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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA PESQUISA: EDUCAÇÃO POPULAR LUIZ GOMES DA SILVA FILHO POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO POPULAR: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA JOÃO PESSOA/PB 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA PESQUISA: EDUCAÇÃO POPULAR

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO POPULAR: UMA ANÁLISE A PARTIR

DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA

JOÃO PESSOA/PB

2018

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LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO POPULAR: UMA ANÁLISE A PARTIR DO

CURSO DE LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO CAMPO

DA UFERSA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal da

Paraíba (UFPB), como requisito para obtenção do título de

Doutor em Educação. Linha de Pesquisa: Educação

Popular. Sob orientação da Professora Drª. Maria do

Socorro Xavier Batista.

JOÃO PESSOA/PB

2018

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AGRADECIMENTOS

No momento em que caminho para entregar este trabalho, cuja finalidade é concluir o

Doutorada, última etapa do processo de escolarização, quero aqui tecer alguns

agradecimentos com a certeza de que, optando por nominar, certamente cometerei

algumas injustiças, de toda forma apresentarei esses sujeitos enquanto representativos

de muitos outros.

Assim, quero agradecer ressaltando aquilo que aprendi de cada um/a, que, não por

acaso, teceram junto comigo, esse trabalho e essa existência.

Em Deus aprendi a renascer, entendi sua infinita inteligência, sua bondade eterna, sua

materialidade. Aprendi meu lugar no cosmo e minha função na vida. Do alto da minha

pequeneza, me aproximei de Deus e me tornei gigante. Por isso a ti ó Deus sou grato.

Da minha mãe aprendi a enfrentar a vida de frente, sem jamais murmurar e mesmo em

situações adversas acreditar, sem uma fresta de dúvida, que logo em breve haverá

fartura. Nunca ouvi da sua boca a frase “não tem”. Aprendi com a senhora, Dona Tê, a

ter fé no amanhã, na vida e em Deus. Por isso e por tanto mais, à senhora, neste e noutro

plano, serei grato.

Do meu pai aprendi a ter paciência e a não julgar, não ter preconceitos e escutar mais do

que falar, queria eu ter uma ínfima parte da sabedoria do meu pai, Seu Lucas. Aprendi

que dedicar-se ao outro é dedicar-se a si mesmo, o senhor abriu mão de muitos sonhos

para criar seis filhos. Por isso, aprendi também com o senhor que a realidade é dura,

mas que com trabalho a gente supera. Muito obrigado meu pai.

Da minha esposa, Linda Carter, aprendi que é preciso ter foco e responsabilidade na

vida, organização e compromisso com tudo que assumimos. Aprendi que as pessoas

sentem e agem diferentemente e que ninguém é padrão para as dores alheias. Por isso,

pela colaboração acadêmica, pelo companheirismo diário e por mais uma infinidade de

qualidades, sou grato a ti meu amor.

Aos meus irmãos, Aninha, Ary, Chaguinha, Milena e Nevinha!

De Aninha aprendi a leitura e a escrita, foi ela quem me alfabetizou. Aprendi a sonhar

com outros lugares e outras realidades, principalmente quando a visita em Currais

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Novos/RN, lugar em que fora empregada nas casas dos outros. Sou eternamente grato a

você minha irmã querida pelo espírito de luz e amor que és.

De Ary aprendi a trabalhar, a gostar dos campos, roçados e construções. Fui seu

servente de pedreiro nas construções e lá aprendi as histórias e o folclore das astúcias do

povo mais simples, por essa marca que carrego até hoje, sou grato a ti meu irmão.

Em Milena aprendi a valentia e a rebeldia necessária frente a situações injustas. Ela tem

jeito de “braba” e na vida isso é necessário, a ti irmã, sou grato mana.

De minha irmã Nevinha aprendi a lutar pela vida diariamente, a encarar de frente as

dificuldades e adversidades. Aprendi a ter coragem de sair do ninho de casa e ir pra

longe, aprendi a me virar no mundo, mas também aprendi vendo em você que é possível

construir belos sonhos em qualquer lugar que estejamos, a você sou grato minha irmã...

Do meu irmão Chaguinha aprendi a cultura popular, a gostar da música e da poesia. Por

isso também sou grato.

Agradeço a minha Orientadora, professora Maria do Socorro Xavier Batista pela

confiança que depositou em meu trabalho e pela leveza com que conduziu esse processo

de doutoramento.

Agradeço as minhas colegas e amigas/os de doutorado com quem tive a graça de dividir

experiências, alegrias e cafés. Isso levarei para sempre.

À Banca de qualificação pelas contribuições e orientações precisas que me recolocaram

no caminho da pesquisa.

À Banca de defesa que aceitou o convite para, junto comigo, finalizar essa etapa tão

importante.

À Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) pela compreensão e

valorização da formação docente.

À Universidade Federal da Paraíba e ao Programa de Pós-Graduação em Educação

(PPGE)

Muito obrigado!

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DIDICATÓRIA

Ao meu pai e a minha mãe, esposa, irmãos e irmãs,

amigos e amigas, sempre comigo em pensamentos e

sentimentos. Aos alunos e alunas do curso de Licenciatura

em Educação do Campo da Universidade Federal Rural do

Semi-Árido e em especial aos “esfarrapados do mundo”,

aos camponeses que teimam em existir...

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RESUMO

A pesquisa em Educação do Campo hoje no Brasil representa uma linha de trabalho

profícua e relevante frente ao cenário educacional contemporâneo. Essa ascensão está

diretamente relacionada às lutas empreendida historicamente pelos sujeitos do campo.

Desse modo, apresentar uma Tese cujo foco central reside na Educação do Campo é

uma conquista tanto do pesquisador como do objeto pesquisado. Essa pesquisa que

apresentamos, tem como objeto de estudo a Educação do Campo enquanto um

paradigma de Educação Popular. Como objetivo buscamos analisar se, e como, as

categorias diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia se materializam dentro do

Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC) da Universidade Federal

Rural do Semi-Árido (UFERSA) enquanto possibilidade para a construção de uma

Educação do Campo Popular. Para tal, buscamos na Análise Crítica do Discurso (ACD)

de Norman Fairclough o suporte teórico para tratar as entrevistas realizadas com

educandos do Curso em destaque. De acordo com Fairclough (2016) a linguagem

transforma e promove mudança social, não sendo apenas reflexo das determinações do

meio, pelo contrário, ela determina esse meio social. Desse modo, o cenário camponês

aqui apresentado configura-se de forma marcante no trabalho, as lutas, as conquistas e

os desafios aqui relatados representam mecanismo de geração e transformação de

conhecimento. Assim, o trabalho expõe a Educação do Campo a partir de uma base

epistemológica forjada na organização dos movimentos sociais do campo e da

coletividade do campesinato brasileiro. No plano Estatal, a pesquisa tratou de algumas

das principais referências da política nacional de Educação do Campo, com destaque

para o Programa Nacional de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação

do Campo (PROCAMPO), buscando compreender esse Programa dentro da seara da

inclusão social e dentro da perspectiva de fortalecimento da formação de professores

para atuação nas escolas do campo, uma vez que a história nos mostra que a chamada

Educação Rural não cumpriu com esse intuito. Desse modo, o trabalho apresenta-se

enquanto uma perspectiva de Educação do Campo Popular como uma superação do

paradigma autoritário da Educação Rural. Nesse sentido, apresentamos a

LEDOC/UFERSA como lócus do estudo, para tanto realizamos uma pesquisa detalhada

sobre seus aspectos gerais, o surgimento, a organização curricular e metodológica assim

como o perfil dos sujeitos que compõem o Curso. As categorias diálogo,

epistemologia/conhecimento e autonomia compõem de forma especial o marco teórico,

conceitual e também o horizonte da Educação Popular. Assim, nesse trabalho, elas

aparecem como condição ímpar à construção da Educação do Campo Popular.

Finalmente, destaque-se que a possibilidade de ouvir os sujeitos da Educação do Campo

possibilitou ao trabalho um “pé no chão” muito representativo. A partir das vozes

desses sujeitos sublinhamos como resultados, a necessidade de maior fomento ao

diálogo entre o Curso e os discentes; necessidade de uso dos conhecimentos da

realidade dos estudantes nos processos educativos em sala e fora dela; por outro lado,

essas mesmas vozes destacam um Curso que promove autonomia e projeta sujeitos

conscientes para contribuírem nas mudanças que o nosso tempo enseja.

Palavras-chaves: Educação do Campo Popular; LEDOC/UFERSA; Diálogo;

Epistemologia/conhecimento; Autonomia.

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RESUMEN

La pesquisa en Educación del Campo hoy en Brasil representa una línea de trabajo útil y

relevante frente al escenario educacional contemporáneo. Esa ascensión está

directamente relacionada a las luchas emprendidas históricamente por los sujetos del

campo. De ese modo, presentar una Tesis cuyo enfoque central se encuentra en la

Educación del Campo es una conquista tanto del investigador como del objeto

investigado. Esa pesquisa que presentamos tiene como objeto de estudio la Educación

del Campo mientras un paradigma de Educación Popular. Como objetivo buscamos

analizar si y cómo las categorías diálogo, epistemología/conocimiento y autonomía se

materializan dentro del Curso de Licenciatura en Educación del Campo (LEDOC) de la

Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) como posibilidad para la

construcción de una Educación del Campo Popular. Para tal, buscamos en el Análisis

Crítico del Discurso (ACD) de Norman Fairclough el soporte teórico para tratar las

entrevistas realizadas con educandos del Curso en destaque. Según Fairclough (2016),

el lenguaje transforma y promueve cambios sociales, no siendo solo reflejo de las

determinaciones del medio, pero sí, él determina ese medio social. De ese modo, el

escenario campesino aquí presentado se configura de manera destacada en el trabajo, las

luchas, las conquistas y los retos son evidenciados y diseñados mientras mecanismos de

generación y transformación del conocimiento. Así, el trabajo expone la Educación del

Campo a partir de una base epistemológica forjada en la organización de los

movimientos sociales del campo y de la colectividad del campesinado brasileño. En el

plan Estatal, la pesquisa se trató de algunas de las principales referencias de la política

nacional de Educación del Campo con destaque para el Programa Nacional de Apoio à

Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO), buscando

comprenderlo dentro del espacio de la inclusión social y dentro de la perspectiva de

fortalecimiento de la formación del profesorado para actuación en las escuelas del

campo, una vez que la historia nos muestra que la llamada Educación Rural no cumplió

con ese intuito. De ese modo, el trabajo se presenta mientras una perspectiva de

Educación del Campo Popular como una superación de paradigma autoritario de la

Educación Rural. En este sentido, presentamos a LEDOC/UFERSA como locus del

estudio, para eso realizamos una pesquisa detallada acerca de sus aspectos generales, el

surgimiento, la organización curricular y metodológica así como el perfil de los sujetos

que componen el Curso. Las categorías diálogo, epistemología/conocimiento y

autonomía componen de manera especial el contexto teórico, conceptual y también el

horizonte de la Educación Popular. Así, en ese trabajo, ellas aparecen como condición

impar a la construcción de la Educación del Campo Popular. Finalmente, destáquese

que la posibilidad de oír los sujetos de la Educación del Campo proporcionó al trabajo

un “pé no chão” muy representativo. A partir de las voces de esos sujetos subrayamos

como resultados la necesidad de mayor fomento al diálogo entre el Curso y los

educandos; necesidades del uso de los conocimientos de la realidad de los estudiantes

en los procesos educativos en clase y fuera de ella; por otro lado, esas mismas voces

destacan un Curso que promueve autonomía y proyecta sujetos conscientes que

contribuyan en los cambios que nuestro tiempo logra.

Palabras clave: Educación del Campo Popular; LEDOC/UFERSA; Diálogo;

Epistemología/conocimiento; Autonomía.

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ABSTRACTS

The research in field education today in Brazil represents a fruitful and relevant line of

work in front of the contemporary educational scenario. This ascension is directly

related to the struggles historically undertaken by the subjects of the field. Thus, to

present a thesis whose central focus lies in the education of the field is an achievement

of both the researcher and the researched object. This research that we present, has as

object of study the education of the field as a paradigm of Popular Educabção. As an

objective we seek to analyze whether, and how, the categories dialogue,

epistemology/knowledge and autonomy materialize within the Undergraduate Course in

Field Education (LEDOC) of the Universidade Federal Rural do Semi-Árido

(UFERSA) as a possibility For the construction of a Popular field education. To this

end, we seek the Critical Discourse Analysis (ACD) of Norman Fairclough the

theoretical support to treat the interviews conducted with students of the course

highlighted. According to Fairclough (2016) the language transforms and promotes

social change, not only reflecting the determinations of the environment, on the

contrary, it determines this social environment. Thus, the peasant scenario presented

here is marked in a remarkable way in the work, the struggles, the achievements and the

challenges are evidenced and drawn as a mechanism of generation and transformation

of knowledge. Thus, the work exposes the field education from an epistemological basis

forged in the organization of the social movements of the field and the collectivity of

the Brazilian peasantry. At the state level, the research dealt with some of the main

references of the national policy of education of the field, highlighting the national

program of support for higher education in the field of education (PROCAMPO),

seeking to understand this Program within the Ceara of social inclusion and within the

perspective of strengthening the training of teachers to work in the schools of the field,

since history shows us that the so-called Rural education did not fulfill this purpose.

Thus, the work presents itself as a perspective of education of the Popular field as an

overcoming of the authoritarian paradigm of Rural Education. In this sense, we present

the Ledoc/Ufersa as the locus of the study, so we conducted a detailed research on its

general aspects, the emergence, the curricular and methodological organization as well

as the profile of the subjects that compose the course. The categories dialogue,

epistemology/knowledge and autonomy compose in a special way the theoretical

framework, conceptual and also the horizon of Popular education. Thus, in this work,

they appear as an odd condition the construction of the Education of the Popular field.

Finally, it is highlighted that the possibility of hearing the subjects of the field education

allowed the work a very representative "foot on the ground". From the voices of these

subjects we emphasize as results, the need for greater encouragement to the dialogue

between the course and the students; The need to use the knowledge of the students '

reality in the classroom and outside educational processes; On the other hand, these

same voices highlight a course that promotes autonomy and projects conscious subjects

to contribute to the changes that our time envisions.

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Keywords: education of the Popular field; LEDOC/UFERSA; Dialog

Epistemology/knowledge; Autonomy.

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LISTA DE SIGLAS

ACD Análise Crítica do Discurso

AD Análise do Discurso

AP Ação Pedagógica

ASA Articulação do Semi-Árido

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEB Comunidades Eclesiais de Base

CCSAH Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNE Conselho Nacional de Educação

CNER Campanha Nacional de Educação Rural

CONSUNI Conselho Universitário/UFERSA

CPS Centros de Cultura Popular

DCE Diretório Central dos Estudantes

DCH Departamento de Ciências Humanas

DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais

EJA Educação de Jovens e Adultos

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FETARN Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do

Norte

FONEC Fórum Nacional de Educação do Campo

GEPPF Grupo de Estudos e Pesquisa da Pedagogia Paulo Freire

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

IFRN Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do

Norte

IGC Índice Geral de Cursos

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INEP Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

JUC Juventude Universitária Católica

LECampo Licenciatura em Educação do Campo/UFMG

LEdoC Licenciatura em Educação do Campo/UnB

LEDOC Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo/UFERSA

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MCP Movimento de Cultura Popular

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEB Movimento de Educação de Base

MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização

MST Movimento Sem Terra

ONG Organização Não Governamental

PROCAMPO Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação

do Campo

PRONAF Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar

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PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PPC Projeto Pedagógico de Curso

PPP Projeto Político Pedagógico

PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação – UFPB

PROGRAD Pró-Reitoria de Graduação/UFERSA

REUNI Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

SECADI Secretaria de Educação Continuada Alfabetização Diversidade e Inclusão

SEEC Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte

STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi

TRAMSE Trabalho, Reforma Agrária, Movimentos Sociais e Educação

UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFERSA Universidade Federal Rural do Semi-Árido

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB Universidade Federal da Paraíba

UFPR Universidade Federal do Paraná

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFS Universidade Federal de Sergipe

UFSCAR Universidade Federal de São Carlos

UFU Universidade Federal de Uberlândia

UnB Universidade de Brasília

UNESCO United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization

UNICEF United Nations Children's Fund

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LISTA DE FIGURAS

Figura I Perspectiva tridimensional da Análise do Discurso…………………….50

Figura II Limites climatológicos para a definição das fronteiras do semiárido…..88

Figura III Ocorrência do semiárido no Rio Grande do Norte……………………..90

Figura IV Representação do município de Mossoró………………………………92

Figura V Disciplinas objeto do vestibular LEDOC/UFERSA……………………99

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico I Representação discente por sexo………………………………………118

Gráfico II Idade dos educandos/as da LEDOC/UFERSA……………………..…119

Gráfico III Renda familiar dos educandos/as da LEDOC/UFERSA……………...120

Gráfico IV Local de residência dos Educandos da LEDOC/UFERSA……………121

Gráfico V Atuação discente na Educação Básica………………………………...122

Gráfico VI Participação dos/as discentes do Curso em organizações sociais……..123

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LISTA DE IMAGENS

Imagem I Visão panorâmica da Cidade de Mossoró – RN………………………..93

Imagem II UFERSA Campus Central – Mossoró………………………………….94

Imagem III Prédio do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas…………104

Imagem IV Prédio da LEDOC……………………………………………………..105

Imagem V Central de aulas IV…………………………………………………….105

Imagem VI Educandos/as e Professores/as da LEDOC……………………………117

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LISTA DE QUADROS

Quadro I Composição das categorias da Análise Crítica do Discurso a partir da

Obra de Norman Fairclough…………………………………………….51

Quadro II: Resultado do Edital 02/2012 Curso de Educação do Campo por

instituição de Ensino Superior por ordem de classificação……………..80

Quadro III Relação dos cursos existentes na UFERSA…………………………….96

Quadro IV Relação entre ano e matrícula de estudantes na UFERSA…………….100

Quadro V Distribuição das Disciplinas que compõem a estrutura curricular da

LEDOC………………………………………………………………..104

Quadro VI Sujeitos da pesquisa/entrevista………………………………………...128

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................................................20

1. INTRODUÇÃO: TRAJETÓRIA DO PESQUISADOR E APROXIMAÇÃO

AOOBJETO DE ESTUDO....................................................................................25

2. OS CAMINHOS DA METODOLOGIA E OS DESAFIOS DA PESQUISA EM

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL.............................................................35

2.1. NOTAS INICIAIS..........................................................................................35

2.2. OS CAMINHOS DA METODOLOGIA: ASPECTOS TEÓRICOS E

PRÁTICOS DA CONSTRUÇÃO DA PESQUISA........................................37

2.3. LINGUAGEM E MUDANÇA SOCIAL: ANÁLISE CRÍTICA DO

DISCURSO COMO POSSIBILIDADE EM NORMAN FAIRCLOUGH.....48

3. A LUTA HISTÓRICA DOS SUJEITOS DO CAMPO: PASSOS DE UMA

CAMINHADA.........................................................................................................52

3.1 NOTAS INICIAIS..........................................................................................52

3.2 SUJEITOS DO CAMPO E A LUTA HISTÓRICA POR EDUCAÇÃO:

PASSOS E DESCOMPASSOS......................................................................54

3.3 EDUCAÇÃO POPULAR NUMA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA:

CAMINHOS PARA PENSAR A EDUCAÇÃO DO CAMPO......................62

3.4 ASPECTOS GERAIS DA POLÍTICA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NO

BRASIL..........................................................................................................72

3.5 LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONTEXTO

GERAL...........................................................................................................82

4. CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DA PESQUISA: UFERSA, LEDOC E OS

SUJEITOS NO SEMIÁRIDO POTIGUAR.........................................................86

4.1 NOTAS INICIAIS..........................................................................................86

4.2 LÓCUS DA PESQUISA: O SEMIÁRIDO POTIGUAR E A UFERSA........87

4.3 LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA: UMA

HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO...................................................................97

4.4 DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NO

PPC DA LEDOC....................................... ...................................................106

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4.5 CONHECENDO OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO DA

LEDOC/UFERSA: PERFIL DISCENTE………………………………….116

5. AS VOZES DOS SUJEITOS DO CAMPO: DIÁLOGO,

EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NA

LEDOC/UFERSA..................................................................................................125

5.1. NOTAS INICIAIS........................................................................................125

5.2. DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA:

CATEGORIAS ANALÍTICAS....................................................................126

5.3. CATEGORIA DIÁLOGO............................................................................128

a) Conceito de diálogo................................................................................130

b) Relação dialógica na LEDOC...............................................................134

c) Discurso participação na LEDOC.........................................................140

5.4. CATEGORIA EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO NA LEDOC........144

a) Conceito de epistemologia/conhecimento.............................................146

b) Uso dos conhecimentos da realidade na LEDOC.................................153

5.5. CATEGORIA AUTONOMIA......................................................................159

a) Conceito de autonomia..........................................................................159

b) A LEDOC como promoção da autonomia............................................164

c) Participação em organizações coletivas................................................168

5.6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE DIÁLOGO,

EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NA

LEDOC/UFERSA…………………………………………………………172

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................175

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................181

8. APÊNDICES.........................................................................................................194

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APRESENTAÇÃO

Consola-me a certeza de que não participarei da

colheita, mas faço questão de morrer semente

Frei Betto.

O trabalho de escrita requer foco, concentração e um pouco de silencio e solidão.

Escrever é uma tarefa complexa que depende de uma série de fatores que implicam

diretamente no produto final da escrita. Digo isso, porque o tempo presente

definitivamente é oposto a tudo isso, é turbulento, dinâmico e barulhento. Nesse novo

contexto em que a história se redesenha é também o momento em que escrevemos essa

tese de doutoramento.

No campo político um novo presidente acaba de ser eleito, ele carrega consigo

um projeto totalmente oposto àquele que acreditamos ser o melhor para o Brasil, ainda

assim, foi eleito por ampla maioria, sendo assim, a fora uma análise histórica,

sociológica, psicológica e filosófica, somos levados a respeitar o direito de essa maioria

julgar-se acertada, pelo menos até o limite em que nosso direito também seja respeitado.

Ainda assim, não podemos deixar de destacar que o próprio processo

democrático pode fazer definhar a nossa jovem democracia. Uma democracia já

claudicante, apesar de sua jovialidade. A Constituição Federal de 1988, acaba de

completar 30 anos, é um período ainda muito incipiente no que se refere a conquista do

Estado democrático de direito que, diga-se de passagem, ainda não se solidificou e

apesar disso já se reconfigura a partir de perspectivas autoritárias e reacionárias.

Apenas para sumariar as turbulências desses tempos, assistimos pela televisão o

país “passado a limpo”, acompanhando a compra de votos sem nenhum escrúpulo no

executivo e legislativo, uma forma de garantir a manutenção de um presidente que

ascendeu ao poder sem voto popular, após e retirada da então Presidenta Dilma

Rousseff do Partido dos Trabalhadores. Logo em seguida, dando continuidade a esse

mesmo cenário de notório partidarismo judicial, o processo do pedido de prisão do ex

presidente Luiz Inácio Lula da Silva tramitou com rapidez nunca antes vista,

acarretando sua prisão. Um trâmite processual e uma prisão até hoje contestada por

juristas e organizações internacionais de Direitos Humanos que alegam não haver

materialidade e provas no processo que implique uma condenação.

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A sociedade dos acontecimentos e escândalos de corrupção, das ilusões que

arrastam a opinião das massas, que Guy Deboard chamou “sociedade do espetáculo”,

envolvendo malas de dinheiro, convive, ao mesmo tempo, com o empobrecimento das

camadas populares do campo e da cidade, onde o desemprego alastra-se velozmente. No

momento em que escrevo esse estudo, é divulgado pesquisa com dados que mostram

que a pobreza absoluta voltou a crescer vertiginosamente.1 Não que em algum momento

da nossa história isso tenha deixado de existir por completo, porém, indubitavelmente

havia diminuído substancialmente, e que agora, no período pós “impeachment” – aspas

porque a palavras correta é golpe – retornaram com mais ênfase.

A partir desse cenário, inserimos esse trabalho como um convite à reflexão e à

auto-avaliação individual e coletiva. É um chamado a um exame escrutinado do nosso

passado e do nosso presente, sobre questões agrárias, mas certamente com agravantes

no meio urbano, sobre questões de trabalho, educação e modelos de vida, de autonomia

e dialogicidade. Nesse sentido, o veio condutor para intercalar todo esse cenário, será

Educação do Campo enquanto uma perspectiva de Educação Popular.

Destaque-se que a Educação Popular aparece nesse trabalho de forma muito

imiscuída à Educação do Campo, isso justifica-se por entendermos que compõem um

mesmo sentido e nuances de uma perspectiva educativa histórica, cuja realidade de cada

época lhe imprime diferentes formas de organização e comportamento.

O trabalho também é esclarecedor quanto aos motivos pelos quais negamos a

Educação Rural e suas bases, cujo assento é o latifúndio, o agronegócio predatório, o

trabalho explorado na monocultura, entre outras. Esse modelo educativo serviu à

manutenção de estruturas de dominação política, econômica e cultural. A escola do

campo, fincada no campo por força de lei, reproduziu fielmente o ideário da escola

urbana, fazendo um trabalho de aculturação muitas vezes perverso em que a criança, o

jovem e o adulto do campo, precisou negar sua identidade para melhor adequar-se a

essa escola.

Também por isso, a evasão na zona rural é sempre muito elevada, os índices de

analfabetismo, três vezes maior que na cidade, o tempo de escolarização também aquém

do ideal para uma sociedade cujo centro de gravidade é a educação, dão a tônica dos

desafios. Ao mesmo tempo, a formação de professores para as áreas campesinas foi

praticamente inexistente ao longo do tempo, em vez disso, campanhas e mais

1 Extrema pobreza volta a crescer no Brasil após seis anos, aponta IBGE. Informações do Jornal Correio

Brasiliense da Edição on-line de 02/12/2016.

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campanhas de alfabetização, atividades pontuais que não dialogavam com as realidades

complexas das populações do campo. O resultado de muitas dessas ações nós

conhecemos; baixíssima eficácia, corrupção e decepção do alunado que, ano após ano

continuava analfabeto.

Esse cenário, que aplica-se em todo o país, agrava-se ainda mais quando falamos

da Região do Nordeste brasileiro, com incidência ainda maior no semiárido nordestino.

É assim que destacamos o local de fala dessa pesquisa. Nosso trabalho insere-se no

contexto do semiárido potiguar, na Universidade Federal Rural do Semi-Árido

(UFERSA) localizada na cidade de Mossoró no Rio Grande do Norte.

É sobre esse prisma que teceremos nossas reflexões, é sobre esse chão que

escrevemos e partilhamos experiências e angústias de conviver e conhecer o potencial

do povo e a natureza desse lugar cercado por ausência de oportunidade, desemprego e

ideologias fatalistas. Ao mesmo tempo, nos enchemos de esperança de poder pesquisar

uma realidade com potencial abundante para atenuar os déficits históricos referente à

educação do povo do sertão potiguar. Alegra-nos poder apresentar uma pesquisa sobre o

Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFERSA, a LEDOC. São sinais de

mudanças sociais e construção de novos horizontes de possibilidade e libertação através

da educação, especialmente a Educação do Campo.

Ainda que nosso foco não seja a formação de professores/as enquanto

perspectiva de trabalho pedagógico ou “qualificação”, uma vez que nosso interesse está

voltado à análise do Curso enquanto espaço e fator de materialização ou não de uma

Educação do Campo popular, é certo que a formação de professores/as, a escola do

campo, as perspectivas metodológicas, são fatores que se presenciaram de forma

singular nesse trabalho.

Desse modo, o trabalho está estruturado em 5 partes principais, inicialmente

destacamos uma Introdução, que também representa o Capítulo I, essa parte está

composta pela “trajetória do pesquisador” mais “aproximação ao objeto de estudo”, uma

seção que apresenta os motivos e os caminhos que nos conduziram ao trabalho com a

Educação do Campo. Também serve para mostrar que a neutralidade na pesquisa é

pouco mais que uma ilusão, pois nossas escolhas estão sempre condicionadas ou

atravessadas por muitas e diferentes determinações. Destaque-se que a não neutralidade

não significa parcialidade para com os resultados. O compromisso do pesquisador com

a verdade dos fatos necessariamente precisa está destacada.

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Essa seção também objetiva imprimir ao texto, aspectos de tempos, espaços e

pessoas que marcaram a trajetória do pesquisador e que, de uma forma ou de outra,

foram/são importantes no nosso processo formativo. Não poderíamos concluir essa

trajetória acadêmica, sem apresentar esses aspectos, eles não são transversais, não são

secundários, pelo contrário, são pontos de uma caminhada formativa cuja relevância

ainda se presencia de forma abundante em nosso fazer pedagógico diário. Essa

educação informal, por assim dizer, não é um fragmento que pode ser utilizado pela

educação formal, a própria educação formal é um aspecto desse mundo, não o contrário.

No Capítulo II, destacamos os caminhos da metodologia e a pesquisa em

Educação do Campo no Brasil. Nessa seção, explicamos os meandros utilizados para o

desenvolvimento da pesquisa, também desenvolvemos uma análise das especificidades

da pesquisa em Educação do Campo e como ela pode ser instrumento de resistência e

valorização das múltiplas formas de conhecimento. Destacamos esse momento porque

defendemos que a pesquisa enquanto prática dialógica e preocupada com a realidade das

coisas e dos fenômenos não pode restringir-se a um que fazer formalista, cujo objetivo

maior restringe-se a satisfação pessoal do pesquisador.

A Educação do Campo, tal como descrevemos, requer compromisso e seriedade

no fazer pedagógico, de igual modo, requer um trabalho de pesquisa assentado no

mundo material cujas implicações se presenciam também no mundo material dos

sujeitos envolvidos. Por isso mesmo, tanto as contribuições da pesquisa, como as

ferramentas para o seu desenvolvimento precisam estar intrinsecamente atrelados aos

anseios históricos dos povos que vivem e convivem no cenário bucólico.

No Capítulo III, traçamos a luta histórica dos sujeitos do campo. Fizemos esse

destaque por entendermos que qualquer fenômeno que seja analisando na

contemporaneidade merece uma compreensão holística, sendo o processo histórico e

dialético uma forma satisfatória para tal análise. Por isso, frisamos alguns dos principais

momentos e a organização dos camponeses enquanto categoria no sentido de garantir

sua permanência no campo, seus direitos e em muitos casos sua vida.

Buscamos fazer esse apanhando histórico enquanto uma caminhada, um

continuum, ou seja, um percurso que desagua na contemporaneidade. Essa é uma forma

de evitar que o texto se torne enfadonho ou distante do objetivo, o percurso que

realizamos alimenta as seções que seguem, por isso, têm relevância significativa. Nesse

Capítulo ainda resguardamos um destaque à Educação Popular enquanto uma

perspectiva socio-histórica e um caminho que leva à Educação do Campo. Ademais,

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após esses recortes históricos aprofundamos discussões acerca da atual política nacional

de Educação do Campo. Ou seja, o contexto histórico apresentado, serve de base, sobre

a qual assenta-se as seções seguintes e subsidia a discussão contemporânea.

No Capítulo IV, nosso trabalho esteve diretamente ligado a caracterização do

lócus da pesquisa, momento em que abordamos o contexto da Universidade, do Curso e

também do perfil discente. Essa é uma seção que nos permitiu formatar uma

compressão ampliada da realidade a qual estamos imersos, que apesar de próximo, por

vezes deixamos que sua amplitude nos escape. Desse modo, apresentamos a região do

semiário potiguar enquanto lugar de possibilidades, criação e recriação da vida e dos

processos de autonomia, assim como a UFERSA enquanto uma instituição presente

nesse território, com responsabilidades e compromisso para com a formação, produção

e difusão do conhecimento acadêmico.

Ainda nesse sentido, frisamos o Curso da LEDOC como espaço de acolhida dos

sujeitos do semiárido. Inserindo esse Curso dentro da relevância da política nacional de

Educação do Campo. Por conseguinte, construímos o perfil discente como uma

ferramenta para compreender a dinâmica social presente à LEDOC. Esse perfil, tem

relevância significativa, pois apresenta a diversidade e complexidade das

reconfigurações sociais, desmistificando algumas concepções enraizadas na narrativa da

própria Educação do Campo.

Finalmente destacamos o quinto e último Capítulo com as vozes dos sujeitos do

campo. Nessa parte, destaque-se a relevância das entrevistas e a análise desse material a

partir de uma abordagem da Análise Crítica do Discurso em Norman Fairclough. As

vozes dos sujeitos da Educação do Campo estão carregadas de sentido, cheias de

sonoridades e silêncios, onde o dito e o não dito carregam relevância simétrica.

Esperamos com esse trabalho contribuir de alguma forma com o paradigma

social da Educação do Campo. É desejo nosso avançar em aspectos fundamentais dessa

modalidade educativa, como a necessária permanência enquanto perspectiva de

Educação Popular, para tanto, destacamos o diálogo, a epistemologia/conhecimento e a

autonomia como meios de se fomentar tal permanência na LEDOC/UFERSA.

Finalmente destacamos esse trabalho enquanto resultado de um compromisso ético e

político assumido ainda na Graduação, é, portanto, não somente a defesa de uma tese de

doutorado, mas a defesa de uma tese de vida, de sociedade e concepção de mundo.

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1. INTRODUÇÃO: TRAJETÓRIA DO PESQUISADOR E APROXIMAÇÃO

AO OBJETO DE ESTUDO

O guri no mato, acho que tá rindo

Acho que tá lindo de papo pro ar.

Desde o começo eu não disse, seu moço!

Ele disse que chegava lá

Olha aí! Olha aí!

É o meu guri

(...)

Meu Guri – Chico Buarque

O trabalho que iniciamos é o resultado das aproximações e reflexões que têm

marcado nossa trajetória enquanto professor/pesquisador/sujeito. Esse trabalho também

é fruto do tempo histórico ao qual estamos imersos, cujas contradições têm atravessado

de forma significativa todos os sujeitos. Desse modo, o texto está atravessado da

realidade contemporânea com toda a sua complexidade, de tal modo que, luta,

resistência, perdas, conquistas e sonhos serão percebidos nessa impeleitada2 que agora

iniciamos.

Desse modo, o tema da Educação do Campo é o nosso objeto de estudo e nossa

base reflexiva para os delineamentos que seguem. Para analisar a perspectiva popular

dentro da LEDOC/UFERSA, elegemos três categorias chaves, que guiarão a reflexão,

são elas: diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia. Assim, essas palavras, que

são também categorias, têm centralidade nessa pesquisa, uma vez que compõem o cerne

da Educação Popular dos anos 1960, as bases da luta por Educação do Campo nos anos

1980 e 1990, assim como estão presente na atualidade das políticas públicas de

Educação do Campo. Desse modo, o trabalho que aqui buscamos desenvolver é fruto de

reflexões que têm nos acompanhado desde há um longo período, também está inscrito

nos interesses da Linha de Pesquisa Educação Popular do Programa de Pós-Graduação

em Educação da Universidade Federal da Paraíba.

Assim, para apresentar nossa aproximação ao objeto de estudo, achamos

importante frisar a trajetória do pesquisador como um destaque, uma vez que sem ela,

2 A palavras está grifada do modo como muitos camponeses a utilizam, essa é uma forma de respeitar a

linguagem desses sujeitos, tendo em vista que para eles essa é a forma correta e única de usar a palavra.

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negligenciaríamos uma parte importante para a compreensão das razões que nos

conduziram ao objeto de estudo em questão, por isso mesmo, para contar essa breve

caminhada, pedimos licença para usar a linguagem em primeira pessoa do singular, uma

forma de aproximar o leitor do autor do texto.

Estudante de origem popular, negro, de escola pública, de cidade pequena do

interior do Nordeste, o primeiro de uma família numerosa (6 filhos) a ingressar no

Ensino Superior. Esse é um cartão de apresentação que assinala desafios imanentes aos

sujeitos enquadrados nesse perfil que, de pronto, resume os processos que essas pessoas

perpassam em suas trajetórias. Dito assim, compreendo não ser necessário, não por falta

de vontade, mais por questões metodológicas, superar os exemplos de racismo, pobreza,

discriminação e violência que os jovens negros, como eu, estão inevitavelmente

obrigados a enfrentar.

Assim, é nessa condição que ingresso na universidade em um período de

expansão do Ensino Superior no Brasil, sobretudo no primeiro Governo Lula (2002-

2006) e início do segundo (2006 – 2010). Tal como eu, muitos com o perfil descrito

acima também ingressaram, muitos também estão concluindo doutoramento por este

período, outros tantos aprovados em concursos públicos, ou contratados em seus áreas

de conhecimento. Percebo de antemão a importância das políticas públicas voltadas às

classes populares. Porém, essas oportunidades, agarradas com vigor por negros e

negras, camponeses, indígenas, quilombolas, moradores das periferias e outros, também

incomodou profundamente a classe dominante do Brasil, que sempre se recusou à

convivência com os filhos e filhas da classe trabalhadora.

No ano de 2007 ingressei na graduação em Pedagogia na Universidade Federal

do Rio Grande do Norte (UFRN). Ainda deslumbrado com a cidade do Natal, cuja

dimensão dos edifícios nunca antes tinha visto e, faziam cair por terra meus referenciais

de grandeza e distância que, até então, giravam em torno dos cajueiros maiores e da

distância até o sítio. Comecei a perceber que mesmo com todas as limitações

tecnológicas e financeiras eu poderia amansar aquele novo mundo.

Já na Universidade, conheci e me encantei com as organizações coletivas. Acho

que diziam algo que eu sempre quis dizer, mas não sabia como fazer. Nunca tinha visto

discursos tão bonitos, pessoas vestidas tão à vontade, homens de saia, mulheres

namorando mulheres, homens namorando homens, fumando maconha livremente e

falando de mudança social. Tudo bem que hoje eu sei que isso é pouco mais que uma

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bolha, cuja violência social não permite que vá muito além dos muros da universidade,

mas o fato é que para mim, foi muito importante vivenciar aquele choque cultural.

Assim, estive diretamente ligado aos movimentos populares tanto do campo

como da cidade, dentro da Universidade e fora dela. Durante a graduação fui morador

da Residência Universitária, local em que o movimento estudantil era pujante,

sobretudo pela necessidade de ser. Assumi a condição de Conselheiro3 da moradia

estudantil e logo me dediquei as pautas ligadas às condições de acesso e permanência de

estudantes de origem popular junto a Universidade. Naquele período, já havia ocorrido a

grande expansão da universidade pública brasileira, o debate então era principalmente

em função da permanência dos estudantes, correspondente às bolsas, aos Restaurantes

Universitários, Residências, auxílios entre outros.

No ano de 2010, o destaque alcançado junto ao movimento de casas de estudante

me levou a assumir a Coordenador Geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE

UFRN – José Silton Pinheiro), momento em que tive a oportunidade de conhecer, de

forma mais ampliada, a importância do Ensino Superior para estudantes de origem

popular. Do mesmo modo foi possível compreender a universidade em sua

integralidade, participando de conselhos, comissões e reuniões que externavam déficits

e limitações da universidade pública federal, mas também sua grandeza e seu papel

social.

Ao mesmo tempo em que participava do movimento estudantil na Universidade,

também estive imbuído dos movimentos sociais de luta pela terra, com destaque para o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Foi neste Movimento que

comecei a entender as grandes contradições que circunscrevem as questões da terra no

Brasil e no Rio Grande do Norte, Estado que, assim como muitos outros, caracteriza-se

pela concentração de terra e pelo latifúndio, bases do agronegócio. No MST tive contato

com a proposta educativa desenvolvida por Paulo Freire. De fato precisei sair da

universidade e da pedagogia para conhecer um dos educadores mais conhecidos e lidos

no mundo. Percebi as lacunas formativas que ainda se presenciam nos currículos e nas

metodologias oficiais e que muitas vezes estamos de costas para os grandes pensadores

e intelectuais regionais.

Ainda em 2010, ingressei como monitor do Curso de Pedagogia da Terra da

UFRN, proposta criada a partir do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

3 Conselheiro é o mesmo que o diretor, tem funções administrativas e estabelece diálogo entre o setor da

Universidade responsável pela assistência estudantil e os morados das residências universitárias.

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(PRONERA), uma turma formada por estudantes advindos de áreas de Reforma

Agrária, numa parceria entre a Universidade, o Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA) e o MST. Mais adiante retomaremos à criação do

PRONERA, pois é um ponto importante nesse estudo. A monitoria no Curso de

Pedagogia da Terra integrava os trabalhos do Grupo de pesquisa intitulado TRAMSE –

Trabalho, Reforma Agrária, Movimentos Sociais e Educação. Aproveitando a monitoria

no Curso, escrevi o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), analisando a importância

desse Curso para alunos e alunas camponeses. O trabelho teve como título: “Nas

veredas do Pedagogia da Terra: análise reflexiva de um (per)curso”. Estava já, pois,

imerso no tema da Educação do Campo.

Concluindo a graduação em Pedagogia, busquei aprofundar meus conhecimentos

no mestrado, foi então que no ano de 2012, ingressei no Programa de Pós-Graduação

em Educação (PPGE), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). No Mestrado

continuei a trabalhar com a temática da Educação do Campo, agora inserindo-a no

diálogo com a Pedagogia Paulo Freire. Assim, apresentei uma dissertação cujo mote

central foi “Educação do Campo e Pedagogia Paulo Freire na atualidade: um olhar sobre

o currículo do Curso Pedagogia da Terra da UFRN”.

O Mestrado na UFPB foi um período particularmente especial, apesar das

limitações financeiras que insistiam, encontrei naquele lugar pessoas imensamente

humanas e comprometidas com as classes populares, principalmente minha orientadora

Rita de Cassia Cavalcanti Porto e demais colegas do Grupo de Estudos e Pesquisa da

Pedagogia Paulo Freire (GEPPF). Apesar de uma estrutura ainda muito aquém do que

merece, o PPGE/UFPB tem um corpo docente que me encantou e ainda encanta, tanto

pelo potencial enquanto docente como o compromisso enquanto gente.

No ano de 2013, quando estava concluindo o Mestrado, fui convocado a

trabalhar na Rede Municipal da Cidade de Parnamirim/RN, um concurso que havia

prestado tempos atrás. Assumi e ingressei em uma turma de 5º ano na Escola Municipal

Hélio Galvão. Era meu primeiro vínculo efetivo com a escola pública. Conheci a

realidade da educação destinada às camadas populares. Grandes déficits e lacunas que

somente uma reforma estrutural das prioridades do Estado brasileiro seria capaz de

atenuar. Por outro lado, conheci o contexto de crianças de comunidades socialmente

vulneráveis e entendi que a educação é uma das ferramentas mais importantes para a

mudança social. Por isso mesmo, assumo a tão importante tarefa de defender

intransigentemente educação de qualidade para todos.

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Assim, enquanto docente da Educação Básica, busquei compreender o fenômeno

educativo em suas múltiplas facetas, buscando um entendimento que assentasse esse

fenômeno na universalidade das coisas. Em outras palavras, busquei tecer um conjunto

de reflexões que dissessem que a educação não está sozinha, nunca esteve e,

provavelmente, nunca estará. Porém, quase sempre é analisada e avaliada enquanto um

fenômeno endógeno de si mesma.

O resultado dessas análises superficiais e do isolamento do fenômeno educativo

são as “receitas infalíveis” para solucionar os gargalos da educação brasileira; exemplos

de como a educação antigamente era eficaz; como a escola privada funciona e a pública

não; como as greves são injustas e prejudiciais aos alunos; como a escola carece de

alguém que ponha autoridade nela – nesse caso o sentido de autoridade está quase

sempre inclinado ao autoritarismo, beirando inclusive o militarismo. Narrativas desta

natureza propagam-se de norte a sul do País. Porém, àqueles que estão imbuídos do

objetivo de compreender a educação enquanto um fenômeno histórico, social,

econômico, cultural e político, sabem que a análise requer mais profundidade, antes de

qualquer postulado.

Ao mesmo tempo em que eu trabalhava na rede pública de Educação Básica de

Parnamirim, dediquei-me a busca da aprovação em concurso público no magistério

superior. Esse objetivo acompanhava-me desde o início da graduação. No final do ano

de 2013, a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) abriu Edital para

concurso de provas e títulos para contratação de profissional na área de Pedagogia.

Dediquei-me ao certamente e logrei êxito, sendo aprovado em março e empossado em

maio do ano de 2014, para atuar no Campus da UFERSA em Mossoró.

Nessa Universidade tenho encontrado guarnição para meus estudos, sobretudo

no Curso em que leciono, o Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC) e

na Extensão Universitária, espaço que acaba por aglutinar a maioria dos trabalhos

voltados às questões sociais nas universidades. Como professor na UFERSA, coordenei

a primeira Especialização latu sensu Uniafro: política de promoção da igualdade racial

na escola, no ano de 2016-2016, que garantiu formação continuada a 43 professores e

professoras da Rede Estadual de Educação no tema da igualdade racial.

Nesse mesmo período, coordenei o Projeto de “Extensão Mulheres da Lama”,

um trabalho assentado na Educação Popular realizado com marisqueiras da cidade de

Porto do Mangue/RN, cujo resultado foi a produção de um Documentário que entrou

para o Circuito Nacional de TV (Canal Futura). Esse trabalho abriu caminho para

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fortalecer a temática de gênero e igualdade racial na universidade, uma vez que a partir

dele, desenvolvi palestras, debates e seminários temáticos junto à comunidade

acadêmica e sociedade civil organizada.

Finalizando essa caminhada, destaco a Coordenação da LEDOC no ano de 2016,

como mais um desafio. Esse foi um trabalho que me proporcionou conhecer a

universidade e o Curso de uma forma significativa, a burocracia, os desafios, mas

também as alegrias da Gestão. Em virtude da aprovação no Doutorado da UFPB nesse

mesmo ano, não terminei a gestão na LEDOC, deixei a Coordenação com oito meses de

trabalho. Porém, o doutorado era naquele momento um objetivo e uma prioridade. Com

essas palavras e com o Doutorado como último destaque dessa caminhada até o

momento, encerro esse percurso descritivo cujo objetivo foi apresentar as minhas

aproximações enquanto pesquisador ao objeto de estudo, mostrando que essa relação

não é e nem poderia ser neutra. Com isso, fecho o parêntese da escrita em primeira

pessoa.

A partir dessa aproximação, buscar compreender a educação como um fenômeno

complexo e global é uma tarefa desafiadora, bem como conectar as interligações que há

entre as diversas nuances da educação e suas relações com o tecido social que a

amálgama, essa é sem dúvida, uma tarefa hercúlea. Porém, é nossa tarefa. Nós que

estamos na área da educação temos um compromisso não somente com as respostas,

mas também com as perguntas. Precisamos esmerar nossas opiniões para que com elas

consigamos apontar caminhos e possibilidades tanto dentro da educação quanto no meio

social ao qual ela se inscreve.

Hoje, a educação tem sido o centro de gravidade da sociedade, se não em

investimentos, pelo menos em narrativas. Mas o fato é que esse é um tema central no

cenário global, ora pela sua relevância social, ora pelos desmandos que atravessam, ou

ainda pela capacidade de emancipação ou poder de alienação e reprodução das

desigualdades sociais. Pensando assim, é que nos colocamos no centro desta foz, que é

o encontro da educação (rio) com a sociedade (mar), para assim falar de dentro, falar

enquanto discente que teve uma vida escolar completa, enquanto docente na Educação

Básica e como docente da Educação Superior, mas, sobretudo como gente que vive em

sociedade e ver a importância da educação para a benevolência coletiva.

