Paulo Freire. Essa é a chamada educação popular libertadora, ou
“Educação Popular” escrita com iniciais maiúsculas. Essa perspectiva epistemológica é
fruto de um tempo histórico, das condições e determinações desse tempo, não é uma
criação pensada de fora para dentro, mas ao contrário, emerge das próprias organizações
coletivas. Desse modo, vamos destacar a partir de agora, alguns aspectos que nos
conduzem até essa criação educativa das classes populares.
Existe na contemporaneidade uma vasta gama de processos educativos de cunho
popular, buscando reparo social e tratamento equânime nas mais diferentes áreas e
63
espaços do saber. A luta hoje é pelo respeito à diferença, pela autonomia, pelo diálogo e
pela singularidade na pluralidade, como destacou Santos (2013). Nesse sentido, a
Educação Popular apresenta-se como centralidade para garantia desses direitos, sendo
um guia de experiência e conhecimento para aqueles e aquelas que buscam acesso pleno
à cidadania. É dentro desta perspectiva de Educação Popular, que destacamos a
Educação do Campo como um paradigma emergente na contemporaneidade.
Como dito, a Educação do Campo tem suas bases teóricas e epistemológicas
assentadas na perspectiva da Educação Popular, que por sua vez, é um paradigma
educativo sustentado a partir do diálogo, cujo instrumento é o conhecimento e a
finalidade, a autonomia e a emancipação dos sujeitos. Porém, a Educação Popular nem
sempre foi esse campo politizado e atuante que costuma caracterizar seus princípios
atuais, tudo isso foi construído de forma coletiva. Esse processo de transformação da
Educação Popular também foi uma conquista.
Segundo Fávero (1983) e Brandão (1994), durante a primeira metade do Século
XX, o conceito de educação popular era equivalente à educação para as massas, a
educação popular daquele período significava, em boa medida, abertura de escolas para
crianças pobres e campanhas de alfabetização urbanas e rurais para adultos. Segundo os
autores, essa perspectiva estava dirigida a estender a educação aos setores que não
tiveram acesso a ela. Desse modo, é possível perceber que embora sendo um
pensamento relevante para a época, ainda não se evidenciava grandes questionamentos
às metodologias e conteúdos empregados a esse público.
Essa educação popular estava imbuída do grande idealismo positivista que
caracterizava as universidades na primeira metade do século XX. Nesse mesmo
momento as chamadas escolas partidárias ou escolas sindicais, de viés anarquista,
anarcosindicalista e socialista, reflexo, sobretudo das aspirações e dos ventos da
Revolução Soviética de 1917, desenvolviam atividades de caráter popular na cidade e
no campo, sobretudo, alfabetização. Mais adiante, a condensação desses grupos resultou
na criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em de 1922, que também passou a
desempenhar um trabalho significativo junto à alfabetização dos camponeses.
EM 1932, O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, encabeçado por
intelectuais como Lourenço Filho, Fernando Azevedo, Anísio Teixeira e muitos outros,
cujas inspirações advinha de um movimento internacionalista baseado na revisão das
funções da escola, defendia acesso para as camadas populares e implementação de
metodologias mais significativas para o ensino das crianças das classes populares. Pode-
64
se observar que o Manifesto toca em temas importantes e até hoje ainda não superados.
Isso pode ser visto na citação que segue:
Na hierarchia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em
importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caracter
econômico lhe pódem disputar a primazia nos planos de reconstrucção
nacional. Pois, se a evolução organica do systema cultural de um paiz
depender de suas condições economicas, é impossível desenvolver as
forças economicas ou de producção, sem o desenvolvimento das
aptidões á invenção e á iniciativa que são os factores fundamentaes do
accrescimento de riqueza de uma sociedade (MANIFESTO DOS
PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1984, p. 407).
Podemos afirmar que o Manifesto cumpre uma importante função nesse período
em que a estrutura social é arcaica e conservadora, alinhada a arquétipos europeus que
pouco refletiam a realidade nacional, ainda fortemente atrelada ao analfabetismo. Na
sequência, o discurso popular ganha corpo na sociedade brasileira e acha guarnição
principalmente na extensão universitária, que, ainda estava se formando e cujo
entendimento, assim como a maioria dos programas da época, era de educação para as
massas. Nessa mesma perspectiva, segundo Saviani (2013, p. 317):
Na primeira república, a expressão “educação popular”, em
consonância com o processo de implementação dos sistemas nacionais
de ensino ocorrido ao longo do século XX, encontrava-se associada à
instrução elementar que se buscava generalizar para toda a população
de cada país, mediante a implementação de escolas primárias.
Coincidia, portanto, com o conceito de instrução pública. Esse era o
caminho para erradicar o analfabetismo.
Pode-se observar que o pano de fundo de muitas das iniciativas desse período
estão diretamente ligadas ao combate ao analfabetismo. Nos anos 1940, Rivero; Fávero
(2009), apontam que no Brasil a educação popular estava diretamente ligada a educação
de adultos, segundo os autores isso ocorre por dois motivos principais, o primeiro, pelo
processo de industrialização que o país adentrava e demandava mão-de-obra
minimamente especializada, e o segundo pela ampliação das bases eleitorais advindas a
partir do sufrágio universal.
É importante perceber o viés utilitarista ao qual estava ligado a escolarização
nesse período. A partir do momento em que a alfabetização torna-se significativa para o
modelo de produção ou aos interesses das classes políticas, ela começa a receber
atenção. É nesse pensamento que reside a crítica à Educação Rural, ela se comportou
65
como um investimento, não nas pessoas, mas na manutenção do poder política e
econômico.
A partir desse momento há uma verdadeira incursão de programas e políticas
estatais adentrando aos mais longínquos rincões do território rural brasileiro, buscando
alfabetizar o maior número possível de camponeses. Nesse período, segundo Fávero
(1998, p. 08) a expressão educação popular foi largamente utilizada, porém: “Essa
educação popular, todavia, pouco mais conseguiu oferecer às classes populares que um
ensino facilitado para as crianças e de segunda mão para os adolescentes e adultos –
porque reduzido à alfabetização nas classes de emergência e à iniciação profissional nos
cursos supletivos noturnos”.
No cenário campesino, essa educação popular emerge nas campanhas de
erradicação do analfabetismo e na forma de Educação Rural. Desenvolve-se assim, a
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) em 1947, e a Campanha
Nacional de Educação Rural (CNER) em 1952, que se constitui no primeiro grande
movimento oficial de alfabetização de massa no Brasil (RIVERO; FÁVERO, 2009).
A CNER é o resultado das viagens de Anísio Teixeira ao México, aonde já se
desenvolvia trabalhos para superar o analfabetismo rural. No Brasil, essa Campanha
recebeu duras críticas por seu viés eleitoreiro. Segundo Paiva (1983) caracterizava-se
como “fábrica de eleitores”. A mesma autora nos esclarece que em 1950, 63,8% da
população brasileira vivia na zona rural e desse total, 67% era de analfabetos, um
número alarmante mesmo para os anos 50. Com esse dado não e difícil perceber o
interesse eleitoreiro junto à alfabetização das massas.
De modo semelhante, no período dos governos populistas9, o termo educação
popular ganha conotações de educação para todos, com especial ênfase nas camadas
mais pobres e dentre essas, os camponeses, solapados pelo analfabetismo. Assim, é no
intuito de diminuir o descompasso entre o ideário nacional-desenvolvimentista presente
à época e as condições de vida real das pessoas, caracterizada pela pobreza, que
veremos uma verdadeira empreitada por parte do Estado para resolver o problema do
analfabetismo a partir dos anos 1950.
9 O populismo é o modelo político-econômico de ideologia nacional desenvolvimentista empreendido no
Brasil e em diversos outros países da América Latina no período que compreende a década de 1940, 50 e
a primeira metade da década de 1960. O populismo busca, a partir de uma figura caricata, apaziguamento
entre os interesses das massas populares e as classes dominantes. Diferentemente dos comunistas,
democratas, republicanos o termo populista não era assumido por nenhum governo, era usado muito mais
como crítica do que como concepção política.
66
Nesse contexto, a formação de professores para atuação na zona rural também é
claudicante. Segundo Paiva (1987) o número de professores leigos no Brasil em 1964,
era de 44%, tendo a zona rural uma concentração ainda maior desses profissionais sem
formação específica, esse é também um dos motivos pelos quais as campanhas não
atingiram seus objetivos. Percebe-se desse modo que a necessidade de formação de
professores para atuação nas áreas rurais tem sustentação histórica, sendo, portanto, os
cursos de Educação do Campo de hoje, também um reparo a esse fenômeno.
Segundo Rivero; Fávero, (2009) em 1957, foi criado pelo governo federal a
Mobilização Nacional de Erradicação do Analfabetismo, essa política rejeitava o viés
das campanhas de massa das décadas passadas, era provida de um conteúdo mais
significativo às camadas populares, ainda assim seus objetivos não foram alcançados.
Tinha como lema: “secar as fontes do analfabetismo”.
Como pode se observar, até aqui, todas as iniciativas de educação popular
estavam diretamente veiculadas pelo Estado enquanto ente social responsável pela
organização das estruturas políticas e econômicas e também da vida cotidiana dos
cidadãos. É preciso salientar contudo, que o viés de classe do Estado operou de forma
marcante nesse processo, de modo que, esperar que ele agisse, contraditoriamente
contra seus próprios interesses, seria algo inédito. Por isso, mesmo reconhecendo a
relevância dessas campanhas, é preciso destacar que, de forma geral, elas estiveram
distante de cumprir um processo educativo efetivo junto às populações do campo.
No fim da década de 1950 e início dos anos de 1960, uma nova configuração
social empreendeu fortes ações no campo da cultura e da educação popular no território
brasileiro. Nesse novo cenário, as campanhas emergenciais de alfabetização de adultos
trabalhadores, a educação popular (com sentido de massa), as formas de extensão
universitária identificadas com a “invasão cultural”, como criticou Paulo Freire (2011a),
as políticas de viés puramente tecnicistas e muitas outras formas de tratar as políticas
públicas para as camadas mais pobres, foram duramente questionadas. Segundo
Brandão (2016, p. 17):
No começo dos anos sessenta uma proposta a respeito da cultura
pretende ser, ao mesmo tempo, um corpo de ideias e práticas
renovadoras e questionadoras em vários planos. Nos seus primeiros
documentos, ela se apresenta como uma alternativa pedagógica de
trabalho político que parte da cultura e se realiza através da cultura,
especialmente a cultura popular.
67
Desse modo, a partir da segunda metade do século XX, sobretudo no Governo
João Goulart, um setor social, mais inclinado às causas das classes populares,
ressignificou a educação popular, passando a ter nos trabalhos educacionais de Paulo
Freire sua inspiração, sendo ele mesmo, o maior expoente desse movimento. De acordo
com Brandão (2016), o Brasil é um ponto nevrálgico para a expansão do movimento de
cultura popular, que gestou concomitantemente, o movimento de Educação Popular
progressista. Seguindo essa mesma perspectiva, Rivero; Fávero (2009, p. 67), afirma
que:
Em 1958, Paulo Freire participou do 2º Congresso Nacional de
Educação de Adultos, compondo a representação de Pernambuco. O
relatório sobre o problema da educação da população residentes nos
“mocambos” de Pernambuco, por ele apresentado, revolucionou o
entendimento do problema: a miséria da população era a responsável
pelo analfabetismo e pelo atraso nas condições de vida em geral e não
vice-versa, como se afirmava inclusive em documentos oficiais.
O pensamento de Freire coloca a questão no seio da política nacional, denuncia
os desmandos históricos com a educação e com as classes populares, criticando o ensino
“bancário” e a desfaçatez ideológica que se esconde por trás das campanhas que tinham
o problema no pobre, não na pobreza. Podemos evidenciar que essa visão que Paulo
Freire tenta desconstruir naquele período ainda está fortemente imbricada no
imaginários e nas políticas que se destinam às camadas populares. Essa visão, por vezes
psicologizada que justifica o fracasso escolar dos povos do campo na escola a partir de
uma tendência “natural” ao trabalho manual em detrimento do trabalho intelectual,
caracteriza uma mentira histórica que serviu de base e narrativa para a consolidação do
poder da classe dominante. Nesse sentido, comungando com Fávero (1983, p. 08),
quando afirma que:
Foi justamente contra o que se proclamou e se escondeu debaixo
desses nomes e de suas intenções reais que a mesma expressão
(Educação Popular com letras maiúsculas) apareceu com outro
conteúdo, entre 1960 e 1964. Os escritos sobre cultura popular,
educação popular e educação de base, elaborados pelos diversos
movimentos ideológicos e educativos da época, de repente faziam o
ataque da educação oficial, corriqueira, “bancária”, “popular”.
Assim, nos anos 1960, a Educação Popular destacou ao invés de uma educação
para o povo, uma educação do povo. A defesa de uma educação contextualizada a partir
da realidade dos adultos e das crianças do campo e da cidade. Nesse sentido, um
68
destaque torna-se importante neste momento, segundo Brandão (1994), o surgimento da
Educação Popular Libertadora ocorreu em contraposição à educação de adultos – de
tipo compensatória e infantilizada – que estava se implantando no Brasil sob patrocínio
de organismos nacionais e internacionais, seguindo interesses também do capital
nacional e internacional. Desse modo, destacamos que a Educação Popular surge à
margem da educação de adultos supletiva e aos poucos se afirma contra ela
(BRANDÃO, 1994).
Nesse período, Freire teve atuação destacada no Serviço de Extensão Cultural da
Universidade Federal do Recife, engajou-se nos Movimentos de Cultura Popular do
início dos anos 1960, coordenando diversas ações junto às comunidades daquela região.
A partir de então, coordenou o projeto “As 40 horas de Angicos”, no Rio Grande do
Norte em 1963. Essa experiência de Educação Popular que projetou Paulo Freire
nacionalmente, tinha como metodologia o trabalho pedagógico a partir dos chamados
“temas geradores”, ou seja, palavras extraídas do universo vocabular dos sujeitos com o
objetivo de serem utilizadas no processo de alfabetização.
Nessa experiência, observou-se que o trabalho didático-pedagógico a partir da
realidade dos sujeitos, provocava uma aprendizagem significativa que, para além da
alfabetização abria o universo dos sujeitos envolvidos à conscientização de sua
realidade, quase sempre adversa e injusta. A partir desse trabalho, 300 pessoas, de
diversas áreas, incluindo agricultores, militares, costureiras, e inclusive uma profissional
do sexo, foram alfabetizadas em 40 horas de trabalho pedagógico. Com o sucesso
alcançado na cidade de Angicos, o Presidente do Brasil na época, João Goulart (1961 –
1964), convidou Freire a implementar o “Método de Alfabetização de Adultos”10 junto
ao Plano Nacional de Alfabetização, que objetivava alfabetizar 5 milhões de adultos em
todo o país (BRANDÃO, 2005).
Esse período marca o surgimento de outras diversas experiências importantes
que podem ser observadas em diversos espaços. Destaque-se o Movimento de Educação
de Base (MEB), coordenado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); a
Juventude Universitária Católica (JUC); as Ligas Camponesas; a sindicalização rural; as
primeiras Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), entre outros, tudo isso movido pelo
ar renovador do recém eleito Papa João XXIII (1958), “o Papa bom”, pelo
10 Mesmo sendo recusado por Paulo Freire, o nome “método” acabou marcando o seu trabalho. Freire
recusava essa palavra porque, segundo ele, parecia uma receita, algo passivo de ser transplantado para
qualquer realidade. Na verdade, o que se chama método, consiste no uso do contexto dos educandos para,
a partir dele, extrair palavras significativas aos educandos para serem trabalhadas no momento da aula.
69
desenvolvimento do Concílio Vaticano II (1962-1965), pelo triunfo da Revolução
Cubana (1959) e pela irrupção social e política de uma camada juvenil rebelde da classe
média urbana; novidades antecedidas e preparadas pelo movimento da Ação Católica
articulado por Dom Hélder Câmara e a própria Teologia da Libertação como Educação
Popular (MELO NETO J. C, 2016).
Todo esse cenário político encontra ressonância nas ações do Governo João
Goulart, cuja concepção política, malgrado suas oscilações, tinha de fato uma
sensibilidade para com as camadas populares e com a esquerda internacional. Isso foi
fundamental para o desenvolvimento das diversas experiências no campo da Educação
Popular, ao mesmo tempo, também foi determinante para provocar a classe política
conservadora do Brasil.
Assim, como resposta aos movimentos populares e às reformas de base do
Governo, a classe dominante reagiu, destituiu o presidente João Goulart nas primeiras
horas de 01 de abril de 1964, instituindo assim um período de governos militares, que
logo se converteria em ditadura civil militar. Iniciava-se assim, um dos períodos mais
tenebrosos de nossa história brasileira. Após o Golpe Militar (1964-1985), o Brasil entra
em um período de pobreza democrática que pôs fim à grande maioria das atividades
destacadas anteriormente.
Com a Ditadura, veio à perseguição e prisão aos educadores e demais membros
envolvidos nos projetos de Educação Popular, Paulo Freire é um dos primeiros a ser
preso. A construção pedagógica de mais de uma década de experiências de
alfabetização crítica foi literalmente soterrada, literalmente porque em Angicos, por
exemplo, todos os participantes das “40 horas” tiveram que enterrar ou queimar seus
cadernos.
Segundo Saviani (2013), os interesses dos articuladores do Golpe militar
estavam atrelados aos interesses do setor econômico do país. As reformas de base do
Governo João Goulart não eram bem vistas pelos setores das classes dominantes que já
estavam retraídos desde governos anteriores, de viés populista e democrático. Com a
ascensão do Regime Militar, a luta pela terra, que era um tema central até então, foi
abafada pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), essa Lei, cujo teor inicial era de
Reforma Agrária, destinou-se especialmente ao desenvolvimento da agricultura
latifundiária, ao passo que endureceu ainda mais a repressão contra os movimentos
populares.
70
No campo educativo, esse período apoiou-se e aprofundou os princípios do
tecnicismo enquanto perspectiva educativa. Para as camadas populares, o Governo
militar criou como programa oficial o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL), em 1967, estendeu-se até 1985 (SAVIANI, 2013). Apresentado como o
programa que iria reduzir a taxa de analfabetismo em 24%, esse programa caiu numa
série de contradições e denúncias de desvio de recursos e não atingiu seus objetivos de
“erradicar” o analfabetismo, ao término das atividades o MOBRAL tinha reduzido as
taxas de analfabetismo em apenas 7% do proposto. Seus monitores eram pessoas
despreparadas e com uma formação claudicante, isso pode explicar o grande número de
alunos que abandonavam as salas do Mobral no campo e na cidade (RIVERO;
FÁVERO, 2009).
No fim da década de 1970, com a “abertura lenta e gradual”, diversos
movimentos populares começaram a se reestruturar, alguns por intermédio da Igreja
Católica, como as Comunidades Eclesiais de Base (CEB) e a Comissão Pastoral da
Terra (CPT), outros por ação da esquerda legalmente constituída, como o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), outros ainda clandestinamente, com o Partido
Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Movimento
Revolucionário 8 de outubro (MR8), entre outros (BORGES, 2012). A partir dos anos
1980, algumas mudanças vão abalar as estruturas sociais do País. Como afirma Carter
(2010, p. 38):
Um novo ciclo de mobilizações por terra irrompeu com força no início
da década de 1980, de modo especial, na região Sul do Brasil. Ele
surgiu com o apoio de uma rede progressista no meio religioso e a
assistência de vários sindicatos de trabalhadores rurais, em um
contexto de intensa modernização agrícola, crescentes demandas na
sociedade civil pela restauração da democracia e o declínio gradual do
regime militar.
Assim, o período de redemocratização é marcado pela renovação dos
movimentos sociais. Diversas organizações da sociedade civil voltam à cena política.
Desse modo, a década de 1980 é particularmente rica em acontecimentos no cenário
campesino, isso porque a organização dos trabalhadores rurais começa a ser condensada
na forma de movimentos sociais, sindicalização e partidos políticos de esquerda. Ainda
na década de 1980, fruto dessas organizações, surge o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) o maior movimento social do campo brasileiro e o Partido dos
Trabalhadores (PT), maior partido de esquerda da América Latina. Nesse contexto, a
71
partir do surgimento dos movimentos sociais do campo, a bandeira da Educação do
Campo começa a aparecer entre as reivindicações e objetivos dos movimentos.
No plano Estatal o advento da Constituição de 1988, representa uma
possibilidade de acesso à terra, pois ela estabelece a Política Agrícola e Fundiária e da
Reforma Agrária. Segundo Borges (2012), no governo Color (1990-1992) e Itamar
Franco (1992-1994), foram estabelecidas metas principalmente no tocante ao
assentamento de famílias camponesas, porém estas metas não foram alcançadas, ficando
muito aquém do objetivo esperado. Mesmo não alcançando esses objetivos, as famílias
estabelecidas no campo começavam a demandar educação no espaço campesino, esse
processo de reivindicação inclina-se à defesa de um modelo educativo alinhado às
necessidades desses sujeitos, uma educação própria e construída sobre as bases da luta
pela terra. É essa educação que virá a ser chama Educação do Campo.
No Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi criado o Ministério
de Desenvolvimento Agrário (MDA). Esse órgão ficou responsável pela Reforma
Agrária e desenvolveu linhas de financiamento de crédito como o Programa Nacional de
Apoio a Agricultura Familiar (Pronaf). Mas o que marcou esse período foram os
massacres de Corumbiara, em Rondônia, em 1995, e Eldorado dos Carajás, no Estado
do Pará, ocorrido em 1996 (BORGES, 2012). No primeiro caso 19 trabalhadores rurais
foram assassinados pelas forças policiais, no segundo, foram 10 as vítimas, entre elas
um crianças de nove anos.
Em resposta a essa violência, os movimentos sociais do campo se articulam
nacionalmente e realizam o I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da
Reforma Agrária (I Enera), em 1997, o evento também ficou conhecido como a “I
Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo”. O Encontro foi realizado
em Brasília e promovido pelo MST em parceria com a Universidade de Brasília (UnB),
a United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization (Unesco), a United
Nations Children's Fund (Unicef) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) entre outros (RIBEIRO, 2010). Uma das implicações dessa Conferência foi à
criação no mesmo ano do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA) no ano de 1998.
O PRONERA é uma política pública de Educação do Campo que, como vimos,
foi conquistado a partir da organização coletiva dos movimentos sociais do campo.
Nesse sentido, o Programa, enquanto uma perspectiva de Educação Popular, busca
contribuir com o desenvolvimento das áreas de Reforma Agrária. No próximo tópico,
72
aprofundaremos o PRONERA dentro da política nacional de Educação do Campo. Esse
Programa é simbólico para a perspectiva da Educação do Campo, pois representa uma
das maiores conquista dos povos do campo.
Por fim, destacamos que o objetivo dessa seção foi trazer a história da Educação
Popular como o caminho que chegou à Educação do Campo, sendo, portanto, as duas
perspectivas, partes de uma mesma trajetória.
3.4 ASPECTOS GERAIS DA POLÍTICA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NO
BRASIL
Como acabamos de apresentar, a Educação Popular tem na Educação do Campo
a continuação de sua historicidade. Desse modo, a partir de agora, continuamos por
dissertar sobre os aspectos principais que compõem a Educação do Campo no cenário
atual. Esperamos que o leitor perceba a continuidade e ao mesmo tempo a complexidade
da Educação do Campo enquanto Educação Popular.
Na Educação do Campo, começamos por buscar construir seu conceito. Nosso
interesse é apresentar a definição para, a partir daí, sublinhar os meandros que fazem
este conceito ser o que tem sido nos dias de hoje. Fazemos assim porque acreditamos
que o paradigma da Educação do Campo já goza de maturidade e robustez teórica para
apontar seus conceitos principais. Assim, para nós, a Educação do Campo é uma prática
educativa, assentada numa epistemologia dialógica, que pretende colocar o contexto das
pessoas do campo como central no processo de ensino aprendizagem. Ficamos
incialmente com essa definição e partimos para um aprofundamento de questões que
conduzem à formulação do conceito que acabamos de esboçar.
Para compreender a Educação do Campo, faz-se necessário, compreender
inicialmente a Educação Rural. No Brasil, ela é marcada pelas ações do Estado,
sobretudo, no tocante às campanhas de “erradicação do analfabetismo” do início do
Século XX, aspecto destacado na seção anterior. Este foi o mote principal das políticas
educacionais destinadas às populações que vivem no campo. Esse modelo educativo
emergiu ocupando, cronologicamente e epistemologicamente quase toda a história do
Brasil quando se fala em educação para as populações do campo, isso pode ser
evidenciado a partir de citação abaixo:
Nas primeiras constituições, a educação rural nem sequer foi
mencionada nos textos constitucionais. Na verdade, a introdução da
73
educação rural na ordem jurídica brasileira se deu nas primeiras
décadas do século XX, quando se percebeu a importância da educação
para conter o movimento migratório e elevar a produtividade do
campo. Entretanto ela nunca conseguiu se distanciar do paradigma
urbano. As escolas implantadas no campo só contribuíram para
reforçar essa imagem. Escolas com pedagogias bancárias, importadas
da cidade com um pacote pronto: currículo, calendário, cartilha e
professor. Todos oriundos da cidade (PEREIRA, 2011, p. 341-342).
Nesse sentido, uma das marcas principais da Educação Rural é o processo de
ensino/aprendizagem descontextualizado em relação ao seu público, que, segundo
Ribeiro (2010; 2012) são pequenos agricultores e agricultoras, crianças e adultos que
vivem e trabalham no campo e recebem os menores rendimentos pelo seu trabalho. É,
portanto um sujeito caracterizado logo pela exploração do seu trabalho e pelas escassez
de políticas públicas. Ainda segundo Ribeiro (2012, p. 239) “Destinada a oferecer
conhecimentos elementares de leitura, escrita e operações matemáticas simples, mesmo
a escola rural multisseriada não tem cumprido esta função, o que explica as altas taxas
de analfabetismo e os baixos índices de escolarização nas áreas rurais”.
Assim, a Educação Rural sustentou-se ideologicamente no discurso da
meritocracia e no esforço individual, ancorada na ideia de que para as populações
campesinas bastava a educação elementar, a “escolinha”, a “professorinha”. Desse
modo, a escola rural é um apêndice não somente da escola da cidade, mas ela representa
a própria cidade. É um pedaço da cidade no campo. Alheia e distante da vida e do
trabalho agrícola, a escola rural é um “alienígena” que não dialoga com sujeitos –
agricultores, vaqueiros, caçadores, lavadeiras, artesãs, agricultoras – nem com os
territórios – roçados, açudes, barreiros, estradas, subidas e baixas, matas e grutas.
Oferece o trabalho intelectual, porém essa oferta também se torna pequena,
principalmente no meio social onde o valor do trabalho está materializado quase sempre
no trabalho braçal.
Importante sublinhar esses aspectos da Educação Rural, pois é contra esse
paradigma que a partir dos anos 1980, os movimentos sociais do campo, especialmente
o MST, se levantarão para reivindicar formação de professores do campo/para o campo.
Além disso a luta por uma educação contextualizada e escolas de melhor qualidade
darão o horizonte dessa luta.
A partir do momento que os movimentos sociais do campo iniciam a luta pela
terra, usando como principal estratégia, a ocupação, surge uma preocupação quanto à
74
educação de crianças e adultos nos acampamentos e assentamentos, assim, segundo
Faccio (2012, p. 201, grifo do autor):
Com sua consolidação [da política de assentamentos], em 1984, houve
uma preocupação por parte do movimento em saber o que fazer com
as crianças assentadas e como garantir a elas uma educação adequada
à realidade no assentamento. A partir dessas questões surgiram as
primeiras discussões a respeito de uma Educação do Campo.
Nesse sentido, é importante frisar a indissossiabildiade entre os movimentos
sociais e o paradigma da Educação do Campo. Na pedagogia do movimento sem terra,
por exemplo, sintetizada por Roseli Caldart (2004) o conhecimento dos trabalhadores e
trabalhadoras rurais é canalizado como fonte de construção e retroalimentação dos
princípios dessa Educação, ou seja, é a concepção de que os movimentos sociais são
educativos, pois as vivências e práticas na luta pela terra ou pela educação, gera um
saber próprio dessa organização que deve compor o “currículo” da Educação do Campo.
Segundo Faccio, (2012, p. 196):
Para alcançar seus objetivos, os movimentos sociais ligados às causas
dos camponeses e pela reforma agrária criaram a Articulação Nacional
Por Uma Educação do Campo, composta de movimentos sociais,
organizações não governamentais, universidades, representantes de
órgãos públicos que defendem uma educação para as populações que
vivem no/do campo.
Nesse contexto de organização social na defesa de uma educação para os povos
do campo destaque-se como marco importante o I ENERA como exposto na seção
anterior, esse Encontro teve como principal resultado o PRONERA. Criado em 16 de
abril de 1998, através da Portaria nº 10/1998. Esse Programa representa uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro no que diz
respeito ao acesso aos diferentes níveis de educação para pessoas das classes
trabalhadoras do campo.
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária é uma política
pública de Educação do Campo desenvolvida em áreas de Reforma
Agrária, executada pelo Governo Brasileiro. Seu objetivo é fortalecer
o mundo rural como território de vida em todas as suas dimensões:
econômicas, sociais, ambientais, políticas, culturais e éticas (BRASIL,
2010).
Desse modo, o PRONERA está diretamente ligado à formação de professores
para as escolas básicas do campo a partir de uma perspectiva contextualizada. Pretende
fortalecer as áreas de Reforma Agrária, ofertando cursos de formação em nível básico,
75
técnico e principalmente superior para assentados/as da Reforma Agrária de modo que
esses sujeitos tornem-se professores e professoras dessas localidades. Essa proposta
busca combater o déficit histórico de professores nas áreas rurais. Como objetivos
gerais esse Programa, destaca-se:
I – oferecer educação formal aos jovens e adultos beneficiários do
Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), em todos os níveis
de ensino e áreas do conhecimento;
II – melhorar as condições de acesso à educação do público do PNRA;
e
III – proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos
rurais por meio da formação e qualificação do público do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e técnicas nos
assentamentos (BRASIL, 2010).
O PRONERA representa uma significativa inserção da educação no meio rural,
mas pela primeira vez, é a inserção de um programa pensado com os próprios sujeitos,
não somente para esses sujeitos, daí sua primordial relevância. Ele promove formação a
partir de princípios como diálogo, a epistemologia dos sujeitos do campo com vistas a
promoção da autonomia dos educandos. A formação em nível superior de educação
busca diminuir a falta de professores para atuação nas áreas rurais.
No Rio Grande do Norte, por exemplo, lócus da nossa pesquisa, desenvolveu-se
duas turmas de Pedagogia da Terra11, a primeira turma de 2006 a 2011, coordenada pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), formando 156 educandos
ligados à áreas rurais do Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba. A segunda turma
desenvolveu-se entre 2007 – 2012, coordenada pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN) com 46 concluintes oriundos de áreas de assentamentos rurais
do RN (INCRA, 2012).
Além do PORNERA, outra importante política pública para a Educação do
Campo está representada pelas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das
Escolas do Campo, aprovada no ano de 2002. Essa conquista está diretamente ligado ao
plano da Educação Básica das escolas do campo. Ribeiro, (2010, p. 191) afirma que:
11 Curso de Licenciatura em Pedagogia da Terra destinado às pessoas que tenham vínculo com o campo.
O Programa tinha financiamento próprio e funcionava em parceria com o MST, INCRA e as
universidades.
76
A Resolução CNE/CEB 1, de 03/04/2002, portanto, institui as
Diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do
campo. Nessa resolução percebe-se o reconhecimento de que a escola
do campo tem uma identidade vinculada à realidade na qual está
inserida [...]. Ao mesmo tempo, ressalta a importância da educação
para o exercício pleno da cidadania e para um desenvolvimento do
país que consiste na solidariedade e a justiça social, envolvendo as
populações rurais e urbanas.
Assim, é possível observar um alinhamento das Diretrizes a uma concepções
avançadas de justiça social como caminho para a autonomia dos sujeitos do campo. O
mesmo Documento ainda amplia o entendimento de campo, isto é, o que antes era
entendido como lugar de produção de alimentos para a cidade, passa a uma
compreensão territorial, ou seja, abrange comunidades quilombolas, indígenas,
pescadores, assentados da reforma agrária, áreas ribeirinhas, comunidades sem-terra, e
seus sujeitos; agregados, caboclos, meeiros entre outros. Desse modo, desloca-se o foco
do entendimento do aspecto produtivo para o aspecto humano e cultural, uma mudança
significativa que vai ao encontro da luta histórica dos povos do campo pelo
reconhecimento das suas diferentes formas de organização sócio-espacial.
Esse marco legal é importante, pois a ressignificação do território camponês
difere da concepção adotada na Educação Rural, em que o campo se apresenta como um
espaço a ser conquistado, desbravado, e finalmente, civilizado. Na Educação do Campo
porém, o território é reconhecido, as relações sociais são destacadas, as contradições, a
organização social dos sujeitos está em função do próprio campo, não da cidade. Desse
modo, a vida ganha amplitude e complexidade própria, retirada, em boa medida, das
relações com o trabalho, que nesse sentido, também não é apenas uma forma de
sobrevivência a partir do capital, mas é uma esfera social intrinsecamente ligada às
esferas da religiosidade, da cultura, da família e do meio social. Assim as Diretrizes
apontam:
Art. 3: O Poder Público, considerando a magnitude da importância da
educação escolar para o exercício da cidadania plena e para o
desenvolvimento de um país cujo paradigma tenha como referências a
justiça social, a solidariedade e o diálogo entre todos, independente de
sua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá garantir a
universalização do acesso da população do campo à Educação Básica
e à Educação Profissional de Nível Técnico (BRASIL, 2002).
Observe-se, por exemplo, a ocorrência do diálogo como fator de mediação entre
“todos” os sujeitos envolvidos na produção da Educação do Campo. As Diretrizes que
77
compõem o marco legal da Educação do Campo e representa um conjunto de
instrumentos que busca promover uma formação para os sujeitos do campo a partir de
princípios emancipadores, tais como o diálogo, a epistemologia, autonomia entre outros.
Assim, esses Documentos são referenciais de produção de propostas pedagógicas e
programas para desenvolver Educação do Campo, seja, em nível fundamental, médio ou
superior.
Nesse cenário destacamos mais um exemplo no campo das conquistas das
políticas públicas de Educação do Campo, é o Programa de Apoio as Licenciaturas em
Educação do Campo (PROCAMPO). Esse Programa é particularmente significativo
nesse trabalho, uma vez que o nosso objeto de estudo, insere-se em seu próprio âmago.
Desse modo, ele representa uma importante política no âmbito da formação de
professores, pois direciona-se à formação de nível superior, por área do conhecimento,
para pessoas vinculadas a áreas camponesas.
É nesta seara que situamos a Licenciatura em Educação do Campo da UFERSA.
Mais adiante trataremos detalhadamente deste Curso e seus desdobramentos. Por hora
passamos a analisar o PROCAMPO por representar um avanço importante para o
desenvolvimento das comunidades rurais no sentido da formação profissional aos filhos
e filhas da classe trabalhadora do campo.
Nesse contexto, destacamos três questões que emergem para auxiliar na
compreensão dessa seção, quais sejam: a) o que é o PROCAMPO? b) como surgiu? e c)
quais os objetivos desse Programa?
Em resposta a primeira questão, O PROCAMPO é um Programa criado no
Governo Lula em 2007, ligado ao Ministério da Educação, passando em 2010, a compor
a política nacional de Educação do Campo através do Decreto nº 7.352/2010, (BRASIL,
2010). O surgimento desse Programa está diretamente ligado a uma parceria entre a
Secretaria de Educação Superior (SESU), Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica (SETEC), Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão (SECADI) e o Ministério da Educação, que lançam o Edital nº 02/2012, uma
chamada pública às Instituições de Ensino Superior para implantar cursos de
Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC). Segundo Carlos (2011), o
PROCAMPO surgiu devido à urgência de ampliar o acesso à escolarização (Educação
Básica) destinada às áreas rurais.
A partir dessa Chamada, o PROCAMPO tornou-se a referência maior em
relação à implementação desses Cursos junto às universidades. Ele compõe atualmente
78
o PRONACAMPO, que é o Programa Nacional de Educação do Campo, um dispositivo
legal que incorpora todas as políticas públicas de Educação do Campo. Para Molina; Sá
(2012) desde os anos 2000, os movimentos sociais vinham apontando, em seus
encontros locais, regionais e nacionais, a necessidade da criação de uma política pública
de apoio à formação em nível superior para as pessoas do campo. Desse modo:
Como consequência das demandas apresentadas pelos movimentos sociais e
sindicais, no documento final da II Conferência Nacional de Educação do
Campo, realizada em 2004, o Ministério da Educação (MEC), por meio da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(Secadi), instituiu, em 2005, um grupo de trabalho para elaborar subsídios a
uma política de formação de educadores do campo. Os resultados produzidos
neste grupo de trabalho transformaram-se no Programa de Apoio às
Licenciaturas em Educação do Campo (PROCAMPO) (MOLINA; SÁ, 2012,
p. 466).
Desse modo, o PROCAMPO se apresenta como uma política pública destinada a
formar professores e professoras para atuação nas escolas do campo nos Anos Finais do
Ensino Fundamental e no Ensino Médio por áreas de conhecimento. A formação dos
professores pretende quebrar com o fenômeno histórico de professor da cidade
lecionando no campo, muitas vezes contra a sua própria vontade, mandado como
perseguição política. Os profissionais formados pela Educação do Campo, são os
mesmos moradores desse lugar, conhecem porque vivenciam realidade análogo a de
seus alunos e alunas. Com isso a chance de se desenvolver uma educação
contextualizada, a partir de uma formação inicial consistente, torna-se uma
possibilidade muito mais concreta. Nesse sentido:
A formação do educador é uma estratégia de luta e de fortalecimento
da Educação do Campo como papel de fomentar reflexões que
acumulem força e espaço de construção de um novo conceito de
educação, deve trazer elementos que contribuam para a construção e o
fortalecimento da identidade e autonomia das populações do campo,
que contribua para a libertação do sujeito oprimido e para a
transformação da sociedade que supere a desigualdade e a injustiça
(BRITO, 2011, p. 245).
É possível observar a presença do princípio da autonomia marcando a citação
como objetivo dessa formação. O protagonismo dos sujeitos do campo é destacado no
PROCAMPO no pré-requisito para acessar o Programa. É preciso que os sujeitos
tenham vínculos com o campo, de tal modo que a educação contextualizada seja uma
finalidade. Desse modo, o Edital destaca como objetivo do Programa:
O Programa visa apoiar a implantação de 40 cursos regulares de
Licenciaturas em Educação do Campo, que integrem ensino, pesquisa
79
e extensão e promovam a valorização da educação do campo, com no
mínimo 120 vagas para cursos novos e 60 vagas para ampliação de
cursos existentes, na modalidade presencial a serem ofertadas em três
anos. Os Projetos deverão contemplar alternativas de organização
escolar e pedagógica, por área de conhecimento, contribuindo para a
expansão da oferta da educação básica nas comunidades rurais e para
a superação das desvantagens educacionais históricas sofridas pelas
populações do campo, tendo como prioridade a garantia da formação
inicial de professores em exercício nas escolas do campo que não
possuem o Ensino Superior (BRASIL, 2012).
Desse modo, o Diário Oficial da União Nº 249, de 27 de dezembro de 2010
publicou a lista das 4412 instituições de Ensino Superior aptas a implementarem os
Cursos de Licenciatura em Educação do Campo: Destacamos a seguir o quadro das
instituições contempladas pelo Edital 02/2012:
Quadro II: Resultado do Edital 02/2012 Curso de Educação do Campo por instituição de Ensino
Superior por ordem de classificação.
COLOCAÇÃO INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR ESTADO
1º Universidade de Brasília DF
2º Universidade Federal do Espírito Santo ES
3º Universidade Federal da Fronteira Sul – Laranjeiras do
Sul
RS
4º Universidade Federal de Santa Catarina SC
5º Universidade Federal de Viçosa MG
6º Universidade Federal do Pará – Campus Marabá PA
7º Universidade Federal do Triângulo Mineiro MG
8º Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do
Maranhão
MA
9º Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de
Minas Gerais
MG
10º Universidade Federal da Paraíba PB
11º Universidade Federal do Amapá AP
12º Universidade Federal do Recôncavo Baiano – Feira de
Santana
BA
13º Universidade Federal do Espírito Santo – Campus São ES
12 O edital 02/2012 consta o apoio a implementação de 40 Cursos de Licenciatura em Educação do
Campo, porém já no resultado consta a aprovação de 44 instituições de ensino superior aprovadas.
80
Mateus
14º Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri
MG
15 Universidade Federal de Grande Dourado MS
16ª Universidade Federal do Pará – Campus de Abaeteturba PA
17º Universidade Federal do Pará – Campus de Altamira PA
18º Universidade Federal do Pará – Campus de Cametá PA
19ª Universidade Federal do Paraná – Litoral Sul PR
20º Universidade Federal de Rondônia RO
21º Instituto Federal de Farropilha RS
22º Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus
Erechim
RS
23º Universidade Federal do Rio Grande RS
24º Universidade Federal do Recôncavo Baiano – Campus
Amargosa
BA
25º Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão GO
26º Universidade Federal de Goiás – Campus Cidade de
Goiás
GO
27º Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Mato Grosso – São Vicente da Serra
MT
28º Universidade Tecnológica Federal do Paraná PR
29º Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro RJ
30º Universidade Federal do Pampa RS
31º Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Santa Catarina – Canoinhas
SC
32º Universidade Federal do Mato Grosso do Sul MS
33º Universidade Federal do Piauí – Campus Cinobelina
Elvas
PI
34º Universidade Federal do Piauí – Campus Floriano PI
35º Universidade Federal do Piauí – Campus Picos PI
36º Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Campus
Litoral Norte
RS
37º Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto RS
81
Alegre
38º Universidade Federal de Tocantins TO
39º Universidade Federal de Tocantins – Campus
Tocantinópoles
TO
40º Universidade Federal Rural do Semi-Árido – Mossoró RN
41º Universidade Federal do Maranhão MA
42º Universidade Federal do Piauí – Campus Teresina PI
43º Universidade Federal de Roraima RO
44º Universidade Fluminense RJ
Fonte: DOU Nº 249, de 27 de dezembro de 2010.
A partir desse resultado essas instituições de Ensino Superior passaram a receber
os recursos para iniciar a implementação dos Cursos. Cada universidade teve autonomia
para focar na área de conhecimento que melhor atendesse as suas especificidades e
necessidades. Essas áreas de conhecimentos são: a) Linguagens e Códigos; b) Ciências
Humanas e Sociais; c) Ciências da Natureza, d) Matemática e e) Ciências Agrárias. Para
finalizar, destacamos a importância do PROCAMPO no âmbito das instituições de
ensino superior, onde ele garantiu a inserção de Cursos voltados à formação docente a
partir de uma perspectiva contextualizada. Nesses termos a sua relevância recai sobre o
esforço pela superação das relações de educação autoritárias e formação utilitarista no
meio rural.
É a partir do reconhecimento dessa importância que destacamos a necessidade
da permanência de princípios historicamente alinhados ao campo democrático popular,
como o diálogo, o respeito à diversidade e à autonomia dos sujeitos. Assim, quando nos
propomos a analisar a LEDOC/UFERSA, estávamos preocupado antes de tudo em
problematizar relações, desmistificar narrativas e apresentando um panorama proativo
no sentido de fortalecer tanto o Curso, quanto a Educação do Campo e seus sujeitos.
82
3.5 LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONTEXTO GERAL
Destacados alguns aspectos sobre o cenário da Educação do Campo no Brasil,
buscamos agora iniciar a análise e reflexão acerca das Licenciaturas em Educação do
Campo, as chamadas LEDOCs a nível de Brasil. Para tratar desses Cursos é
fundamental destacar o PROCAMPO como ponto central dessa conquista, na seção
anterior discutimos os principais aspectos que caracterizam esse Programa. Do mesmo
modo, é importante destacar o papel dos movimentos sociais do campo como fator
relevante nesse cenário. Assim, vamos buscar descrever o surgimento dos cursos
enquanto política institucionalizada nas universidades públicas do Brasil em
consonância com a luta histórica dos sujeitos do campo socialmente organizados.
Desde 2012, as LEDOCs representam uma realidade nas instituições de Ensino
Superior espalhadas pelo Brasil. De acordo com dados do MEC de 2016 (o mais
atualizado) existem hoje, 44 universidades ofertando o Curso de Licenciatura em
Educação do Campo com entradas regulares, anual ou semestralmente, essas
universidade podem ser verificadas no quadro da seção anterior. De acordo com o
Documento Orientador do PRONACAMPO os Cursos de Licenciatura em Educação do
Campo são:
[...] ofertados pelas Universidades Federais e Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia de Ensino Superior, com organização
curricular cumprida em regime de alternância entre tempo-escola e
tempo-comunidade e habilitação para docência multidisciplinar nos
anos finais do ensino fundamental e no ensino médio em uma das
áreas do conhecimento (BRASIL, 2013).
Assim, de acordo com Molina; Sá (2012) a experiência das LEDOCs foi
desenvolvida experimentalmente pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade
Federal de Sergipe (UFS) no ano de 2007 (BRASIL, 2012). Posteriormente, a partir do
Edital nº 02/2012, as LEDOCs expandiram-se para outras universidades, em 2016, esse
número chegou 44 (MOLINA; HAGE, 2016). O êxito dessa experiência anterior foi
fundamental para a implementação dos Cursos em nível nacional nas demais
universidade e institutos federais.
Segundo Molina; Hage (2016, p. 806) o Edital PROCAMPO promoveu
“disponibilização de 600 vagas permanentes para docentes e 126 técnicos nessas
instituições, com meta de formar 15 mil professores para atuar na Educação Básica das
83
escolas do campo, nos primeiros três anos dos cursos”. Assim, ficou acordado pelo
mesmo Edital que cada instituição que implantasse o Curso teria 15 vagas
disponibilizadas para concurso de professores efetivo da carreira do magistério superior
e 3 vagas para técnicos administrativos para auxiliarem no desenvolvimento do Curso.
Desse modo, as LEDOCs representam uma grande conquista no âmbito da
universidade pública, que, como sabemos, ainda comporta-se majoritariamente
assentada em modelos e interesses burgueses. Assim, não é exagero apontar as
LEDOCs espalhadas pelo Brasil como um dos maiores exemplos de conquista do
movimento camponês brasileiro no que concerne à educação. Nesse sentido, Caldart
(2002, p. 36) complementa essa ideia afirmando que: “boa parte deste ideário que
estamos construindo é algo novo em nossa própria cultura. E que há uma nova
identidade de educador que pode ser cultivada desde este movimento por uma educação
do campo”.
Como aponta Caldart (2002), essa é uma experiência nova na universidade
brasileira, os processos educativos estão em plena experimentação, assim, a Pedagogia
da Alternância, que funciona como metodologia nas LEDOCs, a própria inserção dos
educandos, quase sempre vinculados ao campo, a realização das suas místicas e
apresentações, causam olhares curiosos, por vezes negativados. Uma demonstração de
que a universidade estranha todos os perfis que fogem do padrão estabelecido como
sendo estudante universitário.
Nesse sentido, um importante ponto a ser destacado na estrutura operacional e
curricular das LEDOCs diz respeito à Pedagogia da Alternância. Mas o que é a
Pedagogia da Alternância? Segundo Ribeiro (2012), ela tem origem com as Casas
Familiares Rurais (CFR’s), na França e com as Escolas Familiares Rurais (EFA’s), na
Itália dos anos 1930. No Brasil, essa proposta metodológica visa combater a evasão
escolar em decorrência das especificidades da zona rural, tais como períodos de
colheitas, invernos, épocas de plantações entre outras. Dessa forma, os educandos
podem trabalhar nas atividades do campo sem ter que deixarem os estudos.
Assim, a Pedagogia da Alternância se divide em dois momentos; o Tempo
Escola (TE), período em que os educandos permanecem estudando na universidade
(esse período muda a depender do Curso, podendo a alternância variar de semanas à
meses) e o Tempo Comunidade (TC), nesse período os educandos retornam às suas
comunidades ou assentamentos, para colocarem em prática os conhecimentos que foram
84
objeto de estudo no TE, de modo a retornarem também com experiências sistematizadas
a partir das vivências no espaço campesino para serem socializadas na universidade.
Mais que uma característica de sucessões repetidas de sequência, a
alternância, enquanto princípio pedagógico, visa desenvolver na
formação dos jovens situações em que o mundo escolar se posiciona
em interação com o mundo que o rodeia. Buscando articular universos
considerados opostos ou insuficientemente interpenetrados – o mundo
da escola e o mundo da vida, a teoria e a prática, o abstrato e o
concreto – a alternância coloca em relação diferentes parceiros com
identidades, preocupações e lógicas também diferentes. (SILVA,
2000, p. 16)
Com isso busca-se formar um diálogo que relaciona os conhecimentos entre
comunidade-universidade-comunidade. É um movimento que pretende fazer o diálogo
entre conhecimentos da academia em interação direta com os conhecimentos populares.
Assim, a Pedagogia da Alternância nos cursos de Licenciatura em Educação do Campo
significa uma possibilidade de associação entre trabalho e formação, um dos grandes
desafios dos cursos superiores no Brasil, sobretudo das licenciaturas, que acabam por
aglutinar o maior número de estudantes trabalhadores. Segundo Passos; Melo (2012, p.
244, grifo do autor):
Conhecendo suas raízes históricas, podemos dizer que [a Pedagogia da
Alternância] consiste em uma relação de troca e interação de saberes.
É o diálogo entre o saber sistematizado e o saber popular em que o
educando e sua realidade (família, propriedade, comunidade) são o
foco central do processo de ensino-aprendizagem. Não existe
alternância sem uma integração da família e do meio socioprofissional
em que a escola está inserida.
Desse modo, a Pedagogia da Alternância representa uma possibilidade concreta
de rompimento com o padrão formativo das licenciaturas, ao mesmo tempo, em que
representa um desafio operacional na maioria das universidades em que se desenvolve,
pois os cursos foram criados em um contexto em que os repasses do Governo Federal às
universidade ainda não estavam sofrendo cortes. Atualmente alguns cursos não
conseguem realizar o deslocamento contínuo de professores/as às comunidades rurais
para os devidos acompanhamentos dos educandos, implicando assim, prejuízos ao
desenvolvimento das trocas de saberes entre universidade e comunidade, recaindo, mais
uma vez, na formação unilateral realizada na academia.
De toda forma é importante destacar a inserção desses cursos nas universidades
como uma ação de extrema importância para as populações do campo e mesmo com
85
algumas arestas ainda a serem aparadas, de modo geral, os Cursos de Licenciatura em
Educação do Campo e a Pedagogia da Alternância vêm possibilitando uma inserção
direta dos filhos e filhas de agricultores na universidade. Além disso, pretende cumprir
um papel fundamental para a consolidação da formação de docentes para atuação no
campo. Desse modo:
A Licenciatura em Educação do Campo possui uma proposta
curricular integrada e referenciada na Alternância Pedagógica e
organiza os componentes curriculares em quatro áreas do
conhecimento: Linguagens (expressão oral e escrita em Língua
Portuguesa, Artes, Literatura); Ciências Humanas e Sociais; Ciências
da Natureza e Matemática, e Ciências Agrárias, buscando superar a
fragmentação tradicional que dá centralidade à forma disciplinar e
incidir no modo de produção do conhecimento na universidade e na
escola do campo, tendo em vista a compreensão da totalidade e da
complexidade dos processos encontrados na realidade (MOLINA;
HAGE, 2016, p. 806 - 807).
Para finalizar esta seção, sublinhamos a inserção das LEDOCs nas universidade
brasileiras como sinônimo de pluralismo, uma ação que para além da política pública
permite à universidade a convivência com as diversidades, é também um aspecto de
democratização do ensino superior para aqueles e aquelas que mais foram prejudicados
pelo caráter classista da universidade brasileira. A preocupação que colocamos e que
inclusive está no cerne dessa pesquisa é acompanhar o comportamento das
universidades perante esses Cursos, pois como sabemos, as instituições hegemônicas
detêm inúmeras ferramentas de domesticação e incorporação dos interesses populares
aos seus próprios interesses.
Nesse sentido, a defesa da originalidade da proposta pedagógica das
licenciaturas em Educação do Campo é um fator de grande responsabilidade dos
movimentos sociais e dos sujeitos do campo de modo geral. Por isso mesmo, em tempos
de retrocesso, defender as LEDCs, é defender os interesses da classe popular, do mesmo
modo, essa defesa está intimamente ligada à defesa de uma Educação Popular que
dialoga com saberes e práticas construídas historicamente pelos camponeses e
camponesas do Brasil.
86
4. CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DA PESQUISA: UFERSA, LEDOC E
SUJEITOS NO SEMIÁRIDO POTIGUAR
Quem não se movimenta,
não sente as correntes que o prendem
Rosa Luxemburgo
4.1. NOTAS INICIAIS
Nas seções anteriores apresentamos a Educação do Campo e alguns de seus
dispositivos legais de maior destaque, como o PRONERA e o PROCAMPO. A partir de
agora, apresentamos os principais aspectos da LEDOC/UFERSA, principalmente no
que tange ao Projeto Pedagógico de Curso (PPC), a estruturação curricular, a
perspectiva metodológica do Curso e o perfil discente. A partir dessa divisão,
esperamos conseguir apresentar ao leitor um detalhamento em pormenores do que é esse
Curso.
Destaque-se, desde já, que a conquista da LEDOC enquanto uma política de
educação do campo é fruto de uma conjuntura político-social específica, de um
momento de organicidade dos movimentos sociais do campo, do compromisso de
professores e professoras universitários que sempre se posicionaram pela justiça social e
cidadania e, finalmente, das inclinações ao campo democrático popular do período dos
governos Lula/Dilma. Essas conquistas, encontram-se hoje diante de outra conjuntura,
completamente oposta, requerendo, mais uma vez, defesa e organização por parte dos
atores sociais, sob pena de perdas dos avanços conquistados até aqui.
A história do Brasil nos mostra que o preconceito, velado ou não, das classes
mais abastardas em relação aos povos do campo teve/tem efeitos nefastos e
prolongados. Às populações do campo foi destinada uma tarefa inglória: trabalhar desde
a mais tenra idade até a mais avançada, sem contudo, gozar de forma plena dos frutos
desse trabalho. Junto a isso, o poder da ideologia dominante condensou todos os sonhos
dos camponeses/as ou agricultores/as a um só: conseguir criar os filhos em condições
mínimas de não faltar alimentos e roupas. Esmaeceu e distanciou-os de qualquer outros
87
sonhos, e foi além, inculcou nos trabalhadores que sobreviver do trabalho duro é o seu
máximo direito.
Desse modo, sabendo o poder que tem a educação escolar, as classes
dominantes, negligenciaram sistematicamente esse direito aos povos do campo.
Alargando o fosso entre o trabalho e a escola, apresentando essa instituição como algo
menor, sem honra, sem validade, pois tudo isso se encontraria no trabalho, braçal, claro.
Daí que ainda hoje os altos índices de analfabetismo estejam concentrados no campo13,
daí também que a exploração do trabalho ganhe destaque nesse espaço geográfico, pois
como se sabe a alfabetização não representa somente a capacidade de codificar e
decodificar os caracteres, mas representa, sobretudo, aquisição de capacidades e
sensibilidades para desenvolvimento de habilidades que somente o exercício mais
complexos da escrita e da leitura proporcionam aos sujeitos.
Assim, a Educação do Campo, representa uma política pública importante no
combate ao analfabetismo no meio rural. Representa formação de professores e
valorização dos conhecimentos produzidos pelos sujeitos do campo. Daí que a
relevância desse processo esteja diretamente ligada à possibilidade de mudança social
das populações campesinas. É nesse contexto que a LEDOC/UFERSA emerge, um
Curso pensado a partir da realidade do semiárido potiguar e uma possibilidade para a
emancipação para sujeitos do campo.
4.2. LÓCUS DA PESQUISA: O SEMIÁRIDO POTIGUAR E A UFERSA
Destacamos agora o contexto no qual se insere os meandros desta pesquisa,
sobretudo, referente ao lugar da UFERSA no contexto do Semiárido potiguar. A
intenção desse momento é situar a Universidade a partir da Região na qual se inscreve e
as influências desse contexto na formação dos sujeitos. As condições naturais do
semiárido têm feito o homem e a mulher do campo desenvolver tecnologias sociais e
avançar na convivência com seu lugar de origem, superando assim, a narrativa da seca
como barreira intransponível à melhoria da condição da vida.
A importância deste recorte também recai sobre o fato de estarmos tratando de
sujeitos do campo que vivem nesse território, que trabalham e criam formas de
13 Segundo Mônica Molina, em entrevista ao Jornal “O Globo” de 03/11/2011, o índice de analfabetismo
no meio rural é de 23,3%, três vezes maior que em áreas urbanas.
88
convivência com o semiárido. Por isso, conhecê-los enquanto sujeitos históricos que
estão vivenciando, tanto a universidade, quanto o campo, é uma tarefa que julgamos
fundamentalmente importante nessa empreitada. O semiárido tem se apresentado como
um lugar particularmente rico em fenômenos educativos, sustentados, principalmente
pela necessidade e potencialidade que apresenta os seus habitantes.
Conceitualmente, o semiárido é uma categoria territorial definida a partir de
critérios climatológicos, de tal modo que destaca-se por características não rígidas no
tocante às suas fronteiras, ou seja, as características do clima, e nesse caso quente e
seco, é que define o semiárido. Esse território compreende atualmente os Estados do
Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e um
trecho do Estado de Minas Gerais (RESAB, 2006).
Figura II: Limites climatológicos para a definição das fronteiras do semiárido
Fonte: Google Earth/imagens
A partir da imagem acima podemos analisar as dimensões e abrangência do
semiárido, também é possível evidenciar que é um território diverso, plural e
contraditório, não podendo ser tomado como um todo orgânico que se aplica a sua
extensão integral. Um dos fenômenos que vem lhe marcando de forma singular tanto ao
longo de sua historicidade quando nos dias atuais, sem dúvida é a seca. Porém, como
veremos, essa narrativa construída acabou por ser usada como instrumento político da
classe dominante dessa região. As populações do semiárido têm encontrado formas
diferenciadas de conviver com a seca. Tomar esse território como um todo singular é
uma forma atrasada, falsa e mitificada de compreender a dinamicidade desse lugar.
89
Assim, do mesmo modo que o cinza da caatinga disfarça sua diversidade, a
simplicidade dos sujeitos do campo disfarça sua complexidade. A seca marca o
semiárido como um tipo de estereótipo e de preconceito. O mesmo estigma que carrega
sua população. Essa visão tem servido à manutenção de uma realidade adversa, quer
dizer, em detrimento de uma questão natural – que é a seca – justificou-se,
historicamente àquelas de cunho sociais, tais como a fome, o trabalho precário ou a falta
dele, o analfabetismo e outros. Com isso, formou-se uma população cujas condições de
vida têm representado um grande desafio àqueles e àquelas que vivem no semiárido.
Assim, durante muito tempo inculcou-se a ideia de que somente as grandes
obras, principalmente as barragens e a transposição de rios, seria a solução para a
situação de pobreza na qual o homem e a mulher do campo estiveram submetidos. Sob
essa ideologia, construíram-se ao longo do século XX, diversas obras14 que, no entanto,
não resolveram o problema da falta d’água e nem da pobreza. Essas obras, em muitos
casos, aprofundaram o fosso da vida das populações do campo, acentuando a corrupção
em órgãos responsáveis por obras contra a seca, inserindo mais uma cinta de arame nos
currais eleitorais das oligarquias locais. Depreende-se, portanto, que a situação de
pobreza na região é estrutural, é uma pobreza patrocinada, principalmente, pelos
“donos” das terras e das águas.
No Rio Grande do Norte, o semiárido representa cerca de 90% do território do
Estado, isso significa dizer que ele é determinante na organização social do povo
potiguar. Como é possível observar na figura abaixo, (Figura III) o semiárido potiguar
está incrustado no contexto do semiárido nordestino.
14 No Rio Grande do Norte, o símbolo maior é a construção da Barragem Armando Ribeiro, conhecida
como Barragem de Assu, no final da década de 1970, cuja importância nos dias de hoje é singular, mas
que carrega consigo uma história de grandes violações dos direitos da população local da antiga São
Rafael além da materialização dos interesses norte americano de produzir alimentos em países do
Terceiro Mundo.
90
Figura III: Ocorrência do semiárido no Estado do Rio Grande do Norte.
Fonte: Núcleo de Estudos do Semiárido/Universidade do Estado do Ceará.
Um grande desafio no Oeste potiguar atualmente diz respeito ao Projeto de
Irrigação da Chapada do Apodi. Esse projeto ao mesmo tempo em que beneficia os
grandes produtores de fruticultura irrigada, principalmente o melão, implica em grandes
prejuízos para o pequeno agricultor. Isso porque as grandes empresas ocupam extensões
de terras cada vez maiores, o consumo de água é alarmante e a produção em pequena
escala torna-se inviável e insustentável, a grande quantidade de agrotóxicos e sementes
transgênicas levam à contaminação das sementes crioulas. Além disso, a dinâmica no
campo ganho um sentido diferenciado, sobretudo, porque o camponês passa à condição
de assalariado, vendendo tanto sua força de trabalho quanto suas terras. Portanto, esse
tem sido um grande desafio posto aos sujeitos do campo do semiárido potiguar.
Certamente, em virtude do exposto acima, a região é rica em movimentos sociais
do campo, como a Articulação do Semiárido (ASA15), o Movimento de Educação de
Base (MEB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), além de uma
grande quantidade de sindicatos rurais de atuação destacada. Esses movimentos têm
papel de destaque na luta pelos direitos das populações do semiárido. Outro fator
relevante quanto a organização coletiva diz respeito aos projetos em que o protagonismo
está diretamente ligado aos sujeitos, como na construção de cisternas por mulheres; na
produção da agricultura familiar; cooperativas; o artesanato local; manejo sustentável;
15 A Asa é uma rede organizada que desenvolve políticas públicas e projetos diversos no âmbito da
convivência com o semiárido. (www.asabrasil.org.br)
91
produção de sementes crioulas, sendo esses sujeitos atores da mudança social e que
deslocam a política do “combate à seca”, à alternativas viáveis de conviver com esse e
outros fenômenos típicos da região do semiárido.
Quando os assentamentos de Reforma Agrária começavam a ser realidade no
Estado, com especial ênfase à região Oeste, alguns espaços assumiram protagonismo
tanto na organização dos camponeses já assentados como na luta em acampamentos.
Dentro desse contexto, em 1993 o Centro Feminista 8 de Março (CF8) é criado por um
grupo de mulheres organizadas em torno da luta pela igualdade de gênero e justiça
social. Atualmente, esse espaço desenvolve formação e produção a partir dos princípios
feministas em toda a região Oeste. Nessa mesma perspectiva, em 1999 foi criado a Rede
Xique-Xique de produção e comercialização solidária com forte vínculo também no
movimento feminista. (MOURA, et al. 2014).
Essas organizações estão inseridas no contexto da ASA, que por sua vez tem
empreendido uma série de conquistas importantes para a convivência com o semiárido,
além de lutar por projetos importantes para a convivência com a seca, tem promovido
formação educativa e empoderamento das mulheres do campo. São formas como
cooperativas, associação de mulheres, sindicatos, associações de moradores, projetos e
muitas outras formas que sempre convergem para o caráter coletivo e de autogestão
desses espaços. Nesse sentido, a luta das mulheres camponesas é um dos fenômenos que
melhor caracteriza a região do Oeste potiguar nos dias de hoje.
Assim, esses espaços coletivos e movimentos sociais destacados acima, têm
desempenhado um papel de resistência e proposição quanto aos diversos aspectos da
produção econômica, da vida no campo e da educação das pessoas desse campo. Assim,
a educação defendida por esses movimentos sociais configura-se por uma faceta calcada
em princípios dialógicos, no contexto campesino e no trabalho, uma educação que busca
imprimir sentido a cada ação realizada no dia a dia e que possibilite uma ampliação do
horizonte dos direitos inerentes a cada sujeito.
No que tange ao desenvolvimento econômico, o semiárido potiguar apresenta
uma rica diversificada, a fruticultura irrigada é um dos principais destaques, assim como
a indústria salineira e a produção de petróleo e gás. Podemos dizer que essa é a
produção macroeconômica, ou seja, aquela da grande indústria e da exportação. Por
outro lado, existe uma diversidade advinda dos setores da agricultura familiar que
movimento a região. Turismo, apicultura, caprinos, ovinos, suínos, bovinos, pescados,
cera de carnaúba, cereais e frutas garantem emprego e renda para uma parcela
92
expressiva da população do Oeste. Essa variedade econômica é desenvolvida,
principalmente a partir das famílias que vivem no campo, essas mesmas famílias são,
em alguns casos, os educandos da LEDOC/UFERSA.
É nesse cenário que inscreve-se a cidade de Mossoró, local em que está situada a
UFERSA, lócus da nossa pesquisa. A representação do território municipal pode ser
verificada na figura abaixo:
Figura IV: Representação cartográfica do município de Mossoró – RN
Fonte: Google/imagens (2018)
A cidade de Mossoró é conhecida por suas altas temperaturas (entre 36ºC e
37ºC), a cidade tem uma população de aproximadamente 260 mil habitantes (IBGE,
2010) e fica distante 281 km da cidade do Natal, Capital do Estado. Mossoró é a
segunda maior cidade do Rio Grande do Norte e tem sua história marcada pelo poder
das oligarquias locais, isso acabou por gerar na cidade um sentimento paroquial típico
de estruturas comandadas pelo poder do autoritarismo. Apesar de ser uma cidade média
e com aspectos bem desenvolvidos, como a indústria, Mossoró convive com aspectos
clássicos das cidades mais pequenas do sertão nordestino. Apresentamos a seguir uma
imagem da região central da cidade de Mossoró para que o leitor dimensione e visualize
e lugar do qual estamos falando
93
Imagem xx: Visão panorâmica do Centro de Mossoró – RN.
Fonte: Google/imagens (2018)
A história oficial reserva à Mossoró o pioneirismo do primeiro voto feminino da
América Latina, exercido pela jovem professora Celina Guimarães em 05 de abril de
1928. À Mossoró também se atribui-se o pioneirismo na libertação dos escravos, fato
que teria ocorrido em 30 de setembro de 1883, portanto, cinco anos antes da Lei Áurea
de 1888. A cidade ainda é conhecida por ter expulsado o bando de cangaceiros liderados
por Virgulino Ferreira, o Lampião, no ano de 1927.
Embora haja contestações sobre a veracidade dessas ocorrências, esse
imaginário, acabou por criar na região uma atmosfera propícia à cultura do teatro,
poesia, cordel, cinema e das artes. Nesse aspecto destaca-se o período de São João com
os festivais de quadrilhas juninas e o espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró”,
apresentação teatral que retrata a chegada de Lampião à Mossoró e sua expulsão pelos
soldados e coronéis da Cidade.
A apresentação desse cenário local da cidade de Mossoró tem como objetivo
inserir a UFERSA na discussão. Essa Universidade, que carrega as marcas da região,
tem se convertido em um importante espaço de formação acadêmica dentro do
semiárido nas mais diversas áreas do conhecimento. De igual modo, pensar que essa
Universidade recebe forte influência da cidade e região a qual está inserida também é
nosso objetivo.
94
A UFERSA enquanto universidade federal é uma instituição relativamente
recente. Porém, a história da UFERSA começa pela Escola Superior de Agricultura de
Mossoró (ESAM). Fundada em 1967, através do Decreto 01/67. Durante décadas teve a
tarefa de formar principalmente agrônomos e veterinários da região do Oeste potiguar.
A ESAM era uma autarquia sob responsabilidade da Prefeitura de Mossoró, mas
subsidiada com recursos do Governo Federal.
Apesar da sua importância, sabe-se que o ingresso nos Cursos ofertados pela
ESAM, estavam quase sempre restrito àquelas famílias mais abastardas da região Oeste
e de outros estados vizinhos, sobretudo Paraíba e Ceará. Em 01 de agosto de 2005, a Lei
nº 11.155 de 29 de julho, instituída pelo então presidente Lula, transforma a ESAM em
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) (BRASIL, 2005). A imagem do
Campus Sede pode ser vista na figura abaixo:
Imagem II: UFERSA Campus Central Mossoró
Fonte: Google imagens (2018)
O processo de federalização garantiu a criação de novos cursos, contratação de
mais professores e técnicos administrativos, aumentando assim, significativamente o
número de vagas ofertadas anualmente, além de reorganização da estrutura operacional.
Ademais, logo em seguida, foram criados os campis de Caraúbas, Pau dos Ferros e
Angicos, todas essas, cidades da região do semiárido potiguar.
Desse modo, a criação da UFERSA, insere-se dentro da política nacional
empreendida pelo então Presidente Lula, que diz respeito a expansão e interiorização do
95
Ensino Superior no Brasil, o REUNI. Esse Programa representou um verdadeiro salto
quantitativo e qualitativo no tocante ao ingresso das classes populares na universidade e
teve importância significativa para as populações do semiárido, cujo acesso à educação
superior sempre implicou mudança para a Capital, o que pela sua própria natureza
econômica já excluía grande parte dessa população.
Dentro do contexto de contribuir para o desenvolvimento da região, a UFERSA
vem se destacando ao promover oportunidade, sobretudo para as pessoas do campo, no
que diz respeito a superação de condições concretas de negação. Nesse sentido, o
Estatuto da UFERSA destaca como objetivo principal:
[...] produzir e difundir conhecimentos no campo da educação
superior, com ênfase para a região semi-árida brasileira, contribuindo
para o exercício pleno da cidadania mediante formação humanística,
crítica e reflexiva, preparando profissionais capazes de atender às
demandas da sociedade (UFERSA, 2005).
Observa-se que é um objetivo bastante direcionado, tanto na formação quanto na
região. Aos 13 anos de sua criação, completados nesse ano de 2018, a UFERSA busca
alcançar o horizonte proposto e desponta como uma instituição de importância
significativa para o Estado do Rio Grande do Norte. Juntamente com a UERN, vem
possibilitando acesso e permanência de um público específico, principalmente pessoas
de origem camponesa do interior que sem essa Universidade teriam dificuldades na
conquista do diploma de nível.