Dentro do fenômeno educativo, nos inclinamos a pesquisar sobre a Educação do

Campo, especialmente enquanto um novo paradigma educacional antagônico à

Educação Rural. Como é sabido, há uma diferenciação entre ambos, não somente de

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cunho conceitual, mas principalmente no que concerne à concepção de educação

destinada aos povos das áreas rurais. Em um momento oportuno iremos desenvolver

essa discussão que alimenta a principal contradição entre modelos epistemológicos da

Educação do Campo e da Educação Rural.

Assim, este trabalho configura-se fortemente enquanto teoria, por isso mesmo,

está intimamente ligado a uma prática, enquanto prática social e cultural. Isso por que

estamos convencidos de que não há, nenhuma dicotomia nem separatividade, pelo

contrário, há uma práxis educativa, que nas palavras de Freire (1983) é a base para

interpretação e transformação do mundo.

Por conseguinte, outro aspecto que nos move nesse estudo é o de conviver com o

déficit da Educação no Estado do Rio Grande do Norte, que, segundo dados da própria

Secretaria Estadual de Educação fornecidos no ano de 2017, fechou aproximadamente

700 escolas localizadas no campo no período de 2011 a 2016. Esse é um número que,

apesar de desatualizado, certamente continuou crescendo nos últimos anos. Assim,

nossa pesquisa almeja contribuir não somente enquanto trabalho acadêmico, mas

também buscando apresentar lacunas que continuam distanciando o povo do campo, da

escola, e essa, da vida.

O Estado do Rio Grande do Norte, em que pese os altos índices de analfabetismo

(13,7% entre pessoas com 15 anos ou mais, segundo IBGE, (2017)) e o alarmante

número de escolas fechadas na zona rural, como destacado, tem sua história marcada

por experiências desenvolvidas com foco na Educação Popular e em resultados

expressivos de combate ao analfabetismo. Por exemplo, foi aqui que se desenvolveu a

experiência de Angicos, o trabalho que projetou Paulo Freire no cenário nacional,

denominada “40 horas de Angicos”, no ano de 1963, que apresentou para o Brasil o

“método” de alfabetização de adultos. Em Natal, foi empreendido a “Campanha de Pé

no Chão Também se Aprende a Ler”, desenvolvida na periferia da Cidade no ano de

1961, pelo então Prefeito Djalma Maranhão. Isso implica dizer que estamos falando de

um terreno contraditório, palco de projetos educacionais significativos e ao mesmo

tempo, um Estado que atualmente definha nas últimas posições no ranking da educação

brasileiro.

Desse modo a nossa trajetória busca contribuir com o campo educativo de forma

geral, mais com especial ênfase à Educação do Campo enquanto perspectiva de

Educação Popular. Para respaldar essa pesquisa, buscamos nos atualizar quanto ao

estágio atual desse debate, nos deparamos com diversas pesquisas no campo da

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Educação do Campo e da Educação Popular, porém o nosso trabalho consiste em

mostrar que a Educação do Campo de hoje representa a Educação Popular, pelo menos

quando a primeira assume postura dialógica, epistêmica e de geração de autonomia.

Para finalizar, destacamos pesquisa realizada junto ao Banco de Teses da Capes,

buscando verificar a produção de trabalhos científicos (teses) em que o foco central

dialoga com o tema da nossa pesquisa. Para tanto, realizamos a busca a partir de três

palavras chaves, ou descritores: “Educação do Campo”, “Educação Popular” e

“Licenciatura em Educação do Campo”. Como recorte temporal definimos os anos de

2016, 2015 e 2014, sendo este o período de implementação e desenvolvimento da

maioria dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo no Brasil. A seguir

apresentamos o resultado dessa busca, procurando a partir dessas teses referências e

aproximações ao nosso trabalho.

a) Representações sociais de educandos do curso de licenciatura em Educação do

Campo sobre a violência, de Luiz Paulo Ribeiro (2016) da Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG). Nessa Tese o autor destaca o olhar dos educandos da

Licenciatura em Educação do Campo (LECampo) da UFMG para o tema da violência

no campo. A partir da teoria da representação social, questiona como esses educandos

reconhecem processos de violência seja ela individual ou coletiva. A Tese ainda aborda

a inserção dos educandos em movimentos sociais do campo como forma de resistência à

violência.

b) Performance, discurso e educação: (re)construindo sentidos de escola com

professores em formação na licenciatura em educação do campo – ciências da

natureza, de autoria de Michelle Bocchi (2016) da Universidade Federal do Paraná

(UFPR). A autora buscou, a partir de uma metodologia lúdica, reconstruir os sentido

atribuídos à escola. Os resultados alcançados pela autora apontam para sentidos

relacionados à memória discursiva escolar e à formações imaginárias a partir de uma

escola hierarquizada e permeada por relações de poder, no mesmo sentido evidencia-se

nos sujeitos educandos do Curso o desejo em transformar essas estruturas.

c) Educação do Campo no Ensino Superior: diálogo entre o popular e o científico

na produção do conhecimento no Curso de Licenciatura em Pedagogia do

Pronera/UFPB, de autoria de Deyse Morgana das Neves Correia (2016), da

Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Nesse trabalho a autora dedica-se a análise

dos TCCs dos educandos do Curso em destaque. A partir daí busca mudanças e

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contradições geradas na produção do conhecimento a partir da relação entre

camponeses/movimentos sociais e professores universitários/pesquisadores.

d) Licenciatura em Educação do Campo: contradições, limites e possibilidades

para emancipação na formação de professores, do autor Issac Alexandre da Silva

(2016), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), nesse trabalho o autor buscar

analisar os limites e as possibilidades de emancipação a partir do Curso de Licenciatura

em Educação do Campo da Universidade Federal de Campina Grande, tendo como

pressuposto a hipótese de que essa formação inicial representa um caminho para a

emancipação no meio rural.

e) Educação Popular e Educação do Campo: análise a partir do programa

nacional de educação da reforma agrária no curso "pedagogia da terra" em são

Carlos, de autoria de Rafael Rossi (2015), da Universidade Federal de São Carlos

(UFSCAR), nessa Tese o autor busca elaborar uma reflexão a respeito da Educação do

Campo entremeada à luta de classe presente na questão agrária brasileira, isso em dois

aspectos centrais, as disputas territoriais entre classes com interesses opostos.

f) Docência na Escola do Campo e Formação de Educadores: Qual o lugar do

trabalho coletivo? De autoria de Maria Jucilene Lima Ferreira (2015) da Universidade

Federal de Brasília (UnB), nesse trabalho a autora busca analisar a relação entre o

trabalho docente na escola do campo e os aspectos teórico-metodológicos

desenvolvidos na formação de professores no Curso de Licenciatura em Educação do

Campo (LEdoC) da UnB.

g) Por uma pedagogia com foco no sujeito: um estudo na licenciatura em

Educação do Campo, Ana Maria Orofino Teles (2015) da Universidade Federal de

Brasília (UnB), essa pesquisa buscou como objetivo geral refletir como a Pedagogia da

Alternância no Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UnB possibilita, ou

não, a unidade de conhecimento entre sujeitos e objetos.

h) Questão agrária, educação do campo e formação de professores: territórios em

disputa, de autoria de Janeide Bispo dos Santos (2015) da Universidade Federal da

Bahia (UFBA), nessa Tese a autora faz uma síntese do processo de luta pela Reforma

Agrária em consonância com o projeto piloto do Curso de Licenciatura em Educação do

Campo da Universidade Federal da Bahia, para tanto a autora desenvolve uma análise

do PPP do Curso, buscando princípios assentados na dialogicidade.

i) Comunicação e tecnologias da informação na formação de educadores para

ampliação das perspectivas críticas dos sujeitos na licenciatura em educação do

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campo, de autoria de Marcio Ferreira (2014), da Universidade de Brasília (UnB), nesse

trabalho o autor buscou analisar se as relações pedagógicas vivenciadas na Área de

Conhecimento Comunicação e Tecnologia da Informação do Curso de Licenciatura em

Educação do Campo (LEdoC – UnB), instrumentalizam os educandos para ampliarem

sua compreensões críticas sobre o mundo.

j) As atuais configurações do Estado e os processos de regulação das políticas de

formação de professores da educação do campo - EDUCAMPO/PRONERA, de autoria

de Ursula Adelaide de Lelis (2014). Nesta tese a autora problematiza as relações entre o

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e o Estado. No estudo, aponta as

contradições que permeiam essa relação, sobretudo apresentando o Estado enquanto

instrumento inclinado aos interesses das classes dominantes e que ao mesmo tempo

precisa dialogar com os sujeitos do PRONERA enquanto pertencentes à classe popular.

Essa pesquisa junto ao Banco de Teses da Capes mostra que dentro do contexto

da Educação do Campo aqueles trabalhos que fazem interface com os cursos de

Licenciatura em Educação do Campo ainda são poucos, mas que é uma temática de

crescimento exponencial. Esse levantamento mostrou ainda que nosso trabalho insere-se

dentro de um campo de estudo que tem buscado compreender a educação superior no

campo enquanto uma política pública, mas também enquanto relação contraditória entre

Estado e sociedade civil organizada.

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2. OS CAMINHOS DA METODOLOGIA E OS DESAFIOS DA PESQUISA

EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL

Quando me lembro dos meninos do sertão

Olho pro céu e vejo eu entre os pardais

Catando estrelas, desenhando a solidão

Ouvindo histórias de fuzis e generais

Lembrando rezas que aprendi no Juazeiro

Que um violeiro me ensinou numa canção

Bebendo sonhos, era assim o meu destino

Mais um menino na poeira do sertão.

Zé Ramalho (Meninos do sertão)

2.1 NOTAS INICIAIS

Destacamos esse momento para refletir sobre os caminhos da metodologia, ou

seja, o processo empreendido para buscar os resultados e a atualidade da pesquisa em

Educação do Campo no Brasil. Buscamos compreender como a pesquisa se articula e se

implica da realidade socialmente apresentada. Desse modo, a pesquisa é, para nós, o

momento inicial da construção do conhecimento, é também, de acordo com Fairclough

(2016) um processo de construção da mudança social. Tudo isso depende, em muito, do

trabalho intelectual impresso no desejo coletivo pela transformação das estruturas

injustas da sociedade, e nesse aspecto, indubitavelmente a Educação do Campo se

apresenta como lócus profícuo para ensejar essas transformações.

A metodologia da pesquisa não é somente o conjunto de técnicas e ferramentas

utilizadas para coletar dados e analisá-los a partir de uma concepção teórica, ela é uma

implicação do pesquisador em busca do melhor caminho para suas perguntas e

respostas, por isso mesmo existe uma série de mecanismos implícitos ao processo de

pesquisa que contribuem para a chegada, ou não, ao objetivo desejado. Orientações,

leituras, dúvidas, diálogo com colegas de Curso, grupos de pesquisa, amigos/as, tudo

isso compõe o processo de produção do conhecimento que, mesmo não aparecendo, têm

relevância nos resultados finais.

O tema da Educação do Campo tem se destacado em meio ao cenário da

pesquisa social no Brasil e no Rio Grande do Norte, tem a cada dia aglutinado mais

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pesquisadores/as interessados em refletir sobre o tema. Durante muito tempo a educação

destinada às populações do campo foi pensada a partir do paradigma educacional da

cidade, o chamado paradigma urbanocêntrico, desse modo, a lógica que impregnou-se

nas escolas rurais foi a mesma das escolas urbanas, com isso, as populações do campo

tiveram seus conhecimentos, suas práticas e costumes, relativizados ao plano da

inferioridade, uma vez que a referência de saber era o da cidade, naturalmente diferente

do meio campesino.

Porém, os processos de luta e participação social, caracterizado, sobretudo, pelos

movimentos sociais do campo, acabaram por trazer à tona denúncias de negligências

históricas para com a educação das pessoas do campo. A partir da luta e da resistência

desses sujeitos históricos4, foi possível avançar em aspectos importantes da Educação

do Campo, sobretudo, no tocante à linguagem. Desse modo, é possível dizer que há uma

construção consolidada no que diz respeito ao discurso da necessidade de uma educação

específica para essa população. A inserção da narrativa da Educação do Campo no

cenário das políticas públicas foi possível devido a um conjunto de fatores, porém a

pesquisa nessa área certamente teve papel de destaque.

A pesquisa em Educação do Campo vem desvelando uma riqueza cultural e

epistemológica de dimensões extraordinária. O tempo de exclusão social e

esquecimento quanto aos saberes dos povos do campo não significa que eles não

estavam produzindo conhecimento, pelo contrário, as populações tradicionais

desenvolveram suas próprias formas de educação, carregadas de sentidos objetivos e

mesclada à realidade, portanto uma educação significativa para eles, daí a negação e a

dificuldade de adaptação dessas pessoas aos processos tardios de educação formal,

quase sempre descolada da realidade.

Assim a pesquisa em Educação do Campo não inaugura o arcabouço teórico e

prático da epistemologia dos povos do campo, com grande humildade ela tão somente

desvela essa produção à academia. A partir dessa perspectiva, destacamos que a

pesquisa em Educação do Campo também carrega suas especificidades, sobretudo, no

que diz respeito a relação entre pesquisador e o fenômeno pesquisado. As relações são

tênues e contraditórias, é isso que buscamos desenvolver a partir de agora.

4 Segundo Ribeiro (2010) o sujeito histórico são aqueles grupos despojados de bens e direitos e por isso

mesmo lutam ao longo da história, nesse caso quando nos referimos ao sujeito histórico estamos tratando

dos camponeses enquanto um movimento histórico por direitos.

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2.2 OS CAMINHOS DA METODOLOGIA: ASPECTOS TEÓRICOS E

PRÁTICOS DA CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Como já apresentado no Capítulo anterior, nossa aproximação ao objeto de

estudo está permeado por um vasto e complexo campo de relações. Desse modo, o

interesse pelo tema, emerge a partir do cenário apresentado, de tal modo que

formulamos a questão inicial mesmo antes de pensar na pesquisa. Durante certo tempo

essa questão compôs a curiosidade epistemológica do pesquisador. A partir do trabalho

docente perguntávamos: A LEDOC/UFERSA apresenta diálogo,

epistemologia/conhecimento e autonomia como princípios para uma Educação do

Campo Popular?

Nesse sentido, destaque-se que Educação do Campo Popular representa a

Educação do Campo mais a Educação Popular. No nosso entendimento ela é a

condensação de processos históricos de organização social, lutas e resistência pela

defesa de uma educação inclusiva, sobretudo do ponto de vista social. Por isso, subjaz

ao seu referencial teórico o incessante desejo de contribuir com processos de mudança

social e autonomia dos sujeitos envolvidos.

O nosso pressuposto para formular a questão era de que as categorias

apresentadas (diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia) são fundamentais para

a construção dessa Educação do Campo Popular, de tal modo que, sem elas, o Curso

cairia num processo de normatização que o deslocaria à condição de mais um curso de

licenciatura, e como sabemos, essa não é a perspectiva educativa defendida pela

Educação do Campo.

Desse modo, Para buscar responder a esse questionamento destacamos como

objetivo principal:

• Analisar se e como as categorias diálogo, epistemologia/conhecimento e

autonomia se materializam dentro da LEDOC/UFERSA enquanto

possibilidade para a construção da Educação do Campo Popular.

Esse objetivo geral reflete o interesse em compreender como o Curso tem

tratado com essas três categorias caras à Educação Popular. Enquanto objetivos

específicos, buscamos:

• Analisar a ocorrência, ou não, das categorias diálogo,

epistemologia/conhecimento e autonomia no PPC da LEDOC/UFERSA.

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• Perceber, a partir dos discursos dos e das discentes, como percebem o

diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia na LEDOC.

• Produzir referencial teórico a partir da análise da LEDOC/UFERSA,

acerca da Educação do Campo no semiárido potiguar.

• Compreender relações de poder e linguagem na interface entre sujeitos

do campo e universidade.

Desse modo, a questões norteadora, mais os objetivos da pesquisa, buscam

fortalecer a tese de que quanto mais diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia

no Curso de Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo da UFERSA, mais

próxima estará de uma Educação do Campo Popular, ou seja, aquela educação imbuído

do sentido crítico, democrático e libertador, capaz de transformar realidade e gerar

cidadania.

Como sabemos, o campo científico, tal qual o campo econômico, político,

religioso, é atravessado por disputas que, tanto aproximam, como afastam

pesquisadores, grupos de trabalhos e até mesmo universidades. Desse modo, a pesquisa

científica está intimamente permeada por conflitos e contradições que reverberam o

próprio contexto social, também conflitante. Desse modo:

Entendemos por pesquisa a atividade básica da ciência na sua

indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a

atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo. Portanto,

embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e

ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema se não

tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. As

questões da investigação estão, portanto, relacionadas aos interesses e

circunstância socialmente condicionadas. São frutos de determinada

inserção na vida real, nela encontrando suas razões e seus objetivos

(DESLANDES et al. 2015, p. 16).

Assim, fica evidente o papel que a pesquisa científica representa à sociedade, ela

funda-se na necessidade de conhecer, compreender e mudar uma determinada realidade.

Ou seja, está imbricada do sentido de desvelar, refletir e propor saídas a um

determinado problema social. Há portanto um compromisso ético com o avanço do

conhecimento enquanto ferramenta para melhorar a vida de todos, sobretudo porque é

custeada através de contribuições tributárias advindas, principalmente da sociedade

civil, sendo portando obrigação da pesquisa restituir a população em forma de novos

conhecimentos e novas interpretações dos fenômenos sociais.

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No contexto da Educação do Campo a pesquisa insere-se como ferramenta

educativa para a construção e defesa de outro paradigma para as pessoas que vivem no

campo. Dito de outra forma, a pesquisa em Educação do Campo, identifica na

perspectiva da Educação Rural uma forma de manutenção do poder das classes

dominantes, em seguida, propõe como meio para a superação da dominação uma

educação construída pelos próprios sujeitos do campo.

Desse modo, os desafios aqui apresentados consistem no ideal de superação dos

modelos educativos que negam a centralidade da realidade enquanto geradora de

conteúdo nos processos educativos. O desafio teórico-metodológico, portanto, consiste

em aproximar os sentidos concernentes às experiências e a realidade concreta de volta

ao seu lugar de origem, ou seja, os processos de ensino e aprendizagem.

A pesquisa em Educação do Campo ainda é recente, antes dela, podemos dizer

que estávamos ancorados, em boa medida, nos estudos da Sociologia Rural, porém, essa

Área do conhecimento, tem seu próprio interesse e metodologia para desenvolver. A

pesquisa em Educação do Campo requer seus próprios instrumentos e tem construído

um arcabouço significativo, ou seja, tem acumulado, a partir das experiências e práticas

de intelectuais, movimentos sociais, sindicatos rurais entre outros espaços, um

conhecimento autêntico, capaz de fazer o contraponto às formas de produção e pesquisa

ancoradas nos interesses do capital.

Observa-se que a pesquisa na Educação do Campo não está inventando o

conhecimento dos povos do campo, está buscando formas e instrumentos de

compreender a produção histórica desses conhecimentos produzidos por essas

populações ao longo do tempo. O papel da pesquisa nessa área, portanto, é de

interpretar e divulgar esses conhecimentos, prezando principalmente pela sua

autenticidade.

Desse modo, a Educação do Campo se caracteriza para além de uma proposta

pedagógica, ela representa uma quebra de paradigma de tipo de projeto, é a própria

revisão das bases que sustentam a sociedade, cuja história tem mostrado que essas bases

fundam-se a partir da desigualdade social entre quem produz e quem detém os meios de

produção. Por isso mesmo é que neste tipo de pesquisa não há espaço para supostas

neutralidades, assim como também não há em nenhuma outra, inclusive naquelas que

pregam a neutralidade científica. Assim:

A neutralidade é uma postura farsante, por ingenuidade ou por

esperteza. O engajado comete – logicamente – suas barbaridades, mas

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é pior ainda cometê-las ingenuamente ou espertamente. O serviço

instrumental subserviente da ciência é seu pior engajamento,

sobretudo para uma atividade que se apregoa superior ao senso

comum, capaz de avaliar tudo, sempre crítica e impiedosa contra

percalços da lógica e da forma (DEMO, 1995, p. 83).

Desse modo, tal qual a Educação do Campo, a pesquisa em educação do campo

está imersa nas contradições que caracterizam o modelo de educação capitalista.

Portanto, está imbuída do sentido de resistência, de contra hegemonia e da necessidade

de transformação social. Outro aspecto inerente a essa pesquisa diz respeito à

necessidade criativa imanente, em outras palavras, é preciso que o pesquisador além de

conhecer as experiências, além de está imbuído dessas experiências, precisa criar, a

partir delas, sua própria formulação daquilo que entende por Educação do Campo, tendo

em vista que essa é uma educação em construção.

Assim, pactuamos com Gatti (2007, p. 11) quando afirma que: “A pesquisa não

é, de modo algum, na prática, uma reprodução fria das regras que vemos em alguns

manuais. O próprio comportamento do pesquisador em seu trabalho é-lhe peculiar e

característico”. Mais uma vez, se evidencia a incapacidade de sustentação da

neutralidade, a própria “escolha” do tema é uma opção, sendo assim, é política, e como

sabemos, na política não há neutralidade. Uma demonstração dessa assertiva pode ser

evidenciada na Seção da “Trajetória do pesquisador”, em que o meio social e as

implicações dele, são fatores significativos à “escolha” do tema. Sendo assim, como

afirma Freire (2014a, p. 16) “Uma das tarefas do educador ou da educadora

progressista, através da análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não

importam os obstáculos, para a esperança”.

Desse modo, na Educação do Campo esse ponto destacado por Freire é crucial,

isso porque a ideologia foi peça fundamental, como ainda é, para que as classes

dominantes inculcassem no camponês a visão mítica e por vezes determinista da

realidade. Então, a pesquisa em Educação do Campo tem a finalidade de desvelar a

negação histórica que as populações do campo enfrentaram e ainda enfrentam em

relação a educação escolar. Apresentar a voracidade dos detentores das terras em

relação àqueles e aquelas que nela trabalham, desvelar a distância astronômica que há

entre ambos é, sem dúvida, uma das suas principais tarefas nos dias de hoje.

Pensando a partir dessa perspectiva, cada vez mais a Educação do Campo

configura-se como instrumento teórico-prático de pesquisa capaz de construir a história

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da educação dos povos do campo de uma forma mais representativa, sustentada nas

construções históricas destas mesmas populações. Assim, os intelectuais orgânicos5 e

todos aqueles comprometidos com os desafios da educação, têm sido chamados a

contribuir com os desvelamentos desse fenômeno social complexo que é a Educação do

Campo. Desse modo, a pesquisa em Educação do Campo requer compromisso e uma

inclinação ético-política às classes oprimidas. Há que ter sempre o horizonte da

mudança social e a emancipação das camadas populares como utopia e essa tarefa não

está passiva de relativismos teóricos.

Por isso, pensando numa perspectiva epistemológica que abranja a realidade em

sua máxima complexidade, entendendo realidade não somente como atualidade, mas

como resultado de muitos condicionantes e determinações, optamos nessa pesquisa pelo

materialismo histórico-dialético enquanto fundamentação epistemológica. Essa

perspectiva alinha-se aos princípios da Educação do Campo e congrega em si a

prerrogativa de compreender a contemporaneidade dentro do contexto histórico,

dialético e cultural que a engendra. Daí que o materialismo histórico-dialético tenha se

configurado em um importante aporte teórico para a pesquisa em Educação do Campo.

O materialismo dialético compõe, junto com o materialismo histórico e com a

economia política, as bases fundamentais da filosofia marxista, que por sua vez

congrega uma tendência dentro do materialismo filosófico. O materialismo filosófico

considera que a matéria é o princípio primordial e o espírito o aspecto secundário. A

consciência, que é um produto da matéria, permite que o mundo se reflita nela, o que

assegura a possibilidade que tem o homem de conhecer o universo. Por outro lado o

materialista dialético reconhece que a realidade existe independentemente da

consciência. Ele assim chama-se porque faz uso da dialética enquanto base

epistemológica.

A dialética, a ciência mais integral, multifacética e profunda do

desenvolvimento, constitui a essência do marxismo-leninismo, é a

base teórica fundamental. As leis universais da dialética revelam os

traços substanciais de qualquer fenômeno em desenvolvimento, não

importa a esfera a que esse fenômeno pertença. A concepção científica

do universo se fundamenta no princípio do movimento, da mudança e

do desenvolvimento. Este princípio se opõe à metafísica e ao

idealismo. A dialética materialista surgiu das conquistas da ciência e

5 Gramsci (1988) trabalha o conceito de intelectuais orgânicos enquanto sujeito histórico ligado direta e

intimamente a uma classe.

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de seus avanços assim como da experiência histórica da humanidade

(CAMPOS, 1988, p. 60 – 61).

Desse modo, a dialética é a busca por entender o movimento de transformação

do mundo e das coisas, ou o próprio mundo das coisas. Essa reflexão parte sempre das

contradições, por exemplo, vida-morte, dia-noite, bem-mal etc. tais contradições

representam a própria origem da dialética (GADOTTI, 1983). Segundo Gil (2008, p.

13):

O conceito de dialética é bastante antigo. Platão utilizou-o no sentido

de arte do diálogo. Na Antigüidade e na Idade Média o termo era

utilizado para significar simplesmente lógica. A concepção moderna

de dialética, no entanto, fundamenta-se em Hegel. Para esse filósofo, a

lógica e a história da humanidade seguem uma trajetória dialética, nas

quais as contradições se transcendem, mas dão origem a novas

contradições que passam a requerer solução.

A concepção dialética de Hegel, no entanto, é duramente criticada por Karl

Marx e Friedrich Engels, pois as bases hegeliana atribuem a centralidade das ideias em

relação ao mundo material. O pensamento marxista, por sua vez, parte do princípio

exatamente oposto, afirmando que as ideias nada mais são do que reflexo do mundo

material e suas condições objetivas de produção e reprodução da vida.

Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações

determinadas, necessárias, independente da sua vontade, relações de

produção que correspondem a um determinado grau de

desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas

relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a

base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e

política, e à qual correspondem determinadas formas de consciência

social. O modo de produção da vida material condiciona o

desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é

a consciência dos homens que determina o seu ser, é o seu ser social

que, inversamente, determina a sua consciência. (MARX, 1973, p. 28-

28).

A citação acima destaca de forma sintetizada o pensamento materialista

desenvolvido por Marx. Daí que costume-se afirmar que o materialismo marxista

“virou” a dialética hegeliana de “cabeça para baixo”.

O materialismo dialético estuda as formas gerais do ser, os aspectos e

os laços gerais da realidade, as leis do reflexo desta última na

consciência dos homens. As formas essenciais da interpretação

filosófica, do reflexo das propriedades e das conexões universais da

realidade e das leis do funcionamento e do desenvolvimento dos

conhecimentos são as categorias e as leis da dialética. Como

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elementos necessários da teoria filosófica, elas têm uma função

ideológica, gnosiológica e metodológica. (CHEPTULIN, 1982, p. 01)

Acrescenta-se ao materialismo dialético a concepção histórica da sociedade, pois

todas as contradições ocorrem necessariamente no plano da história, ou seja, na vida

social. Tem-se assim, o materialismo histórico-dialético, agora já convertido em

instrumento de pesquisa. Compreende-se melhor a sua composição e o seu poder de

análise quando aplicado aos fenômenos sociais, no caso em destaque, à Educação do

Campo em suas múltiplas contradições e condicionantes sociais.

O materialismo histórico possui como objeto de sua investigação as

leis e as forças motrizes mais gerais do desenvolvimento da sociedade

humana. É uma teoria sociológica geral. E é também uma filosofia da

história. [...] o materialismo histórico analisa e procura compreender

os diversos fatos sociais que ocorrem nas sociedades humanas e busca

uma sólida base científica para explicar esses fenômenos. Como

filosofia da história, tenta avaliar os fatos históricos, sociais e

econômicos que ocorreram e ocorrem nas sociedades humanas num

enfoque materialista (CAMPOS, 1988, p. 78).

Assim, compreende-se que esta perspectiva se coaduna satisfatoriamente para a

análise da Educação do Campo enquanto Educação Popular, em sua relação com o

Estado enquanto instituição hegemônica. A partir desta análise contraditória, é possível

desenvolver leituras mais ampliadas tanto da sociedade, como da educação e das

relações engendradas desta com o meio rural. Essa dualidade entre subjetividade e

objetividade é, pela sua própria natureza, o campo da dialética. Nesse sentido, Freire

(2014a, p. 139-140) apresenta uma concepção esmerada sobre a dialética.

Na verdade, só numa perspectiva dialética podemos entender o papel

da consciência na história desvencilhada de qualquer distorção que ora

exacerba sua importância, ora a anula ou a nega. Nesse sentido, a

visão dialética nos indica a necessidade de recusar, como falsa, por

exemplo, a compreensão da consciência como puro reflexo da

objetividade material, mas, ao mesmo tempo, a necessidade de rejeitar

também o entendimento da consciência que lhe confere um poder

determinante sobre a realidade concreta.

Nesse sentido, a relação entre a Educação do Campo e o Estado é desde o seu

surgimento, uma relação permeada por tensões e conflitos. Porém, como uma autêntica

relação dialética, divide o mesmo terreno social, convive relaciona-se a partir de

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interesses diversos e contraditórios. Mais uma vez, Paulo Freire, em entrevista a Carlos

Alberto Torres, expõe seu entendimento sobre a relevância da dialética:

Em nossa análise, o movimento dialético coloca-se como uma

necessidade fundamental diante de qualquer tentativa de opressão da

realidade. Este movimento supõe, por um lado, que o sujeito da ação

tenha as ferramentas teóricas para manejar o conhecimento da

realidade e, por outro que o sujeito reconheça a necessidade de

readaptá-las depois de ter alcançado resultados com sua aplicação

(TORRES, 2003, p. 69).

Assim, o materialismo histórico dialético converteu-se num importante

instrumento de pesquisa, principalmente àquelas de caráter social, histórico, econômico,

político e cultural. Pela inclinação marxista, está intimamente imbricado do sentido de

mudança social, revolucionária e problematizadora, daí que seja largamente utilizada

por linhas de pensamentos guarnecidas das bases progressistas. Além disso, a história

mostra que a produção social do conhecimento esteve, em boa medida, a serviço dos

interesses da classe dominante, constituindo formas de manutenção do poder destas em

relação às classes subalternas, de tal modo que o materialismo histórico dialético acabou

por cumprir além do papel de fundamentação teórica, também uma opção ideológica

aos estudos assentados na transformação social.

A ciência moderna desterrou às camadas populares, a marca da ignorância, da

incapacidade e do fracasso, distanciando em demasia os saberes populares dos saberes

científicos. Assim, o desafio posto, sobretudo da pesquisa em Educação do Campo

consiste em dar sentido à produção do conhecimento, transformá-lo em ação, fazê-lo

ferramenta nos espaços acadêmicos, mas também fazer chegar aos espaços populares,

lócus de criação e recriação de saberes autênticos.

Por isso o materialismo histórico dialético permite recuperarmos a história não

como um dado estático trazido direto do passado, mas pelo contrário, permite que ela

seja revisitada enquanto uma expressão da construção do pensamento humano de um

determinado tempo, cujas implicações não se encerram naquele tempo histórico, mas

reverberam-se em implicações que influenciam o nosso tempo presente, sendo,

portanto, um lugar de aprendizagens e reinvenções de saberes, não somente de consulta.

Desse modo, conforme Triviños (1987, p. 37):

Este conhecimento como objeto de dado, alheio a qualquer traço de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca

científica a serviço das necessidades humanas, para resolver

problemas práticos. O investigador estuda os fatos, pela própria

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ciência, pelo propósito superior da alma humana de saber. Não está

interessando em conhecer as consequências de seus achados. Este

propósito de espírito positivo engendrou uma dimensão que foi

defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns meios, se

levanta como bandeira verdadeira: a da neutralidade da ciência.

Assim, é importante destacar que no contexto brasileiro, a pesquisa em educação

do campo, não pode dissociar-se da realidade concreta que o País vivencia. Os conflitos

no campo, a violência, as tensões geradas em torno da questão agrária e todos os

desdobramentos dela, são pontos que não devem esmaecer. Pelo contrário, são os

aspectos fundantes sobre os quais as análises científicas devem se apoiar, sob pena de

ocultação de fatos e fenômenos sociais relevantes para a compreensão da atualidade e

das perspectivas de futuro.

A par disso, a pesquisa aqui empreendida configura-se enquanto pesquisa

exploratória. Nesse modelo de pesquisa, busca-se refletir e modificar conceitos e ideias,

tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para

estudos posteriores. Habitualmente essa pesquisa envolve o levantamento bibliográfico

e documental, entrevistas não tão padronizadas e ou estudo de caso (GIL, 2008).

Portanto, esse modelo de pesquisa cimentou de forma significativa aquilo que buscamos

compreender acerca da Educação do Campo enquanto Educação Popular, com destaque

para a LEDOC/UFERSA.

Outro aspecto relevante é que a pesquisa apresenta-se com viés qualitativo do

objeto em destaque. Segundo Triviños (1987), este modelo de pesquisa começou a

ganhar corpo na década de 1970. A crítica ensejada pela perspectiva da pesquisa

qualitativa refere-se à fórmula positivista de aplicar ao estudo das ciências humanas e

sociais os mesmos princípios e métodos das ciências naturais, assim, iniciou-se o

movimento de elaboração de programas de tendências qualitativas.

Para Chizzotti (2008), o termo qualitativo implica uma partilha densa com

pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio

os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível.

O fato de estarmos intimamente ligado aos sujeitos da pesquisa, para nós, muito antes

de ser um problema, é, na verdade, uma prerrogativa aferida em virtude da nossa

trajetória enquanto pesquisador ligado a Educação do Campo. Segundo Deslandes, (et

al, 2015), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, dos motivos,

das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes dos sujeitos envolvidos.

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Os sujeitos que fazem a Educação do Campo carregam consigo as marcas

históricas das lutas individuais e coletivas, em ambos os casos são marcas profundas

que determinam a vida dessas pessoas, portanto, não é possível tratá-las tão somente

como “objeto de estudo”, é importante compreender que são sujeitos históricos

carregados de sentidos, significados e significantes que em última instância, compõem

suas identidades. Nesses termos, esse é um dado delimitador que distingue a pesquisa

em educação do campo, da pesquisa sobre educação do campo.

Seguindo a mesma linha metodológica trabalhamos com o Estudo de Caso, que

pactua, em boa medida, com os princípios da pesquisa qualitativa. O Estudo de Caso

tem sido escolhido, de forma recorrente, como alternativa para pesquisas sobre o

fenômeno educativo (YIN, 2001). Este método remete a escolha de um “caso”, que deve

ser tratado como importante estratégia metodológica para a pesquisa em Ciências

Humanas, pois permite ao investigador um aprofundamento em relação ao fenômeno

estudado, revelando nuances difíceis de serem enxergadas “a olho nu”. O nosso Estudo

de Caso está representado na LEDOC/UFERSA.

Assim, a partir da análise documental/bibliográfico realizamos uma revisão da

literatura existente nas produções do campo da Educação do Campo com a finalidade de

acompanhar o estado atual da produção do conhecimento desta área. Esse procedimento

também é importante nessa pesquisa, uma vez que na bibliografia existente há um

grande alinhamento da Educação do Campo enquanto promotora das categorias

destacadas, ou seja, diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia. Assim,

verificamos a ocorrência das categorias nos documentos oficiais com destaque para o

PPC da LEDOC. Sobre as possibilidades da pesquisa bibliográfica, Lakatos; Marcone

(2003, p. 44), afirmam que:

[...] a pesquisa bibliográfica permite compreender que, se de um

lado a resolução de um problema pode ser obtida através dela,

por outro, tanto a pesquisa de laboratório quanto à de campo

(documental direta) exigem, como premissa, o levantamento do

estudo da questão que se propõe a analisar e solucionar. A

pesquisa bibliográfica pode, portanto, ser considerada também

como o primeiro passo de toda a pesquisa científica.

Outro instrumento utilizado na coleta de dados foi a entrevista semiestruturada,

ela construiu a base dos dados da pesquisa. Segundo Lakatos; Marcone (2003, p. 197),

na entrevista semiestruturada, “o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada

situação em qualquer direção que considere adequada. É uma forma de poder explorar

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mais amplamente uma questão. Em geral, as perguntas são abertas e podem ser

respondidas dentro de uma conversação informal”. Esse modelo de pesquisa permite-nos

dialogar de forma aberta com os educandos envolvidos no processo, do mesmo modo

possibilita que se expressarem abertamente sobre questões e temas tanto da pesquisa

como outros que venham a surgir.

Para registrar os dados obtidos a partir das entrevistas, utilizamos um gravador,

computador, pen drive, e o roteiro de entrevista. As entrevistas foram realizadas uma

parte nas comunidades dos educandos e outra parte na Universidade. A escolha dos/as

educandos/as se deu a partir de quatro critérios básicos. O primeiro critério foi: ser

morador da zona rural. Pode-se perguntar o porquê desse critério em Curso para formar

professores e professoras para atuação nas escolas do campo. Ocorre que o Curso não é

exclusivo para pessoas que vivem no campo. Mais a frente, na seção referente ao “perfil

discente” escrutinaremos essa relação.

O segundo critério estabelecido foi: o educando estar vinculado a Área de

Conhecimento de Ciências Humanas e Sociais. Como apresentaremos, o Curso é

formado por área de conhecimento – Ciência Humanos e Sociais e Ciências da Natureza.

Entendemos que a natureza da pesquisa e da formação do pesquisador justifica essa

aproximação. Os dois últimos critérios foram, estar concluindo o Curso, isso se deve ao

fato desses educandos já deterem uma visão mais abrangente em relação ao Curso e por

último, o critério de ter interesse em participar das entrevistas. Desse modo,

selecionamos dez (10) educandas interessadas em participar da pesquisa, foram nove

(09) mulheres e um (01) homem.

Ainda como aspecto metodológico aplicamos questionário com 130 alunos (de

um total de 260) com o objetivo de construir o perfil discente da LEDOC. Isso porque

quando iniciamos a pesquisa esbarramos em muitas informações desencontradas e

ausência de um dado categórico quando ao perfil do alunado, assim construir esse perfil

foi uma parte importante para melhor apresentarmos esse Curso aos leitores.

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2.3. LINGUAGEM E MUDANÇA SOCIAL: ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO

COMO POSSIBILIDADE EM NORMAN FAIRCLOUGH

Para analisar os dados obtidos a partir das entrevistas, buscamos os princípios

metodológicos da Análise Crítica do Discurso (ACD) a partir de Norman Fairclough

(2016), uma vez que essa perspectiva vincula de forma satisfatória as questões abordadas

nesse estudo à dinâmica da realidade material dos sujeitos envolvidos e reflete a

construção histórica dos fenômenos, com destaque para as transformações sociais que

essa construção enseja.

A Análise Crítica do Discurso está situada dentro da teoria geral da Análise do

Discurso. Segundo Maingueneau (1998) a Análise do Discurso pode ser compreendida

de formas variadas e nem sempre segue uma mesma inclinação, por isso:

Julgamos preferível especificar a análise do discurso como a

disciplina que, em vez de proceder a uma análise linguística do texto

em si ou a uma análise sociológica ou psicológica de seu “contexto”,

visa a articular sua enunciação sobre um certo lugar social. Ela está,

portanto, em relação com os gêneros do discurso trabalhados nos

setores do espaço social (um café, uma escola, uma loja...) ou nos

campos discursivos (político, científico...) (MAINGUENEAU, 1998,

p. 13 – 14).

Dentro da perspectiva da Análise do Discurso, alinhamo-nos a compreensão do

discurso como uso da linguagem enquanto prática social. Segundo Fairclough, (2016, p.

94 – 95) “Isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o discurso um modo de

ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os

outros, como também um modo de representação”. Nesse sentido, a linguagem

apresenta-se como instrumento mediador e transformador das relações e estruturas

sociais, não é, portanto, um mecanismo neutro de interação social, mas determina os

tipos e funcionalidades dessa interação. Nesse sentido, compreender a linguagem em

suas muitas nuances é uma atribuição que requer conhecer os sujeitos dessa linguagem.

Como afirma Freire; Shor (2011a, p. 44):

As pessoas dos grupos dominados falam diversos idiomas,

dependendo da situação em que se encontram. Quando as autoridades

estão por perto, empregam uma linguagem defensiva, cheia de

maneirismos e construções artificiais para “safar-se”. Essas formas de

discurso são os aspectos linguísticos da luta mais ampla pelo poder na

sociedade.

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Assim, a ACD trabalha com a linguagem enquanto ferramenta coletiva e não

individual, o discurso está ligado a todas as dimensões da vida, organiza-se como

estrutura social, devendo ser entendido como um modo de ação e como uma prática

capaz de alterar a posição dos outros indivíduos no mundo. Para Fairclough (2016) um

texto significa sempre algo determinado por condições sócio-históricas.

A análise do discurso em Fairclough pauta-se em aspectos como: prática

discursiva (macroanálise) – interpretação; texto (microanálise) – descrição; prática social

– interpretação. Fairclough (2016, p. 92) explica que “É importante que a relação entre

discurso e estrutura social seja considerada como dialética para evitar os erros de ênfase

indevida; de um lado, na determinação social do discurso e, de outro na construção

social do discurso”. Isso significa dizer que o discurso ao mesmo tempo em que é

determinado socialmente ele também determina o meio social, ou seja, não é somente

fruto de múltiplas determinações, mas é, em certa medida, as próprias determinações.

A partir dessa interpretação é possível compreender o discurso enquanto ação

ativa na sociedade, enquanto força criadora e não somente como narrativa que emerge a

partir de efeitos externos. Segundo Fairclough (2016 p. 31-32):

As abordagens investigativas podem ser divididas em dois grupos,

segundo a natureza de sua orientação social para o discurso,

distinguindo-se abordagens ‘não-críticas’ e ‘críticas’. Tal divisão não

é absoluta. As abordagens críticas diferem das abordagens não-críticas

não apenas na descrição das práticas discursivas, mas também ao

mostrarem como o discurso é moldado por relações de poder e

ideologias e os efeitos construtivos que o discurso exerce sobre as

identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento

e crença, nenhum dos quais é normalmente aparente para os

participantes do discurso.

Assim, a ACD em Fairclough configura-se como um suporte teórico importante

para a análise dos textos obtidos a partir das entrevistas. Essa ferramenta alinha-se de

forma satisfatória ao paradigma da Educação do Campo uma vez que aborda o discurso

como possibilidade de prática e mudança social.

Importante se faz destacar que a análise do discurso para Fairclough (2016, p.

287) “não deve ser considerada como um esquema, pois não há procedimento fixo para

fazer análise de discurso, as pessoas abordam-na de diferentes maneiras de acordo com

a natureza específica do projeto e conforme suas respectivas visões do discurso”. Desta

forma não haverá aqui, nenhum esquema pré-estabelecido no qual os textos sejam

transplantados para serem analisados, como fazem e sugerem alguns analistas do

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discurso, isso se dá porque entendermos que os discursos “não apenas refletem ou

representam entidades e relações sociais, eles as constroem ou as ‘constituem’”.

(FAIRCLOUGH, 2016, p. 22).

Um ponto que merece destaque para a análise de discurso é a concepção

tridimensional de análise do discurso estabelecida por Fairclough (2016). A seguir

reproduzimos a perspectiva tridimensional:

Figura I: Perspectiva tridimensional da Análise do Discurso de Norman Fairclough

Fonte: Fairclough (2016)

Como se pode observar, Fairclough (2016) apresenta o discurso nos seus três

aspectos. Para ele, o texto está contido na prática discursiva que, por sua vez está dentro

da prática social. O texto representa a linguagem falada ou escrita, a prática discursiva

manifesta-se em forma linguística e a prática social é uma dimensão do evento

discursivo (ideologia, política) (FAIRCLOUGH, 2016).

Dentro de cada dimensão da linguagem (texto, prática discursiva e prática

social), Fairclough detalha em pormenores o comportamento de tais categorias. Essas

são as principais ferramentas para a análise do discurso e que aparecerão implícitas ou

explicitamente nas análises das entrevistas realizadas com os/as discentes.

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Quadro I: Composição das categorias da Análise do discurso a partir da obra Discurso e Mudança Social

de Norman Fairclough.

TEXTO PRÁTICA DISCURSIVA PRÁTICA SOCIAL

Vocabulário

Gramática

Coesão

Estrutura textual

Produção

Distribuição

Consumo

Contexto

Força

Coerência

Intertextualidade

Ideologia

Sentidos

Pressuposições

Metáforas

Hegemonia

Orientações econômicas,

políticas, culturais,

ideológicas

Fonte: Fairclough (2016)

Desse modo, a análise discursiva apresentou-se como UM IMPORTANTE

instrumento de pesquisa para o desvelamento das relações sociais, simbólicas ou de

poder que permeiam os sujeitos e as instituições a qual estão desenvolvidas nos

Capítulos seguintes. Destaque-se por fim, que nossa formação não nos capacita

enquanto analista do discurso, de tal sorte que, apesar do esforço empreendido, alguns

aspectos mais específicos inevitavelmente nos escaparão, ainda assim, nos esforçamos

para atenuar eventuais arestas.

A abordagem da análise das relações de poder, das instituições, dos sujeitos e

das contradições, que também são análises discursivas, aparecem no Capítulo seguinte

de forma mais trabalhada. Desse modo, buscamos não perder os aspectos centrais que

compõem a linguagem em detrimento de um esforço teórico de encaixar-se no método

proposto por Fairclough, essa seria uma ação de caráter despropósito e descolada dos

nossos objetivos. Assim, seguindo as próprias recomendações da Análise Crítica do

Discurso, os textos aqui apresentados são tratados com a vivacidade que a linguagem

encerra quando desenvolvida em meio social complexo e contraditório, como é o nosso

contexto atual.

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3. A LUTA HISTÓRICA DOS SUJEITOS DO CAMPO: PASSOS DE UMA

CAMINHADA

Esta cova em que estás, com palmos medida

É a conta menor que tiraste em vida

É de bom tamanho, nem largo, nem fundo

É a parte que te cabe deste latifúndio

Não é cova grande, é cova medida

É a terra que querias ver dividida

[...]

Morte e Vida Severina – João Cabral de Melo Neto

3.1 NOTAS INICIAIS

Neste capítulo vamos refletir sobre a luta histórica dos sujeitos do campo e a

defesa da educação como instrumento de permanência e identidade no território

camponês. Buscamos compreender processos históricos que conduziram a atualidade da

Educação do Campo e como esse viés pode representar um instrumento educativo a

partir dos princípios da Educação Popular para suprir déficits históricos referentes à

formação escolar das populações campesinas.

Condenados ao desaparecimento por muitos teóricos ao longo da história, os

camponeses permanecem fortemente ligados às suas tradições culturais. Apesar de toda

a inserção de muitas ideologias que desvalorizam o modo de vida campesino, que os

colocam em posição de atraso em relação, sobretudo, à vida na cidade, suas estratégias

de permanência tem construído um verdadeiro legado, de riqueza já reconhecida

enquanto saberes autênticos e organização da vida social, e é exatamente sobre essa

construção epistemológica que desenvolveremos essa trajetória histórica.

A entrada do capitalismo no campo, a industrialização, o desemprego, que são

fenômenos marcantes no cenário campesino do século XX, não foram capazes de

desterrar os vínculos camponeses com a terra e com o trabalho. Pelo contrário, em face

aos atentados do capital nas suas mais variadas nuances e facetas, os camponeses mais

uma vez se organizaram para lutar e defender sua permanência. Defender seu modo de

vida, seus costumes, suas famílias numerosas e congregadas, sua forma de produção

baseado, sobretudo, na pequena propriedade e outros fatores que compõem a simbiose

entre o camponês e a terra.

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O número de pessoas que vivem no campo hoje no Brasil é da casa de 30

milhões, o que representa cerca de 15% da população brasileira (IBGE, 2010). Esse

número tem crescido em virtude da crise do modo de vida urbano, ou seja, há uma

tendência global, cada vez mais em evidência, de muitas pessoas retornarem a uma vida

no campo, reconhecidamente, permeada por padrões de vida menos agressivos.

No Brasil, e no Rio Grande do Norte, podemos dizer que o campesinato foi

tratado de forma secundária, a ele foi negado, saúde, escola, lazer, ou seja, direitos

humanos fundamentais ao exercício da cidadania em sua integralidade. Essa negação

aprofundou lacunas já abissais entre campo e cidade, não somente do ponto de vista

geográfica, mas principalmente no sentido de oportunidades e de valorização. Até hoje

esse gargalo persiste, porém, as políticas públicas das últimas décadas, ainda que

sabidamente insuficientes, tiveram um papel importante para os camponeses, com

destaque para a juventude.

É dentro desta perspectiva que destacamos a Educação do Campo como um

paradigma emergente na contemporaneidade, que se pretende a lutar por uma educação

contextualizada a partir da realidade dos sujeitos do campo. A Educação do Campo é

um projeto de educação, de escola, de campo e de sociedade, é um território de

conhecimento. Ela tem suas bases teóricas e epistemológicas assentadas na perspectiva

da Educação Popular, que por sua vez, é um paradigma educativo assentada no diálogo,

cujo instrumento é o conhecimento e a finalidade a autonomia e emancipação dos

sujeitos.

Essa breve apresentação expõe aspectos diversos que estão diretamente ligados à

questão educativa, na importância das políticas públicas e na garantia de direitos sociais

a essa população. Desse modo, entrar nessa ceara é levar em consideração os muitos

fatores que estão imbricados nas relações sociais e subjetivas dos sujeitos do campo,

como afirma Wolf (1976, p. 31): “um pedaço de terra, uma casa, não são meramente de

produção; eles também estão carregados de valores simbólicos”. Por isso, para

compreender o fenômeno educativo em sua integralidade, iniciamos por trazer aspectos

históricos que ajudam nessa compreensão expandida.

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3.2 SUJEITOS DO CAMPO E A LUTA HISTÓRICA POR EDUCAÇÃO:

PASSOS E DESCOMPASSOS

Buscamos nesta seção, apresentar elementos que fundamentam nossos

pressupostos acerca da negação histórica que os povos do campo enfrentaram no que

diz respeito ao acesso à educação formal. Do mesmo modo, sublinhamos os prejuízos

inerentes a essa negação. O fato de não ter acesso à escola, implicou, tanto na

manutenção, quanto no aprofundamento de padrões de vida pauperizado para os

camponeses. Assim, nesse percurso, a ênfase recairá sobre o camponês enquanto sujeito

histórico, os avanços, retrocessos e, sobretudo, as lutas que precisou/a empreender para

garantir sua sustentabilidade.

Os primeiros passos da humanidade são marcados essencialmente pela busca da

sobrevivência, sendo os meios para tal, paulatinamente transformados em processos

educativos. Ou seja, a caça, a pesca, a coleta, as construções, que inicialmente tinham

como objetivo a manutenção da sobrevivência, tornaram-se, pouco a pouco, a partir

daquilo que Marx (1973) chama “Trabalho”, um saber dominado por um determinado

grupo. Esse saber foi transmitido às novas gerações a partir do exemplo prático, ou seja

para ensinar a arte da caça, inseria-se a “criança” entre caçadores. Assim, desde muito

cedo, desenvolveram técnicas para ensinar e aprender. Desse modo, foi necessário um

sofisticado sistema de troca de saberes adquiridos por gerações anteriores.

Importante se faz dizer que, esses conhecimentos, não eram apenas repassados,

se assim fosse, não haveria mudanças substanciais, os conhecimentos eram

transformados, melhorados e repassados às próximas gerações, cujo objetivo também

consistia em fazê-lo aprimorar. Desse modo, percebe-se que a mais tenra noção de

processo educativo, continha o cerne da necessidade de diálogo entre as formas mais

simples de saber e aquelas mais avançadas, uma forma de construir um novo

conhecimento a partir daquele já existente. Por mais contraditório que pareça, esse tem

sido o desafio, do mundo moderno.

Os camponeses contemporâneos resguardam aspectos significativos referente

aos seus ancestrais, costumes e tradições, passadas de geração em geração, convertem-

se em saberes de uso prático de grande valor entre esses sujeitos. As próprias condições

naturais e geográficas contribuíram para o desenvolvimento de saberes e práticas a

partir das necessidades dos sujeitos (THOMPSON, 1998). Como pode se observar, a

interação entre o sujeito e o meio natural é, historicamente, fator de construção e

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transformação do conhecimento, desse modo, a relação homem-natureza, caracteriza-se

essencialmente enquanto aspecto central nos processos de ensino/aprendizagem, ao

mesmo tempo, converteu-se no grande desafio da escola de hoje.

O uso do conhecimento passou a expressar uma das mais importantes formas de

poder e controle já na antiguidade. Inicialmente, as habilidades variadas eram pontos

positivos numa sociedade muito homogênea, no entanto, os detentores de

conhecimentos específicos e mais importantes socialmente, como a irrigação, pecuária e

outros, acabaram por utilizar esse conhecimento como distinção entre os demais, esse

processo é entendido por Ponce (2010) como sendo um dos momentos iniciais da

formação e divisão das classes sociais.

Assim, a historiografia nos explica que por volta do ano 5000 a.c. grupos

nômades se fixaram na terra fértil das pradaria da região conhecida como Mesopotâmia

– hoje correspondente ao Iraque, Síria e Turquia –, esses povos superaram o nomadismo

e passaram à condição de agricultores (MARRIOTT, 2016). Outro grande império da

antiguidade é o Egito. Essa civilização teve início nas terras férteis do Rio Nilo, local

onde se desenvolveu uma agricultura pujante e uma economia agrícola comercial que

constituía a riqueza dessa Civilização (CAMBI, 1999). A grande maioria da população

egípcia era camponesa, pagava tributos ao faraó em forma de produção agrícola, parte

dos rebanhos, ou pescados.

Na Grécia antiga, os camponeses também estavam deslocados ao posto de

cultivo da terra, estavam longe, portanto, da democracia grega e dos banquetes

filosóficos. Segundo Cambi (1999, p. 51) “Aqui também vigora uma educação que

mostra a imagem de uma sociedade nitidamente separada entre dominantes e

dominados”.

Portando, é salutar destacar a posição social que o camponês ocupou desde a

antiguidade clássica, uma posição subalterna e objetificada que, ao longo da história,

sofreu variações, porém manteve-se relativamente centrada no estágio de mão-de-obra

para a produção de alimentos para a cidade. Nesse sentido, percebe-se o porquê da

necessidade de uma revisão profunda do olhar que se tem sobre esse sujeito. A história

mostra processos de exploração desde muito cedo, de tal modo que a caminhada

histórica mostrou a sofisticação desses processos de exploração, mas jamais sua

superação. Percebe-se ainda, que a negação do direito aos bens sociais e culturais, como

a educação formal, acarretou prejuízos que ainda hoje são evidenciados quando

analisamos os povos do campo.

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Na Roma antiga, o camponês também tem papel de destaque, porém, mais uma

vez ligado a produção de alimentos e ao trabalho manual. Era possível encontrar

relações sociais mais amenas entre o dono da propriedade – em geral pequenas

propriedades de terra – e os escravos ou camponeses6 (CAMBI, 1999). Essa relação foi

perdendo força a medida que o Império romano se expandia em território e poder

político.

Importante refletir sobre este fenômeno, pois a pequena propriedade da terra

estabelece laços de amizade e fraternidade entre os camponeses que a grande extensão

de terra não é capaz de firmar. As relações estabelecidas a partir do trabalho na terra

cria uma dinâmica entre os camponeses circunvizinhos que lhes permite ajuda mútua e

uma economia moral7 assentada na solidariedade. Daí que um dos princípios da

Reforma Agrária dos dias de hoje é exatamente a defesa da pequena propriedade da

terra.

Nesse aspecto, é notório perceber que os camponeses, historicamente

pertencentes às classes dominadas, estavam impedidos de acessar a educação formal

(escola), consequentemente mantinham-se à margem dos espaços de poder. Assim,

desde o momento do surgimento da escola, já é possível identificar que ela se destinou a

uma determinada classe, já tinha uma função e um objetivo, o que nos convida a pensar

que o modus operandi dessa instituição, alinhada ao poder econômico, atravessa a

história da formação social desde sua mais tenra idade. Nesse sentido, segundo Gadotti

(1999, p. 52):

A escola que temos hoje nasceu com a hierarquização e a

desigualdade econômica gerada por aqueles que se apoderaram do

excedente produzido pela comunidade primitiva, a história da

educação, desde então, constitui-se num prolongamento da história

das desigualdades econômicas.

Desse modo, percebe-se que muitos grupos sociais não tiveram acesso à escola

ao longo da história, os camponeses, sem dúvida, representam um dos mais expressivos,

tanto no que tange à exclusão quando no que diz respeito à luta por acesso. Por outro

lado, isso significa que esses grupos criaram suas próprias formas de ensinar e aprender,

ou seja, a maioria da humanidade ensinou e aprendeu principalmente fora da instituição

6 Na Roma Antiga não há diferença substancial entre escravos e camponeses. 7 Economia moral é conceito utilizado por Thompson (1979) cuja base não é o lucro ou o capital. Ela

baseia-se nos princípios morais tradicionais dos grupos camponeses, exemplo desta forma de economia é

mutirão, em que diversos camponeses trabalham a terra de um determinado sujeito, em troca, este deverá

trabalhar também nas terras dos que lhe auxiliaram.

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escolar, contraditoriamente essa instituição se apropriou de conhecimentos construídos,

em boa medida, a partir do trabalho de grupos excluídos.

Nesses termos, a luta histórica dos camponeses comprova a tese de que não há

sociedade alguma em que o povo tenha se “adaptado” à pobreza, à escravidão ou à

miséria, seja ela material ou espiritual. Como sublinhou Paulo Freire (2011) cedo ou

tarde a condição de ser menos leva os oprimidos a se levantarem e lutarem contra quem

os fez menos. Está no bojo deste pensamento a reação dos camponeses aos modelos

educativos excludentes, ao analfabetismo que teima em se presenciar em números

sempre elevados.

Seguindo essa linha histórica, com a dissolução das grandes civilizações antigas,

inicia-se a chamada Idade Média, marcada, sobretudo, pelo modelo de organização

econômica conhecida como feudalismo e essencialmente pelo advento do cristianismo.

O modo de produção feudal estende-se de 476 d. C., e vai até 1492, um período de

praticamente mil anos de organização social assentado majoritariamente na terra e na

agricultura. A Idade Média também se caracteriza pelo movimento de retorno da vida

no campo em detrimento da vida nas cidades antigas.

Huberman (2008) afirma que a maioria das terras agrícolas da Europa Ocidental

e Central estavam divididas em “feudos”. Um feudo consistia em uma aldeia e várias

centenas de acres8. Cada feudo, internamente desenvolvia uma economia de consumo

praticamente auto-suficiente . Essa forma de organização acabava por isolar ainda mais

o camponês aos limites do seu próprio feudo, deixando-o aquém do mundo exterior.

Nesse modelo, os valores que no mundo antigo foram desprezados, como a

fraqueza, a tolerância e a compaixão, voltam a compor o ideal formativo do homem

medieval, porém, agora reconfigurado a partir do Cristianismo nascente, pelo menos no

plano pedagógico esse deslocamento será central para a acomodação/estagnação do

camponês:

O povo, durante a Idade Média – e durante muito tempo na Idade

Moderna –, é analfabeto. Seus conhecimentos estão ligados a crenças e

tradições ou observações de senso comum: o seu horizonte cultural é

muito limitado, mas bem firme na centralidade atribuída à fé cristã e a

sua visão de mundo, que chega a ele por meio de muitas vias

alternativas à escrita: sobretudo através da palavra oral e da imagem,

que são as duas vias de acesso à cultura por parte do povo (CAMBI,

1999, p. 178-179).

8 1 Acre de terra corresponde a 0,4 hectares. Isso significa, por exemplo, que um feudo de 400 Acres

(apesar de não ser possível estimar o tamanho dos feudos, calcula-se que esse era o tamanho daqueles

menores) equivale a algo em torno de uma propriedade de 160 hectares.

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Esse perfil social do camponês feudal, atrelado a estratificação social, à

naturalização da pobreza, apresenta grande semelhança com as formas contemporâneas

de produção agrícola. No Brasil, por exemplo, conservou-se uma relação entre

camponeses e proprietários de terras, muito próxima àquelas estabelecidas no período

do feudalismo. Foi muito comum, e ainda existe em diversas partes do Braisl,

trabalhadores rurais que cultivam a terra de grandes proprietários em troca de uma

metade da produção, chamado “de meia” ou de um terço “de terça” de tudo aquilo que

é produzido.

Esse camponês, por vezes, estabelece residência dentro das terras do

proprietário, é o chamado morador. Ele tem a função de fiscalizar outros camponeses e

garantir que os tributos (congas) sejam rigorosamente honrados. Assim, ele estabelece

relações com o patrão, muito idênticas àquelas desenvolvidas no período feudal, entre

vassalos e senhores.

Na Idade Moderna, com o florescimento do comércio, os sujeitos que

dominavam essa arte começavam a enriquecer, os camponeses também lograram êxito

na corrida pela ascensão social. A partir dessa nova visão de mundo, surgiu a

necessidade de uma ideologia que se alinhasse à permissão do enriquecimento, uma vez

que o lucro e a luxúria eram sistematicamente condenados pela Igreja Medieval

(CAMBI, 1999). Com isso, a Reforma Protestante, que desenhara-se sob a insígnia do

combate a corrupção na igreja católica, torna-se o vislumbre da classe emergente,

construindo aquilo que Max Weber (2011) intitulará a “ética protestante”.

Dentre esse cenário a mentalidade do sujeito desse período passa por profundas

mudanças, a flexibilização da concepção de Deus é notório, um deslocamento de um

Deus punitivo e violento à uma ideia dessa divindade assentada no livre arbítrio e no

perdão. Assim, “A era moderna se caracterizará, por desenvolver uma concepção na

qual a natureza física e o homem ocuparão o centro” (SEVERINO, 2007, p. 60). Isso

significa dizer que aos poucos os sujeitos vão se tornando senhores de suas próprias

vidas. Paulatinamente, essa concepção de mundo vai permeando o cenário bucólico,

permitindo aos camponeses, empreender e livrarem-se de alguns padrões e amarras

sociais até então visto como pecado.

A partir desse individualismo crescente, Lutero propõe a leitura da bíblia como

salvação individual, desse modo, ventila o germe da escola popular. Por outro lado, as

ordens religiosas criada a partir da contrarreforma católica, buscaram nos camponeses

expandir suas fileiras de fiéis, para tanto, esse processo passava obrigatoriamente pela

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alfabetização. Percebe-se nesse cenário que tanto a Reforma Protestante quando a

Contrarreforma católica, estavam imbuídas do sentimento utilitarista para com a

alfabetização das camadas populares, não com processos de autonomia e libertação

desses sujeitos.

Nesse contexto, a defesa da escola para todos e a inscrição da pedagogia

moderna coube ao pastor João Amos Comênio (1592-1671) cuja proposta alinhava-se

aos fundamentos do novo modelo de produção do capitalismo ascendente. Não por

acaso racionaliza o trabalho pedagógico e, apesar de inclinado a salvação da alma, sua

obra, Didactica Magna¸ enfatiza a importância e apresenta as bases para rapidez do

ensino, com economia de tempo e de fadiga (COMENIUS, 1985), numa clara

inclinação à máxima criado nesse mesmo período “tempo é dinheiro”, que amalgama

todos os princípios do capitalismo e posteriormente da escola.

Assim, podemos dizer que esse é o momento da entrada dos filhos dos

camponeses na escola, até então, como vimos, a imensa maioria desses sujeitos eram

analfabetos. A escola assume, pouco a pouco, um papel disciplinador das massas e

principalmente sobre os camponeses, essa instituição apresenta o desejo de domesticá-

lo, civilizá-los de sua “selvageria” inerente. Buscar-se-á imprimir sobre esses sujeitos as

boas maneiras; um desejo de ensiná-los a se comportar e uma forma de manter a suposta

ordem natural das coisas, ou seja, o domínio político e econômico nas mãos da classe

dominante (VARELA; ALVAREZ-URIA, 1992).

A busca pela obediência das classes populares, com especial destaque para os

camponeses, ganhará nas novas e emergentes instituições todo um escopo, um

arcabouço metodológico próprio para alcançar essa finalidade, como afirma Foucault

(2013, p.133):

Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do

corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem

uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as

“disciplinas”. [...] O momento histórico das disciplinas é o momento em

que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o

aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição,

mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto

mais obediente quanto é mais útil.

Esse nos parece ser um fenômeno emblemático que atravessa a organização dos

camponeses também na Contemporaneidade. Há uma educação instrumentalizada que,

ao mesmo tempo que ensina rudimentos para o trabalho, opera como Ação Pedagógica

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(AP), como violência simbólica, (BOURDIEU, 2012) no sentido de manutenção e

reprodução das estruturas sociais. Esse desejo de enquadrar os camponeses em certos

modelos e padrões esteve no cerne de muitas políticas desenvolvidas ao longo do século

XX no Brasil.

Na Idade Contemporânea, cujo marco é a Revolução Francesa (1789), a classe

trabalhadora foi protagonista de grandes revoltas e organizações pelo direito à educação.

Observar-se-á, portanto que, embora tenha desempenhado papel de destaque na

Revolução Francesa, os camponeses não colheram os louros desta Revolução. Ao

assumir o poder, a burguesia operou uma série de mecanismo que excluiu

sistematicamente os camponeses da participação no poder.

Na Revolução Industrial, que ocorreu entre 1760 e 1840, muitos camponeses

empobrecidos e agora sem terra, uma vez que a burguesia havia lhes comprado, se veem

obrigados a submeterem-se às jornadas de trabalho de até 18 horas diárias das fábricas.

Isso levou, logo adiante, ao acirramento da luta de classes que caracteriza a

Contemporaneidade. Porém, a massa de necessitados leva, obrigatoriamente, os

trabalhadores a continuarem vendendo sua força de trabalho por preços lastimáveis

(PONCE, 2010).

Nesse sentido, quem melhor canaliza os fenômenos econômicos e suas

implicações nesse período é o filósofo alemão Karl Marx e seu amigo Friedrich Engels.

Ao publicaram o Manifesto Comunistas em 1848, sintetizaram a influência do poder

econômico sobre a sociedade e sobre a história. Apontam ainda o Estado enquanto ente

de uma classe. Para Marx e Engels (1986) o Estado estava a serviço da burguesia, sendo

necessário, para a superação desse Estado burguês, a abolição da propriedade privada

dos meios de produção.

Aos poucos, a burguesia industrial conquistou hegemonia no terreno social,

político e econômico, fazendo prevalecer suas ideias. Como consequência, essas ideias

entram na escola que se oferecia aos filhos dos operários e dos camponeses e acabou

por compor o corpus dos conteúdos oficiais. O filósofo marxista Louis Althusser dirá

que a escola funcionou enquanto um “aparelho ideológico de estado”, reproduzindo as

ideias da classe burguesa como sendo ideias universais, esse também é o conceito de

hegemonia em Althusser (1971). Essa educação instrumentalizada, para o uso prático e

para a conformação, tão similar àquela destinada as populações do campo no Brasil

conhecida como Educação Rural, tem uma razão de ser, vejamos:

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Mas a burguesia não podia recusar instrução ao povo, na medida em

que o fizeram a Antiguidade e o Feudalismo. As máquinas

complicadas que a indústria criava não podiam ser eficazmente

dirigidas pelo saber miserável de um servo ou de um escravo. “para

manejar certas ferramentas é necessário aprender a ler” dizia

Sarmiento (1811-1888) a Alberdi, numa polêmica notória. Em

Capiacó se paga 14 pesos ao operário rude, e 50 ao operário inglês

que, pelo fato de saber ler, recebe as encomendas mais delicadas e

todo o trabalho que requeira o uso da inteligência. Para manejar o

arado é necessário saber ler (PONCE, 2010, p. 148).

Podemos perceber que o saber valorizado que compõe o currículo da escola,

tanto o “oculto” como o explícito, é o saber que interessa à classe dominante e que

reflete suas ideias e interesses. Nesse sentido, os saberes populares, hábitos e costumes

dos povos do campo serão rechaçados e relegados ao erro, sendo, portanto, necessário

corrigir tanto comportamentos como conhecimentos. É nesse sentido que a burguesia

industrial passa a operar na educação, os meandros necessários à distinção de classe,

determinando uma educação primária para as massas e uma educação superior para seus

filhos.

Assim, podemos dizer que a luta histórico dos camponeses pelo acesso à

educação formal, cujo início remete aos períodos longínquos da antiguidade, ainda não

se efetivou e embora reconheçamos os avanços do nosso tempo em relação a

escolarização das populações do campo, o que se busca agora, é uma educação

construída à base dessa história que acabamos de apresentar, ou seja, história de luta, de

negação e de construção de conhecimentos próprios. Uma educação que reconheça essa

historicidade enquanto pressuposta educativo capaz de imprimir sentido aos processos

pedagógicos destinados as populações do campo.

O objetivo do conhecimento é capacitá-lo à mudança social e a melhoria da vida

das pessoas, desse modo, conhecer e não agir subsidiado nesse conhecimento é

ingerência, é pouco mais que não saber. Assim, quando trazemos essa breve e resumida

caminhada dos povos do campo ao longo dos séculos, estamos revivendo e

reivindicando que um novo olhar seja impresso a esses sujeitos, sobretudo no aspecto

educativo. Um olhar que compreenda as dimensões históricas, econômicas e culturais

que permeia esse grupo. Um olhar que finalmente consiga enxergar no homem e na

mulher do campo mais do que alguém que produz alimentos, mas alguém que produz

cultura.

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3.3 EDUCAÇÃO POPULAR NUMA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA:

CAMINHOS PARA PENSAR A EDUCAÇÃO DO CAMPO

Apresentado o contexto histórico do campesinato a partir de uma ótica

educacional, destacamos a seguir aspectos referentes aos processos de criação e

recriação de uma educação na qual os sujeitos do campo sejam partícipes diretos desse

processo. Assim, iniciamos perguntando: como pensar uma educação que valorize os

saberes dos povos do campo em contexto de disputas e de interesses em relação às

comunidades campesinas? Como superar o imaginário hegemônico de que só há uma

forma de ensinar e aprender? Como os conhecimentos que as populações tradicionais já

desenvolveram ao longo dos anos podem contribuir com o currículo oficial da escola?

Essas questões nos ajudam a iniciar a discussão sobre a Educação Popular e a Educação

do Campo numa perspectiva sócio histórica.

Primeiramente é importante destacar a ambivalência que o conceito de Educação

Popular carrega e as diversas formas de uso a depender do momento histórico, dos

grupos sociais que o empregam, ou ainda dos interesses que se almejam. Por exemplo,

esse termo pode ser empregada no sentido de educação para as massas, em um

determinado tempo histórico significou educação de adultos, e ainda, em outro

contexto, educação para a conscientização. Nesse sentido, Carrillo (2013, p. 17) justifica

o porquê da necessidade de definir Educação Popular:

[...] porque, se reconhecermos seu caráter histórico, contextual e

político, sabemos que quando estas duas palavras aparecerem juntas

na história das ideias e experiências educativas, ou nas políticas e

ações de diferentes organizações e instituições, elas adquirem

significados e, inclusive, sentidos diferentes.

Nesse sentido, antes de tudo, salientamos que nossa inclinação de Educação

Popular erige-se a partir da proposta pedagógica dos anos 1960, cuja contribuição mais

destacada é de Paulo Freire. Essa é a chamada educação popular libertadora, ou

“Educação Popular” escrita com iniciais maiúsculas. Essa perspectiva epistemológica é

fruto de um tempo histórico, das condições e determinações desse tempo, não é uma

criação pensada de fora para dentro, mas ao contrário, emerge das próprias organizações

coletivas. Desse modo, vamos destacar a partir de agora, alguns aspectos que nos

conduzem até essa criação educativa das classes populares.

Existe na contemporaneidade uma vasta gama de processos educativos de cunho

popular, buscando reparo social e tratamento equânime nas mais diferentes áreas e

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espaços do saber. A luta hoje é pelo respeito à diferença, pela autonomia, pelo diálogo e

pela singularidade na pluralidade, como destacou Santos (2013). Nesse sentido, a

Educação Popular apresenta-se como centralidade para garantia desses direitos, sendo

um guia de experiência e conhecimento para aqueles e aquelas que buscam acesso pleno

à cidadania. É dentro desta perspectiva de Educação Popular, que destacamos a

Educação do Campo como um paradigma emergente na contemporaneidade.

Como dito, a Educação do Campo tem suas bases teóricas e epistemológicas

assentadas na perspectiva da Educação Popular, que por sua vez, é um paradigma

educativo sustentado a partir do diálogo, cujo instrumento é o conhecimento e a

finalidade, a autonomia e a emancipação dos sujeitos. Porém, a Educação Popular nem

sempre foi esse campo politizado e atuante que costuma caracterizar seus princípios

atuais, tudo isso foi construído de forma coletiva. Esse processo de transformação da

Educação Popular também foi uma conquista.

Segundo Fávero (1983) e Brandão (1994), durante a primeira metade do Século

XX, o conceito de educação popular era equivalente à educação para as massas, a

educação popular daquele período significava, em boa medida, abertura de escolas para

crianças pobres e campanhas de alfabetização urbanas e rurais para adultos. Segundo os

autores, essa perspectiva estava dirigida a estender a educação aos setores que não

tiveram acesso a ela. Desse modo, é possível perceber que embora sendo um

pensamento relevante para a época, ainda não se evidenciava grandes questionamentos

às metodologias e conteúdos empregados a esse público.

Essa educação popular estava imbuída do grande idealismo positivista que

caracterizava as universidades na primeira metade do século XX. Nesse mesmo

momento as chamadas escolas partidárias ou escolas sindicais, de viés anarquista,

anarcosindicalista e socialista, reflexo, sobretudo das aspirações e dos ventos da

Revolução Soviética de 1917, desenvolviam atividades de caráter popular na cidade e

no campo, sobretudo, alfabetização. Mais adiante, a condensação desses grupos resultou

na criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em de 1922, que também passou a

desempenhar um trabalho significativo junto à alfabetização dos camponeses.

EM 1932, O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, encabeçado por

intelectuais como Lourenço Filho, Fernando Azevedo, Anísio Teixeira e muitos outros,

cujas inspirações advinha de um movimento internacionalista baseado na revisão das

funções da escola, defendia acesso para as camadas populares e implementação de

metodologias mais significativas para o ensino das crianças das classes populares. Pode-

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se observar que o Manifesto toca em temas importantes e até hoje ainda não superados.

Isso pode ser visto na citação que segue:

Na hierarchia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em

importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caracter

econômico lhe pódem disputar a primazia nos planos de reconstrucção

nacional. Pois, se a evolução organica do systema cultural de um paiz

depender de suas condições economicas, é impossível desenvolver as

forças economicas ou de producção, sem o desenvolvimento das

aptidões á invenção e á iniciativa que são os factores fundamentaes do

accrescimento de riqueza de uma sociedade (MANIFESTO DOS

PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1984, p. 407).

Podemos afirmar que o Manifesto cumpre uma importante função nesse período

em que a estrutura social é arcaica e conservadora, alinhada a arquétipos europeus que

pouco refletiam a realidade nacional, ainda fortemente atrelada ao analfabetismo. Na

sequência, o discurso popular ganha corpo na sociedade brasileira e acha guarnição

principalmente na extensão universitária, que, ainda estava se formando e cujo

entendimento, assim como a maioria dos programas da época, era de educação para as

massas. Nessa mesma perspectiva, segundo Saviani (2013, p. 317):

Na primeira república, a expressão “educação popular”, em

consonância com o processo de implementação dos sistemas nacionais

de ensino ocorrido ao longo do século XX, encontrava-se associada à

instrução elementar que se buscava generalizar para toda a população

de cada país, mediante a implementação de escolas primárias.

Coincidia, portanto, com o conceito de instrução pública. Esse era o

caminho para erradicar o analfabetismo.

Pode-se observar que o pano de fundo de muitas das iniciativas desse período

estão diretamente ligadas ao combate ao analfabetismo. Nos anos 1940, Rivero; Fávero

(2009), apontam que no Brasil a educação popular estava diretamente ligada a educação

de adultos, segundo os autores isso ocorre por dois motivos principais, o primeiro, pelo

processo de industrialização que o país adentrava e demandava mão-de-obra

minimamente especializada, e o segundo pela ampliação das bases eleitorais advindas a

partir do sufrágio universal.

É importante perceber o viés utilitarista ao qual estava ligado a escolarização

nesse período. A partir do momento em que a alfabetização torna-se significativa para o

modelo de produção ou aos interesses das classes políticas, ela começa a receber

atenção. É nesse pensamento que reside a crítica à Educação Rural, ela se comportou

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como um investimento, não nas pessoas, mas na manutenção do poder política e

econômico.

A partir desse momento há uma verdadeira incursão de programas e políticas

estatais adentrando aos mais longínquos rincões do território rural brasileiro, buscando

alfabetizar o maior número possível de camponeses. Nesse período, segundo Fávero

(1998, p. 08) a expressão educação popular foi largamente utilizada, porém: “Essa

educação popular, todavia, pouco mais conseguiu oferecer às classes populares que um

ensino facilitado para as crianças e de segunda mão para os adolescentes e adultos –

porque reduzido à alfabetização nas classes de emergência e à iniciação profissional nos

cursos supletivos noturnos”.

No cenário campesino, essa educação popular emerge nas campanhas de

erradicação do analfabetismo e na forma de Educação Rural. Desenvolve-se assim, a

Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) em 1947, e a Campanha

Nacional de Educação Rural (CNER) em 1952, que se constitui no primeiro grande

movimento oficial de alfabetização de massa no Brasil (RIVERO; FÁVERO, 2009).

A CNER é o resultado das viagens de Anísio Teixeira ao México, aonde já se

desenvolvia trabalhos para superar o analfabetismo rural. No Brasil, essa Campanha

recebeu duras críticas por seu viés eleitoreiro. Segundo Paiva (1983) caracterizava-se

como “fábrica de eleitores”. A mesma autora nos esclarece que em 1950, 63,8% da

população brasileira vivia na zona rural e desse total, 67% era de analfabetos, um

número alarmante mesmo para os anos 50. Com esse dado não e difícil perceber o

interesse eleitoreiro junto à alfabetização das massas.

De modo semelhante, no período dos governos populistas9, o termo educação

popular ganha conotações de educação para todos, com especial ênfase nas camadas

mais pobres e dentre essas, os camponeses, solapados pelo analfabetismo. Assim, é no

intuito de diminuir o descompasso entre o ideário nacional-desenvolvimentista presente

à época e as condições de vida real das pessoas, caracterizada pela pobreza, que

veremos uma verdadeira empreitada por parte do Estado para resolver o problema do

analfabetismo a partir dos anos 1950.

9 O populismo é o modelo político-econômico de ideologia nacional desenvolvimentista empreendido no

Brasil e em diversos outros países da América Latina no período que compreende a década de 1940, 50 e

a primeira metade da década de 1960. O populismo busca, a partir de uma figura caricata, apaziguamento

entre os interesses das massas populares e as classes dominantes. Diferentemente dos comunistas,

democratas, republicanos o termo populista não era assumido por nenhum governo, era usado muito mais

como crítica do que como concepção política.

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Nesse contexto, a formação de professores para atuação na zona rural também é

claudicante. Segundo Paiva (1987) o número de professores leigos no Brasil em 1964,

era de 44%, tendo a zona rural uma concentração ainda maior desses profissionais sem

formação específica, esse é também um dos motivos pelos quais as campanhas não

atingiram seus objetivos. Percebe-se desse modo que a necessidade de formação de

professores para atuação nas áreas rurais tem sustentação histórica, sendo, portanto, os

cursos de Educação do Campo de hoje, também um reparo a esse fenômeno.

Segundo Rivero; Fávero, (2009) em 1957, foi criado pelo governo federal a

Mobilização Nacional de Erradicação do Analfabetismo, essa política rejeitava o viés

das campanhas de massa das décadas passadas, era provida de um conteúdo mais

significativo às camadas populares, ainda assim seus objetivos não foram alcançados.

Tinha como lema: “secar as fontes do analfabetismo”.

Como pode se observar, até aqui, todas as iniciativas de educação popular

estavam diretamente veiculadas pelo Estado enquanto ente social responsável pela

organização das estruturas políticas e econômicas e também da vida cotidiana dos

cidadãos. É preciso salientar contudo, que o viés de classe do Estado operou de forma

marcante nesse processo, de modo que, esperar que ele agisse, contraditoriamente

contra seus próprios interesses, seria algo inédito. Por isso, mesmo reconhecendo a

relevância dessas campanhas, é preciso destacar que, de forma geral, elas estiveram

distante de cumprir um processo educativo efetivo junto às populações do campo.

No fim da década de 1950 e início dos anos de 1960, uma nova configuração

social empreendeu fortes ações no campo da cultura e da educação popular no território

brasileiro. Nesse novo cenário, as campanhas emergenciais de alfabetização de adultos

trabalhadores, a educação popular (com sentido de massa), as formas de extensão

universitária identificadas com a “invasão cultural”, como criticou Paulo Freire (2011a),

as políticas de viés puramente tecnicistas e muitas outras formas de tratar as políticas

públicas para as camadas mais pobres, foram duramente questionadas. Segundo

Brandão (2016, p. 17):

No começo dos anos sessenta uma proposta a respeito da cultura

pretende ser, ao mesmo tempo, um corpo de ideias e práticas

renovadoras e questionadoras em vários planos. Nos seus primeiros

documentos, ela se apresenta como uma alternativa pedagógica de

trabalho político que parte da cultura e se realiza através da cultura,

especialmente a cultura popular.

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Desse modo, a partir da segunda metade do século XX, sobretudo no Governo

João Goulart, um setor social, mais inclinado às causas das classes populares,

ressignificou a educação popular, passando a ter nos trabalhos educacionais de Paulo

Freire sua inspiração, sendo ele mesmo, o maior expoente desse movimento. De acordo

com Brandão (2016), o Brasil é um ponto nevrálgico para a expansão do movimento de

cultura popular, que gestou concomitantemente, o movimento de Educação Popular

progressista. Seguindo essa mesma perspectiva, Rivero; Fávero (2009, p. 67), afirma

que:

Em 1958, Paulo Freire participou do 2º Congresso Nacional de

Educação de Adultos, compondo a representação de Pernambuco. O

relatório sobre o problema da educação da população residentes nos

“mocambos” de Pernambuco, por ele apresentado, revolucionou o

entendimento do problema: a miséria da população era a responsável

pelo analfabetismo e pelo atraso nas condições de vida em geral e não

vice-versa, como se afirmava inclusive em documentos oficiais.

O pensamento de Freire coloca a questão no seio da política nacional, denuncia

os desmandos históricos com a educação e com as classes populares, criticando o ensino

“bancário” e a desfaçatez ideológica que se esconde por trás das campanhas que tinham

o problema no pobre, não na pobreza. Podemos evidenciar que essa visão que Paulo

Freire tenta desconstruir naquele período ainda está fortemente imbricada no

imaginários e nas políticas que se destinam às camadas populares. Essa visão, por vezes

psicologizada que justifica o fracasso escolar dos povos do campo na escola a partir de

uma tendência “natural” ao trabalho manual em detrimento do trabalho intelectual,

caracteriza uma mentira histórica que serviu de base e narrativa para a consolidação do

poder da classe dominante. Nesse sentido, comungando com Fávero (1983, p. 08),

quando afirma que:

Foi justamente contra o que se proclamou e se escondeu debaixo

desses nomes e de suas intenções reais que a mesma expressão

(Educação Popular com letras maiúsculas) apareceu com outro

conteúdo, entre 1960 e 1964. Os escritos sobre cultura popular,

educação popular e educação de base, elaborados pelos diversos

movimentos ideológicos e educativos da época, de repente faziam o

ataque da educação oficial, corriqueira, “bancária”, “popular”.

Assim, nos anos 1960, a Educação Popular destacou ao invés de uma educação

para o povo, uma educação do povo. A defesa de uma educação contextualizada a partir

da realidade dos adultos e das crianças do campo e da cidade. Nesse sentido, um

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destaque torna-se importante neste momento, segundo Brandão (1994), o surgimento da

Educação Popular Libertadora ocorreu em contraposição à educação de adultos – de

tipo compensatória e infantilizada – que estava se implantando no Brasil sob patrocínio

de organismos nacionais e internacionais, seguindo interesses também do capital

nacional e internacional. Desse modo, destacamos que a Educação Popular surge à

margem da educação de adultos supletiva e aos poucos se afirma contra ela

(BRANDÃO, 1994).

Nesse período, Freire teve atuação destacada no Serviço de Extensão Cultural da

Universidade Federal do Recife, engajou-se nos Movimentos de Cultura Popular do

início dos anos 1960, coordenando diversas ações junto às comunidades daquela região.

A partir de então, coordenou o projeto “As 40 horas de Angicos”, no Rio Grande do

Norte em 1963. Essa experiência de Educação Popular que projetou Paulo Freire

nacionalmente, tinha como metodologia o trabalho pedagógico a partir dos chamados

“temas geradores”, ou seja, palavras extraídas do universo vocabular dos sujeitos com o

objetivo de serem utilizadas no processo de alfabetização.

Nessa experiência, observou-se que o trabalho didático-pedagógico a partir da

realidade dos sujeitos, provocava uma aprendizagem significativa que, para além da

alfabetização abria o universo dos sujeitos envolvidos à conscientização de sua

realidade, quase sempre adversa e injusta. A partir desse trabalho, 300 pessoas, de

diversas áreas, incluindo agricultores, militares, costureiras, e inclusive uma profissional

do sexo, foram alfabetizadas em 40 horas de trabalho pedagógico. Com o sucesso

alcançado na cidade de Angicos, o Presidente do Brasil na época, João Goulart (1961 –

1964), convidou Freire a implementar o “Método de Alfabetização de Adultos”10 junto

ao Plano Nacional de Alfabetização, que objetivava alfabetizar 5 milhões de adultos em

todo o país (BRANDÃO, 2005).

Esse período marca o surgimento de outras diversas experiências importantes

que podem ser observadas em diversos espaços. Destaque-se o Movimento de Educação

de Base (MEB), coordenado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); a

Juventude Universitária Católica (JUC); as Ligas Camponesas; a sindicalização rural; as

primeiras Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), entre outros, tudo isso movido pelo

ar renovador do recém eleito Papa João XXIII (1958), “o Papa bom”, pelo

10 Mesmo sendo recusado por Paulo Freire, o nome “método” acabou marcando o seu trabalho. Freire

recusava essa palavra porque, segundo ele, parecia uma receita, algo passivo de ser transplantado para

qualquer realidade. Na verdade, o que se chama método, consiste no uso do contexto dos educandos para,

a partir dele, extrair palavras significativas aos educandos para serem trabalhadas no momento da aula.

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desenvolvimento do Concílio Vaticano II (1962-1965), pelo triunfo da Revolução

Cubana (1959) e pela irrupção social e política de uma camada juvenil rebelde da classe

média urbana; novidades antecedidas e preparadas pelo movimento da Ação Católica

articulado por Dom Hélder Câmara e a própria Teologia da Libertação como Educação

Popular (MELO NETO J. C, 2016).

Todo esse cenário político encontra ressonância nas ações do Governo João

Goulart, cuja concepção política, malgrado suas oscilações, tinha de fato uma

sensibilidade para com as camadas populares e com a esquerda internacional. Isso foi

fundamental para o desenvolvimento das diversas experiências no campo da Educação

Popular, ao mesmo tempo, também foi determinante para provocar a classe política

conservadora do Brasil.

Assim, como resposta aos movimentos populares e às reformas de base do

Governo, a classe dominante reagiu, destituiu o presidente João Goulart nas primeiras

horas de 01 de abril de 1964, instituindo assim um período de governos militares, que

logo se converteria em ditadura civil militar. Iniciava-se assim, um dos períodos mais

tenebrosos de nossa história brasileira. Após o Golpe Militar (1964-1985), o Brasil entra

em um período de pobreza democrática que pôs fim à grande maioria das atividades

destacadas anteriormente.

Com a Ditadura, veio à perseguição e prisão aos educadores e demais membros

envolvidos nos projetos de Educação Popular, Paulo Freire é um dos primeiros a ser

preso. A construção pedagógica de mais de uma década de experiências de

alfabetização crítica foi literalmente soterrada, literalmente porque em Angicos, por

exemplo, todos os participantes das “40 horas” tiveram que enterrar ou queimar seus

cadernos.

Segundo Saviani (2013), os interesses dos articuladores do Golpe militar

estavam atrelados aos interesses do setor econômico do país. As reformas de base do

Governo João Goulart não eram bem vistas pelos setores das classes dominantes que já

estavam retraídos desde governos anteriores, de viés populista e democrático. Com a

ascensão do Regime Militar, a luta pela terra, que era um tema central até então, foi

abafada pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), essa Lei, cujo teor inicial era de

Reforma Agrária, destinou-se especialmente ao desenvolvimento da agricultura

latifundiária, ao passo que endureceu ainda mais a repressão contra os movimentos

populares.

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No campo educativo, esse período apoiou-se e aprofundou os princípios do

tecnicismo enquanto perspectiva educativa. Para as camadas populares, o Governo

militar criou como programa oficial o Movimento Brasileiro de Alfabetização

(MOBRAL), em 1967, estendeu-se até 1985 (SAVIANI, 2013). Apresentado como o

programa que iria reduzir a taxa de analfabetismo em 24%, esse programa caiu numa

série de contradições e denúncias de desvio de recursos e não atingiu seus objetivos de

“erradicar” o analfabetismo, ao término das atividades o MOBRAL tinha reduzido as

taxas de analfabetismo em apenas 7% do proposto. Seus monitores eram pessoas

despreparadas e com uma formação claudicante, isso pode explicar o grande número de

alunos que abandonavam as salas do Mobral no campo e na cidade (RIVERO;

FÁVERO, 2009).

No fim da década de 1970, com a “abertura lenta e gradual”, diversos

movimentos populares começaram a se reestruturar, alguns por intermédio da Igreja

Católica, como as Comunidades Eclesiais de Base (CEB) e a Comissão Pastoral da

Terra (CPT), outros por ação da esquerda legalmente constituída, como o Movimento

Democrático Brasileiro (MDB), outros ainda clandestinamente, com o Partido

Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Movimento

Revolucionário 8 de outubro (MR8), entre outros (BORGES, 2012). A partir dos anos

1980, algumas mudanças vão abalar as estruturas sociais do País. Como afirma Carter

(2010, p. 38):

Um novo ciclo de mobilizações por terra irrompeu com força no início

da década de 1980, de modo especial, na região Sul do Brasil. Ele

surgiu com o apoio de uma rede progressista no meio religioso e a

assistência de vários sindicatos de trabalhadores rurais, em um

contexto de intensa modernização agrícola, crescentes demandas na

sociedade civil pela restauração da democracia e o declínio gradual do

regime militar.

Assim, o período de redemocratização é marcado pela renovação dos

movimentos sociais. Diversas organizações da sociedade civil voltam à cena política.

Desse modo, a década de 1980 é particularmente rica em acontecimentos no cenário

campesino, isso porque a organização dos trabalhadores rurais começa a ser condensada

na forma de movimentos sociais, sindicalização e partidos políticos de esquerda. Ainda

na década de 1980, fruto dessas organizações, surge o Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST) o maior movimento social do campo brasileiro e o Partido dos

Trabalhadores (PT), maior partido de esquerda da América Latina. Nesse contexto, a

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partir do surgimento dos movimentos sociais do campo, a bandeira da Educação do

Campo começa a aparecer entre as reivindicações e objetivos dos movimentos.

No plano Estatal o advento da Constituição de 1988, representa uma

possibilidade de acesso à terra, pois ela estabelece a Política Agrícola e Fundiária e da

Reforma Agrária. Segundo Borges (2012), no governo Color (1990-1992) e Itamar

Franco (1992-1994), foram estabelecidas metas principalmente no tocante ao

assentamento de famílias camponesas, porém estas metas não foram alcançadas, ficando

muito aquém do objetivo esperado. Mesmo não alcançando esses objetivos, as famílias

estabelecidas no campo começavam a demandar educação no espaço campesino, esse

processo de reivindicação inclina-se à defesa de um modelo educativo alinhado às

necessidades desses sujeitos, uma educação própria e construída sobre as bases da luta

pela terra. É essa educação que virá a ser chama Educação do Campo.

No Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi criado o Ministério

de Desenvolvimento Agrário (MDA). Esse órgão ficou responsável pela Reforma

Agrária e desenvolveu linhas de financiamento de crédito como o Programa Nacional de

Apoio a Agricultura Familiar (Pronaf). Mas o que marcou esse período foram os

massacres de Corumbiara, em Rondônia, em 1995, e Eldorado dos Carajás, no Estado

do Pará, ocorrido em 1996 (BORGES, 2012). No primeiro caso 19 trabalhadores rurais

foram assassinados pelas forças policiais, no segundo, foram 10 as vítimas, entre elas

um crianças de nove anos.

Em resposta a essa violência, os movimentos sociais do campo se articulam

nacionalmente e realizam o I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da

Reforma Agrária (I Enera), em 1997, o evento também ficou conhecido como a “I

Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo”. O Encontro foi realizado

em Brasília e promovido pelo MST em parceria com a Universidade de Brasília (UnB),

a United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization (Unesco), a United

Nations Children's Fund (Unicef) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB) entre outros (RIBEIRO, 2010). Uma das implicações dessa Conferência foi à

criação no mesmo ano do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

(PRONERA) no ano de 1998.

O PRONERA é uma política pública de Educação do Campo que, como vimos,

foi conquistado a partir da organização coletiva dos movimentos sociais do campo.

Nesse sentido, o Programa, enquanto uma perspectiva de Educação Popular, busca

contribuir com o desenvolvimento das áreas de Reforma Agrária. No próximo tópico,

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aprofundaremos o PRONERA dentro da política nacional de Educação do Campo. Esse

Programa é simbólico para a perspectiva da Educação do Campo, pois representa uma

das maiores conquista dos povos do campo.

Por fim, destacamos que o objetivo dessa seção foi trazer a história da Educação

Popular como o caminho que chegou à Educação do Campo, sendo, portanto, as duas

perspectivas, partes de uma mesma trajetória.

3.4 ASPECTOS GERAIS DA POLÍTICA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NO

BRASIL

Como acabamos de apresentar, a Educação Popular tem na Educação do Campo

a continuação de sua historicidade. Desse modo, a partir de agora, continuamos por

dissertar sobre os aspectos principais que compõem a Educação do Campo no cenário

atual. Esperamos que o leitor perceba a continuidade e ao mesmo tempo a complexidade

da Educação do Campo enquanto Educação Popular.

Na Educação do Campo, começamos por buscar construir seu conceito. Nosso

interesse é apresentar a definição para, a partir daí, sublinhar os meandros que fazem

este conceito ser o que tem sido nos dias de hoje. Fazemos assim porque acreditamos

que o paradigma da Educação do Campo já goza de maturidade e robustez teórica para

apontar seus conceitos principais. Assim, para nós, a Educação do Campo é uma prática

educativa, assentada numa epistemologia dialógica, que pretende colocar o contexto das

pessoas do campo como central no processo de ensino aprendizagem. Ficamos

incialmente com essa definição e partimos para um aprofundamento de questões que

conduzem à formulação do conceito que acabamos de esboçar.