Assim, não é exagero afirmar que a UFERSA revolucionou o semiárido
potiguar, possibilitando acesso e permanência aos estudantes e a possibilidade concreta
de mudança social. Fazer essa leitura positiva da Universidade não significa de forma
alguma dizer que ela está concluída, os desafios postos são inúmeros, alguns no plano
cultural inclusive, o que requer mudança de postura frente aos problemas, de todo
modo, ressaltar a criação da UFERSA e o trabalho que tem empreendido no semiárido
nos parece um destaque dos mais importantes. A seguir, a distribuição de cursos por
campus que compõem hoje a estrutura acadêmica da UFERSA, conforme aponta o
quadro abaixo:
96
Quadro III – Relação dos cursos existentes na UFERSA por Campus
CAMPUS CURSO DE GRADUAÇÃO
CENTRAL
MOSSORÓ
Administração
Agronomia
Biotecnologia
Ciência da Computação
Ciência e Tecnologia
Ciências Contábeis
Direito
Ecologia
Engenharia Agrícola e Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia Florestal
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Engenharia de Energia
Engenharia de Pesca
Engenharia de Petróleo
Engenharia de Produção
Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo
Medicina
Medicina Veterinária
Zootecnia
ANGICOS
Ciência e Tecnologia
Computação e Informática
Engenharia Civil
Engenharia de Produção
Pedagogia
Sistemas de Informação
CARAÚBAS
Ciência e Tecnologia
Engenharia Civil
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Letras – Inglês
Letras – Libras
Letras – Português
PAU DOS FERROS
Arquitetura e Urbanismo
Ciência e Tecnologia
Engenharia Ambiental e Sanitária
Engenharia Civil
Engenharia de Computação
Engenharia de Software
Tecnologia da Informação Fonte: Pró-Reitoria de Graduação da UFERSA – 2018
97
O aumento na quantidade de cursos de graduação na UFERSA, ocorreu,
sobretudo, entre os anos de 2005 e o ano de 2014. Desde o processo de federalização, a
UFERSA vem ganhando destaque e subindo posições nos rankings de pesquisas. No
ano de 2017, em resultado divulgado pelo Ministério da Educação, por meio do Instituto
Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) a UFERSA ficou com
Índice Geral de Curso (IGC) na faixa de conceito 4, passando a ocupar a 29ª posição
entre as universidade brasileiras e a 5ª de todo o Nordeste. Esse resultado materializa o
trabalho que a Universidade vem desenvolvendo no contexto do semiárido potiguar.
Feito essa breve localização dos cenários do semiárido, de Mossoró e da
UFERSA é o momento de inserir a LEDOC dentro desse complexo. Como pode ser
observado esse movimento do geral ao local é uma prática que julgamos adequada para
análises gerais. Nesse sentido, na seção que segue, buscamos apresentar aspectos
principais da LEDOC nas suas especificidades em consonância à Universidade e à
Região do Oeste.
4.3. LICIENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA: UMA
HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO
Nesse momento do texto, esperamos já ter conseguido destacar o que são as
LEDOCs. Já apontamos seus principais aspectos, sua política e sua proposta de
formação, ainda assim, reforçamos que a LEDOC é uma política pública de Educação
do Campo. Um curso de formação ofertado com o intuito de formar professores e
professoras em nível de Graduação para atuação nos anos finais do Ensino Fundamental
e no Ensino Médio, por área de conhecimento, assim como na Gestão em espaços
escolares e não escolares. (MOLINA; HAGE, 2016).
Na UFERSA, a ideia da criação de um Curso de Educação do Campo data do
ano de 2008, antes mesmo do Edital nº 02/2012 da SECADI/MEC (Edital
PROCAMPO), conforme podemos verificar na Resolução CONSUNI/UFERSA nº
005/2008, de 28 de Novembro de 2008, que “Cria o Curso de Educação do Campo, em
nível de Graduação, modalidade Licenciatura, no âmbito da Universidade Federal Rural
do Semi-Árido.” (UFERSA, 2008). Porém, essa proposta não se desenvolveu até o
período de 2012, momento em que o Edital PROCAMPO possibilitou a efetivação do
Curso.
98
Após ter sua proposta aprovada junto ao Edital, a UFERSA estabeleceu através
da Decisão CONSUNI/UFERSA nº 142/2013, de 18 de outubro de 2013, que a Pró-
Reitoria de Graduação – PROGRAD, seria responsável pela implantação e gestão da
LEDOC (UFERSA, 2013a). Assim, no mês de setembro de 2013, foi aprovado pelos
Conselhos Superiores da UFERSA o Edital nº 045/2013, o primeiro Edital de seleção de
estudantes para a LEDOC. Neste Edital foram destinadas 120 (cento e vinte) vagas para
alunos e alunas comprovadamente vinculados às áreas rurais de Mossoró e região.
Foram 60 (sessenta) vagas para o semestre de 2013.2 e 60 (sessenta) para o semestre
letivo de 2014.1 (UFERSA, 2013b).
Na sequência o Edital nº 073/2014, destinou mais 120 vagas, sendo 60 (sessenta)
para 2015.1 e 60 (sessenta) para o segundo semestre 2015.2. (UFERSA, 2015). No ano
de 2016 o Edital nº 025/2016 ofertou 60 (sessenta) vagas, sendo 30 (trinta) para o
primeiro semestre (2016.1) e mais 30 (trinta) vagas para o segundo semestre (2016.2)
(UFERSA, 2016). Já em 2017 o Edital 011/2017, ofertou 60 (sessenta) vagas para
ingresso único no semestre 2017.2 (UFERSA, 2017). Finalmente, em 2018, são mais 60
(sessenta) vagas ofertadas para ingresso em 2018.2.
Como sabemos, a forma de ingresso nas universidade públicas federais hoje
ocorre através do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, porém a forma de
ingresso na LEDOC é através de um vestibular específico. É Assim na UFERSA e
também em diversas outras universidades que ofertam os Cursos. O vestibular da
LEDOC é composto por uma prova que consta dez questões de Língua Portuguesa, dez
questões de Matemática e uma Redação. A figura abaixo, retirada do Edital de seleção
ilustra esse modelo:
Figura V: Disciplinas objeto do Vestibular LEDOC/UFERSA
Fonte: Edital 021/2018
O processo seletivo ocorre em dois momentos distinto, o primeiro consiste na
“Análise Documental”, momento em que comprova-se se o concorrente preenche todos
os requisitos para participar do Processo. No segundo momento “Das Provas” o
99
concorrente realiza as provas acima destacadas. Dentro do processo seletivo, a
concorrência se dá por meio de grupos, ou “cotas” chamadas: Ampla Concorrência, L1,
L2, L3, L4, em que: L1, Candidatos com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5
salários mínimos e que tenha cursado integralmente o Ensino Médio em escola pública;
L2, Candidatos autodeclarados pretos, pardos, indígenas com renda familiar bruta igual
ou inferior a 1,5 salários mínimos; L3, Candidatos que independente da renda tenha
cursado o Ensino Médio em escola pública; L4 Candidatos autodeclarados pretos,
pardos, indígenas que independente da renda tenha cursado o Ensino Médio
integralmente na escola pública.
O vestibular específico foi pensado como critério por haver o entendimento de
que os processos de avaliação tanto do vestibular tradicional como do ENEM, prezam
por um modelo de conhecimento escolar tradicional, exatamente aquele que não chegou
às pessoas do campo, ou quando chegou se deu de forma fragmentada e
descontextualizada.
Do ponto de vista curricular, o Curso está organizado a partir de três aspectos
principais, quais sejam: o Núcleo de Estudos Comuns (NEC) vai até o 5º período e deve
ser cursado por todos os estudantes. Esse Núcleo contém uma carga horária de 1605
horas e é composto pelas disciplinas nas áreas de Linguagens e Códigos, Ciências
Agrárias, Matemática, Ciências Humanas e Sociais; O Núcleo de Atividades
Integradoras (NAI) é o segundo aspecto, também deve ser cursado por todos os
estudantes, tem 975 horas e contempla as disciplinas nas áreas de Pesquisa, Práticas
Pedagógicas, Métodos de Organização e Educação Comunitária, Seminários
Integradores, Estágios Curriculares Supervisionado e Trabalho de Conclusão de Curso;
Por último, as habilitações em Ciências Humanas e Sociais ou em Ciências da Natureza.
Essas habilitações são compostas por disciplinas de suas respectivas áreas e
contemplam um total de 330 horas (UFERSA, 2013). O Curso tem uma carga horária
total de 3.210 horas/aulas e funciona no turno diurno, com aulas manhãs e tarde. A
seguir destacamos a distribuição das disciplinas a partir dos núcleos que compõem o
Curso.
100
Quadro IV: Distribuição das Disciplinas que compõem a estrutura curricular da LEDOC
NÚCLEO DE ESTUDOS COMUNS
Área 1: Ciências Humanas
e Sociais
Disciplina CH
Fund. Sócio-Antropológicos da Educação 60
Economia Política 60
Filosofia da Ciência 60
Sociologia Rural 60 (30 TE + 30 TC)
Ética e cidadania 30
Estudos de Gênero, Raça e Etnia 45 (30 TE +15 TC)
Introdução ao Direito Agrário e Ambiental 45
Realidade Brasileira I 30
Realidade Brasileira II 30
Programa de Saúde para as populações do campo 30
Área 2: Códigos e
Linguagens
Análise e Expressão Textuais 60
LIBRAS 60
Oficina de Leitura e Produção de Texto I 30
Oficina de Leitura e Produção de Texto II 30
Área 3: Estudos
Pedagógicos
História da Educação do Campo I 60 (30 TE + 30 TC)
Didática 60
Educação do Campo 60 (30 TE + 30 TC)
Org. Escolar e Método do Trab. Pedagógico I 30 (15 TE + 15 TC)
Psicologia da Educação 45
Educação de Jovens e Adultos 60
Org. Escolar e Método do Trab. Pedagógico II 60 (30 TE + 30 TC)
Org. Escolar e Método do Trab. Pedagógico III 15 (TC)
Alfabetização e Letramento na Edu. Campo 45
Educação, Tecnologia e Aprendizagens 30
Educação Inclusiva 45
Desenvolvimento humano e Aprendizagens I 45
Desenvolvimento humano e Aprendizagens I 30
Área 4: Ciências Agrárias
Elaboração e Análise De Viabilidade De Projeto 30 (15 TE + 15 TC)
Comunicação e Extensão Rural 45
Projeto de Desenvolvimento do Campo 60
Economia Solidária e Agroecologia 45
História das Experiências das Agriculturas 45
Gestão da Unidade Familiar de Produção 30
Ecologia e agroecossistemas 60
Área 5: Matemática Matemática I 60
NÚCLEO DE ATIVIDADES INTEGRADORAS
101
Área 1: Pesquisa
Pesquisa I 30
Pesquisa II 30 (15 TE + 15 TC)
Pesquisa III 30 (15 TE + 15 TC)
Projeto de Pesquisa 30 (15 TE + 15 TC)
Trabalho de Conclusão de Curso I 60 (20 TE + 40 TC)
Trabalho de Conclusão de Curso I 60 (20 TE + 40 TC)
Área 2: Práticas
Pedagógicas
Práticas Pedagógicas I 60 (30 TE + 30 TC)
Práticas Pedagógicas II 60 (30 TE + 30 TC)
Métodos de Organização e Edu Comunitária I 15
Métodos de Organização e Edu Comunitária II 30 (15 TE + 15 TC)
Métodos de Organização e Edu Comunitária III 30 (15 TE + 15 TC)
Área 3: Estágios
Estágio Supervisionado I – Comunidade 120(72 TE + 48 TC)
Estágio Supervisionado II – EJA 120(72 TE + 48 TC)
Estágio Supervisionado III – Gestão e Docência 120(72 TE + 48 TC)
Estágio Supervisionado IV – Gestão e Docência 120(72 TE + 48 TC)
Área 4: Seminários
Integradores
Seminário Integrador I 15
Seminário Integrador II 15
Seminário Integrador III 15 TC
Seminário Integrador IV 15 TC
NÚCLEO DE ESTUDOS ESPECÍFICOS
Habilitação I: Ciências da
Natureza
Metodologia do Ensino das Ciências Naturais 60
Fundamentos da Matemática II 60
Educação Sócio-Ambiental 30
Introdução ao Estudo da Química 60
Instrumentação para o Ensino de Química 60
Física na Educação Básica I 60
Física na Educação Básica II 60
Instrumentação para o Ensino de Física 60
Biologia 60
Olericultura e Plantas Medicinais 60 (40 TE + 20 TC)
Ambiente, Tecnologia e Sociedade 60
Habilitação 2: Ciências
Humanas e Sociais
Introdução ao Estude da História 60
Introdução ao Estudo da Geografia 60
Educação, Corpo e Arte 30
Metodologia do Ensino de História 60
Sociologia para o Ensino Médio 60
História e Cultura Afro-Brasileira 60 (40 TE + 20 TC)
102
Filosofia para o Ensino Médio 60
Literatura Brasileira 60
Relações Sociais na Esfera da Produção e
Centralidade do Trabalho
60
Movimentos Sociais no Brasil 60
Fonte: Construção do Autor (2018), baseado no PPC/LEDOC/UFERSA.
Ao término das disciplinas do Núcleo de Estudos Comuns o educando opta por
uma das duas áreas ofertadas pelo Curso (Ciências Humanas e Sociais ou Ciências
Naturais). Esse desenho curricular foi pensado a partir da justificativa da carência de
professores nessas áreas na região. A opção feita, assim estar justificada no Projeto
Pedagógico do Curso da LEDOC:
A opção pela habilitação em Ciências Humanas e Sociais e Ciências
da Natureza se deu em virtude de a UFERSA já cumprir o seu papel
social de formação de professores/as em matemática e, ainda, por
conheceremos a realidade das escolas do campo, na qual os/as
professores/as das componentes curriculares das áreas humanas e
sociais não têm formação adequada e contextualizada para a
convivência no campo e na região semiárida (PPC LEDOC UFERSA,
2013).
No que concerne a organização metodológica a LEDOC pauta-se a partir da
Pedagogia da Alternância. Em que pese a relevância dessa proposta, na LEDOC ela tem
se caracterizado enquanto um desafio, sobretudo, do ponto de vista de sua
operacionalização. Ou seja, os cortes nas verbas da Universidade tem feito com que o
trabalho in lócus nas comunidades dos educandos tenho se encerrado, resumindo a
Pedagogia da Alternância a uma espécie de “tarefa de casa”. De acordo com o PPC:
O Curso funcionará com atividades realizadas no âmbito da sala de
aula na UFERSA, caracterizando o Tempo/Escola, e com atividades
no âmbito das comunidades que dispuserem de alunos/as no Curso,
caracterizando o Tempo/Comunidade. Vale apontar que o
Tempo/Comunidade se fará presente não apenas nos componentes de
cunho eminentemente prático, mas também nas teóricas onde haja
demanda de articulação com experiências/vivências nas comunidades
(UFERSA, 2013, p. 29).
Desse modo, a proposta da Pedagogia da Alternância vem sendo desenvolvida
na LEDOC intercalando três semanas de aulas na Universidade com duas semanas de
atividades nas comunidades dos alunos. Isso para aquelas disciplinas que, como diz o
103
PPC, necessitem de maior articulação com as experiências nas comunidades
camponesas.
Como dito, a Pedagogia da Alternância representa uma possibilidade concreta de
rompimento com o padrão formativo das licenciaturas, cujo foco, tem se desenvolvido,
quase sempre, em função de uma proposta tradicional e de pouco diálogo. Ao mesmo
tempo, na LEDOC, representa um desafio, as limitações orçamentárias têm
impossibilitado uma parte desse trabalho, principalmente as visitas dos docentes às
comunidades dos estudantes. Esse fenômeno tem prejudicado o trabalho docente e
discente de forma central, uma vez que impede e compromete um dos aspectos mais
importantes da produção do conhecimento, que consiste na interação entre pessoas e
lugares.
Desse modo, no Tempo/Comunidade, quase sempre, os alunos recebem
determinadas atividades as quais devem realizar e apresentar na volta deste período,
mas sem o acompanhamento dos professores/as junto às comunidades, esse formato
acaba por descaracterizar a Pedagogia da Alternância e a sua proposta epistemológica
que se fundamenta no diálogo entre saberes populares e saberes acadêmicos.
Para finalizar essa abordagem vamos apresentar algumas imagens para melhor
aproximam o leitor desse texto, por isso mesmo seremos sucinto nas análises uma vez
que as informações estão descritas nas imagens.
No que concerne a sua lotação, atualmente, o LEDOC compõe o Departamento
de Ciências Humanas (DCH), ligado ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas e
Humanas (CCSAH), cuja imagem pode ser vista a seguir:
104
Imagem III: Prédio do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas (CCSAH) e
Departamento de Ciências Humanas (DCH)
Fonte: Autor, (2018)
No que diz respeito ao corpo docente, o Curso conta atualmente com 14
professores efetivos, distribuídos nas seguintes áreas de formação, conforme o quadro
abaixo:
Quadro V: Professores/as por área de formação na LEDOC
FORMAÇÃO INICIAL QUANTIDADE
Letras 1
Pedagogia 4
Ciências Sociais 2
História 1
Serviço Social 1
Geografia 1
Química 1
Física 1
Biologia 1
Libras 1
Fonte: Autor, com base nos dados da PROGRAD (2018).
Do ponto de vista físico/estrutural a LEDOC necessita de uma estrutura de
melhor qualidade, o prédio no qual estão localizadas as salas dos professores é antigo e
precisa de manutenção. A imagem a seguir pode ilustrar o dito:
105
Imagem IV Prédio da LEDOC. Neste prédio funcionam as salas dos professores e professoras
do Curso, um auditório, a sala da coordenação do Curso e uma sala de estudo para os alunos.
Fonte: Autor, 2018.
As aula ocorrem na Central de aulas IV, nos períodos da manhã e tarde. A
estrutura da Universidade, de modo geral, é boa, inclusive porque as construções são
recentes, já que sua federalização também é recente (2005).
Imagem V: Central de aulas IV
Fonte: Autor, 2018.
106
Finalizamos essa apresentação da LEDOC/UFERSA reconhecendo que de modo
geral ainda é um Curso em processo de consolidação, sendo, portanto necessário buscar
os caminhos que melhor conduzam a efetivação do Curso. Os preconceitos que
circundam a LEDOC são diversos, tanto com seus discente como com os docentes. A
ideia de que é um curso que não é da UFERSA, que é muito fácil passar e que não tem
“mercado” de trabalho, compõem o imaginário de quem ainda não acostumou-se a
dividir os espaços com a classe trabalhadora. Porém, os sujeitos que compõem esse
Curso já começam a compreender seu papel, e, de uma forma ou de outra, incomodando
a alguns e alegrando a outros, esse Curso já começa a cumprir seu papel histórico.
4.4. DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NO
PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO (PPC) DA LEDOC
Destacamos esta seção para apresentar o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) da
LEDOC/UFERSA e tecer algumas reflexões sobre a ocorrência do diálogo, da
epistemologia/conhecimento e da autonomia como fatores de desenvolvimento de uma
Educação do Campo Popular. O objetivo é buscar essas palavras chaves no Projeto do
Curso, isso de certa forma nos ajudará na última parte desse trabalho, momento em que
analisaremos essas palavras a partir dos discursos dos educandos. Destaque-se ainda
que nossa aproximação teórica nessa discussão está majoritariamente assentada em
Paulo Freire, por isso, amiúde, suas citações e reflexões se presenciaram no texto desta
seção.
O PPC foi elaborado com o objetivo primeiro de concorrer ao Edital nº 02/2012,
que como já detalhamos é o Edital PROCAMPO. O PPC inicia com uma apresentação
de aspectos gerais sobre a necessidade do Curso de Licenciatura em Educação do
Campo e já nessa apresentação podemos sublinhar a ocorrência do diálogo e da
epistemologia/conhecimento quando afirma que os povos identificados com o campo
“têm o pleno direito de acessarem uma educação diferenciada, que contemple as suas
singularidades no que concerne aos modos de viver, produzir e aos saberes do campo”
(PPC LEDOC UFERSA, 2013).
Destaque-se inicialmente que as categorias diálogo, epistemologia/conhecimento
e autonomia são oriundas da Educação Popular. Resgatamo-las para esse trabalho por
entendermos que essa perspectiva educacional representa a própria Educação Popular.
107
Nesse sentido, se ela almeja uma educação dialógica, que respeita a construção
epistemológica dos povos do campo e ao mesmo tempo busca fomentar autonomia
nessas populações, a ela chamamos Educação do Campo Popular. Destacamos que o
termo “Campo Popular” foi conceituado por Paludo (2009), da qual nos utilizamos
como suporte:
O Campo Popular, embora nem sempre de forma explícita nos textos,
decorre de um pressuposto de análise da realidade que compreende a
sua dinâmica como sendo posta em movimento pela inter-relação entre
uma quantidade significativa de forças que são políticas e culturais e se
articulam conformando campos sociais, que sempre guardam relação
com a esfera da economia. Estes campos possuem “visões sociais de
mundo” que orientam tanto as teorizações da realidade, quanto as ações.
(PALUDO, 2009, p. 45).
Assim, nesse texto, quando falamos em Educação do Campo, estamos falando
de Educação do Campo Popular a partir do conceito de popular de Melo Neto (2015, p.
34) quando afirma: “Uma ação é popular quando é capaz de contribuir para a
construção de direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político”.
Desse modo, é importante pensar as categorias diálogo, epistemologia/conhecimento e
autonomia a partir de uma estrutura de fato imbuída do sentido de uma educação
libertadora. Segundo Ribeiro (2010, p. 43):
Do mesmo modo que a expressão campo remete às lutas históricas do
campesinato, educação popular carrega o sentido das organizações
populares do campo e da cidade que, na sua caminhada histórica,
participam, realizam e sistematizam experiências de educação
popular. Estão compreendidas nessas experiências, entre outras, a
criação do método Paulo Freire (Freire, 1979; Barreiro, 1980; Paludo,
2001) e a Educação do Campo (Arroyo; Caldart; Molina, 2004), em
que os movimentos camponeses desempenham papel central.
Assim destacamos essa análise do PPC da LEDOC como parte importante para a
sequência do trabalho, pois aponta o horizonte pensado para a formação acadêmica dos
sujeitos do campo. Assim, observamos que ao mencionar uma educação diferenciada, já
na apresentação inicial, o PPC está partindo da perspectiva de educação para o diálogo,
uma vez que a chamada educação tradicional caracteriza-se pelo caráter do
autoritarismo, como aponta Paro (2016).
A palavra diálogo tem origem grega e é formada por dia (que significa
movimento) e logos (que equivale a palavra). Assim, essa palavra está alinhada ao
sentido de movimentação das palavras, ou seja, a evolução de um determinado tema em
108
discussão até que se chegue a um estágio superior. Diferentemente do que se costuma
dizer, o diálogo não está diretamente ligada a “dois”. No meio coloquial e até mesmo
acadêmico, diálogo é colocado como conversa, ou debate, o que também caracteriza
uma meia verdade.
No mesmo sentido, ao propor uma educação que contemple os saberes dos
povos do campo, está tratando da epistemologia da Educação do Campo, ou seja, os
saberes que as pessoas que vivem no campo adquiriram ao longo da vida e do trabalho e
como repassam esses conhecimentos aos demais. Esse é um ponto nevrálgico ao debate
da Educação do Campo na contemporaneidade, pois sua base epistemológica consiste
na produção histórica de conhecimentos a partir das experiências do trabalho no campo,
na luta por direitos e na vida mesma dos próprios sujeitos do campo.
Outro aspecto que merece destaque é a concepção de convivência com o
semiárido que se encontra marcada no PPC do Curso, é a superação da ideia de combate
a seca e o caminho rumo a autonomia dos povos do campo a partir do uso de
tecnologias sociais16 que atenuem os efeitos do fenômeno natural da seca. O aprender a
conviver nesse clima é a libertação de antigas amarras, é o investimento em animais
mais adaptados ao semiárido, como caprinos, ovinos, apicultura, em detrimento do boi,
cuja alimentação requer grandes quantidades de nutrientes, é a diversidade da produção,
fugindo da tríade feijão-milho-mandioca, tudo isso são processo educativos assentados
na agroecologia que proporcionam autonomia e melhora a condição de vida de quem
vive no campo.
Logo após a apresentação, o PPC traz uma caracterização da UFERSA,
apontando aspectos regionais, nacionais e a transformação da ESAM em UFERSA, não
vamos nos demorar nesses aspectos, pois além de já o termos abordado, muitos dos
dados apresentados já se encontram desatualizados.
Após a Apresentação, o item 2.3 trata da justificativa e marco conceitual,
metodológico e legal para a criação da LEDOC. Inicia com aspectos gerais da região do
semiárido potiguar destacando a necessidade de uma revisão nas práticas pedagógicas
que foram engendradas a partir de uma visão estereotipada do semiárido. Nesse sentido,
chama a atenção para o trabalho pedagógico fincado numa proposta contextualizada a
partir de práticas dialógicas.
16 No semiárido a concepção de tecnologias sociais está diretamente ligada a capacidade de inovação ou
reinvenção dos aspectos naturais para a melhor convivência com o clima seco e de pouca chuva. Por
exemplo as cisternas representam uma tecnologia social para lidar com o período de seca.
109
No mesmo sentido, podemos observar no item 2.4, que trata dos objetivos do
curso “Os/as educadores/as do campo formados pela UFERSA estarão preparados para
compreender a realidade social e cultural específica das populações que vivem no e do
campo e incorporar práticas pedagógicas que promovam o desenvolvimento social”
(PPC LEDOC UFERSA, 2013, p. 18).
Ainda que não apareça explicitamente, a presença da autonomia, em
“desenvolvimento social” é notória, sobretudo porque trata da atuação docente, ou seja,
é uma atribuição em que além de os sujeitos se emanciparem geram também
emancipação. Ainda em referência aos objetivos, destacamos:
c) Formar educadores/as para atuação na Educação Básica aptos
a fazer a gestão de processos educativos e a desenvolver
estratégias pedagógicas que visem a formação de sujeitos
autônomos e criativos capazes de produzir soluções para
questões inerentes a sua realidade, vinculadas à construção e
execução de projetos sustentáveis que estimulem a fixação das
populações no campo (PPC LEDOC UFERSA, 2018, p. 18)
Destaque-se que a formação de “sujeitos autônomos” como um objetivo
almejado pelo Curso tem centralidade em importância e fomenta um aspecto necessário
à docência. Portanto, a autonomia, é um processo que está intimamente ligado à
emancipação, à libertação e ao resultado da ação pedagógica, ou seja, a conquista da
alfabetização, do trabalho digno, do acesso aos direitos, do respeito. Podemos dizer, por
exemplo, que a alfabetização é o processo que conduz à autonomia do analfabeto,
porém, essa alfabetização precisa necessariamente conduzir esse educando a um
patamar de interação social, de intervenção e participação para a melhoria do mundo.
Caso não atinja esse objetivo, deveras, não houve autonomia.
Ainda no campo dos objetivos observamos destaque-se: “h) Estimular o diálogo
entre as IES que oferecem a Licenciatura em Educação do Campo e demais parceiros no
sentido de articular ações de ensino, pesquisa e extensão voltadas para as demandas da
Educação do Campo” (UFERSA, 2013, p. 19). Como sabemos, na Educação do Campo,
o diálogo é uma categoria encontrada abertamente, está presente nos discursos, textos e
documentos oficiais. No entanto é fundamental que essa narrativa esteja imbuída de
sentidos e compromisso ético para com a materialização desse princípio.
Segundo Freire (1983), o diálogo está intimamente ligado aos processos de
democratização, de participação coletiva. É a capacidade de acreditar que as classes
populares têm algo a cooperar com a ação educativa, não somente que receber
110
educação, que ser educada. Assim, uma perspectiva educativa dialógica implica,
necessariamente, uma escola democrática. Está aí também a razão do autoritarismo
impregnado nos espaços educativos, que silencia e que minimiza outras formas de
saber. Ora, uma escola autoritária só combina com tais práticas, ao passo que uma
escola dialógica é, necessariamente, uma escola democrática. Isso fica evidente nas
palavras de Vitor Paro (2016, p. 29), ao afirmar que:
Uma educação que não assume a condição de sujeito do educando
aplica-se muito bem na escola hierarquizada que temos; uma educação
que se resume à passagem de “conteúdos” pode dar-se muito bem com
as disciplinas estanques e com a grade curricular restrita a
conhecimentos e informações; uma escola incapaz de fazer-se
competente precisa de um currículo seriado, em que a promoção ou
retenção em determinada série funciona como medida da maior ou
menor culpa do aluno por seu não aprendizado.
Para Freire (2011a,) o diálogo transforma e humaniza, implica sempre mudança,
crescimento humano a partir da interação com o mundo e com o outro. Numa
perspectiva educativa, Freire (2011, p. 96) irá dizer que:
Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que
rompe com os esquemas verticais característicos da educação
bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a
contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe
seria possível fazê-lo fora do diálogo.
Assim, Freire define o diálogo como ação, chamando a atenção para o
compromisso que deve ter entre sujeitos que se pretendem transformadores e a realidade
concreta a que todos estamos imersos. Na Educação do Campo a concepção de diálogo
enquanto ação/transformação é ratificada por Arroyo; Caldart; Molina (2012, p. 155) ao
afirmar que: “É isso que afirmamos que não há como verdadeiramente educar os
sujeitos do campo sem transformar as circunstâncias sociais desumanizantes e sem
prepará-los para serem os sujeitos dessa transformação”.
Neste sentido, o/a docente da Licenciatura em Educação do Campo, assim
como a Coordenação e demais gestores/as envolvidos/as, estarão
constantemente articulados/as com as demais IFES que oferecem o Curso,
além de manterem um diálogo permanente com as comunidades do campo
parceiras no sentido de organizar o trabalho pedagógico para a formação
humana contextualizada e de garantir a qualidade das atividades a serem
desenvolvidas no Tempo/Comunidade (UFERSA, 2013, p. 27).
111
Nesse mesmo sentido, Paulo Freire também chama a atenção para a não invasão,
a não manipulação dos que “sabem” perante o saber dos que “pensam que nada sabem”.
Assim, “O homem radical na sua opção, não nega o direito ao outro de optar. Não
pretende impor sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido de seu acerto, mas
respeita no outro o direito do outro também julgar-se certo” (FREIRE, 1983, p. 50). A
partir do diálogo entre as diferentes formas de saber é que surgirá mudança ou
movimento, como está posto na etimologia da palavra diálogo.
Na Educação do Campo, o diálogo inicia os processos de ensino e
aprendizagem. A partilha entre o saber dos camponeses, e os saberes científicos dos
professores, por exemplo, é um veio importante para a condução dos novos saberes.
Nesse sentido, podemos observar a ocorrência do diálogo no PPC da LEDOC na forma
de organização curricular, ao afirmar que: “g) Cada etapa poderá ter um foco temático
ou de práticas cuja definição será uma construção processual no curso, integrando o
planejamento específico da etapa: diálogo entre o Projeto Pedagógico, o processo
pedagógico da turma e demandas do movimento da realidade de atuação dos
estudantes” (UFERSA, 2013, p. 31)
Desse modo, o processo educativo dialógico é capaz de formar sujeitos ativos
que atuarão junto às necessidades de transformação inerentes às estruturas sociais, de tal
modo que somente com uma prática fincada no diálogo, enquanto “ser diálogo”
possibilita êxito nas mudanças ensejadas. Assim, o diálogo requer crença consciente na
possibilidade de transformação das pessoas e da sociedade. Por isso mesmo, requer
partilha de responsabilidade. Nesse sentido, Freire (1996, p. 30-31) levanta algumas
questões importantes:
Por que não discutir com alunos a realidade concreta a que se deve
associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em
que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito
maior com a morte do que vida? Por que não estabelecer uma
“intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a
experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir
as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos
dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida
neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente
pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é
partido.
Nesses termos, o diálogo não impõe, não obriga e não vence. O diálogo
transforma seus participantes, provoca mudanças nas diferentes ideias, por isso não
112
pode haver vencedor, já que isso implicaria em haver vencido. Diálogo não é uma
disputa interessada na sobreposição das ideias. O que há é uma predisposição
interessada, consciente e respeitosa para com o saber do outro, buscando, a partir dele,
saber mais e melhor, ao mesmo tempo que provocará alguém que também saberá mais e
melhor. Assim é que o diálogo caracteriza-se enquanto tarefa primária daqueles e
daquelas interessadas na construção do paradigma da Educação do Campo Popular.
Desse modo, mesmo sendo fulcral reconhecer nossa ainda “inexperiência
democrática” (FREIRE, 1983), reconhecendo que esta é uma mácula cujas
consequências ainda são fortes em nossa sociedade, materializada, sobretudo no
autoritarismo que caracteriza nossas instituições, é também de suma importância a
construção desse novo horizonte, de uma nova perspectiva educativa assentada no
diálogo e no respeito aos saberes das populações historicamente invisibilizadas.
Desse modo, evidenciamos junto ao PPC da LEDOC uma rica aproximação
entre as comunidades rurais da Região do Oeste potiguar e os objetivos do Curso, uma
aproximação dialógica, sobretudo, no plano teórico. Mais adiante analisaremos esse
diálogo a partir dos discursos dos alunos, momento em que será possível analisar a
materialização ou não do diálogo no Curso enquanto uma ferramenta para a promoção
da Educação do Campo.
A nossa segunda categoria a ser analisada junto ao PPC é a epistemologia.
Etimologicamente a palavra epistemologia é composta pelos termos gregos episteme
(ciência) mais logos (estudo). Ou seja, é o ramo da ciência ou filosofia que se ocupa de
entender a origem, a organização, as mudanças e resultados que transformam o
conhecimento ao longo da história. Segundo Oliveira (2016), epistemologia é um
campo da filosofia que estuda o conhecimento.
Assim, mesmo reconhecendo que há uma vasta discussão nesse campo, quanto
às diferenças e conceituações, destacamos que nesse trabalho, epistemologia tem
equivalência em conhecimentos e saberes, ambos no plural devido a amplitude de suas
envergaduras. Trabalhamos com o conceito de conhecimento, para além do
conhecimento acadêmico, escolar ou científico ou formal, que também são importantes
formas de conhecer, mas são uma entre outras, incluindo os conhecimentos e saberes
populares.
Portanto o conhecimento representa a pluralidade das culturas, é a condensação
das experiências vivenciadas tanto individual quanto coletivamente. Representa ainda,
as subjetividades que caracterizam os seres humanos. Assim, é possível perceber que as
113
dimensões que circundam o conhecimento são significativas, do mesmo modo é preciso
reconhecer que resumir a amplitude representativa do conhecimento a um único tipo é
um prejuízo e um risco. Um aspecto importante a ser sublinhado, diz respeito as
atribuições políticas impressas ao conhecimento, por exemplo, Burker (2003, p. 21)
afirma que: “No início da Europa moderna, as elites frequentemente identificavam o
conhecimento com o conhecimento que detinham”. Isso nos apresenta uma conotação
que por vezes passa despercebido, ou seja, o caráter de classe do conhecimento.
Embora o PPC da LEDOC não faça menção abertamente a esse aspecto,
podemos observar a incidência dessa categoria de forma implícita em algumas ocasiões.
O Projeto toma de empréstimo do Estatuto da UFERSA o princípio de produzir e
difundir conhecimento na região do semiárido.
A luta histórica da Educação do Campo é, entre outras, por reconhecimento dos
saberes populares e tradicionais das pessoas do campo. Desse modo, observamos o
conhecimento enquanto “competências e habilidades” requeridas ao professor/a em
formação da LEDOC: “e) Compreensão crítica do processo histórico de produção do
conhecimento científico e suas relações com os modos de produção da vida social”
(PPC LEDOC UFERSA, 2013, p. 25). Desse modo, essa formação busca, a partir da
epistemologia da prática, superar desafios postos pela multiplicidade de saberes que
envolvem tanto os discentes quanto os docentes.
Desse modo, numa perspectiva epistemológica, entende-se que todas as pessoas
são sujeitos de algum tipo de conhecimento. Depreende-se também que há um saber
sistematizado e referendado socialmente que todos os sujeitos têm o direito de acessar.
É nesse sentido que reside a importância da valorização da epistemologia dos sujeitos
do campo como forma de construir processos educativos desenvolvidos na
universidade. A LEDOC busca isso em seu PPC quando afirma que: “Neste sentido,
pretende-se promover um aprofundamento do conceito de conhecimento,
desenvolvendo, ainda, um posicionamento crítico acerca das concepções da ciência
moderna articuladas à problemática sócio-ambiental na contemporaneidade” (UFERSA,
2013, p. 27).
Por isso, a concepção de conhecimento com a qual tanto a escola do campo
quanto aqueles que estão se formando em Educação do Campo devem ter, é uma
compreensão respeitosa, amorosa e séria para com os conhecimentos populares, visto
que qualquer fuga desta amplitude é uma forma de cair no reducionismo empreendido
ao longo da história pela educação autoritária.
114
A autonomia é outro aspecto que aparece difusamente no PPC, julgamos ser
importante que esse princípio estivesse presente no Projeto de forma mais contundente,
tendo em vista que representa um ponto central enquanto objetivo geral do paradigma
da Educação do Campo. Desse modo, não podemos nos distanciar de Paulo Freire
(1997, p. 121) para quem, autonomia tem a ver com “amadurecimento do ser para si, é
processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada”.
Perceber-se-á que a autonomia está ligada à condição de busca, de superação e
de conquista. Portanto, não pode ser uma doação dos dominantes para os dominados.
Não pode ser um presente. Por isso mesmo, em sentido strictu, ninguém torna ninguém
autônomo. Por outro lado, não é possível haver autonomia isoladamente. Nesse sentido,
o papel do Curso está diretamente ligado à promover condições para que o sujeito
conquiste sua autonomia. Conforme assinala Freire (1996, p. 59):
O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo
ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.
Precisamente porque éticos podemos desrespeitar a rigorosidade da
ética e resvalar para sua negação, por isso é imprescindível deixar
claro que a possibilidade do desvio ético não pode receber outra
designação senão a de transgressão.
Na Educação do Campo, a autonomia é parte fundante enquanto objetivo a ser
alcançado. Por isso requer compromisso ético e político daqueles e daquelas envolvidos
nesse processo. Também requer respeito às diversidades imanentes aos sujeitos do
campo e suas múltiplas formas de organização de vida, de igual modo, respeita a
historicidade que moldou esses sujeitos em determinadas condições.
Um ponto a ser destacado, diz respeito a ausência da autonomia junto ao PPC
LEDOC, a palavra aparece um única vez referindo-se a “autonomia universitária”, ou
seja, não refere-se a nenhum dimensão específica do Curso. Esse ponto pode representar
implicações significativas, visto que, a autonomia, como já dito, está diretamente ligado
a uma finalidade, ou seja, um objetivo a ser almejado. Se o Documento ausenta-se desse
objetivo, torna-se controverso construir Educação do Campo nesse Curso. Assim,
promover autonomia implica posicionar o sujeito no seu tempo histórico, vendo-o
tornar-se protagonista das mudanças que a sociedade enseja. Nesse mesmo sentido,
Freire (2014a, p. 16) nos explica que:
Uma das tarefas do educador ou educadora progressista, através da
análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não
importam os obstáculos, para a esperança, sem a qual pouco podemos
fazer porque dificilmente lutamos, e quando lutamos, enquanto
115
desesperançados ou desesperados, a nossa luta é uma luta suicida, é
um corpo a corpo puramente vingativo.
Daí que autonomia não seja vingança, não é a promoção do oprimido à condição
de opressor, se assim for, de igual modo, não será autonomia. A condição de opressor
não é nem poderia ser lugar de autonomia. Ele está preso à sua imaturidade dialógica e à
incapacidade de amar o mundo, os outros e a si mesmo. Daí também que tenhamos
apreendido com Freire (2011) que a educação somente é libertadora quando o sonho do
oprimido não é o sonho de tornar-se opressor, e que apesar de cada oprimido carregar
em seu âmago o germe do opressor a educação libertadora, contextualizada que
possibilita autonomia é uma ferramenta para a superação deste obstáculo histórico.
Aqui reside uma das grandes tarefas da educação enquanto emancipação, em
descolonizar e desmistificar pensamentos individualistas e antisolidários. De modo
semelhante, Freire (2014a, p. 56) afirma que:
Aí está uma das tarefas da educação democrática e popular, da
Pedagogia da esperança – a de possibilitar nas classes populares o
desenvolvimento de sua linguagem, jamais pelo blá-blá-bla autoritário
e sectários dos “educadores”, de sua linguagem, que, emergindo da e
voltando-se sobre sua realidade, perfile as conjecturas, os desenhos, as
antecipações do mundo novo. Está aqui uma das questões centrais da
Educação Popular – a da linguagem como caminho da invenção da
cidadania.
Por isso, a tão importante tarefa de promover nos sujeitos envolvidos no
processo educativo da Educação do Campo autonomia para construir sua própria forma
de pensar, de analisar a realidade. Preferencialmente, que esse pensar esteja alinhado
aos interesses coletivos, às formas mais humanistas de convivência, pois “Conscientizar
não significa, de nenhum modo, ideologizar ou propor palavras de ordem” (FREIRE,
1983, p. 12). Com isso depreende-se que a mesma reflexão aplica-se à autonomia, cujo
processo é adquirido a partir da realidade de cada um, de forma não autoritária, mas
dialógica.
Como já dito, à autonomia não se presenteia, é sempre uma conquista.
Principalmente, por que não há modelo de autonomia que satisfaça todos os sujeitos, ela
é individual. Por isso para se alcançar é preciso esforço e luta coletiva, mesmo que
pareça paradoxal, não é. O horizonte é coletivo, mas a subjetividade de cada um
determina aquilo que chamará de autonomia. Não se espraia autonomia, não se
116
terceiriza, por isso que, não é somente um conceito, mas antes de tudo, um esforço
consciente de cada sujeito por entender em que consiste sua autonomia.
Assim, esperamos ter discutido o sentido de autonomia nessa seção. Não nos
interessa aprofundar as explicações uma vez que esses conceitos estão dissolvidos ao
longo de todo o trabalho, ainda mais na última seção. O nosso interesse é apontar o
sentido com o qual nos alinhamos neste trabalho, destacando a Educação do Campo
como lócus importante para o fomento de sujeitos autônomos, preparando as
necessárias mudanças ensejadas nesse nosso tempo para a intervenção na sociedade.
Por fim, após o trabalho do diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia
junto ao PPC LEDOC, podemos dizer que não basta garantir a presença dessas
categorias nos documentos oficiais, é preciso materializá-las, porém quando estão
ausentes desses documentos sua pretendida materialização torna-se um trabalho ainda
mais complexo, uma vez que a finalidade dos documentos é de suporte ao trabalho
pedagógico.
Desse modo, a ausência de algumas categorias importantes e caras à Educação
do Campo, como a autonomia, no PPC do Curso, nos parece uma contradição
significativa. De toda forma não é nosso interesse levantar julgamentos acerca da
produção do Projeto de curso em questão. Nosso objetivo é analisar todas as
possibilidades que possam vir a ser usadas como instrumento de promoção da
conscientização dos sujeitos na LEDOC, de sorte que vemos no PPC do Curso uma
importante ferramenta para tal.
4.5. CONHECENDO OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO DA
LEDOC/UFERSA: PERFIL DISCENTE
O perfil discente é uma das partes mais importantes a serem destacadas nessa
pesquisa, ao mesmo tempo foi também uma das mais complexas para ser realizada, isso
porque como o Curso encontra-se em andamento e isso já caracteriza um fenômeno
complexo, aspectos como quantidade de alunos, semestre letivo, local de residência, são
fatores que podem, e devem sofrer alterações com o decorrer do tempo, porém, vamos
nos ater aos números do semestre 2018.2 enquanto referência para o estudo. Outro
ponto relevante sobre o perfil do alunado é que não encontramos nas Pró-Reitorias
responsáveis, a sistematização desse perfil, nesse sentido, essa foi uma atribuição a qual
nos coube o protagonismo que passamos a desenvolver a partir de agora.
117
A LEDOC tem hoje, segundo a Pró-reitoria de Graduação, 260 alunos
matriculados e distribuídos em seis turmas de semestres diferentes. Esses educandos e
educandas compreendem os municípios de Angicos, Apodi, Areia Branca, Assú,
Baraúna, Campo Grande, Felipe Guerra, Governador Dix Sept Rosado, Grossos,
Janduis, Mossoró, Portalegre, Porto do Mangue, São Rafael, Serra do Mel, Tibau e
Upanema, todos no Rio Grande do Norte e Aracati, no Estado do Ceará. Na imagem
que selecionamos abaixo pode ser visualizada uma parte desses discentes.
Imagem VI: Alunos da LEDOC
Fonte: www.ufersa.edu.br/noticias (2018)
Alguns desses municípios disponibilizam transporte escolar para os alunos se
deslocarem até às universidades de Mossoró, sobretudo a UFERSA, UERN e IFRN, é o
caso de Upanema e Areia Branca. Em outros casos, como Apodi, a prefeitura paga o
combustível e os alunos pagam o motorista, são arranjos conquistados quase sempre
com organização dos próprios estudantes junto às prefeituras. Destaque-se que, a
maioria dos alunos/as desses municípios moram zona rural, como veremos, de forma
que precisam se deslocar dos assentamentos ou sítios até o local de acesso ao ônibus
escolar.
Em outros municípios os alunos não dispõem de nenhuma ajuda por parte do
poder municipal, cabendo aos mesmos arcarem com as despesas integrais pelo
transporte. Até 2017 os alunos tinham transporte custeado através dos recursos do Edital
PROCAMPO. Porém, esses recursos se exauriram e após esse momento tiveram que
buscar outras formas para se deslocarem das comunidades à Universidade.
118
Os sujeitos que compõem o Curso refletem a diversidade inerente às
comunidades camponesas do semiárido. As pessoas adultas, por exemplo, representam
um número expressivo do corpo discente. Em alguns casos a conclusão do Ensino
Médio foi realizada na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). Isso quer dizer
que durante certo tempo essas pessoas tiverem que optar entre estudar ou trabalhar.
Desse modo, com o objetivo de traçar o perfil discente na LEDOC/UFERSA
aplicamos questionário nas diversas turmas que compõem o Curso, desde aqueles que
estão ingressando até as turmas que estão concluindo. Excluídos os alunos e alunas que
não estavam presentes às aulas e uma das turmas sem aula, chegamos a um total de 130
participantes, o que para nós é um recorte expressivo e que representa um perfil
confiável do/da discente da LEDOC hoje. Assim, chagamos a alguns dados que
julgamos fundamentais para compreender o perfil do aluno e da aluna do Curso. O
primeiro dado a se constatar é o quantitativo expressivo de mulheres. A presença
feminina na LEDOC pode ser verificada no Gráfico abaixo:
Gráfico I: Representação discente por sexo
Fonte: Elaboração do autor, 2018.
Conclui-se que o Curso é formado por 81% de mulheres e 19% por homens.
Esse dado é significativo quando se analisa a luta histórica das mulheres, que, no
campo, sempre teve agravantes maiores, onde o patriarcado exerce domínio cultural e
ideológico sobre esse público de forma muito contundente. Observa-se, portanto que a
LEDOC insere-se dentro de uma política educacional que transborda para outras
Feminino Masculino
0
20
40
60
80
100
120
Quantitativo por sexo
Feminino
Masculino
119
perspectivas, possibilitando a construção de autonomia para as mulheres do campo a
partir do acesso ao ensino superior.
Nesse sentido, as mulheres do semiárido ocupam um espaço importante que é a
Universidade. No entanto, essa conquista tem um preço, muitas mulheres/alunas
enfrentam relações conjugais machistas, com maridos que tentam impedir a frequência
delas junto ao Curso, implicando, inclusive em desistência, porém, muitas vezes
também a resistência e a conquista desse espaço se sobressai sobre relações opressoras e
externam a beleza da superação e da emancipação.
Outro dado importante a ser analisado quanto ao perfil discente é a idade.
Observa-se que a grande maioria do público (60%) é formado por jovens entre 18 e 25
anos. Isso significa também o protagonismo da juventude que tem lutado ao longo das
décadas por educação, e com mais efervescência por Ensino Superior.
Gráfico II: Idade dos educandos/as da LEDOC/UFERSA
Fonte: elaboração do autor, 2018.
A região do semiárido potiguar vem despontando em questões de
desenvolvimento social, e nesse sentido, a presença da juventude na Universidade
simboliza um aspecto relevante para fortalecer essa conquista e as transformações
sociais que são necessárias. Ao mesmo tempo em que tem um grande percentual de
jovens, a LEDOC também recebe um percentual relevante de pessoas com idade mais
elevada, sobretudo, nas duas últimas categorias, de 35 a 40 e acima de 40 anos. São
pessoas que buscam através do acesso ao Curso retomar sonhos deixados “de molho”
Amostragem por idade dos alunos/as da
LEDOC
18 - 25
26 - 30
31 - 35
36 - 40
Acima de 40
120
durante muitos anos, cujas razões são muitas, mas tento na falta de oportunidade sua
principal representante.
Seguindo esse mesmo objetivo, buscamos conhecer a renda familiar desses
sujeitos, isso por entendermos que essa informação também é relevante para
compreender a dinâmica social desses sujeitos. Inserimos no questionário as seguintes
opções; a) menos de 1salário mínimo; b) entre 1 e 3 salários mínimos; c) entre 3 e 5
salários mínimos e d) acima de 5 salários. Os resultados observados apontam para
somente as duas primeiras opções, ou seja, ninguém do público que trabalhamos optou
pelas duas últimas opções. 51% responderam que ganham menos de um salário mínimo
e 49% responderam que vivem com renda familiar entre 1 e 3 salários mínimos. Isso
pode ser verificado no Gráfico abaixo:
Gráfico III: Renda familiar dos educandos/as da LEDOC/UFERSA
Fonte: Elaboração do autor, 2018.
Depreende-se desses dados que o perfil geral dos/as discentes da LEDOC não
passa de 3 salários mínimos, sendo que 50% apresentaram renda inferior a 1 salário
mínimo, algo que merece destaque pois, analisando a partir de uma perspectiva
econômica é um público formado por pessoas essencialmente advindas das classes
trabalhadoras. Ao mesmo tempo veem na formação a possibilidade de aumentar a renda
familiar cuja base está ligada à agricultura e aos programas sociais do governo,
sobretudo as políticas de distribuição de renda, como Bolsa Família, os créditos de
financiamento rural, de moradia, energia elétrica e convivência com a seca.
Renda familar em salários mínimos
Abaixo de 1entre 1 e 3Entre 3 e 5
121
Nesse momento apresentamos outro gráfico para ajudar a entender o perfil do
aluno/a da LEDOC/UFERSA, esse dado também evita a homogeneização dos sujeitos.
Uma suspeita já levantada foi comprovada pelo questionário, qual seja: o corpo discente
do Curso não é formado somente por alunos da zona rural. Vejamos no gráfico a seguir:
Gráfico IV: Local de residência dos alunos/as da LEDOC/UFERSA
Fonte: Construção do autor, 2018.
Observamos que do total pesquisado, 63% dos/as estudantes moram na zona
rural ao mesmo tempo em que 47% moram na zona urbana. Antes de mais nada,
destaque-se que o Curso não se destina exclusivamente às pessoas que moram no
campo, como expõe o Edital 021/2018:
1.3. O Processo Seletivo de que trata este Edital terá como público-alvo:
a) Professor/a em exercício nas escolas do campo da rede pública que, tendo
o Ensino Médio concluído, não tenha formação de nível superior;
b) Profissionais da educação que atuem nos centros de alternância ou em
experiências educacionais alternativas de Educação do Campo ou vinculados
a movimentos sociais ou sindicais do campo ou movimentos sociais urbanos
que desenvolvem atividades voltadas para as populações do campo, que,
tendo o Ensino Médio concluído, não tenham formação de nível superior;
c) Profissionais da educação com atuação em programas governamentais que
visem à ampliação do acesso à Educação Básica da população do campo,
que, tendo o ensino médio concluído, não tenham formação de nível superior;
d) Jovens e adultos residentes em comunidades do campo que tiverem
concluído o ensino médio ou curso equivalente e que não tenham formação
em nível superior. (UFERSA, 2018).
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Zona Rural Zona Urbana
Local de residência
122
Como pode ser visto, o Curso destina-se, de modo geral a profissionais com
atuação na Educação Básica das escolas do campo que ainda não possuem nível
superior. No entanto, como veremos, muitos discentes, ainda não têm atuação
profissional. Desse modo, enquadram-se no último critério, que requer jovens e adultos
residentes em comunidades do campo que tenham concluído o Ensino Médio.
Nesse ponto, podemos observar de forma material a busca pela formação de
profissionais para atuação na zona rural, com destaque tanto para quem já atua, mas
ainda não tem formação, como para as camadas juvenis que moram no campo e que
pretendem atuar nas escolas das suas próprias comunidades rurais. Vejamos a seguir a
amostragem formulada sobre a atuação docente:
Gráfico V: Atuação discente na Educação Básica.
Fonte: Construção do autor, 2018.
Esse Gráfico demostra que a grande maioria (75%) dos/as discentes do Curso
nunca atuaram na Educação Básica. Porém, como vimos no gráfico referente à idade,
são pessoas jovens que estão entre 18 e 25 anos, logo, são potenciais professoras e
professores para suas comunidades com a oportunidade de uma formação diferenciada e
uma atuação docente mais centrada na realidade local dos alunos e alunas do campo.
Destacamos finalmente, o último Gráfico como requisito para a construção
daquilo que viemos chamando de perfil discente da LEDOC. Na última parte do
questionário, perguntamos sobre a participação dos sujeitos em organizações sociais.
Destaque-se que por ocasião do momento, explicamos no ato da aplicação do
questionário o que estávamos chamando de organizações sociais: os Movimentos
Atuação docente na Educação Básica
Estou AtuandoJá atuei
Nunca atuei
123
Sociais, sindicados, ONGs, cooperativas, Associações, Grupos de mulheres entre
outros.
Gráfico VI: Participação dos alunos/as do Curso em algum tipo de organização social
Fonte: Construção do autor, 2018.
A partir dos dados coletados verificamos que 70% do alunado não está ligado a
nenhuma organização social, ao passo que 30% têm algum vínculo a esses coletivos.
Esse dado é importante pois desmistifica o pensamento de que esse é um curso para
militantes de movimentos sociais. Em que pese sua história, já destacada aqui, a
LEDOC é um curso que atende ao perfil descrito anteriormente em que os movimentos
sociais são parceiros e ajudam na construção, sem, contudo, ter exclusividade.
A ligação das LEDOCs com os movimentos sociais é uma realidade
nacionalmente e tem representado um ponto importante para garantir a permanência
desses cursos junto às universidades. Na LEDOC/UFERSA, embora essa relação não
seja tão forte, ainda assim tem importância significativa, pois os alunos que participam
desses espaços trazem o posicionamento e a visão dos movimentos sobre educação e
sociedade. Essa visão, que por vezes entra em choque com a estrutura da Universidade é
importante para as construção da pluralidade de pensamento e construção do
conhecimento.
Desse modo, podemos agora formatar o perfil do sujeito da LEDOC/UFERSA e
afirmar que esse perfil é formado majoritariamente por mulheres, jovens, com idade
entre 18 e 25 anos, com uma renda familiar baixa, de no máximo três salários mínimos.
Participação em organizações coletivas
Sim, participo
Não participo
124
A maioria dessas pessoas moram na zona rural e nunca atuou na Educação Básica, ao
mesmo tempo também não têm participação em organizações sociais.
Como observado é um perfil com potencial latente e ávido por oportunidades e
mudanças. Essas pessoas que em muitos casos romperam amarras e desafiaram
estruturas conservadoras para ingressarem no Curso, começam a compreender o papel
do Ensino Superior nas suas vidas enquanto classe trabalhadora, percebem que essa
oportunidade pode representar uma porta para acessar outros espaços ainda mais
elevados. Sabem contudo, que para garantir a permanência e a continuidade dessa
política pública de Educação do Campo se faz necessário contribuir, a partir da
perspectiva discente, com o fortalecimento e defesa do Curso junto à Universidade e a
sociedade.
Com esse pensamento, encerramos esse Capítulo que objetivou escrutinar a
política nacional de Educação do Campo, passando pela instituição da LEDOC na
UFERSA e culminando com a análise do perfil dos discentes que compõem esse Curso.
Desse modo, essa seção foi de grande importância para apresentar e divulgar o que
efetivamente são os cursos de licenciatura em Educação do Campo e qual sua
importância para os sujeitos que vivem no campo. Finalmente, destaque-se desde já a
necessidade de revisão de alguns aspectos teóricos e práticos que perderam sua
originalidade e acabam não cumprirem sua real função, como a Pedagogia da
Alternância. No próximo capítulo teremos a oportunidade de conhecer melhor os limites
e possibilidades desse Curso, dessa vez, a partir das vozes dos educandos/as do
LEDOC.
125
5. AS VOZES DOS SUJEITOS DO CAMPO: DIÁLOGO,
EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NA LEDOC DA
UFERSA
Dizer que os homens são pessoas e,
como pessoas, são livres,
e nada concretamente fazer para que esta afirmação se objetive,
é uma farsa.
Paulo Freire
5.1 NOTAS INICIAIS
Educação não é escola/universidade, ainda que também seja.
Escola/universidade não é somente conteúdo, professor e alunos, ainda que também
seja. Educação, são formas de comportamento, costumes, hábitos, crenças. E o que é
mais complexo, nenhuma destas esferas pode ser modificada sem necessariamente
implicar em mudanças nas demais. Assim, a escola é um dos lugares em que a
perpetuação (ou quebra) desses paradigmas ocorrem. Por isso mesmo é tão importante
entender a escola enquanto um lugar complexo que age sim na difusão dos
conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, mas também tem um
papel central nas formas de agir social, na padronização das práticas. Por isso, se ela
fracassa na transmissão dos conteúdos esse é somente um dos aspectos nos quais ela
atua.
A instituição educativa é detentora de um corpus de normas e rituais que agem
na disciplina do corpo, na forma de pensar a partir do psicológico, ou ainda nos aspectos
simbólicos que determinam a posição do sujeito frente ao mundo. Um dos aspectos
fundamentais desse arcabouço epistemológico do qual as instituições educativas se
utilizam é a linguagem, não somente como fala, mas como organização social, como
instrumento de manutenção dessa estrutura.
Por outro lado, os sujeitos inseridos nessas instituições também se utilizam da
linguagem como forma de resistência. Assim, entendemos que as relações de poder e
classe não podem deixar de serem destacadas enquanto instrumento imanente aos
processos educativos, às lutas e conquistas dos povos do campo. A hegemonia na
126
linguagem, no modo de pensar, nos padrões de consumo e vida são construídos quase
sempre a partir de relações de poder estabelecidas no meio social, nesse sentido, a
educação, como destacado por muitos teóricos, tem função reprodutora das ideologias
da classe dominante.
Porém, como sabemos esse processo de reprodução não é recebido passivamente
pela classe subalterna. Daí que a preocupação junto a essa análise tenha como cerne
focalizar a LEDOC como espaço de produção de conhecimento, de crítica, reflexão e
reinvenção do novo. Desse modo, a análise que estabeleceremos agora tem uma função
um tanto quanto mais próxima daquilo que almejamos. Interessa-nos conhecer a
Educação do Campo por dentro, a partir das vozes dos sujeitos do campo.
Desse modo, após termos conhecido o perfil discente na LEDOC, vamos ouvir
as vozes desses sujeitos, pensando a partir das relações de poder na linguagem e nas
instituições. Assim chegamos ao último Capítulo com a esperança de não termos sido
cansativo em demasia. As análises das entrevistas realizadas com discentes da LEDOC,
tendo como foco o diálogo, a epistemologia/conhecimento e a autonomia representam o
prisma através do qual analisaremos as relações estabelecidas no Curso a partir de
agora.
5.2 DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA:
CATEGORIAS ANALÍTICAS
Ao aprofundar o escrutínio da LEDOC/UFERSA, nos capítulos anteriores,
esperamos ter deixado claro a organização estrutural, metodológica e o perfil descente
das/os sujeitos que compõem esse Curso. Fazer esse trabalho foi um processo complexo
com implicações ora como pesquisador, ora como docente imbricado nessa vasta rede
de conflitos, contradições e também de alegrias que caracterizam os espaços de
construção do conhecimento. O fenômeno educativo proporciona experiências com
sujeitos, realidades, territorialidades que têm influência direta e indiretamente na
formação de professores e prossoras. É o sentido destacado por Freire (2005) para
formação enquanto um processo permanente, ao longo da vida. Sem interrupções.
É dentro dessa complexidade que a partir de agora, destacamos algumas seções
para refletir sobre a LEDOC enquanto um possível espaço dialógico, que trabalha a
epistemologia dos sujeitos do campo e promove autonomia, marcas do que chamamos
127
Educação do Campo Popular. Destacamos ainda que o intuito é contribuir com o
paradigma emergente da Educação do Campo, sendo nosso desejo que as críticas
desenvolvidas, sejam compreendidas antes de tudo como a defesa de uma Educação
Popular.
Assim, a partir da metodologia destaca na parte inicial desse trabalho – Análise
Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 2016) – buscamos transcrever e refletir sobre as
falas dos alunos e alunas que compõem o corpo discente do Curso. Para tanto
trabalhamos com os discursos produzidos, divulgados e consumidos identificados a
partir de entrevistas. Nesse sentido, compreendemos o discurso como peça fundamental
para a compreensão da realidade e a mudança social que a contemporaneidade enseja,
tanto no plano local como global. Assim, tal como Fairclough (2016), acreditamos que a
linguagem tem poder transformador das estruturas, que não é somente uma implicação
das mudanças na estrutura social, mas ela mesma como fenômeno que transforma essas
estruturas. Assim a linguagem:
[...] não apenas refletem ou representam entidades e relações sociais,
eles as ‘constroem’; diferentes discursos constituem entidades-chave
de diferentes modos e posicionam as pessoas de diversas maneiras
como sujeitos sociais, e são esses efeitos sociais do discurso que são
focalizados na análise de discurso (FAIRCLOUGH, 2016, p. 22).
Por isso, torna-se tão salutar analisar as falas dos sujeitos do campo que
compõem a LEDOC, uma vez que, pelo exposto, os discursos moldam, criam, não são
apenas reflexo dos espaços e das instituições, mas representam a própria construção
desses espaços e instituições. A própria Educação do Campo representa uma grande
mudança na sociedade a partir das práticas discursivas, isto é, na linguagem. Observa-se
que a partir da mudança na prática discursiva de Educação Rural à Educação do Campo,
essa mudança transcorreu também no âmbito da prática social, dando início aos
projetos, programas e cursos que hoje incorporam sujeitos e linguagens que modificam
as relações dentro das instituições. Nesse sentido, como afirma Freire (2005, p. 46)
“Não é possível pensar a linguagem sem pensar o mundo social concreto em que nos
constituímos. Não é possível pensar a linguagem sem pensar o poder, a ideologia”
A coleta dos dados (entrevistas) ocorreu tanto nos assentamentos das/os
estudantes, representando o contexto dos alunos, como na Universidade. A coleta de
dados compõe o corpus de amostras do discurso (FAIRCLOUGH, 2016). Isto é, o
128
arquivo textual a ser analisado. O trato da análise das categorias do ponto de vista
teórico e epistemológico foi realizado à luz da concepção freireana de educação. Isso
significa que, o diálogo, a epistemologia e a autonomia são analisados enquanto
discursividade a partir do arcabouço teórico do educador brasileiro Paulo Freire.
Os nomes apresentados a seguir, no quadro sobre o perfil discente foram
constituído a partir de alusões feitas a grandes nomes da luta pela terra/educação. Essa é
uma forma de homenagear essas pessoas que tanto contribuíram para que hoje
estivéssemos falando de educação enquanto mudança social. Além disso, é também uma
forma de resguardar a identificação das e dos sujeitos envolvidos neste trabalho. Como
já dito, estabelecemos como critérios de participação na pesquisa: a) estar no último
semestre do curso b) Estar na área de conhecimento Ciências Humanas e Sociais, c) ser
morador do campo, d) Ter disponibilidade/interesse para contribuir com a
pesquisa/pesquisador. O quadro abaixo apresenta essa distribuição:
Quadro VI: Sujeitos da pesquisa/entrevistadas
Nome (fictício) Semestre Idade Comunidade Município
Margarida Alves 9º 23 Sítio do Gois Apodi
Celina Guimarães 9º 26 Sítio do Gois Apodi
Elizabeth Teixeira 9º 37 Assentamento
Tabuleiro
Apodi
Zila Mamede 9º 35 Ponta do Mel Areia
Branca
Nísia Floresta 9º 47 Pau Branco
Dandara 9º 32 São Rafael São
Rafael
João Pedro Teixeira 9º 22 Serra do Mel Serra do
Mel
Maria Bonita 9º 41 Mossoró Mossoró
Fonte: Construção do autor, 2018.
Assim, para não nos demorarmos em demasia, partiremos agora a Análise do
Discurso a partir dos textos produzidos pelos discentes da LEDOC da UFERSA.
Inicialmente destaque-se que vamos trabalhar a partir da terceira dimensão (prática
social) da teoria tridimensional de Norman Fairclough. Desse modo, nosso trabalho de
129
análise tem início com o texto referente ao diálogo, nesse sentido vamos apresentar o
escrutínio de cada categoria com as respectivas respostas dos sujeitos da pesquisa.
Por fim, destacamos que realizadas as entrevistas, a análise se baseou no
contexto e na consubstancialidade, ou seja, não seguimos uma sequência apresentando
uma a uma, isso tornaria o texto demasiadamente longo e enfadonho, uma vez que a
análise requer detalhes e reflexões pormenorizadas, desse modo, optamos por variar as
“falas”, evitando assim repetições desnecessárias. Essa dinâmica também permite-nos
extrair aquilo que há de mais salutar para a construção desse trabalho.
5.3. CATEGORIA DIALÓGO
Já destacamos algumas reflexões sobre o diálogo enquanto conceito e sua
presença junto à LEDOC, sobretudo a partir do PPC. Nesse momento, vamos sublinhar
a compreensão de diálogo em Freire (2011, p. 22) como norte para às falas que nos
propomos a analisar. Portanto, reiteramos tal compreensão do conceito como aquele
que:
[...] fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana;
ele é relacional e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os
dialogantes “admiram” um mesmo mundo, afastam-se dele e com ele
coincidem; nem põem-se e opõem-se (...) o diálogo não é um produto
histórico, é a própria historicização. É ele, pois, o movimento
construtivo da consciência, que, abrindo-se para a infinitude, vence
intencionalmente as fronteiras da finitude e, incessantemente, busca
reencontrar-se além de si mesma.
Nesse sentido, podemos observar que diálogo em Freire materializa-se no campo
das relações, típico da esfera humana, não está no campo dos contatos, característica da
esfera animal, isso implica dizer que sempre que existe diálogo, existe mudança. É a
própria historicização, ou seja, o movimento que leva o ser humano a superar a esfera
do determinismo e perceber-se enquanto processo, enquanto sujeito em transformação,
em humanização. Sendo ele/ela mesmo a história, não um aspecto dela.
Diante disso, partimos para a análise das falas dos sujeitos participantes da nossa
pesquisa. Tal ponto se faz de fundamental importância na busca pela compreensão
teórica, como também na aplicabilidade do conceito supracitado. De início, fizemos a
seguinte pergunta: Para você, o que é diálogo?
130
a) Conceito de diálogo
A educanda Nísia Floresta, em sua resposta à questão, afirma que:
“É quando há uma interação entre dois sujeitos, na qual ambos possam expressar
suas opiniões, embora estas sejam contraditórias. No exercício do diálogo, é primordial
que exista uma comunicação recíproca” (ENTREVISTA COM NÍZIA FLORESTA,
2018). Podemos observar que existe uma aproximação entre a concepção de diálogo na
educanda Nísia Floresta e em Freire (2011), principalmente quando o diálogo é
entendido como interação entre sujeitos. Isso significa uma partilha de um mesmo
mundo enquanto mediador da relação, esse é o fundamento da comunicação, que
também é destacado no discurso de Nísia. Uma compreensão avançada de diálogo é
importante pois capacita o educando/a a uma maior interação, problematização e
criticidade dos processos de ensino e aprendizagem que são empreendidos no Curso.
Do ponto de vista de uma análise discursiva, podemos evidenciar também uma
fala concisa e tonalidade afirmativa, ou seja, a educanda fala com propriedade sobre
diálogo, sem titubear ou sem pausas longas, o que pela análise aponta um domínio tanto
conceitual como também das relações institucionais, uma vez que ela não procura
adequar a fala à linguagem que a instituição requer. Nesse mesmo sentido, o educando
João Pedro Teixeira, nos expõe a seguinte compreensão de diálogo:
É... é a capacidade de comunicação entre as pessoas, sabe? Com o
propósito de construir, analisar ou discutir um conhecimento,
envolvendo opiniões diferentes podendo chegar a uma conclusão ou
não. Ou seja, é uma forma de trocar ideias e/ou pensamentos diversos,
tendo a capacidade e liberdade de expor seu ponto de vista, aceitar as
críticas, reavaliar o ponto de vista e reformular (ou não) seu
pensamento. Para que isso aconteça, são necessárias condições de
liberdade e de respeito, nunca ultrapassando os limites do outro
(ENTREVISTA COM JOÃO PEDRO TEIXEIRA, 2018)
É possível observar a construção de um discurso assentado numa compreensão
também ampliada do conceito de diálogo, o educando externa o papel comunicativo do
diálogo, o respeito ao processo de construção imanente ao dialógico, sem o qual não se
ultrapassa os limites do determinismo. Ainda aponta para a liberdade como condição
essencialmente fundamental para a construção de práticas de diálogo. Nesse mesmo
sentido, segundo Freire (2011, p. 26) o diálogo:
Expressar-se, expressando o mundo, implica o comunicar-se. A partir
da intersubjetividade originária, poderíamos dizer que a palavra, mais
que instrumento, é origem da comunicação – a palavra é
essencialmente diálogo. A palavra abre a consciência para o mundo
131
comum das consciências, em diálogo, portanto. Nessa linha de
entendimento, a expressão do mundo consubstancia-se em elaboração
do mundo e a comunicação em colaboração. E o homem só se
expressa convenientemente quando colabora com todos na construção
do muno comum – só se humaniza no processo dialógico de
humanização do mundo. A palavras porque lugar de encontro e do
reconhecimento das consciências, também o é de reencontro e do
conhecimento de si mesmo.
Para Freire a palavra representa o canal de comunicação entre a consciência e a
não consciência, ela é a mediação, a representação do mundo comum. Nesse sentido,
tem papel central nas relações de poder e estruturação da sociedade. Do mesmo modo,
Fairclough (2016), acredita que a linguagem, enquanto fala, ou discurso, ou palavra, é
capaz de mudar as estruturas sociais e as instituições a partir da mudança da prática
discursiva. “Talvez isso seja uma indicação da importância crescente da linguagem na
mudança social e cultural e de que tentativas de definir a direção da mudança cada vez
mais incluam tentativas de mudar as práticas de linguagem” (FAIRCLOUGH, 2016, p.
25).
A mudança nas práticas de linguagem não significa apenas adequar a fala à uma
melhor compreensão para outros. Essa mudança, ainda que seja importante não toca no
cerne da questão, daí que muitos não compreendem porque mesmo facilitando sua
linguagem continuam não sendo compreendido, ocorre que essa mudança deve se passar
no campo da comunicação. Do diálogo. Isso implica compreender a linguagem como
condutora de sentidos práticos para a interpretação do mundo, não como instrumento
cuja finalidade é “passar” o conteúdo.