Para compreender a Educação do Campo, faz-se necessário, compreender

inicialmente a Educação Rural. No Brasil, ela é marcada pelas ações do Estado,

sobretudo, no tocante às campanhas de “erradicação do analfabetismo” do início do

Século XX, aspecto destacado na seção anterior. Este foi o mote principal das políticas

educacionais destinadas às populações que vivem no campo. Esse modelo educativo

emergiu ocupando, cronologicamente e epistemologicamente quase toda a história do

Brasil quando se fala em educação para as populações do campo, isso pode ser

evidenciado a partir de citação abaixo:

Nas primeiras constituições, a educação rural nem sequer foi

mencionada nos textos constitucionais. Na verdade, a introdução da

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educação rural na ordem jurídica brasileira se deu nas primeiras

décadas do século XX, quando se percebeu a importância da educação

para conter o movimento migratório e elevar a produtividade do

campo. Entretanto ela nunca conseguiu se distanciar do paradigma

urbano. As escolas implantadas no campo só contribuíram para

reforçar essa imagem. Escolas com pedagogias bancárias, importadas

da cidade com um pacote pronto: currículo, calendário, cartilha e

professor. Todos oriundos da cidade (PEREIRA, 2011, p. 341-342).

Nesse sentido, uma das marcas principais da Educação Rural é o processo de

ensino/aprendizagem descontextualizado em relação ao seu público, que, segundo

Ribeiro (2010; 2012) são pequenos agricultores e agricultoras, crianças e adultos que

vivem e trabalham no campo e recebem os menores rendimentos pelo seu trabalho. É,

portanto um sujeito caracterizado logo pela exploração do seu trabalho e pelas escassez

de políticas públicas. Ainda segundo Ribeiro (2012, p. 239) “Destinada a oferecer

conhecimentos elementares de leitura, escrita e operações matemáticas simples, mesmo

a escola rural multisseriada não tem cumprido esta função, o que explica as altas taxas

de analfabetismo e os baixos índices de escolarização nas áreas rurais”.

Assim, a Educação Rural sustentou-se ideologicamente no discurso da

meritocracia e no esforço individual, ancorada na ideia de que para as populações

campesinas bastava a educação elementar, a “escolinha”, a “professorinha”. Desse

modo, a escola rural é um apêndice não somente da escola da cidade, mas ela representa

a própria cidade. É um pedaço da cidade no campo. Alheia e distante da vida e do

trabalho agrícola, a escola rural é um “alienígena” que não dialoga com sujeitos –

agricultores, vaqueiros, caçadores, lavadeiras, artesãs, agricultoras – nem com os

territórios – roçados, açudes, barreiros, estradas, subidas e baixas, matas e grutas.

Oferece o trabalho intelectual, porém essa oferta também se torna pequena,

principalmente no meio social onde o valor do trabalho está materializado quase sempre

no trabalho braçal.

Importante sublinhar esses aspectos da Educação Rural, pois é contra esse

paradigma que a partir dos anos 1980, os movimentos sociais do campo, especialmente

o MST, se levantarão para reivindicar formação de professores do campo/para o campo.

Além disso a luta por uma educação contextualizada e escolas de melhor qualidade

darão o horizonte dessa luta.

A partir do momento que os movimentos sociais do campo iniciam a luta pela

terra, usando como principal estratégia, a ocupação, surge uma preocupação quanto à

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educação de crianças e adultos nos acampamentos e assentamentos, assim, segundo

Faccio (2012, p. 201, grifo do autor):

Com sua consolidação [da política de assentamentos], em 1984, houve

uma preocupação por parte do movimento em saber o que fazer com

as crianças assentadas e como garantir a elas uma educação adequada

à realidade no assentamento. A partir dessas questões surgiram as

primeiras discussões a respeito de uma Educação do Campo.

Nesse sentido, é importante frisar a indissossiabildiade entre os movimentos

sociais e o paradigma da Educação do Campo. Na pedagogia do movimento sem terra,

por exemplo, sintetizada por Roseli Caldart (2004) o conhecimento dos trabalhadores e

trabalhadoras rurais é canalizado como fonte de construção e retroalimentação dos

princípios dessa Educação, ou seja, é a concepção de que os movimentos sociais são

educativos, pois as vivências e práticas na luta pela terra ou pela educação, gera um

saber próprio dessa organização que deve compor o “currículo” da Educação do Campo.

Segundo Faccio, (2012, p. 196):

Para alcançar seus objetivos, os movimentos sociais ligados às causas

dos camponeses e pela reforma agrária criaram a Articulação Nacional

Por Uma Educação do Campo, composta de movimentos sociais,

organizações não governamentais, universidades, representantes de

órgãos públicos que defendem uma educação para as populações que

vivem no/do campo.

Nesse contexto de organização social na defesa de uma educação para os povos

do campo destaque-se como marco importante o I ENERA como exposto na seção

anterior, esse Encontro teve como principal resultado o PRONERA. Criado em 16 de

abril de 1998, através da Portaria nº 10/1998. Esse Programa representa uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro no que diz

respeito ao acesso aos diferentes níveis de educação para pessoas das classes

trabalhadoras do campo.

O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária é uma política

pública de Educação do Campo desenvolvida em áreas de Reforma

Agrária, executada pelo Governo Brasileiro. Seu objetivo é fortalecer

o mundo rural como território de vida em todas as suas dimensões:

econômicas, sociais, ambientais, políticas, culturais e éticas (BRASIL,

2010).

Desse modo, o PRONERA está diretamente ligado à formação de professores

para as escolas básicas do campo a partir de uma perspectiva contextualizada. Pretende

fortalecer as áreas de Reforma Agrária, ofertando cursos de formação em nível básico,

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técnico e principalmente superior para assentados/as da Reforma Agrária de modo que

esses sujeitos tornem-se professores e professoras dessas localidades. Essa proposta

busca combater o déficit histórico de professores nas áreas rurais. Como objetivos

gerais esse Programa, destaca-se:

I – oferecer educação formal aos jovens e adultos beneficiários do

Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), em todos os níveis

de ensino e áreas do conhecimento;

II – melhorar as condições de acesso à educação do público do PNRA;

e

III – proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos

rurais por meio da formação e qualificação do público do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e técnicas nos

assentamentos (BRASIL, 2010).

O PRONERA representa uma significativa inserção da educação no meio rural,

mas pela primeira vez, é a inserção de um programa pensado com os próprios sujeitos,

não somente para esses sujeitos, daí sua primordial relevância. Ele promove formação a

partir de princípios como diálogo, a epistemologia dos sujeitos do campo com vistas a

promoção da autonomia dos educandos. A formação em nível superior de educação

busca diminuir a falta de professores para atuação nas áreas rurais.

No Rio Grande do Norte, por exemplo, lócus da nossa pesquisa, desenvolveu-se

duas turmas de Pedagogia da Terra11, a primeira turma de 2006 a 2011, coordenada pela

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), formando 156 educandos

ligados à áreas rurais do Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba. A segunda turma

desenvolveu-se entre 2007 – 2012, coordenada pela Universidade Federal do Rio

Grande do Norte (UFRN) com 46 concluintes oriundos de áreas de assentamentos rurais

do RN (INCRA, 2012).

Além do PORNERA, outra importante política pública para a Educação do

Campo está representada pelas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das

Escolas do Campo, aprovada no ano de 2002. Essa conquista está diretamente ligado ao

plano da Educação Básica das escolas do campo. Ribeiro, (2010, p. 191) afirma que:

11 Curso de Licenciatura em Pedagogia da Terra destinado às pessoas que tenham vínculo com o campo.

O Programa tinha financiamento próprio e funcionava em parceria com o MST, INCRA e as

universidades.

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A Resolução CNE/CEB 1, de 03/04/2002, portanto, institui as

Diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do

campo. Nessa resolução percebe-se o reconhecimento de que a escola

do campo tem uma identidade vinculada à realidade na qual está

inserida [...]. Ao mesmo tempo, ressalta a importância da educação

para o exercício pleno da cidadania e para um desenvolvimento do

país que consiste na solidariedade e a justiça social, envolvendo as

populações rurais e urbanas.

Assim, é possível observar um alinhamento das Diretrizes a uma concepções

avançadas de justiça social como caminho para a autonomia dos sujeitos do campo. O

mesmo Documento ainda amplia o entendimento de campo, isto é, o que antes era

entendido como lugar de produção de alimentos para a cidade, passa a uma

compreensão territorial, ou seja, abrange comunidades quilombolas, indígenas,

pescadores, assentados da reforma agrária, áreas ribeirinhas, comunidades sem-terra, e

seus sujeitos; agregados, caboclos, meeiros entre outros. Desse modo, desloca-se o foco

do entendimento do aspecto produtivo para o aspecto humano e cultural, uma mudança

significativa que vai ao encontro da luta histórica dos povos do campo pelo

reconhecimento das suas diferentes formas de organização sócio-espacial.

Esse marco legal é importante, pois a ressignificação do território camponês

difere da concepção adotada na Educação Rural, em que o campo se apresenta como um

espaço a ser conquistado, desbravado, e finalmente, civilizado. Na Educação do Campo

porém, o território é reconhecido, as relações sociais são destacadas, as contradições, a

organização social dos sujeitos está em função do próprio campo, não da cidade. Desse

modo, a vida ganha amplitude e complexidade própria, retirada, em boa medida, das

relações com o trabalho, que nesse sentido, também não é apenas uma forma de

sobrevivência a partir do capital, mas é uma esfera social intrinsecamente ligada às

esferas da religiosidade, da cultura, da família e do meio social. Assim as Diretrizes

apontam:

Art. 3: O Poder Público, considerando a magnitude da importância da

educação escolar para o exercício da cidadania plena e para o

desenvolvimento de um país cujo paradigma tenha como referências a

justiça social, a solidariedade e o diálogo entre todos, independente de

sua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá garantir a

universalização do acesso da população do campo à Educação Básica

e à Educação Profissional de Nível Técnico (BRASIL, 2002).

Observe-se, por exemplo, a ocorrência do diálogo como fator de mediação entre

“todos” os sujeitos envolvidos na produção da Educação do Campo. As Diretrizes que

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compõem o marco legal da Educação do Campo e representa um conjunto de

instrumentos que busca promover uma formação para os sujeitos do campo a partir de

princípios emancipadores, tais como o diálogo, a epistemologia, autonomia entre outros.

Assim, esses Documentos são referenciais de produção de propostas pedagógicas e

programas para desenvolver Educação do Campo, seja, em nível fundamental, médio ou

superior.

Nesse cenário destacamos mais um exemplo no campo das conquistas das

políticas públicas de Educação do Campo, é o Programa de Apoio as Licenciaturas em

Educação do Campo (PROCAMPO). Esse Programa é particularmente significativo

nesse trabalho, uma vez que o nosso objeto de estudo, insere-se em seu próprio âmago.

Desse modo, ele representa uma importante política no âmbito da formação de

professores, pois direciona-se à formação de nível superior, por área do conhecimento,

para pessoas vinculadas a áreas camponesas.

É nesta seara que situamos a Licenciatura em Educação do Campo da UFERSA.

Mais adiante trataremos detalhadamente deste Curso e seus desdobramentos. Por hora

passamos a analisar o PROCAMPO por representar um avanço importante para o

desenvolvimento das comunidades rurais no sentido da formação profissional aos filhos

e filhas da classe trabalhadora do campo.

Nesse contexto, destacamos três questões que emergem para auxiliar na

compreensão dessa seção, quais sejam: a) o que é o PROCAMPO? b) como surgiu? e c)

quais os objetivos desse Programa?

Em resposta a primeira questão, O PROCAMPO é um Programa criado no

Governo Lula em 2007, ligado ao Ministério da Educação, passando em 2010, a compor

a política nacional de Educação do Campo através do Decreto nº 7.352/2010, (BRASIL,

2010). O surgimento desse Programa está diretamente ligado a uma parceria entre a

Secretaria de Educação Superior (SESU), Secretaria de Educação Profissional e

Tecnológica (SETEC), Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade

e Inclusão (SECADI) e o Ministério da Educação, que lançam o Edital nº 02/2012, uma

chamada pública às Instituições de Ensino Superior para implantar cursos de

Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC). Segundo Carlos (2011), o

PROCAMPO surgiu devido à urgência de ampliar o acesso à escolarização (Educação

Básica) destinada às áreas rurais.

A partir dessa Chamada, o PROCAMPO tornou-se a referência maior em

relação à implementação desses Cursos junto às universidades. Ele compõe atualmente

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o PRONACAMPO, que é o Programa Nacional de Educação do Campo, um dispositivo

legal que incorpora todas as políticas públicas de Educação do Campo. Para Molina; Sá

(2012) desde os anos 2000, os movimentos sociais vinham apontando, em seus

encontros locais, regionais e nacionais, a necessidade da criação de uma política pública

de apoio à formação em nível superior para as pessoas do campo. Desse modo:

Como consequência das demandas apresentadas pelos movimentos sociais e

sindicais, no documento final da II Conferência Nacional de Educação do

Campo, realizada em 2004, o Ministério da Educação (MEC), por meio da

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

(Secadi), instituiu, em 2005, um grupo de trabalho para elaborar subsídios a

uma política de formação de educadores do campo. Os resultados produzidos

neste grupo de trabalho transformaram-se no Programa de Apoio às

Licenciaturas em Educação do Campo (PROCAMPO) (MOLINA; SÁ, 2012,

p. 466).

Desse modo, o PROCAMPO se apresenta como uma política pública destinada a

formar professores e professoras para atuação nas escolas do campo nos Anos Finais do

Ensino Fundamental e no Ensino Médio por áreas de conhecimento. A formação dos

professores pretende quebrar com o fenômeno histórico de professor da cidade

lecionando no campo, muitas vezes contra a sua própria vontade, mandado como

perseguição política. Os profissionais formados pela Educação do Campo, são os

mesmos moradores desse lugar, conhecem porque vivenciam realidade análogo a de

seus alunos e alunas. Com isso a chance de se desenvolver uma educação

contextualizada, a partir de uma formação inicial consistente, torna-se uma

possibilidade muito mais concreta. Nesse sentido:

A formação do educador é uma estratégia de luta e de fortalecimento

da Educação do Campo como papel de fomentar reflexões que

acumulem força e espaço de construção de um novo conceito de

educação, deve trazer elementos que contribuam para a construção e o

fortalecimento da identidade e autonomia das populações do campo,

que contribua para a libertação do sujeito oprimido e para a

transformação da sociedade que supere a desigualdade e a injustiça

(BRITO, 2011, p. 245).

É possível observar a presença do princípio da autonomia marcando a citação

como objetivo dessa formação. O protagonismo dos sujeitos do campo é destacado no

PROCAMPO no pré-requisito para acessar o Programa. É preciso que os sujeitos

tenham vínculos com o campo, de tal modo que a educação contextualizada seja uma

finalidade. Desse modo, o Edital destaca como objetivo do Programa:

O Programa visa apoiar a implantação de 40 cursos regulares de

Licenciaturas em Educação do Campo, que integrem ensino, pesquisa

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e extensão e promovam a valorização da educação do campo, com no

mínimo 120 vagas para cursos novos e 60 vagas para ampliação de

cursos existentes, na modalidade presencial a serem ofertadas em três

anos. Os Projetos deverão contemplar alternativas de organização

escolar e pedagógica, por área de conhecimento, contribuindo para a

expansão da oferta da educação básica nas comunidades rurais e para

a superação das desvantagens educacionais históricas sofridas pelas

populações do campo, tendo como prioridade a garantia da formação

inicial de professores em exercício nas escolas do campo que não

possuem o Ensino Superior (BRASIL, 2012).

Desse modo, o Diário Oficial da União Nº 249, de 27 de dezembro de 2010

publicou a lista das 4412 instituições de Ensino Superior aptas a implementarem os

Cursos de Licenciatura em Educação do Campo: Destacamos a seguir o quadro das

instituições contempladas pelo Edital 02/2012:

Quadro II: Resultado do Edital 02/2012 Curso de Educação do Campo por instituição de Ensino

Superior por ordem de classificação.

COLOCAÇÃO INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR ESTADO

1º Universidade de Brasília DF

2º Universidade Federal do Espírito Santo ES

3º Universidade Federal da Fronteira Sul – Laranjeiras do

Sul

RS

4º Universidade Federal de Santa Catarina SC

5º Universidade Federal de Viçosa MG

6º Universidade Federal do Pará – Campus Marabá PA

7º Universidade Federal do Triângulo Mineiro MG

8º Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do

Maranhão

MA

9º Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de

Minas Gerais

MG

10º Universidade Federal da Paraíba PB

11º Universidade Federal do Amapá AP

12º Universidade Federal do Recôncavo Baiano – Feira de

Santana

BA

13º Universidade Federal do Espírito Santo – Campus São ES

12 O edital 02/2012 consta o apoio a implementação de 40 Cursos de Licenciatura em Educação do

Campo, porém já no resultado consta a aprovação de 44 instituições de ensino superior aprovadas.

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Mateus

14º Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e

Mucuri

MG

15 Universidade Federal de Grande Dourado MS

16ª Universidade Federal do Pará – Campus de Abaeteturba PA

17º Universidade Federal do Pará – Campus de Altamira PA

18º Universidade Federal do Pará – Campus de Cametá PA

19ª Universidade Federal do Paraná – Litoral Sul PR

20º Universidade Federal de Rondônia RO

21º Instituto Federal de Farropilha RS

22º Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus

Erechim

RS

23º Universidade Federal do Rio Grande RS

24º Universidade Federal do Recôncavo Baiano – Campus

Amargosa

BA

25º Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão GO

26º Universidade Federal de Goiás – Campus Cidade de

Goiás

GO

27º Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de

Mato Grosso – São Vicente da Serra

MT

28º Universidade Tecnológica Federal do Paraná PR

29º Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro RJ

30º Universidade Federal do Pampa RS

31º Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de

Santa Catarina – Canoinhas

SC

32º Universidade Federal do Mato Grosso do Sul MS

33º Universidade Federal do Piauí – Campus Cinobelina

Elvas

PI

34º Universidade Federal do Piauí – Campus Floriano PI

35º Universidade Federal do Piauí – Campus Picos PI

36º Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Campus

Litoral Norte

RS

37º Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto RS

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Alegre

38º Universidade Federal de Tocantins TO

39º Universidade Federal de Tocantins – Campus

Tocantinópoles

TO

40º Universidade Federal Rural do Semi-Árido – Mossoró RN

41º Universidade Federal do Maranhão MA

42º Universidade Federal do Piauí – Campus Teresina PI

43º Universidade Federal de Roraima RO

44º Universidade Fluminense RJ

Fonte: DOU Nº 249, de 27 de dezembro de 2010.

A partir desse resultado essas instituições de Ensino Superior passaram a receber

os recursos para iniciar a implementação dos Cursos. Cada universidade teve autonomia

para focar na área de conhecimento que melhor atendesse as suas especificidades e

necessidades. Essas áreas de conhecimentos são: a) Linguagens e Códigos; b) Ciências

Humanas e Sociais; c) Ciências da Natureza, d) Matemática e e) Ciências Agrárias. Para

finalizar, destacamos a importância do PROCAMPO no âmbito das instituições de

ensino superior, onde ele garantiu a inserção de Cursos voltados à formação docente a

partir de uma perspectiva contextualizada. Nesses termos a sua relevância recai sobre o

esforço pela superação das relações de educação autoritárias e formação utilitarista no

meio rural.

É a partir do reconhecimento dessa importância que destacamos a necessidade

da permanência de princípios historicamente alinhados ao campo democrático popular,

como o diálogo, o respeito à diversidade e à autonomia dos sujeitos. Assim, quando nos

propomos a analisar a LEDOC/UFERSA, estávamos preocupado antes de tudo em

problematizar relações, desmistificar narrativas e apresentando um panorama proativo

no sentido de fortalecer tanto o Curso, quanto a Educação do Campo e seus sujeitos.

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3.5 LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONTEXTO GERAL

Destacados alguns aspectos sobre o cenário da Educação do Campo no Brasil,

buscamos agora iniciar a análise e reflexão acerca das Licenciaturas em Educação do

Campo, as chamadas LEDOCs a nível de Brasil. Para tratar desses Cursos é

fundamental destacar o PROCAMPO como ponto central dessa conquista, na seção

anterior discutimos os principais aspectos que caracterizam esse Programa. Do mesmo

modo, é importante destacar o papel dos movimentos sociais do campo como fator

relevante nesse cenário. Assim, vamos buscar descrever o surgimento dos cursos

enquanto política institucionalizada nas universidades públicas do Brasil em

consonância com a luta histórica dos sujeitos do campo socialmente organizados.

Desde 2012, as LEDOCs representam uma realidade nas instituições de Ensino

Superior espalhadas pelo Brasil. De acordo com dados do MEC de 2016 (o mais

atualizado) existem hoje, 44 universidades ofertando o Curso de Licenciatura em

Educação do Campo com entradas regulares, anual ou semestralmente, essas

universidade podem ser verificadas no quadro da seção anterior. De acordo com o

Documento Orientador do PRONACAMPO os Cursos de Licenciatura em Educação do

Campo são:

[...] ofertados pelas Universidades Federais e Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia de Ensino Superior, com organização

curricular cumprida em regime de alternância entre tempo-escola e

tempo-comunidade e habilitação para docência multidisciplinar nos

anos finais do ensino fundamental e no ensino médio em uma das

áreas do conhecimento (BRASIL, 2013).

Assim, de acordo com Molina; Sá (2012) a experiência das LEDOCs foi

desenvolvida experimentalmente pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade

Federal de Sergipe (UFS) no ano de 2007 (BRASIL, 2012). Posteriormente, a partir do

Edital nº 02/2012, as LEDOCs expandiram-se para outras universidades, em 2016, esse

número chegou 44 (MOLINA; HAGE, 2016). O êxito dessa experiência anterior foi

fundamental para a implementação dos Cursos em nível nacional nas demais

universidade e institutos federais.

Segundo Molina; Hage (2016, p. 806) o Edital PROCAMPO promoveu

“disponibilização de 600 vagas permanentes para docentes e 126 técnicos nessas

instituições, com meta de formar 15 mil professores para atuar na Educação Básica das

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escolas do campo, nos primeiros três anos dos cursos”. Assim, ficou acordado pelo

mesmo Edital que cada instituição que implantasse o Curso teria 15 vagas

disponibilizadas para concurso de professores efetivo da carreira do magistério superior

e 3 vagas para técnicos administrativos para auxiliarem no desenvolvimento do Curso.

Desse modo, as LEDOCs representam uma grande conquista no âmbito da

universidade pública, que, como sabemos, ainda comporta-se majoritariamente

assentada em modelos e interesses burgueses. Assim, não é exagero apontar as

LEDOCs espalhadas pelo Brasil como um dos maiores exemplos de conquista do

movimento camponês brasileiro no que concerne à educação. Nesse sentido, Caldart

(2002, p. 36) complementa essa ideia afirmando que: “boa parte deste ideário que

estamos construindo é algo novo em nossa própria cultura. E que há uma nova

identidade de educador que pode ser cultivada desde este movimento por uma educação

do campo”.

Como aponta Caldart (2002), essa é uma experiência nova na universidade

brasileira, os processos educativos estão em plena experimentação, assim, a Pedagogia

da Alternância, que funciona como metodologia nas LEDOCs, a própria inserção dos

educandos, quase sempre vinculados ao campo, a realização das suas místicas e

apresentações, causam olhares curiosos, por vezes negativados. Uma demonstração de

que a universidade estranha todos os perfis que fogem do padrão estabelecido como

sendo estudante universitário.

Nesse sentido, um importante ponto a ser destacado na estrutura operacional e

curricular das LEDOCs diz respeito à Pedagogia da Alternância. Mas o que é a

Pedagogia da Alternância? Segundo Ribeiro (2012), ela tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFR’s), na França e com as Escolas Familiares Rurais (EFA’s), na

Itália dos anos 1930. No Brasil, essa proposta metodológica visa combater a evasão

escolar em decorrência das especificidades da zona rural, tais como períodos de

colheitas, invernos, épocas de plantações entre outras. Dessa forma, os educandos

podem trabalhar nas atividades do campo sem ter que deixarem os estudos.

Assim, a Pedagogia da Alternância se divide em dois momentos; o Tempo

Escola (TE), período em que os educandos permanecem estudando na universidade

(esse período muda a depender do Curso, podendo a alternância variar de semanas à

meses) e o Tempo Comunidade (TC), nesse período os educandos retornam às suas

comunidades ou assentamentos, para colocarem em prática os conhecimentos que foram

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objeto de estudo no TE, de modo a retornarem também com experiências sistematizadas

a partir das vivências no espaço campesino para serem socializadas na universidade.

Mais que uma característica de sucessões repetidas de sequência, a

alternância, enquanto princípio pedagógico, visa desenvolver na

formação dos jovens situações em que o mundo escolar se posiciona

em interação com o mundo que o rodeia. Buscando articular universos

considerados opostos ou insuficientemente interpenetrados – o mundo

da escola e o mundo da vida, a teoria e a prática, o abstrato e o

concreto – a alternância coloca em relação diferentes parceiros com

identidades, preocupações e lógicas também diferentes. (SILVA,

2000, p. 16)

Com isso busca-se formar um diálogo que relaciona os conhecimentos entre

comunidade-universidade-comunidade. É um movimento que pretende fazer o diálogo

entre conhecimentos da academia em interação direta com os conhecimentos populares.

Assim, a Pedagogia da Alternância nos cursos de Licenciatura em Educação do Campo

significa uma possibilidade de associação entre trabalho e formação, um dos grandes

desafios dos cursos superiores no Brasil, sobretudo das licenciaturas, que acabam por

aglutinar o maior número de estudantes trabalhadores. Segundo Passos; Melo (2012, p.

244, grifo do autor):

Conhecendo suas raízes históricas, podemos dizer que [a Pedagogia da

Alternância] consiste em uma relação de troca e interação de saberes.

É o diálogo entre o saber sistematizado e o saber popular em que o

educando e sua realidade (família, propriedade, comunidade) são o

foco central do processo de ensino-aprendizagem. Não existe

alternância sem uma integração da família e do meio socioprofissional

em que a escola está inserida.

Desse modo, a Pedagogia da Alternância representa uma possibilidade concreta

de rompimento com o padrão formativo das licenciaturas, ao mesmo tempo, em que

representa um desafio operacional na maioria das universidades em que se desenvolve,

pois os cursos foram criados em um contexto em que os repasses do Governo Federal às

universidade ainda não estavam sofrendo cortes. Atualmente alguns cursos não

conseguem realizar o deslocamento contínuo de professores/as às comunidades rurais

para os devidos acompanhamentos dos educandos, implicando assim, prejuízos ao

desenvolvimento das trocas de saberes entre universidade e comunidade, recaindo, mais

uma vez, na formação unilateral realizada na academia.

De toda forma é importante destacar a inserção desses cursos nas universidades

como uma ação de extrema importância para as populações do campo e mesmo com

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algumas arestas ainda a serem aparadas, de modo geral, os Cursos de Licenciatura em

Educação do Campo e a Pedagogia da Alternância vêm possibilitando uma inserção

direta dos filhos e filhas de agricultores na universidade. Além disso, pretende cumprir

um papel fundamental para a consolidação da formação de docentes para atuação no

campo. Desse modo:

A Licenciatura em Educação do Campo possui uma proposta

curricular integrada e referenciada na Alternância Pedagógica e

organiza os componentes curriculares em quatro áreas do

conhecimento: Linguagens (expressão oral e escrita em Língua

Portuguesa, Artes, Literatura); Ciências Humanas e Sociais; Ciências

da Natureza e Matemática, e Ciências Agrárias, buscando superar a

fragmentação tradicional que dá centralidade à forma disciplinar e

incidir no modo de produção do conhecimento na universidade e na

escola do campo, tendo em vista a compreensão da totalidade e da

complexidade dos processos encontrados na realidade (MOLINA;

HAGE, 2016, p. 806 - 807).

Para finalizar esta seção, sublinhamos a inserção das LEDOCs nas universidade

brasileiras como sinônimo de pluralismo, uma ação que para além da política pública

permite à universidade a convivência com as diversidades, é também um aspecto de

democratização do ensino superior para aqueles e aquelas que mais foram prejudicados

pelo caráter classista da universidade brasileira. A preocupação que colocamos e que

inclusive está no cerne dessa pesquisa é acompanhar o comportamento das

universidades perante esses Cursos, pois como sabemos, as instituições hegemônicas

detêm inúmeras ferramentas de domesticação e incorporação dos interesses populares

aos seus próprios interesses.

Nesse sentido, a defesa da originalidade da proposta pedagógica das

licenciaturas em Educação do Campo é um fator de grande responsabilidade dos

movimentos sociais e dos sujeitos do campo de modo geral. Por isso mesmo, em tempos

de retrocesso, defender as LEDCs, é defender os interesses da classe popular, do mesmo

modo, essa defesa está intimamente ligada à defesa de uma Educação Popular que

dialoga com saberes e práticas construídas historicamente pelos camponeses e

camponesas do Brasil.

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4. CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DA PESQUISA: UFERSA, LEDOC E

SUJEITOS NO SEMIÁRIDO POTIGUAR

Quem não se movimenta,

não sente as correntes que o prendem

Rosa Luxemburgo

4.1. NOTAS INICIAIS

Nas seções anteriores apresentamos a Educação do Campo e alguns de seus

dispositivos legais de maior destaque, como o PRONERA e o PROCAMPO. A partir de

agora, apresentamos os principais aspectos da LEDOC/UFERSA, principalmente no

que tange ao Projeto Pedagógico de Curso (PPC), a estruturação curricular, a

perspectiva metodológica do Curso e o perfil discente. A partir dessa divisão,

esperamos conseguir apresentar ao leitor um detalhamento em pormenores do que é esse

Curso.

Destaque-se, desde já, que a conquista da LEDOC enquanto uma política de

educação do campo é fruto de uma conjuntura político-social específica, de um

momento de organicidade dos movimentos sociais do campo, do compromisso de

professores e professoras universitários que sempre se posicionaram pela justiça social e

cidadania e, finalmente, das inclinações ao campo democrático popular do período dos

governos Lula/Dilma. Essas conquistas, encontram-se hoje diante de outra conjuntura,

completamente oposta, requerendo, mais uma vez, defesa e organização por parte dos

atores sociais, sob pena de perdas dos avanços conquistados até aqui.

A história do Brasil nos mostra que o preconceito, velado ou não, das classes

mais abastardas em relação aos povos do campo teve/tem efeitos nefastos e

prolongados. Às populações do campo foi destinada uma tarefa inglória: trabalhar desde

a mais tenra idade até a mais avançada, sem contudo, gozar de forma plena dos frutos

desse trabalho. Junto a isso, o poder da ideologia dominante condensou todos os sonhos

dos camponeses/as ou agricultores/as a um só: conseguir criar os filhos em condições

mínimas de não faltar alimentos e roupas. Esmaeceu e distanciou-os de qualquer outros

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sonhos, e foi além, inculcou nos trabalhadores que sobreviver do trabalho duro é o seu

máximo direito.

Desse modo, sabendo o poder que tem a educação escolar, as classes

dominantes, negligenciaram sistematicamente esse direito aos povos do campo.

Alargando o fosso entre o trabalho e a escola, apresentando essa instituição como algo

menor, sem honra, sem validade, pois tudo isso se encontraria no trabalho, braçal, claro.

Daí que ainda hoje os altos índices de analfabetismo estejam concentrados no campo13,

daí também que a exploração do trabalho ganhe destaque nesse espaço geográfico, pois

como se sabe a alfabetização não representa somente a capacidade de codificar e

decodificar os caracteres, mas representa, sobretudo, aquisição de capacidades e

sensibilidades para desenvolvimento de habilidades que somente o exercício mais

complexos da escrita e da leitura proporcionam aos sujeitos.

Assim, a Educação do Campo, representa uma política pública importante no

combate ao analfabetismo no meio rural. Representa formação de professores e

valorização dos conhecimentos produzidos pelos sujeitos do campo. Daí que a

relevância desse processo esteja diretamente ligada à possibilidade de mudança social

das populações campesinas. É nesse contexto que a LEDOC/UFERSA emerge, um

Curso pensado a partir da realidade do semiárido potiguar e uma possibilidade para a

emancipação para sujeitos do campo.

4.2. LÓCUS DA PESQUISA: O SEMIÁRIDO POTIGUAR E A UFERSA

Destacamos agora o contexto no qual se insere os meandros desta pesquisa,

sobretudo, referente ao lugar da UFERSA no contexto do Semiárido potiguar. A

intenção desse momento é situar a Universidade a partir da Região na qual se inscreve e

as influências desse contexto na formação dos sujeitos. As condições naturais do

semiárido têm feito o homem e a mulher do campo desenvolver tecnologias sociais e

avançar na convivência com seu lugar de origem, superando assim, a narrativa da seca

como barreira intransponível à melhoria da condição da vida.

A importância deste recorte também recai sobre o fato de estarmos tratando de

sujeitos do campo que vivem nesse território, que trabalham e criam formas de

13 Segundo Mônica Molina, em entrevista ao Jornal “O Globo” de 03/11/2011, o índice de analfabetismo

no meio rural é de 23,3%, três vezes maior que em áreas urbanas.

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convivência com o semiárido. Por isso, conhecê-los enquanto sujeitos históricos que

estão vivenciando, tanto a universidade, quanto o campo, é uma tarefa que julgamos

fundamentalmente importante nessa empreitada. O semiárido tem se apresentado como

um lugar particularmente rico em fenômenos educativos, sustentados, principalmente

pela necessidade e potencialidade que apresenta os seus habitantes.

Conceitualmente, o semiárido é uma categoria territorial definida a partir de

critérios climatológicos, de tal modo que destaca-se por características não rígidas no

tocante às suas fronteiras, ou seja, as características do clima, e nesse caso quente e

seco, é que define o semiárido. Esse território compreende atualmente os Estados do

Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e um

trecho do Estado de Minas Gerais (RESAB, 2006).

Figura II: Limites climatológicos para a definição das fronteiras do semiárido

Fonte: Google Earth/imagens

A partir da imagem acima podemos analisar as dimensões e abrangência do

semiárido, também é possível evidenciar que é um território diverso, plural e

contraditório, não podendo ser tomado como um todo orgânico que se aplica a sua

extensão integral. Um dos fenômenos que vem lhe marcando de forma singular tanto ao

longo de sua historicidade quando nos dias atuais, sem dúvida é a seca. Porém, como

veremos, essa narrativa construída acabou por ser usada como instrumento político da

classe dominante dessa região. As populações do semiárido têm encontrado formas

diferenciadas de conviver com a seca. Tomar esse território como um todo singular é

uma forma atrasada, falsa e mitificada de compreender a dinamicidade desse lugar.

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Assim, do mesmo modo que o cinza da caatinga disfarça sua diversidade, a

simplicidade dos sujeitos do campo disfarça sua complexidade. A seca marca o

semiárido como um tipo de estereótipo e de preconceito. O mesmo estigma que carrega

sua população. Essa visão tem servido à manutenção de uma realidade adversa, quer

dizer, em detrimento de uma questão natural – que é a seca – justificou-se,

historicamente àquelas de cunho sociais, tais como a fome, o trabalho precário ou a falta

dele, o analfabetismo e outros. Com isso, formou-se uma população cujas condições de

vida têm representado um grande desafio àqueles e àquelas que vivem no semiárido.

Assim, durante muito tempo inculcou-se a ideia de que somente as grandes

obras, principalmente as barragens e a transposição de rios, seria a solução para a

situação de pobreza na qual o homem e a mulher do campo estiveram submetidos. Sob

essa ideologia, construíram-se ao longo do século XX, diversas obras14 que, no entanto,

não resolveram o problema da falta d’água e nem da pobreza. Essas obras, em muitos

casos, aprofundaram o fosso da vida das populações do campo, acentuando a corrupção

em órgãos responsáveis por obras contra a seca, inserindo mais uma cinta de arame nos

currais eleitorais das oligarquias locais. Depreende-se, portanto, que a situação de

pobreza na região é estrutural, é uma pobreza patrocinada, principalmente, pelos

“donos” das terras e das águas.

No Rio Grande do Norte, o semiárido representa cerca de 90% do território do

Estado, isso significa dizer que ele é determinante na organização social do povo

potiguar. Como é possível observar na figura abaixo, (Figura III) o semiárido potiguar

está incrustado no contexto do semiárido nordestino.

14 No Rio Grande do Norte, o símbolo maior é a construção da Barragem Armando Ribeiro, conhecida

como Barragem de Assu, no final da década de 1970, cuja importância nos dias de hoje é singular, mas

que carrega consigo uma história de grandes violações dos direitos da população local da antiga São

Rafael além da materialização dos interesses norte americano de produzir alimentos em países do

Terceiro Mundo.

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Figura III: Ocorrência do semiárido no Estado do Rio Grande do Norte.

Fonte: Núcleo de Estudos do Semiárido/Universidade do Estado do Ceará.

Um grande desafio no Oeste potiguar atualmente diz respeito ao Projeto de

Irrigação da Chapada do Apodi. Esse projeto ao mesmo tempo em que beneficia os

grandes produtores de fruticultura irrigada, principalmente o melão, implica em grandes

prejuízos para o pequeno agricultor. Isso porque as grandes empresas ocupam extensões

de terras cada vez maiores, o consumo de água é alarmante e a produção em pequena

escala torna-se inviável e insustentável, a grande quantidade de agrotóxicos e sementes

transgênicas levam à contaminação das sementes crioulas. Além disso, a dinâmica no

campo ganho um sentido diferenciado, sobretudo, porque o camponês passa à condição

de assalariado, vendendo tanto sua força de trabalho quanto suas terras. Portanto, esse

tem sido um grande desafio posto aos sujeitos do campo do semiárido potiguar.

Certamente, em virtude do exposto acima, a região é rica em movimentos sociais

do campo, como a Articulação do Semiárido (ASA15), o Movimento de Educação de

Base (MEB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), além de uma

grande quantidade de sindicatos rurais de atuação destacada. Esses movimentos têm

papel de destaque na luta pelos direitos das populações do semiárido. Outro fator

relevante quanto a organização coletiva diz respeito aos projetos em que o protagonismo

está diretamente ligado aos sujeitos, como na construção de cisternas por mulheres; na

produção da agricultura familiar; cooperativas; o artesanato local; manejo sustentável;

15 A Asa é uma rede organizada que desenvolve políticas públicas e projetos diversos no âmbito da

convivência com o semiárido. (www.asabrasil.org.br)

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produção de sementes crioulas, sendo esses sujeitos atores da mudança social e que

deslocam a política do “combate à seca”, à alternativas viáveis de conviver com esse e

outros fenômenos típicos da região do semiárido.

Quando os assentamentos de Reforma Agrária começavam a ser realidade no

Estado, com especial ênfase à região Oeste, alguns espaços assumiram protagonismo

tanto na organização dos camponeses já assentados como na luta em acampamentos.

Dentro desse contexto, em 1993 o Centro Feminista 8 de Março (CF8) é criado por um

grupo de mulheres organizadas em torno da luta pela igualdade de gênero e justiça

social. Atualmente, esse espaço desenvolve formação e produção a partir dos princípios

feministas em toda a região Oeste. Nessa mesma perspectiva, em 1999 foi criado a Rede

Xique-Xique de produção e comercialização solidária com forte vínculo também no

movimento feminista. (MOURA, et al. 2014).

Essas organizações estão inseridas no contexto da ASA, que por sua vez tem

empreendido uma série de conquistas importantes para a convivência com o semiárido,

além de lutar por projetos importantes para a convivência com a seca, tem promovido

formação educativa e empoderamento das mulheres do campo. São formas como

cooperativas, associação de mulheres, sindicatos, associações de moradores, projetos e

muitas outras formas que sempre convergem para o caráter coletivo e de autogestão

desses espaços. Nesse sentido, a luta das mulheres camponesas é um dos fenômenos que

melhor caracteriza a região do Oeste potiguar nos dias de hoje.

Assim, esses espaços coletivos e movimentos sociais destacados acima, têm

desempenhado um papel de resistência e proposição quanto aos diversos aspectos da

produção econômica, da vida no campo e da educação das pessoas desse campo. Assim,

a educação defendida por esses movimentos sociais configura-se por uma faceta calcada

em princípios dialógicos, no contexto campesino e no trabalho, uma educação que busca

imprimir sentido a cada ação realizada no dia a dia e que possibilite uma ampliação do

horizonte dos direitos inerentes a cada sujeito.

No que tange ao desenvolvimento econômico, o semiárido potiguar apresenta

uma rica diversificada, a fruticultura irrigada é um dos principais destaques, assim como

a indústria salineira e a produção de petróleo e gás. Podemos dizer que essa é a

produção macroeconômica, ou seja, aquela da grande indústria e da exportação. Por

outro lado, existe uma diversidade advinda dos setores da agricultura familiar que

movimento a região. Turismo, apicultura, caprinos, ovinos, suínos, bovinos, pescados,

cera de carnaúba, cereais e frutas garantem emprego e renda para uma parcela

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expressiva da população do Oeste. Essa variedade econômica é desenvolvida,

principalmente a partir das famílias que vivem no campo, essas mesmas famílias são,

em alguns casos, os educandos da LEDOC/UFERSA.

É nesse cenário que inscreve-se a cidade de Mossoró, local em que está situada a

UFERSA, lócus da nossa pesquisa. A representação do território municipal pode ser

verificada na figura abaixo:

Figura IV: Representação cartográfica do município de Mossoró – RN

Fonte: Google/imagens (2018)

A cidade de Mossoró é conhecida por suas altas temperaturas (entre 36ºC e

37ºC), a cidade tem uma população de aproximadamente 260 mil habitantes (IBGE,

2010) e fica distante 281 km da cidade do Natal, Capital do Estado. Mossoró é a

segunda maior cidade do Rio Grande do Norte e tem sua história marcada pelo poder

das oligarquias locais, isso acabou por gerar na cidade um sentimento paroquial típico

de estruturas comandadas pelo poder do autoritarismo. Apesar de ser uma cidade média

e com aspectos bem desenvolvidos, como a indústria, Mossoró convive com aspectos

clássicos das cidades mais pequenas do sertão nordestino. Apresentamos a seguir uma

imagem da região central da cidade de Mossoró para que o leitor dimensione e visualize

e lugar do qual estamos falando

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Imagem xx: Visão panorâmica do Centro de Mossoró – RN.

Fonte: Google/imagens (2018)

A história oficial reserva à Mossoró o pioneirismo do primeiro voto feminino da

América Latina, exercido pela jovem professora Celina Guimarães em 05 de abril de

1928. À Mossoró também se atribui-se o pioneirismo na libertação dos escravos, fato

que teria ocorrido em 30 de setembro de 1883, portanto, cinco anos antes da Lei Áurea

de 1888. A cidade ainda é conhecida por ter expulsado o bando de cangaceiros liderados

por Virgulino Ferreira, o Lampião, no ano de 1927.

Embora haja contestações sobre a veracidade dessas ocorrências, esse

imaginário, acabou por criar na região uma atmosfera propícia à cultura do teatro,

poesia, cordel, cinema e das artes. Nesse aspecto destaca-se o período de São João com

os festivais de quadrilhas juninas e o espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró”,

apresentação teatral que retrata a chegada de Lampião à Mossoró e sua expulsão pelos

soldados e coronéis da Cidade.

A apresentação desse cenário local da cidade de Mossoró tem como objetivo

inserir a UFERSA na discussão. Essa Universidade, que carrega as marcas da região,

tem se convertido em um importante espaço de formação acadêmica dentro do

semiárido nas mais diversas áreas do conhecimento. De igual modo, pensar que essa

Universidade recebe forte influência da cidade e região a qual está inserida também é

nosso objetivo.

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A UFERSA enquanto universidade federal é uma instituição relativamente

recente. Porém, a história da UFERSA começa pela Escola Superior de Agricultura de

Mossoró (ESAM). Fundada em 1967, através do Decreto 01/67. Durante décadas teve a

tarefa de formar principalmente agrônomos e veterinários da região do Oeste potiguar.

A ESAM era uma autarquia sob responsabilidade da Prefeitura de Mossoró, mas

subsidiada com recursos do Governo Federal.

Apesar da sua importância, sabe-se que o ingresso nos Cursos ofertados pela

ESAM, estavam quase sempre restrito àquelas famílias mais abastardas da região Oeste

e de outros estados vizinhos, sobretudo Paraíba e Ceará. Em 01 de agosto de 2005, a Lei

nº 11.155 de 29 de julho, instituída pelo então presidente Lula, transforma a ESAM em

Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) (BRASIL, 2005). A imagem do

Campus Sede pode ser vista na figura abaixo:

Imagem II: UFERSA Campus Central Mossoró

Fonte: Google imagens (2018)

O processo de federalização garantiu a criação de novos cursos, contratação de

mais professores e técnicos administrativos, aumentando assim, significativamente o

número de vagas ofertadas anualmente, além de reorganização da estrutura operacional.

Ademais, logo em seguida, foram criados os campis de Caraúbas, Pau dos Ferros e

Angicos, todas essas, cidades da região do semiárido potiguar.

Desse modo, a criação da UFERSA, insere-se dentro da política nacional

empreendida pelo então Presidente Lula, que diz respeito a expansão e interiorização do

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Ensino Superior no Brasil, o REUNI. Esse Programa representou um verdadeiro salto

quantitativo e qualitativo no tocante ao ingresso das classes populares na universidade e

teve importância significativa para as populações do semiárido, cujo acesso à educação

superior sempre implicou mudança para a Capital, o que pela sua própria natureza

econômica já excluía grande parte dessa população.

Dentro do contexto de contribuir para o desenvolvimento da região, a UFERSA

vem se destacando ao promover oportunidade, sobretudo para as pessoas do campo, no

que diz respeito a superação de condições concretas de negação. Nesse sentido, o

Estatuto da UFERSA destaca como objetivo principal:

[...] produzir e difundir conhecimentos no campo da educação

superior, com ênfase para a região semi-árida brasileira, contribuindo

para o exercício pleno da cidadania mediante formação humanística,

crítica e reflexiva, preparando profissionais capazes de atender às

demandas da sociedade (UFERSA, 2005).

Observa-se que é um objetivo bastante direcionado, tanto na formação quanto na

região. Aos 13 anos de sua criação, completados nesse ano de 2018, a UFERSA busca

alcançar o horizonte proposto e desponta como uma instituição de importância

significativa para o Estado do Rio Grande do Norte. Juntamente com a UERN, vem

possibilitando acesso e permanência de um público específico, principalmente pessoas

de origem camponesa do interior que sem essa Universidade teriam dificuldades na

conquista do diploma de nível.

Assim, não é exagero afirmar que a UFERSA revolucionou o semiárido

potiguar, possibilitando acesso e permanência aos estudantes e a possibilidade concreta

de mudança social. Fazer essa leitura positiva da Universidade não significa de forma

alguma dizer que ela está concluída, os desafios postos são inúmeros, alguns no plano

cultural inclusive, o que requer mudança de postura frente aos problemas, de todo

modo, ressaltar a criação da UFERSA e o trabalho que tem empreendido no semiárido

nos parece um destaque dos mais importantes. A seguir, a distribuição de cursos por

campus que compõem hoje a estrutura acadêmica da UFERSA, conforme aponta o

quadro abaixo:

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Quadro III – Relação dos cursos existentes na UFERSA por Campus

CAMPUS CURSO DE GRADUAÇÃO

CENTRAL

MOSSORÓ

Administração

Agronomia

Biotecnologia

Ciência da Computação

Ciência e Tecnologia

Ciências Contábeis

Direito

Ecologia

Engenharia Agrícola e Ambiental

Engenharia Civil

Engenharia Florestal

Engenharia Mecânica

Engenharia Química

Engenharia de Energia

Engenharia de Pesca

Engenharia de Petróleo

Engenharia de Produção

Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo

Medicina

Medicina Veterinária

Zootecnia

ANGICOS

Ciência e Tecnologia

Computação e Informática

Engenharia Civil

Engenharia de Produção

Pedagogia

Sistemas de Informação

CARAÚBAS

Ciência e Tecnologia

Engenharia Civil

Engenharia Elétrica

Engenharia Mecânica

Letras – Inglês

Letras – Libras

Letras – Português

PAU DOS FERROS

Arquitetura e Urbanismo

Ciência e Tecnologia

Engenharia Ambiental e Sanitária

Engenharia Civil

Engenharia de Computação

Engenharia de Software

Tecnologia da Informação Fonte: Pró-Reitoria de Graduação da UFERSA – 2018

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O aumento na quantidade de cursos de graduação na UFERSA, ocorreu,

sobretudo, entre os anos de 2005 e o ano de 2014. Desde o processo de federalização, a

UFERSA vem ganhando destaque e subindo posições nos rankings de pesquisas. No

ano de 2017, em resultado divulgado pelo Ministério da Educação, por meio do Instituto

Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) a UFERSA ficou com

Índice Geral de Curso (IGC) na faixa de conceito 4, passando a ocupar a 29ª posição

entre as universidade brasileiras e a 5ª de todo o Nordeste. Esse resultado materializa o

trabalho que a Universidade vem desenvolvendo no contexto do semiárido potiguar.