Podemos observar com essas reflexões que a dimensão do diálogo transborda a
concepção de conversa entre duas pessoas. Está no campo da mediação do homem –
mundo – homem. Assim, é importante frisar discursos que apresentam o diálogo como
“conversa” ou “respeito a opinião do outro”, pois essas formulações são fruto de um
esforço intelectual conquistado pelo educando/a, de tal sorte que, por isso mesmo,
representa um aspecto da linguagem/discurso importante de ser analisado. Nesse
sentido, Freire (2011, p. 71) ajuda-nos na reflexão:
O diálogo crítico e libertador, por isto mesmo que supõe a ação, tem
de ser feito com os oprimidos, qualquer que seja o grau em que esteja
a luta por sua libertação. Não um diálogo às escâncaras, que provoca a
fúria e a repressão maior do opressor. O que pode e deve variar, em
função das condições históricas, em função do nível de percepção da
realidade que tenham os oprimidos, é o conteúdo do diálogo.
132
Assim, pensando a partir de uma perspectiva didática podemos classificar o
conceito de diálogo a partir de palavras chaves. Assim, para Elizabeth “Para mim
diálogo é uma conversa entre duas pessoas ou mais pessoas” (ENTREVISTA COM
ELIZABETH TEIXEIRA, 2018); para Margarida “Diálogo é quando existe uma troca,
uma conversa entre pessoas, quando existe uma troca de conhecimento, podemos dizer
que é isso” (ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018). Já em Dandara,
“Diálogo é uma conversa em que os sujeitos trocam ideias, esse encontro de ideias tem
o papel de comunicação entre eles” (ENTREVISTA COM DANDARA, 2018).
Observe-se que o diálogo aparece como uma “conversa” nessas três educandas. Zila
Mamede (2018) afirma que:
Acredito que diálogo seja, primeiro do que tudo, respeito a opinião do
outro em tá dialogando em tá conversando e um diálogo seria... éééé.,
o respeito a sua opinião. Não só você querer acreditar que a opinião do
outro merece ser ouvida ou ser vista e você respeitar não só a sua, mas
a do outro também. Acredito que isso seja o diálogo, e existe um
diálogo produtivo, que seria, respeitar as ideias né? E também um
diálogo participativo que apesar de você não concordar mais aí você
pode dialogar, né? Participando da ideia do outro. Acredito que seja
isso (ENTREVISTA COM ZILA MAMEDE, 2018).
No mesmo sentido, Celina afirma que: “Para mim diálogo é quando a pessoa
respeita a opinião do outro, que possa ter um diálogo compartilhado, onde ambos
chegam a um consenso comum” (ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018).
Nota-se que ambas entendem o respeito à opinião do outro como uma forma de
exercício dialógico. A partir disto, podemos analisar alguns aspectos importantes, por
exemplo, o diálogo enquanto troca e como respeito ao outro é um aproximação
significativa a concepção de diálogo em Freire (1987, p. 107) quando afirma que:
É uma relação horizontal de A com B, nasce de uma matriz crítica e
gera criticidade. Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé,
da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos
do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no
outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma
relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação.
Nesse sentido, Freire aproxima o diálogo, de comunicação, cuja materialização
se dá a partir da horizontalidade dos saberes de forma que ambos consigam tanto
externar, quanto perceber os saberes dialogados na relação. Isso é relevante, pois é um
conceito complexo e muito importante ao cenário da Educação do Campo. Ainda como
133
reforço a ideia, Freire (2012) coloca o diálogo como uma exigência epistemológica, ou
seja, fator de aprendizagem cuja mediação ocorre entre sujeitos ocupantes de um
determinado mundo.
O diálogo está para além do campo da “conversa” entre duas ou mais pessoas,
ainda assim, essa é uma compreensão inicial da qual podemos partir. Uma conversa
pode não estar implicada do processo dialógico. De tal modo que, não conduz à
reflexão, mas reforça antagonismo, não é uma convenção do mundo em linguagem e da
linguagem em mundo. O desejo pela transição da consciência ingênua em consciência
crítica justifica-se porque: “Estamos convencidos, pelo contrário, de que a reflexão, se
realmente reflexão, conduz à prática” (FREIRE, 2011, p. 73).
Por outro lado, a colocação do diálogo como “uma conversa entre duas pessoas”
no primeiro turno17 de Elizabeth é uma colocação relativamente simplificada, tendo em
vista que conversa, ainda que agradável, não garante que seja diálogo. Mesmo que seja
possível dizer, por exemplo, tive uma conversa muito boa com Maria, ela me ajudou, a
marcação textual caracteriza-se por uma sobreposição da posição de Maria em relação
ao sujeito implícito à oração (eu). De tal sorte que no diálogo não há sobreposição, mas
relação horizontal de A com B. Finalmente Freire (2014a) nos aponta que não há
diálogo no espontaneísmo, esse que é um marco central de qualquer “conversa”.
Do ponto de vista da análise do discurso, e se utilizando do Quadro de
Composição das categorias da Análise do Discurso de Fairclough, pode-se dizer que as
práticas discursivas presentes nos primeiros turnos permitem verificar forte presença da
intertextualidade nos discursos, ou seja, os diversos ‘tipos de discursos’ que compõem a
intertextualidade. É uma forma que os e as estudantes encontram para trazer ao texto
todas as instituições que de alguma forma participam.
Importante perceber que em dois turnos seguidos as participantes iniciam a
definição com, “para mim...”. Essa é uma modalidade baixa, ou seja, na análise do
discurso é uma definição evasiva. Utilizam-se desta modalidade porque não têm certeza
da acuidade da definição. Em outro caso “para mim” pode estar relacionado ao
exercício do poder. Assim, não deve ser entendido como uma relação estruturalista,
Faiarclough (2016, p. 112) afirma “minha posição é dialética, reconhecendo as
restrições das convenções, mas também a possibilidade de, sob certas condições,
rearticulá-las criativamente e, assim, transformá-las”.
17 Turno equivale a tomada da fala por um sujeito (FAIRCLOUGH, 2016)
134
Em seguida, em “é quando a pessoa respeita a opinião do outro” (1º turno de
Celina), ela se toma e se coloca como partícipe do exemplo, em vez de, uma pessoa ela
usa “a pessoa”. Uma troca semântica de uma indeterminação por uma determinação,
uma forma de comprometimento na oração que pode significar uma alusão a postura de
si mesma.
Na sequência ela prossegue com uma oração explicativa “que possa ter um
diálogo compartilhado, onde ambos chegam a um consenso comum”. Na oração, Celina
busca fugir da linguagem do mundo da vida, o que acaba por gerar “consenso comum”
uma redundância criada na tentativa de aproximação da sua linguagem à academia que
ela tentava empreender.
De modo geral, o entendimento conceitual do diálogo é proveitoso, como
dissemos esse é um tema complexo e fundamental à Educação do Campo, não somente
como marco teórico, mas como ação, como prática cultural. Desse modo,
compreendendo os limites postos pelas relações de poder e pelas instituições,
compreendendo que a linguagem é também disputa ideológica, percebe-se que as
colocações são ricas em análises, isso nos permite caminhar para o segundo turno da
categoria diálogo, que parte do seguinte questionamento: Você percebe relação de
diálogo entre professores e alunos na LEDOC?
b) Relação dialógica na LEDOC
A primeira parte de cada seção tem como objetivo compreender o grau
conceitual que os sujeitos detém sobre cada categoria. A partir da segunda questão,
buscamos compreender relações de ideologia e hegemonia presente nos discursos.
Iniciamos com Margarida Alves (2018) quando indagada sobre o diálogo entre
professores e estudantes do curso, afirma: “É... Não muito, na maioria das vezes não, é
mais assim, restrito, na sala de aula existe o diálogo, agora, saindo da sala de aula não
existe” (ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018).
Analisando a coesão textual e a estrutura frasal, a pausa no início da resposta do
segundo turno de Margarida (ééé...) denota não somente uma dúvida sobre a resposta,
mas também implica certo tempo de “escolha” cuidadosa no sentido de manter a
conservação das relações sociais entre o sujeito e as estruturas. “Essas escolhas e
decisões não são de natureza puramente individual: os significados das palavras e a
135
lexicalização de significados são questões que são variáveis socialmente e contestadas, e
facetas de processos sociais e culturais mais amplos” (FAIRCLOUGH, 2016, p. 239).
Desse modo, podemos pensar no caráter ideológico dessa relação, entendendo
que a ideologia tem existência material nas instituições. Assim, o conjunto das escolhas
das palavras leva sempre em consideração aspectos relativos ao poder e a ideologia. O
texto com crítica amortizada em: “não muito” “na maioria das vezes não”, “na sala de
aula existe o diálogo, agora, saindo da sala de aula não”, a mensagem que é transmitida
é de insegurança em relação ao poder de opinião sobre o Curso enquanto instituição que
detém uma prática discursiva hegemônica, cujo diálogo é uma constante. Nesse sentido
é salutar destacar Fairclough (2016, p. 122) quando afirma que: “As ideologias
embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se tornam naturalizadas e
atingem o status ‘de senso comum’”.
Outro aspecto que merece destaque é a contradição posta nos discursos de haver
diálogo nas salas de aula mas não fora delas. Diálogo, como dito, é relação/mediação
entre pessoas e o mundo, de tal sorte que, a conclusão da aula jamais poderia encerrar o
diálogo. Finalmente, “Enquanto relação democrática, o diálogo é a possibilidade de que
disponho de, abrir-me ao pensar dos outros, não fenecer no isolamento” (FREIRE,
2014, p. 166). Desse modo, determinados textos apresentados chamam a atenção pelo
caráter não dialógico que deixam transparecer em relação a LEDOC.
A prática discursiva a partir do paradigma educativo da Educação do Campo
ganhou corpus fazendo o discurso contra hegemônico na esfera macro política e macro
econômica, ambas marcadas quase sempre pelo autoritarismo e antidiálogo. Nesse
sentido, o diálogo caracteriza-se como um princípio fundamentalmente importante a
essa prática educativa, mas só é construído na prática social e educativa, não é um dado
objetivo inerente a Educação do Campo nem a qualquer outra perspectiva educativa,
mas antes, é uma construção social, coletiva e dialeticamente instituída.
Na sequência analisamos o discurso de Celina Guimarães:
Em alguns pontos sim, por parte de alguns professores eu vejo que
tem um diálogo aberto entre a realidade de alguns alunos da LEDOC,
mais em outras partes não, vejo que tem alguns professores que são
fora da realidade que não compreendem o processo educativo dos
alunos que estão inseridos no grupo. Assim.. depende do professor
(ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018).
Celina inicia com, “em alguns pontos sim” e continua com “por parte de alguns
professores eu vejo que tem um diálogo aberto”. É possível marcar os textos produzidos
136
por Celina tanto como metadiscurso, como quanto pressuposição, ou seja, proposições
construídas pelo produtor do texto como já estabelecidas, assim, em “em alguns pontos
sim” pressupõe-se que em outros pontos não, do mesmo modo em “por parte de alguns
professores”, implícito está que por parte de outros não. Em seguida na frase “mais em
outras partes não” observa-se o caráter negativo da frase. Conforme Fairclough (2016,
p. 163), “as frases negativas carregam tipos especiais de pressuposição que também
funcionam intertextualmente incorporando outros textos somente para contestá-los ou
rejeitá-los”. Nesse aspecto as orações pressuposições destacadas anteriormente ilustram
bem essa perspectiva.
Na sequência Celina diz, “vejo que tem alguns professores que são fora da
realidade”. Em, “fora da realidade” a estudante está se referindo a realidade dos
estudantes, afirmando na sequência que os professores “não compreendem o processo
educativo dos alunos que estão inseridos no grupo”. Em outras palavras é um texto
carregada do sentido de reivindicação por mudança, nesse caso, por mais
contextualização das aulas a partir das suas realidades.
Nas últimas palavras da oração a estudante afirma algo que já se tornou marca
dos diversos tipos de discurso, ou seja, “Depende do professor”. Nesses termos,
percebe-se práticas dialógicas individualizadas, com ocorrência em um ou outro
professor/a, mas enquanto estrutura de conjunto, enquanto Curso, os textos produzidos
por Celina, apontam para uma limitação dessa prática. Outro ponto notório a ser
destacado é o alinhamento da prática dialógica ao conhecimento da realidade, os
produtores dos textos, com frequência fazem essa alusão. De fato, esse é mesmo um
caráter importante, pois os conhecimentos emanam de uma determinada realidade, de
tal sorte que, para haver comunicação, que é o fundamento do diálogo na Educação do
Campo, deve haver conhecimento da matriz epistemológica dos envolvidos no processo
comunicativo.
Na sequência, analisando os discursos de Elizabeth Teixeira:
De uma certa forma sim, mas um pouco restrito, como já falei
anteriormente, alguns professores tem diálogo além da sala de aula,
perguntam sobre a comunidade da gente e tentam contextualizar, mas
não todos, e isso é muito importante para nós que moramos nas
comunidades rurais porque a gente se sente mais privilegiado e de
uma certa forma a gente tem até mais... Assim, tem mais saber pra
poder falar na sala de aula, isso ajuda a unir o conhecimento popular
com o conhecimento da universidade (ENTREVISTA COM
ELIZABETE TEIXEIRA, 2018).
137
Observa-se a utilização de metadiscurso de forma proeminente, vejamos a
sequência de tentativas de não enfrentamento direto ao poder. Inicia com “De uma certa
forma sim”, prossegue com “mas um pouco restrito” e “como já falei anteriormente”
(ainda não havia falado) e conclui com “alguns professores tem diálogo”. É uma
sequência de manobras evasivas extraordinárias. Se faz necessário entender esse texto
não somente do ponto de vista do metadiscurso, como já dito, o discurso é socialmente
construído, isso implica dizer que a constituição dos sujeitos, as relações sociais e as
estruturas as quais estão inseridos são importantes para compreender a linguagem e a
própria constituição dos sujeitos.
Uma observação já se faz necessário, há em todos os textos um cuidado, uma
seleção de palavras que objetivam não “ferir” a universidade e/ou o Curso, estruturas
hegemônicas postas que garantem aos discursos uma aproximação cuidadosa. Nesse
sentido, o conceito de hegemonia parece ser fundamental para entender esses textos
evasivos. “Hegemonia é liderança tanto quanto dominação nos domínios econômicos,
políticos, culturais e ideológicos de uma sociedade” (FAIRCLOUGH, 2016, p. 127).
Desse modo, todas as manobras das quais as estudantes se utilizam são ferramentas
discursivas engendradas no seio de contextos complexos, cuja realidade impeliu tais
estratégias. Isso não implica porém em dizer que não há resistência mudança em
processo. O próprio uso dessa linguagem já denota uma estratégia. Freire; Shor (p.
2011, 44): falando das estratégias linguísticas dos alunos:
Eles são muito espertos para se esconder do professor, para dizer o
que o professor quer ouvir, para confundir o professor com afirmações
defensivas e respostas que soam como se fossem as próprias palavras
do professor. Essa linguagem defensiva não permite que os
professores descubram o que os estudantes realmente sabem e podem
fazer.
Desse modo, ainda em Elizabeth observamos a afirmação: (os professores)
“perguntam sobre a comunidade da gente e tentam contextualizar, mas não todos”.
Depois de se utilizar abundantemente do metadiscurso ela finaliza com mais um
exemplo “mas não todos”. Esse texto é produzido de forma destacada, ela se esforçar
para marcar essa oração. É um enfrentamento mais direto à estrutura do curso.
Elizabeth, apresenta um texto marcado por interdiscursividade, isto é, segundo
Orlandi (2005, p. 59), “o interdiscurso é o conjunto de dizeres já ditos e esquecidos que
determinam o que dizemos, sustentando a possibilidade mesma de dizer”. Assim, a
138
composição de um texto a partir de outros discursos em, “isso é muito importante para
nós que moramos nas comunidades rurais”, ela fala não somente enquanto individuo,
nesse momento ela se utiliza do, “nós” para falar enquanto uma categoria histórica,
nesse caso, os/as camponeses/as.
Com isso, prossegue Elizabeth com a interdiscursividade, “porque a gente se
sente mais privilegiado e de uma certa forma a gente tem até mais... Assim, tem mais
saber pra poder falar na sala de aula”. Quando afirma “a gente se sente mais
privilegiado” quando o professor dialoga e “a gente tem até mais... Assim, tem mais
saber pra poder falar”, são textos extremamente relevantes para a compreensão da
necessidade do diálogo enquanto ação cultural que permeie a LEDOC. Importante
também para perceber que nesse aspectos, pode estar havendo prejuízos provocados por
ações não dialógicas. A posição dialógica é um passo necessário à construção de
relações democráticas.
O diálogo entre professores e professoras e alunos ou alunas não os
torna iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas. (...)
O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos
não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim
crescem um com o outro. (FREIRE, 2014, p. 162).
Nesses termos, uma posição dialógica não parte como doação de A para B. Daí
que nos preocupemos quando diversas vezes o diálogo na LEDOC é colocado como
“depende do professor”. Para que haja diálogo é preciso que envolva a estrutura como
um todo, não partes, ainda que estas sejam importantes, precisam de um corpus
democrático para se efetivar, afinal, é preciso concordar que não é possível construção
democrática sobre uma estrutura autoritária.
Ainda no segundo turno de Elizabeth falando dos professores que trabalham
dialogicamente afirma que “isso ajuda a unir o conhecimento popular com o
conhecimento da universidade”. Nessa oração ela se esforça para marcar a afirmação de
forma contundente. É uma oração explicativa, mas que carrega um sentido de
reinvindicação.
Observamos ainda, o discurso de João Pedro Teixeira (2018), vejamos:
Percebo sim, tanto na relação alunos-professores, como na relação de
alunos com outros alunos. Tem sempre aqueles que não respeitam
opiniões contrárias, mas no curso são minorias mínimas. Em relação
ao diálogo entre professores e alunos, é bem comum. Os professores e
professoras da LEDOC necessitam desse diálogo, tanto para
139
construção do conhecimento, quanto para a formação social no
ambiente acadêmico e democrático que é a Universidade. Além disso,
esse diálogo proporciona uma ampla rede compartilhada de
conhecimentos de diversas especificidades, pela diversidade no curso.
Eu tive e tenho bastante oportunidade de dialogar com os docentes e
com os colegas de classe, tanto em aulas quanto fora do ambiente
acadêmico, que também faz parte da construção do conhecimento.
Sempre que possível (por questões pessoais), gosto de expor minhas
ideias e contribuir para as discussões que ocorrem (ENTREVISTA
COM JOÃO PEDRO TEIXEIRA).
O discurso inicia com uma afirmação “Percebo sim”, de modo que, também pela
entonação empreendida à fala, podemos entender como uma certeza. Apresenta um
ponto novo à questão, que consiste na inclusão dos “alunos com outros alunos”
enquanto relação dialógica. Isso denota uma compreensão expandida do conceito de
diálogo, pois ele busca ampliar a rede de interações entre os sujeitos que compõem o
curso, apontando acertadamente, de acordo com nossa compreensão, para outras
relações fundamentais para o diálogo entre educadores e educandos.
Além do exposto, João Pedro Teixeira coloca a relação entre professores e
alunos como uma condição para formação social e acadêmica de qualidade. Essa
relação dialoga com Tardif (2014, p. 151), ao afirmar que: “a prática educativa remete a
atividades guiadas e estruturadas por representações”. Isso implica que as concepções
de mundo são formativas e representativas de sentidos que mediam as relações de
ensino e aprendizagem.
Além disso, segundo o educando, “esse diálogo proporciona uma ampla rede
compartilhada de conhecimentos”. Esse é um ponto importante para se destacar pois,
converge de forma significativa com o paradigma de Educação do Campo, converge,
por isso mesmo com a possibilidade de construção de uma educação diferenciada a
partir dos diversos saberes como o educando mesmo coloca. Nesse sentido, Costa
(2012, p. 129), afirma que:
Pensar em Educação nas áreas de assentamento significa pensar em
um currículo que busque fortalecer práticas que respeitem o sujeito
que está se construindo; significa efetivar procedimentos de ensino em
que o aluno seja visto em seu processo e não no resultado que ele
possa gerar; significa desenvolver um currículo que direcione uma
ação voltada para a formação humana nas suas várias dimensões.
Os textos de Nísia, Dandara e Maria Bonita, seguem a mesma linha de João
Pedro, a primeira afirma que: “Sim. Além de ter a oportunidade de expor as nossas
140
ideias, ainda há um incentivo por parte dos professores para que as mesmas sejam
expostas e discutidas diante dos colegas, culminando em uma relação
sociointeracionista” (ENTREVISTA COM NÍSIA FLORESTA, 2018); já Dandara
afirma que: “Sim, os professores da LEDOC têm esse olhar para uma educação
contextualizada, de modo que diante do assunto abordado o docente faz uma ligação
com a vivencia do alunado e com os seus conhecimentos prévios (ENTREVISTA COM
DANDARA, 2018), Maria Bonita por sua vez afirma que: “Sim. A relação de professor
e aluno é bem agradável” (ENTREVISTA COM MARIA BONITA, 2018.
A sequência de textos acenando para a presença de uma relação dialógica entre
professores e alunos é um contraponto que se observa e que garantem a pluralidade de
interpretação. As educandas apontam para uma educação contextualizada com:
“oportunidade de expor as nossas ideias” e com “ligação com a vivencia do alunado e
com os seus conhecimentos prévios” em relação ao trabalho docente. Do ponto de vista
da linguagem os textos apresentam defesa da assertiva quando inicial com “Sim”, sem
pausa ou dúvidas. Essa perspectiva é importante para a LEDOC, a concepção de diálogo
deve buscar a todos, mesmo quando não alcança deve ser um esforço.
Feito esta análise do segundo turno das entrevistadas, passamos agora a analisar
a terceira questão: Você tem oportunidade de falar e expor suas ideias no Curso? Tanto
nas aulas como fora delas?
c) Discurso/Participação na LEDOC
No terceiro turno iniciamos com Margarida Alves “Durante as aulas sim, agora,
fora das aulas já é um pouco mais complicado, porque os professores... (ééé..) e os
alunos também, não buscam uns aos outros” (ENTREVISTA COM MARGARIDA
ALVEZ, 2018). Note-se que há uma tentativa de justificação da primeira parte da
oração, em que elabora uma crítica a partir de: “fora das aulas já é um pouco mais
complicado”. Vejamos que ainda assim há presença metadiscurso e tentativa de
amortizar a crítica em “Durante as aulas sim, agora [agora representa uma conjunção
coordenativa adversativo, com sentido de porém])” e conclui com “e os alunos também,
não buscam uns aos outros”. Quando Margarida começa a direcionar a prática
discursiva a uma determinada agência, quase sempre busca se “retratar”, amenizar ou
dividir as responsabilidades pelo não diálogo.
141
O diálogo não deve estar restrito à sala de aula, ele não se encerra com o término
da aula, pelo contrário, a aula é somente um aspecto dentre tantos outros. Deve se
materializar enquanto um fenômeno que perpassa todas as dimensões educativas, em
momentos formais e informais por assim dizer, não tem hora pra ocorrência, é o próprio
continuum da ocorrência histórica em que a vida se desenha. Diálogo, é por isso mesmo,
a inscrição do homem no tempo e na história como pressuposto para os processos de
humanização.
Na sequência, podemos observamos Celina Guimarães: “Em algumas disciplinas
de determinados professores sim, mas nem sempre é assim em todos os professores”
(ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018). Observa-se como se esforça
para garantir o anonimato com o uso dos pronomes indeterminados “algumas” e
“determinados”. Complementa a oração com, “mas nem sempre é assim em todos os
professores”. A colocação do diálogo como algo a depender do professor volta a
aparecer. Essa condição é um determinante distante da concepção de diálogo que
fecunda a Educação do Campo, ou seja, se o diálogo depende de um determinado
sujeito, por isso mesmo já está comprometido enquanto prática cultural.
Essa relação caracteriza-se pela verticalidade de A com B, nesses termos, não se
constrói uma educação problematizadora, pois determina ao outro, ou ao momento, o
poder dialogar. Ainda não é uma relação horizontal na qual os processo de criação tende
a ocorrer. Há doação, não promoção de oportunidade de construção coletiva de saberes
a partir dos diferentes formas desse saber. Daí que a relação dialógica implica
humildade, tanto de “doutores” como dos sujeitos do campo, sob pena de uma relação
infértil que já não constrói o novo, o “inédito viável”. Nesse mesmo sentido, Zila
Mamede (2018) destaca que:
Olha... É, no início do Curso até teve, era uma forma muito prazerosa
que a gente trazia muitas ideias do campo pra universidade, só que eu
to percebendo que ao decorrer do tempo isso tá se evadindo, não tá
acontecendo mais tanto. É tipo uma espécie de pincelada onde alguns
professores ainda trabalham metodologicamente em sala com esse
contexto, mais outros não. De forma geral o Curso tem perdido
totalmente. E assim, uma coisa que se fala tanto da educação bancária
que é executada em sala de aula nas escolas e eu estou vendo que o
curso está indo pra o mesmo sentido (ENTREVISTA COM ZILA
MAMEDE, 2018).
O discurso de que, no início, o curso se comportava de determinada forma,
tendencialmente mais próxima à realidade dos alunos e agora mais distante, leva-nos a
142
uma reflexão de que, mesmo os espaços de construção de educação popular, precisam,
depois da conquista, permanecer fincado e alinhado aos interesses e demandas dos
sujeitos partícipes. De certa forma, esse tem sido um dos desafios às políticas públicas
conquistas a partir da luta de camadas populares, a garantia é um passo importante, mas
a permanência se caracteriza como fundamentalmente importante para o sucesso e
promoção efetiva de cidadania e autonomia ao sujeitos do processo.
Como nos lembra e alerta Mészáros (2008, p. 45): “As soluções educacionais
formais, mesmo algumas das maiores, e mesmo quando são sacramentadas pela lei,
podem ser completamente invertidas, desde que a lógica do capital permaneça intacta
como quadro de referências”.
Daí que tenhamos chamado a atenção desde o início desse trabalho quanto a
necessidade da Educação do Campo Popular, ou seja, aquela educação do campo que
permanece contundentemente atrelada aos princípios da Educação Popular, usando para
tal, diversas estratégias, mas no nosso entendimento, sendo o diálogo entre os sujeitos,
epistemologia dos saberes dos povos do campo e a autonomia como objetivo final a ser
alcançado, categorias que convertem processos escolares em educação contextualizada.
Nesse sentido, Costa (2012, p. 133) afirma que:
A Educação do Campo não deve se distanciar da cultura do homem do
campo, deve preservar a sua identidade e os seus valores humanos e
sociais. A Educação dos trabalhadores do campo deve estar atenta à
particularidade dos sujeitos e seu tempo histórico, ajudando-os em um
processo de humanização e nas suas tarefas específicas
A prática educativa ensejada na Educação do Campo, sobretudo no Curso da
LEDOC está assentada numa linguagem de mundo muito explícita em relação a
necessidade de diálogo e participação, sendo a prática da dialogicidade uma das bases
necessárias para a concretização dessa proposta pedagógica. Porém, o que observamos
nesse discurso vai de encontro aos princípios fundantes da Educação do Campo.
Como sabemos, essa perspectiva educativa emergiu de uma virada
paradigmática contra a Educação Rural cuja inclinação é para o antidiálogo18, de tal
modo que não pode, sob hipótese alguma, a Educação do Campo inclinar-se um
centímetro sequer à práticas não dialógicas, sob pena de negligenciar sua tarefa histórica
e humanista de desvelar a realidade opressora aos sujeitos do campo. Desse modo, a
18 O antidiálogo que implica numa relação vertical de A com B, é o oposto de tudo isso. É desamoroso, é
acrítico e não gera criticidade, exatamente porque desamoroso. Não é humildade. É deseperançoso.
Arrogante. Auto-suficiente (FREIRE, 1987, p. 108)
143
posição dialógica é um passo fundamentalmente necessário a construção de relações
democráticas.
Nesses termos podemos dizer que o diálogo nos processos de participação
apresenta-se enquanto condição ímpar de mudança social. Assim, quando o Curso não
fomenta espaços de participação coletiva, conforme afirma a educanda, perde-se a
dimensão da construção e das transformações sociais que sabemos ser urgentes. Perde
também o corpo docente e discente, tendo em vista que é o diálogo fator primordial para
o crescimento intelectual, ético e político enquanto fatores de humanização.
No entanto, é importante destacar que cada sujeito constrói uma concepção da
realidade a partir de suas próprias experiências e das estruturas de poder a qual estão
inseridas. Desse modo, vamos observar em Elizabeth Teixeira uma visão diferenciada.
Vejamos:
Sim, sem dúvida, na sala de aula, todos os professores, abre espaço
pra quem quiser falar, com relação a isso aí, não tenho o que
questionar não. Os alunos falam, eles geralmente falam.. A aula fica
muito proveitosa quando o professor realmente, de fato, fala das
vivências de cada um, de cada aluno, de cada assentamento
(ENTREVISTA COM ELIZABETH TEIXEIRA, 2018).
A aluna começa afirmando que: “Sim, sem dúvida”, esse aspecto analiticamente
não é opinativo, mas uma assertiva, em que a dúvida está descartada. “na sala de aula,
todos os professores abre espaço para quem quiser falar”. Interessante, porém perceber
que Elizabeth, no primeiro turno, classificou diálogo como “uma conversa”, isso nos
chama a atenção por variação de padrão das demais entrevistadas, mas não da sua
posição, ou seja, quando define diálogo como “conversa” torna-se lógico que
identifique o espaço em que se pode falar como um espaço dialógico. Porém, por todas
as explicações já mencionadas essa é uma colocação simplificada.
Outro aspecto importante diz respeito ao momento em que ela afirma que: “A
aula fica muito proveitosa quando o professor realmente, de fato, fala das vivências de
cada um, de cada aluno, de cada assentamento”. Nesse discurso podemos observar uma
singularidade, a aluna espera que o professor fale das vivências e dos lugares de
residência dos discentes como fator de mediação para uma aula proveitosa. Ora, quem
deve falar das experiências, vivências e lugares são os próprios sujeitos desses lugares e
experiências, o professor/a pode, a partir disso, conduzir e mediar processos de ensino.
144
No entanto, essa é uma determinação que jamais pode ser terceirizada, é condição
imanente de cada um, não sendo objeto de “ensino”. Para finalizar, destaque-se a
ausência de referências significativas a questão dos espaços de participação para além
da sala de aula. Mesmo perguntada a aluna voltou a se referir a aula.
Finalmente, podemos concluir a categoria diálogo com algumas observações
pertinente, primeiramente destacar que a Análise Crítica do Discurso é uma ferramenta
para desvelar a realidade, por vezes escondida debaixo de ideologias dominantes e
exercício de poder das classes sociais. Outro ponto relevante diz respeito à prática
discursiva e social enquanto constituídas socialmente, portanto, haverá sempre um
conjunto de instituições e agências sociais “falando” em cada texto, tudo isso imbricado
na constituição da identidade do eu. E finalmente, destacamos o caráter dialético das
relações, não há unilateralidade de nenhum dos lados, há influência e resistência, de
ambos os lados.
Assim, foi possível evidenciar a complexidade do termo diálogo a partir das
falas expostas em consonânia com o referial analítico e teórico. Observamos a presença
de discursos tanto no sentido da ocorrência do diálogo no Curso como no sentido de
apontar sua ausência ou limitação. Essa divergência é um aspecto relativamente comum
em virtude da formação e concepção que cada sujeito faz da leitura da realdiade. De
todo modo se faz necessário considerar ambas as ocorrências, aquelas positivas
merecem fortalecimetno ao passo que as negativadas requerem atenção. Desse modo a
LEDOC pode construir processos educativas mais próximos a realidade dos
educandos/as, uma perspectiva que fortalecerá o campo popular e a Educação do
Campo Popular.
5.4. CATEGORIA EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO
Feito as considerações acerca da categoria diálogo, passamos agora à categoria
da epistemologia. Esse é outro conceito central na constituição do corpus teórico-prática
da Educação do Campo. Como essa é uma questão complexa, e não somente para
educandos/as da graduação, mas para todo o campo acadêmico, deixamos os sujeitos da
pesquisa a vontade para trabalhar com o conceito de conhecimento, que neste trabalho
tem equivalência.
145
Nesse sentido, quando falamos de epistemologia estamos falando de
conhecimento, mas de que tipo de conhecimento? Segundo Oliveira (2016, p. 09) “não
se pode pensar em epistemologias neutras; ou seja, ao se optar por uma abordagem
epistemológica está-se optando por populações, por situações que se quer superar ou
que se quer valorizar”. Desse modo, como é sabido, nosso intuído consiste em fomentar
processos de conhecimentos dos sujeitos do campo forjado a partir das experiências de
trabalho enquanto epistemologia própria desses sujeitos, de sorte que, esse
conhecimento pode e deve ser usado nos processos de ensino e aprendizagem na
LEDOC como um meio para a construção de uma Educação do Campo Popular.
Conceitualmente, Japiassu (1975, p. 16) afirma que, de modo geral, a
epistemologia refere-se ao “estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização,
de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos
intelectuais”. Nesse sentindo, interessa-nos compreender, a partir da perspectiva
discente, como os saberes populares, ou do campo, são trabalhados na LEDOC.
Para tratar do conhecimento é sempre prudente que se organize minimamente
uma introdução a partir das bases fundamentais deste tema, porém, como já frisamos
algumas análises anteriormente, julgamos já termos superado a necessidade de uma
revisão deste ponto. Assim, a questão do conhecimento/epistemologia aqui é tratada
como uma construção histórica e socialmente, dinâmica, dialética e concebida a partir
de relações intersubjetivas entre sujeitos. Assim:
A pergunta central não é mais sobre a origem do conhecimento, mas
sobre suas condições históricas e sociais de desenvolvimento. O
problema epistemológico passa a ser a relação entre sujeitos mediados
pela realidade objetiva. Conhecer não se reduz a registrar ou aprender
algo dado, mas requer a comunicação interativa entre sujeitos em
torno da realidade (BRUTSCHER, 2005, p. 23).
Nesse sentido busca-se, a partir da perspectiva epistemológica do pensamento
freireano, ou seja, o conhecimento enquanto construção coletiva e colaborativa, refletir
sobre a posição e o entendimento das entrevistadas sobre epistemologia/conhecimento e
como esse conhecimento pode ser ferramenta para a construção de uma Educação do
Campo efetivamente democrática e popular.
Assim, do mesmo modo que desenvolvemos na categoria diálogo, anteriormente
apresentada, aqui também procederemos de forma semelhante, destacando os discursos
com a produção dos textos das estudantes seguida por uma análise discursiva. Vejamos,
146
pois a seguir, as falas dos sujeitos quando perguntado/a: O que você entende por
epistemologia/conhecimento?
a) Conceito de epistemologia/conhecimento
Iniciamos essa análise com a educanda Zila, ela aponta que:
Olha... Eu vou falar de conhecimento no geral, o que eu entendo. Eu
acredito que o conhecimento de mundos e de vivências seria muito
interessante para incrementar esse curso. Coisas que a gente não tá
sendo, é.. Não tá tendo a oportunidade de trazer nossos conhecimentos
para a universidade, para a sala de aula, que eu acredito que isso seria
um coisa muito mais produtiva para o Curso (ENTREVISTA COM
ZILA MAMEDE, 2018)
Podemos observar em Zila Mamede, a partir de uma análise do texto, que ela
não se detém ao objeto perguntado. Compreendemos que essa estratégia pode ter
relação com o senso comum no qual o conceito de conhecimento encontra-se
mergulhado, ou seja, como se ele fosse autoexplicativo, um conceito banalizado, o qual
desmerece uma definição. Em “Olha…” tem uma pausa que indica que a educando tenta
formular uma reflexão, porém, logo rebaixa esse pensamento mais elaborado a outra
condição: “eu vou falar de conhecimento geral”. Aqui ainda parece haver esforço para
inserir o conhecimento dentro de uma teoria geral, por exemplo, mas finalmente ela
resume a concepção de conhecimento à categoria individual, “o que eu entendo…”.
Não é de nosso interesse enquadrar a educanda numa categoria de domínio ou
não do conceito destacado, ainda que isso também seja importante, frisamos a partir de
Fairclough (2016) que o discurso é moldado e restringido pela estrutura social, nesses
termos, podemos evidenciar um recuo quando tentava conceituar, preferindo depois,
falar a partir de suas próprias experiência e depois desviando da definição à
exemplificação. Por esse recuo podemos entender o receio de não “acertar” a linguagem
ao solicitado pelo pesquisador, que nesse aspecto representa a estrutura ideológica da
universidade.
Na sequência Margarida Alves afirma que “Existe o conhecimento teórico, que é
quando você só ler e busca e tem o conhecimento da prática que é a vivência de cada
um né?! A realidade. Eu tenho um pouco de cada, pois não domino os conhecimentos
como um todo” (ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018). Assim, ela
147
começa afirmando que: “Existe o conhecimento teórico que é quando você só lê e tem o
conhecimento da prática que é a vivência de cada um, né!” A partir desse texto pode-se
verificar que a estudante, tal qual a anterior, não busca dizer propriamente o que entende
por epistemologia/conhecimento, mas busca fazer uma relação entre tipos diferentes de
conhecimentos.
Essa manobra também pode ser entendida como uma fuga de uma definição
mais contundente. Assim, ela apresenta o conhecimento teórico como sendo aquele
“quando você só lê” e o conhecimento prático ela expressa como aquele “que é a
vivência de cada um”. Finaliza com a expressão “né?” com sentido interrogativo, o que
indica busca de respaldo ou confirmação do pesquisador.
Do ponto de vista da linguagem, é importante lembrar que “As pessoas fazem
escolhas sobre o modelo e a estrutura de suas orações, que resultam em escolhas sobre o
significado (e a construção) de identidades sociais, relações sociais e conhecimento e
crença” (FAIRCLOUGH, 2016, p. 108). Nesse sentido, o poder da ideologia enquanto
base sobre a qual os discursos se engendram socialmente não pode ser descartada. Em
Marx e Engels (1986) – A ideologia alemã – essa relação está posta como falsa
consciência ou como algo que disfarça as contradições sociais.
Na sequência, ainda tratando do conhecimento, Margarida diz: “eu tenho um
pouco de cada”. Essa representa uma forma de demonstração de poder, uma vez que ter
o domínio tanto do conhecimento popular quando do conhecimento acadêmico é um
ponto positivo e compõe o discurso presente na LEDOC. Porém, logo em seguida, ela
recua a uma posição de justificativa “não domino os conhecimentos como um todo”.
Quando separa os conhecimentos em “teóricos” e “práticos” ela tende a
depositar sobre o conhecimento prático maior ênfase, certa sobreposição em relação ao
“teórico”, identificado como aquele que “só lê”. Como já vimos, os textos são
produzidos a partir de determinadas posições em que aspectos ideológicos são
determinantes. Nesse caso, por exemplo, Margarida, cuja vivência é marcada pelo
trabalho e convivência no campo, local de valorização do conhecimento prático
sobrepõe esse ao que ela chama “teórico”.
Uma perspectiva freireana, contudo, nos convida a pensar que todo
conhecimento é fruto de uma relação dialética entre teoria/prática, não havendo aí
nenhuma dicotomia, mas primordialmente comunicação. Segundo Freire (2011, p. 133):
A questão fundamental, nesse caso, está em que, faltando aos homens
uma compreensão crítica da totalidade em que estão, captando-a em
148
pedaços nos quais não reconhecem a interação constituinte da mesma
totalidade, não podem conhece-la. E não podem porque, para conhece-
la, seria necessário partir do ponto inverso.
Assim, fica evidente que a concepção de conhecimento prático e conhecimento
teórico enquanto saberes dissociados é apenas uma ausência de compreensão integral da
realidade, decorrendo disso, a separatividade entre fenômenos que na verdade compõem
um todo orgânico. Desse modo, uma das atribuições da formação em Educação do
Campo consiste na reaproximação entre conhecimento do mundo do trabalho e
conhecimento acadêmico, essa dicotomia é uma superação urgente e necessária para a
construção da educação que compreendemos como aquele que melhor dialoga com as
camadas populares do campo. Na sequência, vejamos o primeiro turno de Celina sobre
conhecimento:
O que eu entendo por conhecimento é... que o meu conhecimento vai
ao seu e que o seu complementa o meu, mas não que sabe mais ou
menos que o outro. Tem várias vias de conhecimento e o diálogo é
que poderia formular essas duas coisas (ENTREVISTA COM
CELINA GUIMARÃES, 2018).
Podemos observar que ela inicia em, “O que eu entendo por conhecimento, é...”
Uma análise desse texto mostra utilização da repetição da pergunta (O que você entende
por conhecimento?) mais a pausa após o verbo de definição, têm como objetivo
formular, ganhar tempo, ou mesmo dá corpus a sua resposta. Na sequência, Celina
afirma em, “é que o meu conhecimento vai ao seu e que o seu complementa o meu”, é
uma oração relativamente complexa em que a entrevistada se afasta da sua linguagem e
busca se aproximar de linguagem acadêmica. Pode-se entender também “meu
conhecimento” como representante do conhecimento popular ao passo que “o seu
(conhecimento)” representa o científico, em alusão ao pesquisador.
Celina complementa a ideia com, “mas não que sabe mais ou menos que o
outro.” Nessa seção a estudante apresenta uma compreensão que alinha-se ao
pensamento de Freire (2011, p. 68), quando afirma que: “Não há saber mais, nem saber
menos, há saberes diferentes”. Pensar a partir desta perspectiva implica simbiose entre
os conhecimentos tradicionais e o conhecimento científico. Nesse mesmo sentido,
Ghedin (2012, p. 21) afirma que:
Essa possibilidade só poderá existir se essas populações puderem ter
acesso a ciência e a tecnologia, sempre negadas aos pobres e aos
excluídos da sociedade brasileira. Nesse caso a universidade,
149
especialmente as públicas, cumprem um papel de extrema relevância
no pagamento desta dívida histórica com a cultura do campo.
Desse modo, percebe-se que o acesso aos bens culturais construídos a partir dos
conhecimentos acadêmicos são fundamentais ao processo de autonomia das populações
do campo. Ademais, é de fundamental importância que os sujeitos tenham domínio
desse discurso. É uma mudança social, representada a partir da linguagem
significativamente importante para a compreensão da realidade e das transformações
que têm emergido.
Finalmente Celina retoma o diálogo, apresentado na primeira categoria para
afirmar que: “tem várias vias de conhecimento e o diálogo é que poderia formular essas
duas coisas”. A compreensão da comunicabilidade entre conhecimentos representa uma
perspectiva avançado e muito importante para compreender a Educação do Campo
enquanto perspectiva educativa democrática. Quando a educanda apresenta essa
formulação observa-se um ganho crítico e qualitativo no sentido de uma formação
emancipadora enquanto professora. É também uma comprovação de que os discursos
moldam as pessoas ao mesmo tempo que estas moldas os discursos, as relações e as
instituições, uma relação dialética.
Podemos observar na sequência no discurso de Maria Bonita que: “Bem, o
conhecimento é o ato de aprender com a experiência. A epistemologia é também um
conhecimento a partir da teoria e da prática” (ENTREVISTA COM MARIA BONITA,
2018). Podemos destacar a introdução autônoma e direcionada ao conceito, a expressão
“Bem”, impõe uma tonalidade forte e chama a atenção para o início, uma indicação de
poder discursivo e imposição do seu texto. Segundo Fairclough (2016, p. 78) tratando
do poder em Foucault “o poder é implícito nas práticas sociais cotidianas, que são
distribuídas universalmente em cada nível de todos os domínios da vida social e são
constantemente empregadas”. Ou seja, o poder circula entre instituições e indivíduos a
partir da variação de posições. Desse modo, quando percebe que domina o conceito ela
exerce o poder em: “Bem, o conhecimento é...” como quem vai ensinar...
Compactuando com o exposto acima, Paro (2014, p. 48) afirma que: “o poder
existe e é exercido tanto por parte do educador quanto do educando, e se dá tanto como
‘capacidade de agir sobre as coisas’ quanto como ‘capacidade de determinar o
comportamento de outros’”. Essa compreensão é salutar a partir do momento em que
observamos a tomada de turno da educanda assumindo o poder discursivo da narrativa.
150
Após empreender poder ao discurso, prossegue a definição “o conhecimento é
ato de aprender com a experiência”. Nesse aspecto, assim como abordado
anteriormente, observa-se uma compreensão profundamente rica em sentidos e lugares
enquanto espaços de produção e difusão do conhecimento. O conhecimento a partir das
experiências é a própria base epistemológica da Educação do Campo, é talvez o
fundamento mais importante e mais sutil a ser buscado junto a essa modalidade de
educação.
Na Educação do Campo quando se fala em experiências, há uma forte ligação ao
mundo do trabalho, ou seja, o trabalho se constitui enquanto uma rica fonte geradora de
saberes, uma vez que essa dimensão da vida social está intimamente ligada às demais
esferas da vida do sujeito. “Essas capacidades são resultado do seu desenvolvimento
cognitivo, que é decorrente da apropriação de conhecimentos elaborados da realidade,
fazendo que crie técnicas incorporando e aperfeiçoando o trabalho” (BORGES; SILVA,
2012, p. 220).
A última oração também é marcada pela assertiva contundente de Maria Bonita,
vejamos: “A epistemologia é também um conhecimento a partir da teoria e da prática”.
Observa-se que ela reitera aquilo que já havia dito, porém agora trabalha a partir do
conceito de epistemologia, algo que ainda não havia aparecido nos discursos
apresentados pelas educandas. Ela situa a epistemologia enquanto “um conhecimento a
partir da teoria e da prática”. Esse conceito de epistemologia, que engloba o saber e o
conhecimento, o primeiro mais ligado a objetividade e o segundo enquanto
subjetividade, está na base do pensamento de Oliveira (2016) e compõe um modelo
epistêmico inclusivo e dialeticamente organizado.
Nesse sentido podemos afirmar que a educanda apresenta uma notória
compreensão acerca de um dos conceitos mais importantes à Educação do Campo.
Desse modo, percebe-se também que a formação na LEDOC, em que pesa análises
ainda incipientes, tem contribuído significativamente para que as/os sujeitos dominem
não somente conceitos complexos, mas sobretudo que esses sujeitos se utilizaram dessa
aquisição enquanto instrumento de intervenção mudança social a partir de suas
localidades.
Passamos agora a análise de Elizabeth, quando perguntado o que entende por
epistemologia/conhecimento afirma que:
Conhecimento pra mim é... é... Se dá de várias formas, não só o
conhecimento científico, mas também o conhecimento popular que
151
nós levamos das nossas comunidades, sem dúvida é de suma
importância. Por exemplo, o conhecimento aqui do assentamento
sobre... acerca das plantas nativas, acerco do manejo, toda a
importância, é o conhecimento da nossa vivência, que é muito
importante. Esse conhecimento [o popular] não é levado em
consideração, mas isso é porque a maioria das pessoas da
universidade, não valoriza as pessoas do campo... e eu acho que é
porque, por falta de diálogo dos professores com as pessoas do campo
e a universidade acaba perdendo com isso, mas quem perde mais é o
homem do campo (ENTREVISTA COM ELIZABETH TEIXEIRA,
2018).
Inicialmente ela afirma que, “Conhecimento pra mim é... é...”. Segundo
Fairclough (2016) as reticências, a demora ou repetição indicam explicitamente uma
modalidade “subjetiva” indicando aspectos variados, tais como dúvida, receio, medo
entre outras. Observe que ela acaba por não dizer o que é conhecimento, continua com,
“Se dá de várias formas”, observe-se que já não é uma base conceitual, mais uma
característica do conceito. E continua a externar aspectos em detrimento do conceito,
“não só o conhecimento científico, mas também o conhecimento popular”.
Em seguida, continua na mesma oração, (o conhecimento popular) “que nós
levamos das nossas comunidades, sem dúvida é de suma importância”. Nesse texto há
um fragmente que merece ser comentado, observe que “sem dúvida” representaria uma
modalidade categórica (FAIRCLOUGH, 2016), ou seja, uma assertiva, porém a
sequência prossegue com “é”, que forma “sem dúvida é”. O uso dessa modalidade
categórica, ou objetiva, frequentemente implica uma forma de poder. Ou seja, ela sai do
conceito, e busca as característica, pois é nesse ponto que ela tem maior domínio.
Buscando formular sua ideia Elizabeth prossegue com um exemplo: “Por
exemplo, o conhecimento aqui do assentamento sobre... acerca das plantas nativas [...] é
o conhecimento da nossa vivência, que é muito importante”. A busca por um exemplo
representa uma necessidade de fazer sua explicação ser compreendida, mas também
implica que ela sente-se confortável para “assumir” uma explicação.
Quando diz que: “Esse conhecimento [o popular] não é levado em
consideração”, a estudante mostra-se objetiva em sua ideia. Em seguida ela apresenta
uma explicação para o fato (de o conhecimento popular não ser levado em conta) “mas
isso é porque a maioria das pessoas da universidade, não valoriza as pessoas do
campo...”, e continua a explicar “e eu acho que é porque, por falta de diálogo dos
professores com as pessoas do campo”. Segundo Fairclough (2016), “os processos
152
constitutivos do discurso devem ser visto, portanto, em termos de uma dialética, na qual
o impacto da prática discursiva depende de como ela interage com a realidade pré-
constituída”.
Desse modo, é possível perceber neste momento da fala que as palavras saem
com força e com ar de revolta, quase um desabafo, tanto que terminar em: “e a
universidade acaba perdendo com isso, mas quem perde mais é o homem do campo”.
Ou seja, ela reconhece que nessa perspectiva ninguém leva vantagem, os dois perdem
“mas quem perde mais é o homem do campo”. Nesse mesmo sentido Freire (2011, p.
86) ajuda-nos a compreender que essa relação entre conhecimentos não pode andar de
forma separada:
Daí que a função gnosiológica não possa ficar reduzida à simples
relação de sujeito cognoscente com o objeto cognoscível. Sem a
relação comunicativa entre sujeitos cognoscentes em torno do objeto
cognoscível desapareceria o ato cognoscitível. A relação gnosiológica,
por isso mesmo, não encontra seu termo no objeto conhecido. Pela
intersubjetividade, se estabelece a comunicação entre os sujeitos a
propósito do objeto.
Podemos observar Freire volta a destacar a necessidade do conhecimento
enquanto forma comunicativa entre sujeitos e o mundo. O texto produzido por João
Pedro vai nesse mesmo sentido, ele afirma que:
Conhecimento é a capacidade humana de aprender e compreender
determinada coisa. Torna-se “conhecimento” quando consegue a
compreensão das coisas, determinada de diversas formas. Essas
formas diferentes são os principais pontos para que se possa alcançar
ao conhecimento, como o contexto, a experiência vivida ou observada
e produção ou reprodução aperfeiçoada de determinada coisa
(ENTREVISTA COM JOÃO PEDRO TEIXEIRA, 2018).
O educando situa o conhecimento enquanto “capacidade humana de aprender”,
ainda destaca o conhecimento como movimento, como processo ao afirmar que “Torna-
se ‘conhecimento’”. Esse texto, cuja coesão apresenta-se bem articulada, caracteriza
pela profundida dos conceitos e do entendimento que o educando tem acerca do
conhecimento. Entendemos que o domínio desses e de outros conceitos é de
fundamental importância para que o sujeito possa situar-se dentro do processo
educativo, podendo a partir daí intervir e contribuir nesse processo.
Passamos agora a análise do segundo turno dos textos produzidos pelas
entrevistadas. Nessa seção indagamos aos educandos entrevistados a seguinte questão:
153
Você considera que os conhecimentos do seu contexto, da sua realidade, são
trabalhados em sala de aula?
b) Uso dos conhecimentos da realidade na LEDOC
Para continuar nossas análises, continuamos com João Pedro Teixeira, que
afirma o seguinte:
Muitas vezes são, porém de forma mais geral. Porque assim... Os
conhecimentos específicos de cada contexto podem variar de acordo
com as experiências que determinado contexto exerça ou desenvolva.
Essa realidade é de grande importância, pois, a partir dela, pode-se
compreender a forma de organização, planejamento e de
desenvolvimento de cada contexto. Quando analisada de forma geral,
os contextos podem se identificar em alguns momentos, porém
expressos de diversas maneiras diferentes, levando em consideração
as especificidades estudadas e presentes (ENTREVISTA COM JOÃO
PEDRO TEIXEIRA, 2018).
Como sói, iniciamos com o ponto de vista da Análise do Discurso. Observa-se
que em: “Muitas vezes são”, apresenta-se como uma afirmativa incerta, isso logo se
confirma na sequência: “porém de forma mais geral”. Destaque que a nossa
compreensão da língua é de uma prática social coletiva, não individual, portanto,
discursos dessa natureza podem representar uma coletividade e não somente um
indivíduo. Ao continuar ele apresenta aspectos desenvolvidos e bem articulados do
discurso, o que em certa medida indica familiaridade com o tema em questão.
Do ponto de vista da análise do objeto de pesquisa, observa-se uma reflexão
pertinente quando o educando afirma que os conhecimentos são trabalhados, “porém de
forma mais geral”. Uma compreensão que tem nos acompanhado sobre esse ponto, diz
respeito ao fato de a realidade ser tomado de forma romantizada quando não
estereotipada. Ou seja, o professor/a do Curso, pressupõe que conhece a realidade dos
educandos, a partir do imaginário do cenário campesino tece um trabalho pedagógico
que nem sempre condiz com a realidade dos alunos que, quase sempre é muito mais
complexa do que aquela pensada pelo/a docente.
Trabalhar a realidade dos educandos, a chamada educação contextualizada,
requer um esforço significativo por parte dos professores e professaras dos cursos de
graduação e mais ainda dos Cursos de Educação do Campo. É incongruente com a
perspectiva desse paradigma educativo, pensar uma realidade sem o efetivo
154
conhecimento da mesma, e para conhecer a realidade dos sujeitos só há uma forma
plausível e confiável, verificar in loco essa realidade. Essa ainda nos parece a melhor
forma para começar a trabalhar aquilo que a Educação do Campo chama de realidade
dos sujeitos do campo.
Na sequência, a fala de João Pedro confirma o que acabamos de problematizar,
ele afirma que: “Os conhecimentos específicos de cada contexto podem variar de acordo
com as experiências que determinado contexto exerça”. Ou seja, cada realidade é única
a um determinado contexto e as variáveis que esse contexto exerce em cada sujeito a
partir das múltiplas experiências de via. A complexidade que se desenha, ressalta aquilo
que já apontamos, qual seja: não existe uma realidade padrão aos sujeitos do campo.
A partir disso, o próprio João Pedro também chama a atenção ao aspecto da
realidade: “Essa realidade é de grande importância”. Percebe-se que o educando
imprime sempre muita ênfase aos contextos enquanto fatores de desenvolvimento
epistêmico. Como ele disse no início, os conhecimentos são trabalhamos de forma geral,
ao que indica a análise, o estudante, reconhecendo a importância dessa perspectiva,
anseia por uma maior abordagem das especificidades de cada contexto em sala de aula.
Comungado com esse pensar, Freire (2011, p. 136) afirma que: “é importante
reenfatizar que o tema gerador não se encontra nos homens isolados da realidade, nem
tampouco na realidade separada dos homens”.
A partir dessa produção inicial destacamos a seguir, o discurso de Margarida
Alves, ela afirma que: “É mais restrito na sala de aula, saindo da sala de aula a gente ver
uma deficiência nesse ponto aí. As vezes sim, as vezes não, isso vai muito do professor
e da disciplina, tem disciplina que é possível, mais os professores não buscam”
(ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES (2018).
Nesse discurso evidenciamos o contorno à negação, para isso usa: “É mais
restrito na sala de aula” e depois: “saindo da sala de aula a gente ver uma deficiência
nesse ponto aí”. A linguagem empreendida é objetiva e busca avançar rapidamente, o
interesse consiste em marcar que a sala de aula não basta, precisa ocorrer de forma
integral no curso como um todo em relação com as comunidades do educandos. Assim,
tem interesse em adiantar para o fato da ausência dos professores nas comunidades. A
educanda demonstra domínio do cenário como um todo, compreendendo não somente a
inclusão dos processos informais na sala de aula, mas o conjunto da Universidade em
diálogo direto com as comunidades rurais.
155
Em outra parte do texto, Margarida afirma: “As vezes sim, isso vai muito do
professor e da disciplina”. É notório observar uma linguagem carregada de significações
e já presenciada anteriormente em que a relação de contextualizar o conteúdo “vai
muito do professor” é a mesma relação que aparecia no diálogo referente a “depende do
professor”. Na Educação do Campo o conhecimento é pensado a partir de uma matriz
dialógica, de tal forma que, a comunicação entre diferentes formas de saberes
apresentam possibilidades de melhor tratar e mover-se em uma determinada realidade.
Essa relação apresentada pela educanda, dessoa da posição empreendida pela
perspectiva da Educação do Campo.
E finaliza ela, “tem disciplina que é possível, mais os professores não buscam”.
Nesse ponto Elizabeth assume uma crítica um tanto quanto mais direta sobre
perspectiva metodológica assumida pelos docentes. Quando pensamos na LEDOC, cuja
perspectiva é uma abordagem interdisciplinar essas questões parecem estranhas visto
que a narrativa não só da LEDOC/UFERSA, mas da Educação do Campo, é de
construção do conhecimento de forma coletiva e colaborativa, rompendo com o marco
histórico da educação tradicional e seccionada a partir de disciplinas que não
“conversam” nem com as próximas, nem com o meio social do qual advém seus alunos.
Já na fala de Celina Guimarães destacamos para análise:
Assim, de algumas formas sim, é... a gente ver que a realidade do
aluno é bastante trabalhada em sala de aula, mas de outras formas não,
eu acho que fica um aberto em sala de aula a vivência do aluno de
uma realidade que se encontra na faculdade. Assim... eu acho que
quando os professores vão trabalhar a realidade do aluno, nem sempre
ele tá trabalhando a verdadeira realidade do aluno, porque eles não
sabem que horário a gente se acorda, que caminhos a gente tem que
percorrer, quais as dificuldades que a gente enfrenta até chegar a
faculdade, no meu caso eu me acordo de 04h30min pego uma moto,
vou até a BR, da BR pego um ônibus, uma hora até Mossoró e as
vezes o professor não se depara com essa realidade e não entende
quando o aluno deixa a desejar em sala de aula, quando a gente não tá
com conhecimento, é... Quando você não tá com um bom
desenvolvimento na sala de aula é apenas questão de interesse ou será
que sua realidade não está contribuindo para aquilo? Imagine você
acordar de 04h chovendo como é que você faz pra chegar na BR?
Muitos não conhecem o lugar do próprio sujeito que ele vai trabalhar
(ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018).
156
Inicialmente, Celina afirma que: “Assim, de algumas formas sim, é...” como já
dito, a marcação da oração com reticências e intervalos apontam para uma modalidade
subjetiva (verbo achar = sentido de opinar) (FAIRCLOUGH, 2016). A oração
demonstra insegurança. Daí que Celina siga com uma longa explicação, porém uma
parte nos parece fundamental, quando diz, “Assim... eu acho que quando os professores
vão trabalhar a realidade do aluno, nem sempre ele tá trabalhando a verdadeira realidade
do aluno”. Esse é um ponto ao qual já destacamos anteriormente, mas efetivamente vem
nos chamando à atenção enquanto pesquisador.
Em seguida Celina prossegue com um interessante detalhamento de sua rotina
que pode ser observado na fala, porém é importante perceber o texto como um
complexo de discursos e de múltiplas funcionalidades. Também é marcante sua fala
enquanto categoria, como por exemplo, “... quais as dificuldades que a gente enfrenta
até chegar a faculdade”. Ela fala enquanto sujeito histórico, “o sujeito pensante não
pode pensar sozinho” (FRIERE, 2011, p. 87), enquanto componente de uma
coletividade que expressa, por variadas formas, inclusive pelo discurso, sua realidade
social e o lugar que ocupa no mundo.
Após a explicação, que acaba por se tornar um relato rico em detalhamentos de
uma realidade existencial e concreta a qual alguns educandos estão inseridos,
destacamos a última parte do discurso em que Celina afirma que: “Muitos não
conhecem o lugar do próprio sujeito que ele vai trabalhar”. Essa é outra crítica direta a
partir da qual a educanda coloca-se com sonoridade surpresa, isso porque para ela, a
condição de conhecer os sujeitos envolvidos no processo educativo representa um
aspecto sem o qual o trabalho pedagógico não se materializa de forma emancipadora.
Nesse mesmo sentido acreditamos que para a Educação do Campo promover as
mudanças ensejadas tanto socialmente quanto individualmente, se faz necessário não
somente conhecer a realidade profunda dos sujeitos envolvidos no processo educativo,
mas usar essa realidade enquanto dimensão epistemológica, enquanto conteúdo. Afinal,
de nada adiantaria o conhecimento enquanto instrumento analítico estático e a realidade
enquanto entidade parada no tempo. Tudo isso, somente faz sentido dentro de um
paradigma educativo capaz de impulsionar esses instrumentos à condição de “material
didático” capaz de promover autonomia e projetar os sujeitos à participação
democrática.
157
Apesar de parecer uma narrativa uníssona, o discurso de que na LEDOC não se
evidencia o trabalho pedagógico a partir da realidade dos discentes esbarra em Dandara,
uma vez que ela afirma que:
Sim, os professores da LEDOC sempre fazem nas suas aulas,
principalmente no início, um levantamento dos conhecimentos prévios
dos alunos para poder fazer uma ponte com o cientifico. Assim...
Sempre os docentes frisam que é de suma importância que os alunos
participem das aulas, e que eles possam trazem a vivencia deles e o
meio pelo qual se permeia, é pelo dialogo que podemos ter uma
aprendizagem significativa (ENTREVISTA COM DANDARA,
2018).
A análise a partir do texto de Dandara indica uma fala com apropriação, sem
muitos desníveis sonoros ou pausas significativas, o que indica uma espécie de defesa
do ponto de vista apresentado pela educanda. Podemos evidenciar ainda a presença de
interdiscurso, uma circulação de discurso, que inclina-se à representar uma coletividade
discursiva (GADET, 2005). Quer dizer, a educanda fala por si, mas certamente
pensando a partir da representação que carrega de outros, ou que seja ela mesma o
produto desse discurso coletivo.
Para além de análise linguística, o texto apresenta aspectos que merecem
destaque, pois apresenta umas perspectiva diferenciada sobre o uso dos conhecimentos
da realidade pelos docentes da LEDOC “sempre fazem nas suas aulas, principalmente
no início, um levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos”. A questão dos
conhecimentos prévios é um aspecto significativo para o trabalho com a realidade dos
educandos, sobretudo porque ele articula-se ao “tema gerador” que necessariamente
implica o conhecimento da realidade. Segundo Freire (2011, p. 14) “Essas palavras são
chamadas geradoras porque, através da combinação de seus elementos básicos,
propiciam a formação de outras”. É, pois uma forma de compreender a realidade em sua
integralidade, um fio condutor para a formulação do pensamento holístico.
Finalmente, destacamos o texto produzido por Elizabeth Teixeira, ela afirma
que: “São, como já falei anteriormente, vários professores dialogam sobre o
conhecimento das comunidades rurais, inclusive quando eles contextualizam a aula dele
com o nosso conhecimento a aula se torna mais proveitosa” (ENTREVISTA COM
ELIZABETH TEIXEIRA, 2018). Inicialmente ela afirma que, “São”, no sentido de
dizer sim, (que seus conhecimentos são trabalhados no Curso) e continua, “vários
professores dialogam sobre o conhecimento das comunidades rurais”. A expressão
158
inicial “São” está marcada com especial destaque, implicando modalidade objetiva e
exercício de poder. A positividade da afirmativa marca um momento importante.
Na sequência, prossegue com uma oração explicativa “inclusive quando eles
contextualizam a aula dele com o nosso conhecimento, a aula se torna mais proveitosa”.
Apesar do início da frase apontar para uma certeza (São!) pode-se observar o advérbio
“quando” que denota ocasião temporal ou mesmo suposição, quer dizer, em, “quando
eles contextualizam” implica que há momentos em que “eles” não contextualizam.
Observamos uma limitação quando ao conceito de epistemologia e mesmo
tratando do termo conhecimento essa dificuldade se manteve. Numa análise geral, há
uma banalização do conceito de conhecimento, não somente nas entrevistas, mas isso
pode ser evidenciado na esfera social. É um conceito difuso e aparentemente simples
que foi abandonado pelo senso comum enquanto aspecto teórico a ser definido. Esse
entendimento de conhecimento enquanto um conceito pronto, está muito aquém do seu
real sentido, que continua vivo e em processo de mudança constante.
Outro ponto que merece destaque diz respeito a linguagem, constantemente as
entrevistas mostraram uma tentativa de adequação da linguagem mundo à linguagem
acadêmica. Amiúde intervínhamos com expressões do tipo “fique à vontade”, “fale
como sabe”. Entendemos que a busca por essa adequação deve ser entendida como um
aspecto dentro do poder hegemônico, entendemos também que romper com essa
perspectiva é processual, requer acúmulo e domínio de um capital cultural que alguns
educandos ainda não detém, por isso, mesmo num espaço de contra hegemonia é
preciso compreensão para o tempo dessas mudanças.
Concluindo a categoria da epistemologia/conhecimento na LEDOC/UFERSA,
podemos observar textos variados no sentido de refletir sobre como o Curso tem
trabalhado os conhecimentos que os alunos trazem a partir de suas realidades e
contextos de vida. Ainda de forma prematura, pois pretendemos fazer uma discussão
mais detalhada ao final do capitulo, adiantamos que, a partir das análises textuais
evidenciamos aspectos que indubitavelmente não dialogam com a narrativa da
Educação do Campo enquanto um paradigma emergente e contra hegemônico, cujo
cerne reside na dialogação entre as diferentes formas de conhecer. Por outro lado,
também evidenciamos um trabalho que merece ser reconhecido enquanto pioneirismo e
enquanto importância fundamental para promover desenvolvimento e justiça social aos
sujeitos do campo do semiárido potiguar.
159
5.5. CATEGORIA AUTONOMIA
Passamos agora a categoria autonomia, essa que é uma das mais importantes ao
paradigma da Educação do Campo, isso porque a autonomia funciona como um
“termômetro”, uma avaliação quanto ao bom andamento do trabalho educativo e se ele
de fato cumpriu o seu objetivo. Nesse sentido, o nosso interesse gira em função de
evidenciar processos de mudança social a partir da LEDOC/UFERSA. Ou seja, em que
medida o Curso tem promovido autonomia aos educandos e qual a importância disso
para os sujeitos do semiárido hoje.
Desse modo, segundo Freire (1996) autonomia é um processo permanente de
construção do amadurecimento da posição do sujeito frente ao mundo, é a conquista do
mundo da cultura. Também é a compreensão da própria conscientização, ciente de que
tem o dever ético e político de desvelar as relações opressoras junto com aqueles que
ainda não tomaram consciência. Assim, Freire (1996, p. 121) destaca que a autonomia:
[...] enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser.
Não ocorre em data marcada. É nesse sentido que uma pedagogia da
autonomia tem de estar centradas em experiências estimuladoras da
decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas
da liberdade.
Visto por essa perspectiva é notório reconhecer que os espaços educativos são
geradores, fomentadores ou espaços de promoção, mas nunca de doação da autonomia,
visto que ela é processo, é conquista. A partir dessa citação, partimos para a análise dos
textos das entrevistadas. Começamos, como tem sido práxis, por perguntar acerca do
conceito: Para você, o que é autonomia?
a) Conceito de autonomia
Inicialmente destacamos o texto construído a partir da questão levantada, por
Margarida Alves afirma que autonomia: “é quando uma pessoa tem a capacidade de
chegar e sair sem vergonha, tenha a capacidade de ficar só. Eu me considero uma
pessoa autônoma, é assim!” (ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018).
Margarida assume o primeiro turno afirmando que autonomia, “é quando uma pessoa
tem a capacidade de chegar e sair sem vergonha”. Essa é uma definição curiosa, porém
muito salutar. Do ponto de vista da análise do discurso é uma oração categórica,
160
marcado pelo verbo “é” com sentido de afirmação e demonstração de certeza. Pode-se
perceber também que a estudante não se afasta da sua linguagem mundo. Como a
palavra autonomia por vezes não compõe o vocabulário de determinados grupos sociais,
ela poderia se esforçar para uma linguagem acadêmica, porém foi categórica e fiel a sua
linguagem. Em, “chegar e sair” percebe-se que ela alinha a autonomia ao uso prático, ao
empoderamento das pessoas, como “chegar e sair” em um banco, em um fórum de
justiça, por exemplo, sem, contudo, deixar-se intimidar pelo aparato tecnológico e
simbólico que compõe esses ambientes.
Nessa perspectiva é que consideramos a linguagem uma prática. Não
no sentido de realizar atos mas porque pratica sentidos, ações
simbólicas que intervém no real. Pratica, enfim, a significação do
mundo. O sentido é história e o sujeito se faz (se significa) na
historicidade em que está inscrito (ORLANDI, 2005, p. 44).
Desse modo, a autonomia identifica-se como domínio social da linguagem e do
ethos das instituições. É a manifestação da prática discursiva enquanto prática social.
Segundo Fairclough (2016, p. 103), “‘Prática discursiva’ aqui não se opõe a ‘prática
social’: a primeira é uma forma particular da última. Em alguns casos, a prática social
pode ser inteiramente constituída pela prática discursiva, enquanto em outros pode
envolver uma mescla de práticas discursivas”. Destaque que a expressão “Sem
vergonha”, implica nesse caso o exercício do poder, sobretudo a partir de uma
perspectiva foucaultiana.
Depois ela afirma que, “Eu me considero uma pessoa autônoma, é assim!”. Essa
é uma oração marcante, pois ela se utiliza da própria condição para se colocar como
exemplo. Isso ocorre somente em ocasiões autênticas em que o sujeito realmente sinta-
se exemplarmente enquadrada no perfil. Nesse aspecto é salutar destacar Freire (1996,
p. 34) quando, falando de ensino, afirma a necessidade de corporificação das palavras
pelo exemplo, assim, aponta que: “Quem pensa certo está cansado de saber que as
palavras a que falta a corporeaidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar
certo é fazer certo”. Essa citação, aproxima-se ao texto de Margarida de forma coerente.
Na sequência temos o texto de Celina, cujo entendimento por autonomia é:
“Acho que autonomia ela parte de quando você pode ter sua própria opinião, ser
independente e não ser refém da opinião dos outros” (ENTREVISTA COM CELINA
GUIMARÃES, 2018). Observa-se já no início a presença de uma modalidade subjetiva,
“Acho”, que marca o caráter opinativo e atenua a acuidade da resposta. Logo em
161
seguida aproxima a autonomia ao campo da linguagem, afirmando que ela se manifesta
quando o sujeito tem “sua própria opinião”.