Feito essa breve localização dos cenários do semiárido, de Mossoró e da

UFERSA é o momento de inserir a LEDOC dentro desse complexo. Como pode ser

observado esse movimento do geral ao local é uma prática que julgamos adequada para

análises gerais. Nesse sentido, na seção que segue, buscamos apresentar aspectos

principais da LEDOC nas suas especificidades em consonância à Universidade e à

Região do Oeste.

4.3. LICIENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA: UMA

HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO

Nesse momento do texto, esperamos já ter conseguido destacar o que são as

LEDOCs. Já apontamos seus principais aspectos, sua política e sua proposta de

formação, ainda assim, reforçamos que a LEDOC é uma política pública de Educação

do Campo. Um curso de formação ofertado com o intuito de formar professores e

professoras em nível de Graduação para atuação nos anos finais do Ensino Fundamental

e no Ensino Médio, por área de conhecimento, assim como na Gestão em espaços

escolares e não escolares. (MOLINA; HAGE, 2016).

Na UFERSA, a ideia da criação de um Curso de Educação do Campo data do

ano de 2008, antes mesmo do Edital nº 02/2012 da SECADI/MEC (Edital

PROCAMPO), conforme podemos verificar na Resolução CONSUNI/UFERSA nº

005/2008, de 28 de Novembro de 2008, que “Cria o Curso de Educação do Campo, em

nível de Graduação, modalidade Licenciatura, no âmbito da Universidade Federal Rural

do Semi-Árido.” (UFERSA, 2008). Porém, essa proposta não se desenvolveu até o

período de 2012, momento em que o Edital PROCAMPO possibilitou a efetivação do

Curso.

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Após ter sua proposta aprovada junto ao Edital, a UFERSA estabeleceu através

da Decisão CONSUNI/UFERSA nº 142/2013, de 18 de outubro de 2013, que a Pró-

Reitoria de Graduação – PROGRAD, seria responsável pela implantação e gestão da

LEDOC (UFERSA, 2013a). Assim, no mês de setembro de 2013, foi aprovado pelos

Conselhos Superiores da UFERSA o Edital nº 045/2013, o primeiro Edital de seleção de

estudantes para a LEDOC. Neste Edital foram destinadas 120 (cento e vinte) vagas para

alunos e alunas comprovadamente vinculados às áreas rurais de Mossoró e região.

Foram 60 (sessenta) vagas para o semestre de 2013.2 e 60 (sessenta) para o semestre

letivo de 2014.1 (UFERSA, 2013b).

Na sequência o Edital nº 073/2014, destinou mais 120 vagas, sendo 60 (sessenta)

para 2015.1 e 60 (sessenta) para o segundo semestre 2015.2. (UFERSA, 2015). No ano

de 2016 o Edital nº 025/2016 ofertou 60 (sessenta) vagas, sendo 30 (trinta) para o

primeiro semestre (2016.1) e mais 30 (trinta) vagas para o segundo semestre (2016.2)

(UFERSA, 2016). Já em 2017 o Edital 011/2017, ofertou 60 (sessenta) vagas para

ingresso único no semestre 2017.2 (UFERSA, 2017). Finalmente, em 2018, são mais 60

(sessenta) vagas ofertadas para ingresso em 2018.2.

Como sabemos, a forma de ingresso nas universidade públicas federais hoje

ocorre através do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, porém a forma de

ingresso na LEDOC é através de um vestibular específico. É Assim na UFERSA e

também em diversas outras universidades que ofertam os Cursos. O vestibular da

LEDOC é composto por uma prova que consta dez questões de Língua Portuguesa, dez

questões de Matemática e uma Redação. A figura abaixo, retirada do Edital de seleção

ilustra esse modelo:

Figura V: Disciplinas objeto do Vestibular LEDOC/UFERSA

Fonte: Edital 021/2018

O processo seletivo ocorre em dois momentos distinto, o primeiro consiste na

“Análise Documental”, momento em que comprova-se se o concorrente preenche todos

os requisitos para participar do Processo. No segundo momento “Das Provas” o

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concorrente realiza as provas acima destacadas. Dentro do processo seletivo, a

concorrência se dá por meio de grupos, ou “cotas” chamadas: Ampla Concorrência, L1,

L2, L3, L4, em que: L1, Candidatos com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5

salários mínimos e que tenha cursado integralmente o Ensino Médio em escola pública;

L2, Candidatos autodeclarados pretos, pardos, indígenas com renda familiar bruta igual

ou inferior a 1,5 salários mínimos; L3, Candidatos que independente da renda tenha

cursado o Ensino Médio em escola pública; L4 Candidatos autodeclarados pretos,

pardos, indígenas que independente da renda tenha cursado o Ensino Médio

integralmente na escola pública.

O vestibular específico foi pensado como critério por haver o entendimento de

que os processos de avaliação tanto do vestibular tradicional como do ENEM, prezam

por um modelo de conhecimento escolar tradicional, exatamente aquele que não chegou

às pessoas do campo, ou quando chegou se deu de forma fragmentada e

descontextualizada.

Do ponto de vista curricular, o Curso está organizado a partir de três aspectos

principais, quais sejam: o Núcleo de Estudos Comuns (NEC) vai até o 5º período e deve

ser cursado por todos os estudantes. Esse Núcleo contém uma carga horária de 1605

horas e é composto pelas disciplinas nas áreas de Linguagens e Códigos, Ciências

Agrárias, Matemática, Ciências Humanas e Sociais; O Núcleo de Atividades

Integradoras (NAI) é o segundo aspecto, também deve ser cursado por todos os

estudantes, tem 975 horas e contempla as disciplinas nas áreas de Pesquisa, Práticas

Pedagógicas, Métodos de Organização e Educação Comunitária, Seminários

Integradores, Estágios Curriculares Supervisionado e Trabalho de Conclusão de Curso;

Por último, as habilitações em Ciências Humanas e Sociais ou em Ciências da Natureza.

Essas habilitações são compostas por disciplinas de suas respectivas áreas e

contemplam um total de 330 horas (UFERSA, 2013). O Curso tem uma carga horária

total de 3.210 horas/aulas e funciona no turno diurno, com aulas manhãs e tarde. A

seguir destacamos a distribuição das disciplinas a partir dos núcleos que compõem o

Curso.

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Quadro IV: Distribuição das Disciplinas que compõem a estrutura curricular da LEDOC

NÚCLEO DE ESTUDOS COMUNS

Área 1: Ciências Humanas

e Sociais

Disciplina CH

Fund. Sócio-Antropológicos da Educação 60

Economia Política 60

Filosofia da Ciência 60

Sociologia Rural 60 (30 TE + 30 TC)

Ética e cidadania 30

Estudos de Gênero, Raça e Etnia 45 (30 TE +15 TC)

Introdução ao Direito Agrário e Ambiental 45

Realidade Brasileira I 30

Realidade Brasileira II 30

Programa de Saúde para as populações do campo 30

Área 2: Códigos e

Linguagens

Análise e Expressão Textuais 60

LIBRAS 60

Oficina de Leitura e Produção de Texto I 30

Oficina de Leitura e Produção de Texto II 30

Área 3: Estudos

Pedagógicos

História da Educação do Campo I 60 (30 TE + 30 TC)

Didática 60

Educação do Campo 60 (30 TE + 30 TC)

Org. Escolar e Método do Trab. Pedagógico I 30 (15 TE + 15 TC)

Psicologia da Educação 45

Educação de Jovens e Adultos 60

Org. Escolar e Método do Trab. Pedagógico II 60 (30 TE + 30 TC)

Org. Escolar e Método do Trab. Pedagógico III 15 (TC)

Alfabetização e Letramento na Edu. Campo 45

Educação, Tecnologia e Aprendizagens 30

Educação Inclusiva 45

Desenvolvimento humano e Aprendizagens I 45

Desenvolvimento humano e Aprendizagens I 30

Área 4: Ciências Agrárias

Elaboração e Análise De Viabilidade De Projeto 30 (15 TE + 15 TC)

Comunicação e Extensão Rural 45

Projeto de Desenvolvimento do Campo 60

Economia Solidária e Agroecologia 45

História das Experiências das Agriculturas 45

Gestão da Unidade Familiar de Produção 30

Ecologia e agroecossistemas 60

Área 5: Matemática Matemática I 60

NÚCLEO DE ATIVIDADES INTEGRADORAS

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Área 1: Pesquisa

Pesquisa I 30

Pesquisa II 30 (15 TE + 15 TC)

Pesquisa III 30 (15 TE + 15 TC)

Projeto de Pesquisa 30 (15 TE + 15 TC)

Trabalho de Conclusão de Curso I 60 (20 TE + 40 TC)

Trabalho de Conclusão de Curso I 60 (20 TE + 40 TC)

Área 2: Práticas

Pedagógicas

Práticas Pedagógicas I 60 (30 TE + 30 TC)

Práticas Pedagógicas II 60 (30 TE + 30 TC)

Métodos de Organização e Edu Comunitária I 15

Métodos de Organização e Edu Comunitária II 30 (15 TE + 15 TC)

Métodos de Organização e Edu Comunitária III 30 (15 TE + 15 TC)

Área 3: Estágios

Estágio Supervisionado I – Comunidade 120(72 TE + 48 TC)

Estágio Supervisionado II – EJA 120(72 TE + 48 TC)

Estágio Supervisionado III – Gestão e Docência 120(72 TE + 48 TC)

Estágio Supervisionado IV – Gestão e Docência 120(72 TE + 48 TC)

Área 4: Seminários

Integradores

Seminário Integrador I 15

Seminário Integrador II 15

Seminário Integrador III 15 TC

Seminário Integrador IV 15 TC

NÚCLEO DE ESTUDOS ESPECÍFICOS

Habilitação I: Ciências da

Natureza

Metodologia do Ensino das Ciências Naturais 60

Fundamentos da Matemática II 60

Educação Sócio-Ambiental 30

Introdução ao Estudo da Química 60

Instrumentação para o Ensino de Química 60

Física na Educação Básica I 60

Física na Educação Básica II 60

Instrumentação para o Ensino de Física 60

Biologia 60

Olericultura e Plantas Medicinais 60 (40 TE + 20 TC)

Ambiente, Tecnologia e Sociedade 60

Habilitação 2: Ciências

Humanas e Sociais

Introdução ao Estude da História 60

Introdução ao Estudo da Geografia 60

Educação, Corpo e Arte 30

Metodologia do Ensino de História 60

Sociologia para o Ensino Médio 60

História e Cultura Afro-Brasileira 60 (40 TE + 20 TC)

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Filosofia para o Ensino Médio 60

Literatura Brasileira 60

Relações Sociais na Esfera da Produção e

Centralidade do Trabalho

60

Movimentos Sociais no Brasil 60

Fonte: Construção do Autor (2018), baseado no PPC/LEDOC/UFERSA.

Ao término das disciplinas do Núcleo de Estudos Comuns o educando opta por

uma das duas áreas ofertadas pelo Curso (Ciências Humanas e Sociais ou Ciências

Naturais). Esse desenho curricular foi pensado a partir da justificativa da carência de

professores nessas áreas na região. A opção feita, assim estar justificada no Projeto

Pedagógico do Curso da LEDOC:

A opção pela habilitação em Ciências Humanas e Sociais e Ciências

da Natureza se deu em virtude de a UFERSA já cumprir o seu papel

social de formação de professores/as em matemática e, ainda, por

conheceremos a realidade das escolas do campo, na qual os/as

professores/as das componentes curriculares das áreas humanas e

sociais não têm formação adequada e contextualizada para a

convivência no campo e na região semiárida (PPC LEDOC UFERSA,

2013).

No que concerne a organização metodológica a LEDOC pauta-se a partir da

Pedagogia da Alternância. Em que pese a relevância dessa proposta, na LEDOC ela tem

se caracterizado enquanto um desafio, sobretudo, do ponto de vista de sua

operacionalização. Ou seja, os cortes nas verbas da Universidade tem feito com que o

trabalho in lócus nas comunidades dos educandos tenho se encerrado, resumindo a

Pedagogia da Alternância a uma espécie de “tarefa de casa”. De acordo com o PPC:

O Curso funcionará com atividades realizadas no âmbito da sala de

aula na UFERSA, caracterizando o Tempo/Escola, e com atividades

no âmbito das comunidades que dispuserem de alunos/as no Curso,

caracterizando o Tempo/Comunidade. Vale apontar que o

Tempo/Comunidade se fará presente não apenas nos componentes de

cunho eminentemente prático, mas também nas teóricas onde haja

demanda de articulação com experiências/vivências nas comunidades

(UFERSA, 2013, p. 29).

Desse modo, a proposta da Pedagogia da Alternância vem sendo desenvolvida

na LEDOC intercalando três semanas de aulas na Universidade com duas semanas de

atividades nas comunidades dos alunos. Isso para aquelas disciplinas que, como diz o

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PPC, necessitem de maior articulação com as experiências nas comunidades

camponesas.

Como dito, a Pedagogia da Alternância representa uma possibilidade concreta de

rompimento com o padrão formativo das licenciaturas, cujo foco, tem se desenvolvido,

quase sempre, em função de uma proposta tradicional e de pouco diálogo. Ao mesmo

tempo, na LEDOC, representa um desafio, as limitações orçamentárias têm

impossibilitado uma parte desse trabalho, principalmente as visitas dos docentes às

comunidades dos estudantes. Esse fenômeno tem prejudicado o trabalho docente e

discente de forma central, uma vez que impede e compromete um dos aspectos mais

importantes da produção do conhecimento, que consiste na interação entre pessoas e

lugares.

Desse modo, no Tempo/Comunidade, quase sempre, os alunos recebem

determinadas atividades as quais devem realizar e apresentar na volta deste período,

mas sem o acompanhamento dos professores/as junto às comunidades, esse formato

acaba por descaracterizar a Pedagogia da Alternância e a sua proposta epistemológica

que se fundamenta no diálogo entre saberes populares e saberes acadêmicos.

Para finalizar essa abordagem vamos apresentar algumas imagens para melhor

aproximam o leitor desse texto, por isso mesmo seremos sucinto nas análises uma vez

que as informações estão descritas nas imagens.

No que concerne a sua lotação, atualmente, o LEDOC compõe o Departamento

de Ciências Humanas (DCH), ligado ao Centro de Ciências Sociais Aplicadas e

Humanas (CCSAH), cuja imagem pode ser vista a seguir:

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Imagem III: Prédio do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas (CCSAH) e

Departamento de Ciências Humanas (DCH)

Fonte: Autor, (2018)

No que diz respeito ao corpo docente, o Curso conta atualmente com 14

professores efetivos, distribuídos nas seguintes áreas de formação, conforme o quadro

abaixo:

Quadro V: Professores/as por área de formação na LEDOC

FORMAÇÃO INICIAL QUANTIDADE

Letras 1

Pedagogia 4

Ciências Sociais 2

História 1

Serviço Social 1

Geografia 1

Química 1

Física 1

Biologia 1

Libras 1

Fonte: Autor, com base nos dados da PROGRAD (2018).

Do ponto de vista físico/estrutural a LEDOC necessita de uma estrutura de

melhor qualidade, o prédio no qual estão localizadas as salas dos professores é antigo e

precisa de manutenção. A imagem a seguir pode ilustrar o dito:

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Imagem IV Prédio da LEDOC. Neste prédio funcionam as salas dos professores e professoras

do Curso, um auditório, a sala da coordenação do Curso e uma sala de estudo para os alunos.

Fonte: Autor, 2018.

As aula ocorrem na Central de aulas IV, nos períodos da manhã e tarde. A

estrutura da Universidade, de modo geral, é boa, inclusive porque as construções são

recentes, já que sua federalização também é recente (2005).

Imagem V: Central de aulas IV

Fonte: Autor, 2018.

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Finalizamos essa apresentação da LEDOC/UFERSA reconhecendo que de modo

geral ainda é um Curso em processo de consolidação, sendo, portanto necessário buscar

os caminhos que melhor conduzam a efetivação do Curso. Os preconceitos que

circundam a LEDOC são diversos, tanto com seus discente como com os docentes. A

ideia de que é um curso que não é da UFERSA, que é muito fácil passar e que não tem

“mercado” de trabalho, compõem o imaginário de quem ainda não acostumou-se a

dividir os espaços com a classe trabalhadora. Porém, os sujeitos que compõem esse

Curso já começam a compreender seu papel, e, de uma forma ou de outra, incomodando

a alguns e alegrando a outros, esse Curso já começa a cumprir seu papel histórico.

4.4. DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NO

PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO (PPC) DA LEDOC

Destacamos esta seção para apresentar o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) da

LEDOC/UFERSA e tecer algumas reflexões sobre a ocorrência do diálogo, da

epistemologia/conhecimento e da autonomia como fatores de desenvolvimento de uma

Educação do Campo Popular. O objetivo é buscar essas palavras chaves no Projeto do

Curso, isso de certa forma nos ajudará na última parte desse trabalho, momento em que

analisaremos essas palavras a partir dos discursos dos educandos. Destaque-se ainda

que nossa aproximação teórica nessa discussão está majoritariamente assentada em

Paulo Freire, por isso, amiúde, suas citações e reflexões se presenciaram no texto desta

seção.

O PPC foi elaborado com o objetivo primeiro de concorrer ao Edital nº 02/2012,

que como já detalhamos é o Edital PROCAMPO. O PPC inicia com uma apresentação

de aspectos gerais sobre a necessidade do Curso de Licenciatura em Educação do

Campo e já nessa apresentação podemos sublinhar a ocorrência do diálogo e da

epistemologia/conhecimento quando afirma que os povos identificados com o campo

“têm o pleno direito de acessarem uma educação diferenciada, que contemple as suas

singularidades no que concerne aos modos de viver, produzir e aos saberes do campo”

(PPC LEDOC UFERSA, 2013).

Destaque-se inicialmente que as categorias diálogo, epistemologia/conhecimento

e autonomia são oriundas da Educação Popular. Resgatamo-las para esse trabalho por

entendermos que essa perspectiva educacional representa a própria Educação Popular.

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Nesse sentido, se ela almeja uma educação dialógica, que respeita a construção

epistemológica dos povos do campo e ao mesmo tempo busca fomentar autonomia

nessas populações, a ela chamamos Educação do Campo Popular. Destacamos que o

termo “Campo Popular” foi conceituado por Paludo (2009), da qual nos utilizamos

como suporte:

O Campo Popular, embora nem sempre de forma explícita nos textos,

decorre de um pressuposto de análise da realidade que compreende a

sua dinâmica como sendo posta em movimento pela inter-relação entre

uma quantidade significativa de forças que são políticas e culturais e se

articulam conformando campos sociais, que sempre guardam relação

com a esfera da economia. Estes campos possuem “visões sociais de

mundo” que orientam tanto as teorizações da realidade, quanto as ações.

(PALUDO, 2009, p. 45).

Assim, nesse texto, quando falamos em Educação do Campo, estamos falando

de Educação do Campo Popular a partir do conceito de popular de Melo Neto (2015, p.

34) quando afirma: “Uma ação é popular quando é capaz de contribuir para a

construção de direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político”.

Desse modo, é importante pensar as categorias diálogo, epistemologia/conhecimento e

autonomia a partir de uma estrutura de fato imbuída do sentido de uma educação

libertadora. Segundo Ribeiro (2010, p. 43):

Do mesmo modo que a expressão campo remete às lutas históricas do

campesinato, educação popular carrega o sentido das organizações

populares do campo e da cidade que, na sua caminhada histórica,

participam, realizam e sistematizam experiências de educação

popular. Estão compreendidas nessas experiências, entre outras, a

criação do método Paulo Freire (Freire, 1979; Barreiro, 1980; Paludo,

2001) e a Educação do Campo (Arroyo; Caldart; Molina, 2004), em

que os movimentos camponeses desempenham papel central.

Assim destacamos essa análise do PPC da LEDOC como parte importante para a

sequência do trabalho, pois aponta o horizonte pensado para a formação acadêmica dos

sujeitos do campo. Assim, observamos que ao mencionar uma educação diferenciada, já

na apresentação inicial, o PPC está partindo da perspectiva de educação para o diálogo,

uma vez que a chamada educação tradicional caracteriza-se pelo caráter do

autoritarismo, como aponta Paro (2016).

A palavra diálogo tem origem grega e é formada por dia (que significa

movimento) e logos (que equivale a palavra). Assim, essa palavra está alinhada ao

sentido de movimentação das palavras, ou seja, a evolução de um determinado tema em

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discussão até que se chegue a um estágio superior. Diferentemente do que se costuma

dizer, o diálogo não está diretamente ligada a “dois”. No meio coloquial e até mesmo

acadêmico, diálogo é colocado como conversa, ou debate, o que também caracteriza

uma meia verdade.

No mesmo sentido, ao propor uma educação que contemple os saberes dos

povos do campo, está tratando da epistemologia da Educação do Campo, ou seja, os

saberes que as pessoas que vivem no campo adquiriram ao longo da vida e do trabalho e

como repassam esses conhecimentos aos demais. Esse é um ponto nevrálgico ao debate

da Educação do Campo na contemporaneidade, pois sua base epistemológica consiste

na produção histórica de conhecimentos a partir das experiências do trabalho no campo,

na luta por direitos e na vida mesma dos próprios sujeitos do campo.

Outro aspecto que merece destaque é a concepção de convivência com o

semiárido que se encontra marcada no PPC do Curso, é a superação da ideia de combate

a seca e o caminho rumo a autonomia dos povos do campo a partir do uso de

tecnologias sociais16 que atenuem os efeitos do fenômeno natural da seca. O aprender a

conviver nesse clima é a libertação de antigas amarras, é o investimento em animais

mais adaptados ao semiárido, como caprinos, ovinos, apicultura, em detrimento do boi,

cuja alimentação requer grandes quantidades de nutrientes, é a diversidade da produção,

fugindo da tríade feijão-milho-mandioca, tudo isso são processo educativos assentados

na agroecologia que proporcionam autonomia e melhora a condição de vida de quem

vive no campo.

Logo após a apresentação, o PPC traz uma caracterização da UFERSA,

apontando aspectos regionais, nacionais e a transformação da ESAM em UFERSA, não

vamos nos demorar nesses aspectos, pois além de já o termos abordado, muitos dos

dados apresentados já se encontram desatualizados.

Após a Apresentação, o item 2.3 trata da justificativa e marco conceitual,

metodológico e legal para a criação da LEDOC. Inicia com aspectos gerais da região do

semiárido potiguar destacando a necessidade de uma revisão nas práticas pedagógicas

que foram engendradas a partir de uma visão estereotipada do semiárido. Nesse sentido,

chama a atenção para o trabalho pedagógico fincado numa proposta contextualizada a

partir de práticas dialógicas.

16 No semiárido a concepção de tecnologias sociais está diretamente ligada a capacidade de inovação ou

reinvenção dos aspectos naturais para a melhor convivência com o clima seco e de pouca chuva. Por

exemplo as cisternas representam uma tecnologia social para lidar com o período de seca.

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No mesmo sentido, podemos observar no item 2.4, que trata dos objetivos do

curso “Os/as educadores/as do campo formados pela UFERSA estarão preparados para

compreender a realidade social e cultural específica das populações que vivem no e do

campo e incorporar práticas pedagógicas que promovam o desenvolvimento social”

(PPC LEDOC UFERSA, 2013, p. 18).

Ainda que não apareça explicitamente, a presença da autonomia, em

“desenvolvimento social” é notória, sobretudo porque trata da atuação docente, ou seja,

é uma atribuição em que além de os sujeitos se emanciparem geram também

emancipação. Ainda em referência aos objetivos, destacamos:

c) Formar educadores/as para atuação na Educação Básica aptos

a fazer a gestão de processos educativos e a desenvolver

estratégias pedagógicas que visem a formação de sujeitos

autônomos e criativos capazes de produzir soluções para

questões inerentes a sua realidade, vinculadas à construção e

execução de projetos sustentáveis que estimulem a fixação das

populações no campo (PPC LEDOC UFERSA, 2018, p. 18)

Destaque-se que a formação de “sujeitos autônomos” como um objetivo

almejado pelo Curso tem centralidade em importância e fomenta um aspecto necessário

à docência. Portanto, a autonomia, é um processo que está intimamente ligado à

emancipação, à libertação e ao resultado da ação pedagógica, ou seja, a conquista da

alfabetização, do trabalho digno, do acesso aos direitos, do respeito. Podemos dizer, por

exemplo, que a alfabetização é o processo que conduz à autonomia do analfabeto,

porém, essa alfabetização precisa necessariamente conduzir esse educando a um

patamar de interação social, de intervenção e participação para a melhoria do mundo.

Caso não atinja esse objetivo, deveras, não houve autonomia.

Ainda no campo dos objetivos observamos destaque-se: “h) Estimular o diálogo

entre as IES que oferecem a Licenciatura em Educação do Campo e demais parceiros no

sentido de articular ações de ensino, pesquisa e extensão voltadas para as demandas da

Educação do Campo” (UFERSA, 2013, p. 19). Como sabemos, na Educação do Campo,

o diálogo é uma categoria encontrada abertamente, está presente nos discursos, textos e

documentos oficiais. No entanto é fundamental que essa narrativa esteja imbuída de

sentidos e compromisso ético para com a materialização desse princípio.

Segundo Freire (1983), o diálogo está intimamente ligado aos processos de

democratização, de participação coletiva. É a capacidade de acreditar que as classes

populares têm algo a cooperar com a ação educativa, não somente que receber

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educação, que ser educada. Assim, uma perspectiva educativa dialógica implica,

necessariamente, uma escola democrática. Está aí também a razão do autoritarismo

impregnado nos espaços educativos, que silencia e que minimiza outras formas de

saber. Ora, uma escola autoritária só combina com tais práticas, ao passo que uma

escola dialógica é, necessariamente, uma escola democrática. Isso fica evidente nas

palavras de Vitor Paro (2016, p. 29), ao afirmar que:

Uma educação que não assume a condição de sujeito do educando

aplica-se muito bem na escola hierarquizada que temos; uma educação

que se resume à passagem de “conteúdos” pode dar-se muito bem com

as disciplinas estanques e com a grade curricular restrita a

conhecimentos e informações; uma escola incapaz de fazer-se

competente precisa de um currículo seriado, em que a promoção ou

retenção em determinada série funciona como medida da maior ou

menor culpa do aluno por seu não aprendizado.

Para Freire (2011a,) o diálogo transforma e humaniza, implica sempre mudança,

crescimento humano a partir da interação com o mundo e com o outro. Numa

perspectiva educativa, Freire (2011, p. 96) irá dizer que:

Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que

rompe com os esquemas verticais característicos da educação

bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a

contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe

seria possível fazê-lo fora do diálogo.

Assim, Freire define o diálogo como ação, chamando a atenção para o

compromisso que deve ter entre sujeitos que se pretendem transformadores e a realidade

concreta a que todos estamos imersos. Na Educação do Campo a concepção de diálogo

enquanto ação/transformação é ratificada por Arroyo; Caldart; Molina (2012, p. 155) ao

afirmar que: “É isso que afirmamos que não há como verdadeiramente educar os

sujeitos do campo sem transformar as circunstâncias sociais desumanizantes e sem

prepará-los para serem os sujeitos dessa transformação”.

Neste sentido, o/a docente da Licenciatura em Educação do Campo, assim

como a Coordenação e demais gestores/as envolvidos/as, estarão

constantemente articulados/as com as demais IFES que oferecem o Curso,

além de manterem um diálogo permanente com as comunidades do campo

parceiras no sentido de organizar o trabalho pedagógico para a formação

humana contextualizada e de garantir a qualidade das atividades a serem

desenvolvidas no Tempo/Comunidade (UFERSA, 2013, p. 27).

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Nesse mesmo sentido, Paulo Freire também chama a atenção para a não invasão,

a não manipulação dos que “sabem” perante o saber dos que “pensam que nada sabem”.

Assim, “O homem radical na sua opção, não nega o direito ao outro de optar. Não

pretende impor sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido de seu acerto, mas

respeita no outro o direito do outro também julgar-se certo” (FREIRE, 1983, p. 50). A

partir do diálogo entre as diferentes formas de saber é que surgirá mudança ou

movimento, como está posto na etimologia da palavra diálogo.

Na Educação do Campo, o diálogo inicia os processos de ensino e

aprendizagem. A partilha entre o saber dos camponeses, e os saberes científicos dos

professores, por exemplo, é um veio importante para a condução dos novos saberes.

Nesse sentido, podemos observar a ocorrência do diálogo no PPC da LEDOC na forma

de organização curricular, ao afirmar que: “g) Cada etapa poderá ter um foco temático

ou de práticas cuja definição será uma construção processual no curso, integrando o

planejamento específico da etapa: diálogo entre o Projeto Pedagógico, o processo

pedagógico da turma e demandas do movimento da realidade de atuação dos

estudantes” (UFERSA, 2013, p. 31)

Desse modo, o processo educativo dialógico é capaz de formar sujeitos ativos

que atuarão junto às necessidades de transformação inerentes às estruturas sociais, de tal

modo que somente com uma prática fincada no diálogo, enquanto “ser diálogo”

possibilita êxito nas mudanças ensejadas. Assim, o diálogo requer crença consciente na

possibilidade de transformação das pessoas e da sociedade. Por isso mesmo, requer

partilha de responsabilidade. Nesse sentido, Freire (1996, p. 30-31) levanta algumas

questões importantes:

Por que não discutir com alunos a realidade concreta a que se deve

associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em

que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito

maior com a morte do que vida? Por que não estabelecer uma

“intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a

experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir

as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos

dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida

neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente

pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é

partido.

Nesses termos, o diálogo não impõe, não obriga e não vence. O diálogo

transforma seus participantes, provoca mudanças nas diferentes ideias, por isso não

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pode haver vencedor, já que isso implicaria em haver vencido. Diálogo não é uma

disputa interessada na sobreposição das ideias. O que há é uma predisposição

interessada, consciente e respeitosa para com o saber do outro, buscando, a partir dele,

saber mais e melhor, ao mesmo tempo que provocará alguém que também saberá mais e

melhor. Assim é que o diálogo caracteriza-se enquanto tarefa primária daqueles e

daquelas interessadas na construção do paradigma da Educação do Campo Popular.

Desse modo, mesmo sendo fulcral reconhecer nossa ainda “inexperiência

democrática” (FREIRE, 1983), reconhecendo que esta é uma mácula cujas

consequências ainda são fortes em nossa sociedade, materializada, sobretudo no

autoritarismo que caracteriza nossas instituições, é também de suma importância a

construção desse novo horizonte, de uma nova perspectiva educativa assentada no

diálogo e no respeito aos saberes das populações historicamente invisibilizadas.

Desse modo, evidenciamos junto ao PPC da LEDOC uma rica aproximação

entre as comunidades rurais da Região do Oeste potiguar e os objetivos do Curso, uma

aproximação dialógica, sobretudo, no plano teórico. Mais adiante analisaremos esse

diálogo a partir dos discursos dos alunos, momento em que será possível analisar a

materialização ou não do diálogo no Curso enquanto uma ferramenta para a promoção

da Educação do Campo.

A nossa segunda categoria a ser analisada junto ao PPC é a epistemologia.

Etimologicamente a palavra epistemologia é composta pelos termos gregos episteme

(ciência) mais logos (estudo). Ou seja, é o ramo da ciência ou filosofia que se ocupa de

entender a origem, a organização, as mudanças e resultados que transformam o

conhecimento ao longo da história. Segundo Oliveira (2016), epistemologia é um

campo da filosofia que estuda o conhecimento.

Assim, mesmo reconhecendo que há uma vasta discussão nesse campo, quanto

às diferenças e conceituações, destacamos que nesse trabalho, epistemologia tem

equivalência em conhecimentos e saberes, ambos no plural devido a amplitude de suas

envergaduras. Trabalhamos com o conceito de conhecimento, para além do

conhecimento acadêmico, escolar ou científico ou formal, que também são importantes

formas de conhecer, mas são uma entre outras, incluindo os conhecimentos e saberes

populares.

Portanto o conhecimento representa a pluralidade das culturas, é a condensação

das experiências vivenciadas tanto individual quanto coletivamente. Representa ainda,

as subjetividades que caracterizam os seres humanos. Assim, é possível perceber que as

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dimensões que circundam o conhecimento são significativas, do mesmo modo é preciso

reconhecer que resumir a amplitude representativa do conhecimento a um único tipo é

um prejuízo e um risco. Um aspecto importante a ser sublinhado, diz respeito as

atribuições políticas impressas ao conhecimento, por exemplo, Burker (2003, p. 21)

afirma que: “No início da Europa moderna, as elites frequentemente identificavam o

conhecimento com o conhecimento que detinham”. Isso nos apresenta uma conotação

que por vezes passa despercebido, ou seja, o caráter de classe do conhecimento.

Embora o PPC da LEDOC não faça menção abertamente a esse aspecto,

podemos observar a incidência dessa categoria de forma implícita em algumas ocasiões.

O Projeto toma de empréstimo do Estatuto da UFERSA o princípio de produzir e

difundir conhecimento na região do semiárido.

A luta histórica da Educação do Campo é, entre outras, por reconhecimento dos

saberes populares e tradicionais das pessoas do campo. Desse modo, observamos o

conhecimento enquanto “competências e habilidades” requeridas ao professor/a em

formação da LEDOC: “e) Compreensão crítica do processo histórico de produção do

conhecimento científico e suas relações com os modos de produção da vida social”

(PPC LEDOC UFERSA, 2013, p. 25). Desse modo, essa formação busca, a partir da

epistemologia da prática, superar desafios postos pela multiplicidade de saberes que

envolvem tanto os discentes quanto os docentes.

Desse modo, numa perspectiva epistemológica, entende-se que todas as pessoas

são sujeitos de algum tipo de conhecimento. Depreende-se também que há um saber

sistematizado e referendado socialmente que todos os sujeitos têm o direito de acessar.

É nesse sentido que reside a importância da valorização da epistemologia dos sujeitos

do campo como forma de construir processos educativos desenvolvidos na

universidade. A LEDOC busca isso em seu PPC quando afirma que: “Neste sentido,

pretende-se promover um aprofundamento do conceito de conhecimento,

desenvolvendo, ainda, um posicionamento crítico acerca das concepções da ciência

moderna articuladas à problemática sócio-ambiental na contemporaneidade” (UFERSA,

2013, p. 27).

Por isso, a concepção de conhecimento com a qual tanto a escola do campo

quanto aqueles que estão se formando em Educação do Campo devem ter, é uma

compreensão respeitosa, amorosa e séria para com os conhecimentos populares, visto

que qualquer fuga desta amplitude é uma forma de cair no reducionismo empreendido

ao longo da história pela educação autoritária.

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A autonomia é outro aspecto que aparece difusamente no PPC, julgamos ser

importante que esse princípio estivesse presente no Projeto de forma mais contundente,

tendo em vista que representa um ponto central enquanto objetivo geral do paradigma

da Educação do Campo. Desse modo, não podemos nos distanciar de Paulo Freire

(1997, p. 121) para quem, autonomia tem a ver com “amadurecimento do ser para si, é

processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada”.

Perceber-se-á que a autonomia está ligada à condição de busca, de superação e

de conquista. Portanto, não pode ser uma doação dos dominantes para os dominados.

Não pode ser um presente. Por isso mesmo, em sentido strictu, ninguém torna ninguém

autônomo. Por outro lado, não é possível haver autonomia isoladamente. Nesse sentido,

o papel do Curso está diretamente ligado à promover condições para que o sujeito

conquiste sua autonomia. Conforme assinala Freire (1996, p. 59):

O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo

ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.

Precisamente porque éticos podemos desrespeitar a rigorosidade da

ética e resvalar para sua negação, por isso é imprescindível deixar

claro que a possibilidade do desvio ético não pode receber outra

designação senão a de transgressão.

Na Educação do Campo, a autonomia é parte fundante enquanto objetivo a ser

alcançado. Por isso requer compromisso ético e político daqueles e daquelas envolvidos

nesse processo. Também requer respeito às diversidades imanentes aos sujeitos do

campo e suas múltiplas formas de organização de vida, de igual modo, respeita a

historicidade que moldou esses sujeitos em determinadas condições.

Um ponto a ser destacado, diz respeito a ausência da autonomia junto ao PPC

LEDOC, a palavra aparece um única vez referindo-se a “autonomia universitária”, ou

seja, não refere-se a nenhum dimensão específica do Curso. Esse ponto pode representar

implicações significativas, visto que, a autonomia, como já dito, está diretamente ligado

a uma finalidade, ou seja, um objetivo a ser almejado. Se o Documento ausenta-se desse

objetivo, torna-se controverso construir Educação do Campo nesse Curso. Assim,

promover autonomia implica posicionar o sujeito no seu tempo histórico, vendo-o

tornar-se protagonista das mudanças que a sociedade enseja. Nesse mesmo sentido,

Freire (2014a, p. 16) nos explica que:

Uma das tarefas do educador ou educadora progressista, através da

análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não

importam os obstáculos, para a esperança, sem a qual pouco podemos

fazer porque dificilmente lutamos, e quando lutamos, enquanto

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desesperançados ou desesperados, a nossa luta é uma luta suicida, é

um corpo a corpo puramente vingativo.

Daí que autonomia não seja vingança, não é a promoção do oprimido à condição

de opressor, se assim for, de igual modo, não será autonomia. A condição de opressor

não é nem poderia ser lugar de autonomia. Ele está preso à sua imaturidade dialógica e à

incapacidade de amar o mundo, os outros e a si mesmo. Daí também que tenhamos

apreendido com Freire (2011) que a educação somente é libertadora quando o sonho do

oprimido não é o sonho de tornar-se opressor, e que apesar de cada oprimido carregar

em seu âmago o germe do opressor a educação libertadora, contextualizada que

possibilita autonomia é uma ferramenta para a superação deste obstáculo histórico.

Aqui reside uma das grandes tarefas da educação enquanto emancipação, em

descolonizar e desmistificar pensamentos individualistas e antisolidários. De modo

semelhante, Freire (2014a, p. 56) afirma que:

Aí está uma das tarefas da educação democrática e popular, da

Pedagogia da esperança – a de possibilitar nas classes populares o

desenvolvimento de sua linguagem, jamais pelo blá-blá-bla autoritário

e sectários dos “educadores”, de sua linguagem, que, emergindo da e

voltando-se sobre sua realidade, perfile as conjecturas, os desenhos, as

antecipações do mundo novo. Está aqui uma das questões centrais da

Educação Popular – a da linguagem como caminho da invenção da

cidadania.

Por isso, a tão importante tarefa de promover nos sujeitos envolvidos no

processo educativo da Educação do Campo autonomia para construir sua própria forma

de pensar, de analisar a realidade. Preferencialmente, que esse pensar esteja alinhado

aos interesses coletivos, às formas mais humanistas de convivência, pois “Conscientizar

não significa, de nenhum modo, ideologizar ou propor palavras de ordem” (FREIRE,

1983, p. 12). Com isso depreende-se que a mesma reflexão aplica-se à autonomia, cujo

processo é adquirido a partir da realidade de cada um, de forma não autoritária, mas

dialógica.

Como já dito, à autonomia não se presenteia, é sempre uma conquista.

Principalmente, por que não há modelo de autonomia que satisfaça todos os sujeitos, ela

é individual. Por isso para se alcançar é preciso esforço e luta coletiva, mesmo que

pareça paradoxal, não é. O horizonte é coletivo, mas a subjetividade de cada um

determina aquilo que chamará de autonomia. Não se espraia autonomia, não se

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terceiriza, por isso que, não é somente um conceito, mas antes de tudo, um esforço

consciente de cada sujeito por entender em que consiste sua autonomia.

Assim, esperamos ter discutido o sentido de autonomia nessa seção. Não nos

interessa aprofundar as explicações uma vez que esses conceitos estão dissolvidos ao

longo de todo o trabalho, ainda mais na última seção. O nosso interesse é apontar o

sentido com o qual nos alinhamos neste trabalho, destacando a Educação do Campo

como lócus importante para o fomento de sujeitos autônomos, preparando as

necessárias mudanças ensejadas nesse nosso tempo para a intervenção na sociedade.

Por fim, após o trabalho do diálogo, epistemologia/conhecimento e autonomia

junto ao PPC LEDOC, podemos dizer que não basta garantir a presença dessas

categorias nos documentos oficiais, é preciso materializá-las, porém quando estão

ausentes desses documentos sua pretendida materialização torna-se um trabalho ainda

mais complexo, uma vez que a finalidade dos documentos é de suporte ao trabalho

pedagógico.

Desse modo, a ausência de algumas categorias importantes e caras à Educação

do Campo, como a autonomia, no PPC do Curso, nos parece uma contradição

significativa. De toda forma não é nosso interesse levantar julgamentos acerca da

produção do Projeto de curso em questão. Nosso objetivo é analisar todas as

possibilidades que possam vir a ser usadas como instrumento de promoção da

conscientização dos sujeitos na LEDOC, de sorte que vemos no PPC do Curso uma

importante ferramenta para tal.

4.5. CONHECENDO OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO DA

LEDOC/UFERSA: PERFIL DISCENTE

O perfil discente é uma das partes mais importantes a serem destacadas nessa

pesquisa, ao mesmo tempo foi também uma das mais complexas para ser realizada, isso

porque como o Curso encontra-se em andamento e isso já caracteriza um fenômeno

complexo, aspectos como quantidade de alunos, semestre letivo, local de residência, são

fatores que podem, e devem sofrer alterações com o decorrer do tempo, porém, vamos

nos ater aos números do semestre 2018.2 enquanto referência para o estudo. Outro

ponto relevante sobre o perfil do alunado é que não encontramos nas Pró-Reitorias

responsáveis, a sistematização desse perfil, nesse sentido, essa foi uma atribuição a qual

nos coube o protagonismo que passamos a desenvolver a partir de agora.

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A LEDOC tem hoje, segundo a Pró-reitoria de Graduação, 260 alunos

matriculados e distribuídos em seis turmas de semestres diferentes. Esses educandos e

educandas compreendem os municípios de Angicos, Apodi, Areia Branca, Assú,

Baraúna, Campo Grande, Felipe Guerra, Governador Dix Sept Rosado, Grossos,

Janduis, Mossoró, Portalegre, Porto do Mangue, São Rafael, Serra do Mel, Tibau e

Upanema, todos no Rio Grande do Norte e Aracati, no Estado do Ceará. Na imagem

que selecionamos abaixo pode ser visualizada uma parte desses discentes.

Imagem VI: Alunos da LEDOC

Fonte: www.ufersa.edu.br/noticias (2018)

Alguns desses municípios disponibilizam transporte escolar para os alunos se

deslocarem até às universidades de Mossoró, sobretudo a UFERSA, UERN e IFRN, é o

caso de Upanema e Areia Branca. Em outros casos, como Apodi, a prefeitura paga o

combustível e os alunos pagam o motorista, são arranjos conquistados quase sempre

com organização dos próprios estudantes junto às prefeituras. Destaque-se que, a

maioria dos alunos/as desses municípios moram zona rural, como veremos, de forma

que precisam se deslocar dos assentamentos ou sítios até o local de acesso ao ônibus

escolar.

Em outros municípios os alunos não dispõem de nenhuma ajuda por parte do

poder municipal, cabendo aos mesmos arcarem com as despesas integrais pelo

transporte. Até 2017 os alunos tinham transporte custeado através dos recursos do Edital

PROCAMPO. Porém, esses recursos se exauriram e após esse momento tiveram que

buscar outras formas para se deslocarem das comunidades à Universidade.

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Os sujeitos que compõem o Curso refletem a diversidade inerente às

comunidades camponesas do semiárido. As pessoas adultas, por exemplo, representam

um número expressivo do corpo discente. Em alguns casos a conclusão do Ensino

Médio foi realizada na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). Isso quer dizer

que durante certo tempo essas pessoas tiverem que optar entre estudar ou trabalhar.

Desse modo, com o objetivo de traçar o perfil discente na LEDOC/UFERSA

aplicamos questionário nas diversas turmas que compõem o Curso, desde aqueles que

estão ingressando até as turmas que estão concluindo. Excluídos os alunos e alunas que

não estavam presentes às aulas e uma das turmas sem aula, chegamos a um total de 130

participantes, o que para nós é um recorte expressivo e que representa um perfil

confiável do/da discente da LEDOC hoje. Assim, chagamos a alguns dados que

julgamos fundamentais para compreender o perfil do aluno e da aluna do Curso. O

primeiro dado a se constatar é o quantitativo expressivo de mulheres. A presença

feminina na LEDOC pode ser verificada no Gráfico abaixo:

Gráfico I: Representação discente por sexo

Fonte: Elaboração do autor, 2018.

Conclui-se que o Curso é formado por 81% de mulheres e 19% por homens.

Esse dado é significativo quando se analisa a luta histórica das mulheres, que, no

campo, sempre teve agravantes maiores, onde o patriarcado exerce domínio cultural e

ideológico sobre esse público de forma muito contundente. Observa-se, portanto que a

LEDOC insere-se dentro de uma política educacional que transborda para outras

Feminino Masculino

0

20

40

60

80

100

120

Quantitativo por sexo

Feminino

Masculino

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perspectivas, possibilitando a construção de autonomia para as mulheres do campo a

partir do acesso ao ensino superior.

Nesse sentido, as mulheres do semiárido ocupam um espaço importante que é a

Universidade. No entanto, essa conquista tem um preço, muitas mulheres/alunas

enfrentam relações conjugais machistas, com maridos que tentam impedir a frequência

delas junto ao Curso, implicando, inclusive em desistência, porém, muitas vezes

também a resistência e a conquista desse espaço se sobressai sobre relações opressoras e

externam a beleza da superação e da emancipação.

Outro dado importante a ser analisado quanto ao perfil discente é a idade.

Observa-se que a grande maioria do público (60%) é formado por jovens entre 18 e 25

anos. Isso significa também o protagonismo da juventude que tem lutado ao longo das

décadas por educação, e com mais efervescência por Ensino Superior.

Gráfico II: Idade dos educandos/as da LEDOC/UFERSA

Fonte: elaboração do autor, 2018.

A região do semiárido potiguar vem despontando em questões de

desenvolvimento social, e nesse sentido, a presença da juventude na Universidade

simboliza um aspecto relevante para fortalecer essa conquista e as transformações

sociais que são necessárias. Ao mesmo tempo em que tem um grande percentual de

jovens, a LEDOC também recebe um percentual relevante de pessoas com idade mais

elevada, sobretudo, nas duas últimas categorias, de 35 a 40 e acima de 40 anos. São

pessoas que buscam através do acesso ao Curso retomar sonhos deixados “de molho”

Amostragem por idade dos alunos/as da

LEDOC

18 - 25

26 - 30

31 - 35

36 - 40

Acima de 40

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durante muitos anos, cujas razões são muitas, mas tento na falta de oportunidade sua

principal representante.

Seguindo esse mesmo objetivo, buscamos conhecer a renda familiar desses

sujeitos, isso por entendermos que essa informação também é relevante para

compreender a dinâmica social desses sujeitos. Inserimos no questionário as seguintes

opções; a) menos de 1salário mínimo; b) entre 1 e 3 salários mínimos; c) entre 3 e 5

salários mínimos e d) acima de 5 salários. Os resultados observados apontam para

somente as duas primeiras opções, ou seja, ninguém do público que trabalhamos optou

pelas duas últimas opções. 51% responderam que ganham menos de um salário mínimo

e 49% responderam que vivem com renda familiar entre 1 e 3 salários mínimos. Isso

pode ser verificado no Gráfico abaixo:

Gráfico III: Renda familiar dos educandos/as da LEDOC/UFERSA

Fonte: Elaboração do autor, 2018.

Depreende-se desses dados que o perfil geral dos/as discentes da LEDOC não

passa de 3 salários mínimos, sendo que 50% apresentaram renda inferior a 1 salário

mínimo, algo que merece destaque pois, analisando a partir de uma perspectiva

econômica é um público formado por pessoas essencialmente advindas das classes

trabalhadoras. Ao mesmo tempo veem na formação a possibilidade de aumentar a renda

familiar cuja base está ligada à agricultura e aos programas sociais do governo,

sobretudo as políticas de distribuição de renda, como Bolsa Família, os créditos de

financiamento rural, de moradia, energia elétrica e convivência com a seca.

Renda familar em salários mínimos

Abaixo de 1entre 1 e 3Entre 3 e 5

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Nesse momento apresentamos outro gráfico para ajudar a entender o perfil do

aluno/a da LEDOC/UFERSA, esse dado também evita a homogeneização dos sujeitos.

Uma suspeita já levantada foi comprovada pelo questionário, qual seja: o corpo discente

do Curso não é formado somente por alunos da zona rural. Vejamos no gráfico a seguir:

Gráfico IV: Local de residência dos alunos/as da LEDOC/UFERSA

Fonte: Construção do autor, 2018.

Observamos que do total pesquisado, 63% dos/as estudantes moram na zona

rural ao mesmo tempo em que 47% moram na zona urbana. Antes de mais nada,

destaque-se que o Curso não se destina exclusivamente às pessoas que moram no

campo, como expõe o Edital 021/2018:

1.3. O Processo Seletivo de que trata este Edital terá como público-alvo:

a) Professor/a em exercício nas escolas do campo da rede pública que, tendo

o Ensino Médio concluído, não tenha formação de nível superior;

b) Profissionais da educação que atuem nos centros de alternância ou em

experiências educacionais alternativas de Educação do Campo ou vinculados

a movimentos sociais ou sindicais do campo ou movimentos sociais urbanos

que desenvolvem atividades voltadas para as populações do campo, que,

tendo o Ensino Médio concluído, não tenham formação de nível superior;

c) Profissionais da educação com atuação em programas governamentais que

visem à ampliação do acesso à Educação Básica da população do campo,

que, tendo o ensino médio concluído, não tenham formação de nível superior;

d) Jovens e adultos residentes em comunidades do campo que tiverem

concluído o ensino médio ou curso equivalente e que não tenham formação

em nível superior. (UFERSA, 2018).

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Zona Rural Zona Urbana

Local de residência

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Como pode ser visto, o Curso destina-se, de modo geral a profissionais com

atuação na Educação Básica das escolas do campo que ainda não possuem nível

superior. No entanto, como veremos, muitos discentes, ainda não têm atuação

profissional. Desse modo, enquadram-se no último critério, que requer jovens e adultos

residentes em comunidades do campo que tenham concluído o Ensino Médio.

Nesse ponto, podemos observar de forma material a busca pela formação de

profissionais para atuação na zona rural, com destaque tanto para quem já atua, mas

ainda não tem formação, como para as camadas juvenis que moram no campo e que

pretendem atuar nas escolas das suas próprias comunidades rurais. Vejamos a seguir a

amostragem formulada sobre a atuação docente:

Gráfico V: Atuação discente na Educação Básica.

Fonte: Construção do autor, 2018.

Esse Gráfico demostra que a grande maioria (75%) dos/as discentes do Curso

nunca atuaram na Educação Básica. Porém, como vimos no gráfico referente à idade,

são pessoas jovens que estão entre 18 e 25 anos, logo, são potenciais professoras e

professores para suas comunidades com a oportunidade de uma formação diferenciada e

uma atuação docente mais centrada na realidade local dos alunos e alunas do campo.

Destacamos finalmente, o último Gráfico como requisito para a construção

daquilo que viemos chamando de perfil discente da LEDOC. Na última parte do

questionário, perguntamos sobre a participação dos sujeitos em organizações sociais.

Destaque-se que por ocasião do momento, explicamos no ato da aplicação do

questionário o que estávamos chamando de organizações sociais: os Movimentos

Atuação docente na Educação Básica

Estou AtuandoJá atuei

Nunca atuei

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Sociais, sindicados, ONGs, cooperativas, Associações, Grupos de mulheres entre

outros.

Gráfico VI: Participação dos alunos/as do Curso em algum tipo de organização social

Fonte: Construção do autor, 2018.

A partir dos dados coletados verificamos que 70% do alunado não está ligado a

nenhuma organização social, ao passo que 30% têm algum vínculo a esses coletivos.

Esse dado é importante pois desmistifica o pensamento de que esse é um curso para

militantes de movimentos sociais. Em que pese sua história, já destacada aqui, a

LEDOC é um curso que atende ao perfil descrito anteriormente em que os movimentos

sociais são parceiros e ajudam na construção, sem, contudo, ter exclusividade.

A ligação das LEDOCs com os movimentos sociais é uma realidade

nacionalmente e tem representado um ponto importante para garantir a permanência

desses cursos junto às universidades. Na LEDOC/UFERSA, embora essa relação não

seja tão forte, ainda assim tem importância significativa, pois os alunos que participam

desses espaços trazem o posicionamento e a visão dos movimentos sobre educação e

sociedade. Essa visão, que por vezes entra em choque com a estrutura da Universidade é

importante para as construção da pluralidade de pensamento e construção do

conhecimento.

Desse modo, podemos agora formatar o perfil do sujeito da LEDOC/UFERSA e

afirmar que esse perfil é formado majoritariamente por mulheres, jovens, com idade

entre 18 e 25 anos, com uma renda familiar baixa, de no máximo três salários mínimos.

Participação em organizações coletivas

Sim, participo

Não participo

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A maioria dessas pessoas moram na zona rural e nunca atuou na Educação Básica, ao

mesmo tempo também não têm participação em organizações sociais.

Como observado é um perfil com potencial latente e ávido por oportunidades e

mudanças. Essas pessoas que em muitos casos romperam amarras e desafiaram

estruturas conservadoras para ingressarem no Curso, começam a compreender o papel

do Ensino Superior nas suas vidas enquanto classe trabalhadora, percebem que essa

oportunidade pode representar uma porta para acessar outros espaços ainda mais

elevados. Sabem contudo, que para garantir a permanência e a continuidade dessa

política pública de Educação do Campo se faz necessário contribuir, a partir da

perspectiva discente, com o fortalecimento e defesa do Curso junto à Universidade e a

sociedade.

Com esse pensamento, encerramos esse Capítulo que objetivou escrutinar a

política nacional de Educação do Campo, passando pela instituição da LEDOC na

UFERSA e culminando com a análise do perfil dos discentes que compõem esse Curso.

Desse modo, essa seção foi de grande importância para apresentar e divulgar o que

efetivamente são os cursos de licenciatura em Educação do Campo e qual sua

importância para os sujeitos que vivem no campo. Finalmente, destaque-se desde já a

necessidade de revisão de alguns aspectos teóricos e práticos que perderam sua

originalidade e acabam não cumprirem sua real função, como a Pedagogia da

Alternância. No próximo capítulo teremos a oportunidade de conhecer melhor os limites

e possibilidades desse Curso, dessa vez, a partir das vozes dos educandos/as do

LEDOC.

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5. AS VOZES DOS SUJEITOS DO CAMPO: DIÁLOGO,

EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NA LEDOC DA

UFERSA

Dizer que os homens são pessoas e,

como pessoas, são livres,

e nada concretamente fazer para que esta afirmação se objetive,

é uma farsa.

Paulo Freire

5.1 NOTAS INICIAIS

Educação não é escola/universidade, ainda que também seja.

Escola/universidade não é somente conteúdo, professor e alunos, ainda que também

seja. Educação, são formas de comportamento, costumes, hábitos, crenças. E o que é

mais complexo, nenhuma destas esferas pode ser modificada sem necessariamente

implicar em mudanças nas demais. Assim, a escola é um dos lugares em que a

perpetuação (ou quebra) desses paradigmas ocorrem. Por isso mesmo é tão importante

entender a escola enquanto um lugar complexo que age sim na difusão dos

conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, mas também tem um

papel central nas formas de agir social, na padronização das práticas. Por isso, se ela

fracassa na transmissão dos conteúdos esse é somente um dos aspectos nos quais ela

atua.

A instituição educativa é detentora de um corpus de normas e rituais que agem

na disciplina do corpo, na forma de pensar a partir do psicológico, ou ainda nos aspectos

simbólicos que determinam a posição do sujeito frente ao mundo. Um dos aspectos

fundamentais desse arcabouço epistemológico do qual as instituições educativas se

utilizam é a linguagem, não somente como fala, mas como organização social, como

instrumento de manutenção dessa estrutura.

Por outro lado, os sujeitos inseridos nessas instituições também se utilizam da

linguagem como forma de resistência. Assim, entendemos que as relações de poder e

classe não podem deixar de serem destacadas enquanto instrumento imanente aos

processos educativos, às lutas e conquistas dos povos do campo. A hegemonia na

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linguagem, no modo de pensar, nos padrões de consumo e vida são construídos quase

sempre a partir de relações de poder estabelecidas no meio social, nesse sentido, a

educação, como destacado por muitos teóricos, tem função reprodutora das ideologias

da classe dominante.

Porém, como sabemos esse processo de reprodução não é recebido passivamente

pela classe subalterna. Daí que a preocupação junto a essa análise tenha como cerne

focalizar a LEDOC como espaço de produção de conhecimento, de crítica, reflexão e

reinvenção do novo. Desse modo, a análise que estabeleceremos agora tem uma função

um tanto quanto mais próxima daquilo que almejamos. Interessa-nos conhecer a

Educação do Campo por dentro, a partir das vozes dos sujeitos do campo.

Desse modo, após termos conhecido o perfil discente na LEDOC, vamos ouvir

as vozes desses sujeitos, pensando a partir das relações de poder na linguagem e nas

instituições. Assim chegamos ao último Capítulo com a esperança de não termos sido

cansativo em demasia. As análises das entrevistas realizadas com discentes da LEDOC,

tendo como foco o diálogo, a epistemologia/conhecimento e a autonomia representam o

prisma através do qual analisaremos as relações estabelecidas no Curso a partir de

agora.

5.2 DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA:

CATEGORIAS ANALÍTICAS

Ao aprofundar o escrutínio da LEDOC/UFERSA, nos capítulos anteriores,

esperamos ter deixado claro a organização estrutural, metodológica e o perfil descente

das/os sujeitos que compõem esse Curso. Fazer esse trabalho foi um processo complexo

com implicações ora como pesquisador, ora como docente imbricado nessa vasta rede

de conflitos, contradições e também de alegrias que caracterizam os espaços de

construção do conhecimento. O fenômeno educativo proporciona experiências com

sujeitos, realidades, territorialidades que têm influência direta e indiretamente na

formação de professores e prossoras. É o sentido destacado por Freire (2005) para

formação enquanto um processo permanente, ao longo da vida. Sem interrupções.

É dentro dessa complexidade que a partir de agora, destacamos algumas seções

para refletir sobre a LEDOC enquanto um possível espaço dialógico, que trabalha a

epistemologia dos sujeitos do campo e promove autonomia, marcas do que chamamos

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Educação do Campo Popular. Destacamos ainda que o intuito é contribuir com o

paradigma emergente da Educação do Campo, sendo nosso desejo que as críticas

desenvolvidas, sejam compreendidas antes de tudo como a defesa de uma Educação

Popular.

Assim, a partir da metodologia destaca na parte inicial desse trabalho – Análise

Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 2016) – buscamos transcrever e refletir sobre as

falas dos alunos e alunas que compõem o corpo discente do Curso. Para tanto

trabalhamos com os discursos produzidos, divulgados e consumidos identificados a

partir de entrevistas. Nesse sentido, compreendemos o discurso como peça fundamental

para a compreensão da realidade e a mudança social que a contemporaneidade enseja,

tanto no plano local como global. Assim, tal como Fairclough (2016), acreditamos que a

linguagem tem poder transformador das estruturas, que não é somente uma implicação

das mudanças na estrutura social, mas ela mesma como fenômeno que transforma essas

estruturas. Assim a linguagem:

[...] não apenas refletem ou representam entidades e relações sociais,

eles as ‘constroem’; diferentes discursos constituem entidades-chave

de diferentes modos e posicionam as pessoas de diversas maneiras

como sujeitos sociais, e são esses efeitos sociais do discurso que são

focalizados na análise de discurso (FAIRCLOUGH, 2016, p. 22).

Por isso, torna-se tão salutar analisar as falas dos sujeitos do campo que

compõem a LEDOC, uma vez que, pelo exposto, os discursos moldam, criam, não são

apenas reflexo dos espaços e das instituições, mas representam a própria construção

desses espaços e instituições. A própria Educação do Campo representa uma grande

mudança na sociedade a partir das práticas discursivas, isto é, na linguagem. Observa-se

que a partir da mudança na prática discursiva de Educação Rural à Educação do Campo,

essa mudança transcorreu também no âmbito da prática social, dando início aos

projetos, programas e cursos que hoje incorporam sujeitos e linguagens que modificam

as relações dentro das instituições. Nesse sentido, como afirma Freire (2005, p. 46)

“Não é possível pensar a linguagem sem pensar o mundo social concreto em que nos

constituímos. Não é possível pensar a linguagem sem pensar o poder, a ideologia”

A coleta dos dados (entrevistas) ocorreu tanto nos assentamentos das/os

estudantes, representando o contexto dos alunos, como na Universidade. A coleta de

dados compõe o corpus de amostras do discurso (FAIRCLOUGH, 2016). Isto é, o

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arquivo textual a ser analisado. O trato da análise das categorias do ponto de vista

teórico e epistemológico foi realizado à luz da concepção freireana de educação. Isso

significa que, o diálogo, a epistemologia e a autonomia são analisados enquanto

discursividade a partir do arcabouço teórico do educador brasileiro Paulo Freire.

Os nomes apresentados a seguir, no quadro sobre o perfil discente foram

constituído a partir de alusões feitas a grandes nomes da luta pela terra/educação. Essa é

uma forma de homenagear essas pessoas que tanto contribuíram para que hoje

estivéssemos falando de educação enquanto mudança social. Além disso, é também uma

forma de resguardar a identificação das e dos sujeitos envolvidos neste trabalho. Como

já dito, estabelecemos como critérios de participação na pesquisa: a) estar no último

semestre do curso b) Estar na área de conhecimento Ciências Humanas e Sociais, c) ser

morador do campo, d) Ter disponibilidade/interesse para contribuir com a

pesquisa/pesquisador. O quadro abaixo apresenta essa distribuição:

Quadro VI: Sujeitos da pesquisa/entrevistadas

Nome (fictício) Semestre Idade Comunidade Município

Margarida Alves 9º 23 Sítio do Gois Apodi

Celina Guimarães 9º 26 Sítio do Gois Apodi

Elizabeth Teixeira 9º 37 Assentamento

Tabuleiro

Apodi

Zila Mamede 9º 35 Ponta do Mel Areia

Branca

Nísia Floresta 9º 47 Pau Branco

Dandara 9º 32 São Rafael São

Rafael

João Pedro Teixeira 9º 22 Serra do Mel Serra do

Mel

Maria Bonita 9º 41 Mossoró Mossoró

Fonte: Construção do autor, 2018.

Assim, para não nos demorarmos em demasia, partiremos agora a Análise do

Discurso a partir dos textos produzidos pelos discentes da LEDOC da UFERSA.

Inicialmente destaque-se que vamos trabalhar a partir da terceira dimensão (prática

social) da teoria tridimensional de Norman Fairclough. Desse modo, nosso trabalho de

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análise tem início com o texto referente ao diálogo, nesse sentido vamos apresentar o

escrutínio de cada categoria com as respectivas respostas dos sujeitos da pesquisa.

Por fim, destacamos que realizadas as entrevistas, a análise se baseou no

contexto e na consubstancialidade, ou seja, não seguimos uma sequência apresentando

uma a uma, isso tornaria o texto demasiadamente longo e enfadonho, uma vez que a

análise requer detalhes e reflexões pormenorizadas, desse modo, optamos por variar as

“falas”, evitando assim repetições desnecessárias. Essa dinâmica também permite-nos

extrair aquilo que há de mais salutar para a construção desse trabalho.

5.3. CATEGORIA DIALÓGO

Já destacamos algumas reflexões sobre o diálogo enquanto conceito e sua

presença junto à LEDOC, sobretudo a partir do PPC. Nesse momento, vamos sublinhar

a compreensão de diálogo em Freire (2011, p. 22) como norte para às falas que nos

propomos a analisar. Portanto, reiteramos tal compreensão do conceito como aquele

que:

[...] fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana;

ele é relacional e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os

dialogantes “admiram” um mesmo mundo, afastam-se dele e com ele

coincidem; nem põem-se e opõem-se (...) o diálogo não é um produto

histórico, é a própria historicização. É ele, pois, o movimento

construtivo da consciência, que, abrindo-se para a infinitude, vence

intencionalmente as fronteiras da finitude e, incessantemente, busca

reencontrar-se além de si mesma.

Nesse sentido, podemos observar que diálogo em Freire materializa-se no campo

das relações, típico da esfera humana, não está no campo dos contatos, característica da

esfera animal, isso implica dizer que sempre que existe diálogo, existe mudança. É a

própria historicização, ou seja, o movimento que leva o ser humano a superar a esfera

do determinismo e perceber-se enquanto processo, enquanto sujeito em transformação,

em humanização. Sendo ele/ela mesmo a história, não um aspecto dela.

Diante disso, partimos para a análise das falas dos sujeitos participantes da nossa

pesquisa. Tal ponto se faz de fundamental importância na busca pela compreensão

teórica, como também na aplicabilidade do conceito supracitado. De início, fizemos a

seguinte pergunta: Para você, o que é diálogo?

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a) Conceito de diálogo

A educanda Nísia Floresta, em sua resposta à questão, afirma que:

“É quando há uma interação entre dois sujeitos, na qual ambos possam expressar

suas opiniões, embora estas sejam contraditórias. No exercício do diálogo, é primordial

que exista uma comunicação recíproca” (ENTREVISTA COM NÍZIA FLORESTA,

2018). Podemos observar que existe uma aproximação entre a concepção de diálogo na

educanda Nísia Floresta e em Freire (2011), principalmente quando o diálogo é

entendido como interação entre sujeitos. Isso significa uma partilha de um mesmo

mundo enquanto mediador da relação, esse é o fundamento da comunicação, que

também é destacado no discurso de Nísia. Uma compreensão avançada de diálogo é

importante pois capacita o educando/a a uma maior interação, problematização e

criticidade dos processos de ensino e aprendizagem que são empreendidos no Curso.

Do ponto de vista de uma análise discursiva, podemos evidenciar também uma

fala concisa e tonalidade afirmativa, ou seja, a educanda fala com propriedade sobre

diálogo, sem titubear ou sem pausas longas, o que pela análise aponta um domínio tanto

conceitual como também das relações institucionais, uma vez que ela não procura

adequar a fala à linguagem que a instituição requer. Nesse mesmo sentido, o educando

João Pedro Teixeira, nos expõe a seguinte compreensão de diálogo:

É... é a capacidade de comunicação entre as pessoas, sabe? Com o

propósito de construir, analisar ou discutir um conhecimento,

envolvendo opiniões diferentes podendo chegar a uma conclusão ou

não. Ou seja, é uma forma de trocar ideias e/ou pensamentos diversos,

tendo a capacidade e liberdade de expor seu ponto de vista, aceitar as

críticas, reavaliar o ponto de vista e reformular (ou não) seu

pensamento. Para que isso aconteça, são necessárias condições de

liberdade e de respeito, nunca ultrapassando os limites do outro

(ENTREVISTA COM JOÃO PEDRO TEIXEIRA, 2018)

É possível observar a construção de um discurso assentado numa compreensão

também ampliada do conceito de diálogo, o educando externa o papel comunicativo do

diálogo, o respeito ao processo de construção imanente ao dialógico, sem o qual não se

ultrapassa os limites do determinismo. Ainda aponta para a liberdade como condição

essencialmente fundamental para a construção de práticas de diálogo. Nesse mesmo

sentido, segundo Freire (2011, p. 26) o diálogo:

Expressar-se, expressando o mundo, implica o comunicar-se. A partir

da intersubjetividade originária, poderíamos dizer que a palavra, mais

que instrumento, é origem da comunicação – a palavra é

essencialmente diálogo. A palavra abre a consciência para o mundo

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comum das consciências, em diálogo, portanto. Nessa linha de

entendimento, a expressão do mundo consubstancia-se em elaboração

do mundo e a comunicação em colaboração. E o homem só se

expressa convenientemente quando colabora com todos na construção

do muno comum – só se humaniza no processo dialógico de

humanização do mundo. A palavras porque lugar de encontro e do

reconhecimento das consciências, também o é de reencontro e do

conhecimento de si mesmo.

Para Freire a palavra representa o canal de comunicação entre a consciência e a

não consciência, ela é a mediação, a representação do mundo comum. Nesse sentido,

tem papel central nas relações de poder e estruturação da sociedade. Do mesmo modo,

Fairclough (2016), acredita que a linguagem, enquanto fala, ou discurso, ou palavra, é

capaz de mudar as estruturas sociais e as instituições a partir da mudança da prática

discursiva. “Talvez isso seja uma indicação da importância crescente da linguagem na

mudança social e cultural e de que tentativas de definir a direção da mudança cada vez

mais incluam tentativas de mudar as práticas de linguagem” (FAIRCLOUGH, 2016, p.

25).

A mudança nas práticas de linguagem não significa apenas adequar a fala à uma

melhor compreensão para outros. Essa mudança, ainda que seja importante não toca no

cerne da questão, daí que muitos não compreendem porque mesmo facilitando sua

linguagem continuam não sendo compreendido, ocorre que essa mudança deve se passar

no campo da comunicação. Do diálogo. Isso implica compreender a linguagem como

condutora de sentidos práticos para a interpretação do mundo, não como instrumento

cuja finalidade é “passar” o conteúdo.

Podemos observar com essas reflexões que a dimensão do diálogo transborda a

concepção de conversa entre duas pessoas. Está no campo da mediação do homem –

mundo – homem. Assim, é importante frisar discursos que apresentam o diálogo como

“conversa” ou “respeito a opinião do outro”, pois essas formulações são fruto de um

esforço intelectual conquistado pelo educando/a, de tal sorte que, por isso mesmo,

representa um aspecto da linguagem/discurso importante de ser analisado. Nesse

sentido, Freire (2011, p. 71) ajuda-nos na reflexão:

O diálogo crítico e libertador, por isto mesmo que supõe a ação, tem

de ser feito com os oprimidos, qualquer que seja o grau em que esteja

a luta por sua libertação. Não um diálogo às escâncaras, que provoca a

fúria e a repressão maior do opressor. O que pode e deve variar, em

função das condições históricas, em função do nível de percepção da

realidade que tenham os oprimidos, é o conteúdo do diálogo.

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Assim, pensando a partir de uma perspectiva didática podemos classificar o

conceito de diálogo a partir de palavras chaves. Assim, para Elizabeth “Para mim

diálogo é uma conversa entre duas pessoas ou mais pessoas” (ENTREVISTA COM

ELIZABETH TEIXEIRA, 2018); para Margarida “Diálogo é quando existe uma troca,

uma conversa entre pessoas, quando existe uma troca de conhecimento, podemos dizer

que é isso” (ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018). Já em Dandara,

“Diálogo é uma conversa em que os sujeitos trocam ideias, esse encontro de ideias tem

o papel de comunicação entre eles” (ENTREVISTA COM DANDARA, 2018).

Observe-se que o diálogo aparece como uma “conversa” nessas três educandas. Zila

Mamede (2018) afirma que:

Acredito que diálogo seja, primeiro do que tudo, respeito a opinião do

outro em tá dialogando em tá conversando e um diálogo seria... éééé.,

o respeito a sua opinião. Não só você querer acreditar que a opinião do

outro merece ser ouvida ou ser vista e você respeitar não só a sua, mas

a do outro também. Acredito que isso seja o diálogo, e existe um

diálogo produtivo, que seria, respeitar as ideias né? E também um

diálogo participativo que apesar de você não concordar mais aí você

pode dialogar, né? Participando da ideia do outro. Acredito que seja

isso (ENTREVISTA COM ZILA MAMEDE, 2018).

No mesmo sentido, Celina afirma que: “Para mim diálogo é quando a pessoa

respeita a opinião do outro, que possa ter um diálogo compartilhado, onde ambos

chegam a um consenso comum” (ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018).

Nota-se que ambas entendem o respeito à opinião do outro como uma forma de

exercício dialógico. A partir disto, podemos analisar alguns aspectos importantes, por

exemplo, o diálogo enquanto troca e como respeito ao outro é um aproximação

significativa a concepção de diálogo em Freire (1987, p. 107) quando afirma que:

É uma relação horizontal de A com B, nasce de uma matriz crítica e

gera criticidade. Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé,

da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos

do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no

outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma

relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação.

Nesse sentido, Freire aproxima o diálogo, de comunicação, cuja materialização

se dá a partir da horizontalidade dos saberes de forma que ambos consigam tanto

externar, quanto perceber os saberes dialogados na relação. Isso é relevante, pois é um

conceito complexo e muito importante ao cenário da Educação do Campo. Ainda como

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reforço a ideia, Freire (2012) coloca o diálogo como uma exigência epistemológica, ou

seja, fator de aprendizagem cuja mediação ocorre entre sujeitos ocupantes de um

determinado mundo.

O diálogo está para além do campo da “conversa” entre duas ou mais pessoas,

ainda assim, essa é uma compreensão inicial da qual podemos partir. Uma conversa

pode não estar implicada do processo dialógico. De tal modo que, não conduz à

reflexão, mas reforça antagonismo, não é uma convenção do mundo em linguagem e da

linguagem em mundo. O desejo pela transição da consciência ingênua em consciência

crítica justifica-se porque: “Estamos convencidos, pelo contrário, de que a reflexão, se

realmente reflexão, conduz à prática” (FREIRE, 2011, p. 73).

Por outro lado, a colocação do diálogo como “uma conversa entre duas pessoas”

no primeiro turno17 de Elizabeth é uma colocação relativamente simplificada, tendo em

vista que conversa, ainda que agradável, não garante que seja diálogo. Mesmo que seja

possível dizer, por exemplo, tive uma conversa muito boa com Maria, ela me ajudou, a

marcação textual caracteriza-se por uma sobreposição da posição de Maria em relação

ao sujeito implícito à oração (eu). De tal sorte que no diálogo não há sobreposição, mas

relação horizontal de A com B. Finalmente Freire (2014a) nos aponta que não há

diálogo no espontaneísmo, esse que é um marco central de qualquer “conversa”.

Do ponto de vista da análise do discurso, e se utilizando do Quadro de

Composição das categorias da Análise do Discurso de Fairclough, pode-se dizer que as

práticas discursivas presentes nos primeiros turnos permitem verificar forte presença da

intertextualidade nos discursos, ou seja, os diversos ‘tipos de discursos’ que compõem a

intertextualidade. É uma forma que os e as estudantes encontram para trazer ao texto

todas as instituições que de alguma forma participam.

Importante perceber que em dois turnos seguidos as participantes iniciam a

definição com, “para mim...”. Essa é uma modalidade baixa, ou seja, na análise do

discurso é uma definição evasiva. Utilizam-se desta modalidade porque não têm certeza

da acuidade da definição. Em outro caso “para mim” pode estar relacionado ao

exercício do poder. Assim, não deve ser entendido como uma relação estruturalista,

Faiarclough (2016, p. 112) afirma “minha posição é dialética, reconhecendo as

restrições das convenções, mas também a possibilidade de, sob certas condições,

rearticulá-las criativamente e, assim, transformá-las”.

17 Turno equivale a tomada da fala por um sujeito (FAIRCLOUGH, 2016)

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Em seguida, em “é quando a pessoa respeita a opinião do outro” (1º turno de

Celina), ela se toma e se coloca como partícipe do exemplo, em vez de, uma pessoa ela

usa “a pessoa”. Uma troca semântica de uma indeterminação por uma determinação,

uma forma de comprometimento na oração que pode significar uma alusão a postura de

si mesma.

Na sequência ela prossegue com uma oração explicativa “que possa ter um

diálogo compartilhado, onde ambos chegam a um consenso comum”. Na oração, Celina

busca fugir da linguagem do mundo da vida, o que acaba por gerar “consenso comum”

uma redundância criada na tentativa de aproximação da sua linguagem à academia que

ela tentava empreender.

De modo geral, o entendimento conceitual do diálogo é proveitoso, como

dissemos esse é um tema complexo e fundamental à Educação do Campo, não somente

como marco teórico, mas como ação, como prática cultural. Desse modo,

compreendendo os limites postos pelas relações de poder e pelas instituições,

compreendendo que a linguagem é também disputa ideológica, percebe-se que as

colocações são ricas em análises, isso nos permite caminhar para o segundo turno da

categoria diálogo, que parte do seguinte questionamento: Você percebe relação de

diálogo entre professores e alunos na LEDOC?

b) Relação dialógica na LEDOC

A primeira parte de cada seção tem como objetivo compreender o grau

conceitual que os sujeitos detém sobre cada categoria. A partir da segunda questão,

buscamos compreender relações de ideologia e hegemonia presente nos discursos.

Iniciamos com Margarida Alves (2018) quando indagada sobre o diálogo entre

professores e estudantes do curso, afirma: “É... Não muito, na maioria das vezes não, é

mais assim, restrito, na sala de aula existe o diálogo, agora, saindo da sala de aula não

existe” (ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018).

Analisando a coesão textual e a estrutura frasal, a pausa no início da resposta do

segundo turno de Margarida (ééé...) denota não somente uma dúvida sobre a resposta,

mas também implica certo tempo de “escolha” cuidadosa no sentido de manter a

conservação das relações sociais entre o sujeito e as estruturas. “Essas escolhas e

decisões não são de natureza puramente individual: os significados das palavras e a

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lexicalização de significados são questões que são variáveis socialmente e contestadas, e

facetas de processos sociais e culturais mais amplos” (FAIRCLOUGH, 2016, p. 239).

Desse modo, podemos pensar no caráter ideológico dessa relação, entendendo

que a ideologia tem existência material nas instituições. Assim, o conjunto das escolhas

das palavras leva sempre em consideração aspectos relativos ao poder e a ideologia. O

texto com crítica amortizada em: “não muito” “na maioria das vezes não”, “na sala de

aula existe o diálogo, agora, saindo da sala de aula não”, a mensagem que é transmitida

é de insegurança em relação ao poder de opinião sobre o Curso enquanto instituição que

detém uma prática discursiva hegemônica, cujo diálogo é uma constante. Nesse sentido

é salutar destacar Fairclough (2016, p. 122) quando afirma que: “As ideologias

embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se tornam naturalizadas e

atingem o status ‘de senso comum’”.

Outro aspecto que merece destaque é a contradição posta nos discursos de haver

diálogo nas salas de aula mas não fora delas. Diálogo, como dito, é relação/mediação

entre pessoas e o mundo, de tal sorte que, a conclusão da aula jamais poderia encerrar o

diálogo. Finalmente, “Enquanto relação democrática, o diálogo é a possibilidade de que

disponho de, abrir-me ao pensar dos outros, não fenecer no isolamento” (FREIRE,

2014, p. 166). Desse modo, determinados textos apresentados chamam a atenção pelo

caráter não dialógico que deixam transparecer em relação a LEDOC.

A prática discursiva a partir do paradigma educativo da Educação do Campo

ganhou corpus fazendo o discurso contra hegemônico na esfera macro política e macro

econômica, ambas marcadas quase sempre pelo autoritarismo e antidiálogo. Nesse

sentido, o diálogo caracteriza-se como um princípio fundamentalmente importante a

essa prática educativa, mas só é construído na prática social e educativa, não é um dado

objetivo inerente a Educação do Campo nem a qualquer outra perspectiva educativa,

mas antes, é uma construção social, coletiva e dialeticamente instituída.

Na sequência analisamos o discurso de Celina Guimarães:

Em alguns pontos sim, por parte de alguns professores eu vejo que

tem um diálogo aberto entre a realidade de alguns alunos da LEDOC,

mais em outras partes não, vejo que tem alguns professores que são

fora da realidade que não compreendem o processo educativo dos

alunos que estão inseridos no grupo. Assim.. depende do professor

(ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018).

Celina inicia com, “em alguns pontos sim” e continua com “por parte de alguns

professores eu vejo que tem um diálogo aberto”. É possível marcar os textos produzidos

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por Celina tanto como metadiscurso, como quanto pressuposição, ou seja, proposições

construídas pelo produtor do texto como já estabelecidas, assim, em “em alguns pontos

sim” pressupõe-se que em outros pontos não, do mesmo modo em “por parte de alguns

professores”, implícito está que por parte de outros não. Em seguida na frase “mais em

outras partes não” observa-se o caráter negativo da frase. Conforme Fairclough (2016,

p. 163), “as frases negativas carregam tipos especiais de pressuposição que também

funcionam intertextualmente incorporando outros textos somente para contestá-los ou

rejeitá-los”. Nesse aspecto as orações pressuposições destacadas anteriormente ilustram

bem essa perspectiva.

Na sequência Celina diz, “vejo que tem alguns professores que são fora da

realidade”. Em, “fora da realidade” a estudante está se referindo a realidade dos

estudantes, afirmando na sequência que os professores “não compreendem o processo

educativo dos alunos que estão inseridos no grupo”. Em outras palavras é um texto

carregada do sentido de reivindicação por mudança, nesse caso, por mais

contextualização das aulas a partir das suas realidades.

Nas últimas palavras da oração a estudante afirma algo que já se tornou marca

dos diversos tipos de discurso, ou seja, “Depende do professor”. Nesses termos,

percebe-se práticas dialógicas individualizadas, com ocorrência em um ou outro

professor/a, mas enquanto estrutura de conjunto, enquanto Curso, os textos produzidos

por Celina, apontam para uma limitação dessa prática. Outro ponto notório a ser

destacado é o alinhamento da prática dialógica ao conhecimento da realidade, os

produtores dos textos, com frequência fazem essa alusão. De fato, esse é mesmo um

caráter importante, pois os conhecimentos emanam de uma determinada realidade, de

tal sorte que, para haver comunicação, que é o fundamento do diálogo na Educação do

Campo, deve haver conhecimento da matriz epistemológica dos envolvidos no processo

comunicativo.

Na sequência, analisando os discursos de Elizabeth Teixeira:

De uma certa forma sim, mas um pouco restrito, como já falei

anteriormente, alguns professores tem diálogo além da sala de aula,

perguntam sobre a comunidade da gente e tentam contextualizar, mas

não todos, e isso é muito importante para nós que moramos nas

comunidades rurais porque a gente se sente mais privilegiado e de

uma certa forma a gente tem até mais... Assim, tem mais saber pra

poder falar na sala de aula, isso ajuda a unir o conhecimento popular

com o conhecimento da universidade (ENTREVISTA COM

ELIZABETE TEIXEIRA, 2018).

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Observa-se a utilização de metadiscurso de forma proeminente, vejamos a

sequência de tentativas de não enfrentamento direto ao poder. Inicia com “De uma certa

forma sim”, prossegue com “mas um pouco restrito” e “como já falei anteriormente”

(ainda não havia falado) e conclui com “alguns professores tem diálogo”. É uma

sequência de manobras evasivas extraordinárias. Se faz necessário entender esse texto

não somente do ponto de vista do metadiscurso, como já dito, o discurso é socialmente

construído, isso implica dizer que a constituição dos sujeitos, as relações sociais e as

estruturas as quais estão inseridos são importantes para compreender a linguagem e a

própria constituição dos sujeitos.

Uma observação já se faz necessário, há em todos os textos um cuidado, uma

seleção de palavras que objetivam não “ferir” a universidade e/ou o Curso, estruturas

hegemônicas postas que garantem aos discursos uma aproximação cuidadosa. Nesse

sentido, o conceito de hegemonia parece ser fundamental para entender esses textos

evasivos. “Hegemonia é liderança tanto quanto dominação nos domínios econômicos,

políticos, culturais e ideológicos de uma sociedade” (FAIRCLOUGH, 2016, p. 127).

Desse modo, todas as manobras das quais as estudantes se utilizam são ferramentas

discursivas engendradas no seio de contextos complexos, cuja realidade impeliu tais

estratégias. Isso não implica porém em dizer que não há resistência mudança em

processo. O próprio uso dessa linguagem já denota uma estratégia. Freire; Shor (p.

2011, 44): falando das estratégias linguísticas dos alunos:

Eles são muito espertos para se esconder do professor, para dizer o

que o professor quer ouvir, para confundir o professor com afirmações

defensivas e respostas que soam como se fossem as próprias palavras

do professor. Essa linguagem defensiva não permite que os

professores descubram o que os estudantes realmente sabem e podem

fazer.

Desse modo, ainda em Elizabeth observamos a afirmação: (os professores)

“perguntam sobre a comunidade da gente e tentam contextualizar, mas não todos”.

Depois de se utilizar abundantemente do metadiscurso ela finaliza com mais um

exemplo “mas não todos”. Esse texto é produzido de forma destacada, ela se esforçar

para marcar essa oração. É um enfrentamento mais direto à estrutura do curso.

Elizabeth, apresenta um texto marcado por interdiscursividade, isto é, segundo

Orlandi (2005, p. 59), “o interdiscurso é o conjunto de dizeres já ditos e esquecidos que

determinam o que dizemos, sustentando a possibilidade mesma de dizer”. Assim, a

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composição de um texto a partir de outros discursos em, “isso é muito importante para

nós que moramos nas comunidades rurais”, ela fala não somente enquanto individuo,

nesse momento ela se utiliza do, “nós” para falar enquanto uma categoria histórica,

nesse caso, os/as camponeses/as.

Com isso, prossegue Elizabeth com a interdiscursividade, “porque a gente se

sente mais privilegiado e de uma certa forma a gente tem até mais... Assim, tem mais

saber pra poder falar na sala de aula”. Quando afirma “a gente se sente mais

privilegiado” quando o professor dialoga e “a gente tem até mais... Assim, tem mais

saber pra poder falar”, são textos extremamente relevantes para a compreensão da

necessidade do diálogo enquanto ação cultural que permeie a LEDOC. Importante

também para perceber que nesse aspectos, pode estar havendo prejuízos provocados por

ações não dialógicas. A posição dialógica é um passo necessário à construção de

relações democráticas.

O diálogo entre professores e professoras e alunos ou alunas não os

torna iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas. (...)

O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos

não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim

crescem um com o outro. (FREIRE, 2014, p. 162).

Nesses termos, uma posição dialógica não parte como doação de A para B. Daí

que nos preocupemos quando diversas vezes o diálogo na LEDOC é colocado como

“depende do professor”. Para que haja diálogo é preciso que envolva a estrutura como

um todo, não partes, ainda que estas sejam importantes, precisam de um corpus

democrático para se efetivar, afinal, é preciso concordar que não é possível construção

democrática sobre uma estrutura autoritária.

Ainda no segundo turno de Elizabeth falando dos professores que trabalham

dialogicamente afirma que “isso ajuda a unir o conhecimento popular com o

conhecimento da universidade”. Nessa oração ela se esforça para marcar a afirmação de

forma contundente. É uma oração explicativa, mas que carrega um sentido de

reinvindicação.

Observamos ainda, o discurso de João Pedro Teixeira (2018), vejamos:

Percebo sim, tanto na relação alunos-professores, como na relação de

alunos com outros alunos. Tem sempre aqueles que não respeitam

opiniões contrárias, mas no curso são minorias mínimas. Em relação

ao diálogo entre professores e alunos, é bem comum. Os professores e

professoras da LEDOC necessitam desse diálogo, tanto para

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construção do conhecimento, quanto para a formação social no

ambiente acadêmico e democrático que é a Universidade. Além disso,

esse diálogo proporciona uma ampla rede compartilhada de

conhecimentos de diversas especificidades, pela diversidade no curso.

Eu tive e tenho bastante oportunidade de dialogar com os docentes e

com os colegas de classe, tanto em aulas quanto fora do ambiente

acadêmico, que também faz parte da construção do conhecimento.

Sempre que possível (por questões pessoais), gosto de expor minhas

ideias e contribuir para as discussões que ocorrem (ENTREVISTA

COM JOÃO PEDRO TEIXEIRA).

O discurso inicia com uma afirmação “Percebo sim”, de modo que, também pela

entonação empreendida à fala, podemos entender como uma certeza. Apresenta um

ponto novo à questão, que consiste na inclusão dos “alunos com outros alunos”

enquanto relação dialógica. Isso denota uma compreensão expandida do conceito de

diálogo, pois ele busca ampliar a rede de interações entre os sujeitos que compõem o

curso, apontando acertadamente, de acordo com nossa compreensão, para outras

relações fundamentais para o diálogo entre educadores e educandos.

Além do exposto, João Pedro Teixeira coloca a relação entre professores e

alunos como uma condição para formação social e acadêmica de qualidade. Essa

relação dialoga com Tardif (2014, p. 151), ao afirmar que: “a prática educativa remete a

atividades guiadas e estruturadas por representações”. Isso implica que as concepções

de mundo são formativas e representativas de sentidos que mediam as relações de

ensino e aprendizagem.

Além disso, segundo o educando, “esse diálogo proporciona uma ampla rede

compartilhada de conhecimentos”. Esse é um ponto importante para se destacar pois,

converge de forma significativa com o paradigma de Educação do Campo, converge,

por isso mesmo com a possibilidade de construção de uma educação diferenciada a

partir dos diversos saberes como o educando mesmo coloca. Nesse sentido, Costa

(2012, p. 129), afirma que:

Pensar em Educação nas áreas de assentamento significa pensar em

um currículo que busque fortalecer práticas que respeitem o sujeito

que está se construindo; significa efetivar procedimentos de ensino em

que o aluno seja visto em seu processo e não no resultado que ele

possa gerar; significa desenvolver um currículo que direcione uma

ação voltada para a formação humana nas suas várias dimensões.

Os textos de Nísia, Dandara e Maria Bonita, seguem a mesma linha de João

Pedro, a primeira afirma que: “Sim. Além de ter a oportunidade de expor as nossas

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ideias, ainda há um incentivo por parte dos professores para que as mesmas sejam

expostas e discutidas diante dos colegas, culminando em uma relação

sociointeracionista” (ENTREVISTA COM NÍSIA FLORESTA, 2018); já Dandara

afirma que: “Sim, os professores da LEDOC têm esse olhar para uma educação

contextualizada, de modo que diante do assunto abordado o docente faz uma ligação

com a vivencia do alunado e com os seus conhecimentos prévios (ENTREVISTA COM

DANDARA, 2018), Maria Bonita por sua vez afirma que: “Sim. A relação de professor

e aluno é bem agradável” (ENTREVISTA COM MARIA BONITA, 2018.

A sequência de textos acenando para a presença de uma relação dialógica entre

professores e alunos é um contraponto que se observa e que garantem a pluralidade de

interpretação. As educandas apontam para uma educação contextualizada com:

“oportunidade de expor as nossas ideias” e com “ligação com a vivencia do alunado e

com os seus conhecimentos prévios” em relação ao trabalho docente. Do ponto de vista

da linguagem os textos apresentam defesa da assertiva quando inicial com “Sim”, sem

pausa ou dúvidas. Essa perspectiva é importante para a LEDOC, a concepção de diálogo

deve buscar a todos, mesmo quando não alcança deve ser um esforço.

Feito esta análise do segundo turno das entrevistadas, passamos agora a analisar

a terceira questão: Você tem oportunidade de falar e expor suas ideias no Curso? Tanto

nas aulas como fora delas?

c) Discurso/Participação na LEDOC

No terceiro turno iniciamos com Margarida Alves “Durante as aulas sim, agora,

fora das aulas já é um pouco mais complicado, porque os professores... (ééé..) e os

alunos também, não buscam uns aos outros” (ENTREVISTA COM MARGARIDA

ALVEZ, 2018). Note-se que há uma tentativa de justificação da primeira parte da

oração, em que elabora uma crítica a partir de: “fora das aulas já é um pouco mais

complicado”. Vejamos que ainda assim há presença metadiscurso e tentativa de

amortizar a crítica em “Durante as aulas sim, agora [agora representa uma conjunção

coordenativa adversativo, com sentido de porém])” e conclui com “e os alunos também,

não buscam uns aos outros”. Quando Margarida começa a direcionar a prática

discursiva a uma determinada agência, quase sempre busca se “retratar”, amenizar ou

dividir as responsabilidades pelo não diálogo.

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O diálogo não deve estar restrito à sala de aula, ele não se encerra com o término

da aula, pelo contrário, a aula é somente um aspecto dentre tantos outros. Deve se

materializar enquanto um fenômeno que perpassa todas as dimensões educativas, em

momentos formais e informais por assim dizer, não tem hora pra ocorrência, é o próprio

continuum da ocorrência histórica em que a vida se desenha. Diálogo, é por isso mesmo,

a inscrição do homem no tempo e na história como pressuposto para os processos de

humanização.

Na sequência, podemos observamos Celina Guimarães: “Em algumas disciplinas

de determinados professores sim, mas nem sempre é assim em todos os professores”

(ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018). Observa-se como se esforça

para garantir o anonimato com o uso dos pronomes indeterminados “algumas” e

“determinados”. Complementa a oração com, “mas nem sempre é assim em todos os

professores”. A colocação do diálogo como algo a depender do professor volta a

aparecer. Essa condição é um determinante distante da concepção de diálogo que

fecunda a Educação do Campo, ou seja, se o diálogo depende de um determinado

sujeito, por isso mesmo já está comprometido enquanto prática cultural.

Essa relação caracteriza-se pela verticalidade de A com B, nesses termos, não se

constrói uma educação problematizadora, pois determina ao outro, ou ao momento, o

poder dialogar. Ainda não é uma relação horizontal na qual os processo de criação tende

a ocorrer. Há doação, não promoção de oportunidade de construção coletiva de saberes

a partir dos diferentes formas desse saber. Daí que a relação dialógica implica

humildade, tanto de “doutores” como dos sujeitos do campo, sob pena de uma relação

infértil que já não constrói o novo, o “inédito viável”. Nesse mesmo sentido, Zila

Mamede (2018) destaca que:

Olha... É, no início do Curso até teve, era uma forma muito prazerosa

que a gente trazia muitas ideias do campo pra universidade, só que eu

to percebendo que ao decorrer do tempo isso tá se evadindo, não tá

acontecendo mais tanto. É tipo uma espécie de pincelada onde alguns

professores ainda trabalham metodologicamente em sala com esse

contexto, mais outros não. De forma geral o Curso tem perdido

totalmente. E assim, uma coisa que se fala tanto da educação bancária

que é executada em sala de aula nas escolas e eu estou vendo que o

curso está indo pra o mesmo sentido (ENTREVISTA COM ZILA

MAMEDE, 2018).