Celina continua trabalhando no campo da linguagem para caracterizar
autonomia, isso pode ser evidenciado em, “ser independente e não ser refém da opinião
dos outros”. Quando se refere a “opinião dos outros”, Celina seguramente se refere a
outros tipos de discursos que constituem as práticas discursivas no campo social. As
instituições hegemônicas produzem uma linguagem ideológica e já naturalizada no meio
social que historicamente inferioriza camponeses e camponesas, nesse sentido, seu texto
marca uma posição contra hegemônica no campo linguístico além de uma forte
intertextualidade que marca seu discurso. Sobre essa quebra de poder, Paro (2014, p.
37) afirma que:
Assim, a perspectiva do poder como a capacidade de determinar o
comportamento de outros é uma dimensão necessária do poder que,
por seu próprio enunciado, se mostra explicitamente social. Mas a
perspectiva do poder como capacidade de agir ou como poder-fazer,
embora não traga a explicitação do social em seu enunciado, não deixa
de ser outra dimensão do mesmo poder, na medida em que esteja
impregnado ou submetido pelo social.
Entendemos que a insistência na autonomia enquanto capacidade de ter opinião
própria é uma dimensão significativa do processo de liberdade. Como dito, tem que ver
com a quebra do poder ideológico a partir das narrativas hegemônicas que, segundo a
educando evita a colonização do pensamento e do agir. Um processo de conquista da
autonomia cuja materialidade se dá por meio de: “não ser refém da opinião dos outros”.
Na sequência, Elizabeth afirma que:
Autonomia é você ter... é você ser autônomo, ou seja, é você ter
independência, você saber sair e entrar em qualquer lugar, você ter...
aquilo que a gente tava conversando, você chegar em qualquer espaço
e não se inibir de falar com determinada pessoa, não se achar inferior.
Ninguém nasce pronto né! É interessante que as pessoas valorizem e
de um certo modo, os assentamentos e os assentados têm ganhado
muito com isso, porque a partir das reuniões que as pessoas têm de ir
pra os sindicatos, que tem que ir pra os eventos, as pessoas abrem a
mente e ficam diferente. Começam a conviver com outras pessoas e
não se acham inferiores as outras pessoas. No começo as pessoas
acham que não sabem falar porque é com um professor, porque é com
o presidente do sindicato, com vereador, com prefeito e a partir dessas
reuniões os assentados têm ganhado muito com isso (ENTREVISTA
COM ELIZABETH TEIXEIRA, 2018).
162
Inicialmente destacamos: “Autonomia é você ter... é você ser autônomo, ou
seja, é você ter independência”. Pode-se verificar certa dificuldade inicial no texto de
Elizabeth, mas ela acaba encontrando na palavra “independência” uma boa segurança
para continuar. Prossegue com “... você saber sair e entrar em qualquer lugar, você ter...
aquilo que a gente tava conversando, você chegar em qualquer espaço e não se inibir de
falar com determinada pessoa, não se achar inferior”. Tal como Margarida, Elizabeth
também coloca a autonomia no sentido da capacidade do falar-fazer, ou seja, no campo
da ação, do movimento e do processo. Essa perspectiva é relevante para a Educação do
Campo enquanto paradigma educativo, comprometido com a conscientização das
classes subalternas.
A capacidade de interagir com o mundo enquanto linguagem e enquanto
realidade complexa aparece como uma conquista, ou seja, para a educanda, cujo texto
também é marcado por intertextualidade, a capacidade de se comportar de forma
independente ou de se movimentar em espaços de poder, como agências bancárias ou
universidades, por exemplo, representa autonomia. Isso significa que a própria
organização social das instituições e suas funcionalidades e linguagens implica um
desafio à determinados grupos sociais, com destaque para os camponeses. Nesse sentido
a domesticação desse mundo e o domínio de suas linguagens pelos sujeitos é marca de
autonomia e “independência”.
Em seguida, Elizabeth afirma com ar interrogativo, “Ninguém nasce pronto né!”.
Aqui ela coloca a autonomia exatamente na mesma perspectiva que destacamos em
Freire (1996) anteriormente, ou seja, como processo. Depois explica detalhadamente
ações que marcam seu entendimento por autonomia e finaliza com: “No começo as
pessoas acham que não sabem falar porque é com um professor”. A fala em contexto de
exercício de poder é outra conquista destacada como marca do processo de autonomia.
Há uma caminhada que pode ser longa até o sujeito conseguir compreender que seus
conhecimentos compõem o arcabouço de saberes históricos produzidos pela
humanidade, de tal sorte que tem tanto valor quando outras formas de conhecer, desse
modo, dizer sua palavra consiste em reconhecer e se reconhecer enquanto sujeito
gnosiológico constituído e constituinte do mundo e da história.
Em um sentido muito próximo ao destacado anteriormente, Nísia Floresta define
autonomia como sendo: “É independência. No sentido educacional é saber que somos
seres capazes de formular nosso próprio pensamento de modo decisivo e singular, não
sendo necessário alguém tomar decisões que cabem unicamente a você”
163
(ENTREVISTA COM NÍSIA FLORESTA, 2018). Podemos observar uma linguagem
coesa e direcionada, objetivando concluir o conceito de autonomia: “É independência”.
Em seguida busca se aproximar ao campo educativo: “No sentido educacional”. Mesmo
sentindo necessidade de aproximar o conceito de autonomia a um campo específico,
destacamos o caráter universal que esse fenômeno encerra, quer dizer, a conquista da
autonomia relaciona-se em todas as dimensões da vida dos sujeitos.
Assim, mesmo buscando direcionar o conceito ao campo educativo, quando
prossegue, ela perde tal direcionamento, isso porque como dito, a autonomia compõe
um fenômeno integral da vida, não havendo um aspecto e em outro não. “é saber que
somos seres capazes de formular nosso próprio pensamento”. Observa-se que essa
compreensão não está restrita ao “sentido educacional”, mas compõe a dimensão da
vida mesma.
Na última parte a educanda destaca outro aspecto referente à condição de
autonomia: “não sendo necessário alguém tomar decisões que cabem unicamente a
você”. Essa formulação, já escrutinada em outro discurso anterior, reaparece mas agora
com uma tonalidade no indivíduo e dialogando com um princípio hegeliana: “O
princípio da autonomia é, portanto: não escolher senão de modo que as máximas da
escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal”
(KANT, 1970, p. 64). Nesses termos, a condição de escolha e opinião consciente a
partir de suas próprias condições intelectuais, fora da alienação e da ideologia
dominante representa tanto em Hegel, quando na educanda em destaque, condição
ímpar à autonomia.
Outros textos que aproximam a autonomia à liberdade e a capacidade de livre
escolha e livre agir é João Pedro Teixeira ao dizer que:
Autonomia... Ao meu ver, é a liberdade de exercer os direitos e
deveres cidadãos que proporcionem o bem-estar das pessoas e que
com isso, possa contribuir significativamente para o crescimento
individual e coletivo, buscando compreender o que é ser independente
e poder governar-se, respeitando os espaços e contribuindo para o
desenvolvimento do próximo, em todos os sentidos (ENTREVISTA
COM JOÃO PEDRO TEIXEIRA, 2018).
A linguagem estabelecida pelo educando é marcada por palavras ricas em
sentidos, cuja narrativa por vezes parece que perderá o sentido, porém ele logo
reorganiza-as em cada momento, o que demostra domínio dos conceitos e compreensão
ampliada da realidade. O texto do educando vai muito ao encontro do que externa
164
Ribeiro (2010, p. 24), quando afirma que: “a autonomia está vinculada ao trabalho, à
capacidade de autossustento e ao desenvolvimento local e regional”. Essa aproximação
ocorre, por exemplo, em: “é a liberdade de exercer os direitos e deveres cidadãos que
proporcionem o bem-estar das pessoas”. Podemos entender por bem-estar a condição de
vida e trabalho com dignidade a partir dos instrumentos do seu próprio meio.
Por fim, concluímos essa seção destacando que a compreensão dos educandos da
LEDOC acerca da concepção de autonomia compõe um rico arcabouço epistêmico em
sentidos e lugares que falam com apropriação e pertinência tomando como base suas
próprias experiências de vida. Nesses discursos, cuja narrativa se mostrou a mais
desenvolvida dentre as entrevistas, destacamos a Educação do Campo atuando de forma
decisiva tanto para críticas como para elogios, ou seja, mesmo quando educandos/as
fazem considerações negativas sobre a organização do Curso, percebemos aspectos que
somente são possíveis quando inserido dentro dessa estrutura. Assim a relevância da
LEDOC se materializa de diversas formas, inclusive para formular a crítica.
A partir dessa primeira análise, cujo assento foi a perspectiva conceitual,
iniciamos agora uma discussão sobre a LEDOC enquanto um espaço de autonomia.
Para tal, elaboramos o seguinte questionamento: Você considera o Curso da LEDOC
como um espaço de promoção da autonomia? A partir das discussões que sintetizamos
abaixo, podemos construir a seguinte categoria:
b) A LEDOC como espaço de promoção da autonomia
Nesse segundo turno, iniciamos a refletir sobre o texto produzidos por João
Pedro:
Sim. O Curso nos proporciona grandes oportunidades de reflexão,
construção e reconstrução do conhecimento. Eu acredito que possa ser
cumpridos os direitos e deveres cidadãos para que eles possam, dentro
do espaço individual, conseguir lidar com diversas situações e formar
opiniões e pensamentos que contribuam para o individual e para o
coletivo, de forma construtiva e sempre respeitando a liberdade alheia,
assim, o conhecimento podendo ser construído coletivamente com
suas diferenças e sua diversidade. (ENTREVISTA COM JOÃO
PEDRO TEIXEIRA, 2018).
Mais uma vez, João Pedro se mostra muito direto e consistente em sua fala. Isso
pode ser introduzido pela expressão “Sim” logo no início do texto. Em seguida João
165
Pedro afirma que: “conseguir lidar com diversas situações e formar opiniões e
pensamentos que contribuam para o individual e para o coletivo”. Quando fala das
“diversas situações”, ele resgata uma parte daquilo já destacamos na parte conceitual
por outras educandas, ao apresentar autonomia como independência e como uma
ferramenta para os sujeitos se movimentarem e dominarem a linguagem das estruturas
sociais.
Os aspectos de respeito aos conhecimentos dos outros, da diversidade e da
construção coletiva do conhecimento encerram a colaboração de João Pedro. Porém
guardamos desse discurso uma leitura externada pelo educando significativamente
ampliada quanto ao papel da LEDOC enquanto um espaço de promoção da autonomia
que situa o sujeito no mundo e na história. Nas palavras de Freire (2005, p. 77): “Não
sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da história, da
cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar”
Continuando no segundo turno da autonomia, conversamos com Dandara, e ela
afirmou que:
Sim... Podemos ver a promoção da autonomia no curso da Ledoc
sendo mediada de várias formas, como as discussões sobre o
patriarcado, politica educacional e sobre a problematização da
realidade do aluno, as leituras e os diálogos promovem esse despertar
nos alunos, é de suma importância todas essas discussões mediadas
em sala de aula, pois a partir delas podemos ver e trazer para nossa
realidade, como uma luta diária para obter autonomia, haja visto que
não é algo que podemos ter com facilidade, ela é uma conquista e
empoderamento.
Após a afirmativa que “Sim” ela apresenta alguns exemplos de espaços e
momentos que podem ser destacamos como construção e promoção da autonomia na
LEDOC “como as discussões sobre o patriarcado, política educacional e sobre a
problematização da realidade do aluno, as leituras e os diálogos promovem esse
despertar nos alunos”. A educanda expõe temas que segundo ela são momentos
profícuos para o que ela chama “despertar dos alunos”, ou seja, momentos que
promovem discussões e convidam os discentes a refletirem sobre seu papel no mundo,
as relações de opressão que permeiam a sociedade dividida em classes, além de nuances
e contradições entre Estado e classes populares. A partir dessa reflexão, podemos
destacar que:
166
Na medida em que os homens, simultaneamente refletindo sobre si e
sobre o mundo, vão aumentando o campo de sua percepção, vão
também dirigindo sua “mirada” a “percebidos” que, até então, ainda
não presentes ao que Husserl chama de “visões de fundo”, não se
destacavam, mas “não estavam postos por si” (FREIRE, 2011, p. 99).
Em outras palavras é o desvelamento do mundo atuando como fator de despertar
à realidade complexa a qual todos estamos imersos, esse despertar pode nos apresentar
maiores dificuldades para a movimentação, mas certamente a partir da autonomia e da
consciência dos processos que desenvolvem nessa realidade, a colocação de cada sujeito
passa a fazer sentido e a implicação do sujeito frente a essas determinações
indubitavelmente ganham novo sentido. Nesses termos, Dandara conclui seu discurso
sobre autonomia afirmando que: “ela é uma conquista e empoderamento”.
Quando perguntado a Margarida Alves ela apresenta um olhar individual: “Sim,
me ajudou bastante o curso, isso depende muito da pessoa querer... buscar”
(ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018). Inicialmente, Margarida, afirma
que “Sim” e continua em: “me ajudou bastante o curso”. A partir de uma análise da
prática discursiva e da prática social pode-se depreender, inclusive pelo uso da
objetividade, o que indica certeza, que ela percebe mudanças a partir de sua própria
realidade. Conclui sua breve, porém categórica assertiva com “isso depende muito da
pessoa querer... buscar”. Nesses termos sobressai um texto marcado pelo exemplo de si
própria, em “depende da pessoa”, fica evidente que ela se toma como exemplo. O que
indica que certamente tem empreendido grande esforço para permanecer atuante na
LEDOC e fazer desse Curso uma ferramenta para intervir no mundo.
De forma semelhando, Celina afirma que: “Nessa parte eu acredito que ele
deixa, ele deixa o aluno aberto a ter seu próprio pensamento a ter seu própria formação”
(ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018). Seguindo o texto, Celina afirma
que, “Nessa parte eu acredito que ele [o Curso] deixa”. Uma análise que considere a
concordância e clareza do texto teria dificuldades em classificar a fala, porém, como a
atribuição de significados leva sempre em consideração mais que aspectos gramaticais,
é possível perceber que “nessa parte” refere-se a autonomia; “ele” ao LEDOC e “deixa”
pode significar um sim. Vejamos que mesmo essa leitura nos permite uma reflexão
importante sobre a produção dos textos, Fairclough (2016, p. 118) afirma que:
Mas o modo particular em que é gerado uma leitura coerente de um
texto depende novamente da natureza dos princípios interpretativos a
que se recorre. Princípios interpretativos particulares associam-se de
maneira naturalizada a tipos de discursos particulares, e vale a pena
167
investigar tais ligações devido à luz que jogam sobre as importantes
funções ideológicas da coerência na interpelação dos sujeitos.
Nesse sentido, o texto de coerência complexa indicar fatores diversos, como os
processos de ideologia e hegemonia na linguagem predominante no Curso. Celina
continua e afirma que: “ele deixa o aluno aberto a ter seu próprio pensamento a ter seu
própria formação”. Como já dito “ele” refere-se ao Curso, já em, “deixa o aluno aberto”,
Celina fala da liberdade de pensamento e de escolha.
A construção da autonomia na Educação do Campo é um dos pilares fundantes,
podemos observar formulações que, mesmo mostrando sua incipiência teórica, já
apontam para um esforço intelectual de grande valia, é uma abertura e um crescimento
que a formação humana requer como pressuposto ao desvelamento da realidade última.
Elizabeth Teixeira, ela afirma que: “Sim, de certa forma sim, muito embora que
num seja muito falado mais a gente pode perceber que eles valorizam a importância dos
movimentos sociais, das associações, das ONGs”. (ENTREVISTA COM ELIZABETH
TEIXEIRA, 2018). Elizabeth inicia em: “Sim”, mais uma vez evidencia-se a presença
de uma produção objetiva. Porém, logo em seguida ela afirma que, “de certa forma sim”
essa já é uma modalidade de baixa objetividade, indicativo de incerteza.
Na sequência ela continua, “muito embora que num seja muito falado mais a
gente pode perceber que eles valorizam a importância dos movimentos sociais, das
associações, das Ongs”. Ao que indica a estudante associa a promoção de autonomia à
valorização dos espaços coletivos, o que de alguma forma faz sentido uma vez que essa
tem sido uma marca desses coletivos, além disso, ao que indica a própria educando
participa desses espaços, tendo neles a referência de autonomia.
No mesmo sentido de reafirmar a LEDOC como espaço de promoção de
autonomia Nísia afirma que: “Sem dúvidas! Mesmo porque o curso tem o intuito de nos
preparar para o mercado de trabalho e, na época em que vivemos hoje, exige-se essa
autonomia por parte do profissional” (ENTREVISTA COM NÍSIA FLORESTA, 2018).
A educanda apresenta o tempo presente, um tempo competitivo e situa a autonomia
como um instrumento para lidar com essa realidade.
Concluímos essa seção entendendo que os processos de promoção da autonomia
são destacados pelos educandos de forma significativa. Pensando a partir desta ótica,
poderíamos dizer que o Curso tem desempenhado um papel reconhecido quanto a esse
aspecto. Isso é de grande relevância pois, como já mencionado, esse é o horizonte da
168
Educação do Campo enquanto paradigma educacional e nesses termos perceber a
LEDOC alinhando-se a esse objetivo nacional é um destaque singular não somente para
os sujeitos do Curso, mas para a construção da Educação do Campo Popular.
A análise dos discursos apontaram que a LEDOC tem desempenhada papel
relevante no campo da promoção da autonomia, capacitando assim seus educandos para
o mundo do trabalho e para a interação social crítica e consciente, desenvolvendo assim,
habilidades para o exercício pleno da cidadania. Como sabemos, o mundo
contemporâneo, cada vez mais dinâmico e complexo requer sujeitos ativos que
compreendam a realidade a qual estão inseridos, o domínio dessa “tecnologia” é
requisito fundamental para a atuação e transformação social e individual.
Para finalizar esse momento vamos então analisar os textos produzidos no
terceiro turno da autonomia. Nessa seção elaboramos a seguinte questão: Você participa
de algum espaço coletivo, movimento social, ONG, sindicato etc.? (sim) (não) Já
participava antes de entrar no curso? (sim) (não) Em que medida você considera que sua
entrada na LEDOC teve a ver ingresso na nesses espaços?
c) Participação em organizações coletivas
O objetivo desta seção consiste em analisar em que medida o Curso incentivou
ou despertou os sujeitos a ingressarem em organizações de cunho coletivo e social,
compreendendo que a gestão de espaços não escolares também sinaliza um dos
objetivos da LEDOC/UFERSA. Nesse sentido, destacamos as vozes de cada sujeito,
iniciando por Nísia Floresta: “Tanto antes como depois de entrar na universidade,
sempre participei de espaços coletivos. Para mim, esse contato foi imprescindível para o
início da minha vida acadêmica” (ENTREVISTA COM NÍSIA FLORESTA, 2018).
Nesse momento, Nísia afirma que o movimento ocorreu dos coletivos à
Universidade, ou seja, a inserção nos movimentos sociais foi imperativo para que ela
ingressasse no Curso e uma vez inserida no Curso, continuou a atuar entre seus pares.
Essa relação é rica e fecunda ao desenvolvimento, construção e reconstrução de
conhecimentos, os movimento, carregado de sentidos e significados, a partir das
experiências dos sujeitos imiscuídos das lutas por seus direitos ou por uma melhor
condição social promovem o caráter educativo dos sujeitos. Em seguido ouvimos
Margarida, ela afirma que:
169
Participo, eu participo do Sindicato dos trabalhadores rurais de Apodi
e da associação aqui do assentamento Tabuleiro Grande e participo
também de um grupo de teatro do Sítio do Góis. Antes do Curso eu
não participava de nada, por isso, sem dúvida meu ingresso nesses
espaços tem a ver com a minha entrada na LEDOC, primeiro porque
quando eu fui fazer o curso eu não sabia nem o que era o Curso,
depois que eu entrei no Curso eu percebi a realidade como é, a partir
da vivência com os professores, com os colegas que já participavam e
participam de movimentos sociais que eu fui perceber a importância e
quando me formar pretendo continuar, se deus quiser, estamos na luta.
(ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018).
Margarida inicia o terceiro turno afirma que “Participo”. Em seguida afirma que:
“Antes do Curso eu não participava de nada”. Depois afirma que, “por isso, sem dúvida
meu ingresso nesses espaços tem a ver com a minha entrada na LEDOC”. Nesse caso
ela associa seu inserção nos movimentos sociais diretamente associado ao ingresso no
Curso. Também explicita um processo de tomada de consciências em: “depois que eu
entrei no Curso eu percebi a realidade como é, a partir da vivência com os professores,
com os colegas que já participavam”.
Na sequência ouvimos João Pedro Teixeira que nos apresenta uma longa e
interessante resposta, afirma que:
A LEDOC me proporcionou discussões que despertaram mais ainda
meu censo critico, abrindo portas para a construção de novos
conhecimentos e aperfeiçoando os conhecimentos anteriormente
adquiridos. Assim, pude começar a perceber cada vez mais a
importância dos espaços coletivos, tanto para o desenvolvimento
pessoal como em sociedade, buscando melhorias e mudanças nas
formas de pensar e agir, e, principalmente de como agir em
determinadas situações. Proporcionou também conhecimentos
específicos e melhores sobre ideias que eu já possuía, sobre
organizações sociais e seu papel na sociedade em que está inserida, na
busca do cumprimento e respeito da cidadania e da diversidade.
Considero que, além disso, a convivência com uma grande
diversidade de pessoas, com a forma de pensar e com seus
conhecimentos, tanto dos alunos quanto dos professores, me fizeram
ter outra visão de como é importante tais espaços para a construção
social das comunidades e de toda a população. Que tudo tem o seu
“porque”, e que esse “porque” depende de diversos fatores, sendo
estes de suma importância (ENTREVISTA COM JOÃO PEDRO
TEIXEIRA, 2018)
Apesar de não direcionar sua resposta de forma direta, João Pedro nos deixa uma
contribuição significativa quanto a sua percepção sobre as organizações coletivas de
modo geral, apresentando o Curso como um espaço de formação crítica que lhe permitiu
uma compreensão mais larga da realidade, entendendo alguns porquês da existência de
170
determinados movimentos. Além disso, afirma que na LEDOC teve a possibilidade de
uma expansão do conhecimento que já tinha. São questões que imprimem sentido ao
Curso e reafirmam sua importância enquanto lugar de formação crítica e
reposicionamento dos sujeitos frente ao mundo atual. Nesse trabalho de ouvir cada
sujeito, destacamos Celina Guimarães ao dizer que:
Já sim. A mudança sempre há, porque você vai conhecendo novos
hábitos, mais em relação a conhecimento de mundo a LEDOC, assim
de movimentos sociais, não me proporcionou muito não, porque eu já
tinha e eu continuei na bagagem. Espero concluir, me formar e voltar
pra comunidade, assim como foi a proposta inicial do Curso, que há
algum tem vem se perdendo, a proposta se perca, mas a minha opinião
não! (ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018).
Em Celina podemos observar a partir do seu texto que ela já tinha inserção nos
em espaços coletivos antes da LEDOC. “Já sim”. De qualquer forma deposita uma
parcela ao Curso “A mudança sempre há porque você vai conhecendo novos hábitos”.
Porém, esse crédito encerra-se em, “mais em relação a conhecimento de mundo a
LEDOC... Assim, de movimentos sociais, não me proporcionou muito”. Depois disso,
apresenta um texto carregado de significados e marcas destacadas ao mesmo tempo que
conta seus planos “Espero concluir, me formar e voltar pra comunidade”. Apresenta na
sequência uma oração explicativa em, “assim como foi a proposta inicial do Curso, que
há algum tem vem se perdendo”. Aqui ela apresenta uma opinião, uma crítica a
estrutura do Curso que segundo ela tem tomado outra direção “tá se perdendo”. Termina
afirmando que: “a proposta se perca, mas a minha opinião não!”. É uma frase marcada
por resistência.
Na entrevista com Maria Bonita observamos que ela não tinha inserção nas
organizações coletivas antes do Curso, ela destaca que:
Sou presidente de Associação de Moradores da comunidade de
Alagoinha. Não participava antes. A entrada no Curso é positiva. O
Curso me fez entender que nossos espaços precisa de pessoas que
contribuam para a melhoria da nossa comunidade e entender que um
pouco faz toda a diferença. (ENTREVISTA COM MARIA BONITA,
2018).
Podemos observar mais uma vez a formação na LEDOC atuando de forma
destacada quanto ao processo de tomada de consciência e da necessidade de contribuir
com a coletividade. Destaque-se ainda que a inserção ou maior engajamento nos
espaços coletivos não é fruto de uma “formação”, o Curso não forma militantes, forma
171
professores e professoras, porém, como sabemos, a educação quando crítica, quando
significativa, pode representar um instrumento para os sujeitos, de tal sorte que o
processo de organização dos moradores, das cooperativas é um aspecto da tomada de
consciência. Nesse sentido, Freire (1983, p. 12) explica que:
Conscientizar não significa, de nenhum modo, ideologizar, ou propor
palavras de ordem. Se a conscientização abre caminho à expressão das
insatisfações sociais é porque estas são componentes reais de uma
situação de opressão; se muitos dos trabalhadores recém-alfabetizados
adeririam ao movimento de organização dos sindicatos é porque eles
próprios perceberam um caminho legítimo para a defesa de seus
interesses e de seus companheiros de trabalho; finalmente, se a
conscientização das classes populares significa radicalização política é
simplesmente porque as classes populares são radicais, ainda mesmo
quando não o saibam.
Com essa reflexão, destacamos mais uma vez a LEDOC enquanto espaço
relevante para que as pessoas assumam novas posturas frente a sua realidade e as
transformações que ela enseja. É uma forma de assumir o protagonismo nas relações
sociais, é um caráter solidária que encontra na coletividade a resposta e a força para
enfrentar o determinismo e as carências materiais ou espirituais. Destacamos Zila
Mamede, ela afirma que:
Participo sim, eu participo das marisqueiras da minha comunidade e
de uma ONG também da minha comunidade. Já participava antes do
Curso, sempre participei, sempre gostei dos movimentos, sempre
gostei de participar desses movimentos e dessas ONGs sim. O Curso
em si pra mim seria uma forma de fortificar esses movimentos e de
meu conhecimento ser um pouco mais amplo ainda, só que, o que está
acontecendo no Curso hoje está deixando muito a desejar.
(ENTREVISTA COM ZILA MAMEDE, 2018).
Podemos observar que Zila Mamede aponta o curso como uma forma de
fortalecer as experiências que ela já tinha em relação aos movimentos sociais e
Organização Não Governamental da qual ela já participava. Apesar de apontar no final
que o Curso “está deixando muito a desejar”, podemos sublinhar que, de modo geral, os
educando visualizam o Curso como um instrumento de aprendizagem, conscientização e
organização coletiva.
Finalizamos esse momento evidenciando que em alguns casos o Curso foi
determinante para a inserção nos espaços coletivos, em outros casos não, e ainda
observamos o movimento contrário, ou seja, a inserção nos movimentos sociais é que
possibilitou o ingresso junto a LEDOC. A organização junto a espaços coletivos se
172
converteu numa das saídas mais promissoras para que as pessoas do semiárido potiguar
superam situações de domínio e opressão. Os grupos de mulheres, as cooperativas,
associações e movimentos sociais têm empreendido um trabalho nessa região que tem
possibilitado a melhoria de vida de muitas pessoas. Nesse sentido, a capacidade de
participar e organizar esses espaços, compõe um dos aspectos da formação dos
educandos/as da LEDOC. Não implica dizer com isso que os sujeitos do Curso tenham
que participar de alguma organização social, porém existem fortes evidências de que
essa metodologia representa, hoje, um caminho significativo para a mudança social no
contexto local.
5.6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE DIÁLOGO,
EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NA
LEDOC/UFERSA
Podemos sublinhar alguns aspectos importantes sobre as três categorias que
escolhemos para, a partir delas, analisar a LEDOC. Inicialmente, na categoria diálogo,
as entrevistadas apresentaram uma linguagem construída a partir da realidade dos
sujeitos com uma concepção bem avançada sobre o conceito e a importância dessa
categoria, de forma majoritária, apontou-se relações de pouco diálogo no curso, ou
como uma ação que “depende do professor”. Nesse ponto, observa-se que, de acordo
com o olhar discente, é preciso avançar na construção de relações mais aproximadas
àquelas defendidas pelo paradigma da Educação do Campo enquanto uma proposta
pedagógica inovadora, libertadora e que promove autonomia.
Outro ponto observado diz respeito ao diálogo enquanto restrito à sala de aula,
os discentes apontam ausência de outros espaços em que essa relação possa se
desenvolver, como assembleias e reuniões. Como sabemos, a sala de aula é o lugar de
exercício de poder dominado pelo professor/a, implícito ou explicitamente ele/a exerce
influências através do arcabouço prático, teórico, linguístico ou comportamental. Assim,
evidencia-se que é de grande relevância haver outros espaços em que as relações de
poder estejam mais equânimes, espaços em que os educandos/as possam se expressar
livremente, fora de vigilância e do poder docente.
As relações de poder e ideologia dominante estão presentes na sociedade e
marcam de forma bastante singular as instituições, por isso, a comunicação entre
173
sujeitos interessados em fomentar relações capazes de romper com a hegemonia posta
deve compor o horizonte desses sujeitos. O paradigma da Educação do Campo, que
carrega a historicidade da Educação Popular surge para dar vozes aos sujeitos
silenciados ao longo da história, logo, a conquista de um curso de nível superior dentro
de uma universidade federal representa uma enorme possibilidade para materializar o
diálogo entre educando e educador e entre universidade e o meio social, de tal modo que
a possibilidade do diálogo deve ser incessantemente fomentado.
No tocante a epistemologia/conhecimento alguns aspectos também se destacam.
Os textos produzidos pelos educandos afirmam que há pouca utilização dos
conhecimentos das suas realidades para o trabalho acadêmico em sala de aula e também
para atividades outras dentro do Curso. Podemos observar no estudo dessa categoria um
sentido reivindicatório por parte dos discentes no sentido de chamar a atenção para esse
aspecto, de conhecer melhor suas realidades para a partir daí trabalhar e inserir no Curso
uma perspectiva mais contextualizada de educação.
O conhecimento de mundo, que na perspectiva da Educação Popular representa
pedra angular para os processos de construção do conhecimento apresentam-se de forma
secundário na visão das estudantes, sendo uma ação de um ou de outro
professor/disciplina. Desse modo, de acordo com os sujeitos da pesquisa, é necessário
que esse ponto seja retomado e fortalecido junto ao Curso.
Como sabemos a construção do conhecimento é um aspecto que considera não
somente a possibilidade de ensinar algo a alguém, mas é sempre a possibilidade de
avançar, de criar um novo conhecimento. Quando a Educação do Campo defende os
saberes dos povos do campo enquanto epistemologia não é somente um processo de
valorização daquele saber, mas é o reconhecimento de que a partir dele, podemos
construir um novo, ou modificar um já existente. Daí que a relevância de todas as
formas de saber, de todas as epistemologias, elas carregam em seu âmago a
possibilidade do novo, do inédito. Por isso mesmo, todo processo que envolve
superioridade de um conhecimento sobre o outro está fadado ao imobilismo, ao
estatismo, a improdutividade.
A terceira e última categoria é a autonomia, que, como dissemos, tem
importância ímpar nessa perspectiva, visto que funciona como medidor do cumprimento
dos objetivos almejados pela Educação do Campo, foi uma das mais positivas do ponto
de vista dos discentes, segundo as análises esse é o aspecto mais desenvolvido da
174
LEDOC. Os texto apresentados em relação a autonomia apresentam também lacunas,
muito embora seja possível evidenciar pontos relevantes no tocante a esse tema.
O imobilismo a que os sujeitos do campo estiveram assujeitado teve/tem como
um dos seus principais sustentáculos a ideologia fundamentada na linguagem enquanto
instrumento de exercício de poder. Desse modo, capacitar pessoas, cuja história lhes
reservou poucas oportunidades de intervenção e modificação da realidade é uma tarefa
significativa. Os sujeitos inseridos na LEDOC/UFERSA, aos poucos, começam a
realizar sua tarefa ontológica da libertação, começam a desvelar a realidade e as
ideologias criadas pelas classes dominantes e naturalizadas a partir da reprodução no
meio das classes subalternas.
Nesses termos, percebe-se também uma tarefa fundamentalmente importante ao
Curso, qual seja: elevar o patamar de consciência dos sujeitos do campo, fortalecer sua
linguagem a partir do domínio dos padrões e normas diversas, e isso não porque sua
linguagem seja feia ou incorreta, como nos lembra Freire (2005), mas porque
dominando outras formas de linguagem detêm maiores possibilidades e instrumentos de
intervir e modificar o mundo. É nesta ceara que reside uma das principais características
da LEDOC, projetar sujeitos ao mundo, não mais como seres da adaptação, mas,
conhecedores da sua realidade, projetá-los como sujeitos de sua própria história,
construída a partir de suas próprias vivências e experiências de lutas e conquistas reais.
175
6. CONSIDERAÇÕES FINIAS
O período de maior ganho em conhecimento e experiência
é o período mais difícil da vida de alguém.
Dalai Lama
Terminando essa empreitada que iniciamos no início do ano de 2016, ainda com
a alegria espontânea da aprovação no certame daquele ano, podemos dizer que
encaramos essa pesquisa de forma séria e comprometida tanto com os objetivos, como
com os sujeitos da pesquisa e ainda com nós mesmos enquanto pesquisador e professor.
Os acontecimentos que têm caracterizado nossa sociedade no campo político,
econômico e educacional, por vezes nos deixaram estarrecido, porém não nos tiraram do
foco da nossa tarefa de construir um conhecimento e uma colaboração – ainda que
incipiente – ao campo da Educação do Campo. Podemos dizer que a Educação do
Campo constitui um tema de pesquisa que envolve e motivo-nos a continuar.
Podemos dizer que a Educação do Campo constitui um tema de pesquisa que
envolve e motiva-nos a continuar. O trabalho de pesquisa caracteriza-se pela sua
permanência e pela continuidade que lhe é necessária. Assim, ao término deste trabalho,
outras possibilidades acabaram emergindo a partir das nossas reflexões sobre o tema.
Isso externa as dimensões desse campo de pesquisa que, mesmo com o avanço no
número de pesquisadores interessados podemos dizer que ainda é uma questão
marginalizada pela academia. Por isso mesmo, representa um aspecto central da
Educação Popular.
A Educação do Campo está imbuída do sentido de questionar as estruturas
injustas, de perguntar o porquê das coisas serem como estão sendo, e ainda, tem
proposto alternativas que apontam para processos de mudança social e melhoria na
qualidade da educação que chega às populações do campo, por isso mesmo, tem tocado
em um dos maiores tabus da educação brasileira, aquilo que Darcy Ribeiro repetiu
incessantemente, que o fracasso da educação no Brasil não é um acidente pedagógico,
nem metodológico, mas antes é um projeto. É pensada para manter-se tolerada por ser
inofensiva. Assim é que a Educação do Campo vem desmistificando essas relações e
desvelando modelos e engenhos arquitetados historicamente para manter o poder nas
mãos de uma só classe, a classe dominante.
176
Desse modo, essa pesquisa está inserida no campo dos significados e
significantes, aqui não há absolutamente nada que não seja representativo. Cada
palavras, cada sigla, cada imagem, gráfico, fala ou figura compõe um processo
simbólico repleto de sentidos. Assim, essa relação de pensamento e escrita se desenha a
partir de sentimentos e horizontes que nos fazem continuar a caminhada. Outro lugar de
sustentação desse trabalho, está contido no desejo pela mudança social que nos faz o
primeiro dessa procissão. Essas fileiras, em que tantos já tombaram, lutando por terra,
trabalho, pão e água, nos acolheram e nos ensinaram que o amanhã não está dado, mas
está em aberto, o amanhã é possibilidade do novo, do melhor, do mais democrático, do
mais bonito, e bonito é saber que isso se constrói no hoje, no agora. Sobre essa
possibilidade histórica, Freire (2004, p. 48) afirma que: “Porque não há dúvida nenhuma
de que só tem um jeito pra gente fazer amanhã o que hoje a gente não pode fazer. Então,
fazendo o que agora posso fazer, eu me preparo para amanhã fazer o que hoje não me é
possível fazer”.