O discurso de que, no início, o curso se comportava de determinada forma,

tendencialmente mais próxima à realidade dos alunos e agora mais distante, leva-nos a

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uma reflexão de que, mesmo os espaços de construção de educação popular, precisam,

depois da conquista, permanecer fincado e alinhado aos interesses e demandas dos

sujeitos partícipes. De certa forma, esse tem sido um dos desafios às políticas públicas

conquistas a partir da luta de camadas populares, a garantia é um passo importante, mas

a permanência se caracteriza como fundamentalmente importante para o sucesso e

promoção efetiva de cidadania e autonomia ao sujeitos do processo.

Como nos lembra e alerta Mészáros (2008, p. 45): “As soluções educacionais

formais, mesmo algumas das maiores, e mesmo quando são sacramentadas pela lei,

podem ser completamente invertidas, desde que a lógica do capital permaneça intacta

como quadro de referências”.

Daí que tenhamos chamado a atenção desde o início desse trabalho quanto a

necessidade da Educação do Campo Popular, ou seja, aquela educação do campo que

permanece contundentemente atrelada aos princípios da Educação Popular, usando para

tal, diversas estratégias, mas no nosso entendimento, sendo o diálogo entre os sujeitos,

epistemologia dos saberes dos povos do campo e a autonomia como objetivo final a ser

alcançado, categorias que convertem processos escolares em educação contextualizada.

Nesse sentido, Costa (2012, p. 133) afirma que:

A Educação do Campo não deve se distanciar da cultura do homem do

campo, deve preservar a sua identidade e os seus valores humanos e

sociais. A Educação dos trabalhadores do campo deve estar atenta à

particularidade dos sujeitos e seu tempo histórico, ajudando-os em um

processo de humanização e nas suas tarefas específicas

A prática educativa ensejada na Educação do Campo, sobretudo no Curso da

LEDOC está assentada numa linguagem de mundo muito explícita em relação a

necessidade de diálogo e participação, sendo a prática da dialogicidade uma das bases

necessárias para a concretização dessa proposta pedagógica. Porém, o que observamos

nesse discurso vai de encontro aos princípios fundantes da Educação do Campo.

Como sabemos, essa perspectiva educativa emergiu de uma virada

paradigmática contra a Educação Rural cuja inclinação é para o antidiálogo18, de tal

modo que não pode, sob hipótese alguma, a Educação do Campo inclinar-se um

centímetro sequer à práticas não dialógicas, sob pena de negligenciar sua tarefa histórica

e humanista de desvelar a realidade opressora aos sujeitos do campo. Desse modo, a

18 O antidiálogo que implica numa relação vertical de A com B, é o oposto de tudo isso. É desamoroso, é

acrítico e não gera criticidade, exatamente porque desamoroso. Não é humildade. É deseperançoso.

Arrogante. Auto-suficiente (FREIRE, 1987, p. 108)

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posição dialógica é um passo fundamentalmente necessário a construção de relações

democráticas.

Nesses termos podemos dizer que o diálogo nos processos de participação

apresenta-se enquanto condição ímpar de mudança social. Assim, quando o Curso não

fomenta espaços de participação coletiva, conforme afirma a educanda, perde-se a

dimensão da construção e das transformações sociais que sabemos ser urgentes. Perde

também o corpo docente e discente, tendo em vista que é o diálogo fator primordial para

o crescimento intelectual, ético e político enquanto fatores de humanização.

No entanto, é importante destacar que cada sujeito constrói uma concepção da

realidade a partir de suas próprias experiências e das estruturas de poder a qual estão

inseridas. Desse modo, vamos observar em Elizabeth Teixeira uma visão diferenciada.

Vejamos:

Sim, sem dúvida, na sala de aula, todos os professores, abre espaço

pra quem quiser falar, com relação a isso aí, não tenho o que

questionar não. Os alunos falam, eles geralmente falam.. A aula fica

muito proveitosa quando o professor realmente, de fato, fala das

vivências de cada um, de cada aluno, de cada assentamento

(ENTREVISTA COM ELIZABETH TEIXEIRA, 2018).

A aluna começa afirmando que: “Sim, sem dúvida”, esse aspecto analiticamente

não é opinativo, mas uma assertiva, em que a dúvida está descartada. “na sala de aula,

todos os professores abre espaço para quem quiser falar”. Interessante, porém perceber

que Elizabeth, no primeiro turno, classificou diálogo como “uma conversa”, isso nos

chama a atenção por variação de padrão das demais entrevistadas, mas não da sua

posição, ou seja, quando define diálogo como “conversa” torna-se lógico que

identifique o espaço em que se pode falar como um espaço dialógico. Porém, por todas

as explicações já mencionadas essa é uma colocação simplificada.

Outro aspecto importante diz respeito ao momento em que ela afirma que: “A

aula fica muito proveitosa quando o professor realmente, de fato, fala das vivências de

cada um, de cada aluno, de cada assentamento”. Nesse discurso podemos observar uma

singularidade, a aluna espera que o professor fale das vivências e dos lugares de

residência dos discentes como fator de mediação para uma aula proveitosa. Ora, quem

deve falar das experiências, vivências e lugares são os próprios sujeitos desses lugares e

experiências, o professor/a pode, a partir disso, conduzir e mediar processos de ensino.

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No entanto, essa é uma determinação que jamais pode ser terceirizada, é condição

imanente de cada um, não sendo objeto de “ensino”. Para finalizar, destaque-se a

ausência de referências significativas a questão dos espaços de participação para além

da sala de aula. Mesmo perguntada a aluna voltou a se referir a aula.

Finalmente, podemos concluir a categoria diálogo com algumas observações

pertinente, primeiramente destacar que a Análise Crítica do Discurso é uma ferramenta

para desvelar a realidade, por vezes escondida debaixo de ideologias dominantes e

exercício de poder das classes sociais. Outro ponto relevante diz respeito à prática

discursiva e social enquanto constituídas socialmente, portanto, haverá sempre um

conjunto de instituições e agências sociais “falando” em cada texto, tudo isso imbricado

na constituição da identidade do eu. E finalmente, destacamos o caráter dialético das

relações, não há unilateralidade de nenhum dos lados, há influência e resistência, de

ambos os lados.

Assim, foi possível evidenciar a complexidade do termo diálogo a partir das

falas expostas em consonânia com o referial analítico e teórico. Observamos a presença

de discursos tanto no sentido da ocorrência do diálogo no Curso como no sentido de

apontar sua ausência ou limitação. Essa divergência é um aspecto relativamente comum

em virtude da formação e concepção que cada sujeito faz da leitura da realdiade. De

todo modo se faz necessário considerar ambas as ocorrências, aquelas positivas

merecem fortalecimetno ao passo que as negativadas requerem atenção. Desse modo a

LEDOC pode construir processos educativas mais próximos a realidade dos

educandos/as, uma perspectiva que fortalecerá o campo popular e a Educação do

Campo Popular.

5.4. CATEGORIA EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO

Feito as considerações acerca da categoria diálogo, passamos agora à categoria

da epistemologia. Esse é outro conceito central na constituição do corpus teórico-prática

da Educação do Campo. Como essa é uma questão complexa, e não somente para

educandos/as da graduação, mas para todo o campo acadêmico, deixamos os sujeitos da

pesquisa a vontade para trabalhar com o conceito de conhecimento, que neste trabalho

tem equivalência.

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Nesse sentido, quando falamos de epistemologia estamos falando de

conhecimento, mas de que tipo de conhecimento? Segundo Oliveira (2016, p. 09) “não

se pode pensar em epistemologias neutras; ou seja, ao se optar por uma abordagem

epistemológica está-se optando por populações, por situações que se quer superar ou

que se quer valorizar”. Desse modo, como é sabido, nosso intuído consiste em fomentar

processos de conhecimentos dos sujeitos do campo forjado a partir das experiências de

trabalho enquanto epistemologia própria desses sujeitos, de sorte que, esse

conhecimento pode e deve ser usado nos processos de ensino e aprendizagem na

LEDOC como um meio para a construção de uma Educação do Campo Popular.

Conceitualmente, Japiassu (1975, p. 16) afirma que, de modo geral, a

epistemologia refere-se ao “estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização,

de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos

intelectuais”. Nesse sentindo, interessa-nos compreender, a partir da perspectiva

discente, como os saberes populares, ou do campo, são trabalhados na LEDOC.

Para tratar do conhecimento é sempre prudente que se organize minimamente

uma introdução a partir das bases fundamentais deste tema, porém, como já frisamos

algumas análises anteriormente, julgamos já termos superado a necessidade de uma

revisão deste ponto. Assim, a questão do conhecimento/epistemologia aqui é tratada

como uma construção histórica e socialmente, dinâmica, dialética e concebida a partir

de relações intersubjetivas entre sujeitos. Assim:

A pergunta central não é mais sobre a origem do conhecimento, mas

sobre suas condições históricas e sociais de desenvolvimento. O

problema epistemológico passa a ser a relação entre sujeitos mediados

pela realidade objetiva. Conhecer não se reduz a registrar ou aprender

algo dado, mas requer a comunicação interativa entre sujeitos em

torno da realidade (BRUTSCHER, 2005, p. 23).

Nesse sentido busca-se, a partir da perspectiva epistemológica do pensamento

freireano, ou seja, o conhecimento enquanto construção coletiva e colaborativa, refletir

sobre a posição e o entendimento das entrevistadas sobre epistemologia/conhecimento e

como esse conhecimento pode ser ferramenta para a construção de uma Educação do

Campo efetivamente democrática e popular.

Assim, do mesmo modo que desenvolvemos na categoria diálogo, anteriormente

apresentada, aqui também procederemos de forma semelhante, destacando os discursos

com a produção dos textos das estudantes seguida por uma análise discursiva. Vejamos,

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pois a seguir, as falas dos sujeitos quando perguntado/a: O que você entende por

epistemologia/conhecimento?

a) Conceito de epistemologia/conhecimento

Iniciamos essa análise com a educanda Zila, ela aponta que:

Olha... Eu vou falar de conhecimento no geral, o que eu entendo. Eu

acredito que o conhecimento de mundos e de vivências seria muito

interessante para incrementar esse curso. Coisas que a gente não tá

sendo, é.. Não tá tendo a oportunidade de trazer nossos conhecimentos

para a universidade, para a sala de aula, que eu acredito que isso seria

um coisa muito mais produtiva para o Curso (ENTREVISTA COM

ZILA MAMEDE, 2018)

Podemos observar em Zila Mamede, a partir de uma análise do texto, que ela

não se detém ao objeto perguntado. Compreendemos que essa estratégia pode ter

relação com o senso comum no qual o conceito de conhecimento encontra-se

mergulhado, ou seja, como se ele fosse autoexplicativo, um conceito banalizado, o qual

desmerece uma definição. Em “Olha…” tem uma pausa que indica que a educando tenta

formular uma reflexão, porém, logo rebaixa esse pensamento mais elaborado a outra

condição: “eu vou falar de conhecimento geral”. Aqui ainda parece haver esforço para

inserir o conhecimento dentro de uma teoria geral, por exemplo, mas finalmente ela

resume a concepção de conhecimento à categoria individual, “o que eu entendo…”.

Não é de nosso interesse enquadrar a educanda numa categoria de domínio ou

não do conceito destacado, ainda que isso também seja importante, frisamos a partir de

Fairclough (2016) que o discurso é moldado e restringido pela estrutura social, nesses

termos, podemos evidenciar um recuo quando tentava conceituar, preferindo depois,

falar a partir de suas próprias experiência e depois desviando da definição à

exemplificação. Por esse recuo podemos entender o receio de não “acertar” a linguagem

ao solicitado pelo pesquisador, que nesse aspecto representa a estrutura ideológica da

universidade.

Na sequência Margarida Alves afirma que “Existe o conhecimento teórico, que é

quando você só ler e busca e tem o conhecimento da prática que é a vivência de cada

um né?! A realidade. Eu tenho um pouco de cada, pois não domino os conhecimentos

como um todo” (ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018). Assim, ela

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começa afirmando que: “Existe o conhecimento teórico que é quando você só lê e tem o

conhecimento da prática que é a vivência de cada um, né!” A partir desse texto pode-se

verificar que a estudante, tal qual a anterior, não busca dizer propriamente o que entende

por epistemologia/conhecimento, mas busca fazer uma relação entre tipos diferentes de

conhecimentos.

Essa manobra também pode ser entendida como uma fuga de uma definição

mais contundente. Assim, ela apresenta o conhecimento teórico como sendo aquele

“quando você só lê” e o conhecimento prático ela expressa como aquele “que é a

vivência de cada um”. Finaliza com a expressão “né?” com sentido interrogativo, o que

indica busca de respaldo ou confirmação do pesquisador.

Do ponto de vista da linguagem, é importante lembrar que “As pessoas fazem

escolhas sobre o modelo e a estrutura de suas orações, que resultam em escolhas sobre o

significado (e a construção) de identidades sociais, relações sociais e conhecimento e

crença” (FAIRCLOUGH, 2016, p. 108). Nesse sentido, o poder da ideologia enquanto

base sobre a qual os discursos se engendram socialmente não pode ser descartada. Em

Marx e Engels (1986) – A ideologia alemã – essa relação está posta como falsa

consciência ou como algo que disfarça as contradições sociais.

Na sequência, ainda tratando do conhecimento, Margarida diz: “eu tenho um

pouco de cada”. Essa representa uma forma de demonstração de poder, uma vez que ter

o domínio tanto do conhecimento popular quando do conhecimento acadêmico é um

ponto positivo e compõe o discurso presente na LEDOC. Porém, logo em seguida, ela

recua a uma posição de justificativa “não domino os conhecimentos como um todo”.

Quando separa os conhecimentos em “teóricos” e “práticos” ela tende a

depositar sobre o conhecimento prático maior ênfase, certa sobreposição em relação ao

“teórico”, identificado como aquele que “só lê”. Como já vimos, os textos são

produzidos a partir de determinadas posições em que aspectos ideológicos são

determinantes. Nesse caso, por exemplo, Margarida, cuja vivência é marcada pelo

trabalho e convivência no campo, local de valorização do conhecimento prático

sobrepõe esse ao que ela chama “teórico”.

Uma perspectiva freireana, contudo, nos convida a pensar que todo

conhecimento é fruto de uma relação dialética entre teoria/prática, não havendo aí

nenhuma dicotomia, mas primordialmente comunicação. Segundo Freire (2011, p. 133):

A questão fundamental, nesse caso, está em que, faltando aos homens

uma compreensão crítica da totalidade em que estão, captando-a em

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pedaços nos quais não reconhecem a interação constituinte da mesma

totalidade, não podem conhece-la. E não podem porque, para conhece-

la, seria necessário partir do ponto inverso.

Assim, fica evidente que a concepção de conhecimento prático e conhecimento

teórico enquanto saberes dissociados é apenas uma ausência de compreensão integral da

realidade, decorrendo disso, a separatividade entre fenômenos que na verdade compõem

um todo orgânico. Desse modo, uma das atribuições da formação em Educação do

Campo consiste na reaproximação entre conhecimento do mundo do trabalho e

conhecimento acadêmico, essa dicotomia é uma superação urgente e necessária para a

construção da educação que compreendemos como aquele que melhor dialoga com as

camadas populares do campo. Na sequência, vejamos o primeiro turno de Celina sobre

conhecimento:

O que eu entendo por conhecimento é... que o meu conhecimento vai

ao seu e que o seu complementa o meu, mas não que sabe mais ou

menos que o outro. Tem várias vias de conhecimento e o diálogo é

que poderia formular essas duas coisas (ENTREVISTA COM

CELINA GUIMARÃES, 2018).

Podemos observar que ela inicia em, “O que eu entendo por conhecimento, é...”

Uma análise desse texto mostra utilização da repetição da pergunta (O que você entende

por conhecimento?) mais a pausa após o verbo de definição, têm como objetivo

formular, ganhar tempo, ou mesmo dá corpus a sua resposta. Na sequência, Celina

afirma em, “é que o meu conhecimento vai ao seu e que o seu complementa o meu”, é

uma oração relativamente complexa em que a entrevistada se afasta da sua linguagem e

busca se aproximar de linguagem acadêmica. Pode-se entender também “meu

conhecimento” como representante do conhecimento popular ao passo que “o seu

(conhecimento)” representa o científico, em alusão ao pesquisador.

Celina complementa a ideia com, “mas não que sabe mais ou menos que o

outro.” Nessa seção a estudante apresenta uma compreensão que alinha-se ao

pensamento de Freire (2011, p. 68), quando afirma que: “Não há saber mais, nem saber

menos, há saberes diferentes”. Pensar a partir desta perspectiva implica simbiose entre

os conhecimentos tradicionais e o conhecimento científico. Nesse mesmo sentido,

Ghedin (2012, p. 21) afirma que:

Essa possibilidade só poderá existir se essas populações puderem ter

acesso a ciência e a tecnologia, sempre negadas aos pobres e aos

excluídos da sociedade brasileira. Nesse caso a universidade,

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especialmente as públicas, cumprem um papel de extrema relevância

no pagamento desta dívida histórica com a cultura do campo.

Desse modo, percebe-se que o acesso aos bens culturais construídos a partir dos

conhecimentos acadêmicos são fundamentais ao processo de autonomia das populações

do campo. Ademais, é de fundamental importância que os sujeitos tenham domínio

desse discurso. É uma mudança social, representada a partir da linguagem

significativamente importante para a compreensão da realidade e das transformações

que têm emergido.

Finalmente Celina retoma o diálogo, apresentado na primeira categoria para

afirmar que: “tem várias vias de conhecimento e o diálogo é que poderia formular essas

duas coisas”. A compreensão da comunicabilidade entre conhecimentos representa uma

perspectiva avançado e muito importante para compreender a Educação do Campo

enquanto perspectiva educativa democrática. Quando a educanda apresenta essa

formulação observa-se um ganho crítico e qualitativo no sentido de uma formação

emancipadora enquanto professora. É também uma comprovação de que os discursos

moldam as pessoas ao mesmo tempo que estas moldas os discursos, as relações e as

instituições, uma relação dialética.

Podemos observar na sequência no discurso de Maria Bonita que: “Bem, o

conhecimento é o ato de aprender com a experiência. A epistemologia é também um

conhecimento a partir da teoria e da prática” (ENTREVISTA COM MARIA BONITA,

2018). Podemos destacar a introdução autônoma e direcionada ao conceito, a expressão

“Bem”, impõe uma tonalidade forte e chama a atenção para o início, uma indicação de

poder discursivo e imposição do seu texto. Segundo Fairclough (2016, p. 78) tratando

do poder em Foucault “o poder é implícito nas práticas sociais cotidianas, que são

distribuídas universalmente em cada nível de todos os domínios da vida social e são

constantemente empregadas”. Ou seja, o poder circula entre instituições e indivíduos a

partir da variação de posições. Desse modo, quando percebe que domina o conceito ela

exerce o poder em: “Bem, o conhecimento é...” como quem vai ensinar...

Compactuando com o exposto acima, Paro (2014, p. 48) afirma que: “o poder

existe e é exercido tanto por parte do educador quanto do educando, e se dá tanto como

‘capacidade de agir sobre as coisas’ quanto como ‘capacidade de determinar o

comportamento de outros’”. Essa compreensão é salutar a partir do momento em que

observamos a tomada de turno da educanda assumindo o poder discursivo da narrativa.

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Após empreender poder ao discurso, prossegue a definição “o conhecimento é

ato de aprender com a experiência”. Nesse aspecto, assim como abordado

anteriormente, observa-se uma compreensão profundamente rica em sentidos e lugares

enquanto espaços de produção e difusão do conhecimento. O conhecimento a partir das

experiências é a própria base epistemológica da Educação do Campo, é talvez o

fundamento mais importante e mais sutil a ser buscado junto a essa modalidade de

educação.

Na Educação do Campo quando se fala em experiências, há uma forte ligação ao

mundo do trabalho, ou seja, o trabalho se constitui enquanto uma rica fonte geradora de

saberes, uma vez que essa dimensão da vida social está intimamente ligada às demais

esferas da vida do sujeito. “Essas capacidades são resultado do seu desenvolvimento

cognitivo, que é decorrente da apropriação de conhecimentos elaborados da realidade,

fazendo que crie técnicas incorporando e aperfeiçoando o trabalho” (BORGES; SILVA,

2012, p. 220).

A última oração também é marcada pela assertiva contundente de Maria Bonita,

vejamos: “A epistemologia é também um conhecimento a partir da teoria e da prática”.

Observa-se que ela reitera aquilo que já havia dito, porém agora trabalha a partir do

conceito de epistemologia, algo que ainda não havia aparecido nos discursos

apresentados pelas educandas. Ela situa a epistemologia enquanto “um conhecimento a

partir da teoria e da prática”. Esse conceito de epistemologia, que engloba o saber e o

conhecimento, o primeiro mais ligado a objetividade e o segundo enquanto

subjetividade, está na base do pensamento de Oliveira (2016) e compõe um modelo

epistêmico inclusivo e dialeticamente organizado.

Nesse sentido podemos afirmar que a educanda apresenta uma notória

compreensão acerca de um dos conceitos mais importantes à Educação do Campo.

Desse modo, percebe-se também que a formação na LEDOC, em que pesa análises

ainda incipientes, tem contribuído significativamente para que as/os sujeitos dominem

não somente conceitos complexos, mas sobretudo que esses sujeitos se utilizaram dessa

aquisição enquanto instrumento de intervenção mudança social a partir de suas

localidades.

Passamos agora a análise de Elizabeth, quando perguntado o que entende por

epistemologia/conhecimento afirma que:

Conhecimento pra mim é... é... Se dá de várias formas, não só o

conhecimento científico, mas também o conhecimento popular que

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nós levamos das nossas comunidades, sem dúvida é de suma

importância. Por exemplo, o conhecimento aqui do assentamento

sobre... acerca das plantas nativas, acerco do manejo, toda a

importância, é o conhecimento da nossa vivência, que é muito

importante. Esse conhecimento [o popular] não é levado em

consideração, mas isso é porque a maioria das pessoas da

universidade, não valoriza as pessoas do campo... e eu acho que é

porque, por falta de diálogo dos professores com as pessoas do campo

e a universidade acaba perdendo com isso, mas quem perde mais é o

homem do campo (ENTREVISTA COM ELIZABETH TEIXEIRA,

2018).

Inicialmente ela afirma que, “Conhecimento pra mim é... é...”. Segundo

Fairclough (2016) as reticências, a demora ou repetição indicam explicitamente uma

modalidade “subjetiva” indicando aspectos variados, tais como dúvida, receio, medo

entre outras. Observe que ela acaba por não dizer o que é conhecimento, continua com,

“Se dá de várias formas”, observe-se que já não é uma base conceitual, mais uma

característica do conceito. E continua a externar aspectos em detrimento do conceito,

“não só o conhecimento científico, mas também o conhecimento popular”.

Em seguida, continua na mesma oração, (o conhecimento popular) “que nós

levamos das nossas comunidades, sem dúvida é de suma importância”. Nesse texto há

um fragmente que merece ser comentado, observe que “sem dúvida” representaria uma

modalidade categórica (FAIRCLOUGH, 2016), ou seja, uma assertiva, porém a

sequência prossegue com “é”, que forma “sem dúvida é”. O uso dessa modalidade

categórica, ou objetiva, frequentemente implica uma forma de poder. Ou seja, ela sai do

conceito, e busca as característica, pois é nesse ponto que ela tem maior domínio.

Buscando formular sua ideia Elizabeth prossegue com um exemplo: “Por

exemplo, o conhecimento aqui do assentamento sobre... acerca das plantas nativas [...] é

o conhecimento da nossa vivência, que é muito importante”. A busca por um exemplo

representa uma necessidade de fazer sua explicação ser compreendida, mas também

implica que ela sente-se confortável para “assumir” uma explicação.

Quando diz que: “Esse conhecimento [o popular] não é levado em

consideração”, a estudante mostra-se objetiva em sua ideia. Em seguida ela apresenta

uma explicação para o fato (de o conhecimento popular não ser levado em conta) “mas

isso é porque a maioria das pessoas da universidade, não valoriza as pessoas do

campo...”, e continua a explicar “e eu acho que é porque, por falta de diálogo dos

professores com as pessoas do campo”. Segundo Fairclough (2016), “os processos

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constitutivos do discurso devem ser visto, portanto, em termos de uma dialética, na qual

o impacto da prática discursiva depende de como ela interage com a realidade pré-

constituída”.

Desse modo, é possível perceber neste momento da fala que as palavras saem

com força e com ar de revolta, quase um desabafo, tanto que terminar em: “e a

universidade acaba perdendo com isso, mas quem perde mais é o homem do campo”.

Ou seja, ela reconhece que nessa perspectiva ninguém leva vantagem, os dois perdem

“mas quem perde mais é o homem do campo”. Nesse mesmo sentido Freire (2011, p.

86) ajuda-nos a compreender que essa relação entre conhecimentos não pode andar de

forma separada:

Daí que a função gnosiológica não possa ficar reduzida à simples

relação de sujeito cognoscente com o objeto cognoscível. Sem a

relação comunicativa entre sujeitos cognoscentes em torno do objeto

cognoscível desapareceria o ato cognoscitível. A relação gnosiológica,

por isso mesmo, não encontra seu termo no objeto conhecido. Pela

intersubjetividade, se estabelece a comunicação entre os sujeitos a

propósito do objeto.

Podemos observar Freire volta a destacar a necessidade do conhecimento

enquanto forma comunicativa entre sujeitos e o mundo. O texto produzido por João

Pedro vai nesse mesmo sentido, ele afirma que:

Conhecimento é a capacidade humana de aprender e compreender

determinada coisa. Torna-se “conhecimento” quando consegue a

compreensão das coisas, determinada de diversas formas. Essas

formas diferentes são os principais pontos para que se possa alcançar

ao conhecimento, como o contexto, a experiência vivida ou observada

e produção ou reprodução aperfeiçoada de determinada coisa

(ENTREVISTA COM JOÃO PEDRO TEIXEIRA, 2018).

O educando situa o conhecimento enquanto “capacidade humana de aprender”,

ainda destaca o conhecimento como movimento, como processo ao afirmar que “Torna-

se ‘conhecimento’”. Esse texto, cuja coesão apresenta-se bem articulada, caracteriza

pela profundida dos conceitos e do entendimento que o educando tem acerca do

conhecimento. Entendemos que o domínio desses e de outros conceitos é de

fundamental importância para que o sujeito possa situar-se dentro do processo

educativo, podendo a partir daí intervir e contribuir nesse processo.

Passamos agora a análise do segundo turno dos textos produzidos pelas

entrevistadas. Nessa seção indagamos aos educandos entrevistados a seguinte questão:

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Você considera que os conhecimentos do seu contexto, da sua realidade, são

trabalhados em sala de aula?

b) Uso dos conhecimentos da realidade na LEDOC

Para continuar nossas análises, continuamos com João Pedro Teixeira, que

afirma o seguinte:

Muitas vezes são, porém de forma mais geral. Porque assim... Os

conhecimentos específicos de cada contexto podem variar de acordo

com as experiências que determinado contexto exerça ou desenvolva.

Essa realidade é de grande importância, pois, a partir dela, pode-se

compreender a forma de organização, planejamento e de

desenvolvimento de cada contexto. Quando analisada de forma geral,

os contextos podem se identificar em alguns momentos, porém

expressos de diversas maneiras diferentes, levando em consideração

as especificidades estudadas e presentes (ENTREVISTA COM JOÃO

PEDRO TEIXEIRA, 2018).

Como sói, iniciamos com o ponto de vista da Análise do Discurso. Observa-se

que em: “Muitas vezes são”, apresenta-se como uma afirmativa incerta, isso logo se

confirma na sequência: “porém de forma mais geral”. Destaque que a nossa

compreensão da língua é de uma prática social coletiva, não individual, portanto,

discursos dessa natureza podem representar uma coletividade e não somente um

indivíduo. Ao continuar ele apresenta aspectos desenvolvidos e bem articulados do

discurso, o que em certa medida indica familiaridade com o tema em questão.

Do ponto de vista da análise do objeto de pesquisa, observa-se uma reflexão

pertinente quando o educando afirma que os conhecimentos são trabalhados, “porém de

forma mais geral”. Uma compreensão que tem nos acompanhado sobre esse ponto, diz

respeito ao fato de a realidade ser tomado de forma romantizada quando não

estereotipada. Ou seja, o professor/a do Curso, pressupõe que conhece a realidade dos

educandos, a partir do imaginário do cenário campesino tece um trabalho pedagógico

que nem sempre condiz com a realidade dos alunos que, quase sempre é muito mais

complexa do que aquela pensada pelo/a docente.

Trabalhar a realidade dos educandos, a chamada educação contextualizada,

requer um esforço significativo por parte dos professores e professaras dos cursos de

graduação e mais ainda dos Cursos de Educação do Campo. É incongruente com a

perspectiva desse paradigma educativo, pensar uma realidade sem o efetivo

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conhecimento da mesma, e para conhecer a realidade dos sujeitos só há uma forma

plausível e confiável, verificar in loco essa realidade. Essa ainda nos parece a melhor

forma para começar a trabalhar aquilo que a Educação do Campo chama de realidade

dos sujeitos do campo.

Na sequência, a fala de João Pedro confirma o que acabamos de problematizar,

ele afirma que: “Os conhecimentos específicos de cada contexto podem variar de acordo

com as experiências que determinado contexto exerça”. Ou seja, cada realidade é única

a um determinado contexto e as variáveis que esse contexto exerce em cada sujeito a

partir das múltiplas experiências de via. A complexidade que se desenha, ressalta aquilo

que já apontamos, qual seja: não existe uma realidade padrão aos sujeitos do campo.

A partir disso, o próprio João Pedro também chama a atenção ao aspecto da

realidade: “Essa realidade é de grande importância”. Percebe-se que o educando

imprime sempre muita ênfase aos contextos enquanto fatores de desenvolvimento

epistêmico. Como ele disse no início, os conhecimentos são trabalhamos de forma geral,

ao que indica a análise, o estudante, reconhecendo a importância dessa perspectiva,

anseia por uma maior abordagem das especificidades de cada contexto em sala de aula.

Comungado com esse pensar, Freire (2011, p. 136) afirma que: “é importante

reenfatizar que o tema gerador não se encontra nos homens isolados da realidade, nem

tampouco na realidade separada dos homens”.

A partir dessa produção inicial destacamos a seguir, o discurso de Margarida

Alves, ela afirma que: “É mais restrito na sala de aula, saindo da sala de aula a gente ver

uma deficiência nesse ponto aí. As vezes sim, as vezes não, isso vai muito do professor

e da disciplina, tem disciplina que é possível, mais os professores não buscam”

(ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES (2018).

Nesse discurso evidenciamos o contorno à negação, para isso usa: “É mais

restrito na sala de aula” e depois: “saindo da sala de aula a gente ver uma deficiência

nesse ponto aí”. A linguagem empreendida é objetiva e busca avançar rapidamente, o

interesse consiste em marcar que a sala de aula não basta, precisa ocorrer de forma

integral no curso como um todo em relação com as comunidades do educandos. Assim,

tem interesse em adiantar para o fato da ausência dos professores nas comunidades. A

educanda demonstra domínio do cenário como um todo, compreendendo não somente a

inclusão dos processos informais na sala de aula, mas o conjunto da Universidade em

diálogo direto com as comunidades rurais.

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Em outra parte do texto, Margarida afirma: “As vezes sim, isso vai muito do

professor e da disciplina”. É notório observar uma linguagem carregada de significações

e já presenciada anteriormente em que a relação de contextualizar o conteúdo “vai

muito do professor” é a mesma relação que aparecia no diálogo referente a “depende do

professor”. Na Educação do Campo o conhecimento é pensado a partir de uma matriz

dialógica, de tal forma que, a comunicação entre diferentes formas de saberes

apresentam possibilidades de melhor tratar e mover-se em uma determinada realidade.

Essa relação apresentada pela educanda, dessoa da posição empreendida pela

perspectiva da Educação do Campo.

E finaliza ela, “tem disciplina que é possível, mais os professores não buscam”.

Nesse ponto Elizabeth assume uma crítica um tanto quanto mais direta sobre

perspectiva metodológica assumida pelos docentes. Quando pensamos na LEDOC, cuja

perspectiva é uma abordagem interdisciplinar essas questões parecem estranhas visto

que a narrativa não só da LEDOC/UFERSA, mas da Educação do Campo, é de

construção do conhecimento de forma coletiva e colaborativa, rompendo com o marco

histórico da educação tradicional e seccionada a partir de disciplinas que não

“conversam” nem com as próximas, nem com o meio social do qual advém seus alunos.

Já na fala de Celina Guimarães destacamos para análise:

Assim, de algumas formas sim, é... a gente ver que a realidade do

aluno é bastante trabalhada em sala de aula, mas de outras formas não,

eu acho que fica um aberto em sala de aula a vivência do aluno de

uma realidade que se encontra na faculdade. Assim... eu acho que

quando os professores vão trabalhar a realidade do aluno, nem sempre

ele tá trabalhando a verdadeira realidade do aluno, porque eles não

sabem que horário a gente se acorda, que caminhos a gente tem que

percorrer, quais as dificuldades que a gente enfrenta até chegar a

faculdade, no meu caso eu me acordo de 04h30min pego uma moto,

vou até a BR, da BR pego um ônibus, uma hora até Mossoró e as

vezes o professor não se depara com essa realidade e não entende

quando o aluno deixa a desejar em sala de aula, quando a gente não tá

com conhecimento, é... Quando você não tá com um bom

desenvolvimento na sala de aula é apenas questão de interesse ou será

que sua realidade não está contribuindo para aquilo? Imagine você

acordar de 04h chovendo como é que você faz pra chegar na BR?

Muitos não conhecem o lugar do próprio sujeito que ele vai trabalhar

(ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018).

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Inicialmente, Celina afirma que: “Assim, de algumas formas sim, é...” como já

dito, a marcação da oração com reticências e intervalos apontam para uma modalidade

subjetiva (verbo achar = sentido de opinar) (FAIRCLOUGH, 2016). A oração

demonstra insegurança. Daí que Celina siga com uma longa explicação, porém uma

parte nos parece fundamental, quando diz, “Assim... eu acho que quando os professores

vão trabalhar a realidade do aluno, nem sempre ele tá trabalhando a verdadeira realidade

do aluno”. Esse é um ponto ao qual já destacamos anteriormente, mas efetivamente vem

nos chamando à atenção enquanto pesquisador.

Em seguida Celina prossegue com um interessante detalhamento de sua rotina

que pode ser observado na fala, porém é importante perceber o texto como um

complexo de discursos e de múltiplas funcionalidades. Também é marcante sua fala

enquanto categoria, como por exemplo, “... quais as dificuldades que a gente enfrenta

até chegar a faculdade”. Ela fala enquanto sujeito histórico, “o sujeito pensante não

pode pensar sozinho” (FRIERE, 2011, p. 87), enquanto componente de uma

coletividade que expressa, por variadas formas, inclusive pelo discurso, sua realidade

social e o lugar que ocupa no mundo.

Após a explicação, que acaba por se tornar um relato rico em detalhamentos de

uma realidade existencial e concreta a qual alguns educandos estão inseridos,

destacamos a última parte do discurso em que Celina afirma que: “Muitos não

conhecem o lugar do próprio sujeito que ele vai trabalhar”. Essa é outra crítica direta a

partir da qual a educanda coloca-se com sonoridade surpresa, isso porque para ela, a

condição de conhecer os sujeitos envolvidos no processo educativo representa um

aspecto sem o qual o trabalho pedagógico não se materializa de forma emancipadora.

Nesse mesmo sentido acreditamos que para a Educação do Campo promover as

mudanças ensejadas tanto socialmente quanto individualmente, se faz necessário não

somente conhecer a realidade profunda dos sujeitos envolvidos no processo educativo,

mas usar essa realidade enquanto dimensão epistemológica, enquanto conteúdo. Afinal,

de nada adiantaria o conhecimento enquanto instrumento analítico estático e a realidade

enquanto entidade parada no tempo. Tudo isso, somente faz sentido dentro de um

paradigma educativo capaz de impulsionar esses instrumentos à condição de “material

didático” capaz de promover autonomia e projetar os sujeitos à participação

democrática.

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Apesar de parecer uma narrativa uníssona, o discurso de que na LEDOC não se

evidencia o trabalho pedagógico a partir da realidade dos discentes esbarra em Dandara,

uma vez que ela afirma que:

Sim, os professores da LEDOC sempre fazem nas suas aulas,

principalmente no início, um levantamento dos conhecimentos prévios

dos alunos para poder fazer uma ponte com o cientifico. Assim...

Sempre os docentes frisam que é de suma importância que os alunos

participem das aulas, e que eles possam trazem a vivencia deles e o

meio pelo qual se permeia, é pelo dialogo que podemos ter uma

aprendizagem significativa (ENTREVISTA COM DANDARA,

2018).

A análise a partir do texto de Dandara indica uma fala com apropriação, sem

muitos desníveis sonoros ou pausas significativas, o que indica uma espécie de defesa

do ponto de vista apresentado pela educanda. Podemos evidenciar ainda a presença de

interdiscurso, uma circulação de discurso, que inclina-se à representar uma coletividade

discursiva (GADET, 2005). Quer dizer, a educanda fala por si, mas certamente

pensando a partir da representação que carrega de outros, ou que seja ela mesma o

produto desse discurso coletivo.

Para além de análise linguística, o texto apresenta aspectos que merecem

destaque, pois apresenta umas perspectiva diferenciada sobre o uso dos conhecimentos

da realidade pelos docentes da LEDOC “sempre fazem nas suas aulas, principalmente

no início, um levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos”. A questão dos

conhecimentos prévios é um aspecto significativo para o trabalho com a realidade dos

educandos, sobretudo porque ele articula-se ao “tema gerador” que necessariamente

implica o conhecimento da realidade. Segundo Freire (2011, p. 14) “Essas palavras são

chamadas geradoras porque, através da combinação de seus elementos básicos,

propiciam a formação de outras”. É, pois uma forma de compreender a realidade em sua

integralidade, um fio condutor para a formulação do pensamento holístico.

Finalmente, destacamos o texto produzido por Elizabeth Teixeira, ela afirma

que: “São, como já falei anteriormente, vários professores dialogam sobre o

conhecimento das comunidades rurais, inclusive quando eles contextualizam a aula dele

com o nosso conhecimento a aula se torna mais proveitosa” (ENTREVISTA COM

ELIZABETH TEIXEIRA, 2018). Inicialmente ela afirma que, “São”, no sentido de

dizer sim, (que seus conhecimentos são trabalhados no Curso) e continua, “vários

professores dialogam sobre o conhecimento das comunidades rurais”. A expressão

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inicial “São” está marcada com especial destaque, implicando modalidade objetiva e

exercício de poder. A positividade da afirmativa marca um momento importante.

Na sequência, prossegue com uma oração explicativa “inclusive quando eles

contextualizam a aula dele com o nosso conhecimento, a aula se torna mais proveitosa”.

Apesar do início da frase apontar para uma certeza (São!) pode-se observar o advérbio

“quando” que denota ocasião temporal ou mesmo suposição, quer dizer, em, “quando

eles contextualizam” implica que há momentos em que “eles” não contextualizam.

Observamos uma limitação quando ao conceito de epistemologia e mesmo

tratando do termo conhecimento essa dificuldade se manteve. Numa análise geral, há

uma banalização do conceito de conhecimento, não somente nas entrevistas, mas isso

pode ser evidenciado na esfera social. É um conceito difuso e aparentemente simples

que foi abandonado pelo senso comum enquanto aspecto teórico a ser definido. Esse

entendimento de conhecimento enquanto um conceito pronto, está muito aquém do seu

real sentido, que continua vivo e em processo de mudança constante.

Outro ponto que merece destaque diz respeito a linguagem, constantemente as

entrevistas mostraram uma tentativa de adequação da linguagem mundo à linguagem

acadêmica. Amiúde intervínhamos com expressões do tipo “fique à vontade”, “fale

como sabe”. Entendemos que a busca por essa adequação deve ser entendida como um

aspecto dentro do poder hegemônico, entendemos também que romper com essa

perspectiva é processual, requer acúmulo e domínio de um capital cultural que alguns

educandos ainda não detém, por isso, mesmo num espaço de contra hegemonia é

preciso compreensão para o tempo dessas mudanças.

Concluindo a categoria da epistemologia/conhecimento na LEDOC/UFERSA,

podemos observar textos variados no sentido de refletir sobre como o Curso tem

trabalhado os conhecimentos que os alunos trazem a partir de suas realidades e

contextos de vida. Ainda de forma prematura, pois pretendemos fazer uma discussão

mais detalhada ao final do capitulo, adiantamos que, a partir das análises textuais

evidenciamos aspectos que indubitavelmente não dialogam com a narrativa da

Educação do Campo enquanto um paradigma emergente e contra hegemônico, cujo

cerne reside na dialogação entre as diferentes formas de conhecer. Por outro lado,

também evidenciamos um trabalho que merece ser reconhecido enquanto pioneirismo e

enquanto importância fundamental para promover desenvolvimento e justiça social aos

sujeitos do campo do semiárido potiguar.

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5.5. CATEGORIA AUTONOMIA

Passamos agora a categoria autonomia, essa que é uma das mais importantes ao

paradigma da Educação do Campo, isso porque a autonomia funciona como um

“termômetro”, uma avaliação quanto ao bom andamento do trabalho educativo e se ele

de fato cumpriu o seu objetivo. Nesse sentido, o nosso interesse gira em função de

evidenciar processos de mudança social a partir da LEDOC/UFERSA. Ou seja, em que

medida o Curso tem promovido autonomia aos educandos e qual a importância disso

para os sujeitos do semiárido hoje.

Desse modo, segundo Freire (1996) autonomia é um processo permanente de

construção do amadurecimento da posição do sujeito frente ao mundo, é a conquista do

mundo da cultura. Também é a compreensão da própria conscientização, ciente de que

tem o dever ético e político de desvelar as relações opressoras junto com aqueles que

ainda não tomaram consciência. Assim, Freire (1996, p. 121) destaca que a autonomia:

[...] enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser.

Não ocorre em data marcada. É nesse sentido que uma pedagogia da

autonomia tem de estar centradas em experiências estimuladoras da

decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas

da liberdade.

Visto por essa perspectiva é notório reconhecer que os espaços educativos são

geradores, fomentadores ou espaços de promoção, mas nunca de doação da autonomia,

visto que ela é processo, é conquista. A partir dessa citação, partimos para a análise dos

textos das entrevistadas. Começamos, como tem sido práxis, por perguntar acerca do

conceito: Para você, o que é autonomia?

a) Conceito de autonomia

Inicialmente destacamos o texto construído a partir da questão levantada, por

Margarida Alves afirma que autonomia: “é quando uma pessoa tem a capacidade de

chegar e sair sem vergonha, tenha a capacidade de ficar só. Eu me considero uma

pessoa autônoma, é assim!” (ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018).

Margarida assume o primeiro turno afirmando que autonomia, “é quando uma pessoa

tem a capacidade de chegar e sair sem vergonha”. Essa é uma definição curiosa, porém

muito salutar. Do ponto de vista da análise do discurso é uma oração categórica,

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marcado pelo verbo “é” com sentido de afirmação e demonstração de certeza. Pode-se

perceber também que a estudante não se afasta da sua linguagem mundo. Como a

palavra autonomia por vezes não compõe o vocabulário de determinados grupos sociais,

ela poderia se esforçar para uma linguagem acadêmica, porém foi categórica e fiel a sua

linguagem. Em, “chegar e sair” percebe-se que ela alinha a autonomia ao uso prático, ao

empoderamento das pessoas, como “chegar e sair” em um banco, em um fórum de

justiça, por exemplo, sem, contudo, deixar-se intimidar pelo aparato tecnológico e

simbólico que compõe esses ambientes.

Nessa perspectiva é que consideramos a linguagem uma prática. Não

no sentido de realizar atos mas porque pratica sentidos, ações

simbólicas que intervém no real. Pratica, enfim, a significação do

mundo. O sentido é história e o sujeito se faz (se significa) na

historicidade em que está inscrito (ORLANDI, 2005, p. 44).

Desse modo, a autonomia identifica-se como domínio social da linguagem e do

ethos das instituições. É a manifestação da prática discursiva enquanto prática social.

Segundo Fairclough (2016, p. 103), “‘Prática discursiva’ aqui não se opõe a ‘prática

social’: a primeira é uma forma particular da última. Em alguns casos, a prática social

pode ser inteiramente constituída pela prática discursiva, enquanto em outros pode

envolver uma mescla de práticas discursivas”. Destaque que a expressão “Sem

vergonha”, implica nesse caso o exercício do poder, sobretudo a partir de uma

perspectiva foucaultiana.

Depois ela afirma que, “Eu me considero uma pessoa autônoma, é assim!”. Essa

é uma oração marcante, pois ela se utiliza da própria condição para se colocar como

exemplo. Isso ocorre somente em ocasiões autênticas em que o sujeito realmente sinta-

se exemplarmente enquadrada no perfil. Nesse aspecto é salutar destacar Freire (1996,

p. 34) quando, falando de ensino, afirma a necessidade de corporificação das palavras

pelo exemplo, assim, aponta que: “Quem pensa certo está cansado de saber que as

palavras a que falta a corporeaidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar

certo é fazer certo”. Essa citação, aproxima-se ao texto de Margarida de forma coerente.

Na sequência temos o texto de Celina, cujo entendimento por autonomia é:

“Acho que autonomia ela parte de quando você pode ter sua própria opinião, ser

independente e não ser refém da opinião dos outros” (ENTREVISTA COM CELINA

GUIMARÃES, 2018). Observa-se já no início a presença de uma modalidade subjetiva,

“Acho”, que marca o caráter opinativo e atenua a acuidade da resposta. Logo em

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seguida aproxima a autonomia ao campo da linguagem, afirmando que ela se manifesta

quando o sujeito tem “sua própria opinião”.

Celina continua trabalhando no campo da linguagem para caracterizar

autonomia, isso pode ser evidenciado em, “ser independente e não ser refém da opinião

dos outros”. Quando se refere a “opinião dos outros”, Celina seguramente se refere a

outros tipos de discursos que constituem as práticas discursivas no campo social. As

instituições hegemônicas produzem uma linguagem ideológica e já naturalizada no meio

social que historicamente inferioriza camponeses e camponesas, nesse sentido, seu texto

marca uma posição contra hegemônica no campo linguístico além de uma forte

intertextualidade que marca seu discurso. Sobre essa quebra de poder, Paro (2014, p.

37) afirma que:

Assim, a perspectiva do poder como a capacidade de determinar o

comportamento de outros é uma dimensão necessária do poder que,

por seu próprio enunciado, se mostra explicitamente social. Mas a

perspectiva do poder como capacidade de agir ou como poder-fazer,

embora não traga a explicitação do social em seu enunciado, não deixa

de ser outra dimensão do mesmo poder, na medida em que esteja

impregnado ou submetido pelo social.

Entendemos que a insistência na autonomia enquanto capacidade de ter opinião

própria é uma dimensão significativa do processo de liberdade. Como dito, tem que ver

com a quebra do poder ideológico a partir das narrativas hegemônicas que, segundo a

educando evita a colonização do pensamento e do agir. Um processo de conquista da

autonomia cuja materialidade se dá por meio de: “não ser refém da opinião dos outros”.

Na sequência, Elizabeth afirma que:

Autonomia é você ter... é você ser autônomo, ou seja, é você ter

independência, você saber sair e entrar em qualquer lugar, você ter...

aquilo que a gente tava conversando, você chegar em qualquer espaço

e não se inibir de falar com determinada pessoa, não se achar inferior.

Ninguém nasce pronto né! É interessante que as pessoas valorizem e

de um certo modo, os assentamentos e os assentados têm ganhado

muito com isso, porque a partir das reuniões que as pessoas têm de ir

pra os sindicatos, que tem que ir pra os eventos, as pessoas abrem a

mente e ficam diferente. Começam a conviver com outras pessoas e

não se acham inferiores as outras pessoas. No começo as pessoas

acham que não sabem falar porque é com um professor, porque é com

o presidente do sindicato, com vereador, com prefeito e a partir dessas

reuniões os assentados têm ganhado muito com isso (ENTREVISTA

COM ELIZABETH TEIXEIRA, 2018).

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Inicialmente destacamos: “Autonomia é você ter... é você ser autônomo, ou

seja, é você ter independência”. Pode-se verificar certa dificuldade inicial no texto de

Elizabeth, mas ela acaba encontrando na palavra “independência” uma boa segurança

para continuar. Prossegue com “... você saber sair e entrar em qualquer lugar, você ter...

aquilo que a gente tava conversando, você chegar em qualquer espaço e não se inibir de

falar com determinada pessoa, não se achar inferior”. Tal como Margarida, Elizabeth

também coloca a autonomia no sentido da capacidade do falar-fazer, ou seja, no campo

da ação, do movimento e do processo. Essa perspectiva é relevante para a Educação do

Campo enquanto paradigma educativo, comprometido com a conscientização das

classes subalternas.

A capacidade de interagir com o mundo enquanto linguagem e enquanto

realidade complexa aparece como uma conquista, ou seja, para a educanda, cujo texto

também é marcado por intertextualidade, a capacidade de se comportar de forma

independente ou de se movimentar em espaços de poder, como agências bancárias ou

universidades, por exemplo, representa autonomia. Isso significa que a própria

organização social das instituições e suas funcionalidades e linguagens implica um

desafio à determinados grupos sociais, com destaque para os camponeses. Nesse sentido

a domesticação desse mundo e o domínio de suas linguagens pelos sujeitos é marca de

autonomia e “independência”.

Em seguida, Elizabeth afirma com ar interrogativo, “Ninguém nasce pronto né!”.

Aqui ela coloca a autonomia exatamente na mesma perspectiva que destacamos em

Freire (1996) anteriormente, ou seja, como processo. Depois explica detalhadamente

ações que marcam seu entendimento por autonomia e finaliza com: “No começo as

pessoas acham que não sabem falar porque é com um professor”. A fala em contexto de

exercício de poder é outra conquista destacada como marca do processo de autonomia.

Há uma caminhada que pode ser longa até o sujeito conseguir compreender que seus

conhecimentos compõem o arcabouço de saberes históricos produzidos pela

humanidade, de tal sorte que tem tanto valor quando outras formas de conhecer, desse

modo, dizer sua palavra consiste em reconhecer e se reconhecer enquanto sujeito

gnosiológico constituído e constituinte do mundo e da história.

Em um sentido muito próximo ao destacado anteriormente, Nísia Floresta define

autonomia como sendo: “É independência. No sentido educacional é saber que somos

seres capazes de formular nosso próprio pensamento de modo decisivo e singular, não

sendo necessário alguém tomar decisões que cabem unicamente a você”

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(ENTREVISTA COM NÍSIA FLORESTA, 2018). Podemos observar uma linguagem

coesa e direcionada, objetivando concluir o conceito de autonomia: “É independência”.

Em seguida busca se aproximar ao campo educativo: “No sentido educacional”. Mesmo

sentindo necessidade de aproximar o conceito de autonomia a um campo específico,

destacamos o caráter universal que esse fenômeno encerra, quer dizer, a conquista da

autonomia relaciona-se em todas as dimensões da vida dos sujeitos.

Assim, mesmo buscando direcionar o conceito ao campo educativo, quando

prossegue, ela perde tal direcionamento, isso porque como dito, a autonomia compõe

um fenômeno integral da vida, não havendo um aspecto e em outro não. “é saber que

somos seres capazes de formular nosso próprio pensamento”. Observa-se que essa

compreensão não está restrita ao “sentido educacional”, mas compõe a dimensão da

vida mesma.

Na última parte a educanda destaca outro aspecto referente à condição de

autonomia: “não sendo necessário alguém tomar decisões que cabem unicamente a

você”. Essa formulação, já escrutinada em outro discurso anterior, reaparece mas agora

com uma tonalidade no indivíduo e dialogando com um princípio hegeliana: “O

princípio da autonomia é, portanto: não escolher senão de modo que as máximas da

escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal”

(KANT, 1970, p. 64). Nesses termos, a condição de escolha e opinião consciente a

partir de suas próprias condições intelectuais, fora da alienação e da ideologia

dominante representa tanto em Hegel, quando na educanda em destaque, condição

ímpar à autonomia.

Outros textos que aproximam a autonomia à liberdade e a capacidade de livre

escolha e livre agir é João Pedro Teixeira ao dizer que:

Autonomia... Ao meu ver, é a liberdade de exercer os direitos e

deveres cidadãos que proporcionem o bem-estar das pessoas e que

com isso, possa contribuir significativamente para o crescimento

individual e coletivo, buscando compreender o que é ser independente

e poder governar-se, respeitando os espaços e contribuindo para o

desenvolvimento do próximo, em todos os sentidos (ENTREVISTA

COM JOÃO PEDRO TEIXEIRA, 2018).

A linguagem estabelecida pelo educando é marcada por palavras ricas em

sentidos, cuja narrativa por vezes parece que perderá o sentido, porém ele logo

reorganiza-as em cada momento, o que demostra domínio dos conceitos e compreensão

ampliada da realidade. O texto do educando vai muito ao encontro do que externa

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Ribeiro (2010, p. 24), quando afirma que: “a autonomia está vinculada ao trabalho, à

capacidade de autossustento e ao desenvolvimento local e regional”. Essa aproximação

ocorre, por exemplo, em: “é a liberdade de exercer os direitos e deveres cidadãos que

proporcionem o bem-estar das pessoas”. Podemos entender por bem-estar a condição de

vida e trabalho com dignidade a partir dos instrumentos do seu próprio meio.

Por fim, concluímos essa seção destacando que a compreensão dos educandos da

LEDOC acerca da concepção de autonomia compõe um rico arcabouço epistêmico em

sentidos e lugares que falam com apropriação e pertinência tomando como base suas

próprias experiências de vida. Nesses discursos, cuja narrativa se mostrou a mais

desenvolvida dentre as entrevistas, destacamos a Educação do Campo atuando de forma

decisiva tanto para críticas como para elogios, ou seja, mesmo quando educandos/as

fazem considerações negativas sobre a organização do Curso, percebemos aspectos que

somente são possíveis quando inserido dentro dessa estrutura. Assim a relevância da

LEDOC se materializa de diversas formas, inclusive para formular a crítica.

A partir dessa primeira análise, cujo assento foi a perspectiva conceitual,

iniciamos agora uma discussão sobre a LEDOC enquanto um espaço de autonomia.

Para tal, elaboramos o seguinte questionamento: Você considera o Curso da LEDOC

como um espaço de promoção da autonomia? A partir das discussões que sintetizamos

abaixo, podemos construir a seguinte categoria:

b) A LEDOC como espaço de promoção da autonomia

Nesse segundo turno, iniciamos a refletir sobre o texto produzidos por João

Pedro:

Sim. O Curso nos proporciona grandes oportunidades de reflexão,

construção e reconstrução do conhecimento. Eu acredito que possa ser

cumpridos os direitos e deveres cidadãos para que eles possam, dentro

do espaço individual, conseguir lidar com diversas situações e formar

opiniões e pensamentos que contribuam para o individual e para o

coletivo, de forma construtiva e sempre respeitando a liberdade alheia,

assim, o conhecimento podendo ser construído coletivamente com

suas diferenças e sua diversidade. (ENTREVISTA COM JOÃO

PEDRO TEIXEIRA, 2018).

Mais uma vez, João Pedro se mostra muito direto e consistente em sua fala. Isso

pode ser introduzido pela expressão “Sim” logo no início do texto. Em seguida João

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Pedro afirma que: “conseguir lidar com diversas situações e formar opiniões e

pensamentos que contribuam para o individual e para o coletivo”. Quando fala das

“diversas situações”, ele resgata uma parte daquilo já destacamos na parte conceitual

por outras educandas, ao apresentar autonomia como independência e como uma

ferramenta para os sujeitos se movimentarem e dominarem a linguagem das estruturas

sociais.

Os aspectos de respeito aos conhecimentos dos outros, da diversidade e da

construção coletiva do conhecimento encerram a colaboração de João Pedro. Porém

guardamos desse discurso uma leitura externada pelo educando significativamente

ampliada quanto ao papel da LEDOC enquanto um espaço de promoção da autonomia

que situa o sujeito no mundo e na história. Nas palavras de Freire (2005, p. 77): “Não

sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da história, da

cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar”

Continuando no segundo turno da autonomia, conversamos com Dandara, e ela

afirmou que:

Sim... Podemos ver a promoção da autonomia no curso da Ledoc

sendo mediada de várias formas, como as discussões sobre o

patriarcado, politica educacional e sobre a problematização da

realidade do aluno, as leituras e os diálogos promovem esse despertar

nos alunos, é de suma importância todas essas discussões mediadas

em sala de aula, pois a partir delas podemos ver e trazer para nossa

realidade, como uma luta diária para obter autonomia, haja visto que

não é algo que podemos ter com facilidade, ela é uma conquista e

empoderamento.

Após a afirmativa que “Sim” ela apresenta alguns exemplos de espaços e

momentos que podem ser destacamos como construção e promoção da autonomia na

LEDOC “como as discussões sobre o patriarcado, política educacional e sobre a

problematização da realidade do aluno, as leituras e os diálogos promovem esse

despertar nos alunos”. A educanda expõe temas que segundo ela são momentos

profícuos para o que ela chama “despertar dos alunos”, ou seja, momentos que

promovem discussões e convidam os discentes a refletirem sobre seu papel no mundo,

as relações de opressão que permeiam a sociedade dividida em classes, além de nuances

e contradições entre Estado e classes populares. A partir dessa reflexão, podemos

destacar que:

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Na medida em que os homens, simultaneamente refletindo sobre si e

sobre o mundo, vão aumentando o campo de sua percepção, vão

também dirigindo sua “mirada” a “percebidos” que, até então, ainda

não presentes ao que Husserl chama de “visões de fundo”, não se

destacavam, mas “não estavam postos por si” (FREIRE, 2011, p. 99).

Em outras palavras é o desvelamento do mundo atuando como fator de despertar

à realidade complexa a qual todos estamos imersos, esse despertar pode nos apresentar

maiores dificuldades para a movimentação, mas certamente a partir da autonomia e da

consciência dos processos que desenvolvem nessa realidade, a colocação de cada sujeito

passa a fazer sentido e a implicação do sujeito frente a essas determinações

indubitavelmente ganham novo sentido. Nesses termos, Dandara conclui seu discurso

sobre autonomia afirmando que: “ela é uma conquista e empoderamento”.

Quando perguntado a Margarida Alves ela apresenta um olhar individual: “Sim,

me ajudou bastante o curso, isso depende muito da pessoa querer... buscar”

(ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018). Inicialmente, Margarida, afirma

que “Sim” e continua em: “me ajudou bastante o curso”. A partir de uma análise da

prática discursiva e da prática social pode-se depreender, inclusive pelo uso da

objetividade, o que indica certeza, que ela percebe mudanças a partir de sua própria

realidade. Conclui sua breve, porém categórica assertiva com “isso depende muito da

pessoa querer... buscar”. Nesses termos sobressai um texto marcado pelo exemplo de si

própria, em “depende da pessoa”, fica evidente que ela se toma como exemplo. O que

indica que certamente tem empreendido grande esforço para permanecer atuante na

LEDOC e fazer desse Curso uma ferramenta para intervir no mundo.

De forma semelhando, Celina afirma que: “Nessa parte eu acredito que ele

deixa, ele deixa o aluno aberto a ter seu próprio pensamento a ter seu própria formação”

(ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018). Seguindo o texto, Celina afirma

que, “Nessa parte eu acredito que ele [o Curso] deixa”. Uma análise que considere a

concordância e clareza do texto teria dificuldades em classificar a fala, porém, como a

atribuição de significados leva sempre em consideração mais que aspectos gramaticais,

é possível perceber que “nessa parte” refere-se a autonomia; “ele” ao LEDOC e “deixa”

pode significar um sim. Vejamos que mesmo essa leitura nos permite uma reflexão

importante sobre a produção dos textos, Fairclough (2016, p. 118) afirma que:

Mas o modo particular em que é gerado uma leitura coerente de um

texto depende novamente da natureza dos princípios interpretativos a

que se recorre. Princípios interpretativos particulares associam-se de

maneira naturalizada a tipos de discursos particulares, e vale a pena

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investigar tais ligações devido à luz que jogam sobre as importantes

funções ideológicas da coerência na interpelação dos sujeitos.

Nesse sentido, o texto de coerência complexa indicar fatores diversos, como os

processos de ideologia e hegemonia na linguagem predominante no Curso. Celina

continua e afirma que: “ele deixa o aluno aberto a ter seu próprio pensamento a ter seu

própria formação”. Como já dito “ele” refere-se ao Curso, já em, “deixa o aluno aberto”,

Celina fala da liberdade de pensamento e de escolha.

A construção da autonomia na Educação do Campo é um dos pilares fundantes,

podemos observar formulações que, mesmo mostrando sua incipiência teórica, já

apontam para um esforço intelectual de grande valia, é uma abertura e um crescimento

que a formação humana requer como pressuposto ao desvelamento da realidade última.

Elizabeth Teixeira, ela afirma que: “Sim, de certa forma sim, muito embora que

num seja muito falado mais a gente pode perceber que eles valorizam a importância dos

movimentos sociais, das associações, das ONGs”. (ENTREVISTA COM ELIZABETH

TEIXEIRA, 2018). Elizabeth inicia em: “Sim”, mais uma vez evidencia-se a presença

de uma produção objetiva. Porém, logo em seguida ela afirma que, “de certa forma sim”

essa já é uma modalidade de baixa objetividade, indicativo de incerteza.

Na sequência ela continua, “muito embora que num seja muito falado mais a

gente pode perceber que eles valorizam a importância dos movimentos sociais, das

associações, das Ongs”. Ao que indica a estudante associa a promoção de autonomia à

valorização dos espaços coletivos, o que de alguma forma faz sentido uma vez que essa

tem sido uma marca desses coletivos, além disso, ao que indica a própria educando

participa desses espaços, tendo neles a referência de autonomia.

No mesmo sentido de reafirmar a LEDOC como espaço de promoção de

autonomia Nísia afirma que: “Sem dúvidas! Mesmo porque o curso tem o intuito de nos

preparar para o mercado de trabalho e, na época em que vivemos hoje, exige-se essa

autonomia por parte do profissional” (ENTREVISTA COM NÍSIA FLORESTA, 2018).

A educanda apresenta o tempo presente, um tempo competitivo e situa a autonomia

como um instrumento para lidar com essa realidade.

Concluímos essa seção entendendo que os processos de promoção da autonomia

são destacados pelos educandos de forma significativa. Pensando a partir desta ótica,

poderíamos dizer que o Curso tem desempenhado um papel reconhecido quanto a esse

aspecto. Isso é de grande relevância pois, como já mencionado, esse é o horizonte da

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Educação do Campo enquanto paradigma educacional e nesses termos perceber a

LEDOC alinhando-se a esse objetivo nacional é um destaque singular não somente para

os sujeitos do Curso, mas para a construção da Educação do Campo Popular.

A análise dos discursos apontaram que a LEDOC tem desempenhada papel

relevante no campo da promoção da autonomia, capacitando assim seus educandos para

o mundo do trabalho e para a interação social crítica e consciente, desenvolvendo assim,

habilidades para o exercício pleno da cidadania. Como sabemos, o mundo

contemporâneo, cada vez mais dinâmico e complexo requer sujeitos ativos que

compreendam a realidade a qual estão inseridos, o domínio dessa “tecnologia” é

requisito fundamental para a atuação e transformação social e individual.

Para finalizar esse momento vamos então analisar os textos produzidos no

terceiro turno da autonomia. Nessa seção elaboramos a seguinte questão: Você participa

de algum espaço coletivo, movimento social, ONG, sindicato etc.? (sim) (não) Já

participava antes de entrar no curso? (sim) (não) Em que medida você considera que sua

entrada na LEDOC teve a ver ingresso na nesses espaços?

c) Participação em organizações coletivas

O objetivo desta seção consiste em analisar em que medida o Curso incentivou

ou despertou os sujeitos a ingressarem em organizações de cunho coletivo e social,

compreendendo que a gestão de espaços não escolares também sinaliza um dos

objetivos da LEDOC/UFERSA. Nesse sentido, destacamos as vozes de cada sujeito,

iniciando por Nísia Floresta: “Tanto antes como depois de entrar na universidade,

sempre participei de espaços coletivos. Para mim, esse contato foi imprescindível para o

início da minha vida acadêmica” (ENTREVISTA COM NÍSIA FLORESTA, 2018).

Nesse momento, Nísia afirma que o movimento ocorreu dos coletivos à

Universidade, ou seja, a inserção nos movimentos sociais foi imperativo para que ela

ingressasse no Curso e uma vez inserida no Curso, continuou a atuar entre seus pares.

Essa relação é rica e fecunda ao desenvolvimento, construção e reconstrução de

conhecimentos, os movimento, carregado de sentidos e significados, a partir das

experiências dos sujeitos imiscuídos das lutas por seus direitos ou por uma melhor

condição social promovem o caráter educativo dos sujeitos. Em seguido ouvimos

Margarida, ela afirma que:

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Participo, eu participo do Sindicato dos trabalhadores rurais de Apodi

e da associação aqui do assentamento Tabuleiro Grande e participo

também de um grupo de teatro do Sítio do Góis. Antes do Curso eu

não participava de nada, por isso, sem dúvida meu ingresso nesses

espaços tem a ver com a minha entrada na LEDOC, primeiro porque

quando eu fui fazer o curso eu não sabia nem o que era o Curso,

depois que eu entrei no Curso eu percebi a realidade como é, a partir

da vivência com os professores, com os colegas que já participavam e

participam de movimentos sociais que eu fui perceber a importância e

quando me formar pretendo continuar, se deus quiser, estamos na luta.

(ENTREVISTA COM MARGARIDA ALVES, 2018).

Margarida inicia o terceiro turno afirma que “Participo”. Em seguida afirma que:

“Antes do Curso eu não participava de nada”. Depois afirma que, “por isso, sem dúvida

meu ingresso nesses espaços tem a ver com a minha entrada na LEDOC”. Nesse caso

ela associa seu inserção nos movimentos sociais diretamente associado ao ingresso no

Curso. Também explicita um processo de tomada de consciências em: “depois que eu

entrei no Curso eu percebi a realidade como é, a partir da vivência com os professores,

com os colegas que já participavam”.

Na sequência ouvimos João Pedro Teixeira que nos apresenta uma longa e

interessante resposta, afirma que:

A LEDOC me proporcionou discussões que despertaram mais ainda

meu censo critico, abrindo portas para a construção de novos

conhecimentos e aperfeiçoando os conhecimentos anteriormente

adquiridos. Assim, pude começar a perceber cada vez mais a

importância dos espaços coletivos, tanto para o desenvolvimento

pessoal como em sociedade, buscando melhorias e mudanças nas

formas de pensar e agir, e, principalmente de como agir em

determinadas situações. Proporcionou também conhecimentos

específicos e melhores sobre ideias que eu já possuía, sobre

organizações sociais e seu papel na sociedade em que está inserida, na

busca do cumprimento e respeito da cidadania e da diversidade.

Considero que, além disso, a convivência com uma grande

diversidade de pessoas, com a forma de pensar e com seus

conhecimentos, tanto dos alunos quanto dos professores, me fizeram

ter outra visão de como é importante tais espaços para a construção

social das comunidades e de toda a população. Que tudo tem o seu

“porque”, e que esse “porque” depende de diversos fatores, sendo

estes de suma importância (ENTREVISTA COM JOÃO PEDRO

TEIXEIRA, 2018)

Apesar de não direcionar sua resposta de forma direta, João Pedro nos deixa uma

contribuição significativa quanto a sua percepção sobre as organizações coletivas de

modo geral, apresentando o Curso como um espaço de formação crítica que lhe permitiu

uma compreensão mais larga da realidade, entendendo alguns porquês da existência de

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determinados movimentos. Além disso, afirma que na LEDOC teve a possibilidade de

uma expansão do conhecimento que já tinha. São questões que imprimem sentido ao

Curso e reafirmam sua importância enquanto lugar de formação crítica e

reposicionamento dos sujeitos frente ao mundo atual. Nesse trabalho de ouvir cada

sujeito, destacamos Celina Guimarães ao dizer que:

Já sim. A mudança sempre há, porque você vai conhecendo novos

hábitos, mais em relação a conhecimento de mundo a LEDOC, assim

de movimentos sociais, não me proporcionou muito não, porque eu já

tinha e eu continuei na bagagem. Espero concluir, me formar e voltar

pra comunidade, assim como foi a proposta inicial do Curso, que há

algum tem vem se perdendo, a proposta se perca, mas a minha opinião

não! (ENTREVISTA COM CELINA GUIMARÃES, 2018).

Em Celina podemos observar a partir do seu texto que ela já tinha inserção nos

em espaços coletivos antes da LEDOC. “Já sim”. De qualquer forma deposita uma

parcela ao Curso “A mudança sempre há porque você vai conhecendo novos hábitos”.

Porém, esse crédito encerra-se em, “mais em relação a conhecimento de mundo a

LEDOC... Assim, de movimentos sociais, não me proporcionou muito”. Depois disso,

apresenta um texto carregado de significados e marcas destacadas ao mesmo tempo que

conta seus planos “Espero concluir, me formar e voltar pra comunidade”. Apresenta na

sequência uma oração explicativa em, “assim como foi a proposta inicial do Curso, que

há algum tem vem se perdendo”. Aqui ela apresenta uma opinião, uma crítica a

estrutura do Curso que segundo ela tem tomado outra direção “tá se perdendo”. Termina

afirmando que: “a proposta se perca, mas a minha opinião não!”. É uma frase marcada

por resistência.

Na entrevista com Maria Bonita observamos que ela não tinha inserção nas

organizações coletivas antes do Curso, ela destaca que:

Sou presidente de Associação de Moradores da comunidade de

Alagoinha. Não participava antes. A entrada no Curso é positiva. O

Curso me fez entender que nossos espaços precisa de pessoas que

contribuam para a melhoria da nossa comunidade e entender que um

pouco faz toda a diferença. (ENTREVISTA COM MARIA BONITA,

2018).

Podemos observar mais uma vez a formação na LEDOC atuando de forma

destacada quanto ao processo de tomada de consciência e da necessidade de contribuir

com a coletividade. Destaque-se ainda que a inserção ou maior engajamento nos

espaços coletivos não é fruto de uma “formação”, o Curso não forma militantes, forma

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professores e professoras, porém, como sabemos, a educação quando crítica, quando

significativa, pode representar um instrumento para os sujeitos, de tal sorte que o

processo de organização dos moradores, das cooperativas é um aspecto da tomada de

consciência. Nesse sentido, Freire (1983, p. 12) explica que:

Conscientizar não significa, de nenhum modo, ideologizar, ou propor

palavras de ordem. Se a conscientização abre caminho à expressão das

insatisfações sociais é porque estas são componentes reais de uma

situação de opressão; se muitos dos trabalhadores recém-alfabetizados

adeririam ao movimento de organização dos sindicatos é porque eles

próprios perceberam um caminho legítimo para a defesa de seus

interesses e de seus companheiros de trabalho; finalmente, se a

conscientização das classes populares significa radicalização política é

simplesmente porque as classes populares são radicais, ainda mesmo

quando não o saibam.

Com essa reflexão, destacamos mais uma vez a LEDOC enquanto espaço

relevante para que as pessoas assumam novas posturas frente a sua realidade e as

transformações que ela enseja. É uma forma de assumir o protagonismo nas relações

sociais, é um caráter solidária que encontra na coletividade a resposta e a força para

enfrentar o determinismo e as carências materiais ou espirituais. Destacamos Zila

Mamede, ela afirma que:

Participo sim, eu participo das marisqueiras da minha comunidade e

de uma ONG também da minha comunidade. Já participava antes do

Curso, sempre participei, sempre gostei dos movimentos, sempre

gostei de participar desses movimentos e dessas ONGs sim. O Curso

em si pra mim seria uma forma de fortificar esses movimentos e de

meu conhecimento ser um pouco mais amplo ainda, só que, o que está

acontecendo no Curso hoje está deixando muito a desejar.

(ENTREVISTA COM ZILA MAMEDE, 2018).

Podemos observar que Zila Mamede aponta o curso como uma forma de

fortalecer as experiências que ela já tinha em relação aos movimentos sociais e

Organização Não Governamental da qual ela já participava. Apesar de apontar no final

que o Curso “está deixando muito a desejar”, podemos sublinhar que, de modo geral, os

educando visualizam o Curso como um instrumento de aprendizagem, conscientização e

organização coletiva.

Finalizamos esse momento evidenciando que em alguns casos o Curso foi

determinante para a inserção nos espaços coletivos, em outros casos não, e ainda

observamos o movimento contrário, ou seja, a inserção nos movimentos sociais é que

possibilitou o ingresso junto a LEDOC. A organização junto a espaços coletivos se

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converteu numa das saídas mais promissoras para que as pessoas do semiárido potiguar

superam situações de domínio e opressão. Os grupos de mulheres, as cooperativas,

associações e movimentos sociais têm empreendido um trabalho nessa região que tem

possibilitado a melhoria de vida de muitas pessoas. Nesse sentido, a capacidade de

participar e organizar esses espaços, compõe um dos aspectos da formação dos

educandos/as da LEDOC. Não implica dizer com isso que os sujeitos do Curso tenham

que participar de alguma organização social, porém existem fortes evidências de que

essa metodologia representa, hoje, um caminho significativo para a mudança social no

contexto local.

5.6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE DIÁLOGO,

EPISTEMOLOGIA/CONHECIMENTO E AUTONOMIA NA

LEDOC/UFERSA

Podemos sublinhar alguns aspectos importantes sobre as três categorias que

escolhemos para, a partir delas, analisar a LEDOC. Inicialmente, na categoria diálogo,

as entrevistadas apresentaram uma linguagem construída a partir da realidade dos

sujeitos com uma concepção bem avançada sobre o conceito e a importância dessa

categoria, de forma majoritária, apontou-se relações de pouco diálogo no curso, ou

como uma ação que “depende do professor”. Nesse ponto, observa-se que, de acordo

com o olhar discente, é preciso avançar na construção de relações mais aproximadas

àquelas defendidas pelo paradigma da Educação do Campo enquanto uma proposta

pedagógica inovadora, libertadora e que promove autonomia.

Outro ponto observado diz respeito ao diálogo enquanto restrito à sala de aula,

os discentes apontam ausência de outros espaços em que essa relação possa se

desenvolver, como assembleias e reuniões. Como sabemos, a sala de aula é o lugar de

exercício de poder dominado pelo professor/a, implícito ou explicitamente ele/a exerce

influências através do arcabouço prático, teórico, linguístico ou comportamental. Assim,

evidencia-se que é de grande relevância haver outros espaços em que as relações de

poder estejam mais equânimes, espaços em que os educandos/as possam se expressar

livremente, fora de vigilância e do poder docente.

As relações de poder e ideologia dominante estão presentes na sociedade e

marcam de forma bastante singular as instituições, por isso, a comunicação entre

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sujeitos interessados em fomentar relações capazes de romper com a hegemonia posta

deve compor o horizonte desses sujeitos. O paradigma da Educação do Campo, que

carrega a historicidade da Educação Popular surge para dar vozes aos sujeitos

silenciados ao longo da história, logo, a conquista de um curso de nível superior dentro

de uma universidade federal representa uma enorme possibilidade para materializar o

diálogo entre educando e educador e entre universidade e o meio social, de tal modo que

a possibilidade do diálogo deve ser incessantemente fomentado.

No tocante a epistemologia/conhecimento alguns aspectos também se destacam.

Os textos produzidos pelos educandos afirmam que há pouca utilização dos

conhecimentos das suas realidades para o trabalho acadêmico em sala de aula e também

para atividades outras dentro do Curso. Podemos observar no estudo dessa categoria um

sentido reivindicatório por parte dos discentes no sentido de chamar a atenção para esse

aspecto, de conhecer melhor suas realidades para a partir daí trabalhar e inserir no Curso

uma perspectiva mais contextualizada de educação.

O conhecimento de mundo, que na perspectiva da Educação Popular representa

pedra angular para os processos de construção do conhecimento apresentam-se de forma

secundário na visão das estudantes, sendo uma ação de um ou de outro

professor/disciplina. Desse modo, de acordo com os sujeitos da pesquisa, é necessário

que esse ponto seja retomado e fortalecido junto ao Curso.

Como sabemos a construção do conhecimento é um aspecto que considera não

somente a possibilidade de ensinar algo a alguém, mas é sempre a possibilidade de

avançar, de criar um novo conhecimento. Quando a Educação do Campo defende os

saberes dos povos do campo enquanto epistemologia não é somente um processo de

valorização daquele saber, mas é o reconhecimento de que a partir dele, podemos

construir um novo, ou modificar um já existente. Daí que a relevância de todas as

formas de saber, de todas as epistemologias, elas carregam em seu âmago a

possibilidade do novo, do inédito. Por isso mesmo, todo processo que envolve

superioridade de um conhecimento sobre o outro está fadado ao imobilismo, ao

estatismo, a improdutividade.

A terceira e última categoria é a autonomia, que, como dissemos, tem

importância ímpar nessa perspectiva, visto que funciona como medidor do cumprimento

dos objetivos almejados pela Educação do Campo, foi uma das mais positivas do ponto

de vista dos discentes, segundo as análises esse é o aspecto mais desenvolvido da

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LEDOC. Os texto apresentados em relação a autonomia apresentam também lacunas,

muito embora seja possível evidenciar pontos relevantes no tocante a esse tema.

O imobilismo a que os sujeitos do campo estiveram assujeitado teve/tem como

um dos seus principais sustentáculos a ideologia fundamentada na linguagem enquanto

instrumento de exercício de poder. Desse modo, capacitar pessoas, cuja história lhes

reservou poucas oportunidades de intervenção e modificação da realidade é uma tarefa

significativa. Os sujeitos inseridos na LEDOC/UFERSA, aos poucos, começam a

realizar sua tarefa ontológica da libertação, começam a desvelar a realidade e as

ideologias criadas pelas classes dominantes e naturalizadas a partir da reprodução no

meio das classes subalternas.

Nesses termos, percebe-se também uma tarefa fundamentalmente importante ao

Curso, qual seja: elevar o patamar de consciência dos sujeitos do campo, fortalecer sua

linguagem a partir do domínio dos padrões e normas diversas, e isso não porque sua

linguagem seja feia ou incorreta, como nos lembra Freire (2005), mas porque

dominando outras formas de linguagem detêm maiores possibilidades e instrumentos de

intervir e modificar o mundo. É nesta ceara que reside uma das principais características

da LEDOC, projetar sujeitos ao mundo, não mais como seres da adaptação, mas,

conhecedores da sua realidade, projetá-los como sujeitos de sua própria história,

construída a partir de suas próprias vivências e experiências de lutas e conquistas reais.

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6. CONSIDERAÇÕES FINIAS

O período de maior ganho em conhecimento e experiência

é o período mais difícil da vida de alguém.

Dalai Lama

Terminando essa empreitada que iniciamos no início do ano de 2016, ainda com

a alegria espontânea da aprovação no certame daquele ano, podemos dizer que

encaramos essa pesquisa de forma séria e comprometida tanto com os objetivos, como

com os sujeitos da pesquisa e ainda com nós mesmos enquanto pesquisador e professor.

Os acontecimentos que têm caracterizado nossa sociedade no campo político,

econômico e educacional, por vezes nos deixaram estarrecido, porém não nos tiraram do

foco da nossa tarefa de construir um conhecimento e uma colaboração – ainda que

incipiente – ao campo da Educação do Campo. Podemos dizer que a Educação do

Campo constitui um tema de pesquisa que envolve e motivo-nos a continuar.

Podemos dizer que a Educação do Campo constitui um tema de pesquisa que

envolve e motiva-nos a continuar. O trabalho de pesquisa caracteriza-se pela sua

permanência e pela continuidade que lhe é necessária. Assim, ao término deste trabalho,

outras possibilidades acabaram emergindo a partir das nossas reflexões sobre o tema.

Isso externa as dimensões desse campo de pesquisa que, mesmo com o avanço no

número de pesquisadores interessados podemos dizer que ainda é uma questão

marginalizada pela academia. Por isso mesmo, representa um aspecto central da

Educação Popular.

A Educação do Campo está imbuída do sentido de questionar as estruturas

injustas, de perguntar o porquê das coisas serem como estão sendo, e ainda, tem

proposto alternativas que apontam para processos de mudança social e melhoria na

qualidade da educação que chega às populações do campo, por isso mesmo, tem tocado

em um dos maiores tabus da educação brasileira, aquilo que Darcy Ribeiro repetiu

incessantemente, que o fracasso da educação no Brasil não é um acidente pedagógico,

nem metodológico, mas antes é um projeto. É pensada para manter-se tolerada por ser

inofensiva. Assim é que a Educação do Campo vem desmistificando essas relações e

desvelando modelos e engenhos arquitetados historicamente para manter o poder nas

mãos de uma só classe, a classe dominante.

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Desse modo, essa pesquisa está inserida no campo dos significados e

significantes, aqui não há absolutamente nada que não seja representativo. Cada

palavras, cada sigla, cada imagem, gráfico, fala ou figura compõe um processo

simbólico repleto de sentidos. Assim, essa relação de pensamento e escrita se desenha a

partir de sentimentos e horizontes que nos fazem continuar a caminhada. Outro lugar de

sustentação desse trabalho, está contido no desejo pela mudança social que nos faz o

primeiro dessa procissão. Essas fileiras, em que tantos já tombaram, lutando por terra,

trabalho, pão e água, nos acolheram e nos ensinaram que o amanhã não está dado, mas

está em aberto, o amanhã é possibilidade do novo, do melhor, do mais democrático, do

mais bonito, e bonito é saber que isso se constrói no hoje, no agora. Sobre essa

possibilidade histórica, Freire (2004, p. 48) afirma que: “Porque não há dúvida nenhuma

de que só tem um jeito pra gente fazer amanhã o que hoje a gente não pode fazer. Então,

fazendo o que agora posso fazer, eu me preparo para amanhã fazer o que hoje não me é

possível fazer”.

Assim, é com esse ânimo que oferecemos essa pesquisa em comemoração aos 20

anos da Educação do Campo, esse modelo educativo, que se converteu numa pedagogia

do campo, teve início nas lutas históricas dos movimentos sociais do campo. Ainda

durante a Ditadura Militar, sujeitos se organizaram para defender a democracia, que

passa necessariamente pela Reforma Agrária enquanto instrumento de solidificação da

justiça social. Com a redemocratização política do Brasil esses sujeitos se organizaram a

partir dos chamados “novos movimentos sociais” como nos expõe Maria da Glória

Gohn (2011).

Os massacres de Eldorado dos Carajás e Corumbiara dão a tonalidade dos anos

1990 em relação aos movimentos sociais do campo, porém, mesmo cercado pela

política recém reinaugurada do liberalismo, agora com sua cara neoliberal e pela

criminalização, os movimentos sociais arrancaram na marra uma das políticas de

educação do campo mais importantes desses 20 anos, o PRONERA. Esses 20 anos é

uma alusão exatamente a esse Programa que data de 1998.

Assim, quem quiser entender a história ou os conceitos da Educação do Campo

vai precisar necessariamente compreender o que significou esse processo de

organização e luta dos movimentos sociais. Mesmo que incomode, que gere olhares

tortuosos, que alguém desdém cochichando para a pessoa do lado ou que se levante do

auditório; dizer que a Educação do Campo é uma contribuição dos camponeses,

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daqueles homens, mulheres, jovens, velhos e crianças, por vezes esfarrapados, é uma

responsabilidade da qual nenhum daqueles que conhece a história deve se furtar.

Mesmo sendo colocado como símbolo da primeira grande conquista da

Educação do Campo, para compreender o PRONERA é preciso traduzir sua formatação

institucional em pessoas. Não é segredo que as populações do campo do Brasil tiveram

grandes dificuldades de acesso à educação básica, quando ao Ensino Superior esse se

mostrou tão distante quanto as léguas que isolavam os camponeses dos centros urbanos

onde esse ensino era ofertado. É pois, nesse plano que o PRONERA se materializa, ele

inaugurou o acesso de filhos e filhas de trabalhadores simples do campo tanto a uma

educação fundamental de melhor qualidade como o ingresso de jovens e adultos na

universidade.

Mesmo reconhecendo que ainda há muito a ser conquistado, tendo em vista os

altos índices de analfabetismo e evasão escolar no campo, o simbolismo do PRONERA

significa a crença de que as lutas sociais não são em vão, significa acreditar que as

estruturas sociais podem ser alteradas a partir da organização coletiva dos trabalhadores

e trabalhadoras. Significa ainda que dentro dessas mesmas estruturas sociais que

chamamos hegemônicas – porque de fato são – existem pessoas comprometidas e

dispostas a contribuírem com processos de democratização e acesso à educação em seus

mais variados níveis.

A partir disso, começamos a acompanhar o ingresso de estudantes de origem

camponesa nas universidade públicas federais. De início aqueles sujeitos causaram

estranhamento – sim, brasileiro estranha quem mais se parece consigo e admira quem

menos – e ainda hoje causam. Assim, esse ingresso implicou mudanças no seio da

universidade, sobretudo do ponto de vista metodológico. Aqueles/as sujeitos não

estavam dispostos às mesmas receitas de doação do conhecimento enquanto um favor

ao que “nada sabem”. Essa é a diferença fundamental, as pessoas que entram na

universidade através do processo de luta, da conquista de um determinado programa ou

curso, estão ali não somente para receber dócil e pacientemente os conhecimentos que

lhes são ofertados, mas para dizer seu próprio conhecimento, para melhorar o que já

sabem, passando a saber mais e melhor, ao mesmo tempo em que imprimem ao

conhecimento acadêmico a necessidade de aprender outros conhecimentos, para, a partir

daí, também saber mais e melhor.

É dentro dessa mesma perspectiva que insere-se o PROCAMPO, esse Programa,

que também está fortemente alinhado à formação dos sujeitos do campo, a partir dos

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cursos de licenciatura em Educação do Campo, representa a inserção de sujeitos do

campo junto a universidade a partir de uma perspectiva dialógica de saberes. Com 44

universidades ofertando cursos, a formação de professores e professoras para as escolas

do campo tendem a receber profissionais formados a partir de outra matriz

epistemológica. São pessoas que têm atuação pedagógica ou que residem no campo,

essa é uma forma de garantir que os professores e professoras das escolas das

comunidade sejam os próprios sujeitos desse lugar.

Com a expansão desses Cursos pelas universidade do Brasil, é necessário iniciar

processos de avaliação e acompanhamento dessas ações. Esse monitoramento é

importante pois, mesmo reconhecendo o caráter de luta dos sujeitos do campo, é preciso

reconhecer também o caráter de classe do Estado. Como nos apresenta Mészáros (2008,

p. 25):

Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos

sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados.

Consequentemente, uma formulação significativa da educação é

inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no

qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas

vitais e historicamente importantes funções de mudança.

Como sabemos, as grandes transformações na estrutura social do País ainda não

se concretizaram, de modo que nesse tempo, parece que se distanciaram ainda mais, por

isso mesmo, é necessário rastejar cada passo dado por esses cursos no sentido de

garantir sua permanência enquanto um espaço de promoção de educação crítica e acesso

aos bens culturais produzidos historicamente pela humanidade. O Estado, enquanto

instrumento da classe dominante estará sempre apto a “adequar” os espaços de

resistência, inclusive se utilizando para tal, a narrativa de que assim será melhor para

todos.

Essa é a análise externa da qual os movimentos de educação do campo não

podem se desvencilhar, por outro lado, uma leitura interna dos cursos de Educação do

Campo também merece atenção. Foi nesse sentido que tecemos nossas reflexões até

aqui, cujo objetivo foi realizar uma análise a partir das categorias diálogo,

epistemologia/conhecimento e autonomia na LEDOC/UFERSA enquanto possibilidade

para a construção daquilo que chamamos Educação do Campo Popular. As categorias

destacadas sintetizam princípios diverso dentro do paradigma da Educação Popular, que

nesse trabalho está compreendida enquanto Educação do Campo, por isso tomamos tais

categorias enquanto candeeiro que alumia nosso olhar sobre esse Curso.

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O nosso interesse portanto foi analisar as relações estabelecidas na LEDOC entre

os/as discentes enquanto sujeitos do campo e o próprio Curso enquanto estrutura da

universidade. Nessa relação buscamos pelo diálogo, pela epistemologia/conhecimento e

pela autonomia como princípios trabalhados no curso. Esse caminho que trilhamos é

semelhante ao horizonte da política nacional de Educação do Campo e dos objetivos da

Educação Popular, como ressalta Freire (2011a, p. 39):

Estamos convencidos de que qualquer esforço de educação popular,

esteja ou não associado a uma capacitação profissional, seja no campo

agrícola ou no industrial urbano, deve ter, pelas razões até agora

analisadas, um objetivo fundamental: através da problematização do

homem-mundo ou do homem em suas relações com o mundo e com

os homens, possibilitar que estes aprofundem sua tomada de

consciência da realidade na qual e com a qual estão.

A partir da citação de Freire, destacamos mais uma vez o papel desvelador

concernente à Educação do Campo. O novo sujeito do semiárido pretende romper com

amarras e narrativas fatalistas, ele/ela mesmo/a fará essa tarefa, sendo a Educação uma

ferramenta para tal. Desse modo, o papel atribuído à LEDOC/UFERSA, consiste em

garantir uma formação acadêmica e humanista, para, assim, projetar sujeitos conscientes

e aptos a realizarem as mudanças necessários.

Assim, pensando a partir da perspectiva dos resultados alcançados, duas coisas

aparecem com maior destaque: a primeira diz respeito a necessidade do fortalecer

relações de diálogo e maior trabalho pedagógico a partir da matriz epistemológica dos

conhecimentos da realidade dos educandos/as, assim como ampliação dos espaços de

participação para além da sala de aula. O segundo destaque é sobre o importância papel

que o Curso tem desempenhado enquanto lugar de promoção da autonomia, espaço de

convivência e conscientização que têm construído nos educandos/as novos olhares sobre

suas realidades. São resultados que apontam tanto desafios como avanços no tocante aos

processos de formação acadêmica e cidadã. Nesse cenário, pensar a Educação do

Campo no semiárido deve ser entendido em sua máxima complexidade, é por isso que

nosso trabalho não é sobre formação de professores para o campo, mas sobre formação

de gente para o campo.

Assentados na narrativa da seca, por exemplo, os poderosos dessa Região

gozaram de privilégios e poder perante o povo. Com a promessa de resolver essa

questão, se elegeram e reelegeram-se, depois elegeram seus filhos e filhas, agora

começa a estranhar o comportamento do povo que começa a tomar consciência,

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percebendo-se instrumento utilitário para arranjos de poder. A Educação do Campo,

nesse sentido, emerge contra essas artimanhas de enganar o povo, e enganar o povo, já

não é uma tarefa das mais simples.

É pois dentro deste cenário que está inserido a realidade dos alunos e alunas que

compõem a LEDOC/UFERSA. É também pensando em toda essa complexidade que

percebe-se a inexorável necessidade de que este espaço se converta cada vez mais em

lócus de conscientização e educação crítica transformadora. O modelo de

desenvolvimento rural conservador tem dado sinais, sobretudo no Oeste, que está mais

atuante do que nunca, de tal modo que é urgente convergir ações de resistência no

sentido de construir um modelo de campo que se oponha a perspectiva ruralista, esse

paradigma vem sendo paulatinamente construída em espaços diversos, por sujeitos

diversos.

Por fim, a LEDOC tem apontado como uma possibilidade de desenvolvimento

local para a região do semiárido, para populações cuja negação do acesso à escola foi

uma constante. Porém, para além da escolarização, é preciso pactuar que existe uma

possibilidade ainda maior, que reside exatamente na capacidade deste espaço ser, servir,

ser visto, vir a ser, um canal para a promoção de uma perspectiva educativa libertadora,

a qual chamamos Educação do Campo Popular.

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ANEXOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO POPULAR

Orientadora: Profa. Dra. Maria do Socorro Xavier Batista

Doutorando: Luiz Gomes da Silva Filho

QUESTIONÁRIO PERFIL DISCENTE

Este questionário tem como objetivo compor seção específica da tese de doutoramento do

pesquisador/professor Luiz Gomes da Silva Filho, junto ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal da Paraíba – Campus I – João Pessoa, cuja temática é: “Por

uma Educação do Campo Popular: uma análise a partir do Curso de Licenciatura

Interdisciplinar em Educação do Campo da UFERSA” Os dados obtidos serão utilizados

para montar o “Perfil discente”, contribuindo tanto com essa pesquisa como com outros

trabalhos futuros.

Conto com a colaboração de todas/os ao mesmo tempo em que agradeço antecipadamente!

1. Nome:_________________________________________________________________

2. Semestre Atual_______________________

3. Atualmente você mora na zona rural ( ); na zona urbana ( )

4. Município/assentamento/sítio:______________________________________________

______________________________________________________________________

5. Faixa de idade: Entre 18 e 25 ( ); Entre 25 e 30 ( ); Entre 30 e 35 ( ); Entre 35 e 40 ( );

Acima de 40 anos ( )

6. Quantas pessoas moram com você: Entre 01 e 03 ( ); Entre 03 e 05 ( ); Acima de 05 (

)

7. Renda familiar: Abaixo de 01 salário mínimo ( ); Entre 01 e 03 salários mínimos ( );

Entre 03 e 05 salários mínimos ( ); Acima de 05 salários mínimos ( )

8. Você é assistido (a) por algum programa assistência estudantil/bolsa? Qual?

_________________________________________________________

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9. Você participa de algum Movimento Social ou organização coletiva (sindicatos, grupos

de mulheres; ONGs, Associações etc)?

Qual?_________________________________________________________________

10. Sua relação com a docência na Educação Básica: Já atuei na Educação Básica ( );

Nunca atuei na Educação Básica ( ); Estou atuando na Educação Básica ( ).

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO POPULAR

ROTEIRO PARA ENTREVISTA

TEMA DA PESQUISA

POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO POPULAR: UMA ANÁLISE A PARTIR

DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA

Orientadora: Profa. Dra. Maria do Socorro Xavier Batista

Doutorando: Luiz Gomes da Silva Filho

Data: 08/01/2018

Local da Entrevista:

PARTE I: IDENTIFICAÇÃO DO(A) PARTICIPANTE

Nome

Sexo M ( ) F ( )

Idade

Município

onde mora

Período

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PARTE II: SOBRE DIÁLOGO, EPISTEMOLOGIA E AUTONOMIA NA

LEDOC

1. Para você, o que é diálogo?

2. Você percebe relação de diálogo entre professores e alunos na Ledoc? Você

tem oportunidade de falar e expor suas ideias?

3. Você se sente contemplada com os espaços de participação além da sala de

aula?

4. O que você entende por conhecimento/epistemologia?

5. Você considera que os conhecimentos do seu contexto, da sua realidade, são

trabalhados em sala de aula?

6. Você sente que seus conhecimentos são valorizados e utilizados no Curso da

LEDOC? (Tanto dentro da sala de aula como fora dela)

7. Para você o que é autonomia

8. Você considera o curso da Ledoc como um espaço de promoção da autonomia?

9. Você participa de algum espaço coletivo, movimento social, ONG, sindicato

etc.? (sim) (não) Já participava antes de entrar no curso? (sim) (não) Em que

medida você considera que sua entrada nos espaços coletivos teve a ver

ingresso na Ledoc?