Assim, é com esse ânimo que oferecemos essa pesquisa em comemoração aos 20
anos da Educação do Campo, esse modelo educativo, que se converteu numa pedagogia
do campo, teve início nas lutas históricas dos movimentos sociais do campo. Ainda
durante a Ditadura Militar, sujeitos se organizaram para defender a democracia, que
passa necessariamente pela Reforma Agrária enquanto instrumento de solidificação da
justiça social. Com a redemocratização política do Brasil esses sujeitos se organizaram a
partir dos chamados “novos movimentos sociais” como nos expõe Maria da Glória
Gohn (2011).
Os massacres de Eldorado dos Carajás e Corumbiara dão a tonalidade dos anos
1990 em relação aos movimentos sociais do campo, porém, mesmo cercado pela
política recém reinaugurada do liberalismo, agora com sua cara neoliberal e pela
criminalização, os movimentos sociais arrancaram na marra uma das políticas de
educação do campo mais importantes desses 20 anos, o PRONERA. Esses 20 anos é
uma alusão exatamente a esse Programa que data de 1998.
Assim, quem quiser entender a história ou os conceitos da Educação do Campo
vai precisar necessariamente compreender o que significou esse processo de
organização e luta dos movimentos sociais. Mesmo que incomode, que gere olhares
tortuosos, que alguém desdém cochichando para a pessoa do lado ou que se levante do
auditório; dizer que a Educação do Campo é uma contribuição dos camponeses,
177
daqueles homens, mulheres, jovens, velhos e crianças, por vezes esfarrapados, é uma
responsabilidade da qual nenhum daqueles que conhece a história deve se furtar.
Mesmo sendo colocado como símbolo da primeira grande conquista da
Educação do Campo, para compreender o PRONERA é preciso traduzir sua formatação
institucional em pessoas. Não é segredo que as populações do campo do Brasil tiveram
grandes dificuldades de acesso à educação básica, quando ao Ensino Superior esse se
mostrou tão distante quanto as léguas que isolavam os camponeses dos centros urbanos
onde esse ensino era ofertado. É pois, nesse plano que o PRONERA se materializa, ele
inaugurou o acesso de filhos e filhas de trabalhadores simples do campo tanto a uma
educação fundamental de melhor qualidade como o ingresso de jovens e adultos na
universidade.
Mesmo reconhecendo que ainda há muito a ser conquistado, tendo em vista os
altos índices de analfabetismo e evasão escolar no campo, o simbolismo do PRONERA
significa a crença de que as lutas sociais não são em vão, significa acreditar que as
estruturas sociais podem ser alteradas a partir da organização coletiva dos trabalhadores
e trabalhadoras. Significa ainda que dentro dessas mesmas estruturas sociais que
chamamos hegemônicas – porque de fato são – existem pessoas comprometidas e
dispostas a contribuírem com processos de democratização e acesso à educação em seus
mais variados níveis.
A partir disso, começamos a acompanhar o ingresso de estudantes de origem
camponesa nas universidade públicas federais. De início aqueles sujeitos causaram
estranhamento – sim, brasileiro estranha quem mais se parece consigo e admira quem
menos – e ainda hoje causam. Assim, esse ingresso implicou mudanças no seio da
universidade, sobretudo do ponto de vista metodológico. Aqueles/as sujeitos não
estavam dispostos às mesmas receitas de doação do conhecimento enquanto um favor
ao que “nada sabem”. Essa é a diferença fundamental, as pessoas que entram na
universidade através do processo de luta, da conquista de um determinado programa ou
curso, estão ali não somente para receber dócil e pacientemente os conhecimentos que
lhes são ofertados, mas para dizer seu próprio conhecimento, para melhorar o que já
sabem, passando a saber mais e melhor, ao mesmo tempo em que imprimem ao
conhecimento acadêmico a necessidade de aprender outros conhecimentos, para, a partir
daí, também saber mais e melhor.
É dentro dessa mesma perspectiva que insere-se o PROCAMPO, esse Programa,
que também está fortemente alinhado à formação dos sujeitos do campo, a partir dos
178
cursos de licenciatura em Educação do Campo, representa a inserção de sujeitos do
campo junto a universidade a partir de uma perspectiva dialógica de saberes. Com 44
universidades ofertando cursos, a formação de professores e professoras para as escolas
do campo tendem a receber profissionais formados a partir de outra matriz
epistemológica. São pessoas que têm atuação pedagógica ou que residem no campo,
essa é uma forma de garantir que os professores e professoras das escolas das
comunidade sejam os próprios sujeitos desse lugar.
Com a expansão desses Cursos pelas universidade do Brasil, é necessário iniciar
processos de avaliação e acompanhamento dessas ações. Esse monitoramento é
importante pois, mesmo reconhecendo o caráter de luta dos sujeitos do campo, é preciso
reconhecer também o caráter de classe do Estado. Como nos apresenta Mészáros (2008,
p. 25):
Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos
sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados.
Consequentemente, uma formulação significativa da educação é
inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no
qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas
vitais e historicamente importantes funções de mudança.
Como sabemos, as grandes transformações na estrutura social do País ainda não
se concretizaram, de modo que nesse tempo, parece que se distanciaram ainda mais, por
isso mesmo, é necessário rastejar cada passo dado por esses cursos no sentido de
garantir sua permanência enquanto um espaço de promoção de educação crítica e acesso
aos bens culturais produzidos historicamente pela humanidade. O Estado, enquanto
instrumento da classe dominante estará sempre apto a “adequar” os espaços de
resistência, inclusive se utilizando para tal, a narrativa de que assim será melhor para
todos.
Essa é a análise externa da qual os movimentos de educação do campo não
podem se desvencilhar, por outro lado, uma leitura interna dos cursos de Educação do
Campo também merece atenção. Foi nesse sentido que tecemos nossas reflexões até
aqui, cujo objetivo foi realizar uma análise a partir das categorias diálogo,
epistemologia/conhecimento e autonomia na LEDOC/UFERSA enquanto possibilidade
para a construção daquilo que chamamos Educação do Campo Popular. As categorias
destacadas sintetizam princípios diverso dentro do paradigma da Educação Popular, que
nesse trabalho está compreendida enquanto Educação do Campo, por isso tomamos tais
categorias enquanto candeeiro que alumia nosso olhar sobre esse Curso.
179
O nosso interesse portanto foi analisar as relações estabelecidas na LEDOC entre
os/as discentes enquanto sujeitos do campo e o próprio Curso enquanto estrutura da
universidade. Nessa relação buscamos pelo diálogo, pela epistemologia/conhecimento e
pela autonomia como princípios trabalhados no curso. Esse caminho que trilhamos é
semelhante ao horizonte da política nacional de Educação do Campo e dos objetivos da
Educação Popular, como ressalta Freire (2011a, p. 39):
Estamos convencidos de que qualquer esforço de educação popular,
esteja ou não associado a uma capacitação profissional, seja no campo
agrícola ou no industrial urbano, deve ter, pelas razões até agora
analisadas, um objetivo fundamental: através da problematização do
homem-mundo ou do homem em suas relações com o mundo e com
os homens, possibilitar que estes aprofundem sua tomada de
consciência da realidade na qual e com a qual estão.
A partir da citação de Freire, destacamos mais uma vez o papel desvelador
concernente à Educação do Campo. O novo sujeito do semiárido pretende romper com
amarras e narrativas fatalistas, ele/ela mesmo/a fará essa tarefa, sendo a Educação uma
ferramenta para tal. Desse modo, o papel atribuído à LEDOC/UFERSA, consiste em
garantir uma formação acadêmica e humanista, para, assim, projetar sujeitos conscientes
e aptos a realizarem as mudanças necessários.
Assim, pensando a partir da perspectiva dos resultados alcançados, duas coisas
aparecem com maior destaque: a primeira diz respeito a necessidade do fortalecer
relações de diálogo e maior trabalho pedagógico a partir da matriz epistemológica dos
conhecimentos da realidade dos educandos/as, assim como ampliação dos espaços de
participação para além da sala de aula. O segundo destaque é sobre o importância papel
que o Curso tem desempenhado enquanto lugar de promoção da autonomia, espaço de
convivência e conscientização que têm construído nos educandos/as novos olhares sobre
suas realidades. São resultados que apontam tanto desafios como avanços no tocante aos
processos de formação acadêmica e cidadã. Nesse cenário, pensar a Educação do
Campo no semiárido deve ser entendido em sua máxima complexidade, é por isso que
nosso trabalho não é sobre formação de professores para o campo, mas sobre formação
de gente para o campo.
Assentados na narrativa da seca, por exemplo, os poderosos dessa Região
gozaram de privilégios e poder perante o povo. Com a promessa de resolver essa
questão, se elegeram e reelegeram-se, depois elegeram seus filhos e filhas, agora
começa a estranhar o comportamento do povo que começa a tomar consciência,
180
percebendo-se instrumento utilitário para arranjos de poder. A Educação do Campo,
nesse sentido, emerge contra essas artimanhas de enganar o povo, e enganar o povo, já
não é uma tarefa das mais simples.
É pois dentro deste cenário que está inserido a realidade dos alunos e alunas que
compõem a LEDOC/UFERSA. É também pensando em toda essa complexidade que
percebe-se a inexorável necessidade de que este espaço se converta cada vez mais em
lócus de conscientização e educação crítica transformadora. O modelo de
desenvolvimento rural conservador tem dado sinais, sobretudo no Oeste, que está mais
atuante do que nunca, de tal modo que é urgente convergir ações de resistência no
sentido de construir um modelo de campo que se oponha a perspectiva ruralista, esse
paradigma vem sendo paulatinamente construída em espaços diversos, por sujeitos
diversos.
Por fim, a LEDOC tem apontado como uma possibilidade de desenvolvimento
local para a região do semiárido, para populações cuja negação do acesso à escola foi
uma constante. Porém, para além da escolarização, é preciso pactuar que existe uma
possibilidade ainda maior, que reside exatamente na capacidade deste espaço ser, servir,
ser visto, vir a ser, um canal para a promoção de uma perspectiva educativa libertadora,
a qual chamamos Educação do Campo Popular.
181
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADAMS, Telmo. Educação e economia popular solidária: mediações pedagógicas no
trabalho associado. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2010.
ALTHUSSER, Louis. Lenin and philosopy and others essays. Londres: New Left
Books, 1971.
ARROYO, Miguel. CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna. Por uma
educação do campo. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
ARROYO, Miguel; ALMONACID, Claudio. Educacion, trabajo y exclusión social:
tendencias y conclusiones provisorias. In: GENTILI, Pablo; FRIGOTTO, Gaudêncio.
(Orgs). A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. 5. ed. São
Paulo: Cortez; [Buenos Aires, Argentina]: CLACSO, 2011.
ARROYO, Miguel. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 55.ed. São Paulo:
Edições Loyola, 2013.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto
de François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Editora
Universidade de Brasília, 1987.
BALL, Stephen; MAINARDES, Jefferson. (Org). Políticas Educacionais: questões e
dilemas. São Paulo: Cortez, 2011.
BAPTISTA, Francisca Maria Carneiro. Educação Rural: das experiências à política
pública. Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural – NEAD /
Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável / Ministério do Desenvolvimento
Agrário, Editorial Abaré, 2003.
BATISTA, Maria do Socorro Xavier. (Org.). Movimentos Sociais, estado e políticas
públicas de Educação do Campo: pesquisa e práticas educativas. Editora da UFPB, João
Pessoa: 2011.
182
BAUMAN, Zygmunt; BORDONI, Carlo. Estado de crise. Tradução Renato Aguiar. 1.
ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
BEISIEGEL, Celso de Rui. Política e Educação Popular: teoria e prática de Paulo
Freire no Brasil. São Paulo: Ática, 1989.
BORGES, Heloisa da Silva. Educação do Campo como processo de luta por uma
sociedade justa. In: GHEDIN, Evandro. Educação do Campo: epistemologia e práticas.
São Paulo: Cortez, 2012.
_______. SILVA, Helena Borges. A Educação do Campo e a organização do trabalho
pedagógico. In: GHEDIN, Evandro. Educação do Campo: epistemologia e práticas.
São Paulo: Cortez, 2012.
BOURDIEU, P; PASSERON, J.C. A reprodução: elementos para uma teoria do
sistema de ensino. 5. ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 2012.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Repensando a pesquisa participante. 3. ed. São Paulo,
SP: Editora Brasiliense, 1984.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Educação Popular. 3ª ed., São Paulo: Brasiliense,
1994.
________. Paulo Freire, educar para transformar: fotobiografia. São Paulo: Mercado
Cultural, 2005.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues; ASSUMPÇÃO, Riane. Cultura Rebelde: escritos sobre
Educação Popular ontem e agora. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire,
2009.
________. Cultura popular e Educação Popular na América Latina: um olhar muitos
anos depois. In: SILVA, Severino Bezerra; Orlandil de Lima Moreira. (Org). Educação
e Movimentos Sociais: Saberes e práticas em Educação Popular. João Pessoa: Editora
do CCTA, 2016.
BRASIL, Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica do Campo. Resolução CNE/CEB Nº1 de 3 de
abril de 2002.
183
BRASIL. Decreto nº 7.352, de 04 de dezembro de 2010. Dispõe sobre a política de
Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária –
Brasília: Imprensa Nacional, 2010. Disponível em: < http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2007 2010/2010/decreto/d7352.htm>. Acesso em: 30 de jun. 2017.
BRASIL. SESu/SETEC/SECADI. Edital nº 02, de 31 de agosto de 2012. Chamada
Pública para seleção de IFES e IFET, para criação de cursos de Licenciatura em
Educação do Campo. Brasília: Imprensa Nacional: 2012.
________. Ministério da Educação. Gabinete do Ministério. Portaria nº. 86, de primeiro
de fevereiro de 2013. Institui o Programa Nacional de Educação do Campo –
PRONACAMPO e define suas diretrizes gerais. 2013.
BRITO, Rosa Maria de Jusus. Formação superior de educadores do campo: Os cursos
de licenciatura do PRONERA na UFPB. In: BATISTA, Maria do Socorro Xavier.
(Org.). Movimentos Sociais, estado e políticas públicas de Educação do Campo:
pesquisa e práticas educativas. Editora da UFPB, João Pessoa: 2011.
BRUIT, Héctor. A Invenção da América Latina. Anais Eletrônicos do V Encontro da
ANPHLAC: Belo Horizonte, 2000.
BRUTSCHER, Volmir José. Educação e conhecimento em Paulo Freire. IFIBE e IPF:
Passo Fundo, RS, 2005.
CALDART, Roseli Salete. Por uma educação do campo: traços de uma identidade em
construção. In: KOLLING, E. J.; CERIOLI, P. R.; CALDART, R. S. (Orgs.). Educação
do Campo: identidade e políticas públicas. Brasília, DF: Articulação Nacional Por uma
Educação do Campo, Coleção Por Uma Educação do Campo, nº 4, 2002. p. 25-36.
________. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular,
2004.
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo:
Fundação da Editora da UNESP (FEU), 1999.
CAMPOS, Benedicto. Introdução à filosofia marxista. São Paulo:Editora Alfa-omega,
1988.
184
CARRILLO, Alfonso Torres. Educación popular y producción de conocimiento. In: La
Piragua revista latinoamericana de educación y política. Panama, 32, 2010.
CARRILLO, Afonso Torres. A Educação Popular como prática política e pedagógica
emancipadora. In: STRECK, Danilo; ESTEBAN, Maria Teresa. (Org.). Educação
popular: lugar de construção social coletiva. Petrópolis: Vozes, 2013.
CARTER, Miguel. Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no
Brasil. Trad. Cristina Yamagamil. São Paulo: Editora UNESP, 2010.
CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural – textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
CHEPTULIN, Alexandre. A dialética Materialista: categorias e leis da dialética. Trad.
Leda R. C. Ferraz. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais.
Petrópolis: Vozes, 2006.
COMENIUS, J. A. Didática Marga. Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos.
Introdução, Tradução e notas Joaquim Ferreira Gomes. 3. Ed. Lisboa: Fundação
Caloustre Gulbekian, 1985.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição: elementos metodológicos para
uma teria crítica do fenômeno educativo. 7.ed. – São Paulo, Cortez, 2000.
COSTA, Homero de Oliveira. A Insurreição Comunista de 1935: Natal, o primeiro ato
da tragédia. São Paulo: Ensino; Rio Grande do Norte: Cooperativa Cultural
Universitária do Rio Grande do Norte, 1995.
COSTA, Lucinete Gadelha. Educação do Campo em uma perspectiva da educação
popular. IN: GHEDIN, Evandro. Educação do Campo: epistemologia e prática. 1.ed.
São Paulo: Cortez, 2012.
DEMO, Pedro. Metodologia em ciências sociais. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1995.
DESLANDES, Suely Ferreira; NETO. Otávio Cruz; GOMES, Romeu; MINAYO.
Maria Cecília de Souza (Organizadoras). Pesquisa social: teoria método e criatividade.
34. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
185
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado.
Tradução: Leandro Konder. 9ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.
FACCIO, Sara de Freire. Educação do Campo e movimentos sociais: uma trajetória de
lutas. In GHEDIN, Evandro. Educação do Campo: epistemologia e prática. 1.ed. São
Paulo: Cortez, 2012.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. 2. ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2016
__________. El análisis Crítico del discurso como método para la investigación en
cienciais sociales. En: WODAK, Ruth; MEYER, Michel (Ed) Métodos de análisis
crítica del discurso. Barcelona: Gedisa, 2003. P. 179-203.
FÁVERO, Osmar (Org). Cultura Popular e Educação Popular: memória dos anos 60.
Rio de Janeiro: Edição Graal, 1983.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST). In: CALDART, Roseli Salete. et al(org.) Dicionário da Educação do Campo.
Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Venâncio, Expressão Popular,
2012, p. 496-500.
FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares;
BARBOSA E MELO, Vilma de Lurdes. Direito à memória e à verdade: saberes e
práticas docentes. João Pessoa: CCTA, 2016.
FREIRE, Ana Maria Araújo. Paulo Freire: uma história de vida. Indaiatuba, SP: Vila
das Letras, 2006.
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: introdução ao
pensamento de Paulo Freire. Tradução: Kátia de Melo e Silva, 3.ed. São Paulo: Moraes,
1980.
________. Educação como prática da liberdade. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.
________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 49.ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
186
________. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 46. ed. São
Paulo: Cortez, 2005.
________. Pedagogia do oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
________. Extensão ou comunicação? 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011a.
________; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra.
Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
________. SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Tradução: Adriana
Lopes. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
________. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do Oprimido.
21.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
________. Política e Educação. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014a.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento das prisões. Tradução de Raquel
Ramalhete. 41 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
GADET, Françoise. As mudanças discursivas no francês atual: pontos de vista da
análise de discurso e da sociolinguística. In: INDUSKY, Freda; FERREIRA, Maria
Cristina Leandro. Michel Pêcheux e a análise do discurso: uma relação de nunca acabar.
São Carlos: Claraluz, 2005.
GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. São
Paulo: Cortez : Autores Associados, 1983.
GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. 8.ed. São Paulo: Ática, 1999.
GATTI, Bernadete Angelina. A Construção da Pesquisa em Educação no Brasil.
Brasília: Liber Livro Editora, 2007.
GENTILLI, Pablo; SILVA, Tomaz Tadeu da. Neoliberalismo, qualidade total e
educação: visões críticas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
GIL, Antonio Carlos. Método e técnica de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2008.
187
GIROX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de
reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista
Brasileira de Educação v. 16 n. 47 maio-ago. 2011.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 6 ed. Trad. Carlos
Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1988.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Tradução de Waltensir Dutra. 21.
ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
HURTADO, Carlos Nunez. Contribuições para o debate latino-americano sobre a
vigência e a projeção da Educação Popular. In: PONTUAL, Pedro; IRELAND,
Timothy. (Org.). Educação Popular na América Latina: diálogos e perspectiva.
Brasília: Ministério da Educação, UNESCO, 2009.
IANNI, Octavio. Ditadura e Agricultura: o desenvolvimento do capitalismo na
Amazônia (1964-1978). Rio de Janeiro – RJ: Civilização Brasileira: 1979.
INCRA. Sistema de Projetos de Reforma Agrária - SIPRA: Projetos de Reforma
Agrária Conforme Fases de Implementação - 1900/2014. Brasília: INCRA, 2014.
INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro. (Org.). Michel Pêcheux e a
análise do discurso: uma relação de nunca acabar. São Carlos: Claraluz, 2005.
JESUS, Sônia Meire Santos Azevedo. As múltiplas inteligibilidades na produção dos
conhecimentos, práticas sociais e estratégias de inclusão e participação dos
movimentos sociais e sindicais do campo. In: MOLINA, Mônica Castagna. Educação
do Campo e Pesquisa: questões para reflexão. – Brasília : Ministério do
Desenvolvimento Agrário, 2006, p. 50-59.
KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1970.
KOLLING, Eder Jorge, CERIOLI, Paulo Ricardo; CALDART, Roseli Salete.
Educação do Campo: identidade e políticas públicas. Brasília, DF: articulação nacional
por uma educação do campo, 2002, coleção por uma educação do campo, nº 4.
188
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva,
1978.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Fundamentos da metodologia
científica. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer. América Latina contemporânea:
modernização/desenvolvimento/dependência. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.
LYRA, Carlos. As quarenta horas de Angicos: Uma experiência pioneira de educação.
São Paulo: Cortez, 1996.
MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso. Tradução:
Márcio Venício Barbosa, Maria Amarante Torres Lima. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
1998.
MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA. Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, vol. 65, n. 150, p. 407-425, maio-ago, 1984.
MARRIOTT, Emma. A história do mundo para quem tem pressa. Trad. Paulo Afonso.
5. ed. Rio de Janeiro: Valentina, 2016.
MARX, Karl. Manifesto Comunista. 1. ed. revista – São Paulo: Boitempo, 2010.
________; ENGELS, Friedrich. A ideologia amelã (Feuerbach). Trad. José Carlos
Bruni; Marco Aurélio Nogueira. São Paulo : Hucitec, 1986.
________. Contribuição para a Crítica da Economia Política. Estampa, 1973
MEJÍA, Marco Raul. Reconstruir la Educación Popular en tiempos de globalización
La deconstrucción: una estrategia para lograrlo. XXXII Congreso Internacional
Antigua, Guatemala, 22 al 27 de septiembre de 2001.
_______. Aprofundar na Educação Popular para construir uma educação globalização
desde o sul. In: PONTUAL, Pedro; IRELAND, Timothy (Org.). Educação Popular na
América Latina: diálogos e perspectivas. Brasília: Ministério da Educação : UNESCO,
2006. p. 205 – 213.
MELO NETO, José Francisco de. Educação Popular: enunciados teóricos. João
Pessoa: Editora do CCTA, UFPB, 2015.
189
MELO NETO, João Colares de. Por uma pedagogia decolonial na América Latina:
reflexões em torno do pensamento do Paulo Freire e Orlando Fals Borda. Curitiba:
CRV, 2016.
MÉSZÁROS, István. Educação para além do capital. tradução Isla Tavares. 2. ed. São
Paulo: Boitempo, 2008.
MOLINA, Mônica Castagna; SÁ, Lais Mourão. Licenciatura em Educação do Campo.
In: CALDART, Roseli Salete. et al(org.) Dicionário da Educação do Campo. Rio de
Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Venâncio, Expressão Popular, 2012, p.
466 – 472.
MOLINA, Mônica Castagna; HAGE Salomão Mufarrej. Riscos e potencialidades na
expansão dos cursos de licenciatura em Educação do Campo. RBPAE - v. 32, n. 3, p.
805 - 828 set./dez. 2016.
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à história do Rio Grande do Norte. 3. ed.
Natal: RN: EDUFRN, 2007.
MOURA, Maria da Conceição Dantas (Org). Economia Feminista: mulheres rurais e
políticas públicas. EdUFERSA: Mossoró – RN, 2014.
MORGAN, Lewis Henry. A sociedade antiga – ou investigações sobre as linhas do
progresso humano desde a selvageria, através da barbárie, até a civilização. In:
PALUDO, Conceição. (Org.). Campo e cidade em busca de caminhos comuns: I
SIFEDIC. Pelotas: UFPel, 2014.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. 2.
ed. Campinas, SP: Pontes, 2005.
PALUDO, Conceição. Educação Popular. In: CALDART, Roseli Salete, PEREIRA,
Isabel Brasil, ALETEJANO, Paulo. FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Dicionário da
Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Venâncio,
Expressão Popular, 2012.
_________. Educação Popular: dialogando com redes latino-americanas (2000-2003).
In: PONTUAL, Pedro; IRELAND, Timothy. (Org.). Educação Popular na América
Latina: diálogos e perspectiva. Brasília: Ministério da Educação, UNESCO, 2009.
190
PAIVA, Vanilda. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1983.
_______. Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo, 1987.
PARO, Vitor Henrique. Crítica da estrutura da escola. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2016.
_______. Educação como exercício do poder: crítica ao senso comum em educação. 3.
ed. São Paulo: Cortez, 2014.
PASSOS, Maria das Graças; MELO, André de Oliveira. Casas familiar rural da
França à Amazônia: uma proposta da Pedagogia da Alternância. In: GHEDIN,
Evandro. Educação do Campo: epistemologia e prática. 1.ed. São Paulo: Cortez, 2012.
PEREIRA, Antônio Alberto. Por uma escola camponesa. In: BATISTA, Maria do
Socorro Xavier. Movimentos sociais, estado e políticas públicas de educação do campo:
pesquisas e práticas educativas. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011. p. 341 – 354.
POMAR, Walter. Os latifundiários. São Paulo: Página 13, 2009.
PONCE, Aníbal. Edução e luta de classe. Trad. José Severo de Camargo Pereira. 23.
Ed. São Paulo: Cortez, 2010.
PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa
científica. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1985.
RESAB. Secretaria executiva. Educação para a convivência com o semi-Árido:
Reflexões teórico-práticas. 2. ed – Selo Editorial-RESAB, Juazeiro/BA, 2006.
RIBEIRO, Marlene. Education for citizenship: the question posed by social
moviments. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.2, p. 113-128, jul/dez. 2002.
________. Movimento Camponês, Trabalho, Educação. Liberdade, autonomia,
emancipação como princípios/fins da formação humana. São Paulo: Expressão Popular,
2010.
________. Educação Rural. In: CALDART, Roseli Salete, PEREIRA, Isabel Brasil,
ALETEJANO, Paulo. FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Dicionário da Educação do
Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Venâncio, Expressão
Popular, 2012. p. 293-299.
RIVERO, José; FÁVERO, Osmar. Educação de jovens e Adultos na América Latina:
direito e desafio de todos. São Paulo, SP: Moderna, 2009.
191
SADLER, Jen. Educação Popular de base comunitária, a migração e a sociedade civil
no México: trabalhando no espaço que foi deixado para trás. In: APPLE, Michael; AU,
Wayne; GANDIN, Luís Armando. A Educação crítica: análise internacional. Trad.
Vinícius Figueredo. Porto Alegre: Artmed, 2011.
SALES, Suze da Silva. O cenário político e socioeconômico do campo no século XX.
In: LIMA, Elmo de Souza; SILVA, Arioste Moura da. Diálogos sobre Educação do
Campo. Teresina: EDUFPI, 2011.
SANTOS, Boaventura de Souza. Crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
________. Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013.
SANTOS, Cícero Félix dos; SCHISTEK, Haroldo; OBERHOFER, Maria. No Semi-
árido, viver é aprender a conviver: Conhecendo o Semi-árido em busca da convivência.
Articulação Popular São Francisco Vivo, 20107.
SAVIANI, Demerval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. São Paulo: Autores
Associados, 2013.
SEGUNDO. Maxione do Nascimento França. Território de Reforma Agrária no Rio
Grande do Norte. (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Departamento de Geografia: Natal - RN, 2017.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
SHALIN, Teodor. (org). Campesinos y sociedades campesinas. México, 1976
SILVA FILHO, Luiz Gomes da. O Movimento Dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a
Educação do Campo no Estado do Rio Grande do Norte: João Pessoa, PB: Anais do I
Encontro de Pesquisas e Práticas em Educação do Campo da Paraíba. 2011.
SILVA, Dalvanir Avelino da. Desenvolvimento e políticas públicas: uma avaliação do
PRONAF A nos assentamentos da reforma agrária no Rio Grande do Norte. Tese
(doutorado em Ciências Sociais) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2012.
192
SILVA, Lourdes Helena. Educação do Campo e Pedagogia da Alternância. Sísifo:
Revista de ciências da educação, Lisboa, n. 53, p.105-112, abr. 2000.
STAKE, Roberto E. Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam.
Tradução: Karla Reis. Porto Alegre: Penso, 2011.
STEDILE, João Pedro. Reforma Agrária. In: CALDART, Roseli Salete, PEREIRA,
Isabel Brasil, ALETEJANO, Paulo. FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Dicionário da
Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Venâncio,
Expressão Popular, 2012, p. 657 – 666.
STRECK, Danilo; ESTEBAN, Maria Teresa. (Org.). Educação popular: lugar de
construção social coletiva. Petrópolis: Vozes, 2013.
STUDART, Heloneida. Luiz, o santo ateu. Natal, RN: EDUFRN – Editora da UFRN.
2006.
TAKEYA, Denise Monteiro. Um outro Nordeste: o algodão na economia do Rio
Grande do Norte (1880 – 1915). Fortaleza, BNB. ETE-NE, 1985.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2014.
THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudo sobre a cultura popular tradicional.
São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
TORRES, Carlos Alberto. Diálogo com Paulo Freire. Tradução: Mônica Matter Oliva.
Edições Loyola: São Paulo, 2003.
TRIVIÑIOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a
pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
UFERSA. RESOLUÇÃO CONSUNI/UFERSA nº 005/2008, de 28 de novembro de
2008. Cria o Curso de Educação do Campo, em nível de Graduação, modalidade
Licenciatura, no âmbito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Mossoró, 2008.
Disponível em: https://ledoc.ufersa.edu.br/wp-
content/uploads/sites/52/2014/09/Educacao-no-campo.pdf Acesso em 18 de julho de
2017.
193
UFERSA. Projeto Pedagógico de Curso Licenciatura em Educação do Campo.
Mossoró, 2013.
UFERSA. DECISÃO CONSUNI/UFERSA Nº 142/2013, de 18 de outubro de 2013.
Designa a Pró-Reitoria de Graduação – PROGRAD para ser responsável pela
implantação e gestão do curso de Licenciatura em Educação do Campo – LEDOC.
Mossoró, 2013a. Disponível em: https://documentos.ufersa.edu.br/wp-
content/uploads/sites/79/arquivos/consuni/2013/DECISOES/DECISAO_CONSUNI_14
2_2013.pdf Acesso em 18 de julho de 2017.
UFERSA. Comissão Permanente de Processos Seletivos CPPS. EDITAL Nº. 045/2013.
Curso de Licenciatura em Educação do Campo PROCESSO SELETIVO 2013.2.
Mossoró, 2013b.
UNESCO – CEAAL – CREFAL – INEA. La educación de personas jóvenes y adultas
en América Latina y el Caribe: prioridades de acción en el siglo XXI. Santiado de
Chile: 2000.
VARELA, Julia & ALVAREZ-URIA, Fernando. A Maquinaria Escolar. In: Teoria e
educação, 6, 1992. (p. 69 – 97).
VEIGA, José Eli. O que é reforma agrária. 14.ed. São Paulo, SP: Editora Brasiliense.
1994.
VIGOTSKI. Lev Semenovoch. A formação social da mente. o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna
Barreto, Solange Castro Afeche. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução de Pietro
Nassetti. 4. ed. São Paulo, SP: Editora Martin Claret: 2011.
WOLF, Eric R. Sociedades camponesas. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. 2. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2001
194
ANEXOS
195
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO POPULAR
Orientadora: Profa. Dra. Maria do Socorro Xavier Batista
Doutorando: Luiz Gomes da Silva Filho
QUESTIONÁRIO PERFIL DISCENTE
Este questionário tem como objetivo compor seção específica da tese de doutoramento do
pesquisador/professor Luiz Gomes da Silva Filho, junto ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal da Paraíba – Campus I – João Pessoa, cuja temática é: “Por
uma Educação do Campo Popular: uma análise a partir do Curso de Licenciatura
Interdisciplinar em Educação do Campo da UFERSA” Os dados obtidos serão utilizados
para montar o “Perfil discente”, contribuindo tanto com essa pesquisa como com outros
trabalhos futuros.
Conto com a colaboração de todas/os ao mesmo tempo em que agradeço antecipadamente!
1. Nome:_________________________________________________________________
2. Semestre Atual_______________________
3. Atualmente você mora na zona rural ( ); na zona urbana ( )
4. Município/assentamento/sítio:______________________________________________
______________________________________________________________________
5. Faixa de idade: Entre 18 e 25 ( ); Entre 25 e 30 ( ); Entre 30 e 35 ( ); Entre 35 e 40 ( );
Acima de 40 anos ( )
6. Quantas pessoas moram com você: Entre 01 e 03 ( ); Entre 03 e 05 ( ); Acima de 05 (
)
7. Renda familiar: Abaixo de 01 salário mínimo ( ); Entre 01 e 03 salários mínimos ( );
Entre 03 e 05 salários mínimos ( ); Acima de 05 salários mínimos ( )
8. Você é assistido (a) por algum programa assistência estudantil/bolsa? Qual?
_________________________________________________________
196
9. Você participa de algum Movimento Social ou organização coletiva (sindicatos, grupos
de mulheres; ONGs, Associações etc)?
Qual?_________________________________________________________________
10. Sua relação com a docência na Educação Básica: Já atuei na Educação Básica ( );
Nunca atuei na Educação Básica ( ); Estou atuando na Educação Básica ( ).
197
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO POPULAR
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
TEMA DA PESQUISA
POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO POPULAR: UMA ANÁLISE A PARTIR
DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA
Orientadora: Profa. Dra. Maria do Socorro Xavier Batista
Doutorando: Luiz Gomes da Silva Filho
Data: 08/01/2018
Local da Entrevista:
PARTE I: IDENTIFICAÇÃO DO(A) PARTICIPANTE
Nome
Sexo M ( ) F ( )
Idade
Município
onde mora
Período
198
PARTE II: SOBRE DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA E AUTONOMIA NA
LEDOC
1. Para você, o que é diálogo?
2. Você percebe relação de diálogo entre professores e alunos na Ledoc? Você
tem oportunidade de falar e expor suas ideias?
3. Você se sente contemplada com os espaços de participação além da sala de
aula?
4. O que você entende por conhecimento/epistemologia?
5. Você considera que os conhecimentos do seu contexto, da sua realidade, são
trabalhados em sala de aula?
6. Você sente que seus conhecimentos são valorizados e utilizados no Curso da
LEDOC? (Tanto dentro da sala de aula como fora dela)
7. Para você o que é autonomia
8. Você considera o curso da Ledoc como um espaço de promoção da autonomia?
9. Você participa de algum espaço coletivo, movimento social, ONG, sindicato
etc.? (sim) (não) Já participava antes de entrar no curso? (sim) (não) Em que
medida você considera que sua entrada nos espaços coletivos teve a ver
ingresso na Ledoc?